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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO BÁSICO PARA A GARANTIA DE EMPREGO AO PORTADOR DO VÍRUS HIV CAROLINA STRELOW FERRARI DE CARVALHO São José, outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO BÁSICO PARA A

GARANTIA DE EMPREGO AO PORTADOR DO VÍRUS HIV

CAROLINA STRELOW FERRARI DE CARVALHO

São José, outubro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO BÁSICO PARA A

GARANTIA DE EMPREGO AO PORTADOR DO VÍRUS HIV

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.

CAROLINA STRELOW FERRARI DE CARVALHO

Orientadora: Professora Mestre Solange Lúcia Heck Kool

São José, outubro de 2007.

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AGRADECIMENTO

Sempre, em primeiro lugar, agradeço a Deus por seu infinito amor, que traz mais bênçãos

do que posso contar.

À minha mãe, minha primeira e eterna professora, por seu apoio e amor incondicionais.

Ao Rahel, pela paciência sem limites e bom humor constante, tão importantes nos últimos

meses.

A todos os meus amigos, de perto e de longe, que estiveram comigo ao longo da

elaboração deste trabalho, por me fazerem esquecer um pouco da vida acadêmica.

Aos amigos e professores do Escritório Modelo de Advocacia da Univali de São José,

pelos livros emprestados, palpites dados e pelo melhor estágio que tive.

Em especial à professora Solange, querida orientadora, pela paciência, calma e

disponibilidade durante a elaboração deste trabalho. Sua dedicação me faz ter mais certeza

de que quero lecionar.

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

São José, outubro de 2007.

Carolina Strelow Ferrari de Carvalho

Graduanda

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................8

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE,

DA IGUALDADE E DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO ................................................10

1. 1 Direitos Fundamentais: Breve histórico, conceito e classificação .....................10

1.2 Direitos Sociais.....................................................................................................13

1.2.1 Origem histórica .................................................................................................14

1.2.2 Conceito e abrangência dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro ..15

1.2.3 Trabalho na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988..................17

1.3 Dignidade da pessoa humana ..............................................................................19

1.4 Igualdade .............................................................................................................24

1.4.1 O princípio da igualdade (formal versus material)...............................................25

1.4.2 Igualdade perante a lei e igualdade na lei ............................................................27

1.5 Discriminação ......................................................................................................28

1.5.1 Ações afirmativas ...............................................................................................31

2. RELAÇÃO E GARANTIA DE EMPREGO ........................................................34

2.1 Relação de Emprego ............................................................................................34

2.1.1 Natureza jurídica da relação de emprego.............................................................36

2.1.2 Contrato de Trabalho ..........................................................................................37

2.1.3 Sujeitos e Direitos da Relação de Emprego .........................................................39

2.2 Estabilidade no emprego .....................................................................................43

2.3 Garantia de emprego ...........................................................................................45

2.3.1 Princípios de direito do trabalho relativos à garantia de emprego ........................46

2.3.2 Hipóteses previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 para garantia de emprego ....................................................................................................50

2.3.3 Extinção da garantia de emprego ........................................................................54

2.4 Dispensa arbitrária e sem justa causa.................................................................55

2.5 Reintegração ........................................................................................................58

3. GARANTIA DE EMPREGO AO PORTADOR DO HIV ...................................61

3.1 Noções introdutórias sobre a AIDS e o vírus HIV..............................................61

3.2 Normas relativas aos portadores do HIV ...........................................................63

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3.2.1 Tendência internacional e legislação estrangeira .................................................64

3.2.2 Legislação brasileira ...........................................................................................66

3.3 Garantia de emprego aos portadores do HIV: fundamentos .............................69

3.3.1 Despedida discriminatória...................................................................................69

3.3.2 Função social e legitimidade de direitos..............................................................74

3.3.3 Dignidade da pessoa humana como fundamento básico para a reintegração ........81

3.3.4 Nulidade da dispensa do empregado portador do HIV.........................................84

3.4 Despedida do empregado doente de AIDS..........................................................84

3.5 Conflito entre a garantia de emprego do empregado portador do HIV e o direito potestativo do empregador........................................................................................86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................88

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..................................................................................92

ANEXOS....................................................................................................................98

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RESUMO

O presente trabalho concentra-se na análise da existência de garantia de emprego para portadores do HIV sob a ótica do princípio constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana. Este princípio é a base do Estado e do ordenamento jurídico brasileiros, que têm por fim maior garantir a existência digna de todos, conforme aponta a própria Constituição Federal. Por este motivo, é necessária a aplicação de princípios como o da igualdade e o da não-discriminação. Para permitir a análise do tema proposto, fazem-se apontamentos sobre questões de direito material do trabalho relativas à relação, estabilidade e garantia de emprego, além da reintegração. Por fim, através da análise de decisões de tribunais trabalhistas brasileiros, em especial do Tribunal Superior do Trabalho, estudam-se os fundamentos legais que permitem o reconhecimento da garantia de emprego para portadores do HIV, através da aplicação da reintegração, sempre que, para a despedida destes empregados, não houver justa causa. Objetiva-se, com o presente estudo, demonstrar o cabimento da reintegração nos casos de dispensa imotivada de empregados portadores do HIV, com base em princípios constitucionalmente previstos, em especial o da dignidade da pessoa humana.

Palavras chave: HIV. Princípios Constitucionais. Dignidade da pessoa humana. Igualdade. Garantia de emprego. Despedida imotivada. Reintegração.

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como tema a garantia de emprego ao empregado

portador do vírus HIV fundamentada pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Dentro deste tema, limitar-se-á à análise da existência de garantia de emprego ao

empregado portador do vírus HIV efetivada mediante reintegração quando da despedida

sem justa causa, com fundamento no princípio da não-discriminação, no princípio da

função social da empresa e do contrato e, principalmente, no princípio da dignidade da

pessoa humana, conforme entendimento de alguns Tribunais Regionais do Trabalho e do

Tribunal Superior do Trabalho.

O tema mostra-se relevante não apenas pelo conflito de entendimentos que suscita

entre os tribunais trabalhistas brasileiros, mas principalmente por questionar a validade e,

ainda mais, a efetividade de princípios fundamentais previstos constitucionalmente, em

especial o princípio da dignidade da pessoa humana, valor-guia da República Federativa do

Brasil.

A garantia de emprego ao portador do vírus HIV reveste-se também de

importância social, uma vez que a AIDS tornou-se uma epidemia, com a agravante de vir

acompanhada de uma enorme carga de preconceito e segregação. É necessário que a

sociedade discuta maneiras de amparar o cidadão soropositivo e o doente de AIDS a fim de

mantê-lo integrado no convívio social e lhe garantir a melhor qualidade de vida possível,

em conformidade com os ditames do ordenamento jurídico brasileiro.

Assim sendo, definiu-se como objetivo geral a investigação da existência de

garantia de emprego ao portador do vírus HIV no ordenamento jurídico brasileiro, seja em

norma constitucional ou infraconstitucional. Por objetivos específicos, tem-se a análise da

possibilidade de aplicação do instituto da estabilidade como forma de combate à

discriminação e conseqüente proteção da dignidade humana, e o estudo dos fundamentos

de direito material utilizados pelos tribunais nas decisões que determinam a reintegração de

empregados portadores do HIV despedidos sem justa causa. Importante ressaltar que em

todas estas análises referir-se-á a empregados que não causem risco à saúde de terceiros

nos seus locais de trabalho.

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Para tanto, no Capítulo 1, iniciar-se-á com breves noções sobre direitos

fundamentais, para então abordar os direitos fundamentais sociais, sua origem, conceito,

abrangência e relação com o instituto do trabalho. Também abordar-se-ão o princípio da

igualdade e o da não-discriminação, uma vez que fundamentais para a análise que se

propõe das relações empregatícias envolvendo portadores do vírus HIV. Finalizar-se-á o

Capítulo 1 com algumas sucintas considerações a respeito das ações afirmativas.

No Capítulo 2 tratar-se-á de questões de direito material do trabalho. Iniciar-se-á

com a análise da relação de emprego e elementos a ela ligados: o contrato de trabalho e os

sujeitos da relação empregatícia. Abordar-se-ão, em seguida, o instituto da estabilidade e a

garantia de emprego, esta com mais profundidade; tratar-se-á de princípios a ela relativos,

hipóteses constitucionalmente previstas e sua extinção. Finalmente, estudar-se-ão a

dispensa arbitrária e sem justa causa, e o remédio jurídico da reintegração.

Por fim, no Capítulo 3, apresentar-se-ão noções básicas sobre o vírus HIV e a

AIDS e a legislação estrangeira e nacional relativas aos portadores do HIV. Em seguida,

analisar-se-ão os fundamentos da garantia de emprego aos empregados portadores do HIV

despedidos sem justa causa, tais como: despedida discriminatória, função social da

empresa e do contrato, e proteção à dignidade humana, com base em julgados de tribunais

trabalhistas brasileiros, em especial o Tribunal Superior do Trabalho. Far-se-ão, em

seguida, breves observações sobre a despedida do empregado doente de AIDS. Finalizar-

se-á com a análise do conflito entre a garantia de emprego dos empregados soropositivos e

o direito do empregador.

Importante destacar que com este estudo não se aspira esgotar o tema da garantia

de emprego aos portadores do HIV, tendo em vista a grande amplitude da matéria e

diversidade de possíveis enfoques.

Para a elaboração do presente trabalho acadêmico utilizaram-se a pesquisa

bibliográfica e a jurisprudencial. O método de abordagem utilizado foi o indutivo.

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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE,

DA IGUALDADE E DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO

No presente capítulo, tratar-se-á dos direitos fundamentais sociais, espécie da qual

fazem parte diversos direitos relacionados ao trabalho e à relação entre empregado e

empregador. Nesta mesma linha de direitos fundamentais, abordar-se-á a dignidade da

pessoa humana, valor basilar do Estado e, decorrente desta, a igualdade e a proibição de

discriminação.

1. 1 Direitos Fundamentais: Breve histórico, conceito e classificação

Durante séculos, os homens foram sujeitos apenas de obrigações. Na Idade Média

feudal e na Idade Moderna absolutista, não havia Estado de Direito; portanto, não existiam

garantias ou direitos que atingissem a todos. Houve tentativas de se conter o poder dos

monarcas através de documentos esparsos, dentre eles, o mais importante, Bill of Rights,

resultado da Revolução Gloriosa Inglesa, que afirmou a supremacia do Parlamento inglês.1

Foi com as revoluções americana e francesa, já no século XVIII, que os direitos

individuais passaram a ser valorizados e tratados de forma mais universal. Vale ressaltar,

deste período, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de caráter bastante

“universalizante”, resultado da Revolução Francesa de 1789, que procurou proteger o

indivíduo e suas liberdades frente ao Estado.2

Foi, portanto, conforme coloca José Afonso da Silva, um encontro entre idéias

doutrinárias e filosóficas, e o momento histórico que fez surgir as declarações de direito,

fontes primeiras dos direitos fundamentais.3

Antes de tudo, para um melhor entendimento acerca dos direitos fundamentais, é

conveniente mencionar a diferença entre estes e os direitos humanos. Na lição de Antonio

Enrique Pêrez Luño, citada por Gisela Maria Bester, direitos fundamentais são direitos

1 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.153 2 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.574-577 3 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 172

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positivados internamente, enquanto direitos humanos são aqueles direitos naturais

expressos em documentos de direito internacional, de caráter mais amplo.4

Também Canotilho faz esta ressalva quanto à importância de se distinguir

“direitos dos homens”, ou seja, direitos humanos, e “direitos fundamentais”. Afirma o

doutrinador que, enquanto os direitos humanos têm aspecto jusnaturalista e universal, ou

seja, são válidos para todos os povos em qualquer tempo, os direitos fundamentais são

delimitados, na medida em que dependem da previsão jurídica de um Estado.5

José Afonso da Silva prefere adotar apenas a nomenclatura “direitos

fundamentais do homem” para referir-se tanto aos direitos fundamentais quanto aos

direitos humanos, porque:

além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam

a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no

nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza

em garantias de uma convivência digna, livre e igual a todas as pessoas. 6

Vale ressaltar, ainda pela lição do doutrinador acima citado, a dificuldade de se

estabelecer um conceito preciso e sucinto de direitos fundamentais, uma vez que estes

sofrem constantes mutações e são permanentemente ampliados.7

Assim, para que o conteúdo de uma norma tenha status de direito fundamental, é

necessário que aponte previsões e garantias “sem as quais a pessoa humana não se realiza,

não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive” 8, e, ainda, que tenha caráter geral e

igualitário. Também é necessário que esta norma esteja prevista na Constituição Federal9,

“subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário”,10

4 PEREZ LUÑO, Antônio-Enrique apud BESTER Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.558 5 CANOTLILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ed. Coimbra: Almedina, 2002. p.393 6 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.178 7 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.175 8 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.178 9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 377 10 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 7ed. São Paulo: Atlas, 2000. p.56

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ainda que em função do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição da República Federativa do

Brasil: 11

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.12

No tocante à conceituação de direito fundamental, utiliza-se o ensinamento de

Ingo Wolfgang Sarlet:

Assim, com base no nosso direito constitucional positivo, e integrando a perspectiva material e formal [...], entendemos que os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal) [...].13

A classificação mais difundida dos direitos fundamentais é a que os divide em

“gerações”.14 Esta teoria, criada por Karel Vasak, foi desenvolvida e promovida, em

especial, pelo italiano Norberto Bobbio.15 O doutrinador brasileiro Paulo Bonavides

apresenta classificação segundo a qual os direitos fundamentais de primeira geração são

aqueles ligados à liberdade, ou seja, aos direitos civis e políticos, pilares inaugurais dos

direitos fundamentais.16

11 A atual Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada no ano de 1988, tendo sido publicada em 5 de outubro do mesmo ano. No presente trabalho, a partir deste ponto, as referências a este documento legal serão feitas de maneira abreviada, qual seja, CFRB/88. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de junho de 2007. 12 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de junho de 2007. 13 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 03 de maio de 2007. 14 Faz-se referência ao termo “gerações” por ainda ser mais utilizado, sabendo-se, contudo que mais apropriado é o termo utilizado por Ingo Wolfgang Sarlet, qual seja “dimensões”, posto que as chamadas “gerações” de direito não se isolam no tempo mas se interpõe, coexistem, por tratar-se de processo cumulativo e não excludente. SARLET, Ingo Wolggang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 47 15 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.5-6 16 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p.517-526

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Já os direitos fundamentais de segunda geração ligam-se ao princípio da

igualdade e concretizam-se nos direitos sociais, culturais e econômicos.17

Por fim, os de terceira geração, ligados à fraternidade, tratam de direitos com

elevado grau humanitário e universal, como o direito a um meio ambiente saudável, à paz e

ao progresso. Ainda nesta classificação, Paulo Bonavides inclui uma quarta geração

formada pelo direito à democracia, à informação e ao pluralismo, oriunda do que chama de

“globalização política”.18

Atenta à importância dos direitos fundamentais no Estado contemporâneo, fruto

da evolução social, histórica e jurídica ocorrida nos últimos séculos, a CRFB/88, pela

primeira vez, priorizou os direitos fundamentais. Deu a estes local de destaque não apenas

formalmente, mas também por permearem todas as demais previsões constitucionais.19

O legislador constitucional optou por construir a CRFB/88 a partir da ótica do

princípio da dignidade da pessoa humana, e por isso este princípio norteia todo o texto

constitucional. Desta forma, privilegiaram-se os direitos fundamentais com o intuito de

proteger a dignidade humana. Também a este propósito serviu a expansão dos direitos

fundamentais, que passaram a incluir os direitos sociais.20

1.2 Direitos Sociais

Após abordagem geral dos direitos fundamentais passar-se-á à análise específica

dos direitos fundamentais sociais, sua origem história, conceito, abrangência e relação com

o trabalho.

17 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p.517-526 18 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p.517-526 19 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV: Direitos Fundamentais. 3 ed. Coimbra: Coimbra. 2000. p. 235 20 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 54-55

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1.2.1 Origem histórica

Inseridos na classificação acima apresentada como direitos de segunda geração,

os direitos sociais tiveram sua primeira aparição na Constituição francesa de 1791, em que

figuravam como o dever do Estado de proteger crianças, doentes e inválidos. A

Constituição brasileira de 1824 também delineou o papel do Estado em desenvolver mais

justiça social.21

Porém, maior e mais efetiva preocupação com questões sociais nos diplomas

constitucionais deu-se no início do século XX, quando estes documentos legais passaram a

distanciar-se da concepção individualista de direito, herdada do liberalismo, e passaram a

garantir direitos de caráter mais coletivo e social.22 Esta mudança não se deu

espontaneamente; foi resultado da ação dos movimentos da classe operária, terrivelmente

oprimida e apoiada nas idéias marxistas.23

A Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 são

conhecidos exemplos de documentos legais resultantes deste movimento24 e trouxeram em

seu texto definição mais clara dos direitos sociais.25 Esta última, fonte inspiradora de

diversos textos legais posteriores, inovou ao prever, entre outras garantias, direitos sociais

mínimos às classes operárias.26 Sob esta ótica, o trabalho deixou de ser visto como

mercadoria à disposição da burguesia e passou a ter caráter social, humanizado.27

No Brasil, a Constituição de 1934, fortemente influenciada pela Constituição de

Weimar, previa, no título da ordem econômica, diversos direitos dos trabalhadores, como,

por exemplo, o reconhecimento dos sindicatos.28 Contudo esta logo foi substituída pela

Constituição ditatorial de 1937. Desta forma, somente no final da década de 80 do século

21 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 261. 22 MARINHO, Josaphat. Constituição e direitos sociais in RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coord.). Direito do Trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz do Pinho Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998. p. 40 23 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 261. 24 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 3ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 29. 25 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 261. 26 MARINHO, Josaphat. Constituição e direitos sociais in RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coord.). Direito do Trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz do Pinho Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998. p. 40 27 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 42-47 28 MARINHO, Josaphat. Constituição e direitos sociais in RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coord.). Direito do Trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz do Pinho Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998. p. 40

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XX é que surgiu novo marco na história do Direito brasileiro em relação aos direitos

sociais com a promulgação da CRFB/88.29

1.2.2 Conceito e abrangência dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro

Os direitos sociais apresentam-se como previsões legais com o poder de tornar o

Estado devedor de prestações, de ações materiais, capazes de garantir à população, em

especial aos fragilizados, igualdade e bem-estar social.30 Assim, num Estado Social de

Direito, os direitos fundamentais sociais são “liberdades positivas”, que impelem o Estado

a garantir aos cidadãos condições de igualdade.31 São, portanto, direitos positivos tendentes

a proteger o princípio da igualdade na mesma medida em que os direitos de primeira

geração visam à proteção do princípio da liberdade.32

José Afonso da Silva conceitua direitos sociais ao afirmar serem estes:

[...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.33

Finaliza o doutrinador citado asseverando que, exatamente por esse caráter de

promoção de igualdade, os direitos sociais permitem que os direitos fundamentais ligados à

liberdade (primeira geração) sejam exercidos também por aqueles menos privilegiados

numa sociedade.34

Diferente posição apresenta Ingo Wolfgang Sarlet ao afirmar que, no contexto

constitucional brasileiro, os direitos sociais vão além do caráter prestacional, ou seja, não

são apenas direitos de segunda geração. Assevera que alguns dispositivos constitucionais

relativos a direitos sociais têm característica de direitos de defesa, como o direito de greve,

29 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.607 30 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.592 31 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 7ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2000. p.56 p.190 32 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p.592 33 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 285 34 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.286

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previsto no artigo 9º da CRFB/88, e as proibições contra discriminação nas relações de

trabalho, previstas no artigo 7º, incisos XXXI e XXXII, também da CRFB/88.35

Contudo, Ingo Wolfgang Sarlet não deixa de afirmar que os direitos sociais são

mecanismos para se alcançar “uma liberdade tendencialmente igual para todos, que apenas

pode ser alcançada com a superação das desigualdades e não por meio de uma igualdade

sem liberdade”. 36

Uma vez caracterizados os direitos sociais como direitos subjetivos de exigir do

Estado uma prestação, tem-se que o sujeito passivo dos direitos sociais será, via de regra, o

Estado. Contudo, nesta posição de sujeito passivo, o Estado apresenta-se como

personificação de toda sociedade, sendo, em última instância, apenas representante de toda

coletividade social. Desta forma, o Estado garante a efetividade destes direitos previstos na

CRFB/88 através da criação e prestação de serviços públicos.37

Os direitos sociais têm ampla previsão na CRFB/88. Já no preâmbulo há

referência a eles, ainda que desprovida de valor normativo: 38

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.39 (grifo nosso)

O texto constitucional propriamente dito discorre sobre os direitos sociais desde o

artigo 6º até o artigo 11, bem como no Título que se apresenta como “Da Ordem Social”,

entre os artigos 193 e 232. Ao elencar os direitos sociais, dispõe o artigo 6º da CRFB/88: 35 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 03 de maio de 2007. p.18-20 36 SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 03 de maio de 2007. p. 18 37 FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 49-51 38 Desta forma entendeu o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.076: "Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa". BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI n° 2.076-5. Relator: Min. Carlos Velloso. Publicado em 08 de agosto de 2003. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 12 de outubro de 2007 39 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de junho de 2007.

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São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.40

Em relação à efetividade dos direitos sociais, pode-se dizer que estes não foram

devidamente protegidos e aplicados até recentemente, tendo em vista seu caráter oposto

aos direitos de primeira geração no que diz respeito à postura do Estado, que aqui figura

como garantidor, prestador de serviços. Este quadro mostrou sinais de mudanças quando,

já no final do século passado, algumas constituições, entre elas a do Brasil, reconheceram a

aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, aí incluídos os direitos sociais.41

A previsão constitucional dos direitos sociais “não teve como objetivo apenas a

confirmação teórica de uma proposta democrática”; antes, visou garantir que estas

previsões compusessem um “programa político” e pressupõe uma atuação estatal contínua

com o propósito de garantir a eficácia destas normas.42

A constitucionalização dos direitos sociais mostra-se sobremaneira importante,

posto que estes guardam relação direita com questões econômicas, o que os deixaria

suscetíveis a interferências de acordo com o cenário econômico não fosse seu caráter de

direitos fundamentais.43

1.2.3 Trabalho na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Apesar de o artigo 6° da CRFB/88 indicar quais são os direitos sociais, os artigos

seguintes, componentes do capítulo denominado “Direitos Sociais”, tratam apenas das

garantias relativas às relações de trabalho, ficando as previsões relativas aos outros direitos

sociais em outras partes do texto constitucional, em especial no já citado capítulo

denominado “Da Ordem Social”.

