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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO E DOUTORADO CARINE SCHEIFER DESIGN METODOLÓGICO PARA ANÁLISE DE ATIVIDADES DE GEOMETRIA SEGUNDO A TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA PONTA GROSSA 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

MESTRADO E DOUTORADO

CARINE SCHEIFER

DESIGN METODOLGICO PARA ANLISE DE ATIVIDADES DE

GEOMETRIA SEGUNDO A TEORIA DOS REGISTROS DE

REPRESENTAO SEMITICA

PONTA GROSSA

2017

CARINE SCHEIFER

DESIGN METODOLGICO PARA ANLISE DE ATIVIDADES DE

GEOMETRIA SEGUNDO A TEORIA DOS REGISTROS DE

REPRESENTAO SEMITICA

Dissertao apresentada no Programa de

Ps-Graduao em Educao da

Universidade Estadual de Ponta Grossa, na

linha de Pesquisa Ensino e Aprendizagem,

como requisito obteno do ttulo de

Mestre em Educao.

Orientadora: Prof. Dr. Celia Finck Brandt

PONTA GROSSA

2017

Ficha CatalogrficaElaborada pelo Setor de Tratamento da Informao BICEN/UEPG

S319Scheifer, Carine Design metodolgico para anlise deAtividades de Geometria segundo a Teoriados Registros de Representao Semitica/Carine Scheifer. Ponta Grossa, 2017. 148f.

Dissertao (Mestrado em Educao -rea de Concentrao: Educao),Universidade Estadual de Ponta Grossa. Orientadora: Prof Dr Celia FinckBrandt.

1.Teoria dos Registros de RepresentaoSemitica. 2.Geometria. 3.Olhares.4.Apreenses. 5.Desconstruo dimensional.I.Brandt, Celia Finck. II. UniversidadeEstadual de Ponta Grossa. Mestrado emEducao. III. T.

CDD: 510.7

AGRADECIEMENTOS

Deus, obrigada por conduzir e iluminar meus passos e pensamentos at aqui.

Contigo tive a certeza de que em todos os momentos no estive sozinha, mesmo quando

tudo parecia turvo aos meus olhos. Sou grata a Ti, por ter colocado as pessoas certas em

meu caminho, que, por meio das suas mos, me ajudaram nessa conquista.

minha querida orientadora Professora Celia Finck Brandt, que acreditou e

confiou em mim, e soube me conduzir sabiamente nesta caminhada, sempre respeitando

as minhas ideias e as minhas limitaes, e ao mesmo tempo, me mostrando que eu podia

sempre mais do que eu imaginava.

Aos meus pais o meu mais sincero agradecimento, pela minha educao e por

todo o apoio que disponibilizavam mesmo de longe, mas ainda assim sempre prximos.

E minha famlia que sempre compreensivos, entediam quando eu trocava as reunies e

festas pelos inmeros livros e a complexa teoria de Raymond Duval, sobre a qual

ouviram muito falar.

Camila e Lincoln, por abrirem as portas de sua casa e por me ouvirem sempre

que precisei. Pelos incentivos, pelas conversas sinceras e por todas as etapas vencidas

que comemoramos juntos. E esta no poderia ser diferente.

minha irm Marina que, com sua habilidade jornalstica de escrever bem e sua

sinceridade em criticar e elogiar sugeria sinnimos e articulava as palavras corretas

sempre que precisei.

Minha amiga e colega de orientao, evento e grupo de estudo Ftima, que me

acompanhou desde o inicio, sempre disposta a ajudar. Com sua amizade e suas dicas

infalveis tornou o processo mais leve e menos complexo. E minha amiga Franciele

que contribuiu com discusses e reflexes que auxiliaram nesta reta final.

banca, que mais do que avaliar e cumprir com o seu dever de Professores,

foram verdadeiros anjos. Minha gratido por suas preciosas sugestes que ajudaram a

tornar a minha pesquisa mais consistente. uma honra saber que meu trabalho foi lido

por esses educadores de peso, os quais j admirava como profissionais e passei a

admir-los tambm como pessoas.

todas os amigos, colegas e professores que, de forma direta ou indireta,

contriburam de alguma forma para que esta etapa pudesse ser cumprida.

Obrigada Deus, por essas pessoas e por mais esta etapa concluda.

Que teu corao deposite toda a sua

confiana no Senhor! No te firmes em tua

prpria sabedoria!" (Provrbios 3: 5)

SCHEIFER, Carine. Design metodolgico para anlise de Atividades de Geometria

segundo a Teoria dos Registros de Representao Semitica. 2017. Dissertao

(Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, 2017.

RESUMO

A presente pesquisa se debruou sobre as especificidades da Teoria dos Registros de

Representao Semitica sobre a Geometria para elaborao de um quadro compilado

de categorias para anlise cognitiva de questes. Fundamentou-se na metodologia de

Anlise de Contedo. A partir deste quadro foi possvel apontar quais aspectos da

referida teoria em relao aprendizagem da Geometria est contemplado em exemplos

de questes da Prova Brasil para o ensino fundamental e mdio. Os objetivos buscados

foram: apontar de que modo esta teoria pode subsidiar teoricamente a organizao do

ensino da Geometria; evidenciar, em exemplos de questes da Prova Brasil, a

ocorrncia das proposies de Duval relativas s ideias da Geometria; e apontar,

possveis encaminhamentos para um ensino com o enfoque cognitivo da teoria. Os

resultados das anlises permitiram inferir que as especificidades cognitivas so

contempladas de maneira superficial e incompleta, e conforme o nvel de ensino das

questes alguns olhares ou apreenses no so requeridos. O quadro de categorias pode

ser estendido para anlises de outros tipos de questes ou resolues, pois permite uma

viso mais ampla do que est sendo valorizado ou deixado de lado no ensino.

Palavras-chave: Teoria dos Registros de Representao Semitica. Geometria. Olhares.

Apreenses. Desconstruo Dimensional.

SCHEIFER, Carine. Methodological design for analysis of Geometry Activities

according to THE Theory of Semiotic Representation Registers. 2017. Dissertao

(Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Ponta Grossa. Ponta Grossa, 2017.

ABSTRACT

The present research focused on the specificities of the Theory of Registers of Semiotic

Representation on Geometry for the elaboration of a compiled framework of categories

for cognitive analysis of questions. It was based on the methodology of Content

Analysis. From this picture, it was possible to point which aspect of the referred theory

concerning the learning of Geometry is contemplated in examples of Prova Brasil

applied to the elementary school and high school. The objectives sought were:

indicating how this theory may theoretically subsidize the organization of the Geometry

teaching; evidence, in examples of questions of the Prova Brazil, the occurrence of

Duval's propositions relating to the ideas of Geometry; and point out, possible referrals

to a teaching with the cognitive approach of the theory. The results of the analyzes

allowed to infer that the cognitive specificities are contemplated in superficial and

incomplete perspectives, and according to the level of teaching of the questions some

views or apprehensions are not required. The category table may be extended for

analyzes of other types of questions or resolutions, it allows a broader view of what is

being valued or neglected in the teaching of Geometry.

Key-words: Theory of Registers of Semiotic Representation. Geometry. Views.

Apprehensions. Dimensional Deconstruction

LISTA DE ILUSTRAES

Grfico 1 - Evoluo dos resultados do Brasil no Saeb (1995 a 2015) Proficincias

mdias em Matemtica ........................................................................................................ 28

Figura 1 Representaes em funo do ponto de vista ..................................................... 41

Figura 2 Desenho proposto na dinmica ......................................................................... 43

Quadro 1 Discurso do locutor durante a realizao da dinmica ..................................... 44

Figura 3 Representaes diferentes de um mesmo discurso. ........................................... 44

Quadro 2 Diferena entre ponto de vista matemtico e ponto de vista cognitivo ............ 49

Figura 4 As quatro maneiras de olhar uma figura geomtrica. ........................................ 52

Figura 5 Exemplos de cones. ........................................................................................... 53

Figura 6 Trs situaes reais de aplicao do teorema de Tales. ..................................... 54

Quadro 3 Definio de Tringulo visualizao de unidades elementares unidades

figurais ................................................................................................................................. 55

Quadro 4 Maneiras de ver uma figura geomtrica ........................................................... 55

Figura 7 Classificao de unidades figurais elementares ................................................. 57

Quadro 5 Exemplo de unidades figurais elementares de um registro figural. .................. 57

Quadro 6 Modificao de elementos figurais e as diferentes percepes ........................ 59

Quadro 7 Problemas propostos a estudantes de 9 ano. ................................................... 59

Figura 8 Exemplo de reconfigurao de um paralelogramo em um retngulo. ............... 61

Figura 9 Exemplo de anamorfose na arte. ........................................................................ 62

Figura 10 Representao do dodecaedro no plano (3D/2D) ............................................. 62

Figura 11 Grades para Anamorfose. ................................................................................ 62

Figura 12 Operao tica de colocar em perspectiva. ...................................................... 63

Figura 13 Duas unidades figurais de mesmo valor e com a mesma orientao. .............. 63

Figura 14 Colocar em perspectiva duas unidades figurais por contextualizao. ............ 63

Figura 15 Representao do losango e do quadrado ........................................................ 64

Figura 16 Representao do contorno de um livro aberto. ............................................... 65

Quadro 8 Diferena entre figura e figura geomtrica. ...................................................... 65

Quadro 9 Diferentes apreenses perceptivas e discursas para uma mesma

representao. ...................................................................................................................... 66

Quadro 10 Processo para construo de um quadrado de lado igual a 4 cm. ................... 67

Figura 17 Atividade que exige apreenso sequencial ....................................................... 68

Figura 18 Atividade que requer a operao de reconfigurao. ...................................... 69

Figura 19 Desenvolvimento da apreenso do exerccio ................................................... 70

Figura 20 Configurao homottica com superposio da figura objeto e da figura

imagem. ............................................................................................................................... 70

Figura 21 Configurao percebida em profundidade. ....................................................... 71

Figura 22 Tringulos homotticos. ................................................................................... 71

Quadro 11 Quadro de Categorias para Anlise Cognitiva. .............................................. 76

Quadro 12 Organizao das categorias para anlise das questes. .................................. 78

Quadro 13 Questo 26 do corpus da pesquisa. ................................................................. 79

Quadro 14 Quantificao e frequncia de categorias identificadas nas questes. ............ 82

Quadro 15 Anlises cognitiva de questes do tipo Figura Geomtrica. ........................... 83

