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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓ-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA
CLERIJANE NASCIMENTO TORRES
POR UMA CRÍTICA DA (IN)SUSTENTABILIDADE CAPITALISTA: O
CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL PARA RESÍDUOS SÓLIDOS DA
MICRORREGIÃO DE CASCAVEL - CEARÁ - BRASIL.
FORTALEZA - CEARÁ
2016
1
CLERIJANE NASCIMENTO TORRES
POR UMA CRÍTICA DA (IN)SUSTENTABILIDADE CAPITALISTA: O CONSÓRCIO
INTERMUNICIPAL PARA RESÍDUOS SÓLIDOS DA MICRORREGIÃO DE
CASCAVEL - CEARÁ - BRASIL.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico em Geografia do Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em Geografia.
Área de Concentração: Análise Geoambiental e
Ordenação no Território nas Regiões
Semiáridas e Litorâneas.
Orientador: Prof. Dr. José Meneleu Neto
FORTALEZA - CEARÁ
2016
2
4
À Profa. Dra. Cláudia Maria Magalhães
Grangeiro (in memoriam) que iniciou comigo
esse trabalho e que sempre foi mais que uma
professora cumprindo uma tarefa de orientar
um trabalho acadêmico, mas que me ensinou
que a minha ciência deve estar comprometida
com a transformação social.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela capacidade física e intelectual de transitar pelos domínios das ideias. Por todo o
aprendizado intelectual, ainda que sobre uma fração mínima daquilo que me propus a pesquisar
nesse trabalho. Agradeço sobretudo por conservar em mim a sensibilidade, a coragem e a
esperança; pela graça de humanizar esse conhecimento e porque não dizer pela capacidade de
sentir e sofrer as angústias que o aprendizado intelectual é capaz de provocar na nossa
consciência social para o aperfeiçoamento da nossa condição humana.
À minha família pela composição da minha formação pessoal da qual resulta a minha inclinação
e realização profissional. Apesar da aparente autonomia profissional, certamente, nem o
processo nem o resultado seria o mesmo sem o incentivo e a credibilidade de cada um,
especialmente, sem o apoio da minha mãe Francisca Maria, que do seu jeito simples sempre me
apoiou nessa decisão.
Ao meu marido Wescley Silva pelo apoio na minha decisão de trilhar esse caminho acadêmico
e principalmente pela compreensão em todas as ocasiões em que as ocupações da pesquisa me
furtaram do convívio em família e de nossa vida pessoal.
Ao amigo Clodoaldo Uchoa por sua ajuda e disposição tão fundamentais na obtenção de
informações nos trabalhos de campo.
À Banca Examinadora pela atenção que me foi dispensada e pelo enriquecimento que
proporcionaram à minha orientação com a discussão e avaliação na fase da qualificação, com
suas sugestões e todas as contribuições prestadas a este trabalho com a finalidade de aperfeiçoá-
lo.
À Profa. Cláudia Grangeiro (in memoriam) por compartilhar comigo os seus conhecimentos e
acima de tudo me instigar a construir e humanizar os meus. Agradeço pelo aprendizado durante
a graduação quando eu pude aprender com seus ensinamentos, com seu vasto e humanizado
conhecimento, especialmente durante a orientação do TCC. Agradeço por enxergar em mim
potencial e me encorajar a trilhar os caminhos acadêmicos que me trouxeram até aqui e por
abraçar comigo o projeto do mestrado com especial empenho e amizade. Agradeço por ter
iniciado comigo esse trabalho que é nosso, pelas orientações, correções e provocações que
ajudaram a moldá-lo tal como ele se apresenta agora. Agradeço por todas as palavras de
incentivo, pela atenção a mim dedicada e pela oportunidade de conviver e aprender com a sua
humildade e simplicidade.
Ao Prof. Meneleu Neto por assumir a orientação do meu trabalho e pelo esforço em acompanhar
e contribuir da melhor forma possível com a minha pesquisa.
À minha turma de mestrado, ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – ProPGeo e aos
demais professores que contribuíram com a minha formação acadêmica e construção de
conhecimento durante o mestrado.
À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a concessão da bolsa de estudos.
6
“Não há exclusão social. O que há são formas
de inclusão perversa, de modo que nenhum
sujeito está socialmente excluído.”
(Cláudia Grangeiro)
7
RESUMO
A sustentabilidade pode ser tratada como discurso, mas o conceito hegemônico é aquele
estabelecido pela ONU (1987) na forma do desenvolvimento sustentável, que surge em um
contexto de crise do capitalismo como projeto de desenvolvimento capitalista global executado
a partir de um projeto de cooperação internacional para o meio ambiente. No Brasil, políticas
ambientais como a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (2010) estão impregnadas
pelo conceito de desenvolvimento sustentável e a gestão de resíduos sólidos é crítica, com
lixões na maioria dos municípios. No Estado do Ceará a situação é semelhante e nem a política
federal nem a política estadual, que criou consórcios intermunicipais para a gestão associada,
foram capazes de solucionar o problema. Assim, a hipótese é de que a política federal não é
eficiente, porque foi uma resposta a tendências internacionais. O objetivo central é compreender
a dimensão política dos consórcios intermunicipais para implementação de aterros sanitários no
Estado do Ceará como componente da política ambiental internacional e os seus
desdobramentos socioespaciais locais observados a partir do consórcio formado pelos
municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama. Pesquisas bibliográficas, documentais e de
campo criaram o panorama da situação atual do consórcio. E o surgimento de uma perspectiva
de atuação consorciada, considerada mais exequível, atesta o fracasso daquela inicialmente
proposta pelas políticas federal e estadual. Em todo caso, é ainda uma experiência em
andamento e não apresenta resultados efetivos. É também parte de uma conjuntura específica e
não representa uma política de Estado eficaz e abrangente capaz de responder às demandas de
todos os municípios cearenses. Apesar do fracasso da PNRS (2010), da política estadual de
regionalização e dos consórcios constituídos, esse descompasso não deve ser confundido com
o abandono do projeto hegemônico capitalista, mas sim como um indicativo da sua acomodação
aos interesses internos.
Palavras-chave: Resíduos Sólidos. Aterro Sanitário. Consórcio Público. Desenvolvimento
Sustentável.
8
ABSTRACT
Sustainability may be treated as speech, but the hegemonic concept is that established by the
UN (1987) as sustainable development, emerging in a context of crisis of capitalism as a global
capitalist development project carried out from an international cooperation project for the
environment. In Brazil, environmental policies such as the Solid Waste National Policy – PNRS
(2010) are ingrained by the concept of sustainable development whereas solid waste
management is critical, with landfills in most cities. In the state of Ceará, the situation is similar
and neither the National nor the State policies that set up inter-municipal consortiums for
associated management were able to solve the problem. Thus, the hypothesis is the National
policy is not effective because it was a response to international trends. The central goal is to
understand the political dimension of inter-municipal consortiums for the implementation of
landfills in the state of Ceará as part of the international environmental policy and its social-
spatial implications, observed from the consortium composed by the cities of Cascavel,
Beberibe and Pindoretama. Bibliographic, documental and field researches created the
overview of the consortium’s current situation and the emerging of a more achievable
consortium attitude attests the failure of the initially proposed National and State policies. In
any case, it is still an ongoing experiment presenting no effective outcome. It is also part of a
specific conjecture and does not represent an effective and comprehensive State policy able to
supply the demands of all cities in Ceará. Despite the failure of PNRS (2010), of the state policy
regionalization and the established consortiums, this setback should not be taken as the neglect
of a hegemonic capitalist project, but as an evidence of its conformation to internal interests.
Keywords: Solid Waste. Landfills. Public Consortium. Sustainable Development.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Emissões mundiais de Gases do Efeito Estufa (GEE) por setor em 2004 ....... 81
Figura 2 - Municípios brasileiros com todos os serviços de saneamento básico sobre a
concentração populacional, 2008 ...................................................................... 162
Figura 3 - Os tipos possíveis para Consórcio Público segundo o tipo de direito ........... 193
Figura 4 - Regionalização para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos ......................... 210
Figura 5 - Gestão de RS e risco ambiental nos municípios cearenses ............................. 216
Figura 6 - Composição dos RSU no Ceará ........................................................................ 220
Figura 7 - Municípios do Ceará por faixa de população, 2010........................................ 226
Figura 8 - Situação dos consórcios para aterro sanitário por município, 2012 ............. 234
Figura 9 - Macro e microrregiões geográficas do Ceará, com destaque para a
Microrregião de Cascavel-CE, 2016 ................................................................ 242
Figura 10 - Principais depósitos geológicos da Microrregião de Cascavel-CE ............... 245
Figura 11 - Domínios Naturais da Microrregião de Cascavel-CE ................................... 245
Figura 12 - Tipos climáticos da Microrregião de Cascavel-CE ....................................... 246
Figura 13 - Unidades fitoecológicas da Microrregião de Cascavel-CE ........................... 246
Figura 14 - Municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama com destaque para núcleos
urbanos e sedes de distritos ............................................................................... 252
Figura 15 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 253
Figura 16 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 254
Figura 17 - Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em ................ 254
Quadro 1 - Alterações na organização do SISNAMA de 1981 a 2016 ............................. 123
Quadro 2 - Comparação entre as quatro edições da CNMA de 2003 a 2013 .................. 153
Quadro 3 - Os 200 municípios mais populosos do Brasil divididos por região e estados
............................................................................................................................. 167
Quadro 4 - Organização das pessoas jurídicas .................................................................. 189
Quadro 5 - Órgãos que compõem a Administração Pública ............................................ 191
Quadro 6 - Comparação entre as competências do CONPAM e da SEMA ................... 206
Quadro 7 - Órgãos que compõem o histórico da política ambiental no estado do Ceará
............................................................................................................................. 208
Quadro 8 - Histórico das ações sobre RS implementadas no Ceará ................................ 223
10
Quadro 9 - Situação dos consórcios intermunicipais para disposição final de RS no
Ceará ................................................................................................................... 240
Quadro 10-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Cascavel-CE, 2013 ............................................................................................. 247
Quadro 11-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Beberibe-CE, 2013 ............................................................................................. 249
Quadro 12-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Pindoretama-CE, 2013 ...................................................................................... 250
Quadro 13-Metas pactuadas entre os municípios do COMARES-UCV, SEMA,
SCIDADES e IDECI para 2016 ........................................................................ 261
Tabela 1 - Características do principal local utilizado para disposição de resíduos
sólidos por número de municípios no Brasil e no Ceará ................................ 217
Tabela 2 - Destinação dos RS especiais por número de municípios no Brasil e no Ceará
............................................................................................................................. 219
11
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BIRD Banco Mundial
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CERs Certified Emission Reductions
(Certificações de Emissões Reduzidas)
CNMA Conferência Nacional de Meio Ambiente
CODESSUL Consórcio de Desenvolvimento do Sertão Central Sul
COGERH Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
COMARES Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos
COMARES-
UCV
Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos-Unidade
Cascavel
CONPAM Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente
COP Conferência das Partes
CQNUMC Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
ECO-92 Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
– 1992
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GEEs Gases de Efeito Estufa
GWP Global Warming Potencial
(Potencial de Aquecimento Global)
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDC Instituto para Desenvolvimento de Consórcio
IDECI Instituto de Desenvolvimento Institucional das Cidades do Ceará
IFM Instituições de Financiamento Multilateral
IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change
(Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática)
IQM Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente
MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MMA Ministério do Meio Ambiente
MOP Reunião das Partes
12
ONU Organização das Nações Unidas
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PERS (2001) Política Estadual de Resíduos Sólidos
PERS (2016) Plano Estadual de Resíduos Sólidos
PGIRS Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
PIB Produto Interno Bruto
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
PNMC Política Nacional de Mudança do Clima
PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos
PNSB (2007) Política Nacional de Saneamento Básico
PNSB Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PSA Pagamento por Serviços Ambientais
RCEs Reduções Certificadas de Emissões
RMF Região Metropolitana de Fortaleza
RS Resíduos Sólidos
RSS Resíduos de Serviços de Saúde
RSU Resíduos Sólidos Urbanos
SCIDADES Secretaria das Cidades do Estado do Ceará
SEINFRA Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará
SEMA Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará
SEMACE Superintendência Estadual de Meio Ambiente
SESA Secretaria da Saúde do Estado do Ceará
SOMA Secretaria da Ouvidoria-Geral e do Meio Ambiente
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
XII
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 15
2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL EM PERSPECTIVA ..................................... 25
2.1 PRECEDENDO O OBJETO .......................................................................................... 25
2.2 O CENÁRIO DA CRISE AMBIENTAL ....................................................................... 39
2.2.1 O aquecimento global: meios, motivo e oportunidade .............................................. 44
2.3 A SUSTENTABILIDADE E O OLHAR EMPREENDEDOR SOBRE A CRISE
AMBIENTAL ................................................................................................................. 50
2.3.1 O mito do desenvolvimento sustentável ...................................................................... 59
2.4 A CONSTRUÇÃO DE UM FRÁGIL REFERENCIAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
......................................................................................................................................... 70
2.5 A ECONOMIA VERDE E AS NOVAS FORMAS DE RELAÇÃO DE PODER ........ 91
3 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA ........................................................... 104
3.1 UMA PROPOSTA DE PERIODIZAÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA
....................................................................................................................................... 105
3.1.1 Período Antecessor (1500-1929) ................................................................................ 107
3.1.2 Primeiro Período (1930-1971).................................................................................... 108
3.1.3 Segundo Período (1972-1987) .................................................................................... 113
3.1.4 Terceiro Período (1988-2004) .................................................................................... 125
3.1.5 Período de Internacionalização (a partir de 2005) .................................................. 140
4 PANORAMA DOS RESÌDUOS SÓLIDOS NO BRASIL ...................................... 159
4.1 A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL ............................................. 159
4.1.1 Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e resíduos sólidos ...................... 163
4.2 ASPECTOS RELEVANTES DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
....................................................................................................................................... 168
4.2.1 A Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos ................................................................ 169
4.2.2 O Consórcio Público ................................................................................................... 186
5 O CONSÓRCIO DA MICRORREGIÃO CASCAVEL-CE E OS DESAFIOS NA
EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS ............... 200
5.1 A POLÍTICA AMBIENTAL NO ESTADO DO CEARÁ ........................................... 200
5.1.1 A gestão dos resíduos sólidos no estado do Ceará ................................................... 216
14
5.2 OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NO ESTADO DO CEARÁ: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS .......................................................................................................... 229
5.3 O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DA MICRORREGIÃO DE CASCAVEL ..... 241
5.3.1 Os entes consorciados ................................................................................................. 243
5.3.2 O COMARES-UCV .................................................................................................... 255
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 266
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 270
APÊNDICES ............................................................................................................... 277
APÊNDICE A - Indicadores diversos dos municípios do COMARES-UCV .............. 278
APÊNDICE B – Resoluções CONAMA para resíduos sólidos (1986-2009) .............. 279
APÊNDICE C – Normas NBR para resíduos sólidos (1984-2008) ............................. 281
15
1 INTRODUÇÃO
O acesso aos serviços de saneamento básico é de extrema importância para a
melhoria da qualidade de vida1 de todos os seres humanos, uma vez que, responde às
necessidades essenciais ao seu bem-estar. Entretanto, enquanto a necessidade de acesso aos
serviços de saneamento é universal, as condições de acesso a eles são mediadas por relações
sociais: estão diretamente ligadas às condições de vida de determinada classe social, de modo
que, quanto mais limitadas forem as condições sociais e econômicas dos indivíduos, maiores
serão as dificuldades de acesso aos serviços de saneamento básico e pior tende a ser a qualidade
do serviço ofertado, o que reflete diretamente na saúde pública e na salubridade ambiental.
Assim, o Estado deve estabelecer metas e políticas públicas com a finalidade de implementar a
progressiva universalização da adequada oferta – acessada via pagamento2 - dos serviços de
saneamento básico, pois dela muito depende a garantia da saúde pública e a proteção do meio
ambiente.
De acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB (BRASIL,
2007a)3, no Brasil, o saneamento básico é composto por quatro serviços: abastecimento de água,
esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. Para
regulamentar especificamente o manejo dos resíduos sólidos, em 2010, foi sancionada a Lei
12.305/2010 que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, dispondo sobre os
princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento
de resíduos sólidos no Brasil. Na prática, o ponto alto dessa política é a imediata adequação
socioambiental da disposição final dos resíduos sólidos gerados em todo o país, que deverá ser
feita em aterros sanitários que disponham de uma infraestrutura mínima exigida, inclusive o
tratamento do biogás, acompanhada de mudanças sociais, ambientais e econômicas. O período
disposto para a adequação foi de quatro anos, mas, expirado o prazo em 2014, pouquíssimos
municípios conseguiram cumprir o dispositivo legal e os lixões continuam a compor a paisagem
brasileira.
1 Embora esteja comumente relacionado ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, a qualidade de vida não
deve ser usada como um equivalente para padrão de vida, pois enquanto este se volta a quantificar o acesso a
bens e serviços numa perspectiva econômica, entendemos que a qualidade de vida remete a um conjunto de
condições que contribuem para o bem-estar dos seres humanos de uma forma ampla (físico, mental, psicológico,
emocional, espiritual, social etc.), de modo a garantir a sua realização como ser humano em distintos campos da
vida pessoal e social, o que transcende os aspectos sociais de renda e por envolver aspectos subjetivos da pessoa
humana são difíceis de mensurar numericamente. 2 Devemos atentar que a palavra “oferta” assume caráter dúbio, pois é um serviço configurado ou constituído para
o acesso pago, ou seja, mesmo que haja a oferta, o acesso só se dará através do pagamento. 3 Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, também referida como Lei do Saneamento Básico.
16
O desafio lançado aos municípios brasileiros é imenso, porque para a maioria deles
o manejo dos resíduos sólidos se resume à coleta domiciliar, à limpeza e à coleta em vias e
logradouros públicos, sendo os resíduos sólidos coletados destinados de forma inadequada para
os lixões4. É importante ressaltar que a divisão territorial do Brasil é marcada por uma
expressiva concentração (89,8%) de municípios com até 50.000 habitantes (IBGE, 2010),
muitos deles pequenos, com frágil administração pública e sem condições técnicas e financeiras
para atenderem aos critérios da legislação no tempo previsto.
Frente a essa contradição, assim como já havia sido encorajado na PNSB (BRASIL,
2007a)5, a PNRS (BRASIL, 2010) adotou como um de seus instrumentos de implementação “o
incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação entre os entes federados,
com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à redução dos custos envolvidos”
(BRASIL, 2010, p.5) e determina, como clara medida de incentivo, que “os consórcios públicos
constituídos, nos termos da Lei nº 11.107, de 2005, com o objetivo de viabilizar a
descentralização e a prestação de serviços públicos que envolvam resíduos sólidos, têm
prioridade na obtenção dos incentivos instituídos pelo Governo Federal.” (BRASIL, 2010,
p.21).
Antes disso, em 2007, o Governo Federal, através do Ministério das Cidades (por
meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental - SNSA), em conjunto com o Ministério
do Meio Ambiente - MMA (no âmbito da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
- SRHU), com o apoio do Banco Mundial e recursos do Governo do Japão lança um projeto de
Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, que pretende realizar estudos de viabilidade
para o aproveitamento do biogás gerado nos aterros sanitários das maiores cidades brasileiras.
O MDL é uma das três ferramentas de flexibilização que permite aos países
desenvolvidos alcançarem suas metas de redução de Gases de Efeito Estufa – GEEs
estabelecidas pelo Protocolo de Quioto (1997) além de suas fronteiras nacionais, através de
projetos voluntários realizados em países subdesenvolvidos. A ferramenta MDL se insere no
4 O número de municípios que destinam seus resíduos aos lixões varia entre diversos autores, bem como a
caracterização de lixão. Mas, para fins de política pública, são adotados a definição e os números do IBGE,
posteriormente explorados. 5 É possível contemplar tal incentivo entre as diretrizes e objetivos da Lei nº 11.445/07 que institui a Política
Nacional de Saneamento Básico: “Art. 48. A União, no estabelecimento de sua política de saneamento básico,
observará as seguintes diretrizes: [...] XI - estímulo à implementação de infraestruturas e serviços comuns a
Municípios, mediante mecanismos de cooperação entre entes federados. [...] Art. 49. São objetivos da Política
Federal de Saneamento Básico: [...] VII - promover alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação [sic]
econômica e financeira dos serviços de saneamento básico, com ênfase na cooperação federativa; (BRASIL,
2007a, pp.13-14).”
17
contexto da política ambiental internacional - iniciada com a Conferência de Estocolmo em
1972 em um contexto de crise do capitalismo - como base para a continuidade do projeto
hegemônico de desenvolvimento econômico6.
Reproduzindo os valores da política ambiental internacional, um dos componentes
do projeto de MDL no Brasil é denominado Ação Governamental e prevê a “unificação da
agenda governamental para a implementação de políticas públicas voltadas para a gestão de
resíduos sólidos, com enfoque na redução de emissões e no aproveitamento energético do
biogás.” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7).
À mesma época desse projeto, já tramitava o Projeto de Lei da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PL 1991/2007), encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional e há
pouco havia sido sancionada a PNSB (2007), com a qual o projeto de MDL declara estar de
acordo. Em publicação oficial, que descreve o funcionamento e as exigências do projeto de
MDL – a série intitulada “Mecanismos de Desenvolvimento Limpo Aplicados a Resíduos
Sólidos” - é possível identificar que o projeto traça diretrizes e linhas de ação muitas vezes
idênticas àquelas da versão final da PNRS (2010), publicada após o lançamento do projeto de
MDL, quando o governo brasileiro já havia assumido compromisso, inclusive financeiro, com
o Banco Mundial e com o Governo do Japão.
Assim como o maior objetivo prático da PNRS (2010) é a implementação de aterros
sanitários e a erradicação dos lixões, o principal foco do projeto de MDL é assegurar o
tratamento do biogás proveniente dos resíduos sólidos de aterros sanitários e lixões encerrados
com vistas a reduzir a atual quantidade de emissões, para que, uma vez quantificadas, estas
possam ser cotadas em créditos de carbono, favorecendo o país investidor com a emissão de
mais “licenças para poluir” além da sua cota pré-estabelecida no Protocolo de Quioto7 ou
vendendo-as para outro país que necessite.
6 Neste momento, se firmava uma crítica da sociedade ao modelo de desenvolvimento quanto ao desgaste
ambiental e social a ele inerentes e uma preocupação dos capitalistas com as fontes de recursos naturais que
possibilitassem a continuidade do modelo vigente. Assim a sustentabilidade surge como discurso hegemônico e
o desenvolvimento sustentável como a nova estratégia de desenvolvimento dentro de um contexto de crise do
capitalismo e de consolidação de políticas neoliberais executadas na década de 1980, como parte do pacote de
estratégias para implementação da reestruturação produtiva (LIMA, 2003). 7 O Protocolo de Quioto é um tratado internacional que visa a redução da emissão dos gases que intensificam o
efeito estufa, agravantes do aquecimento global. O acordo é consequência de uma série de eventos iniciados com
a Conference on the Changing Atmosphere (Toronto, no Canadá, 1988); seguido as publicação do relatório First
Assessment Report do IPCC (Sundsvall, na Suécia, 1990); e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a
Mudança Climática – CQNUMC (ECO-92, Rio de Janeiro, Brasil, 1992). É ratificada por mais de 175 países.
Discutido e negociado em 1997, durante a III Conferência das Partes da UNFCCC (COP-3) em Quioto no Japão,
foi aberto para assinaturas em 1997 e ratificado em 1999. Entrou em vigor em 2005, após a ratificação de 55
países, que juntos, produziam 55% das emissões globais de CO2 em 1990 (mma.gov; mct.gov; ipam.org;
terra.com, 2015).
18
O fato é que, completados os quatro anos de prazo estipulados pela lei federal de
resíduos sólidos, muitos municípios não conseguiram cumpri-la. Os municípios em uníssono
argumentam que é impossível construir uma gestão integrada de resíduos sólidos com todas as
condições exigidas em tão pouco tempo. Este fato nos leva a suscitar um questionamento a
respeito desse dispositivo legal, não com relação aos seus objetivos, mas principalmente aos
seus instrumentos e a exigência de que, em quatro anos, o país resolva um problema estrutural
acumulado desde os seus primeiros contextos históricos.
Desse modo, formulamos a seguinte indagação: a determinação sobre a qual dispõe
a PNRS (BRASIL, 2010) foi pensada para atender as necessidades de saneamento básico em
manejo de resíduos sólidos dos municípios brasileiros, em sua maioria pequenos, ou ela é
possível apenas aos municípios mais populosos e já com melhores índices de saneamento,
coincidindo justamente com aqueles 200 municípios para os quais também é dedicado o projeto
de MDL concebido em 2007?
Embora a obrigatoriedade de aterros sanitários para pequenos municípios não tenha
a intenção de torná-los alvo para o projeto de MDL, certamente ela faz parte de um conjunto de
ações por este induzidas: apesar de se referir aos maiores municípios, muitos deles já com
aterros sanitários, o projeto enquanto instrumento da política ambiental internacional traz
instruções para serem aplicadas de forma ampla na área de resíduos sólidos, alcançando todos
os municípios brasileiros.
De qualquer forma, os municípios enfrentam muitos desafios na implementação da
PNRS (2010) até mesmo na corrida à formação e administração dos consórcios para a
construção dos aterros sanitários. Muitos municípios têm uma frágil administração pública
conjugada a uma organização institucional deficiente8, o que torna a própria formação do
consórcio um desafio.
No estado do Ceará, o Governo do Estado tomou a frente na formação dos
consórcios, formados sob consultoria do Instituto para Desenvolvimento de Consórcio - IDC e
com base em um estudo de viabilidade para tratamento e disposição de resíduos sólidos
elaborado em 2005/2006 pela empresa espanhola Prointec, fruto de uma parceria do Estado
com o Governo da Espanha (CEARÁ, 2016).
8 Por exemplo, a eleição dos gestores em muitos municípios ainda ocorre dentro de um jogo político-eleitoral
baseado em relações históricas, não levando em conta a preparação ou o compromisso político para o exercício
da função. Via de regra isso se generaliza na estrutura institucional através da distribuição de cargos, o que muitas
vezes reflete na incapacidade técnica, administrativa, política, jurídica e financeira da administração pública
desempenhar suas funções de maneira satisfatória.
19
O documento final do Prointec já propunha os consórcios intermunicipais como
melhor opção para os municípios cearenses realizarem a gestão adequada dos resíduos sólidos,
criando trinta aterros sanitários consorciados (criação de 27 e melhoria dos três existentes na
RMF) com estrutura adequada para o tratamento dos resíduos sólidos dos entes federados -
inclusive o tratamento de biogás - e erradicando os seus respectivos lixões. Assim como a PNRS
(2010) que seria lançada em 2010 e o projeto MDL de 2007, o estudo também contempla
objetivos básicos como a inclusão social de catadores9, a coleta seletiva, a reciclagem e o
fechamento dos lixões, todos na pauta da política ambiental internacional.
Inicialmente, foram formados oito consórcios entre 2007 e 2008 e até 2014 já
estavam formados os 26 (vinte e seis) consórcios criados até agora10. Entretanto, enquanto o
Governo do Estado – mais tarde amparado pela PNRS (2010)11 - estabeleceu que os projetos
executivos para todos os aterros devem contemplar um estudo de viabilidade para a venda de
créditos de carbono (SCIDADES, 2012, p.37), não há previsão para a construção do
equipamento em nenhum município cearense.
Aparentemente, a PNRS (2010) reforça a chamada aos municípios alvos do projeto
de MDL: aqueles que conseguem mobilizar recursos financeiros, técnicos, jurídicos,
organização institucional eficiente, administração entregue à terceirização etc. Por outro lado,
parece ignorar os municípios mais frágeis, pois tal empreendimento demanda recursos técnicos
e vultosos investimentos financeiros não acessíveis à maioria dos municípios brasileiros, em
sua maioria pouco populosos e com poucos recursos, e que embora organizados em consórcios
intermunicipais, em sua maioria não conseguiram atingir a determinação legal.
Completado o prazo limite para os municípios brasileiros adequarem a sua gestão
de resíduos sólidos e dar a destinação adequada a estes em aterros sanitários, o Governo do
Estado do Ceará apenas conseguiu formalizar os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos
e afirma que não há grandes perspectivas de participação financeira do Estado para a área,
exceto em alguns municípios incluídos em outros projetos financiados pelo Banco Mundial. Os
9 Inclusão social aqui se opõe à forma degradante de trabalho a qual estão submetidos os catadores e catadoras nos
lixões. Nessa proposta, a catação não poderia ser realizada nos lixões e sob as mesmas condições, tendo que ser
mais salubres e higiênicas. Entretanto, é importante esclarecer que o trabalho no lixão, mesmo que de maneira
perversa, já é uma forma de inclusão social, pois todos estão incluídos no processo, o que muda é a qualidade da
inclusão. 10 Desses, quatro foram iniciativa dos próprios municípios. 11 A PNRS (BRASIL, 2010, p.8) estabelece que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos a ser atualizado a cada 4
(quatro) anos deve conter obrigatoriamente “proposição de cenários, incluindo tendências internacionais e
macroeconômicas”. Também o Decreto 7.404/2010 que regulamenta a PNRS é claro ao discorrer sobre os
instrumentos econômicos e estabelece que entre as medidas indutoras está o “apoio à elaboração de projetos no
âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL ou quaisquer outros mecanismos decorrentes da
Convenção Quadro de Mudança do Clima das Nações Unidas (BRASIL. Decreto n° 7.404, 2010, art. 80).
20
demais permanecem em situação crítica, enquanto devem considerar a possibilidade de serem
contemplados com o projeto de MDL para ajudar a manter a viabilidade econômica dos
empreendimentos.
Nessas condições, é necessário atentar para as dificuldades que os municípios
cearenses, notadamente aqueles com menores condições técnico-financeiras, vêm enfrentando
para atender as determinações legais da PNRS (2010): se as vias encontradas para a solução
dessa questão estão em consonância com as demandas e necessidades desses municípios ou se
vêm se mostrando inviabilizadoras da efetivação de políticas municipais de saneamento
ambiental.
Identificamos um conflito entre a legítima necessidade socioambiental dos aterros
sanitários determinado pela PNRS (2010) e a possível apropriação capitalista dessa
necessidade, não apenas do empreendimento, por meio dos mecanismos estabelecidos pela
política ambiental internacional, que inclusive parece direcionar e condicionar a política
ambiental interna. Assim, nossa hipótese é de que o Brasil não tenha pensado a sua política
federal de resíduos sólidos com a devida autonomia, de forma a responder às necessidades reais
dos seus municípios, mas sim priorizando tendências internacionais, na busca de se integrar,
embora que de maneira subalterna, na mundialização da economia, notadamente pela via do
mercado verde, fruto do modelo de desenvolvimento sustentável vigente.
Desse modo, essa pesquisa se propõe a investigar a dimensão política dos
consórcios intermunicipais para implementação dos aterros sanitários no Estado do Ceará e os
seus desdobramentos socioespaciais locais, observados a partir do consórcio intermunicipal
sediado pelo município de Cascavel e suas dificuldades, dada sua semelhança com a quase
totalidade dos municípios cearenses que se encontram em situação de irregularidade por não
terem conseguido construir seus aterros sanitários no prazo previsto pela PNRS (2010).
Assim, elegemos o recorte espacial da Microrregião Geográfica de Cascavel que
corresponde ao Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos – Unidade
Cascavel - COMARES-UCV, formado pelos municípios de Cascavel (sede do consórcio e
provável sede do aterro sanitário), Beberibe e Pindoretama para ilustrar as dificuldades
enfrentadas pela quase totalidade dos municípios cearenses. Desse modo, pudemos acompanhar
os desdobramentos locais que a PNRS (2010) e as suas disposições, sobretudo a exigência de
implementação dos aterros sanitários, em conformidade com as exigências internacionais
geraram de fato para os municípios do recorte espacial.
21
O investimento previsto para cada um dos 27 aterros que se pretende construir no
Estado do Ceará é da ordem de milhões12 de reais que deverão vir da Caixa Econômica Federal,
Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, Ministério do Meio Ambiente
- MMA, Ministério das Cidades, recursos do Tesouro, do Estado e do Programa de Aceleração
do Crescimento - PAC I e II (SCIDADES, 2012). Portanto, é interesse de toda a sociedade a
forma como todo esse elevado valor será investido e se o investimento responde de fato ao
interesse público, tanto do ponto de vista ambiental como socioeconômico.
Em contrapartida, enquanto o projeto de MDL prevê que a receita a ser injetada
pelo investidor se refira apenas ao beneficiamento do biogás, pois “não incluem os custos de
construção do aterro sanitário, recuperação ambiental do lixão, coleta e tratamento de chorume,
e outros investimentos na infraestrutura do aterro sanitário propriamente dito.” (FELIPETTO,
2007, p.31); se indica que seja definido “um único operador do aterro, do sistema de gás e das
unidades de monitoramento” (Ibid., p.34) para evitar um possível conflito de interesses que
venha a prejudicar o empreendimento. Isso torna complexa a administração do aterro enquanto
serviço público associado a uma iniciativa internacional regulada por interesses externos.
Além do mais, para os aterros no Ceará há previsão de investimentos diretos do
Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e do Banco Mundial - BIRD, o que nos leva
ao questionamento sobre a forma de empreendimento pretendida e o que a obrigatoriedade dos
aterros no Brasil representa em termos financeiros na economia para serem encorajadas por tais
instituições financeiras globais.
Desse modo, o nosso objetivo central é compreender a dimensão política – com
suas respectivas implicações econômicas e ambientais - dos consórcios intermunicipais para
implementação dos aterros sanitários no Estado do Ceará como componente da política
ambiental internacional e os seus desdobramentos socioespaciais locais. Para tal, foi necessário
investigar como a política ambiental internacional e seus princípios norteadores exercem
considerável influência sobre o disposto na PNRS (2010); identificar os elementos que denotam
a vinculação dos aterros sanitários, enquanto política pública, com a lógica da política ambiental
internacional pautada na economia verde através de projetos de Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo - MDL; e analisar os desafios na implementação da PNRS (2010) –
12 “[...] a estimativa é de que cada aterro [Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte] signifique um investimento de
aproximadamente R$ 15 milhões” (SCIDADES, 2012, p.38). Entretanto, o valor é relativo se comparado aos
gastos de infraestrutura com megaeventos, por exemplo: o novo estádio Castelão construído para a Copa 2014
custou cerca de 500 milhões, fora o alto custo de manutenção que o aparelho demanda.
22
notadamente os aterros sanitários - para os municípios cearenses, materializado nesta pesquisa
pelo Consórcio composto pelos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama.
A gestão inadequada dos resíduos sólidos e as suas consequências socioambientais
como parte da problemática ambiental têm sua realização nas relações sociais e na produção do
espaço. Entendemos que a escala da problemática ambiental é global e que ela é uma resposta
às sobreposições históricas da produção material, especialmente intensificada no modo de
produção capitalista, de modo que temos no materialismo histórico, a possibilidade de rastrear
estas relações dialéticas e contraditórias estabelecidas em torno da problemática ambiental.
Os procedimentos metodológicos foram divididos em três etapas complementares.
A primeira foi o levantamento bibliográfico relacionado à questão ambiental, procurando
desenvolver uma leitura crítica do desenvolvimento sustentável e da forma como as políticas
públicas intercedem em favor destes mecanismos priorizando aspectos econômicos. Pela
pesquisa bibliográfica também foram selecionadas as fontes literárias sobre as quais se
constituem as bases teórico-metodológicas da pesquisa.
A segunda etapa foi a pesquisa documental que se debruçou sobre a análise de leis,
documentos e pronunciamentos oficiais e foi dividida entre informações públicas e explícitas e
informações implícitas ou não veiculadas. As primeiras são sobretudo leis, documentos e
informações públicas disponíveis em portais oficiais das três esferas de governo, de instituições
não-governamentais, privadas e supranacionais. Já os documentos e informações menos
explícitas foram obtidos numa terceira etapa, as pesquisas de campo, realizados sobretudo em
órgãos públicos envolvidos no processo como a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do
Estado do Ceará - SEMA, a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará - SCIDADES, as
Coordenadorias de Meio Ambiente dos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama e o
COMARES – UCV.
Embora as etapas tenham se sucedido na ordem citada, as pesquisas bibliográfica e
documental se estenderam por todo o tempo de execução da pesquisa e os dados e as
informações referentes ao objeto de estudo colhidos nessas três etapas foram tratados à luz das
referências teóricas.
No Capítulo II, apresentamos inicialmente as bases teórico-metodológicas sobre as
quais se construiu a pesquisa, elucidamos alguns conceitos-chave utilizados no trabalho e
buscamos construir no diálogo com os autores uma abordagem geográfica do objeto em si,
apresentando a trama de relações em que ele se encontra imbricado, as quais será necessário
explorar para que ele possa ser, por fim, desvendado.
23
Em seguida, abordamos a problemática ambiental de forma mais ampla.
Realizamos uma exposição geral das condições ambientais mais notórias que levaram à eclosão
da “consciência ambiental”, com destaque para os movimentos sociais e os grandes desastres
ambientais. Depois realizamos uma breve exposição de como o aquecimento global
compromete o equilíbrio do sistema climático global do ponto de vista científico oficial e como
ele foi intensificado pelas atividades produtivas, sobretudo após a Revolução Industrial e com
o uso demasiado dos combustíveis fósseis. A exposição é baseada na teoria científica oficial e
dominante sem, contudo, deixar de fazer uma ressalva à possível apropriação tanto da ciência,
que atesta tais fenômenos, quanto dos fenômenos em si, dada a sua magnitude e urgência.
Introduzimos o tema da sustentabilidade e como ele é apropriado pelo poder
hegemônico num contexto de crise do capitalismo, sendo transformado em discurso e dando
atenção também para o contradiscurso que se contrapõe a sua proposta de resolver a crise dentro
dos marcos do capitalismo. Analisamos o contexto em que o desenvolvimento sustentável é
desenvolvido e difundido em escala global como a nova estratégia de desenvolvimento
capitalista e como o poder hegemônico implementa ações unificadas direcionando o projeto de
cooperação internacional para tratamento da problemática ambiental, num contexto em que o
Estado é incumbido de massificar a assimilação e legitimação do desenvolvimento
(in)sustentável.
Reconstruímos um breve histórico dos eventos ambientais internacionais ocorridos
sobretudo na segunda metade do século XX e de como arquitetou-se a envergadura da política
internacional do clima no decorrer de tais eventos e os rumos tomados pelo projeto de
cooperação internacional. Expomos ainda os principais elementos sobre os quais se estrutura a
economia verde, analisando como através deles são reproduzidas as históricas relações de poder
e os novos mecanismos utilizados para tal, principalmente os Mecanismos de Desenvolvimento
Limpo – MDL que se relacionam com o nosso objeto de estudo, visto sua influência sobre a
legislação brasileira de resíduos sólidos.
O Capítulo III traz uma proposta de periodização da política ambiental brasileira
explorando aspectos gerais da legislação ambiental e caracterizando os principais marcos
jurídicos que a compõem, bem como o contexto social em que eles se estabeleceram, tanto na
esfera nacional como internacional, especialmente aqueles que denotam o seu alinhamento com
o desenvolvimento sustentável, como as políticas nacionais de meio ambiente, educação
ambiental, saneamento básico, mudanças climáticas, resíduos sólidos, etc.
O Capítulo IV apresenta o panorama geral dos resíduos sólidos no Brasil,
relacionando o local e o global. A primeira parte é dedicada à gestão de resíduos sólidos no
24
Brasil, expondo as diferenças regionais, situando o estado do Ceará, mas também discutindo
MDL e sua relação com os resíduos sólidos e os aterros sanitários pretendidos. A segunda parte
explora os aspectos mais relevantes da PNRS (2010): inclui aqueles aspectos que denotam o
seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável, mas se ocupa sobretudo com o conceito
de gestão integrada proposta pela lei e com a caracterização do consórcio público enquanto
elemento jurídico e ferramenta da administração pública.
O Capítulo V concentra a escala estadual e local e pode ser dividido em duas partes.
A primeira realiza um apanhado dos principais dispositivos e órgãos que compõem a política
ambiental no estado do Ceará, traçando a trajetória recente das políticas e ações implementadas
pelo Estado na área de resíduos sólidos e apresenta o panorama atual da gestão no Estado. É
apresentado o histórico e o panorama dos consórcios intermunicipais no Estado do Ceará: aqui
são tratados e organizados os dados obtidos na pesquisa documental e colhidos junto a órgãos
públicos em trabalhos de campo.
Finalmente, a segunda parte se atem ao recorte do COMARES-UCV e à luz das
discussões teóricas realizadas na parte inicial do trabalho, esta seção trata do objeto de estudo
de maneira pormenorizada. Primeiro, expõe os dados e os resultados pertinentes ao consórcio
e aos municípios regionalizados em particular obtidos com pesquisa bibliográfica, análise
documental e trabalho de campo. Em seguida, expõe a situação atual do consórcio no contexto
estadual e em relação aos requisitos da PNRS (2010), discorrendo sobre as iniciativas
estabelecidas, as dificuldades enfrentadas, os êxitos logrados e os apontamentos hora indicados.
Ao final, pudemos identificar influências internacionais sobre a PNRS (2010),
elementos que vinculam os aterros sanitários à política ambiental internacional e os desafios
locais na implementação da política de resíduos enquanto desdobramentos socioespaciais locais
da política ambiental global, ambos apontando o local como recorte do global numa amplitude
que vai muito além da questão ambiental, mas que tem nela o seu eixo central.
25
2 A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL EM PERSPECTIVA
2.1 PRECEDENDO O OBJETO
A questão dos resíduos sólidos que, atualmente, toma as agendas políticas dos
países e governos apresenta-se em meio à problemática ambiental como um importante ponto
de análise da crise ambiental, pois o desafio de gerir a enorme e crescente quantidade de lixo
que se acumula no meio ambiente remete a forma visível da insustentabilidade desse sistema
linear de produzir mercadorias.
Essa discussão passa necessariamente pelo entendimento de conceitos
fundamentais como a produção do espaço social, bem como o ambiente enquanto categoria de
análise. Não é nossa pretensão nos debruçarmos longamente sobre a discussão dos conceitos
abordados nessa pesquisa, mas entendemos que se faz necessário elucidar pelo menos alguns
deles, no sentido de esclarecer as bases de referência que orientam a pesquisa. Com esse diálogo
teórico-metodológico, buscamos construir uma abordagem geográfica do objeto em si,
apresentando a trama de relações em que ele está imbricado, as quais será necessário explorar
ao longo do trabalho para que ele possa ser, por fim, desvendado.
A problemática ambiental encontra-se numa intercessão entre as relações sociais e
a relação entre sociedade e natureza. E o produto dessa combinação de relações é o espaço
geográfico, cuja produção ocorre pela associação de dinâmicas sócio-históricas com as
estruturas e dinâmicas naturais. Ele é resultado das sobreposições históricas da produção
material, espaço onde o ser humano torna-se ser social, naturalizando a sociedade e socializando
a natureza, de modo que, sociedade e natureza encontram-se intrinsecamente ligadas.
Essa relação indissociável é também dialética e oferece subsídios fundamentais
para se pensar as relações de contradição e complexidade estabelecidas em torno da
problemática ambiental enquanto função da organização da sociedade, também contraditória, e
resultado da sobreposição histórica da produção material. Admitindo que as coisas ou os objetos
existem em sua concretude histórica e, portanto, social, analisamos a crise ambiental pela ótica
do materialismo histórico e a partir da produção social do espaço e das relações que a sociedade
estabelece com a natureza, pautando a interpretação do nosso objeto na crítica de que não é
possível enfrentar a problemática ambiental através dos mesmos mecanismos que a gestaram.
Assim, é possível questionar a redução da crise a limites externos, ou seja, questões
geoecológicas, uma vez que “os problemas ambientais surgem como resultado de um conflito
no interior da sociedade ou das contradições entre capital e trabalho (MARX, 2004), e capital
26
e natureza (BENTON, 1996), exigindo trazer o debate da sustentabilidade para o campo das
relações sociais.” (NOVICKI, 2009, p.3).
Também é necessário empreender um esforço no sentido de superar a clássica
dicotomia entre sociedade e natureza, reconstituindo o percurso histórico dessa relação, à luz
do entendimento do ambiente e de que seus problemas não são apenas questões geoecológicas,
mas remetem à atuação social e histórica do homem/mulher junto ao meio natural.
Embora haja muitas interpretações para ambiente, muitas vezes empregado com o
sentido de meio natural, e seja frequente a sua apresentação em justaposições diversas, tomamos
aqui o ambiente tal como empregado por Grangeiro (2012), no sentido de ambivalência, de
interação entre o social e o natural, como propõe a sua própria morfologia que já contém em si
esta ideia13. Assim, qualquer outro vocábulo que anteceda o termo “ambiente” no sentido de
limitá-lo ou ampliá-lo representaria antes a sua negação. Por exemplo, o termo “sócio-
ambiental” a nosso ver é uma negação do ambiente, pois em si este já é composto de uma parte
social, bem como outra natural. Isso o aproxima do conceito de espaço enquanto produto das
interações sociais e naturais. Desse modo, o termo “espaço-ambiente” empregado por
Grangeiro (2013), ao nosso ver, é o único que preserva o sentido de ambiente, sem negar a sua
ideia, pois antes o reforça, o reafirma.
O ambiente se refere, portanto, a esse conjunto de fatores naturais e não naturais
que estabelecem entre si uma relação de reciprocidade que vai muito além de interações
ecossistêmicas. Nele o homem não é apenas um organismo dentro do todo ecológico, mas um
ser social capaz de intervir na natureza e que interagindo com os demais fatores compõe o
ambiente como um todo indivisível (SCARLATO; PONTIN, 1992).
Grangeiro (2012, p.81) afirma que “os diversos problemas [ambientais] já
detectados são função de distintas variáveis em interação”. Para a autora, a dinâmica social
introduz na dinâmica natural comandada pelas forças motrizes da natureza variáveis que lhes
eram externas, de modo que ambos se tornam integradas, compondo “uma unidade de elementos
diferentes ou heterogêneos que formam um todo – uma unidade de diversidades” com diferentes
níveis de interferência das práticas socioespaciais.
Assim, advoga a autora, para compreender o ambiente é necessário entender esses
processos e práticas socioespaciais que, sendo historicamente construídos e determinados,
convergem para a formação de um território. Assim, podemos entender que
13 Segundo Grangeiro (2012), o vocábulo ambiente é composto pelo prefixo ambi que significa “duplo, de ambos
os lados” e ente, que significa “o que existe, o que é; ser, coisa, objeto, substância”.
27
A formação de território traz em seu bojo, de modo geral, a apropriação da natureza;
de modo específico, a formação de territórios determinados espacial e temporalmente
apropria-se de um meio ambiente, que embora seja integrante dos quadros físicos
planetários, é espacial e temporalmente particularizado ou determinado para aquele
grupo social. Tanto as características do meio natural como do construído são inter-
relacionadas entre si e interdependentes; deste modo, se refazem em características
próprias que passam a revolver-se como implicações tanto na dinâmica social como
na natural, que conjugadas, lhes deram origem e que já não são mais idênticas; ou
seja, - “in continuum” e dialeticamente - há sempre um novo sistema ambiental, tanto
o geral, planetário, como os particularizados, em movimento (GRANGEIRO, 2012,
p.85).
Estabelecida essa relação entre um grupo social e o seu meio ambiente, concordamos
que é necessário considerá-la de forma coletiva para uma compreensão mais ampla, uma vez que
há interação entre uma multiplicidade de grupos sociais em diferentes escalas espaço-tempo que se
diferenciam entre si dentro da estrutura social e na sua relação com a natureza (GRANGEIRO,
2012, p.85). Entretanto, não se pode afirmar que as construções humanas sobre a superfície da terra
resultem da interação desses distintos grupos com o seu meio ambiente de uma forma homogênea.
Como afirmamos, os diversos grupos sociais são distintos e não significa que há uma simetria de
forças entre eles, mas ao contrário, esses grupos podem ser dominantes ou dominados, de modo que
a relação que um grupo subordinado exerce com o seu meio ambiente ou seu território pode ser
determinado ou redefinido pelos interesses e pela visão de mundo, inclusive acerca da natureza, de
outro grupo que sobre ele se impõe.
Isso se torna bastante evidente no atual modo de produção, onde os “espaços
geográficos que ainda sejam o resultado de uma interação íntima entre grupos humanos e seu
embasamento geográfico. [...] são cada vez mais raros, parecendo resultar de uma falta de
dinamismo geográfico decorrente de uma inadaptação às condições do mundo moderno.”
(SANTOS, 1986, p.09 apud GRANGEIRO, 2012, p.85). Isso será importante para entender, no
contexto da crise ambiental e do desenvolvimento sustentável, a ofensiva do capital sobre as
comunidades tradicionais, seus territórios e os bens naturais vistos apenas como fontes de
recursos para a produção capitalista.
Logo, a produção desse ambiente não pode ser referida como resultante da interação
humana de forma generalizada sobre a face da terra, ou seja, não pode ser atribuída ao
homem/mulher na “sua condição de espécie pura e simplesmente, mas à sua condição de ser
social e, fundamentalmente, em função da dinâmica dos progressos econômicos, científicos,
tecnológicos, sociais; das interconectividades espaço-tempo e do modo de produção
hegemônico” de modo que
Esta nova forma de pensar o ambiente nos remete, necessariamente, a admiti-lo, como
produto de relações conflituosas, emprenhadas de contradições; que não se trata da
simples transformação de elementos naturais em recursos, ou de práticas
ecologicamente inadequadas. Trata-se da transformação da natureza em mercadoria;
28
trata-se de um “artefato humano”, (NEDER, 2002), e em que nele o social e o humano
se incluem, e que, portanto, devemos mudar as formas de perceber, compreender e
nele intervir (GRANGEIRO, 2012, p.86)
Tampouco os problemas ambientais podem ser resultantes de ações antrópicas, como
se fosse responsabilidade de todo mundo e ao mesmo tempo de ninguém, ocultando a produção do
espaço, como se dará, por exemplo, o tratamento da questão ambiental no domínio do
desenvolvimento sustentável. Esse entendimento de ambiente confere aos problemas ambientais
natureza histórica e social que não é neutra, nem tão pouco deve ser naturalizada, de modo que
sua resolução passa, necessariamente, pela transformação dessa relação entre homem/mulher e
natureza e das relações entre os homens que, dominando alguns a natureza, usam-na para
dominarem uns aos outros.
Rodrigues (1998) nos fala disto quando diz que:
Os problemas ecológicos parecem, à primeira vista, referir-se apenas às relações
homem-natureza e não as relações dos homens entre si. [...] A questão ambiental deve
ser compreendida como um produto da intervenção da sociedade sobre a natureza.
Diz respeito não apenas a problemas relacionados à natureza, mas às problemáticas
decorrentes da ação social. [...] Os problemas ambientais dizem respeito às formas
pelas quais se produz o espaço geográfico que compreende, no dizer de Milton Santos,
os processos sociais representativos de uma dada sociedade (RODRIGUES, 1998,
pp.8-9).
Para compreendermos como esses problemas ecológicos referem-se à relação dos
homens entre si e não somente à relação dos homens com a natureza, precisamos considerar
que ambas as relações estão interligadas e compreender a transformação histórica da natureza
e o que ela significa para o homem/mulher social enquanto concretude histórica.
Toda a construção social está, segundo a perspectiva marxista, baseada nessa
relação entre homem14 e natureza, haja vista que as condições naturais são o recurso
fundamental para a vida do homem e pressuposto geral para toda produção. Essa transformação
histórica da natureza passa pelo processo de produção, através do qual ela é transformada pelo
trabalho15 em bens diversos que passam a ter concretude social e histórica. Aqui, nos referimos
à produção material tal como ela é definida por Bernardes e Ferreira (2003, p.18) como sendo
o “processo pelo qual se altera a forma da natureza: pelo trabalho o homem modifica as formas
das matérias naturais, de modo a satisfazer suas necessidades.”
Essa definição de produção material é ampla e se realiza pelo trabalho para a
satisfação das necessidades humanas. Sendo assim, ela é tão essencial quanto o próprio trabalho
14 Nessa e em outras passagens do mesmo contexto o vocábulo “homem” se refere ao ser humano enquanto espécie,
ou seja, aos seres humanos em geral, homem e mulher. 15 Nessa perspectiva marxista, o trabalho constitui-se como uma necessidade natural eterna mediando a relação
entre homem e natureza, na produção de valores de uso.
29
e só se efetiva por meio de uma forma social determinada, ou seja, de relações sociais de
produção. Entretanto, o modo industrial de produzir mercadorias dentro do modo de produção
capitalista é apenas um dos modos possíveis para a realização da produção material e, embora
historicamente seja o mais expressivo pela sua amplitude e capacidade de transformação da
natureza, não é o único possível.
Assim, o homem passa a se apropriar da natureza como fonte para toda a sua
produção material e regente das relações sociais. Para entendermos como essa relação de poder
mediada pela dominação da natureza se estabelece, temos que levar em conta que a história da
humanidade - que não ocorre no mesmo passo em todas as sociedades humanas – inscreve-se
na relação dos homens entre si e com a natureza e é marcada pela necessidade que o
homem/mulher tem de conhecê-la. Por meio do desenvolvimento da racionalidade, o
homem/mulher passa de uma condição selvagem a ser social e inicia um processo ascendente
de conhecimento, transformação, apropriação e manipulação da natureza.
Inicia-se aí um apartamento, uma emancipação simbólica do homem/mulher em
relação à natureza, agora socializada e posta para domínio. Desde a perspectiva rústica de
conhecimento e domínio da natureza até a apropriação privada dos recursos naturais como
condição para a produção de mercadorias no atual modo de produção capitalista, a dominação
da natureza remete também a dominação do homem pelo homem, enquanto pressuposto para a
produção. À medida que a sociedade vai desenvolvendo as suas forças produtivas essa condição
é reproduzida, e se amplia da relação do grupo para esferas maiores no decorrer do tempo
histórico, até atingir escala global, como é por exemplo, a relação que países desenvolvidos e
subdesenvolvidos mantém entre si e com a natureza (TORRES, 2014, p.4).
Mas, socializada, a própria ideia de natureza é também uma construção histórica.
Conforme a complexidade das relações sociais em cada época, haverá diferentes conotações
para o conceito de natureza, para as formas de apropriação e para a relação que a sociedade
estabelece com ela:
A ‘natureza em si’ não passa de abstração. Não encontramos senão uma idéia [sic] de
natureza que toma “sentidos” radicalmente diferentes segundo as épocas e os
homens... Como todas as nossas idéias [sic], a imagem da natureza que prevalece em
cada época e em cada meio toma assim o peso de um teor social (LENOBLE, 1969,
p.37 apud RODRIGUES, 1998, p.10).
30
Enquanto o pensamento clássico é caracterizado por uma relação orgânica16 entre
homem/mulher e natureza, o pensamento moderno considera que a natureza deve estar a serviço
do homem/mulher, devendo para isso ser conhecida e dominada. Nesse momento, enquanto o
homem/mulher é definitivamente apartado da natureza e posto como superior a ela, também a
ciência é consolidada como superior à natureza e à própria sociedade que a constituiu. Assim é
que, desde o século XVII, a ciência tem sido o instrumento através do qual tem-se efetivada a
apropriação da natureza. Desse modo, é que “as construções do homem – sociais, intelectuais,
abstratas, modernas, simbólicas – se tornam superiores ao próprio homem e meio através do
qual se estabelecem relações de poder entre eles.” (TORRES, 2014, p.6).
Historicamente, o desenvolvimento das forças produtivas e intelectuais tem sido
diretamente proporcional à escala e à intensidade da exploração que o homem – aquele
proprietário dos meios de produção – incide sobre a natureza. No período moderno, seu
desenvolvimento foi intenso (ciência e técnica) caracterizando o que Harvey (1992) vai chamar
de uma “compressão do espaço-tempo” (RODRIGUES, 1998) e, na contemporaneidade, ambos
são maximizados e multiplicados. Podem ser nitidamente contempladas na intensificação do
modo industrial de produzir mercadorias e na globalização da economia, pois com “a
distribuição espacial das engrenagens produtivas da industrialização e da extração de recursos
naturais em escala global, as atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente foram
disseminadas sobre o planeta.” (TORRES, 2014, p.8).
É nesse contexto de distribuição global das estruturas produtivas dentro de um
sistema político e econômico orientado pela lógica capitalista de desenvolvimento que atribui
desenvolvimento a crescimento econômico, medido pelo grau de industrialização e capacidade
de produzir mercadorias - ideologicamente relacionadas à noção de bem-estar social - que se
inscreve a relação entre os países e o papel que o Estado17 possui em executar as condições
necessárias para o desenvolvimento do capital.
Assim como a ideia de natureza, a ideia de desenvolvimento também é uma
construção histórica. Entendemos que o desenvolvimento em si, refere-se ao aspecto social de
determinada sociedade. Embora crescimento econômico e desenvolvimento social sejam coisas
16 Essa relação orgânica não era necessariamente de submissão do homem/mulher, mas remete à escala e a
intensidade da sua atuação sobre o meio natural, de forma que permitia a resiliência dos ecossistemas
(RODRIGUES, 1998). 17 “Qualquer ação do Estado é indicativo da manifestação de interesse político-econômico de algum grupo que
compõe o quadro social, o que não indica necessariamente que todos são contemplados de forma igualitária,
mas sim que, dentro do contexto hegemônico atual, os benefícios serão capitaneados principalmente por
aqueles que tiram vantagem da reprodução de uma sociedade estruturada conforme a lógica do capital” (DIAS,
1997. p.41).
31
distintas, como na lógica capitalista a prática econômica subjuga as demais, ela se transforma
no parâmetro absoluto, ignora essa diferenciação e passa a se referir ao crescimento econômico
como sendo desenvolvimento. Assim, a ideia de desenvolvimento que predomina na sociedade
capitalista contemporânea está condicionada ao crescimento econômico: os países
subdesenvolvidos – entenda-se aqueles do capitalismo periférico - deverão perseguir o nível de
crescimento econômico alcançado pelos países desenvolvidos – aqueles do capitalismo central
- até que se atinja um desenvolvimento homogêneo entre as nações.
O conceito inicial de desenvolvimento desponta a partir da obra de Rostow [Etapas
do desenvolvimento econômico, 1971], que, recuperando o darwinismo social18, se
baseia na ideia de sucessão evolutiva de estágios, onde tal qual na natureza, as
sociedades humanas evoluiriam de formas inferiores para superiores. Nesta hipótese,
parte-se de um modelo de sociedade rudimentar culminando no modelo da civilização
ocidental industrializada de consumo, considerada única e universal
(LAYRARGUES, 1997, p.1, grifo nosso).
Tanto é que, no contexto do desenvolvimento sustentável, a denominação “países
subdesenvolvidos” se transforma em “países em desenvolvimento19” para firmar essa visão
evolutiva. De fato, a comparação não é gratuita, e merece um parêntese no decorrer dessa
exposição: ao analisar as implicações da ascensão da biologia nas últimas décadas do século
XX como “rainha das ciências” para com os estudos culturais, Hoefle (1999, pp.124-125)
afirma que o paradigma racionalista do neodarwinismo ascendeu sobre todas as ciências, de
modo que “os seus conceitos básicos e a sua metodologia passaram a ser amplamente aplicados
e imitados” como um espectro das Ciências Naturais que assombrava as Ciências Sociais. Para
o autor, a proposta do ambientalismo biocêntrico de naturalizar o homem/mulher reintegrando-
o à natureza preparou o caminho para o advento do neodarwinismo no final do século XX que
retomava o seu “polêmico projeto do evolucionismo clássico, com todas as suas implicações
18 Ao analisar as implicações da ascensão da biologia nas últimas décadas do século XX como “rainha das ciências”
para com os estudos culturais, Hoefle (1999, pp.124-125) afirma que o paradigma racionalista do neodarwinismo
ascendeu sobre todas as ciências, de modo que “os seus conceitos básicos e a sua metodologia passaram a ser
amplamente aplicados e imitados” como um espectro das Ciências Naturais que assombrava as Ciências Sociais.
Para o autor, a proposta do ambientalismo biocêntrico de naturalizar o homem reintegrando-o à natureza
preparou o caminho para o advento do neodarwinismo no final do século XX que retomava o “polêmico projeto
do evolucionismo clássico, com todas as suas implicações políticas e éticas, provocando reações críticas de
ambientalistas radicais com visão eco-antopocêntrica [sic]” (MERCHANT, 1992; PEPPER, 1996 apud
HOEFLE, 1999). 19 A classificação dos países possui diferentes nomenclaturas (países de economia avançada, emergente,
subdesenvolvida, países em transição, países recentemente industrializados etc.) de acordo com diferentes órgãos
internacionais como ONU, FMI, Banco Mundial etc., porém, todas têm como base a economia. Nos documentos
do PNUMA sobre desenvolvimento sustentável, são usados dois termos: “países desenvolvidos” para referir
àqueles que atingiram uma economia avançada e “países em desenvolvimento” em referência àqueles países que,
ao contrário, ainda não são plenamente desenvolvidos, sem especificar necessariamente o grau de
desenvolvimento, ou seja, inclui os países pobres e os emergentes.
32
políticas e éticas, provocando reações críticas de ambientalistas radicais com visão eco-
antropocêntrica.” (MERCHANT, 1992; PEPPER, 1996 apud HOEFLE, 1999).
Assim, “os neodarwinistas retomam a tese dos etólogos dos anos 1960, de que o
comportamento humano é fruto de milhões de anos de evolução, tendo predominado o período
de caçadores e coletores” de modo que a agressão e atual disputa territorial do homem/mulher
contemporâneo se justifica como herança comportamental desse período. Quando posto na
sociedade industrial contemporânea, esse comportamento causaria certos desajustes (ansiedade,
depressão, estresse etc.) do homem/mulher para com a sociedade que deverão ser corrigidos
por manipulações químicas e genéticas para ajustá-lo à sociedade20, já que a sociedade
naturalmente não poderia regredir no processo evolutivo.
Segundo Hoefle (1999), o neodarwinismo supera a ideologia política do
darwinismo clássico, pois é com o discurso científico que ela igualmente justifica as
disparidades culturais fundamentadas em grupo étnico, gênero e classe social. Por outro lado,
enquanto a ciência – as ciências biológicas – justifica as diferenças sociais com processos
adaptativos naturais, garante por meios sociais a conservação dessa estratificação. É o caso da
engenharia genética - na época, muito em evidência devido a possibilidade da programação
genética - aplicada ao planejamento familiar e cujo acesso vai depender da classe social dos
indivíduos, visto que
As tecnologias são extremamente caras, de forma que somente a classe alta dos países
pós-industrializados e a pequena elite dos demais países têm acesso à ela. Seus filhos
terão além de vantagens sociais, também vantagens biológicas, cristalizando cada vez
mais a estrutura de classe em suas sociedades e, especialmente entre países. Anula-
se qualquer perspectiva de mobilidade social (HOEFLE, 1999, p.140, grifo nosso).
Ora, os países desenvolvidos são os que mais consomem mercadorias, matérias
primas e energia, gerando enormes quantidades de resíduos sólidos, mantendo o nível de vida
que mais contribui com a degradação da natureza, de modo que o planeta não seria jamais
suficiente para responder a esse nível de consumo em escala mundial (SCARLATO; PONTIN,
1992). Esse ponto será de extrema importância para compreendermos a proposta de
20 Diante dos avanços da biologia na época, sobretudo da engenharia genética, Hoefle (1999) faz uma analogia ao
romance “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, 1932, onde numa sociedade dividida por castas, em um
futuro distópico, as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem
de forma harmoniosa, sem infligirem as normas e as leis sociais. Sem ética, religião ou valores, as pessoas são
condicionadas desde cedo a ignorarem tudo que possa ser crítico ou emotivo e suas dúvidas e inseguranças são
rapidamente dissipadas com o consumo de uma droga. Oito décadas depois, em 2002, surge o filme
“Equilibrium” com o mesmo enredo, porém aparentemente mais próximo desse futuro.
33
desenvolvimento sustentável da ONU, cuja justiça social se baseia na universalização do
consumo ao nível dos países desenvolvidos.
Essa ideia de desenvolvimento homogêneo ao redor da qual orbitam os ideais da
globalização econômica é a mais contrária e equivocada possível dentro de um sistema que se
alimenta das contradições e dentro do qual o desenvolvimento dá-se de maneira desigual e
combinada21. Nesse sentido, “pensar que o país desenvolvido representa o espelho do menos
desenvolvido é uma fábula. Na verdade, o subdesenvolvimento é o que eles recebem do
capitalismo, assim como o capitalismo recebe do subdesenvolvimento o seu fôlego, seu
oxigênio, sua própria circulação sanguínea.” (SCHIMIDT, 1986 apud RODRIGUES, 1998,
p.34).
E essa relação complementar é verificada também no interior de cada país. Nos
países subdesenvolvidos, com alta concentração de renda e, em geral, edificados sobre base
social e política frágil, as contradições do capital são, particularmente, mais visíveis e
agressivas: através da divisão do trabalho é estabelecido um sistema de acumulação desigual e
combinada em escala mundial, onde a superexploração dos trabalhadores na periferia do
sistema capitalista alimentam um contínuo fluxo de capitais e de recursos dos subdesenvolvidos
para os desenvolvidos (RODRIGUES, 1998).
Pala Kaplan (2011), a divisão na atribuição de papéis entre os países do mundo é
decorrente de uma das etapas do modo de produção capitalista, o imperialismo, que considerada
uma etapa ou fase superior do capitalismo, de acordo com Lenin (2008), surgiu como
desenvolvimento e continuação direta das suas características.
Para esse autor, a globalização dever ser observada a partir dessa configuração
política e econômica e da assimétrica relação de poder estabelecida entre os diferentes países.
Ademais, apesar de se impor como um conceito estabelecido (que remete à ideia de integração
e totalidade), a globalização é a expressão dos interesses de forças econômicas extremamente
poderosas e que vem se impondo enquanto ideologia dominante22.
Assim sendo, a globalização opera como uma necessária estratégia para o processo de
mundialização do capital, mediante sua crescente acumulação e expansão (Loureiro,
2009, p.4), atuando por mecanismos de coerção e de consenso, impondo sua
21 O desenvolvimento desigual e combinado remete à espacialização complexa e heterogênea em que espaços
distintos revelam diferentes níveis de produtividade que surgem quando o capitalismo se desenvolve segundo
uma hierarquização espacial, combinando diferentes variáveis (composição orgânica do capital, de
produtividade, de relações de produção, de taxas de lucros, de incidências de lutas de classes, diferentes níveis
de inversão de capital e de infraestrutura etc.) no tempo, no espaço e em diferentes escalas. 22 Segundo Kaplan (2011), a globalização enquanto ideologia abrangente, tanto ofusca o problema da crise do
capitalismo ser estrutural, quando desloca a discussão para outras frentes, inviabilizando críticas e alternativas
reais ao capitalismo, quanto é evocada para justificar as reformas estruturais de feição neoliberal como sendo
inevitáveis.
34
naturalização ou naturalizando sua imposição, qual seja, de modos mais explícitos ou
implícitos (ideológicos) (KAPLAN, 2011, p.27).
Ademais, esse desenvolvimento homogêneo não é possível entre os países do globo
nem no interior dos subdesenvolvidos, pois
Ainda que os países subdesenvolvidos atinjam um elevado nível de desenvolvimento
econômico, as riquezas desse processo não serão socializadas entre as classes que o
compõem. O ideário do desenvolvimento oculta a divisão social de classes, se idealiza
na escala do estado-nação, mas os meios sociais através dos quais ele se dá acontecem
na esfera social, nos diferentes grupos e setores que compõem a sociedade de classes
em cada país e onde a exploração se reproduz em nível local, especialmente nos países
subdesenvolvidos (TORRES, 2013, p.33).
Essa exploração não é apenas do trabalhador/trabalhadora, mas também dos bens
naturais entendidos como recursos para a produção. A apropriação da natureza avança na
mesma medida em que avança o desenvolvimento das forças produtivas e na fase atual do
capitalismo, a sua apropriação é fundamental para a reprodução do sistema. Enquanto os
recursos naturais - bem comum da sociedade, privadamente apropriados e entregues à
exploração indiscriminada em nome do progresso e do desenvolvimento - e seus benefícios se
restringem a uma pequena parcela da sociedade, os danos ambientais são socializados sem que
o Estado se mostre capaz de - ou interessado em - protegê-los.
A competitividade do intercâmbio econômico no mercado mundial se apoia no
intercâmbio ecologicamente desigual, revelando novas formas de manter as velhas estruturas
de dominação. O capitalista, enquanto proprietário dos recursos naturais, coloca o valor
econômico acima do valor ecológico sem que sejam contabilizados os custos ambientais no
valor da produção exportada, assim é que ele se apossa dos recursos naturais considerados bens
comuns essenciais para a vida, inclusive na perspectiva biológica enquanto valor de uso, para
convertê-los para si em valor de troca (TORRES, 2014).
Finalmente, as evidências desse modelo predatório começam a aparecer na natureza
numa escala preocupante e eclodem muitos movimentos que contestam a depredação natural
imposta pelo modo de produção. Em meio a todo o movimento ambientalista, a problemática
entra na pauta dos diversos países e, frente à ameaça que o esgotamento dos recursos naturais
representa para a reprodução do capital, o poder hegemônico toma para si a autoridade sobre o
tema e surge então a proposta do desenvolvimento sustentável.
Para Lima (2003, p.100), o fato da sustentabilidade ser um tema que possui
diferentes leituras construídas por forças sociais distintas, que disputam entre si o
reconhecimento da sua interpretação como sendo a verdadeira, torna a sua abordagem complexa
o suficiente para ser tratada como discurso, no sentido empregado por Michel Foucault (2001),
35
enquanto “práticas geradoras de significados que se apóiam [sic] em regras históricas para
estabelecer o que pode ser dito, num certo campo discursivo e num dado contexto histórico.”
De qualquer modo, foi o relatório da Comissão Brundtland (CMMAD/ONU, 1987)
que “estabeleceu os parâmetros e projetou o debate social sobre o desenvolvimento sustentável,
projetando mundialmente o conteúdo da nova estratégia oficial de desenvolvimento”, com uma
ênfase econômica e tecnológica e uma tônica conciliadora. Esse discurso da sustentabilidade
apresentado ao debate público é uma hábil operação político-normativa e diplomática,
empenhada em responder algumas das contradições expostas pelos modelos anteriores de
desenvolvimento, como a questão de garantir fontes de recursos e dar uma resposta aos
questionamentos sobre os limites do crescimento intensamente discutidos na década de 1970
(LIMA, 2003, p.102).
De maneira geral, essa proposta pretende resolver a crise se utilizando dos mesmos
mecanismos e com base no fortalecimento da mesma lógica que a gestou. Sem propor uma
mudança dos modos de organização social e do modo de produção capitalista de mercadorias,
mantendo obscurecida a produção do espaço, protegendo o modo capitalista de produção e as
relações contraditórias que ele sustenta. Entretanto,
A problemática ambiental traz à tona, e é preciso desvendar a partir desta ponta de
iceberg, que o ideário do desenvolvimento, mesmo o desenvolvimento sustentável,
compreendido como a produção contínua de novas mercadorias, o progresso tido
como o avanço científico tecnológico, é fundamentalmente problemático
(RODRIGUES, 1998, p.61).
Mas na contramão dessa abordagem contestatória e atendendo a interesses
hegemônicos, a problemática ambiental ganha visibilidade e o desenvolvimento sustentável é
tomado como o novo estandarte do desenvolvimento, de modo que para fazer parte do rol dos
desenvolvidos os países precisam se integrar no novo modelo, igualmente globalizado,
hegemônico e respaldado pela ciência, porém politicamente representado, fortemente
legitimado pela ameaça do colapso ambiental e cada vez mais pautado em relações de poder
por meio da tecnologia e associado ao capital financeiro.
Para Novicki (2009), em uma perspectiva crítica, cabe questionar a viabilidade da
sustentabilidade, assim como da democracia, sob o modo de produção capitalista a partir de
pressupostos claros: primeiro, há uma relação de subordinação do modelo de desenvolvimento,
seja ele sustentável ou não, à sociedade civil, buscando conquistar legitimidade sobre a sua
organização e função, ou seja, sobre o que produzir, para quem e como; segundo, a função do
Estado é organizar e proteger o processo de acumulação capitalista, e ele o faz reproduzindo a
assimetria de poder presente na sociedade através da estrutura institucional e materializando-a
36
em políticas públicas; e terceiro, a exclusão social ou, como preferimos, a inclusão perversa23
e a degradação ambiental são as formas aparentes da essência do modo de produção capitalista
e, portanto, decorrem dele.
Para responder a essa primeira questão, introduzimos a discursão que Furtado e
Strautman (2014) desenvolvem com base na argumentação de Boltanski e Chiapello (2009) -
em O Novo Espírito do Capitalismo - de que a crítica funciona como o grande motor que dinamiza
o espírito do capitalismo, fornecendo-lhe sua justificação moral, uma vez que “[...] o
capitalismo se utiliza da crítica, algo que lhe é alheia e até hostil, para justificar-se, mesmo
quando o objetivo da crítica não seja estabelecer um espírito capaz de possibilitar a acumulação
do capitalismo e sim de reformar ou superar o sistema.” (FURTADO; STRAUTMAN, 2014,
p.224).
A apropriação da crítica pelo capitalismo em seu favor ocorreria através de três
formas: a) a crítica serve para deslegitimar o último espírito do capitalismo e, reduzindo sua
eficácia, abrir legitimação para o espírito ascendente; b) em busca de se legitimar, o capitalismo
incorpora parte dos valores em nome dos quais foi criticado e, mantendo a mesma lógica e
estrutura, ele modifica apenas a roupagem com a qual se apresenta de acordo com as críticas
contra ele disparadas; c) ele pode também responder a crítica alterando o modo imediato de
obtenção de benefícios num processo sempre novo, desatualizando a crítica, que pode não dar
conta de explicá-lo.
Para ilustrar a questão, tomemos como exemplo a tática de Instituições de
Financiamento Multilateral como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento: eles deixaram de investir diretamente em projetos polêmicos, que eram alvo
de críticas, pelo menos desde o início da década de 1980, e passaram o oferecer assistência
técnica para os próprios governos os implementassem. Desse modo, eles criaram outra forma
de garantir a obtenção dos benefícios, ao mesmo tempo em que se esquivaram da crítica.
Antes disso, as instituições criaram, lideradas pelo Banco Mundial, uma política de
salvaguardas ambientais que, teoricamente, orientaria os investimentos feitos pelas instituições,
buscando a um só tempo legitimar sua atuação agregando valor social e ambiental aos seus
investimentos e desarmar a crítica incorporando parte de seus valores. E por último, mas não
menos importante e em ações unificadas com outros gigantes do capitalismo (ONU, governos,
23 Entendemos que dentro do capitalismo não há exclusão, pois todos fazem parte do processo, como o modelo é
demasiadamente concentrador tanto de riqueza quanto de pobreza e tem nessa relação complementar a sua
dinâmica vital. Temos por certo que, mesmo aqueles que sobrevivem em situações precárias e que aparentemente
estão à margem do sistema, estão incluídos, apenas essa inclusão ocorre de modo perverso.
37
corporações etc.), a aceitação dos problemas da clássica “economia marrom” para legitimar a
adesão à iluminada “economia verde” como um processo ascendente de aperfeiçoamento do
capitalismo.
Mas, Furtado e Strautman (2014, p.226) ressaltam que “o objetivo de Boltanski e
Chiapello [2009] não é reduzir o papel da crítica a conceder força para o inimigo e sim mostrar
sua importância, a necessidade de ela sempre recomeçar. [...] A crítica, porém, é capaz de
desnaturalizar os fenômenos sociais, ao mostrar que a mudança é possível”. Entretanto, mesmo
dentro da crítica, um novo desafio se apresenta, pois ela não é um corpo unificado e pode ser
claramente dividida quanto ao seu posicionamento entre crítica contestatória e crítica
reformista. Essa divisão será de extrema importância para compreendermos a importância que
têm os instrumentos de participação e inclusão ditos democráticas para a legitimação e a
manutenção do capitalismo contemporâneo, tornando-se eficazes instrumentos de dominação
dentro do projeto de governança ambiental proposto pelo desenvolvimento sustentável: a
neutralização da crítica, a decisão pelo consenso, o desarmamento ou a cooptação da oposição,
sobretudo de movimentos sociais e de populações atingidas, quer pelo impacto de grandes
obras, quer pela financeirização da natureza, as decisões ditas participativas que pretendem
tornar a sociedade cúmplice e álibi do Estado etc.
Isso nos leva ao segundo ponto elencado por Novicki (2009), o Estado como
organizador e protetor do processo de acumulação capitalista. Harvey (2005) entende o Estado
de acordo com a concepção marxista24 de que ele existe, não como um estágio de
desenvolvimento da sociedade, mas como o reconhecimento de que ela está mergulhada em
uma autocontradição insolúvel e rachada em um antagonismo irreconciliável. Assim, para não
destruir as classes com interesses econômicos divergentes e a própria sociedade, foi necessário
criar um poder que, “nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e, progressivamente,
alienando-se dela” pudesse moderar o conflito (ENGELS, 1941, p.155 apud HARVEY, 2005,
pp.79-80).
No controle do Estado, a classe economicamente dirigente se transforma também
na classe que dirige a sociedade politicamente: suas ações exercem o seu poder para o seu
próprio bem com o discurso de que são para o bem comum. Para garantir essa condição, é
necessário dotar a imagem do Estado de autonomia e independência, e conectá-lo à ideologia,
capaz de universalizar os interesses da classe dominante como sendo o interesse comum, de
24 Harvey (2005) afirma que embora Marx tivesse a intenção, nunca escreveu uma teoria sobre o Estado. Porém,
como suas concepções sobre o Estado estariam presentes em todos os seus textos, foram elaboradas muitas
reconstruções do que seria uma teoria marxista do Estado com base neles.
38
modo que as ideias de dada sociedade são as ideias da sua classe dirigente que também domina
como classe pensadora. Desse modo, para que as ideias dominantes ganhem a aceitação geral
da sociedade, é necessário que elas sejam
Apresentadas como idealizações abstratas, como verdades eternamente universais.
Assim essas ideias devem ser apresentadas como se tivessem uma existência
autônoma. As noções de “justiça”, “direito” e “liberdade” são apresentadas como se
tivessem um significado independente de qualquer interesse de classe específico
(HARVEY, 2005, p.81, grifo nosso).
Tais conceitos são criação da classe dominante para justificar a superioridade do
Estado sobre todas as classes. Mais que ferramentas ideológicas pairando no campo das ideias,
esses conceitos ganham forma quando o Estado aplica “um sistema legal que abrange conceitos
de propriedade, indivíduo, igualdade, liberdade e direito, correspondentes às relações sociais
de troca sob o capitalismo” e sobre as quais se assentam as relações de produção e acumulação
que, “uma vez criadas, devem, necessariamente, ser fomentadas, amparada e aplicadas pelo uso
do poder do Estado”:
Em geral, o Estado e, em particular, o sistema legal possuem um papel crucial a
desempenhar na sustentação e na garantia da estabilidade desses relacionamentos
básicos. A garantia do direito da propriedade privada dos meios de produção e da
força de trabalho, o cumprimento dos contratos, a proteção dos mecanismos de
acumulação, a eliminação das barreiras para a mobilidade do capital e do trabalho e a
estabilização do sistema monetário (via Banco Central, por exemplo) estão todos
dentro do campo de ação do Estado (HARVEY, 2005, p.84).
Assim, Harvey (2005) afirma que o Estado é e sempre foi um agente central para o
funcionamento da sociedade capitalista, cujas formas e modos de funcionamento mudaram ao
passo em que o capitalismo amadurecia. Assim, ele tem por certo que nas sociedades
capitalistas, o “Estado desempenha, necessariamente, certas tarefas básicas mínimas no apoio
ao modo capitalista de produção”.
Como Novicki (2009), entendemos que é necessário atentar para os limites do
discurso governamental que apresenta o Estado como o agente defensor do interesse geral da
sociedade e para as políticas setoriais que afirmam trabalhar para resolver a degradação
ambiental e a exclusão social (inclusão perversa), uma vez que, ao contrário, estando a origem
desses dois problemas na essência do capitalismo e sendo eles fundamentais para a sua
reprodução, eles são, na verdade, protegidos pelo aparelho do Estado, unidade básica do projeto
de cooperação internacional para a implementação mundial do desenvolvimento sustentável.
E por fim, conforme entendido por Marx (1988), o modo capitalista de produção
em sua essência é o responsável pela exclusão social (inclusão perversa) e degradação
ambiental. Esse pressuposto como visão de mundo, permite articular fenômenos aparentemente
39
desconectados, para finalmente estabelecer uma relação entre esses fenômenos, que seriam a
aparência, e a essência do modo de produção capitalista (NOVICKI, 2009).
Entendemos que o programa do desenvolvimento sustentável é a nova
industrialização que os países subdesenvolvidos precisam efetivar para chegarem ao sonhado
desenvolvimento. Resta-nos tentar compreender as novas formas através das quais os velhos
interesses são implementados para a manutenção do sistema, mas temos por certo que uma
delas é a política ambiental internacional, mais uma vez levada a cabo pelos Estados-Nação,
que reestruturam suas políticas e suas ações de modo a assimilar os seus direcionamentos.
Nesse contexto, é necessário avaliar com prudência e desconfiança as políticas
públicas, sobretudo aquelas ligadas ao meio ambiente. No caso do Brasil, a política ambiental
é historicamente marcada pelos direcionamentos externos dos grandes eventos internacionais.
Atualmente, o Ministério do Meio Ambiente - MMA, que comanda todas as questões
relacionadas à meio ambiente no país não se acanha em levantar nitidamente a bandeira do
desenvolvimento sustentável, afirmando que “o desafio é a construção de uma política de
integração entre o setor produtivo e o meio ambiente, promovendo a adequação do país às novas
exigências de competitividade no comércio nacional e internacional.” (MMA, 2015).
Assim, estariam as ações empreendidas em torno da implementação de aterros
sanitários - um dos pontos alvos do desenvolvimento sustentável - para a gestão dos resíduos
sólidos no Brasil livres desse direcionamento internacional? Ou, ao contrário, elas seriam
exatamente o resultado da ação do Estado brasileiro na execução do desenvolvimento
sustentável? Esperamos, a partir desse estudo, rastrear essas relações dialéticas e contraditórias
estabelecidas em torno da problemática ambiental com enfoque na gestão dos resíduos sólidos
e, a partir de sucessivas aproximações, chegar ao conhecimento do real concreto.
2.2 O CENÁRIO DA CRISE AMBIENTAL
A questão ambiental tem suas raízes no final do século XIX, mas foi apenas no pós-
Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que ela eclodiu. Desde o final da década de 1960, a
problemática ambiental figura entre uma das grandes preocupações mundiais, ganhando
notoriedade em diferentes espaços de discussão, sempre associada à desmedida exploração dos
recursos naturais, seu esgotamento e à poluição que o sistema produtivo inflige ao meio
ambiente.
O despertar dessa consciência ambiental é representado principalmente pelos
movimentos ecológicos que surgiram em todo o mundo no século XX, especialmente após as
40
décadas de 1960 e 1970. Embora o movimento ambientalista não fosse uma unidade
homogênea, mas um mosaico de posicionamentos com diferentes visões e interesses não
raramente conflitantes, de maneira geral, ele representou um ponto significativo na contestação
do modelo de desenvolvimento vigente, das formas como ele se serve do meio natural e da
gravidade das suas consequências.
O discurso ecológico está cheio de contradições e é altamente diversificado.
Encontramos posições extremamente autoritárias e outras que, de forma não violenta,
querem derrubar uma ordem industrial poderosa. Apesar dos conflitos internos nas
diversas opiniões dentro do discurso ecológico, há um consenso de que o assunto é
uma questão de sobrevivência e relevante (HARVEY, 199625 apud BERNARDES;
FERREIRA, 2003, p.34).
Esse despertar para a problemática ambiental traz à tona a discussão da metáfora
espacial e retoma a importância da produção do espaço, indicando a necessidade de se rever o
modo de organização social e levanta novos paradigmas e questionamentos, inclusive sobre o
papel da ciência e a aplicação ética da técnica e põe em destaque as contradições que há entre
a produção social do espaço e as formas de apropriação da natureza e sua degradação, sobretudo
num momento histórico em que a interferência das forças produtivas na natureza impunham
um ritmo de exploração nunca antes experimentado.
