Universidade Estadual de Campinas – 5 Equipamento é mais ... · promover mudanças no padrão de...

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Universidade Estadual de Campinas – 16 a 29 de julho de 2007 5 MANUEL ALVES FILHO [email protected] or força de diferentes legisla- ções, a colheita da cana-de- açúcar no Brasil está migran- do progressivamente do padrão manual para o mecânico. Tal mu- dança contribui para o aumento da produtividade e traz benefíci- os ao ambiente, visto que dispen- sa a queima prévia da palha. Entre- tanto, também gera efeitos negati- vos, como a redução do nível de emprego no campo. Uma alterna- tiva aos dois modelos é uma tecno- logia que vem sendo desenvolvida por pesquisadores da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, com a colaboração de outras instituições. Batizada de Unidade Móvel de Auxílio à Colhei- ta (Unimac), ela substitui apenas parcialmente a mão-de-obra hu- mana, conferindo maior segurança e conforto aos tra- balhadores remanescentes. Como se não bastasse, o equipamento ainda promete ser mais leve e ba- rato que as colhedoras convencio- nais, além de operar em terrenos onde estas últimas não conseguem atuar. A Unimac já teve o seu pedido de registro de patente depositado pela Universidade. As pesquisas realizadas pela e- quipe da Feagri são coordenadas pelo professor Oscar Antonio Braunbeck e integram um projeto temático financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Desde 1992, o grupo vem se dedicando ao desen- volvimento de equipamentos que auxiliem na colheita de culturas co- mo frutas, hortaliças e cana-de-a- çúcar. Em dezembro de 2006, por exemplo, os pesquisadores apre- sentaram o protótipo de uma co- lhedora para tomates de mesa, se- guindo o conceito que associa oti- mização do trabalho com preser- vação de mão-de-obra e garantia de segurança e conforto aos traba- lhadores. No caso da Unimac des- tinada à colheita da cana, o protó- tipo começou a ser construído em 2003. Atualmente, está em fase de finalização. De acordo com o professor Oscar, a maioria dos componentes da co- lhedora já foi projetada e construí- da. “Estamos dependendo apenas da liberação de alguns recursos para que possamos concluir o equi- pamento. Nossa expectativa é que ele possa estar pronto para operar em caráter experimental ainda este ano”, prevê. O professor da Feagri considera que a Unimac deverá promover mudanças no padrão de mecanização da colheita da ca- na-de-açúcar. Ele explica que as má- quinas atuais são caras e de grande porte. Ademais, não conseguem operar em terrenos que apresentem mais do que 12% de declividade. Por fim, têm dificuldade de colher as canas que não estão em pé. A proposta dos pesquisadores da Feagri é que a Unimac seja mais compacta e barata. As projeções indicam que o equipamento, que pesará aproximadamente quatro toneladas, deverá chegar ao mer- cado a um preço próximo de R$ 250 mil. As colhedoras atuais custam cerca de R$ 850 mil e pesam de três a quatro vezes mais. Outra vanta- gem que a nova tecnologia deverá apresentar em relação aos mode- los convencionais é que ela poderá operar em terrenos com declivi- dade acentuada, visto que será do- tada de tração e direção nas quatro rodas. Como a operação contará com o apoio de dez trabalhadores – um conduzindo a colhedora e ou- tros nove atuando nas etapas de ordenamento, alimentação e reco- lhimento das canas não-captura- das, a tendência é que haja redução do desperdício, que atualmente está entre 5% e 10%, variando con- forme a lavoura. pamento será acionado à eletrici- dade em substituição aos aciona- mentos hidráulicos. Pelos cálculos feitos pelos pes- quisadores, a Unimac terá capaci- dade para coletar até 200 toneladas de cana por dia, considerando um período de dez horas de trabalho. “Nada impede, entretanto, que o equipamento opere durante 24 ho- ras, por