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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI RODRIGO LOUREIRO REGIS LEI MARIA DA PENHA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE: tratamento desigual no combate à violência doméstica Biguaçu 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

RODRIGO LOUREIRO REGIS

LEI MARIA DA PENHA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE: tratamento

desigual no combate à violência doméstica

Biguaçu

2008

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RODRIGO LOUREIRO REGIS

LEI MARIA DA PENHA E O PRINCÍPIO DA IGUALDADE: tratamento

desigual no combate à violência doméstica

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itajaí – UNIVALI.

Orientador: Prof. MSc. Adriano De Bortoli

Biguaçu

2008

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade

do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora

e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, 2008.

Rodrigo Loureiro Regis

Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Rodrigo Loureiro

Regis, sob o título de LEI MARIA DA PENHA E O PRINCÍPIO DA

IGUALDADE: tratamento desigual no combate à violência doméstica, foi

submetida em 13 de Novembro de 2008 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: Adriano De Bortoli (Orientador e Presidente);

Eunice Anisete de Souza Trajano (Membro); Márcio Roberto Paulo

(Membro), e aprovada com a nota ____, ___________________________.

Área de Concentração: Direito Público

Biguaçu/SC, 13 de novembro de 2008

Adriano De Bortoli Orientador e Presidente da Banca

Helena Nastassya Paschoal Pitsíca Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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A Deus, pelo dom da vida.

À minha família, pelo amor e estímulo.

Ao meu orientador, pela dedicação e apoio.

Aos meus amigos, pela companhia durante estes anos de curso.

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente às pessoas da minha família: minha mãe Katia

Regina Loureiro Regis e meu pai Artur José Regis Neto que sempre me

amaram incondicionalmente, e continuam sendo as pessoas mais

importantes de minha vida; minha irmã Camila Loureiro Regis, por quem eu

tenho o maior carinho e respeito.

Em segundo lugar, mas de maneira alguma menos importante, agradeço aos

meus professores, os quais, profissionais do mais alto gabarito, admirei ao

longo de minha estada na academia; em especial o meu orientador Prof.º.

MSc. Adriano De Bortoli, Prof.º. MSc Celso Wiggers, Prof.ª MSc Evelise de

Almeida, Prof.º MSc Márcio Paulo Roberto profissionais respeitadíssimos,

seja pelo invejável magistério, seja por suas ilibadas carreiras.

Por fim, e, já pedindo venia pelo exagero, aos meus colegas de turma, sem

os quais jamais estaria onde me encontro, fiéis e merecedores do meu

respeito, jamais deixarão a minha memória; em especial aos amigos Ana

Cristina de Faria, Guilherme Passos Boppré, Rafael Masson da Silva e

Rafhael Silva Pacheco.

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A LEI E AS FRUTAS

No deserto, as frutas era raras. Deus chamou um de seus

profetas e disse:

- Cada pessoa só pode comer uma fruta por dia.

O costume foi obedecido por gerações, e a ecologia do local

foi preservada. Como as frutas restantes davam sementes,

outras árvores surgiram. Em pouco tempo, toda aquela

região transformou-se num solo fértil, invejado pelas outras

cidades.

O povo, porém, continuava comendo uma fruta por dia – fiel

à recomendação que um antigo profeta tinha passado aos

seus ancestrais. Além do mais, não deixava que os

habitantes das outras aldeias se aproveitassem da farta

colheita que acontecia todos os anos.

O resultado era um só: as frutas apodreciam no chão.

Deus chamou um novo profeta e disse:

- Deixe que comam as frutas que queiram. E peça que

dividam a fartura com seus vizinhos.

O profeta chegou na cidade com a nova mensagem. Mas

terminou sendo apedrejado – já que o costume estava

arraigado no coração e na mente de cada um dos habitantes.

Com o tempo, os jovens da aldeia começaram a questionar

aquele costume bárbaro. Mas como a tradição dos mais

velhos era intocável, eles resolveram se afastar da religião.

Assim, podiam comer quantas frutas queriam, e dar o

restante para os que necessitavam de alimento.

Na Igreja local, só ficaram os que se achavam santos. Mas

que, na verdade, eram pessoas incapazes de enxergar que o

mundo se transforma, e que devemos nos transformar com

ele.

Paulo Coelho

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RESUMO

Com a evolução da sociedade, os legisladores prevendo possíveis

problemas de relacionamento entre os indivíduos, editaram normas de

condutas, denominadas leis, com o intuito de organizar o ambiente social. No

passar dos anos e com novas necessidades, o legislador com o advento do

caso Maria da Penha, editou uma Lei para a prevenção da violência

doméstica e familiar contra as mulheres, a Lei nº 11.340/2006. A partir de

então, destacou-se como objeto do presente estudo analisar se esta Lei,

denominada Lei Maria da Penha, fere o princípio constitucional da igualdade

ao estabelecer tratamento desigual entre homens e mulheres para combater

a violência familiar e doméstica. Partiu-se da hipótese de que a referida Lei

não fere o princípio da igualdade constitucional. Através de estudos

doutrinários, legislativos, e baseando-se em pesquisas, traçou-se um distinto

paralelo entre os Tribunais de Justiça do Estado de Minas Gerais e Mato

Grosso do Sul, tendo o primeiro afastado a inconstitucionalidade da Lei nº

11.340/2006 e o segundo não.

Palavras chave: Lei Maria da Penha, Princípio Constitucional da Igualdade,

Desigualdade.

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ABSTRACT

With society’s evolution, legislators are predicting possible problems in

relationships, created standards of conduct, called laws in order to organize

the social environment. As the years pass by, added to new requirements, the

legislator advented the Law n° 11.340/2006 called Maria da Penha Law for

the prevention of domestic and family violence against women. Since then,

stood out as an object of this study, examine whether the Law, named Maria

da Penha Law, goes against the constitutional principle of equality to

establish unequal treatment between men and women in order to combat

domestic and family violence. The assumption that is taken for granted is that

the act does not hurt the constitutional principle of equality. Through doctrinal

and legislative studies, and, based on research, this monograph has drawn a

distinct parallel between Courts of Justice of States of Minas Gerais and Mato

Grosso do Sul, where the first dismissed the unconstitutionality of Law n°

11.340/2006 and second no.

Key words: Maria da Penha Law, Constitutional Principle of Equality,

Inequality.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10

1 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE .....................................12

1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONCEITOS DE

PRINCÍPIO, DE VALOR E DE NORMA JURÍDICA ........................................12

1.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL 1988 .........................................................................14

1.3 IGUALDADE FORMAL E MATERIAL..........................................................17

1.4 A IGUALDADE PERANTE A LEI ..................................................................20

1.5 IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES .......................................21

1.6 CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DO DESRESPEITO AO

PRINCÍPIO DA IGUALDADE................................................................................25

1.7 O FENÔMENO DA INCONSTITUCIONALIDADE ....................................26

2 LEI MARIA DA PENHA: A MULHER E A VIOLÊNCIA .................................33

2.1 A MULHER E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM UMA VISÃO HISTÓRICA

.....................................................................................................................................34

2.1.1 Breve histórico dos direito da mulher na Idade Antiga, Idade Média

e Idade Moderna......................................................................................................36

2.1.2 Breve histórico dos direito da mulher na Idade Contemporânea ...37

2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A DENOMINAÇÃO LEI MARIA DA

PENHA .......................................................................................................................40

2.3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO X CONFLITO FAMILIAR ...................................45

2.4 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM VÁRIOS ÂMBITOS

DISTINTOS ................................................................................................................49

3 O TRATAMENTO DESIGUAL NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

.....................................................................................................................................56

3.1 JUSTIFICATIVAS PARA TRATAMENTO ESPECÍFICO.............................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................79

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................82

ANEXO .......................................................................................................................87

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como título “Lei Maria da Penha e o

Princípio da Igualdade: tratamento desigual no combate à violência

doméstica”.

Tendo-se como objeto analisar se Lei nº 11.340/2006, denominada

Lei Maria da Penha, fere o princípio constitucional da Igualdade ao

estabelecer tratamento desigual entre homens e mulheres para combater a

violência familiar e doméstica. Por conseqüência tem – se como objetivo

apontar os crimes domésticos que são punidos com a Lei Maria da Penha;

examinar quem pode figurar como sujeito passivo da Lei Maria da Penha e,

por fim, apreciar se os dispositivos previstos na Lei Maria da Penha, que

tratam de forma desigual homens e mulheres, ferem o princípio

Constitucional da Igualdade.

Desta feita o problema a ser investigado baseou-se na análise da Lei

Maria da Penha, verificando se a mesma atende ao princípio da igualdade

perante a sua aplicabilidade.

Assim, partiu-se da hipótese de que a referida Lei não fere o princípio

da igualdade ao estabelecer tratamento desigual entre homens e mulheres

para fins de combate à violência familiar e doméstica.

Para tanto, no desenvolver deste estudo utilizou-se o método

dedutivo de pesquisa, de modo a partir de uma conceituação da matéria,

desenvolver o conteúdo, proporcionando uma sistemática de estudo coerente

ao leitor, que chegará às considerações finais informado para tecer uma

análise crítica sobre o conteúdo apreciado.

A pesquisa foi dividida em três capítulos: Princípio Constitucional da

Igualdade, Lei Maria da Penha: a mulher e a violência, e o Tratamento

Desigual no Combate à Violência Doméstica.

O primeiro capítulo analisa-se a conceituação doutrinária do princípio

constitucional da igualdade, legislação pertinente, incluindo o dispositivo da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Observa-se que o princípio constitucional da igualdade trata

basicamente de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, mas a doutrina e a Constituição da República Federativa

do Brasil evoluiu o conceito de igualdade entre homens e mulheres, trazendo

à evidência de que a legislação infraconstitucional poderá atenuar os

desníveis de tratamento em razão do sexo.

Além do exposto são feitas distinções entre igualdade formal e

igualdade material, além de se explicitar sobre a igualdade entre homens e

mulheres. Para fechar o capítulo, aborda-se o fenômeno da

inconstitucionalidade.

No segundo capítulo, faz-se uma análise da mulher e da violência

doméstica em uma visão histórica, explicando o status feminino ao longo do

tempo, tendo início nos tempos antigos da civilização nas comunidades pré-

históricas, na Idade Antiga, na Idade Média e na Idade Moderna. Bem como,

tecem-se breves considerações sobre a denominação da Lei Maria da

Penha, sobre a violência de gênero e o conflito familiar, o conceito de

violência doméstica em vários âmbitos, como: medidas de prevenção,

medidas protetivas de urgência, unidade doméstica, família e qualquer

relação íntima de afeto.

No terceiro e último capítulo, aborda-se se há o tratamento desigual

com relação à distinção do sexo masculino e feminino, que sofre qualquer

tipo de violência doméstica no âmbito familiar. Além das justificativas para o

tratamento específico da mulher, em casos de violência em ambiente

doméstico.

Dessarte, inicia-se o capítulo tratando de todos os sujeitos ativos e

passivos que possam figurar na Lei nº 11.340/2006, bem como se o homem

poderá ser considerado sujeito passivo de uma relação de violência

doméstica nesta Lei. São analisadas também duas pesquisas de opinião

pública, uma realizada antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor e a outra

06 (seis) meses após sua vigência.

Ao final da presente monografia apresentam-se as Considerações

Finais, com os pontos conclusivos da temática preestabelecida.

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1 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE

Neste primeiro capítulo, abordar-se-á o princípio constitucional da

igualdade, iniciando com uma breve consideração e conceito de princípio,

valor e norma jurídica, passando pela previsão constitucional do princípio da

igualdade, pela igualdade formal e material, pela igualdade perante a lei,

chegando a igualdade entre homens e mulheres, bem como os critérios para

identificação do desrespeito ao princípio da igualdade e, finalizando com o

fenômeno da inconstitucionalidade.

1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONCEITOS DE

PRINCÍPIO, DE VALOR E DE NORMA JURÍDICA

Antes de adentrar no tema a ser pesquisado neste primeiro

capítulo, convém explicitar a diferença entre princípio e valor nas

palavras de Luiz Antônio Rizzato Nunes:

Com efeito, têm-se usado os dois termos indistintamente, como se tivessem o mesmo conteúdo semântico. Mas o fato é que, enquanto o valor é sempre um relativo, na medida em que "vale", isto é, aponta para uma relação, o princípio se impõe como um absoluto, como algo que não comporta qualquer espécie de relativização. O princípio é, assim, um axioma inexorável e que, do ponto de vista do Direito, faz parte do próprio linguajar desse setor de conhecimento. Não é possível afastá-lo, portanto. O valor sofre toda a influência de componente histórico, geográfico, pessoal, social, local etc. e acaba se impondo mediante um comando de poder que estabelece regras de interpretação - jurídicas ou não. Por isso, há muitos valores e são indeterminadas as possibilidades de deles falar. Eles variarão na proporção da variação do tempo e

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do espaço, na relação com a própria história corriqueira dos indivíduos. O princípio, não. Uma vez constatado, impõe-se sem alternativa de variação.1

Cabe esclarecer, que nesta pesquisa será utilizado o conceito de

norma jurídica de Luis Roberto Barroso, que identifica a norma jurídica

como sendo um conceito material de lei, um corpo sistematizado de

regras de conduta, derivada pelo Estado e imposta aos homens.2 E

continua:

A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas em geral, e as normas constitucionais em particular, enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. Antes de uma elaboração mais sofisticada da teoria dos princípios, a distinção entre eles fundava-se, sobretudo, no critério da generalidade. Normalmente, as regras contêm relato mais objetivo, com incidência restrita às situações específicas às quais se dirigem. Já os princípios têm maior teor de abstração e incidem sobre uma pluralidade de situações. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da unidade da Constituição. Isto não impede que princípios e regras desempenhem funções distintas dentro do ordenamento. Nos últimos anos, todavia, ganhou curso generalizado uma distinção qualitativa ou estrutural entre regra e princípio, que veio a se tornar um dos pilares ela moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, onde as normas se cingiam as regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos supra positivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central.3

A lição de Paulo Márcio Cruz sobre o conceito de princípio

constitucional explora o conceito apresentado por Barroso no campo da

dogmática constitucional:

1 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. 2 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetivação de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 76.

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Princípios Constitucionais são normas jurídicas caracterizadas por seu grau de abstração e de generalidade, inscritas nos textos constitucionais formais, que estabelecem os valores e indicam a ideologia fundamentais de determinada Sociedade e de seu ordenamento jurídico. A partir deles todas as outras normas devem ser criadas, interpretadas e aplicadas.4

No mesmo rumo, cita Paulo Bonavides em sua obra, o conceito

de princípio formulado pela Corte Constitucional Italiana:

[...] Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico. 5

A seguir apresenta-se o princípio da igualdade na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988.

1.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA6 DO BRASIL 1988

José Afonso da Silva menciona que a igualdade constitucional é

mais que uma expressão de Direito, uma vez que é um modelo de justiça

no convívio em sociedade. Por este motivo, a igualdade constitucional é

3 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetivação de suas

normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 291/292.

4 CRUZ, Paulo Márcia. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 106.

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Malheiro Editores, 2007. p. 256/257.

6 Para se referir à Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, neste trabalho

será utilizada a expressão comumente aceita pela comunidade jurídica nacional: Constituição Federal.

