UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS APLICADAS
ANDRESSA MENDES ARGENTA
MOBILIDADES POPULACIONAIS ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS
DO NORTE DO BRASIL, UMA ABORDAGEM MULTIESCALAR
LIMEIRA
2018
ANDRESSA MENDES ARGENTA
MOBILIDADES POPULACIONAIS ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS DO
NORTE DO BRASIL, UMA ABORDAGEM MULTIESCALAR
Dissertação apresentada como requisito final à
Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade
Estadual de Campinas para a obtenção do título de
Mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Orientador: Prof. Dr. Álvaro de Oliveira D’Antona
Co-Orientador: Prof. Dr. Roberto Donato da Silva Junior
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE
À VERSÃO FINAL DA
DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNA ANDRESSA MENDES
ARGENTA E ORIENTADA PELO
PROF. DR. ÁLVARO DE OLIVEIRA
D’ANTONA
LIMEIRA
2018
A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta
pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em
28/06/2018, considerou a candidata Andressa Mendes Argenta aprovada.
Professor Doutor Álvaro de Oliveira D’Antona (Presidente)
Professor Doutor Eduardo José Marandola Junior
Professor Doutor Roberto Luiz do Carmo
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no
processo de vida acadêmica da aluna.
LIMEIRA
2018
*Epígrafe recebida pela inspiradora Profa. Dra. Laís Silveira Fraga
AGRADECIMENTOS
A palavra-chave protagonista nesse percurso certamente foi mobilidade. Não só por
ser o tema central da pesquisa, mas por ter demandado que eu me movesse em todas as esferas,
física, emocional e intelectualmente. Para mim, a mobilidade só foi possível por poder contar
com portos seguros.
Agradeço à minha mãe, Mercedes, pelo apoio desmedido e pelo abraço que tudo
cura. Ao meu pai, Cesar, por acreditar em mim mais que eu mesma. Às minhas irmãs, Silvia e
Vanessa, por serem meu lugar de segurança, acolhimento e risadas.
Agradeço aos orientadores, Álvaro e Roberto, por ensinamentos tão valiosos.
Agradeço a todas as pessoas envolvidas no ICHSA, desde os professores aos
colegas, por acreditarem em outras formas de viver e olhar o mundo.
Agradeço aos amigos de longa data, Lou, Maria e Cauê, pelo encorajamento e o
cuidado de todos os dias.
Agradeço aos amigos dessa nova etapa da vida, Moa, Larissa e Rodrigo, por estarem
sempre presentes e serem incríveis parceiros de fuga.
Agradeço aos amigos feitos no mestrado, Heitor, Bárbara, Thiago, Marcela, Vivi e
Mônica, pelas trocas, risadas e conselhos. Em especial, agradeço ao Bruno, pelo ombro amigo,
conversas e aprendizados.
Agradeço ao Vinicius, por ter sido fonte inesgotável de força, abraços e cervejas.
Agradeço a todos aqueles que cruzaram meu caminho e ao caminho que eu percorri.
Por fim, agradeço a mim mesma, pela perseverança e coragem.
RESUMO
Áreas Protegidas (AP) são aquelas delimitadas por legislação específica cujo
objetivo principal é a conservação de um patrimônio, seja natural ou cultural. Para a presente
pesquisa foram levantadas as Unidades de Conservação e Terras Indígenas localizadas nos sete
estados da região Norte do Brasil, concluindo que metade do território da região está submetido
às regras específicas de uso e ocupação do solo inerentes às AP. Assim, o principal objetivo é
captar como se dão os efeitos da criação das Áreas Protegidas nos processos de mobilidade das
populações associadas às AP. O termo mobilidade abarca tanto o ato de se mover entre locais
associados às Áreas Protegidas quanto a apreensão de diferentes conceitos e métodos para tratar
o problema. Uma vez que a pergunta principal se deu em um contexto macroescalar, mas as
respostas somente podem ser obtidas ao se tomar dados obtidos na microescala, tem-se a
abordagem multiescalar, que permite uma leitura do problema sob diversas óticas. Para se
apropriar da multiescalaridade, foram utilizados dados macro, dos Censos nacionais, e dados
micro, de pesquisas já realizadas em Unidades de Conservação de distintas categorias. Desta
forma, tornou-se possível apreender que existem diversas formas de mobilidade associadas às
Áreas Protegidas, tratando-se de um fenômeno que demanda um tratamento interdisciplinar
para sua leitura e compreensão.
ABSTRACT
Protected Areas (PA) are those delimited by specific legislation whose main
objective is the conservation of a natural or cultural heritage. For the present research, were
taken the Conservation Units and Indigenous Lands located in the seven states of the northern
region of Brazil, concluding that half of the territory of the region is subject to the specific rules
of land use and occupation inherent to PAs. Thus, the main objective is to capture how the
effects of the creation of the Protected Areas in the processes of mobility of the populations
associated with PAs occur. The term mobility encompasses both the movement between sites
associated with Protected Areas and the apprehension of different concepts and methods to
address the problem. Since the main question was given in a macro-scalar context, but the
answers can only be obtained by taking data obtained at the microscale, we have the multi-scalar
approach, which allows a reading of the problem from different perspectives. In order to
appropriate the multiscalarity, macro data were used, from national censuses, and micro data,
from research already done in Conservation Units of different categories. In this way, it became
possible to perceive that there are several forms of mobility associated to Protected Areas, being
a phenomenon that demands an interdisciplinary treatment for its reading and understanding.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Esquema gráfico dos fatores de origem e destino e obstáculos intervenientes em
migração. .................................................................................................................................. 23
Figura 2 – Representação gráfica das escalas como lentes. ..................................................... 53
Figura 3 – Representação gráfica da prática interdisciplinar dentro da multiescalaridade. ..... 56
Figura 4 – Mapa de municípios e recobrimento por tipos de AP, na região Norte do Brasil... 71
Figura 5 - Gráfico de quantidade de municípios por tipos de AP, na região Norte do Brasil. . 72
Figura 6 - Gráfico de quantidade de municípios por porcentagem de território coberto por AP,
na região Norte do Brasil. ......................................................................................................... 73
Figura 7 - Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por AP
entre os municípios do Norte do Brasil. ................................................................................... 74
Figura 8- Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por UC
de Uso Sustentável entre os municípios do Norte do Brasil..................................................... 75
Figura 9 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991. ............. 77
Figura 10 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000. ........... 80
Figura 11 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010. ........... 82
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução dos quesitos relacionados à migração nos Censos brasileiros ................ 60
Tabela 2 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por
tipo de AP, entre 1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 78
Tabela 3 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre
1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 79
Tabela 4 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por
tipo de AP, entre 1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 80
Tabela 5 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre
1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 81
Tabela 6 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por
tipo de AP, entre 2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil. ........................ 83
Tabela 7 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre
2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil. .................................................... 84
LISTA DE SIGLAS
AP Áreas Protegidas
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FVA Fundação Vitória Amazônica
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
PNJ Parque Nacional do Jaú
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária
RESEX Reserva Extrativista
RESEX-AP Reserva Extrativista Auati-Paraná
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
RDSM Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
TI Terras Indígenas
UC Unidades de Conservação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14
1. ABORDAGEM CONCEITUAL: MOBILIDADE, MULTIESCALARIDADE E
INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................................. 20
1.1 Temas-chave: Migração e o contexto histórico das Áreas Protegidas na
Amazônia ................................................................................................................. 20
1.1.1 Migração: narrativa clássica .................................................................................... 20
1.1.2 Ocupação da Amazônia: processos migratórios na região Norte do Brasil .............. 27
1.1.3 Processo de criação e implantação de Áreas Protegidas na região Norte
do Brasil ................................................................................................................... 34
1.2 População, Ambiente e Interdisciplinaridade .......................................................... 38
1.2.1 Campo de População e Ambiente ............................................................................ 38
1.2.2 Interdisciplinaridade ................................................................................................ 41
1.2.3 Mobilidade e Multilocalidade .................................................................................. 43
1.2.4 Multiescalaridade ..................................................................................................... 50
1.3 Construção da abordagem da pesquisa .................................................................... 58
1.3.1 Materiais e Métodos ................................................................................................ 64
1.3.1.1 Tratamento dos dados .............................................................................................. 66
2 ESCALAS DA MOBILIDADE: RESULTADOS ............................................... 70
2.1 Análises quantitativas entre variáveis territoriais e populacionais .......................... 73
2.2 Análises qualitativas de estudos de caso ................................................................. 86
2.2.1 Tese de doutorado “Distribuição e mobilidade espacial da população em Unidades
de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia brasileira: o caso da Reserva
Extrativista Auati-Paraná” ....................................................................................... 87
2.2.2 Estudo sociodemográfico “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá” ............................................................................................ 91
2.2.3 Projeto/Livro “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: uma
estratégia para a conservação da biodiversidade” ................................................... 96
3 MOBILIDADES ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS NA REGIÃO
NORTE DO BRASIL .......................................................................................... 101
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 110
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 113
14
INTRODUÇÃO
A mobilidade é um fenômeno muito presente na dinâmica humana daqueles que
habitam a Amazônia. Muito se engana quem a associa somente a uma floresta imponente e
intocada, de mata e vida homogênea. Amazônia é movimento – de água, de bicho, de vento,
de barco, de gente. Muita gente. Bertha Becker já alertou, desde a década de 1990, da
importância das cidades no contexto amazônico. Cidade só existe com movimento, de gente,
de carro, de trabalho, de mercadorias, de produções.
Inseridas em um bioma com grande apelo preservacionista, as populações
humanas dos ambientes não urbanizados da Amazônia se deparam com questões que podem
ser consideradas conflitantes. Assim, em um cenário em que coexistem a necessidade de
produção econômica – que invariavelmente resulta em exploração do meio ambiente – e uma
relação subjetiva de afetividade entre o homem e a natureza, nasce a ideia de reservar
algumas áreas, normalmente de floresta primária, para fins exclusivos de preservação e
conservação ambiental, visando regular as formas de ocupação do solo e proteger populações
tradicionais que mantêm relação direta de afeto e sobrevivência com essas áreas. No Brasil,
algumas destas áreas recebem a denominação de Unidades de Conservação (UC) e foram
criadas na Amazônia de forma pioneira – a primeira área protegida ambientalmente foi a
Reserva Florestal do Acre, criada em 1911.
As Unidades de Conservação, no Brasil, são regulamentadas pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criado através da Lei nº 9.985, de 18 de
julho de 2000, que estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
Unidades de Conservação. As UC são entendidas como o “espaço territorial e seus recursos
ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos,
sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”
(BRASIL, 2000).
As UC podem ser de duas modalidades:
a) Proteção Integral, onde deve haver a mínima interferência humana, podendo
ser categorizadas em: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional,
Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre, cada uma com características
15
específicas de gestão e tipos de uso do solo. Destas, as três primeiras não permitem
áreas particulares e residência de pessoas dentro de seus limites;
b) Uso Sustentável, que visa compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Podem ser categorizadas em:
Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta
Nacional, Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento
Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Também são
especificadas formas de uso e ocupação do solo para cada categoria, sendo
permitida a ocupação humana na maioria delas, desde que não conflitem com os
objetivos de conservação da UC, com exceção das Florestas Nacionais e das
Reservas de Fauna.
No Brasil há outra forma de reserva de área com fins de conservação: as Terras
Indígenas (TI), que visam assegurar o cumprimento do art. 231 da Constituição Federal de 1988,
prevendo reconhecer aos indígenas sua “organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988). A cláusula
1º define as TI como as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua
reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), as Terras Indígenas
podem ser de quatro modalidades (BRASIL, 1973): a) Tradicionalmente Ocupadas – com
direito originário dos povos indígenas; b) Reservas Indígenas – terras doadas por terceiros,
adquiridas ou desapropriadas pela União; c) Terras Dominiais - de propriedade das
comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos
termos da legislação civil; d) Interditadas - áreas interditadas pela FUNAI para proteção dos
povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito
de terceiros na área.
O processo de demarcação das Terras Indígenas é bastante complexo e muitas
áreas ainda não se encontram completamente regularizadas; atualmente as TI podem estar
em situação homologada, em estudo, delimitada, declarada ou regularizada.
16
Em suma, tanto as UC quanto as TI são áreas que contam com diversas regulações
sobre as formas de uso e ocupação do solo, sobre quais atividades econômicas e sociais são
permitidas, entre outras regras colocadas pelo SNUC e pela FUNAI. Por se tratar de espaços
cujo uso é extremamente regulado por uma legislação específica, pode se refletir sobre o
efeito que isso tem nas populações que habitam tais ambientes.
A presença humana nesses espaços acaba por, inevitavelmente, gerar alguns
conflitos. E parece que a compreensão de tal problemática só pode ser guiada através de uma
abordagem essencialmente interdisciplinar. De acordo com Morin (1973), em sua obra “O
paradigma perdido”, a ciência carece de reintegrar o homem ao universo, criticando o modo
de funcionamento da sociedade contemporânea, que se baseia na disjunção absoluta entre
sociedade e natureza. Para Irving et. al. (2008, p. 1), um grande destaque da obra de Morin é
a percepção de que a compartimentação resultante da perspectiva disciplinar impede a
relação entre as partes e o todo.
A este respeito também contribui Bertha Becker, ao afirmar que, ao se estabelecer
as políticas ambientais específicas que visam dar conta da relação entre dinâmicas sociais e
conservação da natureza, compõe-se um processo extremamente complexo que demanda da
perspectiva inter (e trans) disciplinar, visando a compreensão e factibilidade de uma gestão
condizente com o propósito colocado, porque a natureza tem localização geográfica e formas
de apropriação particulares, “o que a insere, necessariamente, no contexto das relações
sociais. Essa condição implica reconhecer que há diferentes projetos para sua utilização,
correspondentes à variedade de significados e de meios disponíveis pelas sociedades, seus
atores, e em diferentes escalas geográficas” (BECKER, 2009, p. 17).
Assim, entende-se que, apesar da conservação da natureza ser uma pauta global,
faz- se necessário compreender a contextualização histórica e social de cada local,
considerando as diferentes escalas de análise e a relevância das dinâmicas sociais inerentes
aos espaços, sejam eles naturais ou não. Porém, nesse recorte específico da interação entre
natural e social, afirma- se a impossibilidade de estudar um sem o outro.
Em uma perspectiva mais pragmática, a degradação dos ecossistemas e,
especificamente, da matriz de biodiversidade do planeta, depende, em grande
parte, da ação humana e a condição humana depende, reciprocamente, do
‘estado’ da natureza e de sua interpretação simbólica. Nesse sentido, natureza
pode representar qualidade de vida ou sua deterioração, e sua interpretação
não se dissocia da dinâmica social (IRVING et. al., 2008, p. 2).
17
Portanto, o estudo da natureza deve passar pelas dinâmicas sociais, inclusive pelos
processos de mobilidade populacional, que envolvem muitas questões que têm origem e que
interferem na relação entre natureza e dinâmicas sociais. Na Amazônia não é diferente, sendo
também um espacço que contou com diversos e distintos eventos de mobilidade, como
apontado por Neves (2000, p. 93). Segundo o autor, ao elaborar um estudo referente à
arqueologia amazônica, pode-se apontar três “fases” principais da mobilidade de populações na
Amazônia: a primeira relacionada a fatores essencialmente ecológicos, uma vez que os
assentamentos das populações tradicionais eram estabelecidos de acordo com a disponibilidade
de recursos e, quando os recursos escasseavam, partia-se para nova área; a segunda conta com
fatores que não são unicamente ecológicos, com práticas de técnicas de agricultura, onde havia
a possibilidade de cultivo de uma área por até noventa anos, então a mobilidade dos
assentamentos se dava por variáveis como relações de parentesco ou disputas políticas no nível
local; a terceira são os padrões contemporâneos de mobilidade dos assentamentos, enquanto
uma resposta à pressão exercida pelo ritmo desordenado de ocupação da Amazônia.
Uma das ações governamentais concebidas para dar conta da questão conservação da
natureza e ocupação humana foi o estabelecimento das Áreas Protegidas1 – caracterizando um
primeiro indício da relação entre os dois fenômenos. Assim, a questão da proteção da natureza
assume um viés político, envolvendo disputas por interesses específicos e, muitas vezes,
conflitantes, no que diz respeito ao uso da terra. Uma vez que a criação das Áreas Protegidas
influencia no ordenamento territorial, cria-se um cenário de processos conflituosos, porém,
trata-se de um processo essencial na busca de desenvolvimento com justiça social e
conservação ambiental (CASTRO JR. et. al., 2009, p. 48).
A pesquisa desenvolvida na dissertação aqui apresentada gerou resultados que
apontam para o fato de que metade da área da região Norte do Brasil está recoberta por
Unidades de Conservação e/ou Terras Indígenas, ou seja, metade do território está sujeito a
rigorosas regras de uso e ocupação do solo. Sabendo que, dependendo da categoria da Área
Protegida, certas práticas - como habitação, criação de animais, tipos de plantações, formas de
extração e uso de recursos naturais - são proibidas ou permitidas sob condições e normas
específicas, abre-se espaço para o questionamento sobre de que modo as restrições e mudanças
no modo de vida, impostas pela legislação e considerando tantas peculiaridades inerentes a
1 No Brasil, as Áreas Protegidas (AP) são o conjunto de Unidades de Conservação, Terras Indígenas
e Quilombolas. Porém no presente trabalho a terminologia será utilizada para considerar a associação de UC e TI.
18
estes espaços, afetam a mobilidade das populações que ali vivem. Foi esta a principal
indagação que guiou a construção desta dissertação, que tem como recorte geográfico os sete
estados da região Norte do Brasil2, a saber: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima
e Tocantins. O recorte temporal abarca dados populacionais e territoriais obtidos desde 1986
até 2015, ou seja, considera um espectro de 30 anos.
Assim, a pesquisa teve início com a hipótese inicial de que quanto maior a
presença de uma Área Protegida em determinado território, maior seria a emigração de pessoas
– porém, no decorrer do texto esta hipótese vai se mostrando não tão dicotômica como aqui
colocada, mas como um dos fatores de um cenário que abarca múltiplos processos associados
à mobilidade populacional.
O principal desafio posto está associado à investigação e caracterização de
processos de mobilidade associados à existência de Áreas Protegidas, por se tratar de um
fenômeno que não conta com dados específicos oriundos de pesquisas como Censos ou PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e que não pode ser explicado somente através
do conceito de migração (como será explicado adiante).
Assim, entende-se que conceitos e métodos interdisciplinares podem oferecer
maneiras de se trabalhar com a questão de forma mais adequada, por possibilitar diferentes
formas de enxergar e tratar a problemática. Há, também, o entendimento de que a escolha de
uma única escala de análise não seria suficiente para trabalhar com a hipótese, sendo
imprescindível a adoção de conceitos e métodos interdisciplinares, visando o aproveitamento
das potencialidades de distintos métodos que se fazem necessários ao se olhar o contexto de um
local tão único como a Amazônia.
Por isso, a presente pesquisa toma dois conceitos como basilares na investigação
da hipótese: mobilidade e multiescalaridade. A mobilidade é um conceito que abarca os
processos de movimentação da população humana - por meio dos quais é possível discutir a
multilocalidade, um fenômeno bastante comum na dinâmica social e demográfica de povos
amazônicos -, porém, conta com uma discussão mais profunda, a partir do paradigma da
mobilidade de John Urry (2000), que atenta para uma apreensão além da movimentação física,
com a mobilidade abarcando também a movimentação de questões imaginativas, virtuais e
2 Faz-se importante pontuar que as Áreas Protegidas localizadas nos sete estados da região Norte do
Brasil contam com dinâmicas populacionais características de questões associadas à Amazônia como um todo,
seja em relação à história ou a características físicas e ambientais. Por isso, aqui, o recorte geográfico tem fins de
padronização do banco de dados que será apresentado adiante, porém utiliza-se o termo Amazônia para localizar
o contexto físico e social das questões abordadas.
19
comunicativas. É importante destacar que houve muito ganho para o desenvolvimento desta
dissertação a prática de uma mobilidade entre conceitos, disciplinas, métodos, campos,
escalas. Assim, toma-se a mobilidade como um conceito que ajuda a explicar o efeito da
criação das Áreas Protegidas na população de forma interdisciplinar.
Já sob o espectro da multiescalaridade, tem-se a possibilidade de utilização de
métodos distintos, visando aproveitar as potencialidades de cada recorte escalar/metodológico.
Porém, dentro desse espectro, faz-se importante ter o entendimento de que a multiescalaridade
vai além de uma simples mudança da hierarquia do recorte escalar, mas que vai adquirindo
novos significados de acordo com as relações, redes, práticas sociais, condições históricas.
Em suma, foi sob os preceitos destes dois conceitos que se tornou admissível o
desenvolvimento uma pesquisa que se utiliza da integração de diferentes tópicos e métodos.
Para dar conta da caracterização do problema e das formas utilizadas para estudá-lo, a
dissertação é segmentada em três capítulos principais: o primeiro se ocupa do resgate
bibliográfico dos temas-chave (migração e Áreas Protegidas), dos conceitos edificantes
(mobilidade e multiescalaridade) e da questão de materiais e métodos, trazendo os principais
desafios metodológicos encontrados e a fundamentação da escolha do método utilizado. Já no
segundo capítulo são apresentados os resultados das análises obtidas a partir da manipulação
de banco de dados populacionais e territoriais, considerando a macroescala, e das análises
obtidas na microescala, através de revisão bibliográfica de pesquisas já realizadas em Unidades
de Conservação localizadas na região Norte do Brasil. Por fim, o último capítulo aborda as
conclusões obtidas sobre as mobilidades associadas às Áreas Protegidas.
20
1. ABORDAGEM CONCEITUAL: MOBILIDADE,
MULTIESCALARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE
O primeiro capítulo traz os conceitos, reflexões e análises que levaram à construção
da problemática da pesquisa dentro de um programa interdisciplinar, visando esclarecer
questões que serviram de embasamento e estímulo para se pensar os processos de mobilidade
populacional relacionados às Áreas Protegidas dos sete estados do Norte do Brasil. Para isso,
faz-se necessária uma revisão bibliográfica dos temas-chave – primeira parte do capítulo -, para
então passar-se à segunda parte, visando a explanação dos conceitos edificantes, como a
discussão sobre população e ambiente e de questões associadas à mobilidade, multilocalidade,
multiescalaridade e interdisciplinaridade e ter, na terceira parte, a explicação dos aspectos
metodológicos da pesquisa.
1.1 Temas-chave: Migração e o contexto histórico das Áreas Protegidas
na Amazônia
O subcapítulo dos temas-chave aborda um resgate da bibliografia já consolidada a
respeito da migração, enquanto conceito disciplinar, e da ocupação da Amazônia, cuja história
é diretamente ligada aos processos migratórios. Desta forma, este subcapítulo divide-se em três
seções: a primeira trazendo as narrativas clássicas da migração, a segunda abordando a
ocupação da Amazônia e o terceiro com o histórico das Áreas Protegidas na região.
1.1.1 Migração: narrativa clássica
Os processos de mobilidade populacional ocorrem desde que se tem conhecimento
da história humana, porém a produção bibliográfica a respeito do tema não é de longa data. Um
dos primeiros marcos teóricos do até então incipiente campo de estudo das migrações é a
publicação, em 1885, do estudo chamado “As leis da migração”, de Ernst Ravenstein. Segundo
o autor, esta pesquisa se fazia necessária para contestar a publicação de William Farr, médico
sanitarista e estatístico inglês, na qual afirmou que as migrações pareciam ocorrer sem qualquer
lei definida.
O objetivo do estudo era analisar os dados provenientes do Censo do Reino Unido
de 1881, no qual o autor classificou os elementos componentes dos processos migratórios
21
e os tipos de migrantes. Assim, a partir da análise destes dados, Ravenstein colocou a
existência de sete leis da migração.
O autor foi um dos primeiros a atentar para a importância das grandes cidades
enquanto focos de atração de migrantes, afirmando que as grandes cidades proporcionam
facilidades à divisão e à combinação do trabalho, ao exercício das artes e à prática de todas
as profissões e fazendo com que, a cada ano, um número maior de pessoas se instale nesses
centros. “Outros aspectos que induzem a migração são as facilidades educacionais, a
salubridade do clima ou a carestia da vida” (RAVENSTEIN, 1885, p. 191, tradução nossa).
Em 1966, Everett Lee publicou um estudo em que analisa as conclusões de
Ravenstein; as leis estabelecidas por Ravenstein, na forma sistematizada por Lee (1966, p.
47, tradução nossa), são:
1. Migração e distância – a maioria dos migrantes se desloca a curtas distâncias; o
número de migrantes diminui à medida que aumenta a distância de um centro de
absorção; os migrantes que se deslocam a longa distância dirigem-se para um
grande centro comercial ou industrial;
2. Migração por etapas – consequência das correntes migratórias que se orientam
para os grandes centros comerciais e industriais absorvedores de migrantes;
pessoas que residem nas cercanias de uma cidade em crescimento deslocam-se
para ela, sendo os vazios deixados pela população rural preenchidos por migrantes
oriundos de distritos mais remotos, até que a força de atração de uma destas
cidades passe a ser sentida nos mais remotos pontos do território;
3. Fluxo e refluxo – cada corrente migratória principal produz uma corrente
inversa compensatória (a terminologia moderna chama este processo de corrente
e contracorrente);
4. Diferenças urbano-rurais na propensão a migrar – naturais das cidades migram
menos que os naturais das áreas rurais;
5. Predomínio das mulheres entre os que migram a curtas distâncias – as mulheres
parecem predominar entre os migrantes que percorrem trajetos curtos;
6. Tecnologia e migração – incremento dos meios de locomoção e o
desenvolvimento da indústria e do comércio contribuíram para aumentar a
migração;
7. Predomínio do motivo econômico – leis opressivas, tributação onerosa, clima
insalubre etc., produziram e continuam a produzir correntes migratórias, mas não
22
são comparáveis, em volume, com a que resulta do desejo inerente dos homens de
melhorar sua situação material.
Mesmo com 80 anos de diferença entre as publicações, Lee enfatiza que, ao
divulgar seu artigo, houve poucos avanços em relação ao estudo da migração de Ravenstein.
Embora tenham havido muitos estudos sobre gênero e migração, idade e migração, distância e
migração etc., foram escassas as referências à magnitude dos fluxos, sendo poucos também os
que consideraram os motivos da migração ou a assimilação dos migrantes nos locais de
destino.
A maior parte dos ensaios teóricos sobre migração, até meados de 1960, versava
sobre a relação entre migração e distância, procurando estabelecer formulações matemáticas
acerca desta relação. Assim, Ravenstein parecia ter sido a última pessoa a realizar uma
comparação detalhada sobre o volume das migrações internas e das características dos
migrantes em nível de um número considerável de nações (LEE, 1966, p. 49, tradução
nossa).
Em termos gerais, ainda se baseando nas conclusões de Lee (1966, p. 50, tradução
nossa), pode-se dizer que a consideração da migração interna estava divorciada de
considerações acerca da imigração e da emigração internacional e também que os
movimentos mais curtos, como os internos entre distritos, não eram considerados juntamente
com os movimentos de distâncias mais longas, que se consideram, mais propriamente, como
sendo os migratórios. Igualmente, as migrações forçadas, tais como os movimentos dos
refugiados da Segunda Guerra Mundial, não eram abrangidas às chamadas migrações livres.
Visando propor novas conclusões, primeiramente Lee (1966, p. 51, tradução nossa)
definiu migração como uma mudança permanente, ou semipermanente, de residência. Não
são postas limitações quanto à distância do deslocamento, ou à natureza voluntária ou
involuntária do ato, ou à distinção entre migração externa e interna. Não foram incluídas na
definição todas as classes de mobilidade espacial, como os movimentos nômades, ou dos
trabalhadores migratórios, para os quais não existe residência durante período prolongado,
ou dos deslocamentos temporários. Independente da distância ou da dificuldade, todo ato
migratório implica um lugar de origem e um lugar de destino, com uma série de obstáculos
intervenientes.
É importante ressaltar que, para cada autor, tem-se uma diferente definição do que
seria migração, não havendo um consenso. O que alguns estudiosos colocam como uma
acepção que deveria ser tomada como oficial é aquela proposta pelo Manual VI dos
23
“Manuais sobre métodos de cálculo de população” da Organização das Nações Unidas,
publicado em 1972. De acordo com este manual, migração é simplesmente a mudança do
lugar de residência, ou seja, ir viver em um novo local.
Porém sabe-se que a distância é algo que deve ser considerado, já que alguém que
muda de apartamento em um mesmo prédio está mudando seu local de residência sem ser
um migrante. Portanto, só devem ser considerados como migratórios aqueles movimentos
entre localidades que se encontram a uma distância razoável (ONU, 1972, p. 1, tradução
nossa).
Apesar de distintos aspectos associados ao conceito de migração não serem
rigorosamente definidos, o que se pode afirmar com certeza é que o ato de migrar deve ser
motivado por algo de grande magnitude na vida do migrante, sejam aspectos pessoais,
(geo)políticos, climatológicos, entre tantos outros.
Para Lee (1966, p. 51, tradução nossa) existem quatro fatores que entram na decisão
de migrar e do processo migratório: a) Fatores associados ao local de origem; b) Fatores
associados ao local de destino; c) Obstáculos intervenientes; d) Fatores pessoais. Os três
primeiros são representados graficamente (Figura 1) em um esquema de atração e repulsão
entre origem e destino com os obstáculos entre um e outro. Sabe-se que em qualquer área
existem fatores que atuam no sentido de reter as pessoas ou de atraí-las, enquanto outros
tendem a expulsá-las. Existem ainda fatores diante dos quais as pessoas mostram-se
indiferentes.
Figura 1 – Esquema gráfico dos fatores de origem e destino e obstáculos intervenientes em migração.
Fonte: LEE, 1966, p. 51.
Alguns fatores afetam a maioria das pessoas praticamente da mesma maneira,
enquanto que outros atingem pessoas distintas de maneiras diferentes. A variedade de fatores
não torna possível especificar quais estimulam ou inibem a migração de uma pessoa
24
determinada, sendo possível apenas expor alguns que parecem ser de especial importância,
verificando-se a reação geral de um grupo considerável de pessoas.
Os fatores associados à área de origem estão baseados no conhecimento imediato
que as pessoas têm do lugar, permitindo uma avaliação meditada e sem precipitações, ainda
segundo Lee (1966, p. 52, tradução nossa), o que não acontece com a área de destino, que
não se baseia em um conhecimento exato sobre o lugar, já que as vantagens e desvantagens
da área somente são perceptíveis ao se viver nela. Outra importante diferença está nas etapas
do ciclo vital, porque na área de origem normalmente foram vividos anos de boa saúde da
juventude e ausência de responsabilidades fastidiosas, enquanto na área de destino são
associadas dificuldades com a assimilação a um ambiente novo.
Embora a migração possa ser resultado de uma comparação dos fatores presentes
nos locais de origem e destino, um simples cálculo das vantagens e desvantagens não resulta
no ato de migrar. O saldo a favor do deslocamento deve ser suficientemente forte para vencer
a inércia natural que sempre existe. Os obstáculos podem ser leves em certos casos, mas
insuperáveis em outros, podendo ter as dificuldades aumentadas em certas realidades, como
quando se incluem dependentes, como crianças e idosos, no processo migratório.
