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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES
Mateus Bruno Romagnoli Hayasaka de Goes
IITOKO-DORI: A MÚSICA TRADICIONAL JAPONESA E REFLETS
DANS L’EAU DE DEBUSSY
IITOKO-DORI: THE JAPANESE TRADITIONAL MUSIC AND
DEBUSSY’S REFLETS DANS L’EAU
CAMPINAS
2019
Mateus Bruno Romagnoli Hayasaka de Goes
IITOKO-DORI: A MÚSICA TRADICIONAL JAPONESA E REFLETS
DANS L’EAU DE DEBUSSY
IITOKO-DORI: THE JAPANESE TRADITIONAL MUSIC AND
DEBUSSY’S REFLETS DANS L’EAU
Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de
Mestre em Música na área de Música: Teoria,
Criação e Prática
Dissertation presented to the Institute of Arts of the
State University of Campinas as part of the
requirements required to obtain the title of Master
of Music in Music: Theory, Creation and Practice
Orientador: Marcos da Cunha Lopes Virmond
ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO MATEUS BRUNO ROMAGNOLI HAYASAKA DE
GOES, E ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND.
CAMPINAS
2019
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO
MATEUS BRUNO ROMAGNOLI HAYASAKA DE GOES
ORIENTADOR: MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND
MEMBROS:
1. PROF. DR. MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND
2. PROFA. DRA. IRACELE APARECIDA VERA LÍVERO DE SOUZA
3. PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA
Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de
Campinas.
A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema
de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.
DATA DA DEFESA: 25.11.2019
AGRADECIMENTOS
Agradeço a colaboração direta ou indireta para a concretização desta pesquisa:
Aos integrantes do Programa de Pós-Graduação em Música da UNICAMP pela
oportunidade da realização da pesquisa.
Ao Professor Doutor Marcos da Cunha Lopes Virmond pelos conhecimentos
transmitidos com grande domínio e paciência durante toda a orientação e pela confiança
depositada em mim.
Aos membros da banca examinadora pela prontidão em aceitar avaliar e
contribuir com o meu trabalho.
A meus familiares e entes queridos por todo o apoio.
A sensei Kitahara Tamie por todos os saberes envolvendo a prática do koto e a
cultura japonesa.
RESUMO
Achille-Claude Debussy representa um dos maiores casos de originalidade e
liberdade em uma postura iniciada por um não conformismo seguida de um processo de
reorganização dos elementos da tradição musical ocidental. Neste contexto, o presente
trabalho se propôs a estudar as relações de Claude Debussy com a cultura e a música
japonesa, dentro dos princípios norteadores do iitoko-dori, através análise da obra Reflet
dans l’eau em busca da potencial incidência desses elementos constitutivos da música
tradicional japonesa. Para atingir tal objetivo, o presente estudo propõe o percurso de
uma pesquisa transversal, fundamentando-se basicamente em aspectos da musicologia
histórica e da análise musical. Como resultado, concluímos que os principais elementos
da música tradicional japonesa que foram descritos por Akira Tamba possuem reflexo
na obra de Debussy objeto deste estudo sem que houvesse um abandono dos princípios
da prática comum da música ocidental, havendo nesse caso um efetivo exemplo de
iitoko-dori, ou seja, a soma do melhor dessas culturas.
Palavras-chave: 1. Debussy, Claude, 1862-1918. 2. Música japonesa. 3. Musicologia.
.
ABSTRACT
Achille-Claude Debussy represents one of the greatest cases of originality and
freedom in a posture initiated by a nonconformity followed by a process of
reorganization of the elements of Western musical tradition. In this context, the present
study proposes to explore and analyze Claude Debussy's relations with Japanese culture
and music, within the guiding principles of iitoko-dori, through the analysis of the
Reflect dans l'eau work in search of the potential incidence of these constitutive
elements of Japanese traditional music. To achieve this goal, the present study proposes
the course of a cross-sectional research, based basically on aspects of historical
musicology and musical analysis. As a result, we conclude that the main elements of
traditional Japanese music that were described by Akira Tamba are reflected in piano
piece by Debussy focused in this study work without abandoning the principles of
common Western music practice, in which case there is an effective example of iitoko-
dori, or that is, the sum of the best of these cultures
Keywords: 1. Claude Debussy, 1862-1918. 2. Japanese Music. 3. Musicology.
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 9
OBJETIVO ..................................................................................................................................... 24
PERCURSO METODOLÓGICO ....................................................................................................... 25
Capítulo 1 - Oriente e Debussy .................................................................................................... 27
Capítulo 2 - Exotismo e Orientalismo .......................................................................................... 31
Capítulo 3. Japonismo ................................................................................................................. 35
Capítulo 4 - A música japonesa sob um olhar outsider. .............................................................. 39
4.1. A Exposição de 1889......................................................................................................... 39
4.2. A Exposição de 1900......................................................................................................... 43
4.2.1. O teatro e a dança japonesa ......................................................................................... 43
4.2.2 A música japonesa .......................................................................................................... 45
4.2.3. Considerações gerais sobre a música japonesa ............................................................ 50
Capítulo 5 - A música japonesa sob um olhar nativo .................................................................. 52
5.1. Modo composicional baseado em padrões. ...................................................................... 52
5.2. Estaticismo e ritualismo musical ...................................................................................... 63
5.3. Música e sociedade .......................................................................................................... 65
5.4. Conceito de criação .......................................................................................................... 65
Capítulo 6 – uma análise de Reflets dans l’eau ........................................................................... 68
6.1 – Reflets dans l’eau na obra de Debussy ........................................................................... 68
6.2 – Debussy, o oriente e Reflets dans l’eau ......................................................................... 68
6.3 - O estaticismo/ritualismo em Reflets dans l’eau ............................................................. 69
6.4 Compor por Padrões em Reflets dans l’eau ...................................................................... 76
Comentários Finais ...................................................................................................................... 93
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 95
9
INTRODUÇÃO
Achille-Claude Debussy (1862-1918) foi um dos mais importantes compositores
para a formação da música no século XX estruturando sua obra através da
ressignificação dos materiais e das formas musicais comuns à tradição musical europeia.
A relevância de sua produção é atestada por Pierre Boulez ao declarar: “A música
moderna desperta com L’après-midi d’un Faune” (BOULEZ in CANDÉ, 1978, p. 201)
e é preciso conhecer o panorama histórico em que Debussy compôs essa obra para
compreendermos a força de tal declaração. Os compositores do dito Romantismo Tardio
já estavam em sua maioria nos últimos anos de vida:
Verdi (oitenta e um anos) acaba de apresentar o Falstaff, Bruckner
(setenta anos) trabalha em sua Nona sinfonia, Johann Strauss (sessenta
e nove anos) continua compondo valsas, quadrilhas e operetas para o
teatro An der Wien, Dvořák acaba de apresentar sua Sinfonia do Novo
Mundo, D'Indy funda a Schola e Mahler termina sua Segunda
sinfonia; Clara Schumann está com setenta e cinco anos, Brahms com
sessenta e um, Fauré quarenta e nove, Puccini trinta e seis... O
crepúsculo do romantismo parece prolongar-se (CANDÉ, 1978, p.
178).
Em um enfoque mais específico, tivemos o caso da música francesa no final do
século XIX e início do século XX que GROUT e PALISCA em História da Música
Ocidental (1988) divide em três grandes linhas de “evolução”: (1) a tradição
cosmopolita difundida por César Franck e prolongada pelos seus alunos (em especial
por Vincent d’Indy); (2) a tradição especificamente francesa, transmitida por Saint-
Saens e continuada pelos seus discípulos, em particular por Fauré; (3) partir da tradição
francesa e foi levada às consequências mais imprevistas na música de Debussy
(GROUT ; PALISCA, 1988).
Nesse cenário de mudanças e na busca por novas abordagens Debussy se
utilizou de meios pessoais para atingir sua idiossincrasia musical conforme afirma Juan
Carlos Paz em “Introdução à Música do Nosso Tempo”:
Em síntese, o caso de Debussy, em seu aspecto formal, revela um
compositor que rompe com a tradição ocidental quanto à harmonia e
execução de formas e de desenvolvimento, e que enfrenta o difícil
problema da substituição de tais elementos formativos. As soluções
individuais que levou ao problema foram aqueles que, aparentemente
10
e vistas através do critério de mais de meio século depois, eram
indispensáveis para seu caso particular. (PAZ, 1977, p. 5).
Tal particularidade foi transportada também para a análise formal dessas obras e
podemos citar o exemplo a respeito da tonalidade em Debussy em The Cambridge
companion to Debussy, de Simon Trezise, que considera duas vertentes de abordagem:
uma acomodadora - para estabelecer teorias tonais para a idiossincrática marca de
tonalidade de Debussy - e a outra rejeitadora - da viabilidade de qualquer acomodação
(TREZISE, 2003).
Pelo lado da vertente rejeitadora temos a abordagem de Werner Danckert sob a
influência das ideias de Hugo Riemann sobre a harmonia funcional que tem como
objetivo reduzir todos os acordes à tônica, dominante ou subdominante. No entanto, seu
método é criticado pela utilização do método em contextos cromáticos inapropriados.
Ainda nessa vertente, houve também a visão de Rudolph Réti, que buscou apoio
na lógica musical tema/motivo de Arnold Schoenberg, realizando uma análise de La
cathédrale engloutie, obra em que considera dois fragmentos nomeados “motivo I” e
“motivo II” (figura 1). O primeiro motivo possui duas variantes: a primeira (Ia) com um
intervalo de quarta ao invés de um intervalo quinta e a segunda variantes (Ib) com uma
terça (RÉTI, 1961).
Figura 1: Motivos I e II e suas variantes em La cathédrale engloutie
FONTE: RETI, 1961, p. 195.
Esses motivos são expostos na primeira seção da obra (figura 1a) sendo que logo
no primeiro compasso o motivo Ib ocorre variado.
11
Figura 1a: Motivo I e sua inversão em La cathédrale engloutie
FONTE: RETI, 1961, p. 196.
O motivo II e Ia são trabalhados com um pedal na nota mi do compasso 7 ao 13
(figura 1b):
Figura 1b: Motivo II e Ia em La cathédrale engloutie
FONTE: RETI, 1961, p. 197.
Por outro lado, tivemos a abordagem de Felix Salzer e Adele Katz a partir da
teoria de Schenker que, segundo Trezise, é altamente eficaz apenas para o repertório
que engloba aproximadamente obras de Bach a Brahms (TREZISE, 2003).
Na tentativa de cobrir todos os aspectos de uma obra completa, Salzer altera
vários preceitos de Schenker, o que acaba encobrindo a distinção de consonância e
dissonância, pois segundo o mesmo tal atitude é um reflexo da realidade estilística do
século XX. (TREZISE, 2003). Para refutar seu argumento é feita uma análise de
Prelude à l’après-midi d’un faune (figura 2) destacando o uso de notas vizinhas e notas
de embelezamento como características do impressionismo musical de Debussy
(SALZER, 1962, p. 209). Segue o relato do autor:
12
Primeiro, uma compreensão completa dos primeiros compassos
improvisados (solo de flauta) parece necessária. Os eventos melódicos
são: a apogiatura dó# - si (o último sendo o tom estrutural da melodia),
o movimento para a voz interna sol# e sol, então o retorno para Si que
é seguido por um prolongamento do inicial Dó# - Si. Esses
movimentos são apresentados pelo compositor em uma série do tipo
“variações” e altamente imaginativas (veja os parênteses em Gráficos
a e b). Desenvolvem-se com base em uma tônica extensivamente
prolongada que no fim se move a V através da Dominante secundária.
Estas “quase variações” contribuem fortemente para a coerência e
simultaneamente para a tensão acumulada que tão convincentemente
encontra sua resolução no movimento final para o V (SALZER, 1962,
p. 209).
Figura 2: Trecho da redução realizada por Salzer de Prélude à l'après-midi d'un faune
Fonte: SALZER, 1962, p. 209.
Notamos nessa análise dois pontos de interesse: (i) um grande prolongamento da
harmonia (indicada por números romanos) a partir de supostos acordes que não estão
inseridos originalmente na obra (notas em parêntesis), ignorando diversos outros
acordes e (ii) uma valorização de notas que corroboram para um direcionamento
diatônico que, entretanto, estão dispostas em tempos fracos e que soam brevemente
(notas em mínimas), ao contrário de notas de longa duração (notas pretas sem haste) que
fogem do escopo tonal tradicional.
Em uma análise do compasso 1 ao 10 é possível identificar nos compassos 1
uma relação cromática que possui sua base no trítono entre o dó# e o solÎ (figura 3) com
ênfase acentuada através dos tempos fortes do compasso com maior duração que o si
estabelecido como nota de importância estrutural por Salzer.
13
Figura 3 - Prèlude à l'après-midi d'un faune (compassos 1)
Fonte: editado pelo autor.
Já nos compassos 3 a 5 (figura 3a) a relação cromática é substituída por um
caráter modal (lídio) devido ao acorde de Lá# meio diminuto que possuí o La# que
Salzer considera como passagem e novamente com a relação de trítono, mas agora entre
mi (que estabelece o modo sobre o centro) e Sib.
Figura 3a: Prèlude à l'après-midi d'un faune (compassos 3 a 5)
Fonte: editado pelo autor.
Já Katz preserva a maior parte da abordagem de Schenker o que limita sua
análise a dois aspectos: o uso de pequenos trechos focando mais as particularidades da
prática tonal de Debussy em relação a outros compositores anteriores e em outras
encontra apenas uma “vagueza estrutural” (TREZISE, 2003).
No primeiro caso temos a abordagem nos dois primeiros compassos da
sarabande da suite Pour le Piano (figura 4). Considerou-se aqui uma progressão de
supertônica - dominante na tonalidade de dó# menor. A justificativa de Katz reside no
fato de que:
[...] aqui, o uso da dominante menor é indicativo não de uma mistura
dos acordes maiores e menores do sol# menor, como encontramos nos
trabalhos de Haydn, Beethoven e Wagner, mas da dominante modal
que aparece com tanta frequência no tratamento de Debussy (KATZ,
1946, p. 251 e 252).
14
Figura 4: Sarabande da suíte Pour le Piano (compassos 1 e 2)
Fonte: editado pelo autor.
Em Voiles (figura 4a) Katz cita, através da declaração de Nadia Boulanger, a
possibilidade de uma “vagueza estrutural” (BOULANGER apud KATZ) por meio do
uso da escala de tons inteiros na qual a clareza tonal é abandonada. No entanto, a autora
acredita que a declaração do próprio compositor, “o paradoxal senso de imobilidade na
mobilidade” (DEBUSSY apud KATZ, 1946, p. 284) sobre a escala de tons inteiros,
auxilia em uma nova forma de compreender tal obra:
Talvez, como em Voiles, a repetição da figura motívica crie uma
coerência melódica destinada a compensar a falta de coerência
estrutural. É muito mais provável que o objetivo principal, usar uma
série de terças alternadas, fosse o fator motivador e que as técnicas
fossem determinadas pelo caráter da figura motriz. Se a incerteza
estrutural neste prelúdio fosse um exemplo isolado, poderíamos
considerá-lo principalmente devido a um experimento interessante e
único. No entanto, como um dos vários casos em que Fouilles mortes,
Général Lavine eccentric e La Cathédrale engloutie são típicos, eles
compartilhavam um efeito acumulativo que era potente nas últimas
tendências da música (KATZ, 1946, p. 291).
Figura 4a: Voiles (compassos 1 - 7) com a redução de Katz
Fonte: KATZ, 1946, p. 285.
15
Com isso a autora conclui que tais obras possuem particularidades próprias e é
necessária uma nova forma de analisar que possam lidar com problemas nos quais
novos sistemas dão origem1. (TREZISE, 2003, p. 163).
Seguindo esse pensamento Richard S. Park propõe a abordagem de Schenker e
busca na teoria dos conjuntos uma maneira de adaptar a linguagem de Debussy em
quatro itens: diatônico, cromático, tons-inteiros e octatônico. Esses elementos são
citados em obras como Jimbo's Lullaby e Feuilles mortes, que ilustram o uso e transição
desses materiais (GREEN, 1992).