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vista como o pilar de sustentação das normas jurídicas que compõem o

sistema jurídico fundamental.7

Cabe salientar, que o princípio constitucional da igualdade está

descrito no artigo 5º, caput da Constituição da República Federativa do

Brasil/1998, nos seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]8

Cumpre citar, neste momento, os dizeres de Alexandre de Morais

sobre o princípio da igualdade de direitos:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito [...]9

Torna-se necessário, ainda, traçar algumas explicações a

respeito da igualdade constitucional. Neste sentido, o princípio da

igualdade vislumbrado na Constituição Federal, pode ser analisado sob

duas ópticas: de um lado pelo legislador, ou pelo poder executivo, no que

concerne a edição de leis, medidas provisórias, que impeçam um

tratamento diferenciado para pessoas que se encontram em situação

7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 217. 8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 5º, caput. 9 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas,

2006. p. 31.

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iguais; por outro lado compete à autoridade pública na aplicação

igualitária da lei, não podendo utilizar-se da diferença de sexo, classe

social entre outras. Assim, a desigualdade na lei acontece quando ocorre

um tratamento diferenciado para certas pessoas. 10

No mesmo rumo, escrevem Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Nunes Júnior:

A Constituição da República instituiu o princípio da igualdade formal. Por outras palavras, aponta que o legislador e o aplicador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Assim, o princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei. No mais das vezes a questão da igualdade é tratada sob o vértice da máxima aristotélica, que preconiza o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade. A locução, conquanto correta, parece não concretizar explicação adequada quanto ao sentido e ao alcance do princípio da isonomia, porque a grande dificuldade reside exatamente em determinar, em cada caso concreto, quem são os iguais, quem são os desiguais e qual a medida dessa desigualdade. 11

Rousseau, citado por José Afonso da Silva, admite duas espécies

de desigualdade entre os homens, a saber:

[...] uma, que chamava natural ou física, porque estabelecida pela natureza, consistente na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma; outra, que denominava desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e é estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo consentimento dos homens, consistindo nos diferentes privilégios que uns gozam em detrimento dos outros, como ser mais ricos, mais pobre, mais poderosos.12

10 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas,

2006. p. 32. 11 ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de

Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 67. 12 Cf. “Quel’ est’ l’ origine de l’inégalité parmi lês hommes et si elle est

autorisée”, Discours, Paris, Éditions Sociales, s.d., apud SILVA, José Afonso.

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Na continuação, trata-se sobre a distinção entre igualdade formal

e material.

1.3 IGUALDADE FORMAL E MATERIAL

A igualdade formal tem como objetivo a afirmação de que todos

são iguais perante a lei, sem analisar as discriminações quanto a credos,

raças, sexos, ideologias e características socioeconômicas. Essa

igualdade seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos

membros da coletividade através dos textos legais. 13

Contrário ao posicionamento da igualdade formal pode-se citar a

igualdade material ou substancial, que trás no seu conteúdo influências

socialistas, voltadas para diminuir as desigualdades entre a sociedade,

tendo como objetivo principal tratar os desiguais na medida da sua

desigualdade e com isso, oferecer proteção jurídica especial as parcelas

da sociedade que ao logo da história figuram em situação de

desvantagem, a exemplo disso, tem-se as mulheres e a população de

baixa renda. O entendimento da igualdade material deve ser o de

tratamento uniforme de todos os seres humanos, bem como a sua

equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de

oportunidades. 14

Sobre o tema, leciona José Afonso da Silva:

Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 215.

13 SILVA, Marcelo Amaral da. O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988. Igualdade Formal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4143>. Acesso em: 21 de abril de 2008.

14 SILVA, Marcelo Amaral da. O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988. Igualdade Material. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4143 >. Acesso em: 21 de abril de 2008.

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A afirmação do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão cunhou o princípio de que os homens nascem e permanecem iguais em direito. Mas aí firmara a igualdade jurídico-formal no plano político, de caráter puramente negativo, visando a abolir os privilégios, isenções pessoais e regalias de classe. Esse tipo de igualdade gerou as desigualdades econômicas, porque fundada numa visão individualista do homem, membro de uma sociedade liberal relativamente homogênea. Nossas constituições, desde o Império, inscreveram o princípio da igualdade, como igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. A compreensão do dispositivo vigente, nos termos do art. 5°, caput, não deve ser assim tão estreita. O intérprete há que aferi-lo com outras normas constitucionais, conforme apontamos supra e, especialmente, com as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem social. 15

E ainda continua:

A Constituição procura aproximar os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei; menciona também igualdade entre homens e mulheres e acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação. 16

A obra “Os Princípios da Constituição de 1988”, organizada por

Manoel Messias Peixinho, Isabella Franco Guerra e Firly Nascimento

Filho, define que o princípio da igualdade formal sofre verdadeiros

ataques por não satisfazer as necessidades dos socialmente

desfavoráveis, e que tal princípio nos dias de hoje se transformou em um

princípio meramente simbólico, diante de tamanha importância da

igualdade de condições ou igualdade material. 17

15 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 217. 16 Idem. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2001. p. 218. 17 NASCIMENTO FILHO, Firly. GUERRA, Isabella Franco. PEIXINHO, Manoel

Messias (Org.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p. 256.

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19

E mais a frente concluem os autores supracitados:

Nota-se que o itinerário do princípio da igualdade aporta na afirmação dos direitos humanos. As camadas sociais relegadas a indigência e a vulnerabilidade - por debilidade econômico-social e por sofrerem permanente violação de direitos fundamentais - merecem proteção particularizada de acordo com a Conferência Mundial de Direitos Humanos (1993). Por essa razão, a tarefa do jurista é impor a igualdade de todos no tocante à sua qualidade de seres humanos, à dignidade humana, aos direitos fundamentais e às restantes garantias legalmente vigentes de proteção. Daí, decorre a urgência na superação das desigualdades sociais. 18

Ressalta-se que a desigualdade entre os sexos masculino e

feminino é combatida através do princípio da igualdade material, um

grande avanço no sentido de diminuir as desigualdades, sem esquecer

as diferenças de gêneros.

Tocante ao assunto acima mencionado ensina Sérgio Ricardo de

Souza:

Nesse campo é patente a desigualdade existente entre os gêneros masculino e feminino, pois as mulheres aparecem como a parte que sofre as discriminações e violências em índices consideravelmente maiores, não só pelas diferenças físicas, mas também culturais que envolvem o tema, conforme de flui dos já mencionados estudos realizados no âmbito ou sob a coordenação das Nações Unidas. Em tal contexto, a existência de uma discriminação em favor da mulher tem o claro objetivo de dotá-la de uma especial proteção, para permitir que o gênero feminino tenha compensações que equiparem suas integrantes à situação vivida pelos homens. Afigura-se, assim, que as medidas preconizadas na presente Lei constituem políticas e ações afirmativas no sentido de possibilitar que em relação à questão da violência, as mulheres alcancem o respeito a sua dignidade enquanto seres humanos, bem como a almejada igualdade de condições em relação aos homens, estando, portanto, em plena consonância com os ideais insertos na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (art. 1°, inc. III; art. 5°, incs. I e III e ali. 226, § 8°). A Lei sob comento incentiva tratamento desigual entre homens e mulheres,

18 Idem. Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora

Lúmen Júris, 2001. p. 265

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com o propósito de que se alcance a real igualdade de gênero no que diz respeito à necessidade de pôr fim à violência doméstica e familiar. Há que se ter em conta que essa postura não pode ser eterna e que, uma vez alcançados os objetivos da nova Lei e estando caracterizado que passou a existir realmente uma igualdade material entre homens e mulheres no âmbito da questão da violência doméstica e familiar, deve-se passar a ter um tratamento isonômico entre ambos os gêneros, mas essa não é efetivamente a situação atual. 19

Abordar-se-á a seguir a igualdade perante a lei.

1.4 A IGUALDADE PERANTE A LEI

Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho, a igualdade perante

a lei não significa apenas aplicação igual da lei. A própria lei deve tratar

por igual todos os cidadãos. O princípio da igualdade dirige-se ao próprio

legislador, vinculando-se à criação de um direito igual para todos os

cidadãos. 20

Seabra Fagundes, citado por José Afonso da Silva, diz que o

princípio da igualdade perante a lei significa para o legislador os

seguintes dizeres:

Que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou grava-las em proporção às suas diversidades. 21

19 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra

a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 38. 20 CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 7 ed. Portugal: Edição Almedina, 2000. p. 426. 21 C.f. “O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder

Legislativo”, RT 235/3, apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 218.

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21

No mesmo rumo, acompanha José Afonso da Silva quando dita

que:

[...] nos sistemas constitucionais do tipo do nosso não cabe dúvida quanto ao principal destinatário do princípio constitucional de igualdade perante a lei. O mandamento da Constituição se dirige particularmente ao legislador e, efetivamente, somente ele poderá ser o destinatário útil de tal mandamento. O executor da lei já está, necessariamente, obrigado a aplicá-la de acordo como os critérios constantes da própria lei. Se esta, para valer, está adstrita a se conformar ao princípio de igualdade, o critério da igualdade resultará obrigatório para o executor da lei pelo simples fato de que a lei o obriga a executá-la com fidelidade ou respeito aos critérios por ela mesma estabelecidos. 22

Convém ponderar as palavras de Norberto Bobbio, que indica a

necessidade de identificar singularmente nos casos concretos o princípio da

igualdade perante a lei, pois este é genérico. Ademais a interpretação

communis opinio prescreve a não discriminação arbitrária do juiz ou do

legislador, “[...] onde por discriminação arbitrária entende-se aquela

introduzida ou não eliminada sem uma justificação, ou, mais sumariamente,

uma discriminação não justificada (e, neste sentido, injusta). 23

Apresenta-se a seguir com base doutrinária, a igualdade entre

homens de mulheres.

1.5 IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

Alessandra Gotti Bontempo menciona que uma das inovações do

artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi a

22 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 219. 23 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 3 ed. Rio de Janeiro: Ediouro,

1997. p. 28.

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previsão legal da igualdade entre homens e mulheres em direitos e

obrigações. 24

Nesta senda, a igualdade entre homens e mulheres está descrito no

artigo 5º, inciso I da Constituição da República Federativa do Brasil/1988,

nos seguintes termos: “Art. 5º, I - homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações, nos termos desta Constituição.” 25

Na análise do artigo 5º, inciso I da Constituição Federativa do

Brasil/1988 tem-se:

A correta interpretação desse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis. Conseqüentemente, além de tratamentos diferenciados entre homens e mulheres previstos pela própria constituição (arts. 7º, XVIII e XIX; 40, § 1º, 143, §§ 1º e 2º; 201, § 7º), poderá a legislação infraconstitucional pretender atenuar os desníveis de tratamento em razão do sexo. 26

E mais adiante prossegue:

[...] O princípio da isonomia não pode ser entendido em termos absoluto; o tratamento diferenciado é admissível e se explica do ponto de vista histórico, também considerado pelo constituinte de 1988, já que a mulher foi, até muito pouco tempo, extremamente discriminadas. O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas. 27

Cumpre ratificar que na lição de José Afonso da Silva sobre o

tema, segue o trecho transcrito:

24 BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais. 1 ed. (ano 2005), 3ª tir.

Curitiba: Juruá, 2007. p. 63. 25 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Art. 5º,

inciso I. 26 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas,

2004. p. 69. 27 Idem. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 70.

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Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em direitos e obrigações. Significa que existem dois termos concretos de comparação: homens de um lado e mulheres de outro. Onde houver um homem e uma mulher, qualquer tratamento desigual entre eles, a propósito de situações pertinentes a ambos os sexos, constituirá uma infringência constitucional. Aqui a igualdade não é apenas no confronto marido e mulher. Não se trata apenas da igualdade no lar e na família. Abrange também essa situação, que, no entanto, recebeu formulação específica no art. 226, § 5º: "Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher". Vale dizer: nenhum pode mais ser considerado cabeça de casal, ficando revogados todos os dispositivos da legislação ordinária que outorgava primazia ao homem. Só valem as discriminações feitas pela própria Constituição e sempre em favor da mulher, como, por exemplo, a aposentadoria da mulher com menor tempo de serviço e de idade que o homem (arts. 40/ III, e 202/ I a III). Justifica-se essa norma discriminatória? Achamos que sim, na medida em que à mulher incumbem as tarefas básicas da casa, pouco ajudada aí pelo marido. Ela tem assim uma sobrecarga de serviços que é justo seja compensada pela aposentadoria com menor tempo de serviço e de idade. 28

Vale lembrar as considerações de Hans Kelsen citado por Celso

Antônio Bandeira de Mello, sobre a igualdade dos sujeitos:

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres. 29

Convém ponderar o motivo pelo qual a discriminação é aceito

diante do princípio da igualdade descrito no artigo 5º, caput, da

28 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 220/221. 29 KELSEN, Hans. apud MELLO, Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do

Princípio da Igualdade. 3 ed. Atualizada 9ª tiragem. São Paulo: Malheiro Editores, 2001. p. 11.

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Constituição da República Federativa do Brasil/1988, na seguinte

maneira:

[...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição. 30

Acrescentam-se os dizeres de Pimenta Bueno, citado por Antônio

Bandeira de Mello, no mesmo rumo em questão:

A lei deve ser uma e a mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania. 31

Em virtude do exposto Walter Ceneviva menciona os tratamentos

diferenciados, que a Constituição da República Federativa do Brasil de

1988 atribui à mulher, que não fere o princípio da igualdade previsto no

artigo 5º inciso I, da Lei:

[...] a especial proteção ao mercado de trabalho (art. 7°, XX), a aposentadoria aos vinte e cinco anos de serviço no texto original (art. 40, III, c), alterado pela EC n. 20 (trinta anos de contribuição), a dispensa do serviço militar obrigatório, juntamente com os eclesiásticos (art. 143, § 2°), e, ainda no art. 7°, a licença à gestante (inc. XVIII), por cento e vinte dias. 32

Apresenta-se no tópico seguinte, os critérios para identificação do

desrespeito ao princípio da igualdade.

30 Idem. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. Atualizada 9

tiragem. São Paulo: Malheiro Editores, 08.2001. p. 17. 31 Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de

Janeiro, 1857, p. 424 apud idem. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. Atualizada 9 tiragem. São Paulo: Malheiro Editores, 08.2001. p. 18.

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1.6 CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DO DESRESPEITO AO

PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Para Celso Antônio Bandeira de Mello existem 03 (três) critérios

para identificar uma quebra no princípio da igualdade:

[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório: de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada, Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles. Em suma: importa que exista mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a diferenciação conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses abrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como valiosas na Constituição.33

Neste ponto faz-se necessário observar o conceito de

discriminação e desigualdade. Utilizando a obra de Aurélio Buarque de

Holanda Ferreira, desigualdade é um substantivo feminino que traduz

uma qualidade ou estado do que é desigual, sendo que este tem como

significado o não igual, diferente ou diverso. Já o conceito de

discriminação que do latim é transcrito com sendo discriminatione,

32 CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3 ed. Atual. São

Paulo: Saraiva, 2003. p. 57/58. 33 MELLO, Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da

Igualdade. 3 ed. Atualizada 9 tiragem. São Paulo: Malheiro Editores, 08.2001. p. 21/22.

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também é um substantivo feminino que traduz um ato ou efeito de

discriminar, distinguir, separar. 34

Abordar-se-á a seguir o fenômeno da inconstitucionalidade, que

finaliza o presente capítulo.

1.7 O FENÔMENO DA INCONSTITUCIONALIDADE

A partir desse momento far-se-á um breve estudo referente à

inconstitucionalidade, buscando analisar se a Lei Maria da Penha fere o

princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres na sua

aplicabilidade.