Quadro 16 Anlise cognitiva de questes do tipo Visualizao. ...................................... 87

Quadro 17 Anlise cognitiva de questes do tipo Heurstica. .......................................... 89

Quadro 18 Anlise cognitiva de questes do tipo Construo Geomtrica. .................... 89

Quadro 19 Frequncia percentual das categorias para as questes da Prova Brasil de

ensino fundamental anos iniciais. ..................................................................................... 94

Quadro 20 Anlise cognitiva de questes que exigem somente a apreenso perceptiva

contempladas em questes de 5 ano ................................................................................... 95

Quadro 21 Anlise cognitiva da questo 5. ...................................................................... 98

Quadro 22 Legenda das categorias utilizadas no Software CHIC .................................... 100

Grfico 01 rvore de Similaridade das Categorias das questes do tipo binrio. ........... 101

Grfico 02 Classificao relativa arvore de Similaridade das questes classe A. ...... 102

Grfico 03 Classificao relativa arvore de Similaridade das questes - classe B. ....... 102

Grfico 04 Classificao relativa arvore de Similaridade das questes - classe C. ....... 103

Grfico 05 Classificao relativa arvore de Similaridade das questes - classe D. ....... 104

SUMRIO

INTRODUO ............................................................................................................ 11

1 GEOMETRIA ............................................................................................................ 15

1.1 NATUREZA DOS OBJETOS MATEMTICOS E GEOMTRICOS

ASPECTOS HISTRICOS ........................................................................................ 15

1.2 GEOMETRIA NO CONTEXTO ATUAL ........................................................... 26

2 CENRIO DAS PESQUISAS .................................................................................. 34

2.1 O CENRIO GERAL DAS PESQUISAS SOBRE A TEORIA DOS

REGISTROS DE REPRESENTAO SEMITICA ............................................... 34

2.2 O CENRIO DAS PESQUISAS EM GEOMETRIA LUZ DA TEORIA DOS

REGISTROS DE REPRESENTAO SEMITICA ............................................... 36

3 TEORIA DOS REGISTROS DE REPRESENTAO SEMITICA ................ 40

3.1 SEMITICA ......................................................................................................... 40

3.2 PONTO DE VISTA MATEMTICO X PONTO DE VISTA COGNITIVO ..... 47

3.3 A GEOMETRIA SOB O PONTO DE VISTA DA TEORIA DOS REGISTROS

DE REPRESENTAO SEMITICA ...................................................................... 51

3.3.1 Evoluo dos olhares ...................................................................................... 52

3.3.2 Maneiras de ver .............................................................................................. 54

3.3.3 As unidades constitutivas de uma figura geomtrica ..................................... 56

3.3.4 Tratamentos prprios ao registro das figuras geomtricas ............................. 58

3.3.5 Articulao entre diferentes tipos de apreenses Tipos de Problemas ........ 68

3.3.6 Condies para o desenvolvimento da apreenso operatria das figuras ...... 69

4 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS DE COLETA E ORGANIZAO

ANALTICA DOS DADOS ANLISE DE CONTEDO ..................................... 73

4.1 PR ANLISE COLETA E DEFINIO DAS CATEGORIAS ANALTICAS

.................................................................................................................................... 74

4.2 ANLISE: EXPLORAO DO MATERIAL E DESCRIO ANALTICA .. 81

4.3 RESULTADOS E INFERNCIAS .................................................................... 104

5 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 107

REFERNCIAS ......................................................................................................... 110

APNDICE A TABELA DAS CATEGORIAS PARA ORGANIZAO

ANALTICA DOS DADOS ....................................................................................... 115

ANEXO A ESTADO DA ARTE SOBRE GEOMETRIA E A TEORIA DOS

REGISTROS ............................................................................................................... 116

ANEXO B CORPUS DA PESQUISA: EXEMPLOS DE QUESTES

SELECIONADAS DA PROVA BRASIL ................................................................. 130

11

INTRODUO

Por que os alunos apresentam tanta dificuldade em aprender Geometria? Os

contedos trabalhos em sala de aula so suficientes para desenvolver a aprendizagem da

Geometria? O que precisa estar contemplado no ensino para que o aluno consiga

desenvolver, de fato, a aprendizagem desta disciplina? Indagaes como essas foram

alguns dos elementos motivadores para o desenvolvimento da presente pesquisa. Frente

a essas indagaes, outra questo levantada: O que j foi pesquisado ou j se conhece

sobre os teores dessas indagaes?

Em relao primeira questo, alguns autores como Srgio Lorenzato e Regina

Pavanello apresentam indcios, por meio de uma retomada histrica, tentando explicar o

porqu de tanta dificuldade, por parte dos alunos, e at mesmo dos professores, em

relao Geometria. Pavanello (1993, p.7) percebeu que os alunos, a partir da dcada

de 80, mostravam cada vez menos conhecimentos dos conceitos geomtricos

elementares. Alm disso, muitos professores se mostravam inseguros em incluir a

Geometria entre os temas a serem abordados em suas aulas. Segundo as pesquisas da

autora, isto se deve falta de domnio do contedo e por no saberem desenvolv-lo

com os alunos. Lorenzato (2014, p.28) afirma que h dcadas o ensino da Geometria

tem sido bastante desorientado, frente aos modismos que vo desde o formalismo

exagerado at o empirismo inoperante ou at mesmo a quase ausncia da Geometria em

sala de aula. Segundo o autor, nos ltimos anos, o ensino da geometria vem

apresentando sinais de revitalizao decorrentes de iniciativas locais de grupos de

professores. Apesar de alguns avanos os autores afirmam que ainda h muitas

questes a serem discutidas. Este assunto ser retomado na primeira sesso 1.

Partindo dos pressupostos apresentados por autores citados acima e na tentativa

de encontrar elementos que ajudem a responder s outras duas indagaes iniciais, que

esta pesquisa se desenvolve. Para isto, ela est fundamentada, integralmente, por uma

teoria semio-cognitiva que vem ganhando espao e notoriedade nas pesquisas sobre

Educao Matemtica a Teoria dos Registros de Representao Semitica1, que foi

desenvolvida pelo filsofo e psiclogo francs Raymond Duval. As contribuies desta

teoria sero de grande valia para compreender como os alunos aprendem Geometria e o

1 Em alguns momentos do texto, ser chamada simplesmente de Teoria dos Registros, termo utilizado

pelo prprio autor em sua entrevista concedida Revista Paranaense de Educao Matemtica (DUVAL,

2013) referenciada nesta pesquisa.

12

que precisa ser contemplado no ensino, isto porque, segundo o autor, vai alm do

domnio das matemticas e de sua aprendizagem. Ela trata, na realidade, da prpria

natureza do funcionamento cognitivo do pensamento humano (DUVAL, 2009, p.14).

Com base na Teoria dos Registros, o que est em jogo para as aprendizagens

escolares de base, em primeiro lugar, a importncia de distinguir um objeto (uma reta,

por exemplo) de suas diversas representaes possveis (equao da reta, desenho

geomtrico, grfico de uma reta, etc.). Alm disso, o autor defende que as

representaes semiticas vo alm da funo de comunicao, elas so necessrias ao

desenvolvimento da atividade matemtica, pois so as representaes semiticas que

possibilitam os tratamentos sobre os objetos matemticos.

Para resolver atividades emblemticas da Matemtica, como por exemplo, a

resoluo de problemas, incluindo atividades Geomtricas, Duval (2011, p. 26) afirma

que necessrio que o aluno tenha o controle dos gestos intelectuais especficos da

atividade, e isto no depende da aquisio dos conceitos matemticos, mas sim de uma

tomada de conscincia desses gestos pelos alunos, que acaba sendo a condio

necessria para a aquisio de conceitos. Duval (2011, p. 20) defende que a conscincia

desses gestos intelectuais deveria ser um dos objetivos prioritrios no ensino, pois so

propeduticos a toda atividade de resoluo de problema.

Levando em considerao a importncia da tomada de conscincia dos gestos

intelectuais especficos da Geometria por professores e alunos, o anseio responder:

quais os aspectos da Teoria dos Registros de Representao Semitica em relao

aprendizagem da Geometria esto contemplados nas questes da Prova Brasil? Os

objetivos que se pretende alcanar so:

i) apontar, aps reflexes analticas, de que modo a Teoria dos Registros de

Representao Semitica pode subsidiar teoricamente a organizao do ensino da

Geometria, para uma aprendizagem com atribuies de sentidos e significados;

ii) evidenciar, em exemplos de questes da Prova Brasil, a ocorrncia das proposies

de Duval relativas s ideias da Geometria segundo um ponto de vista cognitivo;

iii) apontar encaminhamentos possveis aos professores, segundo o ponto de vista da

teoria dos Registros de Representao Semitica, que os auxiliem no processo de

apreenso de conceitos matemticos dos alunos referentes aos contedos de Geometria.

As anlises realizadas a partir das obras Duval (2004, 2005, 2011, 2012a,

2012b, 2013) sobre a Geometria, resultaram em um quadro terico compilado com as

especificidades requeridas no ensino da Geometria sob o ponto de vista cognitivo desta

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teoria. Este quadro, denominado Quadro de Categorias para Anlise Cognitiva, pode

facilitar aos professores interessados em apoiar-se nesta teoria, um acesso prtico,

operacional e didtico para conhecimento das ideias que o autor prope em seus

diversos trabalhos de pesquisa.

A partir deste quadro, e com o objetivo de evidenciar a ocorrncia das

proposies de Duval relativas s ideias da Geometria, so escolhidos exemplos de

questes da Prova Brasil de ensino fundamental e mdio, disponibilizadas em

documentos e materiais disponibilizados no Portal Inep2 que apresentam uma srie de

exemplos de itens (questes) sobre matemtica das sries a serem avaliadas. Foram

selecionadas tambm questes dos cadernos de atividades de matemtica dos anos

iniciais e finais do ensino fundamental, desenvolvidos pela Secretaria de Estado da

Educao (PARAN, 2009)3. A partir de uma leitura flutuante, entre as diversas

questes presentes nesses materiais, foram selecionadas as questes que contemplam

contedos de Geometria, totalizando 51 questes, que compem o corpus da pesquisa

(Anexo B).

