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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO VII - SÃO JOSÉ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO SETOR DE MONOGRAFIA A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM MATÉRIA AMBIENTAL Monografia apresentada para a obtenção do título de Bacharel em Direito - Universidade do Vale do Itajaí - Centro de Educação de São José - Curso de Direito. ACADÊMICO: ANDRÉ LUIZ RAULINO São José, maio 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO VII - SÃO JOSÉ CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO SETOR DE MONOGRAFIA

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM MATÉRIA AMBIENTAL

Monografia apresentada para a obtenção do título de Bacharel em Direito - Universidade do Vale do Itajaí - Centro de Educação de São José - Curso de Direito.

ACADÊMICO: ANDRÉ LUIZ RAULINO

São José, maio 2008

ANDRÉ LUIZ RAULINO

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM MATÉRIA AMBIENTAL

Monografia apresentada para a obtenção do título de Bacharel em Direito – Universidade do Vale do Itajaí – Centro de Educação de São José - Curso de Direito. Orientador: Profº. MSc. Rafael Burlani Neves

ACADÊMICO: ANDRÉ LUIZ RAULINO

São José, maio 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA EM MATÉRIA AMBIENTAL

ANDRÉ LUIZ RAULINO

A presente Monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau

de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI.

São José, 18 junho de 2008.

Banca Examinadora:

_____________________________________ Profº. MSc. Rafael Burlani Neves - Orientador

______________________________________ Profº. MSc. Luiz César Silva Ferreira - Membro

__________________________________ Profº. MSc. Artur Jenichen Filho - Membro

4

“Um dia, quando olhares para trás, verás que os dias mais belos são os dias em que lutaste.” (Sigmund Freud - 1856-1939).

5

A minha esposa, Maria, e ao meu filho,

Gabriel, que me ajudaram a superar

dificuldades deste momento, demonstrando

muita compreensão e carinho.

6

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. MSc. Rafael Burloni Neves, pelos ensinamentos, paciência e

compreensão durante a elaboração desta monografia.

À Profª. Maria Helena Machado, por toda a dedicação compreensão, preocupação e

simpatia, passando-me um pouco do seu vasto conhecimento no mundo jurídico e ético.

À Deus pela disposição, determinação, segurança, autodeterminação que me

proporcionou durante toda a monografia.

A minha mãe e a toda minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram

esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida.

Aos meus amigos e colegas da universidade, Imobiliária José Ibagy e Conselho

Estadual de Corretores, pelo incentivo e apoio constante.

A minha querida amiga Stella Maris e sua irmã Carla Margarete, revisoras deste

trabalho, sem as quais não teria a mesma qualidade.

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RESUMO

Esta Monografia apresenta um estudo do meio ambiente como um direito constitucional, essencialmente difuso e da coletividade, um direito de uso comum do povo, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil. Assim sendo, a Política Nacional do Meio Ambiente tem por como objetivo maior o desenvolvimento econômico, com base na não degradação, com apoio de um sistema composto de órgãos de execução e fiscalização. Para a realização deste trabalho monográfico utilizou-se uma pesquisa de cunho bibliográfico por meio do método indutivo. Pôde-se identificar que a Constituição da República Federativa do Brasil impõe a qualquer infrator, seja pessoa física ou jurídica, as sanções penais em crimes ambientais. A pessoa jurídica, além das sanções previstas sofre a desconsideração da personalidade jurídica. Com a desconsideração e, conseqüentemente, sua insolvência, seus representantes legais responderão pelos danos ambientais causados. O Direito Ambiental surge para a aplicabilidade das leis ambientais e qualquer membro da coletividade está legitimado a protegê-lo. Pode-se concluir que a sociedade anseia, por parte do Supremo Federal, um posicionamento quanto à matéria para pôr fim as divergências jurisprudenciais, para que o meio ambiente, como um bem tutelado, não reste nenhuma dúvida da necessidade da proteção do Estado. Palavras-chave: Crime Ambiental. Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica.

8

ABSTRACT

This Monograph presents a study of the environment as a constitutional right, essentially diffuse and of the collectivity, a right to use the common people, according to the Constitution of the Federative Republic of Brazil. Therefore, the National Environmental Policy is intended as objective greater economic development, based on no degradation, with support of a system composed of organs for implementation and monitoring. For this work monographic used to seal a search of bibliographic through the inductive method. It was identified that the Constitution of the Federative Republic of Brazil imposes on any violator, whether physical or legal person, criminal sanctions in environmental crimes. The legal person, in addition to the penalties have the disregard of legal personality. With the disregard and, consequently, its insolvency, its legal representatives respond by environmental damage caused. The Environmental Law comes to the applicability of environmental laws and any member of the community is legitimate to protect it. It was concluded that the company hopes, by the Supreme Federal, a position on the field to end the differences law, for the environment, as a subordinate, there remains no doubt of the need for protection of the state. Key-words: Environmental crime. Criminal responsibility. Legal person.

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RESUMEN

En esta monografía se presenta un estudio del medio ambiente como un derecho constitucional, esencialmente difusa y de la colectividad, el derecho a utilizar la gente común, de acuerdo con la Constitución de la República Federativa del Brasil. Por lo tanto, el Consejo Nacional de Política Ambiental se propone como objetivo un mayor desarrollo económico, basado en la degradación no, con el apoyo de un sistema integrado de órganos para la aplicación y el seguimiento. Para este trabajo monográfico utilizado para sellar de una búsqueda bibliográfica a través del método inductivo. Se identificó que la Constitución de la República Federativa del Brasil impone a cualquier infractor, ya sea persona física o jurídica, las sanciones penales por delitos contra el medio ambiente. La persona jurídica, además de las sanciones tienen el desprecio de la personalidad jurídica. Con el desprecio y, en consecuencia, su insolvencia, sus representantes legales responder por los daños ambientales causados. El Derecho Ambiental viene a la aplicabilidad de las leyes ambientales y cualquier miembro de la comunidad es legitima para protegerla. Se llegó a la conclusión de que la empresa espera, por el Supremo Federal, una posición sobre el terreno para poner fin a las diferencias derecho, para el medio ambiente, como un subordinado, no hay duda de la necesidad de protección del Estado. Palabras-clave: Delitos contra el medio ambiente. La responsabilidad penal. Persona jurídica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11 1 DA NECESSIDADE DO DIREITO PENAL NO MEIO AMBIENTE ........................... 12 1.1 ASPECTOS GERAIS DO MEIO AMBIENTE .......................................................... 12

1.2 O MEIO AMBIENTE COMO UM INTERESSE DE CARÁTER DIFUSO ................. 16

1.3 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO ......................................................... 18

1.4 O PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA E AS TEORIAS DO DELITO E

DA FICÇÃO ............................................................................................................ 19

1.5 DOLO, DOLO EVENTUAL E CULPA ...................................................................... 22

1.5.1 O dolo ................................................................................................................... 22

1.5.2 O dolo eventual .................................................................................................... 23

1.5.3 A culpa .................................................................................................................. 24

2 DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA FRENTE À TEORIA DO DELITO .............................................................................................................. 25

2.1 ASPECTOS GERAIS DA PESSOA JURÍDICA ....................................................... 25

2.2 DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA SUBJETIVA E

OBJETIVA NO DIREITO AMBIENTAL .................................................................. 26

2.3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NA LEGISLAÇÃO

VIGENTE ............................................................................................................... 35

3 A INTERVENÇÃO PENAL EM PROBLEMAS AMBIENTAIS .................................. 44 3.1 OS CRIMES AMBIENTAIS E A CRISE AMBIENTAL ............................................. 44

3.2 ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS ............................. 48

3.3 DA NECESSIDADE DE NOVOS PARADIGMAS PARA O DIREITO PENAL ......... 61

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 63 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 65 ANEXOS ....................................................................................................................... 69

11

INTRODUÇÃO

Este ensaio monográfico parte do pressuposto do meio ambiente como um

direito constitucional, essencialmente difuso, e da coletividade, não sendo um bem

de caráter público, mas sim, um direito de uso comum do povo e, por isso, é

fundamental para uma sadia qualidade de vida, de acordo com a Constituição da

República Federativa do Brasil.

Partindo deste pressuposto, buscou-se como objetivo geral, “Identificar a

aplicabilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica face ao meio ambiente,

prevista na Constituição da república Federativa do Brasil e na Lei n. 9.605/98.”

Para o alcance deste objetivo, foram traçados os objetivos específicos: a)

Abordar o entendimento das incompatibilidades dogmáticas da responsabilidade

penal da pessoa jurídica frente à teoria do delito, tendo como base o Princípio da

Personalidade da Pena; b) Identificar de que forma poderá ser utilizado este instituto

para punição nos crimes ambientais.

A questão central do estudo é responder a pergunta que norteou este estudo:

Como responsabilizar a pessoa jurídica no âmbito penal em decorrência do dano a

um bem jurídico (meio ambiente), tendo por base o art. 225 da Constituição da

república Federativa do Brasil, contrariando o Princípio da Personalidade da Pena?

Para a realização deste trabalho utilizou-se um estudo através de uma

pesquisa bibliográfica, por meio do método indutivo.

Para tanto, o trabalho está assim estruturado:

O capítulo 1 aborda a necessidade do Direito Penal no meio ambiente,

destacando-se o meio ambiente como um interesse de caráter difuso e como bem

jurídico, trazendo aspectos gerais do Princípio da Personalidade da Pena e as

Teorias do Delito e da Ficção.

O capítulo 2 apresenta a responsabilidade da pessoa jurídica frente à Teoria

do Delito e na legislação vigente.

O capítulo 3 apresenta a intervenção penal em problemas ambientais,

abordando os crimes ambientais e a crise ambiental, com os entendimentos

doutrinários e jurisprudenciais, e por fim a necessidade de novos paradigmas para o

Direito Penal.

No capítulo 4 traz-se as considerações finais.

12

1 DA NECESSIDADE DO DIREITO PENAL NO MEIO AMBIENTE

1.1 ASPECTOS GERAIS DO MEIO AMBIENTE

O equilíbrio ecológico é um dos assuntos mais discutidos atualmente. Os

países cada vez mais populosos e desenvolvidos em industrialização, como a

decorrência do uso indiscriminado de tecnologias predatórias1, oferecem aos seres

humanos um enorme poder de destruição, que atinge a qualidade de vida no globo

terrestre.

A Constituição da República Federativa do Brasil contempla em consonância

com realidade social ao considerar o meio ambiente como direitos fundamentais,

conforme disposto no art. 225, que enfatiza a necessidade do direito à sadia

qualidade de vida, ratificando assim, os direitos e garantias fundamentais expressos

no art. 5º da referida Constituição.

Art. 225º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A intenção do legislador constituinte brasileiro foi dar uma resposta ampla à

grave e complexa questão ambiental, como requisito indispensável para a garantia a

todos a uma qualidade de vida digna.2

Portanto, tem-se como pressuposto que o meio ambiente é um direito

constitucional e da coletividade e, este não se trata de um bem público de uso

especial, mas sim, são bens públicos de uso comum do povo (art. 99, Código Civil).

1 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental contemporâneo. Barueri, São Paulo: Manole, 2004. p.354. 2 PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com a análise da Lei n. 11.105). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p.76.

13

Luiz Regis Prado complementa o pensamento ao salientar que foi dentro da

perspectiva de melhoria da qualidade de vida e de bem-estar social a alcançar que o

texto maior erigiu como direito fundamental o direito ao ambiente ecologicamente

equilibrado, indispensável à vida e ao desenvolvimento do ser humano.3

O meio ambiente é um bem, essencialmente, difuso e engloba todos os

recursos naturais como as águas doces, salobras e salinas, superficiais ou

subterrâneas; a atmosfera, o solo, o subsolo e as riquezas que encerram, bem como

a fauna e a flora e suas relações entre si e com o homem. É essencial para a

sobrevivência da humanidade, sendo considerado um direito fundamental de terceira

geração.

O meio ambiente - cujo tema é amplo e complexo – assim é entendido. Para

José Afonso da Silva, o meio ambiente:

integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão ‘meio ambiente’ se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ‘ambiente’ (grifo no original).4

Meio ambiente para L. Grinover é:

um jogo de interações complexas entre o meio suporte (elementos abióticos), os elementos vivos (elementos bióticos) e as práticas sociais produtivas do homem. O todo ambiental compreende, então, flora, fauna e seres vivos em geral, processos físicos naturais, biogeocidos, riscos naturais, utilização do espaço pelo homem [...]5

Segundo I. Sachs, o meio ambiente:

inclui o natural, as tecnologias criadas pelo homem (ambiente artificial) e o ambiente social (ou cultural), inclui todas as interações entre os elementos naturais e a sociedade humana. Assim, meio ambiente inclui o domínio ecológico, social, econômico e político.6

3 PRADO, Luiz Regis. op cit., 2005, 76. 4 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.20. 5 apud BRÜGGEMANN, Fernando M. Recursos naturais, com potencial turístico, para o desenvolvimento local sustentável do município de Rancho Queimado no Estado de Santa Catarina. 2001. Dissertação (Mestrado) - Pós-Graduação em Engenharia Sanitária, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2001. p.40. 6 BRÜGGEMANN, Fernando M. op. cit., p.40.

14

A Constituição da República Federativa do Brasil recepcionou as leis

anteriormente promulgadas, as quais tratam do mesmo assunto. Dentre aquelas, a

principal é a Lei n. 6.938, de 31/08/1981 - Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente (PNMA), seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Em seu art.

3º, I, a referida Lei entende por meio ambiente “o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e

rege a vida em todas as suas formas.”7

Esta Lei incorporou e aperfeiçoou normas Estaduais já vigentes e instituiu o

Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), integrado pela União, Estados e

Municípios.

O SISNAMA é composto dos órgãos: Ministério do Meio Ambiente (MMA);

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), que executa e fiscaliza; Conselho

Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que edita resoluções que fixa padrões

deliberativos e consultivo; e Seccionais (estaduais), que são responsáveis por

procedimentos de licenciamentos,...; e Locais (municipais). Todos estes órgãos são

autônomos, mas com competências diferentes.

Assim, a PNMA consagra-se como um escopo permanente e estável para a

sociedade brasileira. Seus princípios estão contidos e claramente explicitados no

decorrer da referida Lei. Tem por objetivo o desenvolvimento sócio-econômico com

preservação.

As Resoluções do CONAMA têm força de lei, e as mais importantes editadas

por este órgão são: Resolução n. 001/86 (lista de atividade, exemplificativa, que

necessita de Licenciamento); Resolução n. 237/97 e Resolução n. 279/01 (que

indicam os procedimentos para licenciamento). Para a aplicabilidade das leis

ambientais surge o Direito Ambiental.

Segundo Paulo de Bessa Antunes, o Direito Ambiental é um incipiente ramo

do Direito que surgiu da necessidade do homem proteger a si mesmo, o próximo e o

ambiente em que vive das possíveis degradações que suas atividades laborais ou

quaisquer outras formas de interação entre ele e a natureza viessem a provocar

nesta última. Este Direito teve o seu marco de nascimento no Brasil, quando da

edição do Código das Águas em 1934, legislação esta que primou por defender o

7 BRASIL. Lei n. 6.938, de 31/08/1981. Art. 3º, I.

15

bem ambiental. Vem proteger o meio ambiente como fator maior de tutela ao invés

de eleger o ser humano como prioridade.8

Derivado do latim principium (origem), os princípios são a base do

ordenamento jurídico e os verdadeiros norteadores dos legisladores na confecção

de novas legislações, dos próprios aplicadores do direito no exercício da profissão e

das pessoas que se relacionam com o meio ambiente, seja explorando-o

economicamente ou apenas usufruindo de seus bens naturais para o lazer.9

Conforme Toshio Mukai, Direito Ambiental, no estágio atual de sua evolução

no Brasil, é um “conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários

ramos do Direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do

comportamento humano em relação ao seu meio ambiente.”10

Para Carlos Gomes de Carvalho o Direito Ambiental é:

o conjunto de princípios e regras destinados à proteção do meio ambiente, compreendendo medidas administrativas e judiciais com a separação econômica e financeira dos danos causados ao ambiente e aos ecossistemas, de uma maneira geral.11

No entendimento de Tycho Brache Fernandes Neto, o Direito Ambiental se

apresenta como “o conjunto de normas e princípios editados objetivando a

manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio

ambiente.”12

Nesta linha de pensamento, Édis Milaré conceitua o Direito Ambiental como:

o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas, que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.13

Desta forma e partindo-se da premissa de que o meio ambiente varia

conforme o contexto, este pode ser natural, artificial, cultural e do trabalho. Então, o

Direito Ambiental é um direito difuso, pertencendo a todos os cidadãos. 8 HEIDEMANN. Meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável. 2006. Direito (Graduação) - Curso de Direito, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. 2006. 9 ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental. 8.ed. Rio de Janeiro. Renovar, 2005. 10 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.25. 11 MUKAI, Toshio. op. cit., p.10. 12 MUKAI, Toshio. op. cit., p.20. 13 MILARÉ, Edis (Coord.). Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.155.

16

Paulo Afonso Leme Machado orienta para a compreensão e o significado de

Direito Ambiental. “É um direito sistematizador, que faz a articulação da legislação,

da doutrina e da jurisprudência, concernente aos elementos que integram o

ambiente.”14

O Direito Ambiental surge, assim, como uma resposta social, decorrente do

reconhecimento das contingências criadas pelo próprio homem, em relação à ordem

ecológica, e que marcam a sociedade contemporânea.15

1.2 O MEIO AMBIENTE COMO UM INTERESSE DE CARÁTER DIFUSO

No entendimento de alguns doutrinadores, segundo Fernando Capez, os

interesses difusos “transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de

direitos e obrigações de cunho individual.”16

Hugo Nigro Mazzilli enfatiza que os interesses difusos “são como um feixe de

interesses individuais com pontos em comum.”17 Sobre isso, Luís Paulo Sirvinskas

entende por direitos difusos “o bem que pertence a cada um e, ao mesmo tempo, a

todos. Não há como identificar o seu titular, e seu objeto é insuscetível de divisão.”18

Porém, é necessário ressaltar que os interesses coletivos se diferenciam dos

interesses difusos por seus titulares serem determinados ou determináveis, estando

ligados entre si através de uma relação jurídica comum a todos, seja no pólo ativo

ou no passivo, e não por circunstâncias.19

No que diz respeito à questão ambiental, o surgimento dos direitos coletivos e

difusos apresentam-se como uma evolução dos direitos, como uma resposta às

ações que destroem o meio ambiente em nome do desenvolvimento tecnológico.

14 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 13 ed. rev atual e ampl. São Paulo: Malheiros Editores: 2005. p.92. 15 SILVA, Danny Monteiro da. O dano ambiental e sua reparação: uma abordagem sistêmica. 2004. 520f. Dissertação (Mestrado) – Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2004. p.74-76. 16 CAPEZ, Fernando. Tutela dos interesses difusos e coletivos. 7.ed. São Paulo: Paloma, 2001. p.16-19. 17 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 7.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 1995. p.7. 18 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2005. 19 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.16-19.

17

O patrimônio ambiental constitui um bem de toda coletividade, e qualquer

membro desta é legitimado a protegê-lo.20

A Constituição da República Federativa do Brasil reconhece expressamente

em seu art. 129, III, a existência dos direitos difusos, ao dispor sobre as funções

institucionais do Ministério Público. Assim dispõe:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

O legislador brasileiro, através da Lei n. 8.078, de 11/09/1990, que instituiu o

Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 81, Parágrafo único, incisos I, II e III,

defende os interesses de uma coletividade (interesses transindividuais), que se

desdobram em difusos, coletivos, e individuais homogêneos.

Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos do Código do Consumidor os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.21

Assim sendo, as principais características que diferenciam as três

modalidades de interesses podem ser sintetizadas como: Interesses Difusos, origem

do dano (relação do fato); divisibilidade do ressarcimento (indivisível); quantidade de

lesados (indeterminável). Interesses Coletivos, origem do dano (relação jurídica);

divisibilidade do ressarcimento (indivisível); quantidade de lesados (determinável);

20 VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.199. (Coleção de Direito Civil v.4). 21 VADEMECUM. Código do Consumidor. Lei n. 8.078, de 11/09/1990. p.812.

18

Interesses Individuais Homogêneos, origem do dano (relação de fato); Divisibilidade

do Ressarcimento (divisível); Quantidade de Lesados (determinável).22

Para defesa dos referidos interesses e direitos, os legitimados são os

elencados no art. 82, incisos I, II, III e IV da citada Lei.

Art. 82 - Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente. (Redação dada pela Lei n. 9.008, de 21/03/1995). I - o Ministério Público, II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

Reconhece os direitos difusos e, ao mesmo tempo, destina-se à sua proteção

ao Ministério Público, demonstrando não se tratar de norma meramente

programática, mas sim, preceptiva ou atributiva de direitos, conferindo os meios de

investigações e o instrumento de proteção judicial.23

1.3 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO

O entendimento de bens jurídicos que não afetem diretamente os indivíduos,

mas sim a coletividade e, portanto, interesses de relevância social, já foram

incorporados pelo ordenamento jurídico, porém, conforme a análise de determinados

aspectos por parte de cada doutrinador.24

O bem ambiental é, portanto, um bem de uso comum do povo, podendo ser

desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda,

um bem essencial à qualidade de vida.25 Assim sendo, os bens jurídicos podem ser

classificados em:

22 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.16-19. 23 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.16-19. 24 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O conceito de bem jurídico. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, ago., 2004. Disponível em: <www.damasio.com.br>. Acesso em: 05 abr 2008. 25 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 7.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006. p.63.

19

Bens Jurídicos de Natureza Individual: se referem aos indivíduos, dos

quais estes têm disponibilidade, sem afetar os demais indivíduos. São

bens jurídicos divisíveis em relação ao titular;

Bens Jurídicos de Natureza Coletiva: se referem à coletividade, de forma

que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares

do bem jurídico. São bens jurídicos indivisíveis em relação aos titulares.

