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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS ANDRESSA MENDES ARGENTA MOBILIDADES POPULACIONAIS ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS DO NORTE DO BRASIL, UMA ABORDAGEM MULTIESCALAR LIMEIRA 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS

ANDRESSA MENDES ARGENTA

MOBILIDADES POPULACIONAIS ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS

DO NORTE DO BRASIL, UMA ABORDAGEM MULTIESCALAR

LIMEIRA

2018

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ANDRESSA MENDES ARGENTA

MOBILIDADES POPULACIONAIS ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS DO

NORTE DO BRASIL, UMA ABORDAGEM MULTIESCALAR

Dissertação apresentada como requisito final à

Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade

Estadual de Campinas para a obtenção do título de

Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Orientador: Prof. Dr. Álvaro de Oliveira D’Antona

Co-Orientador: Prof. Dr. Roberto Donato da Silva Junior

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE

À VERSÃO FINAL DA

DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA ANDRESSA MENDES

ARGENTA E ORIENTADA PELO

PROF. DR. ÁLVARO DE OLIVEIRA

D’ANTONA

LIMEIRA

2018

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A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta

pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em

28/06/2018, considerou a candidata Andressa Mendes Argenta aprovada.

Professor Doutor Álvaro de Oliveira D’Antona (Presidente)

Professor Doutor Eduardo José Marandola Junior

Professor Doutor Roberto Luiz do Carmo

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no

processo de vida acadêmica da aluna.

LIMEIRA

2018

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*Epígrafe recebida pela inspiradora Profa. Dra. Laís Silveira Fraga

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AGRADECIMENTOS

A palavra-chave protagonista nesse percurso certamente foi mobilidade. Não só por

ser o tema central da pesquisa, mas por ter demandado que eu me movesse em todas as esferas,

física, emocional e intelectualmente. Para mim, a mobilidade só foi possível por poder contar

com portos seguros.

Agradeço à minha mãe, Mercedes, pelo apoio desmedido e pelo abraço que tudo

cura. Ao meu pai, Cesar, por acreditar em mim mais que eu mesma. Às minhas irmãs, Silvia e

Vanessa, por serem meu lugar de segurança, acolhimento e risadas.

Agradeço aos orientadores, Álvaro e Roberto, por ensinamentos tão valiosos.

Agradeço a todas as pessoas envolvidas no ICHSA, desde os professores aos

colegas, por acreditarem em outras formas de viver e olhar o mundo.

Agradeço aos amigos de longa data, Lou, Maria e Cauê, pelo encorajamento e o

cuidado de todos os dias.

Agradeço aos amigos dessa nova etapa da vida, Moa, Larissa e Rodrigo, por estarem

sempre presentes e serem incríveis parceiros de fuga.

Agradeço aos amigos feitos no mestrado, Heitor, Bárbara, Thiago, Marcela, Vivi e

Mônica, pelas trocas, risadas e conselhos. Em especial, agradeço ao Bruno, pelo ombro amigo,

conversas e aprendizados.

Agradeço ao Vinicius, por ter sido fonte inesgotável de força, abraços e cervejas.

Agradeço a todos aqueles que cruzaram meu caminho e ao caminho que eu percorri.

Por fim, agradeço a mim mesma, pela perseverança e coragem.

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RESUMO

Áreas Protegidas (AP) são aquelas delimitadas por legislação específica cujo

objetivo principal é a conservação de um patrimônio, seja natural ou cultural. Para a presente

pesquisa foram levantadas as Unidades de Conservação e Terras Indígenas localizadas nos sete

estados da região Norte do Brasil, concluindo que metade do território da região está submetido

às regras específicas de uso e ocupação do solo inerentes às AP. Assim, o principal objetivo é

captar como se dão os efeitos da criação das Áreas Protegidas nos processos de mobilidade das

populações associadas às AP. O termo mobilidade abarca tanto o ato de se mover entre locais

associados às Áreas Protegidas quanto a apreensão de diferentes conceitos e métodos para tratar

o problema. Uma vez que a pergunta principal se deu em um contexto macroescalar, mas as

respostas somente podem ser obtidas ao se tomar dados obtidos na microescala, tem-se a

abordagem multiescalar, que permite uma leitura do problema sob diversas óticas. Para se

apropriar da multiescalaridade, foram utilizados dados macro, dos Censos nacionais, e dados

micro, de pesquisas já realizadas em Unidades de Conservação de distintas categorias. Desta

forma, tornou-se possível apreender que existem diversas formas de mobilidade associadas às

Áreas Protegidas, tratando-se de um fenômeno que demanda um tratamento interdisciplinar

para sua leitura e compreensão.

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ABSTRACT

Protected Areas (PA) are those delimited by specific legislation whose main

objective is the conservation of a natural or cultural heritage. For the present research, were

taken the Conservation Units and Indigenous Lands located in the seven states of the northern

region of Brazil, concluding that half of the territory of the region is subject to the specific rules

of land use and occupation inherent to PAs. Thus, the main objective is to capture how the

effects of the creation of the Protected Areas in the processes of mobility of the populations

associated with PAs occur. The term mobility encompasses both the movement between sites

associated with Protected Areas and the apprehension of different concepts and methods to

address the problem. Since the main question was given in a macro-scalar context, but the

answers can only be obtained by taking data obtained at the microscale, we have the multi-scalar

approach, which allows a reading of the problem from different perspectives. In order to

appropriate the multiscalarity, macro data were used, from national censuses, and micro data,

from research already done in Conservation Units of different categories. In this way, it became

possible to perceive that there are several forms of mobility associated to Protected Areas, being

a phenomenon that demands an interdisciplinary treatment for its reading and understanding.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Esquema gráfico dos fatores de origem e destino e obstáculos intervenientes em

migração. .................................................................................................................................. 23

Figura 2 – Representação gráfica das escalas como lentes. ..................................................... 53

Figura 3 – Representação gráfica da prática interdisciplinar dentro da multiescalaridade. ..... 56

Figura 4 – Mapa de municípios e recobrimento por tipos de AP, na região Norte do Brasil... 71

Figura 5 - Gráfico de quantidade de municípios por tipos de AP, na região Norte do Brasil. . 72

Figura 6 - Gráfico de quantidade de municípios por porcentagem de território coberto por AP,

na região Norte do Brasil. ......................................................................................................... 73

Figura 7 - Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por AP

entre os municípios do Norte do Brasil. ................................................................................... 74

Figura 8- Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por UC

de Uso Sustentável entre os municípios do Norte do Brasil..................................................... 75

Figura 9 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991. ............. 77

Figura 10 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000. ........... 80

Figura 11 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010. ........... 82

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Evolução dos quesitos relacionados à migração nos Censos brasileiros ................ 60

Tabela 2 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por

tipo de AP, entre 1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 78

Tabela 3 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre

1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 79

Tabela 4 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por

tipo de AP, entre 1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 80

Tabela 5 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre

1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 81

Tabela 6 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por

tipo de AP, entre 2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 83

Tabela 7 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre

2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 84

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LISTA DE SIGLAS

AP Áreas Protegidas

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FVA Fundação Vitória Amazônica

IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

PNJ Parque Nacional do Jaú

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária

RESEX Reserva Extrativista

RESEX-AP Reserva Extrativista Auati-Paraná

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

RDSM Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

TI Terras Indígenas

UC Unidades de Conservação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14

1. ABORDAGEM CONCEITUAL: MOBILIDADE, MULTIESCALARIDADE E

INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................................. 20

1.1 Temas-chave: Migração e o contexto histórico das Áreas Protegidas na

Amazônia ................................................................................................................. 20

1.1.1 Migração: narrativa clássica .................................................................................... 20

1.1.2 Ocupação da Amazônia: processos migratórios na região Norte do Brasil .............. 27

1.1.3 Processo de criação e implantação de Áreas Protegidas na região Norte

do Brasil ................................................................................................................... 34

1.2 População, Ambiente e Interdisciplinaridade .......................................................... 38

1.2.1 Campo de População e Ambiente ............................................................................ 38

1.2.2 Interdisciplinaridade ................................................................................................ 41

1.2.3 Mobilidade e Multilocalidade .................................................................................. 43

1.2.4 Multiescalaridade ..................................................................................................... 50

1.3 Construção da abordagem da pesquisa .................................................................... 58

1.3.1 Materiais e Métodos ................................................................................................ 64

1.3.1.1 Tratamento dos dados .............................................................................................. 66

2 ESCALAS DA MOBILIDADE: RESULTADOS ............................................... 70

2.1 Análises quantitativas entre variáveis territoriais e populacionais .......................... 73

2.2 Análises qualitativas de estudos de caso ................................................................. 86

2.2.1 Tese de doutorado “Distribuição e mobilidade espacial da população em Unidades

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de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia brasileira: o caso da Reserva

Extrativista Auati-Paraná” ....................................................................................... 87

2.2.2 Estudo sociodemográfico “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Mamirauá” ............................................................................................ 91

2.2.3 Projeto/Livro “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma

estratégia para a conservação da biodiversidade” ................................................... 96

3 MOBILIDADES ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS NA REGIÃO

NORTE DO BRASIL .......................................................................................... 101

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 110

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 113

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INTRODUÇÃO

A mobilidade é um fenômeno muito presente na dinâmica humana daqueles que

habitam a Amazônia. Muito se engana quem a associa somente a uma floresta imponente e

intocada, de mata e vida homogênea. Amazônia é movimento – de água, de bicho, de vento,

de barco, de gente. Muita gente. Bertha Becker já alertou, desde a década de 1990, da

importância das cidades no contexto amazônico. Cidade só existe com movimento, de gente,

de carro, de trabalho, de mercadorias, de produções.

Inseridas em um bioma com grande apelo preservacionista, as populações

humanas dos ambientes não urbanizados da Amazônia se deparam com questões que podem

ser consideradas conflitantes. Assim, em um cenário em que coexistem a necessidade de

produção econômica – que invariavelmente resulta em exploração do meio ambiente – e uma

relação subjetiva de afetividade entre o homem e a natureza, nasce a ideia de reservar

algumas áreas, normalmente de floresta primária, para fins exclusivos de preservação e

conservação ambiental, visando regular as formas de ocupação do solo e proteger populações

tradicionais que mantêm relação direta de afeto e sobrevivência com essas áreas. No Brasil,

algumas destas áreas recebem a denominação de Unidades de Conservação (UC) e foram

criadas na Amazônia de forma pioneira – a primeira área protegida ambientalmente foi a

Reserva Florestal do Acre, criada em 1911.

As Unidades de Conservação, no Brasil, são regulamentadas pelo Sistema

Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criado através da Lei nº 9.985, de 18 de

julho de 2000, que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das

Unidades de Conservação. As UC são entendidas como o “espaço territorial e seus recursos

ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,

legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos,

sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”

(BRASIL, 2000).

As UC podem ser de duas modalidades:

a) Proteção Integral, onde deve haver a mínima interferência humana, podendo

ser categorizadas em: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional,

Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre, cada uma com características

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específicas de gestão e tipos de uso do solo. Destas, as três primeiras não permitem

áreas particulares e residência de pessoas dentro de seus limites;

b) Uso Sustentável, que visa compatibilizar a conservação da natureza com o uso

sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Podem ser categorizadas em:

Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta

Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento

Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Também são

especificadas formas de uso e ocupação do solo para cada categoria, sendo

permitida a ocupação humana na maioria delas, desde que não conflitem com os

objetivos de conservação da UC, com exceção das Florestas Nacionais e das

Reservas de Fauna.

No Brasil há outra forma de reserva de área com fins de conservação: as Terras

Indígenas (TI), que visam assegurar o cumprimento do art. 231 da Constituição Federal de 1988,

prevendo reconhecer aos indígenas sua “organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988). A cláusula

1º define as TI como as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em

caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à

preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua

reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), as Terras Indígenas

podem ser de quatro modalidades (BRASIL, 1973): a) Tradicionalmente Ocupadas – com

direito originário dos povos indígenas; b) Reservas Indígenas – terras doadas por terceiros,

adquiridas ou desapropriadas pela União; c) Terras Dominiais - de propriedade das

comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos

termos da legislação civil; d) Interditadas - áreas interditadas pela FUNAI para proteção dos

povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito

de terceiros na área.

O processo de demarcação das Terras Indígenas é bastante complexo e muitas

áreas ainda não se encontram completamente regularizadas; atualmente as TI podem estar

em situação homologada, em estudo, delimitada, declarada ou regularizada.

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Em suma, tanto as UC quanto as TI são áreas que contam com diversas regulações

sobre as formas de uso e ocupação do solo, sobre quais atividades econômicas e sociais são

permitidas, entre outras regras colocadas pelo SNUC e pela FUNAI. Por se tratar de espaços

cujo uso é extremamente regulado por uma legislação específica, pode se refletir sobre o

efeito que isso tem nas populações que habitam tais ambientes.

A presença humana nesses espaços acaba por, inevitavelmente, gerar alguns

conflitos. E parece que a compreensão de tal problemática só pode ser guiada através de uma

abordagem essencialmente interdisciplinar. De acordo com Morin (1973), em sua obra “O

paradigma perdido”, a ciência carece de reintegrar o homem ao universo, criticando o modo

de funcionamento da sociedade contemporânea, que se baseia na disjunção absoluta entre

sociedade e natureza. Para Irving et. al. (2008, p. 1), um grande destaque da obra de Morin é

a percepção de que a compartimentação resultante da perspectiva disciplinar impede a

relação entre as partes e o todo.

A este respeito também contribui Bertha Becker, ao afirmar que, ao se estabelecer

as políticas ambientais específicas que visam dar conta da relação entre dinâmicas sociais e

conservação da natureza, compõe-se um processo extremamente complexo que demanda da

perspectiva inter (e trans) disciplinar, visando a compreensão e factibilidade de uma gestão

condizente com o propósito colocado, porque a natureza tem localização geográfica e formas

de apropriação particulares, “o que a insere, necessariamente, no contexto das relações

sociais. Essa condição implica reconhecer que há diferentes projetos para sua utilização,

correspondentes à variedade de significados e de meios disponíveis pelas sociedades, seus

atores, e em diferentes escalas geográficas” (BECKER, 2009, p. 17).

Assim, entende-se que, apesar da conservação da natureza ser uma pauta global,

faz- se necessário compreender a contextualização histórica e social de cada local,

considerando as diferentes escalas de análise e a relevância das dinâmicas sociais inerentes

aos espaços, sejam eles naturais ou não. Porém, nesse recorte específico da interação entre

natural e social, afirma- se a impossibilidade de estudar um sem o outro.

Em uma perspectiva mais pragmática, a degradação dos ecossistemas e,

especificamente, da matriz de biodiversidade do planeta, depende, em grande

parte, da ação humana e a condição humana depende, reciprocamente, do

‘estado’ da natureza e de sua interpretação simbólica. Nesse sentido, natureza

pode representar qualidade de vida ou sua deterioração, e sua interpretação

não se dissocia da dinâmica social (IRVING et. al., 2008, p. 2).

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Portanto, o estudo da natureza deve passar pelas dinâmicas sociais, inclusive pelos

processos de mobilidade populacional, que envolvem muitas questões que têm origem e que

interferem na relação entre natureza e dinâmicas sociais. Na Amazônia não é diferente, sendo

também um espacço que contou com diversos e distintos eventos de mobilidade, como

apontado por Neves (2000, p. 93). Segundo o autor, ao elaborar um estudo referente à

arqueologia amazônica, pode-se apontar três “fases” principais da mobilidade de populações na

Amazônia: a primeira relacionada a fatores essencialmente ecológicos, uma vez que os

assentamentos das populações tradicionais eram estabelecidos de acordo com a disponibilidade

de recursos e, quando os recursos escasseavam, partia-se para nova área; a segunda conta com

fatores que não são unicamente ecológicos, com práticas de técnicas de agricultura, onde havia

a possibilidade de cultivo de uma área por até noventa anos, então a mobilidade dos

assentamentos se dava por variáveis como relações de parentesco ou disputas políticas no nível

local; a terceira são os padrões contemporâneos de mobilidade dos assentamentos, enquanto

uma resposta à pressão exercida pelo ritmo desordenado de ocupação da Amazônia.

Uma das ações governamentais concebidas para dar conta da questão conservação da

natureza e ocupação humana foi o estabelecimento das Áreas Protegidas1 – caracterizando um

primeiro indício da relação entre os dois fenômenos. Assim, a questão da proteção da natureza

assume um viés político, envolvendo disputas por interesses específicos e, muitas vezes,

conflitantes, no que diz respeito ao uso da terra. Uma vez que a criação das Áreas Protegidas

influencia no ordenamento territorial, cria-se um cenário de processos conflituosos, porém,

trata-se de um processo essencial na busca de desenvolvimento com justiça social e

conservação ambiental (CASTRO JR. et. al., 2009, p. 48).

A pesquisa desenvolvida na dissertação aqui apresentada gerou resultados que

apontam para o fato de que metade da área da região Norte do Brasil está recoberta por

Unidades de Conservação e/ou Terras Indígenas, ou seja, metade do território está sujeito a

rigorosas regras de uso e ocupação do solo. Sabendo que, dependendo da categoria da Área

Protegida, certas práticas - como habitação, criação de animais, tipos de plantações, formas de

extração e uso de recursos naturais - são proibidas ou permitidas sob condições e normas

específicas, abre-se espaço para o questionamento sobre de que modo as restrições e mudanças

no modo de vida, impostas pela legislação e considerando tantas peculiaridades inerentes a

1 No Brasil, as Áreas Protegidas (AP) são o conjunto de Unidades de Conservação, Terras Indígenas

e Quilombolas. Porém no presente trabalho a terminologia será utilizada para considerar a associação de UC e TI.

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estes espaços, afetam a mobilidade das populações que ali vivem. Foi esta a principal

indagação que guiou a construção desta dissertação, que tem como recorte geográfico os sete

estados da região Norte do Brasil2, a saber: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima

e Tocantins. O recorte temporal abarca dados populacionais e territoriais obtidos desde 1986

até 2015, ou seja, considera um espectro de 30 anos.

Assim, a pesquisa teve início com a hipótese inicial de que quanto maior a

presença de uma Área Protegida em determinado território, maior seria a emigração de pessoas

– porém, no decorrer do texto esta hipótese vai se mostrando não tão dicotômica como aqui

colocada, mas como um dos fatores de um cenário que abarca múltiplos processos associados

à mobilidade populacional.

O principal desafio posto está associado à investigação e caracterização de

processos de mobilidade associados à existência de Áreas Protegidas, por se tratar de um

fenômeno que não conta com dados específicos oriundos de pesquisas como Censos ou PNAD

(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e que não pode ser explicado somente através

do conceito de migração (como será explicado adiante).

Assim, entende-se que conceitos e métodos interdisciplinares podem oferecer

maneiras de se trabalhar com a questão de forma mais adequada, por possibilitar diferentes

formas de enxergar e tratar a problemática. Há, também, o entendimento de que a escolha de

uma única escala de análise não seria suficiente para trabalhar com a hipótese, sendo

imprescindível a adoção de conceitos e métodos interdisciplinares, visando o aproveitamento

das potencialidades de distintos métodos que se fazem necessários ao se olhar o contexto de um

local tão único como a Amazônia.

Por isso, a presente pesquisa toma dois conceitos como basilares na investigação

da hipótese: mobilidade e multiescalaridade. A mobilidade é um conceito que abarca os

processos de movimentação da população humana - por meio dos quais é possível discutir a

multilocalidade, um fenômeno bastante comum na dinâmica social e demográfica de povos

amazônicos -, porém, conta com uma discussão mais profunda, a partir do paradigma da

mobilidade de John Urry (2000), que atenta para uma apreensão além da movimentação física,

com a mobilidade abarcando também a movimentação de questões imaginativas, virtuais e

2 Faz-se importante pontuar que as Áreas Protegidas localizadas nos sete estados da região Norte do

Brasil contam com dinâmicas populacionais características de questões associadas à Amazônia como um todo,

seja em relação à história ou a características físicas e ambientais. Por isso, aqui, o recorte geográfico tem fins de

padronização do banco de dados que será apresentado adiante, porém utiliza-se o termo Amazônia para localizar

o contexto físico e social das questões abordadas.

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comunicativas. É importante destacar que houve muito ganho para o desenvolvimento desta

dissertação a prática de uma mobilidade entre conceitos, disciplinas, métodos, campos,

escalas. Assim, toma-se a mobilidade como um conceito que ajuda a explicar o efeito da

criação das Áreas Protegidas na população de forma interdisciplinar.

Já sob o espectro da multiescalaridade, tem-se a possibilidade de utilização de

métodos distintos, visando aproveitar as potencialidades de cada recorte escalar/metodológico.

Porém, dentro desse espectro, faz-se importante ter o entendimento de que a multiescalaridade

vai além de uma simples mudança da hierarquia do recorte escalar, mas que vai adquirindo

novos significados de acordo com as relações, redes, práticas sociais, condições históricas.

Em suma, foi sob os preceitos destes dois conceitos que se tornou admissível o

desenvolvimento uma pesquisa que se utiliza da integração de diferentes tópicos e métodos.

Para dar conta da caracterização do problema e das formas utilizadas para estudá-lo, a

dissertação é segmentada em três capítulos principais: o primeiro se ocupa do resgate

bibliográfico dos temas-chave (migração e Áreas Protegidas), dos conceitos edificantes

(mobilidade e multiescalaridade) e da questão de materiais e métodos, trazendo os principais

desafios metodológicos encontrados e a fundamentação da escolha do método utilizado. Já no

segundo capítulo são apresentados os resultados das análises obtidas a partir da manipulação

de banco de dados populacionais e territoriais, considerando a macroescala, e das análises

obtidas na microescala, através de revisão bibliográfica de pesquisas já realizadas em Unidades

de Conservação localizadas na região Norte do Brasil. Por fim, o último capítulo aborda as

conclusões obtidas sobre as mobilidades associadas às Áreas Protegidas.

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1. ABORDAGEM CONCEITUAL: MOBILIDADE,

MULTIESCALARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE

O primeiro capítulo traz os conceitos, reflexões e análises que levaram à construção

da problemática da pesquisa dentro de um programa interdisciplinar, visando esclarecer

questões que serviram de embasamento e estímulo para se pensar os processos de mobilidade

populacional relacionados às Áreas Protegidas dos sete estados do Norte do Brasil. Para isso,

faz-se necessária uma revisão bibliográfica dos temas-chave – primeira parte do capítulo -, para

então passar-se à segunda parte, visando a explanação dos conceitos edificantes, como a

discussão sobre população e ambiente e de questões associadas à mobilidade, multilocalidade,

multiescalaridade e interdisciplinaridade e ter, na terceira parte, a explicação dos aspectos

metodológicos da pesquisa.

1.1 Temas-chave: Migração e o contexto histórico das Áreas Protegidas

na Amazônia

O subcapítulo dos temas-chave aborda um resgate da bibliografia já consolidada a

respeito da migração, enquanto conceito disciplinar, e da ocupação da Amazônia, cuja história

é diretamente ligada aos processos migratórios. Desta forma, este subcapítulo divide-se em três

seções: a primeira trazendo as narrativas clássicas da migração, a segunda abordando a

ocupação da Amazônia e o terceiro com o histórico das Áreas Protegidas na região.

1.1.1 Migração: narrativa clássica

Os processos de mobilidade populacional ocorrem desde que se tem conhecimento

da história humana, porém a produção bibliográfica a respeito do tema não é de longa data. Um

dos primeiros marcos teóricos do até então incipiente campo de estudo das migrações é a

publicação, em 1885, do estudo chamado “As leis da migração”, de Ernst Ravenstein. Segundo

o autor, esta pesquisa se fazia necessária para contestar a publicação de William Farr, médico

sanitarista e estatístico inglês, na qual afirmou que as migrações pareciam ocorrer sem qualquer

lei definida.

O objetivo do estudo era analisar os dados provenientes do Censo do Reino Unido

de 1881, no qual o autor classificou os elementos componentes dos processos migratórios

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e os tipos de migrantes. Assim, a partir da análise destes dados, Ravenstein colocou a

existência de sete leis da migração.

O autor foi um dos primeiros a atentar para a importância das grandes cidades

enquanto focos de atração de migrantes, afirmando que as grandes cidades proporcionam

facilidades à divisão e à combinação do trabalho, ao exercício das artes e à prática de todas

as profissões e fazendo com que, a cada ano, um número maior de pessoas se instale nesses

centros. “Outros aspectos que induzem a migração são as facilidades educacionais, a

salubridade do clima ou a carestia da vida” (RAVENSTEIN, 1885, p. 191, tradução nossa).

Em 1966, Everett Lee publicou um estudo em que analisa as conclusões de

Ravenstein; as leis estabelecidas por Ravenstein, na forma sistematizada por Lee (1966, p.

47, tradução nossa), são:

1. Migração e distância – a maioria dos migrantes se desloca a curtas distâncias; o

número de migrantes diminui à medida que aumenta a distância de um centro de

absorção; os migrantes que se deslocam a longa distância dirigem-se para um

grande centro comercial ou industrial;

2. Migração por etapas – consequência das correntes migratórias que se orientam

para os grandes centros comerciais e industriais absorvedores de migrantes;

pessoas que residem nas cercanias de uma cidade em crescimento deslocam-se

para ela, sendo os vazios deixados pela população rural preenchidos por migrantes

oriundos de distritos mais remotos, até que a força de atração de uma destas

cidades passe a ser sentida nos mais remotos pontos do território;

3. Fluxo e refluxo – cada corrente migratória principal produz uma corrente

inversa compensatória (a terminologia moderna chama este processo de corrente

e contracorrente);

4. Diferenças urbano-rurais na propensão a migrar – naturais das cidades migram

menos que os naturais das áreas rurais;

5. Predomínio das mulheres entre os que migram a curtas distâncias – as mulheres

parecem predominar entre os migrantes que percorrem trajetos curtos;

6. Tecnologia e migração – incremento dos meios de locomoção e o

desenvolvimento da indústria e do comércio contribuíram para aumentar a

migração;

7. Predomínio do motivo econômico – leis opressivas, tributação onerosa, clima

insalubre etc., produziram e continuam a produzir correntes migratórias, mas não

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são comparáveis, em volume, com a que resulta do desejo inerente dos homens de

melhorar sua situação material.

Mesmo com 80 anos de diferença entre as publicações, Lee enfatiza que, ao

divulgar seu artigo, houve poucos avanços em relação ao estudo da migração de Ravenstein.

Embora tenham havido muitos estudos sobre gênero e migração, idade e migração, distância e

migração etc., foram escassas as referências à magnitude dos fluxos, sendo poucos também os

que consideraram os motivos da migração ou a assimilação dos migrantes nos locais de

destino.

A maior parte dos ensaios teóricos sobre migração, até meados de 1960, versava

sobre a relação entre migração e distância, procurando estabelecer formulações matemáticas

acerca desta relação. Assim, Ravenstein parecia ter sido a última pessoa a realizar uma

comparação detalhada sobre o volume das migrações internas e das características dos

migrantes em nível de um número considerável de nações (LEE, 1966, p. 49, tradução

nossa).

Em termos gerais, ainda se baseando nas conclusões de Lee (1966, p. 50, tradução

nossa), pode-se dizer que a consideração da migração interna estava divorciada de

considerações acerca da imigração e da emigração internacional e também que os

movimentos mais curtos, como os internos entre distritos, não eram considerados juntamente

com os movimentos de distâncias mais longas, que se consideram, mais propriamente, como

sendo os migratórios. Igualmente, as migrações forçadas, tais como os movimentos dos

refugiados da Segunda Guerra Mundial, não eram abrangidas às chamadas migrações livres.

Visando propor novas conclusões, primeiramente Lee (1966, p. 51, tradução nossa)

definiu migração como uma mudança permanente, ou semipermanente, de residência. Não

são postas limitações quanto à distância do deslocamento, ou à natureza voluntária ou

involuntária do ato, ou à distinção entre migração externa e interna. Não foram incluídas na

definição todas as classes de mobilidade espacial, como os movimentos nômades, ou dos

trabalhadores migratórios, para os quais não existe residência durante período prolongado,

ou dos deslocamentos temporários. Independente da distância ou da dificuldade, todo ato

migratório implica um lugar de origem e um lugar de destino, com uma série de obstáculos

intervenientes.

É importante ressaltar que, para cada autor, tem-se uma diferente definição do que

seria migração, não havendo um consenso. O que alguns estudiosos colocam como uma

acepção que deveria ser tomada como oficial é aquela proposta pelo Manual VI dos

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“Manuais sobre métodos de cálculo de população” da Organização das Nações Unidas,

publicado em 1972. De acordo com este manual, migração é simplesmente a mudança do

lugar de residência, ou seja, ir viver em um novo local.

Porém sabe-se que a distância é algo que deve ser considerado, já que alguém que

muda de apartamento em um mesmo prédio está mudando seu local de residência sem ser

um migrante. Portanto, só devem ser considerados como migratórios aqueles movimentos

entre localidades que se encontram a uma distância razoável (ONU, 1972, p. 1, tradução

nossa).