O tratamento, organizao, descrio analtica dos dados sustentado pela

metodologia de Anlise de Contedo de Laurence Bardin (2009). Portanto, trata-se de

uma pesquisa qualitativa com uma abordagem descritivo-analtica, em que as questes

sero vistas sob um ponto de vista cognitivo, que leva em considerao gestos

intelectuais especficos da atividade geomtrica, e no de um ponto de vista matemtico,

que tem como foco de aprendizagem os contedos da Geometria. A organizao dos

dados ser realizada com auxilio da planilha eletrnica do Excel e do software CHIC

(Classificao Hierrquica Implicativa e Coesiva).

A pesquisa se configura da seguinte forma: a Sesso 1 traz aspectos especficos

do desenvolvimento da Geometria e as influncias histricas e epistemolgicas que

influenciam o ensino nos dias de hoje. Na Sesso 2 feito um ensaio do estado da arte

de pesquisas em Geometria que contemplam a Teoria dos Registros. A Sesso 3 trata da

Teoria dos Registros de Representao Semitica sob a qual est fundamentada esta

pesquisa, e suas contribuies para o ensino e aprendizagem da Geometria sob um

ponto de vista cognitivo. A Sesso 4 aborda os aspectos metodolgicos de coleta,

2 http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb/instrumentos-de-avaliacao Acesso em

15/08/2016.

http://portal.mec.gov.br/prova-brasil/matrizes-da-prova-brasil-e-do-saeb. Acesso em 15/08/2016. 3 Acesso

em 15/08/2016.

http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb/instrumentos-de-avaliacaohttp://portal.mec.gov.br/prova-brasil/matrizes-da-prova-brasil-e-do-saebhttp://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1267

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organizao, categorizao e anlise dos dados, fundamentados na Anlise de contedo

de Laurence Bardin (2009). E finalmente so apresentados os resultados das anlises

das questes evidenciando aspectos da Teoria dos Registros, tais como olhares,

apreenses, desconstruo dimensional, entre outros, contemplados nas referidas

avaliaes, e as consideraes finais.

15

1 GEOMETRIA

1.1 NATUREZA DOS OBJETOS MATEMTICOS E GEOMTRICOS ASPECTOS

HISTRICOS

No h como afirmar, com certeza, quando foi o surgimento da matemtica.

Supe-se que uma das motivaes vem em resposta a necessidades prticas. A

Matemtica, como campo de conhecimento, desenvolveu-se com as primeiras

civilizaes, na Mesopotmia e no Egito, no perodo que se estende aproximadamente

do ano 3500 a.C. at o comeo da era crist. Na Mesopotmia nasceu a forma de

comunicao escrita mais antiga da humanidade: a escrita cuneiforme. Com isto, muitos

registros desta civilizao vieram a funcionar como preciosas fontes para analisar o

estgio do conhecimento matemtico da civilizao mesopotmica. (MOL, 2013, p.

17) Essas primeiras civilizaes orientais do Egito e Babilnia apresentam, segundo

Dieudonn4 (1990, p. 47 apud PONTE et al; 1997), claramente uma concepo de

objetos matemticos concretos, para fins de enumerao, ou medidas de grandezas

(rea, volume, peso, ngulo), por exemplo.

A Escola Pitagrica, fundada por Pitgoras (c. 570-495 a. C.), influenciou mais

tarde a Matemtica de Plato. Esta escola dava destaque a quatro campos do saber:

aritmtica, msica, Geometria e astronomia. Segundo Mol (2013), o misticismo

pitagrico atribua aos nmeros caractersticas e personalidades:

O nmero um a essncia dos nmeros, o gerador de todos os outros

nmeros e o nmero da razo; nele est a origem de todas as coisas e do

divino. O nmero dois o primeiro nmero par ou nmero feminino, o

nmero da opinio. O nmero trs o primeiro nmero masculino, o

nmero da harmonia. O nmero quatro o nmero da justia. O nmero

cinco o nmero do casamento, por ser a unio dos primeiros nmeros

feminino e masculino. Um lugar sagrado reservado ao nmero dez ou

tetractys. Ele considerado o nmero do universo, por ser a soma das

dimenses geomtricas: um ponto, que o gerador de todas as dimenses;

dois pontos, que determinam uma reta de dimenso um; trs pontos no

alinhados, que determinam um tringulo de dimenso dois; e, por fim, quatro

pontos no contidos em um plano, que determinam um tetraedro de dimenso

trs. Desse modo, o nmero dez, que nos primrdios da evoluo matemtica

nasce do mtodo de contagem com os dedos, produzido pelos pitagricos

por um processo puramente abstrato. (MOL, 2013, p.33)

Mais tarde, a partir do sculo IV, Plato, um dos mais importantes filsofos

gregos de todos os tempos, desenvolveu o platonismo. Foi discpulo de Scrates e autor

4 Dieudonn, J. (1990). A formao da matemtica contempornea. Lisboa: Dom Quixote.

16

da obra titulada Repblica. Sua teoria concentra-se na distino de dois mundos: um

visvel e outro cognoscvel. No mundo visvel as imagens so sombras, os reflexos, as

plantas, os seres so todas representaes semelhantes. No mundo cognoscvel, ou seja,

um mundo invisvel e ideal, a alma parte das imagens dos objetos para estabelecer suas

anlises partindo de hipteses. Ou, em um estgio mais evoludo, a alma parte da

hiptese para chegar ao princpio absoluto, sem lanar mo das imagens, e desenvolve a

sua anlise servindo-se unicamente das ideias.

Plato faz analogia dos dois mundos visvel e invisvel com a Geometria:

Ento, sabes tambm que eles utilizam figuras visveis e raciocinam sobre

elas pensando no nessas mesmas figuras, mas nos originais que elas

reproduzem. Os seus raciocnios baseiam-se no quadrado em si mesmo e na

diagonal em si mesma, e no naquela diagonal que traam; o mesmo vale

para todas as outras figuras. Todas essas figuras que modelam ou desenham,

que produzem sombras e os seus reflexos nas guas, eles as utilizam como

tantas outras imagens, para tentar ver esses objetos em si mesmos, que, de

outro modo, s podem ser percebidos pelo pensamento. (PLATO, 2006, p.

297)

Segundo Plato, denomina-se cincia aquelas que possuem hipteses como

princpios, e por meio da cincia que se atinge a inteligncia. Ele atribui esta

especificidade ao clculo e a aritmtica, que so cincias indispensveis, chamadas

primeira cincia, com poder de conduzir verdade pura. E julga no ser fcil encontrar

uma cincia que custem mais a aprender e a praticar do que esta. A Geometria, que

estuda as superfcies, considerada segunda cincia, tambm chamada de conhecimento

discursivo. Em terceiro lugar coloca a cincia que estuda a dimenso de profundidade,

que ainda no havia sido descoberta na poca, devido sua dificuldade e tambm ao

descaso do Estado em investir em tais pesquisas. Em quarto lugar est a astronomia, que

estuda o movimento dos slidos. As duas primeiras Plato denomina inteligncia, e tem

por objeto a essncia. E as duas ltimas, opinio, sendo o objeto a mutabilidade

(PLATO, 2006, p. 326). Boyer (2003, p. 61) afirma que, para Plato, a aritmtica

apresenta uma separao entre os aspectos tericos e computacionais, e com a

Geometria ele defendia a causa da matemtica pura contra a viso materialista do

arteso ou tcnico.

Plato, ao questionar a respeito da estrutura e da natureza da matemtica,

criou novas referencias para sua compreenso e desenvolvimento. Mostrou

ter conscincia sobre o carter abstrato dos objetos matemticos ao distinguir

o mundo real, onde vivem os objetos sensveis, do mundo das ideias,

alcanado atravs da razo. Para Plato, os objetos sensveis so suscetveis a

mutaes, enquanto seus modelos abstratos so imutveis, eternos e

universais. Na matemtica, o interesse est nas figuras abstratas e no em

17

suas representaes reais. Na viso de Plato, a matemtica constitui um

domnio independente e autossuficiente, acessvel atravs do entendimento,

cujas verdades podem ser conhecidas a priori, independentes dos sentidos.

Isso influenciou na noo de demonstrao, onde apenas o uso do raciocnio

dedutivo passou a ser permitido, ficando proibido o recurso experincia

sensvel. A filosofia grega procurava a verdade eterna e imutvel e assim

tambm deveria proceder a matemtica. (MOL, 2013, p.38)

A dialtica em Plato a atividade intelectual por meio da qual se chega

verdade. o exerccio direto do pensamento e da linguagem, e permite superar as

contradies a fim de chegar identidade da essncia ou da ideia imutvel, alcanando

a inteligncia.

Depois de apresentada essa breve retomada, concorda-se com Ponte et al

(1997, p. 10) ao afirmarem que pelo menos desde Plato, os matemticos tm

conscincia de que os objetos sobre os quais raciocinam [...] so seres imateriais obtidos

por abstrao, a partir de objetos acessveis aos sentidos, mas de que deles so apenas

imagens. A atribuio s noes matemticas do carter de objetos de pensamento foi

uma das grandes contribuies dos gregos para o desenvolvimento da Matemtica.

Aristteles (384-322 a.C.) foi um dos discpulos mais famosos de Plato.

Discordava de seu mestre em relao natureza da matemtica e de seus objetos.

Aristteles teria considerado que [...] a perspectiva, segundo a qual o nmero ideal e o

nmero matemtico se identificam, a pior de todas (ARISTTELES, 2012, p. 633).

Aristteles considera desnecessrio separar realidade e aparncia em dois mundos

diferentes, elas existem em um mundo nico. Depois das refutaes sobre as

consideraes de Plato e outros matemticos da poca, Aristteles conclui que os

objetos de que a matemtica trata so abstrados dos sensveis.

Os entes matemticos devem, portanto, existir como potncia nas coisas

sensveis e passam ao ato mediante as nossas atividades heursticas. Os

processos de pensamento que exercemos sobre os objetos do mundo sensvel

fazem com que os entes matemticos, existam em ato. A atualidade e a

potencialidade so conceitos chaves para a compreenso da ideia que

Aristteles tinha a respeito das cincias, [...] tudo o que necessrio para se

obter o conhecimento das coisas est nas prprias coisas [...]. (BARBOSA,

2009, p. 96)

Em relao dialtica de Plato, Aristteles substitui por um conjunto de

procedimentos de demonstraes e prova, criando assim a lgica propriamente dita, a

qual chamou de Analtica.