40 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 518 42 COSTA, Sandra Moraes de Brito. Trabalho como direito humano fundamental. In Revista de direito do trabalho. ano 33 n. 125 janeiro-março de 2007. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007 p. 214 43 COSTA, Sandra Moraes de Brito. Trabalho como direito humano fundamental. In Revista de direito do trabalho. ano 33 n. 125 janeiro-março de 2007. São Paulo: Revista do Tribunais, 2007 p. 214

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O trabalho é instituto proeminente entre os direitos sociais.44 Tamanha é sua

importância no Estado Democrático de Direito, que já no artigo 1º, inciso IV, a CRFB/88 o

trata como valor ao dispor:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (grifo nosso)45

O artigo 170, também da CRFB/88, apresenta a valorização do trabalho como

fundamento da ordem econômica, ao lado da iniciativa privada. Isto significa que a ordem

econômica será capitalista, porém fundada na valorização prioritária do trabalho humano.

Esta previsão tem relação lógica com a finalidade da ordem econômica apresentada pela

CRFB/88, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social”,46 como bem lembra José Afonso da Silva.47

Também a ordem social, em harmonia com a ordem econômica, prevê o trabalho

como alicerce ao indicar, no artigo 193: “A ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.48

O fato de o trabalho ser elencado como direito social pelo artigo 6° e concretizar-

se nas garantias previstas no artigo 7° não lhe retira a característica de valor, princípio e

fundamento. Pelo contrário, deve-se entender que a cada nova atribuição dada ao trabalho

pela CRFB/88 este só aumenta em relevância para o ordenamento jurídico.49

MARINHO, Josaphat. Constituição e direitos sociais in RIBEIRO, Lélia Guimarães Carvalho; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coord.). Direito do Trabalho: estudos em homenagem ao prof. Luiz do Pinho Pedreira da Silva. São Paulo: LTr, 1998. p. 47 45 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 46 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 47 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 768 48 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 49 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais nas relações de trabalho in Revista de direito do trabalho. ano 32 n. 123 julho-setembro de 2006. São Paulo: Revista do Tribunais, 2006 p.148

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Ao dar especial atenção ao trabalho humano e declará-lo como valor fundamental

do Estado, a CRFB/88 deixou clara sua intenção de prever um sistema econômico-

financeiro correspondente à democracia adotada pelo Estado brasileiro. Isso porque é

através do trabalho que grande parcela da população, destituída de riquezas, detém um

mínimo poder social.50 A valorização do trabalho humano pelo ordenamento jurídico tem

por finalidade última o alcance da paz social.51

1.3 Dignidade da pessoa humana

A idéia do valor inerente ao ser humano tem estado presente na história da

humanidade há muitos séculos. Remete ao tempo retratado no Velho Testamento da Bíblia,

em que se afirma ser o homem feito à imagem de Deus, tendo assim valor em si mesmo.

Em diferentes fases históricas, o valor intrínseco dos homens foi se transformando,

dependendo de variantes diversas que refletiam as idéias em voga. Exemplo disto é a

vinculação da dignidade com a posição social do indivíduo defendida na antigüidade

clássica.52

Outra contribuição marcante foi dada por Immanuel Kant, conforme lembra Ingo

Wolfgang Sarlet, que afirmou ter o homem um fim em si mesmo, o que, segundo o autor,

condicionava o valor de todos os objetos e até mesmo dos seres irracionais. Sua concepção

de dignidade estava ligada à autonomia do ser humano. A impossibilidade de se colocar

preço em determinada coisa seria, portanto, indicativo de que possui dignidade, valor

superior e de impossível mensuração.53

Mais recentemente a dignidade da pessoa humana recebeu maior atenção após os

abusos cometidos na Segunda Guerra Mundial. A constitucionalização deste valor da

pessoa como fim em si mesma ocorreu como reação às práticas desumanas deste período.

No pós-guerra, o Direito Constitucional ocidental ampliou-se para abarcar também os

50 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais nas relações de trabalho in Revista de direito do trabalho. n. 123 51 VIANNA, Segadas in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 2 v. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. p 100 52 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 29-31 53 KANT, Immanuel. apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 32-35

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direitos fundamentais que estavam simultaneamente sendo discutidos no âmbito

internacional. Portanto, não mais se limitava o Direito Constitucional ao seu anterior

caráter político-estatal, mas assumiu o papel de “principal referencial de justiça” de cada

país.54

A dignidade da pessoa humana passou a ser expressamente reconhecida por

diversas Constituições após sua consagração na Declaração Universal dos Direitos

Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948, que a apresenta como atributo

intrínseco de todo ser humano, tanto no seu Preâmbulo quanto no artigo 1°:55

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

[...]

Artigo 1°: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.56

Houve, portanto, uma mudança radical tanto no direito internacional, que passou

a ter como meta a proteção do ser humano através da criação de um “sistema normativo

internacional de proteção dos direitos humanos”, como também no Direito Constitucional

das democracias ocidentais, que tiveram suas bases reformuladas, tornaram-se mais

“holísticas” no intuito de proteger os princípios que cada país determinou como

fundamentais, tendo como centro o princípio da dignidade da pessoa humana.57

No Brasil, contudo, esta mudança de visão e conseqüente abertura da

Constituição a direitos fundamentais e princípios, aí incluído o da dignidade da pessoa

humana, ocorreu somente após o período da ditadura militar. Ou seja, a mudança de foco

do Direito, que passa a ter no seu centro o homem, levou quatro décadas para atingir a

legislação brasileira.58

54 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 356 55 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 65 56 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos in SALIBA, Aziz Tuffi (org). Legislação de direito internacional. 2. ed. São Paulo: Ridel, 2007. 57 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 356-360 58 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 357

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Importante observação a ser feita sobre a dignidade da pessoa humana é que esta,

em si, não se caracteriza como direito fundamental. Isto decorre do fato de que a dignidade

humana independe de previsão legal para existir, pois não necessita de concessão do

Estado ou da lei. Contudo é valor basilar e seu reconhecimento é, desde 1988, princípio

fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Poder-se-á, por conseguinte, falar em

direito ao reconhecimento e proteção desta dignidade; entretanto, convencionou-se chamar

de “princípio da dignidade da pessoa humana” aquele que prescreve seu reconhecimento e

proteção.59

Assim, como já assinalado, através do texto da CRFB/88 a dignidade da pessoa

humana ganhou status de princípio e valor constitucional, posto que expressamente

positivado, sem, contudo, ser criação do constituinte. O artigo 1º, inciso III da CFRB/88ª

define como valor básico no Estado brasileiro: 60

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana;

[...]61

Convém, porém, utilizar conceitos doutrinários na tentativa de melhor delimitar o

conteúdo da dignidade que é inerente às pessoas humanas. Nas palavras de José Afonso da

Silva, a dignidade da pessoa humana “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os

direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.62 Já Ingo Wolfgang Sarlet

apresenta conceito mais abrangente ao afirmar ser a dignidade da pessoa humana:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-

59 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 73. 60 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana – Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba: Juruá. 2006. p. 98 61 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 62 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 105.

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responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.63

Não existe consenso doutrinário a respeito do conteúdo da dignidade da pessoa

humana, nem mesmo há consenso em relação à possibilidade de se conceituar

juridicamente a dignidade. De qualquer forma, deve-se observar que o conceito de

dignidade da pessoa humana não é fixo e, sim, axiologicamente aberto, em “permanente

processo de construção e desenvolvimento”, o que torna seu conteúdo dependente de

constante “concretização e delimitação pela práxis constitucional”.64

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado

reflete a característica social da CFRB/88, que abandonou a posição patrimonialista para se

fundar no bem-estar da pessoa humana, seguindo a tendência internacional anteriormente

citada.65 Através deste reconhecimento, deu-se unidade ao sistema dos direitos

fundamentais,66 e o homem foi eleito fim maior da sociedade e do Estado67 brasileiros.

Entretanto, a dignidade da pessoa humana não se presta apenas a orientar a

interpretação dos direitos fundamentais de primeira geração, como bem colocam José

Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados por José Afonso da Silva, ao

ressaltarem o “amplo sentido normativo-constitucional” da dignidade. Sentido este que,

afirmam, não pode ser reduzido à “defesa dos direitos pessoais tradicionais”, devendo

também ser aplicado na defesa de outros direitos, como, por exemplo, os sociais.68

Importante observação faz Ingo Wolfgang Sarlet ao asseverar que a dignidade da

pessoa humana possui dupla dimensão, cumpre dupla função. De um lado limita o Estado,

impedindo-o de agir de maneira que viole a dignidade pessoal dos cidadãos. De outro,

exige ações estatais que visem à proteção e efetivação desta dignidade, que resulte numa

vida digna a todos. Seria, portanto, papel do Estado a concretização da dignidade da pessoa

63 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.62 64 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.41 65 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana – Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba: Juruá, 2006. p.72 66 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 48. 67 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV: Direitos Fundamentais. 3 ed. Coimbra: Coimbra. 2000. p.180 68 CANOTILHO, Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.105

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humana, em especial do Poder Legislativo, que deve legislar de modo que permita que a

ordem jurídica tenha condições de concretizar este princípio.69

Para que se possa apreender a dimensão da dignidade da pessoa humana para o

Direito, é necessário lembrar da força normativa dos princípios constitucionais, viés

hermenêutico que melhor garante a efetividade das Constituições. Flávia Piovesan

esclarece sobre a força normativa dos princípios:

Com efeito, ao se tratar de princípio jurídico no presente panorama jurídico, não mais se está a referir aos ‘princípios gerais de direito’ do art. 4°, da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, como fonte subsidiária à lei escrita; mas, antes, se está a referir aos princípios constitucionais, fonte primária por excelência do Direito, elementos primeiros a serem levados em conta quer pelo legislador, quer pelo aplicador da lei ao caso concreto.

[...]

A se permitir tomar como secundária a base mesma do modelo constitucional, corrompe-se como um todo o sistema jurídico que a ele necessariamente se amolda.70

Recebe o princípio da dignidade da pessoa humana destaque não apenas entre os

princípios constitucionais, mas em todo o ordenamento jurídico.71 Firma-se assim como

verdadeiro “valor-guia” que ultrapassa os direitos fundamentais e chega até as normas

infraconstitucionais, razão pela qual é considerado por alguns como hierarquicamente

superior a outros princípios constitucionais.72

Desta forma, todo o conteúdo da CFRB/88 deve ser valorado à luz do princípio

da dignidade da pessoa humana,73 que, pela sua natureza de valor capital do ordenamento

jurídico, tem o condão de condicionar tanto a interpretação quanto a aplicação do texto

constitucional, servindo de elemento unificador axiológico.74

69 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.110-112 70 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 361-362 71 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 389-393 72 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.74 73 PIOVESAM, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 53 74 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana – Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba: Juruá, 2006. p.62

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1.4 Igualdade

Em menor ou maior escala, a idéia de igualdade foi discutida por todas as

sociedades ocidentais ao longo dos séculos e ainda é objeto para reflexões nas mais

variadas áreas do conhecimento humano, em especial nas áreas social, filosófica e

jurídica.75

Estabelecer as origens e motivos das desigualdades existentes entre os homens

mostrou-se tarefa árdua e gerou diversas teorias diferentes. José Afonso da Silva apresenta

algumas destas teorias, dentre as quais a teoria dos chamados “nominalistas”, que

acreditam ser a idéia de igualdade totalmente desprovida de qualquer sentido real, posto

que os homens nascem e permanecem desiguais ao longo da vida; teoria oposta apóiam os

“idealistas”, para quem a igualdade é absoluta e originária do próprio estado natural dos

homens.76

O mesmo autor segue apresentando a idéia defendida pelos “realistas”, que

acreditam ser os homens iguais, posto que da mesma espécie, porém diferentes entre si em

diversas características individualizadoras, sendo necessária uma igualdade jurídica que

permita a coexistência digna destas diferenças.77

Esta última concepção encontra amparo na lição de José Joaquim Calmon de

Passos, já que, segundo este autor, existe uma “igualdade fundamental”, entre todos os

seres humanos, bem como existe uma “desigualdade fundamental” posto que não há dois

indivíduos idênticos. Conclui, portanto, que é a existência destes dois fatos que impõe ao

homem a busca pela igualdade. Deste modo, a igualdade não se apresenta como fator

natural numa sociedade; antes, porém apresenta-se como tarefa a ser executada pelos

homens. 78

75 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 32 76 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 211 77 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 212-213 78 PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007.

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1.4.1 O princípio da igualdade (formal versus material)

O primeiro documento legal a formalizar a igualdade entre os homens foi a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que dispõe, em seu artigo 1°:

Os homens nascem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem

fundar-se na utilidade comum.79

Esta previsão surgiu, porém, desamparada de qualquer direito social que lhe desse

efetividade.

Esta concepção formal da igualdade era própria do Estado de Direito Liberal e a

ele bastava, já que a preocupação básica era controlar o poder do Estado, em resposta aos

abusos cometidos no período absolutista.80 José Joaquim Gomes Canotilho, inclusive,

chama esta igualdade de “igualdade liberal”, tendo em vista que foi postulada pelo

constitucionalismo liberal, e observa que se limitava a servir de pressuposto ao regime de

liberdades individuais que se instalava.81

Estava a igualdade, por conseguinte, diretamente ligada à primeira geração de

direitos fundamentais, anteriormente exposta, que prevê simplesmente uma atitude

negativa do Estado; neste caso, que o ente estatal comprometa-se a não diferenciar os

indivíduos.82 O princípio da igualdade foi, por longo período, entendido e exposto apenas

sob seu limitado aspecto formal.83

É este o prisma da igualdade que se encontra no caput do artigo 5º da CRFB/88,

quando este destaca a igualdade frente à lei: 84

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

79 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 213 80 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 192-193 81 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 427-428 82 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos in Cadernos de pesquisa, v.35, n. 124, jan/abr de 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2007. 83 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 71 84 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.72

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direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...](grifo nosso). 85

Contudo, com a evolução dos direitos fundamentais, esta previsão passou a ser

insuficiente. Tornaram-se necessárias ações advindas do Estado em prol daqueles

indivíduos vulneráveis que necessitam de proteção especial. Ou seja, o princípio da

igualdade com aspecto puramente formal não bastava mais;, era necessário expandi-lo para

que surtisse efeito também sob aspecto material.86

Diz-se tratar de igualdade material, ou substancial, como alguns preferem, aquela

que visa, através do tratamento desigual aos desiguais, alcançar justiça social.87 Para

esclarecer a questão, José Joaquim Calmon de Passos afirma que, por esta lógica, é

necessário diferenciar juridicamente os sujeitos de direito que se encontrem em situações

desiguais, a fim de que, materialmente, obtenha-se maior igualdade.88

Pode-se dizer que a igualdade material, de certa forma, engloba a igualdade

formal,89 revelando o princípio da isonomia, que se caracteriza em tratar com igualdade os

iguais e com desigualdade os desiguais, buscando sempre mais “igualdade substancial”.90

Observa José Joaquim Gomes Canotilho que a igualdade material será automaticamente

“relacional”, porque pressupõe que as diferenciações surgem do ato de se relacionar dois

ou mais indivíduos em relação a uma situação ou característica que os difere.91

Desta feita, a partir de uma leitura global, não restrita ao caput do artigo 5º,

percebe-se que a CRFB/88 resguarda também a igualdade material, fazendo isto já em seu

85 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 86 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos in Cadernos de Pesquisa, v.35, n. 124, jan/abr de 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2007. 87 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 211-212 88 PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007. 89 SILVA, Alexandre Vitorino. O desafio das ações afirmativas no direito brasileiro in Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3479>. Acesso em 15 de junho de 2007. 90PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007. 91 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 427-428

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artigo 3º, quando elenca expressamente os objetivos básicos da República Federativa do

Brasil:92

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (grifos nossos) 93

Percebe-se, portanto, que a CRFB/88 incluiu em seu texto tanto a igualdade

formal, perante a lei, como também a igualdade material, em ações positivas do Estado,

com a finalidade de se obter a já citada justiça social.94

1.4.2 Igualdade perante a lei e igualdade na lei

Para que se possa diferenciar “igualdade perante a lei” de “igualdade na lei”, faz-

se necessário conceituar cada uma delas. Assim, tem-se que o princípio da igualdade

perante a lei preconiza que o aplicador do direito deverá aplicar a norma ao caso concreto

de acordo com o que aquela estabelece, ou seja, é expressão simples da isonomia formal.

Seu destinatário é o aplicador do direito – juiz ou administrador –, que deverá aplicar a lei

de maneira uniforme.95

Já a igualdade na lei tem como destinatário o legislador, que fica impedido de

criar normas que estabeleçam diferenciações entre pessoas, coisas ou fatos que devessem

ser tratados igualmente. Poderá o legislador criar diferenciações desde que estas sejam

previstas pela Constituição, ou seja, cuidando-se que a diferenciação sirva apenas para

92 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.73 93 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 29 de junho de 2007. 94 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 211-214 95 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.42-43

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criar a já abordada igualdade material, jamais com vistas a criar benefícios ou fardos

indevidos.96

Sobre o tema, manifestou-se didaticamente o Ministro Celso de Mello em acórdão

do Supremo Tribunal Federal:

O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade. [...] 97.

Não há consenso por parte da doutrina em relação à relevância de se distinguir a

“igualdade perante a lei” e a “igualdade na lei” no Direito brasileiro. José Afonso da Silva

defende a idéia de que esta diferenciação é útil apenas ao direito estrangeiro e que, no

Brasil, o princípio da igualdade perante a lei, conforme disposto no art. 5°, caput da

Constituição, já alcança tanto o legislador quanto os aplicadores da lei, que, de qualquer

forma, estão vinculados à aplicação fiel da norma.98

1.5 Discriminação

Diretamente ligada à igualdade está a proibição à discriminação.99 Resultado dos

progressos feitos pelos sistemas jurídicos ocidentais, o combate à discriminação reflete a

96 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 214-215 97 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 58-DF. Relator: Min. Carlos Velosso. Publicado no Diário da Justiça em 19 de abril de 1991. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 13 de junho de 2007. 98 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 214-215 99 PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007.

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intenção de se promover inclusão social, objetivo característico das democracias

modernas.100

A preocupação em eliminar todas as formas de discriminação fez surgir diversas

convenções internacionais sobre o tema, versando cada uma sobre um tipo de

discriminação específico. São exemplos a Convenção da Organização das Nações Unidas

sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre a

Discriminação em Emprego e Profissão elaborada pela Organização Internacional do

Trabalho101, todas essas ratificadas pelo Brasil. Cada uma delas traz sua própria definição

de discriminação de acordo com o assunto sobre o qual versam.102

Na esfera do Direito do Trabalho, a Convenção n°. 111 da OIT, sobre a

discriminação em emprego e profissão103, de 1958, define discriminação em seu artigo 1ª,

parágrafo 1:

Para os fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:

a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

b) qualquer outra distinção; exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.104

100 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. LTr: São Paulo, 2006. p.773. 101 “A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919, por ocasião da celebração do Tratado de Paz, como órgão vinculado à Sociedade das Nações. Tinha como atribuição promover a internacionalização das normas sociais trabalhistas, assim como fiscalizar sua aplicação.” Após o desaparecimento da Sociedade das Nações a Organização Internacional do Trabalho passou a ser reconhecida como organismo internacional especializado do trabalho ligado à Organização das Nações Unidas. Referências a esta organização serão feitas de forma abreviada: OIT. CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p. 43-44 102 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 196-197 103 A Convenção n°. 111 da OIT foi promulgada no Brasil pelo decreto nº 62.150 de 1968. Publicado no Diário Oficial da União em 20 de janeiro de 1968. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 de junho de 2007. 104 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção sobre a Discriminação em Emprego e Profissão. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/cdhm/instrumentos/profissao.html>. Acesso em 10 de junho de 2007.

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De maneira genérica, pode-se entender discriminação como todo ato restritivo, ou

que gere privilégio, capaz de prejudicar ou mesmo impedir o reconhecimento ou o

exercício de direitos fundamentais de maneira igualitária.105 É, portanto, forma de violação

do princípio da igualdade, porque a desigualdade de tratamento se dá de maneira arbitrária,

sem fundamento razoável.106

Nesta linha, esclarece José Joaquim Calmon de Passos que a discriminação, por si

só, significa apenas diferenciar. Para se tornar negativa esta distinção deverá ser proibida,

ou seja, deverá exigir-se tratamento igual a todos, indistintamente.107 Maurício Godinho

Delgado define discriminação como “[...] a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de

critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico

assentado para a situação concreta por ela vivenciada”.108

A CRFB/88 volta-se ao combate à discriminação ao prever não apenas a já citada

igualdade perante a lei, mas também a punição a “qualquer discriminação atentatória dos

direitos e liberdades fundamentais”, no inciso XLI do artigo 5°.109 Contudo, a legislação

brasileira infraconstitucional ainda possui diversas lacunas, não coibindo de maneira

específica alguns tipos de discriminação a diferentes grupos110 socialmente vulneráveis.111

Diante desta debilidade da legislação brasileira, torna-se de fundamental

relevância o chamado princípio da não-discriminação, que se apresenta como

desdobramento do princípio da igualdade. Nas palavras de José Joaquim Calmon de

Passos, “delimitar a diferenciação aceitável, porque compensadora, da que não comporta

105 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 197 106 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 428 107 PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007. 108 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p.772. 109 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 07 de agosto de 2007. 110 É o caso da lei n° 9029 de 1995 que não trata da discriminação religiosa e contra os portadores do HIV no âmbito do trabalho. GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p. 44 111 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 197-198

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acolhida no sistema jurídico constitucional, é o que denominamos, com certa improbidade,

de princípio da não-discriminação [...]”.112

O doutrinador uruguaio Américo Plá Rodriguez, ao tratar da distinção entre o

princípio da igualdade e o da não-discriminação, declara ser este mais limitado que aquele,

tendo em vista que o princípio da não-discriminação apenas proíbe distinções sem razão

válida ou legítima.113

José Afonso da Silva, ao tratar do tema, afirma que há duas formas de se ferir o

princípio da não-discriminação: ao se beneficiar determinado grupo através de

discriminação positiva em detrimento de outro grupo em igual situação; e ao se impor ônus

a um grupo determinado que, estando na mesma situação dos outros, é discriminado, pois

passa a figurar em situação desfavorável.114

1.5.1 Ações afirmativas

Como já abordado neste capítulo, a igualdade formal passou a ser questionada

quando se constatou que a simples previsão de igualdade não surtia os efeitos sociais

desejados. Em outras palavras, a igualdade formal não tinha o poder de nivelar grupos

sociais em situações de desvantagem com aqueles privilegiados.115

Desta feita, para alguns, condenar a discriminação não é suficiente, conforme

coloca Flávia Piovesan:

[...] não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. [...] O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação. 116

112 PASSOS, J. J. Calmon de. O princípio de não discriminação in Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 57, jul. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2990>. Acesso em: 08 junho de 2007. 113 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000 p.442-445 114 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 227 e 228. 115 GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional nas ações afirmativas in Ações afirmativas Políticas publicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 19 116 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, v.35, n. 124, jan/abr de 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2007.