Em uma breve análise localizamos as coleções citadas por Parks em Jimbo's
Lullaby. Na abertura da obra (figura 5), Debussy apresenta a coleção pentatônica de fá
no registro grave.
Figura 5: Jimbo's Lullaby (compasso 1 - 8)
Fonte: editado pelo autor.
A coleção de tons inteiros ocorre integralmente a partir da indicação um peu plus
mouvementé (figura 5a), trecho que vai do compasso 39 ao 46:
1 As for that perplexing ‘structural vagueness’, it will require nothing less than a (new) ‘form of analysis
to cope with the problems to which the new systems give rise.
16
Figura 5a: Jimbo's Lullaby (compasso 39 - 46)
Fonte: editado pelo autor.
Nos compassos seguintes (figura 5b) há um cromatismo em terças com o pedal
na nota re:
Figura 5b: Jimbo's Lullaby (compasso 47 - 48)
Fonte: editado pelo autor.
Em Feuilles mortes (figura 6) a coleção octatônica é utilizada nos acordes de lá
maior, re# maior, fa# maior e dó maior com um fragmento melódico. Esse trecho é
superposto com o acorde de la# meio diminuto:
17
Figura 6: Feuilles mortes (compassos 25 ao 30)
Fonte: editado pelo autor.
Sobre a coleção diatônica, Green critica a abordagem de Parks ao considerar
diatônicos trechos com características modais como o início de Canope (figura 7). Nele
Green alega que os acordes são claramente do modo dório, no entanto, Parks considera
a sequência pertencente a dó maior (GREEN, 1992). Indiferentemente da escolha
utilizada, há exemplos na literatura de Debussy, como em Clair de lune, e com isso não
vemos necessidade em aprofundar o assunto.
Figura 7: Canope (compassos 1 a 3)
Fonte: editado pelo autor.
Trezise conclui que mesmo a teoria dos conjuntos ter sido idealiza com o
propósito de analisar o repertório atonal, possibilita resolver problemas além dos
18
propostos para ela. No entanto, há riscos de uma visão unidimensional em uma análise
de Debussy na qual se descarte todos os pressupostos da tonalidade (TREZISE, 2003).
Com isso notamos que, indiferentemente da eficácia de cada análise citada, todas
descartam um atonalismo em Debussy e a utilização de materiais já vistos em outras
obras, como a de Stravinsky e Ravel. Portanto, se os elementos na música de Debussy
não possuem uma diferença analítica em relação à obra de seus contemporâneos, quais
foram os meios pessoais que possibilitam distinguir sua obra dos demais? A resposta
está na própria definição de análise musical que, segundo Dunsby:
[...] significa a tentativa de explicar os processos da obra em
determinadas composições, escolhidas mais propriamente por
representar certas características técnicas específicas - de gênero,
forma, estilo ou estrutura - do que pelo contexto histórico ou pela
significância (DUNSBY; WHITALL, 2004, p. 2).
A análise formalista nos mostrou ineficiente em nosso caso, pois como citado
acima, se debruça sobre a música buscando esclarecer sua lógica a partir dos elementos
da própria obra distanciando-se de contextos históricos, acabando por não esclarecer as
razões da idiossincrasia de Debussy.
Um caminho alternativo que valoriza os fatores históricos é proposto por Roy
Howat embasado em elementos além do escopo da análise formal, como o conceito da
proporção áurea2 (figura 8). Nessa figura abaixo a proporção ocorre no segmento AB
com a parte mais longa na esquerda, D marca uma proporção complementar com a parte
maior na direita e ao mesmo tempo uma própria proporção que divide AC (HOWAT,
1994).
2 A proporção áurea é documentada nos Elementos de Euclides como "razão extrema e média" - é a
divisão que corta um comprimento fixo de forma que a porção mais curta tenha a mesma razão para a
porção mais longa que a porção mais longa carrega para todo o comprimento. O valor exato da seção é
irracional, com suas casas decimais continuando indefinidamente; aproxima-se de 0,618 ...do
comprimento medido (HOWATT, 1994, p. 270)
19
Figura 8: Proporção áurea
Fonte: HOWATT, 1994, p. 270.
Outra característica que Howat aponta como única é a série Fibonacci
(0,1,2,3,5,8,13,21,34...) em que cada novo termo é a soma dos dois termos anteriores
sendo que cada dois termos sucessivos representam a proporção áurea para os números
inteiros mais próximos. O autor alega que essa forma de representar a proporção áurea
com números inteiros ocorre musicalmente em compassos, tempos, semitons e etc.
(HOWAT, 1994).
Uma aplicação desses conceitos é citada na obra Reflets dans l’eau no aspecto
melódico e na arquitetura das dinâmicas da obra. No início (figura 9) ocorre um
pequeno motivo de três notas composto por 3+2 semitons e os acordes são formados
pela proporção de 5+3 colcheias, ocorrendo no total a sequência Fibonacci: 2,3,5,8
(HOWAT, 1994).
Figura 9: Fibonacci em Reflets dans l’eau (compassos 1 e 2)
Fonte: HOWATT, 1994, p. 274.
20
Outra aplicação dessa teoria é citada em La mer a partir da influência da arte
japonesa, em especial o ukiyo-e3
redemoinhos de naruto4
(figura 10) de Ando
Hiroshige5. Ambas as obras possuem motivos de espiral e mar expressos através da
proporção áurea, mas no caso de Hiroshige o espiral está invertido 90º.
Figura 10: Redemoinhos de Naruto
Fonte: HOWATT, 1994, p. 282.
Já em La mer (figura 11) ocorre no início até dois compassos antes da figura de
ensaio 9 da partitura, nela vemos o início da seção em 6/8 (barra 31) e o ponto de virada
da forma arco6 até a figura de ensaio 7. Para Howat essas divisões possuem a proporção
áurea de 65: 107 e 66: 41 de pulsos, e o formato de espiral fica claramente audível no
final do exemplo (HOWAT, 1994).
3 浮世絵(うきよえ)
4 鳴門の風波 (なるとのふうは)
5 安藤 広重(あんどうひろしげ)
6 Trata-se de uma formal musical baseada na repetição em forma espelhada de todas as seções para criar
uma estrutura simétrica na maior parte dos casos em torno de um movimento central.
21
Figura 11: Esquema expondo a proporção áurea em La mer
Fonte: HOWATT, 1994, p. 281.
Os argumentos de Howat apontam para uma teoria grega com respaldo da arte
japonesa, procedimentos esses que dificilmente possuem relações visíveis. Seu
argumento reside no fato de:
Debussy, um ávido admirador de Arte japonesa, certamente teria conhecido esta
famosa impressão. Uma coincidência tão completa de composição e motivo em
duas artes (e continentes) diferentes, planejadas conscientemente por Debussy,
vai ao âmago da estética simbolista na qual Debussy mergulhou em seus anos
de formação (HOWAT, 1994, p. 281 e 282).
Sendo assim, verificamos que a literatura baseada na análise formalista de
autores como Werner Danckert (1950), Rudolph Réti (1961), Felix Salzer (1962), Adele
Katz (1945) e Richard S. Park (1989) nos aponta para uma abordagem que
conscientemente busca uma explicação sobre a idiossincrasia de Debussy apenas com o
conteúdo inerente na obra e não através de elementos históricos de sua vida. Esses
autores são extremamente bem-sucedidos em identificar os materiais da obra de
Debussy, mas sem contextualizá-los na razão de seu uso, acabam por não esclarecer a
22
originalidade e liberdade citadas acima, marcas que despertaram o interesse na música
de Debussy.
Considerando esta lacuna, de forma preliminar tentaremos entender essa relação
de afastamento dos elementos preponderantes da arte musical de sua época e indicar
possíveis elementos composicionais tipificadores e materializadores dessa relação
diferenciada. Para tal, utilizaremos a abordagem de Roy Howat (que analisa o objeto
musical a partir de sua história para identificar as motivações do compositor) e
partiremos de sua premissa de que houve uma influência da arte japonesa em Debussy
(apesar de não considerarmos existente a relação entre Hiroshige e Grécia, isso nos
aponta para a existência de tal influência), para realizarmos um levantamento dos dados
sobre a música japonesa que o compositor teve contato e como esse contato afetou sua
produção.
A noção de incorporação de elementos estrangeiros nos serviu de norte da
proposta deste trabalho com o conceito de iitoko-dori7 que, segundo Antonio Blat
Martinez:
[...] é geralmente definido como o ato de "incorporar o melhor (de
alguma coisa)". É importante notar que esta incorporação ocorre
harmoniosamente, destilando o elemento adquirido, integrando-o sem
atrito e tingido com o ethos japonês (MARTÍNEZ, 2016, p. 39).
Segundo Roger J. Davies e Osamu Ikeno em The Japanese Mind (1949), o
iitoko-dori nasceu de uma problemática no sistema político-social japonês. O Xintoísmo
regia os valores dessa sociedade e no século VI com a chegada e aceitação popular do
Budismo (e por consequência o Confucionismo) o Japão viu-se em um conflito, pois o
pensamento Budista colocou em risco fatos como o imperator possuir a condição de
divindade. No século VII o príncipe Shotoku declara que “o xintoísmo é o tronco, o
budismo é os ramos e o confucionismo são as folhas” (SAKAIYA apud DAVIES;
IKENO, 1949, p.103) fazendo com que contradições teóricas em diversos campos como
a religião e filosofia fossem aceitos em um mesmo país.
7 いいとこ取り
23
Os reflexos dessa mentalidade ocorreram em toda sociedade japonesa e na
tecnologia podemos citar o caso da fábrica da Tomioka como exemplo de transformação
que o iitoko-dori proporciona:
Em 1868, o Japão adotou uma nova técnica de fiação da França, e em
1873, uma fábrica modelo em Tomioka foi construída. Tudo foi
importado, não apenas o design e as máquinas, mas também os tijolos
para os edifícios, mesas, cadeiras, e assim por diante. Além disso,
técnicos franceses foram empregados e os trabalhadores japoneses
copiaram eles. Com o passar do tempo, eles tentaram "alcançar e
superar" os criadores de seus modelos adotados e, quarenta anos
depois, em 1910, os japoneses haviam melhorado o modelo francês e
foram capazes de exportar seda no exterior (DAVIES; IKENO, 1949,
p.103)
No campo da semântica também há traços que demonstram o impacto desse
pensamento tipicamente japonês. Em seu sistema de escrita temos o hiragana, katakana
e o kanji que apesar de sua complexidade, faremos uma modesta explicação de cada um
deles. O kanji é o sistema de ideogramas importado da China que representam ideias e
sentimentos na oração. Já o katakana possui a função de expressar onomatopéias e
palavras não japonesas. O hiragana é utilizado de forma mais ampla como em casos de
função gramatical ou na forma de grafar a leitura de kanji. Ou seja, a forma de se
expressar desse povo é resultante do iitoko-dori.
Outros exemplos desse pluralismo cultural resultante do iitoko-dori está no
cotidiano japonês com o kimono e o jeans no vestuário, o yakissoba vindo da China, a
arquitetura ocidental junto do tatami entre outros casos. E não podemos deixar de citar
as implicações musicais:
A música atual do Japão observa três direções predominantes: a
tradicional, presa a uma espécie de compromisso entre as antigas
fórmulas telúricas e as contribuições ocidentais no referente a formas
e instrumentação; segue-se a tendência moderadamente avançada
quanto a resultados, porém tecnicamente embandeiradas de Ocidente,
seja em suas contribuições genuinamente germânicas ou francesas; e
por último, a tendência radical extremista, que parte do
dodecafornismo e chega à música eletrônica (PAZ, 1976, p.464).
O alcance que esse modo de pensar e agir que atinge o Japão influência até hoje, pois
apenas 0,5% da população japonesa defendem não seguir nenhum tipo de iitoko-dori
(SAKAIYA apud DAVIES; IKENO, 1949, p.103).
24
Com isso, acreditamos que o iitoko-dori é um conceito amplamente difundido na
cultura japonesa que merece um aprofundamento em sua perspectiva inversa: o
ocidental apropriando-se do que é oriental.
OBJETIVO
O objetivo primário desse estudo propõe-se a identificar as relações de Claude
Debussy com a cultura e a música japonesa, dentro dos princípios norteadores do iitoko-
dori, através análise da obra reflet dans l’eau, em busca da potencial incidência desses
elementos constitutivos da música tradicional japonesa na estruturação dessa obra.
Como objetivos secundários, podemos considerar:
- discutir o rompimento dos códigos tradicionais da música ocidental por
Debussy
- identificar as relações formais do compositor com a cultura oriental e sua
música
- apresentar os elementos constituintes da música japonesa
- identificar os padrões de organização da música japonesa segundo o princípio
do iitoko-dori, objetiva ou subjetivamente empregados por Debussy na estruturação de
Reflets dans l’eau.
25
PERCURSO METODOLÓGICO
Para atingir os objetivos enunciados, o presente estudo propõe o percurso de
uma pesquisa transversal, fundamentando-se basicamente em aspectos da musicologia
histórica e da análise musical, procurando-se percorrer as seguintes etapas:
Pesquisa bibliográfica com o objetivo de construir argumentação teórica para a
fundamentação do texto que desenvolvemos, centrando-se em publicações
acadêmicos a respeito da música tradicional japonesa e suas características, em
Debussy e no impressionismo, com vistas a identificar sua história e
características, compreender os elementos da cultura japonesa contidos na vida
de Debussy;
Análise de Reflets dans l’eau. por se tratar de uma das obras que iniciaram o
impressionismo musical. Esta análise nos fornecerá quais os materiais utilizados
para a composição. Diante da problemática já citada sobre qual a ferramenta
analítica mais útil na obra de Debussy, compartilhamos do pensamento de
FREIRE (2010, p.44) que “por vezes, na área de música, existe a suposição
equivocada de que não se pode abordar uma obra, em pesquisa, sem fazer uma
análise formalista da mesma”.
Interpretação das informações obtidas para verificar a hipótese levantada, as
quais serão úteis para “aprofundar a compreensão a respeito de diferentes
ângulos de um mesmo fenômeno, ou seja, de melhor compreender as nuances ou
diferenças, sem pretender hierarquizá-las.” (FREIRE, 2010, p. 33).
A utilização da musicologia histórica se ocupará da ampliação do escopo de
possibilidades na compreensão da música de Debussy a partir do contexto
histórico-cultural que está inserida e a escolha por uma única ferramenta
analítica comprometeria a compreensão total da obra conforme afirma Regis
Duprat:
26
[...] relativiza-se o acolhimento a qualquer uma dentre as tendências
analíticas disponíveis, já que se recomenda que o próprio
comportamento analítico se configure de forma a não pretender
constituir, nem isolada nem integradamente com outras tendências
analíticas, nenhuma abordagem autossuficiente com pretensões a
explicar exaustivamente a obra musical. Relativiza-se, também, e
fundamentalmente, a própria pretensão da análise, de obter respostas
que não sejam meramente tecnocientíficas e que transponham a
barreira do sentido e do conteúdo essencial e profundo da obra
musical (DUPRAT, 1996, p. 57).
Com isso o estudo proposto busca uma reflexão qualitativa sem descartar
nenhuma ferramenta analítica que nos dê suporte para uma maior compreensão da obra
e seu contexto sócio-histórico-cultural realizando uma convergência entre musicologia e
análise musical, que conforme FREIRE (2010, p. 53) “existe uma real permeação
interdisciplinar entre esses dois campos”.
27
Capítulo 1 - Oriente e Debussy
A obra de Debussy já incitou inúmeros trabalhos envolvendo elementos da vida
do compositor e aparentemente o caso está encerrado. No entanto notamos a escassez de
material referente ao impacto da cultura oriental (em especial a japonesa) na obra do
mesmo e a necessidade de levantarmos tal tópico reside no fato de que esse músico foi
contemporâneo dos pintores do movimento impressionista (que receberam influências
da arte japonesa8) e mesmo que exista controvérsia sobre o devido enquadramento
estético atribuído a Debussy, é inegável a necessidade de averiguar tal fato.