Com a lgica aristotlica houve grandes contribuies que influenciaram o

desenvolvimento da Matemtica. A respeito disso, Bertrand Russell (1872-1970) afirma

que:

18

[...] a lgica tornou-se mais matemtica e a matemtica tornou-se mais

lgica. A consequncia que agora se tornou impossvel traar uma linha

entre as duas; de fato, as duas so uma. Diferem como um menino e um

homem: a lgica a juventude da matemtica, e a matemtica, a maturidade

da lgica. (RUSSELL, 2007, p. 230)

A cincia, para Aristteles, desenvolve-se a partir dos seguintes passos: parte

da realidade, considerando as caractersticas comuns dos objetos, em seguida os

objetos so agrupados a partir de suas classes de equivalncias, chegando, enfim, ao

conceito genrico que diz respeito representao abstrata da coisa. Aristteles

compartilha com a ideia de Plato que a Cincia um conhecimento necessrio e

imutvel das essncias.

Mol (2013, p. 41) afirma que, na Grcia Clssica, o modelo aristotlico de

lgica, criado e sistematizado por Aristteles, teria a sua melhor materializao na obra

Os Elementos de Euclides cuja formao se desenrolou na Academia de Plato.

Euclides de Alexandria desenvolveu uma obra-prima da matemtica grega. Pode-se at

mesmo afirmar que Aristteles fez pela lgica o que Euclides fez pela matemtica. A

lgica aristotlica viria a reinar absoluta por um singelo perodo de vinte sculos.

(BARBOSA, 2009, p.60).

Segundo Ponte et. al. (1997, p.10) as propriedades dos objetos matemticos

concebidos por Plato e Aristteles, pela primeira vez foram desenvolvidos segundo o

mtodo dedutivo. Mol (2013, p.46) afirma que Os Elementos tm influncias de Plato

ao que se refere natureza abstrata dos objetos matemticos, mas, sobretudo de

Aristteles quanto estrutura do conhecimento matemtico e dos elementos lgicos

usados em sua construo. O autor assegura que a obra de Euclides um perfeito retrato

do carter abstrato e dedutivo da matemtica grega e que influenciou profundamente o

desenvolvimento do pensamento cientfico.

Os primeiros quatro livros tratam de Geometria plana elementar e estudam

propriedades de figuras retilneas e do crculo abordando problemas cuja

soluo se faz com rgua e compasso. O livro V aborda a teoria de

propores e o livro VI aplica essa teoria ao estudo de Geometria. Os livros

VII, VIII e IX versam sobre a teoria dos nmeros. O livro X trata dos

incomensurveis e os livros XI, XII e XIII discorrem sobre Geometria slida.

(MOL 2013, p. 46)

Os Elementos de Euclides representam a primeira axiomatizao da histria da

Matemtica, e foram considerados at o sculo XIX o modelo de verdade, rigor e

certeza. Eles no s constituem a mais antiga e importante obra matemtica grega a

chegar at ns, mas o texto mais influente de todos os tempos (BOYER, 2003, p. 61).

19

Outro estudioso da Grcia, importante no campo da Matemtica, foi

Arquimedes (287-212 a.C.). Desenvolveu ideias primitivas sobre o infinito, limite e

clculos de rea a partir da decomposio de figuras curvas base do que hoje

chamamos de integrao. Segundo Mol (2013, p. 52), a obra de Arquimedes foi

representativa do esprito da cincia da Escola de Alexandria foi um grande inventor

entre os gregos, preocupando-se com as aplicaes, sem deixar de lado o rigor

matemtico. A mquina de guerra foi uma de suas invenes, h relatos de que um

desses engenhos usava espelhos parablicos para fazer convergir raios de sol e atear

fogo aos navios inimigos. (MOL, 2013, p. 53). De maneira semelhante estrutura e

escrita formal dos Elementos de Euclides, Mol (2013, p. 53) afirma que Arquimedes foi

pioneiro da mecnica terica, que at ento eram de natureza especulativa e no

matemtica, estabelecendo, desta forma, profunda relao entre matemtica e mecnica,

que influenciaria a evoluo histrica tanto da fsica quanto da matemtica.

No perodo do saber clssico, importantes contribuies para o conhecimento

matemtico vieram do Oriente. A principal contribuio dos rabes foi a difuso de um

sistema de numerao conhecido como indo-arbico que passou a ser utilizado no

mundo ocidental. Deixou consequncias importantes na estrutura dos nmeros, com seu

sistema de numerao decimal e posicional, com o uso de nove smbolos e do zero -

cuja primeira referncia data do sculo IX (MOL, 2013, p.63). Contribuies no campo

da trigonometria, lgebra, ideia de nmero irracional diferente da concepo que os

gregos tinham sobre o conceito de nmero a famosa frmula do Matemtico Bhskara

atribuda Matemtica Indiana e Arbica.

A matemtica nos sculos XI e XII foi marcada pelo pensamento escolstico,

que procurava sistematizar os objetos da f crist atravs de princpios e instrumentos

racionais, influenciado pela obra de Aristteles. Neste ambiente alcanado o auge da

dialtica quando a linguagem dialtica assumida como roupagem oficial do

pensamento cristo. O discurso lgico-analtico fica em segundo plano at o sculo

XVI, quando o racionalismo clssico, com Spinoza, Descartes, Malebranche e Leibniz

comea a impor o primado de uma cincia integralmente dedutiva. (CARVALHO,

1996, p. 52)

Mudanas significativas ocorreram no perodo que ficou conhecido como

Renascimento. O homem renascentista valorizava a criatividade aliada ao

desenvolvimento da tcnica e acumulao do saber emprico. Este perodo foi

marcado por um renovado interesse pelo passado greco-romano clssico especialmente

20

pela sua arte. O renascimento privilegiou a matemtica e as cincias da natureza. Em

continuidade tradio medieval rabe e europeia, a matemtica foi marcada pelo

desenvolvimento da lgebra. Alm disso, a exatido do clculo influenciou tambm o

projeto esttico dos artistas desse perodo, desenvolvendo novas tcnicas de proporo e

perspectiva. Leonardo da Vinci (1452-1519) um smbolo deste perodo renascentista,

dono de imaginao e criatividade ilimitadas, alm de um profundo esprito de

observao, Leonardo realizou experimentos de forma metdica e usou a expresso

artstica [...] em prol da descrio cientfica. (MOL, 2013, p. 84). O renascimento

desencadeou o movimento filosfico chamado Humanismo, que trouxe, entre outras,

contribuies no campo da astronomia com a teoria heliocntrica. Os humanistas foram

responsveis por conduzir modificaes nos mtodos de ensino, desenvolvendo a

anlise e a crtica na investigao cientfica.

Galileu Galilei (1564-1642) considerado um smbolo revolucionrio, pensa o

mundo com um novo conhecimento. Segundo Bauab (2009, p. 96), moderno em

vrios aspectos, e nos apresenta uma imagem radicalmente inovadora de natureza.

Galileu Galilei discorda do modelo de universo defendido por Aristteles, comparando-

o com um senhor que constri um belo palcio mal alicerado ameaado de

desmoronamento. Segundo Galileu Galilei no se pode compreender o universo sem

antes entender a lngua com que est escrito.

Sr. Sarsi, a coisa no assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande

livro que continuamente se abre perante os nossos olhos (isto , o universo),

que no se pode compreender antes de entender a lngua e conhecer os

caracteres com que est escrito. Ele est escrito em lngua matemtica, os

caracteres so tringulos, circunferncias, e outras figuras geomtricas sem

cujos meios impossvel entender humanamente as palavras; sem eles ns

vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto (GALILEU, 1973, p. 119).

Para Galileu, no bastariam as observaes de fatos empricos isoladas sobre

diferentes eventos fsicos e astronmicos. Faz-se necessrio o saber matemtico,

elemento a priori que antecede e reconstri toda e qualquer experincia acerca do

mundo fsico. [...] H, em Galileu, a defesa de uma clara afinidade entre a razo humana

e uma imanncia matemtica existente nos objetos. (BAUAB, 2009, p. 97).

Considerado por muitos como o pai da cincia moderna, deixou uma contribuio

marcante no mtodo cientfico ao combinar experimentao e matemtica, tendo sido o

primeiro dos pensadores modernos a afirmar que as leis da natureza so matemticas

(MOL, 2013, p.87).

O filsofo e matemtico Ren Descartes (1596-1650) foi fundamental para a

21

construo da matemtica moderna. Figura central do racionalismo e da revoluo

cientfica, Descartes buscava a verdade por meios intelectuais e dedutivos, contrapondo

aos meios sensoriais de Aristteles. Tudo era explicvel em termos de matria e

movimento. Seu mtodo baseava-se na induo e na deduo e consistia nas quatro

premissas seguintes: (i) nunca aceitar algo como verdadeiro que no se conhea

claramente como tal; (ii) repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas

fossem possveis e necessrias a fim de melhor solucion-las; (iii) iniciar pelos objetos

mais simples e mais fceis de conhecer, elevando-se at o conhecimento dos mais

compostos; (iv) efetuar revises nas quais se tenha certeza de nada omitir. Aplicou seu

mtodo na Geometria e na aritmtica, lanando com isso, sua importante obra A

Geometria, de 1637, dando origem a um novo campo na matemtica conhecida hoje por

Geometria Analtica (MOL, 2013, p.96).

Apesar de Descartes no demonstrar muito interesse para com a educao, ele

acabou por influenciar de forma significativa o ensino. Assim como prope seu mtodo,

o ensino atual da maioria das escolas separado por ano, dos contedos mais simples e

fceis, para os mais complexos e difceis, e que sero compreendidos caso se tenha o

conhecimento dos primeiros.

Uma das regras de Descartes rejeitar todo e qualquer conhecimento que no

passe de provvel e confiar somente naquilo que perfeitamente conhecido e que no

suscite dvidas. Depois de algumas consideraes, porm, afirma que esta regra se

limita, entre todas as cincias existentes, somente aritmtica e Geometria

(OLIVEIRA, 2006, p. 58). Esta uma caracterstica bastante notvel no ensino da

matemtica, quando, se exige do aluno certo rigor matemtico, e onde o erro

significado de obstculos e dificuldades que o aluno precisa superar, para que possa

afirmar que ele aprendeu de fato determinado contedo.

Pierre de Fermat (1601-1665), contemporneo de Descartes, deixou

contribuies significativas para o campo da Matemtica. Tinha a Matemtica como

hobby e, sem ter conhecido a obra de Descartes, contribuiu significativamente para o

desenvolvimento da Geometria Analtica por meio de seus manuscritos. Por essa razo,

Fermat pode ser considerado coinventor da Geometria analtica. Mol (2013, p. 97-98)

afirma que sua exposio era muito mais clara e sistemtica que a de Descartes e seu

mtodo muito mais prximo da viso moderna.