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Foi com base nesta idéia que surgiram, nos Estados Unidos da América, na

década de 60, as chamadas ações afirmativas, chamadas de discriminações positivas pelo

direito europeu. Estas surgiram como resposta a um grande problema social americano: a

discriminação e segregação racial, porém, sua idéia base logo foi estendida a outras

situações de grupos desprivilegiados na sociedade.117

As ações afirmativas são medidas políticas especiais que visam ao favorecimento

de grupos desprivilegiados social e juridicamente,118 buscando assim remediar as

conseqüências da discriminação sofrida por estes grupos ao longo do tempo, tornando-os

menos vulneráveis.119 Neste sentido, têm caráter de estratégias sociológicas previstas

através de normas.120

Objetivam, por fim, a igualdade de oportunidades121 de maneira mais rápida do

que naturalmente ocorreria, a fim de proteger efetivamente grupos sociais vulneráveis.

Deste modo, são medidas facilitadoras da transformação de igualdade formal para

igualdade material,122 que buscam “neutralizar os efeitos da discriminação”.123

No Brasil, podem ser apontados alguns exemplos de ações afirmativas, como é o

caso da lei 9.504 de 1997, que prevê que cada partido deverá reservar trinta por cento, no

mínimo, e sessenta por cento, no máximo, para candidaturas de cada sexo; e do disposto no

art. 7°, inciso XX da CRFB/88, que prevê incentivos específicos para a proteção do

117 GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional nas ações afirmativas in Ações afirmativas Políticas publicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 21 118 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.42-43 119 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 199 120 NASCIMENTO. Amauri Marcaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.362. 121 GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional nas ações afirmativas in Ações afirmativas Políticas publicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 21 122 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas da Perspectiva dos Direitos Humanos in Cadernos de Pesquisa, v.35, n. 124, jan/abr de 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2007. 123 GOMES, Joaquim Barbosa. O debate constitucional nas ações afirmativas in Ações afirmativas Políticas publicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 19

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mercado de trabalho da mulher; além do Programa Nacional de Ações Afirmativas124 de

2002.125

Muitas são as críticas feitas a esta idéia de ação militante do Estado frente aos

problemas sociais de discriminação e exclusão de determinados grupos. Questiona-se se

não haveria transgressão da igualdade perante a lei quando um determinado grupo é

francamente privilegiado frente aos demais. Esta indagação é respondida por Ronald

Dworkin ao afirmar que não ocorre transgressão à igualdade, pois a norma prevê apenas o

tratamento igualitário e não a garantia de benefícios iguais a todos.126

124 O Programa Nacional de Ações Afirmativas foi instituído no âmbito da Administração Pública Federal pelo decreto 4.228 de maio de 2002. Trabalha sob a coordenação da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. BRASIL, Decreto n° 4.228/2002. Publicado no Diário Oficial da União em 14 de maio de 2002. Disponível em: <www.planalto.gov.br >. Acesso em 10 de agosto de 2007. 125 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 200-201 126 DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 584

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2. RELAÇÃO E GARANTIA DE EMPREGO

No presente capítulo, tratar-se-á das questões de direito material do trabalho

relevantes ao tema central a ser analisado no terceiro capítulo. Inicia-se com o exame de

diversos elementos da relação de emprego, para então analisar-se a garantia de emprego,

suas modalidades, fundamentos e efeitos.

2.1 Relação de Emprego

Ao longo da história, as relações envolvendo o trabalho humano foram sofrendo

profundas modificações. Passou-se pela escravidão na Antiguidade e pela servidão na

Idade Média. Somente após a Revolução Francesa o trabalho passou a ser livre. Porém, as

relações de trabalho eram então mantidas sem qualquer interferência do Estado, o que

gerou conflitos sociais pela massiva exploração exercida pelos contratantes sobre os

trabalhadores.127

Foi com o aparecimento desses conflitos sociais e o crescimento da sociedade

industrial urbana que surgiu a relação de emprego, uma nova relação jurídica entre

tomadores de serviço e trabalhadores.128

Pela lição de Maurício Godinho Delgado, a relação de emprego tem característica

sócio-jurídica por ser composta de elementos fáticos que foram reconhecidos pelo Direito

como essenciais ao seu reconhecimento. A relação de emprego, portanto, configura-se a

partir da existência simultânea dos seguintes elementos: trabalho realizado por pessoa

física, com pessoalidade, de forma não-eventual, mediante remuneração e sob

subordinação do tomador do serviço.129

Pode-se encontrar tais elementos na legislação trabalhista pela leitura conjunta

dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho130:

127 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 505-506 128 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 289 129 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 290 130 A partir deste ponto referências à Consolidação das Leis do Trabalho serão feitas de forma abreviada: CLT.

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Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (grifo nosso)

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (grifos nossos)131

Estes elementos, também chamados de pressupostos, não são criações jurídicas,

apenas fatos que o Direito reconhece devido a sua relevância, tornando-os indispensáveis à

caracterização da relação de emprego.132

Por fim, resume Amauri Mascaro Nascimento que relação de emprego é “a

relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e

como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado”.133

Para que se configure a relação empregatícia, são necessários alguns pressupostos

fáticos. O primeiro deles é em relação ao empregado, que deverá ser pessoa física, pois é o

trabalhador em si, pessoa humana, que a legislação trabalhista protege.134 Fosse pessoa

jurídica, teria a relação tutelada pelo Direito Civil, mediante contratos,como o de prestação

de serviços, que fogem da tutela do Direito do Trabalho.135

Para que se configure a relação de emprego, também é essencial que o trabalho

seja prestado pelo empregado de forma pessoal, pois o vínculo se reveste de

infungibilidade.136 Não poderá, portanto, haver substituição do trabalhador, exceto em

casos específicos, autorizados pela lei, como em período de férias, ou, ainda, quando

houver consentimento do empregador.137 A obrigação pela prestação do trabalho é

personalíssima e não pode ser repassada a terceiro.138

Também é necessário que o trabalho seja prestado de forma não-eventual, ou

seja, deve existir a idéia de permanência, que vigora no Direito do Trabalho também

131 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 5 de junho de 2007. 132 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 290 133 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 510 134 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 590 135 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 166 136 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 594 137 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 291-293 138 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p.108

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através do princípio da continuidade. Para que fique caracterizada a relação de emprego, é

necessário que o trabalho não seja caracterizado como esporádico.139 Ao mesmo tempo,

decorre do fato de o próprio contrato de trabalho ser de trato sucessivo, como se verá a

seguir. 140

Fundamental ainda a existência de contrapartida econômica, em parcelas

salariais, ao trabalho prestado.141 O empregado cede os benefícios de seu trabalho ao

empregador e este lhe remunera.142 Se o serviço é feito de forma voluntária, sem

recebimento de salário, caracteriza-se como voluntário e não gera vínculo empregatício.143

A subordinação, último pressuposto fático para configurar a relação de emprego,

é o elemento chave para diferenciar o trabalho prestado em uma relação de emprego e o

prestado de outras formas autônomas. Esta subordinação não tem caráter pessoal, trata-se

apenas de subordinação jurídica.144 Assim, o empregado compromete-se em realizar seu

serviço de acordo com as determinações e orientações do empregador.145

Feitas estas sucintas considerações, passa-se à análise da natureza da relação de

emprego, para que se possa, em seguida, tratar de seu aspecto subjetivo: o contrato de

trabalho.

2.1.1 Natureza jurídica da relação de emprego

O vínculo que une empregado e empregador é jurídico, pois liga dois sujeitos

numa relação social.146 A natureza deste vínculo, contudo, tem sido questionada pela

doutrina, que acabou por dividir-se em duas correntes: contratualista e anticontratualista.

139 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 293 140 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 509 141 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 299 142 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 595 143 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 127 144 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 301 145 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p 109 146 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 554

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Esta acredita que, pela grande intervenção do poder público nas relações de emprego,

restou inexistente a vontade das partes na formação desta relação.147

Já a corrente contratualista afirma a natureza contratual da relação de emprego.

Isto porque o elemento vontade sempre se faz presente nas contratações empregatícias,

ainda que com volumosa interferência estatal148, ou seja, existe uma relação negocial,

sendo esta característica fundamental ao trabalho livre.149 Portanto, segundo esta corrente,

as limitações impostas pela lei não descaracterizam o contrato, apenas exprimem o sistema

de proteção que visa colocar ambas as partes em posição de igualdade. 150 Observa

Eduardo Gabriel Saad que, apenas sob este foco, da liberdade de escolha do trabalhador,

pode-se respeitar a dignidade da pessoa humana.151

A doutrina mais moderna reafirma a natureza contratual da relação de emprego,

porém adverte que os elementos pertinentes aos contratos de trabalho são diversos dos

elementos dos contratos civis.152

2.1.2 Contrato de Trabalho

O conceito de contrato de trabalho pode, à primeira vista, confundir-se com o

conceito de relação de emprego. A própria CLT não faz diferenciação:

Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. 153

Ao apontar a relação entre as duas figuras jurídicas, Arion Sayão Romita, citado

por Sérgio Pinto Martins, apresenta a seguinte distinção:

[...] a relação de trabalho pode ser entendida como a relação jurídica objetiva criadora de direitos e obrigações derivados da prestação de trabalho subordinado. A relação é o conteúdo do contrato. O contrato é o envoltório, ou estrutura

147 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 116-118 148 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 119 149 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 555 150 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 123 e 124 151 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p. 119 152 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 309 e 314 153 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 5 de junho de 2007.

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jurídica da relação. [...] O contrato de trabalho não coincide com a relação de trabalho: dá origem a ela. 154

Assim, enquanto os elementos essenciais para a formação da relação de emprego

permitem a averiguação da existência desta relação social e jurídica, o contrato de trabalho

permite a averiguação da validade e da amplitude dos efeitos jurídicos daquela relação.155

Convém ainda observar que a denominação “contrato de trabalho”, apesar de

amplamente usada pela doutrina e pela legislação, não corresponde ao seu real significado.

Melhor seria utilizar a expressão “contrato de emprego”, uma vez que apenas aplicável

àquelas relações formais de emprego e não às relações de trabalho num geral, que também

podem ser objeto de contrato.156 Contudo, por ser “contrato de trabalho” a expressão

utilizada pela CLT e pela maior parte da doutrina, manter-se-á aqui também sua utilização.

Para que o contrato de trabalho seja válido, são necessários agente capaz e objeto

lícito, como dispõe o artigo 104 do Código Civil.157 Entretanto, difere de outros contratos

pelo modo como é cumprido: com a observância dos pressupostos da própria relação de

emprego158, já abordados anteriormente.

Em sua constituição básica, o contrato de trabalho apresenta-se como um contrato

de direito privado, pois se baseia na vontade das partes, iguais juridicamente, ainda que

limitadas por disposições legais.159 É também consensual, tendo em vista que a lei não

impõe forma específica para sua constituição160, conforme prescreve o artigo 443 da CLT:

O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.161

O contrato de trabalho é de trato sucessivo, pois regula uma relação “de débito

permanente”, até mesmo pelo princípio da continuidade, o qual se abordará mais

154 ROMITA, Airion Sayão. apud MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 125 155 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 305 156 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 114 157 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.248 158 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 315 159 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.243 160 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 509 161 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 5 de junho de 2007.

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adiante.162 Tem também caráter sinalagmático, já que há obrigações recíprocas.163 E, por

fim, é contrato oneroso, tendo em vista que o pagamento de salário ao empregado é um dos

pressupostos da relação de emprego.164

2.1.3 Sujeitos e Direitos da Relação de Emprego

a) Empregado: conceito, direitos e deveres

O conceito de empregado foi claramente definido pela CLT, em seu artigo 3°, que

determina: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza

não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”. 165

Este conceito legal traz elementos que, uma vez presentes de forma simultânea,

caracterizam a figura do empregado. Percebe-se, pela leitura do artigo, que estes elementos

são os mesmos que caracterizam a relação de emprego, numa vinculação lógica.

Importante ressaltar que o requisito chamado pela CLT de “dependência” trata-se, na

verdade, da subordinação jurídica decorrente do poder de direção do empregador.166

Como sujeito na relação de emprego, o empregado tem assegurados por lei uma

série de direitos e benefícios, que visam garantir seu bem-estar mínimo, sua segurança e

saúde.167 Isto porque o Direito do Trabalho preocupa-se em proteger o empregado partindo

do pressuposto de que é ele o sujeito mais fraco nesta relação.168

Os principais direitos garantidos aos empregados estão dispostos no artigo 7° da

CRFB/88, sendo este rol ampliado pela CLT. Os direitos garantidos aos empregados que

são mais relevantes ao tema proposto estão dispostos nos incisos I e XXXI do artigo 7°, in

verbis:

162 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.244 163 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 129 164 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.244 165 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 5 de junho de 2007. 166 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p.303 167 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos 2.ed.rev.atual e aum. São Paulo: LTr, 1999. p. 337 168 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 83

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Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

[...]

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.169

O empregado também possui obrigações na relação de emprego; a principal é

prestar o serviço para o qual foi contratado pelo empregador. Este serviço deve ser

prestado de forma pessoal e com base na boa-fé, com “diligência”, como coloca Délio

Maranhão, de forma que o empregador possa contar com a qualidade e quantidade do

trabalho prestado.170

O mesmo doutrinador continua a tratar do tema apontando também a obediência e

lealdade como deveres do empregado para com o empregador, de maneira que as

orientações do empregador sejam respeitadas e seguidas da melhor maneira.171

b) Empregador: conceito, direitos e deveres

Tanto na legislação quanto na doutrina, o conceito de empregador não se reveste

de tanta clareza como o de empregado. A CLT traz a seguinte definição de empregador em

seu artigo 2°:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço.172

Diante desta afirmação de que empresa e empregador são considerados sinônimos

e tendo em vista que “empresa” significa atividade empresarial organizada com o fim de

produzir bens ou prestar serviços173, a doutrina divide-se em duas correntes.

169 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 17 de agosto de 2007. 170 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.258 e 259. 171 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.259 172 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 20 de agosto de 2007.

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Parte da doutrina, como é o caso de Sérgio Pinto Martins, acredita que a

afirmação contida no artigo 2° da CLT está correta, uma vez que a personalidade jurídica

não é requisito fundamental para se caracterizar o empregador174. Ao analisar a

“elasticidade” do conceito de empregador, Amauri Mascaro Nascimento lembra ainda que

há quem apóie o texto legal com base na personalização da empresa demonstrada no §2°

do artigo 2° da CLT175:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle, ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.176

Por outro lado, autores como Eduardo Gabriel Saad177 e Délio Maranhão178

criticam o texto legal, pois afirmam que a empresa é objeto e não sujeito na relação de

emprego, não tem personalidade jurídica e, por isso, não poderia contratar. Seria então

empregador, na concepção jurídica, a pessoa física ou jurídica que remunera e dirige a

prestação pessoal de serviços numa determinada atividade econômica, na posição de

sujeito do contrato de trabalho e da relação de emprego.179

O empregador detém o poder de direção do trabalho, em oposição ao dever de

subordinação dos empregados. Este poder decorre tanto do conteúdo do artigo 2° da CLT

como também do próprio contrato de trabalho.180

Este poder de direção dá ao empregador o direito de determinar como a atividade

do empregado deve ser executada, porém tem alcance adstrito ao modo de trabalho.181 Isto

173 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 208-209 174 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 212 175 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 618-619 176 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 20 de agosto de 2007. 177 SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2000. p.141 178 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.290 179 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.298 180 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 226 181 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 635-636

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porque a relação estabelecida entre empregado e empregador é jurídica, sendo também

jurídico, e não pessoal, o poder de direção182

O poder de direção do empregador manifesta-se de três modos: o poder de

organização, segundo o qual o empregador coordena as atividades da empresa,

regulamentando-a internamente nos limites da lei; o poder disciplinar, que dá ao

empregador o direito de exercer autoridade na direção das atividades e impor sanções

disciplinares, desde que respeitados os limites da lei; e, por fim, o poder de controle que se

manifesta pela fiscalização do trabalho do empregado e de seu comportamento no que diz

respeito à execução do trabalho.183

Todos esses “poderes” encontram seu limite não apenas na natureza jurídica da

subordinação, que não pode extrapolar para a esfera pessoal das partes184, como também

no respeito à dignidade humana e intimidade dos empregados, entre outros direitos

constitucionalmente protegidos.185

Entre as obrigações do empregador, ensina Délio Maranhão, a mais básica é a

remuneração, o pagamento do salário devido. Existem outras obrigações previstas pela

legislação, como a prevenção de acidentes de trabalho, a assistência e indenização caso

ocorra um acidente desta natureza, a concessão de férias e descanso, entre outros, ou seja,

garantir que o empregado receba todos os direitos que lhe cabem.186

Ainda da lição de Délio Maranhão destaca-se a afirmação de que, acima de todas

estas obrigações, está a de respeitar a dignidade da pessoa do trabalhador de forma

absoluta durante toda execução do contrato de trabalho. 187

182 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos 2.ed.rev.atual e aum. São Paulo: LTr, 1999. p. 213 183 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 636-639 184 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos 2.ed.rev.atual e aum. São Paulo: LTr, 1999. p. 209-210 185 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 227 186 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.259 187 MARANHÃO, Délio in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p.259

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2.2 Estabilidade no emprego

A “estabilidade no emprego” 188 constitui limitação ao poder do empregador de

despedir seus empregados; aquele fica restrito às condições específicas que permitem a

despedida.189 Nas palavras de Maurício Godinho Delgado:

Estabilidade é a vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independentemente da vontade do empregador. (grifos do autor)

190

Em sua concepção jurídica trabalhista, a estabilidade teve origem no serviço

público, prevista já na Constituição de 1824. Em relação ao setor privado, foi a lei Eloy

Chaves (Decreto nº. 4682 de 24 de janeiro de 1923) que tratou da estabilidade pela

primeira vez, prevendo estabilidade após 10 anos de serviço para os funcionários que

laboravam em estradas de ferro. 191

Após diversas outras leis esparsas que foram ampliando o benefício da

estabilidade a outras categorias profissionais192, em 1943 a CLT, em seu art. 492193,

estabeleceu que todo empregado que trabalhasse numa mesma empresa por período

mínimo de 10 anos não poderia ser dispensado, exceto por motivo de falta grave,

verificada mediante inquérito judicial, ou força maior devidamente comprovada, sendo o

benefício estendido aos trabalhadores rurais com a Constituição de 1946.194

188 Expressão utilizada por Amauri Mascaro Nascimento, em contrapartida à “estabilidade do emprego” (grifo nosso), que seria resultado de políticas públicas sociais que visem à existência de trabalho para todos. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 750 189 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 417 190 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1104 191 GOMES, Orlando. GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 379 192 Sérgio Pinto Martins, ao tratar do tema, cita os seguintes documentos legais: Lei nº.5.109/26, Decreto nº.17.940/27, Decreto nº.20.465/30 e Decreto nº.24.615/34. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 413 193 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 194 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1234

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Com o advento da Constituição de 1967, criou-se um sistema alternativo em que

o empregado poderia optar por receber o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS), instituído pela lei nº. 5.107 de 1966, ou continuar protegido pela estabilidade.195

Porém, com o advento da CRFB/88, este sistema foi extinto e o Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço passou a ser obrigatório.196 Desta forma, também foi

extinta a estabilidade prevista no art. 492 da CLT, que restou revogado pela disposição

constitucional do art. 7º, inc. I197:

São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

[...]198

Neste sentido, já se posicionou o Tribunal Superior do Trabalho:

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a instituição generalizada do regime do FGTS, restou revogado o art. 492 da CLT, não mais subsistindo a indenização por antigüidade, remanescendo apenas o direito adquirido daqueles que à época já haviam alcançado o direito à estabilidade ali prevista.199

Importante ressaltar, como faz Maurício Godinho Delgado, que a CRFB/88 não

optou, como pode parecer à primeira vista, por um sistema liberal no que tange os

contratos de trabalho, e em especial ao seu término. A CRFB/88 buscou proteger o

contrato de trabalho ao instituir novos comandos como, por exemplo, o aviso prévio,

previsto no inciso XXI do art. 7º.200 Todo o sistema de normas constitucionais visa à

proteção da relação de emprego na medida em que a CRFB/88 estabelece ser o trabalho

195 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 416 196 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p.1238 197 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.418 198 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 199 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 955/2001-021-04-00.5 Relator: Min. Barros Levenhagen. Publicado em 16 de junho de 2006. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 200 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1240

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um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e meio para se garantir existência

digna a todos.201

O que continua previsto legalmente são as impropriamente chamadas

“estabilidades provisórias” 202, que, na realidade, são “garantias de emprego”, conforme se

abordará a seguir.

