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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E
SOCIEDADE
FRANCISCA ANDRA SILVA OLIVEIRA
O PAPEL DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS
FORTALEZA 2013
FRANCISCA ANDRA SILVA OLIVEIRA
O PAPEL DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS
Dissertação submetida à Coordenação do Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade - MAPPS da Universidade Estadual do Ceará - UECE, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Políticas Públicas e Sociedade Orientação: Profª. Drª. Mônica Dias Martins
FORTALEZA 2013
Dedico esta dissertação a minha família, meus pais e irmãos, que sempre ao meu lado, me ajudam a seguir em frente em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por quem tantas vezes chamo e que está sempre presente em meus lábios nos diversos “meu Deus, ajudai-me!” e “Meu Deus do céu”. Agradeço pelas alegrias e pelos obstáculos nesses dois anos de mestrado. Agradeço pelas pessoas que conheci, pelos amigos que fiz e pelas pessoas que se fizeram lições para mim. Aos meus pais! Exemplo de coragem, de crença e de força no seguir em frente. Ao meu pai, pelo olhar compassivo, o sorriso gentil e as palavras sábias nos momentos certos. A minha mãezinha, que assim como muitos outros que começaram a trabalhar cedo para ajudar a família, não teve a oportunidade de estudar e hoje se orgulha de que seus filhos tenham chegado a Universidade. Vocês são meus exemplos. Aos meus maninhos ... André, pela alegria de todas as horas e o carisma que faz germinar a amizade até mesmo nos corações mais endurecidos. Drica ... minha amiga-irmã, que me escuta e me ajuda em todos os momentos. Sarinha ... companheira de debates, amante dos livros e defensora ferrenha de Rachel de Queiroz. Obrigada pela paciência e pelo carinho nesse período. Eu os amo muito e me orgulho de vocês. Com especial carinho a família McClure, Claudia, David e Davidzinho. Grandes amigos, grandes mestres. Se os amigos são a família que Deus nos permitiu escolher, sou extremamente grata a Ele por ter me dado a oportunidade de conhecê-los e tê-los como meus amigos. Deus os abençoe! A Ozzie Ruiz Figueroa pelo carinho, cumplicidade e companheirismo quando mais precisei. Nunca vou esquecer. Ao Professor Hermano Ferreira Machado, meu primeiro orientador e que sempre me impressionou pela simplicidade. As conversas sempre ornamentadas pela sua erudição me renderam grandes ideias e lições que vou levar mundo afora. Ao Professor Filomeno Moraes que gentilmente participou da minha qualificação, me honrando com sua presença e críticas. Aos professores do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade; e a Cristina e a Débora por toda a ajuda nesse período. Por último, mas não menos importante, a minha orientadora, Mônica Dias Martins. Nem sei o que dizer para lhe agradecer. Sua ajuda, sua disponibilidade, sua gentileza me marcaram muitíssimo, especialmente considerando o momento em quem lhe propus ser minha orientadora, quase as vésperas da qualificação. Sou profundamente grata por cada correção, cada crítica e cada comentário rabiscado nos meus manuscritos. Obrigada por assumir com zelo a sua profissão. Muito obrigada!
RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo sobre a questão da judicialização das Políticas Públicas no Brasil, tendo como exemplo a questão das ações de concessão de medicamentos. A judicialização em si, significa que questões importantes do ponto de vista político – como as políticas públicas – e que historicamente ficavam ao encargo do Legislativo e do Executivo tem sido decididas em caráter final pelo Poder Judiciário. No primeiro capítulo, analisamos a trajetória da judicialização, revisando obras de autores que se debruçaram sobre a questão mais atentamente. No segundo capítulo, partimos para o nosso exemplo, apresentando a judicialização no Brasil, caracterizando historicamente o desenvolvimento da saúde pública no país. Explicamos o que vem a ser as ações de concessão de medicamentos e apresentamos alguns posicionamentos favoráveis/desfavoráveis a essas ações. No terceiro capítulo, nos debruçamos mais atentamente sobre casos específicos, dando prioridade ao caso da jovem Clarice de Abreu, originário de Fortaleza/CE, que foi levado ao STF e gerou uma audiência pública para discutir as ações de concessão de medicamentos na mais alta Corte do país. Palavras-chave: Judicialização da Política. Políticas Públicas. Saúde Pública. Poder Judiciário. Concessão de Medicamentos.
ABSTRACT This paper presents a study on the issue of legalization of Public Policies in Brazil, taking as an example the issue of actions to grant drugs. Judicialization itself means that important issues of political viewpoint - as public policy - and that historically were the burden of the Legislature and the Executive has been decided in finality by the judiciary. In the first chapter, we analyze the trajectory of judicialization, reviewing works of authors who have studied the issue more closely. In the second chapter, we left for our example, showing the judicialization in Brazil, featuring historical development of public health in the country. We explain what has to be the actions of granting medicines and present some positions favorable / unfavorable to these actions. In the third chapter, we examine more closely on specific cases, giving priority to the case of the young Clarice de Abreu, originally from Fortaleza / CE, which was taken to the STF and generated a public hearing to discuss the actions to provide medicines in the highest court of the country. Keywords: Legalization of Politics. Public Policy. Public Health. Judiciary. Concession of Medicines.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Orientação Preponderante de Decisões Judiciais por Instância - % de
Concordância .................................................................................................... .42
Tabela 2: Orientação Preponderante de decisões Judiciais por tempo na
Magistratura - % de Concordância .................................................................... .42
Tabela 3: Ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em
termos sociais, econômicos e de governabilidade? (Em números absolutos) .. .43
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. .11
CAPÍTULO I: A EXPANSÃO DO PODER JUDICIAL:
JUDICIALIZAÇÃO E POLÍTICA .............................................................. .24
Ativismo judicial: juízes protagonistas? ........................................................... .30
O Poder Judiciário e as políticas públicas: um novo agente implementador? .. .40
CAPÍTULO II: JUDICIALIZAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL:
AS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS ............................ .44
CAPÍTULO III: AS POLÍTICAS DE SAÚDE VÃO AO TRIBUNAL –
CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS CLÍNICOS . 55
No Sudeste do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ....................... .57
A Constituição de 1988 e a política pública de fornecimento de medicamentos e
tratamentos clínicos do SUS ............................................................................. .65
Estudo de caso: a jovem Clarice Abreu de Castro Neves e a concessão do
remédio Zavesca ................................................................................................ .78
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 83
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 86
ANEXOS ........................................................................................................... 93
INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa se propôs a estudar a “judicialização da política”, buscando
compreender o que chamamos de expansão do Poder Judicial no Brasil. Nossa ideia é
contextualizar o fenômeno, procurando conhecer como ocorre na Europa e nos EUA, em
especial, e posteriormente estabelecendo relações e comparações com o caso brasileiro. O
estudo analisa as ações de concessão de medicamentos que levam ao contexto do tribunal uma
política pública de saúde.
Para Teresa Sadek (2011, p.7), nesse início de século XXI, o juiz “boca da lei” de
fato, virou um recurso de retórica. Na verdade, os magistrados tem marcado presença na arena
política participando ativamente de debates sobre temas polêmicos que aos poucos invadem
as varas e os tribunais do país. Poucos contestam que nos últimos anos, juízes,
desembargadores, ministros de tribunais superiores tornaram-se figuras mais conhecidas do
que eram no passado. Para ilustrar, basta lembrar que, na última década, o Supremo Tribunal
Federal impôs a fidelidade partidária, decidiu sobre o direito de greve de servidores públicos,
proibiu o nepotismo no setor público, arbitrou sobre o uso de células-tronco e, por fim, julgou
um episódio de corrupção no Brasil, o “mensalão”, com grande repercussão na mídia nacional
e internacional.
Os conflitos que decorrem dessas decisões são sempre amplamente noticiados.
Um bom exemplo é a manifestação de partidos políticos, no início de 2010, criticando a
resolução do Tribunal Superior Eleitoral que restringiu as chamadas doações ocultas e
obrigou os candidatos a apresentarem certidão criminal digitalizada. O líder do governo na
Câmara dos deputados, Cândico Vacarezza (PT-SP), afirmou que o “TSE não tem autoridade
para fazer modificações na lei eleitoral. A resolução do Tribunal tem que ser feita com base
na lei e não ao arrepio da lei”. (SADEK, 2011, p.17)
Da mesma forma, o presidente da República na época, Luís Inácio Lula da Silva,
disse que “Não podemos ficar subordinados, a cada eleição, ao juiz que diz o que a gente pode
ou não fazer (...) Não podemos permitir que nosso destino fique correndo de tribunal para
tribunal”1
São numerosos e enfáticos os protestos por parte de administradores públicos
questionando determinações judiciais, sob o argumento da impossibilidade orçamentária ou
material de cumpri-las. Devido à enorme repercussão, destacam-se as decisões por parte de
magistrados que obrigam a internação de doentes em hospitais, ou a concessão de
medicamentos, ou ainda a paralisação de obras públicas.
Mas o que faz o Poder Judiciário emergir como protagonista no debate de
questões polêmicas, que aos poucos migram da arena legislativa e passam a ser decididas nos
tribunais?