No Direito Penal, os bens de natureza coletiva estão compreendidos

dentro do interesse público;

Bens Jurídicos de Natureza Difusa: se referem à sociedade como um todo,

de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a

coletividade. São indivisíveis em relação aos titulares.

Desta forma, somente diante do caso concreto e da conduta praticada é

possível afirmar quais dos bens jurídicos foram atingidos.

Entretanto, ainda, persiste a equivocada percepção de que preservar o meio

ambiente é proteger somente a fauna e a flora. Atualmente, sabemos que o meio

ambiente, bem jurídico tutelado pela Constituição da República Federativa do Brasil

e leis infraconstitucionais federais, estaduais, municipais, pode ser enquadrado sob

cinco prismas diferenciados. São eles: meio ambiente natural, artificial, cultural,

trabalho e o patrimônio genético.26

Notório é que, apesar dos significativos avanços, além da possibilidade de

responsabilização civil, penal e administrativa por parte do degradador ambiental,

diariamente chegam à mídia notícias sobre o desrespeito ao meio ambiente.

1.4 O PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA E AS TEORIAS DO DELITO E

DA FICÇÃO

Para um melhor entendimento de culpabilidade do ente coletivo frente aos

crimes ambientais, Ney de Barros Bello Filho enfatiza que:

26 RODDRIGUES, Ana. Meio ambiente: um bem juridicamente tutelado. Disponível em: <www.jurisway.org.br>. Acesso em: 12 ab. 2008.

20

a culpabilidade não é um fenômeno individual, mas social. Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui para poder imputá-la a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. É, pois, a sociedade, ou melhor, seu Estado representante, produto da correlação de forças sociais existentes em um determinado momento histórico, quem define os limites do culpável e do inculpável, da liberdade e da não liberdade.27

Quando um comportamento está agredindo bens jurídicos tidos como

relevantes, neste caso o meio ambiente, há um rompimento de regras de natureza

social; é o próprio direito que conceitua o que vem a ser culpa.28

PRINCIPIO DA PERSONALIDADE DA PENA

Este princípio constitucional é acolhido pelo Direito Penal brasileiro. Assim

dispõe:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade d direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. XLV - Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executados, até o limite do valor do patrimônio transferido.29

As principais teorias discutidas pela doutrina, em relação à referida matéria

são:

TEORIA DO DELITO

Chama-se teoria do delito a parte da ciência do direito penal que se ocupa

de explicar o que é o delito em geral, isto é, quais são as características que deve

ter qualquer delito.30

Para se caracterizar um delito é necessária a existência dos elementos

indispensáveis. São eles: Ação; Tipicidade; Antijuridicidade; e Culpabilidade.

Portanto, o delito é uma ação típica, antijurídica e culpável.

27 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.156-157. 28 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.157. 29 BRASIL. Constituição Federal – Art. 5º, XLV. Brasília: Senado Federal, 1988. 30 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 6.ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.331. Parte Geral.

21

Sobre isso, segundo Eugenio Raúl Zafaroni; José Henrique Pierangel, o

delito seria desdobrado da seguinte maneira: Conduta - ação voluntária (final);

Tipicidade - proibição da conduta em forma dolosa ou culposa; Antijuridicidade -

contradição da conduta proibida com a ordem jurídica; e Culpabilidade -

reprovabilidade.31 Há, ainda, a necessidade de se identificar mais um elemento

inerente ao delito, isto é, o elo de ligação entre a ação e o resultado, a chamada

relação de causalidade.32

Devido ao papel cada vez mais importante desempenhado pela pessoa

jurídica na sociedade moderna, o que a tem vinculado de modo decisivo ao

fenômeno da denominada criminalidade econômica lato sensu (ordem econômica,

relações de consumo, ambiente,...)33

TEORIA DA FICÇÃO

A Teoria da Ficção tem por fundamento principal o fato de que só o

homem tem capacidade de ser sujeito de direitos34, e esta dividida em duas teorias

majoritárias da doutrina. A primeira Teoria da Ficção Legal, defendida por Savigny,

afirma que a pessoa jurídica constitui uma criação artificial da lei, baseada no

princípio Societas delinqüere non Potest35; e a segunda Ficção Doutrinária segue

uma criação da doutrina e jurisprudência. Tendo como fundamento principal de que

só o homem tem capacidade de ser sujeitos de direitos.36

Dessa forma, a pessoa jurídica estaria apenas na imaginação, dissociada

de objetivo e realidade, à medida que seria mera projeção. A pessoa jurídica

constituir-se-ia em uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais, não

tendo existência real, tratando-se mera abstração real.37

31 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. op cit., p.399. 32 BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2002. p.36. 33 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.258. 34 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. Desconsideração da personalidade jurídica: análise de defesa do consumidor e do novo código civil. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.33. 35 LUZ, Isabela Yoshitani da. A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais contra o meio ambiente segundo a Constituição Federal de 1988. 2004. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. p.39. 36 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. op. cit., p.33 37 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. op. cit., p.32.

22

1.5 DOLO, DOLO EVENTUAL E CULPA

Após essa análise das teorias e princípios, Pretende-se aqui realizar um

aprofundamento em tais conceitos, analisando-os dentro do contexto onde estão

situados, partindo-se dos conceitos genéricos, de dolo e culpa, para o conceito

específico de dolo eventual.

1.5.1 O dolo

Caracteriza a conduta a ação e omissão sendo a vontade exteriorizada para

realização da vontade. A esta vontade (intenção)objetivamente manifestada,

denominamos dolo, que constitui o elemento geral de uma categoria de tipo de

crime: o crime doloso, marcado pela intencionalidade da conduta praticada e do

resultado ocorrido.38

No direito penal em sua maioria os delitos são sempre dolosos.

Eventualmente o tipo penal pode acolher a modalidade culposa na conduta do

agente, entretanto, isto só é possível se houver a previsão legal, ou seja, o dolo é a

regra e a culpa, exceção prevista em lei que, segundo Eugenio Raúl Zafaroni; José

Henrique Pierangel, os tipos dolosos ativos formam a maior parte dos tipos penais.39

O Código Penal descreve em seu art. 18 que “salvo os casos expressos em

lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando a prática

dolorosamente”, sendo que no dolo a culpabilidade e a imputabilidade constituíram o

objeto do crime.

Para Hans Welzel o dolo como mera decisão de um fato, é penalmente

irrelevante, já que o direito penal não pode atingir o simples ânimo de agir. Somente

quando conduz ao fato real e o domina é penalmente relevante.40

O dolo constitui pela vontade e consciência de provocar o comportamento

típico previsto pela uma norma protetora de um bem jurídico, persistindo ainda que

não assente o agente da ilicitude da prática delituosa, assim entende João José

38 LEAL, João José. Direito penal. 3.ed. rev. atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p.239. Parte Geral. 39 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. p.403. 40 WELZEL, Hans; REZENDE, Afonso Celso. Direito penal. 1.ed. Campinas: Romana, 2003. p.119.

23

Leal, é uma conduta com conhecimento e querer ou consentir em realizar um fato

típico.41

Em síntese, o dolo é a vontade e consciência do agente de realizar uma

conduta contraria a norma penal.

1.5.2 O dolo eventual

Diante do afastamento da deliberada intenção de praticar conduta delituosa

exurge o dolo eventual, que, superficialmente, pode ser identificado com a

possibilidade de assunção do risco de atingir certo resultado, o agente não quer

diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo.42

O dolo eventual ocorre quando o agente, embora não desejando diretamente

o resultado, considera como seriamente provável que sua conduta poderá realizar o

tipo penal previsto e concorda.43

No dolo eventual o agente prevê o resultado e aceita-o, embora não seja ele

seu objetivo, mas a aceita como possível ou provável44, Eugenio Raúl Zafaroni; José

Henrique Zafaroni entendem que o resultado é diretamente (como fim ou como

conseqüência necessária do meio escolhido), e esta forma de querer é diferente do

querer um resultado concomitante quando o aceitamos como possibilidade.45

Para Eugenio Raúl Zafaroni; José Henrique Pierangel, o limite entre dolo

eventual e a culpa com representação é um terreno movediço, embora mais no

campo processual do que penal. Em nossa ciência, o limite é dado pela aceitação ou

rejeição da possibilidade de produção do resultado, e, no campo processual,

configura um problema de prova que, em caso de duvida sobre a aceitação da

possibilidade de produção do resultado, imporá ao tribunal a consideração da

existência de culpa, em razão do beneficio da duvida. 46

41 LEAL, João José. Direito penal. 3.ed. rev. atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p.240. Parte Geral. 42 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 9.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p.202. Parte Geral. 43 LEAL, João José. p.241. 44 PRADO, Luis Regis. op. cit., 2006, p.357. 45 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. p.428. 46 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. 429.

24

1.5.3 A culpa

O crime culposo consiste quando o agente, deixando de prestar atenção ou

eficiência de que era capaz em face dos fatos, não previu a conduta delituosa de

sua ação ou resultado, ou tendo-o previsto, imaginou que não se realizaria, bem

como quando quis o resultado, limitando, entretanto, em inescusável erro de fato.

Para Fernando Capez a culpa é o elemento normativo da conduta. A culpa é

assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor. Sem a

qual não se sabe se ela está presente ou não presente.47

A culpa como modalidade delituosa se denota pela falta de animosidade do

agente em gerar o dano ou contrariar norma jurídica vigente, fazendo com que se

efetive o delito pela negligência, imperícia ou imprudência de sua conduta, o que

caracteriza a o tipo culposo é a involuntariedade do resultado efetivamente

ocorrido.48

O tipo culposo não individualiza a conduta pela finalidade e sim porque, na

forma em que obstem essa finalidade, viola-se um dever de cuidado, ou seja, como

diz apropria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao resultado por

imprudência, negligencia ou imperícia.49

Por isso a não previsão de um resultado ilícito, mas que poderia e deveria ter

sido previsto ou sua previsão sem querê-lo ou admiti-lo, é que justifica a

incriminação da conduta culposa.50

47 CAPEZ, Fernando. op. cit, p.202. 48 WELZEL, Hans; REZENDE, Afonso Celso. Direito penal. 1.ed. Campinas: Romana, 2003. p.249. 49 ZAFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGEL, José Henrique. p.436. 50 LEAL, João José. op. cit., p.151.

25

2 DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA FRENTE À TEORIA DO DELITO

2.1 ASPECTOS GERAIS DA PESSOA JURÍDICA

O Código Civil brasileiro, em seu art. 40, classifica pessoa jurídica como:

Art. 40 - As pessoas jurídicas são de direito público, interno e externo, e de direito privado.

André Franco Montoro explica que pessoas jurídicas são todas as entidades e

instituições a que a ordem jurídica atribui capacidade para ser titular de direitos e

obrigações.51 Sobre isso, Silvio Rodrigues acrescenta que a lei empresta a

personalidade52 jurídica elevando a condição de pessoa ao adquirir direitos e

obrigações.

Para melhor entendimento de pessoa jurídica merece a citação integral de

Fabio Ulhoa Coelho.

Pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano. É também chamada de pessoa moral. Como sujeito de direito, tem aptidão para titularizar direitos e obrigações. Por ser personificada, está autorizada a praticar os atos em geral da vida civil [...]53

Sendo assim, o que caracteriza e define a pessoa jurídica é a reunião de

pessoas ligadas por um fim, como objetivos comuns e a unidade orgânica.54

Neste contexto leciona Sílvio de Salvo Venosa:

existe uma pluralidade inicial de membros que por sua vontade, se transforma numa unidade, na pessoa jurídica que futuramente passará a existir como ente autônomo. Neste momento passa a

51 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.500. 52 RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 31.ed. São Paulo. Saraiva. 2000. p.64. 53 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.232. v.1. 54 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.163.

26

existir o vinculo de unidade, caracterizando precisamente o momento da constituição da pessoa jurídica.55

Para Sílvio de Salvo Venosa em se tratando de sociedade, associações e

fundações destacam-se delas algo que as transforma em entidade que não se

confunde com as pessoas que as constituíram ou as deram origem, nem as pessoas

beneficiadas por sua atividade.56 A personalidade é distinta.

Isso porque, ao se perceber a vontade concreta existente, os princípios de

culpabilidade e da individualização da pena podem ser compatíveis com a existência

da pessoa jurídica.57

Assim para aceitação da personificação do ente coletivo, será abordado a

seguir as teorias que explicam a natureza jurídica, quanto a capacidade em

delinqüir.

2.2 DA RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA E SUBJETIVA NO DIREITO

AMBIENTAL

A noção de responsabilidade, como gênero, implica sempre exame de

conduta voluntaria violadora de um dever jurídico.58

A obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a

outra por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam, reporta

a qualquer pessoa a refletir sobre como será reparado este dano. Diante disso se

faz necessário entender o surgimento e os conceitos relacionados ao instituto da

responsabilidade, tanto civil quanto penal, haja vista ser ele o garantidor do

restabelecimento do estado anterior ao dano e sua conseqüente reparação.

Para Miguel Maria de Serpa Lopes, o vocábulo responsabilidade provém de

respondere, que quer dizer aproximadamente, o ter alguém se constituído garantidor

de algo. Então, responsabilidade significa garantia ou segurança de restituição ou

compensação.59

55 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.259. (Coleção de Direito Civil, v.1 – Parte Geral). 56 VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit., p.260. 57 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.164. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. p.16. 59 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1962. p.187. v.2.

27

Para que estes dois aspectos - restabelecimento do estado anterior e

reparação - sejam atendidos, a sociedade conta com dispositivos legais, tais como:

Constituição da República Federativa do Brasil, Código Penal, Código Civil, Lei n.

6.938/81 e Lei n. 9.605/98. Entretanto, frente aos anseios da humanidade quanto à

responsabilização daqueles que desrespeitam o direito do outro, neste estudo - o

bem jurídico meio ambiente -, alguns juristas continuam travando discussões sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica. No que diz respeito à degradação do

meio ambiente o dano causado não permitirá voltar a situação anterior (status quo).

José de Aguiar Dias enfatiza que na doutrina brasileira o instituto

responsabilidade, seja civil ou penal, tem o mesmo fundamento.

[...] Tratando-se de pena, atende-se ao princípio nulla poena sine lege, diante do qual só exsurge a responsabilidade penal em sendo violado a norma compendiada na lei; enquanto que a responsabilidade civil emerge do simples fato do prejuízo, que viola também o equilíbrio social, mas que não exige as mesmas medidas no sentido de restabelecê-lo, mesmo porque outra é a forma de consegui-lo.

Assim sendo, este instituto, tanto civil quanto penal, advém do ato ilícito,

possuindo o mesmo comportamento humano. O primeiro prioriza a vítima, a fim de

restaurar-lhe o prejuízo causado pela violação de seu direito, e o segundo prioriza

ao agente criminoso e sua repercussão no contexto social. Caso haja coincidência

da responsabilidade civil e penal pelo mesmo ilícito, poderá haver também a

interferência de uma jurisdição sobre a outra, normalmente, a penal sobre a civil.60

Sobre isso, nos crimes ambientais, que são um exemplo de ato ilícito, gera a

responsabilização penal e civil, conforme dispõe a Lei n. 9.605/98, de 12/02/1998.

Assim dispõe:

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

60 LOPES, Miguel Maria de Serpa. op. cit., p.191.

28

No Código Civil, conforme a Lei n. 10.406 de 2002, em seu art. 186 e art. 927,

no que diz respeito aos danos causados a outrem, também dispõem o dever de

repará-los.

Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Miguel Maria de Serpa Lopes demonstra outra significativa diferença entre as

responsabilidades civil e penal.

No ilícito penal, a pena é cominada em proporção à gravidade do crime, tomando-se em linha de conta a personalidade do delinqüente, seus antecedentes, etc., ao passo que, no ilícito civil, nenhuma influência o grau da culpa exerce no montante da indenização a ser paga, cuja realização se efetua na proporção do dano causado.61

Assim sendo, a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade

regulam-se pelo disposto no Código Civil, sendo possível identificar os pressupostos

da responsabilidade civil. São eles: Ação ou Omissão (comportamento humano);

Culpa ou Dolo do Agente; Relação de Causalidade entre a Ação e o Dano; e Dano

causado à Vítima. Para Celso Antônio Pacheco Fiorillo, a responsabilidade civil é

adotada pelo Código Civil como sendo de cunho subjetivista, pois se assegura na

culpa do agente.

No entanto, Celso Antônio Pacheco Fiorillo entende que no que se refere à

responsabilidade pelo dano ambiental, a doutrina da culpa mostra-se insuficiente,

pois inconcebível a idéia de irressarcibilidade dano praticado por alguém sem dolo

ou culpa.62

Neste contexto, através da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente,

assegurada pela Lei n. 6.938, de 02/09/1981, em seu art. 14, §1º, in verbis:

61 LOPES, Miguel Maria de Serpa. op. cit., p.191. 62 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. op. cit., p.27.

29

Art. 14 - §1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou a terceiros, afetados por sua atividade. [...]

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, tal

norma infraconstitucional foi recepcionada, tendo como fundamento de validade o

art. 225, §3º, porquanto este não estabeleceu qualquer critério ou elemento

vinculado à culpa como determinante para o dever de reparar o dano causado ao

meio ambiente consagrou-se, portanto, a responsabilidade objetiva em relação aos

danos ambientais.63

Art. 225º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano.

José Rubens Morato Leite entende que a responsabilidade civil objetiva aos

danos ambientais pode assumir duas acepções diferentes. Isto é, por um lado, tenta

adequar certos danos ligados aos interesses coletivos ou difusos ao anseio da

sociedade, e por outro, visa a socialização do lucro e do dano, considerando que

aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo e deve

responder pelo risco, sem a necessidade da vítima provar a culpa do agente.64

Assim sendo,

a responsabilidade objetiva, devidamente implementada, estimula que o potencial agente degradador venha a estruturar-se e adquirir equipamentos que visam a evitar ou reduzir as emissões nocivas, considerando que o custo destes é menor que o custo da indenização.65

63 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. op. cit., p.32-33. 64 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: revista dos Tribunais, 2000. p.131. 65 LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.131.

30

Em suma, o judiciário conta ainda com mais duas legislações na

responsabilização pelo dano ambiental, através da Lei n. 8.078, de 11/09/1990, que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor e a Legislação de Proteção Ambiental,

tais como a Lei n. 9.605, de 12/02/1998, em seu art. 3º (supracitado).

A aplicação de penas à pessoa jurídica “reflete nos indivíduos componentes

do complexo coletivo, mesmo sobre aqueles que não contribuíram para a formação

da vontade do ente, constituindo uma responsabilidade objetiva, sem dolo ou

culpa.”66

A responsabilidade penal da pessoa jurídica vem sendo adotada em muitos

países nos crimes contra a ordem econômica e o meio ambiente.

Conforme Vladimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de Freitas, no Brasil a

Constituição da República Federativa do Brasil inovou em duas oportunidades: a

primeira ao tratar dos princípios gerais do sistema econômico. Isto é, dispôs em seu

art. 173, §5º, que “a lei poderá responsabilizar a pessoa jurídica nos atos praticados

contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”67 A segunda

refere-se “aos crimes ambientais”68, de forma mais explícita em seu art. 225, §3º.

Assim estão dispostos:

Art. 173 – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.69

66 MUNARETTI NETO, Nilo. Responsabilidade criminal da pessoa jurídica ante a parêmia Societas Delinquere non Potest e uma análise da Lei n. 9.605/98. 2001. Dissertação (Mestrado) - Pós-Graduação em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. 2001. p.98. 67 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza (de acordo com a Lei n.9.605/98). 8.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.68-69. 68 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 69 BRASIL. Constituição Federal – art. 173, § 5º. Brasília: Senado Federal, 1988.

31

Art. 225º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Estes autores destacam ainda que, contudo alguns juristas interpretam este

dispositivo posicionando-se no sentido de que ele não atribuía responsabilidade

penal à pessoa jurídica. Dentre alguns, esta foi a posição de René Ariel Dotti, para

quem “a responsabilidade penal continua sendo de natureza e caráter estritamente

humanos.”70 Da mesma forma Luiz Vicente Cernicchiaro, para quem “interpretar o

art. 225, §3º, sem esse registro, além de contrariar a análise lógica, choca-se com o

estudo sistemático da Constituição da República Federativa do Brasil.”71

Esses mesmos autores destacam que, posteriormente, obedecendo ao

comando constitucional, o legislador especificou esta responsabilidade através da

Lei n. 9.605, de 12/02/1998, em seu art. 3º, Parágrafo único, que atribui

responsabilidade penal à pessoa jurídica, somando agora, a previsão constitucional

e a normal legal. Isto torna impossível cogitar de eventual constitucionalidade, como

ofensa a outros princípios previstos explícita ou implicitamente na Constituição da

República Federativa do Brasil. Diante disso, muitos são os juristas filiados à linha

que defende a responsabilização penal da pessoa jurídica. Assim dispõe o artigo:

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. Parágrafo único - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Assim sendo, a questão da culpabilidade vem à tona sempre que se analisar

a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Ponderam àqueles contrários a

responsabilização da pessoa jurídica que ela pensa através de pessoas que a

70 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.68. 71 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.68.