Na segunda metade dos anos de 1960, ao redor do mundo - basicamente nos países
ocidentais - apareceram uma série de movimentos emancipatórios e contraculturais,
como o dos hippies, dos estudantes, das mulheres, dos pacifistas (especialmente
contra a Guerra do Vietnã), dos negros, dos homossexuais, todos com fortes críticas
ao modo de produção dominante e com uma postura de enfrentamento da ordem
vigente. Desta forma, o movimento ambientalista se expandia no bojo das sociedades
e pressionava por mudanças de ordem econômica e social (LEITE, 2014, p.11, grifo
nosso).
Eram necessárias profundas transformações no comportamento da sociedade e na
organização política e econômica. Embora os movimentos ambientais tenham contribuído para
uma revisão das relações sociedade/natureza e provocado algumas mudanças de atitude,
principalmente com relação ao estilo de vida, elas não foram suficientes para atacar o cerne do
problema, pois seu efeito individual não foi capaz de abarcar as estruturas sociais por não
conterem em si, aspectos suficientes que torne compreensível a produção do espaço.
Outro fator que impulsionou esse despertar para uma consciência ambiental e
levantou questionamentos sobre a ameaça da interferência humana - no nosso entender, dos
proprietários dos meios de produção - ao equilíbrio ecológico foram os inúmeros desastres
ambientais que se multiplicaram no século XX, com uma incidência e magnitude acentuada na
segunda metade deste século.
25 Justice, Nature e the Geograpy of Difference. Oxford: Blackwell.
41
Os desastres mais notórios estão relacionados principalmente ao derramamento de
petróleo, acidentes nucleares e contaminação tóxica. São recorrentes em países como Estados
Unidos e Japão, destacando-se também em outros países desenvolvidos na Europa (como
Ucrânia e Itália) e na Rússia, com um de magnitude extrema na Índia.
Na década de 1950, a ilha japonesa de Minamata ganhou visibilidade pela “Doença
de Minamata”. As mortes, as severas convulsões, a perda e descontrole das funções motoras
entre outros problemas de saúde que passaram a acometer a população local eram causadas pelo
contato e pela ingestão de mercúrio e outros metais pesados que envenenavam as águas da Baía
de Minamata, que desde o início da década de 1930 servia de depósito para o lixo industrial da
empresa Chisso Corporation. Os metais passavam da água para a população através da cadeia
alimentar, visto que os peixes e crustáceos daquelas águas eram sua principal fonte de
alimentação. Mais de 3 mil pessoas adoeceram e centenas morreram e, como a doença é
transmitida geneticamente, muitas crianças já nasceram com deformações. Até 1997, quando a
região foi declarada livre do mercúrio apesar de muitas discordâncias, o governo japonês havia
reconhecido mais de 12.500 pessoas como vítimas (COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012).
Os processos de negociação com a empresa para compensação das vítimas foram exaustivos.
O drama das vítimas somado ao desafio de disputar contra a força da empresa, do governo e da
economia deu ao caso muita visibilidade que, tendo alta cobertura da mídia, sensibilizou o
público que se envolveu protestando e pressionando por mudanças.
Mais tarde em 1984, aconteceu aquele que é considerado o mais grave acidente
industrial da história quando cerca de 40 toneladas de metil isocianato foram lançadas na
atmosfera após um acidente na fábrica de pesticidas Union Carbide - hoje pertencente à Dow
Química – em Bophal, na Índia, matando milhares de pessoas em poucas horas e outras mais
nos meses seguintes. Foram aproximadamente 20.000 mortos e cerca de 150.000 afetados por
cegueira, falência dos órgãos, má formação em fetos e defeitos congênitos que ainda afetam a
população. Segundo a Justiça, o desastre foi causado por negligência: os precários dispositivos
de segurança apresentavam problemas ou estavam desligados, assim como a sirene que deveria
alertar a comunidade em casos de acidente. Depois da tragédia que chocou o mundo, “a
legislação ambiental e de segurança química em muitos países ricos ficou mais rigorosa.”
(COSTA; DAMASCENO; SANTOS, 2012).
Entre os exemplos de desastres, estão os acidentes nucleares. Para avaliação da
gravidade destes, existe a Escala Internacional de Eventos Nucleares – INES que os classifica
em níveis que vão de 1 a 7, porém, devido à natureza da contaminação que eles proporcionam,
não há nível seguro, o que torna a atividade nuclear extremamente perigosa, pois qualquer falha,
42
humana ou mecânica pode resultar em consequências gravíssimas que podem perdurar por
vários anos.
Em 1986, um dos reatores da usina nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, então União
Soviética, explodiu emitindo para a atmosfera enormes quantidades de radiação, que se
espalharam por toda Rússia e chegaram a contaminar três quartos da Europa. O evento é
considerado o pior desastre nuclear da história e matou mais de 25 mil pessoas, segundo as
estimativas oficiais. “Durante dez dias, o combustível nuclear queimou, jogando na atmosfera
radionuclídeos de uma intensidade equivalente a mais de 200 bombas atômicas iguais à que
caiu em Hiroshima.” (GREENPEACE, 2015). O acidente que foi classificado em nível 7, afetou
um número incalculável de pessoas, principalmente crianças, que até hoje são acometidas pelo
câncer26. Atualmente, o reator que explodiu permanece selado em uma espécie de sarcófago de
concreto e o seu raio isolado, o que não descarta o temor de impactos futuros que possam
ocorrer com a deterioração da contenção.
Uma matéria de revista Exame intitulada “Os dez maiores acidentes petrolíferos da
história”27 publicada em 2010 afirma que nos últimos setenta anos até então, houve mais de
oitenta acidentes de média e alta gravidade ao redor do mundo que lançaram cerca de 7,4 bilhões
de litros de petróleo nos mares e oceanos, sendo que 68% desse volume teria sido derramado
pelos dez maiores acidentes.
Um desses grandes acidentes petrolíferos aconteceu em 1989, quando o
petroleiro Valdez, da então Exxon - que se fundiria com a Mobil em 1999, formando a atual
Exxon Mobil - bateu na costa do Alaska, Estados Unidos, despejando mais de 10 milhões de
galões de óleo nas águas, que rapidamente se espalhou por cerca de 500 Km, matando milhares
de animais de diversas espécies. Segundo dados divulgados pela imprensa na época, teriam sido
mobilizadas cerca de 11.000 pessoas e 1.000 embarcações para conter o impacto. Conforme
matéria de Roberto Naime na página do EcoDebates28, a empresa haveria assumido uma postura
arrogante tentando minimizar os danos do acidente, negando entrevistas na pessoa do seu
26 Notícias mais recentes dão conta de um alarmante aumento de incidência de câncer na região afetada. Conforme
artigo de Roberto Naime publicado na página do Portal EcoDebates em 2010, entre 1990 e 2000, em todos os
locais afetados, houve um aumento na incidência de câncer que chegou a crescer até 2,7 vezes, em outros, a
morbidade aumentou quase três vezes. “Um recente estudo mostrou que a doença em crianças aumentou 88,5
vezes, em adolescentes, 12,9 vezes e, em adultos, 4,6 vezes. Estima-se que entre 14 mil e 31,4 mil cânceres
adicionais de tireóide aconteçam em 70 anos” (ecodebates.com, 2015). 27 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/10-maiores-acidentes-petroliferos-historia-
556774>. Acesso em: 24 jul. 2015. 28 Roberto Naime é professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE,
Novo Hamburgo – RS e colunista do Portal EcoDebates. Disponível em:
<http://www.ecodebate.com.br/2010/09/13/grandes-marcos-de-acidentes-ambientais-artigo-de-roberto-
naime/>. Acesso em: 24 jul. 2015.
43
presidente e ainda teria feito lobby para barrar a aprovação de uma lei criada em decorrência do
acidente.
Grandes eventos com dimensões catastróficas para o meio ambiente e para as
pessoas, sobretudo populações mais pobres, como esses ocorridos na Índia, na União Soviética,
nos EUA e principalmente o drama da ilha japonesa de Minamata, que tornou-se público na
década de 1950, foram importantes para pressionar a favor de medidas de intervenções efetivas.
Somados a vários outros de gravidade diversas, esses desastres chocaram o mundo, tomaram a
mídia e chegaram a público adquirindo enorme repercussão e exigindo um posicionamento
político que interferisse nesse quadro, provocando sobretudo mudanças nas regras de segurança
de muitas indústrias e na legislação ambiental.
As décadas de 1960 e 1970, por sua vez, converteram-se em efervescente centro de
debates sobre a temática ambiental – porquanto os movimentos ambientalistas,
antinucleares e pacifistas (como, por exemplo, Greenpeace, Verdes da Alemanha,
Amigos da Terra, Earth First etc.) expandiram-se, trazendo à tona a pertinente
discussão acerca dos problemas oriundos da acelerada utilização dos recursos naturais
por parte de uma população cada vez mais crescente e de uma indústria que estava
ocasionando danos irreparáveis ao meio ambiente (RODRIGUES; LUMERTZ, 2014,
p.114).
Esse despertar ambiental civil fez com que organizações e governos passassem a
internalizar a preocupação com a conservação e o gerenciamento do ambiente a fim de lidar
com os conflitos e os problemas ambientais que se apresentavam. Isso fez “emergir as
organizações ambientalistas, como o Greenpeace, em 1971; instituições, políticas e
instrumentos governamentais voltados à regulação ambiental”, como por exemplo, a
Environmental Protection Agency, criada nos EUA em 1970, a Secretaria Especial do Meio
Ambiente, criada em 1973 no Brasil; e organizações político-partidárias, como os partidos
verdes europeus (BURSZTYN et al., 2006 apud LEITE, 2014, p.12).
Os impactos ambientais não se restringem a acidentes ambientais de grandes
proporções, mas se remetem também à organização social. Na década de 1960, popularizava-
se pelo mundo uma oposição ao modelo político-econômico, fossem os protestos voltados para
os direitos civis nos EUA, fossem de resistência ao regime fechado na Europa Ocidental, ou
mesmo em oposição à transição de doutrina pela qual passava a União Soviética (COSTA et
al., 2014).
Assim, tanto impactos ambientais como sociais foram se multiplicando no decorrer
da produção do espaço, acumulando-se com o tempo e expondo a insustentabilidade ambiental
do modo de produção capitalista, de modo que já não era possível ignorar a questão ambiental
44
e ela deveria ser definitivamente incorporada ao modelo de desenvolvimento, respondendo à
crítica e protegendo a ordem vigente.
2.2.1 O aquecimento global: meios, motivo e oportunidade29
Há um consenso científico de que a manutenção de toda a biodiversidade na Terra,
o que inclui o homem, é viabilizada pelo funcionamento do sistema climático, que tem sua
origem na energia irradiada pelo Sol e alimenta as trocas de energia que ocorrem entre a
atmosfera e o substrato terrestre, incluindo todos os elementos bióticos e abióticos da biosfera.
Para que essa troca seja equilibrada, é necessário que os gases que compõem a atmosfera sejam
mantidos em quantidades balanceadas, capazes de reterem uma parte dessa energia para auxiliar
as atividades ecossistêmicas, transformando a Terra em uma estufa gigante que mantém a
temperatura ideal para que a vida possa ser mantida, dinâmica conhecida como efeito estufa.
Durante a história geológica da Terra, o clima global tem variado muito entre
períodos gelados e muito quentes, numa sucessão de milhões de anos e que continuará a
acontecer como um processo natural30. E é a partir desse ponto que as opiniões se dividem.
Todas as atividades do homem sobre a superfície da Terra geram algum tipo de
impacto. Porém, com o desenvolvimento das forças produtivas, os impactos ganham escala e
intensidade muito maiores, que passam a interferir na dinâmica natural em escalas ascendentes,
comprometendo a capacidade de resiliência dos ecossistemas. A Revolução Industrial, sem
dúvidas, contribuiu para o desequilíbrio desses gases, aumentando, sobretudo a concentração
de dióxido de carbono e de gases sintéticos na atmosfera que, segundo estudos científicos, está
diretamente relacionada ao aumento do efeito estufa que interfere diretamente no equilíbrio
climático do planeta. A interferência no sistema climático é um desequilíbrio ecológico grave,
pois as consequências afetam o ecossistema global, interferindo na dinâmica que mantém toda
a biodiversidade.
Essa constatação se deu sobretudo a partir da divulgação do Fourth Assessment
Report - AR4, quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática – IPCC que afirma, com base na comparação entre o aumento histórico das
29 Em dramas policiais, é comum que a investigação criminal se estruture em três aspectos básicos de um crime
para desvendá-lo: meios, motivo e oportunidade. Embora estes três aspectos possam fazer parte da natureza
humana, sendo condicionantes para qualquer ação e não estando associados exclusivamente ao comportamento
delituoso, é nessa perspectiva que são mais citado e não por coincidência identificam esta seção do trabalho. 30 Houve períodos glaciais que duraram cerca de 100 mil anos ou mais, e períodos de 10 mil a 20 mil anos em que
o clima era excepcionalmente quente (EMANUEL, 2007 apud LEITE, 2014, p.24)
45
concentrações de Gases do Efeito Estufa - GEEs desde o início da Revolução Industrial e a
elevação da temperatura média global - que as atividades humanas são as responsáveis pelas
alterações climáticas (LEITE, 2014).
Cada GEE possui, segundo as publicações do IPCC, um Potencial de Aquecimento
Global - GWP que se refere à capacidade que cada um desses gases possui para absorver calor
na atmosfera em um determinado tempo, geralmente é considerado um horizonte de 100 anos,
comparada ao CO2. Porém, além do potencial de aquecimento dos gases serem diferentes, eles
também permanecem por tempo distinto na atmosfera e o cálculo precisa considerar todos esses
fatores. Leite (2014, p.23) explica que “o CO2 fica cerca de 100 anos na atmosfera. O CH4 cerca
de 12 anos, mas capta 60 vezes mais calor que o CO2. O N2O fica cerca de 150 anos, com uma
capacidade de 270 vezes maior para captar calor”. Apesar desses números terem sofrido
variações entre diferentes estudos, alguns bastante significativos, eles são utilizados como a
base sobre a qual se assenta todo o sistema de cooperação climática, inclusive o mercado de
carbono.
De acordo com Leite (2014), antes da Revolução Industrial, a concentração de CO2
na atmosfera era de 170 a 280 partes por milhão (ppm), hoje ela é de 400 ppm, o que excede
em muito os limites de variação natural dos últimos 650 mil anos. Segundo o IPCC (2007), as
concentrações de metano e óxido nitroso também aumentaram, alcançando valores de 1.789 e
321 partes por bilhão (ppb), respectivamente (LEITE, 2014).
Em se tratando de aquecimento global, é necessário falar não somente dos gases
naturais que são emitidos pelas atividades produtivas, mas também daqueles artificiais criados
pelas inovações tecnológicas que estão a serviço do mercado. Sendo um elemento estranho à
lógica natural eles podem se acumular na atmosfera, reagindo com outros compostos naturais
ou sintéticos formando outros compostos, alterando processos naturais e desencadeando
consequências desconhecidas. Um exemplo é o clorofluorcarboneto - CFC produzido em 1928:
um gás atóxico, inerte (podendo permanecer intacto por mais de um século) e largamente
utilizado na fabricação de diversos produtos, cujas consequências não eram conhecidas ou
foram simplesmente ignoradas. Depois se descobriu que na estratosfera pode reagir e destruir
enormes quantidades de ozônio, demonstrando as limitações da ciência, inclusive para resolver
problemas que ela mesma criou e como ela está a serviço do desenvolvimento econômico ainda
que ele implique em sérios prejuízos sociais e ambientais:
A produção de um gás que permanece inerte e intacto por um tempo de vida maior do
que a vida média do homem - inclusive dos cientistas que o projetaram - demonstra
ao mesmo tempo o limite do conhecimento científico/tecnológico e o limite das
46
escalas tempo/espacial utilizado como base na ciência/tecnologia, além do limite do
conceito de renovabilidade (RODRIGUES, 1998, p.20).
A técnica, o conhecimento científico e o advento de novas tecnologias foram peça
fundamental na dominação ascendente da natureza e na consolidação do modo industrial de
produzir mercadorias. A Revolução Industrial não contribuiu com o aquecimento global apenas
com a fumaça expelida de suas chaminés: ela é decisiva porque reestruturou as relações de
produção e o processo produtivo além do chão da fábrica. O desenvolvimento e a otimização
das forças produtivas possibilitaram a intensificação da produção de mercadorias que devoram
os recursos da natureza e os devolve transformados em uma matéria que não possui lógica
natural de reintegração, acumulando na natureza um montante de resíduos gerados desde a
extração da matéria prima, passando pelo processo produtivo e culminando no rejeito final
vindo com o descarte. “Tais resíduos podem perdurar dezenas de vezes mais que o seu tempo
de uso da mercadoria que os originou. Assim, para um produto com estimativa de cinco anos
de uso, por exemplo, se depositam na natureza resíduos que podem durar por até centenas de
anos.” (TORRES, 2013).
Há uma enorme quantidade de carbono circulando na atmosfera, sendo eliminados
e reabsorvidos de maneira natural e equilibrada. O problema é que a dinâmica natural não possui
mecanismos capazes de equacionar a constante adição desse gás na atmosfera feita pelas
atividades sociais e, consequentemente, esse gás se acumula na atmosfera interferindo no
equilíbrio da dinâmica atmosférica.
Segundo números do IPCC (2007), 85% dos recursos energéticos utilizados são
advindos da queima de combustíveis fósseis, que responde por cerca de 80% do CO2 emitido
na atmosfera. O restante provém do desmatamento e das mudanças no uso do solo. Assim, uma
enorme quantidade de carbono estocada há milhões de anos no seio da Terra na forma de
petróleo, está sendo reintroduzido na atmosfera para sustentar a necessidade de energia
demandada pelas atividades sociais, bem como o carbono incorporado às plantas é liberado com
o desmatamento, realizando uma constante adição de toneladas a mais de carbono na atmosfera.
O fato é que, com o aumento das concentrações dos gases que retêm calor, os
chamados gases de efeito estufa - GEEs, registros indicam um aumento total de temperatura de
1850-1899 a 2001-2005 de 0,76ºC e estima-se que a temperatura média do planeta poderá
elevar-se de 2,5 a 7°C nos próximos 100 anos (IPCC, 2007), tendo como referência o período
pré-industrial:
47
Um estudo [divulgado em 1998]31 de reconstrução dos padrões de temperatura global
dos últimos seis séculos evidencia uma elevação abrupta da temperatura a partir das
primeiras décadas do século XX. [...] Reconstruções de temperatura de superfície dos
últimos 1.500 anos sugerem que o aquecimento recente não tem precedentes
(MARCOTT et al., 2013). O IPCC (2001) indica que, dos últimos 12 anos, 11 estão
entre os 12 mais quentes desde que se começou a medir a temperatura global da
superfície, em 1850 (LEITE, 2014, p.22)
Aumento da intensidade de tempestades e ciclones tropicais, aumento nas
temperaturas médias do oceano, tornados, ondas de calor, degelo no Ártico e na Groelândia,
aumento no nível do mar, chuvas intensas e o aumento da frequência e da intensidade de secas
e enchentes32 são alguns dos fenômenos relacionados ao aumento da temperatura global.
As proposições para cenários futuros são ainda piores: acidez na água dos oceanos
que ameaça a vida marinha, uma possível liberação do estoque de metano do solo congelado
siberiano (permafrost), aceleração da perda de biodiversidade com extinção de espécies, queda
na produção de alimentos, incêndios da vegetação, impactos na saúde pública derivados da
expansão de áreas sujeitas a doenças relacionadas ao calor (dengue e febre amarela, por
exemplo) e o aumento na frequência dessas doenças de maneira geral, ameaça a segurança
alimentar e a oferta de água e de energia hidrelétrica de grandes populações derivadas de
alterações no regime de chuvas, o desaparecimento de comunidades costeiras provocado pelo
aumento do nível do mar, aumento na frequência e intensidade de secas e estiagens, inundações,
vendavais, enxurradas, granizo, deslizamentos etc. (LEITE, 2014).
Há pesquisadores que possuem uma perspectiva de análise diferente daquela que
coloca as atividades humanas como causadoras do aquecimento global, destacando processos
naturais que interfeririam no sistema climático global como as mudanças do eixo da Terra (que
interferem na distribuição da incidência da luz solar pelo globo de acordo com a latitude); a
própria quantidade de energia emitida pelo sol; alterações na circulação oceânica e atmosférica;
atividades vulcânicas etc.
Para Leite (2014, p.25), “a mudança do clima lida com alterações em sistemas
globais e regionais de clima e cujo comportamento depende de inúmeros fatores e variáveis.
Como o sistema climático é muito complexo, têm [sic] muitas variáveis e muitas relações não
são lineares”. Sobre as divergências e diferentes conclusões a que chegam diferentes estudos
31 A autora se refere ao Global-scale temperature atterns and climate forcing over the past six centuries. In:
Nature. Vol. 392. 1998. 32 “[...] na medida em que a temperatura sobe crescem tanto a evaporação quanto a capacidade de retenção de água
da atmosfera. Com mais vapor d’água na atmosfera, as chuvas tornam-se mais intensas. Ao mesmo tempo,
temperaturas mais elevadas provocam a evaporação mais veloz, o que causa esgotamento mais rápido da
umidade do solo e início de secas. Desta forma, é possível, em épocas diferentes, uma mesma região apresentar
cenários de enchentes e de secas” (LEITE, 2014, p.23).
48
sobre variação climática no mundo todo, a autora afirma que por ser um processo global
complexo com variações regionais, seu estudo requer pesquisas multidisciplinares que avaliem
séries de longo prazo, pois “as incertezas aparecem tanto na estruturação dos modelos
climáticos, como na avaliação de seus parâmetros e conexões. Assim, temperatura e
concentração de gases de efeito estufa são apenas alguns dos parâmetros.”
Para a autora supracitada, essas divergências não colocam em cheque a confiança
no método científico e a capacidade que a ciência possui de explicar os fenômenos. Uma vez
que todos os seus campos buscam gerar teorias e montar modelos que expliquem o universo à
nossa volta, sua evolução ocorre “por um processo dialético em que as pesquisas se
fundamentam no conhecimento estabelecido, mas que somente conseguem transpor os seus
limites à medida que põem em dúvida aquilo que acreditam saber.” (LEITE, 2014, p.25).
Porém, como Rodrigues (1998) e Lima (2003), entendemos que o problema não
está apenas no método científico ou na metodologia utilizada para se obter certo resultado, mas
está na própria essência da ciência e do saber científico. Isso porque apesar da sacralização da
ciência no período moderno ter atribuído ao saber científico uma pretensa superioridade sobre
os outros saberes, sobre as outras construções sociais e sobre a própria sociedade, ele não é
mesmo algo sobrenatural irrepreensível e indefectível portador da verdade, pois é uma
construção social. A sua construção como verdade impessoal, racional e livre de todo
questionamento, hegemonizando-o como o discurso verdadeiro que produz efeitos de poder é
uma invenção social e está apropriada para fins de interesse de classe na dominação da natureza
e no estabelecimento de relações de poder entre os homens.
A maneira coletiva de referirmos o gênero humano - a humanidade – como sociedade
não deve ocultar a heterogeneidade social que ela contém. A dominação do homem
sobre a natureza pela técnica nos leva a compreendê-la como patrimônio humano,
uma conquista social favorável à vida do homem. Porém, enquanto produção social,
tanto a técnica quanto a ciência pertencem a conjunturas sociais específicas, produção
privada, de modo que não representam apenas o domínio do homem sobre a natureza,
mas dos homens entre si de acordo com as classes sociais as quais pertencem
(TORRES, 2014, pp.6-7).
Assim não há neutralidade, não há imparcialidade nem desinteresse no exercício do
saber científico e na utilização da tecnologia. O que há é o seu monopólio por determinados
agentes e instituições igualmente hegemônicas. A sua soberania e poder de julgamento sobre
os demais aspectos da vida social podem ser apropriados para legitimar discursos e interesses,
o que já é suficiente para olharmos com desconfiança para ambas as visões sobre a crise
ambiental: tanto aqueles que expressam previsões apocalípticas de um futuro catastrófico,
49
quanto aqueles que negam os efeitos negativos que o modo de produção capitalista inflige ao
meio ambiente.
Considerando que o aquecimento global é, ao mesmo tempo, desencadeador das
mudanças climáticas que alteram todo o equilíbrio do planeta, ameaçando todas as suas formas
de vida; e desencadeado por todas as atividades sociais que, direta ou indiretamente, emitem
alguma quantidade de GEEs, ele é um fenômeno de dimensão global. Logo, a problemática
ambiental é um desafio projetado em escala mundial com potencial para mexer com as
estruturas do mundo tal como conhecemos, seja para melhorá-lo ou para deixá-lo pior, segundo
critérios a serem definidos a priori pelos sujeitos ativos da ação.
Os próprios fundamentos do aquecimento global afirmados como verdade universal
e incontestável são passíveis de equívocos, pelo fato do saber científico ser uma construção
ascendente, mas também podem ser fabricados e manipulados, em decorrência do fato de que
o saber científico também é uma ferramenta socialmente apropriada. Por exemplo, Felipetto
(2007, p.34) ao se referir aos riscos dos projetos de MDL aplicado à gestão de resíduos sólidos
em aterros sanitários, baseia seu sucesso (econômico) na manutenção do Potencial de
Aquecimento Global - GWP do metano, atualmente 21 vezes maior que o do gás carbônico.
Caso, futuramente se descubra que esse número é diferente, isso acarretará mudanças
importantes: “em caso de redução, prejudicaria a viabilidade econômica do projeto e, em caso
de aumento, melhoraria os resultados do empreendimento”.
Especialistas vêm estudando os efeitos dos gases de efeito estufa ao longo dos anos e
chegaram ao valor de 21 como o potencial de aquecimento global do metano. No
entanto, novas pesquisas continuam sendo executadas, e embora sejam pequenas as
chances de isso acontecer, há o risco de que esse número seja alterado (FELIPETTO,
2007, p.34).
Na página do The Greenhouse Gas Protocol (GHG Protocol, 2015)33, podemos
encontrar uma tabela adaptada a partir dos dados do Fourth Assessment Report (AR4) de 2007
do IPCC com os GEEs e seus respectivos valores de GWP em relação ao CO2, calculados para
um horizonte de 100 anos. Para alguns dos GEEs listados, há também valores de referência do
Second Assessment Report (SAR) de 1995. Para os gases que apresentam valores nos dois
relatórios, na quase totalidade, eles diferem. O GWP do clorofórmio (CHCl3), por exemplo, no
SAR (1995) era igual a 4 (quatro) e no AR4 (2007) saltou para 31 (trinte e um)! Outro exemplo
33 Desenvolvido por duas instituições econômicas (World Resources Institute - WRI e World Business Council on
Sustainable Development – WBCSD, o GHG Protocol estabelece um padrão global para a medição e
gerenciamento de emissões de GEEs, que de acordo com o canal é o mais amplamente utilizado em todo o mundo
por governos, empresas e organizações.
50
é o do metano (CH) consagrado como sendo igual a 21 (vinte e um) pelo SAR em 1995 quando
o Protocolo de Quioto entrou em vigor, mas que subiu para 25 (vinte e cinco) no AR4 em
200734.
Se nem mesmo o potencial de aquecimento global dos GEEs que representa a base de
todos os cálculos desse engenhoso mercado pode ser definido com segurança, então como
poderemos confiar nos cálculos, se os próprios dados são inseguros? Como, com tanto aparato
tecnológico, não é possível precisar tal potencial? Por que se conta com dois cenários possíveis,
ambos provenientes de descobertas científicas futuras?
De qualquer modo, a produção científica de modo geral aponta as atividades humanas
como sendo o fator de maior responsabilidade pelo aquecimento global e há indicações
convincentes de que o modo de produção atual inflige alta pressão sobre o sistema ecológico
planetário, que mostra claros sinais de desgaste, embora essa não seja uma conclusão nova nem
derivada apenas de comprovações científicas.
2.3 A SUSTENTABILIDADE E O OLHAR EMPREENDEDOR SOBRE A CRISE
AMBIENTAL35
A ideia de sustentabilidade remete à ideia de retroalimentação balanceada de um
sistema que seja capaz de se realizar sem extinguir as suas condições de existência. Assim, a
ideia de sustentabilidade é associada à relação meio ambiente/organização social como sendo
o meio ambiente as condições de existência e a organização social o sistema que precisa dele
para se sustentar, ou seja, precisa consumi-lo na mesma medida em que o preserva para não
acontecer que extinguindo as suas condições de existência se extinga a si mesmo, mas, que ao
contrário, garanta as condições necessárias à sua própria continuidade.
Nesse sentido, entendemos que a ideia de sustentabilidade não é nem de longe algo
novo ou invenção moderna da era capitalista diante da relação de agressão estabelecida com a
34 Segundo o documento, o potencial de aquecimento global - nos dois relatórios respectivamente - do dióxido de
carbono (CO2) = 1 e 1 (sem alterações visto que ele estrutura todo o sistema de medidas); do metano (CH4) = 21
e 25; do óxido nitroso (N2O) = 310 e 298 etc. 35 De acordo com diferentes dicionários da Língua Portuguesa, “empreendedor” é a qualidade daquele que
empreende. Empreender por sua vez é, entre outras coisas, se propor a realizar um trabalho ou uma tarefa difícil
ou perigosa, colocá-la em desenvolvimento ou execução; otimizar a produtividade e o lucro; ter visão de dono.
Os dois vocábulos, bem como os seus derivados, são termos largamente apropriados pela dimensão econômica.
Nesse sentido, o empreendedor é aquele que é capaz de identificar oportunidades e transformá-las em uma
atividade lucrativa. Sua ação é geralmente vista como virtude e ele é descrito com adjetivos positivos, como por
exemplo, criativo, inovador, arrojado, estrategista, ousado, organizado, que possui visão de mercado, traça metas
etc. Embora a palavra possa ser utilizada em outros campos, ela é predominantemente empregada no campo
empresarial dos negócios e do comércio, inclusive estando associada ao termo “empresário”.
51
natureza. Ao contrário, a sustentabilidade enquanto essa noção de continuidade e preservação
pode ser verificada, principalmente, entre aqueles pejorativamente vistos como selvagens e
atrasados, que possuem uma matriz de racionalidade diferente desta moderna, científica e
capitalista, cuja forma de vida é a que mais preserva os bens naturais, agora alvo da voraz
(in)sustentabilidade capitalista. A principal diferença talvez não esteja no tempo, no lugar ou
no contexto que os diferencia, mas puramente na essência que difere a sustentabilidade como
valor e como discurso.
Lima (2003) afirma que embora os gérmens do discurso da sustentabilidade possam
ser observados em contextos históricos remotos, suas expressões mais recentes podem ser
observadas a partir da década de 1970, nos movimentos ambientais que irrompem nesse
período, nas conferências da ONU sobre meio ambiente, nos relatórios do Clube de Roma e em
alguns trabalhos pioneiros. Porém, as referências mais explícitas estão na noção de
Ecodesenvolvimento desenvolvida por Ignacy Sachs e, mais tarde, na ideia de desenvolvimento
sustentável proposta pela Comissão Brundtland em 1987.
O movimento ambientalista apresenta em sua composição diversos grupos com
interesses bastante variados. Há dentro dele uma diversidade de posicionamentos que vão desde
correntes com uma proposta revolucionária até aquelas idealizadas para defender a ordem
vigente do capital. Isso indica que o movimento ambientalista de um modo geral é apropriado
por diferentes classes, movimentos e frações da sociedade que, naturalmente, têm interesses
diversos e buscam efetivá-los numa constante tensão de forças dentro do movimento
ambientalista.
Bernardes e Ferreira (2003) apresentam as principais correntes ecológicas
apontadas por Pepper (1995) divididas basicamente em dois segmentos: as conservadoras,
como o neomaltusianismo; e as progressistas, como o ecoanarquismo, a ecologia profunda ou
o ecossocialismo.
Kaplan (2011, p.23) expande essa classificação e conclui que o movimento
ambiental possui “desde posturas anti-humanistas, ecocêntricas e individualistas a concepções
mais coletivistas e racionalistas”. Entre as muitas correntes políticas diferentes, o autor destaca
os fundamentalistas, que se opõem à visão antropocêntrica do homem dominador da natureza;
os ecossocialistas ou eco-marxistas [sic]36, que partem do pressuposto de que os problemas
36 Para um maior esclarecimento sobre essa corrente - embora não seja o objetivo do nosso trabalho a descrição
pormenorizada das correntes ecológicas - decidimos dar especial atenção à corrente ecomarxista por ser
fundamentada em elementos (destacados) que se aproximam da abordagem que orienta o nosso trabalho. Assim,
destacamos na íntegra uma citação de Kaplan (2011, pp.23-24, grifo nosso) que resume os pressupostos dessa
52
ambientais são decorrentes da organização social e do modo de produção capitalista; os
compatibilistas, que advogam a possibilidade de se compatibilizar o modelo de
desenvolvimento econômico adotado com a redução dos impactos ambientais; os zeristas, que
atribuem os problemas ambientais ao crescimento demográfico, que deverá ser negativo para
possibilitar a resolução da crise ambiental; os verdes ou ecologistas sociais que, de inspiração
anarquista, criticam tanto o capitalismo quanto o comunismo; os anarquistas em si; as várias
correntes que se apoiam no marxismo; os autoproclamados pacifistas; os humanistas; e a mais
recente, os neoliberais (KAPLAN, 2011).
Embora sejam muitas e com distintas abordagens, as correntes ambientalistas e suas
respectivas referências de sustentabilidade podem assim ser classificadas entre aquelas que
reforçam o discurso hegemônico e aquelas que, ao contrário, contestam não apenas o discurso
hegemônico, mas toda a organização que lhe dá legitimidade.
As primeiras partem assumidamente de uma perspectiva mitigadora de cunho
reformista: defendem a superação da crise socioambiental dentro dos marcos do capitalismo
por meio de ajustes e reformas. Algumas são ingênuas e mesmo apresentando críticas com um
grau distinto de profundidade, acabam legitimando a ordem vigente. Outras são bastante
astuciosas e articuladas, como aquelas que se pautam no discurso dominante de
desenvolvimento sustentável ou mesmo que surgiram com o intuito de dá-lhe legitimidade,
como é o caso da corrente ecocientificista, que surge no contexto do desenvolvimento
sustentável, apostando num processo de modernização ecológica. Essas correntes esvaziam o
conteúdo ambiental, se apropriam do peso dos movimentos ambientais e da urgência da
problemática ambiental para lhe imprimirem uma lógica ecocapitalista, que é na sua essência
reducionista.
As correntes de oposição são radicalmente críticas e combativas ao modo de
produção capitalista, entendendo a crise ambiental como consequência direta da organização
corrente: “Também denominados de ecologistas populares para diferenciar aqueles que não são socialistas. Em
geral, os adeptos dessa corrente "afirmam que a expansão do capitalismo é a causa da desigualdade social,
gerando pobreza, guerras, assim como resultando na degradação ambiental, por meio da globalização e do
imperialismo, sob a liderança dos Estados e instituições transnacionais. Dessa forma, ‘partem do pressuposto de
que os problemas ambientais são decorrentes da organização social e do modo de produção capitalista, que
tomam os recursos naturais (matéria-prima) e humanos (trabalho) como bens passíveis de apropriação e
exploração à exaustão pelo capital, visando a maximização do investimento’, oferecendo ‘como perspectiva, o
controle social da Sociedade ou do Estado democrático sobre o Mercado. Vislumbra-se aqui, com nitidez, um
agudo conflito polarizando a tendência eco-capitalista [sic] que deseja efetuar a completa privatização da
natureza, contra a tendência eco-socialista [sic], que deseja consolidar a natureza como um patrimônio público
e coletivo’ (Layrargues, 2003a, p. 64). Em sua maioria, os ecossocialistas defendem o desmantelamento do
capitalismo e do Estado, com foco na propriedade coletiva dos meios de produção pelos produtores associados
livremente e restauração do bem comum. Para maior aprofundamento, vale a leitura de Löwy (2005).”
53
social e da produção do espaço, como um sintoma do modo de produção capitalista e que,
portanto, não pode ser resolvida dentro dos marcos do capitalismo. Essas tendem a ser mais
abrangentes, incluindo uma diversidade de interpretações políticas, filosóficas e ideológicas.
Assim, a ideia de sustentabilidade é notadamente marcada por duas matrizes
discursivas referentes aos dois campos: uma que se apresenta como o discurso oficial e outra
que se apresenta como um contradiscurso. Desse modo, o debate no campo da sustentabilidade
é polarizado por essas duas matrizes em torno das quais se posiciona a multiplicidade de
tendências político-filosóficas a respeito da sustentabilidade (LIMA, 2003).
Assim como são diversas as correntes que historicamente compõem o movimento
ambientalista, também a ideia de sustentabilidade possui diferentes leituras, construídas por
forças sociais distintas, que buscam hegemonizar a sua interpretação de sustentabilidade. No
atual contexto histórico, sustentabilidade transformou-se em uma ideia de longo alcance, que
perpassa diferentes campos discursivos como meio ambiente, ecologia, economia e
desenvolvimento, inclusive sendo capaz de atrair para o seu entorno todas essas abordagens,
constituindo um campo próprio, uma espécie de interdiscurso que se apropria desses campos
para se constituir.
Longe de uma abordagem de análise do discurso ou que se enquadre no campo das
linguagens, queremos chamar a atenção para a abordagem que Lima (2003) dispensa a temática
da sustentabilidade. Para ele, essa condição permite tratar a sustentabilidade como discurso, no
sentido empregado por Michel Foucault (2001), ou seja, práticas que, apoiadas em regras
históricas, são capazes de gerar significados e estabelecer o que pode ou não ser dito dentro de
determinado campo discursivo em um dado contexto histórico (LIMA, 2003, p.99).
O discurso, portanto, relaciona-se simultaneamente, com suas regras de formação,
com outros discursos e com as instituições sociais e o poder que elas expressam. Todo
discurso contém procedimentos de seleção e exclusão que estabelecem os limites do
permitido e do proibido, do que é aceito e rejeitado, do que é considerado verdadeiro
ou falso numa certa configuração histórico-cultural (LIMA, 2003, p.99).
Para Foucault, saber e poder não existem separados um do outro, bem como a
verdade é uma invenção histórica, construída socialmente, uma forma de interpretação que se
impõe sobre outras e sobre o próprio real, tornando-se a interpretação hegemônica sobre aquele
objeto dentro de um determinado campo discursivo e numa dada época. Isso denota que “tanto
o saber quanto a verdade veiculados nos discursos estão enraizados no domínio do poder” e
que, portanto, não há discurso neutro ou desinteressado. Ao contrário, todo discurso exerce uma
vontade de dominação e para atingi-la, associa o poder nele investido ao saber socialmente
reconhecido como verdadeiro (LIMA, 2003, p.101).
54
É nesse contexto que se constrói o discurso oficial de sustentabilidade proposto pela
política ambiental internacional, que se estruturou no início da década de 1970 e foi, finalmente,
formalizada através da ideia de desenvolvimento sustentável instituída no Relatório Brundtland
em 1987. Em um momento de crise, no qual eram visíveis os sinais de desgaste que o modelo
de produção infligia ao meio ambiente; quando as críticas e questionamentos à organização
capitalista se expandiam; frente à diversidade de leituras sobre sustentabilidade ou mesmo da
constatação da insustentabilidade do modelo vigente, que as diferentes correntes do movimento
ambientalista representavam, era necessário ao poder hegemônico tomar as rédeas para manter
a sua condição. Assim nasce a sustentabilidade como discurso, pois, de acordo com essa
perspectiva, “toda sociedade controla e seleciona o que pode ser dito numa certa época, quem
pode dizer e em que circunstâncias, como meio de filtrar ou afastar os perigos e possíveis
subversões que daí possam advir.” (LIMA, 2003, p.99).
É a partir desse pressuposto filosófico que Lima (2003) aborda a sustentabilidade
no contexto da sociedade moderna, onde o saber científico é identificado como o discurso
verdadeiro, produzindo efeitos de poder. Esse poder deve-se à objetividade e à neutralidade
atribuídos à ciência e às instituições que a promovem: “o reconhecimento do discurso científico
e de suas qualidades naturalizam-no como verdade impessoal, racional e livre de todo
questionamento, elevam-no a uma posição de hegemonia social e transferem-lhe o poder de
avaliar e julgar os demais saberes.” (LIMA, 2003, p.100).
O desenvolvimento sustentável do PNUMA encontra as suas referências na noção
de Ecodesenvolvimento formulada por Ignacy Sachs, que foi devidamente suplantada pelo
novo discurso formal. A proposta de Sachs articulava promoção econômica, preservação
ambiental e participação social, enfatizando a necessidade de meios para uma emancipação
política, cultural e tecnológica das populações envolvidas nos processos de mudança social, se
posicionando claramente a respeito dos direitos e desigualdades sociais e defendendo a
autonomia dos povos e países menos favorecidos na ordem internacional (LIMA, 2003).
A Comissão Brundtland se apoiou em muitas das ideias de Sachs para elaborar a
sua ideia de desenvolvimento sustentável, mas ao sobrepor a dimensão econômica às demais
dimensões da organização social e ao se pautar numa tônica tecnológica e conciliadora que
tendia a despolitizar a proposta de Sachs, conseguiu esvaziar o conteúdo emancipador do
Ecodesenvolvimento, chegando assim a resultados qualitativamente diferentes (LIMA, 2003).
O Ecodesenvolvimento proposto por Sachs não teve tempo de romper as barreiras
da gestão setorizada do modelo de desenvolvimento então vigente e ao qual ele se propunha
55
transformar, porque foi contra-atacado, imobilizado, esvaziado e, por fim, apropriado pelas
estratégias de resistência à mudança da ordem econômica que:
[...] foram dissolvendo o potencial crítico e transformador das práticas de
Ecodesenvolvimento. Daí surge a busca de um conceito capaz de ecologizar a
economia, eliminando a contradição entre crescimento econômico e preservação da
natureza... Começa então naquele momento a cair em desuso o discurso do
Ecodesenvolvimento, suplantado pelo discurso de Desenvolvimento Sustentável
(LEFF, 2001, p.18 apud LIMA, 2003, p.102, grifo nosso).
Uma vez que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA,
criado em 1972 pela ONU, se solidificou internacionalmente como a autoridade máxima nos
assuntos referentes ao meio ambiente, também se consolidaram os conceitos e valores nos quais
ele é pautado. Estabelecendo os parâmetros para o desenvolvimento sustentável e projetando o
debate social sobre o tema a nível mundial, o Relatório Brundtland (1987) estava assim
projetando o conteúdo da nova estratégia oficial de desenvolvimento que o mundo deveria
assumir daquele momento em diante, formalizando os interesses que já havia sido manifestado
desde o primeiro grande evento internacional que se propunha a discutir os problemas
ambientais e criar um estado de cooperação internacional para lidar com a crise, particularizada
como sendo ambiental:
Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, ficou claro que a preocupação dos
organismos internacionais quanto ao meio ambiente era produzir uma estratégia de
gestão desse ambiente, em escala mundial, que entendesse a sua preservação dentro
de um projeto desenvolvimentista. Dentro dessa perspectiva produtivista, o que se
queria preservar de fato era um modelo de acumulação de riquezas onde o patrimônio
natural passava a ser um bem. O apelo à humanidade e ao bem-estar dos povos era
usado como álibi, sempre citado ao lado dos objetivos de crescimento econômico,
emprestando uma preocupação humanista a intenções não tão nobres (RIBEIRO,
1991, p.79 apud LIMA, 2003, p.104).
Essa nova estratégia de desenvolvimento consolidou suas bases em um discurso
que buscava responder aos principais questionamentos que se levantaram em crítica ao
capitalismo: ao mesmo tempo em que buscava humanizar o capitalismo através da incorporação
de questões sociais; buscava também ‘ambientalizá-lo’ através de uma modernização ecológica
que afirmava ser possível conciliar conservação ambiental com crescimento econômico. E
assim, cada um desses aspectos foi muito bem representado nas três dimensões que compõem
a ideia de desenvolvimento sustentável: crescimento econômico, equidade social e a proteção
ambiental.
56
A mobilização internacional em torno da problemática ambiental inaugurava o
início de um processo de ambientalização ou de modernização ecológica37 que seria uma
resposta político-administrativa para o dilema ecológico, no qual o meio ambiente passa de
obstáculo a motor do crescimento econômico e de modo que o processo de valorização da
natureza passaria a gerar uma nova fonte de renda capitalista.
Conforme Novicki (2009), essa vertente ambiental assumida pela economia
neoclássica hegemônica que atribui a crise ambiental aos limites externos (naturais) apresenta
duas propostas básicas: a correção de falha nos mecanismos de ajuste do mercado, através da
internalização das externalidades negativas, ou seja, incluindo a poluição e o desgaste ambiental
nos custos da produção; e da adoção de tecnologias ditas limpas que levariam ao uso racional
e sustentável dos recursos naturais. Assim
A análise dos pressupostos que norteiam esta concepção de desenvolvimento
sustentável permite-nos compreender a necessidade do aumento da competição, da
maior mobilidade de capital, dos processos de acumulação e de alocação de capital,
de busca cada vez maior de aumento da produtividade do trabalho pelo capital e de
eficiência, na dinâmica capitalista de geração de valor. Permite-nos compreender,
igualmente, que, na concepção de desenvolvimento sustentável centrada na lógica do
capital, o livre mercado é o instrumento da alocação eficiente dos recursos planetários
e, neste sentido, a relação trabalho e meio ambiente está subsumida à supremacia do
capital, com sérias consequências para o mundo do trabalho e para os recursos naturais
(DELUIZ; NOVICKI, 2004, p. 22 apud NOVICKI, 2009, p.4).
A estratégia para transpor as limitações que a questão ambiental impunha ao
crescimento econômico precisou renomear velhos fenômenos como ambientais e orientou o
surgimento de ações unificadas – ONU em suas diversas ramificações, Instituições de
Financiamento Multilateral - IFM, lideradas pelo Banco Mundial, que, pelo menos desde a
década de 1980, eram alvo de intensas críticas pelo financiamento de projetos polêmicos e
governos e empresa de países ricos - em torno da proteção ambiental a fim de garantir
legitimidade ao processo.
Esse processo, por sua vez, se baseava na suposição de que a superação ecológica
se daria pela inovação tecnológica, por mecanismos de mercado e construção de consensos e
na capacidade das instituições públicas, internalizando tais preocupações ecológicas,
conciliarem crescimento econômico com a resolução de problemas ambientais.
Sobre a modernização ecológica, Furtado e Strautman (2014) afirmam que:
Ela foi impulsionada por uma elite de políticos, especialistas e cientistas que impõem
suas definições do problema e soluções, buscando manter o interesse das elites
industriais através de instrumentos políticos como as IFM [Instituições de
Financiamento Multilaterais]. Nesse caso o discurso ambiental é utilizado como forma
37 Termos empregados respectivamente por Acselrad (2010 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014) e Hajer
(1996 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014).
57
de legitimação e instrumento para garantir a continuação e aprofundamento de
políticas neoliberais: tudo deve ser permitido em nome do meio ambiente
(FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.222).
A Teoria da Modernização Ecológica foi formulada por um grupo de cientistas
sociais de países ricos como a Suécia, a Holanda, a Alemanha, a Noruega e o Japão. É uma
versão mais elaborada do discurso do desenvolvimento sustentável proposto pela Comissão
Broundtland em 1987, mantendo seu caráter compatibilista e reformista: defende a
compatibilidade entre crescimento econômico e proteção ambiental, propondo a reestruturação
da economia política do capitalismo e o enfrentamento da crise ambiental dentro dos marcos
do capitalismo, transformando-se assim no discurso de maior aceitação internacional entre os
países e corporações de vanguarda do ecocapitalismo. “A argumentação econômica e técnico-
científica ocupa uma posição privilegiada nessa matriz interpretativa e tende a deixar em
segundo plano considerações éticas e políticas associadas a valores biocêntricos, de
participação política e de justiça social.” (LIMA, 2003, p.107).
Em suma, a modernização ecológica propõe que a conciliação do crescimento
econômico com a resolução dos problemas ambientais deve ser feita através da internalização
da preocupação ecológica pelas instituições políticas, com ênfase na superação tecnológica, nos
mecanismos de mercado e na colaboração e consenso (NOVICKI, 2009).
Na contramão dessa vertente está a outra matriz que se caracteriza por reunir
posições combativas ao ecocapitalismo e se apresenta como um contradiscurso em oposição ao
discurso oficial do desenvolvimento sustentável e da modernização ecológica.
De acordo com Novicki (2009), em uma perspectiva crítica, a sustentabilidade é
entendida como o “processo pelo qual as sociedades administram as condições materiais de sua
reprodução, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus
recursos ambientais.” (ACSELRAD; LEROY, 1999, p. 28 apud NOVICKI, 2009, p.4). Essa
concepção é norteada pelo princípio da equidade e seus pressupostos estão na tradição do
marxismo e na crítica da economia política, que remete necessariamente à crítica “à sociedade
fundada sobre a propriedade privada dos meios de produção, à subsunção do trabalho ao capital
e à lógica da acumulação capitalista (MARX, 1988).” (NOVICKI, 2009, p.5).
Politicamente, essa matriz se identifica com os princípios da democracia
participativa, prioriza o preceito de equidade social e desconfia da capacidade do mercado como
alocador de recursos, mas se divide em duas tendências principais com relação ao Estado: uma
que defende a subordinação do Estado à Sociedade Civil por suspeitar de sua ação e outra que
defende a intervenção estatal como a estratégia mais eficiente para se alcançar a transição para
58
a sustentabilidade, uma vez que a ação civil isolada não é capaz de se contrapor às forças do
mercado e que a ação normativa e política do Estado é indispensável para preservar o meio
ambiente, enquanto patrimônio público. Ela se divide mais ainda com relação à dimensão
ecológica, variando desde visões antropocêntricas a visões biocêntricas38 (LIMA, 2003).
Entretanto, essa diversidade de pensamento quanto à dimensão ecológica não
compromete a solidez da proposta do contradiscurso. Ao nosso entender e ao contrário do que
em geral se propaga, a dimensão ecológica é a menos importante dentro dessa matriz de
sustentabilidade, pois a relação com a natureza é reflexo da organização social, da produção do
espaço e das relações estabelecidas dentro da sociedade de modo que, se estas são predatórias,
também assim tende a ser a relação com a natureza. O mais importante é que, ao contrário do
reducionismo econômico no qual a abordagem ecocapitalista tem base, essa vertente tende a
uma abordagem multidimensional, integrando diferentes dimensões da vida individual e social
dentro da sua referência de sustentabilidade.
Os defensores dessa matriz complexa de sustentabilidade reagem aos reducionismos
econômico e tecnológico que, segundo eles, caracterizam o discurso oficial.
Consideram ainda que não há sustentabilidade possível sem a incorporação das
desigualdades sociais e políticas e de valores éticos de respeito à vida e às diferenças
culturais. [...] De forma geral, esta matriz de sustentabilidade fundamenta-se numa
crítica ampla da civilização capitalista ocidental que reprova o mito do progresso, o
primado da razão instrumental, o fetiche consumista, a idolatria cientificista e o
descentramento do homem e da vida na agenda de prioridades sociais (LIMA, 2003,
p.109, grifo nosso).
Assim, essa referência inclui necessariamente a autonomia política e o respeito à
singularidade cultural de cada país e, em oposição à tônica economicista e à pretensão
universalista da proposta de desenvolvimento sustentável, essa matriz prefere utilizar a
expressão ‘sociedade sustentável’ (LIMA, 2003, p.109).
Essa concepção de sociedade sustentável leva à crítica do modelo de
desenvolvimento capitalista e do papel dos sujeitos políticos na construção dessa proposta de
desenvolvimento sustentável. Revelando-se antônimos, desenvolvimento sustentável e
sociedade sustentável são diferentes visões de mundo, que buscam efetivar distintos projetos
de sociedade. E, para alcançar os interesses em disputa, busca-se ocultar ou explicitar a essência
da exclusão social ou, como preferimos, da inclusão perversa para a conservação ou
transformação, respectivamente, da correlação de forças presente na sociedade (NOVICKI,
2009).
38 De maneira geral, esta é uma ideia que contrapõe o antropocentrismo, entendendo o ser humano como parte da
natureza e não superior a ela com plenos direitos para ameaçar o seu equilíbrio.
59
2.3.1 O mito do desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento sustentável entendido como um projeto de desenvolvimento
capitalista global deve ser considerado a partir de alguns pontos estruturantes do capitalismo:
a) para se manter, o modelo de desenvolvimento precisa ser legitimado diante da sociedade
civil e ser ideologicamente sustentado como bom; b) precisa garantir fontes de recursos naturais
que garantam a produção; c) é essencialmente segregador, classista e dilapidador da natureza,
enquanto fonte para o processo produtivo que viabiliza a acumulação de capital; d) alimenta-se
das contradições, intensificando as diferenças, extremando riqueza e pobreza; e) o processo de
acumulação capitalista é organizado e garantido pelo Estado, gerido através de estrutura
institucional, e materializado em políticas públicas; f) as conquistas em termos de garantia de
direitos é resultado de luta travada e resistência e não uma tendência do capitalismo.
O desenvolvimento sustentável é uma ideia proposta no Relatório Brundtland
(1987) projetada para ser hegemonizada como o discurso oficial sobre sustentabilidade. A
definição oficial é de que o "desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias
necessidades".
Sua elaboração formalizava a nova estratégia oficial de desenvolvimento a nível
mundial, que pretendia responder aos questionamentos que se levantavam quanto aos limites
do crescimento econômico, aos problemas sociais e ao desgaste ambiental produzido pelo
capitalismo, ou seja, manter a legitimidade e garantir as fontes de recursos naturais.
A Conferência de Estocolmo (1972) que deu início a esse projeto, foi precedida por
inúmeros questionamentos sobre os modelos de desenvolvimento ocidentais e socialistas. Na
década de 1960, ocorriam nos Estados Unidos diversos protestos voltados para os direitos civis,
em especial em contestação à Guerra do Vietnã (1955-1975); na Europa Ocidental, havia mais
resistência ao regime fechado; a União Soviética passava por transição de doutrina,
aproximando-se dos princípios vistos na Doutrina Monroe (LAGO, 2007). Essa oposição de
caráter político‐econômico também se levantou em defesa do meio ambiente, questionando
sobretudo os impactos da industrialização sobre o meio natural (COSTA et al., 2014).
Assim, a intenção era criar um Estado de cooperação internacional para lidar com
a crise do capitalismo, particularizando-a como sendo uma crise apenas ambiental, de modo a
que a internalização da preocupação ambiental fosse capaz de dar um novo fôlego à
continuidade do desenvolvimento econômico. Assim, essa estratégia de desenvolvimento se
60
preocupou em se vestir de humanização e de ambientalização, e o fez ao compor a ideia de
desenvolvimento sustentável a partir de três dimensões: ambiental, econômica e social.
A problemática ambiental, então percebida como urgente pela sociedade, e o
desafio da sustentabilidade só poderiam ser aceitos pelos capitalistas com a imposição do seu
controle que garantiriam o seu poder. Assim sendo, enquanto estratégia de desenvolvimento
capitalista, o desenvolvimento sustentável preserva a estrutura capitalista, busca corrigir as
falhas e aperfeiçoar o seu padrão de reprodução.
O esgotamento das riquezas naturais, a poluição e o receio da perda de qualidade
de vida são preocupações debatidas desde o início do processo de industrialização, porém se
tornou mais explícita a partir da segunda metade do século XX. Já em 1962, a ONU ressaltava
que o desenvolvimento econômico nos países menos desenvolvidos poderia pôr em risco os
recursos naturais, ou seja, o próprio desenvolvimento econômico, uma vez que estes são a base
para a produção. A grosso modo, a preocupação da ONU era que o crescimento dos pobres
comprometesse o crescimento dos ricos, pois os pobres não estariam habilitados a utilizarem
os recursos naturais de forma sustentável (RODRIGUES, 2005).
Assim, as respostas para os questionamentos sociais sobre a degradação ambiental
puderam ser associadas à necessidade de garantir fontes de recursos naturais. Esse projeto toma
forma nos documentos e nos eventos que se seguem. A preocupação com o esgotamento dos
recursos naturais e o consequente comprometimento do desenvolvimento era justamente a
tônica da Conferência de Estocolmo, em 1972. Também a ideia de crescimento zero proposta
pelo Clube de Roma nessa conferência “está alicerçada nos documentos anteriores da ONU e
na ideia de que a preservação dos recursos naturais só poderia ser obtida com o uso de alta
tecnologia e sob a proteção dos países ricos.” (RORIGUES, 2005, p.4).
Com a afirmação do patrimônio ambiental como bem comum da humanidade, os
limites territoriais dos Estados-nação foram parcialmente ignorados e os países pobres, que são
aqueles com maior quantidade de recursos naturais, alienam a soberania do seu território e dos
seus respectivos recursos naturais a uma estrutura de cooperação multilateral criada sob o
pretexto de arbitrar divergências entre os diferentes países ou blocos de países - notadamente,
os ricos do Norte e os pobres do Sul - para conciliar conflitos e alcançar um consenso que
levasse a um modelo de desenvolvimento ambientalmente adequado.
Nesses termos, o entendimento de desenvolvimento é dúbio e convenientemente
apropriado: há uma clara diferença entre o desenvolvimento e o desenvolvimento dos pobres,
que ao contrário do desenvolvimento que é sinônimo de crescimento, riqueza, emancipação
humana, seria a negação disso tudo, como sinônimo de destruição. Em um contexto ideal, um
61
país subdesenvolvido utilizaria os seus recursos naturais para promover o seu próprio
desenvolvimento econômico, o que não é possível no contexto real da globalização, enquanto
reinvenção colonial, em que historicamente os recursos naturais dos pobres são para promover
o desenvolvimento econômico dos países ricos.
Ademais, conforme aponta Rodrigues (2005), há de se atentar que nesse contexto
[...] os conflitos entre o norte ‘desenvolvido’ e o sul ‘subdesenvolvido’ expressam
também, os interesses das corporações internacionais na implantação de indústrias
poluentes e na exploração de recursos naturais dos países da periferia do sistema,
porém, apareciam como conflitos entre países (RORIGUES, 2005, p.5).
Desse modo, as conferências internacionais aparecem como um instrumento de
legitimação dos interesses dos países ricos e das corporações internacionais. Tanto que na Eco
92 (1992) que resultou na assinatura da Agenda 21 e sagrou definitivamente o desenvolvimento
sustentável como meta, a proposta dos países da periferia do sistema para desenvolvimento
sustentável foram rejeitadas (RODRIGUES, 2005, p.5).
O discurso oficial da sustentabilidade e, consequentemente, o ideário do
desenvolvimento sustentável são de cunho compatibilista, ou seja, advogam a compatibilidade
entre preservação ambiental e crescimento econômico, defendendo a superação da crise
ambiental dentro dos marcos do capitalismo, através de mecanismos de mercado e da adoção
de novas tecnologias que melhorariam a gestão do meio ambiente, são as chamadas tecnologias
ecoeficientes. De maneira geral, desvincula a crise ambiental da produção do espaço e da
organização social, trata os bens naturais - vistos como recursos naturais – como bem comum
intergeracional, evoca a responsabilidade coletiva na sua preservação do meio ambiente, a
necessidade de uma cooperação internacional para tratar a crise e a responsabilidade do Estado
na adoção de políticas públicas que busquem implementar o desenvolvimento sustentável. Em
suma:
Trata-se de um discurso politicamente pragmático, que enfatiza a dimensão
econômica e tecnológica da sustentabilidade e entende que a economia de mercado é
capaz de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável, através
da introdução de “tecnologias limpas”, da contenção do crescimento populacional e
do incentivo a processos de produção e consumo ecologicamente orientados (LIMA,
2003, p.108).
Enquanto no discurso, a sustentabilidade está associada à noção de verdade, de
saber e de poder. Conforme defende Lima (2003), no contexto da sociedade moderna, o saber
científico é considerado o discurso verdadeiro. Sendo a ciência e as instituições que o criaram
tidas como neutras, o saber científico é tido como uma verdade impessoal, racional,
inquestionável e juiz dos outros saberes, o que lhe confere efeitos de poder.
62
A partir desse entendimento, fica mais clara a importância estrutural dada à
tecnologia dentro do ideário do desenvolvimento sustentável. Assim, destaca-se o papel da
técnica, da ciência e da tecnologia no estabelecimento das relações de poder. E no meio técnico-
científico-informacional os países desenvolvidos e as corporações internacionais, que se
encontram na vanguarda da tecnologia, seriam os protagonistas na preservação dos bens
naturais na missão de preservá-los para as gerações futuras, ao oposto dos países pobres e dos
pobres de uma maneira geral (RODRIGUES, 2005, p.6).
O período moderno foi embasado na tecnologia, no progresso científico e no
desenvolvimento tecnológico. Nesse período, edifica-se a sacralização da ciência e da técnica
que se revestem de uma neutralidade para o bem e de uma expectativa salvacionista. O potencial
científico e tecnológico para satisfazer necessidades modernas alimenta a esperança de que
também poderá, num futuro próximo, resolver os problemas sociais e solucionar a degradação
ambiental. Mas ambos são inerentes ao modelo de organização social que permanece ocultado
por essa esperança que, projetada para o futuro, faz com que o espaço concreto seja obscurecido
em detrimento do tempo vindouro indeterminado, caracterizando assim a metáfora temporal
(RODRIGUES, 1998).
Enquanto a problemática ambiental destaca a importância da produção do espaço,
que remete a organização social, a ênfase tecnológica, empregada no ideário do
desenvolvimento sustentável, desfoca essa análise empurrando as soluções para o tempo futuro
e deixando-as a cargo da tecnologia, invisibilizando assim a necessidade da crítica e de
alterações na organização social. Porém, como observa Rodrigues (2005), a Agenda 21(1992)
adotada para a implementação do desenvolvimento sustentável sugere que esse tempo futuro se
refere ao século XXI, entretanto, alcançado este século, continuam a se referir ao futuro.
Contudo, enquanto a Agenda 21 propõe que os compromissos assumidos pelos
Estados no sentido de implementar o desenvolvimento sustentável sejam atingidos no século
XXI, as oito metas elaboradas pela ONU em 2000 com a finalidade de tornar o mundo um lugar
mais justo e solidário e que abordam objetivos de extrema importância para a construção de
uma sociedade mais justa são denominadas Metas de Desenvolvimento do Milênio - MDM39.
Também a ênfase nas necessidades das gerações futuras projeta o olhar para o
futuro, desfocando a análise do presente e a construção histórica que gerou a crise ambiental,
39 As metas são as seguintes: 1. Acabar com a Fome e a Miséria; 2. Educação Básica de Qualidade para todos; 3.
Igualdade entre Sexos e Valorização da Mulher; 4. Reduzir a Mortalidade Infantil; 5. Melhorar a Saúde das
Gestantes; 6. Combater a Aids, a Malária e outras doenças; 7. Qualidade de Vida e Respeito ao Meio Ambiente;
8. Todo Mundo trabalhando pelo Desenvolvimento. A avaliação dos resultados dessas metas é feita com base
no Índice de Desenvolvimento Humano - IDH que engloba riqueza, educação e expectativa de vida.
63
bem como as necessidades da geração presente. A ênfase é dada ao meio ambiente como
referência ao meio externo à sociedade e não ao ambiente como uma totalidade complexa
composta pelo meio natural e pelos aspectos sociais que compõem a produção do espaço.
Assim, propositadamente
[...] o uso do termo provocou deslocamento de análises em relação ao território, às
causas e consequências da dilapidação das riquezas naturais, aprofundou as formas e
ocultou os conflitos entre classes sociais, transformou a questão ambiental em agenda
política de países e entre países (RODRIGUES, 2005, p.1-2).
Do mesmo modo, a ideia de que os problemas ambientais são resultados de ações
antrópicas esconde a estratificação social e socializa igualmente as responsabilidades pela
degradação ambiental, omitindo a diferença de classes e a responsabilidade diferenciada da
crise por parte de cada uma: a crise ambiental passa a ser construída como uma ação sem sujeito
social, resultado das ações da humanidade inteira. Assim,
Na tentativa de generalizar os fatos, omite um contexto histórico, e cria o “homem
abstrato”, cuja consequência significa a retirada do componente ideológico da questão
ambiental, que passa a ser considerada com um[a] certa dose de ingenuidade e
descompromisso, frente à falta de visibilidade do procedimento histórico que gerou a
crise ambiental (LAYRARGUES, 1997, p.4)
Segundo Layrargues (2002, p.12), essa ideia de generalização das
responsabilidades pela crise ambiental como um evento sem sujeito, sem agente, sendo assim
responsabilidade de todo mundo, aparece logo no título do Relatório Brundtland (1987) - Nosso
Futuro Comum - que “não por acaso se tornou o slogan da propaganda ideológica dominante
mais difundido na década de 90.” Essa generalização das consequências chama todos ao
compromisso com a implementação do desenvolvimento sustentável, como indica a criação da
metáfora da Espaçonave Terra, na qual todos os seres humanos se encontrariam no mesmo
barco, com suprimentos limitados, e com um destino comum, cabendo a todos a obrigação de
contribuir com a construção do futuro.
Contrapondo a metáfora da Espaçonave Terra, Layrargues (2002, p.13) constrói a
apropriada metáfora do Titanic40, “que afundou levando consigo apenas os passageiros de
segunda categoria, com pelo menos duas classes diferentes, bem demarcadas, nessa Espaçonave
Terra” para explicitar que, mesmo dentro do contexto da crise ambiental global, há grupos
sociais mais afetados pelos impactos ambientais do que outros. Ademais, aproveitando a
metáfora da Espaçonave Terra, entendemos que ela também tem seu capitão, posto prontamente
40 Naufragado em 1912, o transatlântico RMS Titanic somou 1.517 mortos atingindo 68,2% do total de passageiros
assim distribuídos: 39,5% na primeira classe; 58,3% na segunda classe; 75,5% na terceira classe; 76,2% na
tripulação (KAPLAN, 2011).
64
assumido pela ONU através da criação do PNUMA ainda em 1972, sugerindo que ao ser criada,
a espaçonave já possuía um capitão delegado para o seu comando.
Layrargues (1997) aponta algumas características dessa proposta, que procura
ocultar o potencial de revisão do modelo de desenvolvimento e organização social que a
problemática ambiental possui, buscando antes reafirmá-los. Para isso, um instrumento
característico importante seria a tecnologia, pois apesar do atual estágio de desenvolvimento da
tecnologia e da organização social representarem os limites do desenvolvimento sustentável,
“tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de
proporcionar uma nova era de crescimento econômico” que seria sempre ascendente.
Outro ponto importante é a consideração de que a degradação ambiental seria
acentuada pela pobreza dos países subdesenvolvidos e não pelo consumo excessivo dos
desenvolvidos, de modo que a superação da pobreza se dará pela via do crescimento econômico.
Do mesmo modo, o acesso às necessidades básicas - a serem redefinidas de acordo com as
necessidades do mercado de se desenvolver - se daria pelo mercado, relacionando diretamente
a qualidade de vida ao consumo (LAIRARGUES, 2007).
Mesmo frente a todas as evidências de que o planeta não seria capaz de prover a
universalização do padrão de consumo dos países desenvolvidos - uma vez que estes são os que
mais contribuem com a degradação ambiental, no consumo exacerbado de mercadorias,
matérias primas e energia e gerando enormes quantidades de resíduos sólidos - ainda assim,
não se considera que seja necessário reduzir seu nível de consumo.
Consequentemente, a ideia de justiça social contida no desenvolvimento sustentável
não considera a necessidade de se estabelecer um teto de consumo material41, no qual o nível
de consumo dos desenvolvidos representaria um piso de consumo material a ser alcançado pelos
subdesenvolvidos, numa trajetória de consumo sempre ascendente que seria possibilitada pelas
inovações tecnológicas (LAIRARGUES, 1997). Em síntese,
[...] o que está implícito no conceito de justiça social, é a equivalência entre o Norte e
o Sul, a partir da árdua mas necessária definição de quais seriam as necessidades
básicas e comuns a todas as sociedades (...) É precisamente esta premissa [o teto de
consumo material, de acordo com a prudência ecológica e a coerência para com as
gerações futuras] que a Comissão Brundtland evita abordar. Acreditando que as
inovações tecnológicas certamente permitirão o acesso de todos os povos à fartura,
sem comprometimento da sustentabilidade ambiental, não haveria necessidade do
Norte participar do esforço de se impor restrições ao consumo, pois teoricamente ele
41 Teto de consumo material: segundo este autor é uma das características que diferencia o desenvolvimento
sustentável do ecodesenvolvimento.
65
não estaria contribuindo para o agravamento da crise ambiental42 (LAYRARGUES,
1997, p.6).
Ao mesmo tempo em que sagra o termo desenvolvimento sustentável, o Relatório
Brundtland (1987) afirma que este é um objetivo a ser alcançado num futuro próximo, um
conceito que possui limites que deverão ser superados com o avanço da tecnologia e da
organização social, sem contanto esclarecer “se o limite é conceitual ou se diz respeito aos
objetivos que se pretende alcançar.” (RODRIGUES, 2005, p.2).
Desse modo, Rodrigues (2005) contesta firmemente a afirmação da ONU de que o
desenvolvimento sustentável seja um conceito, pois não possui “instrumentos teóricos
analíticos que exprimam porque é tido como um conceito” que, aliás, é algo necessariamente
complexo, pois o “conceito é um todo, porque totaliza seus componentes, mas um todo
fragmentado... Todo conceito remete a um problema e os problemas exigem ‘soluções’ pois são
decorrentes da pluralidade dos sujeitos, sua relação, de sua apresentação recíproca.”
(DELEUZE; GUATTANI, 1991, pp.27-28 apud RODRIGUES, 2005, p.2).
Ao contrário, o termo desenvolvimento sustentável parece ignorar a complexidade
do mundo real, ao mesmo tempo em que desconsidera que possam haver quaisquer contradições
e conflitos, apresentando como sendo possível um modelo em que, por mais diferentes que
sejam os interesses dos diferentes atores, poderia se alcançar um consenso em que todos
estivessem plenamente satisfeitos.
Enquanto Lima (2003) trata a sustentabilidade como um discurso ao ser apropriado
pela classe hegemônica, que pretende reter para si e de acordo com os seus interesses e visão
de mundo a definição oficial do que seja a sustentabilidade, ao mesmo tempo que afasta
referências que lhe sejam contrárias, Rodrigues (2005) trata o desenvolvimento sustentável
como um mito, uma vez que ele foi absorvido amplamente pelos diversos setores da sociedade,
que repetem sua definição indistintamente sem, no entanto, compreender como se dará a sua
efetivação.
Por esses motivos, a autora supracitada afirma que o desenvolvimento sustentável
não configura um conceito, mas uma ideia genérica que, abstraindo a complexidade da
realidade social, pretende encontrar soluções mágicas para os problemas do meio-ambiente.
Inicialmente, o termo “sustentável” foi utilizado para lançar uma ponte de diálogo
entre desenvolvimentistas e ambientalistas. Quando incorporado ao termo “desenvolvimento”
42 Uma curiosidade: na declaração final da Rio +20 (2012), o documento “O Futuro que queremos”, o termo “países
desenvolvidos” aparece apenas 3 (três) vezes, enquanto “países em desenvolvimento” aparecem 25 (vinte e
cinco) vezes! Isso indica para quem se direciona o desenvolvimento sustentável, quem é o alvo, quem são os
insustentáveis que devem se adequar.
66
proporcionou um ajuste na terminologia (RODRIGUES, 2005) que, tornando-o dúbio e
contraditório, abre margem para diferentes interpretações, “permite uma pluralidade de leituras
que oscilam, desde um sentido avançado de desenvolvimento, associado à justiça
socioambiental e renovação ética, até uma perspectiva conservadora de crescimento econômico
ao qual se acrescentou uma variável ecológica.” (LIMA, 2003, p.106).
Conforme a sociedade ia tomando consciência dos limites desse modo de produção
e as previsões assustadoras de um futuro devastado iam se popularizando, o desenvolvimento
sustentável foi progressivamente se transformado numa espécie de tábua de salvação, com a
capacidade de conciliar divergências em favor de uma causa maior e mais urgente:
Seu apelo se apoiava, sobretudo, em um estilo conciliador que favorecia a
aceitabilidade política internacional e a realização de amplas coalizões de interesses.
Possibilitava, ainda que vagamente, a construção de um campo comum que, se não
promovia o consenso entre as diversas concepções e grupos divergentes, permitia
amortecer ou camuflar os conflitos que os dividiam. Esse campo comum e genérico
da sustentabilidade permitiu aproximar capitalistas e socialistas, conservacionistas e
ecologistas, antropocêntricos e biocêntricos, empresários e ambientalistas, ongs,
movimentos sociais e agências governamentais (LIMA, 2003, p.104).
Se por um lado, no plano do discurso, esse estilo conciliador foi a estratégia mais
brilhante do desenvolvimento sustentável para, usando um único ponto de consenso sobre a
urgências da problemática ambiental, ser amplamente aceito por aqueles que têm interesses
divergentes; por outro, ele demonstra a inviabilidade prática dessa proposta de conciliação de
interesses opostos.
As conferências sobre meio ambiente se propõem a realizar discussões abertas,
considerando os diferentes segmentos da sociedade como forma de se legitimarem socialmente,
apostando na conciliação e no consenso. “A primeira vista nos parece um avanço político de
um evento democrático, porém, considerar que numa sociedade estratificada de interesses
diversos a nível global possa chegar a um consenso em que todos sejam atendidos é fingir que
essas diferenças não existem e que não são latentes e graves.” (TORRES, 2013, pp.63-64)
Uma das características dos processos decisórios na ONU é que todas as definições e
acordos têm que ser consensuais. Isto torna os processos de negociação um complexo
cabo de guerra, em que as divergências acabam excluindo pontos de desacordos, ou
se criam inúmeras condicionantes entre colchetes para posterior negociação
(STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.9).
A questão parece ignorar a diversidade de interesses que há entre os diversos atores.
Só o princípio de que os países têm responsabilidades comuns mas diferenciadas já abre uma
grande dificuldade de encontrar um consenso, visto que países desenvolvidos e
subdesenvolvidos têm interesses próprios. Dificuldades maiores se encontram quando se coloca
no contexto da tensão estabelecida entre os interesses dos capitalistas de todos os países agora
67
unificados na discussão global e os direitos fundamentais dos diversos grupos sociais e minorias
que há no interior de cada país, sobretudo nos subdesenvolvidos, como se propôs, por exemplo,
a Rio +20 (2012).
Essa pretensa democracia consensual, enquanto prerrogativa, faz com que nos
processos decisórios, os pontos de divergência sejam excluídos ou tenham a sua conclusão
protelada mantendo a neutralidade. Conforme Stiftung e Brasil (2012), isso fez com que grande
parte das propostas mais progressistas do documento-base da ONU para a Rio + 20 (Draft 1)
fosse excluída nas rodadas de negociação que antecederam a conferência. Assim é que os
Princípios de Poluidor/Pagador43, de Precaução Ambiental44 e de Responsabilidades Comuns e
Diferenciadas45 que possuem extrema relevância e que estavam presentes na primeira versão
do documento (Draft Zero) foram retirados da versão final, alterando completamente o rumo
das discussões.
Esses princípios foram fundamentais para viabilizar a adesão dos diversos países
num primeiro momento e assim legitimar o PNUMA como a autoridade máxima nas
negociações referentes ao meio ambiente. O princípio das Responsabilidades Comuns e
Diferenciadas, por exemplo, foi o que possibilitou um entendimento entre os países ricos e os
pobres quando do embate a respeito das responsabilidades sobre a degradação ambiental,
presente desde o primeiro momento na Conferência de Estocolmo em 1972. Como que numa
espécie de armadilha, após consolidada a autoridade mundial do órgão, os princípios
fundamentais que lhe deram validade foram revogados e ele assume um propósito diferente
daquele que, ao menos em tese, justificou sua criação.
Porém, não podemos dizer que tais diferenças tornam complexas as possibilidades
de um entendimento, elas apenas revelam a complexidade da estratificação social e a constante
tensão de forças que há entre seus diferentes segmentos. Nesse caso, nas negociações rumo ao
consenso, os países desenvolvidos conseguem forçar a realização de seus interesses, mantendo
assim sua hegemonia. De acordo com Stiftung e Brasil (2012), nas rodadas de negociação que
preparavam o rascunho para a Rio +20, países ricos como Estados Unidos, Canadá e Austrália
conseguiram alterar premissas de elementar importância para os direitos humanos e para o meio
ambiente e que anteriormente já haviam sido reconhecidos como básicos, como é o acesso aos
recursos naturais como um direito humano, segurança alimentar, acesso à água potável etc.
43 Define que o país responsável por danos ambientais deve arcar com os custos da reparação. 44 Estabelece que uma ação deve ser evitada em caso de incerteza quanto ao impacto do uso de uma técnica ou
produto. 45 Reconhece que os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pela degradação do meio ambiente,
revogando o que foi fixado no Protocolo de Quioto, em 1997.
68
Se de um lado o desenvolvimento sustentável parece uma necessidade nobre e
urgente, por outro, a sua aceitação generalizada é marcada por uma postura acrítica, incapaz de
relacionar a problemática ambiental à produção do espaço e às relações sociais, incapaz de
estabelecer associação entre a crise ambiental e as formas de apropriação da natureza,
exatamente tal como ele se propõe. Se política e economicamente o desenvolvimento
sustentável está bem definido nos termos desenvolvimentistas de interesse dos países
desenvolvidos, no ideário comum, pode revelar-se vazio por não especificar as vias pelas quais
se fará possível, permanecendo mais no plano da retórica do que em ações efetivas.
Mesmo assim, o discurso do desenvolvimento sustentável oficial foi
progressivamente se tornando a expressão dominante nos discursos sobre meio ambiente e
desenvolvimento social, absorvido e reproduzido pelos diferentes setores da sociedade até se
tonar uma expressão corriqueira e aplicada a vários contextos que podem ser, inclusive,
antônimos, de modo que a “sustentabilidade tornou-se palavra mágica, pronunciada
indistintamente por diferentes sujeitos, nos mais diversos contextos sociais e assumindo
múltiplos sentidos.” (LIMA, 2003, p.99).
Mas esse alcance não foi por acaso. Desde a apresentação do mito do
desenvolvimento sustentável à sociedade na década de 1980 até a sua absorção pelos diversos
setores sociais, a sua clara adoção nas políticas e planos de governo e a sua onipresença em
quase todos os aspectos da vida social46 houve um sistemático processo de internalização desse
discurso que objetivava justamente conquistar essa hegemonia.
A Agenda 21 aprovada na Eco 92 (1992) era propriamente o programa a ser adotado
pelos diversos países na implementação do desenvolvimento sustentável. A implementação das
Agendas 21 locais definidas na Rio +10 (2002) era o compromisso dos países signatários da
Convenção do Clima para efetivarem o programa da Agenda 21 global em seus respectivos
Estados-nação. Esse programa incide sobre amplos aspectos da organização social47 se
46 Vemos a evocação da sustentabilidade enquanto discurso presente nos setores governamentais e seus planos de
governo, em ONGs, no setor empresarial, em projetos, em novas linhas de produtos verdes, na mídia etc. A
sustentabilidade ambiental foi apropriada pelos diferentes setores como marketing. 47 Com base na apresentação do sumário, podemos afirmar que a Agenda 21 contempla os seguintes pontos:
Combate à pobreza, alteração nos padrões de consumo, demografia, assentamentos humanos, saúde;
gerenciamento e manejo de recursos terrestres, de recursos hídricos, de ecossistemas frágeis, de substâncias
químicas, tóxicas, de resíduos perigosos, de resíduos sólidos, de esgoto e de resíduos radioativos; combate ao
desflorestamento, de conservação da diversidade biológica e de biotecnologia, promoção do desenvolvimento
rural e agrícola sustentável; fortalecimento do papel da mulher, de populações indígenas, de ONGs, do comércio
e da indústria, de trabalhadores e sindicatos, da comunidade científica e tecnológica, dos agricultores; Recursos
e mecanismos de financiamento, de transferência de tecnologia; cooperação e fortalecimento institucional;
promoção da ciência e do ensino para o desenvolvimento sustentável; mecanismos nacionais e cooperação
internacional para fortalecimento institucional nos países em desenvolvimento, arranjos institucionais
69
estruturando sobre quatro pilares de atuação, a saber: Dimensões Sociais e Econômicas,
Conservação e Gestão dos Recursos para o Desenvolvimento, Fortalecimento do papel dos
grupos principais e Meios de implementação.
O desenvolvimento sustentável é essa estratégia que busca ocultar as causas da
problemática ambiental, obscurecendo a compreensão da produção do espaço, a existência de
classes, a importância estratégica do território, as formas de apropriação da natureza e o poder
dos proprietários dos meios de produção, dos detentores do conhecimento e da tecnologia,
preservando o modo industrial de produção e o sistema capitalista.
[...] impõe-se examinar as contradições ideológicas, sociais e institucionais do próprio
discurso da sustentabilidade, bem como analisar distintas dimensões de
sustentabilidade ecológica, ambiental, social, cultural e outras para transformá-las em
critérios objetivos de política pública (GUIMARÃES, 1995, p.4 apud BERNARDES;
FERREIRA, 2003, p.34).
De qualquer modo, quanto mais o discurso oficial da sustentabilidade e o mito do
desenvolvimento sustentável são difundidos, mais são legitimados e apropriados por diferentes
atores sociais, que lhe imprimem significados, características e as adaptações que melhor se
adequem aos seus interesses, aos seus valores, enfim, à sua visão de mundo.
Isso demonstra que as conferências e esse estado de cooperação internacional têm
servido para estabelecer relações de poder, fortalecendo a ordem vigente e condicionando a
resolução dos problemas sociais e ambientais para a esfera do mercado e aprofundando as
diferenças.
A estratégia para a preservação dos bens naturais não é a revisão do modo de
produção e das formas de apropriação destrutivas da natureza, mas a sua monetarização. Os
bens essenciais à vida dos homens e mulheres não são mais um direito humano fundamental e
inalienável, mas recursos naturais, que precisam ser protegidos pelo mercado da degradação
que a gratuidade implica. Assim é que se institui o Mercado Verde com seus produtos
ambientalmente corretos, com suas tecnologias ecoeficientes e se criará um sem fim número de
instrumentos de financeirização da natureza - aos quais daremos especial atenção mais adiante
- que garantem a reprodução e a mobilidade do capital no ecocapitalismo.
Ao mesmo passo que se pauta cada vez mais no mercado e na tecnologia, se avança
na negação de direitos fundamentais e na privatização dos bens naturais essenciais à vida, que
passarão a ser acessíveis apenas na esfera do mercado, mediado por relações econômicas que
se sobrepõem a todos os demais aspectos da vida social e revelando que a sustentabilidade
internacionais, instrumentos e mecanismos jurídicos internacionais e informação para a tomada de decisões
(CNUMAD, 1992).
70
ambiental e social são apenas um pretexto para prosseguir com a sustentação econômica do
modelo vigente. A sustentabilidade social e ambiental são apenas uma roupagem nova sobre o
corpo econômico do sistema capitalista. As roupas lhe servem apenas para ficar apresentável
de acordo com a ocasião, mas passada a necessidade, podem lhes ser tiradas as vestes sem nada
prejudicar o seu corpo, a sua essência.
2.4 A CONSTRUÇÃO DE UM FRÁGIL REFERENCIAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Com o despertar da preocupação ambiental por parte de diversos segmentos sociais
e diante da ameaça de que o esgotamento dos recursos naturais pudesse comprometer o
crescimento econômico como já era apontado pela ONU em 1962, ficou claro que era
necessário empregar uma nova estratégia de desenvolvimento que superasse essas limitações.
O entendimento de que a crise ambiental é um fenômeno global seria um
instrumento eficaz para impulsionar o desenvolvimento, e logo se percebeu a necessidade de
criar um fórum internacional de discussão que possibilitasse a criação de um corpo de trabalho
internacional para lidar com a questão.
Assim, em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. Popularmente
conhecida como Conferência de Estocolmo, o evento foi o primeiro em nível mundial dedicado
à problemática ambiental e se propôs a estabelecer critério e princípios comuns a serem
adotados por todos os povos na preservação do meio ambiente humano.
A conferência aprova então a Declaração de Estocolmo, que consagra a soberania
dos Estados sobre seus recursos naturais e a necessidade de uma ação conjunta para a resolução
dos problemas ambientais, aponta que o processo de industrialização e a pobreza são as causas
da degradação ambiental, que o desenvolvimento econômico seria o requisito para a melhoria
da qualidade de vida e meio através do qual se daria a resolução da crise ambiental. A
declaração também define 26 princípios e outros pressupostos sobre os quais se edificarão as
ações posteriores a respeito do meio ambiente.