meio de turnos”, explica o docente da Feagri. Para se ter uma idéia do que essa produtividade representa, basta compará-la com o desempenho de um cortador de cana. Atualmente, os mais produ- tivos conseguem cortar, em média, dez toneladas por dia. “Pelas nos- sas estimativas, o custo da colhei- ta com o uso da Unimac será de R$ 4,00 por tonelada, o que o torna al- tamente competitivo”, analisa o professor Oscar. O preço comercial projetado pa- ra a tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores da Unicamp possi- velmente não será acessível a boa parte dos pequenos e médios pro- dutores, como reconhece o coorde- nador dos estudos. Ele considera, porém, que a colhedora poderá ser adquirida por cooperativas agrí- colas ou mesmo por empresas prestadoras de serviços, que seri- am contratadas por esses agricul- tores para realizar a colheita da cana. “Sem essa opção, eles dificil- mente terão condições financeiras de cumprir a legislação e mecani- zar a colheita”, pondera o docente da Feagri. O processo de adaptação da Unimac está sendo conduzido pela Agricef - Soluções Tecnológi- cas para a Agricultura, empreen- dimento abrigado na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp). Gargalo – A safra brasileira de cana-de-açúcar no período 2005/ 2006 ficou em torno de 400 milhões de toneladas, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecu- ária e Abastecimento. Com o cres- cimento do interesse mundial pelo álcool, que tem sido apontado co- mo uma das alternativas aos com- bustíveis derivados de petróleo, a tendência é que haja uma grande ampliação da produção nacional. Se isso de fato ocorrer, existe o ris- co de o país enfrentar logo à frente um sério gargalo tecnológico, visto que os níveis de mecanização da colheita ainda são baixos no setor sucroalcooleiro. “Se não quiser- mos ter problemas, temos que pen- sar nas soluções desde já”, alerta o professor Oscar. De acordo com ele, o segmento de mecanização voltado à colheita da cana-de-açúcar carece de novas idéias. As soluções existentes hoje em dia são baseadas em modelos clássicos, concebidos há pelo me- nos 50 anos. “Penso que a engenha- ria agrícola pode contribuir mui- to nesse aspecto, sobretudo se de- senvolver equipamentos sem grande complexidade tecnologia, mas adequados às nossas necessi- dades. Nossas pesquisas estão vol- tadas justamente para essa dire- ção”, afirma. Origem – A cana-de-açúcar é o- riginária da Ásia. Trazida ao Bra- sil por Martim Afonso de Souza, por volta de 1530, passou a ter des- tacada importância econômica pa- ra o país. Inicialmente, o principal pólo de produção nacional foi a re- gião Nordeste. Com o tempo, a cul- tura foi expandida para outros es- tados, inclusive São Paulo, que res- ponde atualmente por 60% da sa- fra brasileira. Embora tenha outras aplicações, a cana é empregada ba- sicamente como matéria-prima pa- ra a produção de açúcar e álcool. P Equipamento é mais barato e compacto que os convencionais, além de operar em terrenos acidentados Colhedora de cana preserva empregos e reduz desperdício Mais um aspecto positivo da U- nimac é que a colhedora foi proje- tada de modo a garantir aos traba- lhadores maior conforto e segu- rança durante o cumprimento das tarefas. Os componentes seguem, por exemplo, princípios ergonô- micos. “Com a Unimac, os funcio- nárias das fazendas ou usinas não terão mais que trabalhar em posi- ções desconfortáveis e inadequa- das ou realizar movimentos repe- titivos de forma exaustiva”, afirma o professor Oscar. Ele aponta mais uma vantagem da tecnologia de- senvolvida pela sua equipe. O equi- Protótipo começou a ser construído há quatro anos O coordenador das pesquisas, professor Oscar Antonio Braunbeck, da Feagri: equipamento deve ser testado ainda este ano Detalhe do despalhador: níveis de mecanização são baixos no país Fotos: Divulgação/Antoninho Perri

