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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação MARCILENO NUNES LIMA CARTOGRAFIA DE SABERES E PROCESSOS EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO Belém PA 2018

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

MARCILENO NUNES LIMA

CARTOGRAFIA DE SABERES E PROCESSOS EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO

Belém – PA

2018

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MARCILENO NUNES LIMA

CARTOGRAFIA DE SABERES E PROCESSOS EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria das Graças da Silva.

Belém-PA 2018

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA

Lima, Marcileno Nunes Cartografia de saberes e processos educativos inscritos na pescaria artesanal do salto/Marcileno Nunes Lima; orientadora Maria das Graças da Silva, 2018. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2018. 1. Pesca artesanal-Pará. 2.Cultura-Pará 3. Etnoconservação. 4. Pacamorema. I. Silva, Maria das Graças da (orient.). II. Título.

CDD. 23º ed. 371.3

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Ao meu pai Henrique Lima (in memorian) e à minha mãe Isaudia Nunes e irmãos por compartilharem o pão da vida e da esperança, recheado de amor.

Aos meus filhos Arthur Gad, Agatha, Ânika Sofia e Adria, vidas de minha vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela criação do ser humano e da natureza, com dependência mútua.

À minha querida orientadora Profª. Dra. Maria das Graças da Silva, artesã de conhecimentos, pelas magníficas orientações que suscitaram outras formas de ver o mundo.

Às docentes do Mestrado em Educação da Universidade do Estado do Pará, por me fazer enxergar novas epistemologias.

À Profa. Dra. Nazaré Cristina Carvalho e ao Prof. Dr. Flavio Bezerra Barros, examinadores de minha produção, pelas pertinentes contribuições nesta pesquisa.

À minha esposa Dilma Oliveira, mestra no companheirismo, no compartilhar de saberes e sabores e na compreensão das ausências.

Aos manos: Maxleno, Maciel e Misael por não me deixarem “remar sozinho” neste desafio de “fotografar” os saberes.

Aos intelectuais nativos de Pacamorema que se alimentam de sonhos e de peixes, pela transmissão de seus saberes, de suas formas de viver.

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A escrita é uma coisa, e o saber, outra. A escrita

é a fotografia do saber, mas não o saber em si.

O saber é uma luz que existe no homem. A

herança de tudo aquilo que nossos ancestrais

vieram a conhecer e que se encontra latente em

tudo que nos transmitiram.

Tierno Bokar

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RESUMO

LIMA, Marcileno Nunes. Cartografia de saberes e processos educativos inscritos na pescaria artesanal do salto, 2018. 217f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém-PA, 2018. A pesquisa a partir da cartografia analisa os saberes e processos educativos inscritos na pescaria artesanal do salto, tem como objeto de observação, mapeamento e descrição os saberes e processos inscritos no fazer dessa atividade. Norteado pela problemática: Que processos socioeducativos estão inscritos nas práticas da pescaria artesanal do salto e qual contribuição para a conservação da biodiversidade marinha insular? Para dar robustez a essa questão em campo foram necessárias outras perguntas, tais como: Que saberes orientam essa prática? Que processos educativos se manifestam nesse trabalho? De que forma os saberes inscritos nessas experiências de trabalho têm contribuído para a conservação da biodiversidade marinha? Essas questões ancoram o alcance da pesquisa em forma de objetivos: Analisar saberes e processos educativos e possíveis contribuições para a conservação da natureza, descrevendo e identificando as práticas, numa amostragem com 19 intelectuais nativos. Para tanto, elegi como percurso metodológico baseado na cartografia rizomática deleuzeguattariana, enfatizando os aspectos da etnografia de Geertz, com a técnica de coleta de dados a partir da observação participante, do diário de campo, de entrevista semiestruturada e de registros etnofotográficos de imagens (fotos, vídeos e desenhos). Para sustentação teórico-conceitual e metodológico de análise entre saberes, processos educativos e trabalho da pescaria artesanal do salto e a relação do ser humano com a natureza, utilizei Bardin, Marx, Frigotto, Diegues, Brandão, Geertz, Ingold, Freire, dentre outros. Dessa forma, partindo da diversidade de conhecimentos construídos nas práticas da pescaria do salto identificou-se saberes que orientam o seu ritual pedagógico: saber técnico no confeccionar instrumentos; saberes do movimento, sentido e sensibilidade; saberes ecológicos; e, o saber usar a natureza como conhecimento para a etnoconservação. Assim, evidenciou-se, através da circulação desses saberes, os processos educativos vinculados a educação sensível para o trabalho e na interação com o meio natural. Palavras-chave: Educação da atenção; Amazônia; Etnoconservação; Processos rizomáticos.

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ABSTRACT

LIMA, Marcileno Nunes. Cartography of knowledge and Educational processes enrolled in the artisanal fishery of the jump, 2018. 217f. Dissertation (Master in Education), University of Pará State, Belém-PA, 2018. The cartography research analyzes the knowledge and educational processes enrolled in the artisanal fishery of the jump. Its purpose is to observe, map and describe the knowledge and processes registered in the activity. Based on the problematic: Which socio-educational processes are inscribed in the practices of the artisanal fishing of the jump and what contribution to the conservation of insular marine biodiversity? In order to give robustness to this question in the field, other questions were necessary, such as: What knowledges guide this practice? What educational processes are manifested in this work? How have the knowledge inscribed in these work experiences contributed to the conservation of marine biodiversity? These questions anchor the scope of the research in the form of objectives: Analyze knowledge and educational processes and possible contributions to nature conservation, describing and identifying practices, in a sample of 19 native intellectuals. In order to do so, I chose as a methodological course based on the deleuzeguattariana rhizomatic cartography, emphasizing the aspects of the Geertz ethnography, with the technique of data collection from the participant observation, the field diary, semi-structured interview and ethno-photographic records of images, videos and drawings). For the theoretical-conceptual and methodological support of the analysis of knowledge, educational processes and work of the artisanal fishing of the jump and the relationship of the human being with nature, I used Bardin, Marx, Frigotto, Diegues, Brandão, Geertz, Ingold, Freire, among others. In this way, starting from the diversity of knowledge built in the fishing practices of the jump, we identified knowledge that guides its pedagogical ritual: technical knowledge in the making of instruments; knowledge of movement, meaning and sensitivity; ecological knowledge; and, the ability to use nature as knowledge for ethnoconservation. Thus, through the circulation of these knowledge, the educational processes linked to the education sensitive to work and in the interaction with the natural environment were evidenced. Keywords: Attention education; Amazon; Etnoconservação; Rizomáticos processes.

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LISTA DE FIGURAS, QUADRO E TABELAS

FIGURAS

Figura 01 Pontilhão de madeira que atravessa o mangue ..................................... 42

Figura 02 Mapeamento de pontos de pesca no entorno da ilha ............................. 43

Figura 03 Pescadores de rede malhadeira ............................................................ 52

Figura 04 Mapa de Localização do município de Curuçá ....................................... 64

Figura 05 Localização da Ilha de Pacamorema no Mapa de Curuçá ..................... 67

Figura 06 Pedaço de “Arguidar”/Alguidar ............................................................... 74

Figura 07 Campo de futebol de Pacamorema ........................................................ 77

Figura 08 Água servida empoçada sendo babujada por criação............................. 79

Figura 09 Moradoras de Pacamorema .................................................................... 80

Figura 10 Intelectual nativo-guia torrando farinha ................................................... 82

Figura 11 A bacia de resíduos sólidos DRS I da Hydro Alunorte ........................... 92

Figura 12 Naufrágio do Navio carregado de gado, em Barcarena ......................... 93

Figura 13 A pesca de arrasto .................................................................................. 94

Figura 14 Sedimentos oceânicos ............................................................................ 95

Figura 15 Localização dos pontos de pesca ........................................................... 98

Figura 16 O pescador jogando o espinhel na água ................................................109

Figura 17 Fisga confeccionada artesanalmente .....................................................111

Figura 18 O pescador chamando o bagre com o pé ..............................................112

Figura 19 O pescador Ediney com uma cambada de bagre ...................................113

Figura 20 Os pescadores Max e Tio Misaco ..........................................................114

Figura 21 Geovane Vale procurando o buraco do pacamum .................................115

Figura 22 Jurandir Negrão e Geovane Vale tirando o pacamum do buraco ...........116

Figura 23 Max colocando o caniço na água ............................................................117

Figura 24 Tio Misaco pegando pratiqueira no afoga ...............................................119

Figura 25 Tio Misaco cortando tralhoto ..................................................................120

Figura 26 Tio Macico com pacamum no puçá .........................................................121

Figura 27 Desenho de Aurelinho Lima na areia da praia Grande ..........................122

Figura 28 Aurelinho Lima explicando a pescaria de curral ......................................123

Figura 29 Especificações do curral enfia .................................................................124

Figura 30 Tio Zé mortalhando igarapé ...................................................................126

Figura 31 Rede de tapagem com peixes emalhados .............................................127

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Figura 32 Giovane Bentes puxando a malhadeira .................................................128

Figura 33 Tio Zé tarrafiando para a despesca da tapagem .....................................130

Figura 34 Tio Misaco Tarrafiando ............................................................................131

Figura 35 Tio Zé e Giovane Bentes armando a aparadeira ...................................132

Figura 36 Luzes das porongas refletidas na maré .................................................135

Figura 37 Timucu (peixe-agulha) ............................................................................136

Figura 38 Canoa a vela ..........................................................................................144

Figura 39 Geovane Vale apresentando a rede e a aparadeira ...............................145

Figura 40 Daio e fazendo apresentação dos utensílios da pescaria do salto .........145

Figura 41 Os irmãos Darci e Claudionor Galvão .....................................................148

Figura 42 Canoa construída de tábuas ..................................................................150

Figura 43 Canoa sendo esculpida ...........................................................................152

Figura 44 Queima da canoa para dar forma ...........................................................153

Figura 45 Canoa sendo aberta com a água aquecida pelo sol ..............................154

Figura 46 Poronga fixada na popa da canoa ..........................................................155

Figura 47 Madeira para a confecção do remo .........................................................159

Figura 48 Cabeças e pás de remo .........................................................................160

Figura 49 Confecção de cofo com grelo de palmeira ..............................................162

Figura 50 Cuia pitinga .............................................................................................163

Figura 51 Esgote feito de carote plástico ...............................................................164

Figura 52 O pescador do salto e os galhos de mangue ..........................................169

Figura 53 O turú na cuia pitinga .............................................................................178

Figura 54 Posição da lua em relação a Terra e ao Sol ..........................................182

Figura 55 Sede da Colônia de Pescadores de Curuçá ..........................................186

TABELAS

Tabela 01 Barragens existentes na Amazônia Legal Brasileira ............................. 88

Tabela 02 Barragens planejadas ou em construção na Amazônia Legal ............... 89

QUADRO

Quadro 01 Quadro sintético das modalidades da pescaria artesanal .....................107

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LISTA DE SIGLAS

ACS Agente Comunitário de Saúde

APIPSP Aquicultura e Pesca do Instituto de Pesca de São Paulo

AUREMAG Associação de Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande

BR Brasil

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

CNA Confederação Nacional da Agricultura

CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONAREX Comissão das Reservas Extrativistas Federais

DSG Diretoria do Serviço Geográfico do Exército Brasileiro

FPA Faculdade Pan Americana

FURG Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul/RS

GA Google Acadêmico

GF Governo Federal

GRUPEMA Grupo de Pesquisa em Educação e Meio Ambiente

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IEC Instituto Evandro Chagas

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC Ministério da Educação

MMA Ministério do Meio Ambiente

PA Pará

PBF Programa Bolsa Família

PBV Programa Bolsa Verde

PEDEs Plano Decenais de Expansão Elétrica

PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação

PROECOTUR Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo

PS Posto de Saúde

RESEXMG Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá

RS Rio Grande do Sul

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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UC Unidade de Conservação Federal

UEPA Universidade do Estado do Pará

UF Unidade Federal

UFPA Universidade Federal do Pará

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UNISUL/SC Universidade do Sul de Santa Catarina

UNITAU Universidade de Taubaté/SP

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15

1.1 ORIGEM E MOTIVAÇÕES DA PESQUISA ..................................................... 15

1.2 PROBLEMÁTICA, OBJETO E OBJETIVOS DA PESQUISA ........................... 23

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO DE ANÁLISE ......................................................... 31

1.4 DO PONTILHÃO AO MAR: CAMINHOS METODOLÓGICOS ......................... 42

1.4.1 Método e tipo de pesquisa ......................................................................... 45

1.4.2 Os sujeitos da pesquisa ............................................................................. 51

1.4.3 Técnicas utilizadas em campo ................................................................... 56

1.4.4 Sistematização e análise dos dados .......................................................... 59

2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: LOCALIZAÇÃO E CONFORMAÇÃO SOCIOHISTÓRICA DA IILHA DE PACAMOREMA ................ 63

2.1 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ ............................................................................ 64

2.2 A ÁREA DE ESTUDO: ILHA DE PACAMOREMA ............................................ 66

2.2.1 Aspectos Históricos .................................................................................... 68

2.2.2 Aspectos Geográficos ................................................................................ 71

2.2.3 Aspectos Culturais ...................................................................................... 74

2.2.4 Aspectos Econômicos ................................................................................ 78

3 A PESCARIA ARTESANAL NA ILHA DE PACAMOREMA .............................. 85

3.1 A PESCARIA ARTESANAL RIBEIRINHA EM ÁREAS DA AMAZÔNIA ............ 85

3.1.1 As barragens hidrelétricas, acidentes ambientais e a pesca industrial litorânea na bacia amazônica .............................................................................. 87

3.2 TERRITÓRIOS DA PESCARIA ARTESANAL EM PACAMOREMA ................ 95

3.2.1 O uso de territórios da pesca em diferentes temporalidades .................. 95

3.3 A DIMENSÃO DO TRABALHO NA PRÁTICA DA PESCARIA ARTESANAL E SUAS NUANCES COM A EDUCAÇÃO .............................................................. 100

3.4 A ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA DA PESCARIA ARTESANAL: DIFERENTES MODALIDADES E TÉCNICAS ...............................................................................104

3.4.1 Técnicas da pescaria artesanal em Pacamorema .....................................106

3.4.1.1 Modalidades de pescaria que utilizam instrumentos de “ferrar” os peixes .108

3.4.1.2 Modalidades de pescaria que utilizam as mãos como instrumento ............118

3.4.1.3 Modalidades de pescaria baseadas em armadilhas ...................................122

3.4.1.4 Modalidades de pescaria que utilizam instrumentos de emalhar ...............125

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4 “LÁ VAI O PESSOAL DO PACAMOREMA”: A PRÁTICA EDUCATIVA DA PESCARIA DO SALTO .........................................................................................134

4.1 A PESCARIA DO SALTO E OS SABERES QUE ORIENTAM O SEU RITUAL PEDAGÓGICO .......................................................................................................137

4.1.1 Saber técnico no confeccionar instrumentos da pescaria do salto .......142

4.1.1.1 A vela e a Aparadeira .................................................................................142

4.1.1.2 A canoa ......................................................................................................150

4.1.1.3 A poronga ...................................................................................................155

4.1.1.4 O remo .......................................................................................................158

4.1.1.5 O cesto .......................................................................................................160

4.1.1.6 O “esgote” ..................................................................................................162

4.2 SABERES DO MOVIMENTO, SENTIDO E SENSIBILIDADE ..........................165

4.2.1 Saberes do movimento ...............................................................................168

4.2.2 Saberes dos sentidos e sensibilidade .......................................................172

4.3 SABERES ECOLÓGICOS: MARÉS, VENTOS E LUA ALIADOS DA PESCARIA ..176

4.3.1 O saber das marés ......................................................................................176

4.3.2 O saber do clima .........................................................................................179

4.3.3 O saber das fases da lua ............................................................................181

4.4 A PESCARIA DO SALTO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO CONTEXTO DA ETNOCONSERVAÇÃO ...............................................................184

4.4.1 A etnoconservação: latência entre o tradicional e do moderno .............186

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................192

6. REFERÊNCIAS ..................................................................................................196

7. APÊNDICES ......................................................................................................209

8. ANEXO ...............................................................................................................215

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1 INTRODUÇÃO

1.1 ORIGEM E MOTIVAÇÕES DA PESQUISA

O desejo de percorrer um caminho acadêmico era uma presença que se

mantinha constante em meus sonhos, mas o desafio começou a ser conformado pelas

agruras que tinha que passar para chegar ao mestrado em uma instituição pública

devido ao que se ouvia, corriqueiramente, das dificuldades em alcançar essa meta

quase “inatingível”.

Ainda assim, como “pescador de sonhos”, embarquei no processo seletivo do

mestrado da Universidade do Estado do Pará – UEPA de 2014 fazendo a inscrição e

por falta de “tralhas” adequadas, retornei ao meu conforto do porto seguro, me

aquietando e deixando de prosseguir na fase sequente. Em 2015, retomei esse sonho.

Percorri os rios, igarapés e furos e ancorei no ponto de pesca. Comecei a puxar peixes

e o extasio, o frio na “boca do estômago” e as palpitações aceleravam com a

aprovação de cada nova fase.

Definir uma temática para ser pesquisada se tornava uma tarefa muito difícil

porque conforme passava nas fases, sentia a necessidade de concretizá-la,

antevendo todas as dificuldades do trabalho de campo. Constantemente me

perguntava: Que projeto apresentar? Dessa forma, iniciei um projeto voltado para a

filosofia e educação. Não me conformei porque a vocação dos habitantes de

Pacamorema sempre se mostrou ser a pesca e a lavoura. Dessa reflexão alterei o

curso de meu barco, rumando para os saberes ambientais, submetendo o projeto a

uma das vagas disponíveis à Profa. Dra. Maria das Graças da Silva.

Na elaboração do projeto pensei em uma peculiaridade ilhéu: a pescaria1 do

salto. A primeira grande dificuldade que tive foi em elaborar o título pelas várias

possibilidades que existiam. Queria causar impacto pelo título. Passei uns três dias

na pesca dessa tarefa. Longe do mar, dirigindo pela BR 316, no trecho Santa

Maria/Castanhal, após um telefonema a um primo querido meu e que se tornou

integrante desta empreitada (Jurandir Negrão), me ocorreu a ideia: “Da poronga ao

salto: saberes da pescaria artesanal revelados pelos pescadores da Ilha de

1 Usarei essa terminologia frequentemente por ela ser cara aos pescadores e designar a ação do pescar envolvendo todas as dimensões do trabalho.

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Pacamorema – Curuçá-PA”, concretizando a peculiaridade, pois a pescaria artesanal

do salto – diria – é típica daquela localidade.

Submeti o projeto, participei da entrevista e, finalmente, constava na lista de

aprovados, me irradiando de alegria. Quando as disciplinas iniciaram percebi que as

remadas dadas me fizeram chegar a um ponto raso, precisando dar qualidade ao que

já havia produzido. Foram fundamentais para a definição do objeto de pesquisa as

disciplinas do 1º semestre de curso: Epistemologia e Pesquisa em Educação. Nesta

última, ministrada por minha orientadora, ao apresentar meu projeto, fora dito que

objetivasse o tema e o título da pesquisa, uma vez que o existente “parecia poesia”.

Desorientado pelos “banzeiros epistemológicos” e “ondas da pesquisa”,

perdido na imensidão de novas informações, de novos conhecimentos teóricos-

conceituais, que se mostraram como uma infinitude de possibilidades para definir o

objeto de pesquisa. Por meio dos debates reconheci que o que produzira precisava

ser moldado por um olhar de “estranhamento”, o que implicava “transformar o exótico

no familiar e/ou transformar o familiar no exótico” (DA MATA, 1987, p. 157), pois o que

era tão peculiar e tão próximo tinha de ser observado como se distante fosse.

Diante disso, em um dos encontros de orientação, a partir de diálogo, de pontos

e contrapontos, foi delimitado o tema Saberes da Pescaria Artesanal, uma vez que a

pesquisa foca o saber-fazer da pescaria no cotidiano como forma de existência da

população ilhéu. Além da delimitação do tema me foi sugerida a mudança de título e

a ampliação do mesmo para englobar todos os tipos de pescaria artesanal praticados,

afunilando para a modalidade Salto. Dessa forma, o título ficou assim definido:

“Cartografia de saberes e processos educativos inscritos na pescaria artesanal do

salto”. Com a clareza do tema e do título, amadureci a ideia e os contornos sugeridos

para uma “atracação” mais segura e com relevância social, tanto do lócus e dos

“intelectuais nativos”2, quanto à academia e aos que dela possam se beneficiar.

Assim, a pesquisa intitulada “Cartografia de Saberes e Processos Educativos

inscritos na Pescaria Artesanal do Salto”, terá como espaço para seu desenvolvimento

a Ilha de Pacamorema, no município de Curuçá, Estado do Pará-PA e está vinculada

ao Programa de Pós-Graduação em Educação–PPGED/UEPA, especificamente à

2 A categoria “intelectuais nativos” designa os pescadores partícipes deste estudo. Foi concebida durante a realização da pesquisa, com base na percepção e compreensão do pesquisador de que eles são portadores de um rol de saberes e a forma de como educam e se educam em seu saber-fazer.

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Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia e ao Grupo de

Pesquisa em Educação e Meio Ambiente–GRUPEMA.

A pesquisa foi iniciada – propriamente – no mês de abril de 2016. No entanto,

o interesse pelo estudo em cartografar os saberes e os processos educativos inscritos

nessa pescaria guarda relação com o fato de ser filho de pescador/lavrador e

lavradora, remetendo à minha infância que foi marcada por uma relação simbiótica

entre terra e água, mata e rio, na qual fazer o “encontro” do remo com as águas, da

enxada e ferro de cova com a terra eram esforços que eu resistia por considerar sobre-

humano, embora necessários.

Enfrentar as correntezas das marés, as intempéries dos ventos e o calor

escaldante, por muitas vezes experimentado em companhia de meu pai Henrique (in

memorian) e meu tio João – codinome Jango – (in memorian), eram ações que

considerava desagradáveis, embora tivesse grande interesse em ladeá-los nesses

momentos de trabalho, pois estar em companhia de ambos me tornava pleno

enquanto ser em desenvolvimento, uma vez que os tinha como os meus exemplos de

pessoas verdadeiramente humanas.

No contexto da realidade ilhéu, o trabalho da roça e da pesca começaram a ser

desenvolvidos desde a tenra idade (infância), conjugando o tempo da escola ao tempo

do trabalho. Entre um e outro, o tempo de caminhar, seja para a escola ou para a roça,

por vias estreitas com juqueris3 (Minosa lepidorepens) e capim-navalha4 (Hypolitrum

pungens), que por vezes cerravam as pernas e a terra que escaldava a palma dos

pés de tão quente que era, já que tamancos ou sandálias eram, muitas vezes,

conduzidos nas mãos para não se desgastarem rápido.

Além disso, me reporto a três episódios da infância, que contribuíram de forma

crucial para o meu distanciamento da terra (roça) e do mar (pesca). O primeiro deles

aconteceu em um dos muitos momentos de trabalho na “Casa do Forno” coletiva que

duas irmãs de meu pai (Maroca e Paula), suas famílias e minha mãe e filhos estavam

“aprontando” a mistura5 para fazerem farinha no dia seguinte. Ao ajudar “raspar” três

paneiros com mandiocas, sob frondosas copas de mangueiras, cansado, pés

3 Vegetação com espécies que pode crescer até 3m de altura quando enrolada em outra vegetação, porém é comum existir em tamanhos pequenos à beira dos caminhos. 4 Capim que tem as extremidades das folhas cortantes como navalha. 5 A mistura é feita de mandioca dura, tirada do roçado, raspada com facas e facões, ralada em ralo dentro de alguidar (bacia de barro), mas agora esse processo já está modernizado com o uso da cevadeira.

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descalços e pretos de sujo pela mistura de terra da roça com o leite da mandioca,

disse à minha mãe: “quando crescer vou trabalhar de sapatos”. Tal afirmação causou

risos e zombaria por uma das tias presente por não crer nessa possibilidade.

O segundo episódio ocorreu em uma das idas para a roça. O ferro de cova que

eu levava para capinar a roça, tinha o cabo de “mucajazeira”/macaúba6 (Acronomia

aculeata) madura, liso de tanto manuseio, era gasto pelo tempo e muito bem afiado

pelo meu pai. Com falta de vontade, fui com meus irmãos para a roça, ao caminhar

aproximadamente150 m de casa, o ferro de cova que levava nos ombros sobre uma

rodilha7 escorregou de minha mão e atingiu a articulação externa da minha perna

direita, deixando-me fora da roça por uns 30 dias e uma cicatriz para o resto da vida.

O “furo do “Amazonas”8, ponto de pesca preferido por meu pai, me reporta a

terceira lembrança desagradável. Meu pai, meu irmão Maciel e eu estávamos

praticando a pescaria de linha de mão. Meu irmão, mais novo que eu, pediu a minha

linha para pescar, uma vez que ele ainda não possuía a dele porque ainda não se

garantia, mas ele insistiu muito me convencendo de que já era capaz. No primeiro

balançar dos anzóis e chumbada, um dos anzóis cravou no dedo dele. Meu pai ficou

muito chateado, por conta de minha falta de responsabilidade por lhe ter dado aquele

instrumento de pesca. Sob copioso choro dele e meu, meu pai cortou o estrovo9 do

anzol e fez varar no dedo dele, acabando com a atividade daquele dia.

Os estudos recentes de Alberto (2003) indicam que a categoria trabalho infantil

ainda não se encontra bem definida enquanto conceito por não abranger as

singularidades das vivências. Diferente da condição do trabalho infantil no contexto

urbano, que envolve exploração, exclusão, dentre outras formas de exploração, o

envolvimento infanto-juvenil no contexto rural e ribeirinho, na maioria das vezes, além

6 A Mucaubeira é uma palmeira, segundo Ministério de Estado do Desenvolvimento Agrário–MDA, de ocorrência em todas as regiões brasileiras e é conhecida por outros nomes, como: Mucajazeira, Bocaiúva, Macaíba, Macaúva, Coco-baboso, Coco-de-espinho, Caiol e Macajira. Seu fruto possui potencial diversos: farinha, doces, bolo, sorvete, geleias, fortificante medicinal, goma de mascar, Licor, óleo de cozinha, analgésico medicinal, hidratante capilar, detergente, sabão, biodiesel. O nome empregado a essa palmeira pelos habitantes de Pacamorema é Mucajazeira, cujo tronco maduro de até 15m de altura se utiliza na construção de casas (esteios, assoalhos, “paredes”, caibros, ripas, calhas), na confecção de cabos de ferramentas (machado, ferro de cova e enxadas) usadas na lavoura de mandioca, por sua resistência e na construção de cercas dos “terreiros” com estacas e mourões. 7 Pedaço de tecido, geralmente de rede de dormir em desuso, enrolado em torno de si mesmo, utilizado para proteger parte do corpo (ombros e cabeça) da carga que conduz (ferramentas do roçado, feixes de lenha, paneiros ou sacos com mandioca e mourões e cintados de dentro do mato para o porto). 8 Varador do Rio Curuçá com o Rio Pacamorema. Devido a erosão fluvial, em trinta anos passou de 5m para aproximadamente 400m de largura e continua em expansão. 9 Trata-se de uma técnica realizada pelo pescador em que consiste amarrar de forma segura a “cabeça” do anzol para que ele não escorregue no ato da captura do pescado.

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de conter um processo de aprendizagem, em muitas realidades do campo, envolve o

caráter lúdico e em outras, não há essa leveza, e nem construídas uniformemente do

ponto de vista sociológico, por falta de um consenso conceitual, pois filho de pobre é

impedido legalmente de fazer as atividades com e dos pais e os filhos de rico/atores

de televisão iniciam suas atividades desde a tenra infância.

Na sociedade contemporânea capitalista, o trabalho assume um caráter explorador e predatório, visando ao barateamento da mão-de-obra, o que impede o bom desenvolvimento infantil. Atividades que crianças realizam não são consideradas trabalho, mas ajuda, uma contribuição à renda familiar. É esta popular concepção que justifica, em parte, a crescente inserção de crianças e adolescentes precocemente no chamado mundo do trabalho. Porém, as causas do trabalho precoce têm suas raízes mais fortes nos fatores político-econômicos (ALBERTO, 2003, p. 16).

Dessa forma as políticas econômicas recessivas, os fatores climáticos e o

aumento do consumo dos recursos naturais na pesca e na lavoura, a falta de escolas

com os níveis de ensino adequados “forçam” muitas famílias utilizarem-se da mão-de-

obra infanto-juvenil nos trabalhos braçais e por não conseguirem atender às

necessidades dos seus filhos, os encaminham aos centros urbanos, sob a

responsabilidade de parentes ou conhecidos que, na maioria das vezes, utilizam

dessa força de trabalho para as tarefas domésticas.

Mesmo considerados oficialmente ilegais, na prática, entretanto, crianças e adolescentes estão inseridos precocemente em várias atividades de trabalho já antes dos quatorze anos, e não como aprendizes. Nota-se a ausência do Estado ao não assegurar a garantia dos direitos desses sujeitos em processo de desenvolvimento, mediante a oferta de políticas sociais que contribuam para sua erradicação (ALBERTO, 2003, p. 18).

No contexto dessas condições adversas e precoce no mundo do trabalho, ainda

experimentei as pescarias do “apalpa ou aparpa” (captura com a mão de

pacamum/pacamon na lama do leito de igarapés), de curral, do aparo e de “tarrafa”

com meu tio Jango; do “cortar tralhoto” (Anableps anableps) na “ponta d’água”, do

“mortalhar igarapé” 10, de caniço e de rede malhadeira com meus irmãos e primos.

Experiências de trabalho que não são exclusivas às crianças e adolescentes de minha

família ou do local onde nasci, elas abrangem quantitativos muito maiores de pessoas

e de comunidades. Esses envolvimentos infanto-juvenil no trabalho suscitam a

continuidade do modo de vida dos povos tradicionais, e apontam caminhos diferentes

10 Ação de preparo do igarapé pelos pescadores, após escolha de acordo com vestígios deixados pelos peixes no tijuco, em que se fixa a rede no leito do igarapé e à muruada para “matar” pecados.

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ao de Alberto (2003), pois a erradicação do trabalho nessa fase da vida sucumbiria os

saberes e os processos educativos provindos deles.

Embora sem nenhuma pretensão educativa por parte de meu pai ou tio, a partir

da minha inserção no debate acadêmico que trata de outras epistemologias, em

diálogo ou não com os pressupostos científicos, fica claro que no espaço do trabalho

das pescarias mencionadas, é possível identificar uma circulação de saberes e de

processos educativos, que conduzem ao aprender fazer pela observação e pela

prática, conforme Medaets (2011, p. 4) afirma: “todas essas tarefas no decorrer do dia

são dadas às crianças por adultos, e embora em nenhum momento seja explicitado

alguma intenção educativa, é evidente a presença de uma dimensão de

aprendizagem”.

Ressalto que não tive nenhuma prática com algumas das modalidades de

pescaria artesanal, como a pescaria do salto, a do afoga e a de fisga. Apenas no

consumo de seu produto, embora tenha participado, com meu pai, tio, primos e irmãos

da Pescaria do Aparo. Esta última é assim descrita por Simonian et al (2012, p. 127):

“Inclusive, os pacamoreenses dominam uma pesca noturna – a pesca de aparo –, dois

pescadores, de canoa e com lanterna, focam nos cardumes e eles pulam fora d’água

e simultaneamente dentro da canoa”. No entanto, segundo os pescadores locais, essa

descrição – em parte – está relacionada à pescaria do salto, uma vez que a pescaria

do aparo não possui os mesmos elementos e estratégias da do salto. A pescaria do

aparo se dá a partir da pescaria de mortalhar igarapé em que a canoa fica amarrada

pela popa e pela proa à muruada11 da tapagem e a pescaria salto acontece com a

canoa em movimento, com remadas cadenciadas e uma poronga (e não lanterna) fixa

à popa da canoa. Outra característica que diferencia essas duas modalidades de

pescaria, segundo os pescadores locais, se dá pelo fato de que somente a do salto é

exclusivamente praticada à noite.

Tal como acontece ainda em grande parte dos jovens do campo, eu também

vivenciei a experiência do deslocamento precoce para a cidade. No início da

adolescência, pela inexistência de turma de 4ª série no povoado de Pacamorema, tive

que ir para a cidade de Curuçá morar com pessoas conhecidas de meu pai para

continuar meus estudos. Fiquei morando com eles por dois anos, até após o

11 Madeiras retiradas do mangue fincadas no solo dos igarapés, atravessando perpendicularmente o leito da água, que dão sustentação à parte superior das redes. Na muruada de curral é utilizada madeira retirada de terra firme.

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falecimento de meu pai – a maior dor de perda sentida que superou a dor do sol

escaldante, das marés e ventos contra e de terra quente nos pés, porque as cicatrizes

ainda me corroem por dentro.

A ausência de séries adequadas causou e causa a migração de adolescentes

e jovens para os centros urbanos e/ou cidades. Essa migração se dava de forma mais

duradoura em que os estudantes retornavam à casa paterna somente nos períodos

de férias. Do início dos anos 2000 para cá, com a inserção do transporte escolar

gratuito, os alunos de séries superiores ao 5º ano fazem viagem, de ida e volta, em

todos os dias letivos. Seja em um tempo ou no outro, os desconfortos e as dificuldades

dos adolescentes e jovens se fazem presente na rotina para a concretização de seus

estudos. Essas dificuldades se cunham no longo tempo gasto dentro do transporte

escolar e na não alimentação adequada no período das 16h à 1h da manhã, quando

chegam de volta.

Percebe-se que embora as “facilidades” se façam presentes, Arroyo (2004)

afirma que:

A cultura hegemônica trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queira impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e valores urbanos, como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. Como se os valores, a cultura, o modo de vida, o homem e mulher do campo fossem uma espécie em extinção. Uma experiência humana sem mais sentido, a ser superada pela experiência urbano-industrial moderna. Daí que as políticas educacionais, os currículos são pensados para a cidade, para a produção industrial urbana, e apenas se lembram do campo quando se lembram de situações “anormais”, das minorias, e recomendam adaptar as propostas, a escola, os currículos, os calendários a essas “anormalidades”. Não reconhecem a especificidade do campo (ARROYO et al, 2004, p.79-80).

De acordo com o autor, a educação não é neutra e, corroborando com esse

pensamento, Bezerra Neto (2009, p. 3) diz que ela “atende aos mais variados

interesses políticos, econômicos e sociais, estando presente desde a montagem do

currículo escolar até a discussão em torno do que deve ser estudado, quem deve

estudar e como se deve estudar”, carecendo aos habitantes mais longínquos dessa

imensa Amazônia uma educação que desvele os anseios e as necessidades materiais

de cada realidade.

Após o falecimento de meu pai, a vida ficou mais dura e em companhia de meu

irmão mais velho lutávamos para sobreviver capturando caranguejo-uçá (Ucides

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cordatus) de laço, camarão (Farfantepenaeus brasiliensis) e peixes na “Mãe

Grande”12. Outras vezes éramos ajudados por vizinhas. Graças à essa persistência,

apoio e solidariedade alheia, consegui me formar no então 2º grau.

Após a conclusão do 2º grau, me engajai em grupos de jovens da Igreja católica

e ingressei no Seminário Arquidiocesano de Belém São Pio X. Distante da Ilha, órfão

de pai, muito ajudado pela mãe, percebi que a dureza do trabalho na água e na terra

contribuiu para moldar minha personalidade e meu modo de valorizar o saber-fazer

de meus familiares e amigos, bem como me tornar cada vez mais humano. Esta

percepção deu-se nos vários momentos de meditação no Seminário Pio X em que me

fazia presente, sem estar, compartilhava da cotidianidade ilhéu por meio de

telefonemas, visitas de pessoas queridas e idas à comunidade de Pacamorema uma

vez a cada ano.

Antagonicamente, veio no pós-seminário a formação em Licenciatura

Matemática, assentada nos cálculos e na frieza da ciência positiva. Com a junção de

trabalho e estudo, me afastei dessa realidade que marcou minha infância e da cidade

de Curuçá, pois exercia a função docente no município de Viseu, depois em

Tracuateua. No entanto, ansiava por retornar ao convívio das pessoas que lá residem.

Esse anseio foi traduzido em interesse acadêmico por meio de práticas de

aproximação com temas referentes à biodiversidade e conservação do ambiente, o

que está sinalizado no trabalho de conclusão do curso de Especialização em Gestão

Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia, intitulado “A Educação

Ambiental: um estudo sobre as questões socioeconômicas e a realidade ambiental da

Ilha de Pacamorema” (2010), pela Faculdade Ipiranga, no qual problematizei a

realidade do modo de vida dos ilhéus e suas relações com a natureza, bem como as

relações socioeconômicas provindas do “roçado” para cultivo de mandioca. Além

disso, o estudo e as reflexões filosóficas realizados no Seminário Pio X me parecia

vão, tempo perdido, por não ter validade acadêmica junto ao Ministério de Educação

e Cultura – MEC, mas essa situação deixou de me inquietar quando integralizei as

disciplinas de filosofia cursadas no Seminário Arquidiocesano de Belém ao curso de

Licenciatura em Filosofia da Faculdade Pan Americana-FPA, com endosso da

12 Nome dado ao igarapé de acesso aos portos: do Bairro do Barro Alto, da Comunidade do Pinheiro, da Praça, da Colônia, do Ipupura, da Comunidade do Andirá, da 28 de março, entre outros. Esse igarapé, como uma Grande Mãe, contribui e contribui com a sobrevivência de muitos curuçaenses dada a captura, em seu leito e margens, de peixes, mexilhão da areia, camarão, ostra, siri, turú e caranguejo. Daí o nome “Mãe Grande”, que mais tarde intitula a Resex Marinha de Curuçá.

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Universidade Federal do Pará–UFPA. Essa integralização contribuiu para o ingresso

na Pós-Graduação, Mestrado em educação da UEPA, no ano de 2015.

No contexto dessas situações, comecei a perceber que aquilo que era motivo

de resistência na infância, ironicamente, se tornou interesse acadêmico e, aos poucos,

objeto de pesquisa, não sob a lógica da matemática, mas pela convivência, pelas

reflexões filosóficas e pelo olhar acadêmico informado.

A formação acadêmica, o debate teórico conceitual, revelaram a importância

das práticas cotidianas e os saberes que circulam nessa realidade dura, que na

infância e adolescência quis me afastar, e que hoje percebo a necessidade de

reconhecimento e valorização. Daí o desejo de querer estudar uma dessas

experiências “pesadas”, acordando o pescador adormecido em mim.

1.2 PROBLEMÁTICA, OBJETO E OBJETIVOS DA PESQUISA

Lévi-Strauss (1989) nos conduz a uma discussão sobre as atividades humanas

que ultrapassam os tempos. Geertz (2008) considera que é por conta dos amontoados

de símbolos e significados que se encontra sentido para a vida e para a relação ser

humano e natureza, que se dá por meio de um traço forte da tradição cultural que é

passada de geração em geração.

Sendo assim, podemos caracterizar os habitantes da comunidade de

Pacamorema como tradicionais, uma vez que a prática de trabalho na pesca

artesanal, mais especificamente a pescaria do salto, provém de conhecimentos

herdados ancestralmente.

O modo como os chamados “povos da tradição” – especificamente os pescadores artesanais – são simbolicamente representados reveste-se de significações próprias em conformidade com os distintos olhares do mundo urbano. É corrente referir-se aos pescadores como povos atrasados, indolentes, preguiçosos, como se sua forma de organização social fosse destituída de dinâmica e racionalidade. Sob esse prisma, sua forma de trabalho – a pesca – sequer é legitimada como tal, ignorando-se os múltiplos modos de produção ou de relacionamento do homem com a natureza – mediados pelo trabalho – que atravessam a história (CUNHA, 2004, p. 105).

Percebe-se que apesar das tentativas de subsumir os “povos da tradição” em

detrimento de pensamentos e atitudes adquiridas com a convivência em espaços

urbanos não vigorou, uma vez que a pescaria artesanal como um todo e,

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especificamente, a praticada pelos ilhéus, garante a sobrevivência, bem como a

reprodução material e organização social, tanto do pescador quanto de sua família.

Outro fator a ser considerado no contexto dessa problemática é que ao longo

do tempo, as estratégias da pescaria artesanal têm sofrido alterações devido ao

aumento populacional e a diminuição no estoque pesqueiro dos rios.

Na realidade local, essa diminuição do estoque de pesca pode ser associada

ao fato de que a apropriação da pescaria artesanal praticada em rios e igarapés esteja

se dando, também, por pescadores de outros povoados. A ocorrência desse uso

acontece por considerarem os pontos de pesca de Pacamorema apropriados e

afortunados. Sendo assim, é comum perceber a presença de pescadores de outras

localidades rurais, da cidade de Curuçá e turistas de centros urbanos.

A organização social e reprodução material foram modificadas a partir do início

da década passada, propriamente pós 2002. A partir desse ano para cá tem-se

observado cada vez mais as adequações infra-estruturais provindas da modernidade

e do capitalismo: eletrificação e a inserção de geladeiras e refrigeradores para

condicionar produtos da pesca e industrializados, água encanada, pontilhão de 940m

por dentro de área de mangue para facilitar o traslado dos ilhéus e dos visitantes à

ilha, inserção de motores rabetas nos cascos e canoas de pesca, relação humana

modificada por conta do uso de aparelhos tecnológicos (tv, celular, smart fone),

brincadeiras e momentos de lazer supressos e a utilização de “catitu”13 movido pela

força física, a motor elétrico ou à gasolina para cevar mandioca. Adequações estas

propiciadoras de aspectos novos que facilitam a vida e as interações da população

local e desta com outras próximas e com as cidades de Marapanim e Curuçá.

Entretanto, essas transformações se adequaram aos saberes da tradição,

vividos pelos habitantes da ilha e, de certo modo, contribuíram com ações de cunho

negativo tanto nas questões ambientais quanto nas sociais. No que se refere às

questões ambientais, está o uso indevido dos manguezais, a exploração de madeira

da área de mata, a captura de forma predatória do pescado, camarão e outros frutos

do mar para a comercialização, particularmente no período da reprodução. Quanto à

questão social, se mostra latente a presença e o uso de substâncias naturais ou

sintéticas provindas de outros locais que influenciam a convivência e os procederes.

13 Instrumento que suprimiu o ralo de latão ou de cobre que servia ralar mandioca.

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Dessa forma, percebe-se, ainda que de forma preliminar que a ilha de

Pacamorema não se dissocia da história dos colonizadores e colonizados que

habitavam as margens de rios, lagos e igarapés, no século XVI e até mesmo antes

desse período também, conforme indicam alguns estudos.

A presença da pesca como atividade de subsistência no período pré-colonial, cujas evidencias são atestadas por testemunhos arqueológicos datados através de testes de Carbono 14 (C14), [...]. Grupos primitivos da região habitaram ao longo dos rios e igarapés, lagos e litoral, retirando dos mananciais os recursos para subsistência, os quais certamente encontravam-se em áreas então selecionadas por esses grupos primevos, isto é, áreas com potencial pesqueiro, configurando sítios de pesca análogos aos pesqueiros contemporâneos (FURTADO, 2002, p. 7).

Com toda essa trajetória secular, milenar, o trabalho da pescaria artesanal no

século XXI nem sempre é reconhecido como essencial para a sociedade e seus

produtores deixam de ser valorizados naquilo que fazem. Parte da sociedade

desconhece a complexidade que envolve o trabalho artesanal da pesca, desde o

pesqueiro adequado à captura do pescado.

Essa lógica está diretamente associada ao não reconhecimento e valorização

das partes mais remotas da Amazônia como detentora e criadora de culturas,

diferenciadoras do seu modo de ver e viver, subjugando essas culturas pela outra

margem do rio, a epistemologia do sul, que para Santos (2007, p. 1)

As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha”. A divisão é tal que “o outro lado da linha” desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente.

Essa visão se dá orientada por olhares sulistas e/ou interesses internacionais,

baseados em exploração e não em forma de reconhecer e valorizar a vivência dos

povos tradicionais. É um olhar de sobreposição às realidades subsumidas da vastidão

“sulista”.

O contexto social e histórico de colonização, ocupações e “cobiça internacional”

sobre a Amazônia pode ser analisado antes e depois da Segunda Guerra Mundial.

Antes dela, não se voltava o olhar para a Amazônia. Depois da Segunda Guerra, de

acordo com Becker (1994), por meio de uma série de medidas, o Governo Federal –

GF, a partir de 1966, deu início às chamadas frentes de migração para a Amazônia,

anunciando o desejo de “integrá-la” as demais regiões do Brasil–BR. Quatro anos

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mais tarde a preocupação se centrava na ocupação propriamente dita e a Amazônia

passou a ser predominantemente dos não-amazônidas, empurrando os ilhéus, os

ribeirinhos, os agricultores familiares, os lavradores, os seringueiros, os índios e as

populações quilombolas cada vez mais à periferia. No entanto, Becker (1994), sob

outra ótica, enfatizou a necessidade de que o desenvolvimento da Amazônia fosse

pautado na lógica da valorização dos recursos naturais e do povo amazônico.

Considerando o desenvolvimento da Amazônia a partir da lógica de valorização

de recursos naturais e dos povos tradicionais, Brandão (2002) nos diz que:

Como uma enorme variedade de vivências, em todos os outros seres vivos podemos supor que ainda existem formas de uma consciência reflexa da relação entre o ser e seu mundo. Eles sentem, eles percebem, eles lembram, eles sabem, eles agem. Nós também. Mas nós tivemos que aprender a entrelaçar cada uma dessas coisas com todas as outras, de tal maneira que precisamos fazer um enorme esforço para conseguirmos viver cada uma delas em sua vez (BRANDÃO, 2002, p. 18).

Nesse texto, embora o autor não esteja se reportando propriamente à

Amazônia, é possível perceber que a relação respeitosa entre os seres é primordial,

o que no caso dos diferentes processos de colonização e ocupação da região

amazônica brasileira não foi levada em consideração a cultura dos povos, uma vez

que esses processos estavam embasados em um “modelo totalitário” que Santos

(2010) menciona. Esse modelo, parte da negação de conhecimentos que não estejam

pautados nos princípios epistemológicos e regras metodológicas da ciência moderna.

Ações contrárias ao “modelo totalitário”, para Leff (2011) geram crise do saber

por surgirem acumulação de “externalidades” do desenvolvimento do conhecimento e

do crescimento econômico, como um campo do real negado e do saber desconhecido

pela modernidade, reclamando a “internalização” de uma “dimensão ambiental”

através de um “método interdisciplinar” que reintegre o conhecimento para apreender

a realidade complexa vivenciada.

Contudo, mesmo com o crescimento econômico e o desenvolvimento

anunciado no cenário da macroeconomia capitalista pós 2002, as populações locais

não deixaram de praticar a pescaria artesanal e a produção da lavoura. No entanto,

os ilhéus mantêm uma forma peculiar de vivência em relação aos habitantes da

cidade, pelo difícil acesso aos centros comerciais, ao transporte coletivo rodoviário,

as agências bancárias, a feira, aos mercados, dentre outros.

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Como expressão da peculiaridade, eles criam e recriam formas de relação com

o meio em que vivem e utensílios que contribuem para a continuidade de suas vidas,

a partir da transmissão de saberes e acúmulos de conhecimentos vinculados a

processos educativos informais. A vida ensina e com a vida se aprende e apreende

os ensinamentos dos e com os mais experientes, que para Lefebvre (1991, p. 37) –

fazendo menção a Marx – implica na produção e a “reprodução dos utensílios

necessários à produção” e as relações sociais.

Nesse contexto de aprendizagens do fazer cotidiano e das relações sociais,

Lefebvre (1991, p. 35) afirma:

Não existem mais fatos sociais ou humanos sem ligação (conceitual, ideológica ou teórica) do que grupos sociais que não estejam reunidos por relações num conjunto. Tratando-se do cotidiano, trata-se, portanto, de caracterizar a sociedade em que vivemos, que gera a cotidianidade (e a modernidade).

Pela não dissociação dos fatos sociais e humanos, essa pesquisa foca a

relação e importância de práticas educativas que se efetivam no cotidiano social de

experiências locais no contexto Amazônico, as quais representam a especificidade

dessa região, caracterizadas por diferentes comunidades.

Essa Ilha possui como principais bases de existência a pescaria artesanal, a

mariscagem e o sistema de agricultura itinerante da mandioca, fontes de

sobrevivências, conhecimentos e aprendizados, também geradores de saberes

expressos pela relação social e cultural, representando um valor educativo desses

saberes dissociados do pensamento dominante.

Um ser vivo não está situado em um ambiente: está em relação com um meio. Está biologicamente aberto para esse meio, orientado para ele, dele se alimenta, o assimila, de maneira que o que era elemento do meio se torna recurso do ser vivo. [...] A relação com o saber é relação de um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros. É relação com o mundo como conjunto de significados, mas, também, como espaço de atividades, e se inscreve no tempo (CHARLOT, 2000, p. 78).

Dito isto, a pesquisa a que me proponho, segundo Longa Romero (2014), parte

de um debate cuja constituição no âmbito da antropologia está em processo, mas é

preciso antes dar atenção às questões epistemológicas e de ordem teórico-

metodológica que têm orientado os estudos das chamadas sociedades pesqueiras.

Uma vez que os primeiros estudos sobre a pesca artesanal, enquanto atividade e

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prática cultural historicamente contextualizada em diversas regiões e comunidades se

desenvolveram a partir do final da década de 1960.

No Brasil, os estudos acadêmicos sócio-antropológicos sobre comunidades de

pescadores seguiram, de certa forma, os mesmos modelos teóricos-epistemológicos

que caracterizaram as perspectivas sócio antropológicas em nível global. Segundo

Diegues (1999), até a década de 1960, o foco das pesquisas se orientava na descrição

do modo de vida dos pescadores e nas técnicas de pesca por eles utilizadas. Essa

perspectiva permitiu enfatizar a pesca artesanal em relação com a organização social

das comunidades locais quanto ao parentesco e reprodução social de famílias e

grupos domésticos.

Diegues (1973, 1983) nos informa que a partir da década de 1970 se

consolidam as pesquisas acadêmicas fortemente influenciadas por políticas

governamentais, que incentivaram a modernização e a industrialização das atividades

pesqueiras, especialmente nas regiões Sul e Sudeste do país. As temáticas da

mudança e tradição foram aspectos fundamentais considerados por estudos sócio

antropológicos nesse período, devido ao impacto ocasionado pelo capitalismo

industrial da pesca, marcado por programas e empreendimentos privados que

causaram importantes transformações na pesca artesanal.

Mais recente, abordando também os sentidos construídos na dinâmica de viver

entre a terra e o mar, na década atual, o estudo antropológico de Adomilli (2007)

busca, a partir da etnografia, compreender as narrativas, experiências e ações de

pescadores “embarcados”, em alto mar, voltando sua atenção para as dimensões de

tempo e de espaço elaboradas no contexto da vida social e familiar e do cotidiano do

trabalho de pescadores da região de São José do Norte, no Rio Grande do Sul – RS.

Reconhecendo a importante contribuição das pesquisas no âmbito da

antropologia e da sociologia sobre a pescaria artesanal e outros conhecimentos

tradicionais, enveredo no campo do saber local acumulado na história do povo

pacamoreense, por considerar que a produção desses saberes fica marginalizada em

relação à educação formal, carecendo de um olhar que dê visibilidade, valorização e

resistência ao impregnado pela ciência dura. Papel desafiador que o PPGED/UEPA

tem enfrentado, desafio que tomo, de igual forma, no intuito de mapear os saberes e

os processos educativos inscritos na pescaria artesanal do salto.