Neste sentido, a função da Constituição Federal na

contemporaneidade, resume-se basicamente em quatro dimensões:

“[...] normatização constitutiva da organização estatal; racionalização e

limites dos poderes públicos; fundamentação da ordem jurídica da

comunidade e programa de ação”.35 (grifo no original).

A verificação se uma lei é constitucional ou inconstitucional, pode

ser feita através do controle de constitucionalidade, que está ligado à

Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e,

também, através da rigidez constitucional e da proteção dos direito

fundamentais. Controlar a constitucionalidade de uma lei significa

34 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico

Aurélio versão 5.0. corresponde à 3ª. Edição, 1ª. Impressão da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, O Dicionário da Língua Portuguesa, contendo 435 mil verbetes, locuções e definições. 2004 by Regis Ltda. Direitos cedidos com exclusividade para a Língua Portuguesa em todo o mundo para a Editora Positivo. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada ou estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, fotocópia, gravação, etc., sem permissão do detentor do copirraite. Edição eletrônica autorizada à POSITIVO INFORMÁTICA LTDA.

35 ESPÍDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 2. ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 94.

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verificar sua adequação com a constituição através dos seus requisitos

formais e materiais. 36

Na mesma linha de raciocínio tem-se a lição de Ciro Benigno

Porto, sobre a supremacia constitucional:

A supremacia constitucional traduz-se na superioridade hierárquica das normas constitucionais, fundamento de validade de todas as normas legais que integram o mesmo ordenamento jurídico. 37

No mesmo rumo, escreve Roberto Pimentel sobre o princípio da

supremacia constitucional:

Por esse princípio a Constituição está no ápice do ordenamento jurídico e nenhuma outra norma pode contrariá-la, material ou formalmente, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. 38

José Afonso da Silva elucida a rigidez e a supremacia

constitucional da seguinte forma:

A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, "é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito politico". Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. E, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus

36 MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas,

2006. p. 656 e 559. 37 PORTO, Ciro Benigno. A nova hermenêutica constitucional - importância

e fundamentos. Disponível em <http://www.wikiiuspedia.com.br/article.php?story=20080402133541380&mode=print>. Acesso em: 29 de abril de 2008.

38 PIMENEL, Roberto. Constituição, Princípios Constitucionais e Poder Constituinte. Disponível em: <http://intervox.nce.ufrj.br/~diniz/d/direito/consDConstitucional_em_Capitulos_vol1.doc>.

Acesso em: 29 de abril de 2008.

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órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.39

E mais adiante define a supremacia da Constituição da República

Federativa do Brasil:

Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. 40

Cabe relembrar após uma breve explanação sobre a supremacia

constitucional, o tema do presente tópico o fenômeno da

inconstitucionalidade, que apresenta:

[...] a Constituição como Lei Fundamental de um sistema jurídico, orienta, de modo imperativo, todas as atividades do Estado e da sociedade, não podendo ser contrariada, sob pena de invalidade da atuação que com ela esteja em desacordo. Chega-se, dessa forma, à noção de inconstitucionalidade, como resultado do conflito ou confronto de um comportamento, de uma norma, ou de um ato com a Constituição, deduzível de uma relação de caráter puramente normativo e valorativo. Assim, inconstitucional pode ser a ação ou omissão que ofende, no todo ou em parte, a Lei Maior do ordenamento jurídico.41

Nos mesmo sentido ensina Flávia Piovesan:

39

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 45.

40 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 46.

41 BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais Eficácia e Acionabilidade à Luz da Constituição de 1988. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2007. p. 243.

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A inconstitucionalidade corresponde a um comportamento ativo, uma ação, a um facere violador e contrário à Constituição. Resume-se na conduta positiva incompatível com os princípios constitucionais assegurados. 42

André Ramos Tavares ensina que existem dois pressupostos

fundamentais na análise da inconstitucionalidade das leis, que é a

supremacia constitucional e a existência de um ato legislativo, pois não

se pode falar em comparação de uma norma legal com a Constituição da

República Federativa do Brasil sem a existência da lei. Observa-se ainda

quatro possíveis situações que pode ocorrer a inconstitucionalidade:

desrespeito à forma prescrita, a inobservância de condição estabelecida,

a falta de competência do órgão legiferante e a violação de direito e

garantias individuais. 43

E ainda complementa:

A caracterização do fenômeno da inconstitucionalidade, em suas múltiplas facetas, não revela importância meramente acadêmica ou científica. Na verdade, os efeitos práticos de sua delimitação são extremamente graves. Assim, em primeiro lugar, uma vez que se trate de inconstitucionalidade ou de fenômeno diverso, aplicar-se-á ou não a regra do art. 97 da Constituição, segundo a qual "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público". Da mesma forma, se não se tratar de inconstitucionalidade de lei, não se aplica o disposto no inciso X do art. 52, que determina a suspensão da execução da lei pelo Senado Federal. 44

42 Proteção Judicial contra Omissões Legislativas – Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção. 2. ed., rev., atual. e amp., São Paulo: Revista dos Tribunais. P. 87 apud BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais Eficácia e Acionabilidade à Luz da Constituição de 1988. 1 ed. 3 tir. Curitiba: Juruá, 2007. p. 243.

43 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 182/183.

44 Idem. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 184.

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A inconstitucionalidade das leis acontece apenas com uma

desconformidade entre a lei e a Constituição, numa relação direta, sem

que ocorra qualquer intermediação de outros atos jurídicos entre

ambas.45

As duas possíveis ocorrências da inconstitucionalidade da lei são

basicamente a existência incompatível entre o conteúdo da lei e o

conteúdo da Constituição da República Federativa do Brasil/1988, e

numa segunda hipótese a existência de um desatendimento do modelo

previsto para a elaboração da lei. Pode se dizer que na primeira

modalidade ocorre o desrespeito às normas constitucionais de fundo, e

na segunda modalidade o desrespeito se dá pelas normas de forma. 46

José Afonso da Silva fornece um pequeno esboço sobre os

sistemas de controle de constitucionalidade, quais sejam:

Há três sistemas de controle de constitucionalidade: o político, o jurisdicional e o misto. O controle político é o que entrega a verificação da inconstitucionalidade a órgãos de natureza política, tais como: o próprio Poder Legislativo, solução predominante na Europa no século passado; ou um órgão especial, como o Presidium do Soviete Supremo da ex-União Soviética (Constituição da URSS, art. 121, n. 4) e o Conseil Constitutionnel da vigente Constituição francesa de 1958 (arts. 56 a 63). O controle jurisdicional, generalizado hoje em dia, denominado judicial review nos Estados Unidos da América do Norte, é a faculdade que as constituições outorgam ao Poder Judiciário de declarar a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios constitucionais. O controle misto realiza-se quando a constituição submete certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre na Suíça, onde as leis federais ficam sob controle político da Assembléia Nacional, e as leis locais sob o controle jurisdicional. 47

45 Idem. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 190. 46 Idem. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 195. 47SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed.

São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 49.

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Para André Ramos Tavares, a inconstitucionalidade apresenta-se

com as seguintes distinções:

Inconstitucionalidade material e formal: A inconstitucionalidade formal diz respeito à inobservância de norma de competência, isto quer dizer em termos práticos, que o legislador deve observar as regras que estão contidas na Constituição do art. 59 ao art. 69 na elaboração da lei. Já a inconstitucionalidade material não observa a forma, mas sim os princípios e os conteúdos dos atos normativos. Inconstitucionalidade total e parcial: A inconstitucionalidade total é aquela que atinge totalmente um ato normativo. Já a parcial, atingirá parte do ato normativo. O critério para classificar a inconstitucionalidade aqui é o da extensão que a invalidade assume em relação à norma ou à lei. Nos casos de inconstitucionalidade total, a norma legal existe, mas é sempre inválida, já na inconstitucionalidade parcial a invalidade da lei existe, mas subsiste uma parte da lei que é válida. Inconstitucionalidade originária e superveniente: A inconstitucionalidade superveniente, na realidade, implica a inexistência da lei, ao passo que a inconstitucionalidade originária significa que a lei, embora existente, é inválida. Importante lembrar que a alteração da norma constitucional implicará não a inconstitucionalidade superveniente da lei, mas sim a sua revogação. Inconstitucionalidade expressa (direta) e implícita (indireta): Ao se classificar a inconstitucionalidade direta, leva-se em conta a incompatibilidade da lei com norma expressa da Constituição da República Federativa do Brasil. No caso de inconstitucionalidade indireta, haveria incompatibilidade entre a lei e uma norma constitucional implícita. Em suma a inconstitucionalidade indireta ocorre quando um decreto é incompatível à Constituição, pois entre eles, há a lei. Já a inconstitucionalidade direta, ocorre quando uma lei é incompatível à Constituição, pois entre a lei e a Constituição não existe nada.48

48

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 195-210.

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No segundo capítulo, apresenta-se a Lei nº 11.340/2006 também

denominada de Lei Maria da Penha, que aborda a violência contra a

mulher.

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2 LEI MARIA DA PENHA: A MULHER E A VIOLÊNCIA

A mulher exerce um papel importantíssimo em nossa sociedade nos

dias atuais, mas sabe-se que no Brasil, assim como nos países latino-

americanos, existe uma tradição cultural e secular de violência contra a

mulher no âmbito familiar. Os esforços dos movimentos feministas em todo o

mundo e os diversos tratados internacionais das Nações Unidas deram

visibilidade ao problema da agressão do gênero feminino.

Estudo realizado pelo IBGE49 (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística), no final da década de 1980, constatou que 63% das agressões

físicas contra as mulheres acontecem no âmbito doméstico e seus

agressores são pessoas que contêm relações pessoais e afetivas com as

vítimas.

Com o surgimento da Lei 11.340/06, de 7 de agosto de 2006,

denominada Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 22 de setembro do

mesmo ano, o Brasil criou mecanismos para tentar extinguir ou amenizar a

realidade da violência doméstica.

A mulher violentada, em muitos casos, teme denunciar o seu

agressor, principalmente pelo fato de que este pode cometer agressões

ainda mais violentas. Quando a denúncia ocorre, por medo do agressor ou

por amá-lo, algumas mulheres retiram a queixa, tornando sua situação ainda

pior. O agressor fica livre para poder vingar-se da pessoa que o acusou, visto

que este não sofreu punição alguma pelo ato cometido.

O tema proposto no segundo capítulo é de grande importância, pois

mostra o progresso da mulher em nossa sociedade, juntamente com suas

conquistas, muitas vezes alcançadas com sofrimento e luta.

49 NEVES, Maria. Escola poderá ajudar a combater a violência contra a mulher. Estatísticas. Disponível em:

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2.1 A MULHER E A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM UMA VISÃO HISTÓRICA

Antigamente a menina já nascia com status inferior ao menino, pois

era vista como contrito. Nos dias atuais isso ainda continua acontecendo em

algumas sociedades, o pai fica na expectativa pelo herdeiro, e quando isso

não acontece culpa a mãe pela gestação fracassada. Além da desilusão

diante do nascimento da menina, começa dentro da própria família a divisão

sexual. As tarefas domésticas vão ficar a cargo da filha mulher, e os

trabalhos mais elaborados ficam aos cuidados do filho homem. Observa-se a

dificuldade do menino ao assumir como sexo superior, segundo os

condicionamentos culturais, enquanto para a menina assumir a sua posição

de inferioridade torna-se mais fácil. Essas condições impostas a ambos os

sexos sem qualquer perspectiva de escolha, acabam prejudicando ou

deformando o crescimento do indivíduo. 50

Neste sentido, o sistema patriarcal ao longo da história demonstrou

preocupação em construir tabus para o universo feminino, para obter certo

controle sobre as mulheres, como por exemplo, o cinto de castidade. Para

este tipo de sistema a menstruação sempre foi envolta de certa simbologia

de poder e perigo, assim os persas acreditavam que penetrar uma vagina no

período menstrual significava adentrar num lugar demoníaco, colocando em

perigo sua alma. Este sangue misterioso que sai da mulher durante uma

semana, fazia com que nas sociedades tribais no período da menstruação as

mulheres fossem afastadas da comunidade.51 E ainda:

O mito de mutilação genital da mulher está associado aos dois mitos anteriormente mencionados. Esse mito está baseado numa idéia de manter submissão feminina ao controle patriarcal sobre o discurso ideológico de proteção ao

<http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/materias.html?pk=117622>. Acesso em: 27 de mar. 2008. 50 NASCIMENTO FILHO, Firly. GUERRA, Isabella Franco. PEIXINHO, Manoel Messias. Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p. 269-270. 51

SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: Sujeito ou Objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na história dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 66.

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corpo feminino contra seus desejos pecaminosos de prazer libidinoso. A prática de mutilação dos sexuais externos da mulher se espalhou de forma ampla pelo Oriente médio na trilha do Islamismo, descendo para África, onde continua a ser praticada até a atualidade. A operação falocrática se desenvolve da seguinte forma: numa cerimônia privada de mulheres, a tradicional executante ou circuncisora, cantando Allah é grande e Maomé é seu profeta, que Allah mantenha longe todos os males, opera uma menina entre os cinco e os oito anos, com uma pedra afiada, um lâmina de ferro ou um pedaço de vidro. No primeiro estágio, todo o clitóris e seus invólucro são decepados, depois aos pequenos lábios vaginais são raspados até desaparecer, seguidos pela maior parte da carne interior dos lábios vaginais maiores. As peles que sobram são então unidas e presas com espinhos, obstruindo o orifício vaginal, com exceção de uma pequena extensão, mantida aberta por meio de uma farpa de madeira ou cana a fim de permitir a passagem de urina e do sangue menstrual. A medida que o trabalho vai sendo realizado, a mãe e algumas convidadas o verificam, pondo os dedos na ferida, juntamente com terra e cinza, usadas para estancar o sangue provocado pela mutilação. Terminado este estágio, as pernas da menina são amarradas juntas, dos quadris aos tornozelos por 40 dias, para garantir que a pele cicatrize junta e não reabra mais. Durante todo o processo a menina é segurada por familiares femininos e permanece consciente durante a mutilação. As conseqüências de tais mutilações são hemorragia, infecção, cortes na uretra, na bexiga e no ânus, abcessos na vulva e incontinência urinária. O médico só era chamado quando o excesso na cicatrização da vulva era tão severo que impedia a menina de andar. Geralmente quando cresciam, essas meninas acabavam sofrendo de retenção de sangue menstrual, esterilidade e dor intensa durante as relações sexuais e no parto. Como um exemplo de retenção de sangue menstrual decorre da mutilação pode-se citar um caso relatado por um médico francês que operou uma adolescente de 16 anos em Djibouti na África, para liberar 3,5 litros de menstruação preta e putrefata. 52

Nas comunidades pré-históricas existia um sistema matriarcado com

mais liberdade, os homens não exploravam o trabalho das mulheres e não

controlavam e nem se apropriavam da produção destas. Assim, os homens

não exerciam nenhum controle sobre os corpos das mulheres, não possuíam

veneração à virgindade ou castidade feminina, nem exigências quanto à

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exclusividade sexual. As mulheres podiam assumir papéis de prestígio nas

comunidades pré-históricas, pois possuíam seu carisma da Deusa Mãe,

através dos mistérios da fertilidade, da gestação e do nascimento. 53

Na continuação, faz-se necessário explicar brevemente o histórico da

mulher na Idade Antiga.