A forma de representar objetos matemticos sofreu grande evoluo e assumiu,

a partir de Descartes e Fermat, uma viso mecanicista e um formato que influenciou no

22

somente a forma de pesar do homem, mas tambm o ensino das cincias nas escolas. Na

primeira metade do sculo XVII, inspirado pelas obras de Euclides, Descartes e Galileu,

Isaac Newton (1642-1727) unificou, sistematizou e estruturou os resultados de natureza

infinitesimal e desenvolveu ideias fundamentais sobre mecnica e sobre o clculo

infinitesimal.

No final do sculo XVIII foi criado o sistema mtrico decimal, substituindo

diversos sistemas ento utilizados. O metro foi tomado como a dcima milionsima

parte da distncia entre o Equador e o Polo Norte, e com o passar do tempo, sofreu

alguns ajustes na sua definio, hoje em dia baseada na velocidade com que a luz se

propaga no vcuo. a unidade do Sistema Internacional de medidas, utilizada por toda

a comunidade cientfica, e claro, por grande parte das crianas que frequentam as

escolas. Muitas vezes os alunos aprendem sobre como utiliz-lo sem se dar conta do

porqu de sua existncia. E por utilizar uma unidade de medida padronizada, pronta e

acabada, podem no compreender, muitas vezes, que medir significa comparar

quantidades, independente do tipo de unidade que se utiliza.

Segundo Mol (2013, p. 127), no perodo revolucionrio, com a reorganizao

do ensino francs, a Geometria sofreu uma evoluo. O matemtico Gaspard Monge

(1746-1818), criador da Geometria descritiva, buscava oferecer procedimentos para

aplicar a Geometria resoluo de problemas de natureza prtica. A seguir, com seu

aluno Jean-Victor Poncelet (1788-1867), a Geometria projetiva tornou-se um ramo

autnomo da Geometria, ressaltando a importncia das transformaes geomtricas.

Alm dessas, no sculo XIX houve tambm a criao das Geometrias no-

euclidianas, como a Geometria hiperblica e elptica. Kant (1724-1804) argumentou

que: se h a possibilidade apenas de uma nica Geometria, certos postulados ou noes

comuns seriam teoremas, isto , seria uma consequncia lgica de proposies

primeiras (STRUIK, 1989, p.92). Carl Friedrich Gauss em 1813 disse ter construdo

uma Geometria estranha e totalmente diferente da nossa (GAUSS apud MOL, 2013,

p.128). Criticou, por isso, a viso que se tinha durante pelo menos 18 sculos, de que a

Geometria Euclidiana descrevia fielmente o mundo sensvel. A Geometria plana de

Euclides descrevia o mundo com aproximaes e, segundo Martos (2002, p. 212), para

alguns problemas do homem ela responde satisfatoriamente. Mas para as medidas de

grande escala, necessria a utilizao da Geometria no-euclidiana.

As Geometrias no euclidianas se aproximam muito mais dos problemas do

23

cotidiano. Segundo Carrizo5 (2008), os objetos da natureza parecem ter aparncia de

uma desordem catica e que no se adapta Geometria euclidiana ou clssica, mas com

a Geometria fractal esta desordem mera aparncia, correspondendo a frmulas muito

exatas da ordem fractal.

O exemplo de uma costa rochosa no foi dado por acaso: o caos de uma

costa, como o da superfcie terrestre, um aspecto parcial de uma ordem

superior (csmica) e que escapa analise de nossos sentidos. Frmulas

matemticas relativamente simples podem reproduzir costas e superfcies,

assim como relmpagos e maremotos. A Geometria fractal tambm pode

demonstrar matematicamente a distribuio das galxias do universo e as das

crateras lunares, por exemplo. O caos apenas aparente e, com a Geometria

fractal percebemos que a desordem frequentemente uma ordem muito

complexa, da qual se v uma parte. Essa parte to limitada que nos d a

sensao de caos, mas na realidade, a totalidade magnificamente

ordenada. O homem como parte da Natureza feito com o modelo da

Geometria fractal, os seus rgos so fractais, o msculo cardaco e o crebro

possuem os tecidos aparentemente mais desordenados e caticos no obstante

so os rgos mais complexos e perfeitos, esto em contnua desordem para

ordenar essa maravilhosa rede de tecidos e informaes biolgicas da qual

est formado o ser humano. (CARRIZO, 2008)6

Eis mais alguns exemplos de sua aplicabilidade, segundo Rotini (2011): na

Arte, na Astronomia, no Cinema, na Economia, na Hidrulica, na Geologia, na

Meteorologia e at na Lingustica, onde a teoria dos fractais utilizada na evoluo dos

dialetos. Outra importante contribuio se d no campo da Medicina: por meio da

tomografia computadorizada, possibilita uma nova viso da anatomia interna do corpo

humano, alm de fenmeno cardacos e pulmonares, diagnstico de cncer bucal, entre

outros.

Galileu, ao falar que o mundo est escrito em lngua matemtica, no

imaginara o quanto esta afirmao se aproximaria da recente Geometria dos Fractais,

que consegue traduzir o suposto caos, em uma lgica ordenada.

Apresentaram-se aqui alguns captulos do desenvolvimento de uma cincia to

antiga e indispensvel como a Matemtica. Entre refutaes e aceitaes das ideias de

importantes pensadores, percebe-se que houve, sem dvidas, um extraordinrio

desenvolvimento cientfico e evoluo mental, desde as primeiras civilizaes, e com

certeza sofrer mais mudanas, descobertas, aplicabilidades, no decorrer dos prximos

anos. Ainda mais em um universo dominado por uma era digital, onde as descobertas

so realizadas com um crescimento exponencial, e cujas formas de representar os

5 Formada em Medicina na Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade Estadual de Campinas -

UNICAMP-SO PAULO. Referncia Geometria e fractal 6http://medicinaasuamedida.blogspot.com.br/2008/11/fractais.html (acesso em 30/09/2016)

http://medicinaasuamedida.blogspot.com.br/2008/11/fractais.html

24

objetos matemticos podem ser exploradas das mais diferentes maneiras que se possa

imaginar.

Afinal, em que consiste a natureza dos objetos Matemticos? A Matemtica foi

inventada ou descoberta?

Idealistas, segundo Ponte et al. (1997, p. 3), defendem que objetos

matemticos so livres invenes do esprito humano, que no existem autonomamente

e que possuem, apenas, as propriedades que o pensamento puder determinar. E o

realismo (ou platonismo), segundo este mesmo autor, supe objetos, que embora no

sejam fsicos ou materiais, so reais, imutveis, no mudaro, nem desaparecero. Sua

existncia totalmente independente do nosso conhecimento e o homem limita-se a

descobrir esta realidade objetiva que lhe exterior.

Atualmente fala-se em "platonismo matemtico", termo utilizado pela primeira

vez por Paul Bernays em 1935. O platonismo matemtico defende a tese de que

verdades matemticas so descobertas e no criadas. De fato, no criamos os nmeros,

criamos uma forma de representar os nmeros. Para ensinar o nmero dois uma

criana, por exemplo, lanamos mo de diferentes representaes deste nmero: dois

gatos, duas bolas, dois dedos, o traado do nmero, a palavra (falada ou escrita), etc.

Pois o nmero dois propriamente dito no possui existncia no mundo sensvel, e seu

acesso se d somente por meio de representaes. Outro exemplo a figura de uma reta,

cuja figura propriamente dita impossvel conceber, pois a reta uma figura de uma

dimenso (1D), ou seja, sem espessura alguma, somente com sua medida de

comprimento. Ao desenharmos uma reta, estamos na realidade desenhando uma

representao do que seria uma reta, pois nesta representao h alm do comprimento,

a espessura do traado. Assim como esses dois objetos exemplificados, todos os demais

so da mesma forma, intocveis.

Esta concepo de objetos matemticos intocveis defendida por

contemporneos como o terico Raymond Duval (2013, p. 15), que influenciado por

Frege (1848-1925), desenvolveu a Teoria dos Registros de Representao Semitica.

Ele defende um ensino de matemtica sob o ponto de vista cognitivo, e que deve ser

organizado em termos de transformaes de representaes semiticas e no de

conceitos puramente mentais, j que o acesso aos objetos matemticos se d somente

por meio de representaes. Isto se deve natureza dos objetos matemticos, que

diferente de objetos de outros campos do conhecimento como a fsica, biologia,

geografia, no possuem existncia fsica. A falta de conhecimento desta especificidade

25

um dos motivos que leva o aluno a no compreender matemtica. Esta teoria vem sendo

cada vez mais estudada por pesquisadores da rea da educao matemtica. Mesmo

assim ainda h muito que fazer, pois nas escolas o ensino ainda baseado na

segmentao dos contedos, onde a motivao que o professor considera no ensino est

atrelada no fato do contedo a estudar ser sempre uma premissa para contedos futuros.

Quando na verdade, a motivao deveria ser baseada nos gestos intelectuais que

possibilitem o desenvolvimento do raciocnio lgico dedutivo do aluno que,

consequentemente, levam s apreenses dos conceitos e dos contedos.

A natureza dos objetos matemticos tambm foco de anlise de uma nova

teoria cognitiva chamada de Teoria Antropolgica do Didtico (TAD) (CHEVALLARD

et. al. 2001). Nesta teoria so levados em conta dois aspectos complementares da

atividade humana, o aspecto estrutural e o aspecto funcional.

O aspecto estrutural composto por dois blocos interdependentes e

inseparveis, o bloco da prtica a prxis, e o bloco do saber o logos, e estes

blocos constituem o que o autor chama de a praxeologia (tambm so denominadas

organizaes). Segundo Chevallard, Bosch e Gascn (2001, p. 251)

Na atividade matemtica, como em qualquer outra atividade, existem duas

partes, que no podem viver uma sem a outra. De um lado esto as tarefas e as

tcnicas e, de outro, as tecnologias e teorias. A primeira parte o que podemos

chamar de prtica, ou em grego, a prxis. A segunda composta por

elementos que permitem justificar e entender o que feito, o mbito do

discurso fundamentado implcito ou explcito sobre a prtica, que os

gregos chamam de logos.

Podemos tomar como exemplo de prxis da praxeologia a seguinte atividade,

em que h vrias tarefas para o mesmo tipo de tarefa: Determinar a soma dos nmeros

decimais: a) Tarefa 1: Somar 1,5 + 0,9; b) Tarefa 2: Somar 3,1 + 0,50; c) Tarefa 3:

somar 1,03 + 13 + 0,7. O logos, por sua vez, composto por um discurso racional e uma

teoria, a fim de garantir que uma dada tcnica permita realizar as tarefas, tornando-a

inteligvel e permita produzir novas tcnicas.