Apesar de atestar conclusões obtidas a partir de dados empíricos, que podem
mostrar a migração como algo “lógico”, a grande contribuição de Lee para os estudos
migratórios está em ressaltar a importância dos fatores pessoais, ou seja, a relevância de
questões de ordem subjetiva e particular de cada indivíduo, que podem trabalhar no sentido
de facilitar ou retardar a migração, já que o que leva à migração é a percepção pessoal que se
tem a respeito dos fatores dos locais de origem e destino.
Os fatores pessoais podem ser entendidos como a sensibilidade pessoal, a
inteligência e o conhecimento das condições existentes em outros lugares, fazendo parte da
avaliação da situação no local de origem, enquanto que, no local de destino, o conhecimento
da situação depende dos contatos pessoais ou fontes de informação, o que nem todos têm
acesso. Portanto, a decisão de migrar nunca é completamente racional, fazendo com que haja
muitas singularidades nas generalizações feitas (LEE, 1966, p. 53, tradução nossa).
Ainda analisando as teorias clássicas da migração, faz-se importante resgatar as
contribuições de Paul Singer neste tema, em um ensaio elaborado para o Grupo de Trabalho
sobre Migrações Internas da Comissão de População e Desenvolvimento do CLACSO
(Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e que foi, posteriormente, publicado em
uma coletânea da CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em 1976.
25
Neste trabalho, Paul Singer também abordou e discutiu as leis da migração
determinadas por Ravenstein, que, segundo Singer (1976, p. 217), não podem ser aplicadas
a qualquer processo migratório. Para o autor, as migrações internas são historicamente
condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não devem
ser separadas. Encontrar, portanto, os limites da configuração histórica que dão sentido a um
determinado fluxo migratório é o primeiro passo para seu estudo.
A configuração histórica abrange a situação econômica local e mundial de certo
território, sendo o ponto-chave do artigo de Singer a compreensão de que “as migrações
internas não parecem ser mais que um mero mecanismo de redistribuição espacial da
população que se adapta, em última análise, ao rearranjo espacial das atividades econômicas”
(SINGER, 1976, p. 219).
No contexto do processo de industrialização nos moldes capitalistas sabe-se que
esta não se dá de forma espontânea, dependendo diretamente de arranjos institucionais que
acabam por concentrar espacialmente as atividades e, consequentemente, concentrar o
capital. Enquanto uma das consequências deste processo, a urbanização assume
características próprias no capitalismo, no qual as decisões locacionais são tomadas apenas
em função da microeconomia, decorrendo em variadas tentativas de “desenvolvimento
regional”, cujo modus operandi é intervir, mais uma vez, no quadro institucional de modo a
fazer com que o sistema de preços relativos reoriente os investimentos para novas regiões, o
que torna a distribuição das atividades no espaço menos heterogênea.
Desta forma, com a criação de desigualdades regionais, as migrações internas
ganham grande força para “acompanhar” o processo de industrialização, uma vez que a
população das áreas desfavorecidas sofre um empobrecimento relativo, com o nível de vida
baixo, os horizontes culturais limitados e oportunidades econômicas quase inexistentes
(SINGER, 1976, p. 223).
Ainda de acordo com Singer (1976, p. 223), existem dois fatores que trabalham no
sentido de expulsar as populações dos locais de residência: fatores de mudança e fatores de
estagnação. Os de mudança ocorrem quando há a introdução de relações capitalistas nessas
áreas que acarreta na expropriação de camponeses, expulsão de agregados e outros
agricultores não proprietários.
Os fatores de estagnação têm ação quando aumenta a pressão populacional sobre
uma disponibilidade de áreas cultiváveis que podem ser limitadas tanto pela “insuficiência
física de terras aproveitáveis como pela monopolização de grande parte da mesma pelos
26
grandes proprietários” inexistentes (SINGER, 1976, p. 224). Esses fatores resultam da
incapacidade dos produtores, que vivem sob o sistema de subsistência, de aumentarem a
produtividade e, portanto, a renda provinda da terra, ocasionando na saída dos habitantes
dessas áreas.
Ainda sobre o artigo de Singer, o autor explana durante todo o texto sobre a
influência dos arranjos institucionais em prol das empresas capitalistas e como isto afeta as
migrações internas. Assim, é possível pensar em diversos movimentos migratórios do
contexto histórico e econômico brasileiro, inclusive das frentes de povoamento das terras do
interior, que, mesmo que não tivessem como principal bandeira a industrialização, foram
fortemente induzidas por arranjos governamentais e institucionais.
Se os limites da configuração histórica que dão sentido a um determinado fluxo
migratório constituem o primeiro passo para seu estudo (SINGER, 1976, p. 217), faz-se
necessário compreender como se deu a ocupação da Amazônia por povos não-tradicionais e
os fatores atuantes em tais movimentos, assunto que será abordado ainda neste capítulo.
As contribuições de Ravenstein são importantes marcos no desenvolvimento do
conceito de migração por abordarem questões que trabalham no sentido de induzir ou inibir
processos migratórios populacionais, porém, o esforço em determinar leis que, teoricamente,
se apresentariam de forma clara e “lógica” não se aplica a um contexto de estudo dentro das
ciências sociais.
Considerando a formação histórica brasileira, acredita-se que as colocações de
Singer são mais apropriadas para dar conta da realidade da ocupação humana na Amazônia,
por se tratar de uma área que contou, em diferentes momentos, com a atuação de fatores de
mudança, fatores de estagnação e de componenentes governamentais e institucionais que
refletiram/refletem na dinâmica populacional local.
Por ora, após esta abordagem teórica da migração, pontua-se que existem limitações
que a presente pesquisa enfrentaria dentro de um programa disciplinar, relacionados
principalmente à padronização de dados e modelos, além da exigência de bancos de dados
específicos e compatibilização de escalas, entre outras questões. É importante destacar que
nem todas as realidades, seja no âmbito do fenômeno propriamente dito ou das questões
burocráticas envolvidas no seu estudo, contemplam tais especificidades. Desta forma, fez-se
necessária a busca de outros conceitos que melhor se apropriassem da temática de estudo –
como mobilidade, multilocalidade e multiescalaridade, como será melhor discutido em
tópicos vindouros.
27
1.1.2 Ocupação da Amazônia: processos migratórios na região Norte do
Brasil
Os processos de mobilidade assumem papel central na história de populações
humanas na Amazônia, uma vez que a ocupação da região por povos não indígenas teve
início já no processo de colonização portuguesa, tendo áreas de exploração escravagista, e
no decorrer do tempo foi recebendo levas de imigrantes ingleses, japoneses, entre outros.
A história de ocupação e modificação dos modos de vida tradicionais amazônicos é
marcada pela intensa exploração da natureza e das comunidades tradicionais. Como colocado
por Violeta Loureiro (2002, p. 19)
Os primeiros conquistadores e colonizadores não se conformaram em ver
aquela terra, que lhes parecia ser o paraíso terrestre, ocupada por povos que
julgavam bárbaros, primitivos, rudes, preguiçosos e, possivelmente
desprovidos de uma alma! Dos primeiros séculos da colonização aos
governantes, políticos e planejadores dos dias atuais, a história da Amazônia
tem sido o penoso registro de um enorme esforço para modificar aquela
realidade original. Trata-se de uma tentativa de domesticar o homem e a
natureza da região, moldando-os à visão, à expectativa de exploração do
homem de fora (estrangeiros no passado, brasileiros e estrangeiros no
presente).
Um dos modos de produção mais marcantes da região está associado ao movimento
seringalista, focado na prática de extração de látex das seringueiras, cuja exploração atraiu
diversos migrantes oriundos principalmente da região Nordeste do Brasil, em um movimento
claramente caracterizado pelos fatores de mudança citados por Singer (1976, p. 223).
O primeiro ciclo da borracha, que aconteceu desde o final da década de 1870 até o
início da década de 1910, teve grande importância no contexto econômico nacional, uma vez
que a borracha se tornou o segundo produto mais exportado do país, perdendo apenas para o
café. Os primeiros seringueiros chegaram à Amazônia na década de 1870, a maioria vindos
da região Nordeste do Brasil, em um movimento que foi encorajado para “escaparem da seca
em direção à Amazônia, terra considerada superabundante e inabitada” (OLIVEIRA FILHO,
2012, p. 1).
Os seringais eram territórios livres, de domínio absoluto do patrão-seringalista,
latifundiário, cuja estrutura física era dotada do barracão (lugar do “escritório” e de
armazenagem do material indispensável à manutenção dos seringueiros, onde trabalhavam
os empregados mais graduados do local), da casa do seringalista (sempre a melhor e mais
28
estruturada residência do local, muitas vezes com mobília importada da Europa) e, “no
interior da floresta, isolado e solitário, vivia o seringueiro, morando numa tapera com um
quarto, assoalho e paredes de paxiúba e coberta com palha de jarina” (COSTA, 2002, p. 57).
Em um claro sistema de exploração de mão de obra, o trabalho dos seringueiros
contava com práticas análogas ao trabalho escravo, uma vez que, como colocado por Oliveira
Filho (2012, p. 1), o seringalista, o senhor dos seringais, introduzia os retirantes em um
sistema vicioso de dívidas, em que a precária residência que habitavam e os mantimentos
obtidos no barracão eram descontados do seu “salário”, que era proporcional à quantidade de
látex extraído e levado ao barracão para pesagem. Desta forma, “o sonho de voltar com uma
boa quantia de dinheiro à terra natal se tornava uma utopia inatingível” e muitos seringais
foram abandonados pelos trabalhadores, que precisavam fugir às escondidas.
O segundo ciclo da borracha, ocorrido entre 1942 e 1945 por estímulo da demanda
norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial, implicou na criação de políticas e
projetos do governo Getúlio Vargas para, então, sanar três problemas: “produzir borracha
suficiente para atender à demanda externa, povoar a Amazônia (que sempre foi vista, pelos
governantes, como um verdadeiro vazio demográfico) e resolver a crise campesina que se
instalara na região Nordeste em virtude da grave seca” (OLIVEIRA FILHO, 2012, p. 2).
Assim, tem-se um importante marco de ação governamental na região, no período
pós- colonial: a “Marcha para Oeste” - uma diretriz que visava a integração territorial do
país, lançada em 1940 pelo então presidente Getúlio Vargas, através de um processo de
interiorização do Brasil feito por migrantes vindos das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do
país. Em um estudo de George Martine (1989, p. 47), o autor destaca a política de migração
que visava transferir trabalhadores do Nordeste árido para os seringais da Amazônia, como
parte do esforço de guerra durante a década de 1940. Vítimas da seca nordestina, muitos
destes trabalhadores se transferiram para a região amazônica, porém não se adaptaram à
dureza das condições de trabalho e de vida dos seringais.
Assim, foram criados órgãos governamentais com a finalidade de mobilizar
trabalhadores e também de construir mais infraestruturas para “fixar” o montante
populacional que se instalara na região. “As decisões explícitas do governo significaram uma
orientação definida para a ocupação da fronteira desabitada, produzindo impactos
duradouros, além da simples transferência de migrantes, embora ao custo de muitos
sacrifícios para os migrantes envolvidos” (MARTINE, 1989, p. 48).
Após a crise americana de 1929, uma das táticas de recuperação econômica do
29
Brasil foi o investimento na expansão das fronteiras agrícolas para ampliar a produção e o
mercado interno. Assim, através de um conjunto de ações governamentais, como
implantação de colônias agrícolas, abertura de novas estradas, obras de saneamento rural,
construção de hospitais, entre outras, esta política objetivava a “integração nacional e,
concomitantemente, a organização dos territórios, garantindo dessa forma, além da
segurança e da efetiva posse, a exploração produtiva de imensas regiões fronteiriças
praticamente inabitadas” (LOPES, 2002, p. 28)
Como parte do Projeto Marcha para Oeste, foi publicada, em 3 de junho de 1943, a
portaria nº 77 que “organiza a Expedição Roncador-Xingu”. O texto da portaria está como
segue, no qual se pode observar a descrição dos movimentos migratórios com precisão,
indicando os locais de origem e destino planejadamente:
Portaria nº 77 de 3 de junho de 1943 Organiza a expedição Roncador-Xingu
O coordenador da Mobilização Econômica, usando das atribuições que lhe
confere o decreto-lei nº 4.750, de 28 de setembro de 1942, devidamente
autorizado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Considerando a necessidade de se criar vias de comunicação com o Amazonas
através do interior do país;
Considerando a necessidade de se explorar e povoar o maciço central do Brasil
nas regiões cabeceiras do rio Xingu, atualmente das mais desconhecidas da
terra;
Considerando que esta exploração constitui um passo decisivo para a
realização do programa do Governo, sintetizado na Marcha para o Oeste,
resolve:
Organizar a expedição Roncador — Xingu com os seguintes objetivos:
Partindo da cidade de Leopoldina, sobre Rio Araguaia, em Goiás, seguir na
direção geral de Noroeste rumo a Santarém, sobre o Amazonas.
Procurar o ponto mais favorável sobre o Rio das Mortes e fundar
estabelecimento de colonização.
Continuar a marcha galgando a Serra do Roncador e fundar no ponto mais
conveniente, que ofereça condições de clima, terras próprias para agricultura
e facilidade para estabelecimento de um campo de aviação, um núcleo de
civilização que servirá de ponto de apoio para o prosseguimento da expedição
e exploração do território.
Invernar nesse local preparando o campo de aviação, e iniciando trabalhos
agrícolas e de construção.
Il. Um segundo escalão da expedição deverá partir de Leopoldina, logo que
seja atingido o objetivo na Serra do Roncador com os elementos necessários
para melhorar os caminhos e fixar, no mínimo, 200 (duzentas) famílias por
ano.
30
Serão reguladas com o Governo de Mato Grosso as condições de colonização
e policiamento da região.
O chefe da expedição deverá apresentar a lista do material necessário.
Resoluções posteriores regularão os detalhes no decorrer dos trabalhos da
expedição.
De acordo com Galvão (2011, p. 1), o então presidente Getúlio Vargas “vendeu” a
Expedição Roncador-Xingu como um novo “Eldorado”, uma área que deveria ser
definitivamente conquistada e integrada ao país, enaltecendo a importância histórica e
econômica da região. Para colocar a Expedição em prática, foi criada a FBC – Fundação
Brasil Central, órgão concebido pelo governo federal para orientar e administrar os trabalhos
da Expedição, visando possibilitar a implantação de núcleos populacionais em pontos
demarcados como estrategicamente ideais, no processo de integração nacional.
A Expedição ganhou notoriedade ao ser capitaneada, mesmo que informalmente,
por três paulistas, os irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo Villas-Boas. Apesar de contar com
a presença de militares e ser considerada como de interesse militar, a Expedição contou com
a participação maciça de sertanejos, indígenas e garimpeiros, que iam sendo recrutados ao
longo do percurso rumo ao Brasil Central (GALVÃO, 2011, p. 4).
A primeira fase da Expedição tinha como meta alcançar a Serra do Roncador,
localizada no estado do Mato Grosso. Em 1943 uma composição férrea com 19 vagões
transportou a Expedição de São Paulo até Uberlândia, em Minas Gerais, e depois seguiu
mais 900 quilômetros em caminhões e outros veículos, até alcançar Aragarças, nas margens
do rio Araguaia, onde foi instalada a primeira base de operações, com edificações para os
serviços e alojamentos. Após a transposição do rio Araguaia, desbravando trilhas com
muares, a Expedição alcançou, em 1945, o rio das Mortes e as primeiras elevações da Serra
do Roncador (BRUNIERI, 2015). Ao cruzar a Serra do Roncador, os expedicionários
também deveriam melhorar os caminhos e fixar anualmente cerca de duzentas famílias
(GALVÃO, 2011, p. 5). A segunda fase da Expedição seguiu até a cabeceira do rio Xingu,
concluída em 1946 por meio do contato dos irmãos Villas-Boas com os povos indígenas,
debilitados por epidemias e por alta mortalidade infantil (BRUNIERI, 2015).
Pode-se dizer que a Expedição cumpriu com a meta traçada, pois tem-se que, como
resultados gerais da Expedição, no lastro percorrido surgiram mais de 43 cidades e vilas,
foram abertos 1.500 quilômetros de trilhas, instaladas três bases operacionais e construídos
19 campos de pouso de aviões, localizados em pontos estratégicos, que passaram a servir de
31
apoio em rotas nacionais e internacionais (GALVÃO, 2011, p. 5; BRUNIERI, 2015). Além
disso, “cruzando as fronteiras do Brasil e carregando a bandeira da civilização em terras
pouco ou ainda desconhecidas pela maioria da população, a Expedição Roncador-Xingu
promoveu a integração das diversas regiões do país” (GALVÃO, 2011, p. 5).
Assim, a Expedição visava não só uma integração dos povos com o território, mas
também um caminho possível para se pensar uma unidade nacional associada à diversidade.
“Tomando o movimento das Bandeiras como inspiração histórica, a Roncador–Xingu se
constituiu como uma tarefa épica de construção de nacionalidade, realizando o que Lúcia
Lippi de Oliveira3 define como a ‘realização de seu destino’, que era o de ‘juntar litoral e
sertão, corpo e alma’ da nação” (GALVÃO, 2011, p. 11).
Para Mello (2009, p. 162), foi o processo de construção de estradas rumo ao Norte
que permitiu o deslocamento de migrantes para as “terras novas” da Amazônia, incitando
um movimento nacional de migração, facilitando o surgimento de centros urbanos às
margens das estradas, criando núcleos de colonização rural e abrindo pistas nas florestas para
dar acesso ao gado. “As ações públicas de governo reforçaram o movimento de uma
sociedade, complexa e não preservada de conflitos” (MELLO, 2009, p. 162).
As ações de implantação de políticas públicas de desenvolvimento e integração da
região amazônica ao mercado nacional e internacional voltaram a ter grande impulso com os
governos militares pós-1964, de acordo com Loureira e Pinto (2005), já que foram criadas
diversas formas de incentivos a esses movimentos, como vantagens fiscais a grandes
empresários e grupos econômicos que quisessem investir novos capitais ao instalar
empreendimentos na região.
Ainda de acordo com estes autores, muitos empresários que receberam os
incentivos não aplicaram os recursos em novas empresas na Amazônia, mas sim na compra
de terras para especulação futura ou para as transformarem em áreas de pasto para a criação
de gado, após prática de devastação de grandes extensões de terra cobertas por ricas florestas.
Esta prática descrita pelos autores deu início às ações de desmatamento (e
devastação) da Floresta Amazônica. De acordo com Costa (1992, p. 13), entre 1966 e 1985,
com os pacotes de incentivos fiscais (da ordem de US$ 847 milhões), foram implantadas 628
empresas de grande porte (584 agropecuárias e 44 agroindustriais), com foco na exploração
3 Socióloga brasileira que desenvolveu estudos na área de “interpretação do Brasil”, investigando o
Pensamento Social no Brasil e representações da identidade nacion
32
agropecuária e agroindustrial, incluindo tanto empresas estrangeiras como as de capital misto
e comandadas pelas principais famílias latifundiárias do centro-sul do Brasil.
A chegada desse montante de investimento, infraestrutura e pessoas na região Norte
do Brasil trouxe à tona a grave questão dos conflitos territoriais, como reforçado por
Rodrigues e Pereira (2010), que afirmam que a abertura de estradas e implantação de novas
infraestruturas no meio da Floresta Amazônica trouxe um confronto entre os trabalhadores
extrativistas, presentes naquelas terras há mais de um século, e os pecuaristas e industriais,
que desejavam obter o direito de propriedade das terras localizadas às margens das rodovias.
Para Violeta Loureiro (2002, p. 112) existem três grandes equívocos presentes nos
planos e projetos governamentais para a Amazônia do final do século XX: 1) a ideia de que
a Amazônia é um macrossistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua
extensão; 2) a ideia de que a floresta seria a expressão do primitivismo e do atraso regionais,
uma vez que os planos governamentais frequentemente estimulam a substituição das
atividades tradicionais por “mais racionais e produtivas”; 3) a ideia de que a natureza
amazônica seria resistente, superabundante, autorrecuperável e inesgotável.
As políticas públicas, quase sempre pautadas nestes três equívocos apontados por
Loureiro, acabaram por assumir um papel de devastação na região, implantando práticas não
condizentes com os modos de vida tradicionais - aqueles baseados em práticas para a
subsistência e que contemplam a conservação ambiental, fazendo com que a criação de áreas
protegidas fosse uma iminente necessidade para a não devastação completa do bioma.
A partir do momento em que o poder público determina formas específicas de uso
do solo em regiões habitadas por populações tradicionais, é colocado um cenário de
incertezas e inseguranças para os residentes locais. Como afirmado por Diegues (1993, p.
24), “com frequência se considera que essas populações só podem escolher entre duas
opções: continuar sua forma antiga de vida baseada na subsistência ou abandoná-la,
assimilando-se à sociedade dominante”.
Porém a tentativa de assegurar que os moradores tradicionais permaneçam em suas
terras não garante que sejam viabilizadas formas efetivas de sobrevivência econômica em
um novo cenário de produção financeira e de estilos de vida. Ainda contando com as
contribuições de Diegues (1993, p. 7):
33
As formas de incorporar os moradores tradicionais no planejamento e
implantação das Unidades de Conservação, na maioria das vezes, visam
simplesmente minimizar os conflitos potenciais ou existentes e não realmente
oferecer alternativas viáveis de subsistência às populações que viviam nos
parques. Quando a presença dessas populações é “tolerada”, as limitações ao
uso tradicional dos recursos são de tal monta que os moradores não têm outra
alternativa senão migrar “voluntariamente”, engrossando o número de
favelados e desempregados das áreas urbanas.
Além da situação peculiar dos habitantes tradicionais, soma-se ao panorama
migratório da região Norte do Brasil a leva de novos moradores que migram em busca de
novas oportunidades de emprego, acreditando na promessa da Amazônia ser o novo polo
econômico do Brasil. Porém, como colocado por Loureiro (2002, p. 107), poucos migrantes
que se dirigem à Amazônia têm conseguido ascender socialmente no novo lugar de destino,
pois, “devido à histórica política de abandono das classes pobres pelo Estado brasileiro, a
região vem se convertendo desde as últimas décadas num espaço onde se registram o conflito
no campo, a miséria urbana e o desperdício de recursos naturais”.
Ou seja, a realidade das mobilidades populacionais da região é bastante complexa,
por comportar fluxos e motivações muito diversas. Considerando as décadas de 1980 e
1990, o processo da migração dentro da região Norte era principalmente de perda
populacional, especialmente no estado do Pará, que, de acordo com Baeninger (2000, p. 4),
nos anos 1990 consolidou-se como “área de evasão populacional no contexto da região
Norte, passando a responder por mais da metade dos emigrantes regionais no período 1991-
1996. Os principais fluxos destinavam-se ao Amazonas, Tocantins, Amapá e Roraima”.
Ainda de acordo com Baeninger (2000, p. 6), a nova configuração da migração
interna no Norte deslocou a área de polarização da migração, fazendo emergir o Amapá
como área de forte absorção da população regional, devido ao fluxo oriundo do Pará, assim
como de Roraima. O Amazonas constituiu uma das grandes portas de entradas e de saídas de
população da região Norte, quase se tornando uma área de rotatividade migratória, que indica
que o valor bruto de entrada e saída de migrantes é bastante similar. A autora destaca que o
Tocantins reverteu sua situação de expulsor de população, ainda no período 1986-1991,
passando a ter ganhos populacionais, especialmente do Pará.
Um dos indicativos dos efeitos causados por todos esses movimentos migratórios
está no intenso desmatamento da região; dados de 2008 apontam que vários municípios da
região Norte não contam com cobertura vegetal original, indicando um padrão espacial
concentrado do processo de desmatamento (MELLO, 2009, p. 175). De acordo com a autora,
34
corroborada por outros estudiosos da área, se o ritmo de desmatamento da Amazônia for
mantido, em 2050 restarão na região apenas as Unidades de Conservação e as Terras
Indígenas, isso se a gestão for bem realizada.
Assim, compreende-se o contexto histórico que motivou os movimentos
migratórios – lembrando que encontrar os limites da configuração histórica que dão sentido
a um determinado fluxo migratório é o primeiro passo para seu estudo (SINGER, 1976, p.
217) -, estimulados por políticas públicas específicas e que resultaram em uma realidade de
conflitos entre as populações nativas e os novos habitantes, entre conservação ambiental e
exploração agropecuária, o que fez surgir a necessidade de políticas públicas que
contemplassem a criação de áreas protegidas ambientalmente sem prejudicar o esperado
crescimento econômico da região.
1.1.3 Processo de criação e implantação de Áreas Protegidas na região
Norte do Brasil
O ato de se criar Áreas Protegidas é um dos resultados da busca por alternativas que
visam a preservação das caracterísitcas naturais dos territórios, acabando por se tornarem
espaços que, teoricamente, barram frentes de desmatamento e ocupação humana. Em se
tratando da Amazônia, esse cenário torna-se um tanto mais complexo devido à visibilidade
ambiental associada à região, já que a Amazônia é vítima, paradoxalmente, daquilo que ela
tem de mais especial – sua magia, sua exuberância e sua riqueza, como colocado por Loureiro
(2002, p. 107).
Esta afirmação de Violeta Loureiro está pautada na tese de que a exploração
econômica do território amazônico não gera frutos que são convertidos para a realidade local,
mas para abastecer as metrópoles, e que é “vendida” uma imagem de nova fronteira rentável
que acaba atraindo muitas pessoas com a promessa de oferta de empregos e renda.
A Amazônia foi no passado “um lugar com um bom estoque de índios” para
servirem de escravos, no dizer dos cronistas da época; uma fonte de lucros no
período das “drogas do sertão”, enriquecendo a Metrópole; ou ainda a maior
produtora e exportadora de borracha, tornando-se uma das regiões mais
rentáveis do mundo, numa certa fase. Na Segunda Guerra Mundial, fez um
monumental esforço para produzir borracha para as tropas e equipamentos dos
Aliados. Mas é mais recentemente que ela tem sido mais explorada: seja como
fonte de ouro, como em Serra Pelada, que serviu para pagar parte da dívida
nacional, deixando na região apenas as belas reproduções das fotografias que
percorreram o mundo, mostrando a condição subumana do trabalho dos
35
homens no garimpo; seja como geradora de energia elétrica para exportar para
outras regiões do Brasil e para os grandes projetos, que a consomem a preços
subsidiados, enquanto o morador da região paga pela mesma energia um preço
bem mais elevado; seja como última fronteira econômica para a qual milhões
de brasileiros têm acorrido nas últimas décadas, com vistas a fugirem da
persistente crise econômica do país, buscando na Amazônia um destino
melhor (o que, infelizmente, poucos encontram) (LOUREIRO, 2002, p. 107)
Esta percepção de que a Amazônia precisava ser preservada para que haja o mínimo
possível de “perturbação” às populações locais já foi manifestada durante a frente de
ocupação dos irmãos Villas-Boas; uma das principais ações, e importante consequência, da
Expedição Roncador-Xingu foi o início de uma política de preservação de reservas naturais.
Com o apoio de lideranças políticas e intelectuais, como o antropólogo Darcy Ribeiro e o
médico sanitarista Noel Nutels, durante a Expedição iniciou-se o processo de demarcação de
reservas naturais que deveriam garantir aos povos tradicionais da região os meios de
subsistência, o atendimento à saúde e a defesa contra as frentes de ocupação da sociedade,
uma vez que, segundo os especialistas envolvidos na Expedição, os indígenas somente
seriam capazes de sobreviver dentro da própria cultura (BRUNIERI, 2015). Assim nasceu
uma das principais Áreas Protegidas do Brasil, o Parque Indígena do Xingu.
Em 1970, por estímulo do Programa de Integração Nacional, foram criados 15 polos
de desenvolvimento na Região Amazônica e as primeiras Unidades de Conservação
(DIEGUES, 1993, p. 29). De acordo com Veríssimo et. al. (2011, p. 22), até o fim da década
de 1960, a Amazônia Legal contava com 8.820 km² de território recoberto por Unidades de
Conservação e até 1984 este valor aumentou4 para 124.000 km² - importante lembrar que
esses números não contemplam as Terras Indígenas, que já eram relativamente numerosas
nesta época.
As Unidades de Conservação, no Brasil, podem ser categorizadas em Proteção
Integral, nas quais deve haver a mínima interferência humana, e em Uso Sustentável, que
visa conciliar a presença humana nas áreas protegidas através de práticas sustentáveis que
não interfiram na conservação da natureza. Dentro do contexto amazônico tem destaque a
criação das RESEX (Reservas Extrativistas), que entram na modalidade de Uso Sustentável
e são definidas como “uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja
subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência
4 A referência de Veríssimo et. al. aponta para um considerável aumento na área recoberta por UC,
porém é importante ressaltar que a área total da Amazônia Legal é de aproximadamente 5.000.000 km², ou seja,
trata-se de uma baixa proporção considerando o total do território.
36
e na criação de animais de pequeno porte” (MMA, 2015). Além de assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais da Unidade, um dos principais objetivos das RESEX é
proteger os meios de vida e a cultura de populações tradicionais.
Além dos indígenas, a frente migratória rumo à Amazônia também alterou a
realidade e formas de subsistência dos trabalhadores extrativistas tradicionais. De acordo
com Rodrigues e Pereira (2010), as ações de abertura de estradas e implantação de novas
infraestruturas no meio da Floresta Amazônica implicaram em um confronto entre os
trabalhadores extrativistas, presentes naquelas terras há mais de um século, e os pecuaristas,
que desejavam obter o direito de propriedade das terras localizadas às margens das rodovias.
Assim, houve a associação do movimento ambientalista com o dos trabalhadores
extrativistas, denominado inicialmente de Movimento dos Seringueiros, que culminou numa
grande articulação política e institucional, liderados pelo seringueiro Chico Mendes. Após
uma série de acordos políticos, foram realizados estudos técnicos, envolvendo diversos
especialistas, que conceberam um projeto de ocupação produtiva adequado à realidade da
vocação florestal da Amazônia, que atualmente se constitui no modelo das Reservas
Extrativistas (RODRIGUES; PEREIRA, 2010).
Este tipo de UC se encontra em outras regiões do país, porém é importante destacar
que foi através da realidade da expansão das frentes de migração e desmatamento da
Amazônia que este modelo foi concebido, por acreditar-se que seria imprescindível para
preservar as formas de sustento econômico praticadas pelas populações locais tradicionais.
Segundo Cunha (1995, p. 12), o projeto das RESEX configura a maior vitória do movimento
ambientalista concebido pelos seringueiros, uma vez que procura “assegurar a permanência
das populações extrativistas em suas áreas tradicionais – mediante instrumentos jurídicos –,
contribuindo para a redução do êxodo rural e diminuindo os conflitos fundiários tão
recorrentes na história da região”.
É importante destacar que na Amazônia existem todos os tipos de UC previstas na
legislação, com diferentes concepções e regulações de uso do solo, como será melhor
descrito em um próximo capítulo. De acordo com Veríssimo et. al. (2011, p. 25), até 1984,
92% das Unidades de Conservação em território amazônico eram de Proteção Integral; a partir
da década de 1990 essa realidade começou a mudar, sobretudo depois de 2002, com aumento
expressivo da criação de UC de Uso Sustentável, que, em dezembro de 2010, totalizavam
64% do total de Unidades de Conservação da Amazônia.