Seu gosto pela arte oriental iniciou-se na infância com a loja de artefatos
chineses de seus pais.9 Durante a vida adulta existem algumas passagens comprovando
que “essa foi sua verdadeira paixão durante toda a vida” 10. (TREZISE, 2003, p. 11).
Relatos de Raoul Bardac e Dolly Bardac, pessoas próximas de Debussy, confirmam tal
paixão. Segundo Dolly:
Sua mesa de trabalho estava confusa com esses objetos familiares
essenciais, a maioria oriental, no qual era complementado por pinturas
japonesas nas paredes incluindo “A grande onda de Kanagawa” de
Katsushika Hokusai, do qual ele usou como a capa da primeira edição
de La mer11
. (ORLEDGE, 2003, p. 15).
Raoul Bardac lembra que "ele nunca saía para qualquer lugar se pudesse evitá-lo,
exceto para a livraria ou para as lojas que vendiam objetos chineses e gravuras" 12
.
8 Quando o Japão foi forçado a desenvolver relações comerciais com a Europa e a América, essas
estampas, podiam ser compradas por preços módicos nas casas de chá. Os artistas do círculo de Manet
estiveram entre os primeiros a apreciar as estampas e a colecioná-las avidamente. Viram nelas uma
tradição não-contaminada pelas regras e lugares-comuns acadêmicos que os pintores franceses lutavam
por eliminar. (GOMBRICH, 1999, p. 525).
9 Seu pai, Manuel Achille, filho de marceneiro, tinha na rue au Pain, 38, uma pequena loja de porcelanas
e objetos chineses, que faliu em 1865. (CANDÉ, 2001, p. 198).
10 If anything, collecting oriental artefacts was his true passion throughout his life.
11 His expansive desk was cluttered with these essential familiar objects, most of them oriental, which
were complemented by the Japanese prints on the walls–including Hokusai’s‘Hollow of the Deep-sea
Wave off Kanagawa’, part of which he used as the cover of the first edition of La mer.
12 ‘He never went out anywhere if he could possibly avoid it,except to the bookseller’s or to shops that
sold Chinese objets d’art and engravings’.
28
(TREZISE, 2003, p. 11). Outros objetos que merecem destaque são: um sapo de
madeira chamado Arkel que Debussy sempre carregou consigo13
e uma estampa de um
kingyo14
(figura 12).
Apesar do quanto esses artefatos tenham sido importantes para Debussy, Robert
Orledge acredita que “no final, apenas inspirou uma única peça de piano, Poissons d'or,
mas também forneceu um antídoto essencial para a mediocridade e a miséria do mundo
a seu redor, das quais ele frequentemente se queixava” (ORLEDGE, 2003, p. 11 e 12).
Acreditamos que o reflexo dessa paixão pelo Japão refletiu-se em uma das
pessoas mais importantes de sua vida, sua filha Claude-Emma chouchou Debussy
Bardac (1905-1919). Apesar de chouchou ser traduzido do francês como pet (mas na
relação entre pai e filha, como é o caso, com a conotação de “minha querida”),
coincidentemente é também traduzido do japonês como borboleta.
Os pressupostos acima, que atestam a relação entre o Oriente e Debussy, não são
surpreendentes, pois o impacto que a Exposição Universal de 1889 causou em Debussy
é bem conhecido e atestado em uma carta de 1895 do próprio compositor. De fato, em
missiva direcionada a Pierre Louys, o compositor comenta: “Você não se lembra da
música javanesa [...], capaz de expressar cada sombra de significado, mesmo as sombras
13 Dolly Bardac recalls.‘He was never parted from a big wooden toad, a Chinese ornament, called
“Arkel”...he even took it travelling with him’(TREZISE, 2003, p. 15).
Na cultura japonesa o kaeru possui um significado especial: significa tanto voltar (do verbo 帰る, かえ
る), quanto sapo (蛙, かえる). Devido a esse trocadilho, é comum carteiras ou porta-moedas com o
formato de sapo, ou usar um broxe de sapo para desejar que o dinheiro volte.
14 Kingyo (金魚) peixe vermelho ou dourado típico no Japão.
29
Figura 12: Museu “Claude Debussy” contendo o sapo "Arkel" e a estampa kingyo.
Fonte: Site www.seine-saintgermain.fr/en.
Acreditamos que o reflexo dessa paixão pelo Japão refletiu-se em uma das
pessoas mais importantes de sua vida, sua filha Claude-Emma chouchou Debussy
Bardac (1905-1919). Apesar de chouchou ser traduzido do francês como pet (mas na
relação entre pai e filha, como é o caso, com a conotação de “minha querida”),
coincidentemente é também traduzido do japonês como borboleta15
.
Os pressupostos acima, que atestam a relação entre o Oriente e Debussy, não são
surpreendentes, pois o impacto que a Exposição Universal de 1889 causou em Debussy
é bem conhecido e atestado em uma carta de 1895 do próprio compositor. De fato, em
missiva direcionada a Pierre Louys, o compositor comenta: “Você não se lembra da
música javanesa [...], capaz de expressar cada sombra de significado, mesmo as sombras
imencionáveis e que fazem nossa tônica e dominante parecerem fantasmas?16
”
(LOCKSPEISER, 1962, p. 115).
15蝶々(ちょうちょう).
16 “Do you not remember the Javanese music [...], able to express every shade of meaning, even
unmentionable shades and which make our tonic and dominant seem like ghosts”?
30
Essa relação com o Oriente (em especial o Japão), que ocorreu igualmente com
o impressionismo pictórico já citado, deixou diversas obras de Debussy em paralelo
com o mesmo movimento, tendo como ponto de partida Pagodes e Reflets dans l’eau17
.
(DEVOTO, 2003, p. 188). Entretanto nos questionamos se essa relação é apenas
extramusical ou se a própria música japonesa também exerceu uma parcela de
influência. Para explorar esta possibilidade, teceremos, preliminarmente, algumas
considerações sobre a questão do Exotismo e Orientalismo em música e, a seguir, nos
propomos a comentar informações relevantes sobre as Exposições Universais de 1889 e
1990 e a participação musical do Japão em ambas para um esclarecimento sobre essa
música.
17
In ‘Pagodes’, the slightly earlier D’uncahier esquisses, and ‘Reflets dans l’eau’ Debussy’s
impressionistic piano style is born.
31
Capítulo 2 - Exotismo e Orientalismo
A relação entre Ocidente e Oriente especialmente em música é anterior aos
pressupostos já citados e esse fascínio pelo não europeu é conhecido como Exotismo.
Nesse sentido, o exótico, do grego exotikó, tem significado primordial de
“estrangeiro”. Trata-se de algo “de fora”, de exo-, “lado de fora”. Desse entendimento
amplo, que inclui a noção de “estrangeiro, de outras terras”, no século XVII junta-se o
significado de “estranho, diferente, inusual’ e com esta conotação melhor se adaptou a
seu uso ao longo dos tempos até a presente data (VIRMOND; TOLON; NOGUEIRA,
2015, p. 375).
No entanto é importante notarmos que o exotismo não se limitava a Ásia e
retratou lugares distantes da Europa como, no século XIX, eram vistos continentes
como a África e mesmo países muito próximos, tais como a própria Espanha, mas que
não se reconhecia como pertencente ao núcleo civilizatório central da Europa.
Entretanto, em essência, a visão do exótico se dividia em dois “subgêneros”. À Ásia e o
oriente médio, incluindo o norte da África, o exotismo se conhecia como Orientalismo.
A América, particularmente o México, o Caribe e América do Sul, se enquadram no
puro exotismo.
Com maior carga representativa, o orientalismo foi mais detidamente explorado
pelos estudiosos em seus amplos aspectos sociais, culturais e econômicos. Para Edward
W. Said, “o Orientalismo é um estilo de pensamento baseado em uma distinção
ontológica e epistemológica feita entre ‘o Oriente’ e (a maior parte do tempo) ‘o
Ocidente’” (SAID, 1996, p. 14). Ou seja, “Orientalismo é visto como a maneira de os
ocidentais pensarem e estudarem o oriente: um conjunto de categorias e valores
baseados nas necessidades políticas e sociais do ocidente em detrimento das realidades
concretas do oriente” (VIRMOND; TOLON; NOGUEIRA, 2015, p. 375).
No que diz respeito ao Exotismo Musical, Ralph P. Locke define-o como uma
forma de representar lugares exóticos através de obras musicais (LOCKE, 2007, p. 478).
O autor ainda alega que a abordagem na literatura e nas artes visuais busca a
representação do exótico através de objetos estéticos do que no estilo e que, no caso da
música, a visão dos compositores é mais restrita a um léxico de dispositivos específicos
já determinados e até conhecidos pelo público, que remetem, de forma correta ou
32
incorreta, ao lugar citado (LOCKE, 2007, p. 479 e 480). Esse catálogo de ferramentas
pode ser resultado de atitudes empíricas ou não e se utiliza de dispositivos como
harmonias “primitivas”, modos não usuais, temas considerados como característicos,
ritmos e sonoridades instrumentais e, devido a isso, torna-se útil apenas para obras
instrumentais (LOCKE, p. 481 e 482). O caso desse processo empírico “permite que o
compositor distorça as normas estilísticas de sua própria tradição musical (até que elas
soem ‘diferentes’) ou possa até inventar um estilo surpreendente” (LOCKE, 2007, p.
482).
Ainda assim Locke busca uma compreensão mais ampla do Exotismo,
considerando-o como um fenômeno que incorpora a abordagem estilística, mas também
elementos extramusicais, como o enredo, palavras cantadas, cenários e figurinos no caso
da ópera. Nesse contexto o Orientalismo ocorre em obras como Le Désert de Félicien
David, Samson et Dalila de Camille Saint-Saëns e Madama Butterfly de Puccini.
Puccini utilizou melodias oriundas do Japão em sua ópera Madama Butterfly que
foram extraídas do Nippon Gakufu e de A Coleção de Música Japonesa para koto de
Rudolf Dittrich18 (HARA, 2003, p. 56). Nessas obras Dittrich arranjou para piano
melodias japonesas a partir do estilo musical ocidental, pois segundo Kunio Hara, o
reflexo de sua formação musical conservadora o impediu de romper com a linguagem
tonal da época 19 (HARA, 2003, p. 63). Na figura 13 pode-se ver um trecho do arranjo
de Sakura feito por Dittrich e a utilização de Puccini (figura 13a) que apenas alterou a
tonalidade para se ajustar a passagem ao contexto harmônico da ópera20 (HARA, 2003,
p. 66):
18
Rudolph Dittrich’s collections of piano arrangements of Japanese melodies, Nippon Gakufu (1894 and
1895), are two of the most significant source materials for Japanese music that Puccini consulted in his
creation of Madama Butterfly.
19
The predominantly Western musical style of Dittrich’s Nippon Gakufu, however,is perhaps best
understood as a manifestation of the composer’s musical background and the conservative leanings that
prevented him from breaking away from the tonal language of his time.
20 Puccini incorporates the melodic as well as harmonic structures of Dittrich’s “Sakura” in the same
scene (see Examples 18a and 18b). Dittrich’s melody is kept intact, including some expressive markings
such as the accent on the second half of the first two measures and the crescendo on the third measure of
the excerpt. Puccini alters Dittrich’s harmonies only slightly. The arpeggiated pizzicato accompaniment in
the ’cellos that lasts for two measures betrays the passage’s origin as a piano piece. The key is altered
33
Figura 13 - Sakura por Dittrich (compassos 5 ao 10)
Fonte: HARA, 2003, p. 106.
Figura 13b: Madama Butterfly (ato I, 5 compassos após o 75)
Fonte: HARA, 2003, p. 107.
from D minor to E minor, probably in order to accommodate a smoother transition from the previous
passage in A minor.
34
Apesar de Hara concluir que esses trabalhos “refletem o espírito do Japão Meiji,
que visava o ‘compromisso’ entre as culturas japonesa e ocidental em geral”21
(HARA,
2003, p. 61), consideramos que esse material fonte utilizado por Puccini já trazia um
olhar orientalista, pois a necessidade de harmonizar de maneira ocidental as melodias
japonesas acarreta numa tentativa de encaixá-las em um sistema musical “superior” ao
nativo das mesmas.
21
Nevertheless, Dittrich’s settings of the Japanese melodies in Nippon Gakufu reveal his deep
understanding of Japanese culture and music,and they reflect the spirit of Meiji Japan, which aimed for
the “compromise” between Japanese and Western cultures in general.
35
Capítulo 3. Japonismo
Devido à restauração do período Meiji (1868 – 1912), o Japão passou a utilizar
uma política de abertura para o exterior o que gerou um fluxo grande de exportação de
Ukiyo-e e outras Japonaiserie. O negociante de arte Tadamasa Hayashi (1853-1907) foi
o primeiro a viajar para França em 1878 e posteriormente tornou-se diretor da
Exposição de 1900. (FUNAYAMA apud PASLER, 1986, p. 274 e 275)22
.
A grande aceitação da arte japonesa por parte da Europa e especialmente a
França atingiu seu pico na Exposição de 1900 em um fenômeno chamado Japonismo e
foi principalmente associado ao grupo Apaches formado por artistas, compositores e
poetas como Maurice Ravel e Maurice Delage 23
(FUNAYAMA apud PASLER, 1986,
p.273 e 275). Apesar dessa popularidade do Japonismo em diversas manifestações
artísticas, a música tradicional japonesa quase nunca foi apresentada na Europa
(FUNAYAMA in PASLER, 1986, p. 275 e 276)24
.
Mas para Funayama, apesar de compositores como Debussy, Ravel e Satie que
presenciaram a Exposição de 1900 conhecessem apenas a música javanesa e pouco ou
22 In the mid-nineteenth century, the Meiji restoration ended the exclusionist policies had prevailed from
the middle of the seventeenth century, and Japan joined the three great international exhibitions that took
place in Paris in 1867, 1878, and 1900. After more than two centuries of national isolation, during which
only an infinitesimally small number of art objects had been exported in Dutch trading vessels, Ukiyo-e
prints and other "Japonaiserie' were taken overseas in large quantities. The art dealer Tadamasa Hayashi
(1853-1907), who first traveled to France in 1878, collected and sold literally hundreds oi thousands of
Ukiyo-e prints. He later became director of the 1900 exhibition.
23 "Japonisme'' a phenomenon that appeared in France in the latter hall of the nineteenth century, and
more directly, his relationship with the "Apaches," a group of Parisian artists, composers, and poets
(induding Maurice Ravel and Maurice Delage).
24 Arguably, Japonisme reached its peak m France with the great international exhibition held in Paris in
1900. Ukiyo-e's influence upon Edouard Manet, Claude Monet, and other members of the impressionist
school, as well as upon other leading artists such as Van Gogh, Gauguin, and Toulouse-Lautrec, has been
studied in detail by Japanese art historians. In contrast, the question of Japonisme in music has been
almost completely overlooked. Whereas Japonaiserie in its manifold forms was introduced into Europe on
occasions like the three great international exhibitions, Japanese traditional music was almost never
performed in Europe.
36
quase nada a japonesa, dificilmente não receberam influencias do Japonismo, pois era
um fenômeno forte sobre a cultura europeia como um todo na época (FUNAYAMA in
PASLER, 1986, p. 276) 25
. Esse fato reforça novamente a ideia de que a arte japonesa
sempre foi um elemento recorrente na vida de Debussy mesmo que não encontremos
relatos que citem a presença do mesmo na Exposição Universal citada.