Segundo o aspecto funcional da TAD, para que o indivduo consiga dominar

um determinado conhecimento, necessrio que o processo de estudo passe por seis

momentos didticos: o primeiro encontro, o momento exploratrio, o trabalho da

tcnica, o tecnolgico, o terico, a institucionalizao, a avaliao (CHEVALLARD;

BOSCH; GSCON, 2001, p. 276).

Segundo a TAD durante a realizao de uma tarefa matemtica, trabalhamos

com dois tipos de objetos: os objetos ostensivos e os no-ostensivos. Objetos ostensivos

26

se baseiam nas sensaes, so aqueles possveis de serem percebidos pelos sentidos

(pelo toque, pelo olhar e pelo ouvir). Ou seja, so objetos passveis de certas

representaes materiais como signos, imagens, sons, gestos, etc. Os objetos no-

ostensivos parecem estar baseados na razo, so invisveis e inobservveis, assim como

as representaes mentais, porm so objetos de uma mente social e no de uma mente

individual. Eles no so percebidos pelos sentidos, so as intuies, ideias, conceitos,

definies, etc. Estes objetos esto presentes na organizao da atividade matemtica, e

so utilizados para manipular certos objetos ostensivos que lhes so associados, tais

como uma palavra, uma frase, uma escrita, um grfico, um gesto ou todo um discurso

(BOSCH, 2000, p. 4).

H uma dicotomia entre estes dois tipos de objetos. Essa dicotomia chamada

de Dialtica do policiamento ostensivo e no-ostensivo, em que objetos no-

ostensivos emergem da manipulao de objetos ostensivos, mas ao mesmo tempo, essa

manipulao sempre guiada e controlada por objetos no-ostensivos (BOSCH, 2000,

p.4).

A autora afirma que

Desde o momento em que se consideram os objetos ostensivos como

constitutivos das organizaes matemticas e os ingredientes primrios

das tarefas, tcnicas, tecnologias e teorias, se apresentam, em primeiro

lugar como instrumento da atividade matemtica, ferramentas materiais

sem as quais no se poderia realizar a atividade. [...] O que importa ao

realizar uma atividade matemtica, no tanto o que a ferramenta pode

representar, mas sim sua adequao e efetividade na realizao da

atividade (BOSCH, 2000, p. 8, traduo nossa).

1.2 GEOMETRIA NO CONTEXTO ATUAL

Existem inmeros argumentos a favor do ensino da Geometria que permitem

explorar amplamente a discusso sobre seu valor educacional. Um deles pode ser a

ampla aplicao em diversos campos, como visto anteriormente a respeito da Geometria

fractal e a medicina, por exemplo. Outros fatores que reafirmam a necessidade de

ensinar Geometria podem ser, segundo Pavanello (2004, p. 3), a pouca capacidade de

percepo espacial de grande nmero de alunos requerida no exerccio, ou compreenso

de mltiplas e variadas atividades profissionais, dificuldade de alunos do ensino

superior em compreender o processo de demonstrao, ou utilizar qualquer tipo de

representao geomtrica para a visualizao de conceitos matemticos. Alm disso, a

importncia da Geometria se d, devido seus objetivos de desenvolver a capacidade de

27

abstrair, generalizar, projetar, transcender o que imediatamente sensvel. Pode

contribuir para a formao do aluno, desenvolvendo arte da especulao que se

expressa no estilo hipottico-dedutivo do pensamento geomtrico (WHEELER 1981, p.

352 apud PAVANELLO 2004, p. 6)7. Pavanello (1993, p. 16), por sua vez, afirma que

o trabalho realizado com a Geometria pode favorecer a anlise dos fatos e de relaes,

o estabelecimento de ligaes entre eles e a deduo, a partir da, de novos fatos e novas

relaes..

Segundo Freudenthal (1956 apud GAZIRE 2000, p.123) a Geometria permeia

toda a aritmtica, toda a lgebra e toda a anlise, funcionando, muitas vezes, como

elemento acautelador. J Bourbaki (s.d. apud GAZIRE, 2000, p. 123) diz que a

Geometria clssica importante devido o seu papel indiscutvel no desenvolvimento da

Matemtica.

Lorenzato (2014, p. 29) diz que o estudo da Geometria importante para a

formao das pessoas, pois desenvolve habilidades especficas de raciocinar. Segundo

este autor, ser bom conhecedor de aritmtica ou de lgebra no suficiente para

resolver problemas de Geometria.

Inmeros argumentos reafirmam a importncia do ensino da Geometria para a

formao do aluno. Alm dos argumentos apresentados acima, h tambm os resultados

das avaliaes em larga escala, que do indcios de que o ensino no pas realmente

precisa passar por mudanas, conforme ser apresentado a seguir.

Por meio dos dados apresentados por programas de avaliaes nacionais,

percebemos que a realidade da educao no Brasil est bastante precria. Infelizmente a

Prova Brasil e o Pisa no mostram resultados do desempenho dos alunos especficos da

Geometria, mas possvel perceber que a dificuldade geral, para todos os campos da

Matemtica. Segundo dados do Pisa8 (Programme for International Student

Assessment) o Brasil ficou entre os 10 piores classificados em matemtica, sendo que

em 2009, entre 61 pases avaliados, o Brasil ocupou a 53 posio, com 386 pontos. Em

2012, entre 65 participantes, o Brasil ficou na 58 posio, com 391 pontos. E em 2015,

entre 70 pases, se encontra na 66 posio, com 377 pontos.

Em mbito nacional existe a Prova Brasil e o Sistema de Avaliao da

Educao Bsica (SAEB) que so avaliaes para diagnstico, em larga escala,

7 WHEELER, D. Imagem e pensamento geomtrico. CIEAEM - Comtes Rendus de 1a 33e Rencontre

Internationale, p.351-353, Pallanza, 1981. 8 http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-Brazil-PRT.pdf Acesso em 14/10/2016.

28

desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio

Teixeira (Inep/MEC). So testes aplicados para turmas de quinto e nono anos do ensino

fundamental e terceiro ano do ensino mdio. As mdias de desempenho nessas

avaliaes tambm subsidiam o clculo do ndice de Desenvolvimento da Educao

Bsica (Ideb), ao lado das taxas de aprovao nessas esferas.

Segundo os dados do Sistema de Avaliao da Educao Bsica (SAEB) de

2015 as proficincias mdias em Matemtica evoluram nos anos iniciais e finais do

Ensino Fundamental, mas caram no Ensino Mdio pela segunda vez consecutiva.

Grfico 1 - Evoluo dos resultados do Brasil no Saeb (1995 a 2015) Proficincias mdias em

Matemtica

Fonte: Diretoria de Avaliao da Educao Bsica DAEB/INEP. Disponvel em:

http://provabrasil.inep.gov.br/ Acesso em 23/02/2017.

A escala de proficincia permite interpretar o significado dos indicadores. Para

o terceiro ano do ensino mdio, o nvel desejado de conhecimento o nvel 6 que fica

na faixa de 350 3759. Como a nota apresentada neste ltimo indicador de 267, neste

caso, os estudantes encontram-se no nvel 2, podendo ser capazes de reconhecer as

coordenadas de pontos representados em um plano cartesiano localizados no primeiro

quadrante.

A mdia nacional dos alunos do Ensino Fundamental anos finais de 256

pontos, encontra-se no nvel 3 (250 275). Neste nvel o estudante provavelmente

capaz de reconhecer o ngulo de giro que representa a mudana de direo na

9 http://provabrasil.inep.gov.br/escalas-de-proficiencia

282 289 280 277 279 271 273 275 275 270 267

253 250 246 243 245 240247 249 253 252

256

191 191181 176 177 182

193204 210

211219

Saeb

19

95

Saeb

19

97

Saeb

19

99

Saeb

20

01

Saeb

20

03

Saeb

20

05

Saeb

20

07

Saeb

20

09

Saeb

20

11

Saeb

20

13

Saeb

20

15

Ens. Mdio Ens. Fundamental - Anos Finais Ens. Fundamental - Anos Iniciais

http://provabrasil.inep.gov.br/

29

movimentao de pessoas/objetos. Reconhecer a planificao de um slido simples,

dado atravs de um desenho em perspectiva. Localizar um objeto em representao

grfica do tipo planta baixa, utilizando dois critrios: estar mais longe de um referencial

e mais perto de outro.

Os estudantes do ensino fundamental anos iniciais, encontram-se no nvel 4

(200 225) com 219 pontos. Indicando que os alunos provavelmente so capazes de

reconhecer retngulos em meio a outros quadrilteros e de reconhecer a planificao de

uma pirmide dentre um conjunto de planificaes.

Segundo dados do Sistema de Avaliao da Educao Bsica (Saeb), o nvel

de aprendizado dos alunos do ensino mdio em matemtica o pior desde 2005, incio

da srie histrica da avaliao. Apesar do desempenho insuficiente do ensino mdio,

fundamental apresenta evoluo no Saeb 2015. Os baixos nveis, atingidos pela maioria

dos alunos, indicam dificuldades em conhecimentos bsicos requeridos nas atividades

de Geometria.

Quanto ao ensino das Geometrias nas escolas, seus estudos vm sendo

negligenciados ou pouco explorados pelos professores. Isto confirmado por vrios

autores que apontam a grande dificuldade que muitos docentes tm em ministrar

contedos de Geometria para os alunos do Ensino Fundamental e Mdio

(PAVANELLO, 1993; LORENZATO, 1995; ALMOULOUD, 2004). Isto acontece

devido o rigor exigido nas demonstraes da Geometria de Euclides, e o pouco

conhecimento que os professores tm a respeito das Geometrias no euclidianas, por seu

desenvolvimento ser mais recente, e pela falta de formao para trabalhar com este novo

campo do saber matemtico.

O ensino da Geometria, acompanhado por mudanas educacionais, polticas,

econmicas e sociais, sofreu modificaes no decorrer do tempo, influenciando a forma

como se ensina esta disciplina nos dias de hoje. Conhecer essas mudanas importante,

pois pode dar indcios de algumas respostas do porqu de muitos alunos apresentarem

dificuldades em desenvolver a aprendizagem da Geometria.