37
Este processo foi fortemente influenciado pela criação do ARPA – Programa Áreas
Protegidas da Amazônia, sob o Decreto presidencial nº 4.326/2002, com o objetivo de
estimular a criação, consolidação e sustentabilidade financeira de Unidades de Conservação
na região. Na primeira fase deste programa (2003-2009) foram criadas 63 UC, sendo 33 de
Proteção Integral e 30 de Uso Sustentável. As principais razões para esta ação governamental
foram: a) necessidade de ordenar o território e combater o desmatamento ilegal associado à
grilagem de terras; b) urgência em proteger regiões com alto valor biológico; c) necessidade
de atender às demandas das populações tradicionais e de produção florestal sustentável
(VERÍSSIMO et. al., 2012, p. 24).
Assim, caracteriza-se a alta demanda (e importância) de manutenção dos modos de
vida das populações tradicionais. Pode-se pensar que a realidade de uma Unidade de
Conservação com pessoas residindo dentro dos seus limites e usufruindo dos recursos
disponíveis pode caracterizar um conflito de interesses, porém, como ressalta Coelho et. al.
(2009, p. 76), é importante lembrar que as UC quase sempre são vistas como objetos dados,
áreas naturais, e não como objetos criados (concebidos, inventados, disputados). “Como
objeto de investigação em construção, elas requerem que sejam reveladas as relações entre
grupos sociais (tradicionais ou não) e recursos, bem como os processos de mudanças sociais,
ambientais e territoriais”.
Porém é importante atentar-se para o fato de que estabelecer a criação de Áreas
Protegidas é fundamental para a conservação ambiental de um bioma tão rico e importante,
mas acaba por implicar em muitas mudanças no modo de vida das populações locais, que se
deparam com novas determinações sobre as permissões de uso do solo - determinações às
vezes tão restritivas que não oferecem possibilidades, à primeira vista, para a
sustentabilidade financeira destas populações que acabam optando pela migração para outras
regiões, em busca de outros modos de vida.
Em suma, toda a dinâmica de criação e manutenção de Áreas Protegidas está
intimamente ligada às dinâmicas populacionais e sociais, sendo de grande relevância o
desenvolvimento de estudos que contemplem essa interação. Portanto, visando concluir as
revisões bibliográficas expostas nesse primeiro subcapítulo, colocam-se algumas
contribuições de teóricos da área de População e Ambiente, campo que reúne as temáticas
da migração e das Áreas Protegidas, no intuito de esclarecer a trajetória desta pesquisa em
um âmbito interdisciplinar.
38
1.2 População, Ambiente e Interdisciplinaridade
1.2.1 Campo de População e Ambiente
Ao estabelecer uma relação entre processos de mobilidade populacional e Áreas
Protegidas, faz-se necessário colocar um módico panorama sobre o campo específico de
População e Ambiente, desenvolvido sob a égide da demografia no Brasil. Uma vez que a
demografia é a ciência que se ocupa do estudo das “populações humanas, enfocando aspectos
tais como sua evolução no tempo, seu tamanho, sua distribuição espacial, sua composição e
características gerais” (CERQUEIRA; GIVISIEZ, 2004, p. 15), percebe-se que a dimensão
espacial tem grande relevância nos estudos deste campo, porém apenas recentemente foi
estabelecida como um importante paradigma dentro da demografia.
Segundo Matthews e Parker (2013, p. 272, tradução nossa), apenas recentemente a
demografia se ocupou da análise espacial inerente aos processos demográficos, que são
normalmente pautados em macrodados. Porém, nos últimos anos foi incorporado o espectro
de outras escalas na demografia, com a utilização de dados associados não só às pessoas,
mas aos espaços. Este processo esteve ligado principalmente à popularização dos Sistemas
de Informações Geográficas (SIG), que possibilitam a coleta, gestão e análise de dados de
uma forma que não era possível utilizando outras tecnologias, uma vez que organizam, em
um mesmo banco de dados, a amarração de um dado com sua localização espacial – chamado
de georreferenciamento. Graças a esta ferramenta, a mudança de escalas também é
possibilitada de uma forma muito mais simplificada.
O grande paradigma imposto com o avanço das ferramentas de SIG está em novas
formas permitidas de análise e leitura do espaço para as Ciências Sociais. De acordo com
Matthews e Parker (2013, p. 273, tradução nossa), “pesquisadores de diferentes áreas das
ciências sociais já adicionaram as análises espaciais a suas pesquisas, percebendo que a
perspectiva espacial pode servir como uma ‘potencial incubadora’ para inovar as ciências
sociais e as pesquisas interdisciplinares”. Mais especificamente, o interesse em adicionar a
perspectiva espacial nos estudos de população recentemente tem sido motivado pela grande
disponibilidade de dados e de softwares de (relativamente) simples manuseio, dispondo de
ferramentas que geram análises complexas, como análise multinível, econometria espacial,
entre outras.
39
No contexto brasileiro, o avanço das análises espaciais na demografia está
intrinsecamente associado à discussão de População e Ambiente, cujo marco histórico se dá
com a criação do primeiro Grupo de Trabalho População e Meio Ambiente, dentro da
Associação Brasileira de Estudos Populacionais, em 1990, em direção a uma demografia
ambiental - como colocado no título do artigo de Marandola Jr. e Hogan (2007), um dos
marcos teóricos brasileiros na questão. Neste artigo, os autores relatam a trajetória deste
campo dentro do estudo da demografia no Brasil; uma importante contribuição está na
afirmação de que, a priori, a questão ambiental não foi incorporada aos estudos populacionais
por uma problemática propriamente demográfica, mas devido a sua relevância crescente nos
últimos anos no âmbito da sociedade, da política e da ciência (MARANDOLA JR.; HOGAN,
2007, p. 192).
Para Carmo e D’Antona (2011, p. 15), há uma intrínseca relação entre esses dois
campos, apontando exemplos em que a transição demográfica, um fenômeno puramente da
demografia, tem impacto direto no meio ambiente. A transição demográfica está relacionada
à mudança na composição da população ocorrida, devido à grande alteração nas taxas de
fecundidade e de mortalidade, que resultam em uma nova composição etária populacional,
uma vez que se tem menor número de nascimentos – diminuição da base da pirâmide etária –
e maior longevidade – aumento do topo da pirâmide etária. Assim, afirma-se que há um
“envelhecimento demográfico”, com aumento do peso relativo dos idosos no conjunto
da população (CARVALHO; GARCIA, 2003; WONG; CARVALHO, 2006 apud CARMO;
D’ANTONA, 2011, p. 15).
Um dos exemplos colocado pelos autores é a relação entre a transição demográfica
e a transição urbana – maior número de pessoas residindo nas cidades, o que implica maior
pressão no meio ambiente devido ao aumento do consumo e de saturação de serviços como
o saneamento básico e a gestão de resíduos. “O aumento do volume da população urbana e
do grau de urbanização recoloca a preocupação com a relação entre desigualdade social e
problemas ambientais” (CARMO; D’ANTONA, 2011, p. 20). Aqui, pode-se citar a
influência da teoria neomalthusiana no cerne das discussões da demografia ambiental.
O (neo)malthusianismo é uma teoria focada na relação entre desenvolvimento
econômico e crescimento populacional, na qual o mentor de tal teoria afirmava que conforme
a população aumenta, também cresce a pressão por recursos, fator incompatível com a
ascensão econômica de uma sociedade. Assim, a única forma de se obter desenvolvimento
econômico seria através de rigoroso controle de natalidade (CABELEIRA, 2013, p. 84). Não
40
será dado foco às críticas e incoerências da teoria, porém, sua relevância para População e
Ambiente é colocada por Marandola Jr. e Hogan (2007, p.192), ao afirmar que o
neomalthusianismo foi o primeiro desafio que o campo População e Ambiente enfrentou em
busca de legitimidade, com a “disputa contra os fantasmas do neomalthusianismo e a
vinculação simplista do crescimento populacional com a degradação e a mudança
ambiental”.
Ou seja, a relação entre população e meio ambiente é mais profunda e, por isso,
assumiu tamanha relevância nas últimas décadas, especialmente após a marginalização de
relações simplistas de associação de número populacional e degradação ambiental dentro
dos debates acadêmicos e da agenda política - o que pode ser considerada a primeira vitória
dos estudos de População e Ambiente rumo à legitimação do campo (MARANDOLA JR.;
HOGAN, 2007, p. 192). “Atribuir a crise ambiental a esse fator era simplificar as análises
demográficas, especialmente considerando as tendências declinantes observadas desde os
anos 70” (HOGAN, 2005, p. 323).
A “superação” do enfoque neomalthusiano dentro do campo trouxe uma gama de
novos assuntos discutidos no cerne de População e Ambiente, como condições de vida no
ambiente urbano, segregação e favelização, pobreza, poluição, relações de trabalho no
campo, gestão de recursos hídricos, uso e cobertura da terra. Porém, a presença da
demografia nestes estudos está em uma preocupação essencial: a distribuição espacial da
população (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2007, p. 209).
Para D’Antona (2017, p. 263), além da superação do mito malthusiano, o campo de
População e Ambiente também caminha rumo à superação de outro mito que esteve em sua
constituição: o das relações recíprocas entre população e ambiente. O mito das relações
recíprocas surgiu “como uma alternativa ao mito anterior, mas não o suprimiu”
(D’ANTONA, 2017, p. 264), trabalhando no sentido de abrir o campo para outras formas de
tratamento dos fenômenos, o que gerou uma tensão disciplinar com a demografia. Para o
autor, o campo se tornou “insubordinado” a determinados limites da demografia e encontrar
o nexo entre população e ambiente “torna o campo essencialmente interdisciplinar, ainda
que tenha se constituído a partir de referências das ciências sociais, particularmente da
demografia” (D’ANTONA, 2017, p. 244).
Considerando a relevância de ampliar a busca por soluções para os problemas em
distintas disciplinas, cabe a contribuição do demógrafo Daniel Hogan, precursor e um dos
principais teóricos do campo de População e Ambiente, que alerta para o efeito das
41
migrações no contexto ambiental, colocando um “considerável desacordo” sobre o tema,
uma vez que, para alguns pesquisadores, as condições ambientais são caracterizadas
simplesmente como fatores de expulsão que influenciam no ato de migrar. Porém, a relação
é muito mais complexa, uma vez que “a discussão sobre migração e ambiente implica tratar
da distribuição dos recursos naturais no território, do uso histórico destes recursos por parte
das populações humanas e de seu esgotamento ou degradação. Também significa tratar das
consequências de mudanças ambientais provocadas pela mobilidade humana” (HOGAN,
2005, p. 326).
Assim, fica evidente a complexidade de aspectos associados no intuito de unir as
discussões dos temas população e ambiente, que apresenta a questão da mobilidade humana
como protagonista de algumas relações entre os temas, como será melhor abordado no tópico
seguinte. Tendo em vista todas as reflexões apresentadas, entende-se que a presente pesquisa,
ao se ocupar da investigação de processos de mobilidade populacional no contexto das
dinâmicas características da região Norte do Brasil, associada à existência de áreas reguladas
por legislações particulares, tem muito mais a ganhar ao empregar uma busca em ultrapassar
barreiras disciplinares, a exemplo do campo de População e Ambiente, essencialmente
interdisciplinar (D’ANTONA, 2017).
1.2.2 Interdisciplinaridade
Conduzir uma pesquisa de forma interdisciplinar é um grande desafio, por se tratar
de uma temática ainda envolta em dubiedades, mas que certamente tem muito a contribuir
para novas formas de fazer ciência e seus métodos. Como colocado por Bunge (1980, p.107),
um dos grandes problemas da ciência é que a maioria dos profissionais têm a tendência de ver
só um aspecto da sociedade, descuidando dos demais. “Por causa desta lamentável e evitável
especialização profissional, existe uma miscelânea caótica de concepções da sociedade e de
seu desenvolvimento, constituída por visões parciais que não permitem compreender o
problema global e nem ao menos fazer algo para resolvê-lo” (BUNGE, 1980, p.107). Para
Pierre Monbeig, “infelizmente, é esta carência que se torna uma regra: acantonar o homem
numa área definida, esquecendo que seus pontos de vista são essencialmente cômodos
artifícios, recortes analíticos arbitrários da realidade complexa” (MONBEIG, 2006 apud
SILVA, 2009, p. 19)
42
Visando expandir os campos de visão de um problema, afirma-se que uma
abordagem pluralista dentro do viés científico é bastante enriquecedora, “porque funda o
direito de divergir, o direito de produzir com originalidade, o direito de ser diferente, o direito
à alternativa. Monolitismo reproduz ciências oficiais, sempre medíocres, porque não são
chamadas a criar, mas a bajular” (DEMO, 1995, p.52).
Uma vez que, de acordo com Pierre George, a ciência é definida por seu objeto e
seus métodos e todo método que não se adapta ao objeto é tido como inadequado, o autor
coloca que a geografia, enquanto ciência, passou por diversas quebras de paradigmas triviais
para seu desenvolvimento, ao se deparar com impossibilidades metodológicas. Ainda
segundo George, há um momento onde o arsenal do geógrafo parece “desusado e inadequado
para prosseguir um movimento que se diversifica e se acelera ao ponto que o sistema
universitário tradicional com a produção de teses exaustivas, incapaz de seguir o ritmo dos
eventos, parece totalmente inadaptado” (GEORGE, 1990, p. 81).
Essa trajetória explicitada por George para a geografia se aplica para todas as
disciplinas no seio das ciências humanas (e das naturais também), criando uma “atmosfera”
propícia para a possibilidade de surgimento de novos paradigmas que procuram dar conta
das limitações enfrentadas, já que “o embrião de novos paradigmas surge no processo da
ciência estabelecida e o significado da crise se concentra numa necessária renovação que vai
além do universo fechado das leis, modelos e metodologias operacionais” (MEDINA, 2009,
p. 30).
Classificar a presente pesquisa dentro de uma única linha teórica e/ou metodológica
acaba contrariando a proposta de uma “prática interdisciplinar”. Acredita-se que a
construção desta prática pode se dar pela associação de diferentes métodos e abordagens,
uma vez que, como destacado por Pombo (2005, p. 9), o estado de avanço da ciência se dá
principalmente no cruzamento de hipóteses e resultados de uma disciplina com hipóteses e
resultados de outras disciplinas, com transferência de conceitos, problemas e métodos - um
cruzamento interdisciplinar.
Ainda de acordo com Pombo (2005, p. 9), a interdisciplinaridade se configura
enquanto um paradigma que questiona e propõe novos métodos e objetos das ciências:
[...] paradoxalmente, no estado de enorme avanço em que a nossa ciência se
encontra, o progresso da investigação faz-se, cada vez mais, não tanto no
interior dos adquiridos de uma disciplina especializada, mas no cruzamento
das suas hipóteses e resultados com as hipóteses e os resultados de outras
disciplinas. Ou seja, num número cada vez maior de casos, o progresso da
43
ciência, a partir sobretudo da segunda metade do século XX, deixou de poder
ser pensado como linear, resultante de uma especialização cada vez mais
funda mas, ao contrário e cada vez mais, depende da fecundação recíproca, da
fertilização heurística de umas disciplinas por outras, da transferência de
conceitos, problemas e métodos - numa palavra, do cruzamento
interdisciplinar. Trata-se de reconhecer que determinadas investigações
reclamam a sua própria abertura para conhecimentos que pertencem,
tradicionalmente, ao domínio de outras disciplinas e que só essa abertura
permite aceder a camadas mais profundas da realidade que se quer estudar.
Estamos perante transformações epistemológicas muito profundas. É como se
o próprio mundo resistisse ao seu retalhamento disciplinar.
Portanto, entende-se que existem muitos ganhos ao se explorar e exceder as
barreiras impostas pelas disciplinas e seus métodos. Acreditando que condicionar a presente
pesquisa sob uma única disciplina seria pouco proveitoso, a seguir serão apresentados dois
conceitos essencialmente interdisciplinares que são fundamentais para ajudar a trabalhar
com o problema de pesquisa: o primeiro é a mobilidade, que se refere ao problema de
pesquisa e abrange a questão da multilocalidade específica de povos amazônicos; e o segundo
é a multiescalaridade, que aborda a utilização de distintas escalas e, consequentemente, de
diferentes métodos de análise do problema.
1.2.3 Mobilidade e Multilocalidade
A migração é um fenômeno estudado e problematizado já há algum tempo, porém,
sua definição ainda é passível de controvérsias e questionamentos. Os estudos que abordam
esta temática envolvem dificuldades devido à complexidade na definição do objeto e dos
recortes metodológicos. Não existe uma definição precisa de migração, como explicita
Vainer (1984, p. 9), que diz que “por trás da aparente unidade dos vários discursos sobre o
conceito migração parece não haver qualquer unidade plausível”.
A dificuldade na definição do termo está relacionada principalmente à dificuldade
em determinar o que seria uma mudança de residência habitual. Seria mudar de casa? Ou de
bairro? Ou de município? Ou de estado? E o que configura uma mudança temporária? E uma
permanente? Os deslocamentos sazonais são considerados como migração? Essas são apenas
algumas imprecisões que interferem na definição rigorosa de migração.
De um ponto de vista conceitual, a maior dificuldade está no fato de o que pode ser
considerado migração para um pesquisador, pode não ser para outro. Além da mudança de
residência, a migração pode ser definida por uma mudança do espaço de vida, enquanto
44
“porção do espaço no qual o indivíduo realiza todas as suas atividades” (COURGEAU, 1988,
apud CUNHA, 2012, p. 34). De acordo com Cunha (2012, p. 34), um exemplo dessa
discussão seria quanto à migração intrametropolitana, que, embora implique em mudança de
residência, essa mudança não resulta necessariamente na mudança do espaço de vida e,
portanto, não constituiria migração.
O espaço de vida está relacionado a um recorte espacial em que as pessoas realizam
suas atividades. De acordo com Marandola Jr. (2011, pg. 103), dentro dos estudos de
migração, o espaço de vida aparece como possibilidade para integrar abordagens micro e
macro e quanti- quali, sendo definido como o espaço por onde a pessoa desenvolve seu
cotidiano. Porém como é possível definir uma “cartografia” de espaços de vida que se distam
a vários quilômetros e apresentam dificuldade de deslocamento, como é o caso das
populações que vivem nas Áreas Protegidas?
Além da falta de acordo quanto ao espaço físico, há a indefinição quanto ao tempo
ideal para se observar um processo migratório, já que muitos movimentos podem ter a
duração de uma estação, ou de uma jornada de trabalho semanal, ou de uma empreitada de
trabalho de alguns meses, e, após estes períodos, as pessoas retornam ao local de origem.
Portanto, o termo ‘migração’ encontra-se carregado de limitações caras à disciplina
da demografia, que se caracteriza como uma disciplina de métodos precisos e rigorosos, com
muito preciosismo pelas análises quantitativas – que, inevitavelmente, acaba sofrendo
“interferências” ao se apropriar de um objeto cuja definição é tomada de subjetividades.
Assim, visando contemplar as especificidades decorrentes das relações entre
dinâmica social e Áreas Protegidas, entende-se que, como já esclarecido, a utilização do
termo ‘mobilidade’ parece ser mais adequada para uma análise que leva em consideração
processos observados em microescala – como a instituição das AP em um contexto
específico.
Para Barbieri (2011, p. 98), a mobilidade populacional é um conceito que,
diferentemente da migração, pode envolver diferentes combinações de critérios de alocação
espacial, temporal e residencial do indivíduo, que podem não ser captadas pela coleta de
dados de um Censo demográfico - sendo nessa diversidade que reside a dificuldade em
mensurar e analisar a migração tomando por base as estatísticas oficias como o Censo.
Para Haesbaert (2011, p. 238), a mobilidade pode ser definida como “a relação
social ligada à mudança de lugar, isto é, como o conjunto de modalidades pelas quais os
membros de uma sociedade tratam a possibilidade de eles próprios ou outros ocuparem
45
sucessivamente vários lugares”. Porém, mais acurada definição é colocada por Hogan (2005,
p. 326), ao afirmar que o termo mobilidade carrega consigo maior amplitude conceitual que
o termo migração, “já que considera que uma parte crescente dos movimentos da população
com impactos sociais, econômicos, políticos e ambientais não pode ser caracterizada como
‘mudança de residência permanentes ou semipermanentes’ (LEE, 1966), senão como
movimentos circulatórios ou temporais de curta duração”.
Um dos motivos pelo conceito de mobilidade ser mais apropriado para essa
dissertação está no fato de trazer discussões da sociedade atual acerca dos deslocamentos
populacionais, mas que traz consigo outras questões que vão além da “simples” circulação
de pessoas, se caracterizando como um fenômeno multidimensional. Como colocado por
Cresswell (2006, p. 2), ao afirmar que, quando uma pessoa decide se deslocar de A para B,
faz-se necessário compreender a ligação de fatores associados a esse deslocamento, já que a
circulação de pessoas, e coisas, pelo mundo está cheia de significados. Para o autor, à
mobilidade não cabe uma definição rigorosa, sendo simplesmente “uma maneira de estar no
mundo”, sendo uma “experiência incorporada” (CRESSWELL, 2006, p. 3).
A socióloga Mimi Sheller (2011, p. 1, tradução nossa) esclarece que por muito
tempo entendeu-se mobilidade [social], dentro da disciplina de sociologia, como a
movimentação de um indivíduo na escala de classes socioeconômicas. Porém houve o
surgimento de um novo campo, transdisciplinar, cujas pesquisas contemplam mobilidades
humanas, não-humanas e de coisas – englobando circulação de informação, ideias e capital
– a este modelo e que pode se chamar de “paradigma da mobilidade”, como tradução da
teoria da “mobility turn” (ou “virada da mobilidade”) de John Urry, mentor de Sheller.
O paradigma da mobilidade se refere, então, a distintas formas que se movem além
da forma física, com a movimentação de questões imaginativas, virtuais e comunicativas
(URRY, 2000) através da constante ampliação das redes de transporte e telecomunicações.
Trata-se de um paradigma cuja gênese se deu após as mudanças causadas pela globalização e
a consequente mudança de maneiras de viajar, se comunicar e pensar.
Para Urry (2000, p. 186), grande parte da literatura produzida pela sociologia no
século XX considerava a sociedade como algo uniforme e desconsiderava as “intersecções
de região, cidade e lugar, com as categorias sociais de classe, gênero e etnia” e alerta para o
fato de que os fluxos ultrapassam os territórios de cada sociedade, relacionados a muitos
desejos diferentes, por trabalho, moradia, lazer, religião, relações familiares busca por asilo,
etc. “Além disso, não só as pessoas são móveis, mas também muitos ‘objetos’, ‘imagens’,
46
‘informações’ e ‘resíduos’. Assim, a mobilidade deve ser entendida de forma horizontal e
não vertical e se aplica a uma variedade de atuantes e não apenas aos humanos” (URRY,
2000, p. 186).
A este respeito, o autor Marc Augé contribui no sentido de colocar reflexões
concernentes às fronteiras existentes (ou ausentes) na contemporaneidade, em que a
mobilidade “sobremoderna” (que recebe o prefixo ‘sobre’ por designar a superabundância
de causas que complica a análise dos efeitos) “corresponde ao paradoxo de um mundo onde
podemos teoricamente tudo fazer sem deslocarmo-nos e onde, no entanto, deslocamo-nos”
(AUGÉ, 2010, p. 16).
As definições de fronteiras acabam por se alterar quando o entendimento da
mobilidade vai ganhando novas contribuições. Trata-se de uma das noções-chave colocadas
por Augé para explicar como a ‘mobilidade sobremoderna’ está associada à ideologia do
sistema da globalização. De acordo com o autor, a sociedade atual precisa cada vez menos
compartimentar o espaço para compreendê-lo. “O pensamento científico não repousa mais
sobre as oposições binárias e se esforça para por em dia a continuidade sob a aparência das
descontinuidades” (AUGÉ, 2010, p. 20).
Assim, pode-se apreender que a mobilidade está associada à ideia de fluidez,
independente de fronteiras bem determinadas que possibilitem a matematização do
fenômeno, como esperado pelos estudos de migração sob o viés demográfico. Sheller (2011,
p. 6, tradução nossa) afirma que pesquisas que envolvam o paradigma da mobilidade devem
promover estudos interdisciplinares, com múltiplos métodos que consigam abarcar práticas
de diferentes tipos de (i)mobilidades em diversas escalas.
É inquestionável a importância deste paradigma para os estudos de mobilidade
populacional, porém faz-se importante atentar para questões inerentes ao conceito, como as
colocadas por Thomas Faist; para o autor, ao se apropriar do paradigma da mobilidade, corre-
se o risco de generalizar um aspecto em detrimento de outros e, assim, ignorar aspectos que
produzem as diferenças sociais, que continuam a existir, especialmente em uma situação em
que um indivíduo resolve cruzar as fronteiras no intuito de mudar de situação social e está
relacionada a questões como mecanismos sociais de produção de desigualdades (FAIST,
2013, tradução nossa).
Posto isso, entende-se que, mesmo que a mobilidade seja fluida e abarque distintas
maneiras e motivadores, ainda se faz importante um olhar mais aproximando ao fenômeno
objeto de estudo, atentando sobre a relevância em compreender as configurações históricas
47
que dão sentido a um movimento (SINGER, 1976) e sobre os mecanismos políticos e sociais
que agem sobre ele (FAIST, 2003).
Abordando especificamente o contexto das mobilidades populacionais para a
presente pesquisa, um aspecto a ser destacado é o fato de englobar aspectos não verificáveis
por métodos tradicionais da estatística - questão abordada no capítulo de resultados -,
devendo se tomar ciência do viés subjetivo envolvido nas ações de mobilidade populacional,
que induzem a mobilidade das pessoas de forma voluntária ou não (BARBIERI, 2011, p.
99). Ainda segundo este autor,
Nesse sentido, tipologias de mobilidade, e particularmente aquelas
relacionadas a causas ambientais, podem ser pensadas como a resultante da
atuação de determinantes próximos, vinculadas às motivações pessoais e
familiares (voluntárias ou não) para migrar ou não migrar (por exemplo,
motivações econômicas, culturais, de violência doméstica e desequilíbrio de
gênero), mediadas, ou influenciadas, por determinantes subjacentes
relacionados às características do contexto (por exemplo, diferenciais
regionais de renda e emprego, as características socioeconômicas, culturais,
políticas, institucionais e ambientais de determinado lugar). A forma como
lógicas de incentivos individuais e familiares são mediados por tais
constrangimentos ou incentivos estruturais ou contextuais são o requisito
básico para a definição tipológica da mobilidade populacional (BARBIERI,
2011, p. 99).
Para Barbieri, vale ressaltar as peculiaridades inerentes aos processos de mobilidade
populacional condicionados por fatores ambientais – peculiaridades essas que não são
captadas em um levantamento censitário de macroescala. Como colocado por Hogan (2005,
p. 325), “para os demógrafos, com sua afinidade com os grandes números em níveis gerais
de análise, não foi fácil tratar variáveis ambientais”.
Portanto, tomar a mobilidade como um objeto de estudo demanda a utilização de
distintos métodos e escalas, já que o “retalhamento disciplinar” (POMBO, 2005) não dá
conta de abarcar a complexidade de abordagens e métodos demandadas pelo conceito em
questão – caracterizando um conceito epistemologicamente interdisciplinar.
Visando ilustrar a dimensão do debate aqui posto, toma-se o conceito de
multilocalidade na tentativa de esclarecer a fusão de conceitos oriundos de distintas
disciplinas, tomando métodos e escalas de diferentes origens, associados a uma dinâmica
social bastante característica da Amazônia. De acordo com Weichhart (2015, p. 61, tradução
nossa), a multilocalidade pode ser qualificada pelo fato de indivíduos, grupos sociais ou
“sujeitos” econômicos buscarem seus interesses básicos ou econômicos simultaneamente ou
48
alternadamente em diferentes lugares.
De modo geral, tem-se que a multilocalidade compreende os fenômenos em que um
sujeito ou grupo conta com diversos locais de residência – abarcando os mais diferentes
arranjos, como um indivíduo que trabalha durante a semana em uma cidade mas aos fins de
semana reside em outra cidade; ou de grupos que trabalham por jornadas em locais
diferentes, a depender da demanda, como mineradores ou agricultores; ou, ainda,
comunidades que têm suas residências alteradas de acordo com a sazonalidade, como o caso
dos ribeirinhos da Amazônia que, muitas vezes, nas épocas de cheia instalam-se nos centros
mais urbanizados e nas épocas de seca voltam às margens do rio.
Apesar de alguns especialistas da área indicarem a multilocalidade como um
fenômeno novo que foi impulsionado pelo aumento e sofisticação da rede de transportes e
telecomunicações oriundos do avanço tecnológico e pela crescente globalização e queda de
fronteiras culturais entre países (WEICHHART, 2015, p. 61, tradução nossa), alguns autores
indicam que se trata de um processo observado há muito tempo em organizações sociais
consideradas “primitivas”. De acordo com Dick e Duchêne-Lacroix (2016, p. 4, tradução
nossa), os arranjos residenciais multilocais acontecem em todas as partes do mundo e alguns
deles são bastante antigos, remetendo a tribos africanas “primitivas”.
No contexto brasileiro, esse tipo de arranjo também é observado nas comunidades
tradicionais, como apontado no estudo de Eloy e Lasmar (2011, p. 91), no qual as autoras,
etnógrafas, analisaram processos migratórios ocorridos na região do Alto Rio Negro, no
noroeste amazônico, entre outras questões. Elas colocam a multilocalidade como uma
manifestação da adaptabilidade dos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais,
uma vez que observaram que as famílias migrantes negociam seus direitos fundiários devido
à escassez crescente dos recursos naturais ao redor da cidade.
Primeiramente as autoras observaram uma mudança no arranjo de vida das
comunidades indígenas, onde o padrão tradicional de moradia era de uma grande maloca
ocupada por todo o grupo local e que foi substituída por um sistema de famílias nucleares,
um casal e filhos, ocupando pequenas casas. Algumas das famílias possuem casa e passam
boa parte do tempo em aglomerações urbanizadas, tendo o vínculo com a comunidade
mantido através da manutenção das relações sociais: “caso uma família não pratique mais a
agricultura e/ou resida boa parte do tempo na cidade, a estabilidade de seu vínculo de
pertencimento passa a depender de sua participação na vida social da comunidade (eventos
coletivos, cultos religiosos, trabalhos comunitários, festas, etc.)” (ELOY; LASMAR, 2011,
49
p. 94), caracterizando uma intensa mobilidade de indivíduos entre a cidade e a floresta.
Entre diversas caracterizações feitas pelas autoras dos modos de vida do Alto Rio
Negro, faz-se relevante destacar três tipos de arranjo econômico que configuram a intensa
mobilidade populacional e multilocalidade presentes na região:
1) empréstimo por tempo determinado – quando uma família “empresta um
pedaço” de roça ou capoeira para que outra família, recém-chegada, possa trabalhar
e “começar a vida”;
2) direito de cultivar e colher em troca de trabalho ou produto – que configura a
relação caseiro/patrão, já que, geralmente, o casal proprietário mora na cidade, onde
tem um comércio ou empregos remunerados, e/ou recebe aposentadoria, e passa os
finais de semana e os feriados no sítio. “O dono do terreno sempre dá um forno ou
uma canoa para o vigia, que costuma lhe oferecer produtos agrícolas. Mas não se
trata exatamente de uma parceria no sentido estrito do termo, pois as regras de
partilha não parecem claramente definidas nem fixas” (ELOY; LASMAR, 2011, p.
