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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE CENTROS SOCIAIS APLICADOS – CESA CURSO DE MESTRADO ACADÊMCO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE – MAPPS Antonio Roberto Xavier Segurança Pública: do projeto “Ceará seguro (1999-2002)” ao projeto “Ceará segurança pública moderna (2003-2006)”’ Fortaleza-CE., 2008

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECECENTROS SOCIAIS APLICADOS – CESA

CURSO DE MESTRADO ACADÊMCO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE – MAPPS

Antonio Roberto Xavier

Segurança Pública: do projeto “Ceará seguro (1999-2002)” ao projeto “Ceará segurança pública moderna (2003-2006)”’

Fortaleza-CE.,2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

Antonio Roberto Xavier

Segurança Pública: do projeto “Ceará seguro (1999-2002)” ao projeto “Ceará segurança pública moderna (2003-2006)”’

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e

Sociedade – MAPPS, da Universidade

Estadual do Ceará – UECE, como exigência

para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Drª. Maria Glaucíria Mota Brasil

Fortaleza-CE.,2008

Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e claras; e

esteja o país inteiro preparado a armar-se para defendê-las,

sem que a minoria de que falamos se preocupe

constantemente em destruí-las. Que elas não favoreçam

qualquer classe em especial; protejam igualmente cada

membro da sociedade; tema-as o cidadão e trema apenas

diante delas. O temor que as leis inspiram é saudável, o

temor que os homens inspiram é uma fonte nefasta de

delitos.

Cesare Beccaria

Ao Arquiteto do Universo!

Aos meus pais!

À Ravelli & Lisimere,

filha e esposa, respectivamente,

fonte de

aconchego e regozijo!

AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria sido possível se não fosse a colaboração

prestimosa que recebi de tantas pessoas e instituições. Ofertaram-me conhecimento,

sabedoria, estima, respeito, amizade, incentivo, companheirismo... Quantas graças de

tantos Recebi! Tantas dádivas, que contá-las é impossível. Deste modo, deixo

registrado meu reconhecimento e agradecimento a todos os professores, colegas de

turma, parentes e amigos, escolhendo como representantes mais próximos,

especialmente:

à professora Dra. Maria Glaucíria Mota Brasil, por sua orientação no decorrer deste

trabalho, sempre apresentando observações importantes em seus comentários;

ao professor Horácio Frota, pelo incentivo e atenção;

ao professor Edilberto Cavalcante Reis;

aos professores Geovani Jacó, Rosemary e Ubiracy;

às funcionárias Andréia e Fátima;

às pessoas entrevistadas;

às forças visíveis e invisíveis que de uma forma ou de outra contribuíram para a

execução deste trabalho.

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS

LISTA DE QUADROS

LISTA DE TABELAS

LISTA DE SIGLAS

RESUMO

ABSTRACT

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................... 24

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 42

SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ..............................................................................................................43

1.1 – Segurança pública: conceitos e definições ........................................................ 43

1.2 – A segurança pública no rol dos Direitos Humanos ........................................... 56

1.2.1 – A segurança pública como direito fundamental ..................................... 63

1.2.2 – O que pensa a sociedade sobre os Direitos Humanos ............................. 72

1.2.3 – O que pensam os profissionais de segurança pública sobre os Direitos

Humanos ............................................................................................................. 74

1.3 – Segurança pública e cidadania ........................................................................... 76

1.4 – Dos Sistemas de segurança pública .................................................................... 84

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 95

DO PROJETO “CEARÁ SEGURO” (1999-2002) AO PROJETO “CEARÁ SEGURANÇA PÚBLICA MODERNA (2003-2006)”’ ......................................... 96

2.1 – O legado de segurança pública do “Governo das Mudanças” ........................... 96

2.2 – A sucessão do “Governo das Mudanças” e o plano para a segurança pública no

Ceará ......................................................................................................................... 112

2.3 – Da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social – SSPDS....................... 121

2.4 – Da continuidade de práticas policiais no projeto “Ceará segurança pública

moderna (2003 – 2006)” ............................................................................................ 126

CAPÍTULO 3 ........................................................................................................... 133

“CRISES” NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ (2003-2006) ................. 134

3.1 – “Crise” institucional e de governabilidade ....................................................... 134

3.2 – Policiais cearenses envolvidos em rede criminosa ........................................... 146

3.3 – Denúncia de grupo de extermínio na PM cearense .......................................... 150

3.4 – O maior furto a Banco do país .......................................................................... 153

3.5 – Violência criminal no Ceará: efeitos visíveis e invisíveis ................................ 156

3.6 – Questões que comprometem a segurança pública (pesquisa de campo) .......... 166

3.6.1 – Principais fatores causadores da insegurança pública (entrevistas a

policiais) ........................................................................................................... 167

3.6.2 – Principais fatores causadores da insegurança pública (representantes da

sociedade em geral) .......................................................................................... 171

3.7 – Paradoxos das polícias militares ....................................................................... 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 183

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 200

APÊNDICES ............................................................................................................ 214

ANEXO ..................................................................................................................... 216

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Gráfico de representação das Eleições no Ceará de 2002, p. 115

Figura 2 – Representação gráfica da Dívida Líquida (PIB – Ceará), p. 117

Figura 3 – Resultado Nominal (R$ milhões), p. 118

Figura 4 – Estrutura Organizacional da SSPDS, p. 123

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Representação do Sistema Criminal, p. 85

Quadro 2 – Representação do Sistema de Segurança Pública, p. 85

Quadro 3 – A Relação do Sistema de Segurança Pública com os poderes Executivo e

Judiciário, p. 87

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – O que pensa a sociedade sobre os Direitos Humanos (pesquisa de campo),

p. 73

Tabela 2 – O que pensam os profissionais de segurança pública sobre os Direitos

Humanos (Pesquisa de campo), p. 74

Tabela 3 – Gastos com a segurança pública em R$ milhões (2001-2006), p. 110

Tabela 4 – Variação no número de óbitos por arma de fogo – Brasil 2003 a 2006, p.

158

Tabela 5 – Taxa de mortalidade por arma de fogo, sexo masculino, por Unidade de

Federação (Brasil - 2003 e 2006), p. 160

Tabela 6 – Principais fatores causadores da insegurança pública (entrevistas a

policiais), p. 167

Tabela 7 – Principais fatores causadores da insegurança pública (entrevistas a

representantes da sociedade), p. 172

LISTA DE SIGLAS

ADEPOL – Academia de Polícia

AI – Anistia Internacional

AI-5 – Ato Institucional Nº. 5

AIDS – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

AL – América Latina

AOPI – Área Operacional Integrada

BC – Banco Central

BPM – Batalhão Policial Militar

CB – Cabo

CBC – Corpo de Bombeiros do Ceará

CBMC – Corpo de Bombeiros Militar

CAOPI – Coordenação das Áreas Operacionais Integradas

CCDS – Conselho Comunitário de Defesa Social

CAOCEAP – Centro de Apoio Operacional e Controle Externo

CAP – Capitão

CCS – Conselho Comunitário de Segurança

CDPM/BM – Código Disciplinar da Polícia Militar e dos Bombeiros Militares

CDDPH – Conselho de Defesa da Pessoa Humana

CEDH – Conselho Estadual de Direitos Humanos

CEL – Coronel

CF – Constituição Federal

CFSdF – Curso de Formação de Soldados de Fileiras

CGOSP – Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública

CIA/PM – Companhia Policial Militar

CIC – Centro Industrial do Ceará

CIISP – Centro Integrado de segurança Pública

CIOPS – Centro Integrado de Operações de Segurança

CIOPAER – Centro Integrado de Operações Aéreas

COELCE – Companhia de Eletricidade do Ceará

CONSESP – Conselho Estadual de Segurança Pública

CONSUSP – Conselho Superior de Segurança Pública

COPOM – Centro de Operações Policiais Militares

COTAM – Comando Tático Móvel

CPC – Comando de Policiamento da Capital

CPI – Comando de Policiamento do Interior

CPRV – Companhia de Policiamento Rodoviário

DAL – Diretoria de Apoio Logístico

DC – Diretoria da Cidadania

DE – Diretoria de Ensino

DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito

DH – Direitos Humanos

DL – Dívida Líquida

DM – Distrito-Modelo

DNA – Ácido Desoxirribonucléico

DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

DOE – Diário Oficial do Estado

DP – Distrito Policial

EB – Exército Brasileiro

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EUA – Estados Unidos da América

FESPOM – Fundo Especial Policial Militar

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FNSP – Fundo Nacional de Segurança Pública

FUNPEN – Fundo Penitenciário Nacional

GATE – Grupo de Ações Táticas Especiais

GCRISES – Gerenciamento de Crises

GGI – Gabinete de Gestão Integrada

GPR – Gestão por Resultados

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

ICP – Inquérito Policial Civil

IML – Instituto Médico Legal

INFOSEG – Programa Nacional de Informações Criminais

INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor

IP – Inquérito Policial

IPECE – Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará

IPM – Inquérito Policial Militar

LABVIDA – Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética

LEV – Laboratório de Estudo da Violência

LCCO – Lei de Combate ao crime Organizado

MAJ – Major

MJ – Ministério da Justiça

MP – Ministério Público

MPE – Ministério Público Estadual

MPF – Ministério Público Federal

MPs – Medidas Provisórias

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

OEA – Organização dos Estados Americanos

OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos

OGE – Ouvidoria Geral do Estado

OMS – Organização Mundial de Saúde

ONGs – Organizações Não Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PAIs – Projeto Arquitetônico Institucional

PC – Polícia Civil

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PCC – Primeiro Comando da Capital

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PEL/PM – Pelotão Policial Militar

PF – Polícia Federal

PFL – Partido da Frente Liberal

PGJE – Procuradoria Geral do Estado

PGR – Procuradoria Geral da República

PIB – Produto Interno Bruto

PLANASP – Plano Nacional de Segurança Pública

PM – Policial Militar

PM2 – 2ª Seção da Polícia Militar

PMCE – Polícia Militar do Ceará

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNDs – Plano Nacional de Desenvolvimento

PNSP – Plano Nacional de Segurança Pública

PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas

PROVITA – Programa de Proteção de Testemunhas e Familiares de Vítimas de

Violência

PSB – Partido Social Brasileiro

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

PT/CE – Partido dos Trabalhadores do Ceará

QG – Quartel General

QOAPM – Quadro de Oficiais Administrativo da Polícia Militar

QOBM – Quadro de Oficiais dos Bombeiros Militar

QOPM – Quadro de Oficias da Polícia Militar

RMF – Região Metropolitana de Fortaleza

SAI – Serviço Avançado de Inteligência

SARS – Serviço de Assistência Religiosa e Social

SD – Soldado

SEDH – Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SEFAZ – Secretaria da Fazenda

SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública

SER – Secretaria Executiva Regional

SIS – Síntese de Indicadores Sociais

SGT – Sargento

SMV – Sistema de Monitoramento de Vídeo

SNSPDS – Sistema Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

SOS – Pedido de Socorro em Código Morse

SSP – Secretaria de Segurança Pública

SSPDC – Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania

SSPDS – Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social

ST – Subtenente

SUS – Sistema Único de Saúde

SUSP – Sistema Único de Segurança Pública

TC – Tenente Coronel

TCE – Tribunal de Contas do Estado

TEN – Tenente

TER – Tribunal Regional Eleitoral

UFC – Universidade Federal do Ceará

UN-Habitat – Nações Unidas para Assentamentos Humanos

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

XAVIER, Antonio Roberto. Segurança Pública: do projeto “Ceará seguro (1999-2002)” ao projeto “Ceará segurança pública moderna (2003-2006)”’. 225pp. (Dissertação de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual do Ceará – UECE).

RESUMO

A presente dissertação de Mestrado busca analisar as políticas de segurança pública no Estado Democrático de Direito, tendo como ponto focal o Governo de Lúcio Gonçalo Alcântara (2003-2006), no Estado do Ceará. Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro capítulo discute-se os conceitos e definições de segurança pública a partir, sobretudo, da Constituição Federal de 1988. Analisa-se a questão da segurança pública e sua relação com os Direitos Humanos e com a cidadania. A questão gira em torno de como é possível efetivar políticas de segurança pública sem violar os Direitos Humanos e os princípios do Estado Democrático de Direito. Demonstra-se o funcionamento dos Sistemas de segurança pública e criminal e suas relações com os poderes Executivo e Judiciário. No segundo capítulo a abordagem está voltada para as políticas de segurança pública efetivadas no último ano do denominado “Governo das Mudanças” (2002), de Tasso Ribeiro Jereissati e do governo sucessor Lúcio Gonçalo Alcântara (2003-2006). Neste segundo capítulo é realizada uma descrição dos principais investimentos, metas, estratégias e ações governamentais que através dos organismos da segurança pública: Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros Militar buscaram efetivar uma política de segurança pública eficiente e eficaz. Todavia, se aponta algumas práticas continuístas no seio dos organismos policiais nesses governos como entraves para uma melhor qualidade desse serviço. No terceiro e último capítulo desta dissertação o debate está centrado nas principais crises institucionais e de governo ocorridas no âmbito dos organismos responsáveis diretamente pela promoção da ordem e da segurança pública no Estado do Ceará. Destaca-se como fissura a falta de reformas nos organismos policiais e a continuação vincular desses organismos às forças armadas. Neste sentido, é realizada uma análise a respeito dos paradoxos que permanecem nas polícias militares, cujas estruturas demonstram estar obsoletas em relação à promoção da ordem e da segurança pública no Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Políticas públicas, segurança pública, Estado Democrático de Direito, Direitos Humanos, cidadania

XAVIER, Antonio Roberto. Public safety: of the project " safe " Ceará (1999-2002) to the project " Ceará modern public safety (2003-2006)". 225pp. (Dissertation of Academic Master's degree in Public Politics and Society presented to the Program of masters degree of the State University of Ceará - UECE).

ABSTRACT

To present dissertation of Master's degree it looks for to analyze public safety's politics in the Democratic State of Right, tends about focal point Lúcio Gonçalo Alcântara Government (2003-2006), in the State of Ceará. This work is divided in three chapters. In the first chapter it is discussed the concepts and definitions of public safety to leave, above all, of the Federal Constitution of 1988. It is analyzed the public safety's subject and your relationship with the Human Rights and with the citizenship. The subject rotates around as it is possible to execute politics of public safety without violating the Human Rights and the beginnings of the Democratic State of Right. It is demonstrated the operation of public and criminal safety's Systems and your relationships with the powers Executive and Judiciary. In the second chapter the approach is gone back to public safety's politics executed in the last year of the denominated “Government of the Changes " (2002), of Tasso Ribeiro Jereissati and of the government successor Lúcio Gonçalo Alcântara (2003-2006). In this second chapter a description of the main investments is accomplished, goals, strategies and government actions that through the public safety's organisms: Military police, Civil Police and Military fire department looked for to execute a politics of efficient and effective public safety. Though, some practices continuities are pointed in the organisms policemen's breast in those governments as fetter for a better quality of that service. In the third and last chapter of this dissertation the debate is centered in the main institutional crises and of government happened directly in the ambit of the responsible organisms by the promotion of the order and of the public safety in the State of Ceará. He/she/you stands out as fissure the lack of reforms in the organisms policemen and the continuation to link from those organisms to the armed forces. In this sense, an analysis is accomplished regarding the paradoxes that stay in the military police, whose structures demonstrate to be obsolete in relation to the promotion of the order and of the public safety in the Democratic State of Right. Keywords: Public politics, public safety, Democratic State of Right, Human Rights, citizenship

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente dissertação analisa as políticas de segurança pública, tomando

como foco o contexto do governo de Lúcio Alcântara (2003-2006), no Estado do Ceará. Faz-

se uma incursão investigativa acerca das metas, ações e estratégias para a segurança pública

nesse período, tendo como amostra o último ano do autodenominado “Governo das

Mudanças” (2002), de Tasso Ribeiro Jereissati. Discute-se acerca dos conceitos e definições

do que é segurança pública, como o Estado do Ceará tem operacionalizado sua política de

segurança pública e como os dispositivos policiais têm desempenhado suas funções no que se

refere à promoção desse serviço social indispensável.

A partir dessas inquietações, aprofunda-se a discussão do objeto no referido

espaço temporal levando em consideração os limites e as possibilidades do Estado

constitucional pós-1988 em promover a segurança como política indispensável à consolidação

do Estado Democrático de Direito.

Com efeito, apesar de ser um direito social e fundamental definido e

garantido constitucionalmente e um bem democrático legitimamente anelado por todos os

setores sociais, a abordagem sobre a segurança pública local, regional e nacional não é

animadora diante do elevado índice de violência e de criminalidade. Não se pode negar que

essa é uma realidade assustadora e, ainda mais, quando é perceptível claramente que as

instituições governamentais e o poder público em geral, muitas vezes, ao invés de promover a

segurança pública, praticam a violência e a criminalidade nas suas mais diversas formas.

O crescimento da violência criminal no Brasil está associado a fatores de

risco, como as profundas desigualdades social e econômica, a iníqua distribuição de renda, a

grande disponibilidade de armas, a indistinção de tipos penais, a falta de programas sociais de

inclusão, a formação de um Estado com pilastras sentadas numa cultura de violência, dentre

tantas outros. Com o advento do processo de redemocratização a partir de 1985 e da

Constituição Federal – CF, promulgada e aprovada em 1988, no Brasil, os organismos

responsáveis pela política de segurança pública passaram a ser definidos como também suas

respectivas atribuições e competências. A partir de então, a segurança pública passou a

reivindicar ações governamentais concretas ou políticas públicas visando preservar e garantir

os espaços de liberdade e proteção de homens e mulheres contra os fatores e mecanismos de

insegurança causados pela violência criminal. Essas ações efetivadas pela política de

segurança pública devem ser executadas ou operacionalizadas salvaguardando os Direitos

Humanos e as garantias constitucionais conquistadas no Estado Democrático de Direito.

Com efeito, apesar da clarividência da garantia constitucional expressa na

CF de 1988, em seu artigo 144, e da Constituição Estadual, nos artigos 256-258, o que se tem

visto e vivido na sociedade brasileira, como um todo, é a evolução e expansão da violência e

da criminalidade em suas mais variadas formas em todos os espaços do país e contra todo tipo

de pessoas, indiferente de classe social, cor, religião, situação civil etc. Deste modo, urge a

necessidade de se encontrar solução para garantia de uma melhor segurança pública. O direito

à segurança pública é um direito fundamental à existência humana. Inexistindo esse direito ou

sendo ele desrespeitado existirá, conseqüentemente, o desrespeito à própria existência da vida

humana, à cidadania, ao Estado Democrático de Direito, às leis que regem o Estado

constitucional, enfim, à CF e ao próprio Estado soberano.

Como se sabe, o Estado foi originariamente erigido através de um pacto

social firmado com cada indivíduo para que cuidasse do controle e mantesse a ordem social

evitando, assim, a guerra de todos contra todos. Este foi, em princípio, o propósito original da

criação do Estado (Hobbes, 1983). A inobservância ou a falta do cumprimento das funções

delegadas ao Estado por cada indivíduo tem tornado os espaços sociais públicos, sobretudo os

urbanos, em campo propício para o aumento exacerbado da violência e da criminalidade.

Neste sentido, o Estado como detentor do poder e do monopólio da violência (Weber, 1983),

não tem cumprido com sua missão de assegurar à sua população a segurança pública

suficiente e necessária como proteção civil e social.

Neste sentido, vê-se a necessidade de reinterpretação das políticas de

segurança pública sob a ótica do Estado Democrático de Direito e dos Direitos Humanos com

a participação efetiva da comunidade, pois, “somente governantes legitimados

democraticamente pela sociedade civil e voltados para os direitos humanos terão alguma

possibilidade de exercer com sucesso o poder e a força contra a criminalidade” (VELHO,

2002, pp. 26-27).

A reinterpretação de planos, programas e estratégias na aplicação de

políticas públicas de segurança visando diminuir a violência e a criminalidade é urgente.

Acredita-se que um dos passos é a intensificação e aprofundamento em pesquisar sobre a

temática levando-se em consideração os organismos responsáveis direta e indiretamente pela

promoção da ordem e da segurança pública. De acordo com Wilson (1983), é urgente a

necessidade da abordagem sobre políticas de segurança pública de maneira mais científica e

consensual por parte das instituições governamentais e não governamentais em articulação

com as universidades e demais seguimentos da sociedade civil como um todo. Com efeito, é

preciso se investigar os discursos e planos governamentais sobre políticas de segurança

pública da teoria à prática demonstrando o perfil do sistema de segurança pública no Estado

do Ceará e suas estruturas organizacionais. Segundo Castel (2005), isso somente será possível

se se combater os fatores de dissociação e desagregação sociais que estão na origem tanto da

insegurança pública ou falta de proteção civil como da insegurança social ou falta de proteção

de seguridade para se viver dignamente.

Os motivos justificadores para o desenvolvimento deste trabalho foram

muitos. Destacando-se dentre outros, a observância do aumento exacerbado da violência

criminal em caráter global, nacional, regional e local. Na América Latina – AL, as cidades

como Recife, Vitória, Rio de Janeiro, Cidade do México e Caracas registram mais da metade

dos crimes violentos em seus respectivos países. No Brasil são registradas cerca de 100

mortes por armas de fogo diariamente. No Estado de Pernambuco, o mais violento do Brasil a

taxa de homicídios é de 50,7 por cem mil habitantes seguida por Espírito Santo, com taxa de

49,4, Rio de Janeiro, 49,2 e Rondônia com 38,01.

Segundo o Relatório Global sobre Assentamentos Humanos, do Programa

das Nações Unidas para Assentamentos Urbanos – UN-Habitat, a escalada da violência

criminal no Brasil representa cerca de 11% do Produto Interno Bruto – PIB, ou seja, o

equivalente a R$ 87 bilhões, sendo que 60% do valor é pago pelos impostos arrecadados dos

trabalhadores2. Isto deixa clarividente que o atual sistema de segurança pública nos estados

brasileiros está falido e, o que é pior, em razão dessa realidade a confiança da população nas

instituições diretamente responsáveis pela promoção dessa segurança pública tem reduzido

drasticamente. Conforme, ainda demonstrou o Relatório supracitado, cerca de 70 entre 100

brasileiros sentem-se inseguros. Entre os países pesquisados, o Brasil ficou em primeiro lugar,

à frente, inclusive de países africanos como África do Sul, Botsuana, Zimbábue e os sul

americanos – Bolívia e Colômbia3.

Outra pesquisa divulgada pelo “Jornal Folha de São Paulo”, de 23/07/2007,

mostra que a Segurança/Violência é a maior preocupação dos brasileiros. Segundo a pesquisa,

dos 5.700 entrevistados pelo Instituto Datafolha, 31% responderam espontaneamente que a

1http:// www.diariodonordeste.globo.com, visitado em 13/11/20072 Idem3 idem, ibidem

falta de segurança é o maior problema do País. Neste sentido, o desemprego, que até 13 de

dezembro de 2006, conforme levantamento do mesmo Instituto era apontado como o maior

problema do País passou para segundo lugar. Isto é algo preocupante, pois, a segurança

pública ou segurança civil é essencial a todo ser humano e que faz parte, portanto, do

conjunto de direitos fundamentais à vida da pessoa humana e é parte constitutiva dos Direitos

Humanos. Sem segurança pública não se conquista a cidadania já que esta depende da

efetivação dos direitos civis, sociais e políticos previstos na CF do País (art. 5º e art. 144 §§ 1º

- 8º).

Outros motivos, como: o interesse pessoal, haja vista ser este pesquisador

membro da corporação policial militar há cerca de 18 (dezoito) anos, tendo atuado sempre no

serviço operacional (serviço fim) ou trabalho de rua e, atualmente, estando há mais de sete

anos no Serviço Avançado de Inteligência – SAI, o antigo serviço secreto da Polícia Militar –

PMCE ou 2ª Seção também chamado de serviço reservado ou PM/2. Como Sargento da

PMCE, foi possível se ter a oportunidade de participar como monitor na formação de duas

turmas de Curso de Formação de Soldados de Fileiras – CFdSF. Durante todo esse período a

experiência foi com a, a atividade fim, que é a atividade de rua, operacional, ao contrário da

atividade meio que é a atividade aquartelada, burocrática. Deste modo, a presente pesquisa é

oportuna não só para o conjunto da sociedade, através de esclarecimentos e contribuições de

práticas vividas, como também para a pesquisa acadêmica. Além disso, conforme Bretas

(1997a, 1997b, 1998), apesar dos organismos policiais terem surgidos no Estado moderno e

desempenharem uma função fundamental no Estado contemporâneo, existe certa escassez de

pesquisas de cunho histórico-sociológicas sobre os organismos policiais, em função de sua

exclusão da maior parte das histórias políticas ou de estudos sobre o Estado, tendo somente

uma abordagem maior a partir de 1970.

Entretanto, a discussão acerca da segurança pública não é nova. Já na

década de 1970-80, nos Planos Nacionais de Desenvolvimento – PNDs, a questão da

segurança pública e Penitenciária preenchia páginas inteiras. Planejava-se muito e se

efetivava pouco. Na atual realidade, não é muito diferente. No ano de 2000, no segundo

governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC, foi criado o Plano Nacional de Segurança

Publica – PNSP, contendo 124 medidas a serem implementadas na área da segurança pública,

inclusive, contendo apenas 12 compromissos ou medidas preventivo-sociais, sendo que o

restante das medidas, ou seja, as outras 112 medidas são de cunho repressivo. No ano de

2003, já no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – LULA, foi elaborado o Projeto

Segurança Pública para o Brasil, com a participação do Instituto Cidadania, contendo

propostas de políticas públicas destinadas a enfrentar a violência e a criminalidade.

O projeto do Governo federal tem como meta a conscientização de que a

violência e a criminalidade fazem parte de uma constelação mais ampla de práticas,

circunstâncias históricas, condições institucionais e relações sociais violentas ocorridas ao

longo da formação da sociedade brasileira. O principal objetivo do Projeto do Governo

Federal é a contribuição para a redução da violência e da criminalidade. Por isso, seria

submetido ao crivo da sociedade civil, autoridades do poder público e pesquisadores do

assunto. Uma das propostas chaves do referido Projeto seria a criação do Sistema Único de

Segurança Pública – SUSP, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública –

SENASP. Todavia, é oportuno discutir sobre as razões da não efetivação do SUSP ou pelo

menos investigar os da violência criminal continuar aumentando cada vez mais em todo

território brasileiro.

Os discursos emergenciais voltados para a área da segurança pública,

sobretudo em vésperas de eleições, não têm resolvido ou pelo menos diminuído o índice de

violência criminal. Esses discursos, além de inescrupulosos, podem ser classificados como

ilusórios e demagogos, pois, trata-se de discursos aproveitadores da triste realidade de um

país que assiste a um “banho de sangue” de vítimas inocentes, sobretudo nos grandes centros

urbanos. Conforme Farias (2003), o Brasil é considerado o quarto país mais violento do

mundo e o primeiro em assassinatos por armas de fogo. Com uma taxa total de 27 homicídios

por cada 100 mil habitantes, ficando atrás apenas da Colômbia (campeã mundial), Rússia e

Venezuela. As taxas brasileiras são ainda 30 ou 40 vezes maiores às de países como

Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Japão ou Egito4.

O descaso com políticas públicas eficientes na área da segurança pública é

flagrante e preocupante. Como em outras áreas, o máximo que ocorre, toda vez que a

violência e a criminalidade balançam as estruturas das classes sociais dominantes, são

adoções medidas emergenciais. Mega operações militares repressoras são desencadeadas nos

grandes centros urbanos. A Mídia escrita e falada nessas horas parece cobrar com firmeza que

o Estado deve ser mais eficiente e enérgico com relação à política de segurança pública das

pessoas e de seus patrimônios. Diante dessas exigências emergenciais por parte das elites, os

governantes, vez por outra, têm se utilizado, inclusive, das forças armadas, a fim de

demonstrarem que podem combater à violência e a criminalidade. Quando isto ocorre,

percebe-se que os princípios do Estado Democrático de Direito são violados. Além disso,

essas operações, ao longo de suas aplicações, têm significado a exposição ilegal e desgastante

das Forças Armadas, diante das ineficiências apresentadas no âmbito segurança pública

(Gomes e Cervini, 1997).

Com efeito, vivenciando o agravamento de algumas crises na área da

segurança pública no autodenominado “Governo das Mudanças” de Tasso Jereissati (1999-

4 http:// www.diariodonordeste.globo.com, visitado em 13/11/2007

2002) ao de Lúcio Alcântara (2003-2006), é que se resolveu fazer uma análise investigativa

mais apurada sobre a segurança pública na terra alencarina. Deste modo, acredita-se que seja

possível a realização desta pesquisa com rigor de quem tem a teoria e a prática já que ambas

estão sempre imbricadas no processo de pesquisa.

Quando se problematiza sobre a questão da segurança pública é possível

fazer uma leitura não muito positiva. Na realidade, os organismos e instituições incumbidos

de promoverem a segurança pública encontram-se enfrentando crises tanto internas como

externas. No âmbito interno, os organismos policiais padecem de má formação; de resquícios

culturais da política de Segurança Nacional do Regime Militar; de ínfimos salários; de

Códigos e Estatutos arcaicos, violadores dos direitos humanos e da própria Constituição do

País; déficit de recursos humanos, técnicos e logísticos (aparelhamento e equipamentos); há a

existência de dois tipos de polícias com disparidades gritantes, sendo um tipo para o interior,

que é esquecido e menos aparelhado e outro na capital, mais aparelhado e beneficiado em

termos de promoção e ocupação de cargos elevados, etc. Os problemas no âmbito externo,

que se entende como sendo uma extensão decorrente dos problemas internos, são: a descrença

generalizada por parte da grande massa da população em relação aos organismos policiais; a

escalada da violência criminal cada vez mais crescente, sobretudo nos grandes centros

urbanos; há uma cultura de corrupção arraigada entre os organismos policiais; existe uma

desarticulação gritante entre os organismos policiais, o Poder Judiciário, o Ministério Público,

a sociedade civil e as universidades frente ao enfrentamento da violência-criminal, produtora

de insegurança; e, a compreensão de que a própria construção da sociedade brasileira se deu

sob a égide da coação, da cooptação e da violência física, etc (DaMatta, 1981).

Com efeito, é neste terreno de herança sociais, fragilidades e

incompetências que a violência nas suas mais diferentes modalidades: convencional,

individual, coletiva, organizada, institucionalizada, doméstica ou psicológica tem se

apresentado na atual conjuntura como um problema social sério e exaustivamente discutido

tanto pela opinião pública como pelas diversas autoridades governamentais e estudiosas do

assunto. Isto se dá em virtude do problema estar afetando a todas as pessoas e em todas as

partes do País. Ninguém está imune. Por conta disso, as pessoas, sobretudo nos grandes

centros urbanos onde a violência criminal é mais acentuada, tornam-se prisioneiras em suas

próprias casas, colocando todo tipo de mecanismos de proteção contra a violência, como

sistemas eletrônicos, cães de guarda, grades, muros altos, segurança privado etc (Beato Filho,

1999). Apesar de todo esforço em busca de proteção de sua incolumidade física e de seus

patrimônios, a violência criminal continua fazendo cada vez mais vítimas numa crescente

constante.

A violência em geral, além de um problema social, torna-se também um

problema público e, neste sentido, exige do Estado soluções viáveis por meio das Instituições

responsáveis por essa área, as quais devem apresentar variadas resoluções possíveis e

plausíveis com o objetivo de solucioná-lo. Detectado o problema, os responsáveis diretos,

como os governantes, legisladores, os organismos policiais, o poder judiciário, o ministério

público etc, desse assunto, necessitam, não só atacar o problema, mas, em primeiro plano,

saber como atacá-lo. Como expressa Gusfield apud Beato Filho (1999), diante da real

existência do fenômeno – o crime – é preciso se investigar e descobrir as causas e as

vulnerabilidades desse fenômeno para se poder remediá-lo com o antídoto correto. E qual

seria esse antídoto? Seriam políticas públicas na área da segurança capazes de combater esse

problema de maneira eficiente e eficaz.

Face ao incremento do aumento da violência-criminal criou-se no Brasil

uma forte demanda por políticas criminais duras, que exigem do Estado respostas cada vez

mais criminalizadoras e penalizadoras. A partir, sobretudo, da década de 1990, essas políticas

criminais duras passaram a ser efetivadas com mais intensidade. Primeiro foi com o combate

ao narcotráfico, depois aos crimes hediondos contra pessoas e por último ao crime

organizado. Neste sentido é que se fala em guerra ou luta contra o crime, reafirmando-se,

assim, uma visão positivista da criminalidade e esquecendo-se que o crime é um problema da

comunidade, nascido na comunidade e que deve ser solucionado pela e com essa comunidade

(Durkeim, 1978). Desde então se adotou sempre uma política de combate a todo custo com

foco em duas premissas básicas: 1) Incremento de penas, principalmente a de prisão

(penalização) e 2) restrição ou supressão de direitos e garantias do acusado. Esse tipo de

política criminal já demonstrou ser ineficaz, irracional e perniciosa, pois alimenta a ilusão de

que com leis duras a violência e a criminalidade seriam solucionadas. Esse tipo de política

criminal é oriundo da idade medieval usada, principalmente, pelos Tribunais da ‘Santa’

Inquisição e que deve ser refutada. Conforme Beccaria (1982), não é a crueldade das penas

um dos maiores freios dos delitos, senão a infalibilidade delas, a certeza do castigo, ainda que

moderado, causará sempre maior impressão que o temor de um outro castigo mais terrível,

mas aparece unido com a esperança da impunidade.

Esse modelo político-criminal é sustentado pelo direito clássico-positivista e

prima pela repressão determinando um estado da lei e ordem. Pelo que se tem observado, esse

tipo de política criminal, ao invés de controlar a violência e a criminalidade, ao contrário, a

reproduz, pois neste caso o Estado passa a legitimar a violência praticada por suas

instituições. Além disso, a efetivação dessa política-criminal acaba por dividir a sociedade em

dois tipos de classes de pessoas: “os bons” e “cidadãos” ou cumpridores da Lei e os “maus”

ou bandidos “foras-da-lei”, patologicamente desviados. Para estes o Estado terá de agir

rigorosamente cumprindo, além da Lei, a exigência dos primeiros (Gomes e Cervini, 1997).

Mas, qual tem sido a resposta do Poder Público estatal ao fenômeno da

violência e da criminalidade? Qual política pública em segurança o Estado brasileiro tem

dispensado sempre para essa área? Qual medida de controle ou ‘combate’ é mais eficaz e

eficiente: a repressão por meio dos organismos policiais ou a prevenção via educação? O

problema do aumento da violência e da criminalidade no Brasil é apenas um caso de polícia?

Existe uma valorização e um tratamento diferenciados ao crime no Brasil? Como conciliar a

repressão ou a prevenção com os princípios democráticos e a garantia dos Direitos Humanos e

constitucionais?

Neste sentido, para que se possa responder as indagações supracitadas é

necessário discutir os variados conceitos e definições sobre segurança pública no Estado

Democrático de Direito, abordando as relações existentes entre segurança pública, direitos

humanos e cidadania. Deste modo, acredita-se que urge a necessidade de abordagem das

possibilidades e limites de operacionalização das políticas de segurança pública eficazes.

Esta pesquisa de caráter bibliográfico-exploratório foi auxiliada com

documentos oficiais de governo, revistas, periódicos de jornais e pesquisa de campo. Para a

abordagem teórica serão analisadas obras que investigam o objeto pesquisado em

circunstâncias local, nacional e internacional. Neste sentido, escolheu-se como referencial

teórico as obras de Bretas (1997a, 1997b, 1998); Muniz (1999); Beato Filho (1999); Brasil

(2000); Farias (2003); Carvalho (2004); Barreira (2004) e Castel (2005). Estas obras serviram

como base sustentadora deste trabalho. Porém, elas foram auxiliadas o tempo todo por outras

produções das ciências sociais e muitas outras fontes empíricas.

Iniciando a teoria pela abordagem global vislumbrada na obra de Castel

(2005), a discussão central é concernente a impossibilidade de se proporcionar a segurança

pública (a que o autor chama de segurança civil como sendo à proteção da vida e do

patrimônio) sem possibilitar a segurança social (a que Castel se refere como sendo a garantia

dos principais serviços sociais, como saúde, educação, moradia de qualidade, previdência

etc.). Na abordagem nacional ou regional, destacam-se as produções de Bretas (1997a, 1997b,

1998), Muniz (1999); Beato Filho (1999, 2001); Farias (2003) e Carvalho (2004).

Em Farias (2003) e Carvalho (2004), encontram-se discussões acerca das

políticas públicas de segurança e as relações dessas políticas com os Direitos Humanos e

cidadania no Brasil. A discussão está voltada para o exercício da segurança pública e o

respeito dos Direitos Humanos e como alcançar a cidadania no Brasil em pé de igualdade para

todos.

Em Beato Filho (1999, 2001), é realizada uma discussão acerca da violência

como um problema público social grave e das barreiras que se mostram, até agora resistentes,

impedindo a efetivação de políticas de segurança pública capazes de controlar essa violência

criminal que avança sobre todas as pessoas independentemente de posição ou classe social,

sexo, raça, idade, estado do civil ou status. Nesse trabalho são demonstradas as dificuldades

de se fazer as reformas dos organismos policiais e também do judiciário.

Em Bretas (1997a, 1997b, 1998) e Muniz (1999), é possível encontrar a

historicidade das polícias no Brasil, a partir do advento da Corte Portuguesa (1808).

Especificamente em Bretas discute-se, sobretudo, a importância da evolução do papel policial

em controlar os movimentos da população pobre nos principais centros urbanos a partir do

Império. Mas, apesar de importante função política, as polícias no Brasil passaram um longo

período excluídas das abordagens das ciências humanas e da história política.

No trabalho de Muniz (1999), o debate insere-se nos “dilemas e paradoxos”

que as polícias militares enfrentam nos dias atuais em função da manutenção de suas

estruturas militarizadas diante de suas reais incumbências no Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, a falta das devidas reformas ao longo do tempo visando acompanhar as

mudanças no mundo ocidental com relação a profissão de policia, os integrantes das “forças

policiais militares” enfrentam, atualmente uma verdadeira crise de identidade. O

“Militarismo” exacerbado mantido e a cultura perpassada pela Doutrina de Segurança

Nacional do Regime Militar tornam as atuais Polícias Militares em instituições

inconstitucionais e anômalas no desempenho de promoção e manutenção da ordem e da

segurança pública.

Na abordagem local sobre segurança pública, escolheu-se os trabalhos de

Brasil (2000) e Barreira (2004). Em Brasil (2000), encontra-se uma espécie de “raio x” da

segurança pública no autodenominado “Governo das Mudanças” desencadeado pelo

empresário Tasso Ribeiro Jereissati, Ciro Gomes, Tasso e Tasso (1987-1990), (1991-1994) e

(1995-2002), respectivamente. Nesta análise é possível se perceber as principais mudanças no

âmbito dos organismos policiais e Corpo de Bombeiros Militar, tais como: a tentativa de

integração desses organismos; a criação dos Distritos-Modelo; do Centro Integrado de

Operações de Segurança – CIOPS; Centro Integrado de Operações Aéreas – CIOPAER,

dentre outras.

Em Barreira (2004), constata-se facilmente que o discurso do “Governo das

Mudanças” com relação a segurança pública paira na questão da disputa simbólica entre o

“novo” e o “antigo”, o “moderno” e o “atrasado”, o “racional” e o “irracional”. O ponto de

discussão principal é como o “Governo das Mudanças”. Essas obras principais estarão

interligadas com outras especificadas na bibliografia e citadas no desenvolvimento desta

pesquisa.

Para a execução desta pesquisa parte-se de uma visão geral do presente e

das políticas públicas de segurança que ora são efetivadas, identificando que enquanto o

crescimento populacional e o desenvolvimento tecnológico definem o perfil da sociedade

globalizada, as políticas públicas em segurança, não obstante, mantém-se como valor fixo,

inclusive para campanhas eleitorais. Essas políticas permanecem badaladas somente no

âmbito teórico e na linguagem da mídia. Como foi mencionado antes, vale destacar que toda

vez que há um delito que mexe a estrutura das elites essas políticas são questionadas, porém,

se o delito é praticado no âmbito das classes pobres, a mídia o retrata como apenas mais um

crime. Desta forma não há correspondência de medidas significativas para a concretização da

idealidade almejada por todos: a segurança pública.

Outras fontes serviram como suporte para a realização desta pesquisa, além

das teóricas mencionadas anteriormente. Estas fontes são documentos oficiais, tais como:

Relatórios do Ministério da Justiça – MJ, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social

– SSPDS, da Procuradoria Geral de Justiça Estadual - PGJE, a CF de 1988; o Plano Nacional

de Segurança Pública – PLANASP de 2000, o Projeto Segurança Pública para o Brasil de

2003, O Relatório da SENASP 2003/2004/2005, o SUSP de 2003, demonstrativos estatísticos

anuais do índice de criminalidade e da violência no Ceará, produzidos pelo setor de

Criminalística do Estado no período delimitado para esta pesquisa. Além desses documentos

oficiais serão consultados periódicos de jornais e revistas especificados na bibliografia.