Apesar de distintos aspectos associados ao conceito de migração não serem

rigorosamente definidos, o que se pode afirmar com certeza é que o ato de migrar deve ser

motivado por algo de grande magnitude na vida do migrante, sejam aspectos pessoais,

(geo)políticos, climatológicos, entre tantos outros.

Para Lee (1966, p. 51, tradução nossa) existem quatro fatores que entram na decisão

de migrar e do processo migratório: a) Fatores associados ao local de origem; b) Fatores

associados ao local de destino; c) Obstáculos intervenientes; d) Fatores pessoais. Os três

primeiros são representados graficamente (Figura 1) em um esquema de atração e repulsão

entre origem e destino com os obstáculos entre um e outro. Sabe-se que em qualquer área

existem fatores que atuam no sentido de reter as pessoas ou de atraí-las, enquanto outros

tendem a expulsá-las. Existem ainda fatores diante dos quais as pessoas mostram-se

indiferentes.

Figura 1 – Esquema gráfico dos fatores de origem e destino e obstáculos intervenientes em migração.

Fonte: LEE, 1966, p. 51.

Alguns fatores afetam a maioria das pessoas praticamente da mesma maneira,

enquanto que outros atingem pessoas distintas de maneiras diferentes. A variedade de fatores

não torna possível especificar quais estimulam ou inibem a migração de uma pessoa

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determinada, sendo possível apenas expor alguns que parecem ser de especial importância,

verificando-se a reação geral de um grupo considerável de pessoas.

Os fatores associados à área de origem estão baseados no conhecimento imediato

que as pessoas têm do lugar, permitindo uma avaliação meditada e sem precipitações, ainda

segundo Lee (1966, p. 52, tradução nossa), o que não acontece com a área de destino, que

não se baseia em um conhecimento exato sobre o lugar, já que as vantagens e desvantagens

da área somente são perceptíveis ao se viver nela. Outra importante diferença está nas etapas

do ciclo vital, porque na área de origem normalmente foram vividos anos de boa saúde da

juventude e ausência de responsabilidades fastidiosas, enquanto na área de destino são

associadas dificuldades com a assimilação a um ambiente novo.

Embora a migração possa ser resultado de uma comparação dos fatores presentes

nos locais de origem e destino, um simples cálculo das vantagens e desvantagens não resulta

no ato de migrar. O saldo a favor do deslocamento deve ser suficientemente forte para vencer

a inércia natural que sempre existe. Os obstáculos podem ser leves em certos casos, mas

insuperáveis em outros, podendo ter as dificuldades aumentadas em certas realidades, como

quando se incluem dependentes, como crianças e idosos, no processo migratório.

Apesar de atestar conclusões obtidas a partir de dados empíricos, que podem

mostrar a migração como algo “lógico”, a grande contribuição de Lee para os estudos

migratórios está em ressaltar a importância dos fatores pessoais, ou seja, a relevância de

questões de ordem subjetiva e particular de cada indivíduo, que podem trabalhar no sentido

de facilitar ou retardar a migração, já que o que leva à migração é a percepção pessoal que se

tem a respeito dos fatores dos locais de origem e destino.

Os fatores pessoais podem ser entendidos como a sensibilidade pessoal, a

inteligência e o conhecimento das condições existentes em outros lugares, fazendo parte da

avaliação da situação no local de origem, enquanto que, no local de destino, o conhecimento

da situação depende dos contatos pessoais ou fontes de informação, o que nem todos têm

acesso. Portanto, a decisão de migrar nunca é completamente racional, fazendo com que haja

muitas singularidades nas generalizações feitas (LEE, 1966, p. 53, tradução nossa).

Ainda analisando as teorias clássicas da migração, faz-se importante resgatar as

contribuições de Paul Singer neste tema, em um ensaio elaborado para o Grupo de Trabalho

sobre Migrações Internas da Comissão de População e Desenvolvimento do CLACSO

(Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e que foi, posteriormente, publicado em

uma coletânea da CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em 1976.

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Neste trabalho, Paul Singer também abordou e discutiu as leis da migração

determinadas por Ravenstein, que, segundo Singer (1976, p. 217), não podem ser aplicadas

a qualquer processo migratório. Para o autor, as migrações internas são historicamente

condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não devem

ser separadas. Encontrar, portanto, os limites da configuração histórica que dão sentido a um

determinado fluxo migratório é o primeiro passo para seu estudo.

A configuração histórica abrange a situação econômica local e mundial de certo

território, sendo o ponto-chave do artigo de Singer a compreensão de que “as migrações

internas não parecem ser mais que um mero mecanismo de redistribuição espacial da

população que se adapta, em última análise, ao rearranjo espacial das atividades econômicas”

(SINGER, 1976, p. 219).

No contexto do processo de industrialização nos moldes capitalistas sabe-se que

esta não se dá de forma espontânea, dependendo diretamente de arranjos institucionais que

acabam por concentrar espacialmente as atividades e, consequentemente, concentrar o

capital. Enquanto uma das consequências deste processo, a urbanização assume

características próprias no capitalismo, no qual as decisões locacionais são tomadas apenas

em função da microeconomia, decorrendo em variadas tentativas de “desenvolvimento

regional”, cujo modus operandi é intervir, mais uma vez, no quadro institucional de modo a

fazer com que o sistema de preços relativos reoriente os investimentos para novas regiões, o

que torna a distribuição das atividades no espaço menos heterogênea.

Desta forma, com a criação de desigualdades regionais, as migrações internas

ganham grande força para “acompanhar” o processo de industrialização, uma vez que a

população das áreas desfavorecidas sofre um empobrecimento relativo, com o nível de vida

baixo, os horizontes culturais limitados e oportunidades econômicas quase inexistentes

(SINGER, 1976, p. 223).

Ainda de acordo com Singer (1976, p. 223), existem dois fatores que trabalham no

sentido de expulsar as populações dos locais de residência: fatores de mudança e fatores de

estagnação. Os de mudança ocorrem quando há a introdução de relações capitalistas nessas

áreas que acarreta na expropriação de camponeses, expulsão de agregados e outros

agricultores não proprietários.

Os fatores de estagnação têm ação quando aumenta a pressão populacional sobre

uma disponibilidade de áreas cultiváveis que podem ser limitadas tanto pela “insuficiência

física de terras aproveitáveis como pela monopolização de grande parte da mesma pelos

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grandes proprietários” inexistentes (SINGER, 1976, p. 224). Esses fatores resultam da

incapacidade dos produtores, que vivem sob o sistema de subsistência, de aumentarem a

produtividade e, portanto, a renda provinda da terra, ocasionando na saída dos habitantes

dessas áreas.

Ainda sobre o artigo de Singer, o autor explana durante todo o texto sobre a

influência dos arranjos institucionais em prol das empresas capitalistas e como isto afeta as

migrações internas. Assim, é possível pensar em diversos movimentos migratórios do

contexto histórico e econômico brasileiro, inclusive das frentes de povoamento das terras do

interior, que, mesmo que não tivessem como principal bandeira a industrialização, foram

fortemente induzidas por arranjos governamentais e institucionais.

Se os limites da configuração histórica que dão sentido a um determinado fluxo

migratório constituem o primeiro passo para seu estudo (SINGER, 1976, p. 217), faz-se

necessário compreender como se deu a ocupação da Amazônia por povos não-tradicionais e

os fatores atuantes em tais movimentos, assunto que será abordado ainda neste capítulo.

As contribuições de Ravenstein são importantes marcos no desenvolvimento do

conceito de migração por abordarem questões que trabalham no sentido de induzir ou inibir

processos migratórios populacionais, porém, o esforço em determinar leis que, teoricamente,

se apresentariam de forma clara e “lógica” não se aplica a um contexto de estudo dentro das

ciências sociais.

Considerando a formação histórica brasileira, acredita-se que as colocações de

Singer são mais apropriadas para dar conta da realidade da ocupação humana na Amazônia,

por se tratar de uma área que contou, em diferentes momentos, com a atuação de fatores de

mudança, fatores de estagnação e de componenentes governamentais e institucionais que

refletiram/refletem na dinâmica populacional local.

Por ora, após esta abordagem teórica da migração, pontua-se que existem limitações

que a presente pesquisa enfrentaria dentro de um programa disciplinar, relacionados

principalmente à padronização de dados e modelos, além da exigência de bancos de dados

específicos e compatibilização de escalas, entre outras questões. É importante destacar que

nem todas as realidades, seja no âmbito do fenômeno propriamente dito ou das questões

burocráticas envolvidas no seu estudo, contemplam tais especificidades. Desta forma, fez-se

necessária a busca de outros conceitos que melhor se apropriassem da temática de estudo –

como mobilidade, multilocalidade e multiescalaridade, como será melhor discutido em

tópicos vindouros.

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1.1.2 Ocupação da Amazônia: processos migratórios na região Norte do

Brasil

Os processos de mobilidade assumem papel central na história de populações

humanas na Amazônia, uma vez que a ocupação da região por povos não indígenas teve

início já no processo de colonização portuguesa, tendo áreas de exploração escravagista, e

no decorrer do tempo foi recebendo levas de imigrantes ingleses, japoneses, entre outros.

A história de ocupação e modificação dos modos de vida tradicionais amazônicos é

marcada pela intensa exploração da natureza e das comunidades tradicionais. Como colocado

por Violeta Loureiro (2002, p. 19)

Os primeiros conquistadores e colonizadores não se conformaram em ver

aquela terra, que lhes parecia ser o paraíso terrestre, ocupada por povos que

julgavam bárbaros, primitivos, rudes, preguiçosos e, possivelmente

desprovidos de uma alma! Dos primeiros séculos da colonização aos

governantes, políticos e planejadores dos dias atuais, a história da Amazônia

tem sido o penoso registro de um enorme esforço para modificar aquela

realidade original. Trata-se de uma tentativa de domesticar o homem e a

natureza da região, moldando-os à visão, à expectativa de exploração do

homem de fora (estrangeiros no passado, brasileiros e estrangeiros no

presente).

Um dos modos de produção mais marcantes da região está associado ao movimento

seringalista, focado na prática de extração de látex das seringueiras, cuja exploração atraiu

diversos migrantes oriundos principalmente da região Nordeste do Brasil, em um movimento

claramente caracterizado pelos fatores de mudança citados por Singer (1976, p. 223).

O primeiro ciclo da borracha, que aconteceu desde o final da década de 1870 até o

início da década de 1910, teve grande importância no contexto econômico nacional, uma vez

que a borracha se tornou o segundo produto mais exportado do país, perdendo apenas para o

café. Os primeiros seringueiros chegaram à Amazônia na década de 1870, a maioria vindos

da região Nordeste do Brasil, em um movimento que foi encorajado para “escaparem da seca

em direção à Amazônia, terra considerada superabundante e inabitada” (OLIVEIRA FILHO,

2012, p. 1).

Os seringais eram territórios livres, de domínio absoluto do patrão-seringalista,

latifundiário, cuja estrutura física era dotada do barracão (lugar do “escritório” e de

armazenagem do material indispensável à manutenção dos seringueiros, onde trabalhavam

os empregados mais graduados do local), da casa do seringalista (sempre a melhor e mais

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estruturada residência do local, muitas vezes com mobília importada da Europa) e, “no

interior da floresta, isolado e solitário, vivia o seringueiro, morando numa tapera com um

quarto, assoalho e paredes de paxiúba e coberta com palha de jarina” (COSTA, 2002, p. 57).

Em um claro sistema de exploração de mão de obra, o trabalho dos seringueiros

contava com práticas análogas ao trabalho escravo, uma vez que, como colocado por Oliveira

Filho (2012, p. 1), o seringalista, o senhor dos seringais, introduzia os retirantes em um

sistema vicioso de dívidas, em que a precária residência que habitavam e os mantimentos

obtidos no barracão eram descontados do seu “salário”, que era proporcional à quantidade de

látex extraído e levado ao barracão para pesagem. Desta forma, “o sonho de voltar com uma

boa quantia de dinheiro à terra natal se tornava uma utopia inatingível” e muitos seringais

foram abandonados pelos trabalhadores, que precisavam fugir às escondidas.

O segundo ciclo da borracha, ocorrido entre 1942 e 1945 por estímulo da demanda

norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial, implicou na criação de políticas e

projetos do governo Getúlio Vargas para, então, sanar três problemas: “produzir borracha

suficiente para atender à demanda externa, povoar a Amazônia (que sempre foi vista, pelos

governantes, como um verdadeiro vazio demográfico) e resolver a crise campesina que se

instalara na região Nordeste em virtude da grave seca” (OLIVEIRA FILHO, 2012, p. 2).

Assim, tem-se um importante marco de ação governamental na região, no período

pós- colonial: a “Marcha para Oeste” - uma diretriz que visava a integração territorial do

país, lançada em 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas, através de um processo de

interiorização do Brasil feito por migrantes vindos das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do

país. Em um estudo de George Martine (1989, p. 47), o autor destaca a política de migração

que visava transferir trabalhadores do Nordeste árido para os seringais da Amazônia, como

parte do esforço de guerra durante a década de 1940. Vítimas da seca nordestina, muitos

destes trabalhadores se transferiram para a região amazônica, porém não se adaptaram à

dureza das condições de trabalho e de vida dos seringais.

Assim, foram criados órgãos governamentais com a finalidade de mobilizar

trabalhadores e também de construir mais infraestruturas para “fixar” o montante

populacional que se instalara na região. “As decisões explícitas do governo significaram uma

orientação definida para a ocupação da fronteira desabitada, produzindo impactos

duradouros, além da simples transferência de migrantes, embora ao custo de muitos

sacrifícios para os migrantes envolvidos” (MARTINE, 1989, p. 48).

Após a crise americana de 1929, uma das táticas de recuperação econômica do

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Brasil foi o investimento na expansão das fronteiras agrícolas para ampliar a produção e o

mercado interno. Assim, através de um conjunto de ações governamentais, como

implantação de colônias agrícolas, abertura de novas estradas, obras de saneamento rural,

construção de hospitais, entre outras, esta política objetivava a “integração nacional e,

concomitantemente, a organização dos territórios, garantindo dessa forma, além da

segurança e da efetiva posse, a exploração produtiva de imensas regiões fronteiriças

praticamente inabitadas” (LOPES, 2002, p. 28)

Como parte do Projeto Marcha para Oeste, foi publicada, em 3 de junho de 1943, a

portaria nº 77 que “organiza a Expedição Roncador-Xingu”. O texto da portaria está como

segue, no qual se pode observar a descrição dos movimentos migratórios com precisão,

indicando os locais de origem e destino planejadamente:

Portaria nº 77 de 3 de junho de 1943 Organiza a expedição Roncador-Xingu

O coordenador da Mobilização Econômica, usando das atribuições que lhe

confere o decreto-lei nº 4.750, de 28 de setembro de 1942, devidamente

autorizado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República

Considerando a necessidade de se criar vias de comunicação com o Amazonas

através do interior do país;

Considerando a necessidade de se explorar e povoar o maciço central do Brasil

nas regiões cabeceiras do rio Xingu, atualmente das mais desconhecidas da

terra;

Considerando que esta exploração constitui um passo decisivo para a

realização do programa do Governo, sintetizado na Marcha para o Oeste,

resolve:

Organizar a expedição Roncador — Xingu com os seguintes objetivos:

Partindo da cidade de Leopoldina, sobre Rio Araguaia, em Goiás, seguir na

direção geral de Noroeste rumo a Santarém, sobre o Amazonas.

Procurar o ponto mais favorável sobre o Rio das Mortes e fundar

estabelecimento de colonização.

Continuar a marcha galgando a Serra do Roncador e fundar no ponto mais

conveniente, que ofereça condições de clima, terras próprias para agricultura

e facilidade para estabelecimento de um campo de aviação, um núcleo de

civilização que servirá de ponto de apoio para o prosseguimento da expedição

e exploração do território.

Invernar nesse local preparando o campo de aviação, e iniciando trabalhos

agrícolas e de construção.

Il. Um segundo escalão da expedição deverá partir de Leopoldina, logo que

seja atingido o objetivo na Serra do Roncador com os elementos necessários

para melhorar os caminhos e fixar, no mínimo, 200 (duzentas) famílias por

ano.

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Serão reguladas com o Governo de Mato Grosso as condições de colonização

e policiamento da região.

O chefe da expedição deverá apresentar a lista do material necessário.

Resoluções posteriores regularão os detalhes no decorrer dos trabalhos da

expedição.

De acordo com Galvão (2011, p. 1), o então presidente Getúlio Vargas “vendeu” a

Expedição Roncador-Xingu como um novo “Eldorado”, uma área que deveria ser

definitivamente conquistada e integrada ao país, enaltecendo a importância histórica e

econômica da região. Para colocar a Expedição em prática, foi criada a FBC – Fundação

Brasil Central, órgão concebido pelo governo federal para orientar e administrar os trabalhos

da Expedição, visando possibilitar a implantação de núcleos populacionais em pontos

demarcados como estrategicamente ideais, no processo de integração nacional.

A Expedição ganhou notoriedade ao ser capitaneada, mesmo que informalmente,

por três paulistas, os irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas. Apesar de contar com

a presença de militares e ser considerada como de interesse militar, a Expedição contou com

a participação maciça de sertanejos, indígenas e garimpeiros, que iam sendo recrutados ao

longo do percurso rumo ao Brasil Central (GALVÃO, 2011, p. 4).

A primeira fase da Expedição tinha como meta alcançar a Serra do Roncador,

localizada no estado do Mato Grosso. Em 1943 uma composição férrea com 19 vagões

transportou a Expedição de São Paulo até Uberlândia, em Minas Gerais, e depois seguiu

mais 900 quilômetros em caminhões e outros veículos, até alcançar Aragarças, nas margens

do rio Araguaia, onde foi instalada a primeira base de operações, com edificações para os

serviços e alojamentos. Após a transposição do rio Araguaia, desbravando trilhas com

muares, a Expedição alcançou, em 1945, o rio das Mortes e as primeiras elevações da Serra

do Roncador (BRUNIERI, 2015). Ao cruzar a Serra do Roncador, os expedicionários

também deveriam melhorar os caminhos e fixar anualmente cerca de duzentas famílias

(GALVÃO, 2011, p. 5). A segunda fase da Expedição seguiu até a cabeceira do rio Xingu,

concluída em 1946 por meio do contato dos irmãos Villas-Boas com os povos indígenas,

debilitados por epidemias e por alta mortalidade infantil (BRUNIERI, 2015).

Pode-se dizer que a Expedição cumpriu com a meta traçada, pois tem-se que, como

resultados gerais da Expedição, no lastro percorrido surgiram mais de 43 cidades e vilas,

foram abertos 1.500 quilômetros de trilhas, instaladas três bases operacionais e construídos

19 campos de pouso de aviões, localizados em pontos estratégicos, que passaram a servir de

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apoio em rotas nacionais e internacionais (GALVÃO, 2011, p. 5; BRUNIERI, 2015). Além

disso, “cruzando as fronteiras do Brasil e carregando a bandeira da civilização em terras

pouco ou ainda desconhecidas pela maioria da população, a Expedição Roncador-Xingu

promoveu a integração das diversas regiões do país” (GALVÃO, 2011, p. 5).

Assim, a Expedição visava não só uma integração dos povos com o território, mas

também um caminho possível para se pensar uma unidade nacional associada à diversidade.

“Tomando o movimento das Bandeiras como inspiração histórica, a Roncador–Xingu se

constituiu como uma tarefa épica de construção de nacionalidade, realizando o que Lúcia

Lippi de Oliveira3 define como a ‘realização de seu destino’, que era o de ‘juntar litoral e

sertão, corpo e alma’ da nação” (GALVÃO, 2011, p. 11).

Para Mello (2009, p. 162), foi o processo de construção de estradas rumo ao Norte

que permitiu o deslocamento de migrantes para as “terras novas” da Amazônia, incitando

um movimento nacional de migração, facilitando o surgimento de centros urbanos às

margens das estradas, criando núcleos de colonização rural e abrindo pistas nas florestas para

dar acesso ao gado. “As ações públicas de governo reforçaram o movimento de uma

sociedade, complexa e não preservada de conflitos” (MELLO, 2009, p. 162).

As ações de implantação de políticas públicas de desenvolvimento e integração da

região amazônica ao mercado nacional e internacional voltaram a ter grande impulso com os

governos militares pós-1964, de acordo com Loureira e Pinto (2005), já que foram criadas

diversas formas de incentivos a esses movimentos, como vantagens fiscais a grandes

empresários e grupos econômicos que quisessem investir novos capitais ao instalar

empreendimentos na região.

Ainda de acordo com estes autores, muitos empresários que receberam os

incentivos não aplicaram os recursos em novas empresas na Amazônia, mas sim na compra

de terras para especulação futura ou para as transformarem em áreas de pasto para a criação

de gado, após prática de devastação de grandes extensões de terra cobertas por ricas florestas.

Esta prática descrita pelos autores deu início às ações de desmatamento (e

devastação) da Floresta Amazônica. De acordo com Costa (1992, p. 13), entre 1966 e 1985,

com os pacotes de incentivos fiscais (da ordem de US$ 847 milhões), foram implantadas 628

empresas de grande porte (584 agropecuárias e 44 agroindustriais), com foco na exploração

3 Socióloga brasileira que desenvolveu estudos na área de “interpretação do Brasil”, investigando o

Pensamento Social no Brasil e representações da identidade nacion

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agropecuária e agroindustrial, incluindo tanto empresas estrangeiras como as de capital misto

e comandadas pelas principais famílias latifundiárias do centro-sul do Brasil.

A chegada desse montante de investimento, infraestrutura e pessoas na região Norte

do Brasil trouxe à tona a grave questão dos conflitos territoriais, como reforçado por

Rodrigues e Pereira (2010), que afirmam que a abertura de estradas e implantação de novas

infraestruturas no meio da Floresta Amazônica trouxe um confronto entre os trabalhadores

extrativistas, presentes naquelas terras há mais de um século, e os pecuaristas e industriais,

que desejavam obter o direito de propriedade das terras localizadas às margens das rodovias.

Para Violeta Loureiro (2002, p. 112) existem três grandes equívocos presentes nos

planos e projetos governamentais para a Amazônia do final do século XX: 1) a ideia de que

a Amazônia é um macrossistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua

extensão; 2) a ideia de que a floresta seria a expressão do primitivismo e do atraso regionais,

uma vez que os planos governamentais frequentemente estimulam a substituição das

atividades tradicionais por “mais racionais e produtivas”; 3) a ideia de que a natureza

amazônica seria resistente, superabundante, autorrecuperável e inesgotável.

As políticas públicas, quase sempre pautadas nestes três equívocos apontados por

Loureiro, acabaram por assumir um papel de devastação na região, implantando práticas não

condizentes com os modos de vida tradicionais - aqueles baseados em práticas para a

subsistência e que contemplam a conservação ambiental, fazendo com que a criação de áreas

protegidas fosse uma iminente necessidade para a não devastação completa do bioma.

A partir do momento em que o poder público determina formas específicas de uso

do solo em regiões habitadas por populações tradicionais, é colocado um cenário de

incertezas e inseguranças para os residentes locais. Como afirmado por Diegues (1993, p.

24), “com frequência se considera que essas populações só podem escolher entre duas

opções: continuar sua forma antiga de vida baseada na subsistência ou abandoná-la,

assimilando-se à sociedade dominante”.

Porém a tentativa de assegurar que os moradores tradicionais permaneçam em suas

terras não garante que sejam viabilizadas formas efetivas de sobrevivência econômica em

um novo cenário de produção financeira e de estilos de vida. Ainda contando com as

contribuições de Diegues (1993, p. 7):

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As formas de incorporar os moradores tradicionais no planejamento e

implantação das Unidades de Conservação, na maioria das vezes, visam

simplesmente minimizar os conflitos potenciais ou existentes e não realmente

oferecer alternativas viáveis de subsistência às populações que viviam nos

parques. Quando a presença dessas populações é “tolerada”, as limitações ao

uso tradicional dos recursos são de tal monta que os moradores não têm outra

alternativa senão migrar “voluntariamente”, engrossando o número de

favelados e desempregados das áreas urbanas.

Além da situação peculiar dos habitantes tradicionais, soma-se ao panorama

migratório da região Norte do Brasil a leva de novos moradores que migram em busca de

novas oportunidades de emprego, acreditando na promessa da Amazônia ser o novo polo

econômico do Brasil. Porém, como colocado por Loureiro (2002, p. 107), poucos migrantes

que se dirigem à Amazônia têm conseguido ascender socialmente no novo lugar de destino,

pois, “devido à histórica política de abandono das classes pobres pelo Estado brasileiro, a

região vem se convertendo desde as últimas décadas num espaço onde se registram o conflito

no campo, a miséria urbana e o desperdício de recursos naturais”.

Ou seja, a realidade das mobilidades populacionais da região é bastante complexa,

por comportar fluxos e motivações muito diversas. Considerando as décadas de 1980 e

1990, o processo da migração dentro da região Norte era principalmente de perda

populacional, especialmente no estado do Pará, que, de acordo com Baeninger (2000, p. 4),

nos anos 1990 consolidou-se como “área de evasão populacional no contexto da região

Norte, passando a responder por mais da metade dos emigrantes regionais no período 1991-

1996. Os principais fluxos destinavam-se ao Amazonas, Tocantins, Amapá e Roraima”.

Ainda de acordo com Baeninger (2000, p. 6), a nova configuração da migração

interna no Norte deslocou a área de polarização da migração, fazendo emergir o Amapá

como área de forte absorção da população regional, devido ao fluxo oriundo do Pará, assim

como de Roraima. O Amazonas constituiu uma das grandes portas de entradas e de saídas de

população da região Norte, quase se tornando uma área de rotatividade migratória, que indica

que o valor bruto de entrada e saída de migrantes é bastante similar. A autora destaca que o

Tocantins reverteu sua situação de expulsor de população, ainda no período 1986-1991,

passando a ter ganhos populacionais, especialmente do Pará.

Um dos indicativos dos efeitos causados por todos esses movimentos migratórios

está no intenso desmatamento da região; dados de 2008 apontam que vários municípios da

região Norte não contam com cobertura vegetal original, indicando um padrão espacial

concentrado do processo de desmatamento (MELLO, 2009, p. 175). De acordo com a autora,

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corroborada por outros estudiosos da área, se o ritmo de desmatamento da Amazônia for

mantido, em 2050 restarão na região apenas as Unidades de Conservação e as Terras

Indígenas, isso se a gestão for bem realizada.

Assim, compreende-se o contexto histórico que motivou os movimentos

migratórios – lembrando que encontrar os limites da configuração histórica que dão sentido

a um determinado fluxo migratório é o primeiro passo para seu estudo (SINGER, 1976, p.

217) -, estimulados por políticas públicas específicas e que resultaram em uma realidade de

conflitos entre as populações nativas e os novos habitantes, entre conservação ambiental e

exploração agropecuária, o que fez surgir a necessidade de políticas públicas que

contemplassem a criação de áreas protegidas ambientalmente sem prejudicar o esperado

crescimento econômico da região.

1.1.3 Processo de criação e implantação de Áreas Protegidas na região

Norte do Brasil

O ato de se criar Áreas Protegidas é um dos resultados da busca por alternativas que

visam a preservação das caracterísitcas naturais dos territórios, acabando por se tornarem

espaços que, teoricamente, barram frentes de desmatamento e ocupação humana. Em se

tratando da Amazônia, esse cenário torna-se um tanto mais complexo devido à visibilidade

ambiental associada à região, já que a Amazônia é vítima, paradoxalmente, daquilo que ela

tem de mais especial – sua magia, sua exuberância e sua riqueza, como colocado por Loureiro

(2002, p. 107).

Esta afirmação de Violeta Loureiro está pautada na tese de que a exploração

econômica do território amazônico não gera frutos que são convertidos para a realidade local,

mas para abastecer as metrópoles, e que é “vendida” uma imagem de nova fronteira rentável

que acaba atraindo muitas pessoas com a promessa de oferta de empregos e renda.

A Amazônia foi no passado “um lugar com um bom estoque de índios” para

servirem de escravos, no dizer dos cronistas da época; uma fonte de lucros no

período das “drogas do sertão”, enriquecendo a Metrópole; ou ainda a maior

produtora e exportadora de borracha, tornando-se uma das regiões mais

rentáveis do mundo, numa certa fase. Na Segunda Guerra Mundial, fez um

monumental esforço para produzir borracha para as tropas e equipamentos dos

Aliados. Mas é mais recentemente que ela tem sido mais explorada: seja como

fonte de ouro, como em Serra Pelada, que serviu para pagar parte da dívida

nacional, deixando na região apenas as belas reproduções das fotografias que

percorreram o mundo, mostrando a condição subumana do trabalho dos

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homens no garimpo; seja como geradora de energia elétrica para exportar para

outras regiões do Brasil e para os grandes projetos, que a consomem a preços

subsidiados, enquanto o morador da região paga pela mesma energia um preço

bem mais elevado; seja como última fronteira econômica para a qual milhões

de brasileiros têm acorrido nas últimas décadas, com vistas a fugirem da

persistente crise econômica do país, buscando na Amazônia um destino

melhor (o que, infelizmente, poucos encontram) (LOUREIRO, 2002, p. 107)

Esta percepção de que a Amazônia precisava ser preservada para que haja o mínimo

possível de “perturbação” às populações locais já foi manifestada durante a frente de

ocupação dos irmãos Villas-Boas; uma das principais ações, e importante consequência, da

Expedição Roncador-Xingu foi o início de uma política de preservação de reservas naturais.