98);
3) empréstimo de longa duração com restrições de uso - os direitos de cultivo e
colheita dos produtos florestais são concedidos por tempo indeterminado, mas
não se pode plantar espécies perenes e construir casa permanente. “O dono possui
um terreno extenso, próximo à cidade, como é o caso da ‘terra da Diocese’ ou de
terrenos de comerciantes politizados, que mantêm a sua influência na cidade através
destes ‘favores’. Os produtores costumam então cultivar pequenas parcelas de
mandioca, e seus direitos não podem ser transferidos para terceiros sem autorização
do dono” (ELOY; LASMAR, 2011, p. 98).
Como se pode observar, trata-se de arranjos individuais, familiares e sociais com
distintos propósitos e motivações – caracterizando a subjetividade inerente ao conceito da
mobilidade populacional – e que não seriam captados por dados de Censo – legitimando a
importância de uma abordagem multiescalar nesse tipo de estudo. Assim, a multilocalidade
permite a apreensão de relações espaço-tempo que não seriam possíveis dentro do seio das
disciplinas da demografia, geografia, sociologia ou antropologia, demandando então a
tomada de diferentes métodos e conceitos.
Assim, ao se utilizar dos métodos e conceitos de distintas ciências e disciplinas,
entende-se que a mobilidade configura, então, um fenômeno multidimensional e que a
50
multilocalidade pode ser apreendida como um fenômeno que representa a fusão entre a
fluidez das fronteiras impostas, produto da mobilidade sobremoderna (AUGÉ, 2010), e de
aspectos sociais, culturais e espaciais particulares da Amazônia, tendo a multiescalaridade no
seio de seu conceito.
1.2.4 Multiescalaridade
O termo ‘escala’ é principalmente associado ao seu uso para a cartografia, enquanto
uma expressão numérica que dá conta da representação de um espaço em uma área diferente
à original. Porém, a escala tomou novos significados além da representação matemática,
abarcando subjetividades inerentes a um estudo espacializado.
Nesta temática, tem grande relevância as contribuições de Iná Elias de Castro, ao
afirmar que a conceituação da escala apenas como um recurso matemático é insatisfatória,
uma vez que, além da representação gráfica do território, o conceito de escala ganha novos
contornos ao abarcar expressões representativas dos diferentes modos de percepção e de
concepção do real. “Embora estas acepções sejam necessárias e adequadas aos problemas
aos quais elas se propõem mensurar, a complexidade do espaço geográfico e as diferentes
dimensões e medidas dos fenômenos sócio-espaciais exigem maior nível de abstração”
(CASTRO, 2008, p. 11).
Ao tomar a dimensão subjetiva inerente ao conceito, a escala torna-se um termo
polissêmico, tida como uma estratégia de aproximação do real, que pode ser entendida com
uma problematização dimensional – inseparabilidade entre tamanho e fenômeno - ou
fenomenal – complexidade dos fenômenos e impossibilidade de apreendê-los diretamente
(CASTRO, 2008, p. 118).
Aqui, cabe a contribuição de Sandra Lencioni (2008, p. 17), que entende o termo
escala de duas formas: topográfica (dimensão da superfície do terreno) e topológica
(dimensão que toma em consideração os fluxos imateriais). Ao considerar, e valorizar, os
fluxos imateriais e virtuais do território, Lencioni atenta para a questão de se considerar
questões subjetivas associadas a um termo primariamente entendido como “puramente
técnico”.
O autor Roberto Lobato Corrêa (2011, p. 41) já toma a conceituação de escala
enquanto representação de diversas relações. Para ele, o conceito de escala envolve quatro
acepções: 1) escala enquanto tamanho – economia de escala; 2) escala cartográfica – escala
51
numérica de mapa geográfico; 3) escala espacial – área de abrangência de um processo ou
fenômeno; 4) escala conceitual – relações entre um objeto de pesquisa, os questionamentos
e teorias pertinentes e sua representação. Para o presente estudo, o foco está nas concepções
e derivações da relação entre a escala espacial e a escala conceitual.
Para entendimento do conceito de escala espacial, faz-se necessário compreender
três assertivas principais: a) fenômenos, relações sociais e práticas espaciais mudam ao se
alterar a escala espacial da ação humana; b) a base teórica que permite explicar ou
compreender fenômenos, relações e práticas é alterada quando se muda a escala espacial,
implicando a necessidade de teorias com distintos níveis de abrangência espacial; c) não há
uma escala que a priori seja melhor que outra (CORRÊA, 2011, p. 42).
Assim, tem-se que estas três assertivas dão inteligibilidade ao conceito de escala
espacial; associada a essas compreensões tem-se a escala conceitual, que se reporta a
fenômenos e processos, assim como a representações cartográficas diferentes, mas são
interdependentes, pois as ações que ocorrem em uma escala afetam a outra. No texto, Corrêa
(2011, p. 43) cita a experiência de profissionais específicos que, ao articular diferentes
escalas espaciais (local, regional, nacional, global), dão coerência aos seus objetivos de
atuação.
É importante enfatizar que o objetivo não é escolher uma escala mais apropriada,
mas procurar os ganhos obtidos ao fazê-las conversarem, já que cada escala vai trazer um
significado próprio: “o fenômeno observado ganha um sentido particular de acordo com a
articulação da escala de análise” (CASTRO, 2008, p. 120). Há uma variação de atributos dos
fenômenos da grande e pequena escala, assim, ainda de acordo com Castro (2008, p. 127)
A informação factual, os dados individuais ou desagregados, os fenômenos
manifestos, a tendência à heterogeneidade, a valorização do vivido são
atributos dos fenômenos observados na grande escala, enquanto a informação
estruturante, os dados agregados, os fenômenos latentes, a tendência à
homogeneização e valorização do organizado são atributos dos fenômenos
observados na pequena escala. Homogeneidade e heterogeneidade resultam
da perspectiva de observação, fruto de uma escolha, que deve ser consciente
e explicitada.
Portanto, pode se concluir que o fenômeno observado ganha um sentido particular
de acordo com a articulação da escala de análise (CASTRO, 2008, p. 120), e o que é relevante
ou faz sentido em uma escala não o é em outra (HARVEY, 2004, p. 108).
52
Porém, as discussões sobre escala vão além das configurações relacionadas à
representatividade por tamanho e nível do fenômeno. Para Howitt (1997, p. 52, tradução
nossa), mais que por tamanho e nível, a escala deve ser tomada como relação e pode ser
melhor compreendida dialeticamente em vez de hierarquicamente, usando como exemplo
quando é abordada a escala nacional, cujo termo se aplica tanto para Singapura quanto para a
Rússia, mas que, na prática, se tratam de questões bastante distintas. Além de se tratarem de
estados nacionais com tamanhos muito diferentes, de área, população, produção econômica,
também ocupam níveis distintos, relacionados a arranjos organizacionais, como formas de
governo. Então, o que, de fato, está associado à escala nacional?
Segundo o autor, a partir do momento em que se toma a escala como relação,
algumas lacunas são preenchidas, pois são consideradas as relações entre geopolítica,
território, estrutura, cultura, história, ambiente etc. Segundo Valenzuela (2006, p. 130,
tradução nossa), o conceito de escala como relação concentra a atenção na dinâmica das
relações entre os elementos analisados e as hierarquias variáveis que alguns desses
elementos adquirem, com importâncias relativas em diferentes níveis.
O geógrafo Javier Gutiérrez Puebla (2001, p. 95, tradução nossa) adiciona que,
além de tamanho, nível e relação, a escala pode ser entendida como rede, uma vez que as
redes não necessariamente coincidem com as áreas delimitadas e suas fronteiras tendem a
ser porosas. Assim, uma ação local pode acessar uma rede global e vice-versa, implicando
que os agentes não estão confinados a um nível estabelecido e que há a interação de agentes
de níveis distintos.
A consideração de relações associadas e a expansão de fronteiras estabelecidas
remete à discussão sobre o conceito de mobilidade, já abordado anteriormente,
caracterizando uma grande afinidade entre os temas, que configuram novas perspectivas de
tratar questões do mundo contemporâneo. A este respeito contribui Paasi (2004, p. 542,
tradução nossa), que atenta para a mudança ocorrida nas relações decorrente da globalização
e a maneira em que isso afetou a escala. Para o autor, as escalas também são historicamente
condicionadas, podendo ser produzidas e destruídas ou transformadas através de práticas e
conflitos sociais e políticos.
Portanto, há o entendimento de que o conceito de escala não é estanque e vai
adquirindo novos significados de acordo com as relações, redes, práticas sociais, condições
históricas, entre outras questões. Assim, a discussão sobre escala cabe em todos os
fenômenos sociais, incluindo a mobilidade populacional. Conforme colocado por Gibson,
53
Ostrom e Ahn (2000, p. 226, tradução nossa), o estudo do fenômeno da migração humana
muda conforme a escala abordada; padrões de migração intraurbana estão relacionados a
variáveis como idade, escolaridade e renda familiar, enquanto migrações intraestaduais são
explicadas por variáveis agregadas como demanda de trabalho e investimentos. Os autores
apontam também sobre a importância em unir aspectos físicos e sociais nas escalas adotadas
em estudos ambientais, em um claro viés interdisciplinar associado a tais estudos.
Faz-se importante pontuar que a dimensão escalar adotada não pretende caracterizar
uma homogeneidade, portanto, em vez de se pensar em recorte escalar, as escalas devem ser
tomadas como lentes, em que se parte “de uma escala em direção a outra seja no crescente
ou no decrescente, acompanhando a dinâmica processual e as transformações qualitativas
que o fenômeno sofre à medida que o observamos nas sucessivas escalas” (MARANDOLA
JR., 2011, p. 12). Assim, Marandola Jr. (2011, p.12) atenta para a questão de que a “lente
escalar” pode auxiliar a superação de dicotomias que trazem recortes escalares distinguidos
entre macro e micro, desconsiderando as perspectivas dinâmicas e multidimensionais dos
fenômenos. O esquema gráfico representando a tomada das escalas como lentes está
apresentado na Figura 2.
Figura 2 – Representação gráfica das escalas como lentes.
Fonte: extraído de Marandola Jr. (2011, p. 13).
54
O desafio em se tomar a escala como lentes está em contemplar distintos aspectos
associados ao tema, não apenas mudar o recorte. Por isso, toma-se a multiescalaridade como
uma abordagem metodológica no intuito de tratar das múltiplas questões relacionadas ao
fenômeno da mobilidade populacional associada às Áreas Protegidas da região Norte do
Brasil. No presente estudo, trabalha-se com a questão da escala macro e micro para se referir
às bases de dados utilizadas para a obtenção de resultados. Porém, em uma tentativa de
superar essa dicotomia, procura-se concomitantemente a compreensão das relações e da rede
que age no contexto das Áreas Protegidas.
Antes de entrar na definição da multiescalaridade em si, em uma tentativa de
legitimá- la enquanto um método válido, faz-se um paralelo com a abordagem dos métodos
mistos. Segundo Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 15, tradução nossa), através dos métodos
mistos permite-se análises que misturem especificidades dos métodos quantitativos e
qualitativos, porém não enquanto algo que vá substituir essas abordagens, mas como um
possível novo caminho com potencialidade para agregar os aspectos positivos e minimizar
os negativos de cada método posto, colocando sempre a postura de diálogo para que isso
ocorra e tendo em vista as dificuldades endógenas e exógenas apresentadas. Este paradigma
se faz necessário uma vez que muitos pesquisadores precisam complementar um método com
outro a fim de facilitar a comunicação, incentivar a colaboração e promover uma “pesquisa
superior”.
Assim, o princípio fundamental dos métodos mistos é que o pesquisador deve
buscar coletar dados múltiplos, utilizando diferentes estratégias, abordagens e métodos de
maneira que o resultado utilize a complementaridade das “forças” de cada método. Se os
resultados são corroborados entre as diferentes abordagens, então tem-se maior credibilidade
na conclusão obtida. Se os resultados se mostram conflitantes, o pesquisador tem maior
conhecimento e é capaz de modificar as interpretações e conclusões de acordo com o método
(JOHNSON; ONWUEGBUZIE, 2004, p. 19, tradução nossa).
Acredita-se que a abordagem multiescalar tem as mesmas condições e préstimos
que os métodos mistos, uma vez que a proposta aqui colocada visa justamente utilizar a
potencialidade e refletir a inaptidão de cada escala tida. Pode-se agregar o conceito da
espacialidade diferencial, de Yves Lacoste (1988, p. 37), no qual o autor, como já colocado
aqui por outros autores, atenta para a questão de que a compreensão de um fenômeno vai
variar conforme a escala utilizada, uma vez que certos fenômenos somente são apreendidos
55
ao se considerar extensões grandes, enquanto outros só podem ser captados por observações
muito precisas sobre superfícies. A mudança de escala transforma a problemática que se
pode estabelecer e os raciocínios que se possa formar, correspondendo a uma mudança no
nível de conceituação reduzidas.
Os ganhos obtidos para a ciência ao se considerar distintas escalas também são
colocados por Marandola Jr. e Hogan (2007, p. 195), já que,
Quanto às metodologias e escalas de análise múltiplas, estas ainda têm sido
pouco incorporadas às pesquisas. [...] o desenvolvimento de metodologias
quanti-quali e de múltiplas escalas seriam de grande valia para ampliar a
capacidade analítica e permitir um olhar mais refinado, principalmente em
microescalas [...] Discutir e incorporar as aplicações já realizadas neste campo
também são fundamentais para tal construção.
A transformação da problemática de acordo com a mudança de escala também é
indicada por Lencioni (2008, p. 19), afirmando que a multiescalaridade, ao levar em conta
as naturezas diferentes de cada escala, possibilita conciliar as escalas topográfica e
topológica, uma material outra imaterial, unindo a questão territorial com suas virtualidades.
Assim, agrega-se as relações (HOWITT, 1997) e as redes (PUEBLA, 2001) associadas a cada
dimensão escalar tomadas na presente pesquisa, através da multiescalaridade.
Esta interpretação caracteriza a multiescalaridade enquanto um modo de
fazer/método interdisciplinar, pois transpassa métodos e objetos de diferentes ciências.
Como colocado por Silva Júnior e D’Antona (2013), a postura de estranhamento e de
disposição ao diálogo pode trazer maior riqueza na tessitura teórica, na prática metodológica
e na construção deste paradigma sempre em construção que é a interdisciplinaridade, mesmo
que traga também desconfortos.
Assim, propõe-se a ilustração da multiescalaridade, enquanto um modo de fazer-
pensar interdisciplinar, como apresentado na Figura 3.
56
Figura 3– Representação gráfica da prática interdisciplinar dentro da multiescalaridade.
Fonte: elaborado pela autora.
A respeito da importância e dos ganhos ao se tomar a abordagem multiescalar, faz-
se necessário citar o estudo de D’Antona; Cak e VanWey (2007, p. 89), que, ao buscar
caracterizar as mudanças na cobertura da terra ocorrida em municípios da Amazônia, utiliza-
se da conceituação dos efeitos de escala em uma pesquisa situada na dinâmica entre
população e ambiente. Para os autores, existem distintas motivações e uma multiplicidade de
agentes que se manifestam de maneiras diferentes conforme o nível de agregação territorial.
“Isoladamente, cada um dos níveis de agregação proporciona uma fotografia incompleta que
pode levar a erros de interpretação. Tal preocupação, aqui relativa à análise das mudanças na
cobertura da terra, pode e deve ser estendida para outros estudos do grande tema População
e Ambiente” (D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 89).
Assim, se caracteriza o efeito de escala, enquanto um aspecto que altera a apreensão
do fenômeno estudado de acordo com a escala utilizada, uma vez que aquilo que é captado
na escala macro pode não o ser na escala micro, e vice-versa.
Posto que tanto as forças tidas como macro (por exemplo, a cultura, o governo,
a economia) quanto aquelas definidas como micro (por exemplo, atributos da
unidade doméstica, o conhecimento de pequenos proprietários rurais e os
modos como tomam decisões) afetam o uso da terra e da água – e,
consequentemente, devem ser entendidos como fatores de mudanças
57
ambientais –, torna-se necessário a constituição de um referencial teórico-
metodológico que dê conta das variações entre escalas (HOGAN, 1991).
Reflexões como as de Carr; Suter e Barbieri (2006) têm mostrado como a
discussão das questões da escala é importante em estudos de População e
Ambiente, algo que até mesmo grandes agências como a NASA e os projetos
ligados à compreensão de mudanças ambientais globais reconhecem
(D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 93).
Os resultados obtidos no estudo desenvolvido pelos autores apontam para a não
prevalência de um nível de agregação sobre os demais, mas para a importância de utilizar a
análise multiescalar no sentido de aproveitar as potencialidades oferecidas por cada escala.
“A análise macro pode falhar ao incluir subconjuntos e processos muito distintos em uma
mesma unidade analítica, gerando resultados que não se aplicam exatamente a nenhum caso
particular. Restringir os estudos a uma escala pode proporcionar uma visão equivocada dos
processos analisados na escala estudada; uma visão que não se pode aplicar a outras escalas”
(D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 106).
Em uma dinâmica tão peculiar como a que envolve os impactos da ação humana
sobre (e por causa de) as áreas de floresta, entende-se que a escala macro dá conta de indicar
resultados muito importantes, porém não suficientes para captar especificidades que são
fundamentais para o entendimento de questões pontuais. Como afirmado pelos mesmos
autores (D’ANTONA; CAK; VANWEY, 2007, p. 109), “o entendimento em múltiplas
escalas é necessário para que se perceba a multiplicidade de agentes e as suas motivações,
além de ser uma estratégia para aproveitar os dados secundários existentes e os
conhecimentos locais, ou específicos, na busca da superação das deficiências das diversas
fontes de informações”.
Uma vez que, ao se mudar a escala espacial altera-se também a base teórica, é
possível explicar ou compreender fenômenos, relações e práticas, implica-se a necessidade
de teorias com distintos níveis de abrangência espacial (CORRÊA, 2011). Ao passar por
distintas escalas espaciais e conceituais (CORRÊA, 2011) e pela associação das escalas
topográficas e topológicas (LENCIONI, 2008) – na perspectiva da multiescalaridade – tem-
se a “prática” da interdisciplinaridade, uma vez que se perpassa por distintos métodos, objetos
e marcos teóricos das mais variadas ciências disciplinares.
A relevância do uso da multiescalaridade em um estudo que envolve mobilidade
populacional é colocado por Barbieri (2007, p. 228), ao afirmar que a implicação de
literaturas que abordem essas dinâmicas “tem sido a falta de dados adequados e, até
recentemente, de metodologias de análise multiescalares da mobilidade populacional e sua
58
relação com fatores ambientais, o que dificulta capturar a natureza complexa dos
determinantes da mobilidade populacional, que operam em escalas e níveis variados”.
Assim, em uma pesquisa que se presta a analisar as mobilidades associadas às Áreas
Protegidas da região Norte, acredita-se que o melhor caminho seja através da associação de
escalas diferentes, possibilitando distintas e complementares leituras de um mesmo
fenômeno. Esta conclusão traz à tona os benefícios para o desenvolvimento científico tidos
ao se ultrapassar certas barreiras, lembrando que o homem é um ser complexo e naturalmente
nãodisciplinar. Portanto, para (tentar) dar conta da complexidade dos fenômenos sociais,
visando aproveitar os benefícios que cada escala pode oferecer, foi utilizada a leitura
multiescalar, que permite libertar de uma visão de uma única natureza, de um único referente
(LENCIONI, 2008), baseando-se nos préstimos da interdisciplinaridade para a ciência.
1.3 Construção da abordagem da pesquisa
Após a explanação teórica sobre a importância da apreensão dos conceitos de
mobilidade e multiescalaridade na presente pesquisa, neste tópico procura-se elucidar melhor
a escolha dos métodos e algumas dificuldades encontradas, os materiais e métodos utilizados
no tratamento de dados macro (Censo IBGE) e dados micro (pesquisas de campo realizadas
nas UC) e as considerações sobre potenciais e limitações da estratégia adotada.
A escolha pelos métodos propostos, tomando por base o conceito da
multiescalaridade, foi fundamentada principalmente em duas questões, que acabam por ser
complementares: a primeira referente à dificuldade em encontrar resultados satisfatórios
utilizando somente dados secundários de bancos de dados de macroescala, devido à captação
e disponibilidade de dados oriundos do Censo brasileiro; a segunda na impossibilidade de
basear a pesquisa apenas em trabalho de campo, já que a realização deste trabalho não seria
possível pela pesquisadora devido ao tempo hábil da pesquisa de mestrado. Por fim, optou-
se por um caminho bastante promissor e que valoriza trabalhos de excelente qualidade
produzidos por pesquisadores brasileiros, como será melhor explicado adiante.
Tendo em vista os préstimos das abordagens interdisciplinares aqui propostas, a
multiescalaridade foi viabilizada através da associação das duas questões apontadas acima.
Na parte macroescalar, foram utilizados os bancos de dados dos Censos de 1991, 2000 e
2010, para gerar resultados estatísticos sobre algumas mobilidades associadas aos
59
municípios da região Norte do Brasil que contam com Áreas Protegidas em seu território.
Na parte microescalar, utilizou-se estudos de entidades confiáveis no rigor científico da
execução de suas pesquisas, realizados em três Unidades de Conservação e que trazem
aspectos específicos da mobilidade populacional de uma Área Protegida.
Assim, primeiramente são apresentados os argumentos relacionados às dificuldades
metodológicas encontradas, especialmente no que tange à análise macroescalar, com
questões específicas da demografia e do banco de dados utilizado pela disciplina. Sabe-se
que a demografia é uma disciplina que se baseia na análise de macrodados, se ocupando da
conversão de dados absolutos em taxas, normalmente representadas por valores a cada mil
habitantes, ou seja, trata-se de uma disciplina que procura “traduzir” um fenômeno que
ocorre em escala macro (ROLLET, 2007, p. 35). Portanto, apesar da mobilidade populacional
poder ser estudada sob a égide da demografia, entende-se que as respostas para as questões
específicas do contexto das Áreas Protegidas da Amazônia não podem ser obtidas dentro da
disciplina, especialmente por trazer outros elementos, como a questão da cobertura da terra,
das regulações de uso do solo, da sazonalidade, da multilocalidade, enfim, por se tratar de
aspectos não captáveis apenas por dados do Censo.
No contexto brasileiro, trata-se de um grande desafio a captação de dados
essencialmente quantitativos relacionados aos processos de mobilidade populacional devido
às particularidades do nosso Censo Demográfico. Desde o primeiro Censo, as informações
coletadas tiveram muitas alterações, o que resulta em muitas mudanças nos estudos de
migração realizados em cada período. “Os dados sobre migrações e suas análises refletem e
são reflexo do contexto e das tendências da mobilidade espacial da população, além das
possibilidades técnicas de coleta e disseminação” (RIGOTTI, 2011, p. 144).
A mudança e evolução dos quesitos levantados em cada Censo são perceptíveis ao
se analisar a Tabela 1, caracterizando o aumento da importância da migração nos estudos de
análise de dinâmica demográfica, uma vez que, com a redução das taxas de fecundidade no
Brasil – o que diminui o crescimento natural -, os movimentos migratórios adquirem cada
vez mais importância relativa na redistribuição espacial da população (RIGOTTI, 2011, p.
141). A tabela abaixo foi elaborada a partir de um levantamento feito por Cunha (2013).
60
Tabela 1 – Evolução dos quesitos relacionados à migração nos Censos brasileiros
Ano Censo Quesitos Migração
1940
- Permite saber a unidade da federação (UF) de nascimento do migrante
- Fornece o quantitativo acumulado de migrantes interestaduais
- Fornece a distribuição dos migrantes interestaduais pelos municípios de destino
- Fornece o ano em que o migrante estrangeiro fixou residência no Brasil
- Aplicados a toda a população
1950
- Aplicados a toda a população
- Permite saber a UF de nascimento do migrante, possibilitando a aplicação dos
métodos de estimativa da migração por Relações Intercensitárias de Sobrevivência
1960
- Aplicados a apenas uma amostragem
- Fornece o tempo de residência no município
- Levanta se anteriormente residia em zona rural
- Fornece em que UF ou país residia anteriormente
- Possibilita avaliações dos fluxos intraestaduais e intermunicipais
1970
- Inclusão de quesito sobre movimento pendular
- Aumento dos quesitos relacionados à migração (8 quesitos)
- Impossibilidade de obter informação dos migrantes de retorno municipais
- Impossibilidade de avaliar a migração intramunicipal por situação
1980
- Inclusão de quesito sobre município e UF de procedência na última etapa
migratória
- Permite avaliar a intensidade da migração ao longo dos anos intercensitários
1991
- Capta dados de data-fixa (periodicidade quinquenal)
- Levanta se a situação domiciliar anterior era rural ou urbana
2000
- Aumento dos quesitos relacionados à migração (13 quesitos)
- Deixa de captar o município de residência anterior
2010
- Aumento dos quesitos relacionados à migração (19 quesitos)
- Aumento de quesitos relacionados à emigração internacional
- Separação dos quesitos de deslocamento entre trabalho ou estudo
Fonte: Cunha (2013), organizado pela autora.
61
A inclusão do quesito data-fixa foi um importante paradigma nos estudos
migratórios, já que facilita a padronização dos métodos estatísticos para cálculos de dados
demográficos. De acordo com Rigotti (2011, p. 149), algumas das vantagens deste quesito é
que ele permite o cálculo de “todas as medidas convencionais da migração: imigrantes,
emigrantes e saldo migratório. Além disso, os lugares de origem e destino são conhecidos, o
período dentro do qual ocorre a migração é bem determinado e o conceito de migrante é
facilmente compreendido”.
Porém algumas limitações apresentadas se referem à coleta deste dado ser dirigida
somente à parte amostral de coleta do Censo (cerca de 10% dos questionários respondidos)
e ao fato de que os movimentos migratórios que ocorrem no período entre a data-fixa e a
data de coleta não são captados. É nesta questão que reside um importante “entrave
metodológico” para a presente pesquisa, pois não capta os movimentos sazonais, tão
característicos do modo de vida amazônico. Ou seja, muitos processos de mobilidade
populacional que se sabe que acontecem frequentemente na região não são captados e,
portanto, não podem ser representados em uma pesquisa baseada somente por macrodados
estatísticos.
A partir destas reflexões, faz-se importante compreender algumas questões
relacionadas aos métodos associados a estudos puramente quantitativos ou puramente
qualitativos, buscando tecer a elucidação dos ganhos para a ciência ao se unir as
potencialidades dos métodos.
Como colocado por Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 14, tradução nossa),
pesquisadores puramente quantitativos acreditam que os questionamentos inerentes às
ciências sociais devem ser objetivos, isentos de generalizações de tempo e contexto, e, assim,
os resultados da ciência social podem ser determinados de forma confiável e válida. Já os
pesquisadores puramente qualitativos acreditam que as realidades são construídas de forma
múltipla, ou seja, a isenção de generalizações de tempo e contexto não são possíveis, nem
desejáveis, uma vez que é impossível diferenciar causas e efeitos.
No contexto de uma pesquisa quantitativa, as principais características são a
possibilidade de se testar modelos e de generalizá-los. Segundo Bryman (1988, p. 12,
tradução nossa), a pesquisa quantitativa é um gênero que utiliza uma linguagem especial que
procura estabelecer algumas similaridades nas maneiras com que os cientistas abordam
investigações de ordens naturais – variáveis, controles, medidas, experimentos. Esta
conclusão reflete a tendência da pesquisa quantitativa ser sustentada por um modelo típico
62
das ciências naturais - o que significa que a lógica e os procedimentos das ciências naturais
são tomados para fornecer um padrão epistemológico contra o qual a pesquisa empírica nas
ciências sociais deve ser avaliada antes que possa ser tratado como um conhecimento válido.
As limitações do método quantitativo, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie
(2004, p. 14, tradução nossa), são: a) as categorias utilizadas pelo pesquisador podem não
refletir o entendimento dos contextos locais; b) as teorias utilizadas pelo pesquisador podem
não refletir o entendimento dos contextos locais; c) o pesquisador pode ignorar a ocorrência de
um fenômeno porque se foca em testar teoria ou hipótese em vez de criar teoria ou hipótese;
d) produção do conhecimento pode ser muito abstrata e generalista para aplicação direta em
situações, contextos e indivíduos locais específicas.
Já o método qualitativo é mais tradicionalmente utilizado dentro das ciências
humanas, por abarcar técnicas de coleta em microescala, fundamental em algumas
disciplinas como a antropologia. Para Bryman (1988, p. 61, tradução nossa), a principal
característica deste tipo de pesquisa é o comprometimento em abordar (e enxergar) eventos,
ações, normas e valores através da perspectiva das pessoas que estão sendo estudadas.
Pesquisadores qualitativos se esforçam para ir além da pura descrição do fenômeno,
procurando fornecer análises detalhadas dos ambientes estudados.
Sem dúvida trata-se de um método recheado de valiosas especificidades e
potencialidades. Porém, de acordo com Johnson e Onwuegbuzie (2004, p. 14, tradução
nossa), também apresenta limitações que devem ser consideradas: a) produção do
conhecimento pode não ser generalizada a outros contextos; b) é difícil de realizar previsões
qualitativas; c) é mais difícil para testar teorias e hipóteses; d) pode ter menor credibilidade
em algumas esferas científicas; e) geralmente demanda mais tempo de coleta de dados em
comparação à pesquisa quantitativa; f) a análise de dados consome mais tempo; g) os
resultados são mais facilmente influenciados pelo viés pessoal do pesquisador.
Acredita-se que a apresentação de resultados obtidos na presente pesquisa acaba por
se encaixar, de certa maneira, em todas as limitações atribuídas aos métodos quantitativos.
De acordo com Rogerson (2010, p. 3), os métodos estatísticos ocupam um papel central no
método científico porque nos permitem sugerir e testar hipóteses usando modelos, sendo os
modelos validados pela comparação de dados observados com o que se espera. “Se o modelo
é uma boa representação da realidade, haverá uma correspondência entre os dois. Se as
observações e as expectativas são muito distantes, precisamos ‘voltar à prancheta’ e
apresentar uma nova hipótese”.
63
Algumas barreiras metodológicas também são enfrentadas ao se optar por um
caminho puramente disciplinar, como foi colocado no caso da demografia. Porém, os mesmos
problemas podem ser enfrentados ao se optar por um viés de outras disciplinas. Como
destacado por Porto- Gonçalves (2006, p.7), as ciências sociais são “instituídas por e
instituintes da sociedade contemporânea e, assim, a superação da divisão do trabalho
científico, tal como ela se apresenta, faz parte da luta pela superação das contradições dessa
mesma sociedade. Daí a importância dos trabalhos que se colocam para além das
disciplinaridades instituídas”.