Como parte subsidiária para a realização deste trabalho utilizar-se-á

pesquisa de campo com o objetivo de se recolher, registrar, ordenar e comparar dados

empíricos coletados com os anteriores. Para esse fim se faz uso d o instrumento da entrevista

exploratória com sujeitos interlocutores relacionados direta e indiretamente com a área da

segurança pública com perguntas não reguladas, pois, esse tipo de perguntas “... consiste na

observação dos fatos tal como ocorrem espontaneamente, na coleta de dados e no registro de

variáveis presumivelmente relevantes para ulteriores análises” (RUIZ, 1982, p. 50). O

público-alvo a ser entrevistado é de 100 pessoas divididas em duas categorias, ou seja, 50

pessoas da sociedade em geral e 50 membros da Polícia Militar do Ceará – PMCE, Polícia

Civil – PC e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará – CBMC. A escolha da amostra foi

intencional. O objetivo é comparar as diversas visões desses sujeitos produtores de opinião e

que reflexões se pode tirar a partir de suas falas, já que segundo Thompsom (1992), seus

testemunhos possuem um valor extraordinário no campo das pesquisas sociais.

Foram trabalhadas no decorrer desta pesquisa, algumas categorias centrais

na perspectiva das variadas abordagens feitas pelos diferentes autores, tais como: segurança

pública, políticas públicas, Estado Democrático de Direito, Direitos Humanos, cidadania,

polícia. Essas categorias estarão o tempo todo interligadas com as abordagens teórico-

metodológicas, objetivando guiar sempre a temática de pesquisa rumo à busca incessante e

incansável de se explorar e se investigar com maior profundidade o objeto proposto. Neste

sentido, se lançou mão sobre os mais variados tipos de fontes, incluindo a oral, reconhecendo

sua contribuição significativa à ampliação dos recursos metodológicos (Meneses, 1999).

Este trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo aborda a

segurança pública na Nova República e a sua relação com o Estado Democrático de Direito,

sobretudo pós-Constituição de 1988 e está dividido em cinco subtópicos. Trabalha-se os

conceitos e fundamentos de segurança pública do ponto de vista técnico-jurídico e,

principalmente sob a ótica histórico-sociológica; discute-se os fundamentos histórico-

jurídicos dos Direitos Humanos – DH e quais as concepções da sociedade em geral e dos

representantes dos principais organismos policiais através de pesquisa de campo. Investiga-se

a questão da atividade de segurança pública como direito fundamental e sua relação entre a

segurança pública com a cidadania. Por último, descreve-se os sistemas de segurança pública

de uma forma geral e específica a partir do texto constitucional pós-1988.

O segundo capítulo analisa as políticas de segurança pública,

retrospectivamente, tomando por referência principal o último ano do “Governo das

Mudanças” (2002), de Tasso Ribeiro Jereissati comparando com o Governo de Lúcio

Alcântara (2003-2006) e o seu projeto de governo: “Ceará Segurança Pública – Ações

2003/2006”. Analisa-se o legado da política de segurança pública efetivada no último

“Governo das Mudanças” no Estado do Ceará (1999-2002), focando, sobretudo o último ano

(2002), do governo de Tasso Ribeiro Jereissati e o projeto “Ceará segurança pública

moderna” do governo sucessor de Lúcio Alcântara (2003-2006).

O terceiro capítulo explana-se sobre as principais crises na segurança

pública durante o governo de Lúcio Alcântara focando os fatos repercutivos no período

governamental 2003-2006, contados, sobretudo pela imprensa através de periódicos de

jornais. A abordagem trata das principais questões internas e externas que comprometeram a

segurança pública no Ceará nesse período. Destaca-se o envolvimento de agentes da

segurança pública com rede criminosa; a expansão da violência criminal e as principais

questões que comprometem a segurança pública, atualmente, do ponto de vista de agentes da

segurança pública do Estado e do ponto de vista de representantes dos mais variados extratos

sociais. Nesse capítulo é analisada a segunda pergunta da pesquisa de campo com entrevistas

sobre os fatores/causas da insegurança pública e as estratégias/soluções propostas pelos

entrevistados. A meta é perceber o que pensam e o que sugerem os sujeitos-produtores de

opinião sobre as políticas públicas de segurança. Na parte final deste capítulo, procura-se

definir os principais paradoxos enfrentados pelos componentes dos organismos policiais

responsáveis diretamente pela promoção da segurança pública, sobretudos os policiais

militares.

Nas considerações finais é feito uma retrospectiva de todo o trabalho de

forma sucinta, tendo por meta sugerir e propor outras abordagens com relação à efetivação,

estratégias e ações para as políticas de segurança pública. O objetivo não é que se considere

este trabalho pronto e acabado, mas proporcionar reflexões e análises objetivando se chegar a

outros campos de saberes e em outras metas para se interpretar e reinterpretar a questão das

políticas de segurança pública por parte do poder público. Espera-se contribuir para

compreensões e reinterpretações em torno das políticas de segurança pública no Brasil e no

Estado do Ceará.

CAPÍTULO 1

A SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Desta maneira, a redemocratização do País não

significou o fim das práticas ilegais e do uso

indiscriminado da violência instrumental que tem

caracterizado o dia-a-dia dos dispositivos

policiais, como aparelhos de Estado, detentores

do monopólio da força legal... O retorno ao

Estado democrático de Direito não quer dizer, no

nosso caso específico, a hegemonia dos princípios

democráticos e da legalidade na

operacionalização dos serviços policiais.

Glaucíria Mota

42

CAPÍTULO 1

A SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

DIREITO

1.1– Segurança pública: conceitos e definições

A história nos informa que durante o período colonial os capitães-mores

e/ou autoridades locais, ao serem nomeados pela metrópole, acumulavam abusiva e

promiscuamente funções administrativas, judiciárias e policiais. No decorrer do império, os

juízes togados ou nomeados e a formação de milícias particulares pertencentes à aristocracia

rural exerciam também o cargo de chefes de polícia. No período republicano, da República da

Espada (1889-1891) e durante toda à República Velha (1891-1930), a questão da segurança

pública continuava voltada para atender aos interesses privados das classes dominantes e dos

oligopólios políticos no âmbito dos grandes latifundiários ou “coronéis”, dentro de uma

ordem sempre militarizada. Da década de 1930 até bem pouco tempo as práticas de uso do

serviço público da segurança a fim de atender a interesses privados continuaram quase

intactas. Com efeito, no Brasil, o uso de serviços públicos para fins de interesses privados

sempre foi uma prática recorrente (Fernandes, 1973; Chauí, 1992; Demo, 1994; Fernandes,

1995; Holanda, 1995; Brasil, 2000; e Faoro, 2001a, 2001b).

Indubitavelmente, desde a instalação da República o desafio dos governos

de efetivarem reformas e aperfeiçoar os organismos diretamente ligados à área da segurança

pública, continuam postos. Conforme Adorno (1996), a segurança pública é uma das áreas

43

mergulhadas numa crise de credibilidade dos aparelhos policiais, na falta de eficácia e

eficiência destes em pacificar a sociedade, em solucionar seus conflitos nos ditames do Estado

Democrático de Direito. Por outro lado

[a] reprodução do sistema distorcido exige que o paciente Brasil seja silenciado pela anestesia da falsa consciência tão bem produzida nos meios de comunicação coniventes no analfabetismo funcional, na amnésia das experiências fracassadas e dolorosas, pela utilização de relações e de instrumentos autocráticos, despótico-militares ou civis -, tidos como necessários para assegurar o silêncio do protesto, calar o clamor dos excluídos e o estertor dos sacrificados (CAMPOS, 1997, p. 201-202).

Após a era Vargas (1930-1945), o período populista (1946-1964) e dos 21

anos de regime militar (1964-1985), no qual o País esteve mergulhado num enorme

autoritarismo político e a segurança pública baseada na Doutrina da Segurança Nacional

militarizada, a transição à redemocratização não rompeu com as estruturas autoritárias e as

práticas de poder. Segundo Brasil (2000), o legado autoritário dessas estruturas de abuso de

poder se estende de maneira contundente aos organismos policiais que denunciam a

continuidade de práticas ilegais e a manutenção da truculência no âmbito da segurança

pública.

Desta maneira, a redemocratização do País não significou o fim das práticas ilegais e do uso indiscriminado da violência instrumental que tem caracterizado o dia-a-dia dos dispositivos policiais, como aparelhos de Estado, detentores do monopólio da força legal... O retorno ao Estado democrático de Direito não quer dizer, no nosso caso específico, a hegemonia dos princípios democráticos e da legalidade na operacionalização dos serviços policiais. Isto se vem contrapor ao pensamento de Norbert Elias (1997), ao dizer que a instauração do monopólio da força no Estado vai controlar o uso indiscriminado da violência, visto que, nos espaços pacificados, o uso da violência é uma exceção, já no caso brasileiro, tem sido uma regra constitutiva, ao longo de nossa história, quer nos espaços pacificados, quer nos espaços não pacificados (BRASIL, 2000, p. 95-96).

Com efeito, o retorno do País à redemocratização pós-1985,

possibilitou amplas conquistas de autonomia institucionais, garantias de um grande

leque de direitos individuais, políticos e sociais, diminuição de graves violações de

Direitos Humanos. Porém, não significou a descontinuidade de práticas ilegítimas,

44

ilegais e abusivas por parte dos organismos policiais que não sofreram as devidas

reformas necessárias para seguir o caminhar democrático institucional (Adorno, 1995).

Como disse o então senador da república FHC, o “entulho autoritário” da legislação do

País está longe de ser removido (Peralva, 2000).

A Nova República, pós-1988 significou mudança de regime

governamental com abertura do pluralismo partidário político com novos grupos de

representantes nas esferas federal, estadual e municipal. Entretanto, uma gama de

elementos constitutivos da ditadura militar se manteve intacta, como lideranças

políticas ligadas às antigas oligarquias. Essa continuação de estruturas políticas e

militarizadas permitiu que práticas autoritárias, ilegais repressivas e de violação de

Direitos Humanos continuassem nas entranhas das instituições no Estado

constitucional. Neste sentido, a permanência das estruturas da ditadura e as práticas

autoritárias têm emperrado a consolidação do regime democrático e atrofiado o

desenvolvimento e solidificação do Estado de Direito.

Se examinarmos, como fazemos aqui, a combinação da sobrevivência das práticas desses contingentes políticos com a manutenção de alguns preceitos legais da organização política da ditadura, em pleno regime democrático, concluiremos que prevalece um sistema de governo marcado pela continuidade, diferente daquele do regime autoritário que o precede mas incapaz atender satisfatoriamente os pré-requisitos da formalidade democrática. Entre a democracia populista, o regime militar e o atual regime democrático com o governo civil após o fim da ditadura e os governos eleitos, tanto federal como estaduais, se considerados sob a perspectiva da garantia dos direitos humanos, ressalvado o fim da repressão política, há muito mais pontos de contato que diferenças. Diante da corrupção, do agravamento das violações dos direitos humanos e de sua impunidade, o regime autoritário (1964-85) e o regime constitucional de 1988 com os governos civis, de transição e eleitos, dada a ausência de rupturas significativas na área da cidadania, foram expressões diferenciadas de uma mesma estrutura de dominação fundada na hierarquia, discriminação, impunidade e exclusão social (PINHEIRO, 1995, p. 11).

Deste modo, a forma de transferência do poder dos militares aos civis,

pós-1979, com o fim do Ato Institucional Nº. 5 – AI-5, no plano da segurança pública

45

teve resistências significativas, sobretudo no tocante às polícias militares que desde o

Decreto Lei Nº. 667/1969 era diretamente vinculada ao Ministério do Exército

Brasileiro. Somente a partir da CF de 1988 é que as Polícias Militares e Corpos de

Bombeiros Militares passaram a se subordinarem aos Governadores dos Estados, do

Distrito Federal e dos Territórios. Todavia, essas forças militares continuaram sendo

também forças auxiliares e reserva do Exército com formação, estatutos, códigos,

inspetorias, hierarquia e disciplinamento próprios das Forças Armadas Militares (CF,

1988, art. 144, Inc. IV, § 6º).

Conforme Peralva (2000), o advento da redemocratização herdou

quatro sustentáculos principais que explicam a violência-criminal como fator de

insegurança: o legado autoritário militarista, a desorganização das instituições, a

pobreza e a mudança social. Relacionando a este trabalho, destaca-se o legado

militarista às Polícias e Corpos de Bombeiros Militar que significou a continuidade

autoritária da Lei de Segurança Nacional da Ditadura como também representou a

herança das práticas de repressão de delitos por essas instituições que permaneceram

desqualificadas e despreparadas para agir respeitando e garantindo os direitos civis e

políticos no Estado Democrático de Direito. Esses são paradoxos existentes na

redemocratização no Brasil que, somados ao excesso de formalismo jurídico que

significa morosidade judicial e processual, contribuem para os fatores de insegurança

com conseqüente violação dos direitos da pessoa humana, fazendo crescer o

sentimento de impunidade (Adorno, 1996, 2000).

46

Sabe-se que a segurança pública no Estado Democrático de Direito

tem por objetivo garantir o exercício das liberdades fundamentais, assegurando

espaços pacíficos para que haja prosseguimento de convivência harmoniosa em

sociedade. As chamadas “Forças da Ordem” – termo usado por Castel (2005) – que

são os organismos policiais – são empregados legal e legitimamente para efetivar essa

missão. Contudo, essa tarefa não é de fácil cumprimento em função de lacunas

profundas legadas por governos anteriores e a continuação dessas lacunas nos

governos presentes. A persistente política oligárquica de concentração de poderes

sempre manteve seus interesses privados com base nesse setor. Além disso, essas

instituições por si só não podem e nem devem ser responsabilizadas, exclusivamente,

pela segurança pública que como já foi citado é responsabilidade do Estado e dever de

todos. Essas forças públicas fazem parte do aparelho repressor do Estado e agem

ideologicamente no sentido de manter a ordem e o funcionamento legal desse Estado

(Cotrim, 1988).

Os manuais de técnicas policiais e jurídicos definem Segurança

Pública como uma condição concreta que o indivíduo alcança quando o Estado legal

proporciona garantia e preservação de seus direitos e liberdades individuais, como o de

propriedade, o de locomoção, o de proteção contra o crime em todas as suas formas.

Esta é a parte operacional de proteção civil. Mas, a proteção civil depende também da

proteção social, por isso o verbete “segurança” no dicionário jurídico de De Plácido e

Silva (1963), define segurança como

derivado de segurar, exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa. Assim, segurança indica o sentido de tornar a coisa livre de perigos, de incertezas. Tem o mesmo sentido de seguridade que é a

47

qualidade, a condição de estar seguro, livre de perigos e riscos, de estar afastado de danos ou prejuízos eventuais. E Segurança Pública? É o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade de cada cidadão. A segurança pública, assim, limita a liberdade individual, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode turbar a liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.

Isto significa dizer que essa proteção civil somente ocorrerá se a

proteção social como equilíbrio e segurança a comunidade, seguridade social,

preservação do capital, do trabalho, enfim, realização concreta dos direitos civis,

políticos, sociais, econômicos e coletivos também forem garantidos, efetivamente pelo

Estado constitucional de direito (Lafer, 1991; Bonavides, 2000). Segurança pública

nesse caso é um bem comunitário e também um direito social que tem um valor geral

comum e vital para as comunidades. É um anseio e uma aspiração de todos em

sociedade viverem em segurança. No âmbito do aspecto jurídico Segurança Pública é

o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal que

possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de

propriedade do cidadão. É a garantia individual de que sua pessoa, seus bens e seus

direitos não serão violados e, caso sejam, o Estado tem a responsabilidade de reparar

todos os danos causados à pessoa na sua individualidade (CF, art. 5º e 6º).

Na teoria jurídica, a palavra segurança assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Segurança social significa a previsão de vários meios que garantam aos indivíduos e suas famílias condições sociais dignas; tais meios revelam-se basicamente como conjunto de direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem (FARIAS, 2003, p. 66).

Outro fator de segurança previsto, inclusive, no texto constitucional é

o fato de que nenhuma pessoa será obrigada a fazer ou deixar de fazer algo que não

48

esteja previsto em lei (CF, 1988, art. 5º, inc. II). Esse é o princípio da legalidade que

rege as relações sociais de direito em sociedade.

[o]utra regra que protege a segurança das pessoas é a que estabelece limitações quanto à pena a ser imposta nos casos de crime. Nenhuma pena pode ir além da pessoa do delinqüente. Seja qual for o crime, só quem teve participação nele é que pode sofrer uma punição. Qualquer acusado tem o direito de ampla defesa, com assistência judiciária gratuita, e de ser julgado pelo juiz ou tribunal que a lei encarrega do assunto. Também está contido na Constituição que não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião, bem como, que em nenhuma hipótese será concedida a extradição de um brasileiro (ibidem, p. 68).

A Constituição de 1988, em seu artigo 144, assevera que a segurança

pública é “dever do Estado”, mas também “direito e responsabilidade” de todas as

pessoas. A finalidade da segurança pública é a preservação da ordem pública e a

incolumidade das pessoas e do patrimônio. Para a efetivação destas metas, o texto

constitucional define os organismos policiais e CBM, como os órgãos diretamente

responsáveis pela promoção da ordem e da segurança pública. Todavia, a discussão

sobre a segurança pública envolve muito mais do que conceitos técnicos e jurídicos.

Por isso, é de suma importância o aprofundamento investigativo político-histórico-

sociológico acerca dessa temática que necessita de reformas urgente, bem como

cooperação mútua entre as esferas federal, estadual e municipal.

É racional afirmar que desde o advento da República no Brasil (1889),

a história dos organismos policiais, responsáveis diretos pela promoção da ordem e da

segurança pública, tem sido marcada por oscilações entre a autonomia estadual e o

controle federal. No decorrer dos períodos de exceção ou autoritários, os organismos

de segurança pública foram submetidos ao controle federal. Neste caso, não se pode

falar em cooperação, mas em subordinação das polícias estaduais às diretrizes do

49

governo federal. Nos períodos republicanos, os Estados tiveram maciça autonomia

para organizar e controlar seus organismos policiais. Todavia, tanto nos períodos de

autonomia estadual quanto nos períodos de controle federal, não aconteceram

iniciativas concretas para a implantação de uma política ou um programa nacional de

segurança pública5.

Entretanto, alguns sinais de mudança relativos à melhoria da

segurança pública começaram a ser efetivados já no último governo de FHC, com a

criação do PNSP (2000) e continuou no Governo de LULA, com o Programa Nacional

de Segurança Pública do Governo Federal. Esses sinais estão sendo operacionalizados

sob os auspícios da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP através do

SUSP. De acordo com a proposta do Projeto Segurança Pública para o Brasil (2003), o

atual modelo de duas polícias de ciclo incompleto, no plano estadual, está esgotado,

ultrapassado. Além disso, o SUSP tem por objetivo criar um novo modelo de

organismos policiais para todo o País com qualidade de formação profissional,

melhores salários, com políticas de incentivo, amparo e valorização profissional. Neste

sentido, o modelo para a segurança pública proposto pelo SUSP é um agir integrado

entre União, Estados e Municípios por meio de polícias e guardas municipais. A

esperança, segundo o SUSP, é uma formação e integração para acabar de vez as

rivalidades historicamente entre PMCE e PC. Para mudar o modelo autoritário é

preciso mudanças profundas no Sistema de Segurança Pública para romper com o

modelo autoritário que está implantado.

5 MJ – SENASP - SUSP, 2003, 2004, 2005

50

Com efeito, desde o ano de 2003, o Governo Federal intensificou

esforços visando cumprir os programas e planos para a segurança pública brasileira, o

que é considerado um marco histórico. A SENASP se consolidou assumindo o papel

central de executar as políticas de segurança pública para o País. A SENASP, muito

mais que um simples órgão repassador de recursos para os Estados, se

institucionalizou como órgão central e mentor na promoção da reforma das polícias no

Brasil. Sedimentada nos princípios da gestão federalista, a SENASP tem por meta

elaborar e efetivar ações estruturantes através da operacionalização do SUSP visando

mudanças e reformas nos organismos policiais, herdeiros de uma cultura militarizada e

da Doutrina de Segurança Nacional. Segundo a Síntese do Relatório de Atividades da

SENASP (2003, 2004 e 2005, p. 37-38), vem

[a]tuando em um contexto de consolidação do sistema democrático brasileiro, a SENASP não possui apenas a função de executar ações direcionadas para a melhoria da situação de segurança pública no Brasil. É responsável também por promover a estabilidade democrática em seu campo de atuação. Nesse contexto, a SENASP pode ser vista como um órgão que executa a articulação e a mediação das relações estabelecidas entre diferentes grupos sociais que incorporam especificidades quanto à identificação de problemas e soluções sobre a área de segurança pública no país. Por essa razão, optamos por uma gestão pautada na ação técnica e operacional distanciando-nos e protegendo-nos dos interesses políticos imediatistas que privilegiavam uma visão parcial da questão. Ao invés de realizar investimentos que nos levassem a adquirir “mais do mesmo” e que nos levaram ao estado de coisas que vivemos na segurança pública atualmente, desenvolvemos ações estruturantes da reforma das polícias no Brasil.

As mudanças mais profundas na Segurança Pública, que demarcarão o

fim do modelo de polícia criado nos períodos autoritários, exigem o estabelecimento

de um novo marco legal para o setor de segurança. A proposta do SUSP é de colocar

mais policiais nas ruas, com melhoria na qualidade e na eficiência do serviço público

prestado, garantindo-lhes salários compatíveis com a importância da profissão. A meta

é se ter profissionais mais motivados, para não ser preciso fazer o serviço extra (o

51

bico) para complemento o salário. A otimização de recursos propiciará o

aprimoramento do aparelho policial com melhorias tecnológicas e investimento no

material humano e logístico.

De acordo com o PNSP (Instituto de Cidadania/2003), no Estado de

Direito a segurança pública constitui-se num bem democrático, legitimamente

desejado por todos os setores sociais, um direito fundamental da cidadania, obrigação

do Estado e responsabilidade de cada um de nós. Compete ao Estado promovê-la como

um bem comum, atuando no âmbito social e assegurando a paz social que

freqüentemente é ameaçada. O Estado, através dos organismos policiais e do CBM,

tem por objetivo garantir a defesa social e preservar a paz pública, mantendo a ordem,

a tranqüilidade e protegendo pessoas e patrimônios. Deste modo, a função estatal

pública relativa à segurança pública é prevenir e reprimir a violência e a criminalidade,

assegurando o cumprimento efetivo e o exercício legal dos poderes e autoridades

constituídos.

Ainda, segundo o PNSP/2003, para a melhoria no âmbito da

segurança pública, o Governo Federal considera essencial a reforma nos organismos

policiais visando torná-los mais eficientes, respeitadores dos Direitos Humanos e

voltados para a construção da paz ao invés de organismos que vejam o seu próximo

como inimigos em potencial. Nesse sentido, o PNSP/2003 do Governo Federal

considera ser necessário à efetivação de políticas públicas de segurança que acolham a

participação multidisciplinar e interinstitucional, envolvendo, além de policiais, outros

setores governamentais, entidades da sociedade, movimentos sociais e organizações do

52

terceiro setor, incluindo também a contribuição das universidades com pesquisas

voltadas para a área. Além disso, “[o] Programa de Segurança Pública para o Brasil

propõe que o instrumento fundamental para a efetivação das referidas mudanças nas

polícias brasileiras é a educação”6.

Essas propostas estiveram explícitas durante a campanha eleitoral de

Lula em 2002, dentro de um outro programa do governo federal para a segurança

pública, o SUSP. Todavia, na prática, pouco se tem tido reformas nessa área, pois, a

verdadeira segurança pública depende do respeito pelos direitos humanos de todos.

Isso implica proteger as pessoas de serem mortas e de sofrerem violência em todas as

suas formas (Relatório da Anistia Internacional – AI, 2005). É necessário ressaltar que

[p]romover uma reforma das polícias não é uma ação tão simples de ser executada, pois não envolve apenas ações de modernização tecnológica, treinamento de policiais e reaparelhamento das organizações de segurança pública. Essa reforma pressupõe a realização de uma mudança na cultura das Polícias em todo o Brasil. Esse processo é lento e complexo. Envolve uma mudança de paradigma na área de segurança pública. Porém, mesmo nesse sentido, já temos sinais que nos permitem identificar que a mudança vem ocorrendo. Hoje, muitas organizações de segurança pública no país elaboram suas ações tendo como pano de fundo a análise dos resultados alcançados. Um dos temas de maior freqüência de curso de capacitação dos policiais no Brasil é o dos Direitos Humanos. Dessa forma, identificamos que as forças policiais começam a entender que a segurança pública não é apenas ‘assunto de polícia’. Pela primeira vez, tivemos uma apreciação das Nações Unidas quanto ao processo de formação de Direitos Humanos empreendido na área de segurança pública no Brasil (MJ – SUSP – SÍNTESE DO RELATÓRIO DE ATIVIDADES, 2003/2004/2005, P. 37).

É necessário ressaltar que a segurança pública no Estado Democrático

de Direito é um programa ideal para garantir a ordem e a incolumidade das pessoas.

Contudo, segundo Castel (2005), esse programa não pode erradicar plenamente a

insegurança porque, para fazê-lo, seria necessário que o Estado controlasse todas as

possibilidades individuais e coletivas de transgressão da ordem social. Castel

6 Ministério da Justiça – MJ, SENASP. Relatório de Atividades 2003/2004/2005, p. 9

53

esclarece, ainda que a questão da segurança e da insegurança segue o paradigma

proposto por Hobbes, ou seja, a total segurança somente pode existir se o Estado é

Absoluto, isto é, se o Estado tem o direito e o poder de erradicar irrestritivamente

todos os desejos efêmeros, fantasias e ilusões que atentem contra a segurança das

pessoas – segurança civil e dos bens – segurança social. Por outro lado, caso o Estado

se torne mais ou menos democrático colocando, conseqüentemente limites ao seu

irrestrito poder, evitando o despotismo e o totalitarismo, as liberdades individuais e

coletivas de seus membros infringirão a ordem social e a segurança jamais será plena

no âmbito público.

Ainda, segundo Castel (2005), um Estado Democrático e de Direito é

impedido de ser protetor a qualquer modo e a qualquer custo, pois caso o seja, esse

Estado passa a ser também totalitário ou despótico. A existência de princípios

constitucionais, a institucionalização da separação dos poderes, o cuidado de se

respeitar o direito no uso da força, incluindo a pública, põem tantos limites ao

exercício de um poder absoluto e criam indireta, mas necessariamente, as condições de

uma certa insegurança. Um exemplo citado por Castel é o controle da magistratura

sobre a polícia que se enquadra nas formas de intervenção e limita suas liberdades.

Outro fator que favorece a insegurança, em geral, paira na possibilidade do

delinqüente tirar vantagem do cuidado de se respeitar as formas legais e a impunidade

da qual se beneficiam alguns delitos é uma conseqüência quase necessária da

sofisticação do aparelho judiciário. Além disso,

[o]s ‘bairros sensíveis’ cumulam os principais fatores de insegurização: altas taxas de desemprego, empregos precários e atividades marginais, habitat degradado, urbanismo sem alma, promiscuidade entre os grupos de origem étnica diferente,

54

presença permanente de jovens ociosos que parecem exibir sua inutilidade social, visibilidade de práticas delinqüentes ligadas ao tráfico de drogas e às receptações, freqüência das ‘incivilidades’ dos momentos de tensão e de agitação e dos conflitos com as ‘forças da ordem’, etc. A insegurança social e a insegurança civil coincidem aqui e se entretêm uma à outra (CASTEL, 2005, p. 55).

Com efeito, o fato é que quanto mais um Estado se afasta do modelo

Leviatã – absolutista – descrito por Hobbes (1983) e amplia seus princípios

democráticos, desenvolvendo uma aparelhagem jurídica complexa, mais corre o risco

de ludibriar a exigência de assegurar a proteção total de seus membros. Como destaca

Castel (2005), a busca da segurança absoluta põe em risco contradição os princípios do

Estado de Direito. Deste modo, a total segurança pública no Estado Democrático de

Direito é apenas uma utopia.

No entanto, espera-se que, pelo menos, a segurança pública relativa à

proteção pessoal e de propriedade seja garantida por esse Estado através de seus

organismos e instituições incubidos dessa tarefa. Seguindo o raciocínio de Castel (op.

cit), se é verdade que a insegurança é consubstancial numa sociedade de indivíduos, e

que se deve combatê-la, inevitavelmente, a fim de que esses indivíduos possam

coexistir em um mesmo conjunto, faz-se necessário a instituição de um Estado

equipado de um poder efetivo para desempenhar a função de prover as proteções e

garantias suficientes de segurança civil e social. Todavia, não se coaduna com a idéia

do Estado de Direito ser violado para que se tenha uma segurança pública eficaz. Ao

contrário, reafirmando Velho (2002, pp.26-27), “somente governantes legitimados

democraticamente pela sociedade civil e voltados para os direitos humanos terão

alguma possibilidade de exercer com sucesso o poder e a força contra a

criminalidade”.

55

1.2– Segurança pública no rol dos Direitos Humanos

Com o advento da redemocratização do País, pós-1985, e a

promulgação de sua Constituição, a ser fielmente cumprida, um dos grandes desafios

postos seria como o Estado brasileiro promoveria segurança pública garantindo e

respeitando os DH, em função do legado autoritário decorrente do regime militar e da

falta de reformas para adaptação desses organismos, ao novo regime de

governamentação.

Os DH são conquistas do ser humano na luta por melhores condições

de vida em sociedade. A história de luta por tais direitos vem desde a Antigüidade.

Segundo Faria (2003, p.53-54),

[a] história dos direitos da pessoa humana confunde-se com a luta da humanidade pela realização de seus anseios democráticos. Datam da mais remota antigüidade as primeiras iniciativas neste sentido. As primeiras compilações dos direitos surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde as mais remotas tradições arraigadas nas antigas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosófico-jurídicos e do ideário cristão com o direito natural. Essas fontes fluíam a um ponto fundamental comum: a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do estado e da autoridade constituída e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do estado moderno contemporâneo... Falar em direitos humanos ou direitos do homem e, afinal, falar de algo que é inerente à condição humana, independentemente das ligações com particularidades determinadas de indivíduos ou grupos.

Todavia, a conquista desses direitos se deu, sobretudo com a fundação

do Estado-Nação, pós-Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789). Direitos

Humanos dizem respeito essencialmente às conquistas de meios necessários à

manutenção da vida e, muito mais, da vida vivida com dignidade. Ao longo da

historicidade dos DH, é perceptível sua inserção e inscrição nos textos constitucionais

mediante Declarações de Direitos do Homem, aprovadas pelos EUA em 1776, pela

Assembléia Nacional Francesa, em 1789 e pela Declaração Universal dos Direitos do

56

Homem, aprovada pelas Nações Unidas, em 1948. Para nós brasileiros, grande parte

desses direitos está inserida na CF de 1988. Com o advento do Estado Moderno e

conseqüente superação da sociedade estamental e o surgimento de um modelo de

sociedade individualista, os DH passaram a ser garantidos formalmente, com esteio em

Declarações e outros documentos produzidos ao longo da construção do Estado-Nação

(Châtelet, Duhamel & Psier-Kouchner, 2000).

Com efeito, os DH são diferentes dos direitos do cidadão, isto porque

esses são de caráter natural, universal, histórico e, também indivisível e

interdependente. Por outro lado, os direitos do cidadão são aqueles atribuídos

individualmente como membros de dada sociedade, nacionalidade. “Mas Duguit

sustenta que os diretos do cidadão não são distintos dos direitos do homem” (FARIAS,

2003, p. 54). Conforme Soares (1998), os DH são indivisíveis e interdependentes na

medida em que são acrescentados aos outros direitos fundamentais da pessoa humana

não podendo mais serem fracionados ou direcionados para um grupo, classe social,

indivíduos, etnia ou a qualquer outro separadamente. Os DH são diferentes dos direitos

e deveres pertencentes à conquista da cidadania.

E quais são esses DH que, já insisti, são universais, comuns a todos os seres humanos sem distinção alguma de etnia, nacionalidade, cidadania política, sexo, classe social, nível de instrução, cor, religião, opção sexual, ou de qualquer tipo de julgamento moral? São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca de todo ser humano. Já estamos acostumados aceitar o tipo de denúncia por racismo, por sexo, ou por nível de instrução etc. Mas a não-discriminação por julgamento moral é ainda uma das mais difíceis de aceitar; é justamente o reconhecimento de que toda pessoa humana, mesmo o pior dos criminosos, continua tendo direito ao reconhecimento de sua dignidade como pessoa humana. É o lado mais difícil mais difícil no entendimento dos Direitos Humanos. O fato de nós termos um julgamento moral que nos leve a estigmatizar uma pessoa, mesmo a considerá-la merecedora das punições mais severas da nossa legislação, o que é natural e mesmo desejável, não significa que tenhamos que excluir essa pessoa da comunidade dos seres humanos (SOARES, 1998, p. 42).

57

De acordo com Lafer (1991), os DH são classificados em primeira, segunda,

terceira e quarta gerações. Os DH da primeira geração são os direitos civis e políticos

surgidos no final do século XVIII pós-Revoluções Americana e Francesa. São direitos

individuais fundamentados no contratualismo do Estado liberal. São vistos como direitos

inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que antecedem o contrato

social. Esses direitos foram formalizados contra o poder absoluto do Estado de tudo poder

fazer, inclusive, sem leis regulamentadoras ou com leis próprias de um tirano. A formalização

desses direitos possibilitou a liberdade de associações que formaram posteriormente os

partidos políticos e os sindicatos e demais agremiações.

Os DH de segunda geração, ou direitos socioeconômicos surgiram a partir

do século XX, como reivindicação do “bem-estar social”. Esses direitos são a garantia de

trabalho, saúde, educação, segurança civil etc. São direitos a serviços públicos que o

indivíduo como sujeito ativo deve exigir do Estado como sujeito passivo que os faça cumprir.

...podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais: procuram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho (LAFER, 1991, p. 127-128).

Os direitos sociais foram reconhecidos como dever do Estado desde a

promulgação da Constituição Francesa de 1848, no período que ficou conhecido como

o da Revolução Social na Europa em função da onda de movimentos sociais por

melhorias trabalhistas, sobretudo na França. Contudo, esses direitos sociais

considerados como um legado do socialismo, somente vai estar presente nos textos

constitucionais no século XX, como conseqüência das Revoluções: Mexicana, em

1917, Russa, em 1918 e com a Constituição de Weimar, em 1919 (idem, ibidem).

58

Os DH de terceira geração e quarta geração, analisados por Lafer (op.

cit.) são direitos cujo titular é a coletividade. Neste sentido, esses DH tem como titular

sujeitos diferentes do indivíduo, isto é, são grupos humanos como o povo, a família, a

associação, o sindicato, a nação, coletividades regionais e a própria humanidade.

Conforme Bobbio (1992a), a universalização e abrangência dos DH vão se dá a partir

do fim da 2ª Guerra Mundial devido ao aumento da quantidade de bens merecedores

de tutela; a extensão da titularidade de alguns direitos humanos típicos a sujeitos

diversos do homem individual, os direitos da coletividade. Daí por diante vão

surgindo, gradativamente diversas declarações de DH às coletividades, como da

criança, do doente mental, do doente físico, da mulher etc.

Retornando ao pensamento de Farias (2003), diversos pensadores têm

desenvolvido inúmeras teorias com o objetivo de justificar e esclarecer os

fundamentos dos DH. Destacando-se entre essas teorias a jusnaturalista, a positivista e

a moralista. A jusnaturalista fundamenta os DH em uma ordem superior universal,

imutável e inderrogável, são de caráter natural e estão presentes na consciência de cada

ser humano. Deste modo, os DH não são criação de legisladores, tribunais ou juristas.

Em contrapartida, a teoria positivista busca sedimentar a existência dos DH dentro de

uma ordem normativa, como legítima manifestação da soberania popular. Neste

sentido, apenas aqueles direitos expressamente previstos e definidos no ordenamento

jurídico positivado devem ser considerados como Direitos Humanos. Por último, a

teoria moralista fundamenta a existência dos DH na própria experiência e consciência

moral de um determinado povo. A formulação das leis tem como base a observação da

conduta e da prática consuetudinária dos indivíduos e das coletividades.

59

Entretanto, segundo Moraes (2000), a inigualável importância dos DH

não permite nenhuma nem outra teoria, isoladamente, explicá-los ou fundamentá-los.

Essas teorias são por demais insuficientes para fundamentar os DH de forma genérica

e definidora. O que há de ser procedido é uma fusão dessas teorias e outras que, por

ventura busquem fundamentar com maior eficácia a construção e realização dos DH.

[n]a realidade, as teorias completam-se, devendo coexistirem, pois somente a partir da formação de uma consciência social, baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável, é que o legislador ou os tribunais encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (FARIAS 2003, p. 58).

Com efeito, a abordagem acerca de DH tem sido exaustivamente

produzida nos meios acadêmicos, nas associações de bairros, lideranças comunitárias,

mecanismos e representações governamentais, Organizações não- Governamentais –

ONGs, organismos internacionais, constituições dos países, enfim, num amplo leque

de considerações oficiais e não oficiais. A guisa de exemplo, a Constituição brasileira

de 1988 traz, em seu artigo 5º com 77 incisos, 24 alíneas e dois parágrafos, referências

aos direitos e deveres individuais e coletivos. Desses direitos cinco são destacados: o

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estes direitos

figuram como os principais ou fundamentais. Os demais direitos enunciados nos

outros incisos constitucionais são derivações desses Direitos fundamentais universais e

inalienáveis.

Entretanto, apesar da universalidade dos DH, é facilmente perceptível

que, via de regra, quem mais se empenhou e se empenha na defesa dos DH pertencem

à classe burguesa. Este fato se dá em razão do caráter individualista e do

60

contratualismo liberal exercido pela classe burguesa por ocasião de sua ascensão e

derrubada da classe nobre, pós-Revoluções Americana (1776), Revolução Francesa

(1789) e da Revolução Liberal Socialista na França em (1848). Deste modo,

[p]or causa de sua raiz liberal e individualista, grande parte da luta pelos direitos humanos, até os dias de hoje, se concentra em alguns eixos que interessam mais às classes burguesas, como são os direitos à liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de imprensa, liberdade de propriedade. Apesar de serem direitos e valores inalienáveis, há que se reconhecer são direitos exercidos preferencialmente pelos poderosos e não por todos. Por isso, o poder público e as entidades de defesa e promoção dos direitos humanos, acompanhando a tendência internacional, vêm discutindo e implementando projetos e programas que visam a garantia dos direitos econômicos, sociais e difusos, entendendo que são fundamentais para a garantia da dignidade do ser humano, principalmente da grande maioria do nosso povo que se encontra excluída e marginalizada. De fato, de que vale o direito à vida sem o provimento de condições mínimas de uma existência digna, se não de sobrevivência (alimentação, moradia, vestuário?) De que vale o direito à liberdade de locomoção sem o direito à moradia adequada? De que vale o direito de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito ao trabalho? (SOUZA, 2002, p. 16).

Com efeito, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada

pelas Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, portanto, logo após a

Segunda Guerra Mundial, foi resultado de uma complexa correlação de forças

políticas. Sabe-se que por ocasião da Segunda Guerra Mundial, os países capitalistas

se aliaram a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS contra o

avanço das forças nazi-fascistas. Todavia, após 1945, houve a bipolaridade pela qual o

mundo foi dividido em dois blocos: o dos países capitalistas, liderados pelos EUA e o

bloco dos países socialistas, liderados pela ex-URSS, consolidando o processo da

chamada “Guerra Fria”.

Assim dentro de um contexto de hegemonia dos EUA (e junto com a formulação da Doutrina Truman, do Plano Marshall e, logo depois, do tratado da OTAN), a formulação dos Direitos Humanos pode ser entendida como uma proposta originária das concepções liberais e democráticas ocidentais, contrapondo-se às ideologias socialistas e também ao nazi-fascismo recém derrotado (RODRIGUEZ, 1998, p. 89-90).

61

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 1948,

teve como inspiração originária a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

aprovada pela Assembléia Nacional Constituinte Francesa, em 26 de agosto de 1791.

Nesta Declaração os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, foram

definidos e expostos. Na realidade, os DH e demais direitos de cidadania estão

descritos, definidos e fundamentados numa multiplicidade de documentos, o problema,

como acentua Bobbio (1992a, p.25), trata-se de saber “qual é o modo mais seguro para

garantí-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam

continuamente violados”.

1.2.1 – A segurança pública como direito fundamental

Para efeito de abordagem neste trabalho, destaca-se o direito de

segurança à pessoa humana como direito fundamental citado no texto da Declaração

Universal dos Direitos do Homem (1948), artigo 3: “Todo homem tem direito à vida, à

liberdade e à segurança pessoal”. No caso da segurança pública, esta é definida e

prevista como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, no artigo

constitucional, de nº. 144, da CF brasileira. O direito à segurança pública é a garantia

fornecida a pessoa humana de que tanto ela, física e juridicamente, como seus bens e

seus direitos não serão violentados, sob pena de reparação de danos tanto por

particulares quanto pelo poder público. Retomando a discussão lançada no primeiro

parágrafo deste tópico, a questão central é como a segurança pública inserida no rol

dos DH é efetivada. A falta da garantia do direito à vida, à segurança individual física

e jurídica viola frontalmente os DH.

62

No âmbito da segurança pública, segundo Carvalho (2002), o

problema se agrava em função da inadequação dos órgãos responsáveis diretamente

pela promoção desse serviço, como polícia militarizada, treinada para exterminar o

inimigo e não para proteger as pessoas e policiais tanto civis como militares que são

denunciados constantemente por crime de extorsão, de corrupção, abuso de autoridade,

prisões ilegais etc. A insegurança possibilitada pelo Estado brasileiro tem sido uma

constante.