2.3 Garantia de emprego

Garantia de emprego é o termo utilizado em sentido amplo para denominar um

conjunto de medidas políticas e econômicas que visam proteger aqueles cidadãos já

empregados, mantendo-se o vínculo empregatício, bem como gerar mais oportunidades

àqueles que não estão inseridos no mercado de trabalho formal. É, portanto, medida de

proteção à dignidade da pessoa humana.203

Afirma José Afonso da Silva que, ainda que não exista previsão constitucional

expressa em relação ao direito ao trabalho, se pode deduzir este direito por meio do

disposto em artigos da CRFB/88, como o artigo 1º, inciso IV, que trata do trabalho como

fundamento da República Federativa do Brasil, o artigo 170, que versa sobre a

“valorização do trabalho” na ordem econômica, e o artigo 193, que aborda o “primado do

trabalho” como fundamento da ordem social.204

O mesmo autor continua tratando da garantia de emprego em sentido amplo, na

mesma linha acima citada, reconhecendo-a também como direito à conservação da relação

de emprego frente à despedida arbitrária ou sem justa causa.205

O termo “garantia de emprego” também é utilizado em sentido mais restrito para

tratar de previsões legais específicas que visam garantir a continuidade da relação de

201 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 768 202 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 419 203 REIS, Wagner Gusmão Jr. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 3-4 204 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.288 205 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.289

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emprego em determinadas situações. Nesta acepção, a garantia pode surgir também por

negociação coletiva ou por sentença judicial.206

Esta garantia de emprego visa manter o vínculo empregatício por um tempo

determinado, conforme a situação que enseja tal garantia ao empregado. Fica, portanto, o

empregador impossibilitado de pôr fim ao contrato por sua exclusiva vontade.207

Conforme já apontado acima, garantia de emprego é o termo mais apropriado

para as chamadas “estabilidades provisórias”, posto que, existindo estabilidade, esta não

poderá ser provisória, tendo em vista que, como coloca Sérgio Pinto Martins, “não se

harmonizam os conceitos de estabilidade e provisoriedade”.208

2.3.1 Princípios de Direito do Trabalho relativos à garantia de emprego

A seguir, tratar-se-á de dois princípios próprios do Direito do Trabalho que se

mostram fundamentais para a análise do tema proposto. Não serão abordados todos os

princípios apresentados pela doutrina, tendo em vista serem muitos, concentrando-se aqui

nos mais específicos para a análise da garantia de emprego.

a) Princípio da Proteção

O Direito do Trabalho tem sua origem na necessidade de proteção social dos

trabalhadores209 e, portanto, visa resguardar aqueles em situação de inferioridade na

relação trabalhista.210 Desta forma, ao invés de partir do pressuposto de que as partes são

iguais, o Direito do Trabalho reconhece, desde o início da relação, a desigualdade das

partes e a fragilidade do empregado.211

206 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1104; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 419 207 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1104 208 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 419 209 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 144 210 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 350 211 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 83

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É em função deste reconhecimento de desigualdade que o Estado intervém nas

relações empregatícias, impondo barreiras à livre negociação e limitando a vontade das

partes, a fim de garantir proteção legal mínima ao empregado.212 Traduz-se esta função na

própria “razão de ser do Direito do Trabalho”.213

Neste sentido, Américo Plá Rodriguez assevera que, se o legislador criou um

sistema de proteção ao empregado, cumpre ao julgador, intérprete da lei, adotar a mesma

orientação, atuar em harmonia com os propósitos da lei. Contudo, o citado doutrinador faz

a observação de que o fato de a proteção ao trabalhador ser o motivo da existência do

Direito do Trabalho não concede ao aplicador do direito a prerrogativa de fazer qualquer

coisa visando a esta proteção.214

Pela sua amplitude, o princípio da proteção costuma ser dividido em princípio in

dubio pro operario, princípio da norma mais favorável ao trabalhador, e princípio da

aplicação da condição mais benéfica ao trabalhador.215 Contudo, novamente tem destaque

a lição de Américo Plá Rodriguez, que afirma serem os princípios acima elencados

“formas de aplicação” do princípio geral da proteção, maneiras pelas quais se expressa a

proteção garantida ao empregado.216

Verifica-se a aplicação do critério in dubio pro operario na interpretação da

norma de direito do trabalho. Desta forma, se existe dúvida em relação à interpretação do

texto normativo, deverá escolher-se aquela que se mostre mais benéfica ao empregado,

desde que não afronte pretensão expressa do legislador.217

Já a utilização da norma mais favorável refere-se especificamente a casos em que

existe mais de uma norma aplicável, porém de diferentes níveis hierárquicos. A

212 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 144 213 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 85 214 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 85 - 101 215 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 97 216 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 107 217 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 145

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observância deste critério resulta na aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador,

ainda que não seja esta a norma hierarquicamente superior.218

Por fim, a regra da condição mais benéfica determina que, havendo nova norma

trabalhista, esta só será aplicada se trouxer benefícios ao trabalhador. Sua aplicação visa

lidar com o “direito transitório” quando do surgimento de novas normas. É, deste modo,

garantia de que as condições e direitos trabalhistas não serão diminuídos por regra nova.219

Arnaldo Süssekind expõe que as condições mais vantajosas, e anteriores, podem ser

inclusive contratuais ou provenientes de regulamento da empresa que, ainda assim,

prevalecerão sobre a nova norma jurídica se esta proporcionar menos proteção do que

aquelas.220

b) Princípio da Continuidade

Um dos princípios do Direito do Trabalho que está diretamente vinculado à

proteção do contrato de emprego é o da continuidade.221 Isto porque a vigência dos

contratos de trabalho, via de regra, é contínua, ou seja, a relação de emprego não é

provisória.222 Desta forma, a CLT faz diversas ressalvas para os contratos que são

estipulados com tempo determinado, como os artigos 443, parágrafo 2º, e 445, caput:

Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

[...]

§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;

b) de atividades empresariais de caráter transitório;

c) de contrato de experiência

218 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 350 219 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 131-133 220 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de Direito do Trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 145 221 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 239 -240 222 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 99

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Art. 445 - O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, observada a regra do art. 451.223

Américo Plá Rodriguez cita alguns reflexos do princípio da continuidade, como a

“resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato” por vontade do empregador224,

que a legislação brasileira exprime ao prever o pagamento da multa de 40% sobre o valor

do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço quando da rescisão unilateral do contrato de

trabalho pelo empregador, conforme disposto no parágrafo 1° do artigo 18 da lei n°. 8.036

de 1990:

Na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros. 225

O mesmo autor cita também a manutenção da relação de emprego quando da

substituição do empregador226, direito que a CLT prevê em seu artigo 448:

A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.227

O princípio da continuidade da relação de emprego visa favorecer o trabalhador e

proteger a relação de emprego228, uma vez que esta relação garante ao trabalhador seu

salário, que tem caráter alimentar, garantidor da subsistência, da qual não pode ser privado

sem que sua dignidade seja atingida.229

Tem, portanto, caráter jurídico, pois decorre do contrato de trato sucessivo, e

também econômico-social, pois garante ao empregado segurança em relação a sua

223 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 224 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 247 225 BRASIL, Lei n° 8.036 de 1990. Publicada no Diário Oficial da União em 14 de maio de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8036consol.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 226 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 247 227 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 228 RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 3ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p 244 229 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 756

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capacidade de se sustentar e prover sustento para sua família.230 Destarte, este princípio

está em harmonia com o sistema de proteção estabelecido pela CRFB/88, conforme já

tratado acima.

2.3.2 Hipóteses previstas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 para

garantia de emprego

A CRFB/88 prevê expressamente garantia de emprego em algumas situações que

serão brevemente abordadas a seguir. Ressalta-se que existem outros documentos legais

que prevêem garantias de emprego, em especial na área previdenciária, casos que não

serão aqui analisados devido à extensão do trabalho.

a) Dirigentes Sindicais

Gozam de garantia de emprego os empregados eleitos para cargos de direção ou

representação sindical, sejam titulares ou suplentes, por força do artigo 543 da CLT, em

especial o disposto no parágrafo 3º:

O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais.

[...]

§ 3º - Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação (grifo nosso)231

230 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Principiologia do direito do trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1999. p.146 231 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007.

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Também a CRFB/88 veda, em seu artigo 8º, inciso VIII, a dispensa do

empregado dirigente sindical, com exceção por motivo de falta grave, que deverá ser

apurada mediante inquérito judicial232, nos seguintes termos:

É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.233

A garantia de emprego, no caso do empregado representante sindical, tem início

com sua candidatura, desde que comunicada ao empregador234, e subsiste até um ano após

o término do seu mandato.235

Ao garantir a permanência no emprego do funcionário candidato e,

posteriormente, eleito para cargo de direção no sindicato, a CRFB/88 buscou evitar que

tais empregados fossem impedidos de militar pelos direitos da categoria por medo de

represálias por parte do empregador. Esta proteção, por sua ampla extensão, é chamada de

imunidade sindical pela doutrina.236 É, portanto, garantia da categoria para que possa ser

representada nas negociações com o empregador e não garantia pessoal do empregado.237

232 Maurício Godinho Delgado faz esta observação referindo-se à súmula 379 do Tribunal Superior do Trabalho que prevê: “O dirigente sindical somente poderá ser dispensado por falta grave mediante a apuração em inquérito judicial, inteligência dos arts. 494 e 543, §3º, da CLT.” DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p.1250-1251 233 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 234 Neste sentido o inciso I da Súmula 369 do Tribunal Superior do Trabalho: DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA: I - É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma do § 5º do art. 543 da CLT. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 12 de outubro de 2007. 235 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.377 236 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1251 237 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 420

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b) Membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

Os empregados eleitos para cargos de direção da Comissão Interna de Prevenção

de Acidentes238 gozam de garantia de emprego, desde sua candidatura até um ano após o

final de seu mandato, nos mesmos moldes do empregado representante do sindicato.239

Esta prerrogativa tem seu fundamento legal no artigo 10, inciso II, alínea a, do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que veda a dispensa arbitrária ou sem

justa causa “do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção

de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu

mandato”.240

O benefício da garantia de emprego, também neste caso, é resultado da atividade

que o empregado exercerá como membro da CIPA, e não se configura como vantagem

pessoal.241 Neste sentido, dispõe a súmula nº. 339 do Tribunal Superior do Trabalho, que

também esclarece sobre o alcance da garantia de emprego aos membros suplentes:

CIPA. SUPLENTE. GARANTIA DE EMPREGO. CF/1988

I - O suplente da CIPA goza da garantia de emprego prevista no art. 10, II, "a", do ADCT a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.

II - A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário.242

Segundo a lição de José Afonso da Silva, diferente da garantia de emprego dos

dirigentes do sindicato, os membros da CIPA estão protegidos apenas quanto à dispensa

arbitrária e despedida sem justa causa. Podem, desta forma, ser dispensados pelo

238 Todas as próximas referências à comissão interna de prevenção de acidentes serão feitas de forma abreviada: CIPA. 239 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 423 240 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 241 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 753 242 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 339. Publicada no Diário de Justiça 25 de abril de 2005. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 10 de setembro de 2007.

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empregador caso ocorra justa causa ou caso a dispensa se funde em motivo técnico,

disciplinar, econômico ou financeiro, de forma a descaracterizar a despedida arbitrária.243

c) Gestante

A empregada gestante tem direito a permanecer no emprego desde o momento da

confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Este direito faz parte da proteção ao

nascituro e à criança, dando chance à mãe de cuidar melhor de seu filho nos primeiros

meses de vida.244

A garantia de emprego à gestante está prevista no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, artigo 10, inciso II, alínea b, que prevê:

Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

[...]

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

[...]

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

[...]245

Fica claro, portanto, que, da mesma forma como o empregado membro da CIPA,

poderá a gestante ser despedida caso ocorra justa causa ou motivo que descaracterize a

dispensa arbitrária, do contrário a dispensa é nula.246

No que tange a comunicação ao empregador, dispõe a súmula nº. 244, inciso I, do

Tribunal Superior do Trabalho, que o fato de o empregador desconhecer a gravidez não

obsta o direito de receber a indenização do período de estabilidade.247

243 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 423 244 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 425 245 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 246 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 953

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2.3.3 Extinção da garantia de emprego

Existem algumas circunstâncias que resultam na extinção da garantia de emprego,

também chamada de estabilidade provisória, permitindo que o contrato de trabalho seja

rescindido. A morte do empregado é uma dessas circunstâncias, tendo em vista não ser o

direito à garantia no emprego transmissível aos herdeiros.248 Também o pedido de

demissão, desde que devidamente assistido pelo sindicato, configura ato que extingue a

referida garantia.249 O encerramento das atividades da empresa também é causa de

extinção da garantia de emprego dos funcionários que detinham este direito, salvo quando

se der de maneira fraudulenta, hipótese em que a demissão será nula.250

Outra hipótese, já citada, é a ocorrência de falta grave praticada pelo empregado

detentor da garantia de emprego, falta esta que pode depender de comprovação por meio

de inquérito judicial, conforme o disposto no parágrafo 3° do artigo 543 da CLT. 251

A CRFB/88 prevê, de maneira geral, a proteção da relação de emprego contra a

dispensa arbitrária ou sem justa causa. Entretanto, o artigo 10, inciso II, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias parece restringir esta proteção aos empregados

membros da CIPA e às empregadas grávidas. Contudo, pode-se entender que fica

permitida a dispensa destes empregados com garantia de emprego caso exista justa causa

ou a dispensa não se dê de maneira arbitrária.252 Os conceitos e limites da dispensa

arbitrária e da dispensa sem justa causa ainda não estão definidos pela legislação, conforme

se abordará a seguir.

247 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 244, inciso I. Publicado no Diário de Justiça 04 de maio de 2004. Disponível em: <www.tst.gov.br>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 248 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 439 249 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 741 250 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 738 251 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 252 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 423

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2.4 Dispensa arbitrária e sem justa causa

Como já observado acima, dispõe o inciso I do artigo 7º da CRFB/88 que a

relação de emprego será protegida contra dispensa arbitrária e sem justa causa na forma de

lei complementar. Contudo a lei complementar à qual se refere o texto constitucional ainda

não foi promulgada, ficando a matéria sujeita ao disposto no artigo 10, inciso I, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;

[..]253

Desta forma, a definição de conceitos e a aplicabilidade do disposto no artigo 7º,

inciso I, da CRFB/88 vêm sendo discutidas pela doutrina brasileira. Sérgio Pinto Martins

utiliza, de forma genérica, o conceito de dispensa arbitrária apresentado pelo artigo 165 da

CLT, que trata dos membros da CIPA, ou seja, arbitrária seria toda a dispensa que não se

funda em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.254

Motivo técnico relaciona-se à organização das atividades da empresa que pode

fechar filial ou departamentos frente a uma reestruturação. O motivo econômico diz

respeito à situação econômica da empresa frente ao mercado, inflação e custos de

produção, enquanto o financeiro vincula-se às receitas e despesas da empresa. Por último,

o motivo disciplinar seria, para o autor acima citado, a justa causa propriamente dita, uma

vez que está vinculado ao comportamento do empregado. 255

253 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 254 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 371 255 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 371

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O conceito de justa causa, por outro lado, é apresentado pelo artigo 482 da CLT,

já que este delimita os comportamentos do empregado que podem gerar a rescisão do

contrato pelo empregador por justa causa:256

Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

257

Além destas, hipóteses a CLT apresenta outras em que ocorre a falta grave, como

no caso do bancário quando por falta reiterada de pagamento de dívidas legalmente

exigíveis, conforme o artigo 508 da CLT. Também caracteriza justa causa a não utilização

dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa ou a não observância das

256 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.328 257 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007.

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normas de segurança e medicina do trabalho, conforme determina o artigo 158, parágrafo

único, da CLT. 258

Para que fique caracterizada a justa causa, é necessário que a falta seja atual, ou

seja, que a rescisão seja feita imediatamente após a ocorrência do ato. Deverá ainda haver

nexo de causa e efeito: a falta deve ser o fator determinante para a rescisão contratual.259

Alguns outros casos específicos de justa causa, como o do ferroviário que se

recusa a prestar serviço extraordinário necessário, conforme disposto no artigo 240,

parágrafo único, da CLT, também têm previsão na legislação trabalhista. 260

Pode-se concluir, portanto, que há dispensa sem justa causa quando o empregador

despede o empregado sem que este tenha praticado uma das ações elencadas no artigo 482

da CLT, ou outras ações legalmente previstas como justa causa.261

No tocante à aplicabilidade da norma constitucional do artigo 7°, inciso I, há

quem afirme que se trata de norma de eficácia plena, que deve ser aplicada sem

restrições.262 Mais contido, José Afonso da Silva afirma tratar-se de regra de aplicabilidade

imediata, cabendo à lei complementar somente definir as expressões “despedida arbitrária”

e “justa causa”, definição esta que delimitará a eficácia da norma,263 ou seja, o dispositivo

seria de eficácia contida.264

Já Amauri Mascaro Nascimento entende ser parte do sistema brasileiro de

proteção apenas a regra do já citado artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, que prevê estabilidade somente em casos específicos. Para os demais, quando

ocorrer despedida arbitrária ou sem justa causa, fica a proteção restrita ao pagamento

indenizatório de quarenta por cento sobre o valor total do Fundo de Garantia por Tempo de

258 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 389 259 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 773-778 260 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1202 261 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 371 262 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável in Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820>. Acesso em 24de agosto de 2007. 263 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p.289 264 Estas normas possuem eficácia plena até que sobrevenha norma restritiva. BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional, v. 1: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 128

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Serviço. Isto porque o empregador possui o direito de despedir seus empregados, conforme

lhe autoriza o poder de direção. Ou seja, proteção contra a dispensa, via de regra, não há,

apenas existe a necessidade de indenização por parte do empregador. 265

Por fim, o mesmo autor, em outra obra, observa que apenas com a lei

complementar poderá surgir diferença significativa, prática, entre a dispensa arbitrária e a

dispensa sem justa causa, caso esta lei preveja diferentes efeitos para cada modalidade de

dispensa, pois hoje os efeitos são os mesmos para as duas modalidades, conforme apontado

acima.266

2.5 Reintegração

Da mesma forma como não existe consenso em relação ao conceito e à

aplicabilidade da despedida arbitrária ou sem justa causa, também em relação à aplicação

da reintegração a doutrina divide-se.

Em geral a reintegração é aceita nos casos em que o empregado possuía

“estabilidade provisória”, ou seja, a garantia de emprego em virtude de motivo

especificado em lei: empregada gestante, empregado membro da CIPA ou dirigente

sindical.267 Isso porque parte da doutrina defende que, como já apontado no item anterior,

apenas nestes casos há limitação ao poder potestativo do empregador de despedir seus

empregados.268

Por outro lado, partindo-se do pressuposto de que a dispensa arbitrária foi

proibida pela CRFB/88 através de norma válida e aplicável, a lógica impõe que toda

dispensa arbitrária é nula. Desta forma, sua nulidade implica a restituição da situação

265 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 746 266 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na constituição de 1988. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 54 267 SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 742 268 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 746

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anterior ao fato, ou seja, a continuidade da relação de emprego, cabendo, portanto, a

reintegração do empregado.269

Amauri Mascaro Nascimento aponta para a facilidade com que empregados

podem ser despedidos no Brasil. Afirma serem comuns dispensas retaliativas e obstativas

de elevação de salários. Estas práticas e o posicionamento da legislação infraconstitucional

brasileira estão em desacordo com a teoria da “dispensa causada” recomendada pela OIT e

observada pela maioria dos países na atualidade. A necessidade de motivação para a

dispensa parte sempre da idéia de proteção do empregado, que deve estar acima da

liberdade do empregador.270

No Brasil, a lei n°. 9.029 de 1995 estabeleceu, em seu artigo 4°, inciso I, a

reintegração271 como medida cabível nos casos em que o empregado é demitido por ato

discriminatório, com a possibilidade de escolha do empregado entre a reintegração e o

recebimento de toda a remuneração do período de afastamento em dobro.272 Pode-se

perceber que esta lei já caracteriza avanço no direito pátrio em relação à proteção dos

empregados, em especial, neste caso, daqueles marginalizados e discriminados no âmbito

do trabalho.

No entanto, a reintegração pode gerar problemas de convivência, por forçar uma

proximidade entre empregado e empregador, e por isso existe, em diversos casos, a

possibilidade de ser substituída por indenização ou até mesmo de ser mantido o contrato e

o pagamento de salários sem que o empregado preste o serviço. 273

Necessário observar, todavia, que, em alguns casos, a indenização não cumpre o

papel protetivo que seria cumprido pela manutenção da relação de emprego, como no caso

269 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável in Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820>. Acesso em 24de agosto de 2007 270 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 744-746 271 O texto legal utiliza o termo “readmissão”, contudo o faz no sentido de “reintegração”, o que fica explícito ao prever o direito ao recebimento da remuneração do período de afastamento, direito este que é a diferença básica entre os dois institutos. SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. et. al. Instituições de direito do trabalho. 22 ed. atual. São Paulo: LTr, 2005. 2 v. p. 743 272 BRASIL. Lei n° 9.029 de 1995. Publicada no Diário Oficial da União em 17 de abril de 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9029.htm>. Acesso em 13 de setembro de 2007. 273 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 20ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 745

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do empregado que, por problemas de saúde, necessita do vínculo para inserir-se no sistema

previdenciário. Ou seja, ainda que a indenização seja uma medida alternativa válida, ela

não substitui com a mesma eficácia a reintegração, sendo esta mais efetiva no amparo às

garantias previstas pelo Direito. 274

274 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 1257

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3. GARANTIA DE EMPREGO AO PORTADOR DO HIV

Neste capítulo, abordar-se-á o reconhecimento da garantia de emprego aos

empregados portadores do HIV em determinadas condições por alguns tribunais brasileiros

e por parte da doutrina. Para tanto, iniciar-se-á com uma breve introdução sobre alguns

conceitos básicos sobre o vírus HIV e a AIDS, examinar-se-á a legislação estrangeira e

nacional pertinente aos portadores do citado vírus, para então se analisar os principais

fundamentos utilizados para garantir o emprego destes empregados mediante reintegração.

3.1 Noções introdutórias sobre a AIDS e o vírus HIV

Para que se possa analisar a questão central deste trabalho, qual seja, a garantia de

emprego ao portador de HIV, é necessário que se estabeleçam alguns conceitos básicos,

ainda que de maneira breve.

A AIDS é a doença decorrente da infecção pelo vírus HIV, sigla, em inglês, para

Human Immunodeficiency Virus, que se traduz para o português como Vírus da

Imunodeficiência Adquirida. Já AIDS é a sigla para Acquired Immune Deficiency

Syndrome, sendo esta sigla usual também em português, podendo ainda ser usada a sigla

SIDA, que expressa o nome da doença em português: Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida.275

Após a infecção do organismo humano pelo vírus, podem se passar alguns anos

até que a pessoa infectada venha a ter os sintomas da doença, sendo este período chamado

de período de incubação. Durante este período até mesmo o diagnóstico pode ficar

prejudicado. Neste estágio, o indivíduo é apenas portador do vírus HIV.276

A manifestação da doença provoca a incapacidade do sistema imunológico de

proteger o organismo contra agentes externos, como microorganismos invasores (vírus,

bactérias, entre outros). O doente fica suscetível a diversas infecções e outras doenças

porque o vírus HIV destrói os linfócitos, células responsáveis pela defesa do organismo. É

275 BRASIL, Ministério da Saúde. AIDS - leia antes de escrever: guia prático para profissionais de comunicação. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST/Aids, 2003. Disponível em < http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS29417F18PTBRIE.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2007. 276 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 20-21

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nesta fase que aparecem os sintomas, decorrentes destas doenças chamadas oportunistas, e

o portador do HIV passa a ser considerado doente de AIDS.277

A transmissão do vírus HIV ocorre através do sangue e de outros fluidos

corporais, como o esperma e o leite materno. As principais formas de contágio são

relacionamento sexual, transfusão de sangue, utilização de material infectado, como

agulhas e seringas, e a chamada forma vertical, também chamada de materno-fetal, que

ocorre no momento do nascimento, quando a mãe transmite o vírus ao filho.278

Acredita-se que o surgimento da AIDS ocorreu no final da década de 70,

provavelmente no continente africano. Os primeiros casos foram identificados e definidos

como AIDS já em 1982, inclusive o primeiro caso no Brasil. Contudo, EEUA, Haiti e

África Central foram os locais com maior registro de casos de AIDS. Nesta época a doença

foi chamada de 5H que era a sigla para Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos,

Heroinômanos (termo para designar os usuários de heroína injetável) e Hookers (termo em

inglês para profissionais do sexo), já caracterizando o estigma dos chamados “grupos de

risco”.279

A incidência da AIDS cresceu em todo o mundo e junto com ela a idéia de

vinculação entre a infecção e um estilo de vida reprovável, homossexual ou de usuários de

drogas. Alguns defendem que desta idéia preconceituosa adveio o termo “aidético”, em

possível alusão a outros termos, como “leproso”, termo que, com o passar do tempo

tornou-se relativo a indivíduo mal visto na sociedade, de caráter questionável e não apenas

ao doente de hanseníase.280

Assim, conforme afirma Alexandre Augusto Gualazzi281, tendo em vista ter sido a

AIDS associada a determinados comportamentos sociais libertinos, desde o início carrega

consigo estigma, e seus doentes são alvo de discriminação. Se no início, devido ao

277 BRASIL, Ministério da Saúde. AIDS - leia antes de escrever: guia prático para profissionais de comunicação. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST/Aids, 2003. Disponível em < http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS29417F18PTBRIE.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2007. 278 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 21-22 279 BRASIL, Ministério da Saúde. História da AIDS. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de DST/Aids, 2003. Disponível em <http://www.aids.gov.br/data/Pages/LUMIS232EC481PTBRIE.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2007. 280 GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p. 87-91 281 GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p. 91-92

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tratamento precário, a discriminação ocorria em razão da aparência física dos doentes, hoje

ela ocorre independentemente de qualquer sintoma, apenas em função da condição de

soropositivo282.