Para o autor, o divórcio entre a geografia e as ciências sociais trouxe duas
consequências problemáticas: 1) os geógrafos não conseguiram dar uma solução adequada
ao significado de natureza no devir social, prisioneiros de um pensamento eurocêntrico no
qual natureza e sociedade são termos que se excluem reciprocamente ou são pensados numa
relação de causalidade unilateral seja da natureza para a sociedade (naturalismo) seja da
sociedade para a natureza (antropocentrismo); 2) os geógrafos ignoram a dimensão espacial,
na sua materialidade historicamente construída (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 8).
Portanto, sociedade e espaço não podem ser tomados como dimensões que se
excluem ou que se procedem lógica ou ontologicamente, contrariando a lógica hegeliana de
que o território é uma substância externa, servindo de base para a sociedade se erigir
(PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 8). O questionamento primário da geografia – “o meio
influencia o homem ou o homem influencia o meio?” – está impregnado desse determinismo
criticado por Porto-Gonçalves, uma vez que o próprio autor coloca a importância de associar-
se distintas ciências e métodos buscando melhor compreensão da complexidade do espaço,
da sociedade e de suas interrelações.
Por fim, faz-se importante colocar que não se trata de problemas metodológicos da
demografia ou da geografia, porém, o que se intenta é a apreensão de conceitos que
trabalhem no sentido de contemplar a complexidade dos fenômenos multidimensionais que
são abordados na presente pesquisa. Assim, visando aplicar empiricamente formas de
pesquisar o fenômeno da mobilidade e da multiescalaridade, optou-se pela tomada de duas
dimensões escalares para se trabalhar com a hipótese da pesquisa.
64
1.3.1 Materiais e Métodos
O método é uma “entidade” fundamental para a concepção do conhecimento
científico; a ciência, para muitos autores, só é validada se contar com uma excelente e
fundamentada construção metodológica. Como colocado por Moreira (2013, p. 108): “A
expressão mais acabada da razão na ciência é o método. A tal ponto que a ciência pode ser
definida como o conhecimento metódico. Isso significa dizer que no conhecimento científico
o fundamental é o método. E em ciência método é todo caminho que conduz ao
conhecimento”.
Porém cada setor da ciência (ou disciplina) conta com suas regulamentações para
que o “caminho para a condução ao conhecimento” seja reconhecido e aceito dentro da
comunidade científica. Todas estas “leis” estão dentro do conceito de campo, teorizado por
Bourdieu (2004). Para o autor, as produções culturais, filosóficas, históricas etc., são objetos
de análise com pretensões científicas, passíveis de diversas interpretações que podem ser de
ordem internalista ou externalista.
As interpretações internalistas implicam em que a única forma de se compreender
tais produções é através da leitura dos textos e manuais referentes às disciplinas, uma vez
que “o texto é o alfa e o ômega e nada mais há para ser conhecido, quer se trate de um texto
filosófico, de um código jurídico ou de um poema, a não ser a letra do texto” (BOURDIEU,
2004, p. 19). Já a interpretação externalista, frequentemente representada por pessoas
que se filiam ao marxismo, demanda o entendimento da relação entre o texto e o contexto,
interpretando as obras em relação com o mundo social ou econômico. Assim, Bourdieu
apresenta a noção de campo enquanto algo entre essas duas interpretações, uma vez que,
para se interpretar a ligação entre o texto e o contexto, há um “campo literário, artístico,
jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições
que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência [...] A noção de
campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo dotado
de leis próprias” (BOURDIEU, 2004, p. 20).
Ainda de acordo com Bourdieu (2004, p. 21), é importante entender o grau de
autonomia do campo, já que todo campo sofre pressões externas, como créditos, ordens,
instruções, contratos, e de que forma se manifestam as resistências desenvolvidas para
se libertar dessas imposições externas. Ou seja, não há uma ciência pura, já que o campo
científico está sempre sob influência dos agentes e instituições.
65
Pelo fato de o campo se tratar de um “microcosmo dotado de leis próprias”, é
sempre fundamental que seja considerado o contexto de construção de uma pesquisa
científica dentro de determinado campo. Especificamente dentro das ciências sociais, como
colocado por Richardson (2012, p. 16), deve-se sempre considerar seu contexto conceitual,
histórico e social, e, mesmo que uma pesquisa seja realizada com o objetivo do benefício
próprio do pesquisador, é importante ressaltar que o objetivo último das ciências sociais é o
desenvolvimento do ser humano, e a pesquisa deve contribuir nessa direção, mesmo sendo
o objetivo imediato a aquisição de conhecimento.
De acordo com as reflexões propostas por Richardson acerca do método científico,
o autor atenta para o fato de que a ciência não é a “dona da verdade”, que todas as formas de
conhecimento têm seu valor, sendo a ciência uma forma de adquirir conhecimento e
compreensão. Um importante aspecto do método científico é a confiança na capacidade de
observação do cientista, em sua percepção, sensibilidade e memória (RICHARDSON, 2012,
p. 18).
Assim, percebe-se a importância de situar uma construção científica em um sistema
que acaba por influenciá-la. Segundo Bunge (1980, p. 41), a ciência pode ser considerada
tanto um sistema conceitual – de dados, hipóteses, teorias e técnicas – quanto um sistema
concreto – composto de pesquisadores, auxiliares de pesquisa, instrumentos, entre outros.
“Em ambos os casos, a palavra ‘sistema’ evoca a ideia de que, longe de ser um mero conjunto
ou aglomerado, a ciência é um objeto complexo, composto por unidades dependentes”
(BUNGE, 1980, p. 41).
A importância das inter-relações tem destaque na definição do pensamento
ecologizado de Morin, que sugere que os fenômenos de ordem social, econômica e política.
devem ser entendidos através de suas inter-relações, assim como os fenômenos da natureza.
Segundo o autor,
[...] o pensamento ecologizado se opõe ao isolamento de um objeto e à redução
a suas causalidades externas, a permeação superficial e ao afogamento em um
meio. Não poderia haver descrição, nem explicação dos fenômenos fora de
sua dupla inscrição e da dupla implicação no seio de uma dialógica complexa
que associe de maneira complementar, concorrente e antagonista, as lógicas
autônomas e internas próprias dos fenômenos por uma parte, e as ecologias do
seu entorno pela outra (MORIN, 2002, p. 111, tradução nossa).
Assim, tendo por base os autores supracitados, pode-se concluir que toda pesquisa
científica está carregada de subjetividadesda própria personalidade e vivência do
66
pesquisador, da construção do campo científico, das forças que agem no campo científico,
das instituições, entre diversos outros aspectos, e que, por isso, é importante ter-se um olhar
macro do contexto. É importante dizer que isso não emprega, necessariamente,
descredibilidade à pesquisa, como era defendido pelo positivismo e pelo funcionalismo, em
que o cientista deve ser neutro, e a ciência é tida como a única fonte de verdade que deve ser
tomada por fenômenos individuais, sem considerar a história (RICHARDSON, 2012, p. 33).
Tendo em vista então a importância de se considerar contextos amplos e diversos,
na presente dissertação tem-se dois caminhos metodológicos: o da macroescala e o da
microescala. A seguir são apresentados o tratamento de dados para execução da pesquisa.
1.3.1.1 Tratamento dos dados
O banco de dados que compõe a parte da análise macroescalar é resultado da união
de dados territoriais e dados populacionais. O primeiro passo em busca de resultados
quantitativos sobre a situação da mobilidade populacional da região Norte do Brasil foi a
organização de um extenso banco de dados com informações geográficas e populacionais,
buscando o conhecimento da quantidade, área e localização das Áreas Protegidas da região
Norte do Brasil.
Para o tratamento dos dados territoriais, organizou-se a base de dados geográficos
vetoriais, adquirida através dos sites do ICMBio (Instituto Chico Mendes de
Biodiversidade), que disponibiliza os arquivos referentes às Unidades de Conservação, e da
FUNAI (Fundação Nacional do Índio), de onde se obtevee os dados das Terras Indígenas.
Os arquivos vetoriais foram manuseados no software ArcGIS®, por meio do qual foi
possível realizar a geração de tabelas com os dados esperados. Foram criados shapes
contendo apenas as Unidades de Conservação homologadas até julho de 2015 e as Terras
Indígenas regularizadas até julho de 2015.
Após padronizar a referência espacial de todas as bases de dados, fez-se necessário
resolver problemas de sobreposições de Áreas Protegidas, já que a primeira informação que
se pretendia obter era a cobertura do município tomada por AP, portanto, as sobreposições de
áreas duplicariam alguns valores. Através de técnicas de regras topológicas, técnica que prevê
ajustar limites de feições, foi possível localizar as sobreposições; na topologia dentro do
shape de UC foi eliminada a área referente à categoria de Uso Sustentável, dando preferência
67
à categoria de Proteção Integral. Ao cruzar este shape com o de TI, foi dada preferência às
TI. Assim, o ranking das regras topológicas foi: 1- Terras Indígenas; 2- UC de Proteção
Integral; 3- UC de Uso Sustentável.
Para dar prosseguimento à análise, seguiu-se então para a caracterização da situação
migratória dos municípios localizados na região Norte do Brasil. A tomada dos perímetros
municipais como unidades de análise se deu por ser uma unidade comum às análises
territoriais e populacionais, para ser possível compatibilizar os dados disponíveis – o que não
seria possível ao se tomar os perímetros das Áreas Protegidas.
O banco de dados populacionais foi obtido através do site do IBGE, englobando os
dados disponíveis referentes ao Censo Demográfico de 1991, 2000 e 2010. De posse destas
informações foi gerada uma matriz migratória, através do software SPSS®, que traz
informações sobre a quantidade de pessoas que imigraram e emigraram no período
considerado, em cada município, considerando o quesito data-fixa – que contempla a questão
“onde você morava há 5 anos?”, feita pelos recenseadores na ocasião do levantamento dos
dados.
Desta forma, é possível gerar uma matriz na qual consta, na coluna A, os municípios
de residência na ocasião da data-fixa e na linha 1 os municípios de residência na data da
coleta das informações. Por exemplo, para o Censo de 2010 foi gerada uma matriz de 449
colunas - contendo informações sobre os municípios de residência em 31 de julho de 2005
(data-fixa) - por 449 colunas – com dados sobre o município de residência em 31 de julho
de 2010 (data de referência). A matriz migratória foi gerada para os anos de 1991, 2000 e
2010.
Através da manipulação dos dados das matrizes foi possível obter o número de
emigrantes - aqueles que residiam no município na data-fixa e na data de referência residiam
em município diferente. As informações sobre os imigrantes são oriundas diretamente do
IBGE, no quesito “não residiam no município na data-fixa”, ou seja, contabilizam aqueles que
fixaram residência no município desde a data-fixa.
Para cada recorte temporal foram organizados dados geográficos, contendo o
recobrimento territorial, em km² e em %, referente às Áreas Protegidas em cada município,
separados por tipos (Proteção Integral, Uso Sustentável e Terra Indígena). Juntamente foram
organizados os dados relacionados à migração: entradas (pessoas que se instalaram no
município durante o período); saídas (aqueles que residiam neste município na data-fixa
anterior e não na data de referência); saldo (resultado da diferença entre entradas e saídas,
68
indicando se mais pessoas imigraram ou emigraram); e fluxo (resultado da soma de entradas
e saídas, apontando a dimensão da movimentação populacional do município).
Com base nessas informações, foram calculadas as seguintes taxas migratórias (com
as respectivas definições de acordo com o IBGE): Taxa Bruta de Imigração (quociente entre
número de entradas e a média da população no período); Taxa Bruta de Emigração
(quociente entre número de saídas e a média da população no período); Taxa Bruta de
Migração (quociente entre o fluxo e a média da população no período); e Taxa Líquida de
Migração (quociente entre saldo migratório e a média da população no período).
Já para o tratamento de dados na microescala, primeiramente deve-se considerar
que o tempo hábil de uma pesquisa de dissertação não comportaria jornadas de campo (por
se tratar de locais distantes e de difícil acesso), portanto, entende-se que a melhor forma de
abordar a temática da mobilidade observada in loco é através das análises oriundas de estudos
técnicos de alta qualidade/confiabilidade que foram realizadas em escala 1:1.
Sabe-se que cada categoria de Unidade de Conservação apresenta diferentes regras
de uso do solo. Portanto, em uma análise qualitativa, indaga-se sobre a existência de formas
distintas de mobilidade dentro dessas UC. Por isso, foram escolhidos três tipos diferentes de
Unidades em três diferentes tipos de estudos, a saber: relatório técnico do Instituto Mamirauá
denominado “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá”;
tese de doutorado desenvolvida na Unicamp intitulada “Distribuição e mobilidade espacial
da população em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia brasileira: o
caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná”; e o estudo diagnóstico da Fundação Vitória
Amazônica chamado “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do Jaú”.
O próximo capítulo, de resultados, traz o resgate bibliográfico desses estudos,
enfatizando as conclusões obtidas pelos pesquisadores no que tange à mobilidade
populacional das comunidades presentes dentro, e no entorno, dessas Unidades de
Conservação.
Aqui, cabe a explicação sobre a questão da inclusão das Terras Indígenas quando
da elaboração do banco de dados territorial; optou-se por não trabalhar somente com as
Unidades de Conservação por haver o entendimento de que grande proporção de território é
ocupado por TI e, portanto, existem efeitos na ocupação do solo da região Norte. Porém,
trata-se de populações cujas dinâmicas carecem de estudos específicos e que não seriam
contempladas de maneira justa e coerente no escopo da pesquisa qualitativa aqui
apresentada.
69
Por fim, compreendendo algumas questões associadas a métodos específicos das
disciplinas abordadas, tem-se que o tratamento de um fenômeno multidimensional como a
mobilidade demanda uma metodologia que ultrapasse as barreiras disciplinares, visando o
aproveitamento dos préstimos de cada método, e que a leitura multiescalar deve procurar
superar a dicotomia de recortes escalares.
70
2 ESCALAS DA MOBILIDADE: RESULTADOS
Consideradas a mobilidade, a multilocalidade e a multiescalaridade como conceitos
interdisciplinares, faz-se importante expor, da forma mais prática, resultados sobre o
fenômeno da mobilidade populacional relacionada às Áreas Protegidas dos sete estados do
Norte do Brasil.
Primeiramente são apresentados os resultados da análise quantitativa, feita a partir
de um banco de dados elaborado especialmente para a presente pesquisa. Em um segundo
recorte, são trazidos, em forma de revisão bibliográfica, os resultados de uma análise
qualitativa, obtidos através de estudos de caso realizados em diferentes UC da região Norte.
Após operações dos dados territoriais e populacionais, conforme explicado no
capítulo anterior, tem-se primeiramente ciência da grande concentração de Áreas Protegidas
na região Norte do Brasil, ao se considerar o contexto nacional, confirmando a relevância da
região para pesquisas envolvendo a temática das Áreas Protegidas.
Uma primeira apreensão dos dados indica que de um total de 434 Terras Indígenas
Tradicionalmente Ocupadas em situação regularizada no Brasil, 250 (58%) se encontram na
região Norte. Do total de 1.436 Unidades de Conservação homologadas no país, 264 (18%)
também estão na região Norte, sendo 69 de Proteção Integral e 195 de Uso Sustentável.
Além de concentrar grande parte das AP nacionais, o território da região Norte é
bastante recoberto por essas Áreas. Do total de 449 municípios existentes na região, 266
contam com ao menos uma Área Protegida em seu território, o que corresponde a 59% do
total de municípios. Considerando todo o território da região Norte do Brasil, que totaliza
3.916.918 km², aproximadamente 51%, ou 1.997.695 km², estão recobertos por Áreas
Protegidas, já desconsiderando as situações de sobreposição de AP.
O fato de que grande parte do território da região Norte está recoberto pela
existência de Áreas Protegidas implica que grande parte da região está subordinada a normas
específicas de uso e ocupação do solo – incluindo as regras de ocupação humana. A dimensão
dessa cobertura pode ser melhor visualizada na Figura 4, com um mapa com todos os
municípios da região Norte e os três tipos de Áreas Protegidas já descritas.
71
Figura 4 – Mapa de municípios e recobrimento por tipos de AP, na região Norte do Brasil.
Fonte: bases de dados do ICMBio, FUNAI, IBGE - mapa elaborado pela autora.
72
Considerando as Unidades de Conservação localizadas na região Norte, tem-se que,
do total das UC de Proteção Integral, existem 15 Estações Ecológicas, 2 Monumentos
Naturais, 39 Parques, 1 Refúgio de Vida Silvestre e 12 Reservas Biológicas. Faz-se
importante destacar que do total de 69 UC de Proteção Integral, apenas 3 permitem a
permanência de pessoas habitando dentro de seus limites.
Dentre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável da região Norte, existem 34
Áreas de Proteção Ambiental, 6 Áreas de Relevante Interesse Ecológico, 54 Florestas, 20
Reservas de Desenvolvimento Sustentável, 68 Reservas Extrativistas e 13 Reservas
Particulares de Patrimônio Natural. Do total de 195 UC de Uso Sustentável, 141 podem ter
residentes fixos dentro de sua área.
A primeira série de resultados quantitativos da presente pesquisa veio da associação
dos dados territoriais com os dados populacionais de saldo migratório do Censo 2010. A fim
de atrelar os dados populacionais aos geográficos, foram levantas todas as Áreas Protegidas
e todos os municípios incluídos nos perímetros das AP, organizadas em tabela com o tipo,
categoria, ano de criação e área total da Área Protegida.
Devido à grande quantidade de Áreas Protegidas, muitos municípios contam com
mais de uma AP em seu território, havendo municípios que contam com 24 AP - caso de
Lábrea, no estado do Amazonas. Do total de municípios que possuem AP em seu território,
72 contam somente com AP de Uso Sustentável, 56 têm os três tipos em seu território, 54
têm apenas Terras Indígenas, 37 contam com TI e UC de Uso Sustentável, 27 possuem UC
de Proteção Integral e de Uso Sustentável, 13 contam com TI e UC de Proteção Integral e 7
contêm apenas AP de UC de Proteção Integral (Figura 5).
Figura 5 - Gráfico de quantidade de municípios por tipos de AP, na região Norte do Brasil.
Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
72
56 54
3727
137
01020304050607080
Quantidade de municípios por tipos de AP
73
A geração destas tabelas com informações territoriais só foi possível por meio de
técnicas de geoprocessamento, descritas resumidamente no tópico de tratamento de dados,
através do software ArcGIS®. Desta forma, considerando a cobertura da terra da região Norte
tomada por Áreas Protegidas, foi gerada uma tabela que contém a informação da porcentagem
do território de cada município que é recoberto por AP.
Assim, tem-se que 102 municípios têm mais de 50% do seu território ocupado por
Áreas Protegidas. A partir das porcentagens de território municipal recoberto por AP, foram
determinadas 10 classes de acordo com a cobertura - a quantidade de municípios pertencente
a cada classe está apresentada na Figura 6.
Figura 6 - Gráfico de quantidade de municípios por porcentagem de território coberto por AP, na
região Norte do Brasil.
Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
2.1 Análises quantitativas entre variáveis territoriais e populacionais
O passo seguinte foi unir esta informação territorial de porcentagem de área do
município recoberta por Áreas Protegidas com a informação de saldo migratório por
município, buscando a existência de relações entre as variáveis. Para averiguar se existe tal
relação foi utilizada a fórmula de correlação de Pearson, já que se trata de um indicador que
apresenta (ou pode apresentar) a magnitude de correlação entre duas variáveis. O coeficiente
varia de -1 até 1, e indica que quanto menor o valor, maior a correlação negativa, ou seja, as
variáveis são inversamente proporcionais; quanto maior o coeficiente, maior a correlação
positiva, portanto as variáveis são diretamente proporcionais.
17 1720
23 25 2328
33
27
53
0
10
20
30
40
50
60
Quantidade de municípios por % de território coberto por AP
74
Para o desenvolvimento desta pesquisa, primeiramente se considerava que a relação
entre dados de migração de um município e a cobertura territorial ocupada por Área Protegida
era linear e dicotômica, ou seja, era “simplesmente” um município possuir maior
porcentagem de área tomada por AP que menor seria seu saldo migratório. No caso da análise
tendo por base os valores da correlação de Pearson, poderia se esperar como resultado um
valor mais próximo a -1, uma vez que (supondo-se) quanto maior a porcentagem de território
recoberta por AP menor o saldo migratório. Porém ao ser feito o cálculo entre as variáveis
citadas, obteve-se um coeficiente de 0,01386 – o que indica correlação levemente positiva,
quase nula; ou seja, a relação entre tais variáveis é fraca e pouco significativa.
No entanto, é importante colocar que o fato do coeficiente de Pearson ser fraco
não quer dizer que não existe uma relação, mas que não existe uma relação linear, ou
seja, as variáveis não estão necessariamente se comportando na mesma direção e a uma taxa
constante. Em um recorte temporal específico, explanado no decorrer deste tópico, também
foram calculados alguns resultados sob a correlação de Spearman, que apresenta relações não
lineares. Já se adianta que os resultados indicam que a relação entre dados de migração e
dados de cobertura municipal tomada por AP apontam para nãolinearidade, ou seja, as
correlações se mostraram um pouco mais fortes em Spearman, mas na sequência serão
apresentados todos os dados obtidos na sequência de desenvolvimento da pesquisa.
Os primeiros cálculos foram no sentido de obter a correlação resultante da
associação entre as variáveis saldo migratório e porcentagem de território recoberta por AP,
que pode ser observada no gráfico apresentado na Figura 7.
Figura 7 - Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por AP entre
os municípios do Norte do Brasil.
Fonte: ICMBio, FUNAI, IBGE - elaborado pela autora.
75
Foram feitos outros testes com os dados, em busca de algum indicativo no sentido
oposto, selecionando apenas os municípios que contam com Unidades de Conservação de Uso
Sustentável – com menores restrições de uso do solo. Neste caso, o coeficiente de correlação
foi de 0,001277, ou seja, correlação ainda mais fraca que no exemplo anterior (Figura 8).
Figura 8- Gráfico de correlação entre saldo migratório e porcentagem de área coberta por UC de
Uso Sustentável entre os municípios do Norte do Brasil.
Fonte: ICMBio, FUNAI, IBGE - elaborado pela autora.
Em um recorte considerando apenas os municípios que têm Reservas Extrativistas
em seu território, o resultado é de um coeficiente de -0,094583, indicando uma leve tendência
para a correlação negativa, porém ainda muito fraca e pouco significativa.
Relembrando alguns dos resultados já colocados, se mais da metade dos municípios
da região Norte do Brasil possuem grande parte de seus territórios tomados por áreas que
implicam em rigorosas restrições de uso e ocupação do solo, parece pouco provável que se
tratem de variáveis independentes, porém entende-se que a relação entre os dados de
migração e de área municipal ocupada por AP não são representativos de forma linear. Como
colocado por Rogerson (2010, p. 184), “uma correlação igual a zero não significa
necessariamente que x e y não estão relacionados, simplesmente significa que eles não estão
relacionados de forma linear”.
Desta forma, ao representar os dados graficamente, como nas Figuras 7 e 8, percebe-
se a dispersão das variáveis aleatoriamente, quando, sob uma relação linear se esperaria que
os pontos estivessem situados precisamente ao longo de uma linha reta. Uma das maneiras
de melhor trabalhar com essas variáveis é através da supressão dos dados discrepantes. Outra
76
maneira é ajustando o tamanho da amostra, já que gera influência nos resultados, uma vez
que em amostras grandes o valor de correlação tende a se aproximar de zero. “Quando o
pesquisador está trabalhando com grandes conjuntos de dados, um valor relativamente baixo
de correlação não deve ser tão decepcionante quanto o mesmo valor para uma amostra de
tamanho menor” (ROGERSON, 2010, p. 190).
Portanto, na busca de aprofundar a análise quantitativa e compreender possíveis
limitações do método, foram feitos recortes temporais, visando diminuir o tamanho das
amostras com dados que pudessem ser padronizados em períodos diferentes e de acordo com
o período de criação das Áreas Protegidas. Assim, foi gerada uma nova tabela5 com dados
populacionais, separando os dados territoriais e populacionais em três diferentes recortes
temporais: 1986 a 1991, 1995 a 2000 e 2005 a 2010. A escolha destes recortes se deu ao fato
de tratar-se dos dados dos últimos três Censos Demográficos, realizados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, durante o período entre a data-fixa e a data de referência,
ou seja, período em que é melhor captável quantitativamente os deslocamentos de município
de residência.
a) 1986 a 1991
Neste período a região Norte do Brasil teve a criação de 129 Áreas Protegidas,
ocupando parcialmente territórios de 108 municípios. Em 1989 houve um pico no número de
AP criadas, indo de 17 em 1988 para 65 em 1989, conforme mostrado na Figura 9.
5 A organização de dados e geração de resultados desta etapa foi realizada em parceria com o
discente do Doutorado em Demografia da Unicamp, M.Sc. Pier Francesco De Maria.
77
Figura 9 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991.
Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Foi então gerada uma tabela (Tabela 2) contendo dados de fluxo, saldo, entradas e
saídas de pessoas e as taxas de imigração, emigração e migração bruta e líquida – a descrição
das variáveis consta no tópico sobre método -, agrupados de acordo com a situação do
município, categorizados em: a) tem/não tem Unidade de Conservação de Proteção Integral;
b) tem/não tem Terra Indígena; c) tem/não tem Unidade de Conservação de Uso Sustentável;
d) tem/não tem Áreas Protegidas.
Analisando os dados obtidos para o período entre 1986 e 1991 tem-se que o maior
fluxo e saldo migratório aconteceu nos municípios com UC de Proteção Integral e a maior
taxa bruta de emigração e taxa líquida de migração nos municípios com Terra Indígena.
Assim, pode-se supor que as maiores correntes migratórias e maiores números de saída de
população estão associados às Áreas Protegidas que contam com normas mais restritivas de
ocupação e uso do território.
0
10
20
30
40
50
60
70
1986 1987 1988 1989 1990 1991
Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1986 a 1991
78
Tabela 2 – Tabela com valores médios6 das variáveis populacionais por situação de presença por
tipo de AP, entre 1986 e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil.
Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
Teve PI 13.371,9 3.093,2 8.2432,6 5.139,4 161,3 110,6 271,8 50,7
Não teve PI 6.531,7 460,1 3.495,9 3.035,8 118,1 103,2 221,3 14,9
Teve TI 12.306,2 2.003,3 7.154,8 5.151,5 201,4 120,1 321,4 81,3
Não teve TI 6.009,9 374,7 3.192,3 2.817,6 106,8 100,8 207,6 6,0
Teve US 5.654,5 965,2 3.309,8 2.344,6 80,4 71,2 151,7 9,3
Não teve US 7.289,0 509,8 3.899,4 3.389,6 132,0 112,9 245,0 19,2
Teve AP 7.285,6 1.160,7 4.223,2 3.062,5 125,2 91,4 216,6 33,8
Não teve AP 6.720,2 300,3 3.510,3 3.209,9 117,9 110,5 228,4 7,4
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Na Tabela 3 estão apresentadas os valores de correlação de Pearson entre as
variáveis, com a ocorrência de maior correlação entre a taxa bruta de migração e área absoluta
recoberta por Terra Indígena, indicando que nos municípios com maiores áreas, em km², de
Terras Indígenas existem maiores fluxos de migração relativos à média populacional. Já a
menor correlação é entre a taxa bruta de imigração e a área absoluta recoberta por Unidade de
Conservação de Uso Sustentável, indicando que nos municípios onde há maior cobertura de
área por UC de Uso Sustentável há menor número de entradas de pessoas relativos à média da
população.
O resultado geral concentrando valores absolutos de área recoberta por Áreas
Protegidas indica correlações baixas, com a menor correlação entre a taxa líquida de
migração, ou seja, quanto mais área coberta por AP menor o saldo migratório relacionado à
média populacional. O resultado apresentado concentrando os valores proporcionais de área
6 Os valores de fluxo, saldo, entradas e saídas se referem às médias entre os municípios conforme a
presença ou não de cada categoria de AP; os valores das taxas de imigração, emigração e migração bruta e líquida
também se referem às médias das taxas apresentadas nos municípios.
Relembrando o que os dados representam: entradas (pessoas que se instalaram no município durante
o período); saídas (aqueles que residiam neste município na data-fixa anterior e não na data de referência); saldo
(resultado da diferença entre entradas e saídas, indicando se mais pessoas imigraram ou emigraram); fluxo
(resultado da soma de entradas e saídas, apontando a dimensão da movimentação populacional do município);
Taxa Bruta de Imigração (quociente entre número de entradas e a média da população no período); Taxa Bruta de
Emigração (quociente entre número de saídas e a média da população no período); Taxa Bruta de Migração
(quociente entre o fluxo e a média da população no período); e Taxa Líquida de Migração (quociente entre saldo
migratório e a média da população no período).
79
municipal coberta pelas Áreas Protegidas indica maior correlação com a taxa bruta de
emigração, portanto quanto maior a porcentagem municipal coberta por AP maior o número
de saída relativo à média da população. Apesar de apresentar números um pouco mais
representativos concernentes às relações entre as variáveis do período de 1986 a 1991, a
maioria dos valores indica correlações fracas, corroborando com o resultado obtido na etapa
anterior da pesquisa quantitativa.
Tabela 3 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 1986
e 1991, para os municípios da região Norte do Brasil.
Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
PI (km²) 0,037 -0,045 0,015 0,065 0,021 0,173 0,079 -0,064
PI (% mun.) 0,007 -0,117 -0,030 0,063 0,009 0,293 0,112 -0,139
TI (km²) 0,153 0,153 0,167 0,114 0,378 0,218 0,376 0,311
TI (% mun.) -0,044 -0,013 -0,038 -0,047 0,070 0,075 0,082 0,040
US (km²) -0,128 -0,185 -0,157 -0,069 -0,294 -0,107 -0,270 -0,274
US (% mun.) -0,214 -0,215 -0,233 -0,159 -0,334 -0,126 -0,309 -0,310
Total (km²) 0,060 -0,002 0,047 0,073 0,138 0,171 0,170 0,068
Total (% mun.) -0,163 -0,181 -0,183 -0,113 -0,151 0,036 -0,106 -0,187
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
b) 1995 a 2000
Durante o período de 1995 a 2000 a região Norte do Brasil contou com a criação de
307 Áreas Protegidas, que englobavam partes do território de 140 municípios. Pode-se
perceber no gráfico apresentado na Figura 10 que neste período diversas AP foram criadas
na região a cada ano, com destaque para os anos de 1995, que teve 67 Áreas Protegidas
criadas, e 70 em 1999, representando a propagação da importância em instituir tais áreas nessa
região do Brasil.
80
Figura 10 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000.
Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Os dados apresentados na Tabela 4 indicam maior fluxo e saldo migratório nos
municípios com UC de Proteção Integral, que também apresentam maior taxa bruta de
emigração e taxa líquida de migração. Da mesma forma como observado no período anterior,
tem-se que os maiores fluxos migratórios ocorrem nos municípios que contam com Unidades
de Conservação cuja categoria de uso de recursos e ocupação conta com normas mais
restritivas.
Tabela 4 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por tipo
de AP, entre 1995 e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil.
Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
Teve PI 18.022,6 4.953,9 11.488,3 6.534,3 177,9 109,8 287,7 68,0
Não teve PI 5.432,8 201,9 2.817,3 2.615,5 135,5 102,2 237,7 33,3
Teve TI 5.172,3 438,5 2.805,4 2.366,9 110,8 78,8 189,6 32,0
Não teve TI 5.896,8 305,5 3.101,1 2.795,6 142,1 107,5 249,6 34,7
Teve US 12.705,4 594,2 6.649,8 6.055,6 163,6 104,2 267,8 59,4
Não teve US 4.196,3 268,7 2.232,5 1.963,8 130,5 102,0 232,5 28,5
Teve AP 9.092,0 479,8 4.785,9 4.306,1 135,2 92,5 227,8 42,7
Não teve AP 4.263,9 260,5 2.262,2 2.001,7 137,2 106,9 244,1 30,3
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1995 1996 1997 1998 1999 2000
Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 1995 a 2000
81
Considerando os valores de correlação de Pearson entre as variáveis, tem-se a
indicação de relações mais fortes entre o número de entradas e área proporcional de município
recoberto por Unidade de Conservação de Proteção Integral, apontando que quanto maior a
porcentagem do município com UC de Proteção Integral, maior o número de pessoas
entrando - o que não pode ser considerado uma suposição razoável, uma vez que não parece
coerente que um município que conta com grande parte do território regido sob normas
rígidas atraia mais imigrantes. A menor correlação é obtida entre a taxa bruta de emigração e
a área relativa recoberta por Terra Indígena, indicando que nos municípios onde há maior
porcentagem de território com Terra Indígena há menor número de saídas de pessoas relativos
à média da população - suposição que também não parece muito coerente.
Os valores de correlação referentes ao total de municípios que contam com alguma
AP indicam para maior correlação com a taxa bruta de migração, ou seja, quanto maior a
proporção de território municipal recoberto por alguma Área Protegida maior o fluxo de
migrantes relativos à média populacional. A menor correlação foi observada com a taxa bruta
de emigração, portanto quanto maior a porcentagem municipal coberta por AP menor o
número de saída relativo à média da população. Assim como os resultados de correlação
obtidos para o período de 1986 a 1991, trata-se de valores pouco consistentes para ser possível
afirmar com segurança que tais variáveis de fato contam com uma correlação captável através
dos dados de Censo.
Tabela 5 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 1995
e 2000, para os municípios da região Norte do Brasil.
Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
PI (km²) 0,113 0,135 0,150 0,064 0,055 -0,020 0,041 0,061
PI (% mun.) 0,256 0,255 0,324 0,162 -0,005 0,028 0,006 -0,017
TI (km²) -0,040 -0,010 -0,042 -0,035 -0,081 -0,102 -0,110 -0,036
TI (% mun.) -0,109 -0,017 -0,110 -0,098 -0,087 -0,135 -0,127 -0,028
US (km²) 0,106 0,041 0,114 0,087 -0,021 0,025 -0,009 -0,030
US (% mun.) 0,049 0,129 0,087 0,006 0,316 0,186 0,348 0,228
Total (km²) -0,006 0,009 -0,003 -0,008 -0,080 -0,094 -0,106 -0,038
Total (% mun.) -0,004 0,126 0,036 -0,043 0,218 0,076 0,221 0,179
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
82
c) 2005 a 2010
Considerando o período entre 2005 e 2010, referente ao último Censo realizado no
Brasil, tem-se a criação de 297 Áreas Protegidas, com destaque para o ano de 2006, conforme
representado na Figura 11, que contou com 106 AP criadas, recobrindo parcialmente
territórios de 134 municípios da região Norte brasileira.
Figura 11 - Gráfico de número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010.
Fonte: ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Os valores absolutos de migração para os municípios que tem Áreas Protegidas em
seu território apontam maior fluxo e saldo naqueles em que há Unidade de Conservação de
Proteção Integral e maior taxa líquida de migração naqueles que contam com algum tipo de
AP, indicando que as maiores correntes migratórias e maiores números de saída de população
estão associados às Áreas Protegidas que contam com normas mais restritivas de ocupação e
uso do território.
0
20
40
60
80
100
120
2005 2006 2007 2008 2009 2010
Número de Áreas Protegidas criadas por ano, de 2005 a 2010
83
Tabela 6 – Tabela com valores médios das variáveis populacionais por situação de presença por tipo
de AP, entre 2005 e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil.
Situação Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
Teve PI 10.902,8 1.772,1 6.337,4 4.565,4 88,3 83,1 171,4 5,2
Não teve PI 5.141,4 164,3 2.652,8 2.488,5 104,1 97,7 201,7 6,4
Teve TI 4.394,7 87,4 2.241,0 2.153,6 82,4 72,6 154,9 9,8
Não teve TI 5.706,3 299,3 3.002,8 2.703,5 106,6 100,9 207,5 5,7
Teve US 6.925,3 217,8 3.571,5 3.353,8 71,8 68,3 140,1 3,5
Não teve US 5.188,6 279,7 2.734,2 2.454,4 110,2 103,3 213,5 6,9
Teve AP 7.171,2 806,1 3.988,7 3.182,5 83,9 70,7 154,6 13,1
Não teve AP 4.808,3 39,3 2.423,8 2.384,5 111,2 107,8 219,0 3,4
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Os valores de correlação obtidos entre as variáveis indicam relação mais forte entre
a taxa bruta de emigração e área absoluta de município recoberto por Unidade de
Conservação de Proteção Integral apontando que quanto maior a área de município com UC
de Proteção Integral, maior o número de pessoas emigrando relativamente à população total.
O menor valor de correlação é obtido entre o saldo migratório e o total de municípios com
área absoluta recoberta por algum tipo de Área Protegida, ou seja, quanto mais área tomada
por AP, menor o saldo migratório – resultado que indica uma aproximação à hipótese
primária da presente pesquisa.
Considerando o total de municípios que tem alguma Área Protegida em seu
território, a maior correlação é com a taxa bruta de emigração, ou seja, quanto maior a área
de território municipal recoberta por AP maior o número de emigrantes relativos à média
populacional, indicando novamente um resultado coerente à hipótese da pesquisa. Porém,
mesmo com resultados que possam indicar correntes migratórias relacionadas às Áreas
Protegidas, entende- se que ainda se trata de valores muito próximos à nulidade, em todos os
períodos considerados, não sendo possível atestar que de fato são fenômenos relacionados,
tendo por base somente os dados do Censo.
84
Tabela 7 – Tabela com valores de correlação entre variáveis populacionais e territoriais, entre 2005
e 2010, para os municípios da região Norte do Brasil.
Tipo de AP Fluxo Saldo Entradas Saídas TBI TBE TBM TLM
PI (km²) 0,044 -0,124 0,006 0,105 -0,021 0,188 0,070 -0,149
PI (% mun.) 0,040 -0,041 0,023 0,068 0,039 0,145 0,094 -0,056
TI (km²) -0,086 -0,109 -0,094 -0,070 -0,119 -0,049 -0,108 -0,095
TI (% mun.) -0,122 -0,077 -0,115 -0,129 -0,054 -0,043 -0,058 -0,029
US (km²) -0,016 -0,146 -0,047 0,035 -0,025 0,164 0,056 -0,138
US (% mun.) -0,090 -0,135 -0,103 -0,065 -0,011 0,001 -0,007 -0,012
Total (km²) -0,022 -0,158 -0,055 0,032 -0,064 0,133 0,014 -0,159
Total (% mun.) -0,143 -0,154 -0,150 -0,126 -0,040 0,006 -0,026 -0,047
Fonte: IBGE, ICMBio, FUNAI - elaborado pela autora.
Para o período de 2005 a 2010 ainda é possível apresentar outras análises, em uma
nova tentativa de extrair resultados mais consistentes dos dados quantitativos, a partir de
tabelas e gráficos gerados pelo Prof. Dr. Álvaro de Oliveira D’Antona com o banco de dados
da presente pesquisa. Com o mesmo conjunto de dados, foi calculado também o índice de
correlação de Spearman, que apresenta relações monotônicas, ou seja, cuja relação não é
necessariamente linear como em Pearson, através do software JASP.
Ao considerar a totalidade de municípios da região Norte do Brasil obteve-se ainda
valores de correlações fracos, porém um pouco mais significativas em Spearman do que ao
utilizar Pearson. Quando são selecionados somente os municípios que contêm Áreas
Protegidas, as correlações são ainda mais fracas, indicando que há diferença entre os
municípios com e sem AP, porém ainda pouco significativo.
Trabalhando com o grupo de municípios que tem AP e calculando os índices de
correlação de acordo com a categoria de AP, foram obtidos valores mais representativos de
relação entre as Unidades de Conservação de Uso Sustentável e as taxas brutas de imigração,
emigração e migração, podendo indicar que de fato há uma movimentação de residentes fixos
nesses municípios. Foi também identificado que, ao selecionar grupos de municípios de
acordo com sua população total – com menos de 10 mil habitantes, entre 10 e 50 mil e assim
por diante –, o comportamento das relações não-lineares se distingue bastante, podendo
indicar que municípios grandes e pequenos, em número de habitantes, têm suas dinâmicas
populacionais mais ou menos afetadas pela presença de Áreas Protegidas em seu território.
85
Uma nova geração de índices foi feita tendo selecionado o grupo de municípios com
menos de 50 mil habitantes e que tem mais de 1% de seu território coberto por AP. Neste
caso, apresentou-se valores de correlação mais fortes, especialmente relacionados às UC de
Uso Sustentável e as taxas brutas de imigração, emigração e migração.
De forma geral, obteve-se, então, que a análise quantitativa apresentou dados pouco
representativos de relações lineares, indicando que as variáveis migração e território
municipal recoberto por AP não se comportam na mesma direção e a uma taxa constante.
Visando reduzir o tamanho das amostras, buscando encontrar coeficientes de correlações
mais fortes, a estratégia dos recortes temporais resultou em correlações ainda fracas, porém
um pouco mais representativas. Resumidamente, percebe-se que, em dois dos três períodos
considerados, a correlação linear é mais representativa entre os municípios com maior
recobrimento por Áreas Protegidas e a taxa bruta de emigração, indicando uma aproximação
à hipótese inicial da pesquisa.
Ao se utilizar do coeficiente de Spearman, obteve-se resultados de correlação mais
fortes, indicando que há diferença de comportamento da migração em municípios que têm ou
não têm Área Protegida em seu território. A partir dessas análises entende-se que a relação
entre as variáveis se apresenta mais forte quando não é considerada a uma taxa constante –
nãolinear e que a parte da pesquisa quantitativa aqui apresentada tem resultados muito
interessantes, apesar de serem pouco consistentes ou pouco confiáveis, no sentido de
estabelecer afirmações sobre a realidade local baseadas somente nos dados quantitativos.
Isso não quer dizer, de forma alguma, que análises quantitativas são pouco
confiáveis, inclusive sabe-se que existiriam infinitas possibilidades de recortes e
manipulações do extenso banco de dados elaborado para esta pesquisa, resultando em
diversos produtos muito promissores e fascinantes. Porém, se o estudo da mobilidade
demanda a compreensão de aspectos inerentes a este fenômeno multidimensional, entende-
se que, por mais que as análises quantitativas apresentassem resultados de correlações fortes
entre as variáveis, não seriam suficientes para contemplar o entendimento de distintos fatores
associados a esses deslocamentos, já que se tratam de circulações cheias de significados
(CRESSWELL, 2006).
Além disso, supõe-se que existem redes de deslocamento que não seriam captados
pelos bancos de dados utilizados aqui, que, por questões de compatibilização das análises,
demanda a utilização dos limites municipais como recortes espaciais. Portanto, para além das
fronteiras e através das redes da escala, encaminha-se o tratamento do fenômeno para a
86
abordagem multiescalar que, por abordar uma área geográfica de estudo bastante dinâmica e
peculiar, entende-se que a pesquisa teria muito mais ganhos ao se utilizar da associação das
análises quantitativas, já apresentadas, e qualitativas, feitas com dados obtidos in loco,
especificadas a seguir.
2.2 Análises qualitativas de estudos de caso
A abordagem qualitativa tem muitos aspectos positivos a contribuir em uma
pesquisa, especialmente uma pesquisa social, como já citado. Corroborando com os preceitos
de alguns dos conceitos basilares aqui apresentados - como a mobilidade, a multilocalidade
e a multiescalaridade – busca-se, ao trazer a análise qualitativa para a pesquisa, além da
quantitativa, agregar os pontos positivos desta abordagem e não eleger qual é mais benéfico
ou valioso para trabalhar a hipótese, uma vez que o ganho está justamente em unir recortes
distintos.
Considerando o tempo de desenvolvimento de uma dissertação de mestrado cujo
recorte geográfico é amplo e de difícil acesso, foram analisadas diversas possibilidades de
realização de campanhas de campo para coleta de dados primários e de outras alternativas
que pudessem proporcionar uma base de dados confiável para a pesquisa. Por fim, o caminho
escolhido foi de utilizar dados obtidos diretamente nas UC no contexto de pesquisas
sociodemográficas de qualidade desenvolvidas por pessoas e órgãos de alta credibilidade.
Por isso, foram selecionados três estudos que contemplam três diferentes categorias
de UC, com distintas regulamentações quanto à residência de pessoas, utilização de recursos
naturais e atividades econômicas permitidas, visando promover um panorama mais amplo
sobre as formas em que tais regulamentações afetam (ou não) a mobilidade populacional
associada a tais Áreas Protegidas. Assim, apresenta-se uma tese de doutorado desenvolvida
na Reserva Extrativista Auati-Paraná, um estudo sociodemográfico na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e um estudo de biodiversidade no Parque Nacional
do Jaú.
Para se compreender as condições em que as pesquisas foram desenvolvidas,
relacionados aos métodos utilizados e aos contextos que motivaram/moveram tais estudos,
primeiramente são apresentados, por tópicos, um resgate bibliográfico contemplando o
método e os resultados de cada pesquisa. A análise e discussão dos resultados obtidos são
apresentadas no capítulo 3, que engloba os resultados da presente pesquisa.
87
2.2.1 Tese de doutorado “Distribuição e mobilidade espacial da população
em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia
brasileira: o caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná”
Em 2017 a discente Heloísa Corrêa Pereira concluiu sua tese no Programa de
Doutorado em Demografia da Unicamp, investigando processos de mobilidade populacional
dos habitantes da Reserva Extrativista Auati-Paraná. Esta UC foi criada em 2001 e localiza-
se na região do Médio Solimões, abrangendo os municípios de Fonte Boa, Japurá e Maraã,
no estado do Amazonas, ocupando uma área de aproximadamente 147 hectares. Os objetivos
colocados pela pesquisadora são bastante similares aos da presente pesquisa, porém a
investigação dela esteve focada em uma única Unidade de Conservação, com a realização de
campanhas de campo e aplicação de questionários e entrevistas.
O principal acesso a RESEX se dá pelo município de Fonte Boa, sendo possível
apenas através de vias fluviais – em lancha expressa dispende-se aproximadamente 12 horas
desde Manaus. Para acessar as comunidades do interior da UC são necessárias mais 5 horas
de lancha a motor (40hp), desde a sede de Fonte Boa até a última comunidade da RESEX.
Este último trecho pode demorar até 12 horas quando feito por meio de barco a motor (15hp),
sendo de menor custo e, portanto, mais utilizado pelos residentes.
A ocupação desta área se deu por migrantes, oriundos principalmente da região
Nordeste, atraídos durante o ciclo da borracha visando a extração de látex, além das famílias
indígenas que já habitavam outros locais das proximidades. Com forte atuação e influência
de missionários religiosos, os habitantes começaram a se organizar em localidades, com a
construção de igreja, campo de futebol, barracão comunitário e um pequeno porto.
Devido a esta formação socioespacial, atualmente existem 17 comunidades na
RESEX Auati-Paraná. Quanto ao número de habitantes, a pesquisadora levantou a população
através de métodos de desagregação de dados do Censo 2010, resultando em 1.165
moradores; porém, ao analisar os dados cadastrais do ICMBio obteve o número de 1.375
moradores, ou seja, uma diferença de 210 pessoas – o que aponta para a parca eficácia em se
utilizar somente dados de Censo, de macroescala, para tratar de problemas relacionados às
Áreas Protegidas.
O resultado das análises, tendo por base o Censo 2010, aponta para uma composição
populacional de 54% homens, com idade média de 37 anos, e 46% mulheres, com idade média
de 31 anos. As unidades domésticas são, em sua maioria, do tipo nuclear (casal com filhos),
88
correspondendo a 69% do total, enquanto as do tipo estendida (composta por pais, filhos
casados, netos) engloba 25% das unidades domésticas.
As atividades econômicas desenvolvidas pelos residentes estão associadas
principalmente à pesca, à coleta de castanhas e à produção de farinha, o que implica em
rendimentos inconstantes devido à sazonalidade das produções e regras de manejo pesqueiro.
A ocupação formal mais comum é a de funcionário público - que engloba as funções de agente
de saúde, professor, monitor escolar, entre outros - com 46% dos que possuem ocupação,
sendo as vagas disponibilizadas pelas prefeituras de Fonte Boa e Japurá.
Desde a década de 1990 os regatões - embarcações comerciais que passam nas
comunidades vendendo e trocando mercadorias - têm se tornado cada vez menos presentes e
frequentes, alterando a mobilidade periódica dos residentes da RESEX, que, para comprar
produtos básicos como sal e açúcar e para escoar suas produções agrícolas, têm de se deslocar
com mais frequência até os centros urbanos.
Uma das maiores peculiaridades das populações residentes em Áreas Protegidas na
Amazônia está na forma de organização conforme o ambiente em que se localizam; a maioria
das comunidades, 53%, está localizada em área de várzea, implicando que as famílias devem
estar sempre preparadas para a possibilidade de mudança de residência, uma vez que a
dimensão das cheias é sempre imprevisível, podendo tomar as margens e fazendo com que
as famílias tenham de se mudar para outra comunidade ou para os centros urbanos, recriando
grande parte do seu espaço de vida, temporária ou permanentemente.
Um importante componente das comunidades existentes nas beiras de rios da
Amazônia, e que acaba por ser determinante em processos de mobilidades, é a presença de
escolas. Essa dinâmica é muito bem descrita por Pereira (2017, p. 87), ao apontar o índice
demográfico de taxa de distorção idade-série, que indica a proporção de alunos com mais de
dois anos de atraso escolar. Nas escolas da RESEX obteve-se uma taxa de distorção idade-
série de 48% dos alunos matriculados, e em algumas comunidades esta taxa chega a 90%.
Assim, tem-se a indicação da situação de precariedade das escolas e da qualidade de ensino
oferecido nas comunidades.
A alta taxa de distorção idade-série ocorre, principalmente, porque em muitas
escolas não são oferecidas todas as séries do ensino regular e em apenas seis comunidades
são disponibilizadas aulas do Ensino Médio. Isso implica que os alunos em idade para
cumprir o Ensino Médio devem se deslocar até as escolas destas seis comunidades diariamente.
89
Não existe transporte escolar, então cada família deve se organizar para realizar o
deslocamento dos alunos, que pode levar até uma hora de viagem de barco.
Não são todas as famílias que têm esta prática, pois algumas não permitem que os
filhos continuem a estudar, devido às dificuldades de acesso, enquanto outras se mudam para
os centros urbanos, para que os filhos tenham melhor acesso à educação. Porém uma prática
bastante comum é a de famílias que deixam seus filhos na casa de parentes, localizadas em
centros urbanos, durante o ano letivo, e que voltam para as comunidades nos períodos de férias.
Ou seja, trata-se de processos de mobilidade bastante comuns e que não são captados pelos
métodos essencialmente disciplinares.
A pesquisa de campo de Pereira foi desenvolvida em 2015 e teve como resultado a
existência de 1.345 pessoas, sendo 314 famílias e 271 domicílios. Comparando estes dados
com os de 2009, do cadastro do ICMBio, tem-se uma redução no número de habitantes e
aumento no número de domicílios (de 259 para 271) e de famílias (de 284 para 314). Segundo
a autora, a redução da população se deve à saída de moradores dessas comunidades, enquanto
o aumento do número de famílias é devido aos novos casais surgidos durante o período.
O aumento do número de domicílios é atribuído à execução do Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA) do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
por meio do qual as famílias podiam receber recursos financeiros sob a forma de concessão
de crédito aos beneficiários da Reforma Agrária, resultando na reforma e construção de casas
nas comunidades, além do investimento na qualificação das atividades econômicas já
desenvolvidas.
Os residentes aplicáveis ao recebimento deste benefício eram aqueles que residiam
dentro do perímetro da RESEX, o que implicou na vinda de pessoas que habitavam na margem
direita do rio Auati, fora dos limites da UC, para dentro da RESEX, com o intuito de receberem
tal benefício. Assim, novas famílias se instalaram em algumas comunidades da margem
esquerda do rio Auati, aumentando o número de habitantes dentro do perímetro da UC.
Uma das etapas da pesquisa de campo desenvolvida por Pereira contempla o
diagnóstico e análise das pessoas que entraram e saíram da área da RESEX desde a sua
instituição, em 2001. Assim, de 2001 a 2015, tem-se que 64 pessoas chegaram na RESEX,
enquanto 485 habitantes se mudaram para outros locais. Entre os emigrantes, observou-se
maior saída de famílias (73 famílias) do que de pessoas que migram sozinhas (32 no total).
90
Os motivos mais citados7 para a saída da população são, em ordem decrescente:
busca por melhores serviços de educação, busca por melhores serviços de saúde, busca por
melhores oportunidades de emprego, motivos familiares, não adaptação às regras da RESEX
e busca por plantio na terra firme.
Segundo a pesquisadora, a família tem um importante papel na decisão de migrar,
já que muitas famílias se mudaram por já possuir uma casa em área urbana ou por ter parentes
que dão assistência na mudança. Quanto àqueles que decidiram por migrarem sozinhos,
normalmente trata-se de um filho jovem que migra para a cidade para estudar e passa a morar
na casa de algum parente.
Considerando as pessoas que se instalaram na RESEX, foi observado que se trata,
na maioria, de antigos moradores que estão retornando para as comunidades de origem ou
são pessoas que vão para trabalhar como professor nas escolas locais – que são considerados
moradores da RESEX mas não usufruem dos mesmos benefícios dos moradores nativos. De
acordo com Pereira (2017, p. 106),
[...] os moradores que retornam para as comunidades voltam por tomarem
conhecimento da melhoria na qualidade de vida na reserva, atribuída aos
benefícios concedidos aos moradores em termos de programas sociais,
conquistados após a criação da RESEX, como moradias do INCRA, água
encanada (apenas em duas comunidades) e a chegada do programa de mídias
digitais do governo do Amazonas, que oferece o Ensino Médio à distância.
Além desses, há os programas de manejo do pirarucu e madeireiro. Esse
quadro geral de melhorias, segundo os moradores, tem se tornado uma
motivação para as populações que haviam deixado a reserva retornarem para
suas antigas moradias.
Faz-se importante ressaltar que para se instalar nas comunidades, a pessoa, ou
família, tem de ter autorização dos moradores nativos. Aqueles que entram para trabalhar
passam por um período de “estágio probatório” em que a conduta e comportamento são
observados atentamente, já que todos devem seguir as regras impostas através das lideranças
locais.
7 Os motivos foram levantados com os moradores que permaneceram, conforme colocado pela
autora: “Devemos considerar que a relação de motivos mencionados se refere às pessoas que permaneceram na
RESEX- AP, e não às pessoas que saíram. São os motivos que de certa forma retratam o desejo dessas pessoas em
deixar a reserva e podem ter levado os moradores que migraram a tomar a decisão de deixar a comunidade.
Entendemos essa relação como uma proximidade dos motivos pelos quais às pessoas tendem a deixar a RESEX-
AP”.
91
Em suma, as percepções obtidas pela pesquisadora apontam para a conclusão de que
a dinâmica destas comunidades está muito mais associada às características socioambientais
e econômicas do que propriamente a questões ligadas à criação da RESEX. “Os moradores
da RESEX-AP não usufruem de bons serviços de educação, saúde e assistência básica, os
meios de locomoção dessas populações influenciam nas suas atividades econômicas e essas
condições socioeconômicas implicam na maneira como se relacionam e se distribuem em seu
território” (PEREIRA, 2017, p. 107).
Pode-se perceber que existem muitas mobilidades associadas a essa Área Protegida,
com pessoas chegando e saindo, motivadas por distintos fatores. Para Pereira,
independentemente da existência da RESEX, as pessoas estão se movendo em busca de
melhores condições de trabalho, de educação e de saúde. Ainda se faz necessário um grande
esforço para conciliar a conservação da natureza com o que se entende por
“desenvolvimento”, especialmente por se tratar de uma área em que a conservação se deu sob
uma série de restrições à população. Os programas e investimentos que poderiam tornar essas
populações economicamente independentes ainda encontram muitas dificuldades e são essas
dificuldades, associadas ao contexto ambiental das populações, que influenciam a
distribuição espacial e a mobilidade dessas pessoas.
2.2.2 Estudo sociodemográfico “Sociodemografia da Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá”
Em 2016 foi lançado o livro “Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá”, resultado de pesquisas realizadas na RDS entre 2001 e 2011,
elaborado pelo Instituto de Desenvolvimento Mamirauá, uma Organização Social que faz
parte das unidades de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI),
cujas atribuições são o fomento e a supervisão das atividades.
Este estudo foi desenvolvido por diversos colaboradores do Instituto, com o livro
sendo escrito por cinco pesquisadoras, chefiadas por Edila Arnaud Ferreira Moura. Trata-se
de um estudo sociodemográfico que difere de levantamentos censitários e contagens
populacionais por abranger distintas análises sociais, ter metodologia própria na construção
do objeto de investigação, ter maior proximidade dos pesquisadores com os sujeitos do estudo
e por permitir análises mais qualitativas, em complemento às quantitativas (MOURA et. al.,
2015, p. 19).
92
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDSM) está localizada no
estado do Amazonas, na região do Médio Solimões e Baixo Japurá, tendo sido criada
oficialmente em 1996. Porém, a área já era reconhecida como Estação Ecológica desde 1986
e teve sua categoria alterada para regulamentar a permanência dos moradores tradicionais e
das atividades sustentáveis praticadas por eles.
Quando da ocasião do Plano de Manejo da RDSM, concluído em 1996, segmentou-
se a UC em duas áreas - no Plano de Manejo trata-se de área focal e área subsidiária e no
Estudo Sociodemográfico denomina-se Área de Uarini e Área de Fonte Boa/Maraã, não
correspondendo necessariamente aos limites desses municípios. Considerando a área focal, o
zoneamento elaborado para o Plano de Manejo identificou três zonas: a) proteção integral
(destinada apenas às atividades de pesquisa); b) uso sustentável dos recursos (onde é
permitida a residência e utilização de recursos pelos moradores e usuários ocasionais); c) uso
especial (com usos específicos, como ecoturismo de base comunitária).
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá é reconhecida como a maior
Unidade de Conservação com área totalmente caracterizada como ambiente de várzea
(MOURA et. al., 2015, p. 35), o que implica em dinâmicas sociais e econômicas bastante
peculiares. O regime anual em área de várzea compreende um ciclo de quatro períodos:
enchente, cheia, vazante e seca, sendo este ciclo um dos motivadores para processos de
mobilidade, uma vez que alguns locais ficam completamente submersos.
De acordo com informações levantadas em entrevistas com antigos moradores das
comunidades da RDSM, nos últimos 100 anos houve consideráveis processos de mobilidade
populacional, alterando toda a configuração social da região. Os relatos colhidos indicam que
a ocorrência de mudanças nas relações sociais da produção econômica foram fatores
preponderantes na configuração do padrão de ocupação humana, assim como os fatores
ambientais. A presença de patrões, que dominavam as produções econômicas por terem posse
dos recursos naturais, dos meios de produção e do controle da mão de obra, foi sendo
minimizada a partir da década de 1970, quando entrou em declínio a produção centrada no
extrativismo animal e madeireiro e muitos povoados foram abandonados. Este processo,
ocorrido durante o auge do êxodo rural brasileiro, pode ser corroborado pelo aumento da taxa
de crescimento populacional de cidades (relativamente) próximas à RDSM, como Tefé e
Manaus, que receberam os antigos moradores da UC.
Quanto aos indicadores obtidos para as análises quali e quantitativas do Estudo
Sociodemográfico, faz-se importante pontuar que a coleta de dados na Área de Uarini foi
93
feita pela equipe do Instituto de Desenvolvimento Mamirauá nos anos de 2001, 2006 e 2011,
ou seja, com periodicidade bem definida, além de terem buscado replicar as mesmas
questões para padronizar e possibilitar análises demográficas. Já na Área de Fonte Boa/Maraã
os dados se reportam ao ano de 2011.
Considerando a Área de Uarini, os dados mostram que houve uma redução da
população no decorrer dos 20 anos de pesquisas desenvolvidas na UC, entre 2001 e 2011.
Em 1991 havia 3.835 pessoas, 583 domicílios e 38 comunidades, que concentravam 89% da
população desta área – o restante da população habitava pontos desagregados dentro da UC.
Em 2001 o número de residentes aumentou para 5.237, com 829 casas e 53 comunidades que
reuniam 94% dos residentes. Em 2006 a população reduziu para 5.071 pessoas, em 831
domicílios e 56 comunidades concentrando 96% do total populacional. Em 2011 residiam
4.966 pessoas na área em questão, em 892 casas e 58 comunidades que concentram 99% das
pessoas. Para a Área de Fonte Boa/Maraã tem-se o volume de 5.901 habitantes em 2011,
divididos em 981 domicílios e 64 comunidades, que reúnem 89% da população desta área.
O crescimento das comunidades, em quantidade e tamanho, está associado à maior
concentração de famílias, que entendem que, com o agrupamento, há maior articulação
das representações comunitárias, implicando em fortalecimento ao se pleitear melhorias na
RDSM, como construção de escolas e instalação de geradores de energia elétrica. Além disso,
acredita- se que os programas de manejo comunitário, executados sob a gestão do Instituto
de Desenvolvimento Mamirauá, também contribuem para a instalação de famílias no núcleo
das comunidades, por aumentar a renda familiar, não mais demandando empreitadas de
trabalho em outros locais, e por exigir a organização dos moradores em associações e
cooperativas, estimulando a aglomeração de produtores na mesma comunidade (MOURA et.
al., 2015, p. 51).
Faz-se relevante caracterizar a dimensão da importância das áreas de várzea na
dinâmica da RDSM, uma vez que a maioria da população está situada nesse tipo de ambiente.
Em 2011, 66% das pessoas residentes na Área de Uarini situava-se em várzea e na Área
de Fonte Boa/Maraã, configurando uma proporção de 89%, ou seja, a maioria da população da
UC tem práticas econômicas e de vida características do ambiente de várzea.
Outra importante característica das dinâmicas sociais observadas na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá se refere à presença de “usuários da RDSM”,
conforme intitulado no estudo. Esta categoria representa os moradores de localidades situadas
na área de entorno da UC e que, na maioria dos casos, mantêm relações de parentesco com
94
as famílias que residem dentro do perímetro da RDSM. Estes usuários fazem uso dos recursos
naturais existentes no interior da UC, principalmente para pesca e, em menor escala, para
extração de produtos madeireiros e não madeireiros, tanto para o consumo familiar quanto
para a comercialização, devendo também seguir a regulamentação de manejo vigente. A
população, em 2011, que engloba os moradores de dentro da área da RDSM e os usuários,
soma 12.159 pessoas, sendo, portanto, 53% composta pelos usuários.