O impasse entre países do Norte e do Sul que marcará a trajetória dos eventos
mundiais do clima foram estabelecidos ainda na Conferência de Estocolmo. As conclusões da
Declaração de Estocolmo criam um impasse lógico: a industrialização é ao mesmo tempo o
motor do desenvolvimento econômico e a causa dos problemas ambientais; e os problemas
ambientais serão resolvidos com o desenvolvimento econômico e com a exclusão da pobreza,
71
ambos alcançados pela industrialização que é a causadora do problema e que, portanto,
precisaria ser excluída para que o problema fosse resolvido.
De qualquer modo, esse impasse lógico reflete o impasse de oposição entre os
países ricos e os países pobres: os países pobres defendiam suas necessidades de
desenvolvimento e de superação da crise social, embora para isso fosse necessário manter o
nível de degradação ambiental como fizeram os ricos, os verdadeiros responsáveis históricos
pela degradação ambiental e transferiam para estes as iniciativas e os investimentos necessários
à sustentabilidade; os ricos, por sua vez, não aceitavam reduzir seus níveis de crescimento
econômico, sobretudo o padrão de consumo, em prol de benefícios ambientais, afinal, ao
mesmo tempo em que sua responsabilidade histórica era apontada como motivadora da crise
ambiental, o desenvolvimento econômico que possuíam era também a superação, ao contrário
do crescimento populacional e da poluição gerada pela pobreza dos pobres que para eles era a
principal causa do problema (LIMA, 2003).
Assim podemos entender que as conclusões da Conferência de Estocolmo mantêm
o impasse ao preservar os dois interesses, que são contraditórios, empurrando-o para o futuro,
uma vez que suas conclusões e pressupostos serviriam de base para negociações futuras.
Entretanto, embora a conferência tenha preservado o impasse para garantir a adesão de ambos
os grupos e dar legitimidade ao projeto de cooperação internacional que disseminaria pelo
mundo inteiro a nova estratégia de desenvolvimento, é válido ressaltar que a ONU - que iniciou
toda essa mobilização - tem muito clara a sua posição a favor dos países ricos. De acordo com
Rodrigues (2005), já em 1962, a ONU destacava que o crescimento econômico dos países em
desenvolvimento poderia pôr em risco os recursos naturais, ignorando a responsabilidade
histórica dos países ricos.
Para Novicki (2009), a Conferência de Estocolmo foi realizada em uma conjuntura
de crise do capitalismo e de conquista do poder pelo neoliberalismo, na qual o diagnóstico da
crise ambiental estava marcado por uma visão conservadora e classista que identificava apenas
os desastres naturais e o subdesenvolvimento e sua consequente pobreza48 como sendo os
responsáveis pela crise ambiental, ignorando as causas do subdesenvolvimento e a
responsabilidade dos países ricos derivada do seu padrão de consumo energético.
48 De acordo com Novicki (2009), ao tratar do tema transversal Meio Ambiente 26 anos depois da Conferência de
Estocolmo (1972), a política educacional brasileira reproduz esse diagnóstico: “As relações político-econômicas
que permitem a continuidade dessa formação econômica e sua expansão resultam na exploração desenfreada de
recursos naturais, especialmente pelas populações carentes de países subdesenvolvidos como o Brasil. É o caso,
por exemplo, das populações que comercializam madeira da Amazônia, nem sempre de forma legal, ou dos
indígenas do sul da Bahia, que queimam suas matas para vender carvão vegetal” (BRASIL, 1998, p. 173 apud
NOVIVKI, 2009, p.7, grifo nosso).
72
Com base em suas constatações, esta Conferência afirmou que seria necessário
planejar um desenvolvimento acelerado. Esse desenvolvimento deveria ser feito
mediante maciça transferência de recursos em forma de assistência financeira e
tecnológica que complementassem os esforços internos dos países em
desenvolvimento. Ou seja, se propunha um assessoramento aos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, enfatizando a educação como um dos
elementos fundamentais para o combate à crise ambiental, evidenciando que as
soluções deveriam ser estruturadas no âmbito do indivíduo e da técnica (BATISTA,
2007, p. 112 apud NOVICKI, 2009, p.7).
Ainda em 1972, atendendo à proposta da Conferência de Estocolmo49, a ONU cria
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA (Urespoited Nations
Environment Programm – UNEP) com o objetivo de coordenar as discussões e as ações de
proteção ao meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável em nível internacional.
O PNUMA representa a voz da ONU nos assuntos de meio ambiente, constituindo-se a
autoridade mundial em meio ambiente, controlando a agenda e a pauta das discussões
ambientais. Conforme definição do próprio órgão, ele atua como defensor do meio ambiente na
promoção da utilização racional do meio ambiente global e do desenvolvimento sustentável,
com a missão de promover liderança e encorajar parcerias no cuidado do meio ambiente,
inspirando, informando e facilitando às nações e aos povos formas de melhorar sua qualidade
de vida sem comprometer as gerações futuras (PNUMA, 2015).
O PNUMA concentra a sua atuação em sete áreas prioritárias de trabalho, a saber:
mudanças climáticas, desastres e conflitos, manejo de ecossistemas, governança ambiental,
produtos químicos e resíduos, eficiência de recursos e meio ambiente. Ou seja, o órgão possui
uma ampla base de atuação sobre diversos setores da organização social organizados em torno
do eixo ambiental.
Em 1983, o PNUMA criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento - CMED, mais conhecida como Comissão Brundtland50 com a finalidade de
promover o diálogo entre países ricos e pobres sobre as questões de meio ambiente e
desenvolvimento e de definir termos de cooperação entre eles. Porém, essa comissão é mais
conhecida pela publicação do Relatório Brundtland, intitulado Nosso Futuro Comum que
sagrou a ideia de desenvolvimento sustentável.
O discurso da sustentabilidade surgiu para substituir o discurso do
desenvolvimentismo que a partir dos anos de 1970 apresentava os seus limites através de uma
crise social, ambiental e ético-cultural, mas com maior visibilidade econômica. E essa crise
49 Instituto Brasil PNUMA. Disponível em: <http://www.brasilpnuma.org.br/pnuma/index.html>. Acesso em: 20
jul. 2015. 50 Em menção à sua então presidente Gro Harlem Brundtland.
73
ambiental apontava no sentido de uma crítica mais ampla ao modelo de desenvolvimento, que
não se resumia ao desgaste ambiental, mas se expandia para questioná-la, enquanto produto da
organização social. Assim, esse rearranjo da ideia de desenvolvimento se deu no contexto de
crise do capitalismo e de consolidação de políticas neoliberais, executadas na década de 1980,
como parte do pacote de estratégias para implementação da reestruturação produtiva (LIMA,
2003).
Lima (2003) afirma ainda que o discurso da sustentabilidade apresentado ao debate
público não é uma construção ingênua, mas uma hábil operação político-normativa e
diplomática empenhada em responder algumas das contradições expostas pelos modelos
anteriores de desenvolvimento, como a necessidade de garantir a oferta de recursos naturais
para alimentar continuamente o sistema de produção e a poluição causada pelos resíduos. Há
ainda a necessidade de responder aos questionamentos sobre os limites do crescimento
intensamente discutidos na década de 1970 e que já apontavam que o crescimento não poderia
se universalizar no mesmo padrão dos países do Norte sem causar um colapso no ecossistema
planetário, respondendo de maneira especial ao movimento ambientalista que, embora
diversificado, era unânime em exigir a inclusão da questão ambiental na agenda de prioridades
político-econômicas dos países.
Naquele momento de expansão do capitalismo e mobilização do capital sob o julgo
dos imperativos do livre mercado e de governos comprometidos com políticas de privatização,
era necessário que o discurso do desenvolvimento fosse além da tentativa de conciliar a clássica
visão de antagonismo entre crescimento econômico e conservação ambiental, convencendo de
que estes não somente poderiam ser conciliados, mas que a conservação ambiental poderia
impulsionar o crescimento econômico (LIMA, 2003).
Em 1988, o PNUMA e a Organização Meteorológica Mundial - OMM criam o
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate
Change – IPCC) com a finalidade de avaliar as mudanças climáticas e torna-lo o referencial
científico sobre seu conhecimento e seus potenciais impactos ambientais e sócio-econômicos51.
De fato, o IPCC se firma como centro mundial de avaliação das investigações em curso, é a
base de referência não só para as ações do PNUMA, mas também para governos em todo o
mundo e grupos técnicos que discutem as alterações climáticas.
O IPCC organiza a sua atuação sobre três grupos de trabalho - GTs. O primeiro
avalia os aspectos científicos do sistema climático global e o fenômeno das mudanças
51 http://www.ipcc.ch/.
74
climáticas; o segundo grupo examina a vulnerabilidade dos ecossistemas frente aos impactos
das mudanças climáticas e as possibilidades de adaptação; e o último grupo de trabalho avalia
as possibilidades de mitigação das mudanças climáticas, com foco na redução das emissões de
GEEs. Em seu primeiro relatório em 1990, o IPCC já afirmava as mudanças climáticas como
uma ameaça e incitavam a negociação de um acordo global para lidar com a questão (LEITE,
2014).
Em uma conjuntura de expansão do neoliberalismo, em 1992, o PNUMA realizou
no Rio de Janeiro, no Brasil, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento - CNUMAD, informalmente conhecida como Cúpula da Terra ou
simplesmente Eco 92.
A conferência torna claro que o desenvolvimento sustentável será alcançado com
soluções de mercado. De fato, foram aprovados alguns documentos importantes no evento
como a Agenda 21, que direciona explicitamente as ações a serem adotadas pelos diversos
países na busca do desenvolvimento sustentável. Assim, a Agenda 21 é propriamente um
programa de ação para a implementação do desenvolvimento sustentável que denota a primazia
da dimensão econômica sobre os demais aspectos da vida social, com base na necessidade de
garantir políticas econômicas internas satisfatórias até atingir a esfera internacional e a
liberalização do comércio e hegemonia do mercado (NOVICKI, 2009).
Tanto a Comissão Brundtland, quanto a Agenda 21, propõem uma nova relação entre
produção, meio ambiente e desenvolvimento econômico inspirada em uma noção de
sustentabilidade pautada por uma visão econômica dos sistemas biológicos, segundo
a qual caberia ao desenvolvimento econômico apropriar-se dos fluxos tidos como
excedentes da natureza sem, no entanto, comprometer o “capital natural”. Sua
estratégia conjuga crescimento econômico com progresso técnico capaz de poupar
recursos materiais, mas sem restrição aos ritmos da acumulação capitalista
(NOVICKI, 2009, p.8).
Também foram aprovadas a Declaração do Rio ou Carta da Terra; a Convenção
sobre a Biodiversidade que versa sobre a proteção e uso dos ecossistemas; a Convenção sobre
a Desertificação para a minimização dos efeitos da seca e contra a degradação das terras; e a
Convenção sobre as Mudanças Climáticas, com o objetivo de deter os impactos negativos da
emissão de GEEs.
A Eco 92 também foi marcada por um embate discursivo sobre de quem seria a
maior parcela de responsabilidade pelos problemas ambientais: países do Norte ou do Sul.
Porém, a discussão novamente se encaminhou para uma conclusão neutra e aceitável, de modo
que
Os documentos ali produzidos apontam a responsabilidade dos estilos de vida e
consumo das populações afluentes, tanto as das nações desenvolvidas, quanto as dos
75
países em desenvolvimento. Isso fez com que o lado perverso do consumismo
moderno começasse a fazer parte dos discursos oficiais e acadêmicos, e estimulou o
ressurgimento do tema da escassez e dos limites ecológicos do desenvolvimento
(PORTILHO, 2005) (LEITE, 2014, p.15).
Dando seguimento à ideia de um acordo global, ainda durante a Eco 92, a
Assembleia Geral das Nações Unidas lança a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima, comumente referida como Convenção do Clima.
Partindo do pressuposto de que o tratamento das mudanças climáticas globais
requer um empenho conjunto de todos os países, o objetivo da convenção é estabelecer
diretrizes capazes de estabilizar as emissões de GEEs em níveis seguros ao mesmo tempo que
garantam a continuidade do crescimento econômico. Um ponto importante a destacar sobre a
convenção é que ela estabelece alguns princípios, entre eles o Princípio das Responsabilidades
Comuns, mas Diferenciadas52 que estabelece compromissos distintos para cada grupo de países
de acordo com o nível de desenvolvimento socioeconômico de cada um. Essa distinção reflete
a capacidade de resposta, menor para os países pobres, e o nível histórico de responsabilidade
pelos problemas do clima, muito maior nos países ricos que “devem ser alvos das ações mais
radicais e imediatas para amenizar o problema.” (LEITE, 2014, p.26).
Entretanto, a hegemonia dos países ricos tão clara com respeito ao crescimento
econômico e às responsabilidades sobre a crise ambiental é mantida com relação às ações a
serem implementadas para resolver os problemas ambientais que eles e o seu modelo de
desenvolvimento desencadearam. Assim
A Convenção do Clima deixa claro que os países desenvolvidos precisam assumir a
liderança do combate às mudanças climáticas. Por terem mais recursos financeiros e
tecnológicos, devem também auxiliar os países em desenvolvimento a lançar as bases
para trajetórias de crescimento de baixo carbono, satisfazendo as necessidades de
adaptação de seus cidadãos (LEITE, 2014, p.27, grifo nosso).
Desse modo, os países pobres reafirmam a sua condição de espectadores, sendo
mantidos na retaguarda política, incluídos nos processos de decisão mundial como
legitimadores de uma cooperação internacional que se autodenomina embasada na diplomacia,
na democracia universal e na soberania dos países, na Política e no Direito.
Outro ponto importante da convenção é que ela determina que os países signatários
façam seus inventários53 de emissões periódicos e listem seus sumidouros que servirão de base
52 Além disso, porque o consumo de energia e as emissões de CO2 per capita dos países ricos são várias vezes
mais altos que os dos países em desenvolvimento e porque os países desenvolvidos são os maiores responsáveis
históricos pelas emissões de GEEs na atmosfera. 53 A convenção estipulou prazos para que os países em desenvolvimento submetam os seus inventários, cujo
formato e metodologias são previamente estabelecida pela convenção (Guidelines) com o intuito de manter um
padrão na avaliação dos dados.
76
para o acompanhamento das variações de emissões e avaliação das medidas tomadas (LEITE,
2014). Os relatórios do IPCC são globais e não permitem um alto nível de detalhamento
regional, tornando importante a cooperação dos diversos países com inventários sobre os
aspectos climáticos de seus respectivos territórios para alimentar a base de dados mundial. Esse
compromisso fará com que o Brasil comece a estruturar a sua política ambiental no início da
década de 1990.
É importante notar que o sistema de avaliação de emissões em torno do qual se
organiza todo o movimento internacional pró-clima, atualmente personificado na Convenção
do Clima, está baseado na palavra - assumindo-se como certo que todos os países são
verdadeiros nas informações fornecidas - e nos modelos matemáticos fornecidos pela
convenção como metodologia padrão a ser utilizada pelos países na confecção de seus
inventários.
A Convenção do Clima é um tratado permanente que atravessa os anos através da
Convenção das Partes – COP, evento anual com função deliberativa, onde representantes dos
países signatários se reúnem para discutir e operacionalizar a sua implementação. Além das
COPs da Convenção do Clima, há um segundo segmento de COP referente à Convenção sobre
Biodiversidade,54 também assinada em 1992 durante a Eco 92 (Cúpula da Terra ou CNUMAD),
entretanto, nos ocuparemos aqui daquelas relativas à Convenção do Clima.
E a primeira delas, a COP 1 ocorreu em Berlin, na Alemanha, em 1995 e iniciou o
processo de negociação de metas e prazos para a redução de emissões de GEEs pelos países
desenvolvidos a ser formalizada em dois anos (1997), o que viria a ser o Protocolo de Quioto55.
Em atenção ao princípio das “Responsabilidades comuns, mas diferenciadas” os países em
desenvolvimento não foram submetidos às metas (MMA, 2015). Durante o evento, o IPCC
publicou a segunda grande avaliação da pesquisa sobre mudança do clima, reafirmando sua
ameaça e sugerindo a adoção de estratégias capazes de reduzir as emissões de GEEs.
A segunda reunião das partes, a COP 2 aconteceu em 1996, em Genebra, Suíça e
resultou na Declaração de Genebra: foi decidida a criação de obrigações legais de metas de
redução e que os países em desenvolvimento poderiam solicitar à Conferência das Partes apoio
financeiro para o desenvolvimento de programas de redução de emissões, com recursos do
Fundo Global para o Meio Ambiente (MMA, 2015).
54 As três primeiras edições das COPs da Biodiversidade aconteceram em anos seguidos (1994, 1995 e 1996),
depois, seguiram sendo bianuais. 55 A conferência foi marcada pela incerteza dos países sobre como cada um contribuiria para a redução de GEEs.
Assim, o "Mandato de Berlim" estipulou um período de análise de dois anos em que os países membros podiam
escolher um conjunto de iniciativas que correspondem às suas necessidades (ambientebrasil.com, 2015).
77
A terceira, a COP 3 ocorreu em 1997 em Quioto, no Japão. Essa é uma das COPs
mais referenciadas por ser associada ao Protocolo de Quioto, lançado durante o evento com o
objetivo de regulamentar os acordos estabelecidos na Convenção do Clima, no sentido de
estabelecer metas de reduções de GEEs para os países desenvolvidos. A sua efetivação estava
condicionada a sua ratificação por número mínimo de países que somassem pelo menos 55%
das emissões de CO2 em 1990, o que só ocorrera em 2005. As metas de redução de 2,5% das
emissões de 199056 incidiram sobre 37 países industrializados. Entretanto, as metas fixadas
serão progressivamente flexibilizadas por mecanismo que se realizam por meio do mercado de
carbono, criando um complexo sistema econômico que, conforme Cornetta (2012), levará a um
estágio de financeirização do clima.
A COP 4, realizada em Buenos Aires, na Argentina em 1998, centrou esforços para
a implementar o Protocolo de Quioto através da criação do Plano de Ação de Buenos Aires,
“que levou para o debate internacional um programa de metas que levaram em consideração a
análise de impactos da mudança do clima e alternativas de compensação, atividades
implementadas conjuntamente (AIC), mecanismos financiadores e transferência de
tecnologia.” (MMA, 2015).
A COP 5 foi realizada em 1999 na cidade de Bonn, novamente na Alemanha. Seu
destaque foi a implementação do Plano de Ações de Buenos Aires, “mas também o início das
discussões sobre o Uso da Terra, Mudança de Uso da Terra e Florestas. A quinta conferência
discutiu ainda a execução das Atividades Implementadas Conjuntamente em caráter
experimental e do auxílio para capacitação de países em desenvolvimento.” (MMA, 2015).
A COP 6 aconteceu em duas partes, a primeira delas ocorreu em 2000 em Haia, na
Holanda e foi marcado pelo início de divergências entre as partes, levando à suspensão das
negociações naquele ano, daí a necessidade de realizar uma segunda etapa da conferência no
ano seguinte. As divergências envolveram principalmente União Europeia e Estados Unidos
em vários assuntos: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, mercado de carbono,
financiamento de países em desenvolvimento e outras discordâncias sobre o tema Mudanças no
uso do solo (MMA, 2015). Os Estados Unidos propunham a inclusão de áreas agrícolas e
florestais como sumidouros de carbono, o que os permitiria cumprir, em grande parte, a sua
meta de redução de GEEs. A União Europeia também recusou uma proposta de compromisso.
56 “De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões de 1990, porém alguns países assumiram compromissos
maiores: Japão – 6%, União Européia [sic] – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo, 7%”
(MMA, 2015).
78
Além das divergências, havia incerteza quanto às possibilidades de sanções para os países que
não alcançassem as suas metas de redução de emissões, o que tornava a obrigação subjetiva.
Sobre a flexibilização das cotas há duas situações. Na primeira, com relação à venda
de créditos de carbono de países subdesenvolvidos que podem vender a sobra da sua cota não
utilizada para os países desenvolvidos, que precisarão extrapolar as suas cotas, há apenas uma
transação financeira entre os dois grupos sem que isso altere a redução de emissões, pois cada
um continua emitindo o que o seu crescimento econômico necessita. Na segunda, no contexto
dos MDL, quando os países desenvolvidos financiam projetos menos poluentes em países
subdesenvolvidos para compensar as suas emissões, entende-se, partindo do pondo de vista que
a métrica utilizada é confiável, que há uma transferência das cotas de um grupo para o outro,
atestando a continuidade dos meios e do nível de crescimento superior nos países desenvolvidos
Em resumo, podemos dizer que os mecanismos de flexibilização de metas permitem que as
obrigações de reduções circulem entre os países, em troca de uma compensação financeira.
A segunda parte da COP 6 aconteceu no ano seguinte, de 16 a 27 de julho de 2001
em Bonn, na Alemanha, após a saída dos Estados Unidos do Protocolo de Quioto. Os
estadunidenses que desde a primeira fase dessa COP estavam insatisfeitos com vários assuntos
e contestavam fortemente a inexistência de metas para os países em desenvolvimento,
finalmente, assumem, sob o governo de George Bush57, que os custos para a redução de
emissões seriam muito elevados para a economia estadunidense e se retiram do acordo. Foi
então aprovado o uso de sumidouros para cumprimento de metas de emissão, discutidos limites
de emissão para países em desenvolvimento e a assistência financeira dos países desenvolvidos
(MMA, 2015).
Para manter o calendário de encontros anuais, a COP 7 aconteceu ainda no mesmo
ano, de 29 de outubro a 9 de novembro de 2001 em Marraqueche, no Marrocos. Dessa reunião
resultou o documento intitulado “Os Acordos de Marraqueche”, onde foram definidos os
mecanismos de flexibilização das metas estabelecidas no Protocolo de Quioto. As partes
decidiram pela limitação do uso de créditos de carbono adquiridos em projetos florestais de
MDL e estabeleceram um fundo de ajuda a países em desenvolvimento voltados a iniciativas
de adaptação às mudanças climáticas (MMA, 2015).
Antes de realização da COP 8, foi realizada a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, também chamada de Rio +10, em referência aos 10 anos da Eco
92, ou simplesmente Cúpula do Milênio. Aconteceu em Joanesburgo, na África do Sul de 26
57 Governou os Estados Unidos de 2001 a 2009.
79
de agosto a 4 de setembro de 2002 com o objetivo de avaliar a execução dos compromissos
firmados, analisar os obstáculos para a implementação da Agenda 21 e discutir soluções. Porém,
dez anos após assumido o acordo, sua avaliação chegou a resultados decepcionantes, pois
[...] ficou claro que a situação mundial havia se agravado, com uma piora nos
indicadores socioambientais e uma redução da ajuda dos países ricos ao
desenvolvimento dos mais pobres. [...] Em relação à Convenção da Biodiversidade,
verificou-se que as 21 metas de redução da perda da biodiversidade, não tinham sido
cumpridas e que o número de espécies animais e vegetais ameaçados aumentou
significativamente. Já a revisão da Convenção da Desertificação mostrou que o
enfrentamento da questão estava aquém dos desafios existentes, o mesmo ocorrendo
em relação às migrações populacionais desencadeadas. E por fim, a Convenção do
Clima anunciava que o período de compromissos do Protocolo de Quioto se esgotaria
em 2012, sem que houvesse ainda um segundo acordo para substituí-lo e sem que as
metas acordadas tivessem sido atingidas (LEITE, 2014, p.15).
Como principais resultados, a conferência divulgou o documento final, denominado
Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável e entre as estratégias de
solução, foi criada a Agenda 21 Local com a pretensão de ajudar na implementação dos
objetivos e das metas da Agenda 21 global.
No mesmo ano, de 23 de outubro a 1 de novembro de 2002, em Nova Deli, na Índia,
aconteceu a COP 8, cujas discussões sobre o estabelecimento de metas para uso de fontes
renováveis na matriz energética dos países foram bastante influenciadas pela Cúpula do
Milênio, da semana anterior. Porém, um dos pontos mais importantes dessa conferência foi a
“adesão da iniciativa privada e de organizações não-governamentais ao Protocolo de Quioto” e
apresentação dos projetos para a criação de mercados de créditos de carbono (MMA, 2015).
A COP 9 em Milão, na Itália em 2003 discutiu “a regulamentação de sumidouros
de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, estabelecendo regras para a
condução de projetos de reflorestamento que se tornam condição para a obtenção de créditos
de carbono.” (MMA, 2015).
A COP 10, em 2004, foi novamente realizada em Buenos Aires, na Argentina.
Nessa conferência houve a aprovação das regras para a implementação do Protocolo de Quioto
que entrou em vigor no início do ano seguinte, após a ratificação pela Rússia. No evento, foram
regulamentados os projetos de MDL de florestamento e reflorestamento e os Projetos Florestais
de Pequena Escala - PFPE. Outro ponto importante foi a divulgação de inventários de emissão
de GEEs por alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil (MMA, 2015).
A COP 11, realizada em Montreal, no Canadá, em 2005, foi a primeira após a
entrada em vigor do Protocolo de Quioto58. Entraram na pauta de discussão as emissões de
58 Dentro do evento houve também a conferência anual entre as Partes no Protocolo de Quioto (CMP ou
COP/MOP).
80
desmatamento tropical e mudanças no uso da terra. Durante essa conferência aconteceu também
a primeira Conferência das Partes do Protocolo de Quioto (COP/MOP1), onde foi discutido o
segundo período do Protocolo de Quioto após o Primeiro Período de Referência (2005-2012) e
as instituições europeias defenderam reduções de emissão na ordem de 20 a 30% até 2030 e
entre 60 e 80% até 2050.
Em 2005, quando o Protocolo de Quioto finalmente entra em vigor, ele estabelece
metas que deverão ser cumpridas dentro do Primeiro Período de Referência, de 2008 a 2012:
reduzir as emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis de 1990. Vale ressaltar,
entretanto, que há uma diferença de quase duas décadas entre o início das atividades e ano base
de referência (1990), de modo que o crescimento econômico efetuado nesse intervalo
certamente agravou o quadro de referência de emissões. De acordo com Leite (2014), já em
1998 um estudo desenvolvido pelo PNUMA alertava para o rápido crescimento das emissões
de GEE de países em desenvolvimento, que levaria a um aumento das emissões de CO2 em
relação aos níveis de 1990, que chegariam a 50% em 2015 e dobrariam até 2050.
Os destaques da COP 12, realizada em Nairóbi, na África em 2006 foi o
financiamento de projetos de adaptação para países em desenvolvimento e a revisão do
Protocolo de Quioto. Na ocasião, o governo brasileiro propôs a criação de um mecanismo que
promovesse efetivamente a redução de emissões de GEEs geradas pelo desmatamento em
países em desenvolvimento. Mais tarde essa proposta seria efetivada com o mecanismo de
Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (REDD).
O relatório do IPCC publicado em 2007 denominado AR4 (IPCC, 2007) apontou o
desmatamento, a degradação florestal e as queimadas, referidas como Mudança no Uso da Terra
(Land use, Land-use Change and Forestry – LULUCF, em inglês) - como sendo os
responsáveis por cerca de 20% das emissões mundiais de GEE. “A partir daí, começaram a ser
pensados e discutidos, dentro da convenção [do Clima], outros mecanismos que permitem
englobar todos os países na tarefa de redução das emissões de GEE.” (LEITE, 2014, p.30).
81
Figura 1 - Emissões mundiais de Gases do Efeito Estufa (GEE) por setor em 2004
Fonte: LEITE, 2014 adaptado do IPCC, 2007.
Enquanto a queima de combustíveis fósseis que alimenta a matriz energética do
processo produtivo mundial e responde por cerca de 80% do CO2 emitido na atmosfera segue
vislumbrando poucas mudanças, avançam as ações de controle de mudança do uso da terra
responsável pelos outros 20%. As ações incidem principalmente sobre os países
subdesenvolvidos, onde alguns como o Brasil, ainda possuem consideráveis áreas de floresta,
muitas delas habitadas por comunidades tradicionais, que realizam uso tradicional da terra
(incluindo queimadas), usadas principalmente para a agricultura de subsistência.
A COP 13 foi realizada em 2007 em Bali, na Indonésia, onde foi discutida a criação
de um novo acordo que substituísse o Protocolo de Quioto. Com base nas conclusões do mais
recente relatório do IPCC foi intensificada a necessidade de ações mais rápidas e eficazes para
conter o aquecimento global. Foi adotado o Mapa do Caminho de Bali (Bali Action Plan, em
inglês) através do qual “os países passam a ter prazo até dezembro de 2009 para elaborar os
passos posteriores à expiração do primeiro período do Protocolo de Quioto (2012).” (MMA,
2015) com vistas a estabelecer um cenário para as negociações em torno de um novo acordo na
COP 15, em 2009. Essa iniciativa basicamente alivia o peso da responsabilidade dos países
ricos sobre a redução de emissões de GEEs, dividindo-o com os países em desenvolvimento
que deveriam participar dos esforços de redução. Sob o signo dessa ideia é criado o conceito de
Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas (Nationally Appropriate Mittigation Actions
– NAMA)
[...] estabelecendo compromissos mensuráveis, verificáveis e reportáveis (MVR) para
os países em desenvolvimento e que poderiam, mas não necessariamente, ser objeto
de financiamento pelos países do Anexo I. Essas propostas significam que os países
desenvolvidos se comprometem com metas de produtos, nos quais os “produtos” são
as emissões de gases do efeito estufa, e os países em desenvolvimento se
comprometam com as mudanças de políticas, em vez de metas de emissão (LEITE,
2014, p.31, grifo nosso)
82
Os compromissos se remetiam à redução de emissões causadas por desmatamento
das florestas tropicais. Nesses termos, quando os países em desenvolvimento se comprometem
e cumprem mudanças em suas políticas passam para a esfera da política internacional a decisão
de como gerir as suas florestas em troca da renovação da promessa de que os desenvolvidos
cumprirão a redução de emissões que há muito foi estabelecida.
Nessa COP, foi aprovada também
[...] a implementação efetiva do Fundo de Adaptação, para que países mais
vulneráveis à mudança do clima possam enfrentar seus impactos. Diretrizes para
financiamento e fornecimento de tecnologias limpas para países em desenvolvimento
também entraram no texto final, mas não foram apontadas quais serão as fontes e o
volume de recursos suficientes para essas e outras diretrizes destacadas pelo acordo,
como o apoio para o combate ao desmatamento nos países em desenvolvimento e
outras ações de mitigação (MMA, 2015).
A COP 14 em Poznan, na Polônia em 2008, o trabalho em torno de um novo acordo
em Copenhague na COP seguinte continuou e foi marcada pela expectativa a respeito da postura
dos Estados Unidos, visto a eleição do presidente estadunidense Barack Obama. Alguns países
em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul demonstraram abertura
para assumirem compromissos não obrigatórios para a redução das emissões de carbono
(MMA, 2015). Também se chegou a um acordo sobre a operacionalização final do Fundo de
Adaptação para apoiar medidas de adaptação concretas em países em desenvolvimento.
Em 2009, aconteceu a COP 15 em Copenhague, Dinamarca, envolta em um clima
de expectativas para um novo acordo, dado o fim do período do Protocolo de Quioto (2005-
2008). As esperanças se concentravam na resolução do impasse entre países desenvolvidos e
em desenvolvimento, a possibilidade de um comprometimento do novo governo dos Estados
Unidos que respondiam e ainda respondem por um imenso volume de emissões e o
estabelecimento de metas de redução de emissões e as bases para um esforço global de
mitigação e adaptação. Embora não se tenha alcançado um consenso em torno do chamado
Acordo de Copenhague, o evento avançou na discussão do mecanismo de Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação (REDD), considerado importante para os países em
desenvolvimento. Também os países desenvolvidos se comprometeram com o financiamento
de ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento: fornecer US$ 30 bilhões
entre 2010 e 2012 e atingir os US$ 100 bilhões até 2020 (MMA, 2015).
Segundo Leite (2014), apesar das expectativas, a conferência terminou sem grandes
avanços em torno de um acordo global do clima, graças à diferença de posicionamento entre os
83
países industrializados e os ditos emergentes59: os emergentes defendiam que a obrigação
original era a redução das emissões dos industrializados e os industrializados rebatiam que a
decisão não adiantaria sem a adesão dos emergentes, já que estes contribuíam
significativamente com as emissões. De qualquer modo, frente à grande expectativa que essa
COP nutria em torno de um novo acordo que não aconteceu, ela é referida como um grande
fracasso na história das negociações globais para o clima.
A COP 16 realizada em 2010 em Cancun, México, ocorreu sem muitas
expectativas, apenas decidiu sobre algumas discussões iniciadas na conferência anterior, como
a criação do Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund)60 para administrar o dinheiro que os
países desenvolvidos se comprometeram a contribuir. Foi mantida a meta de elevação da
temperatura média em no máximo 2°C em relação aos níveis pré-industriais, mas as decisões
sobre o futuro do Protocolo de Quioto foram proteladas para a próxima conferência. Dos 194
países delegados, apenas a Bolívia se posicionou contra os acordos por considerá-los
insuficientes. “O Brasil lançou sua Comunicação Nacional de Emissões de Gases de Efeito
Estufa e anunciou a regulamentação da Política Nacional sobre Mudança do Clima [Decreto nº
7.390/2010]. Isto torna o Brasil a primeira nação a assumir formalmente e se auto-impor limites
de reduções de emissões (no máximo 2,1 bilhões de CO2 até 2020)”61.
Realizada em 2011 em Durban, na África do Sul, a COP 17 gerou a Plataforma de
Durban, na qual as partes se comprometeram em definir metas até 2015, que deverão ser
colocadas em prática a partir de 2020, para conter o aumento da temperatura no mundo. Havia
uma expectativa em prorrogar o Protocolo de Quioto e a discussão do projeto, que devia
substituí-lo, previa algumas condições para se chegar a um acordo em 2015 com adesão de
grandes países emissores de GEEs, como os Estados Unidos e a China.
Entretanto, enquanto as ações de mitigação seguem sendo proteladas, sobretudo a
responsabilidade inicial dos países ricos, que foi o compromisso primeiro, que deu seguimento
ao processo de cooperação, se avançou muito em relação à negação de direitos elementares
59 China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores emissores (LEITE, 2014). 60 Apesar de criado em 2010, o fundo só começou a receber recursos em 2014, tendo arrecadado pouco mais de
US$ 10 bilhões com doações de 29 países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento (cartacapital.com, 2015).
A Autoridade Nacional Designada – AND de cada país deverá indicar as instituições nacionais que o fundo
poderá credenciar para o acesso direto aos recursos, conforme condições pré-estabelecidas. No Brasil, a
competência é da Secretaria de Assuntos Internacionais – SAIN do Ministério da Fazenda, que indicou a Caixa
Econômica Federal - CEF e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Disponível
em: <http://www.sain.fazenda.gov.br/assuntos/politicas-institucionais-economico-financeiras-e-cooperacao-
internacional/fundo-verde-do-clima-2013-gcf>. Acesso em: 09 ago. 2016. 61 Disponível em: <http://www.terra.com.br/noticias/ciencia/infograficos/cops/>. Acesso em: 21 jul. 2015.
84
inicialmente acordados com a finalidade de manter o diálogo, mas que seguem sendo
vorazmente revogados.
Esse é o caso, por exemplo, dos Princípios de Poluidor/Pagador62, de Precaução
Ambiental63 e de Responsabilidades Comuns e Diferenciadas64, inicialmente presentes na
primeira versão do documento-base da ONU para a RIO +20 (Draft Zero), mas excluídos da
versão final do (Draft 1) após rodadas de negociações em que países ricos se posicionaram
fortemente contra premissas relativas a direitos humanos e meio ambiente:
As premissas que abordaram questões elementares de direitos humanos e
responsabilidades ambientais dos Estados no Draft Zero sofreram pesadas restrições
na rodada de negociações que ocorreu nos EUA no final de março. Na versão mais
recente, o agora chamado Draft 1, países como EUA, Canadá e Austrália, por
exemplo, negam preceitos que reconhecem o acesso aos recursos naturais como um
direito humano, defendendo a exclusão dos pontos que tratam de segurança
alimentar, água potável e saneamento básico, erradicação da pobreza e a
responsabilidade dos Estados com o desenvolvimento sustentável. O mesmo se deu
com o trecho que assegurava atenção especial dos governos aos pequenos produtores,
mulheres, indígenas, populações tradicionais e jovens. Mais além, a palavra “pobreza”
foi substituída por “extrema pobreza”, o que, para fins de responsabilização dos
Estados e investimentos em políticas públicas, faz uma enorme diferença (para pior)
(STIFTUNG; BRASIL, 2012, pp.9-10, grifo nosso).
Para fazer cumprir a agenda decenal de avaliação dos acordos selados na primeira
conferência durante a Eco 92, foi realizada em 2012 no Rio de Janeiro, no Brasil65 a Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - CNUDS, a Rio+20. O objetivo central
da conferência foi a renovação do compromisso político internacional com o desenvolvimento
sustentável, baseado em dois temas principais para a sua implementação: a economia verde no
contexto da erradicação da pobreza e o fortalecimento da estrutura institucional no contexto da
governança ambiental (ONU, 2012), ou seja, o fortalecimento do multilateralismo como
instrumento para solução dos problemas globais. Assim, o evento foi a oportunidade para
“avaliar o progresso alcançado nos últimos 20 anos, as lacunas ainda existentes na
implementação dos acordos internacionais e os desafios novos e emergentes.” (MMA, 2015).
O documento final da conferência denominado “O Futuro que queremos” de início
traz a visão comum dos participantes, pontuando as questões que são consenso entre as partes
e norteiam o propósito da conferência, bem como as ações empreendidas para a sua realização
(Nossa visão comum). Em seguida, o documento registra a “Renovação do compromisso
62 Define que o país responsável por danos ambientais deve arcar com os custos da reparação. 63 Estabelece que uma ação deve ser evitada em caso de incerteza quanto ao impacto do uso de uma técnica ou
produto, ignorando o diagnóstico científico dos estudos de impactos ambientais. 64 Reconhece que os países desenvolvidos são os maiores responsáveis pela degradação do meio ambiente,
revogando o que foi fixado no Protocolo de Quioto, em 1997. 65 Desde 2009, a ONU já havia aceitado a proposta brasileira de sediar a Rio+20 (rio20.gov, 2015).
85
político66”, onde reafirmam os princípios e planos de ação de eventos anteriores. Conforme a
declaração, é consenso entre os conferencistas que o desenvolvimento sustentável exige ações
concretas e urgentes e que só é possível alcançá-lo através de uma “ampla aliança de pessoas,
governos, sociedade civil e setor privado, todos trabalhando juntos para garantir o futuro que
queremos para as gerações presentes e futuras.” (ONU, 2012, p.4).
Entretanto, como ocorrera com a Rio +10, foi marcante a existência de impasses,
principalmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e visível o adiamento de
medidas efetivas:
[...] a Rio+20 também não conseguiu avançar em medidas vinculantes em
compromissos obrigatórios, em prazos certos e cobráveis, mas apenas em uma
declaração final genérica. Os países do norte alegaram a crise econômico-financeiro-
social de 2008 como limitação ao apoio financeiro a países pobres – para os quais se
projetara um fundo de US$ 30 bilhões. Além disso, postergaram entre outras ações,
os objetivos do milênio (LEITE, 2014, pp.18-19, grifo nosso).
Meses depois, ainda em 2012, foi sediada em Doha, no Qatar, a COP 18, uma das
mais esperadas, pois deveria avaliar o resultado das reduções de emissões propostos para o
Primeiro Período de Referência (2008-2012) do Protocolo de Quioto. Entretanto, as ações
efetivas foram novamente proteladas e o encontro só conseguiu fechar um acordo para combater
o aquecimento global até 2020, após o encontro beirar o fracasso. Ficou acordada a extensão
do Protocolo de Quioto, que se mantém ativo como o único plano que gera obrigações legais
no enfrentamento do aquecimento global, “embora valha apenas para nações desenvolvidas
cuja fatia nas emissões mundiais de gases do efeito estufa seja menor do que 15%.” Questões
importantes como os detalhes da segunda fase do Protocolo de Quioto não foram resolvidas
assim como a questão da assistência financeira aos países em desenvolvimento, mantendo o
impasse entre os países dos hemisférios Norte e Sul. Aliás, a crise financeira foi o principal
argumento utilizado pelos países ricos para justificar os entraves no financiamento de projetos
destinados ao combate dos efeitos das mudanças climáticas nos países pobres (LEITE, 2014).
A COP 19, em Varsóvia, Polônia, em 2013, acontece com o objetivo de preparar as
negociações para a aprovação do novo tratado que substituiria o Protocolo de Quioto (Acordo
de Paris, 2015). Entretanto, a conferência assume um formato polêmico, tendo sido “marcada
por greve de fome, demissão de ministro e abandono das principais ONGs”.
66 Os chefes de Estado reafirmam o “compromisso de não poupar esforços para acelerar a consecução das metas
de desenvolvimento acordadas internacionalmente, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) até 2015” (ONU, 2012, p.4).
86
Os resultados da conferência foram a aprovação da criação de um mecanismo de
perdas e danos (loss and damage), que buscará maneiras de compensar países mais vulneráveis
que sofrem com a mudança climática por meio do financiamento de países ricos; decidiram
pelo desbloqueio do debate sobre financiamento a longo prazo, proposto na COP 15; foram
aprovadas normas para o financiamento de projetos voltados à proteção de florestas em países
em desenvolvimento (REDD+). Também os países foram convidados a iniciar ou intensificar
sua preparação para a COP de Paris, devendo inclusive realizarem “consultas públicas com a
sociedade, setores econômicos e governos subnacionais, a fim de determinar qual a contribuição
pretendida no novo acordo” enquanto que grandes países emergentes como a China e a Índia
rejeitaram alguma das propostas de contribuição (PBMC, 2015)67.
Assim como nas demais, as decisões por ações incisivas no sentido de cumprir a
meta de limitar o aumento da temperatura global a 2º C até 2100 foram, em parte, mais uma
vez empurradas para o futuro, o que constitui um grave problema, pois, de acordo com o PBMD
(2015), as ações de redução de GEEs para conter o aquecimento global e promover adaptação
são urgentes e já estão atrasadas68.
Enquanto se protelam as ações, os efeitos do aumento da temperatura se
intensificam e se abatem, principalmente, sobre as populações mais pobres, constatação que
ajudou a construir a conotação polêmica da conferência:
A mensagem da necessidade de urgência em adaptação foi simbolicamente
representada pelo delegado filipino Yeb Saño, que no primeiro dia da conferência
iniciou uma greve de fome que durou 13 dias, em homenagem às vítimas do evento
climático extremo, o furação Hayan, ocorrido nas Filipinas, e também como protesto
pela necessidade de ações mais ambiciosas durante a COP19 (PBMC, 2015).
A COP 20, realizada em 2014 em Lima, no Peru, ocorreu em meio a velhos
embates, como a briga de responsabilidades das emissões entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento, que há tempos girava em torno do princípio das responsabilidades comuns,
porém diferenciadas, estabelecidos ainda na Eco 92, e dos pontos sobre financiamento
capacitação e transferência de tecnologias dos países ricos para os mais pobres. A oposição foi
marcada principalmente pelos emergentes China, Brasil, Índia e África do Sul aliados ao
chamado G7769 de um lado, e os desenvolvidos Estados Unidos, União Europeia e Rússia do
outro.
67 O Painel Brasileiro de Mudança Climáticas (IBPC) é um organismo científico nacional ligado à política
ambiental brasileira com enfoque nas questões climáticas. 68 Segundo o IPCC, é preciso diminuir entre 40% e 70% do total de gases lançados até 2050 e zerar essa taxa até
2100 para manter o limite de aumento da temperatura em 2ºC (PBMC, 2015). 69 Esse termo se refere ao grupo de coalizão fundado em 1964 composto pelos países em desenvolvimento e pelos
mais pobres que visa unir forças para elevar a sua capacidade de negociação no âmbito das decisões da ONU.
87
Durante o evento, foi divulgada a primeira versão do rascunho para o novo acordo
global para a redução de emissões e indica que a proposta final
[...] deverá incluir disposições sobre corte de emissões de gases, adaptação à mudança
do clima, reparação por perdas e danos causados por desastres naturais, finanças,
desenvolvimento e transferência de tecnologia, capacitação e transparência de ação e
apoio. O novo tratado, que deverá ser obrigatório, mas não punitivo, tem que ser
assinado em 2015, na COP 21, em Paris, e entrar em vigor em 2020 (PBMC, 2015).
Outro documento produzido apresenta as metodologias sobre as quais os países
deverão trabalhar para apresentarem as suas ações após 2020. Entretanto, nem todas as
propostas combinam metas (redução, mitigação, adaptação etc.), sendo que uma dessas
propostas só foca na redução de GEEs, sem mencionar outras ações, como um planejamento
financeiro de longo prazo para combater a mudança do clima, o que seriam reflexo do interesse
dos países desenvolvidos que não querem ser obrigados a cumprir metas financeiras a longo
prazo (PBMC, 2015).
Em meio ao clima de oposição entre responsabilidade, o Brasil lançou a proposta
de Diferenciação Concêntrica, que pretende aperfeiçoar o princípio das responsabilidades
comuns, porém diferenciadas, redistribuindo as responsabilidades e o consequente nível de
comprometimento entre países desenvolvidos, emergente e em desenvolvimento, atendendo
assim a demanda dos países desenvolvidos para que os países emergentes também assumam
compromissos, o que em tese resolveria o impasse.
De qualquer forma, a aprovação do documento final denominado "Chamada de
Lima para a Ação sobre o Clima" que, vago e pouco ambicioso, contém os pontos básicos para
o próximo acordo só foi possível porque os países ricos teriam recuado e assim o documento
final retoma a culpa histórica dos países desenvolvidos sobre a emissão de GEEs, dissolvendo,
pelo menos momentaneamente, um dos principais impasses que vinha travando as discussões.
Nas últimas COPs, observou-se um claro impasse quanto as responsabilidades nas
emissões de GEE. Sobre esse clima de oposição que se estabeleceu entre os grupos de países
do Norte e do Sul, Leite (2014) avalia que “as COPs demonstram a complexidade das
negociações multilaterais, de modo a possibilitar arranjos capazes de avançar em acordos
climáticos, enquanto as promessas de financiamento de longo prazo para os países pobres
proposto em Copenhague não são cumpridas (LEITE, 2014, p.34).
Sem que haja um consenso entre as partes, as decisões não avançam. Não é, pois,
de se esperar que países de todo o mundo, com interesses particulares diversos, chegassem a
um acordo com o qual todos estivessem satisfeitos. Isso é compreensível porque o corte nos
níveis de emissão de GEEs se refere aos interesses de cada país em particular dentro do modo
88
de produção capitalista e aos processos decisórios da economia e da política mundial, enfim, da
geopolítica.
Como era esperado, a COP 21 realizada em Paris, na França no final de 2015
culminou com a criação de um novo acordo global que substituirá o esvaziado Protocolo de
Quioto e aponta um novo rumo para a Convenção do Clima. Para muitos, os mais de 150 chefes
de Estados presentes no evento representam um maior engajamento dos diversos países, sejam
daqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas, sejam daqueles que se sentem ameaçados
por um possível avanço favorável nas negociações e que por esse motivo desejam acompanhá-
la de perto e influenciá-la. De qualquer forma, “o acordo final da cúpula é considerado histórico
porque é o primeiro aceito pelos 195 países participantes.” (PBMC, 2016).
Apesar do novo acordo haver sido aprovado por consenso, isso não significa que as
negociações não foram um complexo cabo de guerra e que todas as partes saíram satisfeitas.
Notícias veiculadas pela imprensa narram alguns dos percalços e entraves das negociações que
certamente serão esquecidos pela história que apenas mencionará o vitorioso consenso do
resultado final do acordo. Uma notícia da UOL (2015, grifos nossos)70, por exemplo, traz à tona
que
As últimas noites de discussões foram cansativas e as últimas deliberações,
estressantes. No início da tarde, uma simples palavra fez suar frio a delegação
americana [entenda-se “estadunidense”]: um "shall" ("deve"), substituído por engano,
segundo a presidência francesa, por um "should" ("deveria"), no artigo do acordo que
define as obrigações dos países desenvolvidos em matéria de redução de emissões de
gases de efeito estufa, poderia requerer uma passagem pelo Congresso, cuja maioria
é hostil à administração Obama. A frase foi retificada, mas a correção foi contestada
no início da plenária pela coalizão dos países em desenvolvimento. Houve um novo
conciliábulo, que durou quase duas horas, para convencer estes últimos a aceitarem
a versão finalizada. Enquanto Laurent Fabius se preparava para selar o acordo a partir
de seu púlpito, a Nicarágua, contrária à cláusula de não-indenização das perdas e
danos sofridos pelos países pobres, pediu a palavra, que lhe foi negada. De forma
alguma deixariam Manágua, ou qualquer outra capital, estragar essa festa esperada há
tanto tempo!
Como era de se esperar, a diferenciação das responsabilidades entre os países
desenvolvidos e em desenvolvimento permaneceu como uma das principais pautas de discussão
durante o evento. Isso porque a diferenciação de responsabilidades não define apenas os
compromissos com a redução de emissões, mas se estende ao tratamento da questão de forma
geral, refletindo no nível de responsabilidades que cada país deverá assumir.
70 UOL Notícias. “Acordo do clima na COP-21 é sucesso ainda a ser confirmado”. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/le-monde/2015/12/29/cop21-um-sucesso-ainda-a-ser-
confirmado.htm>. Acesso em: 25 fev. 2016.
89
Pelo Acordo de Paris, os países signatários mantiveram o objetivo de conter o
aumento da média de temperatura em 2°C (proposta de Copenhague, em 2009) até o fim do
século, mas se comprometeram em se esforçar para que o aumento não passe de 1,5°C, o que
teria sido uma exigência dos pequenos países insulares, para os quais a submersão é uma
ameaça iminente.
No evento, a grande maioria dos países signatários submeteram os seus
compromissos voluntários para o período de 2020 a 2030, as Intended Nationally Determined
Contributions - INDCs (em inglês) que compõem o acordo. O Brasil assumiu o compromisso
de até 2025 reduzir 37% das suas emissões de GEEs em relação aos níveis de 2005 e atingir a
redução de 43% até 2030. Para isso, uma das principais apostas é a diversificação da matriz
energética nacional até 2030: aumentar em cerca de 18% a participação de bioenergia
sustentável e em 45% a de energias renováveis (MMA, 2016). Entretanto, tanto o governo
federal quanto governos estaduais mantêm projetos de energia contrários ao compromisso
assumido no Acordo de Paris, como ocorre por exemplo no estado do Ceará, onde são levados
a cabo o Projeto Santa Quitéria de exploração de urânio para energia nuclear e as usinas
termelétricas do Complexo Industrial e Portuário do Pecém – CIPP.
A soma do que cada país pode ou quer oferecer livremente, certamente não será
suficiente para o enfrentamento da questão. Apesar da estimativa do IPCC de que para conter
a elevação da temperatura abaixo de 2°C as emissões de GEEs teriam de cair entre 70% e 90%
até 2050 em relação a 2005 e zerar até 207571, o acordo não estabelece metas de redução. O
texto se limita a encomendar estudos até 2018 que avaliem o corte necessário para manter o
aumento máximo de 1,5°C e considera que é necessário zerar as emissões líquidas, ou seja,
alcançar um balanço positivo entre emissões e remoções de GEEs da atmosfera, uma
oportunidade para implementação de mecanismos do desenvolvimento sustentável e da
economia verde que prometem aliar preservação ambiental e crescimento econômico. Aliás, a
esse respeito é oportuno dizer que foram tomadas decisões fundamentais para impulsionar a
implementação de REDD+ no Brasil e no mundo, referentes sobretudo a aspectos
metodológicos que devem encerrar a necessidade de orientações adicionais para a sua
implementação (MMA, 2016).
O Acordo de Paris possui caráter legalmente vinculante e deverá entrar em vigor
em 2020. Ele estabelece que os esforços deverão ser avaliados a cada cinco anos com a
finalidade de orientar as ações de mitigação em prol de desacelerar o aumento da temperatura,
71 Disponível em: <http://g1.globo.com/natureza/noticia/2015/12/acordo-de-paris-sobre-o-clima-veja-perguntas-
e-respostas.html> Acesso em: 25 fev. 2016.
90
verificar o cumprimento das medidas voluntárias propostas, o que deverá dar transparência às
ações empreendidas por cada país e quem sabe até negociar metas claras de cortes de emissões
que o texto atual não contempla. A primeira verificação acontecerá em 2023.
O acordo também prevê que a partir de 2020 os países desenvolvidos deverão
investir US$ 100 bilhões anuais para projetos de adaptação e mitigação em países em
desenvolvimento afetados pelos efeitos do aquecimento global, mas sem definir o que cada um
pagará. Considerado baixo, esse valor deverá ser elevado de forma quinquenal a partir de 2025
e definido a partir de novas negociações. Longe de ser um avanço vitorioso, a decisão remete
ao fantasma de um fracasso, já que esse foi um compromisso assumido pelos países
desenvolvidos no Acordo de Copenhague em 2009 que até então não havia sido cumprido72.
Ainda assim foi tema de embates e só chegou a um resultado após a ampliação da base de
doadores exigida pelos países desenvolvidos: incluiu os países emergentes - embora que de
forma facultativa - e a possibilidade de cooperação financeira entre as nações em
desenvolvimento, a chamada “cooperação Sul-Sul”.
Muitos concordam com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, que considerou
a conferência um momento decisivo e o acordo um documento histórico que remontam décadas
de negociações e prometem colocar o mundo em um novo caminho para um futuro resiliente73.
Outros apontam que o acordo não resultou em quaisquer compromissos reais, concretos e
mensuráveis, novamente protelando decisões que há muito são urgentes. Seja como for, o que
sai acertado desse acordo é que as partes deixam suas portas abertas para acordos futuros, pois
diante de tantos e tão diversos interesses, as generalizações são a única maneira de se chegar a
um consenso.
Depois de duas décadas de negociações que têm andado em círculo, muito pouco
foi feito. Há uma clara falta de vontade política dos países signatários da Convenção do Clima,
sobretudo dos desenvolvidos, em implementar medidas efetivas de enfrentamento ao
aquecimento global. Nessas condições, o projeto ambiental internacional que se estruturou em
torno da política climática que já demonstrava claras evidências de fracasso nas ações práticas
de mitigação e adaptação ambiental nos parece que se aproxima também do seu esgotamento
político e hegemônico nesse formato, tal qual o conhecemos.
72 Enquanto o Acordo de Copenhague (2009) determinava que os investimentos deveriam atingir os US$ 100
bilhões até 2020, o Acordo de Paris (2016) estabelece que será a partir de 2020. Paris retoma o acordo anterior
não cumprido, o que pode ser visto como boa vontade ou com desconfiança. De qualquer forma, isso protela as
ações práticas. 73 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/cop-21-divulga-acordo-historico-pelo-clima>.
Acesso em: 24 fev. 2016.
91
Assim, como bem destacou Maureen Santos em artigo na revista Carta Capital
(2015)74, entre as disputas e interesses em jogo na COP 21, um ponto crucial e talvez o mais
importante para salvar a Convenção do Clima é a reafirmação do multilateralismo como espaço
coletivo global de tomada de decisões. Isso justifica a expectativa que havia em torno do novo
acordo e o esforço das partes para consolidá-lo, apesar das divergências.
Apesar dos avanços pouco significativos no enfrentamento do aquecimento global
apontarem o fracasso da convenção através de suas sucessivas conferências em termos
ambientais, seus avanços em termos políticos e econômicos, enquanto projeto hegemônico,
apresentam resultados bastante satisfatórios, uma vez que conseguiu fazer com que a ideia de
desenvolvimento sustentável fosse consolidada, disseminada e adotada em escala global,
criando novos elementos que garantissem a continuidade do crescimento econômico e a
manutenção das estruturas de poder vigentes.
2.5 A ECONOMIA VERDE E AS NOVAS FORMAS DE RELAÇÃO DE PODER
As políticas ambientais em nível internacional estão, de uma maneira geral,
assentadas sobre as mudanças climáticas. O ponto de discussão se concentra em torno da
emissão de GEEs, considerados os intensificadores do efeito estufa que leva ao aumento nas
médias globais de temperatura, o famoso aquecimento global, e que desencadeia um sem fim
número de consequências em toda a biosfera. Quer referidos de forma genérica pela sua origem,
quer entendidos como componentes do sistema climático global em mudança, o conjunto dessas
alterações é chamado de mudanças climáticas.
A partir do pressuposto de que as atividades produtivas, que são antes sociais,
intensificam a concentração dos GEEs responsáveis pelo aquecimento global que leva a um
conjunto de mudanças climáticas e que estas oferecem risco para a manutenção dos
ecossistemas e, por consequência, da própria organização social, o objetivo é reduzir emissões
futuras e mitigar os GEEs já emitidos para frear o efeito estufa. Desse modo, como todas as
atividades humanas geram algum impacto e, em certa medida, todas as atividades realizadas
dentro do atual sistema produtivo contribuem direta ou indiretamente para a emissão de GEEs,
todas elas podem ser alvo de medidas que visem diminuir a emissão desses gases. Ou seja,
74 Artigo “Entenda a COP 21 e as disputas em jogo” de Maureen Santos publicado em 09/04/15 na versão digital da revista Carta
Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/entenda-a-cop-21-e-as-disputas-em-jogo-5188.html>.
Acesso em: 25 fev. 2016.
92
edificada sobre esse pressuposto, as políticas ambientais têm jurisdição sobre todos os aspectos
da vida social.
De acordo com a proposta de desenvolvimento sustentável pautada no mercado e
na tecnologia, para se alcançar um desenvolvimento sustentável, seria necessário reestruturar
os componentes do sistema produtivo para que ele possa continuar a se reproduzir com base em
uma economia que seja pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e
socialmente inclusiva. Esses critérios nortearão as estratégias de desenvolvimento sustentável
que serão progressivamente desenvolvidas a partir de 1992, ano após ano nas Conferências das
Partes (COPs) dos países signatários da Conferência do Clima.
Essas estratégias são delegadas aos Estados-nação para a manutenção da ordem
vigente, reafirmam as relações de poder estabelecidas entre países e seus respectivos grupos
sociais com interesse distinto - como grupos econômicos internacionais e comunidades
tradicionais, por exemplo - exercidos por meio da apropriação privada da natureza, da
propriedade da tecnologia e da política ambiental, ambas projetadas em escala mundial. Assim,
temos por certo que
Emergindo como proposta de cooperação internacional com base em nova relação
sociedade-natureza, o desenvolvimento sustentável, tal como expresso no Relatório
Brundtland (1987) é uma feição específica da Geopolítica contemporânea. Ela é
reveladora da revalorização da dimensão política do espaço e dos conflitos a ela
inerentes em várias escalas geográficas (BECKER, 1995, p.292 apud RODRIGUES,
1998, p.73).
O fortalecimento da estrutura institucional no contexto da governança ambiental e
a economia verde no contexto da erradicação da pobreza foram eleitos os dois pontos-chave de
ação para a efetiva implementação do desenvolvimento sustentável durante a Rio +20 (2012),
cujo objetivo central era a renovação do compromisso político internacional com o
desenvolvimento sustentável (ONU, 2012). Porém a sua construção já vem de muito antes e se
confunde com o próprio desenvolvimento sustentável, que tendo uma superioridade econômica,
não se sabe dizer ao certo se a economia verde é um instrumento ou a prática do próprio
desenvolvimento sustentável que se propõe.
Lançada em 2008, a Green Economy Initiative (Iniciativa Economia Verde - IEV),
do PNUMA, define a economia verde como aquela que “resulta em melhoria do bem-estar
humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos
ambientais e a escassez ecológica.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012), ou seja “um conjunto de
processos produtivos que poderia gerar, em um determinado local, o desenvolvimento
econômico, compatibilizando-o com igualdade social, erradicação da pobreza e melhoria do
93
bem-estar, reduzindo assim os impactos ambientais negativos e a escassez ecológica.” (LEITE,
2014, p.48).
Assim, a transição para uma economia de baixo carbono deverá adaptar os meios
de produção às necessidades ambientais de modo a garantir a sua continuidade: será necessário
investir em uma matriz energética menos poluente, desenvolver novos produtos, novo sistema
de transportes e mobilidade urbana, novas edificações. Ou seja, é necessário fazer com que toda
a economia passe a girar em torno da sustentabilidade, substituindo tudo que é antigo e
insustentável, por coisas ditas novas e ambientalmente corretas, de modo que “alcançar a
sustentabilidade depende quase inteiramente em acertar na economia.” (STIFTUNG; BRASIL,
2012, p.7).
Nesse sentido, é de extrema importância o conteúdo ideológico para a legitimação
do projeto de desenvolvimento sustentável que se planeja implantar: a aclamação e a
justificação do novo é precedida pela depreciação do velho. Assim, a economia usual ou o
business as usual que se deseja enterrar é classificada como “economia marrom” em referência
ao rastro de destruição dos recursos naturais e à degradação ambiental que ela gera; enquanto a
nova e aclamada “economia verde” é assim referida em oposição, como sendo aquela capaz de
conservar o meio ambiente e resolver os problemas identificados no antigo modelo. Essa ideia
reformista ofusca os questionamentos sobre a natureza contraditória, conflitiva e predatória do
capitalismo, afirmando que seu aperfeiçoamento constante é suficiente para resolver os
problemas que ora afligem a natureza e a sociedade.
Essa reestruturação de amplos setores produtivos é justamente o que sugere o
documento “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e
a Erradicação da Pobreza” apresentado pelo PNUMA na Rio+20 (2012). O escrito destaca 11
setores-chave para a transição para uma economia verde: agricultura, construções, energia
renovável, silvicultura, indústria de manufatura, recursos pesqueiros, turismo, transporte,
recursos hídricos, manejo de resíduos sólidos e cidades. Por meio de modelos econométricos,
o documento compara o cenário tendencial (business as usual) ao cenário alternativo proposto
com investimentos de 2% do PIB global ao ano até 2050, chegando a resultados muito
superiores em crescimento global do PIB e no nível de emprego e renda (LETE, 2014).
De acordo com Leite (2014), o documento defende a proposição de que a transição
para uma economia verde não implica necessariamente na redução do crescimento econômico:
94
aumentaria o nível de emprego, o crescimento do PIB e o capital natural75 (como são referidos
os bens naturais). Entretanto, tal crescimento se daria a médio e longo prazo, sendo necessário
um período de transição em que o nível de emprego precisaria cair junto com a economia
marrom, para depois, através da qualificação e reeducação da força de trabalho, a economia
verde voltar então a crescer.
Investimentos públicos e privados promoveriam a substituição das atuais estruturas
por outras de baixa emissão de carbono. Essa substituição geraria dois efeitos simultâneos: a
geração de emprego e renda, levando à eliminação da pobreza e à melhoria na qualidade de
vida; e o benefício ambiental, fim último da proposta.
Com relação à preservação ambiental, a economia verde está pautada na
“perspectiva de ‘salvar o que resta da natureza’ via mecanismos tradicionais de mercado, no
sentido de que a preservação do planeta passa a ser atrelada aos benefícios que pode trazer ao
capital.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.7). Desse modo, os bens naturais essenciais à vida da
humanidade e fonte primeira para a produção material, vista antes como recursos naturais, agora
são atualizados para o conceito de “capital natural”, dentro de uma abordagem completamente
econômica da crise ambiental e indicando a própria concepção de natureza que norteia a
proposta do desenvolvimento sustentável.
A ideia central é de que a gratuidade dos bens naturais é que levam à sua
degradação, de modo que seria necessário protegê-lo por meio do mercado. Isso se faria por
três meios: incluindo os custos da degradação na produção, ou seja, a cobrança sobre o acesso
às fontes de matéria prima e sobre os passivos ambientais demandados pelo processo produtivo
e pela geração de resíduos; cobrando pela utilização dos chamados “serviços ambientais”, ou
seja, pelo usufruto das funções ecossistêmicas, que a natureza gratuitamente oferece aos seres
humanos enquanto componentes do sistema ecológico e; pagando a quem conservar os recursos
naturais e as funções ecossistêmicas e reduzir a degradação ambiental76.
O que faz com que ela não se diferencie da clássica economia marrom é o fato de
que ela não trata a crise ambiental como consequência do modo industrial de produzir e dos
padrões capitalistas de acumulação. Sendo em si contraditória, revela-se um mercado perverso,
que não só não beneficia a natureza como também intensifica as diferenças socioeconômicas.
Em vez de rever os mecanismos de produção que têm sua origem na organização social, a
75 É válido ressaltar que a necessidade da conservação do capital natural é normalmente associada às populações
pobres que seriam as mais dependentes desses recursos e, consequentemente, as mais afetadas pela sua
depredação, emprestando uma visão social e humanitária a objetivos estritamente econômicos. 76 Os genocídios de povos que habitam as terras que são alvo de empreendimentos não entram na conta das
externalidades.
95
economia verde apenas estimula a adoção de mecanismos de produção menos poluidores,
baseados em tecnologia, que seriam adotados pelos governos e pela iniciativa privada a fim de
ambientalizar a economia clássica. Desse modo, são desenvolvidos “uma infinidade de
serviços, ferramentas e órgãos institucionalizados nas diversas nações com autonomia legal
para lhe dar coesão e legitimidade.” (TORRES, 2013, p.67).
Para que a política ambiental internacional encabeçada pela ONU pudesse se
transformar numa ferramenta apropriada para a manutenção do poder hegemônico dos países
ricos, das empresas multinacionais, dos grupos econômicos multilaterais e dos capitalistas em
geral, ela teve que ser construída de maneira sutil e ardilosa, para depois, já estabelecida,
avançar ofensivamente sobre o seu objetivo de romper as últimas fronteiras do capital. Ao nosso
ver, a implantação do desenvolvimento sustentável ou da economia verde, duas faces da mesma
moeda, é um plano engenhoso dos capitalistas que seguem algumas fases: convidar ao diálogo,
se submeter para conquistar, se igualar para reverter a submissão, se impor para controlar e
finalmente avançar para dominar.
Inicialmente, as discussões sobre a problemática ambiental no âmbito da
cooperação internacional proposta pela ONU apontavam o aumento das emissões de GEEs
proporcionado pela industrialização como o responsável pelo aquecimento global e as
consequentes alterações climáticas. Desde a Conferência de Estocolmo (1972), o embate entre
países ricos e pobres foi evidente em torno das responsabilidades, de modo que, para poder dar
segmento ao processo de cooperação, foi necessário que se reconhecesse a maior
responsabilidade dos países ricos. Na Eco 92 (1992), esse reconhecimento foi formalizado com
a instituição do Princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas. Assim, o acordo
inicial era que os países industrializados mantivessem as emissões de GEEs nos níveis
identificados em 1990 até o ano 2000 (MESQUITA JÚNIOR, 2007).
Em 2005, quando o Protocolo de Quioto (1997) finalmente entrou em vigor, em
consonância com o Princípio das Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas, os países
foram divididos em duas categorias: Partes do Anexo I77, os países que têm metas de redução
77 Correspondem aos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e os países do antigo bloco soviético, considerados países em transição para economia de mercado,
podendo ser anfitriões de projetos do tipo implementação conjunta. São basicamente: Alemanha, Austrália,
Áustria, Bélgica, Bielo-Rússia, Bulgária, Canadá, Comunidade Europeia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia,
Eslovênia, Espanha, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália,
Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia,
Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheca, Romênia, Suécia, Suíça, Turquia,
Ucrânia e Estados Unidos (mudancasclimaticas.org, 2015).
96
de GEEs; e Partes Não Anexo I78, países em desenvolvimento que não estão sujeitos às reduções
das emissões. As metas progrediram e ficou definido que os países industrializados, os
chamados Anexo I, deveriam reduzir as suas emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis
de 1990 entre 2008 e 2012, prazo definido como Primeiro Período de Referência.
Entretanto, ao mesmo tempo em que se criaram metas, se estabeleceram
mecanismos de flexibilização para que elas pudessem ser atingidas sem causar impactos
significativos na economia. Assim, o Protocolo de Quioto prevê três mecanismos de
flexibilização que permitem aos países desenvolvidos alcançarem suas metas de redução de
GEEs além de suas fronteiras nacionais: a Implementação Conjunta e o Comércio de Emissões
que só podem ser utilizados entre países industrializados, objetivam a contabilização de
reduções líquidas de emissões de gases com a execução de projetos em outros países também
do Anexo I; e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que admite a participação voluntária
de países em desenvolvimento.
A instituição dos mecanismos de flexibilização transformou a obrigação dos países
industrializados de reduzirem as suas emissões em oportunidade de colaborar com a
implantação do desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento. Na prática, foi a
autorização para criar mecanismos legais para controlá-los em sua política e seus recursos
naturais.
A Implementação Conjunta permite que determinado país do Anexo I implemente
projetos de redução em outro país também do Anexo I, garantindo para si o crédito da ação.
“Por exemplo, se os japoneses têm um alto custo para reduzir suas emissões, estes poderiam
implementar um projeto visando reduções na Alemanha. Estas reduções contariam como
contribuição para a meta de redução do Japão.” (IPAM, 2015).
O Comércio de Emissões permite que um país do Anexo I que tenha diminuído suas
emissões para níveis abaixo da sua meta, possa vender o seu saldo para outro país também do
Anexo I, que não tenha alcançado a meta, de modo que somados, os dois manteriam os limites
propostos para cada um.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL79 permite que os países do Anexo
I alcancem as suas metas de emissões através da implementação de projetos de redução nos
países em desenvolvimento (Não Anexo I), aqueles que não têm metas obrigatórias de redução.
Esses projetos contribuiriam para que a implementação do desenvolvimento sustentável nos
78 Refere-se aos países em desenvolvimento que não se comprometeram em assumir metas obrigatórias de redução
de emissão (mudancasclimaticas.org, 2015). 79 Os projetos MDL podem ser implementados nos setores energético, de transporte e florestal (IPAM, 2015).
97
países em desenvolvimento, ao passo que gerariam créditos de carbono para o país investidor
utilizar para compensar as suas próprias emissões ou vendê-los no mercado de carbono para
outro país que necessite.
De acordo com Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia80 (IPAM, 2015), “os
países do Anexo I só podem utilizar esse mecanismo para compensar 1% no máximo de suas
emissões em relação ao ano base de 1990, multiplicado por cinco, enquanto o restante das
reduções deve ser promovido diretamente no próprio país industrializado”. A redução de GEEs
proposta pelo Protocolo de Quioto é de 5,2% com relação aos níveis de 1990. Se os projetos de
MDL podem compensar 1% multiplicado até por cinco vezes, restariam apenas 0,2% de
reduções para os países ricos realizarem em seus respectivos territórios. Ou seja, os países ricos
pouco precisariam alterar a sua economia para se adequar às reduções.
Quanto ao cumprimento das metas, os projetos vislumbrados pelo Protocolo de
Quioto são caracterizados em dois grupos: os que sequestram carbono e os que reduzem gases
de efeito estufa da atmosfera. O primeiro grupo engloba aqueles projetos que pretendem mitigar
os gases de efeito estufa já gerados por processos produtivos anteriores e estão presentes na
atmosfera impactando no efeito estufa, comumente ilustrado por projetos de reflorestamento ou
plantio e referidos como “sequestro de carbono”. O segundo grupo é o dos projetos que visam
a redução de emissões futuras em determinado setor produtivo, adequando certos mecanismos
da produção para que possam gerar menos Gases de Efeito Estufa (GEEs) do que gerariam se
continuassem com o padrão usual.
Os projetos desse segundo grupo são aqueles que utilizam predominantemente o
MDL como medida mitigadora, inclusive o tratamento de biogás (queima e geração de energia)
de resíduos sólidos proposto para os aterros sanitários a serem implementados no Brasil, com
alguns projetos já em funcionamento em algumas cidades brasileiras. O Aterro Bandeirantes,
80 O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) se descreve como uma organização científica, não
governamental e sem fins lucrativos formadas por cientistas e educadores fundada em 1995 com a proposta de
“engajar a ciência e o ativismo ambiental na região amazônica, construindo bases para a ação de movimentos
sociais e para a formulação de políticas públicas”. Declaram defender a participação dos povos que habitam a
região (sobretudo os povos da floresta: indígenas, extrativistas, ribeirinhos, quilombolas etc.) na resolução dos
problemas amazônicos. Entretanto, os eixos estratégicos de atuação desse instituto são: Governança
socioambiental; Fortalecimento de atividades produtivas sustentáveis; Vulnerabilidade e adaptação
socioambiental; e Incentivos econômicos para a sustentabilidade. Ou seja, sua atuação não é só obviamente
orientada pela lógica de desenvolvimento sustentável do PNUMA, mas parece funcionar como um braço deste
dentro da Amazônia e arrastando-a para o contexto internacional:
“[...] trabalhamos gerando informações e fomentando iniciativas para subsidiar políticas públicas, iniciativas locais
e acordos internacionais. Estas atividades são realizadas com a participação de agricultores familiares,
produtores rurais, povos indígenas, comunidades tradicionais e diferentes setores do governo. As pesquisas e a
atuação do IPAM são conduzidas por pesquisadores com excelência acadêmica nacional e internacional”
(IPAM, 2015).
98
por exemplo, localizado na Região Metropolitana de São Paulo e o maior aterro sanitário do
Brasil é o pioneiro na recepção desse tipo de projeto MDL, firmado ainda em 200381
(CORNETTA, 2011). Esse tópico será retomado mais adiante com mais detalhes, visto que
representa o elo entre a política ambiental internacional e os aterros sanitários propostos pela
Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010).
Quanto ao mercado de carbono82, em suma, podemos afirmar que ele “movimenta-
se basicamente das licenças para poluir que as empresas recebem: a poluição evitada83 por
determinado poluidor medida em créditos de carbono [...] e vendidos a outro poluidor que já
alcançou seu ‘direito de poluir’ e necessita de mais licenças.” (TORRES, 2013, p.67).
A desconfiança sobre os reais benefícios ambientais que esse tipo de negócio verde
proporciona ganha cada vez mais peso quanto mais se avalia os seus mecanismos. Os limites
de poluição estabelecidos nas “Licenças de Poluição”, aos quais cada empresa tem direito e que
constituem a base desse mercado não é algo confiável, pois embora sejam definidos por órgãos
governamentais ou intergovernamentais
Via de regra, o limite de poluição é altamente suscetível ao lobby de empresas e não
se estabelece segundo critérios científicos. A maioria dos mercados de Cap and
Trade[84] usa projeções de emissões históricas fornecidas pela própria indústria para
calcular o tamanho do limite inicial. Isso deu margem a uma manobra das indústrias,
que superestimam suas emissões: quanto mais declaram poluir, tanto mais licenças
receberão. Se essas declarações não condizem com as emissões reais, a empresa pode
de fato aumentar sua poluição ou ganhar dinheiro vendendo as licenças sobressalentes
(STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.12, grifo nosso).
As metas de redução de GEEs pautadas em mecanismos de mercado não atenuam
os problemas do meio ambiente, mas agravam as desigualdades entre países: reafirma a inserção
subalterna dos países subdesenvolvidos e a hegemonia dos países desenvolvidos na economia
e na geopolítica global, principalmente por meio da tecnologia produzida nos países
desenvolvidos que “são exportadas, com lucro, para os países em desenvolvimento, para que
estes as apliquem em projetos de geração de créditos. Assim, a crise climática se torna
duplamente lucrativa para os países desenvolvidos.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.14).
81 O Protocolo de Quioto só foi ratificado em 2005, embora seu processo tenha se iniciado ainda em 1997. Ou seja,
as negociações foram anteriores à oficialização do tratado e, embora houvesse uma tendência à sua aprovação, a
antecipação do projeto demonstra segurança por parte dos investidores de que o protocolo entraria em vigor.
Exploraremos essa relação nos capítulos que estão por vir. 82 Segundo Stiftung e Brasil (2012, p.14) “o comércio oficial de créditos de carbono já movimenta, de acordo com
estimativas do mercado financeiro norte-americano [estadunidense], aproximadamente US$ 300 bilhões,
montante que pode chegar a US$ 2 ou 3 trilhões na próxima década.” 83 Tem que ser aprovado por uma Autoridade Nacional Designada – AND para gerar o Certificado de Emissões
Reduzidas – CER e então ser negociável, inclusive na bolsa de valores, de acordo com a demanda e a oferta. 84 Cap and Trade ou limitar e negociar, se resume basicamente em diminuir a poluição em troca de compensação
financeira.
99
Outra ferramenta criada pela coalizão do clima da ONU para incrementar a
economia verde foi oficializada em 2007 na 13ª Reunião das Partes da Convenção da ONU
sobre Mudanças Climáticas (COP 13), “onde se estabeleceu que os projetos e incentivos
econômicos à redução de emissão deveriam se dar reduzindo ou impedindo o desmatamento
florestal, sobretudo nos países subdesenvolvidos, com maiores reservas florestais.” (TORRES,
2013). Assim foi instituído o programa de Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação – REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation) que,
baseado naquela premissa inicial de que a conservação da natureza só se dará pelo mercado,
cria um conjunto de incentivos financeiros para reduzir as emissões decorrentes do
desmatamento e da degradação florestal.
Em suma, se aplica um valor financeiro no CO2 contido nas árvores para ser
comercializado: a floresta ficará de pé apenas se o lucro obtido com a venda do CO2 que ela
estoca em suas árvores for superior ao lucro que seria obtido com as atividades que implicariam
no seu desmatamento85, ou seja, está diretamente relacionado ao que se lucraria se houvesse o
desmatamento, o que é potencialmente problemático para a natureza, pois “quanto maiores os
desmatamentos e o lucro com a destruição das matas, maior o valor de sua preservação e mais
lucrativo é o REDD.” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, pp.17-18).
A realização do REDD está condicionalmente associada à apropriação privada das
florestas por determinados grupos econômicos: para manter a floresta de pé é necessário
comprá-la ou estabelecer um contrato com o proprietário. Como “as transações estão baseadas
no interesse de empresas dos países desenvolvidos nas florestas dos países em
desenvolvimento” (STIFTUNG; BRASIL, 2012, p.18), o REDD tem muitos efeitos nocivos.
O primeiro é estrutural: aliena a soberania dos países subdesenvolvidos sobre os
seus recursos florestais à medida que os lança no mercado internacional, onde qualquer grupo
econômico ou governo pode adquirir a propriedade das florestas fincadas em seus territórios,
caracterizando uma nova estratégia de apropriação dos recursos florestais dos países
subdesenvolvidos. Nas acertadas palavras de Porantim86 (2014):
85 “Assim, pode-se acabar incentivando um tipo de chantagem ambiental, pela qual países ou proprietários podem
vincular a preservação da floresta ao pagamento por ela. Algo do tipo: alguém paga, ou desmato.” (STIFTUNG;
BRASIL, 2012, p.18). 86 O Jornal Potantim é uma publicação do Conselho Indigenista Missionário - Cimi, organismo vinculado à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e historicamente dedicado à defesa dos direitos de
populações indígenas no Brasil. O Cimi foi criado em 1972 e teve extrema importância na articulação dos povos
indígenas para lutarem pela garantia do direito à diversidade cultural em um contexto em que o Estado brasileiro
assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária. O Cimi tem como princípio
fundamental o respeito à alteridade indígena em sua pluralidade étnico-cultural e histórica, o protagonismo dos
100
Mecanismos de compensação para a captura de carbono colocam em risco a própria
soberania nacional, através da expansão das transnacionais na consolidação do poder
e controle sobre povos e governos, águas, territórios e sementes nos países do Sul,
além de modificarem os modos de vida das comunidades locais, que passam a ser
tratadas como fornecedoras de “serviços ambientais” (PORANTIM, 2014, p.2).
Isso leva a outro problema mais perverso: ele avança na negação do direito humano
ao meio ambiente de comunidades tradicionais que habitam as áreas de florestas alvo do
projeto. Por exemplo, os “povos indígenas estão sendo assediados por Organizações Não
Governamentais (ONG) a serviço das empresas do Norte para que firmem contratos cedendo
suas terras e florestas para a captura de gás carbônico (CO2)” (PORANTIM, 2014, p.2).
Torres (2013) citando Stiftung e Brasil (2012) relatam alguns desses casos:
No Brasil, há alguns casos emblemáticos de compra ou contrato de áreas florestais
por empresas internacionais: em 2000, foi realizada a compra de três áreas de Mata
Atlântica no Paraná, por três poluidoras internacionais: a General Motors
(automotiva), a Chevron (petroleira, responsável por um dos maiores vazamentos de
petróleo no Brasil na passagem 2011-2012) e a American Electric Power (maior
companhia energética dos EUA); Em 2011, a empresa irlandesa Celestial assinou um
contrato de 30 anos com os indígenas Munduruku, no Pará. Nos dois casos as
comunidades tradicionais não poderiam deferir quaisquer ações que viessem a
modificar a floresta, nem mesmo atividades extrativistas ou culturais, inerentes a vida
(TORRES, 2013, p.68, grifo nosso).
Em 2010, na 16ª Conferência das Partes (COP 16), o alcance e a complexidade
desse mecanismo foram ampliados: agora renomeado de REDD+, ele se refere à Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação, Conservação, Manejo Florestal Sustentável,
Manutenção e Aumento dos Estoques de Carbono Florestal.
Nesse contexto de precificação dos recursos naturais, alegando a sua proteção e
regido pelo mesmo princípio de compensação financeira, temos a proposta de Pagamento por
Serviços Ambientais - PSA87. Nesse caso, o alvo são as funções ecossistêmicas realizadas
gratuitamente pela natureza para a manutenção do equilíbrio ecológico dos ecossistemas do
planeta e disponibilizadas gratuitamente para todos os homens/mulheres enquanto componente
ecológico, sendo, portanto, essenciais à sobrevivência humana.
[...] o PSA objetiva corrigir as falhas de mercado por meio da internalização das
externalidades. Sob a perspectiva econômica, a maior causa da degradação dos
ecossistemas que prestam os serviços ambientais se deve a uma falha de mercado
povos indígenas nas lutas pela garantia dos direitos históricos e o compromisso com a causa indígena dentro da
perspectiva de uma sociedade democrática, justa, solidária, pluriétnica e pluricultural. “E para esta nova
sociedade, forjada na própria luta, o Cimi acredita que os povos indígenas são fontes de inspiração para a revisão
dos sentidos, da história, das orientações e práticas sociais, políticas e econômicas construídas até hoje.” (Cimi,
2015, grifo nosso). Disponível em: <http://www.cimi.org.br/>. Acesso em: 03 ago. 2015. 87 De acordo com Wunder et al. (2005 apud LEITE, 2014, p.56), “um regime de pagamento por serviços ambientais
é uma transação voluntária na qual um serviço ambiental (environmental service - ES) bem definido, ou uma
forma de utilização dos solos capaz de garantir tal serviço, comprada por pelo menos um comprador, a partir do
mínimo de um provedor se, e somente se o provedor continuar fornecendo esse serviço (condicionalidade).”
101
associada com a sua característica de “bens livres” (WUNDER et al., 2008 apud
LEITE, 2014, p.55, grifo nosso).
A superioridade do aspecto econômico sobre todos os demais da vida social é
tamanha que nomeia como “serviços” os benefícios gerados por processos naturais que
sustentam os ecossistemas. Ora, a ideia de serviço enquanto mercadoria - um produto
econômico mesmo que abstrato - requer que a sua aquisição seja necessariamente mediada pelo
pagamento. Como pagaremos a natureza pelos serviços a nós fornecidos? Com a sua
conservação? Com dinheiro? Ou com dinheiro aquele que teve o trabalho de conservá-la para
nosso usufruto?
Uma pista está no argumento de que o sistema econômico necessariamente é
dilapidador da natureza porque não internaliza os custos ambientais da produção, o que leva
inevitavelmente à sua depredação. Logo, para reduzir a pressão sobre os ecossistemas e os
serviços ambientais que eles oferecem, seus exploradores necessitariam internalizar os custos
da sua exploração, ou seja, pagar por eles. Num contexto que propõe o fortalecimento
institucional e o desenvolvimento de infraestrutura em áreas rurais de países em
desenvolvimento, uma das estratégias propostas é a “remoção de subsídios ecologicamente
perversos e a promoção de reformas regulatórias que incluam nos preços dos alimentos e
commodities88 os custos da degradação” (LEITE, 2014, p.49).
