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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE ARTES CEART LICENCIATURA EM MÚSICA JOSÉ CLAUDIO MEZZALIRA MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO: DOIS COMPOSITORES DE LAGES ESTUDO A PARTIR DE FONTES DO MUSEU THIAGO DE CASTRO FLORIANÓPOLIS 2014

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

CENTRO DE ARTES – CEART

LICENCIATURA EM MÚSICA

JOSÉ CLAUDIO MEZZALIRA

MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO: DOIS

COMPOSITORES DE LAGES – ESTUDO A PARTIR DE FONTES DO

MUSEU THIAGO DE CASTRO

FLORIANÓPOLIS

2014

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JOSÉ CLAUDIO MEZZALIRA

MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO: DOIS

COMPOSITORES DE LAGES – ESTUDO A PARTIR DE FONTES DO

MUSEU THIAGO DE CASTRO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Licenciatura

em Música do Centro de Artes, da

Universidade do Estado de Santa

Catarina, como requisito parcial para a

obtenção do grau de Licenciado em

Música.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Tadeu

Holler

FLORIANÓPOLIS

2014

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JOSÉ CLAUDIO MEZZALIRA

MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO: DOIS

COMPOSITORES DE LAGES – ESTUDO A PARTIR DE FONTES DO MUSEU

THIAGO DE CASTRO

Trabalho de Conclusão de Curso

FLORIANÓPOLIS

17/11/2014

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AGRADECIMENTOS

Esta conquista é dedicada ao meu pai, Alceu, e à minha mãe, Célia, os

quais têm-me dado todo o incentivo necessário, em todos os setores da minha

vida, e à minha irmã Joana e ao Lain, veterinários incansáveis. Cumprindo com

um dever de gratidão, agradeço ao Museu Thiago de Castro, na pessoa da Carla

Souza, pelo apoio nas pesquisas feitas e por todo o auxílio proporcionado nas

coletas de dados; ao Sr. Danilo Thiago de Castro, que embora eu tenha visto

raras vezes na vida, deixou o grande legado que é o museu, o qual desejo que

seja eterno; e às Sras. Alcione Regianini, Rosana Sabatini Fernandes, Terezinha

Besen Barbosa, e ao Sr. Maurício Souto Maior, que proporcionaram o resgate

de duas composições dos dois músicos abordados neste trabalho. Agradeço

também ao Prof. Marcos Tadeu Holler, pela orientação neste trabalho, e à

professora Alícia Cupani e ao mestrando Tiago Pereira, que compuseram a

banca.

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RESUMO

.

MEZZALIRA, José Claudio. Manoel José de Mello e Virgílio José Godinho: Dois Compositores de Lages – Estudo a Partir de Fontes do Museu Thiago de Castro. 2014. 99 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Música) - Universidade do Estado de Santa Catarina. Departamento de Música / Centro de Artes, Florianópolis, 2014. Manoel José de Mello e Virgílio José Godinho, músicos e compositores de Lages-SC, viveram entre fins do Século XIX e primeiras décadas do Século XX. O período é do surgimento da imprensa local e das primeiras bandas, vinculadas aos partidos políticos da época, em fins do Império; a transição para a República e o reajuste político; e as primeiras décadas do Século XX. No levantamento feito nesta pesquisa, foi feito um breve estudo da formação histórica e cultural de Lages, a partir da biliografia, com destaque para os fatos relacionados aos dois compositores nesta pesquisa, e o contexto social em que ambos os músicos estavam presentes. Sobre ambos os compositores, foi levantada uma biografia inicial a partir dos dados da bibliografia, e das fontes primárias (documentos do Museu Thiago de Castro). É também comentado sobre o material autoral deles, encontrado nos documentos do museu. A partir da pesquisa documental já em andamento, paralelamente, foi agregado a esta pesquisa o resgate de duas composições dos autores, a partir de entrevistas. Ao final do trabalho, está a transcrição das memórias autografas de Manoel José de Mello. Palavras-Chave: História da Música em Lages, Revolução Federalista, Manoel José de Mello, Virgílio José Godinho, Museu Thiago de Castro.

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ABSTRACT

MEZZALIRA, José Claudio. Manoel José de Mello and Virgílio José Godinho: Two Composers From Lages – Study on Sources from Thiago de Castro Museum. 2014. 99 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Música) - Universidade do Estado de Santa Catarina. Departamento de Música / Centro de Artes, Florianópolis, 2014. Manoel José de Mello and Virgílio José Godinho, musicians and composers from Lages-SC, lived between end of the XIX Century and the first decades of the XX Century. It’s the beginning period of the local press and the first bands, linked to the politician parties of the time, at the end of the Empire period; the transition to the Republic and the politician readjustment; and the first decades of the XX Century. On the survey made on this research, a brief study of the historic and cultural background of Lages was done, from the bibliography references, highlighting the facts related to both composers of this research, and the social context in which both musicians were present. About both composers, an inicial biography from bibliography data and primary sources (documents from Thiago de Castro Museum) was raised. It's also commented about their authoral material, also found in the museum's documents. From the documentary research aready underway, at the same time, the rescue of two songs from both composers, from interviews, was added to this research. At the end of this work, there’s the transcription of the autograph memories of Manoel José de Mello. Keywords: Music History from Lages, Federalist Revolution, Manoel José de Mello, Virgílio José Godinho, Thiago de Castro Museum.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Desenho de Lages, datado de 03/11/1866. ............................................... 20

Figura 2 - Carro alegórico da S.C. Cravo Preto. . ........................................................ 35

Figura 3 - Prédio do Colégio São José........................................................................ 37

Figura 4 – Madre Benvenuta. ..................................................................................... 38

Figura 5 – Orquestra de moças, 1902. ...................................................................... 39

Figura 6 - Foto do prédio do Centro Educacional Vidal Ramos. .................................. 40

Figura 7 - Obreiros da Luz Serrana, foto de 1905. ...................................................... 42

Figura 8 - Página do caderno que contém as memórias de Manoel José de Mello. .... 47

Figura 9 – Banda Lira Serrana. ................................................................................... 50

Figura 10 – Banda Harmonia Lageana. ...................................................................... 55

Figura 11 - Comunicado de Manoel José de Mello (Centenário da Independência) ... 56

Figura 12 - Alunos do Colégio fundado por Virgílio Godinho, foto de 1904. ............... 59

Figura 13 - Anúncio do dentista Virgílio José Godinho. ............................................... 60

Figura 14 – Nota sobre o Café Ideal, de Virgílio José Godinho. .................................. 61

Figura 15 - Anotação encontrada com uma folha do hino da Vai Ou Racha. .............. 62

Figura 16 - Parte da reportagem do festival promovido pela Vai Ou Racha. ............... 65

Figura 17 - Contradança Negrinha, composição de 1891. .......................................... 68

Figura 18 - Valsa Um Suspiro. ................................................................................... 69

Figura 19 - Valsa Recordações de Lages. .................................................................. 69

Figura 20 - Selo na capa do caderno de memórias de Manoel José de Mello. ........... 70

Figura 21 - Valsa Um Suspiro. .................................................................................... 70

Figura 22 - Valsa Recordações de Lages. ................................................................. 70

Figura 23 - Valsa O bem-tivi. ..................................................................................... 71

Figura 24 - Anotação presente no caderno. ................................................................ 72

Figura 25 - Poesia O bem-tivi, provavelmente a letra da valsa de mesmo nome. ....... 72

Figura 26 - Poesia O bem-tivi, provavelmente a letra da valsa de mesmo nome. ....... 73

Figura 27 - Assinatura de Manoel José de Mello em cópia da valsa Nocturna (Adolpho

Mello). ......................................................................................................... 73

Figura 28 - Cópia da marcha carnavalesca Vai ou Racha, com assinatura de João

Pedro Castello Leite. .................................................................................. 74

Figura 29 - “Ao companheiro e amigo Gualberto Filho, oferece o Virgílio”. ................ 75

Figura 30 - “Dedicada ao amigo Aristides Ramos”. .................................................... 76

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Figura 31 - Ivandina, polka-tango de Virgílio José Godinho. ...................................... 77

Figura 32 - Hymno do Club Democrata. ..................................................................... 78

Figura 33 - Transcrição da melodia do Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos. ............ 81

Figura 34 - Caro Pai Celeste, composição resgatada em entrevista. ......................... 82

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8

1.1 O MUSEU THIAGO DE CASTRO ....................................................................... 11

1.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 15

2 CONTEXTO HISTÓRICO: BREVE RESUMO HISTÓRICO DE LAGES ................ 17

2.1 FUNDAÇÃO DA VILA E PRIMEIROS TEMPOS ................................................ 17

2.2 O COMEÇO DO TEATRO E DA MÚSICA ......................................................... 20

2.3 OS PRIMEIROS JORNAIS ................................................................................ 23

2.4 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E SEUS REFLEXOS EM LAGES ............ 27

2.5 A REVOLUÇÃO FEDERALISTA E SUAS CONSEQUÊNCIAS EM LAGES ....... 28

2.6 UM POUCO SOBRE A INSTRUÇÃO E OS CLUBES RECREATIVOS .............. 33

2.6.1 Clubes Recreativos ......................................................................................... 33

2.6.2 Instrução em Lages ........................................................................................ 35

3 DOIS COMPOSITORES LAGEANOS .................................................................. 41

3.1 MANOEL JOSÉ DE MELLO ............................................................................... 42

3.1.1 Referências sobre Manoel José de Mello na bibliografia consultada ......... 43

3.1.2 Manoel José de Mello: o começo, e participação na Revolução Federalista

................................................................................................................................... 45

3.1.3 Traços de sua atuação musical entre 1921 e 1924, através do jornal O

Planalto ..................................................................................................................... 48

3.2 VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO ............................................................................... 56

4 COMPOSIÇÕES DE MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO . 67

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 83

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 84

ANEXOS ................................................................................................................... 86

APÊNDICE ................................................................................................................ 89

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1 INTRODUÇÃO

A cidade de Lages (a princípio, um povoado), fundada por ordens de

Portugal no período colonial a 22 de novembro de 1766, após sobreviver longo

período de sua história como ponto de parada para os tropeiros que levavam

animais do Rio Grande do Sul a Sorocaba-SP e com orçamento local modesto,

começou a ter desenvolvimento mais acentuado a partir do final do Século XIX.

As famílias que tinham representação política ou maior fonte de renda eram em

sua maioria fazendeiros e comerciantes, que compuseram oligarquias políticas,

e com isto ocorreu a formação de uma elite local.

A partir da década de 1880, começaram a surgir as primeiras bandas

musicais, além dos primeiros jornais, os quais eram veículos de informação de

interesse de uma elite letrada. É a partir deste cenário que há o aparecimento

dos dois compositores aqui pesquisados. Há três fatores associados aos

mesmos: 1) o instável começo da República e a passagem da Revolução

Federalista em Lages; 2) o surgimento dos clubes recreativos; 3) a instrução (o

ensino dos filhos da elite, e dos filhos das classes populares).

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a música em

Lages na primeira metade do Século XX. O intuito desta pesquisa inicial foi reunir

informações sobre a música na Lages de antigamente, cujo foco aqui foi

delimitado ao redor dos dois compositores abordados: Manoel José de Mello e

Virgílio José Godinho, e este trabalho traz um levantamento biográfico inicial dos

autores, inseridos no contexto da perspectiva histórica da cidade de Lages,

podendo ser expandido futuramente, contribuindo então com a historiografia

catarinense e brasileira. Foram levantados dados de suas participações não

somente no movimento artístico musical de Lages, mas também na sociedade

local, tendo-os como agentes ativos nos diversos contextos em que eles

atuaram. Manoel Mello e Virgílio Godinho, embora vindos de uma pequena

cidade interiorana à época (final do século XIX), tiveram origens diferentes, como

será visto no capítulo 3.

Pesquisando no Museu Thiago de Castro, encontrei dados da música feita

em Lages nas primeiras décadas do Século XX. A documentação utilizada na

pesquisa é composta de jornais e documentos referentes a clubes e sociedades

recreativas, como comunicados, convites de eventos, estatutos de clubes e de

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sociedades musicais, e os estudos deram-se sobre esses documentos. Foi

encontrado também grande volume de partituras escritas, as quais dão amostras

da música tocada e apreciada na época.

A música, assim como os dados encontrados na documentação do

museu, é importante mencionar, são de pessoas que eram ligadas à elite local,

e assim é com as partituras autografas e de copistas: as amostras da música da

época ainda existentes são de pessoas que tinham instrução em escrita musical.

Certamente, havia músicas transmitidas de tradição oral que caíram em

esquecimento e perderam-se com o tempo. Estudos sobre a música nas

camadas mais populares podem enfrentar o problema da escassez de relatos.

De forma similar, foram encontrados na documentação relatos de composições

de ambos os autores das quais não foram localizadas partituras escritas. “A

música é evanescente e até há pouco tempo, o repertório da música de arte

ocidental não abrangia mais do que uma ou duas gerações anteriores”

(KERMAN, 1985, p. 34).

A metodologia utilizada neste trabalho foi a análise documental. A

necessidade de analisar os materiais fora do local onde são guardados foi um

fator importante, e para tal, os dados a ser analisados foram fotografados, sendo

as fotos armazenadas em mídia digital (notebook, HD externo, backup em DVDs)

para possibilitar o estudo. O trabalho aqui desenvolvido ao redor dos dois

compositores vem de uma pesquisa, por enquanto, autônoma1. A pesquisa não

restringiu-se somente à coleta de material fotografado no museu e ao estudo das

fontes. Através de referências encontradas, descobri que um dos autores,

Manoel José de Mello, compôs a melodia do hino de um Grupo Escolar

1 O presente trabalho faz parte de uma pesquisa ainda em andamento que estou desenvolvendo, que é a investigação da música em Lages na primeira metade do Século XX. Embora eu esteja começando estas pesquisas mais a fundo agora em 2014, tive um começo em 2011 (meu primeiro ano de graduação). Nas férias de inverno, fui ao museu Thiago de Castro ter um primeiro contato com o acervo documental. Eu já cogitava trabalhar com pesquisa histórica no trabalho de conclusão de curso, e tive as primeiras experiências em manusear materiais primários, usando luvas e máscaras tanto para proteger a mim de bactérias que poderiam ter no material, quanto para proteger o acervo de interferências como suor e saliva. O acervo documental recebe processo de higienização, porém, por serem papéis bem antigos, passam pelos processos naturais de envelhecimento. Nas férias de verão de 2013 para 2014 e nas férias de inverno, retomei o trabalho de pesquisas no museu. Foram fotografados os conteúdos das pastas em que são guardadas as partituras, pastas de sociedades recreativas, e jornais. As fotos guardei em mídia digital, sendo em meu notebook, e em um HD externo. Deixei à disposição do museu as fotos que fiz nestas fases de coleta de dados, gravando-as em dvds.

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tradicional na cidade, ainda existente: o Grupo Escolar Vidal Ramos. Em adição,

através de uma conversa informal, eu soube da existência de uma composição

do Virgílio José Godinho que era cantada no Centro Espírita Allan Kardec, da

qual não encontrei partitura escrita. Esta parte da pesquisa deu-se então em

localizar pessoas ligadas ao Grupo Escolar e ao Centro Espírita que pudessem

fornecer informações sobre as composições. A partir de entrevistas, foi possível

o resgate de ambas as músicas, as quais estão transcritas no capítulo 4.

Sobre ambos os compositores, Manoel José de Mello e Virgílio José

Godinho, pouco se sabe a respeito. A maior parte do que há a respeito deles na

bibliografia está na obra de Costa (1982). Por que investigar dois compositores

obscuros de uma época já remota, em uma cidade interiorana, dos quais as

obras são praticamente desconhecidas? Entre as necessidades da pesquisa

histórica em musicologia, está a de investigar mais localidades, além das que já

recebem certa atenção em pesquisas, para maior levantamento de dados e

melhor entendimento da história, inclusive musical, a nível regional e nacional.

Segundo Lucas,

Não são de interesse musicológico apenas aquelas regiões de alta visibilidade histórico-documental. As chamadas regiões periféricas da sociedade colonial, praticamente ausentes da historiografia musical brasileira, a exemplo da região sulina, representam elos importantes na compreensão [das mudanças na cultura musical] (LUCAS, 1998, p. 73 apud BATISTA, 2009, p. 19)

O foco aqui é a música do começo do período republicano e não da

sociedade colonial, mas a colocação acima vem de encontro a pesquisar em

mais localidades. Segundo Castagna:

É importante, ainda, que a história da musicologia torne-se uma linha de pesquisa praticada em várias regiões do país, com a finalidade de se conhecer melhor o que produzimos, compreender as relações entre a musicologia brasileira e as tendências internacionais dessa ciência, e aplicar no presente as reflexões sobre a produção musicológica do passado. (CASTAGNA, 2008, p. 52)

Isto vai de encontro ao que Kerman fala sobre a relação da música do

passado com o presente.

Será, portanto, que os musicólogos se ocupam unicamente da música do passado - na verdade, da música de um passado um tanto distante? Certamente isso não decorre da nossa definição prática de musicologia como o estudo da história da música erudita ocidental. A história vem até o presente. Somente no sentido vulgar ‘história’ significa ‘passado’. (KERMAN, 1985, p. 39)

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Evidentemente, a música é parte de um contexto maior, e neste trabalho

são analisados traços de um determinado período na história lageana, trazendo

uma contribuição para a história local. Este trabalho é na área de

musicologia/etnomusicologia, e também é buscado um levantamento de dados

históricos e sociais, enfocando parte da formação histórica da cidade, não sendo

então um estudo final e definitivo, mas intermediário a interpretações e reflexões

em mais pesquisas (futuros estudos possíveis são os valores e simbolismos da

música na época em diversos contextos (político, militar, religioso, etc.); entender

a formação cultural da cidade; buscar, no passado, experiências culturais que

deram certo, para o agora; etc.). Neste trabalho então, o foco é o levantamento

de dados, cabendo as interpretações de dados e contextos a futuros trabalhos.

O trabalho está dividido em quatro capítulos: neste primeiro capítulo, é

feita a introdução, apresentando o que esta pesquisa pretende, como procedeu-

se esta investigação, qual a sua importância, é apresentada a estrutura do

trabalho, também é comentado sobre o acervo, e é apresentada a revisão de

bibliografia; no segundo capítulo, é apresentada a contextualização histórica de

Lages para um entendimento do cenário de Lages na época, necessária para

entender aspectos políticos e sociais em que os personagens estavam inseridos;

no terceiro capítulo, é feito um estudo dos dados encontrados na bibliografia e

nas fontes primárias no museu (jornais e outros documentos: convites,

comunicados, etc), afim de elaborar um esboço inicial de biografia dos dois

músicos; no quarto capítulo, são feitos comentários sobre o material

composicional dos dois compositores existente no museu, trago algumas

partituras dos autores como exemplos, e são apresentadas as duas

composições resgatadas em entrevistas, com comentários a respeito de cada

uma delas. Adicionalmente, nos anexos há referências de trabalhos acadêmicos

sobre a música em Lages, e uma nota sobre a banda São João do Deserto; e no

apêndice final do trabalho, está a transcrição das memórias autografas de

Manoel José de Mello.

1.1 O MUSEU THIAGO DE CASTRO

Segundo o blog do Museu Thiago de Castro, sua história começa em

1937, quando seu idealizador, Danilo Thiago de Castro, então com 17 anos,

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começou a colecionar coisas. A princípio uma brincadeira, sua coleção de

objetos e fotos deu origem ao sonho de juntá-los em um local apropriado,

fundando o museu oficialmente em 1946. Em 9 de junho de 1960, o prefeito Vidal

Ramos Júnior declara o Museu Histórico Particular Thiago de Castro como de

Utilidade Pública, de acordo com a lei municipal nº 281, e em 22 de maio é

oficialmente aberto ao público, em exposição no Clube 14 de Junho. Em 1962,

passa a prédio particular, mas aberto à comunidade e sem cobrar entrada, sendo

mantido com recursos próprios.

Durante todos estes anos grande parte do acervo foi sendo adquirida com recursos próprios, outro tanto com doações ou coletas, a maioria delas de pessoas que iriam jogar fora estes materiais, e que Danilo ia buscar impedindo sua destruição, e deste modo fazendo com que este amontoado de ‘lixo’ resultasse em um precioso acervo histórico. (A Criação do Museu Histórico Thiago de Castro. Lages, 2008. Disponível em:

<http://mtclages.blogspot.com.br/search/label/Hist%C3%B3ria>. Acesso em 10 out. 2014.

Em 1996, o museu foi transferido para o endereço atual: o prédio onde

funcionava o antigo Fórum Nereu Ramos, sendo instalado no térreo deste prédio.

O Sr. Danilo faleceu em 29 abril de 2006, aos 86 anos. Em 2012, o museu passou

à administração municipal, tornando-se público. Grande parte do acervo

documental está catalogada, mas ainda está sendo feito o processo de

catalogação. Pesquisando no museu, foram encontrados documentos diversos

sobre a música em Lages, como partituras, estatutos, comunicados, e

programas de eventos, entre outros. As partituras estão, em sua maioria, nas

pastas 52 a 57, contendo partituras manuscritas e impressas, e esta parte do

acervo está por ser catalogada. Estão preservadas no acervo, em maior

quantidade, as partituras manuscritas, tanto as partituras autografas (escritas

pelo punho do autor) quanto as escritas por copistas.

O acervo musical do Museu Thiago de Castro é uma amostra das possibilidades para o trabalho que ainda está por ser feito por musicólogos e pesquisadores em geral, e merece ser incluído nos planos da musicologia histórica em Santa Catarina para futuros estudos. (BATISTA, 2009, p. 41)

Entre essas partituras, há cópias manuscritas de composições de autores

conhecidos, sendo alguns exemplos: Zequinha de Abreu (partes de arranjo de

Astro Apagado, e o tango Illusão, partitura para piano) e Franz Schubert (partes

de arranjo para Serenata); e de autores menos conhecidos, como por exemplo,

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partes de arranjo para banda da valsa Alma a Sorrir, de Pachequinho (partes de

trompas, trombone, etc), cópia da valsa Flôr da Saudade, de Durval

Mascarenhas, para piano, partes de arranjo para o maxixe Cinco Zero, de Nino

e Tupy, etc. Por partes de arranjo, entenda-se, arranjos para banda e orquestra

com um instrumento escrito em cada folha separada (em uma folha, a melodia

do violino; em outra, a do bombardino; etc).

Há também composições de autores que atuaram em Santa Catarina.