No entorno da UC existem seis Terras Indígenas demarcadas e homologadas, além
de territórios ocupados por grupos sociais que buscam o reconhecimento como grupo étnico,
tendo que, dentro da população de usuários, quase 20% são usuários indígenas, que têm seus
territórios sobrepostos à UC ou não, mas que têm assegurados o direito de utilizar os recursos
naturais da RDSM. Além disso, a eles também é garantido o direito de participar das ações
de gestão de recursos naturais da UC, porém a participação dos indígenas nas instâncias de
tomadas de decisão não ocorre de forma regular, por questões políticas internas às aldeias
(MOURA et. al., 2015, p. 75).
Focando, então, para os processos de mobilidade ocorridos e característicos da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, destaca-se, primeiramente, o fato de
que, entre 2006 e 2011, 59 famílias deixaram a Área de Uarini, se mudando para núcleos
urbanos, principalmente para as cidades de Uarini (destino de 50% das famílias com área de
destino urbana) e Tefé (que recebeu 21% das famílias com área de destino urbana). As
principais motivações citadas dos que migraram para áreas urbanas estão relacionadas à falta
de escolas (43%) e à busca de trabalho na cidade (16%). Entre as famílias migrantes, 29% se
mudou para outra área rural, motivadas principalmente por conflitos entre membros da
comunidade e/ou para ficar mais perto de outros núcleos familiares.
Da Área de Fonte Boa/Maraã, emigraram 90 famílias, destinadas principalmente à
cidade de Fonte Boa (64% das famílias com área de destino urbana) e Manaus (11% das
famílias com área de destino urbana). Dentre aqueles que se mudaram para núcleos urbanos,
as principais motivações citadas foram a busca de melhores condições de vida na cidade
(30%) e a falta de escolas na comunidade (22%). Do total de famílias que saíram desta Área,
20% destinaram-se a outras localidades rurais, tendo como principal motivação o desgosto
de viver na comunidade – o que pode estar relacionado a alguma morte trágica, conflitos
sociais ou fenômenos associados à sazonalidade do ambiente, como grandes alagamentos.
Também foram citadas as motivações de ficar mais perto da família e de encontrar melhor
lugar para pescar.
95
Durante o período considerado, de 2006 a 2011, algumas famílias também chegaram
à RDSM. Na Área de Uarini, 35 famílias se instalaram, 54% provenientes de área urbana,
principalmente das cidades de Alvarães (37%) e Tefé (26%). O motivo mais citado foi a
impossibilidade de permanecer nas cidades de origem, devido a condições financeiras
adversas, seguido por busca por trabalho. Entre as famílias que vieram de outras áreas rurais,
os motivos mais citados foram para ficar perto de parentes e o retorno para a comunidade –
sendo importante colocar que o retorno somente é permitido com o consentimento dos
moradores atuais, de acordo com regras e condições próprias -, além de busca por trabalho e
busca por escola para os filhos.
As famílias que chegaram na Área de Fonte Boa/Maraã somam 41, a maioria de
procedência de outras áreas rurais (63% das famílias). A parcela de famílias procedentes de
áreas urbanas veio principalmente de Fonte Boa (33%) e Maraã (26%). Dentre essas famílias,
o motivo mais citado também foi a impossibilidade de permanecer na cidade pela situação
financeira, seguido por busca por trabalho. Considerando as famílias oriundas de outras
localidades rurais, tem-se como principais motivos ficar perto dos parentes,
desentendimentos ocorridos na área de origem, busca por trabalho e casamento.
No estudo sociodemográfico da RDSM também são caracterizados os processos de
mobilidade protagonizados por uma única pessoa, colocado no estudo como deslocamento
de pessoas. Ao analisar dados de 2000, 2005 e 2010, para os moradores da Área de Uarini,
obteve- se como resultado o fato de que as mulheres migram em maiores proporções,
principalmente nas faixas etárias mais jovens, tanto em áreas de várzea como de terra firme,
das quais a maioria se destina às áreas urbanas (Tefé, Manaus, Fonte Boa).
Entre aquelas que têm origem nas áreas de várzea, os principais motivos para a saída
estão relacionados às situações conjugais – casamento (50%) e separação (40%). Dentre os
homens das áreas de várzea, a principal motivação é a procura por trabalho, migrando
principalmente nas faixas etárias entre 14 e 25 anos. Para os menores de 14 anos, a migração
acontece para acompanhar a família que já se instalou nas cidades e para os maiores de 50
anos o principal motivo foi o desgosto com os problemas da comunidade. Considerando os
emigrantes das áreas de terra firme, os homens também saíram para buscar trabalho, enquanto
as mulheres migraram devido a casamento ou para morar com a família. Para os maiores de
50 anos, a motivação está associada à busca por disponibilidade de atendimento médico e
para residir com a família. Também foram citados os motivos de regresso para o local de
origem, problemas na família, conflitos na comunidade e falecimento de familiares. Os
96
motivos apresentados pelos moradores da Área de Fonte Boa/Maraã são os mesmos,
adicionando-se a busca por melhor escolarização.
Portanto, conclui-se que as comunidades do interior da RDS enfrentam problemas
similares a outras comunidades ribeirinhas, como falta de escolas, falta de equipamentos de
saúde e pouca oferta de trabalho, todas questões que acabam por influenciar diretamente na
mobilidade dessas populações, mas que não se associam diretamente à existência da UC.
2.2.3 Projeto/Livro “Janelas para a Biodiversidade no Parque Nacional do
Jaú: uma estratégia para a conservação da biodiversidade”
O Parque Nacional do Jaú (PNJ), localizado no estado do Amazonas às margens do
rio Negro, teve seu plano de manejo aprovado em 1998 e desta experiência teve início o Projeto
Janelas para a Biodiversidade, comandado pela Fundação Vitória Amazônica (FVA), visando
dar continuidade aos estudos da realidade e da biodiversidade de uma das maiores Áreas
Protegidas do Brasil, com pesquisadores de diferentes entidades que compuseram equipes
multidisciplinares.
A metodologia desenvolvida neste projeto tinha como foco a criação de um
zoneamento com áreas específicas que contemplassem distintas características físicas e
sociais do Parque, resultando em doze áreas focais de pesquisas, consideradas como
prioritárias para o estudo da biodiversidade do PNJ, que cobriram 20% da área total da UC.
Para definição destas áreas, foram considerados três níveis hierárquicos: 1)
formações geológicas – agrupadas entre antigas (35% da área do PNJ) e recentes (65% da área
do Parque); 2) tipos de vegetação – classificadas entre floresta de terra firme aberta, floresta
de terra firme densa, floresta de terra firme submontana, igapó aberto, igapó fechado,
campinas e campinaramas; e 3) tipos de assentamento humano – separadas entre
comunidades (adensamento de famílias com serviços comunitários), localidades
(agrupamento de casas sem serviços comunitários) e ausência de população humana. Ao
sobrepor esses critérios hierárquicos, foram desenhadas as doze janelas que englobam toda a
heterogeneidade social e ambiental em escala regional encontrada no PNJ.
O material produzido na definição metodológica e o resultado dos estudos sociais,
biológicos e geológicos deram origem a um livro, publicado pela Fundação Vitória
Amazônica em 2004, que traz detalhes sobre o projeto. Aqui, é dado destaque ao capítulo 3,
97
“Dinâmica da população humana nos rios do Parque Nacional do Jaú”, de autoria de Marcos
Roberto Pinheiro e Arlei Benedito Macedo.
Faz-se importante lembrar que uma Unidade de Conservação de categoria Parque
não permite a permanência de pessoas residindo em seu perímetro, porém sabe-se que, na
realidade, existem muitos Parques que não tiveram sua população removida após a criação
da UC, como é o caso do PN do Jaú. Desta forma, os autores atentam para a importância em
se desenvolver um estudo que enfoque a dinâmica demográfica das populações residentes em
UC, visando não mais marginalizá-las, uma vez que a maioria dos estudos produzidos sobre
estas populações pendem pelo viés da importância da regularização fundiária e remoção da
população (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 44).
A análise demográfica desenvolvida neste estudo toma por base quatro Censos
realizados pela Fundação Vitória Amazônica e pela gestão do PNJ com os moradores da UC,
nos anos de 1992, 1995, 1998 e 2001 - este último feito na ocasião das pesquisas do projeto
Janelas para a Biodiversidade. A pesquisa desenvolvida visa responder principalmente as
seguintes perguntas: quantas são e quem são as pessoas que moram no PNJ? Qual o histórico
de migração? Existem tendências migratórias? Como proceder com o aumento populacional
na área?
Pode-se perceber a importância em captar e compreender os processos de
mobilidade populacional, uma vez que um dos objetivos dos autores é que seja feito um
“acompanhamento contínuo da dinâmica regional influenciada pela Unidade de Conservação,
das políticas de implementação da Unidade e das alternativas oferecidas às pessoas
impactadas com a criação da Área Protegida” (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 44). Assim,
atenta-se para a grande relevância em se compreender a mobilidade dentro da dinâmica
populacional de residentes em UC.
Para os parâmetros da pesquisa desenvolvida por Pinheiro e Macedo, considerou-se
como migrantes aqueles que mudaram de residência permanentemente, ou seja, não
contempla as migrações sazonais e aqueles que possuem mais de uma residência - aspectos
relacionados à multilocalidade. O método de análise elaborado por eles consiste em
caracterizar as migrações com intervalo de observação dividido em dois períodos - um entre
1992 e 1995 e o outro entre 1998 e 2001 -, considerando duas áreas distintas – o rio Jaú,
localizado no coração do PNJ, e o rio Unini, situado na fronteira Norte. Analisando
especificamente os movimentos migratórios, os autores dividiram os fluxos em imigração
(movimento de pessoas para dentro dos rios), emigração (movimento de pessoas para fora
98
dos rios), migração interna (movimento das pessoas dentro dos rios) e população fixa
(pessoas que não mudaram seu local de residência).
O diagnóstico geral dos parâmetros demográficos da população do Parque Nacional
do Jaú aponta que, entre 1992 e 2001, a população da UC diminuiu, apesar do número de
famílias ter aumentado, indicando o envelhecimento da população e a redução do número de
filhos por família. Também há a indicação, de modo geral, de que o número de comunidades
aumentou, enquanto o de localidades reduziu.
Nas margens do rio Jaú, os agrupamentos são menos numerosos e mais modestos
e sofreram uma brusca queda no número de famílias entre 1992 e 2001. Durante este período,
houve um aumento de 66% para 77% de pessoas que residem em seu local de nascimento.
Em 1992 havia 35 localidades e nenhuma comunidade no rio Jaú e em 2001 as localidades
reduziram para 15 e três novas comunidades surgiram, agrupando 31% da população desta
área. Analisando as mobilidades populacionais, tem-se que, entre 1992 e 1998, 45,7% da
população permaneceu no mesmo local e 29,7% saiu do PNJ - os emigrantes se instalaram
nas cidades de Novo Airão (90,4%) e Manaus (9,6%). Não foi registrada a entrada de pessoas
durante o período. O mesmo comportamento foi observado entre 1998 e 2001, com 46,8%
da população permanecendo no local de origem e 36,5% tendo saído da UC.
Segundo os autores (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 52), o aumento no número de
emigrantes pode ser atribuído ao “crescente número de pessoas que não suportaram o
contínuo isolamento provocado pelas políticas relativas ao uso dos recursos naturais imposta
pelo IBAMA”. É ilustrado o exemplo da comunidade de Seringalzinho, no baixo Jaú, cujo
número de residentes caiu de 125 para 17 no período de 1998 a 2001, com 90,2% emigrando
para Novo Airão, 6,3% para Manaus e o restante para outros municípios do interior do
Amazonas.
Nas margens do rio Unini estão as maiores densidades demográficas do PNJ, com
maior número de famílias e menor número de filhos por família, se comparado com o rio Jaú.
Considerando o local de nascimento, o número de pessoas que permaneceu aumentou de 51%
para 63% entre 1992 e 2001. Em 1992 existiam quatro comunidades e 32 localidades, com
35% das pessoas residindo em comunidades; em 2001 eram oito comunidades e 11
localidades, com a proporção de residentes em comunidades aumentada para 81%.
Nesta área, entre 1992 e 1998, a população fixa (36,9%) e as migrações internas
(35,2%) prevaleceram, tendo também 27,6% de emigrantes e 0,3% de imigrantes (pessoas
que se casaram com moradores das comunidades e se instalaram nelas). Os emigrantes se
99
dirigiram às cidades de Novo Airão (47,2%), Manaus (35,1%), Barcelos (4,5%) e Rio Branco
(2,9%). Os que emigraram para outras localidades somam 10,3%. Entre 1998 e 2001 houve
uma substancial redução da migração interna (somando 17,2%) e a população fixa aumentou
para 45,7%. Aqueles que saíram do PNJ durante este período foram para Novo Airão
(47,1%), Barcelos (31,2%), Manaus (11,3%) e Rio Branco (4,5%), com 5,9% tendo se
instalado em outras localidades.
Durante o segundo período de análise tem destaque a presença de imigrantes,
respondendo por 12,1% dos deslocamentos no rio Unini. A maioria (75%) saiu das
localidades do alto rio Unini, devido à morte de duas crianças em menos de 24 horas na
comunidade de São Lázaro, a última comunidade do rio Unini localizada fora do PNJ,
temendo um surto virótico e se instalando nas comunidades do baixo rio Unini, já dentro do
PNJ, com orientação da Secretaria de Saúde do município de Barcelos8. O restante dos
imigrantes (25%) veio de outras cidades ou rios, se instalando principalmente na foz do rio
Unini, devido à maior facilidade de acesso e à presença de serviços sociais, e são, em sua
maioria, homens solteiros procurando oportunidades de trabalho e de vida.
A migração interna ocorrida no PNJ durante os períodos de análise pode ser
caracterizada como impulsionada pela procura por melhores condições de vida, com pessoas
saindo dos igarapés e lagos para a calha principal dos rios, em locais com maiores
oportunidades de comércio e visando aglomerar mais as famílias para aumentar a força de
negociações para conquistar benefícios sociais.
Considerando os dois principais rios do PNJ, percebe-se que na área do rio Jaú há
um nítido processo de esvaziamento da população residente, fator atribuído pelos autores à
falta de apoio da Prefeitura de Novo Airão e à presença do IBAMA na foz do rio Jaú, que
estabelece uma política de repressão à utilização dos recursos naturais, o que implica em
dificuldades para os agrupamentos se consolidarem como comunidades.
Para os autores, a demora em resolver a questão fundiária e as práticas
preservacionistas autoritárias implicaram e agravaram uma tensão entre governo, que
pretende estabelecer a Unidade, e os grupos locais, que possuem um intricado jogo de
8 No texto dos autores, eles pontuam uma provável motivação deste deslocamento: “cerca de dois
meses depois, o responsável pela construção de um hotel no alto do rio Unini ofereceu indenização para os
moradores da comunidade de São Lázaro, visando a construção de um aeroporto sobre a área das casas. O
responsável pela obra prometeu, ainda, asfaltar a frente da comunidade Vista Alegre, uma das que recebeu estes
imigrantes, visando, segundo ele, o desenvolvimento do local” (PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 54).
100
relações. “No período de 1992 e 1998, praticamente todos os moradores localizados nas
proximidades da foz do rio Jaú, vizinhos do flutuante do IBAMA, foram embora do rio”
(PINHEIRO; MACEDO, 2004, p. 55).
Já no lado do rio Unini há uma intensa ação da Prefeitura de Barcelos, que influencia
no crescimento das comunidades através da imigração de pessoas, em uma área em que não
há efetiva fiscalização do órgão responsável. “Eventualmente, caso fossem aplicadas
restrições ao estabelecimento de novas famílias no Parque, isto é, restrições à imigração,
provavelmente o número total de pessoas estaria se reduzindo” (PINHEIRO; MACEDO,
2004, p. 56).
Assim, conclui-se que há muita movimentação e muita mobilidade associada ao
Parque Nacional do Jaú, com diagnoses que podem corroborar hipóteses como o
esvaziamento causado pela presença de um órgão preservacionista que estabelece rigorosas
normas de uso e ocupação do solo e pela atração de pessoas que desejam se instalar em locais
com maior presença do poder público e que oferece o mínimo de serviços como escola e
pequenos comércios.
101
3 MOBILIDADES ASSOCIADAS ÀS ÁREAS PROTEGIDAS
NA REGIÃO NORTE DO BRASIL
Após extensa análise dos dados, oriundos tanto de macroescala e quantitativos
quanto de microescala e qualitativos, é possível perceber que existem sim muitas mobilidades
associadas às Áreas Protegidas na região Norte do Brasil, de distintas dimensões, origens,
destinos e motivações.
A análise quantitativa apontou correlações baixas e pouco consistentes entre as
variáveis de área recoberta por AP e taxas migratórias dos municípios, porém, ao criar alguns
recortes de período e categoria de AP, algumas relações se mostraram mais, como, por
exemplo, maiores fluxos, saldos migratórios e taxas de emigração naqueles municípios onde
há maior território tomado por Unidades de Conservação de Proteção Integral – o que
corrobora com a hipótese inicial. Porém, não se tratam de dados significativos e contundentes.
Retomando as conclusões obtidas nas análises dos estudos realizados em
microescala, entende-se que há, de fato, muitas mobilidades associadas à existência destas
Áreas Protegidas e que não seriam captadas através de métodos puramente quantitativos. No
caso da Reserva Extrativista Auati-Paraná, conclui-se que, independentemente da existência
da RESEX, as pessoas estão se movendo em busca de melhores condições de trabalho, de
educação e de saúde. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá a percepção
final foi similar à obtida na situação da RESEX, de que as mobilidades são motivadas pela
busca por melhores condições de vida. Para a realidade do Parque Nacional do Jaú a procura
por maior disponibilidade de escola e equipamentos de saúde também foi a principal
mobilizadora de pessoas, porém aborda- se com ênfase os efeitos causados pela presença de
um órgão de fiscalização ambiental que acaba por afetar a mobilidade ao coibir a instalação
de novos moradores e de certas práticas de manejo dos recursos naturais.
Considerando a hipótese primária, de que a existência da AP implicaria no aumento
da mobilidade, observa-se então que ela não é falsa – vide o caso do Parque Nacional do Jaú
e dos resultados obtidos na análise quantitativa -, mas que existe também toda uma gama de
fatores associados às mobilidades populacionais. Nas três Unidades de Conservação
estudadas percebe-se que a principal força motriz dos processos de mobilidade é a mesma
observada na maioria das localidades: a busca por melhor condição de vida – algo que, em
princípio, não se relaciona diretamente à existência ou não de uma Área Protegida.
102
Aqui, cabe a transcrição de um rico exemplo dessa situação, explicitada no estudo
da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (2015, p. 58):
A morte de um filho, do chefe da família ou os frequentes acometimentos de
doenças como diarreia e gripe, faz com que as pessoas fiquem “desgostosas”
com o lugar e saiam para tentar a vida na cidade, com o apoio dos filhos e
parentes próximos. A necessidade de acompanhar os filhos na continuidade
dos estudos após a quarta série do ensino fundamental, última série de
escolarização na maior parte das localidades, também é um forte motivo da
migração para a área urbana.
Nas histórias de vida dos moradores há sempre o registro de uma tentativa de
vida na cidade. Eles sabem que a vida na cidade não é fácil, por isso, quando
decidem mudar, a mudança é feita aos poucos – “Foram, mas não
desmancharam a casa”. Em algumas situações, não abandonam
definitivamente o lugar, e as árvores que deixam plantadas são a marca da
identidade com o lugar – “Tenho umas árvores velhas no local”. Alguns
retornam na época da seca, no “verão”, somente para despescar os lagos; ou
na vazante para pegar os “paus pescados”.
Ocorrem migrações temporárias devido aos agravos da seca ou da cheia, mas
o retorno depois de muitos anos de ausência tem que ser negociado com os
moradores da localidade. Quando calculam as vantagens de permanecer no
local, mudar para cidade ou para outro lugar na várzea, “têm que pensar muito
bem para achar uma saída”. A negociação com os ex-moradores interessados
em voltar para as comunidades tornou-se mais criteriosa após a criação da
RDSM, pois muitos moradores não concordam com a volta daqueles que
visam apenas se beneficiar com a exploração dos lagos preservados, agora
com maior quantidade de peixes, ou buscam as oportunidades de aumento de
renda criadas pelos programas de desenvolvimento sustentável, como o
ecoturismo, o manejo florestal comunitário e o manejo da pesca.
O dilema entre enfrentar as dificuldades da várzea, onde “a gente está sempre
passando aperriado na seca e na cheia” ou as dificuldades da cidade, onde
“pra tudo é preciso ter dinheiro”, é difícil de ser resolvido. Viver na várzea é
estar acostumado aos movimentos das águas, e também manter relações com
o mundo urbano, para onde migraram os filhos e parentes próximos, onde se
encontram os principais serviços de saúde, educação e comércio, e onde
realizam parte das trocas mercantis. Ou seja, viver na várzea não significa
estar isolado das interações com as cidades.
Os moradores da várzea circulam na cidade com mais frequência do que nas
décadas passadas. Essa maior mobilidade está relacionada ao favorecimento
dos programas de aposentadoria rural e de transferência de renda, como o
Bolsa Família, e também pelo aumento da renda monetária com as novas
oportunidades de trabalho e relações comerciais proporcionadas pelo mercado
do desenvolvimento sustentável. Na medida do possível, os moradores da
RDSM investem na compra de casas na cidade, o que lhes dá mais autonomia
para acompanhar os filhos que migram para estudar e na resolução de outros
problemas, porque morar “com parente tem dia que dá certo, tem dia que não
dá certo”. Mas, manter a moradia na várzea é ter a garantia de acesso ao
alimento, sem precisar ter dinheiro. A situação ideal é ter dois domicílios –
um na cidade e um na várzea, mas eles sabem que para isso é preciso criar
condições para aumentar a sua renda monetária.
103
Neste excerto que sintetiza diversas situações relacionadas à mobilidade da
população associada à Unidade de Conservação percebe-se com clareza a “aplicação” de
conceitos teóricos já abordados aqui, como os fatores que entram na decisão de migrar (LEE,
1966), com destaque para o peso que os fatores pessoais têm no processo migratório, ou dos
fatores de mudança e estagnação (SINGER, 1976) que orientam a saída de populações dos
locais de residência.
O paradigma da mobilidade, de John Urry, contempla de maneira mais apropriada
os fenômenos aqui abordados, uma vez que abrange, em sua teoria, a multiplicidade de
fatores associados ao ato de decisão de uma pessoa, ou grupo de pessoas, de abandonar sua
residência em direção a outra, de forma permanente ou temporária, já que não são apenas as
pessoas que se movem, mas todas as questões imaginativas, virtuais e comunicativas (URRY,
2000) que estão implícitas no processo.
Portanto, entende-se que existem distintos tipos de mobilidade relacionadas às Áreas
Protegidas do Norte do Brasil, além daquela colocada como a hipótese inicial – hipótese que,
após concluída a pesquisa, se percebe que não ocorre de maneira tão dicotômica como
previamente suposta.
Desta forma, aqui se propõe a caracterização de três tipos principais de mobilidade:
os que saem, os que chegam e os que saem e retornam. Esses padrões de mobilidade estão
presentes em praticamente todas as áreas habitáveis do planeta Terra, com exceção das zonas
de guerra e de catástrofes ambientais, mas nesse contexto das comunidades tradicionais da
Amazônia9 apresenta peculiaridades devido ao contexto histórico (seringais), político
(pressão do desmatamento da Amazônia), social (conservação de tradições) e ambiental
(regime de chuvas, solo, entre outros).
O primeiro tipo de mobilidade populacional identificado é dos grupos que saem das
UC, normalmente encorajados pela maior disponibilidade de empregos e ocupações em áreas
urbanas e também das condições de escolarização e saúde disponibilizadas nestas áreas. A
estas questões soma-se o fato de que, ao se instituir uma área como Unidade de Conservação,
imediatamente a área estará sujeita a normas específicas de uso do solo, implicando, em
9 Faz-se importante destacar, novamente, que nesta parte das conclusões não estão contempladas as
dinâmicas ocorridas em Terras Indígenas, que fizeram parte das análises quantitativas devido à grande
proporção de território ocupado por elas e por causar efeitos na ocupação do solo da região Norte. Porém, trata-
se de populações cujas dinâmicas carecem de estudos específicos e que não seriam contempladas de maneira
justa e coerente no escopo da pesquisa qualitativa aqui apresentada.
104
alguns casos, em limitações rigorosas por conta das quais os habitantes locais não mais podiam
praticar as formas de subsistência que sempre fizeram.
Exemplos deste sentido de mobilidade foram observados nas três Unidades de
Conservação aqui analisadas e ainda soma-se o exemplo da Estação Ecológica Terra do Meio,
onde, de acordo com o texto do seu Plano de Manejo, há a indicação de que 80 das 186 famílias
de colonos que ocupavam a UC deixaram a área, especificamente por não poder mais praticar
as formas de agropecuária que até então praticavam.
Porém, também se observa que existem situações contrárias, em que a instituição de
uma Unidade de Conservação trouxe melhorias para as comunidades e, consequentemente,
atraiu a atenção de novos moradores – configurando o segundo tipo de mobilidade observada:
os que chegam. Trata-se das pessoas que se instalam após a UC já ter sido estabelecida, algo
já controverso na sua gênese, uma vez que a instalação de novos moradores só é permitida
através do casamento com moradores tradicionais e deve ser votada e aceita por todos os
membros da comunidade.
O principal motivador desse tipo de mobilidade se refere ao interesse em fazer parte
dos benefícios e organizações sociais implantadas nas comunidades justamente porque houve
a instituição da UC. Situações desse tipo foram observadas na RESEX Auati-Paraná, onde a
pesquisadora associa o aumento do número de domicílios à execução do Plano Nacional de
Reforma Agrária, que disponibilizou recursos para quem habitava dentro do perímetro da
RESEX, fazendo com que pessoas de outras comunidades se instalassem dentro da RESEX
visando o recebimento do benefício. No PN do Jaú foi observada a questão das comunidades
do rio Unini, em que a instalação de novas famílias é inclusive estimulada pela Prefeitura de
Barcelos, que investe em benfeitorias nessas comunidades, ignorando (teoricamente) o fato
de que se encontram dentro de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral que não
prevê a residência e permanência de pessoas.
O mesmo tipo de mobilidade foi identificado no Plano de Manejo da Reserva
Extrativista Arapixi (MMA, 2010), onde há a contratação de diaristas, em que alguns já se
tornaram agregados das famílias e moram na comunidade. Por se tratar de locais com
disponibilidade de terras e possuir condições que podem ser consideradas benéficas a
imigrantes, as UC acabam por atrair novos moradores que, devido à falta de fiscalização por
parte do poder público, não encontram dificuldades em fixarem residência. Este é o tipo de
mobilidade que ocorre em menor proporção, porém trata-se de um movimento que acontece
com frequência, e, portanto, é fundamental de ser caracterizado.
105
O terceiro tipo de mobilidade é o mais característico da dinâmica de vida das
comunidades ribeirinhas da Amazônia: os que saem e retornam. Como dentro das UC a
geração de empregos é limitada e está invariavelmente ligada ao turismo e às cooperativas,
muitos residentes vão trabalhar em construções civis em outra cidade por empreitada, como
na construção de portos e estradas. Outro motivo que leva a esse modelo de mobilidade é o
fato de que são poucas as UC que contam com escolas, portanto muitos jovens em idade
escolar se instalam na casa de parentes em aglomerações mais urbanizadas de acordo com o
calendário escolar, retornando à UC no período de férias. Um terceiro motivador que entra
nesse grupo dos que saem e retornam é devido à sazonalidade ligada ao regime de chuvas
específico da região amazônica, onde na época de cheia o nível dos rios sobe muito e os
moradores das comunidades ribeirinhas se instalam em residências localizadas no núcleo
urbano, em terra firme, que pode estar dentro ou não do perímetro da UC. A esse movimento
também se associam aqueles que tentaram a vida na cidade, mas que devido a fatores distintos
(dificuldade financeira, desejo de ficar perto da família, oportunidade de participar das
cooperativas locais) optaram por retornar à comunidade, porém sem nunca terem deixado em
definitivo a terra dentro da UC.
Todos esses processos descritos podem ser caracterizados por um fenômeno sob a
égide da mobilidade populacional denominado multilocalidade, em que os residentes mantêm
diferentes espaços de vida, diferente do sentido da migração de retorno em que o local de
origem é abandonado, mesmo que temporariamente (WEICHHART, 2015). A mobilidade
associada à multilocalidade foi observada nas três UC analisadas nesta pesquisa. No caso da
RESEX Auati- Paraná ocorreu o retorno de moradores motivados pela melhoria na qualidade
de vida na UC, atribuída ao oferecimento de benefícios, de programas educacionais e de
programas de manejo de recursos naturais. Na RDS Mamirauá também se observou esse
movimento de retorno associado ao oferecimento de benefícios sociais e da melhoria da
situação econômica promovida pelas cooperativas e pelo manejo organizado dos recursos
naturais.
Assim, conclui-se que a grande força motriz dos processos de mobilidade é a
incessante busca por melhores condições de vida e que a relação entre instituição de Áreas
Protegidas e aumento da mobilidade populacional não se trata de uma condição sine qua non,
uma vez que não há uma relação direta – inclusive nas pesquisas realizadas pouco é citado o
fato “criação da Unidade de Conservação” como motivador do processo de mobilidade.
Porém, faz-se importante colocar que há o entendimento de que a instituição da AP
106
interfere nas mobilidades populacionais, a partir do momento em que promove alterações nas
dinâmicas de vida que acabam por repelir ou atrair os moradores. Considerando tal
associação, entende-se que o fato de haver uma Área Protegida estabelecida em um local de
dinâmicas sociais como as observadas nas comunidades associadas às Áreas Protegidas na
região Norte do Brasil, pode implicar em diversas consequências nas realidades vividas
nesses locais. Aqui, são destacados três fatores que se acredita ser de maior influência na
relação mobilidade populacional e instituição de Unidade de Conservação, sendo: manejo de
recursos, zoneamento e efeitos de borda. O primeiro fator se refere ao controle no manejo dos
recursos, consequência imediata da instituição de uma Unidade de Conservação. Dependendo
da categoria da UC, algumas atividades são permitidas sob normas específicas ou são
proibidas – nada pode ser realizado ou praticado dentro de uma UC sem estar previsto no Plano
de Manejo. Nas categorias de Uso Sustentável o manejo está previsto para fortalecer as
produções locais, normatizando as formas de organização, produção, uso e venda dos recursos
naturais, desde a extração de produtos como castanhas ou látex até peixes. Apesar de não
estar previsto no SNUC, sabe-se que a mesma situação ocorre nas UC de Proteção Integral.
Na maioria das comunidades os moradores se organizam em cooperativas para
regular a extração de produtos, o beneficiamento e até a venda – por exemplo, comunidades
que foram formadas devido aos seringais, atualmente utilizam o látex extraído para produção
de bijuterias e outros artefatos para venda aos turistas, como no Parque Nacional do Tapajós.