Com o advento dos tratamentos médicos mais eficazes e disponíveis para toda a

população, no caso do Brasil, as pessoas infectadas pelo vírus HIV passaram a ter uma

considerável sobrevida, o que deu origem a estudos sobre a qualidade de vida dos

portadores do HIV com base não apenas em fatores médicos como também em fatores

sociais e econômicos. Entre outras conclusões, estes estudos confirmaram que, com

“suporte social”, aí incluída a possibilidade de trabalhar, a percepção de qualidade de vida

entre os portadores do HIV melhora, podendo gerar reflexos inclusive em sua saúde: 283

Evidencia-se, com alguma consistência, a associação entre disponibilidade e satisfação com o suporte social, bem-estar psicológico e percepção positiva da qualidade de vida, corroborando achados que indicam o papel do apoio social como moderador do estresse em contextos relacionados ao processo saúde-doença.

284

Portanto é relevante analisar as questões concernentes às relações empregatícias

envolvendo pessoas portadoras do HIV sob a perspectiva dos direitos e garantias

estabelecidos pelo Estado brasileiro, tanto na CRFB/88 quanto em outras normas. Entre

estas questões, está a relativa à estabilidade no emprego para o portador do HIV, sua

possibilidade e fundamentos, foco do presente estudo.

3.2 Normas relativas aos portadores do HIV

A proteção ao portador do HIV e ao doente de AIDS tem sido objeto de diversas

convenções internacionais e leis. A seguir, apresenta-se um breve panorama da legislação

estrangeira e da tendência internacional sobre o tema, bem como disposições do

282 A expressão soropositivo é referente àqueles indivíduos que possuem anticorpos no soro sangüíneo para o vírus da AIDS; aqui será utilizada como sinônimo da expressão “portador do HIV”. BRASIL. Ministério da Saúde. Disponível em: <www.aids.gov.br> Acesso em: 10 de setembro de 2007. 283 SEILD, Eliane Maria Fleury; TRÓCCOLI, Bartholomeu Torres; ZANNON, Célia Maria Lana da Costa. Pessoas vivendo com HIV/AIDS: enfrentamento, suporte social e qualidade de vida in Psicologia: reflexão e crítica. Porto Alegre: maio-agosto de 2005. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/prc/v18n2/27469.pdf> Acesso em 09 de agosto de 2007. 284 SEILD, Eliane Maria Fleury; TRÓCCOLI, Bartholomeu Torres; ZANNON, Célia Maria Lana da Costa. Pessoas vivendo com HIV/AIDS: enfrentamento, suporte social e qualidade de vida in Psicologia: reflexão e crítica. Porto Alegre: maio-agosto de 2005. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/prc/v18n2/27469.pdf> Acesso em 09 de agosto de 2007.

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ordenamento jurídico brasileiro destinadas a proteger especificamente o portador do HIV e

o doente de AIDS.

3.2.1 Tendência internacional e legislação estrangeira

Na esfera internacional, a primeira manifestação acerca do tratamento que deveria

ser dispensado aos trabalhadores portadores do HIV ocorreu em 1988, por ocasião da

Reunião Consultiva sobre AIDS no local de trabalho, realizada pela OIT juntamente com a

Organização Mundial de Saúde285, que resultou na elaboração da Declaração da Reunião

de Consulta OIT/OMS sobre AIDS no Local de Trabalho. Neste documento, as duas

organizações definem princípios básicos a serem aplicados nas relações de trabalho

envolvendo portadores do HIV e doentes de AIDS, entre eles:

(a) a proteção da dignidade e dos direitos humanos das pessoas infectadas pelo vírus HIV, incluindo as pessoas doentes de AIDS, é essencial para prevenir e combater o HIV/AIDS;

(b) os trabalhadores infectados pelo vírus HIV que se encontrarem sãos devem ser tratados exatamente como qualquer outro trabalhador;

(c) os trabalhadores que têm alguma enfermidade relacionada com a AIDS, ou tenham desenvolvido a AIDS, devem ser tratados como qualquer outro trabalhador, com uma enfermidade qualquer. (grifo nosso)286

O mesmo documento preocupou-se em estabelecer medidas protetivas tanto para

aqueles que procuram emprego, como para aqueles que já se encontram empregados. Para

o primeiro grupo, não deve ser solicitado nenhum exame que busque, de nenhuma maneira,

detectar o vírus HIV, sob pena de se caracterizar discriminação. Em relação aos portadores

do HIV já empregados, devem ser observados o caráter confidencial de toda informação

médica, o direito de não informar o empregador de sua condição de soropositivo, a

proteção contra toda forma de discriminação no trabalho, a manutenção do emprego com

285 Organização responsável pelas questões de saúde no âmbito da Organização das Nações Unidas. Referências a esta organização serão feitas de forma abreviada, OMS, a partir deste ponto. Disponível em <www.who.int/about/en>. Acesso em 10 de outubro de 2007. 286 JUNIOR, Veriano Terto. et. al. (Org.), CUNHA, Maria Beatriz (Coord.). HIV/Aids no mundo do trabalho: as ações e a legislação brasileira. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2002. p. 73

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alterações de cargo caso necessárias a possibilitar a continuação do serviço, entre outras

recomendações.287

Nesta mesma linha, a OIT elaborou a Convenção n°. 111, ratificada e promulgada

pelo Brasil, que trata da discriminação no trabalho e condena todo tipo de exclusão que

atinja o princípio da igualdade entre os trabalhadores.288

Por fim, merece menção a Convenção n°. 158, também da OIT, que trata da

garantia de emprego. Estabelece o artigo 4° que só se dará fim à relação de trabalho

quando houver uma causa relacionada ao comportamento do empregado ou sua

capacidade, ou ainda por motivo de necessidade de funcionamento da empresa. Esta

convenção foi ratificada e promulgada pelo Brasil, sendo, entretanto, denunciada meses

após sua promulgação.289

Em relação ao Direito estrangeiro, no que diz respeito à proteção dos portadores

do HIV, podem-se citar exemplos como o dos EEUA. Segundo a legislação norte-

americana, o portador do HIV é enquadrado como deficiente físico com o objetivo de

facilitar seu atendimento pela assistência social. É vedada qualquer discriminação nas

relações de trabalho envolvendo soropositivos, tanto na admissão quanto no decorrer do

contrato. Só é permitida a dispensa fundada no fato de o empregado ser portador do HIV

caso esta condição coloque em risco a saúde de terceiros; em todos os outros casos, terá o

empregado direito à reintegração.290

Pela legislação francesa, o empregado soropositivo é protegido contra a

discriminação desde a admissão, incluindo-se aí o exame médico de aptidão para o

trabalho. Proíbe-se a rescisão do contrato de trabalho fundada na saúde do empregado, ou

seja, é proibida a despedida motivada pelo fato de o empregado ser portador do HIV.291

287 JUNIOR, Veriano Terto. et. al. (Org.), CUNHA, Maria Beatriz (Coord.). HIV/Aids no mundo do trabalho: as ações e a legislação brasileira. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2002. p. 73-74 288 GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p.67 289 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 43-46. 290 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p. 108-109 291 GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p.69

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No Direito italiano, a lei n°. 135 de 1990 criou um programa de prevenção e luta

contra a AIDS. Esta mesma lei cuida da proteção do empregado portador do HIV contra

todo tipo de discriminação, invasão de privacidade e preconceito. Também veda a

realização de exames médicos admissionais com a finalidade de comprovar a infecção pelo

vírus HIV. Qualquer descumprimento a estas regras pode gerar a obrigação do pagamento

de multas.292

3.2.2 Legislação brasileira

Conforme já exposto, foi na década de 80 que a AIDS começou a mostrar sinais

de que se tornaria uma epidemia também no Brasil. No final desta mesma década, foi

promulgada a CRFB/88, que trouxe consigo novos valores para o Estado brasileiro, com

destaque para a já abordada dignidade da pessoa humana, que ganhou status de valor-guia

de todo ordenamento jurídico. Desta forma, todo o sistema normativo foi reestruturado e

modificações à legislação infraconstitucional então vigente tornaram-se imperativas para

adequá-la aos novos valores e princípios trazidos pela CRFB/88.293

Desta forma, datam do final da década de 80 e do início da década de 90 os

principais textos legais relativos à proteção do portador do HIV e do doente de AIDS,

textos que traçaram políticas de contenção e combate ao vírus HIV e à AIDS.294 No tocante

à proteção ao trabalho, a lei n°. 7.670 de 1988 foi um importante marco, aumentando as

chances de vida com dignidade aos doentes de AIDS.295

O artigo 1° do referido documento legal estabelece:

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica:

I - a concessão de:

a) licença para tratamento de saúde prevista nos artigos 104 e 105 da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952;

292 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p. 109 293 BRASIL, Ministério da Saúde. Legislação sobre DST e AIDS no Brasil. Disponível em <www.aids.gov.br/legislacao >. Acesso em 27 de setembro de 2007. 294 BRASIL, Ministério da Saúde. Legislação sobre DST e AIDS no Brasil. Disponível em <www.aids.gov.br/legislacao >. Acesso em 27 de setembro de 2007. 295 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 48-49

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b) aposentadoria, nos termos do art. 178, inciso I, alínea b, da Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952;

c) reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980;

d) pensão especial nos termos do art. 1º da Lei nº 3.738, de 4 de abril de 1960;

e) auxílio-doença ou aposentadoria, independentemente do período de carência, para o segurado que, após filiação à Previdência Social, vier a manifestá-la, bem como a pensão por morte aos seus dependentes;

II - levantamento dos valores correspondentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, independentemente de rescisão do contrato individual de trabalho ou de qualquer outro tipo de pecúlio a que o paciente tenha direito.296

Em dezembro do mesmo ano, foi promulgada a lei n°. 7.713, que alterou algumas

disposições anteriores sobre o imposto pago sobre a renda. O artigo 6° desta lei, em seu

inciso XIV, isenta do imposto a renda proveniente de aposentadoria motivada pela AIDS:

Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

[...]

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

[...]

XXI - os valores recebidos a título de pensão quando o beneficiário desse rendimento for portador das doenças relacionadas no inciso XIV deste artigo, exceto as decorrentes de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão (grifo nosso).297

Também pertinente ao tema a já citada lei n°. 9.029, de abril de 1995, promulgada

com o propósito de coibir diversos tipos de discriminação no âmbito das relações de

trabalho. Sobre este documento legal tratar-se-á com mais detalhes no item 3.3.1 deste

capítulo.

296 BRASIL, Lei n° 7.670 de 1988. Publicada no Diário Oficial da União em 19 de setembro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7670.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2007. 297 BRASIL, Lei n° 7.713 de 1988. Publicada no Diário Oficial da União em 23 de dezembro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7713.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2007.

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Outra norma fundamental para o atual estágio do amparo aos portadores do HIV e

doentes de AIDS no Brasil é a lei n°. 9.313, de novembro de 1996, que determinou a

distribuição gratuita de medicamento aos portadores do HIV e doentes de AIDS através do

Sistema Único de Saúde, nos seguintes termos:

Art. 1º Os portadores do HIV (vírus da imunodeficiência humana) e doentes de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) receberão, gratuitamente, do Sistema Único de Saúde, toda a medicação necessária a seu tratamento.298

Diversos outros documentos legais também garantem dignidade, melhores

condições sociais e físicas aos portadores do HIV. São exemplos a portaria interministerial

n°. 796 de maio de 1992, que proíbe escolas de realizarem exames sorológicos tanto para a

admissão como para a manutenção de alunos e professores na rede pública e privada de

ensino; e a portaria ministerial de 18 de novembro de 2002, que instituiu o projeto Nascer,

que tem por objetivo evitar a transmissão vertical do vírus HIV, ou seja, de mãe para

filho.299

Além destas previsões infraconstitucionais, diversos dispositivos da CRFB/88 são

aplicáveis aos portadores do HIV, como os que prevêem o direito à assistência médica,

hospitalar e farmacêutica integral, prevista nos artigos 194 a 204; o direito à assistência

social, conforme disposto no artigo 203; e a garantia da promoção do bem de todos, sem

qualquer preconceito, conforme o artigo 4°, inciso IV; entre outras previsões.300

Diante desta sucinta exposição de normas estrangeiras, tendências internacionais e

legislação nacional, fica claro que se tem buscado proteger o portador do HIV e o doente

de AIDS de maneira a garantir seus empregos, desde que estejam aptos para a atividade

que desenvolvem,301 protegendo-se assim sua dignidade, conforme disposto na Declaração

da Reunião de Consulta OIT/OMS sobre AIDS no Local de Trabalho.302

298 BRASIL, Lei n° 9.313 de 1996. Publicada no Diário Oficial da União em 14 novembro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9313.htm>. Acesso em 27 de setembro de 2007. 299 BRASIL, Ministério da saúde. Política brasileira de AIDS: principais resultados e avanços 1994-2002. Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_94_02.pdf>. Acesso em 27 de setembro de 2007. 300 BRASIL, Ministério da Saúde. Legislação sobre DST e AIDS no Brasil. Disponível em <www.aids.gov.br/legislacao > . Acesso em 27 de setembro de 2007. 301 GUALAZZI, Alexandre Augusto. AIDS e direito do trabalho: questões de direito material e processual. São Paulo: LTr, 2005. p.70 302 JUNIOR, Veriano Terto. et. al. (Org.), CUNHA, Maria Beatriz (Coord.). HIV/Aids no mundo do trabalho: as ações e a legislação brasileira. Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2002. p.

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3.3 Garantia de emprego aos portadores do HIV: fundamentos

Apesar da ampla proteção conferida aos portadores do HIV, não há no Brasil

qualquer previsão legal expressa que lhes garanta estabilidade no emprego, seja na

CRFB/88, seja na legislação infraconstitucional,303 conforme já apontado no capítulo

anterior.

Não obstante, alguns tribunais brasileiros têm entendido, com base em

fundamentos constitucionais, ser o portador do HIV detentor de garantia de emprego,

determinando que sejam reintegrados quando despedidos sem justa causa. Fundamentam

suas decisões com base em princípios constitucionais, como o da igualdade e proibição de

discriminação, o da função social da propriedade e dos contratos e o da dignidade da

pessoa humana. A seguir, passar-se-á à análise específica dos principais fundamentos

utilizados pelos Tribunais Regionais do Trabalho e, especialmente, pelo Tribunal Superior

do Trabalho.

3.3.1 Despedida discriminatória

Com base em todos os princípios constitucionais já aludidos anteriormente, sabe-

se que ao empregador é defeso despedir empregado por ser este portador do HIV. Ocorre

que, ainda hoje, muitos empregadores dispensam empregados soropositivos por medo e

falta de informação, bem como por preconceitos ligados à homossexualidade, já que ainda

existe a idéia de vinculação da homossexualidade ao vírus HIV.304

A CRFB/88, em seu artigo 3°, inciso IV, afirma ser um dos objetivos da

República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, “sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Já o artigo 6°

estabelece, entre outros direitos sociais, o direito ao trabalho. 305

73-74 Disponível em: < http://www.higieneocupacional.com.br/download/hiv-aids-oit.pdf>. Acesso em: 09 de agosto de 2007. 303 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 156-157 304 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p.161, 173-174 305 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2006

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A despedida discriminatória foi preocupação também da OIT, que promulgou a

Convenção n° 111, ratificada e promulgada306 pelo Brasil, conforme já exposto no item

anterior. O documento destaca a importância da “igualdade de oportunidades e de

tratamento” para o combate da discriminação nas relações de emprego. O Brasil, como

signatário, comprometeu-se em combater a discriminação, conforme informa o artigo 2°

desta convenção:

Qualquer Membro para o qual a presente Convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. (grifo nosso)307

Com base nestas previsões, o legislador ordinário editou a lei 9.029 de 1995, que

objetiva coibir e, portanto, reduzir as práticas discriminatórias no âmbito do trabalho,

servindo assim à previsão constitucional de promoção do bem de todos sem

preconceitos.308

Assim, estabelece em seu artigo primeiro:

Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.309

Tendo em vista o artigo acima transcrito não fazer referência ao portador do HIV

ou doente de AIDS, a doutrina divide-se em relação à aplicação analógica para os casos de

discriminação por estes motivos. Sérgio Pinto Martins é contrário à aplicação da lei

9.029/95 por analogia; afirma que a referida lei trata de situações específicas, em especial

relacionadas à proteção do trabalho da mulher, e não aos doentes. Assevera ainda que não

existe qualquer lacuna na lei em relação à garantia de emprego aos portadores do HIV.

306BRASIL, Decreto n° 62.150 de 1968. Publicado no Diário Oficial da União em 20 de janeiro de 1968. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D62150.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2007. 307 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção sobre a Discriminação em Emprego e Profissão. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/cdhm/instrumentos/profissao.html>. Acesso em 10 de junho de 2007. 308 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p.104; REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. P 56-57 BRASIL. Lei n° 9.029 de 1995. Publicada no Diário Oficial da União em 17 de abril de 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9029.htm>. Acesso em 13 de setembro de 2007.

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Esta garantia, segundo o autor, simplesmente não existe, o que, em sua opinião, impede o

magistrado de decidir pela reintegração do empregado soropositivo, sob pena de violar o

princípio da separação dos Poderes, insculpido no artigo 2° da CRFB/88.310

Em que pese a opinião do renomado doutrinador acima citado, parte da

jurisprudência tem seguido outro caminho, conforme observa Vera Lúcia Carlos, ao aplicar

princípios constitucionais e a lei 9.029/95 para fundamentar a reintegração de empregados

portadores do HIV.311 Corrobora este entendimento a decisão abaixo transcrita,

proveniente do Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região:

AIDS. DISCRIMINAÇÃO SOFRIDA PELO PORTADOR DO VÍRUS HIV - REINTEGRAÇÃO DEVIDA. Apesar de o governo, bem como a iniciativa privada, contarem com programas de tratamento e prevenção, tais fatores não são suficientes para aplacar a discriminação sofrida pelo aidético, que, na maioria das vezes, é tratado de maneira preconceituosa, ficando em segundo plano sua condição de cidadão. A propósito, não é demais lembrar que o portador do vírus HIV não precisa apenas de medicamentos, como também, e principalmente, de suporte emocional e psicológico, para garantir sua qualidade de vida, bem como de seus familiares, amigos, e colegas de trabalho. Por outro lado, setores da doutrina e da jurisprudência mais presentemente entendem que, se o empregador tinha conhecimento da condição de soropositivo do empregado, tal fato gera a presunção da arbitrariedade da demissão. Caso contrário, desde que não comprovado qualquer ato ilícito de sua parte, terá exercido de maneira regular seu direito potestativo de dispensar imotivadamente o trabalhador. (grifo nosso)312

Para que seja deferida a reintegração, deverá ficar provado o ato discriminatório.

A produção da prova seria de responsabilidade do autor, conforme disposto no artigo 818

da CLT: “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.313 Esta previsão é

duramente criticada por Wagner Drdla Giglio e Claudia Giglio Veltri Corrêa, que a

chamam de “primitiva” e observam que a jurisprudência tem aceitado aplicar a norma

contida no artigo 333 do Código de Processo Civil, ainda que a legislação trabalhista não

seja omissa neste ponto:314

Artigo 333 - O ônus da prova incumbe:

310 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 434 311 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p. 104 312 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Processo n° 00724-2002-034-02-00-0. Relator Valdir Florindo. Publicado em 20 de janeiro de 2004. Disponível em <www.trt2.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007. BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 10 de setembro de 2007. 314 CORRÊA, Claudia G. Veltri; GIGLIO, Wagner Drdla. Direito processual do trabalho. 15 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 225.

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I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.315

Contudo, ainda que aplicada a norma do artigo 333 do Código de Processo Civil,

a produção de prova da discriminação caberia ao empregado, pois seria a discriminação o

fato constitutivo do direito à reintegração.