Entre outras, diversas composições assinadas por Raymundo Bridon, algumas

poucas de Hermínio Jacques2, e compositores de Lages, como Lourenço Dias

Baptista Jr. (autor do Hino Municipal de Lages), João Gualberto da Silva (natural

de São José, veio a Lages em 1912), Sebastião de Oliveira Dias (foi integrante

da banda Harmonia Lageana), e dos maestros Juca Krebs e João Pedro Castello

Leite3, e dos aqui abordados autores lageanos Manoel José de Mello e Virgílio

José Godinho. Algumas das partituras encontradas têm relação com o teatro,

como por exemplo, partituras de canto e piano que faziam parte da peça A

Princeza Serrana: Revista de Costumes Locaes4, de 1920 (a peça foi escrita por

João Gualberto da Silva e a música é de A. Souza, o texto desta peça está

transcrito no livro escrito por César Lavoura, e este livro é comentado logo

adiante na revisão de bibliografia). Outros exemplos de partituras manuscritas

que ali constam são de arranjos para hinos, como arranjos para o Hino do Estado

de Santa Catarina, e de sociedades locais (cito de exemplo os hinos do Clube 1º

de Julho, do G.D.P. Amadores da Arte (Grupo Dramático Particular) e da S.M.

José Brazilício (Sociedade Musical)). Há cópias de músicas diversas para piano

(várias partituras manuscritas que são cópias de composições já existentes têm

especificado que são cópia, e nome de quem copiou – várias delas, são cópias

2 Dos compositores Raymundo Bridon e Hermínio Jacques, é comentado na dissertação Sociedade Musical Amor à Arte: Um Estudo Histórico Sobre a Atuação de Uma Banda em Florianópolis na Primeira República, por Alexandre da Silva Schneider (Ceart – Udesc, 2011). 3 Foram encontradas partituras assinadas por eles. Há uma valsa que o maestro João Pedro Castello Leite dedica ao amigo Ozório Lenzi (10/05/1900 – 25/11/1969), e do Sebastião Dias, que também foi jornalista (COSTA, 1982, p. 1200), há um caderno de estudos musicais e algumas folhas com melodias assinadas por ele (seu nome está em um comunicado de Manoel José de Mello, que descreve os nomes dos integrantes da Harmonia Lageana na época do centenário da Independência (ver a Figura 11, neste trabalho)). Do maestro Juca Krebs (José Grathwohl Krebs Filho, 19/03/1921 – 08/02/1992), foi localizada uma polca, Thiaguinho, dedicada a Thiago de Castro. Os maestros João Pedro Castello Leite e José Krebs Filho são mencionados por Costa nas páginas 1109 e 1112. 4 É escrito “Princeza” e “Locaes” nas partituras do museu. Lavoura traz em seu livro o título na ortografia atual.

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de Hermínio Jacques, e do maestro João Pedro Castello Leite). Várias partituras

também não têm assinatura, e atribuir autoria comparando caligrafia seria um

trabalho à parte. Também foram encontradas avaliações de aulas de música, e

cadernos de estudos musicais.

Outra fonte pesquisada no museu foram jornais O Planalto, edições de

1921 a 1924; Região Serrana, de 1900 e 1901; e de 1910 e 1911. Nos jornais

pesquisados, há diversas informações de sociedades musicais, eventos em

clubes e festas em que as bandas atuavam, como as de igreja e o carnaval por

exemplo, que trazem alguns recortes da história artística de Lages nas décadas

de 1900, 1910 e 1920, mas as notícias de cunho político e social tinham mais

espaço. Muito dos recortes das artes estão inseridos nas colunas sociais. Porém,

mesmo os jornais tendo reportagens de eventos sociais, como bailes, festejos

religiosos, políticos, carnaval, festas de inauguração e de datas cívicas, há

relatos nos jornais que não trazem detalhes da parte musical, como repertório

por exemplo (apenas mencionando que teve participação de banda ou orquestra

em algum evento), ou apenas mencionam sucintamente nomes de músicas

executadas. Maiores detalhes de repertório (nomes de músicas) em eventos da

época existem em alguns convites e programações de festas (estes estão nas

pastas referentes às sociedades recreativas, no museu). Os jornais pesquisados

foram em recortes de tempo específicos, então mais relatos da música em Lages

podem ser investigados nos jornais ainda não estudados.

Entre as fontes históricas disponíveis na parte documental do Museu

Thiago de Castro, além de documentos e fotos, há uma fonte bastante peculiar:

anotações de seu idealizador, o Sr. Danilo Thiago de Castro, que foi a pessoa

responsável por começar o museu. Essas anotações estão em papéis comuns

em meio à documentação, como recibos por exemplo, ou mesmo em anotações

no próprio material do acervo, como informações que ele anotou em versos de

fotos, identificando pessoas e eventos nos quais elas foram tiradas.

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1.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Na bibliografia, há poucos relatos sobre a história musical da cidade5.

Segundo Batista,

Uma das únicas referências sobre a história da música em Lages é a obra de Costa (1982). [...] O autor esboça um panorama da história musical da cidade, listando nomes de músicos e compositores, bem como bandas, sociedades musicais e eventos ocorridos em Lages desde o Século XVIII. No estudo, apesar de sucinto, está citada a maioria das fontes que o autor utilizou. (BATISTA, 2009, p. 24)

A bibliografia consultada sobre a história de Lages foram as obras O

Poder Simbólico das Artes (2013), escrito por César Lavoura, o qual...

...é resultado do projeto de ampliação da pesquisa e adaptação da dissertação ‘A Tradição do Teatro Amador em Lages e as Disputas de Posição do Poder Político: O Poder Simbólico das Artes’, defendida em 2004, perante o Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFH da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, para obtenção do título de mestre em Sociologia Política. (LAVOURA, 2013, p. 9)

Este livro traça o histórico do teatro em Lages, e traz aspectos diversos,

como organização social e as formações culturais, a orientação política do Grupo

de Teatro Amadores da Arte, a gênese do teatro como prática social,

comunicação do teatro com a política, e referências à música no

desenvolvimento de Lages no começo do Século XX, além de um capítulo

dedicado a João Gualberto da Silva, natural de São José e funcionário da

empresa de telégrafos, que estabeleceu-se em Lages em 1912 e teve iniciativas

na cidade, como uma orquestra sinfônica, um time de futebol (João Gualberto

Football Club), e um grupo teatral que teve 17 anos de duração (LAVOURA,

2013, p. 81). Alguns aspectos que este livro traz são usados aqui para

contextualização histórica.

Outra fonte usada, a principal referência para este trabalho, é a obra

escrita por Licurgo Costa denominada O Continente das Lagens – Sua História

e Influência no Sertão da Terra Firme (1982), a qual é dividida em quatro volumes

que compõem a obra como uma continuidade. Esta foi a principal referência para

5 Embora na literatura o único histórico da música encontrado é o apresentado por Costa (1982), computei alguns trabalhos acadêmicos envolvendo a música em Lages, e assuntos relacionados. Uma lista deles está nos anexos deste trabalho.

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a contextualização histórica, além de trazer dados sobre os compositores aqui

abordados. Foram usadas também dissertações de mestrado para embasar o

presente trabalho. São elas: A Cidade Nos Campos de Cima da Serra –

Experiências de Saúde e Urbanização em Lages-SC – 1870 a 1910, por Eveline

Andrade em 2011 (deste trabalho, trago dados adicionais na contextualização

histórica); O Novo Compõe Com o Velho: o Lugar do Grupo Escolar no Cenário

do Ensino Público Primário na Cidade de Lages, Estado de Santa Catarina

(1904-1928), por Tânia Cordova (UFPR, 2008) (nesta dissertação, há referência

a Manoel José de Mello ter composto a melodia do Hino do Grupo Escolar Vidal

Ramos (a melodia do hino, resgatada em entrevista, está transcrita no capítulo

4), e dados sobre o colégio fundado por Virgílio Godinho); e a dissertação em

história Sociabilidades e Namoros na Década de 1970 – Lages(SC), por Vanessa

Aparecida Muniz (Udesc - Faed), em 2012, onde há referência de Manoel José

de Mello sobre composição de uma música, da qual a melodia escrita não foi

localizada.

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2 CONTEXTO HISTÓRICO: BREVE RESUMO HISTÓRICO DE LAGES

Será abordado neste capítulo um entendimento da história da cidade,

para tecer um panorama da situação política da época e dos fatos relevantes

para este trabalho. A bibliografia consultada para este capítulo é O Continente

das Lagens (COSTA, 1982), e dados adicionais da dissertação A Cidade Nos

Campos de Cima da Serra: Experiências de Urbanização e Saúde em Lages-SC

– 1870 a 1910 (ANDRADE, 2011) e do livro O Poder Simbólico das Artes

(LAVOURA, 2013). Dados sobre as bandas, provenientes das anotações do Sr.

Danilo presentes no museu, e de jornais, também são trazidos neste capítulo.

2.1 FUNDAÇÃO DA VILA E PRIMEIROS TEMPOS

Lages foi fundada por conta de questões territoriais no período colonial,

onde a Capitania de São Paulo entendia ser a parte mais ao sul de seu território,

tendo portanto a motivação inicial de fundação da póvoa caráter militar, sendo

fundada em 1766, na terceira tentativa da bandeira chefiada por Antônio Correia

Pinto de Macedo (a serviço da Capitania de São Paulo, governada então por

Dom Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, Morgado de Matheus). Havia

interesse em fundar uma ou duas povoações ao extremo sul da Capitania por

questões de firmar o território como sendo da mesma, além de existir a

possibilidade da ocupação espanhola, e a ordem foi trazida de Portugal pelo

Morgado. Segundo Costa,

Quando em 1765, Dom Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, Morgado de Matheus, chegou a Santos para assumir o governo da Capitania de São Paulo, recém-restaurada, além de ordens expressas para estimular o seu povoamento, trouxe de Lisboa, aprovada pelo Rei José I e pelo seu poderoso Primeiro-Ministro, o Conde Oeiras, depois Marquês do Pombal, a incumbência especial de fundar uma ‘póvoa’ ou duas, no extremo sul de seu território, limite presumível com os castelhanos, a fim de, no caso de uma tentativa de invasão, poder oferecer resistência inicial aos ‘conflitantes’. (COSTA, 1982, p. 40)

Antes da fundação, a região já recebia passagem de tropeiros, além de

indígenas, fugitivos, etc. O fundador Correia Pinto já era tropeiro de experiência

e conhecia a região, o que levou à atribuição da missão a ele, sendo nomeado

ao cargo de Capitão-Mór, Regente do Sertão de Curitiba. Posteriormente, o que

sustentou o povoamento foi o ciclo econômico do gado bovino, tendo o povoado

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servido de pouso para os tropeiros que transportavam o gado do Rio Grande do

Sul a Sorocaba.

Segundo Lavoura,

O chamado ciclo do muar, que depois da abertura da estrada do Convento, entre 1730 e 1740, desenvolveu o intercâmbio cultural promovido pelos tropeiros que levavam o gado vacum, muares, cavalhadas e mercadorias com destino a Sorocaba, faziam parada na Vila da atual cidade de Lages para a recuperação dos animais, destinados à exploração aurífera de Minas Gerais. Estre movimento mercantil implicou nos motivos econômicos para a existência da póvoa. (LAVOURA, 2013, pág. 27)

Costa diz que em Lages, ao ser instalada a Vila, a população era “cerca

de 400 habitantes, entre livres e escravos” (COSTA, 1982, p. 67). Com

orçamento bastante modesto, a dependência da estrada Viamão-São Paulo era

o que trazia a pequena fonte de renda, além de tributos que eram cobrados às

tropas de cavalos e gado bovino. Lages então passou a ser ponto de parada

para os tropeiros recuperarem o peso do gado, e era essencialmente rural na

maioria da população, com pequena população urbana.

Em 1820, ocorreu a desanexação da Capitania de São Paulo, sendo

anexada à Capitania de Santa Catarina. Não foram localizados na bibliografia e

nas fontes primárias registros de vida cultural, se ocorriam festejos nas fazendas,

ou mesmo diversões musicais, no período colonial e no primeiro século após a

fundação. Mas certamente ocorriam, apenas sendo de tradição oral e talvez

destinados a espaços públicos, e assim carecendo de registros. Segundo a

bibliografia consultada, a música sacra já estava presente em Lages, nos

primeiros tempos após a fundação. O primeiro músico que se tem notícias foi

João Damasceno de Córdova, nascido em Santos em 1743, e veio a Lages

supostamente em 1775. Teve larga e profícua atuação na vida pública lageana,

falecendo em 1806, como o quarto Sargento-Mor de ordenanças da Vila de

Lages (COSTA, 1982, p. 333). Como músico, foi mestre de capela e compositor,

tendo composto solfas.

Depois de 1822, passaram a ocorrer no Império comemorações em

referência à coroação de D. Pedro. O autor supõe que a primeira grande

manifestação cultural de maior impacto foi quando a Revolução Farroupilha

chegou a Lages, com seus clarins e discursos, sendo que em documentos da

República de Piratini, como o jornal O Povo, há discursos dirigidos aos lageanos,

e muitos moradores locais teriam tomado gosto pelo estilo, exibindo discursos

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dirigidos aos males da Monarquia. Várias famílias vieram a se estabelecer em

Lages, fugindo dos conflitos em solo rio-grandense. De 1841 em diante, festas

anuais comemorando a coroação do Imperador ocorriam na sessão solene da

Câmara de Vereadores, dando oportunidades a recitativos e discursos (COSTA,

1982, p. 1059). Em 1860, Lages é elevada à categoria de cidade. Sobre os bailes

profanos, chamados de “fandangos”, há dados sobre a taxação sobre esses

eventos, o que reflete a carência econômica da região:

Na ata da sessão de 12 de Julho de 1849, da Câmara de Vereadores, encontramos, entre numerosos artigos das Posturas Municipais, aprovados, o de nº 40, que prescrevia o seguinte: “Ficam proibidos os Fandangos dentro desta vila, quer fora, sem que se tire licença desta Câmara. Preço da licença R 4$000”. Anos depois, em sessão solene de 9 de abril de 1853, a Câmara rejeita um pedido de redução na taxa de R 4$000 para R 2$000, nas licenças de fandangos. (COSTA, 1982, p. 1103)

Há neste capítulo do livro o conteúdo de mais uma ata, de 1877, em que

o preço da taxa passa a R 10$000, sendo que em contravenção, a multa seria a

quantidade igual em imposto e o dobro em reincidências, e quatro dias de prisão

a quem não pudesse pagar. Costa supõe que essas posturas referiam-se a

bailes públicos, de finalidade lucrativa, e que as dificuldades econômicas

serviam de pretexto para os vereadores aumentarem as taxas.

Fazendeiros atraídos pela facilidade de adquirir terras (talvez até mesmo

à bala, em alguns casos) vieram de São Paulo e do Rio Grande durante os

tempos, e alguns deles acumularam riquezas, o que fez com que surgisse uma

elite local. Por volta do fim do Século XIX, Lages ganhava maior importância

administrativa, cujo poder executivo oficial era exercido pelos representantes

desta elite. Mesmo com a precariedade das estradas para Laguna, Desterro,

Porto Alegre e Curitiba, chegavam artigos dos grandes centros. Paralelamente,

a produção de produtos como o charque e o pequeno comércio de secos e

molhados na pequena parte urbana faziam a renda local. Viajantes e mascates

também compunham este cenário, além dos tropeiros (LAVOURA, 2013, p. 28 e

29).

No fim da primeira metade do Século XX, além das atividades referentes

à criação de gado bovino já existente, cavalos, etc. (de caráter agropecuário,

baseando-se na grande propriedade), tem também destaque na história da

cidade a exploração madeireira (principalmente entre as décadas de 40 e 60),

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foi um período de grande impulso econômico para Lages em contraste com a

sustentabilidade não pensada que diminuiu dramaticamente as reservas de

madeira nativa, e o sofrido contexto dos trabalhadores nas serrarias6, mas não

tem relação com este trabalho.

Figura 1: desenho de Lages, datado de 03/11/1866.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

2.2 O COMEÇO DO TEATRO E DA MÚSICA

Em 1847, um grupo de homens da sociedade lageana ergueu um

pequeno teatro, o qual não tinha uma construção muito sólida, sendo demolido

mais de uma década depois para a construção de um novo teatro (COSTA, 1982,

p. 1060). A primeira organização artística lageana conhecida foi a Sociedade

Dramática Particular Phenix Lageana, uma sociedade teatral que manteve-se

ativa desde a fundação até perto do fim do Século XIX. Naquele ano de 1847,

Lages era composta de duas praças modestas e três ruas curtas (COSTA, 1982,

p. 481), e em relato do secretário desta sociedade teatral, consta que em 1887

a população era de 1500 moradores na cidade, 15000 no município todo, e em

toda a Província de Santa Catarina, 240000 (COSTA, 1982, p. 1068). Cabe

lembrar que, além de fazendeiros, livres e escravos, tinham os grupos indígenas

na região. Convém lembrar também que distritos do município foram

emancipando-se com o passar dos tempos, sendo alguns deles entre as

6 Para saber a respeito do histórico e da situação dos empregados no setor madeireiro, duas leituras que falam a respeito são o artigo Comunidades Tradicionais da Floresta de Araucária de Santa Catarina: Comunidades e Memória, por Marlon Brandt e Eunice Sueli Nodari (Unisinos, 2011); e o livro Amigo Velho, de Guido Wilmar Sassi (Editora Movimento, 1957).

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décadas de 80 e 90 do Século XX, embora Lages ainda seja o de maior extensão

territorial de SC.

Lavoura argumenta que...

”...a realização de uma representação teatral em Lages no século XIX significava a possibilidade das pessoas estarem imersas em situações não encontradas no cotidiano, seja no contexto de aliteração de tempo e lugar representado (muitas delas passavam em outra época e país), seja nas atividades preparatórias do espetáculo. [...] A referência instaurada nas relações sociais relacionadas às artes cênicas correspondia a algo fora do imaginário que a realidade da cidade oferecia, como qualquer coisa sugestiva ou emocionante surgida na vida de um círculo social específico”. (LAVOURA, 2013, p. 31)

As pessoas mais abastadas na época tinham ligação com a pecuária,

eram fazendeiros, donos de terra e criadores de gado, as quais compuseram

oligarquias políticas. Eram eles e suas famílias quem compunham o público

espectador na época.

Inscreveram-se na agremiação 79 sócios, entre os quais os nomes mais representativos da sociedade lageana, que, a título de jóia, contribuíram com 159$000, ‘para serem aplicados aos reparos indispensáveis à Casa do Theatro’. Os sócios pagavam entrada nos espetáculos e conforme o número de familiares, variava o custo dos ingressos, porém, poder-se-á dizer que, na média era de quinhentos réis por pessoa. As famílias associadas por ocasião da fundação somavam o total de 197 pessoas. (COSTA, 1982, p. 1061)

Através do teatro, pôde-se assimilar traços de outras culturas em uma

cidade isolada geograficamente, com comunicações com as cidades grandes

mais próximas através de estradas carroçáveis de condições menos favoráveis,

mas que tinham grande fluxo de viajantes. Além disso, valores como o “nascente

sentimento de nacionalidade” (LAVOURA, 2013, p. 32), faziam-se

simbolicamente presentes. “O teatro amador era prática e apreciação ostentada

pela aristocracia local, ideologicamente habituado aos ideais de progresso e

civilização europeus” (idem, p. 33). Outras manifestações culturais do tempo do

Império, trazidas por Costa, eram cavalhadas e congadas, além de festas

populares.

Na música, Costa nos traz que a primeira banda de música da cidade foi

criada em 1881, por um coletor de rendas Provinciais chamado Constâncio

Barboza Carneiro de Brito (tocava clarinete, segundo anotação do Sr. Danilo no

museu), que era seu maestro. Não é sabido quando deixou de atuar, mas esta

não foi a primeira banda de música do Planalto: em 1879, o professor particular

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Ernesto Fioravanti fundou uma banda de música em São Joaquim, a qual teve

vida efêmera, e teve novo fôlego em 1883, com novos interessados reunidos, o

que fez com que o regente Fioravanti agradecesse no jornal O Lageano, naquele

ano (O Lageano, 14 jul. 1883, p. 4). O maestro Constâncio faleceu em 1884 (O

Lageano, 08 mai. 1884, p. 3). Segundo as anotações do Sr. Danilo, teve morte

súbita, quando estava para acompanhar a banda em uma procissão, após entrar

na igreja matriz.

As primeiras bandas de música de que há registros de nomes são a São

João do Deserto, e a Euterpe Lageana. A São João do Deserto foi fundada em

1885 e seu estandarte foi benzido solenemente em 1886, e segundo Costa, foi

organizada por seu primeiro regente, o prof. Ramiro A. de Oliveira7. O regente

Manoel José de Mello, sobre o qual será falado mais em um capítulo próprio, fez

parte da São João do Deserto. Sobre a Euterpe Lageana, seu regente foi o

maestro Lourenço Dias Batista Jr, o autor do Hino Municipal de Lages (é esta a

banda que executou o hino pela primeira vez, em 1902, na inauguração do

palácio da prefeitura, ainda existente), e regente de outras bandas posteriores

da cidade. Segundo anotações do Sr. Danilo no museu, o Coronel Belisário José

de Oliveira Ramos mandou trazer de Vacaria-RS o professor e maestro Justino

Francisco Espíndola de Lima, para organizar uma banda, vinculada ao Partido

Conservador. Também segundo as anotações, a banda São João do Deserto foi

organizada por Gaspar Rodrigues de Lima, o qual tinha uma selaria (onde

trabalhava Manoel José de Mello, conforme veremos no capítulo 3).

Em 1887, havia então estas duas bandas, sendo que ambas eram

vinculadas aos partidos políticos: a banda regida pelo Maestro Justino, era ao

Partido Conservador; e a São João do Deserto, ao Partido Liberal8. Na banda do

maestro Justino, tocava o Maestro Lourenço Dias Baptista Jr (ou Tio Lôro, como

7 Segundo uma das anotações do Sr. Danilo encontradas no museu, o maestro Felisbino foi regente da S.J. do Deserto, antes de o Ramiro A. de Oliveira ter assumido a regência. 8 Ambos os partidos surgiram por influência de desentendimentos de dois grupos em Desterro, poucos anos após o fim da República Farroupilha em Lages (COSTA, 1982, p. 1225). A luta entre os partidos tinha caráter competitivo em vez de ideológico, em função de quem vencia as eleições e apossava-se do poder, não sendo a fidelidade ao Imperador discutida, mas às cores de cada partido, embora o Partido Liberal, quando em eleições, defendesse reformas, mas não as aplicava quando chegava ao poder. Na época já existia o termo “vira-casaca” para os desertores de um partido, podendo ter até o desprezo da própria família. Um detalhe curioso é que o Partido Conservador, quando no poder, aplicava oportunamente reformas observadas pelo Partido Liberal, e por oposição, essas reformas eram combatidas então pelo próprio Partido Liberal (COSTA, 1982, p. 1230-1231).