Com o apoio de lideranças políticas e intelectuais, como o antropólogo Darcy Ribeiro e o

médico sanitarista Noel Nutels, durante a Expedição iniciou-se o processo de demarcação de

reservas naturais que deveriam garantir aos povos tradicionais da região os meios de

subsistência, o atendimento à saúde e a defesa contra as frentes de ocupação da sociedade,

uma vez que, segundo os especialistas envolvidos na Expedição, os indígenas somente

seriam capazes de sobreviver dentro da própria cultura (BRUNIERI, 2015). Assim nasceu

uma das principais Áreas Protegidas do Brasil, o Parque Indígena do Xingu.

Em 1970, por estímulo do Programa de Integração Nacional, foram criados 15 polos

de desenvolvimento na Região Amazônica e as primeiras Unidades de Conservação

(DIEGUES, 1993, p. 29). De acordo com Veríssimo et. al. (2011, p. 22), até o fim da década

de 1960, a Amazônia Legal contava com 8.820 km² de território recoberto por Unidades de

Conservação e até 1984 este valor aumentou4 para 124.000 km² - importante lembrar que

esses números não contemplam as Terras Indígenas, que já eram relativamente numerosas

nesta época.

As Unidades de Conservação, no Brasil, podem ser categorizadas em Proteção

Integral, nas quais deve haver a mínima interferência humana, e em Uso Sustentável, que

visa conciliar a presença humana nas áreas protegidas através de práticas sustentáveis que

não interfiram na conservação da natureza. Dentro do contexto amazônico tem destaque a

criação das RESEX (Reservas Extrativistas), que entram na modalidade de Uso Sustentável

e são definidas como “uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja

subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência

4 A referência de Veríssimo et. al. aponta para um considerável aumento na área recoberta por UC,

porém é importante ressaltar que a área total da Amazônia Legal é de aproximadamente 5.000.000 km², ou seja,

trata-se de uma baixa proporção considerando o total do território.

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e na criação de animais de pequeno porte” (MMA, 2015). Além de assegurar o uso

sustentável dos recursos naturais da Unidade, um dos principais objetivos das RESEX é

proteger os meios de vida e a cultura de populações tradicionais.

Além dos indígenas, a frente migratória rumo à Amazônia também alterou a

realidade e formas de subsistência dos trabalhadores extrativistas tradicionais. De acordo

com Rodrigues e Pereira (2010), as ações de abertura de estradas e implantação de novas

infraestruturas no meio da Floresta Amazônica implicaram em um confronto entre os

trabalhadores extrativistas, presentes naquelas terras há mais de um século, e os pecuaristas,

que desejavam obter o direito de propriedade das terras localizadas às margens das rodovias.

Assim, houve a associação do movimento ambientalista com o dos trabalhadores

extrativistas, denominado inicialmente de Movimento dos Seringueiros, que culminou numa

grande articulação política e institucional, liderados pelo seringueiro Chico Mendes. Após

uma série de acordos políticos, foram realizados estudos técnicos, envolvendo diversos

especialistas, que conceberam um projeto de ocupação produtiva adequado à realidade da

vocação florestal da Amazônia, que atualmente se constitui no modelo das Reservas

Extrativistas (RODRIGUES; PEREIRA, 2010).

Este tipo de UC se encontra em outras regiões do país, porém é importante destacar

que foi através da realidade da expansão das frentes de migração e desmatamento da

Amazônia que este modelo foi concebido, por acreditar-se que seria imprescindível para

preservar as formas de sustento econômico praticadas pelas populações locais tradicionais.

Segundo Cunha (1995, p. 12), o projeto das RESEX configura a maior vitória do movimento

ambientalista concebido pelos seringueiros, uma vez que procura “assegurar a permanência

das populações extrativistas em suas áreas tradicionais – mediante instrumentos jurídicos –,

contribuindo para a redução do êxodo rural e diminuindo os conflitos fundiários tão

recorrentes na história da região”.

É importante destacar que na Amazônia existem todos os tipos de UC previstas na

legislação, com diferentes concepções e regulações de uso do solo, como será melhor

descrito em um próximo capítulo. De acordo com Veríssimo et. al. (2011, p. 25), até 1984,

92% das Unidades de Conservação em território amazônico eram de Proteção Integral; a partir

da década de 1990 essa realidade começou a mudar, sobretudo depois de 2002, com aumento

expressivo da criação de UC de Uso Sustentável, que, em dezembro de 2010, totalizavam

64% do total de Unidades de Conservação da Amazônia.

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Este processo foi fortemente influenciado pela criação do ARPA – Programa Áreas

Protegidas da Amazônia, sob o Decreto presidencial nº 4.326/2002, com o objetivo de

estimular a criação, consolidação e sustentabilidade financeira de Unidades de Conservação

na região. Na primeira fase deste programa (2003-2009) foram criadas 63 UC, sendo 33 de

Proteção Integral e 30 de Uso Sustentável. As principais razões para esta ação governamental

foram: a) necessidade de ordenar o território e combater o desmatamento ilegal associado à

grilagem de terras; b) urgência em proteger regiões com alto valor biológico; c) necessidade

de atender às demandas das populações tradicionais e de produção florestal sustentável

(VERÍSSIMO et. al., 2012, p. 24).

Assim, caracteriza-se a alta demanda (e importância) de manutenção dos modos de

vida das populações tradicionais. Pode-se pensar que a realidade de uma Unidade de

Conservação com pessoas residindo dentro dos seus limites e usufruindo dos recursos

disponíveis pode caracterizar um conflito de interesses, porém, como ressalta Coelho et. al.

(2009, p. 76), é importante lembrar que as UC quase sempre são vistas como objetos dados,

áreas naturais, e não como objetos criados (concebidos, inventados, disputados). “Como

objeto de investigação em construção, elas requerem que sejam reveladas as relações entre

grupos sociais (tradicionais ou não) e recursos, bem como os processos de mudanças sociais,

ambientais e territoriais”.

Porém é importante atentar-se para o fato de que estabelecer a criação de Áreas

Protegidas é fundamental para a conservação ambiental de um bioma tão rico e importante,

mas acaba por implicar em muitas mudanças no modo de vida das populações locais, que se

deparam com novas determinações sobre as permissões de uso do solo - determinações às

vezes tão restritivas que não oferecem possibilidades, à primeira vista, para a

sustentabilidade financeira destas populações que acabam optando pela migração para outras

regiões, em busca de outros modos de vida.

Em suma, toda a dinâmica de criação e manutenção de Áreas Protegidas está

intimamente ligada às dinâmicas populacionais e sociais, sendo de grande relevância o

desenvolvimento de estudos que contemplem essa interação. Portanto, visando concluir as

revisões bibliográficas expostas nesse primeiro subcapítulo, colocam-se algumas

contribuições de teóricos da área de População e Ambiente, campo que reúne as temáticas

da migração e das Áreas Protegidas, no intuito de esclarecer a trajetória desta pesquisa em

um âmbito interdisciplinar.

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1.2 População, Ambiente e Interdisciplinaridade

1.2.1 Campo de População e Ambiente

Ao estabelecer uma relação entre processos de mobilidade populacional e Áreas

Protegidas, faz-se necessário colocar um módico panorama sobre o campo específico de

População e Ambiente, desenvolvido sob a égide da demografia no Brasil. Uma vez que a

demografia é a ciência que se ocupa do estudo das “populações humanas, enfocando aspectos

tais como sua evolução no tempo, seu tamanho, sua distribuição espacial, sua composição e

características gerais” (CERQUEIRA; GIVISIEZ, 2004, p. 15), percebe-se que a dimensão

espacial tem grande relevância nos estudos deste campo, porém apenas recentemente foi

estabelecida como um importante paradigma dentro da demografia.

Segundo Matthews e Parker (2013, p. 272, tradução nossa), apenas recentemente a

demografia se ocupou da análise espacial inerente aos processos demográficos, que são

normalmente pautados em macrodados. Porém, nos últimos anos foi incorporado o espectro

de outras escalas na demografia, com a utilização de dados associados não só às pessoas,

mas aos espaços. Este processo esteve ligado principalmente à popularização dos Sistemas

de Informações Geográficas (SIG), que possibilitam a coleta, gestão e análise de dados de

uma forma que não era possível utilizando outras tecnologias, uma vez que organizam, em

um mesmo banco de dados, a amarração de um dado com sua localização espacial – chamado

de georreferenciamento. Graças a esta ferramenta, a mudança de escalas também é

possibilitada de uma forma muito mais simplificada.

O grande paradigma imposto com o avanço das ferramentas de SIG está em novas

formas permitidas de análise e leitura do espaço para as Ciências Sociais. De acordo com

Matthews e Parker (2013, p. 273, tradução nossa), “pesquisadores de diferentes áreas das

ciências sociais já adicionaram as análises espaciais a suas pesquisas, percebendo que a

perspectiva espacial pode servir como uma ‘potencial incubadora’ para inovar as ciências

sociais e as pesquisas interdisciplinares”. Mais especificamente, o interesse em adicionar a

perspectiva espacial nos estudos de população recentemente tem sido motivado pela grande

disponibilidade de dados e de softwares de (relativamente) simples manuseio, dispondo de

ferramentas que geram análises complexas, como análise multinível, econometria espacial,

entre outras.

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No contexto brasileiro, o avanço das análises espaciais na demografia está

intrinsecamente associado à discussão de População e Ambiente, cujo marco histórico se dá

com a criação do primeiro Grupo de Trabalho População e Meio Ambiente, dentro da

Associação Brasileira de Estudos Populacionais, em 1990, em direção a uma demografia

ambiental - como colocado no título do artigo de Marandola Jr. e Hogan (2007), um dos

marcos teóricos brasileiros na questão. Neste artigo, os autores relatam a trajetória deste

campo dentro do estudo da demografia no Brasil; uma importante contribuição está na

afirmação de que, a priori, a questão ambiental não foi incorporada aos estudos populacionais

por uma problemática propriamente demográfica, mas devido a sua relevância crescente nos

últimos anos no âmbito da sociedade, da política e da ciência (MARANDOLA JR.; HOGAN,

2007, p. 192).

Para Carmo e D’Antona (2011, p. 15), há uma intrínseca relação entre esses dois

campos, apontando exemplos em que a transição demográfica, um fenômeno puramente da

demografia, tem impacto direto no meio ambiente. A transição demográfica está relacionada

à mudança na composição da população ocorrida, devido à grande alteração nas taxas de

fecundidade e de mortalidade, que resultam em uma nova composição etária populacional,

uma vez que se tem menor número de nascimentos – diminuição da base da pirâmide etária –

e maior longevidade – aumento do topo da pirâmide etária. Assim, afirma-se que há um

“envelhecimento demográfico”, com aumento do peso relativo dos idosos no conjunto

da população (CARVALHO; GARCIA, 2003; WONG; CARVALHO, 2006 apud CARMO;

D’ANTONA, 2011, p. 15).

Um dos exemplos colocado pelos autores é a relação entre a transição demográfica

e a transição urbana – maior número de pessoas residindo nas cidades, o que implica maior

pressão no meio ambiente devido ao aumento do consumo e de saturação de serviços como

o saneamento básico e a gestão de resíduos. “O aumento do volume da população urbana e

do grau de urbanização recoloca a preocupação com a relação entre desigualdade social e

problemas ambientais” (CARMO; D’ANTONA, 2011, p. 20). Aqui, pode-se citar a

influência da teoria neomalthusiana no cerne das discussões da demografia ambiental.

O (neo)malthusianismo é uma teoria focada na relação entre desenvolvimento

econômico e crescimento populacional, na qual o mentor de tal teoria afirmava que conforme

a população aumenta, também cresce a pressão por recursos, fator incompatível com a

ascensão econômica de uma sociedade. Assim, a única forma de se obter desenvolvimento

econômico seria através de rigoroso controle de natalidade (CABELEIRA, 2013, p. 84). Não

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será dado foco às críticas e incoerências da teoria, porém, sua relevância para População e

Ambiente é colocada por Marandola Jr. e Hogan (2007, p.192), ao afirmar que o

neomalthusianismo foi o primeiro desafio que o campo População e Ambiente enfrentou em

busca de legitimidade, com a “disputa contra os fantasmas do neomalthusianismo e a

vinculação simplista do crescimento populacional com a degradação e a mudança

ambiental”.

Ou seja, a relação entre população e meio ambiente é mais profunda e, por isso,

assumiu tamanha relevância nas últimas décadas, especialmente após a marginalização de

relações simplistas de associação de número populacional e degradação ambiental dentro

dos debates acadêmicos e da agenda política - o que pode ser considerada a primeira vitória

dos estudos de População e Ambiente rumo à legitimação do campo (MARANDOLA JR.;

HOGAN, 2007, p. 192). “Atribuir a crise ambiental a esse fator era simplificar as análises

demográficas, especialmente considerando as tendências declinantes observadas desde os

anos 70” (HOGAN, 2005, p. 323).

A “superação” do enfoque neomalthusiano dentro do campo trouxe uma gama de

novos assuntos discutidos no cerne de População e Ambiente, como condições de vida no

ambiente urbano, segregação e favelização, pobreza, poluição, relações de trabalho no

campo, gestão de recursos hídricos, uso e cobertura da terra. Porém, a presença da

demografia nestes estudos está em uma preocupação essencial: a distribuição espacial da

população (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2007, p. 209).

Para D’Antona (2017, p. 263), além da superação do mito malthusiano, o campo de

População e Ambiente também caminha rumo à superação de outro mito que esteve em sua

constituição: o das relações recíprocas entre população e ambiente. O mito das relações

recíprocas surgiu “como uma alternativa ao mito anterior, mas não o suprimiu”

(D’ANTONA, 2017, p. 264), trabalhando no sentido de abrir o campo para outras formas de

tratamento dos fenômenos, o que gerou uma tensão disciplinar com a demografia. Para o

autor, o campo se tornou “insubordinado” a determinados limites da demografia e encontrar

o nexo entre população e ambiente “torna o campo essencialmente interdisciplinar, ainda

que tenha se constituído a partir de referências das ciências sociais, particularmente da

demografia” (D’ANTONA, 2017, p. 244).

Considerando a relevância de ampliar a busca por soluções para os problemas em

distintas disciplinas, cabe a contribuição do demógrafo Daniel Hogan, precursor e um dos

principais teóricos do campo de População e Ambiente, que alerta para o efeito das

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migrações no contexto ambiental, colocando um “considerável desacordo” sobre o tema,

uma vez que, para alguns pesquisadores, as condições ambientais são caracterizadas

simplesmente como fatores de expulsão que influenciam no ato de migrar. Porém, a relação

é muito mais complexa, uma vez que “a discussão sobre migração e ambiente implica tratar

da distribuição dos recursos naturais no território, do uso histórico destes recursos por parte

das populações humanas e de seu esgotamento ou degradação. Também significa tratar das

consequências de mudanças ambientais provocadas pela mobilidade humana” (HOGAN,

2005, p. 326).

Assim, fica evidente a complexidade de aspectos associados no intuito de unir as

discussões dos temas população e ambiente, que apresenta a questão da mobilidade humana

como protagonista de algumas relações entre os temas, como será melhor abordado no tópico

seguinte. Tendo em vista todas as reflexões apresentadas, entende-se que a presente pesquisa,

ao se ocupar da investigação de processos de mobilidade populacional no contexto das

dinâmicas características da região Norte do Brasil, associada à existência de áreas reguladas

por legislações particulares, tem muito mais a ganhar ao empregar uma busca em ultrapassar

barreiras disciplinares, a exemplo do campo de População e Ambiente, essencialmente

interdisciplinar (D’ANTONA, 2017).

1.2.2 Interdisciplinaridade

Conduzir uma pesquisa de forma interdisciplinar é um grande desafio, por se tratar

de uma temática ainda envolta em dubiedades, mas que certamente tem muito a contribuir

para novas formas de fazer ciência e seus métodos. Como colocado por Bunge (1980, p.107),

um dos grandes problemas da ciência é que a maioria dos profissionais têm a tendência de ver

só um aspecto da sociedade, descuidando dos demais. “Por causa desta lamentável e evitável

especialização profissional, existe uma miscelânea caótica de concepções da sociedade e de

seu desenvolvimento, constituída por visões parciais que não permitem compreender o

problema global e nem ao menos fazer algo para resolvê-lo” (BUNGE, 1980, p.107). Para

Pierre Monbeig, “infelizmente, é esta carência que se torna uma regra: acantonar o homem

numa área definida, esquecendo que seus pontos de vista são essencialmente cômodos

artifícios, recortes analíticos arbitrários da realidade complexa” (MONBEIG, 2006 apud

SILVA, 2009, p. 19)

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Visando expandir os campos de visão de um problema, afirma-se que uma

abordagem pluralista dentro do viés científico é bastante enriquecedora, “porque funda o

direito de divergir, o direito de produzir com originalidade, o direito de ser diferente, o direito

à alternativa. Monolitismo reproduz ciências oficiais, sempre medíocres, porque não são

chamadas a criar, mas a bajular” (DEMO, 1995, p.52).

Uma vez que, de acordo com Pierre George, a ciência é definida por seu objeto e

seus métodos e todo método que não se adapta ao objeto é tido como inadequado, o autor

coloca que a geografia, enquanto ciência, passou por diversas quebras de paradigmas triviais

para seu desenvolvimento, ao se deparar com impossibilidades metodológicas. Ainda

segundo George, há um momento onde o arsenal do geógrafo parece “desusado e inadequado

para prosseguir um movimento que se diversifica e se acelera ao ponto que o sistema

universitário tradicional com a produção de teses exaustivas, incapaz de seguir o ritmo dos

eventos, parece totalmente inadaptado” (GEORGE, 1990, p. 81).

Essa trajetória explicitada por George para a geografia se aplica para todas as

disciplinas no seio das ciências humanas (e das naturais também), criando uma “atmosfera”

propícia para a possibilidade de surgimento de novos paradigmas que procuram dar conta

das limitações enfrentadas, já que “o embrião de novos paradigmas surge no processo da

ciência estabelecida e o significado da crise se concentra numa necessária renovação que vai

além do universo fechado das leis, modelos e metodologias operacionais” (MEDINA, 2009,

p. 30).

Classificar a presente pesquisa dentro de uma única linha teórica e/ou metodológica

acaba contrariando a proposta de uma “prática interdisciplinar”. Acredita-se que a

construção desta prática pode se dar pela associação de diferentes métodos e abordagens,

uma vez que, como destacado por Pombo (2005, p. 9), o estado de avanço da ciência se dá

principalmente no cruzamento de hipóteses e resultados de uma disciplina com hipóteses e

resultados de outras disciplinas, com transferência de conceitos, problemas e métodos - um

cruzamento interdisciplinar.

Ainda de acordo com Pombo (2005, p. 9), a interdisciplinaridade se configura

enquanto um paradigma que questiona e propõe novos métodos e objetos das ciências:

[...] paradoxalmente, no estado de enorme avanço em que a nossa ciência se

encontra, o progresso da investigação faz-se, cada vez mais, não tanto no

interior dos adquiridos de uma disciplina especializada, mas no cruzamento

das suas hipóteses e resultados com as hipóteses e os resultados de outras

disciplinas. Ou seja, num número cada vez maior de casos, o progresso da

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ciência, a partir sobretudo da segunda metade do século XX, deixou de poder

ser pensado como linear, resultante de uma especialização cada vez mais

funda mas, ao contrário e cada vez mais, depende da fecundação recíproca, da

fertilização heurística de umas disciplinas por outras, da transferência de

conceitos, problemas e métodos - numa palavra, do cruzamento

interdisciplinar. Trata-se de reconhecer que determinadas investigações

reclamam a sua própria abertura para conhecimentos que pertencem,

tradicionalmente, ao domínio de outras disciplinas e que só essa abertura

permite aceder a camadas mais profundas da realidade que se quer estudar.

Estamos perante transformações epistemológicas muito profundas. É como se

o próprio mundo resistisse ao seu retalhamento disciplinar.

Portanto, entende-se que existem muitos ganhos ao se explorar e exceder as

barreiras impostas pelas disciplinas e seus métodos. Acreditando que condicionar a presente

pesquisa sob uma única disciplina seria pouco proveitoso, a seguir serão apresentados dois

conceitos essencialmente interdisciplinares que são fundamentais para ajudar a trabalhar

com o problema de pesquisa: o primeiro é a mobilidade, que se refere ao problema de

pesquisa e abrange a questão da multilocalidade específica de povos amazônicos; e o segundo

é a multiescalaridade, que aborda a utilização de distintas escalas e, consequentemente, de

diferentes métodos de análise do problema.

1.2.3 Mobilidade e Multilocalidade

A migração é um fenômeno estudado e problematizado já há algum tempo, porém,

sua definição ainda é passível de controvérsias e questionamentos. Os estudos que abordam

esta temática envolvem dificuldades devido à complexidade na definição do objeto e dos

recortes metodológicos. Não existe uma definição precisa de migração, como explicita

Vainer (1984, p. 9), que diz que “por trás da aparente unidade dos vários discursos sobre o

conceito migração parece não haver qualquer unidade plausível”.

A dificuldade na definição do termo está relacionada principalmente à dificuldade

em determinar o que seria uma mudança de residência habitual. Seria mudar de casa? Ou de

bairro? Ou de município? Ou de estado? E o que configura uma mudança temporária? E uma

permanente? Os deslocamentos sazonais são considerados como migração? Essas são apenas

algumas imprecisões que interferem na definição rigorosa de migração.

De um ponto de vista conceitual, a maior dificuldade está no fato de o que pode ser

considerado migração para um pesquisador, pode não ser para outro. Além da mudança de

residência, a migração pode ser definida por uma mudança do espaço de vida, enquanto

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“porção do espaço no qual o indivíduo realiza todas as suas atividades” (COURGEAU, 1988,

apud CUNHA, 2012, p. 34). De acordo com Cunha (2012, p. 34), um exemplo dessa

discussão seria quanto à migração intrametropolitana, que, embora implique em mudança de

residência, essa mudança não resulta necessariamente na mudança do espaço de vida e,

portanto, não constituiria migração.

O espaço de vida está relacionado a um recorte espacial em que as pessoas realizam

suas atividades. De acordo com Marandola Jr. (2011, pg. 103), dentro dos estudos de

migração, o espaço de vida aparece como possibilidade para integrar abordagens micro e

macro e quanti- quali, sendo definido como o espaço por onde a pessoa desenvolve seu

cotidiano. Porém como é possível definir uma “cartografia” de espaços de vida que se distam

a vários quilômetros e apresentam dificuldade de deslocamento, como é o caso das

populações que vivem nas Áreas Protegidas?

Além da falta de acordo quanto ao espaço físico, há a indefinição quanto ao tempo

ideal para se observar um processo migratório, já que muitos movimentos podem ter a

duração de uma estação, ou de uma jornada de trabalho semanal, ou de uma empreitada de

trabalho de alguns meses, e, após estes períodos, as pessoas retornam ao local de origem.

Portanto, o termo ‘migração’ encontra-se carregado de limitações caras à disciplina

da demografia, que se caracteriza como uma disciplina de métodos precisos e rigorosos, com

muito preciosismo pelas análises quantitativas – que, inevitavelmente, acaba sofrendo

“interferências” ao se apropriar de um objeto cuja definição é tomada de subjetividades.

Assim, visando contemplar as especificidades decorrentes das relações entre

dinâmica social e Áreas Protegidas, entende-se que, como já esclarecido, a utilização do

termo ‘mobilidade’ parece ser mais adequada para uma análise que leva em consideração

processos observados em microescala – como a instituição das AP em um contexto

específico.

Para Barbieri (2011, p. 98), a mobilidade populacional é um conceito que,

diferentemente da migração, pode envolver diferentes combinações de critérios de alocação

espacial, temporal e residencial do indivíduo, que podem não ser captadas pela coleta de

dados de um Censo demográfico - sendo nessa diversidade que reside a dificuldade em

mensurar e analisar a migração tomando por base as estatísticas oficias como o Censo.

Para Haesbaert (2011, p. 238), a mobilidade pode ser definida como “a relação

social ligada à mudança de lugar, isto é, como o conjunto de modalidades pelas quais os

membros de uma sociedade tratam a possibilidade de eles próprios ou outros ocuparem

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sucessivamente vários lugares”. Porém, mais acurada definição é colocada por Hogan (2005,

p. 326), ao afirmar que o termo mobilidade carrega consigo maior amplitude conceitual que

o termo migração, “já que considera que uma parte crescente dos movimentos da população

com impactos sociais, econômicos, políticos e ambientais não pode ser caracterizada como

‘mudança de residência permanentes ou semipermanentes’ (LEE, 1966), senão como

movimentos circulatórios ou temporais de curta duração”.

Um dos motivos pelo conceito de mobilidade ser mais apropriado para essa

dissertação está no fato de trazer discussões da sociedade atual acerca dos deslocamentos

populacionais, mas que traz consigo outras questões que vão além da “simples” circulação

de pessoas, se caracterizando como um fenômeno multidimensional. Como colocado por

Cresswell (2006, p. 2), ao afirmar que, quando uma pessoa decide se deslocar de A para B,

faz-se necessário compreender a ligação de fatores associados a esse deslocamento, já que a

circulação de pessoas, e coisas, pelo mundo está cheia de significados. Para o autor, à

mobilidade não cabe uma definição rigorosa, sendo simplesmente “uma maneira de estar no

mundo”, sendo uma “experiência incorporada” (CRESSWELL, 2006, p. 3).

A socióloga Mimi Sheller (2011, p. 1, tradução nossa) esclarece que por muito

tempo entendeu-se mobilidade [social], dentro da disciplina de sociologia, como a

movimentação de um indivíduo na escala de classes socioeconômicas. Porém houve o

surgimento de um novo campo, transdisciplinar, cujas pesquisas contemplam mobilidades

humanas, não-humanas e de coisas – englobando circulação de informação, ideias e capital

– a este modelo e que pode se chamar de “paradigma da mobilidade”, como tradução da

teoria da “mobility turn” (ou “virada da mobilidade”) de John Urry, mentor de Sheller.

O paradigma da mobilidade se refere, então, a distintas formas que se movem além

da forma física, com a movimentação de questões imaginativas, virtuais e comunicativas

(URRY, 2000) através da constante ampliação das redes de transporte e telecomunicações.

Trata-se de um paradigma cuja gênese se deu após as mudanças causadas pela globalização e

a consequente mudança de maneiras de viajar, se comunicar e pensar.

Para Urry (2000, p. 186), grande parte da literatura produzida pela sociologia no

século XX considerava a sociedade como algo uniforme e desconsiderava as “intersecções

de região, cidade e lugar, com as categorias sociais de classe, gênero e etnia” e alerta para o

fato de que os fluxos ultrapassam os territórios de cada sociedade, relacionados a muitos

desejos diferentes, por trabalho, moradia, lazer, religião, relações familiares busca por asilo,

etc. “Além disso, não só as pessoas são móveis, mas também muitos ‘objetos’, ‘imagens’,

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‘informações’ e ‘resíduos’. Assim, a mobilidade deve ser entendida de forma horizontal e

não vertical e se aplica a uma variedade de atuantes e não apenas aos humanos” (URRY,

2000, p. 186).

A este respeito, o autor Marc Augé contribui no sentido de colocar reflexões

concernentes às fronteiras existentes (ou ausentes) na contemporaneidade, em que a

mobilidade “sobremoderna” (que recebe o prefixo ‘sobre’ por designar a superabundância

de causas que complica a análise dos efeitos) “corresponde ao paradoxo de um mundo onde

podemos teoricamente tudo fazer sem deslocarmo-nos e onde, no entanto, deslocamo-nos”

(AUGÉ, 2010, p. 16).

As definições de fronteiras acabam por se alterar quando o entendimento da

mobilidade vai ganhando novas contribuições. Trata-se de uma das noções-chave colocadas

por Augé para explicar como a ‘mobilidade sobremoderna’ está associada à ideologia do

sistema da globalização. De acordo com o autor, a sociedade atual precisa cada vez menos

compartimentar o espaço para compreendê-lo. “O pensamento científico não repousa mais

sobre as oposições binárias e se esforça para por em dia a continuidade sob a aparência das

descontinuidades” (AUGÉ, 2010, p. 20).