2.1.1 Breve histórico dos direito da mulher na Idade Antiga, Idade Média

e Idade Moderna

Com base em Sidney Francisco Reis dos Santos far-se-á um

pequeno esboço sobre os direitos das mulheres na Idade Antiga, Idade

Média e Idade Moderna 54:

Na Idade Antiga o sistema matriarcal das comunidades pré-históricas

se mantinha vivo através da adoração das divindades femininas, mesmo com

o surgimento do novo sistema cultural denominado patriarcado. O principal

fato gerador de uma cultura matriarcal nesta época, decorre exclusivamente

do mistério mitológico da reprodução sexual, sendo a mulher a única

responsável pelo nascimento de um bebê. Quando o homem passou a

compreender o seu papel na reprodução sexual, o sistema cultural patriarcal,

através do mencionado reconhecimento, deu possibilidade ao surgimento

dos deuses masculinos, que passaram ocupar um espaço sócio-político e

mitológico em relação à adoração ao mito da Deusa Mãe. A transferência do

poder da Deusa Mãe para o Deus Pai teve lugar em três fases detectadas na

mitologia mundial, não foi algo que aconteceu imediatamente.

52 SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: Sujeito ou Objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na história dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 68-69. 53 SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: Sujeito ou Objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na história dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 78. 54 Idem. Mulher: Sujeito ou Objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na história dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 78 - 118.

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Em relação à evolução dos Direitos das Mulheres nas duas primeiras

fases, pode-se mencionar o respeito ao cumprimento integral de seus direitos

femininos. No entanto, no início da terceira fase havia uma certa igualdade

de direitos, mas no final desta fase, os direitos patriarcais prevaleceram.

Na Idade Média, observa-se, a consolidação do sistema patriarcal,

colocando os direitos humanos das mulheres num plano de submissão psico-

sócio-jurídica. As mulheres com a consolidação do sistema patriarcal não

foram privadas somente de seus direitos, mas da condição de seres

humanos. Foram as mulheres reduzidas sistematicamente como inferiores, e

perpetuamente condenadas a comparações adversas com a norma

masculina do Deus Pai.

Os direitos humanos das mulheres na Idade Moderna no alvorecer

da Renascença, no século XV, ainda eram exercidos sobre a influência do

sistema patriarcal da Igreja Católica Romana, destacados na Europa

Ocidental. Neste mesmo período surgem algumas vozes masculinas em

defesa dos direitos das mulheres, citando com exemplo Heinrich Cornelius

Agripa Von Nettesheim, que se mostrou disposto a argumentar contra a

supremacia patriarcal, desafiando a autoridade da Bíblia quanto à

inferioridade da mulher. Vale lembrar que a Renascença não foi o

renascimento para os direitos humanos das mulheres, para estas o acesso à

educação e o espaço na vida pública continuavam sendo negados.

2.1.2 Breve histórico dos direito da mulher na Idade Contemporânea

Os direitos humanos das mulheres na Idade Contemporânea serão

analisados sobre o foco da obra Os Princípios da Constituição de 1988,

organizada por Firly Nascimento Filho, Isabella Franco Guerra e Manoel

Messias Peixinho55.

55 FILHO, Firly Nascimento. GUERRA, Isabella Franco. PEIXINHO, Manoel Messias. Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2001. p. 270-278.

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A luta das mulheres por uma posição de igualdade numa sociedade

patriarcal começou efetivamente no século XIX. Na metade deste século

apenas algumas mulheres se dirigiam para a escola, ou melhor, já eram

alfabetizadas.

A primeira legislação relativa à educação de mulheres surgiu em

1827, mas a lei admitia meninas apenas para as escolas elementares, não

para instituições de ensino mais avançado.

Todavia, o objetivo dessa educação ainda estava muito mais

vinculado às atividades de costura, bordados, culinária, até hoje

consideradas tradicionalmente femininas, do que propriamente uma atividade

intelectual.

Em 1874, duas mulheres destacaram-se no âmbito da educação

formal. A primeira, uma jovem de quatorze anos, Maria Augusta Generosa

Estrella, deixou o Brasil para estudar medicina nos EUA, conseguindo

permissão especial, três anos depois de um estudo preparatório, para

ingressar no New York Medical College and Hospital for Women. Depois foi a

vez de Josefa Agueda Felisbella Mercedes de Oliveira.

Somente em 1879, o governo brasileiro abriu as instituições de

ensino superior às mulheres, que ainda eram a minoria, pois tinham que ter

custeado o ensino secundário, sendo este dispendioso. Contudo, as

mulheres que se formaram em medicina, enfermagem e direito, sofriam

discriminação e não eram aceitas no trabalho. As justificativas no que se

refere à medicina, por exemplo, era a de que uma moça honesta não poderia

atender a um chamado domiciliar.

Na segunda metade do século XIX teve lugar o início da imprensa

feminina no Brasil, ou seja, as mulheres começaram a editar jornais com o

intuito de melhorar a condição social e emancipação moral da mulher. O

primeiro jornal feminino chamava-se “O Jornal das Senhoras” e foi editado

por Joana Paula Manso de Noronha. Esta falava nos direitos e na missão da

mulher, provocando reações que afastavam esse tipo de leitura em ambiente

familiar. Também editou um segundo jornal, denominado o “Belo Sexo”.

Em 1870 tem início a imprensa considerada verdadeiramente

feminista, que ao contrário de pedir que valorizassem as mulheres por estas

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serem a semelhança da Virgem Maria, atacava a ignorância dessas no

tocante a melhoria na educação e nos seus direitos.

Nas décadas de 1880 e 1890 surgiu à primeira mulher favorável às

leis do divórcio, Josefina Alvarez de Azevedo, que afirmava que as mulheres

deveriam ter igualdade com os homens em todas as esferas, para

desempenhar todas as funções; logo a competição deveria ser igualitária,

tanto no governo, na família, como na direção do estado.

Em 1910 A professora Deolinda Daltro funda o Partido Republicano

Feminino e lidera uma passeata com oitenta e quatro mulheres, em

novembro de 1917, fato que surpreendeu a população da cidade do Rio de

Janeiro.

Em 1932, o governo de Getúlio Vargas promulgou o novo Código

Eleitoral pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro, garantindo finalmente o

direito de voto às mulheres brasileiras.

Assim a mulher começa a entrar no mercado de trabalho,

efetivamente no período da Primeira Guerra Mundial, na Europa, ocupando

os postos dos homens para servir à pátria.

Nas décadas de 1960 e 1970, o movimento feminista é retomado,

mas desta vez, questionando os valores morais estabelecidos, coisa que até

então não tinha ocorrido nos movimentos anteriores. A mulher passar a

querer o domínio do próprio corpo e lutar pelo desenvolvimento de sua

sexualidade.

Em 1975 a ONU decretou o Ano Internacional da Mulher, seguindo

da Década da Mulher, onde, pela primeira vez, a mulher foi objeto de estudos

em todas as áreas do saber, no sentido de ser mais conhecida e,

conseqüentemente, melhorar a sua condição de vida.

Várias foram às conquistas das mulheres durante este período,

destacando-se um maior acesso ao mercado de trabalho, apesar de não

ocuparem muitos cargos de chefia ou de destaque, houve uma crescente

abertura de profissões, consideradas masculinas, para as mulheres.

Apesar das muitas vitórias alcanças durante o decorrer dos anos em

que a mulher vem sofrendo maus tratos pela sociedade machista em razão

de um sistema patriarcal, somente no ano de 2006 o Direito brasileiro com o

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advento da Lei nº 11.340, popularmente denominada de Lei Maria da Penha,

passa a existir um mecanismo para resguardar qualquer tipo a violência

contra a integridade física da mulher.

2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A DENOMINAÇÃO LEI MARIA DA

PENHA

A Lei nº 11.340, editada no dia 7 de agosto de 2006, foi denominada

Lei Maria da Penha, como forma de homenagear a Sr.ª Maria da Penha Maia

Fernandes, uma farmacêutica do Estado do Ceará que sofreu vários danos

em sua saúde, devido as agressões praticadas por seu marido o Sr. Marco

Antônio Heredia Viveiros, um economista colombiano naturalizado brasileiro.

Sobre o assunto relata Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista

Pinto:

O motivo que levou a lei a ser "batizada" com esse nome, pelo qual, irreversivelmente, passará a ser conhecida, remonta ao ano de 1983. No dia 29 de maio desse ano, na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, enquanto dormia, foi atingida por tiro de espingarda desferido por seu então marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveiros, colombiano de origem e naturalizado brasileiro. Em razão desse tiro, que atingiu a vítima em sua coluna, destruindo a terceira e a quarta vértebras, suportou lesões que deixaram-na paraplégica. Foi o desfecho de uma relação tumultuada, pontilhada por agressões perpetradas pelo marido contra a esposa e também contra as filhas do casal. Homem de temperamento violento, sua agressividade impedia a vítima, por temor, de deflagrar qualquer iniciativa visando a separação do casal. De passado obscuro, descobriu-se, depois, que já se envolvera na prática de delitos e que possuía um filho na Colômbia, fato ignorado pela ofendida. O ato foi marcado pela premeditação. Tanto que seu autor, dias antes, tentou convencer a esposa a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria o beneficiário. Ademais, cinco dias antes da agressão, ela assinara, em branco, um recibo de venda de veículo de sua propriedade, a pedido do marido. Mas as agressões não se limitaram ao dia 29 de maio de 1983. Passada pouco mais de uma semana, quando já retomara para sua casa, a vítima sofreu novo ataque do

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marido. Desta feita, quando se banhava, recebeu uma descarga elétrica que, segundo o autor, não seria capaz de produzir-lhe qualquer lesão. Nesse instante entendeu o motivo pelo qual, há algum tempo, o marido utilizava o banheiro das filhas para banhar-se, restando evidente ter sido ele também o mentor dessa segunda agressão. 56

Ensina Sérgio Ricardo de Souza que a violência contra a mulher não

escolhe grau de intelectualidade e nem classe social, no que segue

transcrito:

A Maria da Penha que empunhou a bandeira da luta em relação à violência contra a mulher foi vítima de atrocidades que a deixaram paraplégica e o autor não era um operário (pasmem os preconceituosos de plantão!), mas sim, um professor universitário, situação esta que de pronto evidencia que o problema da violência do homem em relação à mulher ultrapassa as fronteiras das classes sociais, estando presente em todas elas e não respeitando sequer o grau de intelectualidade. 57

Henrique Vicente de Bitencourt faz as seguintes considerações sobre

o assunto supracitado:

A violência contra a mulher, ao contrário do que se pensa, ocorre em todas as classes sociais. Está longe de ser um fenômeno exclusivo das camadas sociais mais baixas, o que talvez possamos dizer é que nelas as coisas acontecem mais claramente, ou seja, o sigilo familiar é menor, e é mais difícil de ser mantido, até mesmo por fatores sociais, econômicos e culturais, uma vez que a disposição das habitações, o número de pessoas que ali vivem, o seu nível cultural, a proximidade física das moradias, etc., favorecem a quebra do sigilo. Nas camadas sociais mais altas, há condições que facilitam o sigilo, tais como: residências mais isoladas (pois o espaço físico é maior), preocupação em não dar escândalos, devido ao fato de muitos morarem em apartamentos, etc. Este tipo de violência costuma ser camuflado por um amplo "complô de silêncio" do qual participam os familiares, vizinhos e a sociedade em geral. Até mesmo profissionais da saúde, meios de comunicação, serviço social e educação, acabam participando desse

56

CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006 comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 11-12. 57 SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 30.

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complô, por não denunciarem casos de violência que chegam ao seu conhecimento. 58

Já Sérgio Ricardo Souza traça uma cronologia do caso Maria da

Penha, no que segue abaixo:

Maio 1983: Maria da Penha Maia Fernandes, que já vinha sofrendo agressões do marido, Marco Antônio Heredia Viveros, é alvejada por um tiro desferido por ele, enquanto dormia. Em decorrência das seqüelas da agressão, a vitima fica paraplégica. Junho 1983: Retoma do hospital e é mantida em cárcere privado em sua casa. Sofre nova agressão e, com a ajuda da família, consegue autorização judicial para abandonar a residência do casal em companhia das filhas menores. Janeiro 1984: Maria da Penha dá seu primeiro depoimento à polícia. Setembro 1984: Ministério Público propõe ação penal contra o agressor. Outubro 1986: O Poder Judiciário de 1ª instância acata a acusação e submete o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri (pronúncia). Maio 1991: O acusado vai a Júri Popular, sendo condenado a 10 anos de prisão. Defesa apela da sentença, no mesmo dia. 1994: Maria da Penha publica o livro Sobrevivi... Posso Contar. Maio 1994: Tribunal de Justiça do Ceará acolhe o recurso da defesa e submete o réu a novo julgamento. Março 1994: Réu submetido a segundo julgamento perante o Tribunal do Júri, sendo condenado a dez anos e seis meses de prisão. Defesa interpõe novo recurso. Setembro 1997 a 20 de agosto de 1998: A vítima juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), formalizou uma denúncia contra o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A denúncia foi recebida pela ODH. Outubro 1998: A Comissão solicitou informações ao Brasil. Agosto 1999: Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA adverte o governo brasileiro sobre a aplicação da "revelia", ante a inércia em se manifestar. Abril de 2001: Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA acolhe as denúncias, torna público o relatório e recomenda providências por parte do governo brasileiro visando tornar efetivas as Convenções destinada a

58 BITEMCOURT, Henrique Vicente de. Corpo de Mulher: uma história de sedução e violência. Lages: Papervest Editora, 2004. p. 117.

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combater a violência contra a mulher, elaborando o Relatório 54/01. Março 2002: Nova audiência sobre o caso na OEA, oportunidade em que o Brasil apresenta suas considerações e se compromete a cumprir as recomendações da Comissão. Setembro 2002: Segunda reunião na OEA. Quinze dias depois, Marco Antonio Heredia Viveros é preso, no Rio Grande do Norte, onde morava. 59

A violência contra a mulher não é algo atual que se iniciou neste

século, conforme já demonstrado no transcorrer da pesquisa, mas somente

no ano de 2006 foi aprovada no congresso nacional uma lei que trata dos

direitos do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. O

surgimento da lei não foi algo estudado ou sequer projetado como forma

efetiva de combate aos abusos e crimes cometidos contra a pessoa do sexo

feminino pelo congresso nacional, a lei foi criada como uma imposição do

Centro Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), com

o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), juntamente com a

vítima Maria da Penha Maia Fernandes, que formalizaram uma denúncia

contra o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos do OEA.

Sobre o assunto comenta Sergio Ricardo de Souza:

Juntamente com Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), a vítima formalizou uma denúncia contra o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que culminou com o Relatório 54/01, que concluiu ter sido o Brasil omisso em relação ao problema da violência contra a mulher de modo geral e em particular na adoção de providências preventivas e repressivas contra o autor das agressões contra Maria da Penha Fernandes e recomendou a adoção de medidas simplificadoras do sistema jurídico nacional, com vistas a possibilitar a real implementação dos direitos já reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção de Belém do Pará, constando do item "4" das conclusões "que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o art. 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os arts. 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o art. 10 da

59

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 33-34.