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era conhecido), que foi regente da banda Euterpe Lageana. De acordo com as

anotações do Sr. Danilo, Lourenço também tocou na banda Luz Serrana

(juntamente com Virgílio José Godinho), que foi organizada pela Loja Maçônica

de mesmo nome, por volta de 1904, e pela mesma época, havia também uma

banda organizada no Colégio São José, regida pelo Padre Pio. Segundo Costa,

outras bandas tiveram tentativas independentes antes, mas sem sucesso.

Ambos os partidos, Conservador e Liberal, dissolveram-se após a Proclamação

da República, e ocorreu um período de mudanças e ajustes nos primeiros anos

republicanos. Estes primeiros anos foram um período de tensões e incertezas.

Um resumo dos fatos principais é necessário para entender este período, e será

visto a seguir.

2.3 OS PRIMEIROS JORNAIS

Por esta época, surgiam em Lages os primeiros jornais. Filhos de grandes

pecuaristas da região, tendo concluído os estudos no colégio Jesuíta em São

Leopoldo-RS, ao retornarem, “fixaram-se na cidade com ideais

‘modernizadores’” (ANDRADE, 2011, p. 65). Para Nunes, “são esses jovens que

organizaram os jornais e propagaram ideias de Luzes e Progresso, se

envolvendo em atitudes para uma Lages mais moderna e civilizada” (NUNES,

apud ANDRADE, 2011, p. 53).

Para contextualizar a situação política daqueles anos, bastante agitada,

convém tecer traços do começo da imprensa em Lages, e das disputas de

interesse e políticas de então. O primeiro jornal local surgiu em 14 de abril de

1883, chamado O Lageano, fundado por João Cruz e Silva, oriundo do litoral

catarinense (em Lages, foi professor de primeiras letras, agente dos Correios, e

Secretário da Câmara Municipal), tendo publicado dois meses depois um

agradecimento no mesmo a oito contribuintes que auxiliaram na fase inicial do

jornal. Segundo Costa,

As pequenas campanhas do pequeno mas destemido semanário visavam a movimentar o governo no sentido de prestar maior atenção à instrução pública, de melhorar as estradas, de construir uma nova casa para a câmara, de remover o cemitério do centro da cidade, e de criar um mercado público. (COSTA, 1982, p. 1079).

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Dois dos principais colaboradores foram Genuíno Fermino Vidal

Capistrano, e João José Theodoro da Costa. O primeiro mudou-se para Desterro

depois, sendo médico homeopata por profissão e aposentando-se depois como

desembargador do Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Em Lages,

era advogado, área em que também teve formação. Uma curiosidade é que

partiu dele a ideia de mudar o nome da Capital para Florianópolis. O segundo,

além de jornalista e político (foi um dos líderes da Região Serrana nos últimos

vinte anos do Século XIX e vinte primeiros do Século XX (COSTA, 1982, p. 289)),

é considerado o primeiro escritor e historiador lageano (idem, p. 1229), o qual

deixou preciosa fonte de informações sobre os anos que antecederam a

Proclamação da República. É pai do jornalista, escritor e político Otacílio Vieira

da Costa.

Os jornais atendiam a interesses específicos de uma elite, letrada.

Os jornais locais, ligados a grupos políticos e/ou religiosos, trazem à tona a percepção dos integrantes da elite política e econômica do município. [...] O alcance dos jornais era restrito a alguns grupos locais. Vale lembrar que a maioria dos grupos populares não tinham acesso a esse meio, ou somente de forma esporádica, através, principalmente, da divulgação verbal. (PEIXER, apud ANDRADE, 2011, p. 64)

O jornal foi vendido a Henrique José Siqueira no ano seguinte. Havia um

colaborador que enviava notícias de São Paulo, Caetano José da Costa, então

acadêmico de direito por lá. Segundo Costa,

...merece relevo especial a (reportagem) que começou a ser publicada na edição de 30 de julho de 1887, sobre a visita que dois moços lageanos – Belisário José de Oliveira Ramos, e Henrique de Oliveira Ramos, primos-irmãos e depois cunhados – fizeram a São Paulo, onde além de muitos passeios, e de assistirem à opereta ‘A Corsa do Bosque’, pela ‘Companhia Heller’, visitaram o Dr. Nereu Rangel Pestana, ‘eminente jornalista, chefe do Democrata Paulista que os recebeu com sua peculiar bondade’. Visitaram ainda, diz a reportagem, o Coronel Domingos José da Costa, o famoso Coronel Mingote Costa, ‘Catarinense, Herói da Guerra do Paraguai’, vivendo em São Paulo, como fazendeiro de café. Caetano faleceu em São Paulo, pouco antes de terminar o curso de direito. (COSTA, 1982, p. 1081)

“Além da propaganda republicana, tomava vulto a campanha

abolicionista. Os dois grandes e tradicionais partidos políticos, o Conservador e

o Liberal, intensificavam a luta” (COSTA, 1982, p. 1081). Surgiram jornais ligados

aos partidos políticos: O Serrano, em janeiro de 1885, o qual mudou o nome para

O Echo da Serra em março do mesmo ano. Era ligado ao Partido Conservador.

A 26 de janeiro de 1886, surgia o jornal O Escudo, visando defender ideias do

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Partido Liberal. Seu diretor era José Joaquim de Córdova Passos, jovem político

que começava a liderar os liberais lageanos, e o principal redator era Pedro José

Leite Júnior, que também foi jornalista em Desterro.

Com as mudanças políticas após o fim do Império, como o fim dos partidos

Conservador e Liberal, os jornais passaram a defender ideias dos novos

partidos, e alguns desses jornais foram também substituídos. Por exemplo, o

jornal O Lageano parou de circular em 1889, tendo seu proprietário Henrique

José Siqueira fundado outro em substituição, chamado XV de Novembro. O

jornal O Lageano voltou a circular em 1891. Seus redatores então eram os Srs.

João Costa, Belisário Ramos, Vidal Ramos Júnior, Caetano Costa, João de

Castro Nunes, Sebastião Furtado, Júlio Augusto da Costa, e Manoel Thiago de

Castro. A 21 de abril de 1892, o jornal Gazeta de Lages lançava seu primeiro

número, o qual era “Órgão do Partido Republicano”, e de propriedade do Sr.

Manoel Thiago de Castro. E em 1893, o jornal O Rebate substituía o jornal O

Escudo. O jornal substituto era “do Partido Republicano Federalista, e sob chefia

de José Joaquim de Córdova Passos” (COSTA, 1982, p. 1082).

Muitos jornais lançados naquele período foram de curta duração, como

por exemplo o jornal O Município, fundado por Manoel Thiago de Castro em

1896. No ano seguinte, o mesmo Thiago de Castro lançou o jornal Região

Serrana, o qual teve longa duração, em três fases distintas, inicialmente redigido

por jovens influentes na vida pública lageana, como Fernando Athayde,

Sebastião Furtado, e Caetano Costa. Neste jornal, por volta de 1900, constaram

“comentários e versos de sátira política” (COSTA, 1982, p. 1082), tendo em vista

um agravamento da instável situação política catarinense do começo da

República “com uma forte dissidência no Partido oficial chefiado por Hercílio Luz,

e dispondo do mais importante jornal do Estado – ‘A República’ – para defender

seus pontos de vista” (idem). No jornal de Lages, constavam versos em forma

de poesia com o título de “Hercilíadas”, uma alusão a “Os Lusíadas”,

comentando e rebatendo os acontecimentos da vida política catarinense. Eram

assinados por “Petit Camões”, pseudônimo supostamente usado por Caetano

Costa, Sebastião Furtado ou pelo professor Antônio Joaquim Henriques (o

Professor Tota, como era conhecido), ou possivelmente uma colaboração entre

os três.

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“Cada edição do ‘Região Serrana’, rebatendo os comentários do órgão

dissidente poderia, sem favor, ser considerada – para a época – como uma

antologia de jornalismo político” (ibidem). As polêmicas e provocações eram

feitas em forma de “humor civilizado”, na fase inicial deste jornal, o qual parou

em 1914 e voltou em 1937. Nesta nova fase, “os tempos eram outros, e os

debates políticos haviam perdido a leveza, e a graça que em geral se

caracterizavam os da primeira fase do jornal” (COSTA, 1982, p. 1090). Voltando

aos primeiros anos republicanos, um outro exemplo de uso da imprensa para

defender interesses em meio a espaço para polêmicas e provocações, foi a

rivalidade entre José Castello Branco, diretor do jornal O Imparcial, (surgido em

1901) e o Frei Pedro Sinzig, religioso que residiu em Lages e foi também escritor

e compositor musical. Havia evidente rivalidade entre a Igreja Católica e a

Maçonaria na época, e Castello Branco usava de seu jornal para atacar os anti-

maçons. Sinzig fundou em 1902 o jornal O Cruzeiro do Sul, e em 1903, foi

fundado pela Igreja Católica o periódico A Sineta do Céu, ambos sob orientação

de Sinzig. A Loja Maçônica lageana, que se chamava Luz Serrana, começava a

exercer maior influência política.

O jornal O Imparcial (que circulou até 1907), segundo Costa, era

moderado a princípio e “assumiu feição violentamente polêmica, provocando

com seus ataques por vezes desabridos a adversários, incidentes mais ou

menos graves” (COSTA, 1982, p. 1090). O religioso logo passou a usar dos

mesmos meios. Castello Branco atacava o colega de imprensa referindo-se a

ele por “Pedro Barulho”.

No seu número 9 de 1º de maio de 1904, encontramos no artigo de abertura, sob o título ‘Mãos à Obra’, um apelo veemente e contundente para que os católicos boicotassem definitivamente aqueles órgãos da imprensa que a Igreja considerava inimigos. E em Lages, em primeiro lugar estava o ‘O Imparcial’. (COSTA, 1982, p. 1093)

Um relato que envolve a imprensa e a música na Lages daqueles tempos,

é um movimento ocasionado por uma correspondência de Thiago Pessanha.

Correspondente do jornal semanário O Echo, de Itajaí, Pessanha fez em uma

correspondência uma ridicularização de um costume de fazer de surpresa bailes

e serenatas em casas de aniversariantes, citando-os como “’aproveitadores’

acompanhados de uma orquestra, para improvisar bailes e festas que obrigavam

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as ‘vítimas a incômodos e despesas descabidas’” (COSTA, 1982, p. 1095).

Embora o comunicado não fosse sem razão, houve reação do pequeno grupo

que promovia as surpresas, que tiveram apoio dos semanários locais (que

uniram-se, tendo em vista também a concorrência do jornal de Itajaí que

começava a representar concorrência). Pessanha teve que se retratar, mas não

precisou afastar-se da cidade, tendo trabalhado então com cenografia no

Theatro Municipal. Outros jornais surgiram na cidade nas primeiras décadas do

Século XX, sendo a maioria deles de curta duração, mas o que é buscado aqui

é apresentar o contexto político e social para então abordar, no decorrer do

trabalho, os valores que as artes tiveram na Lages de então.

2.4 A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E SEUS REFLEXOS EM LAGES

Nos escritos deixados por João José Theodoro da Costa, consta que em

viagem a Desterro em 17/11/1889 com seu irmão Ignácio Costa (que os

acompanhava até a localidade denominada “Capitão-Mór”, separando-se deles

então para ir a outra localidade) e um amigo, José Dias de Azambuja Cidade,

souberam da Proclamação em meio à viagem, quando iam pernoitar às margens

do Rio João Paulo, através de José Joaquim de Córdova Passos, que voltava de

Desterro e os informou sobre os acontecimentos no Rio de Janeiro. A notícia

chegou a Desterro no dia 16. Pernoitaram na localidade de Pessegueiros,

próximo a Lages, até Ignácio Costa juntar-se a eles novamente (fora mandado

informá-lo dos acontecimentos). A volta da comitiva após três dias de ida

(naqueles tempos em que a viagem, a cavalo, durava dias) causou surpresa aos

que os viram entrar na rua principal, e logo a notícia se espalhou. Além da

apreensão inicial e da ideia de assaltos aos arquivos da câmara municipal, e aos

cartórios, não posta em prática graças à força de persuasão de Ignácio Costa,

ocorreu reunião, a 21 de novembro de 1889.

O discurso de ordem era esquecerem as divergências políticas do

passado, e a ideia de fundir ambos os partidos Conservador e Liberal em prol de

uma união ao Povo Lageano. Em Desterro, o último presidente da então

Província de Santa Catarina, Dr. Luís Alves Leite de Oliveira Bello, renunciou,

passando o governo a um triunvirato, e ao dia 24/11, quando o tenente Lauro de

Andrade Müller assumiu o governo do Estado, a situação acomodou-se. A posse

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foi em 2 de dezembro. Em Lages, a chefia da cidade foi assumida por Ignácio

José da Costa, sendo nomeado Delegado de Polícia, "posto prioritário nas

nomeações republicanas em todo o Brasil" (COSTA, 1982, p. 1243), e foi a

primeira nomeação em Lages na República. Ele fundou o Clube Político

Republicano, em que poderiam associar-se os dissidentes dos dois partidos

imperiais agora extintos. Divergências ocorreram nesse período, como por

exemplo, conservadores recusarem-se a se associarem por já ali constarem

liberais, entre outras. Dois partidos foram criados, o Clube XV de Novembro, e o

Clube Marechal Deodoro, sendo o XV de Novembro logo extinto, tendo seus

integrantes ingressado no partido remanescente. Ignácio Costa afasta-se da

liderança depois, assumindo Vidal Ramos.

Em janeiro de 1890, Lauro Müller dissolveu as Câmaras Municipais, e

criou o Conselho de Intendentes Municipais, sendo 14 nomeados, sem inclusão

de um de Lages. Em 24 de fevereiro, promulgada a Constituição Federal, dos

representantes do Planalto, concorreram nas eleições para o Congresso

Estadual os senhores João José Theodoro da Costa, Antônio Pereira da Silva e

Oliveira, Vidal José Oliveira de Ramos Júnior, e João Nepomuceno da Costa,

sendo o último substituído por Polydoro Olavo de São Thiago (político ilustre,

mas que não conhecia Lages). O Partido Republicano, cujas origens vêm de

clubes com fundação antes e depois a Proclamação, ficou em Lages nas mãos

da Família Ramos.

2.5 A REVOLUÇÃO FEDERALISTA E SUAS CONSEQUÊNCIAS EM LAGES

Cabe discorrer aqui sobre a Revolução Federalista e seus efeitos no

começo da República. Nos primeiros anos após a Proclamação da República,

irrompeu no Rio Grande do Sul a Revolução Federalista, a qual passou também

por Lages, sendo Desterro e Lages as cidades mais sacrificadas pelo movimento

em SC (COSTA, 1982, p. 296). Entre suas causas, estão as divergências entre

chefia do governo e poder legislativo. Deodoro dissolveu o Congresso Nacional

e decretou estado de sítio para o Distrito Federal e Niterói, a 3 de novembro de

1891, decisão tomada por inconstitucional, o que causou rebelião da Marinha de

Guerra. Devido à precariedade da saúde de Deodoro, ocorreu a renúncia,

assumindo seu vice, Floriano Peixoto, o que acalmou os ânimos da Armada.

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Floriano consultou o Congresso quanto à substituição do governante pelo vice,

o que fez com que a dissolução não tivesse efeito (não havia clareza na primeira

constituição sobre a substituição).

Segundo Costa, as coisas ficariam assim mesmo se Floriano se

empenhasse em governar o país, apenas. Mas não foi o que ocorreu.

Tinha ele muitas virtudes e uns poucos defeitos, entre os quais o de não saber perdoar possíveis erros, ou o que ele considerava como tal. Dezenove governadores haviam apoiado Deodoro na dissolução do Congresso e Floriano destituiu-os, cassando-lhe os mandatos. Apenas um governador, Lauro Sodré, do Pará, que discordou do renunciante foi poupado, continuando no governo. Esta derrubada de governadores provocou descontentamento em muitos Estados, que Floriano, com seu duro conceito de autoridade, ia reprimindo às vezes com violência, outras com aparente tolerância, para cobrar-se mais à frente, quando o adversário se descuidasse. [...] Os dezenove governadores cassados enviaram-lhe também, telegramas de apoio quando ele assumiu a presidência. (COSTA, 1982, p. 296-297)

Segundo o autor, ocorreram revoltas, como a da Fortaleza da Santa Cruz

em 20 de janeiro de 1892, e um manifesto publicado a 31 de março em que

Almirantes e Generais diziam ao Marechal para realizar eleição antes de findar

o prazo do primeiro mandato. O primeiro movimento foi sufocado, e no segundo,

dois signatários foram transferidos para a segunda classe e os demais, foram

reformados (eram 13 no total). Outro movimento foi em 11 de abril, em que

“numerosos civis e militares foram desterrados para Cucuí e Tabatinga,

acusados de promoverem manifestações de apoio a Deodoro” (COSTA, 1982,

p. 297), incitando à deposição de Floriano via forças armadas. A 2 de fevereiro

de 1893, irrompeu no Rio Grande a Revolução Federalista, que tinha o intuito de

derrubar o presidente daquele estado, Júlio de Castilhos, que retomou o poder

após o povo afastá-lo do governo (este movimento passou depois a ser anti-

florianista). Devido à proximidade geográfica, Santa Catarina passou a ser o

pivô, em torno dos acontecimentos agravados.

“Eis que numerosos elementos da Marinha e do Exército, que se

mantinham aparentemente afastados dos acontecimentos, começaram a

participar da luta, dando-lhe intensidade inesperada” (COSTA, 1982, p. 297).

Fora fundado o Partido Federalista em Desterro, vindo a atuar ativamente e

politicamente na luta. Em Lages, ocorreu reunião ao redor do líder antigo do

Partido Liberal, José Joaquim de Córdova Passos, pelos Federalistas

(Maragatos). Mobilizações ocorreram. Foi criado o “Corpo Cívico” pelo Partido

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Republicano Lageano, para defesa da cidade, além de os Federalistas locais

criarem “forças populares” para “colaborar na manutenção da ordem” (COSTA,

1982, p. 208), segundo os mesmos.

O Coronel Vidal Ramos Sênior e seus filhos Vidal Ramos Júnior e

Belisário Ramos pertenciam ao Partido Republicano. Com forças federalistas já

atuando em Lages, comandadas pelo Coronel Nepomuceno Costa, uma coluna

Federalista sob o comando de Gumercindo Saraiva aproximava-se de Lages.

Nesse meio tempo, foi instalado em Desterro o Governo Provisório dos Estados

Unidos do Brasil, por Frederico Guilherme Lorena, que ocupava o cargo de

Capitão-de-Mar-e-Guerra e empossou-se no cargo de presidente.

Lorena chegava ao Desterro comandando a Divisão Expedicionária composta de vasos de Guerra que se haviam revoltado no Rio de Janeiro, contra Floriano, colocando-se sob a chefia suprema do Almirante Custódio José de Mello. Logo após assumir o governo, Lorena destacou para Lages um contingente com oficiais e praças do 25º Batalhão do Exército e da Polícia Militar do Estado. (COSTA, 1982, p. 299)

A 10 de novembro de 1893, a coluna de Gumercindo Saraiva chegava a

Lages contando com 1600 homens, sendo recepcionados pelos Federalistas

locais, com entrada solene na Rua Presidente Paranaguá (atual Rua Correia-

Pinto), estando na cidade do dia 10 para o dia 11.

“Os chefes revolucionários de Lages fizeram ao caudilho uruguaio uma

grande recepção. Formaram todas as forças de que dispunham, na entrada da

cidade, com banda de música, e foram buscá-los em Conselhos” (COSTA, 1982,

p. 299). Conselhos era o nome da localidade onde estavam acampados, perto

do “Morro do Juca Prudente”, no caminho para Painel (antigo distrito de Lages

que atualmente é município). Devido a esta invasão, o Chefe Político

Republicano, Coronel Vidal Ramos Sênior, e seus filhos Belisário Ramos e Vidal

Ramos Júnior, retiraram-se para a fazenda do Guarda-Mór, de propriedade do

Coronel, às margens do Rio Pelotas, deixando sentinelas ao longo da estrada

da fazenda. Quando Gumercindo soube, enviou um piquete comandado por seu

irmão, Aparício, para prendê-los. Avisados pelas sentinelas, os Ramos

refugiaram-se no campo em local de difícil acesso, e os Federalistas ficaram ali

por um dia, tendo consumido uma vaca que carnearam, além de beberem todo

o leite que encontraram, e voltaram a Lages na manhã seguinte (COSTA, 1982,

p. 301).

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Os populares em Lages estavam com receio dos Federalistas, que

estavam precedidos de péssima fama, porém, Gumercindo tranquilizou à

população dizendo que sabia que os republicanos espalhavam esta imagem, de

as tropas Federalistas serem compostas por bandidos. Pelo menos em Lages,

desmentiram esta má fama, indo da localidade de Conselhos à cidade por turnos

e fazendo compras, estando em Lages de 11 a 14 de novembro. Então, as forças

do Exército Republicano, mais exatamente um destacamento conhecido como

Divisão Norte, comandado pelos Generais Pinheiro Machado e Rodrigues Lima,

aproximavam-se de Lages. Os Maragatos saíram apressadamente com isto,

porém, levando a banda de música na qual estava o músico Manoel José de

Mello. Os legalistas (Divisão Norte, também conhecidos por Pica-Paus)

ultrapassaram a cidade para verificar os rumos do inimigo, e após tiroteio com a

retaguarda dos Federalistas (também chamados de Maragatos), voltaram a

Lages. Gumercindo e seus mais de 1000 homens seguiram a Curitibanos,

rumando a Blumenau e a Desterro.

Chegando a Lages a 16 de novembro de 1893, a Coluna Norte também

passou a dar medo à população, pois também eram precedidos de fama

desfavorável. Os comerciantes fecharam suas portas, a exemplo de como

ocorreu com os Federalistas, e atendendo a pedido de Pinheiro, abriram. Mas

tamanha foi a prepotência dos soldados Legalistas que, um a um, foram

fechando as portas novamente. Deixando medo e dívidas no comércio lageano,

rumaram em perseguição a Gumercindo, na mesma direção de Curitibanos,

Blumenau e Itajaí. Não demoraram por lá, pois por fatores como escassez de

munição e baixas que Gumercindo proporcionou, ambos optaram pela retirada.