Por este motivo, com base em alguns pesquisadores como Pavanello e

Lorezato, sero apresentados de forma sucinta, alguns fatos histricos que foram

decisivos no desenvolvimento do ensino da Geometria e como se caracteriza nos dias

atuais.

Regina Pavanello (1993, p.7) percebeu que os alunos, a partir da dcada de 80,

mostravam cada vez menos conhecimentos dos conceitos geomtricos elementares.

http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2015/11/03/1133159/secretarios-educacao-querem-mudanca-curriculo-ensino-medio.html

30

Alm disso, muitos professores se mostravam inseguros em incluir a Geometria entre os

temas a serem abordados em suas aulas. Segundo as pesquisas da autora, isto se deve

falta de domnio do contedo e por no saberem desenvolv-lo com os alunos. Em

busca de respostas para o porqu deste abandono, a autora faz uma retomada de como se

deu o desenvolvimento do ensino da matemtica no Brasil desde o incio do sculo XX.

Segundo Pavanello (1993), nessa poca, o Brasil era um pas essencialmente

agrcola, com poucas indstrias. O ensino da matemtica na escola primria era

totalmente utilitrio, onde se buscava o domnio das tcnicas operatrias necessrias

vida prtica e s atividades comerciais. No ensino secundrio, os contedos de

matemtica (aritmtica, lgebra, Geometria, etc.) eram ensinados separadamente por

professores diferentes. Trabalhava-se algumas noes de Geometria, por meio de

tratamento puramente abstrato, sem preocupao com aplicaes prticas.

Depois da 1 Guerra Mundial e com o aumento significativo na produo

industrial brasileira, comearam as preocupaes relativas ao analfabetismo, difuso

da escola primria, qualidade do ensino, bem como formao de profissionais para

atuar nas escolas. No ano de 1930 foi criado o Ministrio da Educao e Sade, que

estabelecem a reestruturao do ensino superior. Na sequncia, por meio de um

documento conhecido como o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, alguns

educadores brasileiros exigiam a criao de um sistema unificado de ensino sob a

responsabilidade do Estado. Este documento acabou influenciando a constituio de 34.

Mais tarde, com a constituio de 37, a educao deixa de ser considerado um

dever do Estado. Segundo Pavanello (1993, p. 10) dois fatos ocorridos neste perodo

influenciaram o ensino da matemtica e da Geometria. Primeiro, a criao das

Universidades de So Paulo e do Rio de Janeiro, nos anos de 1934 e 1935,

respectivamente, e com isto, iniciaram-se os primeiros cursos destinados formao dos

professores de diversas disciplinas do ensino secundrio. E segundo, dividir o ensino

secundrio em fundamental e complementar. Da vem a tentativa de unir os diferentes

ramos da matemtica para um s professor, a fim de integrar os vrios assuntos a serem

ensinados. O ensino da Geometria deveria iniciar com as ideias intuitivas, para depois

desenvolver a sistematizao e finalmente a formalizao. Apesar da tentativa, nos

livros didticos da poca no havia a preocupao com a integrao dos assuntos.

Em 1942 houve a reforma do ensino profissional devido demandas econmicas

e polticas, porm o curso secundrio ainda era o mais procurado, pois possibilitava o

acesso a qualquer ramo do ensino superior. E por ser criticado pelo seu excesso de

31

formalismo, passou por uma reestruturao. O primeiro ciclo passou a ser composto

pelo curso ginasial (4 anos de durao) seguido do curso clssico ou do curso cientfico

(3 anos de durao). Com esta configurao, a Geometria era abordada intuitivamente

nas duas sries iniciais, e dedutivamente nas ltimas, incluindo no currculo a

trigonometria e a Geometria analtica. Houve quem criticasse esta reforma, acusando de

ser um programa longo e meramente formal.

Segundo Pavanello (1993, p. 12), em fins da dcada de 50 e incio de 60 h um

desenvolvimento econmico e industrial acelerado, influenciando mais uma vez o

ensino no pas. A lei de 1961 das Diretrizes e Bases da Educao Nacional determina

que a Matemtica do curso secundrio nas trs primeiras sries, ser fundamentalmente

de natureza instrumental, e nas sries finais, ressaltar a unidade da matemtica e as

relaes com as demais disciplinas. No incio da dcada de 60, com o Movimento da

Matemtica Moderna, so lanados os primeiros livros didticos. Neles h preocupao

excessiva com as estruturas algbricas. Para o ensino da Geometria adota-se, para sua

representao, a linguagem da teoria dos conjuntos, e uma abordagem que se concretiza

por meio da utilizao dos teoremas e postulados. Esta forma de ensino no privilegia o

desenvolvimento do pensamento hipottico dedutivo do aluno. Os problemas que havia

no ensino tradicional, segundo a autora, s aumentaram. Alm de dificuldades dos

professores em relao aos mtodos e ao conhecimento, havia agora o problema em

saber desenvolver uma Geometria sob o enfoque das transformaes. Com isso, muitos

professores acabaram deixando de ensinar Geometria. Este problema agravou-se com a

LDB de 1971, que permite que cada professor monte seu programa de acordo com as

necessidades da clientela.

O estudo da Geometria passa a ser feito quando no eliminado apenas

no segundo grau, com o agravante de que os alunos apresentam uma

dificuldade ainda maior em lidar com as figuras geomtricas e sua

representao por que o Desenho geomtrico substitudo, nos dois graus do

ensino, pela Educao Artstica. (PAVANELLO, 1993, p. 13)

A autora afirma que a implantao da Lei 5692/71 provoca srias

consequncias no ensino, h uma superlotao de classes, piores condies de trabalhos

para os professores, no h qualquer tipo de apoio pedaggico ou tempo e espao para

debates e reflexes sobre o seu trabalho.

A partir desses eventos brevemente citados acima, a autora afirma que a

ausncia do ensino da Geometria e nfase no da lgebra poderiam estar prejudicando a

32

formao dos alunos por priv-los da possibilidade do desenvolvimento integral dos

processos de pensamento necessrios resoluo de problemas matemticos.

At ento, as tentativas de adequar a Geometria ao ensino no obtiveram

resultado satisfatrio, porque, segundo Gazire (2000, p.135), todas elas enfatizavam

apresentaes ou transmisses de aspectos abstratos e formais da Geometria.

Segundo Santana e Zuin (2016, p. 1) entre os anos de 1968 e 1974 o Plano

Setorial de Educao e Cultura (PSEC) estabeleceu 34 projetos de carter prioritrio,

controlados e avaliados sistematicamente, que trouxeram singularidades para a

educao do pas. Entre eles, destaca-se o Programa de Expanso e Melhoria do Ensino

Mdio (PREMEM), e o Programa de Expanso e Melhoria de Ensino (PREMEN), com

o Projeto de Novos Materiais para o Ensino10, que privilegiou o ensino da Geometria

com um tpico chamado Geometria Experimental, baseado na ideia de que este um

tema altamente integrador. As unidades eram destinadas a alunos de 3 a 5 sries do

ensino fundamental, com atividades que tornavam a aprendizagem mais natural, por

meio de experimentao, questes motivadoras, levando em considerao as diferenas

de cada aluno, incentivando a criatividade, propondo atividades com material concreto e

passando gradativamente para as anlises lgicas. Gazire (2000, p. 136) considera que

este material e as ideias contidas nele influenciaram a criao de muitos projetos para o

ensino da Geometria no pas. Importantes matemticos contriburam com o projeto,

como por exemplo, Ubiratan DAmbrsio, Hassler Witnhey, Guy Brosseau. Embora

polmico, o programa rompeu muitas barreiras.

No final dos anos 70 e incio dos anos 80 surge o campo da Educao

Matemtica, bem como a criao da Sociedade Brasileira de Educao Matemtica

(SBEM) e os primeiros programas de ps-graduao em educao matemtica. O

objetivo de estudo desta nova rea a relao e determinao entre ensino,

aprendizagem e conhecimento matemtico em um contexto sociocultural especfico.

(FIORENTINI, LORENZATO, 2009, p. 9). H tambm outros fatos importantes

enumerados por Lorenzato (2014, p.14) como, por exemplo, a implantao do Sistema

de Avaliao da Educao Bsica (Saeb); os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN);

o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem); a Prova Brasil e a Provinha Brasil, assim

como o Plano Nacional do Livro Didtico (PNLD). Isso tudo aliado ao grande avano

da Tecnologia de Informtica e Comunicao (TIC) que possibilitou o desenvolvimento

10 Projeto: Novos Materiais para o Ensino da Matemtica PREMEN MEC/IMECC UNICAMP.

Diretor: Ubiratan DAmbrsio 1972 1974.

33

do Ensino Distncia (EaD). Hoje em dia o Estado deixou de ser o provedor do sistema

de ensino e passou a ser avaliador. Foram institudos programas de avaliaes como o

Programme for International Student Assessment (Pisa) e as Olimpadas de Matemtica,

que descobre muitos jovens talentosos em matemtica. Alm disso, os educadores

recebem apoio das Secretarias Estaduais de Educao por meio de publicaes,

atividades, experincias, propostas curriculares, subsdios para o ensino da Matemtica.

(LORENZATO, 2014, p. 15)

O ensino de Geometria uma das questes que desafia a Educao

Matemtica, pois conforme afirma Lorenzato (2014, p.28), h dcadas tem sido bastante

desorientado, frente aos modismos que vo desde o formalismo exagerado at o

empirismo inoperante ou at mesmo a quase ausncia da Geometria em sala de aula.

Segundo Lorenzato (2014, p. 28) nos ltimos anos o ensino da Geometria vem

apresentando sinais de revitalizao decorrentes de iniciativas locais de grupos de

professores. Apesar disso, h muitas questes a serem discutidas que envolvem temas

como, por exemplo, a Geometria presente nas propostas curriculares e livros didticos,

equilbrio entre o intuitivo e o dedutivo, o concreto e o abstrato, o experimental e o

textual, a Geometria nos cursos de formao de professores, entre outros.

34

2 CENRIO DAS PESQUISAS

Depois de retomar alguns aspectos gerais da Geometria, conforme apresentado

na seo anterior, importante conhecer o que as pesquisas abordam em relao ao

ensino sob o ponto de vista da Teoria dos Registros em geral e tambm com foco nas

especificidades da Geometria.