Jessica Elizabeth Stankis em Maurice Ravel as Miniaturist through the Lens of
Japonisme (2012) utiliza o Color Counterpoint26
(ou “contraponto de cores” em
tradução livre) como uma ferramenta de análise metodológica do japonismo e
especialmente a relação do Ukiyo-e em Ravel. Seguimos com a definição dessa técnica:
Embora a música seja uma forma de arte que se desdobra ao longo do
tempo, a exigência auditiva ao ouvir o contraponto de cores de Ravel
é análoga a mover os olhos para diferentes caracteres visuais nas
impressões em xilogravura para ter uma noção intuitiva do todo sem o
auxílio de pontos de fuga claros. Embora semelhante às “variações
simultâneas” encontradas no contraponto heterofônico de cores de
Debussy em La Mer, o contraponto de cores de Ravel é definido por
um maior senso de intensidade e independência das imagens sonoras -
assim, um maior sentido de detalhe miniaturista em curtos intervalos
de tempo musical (STANKIS, 2012, p. 28).27
Os conceitos acima são aplicados por Stankis na obra Le grillon (figura 14),
segunda peça de Histoires naturelles composta em 1906 por Ravel com letra de Jules
25
French musicians who attended the 1900 exhibition, such as Debussy, Satie, Ravel, and Chabrier, were
deeply moved upon hearing Indonesian gamelan music, but they had no knowledge whatsoever of
Japanese music. However, these musicians could scarcely have remained unaffected by the phenomenon
of Japonisme that was exerting such a strong influence upon European culture as a whole at the time.
26 Aqui é estabelecida uma analogia dessa técnica ao klangfarbenmelodie e a técnica de montagem e
colagem. [The idea is somewhat reminiscent of Anton Webern’s pointillistic interpretations of
Schoenberg’s Klangfarben principle.Colorcounterpoint is also similar to collage and montage techniques
ubiquitous in twentieth-century art (STANKIS, 2012, p. 26)].
27Although music is an art form that unfolds over time, the aural requirement in listening to Ravel’s color
counterpoint is analogous to moving the eyes to different visual characters in the woodblock prints to get
an intuitive sense of the whole without the aid of clear vanishing points. While similar to the
“simultaneous variants” found in Debussy’s heterophonic counterpoint of colors in La Mer, Ravel’s color
counterpoint is defined by a greater sense of intensity and independence of sound images—thus, a greater
sense of miniaturist detail in short spans of musical time.
37
Renard. Na análise dos oito primeiros compassos a autora considera que o trecho é
composto por texturas formadas de pequenos sons e gestos pontilhistas justapostos em
camadas simultâneas (STANKIS, 2012, p. 28 e 29).28
Figure 14: Le grillon (compassos 1 a 8)
Fonte: STANKIS, 2012, p. 29.
Os fragmentos marcados no exemplo acima são denominados como “traços
sonoros” (sound strokes) em uma analogia a caligrafia japonesa, aonde os kanjis29
são
justapostos verticalmente ou horizontalmente. O exemplo citado (figura 14a) é da
palavra ongaku (música) formada por on (音 - som) e gaku (楽 - conforto/comodidade):
28
Consider the first eight measures of Ravel’s “Le grillon” (The cricket) from Histoires naturelles de
Jules Renard (1906). The texture is crafted by sound pockets and pointillistic gestures that are juxtaposed
and arranged in simultaneous layers—a textural counterpoint related to yet distinct from tonal
counterpoint.
29漢字 um dos três sistemas de escrita da língua japonesa formado por caracteres importados do chinês.
38
Figura 14a: Maneiras de organizar kanjis
Fonte: editado pelo autor.
Fica evidente uma nova utilização do material sonoro distinto do uso tradicional
e apesar de bem refutada, consideramos essa abordagem demasiadamente abstrata, os
argumentos acima não possuem nenhum precedente específico na música japonesa e
mesmo com todo o fascínio gerado pelo Ukiyo-e, a música foi uma manifestação
constituinte desse momento histórico como é visto no relado de Jirohachi Satsuma, que
organizou para os Apaches um recital de shamisen com execução Sakichi Kineya.
Segue o relato de Satsuma:
Eu imediatamente consultei Ravel e Delage, e decidi dar uma festa de
boas-vindas para Sakichi e sua esposa na casa do pianista Gil-
Marchex. Sakichi se apresentou em um cobertor vermelho cercado por
uma tela dobrável dourada. Ravel e Delage ficaram encantados com a
performance (FUNAYAMA apud PASLER, 1986, p. 278)30
.
Portanto para adquirirmos uma real compreensão sobre essa música,
consideramos necessário um aprofundamento nos conceitos e elementos que a
constituem.
30 I immediately consulted Ravel and Delage and decided to hold a welcome party for Sakichi and his
wife at the home of the pianist, Gil-Marchex. Sakichi performed on a red blanket surrounded by a golden
folding screen. Ravel and Delage were enthralled by the performance.
39
Capítulo 4 - A música japonesa sob um olhar outsider.
4.1. A Exposição de 1889
O interesse europeu pela Ásia passa a crescer com as Exposições Universais31
que ocorreram em Paris em 1889 e 1900, sendo que a primeira foi a pioneira a fornecer
ao público ocidental uma impressão das manifestações culturais não europeias. Os
países com a chamada cultura “exótica” foram apresentados quase como “zoológicos
humanos” e isto deixa claro como esse mecanismo foi utilizado para reforçar o
sentimento de superioridade cultural através de uma percepção ocidental e branca sobre
o Outro (YOUNG, 2008, p. 353). Entretanto, no que tange a música, não se pode negar
que esta oportunidade, ainda que com um forte viés imperialista, permitiu uma
aproximação, talvez não prevista, das experiências e das características musicais do
oriente, ou do Outro, com uma população ocidental pouco atenta, por motivos
compreensíveis, com esta cultura musical.
Anik Devriès (1977) cita o desinteresse por parte da impressa a respeito da
música na exposição:
Os relatos de testemunhas e jornalistas publicados pela imprensa
parisiense da época: Le Ménestrel, La Vie Parisienne, Le Figaro, Le
Temps, Les Billets du Matin, Art & Critique fornecem uma imagem
nítida e claro anedótica desta exposição. [...] Os artigos de imprensa,
raramente escritos por músicos, se relatam fatos interessantes sobre a
organização, os eventos, os programas da exposição, dão somente
indicações vagas no nível musical. (DEVRIÈS, 1977, p. 25).
No entanto houve algumas tentativas de registrar os fenômenos musicais da
exposição como a de Julien Tiersot, que na obra Musiques pittoresques: Promenades
musicales à l’exposition de 1889 o próprio autor assume os desafios e a imperfeição na
transcrição de tais motivos musicais:
Não tenho o mínimo problema em reconhecer que os motivos acima
nos dão uma ideia imperfeita do caráter alegre e ruidoso da música
annamite como ela apareceu nas representações, para a generalidade
dos espectadores. Escritos de cabeça limpa, sob o ditado do músico
indígena na doçura de uma bela manhã de junho, levou, assim, um
31
Apesar do pluralismo cultural dessas Exposições Mundiais, o Impressionismo possui relação direta com
o Japão. Devido a esse fato, no presente trabalho será descarta manifestações do Extremo-Oriente ou
outras localidades.
40
caráter mais calmo; mas, no teatro, essa inundação de notas caindo
rapidamente e com um tipo de fúria foi muito evasiva, e duvido que
qualquer músico teria sido qualificado o suficiente para anotadas
exatamente. Teria exigido pelo menos o fonógrafo! (TIERSOT, 1889,
p. 17).
O relato de Tiersot engloba a música russa, norueguesa, espanhola, javanesa,
árabe, romena e alguns países africanos. Segue abaixo as impressões do autor sobre uma
orquestra de Gamelão:
[...] com exceção de um único instrumento de arco, o rebab, um tipo
de violino de duas cordas, com um pescoço longo e muito esguio e um
estojo curiosamente trabalhado, todos os instrumentos do gamelang
são atingidos por martelos ou tampões: o gambang, uma espécie de
xilofone, formado por lâminas de madeira vibrantes; o saron-barong,
diferente do anterior em que as chaves são em metal sólido, liga de
cobre e estanho, e não em madeira; o bonang-ageng, composto de
bacias de metal apoiadas em cordas apertadas, atingido por uma
almofada envolta em pano (este parece ser o principal instrumento do
gamelang, é pelo menos aquele cujos sons são mais percebidos; forma
uma espécie de família, porque se subdivide em dois instrumentos, um
grave e outro agudo); depois, gongos de várias espécies e tamanhos,
até o maior, todos notáveis, embora às vezes muito sérios, e
sintonizados na forma de tímpanos. (TIERSOT, apud DEVRIÈS,
1977, p. 35 e 36).
Houve também a abordagem de Louis Benedictus, que transcreveu para piano
algumas dessas músicas no álbum de peças intitulado Les Musiques Bizarres A
L’exposition publicado pela G. Hartmann et Cie. (figura 15). Nesse caderno foi inserido
um desenho da nação citada e em seguida a transcrição da música desse país. Notamos
aqui uma proposta de maior cunho artístico do que um registro propriamente
musicológico.
É interessante notarmos a presença do Japão apenas em Les Musiques Bizarres A
L’exposition (figura 15a) que infelizmente não traz nenhum relato sobre como ocorreu a
performance nipônica. No entanto em Livre d’or de l’Exposition, verificou-se relatos da
participação do Japão na Horticultura, na História da Habitação e uma breve descrição
da música. Segue abaixo um desses relatos:
A música japonesa é representada por uma série de instrumentos
bizarros que certamente teriam um desempenho ruim na “nona”, como
41
os alemães chamam a obra-prima do imortal Beethoven. Apesar disso,
eles não são sem charme, embora um pouco "dança do ventre", as
melodias do Japão. Um encanto triste, cuja melancolia é aumentada
pela repetição das mesmas palavras na música. (HUARD, 1889. p.
615)32
.
Figura 15: Capa de Les Musiques Bizarres a L’exposition
Fonte BENEDICTUS, Louis, 1889, p. 78.
32
La musique japonaise est représentée par une série d'instruments bizarres qui, certes, exécuteraient mal
la neuvième, comme disent Ies Allemands pour désigner le chef-d’œuvre de l'immortel Beethoven.
Malgré cela, elles ne sont pas sans charme, quoique un peu "danse du ventre", les mélodies du
Nippon. Charme triste, dont la mélancolie s'augmente de la répetition des mêmes paroles dans le
chant.
42
Figura 15a: Index contendo as obras do livro
Fonte BENEDICTUS, 1889, p. 79.
43
4.2. A Exposição de 1900
Em 1900, Paris recebe novamente grupos de artistas do oriente em uma
Exposição Mundial. Diante dessa ocasião, Tiersot mais uma vez se debruça no desafio
de relatar o ocorrido e demonstra os resultados em Notes d’Ethographie Musicale
(1905). Nessa obra, é relatada a música das seguintes localidades: Japão; China e
Indochina; Índia; Ásia Central e Armênia e Arábia.
A participação do Japão ocorreu durante toda a Exposição, 15 de abril a 12 de
novembro de 1900 e os principais relatos foram de Judith Gautier e Julien Tiersot a
respeito do teatro, dança e música.
4.2.1. O teatro e a dança japonesa
O teatro japonês foi representado por Kawakami Sadayakko33
o ou Sada
Yacco (figura 16) como era conhecida, que adaptou seu espetáculo para o gosto
ocidental pelo exotismo (WRIGHT, 2001, p. 27). Sua passagem pela França causou um
impacto nos artistas do simbolismo como Stéphane Mallarmé, que identificou relação
nos preceitos dramáticos da artista japonesa e sua própria filosofia estética que foi
descrita por Charles Morice como “a suprema celebração e síntese da arte e de todas as
artes” (BERG, 1995, p. 375 e 376). A associação feita por Mallarmé é correta, pois no
teatro Kabuki34
de Sadayakko ocorre:
a "síntese das artes", uma fusão de texto, cenografia, música e
movimento, de uma forma irrealista para produzir seus efeitos. Sinais
e símbolos são centrais para o conceito de performance kabuki: flores
de cerejeira podem evocar a efemeridade da vida, um leque pode se
tornar mar, lua ou montanha, dependendo do contexto da peça (BERG,
1995, p. 376).
Apesar do grande impacto e fama que sua performance causou, tal atitude de
adaptação citado acima acaba descaracterizando sua arte em relação a manifestação
musical “autêntica” do Japão como afirma Julien Tiersot:
33川上 貞奴 (かわかみさだやっこ).
34 歌舞伎 (かぶき)
44
As performances da Sra. Sada Yacco, cujas turnês tiveram tanto
sucesso não só na Exposição de Paris, mas no resto da Europa e
América, são sem dúvida uma interessante manestação da arte
japonesa, mas de uma arte muito moderna: elas não podem nos dar de
forma alguma uma idéia do teatro no Japão como era feito até o século
XIX(TIERSOT, 1905, p. 23).
Figura 16: Kawakami Sadayakko
Fonte: BERG, 1995, p. 361.
Pelo fato de não ser musicista, Gautier abordou de maneira geral as danças (em
especial a atuação de Sadayakko) e as transcrições musicais foram solicitadas a Louis
Benedictus que realizou um trabalho semelhante ao de 1889 no qual não houve nenhum
detalhamento sobre seus procedimentos. De qualquer maneira, consideramos relevante
conhecermos suas impressões sobre a música japonesa:
45
Quanto à música que acompanha as danças, tocada no Koto, é muito
difícil elogiá-la. A música japonesa precede da música chinesa; mas
ela nos parece muito degenerada. Só se ouvem guinchos escassos,
vozes estranguladas miando de aflição. No entanto, quando
conseguimos notar a melodia, ela parece mais bonita e bem construída
do que se acreditava. É que os instrumentos japoneses que o executam
são particularmente ingratos: Shamisen, Biwa, Koto e o Kokyū não
soam uns melhores dos outros (GAUTIER, 1900, p. 22).
Em tom elogioso, Tiersot relata algumas impressões sobre a dança japonesa:
Esta é uma das coisas mais bonitas que mostramos nos shows exóticos
que recebemos em Paris. As danças das garotas japonesas da
Exposição de 1900 nos deixaram uma impressão de arte fina e
delicada que, em um tipo diferente, pode ser colocada em paralelo
com a das mulheres javanesas de 1889.
Seus próprios nomes têm uma poesia saborosa e ingênua35
. Um é
chamado "Salgueiro-chorão" (Diu); outro, pedra preciosa (Tama);
então "Primavera" (Arou),. Borboleta (Tio), Aurora, fio de seda "tem
Prosperidade, e também" Crisântemo (Kikou) a Madame Crisântemo
do romance, talvez! (TIERSOT, 1905, p.7)
4.2.2 A música japonesa
A música é descrita como leve com ritmos vagos e notas fugazes. Os desafios
em reconhecer uma forma musical específica foram:
[...] porque o que caracteriza essas formas musicais é que, em vez de
serem compostas de motivos curtos e repetidos incessantemente,
como é o caso usual de canções populares, elas acontecem de uma
ponta à outra, indefinidamente renovada. (TIERSOT, 1905, p. 7 e 8).
Os intrumentos utilizados foram o koto e shamisen e receberam a classificação
como da família das cordas pinçadas. De importância capital para essas músicas, o Koto
é descrito como um instrumento com um tampo harmônico largo e estreito com treze
35
Provavelmente Gautier e Tiersot não tiveram acesso ao sistema Hepburn (ヘボン式, Hebon-shiki),
sistema de romanização do japonês iniciado em 1867com a publicação do Shūsei Hebon-shiki ( 修正ヘボ
ン式) pelo reverendo James Curtis Hepburn Com isso, segue a escrita apenas das palavras que foram
traduzidas: salgueiro-chorão 柳 (りゅう); pérola 珠 (たま); primavera 春 (はる); borboleta 蝶(ちょう);
crisântemo 菊(きく).
46
cordas a partir de um sistema pentatônico de modalidade menor sem semitons36
. Toca-
se utilizando dedais de marfim chamado Tsume37
para beliscar as cordas. Segue abaixo
(figura 17) a afinação descrita por Tiersot em notação ocidental:
Figura 17: Afinação Hirajōshi do Koto
Fonte: TIERSOT, 1905, p. 9.