Em Desterro, as forças Legalistas retomavam Desterro em abril de 1894, e no

dia 19, assumiu o Governo como delegado do então Governo Federal provisório

o Coronel Antônio Moreira César, Comandante do 7º Batalhão de Infantaria.

Assim que assumiu, enviou um representante a Lages, como Comissário de

Polícia, um indivíduo de nome Manoel Fernandes, e em julho foi enviado mais

um, conhecido como Capitão Pessoa.

O comissário Fernandes, ao chegar, convocou uma reunião na sala do Intendente Municipal, e, em resumo, declarou que viera a Lages para realizar sindicâncias rigorosas em torno dos implicados no movimento contra o Governo constituído. Pedia a todos que denunciassem o que sabiam. Mas, se alguém tivesse receio de represálias, poderia escrever a denúncia num papel sem timbre

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ou marca e, sem assinatura, colocá-lo por debaixo da porta de sua residência. Era um convite à delação, às calúnias, às vinganças. Dias depois foram presos, na calada da noite, vários e importantes líderes da oposição: Dr. Lucas Trevisani, médico; Augusto Moreira da Silva; Cândido Luiz de Andrade; Henrique José da Silveira; Jorge Maron; Gaspar Rodrigues Lima, e Marcos José Pereira de Andrade. Para efetuar algumas dessas prisões, a polícia realizou verdadeiros assaltos, com mortes de mulheres e crianças. Foram metidos na cadeia, incomunicáveis, e ‘ninguém ousava indagar qual o destino que seria dado a eles’. (COSTA, 1982, p. 305)

Após presos por semanas, foram informados em uma noite que seguiriam

à Capital do Estado. Na manhã seguinte, foram retirados da cadeia, e amarrados

uns aos outros. Ignorando apelos de mulheres e filhos dos presos, não foram

concedidas necessidades, como levar roupa, comida, cavalos para os de mais

idade, nada, e houve aquela sinistra cena de homens caminhando amarrados

uns aos outros, deixando a cidade. Mais tarde no mesmo dia, um grupo de

soldados liderados por um Tenente Tenório, auxiliar do Capitão Pessoa,

reapareceram com pertences das vítimas, como pala, roupas, dinheiro... foram

assassinados, na localidade denominada Conselho, a não muitos quilômetros da

cidade, e jogados ali em uma grota. Os famigerados Tenente Manoel Fernandes

e Capitão Pessoa ainda continuaram em Lages por alguns meses, incendiando

casas de fazendeiros que lhes caíam na antipatia (os quais logo os chamavam

de “Maragatos!”) e espalhando terror, não ouvindo nem mesmo o chefe do

Partido Republicano, Coronel Vidal Ramos Sênior, e seus filhos.

“Na verdade, nem Pessoa nem Manoel Fernandes consultavam qualquer

um dos chefes republicanos locais sobre o que pretendiam fazer, e quando um

deles intercedia por alguém, de nada adiantava” (COSTA, 1982, p. 306). Não por

acaso, mesmo após Hercílio Luz ter assumido o governo estadual em 1894 e a

situação enfim normalizando-se no litoral, ainda tinham pessoas em postura de

guerra em Lages. Consta que o próprio Moreira César veio a Lages, em função

de remanescentes da luta anti-florianista, o qual tomou medidas para dar fim ao

que restava do conflito. Sua passagem por Lages foi relativamente pacífica,

segundo Costa, tendo efetuado poucas prisões de Federalistas, e talvez já

estivesse farto de vinganças. Com o enfraquecimento do movimento, os líderes

rebeldes podem ter deixado o país, ou mesmo terem ido a lugares seguros no

próprio país. Prudente de Moraes adotou uma política de conciliação, anistiando

os envolvidos na luta (COSTA, 1982, p. 308-312). É indo em busca de

conciliações e paz que surgiu o primeiro clube recreativo de Lages.

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2.6 UM POUCO SOBRE A INSTRUÇÃO E OS CLUBES RECREATIVOS

Para terminar de tecer um panorama do cenário de Lages do fim do século

XIX e começo do século XX, no que tem relação com as trajetórias de vida dos

dois compositores pesquisados, cabe falar um pouco do começo dos clubes

recreativos. O primeiro deles surgiu, em parte, por conta do espírito de deixar

para trás as tensões proporcionadas pela Revolução Federalista. Também é

visto um pouco sobre os colégios e as instruções pública, e a recebida pelos

filhos das elites, sendo que um dos compositores era também professor e fundou

um colégio no começo do século, conforme será visto no capítulo sobre o

mesmo.

2.6.1 Clubes Recreativos

Voltando à década de 1870, nesta época começavam a ser realizados

bailes, entre a alta sociedade, com mais frequência, geralmente em residências

onde havia moças em idade de se casar. Começaram depois, sem deixar de lado

os bailes nas residências, os clubes recreativos. A tradição desses clubes, vinda

da Europa mais tarde em relação ao velho continente, começou quase com o

século XX por aqui, e eram praticamente “escolas de civismo, onde se

comemoravam as grandes festas nacionais, com conferências ou discursos

alusivos, seguidos de ‘bailes de gala’” (COSTA, 1982, p. 485).

O primeiro clube literário e recreativo fundado em Lages foi o ‘1º de Julho’, em 1896. O Município havia saído da Revolução de 1893, com sua sociedade dividida por grandes ressentimentos e era preciso fazer com que o esquecimento das velhas mágoas, algumas muito justas, baixasse sobre os espíritos, apaziguando-os e reaproximando-os. E um clube sem conotação política, seria adequado para tanto. Assim pensaram os seus fundadores quando convocaram a sociedade lageana para congregar numa entidade acima das paixões políticas. A letra do hino do clube, de autoria de Caetano Vieira da Costa, revela, em suas estrofes musicadas pelo maestro Lourenço Baptista Júnior, a preocupação de criar um ambiente de fraternidade, ‘para que cesse a animosidade no seio da sociedade’. E fala ainda de ‘laços de união’ e ‘sentimentos de amor’. Um hino, enfim, através do qual é fácil sentir como a sociedade lageana estava necessitada de conciliação, de algo que a serenasse, a pacificasse. Outra versão das razões da fundação é que, depois da Proclamação da República, querendo os chefes políticos locais homenagear visitantes ilustres, não dispunham de local adequado e, várias vezes, Belisário Ramos teve de ceder os cômodos de sua residência para neles serem efetuados os bailes. (COSTA, 1982, p. 495)

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O autor comenta que a primeira versão é a mais provável. Começava por

esta época o telégrafo em Lages, sendo que uma das primeiras notícias de

âmbito nacional recebidas por este meio foi a vitória das armas republicanas em

Canudos, e foi acrescentada às comemorações do primeiro aniversário do clube

(COSTA, 1982, p. 497). O mesmo teve sua primeira sede instalada à Rua XV de

Novembro (atual Rua Nereu Ramos), em 01/07/1905. Nos bailes de gala e

domingueiras, o repertório era composto de valsas, mazurcas, schottisches,

polcas, tangos (sambas), entre outros estilos da época (COSTA, 1982, p. 512).

E pela mesma época, começava o carnaval de rua e em clubes. No Região

Serrana em 1900, há reportagem sobre o carnaval, de uma única sociedade

existente na cidade, porém aparentemente sem nome.

Começarão hoje as folias carnavalescas com passeata do único grupo aqui existente que exibirá à tarde os seus carros de crítica e baile à fantasia no club literário Recreativo. Grandes carros alegóricos, e de vista dupla organisarão o prestato para o qual tem havido grandes apromptações. No último dia à noite terminarão os festivaes com grande baile à fantasia no Club Primeiro de Julho, transferido para esse fim para o espaçoso edifício do Theatro S. João. (Região Serrana, 25 de fevereiro de 1900, p.2)

O Teatro São João estava em condições não boas, e foi arrematado pelo

município, segundo reportagem veiculada no Região Serrana de 14/04/1901.

Surgiram depois duas sociedades carnavalescas que fizeram época, a Vai ou

Racha em 1917, e a Cravo Preto, em 1919. Da Sociedade Carnavalesca Vai Ou

Racha, em sua primeira diretoria estava o Dr. Antônio Antunes Ribas Filho na

presidência, e Virgílio José Godinho como vice-presidente.

Outros clubes surgiram na cidade nas primeiras décadas do século,

alguns ainda existentes, como o Cruz e Souza e o Clube 14 de Junho, o qual

tem relação com um dos compositores pesquisados, então cabe mencionar

também o seu surgimento, em 1920.

Foram seus fundadores setenta e três sócios do ‘1º de Julho’ que, tendo em eleição para a renovação de sua Diretoria apresentado uma chapa encabeçada por um dos mais prestigiosos elementos da agremiação – o Sr. Otacílio Costa – viu-a prejudicada por um grupo de associados que, dando ao pleito conotações nitidamente políticas, lançou para a Presidência a candidatura de um filho do digno e respeitável chefe político, local de então, cuja liderança começava a ser contestada. Em sinal de protesto, aquele numeroso grupo de sócios desligou-se do clube e imediatamente fundou o ’14 de Junho’, um grêmio literário e recreativo. (COSTA, 1982, p. 505)

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O carnaval de rua tinha bastante força nas duas primeiras décadas, mas

por um longo período ocorreu internamente nos clubes, a partir da década de 30

(COSTA, 1982, p. 522).

Figura 2: carro alegórico da S.C. Cravo Preto, denominado Jibóia. De acordo com

registros da época, segundo anotação do museu, a mesma engolia um bonequinho com

as cores da sociedade rival, a Vai ou Racha. Carnaval de 1927.

Acervo Histórico do Museu Thiago de Castro.

2.6.2 Instrução em Lages

Ainda em 1767, uma carta foi enviada à Rainha D. Maria que comentava,

entre outras coisas, a preocupação de homens com instrução em primeiras

letras, que seriam úteis ao governo. O próprio fundador Correia-Pinto parece ter

sido um homem com instrução, a julgar pela caligrafia, mas seus sucessores de

poucas letras contavam com o serviço de algum escrivão (COSTA, 1982, p. 992-

993). Existia um receio de a Colônia desenvolver-se e acabar por desligar-se de

Portugal, e com isso existiam proibições, as quais foram atenuadas somente

quando a corte de D. João VI aportou no Rio de Janeiro (COSTA, 1982, p. 990).

Talvez por isso, apenas em 1832 apresentou-se o primeiro professor em Lages,

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chamado Manoel Gomes de Souza, “com o ordenado de 150$000 por ano, na

forma do Decreto de 27 de agosto de 1831. O que não se sabe é se o professor

chegou a assumir o cargo” (COSTA, 1982, p. 995). Em 1860, havia professores

particulares lecionando nas fazendas, e neste ano haveria quatro escolas em

Lages. Um fato curioso é as famílias abastadas, inicialmente, preferirem as aulas

particulares nas fazendas (COSTA, 1982, p. 999).

Porém, os filhos de famílias abastadas logo passariam a ser enviados a

colégios em São Leopoldo-RS, afim de obterem instrução. O Colégio Nossa

Senhora da Conceição, fundado em 1869, era dirigido pelos Padres Jesuítas, e

a viagem em boas condições gastava aproximadamente oito dias (COSTA,

1982, p. 1006). Vários nomes que tiveram destaque na sociedade e na política

lageana e catarinense obtiveram instrução naquele colégio, como Otacílio Vieira

da Costa, Manoel Thiago de Castro, Vidal José de Oliveira Ramos Júnior, entre

outros (COSTA, 1982, p. 1147-1149). Também em São Leopoldo, ao Colégio

São José eram enviadas moças das famílias mais abastadas (idem, p. 1159). O

Ginásio Catarinense, inaugurado em 1905, também recebeu muitos estudantes

de Lages (ibidem, p. 1015). Paralelamente, surgiram escolas de instrução

pública e particular em Lages, sendo de caráter religioso, e de caráter laico.

Algumas delas, surgidas nas primeiras décadas, são o Colégio São José (onde

atualmente é o Hospital Nossa Senhora dos Prazeres, no mesmo prédio ainda

existente), e o Colégio Santa Rosa de Lima (ainda em atividade), estas de

caráter religioso. Das de caráter laico, um nome relevante para este trabalho é o

Colégio Vidal Ramos, surgido em 1912.

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Figura 3: prédio do Colégio São José, atual Hospital Nossa Senhora dos

Prazeres.

COSTA, 1982, p. 1105.

Os colégios São José e Santa Rosa eram escolas de caráter religioso. A

Igreja enfrentava certa depressão, supostamente por conta de seu representante

local estar no vicariato há mais de 30 anos, a após seu falecimento em 1891,

passou às mãos dos Padres Franciscanos, a Paróquia (COSTA, 1982, p. 1418).

Frei Rogério Neuhaus, religioso de origem alemã que residiu bastante tempo em

Lages, entre outras iniciativas, contribuiu para fundar em Lages o Colégio São

José9 (este, era um colégio de meninos – não confundir com o colégio feminino

de São Leopoldo), em 1896, e em 1901, por iniciativa dele também, foram

trazidas três irmãs da Divina Providência, em Florianópolis. Eram elas, as irmãs

Georgia, Geralda e Benvenuta, e após alguns meses chegaram as Irmãs

Benvarda, Homiliana e Williard, “que também era, como a Irmã Benvenuta,

professoras de música e ministravam aulas de piano, violão, cítara, bandolim e

guitarra” (COSTA, 1982, p. 1013).

9 Teve ainda mais um colégio de mesmo nome em Lages: uma casa construída nos fundos do Colégio Santa Rosa, onde foi instalado o Coleginho São José, para meninos. O prédio onde ainda hoje funciona o Colégio Santa Rosa, localizado à Rua Lauro Müller, começou a ser construído em 1905 (COSTA, p. 1013).

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Figura 4: Madre Benvenuta, uma das religiosas alemãs trazidas de Florianópolis

para Lages.

Disponível em: <http://cafehistoria.ning.com/photo/madre-

benvenuta?xg_source=activity> (acesso em 20/12/2014)

Em 1901, era fundada a escola de Virgílio Godinho, esta de caráter laico.

O que as três tinham em comum, é que contavam com aulas de música. O

Colégio São José tinha uma banda, que teve primeira apresentação em 1903

(COSTA, 1982, p. 1012). No Colégio Santa Rosa, Irmã Benvenuta era professora

de piano, enquanto que as Irmãs Williard, Geralda e Benwarda lecionavam,

respectivamente, cítara, violino e violão, e com isso ocorreram pequenas

orquestrações de moças (COSTA, 1982, p. 1106). Os terceiro e quarto pianos

vindos a Lages destinaram-se ao Colégio São José e ao Colégio Santa Rosa

(idem).

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Figura 5: orquestra de moças, 1902. Da esquerda para a direita, sentadas: as

Srtas. Alaide Castilho (violinista), Adélia Ramos (cítara), Basilissa de Brito (bandolinista);

em pé, as Srtas. Almerinda Ramos (bandolinista), Maria Arruda (violinista), Marieta

Castilho (violinista), e uma menina violinista não identificada.

COSTA, 1982, p. 1107.

Sobre o Colégio de Virgílio Godinho, é comentado no capítulo referente

ao mesmo. Sobre os filhos de famílias abastadas estudarem fora, “com a

inauguração do Colégio Diocesano de Lages, cessou a necessidade de ir

completar o curso secundário em Florianópolis ou fora do Estado” (COSTA,

1982, p. 1017). Este colégio começou suas aulas em 1932.

Das escolas públicas, merece destaque, tanto com relação a um dos

compositores estudados quanto ao contexto histórico, o Centro Educacional

Vidal Ramos, a 20/05/1913 (COSTA, 1982, p. 1017). Vidal Ramos era

governador do Estado, e o colégio que leva seu nome é em uma imponente

construção. A relação com os compositores estudados é ser deles as autorias

de dois hinos referentes a esta escola.

Foi o quarto estabelecimento do gênero, construído no Governo de seu patrono. [...] Quisera, por certo, o eminente lageano dar à sua Terra um testemunho do quanto realmente se preocupava com seu problema básico: a educação. (COSTA, 1982, p. 1017)

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Figura 6: foto do prédio do Centro Educacional Vidal Ramos, com anotação do

Sr. Danilo Thiago de Castro.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

O velho prédio histórico do Colégio Vidal Ramos da foto acima, ainda

existente, abrigava o colégio até há não muito tempo. Atualmente, o colégio

funciona em outro endereço. O antigo prédio histórico está atualmente sendo

reformado para abrigar um centro cultural.

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3 DOIS COMPOSITORES LAGEANOS

Neste capítulo, serão abordados os dois compositores de Lages aqui

estudados: Manoel José de Mello, e Virgílio José Godinho. É feito um

levantamento de dados para contar suas trajetórias, que relacionam-se com o

histórico da cidade apresentado no capítulo anterior. Embora este trabalho trate

das trajetórias de ambos os compositores separadamente, pode-se concluir que

eles conheciam-se. Nas referências bibliográficas, consta que eles eram

membros da Maçonaria. De fato, os rostos de ambos aparecem em uma imagem

dos obreiros da loja maçônica em Lages, a Luz Serrana. Esta imagem está na

próxima página10.

Na imagem da próxima página, Virgílio José Godinho é o de número 16.

Manoel José de Mello é o de número 24. Outros músicos da época que

aparecem na relação são o maestro Lourenço Dias Baptista Jr, regente de

bandas e autor do Hino Municipal, número 20; Manoel José Nicollelli, número 23,

que era flautista e também aparece nos jornais pesquisados como escrivão; e

José Pereira dos Anjos Sobrinho, número 1, que aparece em comunicado do

Manoel José de Mello como um dos integrantes da banda Harmonia Lageana

(ver Figura 11 deste trabalho, página 56).

10 Algumas fotos dos membros da Luz Serrana aparecem no Continente das Lagens: Fernando Affonso de Athayde aparece na página 1096; Lourenço Dias Baptista Jr aparece na página 1105; Sebastião Furtado e Castello Leite aparecem na página 1148 (COSTA, 1982).

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Figura 7: obreiros da Luz Serrana, foto de 1905.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

3.1 MANOEL JOSÉ DE MELLO

Em uma das pastas de partituras, a de número 56, foi encontrado um

caderno com anotações manuscritas. Possivelmente, o caderno foi colocado

junto com as partituras por conter uma partitura escrita na primeira página, uma

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melodia de valsa que tem o título O bem-tivi, e por ter relação com a seção

musical. Nesse caderno, na folha ao lado, há uma poesia com o mesmo nome,

que ocupa a segunda e a terceira páginas do caderno, datada de 22 de setembro

de 1894, e com assinatura de Manoel José de Mello ao fim.

A seguir, há outra poesia, chamada Já era de tarde, assinada por Manoel

José de Mello; e mais um poema, O Aprendiz, assinado por Nicolleli (certamente,

era o também músico Manoel José Nicolleli, flautista, e que foi da mesma época),

e dedicado ao Manoel José de Mello. E virando a página, está o seguinte escrito

a lápis: Manico de Mello nasceu em 1869!.

Em seguida, vem o que este caderno traz, talvez, de mais valioso em

termos de valor histórico: é o relato, escrito de próprio punho, da vida de Manoel

José de Mello, do começo da vida até o momento em que foi escrito (o ano de

1894). Foi a partir deste relato que foi decidido abordar o Manoel José de Mello

no presente trabalho. Ao final do caderno, há uma pequena poesia dedicada por

Manoel Mello à mãe dele (provavelmente, relatando um pouco dos sentimentos

e da saudade de quando ele estava fora de Lages – ele acompanhou uma coluna

das tropas chefiadas por Gumercindo Saraiva, na Revolução Federalista, após

a passagem do movimento por Lages), e outra poesia na contracapa que parece

ser escrita de outra pessoa, não tendo relação com o restante do conteúdo do

caderno.

Também foram encontradas, no material do museu, partituras

manuscritas com a assinatura dele, sendo que duas dessas composições têm

cópias com outra caligrafia, talvez copiadas por outro músico da mesma banda

que ele regia, ou então de outra banda musical. Foram encontrados também

relatos em jornais sobre a banda Harmonia Lageana, da qual ele foi regente.

3.1.1 Referências sobre Manoel José de Mello na bibliografia consultada

Antes de discorrer sobre as pesquisas, será abordado o que consta sobre

o mesmo nas referências bibliográficas a que tive acesso. Em O Continente das

Lagens, Costa apresenta-o como um regente de grande atuação na Lages do

começo do século.

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Em 1887, havia duas Bandas na Cidade, a ‘Euterpe’ e a ‘São João do Deserto’, desta participando o maestro Manoel José de Melo, Pedro Antônio Cândido, Antonio Amorim, Cristiano Braescher e vários outros. [...] Em 1893 quando os Federalistas, sob o comando de Gumercindo Saraiva, passaram por Lages, obrigaram a ‘São João do Deserto’ a acompanha-los. Partiram no dia 24 de novembro do ano referido. O futuro maestro ‘Maneco Melo’ (Manoel José de Melo), que tanta projeção alcançou depois nas atividades musicais lageanas, também seguiu incorporado à coluna revolucionaria e teria ido até Itajaí. Deixou ele umas notas sobre a aventura, porém sem dados de maior valor histórico. (COSTA, 1982, p. 1104)

O autor nos traz também que o maestro Manoel José de Mello foi um dos

participantes do Club Sinfônico, fundado em 8 de agosto de 1917 e que fundiu-

se depois com o Clube Dramático Amadores da Arte (COSTA, 1982, p. 1109).

Manoel José de Mello foi regente da banda Harmonia Lageana, que “das velhas

orquestras ou bandas que alegraram as primeiras décadas do século, conseguiu

sobreviver até, mais ou menos, 1930” (COSTA, 1982, p. 1109).

A banda Harmonia Lageana também, segundo Costa, tocava nos

primeiros tempos do cinema na cidade.