Assim, por saber que a produção de prova da discriminação como motivo para a

dispensa é extremamente difícil, e acaba por prejudicar o direito do trabalhador, 316 o

magistrado poderá analisar o ônus da prova no caso concreto, de forma a “levar em conta

sempre as possibilidades concretas e reais que cada parte tem de demonstrar suas

alegações”, para que fique incumbida de provar o alegado a parte que tiver condições para

tanto.317

Em relação às dispensas supostamente discriminatórias dos portadores do HIV, os

tribunais têm utilizado a presunção, mecanismo já utilizado no Direito do Trabalho para a

nulidade da quitação de verbas rescisórias efetuadas sem a presença da entidade sindical ou

de autoridade do Ministério do Trabalho e Emprego para todos os empregados que contam

com mais de um ano de serviço naquela mesma empresa, conforme dispõe o artigo 477,

§1° da CLT.318

Desta forma, segundo entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, a

presunção no caso de dispensa discriminatória de empregado soropositivo ocorre com base

no prévio conhecimento do empregador em relação à condição do empregado portador do

HIV e na inexistência de justa causa na ocasião da dispensa:

PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho

315 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de 2002. Publicada no Diário Oficial da União em 11 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2007. 316 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 58-59 317 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. São Paulo: Método, 2004. p.62 318 REIS JUNIOR, Wagner Gusmão. Garantia de emprego ao portador do vírus da AIDS. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 58-59

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e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido. (grifo nosso) 319

Em relação a este posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, o Ministro

Barros Levenhagem esclareceu em seu voto no recurso de revista n°. 1007/2002-007-09-

40:

[...] a jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de que se presume discriminatória a atitude da empresa que dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência da justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado.320

Alguns Tribunais Regionais do Trabalho têm seguido este entendimento e, com

certas diferenças de fundamentação, concedido a reintegração ao empregado soropositivo

pela presunção de discriminação. É o caso do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região,

que prolatou a seguinte decisão:

PORTADOR DE VÍRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA PRESUNÇÃO DIREITO À REINTEGRAÇÃO CONVENÇÃO OIT 159 READAPTAÇÃO E REABILITAÇÃO PROFISSIONAIS. 1. A proteção contra discriminação cobra do intérprete exegese pró-ativa, que efetivamente implique o operador do direito na viabilização concreta do bem jurídico perseguido. Na hipótese do portador do vírus HIV, a tutela contra discriminação desse trabalhador, tanto no âmbito da empresa, como no do estabelecimento, pode ser alcançada a partir da presunção da existência de dispensa discriminatória, quando não exista motivação de ordem técnica, econômica, disciplinar ou financeira, para a despedida, salvo robusta prova em contrário. Inteligência dos artigos 1° e 4°, inciso I, da Lei n° 9.029/95. (grifo nosso)321

Nesta mesma linha, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região entendeu pela

inversão do ônus da prova no caso de empregado portador do HIV que alegou dispensa por

discriminação:

ATO DISCRIMINATÓRIO DE DEMISSÃO DE EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS DO HIV/AIDS. ÔNUS DA PROVA. O empregador jamais assume a prática discriminatória, atribuindo-a a razões aparentemente objetivas, por se

319 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 76.089/2003-900-02-00.9. Relator: Min. Lelio Bentes Corrêa. Publicado em 06 de abril de 2005. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 02 de outubro de 2007. 320 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 1007/2002-007-09-40. Relator Min. Barros Levenhagen. Publicado em 1 de julho de 2005. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 10 de agosto de 2007. 321 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3° Região. Recurso Ordinário. Processo n°. 01836-2001-044-03-00-9. Relator: José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Publicado em 05 de outubro de 2002. Disponível em <www.trt3.gov.br>. Acesso em 15 de setembro de 2007.

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tratar de direito considerado potestativo. As regras relativas ao ônus da prova hão de levar em conta sempre as possibilidades reais e concretas de cada litigante para demonstrar suas alegações. Uma vez comprovado em Juízo que o empregado demitido era soropositivo, deve a empresa provar que o ato de desligamento não foi discriminatório, sob pena de ser forçada a reintegrá-lo.322

Diante desta atuação do judiciário frente à inexistência de legislação

infraconstitucional que garanta a estabilidade no emprego aos portadores do HIV e às

disposições constitucionais protetoras da dignidade da pessoa humana, o Tribunal Regional

do Trabalho da 15ª Região decidiu pela reintegração nos seguintes termos:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PORTADOR DE VÍRUS DA AIDS. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO DEFERIDA. REFORMA DA R. SENTENÇA. Diz-se que o direito é dinâmico e com a evolução dos tempos, com o avanço da tecnologia, vai-se amoldando a legislação ao caso concreto, mas em relação à necessária estabilidade ao empregado portador da síndrome da imuno-deficiência adquirida, em nada avançou o Legislativo e ao magistrado incumbe a tarefa de valer-se dos princípios gerais do direito, da analogia e dos costumes para dirimir litígios que envolvam direitos desta natureza. Desde logo afasto o alegado desconhecimento da reclamada sobre o estado de saúde do reclamante, eis que a empresa foi cientificada através de sua médica, que, na verdade, manteve sigilo quanto ao caso, como lhe recomenda o código de ética médica. Se o reclamante estava protegido pelo manto da estabilidade e não tendo a reclamada encerrado suas atividades, com base no que dispõem o art. 1º, da Lei nº 9.029/95 e o inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal, não há o que falar em dispensa para contenção de despesas. A Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação e elenca, entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana. Estes ideais não permitem a dispensa de empregado por motivos puramente preconceituosos. Logo, razão assiste ao reclamante.323

É esta visão protetora da dignidade humana que tem uniformizado a

fundamentação das diversas decisões tendentes à reintegração dos empregados

soropositivos, conforme se analisará adiante.

3.3.2 Função social e legitimidade de direitos

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece o sistema capitalista e o direito à

propriedade privada, inclusive dos meios de produção. Entretanto, a propriedade privada,

322 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Recurso ordinário. Processo n° 00364-2001-106-08-00-1. Publicado em 07 de abril de 2003. Disponível em <www.trt8.gov.br>. Acesso em 15 de setembro de 2007. 323 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Recurso ordinário. Processo n°. 00910-2005-033-15-00-4. Relator: Luiz Carlos de Araújo. Publicado em 10 de março de 2003. Disponível em <www.trt15.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007.

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inerente ao sistema econômico vigente e a serviço da livre iniciativa, submete-se à função

social,324 de forma a legitimar o direito do proprietário.325

a) Função social da propriedade

A função social da propriedade foi idéia inaugurada, no Brasil, pela Constituição

de 1946, que condicionava o exercício do direito de propriedade ao alcance do bem-estar

social em seu artigo 147. O termo “função social da propriedade” foi utilizado pela

primeira vez na Constituição de 1967, bem como na Emenda Constitucional de 1969, nos

artigos 157 e 160, respectivamente. Representava então a busca pela compatibilização

entre o direito e interesse do proprietário e o interesse e necessidades da sociedade. A

previsão, entretanto, constava apenas no título relativo à ordem econômica e social e a ela

se limitava.326

Com o advento da atual CRFB/88, a função social da propriedade foi elevada à

categoria de direito e garantia fundamental, logo em seguida da previsão que garante o

direito à propriedade em si:327

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[...]328

A função social da propriedade como garantia fundamental orienta todo o

ordenamento jurídico e tem seu conteúdo informado pela própria CRFB/88, que possui

como fim maior a garantia da dignidade da pessoa humana. Portanto, socialmente

324 DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho in Revista de Direito do Trabalho ano 32 n°. 123 jun-set. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 325 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 794 326 GONDINHO, André Osori., Função social da Propriedade in TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 410-412 327 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 270 328 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de outubro de 2007.

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funcional é a propriedade que contribui para o desenvolvimento do país e que respeita a

dignidade do ser humano.329

Contudo, ainda que a previsão do artigo 5° abranja todo tipo de propriedade, o

constituinte optou por elencar o direito à propriedade privada e sua função social também

no título que trata da ordem econômica e financeira. Diante desta dupla previsão

constitucional, José Afonso da Silva afirma que a propriedade perdeu seu caráter de direito

puramente privado e individual, e passou a estar vinculada à finalidade de todos os

princípios da ordem econômica330: “assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social”.331

A previsão da função social da propriedade consta no artigo 170, incisos II e III,

nos seguintes termos:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

[...] (grifo nosso)332

Nota-se, portanto, que a noção de função social da propriedade trazida pela

CRFB/88 aboliu a noção de direito absoluto à propriedade e não se restringiu a limitar

negativamente o exercício do direito de propriedade; foi além e condicionou o exercício e

o próprio direito à propriedade ao atendimento da utilidade social, para garantir a

dignidade humana. A função social é desta forma um poder-dever que transporta para o

direito privado característica do direito público: “o condicionamento do poder a uma

329 GONDINHO, André Osori., Função social da Propriedade in TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito civil – constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 410-412 330 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 285 331 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de outubro de 2007. 332 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de outubro de 2007.

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finalidade”, neste caso, a finalidade dos princípios da ordem econômica, determinada pela

CRFB/88.333

b) Função social da empresa e do contrato

O sistema econômico vigente no Brasil, como já apontado, é o da livre iniciativa

privada, ou seja, capitalismo. A CRFB/88 procurou conciliar este sistema econômico com

a busca pela proteção da dignidade da pessoa humana na medida em que estruturou uma

ordem social e econômica voltada para a justiça social.334 Desta forma, ao mesmo tempo

em que assegura a livre iniciativa, submete-a a prática de políticas afirmatórias do bem-

estar humano e dos valores sociais e ambientais.335

Neste contexto, a função social da propriedade alcança também os meios de

produção, a empresa, tendo em vista o alargamento do conceito de propriedade introduzido

pela CRFB/88.336 Apresenta-se como um poder-dever do proprietário e dos dirigentes da

empresa de atuar de maneira ajustada com o interesse comum da sociedade.337

A ligação entre a função social da propriedade e os bens de produção configura-

se, de acordo com José Afonso da Silva, pela relação estabelecida nos incisos e caput do

artigo 170 da CRFB/88: 338

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

333 PESSOA, Maiana Alves. A função social da empresa como princípio do direito civil constitucional. OAB – Bahia. Disponível em: < http://www.oab-ba.org.br/advogado/artigos/> Acesso em 10 de setembro de 2007. 334 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 793 335 DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho in Revista de Direito do Trabalho ano 32 n°. 123 jun-set. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 336 PALERMO, Carlos Eduardo de Castro. A função social da empresa e o novo Código Civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3763>. Acesso em: 03 out. 2007. 337 PESSOA, Maiana Alves. A função social da empresa como princípio do direito civil constitucional. OAB – Bahia. Disponível em: < http://www.oab-ba.org.br/advogado/artigos/> Acesso em 10 de setembro de 2007. 338 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 794

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IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (grifos nossos)339

De acordo com o autor acima citado, sendo a propriedade instrumento para a

realização da existência digna e da justiça social, as previsões de valorização do trabalho

humano, de redução das desigualdades sociais e regionais, a busca pelo pleno emprego,

entre outras, configuram a necessidade de a empresa respeitar sua função social, uma vez

que é através da empresa que realmente “se realiza e efetiva o poder econômico”.340

Substitui-se o direito absoluto de propriedade, individualista, pelo direito de

propriedade contextualizado ao Estado social e democrático de Direito. Resultam desta

nova visão restrições ao uso, gozo, posse e administração da empresa, que passa a ter

responsabilidades sociais tanto em conseqüência de suas “funções internas – sobrevivência

e continuidade” como de suas “funções externas – organização da produção e

abastecimento”.341

Neste mesmo sentido, também a Lei de Sociedades Anônimas (Lei n°. 6.404 de

1976) previu a função social na atividade empresarial no parágrafo único do artigo 116:

O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela

339 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>. Acesso em 10 de outubro de 2007. 340 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 794 341 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 79

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trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.342

Também o artigo 154 da mesma lei menciona a função social, nos seguintes

termos:

O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.343

No entanto, esta previsão legal não limita a observância da função social apenas

às empresas organizadas em sociedades anônimas. Pelo disposto na CRFB/88 em relação à

propriedade, todas as empresas devem observar sua função social.344

Conforme ocorre com os outros tipos de propriedade, é a função social que

legitima a propriedade dos bens de produção, a iniciativa econômica privada, mediante a

proteção da dignidade da pessoa humana.345

A importância da função social da empresa, segundo Ana Paula Tauceda Branco,

reside no fato de ser a empresa sujeito em numerosas relações e obrigações jurídicas,

dotada de poder para alterar significativamente a sociedade, em especial no que diz

respeito aos empregados que lhe prestam serviços mediante contratos de trabalho.346

Atentando para este papel fundamental que a empresa desempenha nas

comunidades de trabalhadores, a magistrada Beatriz Helena Miguel Jiacomini, da 4ª Vara

do Trabalho de São Paulo, ordenou a reintegração de funcionário portador do HIV com

base na função social da empresa. Apesar de reconhecer a inocorrência de qualquer tipo de

discriminação por parte do empregador e a inexistência de norma garantidora de

estabilidade aos portadores do HIV, ponderou que a função social da empresa, fundada em

342 BRASIL, Lei n°. 6.404 de 1976. Publicada no Diário Oficial da União em 17 de dezembro de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6404compilada.htm> Acesso em 03 de outubro de 2007. 343 BRASIL, Lei n°. 6.404 de 1976. Publicada no Diário Oficial da União em 17 de dezembro de 1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L6404compilada.htm> Acesso em 03 de outubro de 2007. 344 PESSOA, Maiana Alves. A função social da empresa como princípio do direito civil constitucional. OAB – Bahia. Disponível em: < http://www.oab-ba.org.br/advogado/artigos/> Acesso em 10 de setembro de 2007. 345 SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo. 23ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 794 346 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 79

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princípios constitucionais, bastava para que o empregado fosse reintegrado, de maneira a

garantir sua dignidade e proteger o bem da vida.347

O Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região manteve a decisão com base não

apenas na função social da empresa, como também em razão da função social do contrato,

conforme preconiza o artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida

em razão e nos limites da função social do contrato.” 348. Afirmou-se que o direito de

despedir do empregador fica restringido pela necessidade de se respeitar a dignidade

humana e a vida:

REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO – Portador de HIV - O contrato de trabalho, quando premissa do direito à vida, deve ser resguardado, sobretudo se o empregador não sofre qualquer restrição patrimonial pela manutenção do vínculo de emprego – O art. 421 do Código Civil atribui finalidade social ao contrato, restringindo a aplicação do princípio da autonomia contratual, quando presente interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. Enunciados 22 e 23 do CEJ.349

Em seu voto, a relatora aponta ainda para dois enunciados relativos ao artigo 421

do Código Civil, aprovados na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de

Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: 350

Enunciado 22 - A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.

Enunciado 23 - A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses meta-individuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.351

Também o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região utilizou a função social

da empresa para reintegrar empregado soropositivo despedido sem justa causa;

347 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Recurso ordinário. Processo n° 00409-2003-004-02-00-1. Relator: Catia Lungov. Publicado em 19 de agosto de 2005. Disponível em <www.trt2.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 348 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n° 10.406 de 2002. Publicada no Diário Oficial da União em 11 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2007. 349 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Recurso ordinário. Processo n° 00409-2003-004-02-00-1. Relator: Catia Lungov. Publicado em 19 de agosto de 2005. Disponível em <www.trt2.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 350 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região. Recurso ordinário. Processo n° 00409-2003-004-02-00-1. Relator: Catia Lungov. Publicado em 19 de agosto de 2005. Disponível em <www.trt2.gov.br>. Acesso em 05 de setembro de 2007. 351 PEREIRA, Milton Luiz (coord.). I Jornada de direito civil. Setembro de 2002. Brasília. Disponível em: <http://www.jf.gov.br> Acesso em 29 de setembro de 2007.

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REINTEGRAÇÃO - PORTADOR DO VÍRUS HIV. A dispensa imotivada de empregado soropositivo é socialmente condenável. A empresa tem uma função social (inciso IV, artigo 1º da Constituição Federal), cabendo ao Judiciário, na falta de disposição legal reguladora da matéria, buscar a justiça para o caso concreto (art. 8º da CLT). Reintegração que se defere ante os princípios de cidadania consagrados da Declaração Universal dos Direitos Homem e na Constituição Federal de 1988.352

Percebe-se que o fundamento base da decisão é a necessidade de atitude positiva

da empresa que, como integrante da sociedade, não pode negar-se a cumprir sua função

social, que começa na proteção da dignidade de seus empregados.

A Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho, ao

analisar recurso de revista concernente ao tema de dispensa discriminatória de empregado

portador do HIV, asseverou:

[...] o artigo 421 do Código Civil Brasileiro estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, limitando expressamente a autoria da vontade das partes. O princípio da função social do contrato desafia a concepção clássica e individualista de que os contratantes tudo podem porque estão no livre exercício da autonomia da vontade. Tal disposição considerada uma das mais importantes inovações introduzidas no ordenamento jurídico, revela que a liberdade dos contratantes não é absoluta e só poderá ser exercida à luz da função social do contrato.353

Conclui-se, portanto, que o empresário tem o dever de harmonizar a função social

com a circulação e produção de bens e serviços de modo que todos os interesses da

atividade econômica que administra se conciliem. Este dever mostra-se ainda mais

importante quando relativo aos empregados, que devem ter a relação de emprego protegida

e sua dignidade respeitada, conforme preceitua a CRFB/88.354

3.3.3 Dignidade da pessoa humana como fundamento básico para a reintegração

Conforme abordado no primeiro capítulo deste trabalho, a dignidade da pessoa

humana, que condiciona a interpretação e a aplicação de todo o texto constitucional,355 é

352 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Embargos declaratórios em recurso ordinário. Processo n°. 01194.1997.005.17.00-1. Relator: Sérgio Moreira de Oliveira. Publicado em 23 de abril de 1999. Disponível em <www.trt17.gov.br>. Acesso em 15 de setembro de 2007. 353 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n° 906/2004.006.04.00.2. Relator: Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Publicado em 10 de novembro de 2006. Disponível em: <www.tst.gov.br>. Acesso em 10 de agosto de 2007 354 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 80 355 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana – Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba: Juruá, 2006. p.62

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princípio essencial para que seja exercida a valoração de todas as normas do ordenamento

jurídico brasileiro.356

Segundo Maurício Godinho Delgado, a CRFB/88 reconheceu a dignidade da

pessoa humana como princípio, objetivo e fundamento, de forma que ampliou seu conceito

a fim de lhe dar dimensão “social e comunitária”, ultrapassando a visão puramente

individualista. Portanto, para que a dignidade da pessoa humana seja respeitada, todos

devem possuir instrumentos para uma mínima afirmação social, comunitária, ou seja,

meios de desenvolver-se. É neste contexto de afirmação social que se insere o trabalho

regulado.357

Destarte, a privação de trabalho imposta aos portadores do HIV despedidos sem

justa causa atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.358 Este

tem sido o entendimento de parte dos Tribunais Regionais do Trabalho que, diante de

despedida injustificada de empregado soropositivo, decidem pela reintegração do

empregado a fim de garantir-lhe vida digna com base em princípios constitucionais, como

o valor social do trabalho (artigo 1°, inciso IV) e a dignidade da pessoa humana (artigo 1°,

inciso III):

REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA SEGREACIONISTA. HIV. DISPENSA. VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NULIDADE. O Brasil, atendendo o compromisso histórico de respeito à dignidade do homem, fundamentou o Estado de Direito na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho (art. 5º). Ao relacionar os princípios gerais da atividade econômica e assegurar a valorização do trabalho humano (art. 170, II), reconheceu o homem, na sua qualidade de trabalhador, como o eixo e o dardo do desenvolvimento da nação e obrigou o empreendedor a valorizá-lo e respeitar a sua dignidade. Neste contexto, os princípios se colocam mais relevantes do que a regra. Se a CLT não confere direito à estabilidade, mas se a Constituição impõe o princípio da não discriminação, objetivando conferir e dar efetividade à dignidade do trabalhador, o empregador está proibido de realizar a dispensa de seu empregado, por ser este portador da AIDS. Tal ato por ser discriminatório, é antijurídico. A manutenção do vínculo de emprego é para o recorrido, premissa do seu direito constitucional à vida e à valorização da sua dignidade. Portanto, não pode ser objeto de violação. (grifos nossos) 359

356 PIOVESAM, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 53 357 DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho in Revista de Direito do Trabalho ano 32 n°. 123 jun-set. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 358 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 159 359 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 17° Região. Recurso ordinário. Processo n°. 01574.2004.007.17.00.9. Relator: Sônia das Dores Dionísio. Publicado em 25 de janeiro de 2007. Disponível em <www.trt17.gov.br>. Acesso em 15 de setembro de 2007.

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Novamente, poder-se-ia levantar o questionamento em relação à falta de

legislação ordinária garantindo emprego ou estabilidade aos portadores do HIV, contudo,

entende o Tribunal Superior do Trabalho que, por ser a AIDS uma doença que gera

preconceito e tendo em vista que a Constituição prevê a proteção à dignidade da pessoa

humana, protegido está o empregado portador do HIV, que deve ser reintegrado quando

despedido sem a existência de uma causa que justifique o ato do empregador:

[...] considerando o estigma que o portador do vírus HIV ‘carrega’, desenvolvida ou não a doença – AIDS –, e tendo em vista que a dignidade da pessoa humana é um dos pilares em que se sustenta o Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, art. 1°, inciso III), o Direito do Trabalho Brasileiro, até pelo princípio da hierarquia de normas, deve ser fiel a este princípio.360

Atente-se para o fato de que o trabalho não mais pode ser encarado como produto

à disposição do chamado “mercado de trabalho”, porque não existe trabalho sem

trabalhador, humano, dotado de dignidade.361 Numa situação fragilizada como a em que se

encontra o empregado soropositivo, “a manutenção do posto de trabalho [...] confere não

só a possibilidade de sentir-se útil, capaz, mas também garante a sua própria

subsistência”.362 Assim,

numa visão sistemática do Direito, por onde quer que partamos [...], inevitavelmente nos defrontaremos com o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana que pode funcionar, ou melhor, ser viabilizado nos espectros das relações laborais de emprego, através do princípio da relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa [...] 363

Desta forma, se a razão de ser do Direito do Trabalho é a proteção do empregado,

então sua base não pode ser outra que não a dignidade da pessoa humana deste trabalhador

que visa proteger.364

360 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 439041/1998.5. Relator: juiz convocado Carlos Francisco Berardo. Publicado em 10 de agosto de 2001. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 05 de outubro de 2007. 361 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 110 362 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n° 906/2004.006.04.00.2. Relator: Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Publicado em 10 de novembro de 2006. Disponível em: <www.tst.gov.br> Acesso em 10 de agosto de 2007 363 BRANCO, Ana Paula Tauceda. A colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 68 364 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 110

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3.3.4 Nulidade da dispensa do empregado portador do HIV

Em que pese a utilização da expressão “estabilidade” no tocante aos empregados

portadores do HIV, pode-se perceber, com base nos fundamentos acima apresentados, que

se trata na verdade de nulidade da dispensa, seja em virtude da aplicação da lei n°. 9029 de

1995, seja em virtude da função social da empresa e do contrato, ou ainda em função da

necessidade de respeito à dignidade humana.