O shamisen é comparado a um alaúde em seu formato (uma caixa de ressonância
estreia de formato triangular38
acoplada em um longo braço que recebe suas cordas) e
na forma de tocar. Possui três cordas afinadas em quartas, sendo que a terceira
corresponde a mais grave do koto. Consideramos relevante esclarecermos alguns pontos
sobre a afinação do shamisen.
Segundo TAMBA (1988, p. 21 a 23), esse instrumento possui três formas de
afinar: honchôshi, niagari e sansagari (figura 18)39
. Quando ocorre a execução junto ao
koto em hirajôshi, deve afinar o shamisen em honchôshi ou niagari (figura 18a).
36
Existem doze formas de afinar o Koto e essa afinação chama-se Hirajōshi ( 平調子 , ひらじょうし)
ou “afinação padrão” (TAMBA, 1988, p. 11). Cabe a nós refutarmos tal escrito, pois o próprio exemplo
do autor nos mostra uma escala contendo semitons.
37爪 (つめ).
38
Não foi encontrado nenhum relato na literatura especializada de um shamisen triangular, apenas no
formato retangular.
39本調子 (ほんちょうし) ou “afinação base”. 二上がり (にあがり) ou “subir a dois”, pois nessa
afinação altera-se a segunda corda um tom acima em relação a honchôshi. 三下がり(さんさがり ou
“baixar a três”. Nesse caso a terceira corda é contraída em um tom abaixo da honchôshi.
47
Figura 18: Afinações do shamisen
Fonte: TAMBA, 1988, p. 21.
O shamisen é tocado pressionando as cordas com a mão esquerda através do
braço do instrumento e atacadas com um grande plectro triangular chamado bachi40
que
pode ferir golpes ascendentes (com menor ressonância e menos frequência de uso) e
descendentes (de maior ressonância e com maior frequência de uso).
Figura 18a: Modos de afinar o shamisen junto ao koto
Fonte: TAMBA, 1988, p. 23.
A interação desses dois intrumentos é feita quase sempre em uníssono ou oitava
com cordas duplas gradativamente. Há também a inclusão de cantos descritos como
discretos miados e Tiersot atesta que apenas pode notar tais nuances executadas
separadamente (TIERSOT, 1905).
As etapas do registro musical ocorreram de três formas: audições na platéia para
uma compreensão geral da música; audições nos bastidores para um contato direto com
40撥( ばち).
48
os instrumentos; entrevista com os músicos, na falta de um sistema seguro de
estenografia musical41
.
As diferenças da música japonesa para a ocidental criaram problemáticas na
notação musical. Por exemplo, nos aspectos melódicos do shamisen as notas
descendentes foram consideradas com maior valor melódico que as descendentes, por
isso, em sua notação foram utilizadas notas grandes para as descendentes e notas
pequenas para as ascendentes (TIERSOT, 1905).
Nos aspectos rítmicos houve a omissão da barra de compasso e apenas o uso de
barras duplas ou simples para demarcar períodos, pois:
O uso da barra de compasso é o produto de uma necessidade um tanto
convencional, peculiar à música ocidental e moderna (sabemos que ela
remonta pouco além do fim do século XVI). A música japonesa, como
a maioria destas músicas exóticas, é de um ritmo muito flutuante para
que seja necessária incluí-la dentro desses limites muito rigorosos
(TIERSOT, 1905, p. 11).
A coleta da música em forma de notação ocidental ocorreu nos bastidores
entrevistando os músicos. Uma delas chamada “pérola” auxiliou no processo, repetindo
os fragmentos musicais diversas vezes para qualquer correção e maior precisão. Esse
trabalho resultou no registro de três danças: “O leão Ichigo42
” (figura 19), “Cesto de
flores43
” e “Coleta do sal44
”.
41
A “música e estenografia envolvem a escrita de sons e o sistema estenográfico moderno coloca
fonemas da fala em escalas, que vagamente se assemelham à escalas musicais. No entanto, até onde
sabemos, não existe na literatura um método estenográfico para a notação musical” (PENTEADO;
FORNARI, 2015 ,p. 3).
42一護獅子(いちごしし).
43花筐(はながたみ). Essa peça noh tem o título erroneamente traduzido como “dança da borboleta”.
44 Segundo Akira Kinoshita no site The noh, trata-se de uma releitura de uma lenda antiga e segue a
estrutura de um Kyōjo-mono (狂女物, きょうじょもの), ou seja, "história de uma mulher louca".
Contendo: separação, loucura, viagem, dança da loucura, reunião de namorados e final feliz.
49
Figura 19: Transcrição da melodia de "O leão Ichigo"
Fonte: TIERSOT, 1905, p. 11.
Na primeira dança “O leão Ichigo”, foi considerado o uso do modo dório (de Mi
a Mi com centro em Lá) como material utilizado havendo uma transposição uma quarta
acima no segundo período (de ré a ré com centro em lá) e outra quinta acima na metade
do quarto perído (Si a Si com centro em Mi).
A segunda melodia “Cesto de flores” considerou-se o modo hipodório ou eólio
(menor natural, sendo a tônica ao mesmo tempo fundamental e centro). Devido a seu
caráter leve e rápido, essa melodia causou desafios na notação fazendo com que o Dó˜,
que foge do aceito pela teoria musical ocidental, fosse motivo de dúvidas no resultado
grafado.
Em “Colheita do sal”, a terceira melodia coletada, Tiersot caracterizou a
mudança de um andamento rápido para um lento a maior diferença entre a segunda e a
terceira melodia e ambas possuem uma mistura de hipodório e dório com a tônica em
comum.
50
4.2.3. Considerações gerais sobre a música japonesa
A música japonesa diversas vezes foi comparada a música grega e moderna,
devido a seu caráter modal e pela falta de afinidade harmônica típica da música tonal
européia. Sua justificativa reside no fato de que tanto a música grega, moderna e
japonesa possuem a base nos intervalos de quarte e quinta. No caso do koto, a própria
constituição do instrumento demonstra tal fato:
A observação feita sobre esta incessante oscilação do tom principal
com seus tons vizinhos é materialmente confirmada pela construção
de koto. Vimos que as primeiras cordas deste instrumento são a partir
do grave, uma quinta (lá e mi). Por outro lado, após uma sucessão de
notas ascendentes pertencentes essencialmente ao tom de lá menor, a
nota do extremo agudo é si, dominante de mi. As duas quintas lá e mi,
mi e si são, portanto, já dadas pela própria afinação do instrumento
(TIERSOT, 1905, p. 12).
O musicólogo também ressalta o uso extensivo da pentatônica (tanto a
anhemitônica como a hemitônica) como característica da música oriental e apesar dessa
escala ser relativamente simples, devido a técnicas como glissando45
no shamisen e a
alteração das alturas devido à pressões nas cordas pela mão esquerda no koto46
, a
música japonesa é a prova da elasticidade das teorias musicais (TIERSOT, 1905, p. 13).
Houve a impressão de tal música ser o resultado da sucessão arbitrária de notas,
pois intervalos como os de sétimas, nonas e trítonos são utilizados sem resolução.
Mesmo com essa impressão inicial, a inteligibilidade é atestada abaixo:
Continuando a análise, poderemos distinguir nestas músicas dois
caracteres bem definidos. Por um lado, uma série de notas que
parecem quase aleatoriamente colocadas. Não importa, temos como
confirmação a perfeita naturalidade com que os intérpretes executam;
são esses desenvolvimentos artificiais, essas fórmulas, como são
conhecidas por todas as artes eruditas, pura especulação de teóricos.
45
Essa técnica na nomenclatura do shamisen é denominada como koki (コキ). 46
Essa técnica na nomenclatura do koto é denominada oshide (押し手, literalmente empurrar a corda
com a mão).
51
Por outro lado, temas de uma forma melódica clara e expressiva
(TIERSOT, 1905, p. 15).
Mas é esse fato que acaba gerando o “sabor terroir47
” típico do japonês e “dá
origem aos aspectos cintilantes da música dos povos do Extremo Oriente, de acordo
com o das suas artes em geral e da sua própria aparência física” (TIERSOT, 1905, p.
14).
Gautier nos apresenta um trabalho superficial a respeito da música japonesa que
descreve e Tiersot apesar de citar o “sabor terroir” dessa arte e nos alertar sobre a
importância do estudo sistemático através do trabalho de campo, o uso do fonógrafo e
de uma ferramenta de notação mais precisa, o mesmo demonstra um posicionamento
semelhante ao de Gautier quando alega que “a música do Japão está longe de ter
atingido o alto nível que as outras artes (pintura, escultura e arquitetura) têm”
(WRIGHT, 2001, p. 30).
Acreditamos que tal postura seja resultado do olhar ocidental sobre a música
oriental conforme Akira Tamba nos mostra:
O perigo a espreita do esteticista está em aplicar as formas artísticas
“estrangeiras”, os critérios de julgamento por meio dos quais ele
avalia as produções artísticas “familiares”, sem perceber que a
validade de seus critérios é limitada ao campo cultural que gerou os
mesmos (TAMBA, 1988, p. 307).
Dessa forma concluímos que, independentemente dos esforços no registro da
performance nipônica, os dois músicos franceses não a compreenderam pois realizaram
um trabalho de caráter apenas descritivo sempre apoiado em conceitos e valores
ocidentais (como no caso das analogias da música japonesa com a grega) gerando assim
um relato distorcido sobre o real significado dos símbolos dessa música.
Podemos afirmar também que tais Exposições abriram caminho para pesquisas
cada vez mais sistemáticas a respeito da música oriental buscando sair do ponto de vista
do Orientalismo, mas apenas elas não fornecem o material necessário para
compreendermos de forma mais clara essa manifestação musical.
47
Segundo Jorge Tonietto, a palavra vem da enologia e não possuí tradução exata. Exprime a interação
entre o meio natural e os fatores humanos (TONIETTO, 2007).
52
Capítulo 5 - A música japonesa sob um olhar nativo
Em Aesthetics in the Tradicional Music of Japan (1976) Akira Tamba faz
algumas reflexões sobre a música japonesa em seu âmbito estrutural, social e estético.
Para o autor, o histórico de no mínimo dez séculos faz com que qualquer tentativa de
definição estética dessa música seja através de vaguezas generalizadas e o mesmo não
ocorreria se o escopo analítico fosse outro como a música francesa (TAMBA, 1976, p.
3).
Poderíamos argumentar que a música ocidental também é resultante de alguns
séculos e com isso, haveria os mesmos problemas na delimitação estética. No entanto,
em seu argumento Tamba (1976) alega que a música ocidental possui períodos bem
delimitados de estética e há uma característica que separa esses dois casos e ainda nos
permite determinar os princípios estéticos que regula a música japonesa:
Ao contrário da música francesa, ela (a música japonesa) depende não
do compositor, mas das regras de um gênero musical há muito
estabelecido e, portanto, não está sujeita às variações trazidas pela
perspectiva estética de um indivíduo (TAMBA, 1976, p. 4).
Com isso, é necessário um esclarecimento sobre as formas musicais ligadas a
essa estética e para isso, três características básicas que ocorrem em praticamente toda a
tradição musical do Japão e iremos separá-las apenas para fins didáticos: a conexão
entre música e sociedade, o estaticismo/ritualismo musical e o modo composicional
baseado em padrões.
5.1. Modo composicional baseado em padrões.
A forma de compor a música tradicional japonesa é resultado da influência de
duas formas musicais importadas no século IX e X pela aristocracia nipônica: o Shômyô
(声明 しょうみょう) e o Gagaku (雅楽 ががく) 48
(HILL, 1982).
48
Two forms both of which were adopted by the aristocracy of the 9th and 10th centuries after they had
been imported from the Asian mainland, will first claim our attention. These are the Shômyô, the
Buddhist liturgical chant, and the Gagaku, instrumental music accompanied by songs and dances.
53
Segundo Jackson Hill em Ritual Music in Japanese Esoteric Buddhism Shingon
Shōmyō (1982), “o Shômyô é uma forma de canto budista formada por uma colcha de
retalhos a partir de cinquenta fórmulas melódicas pré-determinadas” (HILL, 1982, p.
30) 49
. É possível identificar alguns padrões na peça Nyôraibai50
que Hill exemplifica
com a notação tradicional e uma transcrição ocidental (figura 20). Esse método
composicional baseado em padrões melódicos acaba influenciando a música vocal
desde saibara51
ao koto52
(TAMBA, 1976, p. 5)53
. Segue a explicação desse método
dentro da composição e aprendizado:
Essas células são constituídas previamente por microestruturas que
funcionam como unidades de composição. Sua justaposição,
controlada por regras de arranjo sintagmático (dependência) que
atribuem a cada classe de células uma função no discurso musical,
garante o desenvolvimento de uma peça. Os novatos são, portanto,
obrigados a começar aprendendo todas as células rítmicas e melódicas
que constituem as unidades mínimas comuns a todos os compositores
e intérpretes, de alguma forma seu vocabulário coletivo. Um músico
japonês não inventa essas células mais do que um escritor inventa suas
palavras para escrever uma peça ou um romance. Certamente estas
células apresentam algumas variações de acordo com as escolas de
noh, mas estas permanecem limitadas às modulações que toleram o
protótipo celular ou célula inicialmente memorizada que deve sempre
permanecer identificável. Existe, portanto, uma margem de flutuação
determinada por restrições psico-fisiológicas de reconhecimento
perceptivo (TAMBA, 1988, p. 314).
49
As is characteristic of the most elaborate Buddhist music in other parts of Asia, these chants of the
shomyo type are made up of a patchwork of up to fifty stereotyped melodic formulas, some of which
exhibit considerable complexity.
50 如来唄 (にょうらいばい)
51催馬楽 (さいばら)
52琴 (こと)
53 Thus the method of composition based on melodic patterns which was adopted in the Shômyô was to
have a considerable influence on Japanese vocal music from the Saibara to the Koto.
54
Figura 20: Nyoraibai (notação tradicional e ocidental)
Fonte: HILL, 1982, p. 30.
Esse processo de compor através de padrões melódicos é notado também na
música para koto. Tomemos como exemplo a obra tsuru no koe54
e a mnemotécnica
54鶴の声 (つるのこえ)
55
kōrorin55
. Essa peça foi composta por Tamaoka Kengyō para voz, shakuhachi, shamisen
e koto, sendo que nos fragmentos da partitura (figura 21) estão ordenados da esquerda
para direita: shamisen, voz e koto. Todos os casos de kōrori são executados pelo koto,
exceto pelo primeiro quadro (da esquerda para a direita), no qual a mnemotécnica
inicia-se na voz e é concluída no koto, demonstrando o extenso uso da mesma e nos
reafirmando o valor do modo composicional baseado em padrões.
Figura 21: kōrorin em tsuru no koe
Fonte:editado pelo autor.
Nosso segundo exemplo (figura 21a) pertence a obra rokudan no shirabe de
Yatsuhashi Kengyō 56
para koto, shamisen e shakuhachi, sendo a parte que cada
instrumento na partitura se encontra posicionada da esquerda para a direita
respectivamente. Os três compassos mencionados ocorrem consecutivamente logo no
início da peça, o que demonstra o uso recorrente do kōrorin como recurso
composicional abundante na literatura do koto.
55コーロリン.
56八橋 検校 (やつはちけんぎょう). Kengyō é um título honorário dado a músicos virtuosos cegos.
56
Figura 21ªa: kōrorin em rokudan no shirabe
Fonte: editado pelo autor.
Todas as ocorrências citadas do kôrorin nos mostra um procedimento que
influencia a composição, execução e audição de tais obras. No aspecto da composição
nota-se uma configuração estrutural constante: a divisão rítmica idêntica com o
contorno melódico descendente de três notas. Para o executante, essa ordem
descendente de três notas coincide com três cordas seguidas do koto, sempre executadas
com o polegar, esse procedimento facilita o aprendizado e memorização de uma peça
contendo complexos objetos sonoros (TAMBA, 1976). Por consequência, o ouvinte
reconhece tais padrões e diante da familiaridade, refina sua apreciação pela obra
compreendendo-a de maneira mais clara.