Essas cooperativas, e também outras formas de organização social, acabam por valorizar a
produção local e colaborar com um melhor acesso e distribuição de renda entre os moradores,
o que serve tanto para fixar a população, que agora encontra formas de subsistência no seu
local de origem, como para atrair a instalação de novos e retorno de antigos moradores que
haviam saído, por verem que a situação do local melhorou, proporcionando boas condições
de renda e vida em comunidade.
O fato de a instituição da Unidade de Conservação contemplar formas de sustento
para fixar a população, e que pode acabar trabalhando para atração de novos residentes, é um
importante indicativo de que existem formas plausíveis de apresentar soluções para a relação
população e ambiente, relação esta que não pode ser considerada como conflituosa dentro
do contexto das comunidades tradicionais amazônicas. Cabe também observar que nesses
locais a relação com os órgãos ambientais normalmente é mais harmoniosa e não apresenta
ameaça ao modo de vida local – a despeito do citado no caso do Parque Nacional do Jaú, em
que essas práticas não são previstas, portanto a ação de fiscalização é mais repressora e
107
trabalha como fator que expulsa a população, que precisa ir em busca de locais que possam
proporcionar alguma renda.
O segundo fator de influência se relaciona ao zoneamento, condição prevista pelo
SNUC para todas as Unidades de Conservação. Na ocasião da elaboração do Plano de Manejo
das UC, o produto contempla, além das normas de uso e ações de gestão, o zoneamento da
área. Isso significa que toda área interna ao perímetro da Unidade de Conservação é dividida
em zonas onde são designadas normas e usos específicos, havendo as áreas em que é
permitida a habitação dos moradores tradicionais, as áreas onde não deve haver nenhuma
interferência humana para fins de preservação, as áreas onde turistas podem acessar, e assim
por diante. O zoneamento também é feito para a chamada zona de amortecimento, que é uma
área determinada no entorno da UC, visando “amortecer” os impactos externos, onde também
são determinadas normas e usos específicos.
Como bem observado por Pereira (2017, p. 134), existem dois processos de
ocupação ocorridos na Amazônia: um ligado à expansão das fronteiras agrícolas, associado
aos grandes projetos de colonização, e outro ligado às áreas denominadas como “interior”,
distantes dos grandes projetos de colonização. Porém, sabe-se que a tomada de terras para
fins de produção agropecuária e extrativismo madeireiro está se expandido para o interior da
Amazônia, assim como o deslocamento para núcleos urbanos, que estão em constante
crescimento populacional.
Desta forma, acredita-se que o fato de uma Unidade de Conservação contar com
zonas de usos específicos está ligado à coibição do modelo de ocupação vigente na região
atualmente, inibindo a expansão de fronteiras agrícolas e a crescente urbanização do entorno
das UC – inclusive, trata-se de uma “função” há tempos protagonizada pelas Áreas
Protegidas, vide a questão do movimento dos seringueiros versus agropecuaristas, que
resultou na criação do modelo de Reservas Extrativistas no Brasil.
Por frear o vetor de urbanização, o resultado é que não são construídas
infraestruturas importantes na área das UC, como escolas e equipamentos de saúde, cuja falta
implica em pessoas das comunidades procurando os centros urbanos para residir, como
observado nas três UC analisadas anteriormente. Importante pontuar que não são em todas as
UC que faltam escolas e postos de saúde e que não se trata de considerar tal fato como
negativo, mas atentar para a relevância que a questão tem nos processos de mobilidade
populacional associados às Áreas Protegidas da região Norte do Brasil.
108
A esta questão, está associado o terceiro fator, que são os efeitos de borda. Aqui,
toma- se emprestado o conceito de efeito de borda para a ciência florestal, que trata de
diferenciar o comportamento das espécies que ficam nas bordas de um fragmento de floresta.
No caso das populações associadas às Áreas Protegidas, entende-se que aquelas que se situam
próximas às bordas do perímetro da AP tem um comportamento distinto por ter relação direta
com as comunidades do interior da AP e vice-versa.
Um artigo de Bamford, Ferrol-Schulte e Wathan (2014, p. 504) traz resultados de
um estudo realizado em uma Área Protegida da Tanzânia, onde perceberam que a área recebia
muitos imigrantes oriundos principalmente de localidades do entorno, que visavam se instalar
em uma área que oferecia condições favoráveis à subsistência, independente de se tratar de
um AP ou não. Uma das principais conclusões do estudo é que se deve ter atenção às
aglomerações humanas do entorno na gestão de uma Área Protegida, já que podem ser uma
ameaça à conservação da biodiversidade.
Caso semelhante foi observado no Parque Nacional do Jaú, em que diversas famílias
de localidades vizinhas se instalaram dentro da área do PN por acreditarem que lá havia
melhores condições de vida. Os estudos aqui analisados trazem como conclusão que a
imigração de famílias independe da existência da Área Protegida, já que não é exatamente
essa condição que as famílias migrantes estão buscando. Porém, acredita-se que é inegável a
relação entre tais questões, uma vez que, se não fosse pela instituição das AP, provavelmente
essas áreas não contariam com as dinâmicas de vida que apresentam atualmente – e que em
alguns casos servem como atrativos de imigrantes.
Porém, independente de habitantes do entorno das AP se instalarem dentro delas, é
importante pontuar a relação direta entre as localidades da borda e as de dentro do perímetro,
que influenciam na mobilidade populacional,como a questão da mobilidade entre o rural e
urbano, ou entre dentro e fora da UC. Conforme pontuado na pesquisa de Pereira (2017, p.
136), “os moradores da reserva mantêm uma forte conexão com o urbano, seja para venda de
produtos agrícolas, seja para suprir necessidades básicas, seja para fugir dos períodos mais
críticos de permanência na reserva”.
A relevância em considerar esse fator é que ele afeta diretamente os processos de
mobilidade, sendo um equívoco conceber que as comunidades do interior de Áreas Protegidas
são isoladas e sem relações com o entorno. Trata-se de um tipo de mobilidade que tem grande
influência na mobilidade local, porém somente é captada pelos estudos feitos na microescala,
como no exemplo colocado por Pereira (2017, p. 137), em que afirma que as comunidades
109
situadas no interior da RESEX demonstram “intensa dinâmica com o município de Fonte
Boa, e, na escala regional, esse município apresenta alta rotatividade migratória. Mas, se
analisarmos os dados para o estado do Amazonas, a migração nesses municípios tem um peso
menor e, no contexto da Amazônia Legal, não demonstra ter influência na dinâmica
populacional dessa região”.
Assim, tem-se, novamente, a importância em tomar distintas escalas no estudo das
mobilidades populacionais associadas às Áreas Protegidas da região Norte do Brasil. Na
presente pesquisa, a principal pergunta Norteadora, que tratava da hipótese de que, a partir
do momento que uma área é subordinada a rigorosas regras de uso e ocupação do solo, as
pessoas migrariam mais para locais com maior liberdade de uso. Trata-se de uma hipótese
construída no contexto macroescalar, porém só foi possível de ser respondida ao se tomar o
contexto microescalar, que proporcionou a observação de fenômenos que não seriam
captados ao se utilizar bancos de dados macro, configurando uma pesquisa multiescalar e,
portanto, interdisciplinar.
Por fim, à interdisciplinaridade também se deve o fato de ter sido tomado o termo
mobilidade como conceito condutor da pesquisa, que acabou por abordar não somente a
mobilidade enquanto fenômeno da mudança do espaço de vida de um indivíduo ou grupo,
mas também a mobilidade de temas e conceitos que se fizeram necessários para dar conta da
compreensão e caracterização de dinâmicas tão peculiares, e espetaculares, como as
observadas na Amazônia da região Norte do Brasil.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Áreas Protegidas são espaços instituídos em prol da conservação ambiental e,
por isso, contam com regras específicas de uso e ocupação do solo, incluindo normas sobre
atividades proibidas ou permitidas sob condições, dentro de seus perímetros, cujas restrições,
devido ao rigor na imposição de novos modos de vida, implicam na maior emigração de
residentes que saem desses locais em busca de novos espaços de vida em que podem viver sem
restritas normas. Foi essa afirmação que se constituiu na hipótese inicial da dissertação aqui
apresentada, que começou na busca de formas de prová-la através de dados quantitativos.
Através dos resultados da pesquisa tem-se que a hipótese primária, de que a
existência da AP implicaria no aumento da mobilidade, não é falsa – vide o caso do Parque
Nacional do Jaú e dos resultados obtidos na análise quantitativa -, mas que existe também toda
uma gama de fatores associados às mobilidades populacionais. Aqueles que saem das Áreas
Protegidas são motivados principalmente pela busca de melhores condições de estudo e saúde
para a família, fator que tem relação com a existência da AP, devido às regulamentações que
acabam por inibir a construção de equipamentos de saúde e escolas, porém não se trata de uma
relação direta.
Portanto, o fato de ser instituída uma Área Protegida em determinado território está
muito menos ligado à expulsão de residentes devido ao estabelecimento de regras, mas mais por
não oferecer alternativas locais de acesso à escolarização e à saúde básica, questão que abrange
a discussão sobre a presença de populações humanas em um espaço destinado à conservação
ambiental.
Além desse tipo de mobilidade, observou-se que existem aqueles que se instalam
nas Áreas Protegidas atraídos por condições de vida consideradas melhores que as oferecidas
nos locais de origem - sejam centros urbanos ou áreas isoladas no meio da floresta; tais
condições de vida, ligadas principalmente à organização social e formas de manejo de recursos
naturais, também atrai moradores antigos que foram tentar a vida em outros locais mas optaram
pelo retorno às Áreas Protegidas.
A discussão de população e ambiente é importante para ampliar o foco da discussão
da pressão populacional sobre os recursos naturais. Porém, atualmente, a questão vai muito
além disso e existem inúmeras formas de tratar essa relação que nem sempre é problemática ou
111
conflituosa. Tem-se como exemplo as comunidades tradicionais associadas às Unidades de
Conservação da Amazônia, que atuam fortemente na conservação da natureza e têm
desenvolvido muitas técnicas “pouco agressivas” de uso de recursos, de gestão de resíduos e de
formas de organização social. É de extrema importância que o trabalho dessas comunidades
seja reconhecido e valorizado, pois é com auxílio da força delas que fragmentos da Floresta
Amazônica ainda permanecem em pé, contrariando o modelo de desmatamento para
agropecuária que há tanto tempo trabalha de forma exclusivamente extrativista na Amazônia,
situação que não se agrava de forma mais severa graças à atuação e organização dessas
comunidades, em trabalho conjunto com os órgãos ambientais (em sua maioria).
Durante as leituras e discussões acerca da temática, pôde-se perceber que não seria
possível tratar de um fenômeno tão multifacetado e multidimensional de uma forma
conservadora. Nessa busca por novos conceitos e por novas formas de tratar da complexidade
do fenômeno, com o estímulo de mentores muito egrégios, houve o entendimento de que o
conceito central deveria ser a mobilidade, em vez de somente a migração, e que o método
deveria ir por um viés multiescalar, em vez de somente quantitativo.
Neste momento, percebe-se que a pesquisa “se mobilizou” por um caminho muito
rico e instigante, uma vez que se iniciou apegada a uma hipótese que, supostamente, seria
captada de forma linear e dicotômica. Porém, no decorrer do desenvolvimento das leituras e
análises, diversos conceitos e “não-linearidades” foram tomando conta do processo, assim
como no paradigma da mobilidade de Urry (2000) e na inclusão das dimensões de escala como
relação e rede colocados por Puebla (2001).
Ao se apropriar de dois conceitos que abarcam questões subjetivas e
contemporâneas para contemplar um fenômeno multidimensional, pode-se compreender a
complexidade e riqueza das dinâmicas estudadas. O tipo de vida e de relações inerentes às Áreas
Protegidas da Amazônia ganham muito mais vida ao serem olhadas pela “lente escalar”
(MARANDOLA JR., 2011) e pelas questões imateriais associadas ao ir e vir dos habitantes
locais.
Afinal, o principal resultado da pesquisa é que, muito além da hipótese inicial, o
efeito da criação das Áreas Protegidas demanda um olhar interdisciplinar e abarca questões
subjetivas e relacionais que demandaram ser apreendidas sob a égide da mobilidade e atestadas
sob a égide da multiescalaridade. Isso não quer dizer que não existem outras formas, outros
conceitos, outros métodos ou outros recortes que dessem conta de tratar do fenômeno, mas que,
na condição e andamento do desenvolvimento da presente pesquisa, foram graças a esses dois
112
conceitos que o problema pôde ser tratado interdisciplinarmente.
Ao se tomar esses dois conceitos edificantes para tratar do problema, foi possível a
conclusão de resultados que mostraram que a existência das Áreas Protegidas não trabalha
somente na expulsão de pessoas encorajadas pelo excesso de regras, pelo contrário, apresentou
um contexto em que as AP fixam os residentes e atraem tanto antigos quanto novos moradores.
A apreensão desses resultados demandou que fossem consideradas distintas questões que
estimulam o ato de se mover, tanto de ordem subjetiva e pessoal, como brigas familiares e
divórcios, quanto de ordem física e ambiental, como o regime de chuvas.
Ademais, faz-se importante pontuar sobre os desafios postos pela tentativa de
colocar em prática a multiescalaridade, no intuito de desassociar as leituras escalares das
estruturas disciplinares, visando desidentificar o método das suas disciplinas de origem –
sobretudo por se tratar de um estudo executado por uma pesquisadora bastante (pre)ocupada
com métodos e técnicas de pesquisa. Por fim, mais do que novos meios de estudar a mobilidade
e a escala, foi necessário que a própria pesquisadora vivenciasse uma mobilidade por entre os
temas e por diferentes dimensões escalares para que a pesquisa aqui apresentada tomasse forma,
mas não fim, por entender-se que as possibilidades de estudos sob a ótica da multiescalaridade
são, além de desafiantes e instigantes, muito amplas e relevantes.
113
REFERÊNCIAS
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Ed. Ufal, 2010.
BAENINGER, Rosana. Novos Espaços da Migração no Brasil: Anos 80 e 90. In: Anais do XII
Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Caxambu: Abep, 2000.
BARBIERI, Alisson Flávio. Mobilidade populacional, meio ambiente e uso da terra em áreas
de fronteira. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo, v. 24, n. 2, p.225-246,
jul/dez. 2007.
. Mudanças climáticas, mobilidade populacional e cenários de vulnerabilidade para o
Brasil. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, Brasília, n. 36, p.95-112, jan/jun.
2011.
BAMFORD, Andrew J.; FERROL-SCHULTE, Daniella; WATHAN, Jennifer. Human and
wildlife usage of a protected area buffer zone in an area of high immigration. Oryx, v. 48, n.
04, p.504-513, 27 jan. 2014. Cambridge University Press (CUP).
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, v. 19, n. 53, p.71-86, abr.
2005. FapUNIFESP.
. Prefácio. In: GUERRA, Antônio J. T.; COELHO, Maria Célia N. Unidades de
Conservação: Abordagens e características geográficas. Ed. Bertrand Brasil. São Paulo:
2009.
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo
científico. Ed. UNESP: São Paulo, 2004.
BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal. 1988.
. Presidência da República. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art.
225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília.
. Presidência da República. Portaria nº 77, de 3 de junho de 1943. Organiza a
114
expedição Roncador-Xingu. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2328230/pg-
11-secao-1- diario-oficial-da-uniao-dou-de-04-06-1943 Acesso em mar 2017.
BRUNIERI, Celina M. Expedição Roncador-Xingu instala núcleos de povoamento, abre
campos de pouso e chega às cabeceiras do Xingu; a experiência de contato com os povos do
Alto Xingu inspira a criação do parque indígena. EntreTeses - Especial Xingu 50 anos. Portal
UNIFESP. São Paulo, 2015. Disponível em:
http://www.unifesp.br/reitoria/dci/publicacoes/entreteses/item/1916-onde-tudo-comecou
Acesso em abr 2017.
BRYMAN, Alan. Quantity and Quality in Social Research. New York: Unwin Hyman,
1988.
BUNGE, Mario. Ciência e Desenvolvimento. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,
1980.
CABELEIRA, Mayara de Martini. Neomalthusianismo: o controle da população revisitado.
Ecopolítica, São Paulo, n. 6, p.82-92, maio 2013.
CARMO, Roberto Luiz do; D'ANTONA, Álvaro de Oliveira. Transição demográfica e a
questão ambiental: para pensar população e ambiente. In: D'ANTONA, Álvaro de Oliveira;
CARMO, Roberto Luiz do (Org.). Dinâmicas demográficas e ambiente. Campinas: Núcleo
de Estudos de População - Nepo/Unicamp, 2011. p. 13-23.
CASTRO, Iná E. O problema da escala. CASTRO, Iná E.; GOMES, Paulo C. C.; CORRÊA,
Roberto L. (orgs.) Geografia: conceitos e temas. 11ª ed. Ed. Bertrand Brasil: São Paulo, 2008.
CASTRO JR., Evaristo; et. al. Gestão da biodiversidade e áreas protegidas. In: GUERRA,
Antônio J. T.; COELHO, Maria Célia N. Unidades de Conservação: Abordagens e
características geográficas. Ed. Bertrand Brasil. São Paulo: 2009.
CERQUEIRA, Cézar Augusto; GIVISIEZ, Gustavo Henrique Naves. Conceitos básicos em
demografia e dinâmica demográfica brasileira. In: RIOS-NETO, E. L.; RIANI, J. L.
Introdução à demografia da educação. Campinas: Associação Brasileira de Estudos
Populacionais, 2004. p. 13-44.
COELHO, Maria C. N.; et. al. Unidades de Conservação: populações, recursos e territórios.
115
Abordagens da geografia e da ecologia política. In: GUERRA, Antônio J. T.; COELHO, Maria
Célia N. Unidades de Conservação: Abordagens e características geográficas. Ed. Bertrand
Brasil. São Paulo: 2009.
CORRÊA, Roberto L. Sobre agentes sociais, escala e produção do espaço: um texto para
discussão. CARLOS, Ana Fani A.; SOUZA, Marcelo L.; SPOSITO, Maria E. B. (Orgs.). A
produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São Paulo: Ed. Contexto,
2011.
COSTA, Francisco de Assis. Ecologismo e questão agrária na Amazônia. Belém: UFPA,
1992. 81 p.
COSTA, Francisco Pereira. Seringueiros, patrões e a justiça no Acre Federal, 1904/1918.
2002. 256 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em História do Brasil, Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2002.
CRESSWELL, Tim. On the move: Mobility in the modern western world. Nova York:
Routledge, 2006.
CUNHA, Aparecido Soares da. Os Censos demográficos brasileiros e a evolução dos
quesitos de migração, suas potencialidades e suas limitações, 1872-2010. 2013. Disponível
em:<http://www.academia.edu/8922730/Os_Censos_demográficos_brasileiros_e_a_evoluçã
o_dos_quesitos_de_migração_suas_potencialidades_e_suas_limitações_1872-2010>. Acesso
em jul 2017.
CUNHA, José Marcos P. Retratos da Mobilidade Espacial no Brasil: Os Censos Demográficos
como Fontes de Dados. In: Rev. Inter. Mob. Hum., Brasília, Ano XX, Nº 39, p. 29-50, jul./dez.
2012.
CUNHA, Lucia Helena de Oliveira. Reservas Extrativistas: uma alternativa de produção e
conservação da biodiversidade. São Paulo: Usp, 1995. (Documentos e Relatórios de Pesquisa
do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras).
D'ANTONA, Álvaro de Oliveira. Do mito malthusiano ao das relações recíprocas – a
constituição interdisciplinar do campo de População e Ambiente. Revista Brasileira de
Estudos de População, Belo Horizonte, v. 34, n. 2, p.243-270, ago. 2017
116
D’ANTONA, Álvaro de O.; CAK, Anthony D.; VANWEY, Leah K. Efeitos da escala da
análise em estudos de mudança da cobertura da terra entre Santarém e Altamira, no Pará, Brasil.
In: HOGAN, Daniel Joseph (Org.). Dinâmica populacional e mudança ambiental: cenários
para o desenvolvimento brasileiro. Campinas: Núcleo de Estudos de População-
Nepo/Unicamp, 2007. p. 87-113.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1995
DICK, Eva; DUCHÊNE-LACROIX, Cédric. Multi-local Living in the Global South and Global
North: Differences, Convergences and Universality of an Underestimated Phenomenon.
Trialog Journal, Frankfurt, v. 1, n. 116, p.4-10, mar. 2016.
DIEGUES, Antônio Carlos S. Populações tradicionais em Unidades de Conservação: o mito
da natureza intocada. São Paulo: USP, 1993. 66 p. (Documentos e Relatórios de Pesquisa do
Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras).
ELOY, Ludivine; LASMAR, Cristiane. Urbanização e transformação dos sistemas indígenas
de manejo de recursos naturais: o caso do alto rio Negro (Brasil). Acta Amazônica, Manaus,
v. 41, n. 1, p.91-102, jan. 2011.
FAIST, Thomas. The mobility turn: a new paradigm for the social sciences? Ethnic And Racial
Studies, v. 36, n. 11, p.1637-1646, nov. 2013.
GALVÃO, Maria Eduarda C. G. A Marcha para o oeste na experiência da Expedição Roncador-
Xingu. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, jul. 2011.
GEORGE, Pierre. Le métier de geógraphe. Ed. Armand Colin: Paris. 1990.
GIBSON, Clark C.; OSTROM, Elinor; AHN, T.K. The concept of scale and the human
dimensions of global change: a survey. Ecological economics, v.32, p.217-239, 2000.
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à
multiterritorialidade. 6ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
HARVEY, D. Espaços da esperança. São Paulo: Ed. Loyola, 2004.
HOGAN, Daniel Joseph. Mobilidade populacional, sustentabilidade ambiental e
117
vulnerabilidade social. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 22, n. 2, p.323-338,
dez. 2005.
HOWITT, Richard. Scale as relation: musical metaphors of geographical scale. Area, v.23, n.1,
p.82-88, 1998.
IRVING, Marta de Azevedo; GIULIANI, Gian Mario; LOUREIRO, Carlos Frederico.
Natureza e Sociedade: desmistificando mitos para a gestão de áreas protegidas. In: IRVING,
Marta de Azevedo; GIULIANI, Gian Mario; LOUREIRO, Carlos Frederico (Orgs.). Parques
estaduais do Rio de Janeiro: construindo novas práticas para a gestão. São Carlos: RiMa
Editora, 2008. p. 1-19.
LACOSTE, Yves. A geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 3ª ed.
Ed. Papirus: Campinas, 1988.
LEE, Everett S. A Theory of Migration. Demography, v. 3, n. 1, p.47-58, 1966. Springer
Nature.
LENCIONI, Sandra. Concentração e centralização das atividades urbanas: uma perspectiva
multiescalar. Reflexões a partir do caso de São Paulo. Revista de Geografia Norte Grande,
nº 39: p. 7-20, maio 2008.
LOPES, Sérgio. O Território do Iguaçu no contexto da “Marcha para Oeste”. Cascavel:
Edunioeste, 2002.
LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: uma história de perdas e danos, um futuro a
(re)construir. Estudos Avançados, v. 16, n. 45, p.107-121, ago. 2002. FapUNIFESP.
LOUREIRO, Violeta R.; PINTO, Jax N. A. A questão fundiária na Amazônia. Revista Estudos
Avançados, São Paulo, v. 19, n. 54, agosto de 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142005000200005 Acesso
em abr 2017.
MARANDOLA JR, Eduardo. As escalas da vulnerabilidade e as cidades: interações trans e
multiescalares entre variabilidade e mudança climática. In: XIV Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional., 2011,
Rio de Janeiro.
118
. Mobilidades contemporâneas: distribuição espacial da população, vulnerabilidade
e espaços de vida nas aglomerações urbanas. In: CUNHA, José Marcos Pinto da. Mobilidade
espacial da população: desafios teóricos e metodológicos para o seu estudo. Campinas:
Núcleo de Estudos de População Nepo/Unicamp, 2011. p. 95-115.
MARANDOLA JR, Eduardo; HOGAN, Daniel Joseph. Em direção a uma demografia
ambiental? Avaliação e tendências dos estudos de população e ambiente no Brasil. Revista
Brasileira de Estudos de População, v. 24, n. 2, p.191-223, dez. 2007.
MARTINE, George. A natureza e os impactos das políticas públicas sobre a distribuição
espacial da população no Brasil. Anais do Seminário Internacional sobre políticas
populacionais. Zaire, 1989.
MATTHEWS, Stephen A.; PARKER, Daniel M. Progress in Spatial Demography.
Demographic Research, v. 28, p.271-312, 13 fev. 2013. Max Planck Institute for
Demographic Research.
MEDINA, Cremilda. Aventuras e desventuras do paradigma em crise. LEMOS, Amalia I. G.;
GALVANI, Emerson (orgs.). Geografia, tradições e perspectivas: interdisciplinaridades,
meio ambiente e representações. Ed. Expressão Popular: São Paulo, 2009.
MELLO, Neli A. Terra Pública, frentes pioneiras e o modelo de conservação na Amazônia. In:
LEMOS, Amalia I. G.; GALVANI, Emerson. Geografia, tradições e perspectivas:
interdisciplinaridade, meio ambiente e representações. São Paulo: Expressão Popular. 2009.
MMA, Ministério do Meio Ambiente. Cadastro Nacional de UC. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/cadastro-nacional-de-UC/consulta-por-uc Acesso
em abr 2017.
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia
do espaço. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013.
MORIN, Edgar. El método: la vida de la vida. 5ª ed. Ed. Seuil: Madri, 2002.
_______. O paradigma perdido: a natureza humana. Ed. Europa América. 1973.
MOURA, Edila Arnaud Ferreira et al (Org.). Sociodemografia da Reserva de
119
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá: 2001- 2011. Tefé: Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá, 2015. 350 p.
NEVES, Eduardo Góes. O velho e o novo na arqueologia amazônica. Revista USP, São Paulo,
n. 44, p.86-111, fev. 2000.
OLIVEIRA FILHO, Marco Aurélio Maia Barbosa de. A luta dos seringueiros e a criação das
reservas extrativistas: os trabalhadores da borracha numa perspectiva histórica. Revista
Eletrônica do Centro de Memória Operária e Popular, São Paulo, n. 1, mar. 2012.
Disponível em: <http://www.memoriaoperaria.org.br/revistaeletronica/a-luta-
dos- seringueiros.pdf>. Acesso em ago. 2017.
Organizacion Naciones Unidas. Manual VI: Métodos de medición de la migración interna.
Nueva York: Naciones Unidas, 1972. 52 p. (Estudios de Poblacion).
PAASI, Anssi. Place and region: looking through the prism of scale. Progress In Human
Geography, v. 28, n. 4, p.536-546, ago. 2004. SAGE Publications.
PEREIRA, Heloísa Corrêa. Distribuição e mobilidade espacial da população em Unidades
de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia Brasileira: o caso da Reserva Extrativista
Auati-Paraná. 2017. 180 f. Tese (Doutorado) - Curso de Demografia, Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2017.
PINHEIRO, Marcos Roberto; MACEDO, Arlei Benedito. Dinâmica da população humana nos
rios do Parque Nacional do Jaú. In: BORGES, Sérgio Henrique et al. Janelas para a
biodiversidade no Parque Nacional do Jaú: Uma estratégia para o estudo da biodiversidade
na Amazônia. Manaus: Fundação Vitória Amazônica, 2004. p. 43-62.
POMBO, Olga. Interdisciplinaridade e integração dos saberes. Liinc em Revista, v.1, n.1,
março 2005.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A geograficidade do social: uma contribuição para o
debate metodológico para os estudos de conflitos e movimentos sociais na América Latina.
Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Três Lagoas, v. 3, n. 1, p.5-27,
maio 2006.
PUEBLA, Javier Gutiérrez. Escalas espaciales, escalas temporales. Estudios Geográficos, v.
120
62, n. 242, p.89-104, 30 mar. 2001. Departmento de Publicaciones del CSIC.
RAVENSTEIN, E. G. The laws of migration. In: Journal of the statistical society. Junho de
1885.
RICHARDSON, Roberto J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3ª ed. Ed. Atlas: São Paulo,
2012.
RIGOTTI, José Irineu Rangel. Dados censitários e técnicas de análise das migrações no Brasil:
avanços e lacunas. CUNHA, José Marcos Pinto da. Mobilidade espacial da população:
desafios teóricos e metodológicos para o seu estudo. Campinas: Núcleo de Estudos de
População Nepo/Unicamp, 2011. p. 141-156.
RODRIGUES, Ecio; PEREIRA, Luciana R. Propensão à sustentabilidade em Reservas
Extrativistas do Acre. Anais do II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da
Região Norte. Belém, setembro de 2010. Disponível em:
http://sbsNorte2010.ufpa.br/site/anais/ARQUIVOS/GT3-23-11-20100815192218.pdf Acesso
em abr 2017.
ROGERSON, Peter A. Métodos Estatísticos para Geografia: um guia para o estudante. 3. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2010. Tradução de Paulo Fernando Braga Carvalho e José Irineu
Rangel Rigotti.
ROLLET, Catherine. Introdução à Demografia. Porto: Porto Editora, 2007.
SHELLER, Mimi. Mobility. Sociopedia.isa. 2011.
SILVA, José B. Geografia e interdisciplinaridade. LEMOS, Amalia I. G.; GALVANI, Emerson
(orgs.). Geografia, tradições e perspectivas: interdisciplinaridades, meio ambiente e
representações. Ed. Expressão Popular: São Paulo, 2009.
SILVA JÚNIOR, Roberto Donato; D’ANTONA, Álvaro de Oliveira. Os métodos mistos e a
interdisciplinaridade nas ciências sociais: pragmatismo ou pluralismo paradigmático?. Ideias
(Unicamp), v. 1, p. 87-108, 2013.
SILVA JÚNIOR, Roberto Donato; D’ANTONA, Álvaro de Oliveira; CAK, Anthony D. From
land use and cover change to etnographic experience: between sketches and satellite images for
121
the Brazilian rural Amazon. Etnográfica. Lisboa, 2016.
SINGER, Paul. Coletânea de Ensaios. In: Economia Política e Urbanização. 3ª ed. CEBRAP,
Ed. Brasiliense, 1976.
URRY, John. Mobile sociology. British Journal Of Sociology, Londres, v. 51, n. 1, p.185-
203, mar. 2000.
VAINER, Carlos. Trabalho, Espaço e Estado: questionando a questão migratória. Rio de
Janeiro, PUR/UFRJ, 1984.
VALENZUELA, Cristina O. Contribuciones al análisis del concepto de escala como
instrumento clave em el contexto multiparadigmático de la Geografía contemporánea.
Investigaciones Geográficas, n.59, p.123-144, 2006.
VERÍSSIMO, Adalberto et al. Áreas Protegidas na Amazônia: avanços e desafios. Belém;
São Paulo: Imazon e Instituto Socioambiental, 2011. 90 p.
WEICHHART, Peter. Multi-local Living Arrangements: Terminology Issues. WEICHHART,
P.; RUMPOLT, P. A. Mobil und doppelt sesshaft: Studien zur residenziellen Multilokalität.
Wien: 2015.
Top Related