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A pescaria artesanal marca e identifica a população ilhéu como integrante da

extensa Amazônia, por meio de diferentes formas de apropriação e uso dos ambientes

da natureza. É através dessas diferentes formas de estabelecer relações com a

natureza na prática da pescaria artesanal, que o pescador assegura a reprodução e a

manutenção da vida e de seu grupo familiar, baseada na produção extraída do mar

que, consequentemente, gera renda familiar e condições de sobrevivência.

Por considerar que a prática social da pescaria artesanal envolve saberes que

perpassam gerações, considero que esta pesquisa assume relevância acadêmica,

porque trata da relação dos saberes locais com os saberes científicos, analisando a

possível presença de processos educativos que circulam e são dinamizados no

cotidiano dos ilhéus. Outros fatores que diferenciam esta pesquisa das demais se dão

pelo contexto do local e a renovação da tecnologia social empregada na

artesanalidade; a remuneração pelo trabalho que se dá pela comercialização direta

do produto, “quando dá”; o “safar o boião para o outro” e “pra defender o sustento”; a

memória afetiva da infância; a pouca exploração da temática e produção acadêmica

escassa da região Norte, relacionadas às produções do Sudeste e Sul; e, pelo

ineditismo da proposta e peculiaridade da pescaria do salto.

A relação com meu objeto empírico é vital, por não haver distanciamento dele

com a existência. Agora sob outros olhares, pois a pescaria artesanal do salto não

representa simplesmente o ato de pescar, mas movimentos, gestos e atitudes, já que

as remadas silenciosas, as estratégias que conduzem ao avanço ou parada da canoa,

impulsionam para além do ato de captura ou não de pescados.

Esses saberes presentes na pescaria artesanal, focalizados no contexto da

pescaria do salto, fortalecem a relação das pessoas com suas heranças culturais,

estabelece melhores relacionamentos destas com estes bens e com a necessidade

de preservação e valorização da biodiversidade, uma vez que a existência desse tipo

de pescaria depende do respeito a natureza e ao bem de consumo, como descreve

Ingold (2010, p. 22):

Na passagem das gerações humanas, a contribuição de cada uma para a cognoscibilidade da seguinte não se dá pela entrega de um corpo de informação desincorporada e contexto independente, mas pela criação, através de suas atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as sucessoras desenvolvem suas próprias habilidades incorporadas de percepção e ação. Em vez de ter suas capacidades evolutivas recheadas de estruturas que representam aspectos do mundo, os seres humanos emergem como um centro de atenção e agência cujos processos ressoam com os de

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seu ambiente. O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e estruturas na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro do campo de prática – a taskscape – estabelecido através de sua presença enquanto ser-no-mundo.

Sob o mesmo prisma de Ingold (2010), Moraes (2007) enfatiza que as práticas

culturais permeiam relações e dimensões contidas no imaginário, nos saberes e nas

ações entre diferentes grupos de pessoas, e que se forem estudadas e analisadas

deixam evidentes os elos educacionais presentes na vivência dessas manifestações.

Embora reconheça que a tecnologia traga mudanças, ainda que incipientes em

se tratando de “motores rabetas”, elas se apresentam ineficazes à prática de pescaria

artesanal do salto nos rios e igarapés, por ser uma modalidade de pescaria que

continua muito pesada pelas longas distâncias percorridas sob a força dos braços,

causando a ausência do aconchego da família, por vezes, faz o contorno em toda a

dimensão da Ilha.

Apesar das condições adversas do trabalho na pescaria, se percebe que eles

gostam do que fazem, embora não sejam reconhecidos como essenciais para os

centros urbanos por frequentemente esquecermos quem é o responsável em trazer o

peixe à nossa mesa, que nos faz continuar existindo.

Por outro lado, as linhas de créditos, financiamentos e “benefícios” dos

governos são poucos e não atingem aos pescadores no seu cotidiano e nem em

tempos de defeso ou, pelo menos, deixaram de fazer essa cobertura de fomentos

como a rede de pescar, canoa, “motores rabeta”, refrigeradores, remos, fogões à gás

e casas em alvenaria. Todos esses fomentos eram provindos do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária–INCRA, via Reserva Extrativista Mãe Grande–

RESEXMG, que tem a guardiã o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade–ICMBio.

O significado sociocultural dessa prática de pescaria evidencia saberes que

culminam em processos educativos ainda não sistematizados, invisibilizados e

desvalorizados pelos centros acadêmicos. Com base nessas constatações empíricas

me propus ao desafio desta pesquisa, por acreditar que a realidade da pescaria

artesanal do salto em que se desenvolvem esses saberes, se caracteriza como um

espaço de muita expressão social e cultural no contexto amazônico, representando

um valor educativo nessa relação de saberes.

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Diante desse contexto, essa pesquisa orientar-se-á pela seguinte questão: Que

processos socioeducativos estão inscritos nas práticas da pescaria artesanal

do salto na Ilha de Pacamorema–Curuçá-PA e qual contribuição para a

conservação da biodiversidade marinha insular?

Para dar sustentação a essa problematização, procurei evidenciar questões

capazes de nortear a pesquisa, tais como:

Que saberes orientam as práticas da pescaria artesanal do salto?

Que processos educativos se manifestam no trabalho dessa modalidade de

pescaria?

De que forma os saberes inscritos nas experiências da pescaria artesanal do salto

têm contribuído para a conservação da biodiversidade marinha?

Com base nessas formulações que me guiarão em campo, foco na intenção de

onde pretendo chegar com o meu objeto de estudo: Analisar saberes e processos

educativos inscritos no trabalho da pescaria artesanal do salto e possíveis

contribuições para a conservação da biodiversidade marinha insular.

Diante disso, como ferramenta de articulação entre conhecimentos inerentes

ao objeto desta pesquisa, foram necessários elaborar objetivos específicos capazes

de contribuir com a relação da cientificidade e o empirismo, a saber:

Mapear as práticas da pescaria artesanal e a presença dos saberes nela inscritos;

Descrever os processos educativos revelados pelos pescadores;

Identificar na experiência da pescaria artesanal do salto a contribuição para a

conservação da biodiversidade;

1.3 REFERENCIAL TEÓRICO DE ANÁLISE

Para sustentação teórico-conceitual e embasamento metodológico capaz de

orientar o trabalho de campo recorri aos autores: Marx (1985a, b), Frigotto (1986),

Diegues (2000) e Furtado (1993 e 2002), que com seus construtos podem dar

consistência epistemológica na discussão relativa as experiências de trabalho da

pescaria artesanal.

Segundo Furtado (1999, p. 206)

Quanto mais ajustado é o pescador ao seu ambiente, mais condições cognitivas tem ele para desvendar e se apropriar da natureza. É por ai que

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ele tema acesso objetivo ao conhecimento das relações existente entre sua atividade e as faunas aquáticas e terrestre; a flora; os ventos e os mares; as nuvens e a chuva, e assim por diante, cujos sinais são decodificados com sabedoria.

Outros autores preponderantes nesta pesquisa, no que diz respeito a saberes

e práticas educativas, são: Brandão (2002), Bomdía (2002); Charlot (2000), Oliveira

(2004) e Silva (2007, 2016). Esta última nos informa que

Os saberes sobre seus ambientais como dimensão epistemológica, por inserir-se numa perspectiva ampla, convergem para outras formas saberes, inscrevem e revelam uma diversidade cultural inscrita nas formas de relação, apropriação e uso que os sujeitos locais estabelecem com a natureza. Portanto, focam o saber na sua dimensão ambiental, de acordo com os diferentes modos e esquemas de significações e de vozes locais, que, na sua relação com a natureza, os sujeitos individuais e/ou coletivos constroem (SILVA, 2007, p. 9)

De igual forma, Geertz (2014), Johnson (1999), Ingold (2010), Certeau (1998)

trazem questões relacionadas à cultura, uma vez que a prática da pescaria artesanal

do salto está impregnada de ações herdadas culturalmente. Para Certeau (1998, p.

109) “as práticas cotidianas estão na dependência de um grande conjunto, difícil de

delimitar e que, a título provisório, pode ser designado como o dos procedimentos”.

Assim, nesta pesquisa trataremos de educação a partir do pensamento de

Brandão (2002, 2006), Ingold (2010), Gohn (2005) e Freire (1979), por considerar a

educação como eixo temático fundante deste trabalho, pois trata-se de uma pesquisa

que está vinculada ao PPGED/UEPA, embora estejamos reflexionando pela sua

informalidade.

Tomando como referências principais esses autores, conforme o contexto da

pesquisa, destacamos algumas categorias teóricas e empíricas de base, que

informam a sua realização: cultura, trabalho e educação.

Entendemos a cultura como criação do ser humano e, no seu interior, são

desenvolvidas práticas e ações as quais constituem a educação, que para Brandão

(2002, p. 19) representa algo específico e a partir daí apreende saberes de acordo

com seu tempo e espaço.

A cultura configura o mapa da própria possibilidade da vida social. Ela não é economia e nem poder em si mesmos, mas o cenário multifacetado e polissêmico em que uma coisa e a outra são possíveis. Ela consiste tanto de valores e imaginários que representam o patrimônio espiritual de um povo, quanto das negociações cotidianas através das quais cada um de nós e todos nós tornamos a vida social possível e significativa (BRANDÃO, 2002, p. 24).

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Desta forma, Geertz (2014, p.147) explica que “é por intermédio dos padrões

culturais, amontoados e ordenados de símbolos e significados que o ser humano

encontra sentido nos acontecimentos, através dos quais ele vive”, onde a cultura

representa o saber experiente de uma comunidade, como meio de defender e manter

suas formas de relação humana.

A cultura não se restringe a grupos de maior ou menor influência social. É

característica plural, da comunidade humana, seja ela vista como um todo planetário,

seja fragmentada em pequenos blocos. Ela se apresenta como o referencial humano,

que vale para os conhecimentos adquiridos ao longo da vida, por meio das

experiências e sistematizados pela forma de agir e ser, transformando assim o espaço

de acordo com as necessidades e interesses de cada indivíduo. Ela está presente no

espaço por meio das práticas sociais e no campo dos pertencimentos humanos, nas

manifestações que influenciam a construção do conhecimento social, político e

cultural. Perante isso, a cultura é considerada dinâmica e vai norteando o

desenvolvimento humano, agindo como uma importante produção no espaço social.

Para Johnson (1999), a cultura diz respeito às peculiaridades do ser humano,

não podendo ser interpretada como uma generalização de costumes, deias, hábitos,

mas o modo diferente de cada grupo, pois:

O modo particular pelo qual as pessoas se adaptam ao seu ambiente; é também a resposta dos homens às suas necessidades básicas; também é o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um território comum, criou em forma de ideias, instituições, linguagens, instrumentos, serviços e sentimentos (JOHNSON, 1999, p. 13).

Assim, a partir dessas ideias concebe-se a cultura como uma criação humana

construída e recebida como herança dentro do grupo em que cada pessoa nasce ou

participa. Ela também pode ser adquirida pelo contato com outros grupos sociais.

A cultura favorece ao pensamento as suas condições de formação, de concepção, de conceptualização [sic]. Ela impregna, modela, e eventualmente dirige os conhecimentos individuais. Trata-se aqui, não tanto de um determinismo sociológico exterior, mas sim de uma estruturação interna. A cultura e, via cultura, a sociedade, estão no interior do conhecimento humano. O conhecimento está na cultura, e a cultura está no conhecimento. Um ato cognitivo individual é, ipso facto, um fenômeno cultural e todos os elementos do complexo cultural coletivo se atualizam num ato cognitivo individual (MORIN, 1991, p, 20).

Completa Morin (1998): “temos, pois, de considerar a cultura como um sistema

que faz comunicar dialetizando uma experiência existencial e um saber construído”,

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interagindo e dando sentido à vida e as práticas na pesca, que por sua vez reflete-se

em saberes que permitem ao pescador se relacionar com o meio onde estão inseridos

de maneira íntima, proporcionando a criatividade e a sabedoria.

A construção humana pode ser percebida pelos hábitos, ideias e técnicas, e

isso forma um conjunto de elementos, dentro do qual os diferentes membros de uma

sociedade convivem e se relacionam de forma harmoniosa. Em outras palavras a

cultura é um meio que o ser humano construiu para se adaptar aos outros e ao meio

em que vive.

Nesse meio de construção cultural que abarcam as práticas educativas, a

sociedade amazônica se caracteriza pela interação de povos diversos e, com isso,

manifestações diferenciadas estendidas na região e representando uma diversidade

de conhecimentos que podem e devem ser analisados de modo a contribuir para uma

melhor relação social e visibilidade dos povos tradicionais.

O trabalho é uma categoria de base que se entrelaça com a cultura, tornando

o ser humano diferente de outros animais existentes. Pelo trabalho o ser humano

regula, programa a sua natureza, projeta sua existência, modifica seus meios criando

e recriando alternativas para o melhor viver diante das complexidades.

Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX, 1985b, p. 149).

Esta concepção ontológica do trabalho mostra que ele é um processo que

permeia a existência do ser humano e o torna distinto de outros animais, porque vai

além das funções laborativas ou empregos, permeando outras dimensões além da

meramente física. Essa perspectiva ontológica está associada às dimensões da vida

cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva, por se tratar de seres históricos,

portanto, real no tempo e no espaço.

Por conta dessa historicidade o ser humano é um ser de trabalho, e não pode

deixar de ser por sua condição. Do contrário, seria ser apenas igualado a seres sem

o teor histórico, sem cultura. O humano seria transformado em outra coisa, sem ser

humano. É pelo trabalho que podemos evidenciar que a história humana passou pela

servidão, pelo escravagismo e pelo assalariamento.

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No caso do trabalho desenvolvido pelos pescadores, em hipótese alguma, pode

ser confundido com emprego. Aqueles homens trabalham por conta de sua

sobrevivência, de sua necessidade e de liberdade, formam mescladas entre si. O

trabalho humano para os ilhéus não se separa da esfera da necessidade.

Para Marx (1985a), o processo de trabalho e a atividade humana são

materializadas ou objetivadas em valores de uso, pois segundo ele, o processo de

trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é uma

atividade orientada com a finalidade de produzir valores de uso, dessa forma

apropriação do natural se faz para satisfazer as necessidades humanas.

Baseados na satisfação e reprodução da vida material e simbólica, é que os

pescadores artesanais do salto vão para a “virada”14, em noites escuras para

suprimirem suas necessidades de alimento por meio do consumo de seu próprio

pescado e com a venda do pequeno excedente podem adquirir outros alimentos.

Frigotto (1986) considera que nas relações de trabalho onde o sujeito é o capital

e o ser humano é apenas objeto a ser consumido, usado, constrói-se uma relação

educativa negativa, uma relação de submissão e alienação, isto é, nega-se a

possibilidade de um crescimento integral. Assim, esta pesquisa pretende ir além do

trabalho pelo trabalho, porque busca dar conta de questões relacionadas ao usufruto

desse trabalho, podendo ser tomadas como práticas da valorização coletiva.

Nessas perspectivas em que se configuram as categorias cultura e trabalho,

incluo a mediação da educação como categoria de base deste estudo, sempre

vinculada a um processo cultural.

Brandão (2006) trata a educação como uma construção social e cultural, que

merece ser debatida dentro do campo científico, uma vez que ela é como outras, uma

fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras

invenções de sua cultura, em sua sociedade, tecida de sentidos e significados pelos

sujeitos da sociedade, os quais, por meio de suas ações e interações com o outro e

com o mundo constroem e transformam os próprios contextos, que apresentam

particularidades na forma de fazer e se fazer culturalmente.

Na formação de pessoas como sujeitos de ação e de identidade e de crises de identificados, de invenção de interação de palavras, valores, ideias e de

14 Essa expressão designa o convite de um pescador ao outro, pois os mesmos não se convidam para ir pescar e sim pra ir numa “virada” vê se conseguem pegar alguma coisa. Para pegar o pescado eles têm que se virar, dar um jeito.

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imaginários com que nos ensinamos e aprendemos a sermos quem somos e a sabermos viver com a maior e mais autentica liberdade pessoal possível os gestos de reciprocidade a que a vida social nos obriga. Mas ao falar da relação entre cultura e a educação, uma das lembranças porventura mais importante deve ser a de que mais do que seres “morais”, somos seres aprendentes (BRANDÃO, 2002, p. 25).

Concomitante a Brandão (2002), Freire (1992) nos diz que a educação é:

Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que outro lhe dá ou impõe. [...] O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em reinvenção (FREIRE, 1992, p. 27).

Freire (1992) nos remete a um processo educativo significativo a partir dos

“conteúdos” já inscritos pela prática experiente dos sujeitos da educação. Para Moraes

(2011) o conhecimento do meio ambiente e a habilidade para utilizar esse meio, na

medida em que vão sendo transmitidos e absorvidos pelas gerações transformam

práticas, hábitos de vida, modos de apreensão da natureza pelo contato íntimo com a

água, a floresta, e a terra, libertos dos conteúdos impostos pela educação formalizada

e irrestrita de sua condição geográfica.

O conhecimento não é insular, mas peninsular, e, para conhecê-lo, temos que desligá-lo ao continente do qual faz parte. O ato de conhecimento, ao mesmo tempo biológico, cerebral, espiritual, lógico, linguístico, cultural, social, histórico, faz com que o conhecimento não possa ser dissociado da vida humana e da relação social. Os fenômenos cognitivos dependem de processos infracognitivos e exercem efeitos e influências metacognitivos (MORIN,1999, p. 29).

Assim, quando o pescador observa os sinais do peixe, ocorre uma

multiplicidade de saberes e conhecimentos técnicos aprendidos pela lida do pescar

em que associam o comportamento e a classificação das espécies, caracterizando-os

conforme Furtado (1993, p. 211)

Peixe que pula fora d’água, peixe que nada na beira d’água, peixe que ronca, peixe que vem buscar comida em cima d’água, peixe que anda pelo fundo, peixe que anda pelo meio do rio, peixe que se esconde nas tronqueiras, peixe que come fruta, peixe que come inseto, peixe que come flor.

É uma educação embasada na sensibilidade aguçada e direcionada da audição

e do olfato para a pesca que permite ao pescador identificar o cardume, um dos

saberes importantes na arte de pescar. Um conhecimento apurado sobre os

elementos da natureza, num complexo que envolve águas, animais, astros e ventos,

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o que permite que esses saberes da tradição tenham a mesma eficiência que o

conhecimento científico, ainda que este possa não o reconhecer como confiável, ou

mesmo considerá-lo com menor importância.

Esses povos tradicionais, muitas vezes, considerados barreiras para o

desenvolvimento do ponto de vista da modernidade, cuja lógica está pautada na

produção em larga escala, mas desvinculada da preocupação com a natureza, dos

saberes tradicionais e da relação de vida entre os seres vivos, apresentam condições

de existência diferentes da impregnada pelo modelo capitalista de produção, recriam,

se reinventam e são movidos por uma necessidade e desejo de compreender o mundo

que os envolve, sua natureza e a sociedade em que vivem.

Nesse sentido Silva (2007, p. 110) considera que as

Práticas educativas do ponto de vista epistemológico assumem um significado para além da educação formal, incorporam práticas cotidianas e formação de valores no campo ambiental. Numa perspectiva ampla configura-se como uma dimensão da “educação para sociedades sustentáveis” e está relacionada com a constituição de um campo da educação ambiental. [...] a educação para as sociedades sustentáveis assenta-se nos quatro alicerces resultantes dos trabalhos da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, tais sejam: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser.

Trata-se de “saber desinteressado”15 que permite aos pescadores

classificarem, ordenarem e diferenciarem os variados tipos de pescarias e de

instrumentos, pois eles têm características próprias, geridas num contexto

multidimensional que, segundo Geertz (2008) proporciona a partir da criação e

recriação, novas técnicas, novas ordenações, novos saberes, a partir do aguçamento

da curiosidade (SILVA et al, 2011).

Moraes (2011) afirma que a educação se configura como uma rede de

domínios que emerge em todos os aspectos relacionados à vida e ao trabalho

na pescaria artesanal. O conhecimento condensado e modificado pelo pescador é

uma síntese desse processo, que ao mesmo tempo está em construção. Somente a

experiência adquirida ao longo de sua vida possibilita a construção cotidiana.

No contexto de circularidade do saber, não apenas pelo meio natural, mas na

relação de uns com os outros, pode propiciar a educação que consiste nas relações

15 Bourdieu (1996, p. 152) afirma que “os universos sociais nos quais o desinteresse é a norma oficial, não são, sem dúvida, inteiramente regidos pelo desinteresse: por trás da aparência piedosa e virtuosa do desinteresse, há interesses sutis, camuflados, e o burocrata não é apenas o servidor do estado, é também aquele que põe o estado a seu serviço”.

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sociais e constitui o processo de aprendizado humano favorecendo a continuidade

dos atos da vida. Diante disso, consideramos que as diversas aprendizagens da vida,

afloram de uma educação, com isso os processos educativos não-escolares contidos

na pescaria artesanal do salto podem apontar diferentes saberes, podendo, inclusive,

evidenciar processos educativos vivenciados naquele ambiente.

Dado os referenciais teóricos de análise que motivam a pesquisa e sabedor

que ela não está isolada dentre outros estudos realizadas por diferentes instituições

do país relacionadas a pescaria artesanal, busquei pela temática uma revisão de

literatura de trabalhos publicados junto ao banco de teses e dissertações da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior–CAPES e do Google

Acadêmico–GA para alicerçar os elementos teóricos presentes no objeto desta

pesquisa.

No primeiro instante, na CAPES, acionei o descritor pesca artesanal e

visualizei inúmeros trabalhos relacionados a essa temática. A dissertação de metrado

em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba–UFPB,

de Tarcísio dos Santos Quinamo, foi o primeiro de tantos. Nesse trabalho o autor

aborda a pesca artesanal desenvolvida na região do Canal de Santa Cruz, no litoral

norte de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, pela comunidade pesqueira de

Itapissuma, relacionando-a com os ecossistemas estuarinos e manguezais, com os

conflitos de uso dos recursos naturais, situando-a no contexto mais amplo das

transformações socioeconômicas e socioambientais da região, invisibilizando a

pescaria e as milhares de pessoas que dela participam e dependem.

A dissertação em Aquicultura e Pesca do Instituto de Pesca de São Paulo –

APIPSP, com título “Pesca Artesanal no médio e baixo Tietê, São Paulo, Brasil:

aspectos estruturais e socioeconômico”, de Lidia Sumile Maruyama et al, destacam a

pesca artesanal correspondente da principal atividade econômica das pessoas

entrevistadas que possuem baixo grau de instrução, as estratégias de captura, a

produção e o intermédio na comercialização.

Ainda com descritor Pesca Artesanal temos a dissertação em Sociologia da

Universidade Federal da Paraíba–UFPB com o título “Homens e peixe: o tempo da

pesca artesanal”, de Maria Ivete do Nascimento Arcanjo. Nela, a autora analisa

questões referentes à construção do tempo no cotidiano do trabalho dos pescadores

artesanais do litoral do município de Maracanã, usando como baliza os conceitos de

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‘Fartura’ e ‘Famitura’ presentes no discurso ao ser feita referência ao modo de vida do

passado e do presente através do resgate da memória dos velhos da comunidade de

Fortaleza do Mocooca. Segundo o estudo, o conceito de ‘Famitura’, característico do

presente, atinge valores fundamentais, como a solidariedade.

Outra dissertação em Ciências Ambientais da Universidade de Taubaté/SP–

UNITAU, sob o título “Caracterização da Pesca Artesanal em São Caetano de

Odivelas (PA)”, de Raymunda Nonata Silva da Silva, descreve como ela se

desenvolve nesse município, tendo por base a identificação das práticas de pesca

utilizadas, as embarcações e o pescado da região, concluindo que essa modalidade

de pesca é a base econômica da vida social e cultural das pessoas que dela

dependem.

Ainda, no banco de dados da CAPES foram encontrados artigos relacionados

a Pesca Artesanal. Dentre eles, o Marcos Antônio S. dos Santos sob o título “A cadeia

produtiva da Pesca Artesanal no Estado do Pará: estudo de caso no nordeste

paraense”, de Marcos Antônio Souza dos Santos, que enfatiza os municípios de

Augusto Corrêa, Bragança, Curuçá, Maracanã, Marapanim, São João de Pirabas e

Viseu que, segundo o estudo, respondem por um quarto da produção estadual de

pescado, identificando as características socioeconômicas, tecnológicas e produtivas

da pesca artesanal e analisado o processo e as relações de comercialização, com

análises referentes à dimensão institucional e organizacional da cadeia produtiva,

assistência técnica e o acesso a crédito.

No Google Acadêmico encontrei o artigo intitulado “Caracterizacão da pesca

artesanal na Vila de Perimirim, Augusto Corrêa, Pará, Brasil”, de Ronivalber Santos

Ferreira et al, mostra que o modelo de pesca artesanal desenvolvido hoje na costa

paraense indica que esta é uma atividade com práticas predatórias em virtude da falta

de assistência governamental, investimentos, incentivos, fiscalização e educação

ambiental. No entanto, essa atividade chega a ser o principal responsável pelo

desenvolvimento econômico dos municípios como pode ser observado em várias

comunidades do nordeste paraense onde parte da produção pesqueira é destinada à

subsistência dos grupos locais e ao comércio de Belém.

A análise do descritor pesca artesanal se deu a partir das produções de

instituições a nível nacional para as regionais e/ou estaduais. Desconsiderando a

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tentativa de eximir análise a esse descritor, passei a utilizar o descritor pesca

artesanal e saberes.

Sob essa ótica visualizei a dissertação em Biologia Ambiental da Universidade

Federal do Pará–UFPA, com o título “Pesca Artesanal: olhares sobre o trabalho e

relações intergeracionais de pescadores e pescadoras na comunidade de Quatipuru

Mirim – Tracuateua–Pará”, de Jaime da Costa Pantoja. Ela revela que os pescadores

artesanais estão classificados nas modalidades: de mar, com idade entre 20 a 40

anos; e de beirada ou subsistência, com idade entre 10 a 60 anos. A maioria possui

escolaridade nos níveis inicias do ensino fundamental. Apresenta secundarização do

trabalho da mulher na pesca; o impacto causado pela evolução tecnológica na

atividade pesqueira artesanal transformando paulatinamente os pescadores e

pescadoras em produtores de mercadoria; a aprendizagem e transmissão de saberes

na pesca: por meio de saberes transmitidos da geração adulta e pela educação

informal, ou seja, não há a intenção de ensinar, embora o aprender acontece somente

pela observação e pelo fazer na pesca; e as relações intergeracionais na atividade

pesqueira que se mostra permeada pelo desejo da não continuidade desde que

tivessem outros trabalhos.

Corrobora com esta análise a pesquisa de mestrado em Educação da

Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL, com o título “Saberes locais e

escola: entre olhares, diálogos e encantos”, de Elaine Machado Silveira, que evidencia

a marginalização de pescadores artesanais às políticas públicas. No entanto, destaca

o papel da escola em local de possível perpetuação e disseminação dos saberes

populares ligados à identidade cultural, contextualizando-os ao processo educativo,

mostrando a sensibilização e a inserção de práticas relacionadas a pesca artesanal

no cotidiano escolar.

A dissertação em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal do

Rio Grande do Sul-FURG com o título “Pescadores de sonhos e esperanças:

experiências em educação ambiental com trabalhadores da associação da Vila São

Miguel-RS”, trata da organização de pescadores em cooperativa alimentando a

esperança e o sonho de vida melhor através de sua atividade profissional, em

consonância com a possibilidades em Educação Ambiental no contexto da pesca.

Com o descritor pesca artesanal e processos educativos não formal não

foram localizadas dissertação, teses ou artigos no campo que tange à educação. De

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igual forma, quando se trata do descritor pesca artesanal do salto não foi possível

localizar nenhum trabalho publicado. Mas ao aplicar pesca do salto no Google,

encontra-se atividades relacionadas à pesca esportiva e propagandas de produtos e

hotelarias relacionadas ao esportivismo da pesca.

Nota-se a diversidade de trabalhos publicados que remetem a diferenciados

caminhos epistemológicos e metodológicos de pesquisa, ultrapassando a visão

mecânica do mundo e de fazer ciência, sob a ótica de um paradigma diferenciado da

compreensão das coisas existentes, dos seres e suas múltiplas formas de conceber

o mundo e agir nele, considerando não apenas o cientificismo positivista, mas sua

relação com outros saberes e processos educativos não escolares e a dimensão

histórica, política, cultural e social de cada realidade estudada.

Para tanto, Berry (2006) fazendo menção a Lévi-Strauss (1970), afirma:

Num período em que os discursos da emancipação, da inclusão, da justiça social, da pluralidade, da multiplicidade, da diversidade, da complexidade e do caos estão entrando nos círculos acadêmicos e na maioria dos meios de comunicação, só existe uma maneira de incorporar estes discursos e suas práticas elogiosas: é necessário novas perguntas, ferramentas, processos e métodos de pesquisa (BERRY, 2006, p. 88).

O conhecimento acumulado no transcorrer da história, desde nossa

ancestralidade, considerado pela ciência moderna, como resultado de acidentes,

como se surgissem por acaso, sem ter por base um saber sistemático resultado da

observação, tentativas e da experimentação, o que deu base para o surgimento da

ciência. Para Ingold (2010, p. 6) “o conhecimento existe na forma de ‘conteúdo

mental’, que, com vazamentos, preenchimentos e difusão pelas margens, é passado

de geração em geração, como a herança de uma população portadora de cultura”.

Esta pesquisa se diferencia dos estudos analisados, embora em algum deles

estejam presentes a circulação de saberes, por estar vinculada ao campo da

educação não escolar, com abordagem que evidencia, que aprofunda, que reconhece

e que valoriza saberes e processos educativos de uma das mais singulares atividades

insulares, a pesca artesanal do salto, fomentando uma visão de não subalternação

e/ou inferiorização dessa prática aos moldes da ciência convencional, mostrando que

a ciência pode ser construída a partir dessa prática de trabalho, oriunda da construção

cultural do ser humano e invisibilizada pelos interesses político-econômico do

capitalismo.

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1.4 DO PONTILHÃO AO MAR: CAMINHOS METODOLÓGICOS

Figura 01: Pontilhão de madeira que atravessa o mangue

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Out./2016

Para cartografar os saberes e os processos socioeducativos inscritos na

pescaria artesanal do salto e construir possibilidades para responder as questões que

norteiam a pesquisa e seus objetivos, foi imprescindível transpor um pontilhão de

madeira de aproximadamente 940m de extensão (figura abaixo), que inicia no local

Tapera, atravessa uma ponta de manguezal que fica entre o furo do Retiro e o rio

Pacamorema, se permitir “melar” o pé no tijuco16 quando a maré está seca e “apanhar”

uma canoa (de carona ou sob pagamento) para aportar na comunidade.

Por ter nascido e vivido na ilha e retornando vez ou outra àquele espaço tudo

parecia favorável e fácil para desenvolver a pesquisa. Engano completo por se tratar

de uma pesquisa que adentrou a vida e os saberes de pessoas que conheço como

habitantes ilhéus, vários deles pertencem à minha família e não como sujeitos de

pesquisa. Por isso, é importante frisar que esta pesquisa de campo foi um grande

divisor de águas, pois de um lado me considero agente interno e esporadicamente

realizador dos fazeres na pescaria artesanal e, de outro, me caracterizo como agente

externo, realizando o papel de pesquisador. Contudo, a execução desse segundo

papel não gerou grandes dificuldades para a inserção em campo, nem resultou na não

aceitação dos intelectuais nativos, uma vez que a relação de confiança já havia sido

consolidada em tempos anteriores.

16 Solo do mangue e beiradões que se evidenciam em maré baixa, podendo ser firme ou mole, carecendo de habilidade para se movimentar sobre ele.

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Nesse sentido, Marconi e Lakatos (2015, p. 3) afirmam que “a pesquisa é um

procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um tratamento

científico e se constitui no caminho para se conhecer a realidade ou para descobrir

verdades parciais”, cuja finalidade parte de um problema a partir de várias hipóteses

sobre o campo da pesquisa que é a realidade ilhéu para, depois, alcançar as

informações e os dados que satisfaçam os questionamentos e as percepções

decorridas do trabalho de campo.

Para Minayo (2007, p. 105) a pesquisa de campo é percebida de uma forma

mais abrangente, ao considerar como um “recorte espacial correspondente à

abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto de

investigação”. Dessa forma, o trabalho de campo tem suas peculiaridades, cuja

entrada para a produção dos dados, precisa ser precedida de um minucioso

planejamento, ainda que os intelectuais nativos da pesquisa sejam ou pareçam ser

tão próximos. Todos esses cuidados foram tomados para não ocorrer equívocos ou

interrupções de informações dos sujeitos.

De posse de leituras referentes às questões que seriam trabalhadas, fui a

campo com esse “olhar informado”, a partir de abril de 2016. Para esse primeiro

contato com os pescadores, fui auxiliado por dois dele que deram “suporte” na

apresentação dos ambientes pesqueiros e na condução no entorno da ilha para

mapear os pontos de pesca (Figura 02). Esta foi uma grata e inédita ação praticada.

Figura 02: Mapeamento de pontos de pesca com Jurandir Negrão e Tio Misaco

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

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O planejamento da pesquisa deu-se em concomitância com o período de

encontros letivos na UEPA, por meio dos quais buscava-se a fundamentação teórico-

metodológica, a construção de categorias de base, a elaboração de instrumentos a

serem utilizados no decorrer de toda pesquisa, o roteiro de dados observáveis e os

instrumentos de análise para os dados coletados.

No exercício de entrelaçamento do campo científico com o empírico observado,

a necessidade de “um fundamento epistemológico que sustenta e justifica a própria

metodologia praticada” (Severino, 2007, p. 100) foi sendo construído. Por conta dessa

relação, segundo o autor,

É que a ciência é sempre o enlace de uma malha teórica com dados

empíricos, é sempre uma articulação do lógico com o real, do teórico com o

empírico, do ideal com o real. Toda modalidade de conhecimento realizado

por nós implica uma condição prévia, um pressuposto relacionado a nossa

concepção da relação sujeito/objeto. Qual a contribuição de cada polo desta

relação: sujeito que conhece e objeto conhecido? São independentes um do

outro? Ou um depende do outro? Ou um se impõe ao outro? O resultado do

conhecimento é determinado pelo objeto, exterior ao sujeito ou, ao contrário,

o que conhecemos é mais a expressão da subjetividade do pesquisador do

que o registro objetivo da realidade? (SEVERINO, 2007, p. 100-101).

Para Severino (2007), o pesquisador, fazendo o estranhamento do óbvio, não

pode se sobrepor às realidades pesquisadas e nem ao seu cotidiano. Tratar o lócus

da pesquisa de forma imparcial, ética, exercendo a função de interlocutor dos povos

tradicionais amazônidas expresso pelos pescadores pacamoreenses, se caracterizou

como responsabilidade muito grande.

Nesse sentido, Silva et al (2011, p. 59) afirmam que

O debate no campo das ciências sociais, em geral, e da educação em particular, nesse contexto epistemológico, tem revelado a compreensão da especificidade de seus métodos, por se tratar de fenômeno humano cujas configurações são à realidade exata e natural.

Stecanela (2009, p. 65) diz que: “o que se passa no quotidiano é ‘rotina’,

costuma-se dizer”. Mas até o rotineiro indica caminho, rota, ruptura, corte, que para

Certeau (1998) apresenta ideia de dinamicidade, pois o que é transmitido no dia-a-dia

não pode ser considerado como rotina por estar recheado de improviso, de

imprevistos ou de desvio. A todo instante são criadas formas diferentes de fazer as

tarefas do cotidiano, embora as tarefas pareçam ser as mesmas.

Sendo assim, Certeau (1998, p. 41) afirma:

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Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede da “vigilância”, mais urgente é descobrir como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares (também “minúsculos” e cotidianos) jogam com os mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los; que “maneira de fazer” formam a contrapartida, do lado dos consumidores (ou “dominados”?), dos processos que organizam a ordenação sócio-política. Mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da reprodução sociocultural.

Nesse sentido, fiz minhas interpretações sobre as formas de como os

pescadores ilhéus se reinventam e se reapropriam do espaço em seu cotidiano, em

suas práticas de trabalho, a partir das vivências de seus saberes e de suas

aprendizagens, bem como as diversas maneiras desse compartilhar os fazeres.

1.4.1 Método e tipo de pesquisa

Dentre os inúmeros e diferentes tipos de métodos utilizados em pesquisas

acadêmicas, recorri ao que está explicitado no título desta pesquisa: a cartografia de

saberes e processos educativos da pesca artesanal do salto.

A cartografia tradicional encontra-se ligada ao campo da geografia e busca a

precisão em bases matemáticas e estatísticas, contando com conhecimentos e

técnicas sofisticadas. Sua especialidade é traçar mapas referentes a territórios,

regiões e suas fronteiras. O mapa como representação de um território e das

características de uma população é um instrumento fundamental da geografia física e

humana: a demografia.

O termo – “cartografia” - utiliza especificidades da geografia para criar relações de diferenças entre “territórios” e dar conta de um “espaço”. Assim a “cartografia” é um termo que faz referência a ideia de “mapa”, contrapondo a topologia quantitativa, que caracteriza o terreno de uma forma estática e extensa, uma outra de cunho dinâmico, que procura capturar intensidades, ou seja, disponível ao registro do acompanhamento das transformações decorridas do terreno percorrido e a implicação do sujeito percebedor do mundo cartografado (FONSECA e KIRST, 2003, p. 92).

A intenção, porém, recai na dinamicidade e na estratégia de traçar linhas de

força, de poder, de enfrentamentos, de densidades e intensidades presentes no

campo de pesquisa. Mas para isso, se faz necessário caracterizar a cartografia como

método, recorrendo a alguns estudiosos a esse respeito.

Enquanto método de pesquisa, a cartografia tem uma série de particularidades. É um método que não se aplica, mas se pratica. Quer dizer, não há um conjunto de passos abstratos, a priori, a serem aplicados a um

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objeto de estudo, pois a cartografia é um método em processo de criação, coerente com a processualidade daquilo que investiga. Nesse sentido, trabalha-se com um modo de fazer pesquisa que se inventa enquanto se pesquisa, de acordo com a necessidade que surgem, de acordo com os movimentos do campo de estudo em questão (FARINA, 2008, p. 10)

Esse método se mostrou eficaz para mapear os saberes de jovens, adultos e

idosos embrionados com a pescaria artesanal, enquanto história e cultura vivas que

se passa pela oralidade e pela vivência, cujo registros desse fazer ilhéu não há.

Neste âmbito cartográfico, procurei fazer distinção entre a cartografia simbólica

de Santos (1988) e a rizomática de Deleuze e Guattari (1995, “Mil Platôs”, vol. 1, 2, 3,

4 e 5), que para Silva et al (2011) essa diferenciação diz respeito a forma “de sua

construção”. Ainda, se tratando de cartografia Passos et al (2009) indicarão pistas

desse método ao desenvolvimento do trabalho.

Para Oliveira (2004, p. 15) a “cartografia simbólica é compreendida como modo

de imaginar-se e representar-se à realidade social. A utilização da cartografia permite

a identificação das estruturas e representações dos diversos campos do saber sobre

a realidade social”.

Santos (1988, p. 142) ao tratar da cartografia simbólica das representações

sociais, faz menção à desconsideração dessa cartografia pelo modelo de

racionalidade ocidental, por se tratar de experiências alheias ao visível e ao direito.

Esta abordagem, que se pode designar por cartografia simbólica do direito, tem, em meu entender, um duplo mérito. Por um lado, permite resolver alguns problemas da sociologia do direito até agora sem solução. Permite, por exemplo, desenvolver uma conceptualização sociológica do direito autônoma da que tem sido elaborada pelos juristas e pela ciência jurídica e com isso torna possível superar um dos mais persistentes obstáculos epistemológicos à constituição de um objeto teórico próprio da sociologia do direito. Por outro lado, a concepção do direito em sociedade para que aponta questiona radicalmente alguns dos postulados filosóficos e políticos da teoria liberal do Estado e do direito moderno e, por essa via, contribui para a construção de um pensamento pós-moderno, no caso para a construção de uma concepção pós-moderna do direito.

O simbolismo cartográfico de Santos (1988) reside no paralelismo que ele faz

a partir da ciência positiva e do direito – cartografia oficial –, legitimando o que é

verdadeiro. Silva (2011, p. 65) acrescenta que as linhas da cartografia invisível “são

aquelas feitas pelas populações do terceiro mundo, as populações tradicionais,

saberes e conhecimentos que são social e cientificamente marginalizados e

colonizados”.

Dessa forma, me detive a uma outra discussão acerca de cartografia: a pautada

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por Deleuze (2005) que não caracteriza a um território, mas a campo de forças e

relações, a movimentos com desdobramento no tempo e no espaço e incorporando

enquanto eixo metodológico saber-poder-subjetividade à medida que se apresenta

como método de dispositivos, desemaranhando as linhas, tal qual se desfaz um

novelo.

Desemaranhar as linhas de um dispositivo e, em cada caso, traçar um mapa, cartografar, percorrer terras desconhecidas, é o que Foucault chama de ‘trabalho de terreno’. É preciso instalarmo-nos sobre as próprias linhas que não se contentam apenas em compor um dispositivo, mas atravessam-no, arrastam-no, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal (DELEUZE, 2005, p.1).

Deleuze (2005) se refere aos trabalhos como uma análise histórica de

dispositivos concretos, buscando cartografar e “desemaranhar” estes complexos

novelos políticos, que se apresentam como conjuntos multilineares dotados de grande

mobilidade. Essa mobilidade passou a ser analogamente considerada a rizoma –

termo provindo da relação à natureza e a ecologia, que passa a ser acionado como

método para descrever os saberes e os processos educativos inscritos na pesca

artesanal insular.

Segundo os princípios de rizoma, mapear significa entender a realidade a partir de diversos pontos de vistas, não estabelecer limites fixos entre aquilo que se concebe e o que se projeta do real, pois o real é relativo, é multivisional, é como um conceito que é constantemente transformado; são paisagens e processos que são subjetivados e distorcidos nas práticas culturais. Nessa perspectiva, mapear é definir o por vir e construir significados sem pretensão de torna-los verdades; é rediscutir e remapear os processos de mapeamentos (SILVA, 2011, p. 67).

A cartografia, para Deleuze e Guattari (1995), é da ordem do rizoma e é

exatamente por isso que ela é antidoto para a ação dos dispositivos políticos. Na

introdução a “Mil Platôs”, Vol. 1, eles desenvolvem uma concepção de rizoma ligando

a cartografia.

Para eles, o rizoma é inspirado metaforicamente na botânica, como um tipo de

olhar estratégico, modelo de funcionamento e ação, de enfrentamento e resistência,

que opera a partir de princípios diferentes daquele unitário, vertical estrutural e

disciplinar, que orienta o modelo de análise e funcionamento característico da

formação “arvore-raiz”.

O rizoma para deleuzeguattarianas (1995) se estende e se desdobra num plano

horizontal, de forma acêntrica indefinida e não hierarquizada, abrindo-se para a

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multiplicidade, tanto de interpretações quanto de ações, remetendo a formação

radicular da batata, da grama e da erva daninha. Ele não opera pelo jogo de oposições

entre o uno e o múltiplo, não tem começo, fim ou centro, nem é formado por unidades,

mas por dimensões ou direções variáveis, além de constituir multiplicidades lineares

ao mesmo tempo em que é constituído por múltiplas linhas que se cruzam nele,

formando uma rede móvel, conectando pontos e posições. Além de considerar o

aspecto subterrâneo de uma formação rizomática que leva um problema de

visibilidade imediata dessa complexa e intrincada teia de relações.

Para isso, existem princípios próprios ao funcionamento rizomático, a saber:

princípios de conexão e heterogeneidade: qualquer ponto se conecta ao outro,

formando uma rede variável, acêntrica e aberta;

princípio de multiplicidade, descartando o enunciado de unidade e o pensamento

centrado no uno e no mesmo;

Inexistência, pois, de unidade que sirva de pivô no objeto ou no que se divida no sujeito. Inexistência de unidade ainda que fosse para abortar no objeto e para ‘voltar’ no sujeito. Uma multiplicidade não tem nem sujeito e nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p.16).

princípio de ruptura assignificante, indica que o rizoma pode ser desconectado e

conectado a qualquer ponto, como desterritorialização e fuga. Deleuze e Guattari

(1995, p.16) afirmam: “há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares

explodem numa linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Estas linhas

não param de se remeter umas às outras”;

princípios de cartografia e de decalcomania como resistência do modelo estrutural-

gerativo. O modelo “arvore-raiz” reproduz em série decalques de um campo,

enquanto a cartografia rizomática desenha mapa com diagrama variável;

O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revestido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte, constitui-lo como ação política ou como uma meditação. Uma das características mais importantes do rizoma talvez seja a de ter múltiplas entradas; [...] Um mapa tem múltiplas entradas, contrariamente ao decalque que sempre volta ao ‘mesmo’ (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 22).

O modo de funcionamento rizomático, como se percebe, remete a uma forma

de resistência política que envolve análise crítica e exercício concreto de liberdade,

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uma vez que subverte o modelo “arvore-raiz” operante nas grandes máquinas sociais

do Estado, do capital, da ciência, das instituições e, também, da linguagem.

No entanto, os dispositivos, como maquinarias politicas muito mais sutis,

orgânicas e atualizadas, recusam a racionalidade verticalizada e hierarquizada dos

poderes modernos, adotando princípios de funcionamento rizomático, exigindo um

enfrentamento de igual natureza, conduzindo em termos de análise e ações

estratégicas, visando desemaranhar suas linhas, produzir rupturas,

desterritorializações e reverter seus modos de operação.

O modelo do rizoma serviu como orientação metodológica para um olhar

cartográfico a ser aplicado sobre o campo, uma rede, uma teia de relações.

O meu campo de pesquisa exigiu que a o método cartográfico-rizomático fosse

aplicado como forma de apreensão minuciosa dos intelectuais nativos em sua

completude: sentimentos, ações, reações, silêncios, estratégias, falas vocais e

corporais, ser social, cultural e político. Enfim, tudo o que compreende o ser pescador.

E nessa compreensão foi imprescindível recorrer a método da antropologia e da

sociologia para fazer a descrição pormenorizada dos mesmos, num campo da

educação.

A antropologia interpretativa, ao ver a cultura como um conjunto de textos, frouxa e, por vezes, contraditoriamente unidos, ao ressaltar a inventiva poética em funcionamento em toda representação coletiva, contribui significativamente para o estranhamento da autoridade etnográfica (CLIFFORD, 2008, p. 41).

Nesse sentido, a realização de uma etnografia sobre a pescaria artesanal do

salto forneceu os subsídios necessários à elaboração de uma cartografia rizomática,

pois segundo Brito (1999, p. 21) “ao elaborar sua etnografia sustentado numa

comparação radical, o observador converte-se ele mesmo em parte da observação,

na medida em que reinterpreta as representações dos intelectuais nativos através de

seu próprio ângulo de interpretação”.

Para Geertz (2014) fazer etnografia é como tentar ler um manuscrito estranho,

desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários

tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com os

exemplos transitórios de comportamento modelado,

onde os mapas de territórios são subjetivos, afetivos, estéticos, éticos, existenciais, desejantes, morais, sociais, políticos e históricos, por conter “linhas flexíveis”, sem modelos definidos e específicos, utilizando-se como

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procedimento de produção de dados e informações a etnografia para estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário e definir que é um risco elaborado para uma “descrição densa” (GEERTZ, 2014, p. 4).

Concomitante ao pensamento de Geertz (2014), Lüdke e André (2014)

apontam a etnografia como o embasamento necessário ao redescobrimento do

problema em campo, não fincada em hipóteses, mas através de trabalho de

observação participante e de densa produção de dados, evitando o obscurecimento

dos seus significados, seja reificando-as como uma realidade orgânica em si mesma,

seja reduzindo-as a acontecimentos regidos por regras universais.

Creio que isso ocorre somente na medida em que as representações e práticas observadas são tomadas como “dados” imediatos da realidade ou como capas que escondem a suposta verdade dos fatos. Em ambos os casos, é proposta a noção de objetividade como condição para o desvendamento de um real substantivado, o que dependeria de uma suposta neutralidade ideológica do observador e do observado (BRITO, 1999, p. 22).

Embora tenha utilizado a etnografia, a minha permanência em campo não se

deu de forma integral, embora efetiva, por algumas situações: trabalho e resido e

municípios diferentes, o que reduziu o tempo dispensado ao trabalho de campo.

Outro fator de limitação e dificuldade que encontrei foi fazer o “estranhamento”

com o lócus e com objeto de pesquisa por ter nascido na ilha, convivido diretamente

com alguns intelectuais nativos e vivenciado experiências de trabalho na pesca, ainda

que esporadicamente. Contudo, as observações e descrições em campo foram além

de testagens de hipóteses explícitas, embora as hipóteses sejam importantes para o

foco da investigação para o resultado que se quer alcançar, não meramente

requisitos.

Dessa forma, para dar conta desse método, tornou-se imprescindível o uso da

abordagem qualitativa porque tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o

pesquisador como seu principal instrumento, com contato direto e prolongado com o

ambiente e a questão investigada, mantendo a originalidade e o contexto das

pessoas, gestos e palavras estudadas, bem como a dialogicidade, como afirma

Brandão (2002, p. 91):

As múltiplas histórias que por um momento relativizam a “grande história” pátria dos livros oficiais, são descobertos como instâncias de um cotidiano de “gente como a gente”. Pessoas criam a vida que vivem, que vivem e pensam as suas próprias histórias que para eles tem, de fato, um sentido; histórias pessoais e coletivas de vida que desvelam pessoas e grupos humanos.

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Como se percebe, a pesquisa qualitativa responde às questões muito

particulares que ela, para Minayo (2003, p. 21-22), se preocupa, nas ciências sociais,

com um nível de realidade que não pode ser quantificado porque

Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis. Incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às realidades e as estruturas sociais, sendo essas ultimas tomadas tanto o seu advento quanto na sua transformação como construção humana significativa.

Chizzotti (2006) e Bodgan e Biklen (1994) esclarecem que as pesquisas

qualitativas possuem relação dinâmica entre o sujeito e o mundo real, com

interdependência do sujeito com o objeto, que cria um vínculo inseparável do mundo

objetivo com a subjetividade do sujeito.

A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que vão dar visibilidade ao mundo e transformam o mundo em uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes. Nesse nível, ela envolve uma abordagem naturalística, interpretativa, para o mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais, tentando entender os fenômenos em termos dos significados que as pessoas que a eles confere (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 17).

A abordagem qualitativa foi adotada por favorecer uma reflexão crítica sobre os

aspectos metodológicos e técnicos da pesquisa social e o espaço desta pesquisa

requereu tal abordagem porque, segundo Ghedin e Franco (2011, p. 62) “passa a ser

percebido como espaço significativo, cultural, em que os seres humanos constroem

sua existência e se fazem transformadores das circunstâncias”.

Foi, portanto, com essa perspectiva que olhei para o cotidiano da pescaria

artesanal do salto para observar, mapear, entender e analisar, conforme GIL (2008),

os significados e valores desses saberes contidos nessa prática de trabalho,

determinando a natureza dessa relação do saber-fazer.