Como se sabe, nos seus primeiros tempos, o Cinema não era sonorizado e sobre as imagens, na parte inferior da tela, eram impressos os diálogos ou legendas necessárias à compreensão do entrecho. Então os filmes eram acompanhados por uma orquestra pequena ou por piano. Em Lages, o fundo musical era feito, nos primeiros tempos, pela orquestra ‘Harmonia Lageana’ ou por um conjunto especial, de uns poucos músicos. (COSTA, 1982, p. 1121)

Outras referências sobre Manoel José de Mello trazidas por Costa são de

sua participação na Maçonaria, já comentada. Na página 1418, ao contextualizar

a pouca popularidade da Igreja Católica antes da reforma no começo do Século

XX em contraste com o crescimento maçônico em Lages, “nomes

representativos da sociedade, da política, do comércio e indústria locais”

(COSTA, 1982, p. 1418) são citados, entre eles os de Manoel José de Mello e

Virgílio José Godinho.

Na verdade, entre eles, talvez a maioria fosse de católicos que não viam incompatibilidade entre sua Religião e a Maçonaria, apesar de que as duas entidades estivessem oficialmente rompidas desde meados do século passado. (COSTA, 1982, p. 1420)

Outras referências sobre Manoel José de Mello são de autoria das

melodias de dois hinos: as do Grupo Escolar Vidal Ramos, e do Clube 14 de

Junho. Sobre o hino do Grupo Escolar Vidal Ramos, Cordova nos traz em sua

dissertação de mestrado que a letra é de Trajano José de Souza, e a melodia,

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de Manoel José de Mello (CORDOVA, 2008, p. 113). Em entrevista, foi obtida a

melodia do hino do Grupo Escolar, cuja transcrição na partitura está no capítulo

4. Sobre o hino do Clube 14 de Junho, cuja partitura não foi localizada, Muniz

nos traz em sua dissertação de mestrado que “infelizmente, não foi possível

encontrá-lo, a única informação sobre o hino é sobre a sua autoria: Caetano

Costa e musicada pelo compositor Manoel José de Mello” (MUNIZ, 2012, p. 42).

3.1.2 Manoel José de Mello: O começo, e participação na Revolução

Federalista

A seguir, um resumo dos fatos principais das memórias de Manoel José

de Mello, escritas de próprio punho em 1894. Manoel José de Mello, filho de

Francisca Maria da Conceição, nasceu em Lages, conforme ele descreve,

“pobre, sem nome à sociedade e sem futuro” (MELLO, 1894). Sua mãe era

lavadeira e engomadeira, e o colocou na escola aos 7 anos para aprender as

primeiras letras (não foram encontradas informações sobre o pai dele). Aos 15

anos, prestou exame de gramática e aritmética e foi aprovado, mas não pôde

continuar os estudos, pois sua idade permitia já aprender um ofício, trocando a

escola por uma casa de selaria. Após dois anos trabalhando como aprendiz,

começou a ganhar seu salário. Nesta casa foi organizada uma banda de música,

e Manoel Mello dedicava-se a estudar música nas horas de folga.

Após oito anos, Manoel Mello era mestre de oficina, guarda-livro, e de vez

em quando seu patrão o encarregava de seus negócios particulares. Então

Manoel Mello “despediu-se em boa paz” (MELLO, 1894), conforme ele relata, e

estabeleceu-se com outra casa, onde trabalhava com seu ofício, fazendo selas

e arreios, cordas, etc. Fazia parte da banda São João do Deserto, e com a

retirada do regente, Manoel Mello assumiu a função, aos 23 anos. Ele relata que

a banda tocava em divertimentos sociais diversos, como teatro, bailes, e festejos

políticos e religiosos, “ganhando muito bem em cobres, e também em simpatia”

(MELLO, 1894), tendo depois abandonado a banda “pelo motivo de ultraje11 em

que se achava” (MELLO, 1894).

11 Está transcrita, nos anexos, uma nota que explica a história por trás do afastamento de Manoel José de Mello da regência da banda São João do Deserto.

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Na ocasião da invasão em Lages pelos Federalistas, Manoel Mello foi

alistado pelo governo provisório na Guarda Nacional, conforme ele relata, “contra

o governo do Sr. Floriano Peixoto (vice-presidente da república)” (MELLO, 1894),

sendo que “em poucos dias foi promovido a 1º sargento do 1º corpo de infantaria

da 3ª companhia de operação de Lages, esta promoção foi dada pelo seu bom

comportamento e dignidade” (MELLO, 1894). Rumando ao norte em função de

a força inimiga achar-se perto de Lages, “reuniram a Guarda Nacional e uma

banda de música, dirigida pelo Sr. Lourenço Dias Baptista Jr.” (MELLO, 1894).

Pessoas que deviam dinheiro a Manoel Mello, buscando livrar-se da dívida,

disseram ao general Paulino das Chagas Pereira que ele era músico, e Manoel

Mello foi incluso nesta banda. A força de vanguarda, sob o comando do general

Paulino, era de 500 homens (incluindo a banda de música), e a retaguarda,

comandada por Gumercindo Saraiva, era de 2500 homens. Partiram a 15 de

novembro de 1893.

Ao dia 16, um piquete do gen. Gumercindo teve pequeno tiroteio com a

vanguarda do gen. Pinheiro, composta de 500 homens, e ao dia 17, no rio

Canoas, ocorreu “fogo serrado” (MELLO, 1894), que foi “das 9 horas do dia até

o dia seguinte” (MELLO, 1894). As forças do gen. Pinheiro já estavam atuando

em Curitibanos. Enfraquecendo-se as guardas no dia 24, rumaram a Blumenau

(provavelmente, para tentar um cerco ao inimigo). Chegaram a Blumenau após

10 dias de viagem, alimentando-se apenas do que levavam, e rumaram a Itajaí

pelo rio Itajaí-Açu em um vapor, lá chegando ao entardecer. Ao terceiro dia, a

banda fez uma retreta, sendo aplaudida pelo público, e foram convidados a tocar

no teatro à noite, antes de uma apresentação teatral. Manoel Mello sentiu-se

atraído por uma jovem atriz, procurando-a no dia seguinte, mas quando estava

conversando com ela, tocou ao clarim a ordem de avançar. Já no vapor Urano,

comandado pelo almirante José Custódio de Mello, tocaram uma polca que

Manoel Mello compôs a partir desta experiência, chamada A Deus, Morena (não

encontrei partitura com este título no museu, talvez não tenha sido escrita em

pauta).

Após seis horas, chegaram a São Francisco, sendo recebidos com festa,

e desembarcando, foram ao hotel em que se hospedariam tocando uma marcha,

sendo bem recebidos. Após execução musical e um grande jantar oferecido,

novo sinal de embarque rumo a Joinville, em um vapor chamado Babitonga. Os

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generais Paulino e Gumercindo, além da banda de música, estavam presentes.

Três dias após chegarem a Joinville, marcharam para Jaraguá e Itapecu

(Itapocu), e após cinco dias de espera pelo inimigo, voltaram a Joinville, às

farpas. Um dos pés das botas de Manoel Mello estava pela metade. As forças

do general Paulino dissolveram-se, e ficaram à deriva. Residiram em Joinville

por aproximadamente um mês, pois não podiam retirar-se contrariando ordens

(um esquadrão de lanceiros impediu a partida), e após muitas exigências,

partiram a Desterro. A embarcação enfrentou tempestade marítima nesta

viagem. Em Desterro, foram incorporados à Guarda Nacional da Capital. Após

um mês e meio, Manoel Mello teve a sorte de encontrar o coronel José Joaquim

de Córdova Passos, chefe do Departamento Federalista de Lages, podendo

explicar sua situação e a necessidade de regresso a Lages, partindo ainda com

o título de Guarda Nacional da Capital, e acompanhando a comitiva a pé,

chegando em Lages após 11 dias de viagem.

Figura 8: página do caderno que contém as memórias de Manoel José de Mello,

escritas pelo mesmo em 1894, logo após o regresso a Lages. Nesta página, ele relata a

ida a Blumenau, e como era o caminho na época.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

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Cabe aqui um comentário sobre a referência feita por Costa mencionada

anteriormente, sobre escritos deixados por Manoel José de Mello: nas palavras

do autor, Manoel Mello teria deixado escrito sobre a aventura, onde sua banda

São João do Deserto foi obrigada a acompanhar uma coluna da revolução e

teriam ido até Itajaí, mas sem dados de maior valor histórico. Se é o mesmo

escrito, talvez o autor não tivesse condições de analisar a fundo cada item

abordado, ao discorrer sobre diversos aspectos sociais, históricos, políticos,

geográficos, entre outros, sobre a cidade e a região de Lages. Respeitosamente

discordando do autor, há dados históricos relevantes nos escritos de Manoel

Mello: ele cita a fundação de uma banda de música no serviço em que ele era

empregado (segundo anotações do Sr. Danilo, é a própria banda São João do

Deserto, tendo surgido na selaria de Gaspar Lima12), e descreve traços do que

ele viveu como soldado.

Manoel Mello relata ter saído da São João do Deserto, e foi alistada pelos

Federalistas uma banda de música dirigida pelo Sr. Lourenço Dias Baptista Jr, à

qual ele, Manoel Mello, foi incluso. Lourenço participava da outra banda existente

na cidade naquela época. Fica a dúvida de se era outra banda formada pelos

Federalistas com músicos alistados. No escrito, Manoel Mello relata ter ido até

Joinville e São Francisco do Sul (indo além de Itajaí, portanto), tendo ido a

cidades próximas tentar o cerco ao inimigo, e ter residido à força em Joinville.

Embora o escrito tenha poucos dados específicos sobre Lages, é uma narrativa

escrita pelo próprio personagem. A transcrição do manuscrito onde ele relata as

memórias resumidas acima, está no apêndice deste trabalho.

Em anotação do Sr. Danilo Thiago de Castro encontrada na pasta 56,

consta que Manoel José de Mello nasceu em 1865 ou em 1869, empregou-se

na selaria de Gaspar Lima, na Rua Correia-Pinto, e faleceu a 7 de junho de 1934.

3.1.3 Traços de sua atuação musical entre 1921 e 1924, através do jornal O

Planalto

Sobre a vida de Manoel José de Mello após regressar a Lages, estudos

mais aprofundados podem ser feitos. Quando ele escreveu suas memórias,

12 Também de acordo com as anotações, Gaspar Rodrigues de Lima era militante do Partido Federalista e foi uma das pessoas fuziladas na execução dos Federalistas em Lages.

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ainda em 1894, ele disse estar trabalhando no mesmo ofício em que estava

antes de os Federalistas invadirem Lages. O que foi encontrado sobre ele logo

após retornar, é que Manoel José de Mello aparece entre nomes que foram

sorteados e designados com o dever de servir em sessões, respectivamente, na

câmara municipal; e de jurados, referente ao Teatro São João (o qual era o único

teatro da cidade, estava em más condições e foi a leilão, sendo arrematado pelo

município), nas edições do Região Serrana de 24 de junho de 1900; e 10 de

março de 1901. Como visto na bibliografia consultada, depois ele teve ativa

atuação musical em Lages. Buscando traços de sua atuação na cidade, foram

consultados jornais, e documentos das sociedades recreativas da cidade.

Como ele foi ganhando espaço no meio musical, e sua trajetória no

começo do século e durante a década de 1910, são pontos a serem investigados

em estudos futuros. Sobre a atuação dele como regente e compositor, foram

encontradas reportagens do jornal O Planalto que relatam atuações da banda

Harmonia Lageana, da qual ele era regente, no começo da década de 1920.

Segundo Costa, a mesma foi fundada por volta de 1915 e existiu até o começo

da década de 1930, aproximadamente. Na peça A Princeza Serrana: Revista

dos Costumes Locaes, transcrita no livro de César Lavoura, há o seguinte verso:

“Eis aqui, toda catita, Harmonia Lageana, Que nasceu da dissidência Da velha

Lira Serrana” (LAVOURA, p. 238). Lyra Serrana, como escrito em jornal da

época, era uma banda (ou orchestra) que surgiu em 1912, regida pelo maestro

Ismael Souza (há uma nota comentando seu surgimento no Região Serrana de

4 de janeiro de 1912). Na página seguinte, uma foto da Lyra Serrana.

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Figura 9: banda Lira Serrana, ou Lyra Serrana13, como registrado em jornal da

época.

COSTA, p. 1111

A seguir, resumo algumas das reportagens do jornal O Planalto, em

edições do começo da década de 1920. Além de mencionar os eventos em que

a banda tocava, também menciono um pouco dos detalhes dos eventos, para

contextualizar um pouco do panorama social em que estavam inseridos.

Na edição de 18 de junho de 1921, é noticiada a cerimônia de

comemoração do primeiro ano do Clube 14 de Junho. A 12 de junho de 1921,

ocorreu uma assembleia com os sócios do Clube 14 de Junho, para uma votação

de estatutos. Após determinado que os estatutos fossem registrados e

publicados, teve uma festa na noite do dia 13, com churrasco servido à meia-

noite, tendo os cerca de 30 sócios passado “o resto da noite entregues às mais

francas expansões de alegria e solidariedade, até que chegou a hora da

inauguração da bandeira” (O PLANALTO, 18 jun. 1921, p. 1). E às cinco horas

13 No jornal Correio Lageano, o Sr. Danilo escrevia uma coluna contando fatos históricos de Lages. Em uma dessas edições, ele descreveu os nomes dos integrantes da banda Lyra Serrana, nesta foto. Em pé, Izidro Félix de Oliveira (piston), Aristides Batista Ramos (violino), Rodolfo Antunes Oliveira (rabecão – atual baixo de corda), Ismael de Souza (regente e compositor), Paulo Bayer (violino), tio Manequinho Batista (violino), Mundinho Menezes (violino), e o menino Ernesto Emmeli (violino). Como o homem do baixo é o quinto da esquerda para a direita, certamente teve troca na ordem dos nomes. Sentados, da esquerda para a direita, Virgílio José Godinho (trompa), Pedro Antônio Cândido (clarinete), Manoel Nicollelli (flauta), e Áureo de Castro (trompa). Foto tirada no pátio dos fundos da Casa de Virgílio José Godinho, em 16/03/1912. (Correio Lageano, 30 set. 1973)

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em ponto, a banda Harmonia Lageana tocou “um dobrado retumbante” (idem).

O presidente major Otacílio Costa chegou às seis horas, e a bandeira do

clube, nas cores azul e branca, foi desfraldada, tendo então discurso do Sr.

Otacílio Costa. A banda Harmonia Lageana saiu em passeata com os sócios que

participavam da festa, e compareceu de volta à sede do clube “executando um

belo dobrado” (O PLANALTO, 18 jun. 1921, p. 2), e “iniciou-se logo a recepção

ao som da música que executava um pequeno trecho” (idem). Após, chegaram

mais convidados e ocorreram nomeações e discurso do presidente do clube.

Ao terminar, no momento em que declarou solenemente inaugurada a sede social do Quatorze de Junho, ouviu-se uma prolongada e enthusiástica salva de palmas, rompendo nesse momento a Harmonia Lageana o hymno social, letra do consocio coronel Caetano Costa e musicada pelo festejado e modesto compositor Manoel José de Mello. Um numeroso grupo de senhoritas e de cavalheiros, sob a direção do sr. Capitão João Gualberto da Silva entoou o hymno que foi ouvido debaixo da mais viva commoção e enthusiasmo, que patenteava-se pelas continuas e vibrantes aclamações ao Quatorze de Junho. (O PLANALTO, 18 jun. 1921, p. 2)

A reportagem segue narrando os pormenores, que resumidamente são os

discursos do Dr. Indalécio Arruda, orador do clube; da senhorinha Olga Luz, que

ao terminar ofereceu um ramalhete de flores preso pelas hastes com fitas azul e

branca, as cores do clube, ao presidente do mesmo; e do Sr. Paulino Saldanha,

falando em nome do Centro Cívico Cruz e Souza. O presidente do clube leu

longo relatório da gestão de 1920 a 1921, e depois iniciaram-se as danças, tendo

o baile terminado às 5 horas da madrugada de 15 de junho. Tanto nos momentos

mais solenes quanto nos de recreação, a banda estava presente.

Ainda nesta edição de 18 de junho, consta agradecimento escrito por

Belisário da Silva Muniz, pelo sucesso da Festa de Santo Antônio no distrito de

Índios, em 14 de junho de 1921. A banda Harmonia Lageana teve agradecimento

especial, “que foi incansável e animadora da satisfação geral” (O PLANALTO,

18 jun. 1921, p. 3). Os jornais das edições que saíram em datas próximas trazem

diversas participações da banda Harmonia Lageana. Na edição de 19 de julho,

há menção às várias domingueiras ocorridas no Clube 14 de Junho, onde “as

domingueiras têm sido abrilhantadas pela aplaudida e correcta Harmonia

Lageana” (O PLANALTO, 19 jul. 1921, p. 3).

Na edição de 13 de agosto, é relatada a Festa a Nossa Senhora dos

Prazeres, Padroeira de Lages, as quais começaram no dia anterior, e na noite

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da referida edição do jornal, ocorreu leilão de prendas, missa solene com

participação de coral “composto de diversos cavalheiros e senhoritas de nossa

sociedade” (O PLANALTO, 13 ago. 1921, p. 2), e itinerário da procissão a ocorrer

segunda-feira. Nessa noite, continuação do leilão de prendas e animação da

festa pela Harmonia Lageana. Há também um pedido aos moradores do caminho

da procissão para a gentileza de ornamentarem a frente da casa.

Mais destaques à banda Harmonia Lageana são encontrados na edição

de 3 de setembro. É novamente mencionada a Festa de Nossa Senhora dos

Prazeres, Padroeira de Lages, realizada nos dias 12, 13, 14 e 15 de agosto.

Muitas famílias vieram do interior (talvez a notícia quisesse mencionar que

vinham do meio rural, das fazendas), e a notícia descreve aspectos diversos,

como detalhes da decoração da igreja e atuação das festeiras, “exibição ao ar

livre de belíssimos films cinematographicos” (O PLANALTO, 3 set. 1921, p. 3),

kermesse, missa solene, cortejo, e leilão de prendas, citando nomes das

pessoas envolvidas em cada função. Sobre a parte musical da festa, diz em meio

à reportagem:

Todos os actos religiosos foram abrilhantados pelo côro dirigido pela Revdma. Irmã Gabriela e constituído por diversos cavalheiros e senhoritas da nossa sociedade, tendo tocado durante a festa a excelente banda musical Harmonia Lageana. (O PLANALTO, 3 de setembro de 1921, p. 3)

Na edição de 10 de setembro, uma reportagem fala da celebração de 7

de Setembro, ocorrida no Clube 14 de Junho. Conforme era costume do jornal,

pelos exemplares estudados, abordava os eventos sociais em suas reportagens

com detalhamento ao descrever os diferentes momentos das celebrações, com

comentários sobre a ornamentação, a assembleia geral, cerimônia de

benzimento do estandarte, discursos, além de citar os nomes das pessoas em

destaque social e autoridades e representações presentes. A banda Harmonia

Lageana acompanhou as partes mais formais do evento, tendo uma retreta às 5

horas da tarde, tocando trechos de seu repertório por mais de uma hora, que

então executou dobrados durante a recepção aos convidados. Tocou o Hino da

Independência após o discurso do presidente do Clube (o Sr. Major Otacílio

Costa), e novamente tocou o mesmo hino após discurso do Dr. Mário Teixeira

Carrilho, juiz de direito da Comarca (com seus sons confundindo-se com os

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aplausos após o discurso, conforme a reportagem diz). O hino social do clube foi

cantado por um grupo de cavalheiros, sob direção de João Gualberto da Silva.

Há então descrição do programa musical tocado na sequência, e depois

ocorreu o baile, começando às 11 horas da noite e terminando às 5 horas da

madrugada, onde a reportagem diz que os pares “entregavam-se às delícias das

valsas, ao som das músicas da Harmonia Lageana” (O PLANALTO, 10 set. 1921,

p. 2).

No dia seguinte ao baile, a 8 de setembro, a banda Harmonia Lageana

esteve presente nas bodas de prata do Capitão Virgílio Ribeiro Ramos com sua

esposa, a Sra. Maria Angélica de Camargo, e então transferiram-se da

residência dos mesmos à sede do Clube 14 de Junho, onde ocorreu

confraternização referente à celebração do casal.

Na edição de 28 de setembro, consta que a banda Harmonia Lageana

esteve presente em um festival promovido pelo Centro Cívico Cruz e Souza,

ocorrido no Theatro Municipal em comemoração de seu terceiro aniversário de

fundação. O hino foi cantado com acompanhamento da banda. Nesta mesma

edição, a banda está entre os convidados do aniversário da Sra. Adélia Ramos

da Costa, esposa do então presidente do Clube 14 de Junho, Otacílio Costa. Nos

salões do clube, ocorreu sarau em comemoração ao aniversário. E na edição de

7 de junho de 1922, é mencionada uma composição de Manoel José de Mello,

tocada em uma das domingueiras do Clube 14.

Num dos intervalos a ‘Harmonia Lageana’ executou pela 1ª vez uma belíssima valsa composta e musicada pelo festejado maestro Sr. Manoel de Mello, autor da aplaudida musica do Hymno Social. A valsa tem o nome do presidente eleito da República Dr. Arthur Bernardes. (O PLANALTO, 7 jun. 1922, p. 3)

Desta valsa, não encontrei a melodia escrita nas pesquisas. A banda

Harmonia Lageana é ainda mencionada no segundo aniversário do Clube 14 de

Junho, na edição de 17 de junho de 1922. Outra aparição é uma retreta, na

inauguração de um grande retrato de Otacílio Vieira da Costa, em comemoração

ao seu primeiro aniversário de administração municipal, em notícia da edição de

8 de janeiro de 1924. Evidentemente, outros grupos musicais compunham

também a vida artística de Lages na época. Entre as notícias de outros grupos

musicais em eventos, cito a notícia da procissão da Festa do Divino, que foi

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acompanhada por uma orquestra de cordas, dirigida pelo Sr. Alberto Mattos, na

edição de 19 de maio de 1923.

As edições analisadas do jornal O Planalto trazem bastante destaque às

atividades do Clube 14 de Junho, conforme visto nas amostras aqui escolhidas

para contextualização histórica. Pode-se perceber que há uso de adjetivos de

forma a mostrar as atuações musicais de forma positiva, como o dobrado

Avante!, composição de Virgílio Godinho, definido por “belíssimo” (a reportagem

a respeito está no item seguinte, sobre Virgílio José Godinho), e a própria banda

Harmonia Lageana sendo definida como aplaudida e correta. O maestro Manoel

José de Mello parecia estar em uma posição bastante privilegiada na época. Não

encontrei referências sobre se ele estava sobrevivendo da profissão de regente

musical, ou se tinha outra profissão. Sobre o instrumento que Manoel Mello

executava, na edição de O Planalto de 15 de fevereiro de 1924 há uma nota

sobre o carnaval, na qual menciona-o tocando bombardino. Sobre o outro

compositor aqui abordado, Virgílio José Godinho, foram encontrados dados de

sua trajetória na bibliografia consultada que permitem um mapeamento inicial de

sua trajetória, e dados adicionais no acervo do museu. Nas figuras 9 e 10 deste

trabalho, Virgílio Godinho aparece segurando os instrumentos musicais que ele

tocava.