No âmbito do Poder Judiciário, também há problemas crônicos. O

acesso à justiça é privilégio de uma pequena parcela da população. A maioria do povo

ou desconhece seus direitos, ou, se os conhece, não tem condições de usufruí-los de

maneira plena e satisfatória.

Os poucos que dão queixa à polícia têm que enfrentar depois os custos e a demora do processo judicial. Os custos dos serviços de um bom advogado estão além da capacidade da grande maioria da população. Apesar de ser dever constitucional do Estado prestar assistência jurídica gratuita aos pobres, os defensores públicos são em número insuficiente para atender à demanda. Uma vez instaurado o processo, há o problema da demora. Os tribunais estão sempre sobrecarregados de processos, tanto nas varas cíveis como nas criminais. Uma causa leva anos para ser decidida. O único setor do Judiciário que funciona um pouco melhor é o da justiça do trabalho. No entanto, essa justiça só funciona para os trabalhadores do mercado formal, possuidores de carteira de trabalho. Os outros que são cada vez mais numerosos, ficam excluídos. Entende-se, então, a descrença da população na justiça e o sentimento de que ela funciona apenas para os ricos, ou antes, de que ela não funciona, pois os ricos não são punidos e os pobres não são protegidos (CARVALHO, 2004, p. 214-215).

Num sentido amplo, é possível se afirmar que o Estado brasileiro é o

primeiro a violar os DH. O abandono de milhões de crianças e adolescentes sem

acesso à educação, à moradia digna, à saúde e à segurança; às discriminações raciais;

os precários serviços públicos dispensados à maioria da população, sobretudo a pobre,

63

preta e periférica e a negação de acesso ao trabalho digno etc. demonstram que o

Estado brasileiro, apesar do esforço dos últimos governos no regime democrático,

ainda continua violando os DH.

Recentemente o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos – OEA pela ação e

omissão da morte, em 1999, de Damião Ximenes Lopes nas dependências da Casa de

Repouso Guararapes, na cidade de Sobral-CE., distante 233 km de Fortaleza. Na

época, Damião Ximenes tinha 30 anos de idade e era paciente psiquiátrico. Segundo

denúncias da família, Damião teria sofrido maus-tratos, tortura e fora atendido de

forma negligente pelos médicos e enfermeiros da clínica Casa de Repouso Guararapes,

o que teria resultado na morte dele três dias após ter entrado naquele hospital

credenciado pelo Sistema Único de Saúde – SUS.

Por essa violação aos DH, o Brasil foi condenado a pagar à família de

Damião Ximenes Lopes e a fazer melhoria no atendimento psiquiátrico. Por outro

lado, o Estado brasileiro, no julgamento ocorrido em San José, na Costa Rica, foi

acusado de violar quatro artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos: o 4º -

o direito à vida, o 5º - direito à integridade física, o 8º - direito às garantias judiciais e

o 25º - direito à proteção judicial. O reconhecimento da responsabilidade parcial do

Estado brasileiro refere-se aos artigos 4º e 5º, haja vista que a violação do direito à

vida e à integridade física foi conseqüência da ineficiência e insuficiência de

resultados positivos na efetivação de políticas públicas de reforma da saúde mental por

parte do Estado brasileiro. Esta foi a primeira vez que o Brasil foi denunciado à Corte

64

e, pela segunda vez, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA. A

ação teve como autores a própria Comissão, a irmã de Damião, Irene Ximenes Lopes,

e o Centro de Justiça Global – ONG dedicado à promoção da justiça social e dos

direitos humanos no Brasil.

Para o então Deputado Estadual do PT/CE, João Alfredo, que atuou

como testemunha de acusação, a condenação do Brasil pela morte de Damião foi

significativa por dois motivos principais: além da indenização à família de Damião

Ximenes Lopes, essa condenação abre um precedente para outras pessoas, também

vítimas da omissão da justiça brasileira, a recorrerem à Corte Americana de Direitos

Humanos. O Estado do Ceará por esse crime paga uma pensão no valor de um salário

mínimo à mãe de Damião Ximenes, desde 20057.

Quanto ao uso dos organismos de segurança pública parece paradoxal

sua relação com a garantia e proteção aos DH, pois suas reais funções são repressoras

7 Jornal Diário do Nordeste, 07/01/2006, p. 13 -, Cidade

65

quando no atendimento dos interesses do Estado. O limite às liberdades de expressão

em certas ocasiões como nos movimentos grevistas é um exemplo freqüente do que se

afirma aqui. Como nos informa Farias (2003), o Estado deve ser feito para o ser

humano e não este para o Estado. Ao ser humano deve ser possibilitado fiscalizar o

poder do Estado mediante conhecimento da subjetividade jurídica do homem, dos

direitos humanos e de cidadania. Os DH não podem ser pervertidos pelo poder jurídico

a mando do poder político e nem devem ficar restritos à uma validade formal. Na

proporção em que a ordem política é injusta e o Estado viola sua máxima função de

proteger e garantir os direitos de vida digna a seus cidadãos, esse Estado torna-se

também arbitrário e não tem razão de existir.

A falta de segurança pública ou a sua ineficiência denota grave

desrespeito por parte do Estado legal que demonstra ser ineficaz para proteger seus

cidadãos e seus bens. Não é demasiado lembrar a pesquisa mencionada na introdução

deste trabalho sobre a violência-criminal divulgada na Sétima Conferência Mundial

(2004), para a Promoção de Segurança e Prevenção da Violência pela Organização

Mundial de Saúde – OMS. A pesquisa demonstra que a violência criminal no Brasil

devia ser tratada como o segundo maior problema a desafiar o governo brasileiro,

ficando atrás apenas do desemprego. Nessa pesquisa ficou comprovado que 10,5% do

Produto Interno Bruto – PIB são gastos com a segurança pública (Jornal Diário do

Nordeste, de 10/06/04). No entanto, o que se vê e se registra é o aumento exacerbado

da criminalidade e em todos os espaços do país de forma cada vez mais sofisticada e

enigmática. Noutra pesquisa mais recente divulgada pelo “Jornal Folha de São Paulo”

mostra que a Segurança/ Violência é a maior preocupação dos brasileiros. Segundo a

66

pesquisa, dos 5.700 entrevistados pelo Instituto Datafolha, 31% responderam

espontaneamente que a falta de Segurança é o maior problema do País. Neste sentido,

o desemprego, que até 13 de dezembro de 2006, conforme levantamento do mesmo

Instituto era apontado como o maior problema do País passou para segundo lugar8.

Segundo outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE, a expansão da criminalidade no Brasil, além de assustadora, vem

causando perdas irreparáveis. Citando Estados da Região Sudeste, a pesquisa

demonstra que no Rio de Janeiro, por exemplo, as mortes por causas externas e

violentas, sobretudo homicídios, reduziram em quatro (04) anos e um (01) mês a

expectativa de vida do sexo masculino ao nascer. No Estado de São Paulo o índice de

redução de vida é de três (03) anos e a média geral é de dois (02). A referida pesquisa

destaca que o crescimento de homicídios no País, nos últimos vinte anos (até 2004), é

de 130%, dos quais 82% das vítimas são do sexo masculino; 58,03% dos homicídios

se concentram no Sudeste e que no período de 1991 a 2000, o crescimento dos

assassinatos por armas de fogo foi de 95%. Outro dado da pesquisa é que a Síntese de

Indicadores Sociais – SIS, constatou que na década de 1980, a causa externa principal

8Pesquisa realizada pelo Datafolha de 26/03/2007, p. 08 chega à conclusão que segurança é a maior preocupação dos cidadãos: 25% consideraram a segurança/violência a área de pior desempenho de Lula. O índice de avaliação ótimo/bom de Lula caiu 4 pontos (52% para 48%). Do G1, em São Paulo Pesquisa Datafolha divulgada neste domingo (25) pelo jornal “Folha de S.Paulo” mostra que a segurança/violência é a maior preocupação dos brasileiros. Dos 5.700 entrevistados pelo instituto, 31% (resposta espontânea) disseram que este é o maior problema do país. O quesito segurança/violência saltou 15 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior, que foi realizado em 13 de dezembro de 2006. O desemprego, que era apontado como maior problema do país nas pesquisas anteriores, caiu para o segundo lugar (22%). O Datafolha indica ainda que a preocupação com a saúde diminuiu entre os brasileiros. Dessa vez, 11% apontaram a saúde como o maior problema do país, contra 17% da pesquisa anterior. A educação aparece em quarto lugar, com 9%, e a fome/miséria, em quinto (7%). Além disso, 25% dos entrevistados consideraram a segurança/violência a área de pior desempenho do governo Lula. O índice é mais do dobro da pesquisa anterior, em que 11% haviam apontado a segurança/violência como a área mais ineficiente do governo. Segundo o levantamento do Datafolha, a saúde é apontada por 14% dos entrevistados como a área de pior desempenho do atual governo. Na seqüência, aparecem o combate ao desemprego (13%), a educação (7%) e o combate à corrupção (3%). Para 14% dos entrevistados, o melhor desempenho do governo Lula acontece no combate à fome e à miséria. Já 12% apontaram a educação como área mais eficiente do petista. Depois, aparecem o social/programas sociais (10%), a economia (8%) e a saúde (4%). Em relação à avaliação do governo Lula, o Datafolha mostra que o índice ótimo/bom caiu quatro pontos percentuais, de 52% para 48%. Já 37% dos entrevistados consideraram regular, contra 14% que apontaram o desempenho do presidente como ruim/péssimo. O levantamento foi realizado entre os dias 19 e 20 de março em todo o país. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

67

das mortes masculinas era os acidentes de trânsito. Na década de 1990, a mesma

pesquisa verificou ter sido os homicídios. Outro dado não alentador é que a pesquisa

também constatou que na década de 1980 para a de 1990, o aumento das mortes

violentas no Brasil pela ação humana ativa passou de 11,7 para 27, 00 para cada cem

(100) mil habitantes, ou seja, mais do dobro9.

Contra jovens a violência criminal mata mais do que a guerra. Sabe-se

que declaradamente no Brasil não há conflito armado ou guerra civil. Entretanto, a

quantidade de jovens mortos violentamente faz do Brasil uma nação em estado

constante de guerra silenciosa. Por ano quatorze (14) mil adolescentes entre os 12 e 19

anos são vítimas de morte violenta. As causas maiores nascem no seio da família com

o incremento da violência doméstica e deságua na comunidade. Todas essas

estatísticas confirmam que a criminalidade é crescente e ameaça a tranqüilidade de

todos sem distinção de classe social, etnia, sexo, credo etc.

Poucos problemas sociais mobilizam tanto a opinião pública como a criminalidade e a violência. Não é para menos. Este é um daqueles problemas que afeta toda a população, independentemente de classe, raça, credo, religioso, sexo ou estado civil. São conseqüências que se refletem tanto no imaginário cotidiano das pessoas como nas cifras extraordinárias representadas pelos custos diretos da criminalidade violenta. Receosas de serem vítimas de violência, elas adotam precauções e comportamentos defensivos na forma de seguros, sistemas de segurança eletrônicos, cães de guarda, segurança privada, grades e muros altos, alarmes, etc. Já se disse que o presídio tornou-se modelo de qualidade residencial no Brasil (BEATO FILHO, 1999, p. 13).

Os dados mostram com clareza que a violência criminal no Brasil é

um dos problemas sociais mais graves vivido em todas as esferas da vida, seja ela

privada ou pública sendo que a concentração do problema se acentua com maior

intensidade nos grandes centros urbanos com mais de cem (100) mil habitantes. Nessa

dimensão, a criminalidade também se torna um problema público cujo maior

9 Jornal Diário do Nordeste de 14/04/2004, p. 06, - Nacional, visitado em 14/11/2007

68

responsável em contê-lo é o Estado via poder público delegado às instituições estatais

(ibidem).

Embora o Brasil apresente apenas 3% da população planetária é

responsável por cerca de 11% dos homicídios em escala mundial. Segundo relatório da

Organização dos Estados Ibero-Americanos – OEI, entre 84 países, o Brasil encontra-

se na 3ª posição, estando os jovens no auge desse ranking. Uma pesquisa divulgada

pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF, em dezembro de 2004,

esclarece que a violência criminal contra jovens no Brasil mata mais do que guerras. A

quantidade de adolescentes mortos de maneira violenta faz do Brasil uma nação em

estado permanente de guerra não declarada de direito, mas real de fato. A pesquisa

revelou que em média, por ano, 14 mil adolescentes de 12 a 19 anos morrem de causa

violenta e que essa triste realidade faz parte do ciclo da violência que cresce nas

comunidades e nasce, muitas vezes, no seio das famílias desordenadas e desassistidas

ou excluídas, socialmente10.

Segundo, ainda o mesmo Relatório, de 1994 a 2004, os homicídios

entre os jovens cresceram 64%. A taxa de homicídios entre os jovens de 15 e 24 anos

na década de 1980 era de 30 por cada 100 mil habitantes, na década de 1990 subiu

para 32, 5 e na década de 2000 aumentou para 52. De 1993 a 2002, o nº. de jovens

assassinados nessa mesma faixa etária cresceu 88,6%. Na população geral, o

crescimento foi de 62,3%, índice superior a 4 vezes o aumento da população.. Numa

análise procedida em 57 países, o Brasil ocupa o 3º lugar, atrás de Venezuela e Porto

Rico. Outra constatação desse Relatório foi que 93% dos jovens mortos no País são

10 Jornal Diário do Nordeste de 10/12/2004, p. 18, - Cidade

69

homens e, entre estes, a maioria absoluta é negra. As causas principais são:

homicídios, acidentes de trânsito e suicídios11.

Corroborando com essa realidade indesejada, Waiselfisz (2006)

afirma que mais de 20% da população jovem não estuda nem trabalha. Segundo

Waiselfisz, isso significa rua, bares, álcool, droga, infração de normas etc. Os efeitos

sociais e políticos da matança desordenada de jovens no País podem ser mensurados

em quatro dimensões: 1) erosão de capital social; 2) transmissão de violência entre

gerações (neste caso a violência endemiza-se); 3) redução da qualidade de vida; e, 4)

comprometimento do processo democrático. Com efeito, a quantidade de jovens

mortos no País significa uma enorme tragédia social. Como resume Waiselfisz (2006),

ao perder seus jovens, a nação perde seu cérebro, ideário, força de trabalho; as

famílias, além de perder seus filhos, as esposas perdem cônjuges e mais filhos ficam

órfãos e mais problemas sociais ocorrerão.

Essa realidade contraria, inclusive, os postulados da Lei Federal

8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que em seu artigo 7º prevê

que a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e a saúde, mediante a

efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o

desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Além disso,

a matança ou a insegurança de jovens no Brasil significa a violação dos DH previstos

também no artigo 15, do ECA quando prevê que a criança e o adolescente têm direito

à liberdade, ao respeito à dignidade como pessoas humanas em processo de

desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na

11 Fonte: Mortes matadas por arma de fogo no Brasil: 1979-2003. UNESCO

70

Constituição e nas leis. Os direitos universais e inalienáveis previstos nos vários documentos

descritos neste tópico parecem não ter validade na prática.

O embate entre direitos humanos e segurança pública tem sido um dos pontos cruciais na efetiva instauração do estado de Direito. É preocupante, entretanto, o fato de que, para uma boa parcela da população e dos responsáveis pela segurança pública, os defensores dos direitos humanos preservam, em última instância, a impunidade do “criminoso” e se opõem, sistematicamente, a todo esforço de contenção da criminalidade. Por outro lado, estes representantes tentam mostrar que não defendem a impunidade, mas sim que o sistema de segurança seja competente, use a força segundo as necessidades e trabalhe dentro dos princípios da lei. (BARREIRA, 2004, p. 26).

Os DH, de maneira geral, sob a ótica, muitas vezes, do senso comum

no seio da sociedade, além de pouco conhecidos e debatidos ainda está envolto de

concepções arcaicas e cobertas de interpretações levianas e perigosas. Deste modo, o

Estado Democrático de Direito não se consolida numa sociedade que desconhece e

desrespeita os DH. Como acentua Soares (1998), esse tema permanece prejudicado e

deturpado no seio da opinião pública graças a manipulação ensejada por classes

poderosas. É de interesse dessas classes que o obscurecimento e a visão distorcida

sobre os DH continuem, pois isso é pedra base para a continuação das profundas

desigualdades sociais e a prevalência da enorme distância existente entre os extremos

(base e o topo) da pirâmide socioeconômica, Daí a necessidade de associar

genericamente os DH com a bandidagem e a violência criminal. O entendimento

distorcido dos DH pode ser verificado numa pesquisa de campo realizada entre os

messes de agosto e setembro de 2007. O quadro apresentou as seguintes concepções,

sob a ótica de representantes da sociedade civil no quesito para que servem os DH?

1.2.2 – O que pensa a sociedade sobre os Direitos Humanos

71

Com intuito de investigar o que pensa a sociedade sobre os DH,

realizou-se 100 entrevistas semi-reguladas com as mais diversas pessoas

representantes dos mais variados extratos sociais sobre qual o verdadeiro papel dos

Direitos Humanos. As entrevistas foram aplicadas a 50 pessoas da sociedade e 50 a

membros dos organismos policiais e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará. Foram

obtidas diferentes respostas com relação as reais funções do DH no Brasil. A pesquisa

foi intencional e ocorreram nos meses de agosto e setembro de 2007, em três

municípios cearenses: Fortaleza (cidade de grande porte demográfico, com mais de

dois milhões de habitantes), Sobral (cidade de médio porte demográfico, com mais de

cem mil habitantes) e Ocara (cidade com menos de trinta mil habitantes). O objetivo

da pesquisa visa fazer as devidas comparações entre as diferentes visões e em seguida

tirar algumas conclusões e reflexões. A maioria dos entrevistados optou por não

revelar seus nomes, sobretudo os funcionários públicos. Nas tabelas abaixo estão

dispostos o resultado das referidas entrevistas.

Tabela 01.

Concepções Total de respostas % GeralResponderam que os DH servem para

proteger todas as pessoas.17 34%

Responderam que os DH servem apenas

para proteger bandidos15 30%

Responderam que os DH não funcionam

no Brasil10 20%

Responderam que os DH servem

somente para proteger os ricos.08 16%

Fonte: Pesquisa de campo – Entrevistas.

72

1.2.3 O que pensam profissionais de segurança pública sobre os Direitos

Humanos?

Tabela 02.

Concepções Total de

respostas

% Geral

Responderam que os DH servem para proteger todas as

pessoas.11 22%

Responderam que os DH não funcionam no Brasil. 14 28%Disseram que os DH servem apenas para proteger

bandidos.24 48%

Afirmaram que os DH servem somente para proteger os

ricos.01 2%

Fonte: Pesquisa de campo – Entrevistas.

Conforme demonstração da pesquisa de campo acima, das 50 pessoas

da sociedade entrevistadas, 15 (30%), respondeu que os DH servem somente para

proteger bandidos, sendo que apenas 17 pessoas (34%) respondeu que os DH são

destinados para proteger todas as pessoas, uma diferença ínfima de 4 pontos

percentuais, ou seja, 02 pessoas a mais. No quesito proteger ricos restou-lhe 08

pessoas (16%) e como os DH não funcionando no Brasil sobraram-lhe, entre os

entrevistados, 10 pessoas (20%). No cômputo geral, 66 % (33 pessoas), das 50 pessoas

da sociedade civil entrevistadas, não confiam ou possuem uma visão negativa e

negadora acerca dos DH. Com relação aos agentes dos órgãos de segurança pública

essa visão se agrava mais ainda. Dos 50 profissionais de segurança pública

entrevistados, 24 (48%) deles afirmaram que os DH somente funcionam para proteger

bandidos; 14 (28%) acreditam que os DH não funcionam no Brasil; 11 (22%) servem

73

para proteger todas as pessoas; e, 01 acredita que os DH servem apenas para proteção

dos ricos. Neste caso, 78% dos profissionais de segurança pública não dão

credibilidade aos DH e dispensam uma visão distorcida quanto ao principal objetivo da

função dos DH. Com efeito, das 100 pessoas entrevistadas, apenas 28 delas confiam na

real função dos DH.

Como o intuito de melhor representar a pesquisa acima, algumas falas

dos sujeitos-produtores de opinião entrevistados foram transcritas. A primeira se refere

à real função dos DH do ponto de vista de entrevistados dos organismos de segurança

pública:

Depois que inventaram esse negócio de direitos humanos a bandidagem tomou de conta. Esse tal de direitos humanos é a maior mentira. Só serve mesmo para proteger quem não presta. Esse pessoal dos direitos humanos são doidos é pra prejudicar a gente da polícia. Não se pode mais nem trabalhar com a perseguição desse povo. É por isso que tá do jeito que tá. Eu duvido se fosse na época do Assis Bezerra secretário se tinha esse negócio de direitos humanos. Bandido comia era tampado e tiau (sic) (Policial Civil).

Os direitos humanos buscam o equilíbrio entre os seres humanos em uma sociedade que maltrata os homens tirando-lhes os direitos de cidadania. É uma busca constante de igualdade social, um movimento que procura em um oceano de desigualdade a igualdade entre os seres humanos (Pastor da Assembléia de Deus).

Os direitos humanos são todos os direitos inerentes a condição de existir como ser humano. Dentre eles podemos destacar o direito à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à inviolabilidade da intimidade e do domicílio, ao laser e à cidadania. Os órgãos atrelados à fiscalização dos direitos humanos tem a função de fiscalizar o cumprimento do direito positivo relacionado a proteção dos direitos Humanos (sic) (Policial Militar).

É um grupo de advogados com intuito de deixar os problemas da melhor maneira resolvidos, mas não consegue. Não estão sabendo direito suas atribuições, pois só levam o tempo a prejudicar. Quando um bandido é morto ou preso no instante eles sabem procurar a família, chama a imprensa e procuram fazer alguma coisa, mas se for um policial que morrer eles parece que acham é bom. Então eu pergunto: cadê esses direitos humanos? Só tem direitos humanos se for bandido? (Professora da Educação Básica).

O que eu vejo é que esse tal de direitos humanos é uma maior mentira. Se não eles realmente buscavam proteger as pessoas contra os crimes, contra a corrupção

74

desses políticos sem vergonha que tanto roubam nosso país. Eu acho que eles tão é do lado deles também. São todos iguais, só querem é se dá bem se não arranjavam um meio do governo arranjar emprego para as pessoas e cadê? É só balela, todos são iguais (Jovem estudante do 3º ano).

As falas dos entrevistados acima correspondem a cinco pessoas (10%)

da amostra que foram transcritas ipsis literis, haja vista que as perguntas foram abertas

de modo subjetivo e as pessoas ficaram à vontade para escrever. Entre outras

concepções dos entrevistados é possível se perceber contradições. No caso em análise,

essas contradições aparecem tanto na categoria dos representantes da segurança

pública como nos da sociedade em geral. Essas contradições levam a algumas

reflexões a respeito dos DH. Será que existem ineficiências reais quanto ao

desempenho dos representantes dos DH para todas as pessoas? Ou existem realmente

interesses maiores desses representantes em atender uma ou outra classe social? De

acordo com os diferentes pontos de vistas dos entrevistados, existem algumas fissuras

contundentes com relação ao desempenho funcional dos representantes dos DH.

1.3 – Segurança pública e Cidadania

Após o fim da Guerra Fria (desmantelamento do bloco socialista em

1992), a segurança pública ganhou destaque no cenário mundial como sendo um

serviço público na defesa social garantidor das liberdades individuais e da cidadania.

Ocorre que se entender liberdades individuais e cidadania como direitos indispensáveis

e fundamentais à vida no Estado Democrático de Direito pode-se concluir que o

primeiro e maior responsável por essas garantias é o próprio Estado a quem se delegou

confiança para que ele protegesse de forma segura e plena seus súditos. Isto seria

realizado com base no contrato social entre ambas as partes (Rousseau, 1983).

75

Ora, num Estado Democrático de Direito ser cidadão significa gozar

dos direitos civis, políticos e sociais e, neste caso, a segurança pública está

indispensavelmente incluída nesses direitos, conforme delineia a própria CF do País.

No Brasil, conforme Carvalho (2004), ainda, não se conseguiu atingir essa meta, ou

seja, a sociedade brasileira não tem um aspecto de cidadania em sua plenitude, apesar

de se ter conseguido certo avanço com a redemocratização a partir de l985 e,

sobretudo com a efetivação da CF de 1988.

Considerando alguns aspectos concernentes à questão de cidadania no

Brasil, pode-se detectar que ela é em parte inexistente, pois, para que tal cidadania

exista efetivamente em uma sociedade, necessário se faz que essa mesma sociedade

disponha de uma democracia forte e efetiva. E quando é que uma democracia pode ser

considerada forte e efetiva? Referindo-se a descrição feita por Tucídides, sobre a

democracia em Atenas, as características pretendidas para a democracia eram:

autogoverno, igualdade política, liberdade, justiça, participação do cidadão comum no

governo da cidade, controle da ação dos governantes e prestação de contas das ações

do governo. Sabe-se que este tipo de democracia é questionado para sobreviver no

Estado Moderno, pois, como observa Bobbio (2000), essas características estão

relacionadas com a democracia direta e que esta inexiste no Estado atual, devido ao

tamanho de seu território e de sua população.

Com efeito, uma das características que permite o indivíduo ser

cidadão em sua plenitude é a liberdade de expressão, igualdade de participação na vida

76

política governamental somada com a garantia de proteção social. Deste modo, para

ser cidadão o indivíduo necessita não somente de segurança pública, mas participar

das decisões do corpo político, da cidade. Em Rousseau (1983), cidade é sinônimo de

República (do latim Res-pública: coisa pública) e é o corpo político que resulta da

associação de todos. Caso os cidadãos não participassem das decisões e não

contribuíssem para a construção da cidade não poderiam ser considerados cidadãos,

sob pena de cometerem o crime de lesa-majestade. Desta forma cidadania é uma

conquista que o indivíduo consegue com consciência e participação ativa nas decisões

administrativas na construção e formação da cidade, do todo coletivo, enfim, da

vontade geral da comunidade. Daí se entender que a cidadania plena depende de uma

democracia consolidada. Deste modo, a cidadania em países cujo processo

democrático não se completou, está em processo de conquista. Não se está falando de

cidadania jurídica, ou seja, de se ter um registro, um país para morar e poder votar,

está se falando de cidadania plena no âmbito do usufruto dos direitos civis, políticos e

sociais (Carvalho, 2004).

Corroborando com essa tese, Arendt (1987) reforça o argumento

aristotélico de que ser cidadão é ter a possibilidade concreta do exercício da atividade

política, ou seja, ser cidadão é poder governar e ser governado. A autora vai mais além

quando afirma que a cidadania é o primeiro direito humano fundamental dos quais

todos os outros direitos derivam. É o direito a ter direito. O conceito de cidadania não

está relacionado com território ou nacionalidade ou com o formalismo jurídico das

classes dominantes brasileiras que durante muito tempo perpassaram a idéia de que

cidadania reduz-se apenas ao exercício dos direitos políticos. Cidadania nesse sentido

77

é uma qualidade do ser humano que com ele não nasce, porém necessita ser

conquistada e ao sê-la não poderá ser anulada. Nesse caso se entende a cidadania como

uma qualidade social e não natural. Neste sentido, como aborda Pinheiro (1995),

cidadania advém do usufruto dos direitos civis, políticos e sociais somados com a

responsabilidade de se ter direitos e deveres. Reconhece-se que as conquistas nesse

campo pós-abertura política (1985) foram significativas, mas há muito que fazer,

ainda.

Sob esse prisma, a discussão sobre segurança pública e cidadania no

Brasil carece de uma análise mais apurada. A realidade da sociedade brasileira

demonstra uma “pobreza política” (termo de Pedro Demo) profunda. Isto pode ser

visto na falta de garantia dos direitos sociais básicos de sobrevivência, como

alimentação, moradia, saúde, educação e segurança. Como conquistar cidadania

“numa sociedade que não abre lugar para o indivíduo e o cidadão, uma sociedade na

qual a insegurança, a violência e a incivilidade são a regra da vida social?” (TELLES,

1993, p.16). Como observa Carvalho (2004), se se teve um avanço na conquista dos

direitos civis e políticos com a instalação da última República, pós-1988, continua-se

com graves deficiências na garantia dos direitos sociais.

Existem ainda no Brasil alguns “males de origem” (BOMFIM, 1993),

que emperram o exercício da cidadania e a consolidação da democracia. Conforme

Demo (1994), a falta de sociedade civil organizada, consciente e auto-sustentável tem

sido alimentada por um Estado burocrata e tecnocrata historicamente construído e

78

composto por oligopólios que usam todos os tipos de artimanhas para se sustentarem

no poder, ignorando

[os] milhões de menores carentes, a que se negam os direitos mínimos de sobrevivência material e de cidadania; o extermínio sumário de quem ousa reivindicar direitos básicos, como o acesso à terra para plantar e sobreviver; o descalabro e o descrédito da justiça comum, empedernidamente cega para o poder; a insegurança geral das pessoas, sobretudo nos bairros periféricos dos grandes centros, síndrome de uma sociedade absurda que faz da agressão cotidiana sua ordem vigente; a desmobilização persistente da população, provocada por políticas compensatórias, assistencialistas, residuais, que coíbem o processo de organização da sociedade civil compensatórias, assistencialistas, residuais, que coíbem o processo de organização da sociedade civil (ibidem).

Com efeito, a negação dos direitos mínimos de sobrevivência como

moradia, educação, saúde e segurança aos milhões de crianças que vivem jogadas nas

ruas revelam que este País está longe do desenvolvimento, sobretudo do progresso

social. Um País que não cuida de suas crianças compromete seu futuro promissor pois,

[a] infância, frágil como um papel, é o mais perfeito indicador do desenvolvimento de uma nação. Revela melhor a realidade do que o ritmo de crescimento econômico ou renda per capita. A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um país é uma árvore, a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico como a semente para a plantação. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na educação, o que significa investir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta nada se não tiver uma semente. A viagem pelo conhecimento da infância é a viagem pelas profundezas de uma nação. Isto porque árvores doentes não dão bons frutos (DIMENSTEIN, 1994, p. 8-9).

Outro grave problema praticado no Brasil, que remonta ao período da

colonização, é o uso dos serviços públicos com a finalidade de atender a interesses

privados. A relação entre o público e o privado no Brasil sempre foi indistinta. Com

relação à segurança pública não é diferente. Não se tem a participação popular da

sociedade civil na escolha de Secretários, Comandantes das polícias militares e nem de

chefes das polícias civis (superintendentes ou delegados). Os cargos dessas

autoridades são ocupados, em linhas gerais, por pessoas de indicação política ou por

79

exigência de uma ou outra classe dominante. Esta é uma prática municipal, estadual e

federal e termina por promiscuir esses cargos públicos na troca de favores, nepotismo

e apadrinhamento para ambas as partes. Esta foi a forma de construção do Estado no

Brasil. A falta de povo organizado ou a antecipação desse Estado primeiro do que a

constituição de povo neste País iria postergar um legado complexo e deformado para

esta grande nação que teve durante cerca de quatro séculos a presença de um Império

europeu na “tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado

de condições naturais, se não adversas..., que é, nas origens da sociedade brasileira, o

fato dominante e mais rico em conseqüências” (HOLANDA, 1995, p. 31). Sem

sombra de dúvidas uma dessas graves conseqüências é a indistinção do que é público e

do que é privado. Sobre esse fato Chauí (2004) esclarece:

[a] indistinção entre o público e o privado não é uma falha ou um atraso que atrapalham o progresso nem uma tara de sociedade subdesenvolvida ou dependente ou emergente (ou seja, lá o nome que se queira dar a um país capitalista periférico). Sua origem, como vimos há pouco, é histórica, determinada pela doação, pelo arrendamento ou pela compra das terras da Coroa, que, não dispondo de recursos para enfrentar sozinha a tarefa colonizadora, deixou-a nas mãos dos particulares, que, embora sob o comando legal do monarca e sob o monopólio econômico da metrópole, dirigiam senhorialmente seus domínios e dividiam a autoridade administrativa com o estamento burocrático. Essa partilha do poder torna-se, no Brasil, não uma ausência do Estado (ou uma falta de Estado), nem, como imaginou a ideologia da “identidade nacional”, um excesso de Estado para preencher o vazio deixado por uma classe dominante inepta e classes populares atrasadas ou alienadas, mas é a forma mesma de realização da política e de organização do aparelho do Estado em que os governantes e parlamentares “reinam” ou, para usar a expressão de Faoro, são “donos do poder”, mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela, e praticam a corrupção sobre os fundos públicos. Do ponto de vista dos direitos, há um encolhimento do espaço público; do ponto de vista dos interesses econômicos, um alargamento do espaço privado (p. 90-91).

Portanto, o slogan de que a segurança pública é a garantia da

cidadania é demagógico e eivado de pretensões falsas. É a transferência de uma

responsabilidade muito mais complexa atribuída ao poder do Estado, que para ser

democrático necessita possibilitar ao indivíduo as condições essenciais para sua

autonomia de sujeito ativo, liberto, participativo e seguro. Não se pode esperar a

80

garantia de cidadania por organismos de um Estado que ainda não possibilitou a

conquista dessa cidadania aos seus habitantes. É uma sentença cujos termos não estão

na ordem correta. Primeiro, é preciso se conquistar a cidadania e esta tendo sido

conquistada deve ser preservada pelas “Forças da Ordem” que estão à disposição do

Estado para proteger e efetivar as determinações legais. Todavia, conforme Brasil

(2004),

[no] Estado Democrático de Direito, o exercício da cidadania, a proteção, a promoção dos direitos humanos, não estão dissociados de uma política de segurança pública – ou seja, não são interesses antagônicos, mas convergentes. A segurança, como qualquer política pública, deve estar submetida ao controle e às críticas vigorosas da sociedade civil. O cerne do debate é o lugar que a segurança ocupa hoje na agenda do governo (In: O POVO, 31/01/2004, p. 07 -, opinião).

O discurso da modernidade sob o manto da política mercadológica

tem procurado ofuscar ou enfraquecer os movimentos sociais que buscam conquistas

de espaços menos desiguais. Esse discurso tem buscado legitimar a ordem de um

capitalismo cada vez mais desigual. Sob esse prisma, é que o discurso moderno tem

como ideário o aperfeiçoamento da ordem social vigente deixando o conceito de

cidadania na igualdade formal e na desigualdade real, mas incentivando a camuflagem

da cidadania nos principais serviços públicos sob os chavões de “educação cidadã”,

“segurança cidadã” e assim por diante.

Carvalho (2004), ao discutir cidadania no Brasil parte do princípio de

que esta somente será conquistada quando o Estado Democrático de Direito no Brasil

for capaz de garantir plenamente os direitos civis, políticos e sociais para todos.

Entretanto, a cidadania não deve ser outorgada ou tutelada pelo Estado, mas

conquistada dentro de um agir coletivo da sociedade por meio de reivindicações e

81

exigências legais e legítimas perante o poder público. Neste caso, a cidadania faz

parte, inexoravelmente, dos direitos fundamentais da pessoa humana. É através da

efetivação de políticas públicas sociais que há a concretização desses direitos.

Para Weffort (1981), existem no Brasil várias cidadanias de caráter

particular e, portanto, não universal. Este fato é decorrente da construção desigual do

Estado brasileiro em razão da profunda desigualdade social entre as pessoas. Segundo

Weffort, o máximo que há para os milhões de trabalhadores no Brasil é uma meia

cidadania. Isto significa dizer que se a cidadania no Brasil para a classe trabalhadora

acontece apenas pela metade para a grande massa desempregada e miserável essa

cidadania é algo estranho e distante.

Sob esse mesmo prisma, Dimenstein (1994), ao discutir acerca de

cidadania no Brasil, afirma que ela somente existe no papel e que, portanto, o nosso

País possui milhões de cidadãos de papel. Isto se dá em razão da falta de consolidação

do processo democrático que se dará somente quando for respeitado e garantido

plenamente os DH.

1.4 – Dos sistemas de segurança pública

Segundo Xavier (2007), para assegurar a almejada segurança civil

(proteção individual e do patrimônio) e a paz social das pessoas (ordem pública), o

Estado Democrático de Direito dispõe de dois sistemas: o Criminal e o de Segurança

pública que estão intrinsecamente ligados por força de lei e coerência das atividades

82

desenvolvidas. O funcionamento desses Sistemas de forma homogênea e integrada

produz efeitos positivos com relação à promoção da ordem e da segurança pública,

bem como exercita com eficiência a punição dos infratores da lei. Neste sentido,

evoca-se que as atividades desses dois Sistemas ocorram de forma integrada atendendo

eficazmente a todas as pessoas que necessitam dos serviços públicos atribuídos a eles.

Segue abaixo a representação de ambos os Sistemas responsáveis diretamente pela

ordem e a segurança pública no Brasil:

83

QUADRO 2: Representação do Sistema de Segurança Pública

Sistema Órgãos Objetivos

Profissionais

Controle

Funcional

Externo

De

Segurança

Pública

Polícia (ostensiva e preventiva) de preservação da Ordem e Segurança Públicas de Presídios, contra Sinistros e Defesa Civil

Prevenir, Reprimir, Ajudar à População

Autoridades e Agentes Policiais administrativos da PM, CBM e do Sistema Penitenciário e da Defesa Civil

Poder Executivo

FONTE: Idem

QUADRO 1: Representação do Sistema Criminal

Sistema Órgãos Objetivos Profissionais

Controle

Funcional

Externo

Criminal Juízo Criminal Ministério PúblicoSetor CarcerárioAdvogadosPolícia Judiciária

Punir (reprimir criminalmente após a consumação do delito)

Juízes, Promotores de Justiça, Advogados, Defensores Públicos, Serventuários da Justiça, e Agentes Policiais Judiciários (Polícia Federal e Polícia Civil-PC)

Poder Judiciário e Ministério Público

FONTE: – Universidade Estadual do Ceará – UECE. Centro de Educação – CED. Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos – IEPRO. Policia Militar do Ceará – PMCE. Programa de Formação para Profissionais de Segurança Publica e Defesa do Cidadão. O Sistema de Segurança Publica no Brasil. Curso de Formação de Soldados. Ética e Cidadania. Fortaleza. 74p. Mimeo.

84

Conforme os quadros acima demonstram, as atividades de Polícia

Judiciária e as de Polícia ostensivo-preventiva (preservação da ordem e da segurança

pública está situada em esferas diferentes). A polícia ostensiva e de preservação da

ordem e segurança públicas, a PMCE realiza seu trabalho discricionariamente,

basilada pela lei. Em caso de excessos ou abusos, cabe ao Poder Executivo e ao MP o

devido controle. Cabe à Polícia Judiciária PF – no âmbito da União e PC – no âmbito

dos Estados - realizar a atividade repressiva e de apuração de delitos criminais, exceto

os crimes militares. Estar sob o controle do Poder Judiciário e, também do MP.

Embora distintos, e funcionando em poderes independentes, os sistemas são

interligados e afins, pois ambos têm em vista o controle da criminalidade, a segurança,

a tranqüilidade pública e a justiça igualitária para todos os brasileiros. Todavia,

[n]ossa ignorância a respeito do funcionamento das polícias estaduais, bem como das organizações do sistema de justiça criminal, e a forma mistificada do enfoque dado ao problema policial pode estar na origem de algumas prescrições freqüentemente propostas para reforma das polícias. A primeira delas consiste na idéia de que existe uma estrutura ideal de organização policial, e que a atual estrutura e função das polícias e que a atual estrutura não se coaduna com este modelo. No Brasil, a definição da estrutura e função das polícias é matéria constitucional: cabe à Polícia Federal a apuração de infrações com repercussão interestadual e a repressão e prevenção ao tráfico de entorpecentes; à Polícia Civil as funções de polícia judiciária; e, às polícias militares o de policiamento ostensivo (Constituição de 1988, Cap. III. Art. 144). Qual o modelo a ser perseguido, entretanto, é algo que não fica claro. Aparentemente, o pano de fundo dessa ordem de crítica repousa na idéia de que modelos descentralizados de comando e organização são condições necessárias para a transição a um modelo de polícia ‘orientado comunitariamente’, em contraposição a um modelo ‘orientado profissionalmente’ que parece ainda prevalecer na definição constitucional e como orientação doutrinária em muitas organizações policiais estaduais. Entretanto, nem o número de forças policiais autônomas existente, nem a centralização/descentralização de comandos e sua aproximação com a comunidade em que atuam parecem guardar qualquer relação com os objetivos das organizações policiais, com métodos de policiamento utilizados ou com sua relação com o público (BEATO FILHO, 1999, p. 18).

Além dessas funções básicas dos organismos policiais existem

relações definidas e orientadas entre as polícias, o Poder Executivo e o Poder

Judiciário. A relação dos Sistemas de segurança pública com esses poderes é derivada

85

das diferenciações das atribuições e competências dos organismos policiais. A PMCE

atua sobre todos os aspectos da ordem pública, enquanto que a polícia judiciária atua

sobre as pessoas dos indivíduos e de suas práticas delituosas. O quadro abaixo ilustra

como se dá essa relação de forma específica:

Quadro 03: A Relação do Sistema de Segurança Pública com os Poderes

FONTE: – Universidade Estadual do Ceará – UECE. Centro de Educação – CED. Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos – IEPRO. Policia Militar do Ceará – PMCE. Programa de Formação para Profissionais de Segurança Publica e Defesa do Cidadão. O Sistema de Segurança Publica no Brasil. Curso de Formação de Soldados – PMCE. Fortaleza. 2000. 74p. Mimeo.