Apesar de haver um tipo de transposição ao executar a mesma técnica em outras
cordas, a relação é estabelecida proporcionalmente como um efeito ao invés da noção
ocidental de transposição fundamentado no movimento harmônico e desenvolvimento
motívico. Dessa forma podemos associar esses padrões com uma “palavra”, ou seja,
objetos musicais concretos sem que haja transposição ou mudanças radicais na
figuração rítmica, fazendo com que esses “blocos” sempre sejam usados praticamente
da mesma forma.
Um exemplo extramusical pertinente é o kakijun57 que define a ordem dos traços
de um kanji, indiferentemente dele ser utilizado sozinho ou como radical de outro, ou
57
書き順 (かきじゅん)
57
seja, ambos os processos ocorrem de maneira semelhante mesmo tratando-se de
linguagens distintas.
Para ilustrar o kakijun, usaremos o kanji de sol (日, lê-se hi, nichi entre outras
formas) e o de som (音, lê-se oto, on entre outras formas) extraídos do dicionário Shin
Rainbow Shougaku Kanji Jiten (figura 22). Na figura abaixo consta a ordem dos traços
do kanji (circulada em azul) aonde cada quadro mostra o total do kanji em vermelho e
qual traço deve ser feito em preto. O kanji de hi possui sua ordem conforme a imagem à
esquerda e de oto possui hi em sua base, e mesmo nesse caso, a ordem dos traços de hi é
a mesma que em sua forma isolada à esquerda.
Figura 22: Kanji de sol e som.
Fonte: KANOU, 2012, p. 443 e 853.
Aqui fica clara a margem de variação de um kanji para outro em questão de
tamanhos conforme sua utilização, mas sua estrutura básica que possibilita seu
reconhecimento é mantida como nos padrões melódicos das células musicais que
“apresentam algumas variações de acordo com as escolas” como proposto por Tamba.
58
A relação entre material musical e linguístico estabelecido por Stankis em Le
grillon nos parece mais eficiente quando estabelecemos o comparativo objeto concreto
musical com o kanji (que também é um objeto concreto, mas de outra linguagem).
Ainda no território extramusical, a concepção de criação na pintura chinesa (que
exerceu influência no Japão) passa por um processo semelhante:
Os artistas chineses não iam para o campo sentar-se diante de um belo
motivo e esboça-lo. Aprenderam inclusive a sua arte por um estranho
método de meditação e concentração em que adquiriam primeiro a
habilidade de “como pintar pinheiros”, “como pintar rochas”, “como
pintar nuvens”, estudando as obras de mestres famosos, e não a
própria natureza. Só quando já tinham adquirido grande habilidade é
que começava a viajar e a contemplar as belezas naturais a fim de
capta o espírito da paisagem (GOMBRICH, 1950, p. 153).
Gombrich ressalta a importância desses padrões na pintura chinesa ao citar as
consequências de uma extrema padronização de um modelo artístico:
Com o passar do tempo, quase todos os tipos de pinceladas com que
uma haste de bambu ou um áspero rochedo podia ser pintado foram
estabelecidos e etiquetados pela tradição[...] Os padrões pictóricos
mantiveram-se muito altos nos séculos subsequentes, tanto na China
quanto no Japão (que adotara as concepções chinesas) (GOMBRICH,
1950, p. 155).
Não cabe a essa pesquisa julgar tais decisões estéticas, os relatos acima citados
possuem apenas o objetivo de ilustrar as relações extramusicais das concepções
criativas asiáticas. Em uma análise mais aprofundada desse modo de compor das artes
plásticas do oriente há um processo semelhante ao compor por padrões da música
japonesa que é tão distinto das artes ocidente. Acreditamos que “existe algo de
maravilhoso nesse comedimento da arte chinesa, em sua deliberada limitação a um
punhado de motivos simples da natureza” (GOMBRICH, 1950, p. 155). Tais exemplos
demonstram que todas as artes da Ásia dialogam entre si em suas propostas estéticas e
refletem isso no seu processo de compor.
O gagaku trata-se de uma música instrumental da corte japonesa que é
acompanhada por canções e danças e exerceu uma influência em outros aspectos na
música tradicional japonesa. Segue abaixo a definição de Tamba:
59
O gagaku forneceu uma orientação na qual iria se tornar decisiva para
as técnicas de execução dos instrumentos, e também para a teoria
musical, através da elaboração do princípio jo-ha-kyū 58 (introdução,
desenvolvimento, rápido) sobre o qual depende a organização
temporal da música tradicional japonesa (TAMBA, 1976, p. 5)59
.
Na parte da técnica, a voz trabalha vibratos irregulares com caráter ornamental,
alturas não-fixas e flutuantes etc. No aspecto instrumental, glissando, repetição
acelerada da mesma nota, ondulação das notas, ruídos como o da respiração, golpes com
o plectro contra os orifícios laterais ou a placa de som, gritos, etc. Trata-se de técnicas
que foram banidas da música ocidental tradicional em pró de um sistema de composição
polifônico e harmônico com a sobreposição de alturas definidas (TAMBA, 1976, p. 8)60
.
Já o jo-ha-kyū é um princípio estético que ocorre em todo o domínio artístico
japonês e no caso da música, possui função de regular a noção temporal assegurando
um desenvolvimento por frases de mutação progressiva sem um contraste abrupto
(TAMBA, 1988, p. 321).
No âmbito da música instrumental, Tamba cita o jo-ha-kyū em rokudan no
shirabe. Como o título já nos mostra, essa obra é dividida em seis seções sendo que
cada uma possui cinquenta e quatro compassos em 2/4, exceto a primeira seção que
inclui dois compassos de introdução (SATOMI, 2004). Nesse exemplo (figura 23) é
feito um quadro comparativo entre três interpretações diferentes e os dados relevam as
seguintes informações que cada um dos artistas optam por velocidades metronômicas
distintas mas com o mesmo objetivo: “a partir de um movimento muito lento, eles
58
序破急. 59
The Gagaku provided an orientation which was to become decisive for the playing techniques of the
instruments, and also for musical theory, by elaborationg the jo-ha-kyu (introduction, development,
quick) principle on which the temporal organization of Japanese tradicional music depends. Japanese
Esoteric Buddhism Shingon
60 The vocal technique, por example, commonly employs a very wide and irregular vibrato as a kind of
ornament, a gliding attack from below the note, fluctuating pitches, a low timbre, etc. In the instrumental
techniques we find a marked preference for glissandi, an accelerating repetition of the same note, an
undulation of the notes, noises such as that of breathing, strokes with the plectrum against the lateral holes
or the sound-board, shouts, etc. All these procedures are, as we know, prohibited in Western tradicional
musica shich, having decided in favour of a polyphonic and harmonic system of composition, eliminated
any unstable elements that were liable to impede an accurate superimposition of the fixed pitches.
60
aceleram para a sexta seção, onde começa a surgir uma forte desaceleração que será
acentuada até o final da peça. A característica de jo-ha-kyū reside no controle de uma
aceleração progressiva” (TAMBA, 1988, p. 327)61
.
Figura23: jo-ha-kyū em três níveis de interpretação
Fonte: TAMBA, 1988, p. 327.
O jo-ha-kyū também pode ser visto na indicação metronômica da transcrição
para notação ocidental de Alice Lumi Satomi (figura 23a) extraída da tese intitulada
Dragão confabulando: etnicidade, ideologia e herança cultural através da música para
Koto no Brasil (2004):
61
partant d'un moviment très lent, ils accélèrent jusqu'à la sixième section, où commence à se dessiner un
forte ralentissement qui s'accentuera jusqu'à la fin de la pièce. La caractéristique de jo-ha-kyu ici réside
dans le contrôle d'une accéleration progressive.
61
Figura 23a; Rokudan no shirabe (notação ocidental)
62
Fonte: SATOMI, 2004, p. 69 e 70.
Essa abordagem estética é apresentada também no teatro nô, quando ocorre tanto
na micro quanto na macro estrutura de uma obra conforme Oida:
63
Se olharmos com atenção, todos os fenômenos do universo, todas as
ações inspiradas pela virtude ou pelo vício, guardem as coisas
sentimento ou não, tudo obedece de maneira inata a essa lei do
processo jo-ha-kyū. [...] Quando executamos um programa de nô de
um dia (o programa tradicional de nô consiste em cinco peças
representadas em um dia), o público nos aplaude no final, pois o ciclo
jo-ha-kyū foi concluído. E no interior de cada peça, também se realiza
o ciclo jo-ha-kyū. A menor dança, o menor canto contém o ritmo jo-
ha-kyū e é por isso que nos agrada. Até no simples movimento da mão
na dança, no som dos passos, pode-se descobrir a lei do jo-ha-kyu que
foi seguida pelos atores (OIDA apud BENVENUTI, 1999, p. 81).
A partir dessa definição, Benvenutti (1999) nos apresenta a ideia em um
esquema com três níveis (Quadro 1):
Quadro 1: jo-ha-kyū em três níveis
Fonte: BENVENUTTI, 1999, p. 81.
O jo-ha-kyū é intimamente ligado a percepção japonesa de espaço e tempo,
tempo que é “uma espécie de idealismo do presente” no qual os acontecimentos do
passado ou do futuro não possuem necessariamente uma relação com o presente, apenas
um fluxo temporal com uma direção mas sem começo nem fim (KATO, 2008, p. 247).
Esse aspecto é característica do estaticismo musical.
5.2. Estaticismo e ritualismo musical
Todas as artes japonesas evitam grandes contrastes e explosões emocionais do
interprete e do expectador e para isso, utiliza-se economia nos movimentos e gestos
criando praticamente um ritual na execução de uma peça, aonde tudo é previamente
estabelecido sem que haja margem de improvisações. Essa ritualização tem seu berço na
64
filosofia chinesa que antigamente continha uma função reguladora da ordem social em
harmonia com a do cosmos e é acompanhada de um estaticismo que nunca chega na
imobilidade graças ao jo-ha-kyū que auxilia “acessar a lembrança, o equilíbrio do ego e
da natureza” (TAMBA, 1988, p. 310 e 311). Na música essa estética também
manifestada conforme afirma Tamba:
Para o músico, respeitando um formalismo secular comparável a uma
prática religiosa invariável, procura se livrar do seu eu pessoal para
encontrar a harmonia do universo. Assim, a atitude do performer, para
quem a aquisição de uma técnica está ligada a uma busca espiritual, se
junta à dos praticantes das diferentes "artes" japonesas: kendo, judô,
sadô (arte do chá) ou kadô (arte floral), que, como indicado pelo
caractere dô62
, são várias maneiras de adquirir autocontrole, ao invés
de entretenimentos artísticos (TAMBA, 1988, p. 310 e 311).
A razão dessa busca pela do ritualismo atingido com o estaticismo transmite a
estabilidade da ordem social como ocorreu na China antiga com a “concordância entre o
homem não-individualizado e a harmonia do universo, a retirada, a meditação e o êxtase
religioso apontado por exemplo, no canto litúrgico do shômyô” (TAMBA, 1976, p. 6 e
8).
Assim como estabelecemos a relação entre padrões melódicos e o kakijun,
faremos um comparativo entre o conceito do ser “não individualizado” do jo-ha-kyu
com a linguagem verbal do haikai63
.
Devido à complexidade dessa manifestação artística, nos deteremos a citar o
processo de aprendizagem de Matsuo Bashô para compor um haikai que consiste em
“imitação do mestre, estudo dos antigos, meditação e notação imediata das sensações e
sentimentos constituem o caminho recomendado para que o discípulo consiga fugir à
‘opinião pessoal’ (shi-i64
), à projeção do ego sobre os assuntos do haikai” (BASHÔ
apud FRANCHETTI, 2012, p. 25). Novamente, ocorre a noção de escola no processo
62道(どう)
63徘徊 (はいかい). Segundo Haroldo de Campos o haikai é um “poema de 17 sílabas, que se
desenvolveu no chamado período Tokugawa (1660-1868), inicialmente com Bashō (1644-1694) e sua
escola, e mais tarde, com Buson (1716-1784) e Issa (1763-1828)” (CAMPOS, 1977, p. 55).
64私意 (しい)
65
criativo das artes japonesas e essa relação entre estética e sociedade é a terceira
característica da música tradicional do Japão.
5.3. Música e sociedade
Todas as características citadas acima são resultantes do sistema hierárquico
social no qual a música tradicional japonesa se manifesta. Esse fato possui precedentes
no ocidente, mas no Japão ocorre de forma mais extrema do que em qualquer outro
lugar fazendo com que a própria construção do instrumento, seu modo de tocar, notação
e escola sejam afetados e diferenciados por cada classe social. Um exemplo claro é visto
na biwa65
:
A biwa usada no gagaku, a usado no heikyouku e a usada na música
satsuma-biwa diferem não apenas em sua construção, sendo de
tamanhos diferentes e com números diferentes de cordas e trastes, mas
também em relação a técnica de dedilhado e o tipo de plectro necessário
para tocá-la (TAMBA, 1976, p. 6).
Apesar do fato de haver uma multiplicidade de formas musicais, instrumentos e
escolas resultantes das diversas classes sociais no Japão, o conceito de criação incide em
todas essas variações.
5.4. Conceito de criação
Os elementos constitutivos da música tradicional japonesa diferem dos da
ocidental. A composição por padrões não possui comparativo no processo de compor da
música tonal ocidental ao utilizar-se do conceito de motivo que Arnold Schoenberg em
Fundamentos da composição musical descreve suas características e importância:
O motivo geralmente aparece de uma maneira marcante e
característica ao início de uma peça. Os fatores constitutivos de um
motivo são intervalares e rítmicos, combinado de modo a produzir um
contorno que possui, normalmente, uma harmonia inerente. O motivo
aparece continuamente no curso de uma obra: ele é repetido. A pura
repetição, porém, engendra monotonia, e esta só pode ser evitada pela
variação. A música homofônica poderia ser denominada de estilo da
“variação progressiva” (SCHOENBERG, 2008, p. 35 e 36).
65
琵琶(びわ).
66
O arpejo de Sib maior está de forma clara como base motívica de todos os
exemplos abaixo citados por Schoenberg (figura 24), esse motivo é um elemento
abstrato que cada compositor utilizará da forma que considerar mais pertinente para sua
obra.
Figura 24: Possibilidades de variações motívicas a partir de um acorde arpejado
Fonte: SCHOENBERG, 2008, p. 36.
Em relação a forma musical, o estaticismo e ritualismo do jo-ha-kyū em
nada se parece com a forma sonata que apresenta um tema, o desenvolve e o reexpõe
como Ulisses na Odisséia (MALUF apud SCHOENBERG, 1999) ou com a ideia de alto
contraste através da noção de Tônica/Dominante.
E a relação música e sociedade é totalmente distinta nas duas culturas. A noção
de escola ou linhagem possui respaldo no Xintoísmo que não separa o divino do
humano, “o vivo tem para deus seu antepassado morto, e ele próprio, uma vez morto, se
tornará um deus protetor de seus descendentes”. Já o pensamento judaico-cristão é de
filiação vertical, aonde o deus único determina e delimita todas as posses do mundo
criado por ele mesmo, como ocorre com o artista ocidental (TAMBA, 1988, p. 317).
Tanto a música do ocidente quanto do oriente possui respaldo extramusical na
relação música e sociedade que são totalmente distintos nas duas culturas e acreditamos
que a razão para tais motivos esteja conectada não apenas a motivações musicais e sim
na estrutura social baseada na religião de cada uma dessas culturas. Como resultado da
67
influência judaico-cristã o artista do ocidente busca a expressão do “eu” enquanto a
consequência do xintoísmo é de um ser que se manifesta através de um consciente
resultante de gerações.
Como fruto dessas reflexões, consubstanciadas nos elementos até agora
fundamentados, a parte final desta dissertação será constituída de uma análise
comparativa da incidência desses elementos constitutivos da música tradicional
japonesa na obra Reflets dans l’eau de Debussy.