1.4.2 Pescadores artesanais: parceiros da pesquisa

Tornar-se pescador artesanal carece de uma vasta experiência, de

conhecimentos de um patrimônio sociocultural que conduz ao saber-experiente por

meio de uma variedade de atividades como as remadas e puxadas nas cordas de

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redes malhadeiras (Figura 03 abaixo), de tarrafas, da rabeta sobre as águas, da

complexidade no uso de instrumentos, na inter-relação pessoal e ambiental de onde

se tira o seu sustento.

Figura 03: Pescadores de rede malhadeira oriundos de outra comunidade

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

Essas questões se enquadraram em critérios para a escolha dos intelectuais

nativos, além da faixa etária e do aceite do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido-TCLE pelos mesmos. Ressalto, porém, que houve um ou outro pescador

que não se permitiu participar deste trabalho, mas isso não limita as habilidades deles.

Assim, a amostragem se deu de forma qualitativa, sendo alterado no decorrer

da pesquisa, conforme o rizoma se altere, de acordo com as mudanças no percurso

do trabalho, uma vez que envolvi a cartografia para desvendar saberes e processos

educativos implícitos a ele.

A escolha da técnica de amostragem é uma etapa importante do método científico de pesquisa. Quando a amostra é rigorosamente selecionada, os resultados obtidos no levantamento tendem a aproximar-se bastante dos que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar todos os elementos do universo (GIL, 2010, p. 109).

Ressalto que em uma amostragem não probabilística não se conhece a

probabilidade de o elemento da população pertencer à amostra, o erro amostral não

pode ser estimado, e não se pode estender os dados da amostra para a população

com uma medida de probabilidade ao acerto. No entanto, no contexto da pescaria

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artesanal pacamoreense, a seleção do tipo de amostragem com o qual trabalhei,

determinou os resultados encontrados, tendo sido de fundamental importância à

escolha de uma tipologia amostral coerente com o caráter da pesquisa e com o

objetivo impetrado por ela.

Para manter a coerência da pesquisa, optei pela amostragem por

acessibilidade que Gil (2008, p. 94) a caracteriza da seguinte forma:

Constitui o menos rigoroso de todos os tipos de amostragem. Por isso mesmo é destituída de qualquer rigor estatístico. O pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que estes possam, de alguma forma, representar o universo. Aplica-se este tipo de amostragem em estudos exploratórios ou qualitativos, onde não é requerido elevado nível de precisão.

A tipologia de amostragem por acessibilidade pode ser considerada a menos

rigorosa dos tipos de amostragem por preceder a seleção dos sujeitos aos quais se

tem acesso; pois, de acordo com Costa Neto (1977, p. 43) “nem sempre é possível se

ter acesso a toda a população objeto de estudo, sendo assim é preciso dar segmento

a pesquisa utilizando-se a parte da população que é acessível na ocasião da

pesquisa”.

Assim, contei com 19 (dezenove) pescadores artesanais que se tornaram

acessíveis (GIL, 2008), e que desde a infância tem envolvimento com a atividade da

pesca. Destes 19 pescadores, apenas 02 (dois) não são naturais de Pacamorema,

mas há 20 (vinte) anos se tornaram como um deles.

A maioria dos intelectuais nativos envolvidos nesta pesquisa tem o hibridismo

de ações: lavoura, comerciante, construtor de canoa, caçador, Agente Comunitário de

Saúde–ACS e servidores da prefeitura como “atravessadores de alunos”17. Apenas

dois sujeitos vivem exclusivamente da pescaria e da mariscagem no entorno da Ilha;

existem três aposentados do Instituto Nacional de Seguridade Social–INSS e 2 (dois)

de benefício (um por ter se submetido a cirurgia e outro com problema de coluna),

mas ainda assim continuam com sua atividade de pescador.

Outro fator constatado foi a baixa escolaridade, pois possuem o ensino

fundamental incompleto. Contudo, apenas 01 (um) não sabe escrever seu nome, e 02

(dois) deles não leem com fluidez.

Quanto a constituição familiar, 15 (quinze) tem convivência estável e 02 (dois)

17 Servidores que têm a incumbência de conduzir alunos, ida e volta, de uma margem a outra do rio Pacamorema, conforme horário de aula.

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são solteiros, e outros 02 são crianças. Este último dado vale para os pescadores que

possuem filhos, com a diferença que 01 (um) que tem convivência estável não tem

filhos, embora sua companheira tenha filhos e netos.

Além desses pescadores, inicialmente, fizeram parte desta pesquisa 02 (duas)

mulheres que acompanham, eventualmente seus companheiros nas pescarias,

pilotando canoa para eles. As duas mulheres estão elencadas aqui por terem

transmitindo seus saberes em diálogos e entrevistas. Contudo, em campo prático no

decorrer da pesquisa, elas não foram percebidas nos seus fazeres da pescaria e nem

praticam a pescaria do salto. Sendo assim, seus saberes não foram cartografados

nessa vivência da prática do trabalho.

Contudo, abdicarei de pensamentos teóricos conceituais para descrever

filigranas vivenciados em campo. A começar pela participação dos intelectuais nativos

neste estudo se deu pelos saberes demonstrados em relação a pescaria artesanal,

mais estritamente a pescaria do salto. A constituição desse grupo se deu através de

posicionamentos diferenciados, e até de negação. Por me conhecerem, num primeiro

instante, observei por parte de alguns, a relutância em se integrar na pesquisa ou de

permitir que me integrasse no modo dele ser pescador, mas que foram se ajustando

no decorrer da exploração em campo. Contudo, essa não foi a dificuldade maior.

A pesquisa em si teve uma dinâmica própria, aconteceu de forma natural, para

demonstrar que a natureza demanda de surpresas e dificuldades. Obedeci ao “relógio

da lua e da maré” e como etnógrafo, embora parcial, vivenciei todas as tramas desta

pesquisa. Antes de chegar a campo, tinha feito um planejamento mental e transposto

ao físico, conforme estudos feitos sobre as fases da lua e as dinâmicas da maré.

Pela pescaria do salto ser o objeto fundante desta pesquisa, priorizava em meu

planejamento cartografar todos os aspectos relacionados a ela, indo diretamente ao

encontro dos pescadores que a praticam. Ledo engano. A cada dia que se passava e

a cada alteração da lua a angústia se abatia sobre minhas expectativas, pois foi a

última pescaria a ser vivenciada e sentida na prática. O aspecto positivo, diante de

todos os desencontros com essa pescaria, foi o aprendizado, em terra, da utilização

de seus apetrechos.

Por diversas vezes nos acertamos para fazer a “virada”, inclusive com mais de

cinco pescadores envolvidos, mas o tempo e as circunstâncias (problemas de saúde

de um, viagem para cidade de outro, o cansaço da lida com a roça/farinha de outros)

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pareciam não estar a favor. E quando não havia combinação para a ida à pescaria,

era surpreendido com a notícia de que fulano tinha ido e a desesperança se tornava

realidade.

Durante o período de estada em campo, após o envolvimento com a pesquisa

retornava para a Ponta18 ou vinha desse local para acompanhar os pescadores em

suas atividades cotidianas. Por conta da distância a frustração era maior toda vez que

não conseguia acompanhar os pescadores do salto. Finalmente, para poder participar

dessa pescaria, sabendo o horário da maré e o tempo da lua, sai do porto da Ponta,

de canoa, às 02h da manhã, quando a lua tinha “sentado”, acompanhado de irmãos e

esposa, e deu certo! Ao chegar no porto principal (porto da Ponte) do povoado, o

pescador Daio já estava com sua canoa “armada”, toda pronta, à espera de seu

Antônio, que estava preparando os apetrechos de pesca em sua embarcação.

Estando as canoas prontas, seguimos o ritual da pescaria, acompanhando

cada movimento, quando possível, percebendo os pormenores dessa atividade sob a

luz de suas porongas e no ritmo das remadas. Penso que foi por estratégia de seu

Antônio e de Daio, pois pescaram no sentido povoado/Ponta, fizemos o percurso de

volta cartografando essa pescaria e ao chegar no igarapé Itaquara eles continuaram

a pescaria e nós fomos deixar amanhecer o dia em terra firme. No final da tarde

daquele dia, em diálogo com o seu Antônio, ele confirmou que nos levou naquele

“trecho” já pensando em nos deixar “na boca do igarapé” do porto da Ponta “porque

senão, não iam fazer vantagem na pescaria”. E ao continuarem pescando, “ainda

defenderam por volta de 05 quilos cada um”, o que parecia improvável com a nossa

canoa por perto.

O mecanismo para a captura de imagem, a máquina fotográfica, mostrou-se

inadequado porque ao fazer as fotos utilizando o flash (e só assim podiam ser feitas)

atrapalhava a pescaria pela claridade refletida na água e pelas imagens turvas ao

final. Contudo, foram cartografados aspectos muito importantes que se tornaram

preponderantes no corpo deste trabalho.

As cartografias de outras modalidades da pescaria realizadas em Pacamorema

também não foram passivas, pois andar sobre as raízes de mangue (pescaria de fisgar

bagre – Siluriformes), ser picado pelas “pragas” (maruins, carapanãs, mutucas) em

circunstâncias do trabalho. Essas adversidades fizeram aflorar todos os sentimentos

18 Parte da ilha que fica a 3 km de distância do povoado de Pacamorema. Percurso que é feito a pé.

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do pescador.

Surpresas também foram vivenciadas no decorrer dessa pesquisa. A que me

parece mais adequada para descrever aqui é o buraco/toca/casa do pacamum

(Batrochoides surinamensis) (pescaria de anzol de mão). Vi com os pés e os meus

pés fizeram enxergar e sentir o comportamento desse peixe. “Quando está limpo,

parece todo varrido, tem peixe dentro”, disse Jurandir Negrão. E estava “varrido”, todo

asseado num ambiente em que lama e pedra se misturam. Assim como percebi a

habilidade do pescador Ney ao chamar o bagre com os pés, com as mãos e com a

boca, reproduzindo o som quando este está se alimentando. E por essa sonorização

o peixe se aproxima de tal maneira que é surpreendido ao ser capturado.

Outra descoberta que se tornou cara foi a de como se faz canoa utilizando-se

da luz solar, cujo saber é evidenciado pelo pescador Abílio e descrito na 4ª seção

deste trabalho.

Essa vivência da pescaria artesanal torna singular a vida desses intelectuais

nativos. Dessa forma, para evidenciar e identificar as falas desses “artistas” no corpo

deste trabalho, pontuarei os nomes dos mesmos e usarei o formato “itálico” para

diferenciar – esteticamente – de outras citações.

1.4.3 Técnicas utilizadas em campo

Considerei os pescadores artesanais ilhéus como partícipes desta pesquisa e

por se tratar de um estudo cartográfico deleuziano, cunhado na etnografia de Geertz,

possibilitando a utilização de técnicas variadas. Dentre elas elenco, a observação

participante, o diário de campo, a entrevista semiestruturada e os registros

etnofotográficos e, por vezes, do desenho – quer como pela ausência de corpo a ser

fotografado, quer como inspiração para além da ilustração – evidenciando as práticas

e objetos utilizados nesse processo educativo. Técnicas contribuidoras no diálogo e

na compreensão de dados levantados para serem analisados à luz dos saberes e de

processos educativos.

Traçar dados cartográficos deleuzianos e etnográficos de Geertz exigiu

participação direta em seu campo, com a colaboração de os intelectuais nativos nas

questões do objeto de estudo. Silva e Silva (1986) e Gil (2008) ao abordar a pesquisa

participante diz que ela passa por uma opção individual aderindo ou não as classes

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populares; atinge limites conjunturais e estruturais uma vez que o pesquisador e

população pesquisada são marcados por traços elitistas, autoritários e paternalistas

e, a participação, não significa a transformação do pesquisador em trabalhador, pois

na sociedade há espaço para intelectuais, técnicos e cientistas. E o papel

desenvolvido em campo se embasou neste último.

Se um homem embarca em uma expedição decidido a provar certas hipóteses e se mostra incapaz de modificar sem cessar seus pontos de vistas e de abandoná-los em razão de testemunhos, inútil de dizer que seu trabalho não terá valor algum (MALINOWSKI, 1976, p. 65).

De igual forma, Marconi e Lakatos (1970, p. 96) afirmam que a observação

participante é uma “tentativa de colocar o observador e o observado do mesmo lado,

tornando-se o observador um membro do grupo de modo a vivenciar o que eles

vivenciam e trabalhar dentro de referência deles”, sem sê-los.

Essa técnica, de acordo com Triviños (1987) e Gil (2008), permite a vivacidade

do olhar e do ouvido ao real mais profundo e amplo, organizado, com dinamismo e

contradições, tal qual o universo das múltiplas experiências da pesca artesanal que

me proponho vivenciar, enfrentando os obstáculos e as agruras contidas em cada um

dos tipos praticados, desde os preparativos das tralhas ao retorno das pescarias, das

conversas entre eles e comigo. De metáforas utilizadas para uma dada situação e em

vários momentos que me fiz presente.

O como fazer o registro dos gestos e falas dos intelectuais nativos foi motivo

de preocupação. Para isso, me apropriei do diário de campo que por conta do inverno

amazônico, corri o risco de perdê-lo logo no primeiro momento da pesquisa ao mapear

os pontos de pesca no entorno da ilha.

O diário de campo “é uma ferramenta que possibilita o acompanhamento e

observação dos trabalhos realizados no campo da pesquisa”, a catalogação dos

saberes práticos presentes na relação cotidiana (CERTEAU, 1998), nas experiências

vividas a partir daquilo que se transforma em registro, em escritos do diário, que aos

poucos foi sendo articulado através das reflexões emergidas das vivências nas águas.

Para Araújo et al (2013, p. 54), afirma que:

o diário de campo tem sido empregado como modo de apresentação, descrição e ordenação das vivências e narrativas dos sujeitos do estudo e como um esforço para compreendê-las [...]. O diário também é utilizado para retratar os procedimentos de análise do material empírico, as reflexões dos pesquisadores e das decisões na condução da pesquisa; portanto ele

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evidencia os acontecimentos em pesquisa do delineamento inicial de cada estudo em seu termino

Ao estabelecer os ditos de Araújo et al (2013) com o diário de campo, percebi

o quão distinto são as informações iniciais do trabalho com as diversas teias que

emergem do diálogo com os intelectuais nativos e das observações. Dessa forma,

Macedo (2010, p. 134), diz que “o gênero diário é, em geral, utilizado como forma de

conhecer o vivido dos atores pesquisados, quando a problemática da pesquisa aponta

para a apreensão dos significados que os atores sociais dão à situação vivida. O diário

é um dispositivo na investigação, pelo seu caráter subjetivo e intimista”.

O caráter intimista e subjetivo permite a apreensão dos significados das

situações vividas pelos sujeitos, nas aproximações de forma descritiva e reflexiva

(Bogdan e Biklen, 1994, p. 152): na primeira a preocupação é captar uma imagem por

palavras do local, das pessoas, ações e conversas observadas; a segunda, apreende

mais o ponto de vista do observador, as ideias e preocupações.

Essas questões teóricas embasadas nas técnicas de pesquisa do diário de

campo possibilitam enxergar com mais clareza o passo-a-passo enquanto

pesquisador, particularmente quando esses registros vêm acompanhados de imagens

estáticas e em movimentos: os registros vídeo fotográficos, A importância desses

registros não se dá da ilustração pela ilustração, mas para evidenciar os percursos da

pesquisa enquanto campo estudado.

A memória do pesquisador é falha, o diário de campo contribui com as

descrições e os registros etnofotográficos contribuem na captura dessas imagens, nos

seus fazeres cotidianos da pescaria, com a intenção de analisar e confirmar o que se ouve,

o que se vê e o que se sente. Samain (1998, p. 56) diz que esse registro não é uma simples

representação da “realidade”, e sim um sistema simbólico.

Dessa forma afirma Bittencourt (1998, p. 199):

Fotografias apresentam o cenário no qual as atividades diárias, os atores sociais e o contexto sociocultural são articulados e vividos. [...]. Imagens fotográficas retratam a história visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos, atores sociais e rituais, e aprofundam a compreensão da cultura material, sua iconografia e suas transformações ao longo do tempo.

Assim, tal como as fontes escritas no diário de campo, as imagens captadas

requerem procedência e trajetória na pesquisa, imputando exatidão de sua existência

e descoberta de seu conteúdo, a sua origem. Como também, a passividade de análise

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da história por detrás da imagem, por isso as captações das imagens não devem se

dar por acaso, sem pretender substituir a própria pessoa nas relações sociais

(MARTINS, 2008) e, muito menos, nem para propor enigmas ou para não propor nada

(ACHUTTI, 2006).

Os registros fotoetnográficos aguçam a visão e a audição, com a

impessoalidade na escrita. Oliveira (1996) salienta que o olhar, o ouvir e o escrever

se articulam estrategicamente nos fazeres da pesquisa de campo e nos relatos dos

pescadores em suas falas e gestos de forma pessoal.

Evidentemente tanto o ouvir quanto o olhar não podem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da investigação. Ambos se complementam e servem para o pesquisador como duas muletas (que não nos percamos com essa metáfora tão negativa ...) que lhe permitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. [...] Mas, se o olhar e o ouvir podem ser considerados como os atos cognitivos mais preliminares no trabalho de campo (trabalho que os antropólogos se acostumaram a se valer da expressão inglesa fieldwork para denominá-lo), é seguramente no ato de escrever, portanto na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento se torna tanto ou mais crítica (OLIVEIRA, 1996, p. 18 e 22).

As entrevistas semiestruturadas também fizeram parte das técnicas de coleta

de dados. Para Marconi e Lakatos (2015, p. 80)

A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnostico ou no tratamento de um problema social.

Com ela, objetivei obter informações diretamente da fonte acerca dos saberes

e processos educativos da pescaria artesanal. A decisão em utilizar a entrevista

semiestruturada, com perguntas abertas e fechadas, partiu do princípio de que utilizei

um roteiro previamente estabelecido, deixando os intelectuais nativos à vontade para

discorrem rizomaticamente em seus posicionamentos, principalmente quando

recorreram a dialogo espontâneo, pois há “rios” de informações da popa à proa das

canoas, assim como do campo de futebol ao balcão dos botecos.

1.4.4 Sistematização e análise dos dados

Considerando a importância das etapas anteriores, esta não é menos

importante, pois com ela se deu a análise científica dos dados. Embora reconheça

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que existem diferentes técnicas que podem ser utilizadas nesta etapa das pesquisas

qualitativas (Flick, 2009), optei pela técnica de análise de conteúdo.

Sabe-se que qualquer análise de dados, em última instância, significa uma

metodologia de interpretação. Para isso, existem procedimentos peculiares que

envolvem a preparação dos dados para a análise, visto que esse processo tem relação

com a extração de sentidos dos dados de textos e imagens. No entanto, a análise de

conteúdo apresenta peculiaridades em seu procedimento.

A descodificação de um documento pode utilizar-se de diferentes

procedimentos para alcançar o significado profundo das comunicações nele

cifradas. A escolha mais adequada depende do material a ser analisado, dos

objetivos da pesquisa e da posição ideológica e social do analisador

(CHIZZOTTI, 2006, p. 98).

Neste sentido, quando a análise de conteúdo foi escolhida como procedimento

de análise mais adequada, como em qualquer técnica de análise de dados, os dados

em si constituem apenas dados brutos que só terão sentido quando trabalhados de

acordo com uma técnica de análise apropriada.

Para Severino (2007, p. 122) a análise de conteúdo “atua sobre a fala [...]. Ela

descreve, analisa e interpreta as mensagens/enunciados de todas as formas de

discurso, procurando ver o que está por detrás das palavras”. Dessa forma, trago

Bardin (2009) e Minayo (2007) para subsidiarem esta etapa.

Segundo Bardin (2009, p. 123) “nem todo o material de análise é susceptível

de dar lugar a uma amostragem e, nesse caso, mais vale abstermo-nos e reduzir o

próprio universo (e, portanto, o alcance da análise) se este for demasiado importante”.

Bardin (2009) possui uma ancoragem consistente no rigor metodológico, com

uma organização propicia para a compreensão aprofundada do método e, ao mesmo

tempo, remete a um caminho multifacetado, que produz sentidos e significados na

diversidade de amostragem presentes no mundo acadêmico, tornando visível os

fazeres da pesca.

Minayo (2007), ao tratar da análise de conteúdo, desdobra-se na pré-análise

que compreende a leitura flutuante – contato direto e intenso com o material de campo

–, a constituição do corpus, formulação e reformulação de hipóteses ou pressupostos;

na exploração do material ou codificação – o pesquisador busca encontrar categorias

que são expressão ou palavras significativas em função das quais o conteúdo de uma

fala será organizado –; e o tratamento dos resultados obtidos ou interpretação – inter-

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relacionando-as com o quadro teórico desenhado inicialmente ou abre outras pistas

em torno de novas dimensões teóricas e interpretativas sugeridas pela leitura do

material.

Esses procedimentos de análise tornaram-se necessários para manter a lisura

na pesquisa, a preservação dos intelectuais nativos e a garantia do ineditismo do

enfoque dado ao objeto pesquisado.

Friso que esta pesquisa se deu em área da Reserva Extrativista Mãe Grande

de Curuçá, que abrange uma área de aproximadamente trinta e sete mil e sessenta e

dois hectares e nove centiares, com base na Carta Topográfica MI-337, em escala de

1:100.000, publicada pela Diretoria do Serviço Geográfico-DSG do Exército Brasileiro,

com o seguinte memorial descritivo: partindo do Ponto 01, de coordenadas

geográficas aproximadas 47°55’39.72" WGr e 0°53’33.74" S, localizado na margem

direita do Rio Mocajuba.

A Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá é uma unidade de conservação

federal do Brasil categorizada como reserva extrativista e criada por Decreto

Presidencial, em 13 de dezembro de 2002, numa área de 37.062 hectares.

A denominação Unidade de Conservação (UC) é utilizada pelo Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) para as áreas naturais a serem protegidas. As UCs são espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as áreas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituída pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob o regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção da lei. Elas são os principais instrumentos dos SNUC para a preservação a longo prazo da diversidade biológica, mantendo o sistema centrado em um eixo fundamental no processo conservacionista, alcançando desta maneira a sua consolidação in situ (leitão, 2004, p. 19)

O SNUC depreende de mecanismos legais para a criação e a gestão de UC,

nas três esferas de governo e pela iniciativa privada, possibilitando o desenvolvimento

de estratégias conjuntas para as áreas naturais a serem preservadas. A participação

da sociedade na gestão das UF se regulamenta pelo sistema, estreitando o vínculo

entre o Estado, os cidadãos e o meio ambiente. As UC são administradas pelo Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade–ICMBio.

Dessa forma SNUC prevê 12 categorias complementares de unidades de

conservação, organizando-os conforme os seus objetivos de manejo e tipos de uso

em dois grupos: Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável.

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Neste caso, a Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá–ResexMG, como a

própria nomenclatura sugere, é uma área utilizada pelas populações tradicionais, cuja

sobrevivência se baseia no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de

subsistência e na criação de animais de pequeno porte. A Resex de Curuçá objetiva

proteger os meios de vida e a cultura de sua população, assegurando o uso

sustentável dos recursos naturais.

Por conta disso, para frisar um exemplo, as áreas particulares que existiam na

orla do Povoado de Abade foram desapropriadas em 2009, causando frenesi por parte

dos “proprietários”. No entanto, segundo o chefe do ICMBio em Curuçá, “existem

muitas edificações em áreas de reserva, umas por desconhecimento da lei; outras

para satisfação do ego na posse, desrespeitando a legislação”.

A Resex Mãe Grande é gerida por um conselho deliberativo, presidido pelo

órgão responsável por sua administração (ICMBio), órgão ambiental do governo

brasileiro instituído pela lei no 11.516, de 28 de agosto de 2007, e constituído por

representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das

populações tradicionais residentes na área, obedecendo o regulamento de criação da

unidade. Sendo assim, a vice-presidência do conselho dessa da Resex é ocupada

pela Associação dos Usuários da Reserva Extrativista Mãe Grande–AUREMAG, na

pessoa de seu presidente, conforme regulamento de criação desta UC. A AUREMAG

compreende os usuários da reserva extrativista, subdivididos em núcleos (Abade,

Araquaim e Lauro Sodré) por conta do envolvimento particularizado quanto ao uso

dos recursos da reserva: captura de pescados, a mesclagem da atividade e criação

de ostras (Ostrea edulis).

A transição do uso desses recursos renováveis, antes e depois da criação da

reserva, na prática não se diferenciou de forma considerável. As mudanças que houve

nas paisagens delimitadoras da reserva com instalações de placas, na conquista de

insumos (casas, geladeiras, canoas, redes, rabetas) aos usuários e associados da

reserva e a divulgação no sentido do uso sustentável e da disseminação de

informação em tempos de defeso do caranguejo-uçá, particularmente.

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2 CARACTERIZAÇÃO DO LÓCUS DA PESQUISA: LOCALIZAÇÃO E

CONFORMAÇÃO SOCIOHISTÓRICA DA ILHA DE PACAMOREMA

A Ilha de Pacamorema está localizada no município de Curuçá, no nordeste do

Estado do Pará, microrregião do salgado, pertence a Reserva Extrativista Mãe

Grande–ResexMG.

O termo “Mãe Grande” designa o igarapé que circunda parte da cidade de

Curuçá. Este nome foi dado a ele, porque desse igarapé – ainda – muitas pessoas e

famílias retiravam mariscos, peixes e camarões necessários às suas subsistências.

Esse igarapé desemboca no rio Curuçá e é o início do percurso dos pescadores

artesanais residentes na cidade. Seguindo as correntezas ou as enfrentando, de

remada em remada, de escalada de motores rabetas, os pescadores buscam os seus

destinos onde melhor possam capturar seus pescados.

Dentre os tantos destinos como Furo Grande, Ponta da Romana, Arrombado,

Tucumateua, Paxicu, Lençol, está o rio Pacamorema com suas variadas

possibilidades de captura de peixes por meio das modalidades da pescaria artesanal,

com a utilização de instrumentos variados, como também a captura de outros frutos

do mar por meio da mariscagem, utilizando como instrumento de captura a própria

estrutura física do corpo: mãos e dedos.

A captura do pescado como veremos, se dá em pontos variados. Definindo,

dessa forma, modalidades distintas de pesca, como também os instrumentos

adequados a cada ponto: beiradão, embarateua, croas, “chanfradas” de pedras,

“poços” e igarapés como um todo. Esses instrumentos vão da rede malhadeira a

anzóis de cabo, revestidos de estrovo, de coragem e de fôlego.

Assim, esta caracterização do espaço de pesquisa sociohistórica, cultural e

ambiental contida nesta seção se dará por meio de informações constituídas em

impressos de livros, revistas, mapas e falas dos pescadores sujeitos neste trabalho.

Reporto-me aos sujeitos por conta que eles são fundantes e de extrema importância

para a melhor elucidação do objeto de pesquisa, conforme a problemática e os

objetivos propostos.

Também, os sujeitos da pesquisa se entrelaçam com o espaço ilhéu, seu

entorno e sua parte interna por desempenharem tarefas de pescadores e lavradores

em tempos distintos. Desta forma, fazendo alusão a fundamentos matemáticos de

conjunto, o pescador está para o mar, assim como o mar para o pescador e só

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podemos entender isso, mergulhando nos fazeres da pesca praticada pelos

habitantes desse espaço minúsculo da Amazônia, com importância gigantesca para

os que dela e nela vivem.

2.1 O MUNICÍPIO DE CURUÇÁ

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística–IBGE (2010), aponta que o

município de Curuçá está situado na mesorregião Nordeste do Pará, pertence ao

complexo do Marajó e a zona fisiográfica do Salgado. Possui área territorial de

672.675 km².

Figura 04: Mapa de Localização do município de Curuçá

Fonte: Pinheiro – Fev./2017

Os traços historiográficos de Curuçá remontam o século XVIII com a chegada

dos Jesuítas às margens do Rio Curaçá onde eles “fundaram a fazenda com o mesmo

nome, com importante feitoria de pesca onde, mais tarde, formou-se o povoado sob o

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orago de Nossa Senhora do Rosário”. Com a expulsão dos jesuítas em 1757, o

povoado ascendeu à vila (Vila Nova D’El-Rei).

Com a revolução Cabanagem (1833) a vila foi extinta e seu território ficou

incorporado ao de Vigia. Em 1850 houve reestabelecimento de categoria de Vila e em

decorrido a adesão à República (1895) passou a ser chamada de Vila de Curuçá, com

foro de cidade, emancipando-se em 1933. Vale frisar que o município de Curuçá

possui oito distritos: Lauro Sodré, Murajá, Ponta de Ramos, Araquaim, Mutucal, Boa

Vista do Iririteua, Nazaré do Mocajuba e Povoado do Abade, além de 62 comunidades

rurais distribuídas nesses distritos, das quais 23 estão localizadas em regiões de rios

e várzeas e 39 em zona de planalto. A sede do município se divide em oito bairros.

O censo feito pelo IBGE, em 2010, apontou uma população de 34.294 pessoas

residentes no município, com estimativa de 38.391 habitantes a partir de 2016, com

densidade de 57,08 hab./km2. Curuçá está distante de Belém/PA a 136 km. Os

limítrofes do município são: São Caetano de Odivelas a oeste, São João da Ponta a

sudeste, Terra Alta a sul, Marapanim a leste e Oceano Atlântico a norte. Está

localizada a uma latitude 00o43’44” sul e a uma longitude de 47o50’53” oeste.

Curuçá é uma cidade com belezas naturais com suas praias e igarapés de água

doce; com diversão extravagante do carnaval com destaque aos blocos “Pretinhos do

Mangue” e “Curral do Piça”, por tratarem de questões relacionadas à preocupação e

preservação dos recursos naturais de forma lúdica. É conhecida como a “Terra do

Folclore” por apresentar, em julho de cada ano, evento festivo com apresentação de

Cordão de Pássaros, Bois-bumbás, grupos de carimbó.

Quanto ao aspecto econômico, o município sustenta-se pela pesca e a

agricultura, além do comércio, pecuária e turismo. Por estar inserido no polo Amazônia

Atlântica foi contemplado no Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo –

PROECOTUR, ganhando o certificado de Munícipio Turístico em 2010.

A circunscrição do município, em área marinha costeira, de rios, igarapés e

manguezal fazem parte da Unidade de Conservação de uso sustentável Reserva

Extrativista Mãe Grande, com área aproximada de 37.062,09 hectares (Carta

Topográfica MI-337 – Exército Brasileiro). A legislação de criação da Resex está sob

a legislação do Decreto S/No de 13 de dezembro de 2002, publicado no D.O.U. de

16.12.2002.

Art. 1o Fica criada a Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá, no Município de

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Curuçá, no Estado do Pará, com os objetivos de assegurar o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis, protegendo os meios de vida e a cultura da população extrativista local (BRASIL, 2002).

Na descrição de abrangência da RESEX Mãe Grande, faz referência a toda as

comunidades e a forma que a caracterizam como pertencente a essa delimitação de

“sobre a linha de preamar máxima” (BRASIL, 2002). Nesse rol de descrição

localizamos Pacamorema (Pacamurema): “segue pela margem direita do Furo do

Pacamurema, no sentido jusante, acompanhando o limite da zona terrestre do

mangue e todos os terrenos de marinha, até o limite da preamar máxima”. Sendo uma

ilha, a área de vegetação que não tem influência de maré não está incluída na reserva,

conforme estabelece a legislação em vigor: “Parágrafo único. Ficam excluídos dos

limites descritos no caput deste artigo todos os terrenos localizados fora da influência

da preamar máxima nas Ilhas de Cipoteua, Pacamurema” (BRASIL, 2002, Art. 1º,

Parágrafo Único).

2.2 A ÁREA DE ESTUDO: ILHA DE PACAMOREMA19

Na localidade de Pacamorema existem 69 (sessenta) famílias residentes. Além

dessas, outras 06 (seis) famílias possuem casas, mas não residem efetivamente na

localidade porque seus proprietários trabalham ou moram em outros locais e

frequentam esporadicamente a ilha. A maioria dessa população residente é nativa.

Outros vieram de cidades diferentes: Marituba, Belém, Inhangapi e Magalhães Barata.

Outro veio do Ceará, além daqueles que migraram de outras localidades (Caju e

Ramos) do município para a pescaria de peixe e de camarão.

Para Mota (2004, p. 55) “o lugar se mostra como objetivação e expressa o

conteúdo histórico das realidades sociais. Por ele se realiza a ação da comunidade e

dos indivíduos que e projetam como comunidade” expressando o espaço (lugar) e o

tempo (cotidiano) da relação dos habitantes ilhéus com seu território.

Nesse sentido, Silva (2013, p. 255) afirma que “os territórios da educação e dos

saberes ambientais cotidianos dos povos amazônidas são menosprezados” por

fazerem referência aos valores urbanos e designarem

19 A terminologia do nome Pacamorema é incerta. Mas há duas vertentes recorrentes na fala dos mais idosos do povoado: a junção de Paca (caça) com morena e a outra é por conta do pescado Pacamum, por existir muitos locais de pesca com pedras, onde eles costumam habitar. Tanto uma quanto a outra, faz referência à relação do ser humano com a natureza.

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O poder formado hegemonicamente pela territorialidade do estado, fazendo relação poder-território, alusão ao poder estatal; a ação dos agentes hegemônicos da globalização; as territorialidades de grupos excluídos foram

exemplificadas a partir de contextos urbanos; as territorialidades dos atores que constituíram redes tinham como fundamento os avanços científicos e tecnológico do sistema capitalista (SILVA, 2013, p. 255)

Sendo assim, a ideia de lugar/território parte e se fundamenta nas discussões

que são realizadas no Grupema, embasadas em Milton Santos (1997), Silva (2013),

Haesbaert (2011), Deleuze e Guattari (1995, 1997).

Tratando-se de territórios de comunidades rurais-ribeirinhas amazônicas,

Wagley (1953, p. 43) afirma: “uma comunidade isolada nunca é típica de uma região

ou uma nação”. Seguindo o pensamento desse antropólogo, a região amazônica, em

sua imensidão, é habitada por comunidades tradicionais que reinventam hábitos em

seu cotidiano, se reproduzem social e culturalmente e que mantém relação íntima com

o rio e com a mata (FURTADO, 1993) e sobrevivem a partir dos recursos “oferecidos”.

Dessa forma, a Ilha de Pacamorema “é a menor parte oriental de Curuçá”

(MACEDO, 1988, p. 17), formada por uma comunidade pequena e margeada por rios

(Pacamorema, Furo da Campina, Rio do Arquê/Alqueire e Cajutuba).

Figura 05: Localização da Ilha de Pacamorema no Mapa de Curuçá

Fonte: Pinheiro – Fev./2017

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Segundo Simonian (2012) o ambiente ilhéu está imbricado com as

características das demais partes da Unidade de Conservação Mãe Grande, por sofrer

influência do Oceano Atlântico. Essa influência impacta diretamente o estuário da

reserva marinha quanto a densidade da água e a diversidade da fauna flúvio-

oceânica; desde as áreas mais próximas do oceano às mais distantes.

Percebe-se que o entorno da Ilha de Pacamorema é repleto de densos

manguezais, que vem sendo apropriado por tiradores de caranguejo provindos – em

sua maioria – de comunidades do município de Curuçá e de outros municípios (São

João da Ponta e São Caetano de Odivelas), que segundo alguns pescadores ilhéus

esses tiradores “estão acabando com o caranguejo pelo tapa”.

2.2.1 Aspectos Históricos

A história de meu campo de pesquisa remonta ao século XVII, com a chegada

dos índios Tupinambás, que de acordo com Cunha (1939) teriam migrado para a

Amazônia para fugir das opressões portuguesas no sudeste brasileiro.

Precisamente, moradores não indígenas encontraram materiais arqueológicos, tanto em áreas de roça como na calha de igarapés. A pesar da destruição [...] é provável que sítios e materiais arqueológicos novos possam ser descobertos. A partir de pesquisas especializadas no âmbito da arqueologia nessa ilha, talvez se possa revelar muito sobre as ocupações efetivadas por paleoindígenas (SIMONIAN, 2012, p. 41).

Cunha (1939) relata que a história do município de Curuçá está mesclada com

a presença de indígena e europeus e com a chegada do padre jesuítas, os negros se

fizeram presentes no solo curuçaense. Assim, Curuçá foi formada por muitas e

distintas histórias. Dessa forma, a formação de Pacamorema, assim como ocorreu

com Curuçá, se deu pela mistura de povos.

Viana apud Simonian (2012, p. 52) diz:

No que diz respeito os documentos históricos para tal período, referencias existem sobre a criação de sesmarias em Pacamorema ‘[No.] 306 – Antonio dos Santos. Na costa chamada Pacamorema. Conc. 27 de janeiro de 1731. Conf. 14 de agosto de 1932. Liv. 8. Pag. 23 (Viana, 1904. p. 25)’ e ‘[No.] 1807 – Manoel de Souza Madeira. R. [rio]. Pacamorema. Conc. 7 de dezembro de 1734. Liv. 7, pag. 65 v. Conf. de 7 de fevereiro de 1737, Liv. 8, pag. 56 (VIANA, 1904. p. 25).

Essas duas referências político-territoriais remetem à costa oceânica junto ao

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rio Pacamorema que era caminho para os navegantes em geral, principalmente os

maranhenses, e que precisava de limpeza porque eram tidos como seco, evitando a

passagem pela costa oceânica.

Assim, desde o período colonial, o rio Pacamorema foi rota de pescadores e

viajantes. Conhecido por sua fartura de peixes que a carta relatório de 1764 solicitava

transferência da população de Curuçá para a ilha referida, como descreve Mourão

([1764], 1997, p. 160) “Necessita mais a dita vila e o requerem todos os moradores

incessantemente, que se muda para o rio Pacamurema, hé um rio corrente, [...] muito

abundante de peixe, e com fertilíssimas terras de matas virgens para as culturas”.

Tal justificativa por conta que o igarapé da Vila (Curuçá) secava, pela escassez

de alimento e pelo cansaço da terra para plantio, necessitando de outro local onde a

vida pudesse prosperar. Como o rio era de conhecimento dos jesuítas, consideraram

que lá fosse local propicio para “assentamento” e continuidade da vida e organização

da Vila.

Por conta da geografia física do lugar existe a hipótese que no período de 1830

a 1835 os cabanos ocuparam Curuçá que ficou “reduzida a uma simples freguesia”

(CUNHA, 1939) e podem ter chegado à ilha de Pacamorema desertando de suas

tropas ou fugidos das forças governamentais que repeliam o movimento.

A importância política era dada em virtude de seu posicionamento geográfico,

quando as ruas e estradas eram o mar. Com a ocupação da Amazônia e,

principalmente, pela abertura de estradas o que antes era importante, deixou o seu

glamour. A rota agora é outra: terra firme.

Entre 1936 e 1963 esse povoado perdeu importância política, isto depois de sediar uma subprefeitura desde o início da República. Desde essa época que Pacamorema e seus habitantes não conseguiram mais manter o padrão de afluência antes existente (SIMONIAN et al, 2012, p. 69).

Pela perda de importância política ocorrida, houve a ausência de políticas

públicas ganhou espaço e perdurou pelo menos por 40 anos. Com a instalação de

novas pessoas e, consequentemente, o aumento da população, em 1894 governo

instituiu a escola elementar, com duração de funcionamento de 01 ano, como afirma

Simonian (2012, p. 59):

Nota-se que apesar da curta duração dessa escola de Pacamorema, a mesma surgiu em um contexto em que se discutia a necessidade de melhoria do sistema educacional, o que incluía a educação mista. Na capital do país, houve o Congresso Nacional de Educação em 1900, no qual se debateu

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teses a respeito. Essa mobilização chegou ao Pará nesse ano, quando no decorrer do Congresso Pedagógico analisou o ensino primário e normal. Na esteira desses eventos, certamente importantes no contexto sociocultural de então, os gestores públicos extinguiram muitas das escolas há pouco criadas e instituídas, como foi a experiência dessa ilha.

Outro registro que aparece em se tratando de escola, mas sem precisar o ano

de instalação, acontece em 1938, como sendo auxiliar mista com 39 alunos (17

homens e 22 mulheres). Em 2016, a escola municipal Catarina Neves contava com

47 alunos (meninos e meninas) nas turmas da pré-escola ao 5º ano fundamental e em

prédio construído em alvenaria (a partir de 1974), com piso em cerâmica e forro de

pvc. Mas antes a escola era construída de pau-a-pique e coberta com palhas de

palmeira anajá. Também, na área educacional conta-se com uma canoa com

capacidade de 1 tonelada e motor rabeta para a travessia de alunos que estudam do

6º ao 9º ano na escola Francisca Blanco em Caratateua e que fazem o ensino médio

na cidade de Curuçá na escola Olinda Veras Alves.

Dessa forma, ao longo do tempo a ilha passou a ser habitada, também, por não

indígenas, descendente de portugueses, em vários pontos estratégicos. No entanto,

não se precisa ao certo o nome de seu fundador ou da primeira pessoa que nela

habitou. Sabe-se que houve três proprietários: José Joaquim Pereira (título provisório

emitido pelo governo do Pará em 1899 e título definitivo em 1903); Antônio Emílio

Mergulhão e sua esposa Lucilla da Mota Mergulhão (1917); e, Euzébio de Mattos

Cardoso (documento de compra e venda firmado em 1940).

Enfatiza-se que a ocupação de Pacamorema antes de ser propriedade

particular, já era posse dos indígenas que, certamente, acompanhou a utilização dos

recursos naturais da terra e do mar como a caça, pesca e a extração vegetal de frutos

e madeiras para construção de casas e material para a captura de pescado.

Aos moldes da escola, a maioria das casas também eram construídas de pau-

a-pique e coberta com palhas, como e percebe na fala de uma moradora:

Algumas casas tinham somente um compartimento embarreado (quarto) com porta de madeira ou apenas um pedaço de rede velha que fazia a vez da porta. Mas ninguém mexia. Tinha respeito. A gente deixava as coisas da gente lá. Podia sair pra roça ou pra pescaria. Até ir pra cidade quando voltava, estava do jeito que a gente deixava. Hoje não, hoje é diferente. Tinha outras casas mais arrumadas, entabicada, coberta de telha e até de cavaco (ISAUDIA, Diálogo espontâneo em janeiro/2016)

Até o final do século passado essa era a realidade das habitações. A paisagem

ilhoa sofreu grande alteração por conta da Portaria Interministerial no. 13, de 19 de

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setembro de 2002, do Ministério do Meio Ambiente–MMA e do Ministério do

Desenvolvimento Agrário–MDA. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária foi o responsável em construir habitações para os moradores, mas nem todo

foram contemplados por mais que necessitassem para qualificar sua moradia. Assim

como as residências não comportam dignamente todos os componentes da família,

bem como as casas não saíram conforme projeto, faltando banheiros internos,

acabamentos nas paredes e, em algumas até cobertura.

Atitudes e comportamentos com relação ao modus vivendi quanto a relação

com a natureza, consumo das áreas pesqueira perduram até os dias de hoje. Embora

se tenha amplo espaço de terra, os habitantes ilhéus não são dados a cultura de

hortaliças.

Os pescados, os mariscos, a caça, as criações de quintal e a farinha de

mandioca são os principais alimentos consumidos pela população. “Ah, isso (peixe e

farinha) não pode faltar à mesa!” (Jurandir Negrão – Diálogo espontâneo em

janeiro/2017) exclamou. Contudo, a carne bovina, frango de granja, ovos, enlatados e

embutidos são realidade à mesa dos pacamoreenses na atualidade.

Percebe-se que a tradição se entrelaça com a modernidade. A junção entre

índios e portugueses contribuiu para uma nova formação em que hábito, costumes e

tradição foram sofrendo modificações e fazendo surgir combinação de técnicas e

conhecimentos tradicionais em uma realidade insular.

2.2.2 Aspectos Geográficos

A caracterização geográfica remete a totalização do tempo/espaço: cotidiano e

lugar. Assim, Santos (1997, p. 42) afirma:

Tempo, espaço e mundo são realidades históricas, que devem ser intelectualmente reconstruídas em termos de sistema, isto é, como mutuamente conversíveis, se nossa preocupação epistemológica é totalizadora. Em qualquer momento, o ponto de partida é a sociedade humana realizando-se. Essa realização dá-se sobre uma base material: o espaço e seu uso, o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas, as ações e suas diversas feições.

As leituras bibliográficas e a pesquisa em campo informam que a referida ilha

está circundada pelo Furo da Campina, ao norte; ao rio Pacamorema, ao sul; ao rio

Cajutuba, a leste e a oeste o rio Curuçá. O rio Pacamorema desagua, de um lado, no

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rio Curuçá, próximo a sua foz e na junção com o rio Muriá; e, de outro lado, no rio

Cajutuba, ficando entre um dos principais rios de Marapanim e o principal rio de

Curuçá. Estes rios e suas junções com furos e igarapés formam o estuário costeiro

marinho oceânico, que conforme Torres (2004), favoreceu pela abundância de peixes

e mariscos, o estabelecimento de grandes aldeias.

Mota (2006) diz que por muito tempo, a geografia tratou o lugar numa

perspectiva que o excluía de um conteúdo de relações intercambiantes e o

considerava como único e auto explicável, mas com outra percepção do ambiente.

Lugar, conforme tradicionalmente o interpreta o urbanismo, é um espaço qualificado, isto é, um espaço que se torna percebido pela população por conter significados profundos, representados por imagens referenciais fortes. Por isso mesmo, na gênese de lugar comparecem fatores físicos e psicológicos, que tanto têm a ver com o desenho da configuração morfológica urbana, quanto com o comportamento interativo adotado pelas pessoas na utilização dessas formas (CASTELLO, 2005, p. 07).

Pacamorema tem sido objeto de estudos diversos sobre ocupação sociocultural

e de instituições de todo o Brasil, para tratar de ocupação territorial, de pescaria

artesanal ou de questões relacionadas ao mar (pesca e reprodução de tartarugas

marinhas – Cheloniidae) e ao mangue (caranguejo e outros mariscos), em uma

interação com o olhar da geografia. Constata-se o interesse acadêmico por essa área,

por ser zona de escoamento local, regional, nacional e internacional de pescado.

Outra característica da mesorregião nordeste do Pará é a temperatura que

nesta realidade insular chega a média anual de 26oC (OLIVEIRA et al, s/d) e

precipitação pluviométrica de 3600-4000 mm entre os meses de janeiro a maio e

estiagem de julho a dezembro. No período de estiagem, a temperatura aumenta

significativamente, “castigando” os trabalhadores da terra e do mar. Nesse período é

possível perceber que parte de plantas como a laranjeira e limoeiro ficam com a

folhagem danificada por conta do aumento da salinidade da água. Essa salinidade,

trazida pelo vento do oceano, atinge as folhagens que, com a temperatura elevada

(insolação) “queima” as folhas das plantas, impossibilitando, muitas vezes, sua

produção de frutos e a permanência viva da planta.

Entre rios e igarapés, chuva e insolação, temos o lugar Pacamorema. Situado

geograficamente com as seguintes coordenadas: latitude -0,65633 e longitude -

47,788582 (Pinheiro, 2016). Esse lugar, considerando a geografia física, apresenta

erosão por conta da correnteza da maré, alargando gradativamente o rio em frente a

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povoação, forçando os habitantes dessa área procurarem outra área para construir

residência, considerando o risco de desabamento de sua moradia. No entanto, os

moradores mais antigos remetem esse fenômeno de erosão por conta que – em

tempos idos – uma mãe que compunha uma embarcação maranhense Mourão apud

Simonian (2012) enterrou seu filho morto nesse perímetro, que já servia como porto,

por isso, desde então, há quebras de barreiras.

Antes não era assim. No tempo que não tinha estrada, a estrada pra Belém

era por aqui. Mas antes disso, a povoação também não era aqui, era ali na

Paixão, na Meranda. Tinha morador lá pras bandas do Julico e na Campina.

Agora tudo está na Enseada (Povoado de Pacamorema) e uma casa na

Ponta (Itaquara) (ISAUDIA, Diálogo espontâneo em janeiro/2016).

Mourão (1964) destaca que as embarcações maranhenses, e do Ceará que

transportavam sal em saco de pano para Belém, utilizavam a rota Pacamorema para

evitar a maresia oceânica. Era ponto de “afundiar” esperando que a maré crescesse

ou vazasse para dar continuidade a viagem. Servia também como “posto” de

reabastecimento de água, farinha e peixe seco, também através da troca.

Para Simonian (2012) e Cunha (1939), a flora ilhéu possui diversos tipos de

vegetação: campina, campos, dunas e restingas, mata densa, vegetação baixa,

árvores frutíferas e arbustos, floresta de mangueiros vermelho (Rhizophora mangle),

siriubeiras (Avicennia germinans) e tinteiras (Laguncularia racemosa). Sendo que a

floresta de mangue é crescente em áreas que antes não existiam, como é o caso da

área da salina. Conforme Cunha (1939) a ilha de Pacamorema é constituída de

campos e terras próprias para a lavoura. Pela sua situação e natureza do solo presta-

se admiravelmente para uma grande salina.

Realidade já alterada no decorrer do tempo, somente o nordeste da ilha ainda

possui vegetação de mata, com mirizeiros (Mauritia flexuosa) cujo fruto (miri) é

consumido pelos ilhéus e a madeira utilizada em construções, que ainda não foi

derrubada para o uso de plantação de mandioca. Os ilhéus, segundo Furtado (1987

p. 32) “desenvolveram a agricultura de caráter intensivo, que durante anos provocou

a destruição da cobertura vegetal da região; em lugar dela, surgiu uma vegetação

pobre e raquítica em relação à anterior, representada por extensas capoeiras”.

As demais partes da ilha têm sofrido aumento em áreas de derrubada para o

cultivo da lavoura de mandioca em decorrência do crescimento populacional, tornando

mais escassa a vegetação natural, em capoeira baixa.

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A história da espécie humana é, antes de tudo, uma longa luta para sobreviver, o que implica o confronto coletivo com a Natureza, através do trabalho. O homem transforma a Natureza por seu trabalho e, ao fazê-lo, transforma, também, a si mesmo: esse processo é que Marx nomeia práxis (CHARLOT, 2013, p. 236-237).

O aumento da densidade demográfica remete a realidade descrita por Charlot

(2013). Eles transformam a natureza em vista de sobrevivência, criando alternativas

de se relacionar com o espaço em sua volta. Dessa forma, caracterizo

geograficamente a Ilha, não apenas aos olhos da geografia física, mas do ponto de

vista climático e tangendo para a geografia humana e interpessoais.

O lugar em si e não fora dele e seu significado e as dimensões do movimento da história em constituição enquanto movimento da vida, possível de ser apreendido pela memória, através dos sentidos e do corpo. O lugar se produz na articulação contraditória entre o mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular. O lugar se apresenta como articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificidade concreta, enquanto momento (CARLOS, 1996, p. 30).

O lugar passa a ser, para os seguidores da corrente humanística, o produto da

experiência dos homens em seu existir (RELPH, 1979), de referenciais afetivos

desenvolvidos ao longo da vida na convivência como o lugar e com o outro. Assim,

podemos vislumbrar os diferentes aspectos geográficos vividos e sentidos.

2.2.3 Aspectos Culturais

Figura 06: Pedaço de “Arguidar”/Alguidar

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

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Do ponto de vista cultural, Pacamorema possui alguns traços relevantes como

a fabricação de cerâmica: bacia, “arguidá” (alguidar) (Figura 06), panela e outros

vasilhames menores (SIMONIAN, 2012).