Os órgãos do sistema de segurança pública criminal pertencentes ao

Poder Judiciário e ao Poder Executivo apesar de suas funções, competências e

atribuições definidas separadamente trabalham em prol de um objetivo comum: manter

a ordem e garantir a segurança pública das pessoas e de seu patrimônio. Segundo

Figueiredo (2000, p. 9-10):

[a]ssim, situados na esfera do Executivo vamos encontrar a polícia e o Sistema penitenciário, e na esfera exclusiva do poder Judiciário, o juízo criminal. O Ministério Público e a Defensoria pública, embora sem uma órbita definida, ligam-se mais ao judiciário. Os advogados são entes autônomos, independentes do poder executivo e do poder judiciário, mas com atuação marcante no sistema. A polícia judiciária, consumado o delito, trabalha como auxiliar da justiça criminal e do Ministério público, estando também a ação da polícia ostensiva, sobretudo nos casos de prisão, submetida ao controle desses órgãos. Trata-se evidentemente de um sistema complexo. Muitos outros juristas admitem como verdadeira a premissa de que o bom funcionamento do sistema criminal é fator inibidor da criminalidade, com repercussões óbvias na segurança pública. Portanto, a colaboração mútua entre

Manutenção da Ordem Pública

Apuração dos Delitos e seus autores

Executivo Policia Administrativa

Policia Judiciária

Judiciário

Responsabilidade Administrativa

Responsabilidade Administrativa

86

o Judiciário e o executivo para a formulação de uma política criminal como um todo é meta viável e necessária. As falhas de um setor interferem negativamente no outro. Outras relações se estabelecem entre as polícias e o judiciário, quando, por exemplo, a polícia executa qualquer determinação do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Esta atividade pode ser realizada tanto pela polícia administrativa como judiciária.

Embora distintos, e funcionando em poderes independentes, os

sistemas são interligados e afins, pois ambos têm em vista o controle da criminalidade,

a segurança, a tranqüilidade pública e a justiça igualitária para todos. Contudo, como

constata Kant de Lima (1995), existe uma precariedade incisiva das técnicas de

investigação e de inserção das polícias no sistema de justiça criminal, em razão do

perfil burocrático do sistema de justiça criminal (Sapori, 1995). Além disso, como

destaca Soares (2000), esse perfil burocrático do sistema de justiça criminal tem sido o

responsável pela morosidade dos processos, exigindo assim, uma reforma estrutural

para melhor atender as demandas de trabalhos da justiça. Quanto as polícias, segundo

Beato Filho (2001), funcionam com estruturas do século XIX para atender demandas

do século XXI.

Ainda segundo Xavier (2007), apesar de estarem bem nítidas as

tarefas devidas de cada Corporação Policial, ainda existem muitos conflitos de

competências. Todas as polícias no mundo se organizam para cumprirem duas

funções básicas: policiamento ostensivo-preventivo e investigativo-repressivo. A

primeira função cabe à polícia fardada, no caso do Brasil, a PM e a segunda

função à PF e PC. Esses conflitos se dão na, sua grande maioria, entre as polícias

estaduais onde, muitas vezes a PMCE, através de seu Serviço Reservado – 2ª

Seção de Companhias, Batalhões, Grandes Comandos (Comando de

Policiamento do interior – CPI e Comando de Policiamento da Capital – CPC) e

87

do Estado Maior Geral – EMG, investiga e até viola locais de crimes. Por outro

lado, a PC faz diligências de investigação criminal em Viaturas caracterizadas.

Muitas vezes a PC se dá ao direito de vestir coletes com a identificação de

Polícia Civil para fazer blitzens ostensivas12.

A partir da CF de 1988, as guardas municipais são, pela primeira vez,

mencionadas como organismos de vigilância patrimonial municipal, sem integrarem o

conjunto dos órgãos da segurança pública das pessoas, ou seja, sem poder de polícia,

mas de vigilância, do espaço municipal. Isto deve ser repensado, pois, como já foi

frisado anteriormente as políticas públicas no âmbito dos municípios são mais diretas,

haja vista a maior proximidade com as pessoas e com os problemas sociais.

Por outro lado, deve-se ter prudência ao atribuir aos municípios brasileiros competências relacionadas à segurança pública. Vale ressaltar que, algumas destas atribuições (especificamente quanto ao papel das Guardas Municipais) pressupõem reformulações que são matéria de emenda constitucional. A segurança municipal também deve estar orientada por diretrizes, conceitos e prioridades, definidos pelo substrato jurídico e ético da Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Isto, implica a prioridade pela vida e integridade física como bens a serem preservados – acima de quaisquer outras considerações -, e a observância irrestrita dos direitos fundamentais do (a) cidadão (ã). Por isso, é necessário instituir os limites e as atribuições da esfera municipal, para que possam ser reconhecidas, em contrapartida, as potencialidades municipais. Entendo que as cidades terão condições, deste modo, de incorporar as novas competências e compartilhar, sem ambigüidades com as outras esferas, as funções de segurança pública (GUINDANI, 2004).

Além disso, atualmente, há um crescente repasse de responsabilidade

aos municípios para gerirem políticas públicas de modo a solucionar os problemas nas

áreas da saúde, educação, assistência e desenvolvimento social e por que não na área

da segurança pública? É bom que se diga que isto já ocorre não de direito, mas de fato.

Sabe-se que constitucionalmente a segurança pública “é dever do Estado, direito e

12(Universidade Estadual do Ceará – UECE. Centro de Educação – CED. Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos – IEPRO. Policia Militar do Ceará – PMCE. Programa de Formação para Profissionais de Segurança Publica e Defesa do Cidadão. O Sistema de Segurança Publica no Brasil. Curso de Formação de Soldados – PMCE. Fortaleza. 2000. 74p. Mimeo)

88

responsabilidade de todos” (CF, art.144). Todavia, na prática, os organismos policiais

lotados nos municípios deste País afora só funcionam se os governos municipais

arcarem com despesas de alimentação para os policiais, combustível e até manutenção

para viaturas. Isto, inclusive, tem gerado alguns problemas, pois o poder local, por não

ser responsável legalmente por essas atribuições, porém, arcarem com

responsabilidade financeira, sente-se no direito de interferir no trabalho policial,

exigindo, muitas vezes, fidelidade política partidária e determinando quem deve ou

não ser preso, dependendo da gravidade do delito. Neste sentido, cria-se uma espécie

de subserviência do poder de polícia em relação ao poder político local.

Faz-se necessário destacar que o texto constitucional é bem claro

quando diz que segurança pública é dever do Estado direito e responsabilidade de

todos. Isto significa que não são somente os organismos policiais devem buscar

promover a segurança pública, mas sim todas as pessoas, inclusive a sociedade civil,

fiscalizando, cobrando e denunciando quem põe em risco a ordem e a segurança

pública. Essa deve ser uma vigilância constante não somente na área da segurança

pública, mas também nos demais serviços que o poder público deve disponibilizar à

sociedade para o fortalecimento da democracia. Ao analisar como estava se dando o

processo democrático nos Estados Unidos da América – EUA, Tocqueville (1987)

percebeu que a consolidação da democracia nos EUA baseava-se, entre outras coisas,

na inexistência de hierarquias nas relações sociais; na liberdade de imprensa; na

organização da sociedade civil em cobrar dos governantes a realização das práticas

prometidas para o bem comum. Com efeito, o processo democrático que Tocqueville

analisou nos EUA, no século XIX, o impressionou pela forma como se dava entre os

89

americanos que fundavam associações de membros para discutir sempre o que era

melhor para o todo coletivo através dos Conselhos Comunitários e das Comunas no

selfgoverment – auto-governo –, que consistia na fiscalização de todos para com todos

e a participação de todos nas decisões políticas. Deste modo, a democracia nos EUA se

consolidava como em nenhum outro lugar no ocidente. Por isso, para Tocqueville era

preciso

[e]ducar a democracia, reanimar, se possível, as suas crenças, purificar seus costumes, regular seus movimentos, pouco a pouco substituir a sua inexperiência pelo conhecimento dos negócios de Estado, os seus instintos cegos pela consciência dos seus verdadeiros interesses; adaptar o seu governo às condições de tempo e de lugar, modificá-lo conforme as circunstâncias e os homens – tal é o primeiro dos deveres impostos hoje em dia àqueles que dirigem a sociedade. Precisamos de uma nova ciência política para um mundo inteiro novo (1987, p. 13).

Segundo ainda Tocqueville (1987), a constituição de um real Estado

democrático baseia-se na vontade da maioria. Todavia, para que essa vontade não se

transforme em ditadura é necessário politizar a sociedade civil reunida em assembléias

com o gosto da liberdade de poder governar e ser governada. Desta forma, os serviços

públicos indispensáveis ao convívio social são de melhor qualidade, pois, em razão da

descentralização e desburocratização do Estado sempre há uma fiscalização da coisa

pública em público através de accountability realizada pela sociedade civil organizada.

Não se trata de importação de modelo, o que está sendo discutido é

que não basta haver só a Lei escrita, que, aliás, segundo Holanda (1995); Da Matta

(1981); Gomes & Cervini (1997), sempre foi o recurso utilizado para resolver as

questões sociais no Brasil. É imprescindível que haja a fiscalização e cobrança por

parte da sociedade civil organizada e o cumprimento efetivo por parte das instituições

responsáveis diretamente pela promoção de políticas públicas visando o bem coletivo.

Essas políticas públicas referem-se, sobretudo às políticas de segurança social e de

90

segurança civil que, segundo Castel (op. cit.), a segurança social refere-se à proteção

contra às incertezas e misérias do ser vivente no mundo e a segurança civil trata-se da

proteção pessoal de cada indivíduo e de seu patrimônio, ou seja, a segurança pública

que deve ser proporcionada pelo Estado refere-se as proteções de segurança social e

civil.

A repressão dos delitos, a punição dos culpados, a busca de uma “tolerância zero”, que corre o risco de ter de aumentar o número dos juízes e dos policiais são certamente curto-circuitos simplificadores em relação à complexidade do conjunto dos problemas levantados pela insegurança. Mas estas estratégias, principalmente se elas são bem encenadas e perseguidas com determinação, têm pelo menos o mérito de mostrar que se faz alguma coisa (não se é laxista), sem ter de levar em consideração questões aliás, delicadas, tais como, por exemplo, o desemprego, as desigualdades sociais, o racismo, que também estão à origem do sentimento de insegurança. Isto pode ser politicamente proveitoso em curto prazo, mas pode-se duvidar que se trate de uma resposta suficiente à questão “o que é ser protegido?” (CASTEL, 2005, p. 57-58).

Com efeito, para que o Estado possa ter êxito na segurança pública, ou

proteção civil, faz-se necessário, num primeiro plano, possibilitar a segurança social,

promovendo programas de inclusão e defesa contra as questões de bem-estar de seus

habitantes. Para isso, é necessário a integração das classes sociais dentro de um

programa, coeso e harmonioso para que se evite a anomia social que leva o indivíduo

às desgraças da vida e até ao suicídio como apontou Durkheim (1978). A questão da

integração social foi lembrada por Castel (2005), quando por ocasião da tentativa de

inclusão dos proletários no mundo do trabalho industrializado no século XVIII. Esses

grupos de proletários eram como estrangeiros vivendo à periferia do corpo social e por

isso não partilhavam da cultura dominante e não se enquadravam nos circuitos das

trocas sociais. Assim, como os proletários do início da revolução industrial, a grande

massa periférica, pobre e negra dos dias atuais, sobretudo dos grandes centros urbanos,

ao procurar um emprego ou reivindicar uma vida mais digna enfrenta a discriminação

91

e a hostilidade de uma parte da população e das “forças da ordem” compostas pelo

Sistema de Segurança Pública e do Sistema Criminal que funcionam como aparelho

repressor ideológico do Estado.

Percebendo a falência metodológica em promover a segurança

pública, em 2003, o Governo Federal adotou o Projeto Segurança Pública para o

Brasil, elaborado originalmente pelo Instituto da Cidadania (2002), como PNSP.

Inspirado na experiência do SUS, o Projeto Segurança Pública para o Brasil prevê com

a promoção do MJ, através da SENASP, a consolidação do SUSP a partir da

integração das ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública; da

constituição de Gabinetes de Gestão Integrada – GGI nos 27 Estados da Federação e

do desenvolvimento de planos estaduais e municipais de segurança pública. Além

disso, visando a definir princípios, diretrizes e prioridades para a construção do SUSP,

a SENASP lançou o Projeto Arquitetura Institucional – PAIs e constituiu grupos de

trabalho para apresentar propostas de ação em nove áreas estratégicas: 1)

Modernização da gestão das instituições de justiça criminal; 2) Capacitação em gestão

integrada da segurança pública; 3) Bases nacionais de informação de Justiça Criminal;

4) Gestão da prevenção em segurança pública; 5) Controle e participação social na

gestão das polícias; 6) Aprimoramento dos serviços de polícia técnica; 7) Controle de

arma de fogo; 8) Gestão municipal da segurança pública; e, 9) Gestão do sistema

penitenciário (MJ - SENASP, 2005).

Com efetivação dessas medidas propostas pelo SUSP, espera-se que

em curto, médio e longo prazos, o Brasil com suas 27 unidades federadas possa

92

desenvolver e aplicar uma política de segurança pública capaz de cumprir com suas

reais missões, proteger as pessoas, garantir-lhes a integridade física e a conservação

de seus bens. Entretanto, essa é uma tarefa que não pode ser apenas assunto de polícia,

mas de todas as pessoas, instituições, organizações governamentais e Ongs, bem como

de todo o poder público, destacando-se as autoridades, federais, estaduais e municipais

visando a implementação de políticas públicas em segurança, democráticas e

respeitadoras dos direitos humanos.

93

CAPITULO 2

DO PROJETO “CEARÁ SEGURO” (1999-2002) AO PROJETO “CEARÁ SEGURANÇA PÚBLICA MODERNA” (2003-2006)

Há também a descrença e a desconfiança em

programas como este, tanto por parte de policiais

como do público, devido ao desgaste da imagem

dos órgãos policiais e de setores governamentais

que não investiram, ao longo dos anos, em

políticas públicas de segurança que envolvesse a

população na participação das decisões e

execução de seus planos e projetos.

Rosemary Almeida

94

CAPÍTULO 2

DO PROJETO “CEARÁ SEGURO” (1999-2002) AO PROJETO “CEARÁ SEGURANÇA PÚBLICA MODERNA” (2003-2006)

2.1 – O legado de segurança pública do “Governo das Mudanças”

O “Governo das Mudanças” ou “Governo dos Empresários” no Estado

do Ceará compreende o período delimitado a partir do primeiro mandato de Tasso

Ribeiro Jereissati (1987–1990), Ciro Gomes (1991–1994), novamente Tasso Jereissati

(199–1998 e 1999–2002). Após substituir no governo do Estado o economista

Gonzaga Mota, Tasso Ribeiro Jereissati tinha como desafio, segundo sua própria

retórica de campanha política, a luta simbólica entre o “novo e o “antigo”, o

“moderno” e o “atrasado”, o “racional” e o “irracional”“. Enfim, o grande desafio

posto era romper com as “forças do atraso’, do ‘tempo dos coronéis” (Barreira, 2004).

Assim, não podendo ser diferente, o “Governo das Mudanças” herdou o legado do

autoritarismo, dos abusos de poder e da prepotência do regime militar em torno das

relações sociais e no âmbito institucional.

Deste modo, os serviços públicos como educação, saúde, segurança e

as instituições continuaram com sua truculência e mantiveram em suas medulas o

postergado dessa herança ou legado de cunho doutrinário do regime militar. As

instituições não sofreram as reformas necessárias e coerentes para romper com as

estruturas despóticas que se firmaram ao longo de 21 anos de regime ditatorial. No

caso da segurança pública, o legado do regime autoritário foi mais afincado ainda. A

95

Doutrina de Segurança Nacional, baseada na Lei Nº. 6.620/78, prevê a preservação

não somente da segurança Interna de repressão à “guerra” revolucionária ou aos

movimentos sociais considerados subversivos à ordem vigente, mas também a

segurança externa contra possíveis ataques de nações estrangeiras. É neste contexto

que as Polícias Militares ou os “pequenos exércitos” estaduais são treinados e

edificados com vistas a proporcionarem segurança pública (Carvalho, 2004). Esse foi

o panorama geral no qual o “Governo das Mudanças” se inseriu.

Segundo Brasil (2000), assim como os demais governos que

assumiram seus cargos pós-regime militar, o “Governo das Mudanças” enfrentaria

dois problemas cruciais. O primeiro está vinculado ao fato de que a redemocratização

do regime de governo não significar, essencialmente, a democratização das instituições

do Estado. O segundo problema relaciona-se com a questão do impedimento dos

novos governos institucionalizarem práticas democráticas nas diversas esferas do

poder estatal. Esse legado autoritário marcou e marcaria os governos pós-regime

militar, sobretudo nos países que não têm tradição democrática, como no caso do

Brasil.

O desafio posto, naquele momento, aos governos eleitos democraticamente era a redemocratização das estruturas dos aparelhos de Estado e conseqüentemente de suas práticas institucionais. Mas, os sucessivos governos brasileiros que se revezavam no poder após a ditadura militar, na sua grande maioria, vão manter intocada a autonomia de funcionamento dos aparelhos repressivos, como se eles fossem estruturas neutras e, portanto, prontas a servir à democracia. Como nos diz Pinheiro (1991a), esses governos subestimaram o legado autoritário dessas estruturas de poder. É o que nos afirmam as práticas usuais dos aparelhos policiais. São práticas impregnadas pelo abuso e pelo arbítrio das relações de poder que constituíram a estrutura do Estado brasileiro naqueles anos do regime de exceção, o que nega a neutralidade desses dispositivos e denuncia a continuidade dessas práticas ilegais e a conseqüente manutenção de suas estruturas autoritárias de poder, acima do estado de Direito. É como se a instalação do regime democrático passasse ao largo de suas estruturas e práticas de poder (BRASIL, 2000, p. 94-95).

96

Reafirmando, o advento da redemocratização não significou nem a

democratização das instituições do Estado brasileiro, nem o fim das práticas ilegais e

do uso indiscriminado da violência e do abuso de poder. Ao contrário, os aparelhos ou

organismos do Estado, como as forças policiais, permaneceram intactos com suas

estruturas autoritárias, obsoletas e dispostas.

Concordo com Barreira (2004), que os 15 anos de administração do

“Governo das Mudanças” (1987-2002), no Estado do Ceará, foram marcados por uma

política irregular na área da segurança pública, suscetível a mudanças constantes em

função das demandas sociais e políticas conjunturais.

Ocorreram diversas alterações na estrutura administrativa da área de segurança, acompanhadas pelas substituições de seus comandos, visando a melhorar a credibilidade dos aparelhos policiais e a capacidade destes em oferecer maior segurança para a população. O aumento da violência no cotidiano do Estado, entretanto, deixa transparecer fissuras e fragilidades deste setor. O estudo das transformações internas e externas da política de segurança pública ocupa uma dimensão essencial... A política de segurança pública, ao lado da educacional e da política de saúde, passam a ser o ponto nevrálgico ou considerado o “calcanhar de Aquiles” destes governos. Estes tentam com discursos e práticas amenizar esta situação no âmbito da segurança pública, contratando, inclusive, no último período Tasso, uma consultoria externa – a First Security Consulting – que tem como principal acionista e ideólogo o ex-chefe de polícia da cidade de Nova York, William Bratton, que ganhou notoriedade com o slogan “tolerância zero” (BARREIRA, 2004, p. 9-10).

Com efeito, a segurança pública em tempos de redemocratização

desencadeou diversos dilemas a serem enfrentados pelos novos governantes. A

manutenção da ordem e da segurança pública vai ser a medida de temperatura do

“Governo das Mudanças”, no imaginário popular, se este é ou não o governo capaz de

conduzir os anseios da população visando uma possível tranqüilidade pública. Como

frisa Barreira (op. cit.), a presença ou a ausência do Governo para o pensamento

popular dependerá da solução viável que este conseguirá possibilitando uma paz

97

pública. É no centro deste anseio que surgirá um grande paradoxo de caráter interno.

Os organismos policiais estão visivelmente desgastados e desacreditados em função de

suas práticas abusivas, autoritárias e corruptas herdadas do regime militar. Todavia,

mesmo não confiando nos organismos de segurança pública, a população exige mais

ordem e segurança na medida em que a violência criminal se alastra em todo Estado.

Neste sentido, o “Governo das Mudanças”, na pessoa de Tasso Jereissati, ao executar,

na prática, as promessas do discurso de realização de um governo do “novo”, do

“diferente”, primando pela modernidade e racionalidade, enfrentaria sérios dilemas.

O primeiro governo eleito, no Estado do Ceará, após o regime militar, enfrenta também a dificuldade da institucionalização das práticas democráticas em todas as esferas do poder, uma vez que estas esferas foram enrijecidas pelo regime autoritário. Isto aponta para a necessidade de ser realizada uma transição no interior das instituições do Estado (ibidem).

A transformação ou reformas eram urgentes no seio dos organismos

policiais. As antigas práticas de tortura, de abuso de poder e de discriminação,

sobretudo contra pobres, pretos e desempregados freqüentes durante o regime militar

não seriam ou não deveriam ser aceitas pelo governo e nem pela sociedade civil no

novo regime de governo. O grande dilema para o governo seria proporcionar a ordem

e segurança pública prevenindo e combatendo a violência criminal, respeitando e

protegendo os direitos humanos e agindo em busca da conquista da cidadania. Esta era

condição sine qua non para a consolidação do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, analisando o período do governo mudancista, Brasil (2000, p. 143) detecta

que a polícia cearense sempre esteve envolvida com práticas ilegais ou criminosas.

[uma] problemática real colocada durante todo Governo das Mudanças, como têm denunciado, quase que diariamente, a imprensa, e de modo incansável e insistente os grupos e entidades ligadas aos direitos humanos. São os mesmos segmentos da sociedade civil que têm cobrado das gestões mudancistas.

98

Entretanto, ainda segundo Brasil (2000), as estruturas dos dispositivos

estaduais de segurança pública mantiveram-se inalterados como se fossem estruturas

neutras preparados para servir o novo regime de governo democrático. Os governantes

não tiveram coragem ou por estratégia ou ideologicamente confirmaram a

continuidade das bases dos organismos policiais. Há de se ressaltar que no âmbito

estadual, se essa continuidade era de interesse político, encontrou suporte legal no

texto constitucional de 1988 quando este, no artigo 144 § 6º diz, textualmente, que as

polícias militares e bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército

Brasileiro – EB. Esses são os dois maiores dispositivos de segurança pública estaduais,

o que, em parte, pode até explicar a estratégia dos governantes, de forma específica no

caso do Ceará, não demonstrarem interesse algum em aumentar o efetivo da PC. Isto

porque esta, na sua descrição estatutária tem o direito de fazer greves e formar

associações em prol de reivindicações para seu corpo policial, o que não deixa de ser

uma preocupação para os operadores das políticas públicas.

Esse legado de caráter interno não foi o único. Se as reformas

estruturais no âmbito dos aparelhos policiais não ocorreram, dando continuidade as

práticas autoritárias e ilegais do regime militar, no âmbito externo os dilemas

continuaram com o aumento da violência criminal, o descrédito da polícia ante a

população, porém esta continuava exigindo mais segurança, mesmo sabendo que os

dispositivos policiais permaneciam intocados nas suas bases estruturais (Barreira,

2004).

99

Brasil (2000) analisou a segurança pública no “Governo das

Mudanças”, compreendido entre 1987-2000, conforme as promessas de campanha

política no tocante à “moralização”, à “modernização” e à “participação” nos

organismos da segurança pública no Estado do Ceará. No tocante à primeira

adjetivação “moralização”, o “Governo das Mudanças”, num primeiro momento, criou

e inovou propostas visando se não à unificação, pelo menos à integração das polícias.

Neste sentido, a Secretaria de Segurança Pública – SSP foi substituída pela Secretaria

de Segurança Pública e Defesa da Cidadania – SSPDC (1997), tendo à frente como

Secretário um General de Divisão do Exército, Cândido Vargas de Freire, oriundo do

Rio Grande do Sul.

Uma das propostas iniciais cumpridas foi a tentativa de um comando

unificado da segurança pública. Além de ter sido uma mudança efetivada por cima das

estruturas dos aparelhos policiais, esta não solucionou as divergências e as distorções

estruturais, historicamente existentes entre as duas polícias Civil e Militar.

[a]o optar pela nomeação de um general para comandar a segurança pública, o governador Tasso Jereissati não só manteve uma de suas preferências, que é nomear para a pasta da segurança pública profissionais de fora do Ceará, considerados os melhores e coincidentemente gaúchos, e, para alguns seguimentos da sociedade civil, ligados às entidades de direitos humanos estaduais, uma escolha conservadora, uma vez que a mesma parecia repetir velhas fórmulas para enfrentar o mar de lama em que estavam mergulhados certos setores da Polícia Civil e Militar, ou seja, a escolha do governo poderia trazer consigo o reforço e o incentivo da militarização das ações policiais (BRASIL, 2000, p. 222).

As ações do governo mudancista para a área da segurança pública,

nesse primeiro momento, demonstraram preferência conservadora não somente porque

escolheu um militar para a chefia da segurança pública, mas porque essa decisão

100

significa preferência pela militarização nos dispositivos de segurança no Estado e

invocava as práticas recentes do autoritarismo do regime militar.

Num segundo momento, o governo mudancista tentou moralizar os

organismos policiais enfrentando a impunidade arraigada no seio das corporações,

criando órgãos próprios para apurar denúncias. Criou a Ouvidoria Geral do Estado –

OGE, a Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública e Defesa da Cidadania –

CGOSPDC e outros órgãos como o Conselho Estadual de Direitos Humanos – CEDH,

o Conselho Estadual de Segurança Pública – CONSESP, o Centro de Apoio

Operacional e Controle Externo da Atividade Policial – CAOCEAP e o Programa de

Proteção de Testemunhas e Familiares de Vítimas de Violência – PROVITA. Todavia,

o ponto central, promissor de uma mudança real nesses organismos policiais, não

ocorreu.

No campo das ações de “modernização” o “Governo das Mudanças”

teve como marca registrada a contratação da First Security Consulting, empresa norte-

americana de segurança, dirigida pelo então Mister Bratton, ex-chefe da polícia de

Nova York, responsável pela implantação da política de segurança “tolerância zero”.

Mediante essa consulta, foi criado no Estado do Ceará os chamados Distritos-Modelo

– DM, cujo objetivo era o de que os órgãos de segurança pública trabalhassem todos

juntos num mesmo prédio viabilizando o serviço no pronto atendimento das

ocorrências policiais. No último “Governo das Mudanças” (1999-2002), o governo

Tasso Ribeiro Jereissati priorizou e continuou com as mudanças de modernização da

segurança pública de acordo com as metas e estratégias pautadas em seu projeto de

101

governo “Ceará seguro” tendo na integração e na política de formação suas metas

principais. Na formação, a mudança ocorreu efetivamente a partir de 2001, quando os

policiais passaram a ter suas formações vinculadas com a UECE. Além disso, para

entrar nos quadros da PMCE e CBMC, como soldado, a partir de 2001, foi exigido no

mínimo o ensino médio, o que antes bastava o ensino fundamental. Em seguida, o

último “Governo das Mudanças”, através do projeto “Ceará seguro” continuou

operacionalizando as mudanças na segurança pública, criando órgãos e investindo em

recursos logísticos.

Conforme Brasil (2000), o inovador para essa possível integração foi

o Relatório de Local de Crime, uma espécie de ficha de coleta de dados no qual

qualquer policial, civil ou militar registrava as ocorrências e repassava a Central de

Relatórios de Crimes tanto para os órgãos da PMCE quanto para os da PC. Outras

ações consideradas de alta modernização foi a criação do Gerenciamento de Crises –

GCRISES (Decreto Nº. 25.389, de 23 de fevereiro de 1999, Diário Oficial do Estado –

DOE Nº. 146), o CIOPS (na época, depois foi denominado de “a CIOPS, ou seja,

Central e não Centro), conforme DOE nº. 226, de 28 de novembro de 2000, que

substituiu o antigo Centro de Operações da Polícia Militar – COPOM, que atendia as

chamadas do telefone 190 e o CIOPAER (Decreto Nº. 26.555-A, de 04 de julho de

2001, DOE Nº. 171). Atualmente a CIOPS funciona como uma central de

comunicação visando a coordenação das ações da PMCE, PC, CBMC, Instituto

Médico legal – IML, Instituto de Criminalística – IC e possivelmente o Departamento

Estadual de Trânsito – DETRAN e o SOS – Fortaleza. Além dessas modernizações

marcantes, o governo mudancista também investiu num Sistema de Radiocomunicação

102

com Tecnologia Trunking, um tipo de telefonia fechada e privada como celular que

utiliza freqüência de 800 Mgh; no Sistema de Monitoramento de Vídeo – SMV (Olho

Mágico) com câmaras de vídeos em pontos estratégicos do espaço urbano; criou o

Sistema de Informações Policiais – SIP (Rede de Segurança) que contém banco de

dados de informações locais sobre criminosos, inquéritos, veículos, pessoas

desaparecidas, procuradas e estatísticas criminais vinculadas ao Programa Nacional de

Informações Criminais – INFOSEG.

A terceira vertente da política no “Governo das Mudanças” para a área

da segurança pública era a “participação”. Inicialmente, foram criados o Conselho de

Segurança – CS ou Conselhos Comunitários de Segurança – CCS no âmbito restrito da

PMCE. Em seguida os CCS foram substituídos pelos Conselhos Comunitários de

Defesa Social – CCDS cuja abrangência se deu no âmbito da PM, PC, CBMC e

Secretaria de Justiça do Estado além da criação da SSPDC e da Diretoria da Cidadania

– DC criada pelo Decreto Nº. 24.934 de maio 26 de 1998. Através desses órgãos, a

política governamental para a segurança pública demonstrava que estava disposta a

receber informações da sociedade a respeito de delitos tanto por parte delinqüente da

sociedade civil como por parte de maus policiais considerados a “banda podre” da

polícia. Todavia, a participação da sociedade por meio desses órgãos não funciona a

contento ou no mínimo é medíocre por quatro razões principais: a primeira porque

nem sempre quem atende as informações ou as denúncias têm o zelo de encaminhar de

forma sigilosa a quem de direito; segundo porque o corporativismo existente no seio

das corporações policiais faz com que muitas das denúncias sejam desviadas ou

camufladas; terceiro porque a participação comunitária é limitada apenas a algumas

103

pessoas pertencentes a esses órgãos que muitas vezes não idôneos, no sentido moral-

ético; e, quarto, porque o investimento para o funcionamento desses órgãos é irrisório.

Além disso, a cultura implantada no País desde a colonização foi a de que uma minoria

mandante ou classe dominante sábia sempre decide por a grande maioria que não sabe

(Demo, 1994). No caso do “Governo das Mudanças” não foi diferente. Referindo-se

ao primeiro governo mudancista, Küster afirma:

[o] Governo Tasso Jereissati pronunciou a necessidade da participação da sociedade no sentido de garantir a eficiência do governo, mas não abriu para um debate sobre o modelo de desenvolvimento, as estratégias e ações para as quais a sociedade deveria contribuir. Desta forma a participação proposta tornou-se demagógica, e serviu mais como veículo para legitimar e viabilizar a política governamental (2004, p.135).

Se o “Governo das Mudanças” no discurso pregava um modelo de

“participação” como proposta de democratização e descentralização para tomada de

decisões, na prática, esta proposta não foi efetivada, em virtude dessa distribuição de

poder com as comunidades confrontar-se, inevitavelmente, com os políticos locais,

base política do governo de Tasso Jereissati. Deste modo, era contraditório “o projeto

de modernização do Estado – necessariamente no âmbito de um sistema democrático –

e as estratégias para manter o poder centralizador” (idem, ibidem).

Outra vertente do projeto “Ceará seguro” era a sustentabilidade. Neste

aspecto, as mudanças na área da segurança pública deveriam ser mantidas por meio de

investimentos em políticas públicas de segurança. O governo mudancista visando ao

desenvolvimento do Estado, pairava na idéia de que potencializando as condições para

o crescimento econômico e tornando a administração pública mais eficiente, as

estruturas políticas e sociais não deveriam ser alteradas. É nesta ótica que as estruturas

dos organismos da segurança pública permaneceram inalteradas e não acompanharam

104

pari passu o desenvolvimento do Estado Democrático de Direito no novo regime de

governo. Neste sentido, conforme ainda Küster (2000), o governo de Tasso Jereissati,

além de não ter desenvolvido estruturas para incluir os mecanismos participativos na

sua administração, preferiu respostas imediatas, com investimentos de fora, “deixando

as dívidas dos programas estruturantes para seus sucessores” (ibidem).

Futuramente, a descentralização das políticas públicas e a participação ativa devem ser promovidas não somente com a reforma das estruturas e dos processos administrativos, mas dentro de uma outra visão de desenvolvimento, na base de uma relação aberta e verdadeira entre os representantes do governo e da sociedade civil. Precisa-se confiar mais nas capacidades das pessoas de se organizar e na sua criatividade de adaptar-se às novas condições, sem serem forçadas, dando o apoio necessário para as iniciativas. O desenvolvimento deve ser visto como um processo de aprendizagem, que é conduzido por princípios como a autonomia e a integração dos atores, a informação e a comunicação, a coordenação e a cooperação e – não por último – pela tolerância (ibidem).

Sem dúvida, a falta de participação da sociedade de forma decisiva na

área da segurança pública pode ser considerada um dos grandes entraves para o

desenvolvimento e efetivação de uma política de segurança pública eficiente e eficaz.

Com efeito, as realizações do “Governo das Mudanças” na área da segurança pública

foram mais direcionadas aos interesses de manutenção do governo do que para atender

aos anseios da população por mais segurança pública de melhor qualidade. A falta de

coragem política para executar mudanças estruturais no plano cognitivo, como na

mudança de mentalidade, mediante uma formação voltada para os fins do Estado

Democrático de Direito, comprometeu em parte as políticas públicas de segurança. O

legado autoritário militarista da Doutrina Nacional de Segurança foi mais resistente.

Não se sabe se por ideologia governamental ou se por falta de compreensão mais

aberta, o fato é que o slogan do governo mudancista no discurso da tríade moralização,

modernização e participação não teve, na prática, a coerência da teoria. Se na

modernização alguns avanços foram significativos na moralização e na participação as

105

coisas ocorreram deslocadas do processo. Como percebeu Küster (op. cit.), o discurso

do governo mudancista – denunciando que o atraso desenvolvimentista e modernizante

do Estado deviam-se ao centralismo do poder político, à continuação de relações

clientelistas e à ineficiência administrativa – não se efetivou, na prática (Brasil, 2000).

Entretanto, é racional afirmar que continuando com seu programa de

governo para a área da segurança pública, o último “Governo das Mudanças” (1999-

2002), dentro de e seu projeto “Ceará Seguro” teve, no âmbito da “modernização” da

segurança pública, sua marca mais expressiva. Na moralização, o governo exigiu a

limpeza da “banda podre” da polícia com a apuração rigorosa por parte da CGOSPDC

acerca de delitos penais cometidos por maus policiais, custando-lhes punições severas

e até demissão. Com relação à modernização, a marca mais destacada do último

“Governo das Mudanças” (1999-2002) foi continuação a efetivação de seu projeto

piloto de operacionalização dos doze distritos-modelo nos Distritos Policiais – DP em

bairros estratégicos da capital cearense e RMF, como Bom Jardim (34º DP), Pirambu

(7º DP), Aldeota (2º DP), Messejana (30º DP) etc. O objetivo do projeto piloto era de

facilitar o trabalho policial de forma integrada, articulada com extensão incrementada

visando à aproximação da comunidade, a circulação ordenada de viaturas e a apuração

de delitos penais de maneira mais ágil, eficiente e dinâmica. Reforçando essa marca de

modernização e integração, foram adquiridas com dinheiro dos cofres públicos

estaduais e sem licitação três aeronaves tipo esquilo, modelo AS350B2, dotadas de

modernos equipamentos que se juntaram a uma antiga aeronave já existente, desde

1995, que servia à Companhia de Eletricidade do Ceará – COELCE. As aeronaves

demonstraram um estupendo diferencial nas operações aeromédicas, no combate às

106

ações do crime organizado e na perseguição policial a delinqüentes, aumentando,

assim, a sensação de maior segurança à comunidade13.

Reconhecidamente as ações e estratégias da política mudancista na

área da segurança pública não deixa de ter sido um significado avanço de

modernização. Entretanto, alguns pontos merecem reflexão. Primeiro, que a aquisição

desse material moderno não foi suficiente para todas as unidades policiais; segundo,

que foi usado para beneficiar certas áreas de maior poder aquisitivo já em melhores

condições de segurança; terceiro, que não houve treinamento adequado no sentido de

usar o pessoal capacitado ético-moral para que pudesse render uma melhor política de

segurança pública de forma mais eficiente e eficaz; e, quarto, a falta de uma política de

valorização do profissional de segurança pública comprometeu veementemente o

desempenho dos profissionais que, sem auto-estima, continuaram desmotivados para o

exercício da profissão.

Além disso, a falta de continuidade do projeto “Ceará seguro” de seu

antecessor por parte do novo Governo no Ceará, Lúcio Gonçalo Alcântara (2003-

2006), significou o retorno de uma política pública de segurança truculenta, indolente,

atrasada e um enorme prejuízo na área da segurança pública. Os gastos com a

instalação dos distritos-modelo em valores atuais calculados pelo Índice Nacional de

Preços ao Consumidor – INPC equivalem a R$ 26 milhões. Em apenas nove dos

distritos-modelo implantados na Capital foram gastos mais de R$ 21 milhões. A

compra das aeronaves, sem licitação, custou aos cofres do Estado cerca de R$ 17,7

13 www.sspds.gov.br, 26/11/2007, visitado em 27/11/2007

107

milhões14. O pior desse mal uso com o dinheiro do contribuinte é fato de que por falta

de uma política de continuidade do governo sucessor (a época do PSDB), os distritos,

longe de serem modelos, se resumiram a locais deficientes tanto nas condições físicas

e operacionais como na falta de pessoal qualificado e as aeronaves estão imprestáveis

e sucateadas. Nos últimos seis anos de governo tucano no Ceará (2001- 2006), os

gastos voltados para a área da segurança pública foram expressivos, sobretudo na

compra de equipamentos modernos. Veja tabela abaixo:

14 www.tce.gov.br, visitado em 28/11/007

96

Tabela 03: Gastos com a Segurança Pública em R$ Milhões

Ano 2001 409,2Ano 2002 390,9Ano 2003 357,7Ano 2004 365,3Ano 2005 410,2Ano 2006 456,7

Fonte: Tribunal de Conta do Ceará - TCE

Com efeito, ao se fazer um balanço acerca dos custos com a segurança

pública nos últimos dois anos do “Governo das Mudanças” de Tasso (2001-2002),

somados com os quatro anos do governo de Lúcio Alcântara (2003-2006), verifica-se

que foram gastos cerca de R$ 2,4 bilhões. Entretanto, a violência criminal não pára de

crescer em todo o território cearense. Outra observação plausível é fato de que

comprovando um tipo de política de segurança pública “populista” no período de

governo do PSDB, 45,1% dos investimentos feitos com recursos estaduais na área da

segurança pública foram destinados à compra de viaturas (O Povo, 30/08/06). A

prioridade de despesas foi com carros em detrimento de questões apontadas como

fundamentais como política de capacitação e de valorização do profissional de

segurança pública.

Neste sentido, apenas 3,2% foram usados na qualificação e

melhoramento do desempenho dos policiais, 1,7% foi disponibilizado para o

armamento. Isto demonstra que a formação do policial está na escala de despesas

abaixo de itens como a compra de equipamentos, realização de obras e aquisição de

imóveis. Os dados apontam uma agravante quando mostram que houve anos em que a

capacitação dos policiais sequer foi considerada. Os oito anos (1999-2006), ao serem

divididos em biênios, quando receberam dinheiro para a finalidade de capacitação

97

profissional, intertercaladamente, demonstram que em apenas quatro anos houve

investimento na capacitação dos profissionais de segurança pública. Deste modo, nos

anos de 1999, 2000, 2003 e 2004 não houve gastos com capacitação, o que só

aconteceu no período de 2001, 2002, 2005 e 2006 15.

Como justificativa para a descontinuidade das ações, estratégias e

investimentos do projeto anterior para a segurança pública, o governo de Lúcio

Alcântara (2003-2006), queixou-se da redução de 53% de investimento por parte da

União para essa área. Entretanto, demonstrando também seguir a política “populista”

de segurança pública, Lúcio Alcântara também comemorou sua marca na segurança

pública destacando a construção de dois prédios para funcionamento de IMLs em

Sobral e em Juazeiro do Norte, duas casas de custódia (presídios) e ampliação de uma

outra na RMF. Em entrevista do próprio governador Lúcio Alcântara ao O Povo, de

30/08/06, este manifestava otimismo afirmando que seus antecessores, no período de

34 anos criaram apenas 3,5 mil vagas nas prisões, enquanto que em apenas 04 anos de

governo, foram criadas 2,5 mil vagas, tornando o Ceará o 3º Estado do Brasil a

esvaziar suas Delegacias de Polícia. Todavia, o que o governador não mencionou foi

que em seu governo houve um aumento acentuado de mortes de policiais; fugas de

presos; seqüestros; pistolagem urbana; narcotráfico e pirataria; denúncia de formação

de grupos de extermínios na PMCE; crise institucional na PMCE envolvendo,

inclusive, o alto comando em atos ilícitos; prisão de oficiais PM/BMs de todos os

níveis hierárquicos, subalterno (tenente), intermediário (capitão), superior (major), por

15http:// www.opovo.gov.br, visitado em 28/11/2007

98

envolvimento em diversos tipos de delitos penais; e, o maior furto a agência bancária

da história do Brasil e da AL16.