Para alguns autores, como Vallinder (1995, p.24), essa judicialização de questões
políticas relaciona-se diretamente com a expansão e ascensão do Poder Judiciário em várias
partes do mundo, especialmente nos países europeus. Para o professor da Universidade de
Yale, Alec Stone Sweet (2000, p.35-36):
A visão prevalecente nas democracias parlamentares tradicionais de ser necessário evitar um ‘governo de juízes, reservando ao Judiciário apenas uma atuação como legislador negativo, já não corresponde à prática politica atual. Tal compreensão da separação de Poderes encontra-se em ‘crise profunda’ na Europa Continental.
Na América do Sul, este fenômeno tem sido estudado com bastante afinco por
Rodrigo Uprimny (2007, p 15), que destaca o fortalecimento do Poder Judiciário na Colômbia
como um efeito da perda de credibilidade dos outros poderes do Estado em virtude,
sobretudo, da corrupção. Os cidadãos colombianos tendem a crer que o Poder Judiciário pode
ser um caminho mais útil e eficiente para assegurar seus direitos fundamentais, mesmo que
não tenham votado em qualquer dos juízes presentes nos tribunais. Esse detalhe destaca uma
particularidade do fenômeno: a possibilidade de que membros de um poder não eleito, como o
1 Jornal O Estado de São Paulo, p. A8, 09.04.2010. 2 O controle abstrato de constitucionalidade se encontra previsto no art. 102 (STF) e no art. 125, § 2º. O STF controla a constitucionalidade de lei federal e de lei estadual frente à Constituição da República, e o Tribunal de Justiça local controla a constitucionalidade de lei estadual e de lei municipal, face à Constituição do Estado. A finalidade do controle abstrato é declarar a inconstitucionalidade da lei em tese (em abstrato). É o que a doutrina jurídica chama de defesa do Ordenamento Jurídico. 3 Checks and balances, ou sistema de freios e contrapesos. Fundamentado na Teoria da separação dos Poderes de
Judiciário, revisem e decidam sobre políticas desenhadas e propostas por representantes
eleitos pelo povo. Mas isso constitui uma particularidade a ser analisada mais adiante.
No Brasil, Werneck Vianna foi um dos primeiros a contextualizar e dar ao assunto
status acadêmico em sua obra “A judicialização das relações sociais no Brasil” (1997).
Analisando a quantidade de ADINS (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) endereçadas ao
Supremo Tribunal Federal (STF), Werneck conclui que ao Judiciário foi incumbida a tarefa
de exercer um controle sobre a vontade do soberano – o Executivo – tendo sido adotado um
modelo de controle abstrato2 da constitucionalidade das leis.
A Constituição Federal de 1988 confiou ao órgão máximo do Judiciário, o STF, a
atribuição desse controle, que lhe garante o poder da última palavra quanto ao tema da
interpretação constitucional das normas. Logo criadas, as ADINS passaram a ser vistas como
instrumento de significativa importância para os direitos da cidadania e para a racionalização
da administração pública.
Os anos 90 confirmam a supremacia dos chamados “neoliberais”. Cresceu o uso
das medidas provisórias como instrumento de regulação da sociedade, notadamente no âmbito
de matérias de natureza econômica. A necessidade de dar continuidade a estas disposições
gera nos governos atuais a característica de presidencialismo de coalizão, provocando a união
mais improvável de partidos. As medidas provisórias, a bem da verdade, são fruto da relação
entre Executivo e Legislativo, que negociam com suas competências. O parlamento,
pressionado pelos governos estaduais, utiliza seu poder de dar continuidade às medidas do
Executivo como moeda de troca com o governo federal. Isso se percebe pela aprovação
massiva das matérias propostas pelo Executivo no Congresso Nacional em um curto espaço
de tempo.
Segundo Werneck, o uso continuado das medidas provisórias provoca a corrosão
das formas de controle parlamentar do Executivo, cabendo ao Judiciário controlá-lo sozinho.
2 O controle abstrato de constitucionalidade se encontra previsto no art. 102 (STF) e no art. 125, § 2º. O STF controla a constitucionalidade de lei federal e de lei estadual frente à Constituição da República, e o Tribunal de Justiça local controla a constitucionalidade de lei estadual e de lei municipal, face à Constituição do Estado. A finalidade do controle abstrato é declarar a inconstitucionalidade da lei em tese (em abstrato). É o que a doutrina jurídica chama de defesa do Ordenamento Jurídico.
Em havendo uma coalizão entre Executivo e Legislativo e consequente elaboração desmedida
de legislações em conformidade com o interesse da União, a competência fiscal do Judiciário
acaba por tornar-se um trabalho árduo e enorme. Recai sobre o Judiciário, assim, toda a
responsabilidade do conhecido checks and balances3.
Com a finalidade de “compensar a tirania da maioria, sempre latente na fórmula
brasileira de presidencialismo de coalizão”, o judiciário acaba por judicializar a política no
Brasil. Nas visionárias palavras de Werneck Vianna, já que o texto data de 1999 –, época em
que poucos percebiam o fenômeno emergente:
O Tribunal começa a migrar, silenciosamente, de coadjuvante na produção legislativa do poder soberano, de acordo com os cânones clássicos do republicanismo jacobino, para uma de ativo guardião da Carta Constitucional e dos direitos fundamentais da pessoa humana (VIANNA, 1999, P.51)
Busca-se então, uma resposta à seguinte questão: porque aos poucos várias
questões, especialmente relativas aos direitos fundamentais, estão sendo judicializadas? A
resposta que se apresenta é que o Direito tem invadido todas as relações e o aplicador (Poder
Judiciário) acaba sendo levado a intervir a todo o momento. Isso porque o Direito no mundo
contemporâneo tem alcançado todas as relações sociais. Mesmo as práticas sociais de
natureza tipicamente privadas, como o ambiente familiar, sofrem intervenção estatal quando
este dita a forma de tratamento que deve ser dispensado pelos pais ou responsáveis aos
menores impúberes, ou:
(...) mulheres vitimizadas, aos pobres e ao meio ambiente, passando pelas crianças e pelos adolescentes em situação de risco, pelos dependentes de drogas e pelos consumidores inadvertidos -, os novos objetos sobre os quais se debruça o Poder Judiciário, levando a que as sociedades contemporâneas se vejam, cada vez mais, enredadas na semântica da justiça. É, enfim, a essa crescente invasão do direito na organização da vida social que se convencionou chamar de judicialização das relações sociais (VIANNA, 1999, p.149).
Ainda segundo Werneck, foi a “incapacidade de o Executivo e o Legislativo
fornecerem respostas efetivas à explosão das demandas sociais por justiça” que fez repousar
no judiciário a esperança da concretização da democracia e da cidadania na recente história
3 Checks and balances, ou sistema de freios e contrapesos. Fundamentado na Teoria da separação dos Poderes de Montesquieu, significa em termos práticos um sistema onde os três Poderes se complementam, sendo que cada poder é controlado pelos outros dois, evitando desmandos e sobreposição de um único poder.
democrática brasileira. Enquanto o Legislativo perde espaço na função legislativa para o
Executivo, este, por sua vez, deixa de lado as funções de administração do bem-estar, “sendo
progressivamente alçado à condição de uma agência tecnoburocrática que responde, de forma
contingente e arbitrária, às variações da imediata conjuntura econômica” (VIANNA, 1999, p.
152). Na ausência de Estado, ou de outras formas de regulação social – como a religião fora
outrora –, com a falta de ideologia e a desorganização das estruturas familiares em constante
crise decorrente das mudanças culturais, coube ao Judiciário o papel de regulador social.
Luís Roberto Barroso (2009, p.28), jurista renomado, também destacou o caso
específico da frequente propositura de ações relativas à concessão de medicamentos e
tratamentos clínicos não oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), junto aos tribunais.
Estas ações se apresentam como um pequeno recorte de um grande painel, em que tantas
outras questões referentes às políticas públicas são submetidas ao crivo do Poder Judiciário.
A partir dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição e considerando
as políticas públicas existentes, são encaminhadas ao Judiciário ações questionando a
eficiência dessas políticas, sua viabilidade, ou simplesmente pleiteando liminares relativas a
casos não contemplados pelas políticas públicas implantadas pelo Executivo. É o que pode ser
visualizado analisando-se as ações de concessão de medicamentos.
O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de alterar a
situação de desigualdade na assistência à saúde da população, ao instituir um sistema de saúde
público, que oferecesse atendimento a qualquer cidadão. O sistema é amplo e engloba receitas
vindas não apenas da União, mas dos Estados e Municípios. Através do SUS todos os
cidadãos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos, além da possibilidade de
receber medicamentos, alguns de elevado valor, que são comprados e disponibilizados pelo
poder público. Para que isto ocorra, é feita uma lista prévia com os medicamentos que podem
ser fornecidos pelo SUS, ressaltando-se que, de acordo com a conveniência da Administração,
nem todos os medicamentos receitados por médicos para o tratamento das mais diversas
doenças, são contemplados.