Como a natureza não se interessa por ativos financeiros, surge a figura do tutor,
cujo trabalho é garantir os serviços ambientais que o capitalista precisa explorar para reproduzir
o capital e que todas as pessoas necessitam para viver. Assim, a preservação está
necessariamente condicionada ao pagamento, pois embora as funções ecossistêmicas existam
independente da ação do tutor, é o seu trabalho de proteção que garantirá a permanência.
Conforme especifica Leite (2014):
A capacidade do provedor de serviços ambientais de participar de um projeto de PSA
faz com que aquele participante seja um “agente da preservação”, uma vez que
depende dele para receber a contrapartida. O comprador de um serviço ambiental pode
ser qualquer pessoa física ou jurídica que tenha disposição a pagar. Isto inclui
empresas privadas, setor público e organizações não-governamentais (ONGs)
nacionais ou internacionais, entre outros. Uma distinção básica relacionada ao tipo de
comprador pode ser feita segundo MMA (2008) [Ministério do Meio Ambiente do
88 Commodities é o plural de commodity, palavra em inglês que significa mercadoria. Se refere a produtos de baixo
valor agregado, em estado bruto ou pouco processados, produzido em grande quantidade com qualidade
uniforme e que podem ser estocados por certo tempo sem perda sensível de suas qualidades. Seu preço é
negociado na Bolsa de Valores, possuindo cotação global e estando sujeito às circunstâncias do mercado, como
a oferta e a demanda. Em geral se refere a produtos in natura, cultivados (soft commodities) ou de extração
mineral (hard commodities), podendo ser sinônimo de matéria-prima, mas também podem se referir a ativos
financeiros. Assim podem ser divididos em quatro categorias: minerais (petróleo, ouro, bauxita, prata, minério
de ferro, etc.), ambientais ou energéticas (água, madeira, energia, gás, carvão, petróleo, créditos de carbono etc.),
agrícolas (soja, trigo, café, algodão, borracha, etc.) e financeiros (real, euro, dólar, etc.).
102
Brasil], que sugere, por um lado, o PSA privado (aquele financiado diretamente pelos
usuários dos serviços) e, por outro lado, o PSA público (em que o Estado atua como
comprador, representando os usuários de serviços ambientais) (LEITE, 2014, p.56).
O argumento de que somente se monetizando é possível preservar cai por terra
quando entendemos que enquanto o processo de produção capitalista e sua clássica economia
marrom deixam um lastro de destruição na natureza, as comunidades tradicionais regidas por
outra matriz de racionalidade, que possuem a sustentabilidade como valor e não como discurso,
são as que mais preservam o meio ambiente. No entanto, essas são as que mais são ameaçadas
com o avanço da economia verde, que em nada se diferencia da marrom, senão na roupagem.
[...] ela seria a ponta de lança de um novo ciclo econômico capitalista, na medida em
que transformaria bens comuns (como a água, a atmosfera, as florestas, oceanos e
mesmo os seres vivos) em mercadorias destinadas à apropriação, acumulação e
especulação, além de ressignificar os territórios (LEITE, 2014, p.50).
A propriedade dos recursos naturais, da biodiversidade e das funções
ecossistêmicas dá ao seu proprietário o poder sobre a reprodução física e cultural de todos
aqueles que delas dependem, negando o direito humano inalienável ao meio ambiente que
passará a ser mediado pelo mercado. Isso é grave porque tenta aniquilar outras formas de
relação com a natureza e de obtenção dos recursos essenciais à vida que não sejam
exclusivamente o mercado, tenta transformar o que resta de valor de uso em valor de troca
quando lança no mercado elementos intangíveis como as funções ecossistêmicas, vendendo o
acesso à biodiversidade89 e ao meio ambiente.
Os povos e comunidades tradicionais90 além de serem os que mais colaboram com
práticas de preservação da natureza são aquelas que representam os últimos povos a serem
completamente dominados pelo capital. Seu modo de vida, aliado à garantia dos bens naturais,
são suficientes para desenvolver uma sustentabilidade independente do mercado e é justamente
esse exemplo indomável que o capitalismo que aniquilar.
A financeirização da natureza significa o aprofundamento radical do capitalismo e, ao
mesmo tempo, configura-se como um neocolonialismo. Os povos indígenas e as
comunidades tradicionais são os principais impactados por esta lógica perversa, que
89 O documento The Economics of Ecosystems and Biodiversity - TEEB do PNUMA divide os valores econômicos
da biodiversidade em valores de uso direto (alimentos, medicamentos, beleza cênica, turismo etc.), de uso
indireto (armazenamento de carbono, regulação de clima, manutenção dos ciclos hidrológicos etc.), de opção
(expectativa de uso futuro da biodiversidade, como para fins medicinais, por exemplo) e de não uso (questões
éticas, morais, culturais e espirituais) (STIFTUNG; BRASIL, 2012, LEITE, 2014). 90 A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT define-
os como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de
organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos por tradição.” (BRASIL, 2007c, Art.3, I).
103
transforma a natureza em mercadoria e agrava ainda mais a desigualdade social
(PORANTIM, 2014, p.2).
Quando os povos indígenas alienam suas terras a uma multinacional através de um
contrato de preservação de floresta, eles perdem o direito de utilizarem-na como base para a
sua reprodução física e cultural, alterando radicalmente sua cultura e seus modos de vida.
Sem o direito de retirar da natureza os bens que necessitam para a sobrevivência,
eles terão de adquiri-los no mercado, onde inclusão social quer dizer inclusão no capitalismo.
Assim é feita a inclusão social dos que são considerados fora do capitalismo: “passando da
condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama) para a condição de
promotores do capital natural, criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do
carbono” (PORANTIM, 2014, p.2).
Como afirma Torres (2013, p.70), “enquanto na retórica o lema da sustentabilidade
é ‘socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente sustentável’, na prática ela se
revela o aprofundamento das questões emblemáticas acerca da relação do homem/mulher com
a natureza e o aprofundamento das relações dialéticas dentro da sociedade”.
Temos por certo que
A financeirização da natureza e o crescimento verde não evitarão o colapso do planeta,
que só reencontrará o equilíbrio através de múltiplas estratégias econômicas que
libertem a humanidade da carga do lucro privado como fator de progresso, da primazia
dos direitos territoriais dos povos, de políticas e fundos públicos com controle social,
e de uma nova correlação de forças que democratize o sistema internacional, o liberte
do sequestro das corporações e o reoriente em favor da justiça social e ambiental
(FASE, 2011, pp.43-46 apud LEITE, 2014, p.50).
Enquanto isso a natureza segue sendo apropriada, uma mercadoria através da qual
continua a se sustentar as relações de poder dentro da sociedade. A importância que se dá ao
crescimento do PIB indica a prioridade econômica que a proposta de sustentabilidade capitalista
impõe sobre os demais aspectos que compõem a organização social, “justificando os incentivos
e subsídios para diversos lobbies verdes” (LEITE, 2014, p.50) que continuariam a favorecer os
mais ricos, impedindo o surgimento de soluções transformadoras e mantendo assim as causas
estruturais das desigualdades sociais e econômicas.
104
3 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA
Anteriormente, dissemos que a problemática ambiental encontra-se numa
intercessão entre as relações sociais e a relação entre sociedade e natureza, uma combinação de
relações cujo produto compõe o espaço geográfico, pois este tem a sua produção determinada
pela associação de dinâmicas sócio-históricas com as estruturas e dinâmicas naturais.
Dessa forma, os componentes da problemática ambiental residem em diferentes
formas de dinâmica social: política, educação, cultura, economia, organização espacial,
legislação etc. Como a lei e a política são estruturantes para o funcionamento do Estado
Moderno, elas se tornam a coluna vertebral que sustenta o corpo de instituições e atividades
que compõem a dinâmica social, de modo que a legitimação política e o organograma da
legalidade se impõem de maneira oficial, submetendo tal dinâmica.
Logo, a questão ambiental, por se referir tanto às dinâmicas naturais como sócio-
históricas, ambas em interação, pode ser afetada por qualquer alteração em qualquer uma dessas
dinâmicas: desde fenômenos geológicos de grandes dimensões próprios da dinâmica natural e
humanamente inevitáveis (como por exemplo, erupções vulcânicas, abalos sísmicos, tsunamis
etc.) até atividades corriqueiras próprias da dinâmica social que, sob um olhar raso e
naturalizado desta, não parecem interferir de maneira considerável na problemática ambiental
(como o trânsito, a produção de resíduos, o uso de água e energia, a dieta etc.) ou a subjugam
com certa superioridade (como atividades industriais de alto impacto ambiental, a utilização de
fontes de energia altamente poluente, o uso indiscriminado de água, energia e recursos naturais
para a atividade produtiva, o uso indiscriminado de venenos químicos na agricultura etc.).
E para os fenômenos sociais, há a mediação social. As atividades de grande
impacto, ligadas sobretudo ao setor produtivo, são claramente uma opção política pelo modelo
de desenvolvimento vigente que através da legitimação política e do ordenamento jurídico do
Estado ganham legalidade social e são impostos como projeto de sociedade.
Ao nosso ver, a política ambiental de determinado país se revela no conjunto de
ações políticas que de maneira direta ou indireta, inevitavelmente, afetam o meio ambiente.
Assim entendemos que, ao contrário do que normalmente se possa inferir e embora represente
um marco, a Política Nacional do Meio Ambiente (1981) não resume, nem de longe, a política
ambiental brasileira, mas é antes, um retalho desta.
A legislação ambiental brasileira é bastante volumosa e inclui tanto a PNMA quanto
os dispositivos legais anteriores e posteriores a ela, quer se relacionem diretamente com o meio
ambiente, quer integrem outras políticas específicas que indiretamente o afetam. Desse modo,
105
para obtermos uma visão mais abrangente da política ambiental brasileira, é necessário
caracterizar, ainda que de maneira sucinta - pois além de não ser nosso objetivo, obviamente
não daríamos conta de realizar uma análise mais aprofundada de todo o conteúdo relevante
apenas em um capítulo - os aspectos gerais da legislação ambiental brasileira e dela extrair e
explorar os principais marcos regulatórios que a compõem e o contexto social em que eles se
estabeleceram, tanto na esfera nacional como internacional, especialmente aqueles que denotam
o seu alinhamento com o desenvolvimento sustentável.
Entretanto, de antemão, queremos reafirmar a assertiva de Cunha e Coelho (2003,
p.57) de que “não é possível dar conta de todas as idéias [sic] que ajudaram a moldar a política
ambiental brasileira nas últimas décadas”, pois
Crenças, idéias [sic] e valores relacionados a diferentes, [e] nem sempre
compatíveis, abordagens interpretativas das relações entre sociedade e meio ambiente
e do papel do Estado na regulação do uso dos recursos naturais e do comportamento
de indivíduos e grupos sociais tiveram e continuam tendo papel fundamental nesse
processo (CUNHA; COELHO, 2003, p.57).
E é justamente por conta dessa infinidade de fatores que, embora a nossa hipótese
de que os aterros sanitários e a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil estejam
diretamente associados à influência da política ambiental internacional, baseada na noção de
desenvolvimento sustentável, também concordamos com os autores quando afirmam que a
referência do desenvolvimento sustentável não é suficiente para nos levar à compreensão de
como essa nova percepção da realidade a partir da crise ambiental tem influenciado as políticas
públicas executadas no Brasil em termos de meio ambiente.
3.1 UMA PROPOSTA DE PERIODIZAÇÃO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA
Embora os acontecimentos sociais que dão concretude histórica a essa legislação
ambiental sejam fluidos no tempo e no espaço e não obedeçam a encaixes cronológicos, o
histórico da legislação ambiental brasileira pode ser dividido em períodos com características
comuns. Naturalmente, com o desenvolvimento da sociedade, intensificação das forças
produtivas, das relações e organizações sociais, esses padrões característicos tendem a sofrer
perturbações que subdividem os períodos e encurtam os cortes temporais, à medida que nos
aproximamos da atualidade.
O período anterior a 1930 foi o mais longo e inexpressivo do ponto de vista da
política ambiental, caracterizado por uma ausência quase total de legislações afetas ao meio
ambiente, como uma espécie de marco zero, um período que antecede a formulação e execução
106
de políticas ambientais. Conforme Cunha e Coelho (2003), foi somente no século XX que a
preocupação com o meio ambiente resultou na elaboração e na implementação de políticas
públicas de caráter ambiental no Brasil. Partindo desse marco, os autores apresentam uma
proposta de periodização das políticas ambientais no Brasil a partir de uma abordagem histórica
do seu processo de formulação e execução, distinguindo três diferentes momentos históricos
entre 1930 e 2003 dos quais nos apropriaremos.
É possível ainda caracterizar um quarto momento, a partir de 2005, em que se
percebe uma total assimilação do desenvolvimento sustentável nas políticas ambientais ou a
elas relacionadas, expressas principalmente no plano de trabalho do Ministério do Meio
Ambiente e nos compromissos assumidos em conferências internacionais, sobretudo a
Convenção do Clima através de suas sucessivas COPs.
Cunha e Coelho (2003) também classificam as políticas ambientais executadas no
Brasil em três tipos diferentes e complementares:
As políticas regulatórias dizem respeito à elaboração de legislação específica para
estabelecer ou regulamentar normas e regras de uso e acesso ao ambiente natural e a
seus recursos, bem como a criação de aparatos institucionais que garantam o
cumprimento da lei. As políticas estruturadoras implicam intervenção direta do poder
público ou de organismos não governamentais na proteção do meio ambiente. Como
exemplo de políticas estruturadoras temos a criação de unidades de conservação,
sejam elas públicas ou reconhecidas pelo Poder Público; a realização ou
financiamento de projetos locais de conservação e de atividades de zoneamento e
ecológico, entre outras.
Finalmente, as políticas indutoras referem-se a ações que objetivam influenciar o
comportamento de indivíduos ou de grupos sociais. São normalmente identificadas
com a noção de desenvolvimento sustentável e são implementadas por meio de linhas
especiais de financiamento ou de políticas fiscais e tributárias. Representam, portanto,
iniciativas destinadas a otimizar a alocação de recursos. O emprego estratégico de
instrumentos econômicos, nesse caso, busca privilegiar certas práticas consideradas
ambientalmente desejáveis e inviabilizar aquelas que podem resultar em degradação
ecológica (CUNHA; COELHO, 2003, p.45, grifos nossos).
Essa classificação das políticas é essencial para prosseguir a uma tentativa de
periodização, embora os períodos não possam ser caracterizados exclusivamente por elas. Há
sempre mais de um tipo em cada período, mas sua presença ajuda a encontrar padrões capazes
de caracterizar cada um deles, ainda que de uma forma geral, pois é mais fácil caracterizar o
tipo de política do que traçar marcos periódicos precisos, uma vez que os cortes históricos não
são exatos e lineares.
107
3.1.1 Período Antecessor (1500-1929)
Desde os tempos coloniais até 1930, o padrão de organização do espaço brasileiro
se deu em “ilhas socioeconômicas” organizando o espaço de modo a atender demandas externas
(PORTO-GONÇALVES, 2000).
Durante o Período Colonial (1500-1822), a economia do Brasil Colônia era baseada
no extrativismo florestal e mineral e na monocultura extensiva da cana-de-açúcar e do café,
ambos levados a cabo por meio de processos rudimentares que provocavam intenso desgaste
ao meio ambiente como a deterioração de solos, o desmatamento e a desertificação localizada
no caso do extrativismo e a exaustão dos solos e a perda da biodiversidade no caso da
agricultura, causadas principalmente pelas queimadas. A ocupação de terras da Colônia se
pautavam pelo sistema de capitanias hereditárias e sesmarias e a apropriação e a exploração dos
recursos naturais eram características de uma política essencialmente extrativista. Sem
nenhuma legislação própria, a primeira menção de controle de recursos naturais teria sido
ordenada de Portugal e incidia sobre o pau-brasil, mas tinha motivação exclusivamente
econômica (MEC, 2015).
Mesmo restrita à proteção florestal, a legislação regulatória tinha pouco efeito
prático. As primeiras formulações ambientalistas ocorreram no final do século XVIII, quando
dentro de um discurso mais amplo de superação do atraso da colônia, intelectuais e políticos
protestavam contra o desmatamento e a agricultura predatória e cobravam ações para conter a
degradação da Mata Atlântica, ambos por preocupação em garantir a continuidade da
exploração (CUNHA; COELHO, 2003).
Durante o século seguinte, período que engloba o Primeiro Reinado (1822-1831),
o Segundo Reinado (1931-1989) e o início da República Velha (1889-1930), tem
prosseguimento a ocupação do território nacional, incentivando-se a ocupação de fronteiras e a
exploração desordenada dos recursos naturais. Em 1850 é proclamada a primeira Lei de Terras,
que tendo um óbvio interesse social, em nada contribuiu para uma melhor gestão da exploração
dos recursos naturais e controle da degradação ambiental que continuaram órfãos submetidos à
atividade econômica. No final do século XIX, surgem as primeiras instalações industriais e se
prossegue com a expansão de atividades agrícolas e pecuárias sem nenhuma ressalva ambiental.
No cenário internacional, os primeiros tratados estavam ligados à segurança
internacional, sobretudo leis e crimes de guerra e ações humanitárias em tempos de conflito
bélico, com destaque para as Convenções de Genebra (1864-1949), as Conferências de Paz
(1899 e 1907) e a criação da Liga das Nações (1919).
108
3.1.2 Primeiro Período (1930-1971)
No início do século XX, já havia no Brasil um debate sobre a criação de um Código
Florestal que ganha visibilidade com a criação do Serviço Florestal Federal em 1925.
Entretanto, é somente a partir de 1930 que a regulação ambiental deslancha no país. Em meio
ao coronelismo regional marcado pelo poder das elites rurais, a Revolução de 1930 implanta
um Estado centralizador, que inicia a transição para uma incipiente industrialização e
urbanização iniciadas no Sudeste e inicia o primeiro dos três momentos do histórico das
políticas ambientais brasileiras, que vai de 1930 a 1971.
O padrão de organização do espaço brasileiro que predominou de 1930 a 1980,
estava baseado numa industrialização substitutiva de importações. Esse processo se
caracterizava por uma forte capacidade de investimentos do Estado e na criação de um mercado
interno que se tornou referência para a dinâmica da acumulação capitalista no Brasil, embora a
acentuada desigualdade de renda ainda mantivesse excluída significativa parcela da população.
Os principais protagonistas desse modelo foram o Estado, a burguesia industrial nacional que
em torno dele se desenvolveu, o capital internacional recém-instalado - sobretudo a partir de
1956 com as primeiras montadoras de automóveis - e a propriedade exportadora tradicional,
ainda que perdendo a hegemonia que possuía no período anterior (PORTO-GONÇALVES,
2000).
Durante esse primeiro momento, predomina a atuação do Poder Público Federal e
uma abordagem nacional dos problemas ambientais, cujas poucas ações de caráter regional são
voltadas para as regiões ícone: Sul e Sudeste desenvolvidas e Nordeste e Norte (Amazônia), as
regiões-problema. Esse período é marcado, sobretudo, pela construção de uma base regulatória
sobre o meio ambiente com a adoção de mecanismos legais para a sua regulação (CUNHA;
COELHO, 2003).
Surge assim, na década de 1930, a preocupação do governo brasileiro de disciplinar
o uso dos espaços e recursos naturais com vistas a dificultar sua apropriação por populações de
baixa renda. Nesse sentido, destacam-se o Código das Águas (ainda vigente), que estabelece os
princípios do aproveitamento e da utilização das águas de domínio público, criando direitos e
obrigações aos usuários; e o primeiro Código Florestal (substituído em 1965) que, entre outras
coisas, exigia procedimentos para a exploração comercial de florestas, que eram de difícil
consecução para populações de baixa renda, ambos promulgados em 1934.
109
As políticas estruturadoras criadas nesse período compõem uma política de
conservação dedicada à criação de unidades de conservação, sobretudo em área de Mata
Atlântica91 com a finalidade de proteger suas manchas remanescentes do crescimento
populacional que se concentrava na faixa litorânea. Assim, influenciada pela importância que
os parques nacionais dos EUA ganharam durante o New Deal, a política de preservação
brasileira tem início em 1934, quando decreta92 a criação dos primeiros parques nacionais e
áreas florestais protegidas no Nordeste, Sul e Sudeste (CUNHA; COELHO, 2003).
A partir de 1937 são criados os primeiros parques naturais93 do Brasil, embora seja
importante ressaltar que “os parques eram criados como reservas para futura exploração e não
como áreas ecologicamente importantes para o equilíbrio do meio ambiente” (MEC, 2015,
p.17). Em 1937 é criado também o Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico, Artístico e
Natural SPHAN, o atual IPHAN.
A partir da década de 1940, a grande preocupação do Brasil era consolidar obras de
infraestrutura e instalar indústrias de base. Com o início da implantação do projeto siderúrgico
brasileiro, foi então instituído o Código de Minas94 em 1940 para disciplinar a pesquisa e lavra
minerária e foram criadas a Companhia Vale do Rio Doce - VALE em 1942 e a Companhia
Siderúrgica Nacional – CSN, que começou a funcionar efetivamente em 194695.
Nesse cenário, a proteção do meio ambiente caracterizava-se pela administração dos
recursos naturais por meio de órgãos públicos dedicados ao mesmo tempo ao fomento
e à produção de atividades utilizadoras de recursos naturais. A proteção ambiental foi
então associada fortemente à sua futura exploração. Popularmente, pode-se dizer que
a administração pública colocou juntos a galinha e a raposa. Os mesmos órgãos
competentes pela proteção dos recursos naturais tinham a missão precípua de
favorecer sua exploração (MEC, 2015, p.17, grifo nosso).
As décadas de 1940 a 1950 foram mundialmente marcadas pelo anseio de retomada
do crescimento econômico e pela Guerra Fria (1945-1991). Com o fim da guerra, a luta pela
hegemonia mundial se instaura entre os EUA, à frente do bloco capitalista e a União Soviética,
à frente do bloco socialista. Do lado capitalista, antes mesmo de se encerrar o conflito bélico,
iniciou-se um projeto de cooperação internacional com o objetivo de reconstruir a economia
internacional do pós-guerra, formalizado com a Conferência de Bretton Woods em 1944. O
91 Das 26 áreas criadas no período, 13 estavam em área de Mata Atlântica e apenas uma na Floresta Amazônica. 92 Decreto nº 23.793/1934. 93 Os Parques Nacionais de Itatiaia (1937), de Foz de Iguaçu (1939) e da Serra dos Órgãos (1939), entre outros. 94 Decreto-Lei nº 1.185/1940 posteriormente revogado pelo Decreto-Lei nº 227/1967. 95 Enquanto desdobramento político e econômico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), graças a um acordo
diplomático (Os Acordos de Washington), as duas companhias teriam sido financiadas em grande parte pelos
EUA para fornecer matéria prima para sua indústria bélica.
110
projeto culminou na fundação de organismos internacionais como a ONU em 1945, o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI que visavam respectivamente manter a paz
e a segurança mundiais, promover o investimento internacional e manter a estabilidade do
câmbio. Porém, “deve-se atentar para o fato de que tais organismos eram, na sua maioria,
subordinados à supremacia americana [leia-se “estadunidense”] que em face do novo desenho
geográfico da Europa e já às voltas com a guerra fria com a União Soviética, evitava a qualquer
custo cair em outra grande depressão econômica” (ARAÚJO, 2001 apud MEC, 2015, p.17).
Em termos de cooperação internacional para questões ambientais, em 1948, a
UNESCO e o governo francês formam União Internacional para a Proteção da Natureza - UIPN,
uma organização que “desenvolveu importante trabalho na área intelectual sobre o tema e
também influenciou vários países na criação de núcleos conservacionistas agregados aos
governos locais” (GONÇALVES, 2002, p.2). No Brasil, inspirou a criação da Fundação
Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN, a ela filiada. É válido ressaltar ainda que
em 1956 a denominação original foi alterada para União Internacional para a Conservação da
Natureza e dos Recursos Naturais - UICN, adotando o termo conservação, mais alinhado com
os princípios do atual desenvolvimento sustentável e ligado a uma exploração econômica dita
racional dos recursos naturais, em cujo interesse também ficava evidente. Conforme a própria
UICN (2015, tradução livre)96, a organização é hoje a maior e mais antiga organização
ambiental global do mundo, unindo governos, empresas, ONGs e a ONU para desenvolver
políticas, leis e melhores práticas ambientais, além de oferecer apoio à pesquisa científica e
gerenciar projetos de campo em todo o mundo.
A década de 1950 é marcada por uma política de abertura de estradas e pela
transferência da capital nacional para o interior do país. Em 1952, é fundado o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, uma instituição financeira integralmente
pública criada com a função de garantir recursos capazes de sustentar a expansão da economia
brasileira. Conforme Furtado e Strautman (2014), a instituição se tornou o principal instrumento
para a implementação das políticas industrial, de infraestrutura e de comércio exterior,
acumulando profundo conhecimento sobre os principais setores da economia brasileira e uma
enorme capacidade de planejamento econômico. Por outro lado, colecionava também impactos
ambientais e comunidades atingidas por projetos por ele financiados, tanto no Brasil quanto na
América do Sul, onde o banco tem tido uma crescente atuação nos últimos anos.
96 Disponível em: <http://www.iucn.org/about/>. Acesso em: 06 jan. 2016.
111
A década de 1960 foi caracterizada como um período de grande desenvolvimento
econômico e tecnológico. Em 1962, é instituída a Política Nacional de Energia Nuclear –
PNEN97, que cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, bem como disciplina sua
estrutura, traz algumas definições e diretrizes sobre as questões ligadas à exploração e comércio
de minerais, minérios e materiais nucleares98. Essa lei foi o marco regulatório inicial da energia
nuclear no Brasil e estratégica para o desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro99,
iniciado na década de 1950, mas que só decolaria na década de 1970, a partir da construção da
Usina Nuclear Angra I, no litoral do Rio de Janeiro. Depois dela, muitos outros dispositivos a
esse respeito serão introduzidos na legislação brasileira, bem como modificando, anulando ou
disciplinando determinações anteriores e adicionando outras.
Como parte das políticas regionais, em 1963 é criado o Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas – DNOCS para atuar no Nordeste brasileiro, historicamente castigado
pela estiagem. No ano seguinte é instituído o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) que introduz
o conceito de função social da propriedade100.
Em termos de legislação ambiental propriamente dita, foram promulgados vários
dispositivos legais. Em 1965 é instituído um novo Código Florestal (Lei nº 4771/1965) - em
substituição àquele de 1934 - que cria as Áreas de Preservação Permanente – APPs e as
Reservas Legais Obrigatórias – RLOs, prevê a criação de Parques, Reservas Biológicas e
Florestas Nacionais e disciplina e extração de matéria prima florestal para atividades industriais.
Conforme MEC (2015, p.19), esse novo código passa a enfatizar “o caráter ambiental de
proteção dos recursos naturais em detrimento do conceito de reserva dos mesmos para uso
futuro, antes utilizado. Introduz as primeiras noções de funcionalidade dos recursos florestais
para proteção da fauna associada e dos recursos hídricos”.
Em 1966 são promulgados dois decretos que legitimam acordos internacionais. O
primeiro é a Convenção para a Proteção da Flora, Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos
Países da América101, assinada pelo Brasil ainda em 1940, na qual os países signatários se
97 Lei nº 4.118/1962. 98 Essas operações eram submetidas a CNEN, a quem era então garantida exclusividade (posteriormente revogada)
nas operações envolvendo tais produtos. 99 As pesquisas teóricas sobre energia nuclear teriam sido iniciadas no final da década de 1930 na Universidade de
São Paulo – USP. Na década seguinte, o Brasil tornou-se fornecedor de recursos minerais (monazita, tório e
urânio) para projetos nucleares experimentais nos Estados Unidos, como o Projeto Manhattan. 100 Significa considerar a terra como bem de produção, que deve gerar riquezas para seu proprietário e para toda a
coletividade, determinando que o seu uso seja feito de maneira racional, conservando o meio ambiente e
condicionando ao bem-estar geral da população; prevê a destinação de lotes para a agricultura familiar e reforma
agrária em imóveis improdutivos (MEC, 2015, pp.18-19). 101 Promulgada pelo Decreto nº 58.054/1966.
112
comprometem com a criação de áreas de preservação. O segundo é o Acordo Básico de
Assistência Técnica com a ONU e suas Agências Especializadas102 103. Por ele, as partes
assumem obrigações administrativas e financeiras, onde os organismos da ONU se
comprometem a custear total ou parcialmente, conforme seja mutuamente acordado, as
despesas necessárias à prestação de assistência técnica e o Brasil se compromete em
complementar tal custeio e providenciar as condições internas para que o trabalho possa ser
realizado. Essa assistência técnica poderá se dar no sentido de:
a) proporcionar serviços de peritos para assessorar e prestar assistência ao Govêrno
[sic] ou por intermédio deste; b) organizar e dirigir seminários, programas de
treinamento profissional, empreendimentos-pilôto [sic], grupos de trabalho de peritos
e atividades correlatas [...]; c) conceder bôlsas [sic] de estudos e aperfeiçoamento ou
[...] treinamento profissional fora do país; d) preparar e executar projetos-pilôto [sic],
testes, experiências ou pesquisas em locais que venham a ser escolhidos de comum
acôrdo [sic]; e) prestar outra forma de assistência técnica que venha a ser acordada
entre o Govêrno [sic] e os Organismos” (BRASIL, 1966).
Em 1967 é estabelecida a Lei de Proteção à Fauna Silvestre (Lei nº 5.197/1967),
erroneamente conhecida como Código de Caça, que dispõe sobre a proteção à fauna; o novo
Código de Minas (Decreto-Lei nº 227/1967) que dá nova redação ao de 1940 e classifica os
bens minerais, impondo condições para a outorga do direito à sua pesquisa ou lavra; e o Código
de Pesca (Decreto-Lei nº 221/1967), que dispõe sobre a proteção e estímulo à pesca104.
Na política ambiental internacional, a UNESCO realiza em 1968, em Paris, a
Conferência da Biosfera, que se concentrou nos aspectos científicos da conservação da biosfera
e originou um documento com recomendações a respeito do “desenvolvimento de estudos sobre
a relação do ser humano com a biosfera, passando pela necessidade de educação ambiental e
avaliando os impactos do desenvolvimento econômico sobre o meio ambiente”
(GONÇALVES, 2002, p.2). No ano seguinte foi editada a Lei da Política Ambiental Americana
(National Environmental Policy Act - NEPA) que, entre outras coisas, previa incluir, de forma
obrigatória e sob intensa participação pública, a avaliação de impacto ambiental nos processos
políticos de tomada de decisões, com o objetivo de incluir a variável ambiental na análise
interdisciplinar de planos, programas e projetos de intervenção no meio ambiente (MEC, 2015).
102 Promulgada pelo Decreto nº 59.308/1966. 103 As agências são: Organização Internacional do Trabalho, Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura - FAO, Organização das Nações Unidas para a Educação, e Ciência e a Cultura - UNESCO,
Organização de Aviação Civil Internacional, Organização Mundial de Saúde – OMS, União Internacional de
Telecomunicações, Organização Meteorológica Mundial, União Postal Universal e Agência Internacional de
Energia Atômica. 104 Segundo Cunha e Coelho (2003), uma primeira versão do Código de Pesca teria sido promulgada antes, em
1965.
113
3.1.3 Segundo Período (1972-1987)
Conforme Cunha e Coelho (2003), o segundo período vai de 1972 a 1987, estando
quase completamente compreendido dentro da Ditadura Militar (1964-1985), quando a ação
intervencionista do Estado brasileiro chega ao seu ápice com o Estado editando de forma
centralizada as políticas ambientais até meados da década de 1980. Por fim, o processo de
elaboração e execução das políticas ambientais brasileiras sofre uma relativa descentralização,
quando o Poder Público Federal passa a dividir a atuação com agências regionais, ONGs e
empresas e o processo de formulação e execução de políticas ambientais passa a ser produto da
interação entre diferentes atores com múltiplos interesses.
Em um contexto em que se aumentava a percepção da dimensão global da crise
ecológica e as ações em nível internacional que influenciariam as políticas ambientais
brasileiras, o destaque foram as políticas estruturadoras com forte caráter preservacionista, que
multiplicavam as unidades de conservação de diferentes tipos em diferentes ecossistemas e
habitats. Conforme Cunha e Coelho (2003, p.63), dentro da problemática ambiental, a proteção
da biodiversidade e de ecossistemas ameaçados possui consideráveis implicações em termos de
políticas públicas. Também é alvo de instituições ligadas tanto à proteção ambiental, quanto ao
desenvolvimento, como organizações não-governamentais e organismos de financiamento
internacionais, respectivamente, além de ser um dos temas mais notáveis e polêmicos dentro
do movimento ambientalista, dividindo preservacionistas e conservacionistas.
A vertente preservacionista defende ações de proteção à natureza intocada, em seu
estado original, sem a interferência humana, não apenas como reserva de recursos naturais para
o uso humano, mas por possuir um valor intrínseco que deve ser preservado por si mesmo. Já a
vertente conservacionista defende a implementação de estratégias de uso sustentável dos
recursos naturais, cujas estratégias de manejo adotadas garantam o uso das populações locais e
a disponibilidade no mercado, ao mesmo tempo em que evitem a degradação ambiental.
Entretanto,
O diagnóstico sobre a crise ambiental do planeta, apresentado pelos defensores do
paradigma conservacionista, não diferem muito daquele feito pelos preservacionistas,
chamando-se atenção para as relações entre o subdesenvolvimento, as instabilidades
política e institucional, de um lado, e a degradação dos ecossistemas terrestres, do
outro (CUNHA; COELHO, 2003, p.65, grifos nossos).
Por exemplo, em se tratando dos preservacionistas, conforme as ideias de Terborgh
(1999) introduzidas por Cunha e Coelho (2003), os problemas sociais (superpopulação,
desigualdade social, pobreza, ausência de leis, corrupção etc.) seriam o maior desafio para a
114
conservação da natureza, especialmente nos trópicos, onde as principais causas da destruição
da natureza seriam as pressões causadas pela busca do crescimento econômico e pelo
crescimento populacional. Isso justificaria ao Estado executar a delimitação, proteção e
vigilância de áreas onde a presença humana seja proibida, além de uma “internacionalização da
proteção da natureza, sob os cuidados de uma instituição supranacional, com fundos dos países
desenvolvidos e com força policial para evitar ataques externos às áreas protegidas” (CUNHA;
COELHO, 2003, p.64).
Esse pensamento legitima a ideia de que os países subdesenvolvidos são incapazes
de administrar seus recursos naturais sem comprometê-los ou esgotá-los em prol do crescimento
econômico pretendido, o mesmo crescimento já alcançado pelos desenvolvidos às custas da
pilhagem da natureza. Reforça também uma ação forte e centralizada do Estado, além de
mecanismos como vigilância, leis e controle. De fato, essa vertente preservacionista teve
bastante influência nas políticas ambientais implementadas no Brasil no segundo período:
Nas décadas de 1970 e 1980, as políticas ambientais, particularmente aquelas
destinadas à proteção das florestas tropicais nos países em desenvolvimento, foram
fortemente influenciadas pela idéia [sic] de proteção ambiental, com base em um
governo central forte, na criação de unidades de conservação e numa estratégia
coercitiva e punitiva, de regulação e controle, para evitar a utilização de recursos
naturais das áreas a serem protegidas das atividades humanas. Os problemas
ambientais deveriam ser enfrentados mediante a implementação de um conjunto de
leis rigorosas sobre o uso e acesso à terra e da exclusão de grupos sociais de
ecossistemas considerados frágeis ou ameaçados (CUNHA; COELHO, 2003, pp.63-
64).
Nesse período, a escala de atuação nacional sofre decomposições adotando, além
das escalas regionais (Nordeste e Amazônia), escalas metropolitanas (no Sul e Sudeste), de
ecossistemas e mesmo de habitats. A região amazônica vira centro de empreendimentos de alto
impacto ambiental, e a Floresta Amazônica ganha a atenção internacional e se transforma em
um foco de criação de unidades de conservação105. O Nordeste superpovoado e a Amazônia
que, pouco povoada se transforma em destino de povoamento são focos de uma reestruturação
regional.
Na década de 1970, o crescimento econômico brasileiro tem ênfase nas indústrias
de base, sobretudo metalurgia e siderurgia, e nas grandes obras de infraestrutura. O foco de
ação da política ambiental era a poluição industrial e urbana, resultante do intenso processo de
industrialização.
105 No período, foram criadas 76 unidades de conservação, sendo 15 em área de Mata Atlântica e 26 em área de
Floresta Amazônica (CUNHA; COELHO, 2003).
115
Na esfera internacional, a emergente preocupação com o meio ambiente ganha
visibilidade: a publicação do Relatório do Clube de Roma em 1971, a crise do petróleo no início
da década e os desastres ambientais de grande magnitude ampliaram a discussão mundial sobre
as limitações do modelo de desenvolvimento econômico e a escassez de recursos naturais
(CUNHA; COELHO, 2003). As reivindicações do movimento ambientalista se fortalecem, a
fundação do Greenpeace em 1971 marca decisivamente a entrada das Organizações Não-
Governamentais – ONGs no debate ambiental e a Conferência de Estocolmo em 1972 marca o
início do projeto de cooperação global que se estruturará em torno das mudanças climáticas.
É importante ressaltar, porém, que essa emergente preocupação com o meio
ambiente e a linha de ação que ela lança está comprometida com o discurso do progresso e
relacionada ao conceito de modernização ecológica106 que
[...] prega a proteção do planeta por seu valor econômico, sem desafiar os
fundamentos filosóficos da sociedade industrial. Concebe o planeta como um sistema
gigante de recursos e o termo conservação é sinônimo de manejo eficiente dos
recursos com o objetivo de manter níveis ótimos de produção sem ameaçar a reposição
de seus estoques (CUNHA; COELHO, 2003, pp.56-57).
Furtado e Strautman (2014) afirmam que pelo menos desde a década de 1980,
instituições de financiamento multilateral como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento eram alvos de críticas por investirem em projetos polêmicos de grande
impacto ao ambiente e às comunidades locais. Em resposta, o Banco Mundial foi o pioneiro na
adoção de políticas de salvaguardas socioambientais, o que lhe rendeu o papel de porta-voz do
conceito de desenvolvimento sustentável. O modelo a ser seguido pelas demais instituições
financeiras exigia dos clientes (países) que os impactos socioambientais fossem considerados
desde a concepção dos projetos.
Ao deixarem de investir diretamente nos projetos, passando a oferecer assistência
técnica para os próprios governos implementá-los, as instituições acumulam vantagens:
garantem a obtenção dos benefícios, se esquivam da crítica, desviando a sua real
responsabilidade sobre os impactos sociais e ambientais causados pelos projetos que
possibilitam, fortalecem o projeto hegemônico do desenvolvimento sustentável e legitimam a
adesão à economia verde como um processo ascendente de aperfeiçoamento do capitalismo.
106 Cunha e Coelho (2003) a veem como a corrente hegemônica dentro do paradigma do desenvolvimento
sustentável, chamando-a de corrente instrumental. Para os autores, o desenvolvimento sustentável é um
paradigma que se divide em duas abordagens filosóficas e epistemológicas: a corrente ecocêntrica e a corrente
instrumental. Ao nosso ver, a corrente ecocêntrica reúne diferentes abordagens de sustentabilidade
completamente opostas ao projeto hegemônico de desenvolvimento sustentável e, portanto, não cabem dentro
dele. A corrente instrumental não é a corrente hegemônica dentro do desenvolvimento sustentável mais ele
próprio, hegemônico dentre as demais abordagens de sustentabilidade, que aliás não se resumem a essa duas.
116
Furtado e Strautman (2014) sistematizam dois diferentes grupos que embora
questionem a eficácia das salvaguardas ambientais, têm abordagens opostas. De um lado está o
grupo dos chamados críticos reformistas, aqueles que acreditam nas salvaguardas como
instrumento de reforma dos bancos, atribuem os problemas a falhas operacionais a serem
corrigidas com o aprimoramento das salvaguardas; e do outro, está a crítica contestatória, o
grupo daqueles que veem a criação das salvaguardas apenas como mais um instrumento de
retórica das instituições financeiras com a finalidade de neutralizar a crítica ao modelo de
desenvolvimento reproduzido pelos bancos.
Mais tarde o BNDES também criará uma Política Socioambiental baseada nessas
premissas, mas que infelizmente não é suficiente para frear os projetos de alto impacto social e
ambiental que o banco continua a financiar.
Cunha e Coelho (2003, p.56) afirmam que “essa nova percepção da realidade
influenciou a formulação de políticas públicas nacionais, primeiro nos países desenvolvidos e
depois nos países em desenvolvimento, voltadas à resolução dos problemas ambientais que se
multiplicavam e a estabelecer novos padrões de uso dos recursos naturais”. Mas, a emergente
preocupação internacional com o meio ambiente continuava subordinada ao desenvolvimento
econômico no Brasil. Apesar da pressão dos movimentos ambientalistas e organismos de
financiamento internacionais
As políticas ambientais entram em contradição com as políticas modernizantes e de
integração nacional implementadas pelo regime militar, com forte impacto sobre a
Bacia Amazônica. As atividades de construção de estradas, barragens e linhas de
transmissão de energia elétrica, assim como os projetos de mineração industrial
implementados a partir dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) entre 1975
e 1985, foram pressionados a realizar estudos de impacto ambiental, bancados por
empresas estatais e privadas. [...] pressionado pelo movimento ambientalista
internacional, o governo militar tenta ajustar a sua postura de comando do
desenvolvimento com o fortalecimento de um arcabouço institucional voltado a tratar
da questão ecológica (CUNHA; COELHO, 2003, p.51).
Em resposta às recomendações da Conferência de Estocolmo, o Brasil criou em
1973 a Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) que, ligada ao gabinete da Presidência
da República, passou a centralizar os programas de controle ambiental e a complementação da
legislação ambiental. Nos anos seguintes, um grande volume de dispositivos legais que
pretendiam disciplinar a poluição, sobretudo aquela decorrente da atividade industrial, foi
promulgado. Entretanto, grandes obras públicas de infraestrutura com elevado impacto
ambiental e social da época, como usinas hidrelétricas, rodovias federais e a mineração
passassem invisíveis pelo controle ambiental da SEMA e das entidades estaduais de controle
ambiental (MEC, 2015).
117
Ainda na década de 1970, é instituída a Lei nº 6.453/1977 que dispõe sobre a
responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados
com atividades nucleares. Entre outras coisas, essa lei estabelece as responsabilidades por
acidentes nucleares e determina os crimes inerentes à atividade nuclear no país. A essa altura,
já estavam em construção as Usinas Nucleares Angra I e II, e a construção de Angra III já havia
sido autorizada pelo Decreto nº 75.870/1975. As três usinas compõem o Complexo Nuclear
Almirante Álvaro Alberto107 situado no município de Angra dos Reis, no litoral do Rio de
Janeiro.
A primeira usina do complexo, Angra I, teve sua construção iniciada em 1972 e em
1984 estava pronta para iniciar suas operações comerciais. Angra II foi a primeira usina
construída a partir do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, firmado em 1975 e fornecida pela
alemã Siemens/KWU. Iniciou suas obras civis em 1976 e após paralisações e um longo atraso
no cronograma da obra, teria sua construção retomada apenas no início da década de 1990,
iniciando sua operação comercial em 2001. Já sobre Angra III, suas obras, que estavam
paralisadas desde a década de 1980, foram retomadas em 2010 após serem incluídas no
Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
Uma vez que a Constituição Federal vigente proíbe a difusão de tecnologia para
fins não-pacíficos, as atividades das usinas nucleares no Brasil devem ser restritas à geração de
energia elétrica. Mas apesar de cara e perigosa, a energia nuclear responde atualmente por cerca
de apenas 2% da energia utilizada no país. Mesmo assim, os defensores da expansão do projeto
nuclear argumentam que ele garantiria a segurança energética e diversificaria a matriz
energética do país, seria economicamente competitivo, possui uma considerável vantagem por
dispor de abundante fonte de matéria-prima já que o Brasil possui uma das maiores reservas
geológicas de urânio do mundo, além de ser uma fonte de energia não emissora de GEEs.
A reserva a que se referem está localizada no município de Santa Quitéria no Sertão
Central do Ceará. É “a maior jazida108 de urânio do Brasil e a quinta maior de todo o mundo”,
cujo interesse de exploração se manifestou ainda na década de 1970 (CÁRITAS, 2013, p.9).
O Projeto Santa Quitéria consiste na instalação de um complexo industrial dedicado
à mineração e beneficiamento do fosfato e do urânio presentes na Jazida de Itataia, destinados
respectivamente à produção de fertilizantes agrícolas e ração animal demandados pelo
107 Em referência ao vice-almirante da Marinha brasileira que foi o principal responsável pela implementação do
Programa Nuclear Brasileiro e representante do Brasil na comissão de energia atômica da ONU. 108 Com 80m de extensão e 160m de profundidade, as reservas lavráveis da jazida concentra 79,3 mil toneladas
de urânio, 8,8 milhões de toneladas de fosfato e 79 milhões de toneladas de minério (ADECE, 2016).
118
agronegócio e à geração de energia elétrica na usina nuclear Angra III demandada
principalmente pelo setor industrial (CÁRITAS, 2013; CEARÁ, 2016b; QUITÉRIA, 2016;
ADECE, 2016).
O projeto é fruto de um consórcio homônimo entre a estatal Indústrias Nucleares
do Brasil – INB, responsável pela produção do combustível nuclear que abastece as usinas
nucleares brasileiras e o Grupo Galvani que, além de construtora e mineradora, entre outras
atividades, atua na área de fertilizantes associado a uma multinacional cujo lema é o
desenvolvimento sustentável109.
A Construtora Galvani, de São Paulo, será a empresa que realizará a exploração do
fosfato, retirando o urânio para que seja beneficiado pela INB. [...] Para a exploração,
o Estado assegurou infra-estrutura [sic] de abastecimento d’água, energia elétrica e
acesso rodoviário, capacitação e apoio tecnológico (ADECE, 2016).
De acordo com a Cáritas (2013), o Governo do Estado oferece ainda incentivos
fiscais na forma de isenção de impostos para o projeto, que é parte também do PAC do Governo
Federal, e cujo orçamento conta com financiamento de recursos públicos do Banco do Nordeste
do Brasil – BNB. A previsão inicial era de que a exploração fosse iniciada em 2012.
Em oposição ao discurso de desenvolvimento, segurança, salubridade e
sustentabilidade ambiental propagado pelos empreendedores e pelos governos local, estadual e
federal, a Articulação Antinuclear do Ceará110 rejeita veementemente o projeto de exploração
da Mina de Itataia, ao entorno da qual vivem cerca de seis mil famílias, distribuídas em 42
comunidades: 27 no município de Santa Quitéria e 15 no município de Itatira, todas diretamente
impactadas pelas atividades mineradoras.
Além dos impactos socioambientais locais e presentes, a atividade nuclear deixa
um rastro de impactos com alcance territorial e temporal desastrosos, tristemente colecionados
pelo Brasil:
Na unidade das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Caetité (Bahia), por
exemplo, o lixo radioativo fica provisoriamente armazenado em piscinas, caldeiras e
barris, expostos à chuva e ao ar. Já em Poços de Caldas (MG), a exploração de urânio
foi encerrada há 15 anos e, ainda hoje, as pessoas têm problemas de saúde decorrentes
109 Em 2014 associou-se (joint-venture) com a norueguesa Yara que adquiriu 60% das participações da empresa.
Presente em todo o mundo, “a Yara pretende ser um líder mundial em agricultura sustentável, contribuindo para
o crescimento verde e desenvolvimento sustentável.” Disponível em: <http://www.yarabrasil.com.br/>. Acesso
em: 09 ago. 2016. 110 A articulação surgiu em 2011 com o intuito de formar e mobilizar as comunidades atingidas, contribuir na
divulgação dos impactos ou antecipação de riscos e acompanhar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
É composta pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra - MST, a Comissão Pastoral
da Terra - CPT, a Cáritas Diocesana de Sobral e o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Universidade
Federal do Ceará - TRAMAS-UFC, além da participação direta de membros das comunidades impactadas e
entidades parceiras como a Paróquia de Santa Quitéria e o Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Santa Quitéria.
119
da radiação. Outro exemplo é o das usinas como as de Agra I e II, no Rio de Janeiro,
onde se produz o lixo atômico, para o qual, até agora, nenhum país encontrou solução
de tratamento ou despejo e ainda serve para a fabricação da bomba atômica; caso seja
deixado exposto no meio ambiente, este tipo de dejeto demora, pelo menos, 50 mil
anos para se decompor, podendo ameaçar gerações futuras (CÁRITAS 2013, pp.10-
11, grifos nossos).
Desse modo, mesmo visando a produção de energia elétrica, a exploração nuclear
é uma atividade polêmica de alto risco e potencialmente danosa à saúde humana e ao meio
ambiente de modo geral, devido à alta radioatividade do combustível, dos resíduos atômicos
gerados no processo e ainda sem tratamento adequado e ao risco de eventuais falhas humanas
ou mecânicas que podem resultar em consequências gravíssimas e irreparáveis, como
testemunhamos em Chernobyl em 1986, e mais recentemente em Fukushima, no Japão em
2011.
Após o acidente de Fukushima, alguns países europeus decidiram encerrar seus
programas nucleares, embora continuem vendendo sua tecnologia nuclear para outros países,
como ocorre, por exemplo, entre a Alemanha e o Brasil (Cáritas, 2013). Isso lembra a
descentralização industrial das atividades poluentes dos países do capitalismo central para os
do capitalismo periférico. A diferença é que as atividades nucleares são muito mais danosas.
De todo modo, se o Princípio da Precaução/Prevenção111 fosse respeitado, apenas a
possibilidade de tão danosas consequências deveria ser o suficiente para abortar qualquer
projeto de exploração nuclear em curso, quanto mais o testemunho dos fatos.
Porto-Gonçalves (2000) afirma que a década de 1980 denota a fragilidade do regime
ditatorial e a sua incapacidade de se manter frente às pressões internacionais pela abertura da
economia brasileira. Logo, o padrão de organização social do espaço que vigorou desde 1930
torna-se obsoleto, contribuindo para acelerar o desmonte daquele modelo que, em parte, se deu
graças ao movimento da sociedade civil, que emergindo desde o final da década de 1970 se
torna fundamental na luta pela redemocratização112, contribuindo ainda para a crise de
hegemonia das elites tradicionais.
A presença deste fortíssimo movimento da sociedade civil nos anos 80 foi capaz -
ainda que com retrocessos, como no campo da reforma agrária - de contribuir para
firmes avanços democráticos, como a legislação ambiental, a legislação sobre terras
indígenas, sobre os direitos das populações negras remanescentes de quilombos, entre
outras conquistas democráticas importantes. Sem dúvida, os anos 80 significaram,
também, uma crise de hegemonia entre os setores tradicionalmente dominantes na
sociedade brasileira (PORTO-GONÇALVES, 2000, p.179).
111 No Direito Ambiental Brasileiro, a teoria jurídica prevalente reconhece a existência autônoma e distinta dos
princípios da precaução e prevenção, embora para alguns autores o princípio da prevenção seja mais
abrangente, incluindo o princípio da precaução. 112 Sobretudo na Campanha Pelas Diretas Já em 1984 e no processo constituinte de 1988.
120
Diante da necessidade de se repensar as estratégias da gestão pública como um todo,
o processo de instituição de políticas voltadas ao meio ambiente sofreu transformações que
redefiniram suas prioridades, seus arranjos institucionais e seus padrões de relação entre
organismos estatais e não-estatais, fazendo surgir um modelo de gestão ambiental alternativo
fundamentado na democratização dos processos de tomada de decisão, ampliação da
participação da sociedade civil na resolução de problemas ambientais e descentralização das
atividades de fiscalização e monitoramento. Assim, a partir de meados da década de 1980, a
forma centralizada com a qual o Estado brasileiro até então havia editado a política ambiental,
foi gradualmente sendo substituída:
A partir de então, o processo de formulação e implementação da política ambiental no
país passou a ser, cada vez mais, produto da interação entre idéias [sic], valores e
estratégias de ação de atores sociais diversos, num campo marcado por contradições,
alianças e conflitos que emergem da multiplicidade de interesses envolvidos com o
problema da proteção de meio ambiente. A esfera estatal continua sendo, contudo, a
instância em que se negociam decisões e em que conceitos são instrumentalizados em
políticas públicas para o setor (CUNHA; COELHO, 2003, p.43, grifos nossos).
A década de 1980 foi marcada por uma explosão na criação de unidades de
conservação tanto federais quanto estaduais. Diversificadas, elas incluíam reservas biológicas,
reservas ecológicas, e áreas de relevante interesse ecológico, mas eram principalmente Estações
Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental - APAs, ambas regulamentadas pela Lei nº
6.902/1981. Para Cunha e Coelho (2003, p.52), os diferentes tipos de unidades de conservação
“atendiam a interesses e objetivos múltiplos e à necessidade de proteção de biomas diversos”,
como por exemplo, os parques nacionais, reservas e estações ecológicas estavam relacionados
ao interesse de pesquisa da comunidade científica.
Neste período, a legislação ambiental brasileira se estrutura como política: aquilo
que até então era um conjunto de ações e leis difusas e sem estrutura pode ser sistematizado e
finalmente institucionalizado através da promulgação da Lei nº 6.938/1981, que institui a
Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA. Antes dela não havia uma diretriz nacional e
cada Estado e Município poderia eleger diretrizes próprias para as questões de meio ambiente.
Assim, a PNMA (1981) constitui “uma espécie de marco legal para todas as políticas públicas
de meio ambiente a serem desenvolvidas pelos entes federativos (FARIAS, 2008, p.13),
conforme se propõe:
As diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente serão formuladas em normas e
planos, destinados a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios no que se relaciona com a preservação da
qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico, observados os princípios
estabelecidos no art. 2º desta Lei (BRASIL, 1981, Art.5).
121
Os princípios supracitados são aqueles que devem orientar a execução dos
objetivos. O primeiro deles é a ação governamental, o que marca decisivamente a jurisdição do
Estado “na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um
patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso
coletivo” (BRASIL, 1981, Art.2).
A PNMA institui o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, cria o
Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, institui o Cadastro Técnico Federal de
Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental e define os conceitos fundamentais de meio
ambiente113, degradação ambiental114, poluição115, poluidor116 e recursos ambientais (este
último alterado pela Lei nº 7.804/1989) que deverão ser adotados nas políticas posteriores. Ela
“tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana” (BRASIL, 1981, Art.2).
De acordo com Araújo et al. (2011), a PNMA já se baseava no discurso do
desenvolvimento sustentável propagado pelo sistema capitalista e foi o primeiro instrumento
legal de regulação para a exploração dos recursos naturais no Brasil, estabelecendo os
mecanismos de normatização e fiscalização do uso dos recursos naturais. Nesse sentido, o
SISNAMA é o sistema administrativo incumbido de coordenar as políticas públicas de meio
ambiente com a finalidade de implementar a PNMA (1981) e congrega todos os órgãos com
competência para gerir o meio ambiente no país. Conforme Anello (2009), sua criação
Organizou a relação entre os entes federados (municípios, estados e união), os órgãos
executores da política, os conselhos como forma de controle social, e um conjunto de
leis, decretos e resoluções dos conselhos para normatizar e normalizar os atos
administrativos e as regras, padrões e parâmetros de acesso e fiscalização aos serviços
públicos (ANELLO, 2009, p.71 apud ARAÚJO et al., 2011, p.126).
A PNMA (1981) foi instituída ainda sob a vigência da Constituição Federal de
1967, promulgada pela Ditadura Militar (1964-1985). Essa constituição incorporava decisões
arbitrárias e inconstitucionais impostas pelos ditadores (Atos Institucionais e decretos) na
tentativa de dar-lhes legitimidade e era fortemente marcada pela centralização federal e redução
113 “[...] conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”. 114 Ou degradação da qualidade ambiental é “[...] a alteração adversa das características do meio ambiente”. 115 “[...] a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem
a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem
matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. 116 “[...] a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por
atividade causadora de degradação ambiental”.
122
da autonomia política de Estados e Municípios. Ao longo de mais de quatro décadas de
mudanças, inclusive a substituição desta pela Constituição Federal de 1988, a PNMA (1981)
teve várias e significativas alterações, além de ser objeto de regulamentações específicas.
Muitas dessas alterações dizem respeito aos órgãos que compõem o SISNAMA,
que tiveram alterações na sua função e hierarquia, bem como a criação de órgãos novos. A
seguir, expomos um quadro com a síntese das principais alterações realizadas na estrutura do
SISNAMA desde sua criação em 1981 até a última alteração feita em 2013.
123
Quadro 1-Alterações na organização do SISNAMA de 1981 a 2016
Dados: Política Nacional do Meio Ambiente, BRASIL, 1981.
Fonte: Elaborado pela autora.
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124
O CONAMA também passaria por algumas alterações ao longo dos anos, sendo
regulamentada anos depois117, bem como os instrumentos da PNMA (1981) também serão alvo
de regulamentação específica e alterações posteriores118. Seus objetivos se propõem
principalmente a compatibilizar “desenvolvimento econômico-social” com preservação
ambiental e equilíbrio ecológico, além de estabelecer áreas prioritárias de ação governamental,
critérios e padrões de qualidade ambiental e normas para o uso e o manejo de recursos
ambientais, entre outras.
A interpretação sobre os objetivos da PNMA varia entre diferentes autores e possui
diferentes conotações, que vão desde visões românticas de proteção da natureza e crença no
sistema de legalidade política, até posturas mais críticas que veem tal política como a
legalização dos instrumentos que pretendem manter as desigualdades dentro da sociedade.
Conforme Farias (2008, p.2), por exemplo, enquanto para alguns o objetivo seria “tornar efetivo
o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (SIRVINSKAS, 2005), para
outros, o objetivo poderia ser tão somente o de “viabilizar a compatibilização do
desenvolvimento socioeconômico com a utilização racional dos recursos ambientais”
(OLIVEIRA, 2005).
Mas não são apenas as políticas públicas de meio ambiente que são afetadas pelas
normas estabelecidas pela PNMA. Para Lustosa et al. (2003), a política “interfere nas atividades
dos agentes econômicos e, portanto, a maneira pela qual é estabelecida influencia as demais
políticas públicas, inclusive as políticas industriais e de comércio exterior (LUSTOSA et al.,
2003 apud FARIAS, 2008, p.2, grifos nossos).
Outros dispositivos legais também importantes são promulgados nessa década,
entre eles vale destacar a Lei nº 7.347/1985, também conhecida como Lei de Interesses Difusos
e Coletivos. Essa lei é também um marco importante, pois ao instituir a Ação Civil Pública,
dando legitimidade aos Ministérios Públicos, Partidos Políticos e Associações legalmente
constituídas para propugnarem em juízo pela preservação e pela proteção do patrimônio público
- ambiental, histórico e artístico – pela primeira vez, ela retirava o monopólio da defesa do meio
ambiente das mãos do Estado (MEC (2015).
Já findado o regime militar, os projetos de infraestrutura que se proliferavam por
todo o território brasileiro afetando populações locais, fossem elas nativas ou não, finalmente
117 A definição da sua finalidade, dos seus membros integrantes e das suas competências, por exemplo, foi dada
por leis posteriores: Lei nº 7.804/1989 e Lei nº 8.028/1990. 118 Entre os muitos dispositivos legais que a alteraram, é válido destacar a Lei nº 7.804/1989, que define seus fins
e mecanismos de formulação e aplicação.
125
sofreram uma intervenção, ao menos que pequena, quando são adotados os Estudos de Impacto
Ambiental – EIA e os Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA em 1986. No cenário
internacional temos a constituição da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento da ONU, a Comissão Brundtland, em 1983 e a publicação do seu famoso
Relatório Brundtland em 1987, que sagra o conceito desenvolvimentista de desenvolvimento
sustentável, que marcará decisivamente o período subsequente das políticas ambientais
brasileiras.
3.1.4 Terceiro Período (1988-2004)
O terceiro momento vai de 1988 a 2005119, marcado por uma maior democratização
e descentralização decisória e pela rápida disseminação da noção de desenvolvimento
sustentável, formalmente introduzida pelo Relatório Brundtland em 1987.
Essa maior descentralização e democratização ocorre, em parte, devido ao processo
de redemocratização, quando é então promulgada uma nova constituição com forte tendência
descentralizadora. Assim, o marco inicial desse terceiro momento das políticas ambientais
brasileiras é a introdução do tema meio ambiente na Constituição Federal de 1988, bem como
na maioria das Constituições Estaduais promulgadas em 1989 e diversas Leis Orgânicas
Municipais de 1990, que também tratavam do meio ambiente e da proteção ambiental (MEC,
2015). A constituição também contempla direitos específicos, inclusive sobre demandas
territoriais, para minorias indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais (LASCHEFSKI,
2014).
Pela primeira vez, uma constituição brasileira traz um capítulo dedicado ao meio
ambiente. O resumido Capítulo VI – Do Meio Ambiente é composto de um único artigo, que
determina que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(BRASIL, 1988, grifo nosso). E para que a efetividade desse direito fosse assegurada, o Poder
Público foi então incumbido de:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
119 Cunha e Coelho (2004) o encerram em 2003, quando então alcançam o limite temporal de seu trabalho.
126
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade (BRASIL, 1988) [120].
A atuação do Poder Público se descentraliza atingindo os três níveis de governo
além de agências regionais, mas também avança na esfera não-estatal e civil, incluindo tanto
ONGs, comunidades e empresas nacionais quanto sendo cada vez mais influenciada por
organismos internacionais que fomentam o desenvolvimento sustentável. Nesse período, as
políticas regulatórias seguem criando legislação específica e aparato institucional e se
multiplicam com medidas de cunho normativo. As políticas estruturadoras intensificam ainda
mais o processo de criação de unidades de conservação, cada vez mais adequadas ao projeto
hegemônico da política ambiental internacional:
Além das unidades que já vinham sendo criadas em períodos anteriores, foram
efetivadas a criação de unidades com status de uso direto, como as reservas
extrativistas, a adequação de unidades, como parques nacionais, florestas nacionais e
áreas de proteção ambiental, dente outras, ao modelo de reservas de desenvolvimento
sustentável, tentando conciliar proteção da natureza com os modos de vida
tradicionais (CUNHA; COELHO, 2003, p.53, grifos nossos).
Contudo, o destaque nesse período é a introdução das políticas indutoras de
comportamento marcadas pelo emprego estratégico de instrumentos econômicos, influenciadas
pela vertente conservacionista e alinhadas com o conceito desenvolvimentista de
desenvolvimento sustentável, não identificadas nos dois períodos anteriores.
Ainda na década de 1980, o aumento do desmatamento em florestas tropicais e os
pequenos resultados das políticas ambientais de proteção estrita de espécies e habitats criadas
sob a influência da vertente preservacionista do movimento ambiental fortaleceram um
movimento de crítica a tal paradigma, fazendo emergir a vertente conservacionista. Os
principais aspectos em que a abordagem conservacionista difere da preservacionista diz respeito
ao pedido por estruturas mais participativas nas tomadas de decisões (gestão participativa) e
uma pretensa sustentabilidade capaz de conciliar exploração econômica dos recursos naturais,
satisfação das necessidades básicas das comunidades locais e preservação ambiental (manejo
sustentável), aspectos com os quais se formava o tripé do desenvolvimento sustentável.
120 Todos os parágrafos foram alvo de posterior regulamentação específica.
127
De fato, a abordagem conservacionista
É associada ainda com a noção mais ampla de desenvolvimento sustentável, em que
o uso produtivo dos recursos naturais, para promover crescimento econômico e
fortalecer modos de vidas locais, caminha lado a lado com a conservação desses
recursos para benefício das gerações presentes e futuras (CUNHA; COELHO, 2003,
pp.63-64).
Assim, essa vertente lança um olhar de valorização sobre as comunidades locais
vistas agora como atores importantes, bem como a sociedade civil, enquanto colaboradores das
instâncias governamentais na elaboração e execução de políticas e gestão ambientais; ganham
força as ideias de manejo sustentado que garantam os interesses econômicos e a subsistência
das comunidades locais; e a proteção estrita da biodiversidade é ampliada para a funcionalidade
e a estrutura das florestas como um todo, incrementando assim a noção de serviços ambientais,
que mais tarde se tornaria um produto do mercado verde.
Após um período de centralização das políticas ambientais, o fim da década de 1980
e a década de 1990 foram marcados por uma busca crescente de modelos alternativos de
participação da sociedade civil, tanto nos processos de tomada de decisão, quanto na
implementação de programas e projetos de caráter ambiental (CUNHA; COELHO, 2003).
Entretanto, Mitraud (2001 apud CUNHA; COELHO, 2003) alerta para as
limitações da gestão participativa quanto à inclusão de todos os atores interessados em todas as
etapas do processo, sobretudo os grupos mais marginalizados, o que pode manter a
centralização das instituições públicas na formulação de políticas e gestão ambientais, enquanto
a participação dos outros atores se restringe à fase da implementação de projetos. Ao nosso ver,
isso descreve uma falsa gestão participativa121 com a finalidade de legitimar a política ambiental
executada pelo Estado, onde certamente apenas os atores mais fortes serão capazes de se impor,
estabelecendo relações sejam de cooperação ou de conflito com o Estado.
Laschefski (2014) afirma que a tendência de elaboração participativa de políticas
públicas, sobretudo ambientais, se intensificou a partir de Eco 92, quando a noção de
desenvolvimento sustentável foi internacionalmente reconhecida. A pretensão de conciliar
interesses econômicos, sociais e ambientais influenciou o cenário político da década de 1990 e
culminou nas ideias da Terceira Via122.
121 Apesar do termo “participativo” remeter a uma gestão mais democrática e ampla, em um contexto de
desenvolvimento sustentável, talvez o modelo em questão não se trate de uma falsificação, mas da própria gestão
participativa que tem exatamente esse formato. 122 Essa corrente parece tentar reconciliar a direita e a esquerda através de uma política econômica ortodoxa e de
uma política social progressista. Embora à primeira vista, pareça apresentar uma conciliação entre capitalismo
de livre mercado e o socialismo democrático, seus defensores veem-na como algo além de ambos. Conforme
128
Contrariando a máxima neoliberal, essa proposta reconhecia a necessidade de uma
regulação moral do mercado, além do “empreendedorismo com responsabilidade social, a
promoção de Parcerias Público-Privada - PPP e a revitalização da sociedade civil123” capazes
de reduzirem os gastos do Estado, conforme as recomendações neoliberais das instituições
financeiras internacionais, sem, contudo, retirar completamente a sua responsabilidade. Assim,
os então recentes projetos desenvolvimentistas já deveriam corresponder ao novo quadro
institucional do sistema ambiental e às instâncias participativas, que os justificaria por
supostamente atender aos requisitos participativos de interesses social e ambiental, bem como
lançando as bases do neodesenvolvimentismo (LASCHEFSKI, 2014, p. 247).
Estando a crítica ambiental polarizada entre contestatória e reformista, com
crescente mobilização dos movimentos sociais em prol do meio ambiente, era necessário
contra-atacar. Empresas poluidoras, governos e principalmente instituições financeiras
internacionais possuíam o propósito comum de neutralizar a crítica contestatória. De acordo
com Acselrad (2010 apud FURTADO; STRAUTMAN, 2014), ao longo da década de 1990 eles
incitaram um movimento de substituição do ambientalismo contestatório por um ecologismo
de resultados, pragmático, tecnicista e desenraizado, numa tentativa de neutralização da crítica
contestatória e das lutas ambientais, onde apenas aqueles fortemente vinculados aos
movimentos sociais conseguiram sobreviver.
Em seguida, parte desse ecologismo desenraizado foi cooptado pelo discurso
consensualista das agências multilaterais “de apologia à parceria público-privada, de
deslegitimação da esfera nacional em favor da esfera local, de favorecimento das ações
fragmentárias em detrimento da coerência articulada da ação política” (FURTADO;
STRAUTMAN, 2014, p.223). O mais grave é que esse ecologismo pragmático e agora
consensualista tornou-se, em grande parte, a referência ambiental nos espaços estatais,
“‘prestando serviços’ aos aparatos burocráticos do ‘setor ambiental dos governos’, fornecendo
informação, informação técnica e mediando conflitos, colaborando para a ambientalização do
setor privado e das IFM” (FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.227).
Na contramão desse processo, a crítica contestatória se afirma na sua luta original
por um novo modelo de desenvolvimento, rejeitando as soluções paliativas e retóricas de
fortalecimento do sistema, declarando abertamente: “nosso papel não é o de trabalhar para o
Laschefski (2014), tais ideias nortearam a política dos social-democratas na Europa, dos democratas nos Estados
Unidos e de Fernando Henrique Cardoso no Brasil (1995-2002). 123 Esta é ponto chave na busca do desenvolvimento sustentável, já que havia assumido diversas tarefas sociais e
ambientais de responsabilidade do Estado.
129
governo; não é o de ocultar o conflito, mas o de dar-lhe visibilidade.” (ACSELRAD, 2010 apud
FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.27).
Com a emergência de novos atores sociais na questão ambiental, destacam-se os
atores não-estatais, que são principalmente organizações internacionais, ONGs e grandes
corporações. Cunha e Coelho (2003, p.68) afirmam que “o setor ambiental é um dos mais
influenciados pela atuação das organizações não-governamentais”. Além de exercerem
influência nacional e internacional na agenda ambiental, influenciam também nas negociações
sobre mecanismos de regulação, acumulando progressivamente grande poder de negociação.
Elas executam políticas ambientais de agências e doadores internacionais, seja através da
implementação de projetos diretos ou de programas de pesquisa e assumem tarefas que antes
eram competência exclusiva de órgãos públicos, criando uma nova esfera de atuação, que Gohn
(1997) vai chamar de esfera pública não-estatal (CUNHA; COELHO, 2003). As grandes
corporações também formulam e executam políticas ambientais de acordo com seus interesses
quando investem em projetos estatais ou ONGs.
As organizações internacionais dirigem a agenda ambiental global e cooperam com
países em desenvolvimento em programas diretamente relacionados ao meio ambiente.
Porter e Brown (1996) destacam a influência das organizações internacionais,
particularmente das instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial e o
Fundo Monetário Internacional, sobre as políticas nacionais de desenvolvimento, por
meio de financiamentos a projetos e pesquisas, bem como pela pressão para que
adotem normas compatíveis com a noção de desenvolvimento sustentável (CUNHA;
COELHO, 2003, p.68).
Atenuando tal influência internacional, há autores que defendem que muitas vezes
ela é neutralizada pelos interesses de grupos internos dentro de cada nação, cuja influência pode
prevalecer nos processos de formulação e execução das políticas ambientais. Isso revela a
complexidade da relação de forças que atua sobre as políticas ambientais e coaduna com a
afirmação de Cunha e Coelho (2003) de que “o Estado permanece como espaço central de
articulação entre diferentes projetos políticos e visões de mundo acerca das linhas principais da
política ambiental no Brasil”.
Conforme afirma Porto-Gonçalves (2000), a hegemonia da elite nacional foi
retomada em meados da década de 1990124 quando se estabelece um novo padrão de
acumulação, que tem por base a estabilidade e abertura econômica e a recuperação da
capacidade executiva do Estado. Nesse contexto, surgem os programas de desenvolvimento de
124 Após a eleição de seu candidato à presidência, Fernando Henrique Cardoso, eleito para dois mandados
sussessivos (1995-1998 e 1999-2002).
130
grande abrangência e com notáveis investimentos em obras de infraestrutura, levados a cabo
pelo governo federal com o objetivo de alterar o padrão de organização do espaço brasileiro
pautado na industrialização substitutiva de importações até então predominante na formação
socioespacial brasileira:
[...] denota-se a adoção de um novo modelo de desenvolvimento, voltado para a
produção, que deverá propiciar a materialização de projetos de infra-estrutura,
necessários ao crescimento econômico. Dentro da atual ótica do Estado, estes
investimentos deverão ser divididos com a iniciativa privada, servindo-se dos
processos de concessão e privatização dos serviços públicos. [...] Tal programa foi
concebido de modo a promover o desenvolvimento auto-sustentado e reduzir as
disparidades regionais, mediante ações que propiciem a criação de empregos,
principalmente através do investimento privado, nacional ou estrangeiro (UFPA, 1999
apud PORTO-GONÇALVES, 2000, p.180, grifos do autor).
Com relação à competitividade brasileira de produtos primários e grãos -
exportados quase que exclusivamente para os países no norte - mantém-se aquelas
características do padrão de organização do espaço geográfico brasileiro pré-anos 30, ou seja,
privilegiando a tradicional propriedade exportadora. Ademais, para que essa competitividade
seja alcançada é necessário intensificar os processos produtivos e reduzir os custos da produção
com toda sorte de incentivos e, sobretudo, ignorando as externalidades da produção.
Enquanto as políticas ambientais, desde meados da década de 1980, haviam
iniciado uma descentralização, contando com a participação de atores não-estatais; as políticas
desenvolvimentistas que afetavam o meio ambiente eram ainda executadas de forma
centralizada pelo governo. Com relação às políticas ambientais, Cunha e Coelho (2003)
explicam que:
No quadro geral da crise financeira das décadas de 1980 e 1990, as mudanças nas
estratégias econômicas do Estado brasileiro repercutiram na política tradicional de
defesa dos recursos naturais. [...] As políticas ambientais continuaram a se confrontar
com as políticas desenvolvimentistas, com ênfase em projetos de infra-estrutura [sic]
planejados para os eixos de integração e desenvolvimento expressos nos programas
Brasil em Ação (1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003). Nesse período,
consolidam-se as políticas do tipo indutoras do desenvolvimento sustentável
(CUNHA; COELHO, 2003, pp.54-55).
Com o aumento das preocupações em torno das mudanças climáticas, o elevado
ritmo de desmatamento da Floresta Amazônica torna-se objeto da atenção internacional e a área
que desde o período anterior havia se transformado em foco de unidades de conservação soma
ainda mais unidades125. Também é criado o Programa de Defesa do Complexo de Ecossistemas
da Amazônia Legal126 com vistas a “conter a ação predatória do meio ambiente e dos recursos
125 Das 119 novas unidades de conservação criadas de 1988 a 2001, 23 estavam em área de Mata Atlântica e 51
em área de Floresta Amazônica (CUNHA; COELHO, 2003). 126 Instituído pelo Decreto 96.944/1988 e também denominado de Programa Nossa Natureza.
131
naturais renováveis; disciplinar a ocupação e a exploração racionais; regenerar o complexo de
ecossistemas afetados; proteger as comunidades indígenas e as populações envolvidas no
processo de extrativismo” (MEC, 2015).
Como resposta às críticas ao desmatamento da Amazônia, o governo decidiu
coordenar um projeto de Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) para a Amazônia,
contando para isso com o apoio financeiro e técnico do Programa Piloto para a
Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras (Rain Forest Pilot Program – PPG),
lançado em 1990 pela cúpula dos países mais ricos do mundo. O PPG7 tem, no
entanto, um objetivo mais amplo: o de colaborar com a formulação de políticas
públicas para a Região Amazônica e para a Mata Atlântica, que sejam coerentes com
a noção de desenvolvimento sustentável (CUNHA; COELHO, 2003, pp.53-54, grifos
nossos).
Para além da preocupação internacional com a Amazônia, tais iniciativas
demonstram como a política ambiental interacional influencia e direciona as políticas
ambientais brasileiras para fortalecer o projeto hegemônico do desenvolvimento sustentável.
Conforme Cunha e Coelho (2003), ainda na década de 1990, preocupado com a
segurança militar, o governo federal lançou também o Sistema de Vigilância da Amazônia –
SIVAM e o Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, que entre outros objetivos também
deveriam contribuir para o monitoramento e controle ambiental da Amazônia.
Como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar - PNRM e da
Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, a Lei nº 7.661/1988 institui o Plano Nacional
de Gerenciamento Costeiro – PNGC. Ela estabelece diretrizes e condiciona os usos múltiplos
de praias e mar à proteção ambiental, encarregando o PNGC especificamente de “orientar a
utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade
da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural”
(BRASIL, 1988b).
Outro dispositivo relevante é a Lei nº 7.802/1989, que regulamenta os agrotóxicos
em todas as suas etapas, desde a pesquisa e a produção até o descarte das embalagens e a
fiscalização. Em seguida, o CONAMA estabeleceu resoluções para disciplinar diferentes tipos
de poluição ambiental, entre elas a que institui o Programa Nacional de Controle da Poluição
do Ar e o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora127.
A legislação brasileira também incorpora tratados internacionais sobre a questão
nuclear. Em 1991, são promulgadas a Convenção sobre Proteção Física do Material Nuclear128,
concluída em 1980; a Convenção sobre Assistência no caso de Acidente Nuclear ou Emergência
127 Respectivamente Resoluções CONAMA nº 005/1989 e nº 002/1990. 128 Promulgada pelo Decreto nº 95/1991.
132
Radiológica129, aprovada durante a sessão especial da Conferência Geral da Agência
Internacional de Energia Atômica, assinada em Viena em 1986; e a Convenção sobre Pronta
Notificação de Acidente Nuclear130. Em 1993, é promulgada a Convenção de Viena sobre
Responsabilidade Civil por Danos Nucleares de 1963131.
Na Eco 92, destacam-se a Carta da Terra, que firma os princípios para o uso
sustentável dos recursos naturais do planeta; a Agenda 21, que estabelece planos, projetos,
metas e operação da execução assumidos pelas partes e por diversas ONGs para cada tema da
conferência a fim de implementar o desenvolvimento sustentável; a Convenção sobre
Biodiversidade; a Convenção sobre Mudanças Climáticas e o Acordo para Conservação e
Desenvolvimento Sustentável em Florestas.
A Resolução CONAMA nº 005/1993 disciplina o gerenciamento de resíduos
sólidos gerados nos portos, aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários e estabelecimentos
prestadores de serviços de saúde e grandes geradores. Nesse mesmo ano, é promulgado na
íntegra o texto da Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos
Perigosos e seu Depósito, também conhecida como Convenção de Basiléia132, concluída na
Suíça em 1989.
Conforme o MMA (2015), “um dos objetivos da convenção é promover o
gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos perigosos e outros resíduos
internamente nos países parte, para que com isto possa ser reduzida a sua movimentação”.
Contraditoriamente, essa convenção, que pretende coibir o tráfico de resíduos perigosos, o faz
estabelecendo mecanismos internacionais de controle que são baseados no princípio do
consentimento prévio e explícito para a importação, exportação e o trânsito de resíduos
perigosos. Ou seja, sob a alegação de coibir o tráfico de resíduos perigosos, essa convenção, na
prática, estabelece os mecanismos que legitimam a sua exportação e importação. Desse modo,
seja por qual for a motivação, desde que um país consinta formalmente em receber os resíduos
perigosos de outro país, tudo estará dentro da legalidade. Entretanto, sabemos que o movimento
de resíduos, sejam eles perigosos ou não, mas principalmente se o forem, se dão sempre dos
países mais ricos para os mais pobres, uma vez que os primeiros produzem resíduos em
quantidades muito superiores, bem como numa vasta heterogeneidade.
Apesar de ratificar a constituição, no decreto que a promulga,
129 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24/1990 e promulgada pelo Decreto nº 8/1991. 130 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 24/1990 e promulgada pelo Decreto nº 9/1991. 131 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 93/1992 e promulgada pelo Decreto nº 911/1993. 132 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº34/1992, promulgada pelo Decreto nº 875/1993 e regulamentada
pela Resolução Conama nº 452/2012.
133
O Brasil manifesta, contudo, preocupação ante as deficiências da Convenção.
Observa, assim, que seu articulado corresponderia melhor aos propósitos anunciados
no preâmbulo caso apontasse para a solução do problema da crescente geração de
resíduos perigosos e estabelecesse um controle mais rigoroso dos movimentos de tais
resíduos. O art. 4, § 8° e o art. 11, em particular, contêm dispositivos excessivamente
flexíveis, deixando de configurar um compromisso claro dos Estados envolvidos na
exportação de resíduos perigosos com a gestão ambientalmente saudável desses
resíduos (BRASIL, 1993, grifo nosso).
No Brasil, tais resíduos são regulamentados - e o foram tardiamente - pela
Resolução CONAMA nº 452/2012 e tiveram a sua importação, independente da motivação,
definitivamente proibida com a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS
(2010) que estabelece que "é proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos,
bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde
pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização
ou recuperação” (BRASIL, 2010, Art. 49).
Tema de extrema relevância para o meio ambiente, os transgênicos são abordados
pela Lei de Biossegurança133 que dispõe sobre engenharia genética, cria a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança – CTNBio e disciplina o gerenciamento de Organismos
Geneticamente Modificados – OGM desde o seu desenvolvimento, cultivo e manipulação até
sua comercialização, consumo e liberação no meio ambiente.
Desde a década de 1970, o Código das Águas de 1934 já não era capaz de responder
satisfatoriamente aos problemas ambientais gerados com o desenvolvimento industrial. A
expansão dos centros urbanos aumentava a demanda por água tratada ao mesmo tempo em que
os esgotos urbanos e industriais eram despejados nos rios, os dejetos da indústria e da
agricultura contaminavam os lençóis freáticos, a agricultura irrigada se expandia, demandando
mais água, e se multiplicavam as construções de hidrelétricas e também os conflitos gerados
entre os diferentes usuários dos recursos hídricos, de modo que era visível a necessidade de
mudanças na regulação do uso dos recursos hídricos (CUNHA; COELHO, 2003).
Assim, a Lei nº 9.433/1997 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos –
PNRH134 que estabelece, entre outras premissas, que as águas são um recurso natural limitado,
um bem de domínio público e, ao mesmo tempo, dotado de valor econômico. Por ela é criado
o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SNGRH com base em um
Conselho Nacional e em Comitês de Bacias Hidrográficas. Como premissas também são
133 Lei nº 8.974/1995, regulamentada pelos Decretos nº 1.520/95; 1.752/95; e 2.577/98; e alterada pela Medida
Provisória nº 2.191/2001. 134 Surgiu do Projeto de Lei nº 2.249/1991. É regulamentada pelo Decreto nº 2.612/1998 e alterada pela Lei nº
9.984/2000.
134
adotadas as “áreas das bacias e sub-bacias hidrográficas como unidades de planejamento e
execução de planos, programas e projetos” e a proposta de uma gestão descentralizada, da qual
participem o Poder Público, as associações de usuários e as comunidades (MEC, 2015, p.30).
Visivelmente orientados para o desenvolvimento sustentável, seus objetivos são:
I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte
aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou
decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais (BRASIL, 1997a, grifos
nossos).
E um dos instrumentos utilizados para garantir a utilização racional e a não exaustão
da água, enquanto recurso natural tão caro, é a cobrança pelo seu uso. Os valores arrecadados
devem ser revertidos para o custeio das unidades de gestão da própria bacia hidrográfica, bem
como para obras e projetos destinados a melhorar sua quantidade e qualidade. Porém, em um
contexto de desenvolvimento sustentável que atribui a degradação dos recursos naturais à sua
condição de gratuidade, é necessário considerar que a cobrança pelo uso de um recurso natural
fundamental à vida e constitucionalmente definido como bem público não pode ser justificada
apenas pelo custeio da gestão. Outro instrumento que delata a superioridade de interesses
econômicos frente aos impactos ambientais na PNRH (1997) é a compensação a municípios
afetados por obras que comprometam seus recursos hídricos. Ele sacrifica a segurança hídrica
de municípios inteiros a interesses econômicos, abrindo um precedente para as compensações
ambientais previstas no orçamento de projetos de grande impacto ambiental.
Ainda neste ano, é criado o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais
do Brasil135 e sua Comissão de Coordenação.
O programa tem por objetivo a implantação de um modelo de desenvolvimento
sustentável em florestas tropicais brasileiras, constituindo-se de um conjunto de
projetos de execução integrada pelos governos federal, estaduais e municipais e a
sociedade civil organizada, com o apoio técnico e financeiro da comunidade
internacional. [...] A primeira fase do Programa inclui atividades como: zoneamento
ecológico-econômico; monitoramento e vigilância; controle e fiscalização;
fortalecimento institucional de órgãos estaduais de meio ambiente; implantação e
operação de parques e reservas, florestas nacionais, reservas extrativistas e terras
indígenas; pesquisas orientadas ao desenvolvimento sustentável e ao estabelecimento
de centros de excelência científica; manejo de recursos naturais; reabilitação de áreas
degradadas; educação ambiental e projetos demonstrativos (BRASIL, 1997b, grifos
nossos).
Esse dispositivo é claro e direto: este é um programa que objetiva implantar o
manejo florestal característico do desenvolvimento sustentável. Para custear as atividades do
135 Criado pelo Decreto nº 2.119/1997, que revoga o Decreto nº 563/1992.
135
programa, são previstos financiamentos do BIRD, doações do Projeto de Proteção das Florestas
Tropicais, dos Ministérios do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e
de outras fontes externas e internas que venham a ser identificadas.