2.2 – A sucessão do “Governo das Mudanças” e o plano para a segurança pública

no Ceará

Após 16 anos de liderança hegemônica demonstrando supremacia

eleitoral, o mandonismo político-administrativo do autodenominado “Governo das

Mudanças” (1987-2002) teria uma sucessão traumática. As eleições de 2002 no Estado

do Ceará apresentaram um resultado surpreendente. Desde 1986 a política

governamental do Ceará teve como expressão maior de liderança política o empresário

Tasso Ribeiro Jereissati, filho do ex-senador Carlos Jereissati, que apoiado pela

burguesia industrial, havia assumido o controle do Estado desde 1987 envolvendo o

Centro Industrial do Ceará – CIC. Aliás, a primeira eleição de Tasso, o “Galeguim dos

olhos azúis”17 foi vista como uma ruptura com os coronéis, mas

[p]ela primeira vez, um candidato das elites era eleito com um discurso de esquerda. A coligação com os comunistas, o apoio dos empresários e um forte ‘marketing’ levou o Movimento Pró-Mudanças a uma vitória esmagadora: Tasso foi eleito com 52% dos votos, contra 30% de Adauto (PINHEIRO & COSTA, 2003, p. 16).

Tendo se candidatado ao cargo eletivo para governador do Estado do

Ceará nas eleições de 2002, o senador da República Lúcio Gonçalo Alcântara, então

do PSDB, enfrentou nas urnas uma disputa acirrada com o candidato de oposição José

Airton Cirilo, do PT, considerada a mais difícil desde 1982, quando se voltou a eleger

16 www.opovo.com.br; O Estado de 19/05/2004; Xavier, 200717Chamado assim em sua campanha política em função de Tasso Jereissati ser branco, ter os olhos azuis muito diferente da grande maioria do povo cearense e ser descendente de imigrantes libaneses.

99

governador do Estado através do voto direto. Ao se fazer uma comparação dos

números de votos em prol da primeira eleição de Tasso Jereissati do PSDB, em 1986,

e à de Lúcio Alcântara, do mesmo partido, é possível se mensurar a dificuldade da

eleição deste último. Enquanto Tasso Jereissati, com o discurso de “moralização”,

“modernização” e “participação” para seu governo obteve 52,32% dos votos válidos,

contra 30,01% de seu opositor Coronel Adauto Bezerra ,do Partido da Frente Liberal –

PFL. Por outro lado, apesar do apoio tassista ao senador Lúcio Alcântara, este foi

eleito apenas com 0,08% ponto percentual de maioria, ou seja, o equivalente a 3.047

votos de vantagem em relação ao petista, José Airton Cirilo. A diferença de maioria de

votos pró-candidato do PSDB não era suficiente para eleger sequer um vereador em

Fortaleza, haja vista que na última eleição para o pleito municipal, o vereador pior

votado atingiu mais de 5000 sufrágios. Pela primeira vez, em dezesseis anos de eleição

para governador no Estado do Ceará, uma eleição seria decidida no segundo turno de

forma com uma diferença ínfima de votos.

Existem algumas razões plausíveis para a disputa acirrada pelo

governo do Estado nesse período. Segundo Santos e Leitão (2004), uma dessas razões

estava no fato de que pela primeira vez, embora em caráter circunstancial, houve a

“união” da parte mais expressiva partidária representante da oposição como PT,

Partido Comunista do Brasil – PC do B, Partido Social Brasileiro – PSB, Partido do

Democrático dos Trabalhadores – PDT, PFL, parte do Partido do Movimento

Democrático Brasileiro – PMDB e outras siglas nanicas. Essa “união” se não foi a

favor de uma proposta, até porque não existia, o foi a favor de uma idéia e um desejo

alimentado pelas oposições: derrotar o candidato do Cambeba, representado pelo

100

senador Lúcio Alcântara, a qualquer custo. Com efeito, é racional dizer que talvez

fosse outro candidato, as oposições não teriam tido muito esforço para derrotar em

face do desgaste que apresentava naquele contexto o “Governo das Mudanças”. O fato

da longa experiência na vida pública de Lúcio Alcântara no Estado sem denuncismo

fez com que as oposições quase não tivessem o que falar do “continuador” da era das

“mudanças”. Além, da tradição e expressão política, o candidato Lúcio Alcântara teve

a seu favor inúmeras denúncias, embora não comprovadas, de seu concorrente petista

José Airton Cirilo. Entretanto, e apesar disso, o discurso da oposição repercutiu

amplamente e encontrou prismas em todos os extratos da sociedade de modo

surpreendente e traumático para os representantes tucanos na eleição para governo do

Estado do Ceará. Segundo Moraes Filho (2004, p. 01),

[c]umpre observar que, se adiantada há alguns meses a hipótese de um segundo turno no Ceará, para não se falar de uma decisão por margem tão estreita como a que ocorreu no segundo turno, seria certamente tida por fantasmagórica e não compatível com a análise política racional, tais as chances que se apresentava para um candidato apoiado pelo governador Tasso Jereissati torna-se o governador sem maior dificuldade. Pedindo de empréstimo a imagem, aconteceu um raio num céu de meio-dia ensolarado, a pedir pesquisas de maior profundidade do processo político-eleitoral cearense que meras estatísticas.

Corroborando com o pensamento de Moraes (op. cit.), as eleições para

governador do Estado do Ceará, em 2002, significou entre outras coisas que os

padrões de consenso prevalecentes na década de 1990, tanto na Capital quanto no

âmbito estadual não são mais os mesmos; a “era Tasso” apresenta um visível

esgotamento eleitoral; o tassismo não é mais tão forte quanto já foi, mas não tão fraco

quanto as oposições apregoam; e, o resultado eleitorais de 2002 revelam que, em

relação às elites políticas dominantes no Estado do Ceará durante os últimos 16 anos

(1987-2002) e as oposições não se pode fazer qualquer previsão ou diagnóstico

101

favoráveis a essas elites.O gráfico a seguir demonstra como se deu esse processo

eleitoral no Ceará na eleição de 2002:

Gráfico 01: Eleições no Ceará /2002

1º Turno

José Airton (PT); 924,690

Lucio Alcantara (PSDB);

1.625,202

0,000

500,000

1.000,000

1.500,000

2.000,000

Lucio Alcantara(PSDB)

José Airton (PT)

Fonte: Tribunal Regional Eleitoral – TRE do Estado do Ceará

Após ter sido eleito com extrema dificuldade para governar o Estado,

o governo de Lúcio Alcântara herdou um Estado endividado, com o Produto Interno

Bruto – PIB não alentador e com graves problemas sociais. Elevados índices de

destituição, analfabetismo, concentração de renda, taxas de desemprego e subemprego

elevadas, favelização, falta de saneamento básico, violência criminal etc. No aspecto

político, persistia a falta de transparência, oligarquização partidária, distanciamento

102

dos formadores de opinião, não aceitação do contraditório, características de uma

poliarquia.

No aspecto econômico em 2002 (último ano do “Governo das

Mudanças” de Tasso), a diferença entre a receita e a despesa do Estado foi negativa em

R$ 331 milhões. Os gráficos abaixo retratam a Dívida Líquida – DL/PIB do Ceará em

relação ao PIB do Brasil, bem como a diferença entre receita e despesa. Neste sentido,

uma das primeiras medidas a ser tomada pelo governo da linhagem tucana seria

controlar a diferença entre Receita e Despesa. Neste sentido, o governo de Lúcio

Alcântara esforçar-se-ia para alcançar essas metas primando pela contenção de gastos

do governo tendo, muitas vezes de sacrificar ou deixar de lado a prioridade dos

serviços públicos, inclusive a segurança pública. Com efeito, o dispositivo a seguir

demonstra essa realidade de forma categórica no tocante ao equilíbrio entre receita e

despesa no período de governança de Lúcio Alcântara (200302006).

103

Dívida Líquida / PIB – Ceará - Brasil

19,9%

15,4%13,7%

11,6%

20%

18%

16%

14%

12%

10%2002 2003 2004 2005

57,3%56,6% 54,9%

51,2%60%

50%

40%

30%

20%

10%2002 2003 2004 2005

Fonte: SEFAZ, IBGE e IPEGE. (*) Os dados de PIB/2005 são estimativos.

Gráfico 02 - Dívida Líquida / PIB – Ceará - Brasil

104

O desempenho do novo governo tucano no Ceará pode ser

acompanhado desde o último ano do “Governo das Mudanças” (2002) até o ano de

2005, de acordo com o Resultado Nominal em R$ milhões demonstrado no quadro a

seguir. È possível observar que no governo de Lúcio Alcântara (2003-2006), houve um

superávit de Receita (capital acumulado pelo Estado) quase R$ 200 milhões no ano de

2005 em relação às Despesas. Este resultado é positivo com relação aos cofres do

Estado, porém não significa dizer que os serviços sociais públicos melhoraram ou

aumentaram. No caso da segurança pública, os investimentos não foram igualáveis

com as outras áreas da saúde e educação e foram sempre inferior aos de 2002, que

apresentou cerca de 8% de gastos da Receita enquanto que em 2003, 2004 e 2005, o

percentual gasto na segurança pública girou em torno de 7,7% (www.ceará.gov.br,

visitado em 20/11/07).

Gráfico 03.

RESULTADO NOMINALR$ Milhões

O Resultado Nominal, diferença entre Receita e Despesa Total,foi superavitário em R$ 195 milhões em 2005.

105

Além de um Estado com os cofres públicos vazios e enormes

problemas sociais, o governo de Lúcio Alcântara (2003-2006) teria pela frente um

desafio não solucionado pelo “Governo das Mudanças”: a falta de um “programa

estruturante” para a área da segurança pública. Diante deste fato, o governo estadual,

sob as diretrizes do PNSP, prometeu proporcionar uma segurança “Moderna” e eficaz

para o Ceará.

O PNSP (2003), exige que os governos estaduais, além de co-

financiadores da política pública de segurança, apresentem programas, planos, projetos

e definam como usarão os recursos do FNSP repassados pelo Governo Federal para

garantia e aprimoramento dos Órgãos de segurança pública e Guardas Municipais –

GM. Para esse modelo de segurança pública, o governo cearense prosseguiu propondo

ações integradas através do funcionamento dos organismos de segurança pública,

PMCE, PC, CBMC e Polícia Científica.

Entre as ações primordiais do Programa para a segurança pública

“Moderna”, o governo cearense adotou o plano intitulado “Ceará Segurança Pública –

Ações 2003/2006 e Visão estratégica 2007/2010”. Como não foi reeleito, somente a

primeira parte do Plano deve ser considerada. Os fundamentos, metas, objetivos,

Fonte: SEFAZ e IPECEObs.: No cálculo do Resultado Nominal se considera toda a despesa financeira (amortizações e juros). Não considerando as despesas com amortizações, como faz, na prática, o Governo Federal, o Resultado Nominal passa a ser de R$ 315 milhões em 2006

106

estratégias e ações foram definidos nesse Plano para a segurança pública: focalização

na proteção ao cidadão; prevenção do crime, da desordem e da calamidade pública; o

respeito à lei e aos direitos humanos; a garantia do pleno funcionamento dos poderes

legalmente constituídos e a transparência das ações e dos resultados das ações

estratégicas.

Entre as principais realizações no âmbito dos órgãos de segurança

pública no Plano “Ceará Segurança Pública – Ações 2003/2006” estão: 1) garantia de

melhores estruturas para a segurança pública na grande Fortaleza. Neste sentido, o

Governo do Estado construiu novas delegacias de polícia nos bairros José Walter, Dias

Macedo, Parangaba, Jurema e Metropolitana de Caucaia; 2) na beira-mar da capital

foram criados os programas Guardiões da Praia do Futuro e o Posto de Observação do

Parque do Cocó, com oito unidades de equipes da PMCE e CBMC; 3) criação de duas

novas casas de Detenção, em Itaitinga e Caucaia, com 900 vagas cada uma delas, e a

construção de uma Penitenciária no município de Pacatuba, RMF; 4) foi criado pelo

Governo estadual em Fortaleza o novo Instituto de Identificação e destinado R$ 962

mil para a construção do primeiro Laboratório de Ácido Desoxirribonucléico – DNA

do Ceará com o objetivo de fortalecer a polícia científica e garantir maior eficiência

nos processos cíveis e criminais; 5) na política para o aumento de efetivo, foram

contratados 1.981 novos funcionários e realizado o concurso público para mais 1.611

profissionais de segurança pública; 6) o Governo investiu R$ 8,5 milhões na aquisição

de armamentos, equipamentos, fardamentos e na capacitação de pessoal; 7) para a

frota da segurança pública foram adquiridos 1.246 veículos entre motos, carros,

caminhões e veículos especiais; 8) após mais de 20 anos de espera, a população da

107

Região Norte e da Região Sul do Estado foram beneficiadas com a construção de duas

unidades de IML com suas sedes em Sobral e em Juazeiro do Norte, respectivamente;

9) foram investidos R$ 40,1 milhões para implantação de Núcleos de Ciência Forense

e Laboratórios no interior e na capital; 10) para a inteligência policial, através do

Centro de Inteligência de Segurança Pública – CIISP foram destinados R$ 801 mil;

11) na área da assistência social foram destinados programas voltados para crianças,

jovens, adultos e terceira idade beneficiando 3 milhões e 594 participantes com ações

sociais através do CBM e dos CCDS; 12) considerado um marco, no âmbito da

Legislação PM foi aprovado o novo Estatuto dos Militares, já que o último era de

1976; 14) o Código Disciplinar PM/CBM também foi reformulado; e, 13) finalmente,

visando a reestruturação organizacional e de processos com foco nos resultados,

incluindo a revisão permanente da estrutura e dos processos gerenciais, foram criados

o Conselho Superior de Segurança Pública do Estado – CONSUSP, o GGI e o

Programa de Gestão por Resultados – GPR18.

2.3 – Da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social – SSPDS

Com o objetivo de proporcionar um serviço de melhor qualidade na

área da segurança pública, adequando-se melhor as atribuições institucionais, voltadas

para a proteção da vida e da integridade física das pessoas e de seus patrimônios, o

governo de Lúcio Alcântara deu continuidade a proposta de seu antecessor

consolidando a SSPDS, em substituição a da SSPDC, a SSPDS para gestar os

programas, planos e projetos de segurança pública para seu governo. A SSPDS foi

18 A Sentinela – AORECE PM/BM, Ano IV, Nº. 15 – Set/2006, p. 14-15

108

criada definitivamente em 07 de março de 2003, com o advento da Lei Estadual Nº.

13.297, publicada no Diário Oficial do Estado – DOE Nº. 045, na mesma data19.

Para cumprir a missão proposta, a SSPDS estabeleceu como metas 10

objetivos, os chamados “dez mandamentos” para os profissionais de segurança

pública: 1) – descobrir os anseios e as preocupações da sociedade; 2) – incentivar o

indivíduo a participar na identificação, priorização e solução dos problemas; 3) –

conhecer a realidade da comunidade onde está servindo, fazendo com que as pessoas

da comunidade o conheça; 4) – trabalhar no sentido de prevenir as ocorrências; 5) –

agir de acordo com a lei e a ética do profissional de segurança pública, com

responsabilidade e com confiança no atendimento à comunidade; 6) – atuar como

profissional de segurança pública local, com responsabilidade; 7) – dedicar a atenção

especial na proteção das pessoas mais vulneráveis: jovens, idosos, deficientes, etc.; 8)

– confiar no seu discernimento, sabedoria, experiência, e sobretudo na formação que

recebeu; 9) – manter-se atualizado, pois a comunidade e a segurança pública estão em

constante evolução; e, 10) integrar-se na comunidade e ajudar as pessoas a resolverem

os problemas pacificamente20.

Ao atingir esses objetivos, a SSPDS acreditava que uma segurança

pública eficiente e eficaz estava sendo efetivada no Estado do Ceará. Porém, o que não

se objetivou foi política de investimento, de valorização dos profissionais e nem o

envolvimento da sociedade civil nas propostas nas tomadas de decisões para a área.

Faltou planejamento com participação da base (Demo, 1994).

19 http://www.sspds.ce.gov.br, visitado em 03/12/200720 http://www.sspds.ce.gov.br, visitado em 03/12/2007

109

Com a extinção da antiga SSP (1997) – que controlava

exclusivamente a PC – as demais Secretarias (SSPDC criada em substituição a SSP e

SSPDS criada em substituição da SSPDC) tem por objetivo possibilitar ao Poder

Executivo a coordenação, o controle e a integração das ações dos principais

organismos responsáveis diretamente pela segurança pública: PMCE, PC, CBMC,

Institutos de Polícia Científica e da Corregedoria Geral que passou a ser única. Com a

filosofia de desenvolver um trabalho integrado entre os organismos responsáveis

diretamente pela segurança pública, a estrutura funcional e organizacional da SSPDS,

desde 2003, passou a ser distribuída no seguinte organograma:

Gráfico 04: Estrutura Organizacional da SSPDS

Fonte: http://www.sspds.ce.gov.br, visitado em 04/12/2007

110

A SSPDS consolidada no governo de Lúcio Alcântara (2003-2006)

teve como primeiro Secretário o Delegado de Polícia Federal aposentado Francisco

Wilson Vieira do Nascimento que exerceu o respectivo cargo no período de janeiro de

2003 a 21 de junho de 2005. Em substituição a Wilson Nascimento, o governador

convidou para assumir a SSPDS o general de Divisão Théo Espíndola Basto,

retornando a política de seu antecessor de colocar no Comando da segurança pública

um militar das forças armadas.

Durante esses poucos anos de existência, a SSPDS vem tentando,

gradativamente, reestruturar o sistema de atuação das polícias e do Corpo de

Bombeiros Militar, a fim de que, através de um comando unificado, possam trabalhar

em estreita colaboração, apoiando-se mutuamente, com o claro objetivo de melhor

aproveitarem os meios disponibilizados de forma integrada e em aproximada parceria

com a comunidade. Neste sentido é que o CIOPS operacionaliza com os três

representantes das principais instituições responsáveis diretamente pela segurança

pública (PMCE, PC, CBMC).

Dando continuidade ao modelo da gestão do governo anterior o

objetivo geral para a área da segurança pública era consolidar, dentre outras coisas:

uma Corregedoria única para o sistema de segurança pública e os Institutos de Polícia

Científica subordinados diretamente ao Secretário da pasta; implantação de uma rede

telemática de comunicação integrando as delegacias de polícia, as companhias e

batalhões PM, os Institutos de Polícia Científica e a Corregedoria Geral ao Sistema de

Informações Policiais (Intranet); implantação da Área Operacional Integrada – AOPI

111

(antigos Distritos-Modelo), estando a RMF dividida em doze áreas integradas,

compostas de policiais civis, militares e de bombeiros; implantação de quase

novecentos CCDS em todo o Estado, tendo como objetivo fomentar uma sociedade

participativa, dentro de espírito de concidadania; exercício do conceito de polícia

cidadã, com a efetiva participação dos CCDS, interagindo diretamente com os

profissionais de segurança pública nas suas localidades; implantação de complexos

integrados de segurança pública, em que policiais civis e militares ocupam uma

mesma estrutura física (Companhia PM e Delegacia Distrital); consolidação do

CIOPS, seguramente um dos mais modernos centros de comunicações policiais do

País (central unificada de despacho de viaturas, composta de policiais civis e militares,

bombeiros e peritos dos institutos de polícia científica); consolidação e robustez do

CIOPAER, possuindo 04 helicópteros e composto por policiais militares e civis e por

bombeiros militares; implantação com apoio da Universidade Estadual do Ceará de um

programa de capacitação continuada, destinado a qualificar os profissionais de

segurança pública – o Campus Virtual de Segurança Pública; ingresso de praças PM e

BM somente com o ensino médio completo (seleção e formação em parceria com a

Universidade Estadual do Ceará – UECE)21.

A busca, em consonância com a SENASP do governo federal, do

Governo do Estado, através da SSPDS, é não somente consolidar esses avanços, mas,

de forma organizada e planejada, inovar e aperfeiçoar cada vez mais, tendo como foco

a redução e controle com rigor e efetividade da violência e da criminalidade no Estado

do Ceará. Para isso se faz necessário utilizar os modernos conceitos sobre gestão

contemporânea, com ênfase na parceria comunitária com as instituições co-

21 http://www.segurança.ce.gov.br, visitado em 14/11/2007

112

responsáveis, direta ou indiretamente, pelas ações que busquem a prevenção ou

redução dos ilícitos penais, nas esferas federal, estadual e municipal22.

22 Idem

113

2.4 – Da continuidade das práticas policiais no projeto “Ceará Segurança Pública

Moderna” (2003-2006).

Apesar dos últimos governos no Estado do Ceará terem discutido,

afirmado e reafirmado que os organismos de segurança pública precisam atender as

demandas por segurança respeitando os princípios do Estado Democrático de Direito,

muitas ações herdadas do regime militar estiveram presentes nesses governos. As

mudanças na área da segurança pública tanto no projeto “Ceará Seguro” de Tasso

Jereissati quanto no projeto “Ceará Segurança Pública Moderna” de Lúcio Alcântara

não foram suficientes para se atingir um serviço de segurança pública dentro dos

princípios democráticos. As Corporações policiais e o CBMCE não só confirmam que

se vive na Sociedade Disciplinar, analisada por Foucault (1986a), mas que, sobretudo,

no caso das militares, como a PMCE e o CBMCE reforçam que a atual sociedade,

especificamente a brasileira é também uma sociedade de espetáculo. Esta configuração

é freqüentemente denunciada nos uniformes, veículos, equipamentos, armamentos e

operações utilizados por esses órgãos militares.

Segundo Fernandes (1989), as práticas policiais de esquadrinhamento

do espaço, o olhar profilático discriminador, suspeito, móvel, adestrado, intimidador, o

linguajar evocativo machista, durão e a dramaturgia teatral e ritualística com que as

personagens exibem seus distintivos e executam suas abordagens revelam o quanto o

espetáculo está presente na sociedade atual. Essas práticas denotam também certa

coreografia do poder e dos micros-poderes distribuídos e alimentados no seio do

aparelho repressivo que se acha, no momento de sua ação, um legítimo representante e

114

representador do poder do Estado. Todavia, como adverte Fernandes (1989, 1974), se

esses organismos a serviço do Estado como máquina panóptica representam uma face

do poder, não se pode esquecer que essa mesma máquina tem outra em face de

perquirir: a sua paixão pelo espetáculo, mobilidade e visibilidade que se ostenta no

espaço público sob o regime do terror por meio de dois dispositivos: o escópico e o

exibicionista ambos vinculados ao espetáculo.

Com efeito, essas práticas reveladoras de uma sociedade de espetáculo

não significam que a população desfruta de uma segurança pública adequada, eficiente

e eficaz, mas certa sensação de terror ou estado de sítio. Tais práticas são incoerentes e

inadequadas para uma sociedade que pretende respeitar, garantir e efetivar os direitos

constitucionais próprios de um Estado Democrático de Direito. Não raro, os

espetáculos praticados pelos organismos policiais estão mais preocupados em aparecer

para a mídia como um aparelho ideal do Estado capaz de sufocar qualquer conduta que

por ventura se desvie das normas padrões estipuladas pelo governo e pela classe

dominante. Daí se entender que a as chamadas tropas de “elite” das polícias são

sempre toleradas pela classe média e alta, pois, normalmente sua atuação violenta e

ilegal ocorre nas áreas mais pobres da Cidade, nos bairros periféricos e nas favelas,

áreas consideradas “perigosas” tanto pela polícia como pelos chamados”cidadãos de

bem”. Deste modo, o modelo de polícia discriminador e dicotomizador para duas

classes de pessoas: “os foras-da-lei” e os “cidadãos de bem” persiste e é alimentado

tanto pela classe dominante quanto pelo poder público.

A questão do continuísmo das práticas policiais é cultural e mesmo

diante de pressões por mudanças essas práticas tentam resistir de maneira contundente.

115

Conforme Reiner (2004), a cultura da polícia não é monolítica, muito embora alguns

estudos a apontem deste modo. Assim como as demais culturas, a cultura policial sofre

pressões constantes pelos autores, mídia e sistema operacional político-mercadológico

nas democracias liberais para que se efetive um processo de aculturação ou até de

desaculturação por parte das agências policiais que trabalham com a missão da

preservação da ordem e da promoção da segurança pública. Há no seio policial a

produção de “subcultura” ou por orientações especiais ou advindas da própria

experiência profissional. Internamente, sobretudo para os homens de linha de frente,

que trabalham na atividade “fim” ou serviço de rua existe pressões por parte de seus

comandos ou chefias que também são exigidos pela mídia e outros órgãos na produção

de maior resultados, sempre. Diante dessas pressões, o poder discricionário de polícia

tende sempre a aumentar e ultrapassar a barreira do legal ou do permitido e aceitável,

socialmente. Seguindo o raciocínio de Reiner (op, cit.), além das regras legais, a

atividade policial é exercida também dentro de três outras regras: as “regras de

trabalho” – aquelas que os policiais têm interiorizadas como princípios guiadores de

suas ações”, as “regras inibidoras”, regras externas que os policiais hão de considerá-

las na sua conduta, por que são específicas e referem-se ao próprio comportamento

visível e as “regras de apresentação” que são usadas para divulgar uma aparência

externa aceitável às ações levadas a efeito por outras razões” (p.133-134).

Não sendo a cultura da polícia monolítica, nem universal, nem

imutável, significa que existem diferenças das mais diversas entre as forças policiais

de acordo com variáveis dos indivíduos que a compõem. Todavia, existem algumas

características comuns dentro da perspectiva policial originárias de problemas

116

constantes enfrentados pelos policiais no exercício, a qualquer preço, de suas

obrigações profissionais nas atuais sociedades industrial-capitalistas de ethos político

liberal-democrático.

Conforme Bretas (1997), os estudos sobre as instituições policiais

devem se centrar nas questões pertinentes à cultura e mentalidade policial, haja vista

ser possível identificar como se relacionam características mais ou menos comuns no

imaginário e nas ações desenvolvidas cotidianamente pelos membros destas

instituições em diversos países. Assim, “apesar de toda a variação institucional, porém,

parece haver a formação de uma cultura profissional coletiva, o que David Bayley

chama ‘Zeitgeist internacional e profissional’” (BRETAS, 1997, p. 81).

A cultura policial desenvolveu-se como uma série padronizada de

acordos que ajudam os policiais a superar e a ajustar-se às pressões e tensões com que

ajudam os policiais a superar e a ajustar-se às pressões e tensões com que a polícia se

confronta. Gerações sucessivas são socializadas nessa cultura, mas não como

aprendizes passivos ou manipulados de regras didáticas. “O processo de transmissão é

mediado por histórias, mitos, piadas, explorando modelos de boa e má conduta que,

através de metáforas, permite concepções de natureza prática a serem exploradas a

priori” (REINER, 2004, p.134).

A continuação das práticas policiais autoritárias, subversivas no

âmbito cultural da polícia é desenvolvida com algumas características comuns. O

sentido do trabalho policial de ser encarado como uma missão, o transforma não

117

apenas num trabalho, mas como um meio de vida que alguns chegam a seguí-lo como

se fosse uma religião, uma seita (Reiner, 2004). Neste sentido, para se compreender o

trabalho policial é preciso entendê-lo como mais que uma missão, mas um imperativo

moral, e não apenas como um outro trabalho qualquer, o que lhe transforma mais

resistente a reformas e mudanças. Em virtude de estar constantemente em alerta, face à

possibilidade de ocorrência de um delito penal a qualquer momento, o policial

desenvolve a característica da suspeição permanente o que não descarta a possibilidade

de se criar no seio policial um padrão de discriminação implícita.

Segundo ainda Reiner (2004), outras características comuns como o

isolamento em função dos turnos de trabalho, da falta de horário, das dificuldades em

se desligar das tensões geradas pelo serviço, de aspectos do código de disciplina, e da

hostilidade e do medo à polícia que os cidadãos podem mostrar e a valorização

criminal expressa no linguajar policial como considerar “ladrões com categoria”,

“bagunceiros”, “lixo”, “provocadores”, “bonzinhos, “benfeitores”, são práticas

recorrente. Além disso, a cultura machista no âmbito da polícia é algo muito forte.

Seguindo o raciocínio de Reiner (op.cit.), é consenso entre os pesquisadores que o

mundo da polícia continua sendo, agressivamente, um mundo masculino, apesar da

promessa de igualdade de oportunidade no Estado-liberal democrático. As mulheres

permanecem de forma inaceitáveis nas forças policiais, apesar de algumas dessas

forças terem incluído em seus quadros o acesso ao sexo feminino, estas continuam

destinadas a atividades burocráticas e assediativas. Essas mulheres continuam

enfrentando obstáculos intransponíveis para “invadir e entrar” nessa reserva

masculina. Conforme Rodriguez, “o paradigma masculino do Humano implica uma

118

hegemonia do poder patriarcal, que se expressa não só na linguagem, mas também no

invisível exercício cotidiano do poder de opressão sobre as mulheres e na sutil

aceitação cultural da subordinação” (In: ALENCAR, 1998, p. 94).

A realidade da cultura ou da subcultura machista impera nas diversas

profissões, inclusive na área da segurança pública que se arrasta no panorama das

polícias brasileiras, sobretudo nas militares. O pano de fundo ideológico dessa situação

é legitimar a divisão social do trabalho entre os sexos, deixando às mulheres

destinadas as profissões de caráter privado.

Com efeito, o papel da mulher com relação às suas atribuições

somente no âmbito do privado foi estratégico e ideologicamente pensado. O objetivo

idealizado pelo sexo masculino foi deixar a mulher fora do domínio político-

administrativo. Desta forma, incorporou-se a idéia da submissão e da inferioridade da

mulher em relação ao homem. Excluída do domínio público, a mulher passou a ser

oprimida com todo tipo de privações, pois, seus direitos passaram a ser invisíveis no

âmbito público e também privado. Como conseqüência dessa situação de opressão é

que se desenvolveu uma violência sempre crescente contra mulheres e meninas no

âmbito doméstico que é praticada pelos pais, maridos ou companheiros. Além da

violência sexual doméstica (violência física, psicológica, estupro, incesto), existem

outros tipos de violência comumente praticado contra as mulheres, como o assédio

sexual nos locais de trabalho, nos ônibus, nas ruas, nos meios de comunicação, nas

músicas e na violência institucionalizada.

119

Com a finalidade sustentadora desse discurso ideológico

fundamentado na desigualdade entre os sexos, há sempre outro discurso

homogeinizador no tocante às ideologias sexuais que definem sistemas de crenças

visando explicar como e o porquê das diferenças entre homens e mulheres. A partir

desses parâmetros diferenciais definem-se direitos, deveres, responsabilidades,

restrições e retribuições, inevitavelmente, desiguais no sentido negativo para o sexo

feminino, o que também provoca reações daqueles ou daquelas que não concordam

com essas diferenças verticais e discrirninadoras do sexo masculino em relação ao

sexo feminino (Frota, 2004; Puleo, 2000 & Scott, 2002). Deste modo, as estruturas

organizacionais dos organismos de segurança pública no Estado do Ceará continuaram

com práticas obsoletas e anti-democráticas, apesar do último governo do Ceará, ter

prometido em seu projeto de “Segurança Pública Moderna” (2003-2006), ações e

estratégias voltadas para uma segurança pública humana, comunitária e sistêmica.

120

CAPÍTULO 3

“CRISES” NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ (2003-2006)

Aqueles que circulam nas ruas carregando sobre

si o peso de garantir a integridade física das

pessoas, é o profissional mais afastado de

gratificações extras, promoções, folgas e outros

benefícios ... Em lugar do trabalho nas ruas,

sujeito às adversidades de todo gênero, a sombra

de um padrinho é deveras conveniente. Por que

aguardar antiquados processos de promoções se

um político pode acelerar isso?

Oficial da PMCE

133

CAPÍTULO 3

“CRISES” NA SEGURANÇA PÚBLICA DO CEARÁ (2003-2006)

3.1 – “Crise” Institucional e de governabilidade

A palavra ‘crise’ origina-se do grego krisis podendo ter conceito

utilizado na sociologia, na política, na economia, na medicina, na psicopatologia,

entre outras ciências. Seguindo a etimologia da palavra crise é equivalente a palavra

vento ou ventania. Indica um estágio de alternância, no qual uma vez transcorrido

diferencia-se do que costumava ser antes. Não existe possibilidade de retorno aos

padrões anteriores. No sentido econômico uma crise pode ter variações desastrosas na

bolsa de valores de modo a comprometer seriamente a economia de um país. No

sentido político crise é uma situação de um governante que encontra sérias

dificuldades para se manter no poder (Fernandes, Luft & Guimarães, 1996).

No âmbito da psicologia, especificamente da psicologia do

desenvolvimento, o conceito de ‘crise’ é explicado como toda situação de

transformação a nível biológico, psicológico ou social, que exige da pessoa ou do

grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional.

Corresponde a momentos da vida de uma pessoa ou de um grupo em que há ruptura

134

na sua homeostase psíquica e perda ou mudança dos elementos estabilizadores

habituais. No tocante a psicologia do desenvolvimento os indivíduos passam por

‘crises’ identificadas através de características ou condições de vida de uma pessoa ou

de um grupo que as expõem a uma maior probabilidade de desenvolver um processo

mórbido ou de sofrer os seus efeitos. Todavia, é possível haver em certas ‘crises’

fatores de equilíbrio cujas condições favorecem e estimulam um desenvolvimento

harmonioso. A ‘crise’ pode ser definida como uma fase de perda, ou uma fase de

substituições rápidas, em que se pode colocar em questão o equilíbrio da pessoa.

Torna-se, então, muito importante a atitude e o comportamento da pessoa diante de

situações como esta. É fundamental a maneira como os componentes da ‘crise’ são

vivenciados, elaborados e utilizados subjetivamente23.

A evolução da ‘crise’ pode ser benéfica ou maléfica, dependendo de

fatores que podem ser tanto externos, como internos. Toda crise conduz

necessariamente a um aumento da vulnerabilidade, mas nem toda crise é

necessariamente um momento de risco. Pode, eventualmente, evoluir negativamente

quando os recursos pessoais estão diminuídos e a intensidade do stress vivenciado

pela pessoa ultrapassa a sua capacidade de adaptação e de reação. Entretanto, a crise

pode ser vista como uma ocasião de crescimento. A evolução favorável de uma

‘crise’, conduz à criação de novos equilíbrios, ao reforço da pessoa e da sua

capacidade de reação. Deste modo, a ‘crise’ evolui no sentido da regressão – quando

23 http://pt..wikipedia.org/wiki, visitado em 06/12/2007

135

a pessoa não a consegue ultrapassar – ou no sentido do desenvolvimento – quando a

‘crise’ é favoravelmente vivenciada (idem).

Na teoria construtivista o individuo passa por várias ‘crises’ desde os

seus primeiros dias de vida até ao final da adolescência. Nesta perspectiva, a crise é

maturativa, proporciona aprendizagem. Já na teoria sistêmica na qual a ‘crise’ não é

necessariamente nem evolutiva e nem maturativa. Neste caso a ‘crise”’é definida

como uma perturbação temporária dos mecanismos de regulação de um sistema, de

um indivíduo ou de um grupo. Esta perturbação tem origem em causas externas e

internas (ibidem).

Com relação ao nosso estudo, enquadramo-lo na teoria sistêmica, ou

seja, a nossa discussão gira em torno da ‘crise’ ou ‘crises’ do sistema de segurança

pública no Estado do Ceará que vêm se arrastando acerca de três décadas e por último

têm se agudizado negativamente mais, ainda. Conforme Xavier (2007), os organismos

institucionais de promoção da ordem e da segurança públicas estão nitidamente em

‘crise’ e enfrentando sérias dificuldades tanto por influência de fatores externos como

internos. Os fatores externos são inúmeros, porém, os que mais assustam é o aumento

contínuo e diversificado dos tipos de violências e o crescimento exacerbado da

criminalidade indo do crime comum ao organizado. Os fatores internos também são

inúmeros negativamente, como o envolvimento de membros dos organismos policiais

em diversas modalidades criminosas, a falta de política de formação, capacitação,

136

valorização profissional e a escassez de recursos humanos (efetivo pessoal), logísticos

(infra-estrutura) e técnicos (armamento e equipamentos).

Segundo noticiou o Jornal Diário do Nordeste, de 26/3/2007, o

contingente de PMs no Ceará é de 12.708. Destes, 6.800 trabalham em Fortaleza,

sendo que apenas 4.150 estão na atividade fim (policiamento ostensivo-preventivo na

rua). No ranking nacional, em matéria de efetivo de pessoal o Ceará está apenas a

frente do Estado do Maranhão com menos da metade do efetivo recomendado pela

ONU, através da Carta de Santiago de 1990. Os cearenses contam com um policial

para cada grupo de 614 habitantes. O Maranhão dispõe de um policial para cada grupo

de 882 habitantes. No âmbito da corrupção, é possível citar desde a propina

corriqueira, à extorsão mediante seqüestro e no âmbito do crime vai desde o comum

aos grupos de extermínio. Em pouco mais de uma década, de 1992 a 2005 (14 anos), a

segurança pública no Estado do Ceará passou por vários problemas internos

considerados “como crises institucionais”, os quais abalaram as principais autoridades

administrativas dessa pasta (O Povo, 17/06/05).

No contexto abordado neste trabalho (2003-2006), várias denúncias

no âmbito institucional comprometeram, sobremaneira o serviço da segurança pública

no Estado do Ceará. Desde outubro de 2003, fora instaurado um Inquérito Civil

Público – ICP, pelo Ministério Público Estadual – MPE e, em novembro de 2003, pelo

Ministério Público Federal – MPF, para que fossem apuradas as denúncias feitas pelo

Major PM Erik Oliveira Onofre e Silva. Conforme Relatório do Inquérito Civil

Público – ICP, da Procuradoria Geral de Justiça do Estado – PGJE, anexado ao ofício

137

nº. 729/2004, de 05 de maio de 2004, as denúncias do Comando da PM centravam-se

em seis eixos principais: 1) improbidade administrativa – o Comando da PM foi

acusado de classificar oficiais e praças da corporação em Unidades e Subunidades

(Batalhões e Companhias) do interior do Estado objetivando auferir gratificações e

outras vantagens, muito embora esses militares prestassem seus serviços na capital, em

Gabinetes do Comando e Subcomando Geral da PMCE; 2) patrocínio de viagens a

outros Estados da Federação – o Comando Geral foi acusado de gerar passagens e

diárias ao arrepio da lei, quando na verdade os beneficiários não eram movimentados,

sem prestar contas dos seus deslocamentos, o que se chamou de “viagens fantasmas”;

3) procedimentos tendenciosos e ilícitos da Comissão permanente de licitação – a

denuncia referia-se a escolhas de fornecedores ou prestadores de serviços pela

comissão permanente de licitação da PMCE, que seriam realizadas às margens da lei e

de forma pessoal e unilateral pelo Presidente da Comissão, Major PM Antonio Gomes

Filho, sem a presença dos demais Membros; 4) gestão irregular do Colégio Militar da

PMCE – apontam que teriam sido realizado atos sem adequação às leis e

regulamentos que disciplinam a gestão desse Colégio – Lei Estadual nº. 12.199, de

14/01/2000 e Decreto Governamental nº. 16.044, de 10/11/2000; 5) denúncia de

criação de Assessorias em demasia – sob o pretexto de auxílio especializado ao

Comando Geral, de forma permanente, violando, flagrantemente, o art. 22 da Lei

Estadual nº. 10.145, de 29/01/19977, que estabelece com relação a essas Assessorias,

transitoriedade e necessidade comprovadas; 6) uso indevido de verbas do Fundo

Especial Policial Militar – FESPOM da PMCE, desviado de seus objetivos legais

previstos no art. 9º do Decreto Governamental nº. 14.947, de 16/12/1981, que restringe

o emprego desse recurso com pagamento de pessoal.

138

No âmbito federal a Procuradoria Geral da República – PGR apurou

as denúncias do uso indevido com desvio de função de 51 viaturas operacionais

adquiridas com verba do PLANASP, por meio do Convênio de nº. 26, entre o Governo

do Estado do Ceará e o MJ. Essas viaturas que deveriam ser utilizadas,

exclusivamente, para o policiamento ostensivo nos Distritos-Modelos, em Fortaleza,

estavam à disposição de serviços administrativo ou particular de alguns oficiais da

PMCE. Relatório do MPF, referente ao Inquérito Civil – Nº. 0.15.000.001770/2003-

06, da lavra do Procurador Regional da República, Francisco de Araújo Macedo Filho,

acatando denúncias do Major PM Erik Oliveira Onofre e Silva, comprovaram as

denúncias sobre o Comando Geral da PMCE e outras constataram diversas

irregularidades na área do 1º BPM, sob o Comando do então Tenente-Coronel PM –

TC, Sergistótenes Freire Guedes, localizado no município de Russas, Estado do Ceará.