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Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida". 60

Neste sentido, Maria Berenice Dias expõe as seguintes estatísticas

referentes à violência contra a mulher:

Os resultados não perversos. Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, 30% das mulheres foram forçadas nas primeiras experiências sexuais; 52% são alvo de assédio sexual; 69% já foram agredidas ou violadas. Isso tudo, sem contar o número de homicídios praticados pelos maridos ou companheiros sob a alegação de legítima defesa da honra. Ainda que tais dados sejam surpreendentes, é preciso atentar que esses números não retratam a realidade, pois a violência é subnotificadas, somente 10 % das agressões sofridas por mulheres são levadas ao conhecimento da polícia. É difícil denunciar alguém que reside sob o mesmo teto, pessoa com quem se tem um vínculo afetivo e filhos em comum e que, não raro, é o responsável pela subsistência da família. 61

Outro dado de grande importância segue transcrito abaixo:

No dia 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Cumprimentos são trocados, homenagens são prestadas, realizam-se inúmeros eventos. No entanto, o significativo avanço feminino em várias áreas e setores - a justificar as comemorações não pode encobrir uma cruel realidade: a violência doméstica, que, surpreendentemente, vem aumentando em proporções alarmantes. Basta lembrar que, segundo estatística da ONU, a cada 4 minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por pessoa com quem mantém uma relação de afeto. A esse dado soma-se outro igualmente assombroso, de que somente 10% das agressões são denunciadas. Chega-se a um número por demais assustador. 62

Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto transcrevem o

seguinte relato feito por Maria da Penha Fernandes Maia:

60

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 32-33. 61 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetivação da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 16 – 17. 62 DIAS, Maria Berenice. Conversando Sobre Justiça e os Crimes Contra as Mulheres. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 69.

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Para mim foi muitíssimo importante denunciar a agressão, porque ficou registrado internacionalmente, através do meu caso, que eram inúmeras as vítimas do machismo e da falta de compromisso do Estado para acabar com a impunidade. Me senti recompensada por todos os momentos nos quais, mesmo morrendo de vergonha, expunha minha indignação e pedia justiça para meu caso não ser esquecido. 63

Na continuação da presente monografia trata-se da violência de

gênero e do conflito familiar.

2.3 VIOLÊNCIA DE GÊNERO X CONFLITO FAMILIAR

A promotora de Justiça em Maceió (AL) Stela Valéria Soares de

Farias Cavalcanti define como sendo violência de gênero:

Violência, em seu significado mais freqüente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma forma de violação dos direitos essenciais do ser humano. 64

Sobre o tema leciona Bárbara Musumeci Soares:

Segundo o modelo feminista, a violência que afeta a mulher é, necessariamente, como vimos, uma violência de gênero, isso é, uma violência masculina que se exerce contra as mulheres pela necessidade dos homens de controlá-Ias e de exercer sobre elas seu poder. Trata-se de um padrão de comportamento aprendido e, de várias formas, endossado

63 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006 comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 16. 64 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7753>. Acesso em: 07 jun. 2008.

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pela sociedade. Não é de forma alguma, uma patologia individual, mas uma licença social. 65

Assim a sociedade civil disputa a melhor forma de interpretar o

conceito de violência, existindo nesta disputa basicamente duas frentes, a

perspectiva feminina que define o problema como sendo “violência contra a

mulher”, e a outra perspectiva que abrange o conjunto de ações violentas,

ocorrida no mundo privado, como sendo “violência doméstica” ou “violência

familiar”. 66

Com relação ao conceito de gênero, Ilka Saito Millan escreve os

seguintes dizeres:

A vitimização feminina é fruto de uma perspectiva feminista na qual a mulher, em uma relação de violência, é restrita à mera figura passiva, vitimada. Nesse modelo, o agressor, homem, é visto como figura implacável, que precisa demonstrar sua posição de dominação e mando, em uma relação hierárquica rígida, na qual apenas ele exerce o poder. Portanto, nesses termos, ela não é sujeito da relação, apenas se submetendo ao que lhe é imposto. Essa visão foi muito importante, com o advento do movimento feminista, para chamar a atenção da sociedade e das autoridades para um problema que ficava submerso: a violência doméstica. No entanto, essa concepção que reduz a mulher à mera vítima, traz um entendimento restritivo e, até certo ponto, prejudicial do fenômeno, pois esse modelo acaba por construir visão extrema e dicotômica da problemática. Enxergar homens como agressores, cruéis, implacáveis, figuras demonificadas e as mulheres como vítimas, sofredoras e pacientes é dar tratamento simplificado demais a uma situação muito complexa. 67

E mais a frente complementa:

Nesses termos, a vítima é vista como incapaz de modificar a situação em que vive, por estar aprisionada nela (SOARES, 1999). Portanto, a visão de vítima no modelo feminista não considera a mulher capaz de libertar-se da relação violenta em que vive ou de transformá-la em uma relação de igualdade. Segundo Izumino e Santos (2005: 8-9): “o

65 SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p. 125. 66 Idem. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p. 120 – 121. 67 MILLAN, Ilka Saito. Lei Maria da Penha e violência contra a mulher: evolução ou retrocesso? Caderno de Iniciação Científica, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 4. n.° 4. p. 75. ano 2007.

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discurso vitimista não só limita a análise da dinâmica desse tipo de violência como também não oferece uma alternativa para a mulher”. 68

Wânia Pasinato Izumino explica que a violência contra a mulher

sofreu algumas mudanças, pois esta não precisa ser necessariamente

passiva a submissão; para ser vítima de violência, a mulher pode pertencer à

classe média, ser bem sucedida e ter elevado nível de escolaridade. E ainda,

a mulher nos dias de hoje não é apenas vítima de violência e pode, em

alguns casos, ser identificada como agente ativo nas relações violentas. 69

Leda Hermann expõe sobre as relações de gênero:

Apesar de reconhecidas as relações de gênero como relação de poder, quando se fala em vítima, em tema de violência doméstica criminalizada, ou seja, visibilizada, ainda se está falando essencialmente da mulher adulta, vitimada pelo homem. O universo empírico pesquisado para os fins desse trabalho revelou que em 81,2% dos casos a vítima era mulher, sendo que os homens figuravam como vítima em apenas 9% dos casos. Em contrapartida, 94,6% dos agressores eram homens, contra 5,4% de mulheres agressoras. 70

Bárbara Musumeci Soares explicita que os pesquisadores da

violência familiar concordam que a violência contra as mulheres é mais

intensa e danosa do que aquela que atinge os homens. Alguns

pesquisadores são adeptos do feminismo, por abalizar normas culturais que

legitimam a violência de gênero e a desigualdade econômica, entre homens

e mulheres, como um fator responsável pela violência contra as mulheres. 71

E ainda complementa a autora supracitada:

68 MILLAN, Ilka Saito. Lei Maria da Penha e violência contra a mulher: evolução ou retrocesso? Caderno de Iniciação Científica, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 4. n.° 4. p. 75. ano 2007. 69 IZUMINO, Wânia Pasinato. Justiça e Violência Contra a Mulher: o papel do sistema judiciário na solução dos conflitos de gênero. São Paulo: Annablume Editora, 1996. p. 79. 70 HERMANN, Leda. Violência Doméstica: A dor que a Lei Esqueceu (comentários à Lei nº 9099/95). São Paulo: CEL-LEX Editora e Distribuidora, 2000. p. 221. 71 SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p. 121.

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As defensoras da vitimização feminina se opõem à mediação de conflitos em caso de violência doméstica. Como o princípio básico que advogam é o de que a mulher vítima de abuso está inteiramente submetida ao poder do agressor, recusam-se a conceder a violência contra a mulher como se tratasse de um conflito entre outros e, dessa forma, mediável. Trata-se, segundo elas, de uma violência de gênero que deve ser punida, exemplarmente, com a prisão do agressor, para que fique claro que bater, ameaçar, estuprar e degradar a esposa são atos criminosos. 72

Rogério Sanchis Cunha e Ronaldo Batista Pinto lecionam os

seguintes dizeres sobre a prisão preventiva do agressor, que pratica a

violência doméstica contra a mulher:

O art. 42, da Lei 11.340/2006, alargou as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, acrescentando um inciso (IV) ao art. 313, do CPP, possibilitando ao juiz, de ofício ou provocado, decretar a prisão provisória em face do agressor, “para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. 73

E mais a frente os mesmos autores anteriormente mencionados

comentam em relação ao caráter transitório da prisão preventiva, seguindo

as linhas do artigo 316 do Código de Processo Penal:

[...] o caráter transitório e precário da prisão preventiva, que pode ser revogada a qualquer tempo, bem como novamente decretada, antes o ressurgimento de situações que justifiquem. Possui, assim, a natureza de cláusula rebus sic stantibus, isto é, o mesmo estado das coisas, a prevalecer enquanto subsistirem os pressupostos requisitos que justifiquem a medida de exceção. 74

Para finalizar, Wânia Pasinato Izumino define a relação de gênero

nas seguintes palavras:

72 Idem. Mulheres invisíveis: violência conjugal e as novas políticas de segurança. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p. 122. 73 CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006 comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 80. 74 Idem. Violência Doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006 comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 83.

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Uma vez que as relações de gênero são definidas como relações sociais, um segundo elemento definidor que deve ser considerado é o fato de que as relações de gênero são também relações de poder. 75

Abordar-se-á a seguir o conceito de violência doméstica em vários

âmbitos distintos, como medidas de prevenção, medidas protetivas de

urgência, unidade doméstica, família e de qualquer relação íntima de afeto.

2.4 CONCEITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM VÁRIOS ÂMBITOS

DISTINTOS

A Lei nº 11.340/2006, em seu artigo 5º, conceitua a violência

doméstica toda e qualquer agressão física ou moral, que se dirija a mulher e

tenha o intuito de causar lesão ou morte.76

Henrique Vicente de Bitencourt anota em sua obra um conceito de

violência de um dicionário de Mitologia Grega e Romana:

A palavra grega Bia quer dizer violência. Na mitologia grega, Bia é a personificação da violência; tem o nome de Força. Bia é irmã de Zelo, o ciúme, a concorrência, a rivalidade e de Nike, a vitória. 77

E mais adiante Gabriel J. Chittó Gauer define a violência como

sendo:

[...] constrangimento físico ou moral, uso da força, coação, torcer o sentido do que foi dito, estabelecer o contrário do direito à justiça - que se baseia faticamente no dado, dar-se à ética -, negar a livre manifestação que o outro expressa de si mesmo a partir de suas convicções. Corresponde também

75 IZUMINO, Wânia Pasinato. Justiça e Violência Contra a Mulher: o papel do sistema judiciário na solução dos conflitos de gênero. São Paulo: Annablume Editora, 1996. p. 85. 76 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.23. 77 BITEMCOURT, Henrique Vicente de. Corpo de Mulher: uma história de sedução e violência. Lages: Papervest Editora, 2004. p. 70.

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a um sentido de inadequado, de fora da proporção, em sua expressão e conteúda. 78

Já Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto conceituam

violência doméstica como uma agressão contra a mulher, em um ambiente

de intimidade ou doméstico, com o intuito de retirar os direitos dessa pessoa,

utilizando-se da hipossuficiência desta.79

O artigo 7º da Lei nº 11.340/2006 lista as condutas específicas, que

se considera como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

78 Idem. Corpo de Mulher: uma história de sedução e violência. Lages: Papervest Editora, 2004. p. 71. 79

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.29.

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V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 80

Corroborando para o assunto, tem-se Sérgio Ricardo de Souza que

menciona as modalidades inseridas no artigo 7° da Lei nº 11.340/2006 como

aquelas que nas pesquisas sobre violência de gênero, surgem como as que

mais comumente são praticadas contra as mulheres no âmbito familiar e

doméstico, e também nas relações de afeto em geral. 81

Outro ponto importante é que o legislador no corpo da lei conceituou

cada uma das espécies de violência, muito embora formalmente seja

questionável, pois conceituação é papel da doutrina e não da legislação,

podendo ser tal conduta considerada um acréscimo benéfico, evitando assim

discussões sobre o tema e facilitando a aplicação dos demais dispositivos da

lei. 82

No mesmo rumo sobre as formas de violência, escreve Maria Berenice

Dias:

Preocupou-se o legislador não só em definir a violência doméstica e familiar. Também especificou suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal, vigoram os princípios da taxatividade e da legalidade, sede em que não se admitem conceitos vagos. Ainda assim, o rol trazido pela Lei não é exaustivo, pois o art. 7.° utiliza a expressão "entre outras". Portanto, não se trata de numerus clausus, podendo haver o reconhecimento de ações outras que configurem violência doméstica e familiar contra a mulher. As ações fora do elenco legal podem gerar a adoção de medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade. 83

Ademais, existem várias definições sobre as violências físicas,

psicológicas e patrimoniais. Podendo ser objeto de apreciação nos termos da

80

BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Em seu artigo 7°. 81

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 52. 82 Idem. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 52.

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Lei Maria da Penha, segundo Bárbara Musumeci Soares, Maria Amélia

Azevedo e Rodrigo Stumpf González, citados por Henrique Vicente

Bitencourt, a definição que diz respeito à violência física, que pode ser

praticada pelas condutas de bater, empurrar, chutar, socar, queimar, sufocar,

impedir de sair de casa, de trabalhar fora, uso de instrumentos contundentes,

como armas, facas entre outras. Já a violência psicológica pode ser definida

como aquela praticada mediante ameaças, xingamentos, ofensas com

palavras de baixo calão. E por fim a violência patrimonial ou contra a

propriedade, define-se como aquela exercida através de seqüestros ou

destruição de objetos pessoais da parceira, negar a aquisição de bens, como

alimentos e remédio, no caso em que a mesma se encontre em dependência

econômica total do agressor. 84

Vale lembra que a Lei nº 11.340/2206 preocupou-se em estabelecer

no seu corpo um artigo, especificamente o 8º, que estipula medidas

integradas de prevenção como forma de erradicar a violência contra a

mulher. Sobre o assunto esclarece Sérgio Ricardo Souza:

O legislador da Lei 11.340/06 foi sensível a essa orientação e também estabeleceu a obrigatoriedade de o País priorizar a política pública voltada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dispondo que essa política deve consistir em um "conjunto articulado" de ações, ou seja, uma integração das ações do poder público envolvendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como de ações a serem desenvolvidas no âmbito da sociedade, ou seja, em âmbito não-governamental. 85

Outro ponto a se destacar é uma inovação na lei, as chamadas

medidas protetivas de urgência contra o agressor, essencialmente de caráter

cautelar, que dependem do pedido exclusivo por parte da mulher vítima de

violência doméstica como forma de garantir a integridade psicológica, física,

moral e material. Tais medidas estão descritas nos artigos 22,23 e 24 da Lei

83

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetivação da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 46. 84

BITEMCOURT, Henrique Vicente de. Corpo de Mulher: uma história de sedução e violência. Lages: Papervest Editora, 2004. p. 104-105.

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nº 11.340/2006 e têm como objeto o afastamento do agressor do lar,

domicílio ou local de convivência com a ofendida; suspensão da posse ou

restrição ao porte de armas; fixação de alimentos provisórios, separação de

corpos; e algumas medidas de natureza patrimonial como a restituição de

bens subtraídos ou proibição temporária de celebrar negócios jurídicos.86

Para garantir a efetividade das medidas protetivas supracitadas, o

Juiz poderá requisitar a qualquer87 momento, o auxílio à prisão preventiva do

agressor, conforma prevê o artigo 20 da Lei nº 11.340/2006.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. 88

O artigo 42 da Lei nº 11.340/2006 introduz o inciso IV do artigo 313

do Código de Processo Penal, que versa sobre a hipótese de prisão

preventiva no crime envolvendo violência doméstica89. Sem essa modificação

na legislação, os crimes de violência doméstica praticados contra a mulher,

não teriam instrumento punitivo da prisão preventiva, pois não estariam

preenchidos os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo

Penal, que seguem transcritos abaixo:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

85

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 55. 86

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 114 – 130. 87 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Art. 22, § 3º. Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. 88 Idem. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Art. 20. 89 Idem. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescidos do seguinte inciso IV.