Outro marco jurídico importante para a política ambiental brasileira é a Lei nº
9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, mais conhecida como Lei de Crimes Ambientais136.
Conforme MEC (2015, p.31), essa lei abriu “o leque da proteção ambiental para a esfera penal
[...], previu sanções administrativas; redesenhou penalidades e tipificou como crime
modalidades antes tidas como contravenção ou não previstas; previu também a perda ou
restrição de incentivos legais/contratação com a administração pública/suspensão em linhas de
crédito”, alcançou pessoas físicas e jurídicas e “deu base legal mais sólida aos órgãos de meio
ambiente exercerem sua ação fiscalizadora”, uma vez que até então as portarias eram tidas como
insuficientes pelos tribunais.
No plano internacional, outras convenções são assimiladas pela legislação
brasileira. Em 1996, é promulgada a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância
Internacional, conhecida como Convenção de Ramsar137, realizada no Irã em 1971 e em vigor
desde 1975. Tendo a UNESCO como depositária, a convenção é um tratado intergovernamental
para promover a conservação e o uso racional de zonas úmidas no mundo, cujas políticas e
estratégias, assim como ocorre com as Convenções do Clima e da Biodiversidade, são
discutidas pelos países signatários nas Conferências das Partes – COPs, nesse caso, realizadas
a cada três anos.
Inicialmente, estava centrada na conservação de áreas úmidas condicionadas a sua
relevância como habitat para aves aquáticas migratórias, cobrindo uma ampla variedade de
ecossistemas aquáticos em todo o planeta. Porém,
Atenta ao avanço do debate sobre conservação no mundo, a Convenção passou, a
partir dos anos 1980, a abordar o tema de forma mais abrangente, reconhecendo a
importância das áreas úmidas para a manutenção da diversidade de espécies e, ao
mesmo tempo, sua relevância para o bem-estar das populações humanas. Em 1982,
uma emenda ao texto original reconheceu que a proteção das zonas úmidas deve levar
em consideração seu valor econômico, cultural, científico e recreativo (MMA, 2015,
grifo nosso).
Assim, desde 2002 a Convenção tomou como missão "a conservação e o uso
racional por meio de ação local, regional e nacional e de cooperação internacional visando
136 Regulamentada pelo Decreto nº 3179/1999. 137 Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 33/1992 e promulgada pelo Decreto nº 1.905/1996.
136
alcançar o desenvolvimento sustentável das zonas úmidas de todo o mundo" (MMA, 2015,
grifo nosso).
Conforme o MMA (2015), a adesão do Brasil a essa convenção “possibilita ao país
ter acesso a benefícios como cooperação técnica e apoio financeiro para promover a utilização
dos recursos naturais das zonas úmidas138 de forma sustentável”.
Entendemos que esse alargamento nos horizontes da convenção está intimamente
relacionado à visão das zonas úmidas como fornecedoras de serviços ecológicos fundamentais
para a manutenção do equilíbrio ecológico (como fonte de biodiversidade, como reguladoras
do regime hídrico em diferentes regiões etc.), bem como pela importância social, seja
econômica, recreativa ou mesmo de reprodução cultural, que possuem para diversas populações
que estariam utilizando tais serviços de forma gratuita, vista como o motivo da degradação
ambiental dentro do desenvolvimento sustentável. E essa abordagem dos processos naturais
como prestadores de serviços ambientais é um dos produtos do mercado verde, executado
através do Pagamento por Serviços Ambientais – PSA.
No ano seguinte, 1997, é aprovado o texto da Convenção Internacional de Combate
à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca - UNCCD (sigla em inglês)139, elaborada
durante a Eco 92 em 1992. Políticas, estratégias, questões administrativas e financeiras, de
ciência e tecnologia e a avaliação de implementação de programas são deliberadas pelos 193
países signatários também nas Conferências das Partes – COP, realizadas a cada dois anos.
Esse compromisso estabelece padrões de trabalho e metas internacionais convergentes
em ações coordenadas na busca de soluções qualitativas que atendam às demandas
socioambientais nos espaços áridos, semiáridos e subúmidos secos, particularmente
onde residem as populações mais pobres do planeta. [...] estabelece [também] que os
países Partes envolvidos deverão mobilizar recursos financeiros substanciais e
facilitar, através de cooperação internacional, a transferência de tecnologia,
conhecimentos gerais e técnicos para os países em desenvolvimento afetados (MMA,
2015, grifos nossos).
Assim, no contexto da política ambiental internacional fundamentada no
desenvolvimento sustentável, “a UNCCD é reconhecida como o instrumento fundamental para
138 Atualmente, no Brasil, estão listadas 12 zonas úmidas, a saber: Lagoa do Peixe, RS (1993); Ilha do Bananal,
TO (1993); Reentrâncias Maranhenses, MA (1993); Pantanal Matogrossense, MT (1993); Mamirauá, AM
(1993); APA da Baixada Maranhense, MA (2000); Parque Estadual Marinho do Parcel Manoel Luís, MA (2000);
Reserva Particular do Patrimônio Natural SESC Pantanal, MT (2002); Reserva Particular do Patrimônio Natural
Fazenda Rio Negro, MS (2009); Parque Estadual do Rio Doce, MG (2010); Parque Nacional Marinho dos
Abrolhos, BA (2010); e Parque Nacional do Cabo Orange, AP (2013). Ao todo, a convenção possui 169 países
membros que juntos listaram 2.220 zonas úmidas distribuídas em um total de 214.207.401,74 há. Disponível em:
<http://www.ramsar.org/>. Acesso em: 16 dez. 2015. 139 Assinada pelo governo brasileiro em 1994 e aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28/1997.
137
erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável nas áreas rurais das terras secas”
(MMA, 2015).
Em 1998 são promulgados: a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada
durante a Eco 92; o Acordo sobre Cooperação em Matéria Ambiental, celebrado entre Brasil e
Argentina, em Buenos Aires em 1996; o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear,
assinado em Viena em 1994; e finalmente a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima, adotada em Nova Iorque em 1992.
Em 1999 é instituído Decreto nº 2.959/1999, que dispõe sobre medidas a serem
implementadas na Amazônia Legal, para monitoramento, prevenção, educação ambiental e
combate a incêndios florestais (revoga o Decreto 2.662/98). Institui o Programa de Prevenção
e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais na Amazônia Legal com o objetivo de:
identificar áreas de maior risco de ocorrência de incêndios florestais; controlar o uso do fogo
ao longo da região; informar os produtores e as comunidades rurais quanto aos riscos dos
incêndios florestais; estruturar e implantar núcleo estratégico com capacidade institucional de
mobilizar força-tarefa para atender a emergências em combate a incêndios florestais de grandes
proporções (MEC, 2015).
A Lei nº 9.795/1999 institui no Brasil a Política Nacional de Educação Ambiental
– PNEA, um notável marco nas políticas ambientais brasileiras e que merece atenção,
sobretudo, no contexto do desenvolvimento sustentável. Presente na PNMA (1981) e na CF de
1988 e alvo de iniciativas governamentais140 e da organização social141 que se multiplicaram na
década de 1990, cabe esclarecer que “a educação ambiental surge no Brasil muito antes da sua
institucionalização pelo governo federal, marcada, no início dos anos 70, pela emergência de
um ambientalismo que se une às lutas pelas liberdades democráticas” (MMA, 2044, p.16).
Por outro lado, antes que fosse estabelecido esse “marco legal que determinou a
inclusão da EA nas políticas educacionais do Ministério da Educação” (MEC, 2015, p.5)142, a
Educação Ambiental também já era um instrumento relacionado à proposta de desenvolvimento
sustentável bastante difundido internacionalmente.
140 Podemos citar a criação do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do MEC140 e da Divisão de Educação
Ambiental do IBAMA (1991) no clima de preparação para a Rio 92; do Programa Nacional de Educação
Ambiental - PRONEA (1994), do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do MMA (1996) e a instituição
dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, que dá notável visibilidade à educação ambiental
(LAYRARAGUES, 2002, p.6). 141 Em 1992 é criada a Rede Brasileira de Educação Ambiental que, baseada em um modelo de organização social
horizontal, buscava articulação entre educadores ambientais de todo o país. Com base nela, nos anos seguintes
surgiram várias redes locais e regionais. Em 1999, inicia-se um movimento para a criação da Sociedade de
Educação Ambiental do Brasil. 142 As discussões na esfera legislativa haviam se estabelecido ainda em 1993 por meio do Projeto de Lei nº
3.792/1993 (MMA, 2014).
138
Segundo Layrargues (2002, p.5), pronunciado pela primeira vez em 1965 durante a
Conferência em Educação realizada na Universidade de Keele na Grã-Bretanha, o termo que se
refere à possível contribuição da Educação em meio à crise ambiental inauguraria uma trajetória
de crescente interesse, sobretudo da ONU, que “empreendeu volumosos esforços para estruturar
e disseminar as bases da educação ambiental ao redor do mundo”. Assim, a partir da década de
1970, as bases da educação ambiental foram lançadas e amplamente divulgadas pela UNESCO
e PNUMA, de modo que muitos dos maiores eventos internacionais de educação ambiental
tiveram lugar nessa década143.
Em 1992, aconteceu no Brasil a I Jornada Internacional de Educação Ambiental,
paralela à Eco 92. Os dois eventos originaram respectivamente o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e a Agenda 21, que aborda
explicitamente a educação ambiental no seu Capítulo 36 - Promoção do Ensino, da
Conscientização e do Treinamento. Em 1998, a UNESCO promove, na Grécia, a Conferência
Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a
Sustentabilidade, cuja conclusão afirma que “a educação ambiental, assim como a legislação,
tecnologia e economia, seria um dos pilares da sustentabilidade”. E intercalado aos eventos
internacionais, UNESCO e PNUMA apoiaram e promoveram inúmeros seminários regionais
que “não só capilarizaram os princípios da educação ambiental, como também estabeleceram
as peculiaridades locais ou regionais que afetariam a dinâmica dessa prática pedagógica”
(LAYRARGUES, 2002, p.4).
Para Layraragues (2002), a educação ambiental tem duas faces: a mudança
ambiental e a mudança social. Entretanto, o modelo disseminado internacionalmente se
demonstra comprometido apenas com a mudança ambiental, uma ferramenta para viabilizar o
desenvolvimento sustentável, que encobre justamente a necessidade da mudança social no
enfrentamento da crise ambiental. E estando o Brasil na retaguarda das decisões internacionais
sobre meio ambiente, a educação ambiental aqui instituída também segue suas orientações,
embora que de forma deficiente, como ocorre com outras políticas públicas.
Prosseguindo, alcançamos o ano 2000, quando então é criada a Agência Nacional
de Água – ANA (Lei nº 9.984/2000), entidade federal de implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos – PNRH (1997) e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento
143 Podemos citar o Congresso de Educação Ambiental (Finlândia, 1974); o Congresso de Belgrado (Ioguslávia,
1975), que culminou na criação do Programa Internacional de Educação Ambiental – PIEA; e a Conferência de
Tbilisi (União Soviética, 1977), considerada por muitos autores o principal marco mundial da educação
ambiental (LAYRARGUES, 2002; MMA, 2014).
139
de Recursos Hídricos - SNGRH. Conforme Cunha e Coelho (2003), entre as atribuições do
órgão, está a cobrança pelo uso da água, considerada bem público pela Constituição.
A seguir, é instituída a Lei nº 9.960/2000 como um importante instrumento de
arrecadação ambiental: estabelece os preços a serem cobrados em âmbito nacional pelo
IBAMA, institui a Taxa de Serviços Administrativos - TSA em favor da Superintendência da
Zona Franca de Manaus – Suframa e cria a Taxa de Fiscalização Ambiental – TFA (AC).
No mesmo ano, é instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC (Lei nº 9.985/2000), regulamentando quase metade de todo o disposto no capítulo
dedicado ao meio ambiente da Constituição Federal de 1988 (incisos I, II, III e VII do art. 225,
§ 1º), o que, a grosso modo, atribui ampla relevância às unidades de conservação dentro da
política ambiental.
A Lei nº 10.257/2001 institui o Estatuto da Cidade, que estabelece normas de ordem
pública e interesse social, que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Essa lei
condiciona o crescimento urbano ao bem-estar de seus habitantes e disciplina o estudo de
impacto de vizinhança para empreendimentos e serviços que possam interferir com o meio
ambiente urbano e com a sadia qualidade de vida (MEC, 2015). Por ela, os municípios com
população acima de 20 mil habitantes ficam obrigados a elaborar e aprovar seus planos diretores
em até cinco anos, além de estabelecer diretrizes para as operações urbanas consorciadas
(POLETO, 2010).
Em 2002, foi lançado o Programa Nacional de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica – PROINFA144, sob a competência do MME e com o objetivo de promover a
diversificação da matriz energética brasileira145 através do aumento da energia elétrica
provenientes de fontes eólica, de biomassa e de pequenas centrais hidrelétricas no Sistema
Elétrico Interligado Nacional – SIN. Entre as benesses alegadas pelo programa estão benefícios
social (geração de emprego), tecnológico (investimento na indústria do setor), estratégico
(complementaridade energética sazonal) e também benefícios econômicos e ambientais, que se
referem respectivamente ao “investimento privado da ordem de R$ 8,6 bilhões” e à “emissão
evitada de 2,5 milhões de tCO2/ano [que] criará um ambiente potencial de negócios de
144 Criado pela Lei nº 10.438/2002 e revisado pela Lei nº 10.762/2003. 145 Ao mesmo tempo pretende aumentar a segurança no abastecimento de energia elétrica e valorizar as
potencialidades que as diferentes regiões brasileiras oferecem para a produção de energia elétrica de cada um
dos tipos pretendidos pelo programa. No Nordeste, por exemplo, predominam as fontes eólicas e de biomassa.
140
Certificação de Redução de Emissão de Carbono, nos termos do Protocolo de Kyoto” (MME,
2016).
Em 2003 foi realizada a primeira edição da Conferência Nacional de Meio
Ambiente – CNMA. Conforme o MMA (2015), é por meio dessas conferências que o ministério
“tem ampliado a discussão acerca da formulação e implementação de políticas públicas para o
desenvolvimento sustentável”, contando com representantes do setor público, da sociedade
civil organizada e do setor empresarial. O processo se inicia nas etapas municipais, avança para
etapas regionais, depois para as conferências estaduais e culminam na etapa nacional.
As conferências não têm uma frequência regular. Atualmente, foram quatro
edições, todas realizadas em Brasília. A I CNMA teve como tema o Fortalecimento do Sistema
Nacional do Meio Ambiente e seus objetivos foram:
Mobilizar, educar e ampliar a participação popular na formulação de propostas para
um Brasil sustentável; Definir diretrizes para consolidar e fortalecer o Sistema
Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA[...] como um instrumento para a
sustentabilidade ambiental; Diagnosticar e mapear a situação socioambiental
mediante indicadores, atores sociais, percepções, prioridades (MMA, 2015).
Segundo o MMA (2015), teriam sido mobilizadas 65 mil pessoas em todo o país,
dentre as quais foram indicados 912 delegados para participarem da etapa nacional. Do evento
teriam resultado 659 deliberações de competência do MMA e 336 recomendações de
competência de outros órgãos.
3.1.5 Período de Internacionalização (a partir de 2005)
Para esse quarto momento que se inicia em 2005 e adentra os dias presentes, o que
apresentamos não é propriamente uma caraterização, visto que o período em questão é ainda
corrente, mas uma discussão em busca de apreender o significado das mudanças em curso a
partir das políticas ambientais já implementadas, o contexto social em que elas se deram e suas
implicações tanto sociais quanto ambientais.
A partir do início do século XXI, percebemos que há uma generalizada assimilação
do desenvolvimento sustentável não apenas nas políticas ambientais, mas nas políticas públicas
em geral, uma vez que, como preconiza a política ambiental internacional, a questão ambiental
perpassa todas as áreas da organização social que devem ser adequadas para que se possa
finalmente atingir o desenvolvimento sustentável.
141
Em 2005, o Protocolo de Quioto finalmente entra em vigor, estabelecendo as metas
para o Primeiro Período de Referência (2008-2012)146 e em seguida ocorre a COP 11, a primeira
após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto e durante a qual aconteceu a primeira
Conferência das Partes do Protocolo de Quioto (COP/MOP1) onde já foram discutidas metas
para um segundo período de referência do acordo.
Se o período anterior foi marcado por uma rápida disseminação do desenvolvimento
sustentável nas políticas públicas, nesse momento, há uma internacionalização das políticas
públicas e ambientais e das instituições democráticas. Por um lado, as políticas aderem
declaradamente ao desenvolvimento sustentável e aos instrumentos instituídos para a sua
implementação, conforme os compromissos assumidos em conferências internacionais,
sobretudo a Convenção do Clima através de suas sucessivas COPs. Por outro lado, esses
instrumentos se proliferam de diversas formas dentro das instituições democráticas, sobretudo
diante da fragilidade financeira e institucional, sendo capazes de moldá-las à sua semelhança,
cabendo destaque à estratégia de governança ambiental.
Assim, apesar do avanço das instituições e das instâncias democráticas, dentro delas
se encontram formas específicas da reprodução do poder em diferentes escalas, caracterizando
um estado de autoritarismo difuso que submete os impactos ambientais e sociais a interesses
econômicos, disseminando diversas formas de cooptação dos instrumentos democráticos. Nesse
sentido, cabe destaque à participação de grupos sociais constituída sob assimetria de forças,
com o intuito de legitimar os resultados e favorecer a resolução negociada de conflitos em
detrimento da garantia de direitos, sobretudo de populações atingidas por grandes projetos de
infraestrutura ou pela financeirização da natureza.
As políticas ambientais desenvolvidas no Brasil nesse período, são resultado direto
de condições gestadas ainda na década de 1990. Se a tendência à elaboração participativa de
políticas públicas, sobretudo ambientais, consolidada a partir da Eco 92, exigia a ampliação da
participação de movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada, também sugeria
que o Estado precisava criar um novo quadro institucional para o sistema ambiental e as
instâncias participativas, que justificassem a sua política desenvolvimentista frente às
reivindicações da sociedade civil. Ao mesmo tempo, avançava o movimento de neutralização
da crítica contestatória e das lutas ambientais incitadas por instituições financeiras
internacionais, grandes corporações e governos através da substituição do ambientalismo
146 A meta para esse período era a redução das emissões de GEEs em 5,2% com relação aos níveis de 1990, ainda
que houvesse uma diferença de quase duas décadas entre o ano base de referência (1990) e o início das atividades,
período em que o crescimento econômico aumentou exponencialmente a quantidade de emissões.
142
contestatório por um ecologismo de resultados, que tornou-se, em grande parte, a referência
ambiental nos espaços estatais (FURTADO; STRAUTMAN, 2014, p.227).
Laschefski (2014) afirma que o governo do Partido dos Trabalhadores – PT147 é
caracterizado pela adoção de um pacote de ações de combate à pobreza e pelo sucesso de
medidas econômicas que favoreceram também à classe média; pelo esforço e articulação para
que o país assumisse um papel crescente no cenário mundial; pela inserção de lideranças de
movimentos sociais e ONGs em cargos do governo, sugerindo maior participação da sociedade
civil; e o grande número de obras de infraestrutura implementadas com o Programa de
Aceleração do Crescimento - PAC.
Segundo o autor, alguns analistas caracterizam a política petista como um
neodesenvolvimentismo que marcaria a época do pós-neoliberalismo, precedendo uma
tendência global que se instalou após a crise financeira de 2008: a adoção de abordagens
keynesianas e estruturalistas, nas quais o Estado assumiria uma atuação semelhante ao
desenvolvimentismo da década de 1950148.
Morais e Saad-Filho [2011] afirmam que o governo Lula não trouxe mudanças
revolucionárias, pois a transição iniciada por ele não rompeu totalmente com as
políticas ditas neoliberais dos anos de 1990. De fato, muitas medidas adotadas pelos
governos petistas, sobretudo com relação a infraestrutura, já foram idealizadas no
governo anterior” (LASCHEFSKI, 2014, p. 245).
Algumas destas grandes obras de infraestrutura não retomam apenas o projeto
desenvolvimentista de governos anteriores149, mas também os meios pelos quais se realizaram,
relembrando aquele modelo de desenvolvimento tão criticado internacionalmente na década de
1980 e que, no Brasil, segundo Laschefski (2014, p.246), “resultaram, entre outros, em
gravíssimos problemas ambientais, violência contra os povos da floresta e ocupação
desordenada do território pela grilagem” em nome do projeto militar de integração nacional.
Fortes e French (2012 apud LASCHEFSKI, 2014, p. 248) afirmam que “o Brasil
assiste hoje à multiplicação de grandes projetos de construção civil numa escala que não era
147 Governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) e Governo Dilma (2011-2014), cujo segundo mandato (2015-2018)
seria brevemente interrompido por um golpe político no início de 2016. 148 No caso brasileiro, os principais pontos seriam: o investimento em infraestrutura (através do PAC); o combate
aos déficits habitacionais através do acesso ao crédito (Programa Minha Casa, Minha Vida – MCMV); uma
política interna de estímulo ao consumo (elevação do salário mínimo, expansão do emprego formal e distribuição
mais equitativa de renda através de programas sociais, entre outros); e uma política externa mais afinada com
outros países da América Latina e do bloco BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). 149 Por exemplo, grandes obras do PAC (hidrelétricas, rodovias, hidrovias, expansão da agricultura moderna etc.)
tiveram como antecessores obras dos programas Brasil em Ação (1996-1999) e Avança Brasil (2000-2003) de
Fernando Henrique Cardoso - FHC ou mesmo anterior, como é o caso da barragem de Belo Monte no Estado do
Pará, prevista no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo militar Geisel (1974-1979), parte do
projeto então denominado Kararaô.
143
vista desde o milagre econômico (1968-1974) durante a ditadura militar”. Entretanto, a situação
política atual é diferente. Embora em vários países, obras de infraestrutura e instalação de
indústrias-chave, quase sempre tenham sido realizadas em regimes autoritários, no Brasil,
vivemos um avanço das instituições democráticas.
Se por um lado, as controvérsias que cercam projetos neodesenvolvimentistas
polêmicos remetem a conflitos fundamentais sobre o modelo de desenvolvimento adotado pelo
governo, por outro, eles são compartilhados e aceitos pela maioria dos partidos políticos, sejam
eles aliados ou da oposição, bem como levados a cabo por muitos governos estaduais e por
empresas multinacionais que atuam como promotoras do desenvolvimento, substituindo o
Estado (LASCHEFSKI, 2014).
Se as estruturas participativas não permitem que a responsabilidade por atitudes
percebidas como autoritárias recaia apenas sobre os ombros dos representantes do poder formal;
se de maneira geral, as políticas públicas atuais são baseadas em decisões negociadas entre
diversos representantes políticos e, cada vez mais, com representantes da sociedade civil; então
como explicar as violações ambientais e sociais na atual situação política do Brasil? Para
Laschefski (2014, p.250), “vivemos, então, numa situação de autoritarismo difuso, em que há
formas específicas da reprodução do poder nas instâncias democráticas.” Para manter a ordem
então estabelecida da maneira desejável, a violência social e ambiental se dá de modo difuso e
estrutural dentro do próprio sistema.
No caso dos projetos neodesenvolvimentistas, essa violência social e ambiental se
reproduz de diversas maneiras (impunidade, lentidão do julgamento dos culpados, violência no
campo, conflitos agrários e étnicos, retaliações, perseguições, burocracia, participação
ilustrativa etc.), de modo que ao mesmo tempo que facilita a implementação desses projetos,
contribui para o enfraquecimento de grupos de resistência, dispensa a necessidade de
interferência violenta do Estado e naturaliza a violência difusa (LASCHEFSKI, 2014).
Assim, os projetos neodesenvolvimentistas se justificam por supostamente
atenderem ao controle e à fiscalização de um quadro institucional do sistema ambiental e
respeitarem os interesses sociais e ambientais pela via da participação. Entretanto, em muitos
casos, a participação dos grupos afetados pelos projetos é apenas ilustrativa, servindo para
legitimação pois, como afirma Laschefski (2014, p.264), as estruturas participativas são campos
criados artificialmente, onde “a hierarquia do poder já foi denominada antes do início das
atividades do campo, consolidando assim antecipadamente as assimetrias sociais entre seus
integrantes”.
144
Outras vezes, o jogo de poderes direciona até mesmo a escolha dos representantes
da sociedade civil, de modo a influenciar o curso dos debates e, consequentemente, das decisões
em favor dos atores dominantes. Parte significativa das entidades da sociedade civil organizada,
bem como das empresas responsáveis pelos estudos de impactos ambientais e órgãos de
licenciamento e fiscalização ambiental estão cooptadas pelos empreendedores dos projetos,
sejam eles instituições financeiras, empresas ou Estado.
Todo sistema de produção do conhecimento, desde a educação infantil, está
desenhado para sustentar essa visão do desenvolvimento, que é tratado como um
processo evolutivo, imutável ou uma lei natural que nem precisa ser verbalizada.
Obras que contribuem para esse desenvolvimento são consideradas inquestionáveis.
Com base nesse entendimento, são construídas as visões de mundo, as crenças sobre
a modernidade e, finalmente, as relações de poder. Integrantes inseridos nesse campo,
mesmo com as melhores intenções, têm grande dificuldade (LASCHEFSKI, 2014, p.
269, grifos nossos).
Ao mesmo tempo, contrariando as expectativas de mais participação da sociedade
civil, alimentada, sobretudo, com a inserção de lideranças de movimentos sociais e ONGs em
cargos do governo, não houve avanço em muitos campos de interesse social defendidos por
estes sujeitos, como por exemplo, reforma agrária, demarcação de terras indígenas, quilombolas
e de comunidades tradicionais, combate ao uso deliberado de transgênicos e ao desmatamento
etc. (LASCHEFSKI, 2014).
Por outro lado, como resultado do descontentamento de determinados setores
econômicos, que viam o sistema ambiental brasileiro como barreiras ao crescimento
econômico, observou-se a implementação de várias medidas a fim de agilizar a realização de
grandes obras através da desburocratização do licenciamento ambiental e fazendo com que os
interesses econômicos desses grupos avançassem sobre direitos sociais e ambientais já
adquiridos, caracterizando uma ofensiva legalista. Exemplos são a revisão do Código
Florestal150 e do Código da Mineração, a reestruturação do IBAMA que resultou na criação do
ICMBio em 2007 e os questionamentos relativos à constitucionalidade da demarcação de terras
indígenas (LASCHEFSKI, 2014).
Enquanto são criados novos instrumentos legais que fortalecem a ofensiva, é
percebido um enfraquecimento das instituições democráticas que, enquanto representante do
Estado Democrático de Direito são constituídas para intervir na defesa de direitos, sobretudo
dos sujeitos mais fracos. Como saída, são apontadas estratégias de negociação entre interesses
divergentes que objetivam o consenso entre as partes em detrimento da defesa das vítimas e
150 O atual Código Florestal Brasileiro promulgado pela Lei nº 12.651/2012 é resultante do Projeto de Lei nº
1.876/1999.
145
punição dos culpados, uma vez que instrumentos democráticos são cooptados por interesses do
capital e os direitos democráticos constitucionais passam a ser negociados em vez de garantidos.
Com isso, instrumentos do desenvolvimento sustentável como a governança
ambiental avançam sobre as instituições democráticas, moldando-as conforme seus interesses,
o que muitas vezes leva ao esvaziamento das competências da instituição e à sua cooptação. De
fato, é grave seu grau de penetração nas instituições brasileiras e estruturas distintas de
governança permeiam as políticas internacionais, nacionais, estaduais e municipais. Para
ilustrar a questão, Laschefski (2014) descreve os rumos tomados pelo Ministério Público no
estado de Minas Gerais151, cujas liminares e recomendações em defesa dos afetados por grandes
projetos raramente foram sustentadas na justiça, levando a instituição a apostar em caminhos
extrajudiciais como a resolução negociada de conflitos152 que, intermediada por agentes da lei,
têm a pretensão de evitar um processo judicial litigioso que poderia se arrastar por anos a fio, o
que por si só já indica a ineficiência do sistema jurídico brasileiro na arbitragem de conflitos e
defesa daqueles que têm seus direitos violados. O Ministério Público153, que muitas vezes
representa a última esperança para os grupos atingidos, negligenciados e violados formal ou
veladamente pelos projetos desenvolvimentistas, devido a sua fraqueza institucional, estaria na
realidade contribuindo para perpetuar a violência difusa arraigada no sistema.
Como fosse o Ministério Público mineiro incapaz de caminhar com suas próprias
pernas, em 2009 o Banco Mundial estabeleceu com este um Termo de Cooperação Técnica -
TCT154, no valor de U$ 399 mil, financiado pelo Institutional Development Fund - IDF, fundo
para fomento do “desenvolvimento institucional”, uma das estratégias do banco para a
151 Conforme afirma Laschefski (2014), o Banco Mundial já se pronunciou publicamente quão interessante é o
Estado de Minas Gerais para a implementação de um projeto-piloto sobre governança, dada a sua variedade
geográfica e socioeconômica, que remete a situações enfrentadas em outros estados pelo Brasil. Com a criação
do Fórum de ONGs Ambientalistas de Minas Gerais que, criado em 2004, debate a política ambiental no estado,
o quadro institucional estaria impregnado pelas ideias de “boa governança” do Banco Mundial. 152 Um instrumento usual é o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC (Leis Federais nº 7.347/1985 e nº
8.078/1990). “Os termos de ajustamento de Conduta ou TACs, são documentos assinados por partes que se
comprometem, perante os procuradores da República, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a
resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos já causados. Os TACs antecipam a
resolução dos problemas de uma forma muito mais rápida e eficaz do que se o caso fosse a juízo. [...] Mas, tanto
o TAC quanto o acordo judicial têm o mesmo objetivo: abreviam o processo.” (Ministério Público Federal –
BA). Disponível em: <http://www.prba.mpf.mp.br/paraocidadao/pecas-juridicas/termos-de-ajustamento-de-
conduta>. Acesso em: 13 abr. 2015. 153 É um órgão criado com grande autonomia para investigar a violação de direitos constitucionais cometida por
entidades governamentais e privadas. 154 De acordo com Laschefski (2014, p.252), a parceria visa a realização de cursos sobre aspectos técnicos de
mediação de conflitos, além de construir um estudo base para a análise legal-ambiental relacionadas à mineração
naquele estado.
146
implementação da governança no mundo, na qual a resolução negociada de conflitos é um
elemento chave.
Os objetivos são: o fortalecimento da capacidade institucional para aumentar
a eficiência em relação a alocação de recursos humanos; a assistência técnica
para pilotar novas metodologias e técnicas para a quantificação de danos
ambientais; a capacitação dos promotores para oferecer mediação fora dos
tribunais e das cortes de justiça com o objetivo de resolver as insuficiências
da legislação e regulação estadual; e a proteção dos direitos difusos
constitucionais (LASCHEFSKI, 2014, p. 252, grifos nossos).
Como a organização institucional do ordenamento jurídico brasileiro não funcione
corretamente devido à violência e ao autoritarismo difuso presente nas instituições, o que a
proposta de governança oferece não é o fortalecimento democrático e sim o desmantelamento
das instituições, uma vez que não prevê o melhoramento das estruturas democráticas para
garantir direitos, mas incita a sua superação por vias subjetivas baseadas na negociação e no
consenso, elaboradas de acordo com os seus interesses:
A orientação para o consenso já pode ser identificada como uma condição básica para
identificar ‘boa governança’ nos esquemas de avaliação dos países pelo Banco
Mundial. Acredita-se que a resolução de conflitos pode ser alcançada através da
negociação entre interesses diversos, sobretudo em situações de fraqueza institucional
de determinados governos” (LASCHEFSKI, 2014, p.256).
O êxito de tais programas internacionais no Brasil e a adesão a esse tipo de parceria
são a confissão de que o país é incapaz de fazer valer a força de sua própria Constituição e o
atestado de falência das instituições democráticas, não dispondo de instrumentos ou meios para
resolver seus próprios problemas sem precisar recorrer à ajuda externa, que custem a sua
submissão no cenário internacional e uma inclusão subalterna.
Tendo o Estado brasileiro assimilado o desenvolvimento sustentável como modelo
de desenvolvimento econômico, tratou então de introduzi-lo nas políticas públicas,
principalmente nas ambientais, dando-lhe legitimidade, pois como afirmam Cunha e Coelho
(2003, p.43), “a esfera estatal continua sendo, contudo, a instância em que se negociam decisões
e em que conceitos são instrumentalizados em políticas públicas para o setor”.
Porém, o desafio maior estaria na sua implementação, reproduzindo o abismo
histórico que há entre a determinação da lei e a sua real aplicação, combinando avanço e
retrocesso, principalmente no que se refere aos diferentes instrumentos e seus empregos na
manutenção do status quo, que, por sua vez, é resultante da tensão de força entre diferentes
atores com distintos interesses e em diferentes escalas.
Nessa conjuntura, temos a instituição de algumas leis importantes nesse período. A
primeira é a Lei dos Consórcios Públicos que, promulgada em 2005, regulamenta a contratação
147
de consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum entre entes federados
de diferentes níveis. Essa lei será importante para a PNSB (2007) e principalmente para a PNRS
(2010), pois ambas estimularão a adoção da gestão consorciada através da formação de
consórcios públicos para o enfrentamento das questões sanitárias as quais se propõem regular.
Ampliando a discussão acerca da formulação e da implementação de políticas
públicas para o desenvolvimento sustentável, neste mesmo ano, o MMA realiza a II
Conferência Nacional de Meio Ambiente - CNMA com o tema “Gestão Integrada das Políticas
Ambientais e Uso dos Recursos Naturais”. Essa edição, que teria superado a anterior em
participação, teve como objetivos:
Firmar a CNMA como uma instância de tomada de decisões orientadoras das Políticas
Públicas Ambientais; Fortalecer o SISNAMA como um instrumento para a construção
da sustentabilidade ambiental; Apontar políticas públicas necessárias ao
desenvolvimento sustentável de forma integrada para os três níveis da federação –
municipal, estadual e nacional; Apontar caminhos para a integração da agenda de
desenvolvimento econômico e social e demais agendas das políticas públicas
privilegiando a sustentabilidade na utilização dos recursos naturais (MMA, 2015).
A seguir é instituída a Lei nº 11.284/2006 que, alterando leis anteriores, inclusive a
PNMA (1981), dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; institui
o Serviço Florestal Brasileiro – SFB na estrutura do MMA e cria o Fundo Nacional de
Desenvolvimento Florestal – FNDF. Ainda em 2006, na ocasião da COP 12, o governo
brasileiro propôs a criação de um mecanismo que promovesse efetivamente a redução de
emissões de GEEs geradas pelo desmatamento em países em desenvolvimento, o que mais tarde
seria efetivada com o REDD e avançaria rapidamente nas conferências seguintes.
No início de 2007, é publicada a Lei nº 11.445/2007 que institui a Política Nacional
de Saneamento Básico, também conhecida como Lei do Saneamento e que estabelece as
diretrizes nacionais para o saneamento básico, composto pelos serviços de abastecimento de
água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. A política
que objetiva a universalização dos serviços adequados de saneamento básico de modo a
contribuir para a saúde pública e ambiental também tem entre suas diretrizes (2007, Art.48, II)
a promoção do desenvolvimento sustentável.
Também em 2007 foi sancionada a Lei nº 6.040/2007 que institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT
que, como a própria denominação sugere,
tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia
dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito
e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições
(BRASIL, 2007c. Art.2, grifo nosso).
148
Para isso, os objetivos específicos se propõem de maneira geral a estabelecer
garantias, sobretudo de acesso dos povos e comunidades tradicionais aos serviços públicos e
estruturas sociais (educação, saúde, previdência, políticas públicas, programas e ações de
inclusão social, infraestrutura, participação e controle social, etc.) com o devido respeito à sua
diversidade e pluralidade socioambiental e cultural.
Queremos ainda destacar garantias fundamentais para a reprodução cultural e
material desses grupos: a garantia aos seus territórios e seus respectivos recursos naturais; a
garantia dos seus direitos, quando afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e
empreendimentos; e a garantia do pleno exercício dos seus direitos individuais e coletivos,
sobretudo, nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade. Sem que especialmente essas
garantias sejam asseguradas, nenhuma das anteriores poderá oferecer dignidade e segurança
aos povos e comunidades tradicionais, de modo que a visível incompetência do Estado
brasileiro em efetivá-las, é causa constante de conflitos e ameaça para esses grupos.
Entre os princípios dessa política figuram o pleno e efetivo exercício da cidadania,
a segurança alimentar e nutricional, a erradicação de todas as formas de discriminação e a
preservação dos direitos culturais, da memória cultural e da identidade racial e étnica. É válido
destacar ainda que a política se propõe a solucionar ou minimizar os conflitos gerados pela
implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais155,
estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e apoiar e garantir a
inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis, valorizando os recursos
naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais (BRASIL, 2007c, Art.3).
Um mecanismo da economia verde que vem forçando a sua introdução nas políticas
ambientais brasileiras é o Pagamento por Serviços Ambientais – PSA:
Nos últimos 03 anos [2008-2010], a idéia [sic] de “Serviços Ambientais” foi
incorporada ao discurso de setores empresariais e de governo, dando origem a uma
acelerada tentativa de reestruturação de marcos legais e políticas públicas em diversas
áreas - do meio ambiente e agricultura a energia e transportes - tudo isso para
regulamentar uma transição para o que chamam de “economia de baixo carbono”
(TERRA, 2011, p.2).
Assim, a partir de 2007 foram enviadas ao Congresso Nacional várias propostas de
regulamentação do PSA que ultrapassam o modelo de incentivo econômico, dando-lhes caráter
comercial. Na vanguarda, está o Projeto de Lei nº 972/2007, ao qual outros 10 (dez) PLs foram
anexados até 2010 e cujas propostas são potencialmente problemáticas tanto do ponto de vista
155 As unidades de proteção integral não podem ser habitadas pelo homem/mulher. Assim, entendemos que sua
implantação em territórios de povos e comunidades tradicionais vai de encontro ao direito desses grupos sobre
seus territórios e seus respectivos recursos naturais.
149
ambiental como social, não só garantindo a adesão ao desenvolvimento sustentável e seu
mercado verde, como reforçando o jogo de interesses e poder local, instrumentalizado através
das políticas públicas:
Sem apontar as principais cadeias produtivas ou atividades de risco responsáveis pela
degradação e escassez dos recursos naturais identificados, o PL [nº 972/2007] autoriza
a continuidade das atividades que representam risco e dano ambiental e socializa com
todos os cidadãos os custos econômicos, sociais e ambientais gerados por elas através
da proposta de pagamento por serviços ambientais a qualquer pessoa que quiser
prestar tais serviços ambientais (TERRA, 2011, p.8).
As propostas e alterações que derivam desse PL são ainda mais graves: o texto
substitutivo156 das Comissões de Agricultura e de Meio Ambiente da Câmara para esse PL,
embora divergentes em alguns pontos, dão as bases do regime jurídico proposto para tal política
e “ampliam quase que sem restrições o rol de ações e de áreas que podem estar sob o regime
jurídico do Pagamento por Serviços Ambientais” (TERRA, 2011, p.14).
Ao garantir direito de livre acesso à terra e ao território dos provedores dos serviços,
ele põe em risco o controle da terra e do território dos países em desenvolvimento e os modos
de vida de seus povos, quando associados ao manejo e à conservação das florestas. A proposta
isenta as transações de impostos e dispensa a necessidade de licitação para a contratação do
serviço. Entre as fontes de recursos propostas para compor o fundo que deve sustentar tal
política, estão o fundo especial do petróleo; as receitas oriundas da cobrança pelo uso dos
recursos hídricos, conforme estabelecido pela PNRH (1997); e empréstimos de instituições
financeiras nacionais ou internacionais, expedindo assim licença para novos endividamentos
com instituições financeiras internacionais. A partir de 2008, alguns estados e municípios
criaram leis que implementam o PSA157 (TERRA, 2011).
Na esfera internacional, o destaque na COP 13 realizada no final de 2007 foi o
aliviar de responsabilidades sobre os países desenvolvidos ao dividi-las com os
subdesenvolvidos que deveriam se comprometer com mudanças políticas.
156 É uma versão alterada e aprovada do texto original. 157 Os pioneiros foram o Programa Bolsa Verde em Minas Gerais, o Programa de Pagamento por Serviços
Ambientais e o FUNDÁGUA, ambos no Espírito Santo, que estabelecem remuneração pela conservação de
cobertura florestal que melhore a qualidade e a disponibilidade hídrica. No Espírito Santo, os recursos advêm de
fundos constituídos com a taxação da água, recursos especiais dos royalties do petróleo e os beneficiados incluem
desmatadores, pagos para recomporem matas ciliares que desmataram. Em Minas Gerais, onde o foco é a
recuperação e a conservação da biodiversidade e de ecossistemas especialmente sensíveis, o chamado PSA
Biodiversidade, que prioriza agricultores familiares e pequenos, prevê a progressiva inclusão de todos os
proprietários e posseiros. Os estados de São Paulo (Lei Estadual de Mudanças Climáticas e Programa Mina
D’água), Paraná (Lei do Prestador de Serviços Ambientais), Santa Catarina (Política Estadual de Serviços
Ambientais) e Acre (Sistema Estadual de incentivos a Serviços Ambientais) também regulamentaram o mercado
de PSA, “viabilizados através de fundos estaduais que contam com a cobrança de compensação financeira pela
geração de energia hidrelétrica, cobranças pelo uso da água e do fundo especial de petróleo.” (TERRA, 2011,
p.8).
150
Nesse espírito de compromisso, a III CNMA, realizada em 2008, teve como tema
as Mudanças Climáticas e os objetivos foram “contribuir para a construção da Política e do
Plano Nacional de Mudanças Climáticas; e analisar e definir a institucionalização e
periodicidade da Conferência Nacional do Meio Ambiente”. Na COP 14 que se seguiu, o Brasil
estava em um grupo de países em desenvolvimento que demonstraram abertura para assumir
compromissos não obrigatórios para a redução das emissões de carbono (MMA, 2015).
Esses compromissos foram oficializados no ano seguinte com a publicação da Lei
nº 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e através da
qual o Brasil adota o compromisso voluntário de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões de
GEEs projetadas até 2020. E como era de se esperar, a política está completamente no domínio
do desenvolvimento sustentável, pois “os objetivos da Política Nacional sobre Mudança do
Clima deverão estar em consonância com o desenvolvimento sustentável a fim de buscar o
crescimento econômico, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais”
(BRASIL, 2009, Art.3, VIII).
A primeira diretriz da PNMC (2009) são os compromissos assumidos pelo Brasil
na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tanto o Protocolo de
Quioto já em declínio, quanto outros compromissos futuros que venha a assumir. Nesse sentido,
é diretriz também
[...] a promoção da cooperação internacional no âmbito bilateral, regional e
multilateral para o financiamento, a capacitação, o desenvolvimento, a transferência
e a difusão de tecnologias e processos para a implementação de ações de mitigação e
adaptação, incluindo a pesquisa científica, a observação sistemática e o intercâmbio
de informações (BRASIL, 2009, Art.5, X).
Todos esses pontos alvo de cooperação são diretrizes particulares e há ainda muitos
pontos que denotam o ajustamento dessa política nacional ao desenvolvimento sustentável,
consolidado pela política ambiental internacional. Entre eles, vale destacar que práticas,
atividades e tecnologias com baixas emissões de GEEs e os chamados “padrões sustentáveis”
de produção e consumo devem ser estimulados e apoiados. Nesse sentido, a mitigação
pretendida não aponta mudanças sociais, sendo definida apenas como “mudanças e
substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de
produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito
estufa e aumentem os sumidouros158” (BRASIL, Art.2, VII). Além disso, diante do mercado
158 “Processo, atividade ou mecanismo que remova da atmosfera gás de efeito estufa, aerossol ou precursor de gás
de efeito estufa.” (BRASIL, 2009, Art.2, IX).
151
verde que se apresenta, determina que as ações de mitigação devem estar em consonância com
o desenvolvimento sustentável e sempre que possível serem mensuráveis.
Além de medidas fiscais e tributárias e da criação de linhas de crédito e
financiamento público e privado especialmente destinadas a estimular a redução das emissões
e remoção de GEEs, também está previsto entre os instrumentos da PNMC (2009) “o
desenvolvimento de linhas de pesquisa por agências de fomento” (BRASIL, 2009, Art.6, VIII),
o que convoca definitivamente a pesquisa científica a legitimar o desenvolvimento sustentável.
Cremos que, em alguma medida, isso guarde relação com a explosão das entusiásticas e
inovadoras “ciências” ambientais159, que apresentam os instrumentos do desenvolvimento
sustentável (MDL, REDD+, PSA, créditos de carbono etc.) como oportunidade de promoção
de desenvolvimento social, da proteção ambiental e da tão propalada sustentabilidade.
Durante a COP 16 em 2010, o Brasil lançou sua Comunicação Nacional de
Emissões de Gases de Efeito Estufa e anunciou a regulamentação da PNMC (2009)160 através
da qual estabelecia limites de redução de emissões, oficializando assim o compromisso
voluntário assumido na conferência de 2008.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos publicada também em 2010 adota e
estabelece as diretrizes para o gerenciamento e a gestão integrada de resíduos sólidos, um
modelo próprio do desenvolvimento sustentável, que aliás é um dos princípios (2010, Art.6,
IV) dessa política.
Apesar da grande quantidade de dispositivos legais relativos ao meio ambiente
promulgados, para Terra (2011), há uma tendência à desregulamentação da proteção ambiental
no sentido de diminuir as obrigações legais em favor da criação de novas oportunidades para o
mercado verde. Nesse contexto e sob a égide de interesses particulares locais, notadamente do
agronegócio, a Lei nº 12.651/2012 institui a terceira versão do Código Florestal Brasileiro, cuja
revisão havia sido proposta desde 1999161.
Conforme dados do Observatório do Código Florestal (2016)162, após o
estabelecimento de sanções mais rígidas para crimes contra Reserva Legal e APP em 2008, a
pressão pela reformulação do Código Floreal começa a ganhar força. Até 2009, somam 36 as
159 Nos referimos à explosão de cursos em diversos níveis (técnico, superior, especializações diversas etc.) e áreas
do conhecimento (engenharias, direito, gestão, administração, economia, marketing etc.) com enfoque no meio
ambiente e no desenvolvimento sustentável nos últimos anos. 160 Decreto nº 7.390/2010. 161 Projeto de Lei nº 1.876/1999. 162 Disponível em: <http://www.observatorioflorestal.org.br/wp-content/uploads/2013/10/timeline.jpg>. Acesso
em: 30 mar. 2016.
152
proposições legislativas com finalidade de derrubar o Código Florestal então vigente, quando
foi criada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar projetos que
desfiguravam a legislação ambiental, formada majoritariamente pela bancada ruralista. Em
2010 e 2011, a proposta avança rapidamente no Legislativo e é aprovada na Câmara e no Senado
em meio a desastres naturais em várias cidades brasileiras163 e à mobilização de movimentos
sociais e ambientalistas contrários ao retrocesso proposto pela reformulação. A mobilização
levantou uma campanha nacional pelo veto do Executivo164, levada inclusive à Rio +20 em
2012, mas que, contudo, não foi suficiente para enfrentar a força do agronegócio e o desdém da
classe política pela opinião pública e evitar a promulgação do novo código.
Entendemos essa tentativa de desregulamentação da proteção ambiental a qual
Terra (2011) se refere no contexto do autoritarismo difuso e numa conjuntura de apropriação
das ferramentas democráticas para uma nova regulamentação que legitima os interesses
particulares de um grupo dominante. Na prática, a drástica redução do limite mínimo de
cobertura florestal por propriedade conjugada à ampliação de mecanismos de flexibilização
significam a incorporação de milhões de hectares aos mercados de commodities agrícolas, de
carbono e de PSA (TERRA, 2011).
A renovação do compromisso político internacional com o desenvolvimento
sustentável foi o objetivo central da Rio +20, realizada no Brasil em 2012. O evento teve base
em duas ações consideradas postos-chaves para a efetiva implementação do desenvolvimento
sustentável: o fortalecimento da estrutura institucional no contexto da governança ambiental e
a economia verde no contexto da erradicação da pobreza (ONU, 2012).
Em 2013, já na eminência de se esgotar o prazo para a adequação dos municípios
brasileiros à PNRS (2010), foi realizada a IV CNMA com o tema Resíduos Sólidos. Seu
objetivo foi a “Implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, com foco em quatro
eixos temáticos: Produção e Consumo Sustentáveis; Redução dos impactos ambientais;
Geração de emprego e renda; e Educação Ambiental.” (MMA, 2015).
Ainda de acordo com o MMA (2015), essa edição também contou com algumas
inovações, a saber: conferências livres; conferência virtual; criação do Comitê de
Acompanhamento das Deliberações da IV CNMA; e adoção de metodologia para diminuir o
número excessivo de deliberações. Como de costume, o número de participantes nas etapas
precedentes e na etapa nacional foram superiores às conferências anteriores, bem como o
163 Enchentes e deslizamentos que atingem São Paulo, Angra dos Reis e cidades do interior de Alagoas e
Pernambuco em 2010. 164 Campanha #VetaDilma organizada através das redes sociais.
153
número de recomendações foi menor, porém tendo caído drasticamente como podemos
observar a seguir:
Quadro 2 - Comparação entre as quatro edições da CNMA de 2003 a 2013
Dados: MMA, 2015.
Fonte: Elaborado pela autora.
(*) O MMA divulgou apenas o número total das recomendações.
Em 2014 aconteceu a COP 20, em meio a velhos embates sobre responsabilidades
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil, ao lado de outros emergentes
marcou oposição, mas também lançou uma proposta com a finalidade de resolver o impasse: a
Diferenciação Concêntrica, que pretendia aperfeiçoar o princípio das responsabilidades comuns
e diferenciadas através de uma redistribuição das responsabilidades que incluíssem os países
emergentes.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 312/2015165, que
pretende instituir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais. A proposta prevê
que a contratação do serviço ambiental se dará através de contrato celebrado entre o produtor
rural e o Executivo e que seu pagamento poderá ser feito em dinheiro ou em melhorias à
comunidade. Prevê ainda a criação de um fundo federal específico para sustentar a política, o
enquadramento na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) do produtor que deixar de
cumprir o estabelecido em contrato e permite a dispensa da Lei de Licitações e Contratos (Lei
nº 8.666/1993) para regular esse serviço, salvo quando houver competição entre provedores ou
recebedores de serviços ambientais166.
165 De autoria do deputado Rubens Bueno (PPS/PR). 166 Notícia. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/MEIO-AMBIENTE/490922-
PROJETO-CRIA-A-POLITICA-NACIONAL-DE-PAGAMENTO-POR-SERVICOS-AMBIENTAIS.html>.
Acesso em: 21 jan. 2016.
Total Nacional MMA Outros
I CNMA 2003 65.000 912 659 336 Fortalecimento do SISNAMA
II CNMA 2005 86.000 1.269 780 51Gestão Integrada das Políticas
Ambientais e Uso dos Recursos Naturais
III CNMA 2008 115.000 1.269 Mudanças Climáticas
IV CNMA 2013 200.000 1.352 Resíduos Sólidos
Conferência Nacional de Meio Ambiente - CNMA
60*
660*
Edição AnoNº Participantes Nº Recomendações
Tema
154
Mais recentemente foi instituída a Lei 13.123/2015, mais popularmente conhecida
como Marco Legal da Biodiversidade, mas que entre os movimentos sociais é mais conhecida
como Lei da Biopirataria, título que indica a sua polêmica.
Andrade (2015) explica que a Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB de
1992 ditou regras para uma situação incoerente que existia até então: enquanto os recursos
genéticos167 e conhecimentos tradicionais eram considerados patrimônio comum da
humanidade com acesso ilimitado, o avanço da biotecnologia seguia na contramão dessa
premissa e cada vez mais esses recursos eram transformados em propriedade privada de
corporações através de patentes. Ricos em biodiversidade e pobres em tecnologia, os países do
Sul disponibilizavam gratuitamente seus recursos para empresas do Norte e compravam a altos
preços os produtos produzidos com seus recursos.
Assim, a CDB transforma os recursos genéticos em objeto de soberania nacional
dos países portadores, de modo que a partir de então o acesso aos recursos genéticos e
conhecimentos tradicionais, bem como o posterior uso econômico dos produtos resultantes se
daria por meio de acordo entre a parte usuária e a parte provedora: cabe a cada país conceder
ou não o acesso a seu patrimônio genético e a permissão de acesso aos conhecimentos
tradicionais sobre tais recursos é prerrogativa dos seus detentores168 (ANDRADE, 2015).
Conforme o regime internacional de Acesso e Repartição de Benefícios – ARB,
todos os acordos estão submetidos ao consentimento prévio e informado das partes provedoras
e devem prever a repartição justa e equitativa dos benefícios, dividindo entre as partes o lucro
proveniente da comercialização do produto. Entretanto, cada país precisa estabelecer seus
próprios instrumentos legais que normatizam as condições de acesso.
Conforme Dallagnol (2015), a primeira legislação a abordar o tema no Brasil foi a
Medida Provisória nº 2.052/2000, que surgiu a fim de legitimar o acesso de companhias
estrangeiras169 ao patrimônio genético brasileiro. Apesar das sucessivas alterações e de haver
descaracterizado a repartição de benefícios170, a medida conseguiu enquadrar grandes
corporações, como a Natura Cosméticos, por exemplo.
Desde a aprovação da Convenção da Diversidade Biológica – CDB, em 1992, vinha
sendo construído um acordo internacional sobre o acesso e a repartição de benefícios. Em 2010,
167 Recursos genéticos são todos os organismos vivos, que carregam material genético com potencial de uso
econômico. 168 Os conhecimentos tradicionais sobre as propriedades dos recursos genéticos é a fonte do conhecimento
científico que indica as potencialidades econômicas de cada recurso. 169 Segundo o autor, a Novartis Pharma é a empresa que representa a fusão entre Syngenta e AstraZeneca. 170 “A MP consolidou a repartição de benefícios em uma lógica que converteu saberes tradicionais em propriedade
intelectual” (DALLAGNOL, 2015, p.4).
155
durante a COP 10 da CDB foi finalmente aprovado o Protocolo da Nagoya. Em 2014, durante
a COP 12 da CDB aconteceu sua primeira reunião, da qual o Brasil não participou por não
haver ratificado o protocolo, pendente no Congresso Nacional e parado desde 2012 por pressão
da bancada ruralista.
Era necessário equacionar os interesses dos setores industriais que resistiam à
normativa estabelecida pelo protocolo e o das empresas que ansiavam por segurança jurídica
para acessar o patrimônio genético nacional e os conhecimentos tradicionais. A partir de 2014,
o tema entra na pauta de discussão do Governo, porém a discussão é monopolizada por um
grupo de empresas interessadas, sem que fosse estabelecido o debate com a sociedade civil ou
com os detentores do conhecimento tradicional. Assim é que o Projeto de Lei nº 7.735/2014 de
autoria do Executivo tramitou rapidamente em regime de urgência e logo foi aprovado em 2015,
dando origem ao Marco Legal da Biodiversidade, como um instrumento marginal do Protocolo
da Nagoya171 (DALLAGNOL, 2015).
Apesar do movimento de contraposição criado por povos indígenas, povos e
comunidades tradicionais e agricultores familiares haver forçado a abertura de espaços de
discussão, alterações no projeto e vetos da Presidência, Dallagnol (2015, p.5) afirma que “isso
no máximo tornou a lei menos pior”. Assim, a mobilização dos movimentos sociais passou a
se concentrar então na regulamentação da lei. Para esta etapa, o governo buscou transmitir uma
aparência de participação social: o MMA convidou as lideranças para oficinas regionais e
promoveu uma consulta pública online da qual resultariam propostas para o decreto
regulamentar. Entretanto,
A falta de informações durante as oficinas, bem como a sensação de que os arranjos
reais eram feitos atrás de cortinas, aprofundaram tanto a desconfiança em relação ao
governo quanto a união dos diversos movimentos. Isso culminou no episódio do
esvaziamento da última audiência pública, em 20 de outubro de 2015 (DALLAGNOL,
2015, p.5).
De um lado, Governo e setores empresariais defendem que a renda gerada pelos
acordos de ARB possibilitaria maiores investimentos na área e, consequentemente, uma maior
proteção dos recursos. Do outro lado, movimentos sociais afirmam que a lei legaliza o acesso
sem consentimento ou justa repartição de benefícios, o que chamam de legalização da
biopirataria.
171 Apesar de operar na lógica do desenvolvimento sustentável abrindo espaço para a resolução dos problemas
ambientais a partir do mercado, não deixa de ser um instrumento importante para o tema. E se, mesmo assim,
não agradou aos setores dominantes que o substituíram pelo Marco Legal da Biodiversidade, podemos inferir o
quão mais prejudicial deve ser o seu substitutivo.
156
Para Andrade (2015), uma análise mais detida do novo marco mostra que entre
todas as ressalvas e restrições, a repartição de benefícios plena e consentida é a exceção. Os
detentores do conhecimento só receberão os benefícios da repartição se o conhecimento em
questão tiver a origem identificável, ou seja, se ficar comprovado de qual povo ou comunidade
ele provém. Caso contrário, os benefícios irão para o Fundo Nacional de Repartição de
Benefícios - FNRB, vinculado ao MMA. Ora, o sistema de trocas sempre esteve na base dos
conhecimentos tradicionais, de modo que é comum que mais de uma comunidade detenha um
mesmo conhecimento tradicional. Assim, diante da possibilidade de nenhuma delas ser
beneficiada, o marco cria mecanismos de enfraquecimento geral das comunidades e de seu
poder de barganha, fomentando o estranhamento, a competição e o individualismo entre elas: a
repartição caberá à comunidade que primeiro aceitar as condições propostas pela parte usuária.
Há ainda outros projetos legislativos em trâmite que ameaçam a agro e a
biodiversidade. São exemplos o PLC nº 34/2015172, que altera a Lei de Biossegurança para
liberar os produtores de alimentos de informar ao consumidor sobre a presença de componentes
transgênicos nos alimentos; o PL nº 1.117/2015173, que revoga a proibição de “transgênicos de
uso”, plantas que geram sementes estéreis que não podem ser reproduzidas pelo plantio,
submetendo a segurança alimentar conquistada com a agricultura aos mecanismos de mercado
e tecnologia dominados por uma minoria; o PL nº 827/2015174, que altera a Lei da Proteção de
Cultivares, criminalizando o uso livre de espécies protegidas nessa lei e cuja proposta já havia
sido objeto de proposições anteriores, mas que avança rapidamente nessa nova versão; e o PL
nº 4.961/2005175, que altera a Lei de Propriedade Intelectual para permitir o patenteamento de
seres vivos (espécies animais e vegetais).
No tocante a saneamento, em 2014 expirou o prazo inicialmente estabelecido para
a elaboração do Plano de Saneamento municipal, condição para o acesso a recursos federais na
área de saneamento. Após expirado, o prazo foi prorrogado por dois anos (Decreto nº
8.211/2014), sendo deslocado para o fim de 2015, quando novamente expirou sem ser atendido.
Na ocasião, o prazo foi prorrogado uma segunda vez por mais dois anos (Decreto nº
8.629/2015), o que o empurrou para o final de 2017.
172 De autoria do deputado Luis Carlos Heinze (PP/RS. 173 De autoria do deputado Alceu Moreira (PMDB/RS). 174 De autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP/PR). 175 De autoria do deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP).
157
Vale ressaltar que esse desfecho foi em grande parte logrado pela Confederação
Nacional de Municípios - CNM176, que atua em vários temas e cuja principal reivindicação é o
aumento de recursos para os municípios. A entidade afirma que a última prorrogação foi
resultado de uma intensa mobilização do movimento municipalista, o que seria uma justa
reivindicação já que “o governo federal não tem cumprindo com seu papel de promover apoio
técnico para os Municípios elaborarem os planos.” (CNM, 2016). Por outro lado, a ausência do
plano exclui tais municípios de receber recursos para serem aplicados na área. E nesse jogo de
intermináveis trocas de acusação quanto às responsabilidades é que as ações práticas seguem
sendo postergadas.
Em 2015, a entidade também criou o Observatório dos Lixões que
[...] tem como objetivo disponibilizar informações sobre a implementação da Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), evidenciar a complexidade dessa política e a
necessidade do envolvimento de todos os entes federados, setor empresarial e da
sociedade para que seja implementada. [...] Esse é o verdadeiro propósito do
Observatório dos Lixões: dar visibilidade às dificuldades enfrentadas pelos
Municípios e possibilitar a compreensão dos desafios da PNRS (FAMEM, 2016)177.
Apesar de ser parte do Plano de Saneamento, o Plano Municipal de Gestão
Integrada de Resíduos Sólidos cuja elaboração também é condição para o acesso a recursos não
recebeu aditivos de prazo, permanecendo expirado desde agosto de 2012 e mantendo os
municípios que ainda não concluíram sua elaboração excluídos de pleitear recursos para a área
de resíduos sólidos. Entretanto, diante do fracasso do primeiro prazo é possível que esse
também seja adiado. Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
Complementar –PLP nº 14/2015178, que dispõe sobre a cooperação entre os entes federados
tendo em vista assegurar a elaboração e a implementação dos planos de saneamento básico e
de resíduos sólidos.
Com objetivo de reforçar a base legal de cooperação federativa e garantir que as leis
sejam cumpridas, o texto prevê apoio técnico e financeiro – por parte da União – para
elaboração e execução de planos municipais e estaduais de Saneamento Básico e de
Resíduos Sólidos. [...] o PL concede aos Municípios prazo até 2 de agosto de 2024
para assegurarem o fim dos lixões, com a disposição final ambientalmente adequada
da totalidade dos seus rejeitos sólidos. Também prorroga, para até 2 de agosto de
2020, o prazo para os Municípios elaborarem o plano de gestão integrada de resíduos
sólidos. [...] os Estados também ficam obrigados a oferecer o mesmo tipo de apoio a
176 Foi criada em 1980, antes que a CF de 88 reconhecesse os municípios como entes da federação. A CNM se
define como uma organização independente, apartidária, sem fins lucrativos e a maior instituição municipalista
da América Latina. Sua atuação é voltada à representação político-institucional dos municípios junto ao Governo
Federal e ao Congresso Nacional e ao fortalecimento da gestão municipal com o objetivo maior de consolidar o
movimento municipalista, fortalecendo a autonomia dos Municípios (CNM, 2016). 177 FAMEM. Notícia: Observatório dos lixões apontará quem cumpre a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Publicada em 14/05/2015. Disponível em: <http://famem.org.br/noticias/2015/05/observatorio-dos-lixoes-
apontara-quem-cumpre-a-politica-nacional-de-residuos-solidos/>. Acesso em: 23 fev. 2016. 178 Apresentado pelo deputado Odelmo Leão (PP-MG).
158
Municípios, incluindo os agrupados em consórcios. No entanto, caso ocorra o
descumprimento dos prazos, o texto estabelece que o prefeito seja autuado por
improbidade administrativa, sendo a autuação estendida subsidiariamente aos agentes
públicos estadual e federal (CNM, 2016, grifos nossos).
Na esfera internacional, no final de 2015 foi realizada a COP 21, em Paris, na
França. O Acordo de Paris aprovado no evento é o novo acordo global, que substituirá o
Protocolo de Quioto e que deverá entrar em vigor em 2020. Por ele os países signatários
mantiveram o objetivo de conter o aumento da média de temperatura em 2°C até o fim do
século, mas não estabelecem metas para a redução de emissões ou tampouco sanções.
Diante de todo o exposto, entendemos que a evolução das políticas ambientais
brasileiras culminou com esse momento de internacionalização, não somente pela necessidade
de se pensar a crise ambiental e as estratégias de enfrentamento a ela como um problema global,
mas sobretudo comandadas pelo projeto hegemônico global do desenvolvimento sustentável.
Entretanto, tornamos a repetir que, uma vez que o Estado brasileiro assume o desenvolvimento
sustentável como modelo de desenvolvimento econômico e o introduz nas políticas públicas de
maneira ampla, o desafio maior estaria na sua implementação, ainda muito distante do que
preveem as leis até aqui instituídas. Lamentável, frente à urgência da questão ambiental que
não logrou êxitos efetivos, esse descompasso não deve ser confundido com o abandono do
projeto hegemônico: pelo contrário, atores hegemônicos em diferentes escalas têm forçado o
cumprir dos aspectos da lei com maior relevância para a manutenção do status quo e das
estruturas de poder historicamente constituídas externa e internamente.
159
4 PANORAMA DOS RESÌDUOS SÓLIDOS NO BRASIL
4.1 A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL
Conforme o estabelecido na PNRS (BRASIL, 2010) a gestão e o gerenciamento de
resíduos sólidos devem ser observados na seguinte ordem de prioridade: não geração, redução,
reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos179 (BRASIL, 2010).
A disposição final ambientalmente adequada é definida pela PNRS (2010) como a
“distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de
modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos
ambientais adversos.” (BRASIL, 2010, p.2). A correta disposição final dos resíduos sólidos em
aterro sanitário, embora seja a medida prática que mais exige mobilização por conta do pouco
tempo para sua execução, ocupa o último nível de prioridade, de modo que esta ordem de
prioridade180 é inversa à ordem de urgência das ações a serem implementadas na transição para
a gestão integrada dos resíduos sólidos. A destinação final adequada é uma necessidade
emergencial, porque a grande quantidade de resíduos sólidos descartados diariamente é um
problema já posto e que causa sérios impactos socioambientais.
A estimativa181 é de que nos 5.562182 (dos 5.564) municípios brasileiros com
manejo de resíduos sólidos domiciliares e/ou públicos sejam recolhidos diariamente cerca de
180 mil toneladas183 de resíduos, fora o lixo que tem outros destinos184 (IBGE, 2010). Esses
dados revelam que a gestão adequada dos resíduos sólidos, assim como os demais serviços de
saneamento básico, deve ser uma prioridade emergencial para o país.
179 A correta disposição dos resíduos sólidos é uma medida paliativa emergencial, mas não deve ser a finalidade
última da legislação que deve priorizar as ações que visem evitar e reduzir a sua geração. 180 As ações prioritárias são aquelas a longo prazo que demandam mudanças complexas e abrangentes em todos
os setores da sociedade, exigindo mesmo mudanças culturais na forma de lidar com o lixo que sejam baseadas
em uma educação ambiental, sobretudo na forma de produzir e consumir. 181 A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico feita pelo IBGE (2010), considera os números informados pelas
prefeituras. Conforme a própria pesquisa, apenas 310 aterros sanitários possuem balança rodoviária e se
considerarmos apenas uma delas por município, isso quer dizer apenas 5,57% dos municípios brasileiros podem
afirmar com certeza a sua quantidade de resíduos coletados diariamente. 182 Conforme informação, há 2 municípios que não possuem serviço de manejo de resíduos sólidos. Ver em IBGE
(2010) a Tabela 16 - Municípios, total e com serviço de manejo de resíduos sólidos, por forma de execução do
serviço, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação – 2008. 183 O IBGE aponta que em 2008 eram 183.448 toneladas por dia. 184 Não é possível precisar a fração de resíduos que tem outros destinos como a incineração, o descarte nos corpos
hídricos, soterramento etc., embora se saiba que elas existem.
160
O número de municípios brasileiros que destinam seus resíduos sólidos aos lixões,
varia entre diversos autores: de acordo com Mesquita Júnior (2007), eles somam 63,6%, Pereira
Neto (2007) aponta que chegam a 70% e a versão oficial do IBGE (2010) reduz o número para
50,8%. A diferença pode se justificar, entre outros motivos, pela diferença na definição de lixão
utilizada pelos diferentes autores. O IBGE (2010), por exemplo, diferencia lixão e aterro
controlado, embora os dois possuam condições de degradação ambiental semelhantes, o que
não os diferencia para outros autores.
De qualquer forma, para o IBGE (2010, p.214), um lixão, é um “local utilizado para
disposição do lixo, em bruto, sobre o terreno, sem qualquer cuidado ou técnica especial. O
vazadouro a céu aberto [como também é chamado] caracteriza-se pela falta de medidas de
proteção ao meio ambiente ou à saúde pública.”
Já o aterro controlado é definido como um “local utilizado para despejo do lixo
coletado, em bruto, com cuidado de, diariamente, após a jornada de trabalho, cobrir os
resíduos com uma camada de terra, de modo a não causar danos ou riscos à saúde pública e à
segurança, bem como minimizar os impactos ambientais..” (IBGE, 2010, p.185, grifo nosso).
Ou seja, nessa definição, a única diferença entre o lixão e o aterro controlado é a cobertura - no
segundo caso - dos resíduos, que da mesma forma nos dois casos são lançados sem nenhum
tratamento diretamente no solo, contaminando a este e aos recursos hídricos.
Diferentemente dos dois casos, o aterro sanitário indicado pela PNRS (2010) como
disposição final ambientalmente adequada para os resíduos sólidos é definido como uma
Instalação de destinação final dos resíduos sólidos urbanos através de sua adequada
disposição no solo, sob controles técnico e operacional permanentes, de modo a que
nem os resíduos, nem seus efluentes líquidos e gasosos, venham a causar danos à
saúde pública e/ou ao meio ambiente. Para tanto, o aterro sanitário deverá ser
localizado, projetado, instalado, operado e monitorado em conformidade com a
legislação ambiental vigente e com as normas técnicas oficiais que regem essa matéria
(IBGE, 2010, p.185).
Conforme essas definições, os dados oficiais do IBGE (2010) apontam que 50,8%
dos municípios brasileiros depositam seus resíduos sólidos em lixões, 22,5% em aterros
controlados e 27,7% em aterros sanitários. Este último, era de apenas 1,1% em todo o Brasil
em 1989, mas até 2008 havia subido exponencialmente, sendo alavancado pelas regiões Sul e
Sudeste do país e configurando um considerável contraste regional:
[...] os municípios com serviços de manejo dos resíduos sólidos situados nas Regiões
Nordeste e Norte registraram as maiores proporções de destinação desses resíduos aos
lixões – 89,3% e 85,5%, respectivamente – enquanto os localizados nas Regiões Sul
e Sudeste apresentaram, no outro extremo, as menores proporções – 15,8% e 18,7%,
respectivamente (IBGE, 2010, p.60).
161
Há uma visível diferença na oferta de todos os serviços de saneamento básico entre
os municípios localizados ao norte e ao sul do Brasil. As regiões Norte e Centro-Oeste possuem
menos municípios, com menores concentrações populacionais e com maiores problemas de
saneamento. Situação pior é a da região Nordeste, onde os problemas de saneamento são mais
graves por possuir maior número de municípios e ser bastante populosa. Em oposição, as
regiões Sul e Sudeste do país, que também possuem grande concentração de municípios185, com
muitos municípios populosos, inclusive os mais populosos do Brasil - concentrados sobretudo
no Sudeste - possuem os melhores índices de saneamento (IBGE, 2010), como podemos
observar na figura seguinte:
185A ordem decrescente das grandes regiões brasileiras por número de municípios é a seguinte: Nordeste (1.793),
Sudeste (1.668), Sul (1.188), Centro-Oeste (466) e Norte (449).
162
Figura 2-Municípios brasileiros com todos os serviços de saneamento básico sobre a
concentração populacional, 2008
Fonte: IBGE, 2011.
Isso implica dizer que os municípios localizados ao norte do Brasil e que correspondem
a maior parte do território brasileiro, são aqueles que enfrentam os maiores desafios para se
adaptarem tanto à PNSB (2007) quanto à PNRS (2010).
De acordo com o estabelecido na Lei 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico), os
municípios que até 2014 não possuírem um plano de saneamento que contemple o
abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e
drenagem e manejo de águas pluviais urbanas não terão acesso a recursos federais previstos
para investimentos na área.
163
Segundo constatação da última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico186 (IBGE,
2010), a gestão dos resíduos sólidos não é o único problema do Nordeste, pois este possui uma
posição crítica com relações a todos os quatro serviços que compõem o saneamento básico.
Além de possuir o maior número de municípios com lixões (89,3%), “o Nordeste era a região
onde a falta de rede coletora de esgotamento sanitário era mais grave, atingindo algo próximo
a 15,3 milhões de habitantes, com a escassez do serviço187.” (IBGE, 2010, p.28). Enquanto
26,8% dos municípios brasileiros declararam o conhecimento de catadores nas unidades de
disposição final de resíduos sólidos, no Nordeste esse número subiu para 46,4%. Como reflexo
da fragilidade administrativa dos municípios, mais uma vez “a falta de legislação foi mais
emblemática nas Regiões Norte e Nordeste.” (IBGE, 2010, p.31).
4.1.1 Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e resíduos sólidos
Para Mesquita Júnior (2007), uma das principais dificuldades para a transição a uma
gestão integrada e disposição adequada dos resíduos sólidos é de ordem financeira, uma vez
que “são necessários investimentos vultosos para a aquisição de equipamentos, treinamento,
capacitação, controle e custeio de todo o sistema de manejo de resíduos sólidos.” (MESQUITA
JÚNIOR, 2007, p.11). Para a superação desse problema, ele apresenta a implementação dos
Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), que viabiliza o comércio de emissões de
Gases de Efeito Estufa (GEEs).
O MDL é uma das ferramentas de flexibilização criadas pelo Protocolo de Quioto (1997)
para ajudar os países industrializados (Anexo 1) a cumprirem as suas metas de redução, através
de projetos voluntários realizados em países subdesenvolvidos (Não Anexos 1) que reduzam as
186 Essa pesquisa foi realizada por parceria celebrada entre o IBGE e o Ministério das Cidades, ambas instituições
órgãos do governo. Cabe ressaltar que o IBGE é a principal fonte de pesquisa dos mais diversos dados sobre a
população e a organização do território brasileiro. Assim, os dados obtidos nessa pesquisa, além de oferecer
subsídios para a implementação de políticas públicas para universalização dos serviços de saneamento básico,
também são referência quanto à evolução do acesso a esses serviços, principalmente quando comparados às
pesquisas anteriores, o que pode gerar certa otimização dos dados pelo governo federal (metodologia e critérios
que orientam a pesquisa), estadual e municipal (no fornecimento das informações). As informações devem ser
utilizadas com prudência, sempre que possível mediante a uma reflexão teórica mais consistente e não somente
como retrato fidedigno do saneamento básico no Brasil. Exemplo: “Considerou-se que o município tinha rede
coletora de esgoto quando esta atendesse pelo menos a um distrito, ou parte dele, independente da extensão da
rede, número de ligações ou de economias esgotadas” (IBGE, 2010, p.24, grifo nosso). 187 No segundo pior lugar está a Região Norte do País (8,8 milhões), em terceiro o Sul (6,3 milhões), em quarto a
Região Centro-Oeste (3,2 milhões) e a melhor condição foi constatada no Sudeste (1,2 milhão) (IBGE, 2010,
p.28-29).
164
emissões e/ou aumentem a remoção de CO2 da atmosfera, fazendo com que os desenvolvidos
possam obter suas metas além de suas fronteiras nacionais188 através do mercado de carbono.
Numa visão otimista daqueles que defendem o MDL, costuma-se dizer que a forma
como ele foi concebido garante benefícios tanto para os países desenvolvidos quanto para os
subdesenvolvidos:
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo previsto e regulamentado no Protocolo de
Quioto tem um duplo objetivo: o primeiro é prestar assistência às Partes Não Anexo
I da CQNUMC para que viabilizem o desenvolvimento sustentável através da
implementação de projetos que contribuam para o objetivo final da convenção; a outra
meta é dar assistência às Partes do Anexo I para o cumprimento dos compromissos
(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.29).
A redução de emissões dos GEEs nos aterros sanitários se justifica porque os gases
de efeito estufa, predominantemente composto por metano189, proveniente da decomposição da
matéria orgânica presente nos resíduos sólidos são captados, queimados e transformados em
gás carbônico com menos impactos no efeito estufa. Esse processo evitaria a adição de metano
que ocorreria se os resíduos orgânicos fossem dispostos de forma inadequada em lixões ou não
fossem tratados nos aterros sanitários: o que deixa de ser lançado na atmosfera é então
negociado no mercado global como créditos de carbono, as chamadas Certificações de
Emissões Reduzidas (Certified Emission Reductions) - CERs, submetidas às leis do mercado e
que podem ser compradas por países (industrializados) que precisam extrapolar a sua cota de
emissões acordada.
Os créditos de carbono são assim chamados porque o dióxido de carbono (CO2) ou
gás carbônico (como é popularmente referido) é o gás padrão utilizado para medir as emissões,
de modo que um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 ou de outros GEEs
equivalentes. Os cálculos de equivalência são feitos a partir do Potencial de Aquecimento
Global (GWP) de cada GEEs em relação ao dióxido de carbono (CO2) que é igual a 1 (um). O
potencial do metano, por exemplo, é 21 (vinte e uma) vezes maior que o do dióxido de carbono
(CQNUMC, 2004). “Dessa forma, cada tonelada de metano emitido para a atmosfera equivale
ao lançamento de 21 toneladas de gás carbônico.” (FELIPETTO, 2007, p.23).
188 São três os mecanismos criados para isso: a Implementação Conjunta, o Comércio de Emissões (ambos a
serem utilizados entre países industrializados, objetivam a contabilização de reduções líquidas de emissões de
gases com a execução de projetos em outros países) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (único
mecanismo que admite a participação voluntária de países em desenvolvimento). 189 “A sua composição típica é de 40 a 70% de metano, 30 a 60% de gás carbônico, 0 a 1% de nitrogênio, 0 a 3%
de gás sulfídrico e outros gases. O potencial de aquecimento global do metano é 21 vezes maior que o do gás
carbônico (CQNUMC, 2004). Dessa forma, cada tonelada de metano emitido para a atmosfera equivale ao
lançamento de 21 toneladas de gás carbônico.” (FELIPETTO, 2007, p.22-23).
165
Feitas as equivalências, os créditos de carbono são representados por um
documento chamado Certificações de Emissões Reduzidas - CERs (ou RCEs). Desde a
concepção do projeto até a emissão das CERs, o ciclo do Projeto de MDL percorre ao todo 7
(sete) fases, a saber:
a) Elaboração do Documento de Concepção do Projeto - DCP (Project Design
Document - PDD em inglês);
b) Validação pela Entidade Operacional Designada - EOD;
c) Aprovação pela Autoridade Nacional Designada - AND;
d) Registro no Conselho Executivo do MDL;
e) Monitoramento;
f) Verificação e certificação pela Entidade Operacional Designada - EOD;
g) Emissão das RCEs pelo Conselho Executivo do MDL.
Após respeitadas todas as fases do ciclo determinadas, finalmente as CERs são
creditadas aos participantes:
O administrador do Registro do MDL, subordinado ao Conselho Executivo, deposita
as RCEs certificadas nas contas abertas nesse mesmo registro, de acordo com o
solicitado no Documento de Concepção do Projeto, em nome das devidas partes, bem
como dos participantes das atividades de projeto do MDL. Esse depósito já tem
deduzida a parcela equivalente a 2% do total das RCEs, que será integralizada em um
fundo de adaptação, destinado a ajudar os países mais vulneráveis a se adaptarem aos
efeitos adversos da mudança do clima (FELIPETTO, 2007, p.19).
Contudo, não é necessário esperar a emissão das CERs para que elas possam ser
vendidas, pois a produção de CERs futuras pode ser vendida em qualquer uma das fases do
processo. Porém, a fase em que os certificados são vendidos é determinante no seu valor, pois
“o preço dos CERs está vinculado ao risco de entrega efetiva desses certificados. Assim, quanto
mais adiantado estiver o processo do MDL, teoricamente maior o preço de venda dos
certificados de carbono” (FELIPETTO, 2007, pp.32-33). Entretanto, há uma estratégia de
financiamento que implica na venda das CERs futuras ainda na primeira fase do processo, onde
a antecipação das receitas serviriam para financiar parte do sistema de extração do biogás, mas
que, em contrapeso, reduziria seu valor de mercado.
A contrapartida para o país hospedeiro é que parte das receitas obtidas com a venda
dos CERs é creditada para o aterro sanitário, ajudando na manutenção financeira do
empreendimento e consequentemente reduzindo os custos públicos.
É importante notar que o investimento demandado com projeto de MDL se refere
apenas ao beneficiamento do biogás. “Não incluem os custos de construção do aterro sanitário,
166
recuperação ambiental do lixão, coleta e tratamento de chorume, e outros investimentos na
infra-estrutura [sic] do aterro sanitário propriamente dito” (FELIPETTO, 2007, p.31).
Entretanto, sob o argumento de mitigação dos riscos associados ao projeto MDL se indica que
seja definido “um único operador do aterro, do sistema de gás e das unidades de
monitoramento” (Ibid., p.34) para evitar um possível conflito de interesses que venha a
prejudicar o empreendimento.
Já em 2007, ao discorrer sobre os riscos associados a projetos de MDL em resíduos
sólidos, Felipetto (2007) considera como risco de mercado a dependência do projeto de MDL
nos aterros sanitários aos mecanismos e negociações internacionais, quando afirmava que
[...] em 2012, termina o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto e
todos os acordos deverão ser reanalisados. Não se sabe ainda como ficará o
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Caso não haja acordo, pode não haver mais
mercado” (FELIPETTO, 2007, p.34, grifo nosso).
Os créditos de carbono estão sujeitos aos riscos de mercado como qualquer outro
produto, de modo que “se a oferta de créditos de carbono aumentar e se tornar maior que a
demanda, os preços podem cair drasticamente”, como prevê Felipetto (2007):
Caso a coleta e o tratamento de gás de aterro sanitário no Brasil tornem-se um negócio
usual (business as usual), esses projetos não serão mais elegíveis para o MDL, pois
não terão adicionalidade, característica obrigatória para tal elegibilidade. Isto é, fazer
o que todo mundo faz usualmente não confere créditos (FELIPETTO, 2007, p.34,
grifo nosso).
Em muitas passagens, percebemos claramente que o interesse econômico dos
empreendimentos de MDL se erguem soberanos às necessidades ambientais. Da forma como
esse mercado de emissões vem se estruturando, é economicamente mais interessante que
empreendimentos como o tratamento do biogás não sejam popularizados para não gerar um
aumento de oferta, que levariam à queda dos preços. Nesses termos, também não seria
interessante que se transformem em um negócio usual, com valores de investimento mais
acessíveis, sendo largamente implantado com uma política de governo independente e
autônoma, pois, embora isso representasse a melhoria da qualidade ambiental, deixaria de ser
uma oportunidade de mercado valiosa.
Enquanto “a divisão territorial do Brasil apresenta uma concentração expressiva de
municípios com até 50 000 habitantes (89,8%)” (IBGE, 2010, p.35), o projeto “Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) Aplicado à Redução de Emissões de Gases Gerados nas Áreas
de Disposição Final de Resíduos Sólidos” lançado pelo Governo Federal em parceria
internacional
167
[...] tem como foco os 200 municípios mais populosos, que concentram mais da
metade da população brasileira e são responsáveis por cerca de 60% do total de
resíduos sólidos urbanos gerados no país. As atividades do projeto visam a contribuir
para o desenvolvimento sustentável nas áreas urbanas, disseminando o MDL como
ferramenta eficaz para a implementação de programas econômicos, sociais e
ambientais (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7, grifo nosso).
É necessário destacar que os Estudos de Viabilidade para a utilização do biogás
gerado nas áreas de disposição final de resíduos sólidos urbanos, um dos componentes do
projeto MDL no Brasil, serão “conduzidos para os municípios selecionados entre aqueles 200
mais populosos” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.7). Os 200 municípios mais populosos do
Brasil representam apenas 3,5% dos 5.564 municípios brasileiros, mas concentram metade da
população total do país, que girava em torno de 190.732.694 pessoas, segundo o Censo
Demográfico 2010 (IBGE, 2015). Conforme dados do IBGE (apud SOUZA, 2014), metade
desses municípios se concentram apenas na região Sudeste190, como podemos ver a seguir:
Quadro 3 - Os 200 municípios mais populosos do Brasil divididos por região e estados
Dados: IBGE (apud SOUZA, 2014).
Fonte: Elaborado pela autora.
A maioria dos municípios mais populosos se encontra na região Sudeste, que já
possui os melhores índices de saneamento, seguida pelo Nordeste, com índices críticos e pelo
Sul, com índices também favoráveis. Além das regiões metropolitanas distribuídas pelo país, o
190 Dos 200 municípios mais populosos, 99 estão na região Sudeste. São Paulo é líder absoluta com 11.895.893
habitantes, seguida do Rio de Janeiro com 6.453.682. Outros cinco municípios têm na casa dos 2.000.000 e dez
na casa de 1.000.000 de habitantes. Os outros 183 têm de 878.402 a 141.703 (IBGE apud SOUZA, 2014).