Segundo o Relatório supracitado, várias irregularidades foram constadas no município

de Russas. O Capitão PM Mateus de Farias relatou a utilização de um veículo VW

Santana de Placa especial HYD – 4821 em benefício do Comandante da Unidade (1º

BPM) daquele município, ficando tal veículo na garagem de sua casa para uso de sua

esposa e encontrando-se o mesmo totalmente descaracterizado igualmente a um carro

particular.

Além deste, outro veículo, uma Blazer de placas HYI – 7830, prefixo

23.992, CP 1291, era utilizada apenas quando realizadas viagens para o município de

Fortaleza pelo Comandante do 1º BPM ou sua esposa. Esses dois veículos foram

adquiridos com a verba do PLANASP, conforme suas notas fiscais anexadas às folhas

139

921 e 922 dos autos do ICP Nº. 0.15.000.001770/2003-06. Conforme conclui o

Relatório final do citado ICP,

[p]or todo o exposto pode-se perceber o desrespeito às clausulas do Convênio firmado entre Governo do Estado do Ceará e Ministério da Justiça. Tanto não houve a utilização de todos os veículos da forma prevista como também nem todos estavam identificados como adquiridos com verba do PLANASP, como previsto no Convênio... As condutas perpetradas pelo TC SERGISTOTENES FREIRE GUEDES, e pelos CEL PM FRANCISCO SÉRGIO FARIAS DA SILVA e FRANCISCO CARLOS NUNES GONDIM, respectivamente Comandante e Subcomandante da PM CE, amoldam-se ao previsto na lei nº. 8.429/92. O TC Sergistótenes Freire Guedes, ao utilizar-se da viatura Santana para fins exclusivamente particulares, estando a mesma totalmente descaracterizada e ainda guardando-a na garagem de sua casa, tem sua conduta amoldada ao previsto no art. 9º, inciso IV da referida lei. Quanto à Blazer, era utilizada apenas em alguns serviços de interesse do referido policial, que era Comandante da Unidade de Russas, ficando tempo restante parada, tal conduta foge ao princípio da legalidade administrativa, no aspecto da finalidade, portanto amolda-se ao estatuído no art. 11 da lei de improbidade. Os dois coronéis, Francisco Sérgio Farias da Silva e Francisco Carlos Nunes Gondim, como dirigentes máximos da Polícia Militar do Ceará, deixaram de dar fiel cumprimento ao Convênio, dando destinação diversa às viaturas... Assim, ao desviarem o uso das viaturas, deixaram de dar o fim previsto pelo Convênio, conduta esta que se amolda ao estatuído pelo art. 11, inciso I da lei nº. 8.429/92 (sic) (p. 998 e 999).

Diante das inúmeras denúncias acima citadas o Deputado estadual

Heitor Férrer do Partido Democrático Trabalhista – PDT requereu ao Governo do

Estado o afastamento do coronel Francisco Sérgio Farias da Silva e Francisco Carlos

Nunes Gondim, comandante e subcomandante da PMCE, respectivamente (O Povo,

08/05/04). Todavia, por ter sido indicação política do governador Lúcio Alcântara, o

coronel Sérgio Farias somente foi exonerado do cargo em abril de 2005 (O Povo,

11/04/05, p. 06, - Opinião).

Em dezembro de 2002, através do delegado da Polícia Civil, Francisco

Alves de Paula e do inspetor Aristóteles Leite, que na época pertenciam ao CIOPAER,

denunciaram à Procuradoria da República no Estado do Ceará uso indevido de

patrimônio público por oficiais da PMCE, no caso, a aeronave prefixo PP-ED, do

CIOPAER. Após analisar documentos comprobatórios pertinentes à denúncia, o

140

procurador da República Oscar Costa Filho declarou: “As aeronaves foram utilizadas

para turismo, passeio de familiares e até para fotografar residências de dois

desembargadores” (O POVO, 16/03/2005).

No dia 3/12/02, policiais do CIOPAER denunciaram irregularidades

na unidade, entre elas os vôos sem finalidade policial. A partir de então foi instaurada

uma sindicância para apurar referidas denúncias. Em 05/12/02, o desembargador

Ernani Barreira entrega requerimento ao secretário da Segurança Pública, general

Cândido Vargas Freire, pedindo esclarecimentos sobre os vôos. Em 06/12/02, o ex-

piloto do CIOPAER, Major PM Antônio Nirvando Monteiro, confirma ao Jornal o

Povo, que a operação foi autorizada pelo diretor do CIOPAER, coronel Antônio

Herdez de Miranda. No dia 13/12/02, o general Cândido Vargas entrega o despacho ao

desembargador Ernani Barreira onde afirma que quem solicitou o vôo foi o chefe de

gabinete da Corregedoria do Tribunal de Justiça – TJ, José Theófilo Gaspar de

Oliveira Neto. Em 16/12/02, José Theófilo nega solicitação e afirma que quem fez o

pedido foi o assessor jurídico do TJ, Washington Bezerra de Araújo. No ano de 2003,

deu-se prosseguimento à sindicância. No dia 01/06/04, o procurador da República

Oscar Costa Filho deu entrada em ação de improbidade administrativa contra os quatro

oficiais integrantes do CIOPAER: coronel Herdez Miranda, capitães Carlos Dirceu

Rios Rodrigues Júnior e José da Paiva e o major Antônio Nirvando Monteiro. Em

julho de 2004, a ação criminal deu entrada na Procuradoria da República. No dia

15/03/05, o juiz da 10ª Vara Federal, Alcides Saldanha Lima determinou que cada um

dos quatro oficiais teria que ressarcir aos cofres públicos do Estado a importância de

R$ 25, 000,00 (vinte e cinco mil reais) (idem).

141

Outras “crises” nos organismos da segurança pública, sobretudo na

PM cearense no contexto em análise (2003-2006), de caráter administrativo tiveram

início, ainda no final de 2002, último ano do governo de Tasso Ribeiro Jereissati, que

havia se afastado para disputar o cargo do Senado Federal e deixou em seu lugar o

então Vice-Governador Beni Veras. Em novembro de 2002, uma denúncia de

promoção por “apadrinhamento” de oficiais superiores (Tenentes-Coronéis) que

seriam apadrinhados do poder cria uma insatisfação dentro da tropa da PMCE.

Uma suposta manobra idealizada no âmbito interno da Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania (SSPDC) para promover tenentes-coronéis da Polícia Militar neste final de ano, ao posto de coronel, sem que hajam vagas disponíveis, estaria gerando desconforto entre oficiais na corporação. A medida, segundo pessoas que preferem não se identificar, teria como motivo a promoção de tenentes-coronéis “apadrinhados do poder” (O POVO, 25/11/2002, p.08.).

As informações de que estava tramitando uma minuta de decreto

alterando a lei estadual das promoções, exclusivamente para coronéis, iniciada no mês

de outubro de 2002, teria sido a “gota d’água para a desestabilização e a “crise” no

âmbito do oficialato cearense.

Na época em que essa matéria foi divulgada havia 23 coronéis na

PMCE, muito embora o quadro desse posto só comportasse 13 membros. O excedente

teria sido possível por conta de uma lacuna na Lei 10.273 de 1979, que rege as

promoções, criando a figura do coronel agregado. Neste sentido, embora haja ascensão

a mais desses coronéis, estes não ocupariam nenhuma das 13 vagas previstas no

quadro institucional, ou seja, o coronel promovido agregado na PM fica ocupando

outras funções fora da área prevista militarmente (Idem).

142

A disputa por promoções na PM cearense é antiga, sobretudo entre os

membros de maiores postos, os oficiais superiores (major, tenente-coronel e coronel).

O pano de funda dessa disputa consiste entre os oficiais que trabalham na atividade

fim e os que ou estão em atividades burocráticas, atrás dos bureaus ou à disposição de

outras secretarias e assessorias fora do quadro organizacional militar. Em entrevista

ao jornal O Povo um oficial desabafou: “Aqueles que circulam nas ruas carregando

sobre si o peso de garantir a integridade física das pessoas, é o profissional mais

afastado de gratificações extras, promoções, folgas e outros benefícios” (O POVO,

25/11/2002, p. 08). Ao continuar com a entrevista o mencionado oficial alega que os

oficiais que ocupam cargos junto ao poder, trabalham em gabinetes ou simplesmente

são disponibilizados a órgãos que não tem nada a ver com a função são os mais

beneficiados. Deste modo, o policial militar hoje vislumbra muito mais ascensão

funcional para ocupação de cargos privilegiados. “Em lugar do trabalho nas ruas,

sujeito às adversidades de todo gênero, a sombra de um padrinho é deveras

conveniente. Por que aguardar antiquados processos de promoções se um político pode

acelerar isso?” (ibidem).

Com efeito, as “crises” ou “conflitos” do ponto de vista simeliano

(1983) podem significar, dentro de um processo dialético, mais resistência ou mais

coesão nas relações sociais de um grupo ou até mesmo de instituições. Neste caso, faz-

se necessário a superação de obstáculos enfrentados individualmente para poder

fortalecer o todo. No caso da segurança pública ou dos organismos que a compõe não

se verifica tais superações em virtude de haver antagonismos e interesses egoístas

individualizados de forma desmembrada e, culturalmente cultivados. Apesar da

143

redemocratização do País pós-regime militar (1967-1985), os governos estaduais não

procuraram adaptar os organismos policiais a exercerem suas atividades no âmbito do

Estado Democrático de Direito de forma homogênea visando o bem, coletivamente.

Ao contrário

[m]antiveram inalteradas as estruturas de poder das polícias estaduais, que continuaram com suas autonomias intocadas e as trataram como se fossem estruturas neutras e prontas para servir à nova ordem democrática, subestimando o legado de suas práticas autoritárias.... Considerando que a Constituição de 1988 acabou por confirmar as inovações desastrosas do regime militar na estruturara das polícias brasileiras, pelo fato de não haver um consenso no interior das elites, tampouco entre aqueles que não pertencem às elites e no caso do governo mudancista, os aparelhos policiais foram não só subestimados como ignorados, de certa forma, nas ações de governo na reforma do Estado e das instituições. Por outro lado, quando essas ações aconteceram, foram muito mais motivadas para tentar conter as crises surgidas nos próprios dispositivos de segurança pública...do que para implementar uma política de segurança pública capaz não só de debelar essas mesmas crises através da depuração dos aparelhos policiais como de garantir a pacificação dos espaços e das relações sociais nos parâmetros da legalidade[...] (BRASIL, 2000, p. 263-264).

Conforme Brasil (2000), as raízes dessas crises estão vinculadas a um

passado próximo do regime militar autoritário que nem passado ainda é. Esse passado

fortaleceu e legou uma cultura policial separada da sociedade e dos órgãos civis

transformando os aparelhos de segurança pública, destacando os militares como um

“corpo autônomo com leis, códigos morais e ‘éticos’, próprios, constituindo-se, muitas

vezes, em um poder paralelo ao Estado de Direito”’ (p. 174). É valioso destacar que as

razões dessas “crises”, em geral decorrem de querelas entre os próprios membros

dessas instituições que insatisfeitos com algumas coisas passam a denunciar os

próprios colegas, no caso, “colegas de farda”.

Mesmo com o advento da abertura para o Estado Democrático de

Direito pós-1985, e com o paradigma proposto pelo “Governo das Mudanças” de

Tasso Jereissati (1987-1990); Ciro Gomes (1991-1994); Tasso Jereissati (1995-2002) e

144

Lúcio Alcântara (2003-2006), o perfil da segurança pública no cômputo geral

continuou intacto sem mudanças ou projetos estruturantes no âmbito da moralização e

participação, formação, capacitação e valorização profissional. A falta de políticas

públicas planejadas, adequadas e discricionariamente direcionadas para essa área tem

possibilitado o estagnamento e a continuidade de vicissitudes historicamente

arraigadas no seio das corporações policiais.

Se houve diferenças e descontinuidades na política de segurança

pública no “Governo das Mudanças” protagonizado por Tasso, Ciro, Tasso e Tasso

(1987-2002), nos quatro anos do último governo no Ceará (2003-2006), não foi

deferente. Vários episódios externos envolvendo o aparelho policial denunciam as

dificuldades ou “crises” porque passam os organismos estaduais responsáveis

diretamente pela promoção da ordem e da segurança pública.

3.2 – Policiais cearenses envolvidos em rede criminosa

Além das ‘crises’ internas, outras de caráter externo envolvendo

profissionais da segurança pública no período do último governo tucano foram

constantes. Os inúmeros casos de envolvimento de policiais em diversas modalidades

criminosas que vieram à tona por parte da imprensa. Foi o caso, por exemplo, de uma

quadrilha de seis ladrões chefiada pelo Soldado Alexandre Araújo da Silva, 36 anos,

lotado na 6ª Companhia de Polícia do 5º BPM (Fortaleza). Do dia 1º de fevereiro de

2003, uma quadrilha de ladrões que tinha em seu comando um soldado PM foi

145

desarticulada pelas Polícias Civil e Militar no Município de Itapipoca (a 130 KM de

Fortaleza).

A quadrilha foi presa pela Polícia durante o show da Dupla ‘Bruno e Marrone’, ocorrido anteontem, no clube Moreirão, daquela cidade. Sabendo que os ladrões estavam agindo na festa, a delegada Alexandra e o major Werisleik Matias, comandante da PM local, se deslocaram com suas equipes até o local e fecharam o cerco. Foram presos, além do soldado: Antônio Marcos Moreira de Oliveira, 28 anos, natural de de Fortaleza; Francisco Jeibson de Oliveira, 24 anos, natural de Fortaleza; José dos Santos Pereira, 25 anos, nascido em Hidrolândia; Alexandre Sousa Silveira, de 26 anos, taxista de Sobral; José Valdo da Silva Andrade, 33 anos, natural de Fortaleza João José Firmino Neto, de 36 anos, natural da capital. “O bando estava dividido na festa, praticando os furtos”, destacou o major Werisleik (DIÁRIO DO NORDESTE, 01/02/03, p. 15).

No dia 5 para o dia 6 de abril de 2004, cinco policiais foram presos

por determinação judicial, acusados de organizar assaltos. Um inspetor da Polícia Civil

e 4 soldados tiveram suas prisões decretadas pelo Juiz de Direito da Comarca de

Morada Nova, Lúcio Alves Cavalcante, acusados de liderarem uma quadrilha de

assaltantes que agia na região do Vale do Jaguaribe. As acusações contra esses

policiais eram de facilitação de fugas de presos, tráfico de armas, e cobertura a

bandidos de toda estirpe.

O principal envolvido, segundo denúncia realizada pelo assaltante Manuel de Jesus dos Santos, 27 anos, é o inspetor Edílson Santana, lotado na Delegacia Municipal de Morada Nova. Os outros são os soldados Danilo Sérgio Martins, Isaac Bispo Saldanha, Francisco das Chagas Sobrinho e Regivaldo Marcelo Lima. No depoimento que prestou ap delegado municipal de Morada Nova, Francisco de Assis Franco Oliveira Pinheiro, na presença do promotor de Justiça Evilázio Alexandre e do advogado José Idemberg Nobre de Sena, Manuel de Jesus revelou muitos detalhes sobre a ação do bando que agiria sob instruções dos policiais, principalmente do inspetor Santana. O policial teria planejado, fornecido dados sobre um carro-pagador que conduziria R$ 35 mil e, inclusive, conduziu o assaltante em uma viatura da Polícia Civil de Patos. “Sempre entregava o dinheiro ao Santana, nunca aos soldados Danilo, Sobrinho, Bispo e Regivaldo. Mas acredito que recebiam do Santana”, disse Manuel, em um trecho do depoimento que prestou na Delegacia de Morada Nova (DIÁRIO DO NORDESTE, 16/10/04, p. 17).

No dia 24 para o dia 25 de julho de 2004, a Polícia Federal no Ceará

apreendeu cerca de cem quilos de maconha e quatro quilos de cocaína pura, em poder

146

do SD da PM cearense José Oliveira Rodrigues Júnior e da escrivã de polícia civil

baiana Jucilene Libório Passos nas imediações da cidade de Canindé-CE., na BR-020.

A maconha estava dividida em ‘tijolos’ (quantidade acondicionada em plástico

semelhante a um tijolo comum de olaria) e vinha para Fortaleza escondida no chassi,

porta-malas e forro das portas do Voyage de placas HUM-5630, pertencente ao

pernambucano José Rodrigues dos Santos. O SD que dirigia carro era lotado no

Município de Sobral. Além do Voyage onde estava escondida a maconha, a Polícia

interceptou também o Fiat Uno verde, HVK-2991, pertencente ao policial militar que

guiava o Voyage.

No Fiat estavam a escrivã de Polícia Civil da Bahia Jucilene Libório Passos e seu namorado, José Rodrigues, proprietário do Voyage guiado pelo PM. Também estava no Fiat o traficante José Silvino dos Santos, o ‘Zé Piupiu’, condenado pela Justiça Federal, em Pernambuco, a 18 anos de reclusão por tráfico de drogas. A bagagem destas pessoas que viajavam no Fiat estava dentro do Voyage, onde também se encontrava a maconha, ressaltou o delegado Mauro (DIÁRIO DO NORDESTE, 27/07/04, p.17).

Denúncias como as de “assassinos de aluguel” e de outros crimes

dentro da polícia cearense também foram noticiadas pela mídia negativamente no

período em análise. Fundamentado na gravação de uma conversa com Francisco

Carlos Pereira Leite, que se apresentou como proprietário de um terreno no bairro

Jockey Club, em Fortaleza, ocupado por 45 famílias desde março de 2004, o

procurador da República no Ceará Oscar Costa Filho denunciou a existência de

“assassinos de aluguel” na Polícia Militar do Ceará dispostos a matá-lo bem como

“eliminar” lideranças comunitárias. Na gravação, a voz que o procurador diz ser de

Carlos Leite conta que oficiais da Polícia, fardados em viaturas, ofereceram-se para

assassinar Oscar Costa Filho por R$ 50 mil e um líder da comunidade que habita o

terreno por um valor de R$ 3 mil a R$ 5 mil. Segundo o procurador, o caso começou a

147

partir de sua investigação acerca da legalidade da escritura do terreno de

aproximadamente 3.200 metros quadrados situado entre as vias Lineu Machado,

Ernesto Pedro dos santos, Carneiro de Mendonça e Hilda Xavante. A área, ainda,

ocupada, era do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DENOCS cedida

à associação dos funcionários da instituição. Portanto, não poderia ter sido vendida a

nenhum particular, o que ocorreu desde setembro de 1991, sem o conhecimento do

DNOCS. Como está à frente da causa, o procurador é tido como um obstáculo para

que Carlos leite fique definitivamente com o terreno.

Na gravação, a voz que o procurador atribui a Carlos relata que a Polícia realiza o “serviço” de desocupação por R$ 50 mil. “É preciso que o governador tome uma posição, pois isso nada mais é que reflexo da impunidade a policiais infratores”, critica. “Diante disso, a população se sente desprotegida, a situação é crítica e esse banditismo de vê acabar”, completou... Oscar Costa Filho afirma ainda não estar surpreso com atitudes do tipo por parte da Polícia, que ele chegou a definir como “instituição armada sem controle, pois está acima da lei”, reforçando a tese da impunidade. “Vamos dar continuidade à questão da legalidade da escritura do terreno que, até segunda ordem, é público”, frisou (DIÀRIO DO NORDESTE, 13/04/05, p. 08).

Seis PMs presos no dia 18/03/05, por terem sido condenados por

crime de corrupção ativa. Um Tenente, um Sargento, um Cabo e três Soldados foram

presos depois que a Justiça Militar Estadual os condenou. Os PMs vinham sendo

processados desde 1998, quando foram acusados de exigir “propina” (pagamento em

dinheiro ou auferição de qualquer lucro a funcionário público) a condutores de

veículos durante uma Blitzen no Município de Madalena-CE., distante cerca de 186

KM de Fortaleza. Na época, os PMs eram lotados no 4º BPM, município de Canindé-

CE.

O tenente Aldeney Régis Moreira da Silva (que comandou a ‘blitz’), o sargento Sebastião Terto Freire e o cabo Luís Aírton de Lima, foram condenados a quatro anos e seis meses de reclusão. Já os soldados José Pereira Nunes, Francisco de Oliveira Souto e Paulo Sérgio Bernardo Maciel receberam uma pena de dois anos e oito meses de cadeia. Todos foram ainda apenados com a perda do cargo...dos seis

148

condenados, apenas o tenente Aldeney Régis e o sargento Sebastião Terto tinham antecedentes criminais. O oficial responde a vários processos e outros procedimentos, por crimes de estelionato e insolvência de despesa... Já o Sargento Sebastião Terto chegou a ter prisão preventiva decretada, acusado de envolvimento em um assalto... (DIÁRIO DO NORDESTE, 19/03/05, p. 19).

No dia 20 de outubro de 2006, duzentos e cinqüenta policiais federais

de oito Estados brasileiros desencadearam a “Operação Ciclone” que resultou na

execução de 49 mandados de prisão. Desses 49 mandados 40 (quarenta) pessoas foram

presas e nove estavam sendo procuradas. Os policiais federais se dividiram em 63

equipes para fazer o cerco e realizar a operação nos diversos locais, simultaneamente.

No Estado do Ceará as equipes dos federais atuaram precisamente nos municípios de

Fortaleza, Maracanaú, Crateús e Novo Oriente. Das 40 (quarenta) pessoas presas

estavam dois oficiais do CBMC, sendo o capitão BM, ex-comandante do Corpo de

Bombeiros da cidade de Sobral e um major BM que no dia, ao ser preso, estava de

Oficial de Operação no Centro Integrado de Operações e Segurança – CIOPS, um ex-

sargento do Exército Brasileiro e a ex-funcionária de uma prestadora de serviços para

a Prefeitura de Fortaleza, lotada na Secretaria Executiva Regional V – SER V (Diário

do Nordeste, de 21/10/2006, p.16).

3.3 – Denúncias de Grupo de extermínio na PM cearense

Em 2005, novas denúncias confirmam a existência de um Grupo de

Extermínio composto por PMs cearenses e leva o Secretário da SSPDS, Wilson

Nascimento, a pedir exoneração (O Povo de 17/06/05, p. 04). Após mais de dois anos

a frente da SSPDS, o Secretário da Segurança Pública não suportando as pressões

tanto internas como externas decidiu pedir exoneração do cargo ao Governador Lúcio

149

Alcântara. Em seu lugar, dando continuidade a política tassista, assumiu o general de

Divisão do Exército Brasileiro Théo Espíndola Basto. Théo Basto prometeu lealdade

ao novo cargo e levar como contributo para a SSPDS sua experiência adquirida nas

Forças Armadas (O Povo, 17/06/05, p. 04).

Um relatório confidencial produzido pela 1ª Promotoria Auxiliar do

Júri de Fortaleza, do Controle Externo da Atividade Policial Militar publicado no

Jornal Diário do Nordeste revela detalhes de crimes relacionados a um suposto grupo

de extermínio formado por policiais cearenses. Segundo o relatório, esse grupo de

extermínio teria surgido por causa da disputa por um serviço de segurança privada

para a rede de Farmácias Pague Menos entre integrantes das polícias Militar e Civil.

Após inúmeros homicídios insolúveis e com modus operandis similar no período de

dois anos (2003-2005), o MP e a Procuradoria Geral da República – PGR decidiram

solicitar a intervenção da PF na pessoa do Delegado Federal Cláudio Joventino para

presidência de um Inquérito Policial – IP. Após dois anos de trabalho investigativo, o

Delegado da PF Cláudio Barros Joventino procurou a promotora de Justiça Marília

Uchôa de Albuquerque para lhe falar acerca do IP acerca do grupo de extermínio. O

encontro ocorreu no dia 25 de março de 2005 em uma padaria próxima ao Fórum

Clóvis Beviláqua. A representante do MP cearense após tomar conhecimento do

relatório do Inquérito Policial – IP, procedido pelo delegado da PF Cláudio Joventino,

ressaltou:

O trabalho persistente e sério revelou que as mortes investigadas podem ter conexão entre si e que teriam sido perpetradas por policiais militares enquanto realizavam serviço de segurança privada para a empresa Pague Menos, tendo sido requerida a prisão preventiva dos implicados e expedição de vários mandados de busca e apreensão...o grupo conhecido como Farmácia Pague Menos estaria procurando uma empresa para promover a sua segurança privada, pagando, pelo serviço quarenta mil

150

reais por mês. O delegado de Polícia Civil Carlos Cavalcanti teria se habilitado para realizar a segurança privada, entretanto, a empresa teria preferido contratar policiais militares para este fim, sob o comando do major PM Castro, comandante da 1ª Cia do 5º BPM, e do capitão PM Henrique. Insatisfeito com o fato de ser sido preterido, o delegado Carlos Cavalcanti teria passado a monitorar as ações do grupo de policiais militares contratado para a segurança privada da empresa Pague Menos, bem como os crimes de furto e roubo que ali ocorressem... [e]sta apuração teria sido subsidiada pelo delegado de Polícia Civil Carlos Cavalcanti, movido pelo ressentimento de ter sido excluído do contrato de prestação de serviço de segurança privada. O caso foi recepcionado na esfera federal como sendo homicídio em atividade de grupo de extermínio (DIÁRIO DO NORDESTE, 28/06/2005, p. 17).

No decorrer das investigações do IP pelo delegado da PF foi constado

que o grupo de policiais militares contratado para fazer a segurança privada da Rede

de farmácias Pague Menos havia combinado a prática de vários homicídios dentro das

farmácias da referida Rede e que eles próprios entregavam armas aos assaltantes, para

que executassem crimes de assaltos nas farmácias Pague Menos com o objetivo de

fazer valer a necessidade do serviço de segurança privada por parte dos policiais

militares. Ou seja, os crimes de roubo eram encomendados pelos próprios policiais

que forneciam armas aos delinqüentes, e, depois, executavam os ladrões como

“queima de arquivo” para não entregar a trama criminosa (Xavier, 2007).

Em conseqüência da constatação desse possível grupo de extermínio

por parte do MP e do Poder Judiciário, algumas pessoas foram presas, inclusive,

policiais militares. Todavia, há de se ressaltar que em virtude da complexidade desse

tipo de crime muitos dos envolvidos ficam impunes ou logo ficam soltos em função da

falta de testemunhas que são intimidadas a deporem. Nesse caso em epígrafe foi

necessário à vinda a Fortaleza uma Comissão do Conselho de Defesa dos Direitos da

Pessoa Humana – CDDPH para apurar as denúncias de ameaças a testemunhas e

familiares das vítimas do suposto grupo de extermínio. Vieram de Brasília para

Fortaleza 13 (treze) Membros do CDDPH dentre eles desembargadores, procuradores,

151

representantes da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e da Secretaria Especial dos

Direitos Humanos – SEDH, além da subprocuradora-geral de Justiça, Eva Castillo (O

Povo 06/09/2005).

O medo e o temor das pessoas se revelam sob diferentes posturas. As pessoas temem testemunhar contra alguns desses crimes, favorecendo um clima de anonimato em que as notícias circulam. Ouve-se rumores sobre eles, mas ‘ninguém sabe’, e ‘ninguém viu’. Ao se reportarem a eles, é comum nas narrativas a expressão ‘comenta-se que...’ou ‘suspeita-se que é’.... O clima de suspeição dissemina-se ao mesmo tempo em que se distanciam os mecanismos objetivos da veracidade dos autores materiais dos fatos. Assim experimentada, a suposta existência desses grupos representa uma ameaça à integridade e à liberdade de todos... a ação criminosa desses grupos é uma ação seletiva, recaindo sobre os indivíduos de comportamentos desviantes, sob o significado de uma ‘assepsia do mundo social’. Neste caso, emerge uma representação legitimadora da ação desses grupos que termina por justificá-los e, inconscientemente, legitimá-los. A suposta existência e a convivência social com os possíveis participantes são, deste modo, experimentado e internalizado sob conflitos, expressando níveis de indignação e de medo, ao mesmo tempo em que uma certa dose de legitimação. O medo é a face possível de as pessoas serem enquadradas dentro da classificação dos maus elementos segundo os padrões dominantes locais (FREITAS, 2004, pp. 114 e 115).

De acordo com as idéias acima evidencia-se, na medida em que uma

classe dominante e discriminadora aceita essas atividades criminosas, como se fosse

um bem social e uma limpeza social dos ‘vagabundos’. Essa é uma realidade da

banalização da vida humana, sobretudo de uma classe elitista no sentido do apartheid

social em relação à grande massa pobre e periférica. Percebe-se nas entrelinhas que

existe certa aceitação declarada ou velada de grupos de extermínio ou de “justiceiros”.

Neste sentido, a sociedade brasileira revela que culturalmente é violenta e sedenta por

justiça vingativa.

3.4 – O maior furto a Bancos do País

Outro episódio criminoso que ganhou destaque negativo nacional e até

internacionalmente ocorrido em Fortaleza-CE., no contexto do Governo de Lúcio

152

Alcântara foi o maior furto a Bancos no Brasil e o segundo maior do mundo dos

últimos 40 (quarenta) anos. Conforme Xavier (2007), no dia 08 de agosto de 2005, ao

abrir a agência do Banco Central do Brasil em Fortaleza, funcionários perceberam que

aquela Instituição havia sido furtada. Ao serem solicitados, os policiais logo

detectaram que ladrões escavaram um túnel a partir da casa de Nº. 1.071, na Rua 25 de

Março no Centro de Fortaleza. Era lá que “funcionava” a empresa de fachada PS

Grama Sintética e foi de onde partiu o túnel medindo aproximadamente 80 metros de

extensão por 70 centímetros de espessura que possibilitou os escavadores, chamados

de “tatus” pelos federais, após perfurarem o piso feito de ferro e de concreto, furtar

cerca de R$ 164,755. 150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinqüenta

e cinco mil, cento e cinqüenta reais) da caixa-forte do Banco Central – BC de

Fortaleza. Uma verdadeira obra de engenharia criminosa. Os bandidos que alugaram

do outro lado da Rua uma casa simulando venderem grama sintética organizaram,

planejaram e executaram uma operação criminosa histórica na capital cearense. A

organização criminosa tinha como Quartel General – QG da operação a pequena

cidade do sertão central cearense de Boa Viagem distante 221 quilômetros de

Fortaleza e a grande São Paulo, onde residem vários integrantes da família Laurindo,

que é filiada à organização criminosa Primeiro Comando da Capital – PCC. A ação

criminosa foi liderada pelo cearense Raimundo Laurindo Barbosa Neto, o ‘Neto

Laurindo’, natural de Boa Viagem que contou com ajuda de seus familiares Jeovan

Laurindo da Costa, Lucivaldo Laurindo, Lucilane Laurindo da Costa, Veriano

Laurindo da Costa, Ricardo Laurindo da Costa, Liduína Barbosa de Almeida

(companheira de Neto Laurindo), Antonio Jussivan Alves dos Santos, o ‘Alemão’ e

Fernanda Ferreira dos Santos (esta última teve participação na lavagem do dinheiro

153

furtado). Ao desencadearem a Operação “Facção Toupeira” e

[a]través de escutas telefônicas, devidamente autorizadas pela justiça, os ‘federais’ conseguiram monitorar os passos do bando que já se preparava para praticar roubos milionários contra três agências bancárias, sendo duas em Porto Alegre (Barinsul e Caixa Econômica Federal) e em Maceió (Caixa). Para tanto, túneis semelhantes ao escavado em Fortaleza já estava em adiantado processo de construção. Após a prisão de pelo menos 46 pessoas no Ceará, Rio Grande do Sul, Alagoas, Alagoas, São Paulo, Piauí, Pará, Maranhão e Tocantins, a PF descobriu que pelo menos nove integrantes do bando são de uma mesma família (irmãos e primos), natural de Boa Viagem, além de alguns amigos mais próximos (DIÁRIO DO NORDESTE, 10/09/2006, p. 22).

Conforme apurou o IP da PF, pelo menos 56 pessoas participaram

direta ou indiretamente do furto ao BC de Fortaleza. Diante de provas contundentes, o

juiz à frente do caso, Danilo Fontenelle Sampaio, expediu 56 mandados de prisão

preventiva e 86 mandados de busca e apreensão a serem cumpridos em vários estados

da federação tendo como ponto de partida o Estado do Ceará. Os mandados eram

dirigidos a imóveis que estariam sendo usados pela quadrilha, e o seqüestro de 18 bens

– móveis e imóveis -, como apartamentos, casas, postos de combustíveis, hotel,

motocicletas e automóveis, com indícios de que teriam sido adquiridos com o dinheiro

furtado do BC cearense e que estaria sendo lavado nesses bens, bem como na compra

de ouro, armas, contratação de advogados e financiamento de rebeliões em vários

presídios do país e ataques comandados pelo PCC na Grande São Paulo (idem).

A quadrilha dos homens que furtaram R$ 164,7 milhões do BC em Fortaleza, em agosto do ano passado, e que tentou repetir a mesma ação em Maceió e Porto Alegre, foi definida pela Justiça e pela PF como meticulosa em seu modo de atuar. Organizado, o grupo que tem elementos da facção criminosa Primeiro Comando da capital (PCC), é especialista em ‘planejamento empresarial’ e usa da ‘antijuricidade’ para ‘legitimar’ as ações criminosas. Pelo menos dois advogados dariam suporte ao grupo. Através de grampos telefônicos autorizados, a PF conseguiu rastrear um dos advogados que estaria auxiliando na falsificação de documentos. No último dia 17, o juiz Danilo Fontenelle, da 11ª Vara Federal, decretou a prisão do advogado, que é paulista e já esteve várias vezes em Fortaleza. Os “tatus”, que cavaram túneis em Fortaleza (completo), Maceió e Porto Alegre (incompletos), também contavam com a participação de uma advogada. Por telefone, a PF ficou sabendo que pelo menos três bandidos que atuaram no Ceará estavam trabalhando no buraco que levaria ao cofre do Banrisul. Ela foi identificada quando trocava confidências com um dos bandidos (O POVO, 04/09/2006, p. 08).

154

A PF também informou que a quadrilha se caracteriza pela

diversificação de área de atuação. A tese de grupo organizado é confirmada também

pelo fato da quadrilha possuir uma cadeia de comando, pluralidade de agentes,

compartimentação de tarefas, códigos de honra, controle territorial e agirem sempre

visando fins lucrativos. Além disso, os membros desse grupo sempre se movimentam

por via aérea, se infiltram em organismos estatais corrompendo servidores públicos ou

terceirizados com verbas específicas para propinas. A estratégia facilita a abertura de

empresas falsas e o uso de nomes fictícios (ibidem).

3.5 – Violência criminal no Ceará: efeitos visíveis e invisíveis

No decorrer do Governo de Lúcio Alcântara (2003-2006) no Estado

do Ceará, o avanço de algumas modalidades criminosas assustou os cearenses de

algumas regiões do Estado. Em Fortaleza, o crime de seqüestros com o rapto de

vítimas teve um aumento assustador. Do ano de 2005 para 2006, o número de

seqüestros subiu de 04 para 22 casos, ou seja, um aumento de cerca de 375%. Este tipo

de crime é traumático e deixa seqüelas por muito tempo. O aumento do crime de

pistolagem, sobretudo na região do Vale do Jaguaribe voltou a deixar rastos de temor.

Em 30/06/03, um dos mais populares radialistas daquela região, Nicanor Linhares foi

assassinado com onze disparos de arma de fogo no interior de sua emissora de rádio,

na cidade de Limoeiro do Norte, quando se preparava para gravar seu programa. O

crime foi considerado como de pistolagem e ficou envolto a muitos mistérios (Diário

do Nordeste, 01/07/03). Em 18/09/03, uma ação criminosa com características de

155

pistolagem também em Limoeiro do Norte, deixou sete pessoas mortas por disparos de

armas de fogo. Dois homens não identificados em uma motocicleta aproximaram-se

das vítimas e as assassinaram sem qualquer motivo aparente. As vítimas, além de

mortas, tiveram suas orelhas decepadas e jogadas sobre seus corpos (Diário do

Nordeste, 19/09/03). Desta feita, a principal causa dos assassinatos, segundo apurou a

polícia, foi vingança. Esses crimes deixaram a população de Limoeiro estarrecida em

razão da perversidade e da forma enigmática como ocorreram. Estes são exemplos

isolados da criminalidade no período em análise entre 2003-2006.

Todavia, o aumento da violência criminal no quesito “homicídios por

armas de fogo” no Estado do Ceará, no contexto (2003-2006), apresenta certas

particularidades que merecem ser discutidas mais profundamente. Se no País como um

todo as mortes por armas de fogo diminuíram 12%, entre 2003 e 2006, esta realidade

não foi a mesma no Estado do Ceará. Segundo a pesquisa “Redução do Homicídio no

Brasil”, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Justiça,

em 2006, o País registrou 34.648 óbitos por arma, contra 39.325 em 2003. O que

representa 4.677 vidas preservadas no Brasil, sobretudo entre os homens. Com relação

às taxas de mortalidade por arma de fogo, a queda foi de 18%, reduzindo de 22 para 18

óbitos por 100 mil habitantes. Veja tabela abaixo.

135

Tabela 04

Variação no Número de Óbitos por arma de fogo – Brasil 2003 a 2006:

AnoÓbitos arma de

fogoVariação Nº

absolutoVariação

%Taxa/100mil

2003 39.325 +1.347 +3,5% 222004 37.113 -2.212 -5,6% 202005 36.060 -1.053 -3,2% 192006 34.648 -1.412 -4,0% 18

Redução 2003/2006

-4.677 -12,0% -18%

Fonte: http://www.saude.gov.br, visitado em 21/12/2007

Duas constatações importantes são detectadas nessa pesquisa. A

primeira revela que houve queda no risco de morte nos municípios que receberam

recursos da SENASP do MJ e nos que melhoraram a estrutura para atuar na área de

segurança pública. Aqueles que não investiram em segurança registraram aumento. A

segunda importante constatação da pesquisa é a de que houve a reversão da tendência

de aumento de mortes por arma de fogo. Caso o país mantivesse o ritmo constante da

elevação da mortalidade por essa causa, em 2006 teriam ocorrido 45.745 mortes. A

diferença entre as mortes ocorridas e as que eram esperadas é de 13.838, o que

corresponde a uma redução de 24%. De acordo com o estudo, o impacto das ações

governamentais e da sociedade civil organizada resultaram em 23.961 vidas poupadas.

O estudo deixa evidente o quanto os homens são mais vitimados pelas armas de fogo.

Apesar disso, em 16 Estados e no Distrito Federal houve redução das taxas de

mortalidade por arma de fogo entre as pessoas do sexo masculino. As maiores

reduções ocorreram em Roraima (-55,7%) e em São Paulo (-48,3%). Entre os Estados

que pioraram estão o Amazonas e Alagoas, com aumentos de 85,2% e 59,4%. Além de

136

Amazonas e Alagoas também houve crescimento da mortalidade no Pará, Paraíba, Rio

Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Ceará, Bahia e Sergipe.

No caso específico do Estado do Ceará verificou-se uma evolução

contínua de homicídios por armas de fogo. Do ano de 2003 para 2004, aumentou +1%;

de 2004 para 2005, +1,6%; de 2005 para 2006, o aumento foi de +0,6%. Esses dados

revelam que a segurança pública no Estado do Ceará, no período em análise continuou

como ponto nevrálgico.

Com efeito, a criminalidade é um problema crescente no Estado. A

taxa de homicídio é de 20,0 por 100 mil habitantes, o que faz o Ceará passar da 22ª

para a 17ª posição entre os Estados da Federação, em relação a 1994. O Ceará possui 9

municípios (4,9% do total do Estado) entre os 10% com maior taxa de homicídio do

Brasil (Waiselfiszl, 2006).

Com o objetivo de se ter uma noção geral de como a violência e a

criminalidade está distribuída no Brasil, por Unidade de Federação, destacando o

Estado do Ceará como amostra nesta trabalho, cita-se o quadro demonstrativo disposto

na tabela abaixo e os respectivos índices de homicídios por arma de fogo.