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Art. 313. Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos:

I – punidos com reclusão; II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal; IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. 90

Luiz Flávio Gomes explica que a prisão preventiva deve ser

fundamentada:

Não há dúvida de que o juiz deve fundamentar essa medida cautelar pessoal. Aliás, tríplice é a fundamentação: fática (finalidade de assegurar a execução das medidas protetivas de urgência) e constitucional (demonstração da necessidade concreta da prisão, visto que se trata de uma medida de última ratio). A decretação ou revogação da prisão preventiva, de outro lado, sempre é regida pela regra rebus sic stantibus, isto é, o juiz poderá revogá-la se no curso do processo verificar a falta de motivo que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razão que a justifiquem (art. 20, parágrafo único). 91

Como a Lei Maria da Penha, protege somente a mulher que é vítima

de violência no âmbito familiar e doméstico, aqui se faz necessário

conceituar quais os significados da palavra família, e das expressões

unidade doméstica e relação intima de afeto.

Maria Berenice Dias conceitua família para efeitos da Lei Maria da

Penha do seguinte modo:

Para efeito de assegurar sua aplicação, a Lei Maria da Penha tenta definir (art. 5°, II): “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Pela primeira vez o legislador, de forma corajosa, define o que é família trazendo um conceito que corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos. Fala em indivíduos, e não em um homem e uma mulher. Também não se limita a

90 BRASIL. Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, em seus artigos 312 e 313. 91 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher: inaplicabilidade da lei dos juizados criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1192, 6 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9009>. Acesso em: 23 ago. 2008.

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reconhecer como família a união constituída pelo casamento. 92

Com relação ao conceito de unidade doméstica, escrevem Rogério

Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto:

Agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança (insere-se, na hipótese, a agressão do patrão em face da empregada). Com efeito, segundo Fabrício da Mata Alves, assessor parlamentar do Senado, com a experiência, portanto, de quem acompanhou a discussão legislativa travada no Parlamento, "essa definição abrange, inclusive, os empregados domésticos, ou seja, os 'esporadicamente agregados' - assunto, aliás, muito debatido no Congresso Nacional”. O termo 'esporadicamente' aqui dá uma noção de relacionamento provisório, típica da relação de emprego doméstico. 93

Sérgio Ricardo de Souza explica que quando o caso de violência

contra a mulher não se enquadrar diretamente na unidade família ou na

unidade doméstica, decorrendo de uma relação caracterizada pela

convivência qualificada pela efetividade e intimidade presente ou passada,

essa relação íntima de afeto também possui suporte junto aos dispositivos da

Lei Maria da Penha.94

No terceiro capítulo apresenta-se o tratamento desigual no combate

a violência doméstica, bem como as justificativas para o tratamento

específico.

92 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetivação da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 43. 93

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.30.

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3 O TRATAMENTO DESIGUAL NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Com a vigência da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da

Penha, a violência doméstica ficou submetida às regras da Lei, trazendo uma

nova concepção as punibilidades dos agentes ativos em diversas

modalidades, restando questionado agora se a aplicabilidade da Lei fere o

princípio constitucional da igualdade.

Cabe ressaltar que a Lei citada compõe-se de dois sujeitos, um ativo

e logo outro passivo. O primeiro pode ser o homem e a mulher, pois estando

caracterizado o vínculo de afetividade não importa quem seja o agressor. 95

Já o sujeito passivo somente poderá ser a mulher.

Nesse diapasão, convém mencionar que a violência doméstica dá-se

no ambiente familiar, por algum membro da família. 96

Corroborando neste sentido, a Lei nº 11.340/2006, em seu art. 5º,

conceitua a violência doméstica como toda e qualquer agressão física ou

moral, que se dirija a mulher e tenha o intuito de causar lesão ou morte. 97

Pelo fato do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 11.340/2006 versar

que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual 98,

há quem afirme que tanto o homem quanto a mulher podem figurar como

sujeito ativo de uma relação de violência doméstica. Enquanto em relação ao

sujeito passivo, a Lei sob comento elegeu apenas a mulher que tenha sido

vítima de agressão decorrente de violência doméstica e familiar. 99

Sérgio Ricardo de Souza elucida em sua obra, a controvérsia

existente na figura do sujeito ativo da Lei nº 11.340/2006:

94

SOUZA, Sérgio Ricardo. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher. Curitiba: Juruá, 2007. p. 49. 95 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 41. 96 HERMANN, Leda Maria. Violência doméstica e os juizados especiais criminais. 2.ª ed. Campinas, SP: Servanda Editora, 2004. p. 120-121. 97 CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.340/2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.23. 98 BRASIL. Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006. art. 5, §º único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

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O tema tem dado ensejo a uma aberta divergência quanto à pessoa que pode figurar como autor dos crimes remetidos por esta Lei, havendo uma corrente que defende que, por se tratar de crime de gênero e cujos fins principais estão voltados para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, com vistas a valorizá-la enquanto ser humano igual ao homem e evitar que este se valha desses métodos repugnáveis como forma de menosprezo e de dominação de um gênero sobre o outro, no pólo ativo pode figurar apenas o homem e, quando muito, a mulher que, na forma do parágrafo único deste artigo, mantenha uma relação homoafetiva com a vítima, ao passo que uma segunda corrente defende que a ênfase principal da presente Lei não é a questão de gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, sem importar o gênero do agressor, que tanto pode ser homem, como mulher, desde que esteja caracterizado o vínculo de relação doméstica, de relação familiar ou de afetividade. 100

A autora Maria Berenice Dias assevera que a Lei nº 11.340/2006 não

e inconstitucional, e nem fere o princípio da igualdade, no que segue:

[...] a Lei Maria da Penha não fere o princípio da igualdade estampado no caput do art. 5° da Constituição Federal, pois visa a proteção das mulheres que sofrem com a violência dentro de seus lares, delitos que costumam cair na impunidade. Por este mesmo fundamento a Lei não fratura o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo constitucional, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um critério de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade substancial e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição (art. 5.°,1). Portanto, a Lei Maria da Penha é constitucional porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos da Carta Magna101

Convém lembrar que a presente monografia trata de um tema

extremamente polêmico, neste sentido, observa-se na citação abaixo várias

opiniões dos cidadãos com relação ao tema da constitucionalidade da Lei nº

99 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a Mulher. Curitiba: Editora Juruá, 2007. p. 46. 100 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência contra a Mulher. Curitiba: Editora Juruá, 2007. p. 47.

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11.340/2006, sendo uma delas contrárias, quando dita que a Lei é

inconstitucional, pois trata homem e mulher de maneira desigual com relação

à prática do mesmo crime:

Creio que esta lei seja lastimável. Eu sou mulher, Policial Civil, trabalho em uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher no Rio de Janeiro e lido a cada plantão com esta realidade. Minha própria mãe sofreu violência doméstica. Conheço muito bem este assunto. Esta lei é discriminatória por si só e também inconstitucional. Onde estão o contraditório e a ampla defesa consagrados na Constituição. O autor da agressão pode ter sido qualquer outro(a), que não o apontado pela suposta vítima. A diferenciação entre homens e mulheres fere a Constituição. O tratamento diferenciado para homens e mulheres, com relação ao MESMO CRIME fere a Constituição e demais leis infraconstitucionais. Esta lei é um absurdo. Saibam todos, que o que as mulheres precisam é de coragem não para denunciar seus parceiros e sim de ir à luta, de arregaçar as mangas e ir ao mercado de trabalho, para conseguirem dignidade e respeito, próprios e por parte de toda a sociedade, através de seu trabalho. Muitas (e são a maioria) preferem apanhar e continuar vivendo com seus parceiros violentos do que trabalhar. Isso sim é vergonhoso e eu sinto vergonha de ser mulher ao atender estas mulheres, que, como já dito acima, são a maioria. Não, as mulheres não são vítimas e "coitadinhas-de-mim", não! O que elas, assim como toda a sociedade precisa é de educação, mas, principalmente, de vergonha e uma pitada de orgulho. Depois de alguns anos apanhando, elas resolvem ou entendem que não querem mais aquela situação e então, eis que vão à Delegacia e fazem o pedido de praxe: "Por favor, eu não quero me separar dele; eu quero apenas que vocês Policiais dêem um SUSTO nele”. 102

Encontram-se mais divergências na citação que segue transcrita:

[...] não é preciso muito esforço para perceber que a legislação infraconstitucional acabou por tratar de maneira diferenciada a condição de homem e mulher e o status entre

101 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 56. 102 DIAS, Maria Berenice. Bem vinda, Maria da Penha. Páginas de Direito. Disponível em: <http://www.tex.pro.br>. Acesso em: 17, mar. 2008.

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filhos que o poder constituinte originário tratou de maneira igual criando, aí sim, a desigualdade na entidade familiar. 103

Damásio de Jesus e Victor Eduardo Rios Gonçalves questionam qual

a razão que levou os legisladores da Lei n. 11.340/2006 tratarem em seus

dispositivos tão-somente dos integrantes da família do sexo feminino, uma

vez que a Carta Magna determina que o Estado deve coibir a violência

doméstica no âmbito das relações familiares “na pessoa de cada um dos que

a integram”. Questionando também a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei

nº 11.340/2006, os autores supracitados lecionam que se o pai praticar

violência contra a sua filha, não terá o direito à transação penal e nem a

extinção da punibilidade pela suspensão condicional do processo, mesmo

sabendo que a pena mínima para a lesão corporal praticada contra ente

familiar é de 03 (três) meses de detenção. Contrário ao exemplo exposto, o

pai poderia utilizar dos benefícios da Lei nº 9.099/95, somente se a vítima da

lesão corporal fosse o seu filho. Diante da análise Damásio de Jesus e Victor

Eduardo Rios Gonçalves concluem que a diferenciação estabelecida pela Lei

nº 11.340/2006 em seu art. 41, fere a Constituição Federal.104

Destacam-se as palavras de Maria Berenice Dias, que:

Não só a Lei, mas alguns de seus dispositivos igualmente são rotulados de inconstitucionais. É o que se diz do art. 41, que veda a aplicação da Lei 9.099/1995 à violência doméstica e familiar contra a mulher. A alegação é que, no mesmo contexto fático, a agressão levada a efeito contra uma pessoa de um sexo ou de outro pode gerar conseqüências diversas. A hipótese ganha significado a partir do exemplo: na mesma oportunidade, o genitor ocasiona, no âmbito doméstico, lesões leves em um filho e uma filha. Além de haver dois juízos competentes, as ações seguiriam procedimentos distintos. A agressão contra o menino, encontra-se sob a égide do Juizado Especial, fazendo jus o agressor a todos os benefícios por o delito ser considerado de pequeno potencial ofensivo. Já a agressão

103 SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio; Fonsega, tiago Abud da Fonseca. A aplicação da Lei 9.099/95 nos casos de violência doméstica contra a mulher. Boletim do IBCCrim, n. 168, 2006. p.4. 104 JESUS, Damásio de; Gonçalves, Victor Eduardo Rios. A Inconstitucionalidade do art. 41 da Lei n.° 11.340/2006 (Lei de violência doméstica ou familiar contra a mulher). Disponível em: <http://www.policiacivil.goias.gov.br/gerencia/artigos/busca_id.php?publicacao=27148> Acesso em: 27 de mar. de 2008.

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contra a filha constituiria delito doméstico no âmbito da Lei Maria da Penha. Assim, parece que a agressão contra alguém do sexo masculino é menos grave do que a cometida contra uma pessoa do sexo feminino. Porém, estando uma das vítimas ao abrigo da lei especial, tal faz deslocar a competência para o âmbito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Por isso há quem sustente que, quando duas são as vítimas, uma de cada sexo, deve ser aplicada a Lei 9.099/1995, tanto na sua parte processual como material. Porém, em se tratando de violência doméstica e familiar contra a mulher, não se aplicam os institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995. Daí a sugestão para que se troque a expressão "violência doméstica ou familiar contra a mulher" por "violência doméstica ou familiar contra a pessoa", respeitando assim o princípio da igualdade. 105

Aline Bianchini em entrevista a revista jurídica Consulex sob o tema

A proteção da Mulher na Ordem Jurídica: entre a necessidade e a

inconstitucionalidade, menciona que já possui duas decisões que analisaram

a constitucionalidade da Lei Maria da Penha. O Tribunal de Justiça do Estado

de Mato Grosso do Sul entende que a lei em estudo é inconstitucional por

ofender o princípio da igualdade entre os sexos. Já o Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais estendeu os benefícios da Lei nº 11.340/2006 para

os homens agredidos por suas mulheres perante o vínculo familiar. 106

Como exemplo da aplicação da Lei Maria da Penha onde figura

como sujeito passivo o homem, tem-se a decisão do Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais, in verbis:

LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340106) - INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA PELO JUÍZO DE 1° GRAU COMO ÓBICE À ANÁLISE DE MEDIDAS ASSECURATÓRIAS REQUERIDAS - DISCRIMINAÇÃO INCONSTITUCIONAL QUE SE RESOLVE A FAVOR DA MANUTENÇÃO DA NORMA AFASTANDO-SE A DISCRIMINAÇÃO - AFASTAMENTO DO ÓBICE PARA A ANÁLISE DO PEDIDO. A inconstitucionalidade por discriminação propiciada pela lei federal 11. 340/06 (Lei

105 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 57. 106 BIANCHINI, Alice. A Proteção da Mulher na Ordem Jurídica: entre a necessidade e a inconstitucionalidade. Revista Jurídica Consulex. Ano XII, N.º 269, p. 6 - 8. 31 de março/2008.

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Maria da Penha) suscita a outorga de benefício legítimo de medidas assecuratórias apenas às mulheres em situação de violência doméstica, quando o art. 5°, II, c/c art. 226, §8°, da constituição federal, não possibilitaria discriminação aos homens em igual situação, de modo a incidir em inconstitucionalidade relativa, em face do princípio da isonomia. Tal inconstitucionalidade, no entanto, não autoriza a conclusão de afastamento da lei do ordenamento jurídico, mas tão-somente a extensão dos seus efeitos aos discriminados que a solicitarem perante o poder judiciário, caso por caso, não sendo, portanto, possível a simples eliminação da norma produzida como elemento para afastar a análise do pedido de quaisquer das medidas nela previstas, porque o art. 5°, II, c/c art. 21, I e art. 226, §8, todos da Constituição Federal, compatibilizam-se e harmonizam-se, propiciando a aplicação indistinta da lei em comento tanto para mulheres como para homens em situação de risco ou de violência decorrentes da relação familiar. Inviável, por isto mesmo, a solução jurisdicional que afastou a análise de pedido de imposição de medidas assecuratórias em face da só inconstitucionalidade da legislação em comento, mormente porque o art. 33 da referida norma de contenção acomete a análise ao juízo criminal com prioridade, sendo-lhe lícito determinar as provas que entender pertinentes e necessárias para a completa solução dos pedidos. Recurso provido para afastar o óbice. (AC 1.0672.07.244893-5/001, Relator Desembargador Judimar Biber, julgado em 07/08/2007, publicado em 14/08/2007). 107

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul já decidiu

que a Lei Maria da Penha é inconstitucional por ofender o princípio

constitucional da igualdade, no que segue:

O recurso n.º 2007.023422-4, apresentado pelo Ministério Público Estadual contra decisão do juiz de Itaporã (MS), o qual reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n.º 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, foi julgado esta manhã pela 2ª Turma Criminal do TJMS, que manteve a decisão de primeira instância. O magistrado de primeiro grau alegou que a referida lei criou discriminação, pois coíbe a violência contra a mulher e não a que porventura exista contra homens. Em sede recursal, na última sessão de julgamentos da 2ª Turma Criminal, ocorrida no dia 19/9, o relator do processo, desembargador Romero

107

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Da constitucionalidade e da conveniência da Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1711, 8 mar. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11030>. Acesso em: 25 ago. 2008.