Fala-se em reintegração porque o resultado desta é o mesmo do da despedida

abusiva. Contudo, entende-se não ser o empregado portador do HIV detentor de qualquer

tipo de estabilidade no emprego, mas, pela proteção a ele prevista, sua despedida torna-se

nula. 365

Neste sentido, o Ministro João Oreste Dalazen, do Tribunal Superior do Trabalho,

pronunciou-se por ocasião de julgamento de embargos de recurso de revista relativo à

reintegração de empregado soropositivo:

[...] o direito à reintegração no emprego deriva da nulidade da despedida. Ora, nulo o ato, não há produção de efeito, nos termos do artigo 158 do Código Civil de 1916, então vigente. Não se trata, pois, de criar uma espécie de estabilidade ao portador de doença grave, como se verifica com a SIDA – Sindrome de Imunodeficiência Adquirida, mas, apenas em consonância com o cenário mundial, repreender condutas discriminatórias que, iniludivelmente, contrastam com os próprios princípios e objetivos fundamentais em que encontra assento a República Federativa do Brasil.366

Desta forma, fica claro que a jurisprudência não “criou” uma estabilidade através

da aplicação dos princípios acima expostos, mas utiliza a reintegração a fim de coibir

tratamentos discriminatórios e desumanos, que contrariam princípios constitucionais.367

3.4 Despedida do empregado doente de AIDS

Neste ponto é necessário fazer brevíssimos apontamentos sobre os empregados já

doentes de AIDS que são despedidos sem justa causa. Neste estágio da infecção, que

dificilmente passa despercebido pelo empregador, a despedida sem justa causa impede o

365 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 158-160 366 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Embargos em recurso de revista. Processo n°. 439.041/98.5. Relator: Min. João Oreste Dalazen. Publicado no Diário da Justiça em 23 de maio de 2003. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 05 de outubro de 2007. 367 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 158-160

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empregado de receber o auxílio-doença, situação na qual ficaria o contrato de trabalho

suspenso, o que tornaria sem efeito qualquer dispensa. Determina o artigo 476 da CLT368:

Em caso de seguro-doença ou auxílio-enfermidade, o empregado é considerado

em licença não remunerada, durante o prazo desse benefício.369

Será sem efeito, portanto, a dispensa que obstar o recebimento destes benefícios

previdenciários e impedir a volta do trabalhador após o período de licença, uma vez que

nula de pleno direito conforme o disposto no artigo 9° da CLT370:

Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar,

impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente

Consolidação.371

Estes dispositivos legais serviram de fundamentação para garantir o emprego ao

soropositivo já doente perante o Tribunal Regional do Trabalho da 3° Região:

VÍRUS HIV - DEFICIÊNCIA IMUNOLÓGICA. DISPENSA INJUSTA. DISCRIMINAÇÃO PRESUMIDA. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. O art. 7º da Constituição Federal confere proteção expressa contra a discriminação, para os trabalhadores portadores de deficiência (XXXI), dentre os quais, por óbvio, os portadores da mais letal das deficiências qual seja a do sistema imunológico. Estando o trabalhador gravemente enfermo, em rigoroso e contínuo tratamento de doença incurável (AIDS), e sendo presumível a ciência do empregador através dos constantes comparecimentos ao departamento médico da empresa, o ato de dispensa não pode subsistir a pretexto de "reestruturação econômica" da reclamada, pois atenta contra os princípios constitucionais que velam pela dignidade humana, pela vida e pela não discriminação. Ademais, a dispensa arbitrária do empregado enfermo adquiriu feição obstativa ao gozo do auxílio-doença previsto no art. 476, da CLT, sendo nulo o ato patronal, a teor do disposto no art. 9º consolidado. Por fim, inaceitável que a recorrida simplesmente dispensasse o recorrente, sem que este pudesse pleitear os benefícios da Lei 7.670/88, que se estende aos portadores da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS. Recurso a que se dá provimento para deferir a reintegração no emprego com os direitos conseqüentes. (grifo nosso)372

Também o Tribunal Superior do Trabalho posicionou-se neste sentido por ocasião

de julgamento de recurso de revista relativo à reintegração de empregado soropositivo:

368 JUNIOR, José Cabral P. Fagundes. Direito à vida privada e à intimidade do portador do HIV. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 136-137 369 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2006 370 JUNIOR, José Cabral P. Fagundes. Direito à vida privada e à intimidade do portador do HIV. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 136-137 371 BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Decreto-lei n°. 5.452 de 1943. Publicado no Diário Oficial da União em 09 de agosto de 1943. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 12 de outubro de 2007. 372 BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3° Região. Processo n°. 01836-2001-044-03-00-9 RO. Relator: José Eduardo de Resende Chaves Júnior. Publicado em 05 de outubro de 2002. Disponível em <www.trt3.gov.br>. Acesso em 15 de setembro de 2007.

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[...] quando a doença já se manifesta, a dispensa sem justo motivo, mesmo não comprovada a discriminação pela doença letal, é vedada, pois caracteriza-se como obstativa ao percebimento de direito previdenciário [...]373

Desta forma, não pode haver outra solução que não retornar ao estado anterior da

dispensa, já que esta se reveste de nulidade, ou seja, a relação de emprego deve ser

restabelecida.

3.5 Conflito entre a garantia de emprego do empregado portador do HIV e o direito

potestativo do empregador

Diante desta proteção concedida por alguns Tribunais brasileiros aos empregados

portadores do HIV despedidos sem justa causa, questiona-se se não fica prejudicado o

direito do empregador, ou seja, o direito que possui de dirigir a empresa e dispor da mão-

de-obra como melhor lhe aprouver.

A proteção dirigida ao empregado, ainda que essencial, não pode impossibilitar a

atividade empresarial, fundamental para o desenvolvimento e economia do país. Ocorre,

portanto, colisão entre o princípio da propriedade privada e da autonomia de vontade

contra o princípio da dignidade da pessoa humana. Diante deste cenário, faz-se necessário

encontrar um meio-termo que possibilite o desenvolvimento econômico sem gerar a

exploração de empregados assalariados.374

O Tribunal Superior do Trabalho não nega a existência do poder potestativo do

empregador para a demissão de empregados, mas afirma não ser este direito absoluto.

Tanto a alegação de exercício do direito potestativo para a dispensa quanto a alegação de

inexistência de legislação específica que proteja o empregado soropositivo são refutadas

com base na necessidade de respeito aos direitos fundamentais do empregado e no dever

do juiz de observar estes direitos no julgamento da lide:

[...] Primeiramente, assente-se que o direito potestativo do empregador de demissão sem justa causa e da desnecessidade de justificação para tal ato, não é ilimitado. Mesmo naquelas hipóteses em que não haja previsão expressa a albergar determinada proteção estabilitária, referido direito como de regra

373 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 439041/1998.5. Relator: juiz convocado Carlos Francisco Berardo. Publicado em 10 de agosto de 2001. Disponível em <www.tst.gov.br>. Acesso em 05 de outubro de 2007. 374 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro in Revista de direito do trabalho. ano 32, n. 123, julho – setembro de 2006. São Paulo: Revista do Tribunais. p. 23

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qualquer outro subordina-se aos ditames constitucionais calcados nos direitos fundamentais. Pondere-se, outrossim, que a atividade hermenêutica do juiz submete-se ao princípio da interpretação conforme à Constituição no respeito aos direitos fundamentais que dela são emanados, dentre os quais os princípios gerais do direito à dignidade da pessoa humana, à vida e ao trabalho.

Neste passo, a circunstância de o sistema jurídico pátrio até o presente momento não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede que o julgador, na análise do fato concreto, conclua pelo direito do trabalhador à reintegração no emprego decorrente da presunção de discriminação.375

Percebe-se que, quando em conflito com outros princípios constitucionais, a

dignidade da pessoa humana acaba por exigir a restrição destes outros bens

constitucionalmente amparados, ainda que estes também sejam direitos fundamentais,

como a utilização da propriedade privada.376

Não se negam os direitos fundamentais do empregador, também protegido pela

legislação, tanto que a ruptura do contrato de trabalho de forma unilateral pelo empregador

não é totalmente vetada, esta apenas encontra barreira quando em flagrante colisão com a

proteção à dignidade do empregado.377

É o que ocorre quando o portador do HIV é impedido de exercer seu trabalho por

simples arbitrariedade do empregador: elimina-se a possibilidade de realização e

subsistência deste trabalhador, além de afastá-lo do convívio social, ou seja, atinge-se

diretamente sua dignidade.378 Portanto, conforme já afirmado, deverá prevalecer a

dignidade do empregado quando esta estiver em conflito com os princípios que protegem o

empregador, pois parte-se sempre do pressuposto inerente ao próprio Direito do Trabalho

de que a parte hipossuficiente da relação é o empregado.

A aplicação do princípio da dignidade humana na resolução das lides trabalhistas

é necessária para que, através do Direito do Trabalho, não sejam só identificados direitos

fundamentais, mas também efetivados.

375 BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista. Processo n°. 91426/2003.900.04.00.7. Relator: Min. Carlos Alberto Reis de Paula. Publicado em 06 de setembro de 2007. Disponível em: <www.tst.gov.br> Acesso em 05 de outubro de 2007. 376 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro in Revista de direito do trabalho. ano 32, n. 123, julho – setembro de 2006. São Paulo: Revista do Tribunais. p. 18 377 SUZUKI, Fábio Hiroshi. Proteção contra dispensa imotivada no direito do trabalho brasileiro in Revista de direito do trabalho. ano 32, n. 123, julho – setembro de 2006. São Paulo: Revista do Tribunais. p. 29 378 MARGONAR, Regiane. O empregado portador do vírus HIV/AIDS. São Paulo: LTr, 2006. p. 161

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho observou-se que, com o advento da CRFB/88, os direitos

fundamentais receberam destaque inédito no ordenamento jurídico brasileiro e foram

estendidos a áreas antes não reconhecidas como fundamentais, como os direitos sociais, em

especial, o trabalho.

Em harmonia com estes direitos fundamentais, a CRFB/88 é permeada de

princípios, cujo valor normativo impregna todo o ordenamento jurídico brasileiro. Entre os

diversos princípios constitucionais, ganhou maior destaque o da dignidade da pessoa

humana. Assim é porque o fim maior do próprio Estado é garantir vida digna a todos.

Desta forma, a dignidade da pessoa humana tem o condão de condicionar a

interpretação e aplicação de toda e qualquer norma do ordenamento jurídico brasileiro.

Caracteriza-se como elemento unificador axiológico.

Com base nestes pontos abordados, naturalmente concluiu-se que a CRFB/88

condena toda forma de discriminação infundada e busca garantir a igualdade entre todos.

Esta igualdade, prevista formalmente, deve ser objeto também de políticas públicas que a

transformem em igualdade material, motivo pelo qual o ordenamento permite a existência

de discriminação positiva, tendente a tornar real a igualdade prevista em lei.

Todas estas orientações são aplicáveis às relações de emprego, tendo em vista o

papel fundamental que estas relações desempenham na sociedade capitalista. Portanto, o

contrato que une empregado e empregador deve observar os princípios constitucionais e

primar por garantir a ambas as partes a dignidade que lhes é inerente.

Demonstrou-se, com base na legislação vigente, que, numa relação de emprego,

empregado e empregador são detentores de direitos e deveres. Se é dever do empregado

prestar o serviço da melhor maneira, conforme as instruções recebidas, é dever do

empregador remunerá-lo por isto, observar todos os direitos trabalhistas e, acima de tudo,

respeitar sua dignidade ao longo de toda a execução do contrato de trabalho.

Observou-se que, pela importância social da relação de emprego, o Estado

preocupa-se em mantê-la. Desta forma, prevê mecanismos como a estabilidade provisória,

que na realidade é uma garantia de emprego por tempo determinado, com vistas a proteger

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empregados em situações especialmente vulneráveis, como o que ocupa cargo de direção

em sindicato ou comissão interna de prevenção de acidentes, ou ainda a empregada

gestante. É, em última análise, medida de proteção à dignidade da pessoa humana, pois

assegura ao empregado seu posto de trabalho e a decorrente remuneração, que lhe

possibilita o sustento.

Em princípio, a garantia de emprego é prevista de maneira ampla a todos os

empregados; contudo, pela norma do artigo 10, inciso II do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, esta proteção ficou restrita aos casos acima abordados. Esta

limitação fere princípios constitucionais ao permitir a despedida imotivada, mediante

pagamento de verba indenizatória.

Observou-se ainda que este poder do empregador de despedir seus empregados

sem justa causa confronta não apenas princípios constitucionais e direitos fundamentais

como também vai de encontro à tendência internacional e recomendada pela OIT.

Deste modo, ao analisar especificamente o caso das despedidas imotivadas de

empregados portadores do HIV, concluiu-se que sua permissão não está em harmonia com

o previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro e choca-se com valores do Estado

brasileiro, estabelecidos na própria CRFB/88.

A AIDS, doença degenerativa que ataca o sistema imunológico, produz sérios

reflexos não apenas na saúde do portador do vírus HIV como também em suas relações

sociais. Ainda hoje o preconceito e a conseqüente discriminação são uma constante na vida

dos portadores do HIV, muitas vezes vistos como culpados pela própria doença.

Nas relações de trabalho não é diferente, vige o preconceito e a desinformação.

Estes fatores, combinados com o poder potestativo do empregador de despedir

imotivadamente funcionários, acabam por gerar diversas despedidas discriminatórias.

Percebeu-se, com base em análise jurisprudencial, que a discriminação sempre é

ocultada pelo argumento de que é direito do empregador despedir os empregados sem

necessidade de justificativa. Ainda, alega-se que não existe norma que garanta aos

portadores do HIV estabilidade no emprego.

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Diante desta realidade, torna-se imensamente difícil para o empregado

soropositivo despedido sem justa causa provar o que alega: que foi demitido por

discriminação do empregador. Desta forma, observou-se que alguns Tribunais Regionais

do Trabalho, e com constância o Tribunal Superior do Trabalho, invertem o ônus da prova,

de maneira a obrigar o empregador a demonstrar o motivo pelo qual despediu aquele

empregado. Assim, uma vez não demonstrado motivo justo, presume-se a discriminação,

desde que o empregador tivesse ciência, à época da dispensa, da situação de soropositivo

do empregado.

Apresentaram-se diversos julgados neste sentido, tornando clara a lógica adotada

por estes tribunais: se o empregador sabe que o empregado é portador do vírus HIV e o

despede sem justa causa, considera-se a despedida discriminatória, arbitrária e, portanto,

nula. Nestes casos, a medida tomada é a reintegração do funcionário.

Esta medida é tomada com base no princípio da função social da empresa e do

contrato, que impele o empregador a harmonizar seus interesses econômicos com os

interesses da sociedade, em especial dos trabalhadores àquela empresa ligados; na

proibição de discriminação, instrumento da busca pela igualdade material, conforme

disposto na lei n°. 9029 de 1995 sobre as relações de emprego; e no princípio da dignidade

da pessoa humana, valor basilar do Estado que gera diversas medidas protetivas previstas

legalmente.

Questionou-se se esta medida adotada por parte da jurisprudência não “cria” uma

estabilidade, ultrapassando o limite imposto pela divisão dos Poderes do Estado. Sobre esta

indagação, concluiu-se que, ao determinar a reintegração, os tribunais não afirmam haver

estabilidade, ainda que usem este termo. Tão somente declaram a nulidade da dispensa,

pois nestas condições o ato patronal caracteriza-se como afronta direta a princípios

constitucionais, em especial à tão lembrada dignidade humana. Sendo nulo o ato, impõe-se

que seja restituído o estado anterior ao ato nulo, ou seja, a relação de emprego deve ser

restabelecida. Percebeu-se, portanto, que, ainda que o resultado fático seja o mesmo (a

reintegração), os fundamentos são distintos.

Diante do exposto, ressaltou-se que a proteção ao empregado não pode impedir a

atividade empresarial ou aniquilar o direito potestativo do empregador, ambos garantidos

legalmente. Entretanto, há que se pesar os interesses envolvidos no litígio, na esperança de

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se encontrar um meio-termo que possibilite tanto a atividade empresarial quanto garanta a

dignidade humana dos empregados.

Procurou demonstrar-se, desta forma, que o poder potestativo do empregador não

é absoluto e deverá observar os limites estabelecidos por princípios constitucionais, como

o da função social da atividade que dirige, o da proibição de discriminação e o do respeito

à dignidade humana dos empregados.

Por fim, concluiu-se, com o presente estudo, que, quando em conflito com outros

direitos e princípios, a dignidade da pessoa humana demanda restrições a estes outros bens

também protegidos pela ordem jurídica, ainda que na CRFB/88. No caso em destaque, isto

significa que a prerrogativa do empregador de rescindir imotivadamente o contrato de

trabalho é limitada pelo direito do empregado portador do HIV a viver uma vida digna,

possibilitada através do seu trabalho.

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ANEXOS

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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

PROCESSO: TRT/15ª Nº 00910-2005-033-15-00-4 RO

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: GIOVANI PEREIRA DOS SANTOS

RECORRIDA: BEL PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA.

ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE MARÍLIA

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. PORTADOR DE VÍRUS DA AIDS. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. REINTEGRAÇÃO DEFERIDA. REFORMA DA R. SENTENÇA. Diz-se que o direito é dinâmico e com a evolução dos tempos, com o avanço da tecnologia, vai-se amoldando a legislação ao caso concreto, mas em relação à necessária estabilidade ao empregado portador da síndrome da imuno-deficiência adquirida, em nada avançou o Legislativo e ao magistrado incumbe a tarefa de valer-se dos princípios gerais do direito, da analogia e dos costumes para dirimir litígios que envolvam direitos desta natureza. Desde logo afasto o alegado desconhecimento da reclamada sobre o estado de saúde do reclamante, eis que a empresa foi cientificada através de sua médica, que, na verdade, manteve sigilo quanto ao caso, como lhe recomenda o código de ética médica. Se o reclamante estava protegido pelo manto da estabilidade e não tendo a reclamada encerrado suas atividades, com base no que dispõem o art. 1º, da Lei nº 9.029/95 e o inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal, não há o que falar em dispensa para contenção de despesas. A Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação e elenca, entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana. Estes ideais não permitem a dispensa de empregado por motivos puramente preconceituosos. Logo, razão assiste ao reclamante.

R E L A T Ó R I O

Inconformada com a r. decisão de fls. 61/64, que julgou improcedente a ação, recorre o reclamante, consoante razões de fls. 66/71. Alega o recorrente, que trabalhou durante quatro anos de forma exemplar para a reclamada e foi despedido logo após descobrir ser portador do vírus da AIDS; afirma que a médica da empresa tinha conhecimento de sua enfermidade e que, mais do que um emprego, está em discussão a dignidade humana; pede a reforma da r. sentença para determinar sua reintegração ao serviço. Isento de custas (fls. 64). Contra-razões às fls. 74/84. Dispensado o parecer da Douta Procuradoria, nos termos dos artigos 110 e 111 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal. É o relatório. V O T O

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Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade. O reclamante foi contratado como auxiliar de produção pela reclamada, tendo trabalhado de 23.10.2000 a 20.04.2005, conforme se verifica na cópia da CTPS acostada às fls. 19. Alega que, tão logo teve ciência de sua condição de soropositivo, informou o fato ao médico responsável da empresa, em virtude das faltas ao serviço que seriam necessárias para o tratamento da doença. A reclamada afirma que desconhecia o estado de saúde do reclamante e aduz que sua dispensa teve como motivo a contenção de despesas e que, ao todo, foram demitidos 73 empregados, sendo 26 no mês de abril, mesmo mês do reclamante e 47 no mês seguinte; salienta, ainda, que no mesmo dia da dispensa do reclamante, foram demitidas outras onze pessoas, descaracterizando, assim, as alegações do reclamante. Vejamos o caso. Diz-se que o direito é dinâmico e com a evolução dos tempos, com o avanço da tecnologia, vai-se amoldando a legislação ao caso concreto, mas em relação à necessária estabilidade ao empregado portador da síndrome da imuno-deficiência adquirida, em nada avançou o Legislativo e ao magistrado incumbe a tarefa de valer-se dos princípios gerais do direito, da analogia e dos costumes para dirimir litígios que envolvam direitos desta natureza. Desde logo afasto o alegado desconhecimento da reclamada sobre o estado de saúde do reclamante, eis que a empresa foi cientificada através de sua médica, que, na verdade, manteve sigilo quanto ao caso, como lhe recomenda o código de ética médica. Se o reclamante estava protegido pelo manto da estabilidade e não tendo a reclamada encerrado suas atividades, com base no que dispõem o art. 1º da Lei nº 9029/95 e o inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal, não há o que falar em dispensa para contenção de despesas. Cabe-nos analisar a questão diante do entendimento jurídico da atualidade, que não é diferente de mais ou menos dez anos atrás, quando, nos idos de 1997, tive a oportunidade de participar do julgamento do processo nº 9.795/1997-RO-7, por esta mesma 3ª Turma, hoje composta das 5ª e 6ª Câmaras, em face da matéria nova que vinha surgindo, o eminente Juiz Samuel Corrêa Leite, em voto convergente deixou, de forma memorável, remarcado que:

Ao juiz é defeso se eximir de sentenciar ou despachar sob a alegação de lacuna ou obscuridade na lei. Com efeito, no julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais, porém, à mingua destas deve recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, consoante art. 126 do Código de Processo Civil. Por sua vez, o art. 8º, do diploma consolidado, diz: ‘As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de

disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela

jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas

gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo

com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que

nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.’

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O art. 4º, da Lei de Introdução ao Código Civil, também dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. A atual Constituição Federal não é expressa com relação aos princípios informadores do direito do trabalho, tal como o fez com referência à seguridade social (art. 194). Contudo, no seu art. 1º, ao relacionar os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, diz que entre os seus fundamentos estão a dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho (inciso IV). Por outro lado, ao relacionar os princípios gerais da atividade econômica, alude à valorização do trabalho humano (‘caput’ do art. 170); à justiça social (‘caput’ do art. 170); à função social da propriedade (art. 170, inciso III) e busca do pleno emprego (art. 170, inciso VIII). É inquestionável que, dada sua proliferação, o contágio pelo vírus HIV já se tornou há muito tempo, não somente no Brasil, mas em escala mundial, um caso de saúde pública. Mas, se a cura depende ainda do avanço da ciência médica, evidentemente o combate ao preconceito com relação aos portadores do famigerado vírus depende simplesmente da conscientização e de legislação específica. Perante o direito americano, o soropositivo é considerado portador de deficiência física, ainda que a doença não tenha se manifestado, eis que não se pode distinguir os efeitos físicos da doença no indivíduo portador daqueles efeitos que essa mesma doença possa ter em relação a terceiros, haja vista que o fato, por si só, do indivíduo encontrar-se contaminado implica em limitação substancial de atividades essenciais relacionadas com sua sociabilização e reprodução. Assim, o empregador não pode se recusar a contratar um aidético ou tratá-lo de forma diferenciada ou, ainda, dispensá-lo pelo fato de estar infectado. Já no direito italiano, a jurisprudência dominante é no sentido de determinar a reintegração do empregado despedido por estar contaminado com o vírus HIV e ainda pagamento de multa pelo empregador, embora podendo ser negada a reintegração se a natureza dos serviços prestados pelo empregado possa acarretar algum perigo de vida aos clientes ou outros empregados do estabelecimento. No Brasil inexiste lei específica a respeito. Entretanto, existe garantia constitucional contra qualquer forma de discriminação, bastando, a propósito, conferir-se o disposto no art. 3º, e inciso IV da Carta Magna. Com efeito, o art. 3º, da Constituição Federal, diz que: ‘Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

...