32

compõem. Como ela não tem vontade, ânimo de delinqüir, qualquer condenação

seria baseada na responsabilidade objetiva. Todavia, as situações são distintas e

assim devem ser tratadas.72

Para Walter Claudius Rothemburg, “a censura da pessoa jurídica se confunde

com a reprovação individual essencial, assim com o patrimônio da pessoa jurídica e

toda sua atividade estão de alguma sorte ligados aos indivíduos que a integram.”73

Conforme coloca Vladimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de Freitas, “não

se pode esperar da pessoa jurídica a consciência da ilicitude.”74 Sobre isso Eládio

Lecey ensina que “se pode encontrar uma conduta e chegar a um juízo de

reprovação social e criminal.”75 Os autores complementam que “é dizer, o juiz, ao

decidir, deverá analisar o caso, as circunstâncias, as provas e, se for reprovável a

conduta da pessoa jurídica, emitir decreto condenatório.”76 Destacando, ainda, esses

autores colocam que “não se trata de responsabilidade objetiva, pois a prova do fato

e da autoria não significam, obrigatoriamente, condenação.”77

Vladimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de Freitas salientam que o art. 3º,

Parágrafo único, da Lei n. 9.605/98 é explícito a respeito. Isto é, “a responsabilidade

penal da pessoa jurídica não exclui a das pessoas naturais.”78 Ou seja, “a denúncia

poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria

ou participação das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra

todos.”79

Quanto aos requisitos legais, Vladimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de

Freitas entendem que “a pessoa jurídica deve ser de Direito Privado.”80 Isto por que,

“a pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios,

Autarquias e Fundações Públicas) não podem cometer ilí cito penal no seu interesse

ou benefício.”81 Ao contrário, a pessoa jurídica de Direito Público “só podem

perseguir fins que alcancem o interesse público.”82 Complementando este

pensamento, Vladimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de Freitas enfatizam que

72 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 73 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 74 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 75 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 76 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.69. 77 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70. 78 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70. 79 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70. 80 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70. 81 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70. 82 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.70.

33

“pessoas com personalidade judiciária, sem personalidade jurídica, não podem ser

responsabilizadas.”83

É sabido que um ente moral não ser penalizado por restrição liberdade,

mas poderá sofre outros tipos de sanção previstas no artigo art. 3º da Lei n.

9.605/98, qual exige que a infração tenha sido cometida por decisão do

representante legal (é aquele que exerce a função em virtude da lei), ou contratual

(a regra é que ele seja apontado no contrato social), ou de seu órgão colegiado

(pressupõe sociedade anônima), no interesse ou benefício da sua entidade.

Sobre isso, Valdimir Passos de Freitas; Gilberto Passos de Freitas

enfatizam que “o legislador brasileiro tentou evitar acusação contra pessoa jurídica

envolvendo fato estranho aos seus interesses. A questão é de fato e só poderá ser

apreciada nos casos concretos.”84

No que toca a ação penal, esses autores entendem que “o ideal seria que

esta Lei “tivesse estabelecido regras processuais específicas para as pessoas

jurídicas. [...] mas nem por isso há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no

fato da ação penal seguir rito do Código de Processo Penal e do Código de

Processo Civil, subsidiariamente.”85

Assim sendo, em relação às penas aplicáveis à pessoa jurídica, há o

entendimento dos autores de que “estas não acompanham cada tipo penal.”86 As

penas se acham nos art. 21, art. 22, art. 23 e o art. 24, da Lei n. 9.605/98, “sendo

excluída a pena corporal, pois na Lei Penal Ambiental será muito raro alguém

cumprir pena de prisão.”87 O art. 24 desta Lei determina que a pessoa jurídica

constituída ou utilizada com o fim preponderante de permitir, facilitar ou ocultar a

prática de crime ambiental terá decretada a sua liquidação forçada e seu patrimônio

será declarado perdido a favor do Fundo Penitenciário Nacional (art. 7º). Portanto,

no caso da pessoa jurídica, “as sanções serão a multa, a pena restritiva de direitos

ou a prestação de serviços à coletividade.”88 Assim estão dispostos as penas

cabíveis a pessoa jurídicas:

83 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.71. 84 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.72. 85 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.72. 86 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.74. 87 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.74. 88 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.74.

34

Art. 21 - As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade. Art. 22 - As penas restritivas de direito da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. §1º - A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. §2º - A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. §3º - A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Art. 24 - A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

A finalidade da Constituição da República Federativa do Brasil é trazer

efetividade e utilidade para o Direito Penal Ambiental, estabelecendo sanções

penais concretas para aqueles que, na ordem jurídica do capitalismo, lesam ou

mesmo ameaçam a vida em todas as suas formas.89

89 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. op. cit., p.420-421.

35

2.3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NA LEGISLAÇÃO

VIGENTE

A história da responsabilidade penal da pessoa jurídica pode ser identificada

desde a Antigüidade, onde já era comum a penalização coletiva exceto no direito

romano, que consagrou o Princípio Societas Delinquere non Potest.90 Segundo João

Castro Souza, com o advento da Revolução Francesa e sua nova ideologia

alicerçada na extinção de “[...] tudo aquilo que pudesse pôr em perigo a liberdade

individual [...]”,as pessoas jurídicas foram excluídas do campo criminal porque os

novos princípios revolucionários do individualismo e do anticorporativismo, além da

influência da teoria de Savigny, iam de encontro aos pressupostos concebidos.91

Na época do descobrimento do Brasil, a responsabilidade coletiva também já

era identificada entre os povos indígenas. A consciência de uma personalidade

individual ainda não era caracterizada. Conforme Ataides Kist, “as famílias se

opunham grupo a grupo, uma às outras: elas estavam fortemente integradas,

formando um mesmo bloco, sentiam e reagiam como um todo, sendo solidárias na

ação como na responsabilidade.”92

Nos dias atuais, com base na Constituição da República Federativa do Brasil,

em seu art. 225, §3º, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é ainda muito

discutida. Há uma corrente que aceita a responsabilidade do ente jurídico no âmbito

penal (Direitos norte-americano e francês); outra corrente que não aceita (Direitos

português e latino-americano, com exceção de Cuba e México); e uma terceira

corrente, intermediária (Direito alemão), que desenvolveu um Direito administrativo-

penal para regulamentar a aplicação de sanções a pessoas jurídicas em alguns

casos determinados.93

90 MUNARETTI NETO, Nilo. Responsabilidade criminal da pessoa jurídica ante a parêmia Societas Delinquere non Potest e uma análise da Lei n. 9.605/98. 2001. Dissertação (Mestrado) - Pós-Graduação em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. 2001. 91 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.29. 92 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.29. 93 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.29.

36

Art. 225º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.94

Sobre isso Nilo Munaretti Neto destaca que no Brasil ou em outros países, a

preocupação constante gira em torno dos efeitos negativos produzidos pelas

pessoas jurídicas. Com efeito,

[...] pouco a pouco o direito vem tratando os entes coletivos da mesma maneira que as pessoas físicas, estabelecendo, por exemplo, a possibilidade de possuírem bens, de terem direitos, de contraírem dívidas e obrigações, independentemente dos indivíduos que os compõem.95

No entanto, muitos autores mantiveram-se firmes no posicionamento de que a

Constituição da República Federativa do Brasil não contemplou a responsabilidade

penal da pessoa jurídica. Porém, Nilo Munaretti Neto reforça que:

o presente, todavia, acena perspectivas extremamente inovadoras no ordenamento jurídico, pátrio, mormente na tutela da ordem econômica, financeira e ambiental, por que o direito confere autonomia e personalidade à pessoa jurídica, contemplando-a com um nome, domicílio e nacionalidade.96

Assim sendo, pode-se constatar que a Constituição da República Federativa

do Brasil apontou um novo rumo no Direito Penal. Isto é, “procurou adequar-se a

uma nova tendência, considerando a sociedade atual vítima e à mercê de grupos

empresariais que costumeiramente ditam regras e não se sujeitam àquelas

estabelecidas pelo Estado.”97 Desta forma, é possível a responsabilização dos

agrupamentos por delitos cometidos contra a ordem financeira e o meio ambiente. A

depender da norma jurídica violada, qualifica-se a responsabilidade em Civil, Penal

94 BRASIL. Constituição Federal - Art. 225, §3º; art.173, §5º. Brasília: Senado Federal, 1988 95 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.29. 96 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.47. 97 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.50.

37

ou Administrativa. No que diz respeito à responsabilidade penal, esta se dá através

de mecanismo próprio.

De fato, se a responsabilidade penal da pessoa jurídica vem auxiliar numa

necessidade social, considera Affonso Arinos de Mello Franco:

[...] temos o dever de aceitá-la. Um texto constitucional não é um dogma imutável, cristalizado numa intangibilidade de tabu. Tem que ser, ao contrário, uma regra plástica e acolhedora, um princípio geral que regule as situações jurídicas, acompanhando a evolução contínua e inevitável.98

Para este autor, a redação dos dispositivos constitucionais (art. 173, §5° e art.

225, §3°) com a regra da isonomia (art. 5°, caput) deixa claro que a adoção da

responsabilidade dos grupamentos não somente com relação aos bens jurídicos,

meio ambiente, ordem econômica e financeira, e economia popular, mas a todos

aqueles que o legislador ordinário considerar relevantes.”99 Assim dispõem os

artigos:

Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. §5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.100 Art. 225º - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações. §3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.101

98 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.98. 99 SANCTIS, Fausto Martin de. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.161. 100 BRASIL. Constituição Federal – art. 173, § 5º. Brasília: Senado Federal, 1988. 101 BRASIL. Constituição Federal – art. 173, § 5º. Brasília: Senado Federal, 1988.

38

Em Luis R. Barroso, as normas constitucionais sobre meio ambiente devem

ser interpretadas “sob a perspectiva de sua efetividade, dando-se-lhes, em toda a

extensão e profundidade possíveis, aplicação direta e imediata para tutela das

situações que contemplam.”102 Dentro deste contexto estão os danos causados ao

meio ambiente e a responsabilidade para que não haja destruição está prevista na

Constituição Federal, em seus art. 173, §5º e art. 225, §3º (supracitados). Estes

dispositivos destacam três modalidades de responsabilização independentes entre

si, quais sejam: responsabilidade penal, administrativa e civil. Dentre estas, a penal

prevê responsabilização penal de pessoas físicas e jurídicas. Assim rezam os

dispositivos:

O art. 225 está direcionando a proteção do meio ambiente e dando a este

status constitucional e tornando-o um direito social do homem. Sobre isso José

Afonso da Silva divide o dispositivo em três conjuntos de norma: o primeiro (caput),

que revela que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado; o

segundo (§1º e seus incisos), que estatui os ‘instrumentos de garantia da efetividade

do caput, outorgam direitos e conferem ao Poder Público princípios e instrumentos

para a materialização do direito; e o terceiro (§2º à §6º), que corresponde às

determinações particulares, que tratam de áreas e situações de elevado conteúdo

ecológico que implicam imediata proteção.103

Para Vladimir Passos de Freitas, o estudioso ao fazer esta divisão, buscou

dar uma proteção completa ao meio ambiente nesse Capítulo, partindo de um

ordenamento geral, estabelecendo normas para a efetivação do direito ao meio

ambiente e, por fim, garantindo uma proteção especial, visto que é de ordem

constitucional o valor inestimável de certos ambientes.104

No que se refere à Lei n. 9.605, de 12/02/1998 (art. 3º, Parágrafo único e art.

4º), completou a legislação ambiental punitiva que trata das sanções penais da

pessoa jurídica, por condutas lesivas ao meio ambiente, como já tratava a

Constituição da República Federativa do Brasil. Assim rezam os artigos:

102 BARROSO, Luis R. A proteção do meio ambiente na constituição brasileira. Revista Forense, n.317, p.161-178. 103 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2.ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002a. 104 FREITAS, Vladimir Passos de. op. cit.

39

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Art. 4º - Poderá ser e desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.105

Porém, não há como ser desconsiderado que o crime é o mais grave de todos

os atos ilícitos e, por isso, é fundamental a sanção penal, considerada última ratio do

ordenamento jurídico.

Segundo Emerson Martins dos Santos, a grande maioria dos crimes

ambientais é cometida “por intermédio de entes coletivos, surgindo daí a indagação

sobre a possibilidade de que essas empresas possam ser responsabilizadas

criminalmente por condutas ilícitas praticadas em seu proveito.”106 O autor destaca

que a idéia de responsabilização criminal de pessoas coletivas não é nova.

“A responsabilidade pessoal ou individual sempre foi considerada como a

única forma capaz de adequar-se aos preceitos do Direito Penal. Todos os princípios

foram construídos idealmente por uma realidade pessoal de delinqüência.”107

Assevera por último Emerson Martins dos Santos108 que, porém, há um nítido

embate entre a dogmática penal e política criminal: “de um lado há o entendimento

dogmático segundo o qual “princípios como os da ação, da personalidade das penas

e da culpabilidade não se coadunam como a responsabilidade penal das pessoas

jurídicas”; e de outro lado, “surge a imperiosa necessidade de coibir, através dos

mecanismos penais, atividades criminosas que não são praticadas por agentes

isolados, mas por parte desses entes coletivos.”

Portanto, ao dispor que o meio ambiente é bem de uso comum do povo, a

Constituição da República Federativa do Brasil atribuiu ao Estado o dever de zelar

por sua proteção e preservação. Para tanto, é evidente que este terá, quando

105 VADEMECUM. Código do Consumidor. Lei n. 8.078, de 11/09/1990. p.1474. 106 SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. p.84. 107 SANTOS, Emerson Martins dos. op cit., p.84. 108 SANTOS, Emerson Martins dos. op cit., p.85.

40

necessário, que intervir na vida social, exercendo o poder de polícia, sempre que

houver qualquer ameaça ou lesão ao nóvel bem da coletividade, sendo que ao

Ministério Público cabe, ainda, o papel de fiscalizar essa ação.109 Assim, a

responsabilização penal por lesão ao bem ambiental justifica-se na medida em que

tal bem jurídico a todos pertence e, por conseguinte, o dano a ele causado é um

dano que atinge toda a sociedade.

Desta forma, o dano causado a um bem jurídico acarreta na obrigação de

repará-lo e na responsabilização do causador do mesmo. No entendimento de André

Lalande110, esta responsabilização pode ser entendida como “situação ou

característica daquele que pode ser chamado a ‘responder’ por um fato.”111 Sobre

isso, José Rubens Morato Leite destaca que a responsabilidade “é um fato social,

pois aquele que vive em sociedade e pratica um ato ou uma omissão que resulta em

prejuízo, deve suportar a conseqüência deste comportamento por imposição

legal.”112 A finalidade concreta desta responsabilidade genérica é punir e fazer com

que o causador repare o dano, bem como evitar que novos danos venham a ocorrer.

Complementando esta linha de pensamento, no entender de Marcelo Abelha

Rodrigues, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é

de certa forma uma grande evolução da ciência penal que, tardiamente abre os olhos para uma sociedade metaindividual, repleta de entidades coletivas com personalidade jurídica distinta da pessoa que os criou, capazes de assumir deveres e obrigações, capazes de praticar ilícitos, sendo, não raras vezes, na seara ambiental, os principais agentes poluidores.113

Entretanto, assevera Affonso Arinos de Mello Franco que, pelo princípio da

legalidade do art. 5°, XXXIX e XL da Constituição da República Federativa do Brasil,

nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena pode ser aplicada, sem

que antes desses mesmos fatos tenha sido instituído, por lei, o tipo delitivo e a pena

respectiva. Tanto no caso da pessoa física, quanto no da pessoa moral ou jurídica, a 109 BRASIL. Constituição Federal - Art. 225. Brasília: Senado Federal, 1988. 110 LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. Tradução de Fátima Sá Correia, Maria Emília V. Aguiar, José Eduardo Torres, Maria Gorete de Souza. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.959. 111 LALANDE, André. op. cit., p.959. 112 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: revista dos Tribunais, 2000. p.117. 113 D’ACÂMPORA, Caio Augusto Maciel Alves Bridon. O dano ambiental como pressuposto da ação civil pública. 2003. Monografia (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2003. p.35.

41

lei não criou antecipadamente regras que norteassem as ações dos homens

isolados ou reunidos em grupos homogêneos. “Ela se limitou, como é natural, a

facilitar, a ordenar segundo regras uniformes para casos idênticos as ações que

esses homens, isolados ou reunidos, praticavam já por necessidades determinantes

da vida em comum.”114

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 173, §5º, não

aborda alguns crimes praticados pela pessoa jurídica, mas permite que a legislação

infraconstitucional estipule sanções penais cabíveis para a chamada criminalidade

econômica. Assim dispõe o artigo:

Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.115

Walter Claudis Rothenburg ao analisar o referido dispositivo constitucional,

entende, entretanto, que a responsabilidade penal da pessoa jurídica está prevista,

mas necessita ser instituída, com o intuito de bem deixar claro que a empresa

privada também aspectos que compõem o bem comum que devem coadunar com o

coletivo, isto é, estar acima do individual. Há, também, necessidade de ser imposta

naqueles casos em que a legislação mostra-se insuficiente para localizar, na

empresa, o verdadeiro responsável pela conduta ilícita.116

Assim sendo, entre os constitucionalistas, José Afonso da Silva “reconhece o

avanço do texto normativo e comunga com a fixação da responsabilidade dos entes

morais todas as vezes que houver agressão, quer à ordem econômica, quer ao meio

ambiente.”117 Igualmente, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins concordam

em seus comentários a Constituição da República Federativa do Brasil “o Texto

maior reconheceu a responsabilidade criminal da pessoa jurídica. [...]”118 E Sérgio

114 MUNARETTI NETO, Nilo. op. cit., p.59. 115 BRASIL. Constituição Federal - art. 173, §5º. Brasília: Senado Federal, 1988. 116 ROTHENBURG, Walter Claudis. A pessoa jurídica criminosa. Curitiba: Juruá, 1997. p.24. 117 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Crimes e infrações administrativas ambientais. 2.ed. Brasília: Jurídica, 2001. p.51. 118 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. op cit., p.51.

42

Salomão Shecaira sustenta que “não obstante existirem opiniões contrárias – de

juristas de nomeada -, a nosso juízo não há dúvida de que a Constituição

estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica”.119

A figura do crime de perigo, que se consuma com a simples possibilidade do

dano, é vista por Vladimir Passos de Freitas, que entende que esta veio a consagrar

na Lei n. 9.605/98, de 12/02/1998. Assim reza em seu artigo:

Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único - A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Para Vladimir Passos de Freitas, “na maioria das vezes, o dano ambiental,

uma vez consumado, afeta de tal forma o meio ambiente que, dificilmente, as suas

características primitivas poderão ser recuperadas. Daí, a necessidade de evitá-lo o

quanto possível.”120 Segundo este autor, o crime previsto pelo art. 54, §2º e seus

incisos, da citada Lei, é formal, isto é, “que não é necessário para a sua tipificação

que o dano ambiental venha efetivamente a sobrevir, não se exige a produção do

resultado, tendo em vista, aliás, que o caput do artigo dispõe “que resultem ou

possam resultar em danos.”121 Assim está disposto o artigo:

Art. 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Pena - reclusão, de 1 a 4 anos e multa. §2º - Se o crime: I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

119 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Crimes e infrações administrativas ambientais. 2.ed. Brasília: Jurídica, 2001. p.51. 120 FREITAS, Vladimir Passos de. op. cit., p.68. 121 FREITAS, Vladimir Passos de. op cit., p.37.

43

III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV - dificultar ou impedir o uso público das praias; V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena - reclusão de 1 a 5 anos.

Ficou estipulado, assim, a responsabilidade criminal da pessoa jurídica no

âmbito dos crimes ambientais. Para fixar esta responsabilização foram determinados

dois requisitos. São eles: 1) Que a decisão sobre a conduta seja cometida por seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado; e 2) Que a infração

seja cometida no interesse ou benefício da pessoa jurídica.

Por fim, Keity Mara Ferreira de Souza entende que “as idéias de retribuição,

intimidação e reeducação – referentes à pena – não teriam sentido em relação às

pessoas morais, bem como os fins de prevenção especial, por ser a empresa

incapaz de sentir tais efeitos.”122 Neste sentido, Francisco Muñoz Conde afirma que

“a pena não pode ser dirigida, em sentido estrito, às pessoas jurídicas no lugar das

pessoas físicas que atrás delas se encontram”, porque conceitualmente implica

“uma ameaça psicológica de imposição de um mal para o caso de quem delinqüe e

não se pode imaginar que a pessoa jurídica possa sentir o efeito de cominação

psicológica alguma.”123

122 KEITY, Mara Ferreira de Souza. A (ir)responsabilidade penal da pessoa jurídica. Enfoques comparado, doutrinário e legal. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n.46, out., 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto>. Acesso em: 12 abr 2008. 123 PRADO, Luis Regis. op. cit., 2006, p.145.

44

3 A INTERVENÇÃO PENAL EM PROBLEMAS AMBIENTAIS

3.1 OS CRIMES AMBIENTAIS E A CRISE AMBIENTAL

Os crimes ambientais na análise de Ivete Senise Ferreira, “vêm solicitar a

atenção do ordenamento jurídico pela constatação de uma progressiva degradação,

e por vezes, destruição, do meio ambiente, aliada às previsões destas

conseqüências [...]” Neste sentido, o Direito Penal e suas novas áreas oferecem a

sua contribuição, intervindo para minimizar a gravidade do problema e pela sua

universalidade, mantendo assim o direito ao meio ambiente, que faz parte dos

direitos e garantias fundamentais do homem, os quais cabem ao Direito Penal

defender, como ultima ratio.124

O Direito Penal, através do princípio da intervenção mínima, impõe que o

Estado intervenha na sociedade, por intermédio deste, somente quando todos os

outros meios de controle falharam revelando o caráter subsidiário, acessório e

fragmentário do Direito Penal.125

Entretanto, ocorre que o Estado, às vezes, cria tipos penais inócuos e, por

isso, este princípio, no entendimento de Dario José Kist; Maurício Fernandes da

Silva enfatizam a importância deste princípio, que reside no fato dele ser um critério

limitador do legislador penal na criação de tipos penais. “Orienta e limita o poder

incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se

legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem

jurídico.”126 Os autores complementam enfatizando que “se outras formas de

controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua

criminalização é inadequada e não recomendável.”127 Por fim, o princípio da

intervenção mínima deve, também, “orientar o legislador na cominação das penas,

tanto a sua tipologia, quanto a sua quantidade.”128

124 FERREIRA, Ivete Senise. A tutela penal do patrimônio cultural. São Paulo: RT, 1995. p.67-68. 125 KIST, Dario José; SILVA, Maurício Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n. 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.66, jun., 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto>. Acesso em: 14 abr. 2008. 126 KIST, Dario José; SILVA, Maurício Fernandes da. op. cit. 127 KIST, Dario José; SILVA, Maurício Fernandes da. op. cit. 128 KIST, Dario José; SILVA, Maurício Fernandes da. op. cit.