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Figura 10: Banda Harmonia Lageana e convidados em piquenique na chácara de Pedro

Amorim. Segundo anotação do museu, estão entre os presentes: Ozorio Lenzi, Zeca

Pereira, Virgílio Godinho, Manoel J. Nicollelli, Alberto Schimidt, Lourenço Batista Júnior,

Generoso Godinho, Pedro Antonio Candido, João Gualberto da Silva, Edmundo

Menezes, Alvaro Silva, João Gualberto da Silva Filho, Pedro Jordão Pereira, Lauro Araújo

e Anízio Ramos.

Acervo do Museu Thiago de Castro

A banda Harmonia Lageana tocou nas comemorações do centenário da

Independência do Brasil. Há um comunicado do Manoel José de Mello, mostrado

na página seguinte, com nomes dos integrantes da banda na ocasião.

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Figura 11: comunicado de Manoel José de Mello referente à participação da banda

Harmonia Lageana nas comemorações do centenário da Independência.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

3.2 VIRGÍLIO JOSÉ GODINHO

Diferentemente de Manoel José de Mello, que deixou relatos escritos de

parte da vida dele (o que traz algum enriquecimento para um posterior esboço

maior de biografia), não foram encontrados relatos da vida de Virgílio José

Godinho escritos pelo próprio, ou por outros. O que há de dados para escrever

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sua trajetória está em boa parte na bibliografia consultada, principalmente em O

Continente Das Lagens. Pelo que pode-se perceber analisando os poucos dados

disponíveis, Virgílio Godinho tinha um lado empreendedor bem forte, tendo

atuado em diferentes áreas. Ele não era somente músico por profissão, tendo na

atividade musical, um fazer paralelo.

Em 1901, ele fundou uma escola com o nome dele, o qual é o

empreendimento mais antigo dele encontrado nesta pesquisa. Existia também o

Colégio Serrano, o qual teve efêmera duração (há uma reportagem a respeito

deste colégio, na primeira página do jornal Região Serrana de 12 de agosto de

1900). Segundo Costa, o colégio dirigido por Virgílio Godinho começou suas

aulas a 23 de setembro de 1901. “Tinha cursos preliminar, secundário e de

música” (COSTA, 1982, p. 1012). Na dissertação de mestrado de Tania Cordova,

há alguns dados sobre esta escola.

Entre estas aulas, que compunham o cenário da instrução primária em Lages, destaca-se a aula do professor Virgilio Godinho. Essa aula de caráter particular laico excluía de seus bancos escolares quem não realizava o pagamento até o dia 6 de cada mês, como mostra a publicação do jornal O Imparcial de 18 de setembro de 1901. Aqui já se pode perguntar quem era a clientela que frequentava esta aula. Quem eram as crianças matriculadas nessa escola? Certamente filhos de pais abastados, pois os que não realizassem pagamento seriam excluídos. (CORDOVA, 2008, p. 40)

Era uma escola particular, portanto, e de caráter laico. A fundação desta

escola é o dado mais antigo encontrado sobre Virgílio Godinho nesta pesquisa,

e dados sobre a juventude e formação dele, e de como começou na música, são

ainda dados a investigar. A autora traz, na mesma página, o texto do jornal onde

era feito o anúncio desta escola.

Aula Particular

Abrir-se-á no dia 23 do corrente mês uma aula particular dirigida por Virgílio José Godinho compreendendo:

O 1º Ano um ensino teórico e prático das matérias Aritmética, Português, História Pátria, Geografia, Política e Caligrafia, segundo a capacidade do aluno.

O 2º ano compreende o ensino das mesmas matérias mais desenvolvidas, e ainda as principais noções de Cosmografia, Geometria e Alemão, ficando finalmente os alunos preparados para entrar em curso secundário superior.

Horário: Desde as 8 horas da manhã até as 2 da tarde.

Teremos ainda uma aula independente, de música que terá lugar à tarde, 3 vezes por semana.

Atenção: as mensalidades devem ser pagas adiantamento, começando no 1º dia do mês próximo vindouro, sendo porém excluído da aula o aluno que até o dia 6 de cada mês não contribuir com o pagamento respectivo.

MENSALIDADES

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Iº ano, por mês, 6$000

IIº << << , 8$000

Aula de música, por mês, 6$000

O professor, Virgílio José Godinho.

Rua Coronel Córdova (O IMPARCIAL, 18 set. 1901, apud CORDOVA, p. 40).

Não é sabido quando este colégio encerrou suas atividades. Também em

1901, Virgílio José Godinho é um dos professores que aparecem entre os

avaliadores "nas três escolas do sexo masculino e na do sexo feminino d'esta

cidade" (REGIÃO SERRANA, 8 de dezembro de 1901, p. 3). A reportagem dá a

entender que eram as escolas públicas existentes na época, e os demais

professores examinadores eram Major Simplício dos Santos Souza, alferes

Pedro Antônio Candido e o advogado capitão Manoel Thiago de Castro.

Sobre o começo de vida de Virgílio José Godinho, uma hipótese que pode

ser levantada é que ele era um dos estudantes enviados ao colégio em São

Leopoldo, isto tanto devido ao colégio fundado por ele oferecer aulas de música,

quanto por oferecer aulas de alemão. Ele poderia ter aprendido alemão com os

professores Jesuítas de São Leopoldo, ou então ter trazido algum professor de

lá. Há um indício a respeito desta hipótese. Como visto sobre a instrução em

Lages, na contextualização histórica, em fins do século XIX os filhos da elite local

eram enviados ao Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo-RS.

O Colégio Catarinense surgiu apenas em 1905 (depois de ter surgido o

colégio de Virgílio Godinho, portanto, que é de 1901). Um dos professores que

lecionava no colégio de Virgílio Godinho chamava-se Orozimbo Índio do Brasil.

Costa traz uma lista de estudantes lageanos que estudaram em São Leopoldo,

e Orozimbo aparece como aluno em 1897, 1898 e 1899 (COSTA, p. 1010). Ele

era professor de caligrafia pelo “Systhema Ronde” em 1902, sendo criado desde

tenra idade junto com sua irmã (a qual permaneceu com a família adotiva até o

fim da vida) por Júlio Augusto da Costa.

“Tratado sempre carinhosamente pelos pais adotivos e com excelente

nível de instrução, um dia desapareceu e voltou para as matas e pinheirais da

Fazenda do Figueiredo, de onde havia saído com cerca de um ano de idade”.

(COSTA, p. 1012). O professor Paulino Ataíde, que aparece com Virgílio

Godinho na foto da página seguinte, é outro nome na lista dos alunos de São

Leopoldo trazida por Costa. Entretanto, o nome de Virgílio Godinho não aparece

nessa lista de alunos de São Leopoldo. Podem ter nomes ausentes na lista, ou

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então sua família pode ter optado pelas aulas de professores particulares, como

era há até não muito tempo, antes de aquele colégio receber estudantes

lageanos, ou mesmo ter obtido instrução em outro local. Depois desta

experiência, ele investiu no setor de odontologia.

Figura 12: alunos do Colégio fundado por Virgílio Godinho, foto de 1904. Virgílio está de

terno escuro, e ao seu lado de terno claro, o professor Paulino Ataíde.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

Por muitos anos, exerceu a profissão de dentista. Costa nos traz como ele

começou neste ramo. Segundo o autor, o primeiro lageano a graduar-se em

odontologia foi João Baptista Rosa (também presente na referida lista de alunos

de São Leopoldo, lá estudou em 1896 (COSTA, p. 1009)), por volta de 1912, e

mudou-se para Florianópolis em 1916. Outro que teve consultório na cidade por

longo tempo foi Antônio Antunes Ribas Filho, formado pela Faculdade de Porto

Alegre.

Na mesma época o Sr. Virgílio José Godinho, lageano, depois de um curso prático em São Paulo, abriu consultório em Lages. Alguns anos, mais tarde, voltou a São Paulo e fez novo curso, desta vez de prótese, com o professor

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Coelho de Souza. Seu filho, Ivan14, formado pela Faculdade Nacional de Odontologia, do Rio de Janeiro, manteve consultório com ele, por alguns anos, transferindo-se depois para São Paulo e Rio de Janeiro. Depois, por alguns anos, Virgílio Godinho às vezes saía a trabalhar pelas fazendas. Em 1915, segundo notícia que fez publicar em ‘O Lageano’, de 20 de março, realizou o primeiro trabalho de implantação dentária, que, explicava, ‘consistia em extrair o dente, cortar-lhe o ápice da raiz e colocá-lo novamente no alvéolo’. A paciente foi D. Hermínia Gunthier. (COSTA, 1982, p. 590)

Na mesma página, o autor diz que muitos lageanos, a partir da década de

1920, formaram-se em odontologia, e muitos não retornavam à terra natal, tendo

acontecido o mesmo com os médicos. De fato, Virgílio Godinho parece ter

trabalhado em Lages como dentista por longa data, pois constam anúncios dos

seus serviços nos jornais Região Serrana de 1910 e 1911 e 191215, e nos jornais

O Planalto, do começo da década de 1920, os quais consultei nesta pesquisa.

Abaixo, um anúncio do dentista Virgílio Godinho no Região Serrana, em 1912:

Figura 13: anúncio do dentista Virgílio José Godinho.

REGIÂO SERRANA, 1912.

14 Certamente, era seu filho Ivandel José Godinho. Foram encontrados os nomes dos filhos de Virgílio José Godinho nesta pesquisa, estão ao fim deste capítulo. 15 As edições de 1912 foram fotografadas mas foram estudadas mais sucintamente, devido ao prazo do trabalho. Foi escolhido um anúncio desse ano por conter detalhes do seu serviço.

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Outro empreendimento dele, anos depois, foi uma fábrica de gelo.

A primeira fábrica de gelo foi inaugurada em Lages, à Rua Correia-Pinto, pelo Sr. Virgílio José Godinho, em janeiro de 1928, com motor Brunswick, importado de Chicago. Sua produção era de 120 kg ‘em poucas horas’, dizia a notícia da sua instalação, e acrescentava que a firma também vendia ‘sorvetaria e taças para sorvete que poderão ser adquiridas na ‘Casa Blumenau’ também do Sr. Virgílio Godinho.’ (CORREIO LAGEANO, 14 jan. 1928 apud COSTA, 1982, p. 920)

Além desta fábrica de gelo, ocorreram outros empreendimentos. Em

Lages, existiam tradicionais pontos de café, no centro. O último destes antigos

pontos, que chamava-se Café Ouro, fechou em 1998. No mesmo local, funcionou

antes o Café Ideal, outro desses pontos de café, de propriedade de Virgílio José

Godinho. Foi encontrada uma reportagem no jornal O Momento, para a qual o

Sr. Danilo Thiago de Castro foi entrevistado, sobre os antigos cafés em Lages.

A reportagem foi publicada na ocasião do fechamento do Café Ouro. Abaixo, o

trecho da reportagem que fala do Café Ideal.

Figura 14: Nota sobre o Café Ideal 16.

Jornal O Momento, 25 jun. a 01 jul. 1998.

Virgílio Godinho tinha ligação com o Espiritismo, e seu nome consta na

ata de fundação do Centro Espírita Allan Kardec em Lages, fundado a 23 de

março de 1924 (COSTA, 1982, p. 420). Em entrevista, eu resgatei uma

composição de autoria dele que era cantada com as crianças na escolinha de

16 Pão d’água é como é popularmente chamado em Lages o “pão francês”.

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evangelização deste Centro Espírita, nas décadas de 60 e 70, chamada Caro

Pai Celeste. A partitura está no capítulo seguinte. Nas artes, Virgílio Godinho

participava de bandas, foi compositor musical, e também ocupou cargos em

sociedades musicais e associações recreativas. Foi presidente do Clube 1º de

Julho (COSTA, 1982, p. 498), e foi vice-presidente da Sociedade Carnavalesca

Vai ou Racha, a qual foi fundada em fevereiro de 1917 (COSTA, 1982, p. 516).

É de sua autoria o hino desta sociedade, conforme nota encontrada no museu.

Figura 15: anotação do museu encontrada juntamente com uma das folhas do hino da

Sociedade Carnavalesca Vai Ou Racha.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

Foi encontrada também a letra deste hino, então com as fontes

encontradas, será possível uma restauração da música. Entre os documentos

pesquisados no museu, foram encontrados dados sobre cargos que Virgílio

Godinho ocupou nas sociedades recreativas. Em resposta a uma proposta da

inclusão de cinco novos sócios no Clube 1º de Julho, a 21 de julho de 1912,

Virgílio Godinho escreve logo abaixo “oficie-se os novos sócios acima”

(GODINHO, 1912), assinando como “vice-presidente em exercício” (idem); em

ata de reunião do Vai Ou Racha para escolha de nova diretoria e definição de

cargos, em 16 de maio de 1920, Virgílio Godinho fica responsável como diretor

de canto (Manoel José de Mello está entre as assinaturas da ata desta reunião);

em 1926 ele era o 1º Secretário do Clube 1º de Julho, conforme pode ser

concluído a partir de um convite para o 30º aniversário desta sociedade, em que

assina ao final “V. Godinho 1º Secretário” (GODINHO, 1926); em 30 de julho de

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1927, o secretário Virgílio emite um comunicado ao Sr. Mário Grant para estar

no clube às 16 horas afim de tomar posse do cargo de presidente do mesmo,

para o qual o Sr. Grant fora eleito. E em comunicado da Sociedade Musical

Carlos Gomes, de 24 de abril de 1944 (esta sociedade foi fundada no dia 5 de

abril de 1944) aos representantes do Clube Atlético Lages, Virgílio Godinho

aparece como um dos membros do conselho artístico. E em anotações do Sr.

Danilo, Virgílio José Godinho tocou nas bandas Luz Serrana e Lyra Serrana

(também tocava flauta), regeu uma orquestra de cordas e sopros em 04/07/1920

em festa no Clube 1º de Julho, e foi presidente da Sociedade Cultura Musical

(inaugurada em novembro de 1928), da qual o regente era João Pedro Castello

Leite.

Sobre sua atuação musical na cidade a partir dos jornais, à exceção de

uma reportagem sobre um dobrado composto por ele chamado Avante!, não

foram encontradas menções diretas ao nome dele. A exemplo do que foi

encontrado sobre Manoel José de Mello, em que constam relatos de sua banda

Harmonia Lageana em reportagens do jornal O Planalto, sobre Virgílio Godinho

foram encontradas reportagens de eventos do Clube 1º de Julho e do Vai Ou

Racha nos jornais pesquisados, clubes estes em que ele era ativo participante,

sem necessariamente mencionar diretamente o nome dele. Nos jornais, foram

encontradas mais informações sobre ele, Virgílio, de cunho social, como por

exemplo a notícia do nascimento de uma filha dele, Ivandina, com sua esposa

Albertina, no Região Serrana de 20 de agosto de 1911; um texto escrito por ele

em homenagem a Amadeu Moraes, jovem escritor lageano que falecera, na

edição de O Planalto de 10 de novembro de 1923; e outra notícia na qual que

ele comunicava a seus clientes estar ausente por alguns dias (talvez, exercendo

seu ofício de dentista em outras localidades – na notícia em questão, ele

informava que estava em São Joaquim e que estaria de volta no mês de maio),

em O Planalto de 5 de abril de 1923.

Porém, foram encontradas diversas partituras que contêm a assinatura

dele. Algumas folhas não têm título, mas aparece a assinatura dele. Uma das

composições que, se não está mais ou menos completa pelo menos tem

estrutura remanescente do arranjo que permite entender a estrutura da música,

é uma valsa chamada Albertina (certamente, dedicada à esposa dele – está

comentada no capítulo 4). Entre as composições com assinatura dele, foi

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localizada uma valsa dedicada à Sociedade Musical Lira Serrana (outros

exemplos que destaco neste trabalho são comentados no capítulo 4). Foram

encontrados também, na bibliografia e no acervo do museu, dois relatos de

composições dele cujas partituras não foram localizadas. Um destes dois relatos

é trazido na dissertação de Tânia Cordova, sobre um hino cantado no Grupo

Escolar Vidal Ramos. Foi acrescentada ao calendário do Grupo Escolar, em

1916, a festa de inauguração do retrato do patrono Vidal Ramos, que dá nome

ao Grupo. Do jornal O Lageano, de 17 de setembro de 1916, Cordova descreve

a reportagem sobre o evento, na qual consta que o Hino ao Patrono, de letra do

professor Manoel Luiz e música do maestro Virgílio Godinho, foi cantada por

todos os alunos enquanto corriam “as cortinas que velavam a magnífica tela” (O

LAGEANO, 17 set. 1916, apud CORDOVA, 2008, p. 111). A exemplo da

celebração do retrato do Sr. Otacílio Vieira da Costa, comentada anteriormente

no item sobre o Manoel José de Mello, homenagens a autoridades com retratos

tinham grande valor naqueles tempos.

A outra composição relatada e que não foi encontrada a partitura é o

dobrado de nome Avante!, que foi tocado no teatro municipal, e recebeu elogios

na imprensa. Na edição de 3 de setembro de 1921, o jornal O Planalto traz

reportagem sobre um festival realizado no Theatro Municipal promovido pela

Sociedade Vai ou Racha, então presidida pelo Dr. Ribas Filho. A banda

Harmonia Lageana executou um repertório novo, segundo a reportagem, de

peças excelentes, e ocorreu então um programa artístico de peças musicais

pelos convidados, uma representação teatral de um ato, e a execução do

dobrado Avante!, de autoria de Virgílio Godinho e interpretada pela banda

Harmonia Lageana. Após esta programação, ocorreu um baile.

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Figura 16: parte da reportagem do festival promovido pela Sociedade Vai Ou Racha,

onde é abordada a parte musical.

O PLANALTO, 3 set. 1921, p. 3.

Já em 1944, Virgílio Godinho empenhou-se em trabalhar em nova

sociedade musical que surgia na cidade. Alguns dos músicos da velha guarda,

como Lourenço Dias Baptista Jr. e Manoel José de Mello, já haviam falecido. As

antigas bandas também já não mais existiam em sua maioria, e já começavam

outros tempos.

Depois de vários anos sem maiores novidades no setor, foi fundada, em abril de 1944, a Sociedade Musical Carlos Gomes, propondo-se a organizar uma orquestra sinfônica e incentivar conjuntos de amadores teatrais. Teve como presidente de honra, Vidal Ramos Júnior – o segundo deste nome – e Presidente efetivo, o Tenente-Coronel Gastão Pereira Cordeiro. A Orquestra foi imediatamente delineada sob a orientação de Virgílio Godinho. E sob a regência de Ademar Ponce, foi organizada uma banda infantil de 32 figurantes, que teve sua estreia em 29 de abril de 1945. (COSTA, 1982, p. 1112)

Segundo o autor, as antigas bandas particulares foram desaparecendo

devido à pressão de orquestras menores, mais portáteis, e nos clubes foram

ganhando uso as grandes vitrolas, ou mesmo apenas um piano, e depois estes

foram caindo em desuso também, com os tempos das discotecas e de conjuntos

musicais nos padrões dos novos tempos (COSTA, 1982, p. 1112).

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Para complemento destes levantamentos biográficos iniciais, em busca

das datas de nascimento e falecimento de Virgílio José Godinho, foi consultado

o cartório de Registro Civil de Lages. Porém, no tempo em que ele nasceu, ainda

não existia a lei dos registros de nascimento. Provavelmente, teria este dado na

Cúria Diocesana. Tive acesso aos nomes e datas de nascimento dos cinco filhos

dele. A fotocópia da certidão de nascimento do filho mais novo, Iono José,

também foi obtida, mas não contém as datas de seu pai Virgílio. Infelizmente,

não consegui as datas do próprio Virgílio José Godinho até o fim desta pesquisa.

Na certidão, manuscrita na época, consta que ambos Virgílio José Godinho e

sua esposa Albertina de Andrade Machado Godinho são naturais de Lages e

residentes na mesma cidade. Eles casaram-se a 10/06/1905. Seguem os nomes

dos filhos e suas datas de nascimento: Ivo (03/07/1906); Ivandina (03/08/1911);

Ivandel José (06/04/1913); Ivoni (03/05/1916); e Iono José (23/06/1917).

Também em busca das datas de nascimento e falecimento, foram feitas

duas buscas no Cemitério Cruz das Almas. Os funcionários informaram que

parte dos registros mais antigos perdeu-se em um incêndio, certa vez, e o nome

dele não foi encontrado no acervo eletrônico do museu. Nas duas visitas, percorri

os túmulos em busca das datas escritas na lápide, mas o dele não foi

encontrado. Há uma rua em Lages chamada Virgílio Godinho, em homenagem

ao mesmo. Tendo isto em vista, as datas podem estar anotadas em algum

documento da Câmara de Vereadores em Lages, mas quando fui consultar, era

período de recesso. Os nomes mais antigos constam também na Secretaria do

Meio-Ambiente, mas a pessoa responsável encontrava-se em férias, então este

dado será complementado em pesquisas futuras.

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4 COMPOSIÇÕES DE MANOEL JOSÉ DE MELLO E VIRGÍLIO JOSÉ

GODINHO

Neste capítulo, são feitos alguns comentários sobre o material

composicional dos autores existente nas pastas de partituras do museu, apenas

como começo de um trabalho de catalogação, não entrando em detalhes mais

aprofundados, como análise musical por exemplo. As composições que são para

banda são escritas de forma que cada melodia de um instrumento está escrita

separadamente em cada página. A maioria destes escritos está em folhas soltas,

em vez de estarem em um mesmo caderno. De algumas composições também,

foi encontrada apenas uma folha de melodia, e algumas das páginas têm

especificado para qual instrumento foram escritas. Em algumas folhas também,

há melodia de outra composição na outra página. Algumas melodias contêm

cópia com outra caligrafia, o que indica um provável intercâmbio entre

compositores e copistas. Ambos os autores também deixaram escritos como

copistas. Adicionalmente, neste capítulo estão as composições resgatadas em

entrevistas.