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Universidade Estadual de Campinas – 16 a 29 de julho de 2007 5

MANUEL ALVES [email protected]

or força de diferentes legisla-ções, a colheita da cana-de-açúcar no Brasil está migran-

do progressivamente do padrãomanual para o mecânico. Tal mu-dança contribui para o aumentoda produtividade e traz benefíci-os ao ambiente, visto que dispen-sa a queima prévia da palha. Entre-tanto, também gera efeitos negati-vos, como a redução do nível deemprego no campo. Uma alterna-tiva aos dois modelos é uma tecno-logia que vem sendo desenvolvidapor pesquisadores da Faculdadede Engenharia Agrícola (Feagri) daUnicamp, com a colaboração deoutras instituições. Batizada deUnidade Móvel de Auxílio à Colhei-

ta (Unimac), elasubstitui apenasparcialmente amão-de-obra hu-mana, conferindomaior segurança econforto aos tra-

balhadores remanescentes. Comose não bastasse, o equipamentoainda promete ser mais leve e ba-rato que as colhedoras convencio-nais, além de operar em terrenosonde estas últimas não conseguematuar. A Unimac já teve o seu pedidode registro de patente depositadopela Universidade.

As pesquisas realizadas pela e-quipe da Feagri são coordenadaspelo professor Oscar AntonioBraunbeck e integram um projetotemático financiado pela Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado deSão Paulo (Fapesp). Desde 1992, ogrupo vem se dedicando ao desen-volvimento de equipamentos queauxiliem na colheita de culturas co-mo frutas, hortaliças e cana-de-a-çúcar. Em dezembro de 2006, porexemplo, os pesquisadores apre-sentaram o protótipo de uma co-lhedora para tomates de mesa, se-guindo o conceito que associa oti-mização do trabalho com preser-vação de mão-de-obra e garantiade segurança e conforto aos traba-lhadores. No caso da Unimac des-tinada à colheita da cana, o protó-tipo começou a ser construído em2003. Atualmente, está em fase definalização.

De acordo com o professor Oscar,a maioria dos componentes da co-lhedora já foi projetada e construí-da. “Estamos dependendo apenasda liberação de alguns recursospara que possamos concluir o equi-pamento. Nossa expectativa é queele possa estar pronto para operarem caráter experimental ainda esteano”, prevê. O professor da Feagriconsidera que a Unimac deverápromover mudanças no padrãode mecanização da colheita da ca-na-de-açúcar. Ele explica que as má-quinas atuais são caras e de grandeporte. Ademais, não conseguemoperar em terrenos que apresentemmais do que 12% de declividade.Por fim, têm dificuldade de colheras canas que não estão em pé.

A proposta dos pesquisadores daFeagri é que a Unimac seja maiscompacta e barata. As projeçõesindicam que o equipamento, quepesará aproximadamente quatrotoneladas, deverá chegar ao mer-cado a um preço próximo de R$ 250mil. As colhedoras atuais custamcerca de R$ 850 mil e pesam de trêsa quatro vezes mais. Outra vanta-gem que a nova tecnologia deveráapresentar em relação aos mode-los convencionais é que ela poderáoperar em terrenos com declivi-dade acentuada, visto que será do-tada de tração e direção nas quatrorodas. Como a operação contarácom o apoio de dez trabalhadores

– um conduzindo a colhedora e ou-tros nove atuando nas etapas deordenamento, alimentação e reco-lhimento das canas não-captura-das, a tendência é que haja reduçãodo desperdício, que atualmenteestá entre 5% e 10%, variando con-forme a lavoura.

pamento será acionado à eletrici-dade em substituição aos aciona-mentos hidráulicos.

Pelos cálculos feitos pelos pes-quisadores, a Unimac terá capaci-dade para coletar até 200 toneladasde cana por dia, considerando umperíodo de dez horas de trabalho.“Nada impede, entretanto, que oequipamento opere durante 24 ho-ras, por meio de turnos”, explica odocente da Feagri. Para se ter umaidéia do que essa produtividaderepresenta, basta compará-la como desempenho de um cortador decana. Atualmente, os mais produ-tivos conseguem cortar, em média,dez toneladas por dia. “Pelas nos-sas estimativas, o custo da colhei-ta com o uso da Unimac será de R$4,00 por tonelada, o que o torna al-tamente competitivo”, analisa oprofessor Oscar.