45

Na ocorrência de um dano, a pessoa jurídica poderá sofrer sanções nas

esferas administrativa (Auto de Infração), civil (Ação Civil Pública), e penal (Penas).

Quanto às sanções aplicáveis à pessoa jurídica, a Lei de Crimes Ambientais

prevê em seus arts. 21 e incisos, art. 22, parágrafos e incisos, art. 23 e incisos, e o

art. 24, da Lei n. 9.605/98, “sendo excluída a pena corporal, pois na Lei Penal

Ambiental será muito raro alguém cumprir pena de prisão.”129 O art. 24 desta Lei

determina que a pessoa jurídica constituída ou utilizada com o fim preponderante de

permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime ambiental terá decretada a sua

liquidação forçada e seu patrimônio será declarado perdido a favor do Fundo

Penitenciário Nacional (art. 7º). Portanto, no caso da pessoa jurídica, “as sanções

serão a multa, a pena restritiva de direitos ou a prestação de serviços à

coletividade.”130 Assim estão dispostos:

Art. 21 - As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade. Art. 22 - As penas restritivas de direito da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. §1º - A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. §2º - A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. §3º - A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

129 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p.74. 130 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op cit., p.74.

46

Art. 24 - A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

Dario José Kist; Maurício Fernandes da Silva ao analisarem os dispositivos

supracitados, revelam que as penas efetivamente aplicáveis ás pessoas jurídicas

não têm caráter criminal. Isto é:

Não será a empresa que irá prestar serviços à comunidade, podendo isso sim, financiar serviços, obras,..., evidenciando-se sanção de caráter civil. Também no caso da pessoa jurídica que tem suspensas ou interditadas suas atividades, bem como a que for proibida de contratar com poder público, não sofrerá sanção de caráter criminal, mas administrativa. Isso demonstra que na lei em comento houve inadequado uso do Direito Penal, seguindo-se a conseqüência necessária: inocuidade. A pena cominada para todos os tipos é a privativa de liberdade, cumulada, ou não, com multa, mas pena restritiva de direitos, uma vez que a empresa não pode ser detida.131

Vê-se necessário trazer novamente esta posição de Vladimir Passos de

Freitas; Gilberto Passos de Freitas neste capítulo, pois o intuito é ratificar a urgência

de novos paradigmas para o Direito Penal. Os autores enfatizam que na visão do

Judiciário, apesar da Lei supracitada criminalizar a conduta da pessoa jurídica desde

1998, existem poucas decisões judiciais a respeito da matéria. Independentemente

disso, o judiciário continua recebendo e rejeitando denúncias, porém, a maioria

absoluta dos crimes ambientais admite transação ou suspensão do processo, na

forma dos arts. 76 e 89, seus parágrafos e incisos, da Lei n. 9.099/95, de

26/09/1995, sendo que os poucos casos que chegaram à segunda instância da

Justiça Federal e dos Estados, a jurisprudência ainda não está bem definida.132

Assim rezam os artigos:

Art. 76 - Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. §1º - Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

131 KIST, Dario José; SILVA, Maurício Fernandes da. op. cit. 132 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op cit., p.78.

47

§2º - Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. §3º - Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. §4º - Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. §5º - Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. §6º - A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível. Art. 89 - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). §1º - Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. §2º - O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. §3º - A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. §4º - A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. §5º - Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. §6º - Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. §7º - Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

48

Observados os critérios do direito penal constitucional em vigor, entendeu por

bem a Constituição da República Federativa do Brasil sujeitar qualquer infrator, seja

ele, pessoa física, seja ele pessoa jurídica, às sanções penais ambientais, desde

que observada a existência do crime ambiental.133

Para evitar a manipulação fraudulenta da autonomia patrimonial,

desenvolveu-se uma teoria que aperfeiçoa o instituto: a da desconsideração da

personalidade jurídica.134

A Lei n. 10.406/02, em seu art. 50, e a Lei n. 9.605/98, em seu art. 4º, prevê

que por abuso de personalidade jurídica ou sua personalidade for obstáculo pra

ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente, poderá ocorrer a

desconsideração da pessoa jurídica, referindo-se a penalização individual das

pessoas que integram o ente coletivo.

Para Vladimir passos de Freitas a desconsideração da pessoa jurídica

significa, simplesmente, que se ela for insolvente os sócios responderão pelos danos

ambientais causados.135

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem como objetivo

maior obstar a ocorrência de fraudes ou abusos por meio da utilização da

personalidade jurídica.136

3.2 ENTENDIMENTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

Com relação à matéria, o entendimento doutrinário apresenta duas correntes,

sendo que a primeira se manifesta contrária à responsabilização da pessoa jurídica

nos crimes ambientais, e a segunda se apresenta favorável à penalização da pessoa

jurídica.

Na primeira corrente podem ser apresentados alguns posicionamentos.

133 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. op. cit., p.420. 134 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op cit., p.242. 135 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op cit., p.74. 136 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op cit., p.65.

49

Maria Helena Diniz, ao citar Orlando Gomes, conceitua pessoa jurídica,

Sendo o ser humano eminentemente social, para que possa atingir seus fins e objetivos une-se a outros homens formando agrupamentos. Ante a necessidade de personalizar tais grupos, para que participem da vida jurídica, com certa individualidade e em nome próprio, a própria norma de direito lhes confere personalidade e capacidade jurídica, tornando-os sujeitos de direitos e obrigações.137

Todo ser humano é dotado de personalidade, assim como a pessoa jurídica,

desde sua existência.138 Para a pessoa jurídica adquirir responsabilidade penal, civil

e administrativa é necessária a aceitação da tese de que a pessoa jurídica se

constitui em uma realidade, com vontade própria e distinta de seus membros.

A idéia de culpabilidade que é aceita pela doutrina brasileira é um quesito

subjetivo - vontade do autor de fato; pertencente ao ser humano. Portanto, para que

um ato seja imputável a alguém é necessária a consciência do autor do ato. Desta

forma, pessoa jurídica é um artifício criado para facilitar a atribuição do patrimônio,

desempenhando basicamente um papel econômico e, eventualmente, social, não

seria possível a aplicação de uma pena, sendo que a pessoa jurídica é um ente sem

vontade própria.

Luiz Regis Prado assim expressa a definição de culpabilidade, é a

reprovabilidade pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita.

Toda vez que se comete um fato típico e ilícito, o sujeito fica passível de ser

submetido a uma censura por parte do poder punitivo estatal, como se dissesse:

“você errou e, por essa razão poderá ser punido”. 139 Neste desvalor do autor e de

sua conduta é que consiste a culpabilidade.140 A culpabilidade prevista para pessoa

jurídica está na censurabilidade, na gravidade do fato e suas repercussões na

sociedade.

No que diz respeito aos princípios, os argumentos mais significativos

apontados pelos doutrinadores contrários à responsabilização penal se reportam ao

Princípio da Personalidade da Pena, com base no art. 5º, XLV da Constituição da

137 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. Teoria geral do direito civil. 24.ed. rev. e atual. de acordo com reforma do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p.228. v. 1. 138 LISBOA, Roberto Senise. Teoria geral do direito civil. 3.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 139 PRADO, Luiz Regis. op. cit., 2006, p.408. 140 CAPEZ, Fernando. op. cit, p.298.

50

República Federativa do Brasil, para o qual esta responsabilidade recai exclusiva e

individualmente sobre os autores das infrações.141

Damásio Evangelista de Jesus entende que a Teoria da Ficção na

personalidade jurídica, ao contrário, somente existe por determinação da lei e dentro

dos limites por esta fixado. Faltam-lhe os requisitos psíquicos da imputabilidade. Não

tem consciência e vontade próprias. É uma Ficção Legal. Assim não tem capacidade

penal e, por conseguinte, não pode cometer crimes. Quem por ela atua são seus

membros diretores, seus representantes. Estes sim são penalmente responsáveis

pelos crimes cometidos em nome dela.142

Neste mesmo sentido André Franco Montoro, ensina que, a Teoria da Ficção,

de Savigny, para quem só o homem é pessoa real; as instituições são consideradas

“pessoas” por uma ficção do direito; o legislador, por conveniência prática, supõe

que elas sejam pessoas reais e as trata como tal; mas, na realidade efetiva só

existem indivíduos e relações interindividuais; só o individuo é real, a pessoa jurídica

é apenas uma ficção do direito, uma criação artificial a lei, que pode suprimir quando

julgar conveniente.143 São entes incapazes de delinqüir. A pessoa jurídica, portanto,

é obra do direito positivo, restringindo seu âmbito de ação apenas as relações

patrimoniais.144

Na teoria criada por Savigny, Fernando Capez discorre neste sentido:

a pessoa juridica tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração, carecendo de vontade própria. Falta-lhe consciência, vontade e finalidade, requisitos imprescindíveis para a configuração do fato típico, bem como imputabilidade e possibilidade de conhecimento do injusto, necessários para a culpabilidade, de maneira que não há como admitir que seja capaz e delinqüir e de responder por seus atos.145

Novamente Fernando Capez146 ao comentar sobre esta teoria, cita Luiz

Vicente Cernicchiaro, que as pessoas jurídicas não cometem crimes e não estão

141 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O conceito de bem jurídico. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, ago., 2004. Disponível em: <www.damasio.com.br>. Acesso em: 05 abr 2008. 142 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.168. v. 1. 143 MONTORO, André Franco. Introdução a ciência do direito. 25.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.501. 144 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit., 2005, p.261. 145 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.146. 146 CAPEZ, Fernando. op cit., p.147.

51

sujeitas à sanção penal, porque são seres desprovidos de consciência e vontade

própria.

Alguns doutrinadores e juristas argumentam com base neste principio, a

impossibilidade de imputação criminal, pois os dirigentes que sofreriam a

condenação e não o ente coletivo.

Para Keity Mara Ferreira de Souza, a condenação do ente coletivo pressupõe

a “penalização de todos os membros da corporação, autores materiais do delito e

membros inocentes do grupo jurídico, representando, pois, uma flagrante violação

aos Princípios da Personalidade e da Individualização da pena.”147 A autora enfatiza,

ainda, que na verdade, o importante “é a punição efetiva das pessoas naturais que

se escondem através das pessoas coletivas e se utilizam de seu poder como

instrumento para a prática delitiva.”148

Ora, quando um preposto, administrador ou sócio de uma empresa pratica ato

típico, e a responsabilidade por esse ato é sustentada pela empresa, não há ruptura

do pressuposto constitucional causada pela comprovação de que o ato, em verdade,

era ato da própria empresa, apenas praticado por intermédio de um seu

representante.149

Finalmente, para Manoel Pedro Pimentel, “raramente a pessoa jurídica tem

um único responsável pela sua administração. E aquelas que se organizam para a

prática do delito econômico obviamente nunca têm um só.”150 Assim, a

responsabilidade pela conduta da pessoa jurídica “deve se projetar sobre as

pessoas físicas que compõem seus órgãos de administração.”151

Como René Ariel Dotti ainda afirma, a pessoa jurídica pode ser sujeito

passivo de um crime, como titular do bem jurídico atingido pela ação delituosa, mas

não pode ser autor (pois é incapaz de ação e culpa), independentemente das

pessoas físicas que agem em seu nome.152

Maggiore ao ser citado por Ronaldo Silva descreve

O conceito de culpa é estritamente pessoal: e a única verdadeira e não fictícia personalidade é a aquela do homem, que tem um corpo e

147 KEITY, Mara Ferreira de Souza. op. cit. 148 KEITY, Mara Ferreira de Souza. op. cit. 149 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.154. 150 PRADO, Luis Regis. op. cit., 2006, p.146. 151 PRADO, Luis Regis. op cit., 2006, p.146. 152 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.303. Parte Geral.

52

uma alma própria e indivisível. Onde há um corpo e uma alma, há vontade, uma liberdade, uma responsabilidade. Todo o resto é senão metáfora e ficção.153

Nessa linha de pensamento, aduz, ainda, que seja uma realidade jurídica, não

nos parece que com isso se resolva o problema. Aquela capacidade não se

confunde com a de direito e obrigações de que goza no Direito Privado.154

Doravante ao verificar argumentos contrários a responsabilidade da pessoa

jurídica são devidamente argüidos, num contexto atual e em consonância com a

realidade social.

Diante da teoria do crime, a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de

crime, mas a Constituição da República Federativa do Brasil prevê a possibilidade

de elaboração de lei para responsabilizar penalmente as pessoas morais (arts. 173,

§5º e 225 §3º). A Lei n. 9.605, de 12/2/1998, dispõe que as pessoas jurídicas são

penalmente responsáveis contra o meio ambiente praticado por decisão de seu

representante legal, ou contratual, ou do seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício de sua entidade (art. 3º), prevendo como sanções aplicáveis multa, a

prestação de serviços à comunidade e outras restrições de direitos (art.21).155

Pedro Krebs justifica que é preferível a reformulação de alguns conceitos da

dogmática penal – principalmente ação e culpabilidade – a não permitir a punição

dos entes coletivos. Portanto caberia, ainda, fazer referência ao argumento

equivocado de existir uma suposta incompatibilidade entre a Constituição da

República Federativa do Brasil e a responsabilização penal da pessoa jurídica. Falso

raciocínio esse, eis que é própria Constituição que prevê essa possibilidade (arts.

173, §5º, e 225, §3º)156

Existe atualmente uma tendência mundial no sentido de entender como

possível a imposição de sanções penais às associações, tal qual ocorre nos

sistemas jurídicos influenciados pela Common Law (Estados Unidos, Inglaterra,

Canadá, Irlanda, Austrália).157

153 SILVA, Ronaldo. Direito penal. Santa Catarina: Momento Atual, 2002. p.81. Parte Geral. 154 SILVA, Ronaldo. op cit., p.81. 155 MIRABETE, Julio Fabbriani. Código penal interpretado. 5.ed. São Paulo: Atlas. 2005. p.149. 156 KREBS, Pedro. Teoria jurídica do delito: noções introdutórias - tipicidade objetiva e subjetiva. 2.ed. São Paulo: Manole, 2006. p.9. 157 KREBS, Pedro. op cit., p.9.

53

Esta teoria considera as pessoas jurídicas são como realidade social158. Têm

personalidade dotada de vontade própria, distinta dos seus sócios, com capacidade

de ação e de praticar ilícitos.

Savigny encontrou opositores que, de forma geral, compreendiam que a

realidade da pessoa social não reside nos indivíduos, mas na idéia transcendental

de que eles são manifestação efêmera. Esse posicionamento encontra embasado

no conceito de direito subjetivo que defende a existência da pessoa jurídica antes

mesmo que a lei regule. Nesse sentido, entende-se com interesse do Direito o ato

no qual exista uma vontade capaz de se determinar; existe um direito e, portanto,

um sujeito de direitos, ou seja, uma pessoa. Assim como se reconhece a pessoa

natural, de existência visível, deve-se reconhecer a pessoa jurídica, distinta das

pessoas físicas que a formam, possuidora de vontade própria.159

A Teoria da Realidade (ou Organicista) é dividida em três grupos. O primeiro,

a Teoria da Realidade Objetiva, “que afirma ser a pessoa jurídica uma realidade

sociológica, que nasce por imposição das forças sociais”; o segundo, a teoria da

realidade Jurídica, “que considera as pessoas jurídicas como organizações sociais

com finalidade de exercer determinado serviço”; e o terceiro, a Teoria da Realidade

Técnica, “entende que a pessoa jurídica é a maneira encontrada pelo Direito de

reconhecer a existência de grupos de indivíduos, que se reúnem com os mesmos

objetivos, assegurando a possibilidade de responsabilização penal da pessoa

jurídica.”160 A teoria da realidade parte de base diametralmente oposta à Teoria de

Ficção. Segundo Sérgio Salomão Schecaira, “pessoa não é somente o homem, mas

todos os entes dotados de existência real.”161 Neste sentido, para Gierke, “as

pessoas jurídicas também são reais e, portanto, são portadores de real vontade

coletiva, devendo ser equiparáveis, como seres sociais que são, às pessoas

físicas.”162 São verdadeiros organismos vivos, dotados de vida própria, com órgãos,

consciência e vontade coletivos.163

158 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit., 2005, p.262. 159 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. op. cit., p.33. 160 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: de acordo com a Lei n. 9.605/98. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.85-87. 161 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. op. cit., p.87-88. 162 ROTHENBURG, Walter Claudis. A pessoa criminosa: estudo sobre a sujeição criminal ativa da pessoa jurídica. Curitiba: Juruá Editora, 1997. 163 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.501.

54

Luiz Regis Prado explica teoria da realidade que tem como precursor Otto

Gierke, a pessoa coletiva tem uma personalidade real, dotada de vontade própria,

com capacidade de agir e de praticar ilícitos penais. O ente corporativo existe, é uma

realidade social. É sujeito de direitos e deveres, em conseqüência e capaz de dupla

responsabilidade: civil e penal.164 Essa responsabilidade é pessoal, identificando

com a da pessoa natural. A pessoa jurídica é uma realidade, que tem vontade

própria e capacidade de deliberação. Devendo-se, então reconhecer-lhe capacidade

criminal.165

Destarte considerando que é dever do Estado proteger o bem jurídico, bem

como há necessidade de o Direito Penal modernizar-se, acompanhando novas

formas de criminalidade, nossa CF, em seus arts. 225, §3º (Titulo VIII, Da Ordem

Social, Capitulo VI, Do Meio Ambiente) e 173, ª 5º (Titulo VII, Da Ordem Econômica

e Financeira, Capitulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), previu a

responsabilização da pessoa jurídica em todas as esferas do direito por atos

cometidos contra a ordem econômica e financeira e contra o meio ambiente.166

Enquanto que na segunda corrente podem ser apresentados:

Na doutrina encontra-se posições em sentido divergentes, que tentam

explicar o valor jurídico do ente coletivo em relação ao direito penal.

Os doutrinadores que sustentam o Princípio Societas delinquere non potest,

não reconhecem a possibilidade da responsabilidade criminal da pessoa jurídica

frente aos crimes ambientais.

O Professor Damásio de Jesus reconhece a invencível tendência de

incriminar-se a pessoa jurídica como mais uma forma de reprimir a criminalidade.167

A preservação do meio ambiente por intermédio de uma norma de Direito

Penal que criminaliza condutas atentatórias ao ambiente e permite a punição de

natureza criminal da empresa é hoje uma realidade.168

Fernando Capez ao analisar a questão defende que a pessoa pode ser

sujeito ativo de crime. O Princípio societas delinquere non potest não é absoluto.169

164 PRADO, Luiz Regis. op. cit., 2006, p.260-261. 165 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.148-149. 166 CAPEZ, Fernando. op cit., p.152. 167 JESUS, Damásio de. Direito penal. 27.ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p.169. v.1. Parte Geral. 168 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.127. 169 CAPEZ, Fernando. op. cit., p.298.

55

Ao entendimento de Luiz Regis Prado a pessoa jurídica pode, assim, ser

responsabilizada por toda infração penal que sua condição lhe permitir realizar. Isso

ocorre, especialmente, no campo dos delitos referentes às atividades econômicas,

de contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor.170

Com relação aos julgados sobre a matéria, pode-se apresentar decisões

contrárias, como também as favoráveis.

Não obstante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em desencontro com a

ordem mundial, em atribuir maior atenção aos interesses difusos, tendo o meio

ambiente um bem jurídico tutelado, firmou o entendimento da irresponsabilidade

penal das empresas no direito penal brasileiro,

APELAÇÃO CRIMINAL. NULIDADE. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL. EIVA ACOLHIDA. (Apelação Criminal n. 2006.030339-9, de Campo Erê, Rel. Des. Sérgio Torres Paladino, Julgado 27/02/2007).171

O representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Élio

Kettermann, Dirceu Demartini e Dirceu Demartini ME, dando o primeiro como incurso

nas sanções do art. 39, combinado com o art. 2º, da Lei n. 9.605/98, mas o TJSC

anulou o processo e se rejeitou a denúncia oferecida contra Dirceu Demartini ME.

Decisão semelhante é o julgado da Apelação Criminal n. 2006.015166-6,

tendo como Relator o Des. Dr. Irineu João da Silva,

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE - DENÚNCIA OFERTADA CONTRA PESSOA JURÍDICA - ENTE QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA PRÁTICA DE CRIME - AUSÊNCIA DE VONTADE PRÓPRIA - RECURSO PROVIDO. (Apelação Criminal n. 2006.0151166-6, de Videira, Rel. Des. Irineu João da Silva, Julgado 27.06.2006).172

Na decisão, a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conheceu o

recurso e deu provimento parcial, para anular o processo e rejeitar a denúncia, no

tocante a Comercial de Combustíveis Golfinho Ltda.

170 PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.159. 171 BRASIL. TJ-SC, 2ª Câmara Criminal. Rec. n. 2006.030339-9, Campo Erê, Rel.Des. Sérgio Torres Paladino j. 27/02/2007. 172 BRASIL. TJ-SC, 2ª Câmara Criminal. Rec. n. 2006.0151166-6, Videira, Rel.Des. Irineu João da Silva j. 27.06.2006.