Esta limitação enseja as ações de concessão de medicamentos, geralmente
envolvendo pacientes com doenças graves que após consultas com médicos da rede pública,
ou mesmo da rede particular, recebem a indicação de um medicamento ou tratamento caro4 e
que por suas condições financeiras não podem arcar. Baseados, então, no artigo 196 da
Constituição Federal de 1988 que dispõe que o direito a saúde deve ser garantido pelo Estado,
essas pessoas, por meio de seus advogados, ingressam com ações requerendo a concessão do
medicamento (ou tratamento) receitado pelo médico.
De fato, o êxito dessas ações tem crescido a olhos vistos, a despeito das tentativas
das Procuradorias da União, Estados e Municípios em demonstrar a falta de legitimidade do
Poder Judiciário para decidir quanto a execução do SUS. Nos anos 2000-2002, os tribunais
tendiam a rejeitar essas ações, acatando a argumentação estatal de que as políticas públicas só
podem ser definidas pelos poderes Executivo e Legislativo, mediante aprovação de lei
orçamentária, prevendo os recursos destinados à consecução da política pública tratada.
Acatava-se largamente, à época, o princípio da reserva do possível, que diz, grosso modo, que
o Estado, partindo de seus escassos recursos, deve limitar-se a conceder o que é possível, pois
não é capaz de assegurar e satisfazer todas as necessidades de seus cidadãos.
Nesse âmbito, os direitos sociais, especialmente o direito à saúde, previstos na
Constituição, são vistos de forma programática, como parte de um plano a ser executado pelo
governo de acordo com suas possibilidades e seus recursos. A ex-ministra do STF, Ellen
Gracie se pronunciou sobre o assunto em 2006, mostrando preocupação quanto “a
interpretação ampliativa que vem sendo dada às decisões desta Presidência em relação às
demandas por fornecimento de medicamentos pelos Estados”. Isso porque, segundo a própria
Ministra, os pedidos devem ser analisados “caso a caso, de forma concreta, e não de forma
abstrata e genérica (...) não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por
se tratar de medida tópica, pontual”. (STF, 2006, Online)
Na SS 30735, de 2007, a ministra Ellen Gracie decidiu ainda que não há direito do
cidadão ao fornecimento do medicamento Mabthera. 6. Posteriormente, ela afirma, como
razões a essa negativa, que o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas 4 Mediante a análise das ações de concessão de medicamentos é possível ver que a grande maioria dos medicamentos pedidos nessas ações são importados e de alto valor. 5 SS, abreviação para Suspensão de Segurança, refere-se às ações ditas Mandado de Segurança que visam defender direito líquido e certo contra o arbítrio de autoridade pública. 6 Mabthera é um medicamento indicado para o caso de linfomas não-Hodgkin indolentes de células B e também pode ser utilizado concomitantemente a outros medicamento para auxiliar no tratamento dos sintomas da Artrite Reumatóide dos adultos. MabThera 500mg/50ml frasco custa R$ R$ 9.316,20
públicas que alcancem a população como um todo, e não a situações individualizadas e que,
ao se deferir o custeio do medicamento em prol do impetrante, está-se diminuindo a
possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. A
ministra também argumenta que o medicamento solicitado não é fornecido pelo SUS, que ele
tem custo elevado, ainda está em fase de estudos e pesquisas, e haveria tratamento semelhante
para o solicitante.
Na ocasião, referindo-se ao princípio da reserva do possível, a ministra se
pronunciou pela inviabilidade de o Estado assegurar a satisfação das necessidades de cada um
dos seus cidadãos, o que significava eleger prioridades a serem satisfeitas mediantes políticas
públicas previamente estabelecidas. Criticou ainda, a ingerência do Poder Judiciário nas
políticas públicas, o que para ela caracterizava uma usurpação da legitimidade de governo
somente conferida aos poderes eleitos pelo povo.
Contudo, em julgamentos posteriores, a ministra reviu sua posição, mostrando-se
flexível; chegou a afirmar que a omissão dos Poderes eleitos pelo povo na concretização de
direitos fundamentais assegurados pela Constituição legitimava o Poder Judiciário para que
este, revestido das competências constitucionais, agisse a fim de tornar válidos os direitos
fundamentais. Tal flexibilidade foi muito relevante para uma ministra da mais alta Corte do
país. Da mesma forma, outros ministros reviram suas posições, especialmente diante da
grande quantidade não apenas dessas ações, mas de outras questões políticas submetidas ao
Poder Judiciário e que por seu conteúdo constitucional chegam ao Supremo Tribunal Federal.
O mesmo fato ocorreu com a decisão sobre as pesquisas com células tronco-
embrionárias, o aborto de fetos anencéfalos, a lei da ficha limpa e mais recentemente, em
agosto de 2012, o julgamento do mensalão.
Neste trabalho conceituamos o que se releva chamar de “judicialização”. Ao
discorrer sobre o histórico do fenômeno, pontuamos casos interessantes que engataram o
controle judicial de políticas públicas em vários países, particularmente nos Estados Unidos.
Tratamos do que se denomina “ativismo judicial” nos Tribunais e Cortes constitucionais e sua
relação com a expansão e ascensão do Poder Judicial.
Apresentamos um breve histórico a respeito da democracia no Brasil, ressaltando
a atuação do Poder Judiciário e sua relação com os outros poderes. Exemplificamos com
alguns casos considerados de relevância política, assim como, políticas públicas e questões
polêmicas, discutidas e decididas pelo Judiciário, com destaque para o STF e o STJ. Da
mesma forma, oferecemos alguns dados colhidos de observatórios do STF, notadamente o
observatório do STF pertencente à Sociedade Brasileira de Direito Público, referentes aos
casos de políticas públicas, submetidas ao Judiciário para julgamento.
Partindo dessa compreensão global do fenômeno, analisamos o caso da
judicialização das políticas públicas de saúde, especialmente, no que se refere a política
pública de distribuição e fornecimento de medicamentos e tratamentos clínicos.
Mas percorrer esse caminho de pesquisa com o rigor científico que uma
dissertação de mestrado requer tem implicações metodológicas. Precisamos voltar um pouco
no tempo para falar das motivações pessoais e como elas guiaram as escolhas feitas na
elaboração do texto final que ora apresentamos. A pesquisa trouxe surpresas, dificuldades,
percalços, alegrias inesperadas e situações que pediram criatividade e ânimo para superar.
As motivações para o estudo desse tema, decerto, são muitas. Em primeiro lugar,
o interesse pelo assunto nasceu ainda nos bancos da graduação em Direito, quando
defendemos a monografia sobre “Neoconstitucionalismo (s)” e a importância da Constituição
de 1988 para a concretização dos direitos fundamentais. Nela discorremos sobre o princípio
da supremacia constitucional, a trajetória democrática do Brasil e a promulgação da
Constituição, que desde 1988 havia elevado nosso país à categoria de uma democracia
constitucional.
Um dos tópicos do trabalho de conclusão de curso tratava da judicialização das
relações privadas, fato extremamente comentado pelos autores que consultamos. À época, não
abordamos o assunto com tanta ênfase, mas passada a defesa da monografia, percebemos que
esse tema seria um caminho de estudo a ser trilhado e passamos a pesquisar, buscando
construir um projeto de pesquisa para submeter ao mestrado.
Com esse projeto em mente, concorremos à seleção do Mestrado Acadêmico em
Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará. A meta era buscar um
ambiente interdisciplinar, em que se pudesse estabelecer uma relação contínua de intercâmbio
de informações entre Direito, Sociologia e Política. Nesse sentido, o MAPPS poderia não
apenas oferecer tal ambiente, mas também facilitar a análise a partir de outras perspectivas,
uma prioridade em nossa vida acadêmica.
Por isso, acreditamos ser bastante salutar que o desenvolvimento dessa pesquisa
se dê sob um viés das ciências sociais, tendo em vista a necessária abordagem da natureza das
políticas públicas e a análise mais detalhada das políticas de saúde desenvolvidas pelo SUS.
No caso específico do Brasil, a Constituição de 1988 nasceu de intensa luta pela
democratização do país, após um regime de cerceamento de direitos e sobreposição do
Executivo ao Legislativo. O papel do Judiciário, nesse período, se apresentava bastante
controverso, já que os tribunais tentavam aplicar uma legislação que afirmava, entre outras
coisas, que o Executivo poderia fechar o Congresso ou suspender direitos políticos dos seus
cidadãos.
A Constituição de 1988 fortaleceu o Judiciário e o chamou a exercer um papel
mais atuante na dinâmica da democracia, dando-lhe responsabilidades e competências para
que seus membros exercessem com independência suas funções. 7 A ousadia que caracteriza
algumas sentenças, hoje emitidas pelo Poder Judiciário ordenando ao Executivo que fomente
políticas públicas para a educação e para a saúde ou requerendo ao Poder Legislativo que
produza normas a fim de regulamentar algumas questões políticas8, demonstra uma mudança
de posição e uma ascensão do Poder Judiciário, que aumenta sua visibilidade junto à
população.
De fato, é comum nos dias de hoje os meios de comunicação abordarem o
julgamento de questões de repercussão nacional no plenário do STF ou do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), onde regras sobre eleições e infidelidades são gestadas e passam a
balizar, com suporte nesses ambientes judiciais, todo o sistema político brasileiro.