BA 13
MA 5 AC 1
CE 5 AM 1
SP 54 AL 2 PR 10 AP 1 GO 7
RJ 22 PE 8 SC 10 PA 7 MT 3
MG 17 RN 3 RS 12 RO 1 MS 2
ES 6 PB 2 RR 1 DF 1
PI 2 TO 2
SE 2
Total de municípios brasileiros: 5.564
1314
32
4664491.188
99
42
Sul
Norte
Os 200 municípios brasileiros mais populosos por região e estado
Nordeste
SudesteCentro-
Oeste
1.668 1.793
168
Sudeste concentra a maior parte dos municípios mais populosos do Brasil, inclusive aqueles
com mais de 1.000.000 de habitantes191, o que corresponde a uma grande massa populacional
e, consequentemente, a uma enorme produção de resíduos sólidos em escala ideal para a
captação de biogás, visto que apenas 18,7% vão para lixões, o que ainda é um volume
considerável, dada a grande produção dessa região.
Em 2008, o Sudeste concentrava 23 dos 39 municípios brasileiros que realizavam
a recuperação de metano a partir do biogás captado, e 10 dos 26 municípios com geração de
energia a partir do biogás (IBGE, 2010).
De qualquer modo, as regiões Sul e Sudeste possuem as melhores condições de
gestão de resíduos sólidos para receberem projetos de MDL no tratamento de biogás
proveniente de aterros sanitários já existentes, enquanto as demais regiões, embora que com
elevada concentração populacional como é o caso do Nordeste, ainda estejam muito atrás na
transição para a gestão de resíduos sólidos e disposição final adequada estabelecida pela PNRS
(BRASIL, 2010).
Tamanha instabilidade sugere que antes de buscar atender a qualquer condição para
financiamentos externos ou requisito internacional sobre meio ambiente, mesmo aqueles
estabelecidos em grandes conferências internacionais e que viabilizam esses mecanismos de
mercado instáveis, o Brasil precisa possuir autonomia política e econômica para definir a sua
política ambiental com base nas reais necessidades da população de modo independente e
estável, sendo capaz de mobilizar recursos, sobretudo técnicos e financeiros, para responder às
suas próprias necessidades básicas, como é o caso do saneamento, não podendo submetê-las a
mecanismos externos tão instáveis. Caso contrário, corremos o risco de criar um sistema
nacional de saneamento básico e gestão de resíduos sólidos - ambos de extrema importância
para o desenvolvimento social e salubridade ambiental do Brasil - condicionado a negociações
e interesses externos estranhos às reais necessidades sociais.
4.2 ASPECTOS RELEVANTES DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
191 Dos 14 municípios brasileiros com mais de 1.000.000 habitantes, 13 deles (92%) possuem aterros sanitários e
1 possui lixão. Entre estes, 5 possuem também aterro controlado, pois uma opção não exclui a outra já que o
município pode ter mais de um local para destinação final dos resíduos sólidos (IBGE, 2010). Dada a enorme
população desses municípios, 1 lixão e 5 aterros controlados representa um número também muito grande de
resíduos que tem destino inadequado: um único município de mais de 1.000.000 habitantes seria o equivalente a
20 municípios de 50.000 habitantes, isso se considerarmos o consumo e a geração de resíduos igual para os dois
tipos de município.
169
De acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB (BRASIL,
2007a)192, no Brasil, o saneamento básico é composto por quatro serviços: abastecimento de
água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos. O manejo
de resíduos sólidos, por sua vez, é regulamentado especificamente pela Política Nacional de
Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010) que dispõe sobre os princípios, objetivos,
instrumentos e diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos no
Brasil.
A gestão inadequada dos resíduos sólidos constitui um grave problema sanitário,
representado principalmente pela sua disposição final em lixões, como ocorre na maioria dos
municípios brasileiros, onde o manejo dos resíduos sólidos se resume à coleta domiciliar, à
limpeza e coleta em vias e logradouros públicos, ou seja, bem distante da gestão integrada
pretendida pela PNRS (2010). Entre os muitos fatores que alargam a distância entre esses dois
cenários, está o fato de que muitos municípios possuem frágil administração pública e sérias
limitações técnicas e financeiras, em um contexto no qual predominam os municípios de
pequeno porte193.
Essa condição afeta a prestação dos mais distintos tipos de serviços públicos, não
só o manejo de resíduos sólidos. Porém, com a promulgação da Lei dos Consórcios Públicos,
em 2005, que regulamenta a contratação de consórcios públicos para a realização de objetivos
de interesse comum entre entes federados de diferentes níveis, a atuação consorciada se
apresenta como uma alternativa para o enfrentamento desse problema. Assim, tanto a PNSB
(2007) quanto a PNRS (2010) passam a estimular a adoção de consórcios públicos ou outras
formas de cooperação entre entes federados para que, aumentando a escala de atuação, se possa
otimizar a prestação dos serviços e reduzir seus custos.
Nesse contexto, a discussão sobre a gestão dos resíduos sólidos deve ter como base
o disposto na PNRS (2010), enquanto marco regulatório da questão, cabendo destaque a dois
aspectos centrais: a gestão integrada de resíduos sólidos, enquanto objetivo que reúne as
condições de superação do atual problema causado pela gestão inadequada; e os consórcios
públicos, enquanto instrumento que viabiliza a consecução de uma parte importante do objetivo,
que é a implementação dos aterros sanitários.
4.2.1 A Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos
192 Lei 11.445/2007. 193 Segundo o IBGE (2010), 89,8% dos municípios brasileiros possuem no máximo 50.000 habitantes.
170
No Brasil, a gestão dos resíduos sólidos é atribuição do Poder Público Local, mas
a maioria dos municípios brasileiros ainda não é capaz de dar um tratamento conveniente aos
seus resíduos. De acordo com a PNSB (2007, Art.7), o serviço público de limpeza urbana e
manejo de resíduos sólidos urbanos - RSU é formado pelas atividades de coleta, transporte e
transbordo dos RSU; triagem para fins de reutilização ou reciclagem, tratamento e disposição
final dos RSU; e varrição, capina e poda de árvores em vias e logradouros públicos e outros
eventuais serviços pertinentes à limpeza pública urbana. É o “conjunto de atividades, infra-
estruturas [sic] e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino
final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias
públicas”.
Em parte, a grande quantidade e dimensão dos lixões espalhados pelos municípios
brasileiros é resultado de uma redução prática do que seria o serviço público de limpeza urbana
e manejo dos resíduos sólidos: ignorada a etapa do tratamento, a maioria desses municípios
resume o serviço à coleta domiciliar, limpeza e coleta em vias e logradouros públicos e
disposição final da quantidade integral dos resíduos sólidos coletados, feita normalmente em
lixões. Porém, a existência em si dos lixões denota o tratamento que é dado à questão ambiental
nas políticas públicas brasileiras e expõe a incompetência do Poder Público na gestão dos
serviços públicos e do meio ambiente.
A questão de disposição final de resíduos sólidos sempre foi, no Brasil, o componente
mais sacrificado da gestão de resíduos, e mesmo do saneamento ambiental. Como os
lixões sempre ficaram escondidos da população e dos formadores de opinião, a
prioridade de investimentos, com vistas aos benefícios de imagem, concentrou-se na
coleta eficiente de resíduos, ficando a disposição final de resíduos no Brasil em
situação crítica, como revela a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico –
IBGE/2000, onde somente 14% dos municípios dispõem adequadamente os seus
resíduos (FELIPETTO, 2007, p.38).
Antes da instituição da PNRS (2010), as determinações acerca de resíduos sólidos
eram dadas de maneira pontual e específica através de Resoluções do CONAMA e Normas
NBR194. Como política de saneamento geral, a PNSB (2007) se atem a afirmar a disposição
final como componente da limpeza pública e manejo de RSU. Porém, a PNRS (2010) enquanto
política específica e em clara oposição aos lixões, adjetiva a disposição final como
“ambientalmente adequada”, condicionalmente associada a aterro, além de diferenciar
destinação final e disposição final, não rara e erroneamente tratadas como sinônimo:
VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a
reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento
194 Ver listas em Anexos.
171
energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do
SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final [...];
VIII - disposição final ambientalmente adequada: distribuição ordenada de rejeitos
em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou
riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;
(BRASIL, 2010, p.2, grifo nosso).
A disposição final ideal deveria ser, portanto, o confinamento ambientalmente
adequado dos rejeitos, ou seja, aquela parcela dos resíduos sólidos que após esgotadas as
técnicas de tratamento e recuperação disponíveis não puderam ser recuperados, somando o
mínimo volume possível. Assim, “tratar resíduos sólidos urbanos significa prepará-los para
algum tipo de reaproveitamento, reduzir seu volume, reduzir seu potencial de poluição
ambiental, ou ainda seu potencial de agressão à saúde humana” (POLETO, 2010, p.309).
Entretanto, quando esse tratamento não acontece, a disposição final se torna o
destino direto dos resíduos sólidos, deixando de ser uma etapa do manejo para se transformar
na sua própria finalidade, de modo que mesmo feita em aterros sanitários, a disposição final
não pode ser considerada ambientalmente adequada se não contempla os rejeitos.
Em reação a esse problema, a PNRS (2010, Art. 9º) determina que “na gestão e
gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não
geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos” a fim de reduzir o volume e a periculosidade dos rejeitos
encaminhados para a destinação final. Nesse sentido, suas ações se inscrevem no sentido de
reestruturar a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos então existentes, de modo a torná-
los mais eficazes.
Nascimento Neto e Moreira (2012, p.248) afirmam que gestão e gerenciamento se
distinguem pelo nível operacional em que são realizadas, pois “enquanto os aspectos políticos
e estratégicos do manejo dos resíduos sólidos se concentram no campo da Gestão, os aspectos
operacionais são o foco do Gerenciamento”. As políticas e as decisões da administração pública
sobre os resíduos sólidos tratam-se, portanto, de gestão e requerem um arranjo de condições -
políticas, sociais, ambientais, institucionais, financeiras etc. - adequadas para serem
estabelecidas (NASCIMENTO NETO; MOREIRA, 2012).
O Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos195 da Secretaria Nacional
de Saneamento Ambiental - SNSA (2009) do Ministério das Cidades afirma que na maioria dos
195 As informações deste relatório não devem ser interpretadas como retrato fiel da realidade brasileira. Além de
ser uma pesquisa passível de certa parcialidade, por refletir a atividade política do governo, o próprio documento
descreve as limitações metodológicas da pesquisa: “Os dados são coletados anualmente, em órgãos municipais
encarregados da gestão do manejo de resíduos sólidos nos municípios. [...] As amostras anuais do SNIS não
172
municípios brasileiros, o serviço de manejo dos resíduos sólidos é executado pela
Administração pública direta, que em alguns casos também presta serviços de água, esgoto ou
ambos. A grande maioria não recebe recursos federais para manejo de resíduos sólidos, a
inclusão no IPTU ou o boleto é o principal meio de cobrança entre aqueles que cobram taxas
pela prestação do serviço e ainda parte dos municípios mantém frentes temporárias de
trabalho196 (SNSA, 2009).
Assim, na maior parte dos municípios brasileiros ocorre o modelo convencional de
gestão, onde todas as etapas do manejo dos resíduos sólidos são executadas por um órgão
municipal197 cujas ações se restringem ao território municipal. Ele se aplica a qualquer
município que tenha incorporado os serviços de limpeza urbana ainda que de forma rudimentar,
mas pode sofrer alterações com a transferência da titularidade de prestação do serviço, como
no caso da privatização, onde a municipalidade passa a atuar como fiscalizador (NASCIMETO
NETO; MOREIRA, 2012). Outro modelo ainda pouco popular entre os municípios brasileiros
é a gestão compartilhada em que dois ou mais municípios compartilham uma ou todas as etapas
do manejo. Ele é encontrado principalmente em regiões metropolitanas e é o modelo encorajado
pela PNSB (2007) e pela PNRS (2010), sobretudo na forma do consórcio público.
O gerenciamento, por sua vez, lida com os resíduos desde o momento de seu
surgimento - o que no caso dos RSU de responsabilidade da municipalidade se inicia com o
descarte – até a sua transformação em rejeito. É a técnica de administrar os resíduos sólidos já
produzidos: inicia-se com a coleta dos resíduos sólidos e termina com a disposição final dos
rejeitos.
Nascimento Neto e Moreira (2012, p.248) também afirmam que as conotações de
gestão e gerenciamento além de distintas são também complementares, de modo que, segundo
Castilhos Júnior (2003, p. 10), “as ações de gerenciamento podem ser promovidas por meio de
instrumentos presentes em políticas de gestão”. Como vimos, o manejo geralmente vai ocorrer
mesmo que de forma deficitária, mas sendo ele uma atividade que emana das decisões da
administração pública, depende necessariamente de uma boa gestão. De certo modo, o
gerenciamento é o modo pelo qual a gestão pública trata o manejo dos resíduos sólidos em todas
apresentam a aleatoriedade e a estratificação exigidas para que se tenha uma representatividade garantida
estatisticamente [...] Apesar de todo o esforço realizado, não se consegue que todos os municípios convidados
enviem os dados solicitados, devido a razões que vão do desinteresse às dificuldades internas que têm muitos
municípios para obter seus dados.” (SNSA, 2009, p.12). 196 Para executar atividades que são em geral serviços de capinagem, varrição, pintura de meio-fio e limpeza de
esgotos. 197 Secretaria, departamento de limpeza urbana etc.
173
as suas etapas. Logo, a eficiência e a qualidade do gerenciamento estão condicionadas à forma
como a gestão é conduzida.
Nesse sentido, é fundamental que cada município adote um modelo de gestão
adequado a sua realidade e compatível com as suas necessidades, “envolvendo os seus arranjos
institucionais, os seus instrumentos legais e seus mecanismos de controle, de forma a fornecer
suporte legal e institucional ao sistema” (LIMA, 2003, p.54 apud NASCIMENTO NETO;
MOREIRA, 2012, p.253), e para evitar os efeitos indesejáveis sobre a saúde pública e o meio
ambiente que certamente surgem com a adoção de modelos prontos importados de outras
realidades, além de garantir a correta utilidade do investimento.
Em síntese, “o modelo de Gestão de resíduos sólidos urbanos estabelece a forma
pela qual se conduz politicamente a questão, enquanto o modelo de Gerenciamento estabelece
os critérios técnicos de tratamento e disposição final” (NASCIMENTO NETO; MOREIRA,
2012, p.253) que devem ser decididos pela gestão.
Para efeito de lei, não se deve confundir ou entender por igual as definições de
gerenciamento de resíduos sólidos e gestão integrada de resíduos sólidos:
X - gerenciamento de resíduos sólidos: conjunto de ações exercidas, direta ou
indiretamente, nas etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação
final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e disposição final
ambientalmente adequada dos rejeitos [...];
XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de
soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,
econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do
desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010, grifo nosso).
De qualquer forma, é necessário esclarecer que gestão e gerenciamento não são
criação da PNRS (2010). Conforme Lopes (2007 apud NASCIMENTO NETO; MOREIRA,
2012, p.253), os órgãos municipais encarregados dos RSU no Brasil em geral adotam
simultaneamente um modelo de gestão (político-administrativo) e um modelo de
gerenciamento (manejo tecnológico) dos resíduos.
O problema não é a ausência desses dois modelos, mas a sua deficiência causada
pelos mais diversos tipos de limitações que os municípios possuem para lidar com a política e
o manejo dos resíduos sólidos. Assim, a legislação aponta seu melhoramento ao introduzir as
definições de “gestão integrada” e “gerenciamento ambientalmente adequado”, ambos já
executados em alguns municípios antes da promulgação da lei, bastante conhecidos nas áreas
de pesquisa, política, gestão e negócios ambientais e intimamente ligadas ao desenvolvimento
sustentável.
174
Antes de ser adotado pela PNRS em 2010, gestão integrada e gerenciamento
ambientalmente adequado já eram abordados pela série oficial de publicações intitulada
Mecanismos de Desenvolvimento Limpo Aplicados a Resíduos Sólidos198, que descreve o
funcionamento e as exigências do projeto de MDL que pretende realizar estudos de viabilidade
para o aproveitamento do biogás gerado nos aterros sanitários das maiores cidades brasileiras.
O projeto foi lançado pelo Governo Federal199 em parceria com o Banco Mundial e o Governo
do Japão em 2007.
Esse projeto foi lançado pouco depois de sancionada a PNSB (2007) com a qual
declara estar de acordo e enquanto tramitava o Projeto de Lei da Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PL nº 1.991/2007) encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional. O primeiro
volume da série é denominado “Gestão Integrada de Resíduos Sólidos” e tanto nele como nos
volumes seguintes é possível identificar que o projeto traça diretrizes e linhas de ação idênticas
àquelas da versão final da PNRS (2010), publicada após o governo brasileiro haver assumido
compromisso internacional com o projeto.
A proposta do projeto afirma que “a Gestão Integrada de Resíduos Sólidos pode ser
entendida como a maneira de ‘conceber, implementar e administrar sistemas de manejo de
resíduos sólidos urbanos, considerando uma ampla participação dos setores da sociedade e
tendo como perspectiva o desenvolvimento sustentável’” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.14).
Esse é exatamente o entendimento adotado pela PNRS (2010) ao determinar que a gestão
integrada dos resíduos sólidos deve ocorrer sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
Conforme descrita no projeto MDL, gestão integrada de resíduos sólidos:
Contempla os aspectos institucionais, administrativos, financeiros, ambientais, sociais
e técnico-operacionais. Significa mais do que o gerenciamento técnico-operacional
do serviço de limpeza. Extrapola os limites da administração pública, considera o
aspecto social como parte integrante do processo e tem como ponto forte a
participação não apenas do primeiro setor (o setor público), mas também do segundo
(o setor privado) e do terceiro setor (as organizações não-governamentais), que se
envolvem desde a fase dedicada a pensar o modelo de planejamento e a estabelecer
a estratégia de atuação, passando pela forma de execução e de implementação dos
controles. [...] Deve definir estratégias, ações e procedimentos que busquem o
consumo responsável, a minimização da geração de resíduos e a promoção do trabalho
dentro de princípios que orientem para um gerenciamento adequado e sustentável,
com a participação dos diversos segmentos da sociedade, de forma articulada. [...]
Esse sistema deve considerar a ampla participação e intercooperação de todos os
198 A série de 2007 é composta de cinco volumes de diferentes autores: 1. Gestão integrada de resíduos sólidos; 2.
Conceito, planejamento e oportunidades; 3. Redução de emissões na disposição final; 4. Agregando valor social
e ambiental; e 5. Diretrizes para elaboração de propostas de projetos. 199 Através do Ministério das Cidades (por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental - SNSA) em
conjunto com o Ministério do Meio Ambiente (no âmbito da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
- SRHU).
175
representantes da sociedade [...] geradores e responsáveis pelos resíduos200. Deve ser
baseada em princípios que possibilitem sua elaboração e implantação, garantindo um
desenvolvimento sustentável ao sistema (MESQUITA JÚNIOR, 2007, pp.13-14,
grifos mistos).
Ao afirmar que a gestão integrada contempla aspectos técnico-operacionais e que
deve se orientar para um gerenciamento adequado, essa concepção de gestão integrada mantém
o gerenciamento como um de seus componentes. No entanto, sem mais nada especificar a seu
respeito, limita-se a indicar o aterro sanitário como forma de disposição final mais adequada:
A implantação e operação de aterro sanitário é a solução mais fácil de ser viabilizada,
pois além de atender diretamente aos interesses dos municípios envolvidos,
geralmente apresenta maior economia de escala, traz mais vantagens aos parceiros e
apresenta resultados mais significativos do ponto de vista da gestão integrada nos
moldes indicados neste trabalho (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.22, grifos nossos).
Ou seja, a opção por aterro sanitário não é apenas para responder às necessidades
dos municípios, mas em parte, porque é uma alternativa consistente com o modelo de gestão
integrada que necessita ser implantado para viabilizar a disseminação de projetos de MDL no
país.
Com relação à minimização da geração de resíduos, a Gestão Integrada de resíduos
sólidos adotada pelo projeto de MDL propõe que para alcançar a sustentabilidade ambiental do
modelo:
É necessária uma preocupação constante com o aperfeiçoamento das matrizes de
produção e de consumo. Na matriz de produção, devem ser buscadas a melhoria da
qualidade dos produtos e a otimização das embalagens, visando diminuir a quantidade
de materiais desnecessários agregados na cadeia produtiva. Na matriz de consumo, os
usuários podem fazer uma grande diferença, tratando e se relacionando com seus
resíduos de forma responsável. Essa atuação passa por um consumo com viés
ecológico, privilegiando produtos com selo verde ou selo social, que tragam garantia
de pouca ou nenhuma geração de resíduos, com embalagens retornáveis e recicláveis
(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.16, grifos nossos).
Não se propõe a redução da produção ou do consumo, apenas a adequação
tecnológica de produtos e embalagens, com notável valorização do fator tecnológico que deverá
solucionar tal problema sem que sejam necessárias mudanças estruturais no modo de produzir
e consumir mercadorias. Assim, havemos de nos questionar se esta não é apenas uma forma de
catequizar a população para o mercado verde e garantir a lucratividade com as “mercadorias
ecológicas”. Na prática, esta adequação de mercado significa também a adequação da
consciência do consumidor às novas tendências pseudo-éticas do mercado.
200 O autor exemplifica citando o governo central, governo local, setor formal, setor privado, ONGs, setor informal,
catadores e comunidade.
176
Embora a PNRS (2010) determine que a gestão e gerenciamento dos resíduos
sólidos deve observar uma ordem de prioridade que parte da não geração, não encontramos de
fato elementos que contribuam para evitar a geração dos resíduos sólidos, estando suas ações
orientadas para a administração dos resíduos gerados (logística reversa, coleta seletiva,
reciclagem, reutilização etc.).
Ao contrário, um de seus objetivos é o estímulo à adoção de padrões sustentáveis
de produção e consumo de bens e serviços. Tais padrões são definidos como “produção e
consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir
melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das
necessidades das gerações futuras”. Como essa lei é regida pelo desenvolvimento sustentável,
está impregnada por seus elementos, como por exemplo, os princípios de poluidor-pagador,
protetor-recebedor e ecoeficiência.
Entre seus objetivos figuram ainda outros elementos que coadunam com o modelo
de Gestão Integrada proposto pelo Projeto MDL quanto à produção e ao consumo de
mercadorias que resultam na geração de resíduos sólidos, tais como:
III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e
serviços; IV - adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como
forma de minimizar impactos ambientais; [...] XIV - incentivo ao desenvolvimento de
sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos
produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o
aproveitamento energético; XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo
sustentável (BRASIL, 2010, Art.7).
A Constituição Federal (BRASIL, 1988, Art. 175) determina que “incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Logo, sendo a limpeza pública e o
manejo de resíduos sólidos um serviço público, estes competem ao Poder Público, que deve
realizá-los sob garantia do controle social201, também um dos princípios fundamentais que
devem orientar a prestação dos serviços públicos de saneamento básico (PNSB, 2007, Art.2,
X). Igualmente a PNRS (2010, Art.6, X) tem como princípio o direito da sociedade à
informação e ao controle social.
201 A PNSB (2007, Art.3, IV, grifos nossos) define controle social como um “conjunto de mecanismos e
procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de
formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento
básico”. Já na PNRS (2010, Art.3 VI) não figura o termo “representações técnicas” acarretando uma redução
da sua definição, agora caracterizada como o “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à
sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas
públicas relacionadas aos resíduos sólidos”.
177
Apesar das diferentes, ambíguas ou mesmo contraditórias conotações que na teoria
política possam ser atribuídas ao controle social, no Estado Brasileiro ele está associado à
participação dos cidadãos na gestão da coisa pública:
As idéias [sic] de participação e controle social estão intimamente relacionadas: por
meio da participação na gestão pública, os cidadãos podem intervir na tomada da
decisão administrativa, orientando a Administração para que adote medidas que
realmente atendam ao interesse público e, ao mesmo tempo, podem exercer controle
sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação. A
participação contínua da sociedade na gestão pública é um direito assegurado pela
Constituição Federal, permitindo que os cidadãos não só participem da formulação
das políticas públicas, mas, também, fiscalizem de forma permanente a aplicação dos
recursos públicos [...] supervisionando e avaliando a tomada das decisões
administrativas (TRANSPARÊNCIA, 2016)202.
Como já vimos, a descentralização do poder político e a ampliação dos mecanismos
de participação social são recentes no Brasil: apenas a partir da Constituição Federal de 1988 é
que uma maior democratização e descentralização decisória se desenham, incluindo os
governos estadual e municipal, além de agências regionais. Ao mesmo tempo, há o avanço da
esfera não-estatal e civil que inclui a participação de ONGs, comunidades e empresas nacionais,
bem como as políticas públicas estão expostas a uma crescente influência de organismos
internacionais que fomentam o desenvolvimento sustentável, este rapidamente disseminado no
terceiro período das políticas ambientais brasileiras (1988-2005).
Para além da participação e controle social nas políticas de Estado, o
desenvolvimento sustentável insiste em propagar um avanço do setor privado (segundo setor)
e das organizações não-governamentais (terceiro setor) sobre o setor público (primeiro setor),
um dos pontos fortes que caracterizam a Gestão Integrada. É certo que o Estado tem meios
constitucionais para prestar os serviços públicos de forma indireta através da Administração
Indireta, mas esse modelo de gestão integrada dos resíduos sólidos se propõe a extrapolar os
limites da administração pública, e nos parece que ela se refere principalmente ao avanço dos
setores privados e não-governamental sobre a esfera pública, porém de maneira legal.
O controle social está sempre associado à informação, no sentido de comunicar.
Entretanto, é necessário reforçar que o controle social não se resume a comunicar à sociedade
sobre as decisões ou ações da administração pública. Isso as campanhas de marketing dos
governos já fazem. Trata-se de assegurar os mecanismos de participação para que ela possa
participar ativamente e de maneira autônoma de todas as fases do processo.
Mas, que é a sociedade? Certamente os setores privado e não-governamental a
compõem. O modelo de Gestão Integrada proposto deve contar com a participação dos diversos
202 Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/controleSocial/>. Acesso em: 01 fev. 2016.
178
segmentos da sociedade, de forma articulada, com ampla participação e intercooperação de
todos os representantes da sociedade que são respectivamente geradores e responsáveis pelos
resíduos como os governos central e local, setores formal, informal e privado, ONGs, catadores
e comunidade.
Os resíduos sólidos resultam de qualquer atividade humana, de modo que todas as
atividades e sujeitos sociais em alguma medida contribuem para a sua geração, de modo que
uma gestão satisfatória precisa considerar todos os geradores e suas respectivas condições.
Assim, a PNRS (2010, Art.1) define as responsabilidades dos geradores203 e do poder público
e se impõe a todas “as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis,
direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações
relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos”.
Como resposta a essa necessidade de integração, entre os princípios adotados pela
PNRS (2010, Art.6) estão a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor
empresarial e demais segmentos da sociedade (VI) e a visão sistêmica que deve considerar as
variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública na gestão dos
resíduos sólidos (III). Numa abordagem mais articulada com os diferentes tipos de geradores,
introduz algumas ideias como:
▪ Acordo setorial: ato de natureza contratual firmado entre o poder público e
fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto. Pode ser iniciado por qualquer
uma das partes e suas propostas deverão ser objeto de consulta pública. Sua finalidade pode ser
a implementação da logística reversa;
▪ Ciclo de vida do produto: série de etapas que envolvem o desenvolvimento do
produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a
disposição final;
▪ Responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de
atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e
comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de
manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados,
bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental
decorrentes do ciclo de vida dos produtos;
203 “Geradores de resíduos sólidos: pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, que geram resíduos
sólidos por meio de suas atividades, nelas incluído o consumo.” (BRASIL, 2010, Art.3, IX).
179
▪ Padrões sustentáveis de produção e consumo: produção e consumo de bens e
serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições
de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações
futuras;
▪ Logística reversa: instrumento de desenvolvimento econômico e social
caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta
e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo
ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada;
Também a Gestão Integrada proposta pelo Projeto MDL pode ser entendida como
“um conjunto de referências político–estratégicas, institucionais, legais, financeiras, sociais e
ambientais capaz de orientar a organização do setor” com alguns elementos considerados
indispensáveis, dentre os quais podemos destacar a “consolidação da base legal necessária e
dos mecanismos que viabilizem a implementação das leis”, os “mecanismos de financiamento
para a auto-sustentabilidade [sic] das estruturas de gestão e do gerenciamento” e um “sistema
de planejamento integrado, orientando a implementação das políticas públicas para o setor”
(MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.15).
Assim, a Gestão Integrada do MDL propõe a elaboração e a implementação de um
Sistema de Gestão Integrada, cuja fase inicial é a elaboração de um Planos de Gestão Integrada
de Resíduos Sólidos - PGIRS que privilegie a gestão participativa contando com setores da
administração pública e da sociedade. Mesquita Júnior (2007) afirma que “a sustentabilidade
do processo está assentada no atendimento às dimensões ecológica, ambiental, cultural,
demográfica, social, institucional, política, econômica, legal e ética.” Exceto as dimensões
ecológica e ética, as demais possuem uma lista de ações práticas a serem realizadas na
implementação do PGIRS para a garantia dessa sustentabilidade, das quais merecem destaque:
▪ Seleção de áreas adequadas para a implantação de aterros sanitários, elaboração
de projetos para a captação de recursos para sua construção, licenciamento de projetos junto
aos órgãos ambientais competentes e sua obediência à linha da ecoeficiência (ambiental);
▪ Discussão com os setores representativos e adequação dos projetos aos
aspectos culturais e aos hábitos locais (cultural);
▪ Levantamento dos vetores de crescimento locais e cuidado para que o projeto
atenda às necessidades da população no tempo projetado;
▪ Criação de associação ou cooperativa de catadores, implantação de sistema de
coleta seletiva e beneficiamento de materiais recicláveis para geração de trabalho e renda
para os catadores e controle social através da participação crescente da população (social);
180
▪ Criação de órgão específico para tratar do manejo dos resíduos sólidos,
capacitação de equipe para a elaboração de projetos para obtenção de recursos junto a órgãos
de financiamento e divulgação intensiva das ações e do progresso do plano, divulgação
intensiva das ações e do progresso do plano (institucional);
▪ Promoção da gestão associada por meio de Consórcios Públicos, convênios de
cooperação técnica entre prefeituras e entidades técnicas e científicas (institucional e
política);
▪ Implantação de sistema de coleta seletiva e do PGIRS, compromisso do
prefeito, do secretariado e da equipe de coordenação do PGIRS em assegurar o processo
participativo ocorra em todas as fases e a continuidade na implementação do plano (política);
▪ Definição de orçamento municipal para o setor de resíduos sólidos, criação e
implementação de uma taxa de coleta de resíduos sólidos e utilização responsável dos
recursos captados / recebidos (econômica);
▪ Elaboração e implementação de lei de resíduos sólidos, de um regulamento de
manejo, de legislação para a inclusão social dos catadores, de legislação facilitadora de
beneficiamento de materiais recicláveis e de uso de materiais reciclados (legal).
Uma parte considerável dessas ações previstas é legalizada oficialmente pela PNRS
(2010) e outra parte se refere, sobretudo, ao processo de implementação da gestão integrada por
ela estabelecida, embora não sejam sua exclusividade. A PNSB (2007), por exemplo, já
indicava a necessidade dos municípios elaborarem seus Planos de Saneamento que inclui o
abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos
sólidos, sendo obrigatória a participação da população.
Finalmente a PNRS (2010) estabelece a elaboração de Planos de Resíduos Sólidos
nos níveis federal e estadual, dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
e do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, devendo ser assegurada a ampla publicidade
de seus conteúdos, bem como o controle social em sua formulação, implementação e
operacionalização. O plano é o detalhamento das metas assumidas e das estratégias a serem
adotadas para o seu cumprimento, bem como normas, diretrizes e condicionantes que devem
orientar a implementação da política de resíduos sólidos nos níveis nacional, estadual e
municipal.
Tanto o plano nacional a ser elaborado pela União sob a coordenação do Ministério
do Meio Ambiente e mediante processo de mobilização e participação social, incluindo a
181
realização de audiências e consultas públicas204, quando os planos estaduais possuem prazo de
vigência indeterminado e horizonte de vinte anos, devendo ser atualizado a cada quatro anos.
Enquanto os planos federal e estadual possuem uma estrutura de gestão mais ampla e estrutural
em suas respectivas jurisdições, o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
possui alguns de seus elementos, porém contém mais especificidades205, sobretudo com relação
ao gerenciamento dos resíduos, como os procedimentos operacionais e especificações mínimas
a serem adotados nos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, as
regras para todas as etapas do gerenciamento de resíduos sólidos incluindo a adequada
disposição final dos rejeitos, os indicadores de desempenho operacional e ambiental dos
serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos etc.
A elaboração dos planos estaduais e municipais de resíduos sólidos é condição para
que Estados e Municípios tenham acesso a recursos da União, incentivos ou financiamentos de
entidades federais de crédito ou fomento para empreendimentos e serviços relacionados à
gestão de resíduos sólidos. E como a gestão associada possui prioridade na obtenção de tais
recursos, o plano nacional e os planos estaduais devem conter medidas para incentivar e
viabilizar a gestão regionalizada206 dos resíduos sólidos e os planos municipais devem
identificar as possibilidades de implantação de soluções consorciadas ou compartilhadas com
outros Municípios.
Tanto o plano federal quanto os estaduais devem conter proposição de cenários,
mas o plano nacional especifica que essas proposições devem incluir tendências internacionais
e macroeconômicas, as quais não são difíceis de relacionar ao comportamento projetado pelo
desenvolvimento sustentável, já que este é um dos elementos que norteia a PNRS (2010).
A PNRS (2010) determina a obrigatoriedade da elaboração e da implementação do
Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos para estabelecimentos específicos, os quais gerem
resíduos dos serviços públicos de saneamento básico em geral, resíduos industriais, perigosos,
de serviços de saúde, de mineração, de atividades agrossilvopastoris, empresas de transporte,
empresas de construção civil, etc. O plano tem o conteúdo mínimo estabelecido pela lei, deve
204 A versão preliminar para consulta pública do Nacional de Resíduos Sólidos foi elaborada em 2011. Além das
contribuições através da internet, o plano seria discutido em cinco Audiências Públicas Regionais e consolidado
na Audiência Pública Nacional, em Brasília (MMA, 2015). Disponível em:
<http://www.mma.gov.br/estruturas/253/_publicacao/253_publicacao02022012041757.pdf>. Acesso em: 02
fev. 2016. 205 Todas devem estar em consonância com as normas prévias estabelecidas, seja pelo Sisnama, SNVS ou por
legislação federal e estadual, as quais os municípios estão hierarquicamente submetidos. 206 O plano nacional se refere a regiões integradas de desenvolvimento instituídas por lei complementar e as áreas
de especial interesse turístico. O plano estadual se refere a regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões.
182
ser elaborado e acompanhado em todas as suas fases por um responsável técnico habilitado,
suas informações devem ser disponibilizadas ao órgão competente para alimentação do Sinir e
no caso de empreendimentos ou atividades que requeiram licenciamento ambiental, o plano é
componente obrigatório do processo.
A Gestão Integrada é um dos elementos propostos pelo projeto de MDL aplicado a
resíduos sólidos. Conforme apresentação dos Ministérios das Cidades e do Meio Ambiente, o
projeto possui quatro componentes:
▪ [...] capacitação - realizado por meio de cursos em âmbito regional e municipal e
apoiado pela publicação desta série de manuais [...];
▪ Estudos de viabilidade da utilização do biogás gerado nas áreas de disposição
final de resíduos sólidos urbanos – conduzidos para os municípios selecionados
entre aqueles 200 mais populosos;
▪ Ação governamental – unificação da agenda governamental para a implementação
de políticas públicas voltadas para a gestão de resíduos sólidos, com enfoque na
redução de emissões e no aproveitamento energético do biogás;
▪ Unificação de base de dados e desenvolvimento do Portal Governamental –
desenvolvimento e integração de bases de dados e de sistemas de informação
disponíveis no Governo Federal sobre o gerenciamento integrado de resíduos sólidos,
incorporando o tema MDL (MESQUITA JR, 2007, p.7, grifos do autor).
Com relação à ação governamental, os citados ministérios afirmam que “é
compromisso do Governo Federal viabilizar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que
estabelecerá normas e diretrizes para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos, nos
níveis municipal, estadual e federal” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.8), atendendo ao mesmo
tempo ao requisito da gestão integrada de consolidar uma base legal. Porém, por unificação se
entende que as ações não devem se restringir à PNRS (2010) mas, ao contrário, devem se
articular com outras políticas públicas.
Com referência à unificação de uma base de dados e de um sistema de informações,
a PNRS (2010, Art.8) adota como instrumentos, por exemplo, os inventários e o sistema
declaratório anual de resíduos sólidos, o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos
Resíduos Sólidos – Sinir, o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa,
o Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos, além de instrumentos da Política
Nacional do Meio Ambiente – PNMA (1981) como o Cadastro Técnico Federal de Atividades
Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais e o Sistema Nacional de
Informação sobre Meio Ambiente – Sinima. O Decreto Regulamentar da PNRS (2010)
estabelece ainda que a atualização das informações no Sinir é condição para que Estados,
Municípios, Distrito Federal e os consórcios públicos sejam beneficiados com a prioridade no
acesso a recursos.
183
A instituição da cobrança de uma taxa pelo serviço de limpeza pública e manejo
dos resíduos sólidos enquanto ação práticas sugeridas a fim de assegurar a sustentabilidade
econômica do processo também ganha respaldo legal na PNRS (2010), embora seja anterior a
ela. A Constituição Federal (1988, Art.145) estabelece que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios poderão instituir tributos na forma de impostos, de contribuição de
melhoria decorrente de obras públicas e de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia
ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis207,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.
A PNSB (2007, Art.29) estabelece que “os serviços públicos de saneamento básico
terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante
remuneração pela cobrança dos serviços”. Finalmente e no mesmo sentido, a PNRS (2010,
Art.6, X) estabelece como um de seus objetivos a “regularidade, continuidade, funcionalidade
e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos
sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos
custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e
financeira”. E para isso, estabelece que o plano municipal de gestão integrada de resíduos
sólidos deve ter em seu conteúdo mínimo o “sistema de cálculo dos custos da prestação dos
serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, bem como a forma de
cobrança desses serviços” (BRASIL, 2010, Art.19, XIII).
Embora tais dispositivos demonstrem a legalidade da cobrança pelos serviços de
limpeza urbana manejo de resíduos sólidos, eles não são suficientes para encerrar a questão: a
cobrança pela prestação dos serviços públicos não pode ser ditatorial, devendo atender a
determinadas condições para garantir a sua legalidade. De acordo com a Lei nº 8.987/1995, que
dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto na
Constituição Federal (BRASIL, 1988, Art.175), o serviço público adequado é aquele que
“satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (BRASIL, 1995).
Isso é bastante para concluirmos que a cobrança por um serviço ineficiente ou
mesmo a cobrança desproporcional por um serviço eficiente, além de imoral, é arbitrária.
207 Os serviços divisíveis são aqueles prestados a usuários determinados e remunerados por taxa ou tarifas, como
por exemplo, a iluminação pública domiciliar. Eles são o oposto dos serviços divisíveis, que são aqueles
prestados a usuários indeterminados e indetermináveis e que não podem ser remunerados por taxa, como por
exemplo, a iluminação pública (cursoaprovacao.com, 12/02/2016).
184
Conforme a PNSB (2007), a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços de saneamento
básico poderá levar em consideração, entre outras coisas:
[...] categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de
utilização ou de consumo; [...] quantidade mínima de consumo ou de utilização do
serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde
pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio
ambiente; [...] e a capacidade de pagamento dos consumidores (PNSB, 2007, Art.30
grifos nossos).
Inclusive, entre as condições estabelecidas pela PNSB (2007, Art.11) que dão validade
aos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico, figura a sustentabilidade
e o equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços que inclui o sistema de cobrança
e a composição de taxas e tarifas, bem como a sistemática de seus reajustes e a sua política de
subsídios. Também as taxas ou tarifas decorrentes do serviço público de limpeza urbana e de
manejo de resíduos sólidos urbanos devem levar em conta a adequada destinação dos resíduos
coletados e poderão considerar, entre outras coisas, o nível de renda da população da área
atendida (Art.35).
A princípio, a “taxa do lixo” dentro da Gestão Integrada pode não parecer um problema,
mas sua aparente ingenuidade não se sustenta quando conjugada a abordagem potencialmente
problemática com a qual o mesmo modelo de gestão trata a necessidade de redução na geração
dos resíduos sólidos e o consumo. Em um contexto em que se opta por manter intocada a
ideologia do consumo, a taxa que faz crescer mais um custo sobre a renda dos cidadãos é a
mesma que alimenta os setores ligados à limpeza urbana, às engenharias ambientais e aos
aterros sanitários e especialista.
Essa é uma equação perigosa, porque evoca o princípio do poluidor-pagador elevando-
o sobre qualquer princípio de precaução, valoriza as compensações financeiras pessoais em
detrimento do compromisso coletivo com a precaução, de modo que ninguém precisa
comprometer o seu consumo e seu modo de vida, desde que pague pelos resíduos produzidos
em sua decorrência.
Diante do grave problema sanitário que a atual gestão inadequada dos resíduos sólidos
representa, a superação desse modelo falido é um imperativo tão urgente quanto desafiador. É
lógico que uma gestão de resíduos sólidos eficiente necessita de uma estrutura organizacional
adequada com estruturas administrativa, operacional e financeira apropriadas; com uma
estrutura jurídica que domine obrigatoriamente os dispositivos legais locais, bem como os das
esferas estadual e federal aos quais está submetida a municipalidade; de aparato técnico
eficiente; e conhecimento específico local (características da produção de resíduos sólidos do
185
município, população, economia, estrutura urbana, geografia local etc.) entre outras coisas. Mas
cabe lembrar que o problema dos resíduos é apenas a ponta visível do iceberg no mar do modo
capitalista de produção de mercadorias, o mesmo mar que propõe a superação da crise
ambiental que ele mesmo criou e através dos seus próprios artifícios.
A concepção de gestão integrada de resíduos sólidos está no domínio do
desenvolvimento sustentável, é sua criação e elemento integrante, estando naturalmente
impregnada pela ideologia hegemônica da sustentabilidade em toda a sua extensão (definição,
instrumentos, objetivos etc.). Sendo a concepção de gestão integrada de propriedade do
desenvolvimento sustentável (discurso oficial e significado hegemônico), salvo algum eventual
esforço de ressignificação, poderíamos afirmar que onde domina tal concepção de gestão,
predomina também elementos do desenvolvimento sustentável208.
Cabe lembrar ainda que a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos estão
inseridos em um contexto de disseminação do MDL nos países subdesenvolvidos enquanto
mecanismo de flexibilização do Protocolo de Quioto, propulsor do mercado global de emissões
e instrumento de implementação global do desenvolvimento sustentável e sua economia verde,
diretamente relacionado aos papéis e às relações estabelecidas entre desenvolvidos e
subdesenvolvidos reproduzidas dentro das estruturas da política ambiental internacional.
Todas essas dimensões propostas podem ser resumidas em três: a econômica, que é
realmente a que domina; a política, que instrumentaliza os interesses econômicos que o capital
estabelece para o setor através das políticas públicas, conferindo-lhe legalidade; e o social,
voltado para a legitimação dos dois primeiros como forma de manter o poder do Estado e a
hegemonia capitalista. Qualquer participação social autônoma e esclarecida reclamaria a crise
ambiental como consequência do modelo de desenvolvimento hegemônico, justamente o que o
desenvolvimento sustentável procura encobrir, de modo que o que se tem por participação
social é legitimação, e conscientização ambiental consiste, via de regra, em doutrinação.
Expirado o prazo estabelecido pela PNRS (2010) para a adequação, a maioria dos
municípios brasileiros segue sem avanço e o gerenciamento dos resíduos sólidos no plano
municipal não foi implementado, embora outros elementos da gestão integrada estejam
assegurados nas esferas política e econômica. Tampouco se observa um debate sério sobre a
questão ou um envolvimento social que transcenda a vulgaridade do desenvolvimento
sustentável, de modo que sem a adesão e o devido entendimento das pessoas sobre a gravidade
do problema ambiental, o crescente e renovado processo de ignorância, introversão e apatia social
208 Inclusive sobre abordagens que pretendem se opor ao desenvolvimento sustentável, mas que desavisadamente
ao se utilizarem de suas criações, acabam por fortalecê-lo, introduzindo-o à crítica.
186
faz com que a gestão dos resíduos sólidos se torne cada vez mais uma questão restrita a especialistas
e empresas encarregadas de resolverem o problema, imposta por políticas horizontais e cada vez
mais dominada pelo mercado, criando um nicho econômico próprio dentro do diversificado
mercado verde.
4.2.2 O Consórcio Público
Qualquer busca etimológica rápida encontrará o termo “consórcio” como uma
palavra derivada do latim consors, composta por com que significa "junto" e sores que significa
“a parte de cada um”, o "destino". Consor significa “aquele que tem a mesma sorte, o mesmo
destino209”, referindo-se a “companheiro, sócio, camarada, parente próximo” e “consórcio” em
geral remete à parceria, associação ou sociedade210.
De maneira geral, o termo se refere a uma parceria celebrada entre dois ou mais
entes de personalidade física ou jurídica, que podem ser indivíduos, governos,
empresas, organizações e grupos diversos, bem como a combinação entre estes com a finalidade
de atingir um objetivo comum. O termo é genérico e a escala dessa agremiação pode ir desde
um grupo de pessoas que rateiam entre si o valor para a compra de determinado bem ou objeto,
até formas sofisticadas e juridicamente disciplinadas de parceria entre entes federativos para a
prestação de serviços públicos, aquisição patrimonial ou realização de obras que custam
milhões.
Assim, para melhor delimitar aquele que é do nosso interesse, poderíamos dividir
os consórcios em duas categorias: aqueles que se situam de forma destacada no campo da
Economia e do mercado e aqueles que se relacionam de maneira mais direta com o campo do
Direito Administrativo, que são o tipo que nos interessa.
A título de esclarecimento, o primeiro caso se refere ao chamado Sistema de
Consórcios regulamentado pela Lei nº 11.795/2008, no qual o
“consórcio é a modalidade de compra baseada na união de pessoas - físicas ou
jurídicas - em grupos, com a finalidade de formar poupança para a aquisição de bens
móveis, imóveis ou serviços. A formação desses grupos é feita por uma
Administradora de Consórcios, autorizada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil”
(ABAC, 2015)211.
209 Muitos dicionários, por exemplo, trazem o termo “matrimônio” como sinônimo de “consórcio”. 210 Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/consorcio/>. Acesso em: 27 out. 2015. 211 Associação Brasileira de Administradores de Consórcios - ABAC. Disponível em: <http://abac.org.br/o-
consorcio/historia>. Acesso em: 27 out. 2015.
187
O segundo caso, em que o consórcio constitui pessoa jurídica própria que pode ser
de Direito Público - integrando a Administração Indireta do Estado – ou Privado, é exatamente
o Consórcio Público que, como objeto de relevante interesse dessa pesquisa, também poderá
ser referido nesse trabalho como consórcio intermunicipal ao se referir ao objeto de estudo, uma
vez que, necessariamente, o consórcio intermunicipal é uma modalidade de consórcio público,
como veremos adiante.
Entretanto, antes de falarmos sobre os consórcios intermunicipais para
implementação de aterros sanitários no estado do Ceará, é necessária uma compreensão básica
da trajetória dos consórcios, até atingirem a forma atual, juridicamente regulamentados, um
marco considerável na organização da administração pública e opção política de muitos
governos, em diferentes escalas e setores de atuação.
Segundo Amorim (2015), os consórcios públicos “têm origem nas associações dos
municípios, que já eram previstas na Constituição de 1937”. Entretanto, apenas na década de
1980 é que elas se proliferaram por causa do momento político propício da redemocratização,
sobretudo com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando os municípios ganham
autonomia enquanto entes federativos, passando a gozar de competência tributária própria e
capacidade de auto-organização (VIERA, 2012).
Em 1998, a Emenda Constitucional nº 19/1998 altera o Art. 241 da Constituição
Federal que passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por
meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos (Art. 24 da EC nº 19/1998, grifo nosso).
Essa emenda se refere a dois tipos de gestão associada: o consórcio público e o
convênio de cooperação. Até então, no direito brasileiro, havia um “consenso doutrinário” que
fazia a clássica distinção entre ambos (BORGES, 2005; DI PIETRO, 2005, p.4). “Os convênios
poderiam ser realizados entre pessoas e entidade diferentes, convergindo para uma mesma
finalidade de interesse comum, que necessariamente não precisava ser da competência de todas
e de cada uma delas”. Já os consórcios eram de natureza homogênea, “celebrados [apenas] entre
entidades da mesma espécie e da mesma competência”. Depois do Art.241, a possibilidade de
celebrar consórcio com a União, por exemplo - um ente único em sua espécie - imprime um
caráter heterogêneo na natureza dos entes consorciados (BORGES, 2005).
Para Borges (2005), a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e
bens dos entes consorciados para o consórcio - ainda não reconhecido como pessoa jurídica
188
diferenciada - é o ponto de maior relevância do Art. 241 da CF 88, porque dele depende o êxito
das operações consorciadas.
Di Pietro (2005, p.3) afirma que “o objetivo da norma constitucional é o de
consolidar a gestão associada entre os entes federados para consecução de fins de interesse
comum”. A autora afirma que essa redação causou a inconveniente impressão de que cada ente
possuía competência própria para legislar sobre a matéria, o que tornaria impossível a
cooperação entre diferentes entes, cada um com normas próprias.
Segundo Borges (2005), como esse texto possuía muitas falhas e lacuna, era
necessário que fosse disciplinado. Embora alguns juristas entendessem que devido à autonomia
(política, organizacional e administrativa) constitucionalmente assegurada a cada um dos entes
federados (princípio federativo), estes poderiam disciplinar de maneira particular o tema, a
ausência de uma coordenada comum geraria uma anarquia que prejudicaria substancialmente a
cooperação entre eles. Assim, desde 1999 já havia uma comissão constituída pelo então
Ministério de Administração e Reforma do Estado e que deveria elaborar o anteprojeto de lei
que regularia o Art.241 da CF. Porém, com a extinção do ministério, a comissão foi dissolvida
e o projeto interrompido.
Essa regulamentação só seria dada em 2005, com a Lei nº 11.107/2005, conhecida
como Lei dos Consórcios Públicos, que dispõe sobre normas gerais de contratação de
Consórcios Públicos pela União, Estados e Municípios para a realização de objetivos de
interesse comum e seu posterior Decreto Regulamentar nº 6.017/2007. Entretanto, como
observa Borges (2005), apesar de regulamentar o Art. 241 da CF 88 (dado pela EC nº 19/1998),
a Lei sequer cita o referido artigo.
Embora o preâmbulo da Lei destaque apenas o consórcio público, seus dispositivos
tratam também do convênio de cooperação, enquanto forma de gestão associada de serviço
público. Para Di Pietro (2005), o próprio preâmbulo incorre ao erro quando afirma que a Lei
dispõe sobre as normas gerais de contratação de consórcios públicos:
Na realidade, a lei não trata de contratação de consórcio pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, mas de constituição de pessoa jurídica, o que se dá por meio de
todo um procedimento, que abrange várias fases, conforme se verá. O contrato
[apenas] corresponde a uma das fases do procedimento de constituição da entidade
(DI PIETRO, 2005, p.3, grifo da autora).
O consórcio público constitui entidades sem fins lucrativos, pessoa jurídica própria
diferenciada dos entes federados para assumir os direitos e obrigações acordados. Quanto à
personalidade jurídica, a lei prevê que “o consórcio público constituirá associação pública ou
pessoa jurídica de direito privado”, ou seja, poderá ser de direito público ou de direito privado.
189
A Lei 11.107/2005 prevê que os Consórcios [Públicos] de Direito Público são
associações públicas de natureza autárquica, integrantes da Administração Indireta e
devem obedecer a todos os princípios da Administração Pública. Já no caso de
Consórcios [Públicos] de Direito Privado as pessoas jurídicas instituídas para a
realização de objetivos de interesses comuns, são personificadas sob o direito privado.
Pode adotar as formas de associações ou de fundações, e mesmo regidas pelo direito
privado, obedecem às normas de direito público, pois, independentemente da
personalidade jurídica, os Consórcios [Públicos] terão que atender às normas de
Direito Público (MORAES, 2012, p.4).
Essa concisa definição introduz uma série de elementos que precisam ser
esclarecidos e sem o entendimento dos quais o consórcio público não pode ser compreendido
em sua importância política. De certo modo, esses elementos são o que caracterizam o consórcio
público e não tem como compreendê-lo dissociado deles, sobretudo daqueles relacionados às
formas de administração pública e à definição das personalidades jurídicas.
Para melhor ilustrar essa diferenciação entre pessoas jurídicas de direito público e
privado, apresentamos a seguir, as entidades definidas no Código Civil Brasileiro distribuídas
nesses dois grupos, de acordo com a personalidade jurídica de cada uma. Note-se que há um
destaque nas autarquias e associações públicas (direito público) e nas associações e fundações
(direito privado) como indicativo de onde se localizam os consórcios públicos de ambos os
direitos dentro dessa organização.
Quadro 4 - Organização das pessoas jurídicas
Dados: Lei nº 10.406/2002 que institui o Código Civil Brasileiro.
Fonte: Elaborado pela autora.
Com relação à Administração Pública, cabe salientar que ela pode se referir ao
conjunto de funções estabelecidas mediante um sistema legal de normas, que visam organizar
a administração do Estado. Do ponto de vista jurídico, Takeda (2009) assim define que
INTERNO EXTERNO
União Associações*
Estados Sociedades
Distrito Federal Fundações*
Territórios Organizações religiosas
Municípios Partidos políticos
Empresas individuais de
responsabilidade limitada
Personalidade Jurídica
Direito PúblicoDireito Privado
Estados estrangeiros
Autarquias e Associações
públicas*
Outras entidades de caráter
público criadas por lei.
Outras pessoas regidas pelo
direito internacional público.
190
Administração Pública é a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para
assegurar os interesses coletivos, bem como também é o conjunto de órgãos e de
pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função
administrativa. Objetivamente, a Administração Pública tem o condão de gerir os
interesses públicos, por meio de prestação de serviços públicos, ao passo que,
subjetivamente, é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar
atividades administrativas (TAKEDA, 2009).
Nesse sentido, podemos dizer que a Administração Pública212 se refere ao conjunto
de órgãos, serviços e agentes do Estado incumbidos de assegurar à satisfação de necessidades
coletivas diversas, ou seja, prestarem os serviços públicos que competem ao Estado. Desse
modo, entendemos que ela é a atuação do Estado no exercício da sua função e remete à própria
ideologia que defende a necessidade da sua existência, devendo ser obrigatoriamente eficiente,
sob pena de descreditar a necessidade do Estado.
O Estado pode realizar a administração pública de maneira direta ou indireta. A
Administração Direta é composta pelos órgãos públicos que, não possuindo personalidade
jurídica e patrimônio próprios, nem autonomia administrativa ou financeira, integram o poder
central da pessoa política - União, Estado, Distrito Federal e Municípios - caracterizando uma
desconcentração administrativa baseada na distribuição interna de competências. São exemplos
os ministérios, secretarias, departamentos etc.
Diferentemente, a Administração Indireta é composta por entidades com
personalidade jurídica própria, o que implica em patrimônio próprio e autonomia administrativa
e financeira. Nesse caso, a descentralização administrativa se dá com a transferência de
competência para outra pessoa jurídica, como ocorre com as autarquias (Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS), fundações públicas, empresas públicas (Caixa Econômica Federal -
CEF) e sociedades de economia mista (Banco do Brasil). Estas entidades são independentes,
não havendo hierarquia entre elas, bem como havendo apenas uma mera vinculação de uma
pessoa jurídica integrante da Administração Pública Indireta a um dos órgãos que compõe a
Administração Pública Direta, como por exemplo, o INSS ao Ministério da Previdência Social
(TAKEDA, 2009).
Entendendo a Administração Pública de forma ampla como esse conjunto de
órgãos, serviços e agentes e feitas as especificações entre Administração Direta e Indireta, então
podemos nos ater aos serviços públicos, o que adiciona um complicador: o direito (público ou
212 O termo também pode remeter a áreas de conhecimento específico das Ciências Sociais, notadamente a
Administração Pública, na Administração - que se ocupa de desenvolver e sistematizar o conhecimento
administrativo voltado às organizações públicas - e o Direito Administrativo, no Direito - cujo objeto de estudo
são as próprias normas aplicáveis à administração pública.
191
privado) sobre a titularidade do serviço público. De antemão é necessário entender que os
serviços públicos prestados pela Administração Direta são sempre de direito público e aqueles
prestados pela Administração Indireta podem ser tanto de direito público, quanto privado, o que
é o caso do consórcio público, como podemos ver no quadro seguinte:
Quadro 5 - Órgãos que compõem a Administração Pública
Dados: Lei nº 200/1967 que dispõe sobre a organização da Administração Federal.
Fonte: Elaborado pela autora.
Partindo do pressuposto constitucional de que “incumbe ao Poder Público, na forma
da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos” (CF 88, Art. 175), Mesquita Júnior (2007) apresenta as três
formas por meio das quais o Poder Público pode prestar os serviços públicos:
Direta: o Poder Público realiza a prestação do serviço público, podendo criar
órgão ou departamento específico para a sua execução (Adm. Direta necessariamente de direito
público);
Indireta: o Poder Público delega o serviço para terceiro, o que pode ser
concretizado por duas diferentes vias: a) delegação legal, na qual o Poder Público transfere
mediante lei o serviço público para entidade da Administração Pública Indireta (empresa
pública, sociedade de economia mista e autarquia) dotada de personalidade jurídica para prestar
o serviço público e portadora da titularidade do serviço (Adm. Indireta de direito público); e b)
delegação contratual, na qual a titularidade do poder público continua com o Poder Público,
mas este delega a execução dos serviços por contrato para o particular, que assume, com seu
próprio nome, a prestação dos serviços e também os riscos envolvidos nessa prestação (Adm.
DIRETA
Direito Público
→ Delegação Legal → Delegação Contratual
Entidade criada por lei Contrato ou Ato Administrativo
Ministérios Fundação Pública Empresa Permissionária
Secretarias Empresa Pública Empresa Conssecionária
Departamentos Sociedade de Econ. Mista Empresa Terceirizada
Autarquias Parceria Público-Privada (PPP)
Associações públicas * Associações e Fundações *
(Consórcio Público)
Outros
→ Delegado a órgãos que a
compõe
Administração Pública
INDIRETA
Pessoa Política (União, Estados
e Municípios) de
Delegado a outra pessoa jurídica de
Direito Público Direito Privado
192
Indireta de direito privado). Pode se dar pela formalização da concessão213, permissão214,
parceria público-privada215, ou terceirização216.
Gestão associada: Forma de cooperação entre diferentes entes federativos (pode
envolver entes da mesma esfera ou de esferas diferentes: municípios, Estados, União) para
desempenho de funções ou serviços públicos de interesse comum dos entes, não podendo incluir
terceiros, ou seja, a iniciativa privada. A gestão associada deve estar estabelecida em
instrumento jurídico com determinação das bases de relacionamento. Pode-se dar de duas
maneiras: a) Consórcio Público, baseia-se no exercício de competências comuns, tem natureza
contratual e exige a definição de obrigações recíprocas entre os consorciados, para o
atingimento dos objetivos de bem comum estabelecidos em contrato (Adm. Indireta de direito
público ou privado); e b) Convênio de Cooperação217, no qual o município pode delegar a
regulação de um determinado serviço a uma instituição de outro município ou do governo
estadual. O convênio de cooperação entre entes federados precisa estar amparado,
obrigatoriamente, por lei de cada um dos conveniados (MESQUITA JÚNIOR, 2007).
Conforme Di Pietro (2005), além do consórcio público de direito público ou privado
e do convênio de cooperação, a gestão associada de serviços públicos pode-se dar ainda através
de Contrato de Programa, que pode estar vinculado ao consórcio ou ser independente deste.
A seguir, um quadro que expõe uma síntese das formas possíveis para o Consórcio
Público conforme sua definição legal quanto as características, ao tipo de direito e a instituição
que o constitui:
213 O particular assume um serviço do qual o Estado é titular e passa a explorá-lo economicamente, realizando a
prestação desses serviços por sua conta e risco. A principal base legal da concessão é a Lei nº 8.987/1995 (dispõe
sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição
Federal). 214 O permissionário é delegado pela Administração Pública a prestar os serviços públicos, assumindo a
responsabilidade objetiva frente ao usuário. Também é regulada pela Lei nº 8.987/1995. 215 É restrita à prestação de serviços, não podendo ser utilizada para o fornecimento isolado de um bem ou de uma
obra, na qual os riscos e as responsabilidades são divididos entre o Estado e o particular. Deve ser licitada através
de concorrência pública em observância à Lei Federal nº 11.079, de 2004. Para essa forma de execução, o valor
mínimo do projeto deve ser de R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e com prazos definidos entre o mínimo
de 5 (cinco) e o máximo de 35 (trinta e cinco) anos. 216 Contrato administrativo de prestação de serviços ou obras públicas com prazo máximo de contratação de 60
meses, no qual a remuneração é feita pela Administração Pública à medida que o contrato vai sendo cumprido.
É tratado pela Lei nº 8.666, de 1993. 217 Tem respaldo na Constituição Federal no artigo 71, inciso IV, e no artigo 241 em sua Emenda Constitucional
nº 19/1998.
193
Figura 3 - Os tipos possíveis para Consórcio Público segundo o tipo de direito
Dados: Lei nº 11.107/2005 que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os Consórcios Públicos são necessariamente uma forma de gestão associada, assim
podem ser constituídos entre dois ou mais entes da Federação de esferas iguais ou diferentes,
visando a prestação de serviços e o desenvolvimento de ações conjuntas, que visem o interesse
coletivo e benefícios públicos. Quando os entes federados pertencem à mesma esfera de
governo o Consórcio é do tipo horizontal, como é o caso da proposta para os aterros sanitários
no estado do Ceará, onde os consórcios públicos são celebrados entre municípios.
Normalmente, o consórcio intermunicipal envolve municípios limítrofes com problemas
comuns, bem como as necessidades de resolvê-los. Também é possível o consórcio público do
tipo vertical, constituído por níveis de governo diferentes, tais como Município-Estado, Estado-
União; Município-Estado-União.
Através do Consórcio Público, os entes consorciados disponibilizam, de acordo
com determinações prévias assumidas em contrato, recursos humanos e materiais em busca de
atingir objetivos comuns, que seriam mais difíceis de serem atingidos individualmente. Os
Consórcios Públicos podem abranger uma gama de serviços tais como: educação; saúde;
pesquisa e estudos técnicos; cultura, esporte e turismo; transporte público e segurança pública;
resíduos sólidos, saneamento básico e gestão ambiental; desenvolvimento regional, urbano,
rural, agrário e obras públicas; manutenção de equipamentos e informática, entre outras
(MORAES, 2012).
Numa visão otimista, Amorim (2015) advoga que o consórcio público possui
vantagens que os municípios consorciados não poderiam atingir sozinhos: ampliação do alcance
das políticas públicas e do atendimento aos cidadãos; maior eficiência do uso dos recursos
públicos; fortalecimento do poder de diálogo, pressão e negociação dos municípios junto aos
DIREITO PÚBLICO DIREITO PRIVADO
→ mediante a vigência das leis de ratificação
do protocolo de intenções
→ mediante o atendimento dos requisitos
da legislação civil
Associações
Fundações
Consórcio Público
→ Atendem às normas de Direito Público independente da personalidade jurídica
Associação pública
→Sem fins econômicos
194
governos estadual e federal, bem como outras entidades218; maior visibilidade das ações que
pode contribuir para uma maior fiscalização da sociedade sobre a ação dos governos e
aumentar a transparência das decisões públicas.
Para ter legitimidade jurídica, o consórcio deve obedecer ao que está disposto na,
assim referida, Lei dos Consórcios Públicos e sua respectiva regulamentação. Desse modo, deve
seguir as etapas indicadas para garantir o entendimento e a articulação entre os membros: i)
Estudos prévios de viabilidade financeira e compatibilidade das intenções e necessidades e
intenções das partes; ii) Elaboração e assinatura do Protocolo de Intenções do Consórcio, que
estabelece as condições gerais para o seu funcionamento, possuindo conteúdo mínimo previsto
na legislação; iii) Para que seja ratificado, o Poder Legislativo de cada um dos entes
consorciados deverá aprovar o Protocolo de Intenções do Consórcio, que será transformada em
lei e irá se converter no próprio Contrato de Constituição do Consórcio Público, formado apenas
pelos entes que subscreverem o Protocolo de Intenções do consórcio; e iv) Composição e
aprovação – pela assembleia geral - do Estatuto Social, que deverá dispor sobre a organização
do Consórcio, a estrutura administrativa, os cargos, as funções, as atribuições e competências,
a forma de eleição, os órgãos constitutivos do consórcio público e demais regras para sua
funcionalidade. O estatuto deve ser publicado na Imprensa Oficial de cada ente consorciado.
O Protocolo de Intenções é o esforço inicial de articulação para a formação do
consórcio público. Ele é “[...] um instrumento pelo qual os interessados manifestam a intenção
de celebrar um acordo de vontade [...], não se assume, nele, o compromisso de celebrar o
acordo; não se assumem direitos e obrigações; apenas se definem as cláusulas que serão
observadas em caso do acordo vir a ser celebrado (DI PIETRO, 2005, p.7, grifo da autora).
Desse modo, ele servirá de base legal para os demais instrumentais jurídicos que
efetivamente validarão o consórcio, por isso deve ser bem elaborado. Ele deve conter cláusulas
que estabeleçam as principais informações sobre o Consórcio Público, tais como: denominação,
finalidade, prazo de duração e sede do consórcio; a identificação dos entes consorciados, a
especificação dos serviços públicos objeto da gestão associada e das competências transferidas
para o consórcio público e a indicação da sua área de atuação. As cláusulas devem conter ainda
a previsão sobre a natureza do direito (público ou privado) do Consórcio Público; os critérios
que autorizam o consórcio público a representar os entes consorciados perante outras esferas
218 Embora a autora interprete esse ganho como um fortalecimento da autonomia municipal, gostaríamos, embora
não seja o objetivo desta pesquisa, fazer uma provocação: a necessidade de os municípios se unirem para se
fazerem ouvir pelos governos estadual e federal seria um instrumento para se fortalecer a autonomia dos
municípios, enquanto entes federativos - o que pressupõe que ela existe de fato - ou o atestado de seu fraco
desempenho ou mesmo sua ausência em determinados aspectos?
195
de governo; a autorização para a gestão associada de serviços públicos explicitando a
autorização para licitar ou outorgar concessão, permissão ou autorização da prestação dos
serviços; as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de
parceria; os critérios técnicos para cálculo, reajuste ou revisão do valor das tarifas e de outros
preços públicos e normas sobre o funcionamento da assembleia geral, da eleição do
representante legal do consórcio público219, direitos e números de votos a que tem direito cada
ente consorciado e questões relativas aos empregados públicos.
No Consórcio Público, alguns serviços públicos de competência dos entes
consorciados são transferidos para a gestão associada, o que pode demandar a transferência
total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços
transferidos. Assim o Contrato de Programa é o documento que regula as obrigações que um
ente consorciado constituir para com outro ou para com consórcio público no âmbito de gestão
associada. Ele deve atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e à de
regulação dos serviços a serem prestados, bem como prever procedimentos que garantam a
transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus
titulares.
Quanto ao regime contábil e financeiro, o Decreto Regulamentar possui apenas dois
pobres artigo que definem que a execução das receitas e despesas do consórcio público deverá
obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas e que o consórcio
público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas
competente para apreciar as contas do seu representante legal.
O Contrato de Constituição do Consórcio Público não poderá fixar contribuições
financeiras dos entes consorciados ao Consórcio Público. Entretanto, estes poderão ceder-lhe
servidores ou o uso de bens móveis ou imóveis. Eles somente lhe entregarão recursos que
tenham sido devidamente previstos nas suas respectivas leis orçamentárias220 e através de
contrato de rateio221, “instrumento mediante o qual os entes consorciados entregarão recursos
ao consórcio público” (DI PIETRO, 2005, p.10).
219 Este, obrigatoriamente, deverá ser Chefe do Poder Executivo de um dos entes consorciados. 220 A não consignação em lei orçamentária ou em créditos adicionais de dotações suficientes para suprir as despesas
assumidas por meio de contrato de rateio é causa, após prévia suspensão, para exclusão de ente consorciado. 221 Deve ser firmado anualmente, exceto em contratos cujo objeto seja projetos contemplados em plano plurianual
e no caso da gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos (DI
PIETRO,2005).
196
E por falar em tais recursos, há uma aparente confusão na Lei com relação a
operações de crédito222. Ao estabelecer que “é vedada a aplicação dos recursos entregues por
meio de contrato de rateio para o atendimento de despesas genéricas, inclusive transferências
ou operações de crédito”, esta é a única vez em que estas são confusamente mencionadas, não
ficando claro se é ou não permitido ao consórcio público contratá-las.
Mais tarde, seu Decreto Regulamentar (nº 6.017/2007) reescreve o citado artigo
dando margem a entender que é sim permitido quando diz que “[Art.15] é vedada a aplicação
dos recursos entregues por meio de contrato de rateio, inclusive os oriundos de transferências
ou operações de crédito, para o atendimento de despesas classificadas como genéricas”
(BRASIL, 2007b, grifo nosso). Estabelece que “[Art.10] a contratação de operação de crédito
por parte do consórcio público se sujeita aos limites e condições próprios estabelecidos pelo
Senado Federal, de acordo com o disposto no Art. 52, inciso VII, da Constituição”. A referência
citada determina que compete ao Senado Federal “dispor sobre limites globais e condições para
as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal”
(BRASIL, 1988).
Para Amorim (2015), os consórcios não podem contratar operações de crédito e a
alocação de recursos por meio de empréstimos obtidos pelos entes da federação deve respeitar
a Lei de Responsabilidade Fiscal e os limites de endividamento. Assim, os recursos financeiros
podem ser captados com cobrança de tarifa pela prestação de serviços, pelo uso ou outorga de
uso de bens públicos administrados pelos consórcios; por rateio entre os consorciados; ou
convênios com estados e a União.
Assim, a Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/2005) estabelece que
§ 1o Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá:
I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios,
contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do
governo; II – nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover
desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou
necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público; e III – ser
contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados,
dispensada a licitação.
222 Conforme especificação do Banco Central do Brasil (2015), “As operações de crédito distribuem-se segundo
as seguintes modalidades: a) empréstimos - são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à
comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos
pessoais e os adiantamentos a depositantes; b) títulos descontados - são as operações de desconto de títulos; c)
financiamentos - são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação
dos recursos. São exemplos os financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bens de
consumo durável, rurais e imobiliários.” (BCB, 2015, grifos nossos). Na Lei, o termo “operação/operações de
crédito" só aparece uma única vez e não é especificado. Também não aparecem as palavras “financiamento” e
“empréstimo”.
197
§ 2o Os consórcios públicos poderão emitir documentos de cobrança e exercer
atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de
serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou,
mediante autorização específica, pelo ente da Federação consorciado (BRASIL, 2005,
grifos nossos).
Conforme o disposto legal, o consórcio poderá custear a prestação de serviços
através da cobrança aos citadinos pela prestação dos serviços públicos ou uso dos bens públicos.
O Consórcio Público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial
pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do seu representante legal, sem
prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio. Assim,
deve fornecer as informações necessárias sobre os gastos realizados com recursos entregues
pelos entes consorciados em virtude de contrato de rateio para que cada um deles possa
contabilizá-los, honrando assim as obrigações referentes as finanças públicas (Lei
Complementar nº 101/2000).
Ainda que não seja nosso objetivo realizar uma avaliação da Lei nº 11.107/2005 e
sua regulamentação, algumas informações são necessárias na compreensão dos consórcios
públicos. E sendo essa Lei o marco regulatório mais importante nessa matéria, alguns
comentários sobre ela se fazem indispensáveis.
Borges (2005, p.21) assegura que a Lei dos Consórcios Públicos, ao disciplinar a
matéria em outros níveis, trouxe maior eficácia, segurança e responsabilidade administrativa,
contábil, fiscal e até penal dos gestores públicos, uma vez que “a realização de
empreendimentos consorciados, sobretudo na forma de consórcios intermunicipais” era, na
época em que a lei foi promulgada, uma prática bastante disseminada e realizada à revelia de
previsões legais específicas. Isso coaduna com a afirmação de Amorim (2015), de que centenas
de consórcios públicos, sobretudo na área da saúde, já funcionavam no país antes da legislação
fixar normas mais claras e gerais.
É necessário, porém, salientar que há uma diferença entre a competência da União
para estabelecer diretrizes gerais que norteiam a celebração de consórcios e convênios entre
entes federados, o que de fato era necessário para dar certa coerência à questão a nível federal,
e a irrevogável autonomia de cada ente federado de decidir participar ou não dos consórcios.
Embora outras políticas como a PNSB (2007) e a PNRS (2010) estimulem a adesão dos entes
federados a essa forma de gestão associada, chegando mesmo a estabelecê-la como um aspecto
prioritário na aquisição de recursos, nenhum ente federado é obrigado a aderir ao consórcio
público. Porém, se assim o desejar, deverá fazê-lo necessariamente nos termos definidos pela
Lei.
198
Para Borges (2005), a Lei nº 11.107/2005 garantiu a preservação da autonomia
constitucional dos entes federados ao lhes assegurar a competência para definir os objetivos da
gestão consorciada, subscrição no protocolo de intenções, ratificação do disposto no protocolo
de intenções pelo legislativo, decidir sobre a retirada, alterações ou extinção do consórcio, sobre
aspectos orçamentários, fiscalização etc.
Em outra perspectiva, Di Pietro (2005, p.6) entende que a inserção do consórcio
público na Administração Indireta se dá de maneira limitada, visto que “cada consorciado
participará do consórcio nos termos e limítes definidos na lei que o ratificar. Nem poderá
exercer qualquer tipo de controle que signifique interferência na autonomia dos outros
consorciados”.
Embora reconhecendo o seu mérito e a sua importância, Borges (2005, p.21)
ressalta que “é uma lei de difícil leitura e interpretação, de estruturação um tanto caótica, com
omissões imperdoáveis”, tais como a omissão de definir conceitos fundamentais223. Para a
autora, ainda que essa omissão não diminua o valor da legislação nem dificulte sua aplicação,
compromete, em certa medida, a compreensão do dispositivo legal, tanto pelos operadores do
direito, quanto mais pelos cidadãos em geral. Mais tarde, o seu Decreto Regulamentador nº
6.017/2007 trará algumas das definições ausentes na Lei. “Parece-nos imperdoável, por outro
lado, a omissão total da Lei na previsão de formas de controle participativo das comunidades
interessadas na realização dos consórcios públicos e convênios de cooperação, que se destinam
à gestão associada de serviços públicos” (BORGES, 2005, p.22, grifos da autora).
Borges (2005) entende que a Lei nº 11.107/2005 introduz significativas alterações
no ordenamento jurídico brasileiro, pois
[...] não se limita a estabelecer coordenadas comuns para a constituição de consórcios
públicos. Vai muito mais além, alterando, em seu texto, o Código Civil [quando cria
nova pessoa jurídica de direito público interno, as associações públicas], o Código
Penal, a Lei 8.666/93 [com relação a licitação nos Art. 23, 24, 26 e 112], e também de
certa forma regulando o disposto no art.37, caput, da Constituição, quando introduz
nova forma da administração indireta, qual seja a associação pública, incluindo-a
entre as autarquias (art. 6º, § 1º)224 (BORGES, 2005, p.9, grifos da autora).
Outro ponto discutível é sobre o direito que o consórcio público pode adquirir.
Conforme Borges (2005), originalmente o Projeto de Lei nº 3.384/2004 previa que o consórcio
público seria apenas de direito público, tendo sido o direito privado adicionado a forma final da
223 Esse ponto seria uma orientação do Projeto de Lei nº 3.384/2004. 224 Altera também a Lei nº 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos, nos casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta,
indireta ou fundacional (Lei de improbidade administrativa), acrescentando os incisos XIV e XV no Art. 10, que
trata das hipóteses de improbidade administrativa na gestão associada (Borges, 2005).
199
Lei promulgada. Numa perspectiva jurídica, a autora expressa preocupação com o fato de
“entregar-se a administração do consórcio público à uma associação regida pelo direito privado,
mesmo com as cautelas introduzidas pelo art. 6º, § 2º”. Diz:
Não nos parece que a personalidade de direito privado seja adequada para reger as
relações a serem travadas exclusivamente entre pessoas de direito público interno.
Ainda mais, quando a lei em comento traçou uma série de competências para os
consórcios públicos em geral, que veremos a seguir, sem distinguir-lhes a espécie de
regime jurídico. Ora, o desempenho de algumas dessas competências efetivamente
não se coaduna com um regime de direito privado (BORGES, 2005, p.13).225
Também nas palavras de Di Pietro (2005, p.4), “não há como uma pessoa jurídica
política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir pessoa jurídica para
desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do
Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada”.
A Lei deu alguns privilégios ao consórcio público. Entre eles está um que é motivo
de preocupação e crítica entre muitos autores, sobretudo juristas: a extrema facilidade que a Lei
estabeleceu para a dispensa de licitação na contratação de consórcios públicos.
Amorim (2015) afirma que o texto final “representou um grande consenso”.
Conforme a autora
O governo federal começou a discutir a lei dos consórcios em agosto de 2003 [...],
foram incorporadas contribuições dos projetos de lei que tramitam no Congresso
Nacional e de experiências utilizadas em outros países. Durante a discussão no
Congresso, o governo aceitou unir sua proposta ao Projeto de Lei 1071, de 1999, do
deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), que já estava no Senado. Essa composição foi
um avanço político e acelerou a apreciação da matéria” (AMORIM, 2015, grifos
nossos).
Entendemos, porém, que não há consenso entre interesses opostos. O que, por
vezes, se possa chamar de “avanço político”, na prática, representa um sistema de negociação
de interesses que precede o exercício político (decisões, estratégias de governos, leis etc.), o
que não depende necessariamente das pessoas em exercício político, já que está enraizada na
estrutura política brasileira.
225 “A toda evidência, o hibridismo adotado pela lei não se harmoniza com a sistematização jurídica vigente [...].”
(SILVA, 2005 apud BORGES, 2005, p.13).
200
5 O CONSÓRCIO DA MICRORREGIÃO CASCAVEL-CE E OS DESAFIOS NA
EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS
5.1 A POLÍTICA AMBIENTAL NO ESTADO DO CEARÁ
Em 1981 foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente - PNMA (Lei nº
6.938/0981) e com ela, os órgãos estaduais de meio ambiente (OEMA’s) tiveram um aumento
significativo de atribuições voltadas para a gestão ambiental nos seus respectivos territórios.
No Estado do Ceará, o órgão que respondia por essas atribuições até então era a
Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará – SUDEC, destaque na área de
pesquisa, desenvolvimento regional, elaboração de projetos, cartografia, pedologia, recursos
naturais, etc. A SUDEC226 atuou por 25 anos no Estado, até ser extinta em 1987 para dar lugar
à Superintendência Estadual de Meio Ambiente – SEMACE (SEMACE, 2015).
A criação da SEMACE e do Conselho Estadual de Meio Ambiente - COEMA227
em 1987, é o marco inicial da gestão ambiental no estado do Ceará. A SEMACE foi criada
como órgão executor em nível estadual das políticas de meio ambiente e o COEMA, com
jurisdição em todo o Estado, tinha como objetivo assessorar o governador, a quem estava
diretamente vinculado, em assuntos referentes à política de proteção ambiental no Estado.
O marco legal é a Lei Estadual nº 11.411/1987, que estabelece a Política Estadual
do Meio Ambiente e cria os dois órgãos. Por ela, a SEMACE é criada sob a forma de autarquia,
vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, com jurisdição em todo
o Estado e em atendimento a PNMA (1981):
A SEMACE integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente [SISNAMA] na qualidade
de órgão Seccional do Estado do Ceará, competindo-lhe especialmente [e entre outras
coisas]: I. Executar a Política Estadual de Controle Ambiental do Ceará, dando
cumprimento às normas estaduais e federais de proteção, controle e utilização racional
dos recursos ambientais e fiscalizando a sua execução (CEARÁ, 1987, Art.9).
Conforme a PNMA (1981), os órgãos seccionais do SISNAMA são órgãos ou
entidades estaduais responsáveis pela execução de programas e projetos e de controle e
fiscalização das atividades suscetíveis a degradarem a qualidade ambiental. Assim, também
compete à SEMACE, em âmbito estadual, estabelecer os padrões de qualidade ambiental, bem
226 Era estruturada em três departamentos: Departamento Socioeconômico, Departamento de Desenvolvimento
Microrregional e Departamento de Recursos Naturais. 227 O COEMA é composto atualmente por 35 representantes, sendo dois da Assembleia Legislativa e um das
demais entidades do poder público, universidades, ambientalistas, sociedade civil e representantes de classes
profissionais de nível superior. As decisões são tomadas democraticamente por meio de votação dos conselheiros
durante as reuniões ordinárias mensais (SEMACE, 2015).
201
como fazê-los cumprir, administrar licenciamento, estabelecer zoneamento ambiental, controlar
fontes de poluição, aplicar penalidades, sugerir a criação de áreas especialmente protegidas,
desenvolver programas educativos e promover pesquisas e estudos técnicos no âmbito da
proteção ambiental, celebrar acordos diversos etc.
No ano seguinte, 1988, é criada a Ouvidoria Ambiental, que foi estabelecida dentro
do espaço da Ouvidoria Geral do Estado de forma não institucionalizada. Ocupando-se
principalmente de promover reuniões de conciliação e intermediação para solucionar problemas
afetos ao meio ambiente, a Ouvidoria Ambiental tornou-se um importante canal para atender
aos anseios da sociedade civil na busca de soluções para as questões ambientais
(SEMA/CONPAM, 2015).
Em 1992, é promulgada a Lei nº 11.996/1992, que dispõe sobre a Política Estadual
de Recursos Hídricos e institui o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos – SIGERH.
No ano seguinte é criada a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos - COGERH,
responsável pelo gerenciamento e disciplinamento das águas acumuladas no Estado (Lei nº
12.217/1993).
Em 1999, o COEMA recomendou via moção ao então governador a criação de uma
secretaria estadual de meio ambiente. O motivo era a inadequada vinculação da SEMACE,
órgão executor das políticas de meio ambiente, com a Secretaria de Infraestrutura - SEINFRA,
instituição que realizava as obras do Governo. Tal vinculação “vinha sendo questionada, não
só pelos ambientalistas, ONGs e Academia, como também pelo próprio Ministério do Meio
Ambiente, quanto à isenção e idoneidade da SEMACE para bem cumprir sua função”
(SEMA/CONPAM, 2015).
A secretaria de meio ambiente não foi criada, mas em 2001 foi extinta a Ouvidoria
Geral do Estado e criada a Secretaria da Ouvidoria-Geral e do Meio Ambiente – SOMA (Lei
n.º 13.093/2001), a quem a SEMACE foi então vinculada228.
Nesse mesmo ano, a Lei nº 13.103/2001 instituiu a Política Estadual de Resíduos
Sólidos, regulamentada no ano seguinte229 e muito antes da legislação no âmbito federal, que
só ocorreria em 2010. Entretanto, com a promulgação da PNRS (2010) que disciplinava a
228 Quando foi criada em 1987, a SEMACE estava vinculada à SDU, extinta em 1999. A partir dessa data passou
a ser subordinada à SEINFRA, criada pela Lei nº 12.961/1999. Através da Lei nº 13.093/2001, torna-se vinculada
à SOMA, permanecendo até fevereiro de 2007. Através da Lei nº 13.875/2007, passa a ser vinculada ao
CONPAM (SEMACE, 2015). 229 Decreto Regulamentador Estadual nº 26.604/2002.