56

No entanto, este egrégio Tribunal de Justiça já havia decidido em sentido

oposto no julgamento do Recurso Criminal nº 00.004656-6, 2ª Câmara Criminal do

TJSC, Rel. Des. Juiz Torres Marques, chegou-se à conclusão descrita na seguinte

ementa, contrária a previsão legal:

CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º DA LEI N. 9.605/98 REJEITADA EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA - PROSSEGUIMENTO QUANTO À PESSOA FÍSICA RESPONSÁVEL - RECURSO DA ACUSAÇÃO PLEITEANDO O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PESSOALIDADE DA PENA E DA IRRESPONSABILIDADE CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA VIGENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO - RECURSO DESPROVIDO. (Rec. Crim. n. 00.004656-6, de Descanso, Rel. Juiz Torres Marques, j. 12.09.2000).173

Destarte, de tudo o que ficou dito, a jurisprudência dominante no Tribunal de

Justiça de Santa Catarina, opõe-se ao instituto da responsabilidade da pessoa

jurídica, não pode ser introduzido no sistema brasileiro, pois está alicerçado em

princípios e teorias que não admitem.

Logo, hoje, em vez de criticar, devemos reconhecer que a legislação penal

brasileira admite a responsabilidade criminal de pessoa jurídica e procurar a nova

sistemática.174

Neste mesmo liame é o entendimento adotado pela Oitava Turma do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, ao rejeitar a Apelação Criminal nº

2001.72.04.002225-0/SC, que por unanimidade decidiu:

EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO. DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA. ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98. CONDUTAS TÍPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a Constituição Federal (art. 225, §3º) bem como a Lei n. 9.605/98 (art. 3º) inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização criminal da pessoa jurídica. 2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se dele não resultar

173 BRASIL. TJ-SC, 2ª Câmara Criminal. Rec. n. 004656-6, Descanso, Rel.Des. Torres Marques, j. 12/09/2000. 174 JESUS, Damásio de. op. cit., p.168.

57

prejuízo à defesa (pas de nullité sans grief). 3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da FATMA, impedindo a regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido. (TRF4, ACR 2001.72.04.002225-0-SC, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, julgado em 06/08/2003, DJ 20/08/2003 p.801).175

No mesmo Tribunal outras relevantes decisões foram proferidas em

consonância com a realidade social:

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO PENAL AMBIENTAL. AMPLA DEFESA. DENÚNCIA INEPTA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5°, INC. LV. CPP, ART. 41. LEI N. 9.605/1998, ARTS. 40 E 55, TENTATIVA DE EXTRAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS. DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. 1. Estando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas prevista no art. 225, §3°, da Constituição Federal e no art. 3° da Lei n. 9.605/1998, descabe criar interpretações destinadas a reconhecer como inconstitucional o que a Constituição criou, pois é vedado ao juiz substituir-se à vontade do constituinte e do legislador, ainda que dela possa discordar. 2. As pessoas jurídicas podem ser processadas por crime ambiental, todavia, a denúncia deve mencionar que ação ou omissão foi fruto de decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, ainda que esta decisão tenha sido informal ou implícita. 3. Os consórcios são mera união de pessoas jurídicas e, por não terem personalidade jurídica, não respondem por crimes ambientais praticados por suas componentes, seus representantes ou empregados. 4. É inepta a denúncia que de forma genérica e sem especificar a ação ou omissão de cada denunciado, três pessoas jurídicas e oito pessoas físicas, atribui-lhes a prática de crimes ambientais sem levar em conta se o Departamento Nacional de Produção Mineral deu ou não autorização para os acusados explorarem recursos minerais e sem especificar que tipo de unidade de conservação foi atingida, de que forma, e a serviço de que pessoa jurídica agiram. (TRF-4ª Região, 7ª T., AMS n. 2002.04.01.054936-2/SC, rel. Des. Federal Vladimir Freitas, j. 25/02/2003.)176

Embora haja controvérsia quanto ao conteúdo do texto legal, de reconhecer

que deixa margem à admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica177, a

Constituição da República Federativa do Brasil sendo o ápice das leis deste país

prevê a responsabilidade criminal do ente coletivo, contrariando com o Princípio do

175 BRASIL. TRF-4ª Região, 8ª T., ACR. n. 2001.72.04.002225-0/SC, rel. Des. Federal Elcio Pinheiro de Castro, j. 06/08/2003. 176 BRASIL. TRF-4ª Região, 7ª T., AMS n. 2002.04.01.054936-2/SC, rel.Des. Federal Vladimir Freitas, j. 25/02/2003. 177 JESUS, Damásio de. op. cit., p.168.

58

direito penal, o Societas delinquere non potest, dando ao meio ambiente seu devido

valor.

Para o Des. Solon D’Eça Neves, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em

consenso a aplicabilidade da previsão constitucional de penalizar pessoas jurídicas

em razão dos crimes ambientais:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA EM QUE FIGURAVA PESSOA JURÍDICA COMO PARTE PASSIVA EM DELITO PENAL - LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE ADMITE EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - RECURSO PROVIDO. A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por empresas. Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos. (Recurso Criminal n. 2002.022917-8, Curitibanos, Relator: Solon d'Eça Neves, decisão 26/11/2002)178

Inconformado o Ministério Publico recorreu da decisão, no Tribunal de Justiça

o aludido Desembargador decidiu que é necessário ao rigorismo pretendido pela

legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa

física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante

qualidade de vida ambiental a todos.

Neste mesmo sentido e em conexo com o anseio da sociedade a

jurisprudência acirrada, em posição dominante, o Superior Tribunal de Justiça, em

julgamento inédito reconhece a importância da responsabilização da pessoa jurídica

por dano ambiental, atendendo o reclamo de toda a sociedade contra privilégios

inaceitáveis de empresas que degradam o meio ambiente tendo em vista a

comunicabilidade do sistema ambiental com valores fundamentais.

178 BRASIL. TJ-SC, 1ª Câmara Criminal. RCR. n. 2002.022917-8, Curitibanos, Rel. Des. Sólon d’Eça Neves, j. 26/11/2002.

59

EMENTA: CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado. IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual

60

recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (Recurso Especial n. 564.9602 – SC, Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.06.2005).179

Com a decisão, foi aceita a denúncia do Ministério Público contra a pessoa

jurídica ter causado dano ao meio ambiente, resultantes da atividade do

estabelecimento. O Ministro Gilson Dipp destaca que “a responsabilização penal da

pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma

evidente, na Lei Ambiental, de modo que não pode ser ignorado."

Em consonância com Direito Ambiental o Supremo Tribunal de Justiça,

atualmente tem decidido de forma pacífica, concernente à responsabilidade penal do

ente moral.

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio". (STJ, REsp nº 889528 – SC Rel. Min. FELIX FISCHER. 5ª Turma. DJ 17/04/2007).180

No julgado referido anteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça, admitiu a

possibilidade de responsabilização criminal da pessoa jurídica contra os crimes do

meio ambiente e determina ao Tribunal a quo aprecie o mérito da Apelação

interposta pelo membro do Parquet.

Pode-se observar que o Superior Tribunal de Justiça corresponde à intenção

do legislador constituinte em penalizar a pessoa jurídica, tendo como fundamento a

Constituição da República Federativa do Brasil, vislumbrando a necessidade da

penalização do ente coletivo.

179 BRASIL. STJ, 5ª Turma, REsp. n. 564.960/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, j.2/6/2005. 180 BRASIL. STJ, 5ª Turma, REsp. n. 889528/SC, Rel. Min. Félix Fischer, j. 17/04/2007.

61

3.3 POLÍTICA JURÍDICA DO DIREITO PENAL AMBIENTAL

A necessidade de novos paradigmas para o Direito Penal parte do

entendimento de alguns países já permitirem a responsabilização penal da pessoa

jurídica, “demonstrando uma tendência mundial no sentido de admitir a aplicação de

sanções de natureza penal às pessoas jurídicas pela prática de ofensas ao meio

ambiente.”181

Admitindo uma postura de feição social, coletiva, em detrimento da

individualista, impõe o texto constitucional, como objetivo a ser alcançado, a

proteção jurídica de interesses sociais, como forma de tornar efetiva a fruição de

direitos individuais e sociais.182

A ruptura com os paradigmas modernos de culpabilidade, punibilidade e

aplicação da pena não ocorre tão facilmente, da noite para o dia. Será preciso muita

discussão e muita teoria para, enfim, transformar a criminalização da pessoa jurídica

em uma realidade não apenas aparente, no plano da norma, mas efetiva na

aplicação deste pressuposto pelo Judiciário.183

Miguel Reale Júnior aponta a existência de novas áreas no Direito Penal (por

exemplo, a defesa do meio ambiente), consistindo em bens jurídicos a serem

penalmente tutelados.184 Contudo, uma vertente doutrinária defende a adoção de

medidas preventivas especiais para neutralizar a periculosidade (danos) que

algumas pessoas jurídicas podem trazer para o sistema social.

Celso Antonio Pacheco Fiorilllo assevera que o art. 225 §3º, da Constituição

da República Federativa do Brasil, o legislador abriu a possibilidade dessa espécie

de sanção à pessoa jurídica. Trata-se de política criminal, que, atenta aos

acontecimentos sociais, ou melhor, à própria dinâmica que rege atualmente as

atividades econômicas, entendeu por bem tornar mais severa a tutela do meio

ambiente.185

Os institutos da personalidade penal e da culpabilidade necessitam de uma

interpretação condizente com uma nova realidade. A natureza jurídica do bem

181 AMARAL, Regina Célia. STJ julga Cabível a responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul., 2005. Disponível em: <www.damasio.com.br>. 182 PRADO, Luiz Regis. op. cit., p.79. 183 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.127. 184 GOMES, Luiz Flávio (Coord.). Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: RT, 1999. p.71. 185 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. op. cit., p.56.

62

jurídico e a finalidade da norma precisam ser observadas em um processo de

flexibilização das concepções clássicas de culpabilidade.186

Em suma, a sociedade anseia, por parte do Supremo Tribunal Federal, um

posicionamento quanto à matéria para pôr fim as divergências jurisprudenciais, para

que o meio ambiente, como um bem tutelado, não reste nenhuma dúvida da

necessidade da proteção do Estado.

186 BELLO FILHO, Ney de Barros; LEITE, José Rubens Morato. op. cit., p.138.

63

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No término desta monografia, pode-se concluir que com a Constituição da

República Federativa do Brasil o meio ambiente passou a ser considerado como

direito fundamental, enfatizando a necessidade de uma sadia qualidade de vida.

Partindo-se do pressuposto de que o meio ambiente é um direito

constitucional essencialmente difuso, e sendo da coletividade, não é um bem de

caráter público, mas é um direito de uso comum do povo, a Política Nacional do

Meio Ambiente tem por objetivo o desenvolvimento sócio-econômico de

preservação. Para esta proteção, o SISNAMA é um sistema composto de órgãos de

execução e fiscalização.

Para a aplicabilidade das leis ambientais surge o Direito Ambiental, como

proteção do homem a si mesmo, o próximo e o ambiente em que vive das possíveis

degradações que suas atividades laborais ou quaisquer outras formas de interação

entre ele e a natureza viessem a provocar nesta última.

O patrimônio ambiental constitui um bem de toda coletividade e, sendo assim,

qualquer membro desta está legitimado a protegê-lo.

Dentre as principais teorias que regem a responsabilização no Direito Penal

estão a Teoria do Delito, que se caracteriza pelos elementos ação, tipicidade,

antijuridicidade e culpabilidade, ou seja, delito é uma ação típica, antijurídica e

culpável; a Teoria da Ficção, que tem como fundamento que só o homem tem

capacidade de ser sujeito de direito; e o Princípio da Personalidade da Pena, que é

um princípio constitucional que enfatiza que nenhuma pena passará da pessoa do

condenado.

A Constituição da República Federativa do Brasil impõe a qualquer infrator,

seja pessoa física ou jurídica, as sanções penais em crimes ambientais.

A pessoa jurídica, além das sanções previstas sofre a desconsideração da

personalidade jurídica.

Com a desconsideração e, conseqüentemente, sua insolvência, seus

representantes legais responderão pelos danos ambientais causados.

64

A sociedade anseia, por parte do Supremo Tribunal Federal, um

posicionamento quanto à matéria para pôr fim as divergências jurisprudenciais, para

que o meio ambiente, como um bem tutelado, não reste nenhuma dúvida da

necessidade da proteção do Estado.

65

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69

ANEXOS

Íntegra dos Acórdãos (versão oficial)

Tipo: Apelação criminal Número: 2006.015166-6

Des. Relator: Irineu João da Silva Data da Decisão: 27/06/2006

Apelação criminal n. 2006.015166-6, de Videira.

Relator: Des. Irineu João da Silva.

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE - DENÚNCIA OFERTADA CONTRA

PESSOA JURÍDICA - ENTE QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA

PRÁTICA DE CRIME - AUSÊNCIA DE VONTADE PRÓPRIA - RECURSO

PROVIDO.

"A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero

instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de

crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal

vigente" (RCR n. 03.003801-9, de Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite, j.

01.04.2003).

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (ART. 54, § 2º, INC. V, DA LEI N. 9.605/98) -

MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CRIME FORMAL E DE PERIGO

- DESNECESSIDADE DA OCORRÊNCIA EFETIVA DO DANO, BASTANDO A

POTENCIALIDADE LESIVA QUE POSSA CAUSAR - CULPABILIDADE DO

RESPONSÁVEL PELA EMPRESA EVIDENCIADA - DELITO CONFIGURADO -

CONDENAÇÃO MANTIDA.

O crime de poluição é delito formal, que se consuma com a possibilidade de dano,

pois, uma vez consumado, afeta de tal maneira o meio ambiente que, dificilmente,

as suas características primitivas poderão ser recuperadas, advindo daí a

necessidade de evitá-lo o quanto possível.

70

PENA ACESSÓRIA - REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL - FIXAÇÃO

CONFORME OS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELO OFENDIDO OU PELO MEIO

AMBIENTE E NÃO DE ACORDO COM AS CONDIÇÕES PESSOAIS DO RÉU -

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 2006.015166-6, da

Comarca de Videira, em que são apelantes Comercial de Combustíveis Golfinho

Ltda. e Guilherme Scapini, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do

recurso e dar-lhe provimento parcial, para anular o processo e rejeitar a denúncia,

no tocante a Comercial de Combustíveis Golfinho Ltda, nos termos do art. 43, inc. III,

primeira parte, do Código de Processo Penal, mantidas as demais cominações da

sentença.

Custas na forma da lei.

Na Comarca de Videira (1ª Vara), o representante do Ministério Público ofereceu

denúncia contra COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS GOLFINHO LTDA.,

GUILHERME SCAPINI, ANA ROSA ZUCCHETTI SCAPINI e ALISON SCAPINI,

como incursos nas sanções dos arts. 54, § 2º, V e 60, ambos da Lei n. 9.605/98, na

forma do art. 70 do Código Penal, porque:

No dia 13 de maio de 2001, por volta das 15h15min, os policiais militares integrantes

do 12º Pelotão de Proteção Ambiental de Canoinhas/SC, comandados pelo 3º

Sargento PM Ivan Veiga, efetuaram fiscalização em vários estabelecimentos

localizados neste município e comarca.

Assim, nesta data, constataram que, no Posto de Lavação instalado na Comercial de

Combustível Golfinho Ltda., de propriedade dos denunciados, localizado na Rua XV

de Novembro , nº 1168, centro, nesta cidade, havia o funcionamento de atividade

potencialmente poluidora nas rampas de lavação deste estabelecimento, conforme

comprova o Laudo Pericial de fls. 20/23.

Desta forma, verificou-se que no local da vistoria havia duas rampas de lavação a

aproximadamente 7m (sete metros) e 12m (doze metros) de recurso hídrico.

Além disso, constatou-se que os resíduos dela provenientes (graxa, óleo, lodo, areia

e produtos químico) eram lançados diretamente para o recurso hídrico, mais

precisamente no Rio do Peixe, já que a caixa de retenção localizada no subsolo de

um prédio encontrava-se completamente cheia de resíduos, impedindo o seu

funcionamento.

71

Sobreleva ressaltar que a pessoa jurídica de direito privado COMERCIAL DE

COMBUSTÍVEL GOLFINHO LTDA deve ser responsabilizada penalmente por tais

atos, já que a infração ambiental foi cometida por decisão de seus representantes

legais, no interesse e benefício de sua entidade, conforme dispõe o artigo 3º caput

da Lei n 9.605/98.

Com esta conduta os denunciados COMERCIAL DE COMBUSTIVEIS GOLFINHO

LTDA, GUILHERME SCAPINI, ANA ROSA ZUCHETTI SCAPINI E ALISON SCAPINI

causaram poluição em níveis tais que poderiam resultar em danos à saúde humana,

por lançamento de resíduos, em desacordo com as exigências estabelecidas em lei.

Concluída a instrução, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para

absolver ALISON SCAPINI e ANA ROSA ZUCHETTI SCAPINI, com fundamento no

artigo 386, IV, do CPP e condenar GUILHERME SCAPINI, à pena de 01 (um) ano

de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor

unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos,

substituída a privativa de liberdade por prestação pecuniária, de 02 (dois) salários

mínimos à Polícia Ambiental (13º Pelotão de Polícia de Proteção Ambiental

Grupamento de Videira), e COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS GOLFINHO LTDA., ao

pagamento da pena de multa 10 (dez) dias-multa, cada dia fixado em 6/30 (seis

trinta avos) do salário mínimo vigente época dos fatos, pela prática do crime

capitulado no art. 54, § 2º, inciso V, da Lei 9.605/98. Foi decretada extinta a

punibilidade de Guilherme Scapini e Comercial de Combustíveis Golfinho Ltda., com

relação ao crime previsto no art. 60 da Lei 9.605/98, ante a prescrição da pretensão

punitiva, prevista no art. 107, V, do Código Penal. Além disso, com fundamento no

art. 20 da Lei 9.605/98, foram condenados ao pagamento do valor de R$ 1.500,00

(hum mil e quinhentos reais), a título de reparação do dano ambiental, o qual deverá

ser devidamente atualizado desde a constatação do quantum indenizatório, ou seja,

23.08.2001.

Inconformados, apelaram. COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS GOLFINHO LTDA.,

suscitando, em preliminar, a ilegitimidade de parte, por impossibilidade de figurar no

pólo passivo da ação penal. No mérito, ambos requereram a absolvição, ante a falta

da prova do dano ambiental e, ainda, a desclassificação para a forma culposa do

delito, com aplicação dos institutos da Lei n. 9.099/95. Além disso, requereram a

diminuição do valor da reparação do dano e a substituição da prestação pecuniária

por serviços à comunidade.

72

Após as contra-razões, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra

do Dr. Raul Schaefer Filho, manifestou-se no sentido de absolver os apelantes.

É o relatório.

1. Preliminarmente, é necessária a análise da possibilidade de aplicação de sanções

penais às pessoas jurídicas.

Nos países filiados à cultura romano-germânica vige o princípio societas delinquere

non potest, o que significa dizer que é inadmissível responsabilizar-se penalmente

as pessoas jurídicas, restando a previsão de sanções administrativas ou civis. De

outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências,

vigora o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa

jurídica.

No Brasil, a Constituição de 1988 admitiu a responsabilidade penal da pessoa

jurídica quando tratou da responsabilização por delitos contra a ordem econômica

(art. 173, parágrafo 5º) e de crimes contra o meio ambiente (225, parágrafo 3º), a

seguir transcritos:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de

atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme

definidos em Lei. (...)

5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa

jurídica , estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições

compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e

financeira e contra a economia popular.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações. (...)

3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados, aplicando-se`,

relativamente aos crimes contra o meio ambiente, o disposto no art. 202, parágrafo

5º.

NICOLAO DINO DE CASTRO E COSTA NETO, NEY DE BARROS BELLO FILHO e

FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA sustentam que "a maioria da doutrina

73

brasileira é assente em afirmar que a Constituição de 1988 introduziu no

ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica,

rompendo com o célebre brocardo latino societas delinquere non potest. Entre os

constitucionalistas, José Afonso da Silva reconhece o avanço do texto normativo e

comunga com a fixação da responsabilidade dos entes morais todas as vezes que

houver agressão, quer à ordem econômica, quer ao meio ambiente. Igualmente,

Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins concordam em seus Comentários à

Constituição do Brasil que o Texto Maior reconheceu a responsabilidade criminal da

pessoa jurídica. (..) Igualmente, Sérgio Salomão Shecaira sustenta que, 'não

obstante existirem opiniões contrárias - de juristas de nomeada - , a nosso juízo não

há dúvida de que a Constituição estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa

jurídica' " (Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, 2ª ed., Brasília Jurídica,

2001, p. 51).

Entre os doutrinadores contrários à responsabilização das pessoas jurídicas, estão

René Ariel Dotti e Luiz Vicente Cernicchiaro. Para o primeiro, haveria violação aos

princípios da isonomia, personalidade e humanização das sanções, porque, a partir

da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes, ou seja,

os instigadores ou cúmplices, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos

trabalhos de investigação. Além disso, quando a Constituição Federal trata da

aplicação da pena, refere-se sempre à conduta humana. Para ele, "o texto

constitucional deve ser compreendido com a possibilidade tanto da pessoa natural

como da pessoa jurídica de responderem civil e administrativamente. Porém, a

responsabilidade penal continua sendo de natureza e de caráter estritamente

pessoal" (RENÉ ARIEL DOTTI, Meio Ambiente e Proteção Penal. Rio de Janeiro,

Revista Forense, v. 317, p. 200).

LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, por sua vez, ensina que, face à inexistência de

vontade própria, torna-se inviável aplicar os princípios da responsabilidade pessoal

e da culpabilidade (norteadores do Direito Penal moderno) às pessoas jurídicas, pois

são atributos inerentes às pessoas físicas (vide Direito Penal na Constituição, 3ª

edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995), razão pela qual a pessoa jurídica

não pode ser responsabilizada penalmente.