7 No artigo 5º, inciso , a Constituição garante a inamovibilidade e vitaliciedade dos membros do judiciário. 8 Possível através do mandado de injunção. Através dessa ação prevista na Constituição, é possível pleitear ao Judiciário que ordene ao Legislativo produzir norma para regulamentar questões ainda não previstas pela legislação existente.
É interessante observar que expressões técnicas como ADIN, liminar ou tutela
antecipada são cada vez mais presentes no vocabulário de pessoas sem formação jurídica – o
que é salutar para a democracia –, mas também demonstra a crescente expansão desse
poder judicial no que se refere a assuntos tradicionalmente discutidos no parlamento ou em
debates entre Executivo e Legislativo.
Fatos como esses impõem o desenvolvimento de uma dissertação capaz de
discutir questões como a separação de Poderes, a doutrina das questões políticas e a
judicialização da Política em âmbito mundial, nacional e local. Pensamos que é possível
refletir essas temáticas a partir do estudo específico das ações de concessão de medicamentos,
contextualizando-as nesse panorama geral em que questões políticas passam a ser decididas
pelo Poder Judiciário.
Consideramos ainda a adequabilidade do trabalho de campo no ambiente do Poder
Judiciário, em especial nas Varas Federais, obviamente procurando os locais onde as ações de
concessão de medicamentos, que representam o nosso foco, se concentram. Chegamos a
folhear processos nas Varas Federais, conversar com servidores, mas percebemos que seria
possível obter dados mais efetivos através do próprio site da Justiça Federal.
Com base na análise bibliográfica, compreendemos que há um fenômeno maior
que contextualiza e engloba as categorias que estudamos, e que corresponde à judicialização
de questões políticas, principalmente, no que concerne às políticas públicas. Entendemos que
esse fenômeno deriva de um fortalecimento do Poder Judiciário e que constitui um fenômeno
mundial, como a ele se referem os autores com os quais dialogamos (Barroso, 2009; Sweet,
2001; Vallinder, 1997).
Mas, que conflitos redundam desse fenômeno?
As políticas públicas são da competência do Legislativo e do Executivo. Existem
para concretizar direitos fundamentais e devem ser fomentadas com esse intuito. Contudo, se
um direito fundamental, como o direito à saúde, não é concretizado na prática, cabe ao Poder
Judiciário, analisar o caso. Ao decidir sobre os rumos de uma política pública e ordenar ao
Executivo, por exemplo, que forneça um medicamento, o Judiciário interfere em um
orçamento previamente autorizado e definido pelo Poder competente para tal atuação.
Por outro lado, dialogamos no texto com o pensamento que os direitos
fundamentais precisam ser concretizados, e se o Legislativo ou Executivo se recusam a fazê-
lo, o Judiciário deve assumir esse encargo, mesmo que através de ações afirmativas e da
prática do ativismo judicial.
Estaria o Poder Judiciário exorbitando de sua competência ou essa atuação apenas
decorre das competências conferidas ao ele pela Constituição de 1988? Haveria uma ofensa
ao princípio da separação de Poderes? Quais os impactos dessa atuação mais proativa do
Judiciário? Haveria o risco de termos um poder adentrando a esfera de competência dos
outros poderes?
Para desenvolver o trabalho aqui apresentado, passamos por algumas etapas.
Desde a pesquisa bibliográfica até a reunião de dados junto aos sites dos tribunais no país.
Encontramos algumas resistências no percurso e tivemos de nos adaptar ao que poderia ser
conseguido e o que era oferecido pelo campo. Buscamos, entretanto, a compreensão do
fenômeno da judicialização da política de forma global e interrelacionada, privilegiando os
contextos que se apresentam cotidianamente, em especial, o das ações de concessão de
medicamentos.
Diante da necessidade de dados quantitativos e sabendo do curto período que
tínhamos para desenvolver a pesquisa, recorremos aos trabalhos de Marcos Faro (2007),
Lênio Streck (2008), Chieffi (2010) e Grinover (2011) bem como às pesquisas realizadas
catalogando o número de ações envolvendo questões políticas que foram remetidas aos
tribunais no início da última década no Brasil.
Partimos de uma revisão rigorosa das obras listadas ao final do texto, etapa que se
estendeu por todo o processo de feitura dessa pesquisa. Durante o período de escrita dessa
dissertação, várias obras e artigos foram publicados abordando o mesmo tema. Por vezes, foi
difícil escolher entre tantas fontes o que poderia ser acrescentado à pesquisa como fato
notório.
No primeiro capítulo, apresentamos uma revisão bibliográfica, onde descrevemos
e contextualizamos a judicialização da política a partir dos autores que a estudam, revisando
conceitos e ideias importantes para a compreensão do fenômeno. Essa foi uma etapa difícil;
em dois anos de pesquisa ocorreram diversos eventos que poderiam ter sido acrescentados ao
trabalho, com destaque para o “mensalão”, julgado no STF em 2012 e que rendeu diversas
reflexões a respeito do papel do Judiciário na sociedade brasileira contemporânea.
O capítulo II aborda a judicialização no Brasil, ressaltando o processo histórico
que culminou com a Constituição de 1988 e o fortalecimento do Judiciário no país. Fazemos
também um breve comentário sobre o sistema de saúde pública, a legislação que o conduz e
as políticas públicas de saúde, como a farmácia popular.
No terceiro capítulo, analisamos alguns casos de concessão de medicamentos, em
particular no sudeste do país – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, onde essas ações se
concentram, apesar de nos últimos cinco anos, outras regiões terem avançado no número de
ações juntos aos Tribunais Regionais Federais. Ainda nesse capítulo, comentamos o caso da
jovem cearense Clarice Abreu de Castro Neves, que teve sua ação discutida no Supremo em
2009/2010. Destacamos as considerações do relator da ação, Ministro Gilmar Mendes, que à
época do pleito, examinando o número de ações que chegavam a mais alta corte do país com
o mesmo tema, convocou uma audiência pública para discutir a judicialização da saúde no
país.
O que se pretendeu com essa pesquisa foi entender como o Poder Judiciário atua
na concretização das Políticas Públicas, tendo em vista as ações de concessão de
medicamentos, que questionam uma política pública já criada pelo Executivo. Trata-se de
contextualizar esse momento democrático posterior à Constituição de 1988 e compreender o
papel do Poder Judiciário na delimitação e julgamento de políticas públicas no Brasil
atualmente, tendo como foco, a análise das ações de concessão de medicamentos. Buscamos
analisar os conflitos e impactos dessa atuação do Judiciário sobre a governabilidade, a
autonomia do Executivo e dp Legislativo na produção e execução de Políticas Públicas.
CAPÍTULO I
A EXPANSÃO DO PODER JUDICIAL: JUDICIALIZAÇÃO E POLÍTICA
A expansão do papel do judiciário representa o necessário contrapeso, segundo entendo, num sistema democrático de “checks and balances”, a paralela expansão dos “ramos políticos” do estado moderno (CAPPELLETI, Mauro, 1993, p.19)
Judicialização, em termos simples, significa que questões relevantes do ponto de
vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Judiciário. Trata-se
de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias
políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo (VALLINDER, 1999, p.38).
Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica
no modo de se pensar e de se praticar o direito. Fruto da conjugação de circunstâncias
diversas, o fenômeno aparece em vários países do globo, até mesmo aqueles que adotam o
modelo inglês com característica de soberania parlamentar e ausência de controle de
constitucionalidade. Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez
da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre
é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito. Os precedentes podem ser
encontrados em países diversos e distantes entre si, como Canadá, Estados Unidos, Israel,
Turquia, Hungria e Coreia, dentre muitos outros.
Nas palavras de Pilar Domingo (2009, p. 37)
A judicialização da política significa, em primeiro lugar, uma maior presença da atividade judicial na vida política e social; em segundo lugar, nos fala que os conflitos políticos, sociais ou entre o Estado e a sociedade se resolvem cada vez mais nos tribunais; em terceiro lugar, é fruto do processo pelo qual diversos atores políticos ou sociais, veem como vantagem recorrer aos tribunais com o fim de proteger ou promover os seus interesses. A utilização de estratégias jurídicas, de alguma forma, amplia o poder político dos juízes. Por último, a judicialização da
política aponta, em certo modo, para uma tendência talvez crescente de que a legitimidade do sistema político vai ligado com a capacidade do Estado democrático moderno de cumprir com as suas promessas do Estado de direito, de proteger os direitos do cidadão, de garantir o principio de dito processo e os mecanismos de rendição de contas dos governantes.
A expansão da atuação do Poder Judiciário no mundo está intimamente ligada à
terceira onda de democratização9 que produziu um conhecimento acerca do controle judicial
das leis. Segundo o artigo do Professor americano Donald Horowitz, publicado em 2006, mais
de três quartos dos países do mundo consagram alguma forma de controle judicial de
constitucionalidade ou de revisão judicial (HOROWITZ, 2006, p.37).