Para este trabalho, destaquei alguns exemplos para comentar. A partitura

escrita em Lages de data mais antiga encontrada nestas pesquisas contém

assinatura do Manoel José de Mello. A música é intitulada Contradança

Negrinha, datada de 19 de março de 1891 (portanto, antes de os Federalistas

invadirem Lages, e talvez fosse do repertório da banda São João do Deserto). A

folha encontrada é parte do arranjo, e está escrito na folha que é da parte de

trompas. Infelizmente, só esta parte do arranjo foi localizada. E no verso desta

mesma folha, há a parte de arranjo de outra música, intitulada Quadrilha 9 de

Abril, aparentemente da mesma caligrafia mas sem assinatura que atribua

autoria. Na próxima página, a foto da partitura com o nome do compositor

assinado por extenso.

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Figura 17: Contradança Negrinha, a mais antiga composição escrita por autor

lageano, das que foram localizadas nesta pesquisa.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro

Há duas composições de Manoel Mello das quais também há cópias com

outra caligrafia. São duas valsas, chamadas Recordações de Lages; e Um

Suspiro. A assinatura dele no caderno da autobiografia e no comunicado,

apresentado neste trabalho na Figura 11, é inclinada para a direita. Cabe aqui

uma comparação de caligrafia superficial: provavelmente, os exemplos

mencionados são autógrafos. Eles estão nas imagens seguintes.

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Figura 18: valsa Um Suspiro, com assinatura atribuída a Manoel José de Mello.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

Figura 19: valsa Recordações de Lages, com assinatura atribuída a Manoel José de

Mello.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

A valsa Um Suspiro está em uma folha solta, e a valsa Recordações de

Lages está em um caderno que contém partituras com caligrafias distintas. Estas

assinaturas coincidem, por exemplo, com a que está na capa do caderno que

contém a partitura da valsa O bem-tivi (o mesmo caderno que tem as poesias, e

as memórias de Manoel Mello, comentadas no capítulo anterior).

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Figura 20: selo na capa do caderno de memórias de Manoel José de Mello, o qual contém

escrita autografa.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

Abaixo, as imagens das mesmas composições com outra caligrafia,

presentes em outro caderno (pautado), provavelmente escritas por um copista.

Há melodias assinadas por outros autores no referido caderno, com esta mesma

caligrafia.

Figura 21: valsa Um Suspiro.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

Figura 22: valsa Recordações de Lages.

Acervo do Museu Thiago de Castro.

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Duas composições com a abreviação MjMello encontradas contém esta

última caligrafia apresentada: são elas, uma valsa chamada Silenciosa, e outra

melodia chamada O Rabicho, e as demais partituras contém a que coincide com

os escritos dele. Dos escritos musicais de Manoel Mello, há somente uma

composição com duas melodias existentes para um mesmo arranjo: é uma valsa

chamada Horas Mariana, que tem em folhas separadas a parte de barítono e a

parte de clarinete. As demais, são em uma página somente. Também foi

encontrado um caderno contendo melodias que tem o nome Manoel José de

Mello escrito na capa, mas apenas a primeira página com partitura escrita

contém a assinatura autografa dele. Abaixo, a valsa O bem-tivi, existente na

primeira página de seu caderno de memórias, e a letra da poesia.

Figura 23: Valsa O bem-tivi, no começo do caderno que contém as memórias de Manoel

José de Mello, datado de 1894.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

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Figura 24: anotação presente no caderno.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

Figura 25: poesia O bem-tivi, provavelmente a letra da valsa de mesmo nome.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

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Figura 26: poesia O bem-tivi, provavelmente a letra da valsa de mesmo nome.

Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro.

Entre os escritos musicais do museu, foi encontrada uma cópia da valsa

Nocturna, de Adolpho Mello. Provavelmente, é o mesmo compositor que dá o

nome ao Teatro Adolpho Mello, em São José-SC. A assinatura de Manoel José

de Mello aparece no verso de uma das folhas, a do Barítono, como copista.

Figura 27: assinatura de Manoel José de Mello em cópia da valsa Nocturna (Adolpho

Mello)

Acervo do Museu Thiago de Castro

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As partituras assinadas por Virgílio José Godinho são em maior número,

em relação as de Manoel José de Mello. De maneira análoga, há atribuição de

autoria a Virgílio Godinho, mas com diferentes caligrafias, ocorrendo também

diferenças de caligrafia em folhas de arranjo da mesma peça. Há também um

exemplo de trabalho de copista sobre uma composição dele: duas folhas

encontradas da marcha carnavalesca Vai ou Racha contêm assinatura do

maestro João Pedro Castello Leite, onde ele assina como copista: “Cópia de P.C.

Leite” (esta escrita existe também em algumas partituras do museu).

Figura 28: cópia da marcha carnavalesca Vai ou Racha, com assinatura de João Pedro

Castello Leite. No canto direito, uma assinatura não identificada (está escrito: “Pertence

a...”).

Acervo do Museu Thiago de Castro

A maior parte das partituras assinadas, entretanto, contêm assinatura

coincidente com a que foi encontrada em alguns comunicados assinados por ele,

e esta assinatura também aparece na certidão de nascimento de seu filho Iono

José, da qual obtive cópia. Há também algumas partituras que contêm a

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assinatura autografa do Virgílio Godinho, mas sem título. Um detalhe curioso:

dedicatórias de músicas a amigos (o que não era incomum na época, pois alguns

exemplos foram encontrados na pesquisa, em meio ao acervo). Há dois

exemplos nas partituras deixadas por Virgílio Godinho.

Figura 29: “Ao companheiro e amigo Gualberto Filho, oferece o Virgílio”.

Acervo do Museu Thiago de Castro

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Figura 30: “Dedicada ao amigo Aristides Ramos”.

Acervo do Museu Thiago de Castro

A assinatura das partituras acima é a que coincide com a autografa de

Virgílio Godinho, já mencionada. Esta assinatura aparece também em partituras

em que há o escrito “Apanhado do Grammophone”, ou simplesmente, “Do

Grammophone”, o que indica então que foi apanhada de ouvido de um

gramofone pelo Sr. Virgílio. Há algumas músicas dele que parecem conter partes

do arranjo o suficiente para dar uma ideia da estrutura geral da peça, e que talvez

estejam inteiras. O exemplo que se destaca neste sentido é a valsa Albertina, de

março de 1919, que leva o nome de sua esposa. Desta, foram catalogadas as

folhas escritas para trombone tenor, primeiro violino, segundo violino, baixo e

clarineta em si bemol. Outra composição que, neste sentido, pode estar completa

(ou quase), é um dobrado intitulado Jagunço, de 1915. Foram catalogadas as

folhas de baixo e contrabaixo (é a mesma folha), trompas, regência, pistão e

barítono. O hino da Sociedade Vai ou Racha parece também estar com estrutura

do arranjo remanescente que pode dar ideia da estrutura, mas duas das folhas

são cópias do maestro Castello Leite. Além da valsa dedicada à esposa dele,

também há uma polca-tango chamada Ivandina, certamente dedicada por

Virgílio à filha dele de mesmo nome. Apenas a folha do pistão foi encontrada.

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Figura 31: Ivandina, polka-tango de Virgílio José Godinho.

Acervo do Museu Thiago de Castro

Outra composição que destaco é o Hymno do Club Democrata, também

assinado por Virgílio Godinho. Não foi pesquisado sobre o que o mesmo era. A

única partitura encontrada, mostrada na página seguinte, é a parte do primeiro

violino.

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Figura 32: Hymno do Club Democrata

Acervo do Museu Thiago de Castro

Maior aprofundamento sobre o material dos dois autores, localizado no

museu, será feito em trabalho posterior. Foram computadas nesta pesquisa 15

composições com assinatura de Virgílio Godinho que tem título, a maioria com a

assinatura autografa dele (de algumas delas, parece restar apenas uma página

do arranjo, mas para a maioria delas foram localizados arranjos para três, quatro

e cinco instrumentos, sempre em folhas separadas para os músicos da banda);

e três partituras assinadas por ele sem título, sendo que uma delas

aparentemente está rasgada ao meio. Também há três composições apanhadas

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do gramofone por Virgílio Godinho, conforme está escrito nessas páginas. Do

Manoel José de Mello, foram computadas 15 composições, sendo que apenas a

valsa Horas Mariana tem mais de uma página do arranjo. Algumas páginas

especificam para qual instrumento foram escritas, então podem ser partes de

arranjos cujas outras partes não foram localizados, como por exemplo a

Contradança Negrinha (trompas em mi bemol), e a valsa Uma Lembrança

(clarinete). Adicionalmente, no caderno de composições de Manoel José de

Mello, há 7 melodias. Boa parte das folhas de ambos os autores contêm datas.

Em adição ao material composicional encontrado no museu, duas

composições de Virgílio José Godinho e de Manoel José de Mello foram

resgatadas de entrevistas feitas nesta pesquisa. Estas duas composições não

foram encontradas escritas, restando então referências de memória das

entrevistadas. Uma destas composições chama-se Caro Pai Celeste, e era

cantada na escolinha de evangelização do Centro Espírita Allan Kardec, em

Lages, nas décadas de 60 e 70. Não é sabido se o autor a escreveu em pauta.

A outra composição é o Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos. As músicas foram

cantadas pelas entrevistadas, e as melodias gravadas foram transcritas. Um

detalhe é que, ao acompanhar o canto nas gravações, constata-se que

encaixam-se perfeitamente na tonalidade de dó maior, o que leva à possibilidade

de serem compostas nesta tonalidade (uma vez que eram usadas para crianças

cantarem, e possivelmente as pessoas entrevistadas “enraizaram” as músicas

na tonalidade em que cantavam na infância).

O Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos tem a melodia composta por

Manoel José de Mello. Foram encontradas duas letras: uma, fornecida pelas

pessoas entrevistadas, professoras do Grupo Escolar; a outra, além de constar

na dissertação de Tania Cordova, também foi encontrada no museu. Duas

cópias da letra foram localizadas no acervo do museu: uma, em um caderno

escolar de Fernando Affonso de Athayde Netto, escrita à mão em 1930 quando

ele era aluno do Grupo Escolar, caderno esse gentilmente doado pelo mesmo

ao museu na década de 60; a outra cópia da mesma letra está em um papel

digitado na máquina de escrever. A autoria desta letra é de Trajano José de

Souza. Ambas estas cópias estão nas pastas 291.1 e 291.2 do acervo

documental do museu. A outra letra, foi fornecida pelas entrevistadas. A seguir,

as duas letras encontradas para o Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos.

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Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos. (letra de Trajano José de Souza)

Verso:

Nobres filhos de heróes bandeirantes neste templo de luz a fulgir,

Estudando briosos confiantes, preparamos da pátria o porvier.

Estribilho:

Mocidade elevae esta terra, terra altiva de fecundo labor,

E num himno que jubilo encerra, eis cantae nosso grupo ardor

Verso:

Oh! Quão beleza sublime a cruzada desfraldando da ciência o fanal

Desvendamos mil coisas do nada, já sorri-nos o fúlgido ideal

Estribilho:

Mocidade elevae esta terra, terra altiva de fecundo labor,

E num himno que jubilo encerra, eis cantae nosso grupo ardor

Verso:

Oh! Jamais o entusiasmo esmoreça, sempre avante com fé juvenil

Praza a Deus que este grupo floresça, glória à honra de nosso Brasil.

Estribilho

Na transcrição da letra acima, respeitei a caligrafia da época. Abaixo, a

letra fornecida em entrevista, e a melodia transcrita. Devido a ter duas letras para

o hino, eu as apresento aqui separadamente da melodia escrita.

Verso:

Somos jovens, novéis bandeirantes neste templo de luz a fulgir

Estudando zelosos confiantes, preparamos da pátria o porvir.

Estribilho:

Elevemos o nome da terra, do patrono seguindo o pendão,

Vidal Ramos, pioneiro que encerra os anseios, progresso e instrução

Verso:

Quando avulta a grandiosa cruzada desfraldando da ciência o fanal

Desvendando mil coisas do nada, eis sorrir-nos o fúlgido ideal.

Estribilho:

Elevemos o nome da terra, do patrono seguindo o pendão,

Vidal Ramos, pioneiro que encerra os anseios, progresso e instrução

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Verso:

Ó jamais o entusiasmo esmoreça sempre avante com fé juvenil,

Nosso grupo garboso floresça, sirva a Lages, servindo ao Brasil.

Estribilho

Elevemos o nome da terra, do patrono seguindo o pendão,

Vidal Ramos, pioneiro que encerra os anseios, progresso e instrução

Figura 33: transcrição da melodia do Hino do Grupo Escolar Vidal Ramos.

Transcrição: José Claudio Mezzalira

E na página seguinte, a transcrição da composição espírita Caro Pai

Celeste, de Virgílio José Godinho.

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Figura 34: Caro Pai Celeste, composição resgatada em entrevista.

Transcrição: José Claudio Mezzalira

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ambos os compositores Virgílio José Godinho e Manoel José de Mello

parecem ter origens, embora em uma cidade pequena à época,

consideravelmente diferentes. Manoel Mello teve sua instrução em alguma das

escolas públicas de Lages na época, e só saiu da cidade quando foi alistado

pelos Federalistas. De Virgílio Godinho, a informação mais antiga é seu

empreendimento no ensino, já em 1901. Lecionava, entre outras disciplinas,

música e alemão. Possivelmente, ele estava entre os jovens lageanos que

estudaram em São Leopoldo, o que é dado a ser levantado em pesquisas

futuras. Um levantamento biográfico inicial de ambos foi feito neste trabalho.

Diversas notícias nos jornais consultados que trazem traços da música e

da vida cultural da Lages de então, além das notícias referentes aos dois

compositores aqui abordados, foram mapeadas nesta pesquisa, porém, estudar

os jornais e documentos diversos (programas de eventos, estatutos de clubes,

comunicados, etc.) vai além do foco ao redor dos dois compositores, o que

fornece dados para pesquisas posteriores. Adicionalmente, entrevistas

proporcionaram resgatar duas composições dos autores.

A partir das amostras, percebe-se que Lages tinha, no começo da década

de 1920, uma ativa vida cultural voltada à elite local, com eventos nos clubes e

no antigo teatro municipal. Em diversas reportagens, percebe-se o papel da

imprensa em veicular eventos dessa elite, da qual ambos os compositores

participavam. Alguns valores das artes vistos nas entrelinhas são o papel solene

da música em homenagens a autoridades, além de valores militares (a banda na

Revolução Federalista, integrando uma coluna do movimento), religiosos (a

música nas festas religiosas), e recreativos (as domingueiras, e o carnaval).

Entretanto, as fontes pesquisadas não incluem dados da música feita nos

eventos sem participação desta elite.

Também foram inclusos, nas notas de rodapé, dados relevantes para

complementar a contextualização do trabalho, além de dados adicionais sobre a

música em Lages que estão começando a ser mapeados. Estes dados

proporcionarão futuramente um mapeamento da música feita em Lages nas

primeiras décadas do século.

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REFERÊNCIAS

ANDRADE, Eveline. A Cidade nos Campos de Cima da Serra - Experiências de urbanização e saúde em Lages-SC – 1870 a 1910. 2011. Dissertação: (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Mestrado em História, Florianópolis, 2011. CASTAGNA, Paulo. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Avanços e Perspectivas na Musicologia Histórica Brasileira, Pelotas, nº1, p. 32-57, 2008. Disponível em <https://www.academia.edu/1082526/Avan%C3%A7os_e_perspectivas_na_musicologia_hist%C3%B3rica_brasileira>. Acesso em: 20 dez. 2014. COSTA, Licurgo. O Continente das Lagens - Sua História e Influência no Sertão da Terra Firme. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. 4v., 1739 p. CORDOVA, Tania. O Novo Compõe Com o Velho: o Lugar do Grupo Escolar no Cenário do Ensino Público Primário na Cidade de Lages, no Estado de Santa Catarina (1904-1928). Dissertação: (mestrado) – Universidade Federal do Paraná. Mestrado em História, Florianópolis, 2008. GARCIA, Andrey. Frei Bernardino Bortolotti (1896-1966) e a Cena Musical em Lages: Uma Contribuição Para a Historiografia da Música na Serra Catarinense. Dissertação: (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em Música, Florianópolis, 2009. KERMAN, Joseph. Musicologia. 1ª edição. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1987. 331p. LAVOURA, César. O Poder Simbólico das Artes. Teatro e cinema nos tempos da Princesa da Serra. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1982. 255p. MUNIZ, Vanessa A. Sociabilidades e Namoros em Lages na Década de 1970 – Lages(SC). Dissertação: (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestrado em História, Florianópolis, 2012. Documentos CAFÉ História: História Feita com Cliques. Imagem de Madre Benvenuta. Disponível em: http://cafehistoria.ning.com/photo/madre-benvenuta?xg_source=activity Acesso em: 20 dez. 2014. DE CASTRO, Danilo Thiago. Museu Thiago de Castro. Anotações diversas. GODINHO, Virgílio. Convite impresso para o 30º aniversário do Clube 1º de Julho. Lages, 1926. Museu Thiago de Castro, pasta 372.1.

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GODINHO. Virgílio. Resposta manuscrita em proposta de inclusão de novos sócios do Clube 1º de Julho. Lages, 1912. Museu Thiago de Castro, pasta 372.1. MELLO, Manoel José de. Caderno contendo narrativa de parte da vida dele. Lages, 1894. Museu Thiago de Castro, pasta 56. MUSEU THIAGO DE CASTRO. Pastas: 291.1, 292.2, pastas de partituras (nºs 52 a 57), e pastas das Sociedades Recreativas. MUSEU Thiago de Castro. A criação do Museu Histórico Thiago de Castro, 2008. Disponível em: <http://mtclages.blogspot.com.br/search/label/Hist%C3%B3ria>. Acesso em 10 out. 2014. Jornais Correio Lageano (30 set. 1973) Correio Lageano (11 out. 1973) O Lageano (14 jul. 1883) O Lageano (08 mai. 1884) O Momento (edição de 25 jun. a 01 jul. 1998) O Planalto (1921-1924) Região Serrana (1900 e 1901; 1910, 1911 e 1912)

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ANEXOS

Além do breve histórico apresentado por Costa, computei alguns

trabalhos acadêmicos sobre a música em Lages. São eles:

as dissertações em musicologia: Frei Bernardino Bortolotti (1896-1966) e

a Cena Musical em Lages: Uma Contribuição Para a Historiografia da

Música na Serra Catarinense, por Andrey Garcia Batista (Udesc, 2009); e

A Voz do Progresso: Música e Modernização Nas Ondas da Rádio Clube

de Lages-SC, por Marcel Oliveira de Souza (Udesc, 2012);

os artigos: Fontes Sobre a História da Música em Lages (SC): Aspectos

do Cenário Musical Entre 1900 e 1950, por Andrey Garcia Batista, André

Luiz Alano Alves e Filipe Bratti Schmidt (Uniplac – Universidade do

Planalto Catarinense); e Música, Mídia e Modernização na Primeira

Metade do Século XX, por Marcel Oliveira de Souza (Udesc), ambos os

artigos apresentados no I Simpósio Nacional de Musicologia em

Pirenópolis – GO (maio/2011).

Adicionalmente, há a dissertação em história “Se a Clube Não Deu, é

Porque Não Aconteceu” – Rádio Clube de Lages, Comunicação e Poder

Político na Região Serrana de Santa Catarina, por Paulo de Tarso Nunes

(UFSC, 2001), sobre a referida rádio; e a dissertação em antropologia

“MÚSICA DE FESTIVAL: Uma etnografia da produção de música nativista

no festival Sapecada da Canção Nativa em Lages-SC”, por Fernanda

Marcon (UFSC, 2009), sobre o festival Sapecada da Canção Nativa.

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Abaixo, está transcrita a história ocorrida por trás da saída de Manoel José

de Mello da banda São João do Deserto, comentada na nota de rodapé número

10, na página 45. Esta história foi publicada no jornal Correio Lageano, no qual

o Sr. Danilo tinha uma coluna sobre a história de Lages.

A bateia pegou mais um músico da Banda São João do Deserto, o José Borges

do Amaral e com esse, iniciamos a continuação do número anterior, para

conhecermos do ultraje que nos fala o Manéco da Mãe Chica. Nossos

compositores dessa época, apenas dois, o acima citado e o tio Louro da banda

do partido conservador (banda do Justino), derramavam nas pautas de princípio

apenas valsinhas e alguns schottisches, talvez a cópia de um ou dois dobrados

conhecidos. Um belo dia, Gaspar Lima fica sabendo que na corte os músicos

andam em polvorosa com o dobrado O DOIS DE OURO. Um sucesso em

matéria de música: a encomenda é feita e o dobrado chega em Lages, depois

de vários meses de ansiosa expectativa e, principalmente, num segredo bárbaro

e trancado a sete chaves! Começam os ensaios numa sala dos fundos da selaria:

distribuídas as partituras, os músicos têm ordem expressa de solfejarem o mais

baixinho possível! Como regente, o Manéco é dureza! Mas, por azar de uns ou

sorte de outros, o Lourencinho, terminado o ensaio da banda do Justino, vem

vindo sozinho em direção à sua casa e resolve dar uma chegadinha na casa do

tio João Gaspar, sabendo lá encontrar o seu pai, o Jóca Neves e o Tóta na

cozinha de chão, sempre municiada pelos bules de café da tia Amélia. Acontece

que entrando pelo beco do Gaspar Lima (uma trilha que ia da rua da Cadeia (C.

Pinto), pelo lado da casa dos Magalhães, depois Virgílio Ramos e desembocava

na rua Grande pelo lado do tio João), ouviu o corricho metálico de um

bombardino, solando na moita! Parou e, colando o ouvido na frincha de janela,

sentiu a beleza que seria o dobrado. Não contou ponto: durante muitas noites,

pé por pé, o tio Louro foi tirando de ouvido e depois passando para o papel, parte

por parte do dobrado Dois de Ouro! Todos sabem que, em matéria de música, o

homem era fora de série. Macaco velho não cai de pau podre: combina com sua

turma e também, no maior sigilo possível, vão ensaiando o dobrado. Para termos

uma ideia da rivalidade existente entre as duas bandas, damos a palavra a

Manoel Thiago de Castro que nos conta da seguinte maneira: “_O dissídio dos

Batistas com o Constâncio e a passagem para outra, teve mais tarde

consequências de camboim. Se na ocasião do ensaio passava a banda do seu

Justino, era indispensável um cortejo considerável de extremados, para que o

camboim ficasse em repouso. É que na selaria, enquanto os profissionais

trabalhavam, os instrumentos ficavam alinhados perto de vários porretes

ensarilhados, para o désse e viesse! Nessa hora, a politica já andava comendo

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solta. Um dia... depois de bem ensaiado o Dois de Ouro, sobe a rua da Cadeia

em direção ao centro, a banda do seu Justino, inaugurando e tocando

garbosamente o tão falado dobrado. Agora vem a minha dúvida: será que o

Gaspar Lima empurrou sua banda (S.J. do Deserto) para a rua, também tocando

o Dois de Ouro por simples coincidência, ou de propósito mesmo? Acontece que

esta última já estava na rua, vindo de frente da cadeia e... a pechada bem em

frente ao do beco do Anacletinho (esquina da antiga Força e Luz) foi inevitável!