Assim, pode-se apreender que a mobilidade está associada à ideia de fluidez,

independente de fronteiras bem determinadas que possibilitem a matematização do

fenômeno, como esperado pelos estudos de migração sob o viés demográfico. Sheller (2011,

p. 6, tradução nossa) afirma que pesquisas que envolvam o paradigma da mobilidade devem

promover estudos interdisciplinares, com múltiplos métodos que consigam abarcar práticas

de diferentes tipos de (i)mobilidades em diversas escalas.

É inquestionável a importância deste paradigma para os estudos de mobilidade

populacional, porém faz-se importante atentar para questões inerentes ao conceito, como as

colocadas por Thomas Faist; para o autor, ao se apropriar do paradigma da mobilidade, corre-

se o risco de generalizar um aspecto em detrimento de outros e, assim, ignorar aspectos que

produzem as diferenças sociais, que continuam a existir, especialmente em uma situação em

que um indivíduo resolve cruzar as fronteiras no intuito de mudar de situação social e está

relacionada a questões como mecanismos sociais de produção de desigualdades (FAIST,

2013, tradução nossa).

Posto isso, entende-se que, mesmo que a mobilidade seja fluida e abarque distintas

maneiras e motivadores, ainda se faz importante um olhar mais aproximando ao fenômeno

objeto de estudo, atentando sobre a relevância em compreender as configurações históricas

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que dão sentido a um movimento (SINGER, 1976) e sobre os mecanismos políticos e sociais

que agem sobre ele (FAIST, 2003).

Abordando especificamente o contexto das mobilidades populacionais para a

presente pesquisa, um aspecto a ser destacado é o fato de englobar aspectos não verificáveis

por métodos tradicionais da estatística - questão abordada no capítulo de resultados -,

devendo se tomar ciência do viés subjetivo envolvido nas ações de mobilidade populacional,

que induzem a mobilidade das pessoas de forma voluntária ou não (BARBIERI, 2011, p.

99). Ainda segundo este autor,

Nesse sentido, tipologias de mobilidade, e particularmente aquelas

relacionadas a causas ambientais, podem ser pensadas como a resultante da

atuação de determinantes próximos, vinculadas às motivações pessoais e

familiares (voluntárias ou não) para migrar ou não migrar (por exemplo,

motivações econômicas, culturais, de violência doméstica e desequilíbrio de

gênero), mediadas, ou influenciadas, por determinantes subjacentes

relacionados às características do contexto (por exemplo, diferenciais

regionais de renda e emprego, as características socioeconômicas, culturais,

políticas, institucionais e ambientais de determinado lugar). A forma como

lógicas de incentivos individuais e familiares são mediados por tais

constrangimentos ou incentivos estruturais ou contextuais são o requisito

básico para a definição tipológica da mobilidade populacional (BARBIERI,

2011, p. 99).

Para Barbieri, vale ressaltar as peculiaridades inerentes aos processos de mobilidade

populacional condicionados por fatores ambientais – peculiaridades essas que não são

captadas em um levantamento censitário de macroescala. Como colocado por Hogan (2005,

p. 325), “para os demógrafos, com sua afinidade com os grandes números em níveis gerais

de análise, não foi fácil tratar variáveis ambientais”.

Portanto, tomar a mobilidade como um objeto de estudo demanda a utilização de

distintos métodos e escalas, já que o “retalhamento disciplinar” (POMBO, 2005) não dá

conta de abarcar a complexidade de abordagens e métodos demandadas pelo conceito em

questão – caracterizando um conceito epistemologicamente interdisciplinar.

Visando ilustrar a dimensão do debate aqui posto, toma-se o conceito de

multilocalidade na tentativa de esclarecer a fusão de conceitos oriundos de distintas

disciplinas, tomando métodos e escalas de diferentes origens, associados a uma dinâmica

social bastante característica da Amazônia. De acordo com Weichhart (2015, p. 61, tradução

nossa), a multilocalidade pode ser qualificada pelo fato de indivíduos, grupos sociais ou

“sujeitos” econômicos buscarem seus interesses básicos ou econômicos simultaneamente ou

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alternadamente em diferentes lugares.

De modo geral, tem-se que a multilocalidade compreende os fenômenos em que um

sujeito ou grupo conta com diversos locais de residência – abarcando os mais diferentes

arranjos, como um indivíduo que trabalha durante a semana em uma cidade mas aos fins de

semana reside em outra cidade; ou de grupos que trabalham por jornadas em locais

diferentes, a depender da demanda, como mineradores ou agricultores; ou, ainda,

comunidades que têm suas residências alteradas de acordo com a sazonalidade, como o caso

dos ribeirinhos da Amazônia que, muitas vezes, nas épocas de cheia instalam-se nos centros

mais urbanizados e nas épocas de seca voltam às margens do rio.

Apesar de alguns especialistas da área indicarem a multilocalidade como um

fenômeno novo que foi impulsionado pelo aumento e sofisticação da rede de transportes e

telecomunicações oriundos do avanço tecnológico e pela crescente globalização e queda de

fronteiras culturais entre países (WEICHHART, 2015, p. 61, tradução nossa), alguns autores

indicam que se trata de um processo observado há muito tempo em organizações sociais

consideradas “primitivas”. De acordo com Dick e Duchêne-Lacroix (2016, p. 4, tradução

nossa), os arranjos residenciais multilocais acontecem em todas as partes do mundo e alguns

deles são bastante antigos, remetendo a tribos africanas “primitivas”.

No contexto brasileiro, esse tipo de arranjo também é observado nas comunidades

tradicionais, como apontado no estudo de Eloy e Lasmar (2011, p. 91), no qual as autoras,

etnógrafas, analisaram processos migratórios ocorridos na região do Alto Rio Negro, no

noroeste amazônico, entre outras questões. Elas colocam a multilocalidade como uma

manifestação da adaptabilidade dos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais,

uma vez que observaram que as famílias migrantes negociam seus direitos fundiários devido

à escassez crescente dos recursos naturais ao redor da cidade.

Primeiramente as autoras observaram uma mudança no arranjo de vida das

comunidades indígenas, onde o padrão tradicional de moradia era de uma grande maloca

ocupada por todo o grupo local e que foi substituída por um sistema de famílias nucleares,

um casal e filhos, ocupando pequenas casas. Algumas das famílias possuem casa e passam

boa parte do tempo em aglomerações urbanizadas, tendo o vínculo com a comunidade

mantido através da manutenção das relações sociais: “caso uma família não pratique mais a

agricultura e/ou resida boa parte do tempo na cidade, a estabilidade de seu vínculo de

pertencimento passa a depender de sua participação na vida social da comunidade (eventos

coletivos, cultos religiosos, trabalhos comunitários, festas, etc.)” (ELOY; LASMAR, 2011,

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p. 94), caracterizando uma intensa mobilidade de indivíduos entre a cidade e a floresta.

Entre diversas caracterizações feitas pelas autoras dos modos de vida do Alto Rio

Negro, faz-se relevante destacar três tipos de arranjo econômico que configuram a intensa

mobilidade populacional e multilocalidade presentes na região:

1) empréstimo por tempo determinado – quando uma família “empresta um

pedaço” de roça ou capoeira para que outra família, recém-chegada, possa trabalhar

e “começar a vida”;

2) direito de cultivar e colher em troca de trabalho ou produto – que configura a

relação caseiro/patrão, já que, geralmente, o casal proprietário mora na cidade, onde

tem um comércio ou empregos remunerados, e/ou recebe aposentadoria, e passa os

finais de semana e os feriados no sítio. “O dono do terreno sempre dá um forno ou

uma canoa para o vigia, que costuma lhe oferecer produtos agrícolas. Mas não se

trata exatamente de uma parceria no sentido estrito do termo, pois as regras de

partilha não parecem claramente definidas nem fixas” (ELOY; LASMAR, 2011, p.

98);

3) empréstimo de longa duração com restrições de uso - os direitos de cultivo e

colheita dos produtos florestais são concedidos por tempo indeterminado, mas

não se pode plantar espécies perenes e construir casa permanente. “O dono possui

um terreno extenso, próximo à cidade, como é o caso da ‘terra da Diocese’ ou de

terrenos de comerciantes politizados, que mantêm a sua influência na cidade através

destes ‘favores’. Os produtores costumam então cultivar pequenas parcelas de

mandioca, e seus direitos não podem ser transferidos para terceiros sem autorização

do dono” (ELOY; LASMAR, 2011, p. 98).

Como se pode observar, trata-se de arranjos individuais, familiares e sociais com

distintos propósitos e motivações – caracterizando a subjetividade inerente ao conceito da

mobilidade populacional – e que não seriam captados por dados de Censo – legitimando a

importância de uma abordagem multiescalar nesse tipo de estudo. Assim, a multilocalidade

permite a apreensão de relações espaço-tempo que não seriam possíveis dentro do seio das

disciplinas da demografia, geografia, sociologia ou antropologia, demandando então a

tomada de diferentes métodos e conceitos.

Assim, ao se utilizar dos métodos e conceitos de distintas ciências e disciplinas,

entende-se que a mobilidade configura, então, um fenômeno multidimensional e que a

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multilocalidade pode ser apreendida como um fenômeno que representa a fusão entre a

fluidez das fronteiras impostas, produto da mobilidade sobremoderna (AUGÉ, 2010), e de

aspectos sociais, culturais e espaciais particulares da Amazônia, tendo a multiescalaridade no

seio de seu conceito.

1.2.4 Multiescalaridade

O termo ‘escala’ é principalmente associado ao seu uso para a cartografia, enquanto

uma expressão numérica que dá conta da representação de um espaço em uma área diferente

à original. Porém, a escala tomou novos significados além da representação matemática,

abarcando subjetividades inerentes a um estudo espacializado.

Nesta temática, tem grande relevância as contribuições de Iná Elias de Castro, ao

afirmar que a conceituação da escala apenas como um recurso matemático é insatisfatória,

uma vez que, além da representação gráfica do território, o conceito de escala ganha novos

contornos ao abarcar expressões representativas dos diferentes modos de percepção e de

concepção do real. “Embora estas acepções sejam necessárias e adequadas aos problemas

aos quais elas se propõem mensurar, a complexidade do espaço geográfico e as diferentes

dimensões e medidas dos fenômenos sócio-espaciais exigem maior nível de abstração”

(CASTRO, 2008, p. 11).

Ao tomar a dimensão subjetiva inerente ao conceito, a escala torna-se um termo

polissêmico, tida como uma estratégia de aproximação do real, que pode ser entendida com

uma problematização dimensional – inseparabilidade entre tamanho e fenômeno - ou

fenomenal – complexidade dos fenômenos e impossibilidade de apreendê-los diretamente

(CASTRO, 2008, p. 118).

Aqui, cabe a contribuição de Sandra Lencioni (2008, p. 17), que entende o termo

escala de duas formas: topográfica (dimensão da superfície do terreno) e topológica

(dimensão que toma em consideração os fluxos imateriais). Ao considerar, e valorizar, os

fluxos imateriais e virtuais do território, Lencioni atenta para a questão de se considerar

questões subjetivas associadas a um termo primariamente entendido como “puramente

técnico”.

O autor Roberto Lobato Corrêa (2011, p. 41) já toma a conceituação de escala

enquanto representação de diversas relações. Para ele, o conceito de escala envolve quatro

acepções: 1) escala enquanto tamanho – economia de escala; 2) escala cartográfica – escala

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numérica de mapa geográfico; 3) escala espacial – área de abrangência de um processo ou

fenômeno; 4) escala conceitual – relações entre um objeto de pesquisa, os questionamentos

e teorias pertinentes e sua representação. Para o presente estudo, o foco está nas concepções

e derivações da relação entre a escala espacial e a escala conceitual.

Para entendimento do conceito de escala espacial, faz-se necessário compreender

três assertivas principais: a) fenômenos, relações sociais e práticas espaciais mudam ao se

alterar a escala espacial da ação humana; b) a base teórica que permite explicar ou

compreender fenômenos, relações e práticas é alterada quando se muda a escala espacial,

implicando a necessidade de teorias com distintos níveis de abrangência espacial; c) não há

uma escala que a priori seja melhor que outra (CORRÊA, 2011, p. 42).

Assim, tem-se que estas três assertivas dão inteligibilidade ao conceito de escala

espacial; associada a essas compreensões tem-se a escala conceitual, que se reporta a

fenômenos e processos, assim como a representações cartográficas diferentes, mas são

interdependentes, pois as ações que ocorrem em uma escala afetam a outra. No texto, Corrêa

(2011, p. 43) cita a experiência de profissionais específicos que, ao articular diferentes

escalas espaciais (local, regional, nacional, global), dão coerência aos seus objetivos de

atuação.

É importante enfatizar que o objetivo não é escolher uma escala mais apropriada,

mas procurar os ganhos obtidos ao fazê-las conversarem, já que cada escala vai trazer um

significado próprio: “o fenômeno observado ganha um sentido particular de acordo com a

articulação da escala de análise” (CASTRO, 2008, p. 120). Há uma variação de atributos dos

fenômenos da grande e pequena escala, assim, ainda de acordo com Castro (2008, p. 127)

A informação factual, os dados individuais ou desagregados, os fenômenos

manifestos, a tendência à heterogeneidade, a valorização do vivido são

atributos dos fenômenos observados na grande escala, enquanto a informação

estruturante, os dados agregados, os fenômenos latentes, a tendência à

homogeneização e valorização do organizado são atributos dos fenômenos

observados na pequena escala. Homogeneidade e heterogeneidade resultam

da perspectiva de observação, fruto de uma escolha, que deve ser consciente

e explicitada.

Portanto, pode se concluir que o fenômeno observado ganha um sentido particular

de acordo com a articulação da escala de análise (CASTRO, 2008, p. 120), e o que é relevante

ou faz sentido em uma escala não o é em outra (HARVEY, 2004, p. 108).

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Porém, as discussões sobre escala vão além das configurações relacionadas à

representatividade por tamanho e nível do fenômeno. Para Howitt (1997, p. 52, tradução

nossa), mais que por tamanho e nível, a escala deve ser tomada como relação e pode ser

melhor compreendida dialeticamente em vez de hierarquicamente, usando como exemplo

quando é abordada a escala nacional, cujo termo se aplica tanto para Singapura quanto para a

Rússia, mas que, na prática, se tratam de questões bastante distintas. Além de se tratarem de

estados nacionais com tamanhos muito diferentes, de área, população, produção econômica,

também ocupam níveis distintos, relacionados a arranjos organizacionais, como formas de

governo. Então, o que, de fato, está associado à escala nacional?

Segundo o autor, a partir do momento em que se toma a escala como relação,

algumas lacunas são preenchidas, pois são consideradas as relações entre geopolítica,

território, estrutura, cultura, história, ambiente etc. Segundo Valenzuela (2006, p. 130,

tradução nossa), o conceito de escala como relação concentra a atenção na dinâmica das

relações entre os elementos analisados e as hierarquias variáveis que alguns desses

elementos adquirem, com importâncias relativas em diferentes níveis.

O geógrafo Javier Gutiérrez Puebla (2001, p. 95, tradução nossa) adiciona que,

além de tamanho, nível e relação, a escala pode ser entendida como rede, uma vez que as

redes não necessariamente coincidem com as áreas delimitadas e suas fronteiras tendem a

ser porosas. Assim, uma ação local pode acessar uma rede global e vice-versa, implicando

que os agentes não estão confinados a um nível estabelecido e que há a interação de agentes

de níveis distintos.

A consideração de relações associadas e a expansão de fronteiras estabelecidas

remete à discussão sobre o conceito de mobilidade, já abordado anteriormente,

caracterizando uma grande afinidade entre os temas, que configuram novas perspectivas de

tratar questões do mundo contemporâneo. A este respeito contribui Paasi (2004, p. 542,

tradução nossa), que atenta para a mudança ocorrida nas relações decorrente da globalização

e a maneira em que isso afetou a escala. Para o autor, as escalas também são historicamente

condicionadas, podendo ser produzidas e destruídas ou transformadas através de práticas e

conflitos sociais e políticos.

Portanto, há o entendimento de que o conceito de escala não é estanque e vai

adquirindo novos significados de acordo com as relações, redes, práticas sociais, condições

históricas, entre outras questões. Assim, a discussão sobre escala cabe em todos os

fenômenos sociais, incluindo a mobilidade populacional. Conforme colocado por Gibson,

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Ostrom e Ahn (2000, p. 226, tradução nossa), o estudo do fenômeno da migração humana

muda conforme a escala abordada; padrões de migração intraurbana estão relacionados a

variáveis como idade, escolaridade e renda familiar, enquanto migrações intraestaduais são

explicadas por variáveis agregadas como demanda de trabalho e investimentos. Os autores

apontam também sobre a importância em unir aspectos físicos e sociais nas escalas adotadas

em estudos ambientais, em um claro viés interdisciplinar associado a tais estudos.

Faz-se importante pontuar que a dimensão escalar adotada não pretende caracterizar

uma homogeneidade, portanto, em vez de se pensar em recorte escalar, as escalas devem ser

tomadas como lentes, em que se parte “de uma escala em direção a outra seja no crescente

ou no decrescente, acompanhando a dinâmica processual e as transformações qualitativas

que o fenômeno sofre à medida que o observamos nas sucessivas escalas” (MARANDOLA

JR., 2011, p. 12). Assim, Marandola Jr. (2011, p.12) atenta para a questão de que a “lente

escalar” pode auxiliar a superação de dicotomias que trazem recortes escalares distinguidos

entre macro e micro, desconsiderando as perspectivas dinâmicas e multidimensionais dos

fenômenos. O esquema gráfico representando a tomada das escalas como lentes está

apresentado na Figura 2.

Figura 2 – Representação gráfica das escalas como lentes.

Fonte: extraído de Marandola Jr. (2011, p. 13).

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O desafio em se tomar a escala como lentes está em contemplar distintos aspectos

associados ao tema, não apenas mudar o recorte. Por isso, toma-se a multiescalaridade como

uma abordagem metodológica no intuito de tratar das múltiplas questões relacionadas ao

fenômeno da mobilidade populacional associada às Áreas Protegidas da região Norte do

Brasil. No presente estudo, trabalha-se com a questão da escala macro e micro para se referir

às bases de dados utilizadas para a obtenção de resultados. Porém, em uma tentativa de

superar essa dicotomia, procura-se concomitantemente a compreensão das relações e da rede

que age no contexto das Áreas Protegidas.

Antes de entrar na definição da multiescalaridade em si, em uma tentativa de

legitimá- la enquanto um método válido, faz-se um paralelo com a abordagem dos métodos

mistos. Segundo Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 15, tradução nossa), através dos métodos

mistos permite-se análises que misturem especificidades dos métodos quantitativos e

qualitativos, porém não enquanto algo que vá substituir essas abordagens, mas como um

possível novo caminho com potencialidade para agregar os aspectos positivos e minimizar

os negativos de cada método posto, colocando sempre a postura de diálogo para que isso

ocorra e tendo em vista as dificuldades endógenas e exógenas apresentadas. Este paradigma

se faz necessário uma vez que muitos pesquisadores precisam complementar um método com

outro a fim de facilitar a comunicação, incentivar a colaboração e promover uma “pesquisa

superior”.

Assim, o princípio fundamental dos métodos mistos é que o pesquisador deve

buscar coletar dados múltiplos, utilizando diferentes estratégias, abordagens e métodos de

maneira que o resultado utilize a complementaridade das “forças” de cada método. Se os

resultados são corroborados entre as diferentes abordagens, então tem-se maior credibilidade

na conclusão obtida. Se os resultados se mostram conflitantes, o pesquisador tem maior

conhecimento e é capaz de modificar as interpretações e conclusões de acordo com o método

(JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004, p. 19, tradução nossa).

Acredita-se que a abordagem multiescalar tem as mesmas condições e préstimos

que os métodos mistos, uma vez que a proposta aqui colocada visa justamente utilizar a

potencialidade e refletir a inaptidão de cada escala tida. Pode-se agregar o conceito da

espacialidade diferencial, de Yves Lacoste (1988, p. 37), no qual o autor, como já colocado

aqui por outros autores, atenta para a questão de que a compreensão de um fenômeno vai

variar conforme a escala utilizada, uma vez que certos fenômenos somente são apreendidos

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ao se considerar extensões grandes, enquanto outros só podem ser captados por observações

muito precisas sobre superfícies. A mudança de escala transforma a problemática que se

pode estabelecer e os raciocínios que se possa formar, correspondendo a uma mudança no

nível de conceituação reduzidas.

Os ganhos obtidos para a ciência ao se considerar distintas escalas também são

colocados por Marandola Jr. e Hogan (2007, p. 195), já que,

Quanto às metodologias e escalas de análise múltiplas, estas ainda têm sido

pouco incorporadas às pesquisas. [...] o desenvolvimento de metodologias

quanti-quali e de múltiplas escalas seriam de grande valia para ampliar a

capacidade analítica e permitir um olhar mais refinado, principalmente em

microescalas [...] Discutir e incorporar as aplicações já realizadas neste campo

também são fundamentais para tal construção.

A transformação da problemática de acordo com a mudança de escala também é

indicada por Lencioni (2008, p. 19), afirmando que a multiescalaridade, ao levar em conta

as naturezas diferentes de cada escala, possibilita conciliar as escalas topográfica e

topológica, uma material outra imaterial, unindo a questão territorial com suas virtualidades.

Assim, agrega-se as relações (HOWITT, 1997) e as redes (PUEBLA, 2001) associadas a cada

dimensão escalar tomadas na presente pesquisa, através da multiescalaridade.

Esta interpretação caracteriza a multiescalaridade enquanto um modo de

fazer/método interdisciplinar, pois transpassa métodos e objetos de diferentes ciências.

Como colocado por Silva Júnior e D’Antona (2013), a postura de estranhamento e de

disposição ao diálogo pode trazer maior riqueza na tessitura teórica, na prática metodológica

e na construção deste paradigma sempre em construção que é a interdisciplinaridade, mesmo

que traga também desconfortos.

Assim, propõe-se a ilustração da multiescalaridade, enquanto um modo de fazer-

pensar interdisciplinar, como apresentado na Figura 3.

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Figura 3– Representação gráfica da prática interdisciplinar dentro da multiescalaridade.

Fonte: elaborado pela autora.

A respeito da importância e dos ganhos ao se tomar a abordagem multiescalar, faz-

se necessário citar o estudo de D’Antona; Cak e VanWey (2007, p. 89), que, ao buscar

caracterizar as mudanças na cobertura da terra ocorrida em municípios da Amazônia, utiliza-

se da conceituação dos efeitos de escala em uma pesquisa situada na dinâmica entre

população e ambiente. Para os autores, existem distintas motivações e uma multiplicidade de

agentes que se manifestam de maneiras diferentes conforme o nível de agregação territorial.

“Isoladamente, cada um dos níveis de agregação proporciona uma fotografia incompleta que

pode levar a erros de interpretação. Tal preocupação, aqui relativa à análise das mudanças na

cobertura da terra, pode e deve ser estendida para outros estudos do grande tema População

e Ambiente” (D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 89).

Assim, se caracteriza o efeito de escala, enquanto um aspecto que altera a apreensão

do fenômeno estudado de acordo com a escala utilizada, uma vez que aquilo que é captado

na escala macro pode não o ser na escala micro, e vice-versa.

Posto que tanto as forças tidas como macro (por exemplo, a cultura, o governo,

a economia) quanto aquelas definidas como micro (por exemplo, atributos da

unidade doméstica, o conhecimento de pequenos proprietários rurais e os

modos como tomam decisões) afetam o uso da terra e da água – e,

consequentemente, devem ser entendidos como fatores de mudanças

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ambientais –, torna-se necessário a constituição de um referencial teórico-

metodológico que dê conta das variações entre escalas (HOGAN, 1991).

Reflexões como as de Carr; Suter e Barbieri (2006) têm mostrado como a

discussão das questões da escala é importante em estudos de População e

Ambiente, algo que até mesmo grandes agências como a NASA e os projetos

ligados à compreensão de mudanças ambientais globais reconhecem

(D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 93).

Os resultados obtidos no estudo desenvolvido pelos autores apontam para a não

prevalência de um nível de agregação sobre os demais, mas para a importância de utilizar a

análise multiescalar no sentido de aproveitar as potencialidades oferecidas por cada escala.

“A análise macro pode falhar ao incluir subconjuntos e processos muito distintos em uma

mesma unidade analítica, gerando resultados que não se aplicam exatamente a nenhum caso

particular. Restringir os estudos a uma escala pode proporcionar uma visão equivocada dos

processos analisados na escala estudada; uma visão que não se pode aplicar a outras escalas”

(D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 106).

Em uma dinâmica tão peculiar como a que envolve os impactos da ação humana

sobre (e por causa de) as áreas de floresta, entende-se que a escala macro dá conta de indicar

resultados muito importantes, porém não suficientes para captar especificidades que são

fundamentais para o entendimento de questões pontuais. Como afirmado pelos mesmos

autores (D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 109), “o entendimento em múltiplas

escalas é necessário para que se perceba a multiplicidade de agentes e as suas motivações,

além de ser uma estratégia para aproveitar os dados secundários existentes e os

conhecimentos locais, ou específicos, na busca da superação das deficiências das diversas

fontes de informações”.

Uma vez que, ao se mudar a escala espacial altera-se também a base teórica, é

possível explicar ou compreender fenômenos, relações e práticas, implica-se a necessidade

de teorias com distintos níveis de abrangência espacial (CORRÊA, 2011). Ao passar por

distintas escalas espaciais e conceituais (CORRÊA, 2011) e pela associação das escalas

topográficas e topológicas (LENCIONI, 2008) – na perspectiva da multiescalaridade – tem-

se a “prática” da interdisciplinaridade, uma vez que se perpassa por distintos métodos, objetos

e marcos teóricos das mais variadas ciências disciplinares.

A relevância do uso da multiescalaridade em um estudo que envolve mobilidade

populacional é colocado por Barbieri (2007, p. 228), ao afirmar que a implicação de

literaturas que abordem essas dinâmicas “tem sido a falta de dados adequados e, até

recentemente, de metodologias de análise multiescalares da mobilidade populacional e sua

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relação com fatores ambientais, o que dificulta capturar a natureza complexa dos

determinantes da mobilidade populacional, que operam em escalas e níveis variados”.

Assim, em uma pesquisa que se presta a analisar as mobilidades associadas às Áreas

Protegidas da região Norte, acredita-se que o melhor caminho seja através da associação de

escalas diferentes, possibilitando distintas e complementares leituras de um mesmo

fenômeno. Esta conclusão traz à tona os benefícios para o desenvolvimento científico tidos

ao se ultrapassar certas barreiras, lembrando que o homem é um ser complexo e naturalmente

nãodisciplinar. Portanto, para (tentar) dar conta da complexidade dos fenômenos sociais,

visando aproveitar os benefícios que cada escala pode oferecer, foi utilizada a leitura

multiescalar, que permite libertar de uma visão de uma única natureza, de um único referente

(LENCIONI, 2008), baseando-se nos préstimos da interdisciplinaridade para a ciência.

1.3 Construção da abordagem da pesquisa

Após a explanação teórica sobre a importância da apreensão dos conceitos de

mobilidade e multiescalaridade na presente pesquisa, neste tópico procura-se elucidar melhor

a escolha dos métodos e algumas dificuldades encontradas, os materiais e métodos utilizados

no tratamento de dados macro (Censo IBGE) e dados micro (pesquisas de campo realizadas

nas UC) e as considerações sobre potenciais e limitações da estratégia adotada.

A escolha pelos métodos propostos, tomando por base o conceito da

multiescalaridade, foi fundamentada principalmente em duas questões, que acabam por ser

complementares: a primeira referente à dificuldade em encontrar resultados satisfatórios

utilizando somente dados secundários de bancos de dados de macroescala, devido à captação

e disponibilidade de dados oriundos do Censo brasileiro; a segunda na impossibilidade de

basear a pesquisa apenas em trabalho de campo, já que a realização deste trabalho não seria

possível pela pesquisadora devido ao tempo hábil da pesquisa de mestrado. Por fim, optou-

se por um caminho bastante promissor e que valoriza trabalhos de excelente qualidade

produzidos por pesquisadores brasileiros, como será melhor explicado adiante.

Tendo em vista os préstimos das abordagens interdisciplinares aqui propostas, a

multiescalaridade foi viabilizada através da associação das duas questões apontadas acima.

Na parte macroescalar, foram utilizados os bancos de dados dos Censos de 1991, 2000 e

2010, para gerar resultados estatísticos sobre algumas mobilidades associadas aos

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municípios da região Norte do Brasil que contam com Áreas Protegidas em seu território.

Na parte microescalar, utilizou-se estudos de entidades confiáveis no rigor científico da

execução de suas pesquisas, realizados em três Unidades de Conservação e que trazem

aspectos específicos da mobilidade populacional de uma Área Protegida.