Neste sentido, este egrégio Tribunal de Justiça já decidiu:

"CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º DA LEI N. 9.605/98

REJEITADA EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA - PROSSEGUIMENTO QUANTO

74

À PESSOA FÍSICA RESPONSÁVEL - RECURSO DA ACUSAÇÃO PLEITEANDO O

RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA -

AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO

DOUTRINÁRIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PESSOALIDADE DA

PENA E DA IRRESPONSABILIDADE CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA

VIGENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO - RECURSO DESPROVIDO"

(Rec. Crim. n. 00.004656-6, de Descanso, Rel. Juiz Torres Marques, j. 12.09.2000).

Também:

"Apelação criminal. Artigo 54 da Lei n. 9.605/98. Denúncia oferecida contra pessoa

jurídica. Impossibilidade de a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação

penal. Recurso provido para excluí-la da relação processual" (Apelação criminal n.

02.011726-4, de Itajaí, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. 25.02.2003).

E, deste relator:

"AÇÃO PENAL - CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE - REJEIÇÃO DA

DENÚNCIA - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA -

IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL - RECURSO MINISTERIAL

NÃO PROVIDO" (Recurso criminal n. 02.023129-6, de Videira, j. 18.02.2003).

Dessarte, de tudo o que aqui ficou dito, portanto, e, data vênia do entendimento

contrário do colendo Superior Tribunal de Justiça, conclui-se que o instituto da

responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser introduzido no sistema

brasileiro sem que este, especificamente, passe por uma adaptação, pois está

solidamente alicerçado em postulados que não o admitem.

Isto não significa dizer que as pessoas coletivas não devam sofrer punição pelos

atos assim considerados delituosos no exercício de suas atividades. Devem ser punidas, sim, mormente em nosso tempo, onde os novos tipos de criminalidade

surgem, onde as vítimas não são, no mais das vezes, determinadas, mas, sim,

determináveis. Porém, os meios sancionatórios não devem estar previstos,

necessariamente, na esfera penal, pois o Direito penal atua sempre como ultima

ratio, o que não é desejável na solução desses conflitos de massa provocados pelas

pessoas coletivas. Para isso, mais eficaz e efetivo seria um direito administrativo

sancionador, a par de outras sanções civis cumuláveis, conforme a gravidade do

caso.

75

A solução, assim, é a rejeição da denúncia no tocante a Comercial de Combustíveis

Golfinho Ltda., nos termos do art. 43, inc. III, primeira parte, do Código de Processo

Penal.

2. Tratam os autos de crime ambiental, previsto pela Lei n. 9.605/98, que regula as

condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, imputado a Guilherme Scapini,

administrador da empresa Comercial de Combustíveis Golfinho Ltda., por ter

causado poluição ao meio ambiente, em nível que pudesse resultar danos à saúde

humana, mortandade de animais e destruição significativa da flora, pelo lançamento

de resíduos sólidos e líquidos.

A materialidade foi comprovada pela Notícia de Infração Penal Ambiental (fls. 06/14)

e pelo Laudo Pericial de Constatação de Dano Ambiental (fls. 24/26), bem como os

depoimentos das testemunhas, que comprovam a existência de duas rampas de

lavação de veículos, em área de preservação permanente, com despejo de resíduos

(graxas, óleos, lodo, areia, produtos químicos) diretamente em recurso hídrico, sem

nenhum tipo de tratamento prévio.

Segundo o que os policiais ambientais fizeram constar na Notícia de Infração Penal

Ambiental n. 029/01/12º PEL/CPPA, "no ato da fiscalização, foi constatado o

funcionamento de atividade potencialmente poluidora (rampa de lavação), sem a

devida licença ambiental expedida pelo órgão competente", sendo que o

estabelecimento "possui duas rampas de lavação de veículos, localizadas à,

aproximadamente, 7 (sete) e 12 (doze) metros de recurso hídrico (Rio das Pedras)".

Além disso, constataram "que a referida caixa de retenção estava completamente

cheia de resíduos sólidos (lodo, areia, etc), o que ocasiona o lançamento dos

resíduos diretamente para o recurso hídrico, sendo que o local onde se encontra

instalada a referida caixa de retenção de resíduos é de difícil acesso, sem

iluminação, à, aproximadamente, dois metros de profundidade (subsolo do prédio),

tendo como acesso a ela apenas uma abertura de 0,40 cm x 0,50 cm, tornando

difícil a sua limpeza" (fls. 06/14).

O laudo pericial de fls. 24/26 indica o dano ambiental, "cometido através do

funcionamento de atividade considerada potencialmente causadora de degradação

ambiental, instalada em área considerada de preservação permanente, sendo que

no local onde está instalada a referida rampa não existe mais vegetação nativa".

José Heitor Maciel, perito ad hoc, que acompanhou as diligências efetuadas pela

polícia ambiental em postos de lavação, afirmou que vários deles possuíam

76

irregularidades, inclusive, o Posto Golfinho. Todavia, porque já fazia muito tempo,

não lembrou bem qual ou quais os problemas constatados naquele estabelecimento,

apenas que as caixas de separação, que são utilizadas para a decantação de óleo e

areia que sobram durante a lavação dos veículos, estavam cheias. Esclareceu que

em postos de lavação de automóveis são utilizados produtos químicos como

detergentes, óleos e soda cáustica, que são poluentes, como, por exemplo, esta

última, que, lançada nos rios, altera significativamente o ph da água, provocando a

morte dos seres vivos. E, também, os detergentes provocam a alteração das

propriedades químicas e físicas da água, lançando metais que alteram o ph e

provocam espumas. Os óleos lançados aos rios provocam problemas quanto à

fotossíntese, tornando-se obstáculos para a entrada de luz, já que, por possuírem

menor densidade, ficam na superfície da água, bem como, acarretam problemas aos

peixes, que têm suas traquéias obstruídas, quando o respiram, levando-os à morte.

Por fim, disse que a água fornecida à população pela CASAN é originária do Rio do

Peixe (fls. 54/55).

Edmilson Duffeck, que também participou da fiscalização, afirmou que havia

lançamento de resíduos sem o devido tratamento, diretamente em recurso hídrico

(fls. 71).

Segundo Ivan Veiga, policial militar, no dia dos fatos, acompanhado de outros

milicianos, efetuou vistoria no posto de combustíveis Golfinho Ltda., localizado na

rua XV de Novembro, na cidade de Videira, edificado em área de preservação

permanente, encontrando em funcionamento duas rampas para lavação de veículos,

sendo que seus resíduos (graxa, óleo, etc) escoavam diretamente para o Rio do

Peixe, que fica ao lado, porque as caixas de retenção estavam completamente

cheias (fls. 92).

Seguem o mesmo rumo as declarações dos policiais Luiz Carlos C. da Silva (fls. 93)

e Antônio Gilmar Kurcheski (fls. 99).

Carmem Lúcia Capela dos Reis, funcionária da FATMA, registrou que se recordava

que os resíduos que saíam das rampas eram lançados diretamente no Rio do Peixe,

não havendo nenhum recuo (fls. 122).

Nesse contexto, a assertiva da defesa de que as provas não demonstram poluição

que pudesse resultar danos ao meio ambiente não prospera, pois o crime previsto

no art. 54, § 2º, da Lei n. 9.605/98 é de perigo, bastando, para a sua configuração, a

simples demonstração da potencialidade de dano.

77

VLADIMIR PASSOS DE FREITAS ensina que a Lei n. 9.605/98 veio a consagrar a

figura do crime de perigo, que se consuma com a simples possibilidade de dano.

Segundo ele, "na maioria das vezes, o dano ambiental, uma vez consumado, afeta

de tal forma o meio ambiente que, dificilmente, as suas características primitivas

poderão ser recuperadas. Daí, a necessidade de evitá-lo o quanto possível" (Crimes

Contra a Natureza, 6ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 37).

O crime previsto pelo art. 54, § 2º, da Lei n. 9.605/98, é formal, isto significa que não

é necessário para a sua tipificação que o dano ambiental venha efetivamente a

sobrevir, não se exige a produção do resultado, tendo em vista, aliás, que o "caput"

do artigo dispõe "que resultem ou possam resultar em danos".

Portanto, mesmo que o dano efetivo não seja constatado, a prática do delito resta

consumada com o lançamento de resíduos químicos, sendo que a ocorrência do

dano seria apenas o exaurimento do crime, isto é, este já teria sido consumado e as

condutas posteriores seriam conseqüências mais lesivas, agravando-o, não havendo

que se falar, também, em desclassificação para a forma culposa.

3. Também não deve prosperar o pedido de adequação do valor da reparação,

fixado em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em face da primariedade e boa

conduta, pois, "o juiz arbitra o valor mínimo para a reparação do danos causados

pela infração em conformidade com 'os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo

meio ambiente', diz a parte final do 'caput' do art. 20 da Lei n. 9.605/98, não sendo

considerada a situação pessoal do condenado. E o valor escolhido foi aquele

apontado na perícia realizada que, como já visto, não sofreu impugnação no

transcorrer da instrução criminal" (Apelação criminal n. 2004.025788-0, de Ponte

Serrada, rel. Des. Jânio Machado, j. 08.05.2005).

E, mesmo afastada a responsabilidade da pessoa jurídica, o valor deverá ser suportado pelo seu responsável, na integralidade.

4. Por fim, verifica-se que o apelante requereu, para o caso de mantença da

condenação, "a substituição da pena prevista na sentença 'a quo', por prestação de

serviços à comunidade" (sic).

O pedido, como se vê, dadas as particularidades do caso, é confuso, eis que, ao

final, o réu restou condenado ao pagamento de três valores em dinheiro de

naturezas distintas, ou seja, multa tipo de 10 (dez) dias, no valor unitário de 1/30 (um

trigésimo) do salário mínimo, prestação pecuniária de 02 (dois) salários mínimos e

R$ 1.500 (mil e quinhentos reais) a título de reparação do dano.

78

E, se a reparação não pode ser substituída, por ser pena acessória, que segue

disciplina própria, com matriz no art. 91, inc. I, do Código Penal e art. 63 do Código

de Processo Penal, as demais, à evidência, também não, por ser a substituição

prejudicial ao réu, pois deveria cumprir a prestação pecuniária durante um ano, ao

invés de efetuar o pagamento determinado, desde logo, e ver extinta sua pena, pelo

cumprimento.

5. Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime,

conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para anular o processo e rejeitar a

denúncia, no tocante a Comercial de Combustíveis Golfinho Ltda, nos termos do art.

43, inc. III, primeira parte, do Código de Processo Penal, mantidas as demais

cominações da sentença.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Torres

Marques e Túlio José Moura Pinheiro. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria-

Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho.

Florianópolis, 27 de junho de 2006.

SÉRGIO PALADINO

Presidente s/ voto

IRINEU JOÃO DA SILVA

Relator

79

Tipo: Recurso Criminal Número: 00.004656-6

Des. Relator: José Antonio Torres Marques Data da Decisão: 12/09/2000

Recurso Criminal n. 00.004656-6, de Descanso.

Relator: Juiz Torres Marques.

CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA NOS TERMOS DO ART. 3º DA LEI N. 9.605/98

REJEITADA EM RELAÇÃO A PESSOA JURÍDICA - PROSSEGUIMENTO

QUANTO A PESSOA FÍSICA RESPONSÁVEL - RECURSO DA ACUSAÇÃO

PLEITEANDO O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA

PESSOA JURÍDICA - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS -

ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA

PESSOALIDADE DA PENA E DA IRRESPONSABILIDADE CRIMINAL DA

PESSOA JURÍDICA VIGENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO -

RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal n. 00.004656-6, da

comarca de Descanso (Vara Única), em que é recorrente a Justiça, por seu

Promotor, sendo recorrida Arco Íris Produtos de Madeira Ltda:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, negar provimento

ao recurso.

Custas na forma da lei. I - RELATÓRIO: Perante o Juízo da Comarca de Descanso, José Carlos Vidor e

Arco Íris Produtos de Madeira Ltda. foram denunciados como incursos nas sanções

dos artigos 39 e 45, ambos da Lei n. 9.605/98 c/c o artigo 69 do Código Penal, por

ter a empresa Arco Íris Produtos de Madeira Ltda., conforme previsão do art. 3º,

parágrafo único da Lei 9.605/98, a partir do início do mês de abril do corrente ano,

através de seu sócio gerente José Carlos Vidor, que ordenou o corte generalizado

de árvores em uma área localizada na Linha Santa Ana, município de Santa

Helena/SC, sendo que possuía licença tão-somente para o corte e retirada de

árvores nativas folhosas diversas que estivessem caídas. Foram responsáveis ainda

os denunciados, pelo corte de várias árvores em área de preservação permanente,

80

já que determinaram o corte de árvores próximas a um córrego de água, e em local

com declividade acima de 45º (fls. 02/04).

Em despacho de fls. 73/78, o douto Magistrado a quo recebeu a denúncia em

relação ao acusado José Carlos Vidor e rejeitou em relação a empresa Arco Íris

Produtos de Madeira Ltda.

Irresignado, o representante do Ministério Público interpôs recurso em sentido

estrito, pugnando pela reforma do despacho para ver reconhecida a possibilidade de

responsabilizar penalmente a empresa recorrida.

Contra-arrazoado o recurso e mantida a decisão guerreada pelo magistrado a quo,

ascenderam os autos a esta egrégia Corte de Justiça, tendo opinado a douta

Procuradoria-Geral de Justiça pelo conhecimento e provimento do recurso.

II - VOTO: Trata o presente recurso em sentido estrito do despacho que rejeitou a

denúncia contra a empresa Arco Íris Produtos de Madeira Ltda., com fundamento

no artigo 43, III, do CPP.

A denúncia encontra amparo no art. 3º e parágrafo único da Lei n. 9.605/98, que

menciona:

"Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e

penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja

cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão

colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

"Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das

pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato".

O referido artigo deve ser analisado juntamente com o que preceitua a Constituição

Federal no art. 225, § 3º:

"As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os

infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,

independentemente da obrigação de reparar os danos causados".

Este dispositivo Constitucional gerou grande polêmica, tendo em vista o princípio da

irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, adotado pelo Brasil. O artigo 3º da

Lei n. 9.605/98, ao declarar que as pessoas jurídicas respondem penalmente,

pretende aplicar o que dispõe o artigo 225, § 3º da Carta Magna. Resta saber se o

constituinte, através do referido dispositivo, desejou que se passasse a incriminar a

pessoa jurídica.

81

Não nos parece que a responsabilidade penal da pessoa jurídica tenha lugar no

ordenamento jurídico pátrio.

Neste sentido, a doutrina recente de LUIZ REGIS PRADO, sobre a questão da

aplicabilidade da norma incriminadora à pessoa jurídica:

"(...) o legislador de 1998, de forma simplista, nada mais fez do que enunciar a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr,

contudo, instituí-la completamente. Isso significa não ser ela passível de aplicação

concreta e imediata, pois faltam-lhe instrumentos hábeis e indispensáveis para a

consecução de tal desiderato. Não há como, em termos lógico-jurídicos, romper

princípio fundamental como o da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica,

ancorado solidamente no sistema de responsabilidade de pessoa natural, sem

fornecer, em contrapartida, elementos básicos e específicos conformadores de um

subsistema ou microssistema de responsabilidade penal, restrito e especial,

inclusive com regras processuais próprias" (in Crimes contra o Ambiente: anotações

à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998: Ed. Revista dos Tribunais - São Paulo,

1998, pp. 21/22).

É sabido que o meio ambiente necessita cada vez mais de proteção, exigindo

normas eficazes. Mas para que se alcance a desejada eficácia será necessário que

ocorra a responsabilização criminal da pessoa jurídica? E se assim for, qual seria

a medida de sua culpabilidade?

SELMA PEREIRA SANTANA, Promotora da Justiça Militar da Bahia, em matéria

escrita para a revista Consulex sobre o tema elucida:

"Quase a totalidade da doutrina nacional compreende, ainda, que somente o ser

humano tem capacidade de realizar condutas. E, por força deste princípio

fundamental, arrematam que os tipos penais não passam de meras descrições

abstratas das mesmas, valoradas pelo legislador, concluindo-se ser inconciliável a

existência de delito sem a conduta, sendo reclamada para esta, sempre, a

voluntariedade" (in Revista Consulex, de 30.04.98, ano II, n. 16, pp. 44/46).

Embora não se encontre precedentes jurisprudenciais específicos sobre

aplicabilidade da norma penal a pessoa jurídica de acordo com a Lei n. 9.605/98, é

válido trazer o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a

responsabilidade penal da pessoa jurídica:

"Recurso de habeas corpus. Custódia preventiva. Prevenção. Fiança. Unificação de

ações penais. Absurda alegação de responsabilidade penal por parte da pessoa

82

jurídica. Artigos 171, 297 c/c os artigos 69 e 171, 229 c/c os artigos 67 e 71, todos

do Código Penal. Argüições desprovidas de fundamentação, que nenhum efeito

podem produzir conta a decisão unânime do tribunal a quo. Recurso improvido"

(grifei) (Rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, acórdão n. 000074555, de

13.10.92).

Ainda, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"RHC - Penal - Processual penal - Pessoa jurídica - Sócio - Responsabilidade

penal - Denúncia - Requisitos - A responsabilidade penal é pessoal. Imprescindível a responsabilidade subjetiva. Repelida a responsabilidade

objetiva. Tais princípios são válidos também quando a conduta; e praticada por

sócios de pessoa jurídica. Não respondem criminalmente, porém, pelo só fato de

serem delituosos. Caso contrário, ter-se-á odiosa responsabilidade por fato de

terceiro. Ser sócio não é crime. A denúncia, por isso, deve imputar conduta de cada

sócio, de modo que o comportamento seja identificado, ensejando possibilidade de

exercício do direito pleno de defesa".(grifei) (Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro,

acórdão n. 0002882, de 13.09.93)

Prevalece, portanto, o entendimento de que a pessoa jurídica não é penalmente

responsável, mas somente civil e administrativamente.

Citado por ATAIDES KIST, o Eminente Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em

análise ao artigo 225, § 3º, da Constituição Federal assevera:

"Meramente declaratório, nada admitindo-se acerca da esfera penal, enaltecendo

aspectos de ordem administrativa, quais sejam pagamento de multa ou mesmo o

cancelamento de autorização para o exercício da atividade profissional. Assim

também, a sanção penal está vinculada à responsabilidade pessoal e hoje, dela é

inseparável. A Constituição Brasileira, portanto, não afirmou a responsabilidade

penal da pessoa jurídica, na esteira das congêneres contemporâneas" (in

Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Editora de Direito - São Paulo, 1999,

p. 60).

E continua o autor, citando TOURINHO FILHO, em comentário ao artigo 3º, da Lei 9.605/98:

"Se a infração for cometida por um empregado, ou se o ato infracional for fruto de

ordem de um funcionário graduado, à revelia do representante legal, a pessoa

jurídica estará a salvo de ser penalmente punida. Aí está a prova maior de que o

próprio legislador não concebe a possibilidade de uma pessoa jurídica ser sujeito

83

passivo da pretensão punitiva. A própria lei reconhece que elas sozinhas não podem

delinqüir. Se não podem, por que falar-se da sua responsabilidade penal? Na

dicção do art. 3º da Lei n. 9.605, de 12-2-1998, vale repetir, a pessoa jurídica só

será penalmente responsabilizada se a infração for cometida por decisão do seu

representante... no interesse ou benefício da sua entidade. Mas, nesse caso, a

responsabilidade é do seu representante legal ou contratual... A lei Ambiental, como segmento do Direito Penal, destoa deste, pelo antagonismo que representa e

traduz, e por isso mesmo nem pode falar em segmento..." (KIST, Ataides. Ob. cit.,

p.78).

De todo exposto, conclui-se que a responsabilidade da pessoa jurídica depende

da manifestação de vontade de seus representantes (pessoas físicas). Portanto, a

estes aplica-se a norma penal, e àquelas as sanções civis e administrativas.

Trazemos, ainda, o entendimento de PAULO DE BESSA ANTUNES, membro do

Ministério Público Federal e um dos maiores estudiosos da área de Direito

Ambiental: "Veja-se que a condenação criminal de uma empresa, certamente, implica a

imposição indireta de penas a diferentes pessoas naturais e jurídicas que não

aquela condenada judicialmente. Não se desconhece que a condenação criminal de

uma sociedade anônima, provavelmente, terá reflexo na cotação de suas ações em

bolsa, acarretando penas econômicas - desvalorização de capital - para simples

titulares de ações preferenciais (sem direito a voto), ou qualquer poder de decisão

sobre as atividades da empresa. Igualmente, a pena produzirá reflexos junto ao

quadro de empregados que serão estigmatizados como funcionários de uma

empresa condenada. Tais repercussões serão capazes de afrontar o princípio

constitucional da pessoalidade da pena?...

"Parece-me que a responsabilização penal pessoal dos dirigentes que se tenham

valido da empresa para a prática de crimes é a melhor solução. Quanto às

empresas, em si, a sua punição, em meu entendimento, deve remanescer na esfera

administrativa, ainda que, eventualmente, possam ser aplicadas sanções pelo

próprio Poder Judiciário" (in Direito Ambiental, atualizada com a Lei n. 9.605/98,

Ed. Lúmen Júris - RJ, 1999, pp. 412/413).

No presente caso, a denúncia deixa claro que o sócio gerente da empresa foi quem

ordenou o corte de árvores.

84

O relatório de vistoria da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental concluiu:

Pelo que dos autos constam, que apontam a conduta típica e antijurídica do Sr.

JOSÉ CARLOS VIDOR, plenamente descritas na legislação ambiental pátria, penal

e administrativa, esta autoridade ambiental, requer rigor na aplicação do art. 25 da

Lei 9.605/98, haja visto o infrator não ter demonstrado conduta que faça jus aos

benefícios da Lei 9.009/96, conforme Termo Circunstanciado Ambiental que tramita

na Comarca de São Miguel do Oeste (SC), fato confirmado pelo Sr. VIDOR, quando

acompanhado de defensor, respondeu já ter cometido e respondido por outros

ilícitos ambientais (...).