Estudiosos confirmam ser, realmente, a cerâmica a mais antiga das indústrias. Ela nasceu no momento em que o homem começou a utilizar-se de barro endurecido pelo fogo. Desse processo de endurecimento, obtido casualmente, multiplicou-se. A cerâmica passou a substituir a pedra trabalhada, a madeira e mesmo a vasilhas (utensílios domésticos) feitas de frutos como o coco ou a casca de certas curcubitácias (porongas, cabaças e catutos) (BYLAARDIT et al, s/d).

Atualmente a fabricação desses utensílios de barro acontece em menor

proporção por não haver preocupação com a continuidade de ações voltadas para

essas práticas tradicionais. As pessoas que se dedicam a confecção desses artefatos,

na ilha, estão com idade avançada e outras já deixaram de estar fisicamente no

convívio de seus queridos. Outro fator que colabora para a não continuidade desse

empreendimento se dá pelo desuso desses materiais no dia-a-dia dos fazeres ilhéus,

por conta da pouca durabilidade quando não há cuidado adequado nas casas de

farinha. São fáceis para serem quebrados. Já os de material plástico que servem como

utensílios domésticos tem maior durabilidade.

A matéria prima para a confecção desses vasilhames é retirada de uma parte

da ilha, no campo da salina, próximo a mata que contém mirizeiros. Para alisar os

vasilhames é usado o caroço do inajá e a cera de itaicica para dar brilho as peças

após a queima sob a parte mais espeça da folha do inajá.

Em 2009, no período de estiagem, tocaram fogo no campo da salina, uma das

atitudes mais nocivas a essa área, pois queimou não só o habitat de jacarés

(Melansosuchus niger), jabutis (Chenoloidis carbonaria), tartarugas, jacurarus

(Tupinambis teguixin) e pássaros como saracura (Aramides saracura), sururina

(Crypturellus soui) e outras espécies, como também ceifou a vida de muitos animais.

Outro aspecto relevante do ponto de vista cultural, nos tempos áureos da

povoação, foi a formação de grupo folclóricos de pássaros que tendia ao saber

proteger o ambiente vivido, com respeito a diversidade ambiental e ao manejo

sustentável, bem como o respeito no trato com as pessoas.

Além dos cordões de pássaros, a ilha também fora musicalizada por metres do

carimbó dos povoados de Caratateua e Itajuba, respectivamente Maninho e Elias. O

mestre maninho assim musicalizou:

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Conheci uma morena Na comunidade de Pacamorema Por ela me apaixonei Por ela me apaixonei Ela é uma linda morena Foi bom a gente se conhecer Mas ela foi embora Nunca mais eu pude ver (SIMONIAN et al, 2012, p. 95)

O mestre Elias musicaliza o local quanto as transformações ocorridas no local:

pontilhão, água encanada e energia elétrica. Canta a alegria de um povo que recebe

progresso e que se adapta a ele. Antagonicamente, a essa tipologia cultural, nenhum

natural de Pacamorema “cantou o lugar”, embora tenham músicos nascidos nesse

local que se apresentam em tempos da festividade de São Raimundo Nonato que

ocorria em agosto de cada ano, passando para um período de mais pessoas no local,

o atual representante da Igreja Católica, alterou a data da festividade para o final do

mês de julho, transparecendo a desvirtualização da finalidade da festividade.

Presente na cultura local estão as parteiras e benzedeiras. A maioria dos

habitantes ilhéus nativos com idade superior a 30 anos nasceram com a ajuda de

parteiras e suas dores amenizadas pelas benzedeiras e pelos remédios da medicina

popular, descrito por Albuquerque et al (2016, p. 83):

Por saberes religiosos compreendemos os conhecimentos e vivencias que homens e mulheres mantem com as coisas que culturalmente consideram como sagradas, seja a partir da relação estabelecida com Deus, anjos, santos, entidades, padres, pastores, dentre outros agentes, seja a partir da relação com objetos ou a natureza, a exemplo de animais e plantas.

Culturalmente Pacamorema é conhecido como a terra das feiticeiras, cuja

denominação remeto a Levi-Strauss (1975):

Não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas magicas. Mas, vê-se, ao mesmo tempo, que a eficácia da magia implica na crença da magia, e que esta se apresenta sob três aspectos complementares: existe, inicialmente, a crença do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; em seguida, a crença do doente que ele cura, ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; finalmente, a confiança e as existências de opinião coletiva, que formam a cada instante uma espécie de campo de gravitação no seio do qual se definem e se situam às relações entre o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 2).

Fazendo analise sobre o destaque de Levi-Strauss (1975), considero que o

adjetivo “terra de feiticeira” dado aos populares soa pejorativo quando expressado de

forma agressiva e com ar de superioridade. No entanto, essa história remonta a

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tempos idos e presente em tempos atuais.

Um local próximo a Pacamorema, chamado Tapera, contribuiu para isso, notadamente às mulheres. [...], ali existem muitas histórias “visagens”, como são localmente identificados os fantasmas. Ainda, conta-se que nesse local um homem foi enfeitiçado por uma bruxa, o que teria ocorrido há muito tempo (SIMONIAN et al, 2012, p. 48).

O lugar Tapera, que pertence a Caratateua, sustentou a (má)fama e o estigma,

não se tornaram obstáculos para destino de veranistas, no período das férias de

janeiro e julho, e para o retorno de pessoas nativas à casa de seus pais e avós, que

aproveitam as festas “profanas” realizadas nesse período. Também em julho, com a

efervescência de pessoas e o calor tropical, habitantes e visitantes se deslocam para

a praia que fica em frente ao povoado, conhecida como croa.

Figura 07: Campo de futebol de Pacamorema

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

A cultura também se permeia de futebol, Figura 07, uma das atividades de lazer

perpetuada no cotidiano masculino e feminino, pois ao entardecer, vindos da roça ou

da pesca ao ponto comum da localidade: o campo de futebol. Local que não discrimina

gênero, raça, religião, cor e nem idade. Depende da organização de horário para

tomarem o campo. Os times de meninas e de meninos utilizam-no em horários

distintos, como nos apontam Silva e Cuimar (2016, p. 140):

As singularidades do lugar estão entrelaçados por laços e valores afetivos, cujas lembranças imediatas informam e conformam lugares reais, embora, com certeza, não sejam partilhados por todos. Esses lugares reais aparecem em formato de uma diversidade de ambientes: de afeição, de memorias, de

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farturas (e famituras, grifo meu), de refúgios infantis, de brincadeiras, de encantamentos, de encontro e/ou de conflito, de trabalho, conformando identidade múltiplas.

Outro aspecto da cultura é o religioso. Os encontros para reflexão da Palavra

de Deus e os cultos evangélicos da Igreja da Paz, são perceptíveis nos dias de terças,

quintas, sábados e domingos.

Além dessas manifestações evangélicas, existe as da igreja católica com os

encontros de catequese aos sábados, celebração da Palavra de Deus aos domingos

e tem como ponto máximo a Festividade de São Raimundo Nonato (descrito

anteriormente). Na festividade acontece vendas de comidas, bebidas, bingos,

cânticos, rezas, ladainhas e ela é aguardada com ansiedade pelos populares.

A produção de cerâmica; as parteiras (inativas) e benzedeiras; o campo de

futebol; a agricultura; a pesca e produção de seus alimentos manifestam aspectos da

cultura, bem como os saberes da experiência latentes nos fazeres de cada ator.

2.2.4 Aspectos Socioeconômicos

Considerando o aspecto socioeconômico dos residentes ilhéus, recorro ao que

aponta Lefebvre (1973, p. 18):

Há no espaço social, em redor de cada ponto e de cada centro, seja grande ou pequeno, duradouro ou provisório, uma ordem próxima, a da vizinhança; por outro lado, há uma escala mais vasta, reina uma ordem longínqua, a da sociedade inteira. [...]. A ordem longínqua permanece abstrata enquanto não se incorporar na ordem próxima, absorvendo as suas variações e variantes.

O longínquo perpetrado pelo capitalismo remete ao próximo introjetado no dia-

a-dia das relações humanas e espaciais, uma vez que seus habitantes estejam

distantes de centros urbanos, estão interligados pelas mídias com o mundo.

Em época da “safra” de peixes, de camarão capturado de tarrafa e de puçá, o

cotidiano ilhéu se altera por conta de pescadores advindos de outros locais. Os

botecos ficam mais movimentados por conta da comercialização de seus produtos.

Assim, de acordo com Mota (2004) o tempo se altera com a circulação de saberes

entre os nativos e os “visitantes” em decorrência da sazonalidade do pescado.

O cotidiano mostra sua força ideológica na organização do vivido. Ao organizar-se e introjetar-se nas tarefas, funções, hora do fazer e do lazer, nas rotas de circulação, nas rotinas da produção, o cotidiano está informando ao indivíduo os limites de sua existência (MOTA, 2004, p. 29).

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O cotidiano se apresenta, também, na relação do indivíduo com a instituição de

ensino, no que tange o grau de escolaridade (até o 5º ano). Na realidade insular a

escolaridade varia em demasiado, apresentando uma inversa considerável: quanto

maior a idade, menor a escolaridade; chegando até a ausência de habilidade com a

leitura e desconhecem o segredo da escrita de seu próprio nome. Os habitantes que

possuem maior escolaridade estão na faixa de 20 a 35 anos, com ensino fundamental

completo e alguns iniciados e/ou concluído o ensino médio.

A prestação de serviço em saúde pelo governo municipal, segundo

(SIMONIAN, 2012), ocorre através de um Posto de Saúde–PS, sem equipamentos

necessários para atendimento de primeiro socorro, carecendo de deslocamento o

povoado de Caratateua ou para a cidade, quando necessário. Para atender as

pessoas no posto de saúde existe uma auxiliar de enfermagem, visita mensal do

médico e um Agente Comunitário de Saúde–ACS que atende em cada residência e

dialoga com constância com os postos mais avançados, as Unidades Básicas de

Saúde. Em época de campanhas de vacinação para pessoas e animais domésticos

(cachorros e gatos) a equipe torna-se mais numerosa para atender os alunos em

tempo previsto, caminhando sobre o pontilhão.

Outro serviço prestado pelo governo municipal, além de saúde e educação, o

abastecimento de água encanada para todas as residências e em horários

controlados pela pessoa responsável; em muitas delas água fora irrigada pelos

próprios moradores com material adquirido e serviço de instalação feito por eles.

Figura 08: Água servida empoçada sendo babujada por criação

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

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Embora tenha-se água encanada, o serviço de esgoto/saneamento (BITOUN,

2006) é inexistente. A água servida no banheiro, para lavar roupa, na pia ou no jirau

de tábua ou de madeira, para fazer a comida, que fica no ambiente da cozinha ou nas

proximidades dela, se acumula sob esse ambiente onde os animais domésticos ou

domesticados ficam “babujando”20, como mostra a Figura 08. Em algumas residências

essa água escorre por uma vala pequena feita ao lado da casa, em outras fica

acumulada em baixo do jirau. Contudo, ainda existem poços de onde a água é retirada

com baldes amarrados em uma extremidade de corda plástica (tempos antes essa

corda era confeccionada de malva ou casca da envireira pelos próprios habitantes),

puxados no “muque”21 ou por roldana.

Outra questão dos habitantes ilhéus é a carência de centros urbanos mais

próximos, pois eles e dirigem a esses outros locais para a aquisição de alimentos não

existentes em botecos da ilha, bem como para receberem fomentos provindos do

Governo Federal (bolsa família, bolsa verde e aposentadorias).

Em um dos momentos que estava saindo do campo de pesquisa me deparei

com a chegada de duas moradoras de Pacamorema, retornando de centros urbanos

diferentes (Castanhal e Curuçá), carregando compras adquiridas com recursos de

programas federais, visualizadas na Figura 09, abaixo.

Figura 09: Moradoras de Pacamorema

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jan./2017

20 Animais que ficam, sob os jiraus, catando restos de comida ou tripas de peixes que caem por entre as frestas das tábuas ou remexendo as valas e poças d’água. 21 Puxar no “muque” é utilizar a mão e a força bruta, sem auxílio de nenhum outro mecanismo na ação.

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Na ilha não existe igarapés perenes de água doce, apenas algumas grotas que

conseguem resistir ao tempo de estiagem. Mas em tempos chuvosos aparecem

muitos “olhos d’água até na beira do caminho”. O período que mais ocorreu isso,

segundo relato de “Nilde” (janeiro/2016) foi em:

1999 e 2009, quando o inverno foi muito forte, mas agora até o tempo tá mudando, já não se enxerga muito isso. Antes começava a chover em dezembro e ia até julho. Teve um ano aí que custou muito chover, lá pra abril, e a roça morreu quase toda morreu e a chuva caiu até setembro. Quando chove muito a roça morre também, porque alaga tudo e quando a gente puxa a maniva só vem o talo podre da mandioca.

Esse relato deixa claro que as variações da natureza são de extrema

importância na vida dos ilhéus, principalmente quando se trata do preparo da terra, da

plantação, do tempo de capina, da colheita e do fazer à farinha. Técnicas que vem se

inovando com a chegada de energia elétrica sendo utilizada, também, para fazer rodar

a cevadeira que substituiu o ralo feito de lata de querosene ou de pedaços de chapas

de latão e de cobre.

Em muitos casos, o tipiti também foi substituído por prensas, o “arguidá” por

bacias feitas de pneus inutilizados ou baldes plásticos. Estes últimos substituíram os

poços que eram feitos em áreas de restingas, de fácil acesso a água doce: poços da

Angelina (nome dado a uma tapera de antiga moradora) ou próximos à casa do forno.

A mandioca era colocada de molho em período de maré morta ou de lanço pequeno para que a água da maré não pudesse entrar nos poços com a mandioca, senão ela não amolecia direito, dando muito trabalho pra aprontar a massa e a farinha ficava azeda, sem contar a demora pra torrar a massa. A farinha ficava cheia de talo e dava muita curueira (ISAUDIA – Entrevista concedida em setembro/2016).

As casas de farinha eram retiradas das moradias e tinham poços que ficavam

distantes, mais de um quilometro do local de torrefação da massa. Os fornos eram de

cobre, de herança dos antigos, que se tornou objeto de cobiça para a geração mais

jovem ilhéu e de pescadores que conheciam essas casas de farinha e sabiam que

não havia residentes por lá, ficando fácil a subtração dos mesmos e à venda em ferro

velho ou para agricultores de outras localidades. O lucro fácil tornava-se fumaça e

desvario pelo consumo de bebidas alcoólicas.

Por conta desse risco, é comum perceber que as casas de farinha passaram a

funcionar no “fundo” dos terreiros, como extensão da própria casa. Jurandir Negrão

(abril/2016), em diálogo espontâneo, disse: “tá muito perigoso aqui. Eles (malfeitores)

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não dispensam nem essas lâmpadas baratinhas, quanto mais essas outras mais

caras. Por isso, tiro todas as noites”. Ainda assim, os objetos mais valiosos são

retirados e guardados dentro das residências. A falta de segurança em cidade grande

está refletida no cotidiano, na terra e no mar, pois o roubo de canoas também

acontece.

Figura 10: Intelectual Nativo-guia Jurandir Negrão torrando farinha

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2016

O hibridismo na roça e na pesca, são comuns para a subsistência e

comercialização de seus produtos, como é o caso do pescador Jurandir Negrão,

mostrado acima na Figura 10. No roçado tem algumas ações praticadas

exclusivamente por homens: derrubada da capoeira e a queima. A plantação da

maniva e as capinas são feitas por homens e mulheres (e crianças). A torragem da

massa é realizada, na maioria das vezes, por homens. Nesse interim, eles se ocupam

em um outro trabalho, o trabalho do mar, a pescaria artesanal.

Nela há outro aspecto da subsistência. A captura do pescado “nem sempre dá

pra vender. Às vezes a gente safa só o do boião e mal” (Tio Misaco, julho/2016), mas

quando é tempo de safra há o aumento de produto e a baixa de preço. O maior volume

de captura de pescado ocorre em períodos chuvosos, principalmente de abril a junho

quando se dá a safra da gó, de corvina, de bagre e piabas.

No período de julho a outubro a maioria dos pescadores se voltam à captura

de camarão-rosa de tarrafa. Tornando-se a principal fonte de renda das famílias

desses pescadores, dada a constante procura, ao armazenamento em quantidades

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superiores a 100kg para pessoas que moram em cidades diferentes para revenderem.

Em minoria estão aqueles que capturam o camarão de puçá.

Ainda do mar, está a mariscagem de sururu (Mytella charruana), sarnambi

(Lucina pectinata) e a extração do turú (Teredo teredinidae) que ocorre em tempos de

estiagem, mas não menos importante para a alimentação e venda desses produtos.

“P... nesses últimos anos deu muito sururu na ilha, ainda tem muito, sem contar os

sururus pequenos. Ali no Di ferro, está alastrado. Tem muito mesmo” (JURANDIR

NEGRÃO – Diálogo espontâneo em julho/2017).

Com esses parcos recursos constitui-se o tipo de alimentação do homem da Amazônia. Alimentação pouco trabalhada e pouco atraente, apresentando até hoje em suas características uma predominância manifesta da influência cultural indígena sobre a das outras culturas, a portuguesa e a negra, que também participam de sua formação (CASTRO, 2007, p. 43-44).

Retornando à terra, verifica-se que a vegetação terrestre mais comum em

Pacamorema é o bacurizeiro (Platonia insignis), cujo fruto é muito vendável. Em

épocas de dezembro a fevereiro a Ilha cheira a bacuri. Os populares comercializam a

fruta in-natura, bem como a polpa do fruto.

Das capoeiras mais altas, tendo a madeira adequada, se extrai material para

curralistas: madeira para mourão e cintados22, talas de bambú, talos de palmeiras de

inajá em desenvolvimento. Os mourões e cintados são utilizados nas muruadas para

fortificá-las e as talas de bambu e talos de palmeiras servem para a “espia”23 dos

currais e telas para a parte de baixo da “sala”/depósito dos mesmos. Sendo que é a

parte superior é preenchida por redes plásticas de malheiro superior a 35mm.

Ainda em relação à economia, as tabernas (pequenos comércios) fazem parte

do cotidiano dos ilhéus. Existem três comércios na localidade que vendem seus

produtos à vista e no fiado. Um deles, quando vende fiado, cobra percentuais sobre o

valor da compra, chegando a 20%. Outros dois cobram o valor da mercadoria que

está na prateleira.

Um dos produtos comercializados com frequência é a gasolina, utilizado nos

motores rabeta. Por conta da distância da cidade o valor desse produto fica “um

22 Os mourões são árvores com mais de 4m de comprimento, com circunferência de 0,6m no tronco e são fixados no solo do mar ou no tijuco dos beiradões, conforme marcação do curral. Os cintados, são pregados nos mourões, na horizontal, em forma de cinta, servindo de base para as telas de talos de bambu ou de talos de inajazeira, tanto no depósito quanto na espia dos currais. 23 Parte do curral construída em linha reta, em forma de “V”, afunilando à boca do depósito. Serve de “aparadeira”, que de acordo com a correnteza da maré, conduz os peixes à “sala” e ao depósito.

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bocado salgado”. Por vezes os pescadores se aviam de combustível com a paga

daquilo que irá pescar (ALVES, 2006). Ele vende seu produto na “palha”24, contando

com a sorte.

O comerciante, ou ‘aviador’, antecipa o fornecimento de bens de consumo e instrumentos de trabalho ao produtor que, por sua vez, efetua o pagamento da dívida contraída através de produtos extrativos e agrícolas. Essa relação remonta ao período em que a região integrou-se ao processo de colonização europeia (ALVES, 2006, p. 66)

Nesse sentido, Santos (2006) nos informa que ”as ações normadas” do

passado e do presente se complementam.

Através de ações normadas e de objetos técnicos, a regulação da economia e a regulação do território [e do lugar] veio agora impor-se com ainda mais força, uma vez que um processo produtivo tecnicamente e geograficamente espalhado exige uma permanente reunificação, para ser eficaz. O aprofundamento resultante da divisão de trabalho impõe formas novas e mais elaboradas de cooperação e controle. As novas necessidades de complementaridade sugerem paralelamente à necessidade de vigiá-las. Estas novas necessidade de regulação e controle estrito mesmo à distância constituem numa diferença entre complementaridades do passado e as atuais (SANTOS, 2006, p.169).

Desta forma, a questão socioeconômica, está imbricada e marcada por traços

históricos que constituem os populares de Pacamorema.

Assim, outra questão que contribui para a manutenção dos habitantes ilhéus

são os proventos oriundos do Governo Federal como o Programa Bolsa Família–PBF,

via Ministério da Educação–MEC; Programa Bolsa Verde–PBV, via Ministério do Meio

Ambiente–MMA; e, aposentadorias e pensionistas pelo INSS. Existem famílias que

vivem de mês a mês com um desses recursos. Outras, além disso, continuam a pescar

e roçar. Essas são as movências sociais e econômicas dos habitantes desse lugar

“defronte” pro sol.

24 Expressão utilizada pelos ilhéus para configurar a insegurança no negócio, uma vez que o pagamento do produto aviado é incerto.

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3 A PESCARIA ARTESANAL NA ILHA DE PACAMOREMA

3.1 A PESCARIA ARTESANAL RIBEIRINHA EM ÁREAS DA AMAZÔNIA

Esta seção trata da pescaria artesanal praticada pelos pescadores da Ilha de

Pacamorema. Neste primeiro subitem analiso a pescaria artesanal de forma mais

abrangente, situando-a em contextos territoriais amazônico brasileiro, sem a

pretensão de esgotar os estudos específicos alinhados a cada parte da bacia

amazônica, com seus rios, afluentes, igarapés, lagos e várzeas e a litorânea.

De acordo com a literatura específica25, a Amazônia teve sua ocupação inicial,

nativa ou não, pelas margens de rios e seus afluentes, originando e consolidando

comunidades ribeirinhas, envolta a tradições herdadas quanto à pesca, à caça e ao

extrativismo vegetal ou mineral.

Leonel (1988) nos informa que a ocupação na Amazônia se deu em três

períodos:

O do século XVI ao XIX, caracterizado pela conquista, litígios de fronteiras, missões, e explorações esporádicas, como a do outro; do século XIX a metade do século XX, o ciclo da borracha, do extrativismo de exportação, e, finalmente, o atual avanço da fronteira econômica, com a penetração massiva de múltiplas frentes de expansão, impulsionadas por políticas públicas nas últimas décadas (LEONEL, 1988, p. 20).

A partir daí parte dos colonos se concentraram em vilas e cidades já existentes

(Belém e Manaus) e a grande parte dos recém-chegados se embrenharam nas matas,

utilizando os rios como meio para o seu deslocamento, incorporando elementos novos

ao nativo (munição, facas, açúcar, sal, etc.) e assumindo novos hábitos (caça, pesca,

moradia coberta de palha), embora a soberba e depreciamento tenham sido

conhecidos no decorrer da história.

Ainda de acordo com o autor, as pessoas quando buscavam espaço para se

abrigar e viver, consequentemente davam início a novos povoamentos, com vivência

própria, estabelecendo fortes laços com a natureza e todos os seus ciclos (lua, maré,

enchentes e secas nas várzeas florestais), sendo o peixe, um dos principais recursos

25 Conf. Leonel (1988); PORRO, Antônio. As crônicas do Rio Amazonas: tradução, introdução e notas etno-históricas sobre as antigas populaões indígenas da Amazônia. Vozes, 1993; GADELHA, Regina Maria A. Fonseca. Conquista e ocupação da Amazônia: a fronteira Norte do Brasil. Revista Estudos Avançados vol. 16, no 45. São Paulo: mai./ago. 2002.

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explorados para a reprodução da existência da vida e comercialização nessas

comunidades ribeirinhas.

A incorporação de elementos novos e o assumir novos hábitos, implica em um

processo educativo através do trabalho, sustentáculo para a vida, que perpassa

gerações, alcançando nossos dias. O saber fazer dos nativos amazônicos foi

modificado com o passar dos tempos, assim como o seu território. Essa modificação,

para Saviani (2007), alterou a relação de trabalho existente entre os seres humanos,

bem como o sentido de posse que era latente entre eles, a força de trabalho deixa de

ser somente para si e seu conjunto familiar e passa a pertencer ao patrão.

Fato que não é totalmente descontextualizado das pescarias na Amazônia se

dão em pequena escala e tem base nos recursos pesqueiros locais, responsáveis por

abastecer os “mercados” das comunidades tradicionais, sedes de pequenos

municípios e mercados das capitais de estados amazônicos, permitindo a atuação de

pessoas de diferentes faixas etárias, grau de escolaridade e gênero, que detém

conhecimento sobre a atividade pesqueira e as espécies capturadas.

Segundo Leonel (1988), na região amazônica houve uma preocupação, por

parte de estudiosos, mais voltada à vegetação/desmatamento do que em relação aos

recursos hídricos e pesqueiro, evidenciando a ausência de publicações relacionadas

a essas temáticas, nessa época. Três décadas após a afirmativa, constata-se certa

robustez na publicação de estudos relacionados às questões hídricas e pesqueiras,

bem como a disputa pelo seu controle.

A água é essencial a vida e o peixe está entre as fontes fundamentais de proteína que permite a vida humana na Amazônia. A abundância de água e do peixe, aliada a facilidade de seu aproveitamento, contribuíram para viabilizar milênios de ocupação, orientando os aldeamentos à beira dos rios e locais piscosos. [..]. A pesca, comparativamente exige menor investimento, tratando-se de um recurso renovável ainda relativamente disponível e fundamental às camadas tradicionais (LEONEL, 1988, p. 23).

Alinhados a esse pensamento, Barboza, Barboza e Pezzutti (2013) afirmam

que o uso (de pescados) para consumo e comercialização, muitas vezes, se dá a

despeito de fiscalização e de legislação vigente, uma vez que há despreocupação da

compreensão da relação das populações locais com a fauna de modo geral para

assegurar a exploração sustentável dos recursos naturais.

Além da despreocupação das populações locais, citadas anteriormente, outros

aspectos que concorrem para esse agravamento da não sustentabilidade desses

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estoques pesqueiros são as barragens hidrelétricas, acidentes ambientais e a pesca

industrial, cuja abordagem será tratada no subitem a seguir, mostrando as

problemáticas que dificultam a pescaria artesanal, seja em rios de água doce, seja em

água salgada, também, discutidas pelo Grupema.

3.1.1 As barragens hidrelétricas, acidentes ambientais e a pesca industrial

litorânea

Existe uma gama de fatores que concorrem para comprometer a pescaria

artesanal em áreas da bacia amazônica. Tais fatores estão relacionados a questão

antrópica, ao desenvolvimento sócio econômico baseado no capitalismo cuja

exploração dos recursos naturais e a percepção de lucros são a base de ações

contrárias ao manejo e ao desenvolvimento alicerçado pela sustentabilidade.

Em um dos estudos realizados por Silva (2007) percebe-se despreocupações

com o ambiente social, econômico e o desenvolvimento local, na construção de

barragens de hidrelétricas,

A apropriação funcional do meio ambiente pelas Centrais Elétrica do Norte (Eletronorte) para a formação do reservatório, além do reordenamento sócio territorial na área da hidrelétrica, ressignificou os recursos ambientais de uso comum e os espaços produtivos do rio e da floresta, ao transformar a “natureza” em recursos naturais para atender a lógica utilitária do empreendimento. Essa apropriação promoveu uma série de “crises ecológicas”, percebidas localmente por agentes sociais como mudanças na qualidade da água, perda do “controle” da maré devido à alteração do regime do rio, estrangulamento das atividades de pesca e do extrativismo. O imaginário local associa essas transformações socioecológicas ao barramento do rio Tocantins, responsabilizando-as pelas mudanças nos modos tradicionais de apropriação dos recursos territorializados e pelo comprometimento dos mecanismos reprodutivos das formações biológicas ambiental, das condições de existências e estratégias de trabalho dos grupos sociais cujos processos de reprodução estavam intimamente associados ao ambiente físico e biótico (SILVA, 2007, p. 02).

No entanto, embora a região do salgado não seja atingida diretamente por

construções de hidrelétricas e acidentes ambientais, o setor pesqueiro de parte da

região amazônica sofreu impacto com a construção de barragem da hidrelétrica de

Tucuruí, na década de 1980. A maior hidrelétrica da Amazônia brasileira.

A presença da hidrelétrica não se constitui somente em um marco arquitetônico, senão que influiu decisivamente na vida local. Impactos ecológicos se fizeram sentir por meio da escassez do pescado, do

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desaparecimento de várias espécies, da diminuição de cardumes de mapará (ESTUMANO, 2018, p. 37).

Percebe-se que a construção de usinas hidrelétricas, além de gerar impactos

ambientais, gera também impactos sociais e econômicos, como a redução da

produção pesqueira, que afetam principalmente a população originária de onde é

construído o empreendimento e com isso a pesca artesanal de águas interiores, além

de carecer de estudos científicos, ainda é afetada por impactos antrópicos muitas

vezes irreversíveis.

Diante disso, na Tabela 01, se percebe um quantitativo considerável de

barragens existentes em rios da Amazônia, impossibilitando migração de espécies de

às cabeceiras de rios e seus afluentes, condenando ao desaparecimento ou à sua

infimidade.

Tabela 01: Barragens existentes26 na Amazônia Legal Brasileira No na Fig. 2

Ano enchido

Nome Estado Rio Capacidade Instalada (MW)

Área do Reservatório (Km2)

Coordenadas Referencias

1 1975 Coaracy-Nunes

Amapá Araguari 78 (298 até 2016)

23 (para os 78 MW iniciais)

00°54'24" N;

51°15'31" O

2 1977 Curuá-Uma Pará Curuá-Una 100 78 (para os 40 MW iniciais)

02° 49' 11.49" S;

54° 17' 59.64"O

[10]

3 1894 Tucuruí Pará Tocantins 8.370 2.850 03°49′54′′ S;

49°38′48′′ O

[6,7]

4 1987 Balbina Amazônas Uatumã 250 2.996 01°55′02′′ S;

59°28′25′′ O

[8,9]

5 1987 Manso Mato

Grosso

Manso 212 427 14°52'16" S;

55°47'08" O

6 1988 Samuel Rodônia Jamari 210 560 08°45'1" S;

63°27'20" O

[5]

7 1999 Lajeado (Luis Eduardo Magalhães)

Tocantins Tocantins 800 630 09º45’26” S;

48º22’17” O

[11]

8 2006 Peixe Angical Tocantins Tocantins 452 294 12°15'02" S;

48°22'54" O

9 2011 Dardanelos Mato Grosso

Aripuanã 261 0,24 10°09’37’ S;

59°26’55’’ O

[12], p. 69

10 2011 Santo Antônio (Madeira)

Rondônia Madeira 3.150 até 2015 350 08 48’04,0" S;

63 56’59,8" O

[12], p. 70

11 2011 Rondon II Rondônia Comemoração

73,5 23 11°58'51" S;

60°41'56" O

[13], p. 54

12 2012 Estreito (Tocantins)

Maranhão/Tocantins

Tocantins 1.087 744,68 06º 35’11” S;

47º27’27” O

[14]

13 2013 Jirau Rondônia Madeira 3.750 até 2015 361,6 09o15'17.96” S;

64o38'40.13” O

Fonte: FEARNSIDE, 2013

A Tabela 02, abaixo, apresenta barragens planejadas ou em construção até o

ano de 2021, aumentando a finalidade dos empreendimentos que é a geração de

26 Barragens com > 30 MW de capacidade instalada com os seus reservatórios enchidos até 01 de marco de 2013.

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energia elétrica e, em consequência, a degradação do ecossistema e social local, bem

como a diminuição constante de pescados por conta da má qualidade da água e do

aprisionamento dos peixes nas barragens, como afirma Silva (2007, p. 13).

Todavia, consideram que a mortandade de peixe foi de pequena monta dado que essa área sofre a influência mais direta da maré. Ao contrário do que ocorreu no pé da barragem, que logo após o fechamento houve uma grande mortandade de peixe devido à desoxigenação e à presença de gás sulfídrico na água lançada pelas turbinas, quando muitos cardumes se encontravam aglomerados no trecho a jusante ou se deslocando em migrações ascendentes.

Tabela 02: Barragens planejadas ou em construção na Amazônia Legal brasileira (> 30 MW)27

No Nome Estado Rio Capacidade Instalada (MW)

Área do Reservatório (Km2)

Situação Ano previsto da conclusão

Coordenadas Referencias

14 Agua Limpa Mato Grosso Das Mortes 320 17,9 Planejado 2020 15°20'53"S;

53°25'49"O

[15], p. 82

15 Babaquara [Altamira]

Pará Xingu 6.300 6.140 Oficialmente não mencionado

03°18'00"S;

52°12'30" O

[16]

16 Belo Monte Pará Xingu 11.233

516 Em construção

2015 03°6′57′′S;

51°47′45′′OW

17 Bem Querer Roraima Rio Branco 709 559,1 Planejado 2015 01°52'40”N;

61°01’57” O

[15], p. 82; [17]

18 Cachoeira Caldeirão

Amapá Araguari 219 48 Planejado 2017 00°51,2'0’0" N;

51°12'00" O

[15], p. 77

19 Cachoeira do Caí

Pará Jamanxim 802 420 Planejado 2020 05°05'05” S;

56°28’05” O

20 Cachoeira dos Patos

Pará Jamaxim 528 117 Planejado 05°54'59”S;

55°45’36” O

21 Cachoeirão Mato Grosso Juruena 64 2,6 Planejado 12°59'22”S;

58°57'29”O

[18], p. 149

22 Chacorão Pará Tapajós 3.336 616 Oficialmente não mencionado

06°30’08”S;

58°18’53” O

23 Colider Mato Grosso Teles Pires 342 171,7 Em construção

2015 10°59’5.9”S;

55°45’57.6”O

[18], p. 148

24 Couto Magalhães

Mato Grosso/Goiás

Araguaia 150 900 Planejado 18°12’35” S;

53°31’06”O

[19], p. 54

25 Ferreira Gomes Amapá Araguari 100 17,72 Licença Preliminar

2015 00°51 ́20.126” N;

51°11 ́41.071”O

26 Foz do Apiacás Mato Grosso Apiacás 230 89,6 Planejado 2016 09°12'23”S;

57°05'11”O

[15], p. 82

27 Ipueiras Tocantins Tocantins 480 933,5 Planejado 11°15'11"S;

48°28'53"O

[15], p. 82

27 Mais 62 outras represas estão listadas no Plano 2010 que ainda não aparecem nos Planos Decenais de Expansão Energética (PDEs)

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28 Jamaxim Pará Jamaxim 881 75 Planejado 2020 05°38'48S;

55°52’38”O

29 Jardim de Ouro Pará Jamaxim 227 426 Planejado 06°15'49"S;

55°45'53’’O

30 Jatobá Pará Tapajós 2.336 646 Planejado 2019 05°11'48”S;

56°55’11” O

31 Juruena Mato Grosso Juruena 46 1,9 Planejado 13°24'05”S;

59°00'27”O

[20], p.109

32 Marabá Pará Tocantins 2.160 1.115,4

Planejado 2021 05°19'’ S;

49°04’O

[19], p. 52

33 Magessi Mato Grosso Teles Pires 53 Planejado 13°34'35"S;

55°15'54"O

[18], p. 149

34 Novo Acordo Tocantins Sono/Tocantins 160 Planejado 09°58'25”S;

47°38'23” O

[20], p. 104

35 Ribeiro Gonçalves

Maranhão/Piauí

Paranaíba 113 238 Planejado 2018 07°34’31”S;

45°19’02"O

[15], p. 83

36 Salto Augusto Baixo [JRN-234b]

Mato Grosso Juruena 1.464 107 Planejado 2021 08°53'6.3"S;

58°33'30.1”O

[15], p. 77

37 Santa Isabel (Araguaia)

Pará Araguaia 1.080 236 Planejado 06° 08'00" S;

48° 20'00"O

[19], p. 56

38 Santo Antônio do Jari

Pará/Amapá Jari 167 31,7 Licença Preliminar

2014 00°39’ S;

52°31’O

[18], p. 148

39 São Luiz do Tapajós

Pará Tapajós 6.133 722 Planejado 2021 04°34'10"S;

56°47'06"O

40 São Manoel Mato Grosso Teles Pires 746 53 Planejado 2017 09°11’29”S;

057°02’60”O

[15], p. 83

41 São Salvador Tocantins/Goiás

Tocantins 243,2 99,65 Em construção 12°48'45"S;

48°15'29"O

[19], p 55

42 Serra Quadrada Maranhão Tocantins 1.328 420 Licença

Preliminar

2020 05°41'52"S;

47°29'11"OW

[15], p. 83

43 Simão Alba [JRN-117a]

Mato Grosso Juruena 3,509 > 1.000 Planejado 2021 08°13'33.5" S;

58°19'23.9"O

[15], p. 77

44 Sinop Mato Grosso Teles Pires 461 329,6 Licença Preliminar

2016 11°16'10" S;

55°27'07"O

[15], p. 83; [13], p. 44-45

45 Tabajara Rondônia Ji-Paraná 350 Planejado 08°54'15"S;

62°10'21"O

[20], p. 104

46 Teles Pires Mato Grosso Teles Pires 1.820 151,8 Em Construção

2015

09° 20’ 35” S;

56° 46’35”O

[18], p. 148

[13], p. 46-47

47 Tocantins [Renascer]

Tocantins Tocantins 480 700 Planejado 16°47'10”S;

47°56'31”O

[18], p. 149

48 Toricoejo Mato Grosso Das Mortes 76 48 Licença Preliminar 15°14'05"S;

53°06'57"O

[19], p. 56

49 Torixoréu Mato Grosso/Goiás

Araguaia 408 900 Licença Preliminar 16°16'59"S;

52°37'00"O

[18], p. 148

50 Tupirantins Tocantins Tocantins 620 370 Planejado 08°10'59"S;

48°10'00"O

[15], p. 83

51 Uruçuí Maranhão/Piauí

Paranaíba 164 279 Licença Preliminar 07°14’08”S;

44°34’01”O

[15], p. 83

Fonte: FEARNSIDE, 2013

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Fearnside (2013) ao fazer referência ao plano decenal de criação de

barramento para geração de energia elétrica até o ano de 2021, o faz centelhar as

preocupações quanto a resistência das comunidades tradicionais que tem a pesca

como seu principal sustento.

As principais alterações bióticas encontradas à jusante de hidrelétricas são as mudanças na composição das comunidades de peixes, atraso na reprodução, redução na abundância e tamanho dos peixes, principalmente os de hábito migratório. Tais alterações podem afetar diretamente a pesca à jusante de barramentos, porém tais efeitos têm sido pouco estudados. Assim, a utilização do conhecimento de populações locais pode ser uma importante ferramenta (HALLWASS, 2011, p. 16).

Além das construções de barramentos e hidrelétricas na Amazônia, outro fator

que afeta diretamente a atividade da pesca é o mercúrio (Hg).

O mercúrio é concentrado biologicamente em uma ordem de grandeza a cada passo que sobe na cadeia alimentar. [...]. Cerca de 50 a 70 t de mercúrio são lançados anualmente no ambiente na forma de aerossóis atmosféricos quando os garimpeiros amazônicos amalgamam o seu ouro. É provável que uma parte disto seja transportada até reservatórios de hidrelétricas (FEARNSIDE, 2002, p. 9)

Com isso, a probabilidade de uma pessoa sofrer consequências severas após

consumo de peixe contaminado por mercúrio é muito grande, uma vez que ele se

armazena no organismo e não há como retirá-lo por processos naturais. E os riscos

para os habitantes amazônicos é iminente por ser área de garimpo, cujos dejeitos

mercurizados dos garimpos percorrem os leitos dos rios e igarapés de onde são

retirados os pescados para o sustento familiar.

Brasil (2005), mais especificamente, Conselho Nacional do Meio Ambiente–

CONAMA fornece tabela de valores máximos permitidos de substâncias como

mercúrio, arsênio, chumbo, cobalto, urânio, alumínio e cobre por níveis acima dos

aceitáveis são nocivos à saúde humana. Faço referência a isso para pontuar

acidentes ambientais em áreas ribeirinhas do estado do Pará causados por

mineradoras, e outros, que culminam na morte dos igarapés e a escassez de

alimentos provindo deles.

O acidente mais recente de vazamento de rejeitos da produção de bauxita da

mineradora Hydro Alunorte no igarapé Bom Futuro, um braço do rio Pará, em

Barcarena, foi denunciado em 17/02/2018, que segundo estudos do Instituto Evandro

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Chagas–IEC, no rio Murucupi, que banha Barcarena, foram encontrados elementos

tóxicos com nível de alumínio 25 vezes acima do permitido pelo Conama.

A bacia de resíduos sólidos da Hydro Alunorte que, proveniente as chuvas

intensas, transbordou, atingindo primeiramente o Igarapé Bom Futuro e se

estendendo por toda bacia do rio Pará.

Figura 11: A bacia de resíduos sólidos DRS1 da Hydro Alunorte, em Barcarena

Fonte: Pedrosa Neto/Amazônia Real

Barbosa (2018) informa que

As comunidades afetadas Bom Futuro, Burajuba e Vila Nova, enfrentam danos ambientais Jardim Independência, Tauá, Sítio Conceição, Jardim Cabano, São Lourenço, Cupuaçu/Boa Vista, Jardim das Palmeiras, Novo Horizonte e Água verde. Em Abaetetuba são: Praias de Sirituba e Beja. Os rios da bacia do Pará afetadas pela contaminação de produtos tóxicos são: Murucupi, Arapiranga, Guajará do Beja, Arienga e Tauá, além do igarapé Dendê (BARBOSA, 2018, p. 2).

Seguindo essa linha de desastres ambientais, reporto-me ao acidente ocorrido

em Abaetetuba, em 2009, na Alunorte que era controlada pela Vale, mas a Narsk

Hydro ASA era acionária em 34% (que se tornou majoritária com 51% das ações em

maio de 2010, em Oslo, na Noruega, com a assinatura de um acordo de troca de

ações com a brasileira Vale). Tais acidentes ambientais recorrentes dessa empresa

ocorrem devido a região nordeste do Pará ser um polo industrial da extração de

minérios e não contar com adequações seguras de armazenamento de rejeitos.

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Outra degradação ambiental recente, causada por acidente, se deu com o

naufrágio do navio em outubro de 2015, mostrado na Figura 12 (abaixo), atingindo a

hidrografia de Barcarena e Abaetetuba com aproximadamente 700 toneladas de óleo

e cerca de 5.000 bois vivos. Após esse acidente, as praias de Vila do Conde, o píer

onde ocorreu o naufrágio e a praia de Beja, em Abaetetuba, foram interditadas e

proibidas para qualquer tipo de atividade.

Figura 12: O naufrágio do navio carregado de gado em Barcarena, 2015

Fonte: Paulo Santos. Acervo H/Amazônia Real

Os dois municípios compartilham os desastres ambientais, porque o rio faz uma espécie de ioiô com a água, levando o que estiver nela para a praia de Beja. Teve o caso da balsa da CDP com óleo, dos bois, enfim. Não se precisa de estudos aprofundados para perceber que a contaminação logo chega a Abaetetuba (LIMA, 2018, p. 3).

Além de construções de hidrelétricas, acidentes ambientais, exploração de

minérios em áreas de garimpos, outros procederes nocivos à pescaria artesanal na

bacia amazônica são causados pela pesca industrial, particularmente a pesca de

arrasto em território da “Amazônia salgada”28.

A pesca de arrasto é uma prática realizada pela indústria da pesca no mundo

todo, na qual uma grande e pesada rede é arrastada ao longo do fundo do oceano

28 Essa terminologia foi sugerida pelo Francisco Xavier após a defesa da dissertação para designar toda área litorânea do salgado e sua vasta floresta de mangue.

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para recolher tudo o que estiver em seu caminho como a “capturas acessórias”29 e a

destruição de leitos de águas rasas.

A pesca de arrasto surgiu no início do século XIV e tornou-se comum nas áreas costeiras do mundo depois da industrialização da pesca comercial, no fim do século XIX. A pesca de arrasto de profundidade visa espécies de grande valor comercial que vivem próximas aos leitos: o bacalhau, o rockfish e vários tipos de lulas e camarões. Os equipamentos variam de acordo com a categoria de pesca, mas a redes às vezes são quase do tamanho de um quarteirão e colhem milhares de peixes, e outros animais marinhos em um só arrastão (ERICKSON-DAVIS, 2014, p. 01).

Na Figura 13, verifica-se a pedagogia da pesca de arrasto em sua ação

predatória aos peixes e outras espécies marinhas, do leito do mar através do

deslocamento de sedimentos do mar, destruindo as moradas de espécies de

organismos, turvando as águas e inapropriando para muitas espécies pela liberação

do carbono e poluentes do leito do mar/oceano, provocando ações similares ao da

desertificação nos ecossistemas bênticos (do fundo do mar). Essa prática de pescaria,

com o passar do tempo, vem sendo feita cada vez mais próxima à costa litorânea, à

vegetação de mangues e as comunidades tradicionais.

Figura 13: A pesca de arrasto

Fonte: ERICKSON-DAVIS, 2014. https://pt.mongabay.com

Segundo Erickson-Davis (2014), na Figura 14, as consequências causadas

pela pesca de arrasto podem se repetir nas cadeias alimentares marítima uma vez

29 Captura de grandes quantidades de espécies não visadas.

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que muitos organismos são dependentes basicamente da meiofauna30 para obter

nutrientes e energia, com a destruição de berços de muitas espécies.

Figura14: Sedimentos oceânicos

Fonte: ERICKSON-DAVIS, 2014. https://pt.mongabay.com

Desse modo, as restrições à pesca de arrasto de profundidade e de águas

rasas são controversas e de opiniões opostas. De todo esses dilemas, existem

pessoas que sofrem as consequências dessas ações de forma inconsciente e

despercebido da teia que o envolve.

Tais ocorrências têm provocado angústias nos ribeirinhos, incertezas quanto a

fonte de alimento, precariedade na saúde, protelações judiciais e esquivas de

responsabilização dos culpados, cujas ações empresariais mitigadoras se mostram

incapazes e ineficientes à população atingida. Contudo, o enraizamento na terra e nas

águas suscita a esperança à vida, se mantendo ativos na busca de pescados em

locais que sempre foram referências de uma boa pescaria, os territórios de pesca.

3.2 TERRITÓRIOS DA PESCARIA ARTESANAL EM PACAMOREMA –

MAPEAMENTO DOS AMBIENTES NO TEMPO PASSADO E PRESENTE

3.2.1 O uso de territórios de pesca em diferentes temporalidades

O surgimento da comunidade de Pacamorema remete ao século XVI por meio

de um processo de ocupação indígena nesse território, que por conta do rio de mesmo

30 São as larvas de espécies maiores, ou macrofauna.

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nome, afluente dos rios Curuçá e Cajutuba, respectivamente pois recebe influência de

maré deles dois, e que margeia a ilha configura a forma de vida de seus habitantes

(agricultores e pescadores). Esse território foi se moldando por meio de uma

diversidade de pessoas e interesses de posse e uso, delimitando sua utilização aos

habitantes dessa ilha.

A diversidade de pessoas se dá pela ampliação de famílias residentes na ilha.

Anteriormente era praticamente duas famílias: os Lima e os Negrão. Depois vieram

os Flexa, os Modesto e os Blanco, formando uma simbiose no formato demográfico.

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator ‘territorializa’ o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143).

Assim, o espaço que era de uns tornou-se território de todos, conformando

ambiguidades e conflitos, dada a presença de pessoas não habitantes da ilha, que

têm buscado usar espaços de pesca. Raffestin (1993) afirma que o território é um

espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por

consequência, revela relações marcadas pelo poder. Dessa forma, o espaço é a

"prisão original", o território é a prisão que os homens constroem para si a partir de

interesses no seu processo de ocupação.

O espaço de pesca torna-se seu território, cuja apropriação se dá a partir da

ocupação dos que primeiro chegam, uma vez que não pode haver apropriação

individual das águas e dos pontos de pesca, embora esta seja área de conservação.

Se encararmos o território como uma realidade efetivamente existente, de caráter ontológico, e não um simples instrumento de análise, no sentido epistemológico, como recurso conceitual formulado e utilizado pelo pesquisador, tradicionalmente temos duas possibilidades, veiculadas por aqueles que priorizam seu caráter de realidade físico-material ou realidade “ideal”, no sentido do mundo das ideias. Para muitos, pode parecer um contra-censo falar em “concepção idealista de território”, tamanha a carga de materialidade que parece estar “naturalmente” incorporada, mas encontramos também aqueles que defendem o território definido, em primeiro lugar, pela “consciência” ou pelo “valor” territorial, no sentido simbólico (COSTA, 2011, p. 42).

Nesse sentido, alguns pescadores externam o sentimento de terem seu

território de pesca “invadido” por outros sujeitos alheios ao local, conotando o valor

simbólico de pertencimento descrito acima.

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Tem muita gente que só quer explorar. No tempo de nossos pais não era assim, os de fora vinham e pediam licença pra pescar no rio e no final da pescaria dava o quinhão dos “donos” do igarapé. Agora vem pra cá e mata tudo quanto é tamanho de peixe, de camarão e quando a gente procura pra dar de comer nossos filhos não tem. E quando tem é escasso. Se continuar desse jeito daqui com mais um tempo não vai ter nada pra gente pegar (JURANDIR NEGRÃO – Diálogo espontâneo em julho/2017).

O pescador Jurandir Negrão, baseado em sua memória afetiva, salienta que

“no tempo de nossos pais não era assim”, os pescadores de outras localidades e até

mesmo os que não residiam na “cabeceira” dos igarapés tinham que pedir “licença”

para realizar sua pescaria e, sem se envolver com a atividade esse morador/es tinham

sua parte, se “quinhão”, na distribuição dos peixes.

Outro aspecto que “os donos” igarapés não permitiam era a utilização de venenos na cabeceira dos igarapés pelos danos causados ao ambiente de “comidia” dos peixes. A pescaria mais usual era a tapagem com cacuri em que o pescador recolhia somente o que estava dentro do cacuri e aqueles que podiam ser cortados com terçado ou cacetados com porretes feitos de pedaços de paus. Usava a rede (malhadeira) só no tempo da safra da tainha, só rede graúda e poucas pessoas tinham. Só aqueles que tinham mais dinheiro e podiam comprar. Quase todos tinham a linha de mão e pescavam com ela, ou aparpando pacamum na lama. Era assim. Agora ninguém respeita, pesca com tudo, até peixe zito (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

O argumento do pescador deixa claro que a forma de utilização dos

instrumentos e das metodologias de pesca tem sido alterada no decorrer do tempo

seja pelo não desperdício de tempo para retirar da natureza os materiais utilizados

para fazer as muruadas, “antes, quando terminava a pescaria da tapagem tinha-se

que retirar tudo do igarapé” – afirma Jurandir Negrão –, e organizar os materiais,

passar uma “maresada” inteira no mar, sobre a canoa com de torda31 e assoalhada.

O armazenamento dos pescados também se distinguia do que é utilizado

atualmente. Ele se dava através da salga dos peixes que eram armazenados em

cerões32 ou cofos de palha de palmeira. O único peixe fresco que chegava nas casas

era aquele retirado da maré na última pescaria. As distinções de armazenamento de

antes para o atual que os pescadores utilizam caixa de isopores com gelo afim de

conservar o pescado, quando não chegam com a utilização de motor rabeta – não

mais do remo –, a tempo do peixe não estragar e nem haver a necessidade de salgar.