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Osme Dias Lopes, já havia manifestado seu voto, mantendo a decisão do juiz singular e sustentando que a Lei Maria da Penha desrespeita os objetivos da República Federativa do Brasil, pois fere os princípios da proporcionalidade e da igualdade. Na seqüência, o desembargador Carlos Eduardo Contar pediu vista dos autos para melhor embasar seu voto e, assim, a sessão foi adiada. Na pauta de julgamentos desta quarta-feira (26/9), Des. Contar apresentou seu voto, acompanhando o relator; mantendo a decisão de primeiro grau; negando, portanto, provimento ao recurso do Ministério Público; e, também, reconhecendo, neste caso específico, a inconstitucionalidade da Lei nº 11.340/06, „Lei Maria da Penha”. O Des. Contar, em seu voto, reafirma os direitos fundamentais garantidos, igualmente, aos homens e às mulheres, e que qualquer medida protetiva de cunho infraconstitucional configura-se em afronta à isonomia entre os gêneros prevista na Constituição. „(...) Quando a Carta Magna, dentre o rol de direitos fundamentais, consagrou igualdade entre homem e mulher, estabeleceu uma isonomia plena entre os gêneros masculino e feminino, de modo que a legislação infraconstitucional não pode ˆ sob qualquer pretexto ˆ promover discriminação entre os sexos, em se tratando de direitos fundamentais, eis que estes já lhes são igualmente assegurados‰, afirma o desembargador. Assim, ao concluir seu voto, Des. Contar sustenta que a Lei Maria da Penha viola o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres, razão pela qual reconhece, para este caso concreto, a inconstitucionalidade da referida norma jurídica. O desembargador Claudionor Miguel Abss Duarte também votou como o relator, de modo que a decisão da 2ª Turma Criminal do TJMS é unânime. (Fonte: Secretaria de Comunicação Social do TJ/MS). 108

Aline Bianchini sustenta que a Lei Maria da Penha não é

inconstitucional, pois no aspecto meramente penal o qual inclui tipos penais e

sanções, a lei não traz qualquer discriminação, a pena imposta para um

marido que agride a mulher, será a mesma que a pena imposta para a

mulher que agredir o marido. O art. 129, § 9º, do Código Penal, prevê pena

de 03 (três) meses a 03 (três) anos para todos os casos de agressões

ocorridas no âmbito familiar. No entanto, com relação às medidas protetivas

do art. 23 e 24 da Lei nº 11.340/2006, inúmeras delas só se aplicam às

mulheres agredidas, mas com isso não se tem que falar em

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inconstitucionalidade. Estes artigos são utilizados para tentar conter um

problema significativo na sociedade, uma emergência social onde a mulher

ofendida, encontra-se em situação de vulnerabilidade em relação ao

agressor. Vale lembrar que a agressão refere-se a uma questão de exercício

de poder do homem em relação à mulher, que se encontra dominada e

submissa no momento da pós-agressão. 109

Francisco Rezek, citado por Maria Berenice Dias, afirma:

[...] é sensato crer que ao promulgar o § 3º do art. 5º da CF, através da Emenda Constitucional 45, sem nenhuma ressalva aos tratados sobre direitos humanos outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional. Daí porque a Lei Maria da Penha, que vem regulamentar direitos assegurados a nível internacional, ratificados pelo Brasil por meio de tratados sobre direitos humanos, tem natureza constitucional. 110

Dispõe o § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988, o seguinte texto legal:

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 111

Ainda sobre a questão, Maria Berenice Dias explica o princípio da

igualdade substancial:

108 Lei "Maria da Penha" é inconstitucional para juizes do MS, Disponível em: <http://www.institutobrasilverdade.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2149&Itemid=2>. Acesso em: 25 ago. 2008. 109 BIANCHINI, Alice. A Proteção da Mulher na Ordem Jurídica: entre a necessidade e a inconstitucionalidade. Revista Jurídica Consulex. Ano XII, N.º 269, p. 6 - 8. 31 de março/2008. 110 DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetivação da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 31. 111 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Em seu § 3º, art. 5º.

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Leis voltadas a parcelas da população merecedoras de especial proteção procuram igualar quem é desigual, o que nem de longe infringe o princípio isonômico. A Lei Maria da Penha criou um microssistema que se identifica pelo gênero da vítima. Aliás, é exatamente para pôr em prática o princípio constitucional da igualdade substancial, que se impõe sejam tratados desigualmente os desiguais. Para as diferenciações normativas serem consideradas não discriminatórias, é indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável. E justificativas não faltam para que as mulheres recebam atenção diferenciada. O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão tornando-a vítima da violência masculina. Ainda que os homens também possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. Por isso se fazem necessárias equalizações por meio de discriminações positivas, medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, conseqüências de um passado discriminatório. Daí o significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física, psíquica, sexual, moral e patrimonial. Nesse viés, a Lei Maria da Penha não fere o princípio da igualdade estampado no caput do art. 5° da Constituição Federal, pois visa a proteção das mulheres que sofrem com a violência dentro de seus lares, delitos que costumam cair na impunidade. Por este mesmo fundamento a Lei não fratura o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo constitucional, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por um critério de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade substancial e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição (art. 5°, I). Portanto, a Lei Maria da Penha é constitucional porque serve à igualdade de fato e como fator de cumprimento dos termos da Carta Magna. 112

Na continuação trata-se das justificativas para o tratamento

específico da figura da mulher.

3.1 JUSTIFICATIVAS PARA TRATAMENTO ESPECÍFICO

112

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetivação da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 55/56.

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Andresa Wanderley de Gusmão Barbosa e Stela Valéria Soares de

Farias Cavalcanti, promotora de Justiça em Maceió (AL), expõem alguns

tópicos que justificam o porquê do tratamento específico com relação à

mulher vítima de violência doméstica:

a) O Estado deve buscar uma isonomia material, tratando os desiguais na medida de suas desigualdades, de forma não abusiva; b) As mulheres formam um grupo especial (assim como as crianças e os idosos), porque, ao longo dos séculos, foram vítimas da dominação do homem sobre as mesmas; c) Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil apontam a necessidade de uma maior proteção às mulheres, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), que impõe aos Estados-partes as obrigações de eliminar a discriminação e assegurar a igualdade; bem como em atenção à Convenção de Viena, em que a violência baseada no gênero foi reconhecida como violação aos direitos humanos. Imprescindível, portanto, a atuação do Estado na implementação de políticas públicas, seja na criação da lei, como em sua aplicação, na busca de uma maior proteção às vítimas de violência doméstica. Ainda quanto às justificativas, devem-se ressaltar os impressionantes índices de violência doméstica e familiar no Brasil. Sabe-se que, por ser um tipo de violência que ocorre no âmbito das relações intrafamiliares, não existem dados absolutos sobre a temática porque muitos casos não chegam ao conhecimento da sociedade e do Estado. Isso se deve ao fato de que as mulheres suportam longos anos de agressões e humilhações na expectativa de que tudo possa melhorar, ou até mesmo por medo, vergonha ou dependência do agressor. 113

Além dos tópicos supracitados que justificam o tratamento específico

às mulheres que sofrem violência doméstica, observa-se agora como são

assustadores os índices de violência doméstica no Brasil. Maria Berenice

Dias 114, citada por Andresa Wanderley de Gusmão Barbosa e Stela Valéria

113

BARBOSA, Andresa Wanderley de Gusmão; CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1497, 7 ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10249>. Acesso em: 02 set. 2008. 114

Idem. A constitucionalidade da Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1497, 7

ago. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10249>. Acesso em: 02 set.

2008.

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Soares de Farias Cavalcanti, aponta os seguintes dados com relação à

violência doméstica:

- 25% das mulheres são vítimas de violência doméstica;

- 33% da população feminina admite já ter sofrido algum tipo de violência doméstica;

- Em 70% das ocorrências de violência doméstica contra a mulher, o agressor é marido ou companheiro

- Os maridos são responsáveis por mais de 50% dos assassinatos de mulheres e, em 80% dos casos, o

assassino alega defesa da honra

- 1,9% do PIB brasileiro é consumido no tratamento de vítimas da violência doméstica;

- 80% das mulheres que residem nas capitais e 63% das que residem no interior reagem às agressões que

sofrem;

- 11% das mulheres foram vítimas de violência durante a gravidez e 38% delas receberam socos e pontapés

na barriga;

- São registradas por ano 300 mil denúncias de violência doméstica

Os dados comprovam que as chances de uma mulher ser agredida

fisicamente pelo homem são bem maiores do que a ocorrência da situação

inversa. Como a mulher encontra-se em uma situação física desfavorável ao

homem, justifica-se a necessidade do tratamento desigual ao combate à

violência doméstica entre os sexos. Esse é um dos argumentos utilizados

pelos autores em face da luta pela constitucionalidade da Lei Maria da

Penha.

Em pesquisa nacional realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em

maio do ano de 2006, antes da vigência da Lei Maria da Penha (Lei nº

11.340, de 07/08/06), que teve como pergunta base se a pessoa conhece

alguma mulher que sofre ou já sofreu agressões de seu companheiro, traz

um quadro comparativo dos anos de 2004 e 2006, no qual pode ser

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observado um crescimento nas taxas referentes à violência contra a mulher

no âmbito doméstico. A pesquisa revela que a percepção sobre a

preocupação com a violência contra a mulher atinge igualmente a maioria

dos segmentos 115.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER DENTRO DE CASA

SET. 2004 MAI. 2006

Amostras nos segmentos

% %

TOTAL 50 55

Sexo

MULHERES 51 55

HOMENS 49 55

Idade

16 A 24 ANOS 51 60

25 A 29 55 57

30 A 39 46 55

40 E MAIS 49 52

Escolaridade

ATÉ 4ª SÉRIE 49 54

5ª A 8ª SÉRIE 53 52

ENSINO MÉDIO 50 58

ENSINO SUPERIOR 47 55

Regiões

NORTE / CENTRO-OESTE 62 62

NORDESTE 53 55

115JORDÃO, Fátima Pacheco. Pesquisa ibope - instituto patrícia galvão 2006. Percepção e reações da sociedade sobre a violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aapatriciagalvao/home/noticias.shtml?x=527>. Acesso em: 15 de set. 2008.

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SUDESTE 47 54

SUL 45 51

Tipo de município

CAPITAL 55 56

PERIFERIA 43 56

INTERIOR 50 54

Tamanho de município

ATÉ 20 MIL ELEITORES 48 49

MAIS DE 20 MIL A 100 MIL 49 55

MAIS DE 100 MIL 51 56

Classificação social

CLASSE A/B 46 56

CLASSE C 47 54

CLASSE D/E 53 55

Fonte: Ibope / Instituto Patrícia Galvão, 2006 116.

Alicerçado na tabela abaixo, faz-se necessário algumas ponderações

no que compete a violência fora do âmbito doméstico, pois a Lei Maria da

Penha protege somente a mulher que sofre algum tipo de violência no âmbito

familiar e doméstico, mas é possível notar que os índices de violência contra

a mulher fora do âmbito familiar cresceram do mês de setembro de 2004

para o mês de maio de 2006117.

116

METODOLOGIA DA PESQUISA: Campo: de 17 a 22 de maio de 2006. Universo e amostra: população brasileira de 16 anos ou mais. Foram realizadas 2.002 entrevistas pessoais, representativas da população adulta brasileira (mais de 16 anos). As entrevistas foram realizadas em 142 municípios. Todas as capitais e regiões constaram da amostra. Margem de erro máxima: 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, sobre os resultados com base no total da amostra (intervalo de confiança estimado de 95%). 117 JORDÃO, Fátima Pacheco. Pesquisa ibope - instituto patrícia galvão 2006.

Percepção e reações da sociedade sobre a violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=527>. Acesso em: 15 de set. 2008.

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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA RUA / ASSÉDIO SEXUAL SET. 2004 MAI. 2006

Amostras nos segmentos

% %

TOTAL 36 40

Sexo

HOMENS 37 38

MULHERES 36 42

Idade

16 A 24 ANOS 43 42

25 A 29 37 39

30 A 39 34 44

40 E MAIS 31 31

Escolaridade

ATÉ 4ª SÉRIE 31 35

5ª A 8ª SÉRIE 38 39

ENSINO MÉDIO 42 45

ENSINO SUPERIOR 40 42

Regiões

NORTE / CENTRO-OESTE 35 47

NORDESTE 34 39

SUDESTE 39 40

SUL 34 34

Tipo de município

CAPITAL 40 41

PERIFERIA 34 40

INTERIOR 35 40

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Tamanho de município

ATÉ 20 MIL ELEITORES 33 35

MAIS DE 20 MIL A 100 MIL 32 40

MAIS DE 100 MIL 40 42

Classificação social

CLASSE A/B 42 40

CLASSE C 40 42

CLASSE D/E 33 38

Fonte: Ibope / Instituto Patrícia Galvão, 2006 118.

SEGMENTAÇÃO DA AMOSTRA 119

Amostra total (2002)

%

TOTAL 100

Sexo

MULHERES 52

HOMENS 48

Idade

16 A 24 ANOS 24

25 A 29 12

30 A 39 22

118 METODOLOGIA DA PESQUISA: Campo: de 17 a 22 de maio de 2006. Universo e amostra: população brasileira de 16 anos ou mais. Foram realizadas 2.002 entrevistas pessoais, representativas da população adulta brasileira (mais de 16 anos). As entrevistas foram realizadas em 142 municípios. Todas as capitais e regiões constaram da amostra. Margem de erro máxima: 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, sobre os resultados com base no total da amostra (intervalo de confiança estimado de 95%). 119

JORDÃO, Fátima Pacheco. Pesquisa ibope - instituto patrícia galvão 2006.

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40 A 49 19

50 E MAIS 23

Escolaridade

ATÉ 4ª SÉRIE 36

5ª A 8ª SÉRIE 23

ENSINO MÉDIO 30

SUPERIOR 11

Regiões

NORTE/CENTRO-OESTE 13

NORDESTE 27

SUDESTE 45

SUL 15

Tipo de município

CAPITAL 27

PERIFERIA 14

INTERIOR 59

Tamanho de município

ATÉ 20 MIL ELEITORES 15

20 A 100 MIL 31

MAIS DE 100 MIL 53

Renda familiar

MAIS DE 10 Salários Mínimos 4

DE 5 A 10 SM 11

DE 2 A 5 SM 32

DE 1 A 2 SM 28

ATÉ 1 SM 18

NÃO OPINOU 7

Critério Econômico Brasil

CLASSE A/B 17

CLASSE C 40

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CLASSE D/E 43

Fonte: Ibope / Instituto Patrícia Galvão, 2006.