"Oportuno sendo, opino seja também o presente procedimento encaminhado à

esfera civil, através de Termo de Ajustamento de Conduta, mais eficaz e com

destinação material direta para o Meio Ambiente, conforme art. 129, inciso III da CF

e art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347/85 c/c art. 2º e 3º da Lei 9.605/98" (grifei) (fls. 13/14).

Conclui OSWALDO HENRIQUE DUEK MARQUES, em análise ao disposto nos arts.

225, § 3º da Constituição Federal e 3º da Lei n. 9.605/98:

"Diante do exposto, pode-se concluir que a responsabilidade da pessoa jurídica,

prevista na Constituição de 1988 e na nova legislação do meio ambiente, não pode

ter natureza penal, mas somente administrativa ou civil. Nessa ótica, para serem

aplicadas tais sanções, basta a relação de causalidade entre o dano ao meio

ambiente previsto e a atividade desenvolvida pela pessoa moral, em razão de

decisão de seu representante ou órgão colegiado, sem necessidade de cogitar-se

dos aspectos subjetivos inerentes à estrutura do crime. A responsabilidade, então,

de cunho objetivo, restrita ao âmbito civil ou administrativo, certamente terá maior

eficácia e amplitude, sem colidir com os postulados do Direito Penal contemporâneo" (in Boletim IBCCrim, n. 65, abril de 1998, p. 06).

Esta orientação nos parece a mais razoável, pelo menos até que se criem meios

processuais adequados e coerentes com os princípios constitucionais e penais

vigentes em nosso ordenamento jurídico.

Portanto, se posiciona esta Câmara no sentido de negar provimento ao recurso da

acusação, mantendo-se a rejeição da denúncia em relação a pessoa jurídica

Arco Íris Produtos de Madeira Ltda., reservando-se a esta as sanções civis e

administrativas cabíveis.

III - DECISÃO: Por tais motivos, nega-se provimento ao recurso.

85

Participou do julgamento, com voto vencedor o Exmo. Sr. Des. Jorge Mussi, tendo

lavrado parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Paulo Antônio

Günther.

Florianópolis, 12 de setembro de 2000

Álvaro Wandelli

PRESIDENTE COM VOTO

Torres Marques

RELATOR

Recurso criminal n. 000046566

86

Tipo: Recurso Criminal

Número: 2002.022917-8

Des. Relator: Solon d'Eça Neves

Data da Decisão: 26/11/2002

Recurso Criminal n. 2002.022917-8, de Curitibanos.

Relator: Des. Solon d'Eça Neves.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL - REJEIÇÃO DA

DENÚNCIA EM QUE FIGURAVA PESSOA JURÍDICA COMO PARTE PASSIVA

EM DELITO PENAL - LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE

ADMITE EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA

JURÍDICA - RECURSO PROVIDO

A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por empresas. Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2002.022917-8,

da comarca de Curitibanos (Vara Criminal, Infância e Juventude), em que é

recorrente a Justiça, por seu Promotor, sendo recorrida S.A. Fósforos Gaboardi:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento ao

recurso.

Custas legais.

O representante do Ministério Público da comarca de Curitibanos ofereceu

denúncia contra S.A. Fósforos Gaboardi, José Righes e Jani Tubias de Lima,

dando-os como incursos, o primeiro nas sanções do art. 46, caput, da Lei n.

9.605/98, e os dois últimos nas sanções do art. 46, parágrafo único, da referida lei, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória:

87

"No dia 10 de abril de 2002, policiais militares da Companhia de Proteção Ambiental

de Lages/SC, durante a realização de fiscalização florestal, surpreenderam o

denunciado JANI TUBIAS DE LIMA preposto da empresa denunciada S/A

FÓSFOROS GABOARDI, juntamente com os autores dos fatos Pedro Rodrigues de

Souza, Edmilson Muller e José Carlos de Jesus, transportando para o pátio desta

última, em São Cristóvão do Sul, nesta Comarca, sem licença válida da autoridade

competente, 30.424m3 (trinta mil, quatrocentos e vinte e quatro metros cúbicos) de

toras de pinheiro do Paraná (araucaria angustifolia).

"Consta que o denunciado JOSÉ RIGHES, na função de gerente da denunciada, era

quem adquiria as toras apreendidas no momento da apreensão, as quais eram

depositadas no citado pátio, conforme levantamento fotográfico à fl. 34 do termo em

tela.

"Mister se faz ressaltar que, no local retromencionado, ainda foram apreendidos

16.251m3 (dezesseis mil, duzentos e cinqüenta e um metros cúbicos), de toras da

espécie araucaria angustifolia".

Às fls. 41/58, o MM. Juiz entendeu por rejeitar a denúncia em relação a empresa S.

A. Fósforos Gaboardi e receber a referida denúncia em relação aos acusados Jani

e José.

Inconformado com o despacho que rejeitou, em parte, a denúncia, o representante

do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, visando ao recebimento

da peça acusatória da empresa S. A. Fósforos Gaboardi. Discorreu que com o

advento da Lei n. 9.605/98 as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas

criminalmente, previsão esta já enunciada na Constituição Federal de 1988.

Contra-arrazoado o recurso e mantida a decisão vergastada, os autos ascenderam

a esta instância, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça, opinado pelo

provimento do recurso.

É o relatório.

Restou constatado nos autos, conforme depoimentos dos policiais que em flagrante

delito apreenderam carregamento de toras de madeira, sem a devida autorização,

no pátio da empresa de fósforos Gaboardi, a prática de crime ambiental perpetrado

por José Righes, Jani Tubias de Lima e a empresa S.A. Fósforos Gaboardi.

Ocorre que o Magistrado, no despacho guerreado, entendeu por rejeitar a denúncia

em relação a pessoa jurídica, tecendo considerações sobre a impossibilidade de a

88

empresa figurar como parte passiva em processo criminal, violando, assim, preceito

expresso da lei (art. 3º da Lei n. 9.605/98).

O cerne da quaestio resume-se na possibilidade de responsabilizar-se a pessoa

jurídica por crimes causados ao meio ambiente.

A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é tormentosa no

Brasil, embora em outros países, a matéria já esteja mais assente.

No Brasil a questão já vem sendo enfrentada desde seus primórdios, quando já

manifestava preocupação com o meio ambiente. Na época do descobrimento

vigoravam as Ordenações Afonsinas nas quais havia previsão de injúria ao rei o

corte de árvores frutíferas. Mais tarde as Ordenações Manuelinas continham

proibição de abate de animais silvestres e o corte de árvores de fruto significava

pena de desterro no Brasil.

No Brasil Império, o Código Criminal do Império (1830) punia o corte de árvores e os

danos ao patrimônio cultural. Em 1934, quando promulgado o chamado Código

Florestal (Decreto n. 23.793), fazia-se a dicotomia das infrações penais e

contravencionais. Esta legislação foi substituída posteriormente pela Lei n. 4.771, de

15/9/1965, que instituiu o novo Código Florestal. Mais tarde complementou o

legislador com a promulgação do Decreto-Lei n. 221, de 28/2/1967, conhecido como

Código de Caça e Pesca, e na Lei Federal n. 7.653, de 12/2/1988, foram elevados à

crime as antigas contravenções penais do Código de Caça e Pesca, tornando-se

crimes inafiançáveis.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, admitindo expressamente a

responsabilização da pessoa jurídica em crimes contra a ordem econômica e em

crimes de dano ambiental, reservando um capítulo especial para tratar da matéria

ambiental, foi uma grande inovação legislativa neste País.

Estabelece no capítulo do Meio Ambiente:

"Art. 225 - 'Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e

futuras gerações.

"§ 3º - As condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente

da obrigação de reparar os danos causados".

89

Tais dispositivos objetivavam não só os crimes ambientais, mas a intenção do

legislador constitucional foi de coibir e responsabilizar os chamados crimes

empresariais. Tanto que, no capítulo referente a atividade econômica, fez idêntica

previsão, com relação às pessoas jurídicas.

"Art. 175 -

"§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa

jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições

compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e

financeira e contra a economia popular"

Lamentavelmente, o mandamento constitucional, embora de aplicação imediata, não

tem conduzido a um resultado positivo, no sentido de coibir a crescente

criminalidade ambiental, muitas das vezes cometido por instituições organizadas.

Além disso, existe uma certa relutância por parte dos juristas na questão da

imposição de penalidades às pessoas jurídicas.

No Brasil vigia o princípio da societas delinquere nom potest.

A norma constitucional seguiu a tendência mundial de responsabilização da pessoa

jurídica, como temos o exemplo dos USA que em fevereiro de 1909, quando do

julgamento do caso New York Central & Hudson River Railroad vs Governo dos USA

ficou assentado que a pessoa que delinqüe não deve ser distinguida, podendo ser

jurídica ou física. Na França, desde a reforma do Código Penal, em 1994, que a

pessoa jurídica é responsabilizada penalmente.

Sem adentrar na discussão das escolas jurídicas referentes à pessoa, como o

fazem alguns doutrinadores que não admitem a responsabilidade da pessoa

jurídica com base na teoria da ficção de Savigny, que sustenta que a pessoa

jurídica tem uma existência fictícia, e que foram sustentadas pela Escola Clássica

no qual Carrara afirmava que o único sujeito ativo do delito é a pessoa humana,

pois é dotada de vontade própria; a Escola Positiva admite a penalização da

pessoa jurídica apenas no campo do direito penal administrativo, e a Escola do

Tecnicismo Jurídico, quando Manzini estabelece que o sujeito ativo do delito supõe

uma potencialidade volitiva própria. Por outro lado, a Escola Organicista de

Gierke proclama que a pessoa jurídica é um ser real , um verdadeiro organismo,

cuja vontade não é a soma de vontades de seus dirigentes. Conclui que a pessoa

jurídica tem vontade própria, mas o ato praticado por seus integrantes é distinto

destes.

90

Mais consentâneo com a vontade do legislador é a posição de Aquiles Mestre para

quem as pessoas jurídicas podem cometer delitos e ser responsáveis por estes

delitos como autores e como partícipes (não quero adentrar na discussão de

cabimento da co-autoria nos crimes ambientais), envolvendo não só os sócios

culpados, como os sócios inocentes, estes que receberão uma penalidade

proporcional à sua culpabilidade.

Nesse mundo globalizado, a meu sentir, a melhor e mais coerente com o espírito do

legislador é a posição de Eládio Lecey acolhida por Wladimir Passos de Freitas e

Gilberto Passos de Freitas, para quem existem, em síntese:

"três modelos legislativos: o primeiro é o dos países que aceitam a

responsabilidade penal da pessoa jurídica, sem maiores indagações (v.g.

Estados Unidos); o segundo é o daqueles que a repelem (v.g. Itália); e o terceiro,

adotado pelo Brasil, admite a responsabilidade, mas condicionada a determinadas

situações definidas expressamente pelo legislador".

Na doutrina moderna prevalece o entendimento de que a pessoa jurídica não é

uma mera ficção, mas é a que tem personalidade e realidade próprias e diversas da

pessoa física ou natural. Aliás, o próprio Código Civil, no artigo 20, admite esta

distinção, quando preconiza que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos

seus membros, estabelecendo no parágrafo segundo que mesmo não autorizadas

ou registradas, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas por

todos os seus atos.

Diante disso, correta a conclusão do Prof. Ruy Junqueira de Freitas Camargo, de

que "a ficção de personalidade jurídica das sociedades comerciais não pode

constituir obstáculo à realidade que tem de ser apurada, para a justiça poder

completar a sua alta missão de apurar devidamente os fatos" (Justitia 84/398).

Não há mais como negar a possibilidade desta responsabilização do ente jurídico, e

a definição das condutas da pessoa jurídica passíveis de penalidade,

expressamente previstas na Lei n. 9.605/98, que afastam, a meu sentir, qualquer

posição doutrinária em contrário. Aliás, quando o legislador utilizou-se da expressão

administrativa, civil e penal, inseriu a conjunção "e", isto é, uma conjunção aditiva

admitindo o somatório das circunstâncias jurídicas aplicáveis.

Tão logo promulgada a Lei dos Crimes Ambientais, como ficou conhecida, a

grande maioria dos doutrinadores pátrios acolheu a idéia de penalização da pessoa

jurídica. Evidente que a ciência do Direito permitiu posicionamentos contrários,

91

como por exemplo, o Prof. René Ariel Dotti, que sustenta, com base na escola da

ficção, que o sujeito ativo do delito só pode ser o ser humano, porque sujeito

possuidor de vontade própria. No entanto, a pessoa jurídica também tem vontade

própria, que dirige sua conduta, fruto da vontade da maioria de seus membros.

Apropriada a manifestação de Roque de Brito Alves que:

"Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o

que permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal,

individual e a responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde

com a responsabilidade criminal dos seus membros ou componentes. Distinção

também, por outra parte, entre as sanções administrativas ou civis das sanções

penais dos crimes pela pessoa jurídica".

"Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao

sistema legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado"

(in Lei dos Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93).

Por outro lado, bom registrar-se que: não podemos interpretar como sendo

inconstitucional tal dispositivo, uma vez que, segundo assinalam os doutrinadores

Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, "se a própria Constituição

admite expressamente a sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a

lei como inconstitucional, porque ofenderia outra norma que não é específica sobre

o assunto. Tal tipo de interpretação, em verdade, significaria estar o Judiciário a

rebelar-se contra o que o Legislativo deliberou, cumprindo a Constituição Federal.

Portanto, cabe a todos, agora, dar efetividade ao dispositivo legal" (in Crimes contra

a natureza, 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2000, pág. 63).

Com isso, verificamos claramente que o legislador ordinário limitou-se a obedecer o

comando constitucional quando atribuiu esta responsabilidade penal às pessoas

jurídicas.

Em caso similar, já tive a oportunidade de manifestar:

"RECURSO CRIMINAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CRIME AMBIENTAL - DENÚNCIA REJEITADA - RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS - POSSIBILIDADE ANTE O ADVENTO DA LEI N. 9.605/98 - AUSÊNCIA DE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA - RECURSO PROVIDO

"Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação penal que tenta apurar a responsabilidade criminal por ela praticada contra o

92

meio ambiente" (Recurso Criminal n. 2000.020968-6, de São Miguel do Oeste, j.

em 13/3/2001).

Extrai-se do voto:

"Concernente à possibilidade da pessoa jurídica vir a ser responsabilizada, embora

sejam escassas as decisões sobre a matéria, encontro subsídio na doutrina; diga-se

que há infindáveis obras dando conta de que a pessoa jurídica pode ser

responsabilizada penalmente quando vem praticar agressões ao meio ambiente.

"A discussão sobre a temática tornou-se acirrada a partir da Constituição Federal de

1988 onde, nos artigos 173, § 5º e 223, § 3º, veio insculpida a responsabilidade

penal da pessoa jurídica. Contudo, esses dispositivos não eram auto-aplicáveis,

cabendo a legislação ordinária estabelecer e definir as condutas da pessoa jurídica

puníveis. Ocorre que com o advento da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes

Ambientais), mais precisamente no artigo 3º da referida lei, houve essa

regulamentação:

'As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente

conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração cometida por decisão

de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício da sua entidade'.

"Elida Séguin e Francisco Carrera assim discorreram sobre a temática:

'A LCA prevê, no art. 3º, a responsabilidade da pessoa jurídica, se a infração for

cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão

colegiado no interesse ou benefício da sua entidade. Esta expressão pressupõe que

do ato advirá vantagem para a pessoa jurídica, sendo válida a crítica de Luiz Regis

Prado que condiciona a condenação ao 'interesse (vantagem de qualquer natureza -

política, moral etc.) ou benefício (favor, ganho, proveito econômico)'.

'Realmente cabe reconhecer que a LCA não foi bastante clara sobre que crimes

poderiam ser cometidos pela pessoa jurídica, ficando patente que sempre que

houver a condenação da pessoa jurídica, esta acontecerá na forma de concurso de

agentes, consoante o disposto no parágrafo único do mencionado artigo,

determinando que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclua a das

pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do fato.

'A responsabilidade penal, dos dez anos que intermediaram a promulgação da

CFR e a vinda a lume da LCA, foi motivo de crítica dos doutrinadores, fundamentada

nos princípios da individualização da pena, da responsabilidade pessoal e da

93

culpabilidade, todos também com sede constitucional. No entanto, vale consignar

que a responsabilidade penal da pessoa jurídica é tendência internacional, posto

que já vigente em outros ordenamentos jurídicos, em diversas legislações penais

européias, certamente em decorrência da 'Convenção da União Européia para os

países membros, com determinação expressa sobre as condenações das pessoas

jurídicas pela pena de multa'.

'(..)

'Favorável a que o Brasil siga a tendência internacional de punir penalmente os

seres morais, Roque de Brito Alves sustenta que:

'Não se justifica mais tal negativa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o

que permite uma evidente distinção entre a responsabilidade penal pessoal,

individual e a responsabilidade penal da pessoa jurídica que não se confunde

com a responsabilidade criminal dos seus membros ou componentes. Distinção

também, por outra parte, entre as sanções administrativas ou civis das sanções

penais dos crimes pela pessoa jurídica'.

'Concordamos com a assertiva supra, entendendo perfeitamente admissível ao

sistema legal brasileiro a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado'

(in Lei dos Crimes Ambientais, São Paulo, ADCOAS, 1999, págs.91/93).

"Na mesma esteira, de grande valia o trabalho do professor, parecerista e advogado

em São Paulo, Dr. José Henrique Pierangeli:

'1. Introdução

'A principal discussão, na atualidade, situa-se no fato de se a pessoa jurídica, fruto

da criação do ser humano, pode ou não delinqüir. Não obstante existam algumas

discrepâncias, essas discussões podem ser elencadas dentro de duas teorias, ou

grupos, tal como ocorria já no início deste século: teorias da ficção e da realidade.

'A primeira teoria, que tem suas raízes no direito romano, adotou o princípio

individualístico, consubstanciado na expressão largamente divulgada 'societas

delinquere non potest'. Este posicionamento, após estudos desenvolvidos no

período medieval, dentre eles os realizados pelo pós-glosador Bártolo, foi ganhar

contornos praticamente definitivos com a genialidade de Savigny em 1840, e, ainda

hoje, como observa Fernando Mantovani, é o sistema jurídico predominante na

Europa continental, tido como apto para enfrentar a criminalidade societária.

'Nos termos postos por esta teoria só o ser humano pode delinqüir, posto que

somente ele é dotado de vontade e de capacidade para dirigir essa vontade no

94

mundo exterior, ou, como salta do princípio jusnaturalístico, em todo direito subjetivo

existe a causa da liberdade moral, que se encontra ínsita em cada homem. Portanto,

como pôs a calvo o próprio Savigny, só o homem, individualmente considerado, é

dotado pela natureza de capacidade para ser sujeito de direitos e de personalidade.

'A outra teoria, a qual encontra suas raízes na mentalidade germânica, foi

trazida até nós principalmente por Gierke, e por seu divulgador maior, o francês

Aquiles Mestre. O labor de Mestre, cuja tradução para o espanhol foi feita em 1930

por Quintiliano Saldaña, ingressou profundamente na doutrina latino-americana, e ao

tempo em que prepondera nos países anglo-saxãos, vai conquistando cada vez

mais adeptos em todo o mundo. Em tais países anglo-saxões a responsabilidade

penal dessas entidades, e mui especialmente das sociedades com fim lucrativo,

ganhou ainda maior realce com o Model Penal Code de 1962 e com o Proposed

Criminal Code Reform Act, de 1981 nos Estados Unidos da América.

'Para esta teoria, denominada da realidade ou organicista, a pessoa jurídica é um

ser real, cuja vontade não é a somatória das vontades de seus associados ou de

seus diretores e administradores. Em verdade, possui uma vontade própria, que

segundo Aquiles Mestre, atua sobre as coisas e vai constituir o poder do grupo,

poder que o Estado, às vezes, vem limitar e sancionar em nome do direito, com o

reconhecimento da personalidade do grupo.

'2. Visualização moderna da problemática

'Embora não seja nosso propósito estudar aqui, com maior amplitude, a situação

pela qual passa a doutrina acerca da responsabilidade penal das pessoas

jurídicas, há de se passar, ao menos, pelas linhas gerais do que se tem nas

conclusões de tantos estudos.

'Se de um lado se tem por assente a responsabilidade pessoal na teoria da ficção,

por outro, fixa-se a responsabilidade social para a da pessoa jurídica. A questão

da possibilidade ou não de conduta por parte dos entes, continua a ser questão

candente na doutrina, mas não mais se a tem na qualidade de obstáculo

intransponível como nas décadas anteriores, pois, com uma certa ousadia, pode-se

romper com os preconceitos da ordem dogmática e optar-se por soluções que os

novos tempos estão a reclamar. Também já não se há de falar em dificuldades para

se efetivar a punição da pessoa jurídica, posto que além da multa, espécie de

sanção penal que se tem como de uso prioritário, o direito penal moderno possui

uma gama de penas que podem ser utilizadas.

95

'Hodiernamente pode-se afirmar, com absoluta segurança, ser a responsabilidade

ou irresponsabilidade das pessoas jurídicas, mais do que um problema ontológico ou

dogmático, sendo mesmo uma questão de sistema político-econômico e de prática

utilidade e eficiência. O sistema da responsabilidade individual se amolda aos

postulados da dogmática tradicional, e, portanto, entre nós, no sistema do Código

Penal, toda a legislação em que se adote a responsabilidade penal da pessoa

coletiva deve ser realizada em legislações esparsas, ou seja, legislação penal

especial, cuja elaboração reclama extrema prudência. Deve-se ter por presente, que

mesmo a responsabilidade social é uma concepção bastante complexa, cujos

componentes, atribuibilidade e a exigibilidade registram tanto situações de fato,

como ingredientes de valoração, como bem diz David Baigún.