31 “Torda” é a cobertura de palha de guarumã que se fazia sobre as canoas para proteção das intempéries do tempo e se “agasalhar” nos momentos que não estavam pescando. 32 O cerões designam cestos fabricados de tala de guarumã, de jacitara ou cipó titica.

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Para Raffestin (1993), as pessoas ou aglomerados de pessoas ao ocuparem

pontos no espaço e se distribuírem de acordo com modelos que podem ser aleatórios,

regulares ou concentrados, possibilitam o a proximidade ou o distanciamento em

todos os sentidos (espaciais, temporais, psicológicos ou econômicos), uma vez que

nem todas as pessoas do mesmo espaço se desenvolvem igualmente, embora esteja

entrelaçadas por um sistemas de malhas, de nós e redes que se imprimem no espaço

e que constituem, de algum modo, o território rizomático (DELEUZE e GUATTARI,

1995, vol. 1), permitindo realizar a integração e a coesão dos territórios.

Nesse sentido, os ambientes que configuram os territórios da pescaria

artesanal, tem como referência o contexto da “pesca de dentro”33, de subsistência,

praticadas no entorno da ilha de Pacamorema, nos rios Cajutuba e Pacamorema, bem

como nos furos e igarapés afluentes desses rios.

Percebo essa realidade com mais clareza a partir da Figura 15 que indica o

mapeamento dos principais pontos de pesca no entorno da ilha, obtidos a partir de

orientação de intelectuais nativos. Eles não são utilizados somente pelos pescadores

locais, mas por outros pescadores que os conheceram pela fartura de peixes.

Figura 15: Localização dos Pontos de Pesca

Fonte: Pinheiro/2017

33 Os intelectuais nativos evidenciam em suas falas e práticas a referência de “pesca de dentro” relacionadas as tipografias de pesca artesanal praticada em rios e igarapés que se diferencia da pesca artesanal “de fora” praticada em pesqueiros oceânicos mais distante da costa litorânea.

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Ressalto que para esses pontos de pesca, as técnicas de pescaria podem ser

diversas, não necessariamente em um mesmo ponto, mas em pontos distintos, como

distinta deve ser o tempo da maré, pois existem pontos adequados para a pescaria

de “maré morta” – quando a maré cresce pouco, outros de “maré lançante” (até meio

lanço) ou quando a maré está “quebrando”, assim com o há pontos e técnicas

executadas em maré de lanço. Pois além da força da correnteza, invasão do mangue

pelas águas prejudicam a execução de algumas práticas de pescarias, aspectos da

dimensão ecológica fundantes neste estudo, que a 4ª seção abordará.

Aquele ponto que você pescou hoje, que fez vantagem, ele vai dá só em uma outra maré. Não adianta retornar lá na maré seguinte que vai ser “besteira”, não vai pegar nada porque aquela maré é o momento adequado pro peixe comer. O peixe está cada vez mais sabido. É mais certo ele voltar no mesmo lugar em maré igual e no mesmo horário. Se pescou nesse ponto nas mortas, espere outra morta pra você voltar lá (CLAUDIONOR GALVÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

Além de conhecer bem os pontos de pesca, tem que saber ouvir o “barulho do

peixe”, saber sentir com o ouvido e com os outros sentidos do corpo, as variações da

natureza, da lua, dos ventos e das marés34 adequadas para capturar as diferentes

espécies.

O Mero, o mais preferido pra ele de isca é a Uriçica branca, não sei porque. A pescada, o senhor vai num barco desses e não ouve nada. Mas o senhor desce l alo porão do barco e encosta o ouvido e ela está: tu tu, tu tu tu, tu tu! Ela está cantando. Pode estar a isca do jeito que tiver que não pega nenhuma, mas depois que ela parar de cantar, amanhecer o dia, vai matar ela. E a pescada ela dá de dia, no meio do pau ou na pedra e de noite ela sobe. Noite escura ela sobe. Na noite de luar pode pescar de dia e de noite no fundo, com linha arriada que ela pega. Toda essa experiência eu já tive. A tainha e a puá, pode arrepará que o senhor conhece ali a Cururuca (ponto de pesca), quando se aproxima dela ela zoa: cruuu, cruuu! (CLAUDIONOR GALVÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

O depoimento do senhor Claudionor Galvão (julho/2017) remete ao que

descreve Furtado:

O ronco do peixe é outro fato curioso que, só quem vive num cotidiano íntimo, pode reconhecer o ruído, entre outros que se pode ouvir, quando se está num lago, rio ou igarapé. Certos peixes fazem ruídos característicos quando vêm à superfície, para buscar oxigênio ou para pegar alimentos (frutos, insetos, folhas). O som característico que produzem nessa hora alerta o pescador para a existência de grande ou pequena quantidade de peixe e/ou dos que o acompanham (FURTADO, 1993, p. 211).

34 Ver itens da 4ª seção que enfatiza esses aspectos.

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Esse conhecimento pautado na sensibilidade é imprescindível para o

empreendimento no território de pescaria, como também para equacionar as ações

com os instrumentos de pesca a partir da consciência ambiental de conservação e

preservação das espécies.

Os territórios que configuram os pesqueiros ou pontos de pesca, merecem ser preservados, tanto pela biodiversidade presente, quanto pelo uso das populações locais, contemporâneas e futuras, independentemente do volume e destino da produção. Não somente a diversidade da ictiofauna existente requer esse procedimento, mas a da fauna e flora interagentes que dependem das funções e substancias do mesmo ecossistema (FURTADO, 2002, p. 25).

Furtado (2002) aponta para a tomada de consciência do uso do território de

pesca de forma sustentável pautada em avaliação da relação homem-natureza, cujo

impacto de intervenção antrópica nos ambientes aquáticos seja minimizado e o uso

desses recursos que a natureza oferece seja equilibrado a partir de uma racionalidade

responsável com o meio natural e social.

3.3 A DIMENSÃO DO TRABALHO NA PRÁTICA DA PESCA ARTESANAL E SUAS

NUANCES COM A EDUCAÇÃO

O trabalho envolto à prática da pescaria artesanal, traz uma dimensão

ontológica, cultural e ecológica, bem como educativa nos fazeres do cotidiano. A

dimensão ontológica se fundamenta em Marx (1982, p. 50) e está implícito o conceito

de propriedade caracterizada como relação entre o ser humano e a natureza de forma

a manter a vida humana.

O trabalho, como criador de valores de uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade- é necessidade natural e terna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e portanto, de manter a vida humana.

Pela apropriação da natureza o ser humano também se apropria dos bens que

produz, que para Frigotto (2001) concorre para produzir e reproduzir a sua existência,

primeiramente física e biológica, também, cultural, social, simbólica e afetiva.

Essa dimensão do trabalho está relacionada com a dimensão ecológica numa

perspectiva de respeito, de conservação da natureza humanizando as ações numa

dinâmica educativa de sustentabilidade, garantidora da cultura da pescaria.

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Trabalho e educação são atividades especificamente humanas. Isso significa que, rigorosamente falando, apenas o ser humano trabalha e educa. Assim, a pergunta sobre os fundamentos ontológicos da relação trabalho-educação traz imediatamente à mente a questão: quais são as características do ser humano que lhe permitem realizar as ações de trabalhar e de educar? Ou: o que é que está inscrito no ser do homem que lhe possibilita trabalhar e educar? Perguntas desse tipo pressupõem que o homem esteja previamente constituído como ser possuindo propriedades que lhe permitem trabalhar e educar. Pressupõe-se, portanto, uma definição de homem que indique em que ele consiste, isto é, sua característica essencial a partir da qual se possa explicar o trabalho e a educação como atributos do homem (SAVIANI, 2007, p. 152).

Ao tratar dos aspectos da educação relacionada ao trabalho, enfatizo esses

aspectos à dimensão cultural defendida por Silva (2007, p. 52) que afirma:

A dimensão cultural configura o sentido do estar do homem no mundo, e se constitui como importante elemento para a compreensão dos processos sociais. A sua unidade é constituída pelo significado. É por meio da cultura que as experiências são significadas. A significação é uma qualidade simbólica.

Para a autora as experiências alcançam uma simbologia, dotadas de sentidos,

de significados e de processos que educam o modo de vida. Nesse processo,

evidencia-se as nuances do (pré)capitalismo, uma vez que parte de sua produção de

pescados é vendida para a aquisição de produtos industrializados necessários à

existência (café, açúcar, sabão, frango, enlatados, etc), diferentes daqueles capturado

nas águas dos rios, fruto das pescarias e das matas.

Nesse processo de trabalho o ser humano com todo o seu ser: corpo, mente e

a sensibilidade do saber-fazer as coisas de “pescador” se correlacionam com a

natureza, com sua força, com seu tempo, mutando-se e transformando o meio em que

vive, “obedecendo” o que Marx (1967, p. 202) caracteriza como “atividade adequada

a um fim, isto é o próprio trabalho; o objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o

instrumental de trabalho”.

Eu não me considero um destruidor da natureza. Tá certo a gente faz roçado, pega peixe, mas é pra viver, sem isso a gente não vive aqui. O nosso trabalho da pescaria num é fácil, é muito difícil. Quero ver se o pessoal que vem passear aqui encara esse trabalho que a gente faz. Quero ver se encara remar durante quatro, seis horas. A nossa vida num é fácil e nem o nosso trabalho. Tá certo, tem uns que fazem porque gostam, mas a maioria faz porque é preciso [...] (SALMO – Entrevista concedida em julho/2017).

Como se apreende do argumento do pescador Salmo, o trabalho da pescaria

é constituído por seus instrumentos, cuja finalidade desse “modo de produção” é a

“troca”/comercialização do produto de seu trabalho para suprir as necessidades

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alimentares e de vestuário. O trabalho associado a atividade da pescaria artesanal em

Pacamorema se dá, também, para a manutenção das condições objetivas da vida.

As culturas tradicionais estão associadas a modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em que o trabalho ainda não se tornou mercadoria, onde há grande dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a dependência do mercado já existe, mas não é total. Essas sociedades desenvolveram formas particulares de manejo dos recursos naturais que não visam diretamente o lucro, mas a reprodução social e cultural (DIEGUES, 2008, p. 82).

Diegues (2004) representa a relação do ser humano com o trabalho pré-

capitalista, relacionado ao modo de troca, diferenciando a relação de mercado entre

os grandes centros e as comunidades tradicionais. No contexto sócio cultural de

Pacamorema percebe-se que essa relação de troca ocorre cotidianamente com o

excedente do trabalho.

Esta consideração se dá com o produto do trabalho, com o resultado do

envolvimento com a pescaria artesanal. No entanto, a artesanalidade da pescaria se

correlaciona com a arte do trabalho de confeccionar/”fabricar” os instrumentos

necessários para a virada das pescarias, pois para realizar essa prática há de se ter

os mecanismos adequados. Dessa forma, a educação e a aprendizagem é uma

dimensão estritamente ligada ao trabalho do pescador.

Se pudéssemos nos despir de todo orgulho, se, para definir nossa espécie, nos ativéssemos estritamente ao que a história e a pré-história nos apresentam como a característica constante do homem e da inteligência, talvez não disséssemos Homo sapiens, mas Homo faber. Em conclusão, a inteligência, encarada no que parece ser o seu empenho original, é a faculdade de fabricar objetos artificiais, sobretudo ferramentas para fazer ferramentas e de diversificar ao infinito a fabricação delas (BERGSON, 1979, p. 178-179).

A fabricação de ferramentas utilizadas na pescaria artesanal é suscitada da

criação da inteligência e racionalidade a partir de matérias inertes, mas o pescador

também se utiliza dos instintos, da sensibilidade, no desafio diário do pescar, da

intuição. Para Bergson (1979, p. 201) “o instinto que se tornou desprendido,

consciente de si mesmo, capaz de refletir seu objeto e de o ampliar infinitamente”, que

nos conduz “ao próprio interior da vida”.

O ser humano para Bergson (1979) pode ser definido de diversas formas, como

dualidade “corpo e alma”, “matéria e espirito”, “ser racional”, dentre outras

formulações, mas a complementariedade existencial do homem se dá pelos traços do

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trabalho e da educação ou a educação para o trabalho apreendida pela observação a

pela ação direta no fazer as coisas.

Esse meu filho já me acompanha em algumas pescarias. Ele quer estar comigo todo momento. Levo ele pra redar, tarrafiar... Ele já quer saber pilotar a rabeta, então eu pego ele, faço sentar no meu lado, deixo ele segurar a rabeta, mas fico segurando também. Aí ele pensa que é ele que está pilotando a canoa. Mas tem coisas que ainda não deixo ele fazer (GEOVANE VALE – Entrevista concedida em julho/2017).

A evidência dessa correlação entre trabalho e educação, como diria Medaets

(2011, p. 5): “Apesar da presença dessa dimensão educativa ser bastante evidente,

me parece que, para os adultos, a finalidade maior da participação da criança nessas

atividades, não seja justamente essa aprendizagem, mas sim o sucesso da realização

da atividade”. Embora o aspecto de aprendizagem não seja o principal ainda assim

ocorre esse movimento no ato de estar junto e de fazer com o mais experiente.

Voltando-nos para o processo de surgimento do homem vamos constatar seu início no momento em que determinado ser natural se destaca da natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida. Assim, diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm de adaptar a natureza a si. Agindo sobre ela e transformando-a, os homens ajustam a natureza às suas necessidades (SAVIANI, 2007, p. 154)

A ação do homem sobre a natureza transformando-a para suprir suas

necessidades se dá pelo trabalho, tornando-o sua essência dentro da complexidade

da construção cultural e histórica. Assim o homem é o que ele faz, o pescador possui

essa essência pelo envolvimento intelectivo na construção das ferramentas, pela

utilização e pelo produto de seu trabalho.

Podemos distinguir o homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material (MARX & ENGELS, 1974, p. 19).

No ato de produzir do homem se forma por estar vinculado nesse processo

educativo, uma vez que para Saviani (2007, p. 154)

A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. Diríamos, pois, que no ponto de partida a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la. Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações.

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Portanto, a vida do pescador artesanal de Pacamorema nesse processo

educativo provindo da experiência do trabalho é transmitido às jovens gerações,

fundamentando o processo “histórico-ontológicos da relação trabalho-educação”.

Os processos educativos, escolares ou não, constituem-se em práticas sociais mediadoras constituintes da sociedade que subordina o trabalho, os bens da natureza, a ciência e tecnologia como propriedade privada, valores de troca e a consequente alienação e exclusão de milhões de seres humanos da vida digna ou de sua radical transformação. É disso que estamos tratando ao afirmarmos a continuidade da luta histórica da classe trabalhadora (FRIGOTTO, 2011, p. 79).

Tais processos educativos se dão sob o vento, o sol causticante, as correntezas

das marés e o sucesso desconhecido a cada vez que os trabalhadores se organizam

para a atividade da captura de pescado como forma de vida e de dar continuidade à

história aos seus descendentes.

Dessa forma, essas nuances do trabalho com a educação apontam para um

modo de vida organizado por meio das diferentes formas de pescarias, bem como das

técnicas empregadas em cada uma delas, que serão descritas no item a seguir.

3.4 A ORGANIZAÇÃO DA PRÁTICA DA PESCARIA ARTESANAL: DIFERENTES

MODALIDADES E TÉCNICAS

A organização da prática da pescaria artesanal demanda uma diversidade de

técnicas. Conforme a tipologia e os ambientes/territórios de pesca as técnicas

demandam os instrumentos necessários. Essas técnicas, abordadas nos relatos dos

intelectuais nativos, possuem organização distintas, instrumentos distintos e tempos

diversos para a sua realização apreendidos pela prática cultural local.

A cultura é um instrumento para o cultivo da razão potencializadora da liberdade e da autonomia pessoais. [..] A aprendizagem de conteúdo e a habilidade aperfeiçoada de aprender, estimulam a liberdade, mas também precisam ser significativas para que os que aprendem e possam usufruir delas enquanto estão aprendendo, e isso requer entrar em contato com a vida (SACRISTÁN, 2002, p. 170)

Os pescadores ilhéus, a seus modos culturais, organizam-se com o intuito de

realizar suas práticas de pescaria caracterizada principalmente pela mão-de-obra

familiar, com embarcações de pequeno porte, como por exemplo, os denominados

“cascos” construídos de troncos de árvores ou feitas de tábuas por algumas pessoas

da ilha, de aporte suficiente para ir em busca do pescado que varia de acordo com a

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sazonalidade da maré e apetrecho utilizado para a captura. Esses aspectos estão

interligados com o processo de aprendizagem intergeracionais a partir do saber-fazer

e do saber se relacionar com a natureza.

Para tanto, ressalto Brasil, Lei nº 11.959, art. 8º, Inciso I, alínea “a”, que informa

que a pesca artesanal se dá

Quando praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte (BRASIL, 2009).

Essa classificação da embarcação também é tratada pela referida lei de acordo

com a arqueação bruta (AB igual ou menor que 20 vinte) e que se diferencia de outras

embarcações e tipos de pesca. Além de identificar os locais de pesca para cada

modalidade da atividade pesqueira.

Associado a essa Lei nº 11.959, Diegues (1983) considera que a pesca

artesanal brasileira possui numerosas e complexas especificidades e levam em

consideração fatores sociais, políticos, institucionais, econômicos e ambientais

intrínsecos a cada local, além da diversidade dos meios de produção e estratégias

utilizadas pelos pescadores na captura de pescados cada vez mais reduzida e na

administração de conflitos existentes por pontos de pesca ou pela divisão dos bens

capturados, que por vezes ocorre.

Decorrente desse pensamento de Diegues (1983), a organização imprimida na

pescaria artesanal realizada, difere conforme a modalidade praticada. Contudo, de

modo geral, essas organizações associam-se ao tempo da natureza mediado,

principalmente, pela ação da lua e alterações de marés. A força da lua e da maré

apontam para a realização ou não da pescaria e informam que pescaria deve ser

praticada. A partir dos sinais da natureza, os pescadores se aventuram tapando

igarapé, ou redando, ou fisgando, ou apalpando e/ou saltiando ou, ainda,

consorciando diversas modalidades de pescarias.

No contexto dessa organização, provinda de convite, ressalto, porém, que os

intelectuais nativos não utilizam a expressão “pesca artesanal” cuja definição está

sendo cunhada aqui neste trabalho, mas é comum a utilização da expressão

“pescaria” ou “virada” quando há chamamento de um para o outro pescador ir em

busca de capturar pescado, cuja fala de seu Antônio (abaixo) expressa com clareza

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essa realidade. Porém, reitero que usarei a terminologia “pescaria artesanal” para

fazer referência à atividade pesqueira dos ilhéus de Pacamorema.

“Quando o Ney vai pra virada, é difícil não safá o boião” (Seu Antônio). Nesta

fala, ele está fazendo referência a um de seus filhos quando sai para a pescaria de

“fisgar bagre”, que se dá quando a maré está lançante e invade o apicum, que será

descrita a seguir conforme a tipografia e técnicas utilizadas na pescaria artesanal. No

momento que ocorre essa modalidade de pescaria, pode acontecer também a

pescaria de espinhel, linha de mão e caniço.

A contribuição das gerações passadas para as seguintes não se dá pela entrega de um conjunto de informação que adquiriu autonomia em relação ao mundo da vida e da experiência, mas pela criação, por meio de suas atividades, de contextos ambientais dentro dos quais as gerações presentes desenvolvem suas próprias habilidades (INGOLD, 2010, p. 21).

Desse modo, a transmissão de conhecimento entre as gerações culmina na

autonomia da experiência, por isso trago essas nuances relacionadas as técnicas de

pescaria artesanal para evidenciar os fazeres dos intelectuais nativos, em sua lida

com o mar, bem como os instrumentos próprios de cada uma das modalidades.

3.4.1 Técnicas da pescaria artesanal em Pacamorema

Para descrever essas técnicas da pescaria artesanal em Pacamorema, recorro

inicialmente a Furtado (1981) que informa a grande diversidade de pesca amazônica,

com condições geográficas, climáticas e físicas de bacia hidrográfica, e com

características bem definidas: fluvial, lacustre e marítima.

As técnicas secularmente empregadas pelo índio serviam de base para as pescarias na Amazônia. Muitas delas foram largamente usadas pela população do interland amazônico, como: a tapagem de rio; a palheta (consistia num dispositivo destinado ao lançamento de flechas sobre os peixes, largamente utilizadas pelos índios Cambeuás); a narcotização conseguida através da maceração de plantas venenosas como o timbó, o cururu-timbó e o conambi (FURTADO, 1981, p. 6).

Conforme indica o texto da pesquisadora Furtado (1981) e a realidade empírica

da pesquisa, o uso das técnicas depende de alguns apetrechos de pesca que são

feitos artesanalmente pelos pescadores a partir de elementos oferecidos pela

natureza e outros industrializados. De posse do apetrecho adequado, recorre-se aos

métodos de detecção de cardumes de peixes advinda da experiência e observação

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dos pescadores. Tarefa cada vez mais estafante e de difícil detecção pela diminuição

constante do estoque pesqueiro pelas capturas oriundas de práticas predatórias em

período de defeso ou pela utilização de utensílios inadequadas, como a tapagem para

captura de camarão. Trata-se de práticas predatórias que,

causa a morte de peixe e camarão miúdo, chega o tijuco fica branco de peixinho. Um dia desses esculhambei com o pessoal do Cutia que vem da cidade acabar com os peixes e os igarapés. Eles matam tudo e nem aproveitam porque é zitinho (TIO ZÉ – Diálogo espontâneo em julho/2017).

Apresento abaixo um quadro sintético da tipografia da pescaria artesanal no

entorno da Ilha, cuja descrição segue a mesma ordem para melhor compreensão.

Quadro I: Quadro sintético das modalidades da pesca artesanal em Pacamorema

MO

DA

LID

AD

ES

TÉCNICAS UTILIZADAS

PESCARIA EMBARCADA

PESCARIA DESEMBRACADA

PESCARIA DE MERGULHO

Fis

gar

Pescaria de Espinhel X

Pescaria do Rabadela X

Pescaria de Fisgar Bagre X

Pescaria de Linha de Mão X X

Pescaria do Anzol de Mão X X

Pescaria do Caniço X

Peg

ar Pescaria do Afoga X

Pescaria do Cortar Tralhoto X X

Pescaria do Aparpa X

Arm

ad

ilha

Pescaria de Curral

X X X

Pescaria do Muzuá

X

Em

alh

ar

Tapar Igarapé X X X

Pescaria de Rede Malhadeira X

Pescaria de Tarrafa X X

Pescaria do Aparo X

Pescaria do Salto X

Fonte: Pesquisa de campo/2017

Para essa empreitada, reporto-me a Moraes (2007) para fazer as classificações

e as devidas apresentações.

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3.4.1.1 Modalidades de pescaria que utilizam instrumentos de “ferrar”35 os peixes.

Esta modalidade de pescaria requer a utilização de anzóis presos à linhas (linha

de mão), cabos plásticos (espinhel, rabadela e caniço), presas em pedaços de

madeira (anzol de mão) e a fisga/arpão que não é feita com anzol e sim com pedaços

de vergalhão pontiagudo. Ela, ora requer atividade frenética com movimento dos

braços, ora tempo de espera. Na maioria das vezes, de acordo com dados obtidos na

pesquisa de campo, o tempo de espera se faz mais necessário por conta da maré e

da pescaria que os anzóis postos na água devem fazer.

Faz-se necessário esperar o tempo que o peixe necessita para comer a isca

presa ao anzol dos caniços, espinhéis e rabadelas, por essas citadas modalidades

ficarem na espera, dentro da maré. Essa espera pode variar meia maré ou uma maré

inteira (de três a seis horas) de acordo com o local de pescaria. Na pescaria de caniço

o tempo de espera é menor, limita-se ao tempo de finalizar a colocação deles nos

locais adequados.

O diferencial dessa modalidade é a pescaria de fisgar bagre em que o pescador

se lança nos apicuns e sobre as raízes de mangue, a pé, para alcançar os pontos de

pesca, pois não é qualquer mangue, apicuns ou raízes apropriadas.

Essa modalidade de pescaria é praticada em vários locais, desde que tenha

maré: captura de pacamuns na lama e no buraco, leitos de rios e igarapés, entre

raízes, cujas práticas são frequentes por pescadores segmentados, pois existem

alguns que não são adeptos de fisgar bagre, outros não capturam pacamuns na lama

ou buraco e nem todos possuem caniços ou espinhel. Dessa forma, sua prática não é

unanimidade entre os pescadores.

Comumente são capturados variados tipos de pescados com a prática dessa

modalidade: os de ferrão: pacamuns, bagres, arraia (Dasyatis guttatus água), cangatá

(Aspistor luniscutis), uricica, uritinga (Tachysurus gradicassis) e gorijuba (Arius

luniscutis); os de escamas: mero (Epinephelus itajara), pescada (Cynoscion

leiarchus), corvina, peixe-pedra e o camurim (Centropomus undecimalis). Esses são

os peixes capturados com mais frequência nessa modalidade de pescaria.

35 O termo “ferrar” provém de uma vasta literatura voltada para a pescaria artesanal, porém cito apenas dois para exemplificar esse termo (Moraes – 2007, Furtado – 1993). Contudo, a expressão é utilizada pelos intelectuais nativos quando se referem – estritamente – a pescaria que utiliza o anzol. Já o que utiliza a fisga/arpão, carrega a própria denominação: fisgar.

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As atividades cotidianas de uma sociedade baseiam-se em valores e liberdades os quais homens e mulheres cumprem seus papeis enquanto atores sociais. O valor dado às atividades dos personagens, envolvidos em pequenas localidades indígenas da Amazônia, possui papel importante no contexto social relacionado ao coletivo, onde todos possuem privilégios e liberdades semelhantes (SANTOS & SILVA, 2013, p. 148).

Essas atividades cotidianas, baseadas na liberdade da pescaria artesanal, em

suas diversificadas modalidades, atribuem valor incomensurável ao pescador,

especificadas a seguir.

a) Pescaria de Espinhel

A Pescaria de Espinhel, conforme Barboza, Barboza e Pezzutti (2013) e Moraes

(2007), não é comumente praticada pelos pescadores ilhéus, consiste no uso de uma

corda com vários anzóis presos a uma corda mais fina de 25 a 30 cm equidistantes

uma braça do outro, cujas extremidades da corda são penduradas pedras, ou uma

das extremidades amarradas em galhos da vegetação do mangue (conforme

demonstra a Figura 16) e outra extremidade é presa na embarcação que fica

“fundeada”36 até o horário de “puxar o espinhel”37 (TIO MISACO – Diálogo espontâneo

em julho/2017).

Figura 16: O Pescador Tio Misaco jogando o Espinhel na água

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

36 A expressão “fundeada”, neste caso especifico, designa a ancoragem da canoa no fundo do rio/mar, com “poitas” feita de pedra ou uma âncora/ferro. De igual forma, outra extremidade do espinhel também fica presa. 37 “Puxar o espinhel” é a ação de retirada do instrumento de pescaria da água para verificar se capturou pescados.

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O tamanho do espinhel é variável, depende das condições financeiras do

pescador para comprar a corda que servirá de “cabo” do espinhel ou espinhaço, os

anzóis que variam de numeração (do número 10 ao número 3), de acordo com o tipo

do pescado a que se propõe capturar e o material para “estrovar” os anzóis.

A Figura 16 evidencia uma pescaria utilizando o Espinhel, que foi iscado com

pedaços de pratiqueira (Mugil curema) para fisgar bagre, pacamum e arraia.

A Pescaria do Espinhel é feita necessariamente embarcado por conta do

cuidado que se deve ter no manuseio dos anzóis, tanto para jogar quanto para iscar

e retirar da água. De outra forma, existe o risco do pescador se trançar todo e causar

acidentes.

Tio Misaco (Diálogo espontâneo em julho/2017) diz que:

essa pescaria é de paciência. Na maioria das vezes a gente deixa ele pescando sozinho. Só que agora a gente não pode nem deixar o material na água porque se a gente “marcar” o outro leva. Ninguém sabe vê nada do alheio.

Os espinheis utilizados na pescaria artesanal são do tipo submerso,

horizontalmente. Não há formas de pescar com esse material que fique suspenso da

água, embora existe peixe que pule fora d’água, não se percebeu nenhum pescador

que se utilizasse dessa forma de pescar.

b) Pescaria da Rabadela

A denominação dessa modalidade de pescaria induz pensar no formato que

esse instrumento possui: forma de rabo de animal. A pescaria com rabadela consiste

em mergulhar uma linha com até 8 anzóis, geralmente com a extremidade que não

possui os anzóis em arvores ou raízes de arvores de mangue.

Essa modalidade de pescaria destina-se a captura de bagres, camurins,

pacamuns, raias, bandeirados, pescada e outros tipos de peixe.

Não é em qualquer lugar que pode pescar com rabadela. É bom colocar a Rabadela próximo a poços porque, pedras e tronqueiras de árvores porque é lá que dá peixe graúdo. Quando o baiacú não rouba a gente, é bom. Quando a maré tá muito clara dá muito baiacu e não é bom pra pescar com anzol (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

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A Rabadela pesca sozinha. Precisa somente que seja iscada, fixada em um

determinado ponto e aguardar o momento certo para verificar e despescar. Ainda

segundo os pescadores que se utilizam desse instrumento ela não mata o peixe com

rapidez. Ele pode ficar vivo de uma maré para outra, dependendo do tipo de pescado

capturado.

c) Pescaria de Fisgar Bagre

Essa modalidade de pescaria ocorre nas marés de lançantes; antes, durante e

depois da “cabeça de lanço”38, “quando a maré lava os apicuns39. Nas mortas não dá

pra pescar de fisgar bagre porque a maré é imprópria. Só no lanço que é bom” (NEY

– Diálogo espontâneo em julho/2017).

Figura 17: Fisga confeccionada artesanalmente

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A Figura 17 mostra duas fisgas40 confeccionadas artesanalmente pelos

pescadores Ney e Deco, que são irmãos, praticam a pescaria com esse instrumento

e, segundo eles, por se sentirem bem pescando. Esse instrumento é fabricado com

38 “Cabeça de lanço” é a maior maré, é o máximo que a maré cresce no período de lanço. O dia após a “cabeça de lanço” a maré começa a “quebrar”, a diminuir, a ficar de “morta” – menor maré. 39 Apicum, na fala do pescador Max “é o lugar que fica entre o mangal e a terra firme. É a última parte do mangal. 40 Moraes (2007) caracteriza esse instrumento de pesca como “Zagaia”, informando que ela é utilizada pelos pescadores à noite, diferindo da fisga usada em Pacamorema cujo uso é no período diurno.

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três pedaços de vergalhão, formando um tridente, que é amarrado com nylon ou

arame galvanizado na parte mais grossa de uma haste de madeira resistente

(goiabarana), com comprimento de aproximadamente 2,5 metros, manuzeáveis por

entre as raízes de mangue.

Figura 18: O Pescador Ney chamando o bagre com o pé

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

“O meu filho Ney gosta muito dessa virada. Ele aprendeu com o finado Cabó

que acertava o bagre lançando a fisga, de uns três metros” (SEU ANTONIO –

Entrevista concedida em julho/2017). Acompanhando o pescador Ney para fisgar

bagre, observei três tipos de estratégias utilizadas para chamar o bagre: com a boca,

com a mão e com o pé – “chaqualhando” a água. Dessa forma o peixe se aproxima

do pescador para ser fisgado.

A forma mais eficaz de capturar o bagre é quando a “maré vem invadindo”41 o

apicum e o paraturá42. “Ele vem até no rasinho pra pegar comida e a gente chama pra

41 Somente no período de águas grandes, do lanço, ao encher, a água invade o limite do mangal “lavando” todo o mangue. 42 Segundo os intelectuais nativos, o “Paraturá” é a parte que fica seca na maré morta. Só a maré de lanço (grande) cobre essa parte do mangue com tijuco duro e repletos de “espeque” que são raízes expostas, resistentes e agudas de siriubeiras e tinteiras, que machucam os pés de catadores de sururu e turú, principalmente.

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ele pensar que é outro peixe que está comendo. Por isso o bagre que é tão esperto,

vem morrer no pé da gente” (DECO – Diálogo espontâneo em julho/2017).

Figura 19: O Pescador Ediney, 10 anos, com uma cambada de bagre

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A Figura 19, acima, evidencia o pescador Ediney Blanco retornando com uma

cambada de bagres à canoa. Ele e seu pai Deco pescaram por um período de

1h20min, por entre raízes de mangue e apicuns, de pés.

A pescaria da fisga é boa de fazer no redor de todo a ilha porque os apicuns são bons de andar e não é muito sujo. A raiz do mangue é baixa e dá pra caminhar por entre elas. Tem momento que a gente tem que andar por cima delas, mas é bom pescar de fisga porque a gente pega rápido o boião, principalmente quanto o ponto não está mexido. Certo dia peguei rapidinho uns 7 kilos. Olha, só bagre grande e gordo (ABÍLIO – Entrevista concedida em julho/2017).

Dessa forma os adeptos da pescaria da fisga conhecem todo o entorno da ilha

de Pacamorema e desenvolvem sua atividade do pescar com satisfação por gostarem

do que fazem e demonstram habilidade no que fazem. Esse saber pescar de fisga

requer conhecimento ecológico relacionado às questões geofísicas do território, pois

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não são todas as partes de mangue, nem todos os apicuns que contornam essa ilha

se adequam a esse tipo de pesca.

d) Pescaria de Linha de Mão

A pesca de linha ou pesca de mão equivale a um ou dois anzóis presos por um fio de nylon, podendo ser acompanhado de pequenos pesos de chumbo para facilitar a descida nas águas. O pescador sustenta o fio de nylon com suas mãos. Quando ele percebe que os peixes estão fisgando a isca, imediatamente puxa a linha com bastante intensidade para fisgá-lo (MORAES, 2007, p. 41).

A descrição de Moraes (2007) sobre a Pescaria de Linha de Mão enfatiza com

fidelidade essa prática pelos ilhéus. Na Figura 20, abaixo, temos dois pescadores

praticando essa modalidade de pesca, utilizando como isca o camarão. No entanto, a

isca pode ser o tamarú43 e pedaços de cutuca44.

Figura 20: Os Pescadores Max e Tio Misaco

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A maré de morta é a ideal para a captura de peixes com linha de mão.

Dependendo do pesqueiro, é possível capturar variados tipos de pescados como

camurim, peixe-pedra, pescada, corvina, dentre outros.

A pescaria de linha de mão, pelo observado em campo, é uma prática cuja

frequência tem intensidade menor que as demais, dada a diminuição dos estoques

43 Ou Tamarú-estalo é um crustáceo parecido com o camarão, que vive enterrado na lama. 44 A cutuca é similar a cobra-cega. A rigidez de seu corpo torna a isca mais resistente aos ataques de baiacu.

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pesqueiros e do tamanho de pescados pela captura de peixes cada vez menor em

redes de emalhar. Ainda assim, essa prática foi observada em uso e cartografada

nesta pesquisa.

e) Pescaria do Anzol de Mão

Esta tipografia de pesca requer certas habilidades. Primeiro, possuir

instrumentos (anzóis) bem estrovados e com cabos resistentes; segundo, saber o

perímetro expondo a utilização do conhecimento geofísico para e na execução da

pescaria; terceiro, encontrar o buraco do pacamum ou da moreia para tirá-los.

A figura abaixo registra o modus operandi de localizar o ponto de pesca. A

varredura do solo do mar é feito com os pés e para constatar que o peixe está dentro

do buraco, corre-se o risco de ser mordido por ele. Tal fato ocorreu nesse momento

de pescaria, pois o pacamum mordiscou o pé do pescador.

Figura 21: Geovane Vale procurando o buraco do Pacamum

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

O pescador Jurandir Negrão (julho/2017) informa que

a boca do buraco que o pacamum (ou moreia) mora é bem limpa, como se fosse uma casa varrida. Muitas vezes tem um suspiro que serve pra ele escapar. Então a gente toma cuidado pra fechar o suspiro e encontrar um jeito de tirar ele do buraco (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

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Quando a maré escoa nos pontos de pesca não é necessário o mergulho, mas

há momentos que mergulhar se torna indispensável, até mesmo quando a maré está

baixa, dependendo da posição do buraco.

Após muito esforço e com a utilização de dois anzóis foi possível tirar o

pacamum do buraco. “É preciso jeito, mas tem que ter força, ainda mais quando ele

está de rabo pra boca do buraco que ele se tufa todo e a cabeça fica presa nas pedras.

Aí o cara tem que arrancar ele de dentro” (GEOVANE VALE, julho de 2017).

Figura 22: Jurandir Negrão e Geovane Vale tirando pacamum do buraco

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Os pescadores esclareceram que os melhores pontos para tirar o pacamum do

buraco é a Cururuca e a boca do rio do Antônio Vicente (nome dado a uma ilhota

próxima a Pacamorema).

f) Pescaria do Caniço

A pescaria do caniço não demanda muita complexidade, pois segundo Moraes

(2007) ele é um instrumento de fisgar peixe muito utilizado inclusive por pescadores

que estão iniciando na atividade.

O caniço utilizado pelos pescadores de Pacamorema se diferencia dos

corriqueiramente conhecidos quanto a sua função de pescar sozinho, fincado no

barro, e a forma rudimentar de confeccioná-lo. Ele é preparado com uma vara

pequena de aproximadamente 2m de comprimento e uma corda de 1m com uma

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ponta amarrada na vara e outra com anzol cuja numeração varia de 7 a 10. O caniço

após iscado (sardinha, cutuca, camarão, tamaru, vísceras de galinha) é deixado nas

margens dos igarapés para ficar pescando, pois em Pacamorema não se utiliza da

pescaria do caniço segurando na vara de dentro da canoa (se difere de Moraes (2007)

quando descreve a pescaria do caniço na região Sudeste do país e de Lima e Pereira

(1997) cuja fabricação utiliza bambu e se volta a captura de uma única espécie). Ele

pesca sozinho. Depois de um tempo o pescador retorna para recolher o peixe fisgado,

colocar nova isca quando o baiacu45 rouba ou para retirar, quando termina a pescaria.

Na Figura 23, o pescador Max está colocando seus caniços na água que depois

de certo tempo retornará para verificar se há algum peixe fisgado. Ele diz que é uma

pescaria “sossegada”.

Figura 23: Max colocando o caniço na água

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A maré ideal para a esse tipo de pescaria é aquela que não invade rapidamente

o mangue, isto é, até três marés antes e depois da “cabeça de lanço”. Nesse intervalo

não sugerido a pesca, ao invadir o mangue rapidamente, os peixes se esguiam dos

caniços e vão procurar comida entre as raízes do manguezal (maracuanins, aratus e

as sementes das árvores do mangue).

45 O pescador Max esclarece que Baiacu é o peixe mais temido na pescaria de Caniço. O que contribui para isso é a baixa frequência da correnteza da maré, a transparência da água e o distanciamento do caniço em relação ao pescador para “enxotar o peixe ladrão”. Esse peixe possui uma arcada dentária muito resistente capaz de cotar a linha e o anzol do caniço e, “se não tiver cuidado, tira um pedaço do dedo do cara”.

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Contudo, pude observar que a pescaria do Caniço tem as suas intempéries:

mutucas, carapanãs e maruins que quando é tempo deles é necessário que se tenha

algum tipo de repelente (óleo diesel, fumaça ou repelente industrial). Do contrário, fica

difícil a permanência por muito tempo na pescaria.

A modalidade de pesca que utiliza instrumentos de “ferrar” os peixes praticadas

pelos ilhéus de Pacamorema fomenta certo tipo de economia, a economia moral, tão

importante quanto a religião e a cultura, inviabilizando o pensar em costumes de um

povo sem vinculá-los aos territórios neles inseridos. No desenvolver de períodos pode

até ser observados que alguns costumes desaparecem ou diminuírem sua frequência,

mas aqueles com utilidade no dia a dia permanecem e resistem ao tempo, de forma a

perpetuar sua existência.

Esses tipos de costumes, transformados em cultura, fomentam a constante

necessidade de aprimorar técnicas passada entre gerações a fim de ampliar os

conhecimentos e repassar para futuras gerações.

Pela divisão de trabalho, supervisão do trabalho, multas, sinos e relógios, incentivos em dinheiro, pregações e ensino, supressão das feiras e dos esportes – formaram-se novos hábitos de trabalho, impôs-se uma nova disciplina de tempo (THOMPSON, 1998, p. 297).

Thompson (1998) diz ainda que não é possível explicar as populações naturais

sem vincular a esse tipo de economia, de transformações, pois a modernidade aponta-

se na destruição das culturas locais, porém a resistência, atribuída ao trabalho, é parte

da vida onde, ao mesmo tempo, vivencia realizações propostas por seus personagens

na manutenção de costumes e tradições.

3.4.1.2 Modalidades de pescaria que utilizam as mãos como instrumento

As mãos são instrumentos indispensáveis para a realização das pescarias que

se seguem. Percebi que através do tato, da sensibilidade e da técnica se é capaz de

obter pescados, em pequena quantidade, fundamentais para a continuidade da

relação do homem com o mar.

Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo, mas também na sociedade, os homens foram aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a propor-se e alcançar objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo se diversificava e aperfeiçoava de geração em geração, estendendo-se cada vez a novas

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atividades. A caça e à pesca veio juntar-se a agricultura, e mais tarde a fiação e a tecelagem, a elaboração de metais, a navegação (ENGELS, 2006, p. 5).

A utilização das mãos para realizar atividades laborais acompanhou o

desenvolvimento do ser humano. Necessitou do instinto e do conhecimento para

aprimorar essa descoberta que continua em ascensão. Contudo, as mãos também

conduzem às ações degradantes da natureza, carecendo de uma revolução que

transforme por completo o modo de produção existente até hoje que não deteriorize

as fontes naturais de vida e que seja pautada na conservação e na sustentabilidade.

a) Pescaria do Afoga

A pescaria do afoga é feita em noites escuras em áreas que possuem pedras

e tronqueiras velhas de mangue. Geralmente quando a maré começa a tomar conta

desses espaços o peixe vai em busca de alimento. O peixe capturado é a pratiqueira,

tainha (Mugilidae) e o bagre que são asfixiados pelas mãos, “afogando” o peixe.

O pescador deve ter muita habilidade para capturar o peixe usando essa

técnica. A habilidade consiste em equilíbrio, equipamentos adequados nos pés

(sapatos e botas), a utilização de lanterna (ou poronga) e de terçado para cortar o

peixe (se apresentar resistência). A lanterna é utilizada para encandear o peixe e

poder alçá-lo, ver figura abaixo.

Figura 24: Tio Misaco pegando pratiqueira no Afoga

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

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O pescador da imagem fez essa demonstração da Pescaria do Afoga, embora

a maré não tivesse apropriada para tanto, devido a lua está “saindo” no momento da

ação.

b) Pescaria do Cortar Tralhoto

Essa pescaria pode ser feita embarcada e fora da canoa. Captura

especificamente o peixe tralhoto que geralmente nada na flor d’água. Os instrumentos

utilizados na captura é a lanterna ou poronga, terçado ou pedaço de pau em forma de

terçado, cesto ou cofo de palha do grelo de inajazeira (Attelea maripa). Ela é pratica

em noites escuras, na “reponta da maré”46 ou na “ponta d’água”47.

A figura 25 apresenta o pescador se utilizando de terçado, com o fio da lâmina

voltado para ele, pois se cortar o tralhoto com o fio do terçado vai decepar o peixe,

podendo inviabilizar o produto por ter certo teor de amargor na espinha dorsal.

Figura 25: Tio Misaco Cortando Tralhoto

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Essa pescaria não depende de muita coisa, é só não fazer muito barulho pra não espantar o peixe. É fácil, depois que ele fica vesgo da luz é só dar uma porrada devagar que ele fica boiando. Mas tem que ter cuidado se não ele afunda e a gente não acha. É bom quando a gente dar certo com um monte

46 Tio Misaco diz que a “reponta da maré” “é o final da vazante e o início da enchente. A gente conhece por aquelas ‘escumas’ que faz na beirada do tijuco e do igarapé. É quando a maré tá emborcando”, virando. 47 Ainda Tio Misaco esclarece: “ aponta d’água acontece em dois momentos, quase juntos. Quando ela sai (vazante) do igarapé e quando ela entra no igarapé (enchente). É o fim e o começo da maré”.

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dos graúdos. Eles são mais “arisco”, “mergulha” logo (TIO MISACO – Entrevista concedida em julho/2017).

Esta foi outra demonstração rápida que o pescador realizou para perceber a

diversidade de possibilidades de pescar.

c) Pescaria do “Aparpa”

O “aparpa” é uma pescaria desembarcada em que o pescador prende o peixe

com as mãos e põe para dentro do puçá; quando não, ele conduz um espeto de ferro

com uma corda para fazer a enfieira dos peixes capturados. Outra estratégia utilizada

é fazer um buraco na lama para aprisionar o peixe sem que ele se estresse. As

espécies capturadas nessa pescaria é o pacamum e o linguado (Paralichthys

patagonicus) que são peixes que ficam sobre a lama ou enterrados nela.

O período crucial para essa pesca é o lanço48, quando descobre uma extensão

maior de beiradão e em épocas não chuvosas. “Quando chove, a enxurrada lava toda

a lama do beiradão e o peixe desaparece” (TIO MACICO).

Figura 26: Tio Macico com pacamum no puçá

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Julho/2017

O pescador Tio Macico expondo um pacamum capturado com a técnica do

Aparpa, já no final do dia de intensa aprendizagem.

48 A prática dessa pescaria, para Tio Macico, ocorre no período do lanço em que a maré cresce mais e seca mais também. Quando a maré está de baixa-mar, “quase secando é a hora da pescaria”.

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3.4.1.3 Modalidades de pescaria baseadas em armadilhas

As pescarias baseadas em armadilhas constituem aparelhos passivos para a

captura de peixes, pela atração exercida por isca em seu interior ou pela força da

maré. Apresentam baixo custo de operação e podem ser utilizadas por um período de

tempo longo. As cartografias dessas modalidades veremos a seguir.

a) Pescaria de Curral

A pescaria do curral para Moraes (2007, p. 56) “é uma armadilha fixa, em forma

de cerca feita de varas de madeira, armadas em beiras de praias ou bancos de areia,

no meio dos rios ou do mar, com aproximadamente 20 a 30 metros de extensão”,

praticada por poucos pescadores de Pacamorema por considerarem não ter ponto

adequado para a edificação desse instrumento de pesca.

Figura 27: Desenho de Aurelinho Lima na areia da Praia Grande

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Contudo, os pescadores que a praticam, confeccionam seus currais, coletando

material natural das áreas de vegetação na ilha como os mourões, que são fincados

na vertical para dar sustentação a armadilha de curral, os cintados que se articulam

horizontalmente com os mourões para enrijecer a muruada, as travessas para segurar

por cima o depósito para o curral não abrir, as talas de bambú e os talos de palmeiras

para a confecção da espia49 e da parte inferior do depósito, quando este é um cacuri-

49 Espécie de esteira entrelaçadas por cipó (titica ou vermelho) ou por fios plásticos no 2 ou 3, conforme poder aquisitivo do proprietário.

1

2

3

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coração50 (conforme desenho 3 da Figura 27 acima). Quando ele é um meia lua

(conforme desenho 1 da Figura 27) ou um enfia/enfiador (conforme desenho 2 da

Figura 27), a sala e o depósito são feitos de tela51 por apresentarem mais resistência

à força da maré e durabilidade nas alterações de temperatura e exposição a água da

maré e da chuva e ao sol.

Ainda, a Figura 27 demonstra os tipos mais utilizados por pescadores de

Pacamorema da armadilha do Curral: o Meia Lua (1), o Enfiador (2) e o Coração (3)

por conta da forma que cada um possui. Eles têm finalidades diferentes, conforme

correnteza da maré. Quanto mais forte é a correnteza, menos apetrechos o curral

deve ter e mais resistente devem os materiais de sua construção.

Tem vários tipos de curral, mas aqui pra nós o enfiador é o melhor tipo porque

a maré de lanço corre muito e o “Capuera”52 pega dois tipos de correnteza. A primeira é quando a maré começa a vazar que vem daqui do rio da Campina (rio Curuçá) e a segunda, com meia maré de vazante, vem aqui do lado do rio de Marapanim (Cajutuba). E ele não seca. Faz ser lanço ou morta o cara tem que mergulhar pra juntar o peixe (AURIAN PIRES – Entrevista em julho/2017).

Corroborando com essa fala, o pescador Aurelinho, na Figura 28, aponta uma

das direções (Cajutuba) da maré e dá outras especificidades de como o curral pesca.

Figura 28: Neguinho (1), Aurelinho Lima (2) e Jurandir Negrão (3)

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

50 O Cacuri construído pelos pescadores de Pacamorema é uma forma de curral de beira, cuja espia alcança as raízes de mangue, se diferindo do Cacuri descrito por Furtado (1981): “é uma espécie de cesto confeccionado em jupati (Raphia taedigera), com a boca afunilada por onde penetra o peixe sem possibilidade de retorno”. Embora a finalidade de um quanto a de outro seja a mesma: armadiha. 51 Rede tecida de plástico com malhas grandes para impedir que o peixe escape e facilitar a fuga dos peixes miúdos. 52 Nome do Curral porque ele pega tudo e é bom de peixe.

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Além de fazer as ponderações de como se dá a pescaria de Curral destacou

alguns aspectos acerca da demarcação do mesmo para a eficiência na captura dos

peixes, como se observa na fala abaixo:

tudo depende de como ele é marcado. Se a marcação do Curral (Enfia e Meia Lua) for errada, ele não vai pegar peixe nenhum. O peixe entra e sai. O mourão-mestre tem que estar certo com a linha d’água no início da vazante. Se marcar errado, o Curral não presta (AURELINHO LIMA – Entrevista concedida em julho/2017).

Figura 29: Especificações do Curral Enfia

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Podemos observar na Figura 29 acima os elementos que constituem a

construção da armadilha do Curral Enfia (como o Meia Lua e Cacuri-Coração), a

saber: mourão (1), tela (2), travessa (3), cintado (4) e a espia (5). Além disso, ele

possui o aparamento que acompanha a linha d’água e é o que faz o curral pescar, o

peito da sala e do deposito, e depósito ou chiqueiro onde o peixe fica armazenado.

Esse conjunto captura o pescado, cuja construção pode demorar até quatro marés de

lanço dependendo da quantidade de pessoas envolvidas e do maquinário empregado

(motor perfurador ou alavanca53 de ferro manual), pois é nesse período que a área de

construção fica mais rasa (ou seca) o que não ocorre na maré morta.

53 Haste de ferro até 02 metros de comprimento para perfurar solos que contém pedra.

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b) Muzuá

A utilização do Muzuá na captura de pescado está ficando em desuso pelos

pescadores de Pacamorema, por razões similares as ocorridas com a pescaria de

linha de mão: estoque pesqueiro reduzidos, “pontos de pesca (poços) remexidos e os

peixes mais ariscos” (Jurandir Negrão). Essas situações levaram os pescadores

adotaram técnicas cuja produtividade seja maior e que não necessite longas esperas.

Consiste numa armadilha confeccionada com talas, feitas de lascas de uma espécie de bambu conhecida como taboca. Apresenta forma oval, com cerca de um metro de comprimento e abertura nas extremidades laterais, por onde penetram os peixes – principalmente bagres, atraídos pela isca colocadas em seu interior. Essa armadilha é colocada próxima as margens de rios, em locais relativamente profundos, presa ao fundo por estacas fincadas ao leito (MORAES, 2007, 55).