68
Capítulo 6 – uma análise de Reflets dans l’eau
6.1 – Reflets dans l’eau na obra de Debussy
Segundo o Centre de documentation Claude Debussy, a série para piano solo
intitulada Images (livro 1) composta por Debussy entre os anos de 1901 a 1905 contém
as peças Reflets dans l'eau, Hommage à Rameau e Mouvement, sendo que sua
publicação ocorreu após a assinatura do contrato com Durand & fils em 8 de Julho de
1903. A estreia dessa obra aconteceu em 6 de fevereiro de 1906 durante uma palestra de
Louis Laloy sobre "O trabalho de C. Debussy" na Salle des Agriculteurs tendo como
intérprete Ricardo Viñes.
Segundo Simon Trezise, o ano de 1901 foi crucial para a produção pianistica de
Debussy, que se desapega de frases regulares, tempos constantes para um estilo
rapsódico mais livre, tanto em relação a texturas e tempos, como em dinâmicas
(TREZISE, 2003). Esse período de mudanças nas características da linguagem musical
de Debussy o coloca em paralelo com o movimento impressionista, tendo como ponto
de partida Pagodes e Reflets dans l’eau (DEVOTO, 2003, p. 188).
6.2 – Debussy, o oriente e Reflets dans l’eau
Nesse capítulo iremos buscar a relação música e sociedade, o
estaticismo/ritualismo musical e o modo composicional baseado em padrões em Reflets
dans l’eau a partir dos conhecimentos adquiridos sobre a música tradicional japonesa.
Cabe aqui ressalta que a relação música e sociedade do Japão e ocidente diferem
significativamente para supormos que haja esse aspecto em Reflets dans l’eau. Tal etapa
da pesquisa nos serviu de base para uma percepção adequada sobre o processo
composicional japonês e algumas de suas motivações extramusicais.
Com isso, o objetivo da análise proposta não é identificar essa obra como uma
composição japonesa ou negar procedimentos composicionais ocidentais e sim
reconhecer padrões e características da música tradicional japonesa que acreditamos
terem sidos incorporados na paleta composicional de Debussy, de maneira consciente
ou não, através de suas vivências sobre as artes nipônicas. Elas possuem elementos
69
estéticos semelhantes expressos cada qual da sua maneira conforme a manifestação
artística a que faz parte, mesmo com o uso de materiais comuns da prática musical
ocidental.
6.3 - O estaticismo/ritualismo em Reflets dans l’eau
O estaticismo/ritualismo da produção de Debussy foi uma atitude que negou o
pensamento individualista dos compositores posteriores a ele, pois em sua estética
“revela-se uma atitude bifronte: reação contra o naturalismo ao mesmo tempo que
abandono, até o limite possível, do estado passional subjetivo e diretamente realista
próprio dos últimos românticos” (PAZ, 1977, p. 128). Ideal esse que encontra
precedentes na relação música e sociedade no Japão que, como já mencionado, evita
grandes contrastes e explosões emocionais do intérprete e do expectador através do jo-
ha-kyū, técnica que “reside no controle de uma aceleração progressiva” (TAMBA, 1988,
p. 327).
Em Reflets dans l’eau há o primeiro jo-ha-kyū que situado entre os compassos 1
e 34 (um compasso antes do au Mouvt). Sendo, aproximadamente, jo (compasso 1 ao
19), ha (compasso 20 ao 23), kyū (compasso 24 ao 34) e o rall (compassos 33 e 34)
conforme a tabela abaixo (quadro 2):
Quadro 2: Primeiro Jo-ha-kyū em Reflets dans l’eau
jo ha kyū rall
compassos 1 ao 19 20 ao 23 24 ao 34 33 e 34
Fonte: editado pelo autor.
O início da obra (jo) apresenta os primeiros fragmentos musicais66
bem
delimitados e separados por notas longas ou pausas como as do compasso 1 ao 8 e 9 ao
10 que são separados por uma pausa (figura 25) e os dos compassos 16 ao 19 que
possuem uma nota longa entre eles (figura 25a). Esse recurso mantém o movimento
lento e sem desenvolvimento, o que é característico do jo.
66
Tais fragmentos serão discutidos em modo composicional baseado em padrões.
70
Figura 25: Reflets dans l'eau (compasso 1 ao 11)
Fonte: editado pelo autor.
Figura 25a: Reflets dans l'eau (compasso 16 ao 19)
Fonte: editado pelo autor.
A partir da indicação quase cadenza do compasso 20 inicia-se o ha, que é
prolongado até o compasso 23. A indicação de poco a poco cresc e stringendo gera o
movimento de aceleração gradual para o kyū (figura 25b).
71
Figura 25b: Reflets dans l'eau (compasso 20 a 23)
Fonte: editado pelo autor.
O segundo jo-ha-kyū, de maior duração, com seu início no compasso 35 e sua
conclusão apenas no compasso 64. Sendo que novamente, tal marcação feita compasso
por compasso é aproximada. O jo encontra-se do compasso 35 ao 42, o ha do compasso
43 ao 49, o kyū do compasso 50 ao 64 e o rall dos compassos 62 e 64, como
esquematizado na Quadro 3:
Quadro 3: Segundo Jo-ha-kyū em Reflets dans l’eau
jo ha kyū rall
compassos 35 ao 42 43 ao 49 50 ao 64 62 e 64
Fonte: editado pelo autor.
Nessa etapa o jo foi definido pela indicação au Mouvt do compasso 36 e a
retomada do fragmento referente ao primeiro jo do compasso 1, mas de forma
“horizontal” preservando as mesmas alturas (figura 25c). Na música tradicional
japonesa, diferentes seções não reexpõem necessariamente o material inicial e o jo-ha-
kyū ocorre de maneira integral na obra e intimamente em níveis, como proposto
72
explicado por Benvenutti (2006). Mas tal evidência, acreditamos, possa contribuir para
maior compreensão da estrutura como um todo.
Figura 25c: Indicação do primeiro e segundo jo-ha-kyu
Fonte: editado pelo autor.
Propomos uma última camada englobando a obra como um todo. Nesse caso
identificamos o jo do compasso 1 ao 34, ha do compasso 35 ao 56, kyū do compasso 57
até 91 e o rall do compasso 71 ao 94 conforme o quadro abaixo:
Quadro 4: Terceiro Jo-ha-kyū em Reflets dans l’eau
jo ha kyū rall
compassos 1 ao 34 35 ao 56 57 ao 94 71 ao 94 Fonte: editado pelo autor.
Consideramos essa separação a partir do acúmulo de densidade e dinâmicas que
ocorre na obra que causam o efeito semelhante ao da música japonesa conforme
descrição de Tamba. Seguiremos com a explanação de cada parte separadamente.
Com exceção da transição de mf para o f dos compassos 30 e 31 (Figura 25d) o
trecho transita nas dinâmicas p até ppp, tendo como resultado a lentidão e leveza do jo.
73
Figura 25d: Reflets dans l'eau (compassos 30 e 31)
Fonte: editado pelo autor.
A partir do compasso 36 o fragmento inicial da obra (figura 25c) é reapresentado
de forma “horizontal” como já citado acima. Consideramos o ha nesse momento em que
há um acúmulo das figuras e dinâmicas que vai do pp ao f de uma maneira culminando
no f do compasso 56 (figura 25e) com um grande arpejo em ambas as mãos utilizando
uma vasta extensão do piano e com isso um grande acúmulo de densidade.
Figura 25e: Reflets dans l'eau (compasso 56)
Fonte: editado pelo autor.
Do compasso 57 ao 61 ocorre o momento de maior intensidade de Reflets dans
l'eau através do um arpejo de grande extensão com uma melodia em um registro
extremo agudo, já preparado no compasso anterior, e somado com o único momento de
dinâmica ff (figura 25f). Esse ponto de clímax da obra muito se assemelha ao impacto
que é causado no momento do kyu na música tradicional japonesa.
74
Figura 25f: Reflets dans l'eau (compasso 57 ao 61)
Fonte: editado pelo autor.
A última aparição do primeiro fragmento da obra é apresentada no compasso 71
(figura 25g) que marca o início do rall. Aqui, Debussy indica 1º Tempo en retenant
jusqu'a la fin (reduzir até o fim).
Figura 25g: Reflets dans l'eau (compasso 71 ao 74)
Fonte: editado pelo autor.
Além da indicação de tempo, há um decrescendo gradual do pp até o ppp
seguido de uma retração da densidade sonora que se inicia com uma sequência de
acordes e termina com apenas o acorde de Réb maior (figura 25h). Tais características
retomam a lentidão e leveza do jo e se assemelham ao rall típico da música tradicional
do Japão.
75
Figura 25h: Reflets dans l'eau (compassos 93 e 94)
Fonte: editado pelo autor.
O jo-ha-kyu, como demonstrado acima, passa a ser uma ferramenta objetiva na
tentativa de transgredir o pensamento passional romântico e essa presença na obra de
Debussy possui respaldo no comentário na definição de Juan Carlos Paz: “a arte de
Debussy é extrovertida: o homem dissolve-se no cosmo, [...] move-se lentamente em
uma atmosfera de evocação e de passividade, cuja característica dominante é a visão
estética do universo” (PAZ, 1988, p. 129).
Esse anti-romantismo, ou seja, uma atitude consciente de negar o pensamento
individual é uma postura paradoxal em Debussy, pois para evitar a expressão do ego, o
próprio compositor utiliza-se de meios altamente pessoais. A visão da sociedade
japonesa em relação à música e sociedade e como esse povo se relaciona com a natureza
talvez nos possa esclarecer essa contradição.
O funcionamento da música e sociedade, como descrito anteriormente, possui
respaldo na noção de indivíduo diante do todo. O ser não-individualizado busca
“acessar a lembrança, o equilíbrio do ego e da natureza” (TAMBA, 1988, p. 310 e 311).
O compositor então abre mão de pensamentos e vontades pessoais para uma noção de
linhagem (ou escola) que já possui sua tradição e elementos próprios que a
caracterizam.
Para o japonês, a natureza é um fenômeno complexo e grandioso e, por essa
razão, esse povo busca conviver com essa força que está acima da tentativa do controle
do homem. Assim, em todas as artes japonesas é retratado esse diálogo entre homem
(ego) e natureza (todo). No haikai há uma forte relação entre natureza e homem que são
representadas de duas formas: no kigo e na catalogação dos poemas. Essa maneira acaba
compondo uma obra coletiva, a partir de poemas individuais que “permite observar os
76
vários aspectos naturais e emocionais ligados à alteração e à sucessão das estações,
aponta para a unidade básica da reação de pessoas” (FRANCHETTI, 2014, p. 29).
A catalogação dos haicais opta pela natureza (todo) ao invés do indivíduo (ego)
ao serem organizadas por critérios sazonais que correspondem às cinco estações
(incluindo o Ano-novo) e não por autor como no ocidente (FRANCHETTI, 2014).
No aspecto estrutural do haikai, o kigo desempenha uma importante função
relacionada as estações. Segundo Franchetti (2014), os kigo67
, ou termo sazonal são:
[...] o ponto fundamental da teorização de todos os mestres e Bashô
também, não fugindo à regra, lhes atribuía a maior importância,
chegando a declarar que se alguém descobrisse um só kigo ao longo
da vida, isso já seria uma herança preciosa a legar à posteridade
(FRANCHETTI, 2014, p. 38).
Na música há essa mesma relação em obras como tsuru no koe (a voz do grou)
que retrata a expectativa de um casal em seu relacionamento ser longo após ouvir o
canto do grou, pois para o japonês, esse pássaro representa essa longevidade e ouvi-lo
seria um bom presságio. Assim, notamos a manifestação da dicotomia indivíduo (ego) e
natureza (todo) justificando a primazia por sistema de linhagem nas artes.
Acreditamos que isso nos dá pistas também sobre a postura paradoxal de
Debussy citada anteriormente, que pode ser explicada no uso constante de títulos que
evocam a natureza, ferramenta que possibilita o compositor de não retratar pensamentos
e sentimento individuais e sim fenômenos maiores como a natureza. O Reflets dans
l’eau de Debussy não possui lembranças pessoais nem estados de espírito específico,
apenas o “agora” imparcial da natureza.
6.4 Compor por Padrões em Reflets dans l’eau
Apesar da noção de harmonia ser um importante fator composicional no
ocidente e amplamente discutida nas análises de Debussy, há duas razões para não
abordarmos esse tópico: (1) trata-se de um alicerce da música ocidental e durante muito
tempo foi um objeto de pouca atenção para os compositores asiáticos e (2) há diferenças
67季語(きご)
77
na noção de harmonia no ocidente e oriente. Nossas motivações seguem as
considerações de Tamba sobre essa temática:
Ao contrário do que acontece no Ocidente, onde a harmonia ocupa um
lugar de destaque nos escritos musicais, no Japão, como em outras
partes da China, recebe pouca atenção. E os poucos documentos que
tratam da harmonia que temos surgem relativamente tarde: no final do
século XVI na China e por volta do século XVIII no Japão. Este fato
se deve ao papel secundário desempenhado pela harmonia na música
desses dois países devido ao sistema heterofônico que caracteriza a
estrutura musical chinesa e japonesa. Além disso, o termo harmonia
não deve ser entendido no sentido ocidental moderno, mas sim de
acordo com o senso pitagórico de harmonia de esferas ou sinfonia
cósmica baseado na progressão por quintas68
(TAMBA, 1988, p. 189).
Acreditamos que os aspectos harmônicos já foram notavelmente trabalhados por
vários teóricos conforme a discussão no início deste trabalho e com isso nosso foco
serão os elementos contidos na obra em forma de blocos sonoros que aparecem de
forma idêntica ou muito próxima seguindo a noção de Tamba sobre padrões da música
japonesa: células que apresentam certo nível de variação que são “limitadas às
modulações que toleram o protótipo celular ou célula inicialmente memorizada que
deve sempre permanecer identificável” (TAMBA, 1988, p. 314).
O processo de composição melódico no século XX aos poucos vai abandonando
a melodia construída por variações motívicas (ADORNO, 1974, p. 118 e 119) e essa
atitude é um reflexo da crise na tonalidade, pois os modelos melódicos já não possuem
necessariamente um respaldo no caminho harmônico. Partindo dessa premissa,
levantamos a hipótese de que novos processos de estruturar uma melodia possuem um
modelo semelhante ao padrão da construção melódica japonesa. Além disso, este parece
ser o caso de Debussy ao abordara a composição de Reflets dans l’eau.
Mesmo com a ideia inicial de que essa é uma obra com alguns procedimentos
composicionais distintos da abordagem motívica de Schoenberg, pretende-se manter
termos como frase e motivo, pois é importante lembrarmos, que nesse estudo não há a
68
Contrairement à ce qui se passe en Occident, où l'harmonie occupe une place considéable dans les
écrits musicaux, au Japon, comme d'ailleurs en Chine, on ne lui accorde que peu d'attention. Et les
quelques documents traitant de l'harmonie que l'on possède, apparaissent, relativement tard: vers la fin du
16e siècle en Chine, et autour du 18e siècle au Japon. Ce fait tient au rôle secondaire dévolu à l'harmonie
dans la musique de ces deux pays en raison du système hétérophonique qui caractérise la struture
musicale chinoise et japonaise. Par ailleurs, le terme d'harmonie ne doit pas s'entendre au sens occidental
moderne, mais plutôt selon l'acception pythagoricienne d'harmonie des sphères ou de symphonie
cosmique, en se fondant sur la progression par quintes.
78
intenção de qualificar essa obra como uma composição japonesa ou invalidar
procedimentos composicionais ocidentais.
Essa etapa apoiou-se nas demarcações do estaticismo musical verificado em
Reflets dans l’eau sendo o primeiro jo-ha-kyū do compasso 1 até o 34, o segundo jo-ha-
kyū, do compasso 35 ao 64 e do compasso 65 ao 94 da uma última camada.