Assim, primeiramente são apresentados os argumentos relacionados às dificuldades

metodológicas encontradas, especialmente no que tange à análise macroescalar, com

questões específicas da demografia e do banco de dados utilizado pela disciplina. Sabe-se

que a demografia é uma disciplina que se baseia na análise de macrodados, se ocupando da

conversão de dados absolutos em taxas, normalmente representadas por valores a cada mil

habitantes, ou seja, trata-se de uma disciplina que procura “traduzir” um fenômeno que

ocorre em escala macro (ROLLET, 2007, p. 35). Portanto, apesar da mobilidade populacional

poder ser estudada sob a égide da demografia, entende-se que as respostas para as questões

específicas do contexto das Áreas Protegidas da Amazônia não podem ser obtidas dentro da

disciplina, especialmente por trazer outros elementos, como a questão da cobertura da terra,

das regulações de uso do solo, da sazonalidade, da multilocalidade, enfim, por se tratar de

aspectos não captáveis apenas por dados do Censo.

No contexto brasileiro, trata-se de um grande desafio a captação de dados

essencialmente quantitativos relacionados aos processos de mobilidade populacional devido

às particularidades do nosso Censo Demográfico. Desde o primeiro Censo, as informações

coletadas tiveram muitas alterações, o que resulta em muitas mudanças nos estudos de

migração realizados em cada período. “Os dados sobre migrações e suas análises refletem e

são reflexo do contexto e das tendências da mobilidade espacial da população, além das

possibilidades técnicas de coleta e disseminação” (RIGOTTI, 2011, p. 144).

A mudança e evolução dos quesitos levantados em cada Censo são perceptíveis ao

se analisar a Tabela 1, caracterizando o aumento da importância da migração nos estudos de

análise de dinâmica demográfica, uma vez que, com a redução das taxas de fecundidade no

Brasil – o que diminui o crescimento natural -, os movimentos migratórios adquirem cada

vez mais importância relativa na redistribuição espacial da população (RIGOTTI, 2011, p.

141). A tabela abaixo foi elaborada a partir de um levantamento feito por Cunha (2013).

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Tabela 1 – Evolução dos quesitos relacionados à migração nos Censos brasileiros

Ano Censo Quesitos Migração

1940

- Permite saber a unidade da federação (UF) de nascimento do migrante

- Fornece o quantitativo acumulado de migrantes interestaduais

- Fornece a distribuição dos migrantes interestaduais pelos municípios de destino

- Fornece o ano em que o migrante estrangeiro fixou residência no Brasil

- Aplicados a toda a população

1950

- Aplicados a toda a população

- Permite saber a UF de nascimento do migrante, possibilitando a aplicação dos

métodos de estimativa da migração por Relações Intercensitárias de Sobrevivência

1960

- Aplicados a apenas uma amostragem

- Fornece o tempo de residência no município

- Levanta se anteriormente residia em zona rural

- Fornece em que UF ou país residia anteriormente

- Possibilita avaliações dos fluxos intraestaduais e intermunicipais

1970

- Inclusão de quesito sobre movimento pendular

- Aumento dos quesitos relacionados à migração (8 quesitos)

- Impossibilidade de obter informação dos migrantes de retorno municipais

- Impossibilidade de avaliar a migração intramunicipal por situação

1980

- Inclusão de quesito sobre município e UF de procedência na última etapa

migratória

- Permite avaliar a intensidade da migração ao longo dos anos intercensitários

1991

- Capta dados de data-fixa (periodicidade quinquenal)

- Levanta se a situação domiciliar anterior era rural ou urbana

2000

- Aumento dos quesitos relacionados à migração (13 quesitos)

- Deixa de captar o município de residência anterior

2010

- Aumento dos quesitos relacionados à migração (19 quesitos)

- Aumento de quesitos relacionados à emigração internacional

- Separação dos quesitos de deslocamento entre trabalho ou estudo

Fonte: Cunha (2013), organizado pela autora.

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A inclusão do quesito data-fixa foi um importante paradigma nos estudos

migratórios, já que facilita a padronização dos métodos estatísticos para cálculos de dados

demográficos. De acordo com Rigotti (2011, p. 149), algumas das vantagens deste quesito é

que ele permite o cálculo de “todas as medidas convencionais da migração: imigrantes,

emigrantes e saldo migratório. Além disso, os lugares de origem e destino são conhecidos, o

período dentro do qual ocorre a migração é bem determinado e o conceito de migrante é

facilmente compreendido”.

Porém algumas limitações apresentadas se referem à coleta deste dado ser dirigida

somente à parte amostral de coleta do Censo (cerca de 10% dos questionários respondidos)

e ao fato de que os movimentos migratórios que ocorrem no período entre a data-fixa e a

data de coleta não são captados. É nesta questão que reside um importante “entrave

metodológico” para a presente pesquisa, pois não capta os movimentos sazonais, tão

característicos do modo de vida amazônico. Ou seja, muitos processos de mobilidade

populacional que se sabe que acontecem frequentemente na região não são captados e,

portanto, não podem ser representados em uma pesquisa baseada somente por macrodados

estatísticos.

A partir destas reflexões, faz-se importante compreender algumas questões

relacionadas aos métodos associados a estudos puramente quantitativos ou puramente

qualitativos, buscando tecer a elucidação dos ganhos para a ciência ao se unir as

potencialidades dos métodos.

Como colocado por Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 14, tradução nossa),

pesquisadores puramente quantitativos acreditam que os questionamentos inerentes às

ciências sociais devem ser objetivos, isentos de generalizações de tempo e contexto, e, assim,

os resultados da ciência social podem ser determinados de forma confiável e válida. Já os

pesquisadores puramente qualitativos acreditam que as realidades são construídas de forma

múltipla, ou seja, a isenção de generalizações de tempo e contexto não são possíveis, nem

desejáveis, uma vez que é impossível diferenciar causas e efeitos.

No contexto de uma pesquisa quantitativa, as principais características são a

possibilidade de se testar modelos e de generalizá-los. Segundo Bryman (1988, p. 12,

tradução nossa), a pesquisa quantitativa é um gênero que utiliza uma linguagem especial que

procura estabelecer algumas similaridades nas maneiras com que os cientistas abordam

investigações de ordens naturais – variáveis, controles, medidas, experimentos. Esta

conclusão reflete a tendência da pesquisa quantitativa ser sustentada por um modelo típico

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das ciências naturais - o que significa que a lógica e os procedimentos das ciências naturais

são tomados para fornecer um padrão epistemológico contra o qual a pesquisa empírica nas

ciências sociais deve ser avaliada antes que possa ser tratado como um conhecimento válido.

As limitações do método quantitativo, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie

(2004, p. 14, tradução nossa), são: a) as categorias utilizadas pelo pesquisador podem não

refletir o entendimento dos contextos locais; b) as teorias utilizadas pelo pesquisador podem

não refletir o entendimento dos contextos locais; c) o pesquisador pode ignorar a ocorrência de

um fenômeno porque se foca em testar teoria ou hipótese em vez de criar teoria ou hipótese;

d) produção do conhecimento pode ser muito abstrata e generalista para aplicação direta em

situações, contextos e indivíduos locais específicas.

Já o método qualitativo é mais tradicionalmente utilizado dentro das ciências

humanas, por abarcar técnicas de coleta em microescala, fundamental em algumas

disciplinas como a antropologia. Para Bryman (1988, p. 61, tradução nossa), a principal

característica deste tipo de pesquisa é o comprometimento em abordar (e enxergar) eventos,

ações, normas e valores através da perspectiva das pessoas que estão sendo estudadas.

Pesquisadores qualitativos se esforçam para ir além da pura descrição do fenômeno,

procurando fornecer análises detalhadas dos ambientes estudados.

Sem dúvida trata-se de um método recheado de valiosas especificidades e

potencialidades. Porém, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 14, tradução

nossa), também apresenta limitações que devem ser consideradas: a) produção do

conhecimento pode não ser generalizada a outros contextos; b) é difícil de realizar previsões

qualitativas; c) é mais difícil para testar teorias e hipóteses; d) pode ter menor credibilidade

em algumas esferas científicas; e) geralmente demanda mais tempo de coleta de dados em

comparação à pesquisa quantitativa; f) a análise de dados consome mais tempo; g) os

resultados são mais facilmente influenciados pelo viés pessoal do pesquisador.

Acredita-se que a apresentação de resultados obtidos na presente pesquisa acaba por

se encaixar, de certa maneira, em todas as limitações atribuídas aos métodos quantitativos.

De acordo com Rogerson (2010, p. 3), os métodos estatísticos ocupam um papel central no

método científico porque nos permitem sugerir e testar hipóteses usando modelos, sendo os

modelos validados pela comparação de dados observados com o que se espera. “Se o modelo

é uma boa representação da realidade, haverá uma correspondência entre os dois. Se as

observações e as expectativas são muito distantes, precisamos ‘voltar à prancheta’ e

apresentar uma nova hipótese”.

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Algumas barreiras metodológicas também são enfrentadas ao se optar por um

caminho puramente disciplinar, como foi colocado no caso da demografia. Porém, os mesmos

problemas podem ser enfrentados ao se optar por um viés de outras disciplinas. Como

destacado por Porto- Gonçalves (2006, p.7), as ciências sociais são “instituídas por e

instituintes da sociedade contemporânea e, assim, a superação da divisão do trabalho

científico, tal como ela se apresenta, faz parte da luta pela superação das contradições dessa

mesma sociedade. Daí a importância dos trabalhos que se colocam para além das

disciplinaridades instituídas”.

Para o autor, o divórcio entre a geografia e as ciências sociais trouxe duas

consequências problemáticas: 1) os geógrafos não conseguiram dar uma solução adequada

ao significado de natureza no devir social, prisioneiros de um pensamento eurocêntrico no

qual natureza e sociedade são termos que se excluem reciprocamente ou são pensados numa

relação de causalidade unilateral seja da natureza para a sociedade (naturalismo) seja da

sociedade para a natureza (antropocentrismo); 2) os geógrafos ignoram a dimensão espacial,

na sua materialidade historicamente construída (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 8).

Portanto, sociedade e espaço não podem ser tomados como dimensões que se

excluem ou que se procedem lógica ou ontologicamente, contrariando a lógica hegeliana de

que o território é uma substância externa, servindo de base para a sociedade se erigir

(PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 8). O questionamento primário da geografia – “o meio

influencia o homem ou o homem influencia o meio?” – está impregnado desse determinismo

criticado por Porto-Gonçalves, uma vez que o próprio autor coloca a importância de associar-

se distintas ciências e métodos buscando melhor compreensão da complexidade do espaço,

da sociedade e de suas interrelações.

Por fim, faz-se importante colocar que não se trata de problemas metodológicos da

demografia ou da geografia, porém, o que se intenta é a apreensão de conceitos que

trabalhem no sentido de contemplar a complexidade dos fenômenos multidimensionais que

são abordados na presente pesquisa. Assim, visando aplicar empiricamente formas de

pesquisar o fenômeno da mobilidade e da multiescalaridade, optou-se pela tomada de duas

dimensões escalares para se trabalhar com a hipótese da pesquisa.

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1.3.1 Materiais e Métodos

O método é uma “entidade” fundamental para a concepção do conhecimento

científico; a ciência, para muitos autores, só é validada se contar com uma excelente e

fundamentada construção metodológica. Como colocado por Moreira (2013, p. 108): “A

expressão mais acabada da razão na ciência é o método. A tal ponto que a ciência pode ser

definida como o conhecimento metódico. Isso significa dizer que no conhecimento científico

o fundamental é o método. E em ciência método é todo caminho que conduz ao

conhecimento”.

Porém cada setor da ciência (ou disciplina) conta com suas regulamentações para

que o “caminho para a condução ao conhecimento” seja reconhecido e aceito dentro da

comunidade científica. Todas estas “leis” estão dentro do conceito de campo, teorizado por

Bourdieu (2004). Para o autor, as produções culturais, filosóficas, históricas etc., são objetos

de análise com pretensões científicas, passíveis de diversas interpretações que podem ser de

ordem internalista ou externalista.

As interpretações internalistas implicam em que a única forma de se compreender

tais produções é através da leitura dos textos e manuais referentes às disciplinas, uma vez

que “o texto é o alfa e o ômega e nada mais há para ser conhecido, quer se trate de um texto

filosófico, de um código jurídico ou de um poema, a não ser a letra do texto” (BOURDIEU,

2004, p. 19). Já a interpretação externalista, frequentemente representada por pessoas

que se filiam ao marxismo, demanda o entendimento da relação entre o texto e o contexto,

interpretando as obras em relação com o mundo social ou econômico. Assim, Bourdieu

apresenta a noção de campo enquanto algo entre essas duas interpretações, uma vez que,

para se interpretar a ligação entre o texto e o contexto, há um “campo literário, artístico,

jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições

que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência [...] A noção de

campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo dotado

de leis próprias” (BOURDIEU, 2004, p. 20).

Ainda de acordo com Bourdieu (2004, p. 21), é importante entender o grau de

autonomia do campo, já que todo campo sofre pressões externas, como créditos, ordens,

instruções, contratos, e de que forma se manifestam as resistências desenvolvidas para

se libertar dessas imposições externas. Ou seja, não há uma ciência pura, já que o campo

científico está sempre sob influência dos agentes e instituições.

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Pelo fato de o campo se tratar de um “microcosmo dotado de leis próprias”, é

sempre fundamental que seja considerado o contexto de construção de uma pesquisa

científica dentro de determinado campo. Especificamente dentro das ciências sociais, como

colocado por Richardson (2012, p. 16), deve-se sempre considerar seu contexto conceitual,

histórico e social, e, mesmo que uma pesquisa seja realizada com o objetivo do benefício

próprio do pesquisador, é importante ressaltar que o objetivo último das ciências sociais é o

desenvolvimento do ser humano, e a pesquisa deve contribuir nessa direção, mesmo sendo

o objetivo imediato a aquisição de conhecimento.

De acordo com as reflexões propostas por Richardson acerca do método científico,

o autor atenta para o fato de que a ciência não é a “dona da verdade”, que todas as formas de

conhecimento têm seu valor, sendo a ciência uma forma de adquirir conhecimento e

compreensão. Um importante aspecto do método científico é a confiança na capacidade de

observação do cientista, em sua percepção, sensibilidade e memória (RICHARDSON, 2012,

p. 18).

Assim, percebe-se a importância de situar uma construção científica em um sistema

que acaba por influenciá-la. Segundo Bunge (1980, p. 41), a ciência pode ser considerada

tanto um sistema conceitual – de dados, hipóteses, teorias e técnicas – quanto um sistema

concreto – composto de pesquisadores, auxiliares de pesquisa, instrumentos, entre outros.

“Em ambos os casos, a palavra ‘sistema’ evoca a ideia de que, longe de ser um mero conjunto

ou aglomerado, a ciência é um objeto complexo, composto por unidades dependentes”

(BUNGE, 1980, p. 41).

A importância das inter-relações tem destaque na definição do pensamento

ecologizado de Morin, que sugere que os fenômenos de ordem social, econômica e política.

devem ser entendidos através de suas inter-relações, assim como os fenômenos da natureza.

Segundo o autor,

[...] o pensamento ecologizado se opõe ao isolamento de um objeto e à redução

a suas causalidades externas, a permeação superficial e ao afogamento em um

meio. Não poderia haver descrição, nem explicação dos fenômenos fora de

sua dupla inscrição e da dupla implicação no seio de uma dialógica complexa

que associe de maneira complementar, concorrente e antagonista, as lógicas

autônomas e internas próprias dos fenômenos por uma parte, e as ecologias do

seu entorno pela outra (MORIN, 2002, p. 111, tradução nossa).

Assim, tendo por base os autores supracitados, pode-se concluir que toda pesquisa

científica está carregada de subjetividadesda própria personalidade e vivência do

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pesquisador, da construção do campo científico, das forças que agem no campo científico,

das instituições, entre diversos outros aspectos, e que, por isso, é importante ter-se um olhar

macro do contexto. É importante dizer que isso não emprega, necessariamente,

descredibilidade à pesquisa, como era defendido pelo positivismo e pelo funcionalismo, em

que o cientista deve ser neutro, e a ciência é tida como a única fonte de verdade que deve ser

tomada por fenômenos individuais, sem considerar a história (RICHARDSON, 2012, p. 33).

Tendo em vista então a importância de se considerar contextos amplos e diversos,

na presente dissertação tem-se dois caminhos metodológicos: o da macroescala e o da

microescala. A seguir são apresentados o tratamento de dados para execução da pesquisa.

1.3.1.1 Tratamento dos dados

O banco de dados que compõe a parte da análise macroescalar é resultado da união

de dados territoriais e dados populacionais. O primeiro passo em busca de resultados

quantitativos sobre a situação da mobilidade populacional da região Norte do Brasil foi a

organização de um extenso banco de dados com informações geográficas e populacionais,

buscando o conhecimento da quantidade, área e localização das Áreas Protegidas da região

Norte do Brasil.

Para o tratamento dos dados territoriais, organizou-se a base de dados geográficos

vetoriais, adquirida através dos sites do ICMBio (Instituto Chico Mendes de

Biodiversidade), que disponibiliza os arquivos referentes às Unidades de Conservação, e da

FUNAI (Fundação Nacional do Índio), de onde se obtevee os dados das Terras Indígenas.

Os arquivos vetoriais foram manuseados no software ArcGIS®, por meio do qual foi

possível realizar a geração de tabelas com os dados esperados. Foram criados shapes

contendo apenas as Unidades de Conservação homologadas até julho de 2015 e as Terras

Indígenas regularizadas até julho de 2015.

Após padronizar a referência espacial de todas as bases de dados, fez-se necessário

resolver problemas de sobreposições de Áreas Protegidas, já que a primeira informação que

se pretendia obter era a cobertura do município tomada por AP, portanto, as sobreposições de

áreas duplicariam alguns valores. Através de técnicas de regras topológicas, técnica que prevê

ajustar limites de feições, foi possível localizar as sobreposições; na topologia dentro do

shape de UC foi eliminada a área referente à categoria de Uso Sustentável, dando preferência

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à categoria de Proteção Integral. Ao cruzar este shape com o de TI, foi dada preferência às

TI. Assim, o ranking das regras topológicas foi: 1- Terras Indígenas; 2- UC de Proteção

Integral; 3- UC de Uso Sustentável.

Para dar prosseguimento à análise, seguiu-se então para a caracterização da situação

migratória dos municípios localizados na região Norte do Brasil. A tomada dos perímetros

municipais como unidades de análise se deu por ser uma unidade comum às análises

territoriais e populacionais, para ser possível compatibilizar os dados disponíveis – o que não

seria possível ao se tomar os perímetros das Áreas Protegidas.

O banco de dados populacionais foi obtido através do site do IBGE, englobando os

dados disponíveis referentes ao Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. De posse destas

informações foi gerada uma matriz migratória, através do software SPSS®, que traz

informações sobre a quantidade de pessoas que imigraram e emigraram no período

considerado, em cada município, considerando o quesito data-fixa – que contempla a questão

“onde você morava há 5 anos?”, feita pelos recenseadores na ocasião do levantamento dos

dados.

Desta forma, é possível gerar uma matriz na qual consta, na coluna A, os municípios

de residência na ocasião da data-fixa e na linha 1 os municípios de residência na data da

coleta das informações. Por exemplo, para o Censo de 2010 foi gerada uma matriz de 449

colunas - contendo informações sobre os municípios de residência em 31 de julho de 2005

(data-fixa) - por 449 colunas – com dados sobre o município de residência em 31 de julho

de 2010 (data de referência). A matriz migratória foi gerada para os anos de 1991, 2000 e

2010.

Através da manipulação dos dados das matrizes foi possível obter o número de

emigrantes - aqueles que residiam no município na data-fixa e na data de referência residiam

em município diferente. As informações sobre os imigrantes são oriundas diretamente do

IBGE, no quesito “não residiam no município na data-fixa”, ou seja, contabilizam aqueles que

fixaram residência no município desde a data-fixa.

Para cada recorte temporal foram organizados dados geográficos, contendo o

recobrimento territorial, em km² e em %, referente às Áreas Protegidas em cada município,

separados por tipos (Proteção Integral, Uso Sustentável e Terra Indígena). Juntamente foram

organizados os dados relacionados à migração: entradas (pessoas que se instalaram no

município durante o período); saídas (aqueles que residiam neste município na data-fixa

anterior e não na data de referência); saldo (resultado da diferença entre entradas e saídas,

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68

indicando se mais pessoas imigraram ou emigraram); e fluxo (resultado da soma de entradas

e saídas, apontando a dimensão da movimentação populacional do município).

Com base nessas informações, foram calculadas as seguintes taxas migratórias (com

as respectivas definições de acordo com o IBGE): Taxa Bruta de Imigração (quociente entre

número de entradas e a média da população no período); Taxa Bruta de Emigração

(quociente entre número de saídas e a média da população no período); Taxa Bruta de

Migração (quociente entre o fluxo e a média da população no período); e Taxa Líquida de

Migração (quociente entre saldo migratório e a média da população no período).

Já para o tratamento de dados na microescala, primeiramente deve-se considerar

que o tempo hábil de uma pesquisa de dissertação não comportaria jornadas de campo (por

se tratar de locais distantes e de difícil acesso), portanto, entende-se que a melhor forma de

abordar a temática da mobilidade observada in loco é através das análises oriundas de estudos

técnicos de alta qualidade/confiabilidade que foram realizadas em escala 1:1.

Sabe-se que cada categoria de Unidade de Conservação apresenta diferentes regras

de uso do solo. Portanto, em uma análise qualitativa, indaga-se sobre a existência de formas

distintas de mobilidade dentro dessas UC. Por isso, foram escolhidos três tipos diferentes de

Unidades em três diferentes tipos de estudos, a saber: relatório técnico do Instituto Mamirauá

denominado “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá”;

tese de doutorado desenvolvida na Unicamp intitulada “Distribuição e mobilidade espacial

da população em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia brasileira: o

caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná”; e o estudo diagnóstico da Fundação Vitória

Amazônica chamado “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do Jaú”.

O próximo capítulo, de resultados, traz o resgate bibliográfico desses estudos,

enfatizando as conclusões obtidas pelos pesquisadores no que tange à mobilidade

populacional das comunidades presentes dentro, e no entorno, dessas Unidades de

Conservação.

Aqui, cabe a explicação sobre a questão da inclusão das Terras Indígenas quando

da elaboração do banco de dados territorial; optou-se por não trabalhar somente com as

Unidades de Conservação por haver o entendimento de que grande proporção de território é

ocupado por TI e, portanto, existem efeitos na ocupação do solo da região Norte. Porém,

trata-se de populações cujas dinâmicas carecem de estudos específicos e que não seriam

contempladas de maneira justa e coerente no escopo da pesquisa qualitativa aqui

apresentada.

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69

Por fim, compreendendo algumas questões associadas a métodos específicos das

disciplinas abordadas, tem-se que o tratamento de um fenômeno multidimensional como a

mobilidade demanda uma metodologia que ultrapasse as barreiras disciplinares, visando o

aproveitamento dos préstimos de cada método, e que a leitura multiescalar deve procurar

superar a dicotomia de recortes escalares.

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70

2 ESCALAS DA MOBILIDADE: RESULTADOS

Consideradas a mobilidade, a multilocalidade e a multiescalaridade como conceitos

interdisciplinares, faz-se importante expor, da forma mais prática, resultados sobre o

fenômeno da mobilidade populacional relacionada às Áreas Protegidas dos sete estados do

Norte do Brasil.

Primeiramente são apresentados os resultados da análise quantitativa, feita a partir

de um banco de dados elaborado especialmente para a presente pesquisa. Em um segundo

recorte, são trazidos, em forma de revisão bibliográfica, os resultados de uma análise

qualitativa, obtidos através de estudos de caso realizados em diferentes UC da região Norte.

Após operações dos dados territoriais e populacionais, conforme explicado no

capítulo anterior, tem-se primeiramente ciência da grande concentração de Áreas Protegidas

na região Norte do Brasil, ao se considerar o contexto nacional, confirmando a relevância da

região para pesquisas envolvendo a temática das Áreas Protegidas.

Uma primeira apreensão dos dados indica que de um total de 434 Terras Indígenas

Tradicionalmente Ocupadas em situação regularizada no Brasil, 250 (58%) se encontram na

região Norte. Do total de 1.436 Unidades de Conservação homologadas no país, 264 (18%)

também estão na região Norte, sendo 69 de Proteção Integral e 195 de Uso Sustentável.

Além de concentrar grande parte das AP nacionais, o território da região Norte é

bastante recoberto por essas Áreas. Do total de 449 municípios existentes na região, 266

contam com ao menos uma Área Protegida em seu território, o que corresponde a 59% do

total de municípios. Considerando todo o território da região Norte do Brasil, que totaliza

3.916.918 km², aproximadamente 51%, ou 1.997.695 km², estão recobertos por Áreas

Protegidas, já desconsiderando as situações de sobreposição de AP.

O fato de que grande parte do território da região Norte está recoberto pela

existência de Áreas Protegidas implica que grande parte da região está subordinada a normas

específicas de uso e ocupação do solo – incluindo as regras de ocupação humana. A dimensão

dessa cobertura pode ser melhor visualizada na Figura 4, com um mapa com todos os

municípios da região Norte e os três tipos de Áreas Protegidas já descritas.

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Figura 4 – Mapa de municípios e recobrimento por tipos de AP, na região Norte do Brasil.

Fonte: bases de dados do ICMBio, FUNAI, IBGE - mapa elaborado pela autora.

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Considerando as Unidades de Conservação localizadas na região Norte, tem-se que,

do total das UC de Proteção Integral, existem 15 Estações Ecológicas, 2 Monumentos

Naturais, 39 Parques, 1 Refúgio de Vida Silvestre e 12 Reservas Biológicas. Faz-se

importante destacar que do total de 69 UC de Proteção Integral, apenas 3 permitem a

permanência de pessoas habitando dentro de seus limites.

Dentre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável da região Norte, existem 34

Áreas de Proteção Ambiental, 6 Áreas de Relevante Interesse Ecológico, 54 Florestas, 20

Reservas de Desenvolvimento Sustentável, 68 Reservas Extrativistas e 13 Reservas

Particulares de Patrimônio Natural. Do total de 195 UC de Uso Sustentável, 141 podem ter

residentes fixos dentro de sua área.

A primeira série de resultados quantitativos da presente pesquisa veio da associação

dos dados territoriais com os dados populacionais de saldo migratório do Censo 2010. A fim

de atrelar os dados populacionais aos geográficos, foram levantas todas as Áreas Protegidas

e todos os municípios incluídos nos perímetros das AP, organizadas em tabela com o tipo,

categoria, ano de criação e área total da Área Protegida.

Devido à grande quantidade de Áreas Protegidas, muitos municípios contam com

mais de uma AP em seu território, havendo municípios que contam com 24 AP - caso de

Lábrea, no estado do Amazonas. Do total de municípios que possuem AP em seu território,

72 contam somente com AP de Uso Sustentável, 56 têm os três tipos em seu território, 54

têm apenas Terras Indígenas, 37 contam com TI e UC de Uso Sustentável, 27 possuem UC

de Proteção Integral e de Uso Sustentável, 13 contam com TI e UC de Proteção Integral e 7

contêm apenas AP de UC de Proteção Integral (Figura 5).

Figura 5 - Gráfico de quantidade de municípios por tipos de AP, na região Norte do Brasil.

Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

72

56 54

3727

137

01020304050607080

Quantidade de municípios por tipos de AP

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73

A geração destas tabelas com informações territoriais só foi possível por meio de

técnicas de geoprocessamento, descritas resumidamente no tópico de tratamento de dados,

através do software ArcGIS®. Desta forma, considerando a cobertura da terra da região Norte

tomada por Áreas Protegidas, foi gerada uma tabela que contém a informação da porcentagem

do território de cada município que é recoberto por AP.

Assim, tem-se que 102 municípios têm mais de 50% do seu território ocupado por

Áreas Protegidas. A partir das porcentagens de território municipal recoberto por AP, foram

determinadas 10 classes de acordo com a cobertura - a quantidade de municípios pertencente

a cada classe está apresentada na Figura 6.

Figura 6 - Gráfico de quantidade de municípios por porcentagem de território coberto por AP, na

região Norte do Brasil.

Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

2.1 Análises quantitativas entre variáveis territoriais e populacionais

O passo seguinte foi unir esta informação territorial de porcentagem de área do

município recoberta por Áreas Protegidas com a informação de saldo migratório por

município, buscando a existência de relações entre as variáveis. Para averiguar se existe tal

relação foi utilizada a fórmula de correlação de Pearson, já que se trata de um indicador que

apresenta (ou pode apresentar) a magnitude de correlação entre duas variáveis. O coeficiente

varia de -1 até 1, e indica que quanto menor o valor, maior a correlação negativa, ou seja, as

variáveis são inversamente proporcionais; quanto maior o coeficiente, maior a correlação

positiva, portanto as variáveis são diretamente proporcionais.