O pescador ilhéu que possui o Muzuá é o Tamuatá, mas por outras atividades

que ele estava desenvolvendo não pode ir pescar demonstrar a técnica. Mas ele

informou que a técnica funciona e que de vez em quando ele “põe o bicho na água”

(TAMUATÁ, julho/2017).

3.4.1.4 Modalidades de pescaria que utilizam instrumentos de emalhar

Os instrumentos de emalhar são mais comuns no cotidiano das pescarias

ilhéus. É através desses petrechos que se consegue capturar quantidades mais

robustas de pescados, por tempos distintos, no inverno e no verão, de dia ou de noite.

No vai e vem das canoas e pescadores, as malhadeiras se fazem presentes.

a) Tapar Igarapé

Segundo Furtado (1993) este tipo de pesca se caracteriza por atravessar com

uma rede o fluxo d’água. Podendo ser classificatória ou predatória, dependendo do

tamanho das malhas da rede que pode proporcionar a escapada de peixes menores.

O pescador José de Arimatéia, conhecido como Tio Zé, proporcionou

momentos de aprendizagens no decorrer da pescaria e reconheceu que já foi

“predador dos rios e igarapés”, matando peixes pequenos e utilizando veneno em sua

prática de tapar/mortalhar igarapé.

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Já usei muito veneno (cunambi e o timbó). O timbó estraga com o igarapé. Quando ele é usado e o bagaço dele é jogado no tijuco, com um tempo, vira tudo lama e afugenta o peixe. Mata o igarapé e estraga rápido o peixe. A barriga do peixe fica mole. O cunambi faz menos mal pros peixe e pro igarapé. Mas agora não uso nenhum dos dois. Só tapo mesmo e o que tiver de ser meu vem pra canoa (TIO ZÉ – Entrevista concedida em julho/2017).

Nesta fala, o pescador Tio Zé retrata cenas de tempos atrás quando ele lavava

a reponta da maré com veneno, causando danos ao ecossistema e, diretamente, se

afetando por conta de ações indevidas. Na Figura 30, ele está esticando a rede de

tapagem, dando início ao processo de mortalhar o igarapé, com a maré secando ou

seca. Após esse momento, ele corta raízes de mangue de 40 cm, dobra ao meio, sem

quebrar, para fazer cambitos54 e fixar a tiradeira inferior da rede no tijuco, com

espaçamento de 02 em 02 metros. A tiradeira superior é conformada com porções de

tijuco sobre ela para a maré não a mover. Na preamar a tiradeira superior da rede é

puxada para, enfim, tapar o igarapé.

Figura 30: Tio Zé Mortalhando o Igarapé Itaquara

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Após a ação de mortalhar for concluída, aguarda a maré baixar/secar para

despescar, como mostra a Figura 31. Essa pescaria é evitada nas marés de lanço por

conta da forte correnteza que pode quebrar a estacada e rasgar a rede de mortalhar.

54 Pedaços de raízes finas do mangue que é utilizado como gancho para prender a tiradeira inferior da rede no barro.

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Figura 31: Rede da tapagem com peixes emalhados

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A escolha do igarapé pra ser tapado/mortalhado depende se ele está com

“sinais de comidia”55 de peixe, visualizados no tijuco56. Estando bom para tapar ele

será mortalhado em uma maré seca e suspenso no cume da enchente da próxima

maré para ser despescado na baixa mar. Portanto, são necessárias duas marés para

a pescaria ser finalizada.

b) Pescaria de Rede Malhadeira

A pescaria de rede malhadeira pode ser realizada por somente uma pessoa ou

por um número maior de integrantes. Na realidade ilhéu, ela não recebe classificação

de malhadeira, pitiuzeira ou qualquer outro tipo de denominação. Ela é malhadeira,

cuja finalidade se difere de acordo com o tamanho do malheiro que chega até ao 40.

Sendo utilizado por alguns pescadores o malheiro 20 para a captura de espécies

menores (FURTADO, 1993).

A malhadeira é um tipo de rede de pesca com tamanho de malha (medida dos entrenós) variável de acordo com o recurso almejado. [...] A técnica é realizada por homens e mulheres (adolescentes e adultos) de forma intencional ou casual para consumo e comercialização. Envolve

55 Tio Zé mostra esses sinais que os peixes deixam quando “mariscam” no tijuco, deixando pequenos marcas: buracos. 56 Tijuco é a matéria orgânica resultante da decomposição de animais e vegetais, acumulados por longo período de tempo. Ele tem aparência escura e possui cheiro próprio, alterado conforme o perímetro: “tijuco duro tem um cheiro, tijuco mole tem outro”.

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conhecimento sobre flutuação do nível da água nos ambientes. (BARBOZA, BARBOZA e PEZUTTI, 2013, p. 646)

Moraes (2007) diz que nessa categoria estão incluídos os tipos de redes que

ficam verticalmente na coluna d’água, onde o peixe é emalhado, podendo ser a deriva,

ao sabor da maré ou fixa por algum objeto no fundo.

Figura 32: Geovane Vale puxando a malhadeira

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Dessa maneira, em pontos de pesca de malhadeira podem ser utilizados várias

formas de uso, dependendo da profundidade e da correnteza da maré. O pescador

fica atento aos engates em paus e pedras no fundo da água. Se ocorrer um engate

desses em período de maré lançante, em que a correnteza é forte, os rasgos na rede

podem ser grandes. Por conta disso, existem locais de pesca específicos para cada

tipo de maré e os pescadores por vivenciarem essa atividade, conhecem onde sentam

a rede, podendo ser de camboa57, bubuia58 ou de aprofundar59.

“Tem marezada que o peixe vem pra gente rápido e tem outras que é difícil

defender da boia. Porque todo dia e toda maré tem gente pescando, aí levam os

nossos peixes” (GEOVANE VALE – Diálogo espontâneo em julho/2017).

57 A camboa é feita em forma de cerco. Nas extremidades da rede podem ficar uma pessoa ou um calão (vara) fincado no barro e o piloto com o redeiro fazem barulho na água para fazer o peixe ir de encontro com a rede e se emalhar. 58 Na Bubuia a rede é jogada na maré e a correnteza a conduz a própria sorte. 59 São amarradas pedras na tiradeira inferior para fixar a rede, impedindo que ela acompanhe o movimento da maré.

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O pescador percebe que o estoque pesqueiro diminui a cada tempo pelo uso

das águas por parte de pessoas que não pertencem a comunidade de Pacamorema.

c) Pescaria de Tarrafa

A pescaria da tarrafa se dá a partir da tessitura de fios de nylon ou de recortes

de panagens de rede com malheiro miúdo em que se põe o acréscimo para que ela

vá se alargando para o fundo, ficando em forma de cone. Outros componentes da

tarrafa são: pano morto, saco, tenso60, corda que é amarrada na “cabeça” e serve de

ligação entre o pescador e o instrumento de pesca para puxar após ela ser lançada,

chumbada que faz ela descer com mais rapidez até o fundo da água.

A intuição, na maioria das vezes, impulsiona o pescador a lançar sua tarrafa na

maré. “Bonito é quando a gente vê o cardume na flor d´água atrás da comidia, da

sardinha ou quando a gente ouve o ronco dos bichões no fundo” (Tio Zé – Entrevista

concedida em julho/2017). No entanto, existem pescadores que possuem o utensílio,

mas não dominam a técnica de tarrafiar, por ser complexa. Outros não conseguem

“abrir” toda a tarrafa n’água.

Além disso, essa técnica merece cuidado por parte dos pescadores. Tanto do

piloto da canoa para não derrubar o companheiro na água, quanto do tarrafiador para

não se envolver em incidentes, como relata o pescador Salmo (Entrevista concedida

em julho/2017):

De tanto engatar a tarrafa no dente pra jogar que está saindo todos os meus dentes. Tem um agora aqui que vou gastar R$ 50,00 mas ele vai sair daí (rsrsrs). Pra jogar a tarrafa tem que dividir o peso. Pra direita é mais e pro outro lado é menos, daí faz o caquiado assim (demonstra como jogar a tarrafa). O seu “Neva” ainda puxa pra cá... e leva pra cá e retorce, mais do que quando o cara tá dançando. Eu só faço assim, pego e lá vai.... pá porra!

A forma de jogar a tarrafa é variável, uns “jogam de bolso” com os dedos, outros

jogam retorcida que ajudados pelo impulso do corpo a tarrafa cai mais aberta na água.

A destreza no uso do aparelho também é, ainda, fator de prestígio, se é ‘jogada no dedo” (mais hábil) ou nos “dentes”. [...]. Ela é uma pescaria individual, não podendo outra pessoa tirar o peixe que atrapalha (quando a pesca é feita embarcada). Essa individualidade não deve ser confundida, no entanto, com isolamento, pois ela se exerce sobre o universo comum, limitado

60 Pedaço de linha fixada na corda da “boca” da tarrafa suficiente para dar o formato de saco.

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pelas representações coletivas em que se constitui o conhecimento do grupo (LIMA e PEREIRA, 1997, p. 95).

Na figura abaixo, o pescador Tio Zé está tarrafiando no córrego para capturar

peixes da tapagem, e ao fundo existe o cerco com uma rede menor para impedir que

os peixes subam à cabeceira do Igarapé. Esta prática Moraes (2007) informa que é

realizada quando há um cardume cercado por redes, serve para desbastar os peixes

presos.

Figura 33: Tio Zé tarrafiando para a despesca da tapagem

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Moraes (2007) escreve o que é vivenciado na realidade dos pescadores ilhéus,

bem como Lima e Pereira (1997) ao considerar que a pescaria da tarrafa não é uma

ação isolada, ela perpassa pelo coletivo, pela ajuda mútua e pela divisão em quinhões

do peixe capturado. Ajuda esta se deu no momento da despesca da tarrafa que estava

cheia de peixe gó, bagre, pacamum, raias e outras espécies.

A cada hora a mais que passasse corria-se o risco de estragar o peixe porque

eles ingerem água com lama e ficam todos “embriagados”, causando morte dos mais

fracos (gó, corvina e pescada).

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Figura 34: Tio Misaco tarrafiando

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A figura 34 acima é o registro do momento em que o pescador está puxando a

tarrafa para saber se tinha peixe preso.

“Se o Tio Misaco não jogasse a tarrafa não ia saber que tinha peixe no igarapé. Já ia recolher a rede. Nem pular, pulou. Vim mortalhar aqui porque o Maciel disse que anteontem tinha muita pratiqueira comendo, mas hoje não deu nada de pratiqueira, só umas miudinhas. Agora dar pra chegar na Enseada. Já tem marreteiro esperando” (TIO ZÉ – Entrevista concedida em julho/2017).

Dessa forma foi possível acompanhar essa pescaria de tarrafa. Contudo, a

tarrafa é utilizada, também, na captura de camarão cuja safra ocorre no período do

verão amazônico. Vale frisar que existem tarrafas tecidas de nylon e plástico, de

diversos tamanhos (medida em palmo) e para variadas finalidades que vai de captura

de isca à captura de pescado para alimentação e comercialização quando é possível.

d) Pescaria do Aparo

A pescaria do aparo é uma sub-pescaria da tapagem por ela consistir em aparar

os peixes que pulam acima da tiradeira superior da rede de tapagem. Essa

modalidade de pesca vem ganhando aspectos de inovação. Tempos atrás ela era feita

com a canoa paralela à rede, amarrada a muruada da tapagem. Ao saltar, peixe

poderia cair ou não no porão da canoa. Como havia pouco aproveitamento desses

peixes saltadores, adotou-se uma vela de rede paralela a canora para fazer a

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cobertura de um espaço maior. Ultimamente a inovação foi além disso: estica-se uma

rede malhadeira sobre a rede de mortalhar, com um bolção para aprisionar o peixe

que saltar, como podemos observar na Figura 35.

Figura 35: Os pescadores Tio Zé e Giovane Bentes armando a aparadeira

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

O pescador Tio Zé (Diálogo espontâneo julho/2017) afirma: “algumas vezes o

Aparo pega muito peixe. Já peguei até 30 kg de pratiqueira só aparando. Quando é

assim eu nem despesco o igarapé, tiro a rede e vou embora pra casa, até porque o

peixe que a gente apara é melhor pra vender”.

Dessa forma a pescaria do aparo captura todos os peixes que não conseguiram

sair pela malha da rede de tapagem e tentariam fuga saltando. Contudo, existem

espécimes que procura refúgio nas cabeceiras desses igarapés, bastando apenas um

fio de água para aguardar a maré enchente.

Nós, seres humanos, temos a peculiaridade de fixar metas e objetivos para nós mesmos, porque somos capazes de aspirar a ser. Nessa busca, podemos associar-nos a outros para realização de metas, ou porque ultrapassem nossas possibilidades pessoais, ou porque se refiram a aspectos que concernem ao grupo ou à coletividade (SACRISTÁN, 2002, p. 131).

A cooperação no trabalho resulta em objetivos capazes de satisfazer a intenção

inicial, a aspiração e aquilo que se propôs buscar, ora individual, ora coletivamente.

Independentemente da modalidade de pescaria que se pratique, essa busca é

constante, assim como é constante a dimensão da aprendizagem e os processos que

ela ocorre.

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e) Pescaria do Salto

Tratando-se do enfoque central desta pesquisa, abordarei esta modalidade de

pescaria na seção a seguir, delineando os saberes e os processos educativos que

perpassam no cotidiano dos intelectuais nativos envolvidos nessa prática.

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4 “LÁ VAI O PESSOAL DO PACAMOREMA”: A PRÁTICA EDUCATIVA DA PESCARIA DO SALTO

Nesta seção analiso posicionamentos, relato de vivência e de práticas dos

pescadores e, bem como registros de observações dos fazeres da comunidade no

decorrer da pesquisa de campo, e na medida do possível relacionando-os aos

referenciais teórico-conceituais que a perpassaram e me fizeram chegar nos

resultados que apresentarei adiante.

Considero que a prática educativa da pescaria do salto se funda e perpassa os

diversos aspectos que envolve esse trabalho, tais como: as estratégias, os métodos,

as técnicas, o diálogo existente entre os pescadores, os recursos materiais, as

avaliações e as reconfigurações, bem como os saberes que a envolve. Todas essas

dimensões estão presentes no saber-fazer dessa pescaria, na história de vida e

cultura das pessoas que a praticam.

As práticas de trabalho que se inscrevem na experiência e vivência desse grupo

de pescadores constituem-se em processos de aprendizagem por meio de uma

educação vivenciada no dia-a-dia, dando significado à vida, transformando-se em

cultura e o homem em ser humano, pois para Brandão (2002, p. 23)

O trabalho de transformar e significar o mundo é o mesmo que transforma e significa o homem; é uma prática coletiva. É uma ação socialmente necessária e motivada e a própria sociedade em que o homem se converte para ser humano é parte da cultura, no sentido mais amplo que é possível atribuir a esta palavra.

A partir de Brandão (2002) verifica-se que a práxis ontológica se assenta como

o elemento essencial na constituição do ser humano. É o elemento que o fez ser o

que é hoje, não como mera atividade prática elaborada pela consciência humana, mas

sim como atividade material do ser humano social, geradora de cultura que, para

Freire (1987), é histórica e social, e se apresenta como o trabalho.

O entendimento dessa atividade humana está atrelado ao fazer, transformando

seu meio e se autotransformando, se recriando, que na luta pela sobrevivência esses

pescadores modificam suas condições sociais de vida, permeando-se ao coletivo.

Para Ingold (2010) esse processo de recriar demanda de aprendizado por

redescobrimento dirigido, que é transmitido mais corretamente pela noção de mostrar.

Mostrar alguma coisa a alguém é fazer esta coisa se tornar presente para esta pessoa,

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de modo que ela possa apreendê-la diretamente, seja olhando, ouvindo sentindo ou

envolvendo todos os sentidos ao mesmo tempo, como completude de aprendizado.

Sendo resultado de aprendizados, a pescaria do salto identifica esse grupo de

pescadores por ser uma atividade peculiar daquela comunidade, que se evidencia

como uma marca reluzente nas águas em noites escuras, em busca de pescado “de

qualidade”, e identifica territorialmente seus pescadores em relação aos de outros

locais, que assim os reconhecem: “lá vai o pessoal do Pacamorema”.

Poxa, querido, de manhã cedo quando vou levar lá no Caratateua61 encontro com amigos meus que são pescadores e eles perguntam se era eu que estava pescando, sim, porque viram canoas saltiando, cheia de luz na maré. (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho de 2017).

Ainda que se tenha a possibilidade de comparar essa pescaria com as luzes

da cidade, é possível se reconhecer, tal como Silva (2007, p. 02), que se configura

como uma atividade que envolve uma combinação lógica de diversas práticas sociais

da vida cotidiana, uma vez que, quase sempre, é praticada de forma consorciada com

outras atividades, como a agricultura, a caça e mercearias.

Das vivências e experiências com a questão religiosa resulta no comparativo

de várias canoas saltiando, com suas porongas, a trasladação dos círios e

festividades, com as luzes se sobressaem à escuridão da noite. Essa imagem torna-

se visível na figura abaixo, onde as porongas reluzem nas águas da maré.

Figura 36: Luzes das porongas refletidas na maré

Fonte: Arquivo do pesquisador/2017

61 Caratateua: Comunidade próxima a Pacamorema que é passagem terrestre a outros locais.

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Para o pescador “seu” Antônio, as luzes das porongas assumem a estética do

belo, em contraste com a escuridão, refletidas nas ondulações das águas e tornadas

ferramentas/instrumentos na captura dos peixes que saltam e até daqueles que

aparentemente não saltam (pacamum e bodó).

O bonito é ver quando cinco ou mais canoas estão saltiando, emparelhadas. Aí se enxerga de longe a claridão da luz. Como se fosse uma procissão, um círio. Fica igual a uma cidade, toda iluminada no meio do rio e os [outros] pescadores ficam admirados com aquilo e dizem: “Lá vai o pessoal do Pacamorema!”, porque é bonito de se ver e eu gosto dessa virada. Sou apaixonado por essa virada. O meu filho Deco não gosta, já meu filho Ney, ah, esse gosta muito. Essa é uma pescaria pra quem gosta. Isso é tão bonito, meu preto! (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho de 2017).

Além dessa comparação com a vivência religiosa local, os pescadores também

destacam em suas narrativas outra dimensão que permeia a prática da pescaria do

salto, que é capturada pela sensibilidade do ouvir, ao fazerem correlação com uma

das atividades da prática de fazer farinha no contexto da agricultura familiar, no caso

o fazer farinha de tapioca, que emite um som do “espocar” dos grãos no forno,

segundo a observação dos pescadores se assemelha ao saltitar dos peixes, quando

em cardumes.

Quando a gente acerta no cardume, é tanto peixe pulando que parece tapioca espocando (tcha, tcha, tcha,..). Nessa hora o cara não pode vacilar. Quando o peixe pula, acerta todo quanto é parte do corpo. O mais perigoso é no “zolho” e na boca do estômago e até ser espetado por um timucu (peixe-agulha) (JURANDIR – Entrevista concedida em julho/2017).

O peixe timucu é uma das maiores preocupações enfrentadas pelos

pescadores e relevada pelo pescador Jurandir, pois além da força exercida pela

velocidade do salto ele apresenta uma dose maior de perigo por conta de seu “bico”

pontiagudo, em forma de agulha, como podemos observar na figura abaixo.

Figura 37: Timucu (peixe-agulha)

Fonte: Google – abril/2017

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Da vivência em campo, percebe-se que as relações da pesca com outros

fazeres (religiosidade e casa de forno) se dá pela experiência acumulada no passar

dos dias, na vida, pois como para Bondía (2002, p. 21),

a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça.

Pautados em suas experiências de trabalho na pescaria, os pescadores do

salto seguem rituais que perpassam essa prática, que vai da preparação dos utensílios

(poronga, vela, aparadeira) na canoa até o sair da lua ou do sol, dependendo da maré,

quando termina a “virada”. Nesse interim, entre a saída e chegada ao porto muitas

ações estão entrelaçadas. Ritos que se renovam a cada expectativa de uma

“maresada boa”62.

No contexto dessa dinâmica ritualística, conforme Peirano (2010), vários

saberes são acionados e relacionados ao ato de pescar, que a priori são simples e

fáceis, mas quando colocados em prática ultrapassam essa simplicidade e tomam

características de um engendramento complexo e desafiador. Visto que para o

desenvolvimento dessa prática requer planejamento na execução, partindo da

confecção das ferramentas até a técnica utilizada na pescaria.

4.1 A PESCARIA DO SALTO E OS SABERES QUE ORIENTAM O SEU RITUAL PEDAGÓGICO

A pescaria do salto é praticada em noites escuras, seja na enchente ou vazante,

maré de lanço ou morta, inverno ou verão, desde que a chuva e o vento não apaguem

a poronga e a escuridão extrema não conduza os saltiadores, termo muito usual pelos

pescadores do salto fazendo referência aquele que pratica a pescaria do salto, ao

encontro de galhadas de árvores de mangue onde suas “velas” e aparadeiras possam

se entrelaçar, conduzindo canoa, peixes e pescador ao fundo do mar.

Para a realização dessa atividade, verifica-se que a percepção dos fazeres dos

pescadores se correlata com conceitos discutidos nos centros acadêmicos e nos

meios de educação estruturada e organizadas por leis, decretos e portarias

institucionalizadas, mas comporta uma pedagogia que se difere enquanto conteúdos

62 “Maresada boa” refere-se ao sucesso de captura de peixes no decorrer da pescaria.

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e práticas. Saberes estes que estão representados por uma pedagogia pautada na

vivência e na experiência do cotidiano desses pescadores.

Durante a história social da humanidade a prática pedagógica existiu [...], mas imersa em outras práticas sociais anteriores. Imersa no trabalho: durante as atividades de caça, pesca e coleta, depois, de agricultura e pastoreio, de artesanato e construção. Ali os mais velhos fazem e ensinam e os mais moços observam, repetem e aprendem (BRANDÃO, 2006, p.10).

Essa prática pedagógica, apresentada acima por Brandão (2006), não se fecha

a um prédio, a professores, livros, alunos, fardas, internet e carteiras; mas de uma

educação ampla, analogamente, cuja escola é a roça, o mar, rios e igarapés; os

seminários são as trocas de experiências; a caneta são os cabos de remo, de enxada

e ferros de cova e o resultado disso tudo, é a garantia do sustento à vida, num

horizonte que o hoje é mais importante que o planejamento para daqui a dois, três ou

quatro anos. Embora tenha percebido que a carga de esperança em tempos e vida

melhor esteja arraigada à descendência em desenvolvimento.

Dessa forma, educação proposta por Brandão (1995), se dá mediante ao

convívio social, no partilhar da vida com o outro, independentemente do lugar onde

esteja ocorrendo esse convívio e os intelectuais nativos são partícipes desse processo

educacional, pois os costumes, os princípios, regras de modos de ser, são fixados em

leis escritas ou não.

Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações (BRANDÃO, 1995, p. 7).

Esse processo pedagógico e educativo foge a paradigmas e parâmetros

curriculares. Está relacionado à vida, a história, ao fazer, ao observar fazer, as

tentativas e erros, ao não encaixotamento de ideias, de práticas. A ampliação do

conceito, admitindo-se como “educações” por ir além de classes e de formas.

O pescador Giovane Bentes (Entrevista concedida em julho de 2017) afirma

que aprendeu a pescaria do salto com seu sogro Zé: Quem me ensinou a pescaria do

salto foi o meu sogro, depois que cheguei aqui, há uns dois anos. Gostei de pescar

porque a gente só pega quase um tipo de peixe, a puá.

Nesse mesmo viés, Libâneo (2002) apresenta a educação como um fenômeno

plurifacetado, ocorrendo em muitos lugares, institucionalizado ou não, sob várias

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modalidades, sem pretender esvaziar o sentido de educação, mas potencializando

para demonstrar que ela é realidade nos contextos diversos.

Em várias esferas da sociedade surge a necessidade de disseminação e internalização de saberes e modos de ação (conhecimentos, conceitos, habilidades, hábitos, procedimentos, crenças, atitudes), levando à práticas pedagógicas. Mesmo no âmbito da vida privada, diversas práticas educativas levam inevitavelmente a atividades de cunho pedagógico na cidade, na família nos pequenos grupos, nas relações de vizinhança (LIBÂNEO, 2002, p. 27).

Nas práticas educativas que ganham formato de atividades pedagógicas, a

comunicação e a interação estão associadas entre os membros de um grupo social

ao partilhar e assimilar saberes, habilidades, técnicas, atitudes, valores existentes no

meio culturalmente organizado, podendo reconfigurar esses saberes, técnicas, valor

e territórios conforme seus novos interesses e/ou necessidades.

Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que aprendemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação (FREIRE, 1997, p. 50).

Percebemos uma certa dualidade referente a educação formal e não-formal.

Para clarificar ainda mais esses conceitos Gadotti (2005) nos mostra que a educação

formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas

escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como

o currículo, com estruturas hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível

nacional, com órgãos fiscalizadores dos ministérios da educação. A educação não-

formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática e que os programas de

educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e

hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder

certificados de aprendizagem.

Toda educação é, de certa forma, educação formal, no sentido de ser intencional, mas o cenário pode ser diferente: o espaço da escola é marcado pela formalidade, pela regularidade, pela sequencialidade. [...] A educação não-formal é também uma atividade educacional organizada e sistemática, mas levada a efeito fora do sistema formal. Daí também alguns a chamarem impropriamente de “educação informal”. São múltiplos os espaços da educação não-formal. Além das próprias escolas (onde pode ser oferecida educação não-formal) temos as Organizações Não-Governamentais (também definidas em oposição ao governamental), as igrejas, os sindicatos, os partidos, a mídia, as associações de bairros, etc. Na educação não-formal,

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a categoria espaço é tão importante como a categoria tempo. O tempo da aprendizagem na educação não-formal é flexível, respeitando as diferenças e as capacidades de cada um, de cada uma. Uma das características da educação não-formal é sua flexibilidade tanto em relação ao tempo quanto em relação à criação e recriação dos seus múltiplos espaços (GADOTTI, 2005, p. 02)

A educação para Gadotti (2005), nessa perspectiva, assume a dimensão de um

conceito amplo, muito associado ao conceito de cultura. Daí ela estar ligada

fortemente a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos e

à participação em atividades grupais, sejam esses adultos ou crianças.

A educação não-formal, para Gohn (2005) designa um processo de formação

para a cidadania, de capacitação para o trabalho e de organização comunitária, pois

ela engloba toda sorte de aprendizagens para a vida, a arte de bem viver e conviver.

Na educação formal estes espaços são os do território das escolas, são instituições regulamentadas por lei, certificadoras, organizadas segundo diretrizes nacionais. Na educação não-formal, os espaços educativos localizam-se em territórios que acompanham as trajetórias de vida dos grupos e indivíduos, fora das escolas, em locais informais, locais onde há processos interativos intencionais (a questão da intencionalidade é um elemento importante de diferenciação). Já a educação informal tem seus espaços educativos demarcados por referências de nacionalidade, localidade, idade, sexo, religião, etnia etc. A casa onde se mora, a rua, o bairro, o condomínio, o clube que se frequenta, a igreja ou o local de culto a que se vincula sua crença religiosa, o local onde se nasceu, etc. (GOHN, 2005, p. 29).

Neste caso estudado, vislumbro essas interfaces de significados da educação,

de educações, no contexto da Comunidade de Pacamorema que convive

pacificamente com isso e sem se perceber, cujos seus moradores são produtores de

educação, de cultura, em seu cotidiano de trabalho. Pois, para Brandão (2002), a

cultura está relacionada ao produto do trabalho e não propriamente como

subordinação do trabalho, assim como ela se relaciona a história e a dialética na

relação homem natureza e dos homens entre si, criando a cultura e fazendo a história.

Com isso, os pescadores de daquela comunidade ao criarem e recriarem seus

petrechos de pesca, demonstram que a educação está enraizada desde as práticas

de seus antepassados ou por seus contemporâneos, pois essa relação de

aprendizado continua a existir entre as pessoas envolvidas na pescaria do salto e nas

adaptações feitas por cada um deles em seus instrumentos.

Dessa forma, a pretensão desta discussão não é suprimir ou sobrelevar um tipo

de educação ao outro, mas conhecer melhor suas potencialidades e harmonizá-las

em benefício de todos e, particularmente, dos intelectuais nativos participantes desta

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pesquisa e de toda a comunidade a que eles pertencem, mostrando que aquele local

é palco de diferentes educações.

Nessa perspectiva, esta pesquisa intitulada “Cartografia de Saberes e

Processos Educativos” evidencia os saberes locais dos pescadores do salto, que na

realidade são saberes que compreendem temáticas discutidas no âmbito educacional,

como forma de ir além da formalidade institucional e permear as condições concretas

do cotidiano, social e histórico; uma nova pedagogia que cada vez mais se difunde, e

aprimora e ganha robustez no campo acadêmico. Embora possuam, segundo Basílio

(2006), diferenciações significativas nos âmbitos epistemológico, ontológico e

filosófico daquelas desenvolvidas somente no campo escolar.

Para discorrer na questão dos saberes observados fez-se imprescindível

observar, escutar e vivenciar a tradição dessa cultura autóctone, conciliando o teórico

conceitual (cientifico) e os aspectos culturais locais, almejando resgatar esses

saberes, valorizando-os sobremaneira como resistência e adequando-os aos avanços

imprimidos na realidade estudada, bem como a relação com a natureza.

Dos saberes relacionados à natureza enfatizo as falas do Maçarico e Salmo,

pescadores e agricultores de roça de mandioca, demonstrando seus entendimentos a

partir da relação com a natureza, bem como sua importância para a manutenção de

suas vidas e das vidas de suas descendências.

Da natureza provém a nossa vida. Por exemplo, Deus deixou como o manguezal, a floresta. São coisas importantes que através da natureza descobrimos muitas coisas e que essas coisas são importantes pra nós viver (ALOIZIO BLANCO “Maçarico” – Entrevista concedida em julho/2017).

Eu acho que a natureza é uma coisa muito importante pra nós. Porque é através dela que nós vivemos e depende a nossa alimentação. É através dela que tiramos o nosso sustento da pescaria, da lavoura da roça e das muitas coisas que a gente precisa. Tudo vem da natureza (SALMO – Entrevista concedida em julho/2017).

A busca pela valorização dos saberes locais não é iminentemente novidade e

aqui está entrelaçada com a natureza, mas que toma um cunho recente nas questões

educacionais amazônicas como forma de evidenciar e se tornar científicos quando

comprovados com base em conhecimentos já aceitos academicamente, cujo objeto

se apresente epistemologicamente fundamentado.

O termo “saber” significa, em primeira mão, ter conhecimento. No sentido fenomenológico, conhecer é ter consciência de alguma coisa, é apreender o

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objeto, é captar os fenômenos em suas diversas manifestações. No ato de conhecer se estabelece uma relação entre o sujeito e o objeto. O sujeito apreende as qualidades do objeto e o objeto com a sua passividade deixa-se conhecer. O objeto é a coisa que se pretende conhecer, seja ele material, cultural, ou espiritual e humano (BASÍLIO, 2006, p. 24).

Desse modo, o discurso sobre os saberes é embasado na etnografia de Geertz

(1997) enquanto descrição da cultura tradicional autóctone, campo de sua

disseminação e enraizamento, descrevendo o modus vivendi e o sentido dado à vida.

A etnografia funciona à luz do saber local, pois as formas de saber são sempre e inevitavelmente locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros e [...] através de uma série de formas simbólicas facilmente observáveis, um repertório elaborado de designações (GEERTZ, 1997, p. 10 e 95).

Nesse permear de significações adentramos à pesca do salto e suas origens

enquanto prática revelada pelos intelectuais nativos envolvidos nesta pesquisa.

Eu iniciei a pesca do salto através de um amigo meu, né. Aí ele me convidou pela primeira vez pra ir saltiar. Hoje em dia ele já faleceu, que foi o Cuia. Aí ele me convidou: preto vumbora dá uma volta no salto? Aí eu falei: nunca saltiei. Ele disse: é a coisa mais fácil que tem. Aí eu disse: será? Então eu disse: coloca a vela e a aparadeira pra mim, que é mais difícil. Aí eu fui. Achei bom e é uma pescaria maravilhosa, graças a Deus. A gente rema muito, batalha muito. A gente vai longe mesmo. Tem vez que pega, tem vez que num pega. Quando a gente pega não sente aquela canseira. Aí na outra noite convidei ele... (TUXI – Entrevista concedida em julho de 2017)

Portanto, pescaria do salto é o palco onde os atores fazem as suas construções

culturais, caracterizando sua vivência e convivência com o universo dos saberes sobre

a confecção dos instrumentos como a vela e a aparadeira, a canoa, o remo, o esgote

e o cesto, o ouvir, o falar, o ver e o movimento do equilibrar-se na canoa, do remar e

as dinâmicas das marés, da lua, dos ventos, cartografados a seguir.

4.1.1 Saber técnico no confeccionar instrumentos da pescaria do salto

4.1.1.1 A vela e a aparadeira

O uso da canoa a vela foi difundido desde o tempo das grandes navegações

(Amado, 200 e Boxer, 2002) em que Portugal buscava se apossar das “terras Vera

Cruz” como propriedade sua, e outros países como Inglaterra, Espanha e Holanda

realizaram feitos semelhantes colonizando outros povos.

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A importância da vela se dá para movimentar as embarcações, que serviam

para o desenvolvimento de diversas atividades existentes: transporte de pessoas,

bens materiais, gêneros alimentícios e, inclusive, para a pescaria.

Todas essas atividades que utilizavam velas nas canoas, elas continuam a

existir nos rios e na Amazônia, em particular, a diferença notável está na supressão

das velas, uma vez que o motor de centro de pequena ou grande cavalagem/potência

ou as rabetas, que substituíram aquele instrumento, levando ao quase iminente

desaparecimento usual no cotidiano dos rios, com raras exceções visíveis em locais

de pesca, e de outras práticas, como é o caso do esporte das canoagens, cujas velas

assumem um formato mais industrial e distinto.

O motor substituiu de uns tempos pra cá o colorido velame que empurrava essas esguias embarcações pela costa do Norte, desde Belém até Oiapoque, numa época em que o abastecimento do comércio da cidade fronteiriça não contava com a BR – 156 nem com os possantes barcos que agora levam mercadorias para os oiapoquenses. O trecho oceânico de uma viagem Belém/Oiapoque, numa canoa à vela, era coberto em 6/8 dias, dependendo da direção e da intensidade do vento. O vento geral era o que facilitava mais o deslocamento da embarcação porque vinha do oceano para a terra. Enchia a vela, dava boa velocidade e fixava a direção da canoa, no rumo Norte (se ia para o Oiapoque) ou Sul (se voltava para Belém). Quando o vento era terral, quer dizer, quer dizer, soprado da terra para o oceano, em determinados momentos havia a necessidade de bordejos em direção à margem. E se o vento vinha do Norte (ou Sul) tanto poderia favorecer como

obrigar o bordejo da canoa. Dependendo para onde ela ia (PENNAFORT, 2012, p. 01).

As lembranças das histórias contadas por meu pai Henrique (in memorian) a

bordo de conoas grandes, à vela, que percorriam distâncias consideráveis (Igarapé-

Míri à Viseu) vendendo mercadorias diversas como: telhas, potes, madeiras, boca de

fogão de barro, mel de cana-de-açúcar em lata e comprando farinha, peixe salgado,

caranguejo, e se abastecendo de água potável pelas “paradas obrigatórias” à espera

da maré adequada. Nessas viagens, segundo ele, foram vivenciadas diversas

situações de perigo. Uma delas experimentei quando de “passagem” da praia à

cidade, com enjoos e vômitos, remontando a sensação de perigo e as intempéries de

causadas por essa modalidade de transporte.

Viajar numa canoa à vela obriga o cara a ter paciência. A viagem é sempre movimentada, mas se a canoa não estiver a favor da maré e a ventania for vasqueira, tem que fazer zig-zag (bordejo) até chegar onde quer”. No mar o cara pode ser tudo, menos molenga, medroso ou frouxo, porque tem um bocado de provação quando a gente está no mar (AURIAN – Diálogo espontâneo em julho/ 2017).

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A adversidade do navegar à vela (Figura 38) que depende exclusivamente do

tempo do rio e disponibilidade do vento, se põe às muitas navegações motorizadas

que são dotadas de instrumentos (radar, sonar, etc) para facilitar, tornar segura e

confortável a viagem. Na navegação não-motorizada, à vela, com a baixa da maré e

escassez do vento, o embarcado apela para o misticismo, como é a prática de

assoviar para chamar o vento e quando ele não aparece a única alternativa é fundear63

a canoa para aguardar a melhora do tempo e a maré encher para seguir ao destino.

A canoa à vela ainda é utilizada para o trabalho da pescaria e locomoção de

mercadorias de um lugar para outro, garantindo o abastecimento em locais distantes

daqueles que a circulação de mercadoria é mais frequente.

Figura 38: Canoa a vela

Fonte: Elaboração própria – Mar./2018

Esta abordagem sobre as canoas à vela se fez necessário para entendermos

que a categoria empírica “vela” caracteriza um dos principais instrumentos da pescaria

do salto. Porém, neste caso, a vela não se faz de tecidos, mas por rede de emalhar,

que é presa em “vergas”64, como nos mostra abaixo Geovane Vale – Figura 39.

63 Lançar o ferro ou âncora ao fundo do rio para aguardar o melhor momento de seguir viagem. 64 Hastes em madeira que dão sustentação as extremidades da rede e são fixadas na popa e proa, cada uma delas, respectivamente.

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Figura 39: Geovane Vale apresentando a “vela” e a aparadeira

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A “vela” é estendida na horizontal e a aparadeira – outro importante instrumento

da pescaria do salto – é colocada na lateral da canoa, fixada na “vela”, “trabalham

juntas”, de forma que haja maleabilidade no manuseio da aparadeira a partir de um

cabo plástico para servir de corda afim de puxar a haste inferior quando o peixe fica

preso no “saco” (rede não esticada). O tamanho da “vela” e da aparadeira é dado pelo

do comprimento da canoa, tal qual a vela utilizada para movimentar a canoa sobre as

águas. Essa apresentação é feita pelo pescador Daio.

Figura 40: Daio fazendo a apresentação dos utensílios da pescaria do salto.

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Aparadeira

Vela

Poronga

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Verifica-se que a “vela” é um dos instrumentos da pescaria do salto, atividade

própria dos pescadores ilhéus de Pacamorema. “Em toda a região do Salgado só é lá

que existe (CLAUDIONOR GALVÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

Os utensílios da pescaria do salto, segundo o pescador Daio, figura acima, são

estes: canoa, remo, poronga (lamparina fixada na popa da canoa e protegida por uma

placa de lata ou alumínio para não queimar a rodela da popa), vela e aparadeira.

O recorte temporal definidor de início da pescaria do salto é improvável, bem

como a criação de todos esses utensílios apresentados pelo pescador Daio. No

entanto, evidencia-se abaixo na fala do Sr. Claudionor Galvão, a necessidade da

criação de um dos instrumentos utilizados atualmente: a aparadeira. Para tanto, foi

necessário a observação do movimento dos peixes e a percepção do aprimoramento

dos mecanismos de pesca.

Não há uma data que possa definir o início da pescaria do salto no Pacamorema, vem dos antigos. Ela era praticada somente com a vela, não existia a aparadeira. Acontece que eu e o compadre Joaquim nos se unimo pra ser parelha de pesca. Tá? Nós nunca demo uma errada porque nos tinha o conhecimento. Quando foi um dia, ainda não existia esse nylon, uma noite, nós fomo ali no Araquaim (rio), topemo muito peixe. Pulava muito peixe. Mas achei que ali, pra nós fazer uma vantagem de duzentos, trezentos quilo, nós tinha de ter um aparelho adequado. Ai eu peguei a vela que vai de comprido com o casco que pega a tainha que pula de atravessado e coloquei na popa da canoa dele e da minha. Mas deixa está que as duas pontas ficaram aberta, do casco. Então eles tinha de fechar ou abrir e não tinha “escondição”. Ela só teria “escondição” se fosse o seguinte: se tivesse uma vara lá na proa duma canoa pra outra pra ela não fechar no lance, e na “porpa” também a mesma coisa porque só a vela não ia resolver. Eu disse pra ele: olha, amanhã eu vou

no Mario Natividade65. Vou fazer uma invenção, eu vou comprar quatro “carrretér” de linha dois zero e vou fazer uma aparadeira. Aí eu fez. Comecei a tecer. Aí convidei ele, fomos embaixo de uma mangueira e tudo, fazendo a experiência, coloquei o acréscimo. Ela abria com cinquenta malha assim, e ela seguia assim. A verga de nossa aparadeira tinha quinze “parmo”, três metro. Então aqui na proa tinha de ser uma vara, pra rede, de geniparana que ela verga muito. Então ela batia no pau, ela seguia e quando ela passava do pau ela “vortava” e aqui a gente defendia pouco. Aí eu fez a aparadeira. Aí nos fomo tirá, lá no mato do Zé Negrão, duas varas de envira preta, que é leve, direita, tiremo, e uma pra popa, pra sustentar a vela, pra não vergar, nem pra trás, nem pra frente, ficar naquela posição, que tinha de ficar caída mais pra trás um bocadinho. Aí fomo fazer o teste, sequemo a “canua”, enfiemo tuda as malhas de cima, de baixo, aqui, ajeitemo, fizemos os moitão, como se diz: tuda vela tem moitão, né? Canua grande ou montaria, tem moitão. Fizemos o pé de fio pra engatar a verga de cima ali e ali nos engatemo. Aí nós colocamos o quê? A puxadeira de cima, em uma certa parte, que a gente puxava aqui e vortava. Colocamos nessa vela, nessa aparadeira, o amantilho iguar amantilho de canoa grande ou montaria, né, quarquer coisa puxa, né, e ela sobe né. Então fumos fazer o teste, a primeira vez. Fumos no Arseni (ponto de pesca), quando cheguemo no Arseni, então

65 Mario Natividade: proprietário da Cassa Natividade que era um comércio, tipo armazém, sortido de tudo enquanto.

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tinha um tuco assim, então a gente passava a mão e subia e quando passava a gente descia. Então a tainha que vinha de cumprido pulava pra cá pra trás ficava, batia e a verga ia pra trás e ensacava, era um “parmo” de saco e a que vinha de trás batia aqui e também ensacava. Uma ensacava pra esse lado e a outra pro outro lado. Quer dizer que o nosso projeto valeu. Nessa maré nós matemo trezentos e sessenta quilo de tainha pra melhor. E hoje no Pacamorema, essa invenção, que foi eu quem inventei, não tem um que vá pra beira sem a aparadeira, pra apará tainha e puá. Então a tainha, ela dá no salto, tá certo, mas se não levar aparedeira perde a pescaria porque o peixe pula mais de comprido com a canua. Enquanto uma pula de atravessado, duas pulam de comprido (CLAUDIONOR GALVÃO – Entrevista concedida em julho/2017)

No trecho da fala do pescador Claudionor Galvão, que inclui diálogo que trava

com parceiros, em entrevista concedida sobre a pescaria do salto e o uso das

tecnologias na criação de novos instrumentos para melhor adequar nessa prática de

trabalho e tornar mais eficiente e rentável a captura de peixes, observa-se o

emparelhamento com os instrumentos utilizados em canoa à vela, evidenciando que

a partir desse tipo de navegar se originou os instrumentos essenciais para essa prática

de pescaria: “vela” e aparadeira.

A “invenção” do utensílio aparadeira, além de ter passado pela observação

empírica, a partir da “experiência” de trabalho, das tentativas insucedidas em adequar,

adaptar e aprimorar os materiais já existentes, os erros se fizeram presentes e a

persistência o fez criar novo apetrecho, demandou de um “projeto” mental que aos

poucos foi ganhando forma e tomando o seu lugar como indispensável entre os outros

instrumentos, melhorando sua forma de agir, facilitando a captura de peixes durante

a pescaria.

Essa inovação social que através de uma tecnologia criadora, tornou-se um

elemento fundamental para o desenvolvimento da pescaria do salto, potencializando

e garantindo maior produtividade e retorno financeiro ao pescador, bem como esse

experimento encontrou cenário ideal para essa inovação se manifestar.

O conceito de inovação social está ancorado no pressuposto apontado por

Santos (2005, p. 32) “a profissionalização do conhecimento é indispensável, mas

apenas na medida que torna possível, eficaz e acessível a aplicação partilhada e

desprofissionalizada do conhecimento. Esta co-responsabilização contém na sua

base um compromisso ético”. Para ele, o pressuposto básico para o compromisso

ético é a co-responsabilização na construção de um novo modelo para atendimento

às demandas sociais emergentes.

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Figura 41: Os irmãos Darci e Claudionor Galvão

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

A Figura 41 mostra os irmãos Darci e Claudionor (inventor da aparadeira). Para

tal invenção, houve a elaboração de um projeto, embora mental, e um planejamento

definindo as etapas da criação da aparadeira, ou seja, o desenvolvimento de uma

tecnologia social adaptada e conectada com o espaço e o tempo da natureza que

envolve uma diversidade de saberes técnicos, que resiste ao tempo e as condições

de “desmonte” que as sociedades camponesas, os pescadores e ribeirinhos da

Amazônia vem enfrentando.

Seu Claudionor evidencia que o conhecimento tradicional se renova, que se

reinventa, que se revigora consoante as situações que o próprio ambiente coloca esse

desafio. Ao perceber que “não estava fazendo vantagem na pescaria”, ele se dedica

à adequação de seu instrumento de trabalho, comprando linhas para a confecção da

rede (quatro carretéis de linha 2.0), escolhendo o local para fazer a experiência

(embaixo de uma mangueira), confeccionando a aparadeira conforme seu “projeto”:

deixando os “acréscimo” para a parte de baixo ficar “sacuda”, definindo o tamanho

ideal para o instrumento (50 malhas de altura e 15 palmos de comprimento), optando

pelo tipo madeira (geniparana – Gustavia augusta, “que verga muito”) para a verga,

que deveria extrair do mato que fosse flexível, a madeira para servir de “mastros”

(envira preta – Onychopetalum amazonicum) por conta de ser madeira linheira, leve

e devesse ficar mais inclinada nos extremos para a rede (“vela”) “não ficar bamba”,

fazendo a instalação da invenção na canoa que estava no enseco (“seca”) colocando

o moitão (“canua grande ou montaria tem muitão”) e o amantilho (“iguar de canua

grande ou montaria”).

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Com todos os instrumentos da pescaria “aparelhados” na canoa foram fazer o

teste no “Arseni” (Arsênio), concluindo que o “projeto valeu”, passando a ser adotada

desde então. Quando finalizada a invenção, seu Claudionor transmitiu seu

conhecimento aos demais pescadores dessa pescaria e, atualmente, “não tem um

que vá pra beira sem a aparadeira pra apará tainha e puá”, finaliza ele.

A socialização dessa inovação tecnológica, engendrada pelo pescador

Claudionor e seus “parceiros de pesca” se deu pela transmissão, pelo fazer prático e

pelo compromisso ético que perpassa o fazer do pescador, pois tudo o que dá

resultado positivo deve ser partilhado e experimentado e o que se configura como

negativo é repassado de forma cômica, típico de quem “vive nas águas”.

Assim sendo, justifica-se que o conhecimento se constrói a partir da

compreensão de significados localizados em contextos culturais em que são

produzidos, experimentados e postos em prática. Ele emerge da necessidade

vivenciada para torná-la menos densa, menos casticantes, recheando-se de

significados, motivos e novas esperanças e, por vezes, ambíguas e sem sentidos,

mas quando vistas no conjunto percebe-se o benefício está para além de si mesmo.

O encontro sempre surpreendente do novo como o tradicional engendra relações tão complexas que, vistas sob uma perspectiva unívoca, aparecem como ambiguidades. Para superá-las, é necessário reconhecer que tanto a recepção como a transmissão de um estímulo são permeadas pelo sistema de ideias e valores, em função dos quais as condições materiais da mudança são reelaboradas, imprimindo-lhes rumos especiais (BRITTO, 1999, p. 40).

Britto (1999) dá mais sustentação a fala de seu Claudionor quando este se

propôs reelaborar sua prática de pescador e seus apetrechos de pesca, tornando-o

indispensável na prática do outro. Os dados da vivência com os pescadores do Salto

mostram que a elaboração dos utensílios utilizados não apresenta toda a sofisticação

existente na época de seu Claudionor. A maioria dos pescadores do salto aproveita-

se da reutilização de rede de tapagem velha para fazer sua “vela” e aparadeira, cuja

preocupação é menos com o rigor estético e mais como a funcionalidade do objeto.

No entanto, há alguns que remontam todo o cuidado com os utensílios da

pescaria: tecem seu próprio material, tingem com a tintura da casca de cumatê

(Macairea viscosa/ademostemon)66 garantindo a resistência e durabilidade ao

66 Cumatê é uma árvore que compõe a vegetação de Pacamorema. Tem dois tipos dessa espécie: “branco” e vermelho, cuja tintura é extraída da casca do cumatê vermelho por ser mais densa e garantir durabilidade ao material.

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material. Há outro que orgulhosamente apresenta “vela” e aparadeira mais alta, com

cerca de três metros de altura.

Tem peixe muito sabido, com toda essa altura tem puá que atravessa a “vela”. Um dia desses me admirei, foi querido, uma pulou por cima da minha “vela” e olha que ela é a mais alta de todas que tem aqui. Pode até não acreditar, mas foi verdade. Elas tem muita força (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho de 2017).

Seu Antônio ao apresentar seus instrumentos de pescaria como sendo os

maiores, o faz por ter também, atualmente, a maior canoa envolvida na pescaria do

salto e a “vela” tem que se adequar ao comprimento da embarcação, que também

requer saber para sua confecção.

4.1.1.2 A canoa

A canoa utilizada na pescaria também sofreu influência e alteração de acordo

com o desenvolvimento tecnológico impregnado na sua construção. Os pescadores

apresentam vários tipos de embarcação: aquela construída totalmente de tábuas

(conforme figura abaixo), as que possuem fundo de casco de árvores com farcas de

tábuas para dar altura na canoa, e os cascos construídos a partir de troncos de árvores

que pouco precisam de elementos adicionais, previamente escolhidos na vegetação

da ilha ou adquiridas em outros locais.

Figura 42: Canoa construída de tábuas

Fonte: Pesquisa de Campo – Julho/2017

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Por tratar-se de uma embarcação cujo processo de construção é dominado por membros do grupo e pelo relativo acesso à matéria-prima, canoa constituiu-se um elemento de ligação entre os pequenos núcleos de povoamento e entre estes e os centros maiores, em torno dos quais gravitam os primeiros (MALDONADO, 2004, p. 298).

As construções dessas embarcações possuem técnicas diferenciadas quanto

a sua fabricação da canoa feita de tábuas para aquelas construídas de troncos de

árvores se diferem quanto ao método, às técnicas e ao tempo que elas levam para

serem “aprontadas”.

A gente dá um jeito né, se vira como pode. A primeira não foi bem direitinha porque não tinha as ferramentas todas. Agora já tenho mais ferramentas e a canoa já sai melhor e a gente vai aprendendo cada coisa a mais toda vez que a faz uma nova. Já fiz umas zinhas por aí que dá pro gasto. Pelo menos dá pra serventia do pessoal porque não faço de madeira fraca e nem de madeira pesadona que fica até difícil pra remar nela (TAMUATÁ – Entrevista concedida em julho de 2017).