202
matéria em nível federal, a política estadual se tornaria ultrapassada, tendo que ser editada, o
que ainda não aconteceu.
Em 2007, o Governo do Estado do Ceará alterou a estrutura da Administração
Estadual por meio da Lei Estadual nº 13.875/2007 ao extinguir a SOMA e criar o Conselho de
Políticas e Gestão do Meio Ambiente - CONPAM230. Conforme o Decreto Estadual n.º
28.642/2007, a estrutura organizacional do novo órgão era composta pela Presidência do
próprio conselho e mais a Secretaria Executiva, a Assessoria de Desenvolvimento Institucional
e Jurídica, a Coordenadoria de Políticas Ambientais, a Coordenadoria de Educação Ambiental
e Articulação Social, a Coordenadoria Administrativa-Financeira e, como entidade vinculada,
a SEMACE.
Ainda em 2007, em substituição à antiga Secretaria do Desenvolvimento Local e
Regional – SDLR (2003-2006), foi criada a Secretaria das Cidades – SCIDADES que,
conforme as diretrizes e políticas do Ministério das Cidades, tem um campo de atuação bem
extenso, atuando nas áreas de habitação, urbanização, saneamento básico e desenvolvimento
regional.
De acordo com o órgão, as ações desenvolvidas na gestão 2007-2010 foram nessas
quatro áreas, enquanto a gestão 2011-2015 incrementou outras ações. Uma delas foi a atuação
no fortalecimento institucional dos municípios por meio do Instituto de Desenvolvimento
Institucional das Cidades do Ceará – Ideci, entidade vinculada à SCIDADES231, criada em
2011. Também iniciou o Projeto de Desenvolvimento Econômico de Polos Regionais – Cidades
do Ceará, na Região do Cariri Central e aprovou o Projeto de Desenvolvimento Urbano de Polos
Regionais, com execução nas Regiões do Vale do Jaguaribe e Vale do Acaraú. Em 2015, foi
reestruturada com a inclusão das políticas de mobilidade urbana.
Atualmente, a SCIDADES desenvolve uma gama de ações em diversas áreas:
Na área de habitação de interesse social, apoia a construção de empreendimentos
aprovados junto ao Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, do Governo
Federal [...] No tocante a Estruturação Urbana atua em parceria com os Municípios,
por meio do Programa de Cooperação Federativa – PCF, para a execução de obras
urbanas e equipamentos públicos. Atua também na revitalização de áreas degradadas
da Região Metropolitana de Fortaleza por meio dos Projetos especiais Rio
230 O Órgão Colegiado é composto por onze conselheiros representantes de diferentes instâncias, a saber: Secretaria
de Recursos Hídricos, Secretaria do Desenvolvimento Agrário, Secretaria de Turismo, Secretaria das Cidades,
SEMACE, Conselho Estadual do Desenvolvimento Econômico – CEDE, Assembleia Legislativa, três
representantes da sociedade civil e o presidente do conselho. Também a Procuradoria Geral do Estado tem
assento no conselho, mas com direito apenas à voz (SEMA/CONPAM, 2015). 231 Além do Ideci, também são entidades vinculadas à SCIDADES a Cagece (Companhia de Água e Esgoto do
Ceará), o Detran (Departamento Estadual de Trânsito) e o Metrofor (Companhia Cearense de Transportes
Metropolitanos).
203
Maranguapinho, Rio Cocó e Dendê. No relacionamento junto à sociedade civil
organizada para o aperfeiçoamento das políticas públicas de sua competência atua por
meio do Conselho Estadual das Cidades – ConCidades-CE (SCIDADES, 2015).
Com tantas atribuições, a secretaria organiza as suas ações entre as
coordenadorias232, subdivididas em células, e as unidades de gerenciamento de projetos233. A
Coordenadoria de Saneamento – Cosan, é dividida em três células: Água, Esgoto e Drenagem;
Resíduos Sólidos; e Apoio e Planejamento Institucional. As duas primeiras células se referem
aos quatro serviços que, de acordo com a Política Nacional de Saneamento Básico (BRASIL,
2007a), compõem o saneamento básico no Brasil: abastecimento de água, esgotamento
sanitário, manejo de águas pluviais e manejo dos resíduos sólidos.
Na área de gestão de resíduos sólidos, a Secretaria das Cidades tem atuado como órgão
de execução de políticas públicas de saneamento, em que se pode destacar a realização
de estudos técnicos, o incentivo à constituição de consórcios e o fomento de
financiamento de infraestrutura para municípios consorciados (CEARÁ, 2013, p.19).
O plano de trabalho da SCIDADES no enfrentamento do problema de destinação
final dos resíduos sólidos nos municípios cearenses, se estabeleceu da seguinte maneira: a)
elaboração de estudos preliminares; b) formalização de Consórcios Públicos Municipais; c)
elaboração dos Projetos Executivos; d) construção dos aterros sanitários e suas Unidades
Periféricas; e) operação e manutenção dos aterros por parte dos Consórcios (CEARÁ, 2013).
Iniciando os trabalhos, os estudos preliminares aconteceram entre 2005 e 2006,
ainda no domínio da extinta SEINFRA e se refere ao Estudo de Viabilidade do Programa para
o Tratamento e Disposição final dos Resíduos Sólidos do Estado do Ceará, realizado pela
Prointec. O próximo passo foi a formação de consórcios públicos intermunicipais, iniciada em
2007, já no âmbito da SCIDADES. A fase seguinte, elaboração dos Projetos Executivos, só se
concretizou para poucos consórcios e a construção e a gestão dos aterros sanitários por enquanto
só existem enquanto plano, como veremos mais adiante na caracterização dos consórcios
intermunicipais para aterro sanitário no Estado (item 5.2).
De todo modo, a ineficiência na execução de algumas políticas públicas no âmbito
do meio ambiente não é o único problema que afeta os órgãos públicos no Estado. Conforme
noticiara a empresa local, em 2008 a Polícia Federal iniciou a Operação Marambaia, que
investigava uma série de crimes ambientais cometidos pela associação criminosa de pessoas
232 Ao todo são cinco Coordenadorias: Desenvolvimento Urbano; Obras Urbanas; Saneamento; Desenvolvimento
da Habitação de Interesse Social e Administrativo-Financeira. 233 Ao todo são três Unidades de Gerenciamento de Projetos: Projeto de Desenvolvimento Econômico Regional
do Ceará – Cidades do Ceará, Cariri Central (UGP I); Projeto de Desenvolvimento Urbano de Polos Regionais,
Vale do Jaguaribe e Vale do Acaraú (UGP II); e Projeto de Desenvolvimento urbano da Região Metropolitana
de Fortaleza.
204
em diferentes cargos e esferas administrativas, entre os quais estariam servidores de alto escalão
do IBAMA e da SEMACE, secretários, fiscais, professores universitários e empresários. Entre
os crimes, estariam
Licenças ambientais fraudulentas em áreas de preservação, estudos de impacto
viciados, tráfico de influência, peculato, prevaricação, suborno e outros crimes que
favoreciam a especulação imobiliária no litoral de Fortaleza, Caucaia, São Gonçalo
do Amarante, Aquiraz, Fortim, Aracati, Icapuí, área urbana de Crateús e
Guaramiranga [...] (SOBRAL, 2014).
Com o escândalo, o Governo do Estado se viu obrigado a proceder a um reparo
administrativo com a finalidade de moralizar a SEMACE e reintegrar a confiança no órgão.
Porém, o ocorrido serve como exemplo para questionarmos até que ponto as ferramentas legais
– fraudadas ou não - constituídas para a pretensa proteção do meio ambiente são eficientes
dentro do jogo político, científico, jurídico e econômico e quando, apropriadas por relações de
poder, elas deixam de ser instrumentos de proteção para se transformarem em instrumento de
legitimação da destruição ambiental.
Em 2008 foi criado o Fórum Cearense de Mudanças Climáticas e de Biodiversidade
(Decreto nº 29.272/2008), incumbido de elaborar as diretrizes da Política Estadual sobre as
Mudanças do Clima. Criado no âmbito do CONPAM234, o fórum reproduz as diretrizes
nacionais, tendo suas atribuições pautadas pelo desenvolvimento sustentável:
I - Elaborar, em consonância com o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e com
a Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, as diretrizes da Política
Estadual sobre as Mudanças do Clima no Estado do Ceará;
II - Elaborar e divulgar o Relatório Estadual de Mudanças Climáticas e da
Biodiversidade;
III - Incentivar, no âmbito da Administração Pública do Estado e dos Municípios, a
adoção de políticas voltadas para a proteção da biodiversidade e administração e
mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Estado do Ceará;
IV - Apoiar, estimular e facilitar a realização de estudos, pesquisas e ações de
educação sobre os temas relativos às mudanças climáticas e à biodiversidade,
conforme previsão contida no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da
Organização das Nações Unidas - IPCC;
V - Apoiar, estimular e implementar projetos que utilizem os mecanismos de
desenvolvimento limpo, respeitados os tratados internacionais pertinentes (SEMA,
2016, grifos nossos).
Por outro lado, das 32 instituições que compõem o fórum, a maioria é
governamental e reafirma o posicionamento do executivo e do legislativo estadual em defesa
de uma matriz energética que segue na contramão da política de redução de emissões de GEEs
234 Após a extinção desse órgão passou a ser presidido pela SEMA. Apesar de criado ainda em 2008, sua primeira
reunião só aconteceu em março de 2015 já sob a presidência da SEMA.
205
assumida pelo Brasil no Acordo de Paris (2015)235. Vale destacar ainda que há apenas uma
cadeira para os movimentos sociais que, apesar da clara oposição ao modelo defendido pelas
instituições governamentais, para efeitos de decisão é facilmente esmagado em quórum.
Em 2015, com a mudança do gestor estadual, o CONPAM foi dissolvido e em seu
lugar foi finalmente criada a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Ceará – SEMA236.
Conforme o estabelecido na Lei Estadual nº 15.798/2015, o COEMA passa a estar vinculado à
SEMA e esta absorve praticamente todas as competências do extinto CONPAM, além de
receber outras não desempenhadas pelo seu antecessor. A seguir, elaboramos um quadro
comparativo entre as competências de um e de outro, com destaque para aquelas que sofreram
alteração:
235 O exemplo mais representativo são as três usinas termelétricas (à base de carvão, gás e óleo) do Complexo
Industrial e Portuário do Pecém - CIPP que juntas já respondem por 27,8% das emissões do estado e consomem
1.257 litros de água por segundo: sua emissão de GEEs é quatro vezes maior que a de toda a frota de automóveis
particulares do Ceará e seu consumo de água seria suficiente para abastecer uma cidade de 900 mil habitantes,
ampliando ainda mais o risco de colapso hídrico, a poluição e os impactos ambientais no estado. Ainda assim, e
além de todos os subsídios concedidos às usinas já instaladas, em maio de 2015, a Assembleia Legislativa
aprovou por 23 (vinte e três) votos a 8 (oito) a proposta do governador Camilo Santana (2015-2018) de conceder
isenção fiscal a novas termelétricas que pretendam se instalar no estado. 236 Lei Estadual nº 15.773/2015.
206
Quadro 6 - Comparação entre as competências do CONPAM e da SEMA
Dados: CONPAM, 2013 apud TORRES, 2013; SEMA/CONPAM, 2015.
Fonte: Elaborado pela autora.
Nota: Os artigos estão dispostos em pares de equivalentes com destaque (cor e grifo) para aqueles entre os quais
houve modificações (alteração, criação e exclusão).
Assim como o CONPAM, a SEMA mantém a competência de coordenar todo o
sistema ambiental do Estado, o que ampliou o universo da secretaria levando à aquisição de
duas competências fundamentais: a gestão das Unidades de Conservação - UCs e a coordenação
dos planos, programas e políticas de educação ambiental no Estado.
Como a SCIDADES, a SEMA também divide seu plano de trabalho em
coordenadorias que, por sua vez, estão subdivididas em células: Coordenadoria Administrativo-
CONPAM SEMA
I. Elaborar, planejar e implementar a política
ambiental do Estado;
I. Elaborar, planejar e implementar a política
ambiental do Estado;
II. Monitorar e avaliar a execução da política
ambiental do Estado;
II. Monitorar, avaliar e executa r a política ambiental
do Estado;
III. Promover articulação interinstitucional nos
âmbitos federal, estadual e municipal e estabelecer
mecanismos de participação da sociedade civi l;
III. Promover a articulação interinstitucional de
cunho ambiental nos âmbitos federal, estadual e
municipal;
IV. Efetivar a sintonia entre sistemas ambientais
federal, estadual e municipais;-
-IV. Propor, gerir e coordenar a implantação de
Unidades de Conservação sob jurisdição estadual;
-V. Coordenar planos, programas e projetos de
educação ambiental;
V. Fomentar a captação de recursos financeiros
através da celebração de convênios, ajustes e
acordos com entidades públicas e privadas,
nacionais e internacionais, para a implementação
da política ambiental do Estado;
VI. Fomentar a captação de recursos financeiros
através da celebração de convênios, ajustes e
acordos, com entidades públicas e privadas,
nacionais e internacionais, para a implementação da
política ambiental do Estado;
VI. Propor a revisão e atualização da legislação
pertinente ao sistema ambiental do Estado;
VII. Propor a revisão e atualização da legislação
pertinente ao sistema ambiental do Estado;
VII. Coordenar o sistema ambiental estadual; VIII. Coordenar o sistema ambiental estadual;
-IX. Analisar e acompanhar as políticas públicas
setoriais que tenham impacto ao meio ambiente;
-X. Articular e coordenar os planos e ações
relacionados à área ambiental;
VIII. Exercer outras atribuições necessárias ao
cumprimento de suas finalidades nos termos do
regulamento.
XI. Exercer outras atribuições necessárias ao
cumprimento de suas finalidades nos termos do
regulamento.
Competências
207
Financeira – Coafi; Coordenadoria de Educação Ambiental e Articulação Social – Coeas;
Coordenadoria de Biodiversidade – Cobio e Coordenadoria de Desenvolvimento Sustentável –
Codes.
O desenvolvimento sustentável é um menu de destaque na estruturação da SEMA,
evidenciado sobretudo nas ações e projetos da Codes e da Cobio. A SEMA também ganhou a
competência específica de analisar e acompanhar as políticas públicas setoriais afetas ao meio
ambiente, bem como de articular e coordenar planos e ações relacionados à área ambiental.
Interpretando seu cronograma institucional, tais competências se remetem à Célula de Políticas
Públicas e Projetos Ambientas que está inserida dentro da Codes, o que sugere que tais políticas,
projetos e ações são orientadas pelo desenvolvimento sustentável. A Cobio, responsável pela
gestão das UCs do Estado, por exemplo, possui uma Célula de Compensação Ambiental,
enquanto a Codes possui uma Célula de Mudanças Climáticas e Combate à Desertificação, além
da atribuição, entre outras, de estimular a elaboração e a implantação de projetos de MDL de
energias alternativas.
Dentre os projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável, podemos destacar
dois: o projeto Ceará Carbono Zero237, que visa identificar as emissões de GEEs nos municípios
cearenses e gerar instrumentos de gestão que possibilitem a sua neutralização, mitigação ou
compensação; e o projeto de Eficiência Energética238, que propõe ganhos ambientais e
econômicos para indústrias cerâmicas a partir de alterações nas fontes combustíveis que
sustentam a atividade.
Em resumo, este é o quadro dos órgãos que compõem o histórico da política
ambiental do estado do Ceará de 1987 a 2016, quer sejam órgãos diretamente relacionados à
gestão ambiental, quer estejam apenas vinculados aos primeiros, sobretudo à SEMACE que
nesse sentido possui um destaque central:
237 Com implementação inicial para as regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri, o projeto prevê a realização
de cálculos e gerenciamento de emissões de GEEs através de software, a realização de seminários, mobilizações
e oficinas de apoio a execução do projeto e culminar com a publicação dos relatórios de sustentabilidade dos
municípios envolvidos (SEMA, 2016). 238 Está sendo desenvolvido em convênio com o MMA e tem como foco as indústrias cerâmicas da região do Baixo
Jaguaribe no que se refere às matrizes energéticas utilizadas como combustível para a sua atividade produtiva.
“O objetivo é apresentar de modo concreto as possibilidades dos ganhos ambientais e econômicos obtidos a
partir de um plano de produção sustentável para as indústrias.” (SEMA, 2016).
208
Quadro 7 - Órgãos que compõem o histórico da política ambiental no estado do Ceará
Dados: SEMACE, 2015; SEMA/COMPAM, 2015; SCIDADES, 2015.
Fonte: Elaborado pela autora.
Obs.: As setas indicam a sucessão de órgãos (esquerda) e vínculo da SEMACE (direita).
(*) Política e órgão federal.
Enquanto órgão competente para promover a articulação interinstitucional nos
âmbitos federal, estadual e municipal, o CONPAM foi o encarregado de organizar as
conferências estaduais e regionais que antecederam as quatro edições da Conferência Nacional
de Meio Ambiente – CNMA, ocorridas respectivamente em 2003, 2005, 2008 e 2013, com
destaque na IV CNMA (2013), que teve como tema os resíduos sólidos.
No tocante aos resíduos sólidos foi criado, ainda na gestão do extinto CONPAM e
agora sob competência da SEMA, o Programa de Gestão Integrada e Regionalizada de Resíduos
Sólidos com o objetivo de instituir ferramentas de planejamento e integração dos órgãos
envolvidos na gestão de resíduos sólidos, fortalecendo a gestão municipal na área e
minimizando os riscos de contaminação do meio ambiente e das comunidades expostas.
Os projetos e as ações que compõem o programa são: a) a atualização da Política
Estadual de Resíduos Sólidos – PERS (2001), com base na PNRS (2010); b) a atualização do
Sistema de Informações Estadual sobre Gestão de Resíduos Sólidos – SIRES; c) a elaboração
dos planos estadual e regionais de resíduos sólidos; d) a apuração do Índice Municipal de
Qualidade do Meio Ambiente – IQM e; e) a regionalização para a gestão integrada de resíduos
sólidos no estado do Ceará.
SDU 1999
SUDEC 1962 1987
PNMA* 1981 -
SISNAMA* 1981 -
PEMA 1987 -
COEMA 1987 -
Ouvid. Amb 1988 2001
↓ SEINFRA 1999 2001
SOMA 2001 2007
SDLR 2003 2006
SCIDADES 2007 -
CONPAM 2007 2015
SEMA 2015 -
↓
↓
↑
1987
2015
2007
2001
Órgãos - Política Ambiental do Estado do Ceará
SEMACE
SEMACE 1987
↓
↓↓
↓
1999
↓
ExtinçãoCriaçãoÓrgãoVinculação da
209
O estudo para o planejamento da política de regionalização da gestão integrada de
resíduos sólidos, visando soluções integradas e consorciadas foi realizado em 2012 tendo como
subsídio as diretrizes da PNSB (2007), PNMC (2009) e PNRS (2010) e considerando as
unidades de aterros sanitários já existentes ou em fase de projeto (CEARÁ, 2016).
Nesse estudo, foram discutidas três propostas de regionalização para a gestão
integrada de resíduos sólidos. A primeira foi aquela proposta pelos primeiros estudos
elaborados ainda em 2005 e adotada pela SCIDADES, que dividia o Estado em 30 consórcios
intermunicipais para a implementação de aterros sanitários regionalizados e instalados em
municípios sede. A segunda proposta foi baseada no estudo do Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará - IPECE de 2006, que divide o Estado em 13 regiões com base em critérios
naturais e socioeconômicos, estabelecendo municípios polo.
A terceira proposta discutida e adotada foi a interseção entre as duas propostas
anteriores, dividindo os 30 consórcios intermunicipais em 14 Regiões de Planejamento da
Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Cada região possui um município polo que em geral
coincide com o município sede de consórcio que mais se destaca no recorte regional. No mapa
a seguir (figura 4), podemos observar essa divisão regional:
210
Figura 4 - Regionalização para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos
Dados: Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ,2016).
Fonte: Elaborado pela autora.
211
Essa é a divisão atualmente adotada nas políticas e planejamento estudais na área
de resíduos sólidos e sobre a qual foi construído o Plano Estadual de Resíduos Sólidos – PERS
(2016). Na prática, essa opção anexa áreas de consórcios em unidades de referência maiores
que facilitem a execução dos estudos conforme a metodologia de amostragem adotada.
Quase uma década antes de política nacional, a PERS (2001) já exigia a implantação
de sistemas de tratamento e disposição final de resíduos sólidos, bem como a recuperação de
áreas degradadas ou contaminadas. Nessa perspectiva, posteriormente foram criados
instrumentos para incentivar a melhoria do desempenho ambiental dos municípios cearenses,
tais como o Selo Municipal Verde (2003) e o Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente
- IQM (2008) (CEARÁ, 2016).
A Lei Estadual nº 13.304/2003 cria o Selo Município Verde e o Prêmio
Sustentabilidade Ambiental. O primeiro é um programa de certificação ambiental pública
bienal, que identifica “as prefeituras cearenses que atendem aos critérios pré-estabelecidos de
conservação e uso sustentável dos recursos naturais, incentivando o fortalecimento das gestões
ambientais”. Dentre os contemplados com o selo, o prêmio é reservado aos que apresentarem
melhor desempenho (SEMA, 2016).
O IQM ou ICMS Ecológico é um dos índices de qualidade municipal instituídos
pelo Decreto Estadual n° 29.306/2008 e que no estado do Ceará compõe o ICMS
Socioambiental definido pela Constituição239. Os critérios estabelecidos pelo IQM para que os
municípios cearenses possam ter acesso a até 2% do ICMS estadual é a existência ou não de
Sistema de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos devidamente aprovados
pelo CONPAM/SEMACE240.
“Entretanto, os resultados obtidos ainda não se fizeram sentir, pois ainda
predomina, na maioria dos municípios, o uso do lixão (como destinação final de resíduos,
inclusive para os resíduos de serviços de saúde”. Desse modo, uma das ações propostas no
PERS (2016) para o Programa de Resíduos Sólidos do Ceará é o aprimoramento do sistema de
239 A Constituição Federal (1988, Art.158) determina que 25% do ICMS arrecadado nos Estados seja repassado
aos seus municípios. Desse montante, 75% dependem de critérios constitucionais e 25% (6,25% do total) de
critérios definidos por leis estaduais. O ICMS Socioambiental é esse conjunto de critérios adotado por pelo
menos 18 estados brasileiros para disciplinar o repasse. No estado do Ceará, essa porcentagem é distribuída entre
Índice Municipal de Qualidade Educacional – IQE239 (18%), Índice Municipal de Qualidade da Saúde - IQS
(5%) e Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente – IQM (2%). A apuração é anual e deve ser requerida
pelos municípios interessados através de formulário e documentação comprobatória, cujas informações prestadas
deverão ser apuradas em visita técnica. 240 Em 2008, foi aceito como critério apenas o Plano de Gerenciamento Integrado dos Resíduos Sólidos Urbanos
– PGIRSU devidamente aprovado pelo CONPAM/SEMACE.
212
incentivos financeiros, baseado principalmente no IQM, capaz de induzir melhoria na área de
resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.52).
Como de acordo com a Constituição, parte dos critérios de acesso ao ICMS devem
ser definidas pelos Estados, isso possibilitou a adoção de critérios ambientais que levaram à
criação do ICMS Ecológico. O repasse que nasceu como uma forma de compensar os
municípios pela restrição de uso do solo em locais protegidos, hoje se tornou uma ferramenta
para incentivar os municípios a melhorarem a sua qualidade ambiental, com o intuito de
aumentar a sua arrecadação. Desse modo, baseado na premissa de que a preservação do meio
ambiente deve gerar mais benefícios econômicos do que a sua degradação, o ICMS Ecológico
constitui uma forma de Pagamento por Serviços Ambientais – PSA e está, portanto, no domínio
do desenvolvimento sustentável.
Em 2013 foram iniciados os trabalhos para a elaboração do Plano Estadual de
Resíduos Sólidos – PERS. Fruto de um convênio entre o MMA e o CONPAM, foram
posteriormente assumidos pela SEMA e culminaram no lançamento do plano em março de
2016.
Preservando o desenho dos consórcios intermunicipais para aterros sanitários
anteriormente formados, o plano adota as 14 Regiões de Planejamento da Gestão Integrada de
Resíduos Sólidos (figura 4)241 como sua base de seus estudos, de modo que essas regiões
constituem as unidades de análise adotadas pelo plano em sua estrutura: números, análise,
diagnóstico, prognóstico, metas, planejamentos etc., tudo se refere às regiões.
Dada a grande quantidade de municípios objeto do estudo, eles foram anexados em
regiões e estas foram caracterizadas a partir de uma metodologia de amostragem que utiliza
municípios representativos de cada região, o que reduz a escala, facilitando bastante os estudos.
Os planos estaduais de resíduos sólidos são uma exigência da PNRS (2010) - que
define sua estrutura mínima obrigatória - e um instrumento de planejamento para
implementação gradual das políticas estadual e federal de resíduo sólidos. No Ceará, o PERS
(2016) tem um horizonte de 20 anos (2013-2034) com metas para curto, médio e longo prazo,
devendo ser revisado a cada 4 anos.
241 A elaboração do PERS foi composta das seguintes etapas: Mobilização Social; Diagnóstico socioambiental dos
resíduos sólidos do Ceará; Estudos de prospecção e escolha dos cenários; Validação do PERS (CEARÁ, 2016).
Sobre os estudos que subsidiaram a construção do PERS, eles foram realizados pela Gaia Engenharia Ambiental
e EcoSan Consultoria em Saneamento Ambiental e estão organizados em documentos a ele relacionados:
Cadernos Temáticos (Aspectos Econômicos, Banco de Dados, Capacitação, Mecanismos de Cobrança e
Regulação e Fiscalização), Estudo de Prospecção e Escolha de Cenários de Referência e Panorama dos Resíduos
Sólidos do Ceará (Volumes I, II, III e versão resumida).
213
As projeções de crescimento populacional e de urbanização para o horizonte do
plano foram feitas a partir dos censos 2000 e 2010 do IBGE. Já as estimativas para a gerações
de Resíduos Sólidos Urbanos - RSU foram alcançadas a partir de um modelo de geração per
capita por faixa populacional do MMA (2003)242. Estimada a população e a geração de resíduos
para o ano de 2013, foi possível estimá-las até 2034 em cada uma das regiões e assim traçar o
perfil do Estado para então elaborar as estratégias e metas para o horizonte do plano.
É importante ressaltar que esse modelo confirma que a produção de RSU per capta
é tão maior quanto mais populosa e urbanizada for determinada região243. Ou seja, ainda que a
unidade de análise do estudo seja a região, o que impõe uma média numérica, é necessário
considerar que há uma sensível diferença entre a produção per capta de um município pequeno
do interior do Estado e a de um município da Região Metropolitana de Fortaleza - RMF, por
exemplo, ou mesmo no interior dos consórcios, onde há sempre um município em destaque.
O plano cria dois cenários futuros244 para a gestão e gerenciamento dos resíduos
sólidos no estado, dos quais decorrem as metas. Foram definidos de acordo com alguns
elementos, a saber: o desenvolvimento socioeconômico do Estado; a modernização
socioeconômica do sistema de manejo de resíduos sólidos; o sistema urbano, ambiente de
atuação do sistema de resíduos sólidos e os vetores estratégicos do desenvolvimento do sistema
de resíduos.
Os vetores estratégicos, por sua vez, estão associados à ordem de prioridade
definida pela PNRS (2010)245 e visam à redução de impactos ambientais e socioeconômicos,
são eles: coleta seletiva, disposição final dos resíduos/rejeitos, educação ambiental e gestão de
resíduos. Foram identificadas ameaças (de alta, média e baixa relevância246) e oportunidades e
em seguida, estas foram distribuídas por vetores estratégicos e classificadas em ordem de
prioridades conforme a relevância das ameaças.
242 A estimativa projetada para o Ceará no ano de 2013 foi a seguinte: população total de 8.790.713 habitantes com
o predomínio de 74,66% de população urbana (6.698.163 habitantes) e geração de RSU média de 1,95
Kg/hab.dia. 243 Conforme o modelo adotado, a geração de RSU média em uma região com faixa populacional de 795 a 2.000
habitante é de 0,72 Kg/hab.dia, enquanto numa região com faixa populacional de 1.000.001 a 1.500.000 essa
geração sobe para 1,95 Kg/hab.dia. 244 “O Cenário I, pelas características apresentadas, seria o ambiente futuro sem a implementação do Plano Estadual
de Resíduos Sólidos e dos Planos Municipais de Gestão Integrado de Resíduos Sólidos, enquanto o Cenário II é
o ambiente futuro com a implementação desses Planos.” (CEARÁ, 2016, p.81). 245 Não geração; redução; reutilização; reciclagem; tratamento; e disposição final de Rejeitos. 246 A ameaça é alta quando representa deficiências que exigem atenção especial dos responsáveis para a
implementação da política de resíduos sólidos, o que faz dela uma prioridade; é média quando não constituem
obstáculos significativos ao desenvolvimento a contento da política de resíduos; e baixa quando podem ser
afastadas por meio de ações pontuais e imediatas (CEARÁ, 2016).
214
A partir da situação atual dos resíduos sólidos no Estado, o plano estabelece
diretrizes e estratégias para os temas propostos na PNRS (2010). “Essas diretrizes e estratégias
foram estabelecidas de maneira a nortear a consolidação de um conjunto de metas relativas à
gestão dos resíduos sólidos, as ações e os meios para que possam ser implementados tanto a
nível estadual quanto a nível municipal” (CEARÁ, 2016, p.103).
Com relação à disposição final de resíduos sólidos, a diretriz é promover a
disposição final dos rejeitos em aterros sanitários e a estratégia é apoiar a formação de
consórcios intermunicipais e dar suporte aos municípios na elaboração de projetos de
implantação desses aterros. Quanto às metas mencionadas, bem como os programas, projetos e
ações propostos no plano, foram construídos a partir da identificação dos aspectos críticos da
situação atual e pretendem atender às disposições da PNRS (2010), “em que uma das metas
obrigatórias constitui a implantação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos
(CEARÁ, 2016, p.106).
“A proposta de implementação do PERS prevê o desenvolvimento de ações por
meio da construção de um Programa de Resíduos Sólidos do Ceará”. São ao todo 36 metas com
o objetivo de promover a sustentabilidade dos municípios e a redução de impactos ambientais
negativos na área de resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.108).
O modelo tecnológico adotado pelo PERS (2016) segue a proposta da PNRS (2010)
e é baseado sobretudo na formação de consórcios intermunicipais.
O MMA incentiva a implantação de um Modelo Tecnológico que privilegia o manejo
diferenciado e a gestão integrada dos resíduos sólidos, com inclusão social e
formalização do papel dos catadores de materiais recicláveis, com compartilhamento
de responsabilidade com os diversos agentes. Este modelo pressupõe um
planejamento preciso do território, com a definição do uso compartilhado das redes
de instalações para o manejo de diversos resíduos, e com a definição de uma logística
de transporte adequada, para que baixos custos sejam obtidos (MMA, 2011 apud
CEARÁ, 2016, p.94).
Além dos aterros sanitários (NBR 13.896), o modelo tecnológico proposto pelo
MMA inclui outras estruturas de menor magnitude cujas condições de instalação dependem do
tamanho da população a ser atendida247, como pontos e locais de entrega voluntária de resíduos
recicláveis (PEVs ou Ecopontos e LEVs), áreas de triagem e transbordo (ATTs) de diferentes
tipos de resíduos, unidades de compostagem de resíduos orgânicos, áreas de reciclagem e
aterros de resíduos da construção e aterros sanitários de pequeno porte cujo licenciamento é
simplificado (Resolução CONAMA nº 404 e NBR 15.849).
247 No Ceará foram definidas quatro faixas: até 30 mil habitantes; de 30 mil a 250 mil; de 250 mil a 1 milhão e
superior a 1 milhão (CEARÁ, 2016).
215
Adaptando as orientações do MMA à realidade dos municípios cearenses, o PERS
propõe um modelo tecnológico composto de cinco etapas: geração, segregação,
acondicionamento e coletas dos resíduos sólidos; centrais de armazenamento; triagem dos
resíduos sólidos e polos de estocagem; disposição final dos rejeitos; recuperação de recursos.
Em resumo, o plano se propõe a solucionar os problemas listados pela PNRS (2010)
e assim como esta, se pauta pelo desenvolvimento sustentável, de modo que
Os objetivos principais do Plano são: Desativar e recuperar as áreas degradadas pelos
lixões; implantar a coleta seletiva em todas as regiões de gestão integrada de resíduos
sólidos; implantar a logística reversa; implantar a compostagem dos resíduos
orgânicos; incluir os catadores de materiais recicláveis na responsabilidade
compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e realizar a Capacitação continuada
para gestão de resíduos sólidos (CEARÁ, 2016, p.15).
O horizonte do plano é 2013-2034, mas ele só foi lançado em 2016, quando já havia
transcorrido metade do tempo previsto para as metas de curto prazo (0 a 4 anos), entre as quais
está a atualização da PERS (2001) e a elaboração dos Planos Regionais de Gestão de Resíduos
Sólidos. Nesse sentido, o plano afirma que “o Estado atualmente através da Secretaria do Meio
Ambiente está encaminhando para aprovação a nova lei estadual em consonância com a PNRS”
(CEARÁ, 2016, p.91), enquanto a elaboração dos planos regionais aparece apenas como meta.
Finalmente, no tocante a atualização das informações sobre resíduos sólidos no
Estado, ainda não existe um sistema de informações e de indicadores sobre a gestão de resíduos.
Atualmente, as informações existentes não são sistematizadas e provém de diferentes fontes
com distintos métodos de captação, como por exemplo o diagnóstico feito pelo PERS (2016),
os dados informados pelos municípios no IQM e as informações fragmentadas de diferentes
órgãos.
Essa inexistência é tratada no plano como uma ameaça de alta relevância, ou seja,
que exige tratamento prioritário com vistas a uma resolução rápida sob pena de comprometer a
implementação da política de resíduos sólidos. Desse modo, a elaboração e a implementação
desse sistema também é uma meta de curto prazo e deve ser implantada pelo Estado em parceria
com os municípios e disponibilizado para a sociedade.
Apesar de se antecipar na elaboração de uma política de resíduos sólidos em 2001,
o Estado não criou um plano para a sua implementação. Assim, as ações empreendidas nesse
campo seguiram programas de governos: descontinuadas, descentralizadas entre diferentes
órgãos e sem a estrutura e a solidez necessárias para tratar a questão de uma forma abrangente
e eficaz. Após a publicação da PNRS (2010), que disciplina a temática em nível federal, o PERS
(2016) constitui o instrumento mais abrangente e integrado, além de legalmente amparado, no
216
âmbito dos resíduos sólidos no Estado e a partir dele se espera que as ações empreendidas
possam finalmente ser sistematizadas, enquanto política pública capaz de responder as
demandas sociais e ambientais presentes e vindouras.
5.1.1 A gestão dos resíduos sólidos no estado do Ceará
É em um contexto de acentuada diferença regional dentro do espaço nacional que
o Estado do Ceará, onde são recolhidas diariamente 6.909 toneladas de resíduos sólidos (IBGE,
2010), está inserido. De acordo com a Coordenadoria de Saneamento Ambiental – Cosan (2014)
da SCIDADES, dos 184 municípios cearenses, em 2014, apenas 7 deles, concentrados
sobretudo na RMF, realizavam a adequada gestão de seus resíduos sólidos (apenas 4,10%), ou
seja, destinavam seus resíduos sólidos para aterros sanitários. Em situação oposta estão outros
131 municípios (70,90%) que realizam a gestão inadequada e mais 46 municípios (25%) que
realizam uma gestão inaceitável248. Como reflexo, o nível de risco ambiental é alto em 96% dos
munícipios.
Figura 5 - Gestão de RS e risco ambiental nos municípios cearenses
Dados: Cosan, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Na tabela a seguir, vemos uma síntese das principais informações levantadas pelo
IBGE (2010) na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, a respeito do local utilizado
pelos municípios brasileiros para a disposição final dos seus respectivos resíduos sólidos e
podemos ainda comparar a situação do estado do Ceará com o contexto nacional:
248 A Cosan/SCIDADES não deixa claros os critérios utilizados para fazer a classificação da gestão, bem como a
diferenciação entre gestão inadequada e gestão inaceitável.
217
Tabela 1 - Características do principal local utilizado para disposição de resíduos sólidos
por número de municípios no Brasil e no Ceará
Dados: IBGE, 2010.
Fonte: Elaborado pela autora.
nº % nº %
Total de Municípios 5.564 100,00 184 100,00
Municípios com serviço de manejo de resíduos sólidos 5.562 99,96 184 100,00
Municípios com disposição de resíduos sólidos no solo do
próprio município 4.498 80,84 164 89,13
Com via de acesso em boa condição de conservação 4.255 76,47 165 89,67
Com cerca perimetral 3.345 60,12 112 60,87
Com licença de operação válida 2.258 40,58 80 43,48
Com controle de acesso à instalação 2.159 38,80 58 31,52
Com ocorrência de queima de resíduos a céu aberto (mesmo que
em valas) 1.982 35,62 119 64,67
Com recobrimento eventual dos resíduos com solo compactado
com frequência superior a uma vez por semana 1.818 32,67 49 26,63
Com presença de catadores de resíduos no interior da instalação 1.703 30,61 118 64,13
Com monitoramento sistemático da saúde do pessoal
operacional 1.490 26,78 45 24,46
Com presença de animais de médio e/ou grande porte (porcos,
cães, bovinos, equinos etc.) no interior da instalação 1.478 26,56 84 45,65
Com sistema de manejo de águas pluviais 1.282 23,04 19 10,33
Com edificação para administração e apoio operacional 1.117 20,08 28 15,22
Com recobrimento sistemático dos resíduos com frequência
superior a 1 dia 1.049 18,85 34 18,48
Com sistema de drenagem do chorume 1.020 18,33 16 8,70
Localização a menos de 1 km de aglomerados residenciais 980 17,61 32 17,39
Com impermeabilização da base do aterro (com manta sintética
ou argila) 828 14,88 18 9,78
Com recobrimento sistemático dos resíduos com frequência
diária 784 14,09 4 2,17
Com monitoramento sistemático da qualidade das águas
superficiais 753 13,53 18 9,78
Localização a menos de 1 km de Áreas de Proteção Ambiental 730 13,12 13 7,07
Com monitoramento sistemático da qualidade das águas
subterrâneas 601 10,80 11 5,98
Com sistema de tratamento de chorume interno ou externo à
instalação 531 9,54 7 3,80
Com monitoramento sistemático da estabilidade de maciços 497 8,93 8 4,35
Com sistema de drenagem e tratamento (queima controlada) de
gases 441 7,93 12 6,52
Com sistema de recirculação do chorume no maciço do aterro 391 7,03 6 3,26
Com balança rodoviária 310 5,57 7 3,80
Com moradias improvisadas de catadores na gleba 285 5,12 20 10,87
Com ocorrência de queima de resíduos em fornos improvisados 139 2,50 8 4,35
Com recuperação de metano a partir do biogás captado 39 0,70 0 0,00
Com geração de energia 26 0,47 0 0,00
CearáBrasilCaracterísticas do principal local utilizado para disposição de
resíduos sólidos (aterro sanitário, aterro controlado ou lixão)
218
De maneira geral, o estado do Ceará possui uma condição crítica e muito distante
daquela proposta pela PNRS (2010). Se a situação do Estado já é grave devido o predomínio
dos lixões, onde se depositam os RSU provenientes da coleta pública domiciliar e da limpeza
pública, ela tende a se agravar quando se analisa a gestão dos resíduos especiais que quando
descartados de maneira inadequada oferecem risco ainda maior para a saúde pública e para o
meio ambiente.
Segundo constatação da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, 84%
dos municípios cearenses declararam depositar os Resíduos de Serviços de Saúde - RSS em
lixões junto com os demais resíduos; e entre os que realizam algum tipo de processamento, a
queima a céu aberto é predominante. Apenas 9 municípios realizam a coleta de resíduos sólidos
industriais perigosos e/ou não inertes 249 e somente 31 municípios submetem os Resíduos de
Construção e Demolição – RCD a algum tipo de processamento. Somente 6 municípios
cearenses realizam a coleta seletiva, sendo que em apenas 2 deles a coleta é realizada em todo
o município. A mão de obra empregada no serviço de manejo de resíduos sólidos em todo o
Estado é de 15.205 colaboradores, sendo apenas 9.085 destes efetivos250 (IBGE, 2010).
A seguir, podemos observar essas e outras informações sobre a destinação de
resíduos sólidos especiais no Estado em comparação com o Brasil:
249 São 35 municípios em todo o Nordeste. 250 A pesquisa de saneamento do IBGE considera os números informados pelos municípios, o que certamente não
envolve os catadores e catadoras já que a maioria dos municípios não têm qualquer controle sobre estes, assim
como qualquer despesa com eles dada a natureza informal do trabalho de catação.
219
Tabela 2 - Destinação dos RS especiais por número de municípios no Brasil e no Ceará
Dados: IBGE, 2010.
Fonte: Elaborado pela autora.
(1) O município pode apresentar mais de um tipo de processamento.
(2) O município pode apresentar mais de uma forma de disposição no solo.
nº % nº %
Total de municípios 5564 100,00 184 100,00
Municípios com coleta e/ou recebimento de resíduos sépticos 4469 80,32 149 80,98
1. Municípios onde não existe processamento dos resíduos
sólidos sépticos56 1,01 1 0,54
2. Municípios que realizam processamento dos resíduos
sépticos2613 46,96 80 43,48
• Incineração 1379 24,78 27 14,67
• Tratamento em autoclave 763 13,71 0 0,00
• Queima a céu aberto 616 11,07 51 27,72
• Queima em fornos simples 131 2,35 8 4,35
• Tratamento por micro-ondas 76 1,37 0 0,00
• Outro 291 5,23 5 2,72
3. Município com local para disposição de resíduos em
solo próprio2358 42,38 123 66,85
• Em vazadouro, em conjunto com os demais resíduos 1108 19,91 82 44,57
• Sob controle, em aterro de terceiros específico para resíduos
especiais1046 18,80 4 2,17
• Sob controle, em aterro convencional, em conjunto com os
demais resíduos642 11,54 10 5,43
• Sob controle, em aterro da prefeitura específico para resíduos
especiais561 10,08 18 9,78
• Outra 811 58,81 17 9,2391
Municípios com coleta de resíduos sólidos industriais perigosos
e/ou não inertes136 2,44 9 17,65
Municípios com coleta e/ou recebimento de resíduos sólidos
industriais perigosos e/ou não inertes159 2,86 10 5,43
Municípios que submetem os resíduos a algum tipo de
processamento (1) 26 0,47 1 0,54
Municípios com serviço de manejo dos resíduos de construção e
demolição4031 72,45 167 90,76
Municípios que submetem os resíduos a algum tipo de
processamento (1) 392 7,05 31 16,85
Município com serviço de manejo de pilhas e baterias 302 5,43 0 0,00
Munícipios que realizam algum processamento 116 2,08 0 0,00
Municípios que depositam os resíduos no solo 232 4,17 0 0,00
→ Tipo de processamento(1)
Resíduos Sólidos industriais perigosos e/ou não inertes
Número de municípios com destinação dos
Resíduos Sólidos Especiais
Pilhas e baterias
Brasil
Resíduos de Serviços de Saúde - RSS
→ Forma de disposição dos resíduos no solo do município (2)
Ceará
Resíduos Sólidos de construção e demolição
220
Na maioria dos municípios, os RSS são coletados junto com os resíduos comuns e
encaminhados aos lixões, onde em alguns casos são incinerados. Apenas 5 municípios possuem
formas mais adequadas para o confinamento dos RSS e poucos estabelecimentos de saúde
possuem planos de gerenciamento de resíduos sólidos e quando existem não são implementados
e atualizados (SESA, 2007 apud CEARÁ, 2016).
A prática da incineração no estado é limitada e se restringe a uma pequena parcela
dos RSS. Não existem dados sobre a gestão e o gerenciamento dos resíduos de transportes
(portos, aeroportos, terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira)
e apesar da considerável comercialização de agrotóxicos e da grande quantidade de indústrias
de extração mineral ativas no Estado251, há carência sobre a destinação final de embalagens de
agrotóxicos e de resíduos da mineração (CEARÁ, 2015).
Entretanto, conhecer a composição dos resíduos sólidos é fundamental para planejar
o seu tratamento e destinação final mais adequados. Com a ausência de coleta seletiva, resíduos
de diferentes tipos são depositados nos lixões municipais. Através de um estudo
representativo252, o PERS (CEARÁ, 2016) realizou uma caracterização física dos RSU,
estimando a sua composição, assim dividida:
Figura 6 - Composição dos RSU no Ceará
Dados: Plano Estadual de Resíduos Sólidos, SEMA (CEARÁ, 2016).
Fonte: Elaborado pela autora.
251 O Anuário Estatístico do Ceará de 2014 contou 329 no ano de 2013 (CEARÁ, 2015). 252 Foram colhidas amostras de RSU nos locais de disposição final de 108 municípios, cujo critério de seleção era
ser sede regional, sede de aterro (município mais representativo) ou com projeto em desenvolvimento ou ter forte
potencial turístico. Para fazer a caracterização física dos resíduos, foi utilizada a metodologia de quarteamento
(NBR10.007/2004). Esse procedimento é detalhado no Panorama dos Resíduos Sólidos do Ceará (CEARÁ,
2015), um dos estudos que estruturaram o plano estadual.
221
Os RSU são formados majoritariamente por resíduos reaproveitáveis (recicláveis e
compostáveis): 74%. O fato mais importante sobre o reaproveitamento em suas diferentes
formas (compostagem, reciclagem, reutilização etc.) é que ele reduz a exploração de recursos
naturais e a deposição de resíduos no meio ambiente. Para ser eficiente e estruturado, esse
processo deve se iniciar com a segregação dos resíduos na fonte geradora e garantir as
condições sociais e econômicas para o seu reaproveitamento.
Entretanto, essa estrutura ainda é muito incipiente no Ceará: embora haja ações de
coleta seletiva em 21 municípios, apenas os municípios de Crato, Cruz e Crateús possuem uma
ação mais estruturada, com organização e trabalho social com os catadores, coleta seletiva e
galpão de triagem (CEARÁ, 2016). Em geral, a coleta seletiva é rejeitada pelas prefeituras
sobretudo em virtude dos altos custos que demanda, se comparada a coleta comum. Assim,
embora a quantidade de resíduos reaproveitáveis seja alta, o percentual recuperado ainda é
muito inferior.
Não há no Estado exemplos significativos da aplicação de compostagem. Porém,
diante do grande volume de resíduos orgânicos, a medida mais importante é certamente o
combate ao desperdício. Feito isso, a compostagem pode reduzir consideravelmente a
“produção de lixiviados e de biogás nos aterros sanitários, o que torna a exploração mais
econômica”. (CEARÁ, 2016). Além do mais, a compostagem poderia produzir adubos
orgânicos que em certa medida reduziriam a dependência de adubos e fertilizantes químicos,
reduzindo também a contaminação derivada da sua utilização.
Ao contrário dos lixões que têm custo zero, a disposição final obrigatória em aterros
sanitários tem um custo diretamente proporcional à quantidade de resíduos confinada. Diante
desse novo cenário, é necessário considerar que, uma vez que reduz o volume de resíduos, o
reaproveitamento reduz também as despesas com o seu tratamento e sua disposição final. De
qualquer forma, a necessidade de garantir uma estrutura eficiente de reaproveitamento, é ainda
mais irrefutável se considerarmos que o fator mais importante nessa equação é o ambiental.
Porém, o componente econômico não é algo que se possa ignorar pois na prática
ele é decisivo, tanto nos investimentos públicos quanto nos privados. No caso da reciclagem,
por exemplo, ela se deve principalmente porque ajuda a reduzir os custos da produção de novas
mercadorias (redução no consumo e nos preços das matérias-primas, economia de energia etc.)
e segundo o PERS (CEARÁ, 2016, p.62), “o segmento da reciclagem no Estado tem papel
destacado na área industrial”.
Atualmente, a base da cadeia de reciclagem são os catadores. Eles estão presentes
na maioria dos municípios cearenses, trabalhando nas ruas e principalmente nos lixões. O
222
trabalho em geral é sazonal, rotativo e informal e a quase totalidade dos catadores não utiliza
Equipamentos de Proteção Individual – EPIs. O Diagnóstico sobre Catadores de Resíduos
Sólidos do IPEA (2012) estima que haja cerca de 19.000 catadores em todo o Estado. Para a
maioria deles não há nenhuma forma de organização social como associação e cooperativa ou
qualquer tipo de assistência social por parte do Poder Público ou ONGs253. Eles se concentram
principalmente em Fortaleza e na RMF, assim como as 34 organizações detectadas254 (CEARÁ,
2016). Dentre essas organizações cabe destaque à Rede de Catadores e Catadoras de Resíduos
Sólidos Recicláveis do Estado do Ceará, cuja articulação tem forçado a sua participação em
diferentes espaços de discussão na área de resíduos sólidos, bem como algumas ações.
Quanto aos lixões, eles estão presentes em todo o Estado, alguns há bastante tempo.
De acordo com Dantas (2008 apud Dantas et al., 2009), somente na metrópole Fortaleza, o
histórico de disposição final de resíduos sólidos conta oficialmente com a existência de cinco
lixões entre 1956 e 1998, distribuídos em diferentes pontos da cidade:
[...] o primeiro lixão surgiu em 1956 e durou até 1960, e foi instalado no Bairro Monte
Castelo, ficando conhecido por Lixão do João Lopes. O segundo lixão, de 1961 a
1965, foi instalado na Barra do Ceará. O terceiro lixão, que surgiu em 1966 e durou
até 1967, foi instalado no bairro de Antônio Bezerra e ficou conhecido por Lixão do
Buraco da Gia. O quarto lixão se situou no bairro Henrique Jorge (próximo à Av.
Fernandes Távora) e durou de 1968 à 1977. Por fim, surgiu, nas margens do Rio Cocó,
o Lixão do Jangurussu, que funcionou de 1978 a 1998 (DANTAS et al., 2009, p.2)
As primeiras ações voltadas ao gerenciamento dos resíduos sólidos no Estado do
Ceará se deram a partir da elaboração do Plano Metropolitano de Limpeza Urbana (1988), que
resultou na construção de três aterros sanitários nas imediações de Fortaleza (Caucaia,
Maracanaú e Aquiraz) para resolver a então já problemática gestão dos resíduos sólidos urbanos
na populosa RMF. Os aterros foram construídos pelo Governo do Estado e a operação entregue
à gestão compartilhada dos seis municípios beneficiados (Caucaia e Fortaleza, Maracanaú e
Maranguape, Aquiraz e Eusébio), com a previsão de 20 anos de vida útil, quando então
deveriam ser encerrados.
Em resumo, este é o histórico das ações implementadas pelo Governo do Estado do
Ceará através da SEINFRA e, após 2007 (governo Cid Gomes255), pela SCIDADES:
253 Apenas a Cáritas do Brasil (organização humanitária da Igreja Católica) realiza um trabalho social com
catadores dos lixões de Aracati, Baturité, Russas, Quixeré, Limoeiro do Norte e Fortaleza (CEARÁ, 2015). 254 16 estão em Fortaleza, 9 na RMF e 10 no interior. 255 De 2007 a 2010 e de 2011 a 2014.
223
Quadro 8 - Histórico das ações sobre RS implementadas no Ceará
Dados: Cosan, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
As obras implementadas a partir de 2007 são baseadas em um estudo que apontou
a necessidade da construção de aterros sanitários em regime de consórcios intermunicipais para
a adequada destinação dos resíduos sólidos no Ceará. Ele é anterior à publicação da PNSB
(2007) e da PNRS (2010) e surgiu de uma parceria internacional. De acordo com a
coordenadoria de Saneamento Ambiental - Cosan256 da SCIDADES, em 2005, o governo da
256 “Cabe à unidade a implantação de aterros sanitários regionalizados consorciados, contribuindo para o
planejamento regional e a implementação de medidas que visem à melhoria da qualidade de vida das populações
e a preservação ambiental, principalmente pelo papel articulador que desempenha.” (site da SCIDADES, 2013).
Ano Ação Implementada
1988 Elaborado o Plano Metropolitano de Limpeza Urbana
1989-
1990Construção do Aterro Sanitário Metropolitano Oeste em Caucaia (ASMOC)
1991Início da operação do ASMOC - Recebendo os resíduos provenientes do
município de Caucaia
1992-
1995Início do SANEAR I
1995 Conclusão das obras e instalação de equipamentos no ASMOC
1996
Concluídas as obras dos aterros sanitários Metropolitano Sul em Maracanaú
(atendendo a Maracanaú e Maranguape) e Metropolitano Leste em Aquiraz
(atendendo a Aquiraz e Euzébio).
Conclusão das obras e início da desativação do lixão do Jangurussu;
Instalação do incinerador (15t/dia);
ASMOC passa a receber os resíduos de Fortaleza.
Convenio 003/SDU/98, assinado entre o Governo do Estado e as Prefeituras
Municipais de Caucaia e Fortaleza entregando o ASMOC às Prefeituras e
definindo competências administrativas e operacionais dos conveniados.
Desativação do lixão do Jangurussu, em atividade desde 1978.
2001 Conclusão das obras e início da operação do Aterro Sanitário de Jaguaribara.
2005-
2006
Estudo de viabilidade do programa para o tratamento em destinação de resíduos
sólidos do Estado do Ceará (Prointec)
Formação de consórcios públicos e contratação de projetos executivos.
Contratação dos consórcios públicos.
2008 Início da Elaboração de Projetos Executivos
Projetos em elaboração: Icó e Milagres; Sobral, Camocim e São Benedito;
Conclusão da Formação de 22 Consórcios
2012Revisão da nova política estadual de resíduos sólidos e preparação do Programa
de Inclusão dos Catadores
Conclusão de 02 Projetos Executivos (Paracuru e Caririaçu)
Editais em fase de Homologação (Itapipoca, Tauá e Acaraú)
2014Conclusão dos projetos dos aterros de Sobral, Camocim, São Benedito, Icó,
Milagres, Limoeiro do Norte e Codessul.
2013
2010
1997
1998
2007
224
Espanha dispunha de um valor para ser investido em programas de benefício ambiental em
países subdesenvolvidos a ser definido através de edital, sob condição dos estudos técnicos de
viabilidade serem realizados por uma empresa espanhola. Assim, foi fechado um acordo entre
o governo do Estado do Ceará e o governo da Espanha, que fez um financiamento de 300 mil
euros para serem realizados estudos de viabilidade técnica para a disposição adequada de
resíduos sólidos no Estado realizado pela empresa espanhola Prointec257 em parceria com a
conterrânea Cadic258, que realizou os trabalhos de base.
O estudo foi realizado entre 2005 e 2006. É denominado “Estudo de Viabilidade do
Programa para o tratamento e disposição de resíduos sólidos do Estado do Ceará” e é composto
dos seguintes volumes:
a) Diagnóstico da situação de coleta e destino final dos resíduos sólidos nos
municípios do Estado do Ceará:
a) Documento de Análise global;
b) Fichas Informativas: Diagnóstico por Município;
b) Programa Estadual de Resíduos Sólidos do Ceará: Propostas de Gestão;
c) Proposta para localização de Aterros: Descrição dos trabalhos cartográficos;
d) Planos Locais de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (por consórcios);
e) Anteprojetos da construção de Instalações de Tratamento de Resíduos (ITR);
f) Sistema de gestão e funcionamento de Instalações de Tratamento de Resíduos:
Termos de Referência.
De acordo com a conclusão dos trabalhos, a quase totalidade dos municípios
realizava a gestão inadequada dos seus resíduos sólidos. A destinação final indicada para os
rejeitos foram os aterros sanitários, pois outras tecnologias eram vistas como mais
dispendiosas259. Uma vez que, de acordo com o estudo, os municípios não possuíam capacidade
técnica e financeira para construírem e gerenciarem seus próprios aterros individuais, foi
sugerida a construção de aterros sanitários por regionais no regime de consórcios
257 A empresa se declara referência internacional em diversos setores de engenharia, arquitetura, consultoria
relacionada à infraestrutura, urbanismo e meio ambiente. Faz parte de um importante grupo empresarial presente
em todo o mundo com escritório central em Madrid, Espanha (http://www.prointec.es/, 2014). 258 A empresa declara que atua nas seguintes áreas de negócios: representação do território, engenharia e gestão
do território, serviços integrais de atuação, consultoria e formação, meio ambiente e engenharia ambiental. Além
das áreas: produção de dados cartográficos, geoconsultoria, adequação e formação de dados, controle de
qualidade, engenharia GIS, escritórios de integração de tecnologias, escritórios de I+D+I, engenharia ambiental,
escritório de inventários, grupos de formação e escritórios de desenvolvimentos em informática. O grupo
encontra-se além de Espanha (Madrid e Valência), no Brasil, Cuba, República Dominicana, Guatemala,
Nicarágua, El Salvador, etc. (www.sa.com, 2014). 259 Não foram identificadas com que outras alternativas os aterros foram comparados, mas seu custo é bem
significativo.
225
intermunicipais com a pretensão de facilitar os investimentos técnicos e principalmente
financeiros e, assim, agilizar a transição para uma gestão adequada dos resíduos sólidos no
Estado.
O estudo apontou a necessidade de 30 aterros sanitários para a correta gestão dos
RSU no Estado: implantação de 27 (vinte e sete) novos aterros e melhoria dos 03 (três) já
existentes na RMF. A partir de 2007, começaram a se organizar os primeiros consórcios
intermunicipais para implementação dos aterros sanitários no estado do Ceará.
Embora o estudo do Prointec (2005/2006) seja anterior à PNRS (2010) e ao projeto
de MDL em resíduos sólidos (2007) assumido em nível federal, o Estado do Ceará desde 2005
já dialogava com as tendências internacionais e macroeconômicas ligadas ao meio ambiente,
antecipando-se às iniciativas nacionais no sentido de melhorar as precárias condições de
saneamento ambiental relativa à gestão dos resíduos sólidos. Com isso, podemos perceber que
as investidas internacionais com foco ambiental no Brasil são anteriores à própria
sistematização legal de políticas nacionais, que se dará como resposta à óbvia necessidade, mas
também como resposta à política ambiental internacional que impõe certas exigências na
relação entre países. Ao se referir aos municípios com lixões, por exemplo, Dantas (2009)
afirma que
[...] todos os municípios enquadrados nesse cenário acabam excluídos da lista
internacional de financiamento, pois se encontram fora da lógica da Agenda 21 e do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por possuir um sistema muito
rudimentar para tratar seus resíduos sólidos (SANTOS, 2007 apud DANTAS, 2009,
pp.2-3).
Mesmo que consorciados com o objetivo de somar suas receitas, suas populações e
seus resíduos numa determinada medida que torne possível a implantação e gestão dos aterros
sanitários, a maioria dos consórcios no Ceará ainda não alcança a magnitude populacional das
maiores cidades brasileiras, foco do Projeto de MDL. No estado do Ceará, metade dos
municípios tem no máximo 20.000 habitantes260 (IPECE, 2015) (figura 7). Mesmo assim, todos
os consórcios intermunicipais no Ceará devem considerar nos projetos executivos dos seus
respectivos aterros a viabilidade da venda de créditos de carbono, abrindo-se um precedente
para contar com os recursos advindos da possível efetivação de projetos de MDL em RSU.
260 82% dos municípios cearenses têm até 50.000 habitantes (IPECE, 2015).
226
Figura 7 - Municípios do Ceará por faixa de população, 2010
Fonte: IPECE, 2015.
227
Por outro lado, a esperança futura dessa efetivação deverá excluir a implantação do
sistema de captação e tratamento do biogás como parte constituinte do projeto do aterro, pois
se o consórcio conseguir financiamento para a instalação de estrutura de captação de biogás
como parte integrante do aterro, independentemente do projeto de MDL, o biogás captado não
poderá gerar créditos de carbono, pois uma das condições para isso é que o projeto seja
voluntário, realizado por países do Anexo I do Protocolo de Quioto, ou seja, deve ser uma
iniciativa do país (desenvolvido) investidor.
Mas, como o projeto executivo exige apenas o Plano de monitoramento de efluentes
(líquidos, gasosos e água subterrâneas) e não o seu tratamento efetivo, construir o aterro e
esperar a possível contemplação deste pelo projeto de MDL também poderia ser uma opção.
Entretanto, deve-se ter em mente que as áreas de abrangência da maioria dos consórcios nos
municípios cearenses não possuem o perfil dos municípios vislumbrados pelo projeto de MDL
aplicado a resíduos sólidos. Mesmo assim
O projeto executivo traz informações como (...) a viabilidade da venda de créditos de
carbono. [...] Segundo o orientador [da célula de resíduos sólidos da Secretaria das
Cidades, Paulo César Abreu Alves], a estrutura montada permitirá ao Estado avaliar
a possibilidade da venda dos créditos de carbono, espécie de moeda sustentável de
compensação de mecanismos poluente. A possibilidade está sendo expressa já na
elaboração dos projetos executivos (SCIDADES, 2012, pp.37-38, grifo nosso).
É claro o alto valor do empreendimento e a participação ativa de instituições
financeiras internacionais. Por exemplo, só para os aterros de Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte
“a estimativa é de que cada aterro signifique um investimento de aproximadamente R$ 15
milhões. Para esses três, o investimento deve vir do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e Banco Mundial (BIRD)” (SCIDADES, 2012, p.38).
De acordo com a Secretaria das Cidades do Estado do Ceará (2012)
Cada projeto executivo custa, em média, R$ 500 mil. Os atuais são fruto de parcerias
do Ministério das Cidades com a Caixa Econômica ou do Ministério da Saúde com a
Funasa. O Estado entra com uma contrapartida, quando necessário. Atualmente, o
Governo negocia recursos para o projeto executivo de outros quatro, com recursos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) (SCIDADES, 2012, p.37-38).
Quanto aos recursos financeiros para a execução dos projetos executivos, o que
constitui a primeira etapa para a implementação dos aterros sanitário, a ideia é que eles sejam
drenados de várias fontes: Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da
Saúde, Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, Programa de Aceleração do Crescimento –
PAC I e II, Caixa Econômica, Tesouro e Estado (SCIDADES, 2012).
Entretanto, embora 178 municípios já estejam com os consórcios intermunicipais
formados, a perspectiva de construção dos aterros está bem aquém como veremos mais adiante
228
(item 4.2) e nem mesmo os aterros de Sobral, Cariri e Limoeiro do Norte cujos consórcios foram
formados ainda em 2009 e que contariam com recursos do BIB e do BIRD saíram do papel.
As semelhanças entre as exigências da PNRS (2010) e os objetivos do projeto de
MDL em RSU previsto para aterros sanitários no Brasil se torna intrigante, se considerarmos a
capacidade que as relações exteriores, sobretudo econômicas, têm de direcionar os rumos da
política brasileira. Ainda em 2007, o projeto de MDL no Brasil já parecia coadunar com o
Projeto de Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que só seria promulgada
posteriormente, em 2010, quando diz, entre outras coisas, que “também é compromisso do
Governo Federal viabilizar a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelecerá normas e
diretrizes para o gerenciamento dos diferentes tipos de resíduos, nos níveis municipal, estadual
e federal” (MESQUITA JÚNIOR, 2007, p.8).
A PNRS (BRASIL, 2010, p.8) estabelece que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos
a ser atualizado a cada quatro anos deve conter obrigatoriamente “proposição de cenários,
incluindo tendências internacionais e macroeconômicas”. Como um país em desenvolvimento
econômico com considerável quantidade de recursos naturais, o Brasil deve sim buscar a melhor
forma de gerir os seus recursos, inclusive contribuindo para um crescimento econômico que
seja pautado por um desenvolvimento social justo e ambientalmente saudável, o que na
interpretação do PNUMA e da ONU seria um “desenvolvimento sustentável”.
A efetiva presença nas discussões e negociações globais é importante e muitos
defendem que o Brasil não poderia ficar atrás nas negociações que ocorrem acerca do
desenvolvimento sustentável e da economia verde. Entretanto, há de se preocupar que essa
busca pela inserção na mundialização da economia no contexto da economia verde e do
desenvolvimento sustentável possa se dar de forma subalterna, submetendo as reais
necessidades da população a interesses externos, como vimos historicamente acontecer com
outros fenômenos propulsores da economia mundial, como a industrialização e o agronegócio,
por exemplo.
Seria uma atuação extremamente subalterna do Brasil construir estruturas como os
aterros sanitários que são de extrema importância social e ambiental para o país - que
demandam altos investimentos públicos ou submissão política para obtenção de investimentos
externos - baseados em necessidades do mercado verde internacional e priorizando relações
externas em detrimento das reais necessidades internas, de modo que o investimento em obras
de extrema importância para o país, possam ser realizadas sem autonomia nacional, de maneira
dependente e a mercê dos direcionamentos externos.
229
Em todo caso, formados os consórcios, os municípios enfrentam ainda muitas
dificuldades para implementação da PNRS (2010), que vão desde a mobilização dos recursos e
pessoal técnico qualificado para elaboração do projeto executivo até problemas jurídicos261 com
o manejo dos resíduos sólidos e disposição final atual. Completado o prazo para adequação sem
que a maioria dos municípios tenha conseguido executá-la, cabe a nós, nessa pesquisa,
analisarmos os desdobramentos locais desse processo e como as implicações da PNRS (2010),
notadamente a exigência do aterro sanitário e a criação do consórcio intermunicipal, incidirão
sobre os municípios do nosso recorte espacial. E ainda se e como os componentes da política
ambiental internacional - absorvidos pela política ambiental estadual e nacional, mas
despotencializados pela sua incapacidade executiva - refletirão na transição para a gestão
ambientalmente adequada dos resíduos sólidos no contexto local.
5.2 OS CONSÓRCIOS INTERMUNICIPAIS NO ESTADO DO CEARÁ: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
De acordo com Moraes (2012), a prática de cooperação intermunicipal no Brasil
ainda se constitui em ações insipientes, aplicadas principalmente na área de saúde coletiva e
gestão metropolitana de bacias hidrográficas, mas que vem tomando um novo formato de gestão
de políticas públicas, sobretudo após 2001 com a instituição de estratégia de regionalização do
Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde, posteriormente adotada pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário e por outros ministérios.
Estes dois setores são, de fato, os responsáveis pelo maior número de consórcios
formados no Brasil. Por exigir, em geral, grandes investimentos hierarquizados em rede por
demanda, o setor de saúde é um dos campos mais propícios para a formação de consórcios
públicos e, de fato, “tem sido o motivo da criação de vários consórcios municipais nos últimos
anos”. Outros muitos “têm surgido a partir de projetos de recuperação ou preservação do meio
ambiente, sobretudo em busca de soluções para problemas em torno do manejo de recursos
hídricos de uma bacia hidrográfica” podendo contemplar “questões ambientais mais amplas
como saneamento básico, lixo e enchentes” (AMORIM, 2015).
261 Por exemplo, no município de Pindoretama o ministério público proibiu a prefeitura de dispor o lixo no atual
lixão da cidade e o município de Cascavel foi multado em R$ 300.000,00 pelo IBAMA por não possuir e
implementar um plano de recuperação do atual lixão, em plena atividade. Ambos formam junto como município
de Beberibe um consórcio que, embora formado desde 2011 não conseguiu mobilizar recursos nem mesmo para
contratação do projeto executivo do aterro sanitário.
230
No estado do Ceará, além dos consórcios intermunicipais para implementação de
aterros sanitários e gestão ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, há também alguns
consórcios na área da saúde. Na realidade, os consórcios de saúde são os pioneiros e mais
operantes no Estado, de modo que sua história se confunde com a história dos consórcios
públicos de maneira geral.
Conforme aponta a Secretaria do Planejamento e Gestão – SEPLAG (2015), o
Governo do Estado tem estimulado a formação de consórcios públicos nessas duas áreas:
Tanto a Secretaria das Cidades quanto a Secretaria da Saúde, desde o começo da
gestão (ano de 2007), desenvolvem junto aos municípios cearenses, um trabalho de
suporte técnico na constituição jurídica dos Consórcios, bem como no aporte
financeiro à estruturação dos seus objetivos, no caso em questão, respectivamente, à
construção e gestão de aterros sanitários e na construção e gestão de Centros de
Especialidades Odontológicas (CEO's) e Policlínicas (SEPLAG, 2015, grifo nosso).
Conforme as informações oficiais da SEPLAG (2015), é possível traçar um
resumido histórico das experiências de consórcio público no estado do Ceará, notadamente nas
áreas de saúde e meio ambiente. Embora o nosso foco sejam os consórcios intermunicipais para
implementação de aterros sanitários e gestão adequada de resíduos sólidos, analisar a adoção
de consórcios públicos de maneira geral no estado do Ceará é importante para a compreensão
do contexto político em que se deram essas ações.
Os registros relatam o surgimento de consórcios públicos no estado do Ceará no
final de 2005, após a ratificação da chamada Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107/2005)
e portanto, já nos termos da nova legislação. Nesse ano foram criados três consórcios
intermunicipais no Estado: dois Consórcios de Saneamento, um entre os municípios de Viçosa
do Ceará e Tianguá262, e outro entre os municípios de Paraipaba, Trairi e Paracuru, ambos
incentivados pela então Secretaria de Infraestrutura do Estado - SEINFRA; e o Consórcio de
Desenvolvimento do Sertão Central Sul – CODESSUL263, que teria sido resultado da
cooperação dos prefeitos da região e do apoio técnico da Secretaria Estadual do
Desenvolvimento Local e Regional - SDLR (SEPLAG, 2015).
262 Esse consórcio teria tido alguns problemas provocados por impasses nas decisões. As decisões do consórcio
público são tomadas de forma democrática e coletiva através da votação dos entes consorciados, de modo que
quando formado por apenas dois membros torna as decisões passíveis de impasses, o que pode ser potencialmente
problemático para a organização do consórcio (IDC, 2016). 263 Esse foi o primeiro consórcio administrado pelo IDC. Sendo um consórcio de desenvolvimento, engloba
diferentes serviços públicos, entre eles a gestão de resíduos sólidos. Assim, quando da iniciativa do Governo do
Estado em formar consórcios para resíduos sólidos, o CODESSUL foi apenas adaptado à proposta do Prointec,
uma vez que criar outro consórcio para gerir o mesmo serviço causaria um conflito de competências (IDC, 2016).
Assim, o consórcio inicialmente composto pelos municípios de Pedra Branca, Quixeramobim, Senador Pompeu,
Mombaça, Piquet Carneiro, Milhã, Solonópole, Deputado Irapuan Pinheiro e Acopiara (que pelo Prointec
pertencia ao consórcio de Iguatu) teve a posterior adesão do município de Boa Viagem (SEPLAG, 2015).
231
Após a conclusão do estudo de viabilidade que apontou a necessidade da
implantação dos aterros sanitários consorciados para a correta gestão dos RSU no Estado em
2006, iniciaram-se, com o apoio da recém-criada Secretaria das Cidades - SCIDADES, as ações
para formação dos consórcios intermunicipais.
Em 2007 foi constituído o Consórcio do Maciço de Baturité, cujas discussões se
haviam iniciado em 2006 com o apoio da Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do
Ceará - APRECE. A perspectiva era de que, com o apoio da FUNASA, o seu aterro sanitário
fosse construído em 2010, o que não aconteceu.
Por outro lado, o Estado também firmou outras parcerias. Em julho de 2007, através
da Secretaria de Turismo – SETUR, o estado do Ceará ratificou o Protocolo de Intenções de
um consórcio público interestadual na área de turismo em parceria com os estados do Piauí e
do Maranhão que seria finalmente constituído em 2009 e cujo objetivo é
[...] a promoção do desenvolvimento integral da região compreendida entre os Lençóis
Maranhenses, Baixo Parnaíba Maranhense e Piauiense, Litoral do Piauí, Serra da
Ibiapaba, Litoral de Camocim e Acaraú e parte do Norte dos Estados do Maranhão,
Piauí e Ceará, de forma sustentável e com equidade social, articulando as ações
públicas federais, estaduais e municipais, com apoio nas organizações da sociedade
civil e na iniciativa privada, com foco no turismo e na cultura, no desenvolvimento
rural e nos demais serviços (SEPLAG, 2015, grifos nossos).
Ainda em novembro de 2007, a Secretaria da Saúde do Estado - SESA instituiu a
Comissão de Fomento e Implantação de Consórcios Públicos de Saúde (Portaria nº 2.061/2007),
com o intuito de estabelecer diretrizes políticas e operacionais para constituição de consórcios
públicos na área de saúde.
A regionalização na área da saúde é uma diretriz do Sistema Único de Saúde – SUS,
que orienta para um processo de descentralização, tanto das ações e serviços de saúde, quanto
dos processos de negociação e pactuação entre os gestores. No Ceará, essa regionalização
agrupa os municípios cearenses em cinco Macrorregiões de Saúde (Fortaleza, Sobral, Sertão
Central, Litoral Leste/Jaguaribe e Cariri) e as subdivide em 22 Regiões de Saúde ou
Coordenadorias Regionais de Saúde - CRES264 (SESA, 2015; SEPLAG,2015).
Em setembro de 2009 foram ratificados265 os Protocolos de Intenção firmados entre
o Governo do Estado e os municípios de 14 microrregiões para a constituição de 14 consórcios
públicos de saúde, que juntos totalizam 111 municípios cearenses. Esses consórcios de saúde
se referem às CRESs - não observando necessariamente o traçado das Microrregiões
264 1ª Fortaleza, 2ª Caucaia, 3ª Maracanaú, 4ª Baturité, 5ª Canindé, 6ª Itapipoca, 7ª Aracati, 8ª Quixadá, 9ª Russas,
10ª Limoeiro, 11ª Sobral, 12ª Acaraú, 13ª Tianguá, 14ª Tauá, 15ª Crateús; 16ª Camocim, 17ª Icó, 18ª Iguatu, 19ª
Brejo Santo, 20ª Crato, 21ª Juazeiro e 22ª Cascavel (SESA, 2015; SEPLAG,2015; CEARÁ, 2013). 265 Pelas Leis Estaduais nº 14.457/2009, 14.458/2009 e 14.459/2009.
232
Geográficas do IBGE ou dos consórcios para aterro sanitário - normalmente nomeados pelos
municípios sedes, a saber: Canindé, Iguatu, Russas, Aracati, Brejo Santo, Crato, Juazeiro do
Norte, Limoeiro do Norte, Acaraú, Baturité, Crateús, Itapipoca, Tianguá e Região-Pólo do Vale
do Curu, cuja sede é o município de Caucaia.
Estes [consórcios] promovem ações de saúde pública assistenciais e prestação de
serviços especializados de média e alta complexidade. A nova legislação elenca
serviços de urgência e emergência hospitalar e extra-hospitalar, ambulatórios
especializados, policlínicas, Centros de Especialidades Odontológicas, assistência
farmacêutica, “entre [sic] outros serviços relacionados à saúde, em conformidade com
os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) (SEPLAG, 2015).
Em abril de 2009, foi constituído o Consórcio Intermunicipal de Saneamento do
Sul do Ceará - CISAN-SUL, composto pelos municípios de Aiuaba, Banabuiú, Brejo Santo,
Caririaçu, Crato, Icó, Iguatu, Jaguaribe, Jardim, Jucás, Limoeiro do Norte, Morada Nova,
Quixelô e São João do Jaguaribe, além de Quixeramobim, Milhã, Solonópole e Dep. Irapuan
Pinheiro, que também compõem o CODESSUL. Ou seja, esses quatro municípios sobrepõem
dois diferentes consórcios intermunicipais, um de desenvolvimento e outro de saneamento.
Pelas informações da SEPLAG (2015), é possível inferir que esse consórcio de
saneamento é parte de uma ação em nível federal, bem como já estimulava a PNSB (2007).
Esse consórcio
[...] permitirá a implantação de sistema de abastecimento de água e de esgotamento
sanitário a baixo custo. Esse projeto será desenvolvido em parceria com a Funasa que,
para tanto, está construindo moderno Centro de Referência em Saneamento Ambiental
destinado a assessorar as prefeituras sobretudo o que envolve o setor [...] A exemplo
do que ocorre em outros estados [...] [também fazem parte desse centro] o Laboratório
de Controle de Qualidade da Água e os serviços de assessoramento técnico aos
municípios associados (SEPLAG, 2015, grifos nossos).
Retomando os consórcios intermunicipais para aterro sanitário, em 2009 foram
constituídos 8 (oito) consórcios públicos para implementação de aterros sanitários e
gerenciamento de resíduos sólidos. Esses consórcios incentivados pelo Governo do Estado
através da SCIDADES receberam uma denominação comum: Consórcio Municipal para Aterro
Sanitário de Resíduos Sólidos - COMARES, sendo identificados por um acréscimo que se
refere ao seu município sede que dá nome ao consórcio. Esses primeiros COMARES
constituídos foram os consórcios de Tauá, Camocim, São Benedito, Jaguaribara, Pacatuba,
Limoeiro do Norte e Cariri e Sobral.
Em 2010, foi constituído um grupo de trabalho composto por representantes de
diversas secretarias e órgão públicos (SESA, SCIDADES, SETUR, Tribunal de Contas dos
Municípios do Ceará etc.) e coordenado pela SEPLAG, com a incumbência inicial de organizar
o Encontro Estadual de Consórcios Públicos, ocorrido em março de 2010 com o intuito de
233
incentivar e disseminar a prática do consórcio público no estado do Ceará (CEARÁ, 2013;
SEPLAG, 2015). Entretanto, após o evento, aparentemente o grupo de trabalho passou cerca de
dois anos inativo, retomando as atividades apenas em maio de 2012 como pode ser conferido
no portal Consórcio Público do Estado do Ceará, também criado em 2010 como ferramenta de
divulgação e incentivo e fonte de informação sobre os consórcios no Estado.
No início de 2013, o Governo do Estado lançou o Relatório de Acompanhamento
dos Consórcios Públicos 2012. De acordo com o documento, até 2012 a SESA havia constituído
juridicamente 21 consórcios públicos na área da saúde e desses, 16 já estavam atendendo
efetivamente a população266, pois, além de constituidor, o Governo do Estado “também
participa financiando em média 40% dos custos das unidades gerenciadas pelos consórcios
públicos” (CEARÁ, 2013, p.9). Na área de saneamento, haviam sido constituídos juridicamente
25 consórcios públicos para aterro sanitário: 21 fomentados e articulados pela SCIDADES
somando 144 municípios e 04 formalizados por iniciativa municipal (Paracuru, Baturité, Pedra
Branca e Viçosa do Ceará), somando 25 municípios.
No total, 169 dos 184 municípios cearenses compunham consórcios para aterro
sanitário até o final de 2012, embora nenhum em efetivo funcionamento. As exceções foram os
municípios de Iguatu, Cariús, Catarina, Jucás, Quixelô e Tarrafas que deveriam formar o
Consórcio Regional de Iguatu, não formalizado devido a questões judiciais do município sede
junto a FUNASA; os municípios de Parambu, Palmácea e São Gonçalo do Amarante, que não
aderiram a gestão consorciada para aterro sanitário; e os municípios de Fortaleza, Caucaia,
Maracanaú, Maranguape, Aquiraz e Eusébio, que já possuem aterros sanitários (CEARÁ,
2013).
Ainda em 2013, o Relatório de Acompanhamento dos Consórcios Públicos 2012
(CEARÁ, 2013) afirmava que estavam em andamento a elaboração dos projetos executivos
para aterros sanitários de oito consórcios: Paracuru, Cariri, Icó, Milagres, Camocim, Sobral,
São Benedito e Pedra Branca. Em resumo, esse era o mapa dos consórcios públicos para aterro
sanitário até o final de 2012:
266 A descrição é confusa, quando diz que dentre esses 21 consórcios, “17 estão em funcionamento, ou seja, já
possuem recursos financeiros disponíveis para dar iniciou [sic] a operacionalização de suas unidades
(Policlínicas e CEOs). Dos 17 consórcios em funcionamento, somente 16 estão efetivamente em operação
(atendendo diretamente a população cearense).” (CEARÁ, 2013, p.9, grifos nossos). A sentença foi, sem dúvidas,
mal elaborada para um relatório que tinha a finalidade de expor o panorama geral dos consórcios até aquele
momento, porém, a expressão “em funcionamento” pode se referir ao expediente administrativo das unidades de
saúde, uma vez que estes se iniciam em geral primeiro que os atendimentos de saúde.
234
Figura 8 - Situação dos consórcios para aterro sanitário por município, 2012
Dados: CEARÁ, 2013.
Fonte: Elaborado pela autora.
235
Há uma grande diferença entre o progresso efetivo alcançado pela maioria dos
consórcios de saúde e aquele pretendido pelos consórcios de aterro sanitário. Enquanto a
maioria dos consórcios de saúde já possui pelo menos um equipamento (CEO ou Policlínica) a
serviço da população, os consórcios de aterro sanitário parecem não ter avançado e nenhum
deles conseguiu de fato implementar o aterro sanitário. E apesar da questão financeira ser
apontada como o principal impeditivo para a construção dos aterros sanitários, a ela deve-se
somar uma questão política pertinente e sintomática: a fragilidade administrativa dos próprios
consórcios.
O Instituto para Desenvolvimento de Consórcio – IDC267, responsável por 24 dos
26 consórcios formados no estado, foi contratado pelo Governo do Estado para mobilizar os
gestores e implantar os consórcios intermunicipais, executando as etapas legais necessárias para
a formação do consórcio, a saber: protocolo de intenções, leis de ratificação municipais, estatuto
social, regimento interno, contrato de rateio e contrato de programa.
Após concluídas essas etapas, o consórcio público está juridicamente formalizado,
legalmente constituído como integrante da administração indireta dos municípios que o
compõem e teoricamente pronto para o exercício da sua função. Regulamentados de acordo
com a legislação vigente, estes consórcios estariam aptos para operarem e pleitearem ou
receberem recursos para a execução do seu objetivo: a construção dos aterros sanitários.
Entretanto, após formado, o consórcio público necessita de uma gestão continuada
para executar as suas funções. Apesar de formados, os consórcios cearenses não tiveram
continuidade após a mudança dos gestores municipais, pois aqueles prefeitos capacitados à
época da formação dos consórcios foram substituídos, de modo que em sua maioria os
consórcios ficaram legalmente formados, mas inativos. Para o IDC (2016), esse é um dos pontos
falhos do consórcio: “os novos gestores nem sabem o que é o consórcio, teria que ser feita uma
nova capacitação e isso não foi feito”.
Durante o I Fórum Estadual de Gestão Pública em Resíduos Sólidos realizado em
junho de 2015, a presidente do IDC criticou abertamente a falta de comprometimento dos
gestores municipais: tanto aqueles que “deram trabalho” na época da formação do consórcio,
quanto os novos gestores que desconhecem ou ignoram as implicações de seu município
267 Entidade do terceiro setor, do tipo associação civil sem fins lucrativos, fundada em 2006 e especializada na
mobilização, implantação e gestão de consórcios públicos para a prestação de variados serviços públicos. Porém,
como foi criado especialmente (visto que à época não havia outras entidades capacitadas) para responder à
formação dos consórcios de resíduos sólidos pretendidos pelo Governo do Estado no âmbito da SCIDADE,
ganhou notável destaque nessa área. Atualmente está trabalhando com a formação de consórcios de resíduos
sólidos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (IDC, 2016).
236
pertencer a um consórcio público. Expôs ainda a aparente incapacidade de seus quadros técnico
e administrativo.
O Ministério Público estadual268 reitera tal incapacidade e salienta que a maioria
dos municípios cearenses se mantêm omissos e passivos, esperando que as secretarias do Estado
se adiantem na questão que é de responsabilidade deles. Após o fim do prazo estabelecido pela
PNRS (2010), a omissão dos gestores municipais causou uma explosão de inquéritos civis no
Estado. A promotora afirma que embora muitos casos afetos ao meio ambiente sejam resolvidos
através de TACs, há também prefeitos que utilizam o instrumento de maneira dolosa com a
pretensão de postergar tanto o cumprimento da obrigação, quanto as penalidades pelo seu não
cumprimento. Nesses casos, a instauração do processo jurídico torna-se inevitável.
O IDC (2016) esclarece que o Estado o contratou apenas para implantar os
consórcios e não para fazer a gestão, pois admitiu que uma vez formados os consórcios, sua
gestão seria feita pelos municípios. Apesar de tomar a frente na formação, o Estado se ausentou
da gestão entregando-a aos municípios: a gestão de resíduos sólidos é prerrogativa
constitucional do Poder Público Local e o Governo do Estado o teria feito para não invadir a
competência municipal.