Este fato de mais da metade dos países do mundo possuir alguma forma de
controle judicial de constitucionalidade não impressiona tanto, até que compreendamos que o
mecanismo de controle de constitucionalidade das leis teve uma grande influência sobre os
sistemas de justiça de vários países ocidentais, constituindo um importante elemento político
que outorga preponderância ao Poder Judiciário, como pedra angular nas democracias
modernas. Sua instituição e aplicação não só confere aquele poder à faculdade de invalidar os
atos legislativos e executivos, como lhe confere da mesma forma uma margem de
discricionariedade para atuar tanto no controle do processo legislativo quanto na execução de
políticas públicas.
Inicialmente, a crescente intervenção do Judiciário nas democracias
contemporâneas, partindo da compreensão de N. Tate e T. Vallinder, guarda uma estrita
relação com o fim da ex União Soviética e com a permanência dos Estados Unidos como
potência econômica mundial. Esse aspecto histórico teria propiciado a difusão do
funcionamento institucional do sistema norte-americano de judicial review (revisão judicial)
que tem inspirado a expansão dos métodos de controle jurisdicional em vários países do
globo.
9 Para o Professor Samuel Huntigton, na obra A terceira Onda, as ondas de democratização são eventos simultâneos que ocorrem eum curto espaço de tempo, levando países não democráticos para regimes democráticos. A “primeira onda de democratização”, segundo o professor Huntigton, teria ocorrido entre 1828 e 1926 e teve como fonte de inspiração a Revolução Francesa. A “segunda onda de democratização” teria ocorrido, por sua vez com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do Nazi-Fascismo. Por fim, a “terceira onda de democratização” teria começado em 1974 com a Revolução dos Cravos que derrubou a ditadura de Salazar e Marcelo Caetano em Portugal e se estendeu por toda a América Latina no final dos anos 70 e início dos anos 80.
De outro lado, não cabem dúvidas de que a nova atuação do Poder Judiciário está
ligada à implementação de novas políticas públicas em uma grande maioria de países
ocidentais durante o pós-guerra, as quais fomentaram um acelerado crescimento tanto no
campo econômico como social. Tais políticas estimularam importantes reformas nas leis e,
sobretudo, no que se refere à estrutura organizacional que conforma o Poder Judiciário, com o
propósito de impedir eventuais abusos de poder por parte das instâncias representativas
(SWEET, 2002, p.48).
Além disso, a difusão de modernas teorias sobre o direito e as novas construções
teóricas em torno ao significado de justiça, acompanhada da publicação de obras de autores
como John Rawls (A Theory of Justice), em 1971, e Ronald Dworkin (Taking Rights
Seriously), em 1978, promoveram intensos debates públicos sobre a garantia e a efetividade
dos direitos e liberdades individuais. O que pode ser apreendido, é que uma nova linguagem
dos direitos tem sido importante para o discurso sobre o fortalecimento do Estado de direito e
da democracia.
Da mesma forma, se inserem as novas perspectivas em relação aos interesses
econômicos globais que incentivaram o fenômeno da judicialização da vida política, tendo em
vista que se requer a presença de um sistema judicial forte e independente, capaz de
estabelecer as bases para a instituição de um modelo de governabilidade democrática. Sobre
esse aspecto, Boaventura de Sousa Santos (2003, p.17) assegura que a administração da
justiça é essencialmente um serviço prestado pelo Estado à comunidade, como forma de
preservar a paz social e facilitar o desenvolvimento econômico por meio da resolução de
conflitos.
Há causas de naturezas diversas para o fenômeno. A primeira delas diz respeito ao
reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento
essencial para as democracias modernas. Como consequência, operou-se uma vertiginosa
ascensão institucional de juízes e tribunais, particularmente o Brasil.
Contudo, sendo que a expansão do Poder Judiciário é um fenômeno característico
das democracias modernas. Dificilmente se poderia compatibilizar governos autoritários com
a expansão do Judiciário em virtude dos obstáculos impostos ao princípio da independência
funcional dos juízes. No Brasil, a trajetória histórica do órgão de máxima instância da justiça
brasileira (Supremo Tribunal Federal), comprova que foi somente a partir do processo de
redemocratização, com a consequente promulgação da Constituição Federal de 1988 (após
vários anos de um duro regime militar), que o Poder Judiciário obteve a possibilidade de
exercer o veto constitucional sobre as ações promovidas pelo Executivo, denotando assim
uma intervenção daquele poder na vida política do país.
É possível compreender a judicialização da política como uma decorrência da
consolidação democrática através de uma Constituição equipada com extensa leva de direitos
políticos. Ou seja, a existência de um catálogo de direitos formalmente estabelecidos pela
Constituição ou pela aceitação de que os indivíduos são titulares de direitos oponíveis as
ações praticadas por uma maioria no Estado. Nessa mesma direção, a política de direitos
contribui para a aplicação e interpretação das normas em favor dos interesses de uma minoria,
possibilitando-lhes o acesso às instâncias judiciais para garantir a tutela dos seus direitos
fundamentais. Segundo Mauro Barberis:
O texto constitucional representa um projeto de vida em comunidade que se divide em duas partes, as quais delineiam as principais funções de uma Constituição: a primeira consiste na declaração de direitos como limitação ao poder do Estado mediante um catálogo de direitos que ele não pode violar; a segunda reside na forma de governo que institui o poder político, conferindo aos órgãos ou conjunto de órgãos as três funções estatais, que a partir da doutrina de Montesquieu, se denominam Legislativo, Executivo e Judiciário. (BARBERIS, 2008, p. 127)
Uma outra causa, envolveria o que se pode chamar de certa desilusão com a
política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos
parlamentos em geral. Neal Tate y Torbjörn Vallinder mencionam a incapacidade das
instituições majoritárias para fazer frente às novas e crescentes demandas sociais, em razão de
fatores como: os altos índices de corrupção, os impasses políticos que obstruem a tomada de
decisões sobre questões fundamentais para a preservação da vida do Estado; e, finalmente, a
presença de uma gama de partidos políticos sem grande expressão no cenário nacional para
desenvolver políticas públicas concretas.
Sob essa perspectiva, nos países da América Latina sobrevive uma patente
dificuldade para promover políticas públicas com partidos políticos sem grande importância e
com problemas de manutenção das maiorias parlamentárias. Esse quadro de ineficiência das
instituições políticas, por sua vez, favorece a submissão de causas políticas à apreciação
judicial.
No mesmo sentido, atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a
instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral
razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas
polêmicos, como das uniões homossexuais, aborto ou demarcação de terras indígenas.
O que se percebe é que a expansão dos direitos (incluindo os direitos políticos)
procede de uma intensa e incansável trajetória de lutas e pressões exercidas por parte de
organizações de caráter social, materializada através de movimentos ou mesmo da ação dos
grupos de interesses. Em muitos países da América Latina, o que se vê é que tais grupos
passaram a disputar os espaços de deliberação pública junto com os partidos políticos e, para
tanto, consideraram a possibilidade de utilização do veto nos tribunais com o fim de alcançar
os seus objetivos.
Corroborando esta análise, a propagação da judicialização da política se relaciona
com a efetiva participação desses grupos de interesses nas ações judiciais promovidas perante
os tribunais. Para melhor ilustrar a tese que aqui se pretende defender, no caso brasileiro é
possível verificar que das 4.751 ações direta de inconstitucionalidade (ADIn´s) que chegaram
ao Supremo Tribunal Federal entre 1988 – 2012, um total de 1.202 (25,3%) foram interpostas
pelas confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional10
No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da
constitucionalização abrangente e analítica. A Constituição Federal brasileira guarda caráter
bastante analítico e abrange diversos tópicos e assuntos em seu texto. Desde as relações
familiares aos princípios da ordem financeira e orçamentária, se encontram
constitucionalizados, o que faz com todos os assuntos abordados pela Constituição ingressem
na lista das pretensões judicializáveis.
Como consequência, quase todas as questões de relevância política, social ou
10 Informações extraídas do Banco Nacional de Dados da página web do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br).
moral foram discutidas ou já estão postas em sede judicial, especialmente perante o Supremo
Tribunal Federal. A enunciação que se segue, meramente exemplificativa, serve como boa
ilustração dos temas judicializados: (a) instituição de contribuição dos inativos na Reforma da
Previdência (Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 3105/DF); (b) criação do
Conselho Nacional de Justiça na Reforma do Judiciário (Ação Direta de
Inconstitucionalidade- ADI 3367); (c) pesquisas com células-tronco embrionárias (Ação
Direta de Inconstitucionalidade ADI 3510/DF); (d) liberdade de expressão e racismo
(Habeas Corpus 82424/RS – caso Ellwanger); o aborto de fetos anencefálicos (Arguição
de Descumprimento de Direito Fundamental -ADPF 54/DF); restrição ao uso de algemas
(Habeas Corpus - HC 91952/SP e Súmula Vinculante nº 11); a demarcação da reserva
indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR); a legitimidade de ações afirmativas e quotas
sociais e raciais (Ação Direta de Inconstitucionalidade -ADI 3330); a vedação ao
nepotismo (Ação Direta de Constitucionalidade -ADC 12/DF e Súmula nº 13); e por fim,
a não-recepção da Lei de Imprensa (Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental
-ADPF 130/DF).