2.1 O CENRIO GERAL DAS PESQUISAS SOBRE A TEORIA DOS REGISTROS

DE REPRESENTAO SEMITICA

As pesquisas sobre a Teoria dos Registros de Representao Semitica de

Raymond Duval vem se ampliando consideravelmente entre pesquisadores e

professores interessados em encontrar alternativas para melhorar o ensino da

matemtica de modo a considerar um ponto de vista cognitivo. Ser apresentado um

panorama geral sobre o cenrio das produes que utilizam a teoria dos Registros, em

diferentes aspectos, desde 1997 at 2015. Em seguida ser feito um recorte, enfocando a

anlise em produes sobre as teorias dos Registros e a Geometria. Em uma busca por

trabalhos que utilizam o referencial terico de Raymond Duval realizada em 25

Universidades do pas foram encontradas 196 teses e dissertaes desde 1997 at 2015.

Foi realizada uma anlise dos resumos das pesquisas voltadas para Geometria luz da

Teoria dos Registros, que ser apresentada a seguir.

Pesquisas realizadas entre os anos de 1990 a 2005 esto contempladas no artigo

intitulado Registros de representao semitica nas pesquisas brasileiras em educao

(COLOMBO; FLORES; MORETI, 2008). Neste perodo j se notava o crescente

interesse dos pesquisadores em considerar as contribuies de Raymond Duval como

alternativas na busca de solues para os problemas da aprendizagem da matemtica.

Segundo Colombo et. al. (2008) a preocupao dos pesquisadores nesse

primeiro perodo, ao se valerem de aspectos da Teoria dos Registros de Representao

Semitica, gira em torno de buscas para possveis solues a fim de minimizar as

principais dificuldades apresentadas por alunos de diferentes nveis de ensino. Utilizam

como metodologia, na maioria das vezes, as sequncias didticas pautadas em

atividades especficas dos contedos investigados, aplicadas aos alunos e analisadas

qualitativamente.

35

Um artigo produzido por Ferreira, Santos e Curi (2013) complementa o

mapeamento anterior com anlise de 80 dissertaes e teses da rea de Educao

Matemtica no Brasil, disponibilizados no portal da CAPES, que tiveram seus

direcionamentos na teoria dos Registros de Representao Semitica de Raymond

Duval entre os anos de 2002 a 2012.

Os dados evidenciam, segundo os autores, as preocupaes dos pesquisadores

em determinar dificuldades de aprendizagem dos alunos em torno de um tema

especfico, voltados muito mais para a confirmao e validao de hipteses luz da

teoria, e pouca preocupao com questes referentes a aspectos da prtica e da formao

dos professores (FERREIRA, SANTOS e CURI, 2013). Nos trabalhos de mestrado o

foco foi quase que exclusivo nas operaes de tratamento e converso de um objeto, o

que predominou foi a ideia de que compreender matemtica significa transitar e

coordenar por pelo menos dois registros de representao semitica distintos

(FERREIRA et. al. 2013). Os dados apontam ainda s necessidades de reflexes e

discusses para desenvolvimento de prticas dos professores que deem conta de

trabalhar com as mobilizaes de registros que, em termos de congruncia, um desafio

para a maioria dos alunos em Matemtica. Esta preocupao com a prtica observada

somente em alguns trabalhos de doutorado que propem novas estratgias de ensino e

de aprendizagem, procuram articular a teoria dos registros com outras teorias da

Educao Matemtica, considerando o currculo, a formao de professores, e aspectos

cognitivos da teoria (FERREIRA et. al. 2013). Quanto metodologia os autores

apontam que todas as pesquisas utilizam uma abordagem qualitativa. A Engenharia

Didtica aparece na maioria dos trabalhos, e adotaram as sequncias didticas para

elaborao de instrumento para coletar e analisar os dados das investigaes.

Outro levantamento que contribui para compor este cenrio das pesquisas da

Teoria dos Registros de representao Semitica intitula-se O Cenrio da Pesquisa no

Campo da Educao Matemtica Luz da Teoria dos Registros de Representao

Semitica, e compreende o perodo de 2006 a 2009 (BRANDT, MORETTI, 2014). A

partir das pesquisas os autores apontaram vrias temticas do campo da Educao

Matemtica que se valem da teoria dos Registros, ressaltando que, cada um dos

trabalhos analisados referia-se a diferentes contedos matemticos. Os resultados

analisados permitem assinalar inmeras contribuies que os estudos desta teoria

podem trazer para o campo da Educao Matemtica. Segundo os autores, as pesquisas

apontam caminhos alternativos para a conduo da prtica educativa dos professores

36

que ensinam matemtica, e o mais importante, para todos os graus de ensino. Alm

disso, diferentes metodologias podem ser desenvolvidas luz da teoria para

encaminhamento do processo de ensino como, por exemplo, resoluo de problemas e

modelagem matemtica. Outra importante contribuio a confirmao do paradoxo de

Duval, de que no se podem acessar os objetos matemticos a no ser por meio de suas

representaes, o que faz com que se torne complexa a aprendizagem da matemtica.

Apontam ainda a necessidade de desenvolver estudos e pesquisas da teoria de

representaes semiticas de Raymond Duval visto que os subsdios tericos das

representaes semiticas para o trabalho com a matemtica tm se mostrado como

possibilidades para uma melhor compreenso da matemtica em qualquer grau de

ensino (BRANDT, MORETTI, 2014).

2.2 O CENRIO DAS PESQUISAS EM GEOMETRIA LUZ DA TEORIA DOS

REGISTROS DE REPRESENTAO SEMITICA

Entre as 196 teses e dissertaes encontradas no levantamento realizado sobre

a Teoria de Duval, 35 so direcionadas a aspectos da teoria dos Registros no tocante a

Geometria11. Com base nos resumos destas pesquisas, percebe-se a preocupao dos

pesquisadores em colocar em prtica os pressupostos da Teoria dos Registros e tambm

em validar algumas afirmativas a respeito da aprendizagem da Geometria defendida por

Duval.

Muitas delas se utilizam de metodologias voltadas para uma proposta de ensino

baseado em Teorias como as Situaes Didticas, Engenharia Didtica, elaborao de

sequncia de atividades, que so aplicadas ora para alunos, ora para professores em

formao, ou ainda, em menor nmero, para professores que atuam nas redes ensino.

Essas pesquisas tm como objetivo, muitas vezes, a tentativa de propor um ensino que

supere as dificuldades de apreenso de conceitos de objetos matemticos, bem como, a

validao dos pressupostos da Teoria dos Registros. Aspectos como estes so

contemplados em pesquisas como as que esto apresentadas a seguir.

Muitos pesquisadores se preocuparam em desenvolver propostas de atividades,

com objetivo de por em prtica as sugestes apresentadas por Duval com sua teoria dos

Registros. Maciel (2004), por exemplo, faz uma anlise das dificuldades dos alunos a

11 Os resumos deste estado da arte sobre a Geometria e a Teoria dos Registros esto apresentados no

Anexo B.

37

respeito do conceito de homotetia, concluindo que atividades que trabalham com a ideia

de projeo e sombra de variados tipos de configuraes, propicia uma abordagem

ampla do conceito de semelhana. Maioli (2002) preocupa-se com a formao de

professores e prope uma sequncia que leva em conta importncia da utilizao de

diversos registros de representao. Mello (1999), por sua vez, desenvolve uma

sequencia didtica como proposta metodolgica para introduzir a tcnica da

demonstrao, articulando as teorias de Duval (1993, 1995, 1998) e Balacheff12 (1987,

1988). Vrios pesquisadores, entre eles, Facco (2003), Andrade (2007), Bolda (1997) e

Buratto (2006) apresentam proposta para o ensino do conceito de rea por meio do

tratamento figural de reconfigurao propondo atividades que trabalham a composio e

decomposio de figuras geomtricas. De maneira geral, esses autores confirmaram por

meio das sequencias didticas a necessidade de levar em conta a importncia e a

complexidade das habilidades visuais na aprendizagem da Matemtica por meio de sua

explorao heurstica, confirmando e validando aspectos da Teoria dos Registros.

Muitas pesquisas se preocupam tambm em articular a Teoria dos Registros

com ambientes computacionais como os softwares Geogebra e Cabri 3D. As trs

pesquisas a seguir utilizaram como metodologia a Teoria das Situaes Didticas de

Guy Brousseau (1986, 1995). Haruna (2000) analisou como se processa a apreenso do

conceito do teorema de Thales por alunos e tambm constatou que o uso do computador

pode favorecer a superao dos obstculos ou proporcionar outros. Rocha (2009) props

um ambiente computacional ao aprendizado da Geometria Hiperblica na formao do

professor de Matemtica baseando-se nos estudos sobre a compreenso das

demonstraes de Duval. Miranda (2009), por sua vez, desenvolveu uma ferramenta

computacional, utilizando tcnicas de Processamento de Lnguas Naturais e inseriu

nesta ferramenta sequncias didticas no campo da Geometria das Transformaes, que

proporcionou a aprendizagem dos alunos, que foram capazes de dar encadeamento

necessrio a uma demonstrao a partir de frases j redigidas.

Algumas pesquisas como Freitas (2009), Salazar (2009) e Santos (2010)

procuram investigar sobre o papel didtico dos softwares de Geometria dinmica.

Destacando aspectos importantes da Teoria dos Registros, tais como a possibilidade de

12 BALACHEFF, N. Processus de preuve et situations de validation. Educational Studies in

Mathemtiques, vol. 18, n.2, Mai 1977, p. 147-176, 1987.

BALACHEFF, N. Une tude des processos de preuve em Mathemtiqueschez des leves de collge.

Thse dtat, Grenoble: Universit Joseph Fourier, 1988.

38

mobilizao de mais de um tipo de registro, facilita a apreenso perceptiva e as

operaes figurais, e permite a sua visualizao.

A pesquisa de Palles (2013) procura evidenciar a ausncia de elementos

essenciais para o desenvolvimento da visualizao presentes em uma sequencia didtica

desenvolvida por Possani (2012) sobre o clculo de volume do icosaedro no Cabri 3D.

A autora prope modificaes a esta sequncia que permitam ento o desenvolvimento

da visualizao. Almeida (2010) se preocupa com a possibilidade de resgatar o ensino

dos Slidos Arquimedianos nas escolas. A partir de anlises do procedimento

renascentista, a autora percebe que os tratamentos apenas figurais no so suficientes.

necessria a mobilizao de um registro discursivo para a construo dos Slidos

Arquimedianos. A autora conclui que o Cabri 3D propicia esta mobilizao na medida

em que permitiu o reconhecimento de existncia dos Slidos arquimedianos enquanto

objeto de ensino.

As pesquisas de Veiga (2003) e de Mell