Nota-se que pescador Tamuatá, também é construtor de canoas de tábuas e

para esse empreendimento requer métodos na escolha do material seja para o forro

da canoa, seja para fazer as cavernas. A escolha requer resistência e durabilidade na

água salgada e leveza no produto final.

O pescador Tamuatá realça que existem madeiras fortes e muito resistentes na

terra firme, mas não podem ser utilizadas na construção de canoa por apresentarem

pouca durabilidade e se tornarem pesadas demais. O mirizeiro e a maçaranduba

(Manilkara bidentada) são exemplos desse tipo de madeira. Outras leves e fracas

também são inservíveis à construção de canoa: o marupá (Simarouba amara) e a

cuubeira (Virola Surinamensis). Assim como a madeira extraída do piquiazeiro

(Caryocar brasiliense), que é pesada e durável na água ganha espaço nos

cavernames, nas rodelas da popa e proa, no tabuado do fundo e nas laterais por não

apresentar rachaduras quando utilizados pregos, embora a canoa fique mais densa.

O ideal para a construção de canoa de tábua é que se faça o fundo de madeira

resistente, embora pesada, e as laterais de madeira mais suaves (loro vermelho) para

garantir leveza no deslizar sobre as águas sem exigir esforços redobrados daquele

que se utiliza do remo para movimentar a embarcação. O cuidado nessa construção

deve ser tomado, uma vez que só se pode pregar o loro sobre outras madeiras e não

o contrário “porque senão o prego folga todinho”.

A técnica dessa construção, segundo Tamuatá, consiste na adequação do

comprimento com a largura da embarcação, princípio utilizado na construção naval,

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cujo projeto está para além do papel. Ele “rabisca na própria cabeça” e faz os saberes

ganharem forma em cada prego fincado e caverna pregada, como se ali tivesse

nascido.

Outro tipo de embarcação utilizada na pesca do salto é feito de tronco de

árvores. Não de qualquer árvore. Somente daquelas adequadas para esse fim, de

preferência o piquiazeiro que a agua não penetra na madeira e o loro vermelho que

“a canoa fica leve como pena”. Segue a tônica descrita acima, mas a técnica para

essa ação se diferencia, pois, além de dar a forma com enxó, plaina e machado (ou

motosserra) para cavar o tronco com a finalidade de deixar as laterais com a mesma

espessura e o fundo com espessura maior, com buracos no fundo dianteiro, no meio

e na parte de traz, garantindo a resistência no arrasto sobre pedras e paus, utilizando-

se de verruma que é um instrumento própria da construção naval no processo

denominado “brocação”. Isso requer tempo, paciência e habilidade para abrir a canoa.

É raro, porém pode acontecer, de o pescador encontrar a arvore e contratar o mestre-canoeiro para transformá-la em canoa. Da mesma forma, o canoeiro pode, em suas incursões pela mata, encontrar uma árvore adequada para a confecção de uma canoa e anunciar sua disposição para fazê-la (MALDONADO, 2004, p. 300).

A utilização dos instrumentos e dos passos descritos acima ocorrem quando se

encontra a árvore adequada para fazer a canoa. Após a escolha da árvore na mata,

acontece os passos a seguir: a derrubada, esgalhar, alinhar e descascar a madeira

para escolher a parte mais adequada para a construção, lavrar, esculpir (bulia).

Figura 43: Canoa sendo esculpida

Fonte: Google – acesso Março/2018

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Após a brocação, vem o vareiamento que é a queima do tronco até ele ficar

mole para garantir a forma desejada para o casco e, finalmente, o acabamento

utilizando-se de lixadeira para retirar ao máximo as ferpas deixadas no processo de

escavação e a colocação das rodelas da popa e proa, bancos, frisos e retocando com

a pintura, quando não banhando em tinta de cumatê, conforme as condições

financeiras do proprietário.

Figura 44: “Queima” da canoa para dar forma

Fonte: Arquivo do pesquisador – Dez./2017

A abertura da canoa pode ser feita de duas formas:

Bem, pra abrir uma canoa a gente faz de dois jeitos: com a água e com o fogo. O primeiro que é com a água é mais demorado. A gente “peia” o casco no “jirau”, colocando umas travessas assim, na frente e atrás, pra sustentar o peso do casco, coloca dois paus na frente e amarra com cipó ou corda por cima pra deixar a abertura da proa do tamanho que quiser. A gente pode apertar ou afrouxar essa corda. Da mesma forma a gente faz do outro lado (popa). No meio da canoa a gente coloca umas três “tesouras” de cada lado, que é feita também de paus, e na direção de cada tesoura finca uns paus mais grosso, um pouco deitado pra trás, e amarra cipó ou corda de cada tesoura ao pau que está na direção dela. E todos os dias com o sol na altura de onze horas até três horas da tarde, quando a água fica muito quente, a gente vais apertando a tesoura para canoa abrir. É um trabalho demorado. O outro jeito é usando o fogo, que é mais rápido. A gente faz da mesma forma. Só tem que ter mais cuidado porque senão o fogo queima muito a madeira e deixa a canoa fraca, as vezes até estraga com o trabalho. Mas não é pra toda gente esse trabalho. Tem que saber, se não souber racha tudo e não abre (ABÍLIO – Entrevista concedida em julho de 2017).

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O pescador e feitor de canoa de tronco de árvores esclarece que uma das

formas de adequar a madeira cavada ao formato pretendido é expondo ao sol,

conforme mostra a figura abaixo, numa tentativa de vislumbrar as palavras ditas por

esse intelectual nativo embebecidas de saberes.

Figura 45: Canoa sendo aberta com água quente pelos raios do sol

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Dez./2017

A técnica de construir o casco de madeira exige expertise daqueles que tornam

essa tarefa também como sua, demonstrando que seu feito não é penso e que tem

estabilidade sobre a água, garantindo segurança enquanto se pratica a pescaria. Do

contrário, o fracasso se torna latente, ficando inservível.

A partir de dados da pesquisa, ocorrendo o fracasso na construção do casco,

ainda há uma sobrevida para a canoa ou quando a árvore não tem espessura

adequada para se fazer um casco. Dependo do interesse do proprietário ele

“desmancha” e descarta parte do casco, ficando apenas com o fundo dele para a partir

desse fundo construir uma outra canoa, com farcas, onde os cavernames também

ganham espaço. Tomam essa atitude de ter um fundo de casco na canoa porque ela

fica mais “afirmada” e corre mais que as feita toda de tábua.

A prática de fazer cascos de troncos de árvores está se perdendo pela

escassez de árvores, pelas legislações ambientais cada vez mais acirradas, e assim

uma técnica milenar está sendo esquecida, mas um dia pode ser necessário relembrar

tudo isso, para uma vida mais sustentável onde os rios e igarapés não tenham

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cobertura de suas águas filetes ou finas camadas de óleo diesiel, lubrificantes e

gasolinas e nem tenham como enfeite os vasilhames pets de toda natureza.

4.1.1.3 A poronga

A poronga é um instrumento muito utilizado nas pescarias artesanais em geral,

mas no que diz respeito a pescaria do salto é por meio dela que o pescador se orienta

pelos rios. Os elementos que compõe esse instrumento de pesca são simples e de

fácil confecção. Embora os tipos de poronga se diferenciem, aqui vou tratar da que é

colocada na popa da na canoa, pois existe a que é usada nas mão e a utilizada na

cabeça, que tem outros fins. Aquela fixada na popa da canoa é composta por uma

lamparina com pavio67 de médio para grande, de acordo com a Figura 46:

Figura 46: Poronga fixada na popa da canoa

Fonte: Arquivo do Pesquisador – Jul./2017

Conforme relato do pescador Jurandir, podemos descrever a poronga da

seguinte maneira:

A poronga a gente faz assim. Prega um pedaço de latão ou de alumínio na popa da canoa para não queimar a madeira, coloca um prego pra engatar a alça da lamparina porque se não tiver isso, no balanço da canoa, da maresia e da remada, cai na água e a gente perde a pescaria. Sem poronga num dá pra pescaria do salto. E o pavio dela tem que ser bom, que dê pra clarear

67 Morrão é outra designação dada pelos intelectuais nativos ao pavio da lamparina que é feito de algodão enrolado, pedaços de punho de rede de dormir ou tiras de tecidos reutilizados.

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bastante. Quanto mais claro, mais o peixe pula (JURANDIR – Entrevista concedida em julho/2017).

A criação de técnicas, as invenções que são usadas em suas práticas

cotidianas se dão de acordo com o interesse, com o tipo de pescaria almejada. Neste

caso, para a pescaria do salto, essas invenções se dão conforme os elementos já

existentes no dia a dia deles. A lamparina, embora já utilizem energia elétrica, é usual

pela maioria dos habitantes da ilha de Pacamorema, assim como o tamanho do pavio

que deve ser regulado de acordo com a finalidade da lamparina. Na pescaria, seu

tamanho atende à necessidade imediata: se muito grande, consome muito óleo ou

querosene; se baixo demais não clareia suficientemente a pescaria e nem resiste ao

vento; “tem que ser bom, pra clarear bastante”. Outro elemento importante é a

reutilização de latões ou panelas em desuso para a proteção da madeira da popa.

As mais humildes técnicas dos chamados primitivos fazem apelo a operações manuais e intelectuais de uma grande complexidade que é preciso ter compreendido e apreendido e que, de cada vez que se executam reclamam inteligência, iniciativa e gosto (Lévi-Strauss (1986, p. 383).

Lévi-Strauss (1986) possibilita a discussão acerca das atividades humanas

realizadas em todos os âmbitos, particularmente no trabalho da pescaria, tendo como

parâmetros os saberes sobre a natureza e seu comportamento, demandando as

invenções utilizadas e a delimitação da forma desse uso para o benfazejo da atividade.

A poronga é colocada com a direção da popa para a proa, parte de trás da

canoa, cuja iluminação facilita o alvoroço dos peixes de dentro d’água. Nesse alvoroço

eles se encandeiam e saltam para todas as direções, podendo ocorrer na direção da

“vela” ou aparadeira armadas previamente sobre a canoa. Quando os peixes saltam

nessa direção, não há outra finalidade se não ser “ensacada” na aparadeira ou ser

interceptado pela rede, caindo diretamente no fundo da canoa.

O espetáculo proporcionado no momento efetivo em que os peixes pulam para

dentro da canoa, ou se ensacam, confere alegria imensurável aos pescadores e

vivacidade para continuar a remar, uma vez que quando “dão certo” “a gente se segura

e deixa acontecer, porque eles pulam pra todo lado, quando vê o fundo da canoa tá

brilhando de peixe” (TAMUATÁ – Entrevista concedida em julho/2017).

Segundo o pescador Claudionor Galvão (Entrevista concedida em julho de

2017), eles pulam por conta da claridade da poronga. Ela causa um efeito perturbador

na cabeça dos peixes, similar ao que ocorreu com ele em um dos momentos da

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pescaria do salto em que os peixes não estavam pulando, e por essa razão

experimentou ir buscá-los no fundo da maré, de mergulho.

Outra coisa que inventei no Pacamorema, não tem a Gerônima (ponto de pesca)? Ali na Gerônima. Você conheceu a Gerônima? Abaixo da Cururuca (ponto de pesca)! Então ali, tinha uns paus na beira, na descida tipo emberateua, e a gente chegava ali era só um zoadeiro de tainha, mas não vinha pra canoa porque estava no pau e lá se acomodava. Foi eu, o Cuia Preta, meu cumpadre e o Santo de Pau, o Xavier, que casou com a Delaíde. E saiu no salto, também nessa maré o Conceição, você conhece o Conceição? Quando cheguemo na Gerônima o peixe zoou, no pau, mas não pulou nenhum. Então eu disse: compadre essa que se mexeu aqui nós vamo botar um bocado dela na canoa. Como compadre? Eu vou lá buscar ela. Agora, me deu medo! Eu agarrei, mandei amarrar a canoa no galho do mangueiro e o outro lasquei, meti a lamparina e desci. Mas é que essa luz da lamparina faz isso no fundo, olha, e encandeia a gente, e perturba a mente da gente. É por isso que essa tainha pula, devido essa jogada, né? Aí eu desci. Nós já tava com umas cento e pouca tainha a canoa, no quebra cabeça, né? Chegava lá, ela tava assim no lado do pau, se mexendo. Ela não saia. Então a gente, pá na cabeça e metia debaixo do pé, e quando subia era com quatro, cinco e colocava na canoa. Eu, Cuia Preta e Xavier. Passa o Conceição (risos), chegou lá (Pacamorema) ele disse: eu vi os botos da Gerônima pegando tainha, olha que eles me deram um bocado. Trezentos quilos nós passamos, só no quebra cabeça, pro compadre Nadico (CLAUDIONOR GALVÃO – Entrevista concedida em julho de 2017)

Seu Claudionor Galvão, ao intitular a experiência que teve na pescaria de

“quebra cabeça” ou do “afoga”, remete aos pensamentos de Bondía (2001, p. 21), ao

afirmar que:

Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos” (BONDIA, 2001, p. 21)

As palavras utilizadas nessa circunstância da pescaria são mais do que

simplesmente palavras. Tornaram-se modos de vivência, de atitude e de

comportamentos conforme a demanda da necessidade vivida, pois a partir dessa

experiência, outros tantos pescadores tomaram para si, as práticas provindas de

saberes dessa experiência vivida.

Dessa forma, é possível pensar a educação a partir de experiências vividas

cujo sentido é dado sem a percepção e a compreensão, muitas vezes, de aquilo que

foi dito e experimentado daquele que praticou, acaba tornando-se corriqueiro na vida,

cujo valor cultural é expresso na realidade dura dos fazeres do pescador, pois Bondía

(2011) diz que “informação”, “conhecimento” e “aprendizagem”, a troca, a

intercambialidade entre tais termos é flagrada como se o conhecimento se desse sob

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a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e

processar informação.

Esse processamento de informação como saber prático, encontra

conformidade na utilização da poronga, uma vez que a pescaria do salto está

intimamente ligada à utilização desse instrumento, seja no período chuvoso ou no

período de estiagem quando a constância do vento é maior, requerendo habilidade

para manter a chama acesa.

Manter a chama acesa vai além do sentido figurado ou metafórico. A chama da

poronga tem sentido e significado real, impregnados na importância que esse

instrumento de trabalho assume para a manutenção da tradição viva, não sem

esforço, mas relevando cada remada, cada reinvenção em busca de cardume e dos

saltos dos peixes em direção as embarcações envolvidas na pescaria.

4.1.1.4 O remo

Os remos que são utilizados na pescaria do salto também incorporam uma

variedade de saberes no seu processo de construção, que vai desde a escolha da

madeira, semelhante à da praticada de fazer a canoa, que precisa ser resistente e que

tenham durabilidade. Embora a maioria dos pescadores possuam remos comprados

em mercados das cidades de Curuçá e Marapanim, ainda existem aqueles que

fabricam seu instrumento de trabalho, como é o caso de tio Misaco. Ele confecciona

remos aproveitando pedaços de madeira derrubada, para não deixar que o tempo a

estrague, conforme informa em sua fala descrita abaixo:

Os paus que dá pra aproveitar, eu aproveito. Esse aqui peguei perto da casa do forno velha, lavrei ele e aproveitei dois pedaços que eu fez esses remos. Não são bonitos mais dá pra usar. Agora precisa tirar um pouco mais aqui (apontou o local) pra ele ficar mais leve. Eu fez só com machado e terçado. Peguei o pau e tirei a parte fraca e fiquei mais com o âmago. É de bacurizeiro. É boa madeira pra remo. Depois eu fez tipo uma prancha pra poder carregar pra casa e desenhei com carvão mais ou menos onde podia cortar. Já fez, como o senhor pode ver. Agora que vou levar ali pra darem uma plainada pra ficar mais macio. Eles têm quase sete palmos cada um, é um bom tamanho. Esse aqui rachou um pouco no lado mas dá pra usar. Pra quem já não tinha esses dão pro gasto (TIO MISACO – Entrevista concedida em julho/2017).

O trabalho empregado no desbasto da madeira requer força e jeito porque,

segundo ele, se cortar a madeira de qualquer forma ela lasca toda, principalmente a

madeira extraída do bacurizeiro que é cheia de “nó” devido aos muitos galhos da

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árvore, que com a habilidade e o saber lavrar a madeira chega-se ao resultado

desejado. Neste caso, os remos feitos por ele já iriam para uso, embora a madeira

estivesse ainda “verde”, úmida e pesada, mas já seriam de grande utilidade nos

momentos de pescarias e de viagens de canoa para destinos diversos. Esse trabalho

pode ser observado na Figura 47.

Figura 47: Madeira para confecção de remo

Fonte: Elaboração Própria – Março/2018

A figura acima mostra a forma de remos comuns, embora existam desenhos

variados para as “cabeças” de remos: as comuns, a cara de gato e cara de cachorro,

por representarem a figura da face desses animais. Assim como a cabeça de remo

podem ser variadas, as pás também possuem distinção em sua confecção:

arredondada e bico de arraia, conforme relato do pescador Tio Macico (Diálogo

espontâneo em julho/2017).

Tem um bocado de tipo de remo, mas conheço só o bico de arraia e o redondo. O papai dizia que o “bico de arria” é mais macio pra remar porque ele entra facinho na água. O outro é bom também. Só tenho do outro. Agora num tem muita frescura pra remo, qualquer um é bom. Só que o outro (bico de arraia) é mais bonito. Também tem diferença na cabeça deles porque tem cabeça que se parece com a cara de gato, de cachorro e o outro se parece com remo que a gente é acostumado mesmo. O mais importante é ter remo bom que não dói na mão da gente. Quando ele tá com a cabeça lascada dói muito e quando ele tá rachado a gente faz mais força porque ele varia dentro da água, fica todo leso.

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Figura 48: Cabeças e pás de remos

Fonte: Elaboração Própria – Janeiro/2018

A confecção do remo se dá da forma mais simples possível, uma vez que não

observei nenhum remo que se diferisse do descrito como comum. O requinte na

confecção dos remos deixou de ser considerado até porque a utilização deles está

sendo suprimida pelo uso de motores rabeta, ainda que na pescaria do salto haja

resistência e inadequação do mecanismo motorizado.

4.1.1.5 O cesto

O cesto utilizado para juntar os peixes que resultam da pescaria do salto, e de

outras também, geralmente era fabricado de fibras vegetais. Esse material foi

largamente utilizado no cotidiano dos pescadores, provindo de herança indígena

desde os tempos imemoriais. Ele é feito a partir do entrançamento dessas fibras, e

desempenham ainda importante papel nas simbologias dos seus detentores,

transmitindo significados e utilidades no dia a dia.

Diegues (1994) postula que mediante ao grande conhecimento relativo ao

mundo natural, essas populações foram capazes de criar engenhosos sistemas de

manejo da fauna e da flora, protegendo, conservando e até potencializando a

diversidade biológica.

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Dentre as matéria-primas mais utilizada pela comunidade para a produção dos

artefatos destacam-se as seguintes: jacitara (Desmoncus poliacanthus) e cipó tititica

(Heteropsis spp).

A importância do conhecimento relativo à produção dos artefatos não está

restrita a ação do fazer o objeto, pelo contrário, está distribuído ao longo de toda a

sua cadeia produtiva. Podemos sugerir que o domínio das técnicas pressupõe um

conhecimento refinado acerca da matéria prima empregada na confecção. Dentre

estes saberes, diversos aspectos são primordiais, como a localização, o habitat da

planta e o estado de maturação que indica sua condição adequada para ser explorada.

De posse desses saberes, há a fase da coleta em que o “artesão” dispõe de

habilidade refinada relativa às práticas adequadas de manejo, de maneira que seu

uso seja bem aproveitado.

Para Ribeiro (1985) é imprescindível o conhecimento das técnicas de

processamento e de feitura dos objetos, que vai exigir outro nível de saber detalhado

sobre a forma de principiar, conformar e arrematar o objeto. Conforme o utensílio é

dado a sua utilização e os elementos para os quais eles irão servir de armazenamento.

Existem dois tipos de cestos que servem para o armazenamento de peixes: o cesto que é feito de cipós e o cofo que é um tipo de cesto. Só que ele não é feito de cipó. Ele é feito de palha. Aqui no Pacamorema ninguém ganhava o Paquinha pra fazer cofo. Ele tecia andando, no escuro e não errava. O tio Augustinho era outro cara que trabalhava com talas. Fazia cesto, peneira e tipiti (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

Esse saber tende ao esquecimento uma vez que pouquíssimos jovens querem

dar prosseguimento nesse trabalho de fazer cestos e, na prática, a utilização de cestos

de plásticos estão em voga por terem custos mais ameno e durabilidade considerável

em relação aos tecidos de palha e cipós. Silva (2009) diz que a técnica do trançado

cruzado em diagonal ou sarjado pode ser realizada com bicromia e formar desenhos,

conforme descreve a Figura 49 que trata da confecção de cofo de grelo da inajazeira.

Podendo haver a confecção de cofos com outros tipos de grelos68: coqueiro,

babaçuzeiro.

68 Brotos de árvores de palheiras usados na confecção de cofos por conta da maleabilidade das partes da folha.

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Figura 49: Confecção de cofo com o grelo de inajazeira

Fonte: Pesquisa de Campo – Jul./2017

Neste cesto (cofo) podemos observar combinações diferenciadas das técnicas de trançado, chamadas de pirinina e amuata. O modo de trançar pode diferenciá-los uns em relação aos outros. Um detalhe interessante observado nas tramas é a combinação das duas variantes do trançado cruzado em diagonal ou sarjado (SILVA, 2009, p. 24).

A tecnologia de confeccionar cestos está sofrendo perdas quantitativas entre

os seus artesãos, isto é possível verificar em se tratando dos jovens, que em sua

maioria, não têm se dedicado ao aprendizado destes objetos, podendo resultar no seu

desaparecimento, nos próximos anos, embora esse instrumento venha sendo

substituído aos poucos por outros materiais e utensílios como o saco e baldes

plásticos, grades também de plástico. Enfim, o subsumir desse artefato está atrelado

a gênese de outros, mantendo a rotatividade na vida e nas questões a ela

relacionadas.

Perceptível é que a tradição está dando espaço aos feitos modernos e se

readaptando a eles, se reinventando com eles e resistindo duramente aos avanços

tecnológicos e as benesses das facilidades que ela carrega.

4.1.1.6 O “esgote”

O “esgote” é um dos instrumentos utilizados em todos os tipos de embarcação

de Pacamorema. Pelo dito do pescador Jurandir Negrão é uma “vazilha que serve

para esgotar água do fundo da canoa”. Ele é um elemento imprescindível na pescaria,

principalmente para aquelas canoas que “bebem” ou “fazem muita água”. Beber ou

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fazer muita água remete a uma canoa que não é bem cuidada, necessitando de

calafetos nas partes que dão vazão a água, ou que ela seja “esgotada69” repetidas

vezes. Outra questão é o estado da canoa, pois se tiver muito velha, com a madeira

podre, a necessidade do esgote é mais latente. No entanto, na pescaria do salto este

instrumento nem sempre é um benfazejo porque em momentos de remadas frenéticas

o pescador ou tira água de sua canoa ou vai em busca do pescado, correndo o risco

de perder a pescaria.

A “ciência” para a confecção do esgote de cuia pitinga é simples, mas o objeto

em si acompanha o desenvolvimento social. Se adequa a ele porque segundo

informação de seu Antônio (Entrevista concedida em julho/2017)

Na pescaria do salto não é de se perder tempo esgotando água seja com a cuia pitinga ou com esgote feito de “garotes” e outros tipos garrafas plásticas. A cuia pitinga era muito usada pelos mais velhos. Eles tinham uma cuia própria só para tirar água da canoa e quando dava certo até chibé se tomava dentro dela, agora é raro ver alguém usando esse tipo de esgote.

O esgote de cuia pitinga (a cuia que não tem tintura), no relato de seu Antônio

era comum, as cuieiras (Crescentia cujete) com abundantes frutos que eram de fácil

posse, transformou-se no que se apresenta na figura seguinte.

Figura 50: A cuia pitinga

Fonte: Pesquisa de Campo – Jul./2017

O saber utilizado na confecção desse objeto se caracteriza em apanhar o fruto

maduro ou juntar debaixo das árvores de cuia, fazer uma marca – com precisão – em

69 Furtado (1993, p. 201) nomeia essa atividade de tirar a água da canoa como escoar, já os pescadores pacamoreenses a tratam como esgotar, termo que permanecerá neste trabalho.

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torno fruto onde deve ser serrado para uma banda não ficar maior que outra, tirar a

semente de cheiro forte do fruto já serrado, raspar a parte de dentro com a finalidade

de retirar todo o seu “bagaço” e deixar secar para que o odor das sementes e do

bagaço se extinga. Após esse processo a cuia estará pronta para os mais diversos

usos, inclusive para servir de esgote. A cuia para o esgote deve ser de tamanho

médio, facilitando o trabalho de secar a canoa. O formato dessas peças é geralmente

redondo ou oval, depende da árvore que é retirada a cuia.

Outro tipo de esgote que está sendo utilizado, que é mais fácil fazer, é o de

material plástico. Ele apresenta praticidade no uso e a durabilidade é superior ao

esgote de cuia, que quebra fácil.

Figura 51: Esgote feito de carote plástico

Fonte: Elaboração própria – Março/2018

O esgote feito de plástico, oriundo de vasilhames cortados, bem como todos os

outros instrumentos utilizados na pescaria do salto remetem a saberes da experiência,

ao conhecimento prático, ao encontro da matemática com a vivência comunitária

como base para calcular comprimentos, larguras e formas desses utensílios. Contudo,

Bondía (2011) considera que:

O sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, [...], como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial (BONDÍA, 2011, p. 24).

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Essa receptividade e abertura pelo novo, pela adequação de ações se

impregnam nas atividades que há muito tempo vem sendo desenvolvidas,

experimentadas e vivenciadas por esses pescadores. Desta forma, a inovação e a

tradição fazem uma combinação de resistência da cultura, tendo a educação de

transmissão de saberes inter geracionais como aspecto fundante da vida.

4.2 SABERES DO MOVIMENTO, SENTIDO E SENSIBILIDADE

Para tratar de um conjunto de saberes que informam a prática da pescaria do

salto, trago Bondía (2011, p. 24) para dialogar com os “achados” desta pesquisa.

Requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, [..]; parar para sentir, [...], suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.

Utilizando-se da paciência, dividindo a experiência a partir de uma reflexão e

da necessidade de adequação, foi criado um dos principais instrumentos da pescaria

do salto (a aparadeira), pois o trabalho da pescaria do salto é moldado por todos os

apetrechos que a compõe e, principalmente, pelo uso do corpo, que revela uma

educação do sensível e da sensibilidade dos sentidos, uma vez que requer o

aguçamento da visão, da audição, da fala e dos movimentos, garantindo qualidade e

eficiência, pois conforme Marx (1985a), o homem é afirmado em seu mundo objetivo

não só com base no pensar, mas com todos os sentidos do corpo.

o que nos separa dos animais é que os pensamentos que moram na nossa cabeça desandaram a proliferar, multiplicaram-se, cresceram. O que teve vantagens indiscutíveis, porque foi graças aos pensamentos que moram na cabeça que o mundo humano se construiu. A filosofia, a ciência, a tecnologia [...]. Cresceram tanto que chegaram a entupir a sabedoria do corpo. O conhecimento vai crescendo, sedimentando, camada sobre camada, e chega um momento em que nos esquecemos da sabedoria sem palavras que mora no corpo (ALVES, 1998, p. 57).

Essa sabedoria pouco reconhecida, dotada de sensibilidade e expressa

corporalmente, possibilita lidar com um mundo que sempre está por se fazer, onde

marcas culturais são deixadas. A ação corporal fornece o significado e o sentido do

mundo, pois somente o corpo é capaz de sentir e perceber todas as vibrações,

relações e sentimentos que se realizam entre nós e o mundo sensível. Dessa forma,

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o conhecimento provindo do cotidiano ou, ainda, do senso comum, aponta a

importância de sua valorização.

Comungando com esse pensamento de que a separação entre corpo e mente

fica sem sentido e todo conhecimento, por mais abstrato que seja origina-se nos

processos sensíveis do corpo, Merleau-Ponty (1999) aponta que todo conhecimento

científico se assenta sobre o conhecimento sensível, sendo corpo e mundo

interligados de forma indivisível.

Assim, a educação do sentido e da sensibilidade engendrada pelos pescadores

remete a um modo de vida, que revelam momentos pedagógicos do ensinar/aprender

pela observação da prática da pescaria, que se faz com vida nas águas como

condição de existência em solo seco, que para Medaets (2011, p. 11) “o exercício de

observação, [...], não seria uma atitude passiva, mas [...] parte de uma estratégia ativa

de apropriação de saberes”.

Esses saberes oriundos da observação resultam em aproximações, tentativas,

erros e acertos, não podendo se destituir do ser pescador enquanto artesão, um

criador de coisas da vida aquática, cujo corpo torna-se o território do ser pescador.

Levo o meu moleque pra várias pescarias, um dia desses a gente tava pegando camarão de tarrafa e apareceu uma voadeira. Eles estavam atrás de isca pra pescada. Eles compraram obra de meio quilo de camarão da gente, deram cinquenta reais e pediram pra eu dar o troco pro meu filho, ficaram admirado dele está pescando. Ele gosta de me acompanhar. Mas eu não levo pro salto. É muito arriscado. Levei uma vez e fiquei com medo de um peixe bater ele. Enquanto na gente já dói, imagina numa criança dessa. (GIOVANE BENTES – Entrevista concedida em julho/2017).

Pela fala do pescador Giovane Bentes o corpo do filho dele ainda não está

formado, não está preparado para enfrentar as intempéries da “virada”, para receber

as batidas dos peixes, por isso ele só o leva para as pescarias que não representam

perigo, para aquelas que a criança fique mais parada, observando como se trabalha,

como se deve comportar na canoa, fazendo silêncio quando necessário ou remexendo

a água quando preciso, vendo, ouvido e equilibrando o corpo no movimento da maré.

Fazer-se pescador é, gradativamente, adquirir consciência cada vez mais sofisticada do próprio corpo, de suas possibilidades de aprimoramento, de autocriação. O refinamento cognitivo conecta-se ao próprio refinamento sensitivo, e este àquele – saber sensível que é, ao mesmo tempo, saber intelectual, imaginativo, embora singularidades entre eles sobrevivam sem se opor (RAMALHO, 2011, p. 317).

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Ter a consciência de ser pescador é ter a compreensão dos limites do corpo,

do conhecimento e da sensibilidade na lida com o mar, com os peixes e com os

utensílios utilizados. O corpo torna os seres humanos, ser mais social, e os sentidos

que perpassam o corpo conduzem à produção objetiva da ação ontológica relacionada

à natureza e a tudo que ela compõe, seja a produção provinda do mar ou da terra.

Adentrando a parte da estética, do corpo e da sensibilidade, destaco alguns

autores que se apoiam na etnografia das percepções sensoriais. Para Hegel (1996, p.

133), “a consciência sensível é, no homem, a primeira, a que precede todas as outras”;

para Marx (1985, p. 112), “a sensibilidade tem de ser a base de toda ciência”; na visão

de Mauss (2003, p. 407) “o corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem”;

Foucault (1979, p. 151), “é pelo estudo dos mecanismos que penetram nos corpos,

nos gestos, nos comportamentos, que é preciso construir a arqueologia das ciências

humanas”; e Tim Ingold (2001, p. 144) que sugere uma “educação da atenção” que

seria um convite à “aprender a sintonizar o momento de sua atenção ao movimento

da ação do outro que nos cerca” por meio de relações de sensibilidade. E, Le Goff &

Truong (2006, p. 30) afirmam que “o corpo do burguês não é o corpo do artesão ou

do operário” e dista do corpo do pescador.

Cada corpo tem uma história, um jeito, uma conformação com o que realiza.

Ele é educado de acordo com o que se acostuma fazer. O corpo do homem pescador

frui por meio dos sentidos e na “brutalidade” da pescaria, a sensibilidade o emoldura

e os talentos se sobressaem em cada ser que pesca.

Quando vai chegando a hora da maré, conforme a lua, né, por mais que o meu “prosdócimo” esteja cheio de comida, bate uma “cuíra”, e vem um parceiro e me anima. Sinto uma alegria e lá vou eu pra pescaria. Minha mulher fica brava, me chama a atenção, mas não tem jeito, o meu corpo pede que vá (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho/2017).

O modo de vida do pescador do salto é inerente ao modo de ver, estar e sentir

o momento adequado para a prática da pescaria expressa pelas habilidades

corpóreas do fazer produtivo, um saber especializado na cultura do trabalho que

resiste ao tempo, que para Antunes (2000) dá sentido à vida e se distingue das

produções de riquezas materiais, culturais, científicas, tecnológicas, sociais e

individuais da contemporaneidade capitalista que se fazem às custas de uma série de

mazelas criadas: degradação ambiental, fadiga, miséria, precarização do trabalho,

desemprego, fome, individualismo e a alienação.

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Os pescadores de Pacamorema trabalham para si e suas famílias. A produção

da pescaria é a base de existência direta e indiretamente, pois não se configuram

submissos às empresas de pesca e nem aos atravessadores/marreteiros. As regras

distam de submissão do corpo a outrem, e a liberdade de ir ou não para a “virada”

está condicionada somente ao que é necessário.

A melhor coisa que tem é a gente trabalhar pra gente mesmo. Não vou dizer que não devo nada. Devo sim, uma coisa ali, outra acolá. Um favor pra um e pra outro, assim como me devem, mas não me sinto preso a ninguém. Ninguém vai chegar em casa e dizer: me dá isto que é meu! Não! Isso nunca vai acontecer. Trabalho pra mim e pra minha família. Os meus filhos me ajudam a defender o pão de cada dia (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista cedida em julho/2017).

A arte da pescaria se relaciona com a arte da vida, cujo corpo do pescador é o

ingrediente principal dessa arte, porque exige técnica para a execução do trabalho

enfrentado por cada um dos intelectuais nativos em suas atividades cotidianas.

4.2.1 Saberes do movimento

Da sensibilidade do corpo emanam saberes expresso pelo movimento,

precisamente pelo equilíbrio e agilidade que o pescador precisa possuir na hora da

pescaria, seja para organizar e “armar” os apetrechos utilizados como a poronga, a

“vela” e a aparadeira – não necessariamente nessa ordem –, seja para se desvencilhar

de corpos alheios aos instrumentos da pescaria (galhadas de mangue) ou, ainda, o

uso da destreza para jogar os peixes ensacados para o porão da canoa. O saber

equilibrar-se também é exigido na hora das remadas e da secagem da canoa, com o

esgote.

Teve uma vez que o “Felpa” (Tomé) estava pescando, passou perto do “embarateua” da Gerônima, um galho de mangue trançou na canoa dele e jogou na maré. Ele perdeu tudo: a “vela”, a aparadeira, a poronga, os peixes. Não perdeu a vida porque Deus é bom. E pra piorar era lanço, a maré estava correndo pra caramba, e chovia (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017).

Segundo o pescador Jurandir Negrão, o “Felpa” perdeu o equilíbrio da canoa

ao ter a “vela” e a aparadeira enroscadas na vegetação de mangue, demonstrando

que a força muscular de seus braços não foi suficiente para remar e ganhar distância

do obstáculo que o fez sucumbir ao fundo da maré. O perigo desses acidentes é maior

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quando pesca sozinho, sem parceiro algum porque a possibilidade de ser ajudado

inexiste. Esse risco foi registrado no momento da pesquisa exploratória de campo,

mostrado pela Figura 52.

Figura 52: O pescador do salto e os galhos de mangue

Fonte: Pesquisa da Campo – Jul./2017

Na pescaria do salto, cada pescador vai em uma canoa e rema do lado que a aparadeira está colocada, controlado com uma corda. Quando o peixe salta e fica preso no “saco” da aparadeira, ele puxa a corda para colocar o peixe dentro da canoa. Mas nem todos praticam a pescaria do salto. Ela é fácil aprender. O esforço maior está nas remadas, muitas vezes contra a maré e contra o vento. Só acha bom quem gosta mesmo (DAIO – Entrevista concedida em julho/2017).

Tanto a imagem quanto o registro da voz, demonstram que essa pescaria é,

quase sempre solitária e por reconhecerem os riscos para o corpo físico e os

apetrechos dessa prática de trabalho fazem o convite reciprocamente para outros

parceiros da pesca e em tempos adequados, particularmente, quando não coincide

com o cansaço provindo de outras atividades envolvendo a roça. Dessa forma as

remadas tornam-se mais firmes, possibilitando a captura de pescados. Mas não é

qualquer remada, exige muita força e sensibilidade no movimento para não espantar

o peixe, compreensível na fala de seu Antônio (Diálogo espontâneo em julho/2017).

Dizem que sou exagerado em minhas coisas. Esse meu remo grande é muito bom, querido. Só tem uma coisa, se o “caboco” não souber o que está fazendo ele estraga a pescaria, espanta todo o peixe. Se ele for remar batendo no “beiço” da canoa ou remando com força fazendo o remo “roncar”, os peixes fogem tudo correndo por baixo d’água e não pulam. Vai ser força em vão. Outra coisa, quando a gente dá em “cima” do peixe, aí a gente tem

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que fazer a canoa andar, quanto mais rápida ela for é melhor. Tem que saber pescar.

O “saber pescar” implica em uma consciência de movimento voltada ao ato, no

poder de ação e reação desse ser social envolvido no ambiente marinho, geralmente

o que faz um pescador “não gostar” da pescaria são as limitações das reações

sensitivas e motoras e a falta de adaptação orgânica conduz a um outro tipo de

pescaria ou de outro trabalho fora das águas. Contudo, é comum o envolvimento de

direto com o mar.

O pescador do salto exercita força bruta nos braços, tendo as pernas como

suporte de equilíbrio do corpo e a propulsão para as remadas rítmicas e silenciosas.

Ele, ao exercitar a força com os braços, utiliza-se de todo o corpo para o movimento,

bem como as funções cerebrais para o direcionamento suave da canoa dando a

entender que a cada remada traz consigo a arte de pilotar, de saber que força deve

ser exercida para “debaixo” ou para “banda” da canoa, uma vez que se o pescador

estiver do lado esquerdo da popa, e quase sempre é essa a posição dele, “puxar para

baixo” é fazer a proa virar mais para a esquerda e puxando de “banda” a canoa é

direcionada para o lado direito. E dessa forma, o ritmo dos movimentos do corpo é o

compasso da pescaria.

Assim, o corpo todo pesca. Todo ele é envolvido nesse trabalho. Está com o

corpo sadio significa está apto ao trabalho da pescaria. Seu Antônio ressalta que “não

adianta só a mente querer, o corpo tem que pedir também. Uma pessoa sem

disposição não pode sair para pescar por que senão pode não voltar ou voltar pelas

mãos dos outros”. O pescador que reconhece a capacidade de sua corporeidade, de

acordo com as suas funções cognitivas se gabarita ao exercício tênue da tarefa de

pescador.

O corpo e o preparo mental são inseparáveis na pescaria, assim como para o

“salto” a “vela” e a aparadeira se conectam, entre si, com a canoa e com o pescador,

evidenciando o rizoma deleuziano, cuja percepção de início, meio e fim são tomados

como um todo. Os rizomas são espécies de vincos, de braços abertos dentro de uma

trajetória, abrindo novas formas de articulações entre os elementos.

É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão superior, mas ao contrário, de maneira simples, com força de sobriedade, no nível das dimensões que se dispõe […]. Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, e a

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erva daninha. Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo (DELEUZE, 1995, p. 15).

Nessa conexão das “pontas” do fazer-se e ser pescador, entrelaçado com os

aspectos que o caracterizam, Deleuze e Guattari (1995) apontam para a simplicidade

do rizoma, bem como afirmam que essa conexão se dá a partir de qualquer ponto, de

todos os pontos, não apenas do domínio do aspecto físico ou do intelectual, ou ainda

somente dos apetrechos, isoladamente. É o homem histórico (Marx, 1985a), com toda

sua complexidade que a pratica dentro do contexto social do trabalho.

O trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um processo no qual o homem por sua atividade realiza, regula e controla suas trocas com a natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem à sua natureza corporal, braços e pernas, cabeças e mãos, para se apropriar das substanciais naturais sob uma forma utilizável para sua própria vida. Agindo assim, por seus movimentos sobre a natureza exterior e

transformando‐a, o homem transforma ao mesmo tempo a sua natureza (MARX, 1985a, p. 211).

Transformando a sua própria natureza, o pescador se adequa – física e

mentalmente – a esse modo de vida, pois para Loureiro (1985) a pesca requer uma

certa compleição física para possibilitar o manejo dos aparelhos e resistência orgânica

para suportar o frio e as chuvas frequentes. Dessa forma, a força e a técnica com base

na sensibilidade compõem a vida humana nas águas e educam os sentidos dos mais

novos a partir de observações do ato de trabalhar dos mais experientes. Para isso,

Medaets (2011, p. 4), afirma “todas essas tarefas no decorrer do dia são dadas às

crianças por adultos, e embora em nenhum momento seja explicitado alguma intenção

educativa, é evidente a presença de uma dimensão de aprendizagem”.

A dimensão educativa e da aprendizagem corporal é iniciada desde cedo em

outras modalidades de pescaria. Na pescaria do salto, a iniciação se dá quando o

jovem já está de “couro curtido” para enfrentar o vento, a chuva, o frio, as “pragas” do

mangue e que tenha força suficiente no cabo do remo, completou Geovane Vale.

Na pescaria do salto a exigência maior é para remar, uma vez que a “vela” e a

aparadeira são armadas no porto. Esse é o primeiro e o último momento da pescaria.

O pescador só sai do porto quando a canoa está preparada. Geralmente esse preparo

da canoa fica escondido do vento e da correnteza forte garantindo o maior equilíbrio

do corpo na armação dos utensílios. Essa lógica de trabalho se deu a partir de

aprendizados coletivos, práticos, observacionais do homem da pesca.

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Tudo que a cultura humana criou até hoje nasceu não de misteriosas motivações internas espirituais (ou coisa que o valha), mas do fato de que, desde o começo, os homens se esforçaram por resolver questões emergentes da existência social. É à série de respostas formuladas para tais questões que damos o nome de cultura humana (LUKÁCS, 1969, p. 170).

A busca de aperfeiçoamento nas ações lapida o corpo do pescador, clarificando

que o ato de buscar e se adequar às coisas novas evidencia o vínculo que o corpo

tem com a história, que se educa em conformidade de sua necessidade, pois ele

Duarte Jr. (2004, p. 218), é a base do saber e do conhecimento e como instalação de

nossa existência no mundo é parâmetro último para as avaliações constantes de

nossas ações e atitudes.

Dessa forma, a pedagogia do trabalho na pescaria do salto incrementa-se de

múltiplos saberes voltados aos esforções físicos e mentais/cognitivos ligados

intimamente à formação de novos pescadores no renovar das gerações e no convívio

social diário. Além disso, ela é permeada de outras sensibilidades que a tornam menos

densa, por meio de brincadeira (do lúdico)70, da audição e visão aguçadas e da fala/.

A ludicidade possui um valor como forma de saber, ela pode gerar conhecimento, acompanhando transformações da realidade vivenciada pelo homem. Conhecimento, que pode ser construído a partir de uma realidade, e realidade que pode ser repensada, construindo e/ou desconstruindo determinadas verdades e valores vividos de forma lúdica. A ludicidade surge da espontaneidade, da liberdade de agir, sentir e pensar, e é ela que desperta a capacidade criativa de cada pessoa (CARVALHO, 2016, p. 177).

As brincadeiras são feitas em forma de “chacotas”, de piadas, de história de

pescadores e de histórias de outras pessoas e a ludicidade conforme Carvalho (2016)

envolve o fazer do ser humano, a vida e a cultura. Porém, na pescaria, “elas ocorrem

somente quando o peixe não está pulando” (Seu Antônio – Diálogo espontâneo em

julho/2017).

4.2.2 Saberes dos sentidos e sensibilidade

A fala na pescaria do salto é considerada um importante instrumento do corpo.

Ela pode ser expressada por meio da voz (alta ou baixa) e pelos movimentos do corpo.

O pescador é profissional do silêncio”, pois, durante seu trabalho no mar, “as ordens são dadas quase por sinais, gestos, acenos na sugestão da manobra

70 Ver alguns trabalhos publicados de Nazaré Cristina de Carvalho sobre ludicidade: 1996 – Lúdico: sujeito proibido de entrar na escola; 2011 – Saberes do cotidiano da criança ribeirinha; 2012 – A cultura e a educação amazônica na arte dos brinquedos de miriti; e, 2016 – O brincar na ilha de colares.

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imediata, feita sem rumor pessoal. O ressôo da voz humana afugentaria o peixe dos pesqueiros como explosão de mina submersa (CÂMARA CASCUDO, 1957, p. 31).

Câmara Cascudo (1957) salienta que os pescadores saibam usar os sentidos

para a empreitada da pescaria. Perceber os sons provindos da água para saber se

são emitidos por peixe, por vento ou por proximidade de chuva, com base em

conhecimento na dinâmica da natureza. O saber usar a visão e a audição facilitam a

compreensão da maré, uma vez que ela mostra as coisas e fala ao pescador e o

pescador que tem seus sentidos moldados pelo trabalho no mar para a compreensão

da totalidade do ambiente, por isso o tato, a visão, o equilíbrio do corpo, a audição e

o olfato são fundamentais para a prática do pescador.

Os sentidos do corpo passam pela metamorfose da experiência e assumem categorias de manifestações de vida, de sociabilidades pesqueiras e de suas particularidades. Portanto, o metabolismo social deixa, ao longo da vida dos que pescam, de ser simplesmente um contato físico com o ambiente para se tornar conceitos e objetivações do existir humano. O corpo humaniza-se, saltando dos limites imediatos para conexões mais complexas, forjadas pela consciência, sem nunca negar o valor ontológico do trabalho no processo de socialização da vida pesqueira, e sem que a consciência jamais negue que se encontra vinculada ontologicamente aos sentidos humanos (RAMALHO, 2011, p. 342).

Os sentidos tornam-se aguçados, capazes de identificar a direção do vento

quando este toca no corpo, bem como perceber se o tempo é ou não propício à

“virada”, porque ventos fortes não são convidativos à pescaria do salto, são muito

maléficos aos pavios das porongas.

Além do tato, a visão e a audição tornam-se centrais para identificar os

melhores momentos e locais para realizar a pescaria e identificar a localização exata

dos peixes, seu tamanho. Peixe pequeno passa pela malha da “vela” e aparadeira.

“Não é vantagem pescar em locais que tenham peixe pequeno, aí já seria para

malhadeira vinte e cinco” (Jurandir Negrão – Diálogo espontâneo em julho/2017).

Dependendo do tamanho do peixe, o pescador reconhece que utensílios são

adequados para a captura e que, de fato, os fins e os objetivos sejam alcançados.

A pescaria do salto é uma atividade de trabalho às cegas, cuja percepção dos

riscos se dá “palmo em cima”. O pescador não enxerga o que existe à frente, guia-se

pela silhueta dos rios e igarapés, pela correnteza contra ou a favor de sua canoa, da

canoa de seu parceiro, mantendo uma distância constante de cinco ou seis metros da

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canoa ao lado. Quem dá a tônica da pescaria é aquele que está próximo da beira

d’água.

A gente tem que está muito vivo, ter golpe de vista pra se livrar dos galhos de mangueiros caídos no “caminho” da gente. Tem que estar muito vivo pra se livrar do peixe que pula em nossa direção porque pode até cegar a gente. Eles vêm com muita força, às vezes, deixam rouxura na cara da gente, no peito, nas costelas. Por toda parte eles batem na gente, meu preto. É uma pescaria arriscada e a gente tem que se safá de “palmo em cima” (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho/2017).

O reflexo da visão ajuda o pescador a se livrar de “palmo em cima” dos perigos

que se lhes apresentam. O perigo iminente se faz constante na pescaria do salto. Há

perigo de ser atingido pelas tainhas e puás, de ser ferrado pelo peixe agulha, em

naufragar e perder todo o resultado do trabalho.

O Piakan que era bom de fazer parte da tua pesquisa. Ele tem muitas histórias pra contar sobre a pescaria do salto. Uma delas que eu me lembro, foi quando ele estava pescando aqui perto do porto do “Sicico” e um peixe-agulha pulou, mas pulou com tanta força que varou o lado da canoa e ficou fincado na raiz do mangueiro (rsrsrs) (JURANDIR NEGRÃO – Diálogo espontâneo em julho/2017).

Em meio aos risos e gargalhadas, em tom de desconcentração, os pescadores

conseguem transformar em cômico suas dores e preocupações com os perigos que a

atividade carrega em si. A visão do saltiador se complementa com os reflexos do

corpo. O peixe que vem em sua direção é percebido momentos antes de tocar no

corpo. Esse perigo do encontro do peixe com o corpo torna-se uma das motivações

dos mais experientes em não iniciar crianças nessa pescaria, demonstrando cautela

nesse processo pedagógico do saber pescar.

O sentido da audição realça a sensibilidade dos pescadores, como completude

da educação do corpo, do seu ser, do seu saber-fazer. Pela audição, reconhecerem

a multiplicidade de sons: dos peixes, das águas, dos ventos e do saltitar dos peixes.

Os sons que a natureza possibilitou uma educação musical para além da música.

Essa musicalidade marítima – sons na e da água – é filtrada subjetivamente, de acordo com a educação estética recebida em vida, assim como acontece com os demais sentidos. Para alguns, o som do mar é o som da força da natureza incógnita, do momento de contemplação, espaço inóspito ao ser humano, de medo ou de receio diante do desconhecido, mundo completamente natural ou antissocial. Para o pescador, a sonoridade aquática é parte da sua existência social, chão do trabalho, de conhecimentos acumulados, de práticas simbólicas, de organização societária, lugar de confirmação da sua vida (RAMALHO, 2011, p. 344).

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A “musicalidade do mar” tratada por Ramalho (2011) é latente e perceptível nas

relações sociais dos pescadores do salto, nas idas e vindas da maré, conectando-se

e atuando como “tessitura sólida e indispensável” de sua criação e recriação diárias.

O estrondo do peixe se ouve de longe. Quando tem muito peixe a gente sabe. E quando eles não pulam a gente vê o “riscado” dele na água, fazendo zig-zag, a zuada é diferente. E quando eles pulam na “vela” e na aparadeira, fazendo tchã, tchã, tchá... quando é muito peixe a gente só fecha o “zolho” e deixa o pau torar... eu sempre ia pescar com o compadre Abílio, era meu parceiro (TAMUATÁ – Entrevista concedida em julho/2017).

A pescaria do salto figura como exemplo de ação e percepção dos sentidos,

ela flui no contexto da sensibilidade pautada no exercício continuo do tato, da visão e

da audição. A sensibilidade dos pescadores é desenvolvida a partir do exercitar dos

sentidos em nível pessoal e, posteriormente, grupal.

Dessa forma, reitero: a individualidade é a tônica da pescaria do salto. Ela é

desenvolvida apenas por um pescador em cada canoa e torna-se grupal com a

completude desse aspecto individual. Quando em grupo, ainda assim os pescadores

estão sós, porém passam a se valer do ouvido do outro ao ser alertado da direção a

ser seguida e do cardume a ser capturado.