17 1720

23 25 2328

33

27

53

0

10

20

30

40

50

60

Quantidade de municípios por % de território coberto por AP

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Para o desenvolvimento desta pesquisa, primeiramente se considerava que a relação

entre dados de migração de um município e a cobertura territorial ocupada por Área Protegida

era linear e dicotômica, ou seja, era “simplesmente” um município possuir maior

porcentagem de área tomada por AP que menor seria seu saldo migratório. No caso da análise

tendo por base os valores da correlação de Pearson, poderia se esperar como resultado um

valor mais próximo a -1, uma vez que (supondo-se) quanto maior a porcentagem de território

recoberta por AP menor o saldo migratório. Porém ao ser feito o cálculo entre as variáveis

citadas, obteve-se um coeficiente de 0,01386 – o que indica correlação levemente positiva,

quase nula; ou seja, a relação entre tais variáveis é fraca e pouco significativa.

No entanto, é importante colocar que o fato do coeficiente de Pearson ser fraco

não quer dizer que não existe uma relação, mas que não existe uma relação linear, ou

seja, as variáveis não estão necessariamente se comportando na mesma direção e a uma taxa

constante. Em um recorte temporal específico, explanado no decorrer deste tópico, também

foram calculados alguns resultados sob a correlação de Spearman, que apresenta relações não

lineares. Já se adianta que os resultados indicam que a relação entre dados de migração e

dados de cobertura municipal tomada por AP apontam para nãolinearidade, ou seja, as

correlações se mostraram um pouco mais fortes em Spearman, mas na sequência serão

apresentados todos os dados obtidos na sequência de desenvolvimento da pesquisa.

Os primeiros cálculos foram no sentido de obter a correlação resultante da

associação entre as variáveis saldo migratório e porcentagem de território recoberta por AP,

que pode ser observada no gráfico apresentado na Figura 7.

Figura 7 - Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por AP entre

os municípios do Norte do Brasil.

Fonte: ICMBio, FUNAI, IBGE - elaborado pela autora.

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75

Foram feitos outros testes com os dados, em busca de algum indicativo no sentido

oposto, selecionando apenas os municípios que contam com Unidades de Conservação de Uso

Sustentável – com menores restrições de uso do solo. Neste caso, o coeficiente de correlação

foi de 0,001277, ou seja, correlação ainda mais fraca que no exemplo anterior (Figura 8).

Figura 8- Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por UC de

Uso Sustentável entre os municípios do Norte do Brasil.

Fonte: ICMBio, FUNAI, IBGE - elaborado pela autora.

Em um recorte considerando apenas os municípios que têm Reservas Extrativistas

em seu território, o resultado é de um coeficiente de -0,094583, indicando uma leve tendência

para a correlação negativa, porém ainda muito fraca e pouco significativa.

Relembrando alguns dos resultados já colocados, se mais da metade dos municípios

da região Norte do Brasil possuem grande parte de seus territórios tomados por áreas que

implicam em rigorosas restrições de uso e ocupação do solo, parece pouco provável que se

tratem de variáveis independentes, porém entende-se que a relação entre os dados de

migração e de área municipal ocupada por AP não são representativos de forma linear. Como

colocado por Rogerson (2010, p. 184), “uma correlação igual a zero não significa

necessariamente que x e y não estão relacionados, simplesmente significa que eles não estão

relacionados de forma linear”.

Desta forma, ao representar os dados graficamente, como nas Figuras 7 e 8, percebe-

se a dispersão das variáveis aleatoriamente, quando, sob uma relação linear se esperaria que

os pontos estivessem situados precisamente ao longo de uma linha reta. Uma das maneiras

de melhor trabalhar com essas variáveis é através da supressão dos dados discrepantes. Outra

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76

maneira é ajustando o tamanho da amostra, já que gera influência nos resultados, uma vez

que em amostras grandes o valor de correlação tende a se aproximar de zero. “Quando o

pesquisador está trabalhando com grandes conjuntos de dados, um valor relativamente baixo

de correlação não deve ser tão decepcionante quanto o mesmo valor para uma amostra de

tamanho menor” (ROGERSON, 2010, p. 190).

Portanto, na busca de aprofundar a análise quantitativa e compreender possíveis

limitações do método, foram feitos recortes temporais, visando diminuir o tamanho das

amostras com dados que pudessem ser padronizados em períodos diferentes e de acordo com

o período de criação das Áreas Protegidas. Assim, foi gerada uma nova tabela5 com dados

populacionais, separando os dados territoriais e populacionais em três diferentes recortes

temporais: 1986 a 1991, 1995 a 2000 e 2005 a 2010. A escolha destes recortes se deu ao fato

de tratar-se dos dados dos últimos três Censos Demográficos, realizados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, durante o período entre a data-fixa e a data de referência,

ou seja, período em que é melhor captável quantitativamente os deslocamentos de município

de residência.

a) 1986 a 1991

Neste período a região Norte do Brasil teve a criação de 129 Áreas Protegidas,

ocupando parcialmente territórios de 108 municípios. Em 1989 houve um pico no número de

AP criadas, indo de 17 em 1988 para 65 em 1989, conforme mostrado na Figura 9.

5 A organização de dados e geração de resultados desta etapa foi realizada em parceria com o

discente do Doutorado em Demografia da Unicamp, M.Sc. Pier Francesco De Maria.

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77

Figura 9 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991.

Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Foi então gerada uma tabela (Tabela 2) contendo dados de fluxo, saldo, entradas e

saídas de pessoas e as taxas de imigração, emigração e migração bruta e líquida – a descrição

das variáveis consta no tópico sobre método -, agrupados de acordo com a situação do

município, categorizados em: a) tem/não tem Unidade de Conservação de Proteção Integral;

b) tem/não tem Terra Indígena; c) tem/não tem Unidade de Conservação de Uso Sustentável;

d) tem/não tem Áreas Protegidas.

Analisando os dados obtidos para o período entre 1986 e 1991 tem-se que o maior

fluxo e saldo migratório aconteceu nos municípios com UC de Proteção Integral e a maior

taxa bruta de emigração e taxa líquida de migração nos municípios com Terra Indígena.

Assim, pode-se supor que as maiores correntes migratórias e maiores números de saída de

população estão associados às Áreas Protegidas que contam com normas mais restritivas de

ocupação e uso do território.

0

10

20

30

40

50

60

70

1986 1987 1988 1989 1990 1991

Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991

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Tabela 2 – Tabela com valores médios6 das variáveis populacionais por situação de presença por

tipo de AP, entre 1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil.

Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

Teve PI 13.371,9 3.093,2 8.2432,6 5.139,4 161,3 110,6 271,8 50,7

Não teve PI 6.531,7 460,1 3.495,9 3.035,8 118,1 103,2 221,3 14,9

Teve TI 12.306,2 2.003,3 7.154,8 5.151,5 201,4 120,1 321,4 81,3

Não teve TI 6.009,9 374,7 3.192,3 2.817,6 106,8 100,8 207,6 6,0

Teve US 5.654,5 965,2 3.309,8 2.344,6 80,4 71,2 151,7 9,3

Não teve US 7.289,0 509,8 3.899,4 3.389,6 132,0 112,9 245,0 19,2

Teve AP 7.285,6 1.160,7 4.223,2 3.062,5 125,2 91,4 216,6 33,8

Não teve AP 6.720,2 300,3 3.510,3 3.209,9 117,9 110,5 228,4 7,4

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Na Tabela 3 estão apresentadas os valores de correlação de Pearson entre as

variáveis, com a ocorrência de maior correlação entre a taxa bruta de migração e área absoluta

recoberta por Terra Indígena, indicando que nos municípios com maiores áreas, em km², de

Terras Indígenas existem maiores fluxos de migração relativos à média populacional. Já a

menor correlação é entre a taxa bruta de imigração e a área absoluta recoberta por Unidade de

Conservação de Uso Sustentável, indicando que nos municípios onde há maior cobertura de

área por UC de Uso Sustentável há menor número de entradas de pessoas relativos à média da

população.

O resultado geral concentrando valores absolutos de área recoberta por Áreas

Protegidas indica correlações baixas, com a menor correlação entre a taxa líquida de

migração, ou seja, quanto mais área coberta por AP menor o saldo migratório relacionado à

média populacional. O resultado apresentado concentrando os valores proporcionais de área

6 Os valores de fluxo, saldo, entradas e saídas se referem às médias entre os municípios conforme a

presença ou não de cada categoria de AP; os valores das taxas de imigração, emigração e migração bruta e líquida

também se referem às médias das taxas apresentadas nos municípios.

Relembrando o que os dados representam: entradas (pessoas que se instalaram no município durante

o período); saídas (aqueles que residiam neste município na data-fixa anterior e não na data de referência); saldo

(resultado da diferença entre entradas e saídas, indicando se mais pessoas imigraram ou emigraram); fluxo

(resultado da soma de entradas e saídas, apontando a dimensão da movimentação populacional do município);

Taxa Bruta de Imigração (quociente entre número de entradas e a média da população no período); Taxa Bruta de

Emigração (quociente entre número de saídas e a média da população no período); Taxa Bruta de Migração

(quociente entre o fluxo e a média da população no período); e Taxa Líquida de Migração (quociente entre saldo

migratório e a média da população no período).

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municipal coberta pelas Áreas Protegidas indica maior correlação com a taxa bruta de

emigração, portanto quanto maior a porcentagem municipal coberta por AP maior o número

de saída relativo à média da população. Apesar de apresentar números um pouco mais

representativos concernentes às relações entre as variáveis do período de 1986 a 1991, a

maioria dos valores indica correlações fracas, corroborando com o resultado obtido na etapa

anterior da pesquisa quantitativa.

Tabela 3 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 1986

e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil.

Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

PI (km²) 0,037 -0,045 0,015 0,065 0,021 0,173 0,079 -0,064

PI (% mun.) 0,007 -0,117 -0,030 0,063 0,009 0,293 0,112 -0,139

TI (km²) 0,153 0,153 0,167 0,114 0,378 0,218 0,376 0,311

TI (% mun.) -0,044 -0,013 -0,038 -0,047 0,070 0,075 0,082 0,040

US (km²) -0,128 -0,185 -0,157 -0,069 -0,294 -0,107 -0,270 -0,274

US (% mun.) -0,214 -0,215 -0,233 -0,159 -0,334 -0,126 -0,309 -0,310

Total (km²) 0,060 -0,002 0,047 0,073 0,138 0,171 0,170 0,068

Total (% mun.) -0,163 -0,181 -0,183 -0,113 -0,151 0,036 -0,106 -0,187

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

b) 1995 a 2000

Durante o período de 1995 a 2000 a região Norte do Brasil contou com a criação de

307 Áreas Protegidas, que englobavam partes do território de 140 municípios. Pode-se

perceber no gráfico apresentado na Figura 10 que neste período diversas AP foram criadas

na região a cada ano, com destaque para os anos de 1995, que teve 67 Áreas Protegidas

criadas, e 70 em 1999, representando a propagação da importância em instituir tais áreas nessa

região do Brasil.

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Figura 10 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000.

Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Os dados apresentados na Tabela 4 indicam maior fluxo e saldo migratório nos

municípios com UC de Proteção Integral, que também apresentam maior taxa bruta de

emigração e taxa líquida de migração. Da mesma forma como observado no período anterior,

tem-se que os maiores fluxos migratórios ocorrem nos municípios que contam com Unidades

de Conservação cuja categoria de uso de recursos e ocupação conta com normas mais

restritivas.

Tabela 4 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por tipo

de AP, entre 1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil.

Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

Teve PI 18.022,6 4.953,9 11.488,3 6.534,3 177,9 109,8 287,7 68,0

Não teve PI 5.432,8 201,9 2.817,3 2.615,5 135,5 102,2 237,7 33,3

Teve TI 5.172,3 438,5 2.805,4 2.366,9 110,8 78,8 189,6 32,0

Não teve TI 5.896,8 305,5 3.101,1 2.795,6 142,1 107,5 249,6 34,7

Teve US 12.705,4 594,2 6.649,8 6.055,6 163,6 104,2 267,8 59,4

Não teve US 4.196,3 268,7 2.232,5 1.963,8 130,5 102,0 232,5 28,5

Teve AP 9.092,0 479,8 4.785,9 4.306,1 135,2 92,5 227,8 42,7

Não teve AP 4.263,9 260,5 2.262,2 2.001,7 137,2 106,9 244,1 30,3

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

1995 1996 1997 1998 1999 2000

Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000

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Considerando os valores de correlação de Pearson entre as variáveis, tem-se a

indicação de relações mais fortes entre o número de entradas e área proporcional de município

recoberto por Unidade de Conservação de Proteção Integral, apontando que quanto maior a

porcentagem do município com UC de Proteção Integral, maior o número de pessoas

entrando - o que não pode ser considerado uma suposição razoável, uma vez que não parece

coerente que um município que conta com grande parte do território regido sob normas

rígidas atraia mais imigrantes. A menor correlação é obtida entre a taxa bruta de emigração e

a área relativa recoberta por Terra Indígena, indicando que nos municípios onde há maior

porcentagem de território com Terra Indígena há menor número de saídas de pessoas relativos

à média da população - suposição que também não parece muito coerente.

Os valores de correlação referentes ao total de municípios que contam com alguma

AP indicam para maior correlação com a taxa bruta de migração, ou seja, quanto maior a

proporção de território municipal recoberto por alguma Área Protegida maior o fluxo de

migrantes relativos à média populacional. A menor correlação foi observada com a taxa bruta

de emigração, portanto quanto maior a porcentagem municipal coberta por AP menor o

número de saída relativo à média da população. Assim como os resultados de correlação

obtidos para o período de 1986 a 1991, trata-se de valores pouco consistentes para ser possível

afirmar com segurança que tais variáveis de fato contam com uma correlação captável através

dos dados de Censo.

Tabela 5 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 1995

e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil.

Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

PI (km²) 0,113 0,135 0,150 0,064 0,055 -0,020 0,041 0,061

PI (% mun.) 0,256 0,255 0,324 0,162 -0,005 0,028 0,006 -0,017

TI (km²) -0,040 -0,010 -0,042 -0,035 -0,081 -0,102 -0,110 -0,036

TI (% mun.) -0,109 -0,017 -0,110 -0,098 -0,087 -0,135 -0,127 -0,028

US (km²) 0,106 0,041 0,114 0,087 -0,021 0,025 -0,009 -0,030

US (% mun.) 0,049 0,129 0,087 0,006 0,316 0,186 0,348 0,228

Total (km²) -0,006 0,009 -0,003 -0,008 -0,080 -0,094 -0,106 -0,038

Total (% mun.) -0,004 0,126 0,036 -0,043 0,218 0,076 0,221 0,179

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

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c) 2005 a 2010

Considerando o período entre 2005 e 2010, referente ao último Censo realizado no

Brasil, tem-se a criação de 297 Áreas Protegidas, com destaque para o ano de 2006, conforme

representado na Figura 11, que contou com 106 AP criadas, recobrindo parcialmente

territórios de 134 municípios da região Norte brasileira.

Figura 11 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010.

Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Os valores absolutos de migração para os municípios que tem Áreas Protegidas em

seu território apontam maior fluxo e saldo naqueles em que há Unidade de Conservação de

Proteção Integral e maior taxa líquida de migração naqueles que contam com algum tipo de

AP, indicando que as maiores correntes migratórias e maiores números de saída de população

estão associados às Áreas Protegidas que contam com normas mais restritivas de ocupação e

uso do território.

0

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40

60

80

100

120

2005 2006 2007 2008 2009 2010

Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010

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Tabela 6 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por tipo

de AP, entre 2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil.

Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

Teve PI 10.902,8 1.772,1 6.337,4 4.565,4 88,3 83,1 171,4 5,2

Não teve PI 5.141,4 164,3 2.652,8 2.488,5 104,1 97,7 201,7 6,4

Teve TI 4.394,7 87,4 2.241,0 2.153,6 82,4 72,6 154,9 9,8

Não teve TI 5.706,3 299,3 3.002,8 2.703,5 106,6 100,9 207,5 5,7

Teve US 6.925,3 217,8 3.571,5 3.353,8 71,8 68,3 140,1 3,5

Não teve US 5.188,6 279,7 2.734,2 2.454,4 110,2 103,3 213,5 6,9

Teve AP 7.171,2 806,1 3.988,7 3.182,5 83,9 70,7 154,6 13,1

Não teve AP 4.808,3 39,3 2.423,8 2.384,5 111,2 107,8 219,0 3,4

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Os valores de correlação obtidos entre as variáveis indicam relação mais forte entre

a taxa bruta de emigração e área absoluta de município recoberto por Unidade de

Conservação de Proteção Integral apontando que quanto maior a área de município com UC

de Proteção Integral, maior o número de pessoas emigrando relativamente à população total.

O menor valor de correlação é obtido entre o saldo migratório e o total de municípios com

área absoluta recoberta por algum tipo de Área Protegida, ou seja, quanto mais área tomada

por AP, menor o saldo migratório – resultado que indica uma aproximação à hipótese

primária da presente pesquisa.

Considerando o total de municípios que tem alguma Área Protegida em seu

território, a maior correlação é com a taxa bruta de emigração, ou seja, quanto maior a área

de território municipal recoberta por AP maior o número de emigrantes relativos à média

populacional, indicando novamente um resultado coerente à hipótese da pesquisa. Porém,

mesmo com resultados que possam indicar correntes migratórias relacionadas às Áreas

Protegidas, entende- se que ainda se trata de valores muito próximos à nulidade, em todos os

períodos considerados, não sendo possível atestar que de fato são fenômenos relacionados,

tendo por base somente os dados do Censo.

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Tabela 7 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 2005

e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil.

Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM

PI (km²) 0,044 -0,124 0,006 0,105 -0,021 0,188 0,070 -0,149

PI (% mun.) 0,040 -0,041 0,023 0,068 0,039 0,145 0,094 -0,056

TI (km²) -0,086 -0,109 -0,094 -0,070 -0,119 -0,049 -0,108 -0,095

TI (% mun.) -0,122 -0,077 -0,115 -0,129 -0,054 -0,043 -0,058 -0,029

US (km²) -0,016 -0,146 -0,047 0,035 -0,025 0,164 0,056 -0,138

US (% mun.) -0,090 -0,135 -0,103 -0,065 -0,011 0,001 -0,007 -0,012

Total (km²) -0,022 -0,158 -0,055 0,032 -0,064 0,133 0,014 -0,159

Total (% mun.) -0,143 -0,154 -0,150 -0,126 -0,040 0,006 -0,026 -0,047

Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.

Para o período de 2005 a 2010 ainda é possível apresentar outras análises, em uma

nova tentativa de extrair resultados mais consistentes dos dados quantitativos, a partir de

tabelas e gráficos gerados pelo Prof. Dr. Álvaro de Oliveira D’Antona com o banco de dados

da presente pesquisa. Com o mesmo conjunto de dados, foi calculado também o índice de

correlação de Spearman, que apresenta relações monotônicas, ou seja, cuja relação não é

necessariamente linear como em Pearson, através do software JASP.

Ao considerar a totalidade de municípios da região Norte do Brasil obteve-se ainda

valores de correlações fracos, porém um pouco mais significativas em Spearman do que ao

utilizar Pearson. Quando são selecionados somente os municípios que contêm Áreas

Protegidas, as correlações são ainda mais fracas, indicando que há diferença entre os

municípios com e sem AP, porém ainda pouco significativo.

Trabalhando com o grupo de municípios que tem AP e calculando os índices de

correlação de acordo com a categoria de AP, foram obtidos valores mais representativos de

relação entre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável e as taxas brutas de imigração,

emigração e migração, podendo indicar que de fato há uma movimentação de residentes fixos

nesses municípios. Foi também identificado que, ao selecionar grupos de municípios de

acordo com sua população total – com menos de 10 mil habitantes, entre 10 e 50 mil e assim

por diante –, o comportamento das relações não-lineares se distingue bastante, podendo

indicar que municípios grandes e pequenos, em número de habitantes, têm suas dinâmicas

populacionais mais ou menos afetadas pela presença de Áreas Protegidas em seu território.

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Uma nova geração de índices foi feita tendo selecionado o grupo de municípios com

menos de 50 mil habitantes e que tem mais de 1% de seu território coberto por AP. Neste

caso, apresentou-se valores de correlação mais fortes, especialmente relacionados às UC de

Uso Sustentável e as taxas brutas de imigração, emigração e migração.

De forma geral, obteve-se, então, que a análise quantitativa apresentou dados pouco

representativos de relações lineares, indicando que as variáveis migração e território

municipal recoberto por AP não se comportam na mesma direção e a uma taxa constante.

Visando reduzir o tamanho das amostras, buscando encontrar coeficientes de correlações

mais fortes, a estratégia dos recortes temporais resultou em correlações ainda fracas, porém

um pouco mais representativas. Resumidamente, percebe-se que, em dois dos três períodos

considerados, a correlação linear é mais representativa entre os municípios com maior

recobrimento por Áreas Protegidas e a taxa bruta de emigração, indicando uma aproximação

à hipótese inicial da pesquisa.

Ao se utilizar do coeficiente de Spearman, obteve-se resultados de correlação mais

fortes, indicando que há diferença de comportamento da migração em municípios que têm ou

não têm Área Protegida em seu território. A partir dessas análises entende-se que a relação

entre as variáveis se apresenta mais forte quando não é considerada a uma taxa constante –

nãolinear e que a parte da pesquisa quantitativa aqui apresentada tem resultados muito

interessantes, apesar de serem pouco consistentes ou pouco confiáveis, no sentido de

estabelecer afirmações sobre a realidade local baseadas somente nos dados quantitativos.

Isso não quer dizer, de forma alguma, que análises quantitativas são pouco

confiáveis, inclusive sabe-se que existiriam infinitas possibilidades de recortes e

manipulações do extenso banco de dados elaborado para esta pesquisa, resultando em

diversos produtos muito promissores e fascinantes. Porém, se o estudo da mobilidade

demanda a compreensão de aspectos inerentes a este fenômeno multidimensional, entende-

se que, por mais que as análises quantitativas apresentassem resultados de correlações fortes

entre as variáveis, não seriam suficientes para contemplar o entendimento de distintos fatores

associados a esses deslocamentos, já que se tratam de circulações cheias de significados

(CRESSWELL, 2006).

Além disso, supõe-se que existem redes de deslocamento que não seriam captados

pelos bancos de dados utilizados aqui, que, por questões de compatibilização das análises,

demanda a utilização dos limites municipais como recortes espaciais. Portanto, para além das

fronteiras e através das redes da escala, encaminha-se o tratamento do fenômeno para a

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abordagem multiescalar que, por abordar uma área geográfica de estudo bastante dinâmica e

peculiar, entende-se que a pesquisa teria muito mais ganhos ao se utilizar da associação das

análises quantitativas, já apresentadas, e qualitativas, feitas com dados obtidos in loco,

especificadas a seguir.

2.2 Análises qualitativas de estudos de caso

A abordagem qualitativa tem muitos aspectos positivos a contribuir em uma

pesquisa, especialmente uma pesquisa social, como já citado. Corroborando com os preceitos

de alguns dos conceitos basilares aqui apresentados - como a mobilidade, a multilocalidade

e a multiescalaridade – busca-se, ao trazer a análise qualitativa para a pesquisa, além da

quantitativa, agregar os pontos positivos desta abordagem e não eleger qual é mais benéfico

ou valioso para trabalhar a hipótese, uma vez que o ganho está justamente em unir recortes

distintos.

Considerando o tempo de desenvolvimento de uma dissertação de mestrado cujo

recorte geográfico é amplo e de difícil acesso, foram analisadas diversas possibilidades de

realização de campanhas de campo para coleta de dados primários e de outras alternativas

que pudessem proporcionar uma base de dados confiável para a pesquisa. Por fim, o caminho

escolhido foi de utilizar dados obtidos diretamente nas UC no contexto de pesquisas

sociodemográficas de qualidade desenvolvidas por pessoas e órgãos de alta credibilidade.

Por isso, foram selecionados três estudos que contemplam três diferentes categorias

de UC, com distintas regulamentações quanto à residência de pessoas, utilização de recursos

naturais e atividades econômicas permitidas, visando promover um panorama mais amplo

sobre as formas em que tais regulamentações afetam (ou não) a mobilidade populacional

associada a tais Áreas Protegidas. Assim, apresenta-se uma tese de doutorado desenvolvida

na Reserva Extrativista Auati-Paraná, um estudo sociodemográfico na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e um estudo de biodiversidade no Parque Nacional

do Jaú.

Para se compreender as condições em que as pesquisas foram desenvolvidas,

relacionados aos métodos utilizados e aos contextos que motivaram/moveram tais estudos,

primeiramente são apresentados, por tópicos, um resgate bibliográfico contemplando o

método e os resultados de cada pesquisa. A análise e discussão dos resultados obtidos são

apresentadas no capítulo 3, que engloba os resultados da presente pesquisa.

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2.2.1 Tese de doutorado “Distribuição e mobilidade espacial da população

em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia

brasileira: o caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná”

Em 2017 a discente Heloísa Corrêa Pereira concluiu sua tese no Programa de

Doutorado em Demografia da Unicamp, investigando processos de mobilidade populacional

dos habitantes da Reserva Extrativista Auati-Paraná. Esta UC foi criada em 2001 e localiza-

se na região do Médio Solimões, abrangendo os municípios de Fonte Boa, Japurá e Maraã,

no estado do Amazonas, ocupando uma área de aproximadamente 147 hectares. Os objetivos

colocados pela pesquisadora são bastante similares aos da presente pesquisa, porém a

investigação dela esteve focada em uma única Unidade de Conservação, com a realização de

campanhas de campo e aplicação de questionários e entrevistas.

O principal acesso a RESEX se dá pelo município de Fonte Boa, sendo possível

apenas através de vias fluviais – em lancha expressa dispende-se aproximadamente 12 horas

desde Manaus. Para acessar as comunidades do interior da UC são necessárias mais 5 horas

de lancha a motor (40hp), desde a sede de Fonte Boa até a última comunidade da RESEX.

Este último trecho pode demorar até 12 horas quando feito por meio de barco a motor (15hp),

sendo de menor custo e, portanto, mais utilizado pelos residentes.

A ocupação desta área se deu por migrantes, oriundos principalmente da região

Nordeste, atraídos durante o ciclo da borracha visando a extração de látex, além das famílias

indígenas que já habitavam outros locais das proximidades. Com forte atuação e influência

de missionários religiosos, os habitantes começaram a se organizar em localidades, com a

construção de igreja, campo de futebol, barracão comunitário e um pequeno porto.

Devido a esta formação socioespacial, atualmente existem 17 comunidades na

RESEX Auati-Paraná. Quanto ao número de habitantes, a pesquisadora levantou a população

através de métodos de desagregação de dados do Censo 2010, resultando em 1.165

moradores; porém, ao analisar os dados cadastrais do ICMBio obteve o número de 1.375

moradores, ou seja, uma diferença de 210 pessoas – o que aponta para a parca eficácia em se

utilizar somente dados de Censo, de macroescala, para tratar de problemas relacionados às

Áreas Protegidas.

O resultado das análises, tendo por base o Censo 2010, aponta para uma composição

populacional de 54% homens, com idade média de 37 anos, e 46% mulheres, com idade média

de 31 anos. As unidades domésticas são, em sua maioria, do tipo nuclear (casal com filhos),

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correspondendo a 69% do total, enquanto as do tipo estendida (composta por pais, filhos

casados, netos) engloba 25% das unidades domésticas.

As atividades econômicas desenvolvidas pelos residentes estão associadas

principalmente à pesca, à coleta de castanhas e à produção de farinha, o que implica em

rendimentos inconstantes devido à sazonalidade das produções e regras de manejo pesqueiro.

A ocupação formal mais comum é a de funcionário público - que engloba as funções de agente

de saúde, professor, monitor escolar, entre outros - com 46% dos que possuem ocupação,

sendo as vagas disponibilizadas pelas prefeituras de Fonte Boa e Japurá.

Desde a década de 1990 os regatões - embarcações comerciais que passam nas

comunidades vendendo e trocando mercadorias - têm se tornado cada vez menos presentes e

frequentes, alterando a mobilidade periódica dos residentes da RESEX, que, para comprar

produtos básicos como sal e açúcar e para escoar suas produções agrícolas, têm de se deslocar

com mais frequência até os centros urbanos.

Uma das maiores peculiaridades das populações residentes em Áreas Protegidas na

Amazônia está na forma de organização conforme o ambiente em que se localizam; a maioria

das comunidades, 53%, está localizada em área de várzea, implicando que as famílias devem

estar sempre preparadas para a possibilidade de mudança de residência, uma vez que a

dimensão das cheias é sempre imprevisível, podendo tomar as margens e fazendo com que

as famílias tenham de se mudar para outra comunidade ou para os centros urbanos, recriando

grande parte do seu espaço de vida, temporária ou permanentemente.

Um importante componente das comunidades existentes nas beiras de rios da

Amazônia, e que acaba por ser determinante em processos de mobilidades, é a presença de

escolas. Essa dinâmica é muito bem descrita por Pereira (2017, p. 87), ao apontar o índice

demográfico de taxa de distorção idade-série, que indica a proporção de alunos com mais de

dois anos de atraso escolar. Nas escolas da RESEX obteve-se uma taxa de distorção idade-

série de 48% dos alunos matriculados, e em algumas comunidades esta taxa chega a 90%.