137

Tabela 05

Taxa de mortalidade por arma de fogo, sexo masculino, segundo UF

(Brasil - 2003 e 2006):

Estados 2003 2004 2005 2006Evolução 2003/2006

Acre 20,2 16,2 12,4 14,7 -26,9Alagoas 52,3 50,7 60,0 83,4 59,4Amapá 56,1 25,6 17,4 23,6 -9,4Amazonas 11,9 15,3 16,7 22,0 85,2Bahia 32,9 31,9 31,8 34,2 4,1Ceará 22,7 23,7 25,3 25,9 14,1Distrito Federal 51,1 45,9 39,8 35,9 -29,6Espírito Santo 70,5 69,1 66,2 69,3 -1,7Goiás 32,8 37,0 34,0 29,2 -11,0Maranhão 12,2 12,1 17,1 14,0 14,7Mato Grosso 43,2 33,6 35,5 30,9 -28,5Mato Grosso do Sul 40,4 35,2 31,2 33,4 -17,4Minas Gerais 30,3 34,3 32,0 27,0 -11,0Pará 26,2 28,8 33,8 34,5 31,5Paraíba 26,6 26,2 30,6 34,9 30,9Paraná 36,1 38,5 39,8 40,1 11,2Pernambuco 92,2 80,6 83,0 79,9 -13,4Piauí 11,9 10,8 11,0 13,9 17,2Rio de Janeiro 90,1 85,0 80,4 69,9 -22,3Rio Grande do Norte 22,3 25,2 26,5 27,2 21,9Rio Grande do Sul 30,8 30,8 30,3 30,4 -1,2Rondônia 50,8 46,0 47,7 35,6 -29,9Roraima 23,0 22,8 17,0 10,2 -55,7Santa Catarina 16,4 14,5 14,4 13,5 -17,8São Paulo 50,1 39,7 30,2 25,9 -48,3Sergipe 37,4 31,5 32,3 38,7 3,5Tocantins 19,1 16,6 13,2 13,1 -31,5Brasil 42,4 39,4 37,3 35,3 -16,6

Fonte: http://www.saude.gov.br

138

Além do quadro demonstrativo da taxa de mortalidade descrita acima,

vale ressaltar que a mortalidade por arma de fogo em capitais, Maceió – AL ocupa o

primeiro lugar, com taxa de 75,4 mortes por 100 mil habitantes no ano de 2006. Em

seguida vem Recife, com taxa de 61,5. Na seqüência, aparecem Vitória – ES, Belo

Horizonte – MG e Rio de Janeiro – RJ, com taxas de 58,9, 35 e 33,4 por 100 mil,

respectivamente. Conforme a pesquisa, a incidência dos óbitos por arma de fogos está

concentrada nos grandes centros urbanos. Como exemplo o estudo afirma que os

municípios com população acima de 500 mil habitantes concentram 28,7% da

população brasileira e responderam por 41% dos óbitos por arma de fogo. No mesmo

ano, os municípios com população até 100 mil habitantes concentraram 43% da

população brasileira e 28% dos óbitos por arma de fogo (idem, ibidem).

O aumento contínuo da criminalidade no Estado do Ceará, bem como

em outras Unidades da Federação demonstra uma realidade preocupante. O medo

constante de sofrer algum tipo de violência criminal a qualquer momento tem levado o

cearense, sobretudo o fortalezense a mudar, inclusive, seu modelo de vida.

Demonstrando viver num estado de alerta constante, os moradores dos grandes centros

urbanos como os de Fortaleza têm adotado uma postura de busca constante para sua

proteção. É notável que a violência criminal vem se alastrando e invadindo, além dos

espaços públicos e privados, um dos mais perigosos espaço social: o imaginário

popular dos cearenses, especificamente daqueles que residem em Fortaleza. Em

defensiva, na tentativa de se sentir seguro, protegido, o fortalezense tem procurado se

enclausurar de todas as formas: condomínios fechados, muros altos, segurança armada

particular, eletrônica, câmeras; cercas elétricas, portões e grades de ferro, cadeados

139

sofisticados, sistema de alarme, cães-de-guarda, fazem até seguros etc. Tudo isso

parece não ser suficiente para proporcionar aos moradores dos grandes centros urbanos

a sensação de segurança que eles almejam. “Já se disse que o presídio tornou-se

modelo de qualidade residencial no Brasil” (BEATO FILHO, 1999, P. 13).

Deste modo, o hábito do fortalezense de fazer caminhadas sozinho nas

ruas, parques e praças da capital está gradativamente desaparecendo, em função da

insegurança. Carros com vidros fumês, motocicletas e bicicletas estacionadas com

trancas e correntes de aço, transeuntes sem o uso de jóias ou outros objetos de valor ao

corpo, mulheres com suas tradicionais bolsas não a tira-colo, mas coladas na frente do

busto, homens sem o uso de sua tradicional carteira no bolso traseiro etc. Todas essas

ações denunciam que a falta de segurança realmente está perturbando o imaginário

dessas pessoas de modo que elas têm de mudar seus mais antigos costumes. Em

entrevista ao Jornal Diário do Nordeste de 29/05/2006, p. 12, a socióloga Marinina

Gruska Benevides afirma que a violência criminal em Fortaleza está se agudizando.

Todavia, o enclausuramento não resolve o problema, pois quanto mais a sociedade se

fecha mais a violência e a criminalidade avançam. De acordo com a socióloga, com o

aumento da violência criminal, o ser humano passou a ver o outro sempre como um

inimigo em potencial e foi deixando de interagir com o próximo, vivendo sempre com

medo e desconfiado de que possa esse próximo fazer-lhe sempre o mal. Neste sentido,

desenvolve-se a cultura do medo que invade o imaginário das pessoas. Com efeito,

apesar de a violência criminal ser tão antiga como a própria existência humana, suas

novas matizes de ocorrências nos grandes centros urbanos têm protagonizado

desestruturas nos mais diversos campos sociais.

140

Em entrevista concedida ao mesmo periódico, Barreira, coordenador

do Laboratório de Estudos da Violência – LEV, da UFC, explica que, além do

aumento da criminalidade em si, a violência hoje, aparece como um fenômeno

disseminado nos mais diversos setores da vida social e pelas mais variadas razões.

Esse fato provoca aumento no clima de insegurança da população, em geral. Neste

prisma, como é difícil se saber quem vai ser o próximo atingido, quando, onde e

aonde, as pessoas vivem, atualmente, sob uma “cultura do medo”. Barreira explica que

essa cultura se reveste da classificação estigmatizadora de quem é perigoso e quem

não é, quais os locais confiáveis e os que não são, onde se pode freqüentar e onde não.

Essas rotulações são produzidas pelo próprio poder público quando distribui câmeras

nos locais considerados “crítico ou sensíveis” à violência criminal e pela própria

população e suas construções e equipamentos na busca por segurança (idem).

Indubitavelmente, as polícias e demais órgãos responsáveis

diretamente pela promoção da segurança pública agem de forma desarticulada e

desorganizada (Paixão, 1993). As vicissitudes e deficiências nessa área têm na polícia

a ponta de atenção por parte da mídia que em geral vive noticiando o binômio

“escândalo/reforma”, ou seja, desnuda o que está errado e menciona o que deve ou o

que será feito nos organismos policiais visando a melhor atuação deles. Conforme

Reiner (2004) são nas manchetes policiais dramáticas, imediatas, personalizadas e

enfáticas sobre crimes violentos e sensacionais que a mídia considera uma “boa

história” (p.208). A polícia desenvolve uma inúmera quantidade de atividades sociais

prestando os mais diversos serviços à comunidade, porém ela somente é lembrada pela

141

atividade de combater o crime, o que pouco faz. Deste modo, existe uma visão

negativa geral sobre o real papel das polícias. Com efeito, tanto a mídia como

editoriais de jornais retratam a polícia como a “única maçã podre” ou de “escândalo e

reforma” e suas manchetes reveladoras de erros da polícia ganham destaque enquanto

que os comentários favoráveis são infimamente destacados.

No caso das polícias, justamente por serem a face mais visível do sistema de Justiça Criminal, freqüentemente estão presentes na mídia, seja através de forma mistificada, seja das sucessivas crises protagonizadas por elas devido às situações de brutalidade, violência e corrupção. A mistificação se dá pela falsa concepção de que o trabalho policial é dedicado exclusivamente ao combate ao crime, relegando a segundo plano o sem número de atividades rotineiras, assistenciais e de manutenção da ordem em que os policiais estão envolvidos... Da mesma forma, a visibilidade dos eventos relacionados a corrupção ou violência policial não esgotam as relações que a polícia mantém com o público, embora enfoquem um aspecto decisivo da atuação policial em sociedades democráticas (BEATO FILHO, 1999, p.17-18).

Em pouco mais de uma década, a mídia foi abastecida por notícias

policiais negativas que renderam-lhe várias “boas histórias”. A polícia brasileira

demonstrou para o País e exterior um retrato negativo pelas chacinas de matanças

coletivas, que contaram comprovadamente com a participação de policiais militares.

Em 26 de julho de 1990, 11 adolescentes foram detidos e depois mortos, a maioria,

moradores da favela do Acari. Eles foram seqüestrados em Magé, na Grande Rio; Em

02 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo invadiu o Pavilhão 09 da Casa

de Detenção. Resultado: 111 presos mortos e nem um policial morto ou ferido à bala;

em 23 de julho de 1993, por volta da meia-noite, cerca de 50 meninos de rua dormiam

sob uma marquise a 50 metros da igreja Candelária, no centro do rio de janeiro,

quando quatro ou cinco homens começaram a atirar e 08 meninos morreram 30 de

agosto de 1993, um grupo de extermínio matou 21 pessoas – entre elas, uma família

inteira, de oito pessoas – na favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro – RJ. A chacina

foi uma vingança contra a morte de quatro policiais militares, na véspera, por

142

traficantes da favela. A chacina foi atribuída a PM do Rio; 09 de agosto de 1995 –

seguindo determinação judicial, policiais militares invadiram a fazenda Santa Elina em

Corumbiara, no Estado de Rondônia, ocupada por trabalhadores do Movimento Sem

Terra – MST, resultado: 10 integrantes do MST e 02 PMs mortos; além disso houve o

massacre dos ativistas em Eldorado nos Carajás, no Pará, em 1997; e, a chacina na

Baixada Fluminense – RJ, em 2005, para citar algumas das principais notícias

negativas envolvendo o aparelho policial (Documento Verdade Nº. 4, 1994; Relatório

da Anistia Internacional, 2005).

Essas ações negativas amplamente divulgadas pela mídia confirmam

duas vertentes. A primeira é a de que o problema da segurança pública somente é dado

mais atenção através de eventos dramáticos de violações dos direitos humanos. A

segunda é a de que as relações inter-organizacionais entre a polícia, Poder judiciário,

Ministério Público e sistema prisional são completamente desarticuladas e sem

controle interno e externo. Com base neste diagnóstico fica mais do que comprovado

que é necessário políticas públicas de segurança de forma diferente das que, por vezes,

são efetivadas, porém sem mudanças nas estruturas policiais. Este fato pode ser

atribuído tanto ao descaso do poder público quanto ao desconhecimento do real papel

que a polícia deve desempenhar.

3.6 – Questões que mais comprometem a segurança pública (pesquisa de campo)

Nos meses de novembro e dezembro de 2007 foram entrevistadas

como amostra 100 pessoas com perguntas reguladas e semi-reguladas. As entrevistas

ocorreram em quatro municípios cearenses: Fortaleza, Sobral, Ocara e Russas. As

143

indagações foram divididas igualmente e direcionadas a duas categorias de pessoas,

sendo 50 para profissionais diretamente vinculados à área da segurança pública e igual

número para representantes diversos da sociedade em geral dos mais variados extratos

sociais.

As entrevistas em questão não têm por objetivo apenas a fria

sistematização, classificação e tabulação dos dados coletados. Mas, visa desenvolver

reflexões críticas a partir das diferentes visões dos mais variados sujeitos sociais sobre

a questão das políticas públicas de segurança no Estado do Ceará. Com efeito,

considera-se que os sujeitos produtores de opiniões são de relevância significativa no

âmbito das políticas públicas de segurança.

A título de melhor esclarecimento as indagações aos entrevistados

restringiram-se a um tema geral (“em sua opinião, o que mais compromete a segurança

pública?”) focado em dois eixos (“principais fatores/causas de insegurança pública” e

“quais as principais estratégias/solução?”), tanto para os representantes da sociedade

em geral como para os representantes dos órgãos responsáveis diretamente pela

promoção da segurança pública no Estado do Ceará.

3.6.1 – Principais fatores causadores da insegurança pública (opinião de policiais)

Com o objetivo de aprofundar a discussão acerca da questão da

segurança pública, objeto de estudo, primou-se por uma pesquisa de campo com

abordagem em quatro vertentes no que concerne aos principais fatores causadores de

insegurança pública. Neste primeiro momento, as entrevistas foram dirigidas a

144

profissionais da área da segurança pública (policiais civis, militares e bombeiros

militares) do Estado do Ceará, explicitadas abaixo.

Tabela 06

Fatores/Causas Total de Respostas % Geral1. Falta de recursos humanos, técnicos e

logísticos

26 52

2. Baixos salários e falta de uma política de

valorização e capacitação para os

profissionais da área

9 18

3. Corrupção política, jurídica e policial 8 164. Desigualdade social 7 14 Total 50 100

De acordo com os dados coletados na tabela acima, na opinião dos 50

profissionais da segurança pública do Estado do Ceará, o fator/causa principal aparece

com freqüência de 52%, (26 respostas), para falta de segurança pública no Estado é o

déficit de efetivo pessoal (mais policiais), infra-estrutura (mais viaturas, motocicletas,

caminhões, etc.), armamento e equipamento (recursos técnicos). Em 2º lugar, com

freqüência de 18%, (9 repostas), os policiais acreditam que a fragilidade da promoção

da segurança pública no Estado é devido aos baixos salários e a falta de valorização e

capacitação para os profissionais da segurança pública. O fator/causa seguinte, sobre a

corrupção nas instituições políticas, judiciárias e policiais, a freqüência foi de 8%

percentuais, (16 respostas), o que demonstra uma realidade nada animadora para o

Estado Democrático de Direito que se visa consolidar. Por último, em 4º lugar, com

14%, (7 respostas), os policiais demonstraram que uma das causas da insegurança

145

pública paira na desigualdade social. Como corroboração dos dados da pesquisa,

algumas falas de policiais entrevistados são citadas a seguir.

Na minha opinião, o que mais compromete a Segurança Pública no Ceará são: 1. a deficiência na estrutura da segurança pública como um todo, haja vista inexistir o apoio logístico, como instalações físicas condignas, suporte tecnológico necessário ao bom desempenho da atividade policial capaz de satisfazer a demanda existente; 2. o despreparo físico, intelectual e técnico dos profissionais da área ficando a atuação restrita ao cotidiano, não se elaborando um estudo social, econômico, cultural e criminal de forma que se tenha um controle de tudo que ocorre neste último, bem como desprovido de condições de desempenhar atividades mais complexas em razão da ausência de condicionamento físico; 3. falta de uma política salarial para os policiais de forma que estes não se voltem para a prática de “bicos”, mas para o seu aprimoramento na área de atuação, como no preparo físico e profissional (sic) (MAJ PM).

Na entrevista acima é possível se detectar a confirmação dos dois

primeiros fatores/causas da insegurança pública no Estado do Ceará, citados na tabela

9, ou seja, o problema da segurança pública no Estado do Ceará ou da falta dela, na

opinião da maioria dos policiais entrevistados paira na falta de efetivo pessoal, de

infra-estrutura e de salários mais dignos, capacitação e valorização profissional. Outras

causas visíveis como sendo responsáveis pelo o aumento da insegurança pública no

Estado, tendo como destaque a questão da corrupção arraigada nas instituições, aliada

a outros fatores sensíveis que podem ser a ponta do iceberg, são demonstradas nas

falas abaixo dos agentes de segurança pública entrevistados na pesquisa.

“A corrupção, o desequilíbrio social, a má distribuição de renda, a impunidade e a desestruturação familiar” (CAP PM).

Somente com uma política séria com investimentos, treinamento e melhoria no salário dos policiais combatendo os policiais corruptos e tornando leis mais duras para os crimes dolosos é que estaremos dando um passo gigantesco para tornar a sociedade livre de tanta criminalidade (INSPETOR DA POLÍCIA CIVIL).

O comprometimento da Segurança Pública não só no Ceará, mas no Brasil inteiro está vinculado há vários fatores. Os que mais afloram e emperram, inclusive, nas melhorias para as polícias estão ligados aos vários tipos de corrupção amplamente

146

praticados dentro das corporações policiais tanto no nível estadual como no federal. Parece ser um mal congênito irremediável. Fala-se muito em melhoria salarial para se evitar a corrupção nas instituições públicas no Brasil, eu sinceramente não acredito que isto seja o remédio. É necessário educação e o cultivo de outra cultura e não dessa que historicamente invadiu o ethos do povo brasileiro. O tão falado jeitinho brasileiro tem transformado os funcionários dos serviços públicos em verdadeiros lobos disfarçados de ovelhas (DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL).

Vejo a corrupção como um dos males endêmicos na sociedade brasileira. Ela faz parte do cotidiano de nossas instituições, principalmente as públicas. No caso da segurança pública pior ainda, pois o Estado paga e arma pessoas, no caso, policiais para pressionar pessoas por dinheiro, extorquir e legitimar uma cultura corruptível e corruptora. Um exemplo claro disto é essa tal de CPRV que vive atacando os pobres coitados que trafegam nas rodovias estaduais, principalmente no interior. Conheço pessoas que trabalham fazendo lotação em transportes alternativos, seja topiqueiros ou carros pequenos que pagam semanalmente aos PMs para poder transportar gente. Essas pessoas são coagidas a fazerem isso, pois senão serão multadas seja por que diabo for. O pior é que todo mundo sabe, inclusive os próprios comandantes, secretário de segurança pública e políticos. Ninguém toma providência. Considero a CPRV como “uma máquina de fazer propina” e o policial que quiser ir pra lá tem de entrar no esquema se não dança. É uma cultura da corrupção que se legitimou e as pessoas condutoras de veículos aceitam normalmente. Se o BPTRAN foi extinto porque segundo o governo na época servia apenas para extorquir o povo, a CPRV é dez vezes pior. Espero que um dia suba no poder um governo sério e digno que acabe com esse mal social (sic) (SGT PM).

As entrevistas acima não somente confirmam a questão da gravidade

da corrupção como algo cultural nas instituições brasileiras, mas também revela uma

grave denúncia comprometedora de um serviço público. A partir dessa última

entrevista muitas reflexões vêm à tona quanto à existência desse serviço (a fiscalização

de veículos automotores) nas rodovias estaduais no Estado do Ceará por parte da

CPRV.

Por último, é possível destacar algumas falas significativas relativas à

questão da desigualdade social do ponto de vista de policiais.

O maior problema da Segurança Pública do Estado é a atual estrutura social do País que vive um momento de grande exclusão social. Normalmente a culpa de todo o problema de Segurança é atribuída às polícias militares, civis e outros órgãos de segurança pública, mas estas instituições apenas conseguem por mais que trabalhem atenuar o problema de Segurança da Sociedade. O que realmente compromete a Segurança Pública é a desigualdade social, a falta de emprego, moradias decentes, comida, as instituições de ensino básico totalmente sem estrutura, a falta de assistência de todo o tipo por parte do Estado, tudo isso tira do

147

homem sua condição de ser humano e sua noção de certo e errado, levando assim uma forte tendência ao crime (TEN PM).

Hoje em dia o que mais compromete a segurança pública no nosso País é o fator social, pois não podemos tratar problemas que devem ser garantidos pelo Estado de forma irresponsável, reprimir e prender não vai solucionar, ou seja, irá encher as delegacias e presídios que não possuem atividades de recuperação e os detentos ao serem soltos sempre voltam a praticar novamente os crimes e esta bola de neve não pára de crescer e não sabemos quando vai para de crescer (SUBTEN PM).

O que mais compromete a segurança pública no Ceará e no Brasil é a desigualdade social. Os políticos não estão nem aí para o povo. Enquanto não fizerem uma reforma no Código Penal Brasileiro e abrir espaços para uma educação digna, a situação do Brasil ficará complicada, no que diz respeito ao sistema de segurança pública (SD PM).

O que mais compromete a Segurança Pública no Ceará e no Brasil é a desigualdade social. Enquanto não houver uma política voltada para a inclusão social, com rede de empregos para jovens e adultos, educação de qualidade, assistência familiar, jurídica, redistribuição de renda para alcançar a todos, estímulo a uma cultura de paz e respeito aos direitos humanos, jamais teremos uma segurança pública eficiente e eficaz (POLICIAL CIVIL FEMININA).

Os diversos depoimentos dos profissionais de segurança pública por

últimos citados demonstram que eles estão sensíveis quanto a questão da desigualdade

social. Isto pode ser significativo para efetivação de políticas de segurança pública

planejadas e que levem em conta os atores sociais das comunidades. Com efeito, essa

consciência quanto a questão social não deixa de ser um grande avanço para a

melhoria qualitativa do serviço de segurança pública.

No entendimento dos policiais entrevistados, as principais

estratégias/soluções no enfrentamento da insegurança pública causada pela violência

em geral e pela criminalidade, são: em 1º lugar, o investimento por parte do governo

em aumento de efetivo pessoal, melhor formação, capacitação e política de valorização

profissional com salários mais dignos. Em 2º lugar, os agentes dos órgãos de

segurança pública afirmam que a solução para a insegurança pública está na reforma

148

da Legislação Penal brasileira e na eficácia da Justiça contra a impunidade. Em 3º

lugar, seria uma política de redistribuição de renda menos injusta com mais empregos

para todos, sobretudo para os jovens. Em 4º e último lugar, os agentes de segurança

pública acreditam que a insegurança pública seria reduzida na proporção que fosse

desenvolvida e trabalhada, gradativamente, políticas públicas voltadas para uma

cultura de paz.

3.6.2 – Principais fatores causadores da insegurança pública (representantes da

sociedade).

Outro momento da pesquisa de campo foi direcionado as pessoas da

sociedade, incluindo os mais diversos representantes das camadas sociais. Os

entrevistados responderam as mesmas indagações antes feitas aos profissionais da

segurança pública do Estado do Ceará.

Tabela 07

Fatores/Causas Total de Respostas % Geral1. Desigualdade social 21 422. Corrupção política, jurídica e policial. 13 263. Impunidade. 09 184. Baixos salários e falta de uma política de

valorização para os profissionais da área

07 14

Total 50 100

Conforme o colhido nas entrevistas aos representantes da sociedade

comum, o fator/causa número um da insegurança pública no Ceará é a desigualdade

social com o percentual de 42% (21 respostas); em segundo lugar, com 26% (13

respostas) ficou a questão da corrupção política, jurídica e policial; em terceiro lugar

149

apareceu a impunidade com 18% (09 respostas); e, em quarto e último lugar com 14%

(07 respostas) foi apontado a questão da falta de uma política de valorização

profissional com investimentos em recursos e melhores salários para os profissionais

de segurança pública.

Conforme demonstrado na tabela acima os representantes da

sociedade, acreditam que as estratégias/soluções para o problema da falta de segurança

pública são: em primeiro lugar, uma política de redistribuição de renda mais justa; em

segundo lugar, investimento por parte do governo em mais recursos técnicos, humanos

e logísticos, somados a uma melhor formação, capacitação e salários mais dignos para

os profissionais de segurança pública; em terceiro lugar, reforma da legislação penal e

maior eficácia da Justiça contra a impunidade; e, em quarto lugar, investir em

educação com política educacional voltada para uma cultura de paz. Essas questões

estão retratadas nas entrevistas transcritas abaixo.

Não se pode falar em segurança pública se não houver política de inclusão social com mais afinco por parte do governo. O Estado brasileiro foi erigido de forma estranha ao seu principal motor: o povo. Um Estado não pode ser formado apenas para uma classe como ocorreu no Brasil. Historicamente, o Estado brasileiro sempre esteve fora do alcance do povo. Como analisou Machado de Assis no segundo Império o governo e as instituições mantém uma relação promíscua, clientelista e que só funcionam para uma certa parcela da população, de preferência para os mais próximos das autoridades governamentais. A grande massa da população sempre foi abandonada à sua própria sorte. A partir, sobretudo da década de 1970, o Estado brasileiro foi sacudido por políticas econômicas neoliberais com efeitos negativos para a grande massa pobre do país que sempre ficou fora da produção da nação. A concentração de renda que já existia passou a ficar mais concentrada ainda na mão de poucos enquanto que a grande maioria sofre com o desemprego e outras misérias sociais. Os jovens, a medula de uma nação, sempre estiveram fora das políticas sociais. Tudo isso faz do Brasil uma nação, com centros urbanos super povoados com acentuada favelização que transforma o Estado brasileiro numa nação violenta, drogada, doente e sem muitas esperanças. O abandono por parte do Estado da grande massa da população tem contribuído significativamente para a violência e a criminalidade. Se quisermos ter sucesso na segurança pública é preciso que o Estado brasileiro torne a desconcentração de renda uma prática permanente (SGT DA PMCE).

150

É preciso haver investimento maciço nas estruturas das polícias. Não se pode combater a criminalidade do século 21 com mecanismos do século 19. Faz piedade ver a situação com que os policiais no Ceará trabalham. Em decorrência disso, muitos dos nossos policiais estão sendo, gradativamente massacrados por bandidos com alto poder de fogo. As polícias no Ceará é um sucateamento só. Não há capacitação e nem uma formação competente. É inconcebível que em pleno século 21 se tenha polícias com treinamento das forças armadas para cuidar de segurança pública. O mundo mudou e as polícias deveriam ter acompanhado o trotear da humanidade. É preciso dá melhor condições e melhores salários para que os policiais se sintam mais motivados a abraçar sua profissão (POLICIAL CIVIL).

Investir na educação. Não só quantitativamente, mas essencialmente qualitativamente. Países que fizeram isso nos últimas décadas, apresentam um padrão de qualidade de vida relevante não só em relação a segurança pública, mas também em relação a outros ícones: econômico, político e social. Podemos dizer que são países que se auto-sustentam com bases numa educação de qualidade, pois sua edificação cultural sustenta o progresso científico que por sua vez refletem-se em uma segurança pública, que é pública e de qualidade (PROFESSORA).

Seja criado nas escolas, grupo de jovens para debater e esclarecer sobre a violência; criminalidade. As prefeituras e os eleitos convidem civis e militares para que possamos entender de Lei. O Grupo Gestor das escolas incentivem a todos, para debater e esclarecer sobre violência; criminalidade (MICRO-EMPRESÁRIO).

Acredita-se que as proposições dessas pessoas entrevistadas, em

diferentes municípios do Estado do Ceará apontam para as principais problemáticas

que envolvem as políticas públicas de segurança. A partir destas questões é possível se

vislumbrar outras. Dentre elas, a de que o problema da insegurança pública depende

não somente de uma única medida ou estratégia mágica que possa se chegar a uma

solução plausível. São envolvidas várias questões que devem ser tratadas não somente

pelo poder público e pelas instituições diretamente responsáveis em promovê-las, mas

por todas as pessoas. Entretanto, de acordo com os dados analisados, as

estratégias/soluções somente serão efetivadas se houver vontade política e para isso

faz-se necessário a conscientização de todos os envolvidos, sobretudo dos

representantes da sociedade civil pressionando, através de movimentos legítimos, para

que de imediato sejam realizadas as questões objetivas, como: políticas públicas de

redistribuição de renda, investimentos em recursos humanos, logísticos e técnicos,

151

formação e capacitação profissional, política de valorização aos profissionais da área e

política educacional voltada para uma cultura de paz.

Percebe-se a disjunção entre as falas dos integrantes dos organismos

policiais e as falas dos representantes da sociedade em geral. Enquanto os

representantes da sociedade comum (sem ser policiais) acreditam que o principal

fator/causa da insegurança pública é a desigualdade social, os policiais acreditam que é

a falta de investimento na área da segurança pública. Como resolver este embróglio?

Conforme a discussão implementada neste trabalho, independente de consideração de

posição dessas questões, ambas são apontadas tanto por policiais como por membros

da sociedade em geral como causas da insegurança pública. Deste modo, entende-se

que essas questões devem ser consideradas e solucionadas simultaneamente para se

conseguir segurança pública com maior e melhor eficácia.

3.7 – Paradoxos das polícias militares

As polícias militares no Brasil são consideradas forças auxiliares e

reservas do Exército. O texto constitucional de 1988 deixa claro a subordinação e

vinculação das PMs ao Exército, bem como define as incumbências das polícias

militares e dos corpos de bombeiros militares no Capítulo 144 §§ 5º e 6º:

Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

152

As corporações militares são os organismos mais significativos de

segurança pública no Brasil, não somente pela quantidade de efetivo (cerca de 70%

dos agentes policiais, conforme Mariano, 2004), mas, sobretudo porque são as

primeiras ou até mesmo as únicas, a atenderem solicitação de ajuda ou socorro das

pessoas contra perigo atual ou iminente, diariamente.

As polícias modernas foram criadas com a missão específica de

manter a ordem pública e proporcionar segurança, servindo ao regime político e

evitando levantes públicos. Com efeito, a origem das polícias modernas está na gênese

do advento do Estado-Nação, pós-revoluções Americana (1776), Francesa (1789) e

ajusta-se com a consolidação ideológica vinculada à proteção dos direitos

fundamentais no Estado contemporâneo. Todavia, apesar de importante função na

modernidade a polícia é excluída das histórias políticas ou de estudos de administração

estadual. Neste sentido, é que os organismos policiais só passam a ser objeto de

estudos das ciências humanas, a partir da década de 1970 (Bretas, 1997a, 1997b).

As polícias militares estão sob parcial controle do Exército. Isto

ocorre em razões de algumas preocupações das próprias Forças Armadas. Conforme

Zaverucha (2001), a quantidade do efetivo das polícias militares no Brasil é o dobro do

efetivo das tropas do Exército. Deste modo, é por demais estratégico que o Exército

mantenha ideologicamente o controle tanto do material bélico como exijam que as

PMs estejam sob o crivo de seus ordenamentos jurídicos, códigos e regulamentos. Um

dos dilemas visíveis das polícias militares reside no fato de ter como missão

proporcionar um serviço público de caráter civil, a segurança, porém ter de subordinar-

153

se parcialmente aos critérios administrativos e jurídicos das Forças Armadas. Um

exemplo disso são os Códigos Penal e de Processo Penal Militares que foram criados

com base no Decreto-Lei Nº 1.001, de 21 de outubro de 1969, pelos Ministros da

Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, com base no artigo 3º do AI

Nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º, do AI Nº 5, de 13

de dezembro de 1968. Até aos dias de hoje esses Códigos são utilizados para apurar

delitos de policiais militares, através de Inquérito Policiais Militar – IPM. O IPM é o

instrumento investigativo utilizado de possíveis crimes cometidos por policiais

militares no âmbito militar e que deve ser julgado pela justiça militar estadual.

Com efeito, apesar das polícias militares servirem aos governos civis

de seus respectivos Estados, elas não têm normas, códigos e regulamentos próprios,

mas estão sob os auspícios normativos do Exército. Em outras palavras, as PMs

pertencem, simultaneamente, aos civis, isto é aos governantes das unidades federadas e

ao Ministério do Exército. Isto, inclusive, pode significar um grave risco

constitucional. Isto é claramente percebido nas jornadas de trabalho que ultrapassam a

carga horária estabelecida na CF (Cruz e Barbosa, 2002).

Essas questões explicam o paradoxo da própria formação dos agentes

de segurança pública das polícias militares. Com efeito, esses agentes de segurança

pública pertencente às polícias militares têm em seu período de formação ensinamento

restrito das Forças Armadas. Todavia, sabe-se que a missão das Forças Armadas é de

preparar o militar para a guerra e deixá-lo apto para a eliminação do inimigo. Com

relação à função dos policiais militares, o objetivo nem é a guerra e nem tampouco a

eliminação do próximo, mas a defesa e proteção das pessoas, conservando-lhes suas

154

vidas. Deste modo, as polícias militares se tornam uma anamolia diante da

Constituição e do Estado Democrático de Direito.

Exageros a parte, pode-se constatar que as Polícias Militares foram devolvidas, apenas nos últimos dezoito anos, à sua condição efetiva de uma agência policial ostensiva que ainda encontra-se estruturada em moldes militares, mas que presta essencialmente serviços civis à população. Vê-se que, como organizações de emprego militar, a tradição das PMs é bicentenária. Mas, em contrapartida, a sua história como Polícia é extremamente jovem. Em verdade, a identidade policial das PMs está por se institucionalizar. Sobretudo, se consideramos que foi somente após a promulgação da constituição democrática de 1988, que as questões de segurança pública e, por sua vez, os assuntos policiais, passaram a receber um tratamento próprio, dissociado das questões mais amplas da segurança nacional É evidente que as transformações ocorridas no mundo das leis não se traduziram automaticamente em mudanças nas realidades do mundo policial. As polícias militares, afastadas por mais de um século das suas atribuições policiais, têm procurado aprender de novo a “fazer polícia”. Elas têm tentado "voltar a ser polícia de verdade" com todas dificuldades que resultam de uma frágil tradição em questões propriamente policiais. De fato, este tem sido um dever de casa difícil, tardio, porém, indispensável. A retomada de sua identidade policial, isto é, a reconstrução do seu lugar e de sua forma de estar no mundo tem se dado dentro de um processo inevitável de revisão de seus valores institucionais, dos seus fantasmas, enfim, de seu passado paradoxal (MUNIZ, 1999, p. 184).

Outro paradoxo visível no seio das PMs é o fato de seus integrantes

pertencerem às camadas sociais mais baixas e terem que isolá-las ou afastarem-se

delas pós-ingresso nas fileiras dessas corporações, por exigência da própria formação e

de seus Códigos, normas e regulamentos. Neste sentido, o Código Disciplinar da

PMCE e CBMC (Lei Nº 13.407, de 21.11.03), classifica como transgressão

média“freqüentar lugares incompatíveis com o decoro social ou militar”, (ART. 13 §

2º, letra L).

A formação e inclusão de policiais militares têm em sua historicidade

a imposição de variadas normas de comportamento cujo paradigma de polícia moderna

é a inglesa que adotava disciplina militar rígida, a fim de condicionar os integrantes

das forças policiais como trabalhador padrão, exemplar.

155

Todo esforço era feito para isolar o policial de seus pares trabalhadores, controlando seus locais de moradia, investigando as candidatas a esposa dos policiais, proibindo a freqüência a bares e a contração de dívidas. Ainda assim, a queda do número de demissões que se percebe no último quarto do século indica ao mesmo tempo um a conformação à norma e o desenvolvimento de formas de contorna-las que tiveram de ser toleradas... A relação entre os policiais e os trabalhadores, que se revelou explosiva e marcada por dificuldades na fase de implantação das forças...foi pouco a pouco se estabilizando, na medida em que as próprias direções policiais foram percebendo determinados limites de ação, reduzindo a ingerência policial sobre os ‘maus hábitos’ da população trabalhadora e estabelecendo normas de convivência com o jogo e a prostituição que evitavam o confronto permanente...(BRETAS, 1998, p. 04).

As PMs brasileiras são de características completamente militares.

Aos seus componentes são negados direitos civis, como liberdade de expressão e

direitos políticos (Arts. 14, §8º; 42, §1º, combinado com art. 142, §3º, incisos IV e V

da CF). Com efeito, aos policiais militares resta-lhes uma cidadania de segunda ou

terceira categorias, em razão da negação de direitos civis e políticos, mesmo no atual

Estado Democrático de Direito. Nos países de tradição democrática como os europeus

e EUA, as organizações policiais são de cunho paramilitar, o que as tornam mais

flexíveis e mais próximas da sociedade civil, bem como uma organização mais

integrada.

Há hoje no Brasil, um consenso quanto à necessidade de se promover mudanças substantivas no nosso atual sistema de segurança pública. Os políticos, independente de suas orientações político-partidárias, assim como os segmentos civis organizados, os formadores de opinião, os cidadãos comuns e os próprios profissionais de polícia, são unânimes em reconhecer a imperiosa necessidade de se buscar adequar o sistema policial brasileiro às exigências do estado democrático de direito. Afinal, o divórcio estabelecido entre a consolidação da nossa jovem democracia e os assuntos relativos à segurança pública tem custado muito caro a todos nós. O histórico desinteresse, intencional ou não, da classe política e das nossas elites quanto à importância estratégica das organizações policiais na sustentação das garantias individuais e coletivas, há muito já não tem sido uma postura defensável na arena pública. Ele sucumbiu forçosamente às pressões da sociedade brasileira por uma prestação de serviços de segurança pública capaz de acompanhar os imperativos de uma cidadania estendida a todos os brasileiros. Contudo, esse desinteresse não deixou de contribuir para a cristalização de uma crise institucional sem precedentes. E isto, de tal maneira, que pode-se afirmar, sem correr o risco das falsas generalizações, que atualmente temos tudo por fazer neste campo (MUNIZ, 1999, p. 177).

156

Os policiais militares são os únicos funcionários estaduais que podem

ser presos sem ordem judicial e sem estarem em estado de flagrante delito, conforme

art. 5º, inciso LXI da CF e sem direitos a habeas corpus (art. 42, §1º, combinado com

artigo 142, §2º, da CF). Além disso, como observou Julita Lemgruber (2003), há um

distanciamento excludente e discriminador muito profundo entre as praças (de Soldado

a Subtenente) e os oficiais (de Tenente a Coronel). Além do desnível salarial, as

atividades criam um aparthaid enorme entre as duas categorias. Aos oficiais cabem o

gerenciamento e a administração com base nos preceitos dos Códigos e Regulamentos,

aos praças, cabe a execução das ordens emanadas pelos oficiais sem questionamento

algum, sob pena de punição disciplinar. Aos praças, a ascensão hierárquica é

demorada e depende vagas, aos oficiais, além dos prazos previstos nos Regulamentos

serem cumpridos, pode ascender hierarquicamente, dependendo de merecimento

apontado por seu superior hierárquico ou por um político. “Muitos soldados têm

formação superior, no entanto, não existe nenhuma perspectiva de crescer na

instituição; entram soldados e morrem soldados, e apesar de haver oportunidade, é

extremamente difícil alcançá-la” (OLIVEIRA, 2002, p. 88).

Este desprezo na carreira policial militar das praças tem

proporcionado uma anomia profunda no seio da tropa, o que respinga num serviço

despersonalizado e desqualificado. Sem falar que no caso das polícias militares, não

existe planos de cargos e carreira para ascensão funcional ou salarial.

Indubitavelmente, as estruturas das polícias militares mantidas até

hoje no Brasil e no Ceará necessitam de mudanças significativas. Bayley (2001)

157

aponta que a tendência para o futuro das polícias é: 1) diversificação do formato

institucional das corporações, com crescimento de polícias privadas e agentes de

segurança, além daquela subordinada ao Estado; 2) aumento do policiamento devido

ao crescimento demográfico; 3) manutenção da estrutura dos sistemas de polícia, pela

resistência da tradição burocrática, com uma pequena tendência da centralização entre

as forças policiais em alguns países; 4) maior publicização das ações policiais e

responsabilização da polícia, com maior supervisão externa; 5) aumento do papel

político das forças policiais; 6) extensão do trabalho policial – aplicação da lei,

investigação criminal, prestação de serviços – permanecerá tão variada quanto o é na

maioria dos países atualmente, mantendo a tensão entre a aplicação da lei e a prestação

de serviços; 7) aumento dos requisitos profissionais e mudanças na administração para

efetividade das polícias; e, 8) as estratégias de policiamento no controle da

criminalidade vão variar de acordo com a incidência de violência coletiva,

preocupação da população com os crimes comuns e a visão do indivíduo dentro da

comunidade.

É evidente que as transformações ocorridas no mundo das leis não se traduziram automaticamente em mudanças nas realidades do mundo policial. As polícias militares, afastadas por mais de um século das suas atribuições policiais, têm procurado aprender de novo a “fazer polícia”. Elas têm tentado "voltar a ser polícia de verdade" com todas as dificuldades que resultam de uma frágil tradição em questões propriamente policiais. De fato, este tem sido um dever de casa difícil, tardio, porém, indispensável. A retomada de sua identidade policial, isto é, a reconstrução do seu lugar e de sua forma de estar no mundo tem se dado dentro de um processo inevitável de revisão de seus valores institucionais, dos seus fantasmas, enfim, de seu passado paradoxal. É claro que não poderia ser diferente: as PMs ultrapassaram recentemente os muros seguros de seus quartéis e encontraram uma realidade urbana, social e política radicalmente distinta e muito mais complexa do que aquela que talvez tenha ficado romantizada em suas antigas memórias institucionais. Por outro lado, nos últimos trinta anos, o Ocidente assistiu a uma verdadeira revolução em termos de conhecimentos, práticas e tecnologias de polícia: de um lado, foi consolidado um volumoso acervo científico sobre as questões relacionadas às organizações policiais contemporâneas; de outro, alteraram-se as filosofias, o ensino e a instrução, os meios de comunicação adotados, os tipos de veículos, os armamentos, as estruturas organizacionais, as técnicas de emprego de força, os expedientes estratégicos e táticos, etc. No nosso caso, toda esta modernidade dos assuntos de polícia não foi imediatamente transposta para a

158

realidade das PMs. A transição para a consolidação da vida democrática também se faz sentir, de forma aguda, nas PMs que, até os dias de hoje, estão tentando superar o descompasso entre as missões contemporâneas a ela atribuídas e a sua capacidade de poder respondê-las de forma efetiva nas ruas de nossas cidades (MUNIZ, 1999, p. 185).

Bayley (op. cit.), conclui com uma discussão central de como é

possível o uso dos organismos policiais no controle e combate à criminalidade sem

criar um Estado autoritário e respeitando os direitos de liberdade humana num Estado

de relações desiguais entre seus habitantes e de caráter patrimonialista que privilegia

uma classe elitista em detrimento da grande massa do povo. Neste sentido, como

aponta Bretas (1997a, 1997b), as polícias no Brasil foram criadas para controlar os

movimentos ou levante da grande massa pobre e garantir a ordem pública e proteger as

classes elitistas, sobretudo a partir do Império. Todavia, para se adequar às mudanças e

transformações da sociedade atual, as polícias militares necessitam de profundas

reformas.

159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a abertura política iniciada a partir de 1985, o País experimenta

a chamada Nova República ou Redemocratização com a perspectiva de consolidar o

Estado Democrático de Direito. Após a Constituição Federal de 1988, também

chamada de Constituição cidadã, a tentativa de efetivação dos direitos civis individuais

e coletivos, dos direitos políticos e dos direitos sociais vêm sendo uma peleja

constante. Essas garantias constitucionais somadas ao direito à vida, à liberdade, à

propriedade, à paz social, enfim, ao respeito aos direitos humanos somente são

possíveis se houver a garantia da segurança pública nos mais diversos espaços sociais.