A lista poderia prosseguir indefinidamente, com a identificação de casos de
grande visibilidade e repercussão, como a extradição do militante italiano Cesare Battisti
(Ext 1085/Itália e MS 27875/DF), a questão da importação de pneus usados (ADPF 101/DF)
ou da proibição do uso do amianto (ADI 3937/SP).E, obviamente, merece destaque a
realização de diversas audiências públicas, perante o STF, para debater a questão da
judicialização de prestações de saúde, notadamente o fornecimento de medicamentos e de
tratamentos fora das listas e dos protocolos do Sistema Único de Saúde. (BARROSO, 2009,
p.35).
A judicialização parece decorrer, sobretudo, de dois fatores: em (1) do modelo de
Constitucionalização abrangente e analítica adotado; (2) e o sistema de controle de
constitucionalidade vigente, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal
pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz européia, que
admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. No caso das cortes européias a
validade constitucional de leis e atos normativos é discutida em tese, perante o Supremo
Tribunal Federal, fora de uma situação concreta de litígio. Essa fórmula foi maximizada no
sistema brasileiro pela admissão de uma variedade de ações diretas e pela previsão
constitucional de amplo direito de propositura. Nesse contexto, a judicialização constitui um
fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma
opção política do Judiciário. O modo como os juízes venham a exercer essa competência é
que vai determinar a existência ou não de ativismo judicial.
Ativismo judicial: juízes protagonistas?
Ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi
empregada, sobretudo, para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi
presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma
revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos,
conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais.
Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou
decreto presidencial. A partir daí, por força de uma intensa reação conservadora, a expressão
ativismo judicial assumiu, nos Estados Unidos, uma conotação negativa, depreciativa,
equiparada ao exercício impróprio do poder judicial. Todavia, depurada dessa crítica
ideológica, a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa
do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no
espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas
mera ocupação de espaços vazios (BARROSO, 2009, p.39).
De fato, o ativismo judicial, considerado por muitos como negativo, foi o
responsável por grandes mudanças sociais nos Estados Unidos, no período da Corte Warren11
(1953-1969), a qual ampliou os direitos civis e políticos dos cidadãos americanos. Com efeito,
a Corte Warren foi considerada a mais ativista da história americana, pois determinou que a
separação de crianças brancas e negras nas escolas americanas era inconstitucional; instituiu a
adoção de uma política de integração; considerou inadmissível o uso de provas obtidas de
forma ilícita; os acusados em processo criminal só poderiam ser julgados na presença de um
11 Assim chamada em virtude seu presidente Earl Warren, indicado para a presidência da Suprema Corte Americana em 1953, pelo então presidente Eisenhower. Após 1962, com a entrada de Byron White e Arthur Goldberg, a Corte assumiu posturas mais liberais, como o célebre julgamento Brown vs. Board of education, de 1954, que foi reputada inconstitucional pela Corte, permitindo que crianças brancas e negras estudassem nas mesmas escolas.
advogado; protegeu o direito à intimidade. Enfim, a Corte Warren não foi apenas uma Corte
ativista, teve papel crucial para a construção de uma democracia inclusiva, agiu na resolução
dos problemas sociais de forma humanista, produzindo um expressivo avanço dos direitos
civis e constitucionais.
No Brasil, há diversos precedentes de postura ativista do STF, manifestada por
diferentes linhas de decisão. Dentre elas se incluem: a) a aplicação direta da Constituição a
situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de
manifestação do legislador ordinário, em casos como o da imposição de fidelidade partidária e
o da vedação do nepotismo; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos
emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e
ostensiva violação da Constituição, de que são exemplos as decisões referentes à
verticalização das coligações partidárias e à cláusula de barreira; c) a imposição de condutas
ou de abstenções ao Poder Público, tanto em caso de inércia do legislador – como no
precedente sobre greve no serviço público ou sobre criação de município – como no
de políticas públicas insuficientes, de que têm sido exemplo as decisões sobre direito à
saúde.
Todas essas hipóteses distanciam juízes e tribunais de sua função típica de
aplicação do direito vigente e os aproximam de uma função que mais se assemelha à de
criação do próprio direito. A judicialização é um fato, uma circunstância do desenho
institucional brasileiro. Já o ativismo é uma atitude, a escolha de um modo específico e
proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance (BARROSO, 2009,
p.35).
Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração
do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil,
impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O oposto
do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua
interferência nas ações dos outros Poderes.
Diversas objeções têm sido colocadas, ao longo do tempo, à expansão do Poder
Judiciário nos Estados constitucionais contemporâneos, considerando o ativismo e a conduta
proativa das Cortes e Tribunais como algo prejudicial a dinâmica democrática. Tais críticas
não infirmam a importância do papel desempenhado por juízes e tribunais nas democracias
modernas, mas merecem consideração.
O modo de investidura dos juízes e membros de tribunais, sua formação específica
e o tipo de discurso que utilizam são aspectos que exigem reflexão. Não se deseja o Judiciário
como instância hegemônica e a interpretação constitucional não pode se transformar em
usurpação da função legislativa. A jurisdição constitucional e a atuação expansiva do
Judiciário têm recebido, historicamente, críticas de natureza política, que questionam sua
legitimidade democrática e sua suposta maior eficiência na proteção dos direitos
fundamentais.
Ao lado dessas, há, igualmente, críticas de cunho ideológico, que veem no
Judiciário uma instância tradicionalmente conservadora das distribuições de poder e de
riqueza na sociedade. Nessa perspectiva, a judicialização funcionaria como uma reação das
elites tradicionais contra a democratização, um antídoto contra a participação popular e
a política majoritária. (VIANNA, 1999, p.28)
Juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos. Sua investidura
não tem o batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do
Legislativo ou do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha um
papel que é inequivocamente político. Essa possibilidade de as instâncias judiciais
sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos gera aquilo que em teoria
constitucional foi denominado de “dificuldade contramajoritária”.
Cabe aos três Poderes interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base
nela. Mas, em caso de divergência, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não
significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Para
evitar que o Judiciário se transforme em uma indesejável instância hegemônica, a doutrina
constitucional tem explorado duas ideias destinadas a limitar a ingerência judicial: a de
capacidade institucional e a de efeitos sistêmicos.
Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais
habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos
técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro
mais qualificado, por falta de informação ou de conhecimento específico. Também o
risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis podem recomendar uma posição de
cautela por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará
preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, sem condições, muitas
vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a
prestação de um serviço público, ou mesmo uma política pública.
O mundo do direito tem categorias, discurso e métodos próprios de argumentação.
O domínio desse instrumental exige conhecimento técnico e treinamento bastante específico,
o que não é acessível à generalidade das pessoas. A primeira consequência drástica da
judicialização é a elitização do debate e a exclusão dos que não dominam a linguagem nem
têm acesso aos locus de discussão jurídica. Institutos como audiências públicas, amicus
curiae e direito de propositura de ações diretas por entidades da sociedade civil atenuam, mas,
não eliminam esse problema.
Surge assim, o perigo de se produzir uma apatia nas forças sociais, que passariam
a ficar à espera de juízes providenciais (SANTOS, 2001, p.35). Na outra face da moeda, a
transferência do debate público para o Judiciário traz uma dose excessiva de politização dos
tribunais, dando lugar a paixões em um ambiente que deve ser presidido pela razão
(BARROSO, 2009, p.23). No movimento seguinte, processos passam a tramitar nas
manchetes de jornais – e não na imprensa oficial – e juízes trocam a racionalidade
plácida da argumentação jurídica por embates próprios da discussão parlamentar,
movida por visões políticas contrapostas e concorrentes.
As constituições contemporâneas, tem desempenhado dois grandes papéis: o de
condensar os valores políticos nucleares da sociedade, os consensos mínimos quanto a suas
instituições e quanto aos direitos fundamentais nela consagrados; e o de disciplinar o processo
político democrático, propiciando o governo da maioria, a participação da minoria e a
alternância no poder. Este seria, em tese, o grande papel do Supremo Tribunal Federal, no
caso brasileiro: proteger e promover os direitos fundamentais, bem como resguardar as regras
do jogo democrático. Logo, eventual atuação contramajoritária do Judiciário em defesa dos
elementos essenciais da Constituição se dará a favor e não contra a democracia.
Para Barroso, nas demais situações, isto é, quando não estejam em jogo os direitos
fundamentais ou os procedimentos democráticos, juízes e tribunais devem acatar as escolhas
legítimas feitas pelo legislador, assim como ser deferentes com o exercício razoável de
discricionariedade pelo administrador, abstendo-se de sobrepor-lhes sua própria
valoração política. Isso deve ser feito não só por razões ligadas à legitimidade democrática,
como também em atenção às capacidades institucionais dos órgãos judiciários e sua
impossibilidade de prever e administrar os efeitos sistêmicos das decisões proferidas em casos
individuais.
Segundo Guastini (2005. p.70.), a judicialização da política decorre de uma
consolidação democrática que brota de uma Constituição amplamente aceita e defendida. Ao
explicitar em seu texto que ao Judiciário cabe a função de sua guarda, a Constituição atribuiu
uma inegável função política, precisando o juiz estar ciente disso ao decidir uma questão.