Essa justificativa explicaria porque os consórcios da saúde funcionam e os de
resíduos sólidos não: sendo a saúde prerrogativa das três esferas de governo, os consórcios da
saúde contam fortemente com a participação do Governo do Estado.
Vale ressaltar, que nos consórcios na área de resíduos sólidos, o Governo do Estado
do Ceará não participa financeiramente dos custos das unidades gerenciadas pelos
consórcios públicos. Neste caso, o Governo do Estado constrói os aterros e os cede
para que os municípios consorciados possam fazer a gestão física e financeira dos
aterros sanitários, ou seja, o Estado não desembolsa recursos para a gestão destes
consórcios, como o faz no caso dos consórcios públicos de saúde (CEARÁ, 2013,
p.20).
Não, o Governo do Estado não constrói os aterros sanitários. Pelo menos não
construiu nenhum dentro do novo ordenamento jurídico estabelecido a partir de 2005 com a Lei
dos Consórcios Públicos, seguido pela PNSB (2007) e pela PNRS (2010). Os três aterros
sanitários da RMF construídos pelo governo estadual são de outro contexto e não podem
representar a efetiva atuação do Estado na construção desses equipamentos dentro do atual
contexto das políticas ambientais de saneamento assumidas em âmbito federal.
Os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos no Ceará são anteriores à PNRS
(2010) e não trazem a ideia de gestão integrada, estando focados apenas em aterros sanitários,
268 Fala da promotora Jacqueline Faustino durante o III Seminário Política Nacional de Resíduos Sólidos (2016).
Disponível em: <http://praticaeventos.com/seminarioresiduos/#!>. Acesso em: 03 maio 2016.
237
como a própria denominação sugere. Diante do seu real fracasso, visto que nenhum deles
atingiu o objetivo de implementar seu aterro sanitário e da ampliação trazida pela gestão
integrada, os aterros sanitários enquanto objeto de gestão ambiental deixaram de ser o centro
da política estadual de resíduos sólidos. O Estado lança mão do discurso de que os aterros
sanitários são apenas um componente da gestão integrada e que a prioridade deverá ser outras
técnicas de tratamentos de resíduos sólidos269.
Em 2012, uma comissão cearense visitou vários países da Europa para conhecer as
formas de tratamento de resíduos sólidos empregadas por lá. Um dos destaques foi a técnica de
vermecompostagem, desenvolvida pela empresa portuguesa Lavoisier, na época com uma usina
instalada na ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, em Portugal. A técnica utiliza
minhocas para limpar os resíduos recicláveis, preparando-os para a reintegração no ciclo
produtivo e transforma os resíduos orgânicos em adubo orgânico natural. Para o IDC, essa é a
técnica mais apropriada do ponto de vista ambiental e economicamente mais viável para a
realidade dos municípios cearenses.
A usina de vermecompostagem é relativamente simples: constitui-se de um galpão
dividido em baias e um espaço para as máquinas circularem. Entretanto, o IDC (2016) afirma
que o Governo do Estado não dispõe de recursos para a instalação das usinas, fazendo-se
necessário buscar parcerias privadas e investimentos junto ao Governo Federal e IFMs
(BID/BIRD).
Nesse sentido, temos duas questões sobrepostas. A primeira é quanto ao
investimento de instituições capitalistas que leva a novas e impagáveis dívidas ou que, no caso
dos investimentos não onerosos, são pagos com adequação política ao projeto hegemônico
capitalista, ambos reproduzindo a Geopolítica atual.
O segundo é a entrada do setor privado em um serviço público extremamente
relevante, sobre o qual o Estado tem se mostrado incompetente. Para além da inclusão de
empresários prevista na gestão integrada (responsabilidade compartilhada, logística reversa,
incentivos fiscais etc.) e das empresas que atuam no ramo de resíduos sólidos e limpeza urbana,
a substituição do Estado pela iniciativa privada tanto em nível local quanto internacional é uma
questão que merece atenção.
269 Um exemplo ilustrativo é a fala do coordenador de saneamento básico da SCidades durante o III Seminário
Política Nacional de Resíduos Sólidos, realizado em abril de 2016: ele reiterou que a gestão integrada trazida
pela PNRS (2010) não se atém aos aterros sanitários, mas abre um leque de diferentes técnicas de tratamento de
resíduos sólidos que devem ser priorizadas.
238
Em vários eventos sobre resíduos sólidos realizados no estado, alguns
representantes do setor empresarial convidados para debater a questão defenderam abertamente
a resolução do problema dos resíduos sólidos através do mercado. Durante o III Seminário
Política Nacional de Resíduos Sólidos, realizado em abril de 2016, por exemplo, o diretor de
serviços ambientais do Grupo Marquise afirmou que não é dever do Estado prover os serviços
públicos que a sociedade demanda e insistiu fortemente na ideia do setor privado como
empreendedor eficiente para resolver os problemas que o Estado, segundo ele, não pode nem
deve resolver. O Estado deveria assumir o papel de facilitador, sobretudo com a elaboração de
políticas públicas para possibilitar a ação do empreendedor na resolução dos problemas. Além
de evocar os princípios neoliberais, afirma ainda que a redução na geração de resíduos sólidos
prevista na PNRS (2010) não implica necessariamente na redução do consumo, mas será
alcançada com a otimização do processo produtivo, o que na prática remete à ideia de
ecoeficiência proposta pelo desenvolvimento sustentável com a finalidade de proteger o
consumo.
O economista e coordenador econômico-tarifário da Agência Reguladora de
Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará - ARCE em sua palestra sobre taxas e tarifas
para o manejo de resíduos sólidos foi enfático ao afirmar que o Estado não é capaz de atender
a todas as demandas sociais. Para ele, é necessário pensar em termos de negócios e atrair a
iniciativa privada. Conforme o economista, é necessário que a população pague pelos serviços
de resíduos sólidos, pois o gasto público com esse serviço estaria competindo com outros
serviços essenciais como saúde e educação. “Não é uma questão ideológica, é uma questão
aritmética”, defende. Forçando a aceitação, ele apela que de uma forma ou de outra a sociedade
paga pelos resíduos sólidos, seja com taxas e tarifas para a sua correta gestão, seja com as
consequências da sua ingerência, como a proliferação das doenças como zika e dengue, por
exemplo.
O fato do estado do Ceará ter quase todos os seus municípios consorciados é visto
pelo IDC (2016) como uma vantagem que aumenta a capacidade de atrair investidores, pois ao
mesmo tempo em que o consórcio garante um maior volume de resíduos sólidos (matéria prima)
que possibilita uma economia de escala, oferece também maior segurança jurídica ao investidor
frente à troca periódica dos gestores municipais. Os investidores podem celebrar contrato
diretamente com os consórcios e geralmente são pessoas que já conhecem o potencial
econômicos da área de resíduos sólidos.
Embora a questão não apresente evolução efetiva, uma fala recorrente nesse meio
é de que há muitos investidores interessados na exploração de resíduos sólidos no estado do
239
Ceará, sobretudo investidores estrangeiros. O IDC (2016) confirma essa informação e afirma
que alguns consórcios estão com projetos em fase de elaboração, outros já possuem projetos
concluídos, mas ainda faltam recursos e investidores para executá-los270.
O PERS (CEARÁ, 2016, p.43) afirma que “o projeto de erradicação de lixões e a
construção de aterros sanitários é um projeto em andamento no Estado”. A seguir, expomos um
quadro com o resumo da situação atual dos 30 consórcios intermunicipais definidos para essa
finalidade.
270 Não foi possível apurar quais são esses municípios.
240
Quadro 9-Situação dos consórcios intermunicipais para disposição final de RS no Ceará
Dados: SCIDADES, 2015 apud Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ,2016).
Fonte: Elaborado pela autora.
Nota: LP - Licença Prévia, LI - Licença de Instalação, CTR - Central de Tratamento de Resíduos, ET - Estações
de Transbordo e AS - Aterro Sanitário
Consórcio
Intermunicipal
Município
SedeSituação Atual
COMARES- Paracurú
COMARES-UC Crato
COMARES-IC Icó
COMARES-UMI Milagres
CONDERES-US Sobral
Estudos ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas elaborados pela
SCIDADES. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação. Em fase final
para solicitação de LI para o sistema do aterro sanitário e licença da obra de 1 CTR e 7 ETs.
Início das obras previsto para o segundo semestre de 2016.
COMARES-UCA Camocim
COMARES-USB São Benedito
COMARES-ULLimoeiro do
Norte
Concluído cerca de 65% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e
projetos de engenharia. LP já emitida pela SEMACE. Em fase final para solicitação de LI para o
sistema do AS e licença da obra de CTR e ETs. Início das obras previsto para o primeiro
semestre de 2017.
COMARES-UCV Cascavel
A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos ambientais e projetos executivos
de AS e unidades correlatas para esta região. Estão sendo realizadas ações para promover a
gestão integrada de resíduos.
CODESSULPedra
Branca
O convênio entre a SCIDADES e o município para elaborar os estudos e projetos de engenharia
está sendo revisado. Concluído cerca de 30% dos serviços. Aguardando recursos para
implantação do sistema.
COMARES-UAS AssaréConcluído cerca de 30% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e
projetos de engenharia. Aguardando recursos para implantação do sistema.
COMARES-UIP Itapipoca
COMARES-UNVA Acaraú
COMARES-UT Tauá
COMARES-UAR Aracati
Modelo de disposição final em fase de discussão entre o consórcio, SETUR e SCIDADES para
dar início aos estudos ambientais e técnicos e projetos de engenharia de AS e unidades
correlatas.
AMSA Baturité
COMARES-UCN Canindé
COMARES-UCR Crateús
COMARES-UIT Itapajé
COMARES-UJ Jaguaribara
COMARES-UNR Nova Russas
COMARES-UPC Pacajús
COMARES-UIP Ipú
COMARES-USC Quixadá
AMIREVicosa do
Ceará
Obras iniciadas em convênios antigos (já concluídos), porém os recursos
destinados não foram suficientes para estruturar completamente o AS.
- IguatuConsórcio não formalizado. A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos
ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas para esta região.
- Fortaleza
Consórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras
de Fortaleza e Caucaia. Encontra-se no final de sua vida util. A Prefeitura de Fortaleza planeja
construir um novo aterro sanitário em uma área contígua. LP já emitida pela SEMACE.
- AquirazConsórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras
de Aquiraz e Eusébio. Encontra-se no final de sua vida util.
- MaracanaúConsórcio não formalizado. AS construído pelo Estado em cessão de uso para as prefeituras
de Maracanaú e Maranguape. Encontra-se no final de sua vida útil.
COMARES-UP Pacatuba Sem informações
Estudos ambientais e projetos executivos de AS e unidades correlatas elaborados pela
SCIDADES. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação.
Concluído cerca de 85% dos serviços relativos ao contrato para elaboração dos estudos e
projetos de engenharia. LP já emitida pela SEMACE. Aguardando recursos para implantação do
Contrato iniciado em 2015, com previsão de entrega dos primeiros estudos ainda no ano de
2015. Aguardando recursos para implantação do sistema.
A SCIDADES não possui contrato para elaboração de estudos ambientais e projetos executivos
de aterro sanitário e unidades correlatas para esta região.
241
Vale destacar ainda que de acordo com o PERS (CEARÁ, 2016), a implantação
efetiva dos consórcios, ou seja, seu funcionamento efetivo operando com legislação, diretoria,
corpo técnico, sede e equipamentos implantados é uma meta de longo prazo, ou seja, tem até
20 anos para ser completamente concluída271.
5.3 O CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DA MICRORREGIÃO DE CASCAVEL
Há diferentes tipos de regionalização possíveis, de diferentes escalas, inclusive
sobrepostos, e definidos por diferentes critérios. Tal sistematização tem, normalmente, um
objetivo estratégico-administrativo. Com dimensões continentais, o Brasil possui diferentes
escalas de regionalização de caráter administrativo estabelecidas sobre os limites das divisões
políticas de estados e municípios.
O Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduos Sólidos-Unidade
Cascavel - COMARES-UCV é formado pelos municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama
e coincide com a área da Microrregião de Cascavel, na Mesorregião do Norte Cearense. Os três
municípios limítrofes guardam semelhanças no processo histórico de formação mantendo
estreitas relações ao longo do tempo. Porém, Cascavel sempre manteve uma posição de
destaque e tornou-se município mais de um século antes dos vizinhos, que foram mantidos
como seus distritos até serem finalmente emancipados politicamente. Essa influência foi
formalizada em 1989, quando foi definida a Microrregião de Cascavel composta pelos três
municípios (figura 9). Desse modo, o consórcio apresenta as características gerais que
influenciaram no agrupamento dos demais consórcios, servindo para ilustrar de maneira geral
o mosaico estadual dos consórcios municipais.
A seguir, podemos observar a divisão do estado do Ceará em macro e microrregiões
geográficas com destaque para a Microrregião de Cascavel, que corresponde ao COMARES-
UCV:
271 Prevê a implantação de 20% do total a curto prazo (0 a 4 anos), 70% a médio prazo (5 a 12 anos) e 100% a
longo prazo (13 a 20 anos).
242
Figura 9- Macro e microrregiões geográficas do Ceará, com destaque para a
Microrregião de Cascavel-CE, 2016
Dados: IPECE, 2015.
Fonte: Elaborado pela autora.
243
5.3.1 Os entes consorciados
A história dos municípios de Cascavel e Beberibe remonta ao século XVII, quando
da colonização portuguesa realizada via sesmarias e do conflito com os indígenas que
habitavam a região em que hoje se localiza os municípios.
Segundo a historiografia oficial, as terras do atual município de Cascavel
compunham uma sesmaria adquirida da Coroa Portuguesa em 1694. O povoamento não tardou
e em meio às fazendas de cana-de-açúcar em 1710, foi construída a Capela de Nossa Senhora
do Ó, em torno da qual se desenvolveu o centro urbano e comercial (PMC, 2013).
Com o ciclo da carne-seca e do charque, Cascavel se destaca como um entreposto
comercial e de hospedagem, no percurso que ligava os municípios de Fortaleza e Aquiraz a
Aracati. Desde que surgiu a comunidade até a sua configuração atual, foram muitas as
mudanças: anexações, desmembramentos, inclusão e exclusão de distritos e territórios que
atualmente pertencem a municípios vizinhos, etc. (IBGE, 2013 apud TORRES, 2015).
Criado como distrito em 1832, logo foi elevado à categoria de vila e no ano
seguinte, 1833, tornou-se município. Atualmente é constituído de seis distritos: Cascavel,
Caponga, Jacarecoara, Guanacés, Pitombeira e Cristais. A partir de 2009 passou a integrar a
área da Região Metropolitana de Fortaleza (PMC, 2013). Cascavel exerce uma centralidade
relativa na microrregião: é o município mais populoso, com maior população urbana, maior
taxa de urbanização e maior economia.
O município de Beberibe também está localizado em terras que formaram as
sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa a alguns colonizadores em 1691, mas seu
povoamento efetivo só deslancharia algum tempo depois. Aquelas terras teriam recebido as
primeiras expedições de portugueses a partir do século XVII, compostas sobretudo por
religiosos que se dedicavam ao aldeamento e à catequização dos índios e por militares que se
ocupavam de garantir a proteção das terras contra outros invasores europeus.
Embora no histórico do município tanto a municipalidade quanto o IBGE nada
mencionem sobre os verdadeiros donos da terra e passem a contar a história do município a
partir das sesmarias definidas pelo invasor europeu, outras fontes apontam que as terras do atual
município tinham como primeiros habitantes os índios Potyguara e outras tribos pertencentes
ao tronco Tupi, como os Jenipapo-Kanyndé272.
272 Lou Seboek, National Map Collection (Canadá), Ottawa, 1974.
244
Apenas no início do século XIX teria se iniciado o povoamento do então Sítio
Lucas, que deu origem ao que mais tarde seria a sede municipal de Beberibe (PMB, 2015) e o
atual centro do município se desenvolveu ao redor de uma capela que anos depois passaria por
uma grande reforma transformando-se na Igreja Matriz (IBGE, 2015).
Em 1883 foi criado o distrito de Beberibe, subordinado ao município de Cascavel.
Após várias permutas entre distrito e município, em 1951 é desmembrado de Cascavel e
definitivamente elevado à categoria de município. Após sucessivas anexações alternadas com
perda de distritos, o município assume a atual composição administrativa com sete distritos:
Beberibe, Forquilha, Itapeím, Parajuru, Paripueira, Serra do Félix e Sucatinga (IBGE, 2015).
Sobre os primórdios do povoamento do município de Pindoretama apenas se sabe
que a pequena localidade esteve por muito tempo subordinada ao município de Cascavel273 e
após sucessivas emancipações seguidas de reintegrações, finalmente alcançou sua emancipação
política em 1987. Informalmente, conta-se que a atual Avenida Capitão Nogueira, que corta o
centro de Pindoretama, teve início em 1876 com a abertura de uma estrada para passar uma
linha telégrafa. A obra teria sido realizada pelo governo imperial de D. Pedro II, que desejava
fazer a ligação telefônica entre Aracati e Fortaleza.
Em área territorial, Pindoretama é o menor dos três municípios da Microrregião de
Cascavel, representando apenas 2,88% da área total da microrregião. Possui a maior densidade
demográfica do grupo (256,06 hab/km²) e seus 72,85 Km² são distribuídos entre cinco distritos:
Pindoretama, Capim de Roça, Caponguinha, Ema e Pratiús.
Os três municípios se localizam no litoral leste do Ceará, nos domínios da Planície
Litorânea e estão quase que completamente situados na compartimentação geoambiental dos
Tabuleiros Costeiros. Em Cascavel e Beberibe, cujos territórios possuem saída para o mar, há
uma estreita Faixa de Praia que abriga campos de dunas e os complexos flúvio-marinhos, bem
como há áreas de Planície Ribeirinha, que avançam do litoral para o interior, e de Maciços
Residuais do tipo Sertões ao sul (figura 11). Esses domínios naturais se assentam
predominantemente sobre o depósito geológico de rochas sedimentares, com a ocorrência de
cobertura sedimentar recente ao longo da faixa de praia e manchas de rochas metamórficas mais
ao sul (figura 10) (IPECE, 2015).
273 Em 1884 foi transformada em distrito de Cascavel com o nome de Baixinha e em 1929 o nome foi alterado
para Palmares (IBGE, 2015).
245
Figura 10 - Principais depósitos geológicos
da Microrregião de Cascavel-CE
Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).
Figura 11 - Domínios Naturais da
Microrregião de Cascavel-CE
Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).
Assim como os demais municípios litorâneos, os municípios estão entre os menos
susceptíveis à desertificação e fora do perímetro semiárido que predomina no estado do Ceará:
aí predomina o clima tropical quente semiárido brando, com ocorrência do clima tropical quente
semiárido ao sul de Cascavel e Beberibe (figura 12), onde ocorre também o domínio natural
dos Sertões (figura 11) (IPECE, 2015).
Os municípios se situam dentro da Bacia Metropolitana. No perímetro da
microrregião estão os rios Choró e Pirangi, importantes riachos como Malcozinhado e
Salgadinho274, além de córregos275, lagoas e açudes. A unidade fitoecológica predominante é o
Complexo Vegetacional da Zona da Mata – CVL, mas há a ocorrência de mata ciliar na Planície
Ribeirinha de Beberibe, de Floresta Perenefólia Padulosa Marítima próximo à foz do Riacho
Malcozinhado em Cascavel e áreas de Cerrado na porção noroeste de Cascavel e sobre a maior
parte do território de Pindoretama (figura 13) (IPECE, 2015).
A microrregião concentra quatro unidades de conservação: a APA do Balbino em
Cascavel (reserva municipal), as APAs da Lagoa de Uruaú e do Monumento Natural das
274 Outros riachos: Caponga Roseira, Santa Maria, Umburanas, Rancho da Casca, Perdigão etc. 275 Cotia, Mauriti, Cajueiro, Moreira, Boa Vista, Andreza, Lola, Camará, Pau Branco, Carnaúbas etc.
246
Falésias de Beberibe (reservas estaduais) e a Reserva Extrativista Prainha do Canto Verde
(reserva federal) em Beberibe. Pindoretama não possui praias nem unidades de conservação
ambiental.
Figura 12 - Tipos climáticos da
Microrregião de Cascavel-CE
Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).
Figura 13 - Unidades fitoecológicas da
Microrregião de Cascavel-CE
Fonte: IPECE, 2015 (Adaptado).
Com relação aos aspectos econômicos dos municípios que compõem a
microrregião, o setor de serviços responde pela maior parte da composição do PIB municipal,
enquanto a agropecuária é o menos significativo. Juntos, os três municípios somaram um PIB
regional de R$ 892.364,00 em 2011, em que Cascavel respondia por mais da metade dessa cifra.
Em 2011, o PIB cascavelense alcançou R$ 484.886,00, constituído sobretudo pelo
setor de serviços, o que mais movimenta a economia local. Em situação oposta, a agropecuária
possui a menor participação no PIB municipal e responde por pouco mais de um décimo dos
empregos formais. Com o PIB bem inferior ao do setor de serviços, a indústria sozinha gerava
41,73% dos empregos formais no município, quase o mesmo número que administração
pública, comércio e serviços juntos (IPECE, 2014).
247
O quadro a seguir apresenta em números absolutos e porcentagem a distribuição
dos postos formais de trabalho por atividade econômica no município e a distribuição do PIB
por setor econômico:
Quadro 10-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Cascavel-CE, 2013
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
A economia do município contempla agropecuária, fruticultura, comércio e
indústria de transformação, setor em que se destacam empresas de grande porte como a Cascajú
Agroindustrial S/A e a JBS-Cascavel Couros Ltda276, que atuam no beneficiamento da castanha
de caju e do couro, respectivamente. Há ainda uma expressiva produção de confecções, além
da produção de artesanato em cerâmica e cipó de fogo, baseada no trabalho familiar de
comunidades afastadas do centro comercial.
O centro comercial é bastante diversificado em produtos e serviços. Aí acontece
semanalmente a Feira de São Bento, que se constitui principalmente de confecções, além de
calçados e artesanatos. É uma importante fonte de renda e atrativo turístico, pois atrai feirantes
e consumidores de toda a região e movimenta o comércio local. O turismo também é uma
atividade considerável, associado principalmente às praias que se distribuem ao longo da costa:
Caponga, Águas Belas, Barra Nova, Barra Velha e Balbino.
O segundo maior PIB da microrregião pertence a Beberibe. Historicamente, sabe-
se que o município alcançou um expressivo desenvolvimento econômico com a indústria de
rapadura local através dos inúmeros engenhos instalados para o beneficiamento da cana de
açúcar produzida na região. Tal riqueza teria rendido a Beberibe a alcunha de "Vila Rica".
276 A da JBS – Cascavel Couros Ltda (2001) foi precedida pelas empresas Bermas (1999-2007), Eagle Ottawa
(2007) e Bracol (2007-2010).
Estrativa Mineral 0 0
Indústria de Transformação 3.350 41,73%
Serviços industriais de utilidade pública 0 0,00%
Construção Civil 76 0,95% 6,77%
Comércio 1.368 17,04%
Serviços 821 10,23%
Administração Pública 1.508 18,78% 26,64%
Agropecuária 905 11,27%
Outros 0 0,00%
TOTAL 8.028 100,00% 66,60%
Indústria
PIB (2011)
R$ 484.886
Agropecuária
Serviços
Empregos Formais em Cascavel - 2013
248
Atualmente, conforme o perfil da microrregião, o setor de serviços é o grande motor
econômico do município, responsável por 63,19% do PIB municipal em 2011. Nesse sentido,
vale ressaltar a atividade turística associada às belezas naturais, sobretudo às praias de Morro
Branco, Praia das Fontes, Uruaú, Barra da Sucatinga, Canto Verde, Parajuru, Marambaia e
Arióis.
Menos expressiva na microrregião, aqui a agropecuária obteve destaque na
economia, sendo a segunda atividade que mais gerava empregos formais no município em 2010
(IPECE, 2014). Entretanto, nesse ano, Beberibe apresentou o maior índice de população
extremamente pobre da sua microrregião, concentrado principalmente sobre a população rural,
então predominante.
Na agricultura, destacam-se as culturas de cana-de-açúcar, caju, mandioca, milho e
feijão. Na pecuária, destacam-se a criação de bovinos, suínos e avícolas277. No setor industrial,
Beberibe possui indústrias variadas como produtos alimentares, produtos minerais não
metálicos, extrativa mineral, vestuário, calçados e artigos de couro e peles, cabendo destaque
às diversas tijolarias que fazem do município um dos grandes produtores de tijolos do estado
do Ceará.
Com relação aos empregos formais apurados em 2013, administração pública
respondia por quase metade dos postos formais de trabalho, seguida da agropecuária com
21,38% dos empregos (IPECE, 2014). A seguir, podemos conferir os números de empregos
formais no município por atividade econômica e como eles refletem na composição do PIB de
cada setor.
277 Não foi possível apurar a natureza ou composição (subsistência, grande propriedade etc.) das atividades
agropecuárias.
249
Quadro 11-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Beberibe-CE, 2013
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Apesar de responder por pouco mais de um décimo do PIB da microrregião,
Pindoretama possui a mesma ordem de participação dos setores econômicos na composição da
economia municipal. Embora a indústria fosse responsável por quase metade dos postos formais
de trabalho, em 2011 o setor respondia por apenas 16,85% do PIB municipal, a menor
participação econômica entre os municípios da microrregião. Esse fato reflete a baixa atividade
industrial no município, que não possui indústrias de grande porte. Além do mais, a pequena
extensão territorial torna cômodo o deslocamento diário de pindoretamenses que possuem
empregos nas indústrias de municípios vizinhos. O protagonista econômico e base da economia
local é o setor de serviços, responsável por 73,12% do PIB e o setor menos expressivo é a
agropecuária que contribui com apenas um décimo da economia.
O município possui muitos engenhos para o beneficiamento da cana-de-açúcar, de
onde provém a expressiva produção de rapadura e de cachaça. O município é conhecido como
a capital da rapadura e os engenhos e a feira livre local são pontos de visitação para muitos
turistas que exploram o litoral leste da costa cearense e os principais atrativos turísticos para o
pequeno município que não possui praias. Desde 2006, o município promove, sempre no mês
de julho, o Festival Internacional da Cana-de-açúcar da Região das Palmeiras, popularmente
conhecido como “PindoreCana” e que atrai muitos visitantes nos seus quatro dias de
programação278. O evento busca fortalecer a cultura da cana-de-açúcar nas suas tradições, na
produção e no comércio, além de aumentar o fluxo turístico no município.
278 Entre as atividades oferecidas estão apresentações culturais, apreciação culinária dos produtos derivados da
cana-de-açúcar, oficinas, palestras, shows de humor, distribuição de brindes, premiação etc.
Estrativa Mineral 1 0,00%
Indústria de Transformação 323 6,52%
Serviços indistriais de utilidade pública 5 0,10%
Construção Civil 64 1,29% 13,66%
Comércio 261 5,27%
Serviços 534 10,77%
Administração Pública 2.409 48,60% 23,16%
Agropecuária 1.060 21,38%
Outros 300 6,05%
TOTAL 4.957 100,00% 63,19%
Empregos Formais em Beberibe - 2013 PIB (2011)
R$ 484.886
Agropecuária
Indústria
Serviços
250
Administração pública, comércio e serviços juntos respondem por uma fatia de
empregos formais (47,22%) semelhante à indústria e em último lugar figuram a construção civil
e a agropecuária, ambas com 2,8% dos postos de trabalho formalizados, como vemos a seguir:
Quadro 12-Empregos formais por atividade econômica e PIB por setor econômico em
Pindoretama-CE, 2013
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Com relação às finanças públicas, em 2012 Pindoretama alcançou R$ 32,218,00 de
receita e R$ 33.649,00 despesas (IPECE, 2014), ficando com um débito de R$ -1.431,00 o que,
embora não seja muito em termos de cifra, sugere que a administração pública não foi capaz de
equilibrar positivamente as contas no ano de referência.
Com relação aos aspectos populacionais dos municípios que compõem o
COMARES-UCV, há uma proporcionalidade quase exata entre a população residente e o
número de domicílios ocupados quando distribuídos entre as áreas rural e urbana. Isso indica
que a média de moradores por residência é semelhante no campo e na cidade.
Em Cascavel, cerca de 85% dos domicílios particulares ocupados estão localizados
na área urbana, que comporta o mesmo percentual populacional. Em contrapartida, com grandes
extensões de áreas rurais, apenas 15% da população reside no campo. Há áreas urbanas nos
centros dos distritos, mas o principal núcleo urbano do município é a Sede municipal, que
concentra também as principais atividades produtivas e sociais, bem como apresenta uma maior
dinamização na produção do espaço. Consequentemente, aí há uma maior produção de resíduos
e a deterioração do meio ambiente é mais intensa.
O município de Beberibe possui a maior extensão territorial, ocupando cerca de
64% da área total da microrregião e a menor taxa de urbanização, o que lhe confere a menor
Estrativa Mineral 0 0,00%
Indústria de Transformação 915 47,07%
Serviços indistriais de utilidade pública 0 0,00%
Construção Civil 56 2,88% 10,33%
Comércio 285 14,66%
Serviços 151 7,77%
Administração Pública 482 24,79% 16,85%
Agropecuária 55 2,83%
Outros 0 0,00%
TOTAL 1.944 100,00% 73,12%
Empregos Formais em Pindoretama - 2013 PIB (2011)
R$ 484.886
Agropecuária
Indústria
Serviços
251
densidade demográfica do conjunto (30,37 hab/km²). Obviamente essa densidade também é
maior nos núcleos urbanos e menor no campo pois, apesar de superior em número, a população
rural se dissipa em meio à vasta área rural do município.
Em 2010, cerca de 60% da população de Pindoretama vivia em área urbana no
município que tem a mais elevada densidade demográfica da microrregião na qual está inserido.
Pelas razões já elencadas sobre o papel das áreas urbanas na dinamicidade e centralidade dos
municípios, certamente a área urbana é mais densamente povoada que a rural e é provável que
a área rural possua densidade demográfica superior à dos outros municípios regionalizados.
O mapa a seguir (figura 14) mostra a malha rodoviária que faz a integração
territorial de cada um dos três municípios e através da qual as populações se distribuem
territorialmente, mostrando também a localização espacial dos distritos e destacando os
principais núcleos urbanos.
252
Figura 14-Municípios de Cascavel, Beberibe e Pindoretama com destaque para núcleos urbanos e sedes de distritos
Dados: IPECE, 2015 (atualizado de IBGE/IPLANCE, 1998).
Fonte: Elaborado pela autora.
253
Em Cascavel, a quantidade de domicílios atendidos pela coleta de lixo (12.434) em
2010 era inferior à quantidade de domicílios em área urbana (16.089). Isso significa que até
aquele ano o município não conseguia oferecer a coleta de lixo domiciliar em toda a sua área
urbana, mesmo que o número de domicílios atendidos fosse superior aos de Beberibe (8.388) e
Pindoretama (3.715) juntos. A quantidade de domicílios com abastecimento de água (12.455) era
então semelhante à coleta, mas a cobertura de esgotamento sanitário era ínfima, como vemos a
seguir279:
Figura 15-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em
Cascavel-CE, 2010
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Ao contrário do seu vizinho, em Beberibe a quantidade de domicílios com coleta de
lixo (8.388) é superior ao número de domicílios urbanos (6.301). Como a área urbana tende a ser
privilegiada, é possível que a taxa de cobertura urbana seja alta, podendo até ser universal. Se
assim o for, é provável que um considerável contingente populacional disperso na extensa área
rural do município deixe de ser atendido pela coleta de lixo.
O abastecimento de água ainda é muito precário contemplando apenas cerca de um
quarto da população residente. Porém até 2013 o município tinha o maior número total de
domicílios com coleta de esgoto da microrregião, superando Cascavel em cerca de quatro
vezes280.
279 Os percentuais aqui apresentados são a razão entre o número total de domicílios e número de domicílios atendidos
por cada serviço, conforme dados do IPECE (2014). Porém, Torres (2013, p.103) afirma que “de acordo com a
Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará, enquanto 71,1% dos domicílios possuem abastecimento de água, apenas
3,4% dos domicílios possuem instalações sanitárias adequadas em Cascavel”. 280 Enquanto Beberibe possui 1.425 ligações reais de esgoto, Cascavel possui apenas 383. Sua cobertura urbana de
esgoto atinge os 43,95% enquanto em Cascavel é apenas 4,52% e Pindoretama não apresenta dados nessa mesma
pesquisa.
254
Figura 16-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em
Beberibe-CE, 2010
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Em Pindoretama, o número de domicílios atendidos pela coleta de lixo (3.715)
também é superior à quantidade de domicílios localizados na área urbana (3.280). Se a coleta de
lixo cobre toda a área urbana, como é provável em razão da centralidade que esta exerce, isso
implica que ela avança pouco na cobertura da área rural que tem 2.085 domicílios. Nesses termos,
considerando que 100% dos domicílios urbanos sejam atendidos, apenas 20% dos domicílios
rurais desfrutariam do mesmo serviço. Como não há dados referentes ao abastecimento de água
e esgotamento sanitário para o ano de referência, representamos a seguir apenas a situação da
coleta de lixo.
Figura 17-Cobertura dos serviços de saneamento básico por domicílios em
Pindoretama-CE, 2010
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Quanto à disposição final dos resíduos sólidos coletados, nos três municípios, todos
os resíduos sólidos produzidos em seus territórios são depositados em lixões municipais. Em
Cascavel, o principal lixão está localizado próximo ao perímetro urbano da sede municipal e
255
recebe praticamente todos os resíduos gerados no município: resíduos de serviço de saúde,
públicos, domiciliares e particulares de saneamento e de grandes geradores, principalmente das
várias indústrias locais. Em Beberibe, o lixão está cerca de 20 Km distante da sede municipal e
os resíduos privados que recebe provêm principalmente da atividade turística281 (COMARES-
UCV, 2015). Pindoretama não possui atividades turística ou industrial com relevante envio de
resíduos sólidos para o lixão, mas esse também recebe resíduos de diferentes naturezas.
Conforme informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento –
SNIS (2014 apud COMARES-UCV, 2015), a produção diária de resíduos sólidos destinada aos
lixões de Cascavel, Beberibe e Pindoretama é respectivamente 150, 50 e 20 ton/dia (COMARES-
UCV, 2015). Entretanto, lembramos que esses números não são confiáveis, uma vez que são
fornecidos pelas prefeituras que não realizam a pesagem dos resíduos.
5.3.2 O COMARES-UCV
O Consórcio Municipal para Aterro Sanitário de Resíduo Sólidos–Unidade Cascavel
– COMARES-UCV é um dos 22 consórcios para implementação de aterro sanitário de resíduos
sólidos formados por iniciativa do Governo do Estado do Ceará sob consultoria do IDC.
Conforme o estabelecido no seu Contrato de Constituição, o COMARES-UCV está
autorizado “a promover a gestão associada de serviços públicos para a implantação e
administração de Aterro de Resíduos Sólidos regionalizado, objetivando principalmente a
integração de serviços de forma eficaz e menos onerosa para seus entes consorciados”
(COMERES-UCV, 2010).
O consórcio possui personalidade jurídica de direito público, do tipo associação
pública e integra a administração indireta dos municípios consorciados: Cascavel, Beberibe e
Pindoretama. A gestão associada do consórcio tem jurisdição dentro do território desses
municípios e sua sede se localiza no município de Cascavel, onde também deveria ser instalado
o aterro sanitário pretendido pelo consórcio.
281 Embora seja um município com relevante atividade turística que sustenta grande quantidade de hotéis, pousadas
e barracas de praia, esses estabelecimentos não aplicam adequadamente seus respectivos Planos de Gerenciamento
de Resíduos Sólidos – PGRS, onerando a coleta de seus resíduos particulares para a municipalidade. Beberibe
possui um Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos - PGIRSU construído para a obtenção
do ICMS Ecológico, mas que não atende ao escopo da PNRS (2010). (COMARES-UCV, 2015).
256
Conforme o IDC (2016), sua implantação seguiu os seis passos jurídicos necessários
para a formação do consórcio: protocolo de intenções, leis de ratificação municipais, estatuto
social, regimento interno, contrato de rateio e contrato de programa.
Pouco depois da publicação da PNRS (2010), a Assembleia Geral do COMARES-
UCV aprovou o Estatuto Social do consórcio, um dos dispositivos legais que rege a agremiação
e que tem seu conteúdo mínimo estabelecido por lei282. O documento organizado em 20 capítulos
e 80 cláusulas traz as principais informações acerca da organização do consórcio.
A gestão associada implica a transferência total ou parcial de competências
municipais para o consórcio. Nesse caso, o consórcio absorveu “o planejamento, a regulação, a
fiscalização e, nos termos do contrato de programa, a prestação do serviço público para promover
a destinação de disposição final de resíduos e rejeitos sólidos, na área de atuação da
Administração Pública dos municípios [consorciados]” (COMARES-UCV, 2010, Cap. III).
O Consórcio como titular dos serviços públicos de manejo, destinação e disposição
final de resíduos e rejeitos sólidos, será responsável pela organização e prestação direta ou
indireta destes serviços, mas o seu planejamento, regulação e fiscalização não podem ser total ou
parcialmente transferidos para terceiros (COMARES-UCV, 2010).
Em termos práticos, os objetivos são a realização de licitações compartilhadas; a
aquisição ou administração dos bens para uso compartilhado; a capacitação técnica continuada
do pessoal empregado no gerenciamento de resíduos; o desenvolvimento de programas de
educação, saúde e gestão ambiental; a adoção de tecnologias limpas que minimizem os impactos
ambientais; implantar a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto e garantir
a boa qualidade da prestação dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos e a sua
sustentabilidade operacional e financeira283.
Nesse sentido, o consórcio está autorizado a emitir documentos de cobrança pelos
serviços públicos prestados por ele próprio ou por seus entes consorciados, além de restringir o
acesso ou mesmo suspender (sempre precedida por prévia notificação) a prestação do serviço
para o ente consorciado inadimplente que não honrar as obrigações assumidas.
282 Conforme e estabelecido na Lei dos Consórcios deverá dispor sobre a organização do consórcio, a estrutura
administrativa, os cargos, as funções, as atribuições e competências, a forma de eleição, os órgãos constitutivos do
consórcio e demais regras para sua funcionalidade. 283 Nesse sentido, os objetivos são o reconhecimento do resíduo sólido como um bem econômico e de valor social;
o seu reaproveitamento econômico, incluindo a recuperação e o reaproveitamento energético; a comercialização
de matéria prima ou produtos derivados do funcionamento do aterro sanitário; e a articulação entre as diferentes
esferas do poder público e dessas com o gestor empresarial, com visas à cooperação técnica e financeira para
gestão associada dos resíduos sólidos.
257
Entretanto, a viabilidade socioeconômica dos serviços a serem prestados deverão ser
“adequadamente planejados, de modo a não onerar desnecessariamente ou injustamente seus
usuários”. Assim, “o planejamento dos serviços públicos deverão ser elaborados e revisados [sic]
com a participação da comunidade, sendo obrigatória a realização de audiências e consultas
públicas” (COMARES-UCV, 2010).
A modicidade dos preços públicos (taxas e tarifas); a equidade social e econômica
dos serviços, salvo aqueles que priorizem o atendimento da população de baixa renda; e a
participação da sociedade por meio de instâncias de controle social são algumas das diretrizes
básicas que norteiam o consórcio. Cabe destaque ainda à universalização do acesso aos serviços
de boa qualidade e em menor prazo possível; a regularidade, continuidade, eficiência e segurança
(para os usuários, trabalhadores, meio ambiente e população em geral); a atualidade ou
modernidade (das técnicas, equipamentos, instalações e serviços); e o bom atendimento ao
público.
A atividade financeira do consórcio obedecerá às normas de direito financeiro
aplicáveis às entidades públicas. Os consorciados apenas repassarão recursos ao consórcio
quando este for contratado para a prestação de serviços, execução de obras ou fornecimento de
bens ou quando houver Contrato de Rateio284, caso em que os consorciados respondem
subsidiariamente pelas obrigações do Consórcio (COMARES-UCV, 2010).
O Consórcio está habilitado a firmar acordos setoriais ou termos de compromisso
com o setor privado e “com o objetivo de receber transferência de recursos, o Consórcio fica
autorizado a celebrar convênios com entidades governamentais, de terceiro setor ou privadas,
nacionais ou estrangeiras” (COMARES-UCV, 2010).
O quadro de pessoal do Consórcio será formado por servidores cedidos pelos entes
consorciados ou por no máximo 16 (dezesseis) empregados públicos admitidos mediante
concurso público285 e regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Estes, por sua vez,
não poderão ser cedidos aos entes consorciados. Aqueles que estão à frente do Consórcio ou que
desempenham função em qualquer um de seus órgãos, sejam representantes dos entes
consorciados ou dos usuários não poderão ser remunerados (COMARES-UCV, 2010).
284 “O contrato de rateio é um contrato celebrado pelos Entes Políticos, em sede de um contrato de consórcio público,
visando que os recursos adquiridos com a prestação do serviço público, objeto do consórcio, seja rateado entre os
Entes Públicos consorciados, conforme disposto no art. 8º, § 1º, da lei 11.107/2005.” (JusBrasil.com, 2015 –
Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1055706/o-que-se-entende-por-contrato-de-rateio-ariane-
fucci-wady>. Acesso em: 16 out. 2015). 285 Conforme a Lei nº 8.66/1993, que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Pública.
258
Os órgãos constitutivos de um consórcio público são formados por representantes
dos entes consorciados de duas formas distintas. Assembleia Geral, Presidência, Vice-
Presidência e Diretoria Executiva são compostos obrigatória e exclusivamente por chefes do
Poder Executivo das instâncias que o compõem. No caso do COMARES-UCV e dos outros
consórcios intermunicipais de resíduos sólidos, esses representantes são os prefeitos dos
municípios.
A Assembleia Geral é órgão mais importante e instância máxima do consórcio, órgão
colegiado composto pelos Chefes do Poder Executivo de todos os entes consorciados, nesse caso,
pelos prefeitos de Cascavel, Beberibe e Pindoretama286. É a assembleia que delibera todas as
questões de competência do consórcio e elege entre seus membros o presidente e o vice-
presidente (segundo mais votado) do consórcio para um mandado de 2 anos, podendo ser reeleito
para um único mandado subsequente.
O presidente é o representante judicial e extrajudicial do consórcio, quem ordena suas
despesas e se responsabiliza pela sua prestação de contas, cargo ocupado pelo prefeito de
Pindoretama (gestão 2015-2016). Todas essas funções podem ser delegadas ao vice-presidente,
exceto a representação judicial e extrajudicial. Já a Diretoria Executiva é formada pelo presidente
do consórcio e mais dois prefeitos por ele nomeados. Julga questões relativas a concurso público,
editais de licitações, aplicação de penalidade, dispensa e exoneração de empregados ou
servidores temporários etc. e se reúne mediante à convocação do presidente e delibera de forma
colegiada. Como o COMARES-UCV é formado por apenas três municípios, a composição da
diretoria coincide com a da assembleia.
Os demais órgãos admitem representantes da esfera não executiva. O Colégio
Eleitoral é composto por dois representantes eleitos por cada Câmara Municipal e presidido por
membro eleito entre os indicados287. Ele elegerá (através do voto secreto) entre seus membros
três candidatos para comporem o Conselho Fiscal, a quem compete “exercer o controle da
legalidade, legitimidade e economicidade da atividade patrimonial e financeira do Consórcio”.
Esse controle interno não prejudica o controle externo do Poder Legislativo de cada
ente consorciado sobre os recursos que cada um deles efetivamente entregar ou compromissar ao
Consórcio. Ao contrário, sujeita o consórcio à fiscalização contábil, operacional e patrimonial do
Tribunal de Contas dos Municípios consorciados (COMARES, UCV, 2010, Cap. IX).
286 Respectivamente Ivonete Pereira, Miclele Rocha e Valdemar Silva (gestão 2013-2016). 287 É vedada a candidatura de parente e afins até o terceiro grau de qualquer dos Chefes do Poder Executivo de entes
consorciados e os membros eleitos só poderão ser afastados mediante proposta de censura aprovada com quórum
exigido em Assembleia Geral.
259
O Conselho de Regulação, por sua vez, é um órgão de natureza consultiva, formado
por dois membros da Diretoria Executiva e três representantes de usuários, cuja eleição deverá
se dar em conferência convocada mediante ampla publicidade. A ele compete “aprovar as
propostas de Regulamento a serem submetidas à Assembleia Geral, bem como emitir parecer
sobre as propostas de revisão e reajuste de tarifas” de modo que qualquer decisão da Assembleia
Geral nesse sentido, não terá validade sem a prévia manifestação do Conselho de Regulação.
Entretanto, é necessário salientar que as deliberações serão negociadas entre
representantes dos usuários (que podem ser pessoas comuns) e prefeitos: apesar de estarem em
menor número, estes certamente possuem um capital social maior, caracterizando uma assimetria
de forças que pode facilmente fazer as decisões penderem para o lado dos gestores, situação que
pode ser agravada no caso de deliberações realizadas com quórum mínimo exigido.
Formado em 2010, o COMARES-UCV permaneceu inativo até 2014, quando os
gestores recém empossados retomaram as discussões com a pretensão de reativá-lo. Foi
necessário recompor os órgãos e as funções que se encontravam esvaziados e com mandatos
vencidos para iniciar o trabalho, e assumir as responsabilidades, pois uma vez formado, o
consórcio adquire personalidade jurídica própria dotada de obrigações legais, que deixam de ser
cumpridas quando o consórcio, apesar de legalmente formado, permanece inativo. Um exemplo
é a multa contraída pelo COMARES-UCV junto à Receita Federal pela não apresentação da
Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF288 durante o tempo em que esteve
inativo.
Judicialmente, o município de Pindoretama responde a uma Ação Civil Pública -
ACP já em fase final, aguardando julgamento. Antes havia firmado um Termo de Ajustamento
de Conduta - TAC com o Ministério Público, o qual não conseguiu cumprir. Em Beberibe a ACP
está em fase final e em Cascavel ainda não há propositura de ACP, mas há um inquérito civil
instaurado. Cascavel tem um processo administrativo no IBAMA por ter tido o suposto aterro
sanitário construído com recursos do MMA transformado no atual lixão289.
288 A DCTF inclui vários tributos. Deve ser apresentada mensalmente por órgãos públicos dos Poderes Executivo,
Legislativo (Estados e municípios) e Judiciário (Estados), autarquias, fundações públicas, consórcios etc. e a sua
não declaração implica multa. 289 Sobre isso há controvérsias. Em outro trabalho (TORRES, 2013), catadores antigos do lixão de Cascavel afirmam
que a estrutura do que seria um aterro sanitário era mínima, reduzida a uma pequena construção e uma balança
rodoviária. De fato, o local não apresenta indícios de valas, canalização de chorume ou impermeabilização do solo,
embora oficialmente conste como aterro sanitário, o que inclusive rendeu dificuldades aos municípios em pleitear
recursos para aterro, uma vez que consta que ele já possui. De qualquer forma, é um trabalho mais específico sobre
as deficiências da administração pública que não trataremos aqui.
260
O Governo do Estado através da SEMA e SCIDADES afirma que não há orçamento
para a ideia inicial e não há grandes perspectivas de participação financeira do Estado para os
consórcios intermunicipais de resíduos sólidos, exceto os municípios incluídos em outros
projetos financiados pelo Banco Mundial290.
Como que em um cenário ideal, o Estatuto Social do consórcio - criado pelo IDC a
serviço do Governo do Estado durante a formação do consórcio - estipulava o início das
operações do aterro sanitários para julho de 2014, dias antes do prazo final estabelecido pela
PNRS (2010). Após a formação o consórcio caiu na inércia e, como sabemos, o prazo expirou
sem que o objetivo fosse alcançado e sem indicativos de um novo prazo ou ações.
Esse estado de inatividade começou a ser alterado a partir de um contato informal
estabelecido em abril de 2015 entre o secretário de meio ambiente de Cascavel e um representante
da SCIDADES, o coordenador da Cosan. Nos meses seguintes foram realizadas reuniões com os
prefeitos, secretários, técnicos e procuradores dos três municípios, representantes da
SCIDADES, SEMA, IDECI e do Ministério Público do Ceará a fim de abrir novas perspectivas
de atuação para o COMARES-UCV, uma vez que não há perspectivas para a instalação do aterro
sanitário.
O objetivo da articulação é a realização de ações imediatas que atenuem os impactos
da gestão inadequada de resíduos sólidos nos municípios do COMARES-UCV, através de
medidas que possam atender aos princípios da PNRS (2010) dentro das limitações financeiras e
institucionais dos municípios (CEARÁ, 2016).
Foi então criado um plano de trabalho conjunto em que as partes assumem
compromissos práticos a serem executados até o final de 2015. Uma vez que essas metas fossem
alcançadas, a ideia era que a partir de 2016, o consórcio assumisse a continuidade das ações, com
o apoio técnico da SCIDADES, SEMA e IDECI. Porém, as metas não foram atingidas dentro do
prazo previsto e foram deslocadas para 2016. Conforme o PERS (CEARÁ, 2016), estas são as
ações pactuadas e seus respectivos responsáveis:
290 Em relatório da reunião de trabalho realizada com as partes em setembro de 2015 pelo Ministério Público do
Ceará, a SEMA afirma que são 81 municípios do Vale do Acaraú, Salgado e RMF beneficiados com projetos de
recuperação de áreas degradadas, coleta seletiva, bolsa de negócios e plano de comunicação.
261
Quadro 13-Metas pactuadas entre os municípios do COMARES-UCV, SEMA,
SCIDADES e IDECI para 2016
Fonte: Plano Estadual de Resíduos Sólidos (CEARÁ, 2016).
Esse é um projeto-piloto de assistência técnica e cooperação que ainda não há no
estado do Ceará. Não há nenhuma estrutura de aterro definida e nas discussões é possível
perceber que este não será a estrutura principal. O principal será o conjunto de ações que reduzirá
o volume de lixo gerado, exigindo uma estrutura menor dentro das possibilidades dos municípios.
A ideia era que a implantação de ecopontos (PEVs ou LEVs), a construção do centro
de triagem para catadores e a efetivação de um projeto-piloto de coleta seletiva acontecem
paralelas e de imediato, reduzindo o volume de lixo enviado ao lixão e facilitando assim o seu
manejo que também deveria acontecer até o final de 2016 (CASCAVEL, 2015).
Revisão da legislação municipal e anteprojeto de lei SCIDADES
Encaminhamento e aprovação do projeto de lei Prefeituras
Proposta de revisão das estruturas administrativas SCIDADES
Readequação das estruturas administrativas Prefeituras
Apoio técnico para operacionalização do consórcio SCIDADES
Curso de capacitação para operacionalização do consórcio SCIDADES
Instalação e funcionamento dos consórcios Prefeituras
Elaboração do modelo do cadastro SEMA
SEMA
Prefeituras
Análise do modelo após teste e elaboração do cadastro definitivo SEMA
Identificação e cadastramento dos grandes geradores Prefeituras
Estudo e proposta de participação dos grandes geradores SEMA
Aprovação e efetivação da proposta SEMA
Elaboração de Proposta para Educação Ambiental SEMA
Implementação da proposta de Educação Ambiental Prefeituras
Identificação de locais para os Ecopontos Prefeituras
Elaboração de projetos executivos dos Ecopontos IDECI
Proposta de Gestão do Ecoponto SCIDADES
Proposta de Gestão da Coleta Seletiva SEMA
Implementação dos Ecopontos Prefeituras
Elaboração do modelo do cadastro de catadores SEMA
SEMA
Prefeituras
Análise do modelo após teste e elaboração do cadastro definitivo SEMA
Identificação e cadastramento dos catadores Prefeituras
Organização de cooperativas/Associação de catadores SEMA
Elaboração de Plano de Manejo dos Lixões SCIDADES
Validação Ambiental do Plano de Manejo SEMA
Implementação do Plano de Manejo Prefeituras
Metas Responsável
Teste do modelo por cadastro de grupo amostral
Teste do modelo por cadastro de grupo amostral
262
Porém, novamente as metas não avançaram e os municípios do COMARES-UCV
celebraram com o Ministério Público um TAC no qual essas metas são detalhadas e redistribuídas
até 2017. A primeira ação prevista é a revisão do Estatuto Social, Regimento e Contrato de
Programa do consórcio. Todos esses instrumentos foram constituídos sobre a ideia inicial de
aterro sanitário e com a ampliação do objetivo do consórcio, tanto os instrumentos quanto a
denominação necessitam ser alterados. A razão social passará para Consórcio Intermunicipal
para Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, mas o nome fantasia referente à sigla anterior será
mantido.
O passo seguinte é a formação de equipe técnica e administrativa que permita a
operacionalização das atividades do consórcio. A sede do consórcio localizada no município de
Cascavel foi inaugurada em outubro de 2015291, mas ainda não oferece expediente regular e
estrutura física adequada devido a complicações na documentação que impossibilita a
movimentação financeira: os municípios consorciados só poderão entregar recursos ao consórcio
mediante Contrato de Rateio, no qual são definidas as regras e critérios das obrigações financeiras
assumidas por cada município para o custeio das atividades do consórcio292. O expediente é dado
sobretudo por técnicos de meio ambiente dos municípios, que na prática são os responsáveis
diretos pelos assuntos referentes ao consórcio.
Ao mesmo tempo está prevista a adequação da legislação municipal à PNRS (2010):
a elaboração de minutas de anteprojetos de lei sobre resíduos sólidos e a sua aprovação nas
câmaras municipais. Deve ser elaborado também o Plano Municipal de Educação Ambiental com
foco nos resíduos sólidos, além de um documento de referência e material de apoio didático
(cartilha e material audiovisual) para os professores da rede de escolas públicas e a promoção de
atividades, gincanas, palestras e oficinas, todos com o apoio da SEMA. Em Cascavel o Plano
Municipal de Educação Ambiental está na fase final de apreciação pública e deve ser lançado
dentro do prazo previsto.
Com relação à reciclagem e à coleta seletiva, as ações previstas são o apoio à
mobilização de catadores, que deverá culminar na criação de associações ou cooperativas; a
implantação de projetos-piloto de coleta seletiva em algumas ruas ou bairros; e o processamento
de reciclagem (termo de parceria). Quanto aos ecopontos, os projetos físicos já foram criados
291 Na ocasião da inauguração estavam presentes as comitivas municipais e representantes da SEMA e da
SCIDADES e os pronunciamentos em geral possuíram um tom de esperança e exaltação da iniciativa. 292 A ideia é que cada ente consorciado assuma responsabilidades financeiras e repasse os respectivos recursos ao
consórcio de modo a assegurar o custeio das atividades técnicas e administrativas a serem desenvolvidas pelo
consórcio a partir de sua Sede. Como é justo, a quota de gestão e gerenciamento de resíduos sólidos deverá ser
rateada de forma proporcional à quantidade de resíduos gerados por cada município, podendo ser reajustada a cada
cinco anos.
263
pelo IDECI e os terrenos para a sua construção já foram regularizados em Cascavel e Beberibe
em Pindoretama está sendo definido. O próximo passo é a captação de recursos através de editais,
de modo que e execução da obra de instalação não possui data definida.
Sobre logística reversa, foi realizado um cadastro e reunião com os grandes geradores
de cada município e deverá ser realizado um estudo sobre esses resíduos com a finalidade de
destiná-los para a reciclagem. Finalmente, sobre o tratamento e a disposição final, as ações
previstas no TAC se resumem ao manejo dos atuais lixões e implementação de um projeto-piloto
de poda. O plano de manejo dos lixões e o projeto de poda deverão ser elaborados até o final de
2016. O projeto executivo do lixão deverá ser elaborado até o final de 2017, mas a execução das
obras não possui data definida, pois dependerão da captação de recursos, bem como a
implementação do projeto de poda.
Atualmente, os municípios ainda não possuem o plano municipal de resíduos sólidos
em conformidade com a PNRS (2010) e os lixões continuam sendo o destino dos resíduos
produzidos nos três municípios, recebendo lixo de origens diversas, tanto da limpeza pública
quanto de geradores particulares. Em Cascavel, o lixão ocupa uma extensa área e é de crítica
localização ambiental: a COGERH suspeita de contaminação no Riacho Malcozinhado que corta
o município (CASCAVEL, 2015).
Com essa nova fase de entendimento, o tratamento do Governo do Estado para com
os municípios do COMARES-UCV melhorou: a falta de assistência e o desinteresse dos órgãos
da administração estadual na questão dos resíduos sólidos cedeu lugar a um diálogo que tem
prosperado com vistas a encontrar algumas soluções para o problema (CASCAVEL, 2015).
Porém, embora as reuniões tenham avançado na definição de metas e o Governo do Estado tenha
oferecido certo apoio técnico e tenha sido essencial na mobilização dos atores, a falta de apoio
financeiro ainda é um fator decisivo: em termos práticos, o plano de trabalho firmado com o TAC
não indica um horizonte para o encerramento dos lixões e para a instalação dos ecopontos: ambos
se encerram com a captação de recursos e não se faz nenhuma menção ao aterro sanitário.
Diante da crise econômica e política vivenciada atualmente no Brasil, que avança em
ameaça a direitos e serviços públicos essenciais como saúde, educação, previdência e segurança,
são poucas as perspectivas de apoio financeiro do governo, seja do Estado ou da União. Pensando
nisso, o COMARES-UCV também vislumbra editais internacionais para a área, como por
exemplo o edital da União Europeia, em que o consórcio apresentou proposta para implantação
264
de coleta seletiva e organização de cooperativa de catadores, ambos sem perspectivas de recursos
governamentais293.
Como vimos anteriormente, à luz do ordenamento jurídico brasileiro (Constituição
Federal, 1988; PNSB, 2007; PNRS,2010), a sustentabilidade econômica da coleta e manejo de
resíduos sólidos deverá ser garantida pela cobrança dos serviços aos munícipes. Entretanto, isso
não resolve o impasse referente aos investimentos necessários para a instalação do sistema de
gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, pois este deverá, obrigatoriamente, preceder à
cobrança, criando antes as condições necessárias para a oferta apropriada do serviço a ser
cobrado.
Ou seja, antes que taxas sejam instituídas, é necessária uma completa reorganização
municipal: técnica, administrativa e institucional. Apesar de certa autonomia conferida pelo atual
pacto federativo, os municípios brasileiros em sua maioria não passaram por um fortalecimento
institucional necessário para o pleno exercício dessa autonomia. Visto que a descontinuidade
administrativa dos municípios é um dos principais pontos fracos dos consórcios intermunicipais
para resíduos sólidos no estado do Ceará, o fortalecimento institucional é fundamental para que
as ações empreendidas tenham continuidade nas gestões seguintes. E nesse sentido, são
fundamentais a participação e o apoio do Governo do Estado.
De qualquer forma, a iniciativa tem mobilizado diferentes atores e está estimulando
as prefeituras a produzirem instrumentos e ações importantes para o enfrentamento do problema
dos resíduos sólidos na área do COMARES-UCV294. Desse modo, em um cenário marcado pela
inatividade dos consórcios para resíduos sólidos, o COMARES-UCV inaugura uma forma de
atuação particular e de certa forma inédita.
Considerando todo o exposto, entendemos que a iniciativa é uma estratégia de
redirecionar o curso das ações de implementação da política de resíduos sólidos no estado,
transferindo o foco dos aterros sanitários para outras ações que também compõem o pacote de
obrigatoriedade fixado pela lei, mas que apesar de dependerem de um investimento inferior
também não foram implementadas nos municípios ou consórcios cearenses. Assim, tendo falhado
aquele objetivo que se tornou o ícone maior da política de resíduos sólidos, entram em pauta os
demais objetivos considerados mais realistas e exequíveis.
A geração de resíduos se refere à forma capitalista de produzir mercadorias, ou seja,
se refere aos pilares do modo de produção que é essencialmente segregador, classista e
dilapidador da natureza enquanto fonte para o processo produtivo que viabiliza a acumulação de
293 Edital EuropeAid/150217/DD/ACT/BR. O consórcio não atingiu a pontuação necessária para ser contemplado. 294 Em Cascavel, por exemplo, a Secretaria de Obras fez a topografia da área do lixão, até então inexistente.
265
capital. Desnudada a superfície da terra de seus bens naturais agora transformados em recursos,
acaso ela poderia ser revestida por aterros sanitários destinados ao confinamento de resíduos?
Enquanto política pública, a concepção de um projeto estadual de gestão de resíduos sólidos
limitado à disposição final foi um erro, bem como será subestimar a sua importância num
momento em que mais se gera resíduos em toda a história.
Reiteramos que os aterros sanitários não são a solução para o problema dos resíduos
sólidos, enquanto questão social complexa. Mas do ponto de vista da emergência ambiental, eles
também não são dispensáveis: o Ministério Público Estadual entende que, embora necessárias,
as ações empreendidas pelo COMARES-UCV são medidas paliativas e insiste na implementação
do aterro sanitário nos termos da lei.
De fato, a adoção de medidas referentes ao tratamento dos resíduos sólidos é
importantíssima, mas não resolvem o problema da destinação final dos rejeitos, bem como não
exime os municípios dessa responsabilidade nem deve afastar a persecução da meta de um aterro
sanitário adequado às regras sanitárias e de engenharia, tampouco a esperança e o empenho na
superação desse modelo.
266
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A problemática ambiental é resultado da sobreposição histórica da produção material
e, portanto, não pode ser encarada apenas como questão geoecológica, mas precisa ser inserida
no campo das relações sociais, pois a sua resolução passa pelos caminhos tomados pela
sociedade.
A sustentabilidade pode ser tratada como discurso, pois é um tema que possui
diferentes leituras construídas por forças sociais distintas. Embora haja diferentes abordagens, o
conceito hegemônico é aquele estabelecido pela ONU no Relatório Brundtland (1987) na forma
do desenvolvimento sustentável, que com ênfase econômica e tecnológica, tônica conciliadora e
disseminada através de um projeto de cooperação internacional, busca responder algumas
contradições expostas pelos modelos anteriores de desenvolvimento inaugurando uma nova
estratégia.
Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável surge numa conjuntura de crise do
capitalismo e é entendido como um projeto de desenvolvimento capitalista global, pois a crise
do capitalismo foi reduzida à crise ambiental - enquanto denominador comum - com a intenção
de dar um novo fôlego à continuidade do desenvolvimento econômico. Concentrado em torno
das questões climáticas, o desenvolvimento sustentável possui jurisdição sobre todas as
atividades produtivas e sociais que deverão ser reestruturadas, criando um mercado e novas
formas de manter as velhas relações de poder entre nações. E entre os seus instrumentos mais
notáveis estão a influência política, que os países do capitalismo central impõem sobretudo aos
periféricos; e os instrumentos de flexibilização, que lhes permitem burlar acordos ao mesmo
tempo em que expandem seu poder.
No Brasil, a política ambiental está impregnada pelo desenvolvimento sustentável,
como por exemplo as políticas federais de educação ambiental, meio ambiente, mudanças
climáticas, saneamento básico e resíduos sólidos. Essa última claramente influenciada pelos
Mecanismos de Desenvolvimento Limpo - MDL, em um contexto de gestão nacional crítica com
agravantes regionais, em que os lixões compõem a paisagem da maioria dos municípios
brasileiros.
A adoção do modelo de gestão integrada de resíduos sólidos com a exigência de
aterros sanitários são produto da introdução do desenvolvimento sustentável e seus mecanismos
nas políticas públicas de meio ambiente no Brasil. Entretanto, ao mesmo tempo em que
considerou elementos externos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) não foi capaz de
alterar essa situação. Nem mesmo os planos de saneamento e resíduos sólidos tiveram sucesso.
267
Os municípios acusam o governo federal de não disponibilizar apoio técnico na elaboração e o
governo federal tem na ausência dos planos um argumento para não conceder recursos
financeiros, mantendo assim um desafortunado impasse. Porém a mobilização municipalista
conseguiu adiar o prazo para o plano de saneamento e tenta conseguir o mesmo com o plano de
resíduos sólidos, empurrando a obrigatoriedade dos aterros sanitários e fechamento dos lixões
para 2024! Na prática, isso salva a cabeça dos gestores em nível local e em nível nacional mantém
a impressão de que a solução está em processo, mas na realidade nada avança em soluções
concretas.
O Estado do Ceará possui uma situação crítica de saneamento e no tocante aos
resíduos sólidos, a precariedade da gestão é generalizada e a presenças de lixões nos municípios
é quase unânime. Apesar de consorciados, os municípios também não avançaram em ações
concretas. Inicialmente, a escolha do recorte espacial se deu porque o consórcio formado pelos
três municípios representava bem os municípios cearenses e a composição dos consórcios
intermunicipais por eles formados: um município polo com influência regional e municípios
menores, combinando diferentes extensões territoriais e sua repartição entre áreas urbanas e
rurais, índices de urbanização e densidade demográfica, indicadores sociais e econômicos etc.,
ao mesmo tempo em que pudessem compor uma unidade territorial e ambiental admissível para
fins de política públicas.
Esperávamos que a compreensão das dificuldades enfrentadas pelo COMARES-
UCV na execução das diretrizes da PNRS (2010), sobretudo a implementação do aterro sanitário,
tornasse possível também a compreensão das dificuldades enfrentadas pelos demais consórcios
e municípios cearenses que partilham das mesmas características. Entretanto, durante o nosso
percurso, o COMARES-UCV inesperadamente inaugurou outra perspectiva de atuação,
rompendo com a inércia que até então caracterizava os consórcios intermunicipais de resíduos
sólidos no estado do Ceará.
Ao final, temos o entendimento que o objetivo foi alcançado: conseguimos apontar
algumas das dificuldades que travam a implementação da PNRS (2010) e compreender que elas
são múltiplas e possuem diferentes escalas. Mas que isso, a aparente guinada que o COMARES-
UCV parece estar construindo com o apoio do Governo do Estado e o fato dessa ser uma
experiência ímpar no Estado, apontam para algumas conclusões.
A primeira é que essa experiência surge diante da constatação de que a PNRS (2010)
e a política estadual de regionalização não foram capazes de induzir melhorias efetivas no
problema dos resíduos sólidos nos municípios cearenses. Há de se ressaltar, portanto, que
considerar a nova estratégia mais realista e exequível reafirma a falha da proposta anterior, não
268
quando exige o aterro sanitário, que é de fato uma necessidade, mas quando não viabiliza na
necessária medida os instrumentos para a sua implementação.
Um desses instrumentos seria os consórcios públicos, que apesar de serem o ícone
da política de regionalização do Estado, de fato também não prosperaram. Frente ao fracasso
derivado da incapacidade técnica, política, financeira e institucional dos municípios para a
implementação, tanto dos aterros sanitários quanto das demais obrigações impostas pela PNRS
(2010), entendemos que há um abismo gigante entre as determinações legais da lei dos resíduos
e as perspectivas de seu efetivo cumprimento.
O Governo do Estado tem citado a iniciativa do COMARES-UCV, tanto para mostrar
ação quanto para inspirar outras iniciativas. Porém, se por um lado há a esperança de que, uma
vez que seja bem-sucedida, a experiência possa servir de modelo a ser reproduzido pelos demais
consórcios ou municípios cearenses; por outro, entendemos que ela é uma realidade de exceção
no contexto cearense, derivada de uma conjuntura política específica e não de uma política
pública eficiente e abrangente, pois ao contrário, nasceu do fracasso de uma.
Também é fundamental ressaltar a responsabilidade dos gestores municipais nesse
processo. Não havendo prosperado a implementação dos aterros sanitários, alegando-se
sobretudo incapacidade financeira, o fato é que as demais ações impostas pela política, ainda que
dependessem de um investimento inferior, como a coleta seletiva, por exemplo, também não
foram implementadas nos municípios e consórcios cearenses. Isso aponta para uma deficiência
que não é somente financeira, mas sobretudo institucional e administrativa e quem sabe seja um
indicativo da necessidade de um novo pacto federativo.
Cabe lembrar ainda que a gestão integrada e o gerenciamento de resíduos sólidos
propostos pela PNRS (2010) estão inseridos em um contexto de desenvolvimento sustentável
enquanto projeto hegemônico. As considerações desenvolvidas ao longo do trabalho que situam
o COMARES-UCV dentro da política ambiental brasileira, e ambos dentro da política ambiental
internacional, puderam reafirmar que a dimensão econômica é dominante, enquanto a dimensão
política instrumentaliza os interesses econômicos que o capital estabelece para o setor através
das políticas públicas, conferindo-lhe legalidade e o social se volta para a legitimação dos dois
primeiros como forma de manter o poder do Estado e a hegemonia capitalista.
Uma vez que o Estado brasileiro assume o desenvolvimento sustentável como
modelo de crescimento econômico e o introduz nas políticas públicas de maneira ampla, o desafio
maior estaria na sua implementação, ainda muito distante do que preveem as leis até aqui
instituídas. Apesar do fracasso aparente da PRRS (2010), da política estadual de regionalização
e dos consórcios constituídos, esse descompasso não deve ser confundido com o abandono do
269
projeto hegemônico: pelo contrário, atores hegemônicos em diferentes escalas têm forçado o
cumprir dos aspectos da lei com maior relevância para a manutenção do status quo e das
estruturas de poder historicamente constituídas externa e internamente.
270
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277
APÊNDICES
278
APÊNDICE A - Indicadores diversos dos municípios do COMARES-UCV
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
Nº % Nº % Nº % Nº %
Área Absoluta (Km²)
→ Consórcio(%)
Dens. Demogr. (hab/km²)
Taxa de Urbanização (%)
População Total (Hab.)
→ Consórcio(%)
→ Urbana 56.157 84,9 21.611 43,83 11.280 60,38 - -
→ Rural 9.985 15,1 27.700 56,17 7.403 39,62 - -
Domicílios totais
→ Urbanos 16.089 85,43 6.301 44,66 3.280 61,13 - -
→ Rurais 2.743 14,56 7.806 55,33 2.085 38,86 - -
→ Com energia elétrica 18.535 98,63 13.888 98,64 5.251 98,31 2.340.224 98,94
→ Com coleta de lixo 12.434 66,03 8.388 59,58 3.715 69,56 1.781.993 75,35
→ Com Esgot. Sanitário 383 2,03 1.425 10,10 - - 516.386 21,83
Cobertura urbana
→ Com Abast. Água - 2013 12.455 66,14 3.862 27,38 - - 1.635.094 69,13
> Cobertura urbana
IDH (número/posição) 0,646 28º 0,638 37º 0,636 40º - -
IDM (número/posição) 33,39 26º 26,01 57º 34,86 25º - -
População extrema-
mente pobre (%)
PIB (R$) (2011)
→ PIB per capta - 2011
→ PIB Agropecuária - 2011
→ PIB Indústria - 2011
→ PIB Serviços - 2011
Estabel. Comerciais - 2013
Indústrias ativas - 2013
Empregos formais - 2013
Receitas Totais - 2012
Despesas Totais - 2012
ICMS Arrecadado - 2013
→ IQM Equivalente
Eco
no
mia
San
eam
ento
Des
envo
lvim
ento
Po
pu
laçã
o
2010*
COMARES - UCV
R$ 9.164.147 R$ 1.854.224 R$ 8.705.388.724
R$ 91.930 R$ 78.426
R$ 1.166.825
-
1.321
4.957 1.495.923
R$ 7,255 R$ 6,135 R$ 5,359 R$ 10,314
30,37 256,06
33,15% 63,95%
752
8.028
268
R$ 572.759 R$ 115.889 R$ 72.927
R$ 101.648R$ 305.830R$ 484.886 R$ 87.982.450
R$ 32.218
-
84,90% 43,83% 60,38%
17,78%13,97%25,43%16,02%
R$ 90.259 R$ 74.222 R$ 33.649 -
34.763
154.781
1.944
100
440
146
14.10718.832 2.365.2765.365
36,19%-4,52% 43,95%
91,61%93,00%90,05%95,85%
73,08%63,19% 73,12%66,62%
22,22%26,64% 23,16% 16,85%
4,70%10,03%13,66%6,77%
Ceará
-
Cascavel Beberibe Pindoretama
-
-13,92%36,76%49,30%
18.68349.31166.142
837,97 1.616,39 72,85
2,88% -
-
-
84,9
279
APÊNDICE B – Resoluções CONAMA para resíduos sólidos (1986-2009)
(Continua)
Lei nº Descrição sucinta
001/1986Critérios básicos e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental - RIMA - Data da
legislação: 23/01/1986 - Publicação DOU, de 17/02/1986, págs. 2548-2549
002/1991
Adoção ações corretivas, de tratamento e de disposição final de cargas deterioradas,
contaminadas ou fora das especificações ou abandonadas - Data da legislação: 22/08/1991 -
Publicação DOU, de 20/09/1991, págs. 20293-2029
006/1991 Incineração de resíduos sólidos provenientes de estabelecimentos de saúde, portos e
aeroportos - Data da legislação: 19/09/1991 - Publicação DOU, de 30/10/1991, pág. 24063
008/1991 Dispõe sobre a entrada no país de materiais residuais - Data da legislação: 19/09/1991 -
Publicação DOU, de 30/10/1991, pág. 24063
005/1993
Definições, classificação e procedimentos mínimos para o gerenciamento de resíduos sólidos
oriundos de serviços de saúde, portos e aeroportos, terminais ferroviários e rodoviários - Data
da legislação: 05/08/1993 - Publicação DOU nº 166, de 31/08/1993, págs. 12996-12998
023/1996 Regulamenta a importação e uso de resíduos perigosos - Data da legislação: 12/12/1996 -
Publicação DOU nº 013, de 20/01/1997, págs. 1116-1124
228/1997 importação de desperdícios e resíduos de acumuladores elétricos de chumbo - Data da
legislação: 20/08/1997 - Publicação DOU nº 162, de 25/08/1997, págs. 18442-18443
237/1997
Regulamenta os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional do
Meio Ambiente - Data da legislação: 22/12/1997 - Publicação DOU nº 247, de 22/12/1997, págs.
30.841-30.843
264/1999
Licenciamento de fornos rotativos de produção de clínquer para atividades de co-
processamento de resíduos" - Data da legislação: 26/08/1999 - Publicação DOU nº 054, de
20/03/2000, págs. 80-83 - Status: Vigente (em processo de revisão)
275/2001 Estabelece código de cores para diferentes tipos de resíduos na coleta seletiva - Data da
legislação: 25/04/2001 - Publicação DOU nº 117, de 19/06/2001, pág. 080
302/2002
Parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios
artificiais e o regime de uso do entorno" - Data da legislação: 20/03/2002 - Publicação DOU nº
090, de 13/05/2002, págs. 67-68
303/2002 Parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente - Data da legislação:
20/03/2002 - Publicação DOU nº 090, de 13/05/2002, pág. 068
307/2002 Diretrizes, critérios e procedimentos para a gestão dos resíduos da construção civil - Data da
legislação: 05/07/2002 - Publicação DOU nº 136, de 17/07/2002, págs. 95-96
313/2002 Inventário Nacional de Resíduos Sólidos Industriais - Data da legislação: 29/10/2002 -
Publicação DOU nº 226, de 22/11/2002, págs. 85-91
316/2002 Procedimentos e critérios para o funcionamento de sistemas de tratamento térmico de
resíduos - Data da legislação: 29/10/2002 - Publicação DOU nº 224, de 20/11/2002, págs. 92-95
334/2003
Procedimentos de licenciamento ambiental de estabelecimentos destinados ao recebimento
de embalagens vazias de agrotóxicos - Data da legislação: 03/04/2003 - Publicação DOU nº 094,
de 19/05/2003, págs. 79-80
348/2004 Altera a Resolução no 307, de 5 de julho de 2002, incluindo o amianto na classe de resíduos
perigosos. - Data da legislação: 16/08/2004 - Publicação DOU nº 158, de 17/08/2004, pág. 070
358/2005 Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde - Data da
legislação: 29/04/2005 - Publicação DOU nº 084, de 04/05/2005, págs. 63-65
Resoluções CONAMA sobre resíduos sólidos (1986-2009)
280
(Continuação)
(Conclusão)
Dados: IPECE, 2014.
Fonte: Elaborado pela autora.
359/2005 Dispõe sobre a regulamentação do teor de fósforo em detergentes em pó - Data da legislação:
29/04/2005 - Publicação DOU nº 083, de 03/05/2005, págs. 63-64
362/2005
Dispõe sobre o recolhimento, coleta e destinação final de óleo lubrificante usado ou
contaminado. - Data da legislação: 23/06/2005 - Publicação DOU nº 121, de 27/06/2005, págs.
128-130
373/2006
Define critérios de seleção de áreas para recebimento do Óleo Diesel com o Menor Teor de
Enxofre-DMTE, e dá outras providências. - Data da legislação: 09/05/2006 - Publicação DOU nº
088, de 10/05/2006, pág. 102
377/2006 Dispõe sobre licenciamento ambiental simplificado de Sistemas de Esgotamento Sanitário -
Data da legislação: 09/10/2006 - Publicação DOU nº 195, de 10/10/2006, pág. 56
380/2006
Retifica a Resolução Nº 375/2006 - Define critérios e procedimentos, para o uso agrícola de
lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos
derivados - Data da legislação: 31/10/2006 - Publicação DOU nº 213, de 07/11/2006, pág. 59
396/2008
Dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas
subterrâneas e dá outras providências. - Data da legislação: 03/04/2008 - Publicação DOU nº 66,
de 07/04/2008, págs. 66-68
401/2008
Estabelece os limites máximos de chumbo, cádmio e mercúrio para pilhas e baterias
comercializadas e os critérios e padrões para o seu gerenciamento ambientalmente adequado
- Data da legislação: 04/11/2008 - Publicação DOU nº 215, de 05/11/2008, págs. 108-109
404/2008
Estabelece critérios e diretrizes para o licenciamento ambiental de aterro sanitário de
pequeno porte de resíduos sólidos urbanos. - Data da legislação: 11/11/2008 - Publicação DOU
nº 220, de 12/11/2008, pág. 93
411/2009
Procedimentos para inspeção de indústrias consumidoras ou transformadoras de produtos e
subprodutos florestais madeireiros, inclusive carvão vegetal e resíduos de serraria. - Data da
legislação: 06/05/2009 – Publicação DOU nº 86, de 08/05/2009, págs. 93-96
416/2009 Prevenção e degradação ambiental causada por pneus inservíveis - Data da legislação:
30/09/2009 - Publicação DOU Nº 188, de 01/10/2009, págs. 64-65
281
APÊNDICE C – Normas NBR para resíduos sólidos (1984-2008)
(Continua)
Lei nº Ano Descrição sucinta
8418 1983 Apresentação de projetos de aterros para resíduos industriais perigosos - Procedimentos
8849 1985 Apresentação de projetos de aterros controlados de resíduos sólidos urbanos
9190 1985 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Classificação
9734 1987Conjunto de equipamentos de proteção individual para avaliação de emergência e fuga no
transporte redoviário de produto perigosos - Procedimento
10157 1987 Aterros de resíduos perigosos - Critérios para projeto, construção e operação
11174 1988 Armazenamento de resíduos sólidos classes II (não inertess) e III (inertes)
7501 1989 Transporte de produtos perigosos – Terminologia
10664 1989 Águas - Determinação de resíduos (sólidos) - Método gravimétrico
10703 1989 Degradação do solo - Terminologia
9735 1990Conjunto de equipamentos para avaliação de emergência no transporte redoviário de
produto perigosos - Procedimento
11174 1990 Armazenamento de resíduos classe II (não inertes) e III (inertes) - Procedimentos
11175 1990 Incineração de resíduos sólidos perigosos - Padrões de desempenho - Procedimentos
7166 1992 Conexão internacional de descarga de resíduos sanitários - Formato e dimensões
7167 1992 Conexão internacional de descarga de resíduos oleosos - Formato e dimensões
7503 1992 Ficha de emergencia para produtos perigosos
8419 1992Apresentação de projetos de aterros de resíduos industriais urbanos - Versão Corrigida,
1996
12235 1992 Armazenamento de resíduos sólidos perigosos
12245 1992 Armazenamento de resíduos sólidos perigosos - Procedimentos
12710 1992 Proteção contra incêndio por extintores no transporte rodoviário de produtos perigosos
7504 1993 Envelope para transporte de produtos perigosos
9190 1993 Sacos Plásticos - Classificação
9191 1993 Sacos Plásticos - Especificação
9195 1993 Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Método de ensaio
9196 1993 Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Determinação de resistência a pressão do ar
9197 1993Sacos plásticos p/ acondicionamento de RSU - Determinação de resistência ao impacto
esfera
12807 1993 Resíduos de serviços de saúde – Terminologia
12808 1993 Resíduos de serviços de saúde – Classificação
12809 1993 Resíduos de serviços de saúde – Classificação
12810 1993 Coleta de resíduos de serviços de saúde
12980 1993 Coleta, varrição e acondicionamento de resíduos sólidos urbanos
12988 1993 Líquidos livre - Verificação em amostra de resíduos - Método de ensaio
13055 1993 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Determinação de capacidade volumétrica
13056 1993Filmes pláticos para sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Verificação da
tranparência
7500 1994 Símolos de risco e manuseio para o transporte e armazanamento de materiais - Simbologia
8286 1994Emprego da sinalização nas unidades de transprte e de rótulos nas embalagens de
produtos perigosos
13095 1994 Instalação e fixação de extintores de incêncio p/carga no transporte de produtos perigosos
13221 1994 Transporte de resíduos - Procedimentos
13333 1995 Caçamba para coleta - Terminilogia
Normas NBR sobre resíduos sólidos (1984-2008)
282
(Continuação)
(Conclusão)
Dados: Castilhos Júnior, 2003; Poleto, 2010.
Fonte: Elaborado pela autora.
13334 1995 Caçamba para coleta - Dimensões e padronização
13413 1995 Controle de contaminação em áreas limpas
13463 1995 Coleta de resíduos sólidos - Classificação
13463 1995 Coleta de resíduos sólidos - Classificação
8285 1996 Preenchimento da ficha de emergência para produto perigosos
8843 1996 Gerenciamento de resíduos sólidos de aeroportos
13591 1996 Compostagem - Terminologia
13853 1997Coletores para resíduos de serviços de saúde perfurantes ou cortantes - Requisitos e
métodos de ensaio
13894 1997 Tratamento no solo (landfarming ) - Procedimentos
13895 1997 Construção de possos de monitoramento e amostragem - procedimentos
13896 1997 Aterros de resíduos não perigosos - Critérios para projeto, implantação e operação
14283 1999 Resíduos em solos - Determinação da biodegradação pelo método respirométrico
14652 2001Coletor-transportador rodoviário de resíduos de serviços de saúde - Requisitos de
construção e inspeção - Resíduos do grupo A
14725 2001 Ficha de Informaões de Segurança de Produtos Químicos - FISPQ
9191 2002 Sacos plásticos para acondicionamento de RSU - Requisitos e métodos
13332 2002 Coletor-compactador de resíduos sólidos e seus principais componentes - Terminologia
14879 2002 Coletor-compactador de resíduos sólidos - Definição do volume
14599 2003 Requisitos de segurança para coletores-compactadores de carregamento traseiro e lateral
10004 2004 Resíduos sólidos - Classificação
10005 2004 Procedimento para obtenção de extrato lixiviado de resíduos sólidos
10006 2004 Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos
10007 2004 Amostragem de resíduos sólidos - Procedimentos
15051 2004 Laboratórios clínico - Gerenciamento de resíduos
15112 2004Resíduos da construção civil e resíduos volumosos - Áreas de transbordo e triagem -
Diretrizes para projeto, implantação e operação
15113 2004Resíduos sólidos da construção civil e resíduos inertes - Aterros - Diretrizes para projeto,
implantação e operação
15114 2004Resíduos sólidos da Construção civil - Áreas de reciclagem - Diretrizes para projeto,
implantação e operação
15115 2004Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Execução de camadas de
pavimentação - Procedimentos
15116 2004Agregados reciclados de resíduos sólidos da construção civil - Utilização em pavimentação
e preparo de concreto sem função estrutural - Requisitos
13221 2007 Transporte terrestre de resíduos
13334 2007 Contentor metálico para coleta de resíduos sólidos - Requisitos
15515-1 2007 Passivo ambiental em solo e água subterrânea - Parte 1: Avaliação preliminar
14653-6 2008 Avaliação de bens - Parte 6: Recursos naturais e ambientais
15448-2 2008Embalagens plásticas degradáveis e/ou de fontes renováveis - Parte 2: Biodegradação e
compostagem - Requisitos e métodos de ensaio
15584-1 2008 Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 1: Terminologia
15584-2 2008 Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 2: Manejo integrado
15584-3 2008Controle de vetores e pragas urbanas - Parte 3: Sistema de gestão da qualidade -
Requisitos particulares para empresas controladoras de pragas