A testemunha foi, ainda desta vez, a jovem Joaquina Batista Godinho, que

assistiu da janela da casa da Siá Cantúcha. Contou-me que viu as duas bandas

pelo meio da rua, uma em direção à outra, e tocando a mesma música e não

pararam! O entrevero, foi coisa nunca vista: os músicos se pegaram na lenha,

mas as armas foram os instrumentos que voavam amassados, gente com a cara

quebrada, bombos furados e correria nas ruas. Até a presente data, não soube

de notícia igual a essa, fato tendo como causa duas rivalidades: política e

música! Foi esse o grande ultraje sofrido pela banda de Manoel José de Mello,

na Lages de 1893 (mais ou menos entre julho e agosto)”. Voltando novamente

no tempo, com a palavra o seu M. de Melo: “_Tomei posse de sua regência três

anos, onde fui com a banda de música em diversos divertimento sociaes, assim

como: theatro, bailes, festejos políticos, festejos religiosos, enfim, ganhei muito

bons cobres e também simpatia”. Um desses divertimentos foi domingo, dia 27

de julho de 1890: uma festa campestre (pic-nic) com lauto banquete, oferecido

pelo cidadão João de Castro Nunes à elite da sociedade lageana. Nessa festa,

foi executado pela primeira vez o Hino da República. Os vivas foram dados pelo

cidadão Córdova Passos depois de ter feito um pequeno exordio. Ressalta a

preocupação seguinte, no tratar as pessoas: antes, era Cel. Pra cá, Cel. Pra lá.

Derrubada a Monarquia, vemos então Cidadão Fulano, Cidadão Cicrano.

(Correio Lageano, 11 out. 1973)

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APÊNDICE

Abaixo, a transcrição das memórias de Manoel José de Mello, e do

pequeno poema que vem após sua narrativa, transcritos do caderno comentado

no capítulo sobre o mesmo. A transcrição foi feita respeitando o escrever dele.

A contagem de páginas aqui seguida começa na página do caderno em que

inicia-se a narrativa. Eventuais palavras não entendidas literalmente, pela escrita

ou pelo desenho das letras em si, estão acompanhadas de ponto de interrogação

com parênteses (?), e em alguns parênteses com interrogação eu suponho

algumas palavras que parecem ser o que o Manoel Mello quis dizer.

Página 1

Vou dar uma descripção de minha vida, sobre os meus princípios, e passagens

que têm se dado desde a minha tenra idade, até a idade maxima, a qual pesso

aos meus leitores em disculpar-me dos meus fraziados mal fundado, e termos

incompriensivil, e mesmo se medidas.

Mas as delícias, os soffrimentos, as passagens de vida, faz o homem fazer

sertão figura de mil aspectos. É igual a ir em movimentos que estando as suas

malleculas tão dislogadas uma das outras que não as podemos distinguir: assim

é a vida do homem.

Página 2

Parte Primeira

Manoel José de Mello, filho de Francisca Maria da Conceição, nascido e

residente noestado de Santa Catharina, lugar denominado cidade de Lages,

nasce pobre, sem nome à sociedade e sem futuro. Sua mãi, mulher pobre,

apenas os meios para sua subsistência, e de seus filhos, era a profissão de

lavadeira e engomadeira, que são os dotes que Deus dá às pessoas pobres; é

o trabalho.

Manoel José de Mello, quando tinha 7 anos, sua mãi pôs na escola para

apprender as primeiras lettras.

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Página 3

Sua mãi, como muito enttão, conservou seu filho na aula, mais com todas essas

difficuldades sempre apprendeu a ler escrever, cantar, grammathica, análise, em

fim, o elementos principal para o homem.

Aos 15 anos, prestou exame de grammathica, arithimetica, e foi approvado

plenamente, porém não podendo continuar os seus estudos porque a sua idade

permittiao aprender a um officio; saiu da aula e empregou-se emuma casa de

sellanico (selaria?). Esteve 2 annos gratis; e ao depois commeçou a ganhar,

onde ganhou as paroellas seguinte: um anno ganhou 10$0,0 rs, dois $15$0,0 e

os mais 25$ e 40$, também nessa caza estavão organisando uma banda de

muzicas, M. Mello nas suas horas vagas, horas de descanso, M. Mello

empregava-se a estudar muzica.

Página 4

Em fim esteve oito annos n'esta caza, ultmamente nessa caza éra M. de Mello,

o mestre da officina; o guarda-livro, e algumas vezes seu patrão encarregava

dos seus negócios particulares.

Como já disse, estive oito annos M. Mello, nesta caza, e já abilitado como se

achavao, dispidiu-se dessa caza, em bôa paz. Na sua dispidida, todos da caza

chorarão.

--Parte Segunda--

Em 1892, Manoel J. de Mello , estabeleceu-se com uma caza de Comfiheiro(?),

onde trabalhao até hoje regularmente, faz sella arreios, encorviamento,

lavores(?), emfim: tudo o que pertence a seu officio. (Esqueceu-me dizer,

também foi curtidor).

Página 5

Fazia parte de uma banda de muzica, intitulada São João do Deserto.

Ultimamente M. J. Mello, foi regente desta banda de muzicos S.J. do Deserto,

pelo o moctivo que tinhao retirado o professôr que antes éra.

Manoel de Mello tomou posse de sua regência de muzica e a treis annos, onde

foi com sua banda de muzica, em diverços divertimentos sociais, assim como:

theatro, bailes, festejos policivo (políticos?), festejos religiosos, emfim; ganhou

muito bom cobres, e também sympathia.

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Finalmente, abandonou banda de muzica em que dirigia, pelo motivo do ultraje

que se achava a sua banda de muzica, pelas entrigas políticas, e mesmo já, em

revolução a paiz Brasili (continua)

Página 6

Este moço quando tomou posse da regência da banda de muzica estava a vinte

e treis annos.

--Parte Terceira--

Envasão em Lages

Entrando a invasão em Lages, M.J. de Mello foi alistado na Guarda Nacional pelo

governo provisório, contra o governo do sr. Floriano Peixoto (vice-presidente da

república). Como já disse, foi alistado M.J. Mello, na guarda Nacional, o qual em

poucos dias foi promovido a 1º sargento do 1º corpo de infantaria da 3ª

companhia de operação de Lages, esta promoção foi dada pelo seu bom

comportamento e dignidade.

Página 7

Tendo de seguir as forças para o norte, devido a força ennimiga que estava, já

muito perto, e mesmo superior da que se achava em Lages, reunirão a Guarda

Nacional, e uma banda de muzica, derigida pelo Sr. Lourenço Dias Baptista Jr.,

em que poucos dias por intremédio de algumas pessôas - que pouco gostavão

de mim, isto é; porque me divião dinheiro, e para se ver livre da dívida, endiearão

ao General Paulino das Chagas Pereira, e diserão que eu era muzico, lugo

emmidiatamente me incluiu na banda de muzica, em que seguimos no dia 15 de

Novembro de 1893.

A força que fazia a vanguarda, era commandada pelo General Paulino,

compunha-se de 500 homens, enclusive a banda de Muzica, e a retaguarda, era

commandada pelo General Gumercindo Saraiva,

Página 8

(general em chefi das forças revolucionárias), compunha-se de 2500 homens.

No dia 16 um pequete do General Gumercindo, que ficou em vigia na cidade de

Lages, tiverão um pequeno tiroteio com a vanguarda do Pinheiro Machado (força

do Governo), compunha de 500 homes, e no dia 17, 5 léguas além da cidade de

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Lages, tiverão um fogo serrado. O fogo principio às 9 horas do dia, e foi até o dia

seguinte.

O fogo contribuido pelo Senador Pinheiro Machado, descargou, fogo a vontade,

canhões, metralhadora etc.

E o General Gumercindo, contribuia com fusilaria, esqueceu-me dizer, o

combate foi no rio Canôas, em quanto as fôrças do General Pinheiro já estavam

em Curytibanos, em actividade.

Página 9

No dia 24 efromqueu-se as guardas, e seguimos para Blumenau. Estrada mui

longa, grande serra, solidão, cordilheiras, bosque, collinas a subir e desser

lugares mui pirigoso dos idios, leões, tigre emfim: toda a classe de animaeis

ferozes. De momento a momento tocava-mos a muzica para animar o exercito,

e mesmo para destrair a incipideis que passava-mos durante a viagem: mais

tudo éra ingano, porque com os sons da muzica, nos recordava de nossos

familiares, de nosso passado; e mesmo de nosso lar.

O sertanejo não tinha o menos; um quarto de legôa de campo, tudo éra sertão.

A estrada que caminhava-mos não admittia mais do que um formar, era muito

estreita; e mesmo cheia de carderões, atoledo foige, emfim: tudo o que se

encontra de mais ruim.

Página 10

Apenas o mais ligeiro que podíamos caminhar, era ao passo do animal; isto

mesmo de quando em quando caminhava-mos a pé, seis, oito kilometros, porque

lugares que o animal era impossivel aguentar em pé; quanto mais com o ginete

em sima; emfim essa viagem de sertanejo vensemos em 10 dias.

O nosso panadiu(?) durante esta viagem que fizemos no sertão, éra carne

assada sem farinha, e já mesmo sem sal, levando graças a Deus, para não faltar

este alimentoAo passo de quinze dias, cheguemos em Blumenau, Oh! para mim

foi um paraizo! Já incontramos tudo que se diz alimento, e mesmo distrações

que alegrasse o meu coração; e os meus olhos de prazer: mas com todas essas

illusões! de quando em quando me

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Página 11

corria lágrimas pelos olhos, de saudade de meu lar patterno em que nasci.

Oh! Que saudade que eu tenho

do lar onde eu nasci,

já mesmo sem esperança

De voltar daonde eu parti.

Blumenau lugar pequeno, mas mui pintoresco, muitas fábricas; fábricas de

sabão, fábricas de tecido, fábricas de fundição, e muitas officinas de sappateiro,

seleiro, tamanquem, serralem, enfim tudo o que é mesmo útil para um lugar.

Além de tudo tem o rio Itajay que corre pela sua frente, e vai desembocar na sua

frente no mar, além da cidade de Itajay,

Página 12

no Norte, esse vi serve de transporte para o commercio Blumenauense, e

mesmo util ao lugar.

Mudemos de assumpto, vou contar do que passou para diante.

Sahi-mos de Blumenau para abrir franco ao inimigo, e embarque-mos num vapor

pequeno, que navegava no rio Itajay; este vapor servia de conductor de três

lanchas, que o mesmo conduzia em reboque.No espaço de 12 doze horas,

chegemos na cidade do Itajay do Norte; ja no escurecer, No dia seguinte fomos

passear na cidade, percuri toda, onde vi, bonitos prechis (prédios?) publicos, e

deficir particares, em fim a calhieação da cidade é em uma varge plana.

Foi ospedado Nos primeiros hotels da cidade: bem cocorhotel Dão Pedro, e o

hotel Brasil.

Página 13

No terceiro dia de estrada, fizemos uma retreita na frente do Grande hotal Dão

Pedro, os espeqtadores que applaudião era o pessoal melhor do lugar, quando

tocavão algumas pessoas que firia na sympathia dos espectadores, nos

offereciam serveja, cognace, e momento a momento a plausos, palmas e ettc e

ettc.

Onde eu foi applaudido por esse pessôal, como execuctor de meu instrumento.

Ainda na retreita, fomos convidado para irmos tocar no Theatro, nessa noite.

Concluimos a retreita ja de noite, e a hora era próxima ao espetaculo,

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Emmediatamente fomos para o theatro, cheguemos lá toquemos alguma peças

e logo deu sinal de primeiro acto.

Ergue-se o pano, os comicos que appre-

Página 14

sentavão-se no palco, erão o seguinte 2 cavalheiros, Uma senhora de idade

avançada, e uma jovem morena, sympathica, olhos pretos e attrativos, prarui

afildado, bocca bem feita, estatira regular.

Emfim lugo na primeira vista, embos encontrarão os nosso olhos, e de momento

em momento encontrava os nossos olhares, já bem ttraido pel-a amôr, e as

vezes algum sorrizo indicativo.

Findou-se o theatro, recolhe-mos para a nossa abitação talvez já era duas horas

da madrugada. No dia seguinte: sahi apassia, percurando a habitação dessa

jovem morena, percurri algumas ruas da cidade, e sem maior custo encontei-ra.

Tive algumas horas de palestra, lançava alguns olhares de affecto, o qual pela

amesma

Página 15

forma éra correspondido.

Já eu appaxonado por essa moça quando derrepente sem coperar, tocou no

clarin, o toque de avansar. Oh! meu Deus, que engratidão?

que engratidão?

já ira deicharte,

Oh! meu coração.

Dispidime da jovem, com dôr de as deichar, ella pela mesma forma, de as

deichar fugir, mais com tudo isto disse-me, vai, vaia estrella da guia servirá para

o seu conductor.

A Deus jovem.

A Deus, mansebo.

Caminhei des passos em frente, virei para traiz, e fizemos continencia em um só

tempo.

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Retornemos de Itajay, em barque mos no vapor Urano, vapor da Escoadra

Brasileira, vapor do commando do Almirante José Custódio José de Mello.

Na hora da partida sahimos tocando uma Polcha composição minha, entitulada

A Deus, Morena.

A pocos momentos tivemos na barra, onde deu-se principio em drama, comedia,

emfim uma scena comica, uns aclamares, outras chirar, outras a cantar, outras

a gritar, outras a dançar, outras a vomitar, em fim representou-se papel de toda

a forma.

No espaço de seis horas mais o menos cheguemos em São Francisco, o quel

tivemos um bonito recebimento, a cidade cobriu-se de fumaçsa dos foguêtes que

queimavam, seguramente umas 50, a 60 duzia de foguêtes.

Página 17

A nossa banda de muzica tocava allegremente que atuava as ruas da cidade.

Desembarquemos, formemos; e fomos tocando uma marcha, em direção a o

Hotel-do Commercio fomos bem recebidos pelo o dono do Hotel, nos obsiguia

alguns copos com serveja, e nós emmediatamente agradecemos com uma peça

de muzica, em recompença da sympathia que nos ligou.

O Sr. Bragas, commandante do navio, em que viam-nos, nos obsequio em um

grande jantar, em satisfação de vêr uma rapasiada disposta como éra, e mesmo

tratável.

Toquemos mais algumas coisas, agradecemos o dom da caza, e o Sr. Braga,

pelo o bom juizo que nos fiz e retiremos porque havia signal de

Página 18

embarque. Embarque-mos; e a direção que tomou o vapor era pra Joinville.

O vapor em que viajava-mos, chamava-se babitonga, e as pessôa que hiam a

bordo, era as seguinte:

O General Paulino, o General Gumercindo, com suas ordenancias; o Tenente

Jorg VVallan (Wallan?), e a banda de muzica que compunha-se de 15 pessôas,

isto endependente dos empregado do vapor Babitonga. O qual fizemos essa

viagem em 6 horas, divido a vazante. Cheguemos em Joinville, era 9 horas da

noite, desembarquemos, e fomos ospedado na estação dos vapores, mais com

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terão de ser tarde, não deichemos de ir até o hotel do Sr. Maia, convidado pelo

o General Paulino, e pelo o Tenente Wallan, o qual nos obsequi com uma seia,

e tambem algums copos com serveja!

Página 19

Toquemos algumas peças, e retiremos porque já erá tarde.

No dia seguinte sahimos passiar, percoremos toas as ruas da cidade em poucas

horas.

Joinville, lugar pequeno, mas tanto quanto attrativo aos amores? Edifficios

publicos regularmente bonito; bem como duas igrejas bem ornada, massonaria,

Cadêa, e mais alguns. A cidade é collocada em um palnicia mui extenso, aqual

tem estrada de rodagens até rio negro, santa Catharina, Itapecu, Jaragua, e

deverços pontos.

As cazas são muito bem construida, e quase todas com jardim em suas frentes,

composta de toda a especies de flores, - que nas tardes quentes, sertão - as

familias nas suas cadeiras de balanso, abanando-se com seu lique o seu rosto

ensendiado. A pausa que em seus jardins tem uma

Página 20

meza que contem toda a especie de refresco, bem como: serveja, licor, gazozo,

e gello (vulgarmente chamado sorvett.

A o cabo de trez dias de estada, marche-mos para Jaragua, e Itapecu. É uma

picada com cazas saltiadas(?), porém tem muitos mus-quitos para diver-tir as

limnhas. Estivis 5 dias nesse apiqui esperando o inimigo, mas como não viesse

voltamos.

A nossa volta e mesmo na dia, o nosso conductor as carroças dos Alemães,

apenas cabia quatro pessôas, e as suas bagagens no carro.

Voltemos para Joinville já sem roupa e alguns discalço: bem cimo eu, o meu

calcado, estava completamente roto, um pé de botina ainda bom, mais o outro

estava com a metade do pé para fora. Oh! que lastima!

Custume tinha só um, isto mesmo, trazia no corpo.

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Cheguemos em Joinville, a força do Generál Paulino dissorveu-se? E agora; para

onde vamamos?

Nós já sem dinheiro, sem condição, sem conhecimento?

O que fazemos? Diz Lorenço: para onde vamos?

Vamos embora. Aprontem immediatamente, e na ocasião em que ia-mos

embarcar, contra ordem, que não podíamos embarcar sem órde do Generál

Gumercindo. A intimação feita por um esquadrão de lanceiro.

Finalmente fizemos alto e fizemos residência em este lugar (estivemos um mez

e dias).

Varias vezes fomos passiar em São Francisco, uma cidade regularmente

bonitinha.

S. Francisco, um dos pôrtos principal ao nórte, do Estado de Santa Catharina,

Página 22

todos a communicações do Rio de Janeiro, São Paulo, Santos Curitiba,

Paranagua, e varios ponto;

e mesmo os transporte maritimos, tudo n'este porto.

A sua collocação é encostada em um morro, que talvez o comêço do morro, ao

mar, não terá mais do que cem metros de distancia, e a cidade fica contando

esta distancia.

Tem mais estencão de terra que rudêa o morro, maso já é sítio, (caza

sultiadas(?))

Fiquemos residindo em Joinville, sobre o commando do Gummercindo, com a

condição de nos dar embarque, tratamento, mesmo passa-porte, -quando nós

exegiu,

Finalmente, fomo muito bem tratado pelo o General, e mesmo pelo pessôal

d'esta cidade.

Página 23

Partios de Joinville, para Desterro no dia 10 de Janeiro de 1894, e ante a nossa

partida fizemos uma arvorada de madrugada; que as mocinhas de Joinville

ficarão todas enganadas. Na hora de nossa partida fomos acmpanhada por

diverças familias, as quais choravão por nós deichar partir, isto é: por que nós

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não fiquemos mais tempo em elles, mais éra empossivel ficarmos mais tempo,

a sua ide (ida?) nos apertava.

Em esta viagem que fizemos, tivemos aos treis dias de viagem, uma violenta

tempestade, que se não fosse a Providência Divina, teria-mos morrido todos,

mais Deus nos salvou.

Nos viajamos em uma ilhota pequena, mas muito feliz, tinha sido baptisada a

treis dias antes, em que serviu de padrinho a banda de

Página 24

de muzica, a qual teve o nome de Activo-Musicante,

Nesta viagem tivemos muito trabalho, varias vezes servimos de marinheiro,

porque a tempestade nós fez talvez umas cinco légoas distantes de terra.

Soffremos sedê, arrependimento, em gerál.

A ilhota conduzia 23 pessôas a seu bordo, 18 homens, e 5 mulheres e sem

alqueires de cál e nossas bagagens, talvez foi a nossa salvação pelo o pezo que

a conduzia.

De quando em quando, éramos banhado pelas ondas azulada, que atravessava

de um lado a outro.

Página 25

A passo de cinco dias cheguemos em Santa Catharina (1), com o distino de pedir

algum recomeço, e arribar para Lages, (nossa terra natal), mais ainda não éra

tempo, fomos outra vez rebanhado pela a guarda Nacional até retirarem de

Lages as força do Pinheiro Machado, mas qual erá engano já ultimamente

estava-nos considerado muzicos da Guarda Nacional da Capital disterrense.

Estivemos um mes e meio na capital sem podermos vir, ganhava-mos 800 rs,

diario, e 6$0-0 desordo no fim do mes.

Talvez se não fosse o Sr. José Corduva passo

(1) im Santa Catharina chegemos no dia 15 de janeiro de 1894)

Página 26

até agora estáva-mos lá - o aqui - o em Monte-Video.

As 9 horas da manhã, ainda o commercio das mercadorias, quando derrepente

ao virar para traz é quando entrava pelo a porta do armazem do coronel Ricardo

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Barbosa, o Coronél José Joaquim de Corduva Passos, a muito digno chefe do

Departamento Federalista de Lages, Oh! para mim foi uma allegria, uma

confusão, ainda pensei que era engano.

Comprimentei com todo o prazer, tivemos alguns momentos de conferencia,

sitei-o os meus sentimentos e as minhas necessidades de ir para Lages.

O Coronel Passo, trabalho de mangas arregaçadas para nos trazer, porem com

muito custo sempre consegiu ao cabo de treis dias de

Página 27

empate. No quarto dia partimos do Desterro para Lages, mais msmo assim com

o titulo de Guarda Nacional da Capital.

Viajamos em companhia do Coronél Passos, caminhei a pé, mais muito contente

por regressar, para a minha terra natal.

A os 11 dias de viagem, as 9 horas do dia, - quando por surpreza, bradei a minha

mãe o regresso de seu filho que a 5 mezes andava ausente.

Fim

Novembro de 1894

(vire que no outro lado tem a poezia)

Página 28

Saudade de minha mãe e de meu lár.

Minha mãe querida

de tão grande valôr

já mesmo tão distante,

de vosso fiél amôr

A saudade que por vós soffro,

Nunca mais posso esquecer

Nem mesmo escrevendo a vida?

A poesia - o romance - o padecer!

Fim