Analisando dessa forma, pareceria absurdo esperar que o juiz, diante de uma questão que
envolvesse claramente elementos políticos, suspendesse o seu julgamento para aguardar uma
definição dos legisladores ou deixasse de dar uma resposta adequada à demanda proposta ao
Judiciário.
O que se espera do juiz é que ele esteja consciente da dimensão política de sua
decisão, especialmente quando o conflito que lhe é apresentado envolve questões referentes à
inconstitucionalidade de uma determinada norma. Häberle (1997, p.56) ao propor uma visão
ampliada quanto aos sujeitos da interpretação constitucional, acaba por indicar que o Juiz
constitucional tem que considerar o grau de participação no debate político que resultou no
ato normativo considerado inconstitucional (POSNER, 2008, p.47).
Nos últimos anos, no Brasil, a Constituição conquistou, verdadeiramente, força
normativa e efetividade. A jurisprudência acerca do direito à saúde e ao fornecimento de
medicamentos é um exemplo emblemático do que se vem de afirmar. As normas
constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente
político, mera convocação à atuação do Legislativo e do Executivo, e passaram a desfrutar de
aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais.
Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em
particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela
judicial específica. A intervenção do Poder Judiciário, mediante determinações à
Administração Pública para que forneça gratuitamente medicamentos em uma variedade de
hipóteses, procura realizar a promessa constitucional de prestação universalizada do serviço
de saúde.
Por outro lado, não há um critério firme para a aferição de qual entidade estatal –
União, Estados e Municípios – deve ser responsabilizada pela entrega de cada tipo de
medicamento. Diante disso, os processos terminam por acarretar superposição de esforços e
de defesas, envolvendo diferentes entidades federativas e mobilizando grande quantidade de
agentes públicos, aí incluídos procuradores e servidores administrativos. Desnecessário
enfatizar que tudo isso representa gastos, imprevisibilidade e desfuncionalidade da prestação
jurisdicional. Segundo o Professor Luís Roberto Barroso, tal desfuncionalidade põe em risco a
própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa
e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos.
No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas
coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implantadas. Trata-se de
hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não
realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de
privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua
dependente das políticas universalistas implantadas pelo Poder Executivo.
É possível supor que se está diante de uma colisão de valores ou de interesses que
contrapõe, de um lado, o direito à vida e à saúde e, de outro, a separação de Poderes, os
princípios orçamentários e a reserva do possível. Contudo, em uma análise mais apurada, é
possível perceber que o que está em jogo, é o direito à vida e à saúde de uns versus o direito
à vida e à saúde de outros.
Na prática, em todas as hipóteses em que a Constituição tenha criado direitos
subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são eles, como regra, direta e
imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais
e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico.
O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter papel ativo e decisivo na
concretização da Constituição. A doutrina da efetividade serviu-se, como se deduz
explicitamente da exposição até aqui desenvolvida, de uma metodologia positivista: direito
constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade de
determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido.
A teoria dos princípios, à qual se acha associada uma teoria dos direitos
fundamentais, desenvolveu-se a partir dos estudos de Ronald Dworkin (2002) difundidos no
Brasil ao final da década de 80 e ao longo dos anos 90 do século passado. Na sequência
histórica, Robert Alexy ordenou a teoria dos princípios em categorias mais próximas da
perspectiva romano-germânica do Direito. As duas obras precursoras desses autores,
respectivamente - Levando os direitos a sério e Teoria dos direitos fundamentais –
deflagraram uma verdadeira explosão de estudos sobre o tema, no Brasil. São elementos
essenciais do pensamento jurídico contemporâneo a atribuição de normatividade aos
princípios e o reconhecimento da distinção qualitativa entre regras e princípios.
Alexy (2008), autor alemão, partindo da concepção de Dworkin, desenvolveu
analiticamente o tema e diz que as regras veiculam mandados de definição, enquanto os
princípios veiculam mandados de otimização. Ou seja, Alexy quis dizer que as regras
possuem natureza biunívoca, isto é, só admitem duas espécies de situação, dado o seu
substrato fático: ou são válidas e aplicáveis ou não se aplicam por serem inválidas. Uma regra
vale ou não vale, não há gradações. A exceção de uma regra é outra regra ou sua violação. Os
princípios, por seu turno, comportam-se de maneira bem diversa. Sendo mandados de
otimização, pretendem ser realizados da forma mais ampla possível, admitindo aplicação mais
ou menos intensa, de acordo com a possibilidade jurídica existente, sem que isso comprometa
a sua validade. Os limites jurídicos capazes de restringir a aplicação ampla de um princípio
podem ser regras que o excepcionam em algum ponto ou outros princípios de mesma estatura
e opostos que procuram da mesma forma maximizar-se, impondo-se, então, a necessidade de
ponderação.
Regras, portanto, são enunciados objetivos descritivos de condutas e aplicáveis a
um conjunto delimitado de situações. A regra incide através do tradicional método da
subsunção que pode ser descrito da seguinte forma: premissa maior – enunciado normativo ou
regra – incidindo sobre a premissa menor – fato – resultando na aplicação da norma ao caso
concreto (BARCELLOS, 2004, p.51). Logo, a aplicação de uma regra se opera na modalidade
tudo ou nada: ou a regra regula o fato por inteiro ou não é aplicada.
Já os princípios admitem um grau muito maior de abstração. No
Constitucionalismo orientam-se pela pretensão de correção, não especificando uma conduta,
como as regras, por isso podem ser aplicados a um conjunto muito mais amplo de situações.
Mas a aplicação dos princípios, por vezes, exige um exercício dialético, em virtude do grau de
abstração dessas normas que muitas vezes apontam direções diversas. Por isso a aplicação dos
princípios deve ocorrer mediante ponderação. Isso significa que diante do caso concreto, o
intérprete deverá medir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante
concessões recíprocas e preservando ao máximo, a essência de cada um (BARROSO, 2004,
p.39).
A ponderação pode ser definida como uma técnica de decisão dos casos difíceis, o
que em inglês se denomina hard cases, quando a técnica da subsunção não se mostra
satisfatória. Quando se maneja a Constituição na busca de soluções para as situações jurídicas
em questão, não é possível simplesmente escolher uma norma em detrimento das outras, visto
que em virtude do princípio da unicidade da Constituição, todas as normas constitucionais
têm a mesma hierarquia e devem ser interpretadas harmonicamente. De tal forma, no caso de
colisão de normas constitucionais, a simples subsunção não se mostraria adequada.
(BARCELLOS, 2004, p.98)
Em muitas situações, o legislador realiza ponderações em abstrato, definindo
parâmetros que devem ser seguidos nos casos de colisão. Quando isso ocorrer, não deve o
intérprete judicial sobrepor a sua própria valoração à que foi feita pelo órgão de representação
popular, a menos que esteja convencido, e seja capaz de racionalmente demonstrar, que a
norma em que se consubstanciou a ponderação não é compatível com a Constituição.
A ideia de Estado democrático de direito, consagrada no art. 1º da Constituição
brasileira, é a síntese histórica de dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os
de constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência, limitação
do poder e supremacia da lei (Estado de direito, Rule of law, Rechtsstaat). Democracia, por
sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria.
Entre constitucionalismo e democracia podem surgir, eventualmente, pontos de tensão: a
vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais,
orgânicos ou processuais da Constituição. Ou também, o direito de um indivíduo pode se
contrapor a vontade de uma maioria.
O que deve ser mantido em mente é que o Estado constitucional de direito gravita
em torno da dignidade da pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A
dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, sendo
frequentemente identificada como o núcleo essencial de tais direitos.
Os direitos fundamentais incluem: a) a liberdade, isto é, a autonomia da vontade,
o direito de cada um eleger seus projetos existenciais; b) a igualdade, que é o direito de ser
tratado com a mesma dignidade que todas as pessoas, sem discriminações arbitrárias e
exclusões evitáveis; c) o mínimo existencial, que corresponde às condições elementares de
educação, saúde e renda que permitam, em uma determinada sociedade, o acesso aos valores
civilizatórios e a participação esclarecida no processo político e no debate público
(BARCELLOS, 2004, p.41). Os três Poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – têm o
dever de realizar os direitos fundamentais, na maior extensão possível, tendo como limite
mínimo o núcleo essencial desses direitos.
O princípio democrático, por sua vez, se expressa na ideia de soberania popular:
todo poder emana do povo, conforme o parágrafo único do art. 1º da Constituição brasileira.
Como decorrência, o poder político deve caber às maiorias que se articulam a cada época. O
sistema representativo permite que, periodicamente, o povo se manifeste elegendo seus
representantes. O Chefe do Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto
popular e são o componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são
recrutados, como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos. Logo, a ideia de governo da
maioria se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a
elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas,
inclusive as de educação, saúde, segurança etc.
Como visto, constitucionalismo traduz-se em respeito aos direitos fundamentais. E
democracia, em soberania popular e governo da maioria. Mas pode acontecer de a maioria
política vulnerar direitos fundamentais das minorias, ou mesmo de indivíduos em particular.