O primeiro jo-ha-kyū introduz a obra com um padrão que engloba os dois
primeiros compassos e, estruturalmente, esse bloco possui um motivo que é reprisado
por uma mudança de registro (figura 26). A repetição do mesmo é vista nos compassos
3 e 4 um tom acima.
Figura 26: Reflets dans l'eau (compasso 1 ao 4)
Fonte: editado pelo autor.
O compasso 9 apresenta o padrão seguinte contendo dois motivos (figura 26a).
79
Figura 26a: Reflets dans l'eau (compasso 9)
Fonte: editado pelo autor.
No compasso seguinte o motivo 1 recebe uma expansão com o acréscimo de
duas notas (Sib e Lab), enquanto o motivo 2 é transposto um tom acima e expandido
com duas notas (figura 26b).
Figura 26b: Reflets dans l'eau (compasso 10 ao 13)
Fonte: editado pelo autor.
Uma apresentação do motivo 2 também ocorre no compasso 12 (figura 26c).
80
Figura 26c: Reflets dans l'eau (compasso 12)
Fonte: editado pelo autor.
Dois novos motivos são introduzidos, sendo que o bloco do compasso 13
estabelece uma relação de oitava e o bloco do compasso 14 com a distância de 4ª justa
entre os motivos (figura 26d).
Figura 26d: Reflets dans l'eau (compasso 14 e 15)
Fonte: editado pelo autor.
Outra forma de utilizar a composição por padrões é vista no final do primeiro jo
(compasso 17 a 19) nos quais um bloco composto por dois motivos é reintroduzido de
forma praticamente idêntica, porém com um deslocamento métrico (figura 26e). Nesse
caso em específico, o motivo é apresentado na primeira vez no terceiro tempo do
compasso e na segunda vez no primeiro tempo.
81
Figura 26e: Reflets dans l'eau (compasso 197 ao 19)
Fonte: editado pelo autor.
No início do ha (compasso 20) há uma transposição de um motivo em 3ªs
menores e esse bloco oitava acima no compasso seguinte (figura 26f).
Figura 26f: Reflets dans l'eau (compasso 20 e 21)
Fonte: editado pelo autor.
Um dos poucos blocos que formam efetivamente um fragmento melódico abre o
primeiro kyū (compasso 24 a 27) seguido de sua repetição nos compassos 29 e 30 que
contém uma redução (figura 26g).
Figura 26g: Reflets dans l'eau (fragmentos melódicos do primeiro kyū)
Fonte: editado pelo autor.
82
O final do mesmo kyū é marcado por um bloco com dois motivos sendo que o
motivo 1 é exibido quatro vezes com pequenas alterações e o motivo 2 três vezes
idênticas nos compassos 30 a 33 (figura 26h).
Figura 26h: Reflets dans l'eau (compasso 30 ao 33)
Fonte: editado pelo autor.
O segundo jo-ha-kyū incorpora motivos previamente abordados com algumas
alterações do tipo variações motívicas, mas mantendo seu uso em forma de blocos. O
primeiro motivo deste jo contém a mesma estrutura do motivo inicial da obra, ou seja,
repetição do motivo em oitavas no bloco e em seguida sua reincidência um tom acima
(figura 26i).
Figura 26i: Reflets dans l'eau - fragmento melódico (compasso 1 e 36)
Fonte: editado pelo autor.
83
O segundo ha insere um bloco (compasso 43 e 44) contendo um motivo exposto
internamente em relação de 4ª diminuta. A frase completa (compasso 43 a 47) possui o
bloco duas vezes e uma vez o motivo oitava acima (figura 26j).
Figura 26j: Reflets dans l'eau - fragmento melódico (compasso 43 ao 47)
Fonte: editado pelo autor.
No encerramento do segundo ha notamos dois padrões composicionais
recorrentes na obra: a transposição em oitavas e a repetição literal de um determinado
bloco nos compassos 48 e 49 (figura 26k).
Figura 26k: Reflets dans l'eau (compasso 48)
Fonte: editado pelo autor.
84
Os padrões citados acima são recorrentes por todo o segundo kyū, como o
fragmento melódico dos compassos 50 a 53 que são reintroduzidos em seguida
(compasso 54 a 56) de modo semelhante ao do primeiro kyū (figura 26l).
Figura 26l: Reflets dans l'eau - fragmento melódico (compasso 50 ao 56)
Fonte: editado pelo autor.
Podemos citar também as incidências no encerramento do segundo kyū, sendo
que do compasso 57 ao 63, dois motivos são intercalados em diferentes oitavas com a
mesma estrutura intervalar e rítmica. Nos compassos 57, 59 e 61 aparecem o motivo 1
enquanto os compassos 60, 62 e 63 o motivo 2 (figura 26m).
Figura 26m: Reflets dans l'eau - fragmentos melódicos do segundo kyū (compasso 57 ao 63)
Fonte: editado pelo autor.
Para encerrar a obra a indicação au Mouvt segue a estrutura inicial ao variar
motivos já encontrados durante toda a peça. O fragmento melódico recebe uma última
variação seguida do padrão de repetição por blocos nos compassos 65 a 70 (figura 26n).
85
Figura 26n: Reflets dans l'eau - fragmentos melódicos (compasso 65 ao 70)
Fonte: editado pelo autor.
O bloco dos dois jo anteriores aparece uma última vez de forma variada, é
possível notar a relação intervalar idêntica, apenas com variação rítmica. Os compassos
71 a 78 apresentam a mesma estrutura de reprise em oitavas seguido da transposição um
tom acima (figura 26o).
Figura26o: Reflets dans l'eau - incidência do primeiro fragmento melódico (compassos
1, 36 e 71)
Fonte: editado pelo autor.
O motivo 2 do compasso 60 não sofre nenhuma alteração ao aparecer duas vezes
seguidas nos compassos 79 e 80 (figura 26p).
Figura 26p: Reflets dans l'eau - motivo 2 (compasso 79 e 80)
Fonte: editado pelo autor.
86
O último bloco de Reflets dans l’eau trata-se de um motivo de três notas (Lab,
Fa e Mib) que abrem os dois jo, o compasso 71 e 81 como uma forma de reexposição
do tema inicial dos compassos 1 e 2 (figura 26q).
Figura 26q: Reflets dans l’eau - três incidências de fragmentos melódicos
Fonte: editado pelo autor.
Os pressupostos acima demonstram uma relação concreta entre os elementos
constitutivos da música tradicional japonesa e Reflets dans l’eau. Entretanto assumimos
a existência do seguinte questionamento: houve a real possibilidade de Debussy ter
compreendido tais particularidades para que as manifestassem de forma proposital em
sua obra?
87
Em nossa pesquisa não localizamos nenhum documento no qual Debussy
declarasse sua intenção em basear-se nas artes japonesas, apenas relatos de terceiros que
demonstraram o apreço do mesmo pelo oriente. No entanto, as relações entre França e
Ásia iniciadas nas Exposições Mundiais possibilitou o contato direto com manifestações
artísticas autênticas do Japão que geraram obras com influências desse país. O
Japonismo é um desses casos que possuem relatos comprovados.
Em Oiseaux tristes do livro Mirroirs de Maurice Ravel identificou-se as
características estaticismo/ritualismo musical e o modo composicional baseado em
padrões que citados acima em Reflets dans l’eau. Faremos breves apontamentos nessa
obra para ilustrar esse caso.
O jo-ha-kyū inicia a peça e finaliza seu ciclo no compasso 19, sendo que: o jo
ocorre do compasso 1 ao 12, o ha do compasso do compasso 13 até aproximadamente
metade do compasso 15, o kyū tem sua duração no meio do compasso 15 até o 19 e o
rall engloba metade do compasso 17 ao 19. O quadro 5 abaixo esclarece esse esquema:
Quadro 5: jo-ha-kyū em Oiseaux tristes
jo ha kyū rall
compassos 1 ao 12 13 ao 15 15 ao 19 17 e 19
Fonte: editado pelo autor.
A primeira etapa desse procedimento é caracterizada pelo movimento lento que
também ocorre em Oiseaux tristes com a indicação Très lent. A gradual aceleração
ocorre com a mudança da figuração rítmica do compasso 10 ao 13 (figura 27). Nesse
caso, Ravel escreve esse efeito em três passos: (1) inicia o trecho com o
acompanhamento em colcheias nas duas pautas nos compassos 10 e 11; (2) o
deslocamento métrico na pauta superior do compasso seguinte faz com que as colcheias
das duas mãos do pianista fiquem deslocadas, aumentando a sensação de movimento.;
(3) a nova figuração de colcheias e semicolcheias do compasso 13 emergem a música
em uma sensação de aceleração em relação ao ostinato em colcheias do início.
88
Figura 27: Oiseaux tristes (compasso 10 ao 13)
Fonte: editado pelo autor.
O acelerando que marca o kyū é indicado no compasso 17 com o termo pressez
com o uso de fusas em uma figuração rítmica mais rápida que a do compasso anterior
(figura 27a).
Figura 27a: Oiseaux tristes (compasso 16 e 17)
Fonte: editado pelo autor.
Do compasso 21 ao 23 consta o rall que finaliza o jo-ha-kyū com a indicação
revenez au mouvement. Há também uma contração nas figuras que progressivamente
retornam de fusas para colcheias, para assim, retornar ao tempo inicial no compasso 24
(figura 27b).
89
Figura 27b: Oiseaux tristes (compasso 21 ao 24)
Fonte: editado pelo autor.
Os padrões que formam uma “colcha de retalhos” da música tradicional japonesa
também encontram ecos em Ravel. O padrão do primeiro compasso permeia toda a obra
e podemos citar alguns casos como a reprise que ocorre praticamente na primeira página
inteira da partitura do compasso 1 ao 9 (figura 28).
Figura 28: Oiseaux tristes - fragmento melódico (compasso 1 ao 9)
90
Fonte: editado pelo autor.
O compasso 2 também nos mostra um forte motivo que permeia toda a peça
aparecendo com algumas transposições, mas mantendo sua estrutura pouco variada
como marca dos padrões segundo Tamba (ver cap.5.1). Os compassos 2, 8, 23, 27 e 28
exemplificam o caso (figura 28a).
Figura 28a: Oiseaux tristes - fragmento melódico (compassos 2, 8, 23, 27 e 28 )
91
Fonte: editado pelo autor.
A análise realizada nos exemplos de Ravel e Debussy criou a impressão de que
apesar de ambos os casos conterem as características constitutivas da música tradicional
japonesa, o primeiro caso as contém de forma mais declarada do que no segundo.
Possivelmente o contato direto que Ravel teve com um músico japonês no recital de
shamisen organizado por Jirohachi Satsuma possibilitou uma pesquisa mais profunda.
No entanto, mesmo que Ravel tenha aprendido pessoalmente a música japonesa com um
nativo, o processo de ensino/aprendizagem do Japão exige muito mais uma postura de
reflexão e observação baseada na imitação direta ao invés de explicações verbalizadas e
racionais.
Segundo Anna Reid (1997) existe dois modelos amplos para a relação professor-
aluno: o modelo mestre-aprendiz e o modelo mentor-amigo. A didática musical
japonesa enfatiza o primeiro caso sendo que “uma lição tradicional, que pode ser
centrada em aprender a tocar o koto (instrumento de cordas grandes) ou shakuhachi
(flauta de bambu), envolve pouquíssima fala do professor ou aluno” (LEHMANN;
SLOBODA; WOODY, 2007, p. 188).
Essa forma de transmissão do conhecimento pode gerar certo desconforto no
leitor ocidental que veementemente desacredita na imitação por parecer um método
mecânico e que pouco se preocupa com as experiências anteriores do aluno. No entanto
ele é reflexo do modelo mestre-aprendiz no qual:
92
[...] o papel dos professores é contar suas experiências e demonstrar
seu ofício É implícito que os alunos querem imitar a vida musical e
profissional de seus professores. Essa relação é comum especialmente
em configurações individuais, e é marcada pela comunicação
unidirecional do professor para o aluno, muitas vezes resultando na
cópia direta de um modelo de professor (YOUNG; BURWELL;
PICKUP apud SLOBODA, 2003, p. 187).
É importante lembrarmos que o Japonismo ocorreu devido ao grande fluxo de
arte nipônica que circulou pela Paris no início do século e “esses músicos dificilmente
poderiam ter permanecido inalterados pelo fenômeno do japonismo que exercia uma
influência tão forte na cultura européia como um todo naquele tempo” (FUNAYAMA,
p. 276 e 27). Sendo assim, acreditamos que o momento histórico que Debussy e Ravel
viveram estava ricamente imerso pela cultura tanto chinesa quanto japonesa e com isso,
mesmo que seja de maneira intuitiva, tais elementos culturais foram absorvidos e
refletidos em suas produções artísticas.
93
Comentários Finais
Por se tratar de um dos alicerces da música moderna, Achille-Claude Debussy é
foco de diversos trabalhos tanto de cunho musicológico, performático e analítico. Esse
interesse pela obra do compositor francês é devido a sua marca pessoal que foge de
esquemas pré-concebidos das práticas anteriores a ele. Nosso trabalhou dedicou
esforços em uma faceta de Debussy: a influência que o Japão potencialmente exerceu
em sua vida e, por consequência, na sua produção.
As informações recolhidas na literatura nos mostraram que a arte oriental rondou
a vida de Debussy, desde a infância com a loja de porcelanas e objetos chineses de seu
pai, passando pela coleção de objetos pessoais, como o sapo Arkel e a estampa de
Hokusai, até o encontro direto com o Japão e sua cultura através das Exposições
Mundiais.
Diante desses fatos, fez-se necessário melhor compreender o que efetivamente
foi apresentado nas Exposições Mundiais, com as quais Debussy teve contato, e abordar
o conceito de Exotismo/Orientalismo, o que nos possibilitou sugerir que a percepção do
público francês diante da música japonesa (e a arte oriental de forma geral) era
demasiadamente calcada nos valores estéticos do ocidente, fazendo com que o julgando
dessas obras passassem sempre por comparações às grandes produções europeias.
O trabalho realizado por Akira Tamba forneceu subsídios necessários para
compreender quais são as principais características da música tradicional japonesa e
partindo de tais dados passamos a olhar para essa música com uma visão mais próxima
do nativo ou mais próximo do “autêntico”. Identificamos esses elementos nas obras
Reflets dans l’eau e Oiseaux Tristes de Ravel (como potencial da influência da música
japonesa em território francês) e os dados resultantes geraram os comentários
conclusivos que seguem.
Apesar de nenhum dos pressupostos levantados sobre as características da
música japonesa e a forma que Debussy poderia tê-las incorporado serem mencionados
pelo próprio compositor ou por correlatos a ele, sabemos que essa música, assim como
outras manifestações artísticas nipônicas, causou tamanho impacto na França que até
criou-se um movimento artístico inspirado nos elementos artísticos japoneses (no caso,
o Japonismo). Com isso, é muito provável que Debussy, de alguma maneira, tenha sido
94
influenciado pelas artes nipônicas em seu processo composicional, o que, inclusive,
poderia ter ocorrido de maneira intuitiva.
Como resultado desse estudo, verificamos que foi possível responder
positivamente à sua principal questão norteadora, identificando em Reflet dans l’eau,
com os objetos analíticos propostos, uma estruturação composicional que segue os
elementos constitutivos da música tradicional japonesa, particularmente os conceitos de
estaticismo/ritualismo e composição por padrões, indiferentemente se esta estruturação
ocorreu de forma objetiva ou subjetiva por parte do compositor.
Concluímos que Debussy, ao incorporar na obra estudada esses elementos
citados, juntamente com a sensibilidade a outras artes desse país que circularam em sua
vida desde a tenra idade, realizou o Iitoko-dori. Concomitantemente, essa estruturação
se embebe das técnicas harmônicas e composicionais da música ocidental, uma
expressão consciente de sua filiação à cultura europeia. Assim, seguindo o conceito do
Iitoko-dori, Debussy faz a síntese do melhor dessas culturas.
95
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