Quando a gente acerta no “bolo” delas, um dos companheiros sempre alerta pra gente dar a volta e pegar mais. Aí o negócio fica animado. Como a gente tá no meio mesmo, o nosso barulho se mistura com o do peixe pulando e até o cheiro do peixe com a maré fica no ar (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista cedida em julho/2017).

Pela audição, os pescadores tomam a decisão para o grupo e cada integrante

desse grupo executa, na sua individualidade, a ação contribuidora para o coletivo. A

consciência de pertencimento ao grupo de pescadores do salto não serem

individualistas, demonstrando que a pedagogia de aprendizagem dos sentidos

acontece nesse contexto cultural de partilha das decisões mais adequadas, dos

métodos implícitos a essa ação de trabalho.

Assim, o saber dos sentidos e da sensibilidade se fazem imprescindíveis ao ser

do pescador. Por meio dos sentidos do corpo que os pescadores se constituem

enquanto tal, configuram seus métodos e ações, articulam estratégias para a captura,

e colocam em evidencia a técnica da artesanalidade da pesca. E como artesãos do

mar, rios e igarapés reconfiguram suas trajetórias e reconstroem suas histórias a cada

nova ida e chegada da pescaria.

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4.3 SABERES ECOLÓGICOS: MARÉS, VENTOS E LUA ALIADOS DA PESCARIA

4.3.1 O saber das marés

No contexto da pescaria do salto fica implícito a presença de saberes

ecológicos relacionados a essa experiência de trabalho. Trata-se de saberes que

delineiam e delimitam a prática do trabalho nas águas circundantes à Ilha. Tais

saberes estão inscritos no reconhecimento do tempo, das fases da lua, do fluxo das

marés e da direção e tipos de vento, elementos de completude das “viradas”.

Cunha (2001), afirma que pescadores evidenciam uma "noção tridimensional

do espaço, que abarca seus distintos domínios de vida – mar, terra e céu – dotados

de significado próprio". Podendo imprimir significações diferenciadas e distintas a

cada fenômeno natural apropriado pelos pescadores, perpassando os conhecimentos

da maré, dos ventos, do tempo amazônico e do ciclo lunar.

Para tratarmos dessa dimensão ecológica, parto da discussão sobre a maré

como um elemento muito importante para os pescadores. A maré integra o cotidiano

de seus habitantes sob vários aspectos: via de transporte, recreação e a captura de

alimentos (pescados, mariscos, fruto do mar, em geral). A maré tem importância

peculiar, desde cedo, na vida dos pescadores que mantem relação frequente com

esse ambiente de vida, passando parte maior de seu tempo em contato com ela e

dependendo dela para seu trabalho de pescador.

A maré também forma o pescador, ela fomenta uma pedagogia detalhada em

relação à identificação dos corpos d’água, do espaço de transição e classificação “do

que a maré está fazendo”. Ela representa uma zona que deve ser levada em

consideração, nas definições do tempo de descanso ou do tempo de trabalho.

A maré é identificada como fenômeno da alteração da altura das águas de

oceanos, mares e rios, e de todos corpos que dela sofrem influência. A altura das

águas é determinada interferência da lua e do sol sobre o campo gravitacional da

terra. Assim, conforme dados do Tio Zé, quando a maré está muito alta, de “lanço”,

denomina-se de “maré alta”, “maré cheia” ou “preamar”, quando a maré está

crescendo, ou “enchendo”. Essa denominação de “cheia” e “preamar” é dada também

quando ela está em seu menor nível, de “morta”, cuja velocidade e altura se

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distinguem da maré lançante. A partir da “preamar”, a maré começa a baixar/”secar”

e a nomenclatura se altera: “maré baixa” ou “baixa-mar” ou maré “seca”.

Os pescadores do salto, sob a orientação da lua, reconhecem “o que a maré

está fazendo”. É sabido por eles que existem variações de horário da maré. Essas

variações, do início da enchente até a maré “seca” se dão no período de doze horas

e vinte e quatro minutos. Doze horas, devido à rotação da terra e vinte e quatro

minutos, devido à órbita lunar. Para esses pescadores, a maré é referência direta à

do sujeito em relação ao meio em que vive e na prática de trabalho executada.

Todo dia a maré tarda trinta minutos. Começa a encher lá fora e só depois chega aqui. Assim como a maré faz, a lua faz também. É a lua que manda na maré. Pela lua a gente sabe quando é “cabeça de lanço” ou de “morta”. Se a “maré” já tá dando pra pescar de “tapage”, do salto ou de qualquer outra pescaria. As vezes a gente perde a pescaria e o material da gente porque num respeita a maré (TIO ZÉ – Entrevista concedida em julho/2017).

Tio Zé aproxima os dados científicos gravitacionais da terra com o

conhecimento empírico adquirido no oficio de pescador, colocando-se com humildade

diante de uma força natural poderosa ao afirmar que “a gente perde... porque num

respeita”. E o respeito ao tempo da maré concorre com a boa pescaria.

Desse envolvimento na pescaria provém outros significados ecológicos à maré,

dados pelos pescadores. Ela é meio de sobrevivência e fonte de renda por ser meio

de trabalho e de sustento da família e o horário funcional desse trabalho vincula-se a

hora da maré, pois o tempo do pescador é medido pelas águas, assim como as

distâncias percorridas, a localização de cardumes e pontos de pesca, a relação

transcendental dando sentido de todas as ações à Deus, a partilha de conhecimento,

de saberes, de alimento quando preciso, de amizade e respeito.

A maré comporta toda a dinâmica da pescaria: troca, venda, desafetos,

alegrias, frustrações, o simbólico/concreto material e biológico. É nela que a canoa

ganha vida, que o remo ganha movimento, que a “vela” e a aparadeira executam sua

função, que a cuia, o cesto e a poronga corroboram para a garantia do pescado e a

continuidade desse fazer prático, mas também criativo, artístico.

A pescaria do salto não se faz sem maré e canoa. Elas mantêm os laços mais

afetivos e significativos do ser humano com o mar. A existência de uma é alcançada

pela vida do outro.

A maré traz e alimenta os manguezais (Lei de 1965, nº 4771) que abrigam seres

em desenvolvimento, criadouros de peixes, de caranguejos, turú e sururu – dieta de

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muitas famílias. Esse ambiente, também, possui vegetais microscópicos que estão na

base da cadeia alimentar de uma série de animais do litoral, bem como de

microorganismos dos manguezais.

No nosso mangue tem muita coisa boa, tem o sururu e o turú... olha que maravilha! Tem até gente pesquisando. Certo dia descobriram que a pescada desova na cabeceira de um igarapé ali, é o “ninho” dela e a gente aqui tão perto nunca viu essas coisas (SEU ANTÔNIO – Entrevista concedida em julho/2017).

Figura 53: Turú na cuia pitinga

Fonte: Pesquisa de Campo – Jul./2017

Os manguezais cobrem toda a costa litorânea de Curuçá, constituindo

ecossistemas marinhos muito produtivos e funcionam como verdadeiros berçários do

mar, locais onde se reproduzem e se desenvolvem inúmeras espécies marinhas e

estuarinas. Os detritos originados das árvores de mangue (folhas, fruto e galhos) são

as mais importantes fontes de energia nas águas costeiras. Ele é um dos

ecossistemas mais importantes em termos de produção de recursos naturais (sururu,

ostra, mexilhão (Mytilus edulis), caranguejo, camarão, peixe).

Os manguezais ficam nas regiões de estuários, faixa de transição entre o

ambiente marinho e o terrestre, nos lugares onde os rios deságuam no mar. São

habitados por espécies vegetais típicas de ambientes alagados, resistentes à alta

salinidade da água e do solo.

Nessa relação de maré e mangue, o pescador Tio Zé, salienta que tem que

saber a hora certa para a pescaria do salto. Quando passa o período da metade das

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águas de lanço, a maré cresce rápido e invade logo os “paraturás” (solo duro do

mangue), o peixe se esconde logo. Assim, quando são águas de “morta” pequena,

também a pescaria fica comprometida pela falta de correnteza. Existe a maré propícia

para a pescaria. “No lanção é melhor pescar com meia maré de vazante, pra pegá os

peixes que vão saindo do mangue”, completou seu Antônio.

As aprendizagens adquiridas por meio da experiência do trabalho tornaram os

pescadores equilibradores com o meio ambiente, pois eles leem com sabedoria os

sinais da natureza, os ventos, as correntes marítimas, o fluxo dos peixes, os

problemas ambientais que causam danos à pesca e à vida marinha, as dificuldades

de seu trabalho, a necessidade de organização.

4.3.2 O saber do clima

Outro aspecto dos saberes ecológicos da pescaria do salto relacionado ao

clima é o vento. Ele é um fator que interfere ora positiva, ora negativamente. Por ser

utilizada uma poronga, cuja luminosidade depende do “morrão” permanecer aceso.

É preferível o vento calmo. Com o vento forte, a maré fica alvoraçada; e o vento calmo, ela fica branda, boa pra pescar. Nós senti a bater. Aqui em terra mesmo a gente já sabe como ele está se comportando. A questão do vento forte, na época do verão, é que a gente rema muito, sempre de encontro com ele pra poronga não apagá. Se a gente for com vento em popa, não faz muita força mais não pesca nada porque a poronga apaga, na certa (JURANDIR NEGRÃO – Entrevista concedida em julho/2017)

Na realidade não há como impedir que o vento sopre. O mau tempo é muito

pior que a chuva. A chuva sozinha não causa apagão na luz da poronga. Para o

pescador, no mau tempo que traz o vento forte junto com a chuva, fica inviável fazer

a “virada”, como afirma Cardoso (2004, p. 136).

É comum, entre pescadores, a afirmativa de que a “a chuva acalma o vento”. Nesse sentido não é a precipitação o mais temido, a menos que seja sob a forma de cerração/nevoeiro, e sim o deslocamento do ar que interage com o meio marinho, formando ondas, marolas, vagalhões, cuja exposição constante causa avarias nas estruturas das embarcações.

Vento e chuva são constantes em período de inverno. Contudo, o vento leste é

corriqueiro e o preferido pelos pescadores por trazer leves brisas e é bom para realizar

a pescaria. Existem outros tipos vento que são denominados conforme a direção

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deles: sudoeste ou geral que é ruim e o vento terral que é da terra para o mar e não

apresenta tamanho perigo.

O vento do leste é melhor. Num tem as coisas contrárias? Então, o que vem daqui (sinaliza com a mão direita a direção leste) é o do leste, é o vento branco, deixa a maré limpa porque traz consigo a toda a força do sol por isso que clareia tudo (AURIAN LIMA – Entrevista concedida em julho/2017).

Além das percepções sobre o vento, suas dinâmicas, o tempo da natureza

também conta para a articulação da vida na maré. Sendo componentes do clima, o

inverno e o verão são bem delimitados à pratica da pescaria.

A noção de tempo assume particular importância para a compreensão do significado que os pescadores conferem à sua reprodução social, tendo em vista, especialmente, a interferência direta das condições naturais em suas atividades e as mudanças estruturais a que estão sujeitas suas relações com os demais grupos sociais (BRITO, 1999, p. 149).

Essas percepções acerca das condições naturais do tempo que os pescadores

vêm fazendo, acumulam-se aos saberes sobre o meio apreendido das realidades

vivenciadas no mar, contexto da artesanalidade da pescaria.

A caracterização básica do tempo natural é a sua orientação dirigida aos afazeres, as tarefas do cotidiano, e está entrelaçada aos ritmos da natureza. Esse tempo natural se contrapõe ao tempo do relógio, medição/calendário (NASCIMENTO, 1993, p. 8).

O tempo primeiro considerado pelos pescadores é o tempo natural. Dele

demanda outros tempos. O tempo natural registra a alteração de inverno e verão

amazônicos e com base nessa alteração, há relatos de pescadores sobre a alteração

de comportamento dos peixes, de seu local de “comidia”.

No inverno eles ficam mais no meio do rio, no verão eles vêm pra beira. Se a pessoa não souber disso, vai passar a noite remando e não vai pegar nada. Só vai se cansar. Eles ficam mais espalhados. Nesse momento só faz vantagem quando é mais de dois saltiando porque se escaparem de um, outro pega (SEU ANTONIO – Entrevista concedida em julho/2017).

O conhecimento sobre as águas, sobre o comportamento dos peixes e a atitude

que deve ser tomada para a captura do pescado torna-se importante e necessário à

manutenção da vida aquática e marinha, e para o não comprometimento dos

estoques, o que para Leff (2001, p. 188-189)

Implica a necessidade de desconstruir a racionalidade que fundou e construiu o mundo, no limite da razão modernizadora que a conduziu a uma crise

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ambiental, para gerar um novo saber no qual se reinscreve o ser no pensar e se reconfiguram as identidades, mediante um diálogo de saberes (encontro, enfrentamento, entercruzamento, hibridação, complementação e antagonismo) na dimensão aberta pela complexidade ambiental para o reconhecimento e re-apropriação do mundo.

Seguindo essa tônica, Diegues (2000) admite que a natureza faz parte da

história e por conta disso, reconhece que as formas tradicionais de gestão dos

recursos são legítimas.

A valorização do conhecimento e das práticas de manejos dessas populações deveria constituir uma das pilastras de um novo conservacionismo nos países do Sul. Para tanto deve ser criada uma nova aliança entre os cientistas e os construtores e portadores do conhecimento local, partindo de que os dois conhecimentos – o científico e o local – são igualmente importantes (DIEGUES, 2000, p. 41-42).

Essas considerações sugerem encaminhamentos criativos e originais da

junção de conhecimentos tradicionais e os oriundos de tempos atuais, enlaçando-se

de ricas e distintas maneiras, de concepção de modos de vida que evocam

aprendizagens e saberes nesse contexto de percepções de fenômenos naturais.

4.3.3 O saber das fases da lua

A pescaria do salto por ser praticada em momentos que a iluminação da lua

não interfere na terra, vincula-se primeiramente a fase da lua para depois ter o tipo de

maré como determinante à “virada”. Seja em maré lançante, de quebra ou de morta é

possível a prática dessa pescaria. Além da claridade da lua só há outro empecilho,

cabeça de lanço quando a maré espalha o peixe, como já foi descrito anteriormente.

Para uma compreensão da fase da lua que é adequada para essa pescaria,

temos a fala do seu Antônio (Entrevista concedida em julho/2017):

A lua tem quatro fases, né, nova, crescente, cheia e minguante, que dura sete dias cada fase. A gente só num pesca do salto na lua cheia porque a lamparina não clareia a maré. É o nosso momento de descanso. Mas quando ela nasce pra obra de oito horas da noite, já dá pra fazer a virada. Mas a pescaria fica preguiçosa quando a lua senta três, quatro horas da manhã que a gente quer o calor da “costela”. Mas a melhor “virada” é quando ela sai seis horas da manhã (lua nova). Aí a gente chega certo com ela.

O conhecimento ecológico sobre as fases da lua está imbricado nos saberes

da pescaria do salto, cuja influência da lua propicia condicionantes positivos à vida

humana, pois os pescadores (não só os do salto) afirmam que as mares de escuro

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são mais afortunadas e a maré do claro, “panema”. Mas também a pescaria do salto

sofre alguns vieses relacionadas às “noites escuras” quando há ocorrência de muita

salinidade na maré, no período de estiagem.

A Figura 54 mostra as fases da lua, bem como as posições dela relacionadas

ao sol e a terra. De acordo com essas posições há uma fase distinta, apresentando

significados variados para a prática da pescaria do salto e para outras modalidades

de pescarias existentes.

Figura 54: Posição da Lua em relação a Terra e ao Sol

Fonte: Elaboração própria – Mar./2018

A figura acima mostra as quatro fases da lua. A lua nova está posicionada entre

o sol e a terra, “ficando no céu” durante o dia, pois “nasce” por volta das seis horas e

se põe dezoito, melhor período para a prática da pescaria do salto. A crescente, ou

quarto crescente, é denominada dessa forma pela observação de sua totalidade,

representando em seu formato um semicírculo e “nasce” ao meio-dia e se põe

aproximadamente à meia-noite. Nessa fase, a “virada” da pesca ocorre de meia noite

até a claridade do dia.

Na lua cheia, a terra está entre o sol e a lua e, portanto, conseguimos observar

a totalidade do satélite iluminado integralmente pelo sol. Na cheia, a lua nasce

aproximadamente às dezoito horas e se põe aproximadamente às seis horas do dia

seguinte. Tempo impróprio da pescaria do salto. E, a lua minguante ou quarto

minguante é o último estágio das fases da lua. Neste período, ela encontra-se no

formato de um semicírculo e assim, novamente conseguimos observar um quarto de

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sua totalidade no sentido oposto da fase crescente. Nesta fase, a lua nasce

aproximadamente à meia-noite e se põe aproximadamente ao meio-dia e a pescaria

do salto ocorre das dezoito horas até a meia noite.

Decorrido as quatro fases da lua, durante o mês, diz-se que ela completou um ciclo ou teve o ciclo de lunação (período sinódico) que ocorre em aproximadamente 29,5 dias e o período sideral é o tempo que a lua leva para girar em torno do seu eixo (rotação) é de 27,3 dias e esse também é o tempo que ela leva para orbitar em volta da terra (revolução) (GOUVEA, 2011).

O período de lunação, conforme Silveira (2001), é responsável pelo movimento

de subida e descida das águas do mar, em harmonia com o sol, que exerce importante

papel nesse movimento, embora seja menor que a influência da lua, pela distância de

sua posição em relação à terra. Então, a tríade lua-sol-terra e seus movimentos

causam a alteração nas marés.

Nesse movimento, a lua gira ao redor da terra que por sua vez gira ao redor do sol. E, da mesma forma que a terra atrai a lua, a lua atrai a terra, só que com menos intensidade. O efeito da atração da lua não exerce nenhuma influência nos continentes, mas afeta os oceanos. A influência da lua provoca correntes marítimas que geram duas marés altas e duas baixas diariamente, com retardo de aproximadamente trinta minutos para cada maré (SILVEIRA, 2001, p. 301 1 302).

A diferença entre marés pode ser quase imperceptível ou bem grande,

dependendo principalmente da posição dos astros em relação à terra, ou seja, das

fases da lua, descritas anteriormente no que tange a realização da pescaria do salto.

Essas mesmas fases da lua também influenciam a posição da maré:

Na lua nova: sol, lua e terra estão alinhados e a força de atração é somada causando elevação máxima da maré; na lua minguante: a lua está a oeste do sol, quase formando um ângulo de 90° entre eles. A atração é quase nula causando a menor elevação da maré; na lua cheia: o sol, a lua e a terra estão alinhados novamente, só que agora a terra está entre o sol e a lua. A atração causa novamente grandes elevações das marés; e, na lua crescente: a lua está a leste do sol, quase formando um ângulo de 90°. Nessa fase a gravitação da lua se opõe à gravitação do sol, como a lua está mais próxima da terra o sol não consegue anular totalmente a força gravitacional da lua, a maré ainda apresenta uma ligeira elevação (SILVEIRA, 2001, p. 301 1 302).

Dessa forma, ao analisar o conjunto de conhecimentos ecológicos na relação

das marés com os fazeres dos pescadores, do vento e a influência da lua nas marés,

evidencia que os pescadores pacamoreenses demonstram preocupações e princípios

de preservação de caráter fundamental para a sustentabilidade dessa atividade e que

os saberes tem sido transmitidos através de processos educativos que abarca

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gerações, aumentando consideravelmente a importância desses fazeres e atribuindo

nessas práticas, não só um valor ecológico, mas também um valor cultural pendente

a preservação, enquanto relação ser humano natureza.

4.4 A PESCARIA DO SALTO E SUAS REPRESENTAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS NO CONTEXTO DA ETNOCONSERVAÇÃO

Para discutir este aspecto, parto do pressuposto que os pescadores do Salto

de Pacamorema realizam esse trabalho de forma individual. Contudo, eles interagem

entre si para determinar os detalhes da saída para a “virada”. Essa ação vincula-se

ao que Durkheim (1989), considera representação coletiva, a partir de fenômenos

construídos coletiva e socialmente como religião, mitos, ciência, categorias de tempo

e espaço em termos de conhecimento inerente à sociedade, procurando dar conta

desses fenômenos.

Moscovici (1978) envereda para o campo da psicologia social, se distanciando

de Durkheim enquanto perspectiva sociológica. Desta forma, o conhecimento é

adquirido por meio da compreensão alcançada por indivíduos que pensam, porém,

não sozinhos, pois a semelhança dos pronunciamentos feitos pelos indivíduos de um

grupo demonstra que pensaram juntos sobre os mesmos assuntos e ou atividades.

As representações sociais da pescaria do salto são entidades quase tangíveis.

Elas circulam, cruzam-se e cristalizam-se incessantemente, por intermédio de uma

fala, um gesto, um encontro no universo cotidiano; constituindo, assim, uma

modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de

comportamentos e a comunicação entre os indivíduos.

Assim, as representações sociais são ferramentas para o entendimento de

lutas, conflitos, busca por territórios e pela defesa dos mesmos, produzindo saberes

a partir de suas vivências cotidianas, indo além dos pré-conceitos que são provindos

de mera visão sobre um fato.

Nesse sentido, a pescaria do salto, sendo um fenômeno social, produtora de

comportamentos e conhecimentos provindos de saberes e processos educativos, está

fincada em experiências sociais de forma individual e coletiva, envolvendo a vida

histórico-social dos intelectuais nativos desta pesquisa, de forma familiar, própria de

seu universo.

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A importância desta abordagem se funda na perspectiva do olhar científico

acerca de ação relacionada com o vivencial da pescaria do salto, ressaltando as

diferenças e indiferenças nos olhares a um objeto incomum para as ciências

modernas, teorizadas e comprovadas a partir de fórmulas puramente objetivas, mas

estimuladora de consciência coletiva, ressignificando as ciências nas representações

e ações do dia-a-dia.

Segundo Guareschi (1994), a representação social da pescaria do salto,

mostra-se como um conjunto de proposições, reações e avaliações que dizem

respeito a determinados pontos da prática individual e coletiva ao mesmo tempo,

organizadas de maneira muito diversa segundo a individualização na participação da

pesca, conforme o contexto social estudado.

Para Moscovici (1978) esses contextos sociais são imbricados de informação,

o campo de representação e atitude. A informação depende do nível de conhecimento

que o grupo apresenta acerca do objeto estudado. O campo de representações

relaciona-se a imagem que o grupo em questão constrói sobre o objeto e a atitude é

como se dá o posicionamento dos intelectuais nativos diante do objeto de pesquisa:

ser favorável ou não, aceitar ou rejeitar, ou então ser intermediário.

Desta forma, as representações sociais da pescaria do salto se alicerça no

como os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais constroem seu conhecimento a

partir da sua inscrição social, cultural e como se deixam conhecer a partir da interação

de sujeitos/comunidade/sociedade de formas a organizar a realidade, tendo a

comunicação como o elo cultural.

Os cenários de cultura [...] propicia aos que ali convivem, a internalização não apenas de coisas, habilidades, condutas, saberes e valores, mas aprendizagem, pois os sujeitos aprendem a realizar interações e integrações complexas de e entre tudo isto (BRANDÃO, 2002, p. 21).

As amálgamas da vida e da cultura, desses valores, entrelaçam o pescador, os

seus companheiros, tornando-os grupo social, tendo as compreensões das

obrigações morais, das instituições políticas que a envolve ou as condições ecológicas

facilitadoras de sua atividade, entre outras, que só são apreendidos através de uma

tala de símbolos significantes.

Com relação à compreensão de instituições políticas, os pescadores que são

também lavradores, buscam nessas entidades (Colônia de Pescadores e Sindicato

dos Trabalhadores Rurais) suporte de manutenção de sua vida quando necessária:

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auxílios e aposentadorias, conforme registro de sindicalização. No entanto, ficou

perceptível que embora os pescadores estejam associados à Colônia de Pescadores

não se detectou que algum deles tenha percebido o recebimento do seguro defeso,

nem pescadores e nem catadores de caranguejo.

Figura 55: Sede da Colônia de Pescadores de Curuçá

Fonte: Pesquisa de Campo – Jul./2017

Outra entidade que se visibiliza é o ICMBio, ocupante da presidência do

conselho deliberativo da Reservas Extrativistas Mãe Grande de Curuçá. As RESEX

são um modelo de área protegida que tem por objetivos principais “proteger os meios

de vida e a cultura de populações extrativistas e assegurar o uso sustentável dos

recursos naturais”. São áreas de domínio da União com uso concedido às populações

tradicionais, onde a utilização da área e dos recursos é normatizada por um Plano de

Manejo e a gestão é feita por um Conselho Deliberativo, como anunciado na

metodologia deste trabalho.

4.4.1 A etnoconservação: latência entre o tradicional e do moderno

Por conta de Pacamorema pertencer a uma Unidade de Conservação Federal

(UC), as representações da pescaria do salto passam a ser socioambientais, tendo

como pano de fundo a etnoconservação defendida por Diegues (2000) como sendo

um novo rumo para conservar a natureza, protegendo suas espécies da flora e da

fauna e perpetrando a sobrevivência da própria humanidade.

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A pescaria artesanal do salto envolve um complexo sistema de interação com

os ambientes e é fundamentada em um aprofundado conhecimento dos pescadores

acerca dos recursos, suas variedades, seus ciclos reprodutivos, seus hábitos e

habitats e das formas de manejo apropriadas: “no verão” o comportamento dos peixes

é de um jeito e “no inverno” se comportam de outra maneira; os peixes que “voam”71

também ficam “acomodados na ilharga dos paus”72;

As Reservas Extrativistas costeiro-marinhas reconhecem a importância e a

tradicionalidade desta atividade, as especificidades culturais e sociais das populações

que a mantém, as regras historicamente compactuadas pelas comunidades e a

territorialidade da atividade, incorporando estes aspectos nos instrumentos de gestão

desta categoria de unidade de conservação.

As criações destas unidades geralmente foram motivadas por demandas de

populações tradicionais, que na sua luta por justiça socioambiental e um modelo de

desenvolvimento condizente com suas especificidades culturais, atuasse como

resolvedoras de grandes conflitos socioambientais brasileiros geralmente

relacionados a águas costeiras, aos manguezais – vítimas de ações predatórias e

acidentes ambientais demasiados.

População e comunidades tradicionais são referidas por Brasil, Decreto no

6.04073, de 07 de fevereiro de 2007, Art. 3, Inciso I, da forma abaixo:

I – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

71 O Pescador Darci Galvão (entrevista cedida em julho/2017) utilizou essa expressão, exemplificando que Pacamorema “é o único lugar que os pescadores pegam os peixes no ar, porque os peixes voam”. 72 Claudionor Galvão ao observar que os peixes não pulavam por estarem “acomodados na ilharga dos paus” resolveu ir em busca deles, criando mais uma modalidade de pescaria, que posteriormente foi denominada de quebra, para uns, ou de afoga para outros. 73 O Professor Dr. Flavio Bezerra Barros, no momento das arguições da defesa da dissertação em 27/08/2019, ao mencionar o Decreto 6.040, salienta que ele está sendo alvo de petição de revogação de seus efeitos pela bancada ruralista do Congresso Nacional e pela Confederação Nacional da Agricultura–CNA por considerarem “os povos tradicionais como empecilho para o desenvolvimento deste país”. Em sentido contrário a essas atitudes, a Comissão das Reservas Extrativistas Federais–CONAREX, da qual ele é integrante, busca a mobilização das entidades ligadas aos povos tradicionais no sentido da garantia efetiva da manutenção dos direitos conquistados por esses povos, bem como o uso sustentável dos recursos naturais renováveis e a conservação da biodiversidade (cf. https://www.brasildefato.com.br/2018/08/21 e www.icmebio.gov.br – acessados em 13 de setembro de 2018).

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As RESEX’s costeiro-marinhas promovem o desenvolvimento sustentável e a

inclusão social de populações de pescadores artesanais. É uma forma de

reconhecimento do direito destas comunidades aos seus territórios originais de

reprodução social e econômica, da importância dos saberes e sistemas de gestão

tradicionais dos espaços e dos recursos naturais, bem como de seu importante papel

na conservação ambiental dos principais biomas brasileiros.

A conservação, termo relativamente recente, é frequentemente definida somente em seus aspectos técnicos e científicos, sem inseri-la nas teorias mais amplas relativas aos estudos das relações entre os humanos e a natureza. É por aí que começam os problemas, pois haverá tantas definições quantos forem os pressupostos teóricos e as correntes de pensamento e ação que constroem a chamada conservação (DIEGUES, 2000, p. 1).

A preocupação de Diegues (2000) se dá por conta da do contexto geral de

conservação, da natureza, defendida por cientistas naturalista e pautada somente

pelas ciências naturais. Para ele, a preocupação primeira esteja centrada no uso

humano dos organismos e ecossistemas, como definição e tomada de ações mais

abrangentes, apontando o projeto de lei 2.893, de 1992 um marco para essa questão

conservacional.

No Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (projeto de lei 2.892, de 1992) define conservação como: manejo do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benéfico, em bases sustentáveis, às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a sobrevivência dos seres vivos em geral (PROJETO DE LEI 2.892, de 1992).

Com base nesse entendimento de conservação surgiram as UC’s voltadas às

atividades de proteção, manutenção e restauração do mundo natural, com medidas

como a implantação de áreas protegidas, corredores ecológicos, etc., que nem

sempre correspondem as aspirações e anseios das populações locais, quanto as

necessidades vitais e reais.

P..., pessoal invade toda cabeceira desses igarapés. Uma vez pegaram

(pescadores locais) um desses aqui no Itaquara74, queria ver o tijuco chega tava branco de tanto peixinho, “prenderam” ele, ligaram pro cara da reserva mas não apareceu ninguém, e tiveram que soltar. Nunca vi fiscalização por aqui. Só lá em Curuçá (cidade) que eles ficam (TIO ZÉ – Diálogo espontâneo em julho/2017).

74 Nome de um Igarapé que referência de afortunado.

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Tio Zé, aponta para questões além do conservacionismo, da proteção que não

seja a natureza intocada, mas com a renovação dos estoques pesqueiros, da vida do

mangue e dos igarapés. Preocupações com a garantia do uso, do manejo e da

permanência do modo de ser pescador artesanal, e do salto.

O bom dessa pescaria é que os peixes que vem pra canoa é só “dos escolhidos”, peixe graúdo, as vezes é que um miudinho pula, de inxirido que são (rsrs). A gente não sai pra pegar eles, eles que vem até a gente, são eles que pulam. Nem barulho a gente faz com remo. A gente não espanta, eles que se espantam e vem pra canoa (TUXI – Entrevista concedida em julho/2017).

A consciência ambiental, embora secundarizada, porque suas experiências de

trabalho da forma como são representadas, não remetem essencialmente a um ato

de preservação, embora esteja evidenciado nos próprios atos e territórios de pesca.

Uma vez que esses territórios da pescaria do salto se desimbricam das cabeceiras de

igarapés que servem para procriação, reprodução e crescimento de peixes, bem como

de cercas (de redes malhadeiras, de tapagem) aos manguezais que a captura

tamanhos variados de peixes, matando e desperdiçando quantidades consideráveis

de peixes “miudinhos”.

A etnoconservação defendida por Diegues (2000) se pauta na relação do ser

humano com a natureza, diferente do pensamento conservacionista dominante que

cria lacuna entre a natureza e as sociedades humanas, bem como aquela só pode ser

protegida pelo afastamento do convívio humano, suscitando exemplos de parques

ambientes conservacionistas, cuja “interação” se dá pela contemplação da fauna e

flora protegida e intocadas pelos homens e mulheres.

A relação com a natureza que o modo de vida que os pescadores demostram,

se dá pelo enraizamento na vida natural, pelo pertencimento daquela realidade social

e por todos os saberes adquiridos pela prática de trabalho, pela observação, pela

produção cultural real e simbólica a que são “expostos” no cotidiano.

Existe uma simbiose entre o homem e a natureza, tanto no campo das atividades do fazer, das técnicas e da produção, quanto no campo simbólico. Essa unidade é muito mais evidente nas sociedades indígenas brasileiras [...]. Mas ela também aparece em culturas como a caiçara do litoral sul e ribeirinhos amazonenses, de forma menos clara talvez, mas nem por isso menos importante (DIEGUES, 2008, p. 63).

O manejo dos recursos pesqueiros e de outros que são oriundos do mar e da

terra se correlacionam mitos (visagens, feiticeiras, os “remédios” para tirar a

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panemeira75), regras (fases da lua, tamanho das marés, inverno/verão), valores

(respeito/desrespeito dos territórios de pesca, qualidade do pescado) e

conhecimentos (o saber-fazer e utilizar seus utensílios).

Tem material que eu mesmo faço. Tem outros que é comprado. Costurar eu sei, sei tecer também, mas tem rede que é muito ruim pra costurar. Graças a Deus tenho um bucado de material: rede de tapagem, tarrafa camaroeira, tarrafa de peixe, “vela”, a aparadeira e a canoa que é a principal, tenho uma grande e esta que é menor. Tenho espinhel também. Eu “preparo” o meu material, dou banho neles. Pô, o bom mesmo é a barba da lontra, mas é difícil de consegui por aqui, aí fica bom de pegar o peixe, chega o material ficar malino (TIO ZÉ – Entrevista concedida em julho/2017).

O conjunto dessas coisas definem a maneira e período como tais recursos

serão utilizados, tais elementos constituem-se em aspectos culturais regulatórios do

modo de vida, a ponto de considerarem o Tio Zé como puçangueiro76 por ter sucesso

em suas pescarias.

De fato, descobre-se mais, a cada dia, que, para interpretar corretamente os mitos e os ritos e, ainda, para interpretá-los sob o ponto de vista estrutural (que seria errado confundir com uma simples análise formal), a identificação precisa das plantas e dos animais que se mencionam ou que são utilizados, diretamente sob a forma de fragmentos ou de despojos, é indispensável (LÉVI-STRAUSS, 1970, p. 68).

Estes elementos que guiam os fazeres da população de Pacamorema em

relação com o meio natural o caracteriza como sistemas tradicionais de manejo em

que o uso não se define como exploração pela exploração, mas demanda respeito,

gratidão, medo e cumplicidade com a natureza, tendo por base a preservação

ambiental dessa localidade, de forma que o meio ambiente é utilizado para a

sobrevivência, os identificando culturalmente na história, distinguindo-se dos padrões

de produção capitalistas (urbana-industrial) em que a exploração pelo trabalho e lucro

são as suas principais marcas.

Dentro de uma perspectiva marxista, as culturas tradicionais estão associadas a modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em que o trabalho ainda não se tornou mercadoria, onde há grande dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a dependência do mercado existe, mas não é total. Essas culturas distinguem-se daquelas próprias ao modo de produção capitalista, em que não só a força de trabalho,

75 O mesmo que panema; trata-se de um estado ou condição que leva ao insucesso nas atividades produtivas ou que não consegue persistentemente obter o êxito desejado. Pode ser provocada pela feitiçaria, quando “banhados”, por substâncias fétidas, ardidas ou prurientes (MAUÉS & VILLACORTA, 2001). 76 Puçangeiro, termo regional nortista, utilizado para aquele que faz remédio caseiro com a finalidade de empuçangar/enfeitiçar.

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como a própria natureza, se transforma em objeto de compra e venda (mercadoria) (DIEGUES, 2008, p. 84).

A utilização da natureza pelos pacamoreenses requer um manejo sustentável

porque o lucro, embora exista, é secundário. O uso da natureza é o garantidor de

reprodução social e cultural, representando em suas ações o valor que a natureza e

seus ciclos possuem por fazer parte dela e vice-versa, opondo-se às vicissitudes

ferrenhas impregnado pelo capitalismo.

Antes de tudo, trata-se de considerar o homem como uma força da natureza, uma força entre outras. Seu interesse lhe aconselha a estreitar as ligações, de permitir que as outras forças se desenvolvam, se renovem, em vez de esgotá-las numa busca sem fim de energias a explorar e de espécies para destruir, de uma abundância que se transforma continuamente em escassez; de renunciar a esta atitude predatória tão fortemente ancorada nele (MOSCOVICI, 1974, p. 120, In: DIEGUES, 2000, p. 23).

Essa relação do ser humano e natureza unificados não pode ser abolida, ela

não é um meio exterior ao qual o homem se adapta. O homem é natureza e a natureza,

seu mundo, produzindo o meio que o cerca e sendo produto desse meio como parte

da história coletiva.

Desse modo, Diegues (2000) sugere a aproximação dos cientistas acadêmicos

com os intelectuais nativos, afim de a visão global, de um, se imbricar com os

conhecimentos acumulados por gerações sobre ecossistemas e suas variações, de

outros. Essa integração contribuiria para a “o planejamento e execução de ações

conservacionistas”.

Conforme a observação em campo posso considerar que a diversidade cultural

se torna condição para a diversidade da vida biológica, garantindo o acesso aos

recursos naturais de seus territórios, bem como a utilização responsável de todos

esses recursos, respeitando e conservando essa unidade que se faz pelo homem e

pela natureza, cujo manejo garantidor do futuro de todas as espécies de vida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desafio de enveredar pelos caminhos das águas, pelas entrâncias de rios,

igarapés e furos, pelo fazer de chão as raízes dos mangues, por enxergar com outros

sentidos através de uma adaptação e conformação aos fazeres nunca praticados,

porém imaginados, possibilitaram o reconhecimento da importância de vidas, grandes,

pequenas, pensantes ou não, cuja interdependência se dá em um constante vasão de

símbolos e significados pela troca entre seres, em função da vida.

Essas considerações preliminares, jamais fechadas, partem de encontros e

desencontros, como se acompanhasse as idas e vindas das máres, em que cada

movimento desvela o novo, pois a repetição desses movimentos, dos fazeres da

pescaria artesanal, embora pareçam ser corriqueiras, apresentam e se adaptam a

uma dinâmica constante, pois marés, ventos e o tempo regulam essas movências.

Transpor o pontilhão, com a finalidade da pesquisa suscitou responsabilidades

diversas: pessoal, familiar, acadêmica. Exigências suscitada na academia,

particularmente pela minha orientadora. Contudo, a transposição dos obstáculos

inerentes a corporificação de uma base teórica-conceitual que desse conta,

metodologicamente, da pesquisa de campo, bem como na compreensão da realidade

vivenciada a partir de autores que discutem a pesca artesanal em si e as suas relações

com os saberes locais e com os saberes ecológicos.

Os desafios se equipararam com a responsabilidade, muitas vezes indo além.

A ansiedade em fazer a cartografia da pescaria do salto tomou conta do meu ser

pesquisador, se misturando com outros sentimentos. Contudo, o “plano de manejo”

foi alterado, sob orientação, passando a cartografar não só essa modalidade de

pescaria, mas o bojo todo, com o desafio etnográfico para esta pesquisa.

Os obstáculos e os desafios foram relevantes à robustez da permanência em

campo, concorrendo para a convicção do objeto a ser percebido, vivenciado,

analisado e verificar se, de fato, daria conta em assumir a empreitada de navegar nas

águas desses saberes, tendo a companhia prática e o compartilhamento desses

processos ditos e vividos pelos intelectuais nativos, em momentos de trabalho, de

descanso e de lazer.

Como assumir o papel de pesquisador num ambiente de trabalho em que seus

agentes são ligados afetivamente? A proximidade afetiva seria causa de insucesso

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em campo? Dariam credibilidade a essa pesquisa e ao pesquisador? Fiz-me esses

questionamentos e percebi a necessidade do “estranhamento” para manter o rigor

epistemológico que caracterizaria minha permanência, não como um familiar, em

busca da problemática levantada na academia para comprovar o objeto de estudo: os

saberes e os processos educativos dos pescadores do salto. Esses saberes,

analisados epistemologicamente, se evidenciaram em ações rotineiras do cotidiano,

realizadas “naturalmente” e sem a percepção de que são detentores de

especialidades e de conhecimentos. Tão significantes são, que suas ações se

imbricam com o fazer ciência.

Para mediar esses saberes e os processos educativos recorri à método

científico, não àquele frio e calculista expresso pela rigidez da ciência positiva, mas

aquele fundamentado nas ciências humanas, pautada numa lógica existencial em que

a imprecisão e o implícito do cotidiano são inerentes, como foram fundamentais os

autores que contribuíram para esse diálogo entre a academia e a vida cotidiana,

tornando visibilizados os saberes. Evidentemente que essa percepção de saberes

revelados enfrenta resistência nos meandros da ciência positiva. Tais resistências

perdem forças no contexto amazônico rural, ribeirinho, com os estudos cada vez mais

frequentes, voltados para essas realidades.

Na organização da prática, nas modalidades e nas técnicas das pescarias

artesanais de Pacamorema existem saberes e processos educativos, bem como suas

circulações, evidenciando uma educação que ultrapassa barreiras do formal, vai além

da escola, pois a principal fonte de conhecimento está na vida do ser humano que se

relaciona com a natureza, com sua história, com a cultura, com as entidades

espirituais, com a relação de poder e de “domínio” de território, mantendo a conexão

em forma de rizoma. Nessa circulação de saberes, o processo educativo ocorre “como

o movimento da maré” na canoa em que os envolvidos ficam marcados pela ação e

sem se perceber “aprende” e “ensinam” com os seus atos.

A expertise nesse processo de “ensinar” e “aprender” demanda de observação

das ações, das tentativas, dos acertos e dos erros e nesse vai e vem da vida, num

movimento dialético, do eu com o/s outro/s, com a natureza, o aprender e o ensinar

se confundem e se complementam. Aprende-se quando criança, jovem ou adulto, não

há momento adequado para ser invadido pelos processos educativos que

substanciam e dão significado à vida.

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Dessa forma, as práticas de trabalho relacionadas a pescaria do salto se

interliga com as práticas desenvolvidas pela ancestralidade amazônica, nos seus

diversos ambientes, bem como nas múltiplas formas de pescar. Mas a pescaria que

identifica esta pesquisa se amálgama de saberes em construir seus apetrechos:

“vela”, aparadeira, canoa, remo, cestos, esgotes e a poronga – instrumento que sem

o qual não se dá essa prática da pescaria artesanal do salto; em educar o corpo para

a atividade dura de trabalho – aguçando os sentidos e recheando-o de sensibilidades

–; reconhecer a importância do tempo ecológico em seus fazeres, pois a maré, o vento

e a lua constituem elementos essenciais a essa prática; os saberes do corpo e do

movimento como forma de se adequar e de eficácia no desenvolvimento da pescaria;

bem como saber usar responsavelmente os recursos dados pela natureza de forma a

não provocar a escassez dos estoques de peixes, camarão e outros elementos da

mariscagem que impossibilite o uso das gerações futuras.

Estes saberes visibilizados no trabalho de campo e analisado sob a ótica

epistemológica e ontológica de uma realidade concreta de trabalho revestido de

conhecimentos da/naquilio que os tornam seres e os identificam como pescadores

preocupados em proteger a biodiversidade e a diversidade dos saberes que os

constitui, administrando a forma de ver e de se relacionar com a natureza, manejando

os processos e os recursos naturais.

No enquadramento da população pacamoreense como tradicional, remete a

tarefa de saber usar e conservar os recursos naturais de interesses alheios à

comunidade, seu território, impedindo a decadência desses recursos e da vida e a

perda de espaço nas águas.

Tendo por base o desenvolvimento sustentável, aliado ao conhecimento

cientifico, permite uma reflexão acerca de como olhamos o mundo à nossa volta e de

como as decisões políticas alheias ao círculo ilhéu de Pacamorema afeta diretamente

as práticas da vida comunitária, sufragando as possibilidades de sustentabilidade

local.

Os pescadores de Pacamorema se identificam com a maré por situações

obvias: manutenção alimentar de sua família e porque essa “virada” complementa seu

ser, pelo saber-fazer e pelo reconhecimento, e pela liberdade de ser o “patrão” de si

mesmo, sem interferência de alguém para exigir cumprimento de tarefas, já que a hora

é marcada pela natureza.

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O saber-fazer seus apetrechos implica em conhecimento, mas a sabedoria

demanda da prática em reconhecer onde e como utilizar os instrumentos fabricados,

sem desperdiçar material e tempo. Essa sabedoria requer agudeza dos sentidos, em

saber ouvir a natureza e os mais experientes e se reconfigurar conforme a

necessidade.

A construção do significado da pescaria que os intelectuais nativos têm decorre

as relações socioeconômicas desempenhadas no ambiente da pesca e se caracteriza

pelas práticas sociais do trabalho e pela elaboração sociocultural que se trava nas

próprias comunidades, subsidiando o significado dela para cada pescador.

Para não concluir, este trabalho procurou desvendar os saberes e os processos

educativos impressos na história e na cultura de pessoas que, muitas vezes, tem sua

importância subsumida e a sua existência marginalizada seja como individuo, seja

como comunidade.

Assim, esta pesquisa busca a valorização de um trabalho duro que é a pesca

artesanal e dá visibilidade a uma comunidade tradicional que, naturalmente, fica às

margens, similar a outras comunidades amazônicas, embora recheada de conexões

com os centros urbanos e com a natureza, detentora de saberes, de processos

educativos provindos de intelectuais nativos que deram corpo, forma e sentido a esta

produção.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A

TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Título do Projeto de Pesquisa: CARTOGRAFIA DE SABERES E PROCESSOS

EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO

O pesquisador, abaixo firmado, assegura o caráter de confidencialidade

com os intelectuais nativos desta pesquisa.

Nas entrevistas, nas rodas de conversa e no diário de campo serão

utilizados nomes próprios ou seu codinome.

O pesquisador manterá um registro de inclusão dos participantes de

maneira aberta, contendo nomes e endereços para uso próprio, e os formulários de

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinados pelos intelectuais nativos,

serão mantidos pelo pesquisador, em um único arquivo.

Asseguramos que os pescadores e suas famílias receberão uma cópia do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Curuçá-PA, ___/___/2016.

____________________________________________ Assinatura Pesquisador Responsável

___________________________________________

Assinatura Orientador

___________________________________________ Assinatura Intelectual Nativo

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APÊNDICE B

DECLARAÇÃO DE USO ESPECÍFICO DO MATERIAL E/OU DADOS COLETADOS

Título do Projeto de Pesquisa: CARTOGRAFIA DE SABERES E PROCESSOS

EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO

Declaro que os dados coletados serão de uso específico para o

desenvolvimento da pesquisa em questão.

Curuçá-PA, ___/___/2016.

_________________________________________ Assinatura Pesquisador Responsável

_______________________________________

Assinatura Orientador

_____________________________________ Assinatura do Intelectual Nativo

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APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu ______________________________________________________ Pescador

Artesanal, após ter recebido todos os esclarecimentos e ciente dos meus direitos,

concordo em participar da pesquisa intitulada “CARTOGRAFIA DE SABERES E

PROCESSOS EDUCATIVOS INSCRITOS NA PESCARIA ARTESANAL DO SALTO”,

realizada pelo pesquisador MARCILENO NUNES LIMA, bem como autorizo a

divulgação e a publicação de todo dado coletado sobre meu diálogo, exceto dados

pessoais, em publicações e eventos de caráter científico. Desta forma, assino este

termo, juntamente com o pesquisador, em duas vias de igual teor, ficando uma via

sob meu poder e outra em poder do pesquisador.

Ilha de Pacamorema, Curuçá-PA, ___/___/2016.

________________________________________

Intelectual Nativo

_______________________________________

Assinatura do Pesquisador

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APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

1. ASPECTOS IDENTIFICADOR DO PARCEIRO DA PESQUISA

1.1 Nome:

1.2 Idade:

1.3 Sexo:

1.4 Onde nasceu?

1.5 Estado Civil:

1.6 Nome do Pai:

1.7 Nome da Mãe:

1.8 Tempo de vivência na comunidade:

1.9 Atividades que desenvolve:

1.10 Escolaridade/Formação:

1.11 Integrantes da família:

1.12 Quantos estudam e/ou trabalham?

1.14 Se trabalham que atividades realizam:

1.15 Acredita em Deus? ( ) Sim ( ) Não

1.16 Pertence a alguma religião? ( ) Sim ( ) Não Qual?

2 ASPECTOS DA NATUREZA E A PESCARIA ARTESANAL DO SALTO

2.1 Que significado tem a natureza para você?

2.2 Como você se relaciona ou se envolve com o uso dos recursos naturais?

2.3 Você contribui para a preservação ou destruição da natureza?

2.4 Como você iniciou na pescaria do salto?

2.5 Que importância tem essa pescaria para você?

2.6 Que tarefas ou obrigações você tem no ato de pescar? Qual delas você mais se identifica?

2.7 Como e com quem você aprendeu as etapas do trabalho na pescaria do salto? Teve dificuldade?

2.8 Como se dá o processo de organização da pescaria do salto? Você ensinou/ensina esse processo para outras pessoas? Para quem?

2.9 Segundo o seu perceber, como está dividida a pescaria artesanal e qual espaço a pescaria do salto tem nisso?

2.10 Que atividades são envolvidas nessa prática de pesca?

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2.11 Os utensílios utilizados na pescaria do salto são próprios? Sim ( ) Não ( ) Quem os produz? De que forma?

2.12 Possui instituição pública ou particular que ofereça cursos para confecção desses utensílios? Quais?

2.13 Você pesca sozinho? Sim ( ) Não ( ) Quem é o parceiro? Há cooperação no trabalho da pesca? Há conflitos na divisão? Como são resolvidos esses conflitos?

2.14 Que tipo de pescado você mais captura? Além de servir para a alimentação, você também comercializa o pescado?

2.15 O peixe capturado é trocado por outro produto? Sim ( ) Não ( ) Qual/is produto/s? Com quem? Por quê?

2.16 Você conta com financiamento do governo? Sim ( ) Não ( ) Que tipo?

2.17 A vivência no trabalho na pescaria te ensinou o quê? Como se deu esse processo?

2.18 Em seu trabalho de pesca, que pesqueiros/espaços você mais utiliza? Que percurso você faz para chegar até esses pontos de pesca?

2.19 Que período é mais adequado para a prática da pesca do salto (chuvoso ou estiagem/luar ou escuro)? Por que?

2.20 Além da pescaria, que outra importância tem os rios e igarapés?

2.21 Você gosta do que faz?

2.22 Você gostaria de executar outro tipo de trabalho? Sim ( ) Não ( ) Por quê? Qual impedimento que você tem?

2.23 Que relação você percebe entre o trabalho da pescaria com o conhecimento de mundo?

2.24 Que saberes orientam e estão inscritos em todas essas etapas?

2.25 Que processos educativos esses saberes revelam?

2.26 As mulheres e crianças participam de alguma modalidade de pescaria? Que atividade? Com qual frequência?

3 ASPECTOS DA SAÚDE: SEBERES MEDICINAIS E MÍTICOS

3.1 Você sente que o trabalho na pescaria lhe causa algum problema de saúde? Sim ( ) Não ( ) Que sintomas são sentidos?

3.2 De que forma você lida com a doença?

3.3 Você utiliza remédio caseiro ou sob prescrição médica para o tratamento da doença? Como e por quê?

3.4 Existe problema de saúde causado por entidades encantadas (rio, mata e outros)? Sim ( ) Não ( ) Que tipo?

3.5 Com relação a questão da (má)fama de o Pacamorema ser a “terra de feiticeiros”, o que você pensa a respeito disso? Por que você considera que essa história é real? Como ela surgiu?

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ANEXO

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ANEXO A

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Universidade do Estado do Pará

Centro de Ciências Sociais e Educação Programa de Pós-Graduação em Educação

Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo 66113-200 Belém-PA

www.uepa.br/mestradoeducacao