Após uma breve análise dos dados fica comprovado que a mulher é

a parte hipossuficiente com relação à violência doméstica no Brasil e

necessita de uma Lei que a proteja, ou seja, da Lei nº 11.340/2006. Além

disso, constatou-se também que as chances de uma mulher sofrer algum tipo

de violência do âmbito doméstico são maiores do que sofrer algum tipo de

violência por uma pessoa desconhecida, mesmo observando-se que houve

um crescimento nos dados da pesquisa do ano de 2004 para o ano de 2006

com relação à violência contra a mulher fora do âmbito familiar.

Tereza Rodrigues Vieira e Amanda Pegorini Gimenes fornecem um

comentário sobre a pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, que

aborda a violência doméstica:

De acordo com pesquisa nacional realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, em maio de 2006, antes, portanto, do advento da Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006, de 07.08.06), no período compreendido entre 2004 e 2006 o número de casos tipificados como violência doméstica, na periferia das grandes cidades, passou de 43% para 56%. Aproximadamente 33% das pessoas entrevistadas apontaram a violência dentro e fora de casa como a maior preocupação da atualidade. 51% declararam conhecer ao menos uma mulher que é, ou foi, agredida pelo companheiro. À indagação sobre o que acontece quando a mulher denuncia a agressão, 33% responderam que ela apanha mais; 27% que nada acontece com o agressor; 21% que o agressor vai preso; e 12% que o agressor recebe uma multa ou é obrigado a doar cesta básica. 120

Já Ilka Saito Millan expõe o pensamento de que a Lei Maria da

Penha considera a mulher como um ser inferior:

Sob o aspecto negativo, percebemos que a nova lei não se baseou em uma perspectiva de gênero, pois trata a mulher como mera vítima da relação de violência, incapaz de fazer decisões e de modificar a situação em que vive.

120 GIMENES, Amanda Pegorini; VIEIRA, Tereza Rodrigues. A Mulher e a Lei Maria da Penha. Revista Jurídica Consulex. Ano XII, n.º 268, p. 6 - 8. 15 de março/2008.

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Afastou a aplicação da Lei 9.099/1995 e criou uma legislação que a protege excessivamente; isso quer dizer que considera a mulher como um ser inferior. Assim, está sendo formado um direito penal de gênero e paternalista, o que prejudica a racionalidade do sistema jurídico pátria. 121

Renato de Mello Jorge Silveira, citado por Ilka Saito Millan afirma que:

[...] a lei penal não deve guardar destinatários específicos ao sexo, senão ao ser humano de um modo geral. Com essa aceitação, estar-se-ia pontuando por uma ingerência moralista que quase transformaria a mulher em ser hipossuficiente e a lei em exteriorização do que, eventualmente, pode se ter por paternalismo legal ou mesmo de moralismo penal. 122

Após a vigência da Lei nº 11.340/2006, o Senado Federal, através da

Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública (serviço de pesquisa de opinião –

DataSenado), realizou uma pesquisa nacional sobre violência doméstica

contra a mulher e constatou que em cada 100 (cem) mulheres brasileiras 15

(quinze) vivem ou já viveram algum tipo de violência doméstica. A pesquisa

revela ainda que após 6 (seis) meses da aprovação da Lei nº 11.340, de

2006, que tipifica os crimes cometidos contra a mulher no ambiente

doméstico e familiar, 15% das mulheres entrevistadas declararam

espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência. A situação é mais

grave na Região Norte, onde 1 (uma) em cada 5 (cinco) mulheres afirmaram

que já foram vítimas de violência 123.

121 MILLAN, Ilka Saito. Lei Maria da Penha e violência contra a mulher: evolução ou retrocesso? Caderno de Iniciação Científica, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 4. n.° 4. p. 79. ano 2007. 122 Idem. Lei Maria da Penha e violência contra a mulher: evolução ou retrocesso? Caderno de Iniciação Científica, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ano 4. n.° 4. p. 79. ano 2007. 123 BARREIRA, Antonio Caraballo; LOPES, Elga Mara Teixeira; OLIVEIRA, Weiller Diniz de. Pesquisa de Opinião Pública Nacional: Pesquisa Sobre Violência Doméstica Contra a Mulher. Disponível em: <http://ouvidoria.petrobras.com.br/objects/files/2007-03/504_Relat%C3%B3rio%20anal%C3%ADtico%20Viol%C3%AAncia%20Dom%C3%A9stica.pdf>. Acesso em: 15 de set. 2008.

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De forma geral a Sra. acha que a mulher é tratada com respeito no Brasil? Freqüência %

Sim 65 8,2

Às vezes 337 42,3

Não 395 49,6

Total 797 100

Em qual dos ambientes a seguir a Sra. acha que a mulher é mais desrespeitada?

Freqüência %

Na família 252 31,6

Na sociedade 305 38,3

No trabalho 133 16,7

Outros 97 12,2

NS/NR 10 1,3

Total 797 100

A Sra. acha que as leis brasileiras protegem as mulheres contra a violência doméstica?

Freqüência %

Sim 106 13,3

Em parte 326 40,9

Não 355 44,5

NS/NR 10 1,3

Total 797 100

A senhora já foi vitima ou sofreu algum tipo de violência doméstica? Freqüência %

Sim 123 15,4

Não 674 84,6

Total 797 100

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O que motivou a violência? Freqüência %

Uso do álcool 56 45,5

Ciúmes 28 22,8

Falta de dinheiro 8 6,5

Traição conjugal 6 4,9

Uso de drogas 6 4,9

Influência de familiares 5 4,1

Influência das amizades 3 2,4

Outros vícios 3 2,4

NS/NR 8 6,5

Total 123 100

Qual foi tipo de violência? Freqüência %

Física 72 58,5

Psicológica 13 10,6

Moral 11 8,9

Sexual 6 4,9

Todas as anteriores 21 17,1

Total 123 100

Quem foi o agressor? Freqüência %

Tio/Primo 1 0,8

Pai 3 2,4

Namorado 5 4,1

Companheiro 15 12,2

Marido 92 74,8

NS/NR 7 5,7

Total 123 100

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A senhora ainda convive com ele? Freqüência %

Sim 32 26,0

Não 90 73,2

NS/NR 1 0,8

Total 123 100

Com que freqüência a senhora sofre violência? Freqüência %

Não sofro mais violência 23 71,9

Raramente (de vez em quando) 6 18,8

Semanalmente 1 3,1

Todos os dias 2 6,3

Total 32 100,0

Qual foi a sua atitude em relação à sua última agressão? Freqüência %

Não fez nada 34 27,6

Denunciou em Delegacia Comum 28 22,8

Denunciou em Delegacia da Mulher 23 18,7

Procurou ajuda da família 21 17,1

Procurou ajuda dos amigos 10 8,1

NS/NR 7 5,7 Total 123 100,0

Como foi o atendimento na Delegacia? Freqüência %

Ótimo 14 27,5 Bom 13 25,5 Regular 7 13,7 Ruim 4 7,8 Péssimo 13 25,5 Total 51 100,0 Qual era a sua idade quando você

foi agredida pela primeira vez? Freqüência %

0 a 16 anos 7 5,7 16 a 19 anos 36 29,5 20 a 29 anos 52 42,6

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30 a 39 anos 20 16,4 40 a 49 anos 3 2,5 50 a 59 anos 2 1,6 NS/NR 2 1,6 Total 122 100,0 O que a Sra. acha que a sociedade

pode fazer para diminuir ou evitar a violência doméstica contra a mulher?

Freqüência %

Denunciar 286 35,9 Intensificar as campanhas para

divulgação dos direitos das mulheres 169 21,2

Melhorar a assistência às vítimas 110 13,8 Capacitar lideranças comunitárias

para que possam intervir nas emergências

80 10,0

Outra opção 64 8,0 Estimular o debate social sobre o

tema 46 5,8

Dividir de forma mais equilibrada as responsabilidades domésticas 34 4,3

NS/NR 8 1,0 Total 797 100,0 A senhora acha que os conteúdos

veiculados pela imprensa colaboram para a diminuição da violência doméstica contra as mulheres?

Freqüência %

Sim 358 44,9 Em parte 249 31,2 Não 183 23,0 NS/NR 7 0.9 Total 797 100,0

Fonte: Pesquisa DataSenado – SECS 2007 124.

124

METODOLOGIA DA PESQUISA: Pesquisa de Opinião Foram realizadas 797 entrevistas, por telefone, com mulheres maiores de 16 anos, em todas as capitais brasileiras de acordo com o sistema de cotas proporcionais obedecendo a quantidade de mulheres residentes em cada capital, no período de 1 a 15 de fevereiro de 2007. A margem de erro é de 3,5% para mais ou para menos e o intervalo de confiança estimado é de 95%. Pesquisa de Mídia Foram analisadas 160 notícias publicadas em 2006 nos seguintes veículos: Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O estado de São Paulo, o Globo e Jornal do Senado.

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Como demonstrado, o tema sub examen possui posicionamentos

doutrinários divergentes. No entanto, persiste entre os doutrinadores a idéia

de constitucionalidade da Lei nº 11.340/2006. Uma das justificativas levadas

à tona para o tratamento desigual com relação à mulher e ao homem, vítimas

de violência doméstica, é que apesar de todo o progresso verificado no

cenário legislativo com a criação do mecanismo para coibir a violência

doméstica contra a mulher, os índices percentuais das pesquisas do Instituto

Patrícia Galvão e até mesmo a pesquisa de opinião do senado federal após

vigência da Lei em contento, demonstram que as mulheres continuam a ser

objeto de violência doméstica e discriminação em um grau mais elevado do

que com relação à violência exercida sobre o homem no âmbito doméstico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia analisou cientificamente se a Lei Maria da

Penha fere o princípio da igualdade constitucional, observando a utilização

de algum tratamento desigual com relação ao combate à violência

doméstica.

Denota-se com a pesquisa, que a história do sexo feminino foi

marcada por pensamentos ligados ao profano, a idéia do sofrimento, de um

ser diabólico por dar a vida, sendo várias vezes recriminadas pela sociedade

e pela igreja católica.

A idéia de igualdade entre os sexos é moderna, ao se estudar a

história do ser humano como um todo, já que o homem sempre foi

privilegiado e aclamado por suas conquistas e façanhas, enquanto a mulher

se entretinha com a casa, os filhos e a submissão ao seu esposo, quando

não ao seu pai.

Assim, vislumbrando-se um ambiente de obediência, mesmo com a

evolução das leis, a mulher continuou a ser submissa, sofrendo agressões no

ambiente familiar, tendo o agressor normalmente a noção antiquada de se

opor através da força física para com a figura do sexo feminino.

Impregnado foi o estudo referente ao tema em questão, pois tanto a

doutrina como a legislação pertinente a aplicação da Lei Maria da Penha

concordam que esta Lei foi criada para tentar reverter a triste realidade de

mulheres vítimas de violência doméstica. Antes da vigência da Lei as

mulheres continuavam a ser tratadas com descaso pela sociedade e pelo

Estado, pois não existia lei específica que abordasse a violência doméstica

contra a mulher. Ao mesmo tempo sabe-se que em relação a questão da

força física, o homem notavelmente é superior a mulher, sendo neste ponto

detectada a fragilidade do sexo feminino. Essa situação de violência

doméstica contra a mulher é argumento suficiente para autorizar o Estado a

agir com uma especial proteção às vítimas.

Desta forma, o Estado não deve somente assegurar a igualdade

formal entre os indivíduos, tratando todos os cidadãos sem qualquer tipo de

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distinção, mas também, assegurar a igualdade material, a qual os indivíduos

são tratados de forma desigual se for constatado alguma discriminação de

gênero ou algum contexto social desfavorável.

Alguns membros da sociedade, até mesmo do sexo feminino, acham

que a Lei em contento piorou a situação da mulher, alegando que a mulher

sempre é vista e tratada como um ser inferior e hipossuficiente e que

necessita de proteção excessiva por parte do Estado, conclusões argüidas

sem analisar o aspecto de gênero, visto que existem mulheres que são

capazes de livrar-se da posição de vítima tornando-se o poder em uma

relação familiar.

Desta feita, argumenta-se que a violência doméstica contra a mulher

deve ter um tratamento específico, para que não rompa a igualdade entre os

sexos e nem trate a mulher como a parte frágil de uma relação afetiva. No

entanto, é difícil saber mensurar o limite da igualdade entre os sexos.

Cabe esclarecer, que a Lei Maria da Penha não contraria qualquer

norma constitucional, não podendo, portanto, ser considerada

inconstitucional, pois o Código Penal já previa pena de 03 (três) meses a 03

(três) anos, no art. 129, § 9º, tanto para o marido que agredisse a mulher

quanto para a mulher que agredisse o marido. A Lei nº 11.340/2006 só traz

um tratamento baseado na igualdade material, relacionado às medidas

protetivas em seu art. 23 e 24, pois inúmeras destas só se aplicam às

mulheres agredidas.

Com isso, não se pode falar em inconstitucionalidade, já que através

de dados estatísticos restou comprovado que é mais comum uma mulher

sofrer violência em um âmbito doméstico do que o homem. Sem comentar

que o tratamento desigual entre os indivíduos desiguais, desde que

justificadamente ocorrido, está previsto na Constituição Federal.

Outro ponto de importante destaque, encontra-se nas divergências

jurisprudenciais, no que compete a inconstitucionalidade da Lei nº

11.340/2006 por ofender o princípio da igualdade entre os sexos, já que o

Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul posiciona-se pela

inconstitucionalidade dessa Lei, sendo diferente o entendimento do Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais, que em decisão recente estendeu os

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benefícios da Lei supracitada para os homens agredidos por suas mulheres

em ambiente familiar.

Logo a dita inconstitucionalidade, não afasta a aplicação da Lei Maria

da Penha do ordenamento jurídico, ao contrário, deve o magistrado no

poder/dever de sua função pública, agir por analogia e utilizar-se disso para a

extensão do mesmo direito ao outro sexo, ou seja, o masculino. Ademais, a

impossibilidade ou a inconstitucionalidade da Lei nº 11.340/2006 seria um

retrocesso jurídico, em função do elevado índice de violência doméstica

contra a mulher. E ainda, a harmonia na aplicação de tal Lei tanto para

homens como para mulheres não causaria prejuízos a ordem jurídica.

Cabe esclarecer, que a Lei Maria da Penha visa mais o lado protetivo

de quem sofreu a agressão no ambiente familiar, no caso a mulher, do que o

caráter punitivo.

Contudo, não se pode admitir que o operador do Direito, pelo simples

fato de não concordar com a norma jurídica, recuse-se a aplicá-la,

idealizando inconstitucionalidades e desigualdades. Posicionando-se desta

maneira os mesmos estarão sendo cúmplices de mais uma entre várias

violências praticadas contra a mulher.

Por fim, a Lei Maria da Penha é imprescindível para resgatar a

cidadania e dignidade da mulher vítima de violência doméstica em uma

sociedade marginalizada pelo sistema machista e patriarcal.

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ANEXO

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

TÍTULO II

DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

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Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CONTRA A MULHER

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

CAPÍTULO I

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DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II

DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

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§ 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

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VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV

DOS PROCEDIMENTOS

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência;

II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III - do domicílio do agressor.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

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CAPÍTULO II

DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;

II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;

III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

Seção II

Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

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III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III

Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

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IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III

DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;

II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;

III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO IV

DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V

DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI

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DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

TÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;

II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;

III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;

IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;

V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

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Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313. .................................................

................................................................

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61. ..................................................

.................................................................

II - ............................................................

.................................................................

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129. ..................................................

..................................................................

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

..................................................................

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152. ...................................................

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR)

Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff

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Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006