Assim, tem-se a indicação da situação de precariedade das escolas e da qualidade de ensino

oferecido nas comunidades.

A alta taxa de distorção idade-série ocorre, principalmente, porque em muitas

escolas não são oferecidas todas as séries do ensino regular e em apenas seis comunidades

são disponibilizadas aulas do Ensino Médio. Isso implica que os alunos em idade para

cumprir o Ensino Médio devem se deslocar até as escolas destas seis comunidades diariamente.

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Não existe transporte escolar, então cada família deve se organizar para realizar o

deslocamento dos alunos, que pode levar até uma hora de viagem de barco.

Não são todas as famílias que têm esta prática, pois algumas não permitem que os

filhos continuem a estudar, devido às dificuldades de acesso, enquanto outras se mudam para

os centros urbanos, para que os filhos tenham melhor acesso à educação. Porém uma prática

bastante comum é a de famílias que deixam seus filhos na casa de parentes, localizadas em

centros urbanos, durante o ano letivo, e que voltam para as comunidades nos períodos de férias.

Ou seja, trata-se de processos de mobilidade bastante comuns e que não são captados pelos

métodos essencialmente disciplinares.

A pesquisa de campo de Pereira foi desenvolvida em 2015 e teve como resultado a

existência de 1.345 pessoas, sendo 314 famílias e 271 domicílios. Comparando estes dados

com os de 2009, do cadastro do ICMBio, tem-se uma redução no número de habitantes e

aumento no número de domicílios (de 259 para 271) e de famílias (de 284 para 314). Segundo

a autora, a redução da população se deve à saída de moradores dessas comunidades, enquanto

o aumento do número de famílias é devido aos novos casais surgidos durante o período.

O aumento do número de domicílios é atribuído à execução do Plano Nacional de

Reforma Agrária (PNRA) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

por meio do qual as famílias podiam receber recursos financeiros sob a forma de concessão

de crédito aos beneficiários da Reforma Agrária, resultando na reforma e construção de casas

nas comunidades, além do investimento na qualificação das atividades econômicas já

desenvolvidas.

Os residentes aplicáveis ao recebimento deste benefício eram aqueles que residiam

dentro do perímetro da RESEX, o que implicou na vinda de pessoas que habitavam na margem

direita do rio Auati, fora dos limites da UC, para dentro da RESEX, com o intuito de receberem

tal benefício. Assim, novas famílias se instalaram em algumas comunidades da margem

esquerda do rio Auati, aumentando o número de habitantes dentro do perímetro da UC.

Uma das etapas da pesquisa de campo desenvolvida por Pereira contempla o

diagnóstico e análise das pessoas que entraram e saíram da área da RESEX desde a sua

instituição, em 2001. Assim, de 2001 a 2015, tem-se que 64 pessoas chegaram na RESEX,

enquanto 485 habitantes se mudaram para outros locais. Entre os emigrantes, observou-se

maior saída de famílias (73 famílias) do que de pessoas que migram sozinhas (32 no total).

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Os motivos mais citados7 para a saída da população são, em ordem decrescente:

busca por melhores serviços de educação, busca por melhores serviços de saúde, busca por

melhores oportunidades de emprego, motivos familiares, não adaptação às regras da RESEX

e busca por plantio na terra firme.

Segundo a pesquisadora, a família tem um importante papel na decisão de migrar,

já que muitas famílias se mudaram por já possuir uma casa em área urbana ou por ter parentes

que dão assistência na mudança. Quanto àqueles que decidiram por migrarem sozinhos,

normalmente trata-se de um filho jovem que migra para a cidade para estudar e passa a morar

na casa de algum parente.

Considerando as pessoas que se instalaram na RESEX, foi observado que se trata,

na maioria, de antigos moradores que estão retornando para as comunidades de origem ou

são pessoas que vão para trabalhar como professor nas escolas locais – que são considerados

moradores da RESEX mas não usufruem dos mesmos benefícios dos moradores nativos. De

acordo com Pereira (2017, p. 106),

[...] os moradores que retornam para as comunidades voltam por tomarem

conhecimento da melhoria na qualidade de vida na reserva, atribuída aos

benefícios concedidos aos moradores em termos de programas sociais,

conquistados após a criação da RESEX, como moradias do INCRA, água

encanada (apenas em duas comunidades) e a chegada do programa de mídias

digitais do governo do Amazonas, que oferece o Ensino Médio à distância.

Além desses, há os programas de manejo do pirarucu e madeireiro. Esse

quadro geral de melhorias, segundo os moradores, tem se tornado uma

motivação para as populações que haviam deixado a reserva retornarem para

suas antigas moradias.

Faz-se importante ressaltar que para se instalar nas comunidades, a pessoa, ou

família, tem de ter autorização dos moradores nativos. Aqueles que entram para trabalhar

passam por um período de “estágio probatório” em que a conduta e comportamento são

observados atentamente, já que todos devem seguir as regras impostas através das lideranças

locais.

7 Os motivos foram levantados com os moradores que permaneceram, conforme colocado pela

autora: “Devemos considerar que a relação de motivos mencionados se refere às pessoas que permaneceram na

RESEX- AP, e não às pessoas que saíram. São os motivos que de certa forma retratam o desejo dessas pessoas em

deixar a reserva e podem ter levado os moradores que migraram a tomar a decisão de deixar a comunidade.

Entendemos essa relação como uma proximidade dos motivos pelos quais às pessoas tendem a deixar a RESEX-

AP”.

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Em suma, as percepções obtidas pela pesquisadora apontam para a conclusão de que

a dinâmica destas comunidades está muito mais associada às características socioambientais

e econômicas do que propriamente a questões ligadas à criação da RESEX. “Os moradores

da RESEX-AP não usufruem de bons serviços de educação, saúde e assistência básica, os

meios de locomoção dessas populações influenciam nas suas atividades econômicas e essas

condições socioeconômicas implicam na maneira como se relacionam e se distribuem em seu

território” (PEREIRA, 2017, p. 107).

Pode-se perceber que existem muitas mobilidades associadas a essa Área Protegida,

com pessoas chegando e saindo, motivadas por distintos fatores. Para Pereira,

independentemente da existência da RESEX, as pessoas estão se movendo em busca de

melhores condições de trabalho, de educação e de saúde. Ainda se faz necessário um grande

esforço para conciliar a conservação da natureza com o que se entende por

“desenvolvimento”, especialmente por se tratar de uma área em que a conservação se deu sob

uma série de restrições à população. Os programas e investimentos que poderiam tornar essas

populações economicamente independentes ainda encontram muitas dificuldades e são essas

dificuldades, associadas ao contexto ambiental das populações, que influenciam a

distribuição espacial e a mobilidade dessas pessoas.

2.2.2 Estudo sociodemográfico “Sociodemografia da Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá”

Em 2016 foi lançado o livro “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Mamirauá”, resultado de pesquisas realizadas na RDS entre 2001 e 2011,

elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento Mamirauá, uma Organização Social que faz

parte das unidades de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),

cujas atribuições são o fomento e a supervisão das atividades.

Este estudo foi desenvolvido por diversos colaboradores do Instituto, com o livro

sendo escrito por cinco pesquisadoras, chefiadas por Edila Arnaud Ferreira Moura. Trata-se

de um estudo sociodemográfico que difere de levantamentos censitários e contagens

populacionais por abranger distintas análises sociais, ter metodologia própria na construção

do objeto de investigação, ter maior proximidade dos pesquisadores com os sujeitos do estudo

e por permitir análises mais qualitativas, em complemento às quantitativas (MOURA et. al.,

2015, p. 19).

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A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) está localizada no

estado do Amazonas, na região do Médio Solimões e Baixo Japurá, tendo sido criada

oficialmente em 1996. Porém, a área já era reconhecida como Estação Ecológica desde 1986

e teve sua categoria alterada para regulamentar a permanência dos moradores tradicionais e

das atividades sustentáveis praticadas por eles.

Quando da ocasião do Plano de Manejo da RDSM, concluído em 1996, segmentou-

se a UC em duas áreas - no Plano de Manejo trata-se de área focal e área subsidiária e no

Estudo Sociodemográfico denomina-se Área de Uarini e Área de Fonte Boa/Maraã, não

correspondendo necessariamente aos limites desses municípios. Considerando a área focal, o

zoneamento elaborado para o Plano de Manejo identificou três zonas: a) proteção integral

(destinada apenas às atividades de pesquisa); b) uso sustentável dos recursos (onde é

permitida a residência e utilização de recursos pelos moradores e usuários ocasionais); c) uso

especial (com usos específicos, como ecoturismo de base comunitária).

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é reconhecida como a maior

Unidade de Conservação com área totalmente caracterizada como ambiente de várzea

(MOURA et. al., 2015, p. 35), o que implica em dinâmicas sociais e econômicas bastante

peculiares. O regime anual em área de várzea compreende um ciclo de quatro períodos:

enchente, cheia, vazante e seca, sendo este ciclo um dos motivadores para processos de

mobilidade, uma vez que alguns locais ficam completamente submersos.

De acordo com informações levantadas em entrevistas com antigos moradores das

comunidades da RDSM, nos últimos 100 anos houve consideráveis processos de mobilidade

populacional, alterando toda a configuração social da região. Os relatos colhidos indicam que

a ocorrência de mudanças nas relações sociais da produção econômica foram fatores

preponderantes na configuração do padrão de ocupação humana, assim como os fatores

ambientais. A presença de patrões, que dominavam as produções econômicas por terem posse

dos recursos naturais, dos meios de produção e do controle da mão de obra, foi sendo

minimizada a partir da década de 1970, quando entrou em declínio a produção centrada no

extrativismo animal e madeireiro e muitos povoados foram abandonados. Este processo,

ocorrido durante o auge do êxodo rural brasileiro, pode ser corroborado pelo aumento da taxa

de crescimento populacional de cidades (relativamente) próximas à RDSM, como Tefé e

Manaus, que receberam os antigos moradores da UC.

Quanto aos indicadores obtidos para as análises quali e quantitativas do Estudo

Sociodemográfico, faz-se importante pontuar que a coleta de dados na Área de Uarini foi

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feita pela equipe do Instituto de Desenvolvimento Mamirauá nos anos de 2001, 2006 e 2011,

ou seja, com periodicidade bem definida, além de terem buscado replicar as mesmas

questões para padronizar e possibilitar análises demográficas. Já na Área de Fonte Boa/Maraã

os dados se reportam ao ano de 2011.

Considerando a Área de Uarini, os dados mostram que houve uma redução da

população no decorrer dos 20 anos de pesquisas desenvolvidas na UC, entre 2001 e 2011.

Em 1991 havia 3.835 pessoas, 583 domicílios e 38 comunidades, que concentravam 89% da

população desta área – o restante da população habitava pontos desagregados dentro da UC.

Em 2001 o número de residentes aumentou para 5.237, com 829 casas e 53 comunidades que

reuniam 94% dos residentes. Em 2006 a população reduziu para 5.071 pessoas, em 831

domicílios e 56 comunidades concentrando 96% do total populacional. Em 2011 residiam

4.966 pessoas na área em questão, em 892 casas e 58 comunidades que concentram 99% das

pessoas. Para a Área de Fonte Boa/Maraã tem-se o volume de 5.901 habitantes em 2011,

divididos em 981 domicílios e 64 comunidades, que reúnem 89% da população desta área.

O crescimento das comunidades, em quantidade e tamanho, está associado à maior

concentração de famílias, que entendem que, com o agrupamento, há maior articulação

das representações comunitárias, implicando em fortalecimento ao se pleitear melhorias na

RDSM, como construção de escolas e instalação de geradores de energia elétrica. Além disso,

acredita- se que os programas de manejo comunitário, executados sob a gestão do Instituto

de Desenvolvimento Mamirauá, também contribuem para a instalação de famílias no núcleo

das comunidades, por aumentar a renda familiar, não mais demandando empreitadas de

trabalho em outros locais, e por exigir a organização dos moradores em associações e

cooperativas, estimulando a aglomeração de produtores na mesma comunidade (MOURA et.

al., 2015, p. 51).

Faz-se relevante caracterizar a dimensão da importância das áreas de várzea na

dinâmica da RDSM, uma vez que a maioria da população está situada nesse tipo de ambiente.

Em 2011, 66% das pessoas residentes na Área de Uarini situava-se em várzea e na Área

de Fonte Boa/Maraã, configurando uma proporção de 89%, ou seja, a maioria da população da

UC tem práticas econômicas e de vida características do ambiente de várzea.

Outra importante característica das dinâmicas sociais observadas na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá se refere à presença de “usuários da RDSM”,

conforme intitulado no estudo. Esta categoria representa os moradores de localidades situadas

na área de entorno da UC e que, na maioria dos casos, mantêm relações de parentesco com

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as famílias que residem dentro do perímetro da RDSM. Estes usuários fazem uso dos recursos

naturais existentes no interior da UC, principalmente para pesca e, em menor escala, para

extração de produtos madeireiros e não madeireiros, tanto para o consumo familiar quanto

para a comercialização, devendo também seguir a regulamentação de manejo vigente. A

população, em 2011, que engloba os moradores de dentro da área da RDSM e os usuários,

soma 12.159 pessoas, sendo, portanto, 53% composta pelos usuários.

No entorno da UC existem seis Terras Indígenas demarcadas e homologadas, além

de territórios ocupados por grupos sociais que buscam o reconhecimento como grupo étnico,

tendo que, dentro da população de usuários, quase 20% são usuários indígenas, que têm seus

territórios sobrepostos à UC ou não, mas que têm assegurados o direito de utilizar os recursos

naturais da RDSM. Além disso, a eles também é garantido o direito de participar das ações

de gestão de recursos naturais da UC, porém a participação dos indígenas nas instâncias de

tomadas de decisão não ocorre de forma regular, por questões políticas internas às aldeias

(MOURA et. al., 2015, p. 75).

Focando, então, para os processos de mobilidade ocorridos e característicos da

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, destaca-se, primeiramente, o fato de

que, entre 2006 e 2011, 59 famílias deixaram a Área de Uarini, se mudando para núcleos

urbanos, principalmente para as cidades de Uarini (destino de 50% das famílias com área de

destino urbana) e Tefé (que recebeu 21% das famílias com área de destino urbana). As

principais motivações citadas dos que migraram para áreas urbanas estão relacionadas à falta

de escolas (43%) e à busca de trabalho na cidade (16%). Entre as famílias migrantes, 29% se

mudou para outra área rural, motivadas principalmente por conflitos entre membros da

comunidade e/ou para ficar mais perto de outros núcleos familiares.

Da Área de Fonte Boa/Maraã, emigraram 90 famílias, destinadas principalmente à

cidade de Fonte Boa (64% das famílias com área de destino urbana) e Manaus (11% das

famílias com área de destino urbana). Dentre aqueles que se mudaram para núcleos urbanos,

as principais motivações citadas foram a busca de melhores condições de vida na cidade

(30%) e a falta de escolas na comunidade (22%). Do total de famílias que saíram desta Área,

20% destinaram-se a outras localidades rurais, tendo como principal motivação o desgosto

de viver na comunidade – o que pode estar relacionado a alguma morte trágica, conflitos

sociais ou fenômenos associados à sazonalidade do ambiente, como grandes alagamentos.

Também foram citadas as motivações de ficar mais perto da família e de encontrar melhor

lugar para pescar.

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Durante o período considerado, de 2006 a 2011, algumas famílias também chegaram

à RDSM. Na Área de Uarini, 35 famílias se instalaram, 54% provenientes de área urbana,

principalmente das cidades de Alvarães (37%) e Tefé (26%). O motivo mais citado foi a

impossibilidade de permanecer nas cidades de origem, devido a condições financeiras

adversas, seguido por busca por trabalho. Entre as famílias que vieram de outras áreas rurais,

os motivos mais citados foram para ficar perto de parentes e o retorno para a comunidade –

sendo importante colocar que o retorno somente é permitido com o consentimento dos

moradores atuais, de acordo com regras e condições próprias -, além de busca por trabalho e

busca por escola para os filhos.

As famílias que chegaram na Área de Fonte Boa/Maraã somam 41, a maioria de

procedência de outras áreas rurais (63% das famílias). A parcela de famílias procedentes de

áreas urbanas veio principalmente de Fonte Boa (33%) e Maraã (26%). Dentre essas famílias,

o motivo mais citado também foi a impossibilidade de permanecer na cidade pela situação

financeira, seguido por busca por trabalho. Considerando as famílias oriundas de outras

localidades rurais, tem-se como principais motivos ficar perto dos parentes,

desentendimentos ocorridos na área de origem, busca por trabalho e casamento.

No estudo sociodemográfico da RDSM também são caracterizados os processos de

mobilidade protagonizados por uma única pessoa, colocado no estudo como deslocamento

de pessoas. Ao analisar dados de 2000, 2005 e 2010, para os moradores da Área de Uarini,

obteve- se como resultado o fato de que as mulheres migram em maiores proporções,

principalmente nas faixas etárias mais jovens, tanto em áreas de várzea como de terra firme,

das quais a maioria se destina às áreas urbanas (Tefé, Manaus, Fonte Boa).

Entre aquelas que têm origem nas áreas de várzea, os principais motivos para a saída

estão relacionados às situações conjugais – casamento (50%) e separação (40%). Dentre os

homens das áreas de várzea, a principal motivação é a procura por trabalho, migrando

principalmente nas faixas etárias entre 14 e 25 anos. Para os menores de 14 anos, a migração

acontece para acompanhar a família que já se instalou nas cidades e para os maiores de 50

anos o principal motivo foi o desgosto com os problemas da comunidade. Considerando os

emigrantes das áreas de terra firme, os homens também saíram para buscar trabalho, enquanto

as mulheres migraram devido a casamento ou para morar com a família. Para os maiores de

50 anos, a motivação está associada à busca por disponibilidade de atendimento médico e

para residir com a família. Também foram citados os motivos de regresso para o local de

origem, problemas na família, conflitos na comunidade e falecimento de familiares. Os

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motivos apresentados pelos moradores da Área de Fonte Boa/Maraã são os mesmos,

adicionando-se a busca por melhor escolarização.

Portanto, conclui-se que as comunidades do interior da RDS enfrentam problemas

similares a outras comunidades ribeirinhas, como falta de escolas, falta de equipamentos de

saúde e pouca oferta de trabalho, todas questões que acabam por influenciar diretamente na

mobilidade dessas populações, mas que não se associam diretamente à existência da UC.

2.2.3 Projeto/Livro “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do

Jaú: uma estratégia para a conservação da biodiversidade”

O Parque Nacional do Jaú (PNJ), localizado no estado do Amazonas às margens do

rio Negro, teve seu plano de manejo aprovado em 1998 e desta experiência teve início o Projeto

Janelas para a Biodiversidade, comandado pela Fundação Vitória Amazônica (FVA), visando

dar continuidade aos estudos da realidade e da biodiversidade de uma das maiores Áreas

Protegidas do Brasil, com pesquisadores de diferentes entidades que compuseram equipes

multidisciplinares.

A metodologia desenvolvida neste projeto tinha como foco a criação de um

zoneamento com áreas específicas que contemplassem distintas características físicas e

sociais do Parque, resultando em doze áreas focais de pesquisas, consideradas como

prioritárias para o estudo da biodiversidade do PNJ, que cobriram 20% da área total da UC.

Para definição destas áreas, foram considerados três níveis hierárquicos: 1)

formações geológicas – agrupadas entre antigas (35% da área do PNJ) e recentes (65% da área

do Parque); 2) tipos de vegetação – classificadas entre floresta de terra firme aberta, floresta

de terra firme densa, floresta de terra firme submontana, igapó aberto, igapó fechado,

campinas e campinaramas; e 3) tipos de assentamento humano – separadas entre

comunidades (adensamento de famílias com serviços comunitários), localidades

(agrupamento de casas sem serviços comunitários) e ausência de população humana. Ao

sobrepor esses critérios hierárquicos, foram desenhadas as doze janelas que englobam toda a

heterogeneidade social e ambiental em escala regional encontrada no PNJ.

O material produzido na definição metodológica e o resultado dos estudos sociais,

biológicos e geológicos deram origem a um livro, publicado pela Fundação Vitória

Amazônica em 2004, que traz detalhes sobre o projeto. Aqui, é dado destaque ao capítulo 3,

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“Dinâmica da população humana nos rios do Parque Nacional do Jaú”, de autoria de Marcos

Roberto Pinheiro e Arlei Benedito Macedo.

Faz-se importante lembrar que uma Unidade de Conservação de categoria Parque

não permite a permanência de pessoas residindo em seu perímetro, porém sabe-se que, na

realidade, existem muitos Parques que não tiveram sua população removida após a criação

da UC, como é o caso do PN do Jaú. Desta forma, os autores atentam para a importância em

se desenvolver um estudo que enfoque a dinâmica demográfica das populações residentes em

UC, visando não mais marginalizá-las, uma vez que a maioria dos estudos produzidos sobre

estas populações pendem pelo viés da importância da regularização fundiária e remoção da

população (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 44).

A análise demográfica desenvolvida neste estudo toma por base quatro Censos

realizados pela Fundação Vitória Amazônica e pela gestão do PNJ com os moradores da UC,

nos anos de 1992, 1995, 1998 e 2001 - este último feito na ocasião das pesquisas do projeto

Janelas para a Biodiversidade. A pesquisa desenvolvida visa responder principalmente as

seguintes perguntas: quantas são e quem são as pessoas que moram no PNJ? Qual o histórico

de migração? Existem tendências migratórias? Como proceder com o aumento populacional

na área?

Pode-se perceber a importância em captar e compreender os processos de

mobilidade populacional, uma vez que um dos objetivos dos autores é que seja feito um

“acompanhamento contínuo da dinâmica regional influenciada pela Unidade de Conservação,

das políticas de implementação da Unidade e das alternativas oferecidas às pessoas

impactadas com a criação da Área Protegida” (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 44). Assim,

atenta-se para a grande relevância em se compreender a mobilidade dentro da dinâmica

populacional de residentes em UC.

Para os parâmetros da pesquisa desenvolvida por Pinheiro e Macedo, considerou-se

como migrantes aqueles que mudaram de residência permanentemente, ou seja, não

contempla as migrações sazonais e aqueles que possuem mais de uma residência - aspectos

relacionados à multilocalidade. O método de análise elaborado por eles consiste em

caracterizar as migrações com intervalo de observação dividido em dois períodos - um entre

1992 e 1995 e o outro entre 1998 e 2001 -, considerando duas áreas distintas – o rio Jaú,

localizado no coração do PNJ, e o rio Unini, situado na fronteira Norte. Analisando

especificamente os movimentos migratórios, os autores dividiram os fluxos em imigração

(movimento de pessoas para dentro dos rios), emigração (movimento de pessoas para fora

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dos rios), migração interna (movimento das pessoas dentro dos rios) e população fixa

(pessoas que não mudaram seu local de residência).

O diagnóstico geral dos parâmetros demográficos da população do Parque Nacional

do Jaú aponta que, entre 1992 e 2001, a população da UC diminuiu, apesar do número de

famílias ter aumentado, indicando o envelhecimento da população e a redução do número de

filhos por família. Também há a indicação, de modo geral, de que o número de comunidades

aumentou, enquanto o de localidades reduziu.

Nas margens do rio Jaú, os agrupamentos são menos numerosos e mais modestos

e sofreram uma brusca queda no número de famílias entre 1992 e 2001. Durante este período,

houve um aumento de 66% para 77% de pessoas que residem em seu local de nascimento.

Em 1992 havia 35 localidades e nenhuma comunidade no rio Jaú e em 2001 as localidades

reduziram para 15 e três novas comunidades surgiram, agrupando 31% da população desta

área. Analisando as mobilidades populacionais, tem-se que, entre 1992 e 1998, 45,7% da

população permaneceu no mesmo local e 29,7% saiu do PNJ - os emigrantes se instalaram

nas cidades de Novo Airão (90,4%) e Manaus (9,6%). Não foi registrada a entrada de pessoas

durante o período. O mesmo comportamento foi observado entre 1998 e 2001, com 46,8%

da população permanecendo no local de origem e 36,5% tendo saído da UC.

Segundo os autores (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 52), o aumento no número de

emigrantes pode ser atribuído ao “crescente número de pessoas que não suportaram o

contínuo isolamento provocado pelas políticas relativas ao uso dos recursos naturais imposta

pelo IBAMA”. É ilustrado o exemplo da comunidade de Seringalzinho, no baixo Jaú, cujo

número de residentes caiu de 125 para 17 no período de 1998 a 2001, com 90,2% emigrando

para Novo Airão, 6,3% para Manaus e o restante para outros municípios do interior do

Amazonas.

Nas margens do rio Unini estão as maiores densidades demográficas do PNJ, com

maior número de famílias e menor número de filhos por família, se comparado com o rio Jaú.

Considerando o local de nascimento, o número de pessoas que permaneceu aumentou de 51%

para 63% entre 1992 e 2001. Em 1992 existiam quatro comunidades e 32 localidades, com

35% das pessoas residindo em comunidades; em 2001 eram oito comunidades e 11

localidades, com a proporção de residentes em comunidades aumentada para 81%.

Nesta área, entre 1992 e 1998, a população fixa (36,9%) e as migrações internas

(35,2%) prevaleceram, tendo também 27,6% de emigrantes e 0,3% de imigrantes (pessoas

que se casaram com moradores das comunidades e se instalaram nelas). Os emigrantes se

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dirigiram às cidades de Novo Airão (47,2%), Manaus (35,1%), Barcelos (4,5%) e Rio Branco

(2,9%). Os que emigraram para outras localidades somam 10,3%. Entre 1998 e 2001 houve

uma substancial redução da migração interna (somando 17,2%) e a população fixa aumentou

para 45,7%. Aqueles que saíram do PNJ durante este período foram para Novo Airão

(47,1%), Barcelos (31,2%), Manaus (11,3%) e Rio Branco (4,5%), com 5,9% tendo se

instalado em outras localidades.

Durante o segundo período de análise tem destaque a presença de imigrantes,

respondendo por 12,1% dos deslocamentos no rio Unini. A maioria (75%) saiu das

localidades do alto rio Unini, devido à morte de duas crianças em menos de 24 horas na

comunidade de São Lázaro, a última comunidade do rio Unini localizada fora do PNJ,

temendo um surto virótico e se instalando nas comunidades do baixo rio Unini, já dentro do

PNJ, com orientação da Secretaria de Saúde do município de Barcelos8. O restante dos

imigrantes (25%) veio de outras cidades ou rios, se instalando principalmente na foz do rio

Unini, devido à maior facilidade de acesso e à presença de serviços sociais, e são, em sua

maioria, homens solteiros procurando oportunidades de trabalho e de vida.

A migração interna ocorrida no PNJ durante os períodos de análise pode ser

caracterizada como impulsionada pela procura por melhores condições de vida, com pessoas

saindo dos igarapés e lagos para a calha principal dos rios, em locais com maiores

oportunidades de comércio e visando aglomerar mais as famílias para aumentar a força de

negociações para conquistar benefícios sociais.

Considerando os dois principais rios do PNJ, percebe-se que na área do rio Jaú há

um nítido processo de esvaziamento da população residente, fator atribuído pelos autores à

falta de apoio da Prefeitura de Novo Airão e à presença do IBAMA na foz do rio Jaú, que

estabelece uma política de repressão à utilização dos recursos naturais, o que implica em

dificuldades para os agrupamentos se consolidarem como comunidades.

Para os autores, a demora em resolver a questão fundiária e as práticas

preservacionistas autoritárias implicaram e agravaram uma tensão entre governo, que

pretende estabelecer a Unidade, e os grupos locais, que possuem um intricado jogo de

8 No texto dos autores, eles pontuam uma provável motivação deste deslocamento: “cerca de dois

meses depois, o responsável pela construção de um hotel no alto do rio Unini ofereceu indenização para os

moradores da comunidade de São Lázaro, visando a construção de um aeroporto sobre a área das casas. O

responsável pela obra prometeu, ainda, asfaltar a frente da comunidade Vista Alegre, uma das que recebeu estes

imigrantes, visando, segundo ele, o desenvolvimento do local” (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 54).

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relações. “No período de 1992 e 1998, praticamente todos os moradores localizados nas

proximidades da foz do rio Jaú, vizinhos do flutuante do IBAMA, foram embora do rio”

(PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 55).

Já no lado do rio Unini há uma intensa ação da Prefeitura de Barcelos, que influencia

no crescimento das comunidades através da imigração de pessoas, em uma área em que não

há efetiva fiscalização do órgão responsável. “Eventualmente, caso fossem aplicadas

restrições ao estabelecimento de novas famílias no Parque, isto é, restrições à imigração,

provavelmente o número total de pessoas estaria se reduzindo” (PINHEIRO; MACEDO,

2004, p. 56).