'A fundamentação em sentido contrário à adoção da tese da responsabilidade

penal da pessoa jurídica aponta quatro argumentos principais, os quais não estão

a merecer a mesma valoração, mas que reunidos formam uma respeitável

argumentação em favor da adoção do princípio da responsabilidade individual, a

saber: a) não há responsabilidade sem culpa; b) o princípio da personalidade das

penas; c) algumas espécies de penas jamais poderiam ser aplicadas às pessoas

jurídicas, como as de prisão; d) a pessoa jurídica é incapaz de arrependimento, não

podendo, pois, ser intimidada, emendada ou reeducada.

'De tais ponderações, temos as duas primeiras como de grande importância, porém,

'é inútil fechar os olhos à tendência crescente para a revisão do velho princípio

societas delinquere non potest', no dizer do conhecido penalista lusitano Manuel

Antônio Lopes Rocha, quem assim conclui: 'E é um facto que, sobretudo nos últimos

anos, a ortodoxia clássica sofreu violentos assaltos e são cada vez mais numerosos

os juristas que consideram desejável a consagração da responsabilidade penal

das pessoas colectivas, pelo menos em matéria de infracções às normas de direito

econômico, do direito social e da legislação protectora do ambiente'.

'Percorrendo esta mesma senda, nosso companheiro de trabalho de hoje, o

Desembargador Eládio Lecey escreveu: 'As infrações contra as relações de

consumo, assim como as demais de Direito Econômico (como os delitos

ambientais), são infrações de massa, contra a coletividade, atentando contra

interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais como a saúde e a

vida das pessoas.

96

'De nossa parte, em outras oportunidades, já ressaltamos a pluriofensividade de tais

condutas, que quanto ao meio ambiente atentam contra bens jurídicos ultra-

geracionais, o que 'obriga ao rompimento com princípios e regras assentes no direito

penal liberal'. Também deve ser relembrado que tais providências só devem ser

feitas através de leis penais extravagantes, pois, para nós, torna-se impossível tê-las

dentro de um código penal vinculado ao princípio da responsabilidade penal

individual, como exsurge de quase todas as constituições do mundo. Nossa Carta

Magna, no mesmo rumo, afora as ressalvas ainda por análise nestas linhas, fixa-se

também na responsabilidade penal individual'.

'3. A responsabilidade penal da pessoa jurídica na Constituição de 1988.

'O principal questionamento se funda em saber se a Constituição de 1988 consagrou

a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. A questão tem merecido a

atenção dos exegetas e apresenta um placar praticamente empatado.

'No tanto quanto nos interessa, temos os artigos 173, § 3º, e 225, § 3º, os quais

dispõem acerca dos atos praticados contra a ordem econômica e financeira, e contra

a economia popular, em relação às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Tais condutas e atividades, quando lesivas ao meio ambiente, sujeitam os infratores,

pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente

da obrigação de reparação dos danos causados. Neste aspecto surge dúvida no

sentido de saber se as sanções para pessoas físicas e jurídicas seriam

diversificadas, porém, pretendesse o constituinte assim dispor, teria empregado

apenas e tão-somente a expressão respectivamente. Não o fez, e, portanto,

possibilitou a duplicidade de interpretações, as quais, agora, com o advento da Lei

n. 9.605/98 perdem a importância, tornando-se questões bizantinas, pois, o

legislador ordinário, optou pela responsabilidade penal da pessoa jurídica nos

crimes ambientais.

'Em verdade, ao fixar a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime

praticado contra o meio ambiente, o legislador ordinário atendeu às Recomendações

do 15º Congresso da Associação Internacional de Direito Penal no Rio de Janeiro,

realizado de 4 a 10 de setembro de 1994. Acresce salientar, ter o legislador

brasileiro optado pelo sistema de RESPONSABILIDADE PENAL CUMULATIVA, isto

é, a responsabilidade do ser coletivo não exclui a de seus diretores e

administradores, tal como previsto em lei ou em estatuto. Dessa maneira, não

descura a lei da conexão entre os fatos praticados pela pessoa jurídica e as

97

vantagens ou proveitos que deles podem decorrer para as pessoas físicas

supramencionadas.

'4. Das penas previstas para as pessoas jurídicas na lei ambiental.

'A doutrina tem preconizado ser a multa a pena por excelência para a punição das

pessoas jurídicas. Para estas, e para as pessoas físicas, na legislação brasileira

recente, na aplicação da pena de multa o juiz deve atentar para a situação

econômica do infrator (art. 6º, III). Ainda neste sentido, diz o artigo 18, do mesmo

diploma, que a multa será calculada segundo os critérios do Código Penal, e, em se

revelando ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada em

até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida. Por outras

palavras, permite-se, assim, em caso da previsão tornar-se insuficiente diante da

vantagem econômica auferida com a prática do crime, seja aumentada até três

vezes por essa razão. Dessarte, a pena máxima de multa, adotado o critério do dia-

multa do Código Penal, pode atingir R$ 734.400,00, no seu grau máximo ( 5 x

salário mínimo x 360 dias x 3 ), a qual não poderá ser majorada, ainda quando

concorrerem as circunstâncias agravantes do art. 15. Entendemos ter sido prudente

o legislador ao fixar tal sanção pecuniária máxima, pois que tais valores podem se

apresentar significativos até para as empresas de grande porte, tornando-se a pena

apta para cumprir as funções de reprovação e prevenção geral e especial. Dentro

desse mesmo critério, é verdade, também é prevista a prestação pecuniária como

pena restritiva de direito (art. 8º, IV), cujos limites foram fixados entre R$ 136,00

(salário mínimo) e R$ 48.960,00 (1 salário mínimo x 360) - art. 12.

'A lei prevê também para as pessoas jurídicas outras espécies de sanções, tais

como as próprias penas restritivas de direito, previstas a suspensão parcial ou total

de suas atividades, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e,

a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,

subvenções ou doações (art. 22, incisos I, II e III, respectivamente). A suspensão

será aplicada quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições

legais ou regulamentares relativas ao meio ambiente (§ 1º); a interdição quando o

estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização,

ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou

regulamentar (§ 2º); a proibição de contratar como Poder Público e dele obter

subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos (§ 3º).

98

'O artigo 23 prevê como pena restritiva de direito a prestação de serviços à

comunidade pela pessoa jurídica, a qual será executada pelo custeio de programas

e de projetos ambientais (inciso I); execução de obras de recuperação de áreas

degradadas (inciso II); manutenção de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a

entidades ambientais ou culturais públicas (inciso IV).

'A mais grave das sanções para a pessoa jurídica está contemplada pelo artigo 24:

a liquidação forçada, aplicada essa pena quando a pessoa jurídica é constituída ou

utilizada, com o fim, preponderantemente, de permitir, facilitar ou ocultar a prática de

crime definido na lei ambiental. Seu patrimônio, diz o artigo citado, será

considerado instrumento de crime, e como tal, perdido em favor do Fundo

Penitenciário Nacional.

'A liquidação forçada, em verdade, constitui sanção equivalente à pena de morte

para a pessoa física, tivesse esta sido contemplada pelo Código Penal ou por

outras leis penais civis. É senão 'a morte da pessoa jurídica'" (in Penas Atribuídas

às Pessoas Jurídicas pela Lei Ambiental, extraído do site

www.jus.com.br/doutrina/pjambien.html).

"Por sua vez, o Dr. Lúcio Ronaldo P. Ribeiro, advogado, professor de Direito e pós-

graduando pela UFG, em sua obra intitulada 'DA RESPONSABILIDADE PENAL DA

PESSOA JURÍDICA', assim dispôs:

'A responsabilidade penal da pessoa jurídica é uma realidade no mundo, sendo

adotada por diversos países ao lado da tradicional responsabilidade individual,

bem como das penalidades de caráter civil, tributário e administrativo.

'A redação do projeto da Constituição de dezembro de 1987 não deixava dúvidas

acerca da introdução da responsabilidade penal da pessoa jurídica na legislação

pátria.

'Entretanto, a aceitação da responsabilidade dos entes coletivos já não pode

causar estranheza, no estágio atual da ciência penal, e pelas experiências

existentes em outras nações que a adotam. É evidente, outrossim, que os

parâmetros desta responsabilidade não podem ser os da responsabilidade

individual, da culpa propugnados pela Escola Clássica, a qual sustentava que

somente o Homem pode ser sujeito ativo de crime. A responsabilidade penal das

pessoas jurídicas só pode ser entendida no âmbito de uma responsabilidade

social. A pessoa jurídica atua com fins e objetivos distintos da dos seus agentes e

99

mesmo proprietários, contudo a responsabilidade daquela não deve excluir a

destes quando for o caso.

'Assim é que o Legislador introduziu a responsabilidade penal da pessoa jurídica

no Direito Brasileiro com relação aos delitos ambientais dispostos na Lei n.

9.605/98 . Esta lei veio a por uma pá de cal nas discussões acerca da sua

introdução ou não no Brasil. Agora passaremos a discutir como será a interpretação

da r. lei' (www.jus.com.br/doutrina/respppj.html).

"Desta espreita, creio que a controvérsia gerada pela possibilidade de

responsabilizar a pessoa jurídica pelas violações cometidas ao meio ambiente já

restou dirimida, pelo menos na esfera doutrinária".

Somente para ilustrar a nova corrente que vem tomando força, é o fato de ter sido

veiculado pela imprensa (26/4/2002) a notícia da primeira condenação ocorrida no

Brasil de uma empresa por crime ambiental prolatada pelo juiz da Primeira Vara

Federal de Criciúma (SC), Dr. Luiz Antônio Bonat, tendo condenado a empresa J.

Bez Batti Engenharia Ltda. à pena de prestação de serviços à comunidade, devendo

pagar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para custear programas ambientais.

Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso para que seja recebida a denúncia

quanto a empresa S.A. Fósforos Gaboardi.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Robison Westphal.

Florianópolis, 26 de novembro de 2002.

Des. Gaspar Rubik

Presidente com voto

Des. Solon d'Eça Neves

Relator

100

Tipo: Recurso criminal em apelação criminal

Número: 2006.030339-9

Des. Relator: Sérgio Torres Paladino

Data da Decisão: 27/02/2007

Recurso criminal em apelação criminal n. 2006.030339-9, de Campo Erê.

Relator: Des. Sérgio Paladino.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9099/95. CONDIÇÕES CUMPRIDAS PARCIALMENTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECLARADA EM RAZÃO DO DECURSO DO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO QUE SE IMPÕE, APESAR DO TRANSCURSO DO PERÍODO DE PROVA. ANULAÇÃO DA DECISÃO PARA QUE O FEITO PROSSIGA ATÉ SEUS ULTERIORES TERMOS. RECURSO PROVIDO. "O descumprimento das condições estabelecidas pelo magistrado, para a suspensão condicional do processo, ex vi art. 89, da Lei 9099/95, mesmo que verificado após expirado o período de prova, enseja a revogação do benefício. Precedentes. Recurso provido para determinar o prosseguimento do feito" (REsp 397.448-MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 19.12.03, p. 551). Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal em apelação criminal

n. 2006.030339-9, da comarca de Campo Erê, em que é recorrente a Justiça, por

seu Promotor, recorrido Élio Kettermann e interessados Dirceu Demartini e Dirceu

Demartini ME:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por maioria de votos, dar provimento ao

recurso.

Custas na forma da lei.

Na comarca de Campo Erê, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia

contra Élio Kettermann, Dirceu Demartini e Dirceu Demartini ME, dando o primeiro

como incurso nas sanções do art. 39, combinado com o art. 2º, da Lei n. 9.605/98; o

segundo nas dos arts. 39, 46, por duas vezes, 51 e 60, combinados com o art. 2º, do

mesmo diploma legal, e com o art. 70, do Código Penal, e o terceiro nas dos arts.

39, 46, por duas vezes, 51 e 60, combinados com os arts. 2º e 3º, parágrafo único,

101

da Lei n. 9.605/98, e o art. 70 do estatuto repressivo, em razão dos fatos assim

descritos, ipsis verbis:

"No dia 22 de março de 2000, na sede da empresa denunciada, segundo consta do

termo circunstanciado nº 013.00.000736-9, os denunciados Dirceu Demartini e sua

empresa Dirceu Demartini ME foram encontrados pela polícia militar ambiental com

a guarda e depósito de 8,8 m3 (oito ponto oito metros cúbicos) de madeira nativa

folhosa diversa, em toras, e 4,038m3 (quatro ponto zero trinta e oito metros cúbicos)

de madeira nativa folhosa diversa serrada, sem a licença válida e necessária

outorgada pela autoridade competente, sendo que o depósito e guarda desta

madeira beneficiaram a terceira denunciada.

Consta do caderno indiciário nº 013.01.000514-8 que, entre os meses de novembro de 2000 e abril de 2001, no Município de Santa Terezinha do Progresso, o

denunciado Élio Kettermann solicitou ao denunciado Dirceu Demartini o corte de 11

(onze) árvores nativas, especificadamente Araucárias angustifólia, conhecida como

pinheiro brasileiro, no terreno de propriedade de Amilda Ketter, em uma área de

2.820m2 (dois mil, oitocentos e vinte metros quadrados) considerada de

preservação permanente, sem a permissão da autoridade competente.

O denunciado Dirceu Demartini, através de sua empresa, também denunciada,

Dirceu Demartini ME, efetuou por completo a solicitação acima descrita, utilizando-

se, para tanto, como instrumento da devastação realizada, de uma motosserra,

marca Stihl, nº 08, sem licença ou registro no IBAMA (autoridade competente),

sendo que a devastação foi feita em benefício da terceira denunciada.

No dia 03 de abril de 2001, na sede da empresa denunciada, segundo consta do

termo circunstanciado nº 013.01.000519-9, os denunciados Dirceu Demartini e sua

empresa Dirceu Demartini ME foram encontrados pela polícia militar ambiental com

a guarda e depósito de 2,02m3 (dois ponto zero dois metros cúbicos) de madeira

nativa, serrada em tábuas, sem a licença válida e necessária outorgada pela

autoridade competente, sendo que o depósito e guarda desta madeira beneficiaram

a terceira denunciada.

Outrossim, na mesma data, por ação da polícia militar ambiental, ficou constatado

que na sede da terceira denunciada, em seu benefício, e por ação do denunciado

Dirceu Demartini, funciona a atividade de serraria, com corte de madeiras, inclusive

nativas, de característica potencialmente poluidora, sem licença ou autorização dos

102

órgãos ambientais competentes, e contrariando as normas legais e regulamentares

pertinentes" (fls. 03/04).

Recebida a denúncia (fl. 92 verso) e proposta a suspensão condicional do processo

em razão do preenchimento dos requisitos do art. 89, caput, da Lei n. 9.099/95, Élio

Kettermann a aceitou (fl. 99).

O magistrado, após decorrido o período de prova, extinguiu a punibilidade do

acusado, com fulcro no § 5º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, embora não houvesse

comprovação no tocante ao cumprimento das condições que lhe foram impostas na

audiência respectiva

Irresignado, o Dr. Promotor de Justiça interpôs recurso em sentido estrito (fls.

200/205), objetivando a reforma da decisão, alegando o descumprimento da

condição imposta para reparar o dano ambiental.

Com as contra-razões (fls. 207/208) e o despacho de que trata o art. 589, do Código

de Processo Penal (fl. 210), os autos ascenderam a esta Corte.

Instada a pronunciar-se, fê-lo a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do

Dr. Paulo Antônio Günther, pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

Procede a insurreição do Dr. Promotor de Justiça, eis que as condições aceitas pelo

réu, com vistas à obtenção da suspensão condicional do processo, não foram

cabalmente cumpridas.

Durante o período de prova o acusado deve demonstrar autodisciplina e senso de

responsabilidade, ou seja, deve dar mostras de sua ressocialização e da

desnecessidade de que se lhe imponha pena privativa de liberdade, o que não

logrou comprovar.

O § 4º do art. 89 da Lei n. 9.099/95 prevê que a suspensão poderá ser revogada em

caso de não cumprimento de qualquer das condições impostas, exatamente a

hipótese do caso concreto.

Diante disso, a revogação pode ser declarada mesmo após o prazo de suspensão

se, no respectivo curso, lhe der causa o beneficiário.

O importante é que a causa ensejadora da revogação ocorra durante o prazo do

benefício, daí porque a suspensão do processo é concedida condicionalmente. O

beneficiário deverá cumprir, no curso do lapso, as condições estabelecidas para a

concessão da medida. Ou ele as cumpre e ao final do prazo de prova o juiz declara

103

a extinção da punibilidade, ou deixa de cumprir alguma ou algumas das obrigações,

dando causa à revogação do sursis processual.

Portanto, antes de declarar a extinção da punibilidade, incumbe ao juiz verificar se

restaram satisfeitas as obrigações estabelecidas quando da aceitação da proposta.

Dissertando a respeito, assinala Luiz Flávio Gomes:

"(...) o § 5º do art. 89 diz: 'Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a

punibilidade'. Isso não significa que mesmo depois de expirado o prazo não possa o

juiz revogar a suspensão. Pode. A melhor leitura do dispositivo invocado é a

seguinte, portanto: expirado o prazo sem ter havido motivo para a revogação, o juiz

declarará extinta a punibilidade. Mesmo que descoberto esse motivo após expirado

o prazo, pensamos que pode haver revogação. O mesmo não pode ser dito se já

existe sentença definitiva extintiva de punibilidade, isto é, se o juiz já julgou extinta a

punibilidade em sentença definitiva e depois vem a descobrir o motivo da revogação,

nada mais pode ser feito, mesmo porque agora deve-se respeitar a coisa julgada"

(Suspensão Condicional do Processo Penal, São Paulo, RT, p. 342).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por seu turno, assentou:

"Omissis.

II. Suspensão Condicional do processo.

1. Suspenso condicionalmente o processo, não cabe ao juiz, ainda no curso do

período respectivo, declarar parceladamente cumpridas - com força decisória de

sentença definitiva - cada uma das condições a cuja satisfação integral ficou

subordinada a extinção da punibilidade: se antes não adveio revogação por motivo

devidamente apurado, é que incumbe ao Juiz , findo o período da suspensão do

processo, declarar extinta a puniblidade - aí, sim, por sentença - ou, caso contrário,

se verifica não satisfeitas as condições, determinar a retomada do curso dele.

2. A decisão que revoga a suspensão condicional pode ser proferida após o termo

final de seu prazo, embora haja de fundar-se em fatos ocorridos até o termo final

dele" (HC n. 80.747-0-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 19.10.2001, p. 31.

Disponível em acesso em 27 fev. 2007).

No mesmo sentido: RHC 10.749/SP, rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 12.08.01, p.

174; REsp 397.448-MG, DJU de 19.12.03, p. 551; APR n. 2002.000174-0, de

Indaial, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.

Logo, como o magistrado considerou que não havia prova do cumprimento das

condições da suspensão condicional do processo, o que se extrai da conclusão do

104

Relatório de Reparação de Dano Ambiental (fls. 168/174), a revogação do benefício

é medida imperativa.

Ante o exposto, deu-se provimento ao recurso, para anular o processo desde a

decisão de fls. 195/198, inclusive, a fim de que prossiga até seus ulteriores termos.

Participaram do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Irineu João da

Silva e, com voto vencido, o Exmo. Sr. Des. Torres Marques, emitindo parecer pela

douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Paulo Antônio Günther.

Florianópolis, 27 de fevereiro de 2007.

SÉRGIO PALADINO

Presidente e relator

Declaração de voto vencido do Exmo. Des. Torres Marques:

Dissenti da douta maioria por entender possível a .responsabilidade criminal de

pessoas jurídicas pela prática de crimes ambientais, à luz do que dispõe o art. 225,

§3º da Constituição Federal e art. 3º da Lei n. 9.605/98.

É bem verdade que até então perfilhava a orientação do voto prevalecente, com

base no princípio do societas delinquere non potest, consoante assentado no bojo

do recurso criminal n. 2004.037168-8, de Itajaí, de minha relatoria, verbis:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL - DENÚNCIA - REJEIÇÃO - CRIME AMBIENTAL

- RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - INVIABILIDADE -

VEDAÇÃO À RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA - PRINCÍPIO DO

SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST - RESPONSABILIDADE QUE SE CINGE

ÀS ESFERAS CIVIL E ADMINISTRATIVA - PRECEDENTE DESTA CÂMARA -

RECURSO DESPROVIDO".

Todavia, atento aos novos rumos do direito penal, em especial o tratamento jurídico

que se deve dar aos crimes contra o meio ambiente, na sua maioria cometidos por

empresas que degradam indiscriminadamente os recursos naturais, e a par do

disposto no art. 225, §3º, da CF/88, curvo-me ao entendimento já consolidado no

Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a pessoa jurídica pode ser

responsabilizada por danos ambientais desde que haja imputação simultânea à

pessoa física que age em seu nome.

Nesse sentido:

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"HABEAS CORPUS. CRIMES AMBIENTAIS. INÉPCIA DA DENÚNCIA:

INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE.

EXAME DE PROVAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO.

MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO 'SOCIETAS DELINQUERE NON POTEST'.

RESPONSABILIDADE SOCIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 225, §3º, DA CF/88 E DO

ART. 3º DA LEI 9.605/98. POSSIBILIDADE DO AJUSTAMENTO DAS SANÇÕES

PENAIS A SEREM APLICADAS À PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE MAIOR

PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE [...]" (HC n. 43.751/ES, Rel. Min. José Arnaldo da

Fonseca, DJU de 17.10.2005, p. 324).

A respeito da teoria da dupla imputação, extrai-se:

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA.

SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO

REJEITADO.

"1. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais

desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua

em seu nome ou em seu benefício, uma vez que 'não se pode compreender a

responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que

age com elemento subjetivo próprio' cf. Resp. n. 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro

Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes) [...]" (RMS n. 20601/SP, Rel. Min. Felix

Fischer, DJU de 14.08.2005, p. 304).

Foram estes os motivos pelos quais votei pela possibilidade de responsabilização da

pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais, quando imputada a conduta

conjuntamente à pessoa física que a representa - hipótese vertente.

Torres Marques