O preço comercial projetado pa-ra a tecnologia desenvolvida pelospesquisadores da Unicamp possi-velmente não será acessível a boaparte dos pequenos e médios pro-dutores, como reconhece o coorde-nador dos estudos. Ele considera,porém, que a colhedora poderá seradquirida por cooperativas agrí-colas ou mesmo por empresasprestadoras de serviços, que seri-am contratadas por esses agricul-tores para realizar a colheita dacana. “Sem essa opção, eles dificil-mente terão condições financeirasde cumprir a legislação e mecani-zar a colheita”, pondera o docenteda Feagri. O processo de adaptaçãoda Unimac está sendo conduzidopela Agricef - Soluções Tecnológi-cas para a Agricultura, empreen-dimento abrigado na Incubadorade Empresas de Base Tecnológicada Unicamp (Incamp).

Gargalo – A safra brasileira decana-de-açúcar no período 2005/2006 ficou em torno de 400 milhõesde toneladas, de acordo com dadosdo Ministério da Agricultura, Pecu-ária e Abastecimento. Com o cres-cimento do interesse mundial peloálcool, que tem sido apontado co-mo uma das alternativas aos com-bustíveis derivados de petróleo, atendência é que haja uma grandeampliação da produção nacional.Se isso de fato ocorrer, existe o ris-co de o país enfrentar logo à frenteum sério gargalo tecnológico, vistoque os níveis de mecanização dacolheita ainda são baixos no setorsucroalcooleiro. “Se não quiser-mos ter problemas, temos que pen-sar nas soluções desde já”, alerta oprofessor Oscar.

De acordo com ele, o segmento demecanização voltado à colheita dacana-de-açúcar carece de novasidéias. As soluções existentes hojeem dia são baseadas em modelosclássicos, concebidos há pelo me-nos 50 anos. “Penso que a engenha-ria agrícola pode contribuir mui-to nesse aspecto, sobretudo se de-senvolver equipamentos semgrande complexidade tecnologia,mas adequados às nossas necessi-dades. Nossas pesquisas estão vol-tadas justamente para essa dire-ção”, afirma.

Origem – A cana-de-açúcar é o-riginária da Ásia. Trazida ao Bra-sil por Martim Afonso de Souza,por volta de 1530, passou a ter des-tacada importância econômica pa-ra o país. Inicialmente, o principalpólo de produção nacional foi a re-gião Nordeste. Com o tempo, a cul-tura foi expandida para outros es-tados, inclusive São Paulo, que res-ponde atualmente por 60% da sa-fra brasileira. Embora tenha outrasaplicações, a cana é empregada ba-sicamente como matéria-prima pa-ra a produção de açúcar e álcool.

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Equipamento é mais barato e compacto que os convencionais, além de operar em terrenos acidentados

Colhedora de cana preservaempregos e reduz desperdício

Mais um aspecto positivo da U-nimac é que a colhedora foi proje-tada de modo a garantir aos traba-lhadores maior conforto e segu-rança durante o cumprimento dastarefas. Os componentes seguem,por exemplo, princípios ergonô-micos. “Com a Unimac, os funcio-

nárias das fazendas ou usinas nãoterão mais que trabalhar em posi-ções desconfortáveis e inadequa-das ou realizar movimentos repe-titivos de forma exaustiva”, afirmao professor Oscar. Ele aponta maisuma vantagem da tecnologia de-senvolvida pela sua equipe. O equi-

Protótipocomeçou aser construídohá quatro anos

O coordenador das pesquisas, professor Oscar Antonio Braunbeck, da Feagri: equipamento deve ser testado ainda este ano

Detalhe dodespalhador:níveis demecanizaçãosão baixosno país

Fotos: Divulgação/Antoninho Perri