Assim, conclui-se que há muita movimentação e muita mobilidade associada ao

Parque Nacional do Jaú, com diagnoses que podem corroborar hipóteses como o

esvaziamento causado pela presença de um órgão preservacionista que estabelece rigorosas

normas de uso e ocupação do solo e pela atração de pessoas que desejam se instalar em locais

com maior presença do poder público e que oferece o mínimo de serviços como escola e

pequenos comércios.

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101

3 MOBILIDADES ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS

NA REGIÃO NORTE DO BRASIL

Após extensa análise dos dados, oriundos tanto de macroescala e quantitativos

quanto de microescala e qualitativos, é possível perceber que existem sim muitas mobilidades

associadas às Áreas Protegidas na região Norte do Brasil, de distintas dimensões, origens,

destinos e motivações.

A análise quantitativa apontou correlações baixas e pouco consistentes entre as

variáveis de área recoberta por AP e taxas migratórias dos municípios, porém, ao criar alguns

recortes de período e categoria de AP, algumas relações se mostraram mais, como, por

exemplo, maiores fluxos, saldos migratórios e taxas de emigração naqueles municípios onde

há maior território tomado por Unidades de Conservação de Proteção Integral – o que

corrobora com a hipótese inicial. Porém, não se tratam de dados significativos e contundentes.

Retomando as conclusões obtidas nas análises dos estudos realizados em

microescala, entende-se que há, de fato, muitas mobilidades associadas à existência destas

Áreas Protegidas e que não seriam captadas através de métodos puramente quantitativos. No

caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná, conclui-se que, independentemente da existência

da RESEX, as pessoas estão se movendo em busca de melhores condições de trabalho, de

educação e de saúde. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá a percepção

final foi similar à obtida na situação da RESEX, de que as mobilidades são motivadas pela

busca por melhores condições de vida. Para a realidade do Parque Nacional do Jaú a procura

por maior disponibilidade de escola e equipamentos de saúde também foi a principal

mobilizadora de pessoas, porém aborda- se com ênfase os efeitos causados pela presença de

um órgão de fiscalização ambiental que acaba por afetar a mobilidade ao coibir a instalação

de novos moradores e de certas práticas de manejo dos recursos naturais.

Considerando a hipótese primária, de que a existência da AP implicaria no aumento

da mobilidade, observa-se então que ela não é falsa – vide o caso do Parque Nacional do Jaú

e dos resultados obtidos na análise quantitativa -, mas que existe também toda uma gama de

fatores associados às mobilidades populacionais. Nas três Unidades de Conservação

estudadas percebe-se que a principal força motriz dos processos de mobilidade é a mesma

observada na maioria das localidades: a busca por melhor condição de vida – algo que, em

princípio, não se relaciona diretamente à existência ou não de uma Área Protegida.

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102

Aqui, cabe a transcrição de um rico exemplo dessa situação, explicitada no estudo

da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (2015, p. 58):

A morte de um filho, do chefe da família ou os frequentes acometimentos de

doenças como diarreia e gripe, faz com que as pessoas fiquem “desgostosas”

com o lugar e saiam para tentar a vida na cidade, com o apoio dos filhos e

parentes próximos. A necessidade de acompanhar os filhos na continuidade

dos estudos após a quarta série do ensino fundamental, última série de

escolarização na maior parte das localidades, também é um forte motivo da

migração para a área urbana.

Nas histórias de vida dos moradores há sempre o registro de uma tentativa de

vida na cidade. Eles sabem que a vida na cidade não é fácil, por isso, quando

decidem mudar, a mudança é feita aos poucos – “Foram, mas não

desmancharam a casa”. Em algumas situações, não abandonam

definitivamente o lugar, e as árvores que deixam plantadas são a marca da

identidade com o lugar – “Tenho umas árvores velhas no local”. Alguns

retornam na época da seca, no “verão”, somente para despescar os lagos; ou

na vazante para pegar os “paus pescados”.

Ocorrem migrações temporárias devido aos agravos da seca ou da cheia, mas

o retorno depois de muitos anos de ausência tem que ser negociado com os

moradores da localidade. Quando calculam as vantagens de permanecer no

local, mudar para cidade ou para outro lugar na várzea, “têm que pensar muito

bem para achar uma saída”. A negociação com os ex-moradores interessados

em voltar para as comunidades tornou-se mais criteriosa após a criação da

RDSM, pois muitos moradores não concordam com a volta daqueles que

visam apenas se beneficiar com a exploração dos lagos preservados, agora

com maior quantidade de peixes, ou buscam as oportunidades de aumento de

renda criadas pelos programas de desenvolvimento sustentável, como o

ecoturismo, o manejo florestal comunitário e o manejo da pesca.

O dilema entre enfrentar as dificuldades da várzea, onde “a gente está sempre

passando aperriado na seca e na cheia” ou as dificuldades da cidade, onde

“pra tudo é preciso ter dinheiro”, é difícil de ser resolvido. Viver na várzea é

estar acostumado aos movimentos das águas, e também manter relações com

o mundo urbano, para onde migraram os filhos e parentes próximos, onde se

encontram os principais serviços de saúde, educação e comércio, e onde

realizam parte das trocas mercantis. Ou seja, viver na várzea não significa

estar isolado das interações com as cidades.

Os moradores da várzea circulam na cidade com mais frequência do que nas

décadas passadas. Essa maior mobilidade está relacionada ao favorecimento

dos programas de aposentadoria rural e de transferência de renda, como o

Bolsa Família, e também pelo aumento da renda monetária com as novas

oportunidades de trabalho e relações comerciais proporcionadas pelo mercado

do desenvolvimento sustentável. Na medida do possível, os moradores da

RDSM investem na compra de casas na cidade, o que lhes dá mais autonomia

para acompanhar os filhos que migram para estudar e na resolução de outros

problemas, porque morar “com parente tem dia que dá certo, tem dia que não

dá certo”. Mas, manter a moradia na várzea é ter a garantia de acesso ao

alimento, sem precisar ter dinheiro. A situação ideal é ter dois domicílios –

um na cidade e um na várzea, mas eles sabem que para isso é preciso criar

condições para aumentar a sua renda monetária.

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Neste excerto que sintetiza diversas situações relacionadas à mobilidade da

população associada à Unidade de Conservação percebe-se com clareza a “aplicação” de

conceitos teóricos já abordados aqui, como os fatores que entram na decisão de migrar (LEE,

1966), com destaque para o peso que os fatores pessoais têm no processo migratório, ou dos

fatores de mudança e estagnação (SINGER, 1976) que orientam a saída de populações dos

locais de residência.

O paradigma da mobilidade, de John Urry, contempla de maneira mais apropriada

os fenômenos aqui abordados, uma vez que abrange, em sua teoria, a multiplicidade de

fatores associados ao ato de decisão de uma pessoa, ou grupo de pessoas, de abandonar sua

residência em direção a outra, de forma permanente ou temporária, já que não são apenas as

pessoas que se movem, mas todas as questões imaginativas, virtuais e comunicativas (URRY,

2000) que estão implícitas no processo.

Portanto, entende-se que existem distintos tipos de mobilidade relacionadas às Áreas

Protegidas do Norte do Brasil, além daquela colocada como a hipótese inicial – hipótese que,

após concluída a pesquisa, se percebe que não ocorre de maneira tão dicotômica como

previamente suposta.

Desta forma, aqui se propõe a caracterização de três tipos principais de mobilidade:

os que saem, os que chegam e os que saem e retornam. Esses padrões de mobilidade estão

presentes em praticamente todas as áreas habitáveis do planeta Terra, com exceção das zonas

de guerra e de catástrofes ambientais, mas nesse contexto das comunidades tradicionais da

Amazônia9 apresenta peculiaridades devido ao contexto histórico (seringais), político

(pressão do desmatamento da Amazônia), social (conservação de tradições) e ambiental

(regime de chuvas, solo, entre outros).

O primeiro tipo de mobilidade populacional identificado é dos grupos que saem das

UC, normalmente encorajados pela maior disponibilidade de empregos e ocupações em áreas

urbanas e também das condições de escolarização e saúde disponibilizadas nestas áreas. A

estas questões soma-se o fato de que, ao se instituir uma área como Unidade de Conservação,

imediatamente a área estará sujeita a normas específicas de uso do solo, implicando, em

9 Faz-se importante destacar, novamente, que nesta parte das conclusões não estão contempladas as

dinâmicas ocorridas em Terras Indígenas, que fizeram parte das análises quantitativas devido à grande

proporção de território ocupado por elas e por causar efeitos na ocupação do solo da região Norte. Porém, trata-

se de populações cujas dinâmicas carecem de estudos específicos e que não seriam contempladas de maneira

justa e coerente no escopo da pesquisa qualitativa aqui apresentada.

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alguns casos, em limitações rigorosas por conta das quais os habitantes locais não mais podiam

praticar as formas de subsistência que sempre fizeram.

Exemplos deste sentido de mobilidade foram observados nas três Unidades de

Conservação aqui analisadas e ainda soma-se o exemplo da Estação Ecológica Terra do Meio,

onde, de acordo com o texto do seu Plano de Manejo, há a indicação de que 80 das 186 famílias

de colonos que ocupavam a UC deixaram a área, especificamente por não poder mais praticar

as formas de agropecuária que até então praticavam.

Porém, também se observa que existem situações contrárias, em que a instituição de

uma Unidade de Conservação trouxe melhorias para as comunidades e, consequentemente,

atraiu a atenção de novos moradores – configurando o segundo tipo de mobilidade observada:

os que chegam. Trata-se das pessoas que se instalam após a UC já ter sido estabelecida, algo

já controverso na sua gênese, uma vez que a instalação de novos moradores só é permitida

através do casamento com moradores tradicionais e deve ser votada e aceita por todos os

membros da comunidade.

O principal motivador desse tipo de mobilidade se refere ao interesse em fazer parte

dos benefícios e organizações sociais implantadas nas comunidades justamente porque houve

a instituição da UC. Situações desse tipo foram observadas na RESEX Auati-Paraná, onde a

pesquisadora associa o aumento do número de domicílios à execução do Plano Nacional de

Reforma Agrária, que disponibilizou recursos para quem habitava dentro do perímetro da

RESEX, fazendo com que pessoas de outras comunidades se instalassem dentro da RESEX

visando o recebimento do benefício. No PN do Jaú foi observada a questão das comunidades

do rio Unini, em que a instalação de novas famílias é inclusive estimulada pela Prefeitura de

Barcelos, que investe em benfeitorias nessas comunidades, ignorando (teoricamente) o fato

de que se encontram dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral que não

prevê a residência e permanência de pessoas.

O mesmo tipo de mobilidade foi identificado no Plano de Manejo da Reserva

Extrativista Arapixi (MMA, 2010), onde há a contratação de diaristas, em que alguns já se

tornaram agregados das famílias e moram na comunidade. Por se tratar de locais com

disponibilidade de terras e possuir condições que podem ser consideradas benéficas a

imigrantes, as UC acabam por atrair novos moradores que, devido à falta de fiscalização por

parte do poder público, não encontram dificuldades em fixarem residência. Este é o tipo de

mobilidade que ocorre em menor proporção, porém trata-se de um movimento que acontece

com frequência, e, portanto, é fundamental de ser caracterizado.

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O terceiro tipo de mobilidade é o mais característico da dinâmica de vida das

comunidades ribeirinhas da Amazônia: os que saem e retornam. Como dentro das UC a

geração de empregos é limitada e está invariavelmente ligada ao turismo e às cooperativas,

muitos residentes vão trabalhar em construções civis em outra cidade por empreitada, como

na construção de portos e estradas. Outro motivo que leva a esse modelo de mobilidade é o

fato de que são poucas as UC que contam com escolas, portanto muitos jovens em idade

escolar se instalam na casa de parentes em aglomerações mais urbanizadas de acordo com o

calendário escolar, retornando à UC no período de férias. Um terceiro motivador que entra

nesse grupo dos que saem e retornam é devido à sazonalidade ligada ao regime de chuvas

específico da região amazônica, onde na época de cheia o nível dos rios sobe muito e os

moradores das comunidades ribeirinhas se instalam em residências localizadas no núcleo

urbano, em terra firme, que pode estar dentro ou não do perímetro da UC. A esse movimento

também se associam aqueles que tentaram a vida na cidade, mas que devido a fatores distintos

(dificuldade financeira, desejo de ficar perto da família, oportunidade de participar das

cooperativas locais) optaram por retornar à comunidade, porém sem nunca terem deixado em

definitivo a terra dentro da UC.

Todos esses processos descritos podem ser caracterizados por um fenômeno sob a

égide da mobilidade populacional denominado multilocalidade, em que os residentes mantêm

diferentes espaços de vida, diferente do sentido da migração de retorno em que o local de

origem é abandonado, mesmo que temporariamente (WEICHHART, 2015). A mobilidade

associada à multilocalidade foi observada nas três UC analisadas nesta pesquisa. No caso da

RESEX Auati- Paraná ocorreu o retorno de moradores motivados pela melhoria na qualidade

de vida na UC, atribuída ao oferecimento de benefícios, de programas educacionais e de

programas de manejo de recursos naturais. Na RDS Mamirauá também se observou esse

movimento de retorno associado ao oferecimento de benefícios sociais e da melhoria da

situação econômica promovida pelas cooperativas e pelo manejo organizado dos recursos

naturais.

Assim, conclui-se que a grande força motriz dos processos de mobilidade é a

incessante busca por melhores condições de vida e que a relação entre instituição de Áreas

Protegidas e aumento da mobilidade populacional não se trata de uma condição sine qua non,

uma vez que não há uma relação direta – inclusive nas pesquisas realizadas pouco é citado o

fato “criação da Unidade de Conservação” como motivador do processo de mobilidade.

Porém, faz-se importante colocar que há o entendimento de que a instituição da AP

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interfere nas mobilidades populacionais, a partir do momento em que promove alterações nas

dinâmicas de vida que acabam por repelir ou atrair os moradores. Considerando tal

associação, entende-se que o fato de haver uma Área Protegida estabelecida em um local de

dinâmicas sociais como as observadas nas comunidades associadas às Áreas Protegidas na

região Norte do Brasil, pode implicar em diversas consequências nas realidades vividas

nesses locais. Aqui, são destacados três fatores que se acredita ser de maior influência na

relação mobilidade populacional e instituição de Unidade de Conservação, sendo: manejo de

recursos, zoneamento e efeitos de borda. O primeiro fator se refere ao controle no manejo dos

recursos, consequência imediata da instituição de uma Unidade de Conservação. Dependendo

da categoria da UC, algumas atividades são permitidas sob normas específicas ou são

proibidas – nada pode ser realizado ou praticado dentro de uma UC sem estar previsto no Plano

de Manejo. Nas categorias de Uso Sustentável o manejo está previsto para fortalecer as

produções locais, normatizando as formas de organização, produção, uso e venda dos recursos

naturais, desde a extração de produtos como castanhas ou látex até peixes. Apesar de não

estar previsto no SNUC, sabe-se que a mesma situação ocorre nas UC de Proteção Integral.

Na maioria das comunidades os moradores se organizam em cooperativas para

regular a extração de produtos, o beneficiamento e até a venda – por exemplo, comunidades

que foram formadas devido aos seringais, atualmente utilizam o látex extraído para produção

de bijuterias e outros artefatos para venda aos turistas, como no Parque Nacional do Tapajós.

Essas cooperativas, e também outras formas de organização social, acabam por valorizar a

produção local e colaborar com um melhor acesso e distribuição de renda entre os moradores,

o que serve tanto para fixar a população, que agora encontra formas de subsistência no seu

local de origem, como para atrair a instalação de novos e retorno de antigos moradores que

haviam saído, por verem que a situação do local melhorou, proporcionando boas condições

de renda e vida em comunidade.

O fato de a instituição da Unidade de Conservação contemplar formas de sustento

para fixar a população, e que pode acabar trabalhando para atração de novos residentes, é um

importante indicativo de que existem formas plausíveis de apresentar soluções para a relação

população e ambiente, relação esta que não pode ser considerada como conflituosa dentro

do contexto das comunidades tradicionais amazônicas. Cabe também observar que nesses

locais a relação com os órgãos ambientais normalmente é mais harmoniosa e não apresenta

ameaça ao modo de vida local – a despeito do citado no caso do Parque Nacional do Jaú, em

que essas práticas não são previstas, portanto a ação de fiscalização é mais repressora e

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trabalha como fator que expulsa a população, que precisa ir em busca de locais que possam

proporcionar alguma renda.

O segundo fator de influência se relaciona ao zoneamento, condição prevista pelo

SNUC para todas as Unidades de Conservação. Na ocasião da elaboração do Plano de Manejo

das UC, o produto contempla, além das normas de uso e ações de gestão, o zoneamento da

área. Isso significa que toda área interna ao perímetro da Unidade de Conservação é dividida

em zonas onde são designadas normas e usos específicos, havendo as áreas em que é

permitida a habitação dos moradores tradicionais, as áreas onde não deve haver nenhuma

interferência humana para fins de preservação, as áreas onde turistas podem acessar, e assim

por diante. O zoneamento também é feito para a chamada zona de amortecimento, que é uma

área determinada no entorno da UC, visando “amortecer” os impactos externos, onde também

são determinadas normas e usos específicos.

Como bem observado por Pereira (2017, p. 134), existem dois processos de

ocupação ocorridos na Amazônia: um ligado à expansão das fronteiras agrícolas, associado

aos grandes projetos de colonização, e outro ligado às áreas denominadas como “interior”,

distantes dos grandes projetos de colonização. Porém, sabe-se que a tomada de terras para

fins de produção agropecuária e extrativismo madeireiro está se expandido para o interior da

Amazônia, assim como o deslocamento para núcleos urbanos, que estão em constante

crescimento populacional.

Desta forma, acredita-se que o fato de uma Unidade de Conservação contar com

zonas de usos específicos está ligado à coibição do modelo de ocupação vigente na região

atualmente, inibindo a expansão de fronteiras agrícolas e a crescente urbanização do entorno

das UC – inclusive, trata-se de uma “função” há tempos protagonizada pelas Áreas

Protegidas, vide a questão do movimento dos seringueiros versus agropecuaristas, que

resultou na criação do modelo de Reservas Extrativistas no Brasil.

Por frear o vetor de urbanização, o resultado é que não são construídas

infraestruturas importantes na área das UC, como escolas e equipamentos de saúde, cuja falta

implica em pessoas das comunidades procurando os centros urbanos para residir, como

observado nas três UC analisadas anteriormente. Importante pontuar que não são em todas as

UC que faltam escolas e postos de saúde e que não se trata de considerar tal fato como

negativo, mas atentar para a relevância que a questão tem nos processos de mobilidade

populacional associados às Áreas Protegidas da região Norte do Brasil.

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A esta questão, está associado o terceiro fator, que são os efeitos de borda. Aqui,

toma- se emprestado o conceito de efeito de borda para a ciência florestal, que trata de

diferenciar o comportamento das espécies que ficam nas bordas de um fragmento de floresta.

No caso das populações associadas às Áreas Protegidas, entende-se que aquelas que se situam

próximas às bordas do perímetro da AP tem um comportamento distinto por ter relação direta

com as comunidades do interior da AP e vice-versa.

Um artigo de Bamford, Ferrol-Schulte e Wathan (2014, p. 504) traz resultados de

um estudo realizado em uma Área Protegida da Tanzânia, onde perceberam que a área recebia

muitos imigrantes oriundos principalmente de localidades do entorno, que visavam se instalar

em uma área que oferecia condições favoráveis à subsistência, independente de se tratar de

um AP ou não. Uma das principais conclusões do estudo é que se deve ter atenção às

aglomerações humanas do entorno na gestão de uma Área Protegida, já que podem ser uma

ameaça à conservação da biodiversidade.

Caso semelhante foi observado no Parque Nacional do Jaú, em que diversas famílias

de localidades vizinhas se instalaram dentro da área do PN por acreditarem que lá havia

melhores condições de vida. Os estudos aqui analisados trazem como conclusão que a

imigração de famílias independe da existência da Área Protegida, já que não é exatamente

essa condição que as famílias migrantes estão buscando. Porém, acredita-se que é inegável a

relação entre tais questões, uma vez que, se não fosse pela instituição das AP, provavelmente

essas áreas não contariam com as dinâmicas de vida que apresentam atualmente – e que em

alguns casos servem como atrativos de imigrantes.

Porém, independente de habitantes do entorno das AP se instalarem dentro delas, é

importante pontuar a relação direta entre as localidades da borda e as de dentro do perímetro,

que influenciam na mobilidade populacional,como a questão da mobilidade entre o rural e

urbano, ou entre dentro e fora da UC. Conforme pontuado na pesquisa de Pereira (2017, p.

136), “os moradores da reserva mantêm uma forte conexão com o urbano, seja para venda de

produtos agrícolas, seja para suprir necessidades básicas, seja para fugir dos períodos mais

críticos de permanência na reserva”.

A relevância em considerar esse fator é que ele afeta diretamente os processos de

mobilidade, sendo um equívoco conceber que as comunidades do interior de Áreas Protegidas

são isoladas e sem relações com o entorno. Trata-se de um tipo de mobilidade que tem grande

influência na mobilidade local, porém somente é captada pelos estudos feitos na microescala,

como no exemplo colocado por Pereira (2017, p. 137), em que afirma que as comunidades

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situadas no interior da RESEX demonstram “intensa dinâmica com o município de Fonte

Boa, e, na escala regional, esse município apresenta alta rotatividade migratória. Mas, se

analisarmos os dados para o estado do Amazonas, a migração nesses municípios tem um peso

menor e, no contexto da Amazônia Legal, não demonstra ter influência na dinâmica

populacional dessa região”.

Assim, tem-se, novamente, a importância em tomar distintas escalas no estudo das

mobilidades populacionais associadas às Áreas Protegidas da região Norte do Brasil. Na

presente pesquisa, a principal pergunta Norteadora, que tratava da hipótese de que, a partir

do momento que uma área é subordinada a rigorosas regras de uso e ocupação do solo, as

pessoas migrariam mais para locais com maior liberdade de uso. Trata-se de uma hipótese

construída no contexto macroescalar, porém só foi possível de ser respondida ao se tomar o

contexto microescalar, que proporcionou a observação de fenômenos que não seriam

captados ao se utilizar bancos de dados macro, configurando uma pesquisa multiescalar e,

portanto, interdisciplinar.

Por fim, à interdisciplinaridade também se deve o fato de ter sido tomado o termo

mobilidade como conceito condutor da pesquisa, que acabou por abordar não somente a

mobilidade enquanto fenômeno da mudança do espaço de vida de um indivíduo ou grupo,

mas também a mobilidade de temas e conceitos que se fizeram necessários para dar conta da

compreensão e caracterização de dinâmicas tão peculiares, e espetaculares, como as

observadas na Amazônia da região Norte do Brasil.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Áreas Protegidas são espaços instituídos em prol da conservação ambiental e,

por isso, contam com regras específicas de uso e ocupação do solo, incluindo normas sobre

atividades proibidas ou permitidas sob condições, dentro de seus perímetros, cujas restrições,

devido ao rigor na imposição de novos modos de vida, implicam na maior emigração de

residentes que saem desses locais em busca de novos espaços de vida em que podem viver sem

restritas normas. Foi essa afirmação que se constituiu na hipótese inicial da dissertação aqui

apresentada, que começou na busca de formas de prová-la através de dados quantitativos.

Através dos resultados da pesquisa tem-se que a hipótese primária, de que a

existência da AP implicaria no aumento da mobilidade, não é falsa – vide o caso do Parque

Nacional do Jaú e dos resultados obtidos na análise quantitativa -, mas que existe também toda

uma gama de fatores associados às mobilidades populacionais. Aqueles que saem das Áreas

Protegidas são motivados principalmente pela busca de melhores condições de estudo e saúde

para a família, fator que tem relação com a existência da AP, devido às regulamentações que

acabam por inibir a construção de equipamentos de saúde e escolas, porém não se trata de uma

relação direta.

Portanto, o fato de ser instituída uma Área Protegida em determinado território está

muito menos ligado à expulsão de residentes devido ao estabelecimento de regras, mas mais por

não oferecer alternativas locais de acesso à escolarização e à saúde básica, questão que abrange

a discussão sobre a presença de populações humanas em um espaço destinado à conservação

ambiental.

Além desse tipo de mobilidade, observou-se que existem aqueles que se instalam

nas Áreas Protegidas atraídos por condições de vida consideradas melhores que as oferecidas

nos locais de origem - sejam centros urbanos ou áreas isoladas no meio da floresta; tais

condições de vida, ligadas principalmente à organização social e formas de manejo de recursos

naturais, também atrai moradores antigos que foram tentar a vida em outros locais mas optaram

pelo retorno às Áreas Protegidas.

A discussão de população e ambiente é importante para ampliar o foco da discussão

da pressão populacional sobre os recursos naturais. Porém, atualmente, a questão vai muito

além disso e existem inúmeras formas de tratar essa relação que nem sempre é problemática ou

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conflituosa. Tem-se como exemplo as comunidades tradicionais associadas às Unidades de

Conservação da Amazônia, que atuam fortemente na conservação da natureza e têm

desenvolvido muitas técnicas “pouco agressivas” de uso de recursos, de gestão de resíduos e de

formas de organização social. É de extrema importância que o trabalho dessas comunidades

seja reconhecido e valorizado, pois é com auxílio da força delas que fragmentos da Floresta

Amazônica ainda permanecem em pé, contrariando o modelo de desmatamento para

agropecuária que há tanto tempo trabalha de forma exclusivamente extrativista na Amazônia,

situação que não se agrava de forma mais severa graças à atuação e organização dessas

comunidades, em trabalho conjunto com os órgãos ambientais (em sua maioria).

Durante as leituras e discussões acerca da temática, pôde-se perceber que não seria

possível tratar de um fenômeno tão multifacetado e multidimensional de uma forma

conservadora. Nessa busca por novos conceitos e por novas formas de tratar da complexidade

do fenômeno, com o estímulo de mentores muito egrégios, houve o entendimento de que o

conceito central deveria ser a mobilidade, em vez de somente a migração, e que o método

deveria ir por um viés multiescalar, em vez de somente quantitativo.

Neste momento, percebe-se que a pesquisa “se mobilizou” por um caminho muito

rico e instigante, uma vez que se iniciou apegada a uma hipótese que, supostamente, seria

captada de forma linear e dicotômica. Porém, no decorrer do desenvolvimento das leituras e

análises, diversos conceitos e “não-linearidades” foram tomando conta do processo, assim

como no paradigma da mobilidade de Urry (2000) e na inclusão das dimensões de escala como

relação e rede colocados por Puebla (2001).

Ao se apropriar de dois conceitos que abarcam questões subjetivas e

contemporâneas para contemplar um fenômeno multidimensional, pode-se compreender a

complexidade e riqueza das dinâmicas estudadas. O tipo de vida e de relações inerentes às Áreas

Protegidas da Amazônia ganham muito mais vida ao serem olhadas pela “lente escalar”

(MARANDOLA JR., 2011) e pelas questões imateriais associadas ao ir e vir dos habitantes

locais.

Afinal, o principal resultado da pesquisa é que, muito além da hipótese inicial, o

efeito da criação das Áreas Protegidas demanda um olhar interdisciplinar e abarca questões

subjetivas e relacionais que demandaram ser apreendidas sob a égide da mobilidade e atestadas

sob a égide da multiescalaridade. Isso não quer dizer que não existem outras formas, outros

conceitos, outros métodos ou outros recortes que dessem conta de tratar do fenômeno, mas que,

na condição e andamento do desenvolvimento da presente pesquisa, foram graças a esses dois

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conceitos que o problema pôde ser tratado interdisciplinarmente.

Ao se tomar esses dois conceitos edificantes para tratar do problema, foi possível a

conclusão de resultados que mostraram que a existência das Áreas Protegidas não trabalha

somente na expulsão de pessoas encorajadas pelo excesso de regras, pelo contrário, apresentou

um contexto em que as AP fixam os residentes e atraem tanto antigos quanto novos moradores.

A apreensão desses resultados demandou que fossem consideradas distintas questões que

estimulam o ato de se mover, tanto de ordem subjetiva e pessoal, como brigas familiares e

divórcios, quanto de ordem física e ambiental, como o regime de chuvas.

Ademais, faz-se importante pontuar sobre os desafios postos pela tentativa de

colocar em prática a multiescalaridade, no intuito de desassociar as leituras escalares das

estruturas disciplinares, visando desidentificar o método das suas disciplinas de origem –

sobretudo por se tratar de um estudo executado por uma pesquisadora bastante (pre)ocupada

com métodos e técnicas de pesquisa. Por fim, mais do que novos meios de estudar a mobilidade

e a escala, foi necessário que a própria pesquisadora vivenciasse uma mobilidade por entre os

temas e por diferentes dimensões escalares para que a pesquisa aqui apresentada tomasse forma,

mas não fim, por entender-se que as possibilidades de estudos sob a ótica da multiescalaridade

são, além de desafiantes e instigantes, muito amplas e relevantes.

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