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação.’ Já o art. 5º, também da Constituição Federal, diz: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Paí a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade.’ Ora, o direito constitucional existe para ser aplicado, especialmente as normas constitucionais que tratam de direitos e garantias fundamentais.

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É princípio cediço de interpretação de que se impõe a supremacia da Constituição Federal sobre as leis ordinárias, embora no direito do trabalho sempre prevaleça a norma mais favorável ao trabalhador, ainda que hierarquicamente seja inferior à norma constitucional. Contudo, observa-se uma forte tendência interpretativa no sentido da não aplicação de direito e garantias fundamentais, sob o fundamento de inexistência de lei infraconstitucional, em evidente subversão ao princípio da hierarquia das leis. Por isso mesmo, foi editada a Lei nº 9.029/95, a qual em seu art. 1º, proibiu a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas as hipóteses de proteção ao menor, prevista no inciso XXXIII, do art. 7º, da Constituição Federal, facultando, em seu art. 4º, o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório e facultando ao empregado optar entre a readmissão com o ressarcimento integral de todo o período do afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais ou a percepção em dobro da remuneração do período do afastamento, corrigida monetariamente e acrescida de juros legais. Ora, a não aplicação analógica da referida lei ao aidético implicaria em nova discriminação.

É exatamente desta forma que o entendimento sobre a delicada matéria vem se mantendo, tanto que, em 2002, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho assim julgou:

REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. 1. Caracteriza atitude discriminatória ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado. 2. O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III), sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego. 3. Afronta aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que conclui pela reintegração do Reclamante no emprego. 4. Embargos de que não se conhece.” (E-RR 439.041/1998, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ 23.05.2003, decisão unânime)

e mais recentemente, em junho de 2005, decidiu dessa forma:

PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador

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trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido. (número único proc. RR – 76089/2003-900-02-00, publicação DJ de 17.06.2005)

A Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação e elenca, entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana. Estes ideais não permitem a dispensa de empregado por motivos puramente preconceituosos. Logo, razão assiste ao reclamante. Mais acima, acabei de transcrever uma fundamentação de voto convergente de autoria de Samuel Corrêa Leite, publicada em 1997, que delineou, de lá para cá, os caminhos da apreciação dos casos que envolvem essa terrível doença que é a AIDS. Quero deixar registradas minhas homenagens a este grande Juiz que é Samuel Corrêa Leite, agradecer seus ensinamentos e dizer-lhe que ele é comparável a um diamante, pois o tempo não tira a sua qualidade. Aproveite sua justa aposentadoria! Diante do exposto, decido conhecer do recurso para, no mérito, dar-lhe provimento, a fim de, reformando a r. sentença, condenar a reclamada a reintegrar imediatamente o reclamante, pagando-lhe todos os salários, devidamente reajustados desde a demissão até a real reintegração, corrigidos monetariamente e acrescidos dos juros de mora, tudo nos termos da fundamentação. Arbitra-se o valor da condenação em R$10.000,00. Custas na forma da lei, pela reclamada, no importe de R$200,00.

LUIZ CARLOS DE ARAÚJO

Juiz Relator

Publicado no Diário da Justiça de Minas Gerais em 10 de março de 2003.

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

PROCESSO: RR - 906/2004-006-04-00

RECURSO DE REVISTA

RECORRENTE: INSTITUTO CULTURAL BRASILEIRO NORTE-AMERICANO

RECORRIDO: ANTONIO FELIPE CANDELOT ZUNINO

ORIGEM: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

RECURSO DE REVISTA REINTEGRAÇÃO PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA Ciente o empregador de que o empregado é portador do vírus HIV, presume-se discriminatória a dispensa. Ainda que inexista norma legal específica determinando a reintegração do empregado, não há dúvida de que o ordenamento jurídico repudia o tratamento discriminatório e arbitrário. Precedentes desta Corte. Recurso de Revista não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-906/2004-006-04-00.2, em que é Recorrente INSTITUTO CULTURAL BRASILEIRO NORTE-AMERICANO ICBNA e Recorrido ANTONIO FELIPE CANDELOT ZUNINO.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em acórdão de fls. 163/168, negou provimento ao Recurso Ordinário do Reclamado. Manteve, assim, a sentença, que declarara a nulidade da dispensa e determinara a reintegração do Autor no emprego. No Recurso de Revista (fls. 170/177), o Reclama o indica violação aos artigos 5º, II, da Constituição e 818 da CLT. Transcreve arestos ao confronto de teses. Despacho de admissibilidade, às fls. 184/187.

Contra-razões, conforme certificado às fls. 189.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, em conformidade com o art. 82 do

É o relatório.

V O T O

REQUISITOS EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE

Atendidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade tempestividade (fls. 169 e 170), preparo (fls. 144 e 145) e representação processual (fls. 29) -, passo ao exame do recurso.

I- REINTEGRAÇÃ PORTADOR DO VÍRUS HIV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA

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a)Conhecimento

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em acórdão de fls. 163/168, negou provimento ao Recurso Ordinário do Reclamado. Manteve, assim, a sentença, que declarara a nulidade da dispensa do Autor e determinara sua reintegração. Eis os fundamentos: Sustenta a recorrente, em síntese, inexistir previsão legal no sentido de que o empregado portador do vírus HIV tenha direito a estabilidade ou garantia no emprego e que a rescisão do contrato de trabalho do autor, assim como a de vários colegas, resultou de questões técnicas, e não de ato discriminatório.

O reclamante, na petição inicial, pleiteou a reintegração alegando que a despedida fora discriminatória e anti-social, na medida em que, mesmo estando ciente de que era portador do vírus HIV, a empregadora rompeu o vínculo. Na contestação, a reclamada refutou as alegações do autor e sustentou que o despedira, juntamente com outros empregados, porque atravessa séria crise financeira, necessitando reduzir a folha de pagamento, sob pena de inviabilizar o prosseguimento de suas atividades.

A ata de audiência da fl. 21 (processo 00710-2004-006-04-00-8, ação de consignação em pagamento), de 12.08.2004, apensada aos presentes autos,revela que a procuradora do reclamante propôs a sua reintegração no emprego, em face do delicado estado de saúde do autor, requerendo o procurador da reclamada a suspensão do feito por trinta dias, para levar a discussão à Diretoria do Instituto. A testemunha Maria da Graça Duarte, apresentada pela reclamada (ouvida como informante, por ser coordenadora acadêmica do Estabelecimento de Ensino em que o reclamante trabalhava) afirmou que, ao comunicar ao autor a dispensa, este lhe informou da doença, dizendo que necessitava manter o emprego. Disse que levou o assunto à Diretoria; como já estava no final do expediente resolveram aguardar o dia seguinte, e nesse foi procedida a ratificação à despedida, porque já estavam estabelecidos os critérios e que a questão da doença era uma questão a parte.(fl.113). Deste depoimento resta claro que, ao contrário do alegado na defesa, à época da despedida, o empregador estava ciente de que o empregado era portador do vírus HIV.

O depoimento pessoal do preposto do reclamado revela que não houve especificamente critério eleito para a prática das demissões ocorridas, mas que foram estipulados critérios caso a caso, quais sejam competência, ajuste da carga horária na área acadêmica em função de que, se reduzido o número de procura de horas de aula, algum professor é demitido, por qualificação, por adequação do professor com os alunos (por exemplo uma turma de 07 ou 08 exige um tipo de professor); que no caso do reclamante a despedida se deu pelo critério de comparação com outros professores que teriam mais tempo de serviço na casa, por competência, por capacidade de absorver tipos de demanda. (fl.112).

O artigo 7º, inciso I, da Constituição da República dispõe que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Esta norma não é auto-aplicável, segundo a corrente doutrinária dominante. Assim, o empregado aidético não goza propriamente de estabilidade no emprego, visto

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inexistir no ordenamento pátrio norma de alcance geral que a defina. Contudo, tal como afirma Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução e aperfeiçoamento.

A Lei 9.029/95 veda a adoção de prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Embora não dirigida ao portador do vírus HIV, ao vedar qualquer prática discriminatória e limitativa, pode, por analogia, ser aplicada também ao soropositivo.

O direito de resilir unilateralmente o contrato de trabalho, mesmo se tratando de direito potestativo, deve estar revestido de licitude. Não é conferido ao empregador o direito de abusar do poder que detém, desviando-o de sua finalidade. A ausência de justa causa para a resilição unilateral do contrato de trabalho não pode ser completada com motivações amparadas em ato discriminatório. Em atendimento ao princípio da igualdade, tanto o Estado, quanto o particular, não podem adotar nas suas relações condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas. Discorrendo sobre o princípio da igualdade, assevera Canotilho que ele apresenta conexão com a justiça social e com a concretização dos mandamentos constitucionais que visam à efetivação dos direitos sociais. Diz que, por outro lado, a igualdade é também inerente ao conceito de igual dignidade das pessoas, fundamento contra a discriminação.

Ademais, o artigo 421 do CCB estabelece que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, limitando expressamente a autonomia da vontade das partes. O princípio da função social do contrato desafia a concepção clássica e individualista de que os contratantes tudo podem porque estão no livre exercício da autonomia da vontade. Tal disposição, considerada uma das mais importantes inovações introduzidas no ordenamento jurídico, revela que a liberdade dos contratantes não é absoluta e só poderá ser exercida à luz da função social do contrato.

Também deve ser salientado que a concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se pelos processos de universalização e internacionalização destes direitos. A Declaração de Direitos Humanos de Viena, subscrita por 171 Estados, reforça a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, dispondo que todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados, devendo a comunidade internacional tratá-los globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.

Salienta Alice Monteiro de Barros que a Convenção 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, veda atos de discriminação no acesso à formação profissional, à admissão no emprego e às condições de trabalho por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, bem como faculta seja acrescida como discriminatória qualquer outra exclusão que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de tratamento no emprego. Também a Convenção 142 da OIT, complementada pela Recomendação 150,

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sugere a adoção de medidas para garantir a reintegração no emprego dos portadores de doenças.

A despedida de um empregado por ser portador de vírus HIV excede os limites da razoabilidade e consiste em ato abusivo e discriminatório que viola a dignidade da pessoa humana. Ainda que a reclamada não tenha admitido que despedira o autor por ser portador do vírus, a falta de prova dos fatos objetivamente contrapostos como justificadores do ato gera presunção que lhe é desfavorável, já que afirmado no depoimento de seu preposto que no caso do reclamante a despedida se deu pelo critério de comparação com outros professores que teriam mais tempo de serviço na casa, por competência, por capacidade de absorver tipos de demanda... (fl.112). Na escola da Tristeza, em que trabalhava o reclamante, apenas a sua despedida foi a princípio proposta (conforme depoimento à fl. 112) e, repito, não há nenhuma prova de que isso deveria ter ocorrido segundo os critérios eleitos pela empregadora.

Não sensibiliza a argumentação de que não teria havido discriminação porque a reclamada não tinha ciência da enfermidade do autor. Como bem assinalado na sentença, a própria informante que, em face da reestruturação do reclamado, indicou o autor para demissão, disse que suspendeu o ato da despedida e colocou o caso para a administração, que mesmo sabendo que o autor era portador do vírus HIV, procedeu à despedida.

Sustenta Pinho Pedreira que a proibição de discriminações arbitrárias, isto é, para as quais não existam causas objetivas, constitui princípio do Direito do Trabalho, como conseqüência de outro seu, fundamental, o da igualdade de tratamento dos iguais 'em identidade de circunstâncias'. Há três espécies de discriminação: discriminação tout court, de origem inglesa; a discriminação oculta do direito francês e a discriminação indireta, que deita raízes no direito norte-americano. No caso em exame está configurada a discriminação oculta que, segundo o doutrinador supracitado, se diferencia da discriminação indireta porque a primeira pressupõe a intenção. Nas discriminações ocultas o motivo proibido e não confessado é realmente o determinante, embora disfarçado sob a capa de uma outra causa. Note-se que aqui há um ato de ilicitude implícito.

O projeto de lei nº 267 que tramita no Senado Federal, dispõe no artigo 1º que a CLT passará a vigorar acrescida do seguinte artigo: Art. 492-A. O empregado portador do vírus HIV não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas. De qualquer sorte, mesmo sem sua aprovação, o atual ordenamento jurídico veda a despedida abusiva, especialmente quando em afronta aos princípios fundamentais da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e à garantia de não-discriminação, nos termos dos artigos 1º, incisos III e IV, e 5 º da Constituição da República. A manutenção do posto de trabalho do empregado portador do vírus HIV confere não só a possibilidade de sentir-se útil, capaz, mas também garante a sua própria subsistência. Por esses fundamentos, nego provimento ao recurso. (fls. 163/168)

No Recurso de Revista, o Réu alega inexistir amparo legal para a reintegração do portador do HIV. Afirma que a dispensa caracteriza exercício de direito potestativo. Aduz que não

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houve discriminação, afirmando que o Reclamante não se desincumbiu do encargo probatório que lhe competia. Aponta violação aos artigos 5º, II, da Constituição Federal e 818 da CLT. Traz arestos à divergência jurisprudencial.

O Eg. Tribunal Regional assentou que o Reclamado estava ciente, à época da despedida, da condição do Reclamante de portador do vírus HIV. Consignou, ainda, que não havia justa causa para a resilição do contrato. Diante desse quadro, cuja alteração é vedada pela Súmula nº 126 desta Corte, conclui-se pelo direito do Autor à reintegração postulada.

Decerto, estando o Empregador ciente de que o Empregado é portador do vírus HIV, presume-se discriminatória a dispensa. Por outro lado, ainda que inexista norma legal específica que determine a reintegração do empregado, não há dúvida de que o ordenamento jurídico repudia o tratamento discriminatório e arbitrário, como o denota, aliás, o art. 4º da Lei nº 9.029/95, no que toca à gestante. Ademais, o direito do portador do HIV à estabilidade no emprego encontra apoio no conjunto de diversas garantias constitucionais, em especial, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV); o objetivo de promoção do bem de todos, sem discriminação (art. 3º, IV); a isonomia de tratamento e a vedação de atos discriminatórios (art. 5º, caput e XLI); a proteção contra despedida arbitrária (art. 7º, I).

Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte:

PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente garantias constitucionais do direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º, incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I,também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-76.089/2003-900-02-00, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, DJ-17/6/2005)

REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. 1. Caracteriza atitude discriminatória ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado. 2. O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado democrático de Direito (artigo 1º, inciso III), sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao

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trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego. 3. Afronta aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que conclui pela reintegração do Reclamante no emprego. 4. Embargos de que não se conhece. (ERR-439.041/1998, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ-23/5/2003)

Assim, no caso vertente, devida é a reintegração do Reclamante no emprego. Resta incólume o artigo 5º, II, da Constituição. Os arestos transcritos estão superados pela jurisprudência desta Corte. Pertinência da Súmula nº 333/TST.

Não há como divisar ofensa ao artigo 818 da CLT, porquanto, na espécie, restou demonstrado o tratamento discriminatório ainda que implícito – por parte do Reclamado.

Ante o exposto, não conheço.

ISTO POSTO, ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho,por unanimidade, não conhecer integralmente do Recurso de Revista.

Brasília, 18 de outubro de 2006.

MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI Ministra-Relatora

Publicado no Diário da Justiça em 10 de novembro de 2006.

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

PROCESSO: TST-AIRR-206/2001-261-02-40.9

AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECURSO DE REVISTA

AGRAVANTE: COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO

AGRAVADO: JOSÉ VALDIR SOARES DE MELO.

ORIGEM: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. PORTADOR DO VÍRUS IV DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. I- Ciente o empregador de que o empregado é portador do vírus HIV, presume-se discriminatório o exercício do direito potestativo de dispensa. Ademais, ainda que inexista norma legal específica que determine a reintegração do empregado, não há dúvida de que o ordenamento jurídico repudia o tratamento discriminatório e arbitrário. II - Agravo a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista, nº TST-AIRR-206/2001-261-02-40.9, em que é Agravante COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO e é Agravado JOSÉ VALDIR SOARES DE MELO.

A Reclamada interpõe agravo de instrumento, fls. 2/9, insurgindo-se contra o despacho de fls. 297/299, que denegou seguimento ao seu recurso de revista, com apoio na Súmula 296 desta Corte. Apresentada contraminuta às fls. 303/304.

Desnecessário o parecer do Ministério Público do Trabalho, conforme o art.82 do RI/TST.

É o relatório.

V O T O

O agravo é tempestivo (fls. 2 e 300), tem representação regular (fls. 226/228) e encontra-se formado o instrumento, nos termos do artigo 897, § 5º, da CLT e da Instrução Normativa nº 16/99 desta Corte. Conheço.

O TRT da 2ª Região, por meio do acórdão de fls. 271/276, complementado às fls. 285/286, negou provimento ao recurso ordinário da reclamada, para manter a sentença que determinou a reintegração do reclamante portador do vírus HIV no emprego, ao seguinte fundamento, conforme razões resumidas em sua ementa, verbis:

PORTADOR DO VÍRUS HIV - GARANTIA DE EMPREGO - VIABILIDADE. Inconcebível que o direito potestativo do empregador em resilir o contrato de trabalho, por si impediente da percepção dos benefícios previstos na Lei nº 7.670/88, possa ferir o direito fundamental à dignidade da

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pessoa humana insculpido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Sob esta perspectiva, se não há, em razão do empregado que porta síndrome deImunodeficiência Adquirida - AIDS, traço de discriminação, corolário é a maior tolerância do empregador, exatamente por conta da condição física do outro, especialmente se não lhe compromete a aptidão laborativa. Portanto, aflora a presunção lógica de absoluta falta de humanidade, acaso não suscitada motivação de ordem disciplinar, econômica ou financeira para a consumação do ato rescisório.

A situação posta faz erigir o conceito absoluto da natureza alimentar, eminentemente protecionista, do processo no âmbito da Justiça do Trabalho. Desta forma, com espeque nos artigos 5º, inciso XLI e 193, da Carta Magna, de rigor a reintegração ao emprego. A notoriedade do caráter cíclico da deficiência - comportando melhora da higidez sob rigoroso controle medicamentoso - não impede firmar referida convicção, daí porque imprescindível à estruturação tida por essencial para a sobrevida do trabalhador. (Fls. 271)

A reclamada alega que patente o equívoco do Regional ao confirmar a garantia ao emprego a ex-empregado portador do vírus da AIDS, violando assim, literalmente, o disposto no artigo 5º, incisos II e XLI, e 170, IV, da Constituição Federal. Traz arestos para cotejo. Ora, restou comprovado de maneira cabal e inconteste pelo regional que a Reclamada estava ciente da condição do Autor de portador do vírus HIV, consignando inclusive a prática de atos discriminatórios pela Ré. Assim, correta a conclusão do decisum a quo pela reintegração do reclamante no emprego. O artigo 1º da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, aplicando-se ao caso em tela, ainda que por analogia.

Cite-se, finalmente, e não por ser menos importante, que a Lei nº 641/2000, publicada no DOE em 21.06.02, também veda a discriminação de qualquer gênero, aos portadores do vírus HIV. Não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. O que é inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie de maneira a ferir a dignidade da pessoa humana. Foi exatamente o que ocorreu nos autos em epígrafe, onde não restou evidenciada a negligência e o descaso do autor. Frise-se, ainda, que o que se evidencia de todo o processado é que a reclamada agiu de maneira discriminatória e negligente, não apenas ao dispensar o autor, como também no decorrer do elo laboral, praticando ilícitos que atingem sua dignidade, mas principalmente sua integridade física, que se viu comprometida diante da ausência de meios de garantir sua subsistência, mormente diante de sua enfermidade letal.

Diante desse quadro fático, o regional conclui pelo direito do Autor à reintegração postulada, cuja qualquer alteração é vedada pela Súmula nº 126 desta Corte. Ademais, o direito do portador do HIV à estabilidade no emprego encontra apoio no conjunto de diversas garantias constitucionais, em especial, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV); o objetivo de promoção do bem de todos, sem discriminação (art. 3º, IV); a isonomia de tratamento e a vedação de atos discriminatórios (art. 5º, caput e XLI); a proteção contra despedida arbitrária (art. 7º, I). Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte:

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REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DO VÍRUS HIV. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. 1. Caracteriza atitude discriminatória ato de Empresa que, a pretexto de motivação de ordem técnica, dispensa empregado portador do vírus HIV sem a ocorrência de justa causa e já ciente, à época, do estado de saúde em que se encontrava o empregado. 2. O repúdio à atitude discriminatória, objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 3º, inciso IV), e o próprio respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, inciso III), sobrepõem-se à própria inexistência de dispositivo legal que assegure ao trabalhador portador do vírus HIV estabilidade no emprego. 3. Afronta aos artigos 1º, inciso III, 5º, caput e inciso II, e 7º, inciso I, da Constituição Federal não reconhecida na decisão de Turma do TST que conclui pela reintegração do Reclamante no emprego. 4. Embargos de que não se conhece. (ERR-439.041/1998, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ-23.5.2003)

PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionaisdo direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º,

incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-76.089/2003-900-02-00, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, DJ-17.6.2005)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO. PORTADOR DE VÍRUS HIV. AUSÊNCIA DE DISCRIMINAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. DESPROVIMENTO. Os fundamentos fáticos delineados na v. decisão recorrida foram firmes no sentido de que não constatada discriminação. Realçou-se que a empresa não tinha conhecimento da doença do empregado e que os atestados de saúde ocupacional indicaram aptidão para o trabalho. Inviável o reexame da matéria nesta alçada recursal superior, a teor da Súmula nº 126 do C. TST. (AIRR-1880/2004-251-04-40.5, Rel.Min. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA, DJ.07/12/2006)

Restam incólumes os artigos 5º, incisos II e XLI e 170, IV da Constituição Federal.

Os julgados às fls. 293/294 desservem ao confronto, porque, além do primeiro ser oriundo do mesmo órgão prolator da decisão, não atendendo à alínea a do art. 896 da CLT e o último ser oriundo de Turma do TST, nenhum traz a fonte de publicação ou o repositório autorizado em que foram publicados, desatendendo assim ao item I, letra a da súmula 337/TST.

Pelo exposto, mantenho o despacho e nego provimento ao agravo de instrumento.

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ISTO POSTO, ACORDAM os Ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 25 de abril de 2007.

BARROS LEVENHAGEN Ministro Relator

Publicado no Diário da Justiça em 11 de maio de 2007.