A falta de reformas significativas no âmbito dos organismos

responsáveis diretamente pela promoção da segurança pública parece ter sido o

“calcanhar de Aquiles” dos governos pós-ditadura militar tanto no âmbito federal

como estadual. A herança da Doutrina de Segurança Nacional autoritária de práticas

ilegais, truculenta e voltada para relações de mando e de desmando no seio social

resiste ao tempo. Esse passado que nem passado pode ser considerado ainda tem

comprometido o desempenho dos governantes ante os órgãos de promoção da

segurança pública. Este comprometimento tem ressoado de forma negativa tanto no

aumento da violência criminal convencional como na persistência de práticas

delituosas institucionalizadas. Isto emperra ou atrofia as reais funções das instituições

e dificulta a consolidação do Estado Democrático de Direito. O peso das heranças

deixadas pelos regimes autoritários nos órgãos responsáveis pelo controle repressivo

não pode ser menosprezado.

160

No caso específico do Ceará, mesmo com a promessa dos “Governos

das Mudanças” de modernizar, moralizar e permitir a participação da sociedade civil

no planejamento e execução na política de segurança, isso somente ocorreu na retórica

política. Os dilemas relacionados à área da segurança pública ou na falta dela,

sobretudo no que concerne à moralização e à participação da sociedade civil no

tocante à segurança pública continuaram e continuam a desafiar o governo estadual.

Com efeito, os “Governos das Mudanças” de Tasso Jereissati (1987-1990); Ciro

Gomes (1991-1994); Tasso (1995-2002); e, Lúcio Alcântara (2003-2006), não

apresentaram uniformidade nas políticas de segurança pública, apesar das inúmeras

alterações nas estruturas administrativas com a importação de Comandantes (no caso

dos generais) e Chefes (no caso de delegados da polícia federal) na tentativa de

unificação no comando da segurança pública no Ceará.

No tocante à modernização dos aparelhos da segurança pública houve

alguns avanços significativos com aquiescência de equipamentos de última geração

(no caso do CIOPS e o CIOPAER). Demonstrando descontinuidade na política de

segurança pública, o governo cearense (2003-2006) não investiu na infra-estrutura

iniciada por seu antecessor de modo a deixar, inclusive, o projeto piloto dos Distritos-

Modelos ir ao sucateamento. No plano humano, de investimento de pessoal e de

políticas de valorização, formação e capacitação do profissional de segurança pública

quase nada foi efetivado. No âmbito da moralização as corporações policiais

continuam com suas crises institucionais. A falta de lisura e de transparência

161

permanecem como desafios ou crises internas para outros governantes. Várias foram

as crises internas no último governo cearense (2003-2006).

Quanto à participação da sociedade civil visando melhor planejar,

desenvolver estratégias e executar, também não se obteve êxito. Nem sequer os

Conselhos de Segurança desempenharam seu papel. No caso da criação dos CCDS,

esses funcionaram sempre como forma de enredo ou com suas participações ou vistas

por baixos ou tolhidas pelos Comandantes ou Chefes intermediários para não se

“queimar” diante de seus gestores maiores. Participam apenas como reclamantes e

denunciantes da situação de segurança pública de certo bairro, localidade ou

município. São vetadas ao CCDS as proposituras de anseios populares para aplicação

de políticas públicas de segurança que atendam de forma eficaz.

Além disso, no espaço-temporal analisado algumas questões de

caráter externo foram detectados como fomentadores de obstáculos às políticas

públicas em segurança, tais como: a entrada e o crescimento das drogas; a

disponibilidade das armas de fogo; o efeito interativo entre esses dois mecanismos;

divisões competitivas internas dos órgãos de segurança pública; a implementação de

políticas tradicionais de segurança; a desorganização e a falta de planejamento efetivo

para uma competente política de segurança pública por parte do governo estadual, etc.

Esse fatores/causas têm sido dilaceradores da paz e da tranqüilidade pública, sobretudo

nos grandes centros urbanos de todo País.

162

As políticas públicas de segurança devem prescindir objetivamente a

identificação das causas e conseqüências do aumento da violência e da criminalidade.

Desta forma, é possível se avaliar a gravidade do problema que reivindica traçar

estratégias e ações concretas visando alcançar o combate e o controle da violência

criminal. Neste sentido, as políticas públicas de segurança necessitam basear-se por

objetivos e metas claras e definidas com medidas de ações estratégicas e avaliações

periódicas confiáveis. Um dos primeiros passos são as políticas sociais de inclusão dos

jovens no mercado de trabalho, educação de qualidade, esporte cultura e lazer. Outras

objetivas podem estar na inclusão de uma política educacional voltada para uma

cultura de paz e cidadania que deve está prevista nos currículos escolares desde a

educação infantil. Essas ações proporcionam perspectivas e estímulos a desenvolver

papéis de segurança e tranqüilidades públicas.

A segurança pública no Brasil melhorará na medida em que haja mais

esforços e trabalho conjunto dos governos federal, estadual e municipal, sobretudo o

municipal que tem acesso mais direto aos problemas sociais comunitários. Para isso é

preciso que os governos e sociedade trabalhem uma urbanização integrada, cuidando

não somente da infra-estrutura, mas também de programas de geração de renda,

treinamento profissionalizante nas várias áreas do esporte e cultura e, sobretudo com

investimento maciço na educação. Referindo-se às crianças de favelas que convivem

desde cedo com a violência e a criminalidade e que ficam expostas ao recrutamento

por parte de bandidos experientes, diz ser preciso possibilitar outras oportunidades e

outros modelos de adultos bem sucedidos no esporte, na cultura, no mercado de

trabalho. O bandido não pode ser o único exemplo de herói para esses jovens. É

163

preciso haver investimento não somente para o jovem adolescente, mas esses

programas devem ser iniciados desde a tenra idade, já no ensino infantil. É preciso

priorizar definitivamente o trabalho preventivo com políticas públicas de inclusão

social. Para isso, o poder público tem de ir até essas pessoas e não fasta-las sempre. A

falta da presença do Estado junto às massas têm contribuído, sobremaneira para a

insegurança pública.

Um exemplo de políticas públicas em segurança a ser seguido é o

trabalho dos governos municipais de Diadema em São Paulo, de Nova York, nos EUA

e de Bogotá, na Colômbia, salvaguardando as devidas diferenças. Em Diadema, a

diferença na área da segurança pública com a redução dos homicídios deveu-se à

suspensão da venda de bebidas alcoólicas depois das 23 horas. Em Nova York, além

das forças policiais serem municipais, o sistema de informação e captação de imagens

através de câmeras é sofisticado a ponto de mostrar, em tempo real, a parte da cidade

afetada, quem é vítima e agressor. Isso facilita a utilização e aplicação dos recursos, da

ação policial, de políticas sociais. Neste caso, é possível direcionar políticas de

segurança pública com as devidas especificidades de cada bairro. Em Bogotá, a polícia

foi melhor remunerada, modernizada, passando do modelo tradicional-reativo para um

modelo preventivo-científico. Além disso, houve muitos investimentos nos espaços

públicos, na melhoria do transporte público entre os bairros periféricos da cidade e

muito trabalho de prevenção social, no sentido de fomentar uma cultura de paz. Foi

política governamental de consenso, responsável e contando com a integração de

policiais, investigadores da procuradoria-geral, departamento de segurança nacional,

comitês de direitos humanos, gente ligada à saúde, à educação, o Exército e os

164

Conselhos de Segurança que proporcionaram as cidades de Bogotá e Medellín reduzir

drasticamente os índices de homicídios de 80 para 16 – por cada 100 mil habitantes24.

A redução da violência criminal nas duas principais cidades

colombianas se deu a partir da ocupação pelo poder público dos espaços urbanos

abandonados. As favelas e guetos de antes foram transformados em espaços culturais

com bibliotecas, brinquedotecas, ginásios poliesportivo e bancos para microcréditos

para atendimento local. Ao invés da isolação, o Estado aproximou-se desses locais

efetuando políticas públicas de inclusão para jovens e adultos numa ação conjunta nas

esferas governamentais da União, Estado e Município sem ideologia partidária para o

combate à violência e à criminalidade.

Para melhoria das políticas públicas para o combate e controle da

violência criminal no Brasil e no Ceará, algumas medidas emergenciais podem ser

viáveis, como: 1) o funcionamento dos Conselhos de Segurança Pública locais; 2) um

Conselho Superior dos Meios Audiovisuais; 2) a reabilitação do Estado com

estatísticas e melhores informações criminais, mais equipamentos e investimentos para

polícia, justiça e sistema prisional visando a repressão do crime e mais investimentos

na educação, saúde, empregos e profissionalização visando a prevenção da violência

criminal; 3) política criminal com cooperação internacional, revolução na informação,

controle das rotas da droga, luta contra o Crime Organizado, regulamentação das

armas de fogo; 4) mudança cultural por meio de integração social e a promoção da

igualdade dos cidadãos; 5) descentralização e o controle dos orçamentos públicos; e,

24 Época, nº. 457, 19/2/2007

165

6) responsabilização das associações locais e das elites intelectuais(CHESNAIS,

1999).

Os planejadores de políticas públicas governadores, prefeitos,

empresários, líderes comunitários, ONGs, universidades etc., todos precisam se juntar

se quiserem ter algum êxito contra o aumento da violência e da criminalidade no País.

Medidas em curto prazo podem ser efetivadas, tais como: a) identificação e ações

concretas nas áreas geográficas sensíveis e de riscos; b) iluminação pública de melhor

qualidade; c) urbanização de áreas abandonadas; d) construção de áreas esportivas; e)

resolução dos conflitos fundiários; f) atribuição de poderes às mulheres e aos líderes

comunitários; g) criação de organismos locais dedicados exclusivamente à prevenção

do crime; e, h) o engajamento de todas as pessoas que tenham conhecimento, aptidão e

prática na área da segurança pública como famílias, religiosos, policiais, médicos,

funcionários, líderes juvenis masculinos e femininos, acadêmicos, pesquisadores, etc.

(idem).

É inegável que no Brasil a partir do último governo de FHC, com a

criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP (1998) e do Plano

Nacional de Segurança Pública – PNSP (2000), a União passou a dispensar maior

atenção para área da segurança pública começando pelo aprimoramento na aplicação

dos Direitos Humanos por parte das autoridades policiais. No plano operacional

técnico e logístico, os Estados passaram a receber verbas da União para aplicação na

área da segurança pública. Instituído em 2001, o Fundo Nacional de Segurança Pública

– FNSP tem auxiliado os Estados em programas destinados à redução da violência e da

166

criminalidade. Com a criação do Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, em

2003, no governo Lula, os repasses do FNSP passaram a obedecer normas e critérios

que valorizam ações como a reestruturação das polícias; da perícia criminal; e,

valorização e padronização de equipamentos e meios operacionais. De 2003 a 2005

foram contemplados 418 projetos, equivalente a um investimento de mais de R$ 800

milhões. No ano de 2006, o FNSP disponibilizou mais 302 milhões para contemplar os

diversos governos estaduais25.

Nesse mesmo período, o Estado do Ceará foi contemplado através do

MJ, com mais de R$ 31 milhões em investimentos para a segurança pública, entre

verbas do Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN e do Fundo Nacional de

Segurança Pública – FNSP. Do FNSP foram repassados por meio de convênios ao

Estado do Ceará R$ 19 milhões, utilizados para a compra de 123 viaturas, 865

armamentos não-letais, 1063 armamentos letais (revólveres, pistolas, carabinas e

espingardas) e 1081 equipamentos de proteção (coletes, algemas, etc.), além de

investimentos diretos (equipamentos doados pela União sem ônus ao Estado). Esses

recursos possibilitaram, inclusive, a aquisição de 935 equipamentos de informática,

143 equipamentos eletrônicos e 782 equipamentos de comunicação. Nos investimentos

diretos foram 62 viaturas policiais, duas viaturas para as Delegacias Especializadas de

Atendimento à Mulher (uma para Fortaleza e outra para o Crato), 02 caminhões para o

CBM, além de equipamentos de mergulho, proteção respiratória, individual e de

produtos perigosos, e instrumentos úteis no resgate de vítimas de acidentes. Em 2005 o

Ceará recebeu da SENASP o software de registro de informações estatísticas para as

25 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Relatório de Atividades 2003/2004/2005

167

Polícias Civil e Militar, o que exigiu a capacitação de agentes para a produção de

estatísticas, até então defasadas. Com esse novo instrumento é possível a

sistematização dos dados relativos aos pontos de maior necessidade de presença e

investigação policial. Deste modo, os gestores de políticas de segurança pública têm

melhores condições para planejamento e execuções de suas ações, incluindo, análises

comparativas de desempenho dos índices da violência criminal26.

No âmbito de investimento em pessoal de formação e valorização

profissional foi disponibilizado recursos financeiros para a realização de dois projetos

de pesquisa vencedores, inclusive, vencedores do Concurso Nacional de Pesquisas

Aplicadas em Segurança Pública e Justiça Criminal; Implantação de dois tele-centros

para a integração na Rede nacional de Ensino a Distância. Cada centro possui: 15

computadores, impressoras, mobiliário para o ensino, televisão e equipamentos

eletrônicos para a recepção e transmissão do sinal; Capacitação de 60 profissionais de

segurança pública em Direitos Humanos em parceria com a Cruz vermelha; Doação de

cinco kits com 160 livros para as instituições de ensino policial; Capacitação de 1.397

profissionais de segurança pública por meio da execução de convênio com a SENASP;

Implantação da Matriz Curricular Nacional para o Ensino Policial – distribuição da

matriz e capacitação dos profissionais de segurança pública para sua efetivação;

Capacitação de sete representantes de todas as organizações de segurança pública do

Estado sobre prevenção, investigação e desarticulação de organizações criminosas

relacionadas ao tráfico de seres humanos; Capacitação de policias civis e militares em

segurança de dignitários; Capacitação de três representantes de todas as organizações

de segurança pública do estado em Gestão em Segurança Pública; Capacitação de 189

26 Idem

168

profissionais na Força Nacional de Segurança Pública; e, capacitação de 6 supervisores

de segurança portuária27.

Outras providências como a criação e aprovação de algumas Leis

visando combater e controlar a violência criminal são de suma importância no âmbito

das políticas públicas. É o caso, por exemplo, da Lei Maria da Penha28. Esta Lei é

considerada um marco histórico no combate a violência criminal contra mulheres.

Após muitos anos de luta, finalmente, o Estado brasileiro cria um dispositivo legal

para enxergar a violência doméstica e familiar. São várias mudanças que essa Lei

estabelece, tanto na tipificação criminal de violências contra mulheres, quanto nos

procedimentos policiais e judiciais. Pela Lei Maria da Penha ocorrem, pelo menos, 22

inovações. Dentre essas inovações: Estabelece as formas da violência doméstica contra

a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral; Determina que a

mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz; ficam proibidas as penas

pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas); Retira dos juizados especiais

criminais (lei 9.099/95) a competência para julgar os crimes de violência doméstica

contra a mulher; Altera o código de processo penal para possibilitar ao juiz a

decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou

psicológica da mulher; Prevê um capítulo específico (o capítulo III) para o

atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a

mulher; Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que

27 Idem, ibidem28 Maria da Penha foi vítima como exemplo mais claro de violência doméstica e familiar contra mulher. No ano de 1983, por duas vezes, seu marido tentou lhe assassinar. Na primeira tentativa ele usou uma arma de fogo e na segunda vez por eletrocussão e afogamento. As duas tentativas de homicídio resultaram em lesões e seqüelas irreversíveis à sua saúde, como paraplegia e outras. Maria da Penha transformou dor em luta, tragédia em solidariedade. É graças à sua luta e de tantas outras mulheres que culminou com a criação e aprovação da Lei que leva seu nome (Lei Nº. 11.340, de 1/8/2006)

169

houver qualquer das formas de violência doméstica contra mulher; O juiz poderá

conceder, no prazo de 48 horas, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de

arma do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre

outras, dependendo da situação; O MP apresentará denúncia ao juiz e poderá propor

penas de 3 meses a 3 anos de detenção, cabendo ao juiz a decisão e a sentença final

etc.

Outra medida significativa foi a criação e aprovação da Lei Nº.

11.343, de 23 de Agosto de 2006. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas

Públicas sobre Drogas – SISNAD; prescreve medidas para prevenção do uso indevido,

atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas

para repressão a produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e

dá outras providências. As novidades dessa nova Lei contra as Drogas é que o

dependente ou viciado dentro das regulamentações não deve ser preso, mas,

dependendo do caso, o juiz pode determinar ao poder público providências no sentido

de seu internamento. Em razão do pouco tempo em vigor esses dois dispositivos

legais, ainda, estão em caráter experimental quanto aos seus efeitos e conseqüências.

Entretanto, apesar desses investimentos e avanços significarem um

marco nas políticas públicas de segurança, a violência e a criminalidade não pararam

de ser praticadas. Esses avanços são alguns dos prismas pelos quais se pode pensar e

repensar a segurança pública dentro de um redimensionamento pluralista de idéias e

discussões. A questão da segurança pública não pode ser mecanizada e tomada apenas

como algo positivista onde se traça um planejamento unilateral de cima para baixo e se

170

aplica a fórmula mágica para se resolver o problema. É preciso haver articulação dos

governantes em todas as esferas e a participação efetiva da sociedade para um

consenso geral de tomadas de decisões.

Qualquer programa, planejamento ou plano de governo que vise o

desenvolvimento para resolução de problema ou desequilíbrio social necessita pautar-

se em pelo menos quatro qualidades políticas indispensáveis: representatividade;

legitimidade; participação da base; e planejamento participativo auto-sustentado. A

representatividade deve ser entendida como defensora das reivindicações e demandas

sociais do povo que elegeu seu representante. A legitimidade deve ser compreendida

como processo participativo fundado no Estado de Direito, de forma democrática e

comunitária respeitando as regras do jogo em comum. A participação de base é a

medula do processo, porque se caracteriza como a vontade da maioria, de baixo para

cima, do local para o regional, do regional para o nacional e não o inverso, como é

historicamente praticado no Brasil. Não havendo essa participação não há

consolidação democrática. O povo não pode servir apenas como massa de manobra,

matéria de exploração ou exército de reserva sem participação nas decisões políticas

governamentais. Por último, o planejamento participativo auto-sustentado composto

por três componentes básicos: capacidade de realizar o autodiagnóstico, ou seja,

entender com consciência crítica e autocrítica os problemas a partir da participação

comunitária; formulação de estratégias de enfrentamento dos problemas detectados, no

sentido de unir teoria à prática: saber para resolver e organização necessária (Demo,

1994).

171

Nessa linha de raciocínio, acredita-se que enquanto os organismos

responsáveis pela promoção da ordem e da segurança pública não forem coordenados

e fiscalizados em consenso com a sociedade civil e não mantiverem um elo de

integração permanente com os Conselhos Comunitários locais não se terá êxito no

controle da violência e da criminalidade. Para esse fim é necessário que o policiamento

comunitário, participativo signifique uma meta ideológica a ser alcançada por todos os

envolvidos. Este funciona como uma filosofia e uma estratégia organizacional de

parceria entre polícia e comunidade na prevenção da delinqüência com extrema

fidelidade nas ações entre ambos. (Trojanowicz e Bucqueroux, 1994).

Não resta dúvida de que a política pública de segurança no Brasil e no

Ceará tem demonstrado que é ineficiente. Basta se analisar os altos índices de

criminalidade e de violência nas mais variadas modalidades. A necessidade de mais

reformas nessa área e concomitantemente em outras de garantias sociais que estão

vinculadas direta ou indiretamente à segurança pública, como educação, emprego,

saúde, etc., devem ser prioridades. Entretanto, não se coaduna com a política em

segurança pública repressiva de combate a todo custo que muitas vezes é aplicada por

ocasião de ocorrência do aumento da violência e da criminalidade que abalam a

estrutura das elites brasileiras. É preciso reforma não só nos organismos policiais, mas

no judiciário e, urgentemente, no sistema penitenciário brasileiro.

Existem duas vias de políticas criminais para o combate e controle da

violência: a via repressiva (post factum), quando o crime já está instalado e precisa ser

combatido e a via preventiva (ante factum), antes que o crime ocorra. No Brasil é

172

consenso geral que a via repressiva já demonstrou ser ineficiente haja vista que a

criminalidade comum e organizada têm estado sempre numa escalada crescente,

sobretudo nos grandes centros urbanos (Gomes e Cervini, 1997).

Criou-se no Brasil uma forte demanda por políticas criminais duras

que exigem do poder do Estado respostas cada vez mais repressivas, criminalizadoras

e penalizadoras. A partir, sobretudo da década de 1990, essas políticas criminais duras

passaram a ser efetivadas com mais intensidade. Primeiro foi com a tentativa de

combater os crimes hediondos com a Lei Nº. 8.072/90 e em seguida com a Lei de

Combate ao Crime Organizado – LCCO (9.034/95). Esse modelo tradicional repressor

já demonstrou que não funciona e tem, ilusoriamente, transmitido a idéia de que o

Estado com políticas criminais repressivas pode erradicar do seio da sociedade toda

espécie de delitos penais por meio do combate (Gomes e Cervini, 1997; Gomes, Prado

e Douglas, 2000).

A ciência da criminologia atual aponta três modelos de políticas

criminais de prevenção à violência comum e ao Crime Organizado: a primária, a

secundária e a terciária. A primária tem por objetivo atacar as causas iniciais da

delinqüência, ou seja, procura ir às raízes do conflito criminal. É política social de

médio e longo prazo e exige melhoramentos profundos em serviços sociais como

educação, moradia, emprego, bem-estar, saúde, qualidade de vida, planejamento

familiar etc.; é a forma de prevenção mais demorada, porém, é a mais apropriada

política de prevenção à violência e à criminalidade (idem).

173

A segunda política de prevenção criminal é a do tipo de política

obstaculizadora ao criminoso, isto é, consiste em aplicar mais recursos humanos,

técnicos e logísticos na área de segurança. Isto significa aumentar o efetivo policial,

mais armamentos e equipamentos, mais viaturas e motocicletas; mais prisões etc. Esse

tipo de modelo político-criminal não objetiva detectar as causas ou raízes da

delinqüência, mas procura dificultar a execução do crime. Isoladamente, essa política

criminal não é ideal para combater a violência e a criminalidade, pois, seu resultado

será sempre o deslocamento do crime, ou seja, a mudança de lugar. Isto já ficou

evidente por ocasião das diversas operações militares, sobretudo no Estado do Rio de

Janeiro. As experiências dessas operações militares têm como efeito deslocar o crime

que sai do morro e desce para o asfalto, sai de um Estado e passa para outro, sai da

capital e vai para o interior etc. Essa é o tipo de política criminal simbólica que confia

na lei abstratamente severa. O problema é que, cientificamente, como demonstra a

criminologia atual, quase nada dessa política criminal ‘simbólica’ serve para atenuar o

gravíssimo problema da violência e da criminalidade (ibidem).

O terceiro tipo de política criminal visa evitar a reincidência do

criminoso. Este tipo de política também não se preocupa com as causas da

delinqüência e tem por objetivo evitar a não reiteração delitiva. Essa política criminal

não deve ser a primeira interessante para a sociedade, pois, ela é de caráter tardio e

somente atua após o crime ter acontecido. É apenas de caráter repressivo.

Dos três tipos de modelos político-criminais o mais apropriado,

induvidosamente, é o primeiro, ou seja, a prevenção primária. Entretanto, esse tipo de

174

política criminal não é preferível para os governantes por dois motivos principais: o

primeiro é porque esse modelo exige, num primeiro plano, uma política econômica

menos injusta, ou seja, faz-se necessário uma melhor redistribuição de renda e exige

maior vontade política para sua efetivação. O segundo motivo é porque essa política

criminal é de médio e longo prazos, contrário aos anseios de todos que sempre primam

por soluções imediatas. Todavia, não se pode esquecer que em virtude de se primar por

demandas de soluções imediatas ou emergenciais (que não são adequadas), a violência

e a criminalidade no Brasil vêm numa escalada ascendente e preocupante (ibidem).

A história aponta que na década de 1960, o aumento da criminalidade

nos centros urbanos se deu por conta do enorme êxodo rural. Na década de 1970-80,

em conseqüência desse êxodo rural sem planejamento, o aumento da criminalidade no

Brasil, em função do inchaço demográfico nos grandes centros urbanos, despontou

como uma problemática muita séria. Nessa década, inclusive, se formaram as

primeiras organizações criminosas consideradas clássicas que comandariam dentro e

fora dos presídios, ações criminosas organizadas, como foi o caso do Comando

Vermelho, no Rio de Janeiro. Foi também nessa década que o País enfrentou uma

enorme e abominável violência institucionalizada provocada pelo Regime Militar. Em

seguida, na década de 1990, com a inserção definitiva do País na globalização e na

política mercadológica sem fronteira, o neoliberalismo, além do aumento da

criminalidade convencional ou comum, o Brasil entrou na era do Crime Organizado,

tecnológico de caráter transnacional, que se expande vorazmente e continua sendo um

enigma diante das leis penais brasileiras. A proposta é que as ações objetivas de

175

contenção da violência criminal comum e organizada estejam articuladas com as ações

subjetivas entre a sociedade política e sociedade civil.

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II – Legislação/Doutrina

BRASIL. Decreto Imperial Nº. 3.598/1866 (Termo Civil)

BRASIL. Decreto-Lei Nº. 667/69 (Vinculação das Polícias Militares ao Ministério do

Exército).

__. Decreto-Lei Nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar)

__.1.002, de 21 de outubro de 1969 (Código de Processo Penal Militar)

__. Lei Nº. 6.620/78 (Lei de Segurança Nacional)

__. Lei Nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)

__. Lei Nº. 8.072, de julho de 1990. Dispõe sobre os Crimes Hediondos nos termos do

Art. 5º, inciso XLIII, da constituição Federal, e determina outras providências. In:

Brasil. Código Penal: Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940, atualizado e

acompanhado de Legislação Complementar... 37. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.488-

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__. Lei Nº. 8.429/92 (Improbidade Administrativa)

__. Lei Nº. 9.034/95 (Lei de Combate ao Crime Organizado – LCCO)

__. Lei Nº. 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o Inciso XII, parte final, do

Art. 5º da Constituição Federal. In: Brasil. Código Penal. Disposto nesta Lei aplica-se

à Interceptação de Comunicações Telefônicas, de qualquer natureza, para provar em

investigação criminal e instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e

185

dependerá de ordem do Juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. São

Paulo: Rideel, 2000, p.397

III – Leis, Decretos e Resoluções Estaduais

Resolução Provincial Nº. 13, de 24 de maio de 1835 (Criação da Força Policial, atual

PMCE)

Lei Estadual N º 2.253/25 (Criação de Pelotão BM)

Decreto Nº. 075/35 (Criação do Corpo de Bombeiros Militar)

Lei Estadual Nº. 10.145/77 (Assessorias do Comando Geral da PMCE).

__. 10.273/79 (Promoção de oficiais)

Decreto Nº. 14.947/81(FESPOM)

__. 17.229/85 (Quadro de Organização da PMCE)

Lei Estadual Nº. 11.035/85 (Quadro de Organização da PMCE)

__. 11.673/90 (Desvinculação do CBMC da PMCE)

Decreto Nº. 24.934/98 (Criação da Diretoria da Cidadania)

__. 25.389/99 (Gerenciamento de Crises)

Lei Nº. 13.035/00 (Lei de Promoção da PMCE)

__. 13.034/00 (Estrutura Organizacional da PC)

Decreto Estadual Nº. 16.044/00 (Colégio Militar da PMCE)

Lei Estadual Nº. 12.199/00 (Criação do Colégio Militar da PMCE)

__. 26.555-A/001 (Criação do CIOPAER)

__. 13.297/03 (Criação da SSPDS)

__. 13.407/03 (Código Disciplinar PM/BM)

__. 13.438/04 (Estrutura Organizacional do CBMC)

186

__. 13.768/06 (Estatuto da PMCE)

__. 13.737/06 (Estatuto da PMCE)

IV – Documentos de Governo

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM DE 1948

REPÚBLICA FDERATIVA DO BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado.

1988

CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DE 1989

GOVERNO FEDERAL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Segurança

Pública/2000

__. Sistema Único de Segurança Pública/2003

__. Plano Nacional de segurança Pública / 2003

SENASP. Síntese do Relatório de Atividades/2003, 2004 e 2005

__. Departamento de Polícia Federal. Relatório de Operações da PF/ 2005-2006.

GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ. Secretaria da Segurança Pública e Defesa

Social – SSPDS. Relatório de Operações Policiais /2005/2006

V – Jornais e Revistas

Jornal DIÁRIO DO NORDESTE

__. 01/02/03, - Polícia

__. 10/07/03, - Polícia

__. 19/09/03, - Polícia

__. 08/07/04, - Polícia

187

__. 27/07/04, - Polícia

__. 16/10/04, - Polícia

__. 19/03/05, - Polícia

__. 13/04/05, - Polícia

__. 28/06/05, - Polícia

__. 29/05/06, - Polícia

__. 10/09/06, - Polícia

__. 21/10/06, - Polícia

__. 23/03/07, - Polícia

__.26/03/07, - Polícia

Jornal O ESTADO de 19/05/04, - Polícia

Jornal O POVO de 25/11/02, - Polícia

__. 31/01/04, - Opinião

__. 08/05/04, - Polícia

__. 16/03/05, - Polícia

__. 11/04/05, - Polícia

__. 17/06/05, - Cotidiano

__. 06/09/05, - Cidade

__.04/09/06, - Cotidiano

__. 30/08/06, - Polícia

__. 06/06/07. – Polícia no Interior

REVISTA. Documento Verdade, nº. 04, Rio de Janeiro, 1994

__. Visão Jurídica nº. 09, Fevereiro de 2007.

188

APÊNDICE I

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO SOCIAIS APLICADOS – CESA

CURSO DE MESTRADO ACADEMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E

SOCIEDADE – MAPPS

ROTEIRO DE ENTREVISTA

189

ENTREVISTA EM ____/____/______

Nome: (opcional) _____________________________________________________

Sexo: masculino ( ) feminino ( )

Profissão: __________________________________________________________

Idade: ______________________________________________________________

Endereço: __________________________________________________________

1) Na sua opinião, qual (ais) a (s) função (ões) dos direitos humanos?

2) O que mais compromete a segurança pública no Estado do Ceará (fator/causa)?

3) E quais seriam as estratégias/soluções?

190

APÊNDICE II

191

ANEXO I

Índice de eventos históricos relacionados às Polícias Militares

Ano Constituições e Decretos Eventos

1808

♦ Criação da Intendência Geral da Polícia da Corte

e do Estado do Brasil, no Rio de Janeiro, que deu

origem às atuais Polícias Civis Estaduais.

♦ A Intendência de Polícia nasceu com atribuições

judiciais (estabelecer punições aos infratores e

supervisionar o cumprimento das sentenças).

Além das atividades de polícia secreta,

investigação de crimes e captura de criminosos, a

Intendência era também responsável pela

administração da iluminação e obras públicas,

pelo abastecimento de água da cidade e outros

serviços urbanos.

♦ Transferência da

Família Real

Portuguesa para o

Brasil.

♦ O Brasil é elevado à

condição de Reino

Unido.

1809

♦ A Guarda Real era uma força de tempo integral,

organizada em moldes militares, e subordinava-se

inicialmente ao Ministério da Guerra e à

Intendência de Polícia que pagava seus uniformes

e salários. Ela nasceu sem função investigativa e

com atribuições de patrulha para reprimir o

contrabando, manter a ordem, capturar e prender

escravos, desordeiros, criminosos, etc.

1822

♦ 1º Império

♦ Independência do

Brasil1824 ♦ Promulgação da Constituição Imperial

1827

♦ Aprovação da lei que instituía a figura do Juiz de

Paz, um juiz leigo, eleito localmente que possuía

atribuições policiais e judiciárias, podendo

inclusive nomear "inspetores de quarteirão"

(voluntários civis não-remunerados), mas que não

detinha o controle das forças policiais.

♦ Criação das

Faculdades de Direito

de São Paulo e

Recife.

192

1830♦ Aprovação pelo Parlamento do Código Criminal

do Império

1831

♦ Dissolução da Guarda Real de Polícia pelo

Ministro da Justiça, em razão de um grave motim

no qual também participou o 26º Batalhão de

Infantaria do Exército regular.

♦ Decreto de Criação do Corpo de Guardas

Municipais Permanentes, para exercer as funções

da extinta Guarda Real, bem com as tarefas de

fiscalização da coleta de impostos.

♦ Criação da Guarda Nacional, uma organização

nacional, paramilitar, não-remunerada e

independente do Exército Regular. A Guarda

Nacional nasceu com múltiplas atribuições: Como

força nacional deveria defender a constituição e a

independência da nação, bem como ajudar o

exército na defesa das fronteiras. Como força

policial deveria contribuir para a manutenção da

ordem interna.

♦ Com a abdicação de

Pedro I é estabelecido

o período das

Regências.

1832

♦ Aprovação pelo parlamento do Código de

Processo Penal do Império

♦ Duque de Caxias é

chamado a estruturar

o Corpo de

Permanentes,

permanecendo como

seu comandante até

1839.

1866 ♦ Criação no Rio de Janeiro da Guarda Urbana,

uma força civil uniformizada e não-militarizada,

voltada paras as atividades de ronda.

♦ Parte do efetivo da

Polícia Militar do Rio

passou a servir como

unidade de infantaria

na Guerra do

Paraguai. Desde

193

estaépocaapolíciamilit

ar esta época, a

polícia militar começa

a tornar-se

gradativamente uma

força aquartelada.

Suas atividades de

patrulha urbana

passaram a ser mais

esporádicas, sendo

seus recursos

destinados para os

casos de emergência

pública, missões

extras e operações de

grande porte.

1871

♦ Realização da Reforma judicial que ampliou o

sistema judiciário, reduzindo as funções

judiciárias das polícias civis. 1885 ♦ Dissolução da Guarda Urbana

1889

♦ Todos os integrantes das organizações policiais

existentes tornam-se profissionais assalariados

com jornada de trabalho integral.

♦ Um golpe militar

extingue a monarquia

e instaura o Governo

provisório

republicano.

1890

♦ Publicação da Constituição Provisória da

República

♦ Código Penal da República

♦ Governo provisório

1891

♦ Promulgação da primeira Constituição da

República

♦ Marechal Deodoro

da Fonseca é eleito

presidente da

república pela

Assembléia

194

Constituinte.

1894

♦ Prudente de Moraes

é eleito o primeiro

presidente da

república, pelo voto

direto

1907

♦ O Governo do

Estado de São Paulo

contrata a "Missão

Militar Francesa" para

construir as bases do

ensino e instrução da

Força Pública do

Estado (atual Polícia

Militar)

1919

♦ O Ministro da

Guerra contrata a

"Missão Militar

Francesa" para

"modernizar" o

Exército Brasileiro,

sobretudo na área de

educação.

1930

♦ Getúlio Vargas

torna-se o chefe do

Governo Provisório

♦ O presidente

Washington Luís,

eleito pelo voto direto

em 1926, é deposto

pela Revolução de 30.

195

1934

♦ Promulgada a constituição da Segunda

República.

♦ Nesta carta é definida a competência da união

para legislar sobre a organização, efetivos,

instrução, justiça e garantias das polícias militares,

incluindo sua convocação e mobilização.

♦ Na parte que trata da "Segurança Nacional", as

Polícias Militares são definidas como forças

"reservas do exército" voltadas para a "Segurança

interna e manutenção da ordem".

♦ Getúlio Vargas é

eleito presidente da

república pela

Assembléia

Constituinte

1936

♦ Decreto-lei n.º 192 de 17/01/1936 determina que

as Polícias Militares devem ser estruturadas

segundo as unidades de infantaria e cavalaria do

exército regular.

1937

♦ Outorgada a carta constitucional que estrutura o

Estado Novo.

♦ Novo golpe de

estado e Getúlio

Vargas torna-se o

chefe do Estado

Novo.

1940 ♦ Publicação do atual Código Penal

1941♦ Publicação no diário oficial do atual Código de

Processo Penal 1946 ♦ Promulgada a nova constituição.

♦ Na parte que trata das "Forças Armadas", as

Polícias Militares são definidas como "forças

auxiliares e reservas do Exército", voltadas para a

"segurança interna e a manutenção da ordem".

♦ É mantida a competência da união para legislar

sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e

garantias das polícias militares, incluindo sua

convocação e mobilização.

♦ Getúlio Vargas é

deposto pelas Forças

Armadas em 1945, e

o governo é entregue

ao presidente do

Supremo Tribunal

Federal.

♦ É convocada a 4ª

Assembléia

constituinte.

♦ O Gal. Eurico

196

Gaspar Dutra é eleito

presidente da

república pelo voto

direto.

1951

♦ Getúlio Vargas é

eleito presidente da

república pelo voto

direto.

1964

♦ O Mal. Castelo

Branco é eleito

presidente da

república pelo

Congresso Nacional.

♦ Golpe e instauração

do governo militar e

suspensão do estado

de direito. 1967 ♦ Outorgada a nova carta constitucional através do

Congresso Nacional .

♦ Nesta carta mantém-se o papel das Polícias

Militares definido nas cartas anteriores como

"forças auxiliares e reservas" do exército,

invertendo apenas a prioridade de suas atribuições.

As Polícias Militares devem "manter a ordem e a

segurança interna".

♦ É mantida a competência da união para legislar

sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e

garantias das polícias militares, incluindo sua

convocação e mobilização.

♦ O decreto-lei n.º 31'7 de 13/03/1967 1) cria a

Inspetoria Geral das Polícias Militares - IGPM,

um novo órgão fiscalizador do Exército; 2) atribui

♦ O Mal. Costa e

Silva é eleito

indiretamente

presidente da

república.

197

às Polícias Militares o policiamento ostensivo

fardado; e 3) não determina a adoção dos modelos

de infantaria e cavalaria.

1968

♦ O Ato complementar n.º 40 de 30/12/1968

determina que os integrantes das Polícias Militares

não podem receber vencimentos superiores aos

dos militares regulares.

1969

♦ Outorgada a Constituição da República

Federativa do Brasil pelos ministros militares.

♦ Nesta carta suprime-se do texto a missão das

Polícias Militares de sustentação da segurança

interna, permanecendo a expressão "manutenção

da ordem pública" e a sua definição como "forças

auxiliares e reservas do exército".

♦ É mantida a competência da união para legislar

sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e

garantias das polícias militares, incluindo sua

convocação e mobilização.

♦ É mantida a proibição aos policiais militares de

receberem vencimentos superiores aos dos

militares regulares.

♦ Os Decretos n.º 667 e 1.072 atribuem a

exclusividade do policiamento ostensivo fardado

às Polícias Militares, bem como proíbem que os

estados de criarem outra organização policial

uniformizada.

♦ O Gal. Emílio

Garrastazu Médici é

eleito indiretamente

presidente da

república.

1970 ♦ O Decreto-lei n.º 66.862 de 8/07/1970 determina

que as Polícias Militares deverão integrar o

serviço de informações e contra-informações do

198

Exército.

1982

♦ Retorno às eleições

diretas para

Governador de

estado.

♦ O Gal. João

Baptista Figueiredo é

eleito em 1979, por

via indireta, e inicia o

processo de abertura

política.

1985

♦ O Vice-presidente

José Sarney toma

posse como

presidente da

república após a

morte de Tancredo

Neves.

♦ Fim da ditadura

militar com a eleição

indireta de Tancredo

Neves para a

presidência da

república.

199

1988

♦ Esta carta autoriza os municípios a criarem

guardas municipais destinadas à proteção de seus

bens, serviços e instalações.

♦ É mantida a definição das Polícias Militares

como "forças auxiliares e reservas" do Exército.

♦ É mantida a IGPM.

♦ É mantida a competência da união para legislar

sobre a organização, efetivos, instrução, justiça e

garantias das polícias militares, incluindo sua

convocação e mobilização.

♦ Promulgada a constituição democrática.

♦ Esta carta apresenta um capítulo próprio para a

segurança pública definida como "dever do

Estado, direito e responsabilidade de todos".

♦ O artigo 144 que trata das missões das polícias

brasileiras, determina que compete às polícias

militares "o policiamento ostensivo fardado e a

preservação da ordem pública". E às Polícias Civis

são atribuídas as funções de polícia judiciária e a

apuração das infrações penais.

1990

♦ Fernando Collor de

Mello é eleito

presidente da

república pelo voto

direto.

1992

♦ O Vice-presidente

Itamar Franco assume

a presidência da

república após o

impeachment de

Fernando Collor. 1995 ♦ Criação da Secretaria Nacional de Direitos

Humanos, dentro da estrutura do Ministério da

♦ Fernando Henrique

Cardoso é eleito

200

Justiça presidente da

república pelo voto

direto.

1997

♦ Criação da Secretaria Nacional de Segurança

Pública, dentro da estrutura do Ministério da

Justiça.

♦ As praças da Polícia

Militar de Minas

Gerais iniciam uma

greve que se propaga

por outros estados

brasileiros.

1999

♦ O Decreto de 01/06/1999 cria o Fórum Nacional

dos Ouvidores de Polícia.

♦ Fernando Henrique

é reeleito presidente

da república pelo voto

direto.

2001♦ O Governo Federal cria o Plano Nacional de

Segurança Pública29.

29 http://www.ndu.edu/chds/journal/PDF/Muniz-final.pdf, visitado em 29/12/2007