Quando isto ocorre, cabe ao Judiciário agir.
É nesse ambiente, é nessa dualidade presente no Estado constitucional
democrático que se coloca a questão essencial: podem juízes e tribunais interferir com as
deliberações dos órgãos que representam as maiorias políticas – isto é, o Legislativo e o
Executivo –, impondo ou invalidando ações administrativas e políticas públicas?
A resposta será afirmativa sempre que o Judiciário estiver atuando,
inequivocamente, para preservar um direito fundamental previsto na Constituição ou para dar
cumprimento a alguma lei existente. Vale dizer: para que seja legítima, a atuação judicial não
pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se
a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador.
Sempre que a Constituição define um direito fundamental ele se torna exigível,
inclusive mediante ação judicial. Pode ocorrer de um direito fundamental precisar ser
ponderado com outros direitos fundamentais ou princípios constitucionais, situação em que
deverá ser aplicado na maior extensão possível, levando-se em conta os limites fáticos e
jurídicos, preservado o seu núcleo essencial.
O Judiciário deverá intervir sempre que um direito fundamental – ou
infraconstitucional – estiver sendo descumprido, especialmente se vulnerado o mínimo
existencial de qualquer pessoa. Se o legislador tiver feito ponderações e escolhas válidas, à
luz das colisões de direitos e de princípios, o Judiciário deverá ser deferente para com elas,
em respeito ao princípio democrático.
O Poder Judiciário e as políticas públicas: um novo agente implementador?
De acordo com Maria Paula Dallari (2008, p.45), políticas públicas são programas
de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.
Políticas públicas são ‘metas coletivas conscientes’ e, como tais, um problema de direito
público, em sentido lato.
A Constituição Federal de 1988 implementou uma mudança fundamental no
Estado Brasileiro: a constitucionalização de inúmeros direitos sociais e coletivos que, até
então, não encontravam proteção sob a égide constitucional. Com isso, passou-se de uma
ordem garantista, assim considerada quando o acesso ao ao Judiciário restringiria-se a pedir
proteção e conservação de um bem jurídico que já se tem, a uma ordem de caráter
promocional, na qual há espaço para pleitear direitos a fim de obter acesso a bens que ainda
não se tem, mas que se deseja ter em virtude de promessas constitucional, política ou
legalmente feitas.
Nesse sentido, um conjunto de fenômenos institucionais e históricos vem atuando
na direção de propiciar fortes incentivos para uma atuação do Poder Judiciário na arena
pública e especialmente no que diz respeito as políticas públicas (BARBOSA, 2007, p.25). No
que diz respeito a Magistratura, deve-se ressaltar que o Judiciário age essencialmente por
provocação e após a Emenda Constitucional nº45, temos um Poder Judiciário com seus
poderes fortalecidos e maior probabilidade de acesso, especialmente através da chamada
repercussão geral12.
Ocorre que, face ao princípio constitucional da tripartição dos poderes, compete 12 A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.
aos Poderes Executivo e Legislativo determinar a alocação dos recursos oficiais para o
cumprimento de programas e objetivos de governo anteriormente propostos aos cidadãos,
uma vez que ambos poderes são fundamentados pela legitimidade popular ((BARBOSA,
2007, p.25). De fato, cabe ao Poder Público a formulação e a implementação de ações
positivas no sentido de realizar seu programa de governo e, conseqüentemente, de conferir
efetividade aos direitos e princípios constitucionais. Tem-se, portanto, que as denominadas
“políticas públicas” constituem a forma típica de atuação do Executivo na consecução de seus
objetivos (LOPES, 1994, p.36).
De qualquer forma, a despeito dos debates doutrinários, são inúmeras as decisões
em que o Poder Judiciário, em suas diversas esferas, decide pela alocação de recursos
orçamentários para efetivação de direitos sociais. Como já foi dito, em alguns casos estas
decisões produzem efeito no âmbito de políticas públicas já formuladas pelo Executivo e/ou
Legislativo, em outros, determinam o gasto público em ações não previstas em qualquer tipo
de programa social ou econômico.
Dentre as áreas de política pública, a da saúde tem recebido publicidade. A
atuação de juízes concedendo liminares obrigando o poder público, a fornecer gratuitamente
remédios que não constam das listas do Sistema Único de Saúde tem instigado fortes reações
por parte de administradores públicos, da imprensa e de algumas associações da sociedade
civil. As demandas que chegam até o Judiciário bem como as decisões judiciais tem por base
o entendimento de que a saúde é um direito.
Invoca-se, pois o artigo 196 da Constituição que a define a saúde como “direito de
todos e dever do Estado”. O texto diz claramente que é dever do poder público garantir esse
direito “mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de
outros agravos e o acesso igual e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
E qual seria o papel do Judiciário em relação as Políticas Públicas? Em que
sentido e até que ponto, o Poder Judiciário através de seus juízes poderia atuar?
Como se pode notar de interessante pesquisa realizada pela Associação de
Magistrados Brasileiros (SADEK, 2006, p.38) é significativo o percentual de juízes que
percebem o impacto de sua atuação na arena pública. Curiosamente, como se verá adiante,
quando indagados se as decisões judiciais deveriam orientar-se de modo preponderante por
parâmetros legais, atentar para sua consequências econômicas e ter compromisso com as
consequências sociais, é notável a proporção de respostas que apontam fatores que
ultrapassam os limites da lei.
Observando a tabela 1, é de se notar que a maioria dos juízes (86,5 %) considera
que as decisões judiciais devem orientar-se preponderantemente por parâmetros legais.
Apesar disso, essa opção não exclui o compromisso com as consequências sociais e as
condições econômicas.
Tabela 1: Orientação Preponderante de Decisões Judiciais por Instância - % de Concordância.
1º Grau 2º Grau 3º Grau
Parâmetros Legais 86,5 86,6 86,5
Compromisso com as consequências econômicas 37,5 34,1 36,5
Compromisso com as consequências sociais 80,3 73,1 78,5
Fonte: Pesquisa AMB, 2005.
Tabela 2 – Orientação Preponderante de decisões Judiciais por tempo na Magistratura - % de Concordância.
Até 5 anos De 6 a 10 anos
De 11 a 20 anos Mais de 20 anos
Parâmetros legais 88,6 89,0 86,1 85,0
Compromisso com as consequências econômicas
48,1 42,0 37,4 27,2
Compromisso com as consequências sociais 90,2 85,9 81,9 64,9
Deve ressaltar-se aqui, que quanto mais tempo de magistratura, menos
magistrados ao julgar, assumem compromisso com as consequências econômicas ou sociais
de seus julgamentos. Utilizando uma pesquisa mais recente, realizada pelo Anuário da
Justiça13, junto a integrantes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores de
Justiça, do Trabalho e Eleitoral, podemos ver com mais clareza esses dados:
Tabela 3 – Ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em termos sociais, econômicos e de governabilidade? (Em números absolutos)
SIM NÃO NÃO RESPONDERAM
TOTAL
STF 6 1 4 11
STJ 20 6 7 33
TST 18 7 4 29
TSE 2 0 0 2
TOTAL 46 14 15 75
Fonte: Anuário da Justiça, 2010.
Como se viu, para a maioria dos respondentes, o juiz deve dar um peso maior ao
papel de interpretar a lei de acordo com as circunstâncias do momento e com a realidade do
que a tarefa técnica de aplicar as leis simplesmente.
Assim, 61% (46 do total de 75 juízes) concordaram com a afirmação segundo a
qual “ao julgar, o juiz deve levar em conta o impacto de sua decisão em termos sociais,
econômicos e de governabilidade”. Essa proporção é mais alta no STJ (60,6 %), no TST
(62%) e no TSE (54,5%) (SADEK, 2011, p.17). O que se deseja salientar é, de acordo com a
Professora Teresa Sadek, que uma proporção expressiva de magistrados sobreleva a
identidade do juiz delimitada pela mera aplicação da lei. A definição do papel do juiz como a
de um ator político envolve o reconhecimento de que suas atribuições produzem impactos
sociais, econômicos e políticos.
13 Ver Anuário da Justiça 2010, Consultor Jurídico.
CAPÍTULO II
JUDICIALIZAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL: AS AÇÕES DE CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS
A constitucionalização do pós 1988, ocorrida no Brasil, com a consolidação da
Carta Magna, como já dito aqui, exprime a irradiação dos valores constitucionais no sistema
jurídico. Durante muito tempo, no Brasil, a importância das decisões sobre as políticas
públicas ficou restrita ao pessoal e defensores do Governo, sendo impensável a possibilidade
de influência do Judiciário e da Constituição sobre os projetos elaborados pelo Executivo.
O Brasil, como outros países latino-americanos, tem uma trajetória particular e
muitas vezes conturbada com a prática democrática. As arbitrariedades praticadas pelas
classes dominantes, incluindo os períodos de ditaduras, por diversas vezes projetaram no país
uma sensação epidêmica de fragilidade da democracia brasileira (STRECK, 2004, p.45).
Tendo sido uma colônia de Portugal, o Brasil mesmo após sua independência
permaneceu ligado ao sistema de governo português. As instituições políticas existentes se
curvavam aos poderes do imperador, que por sua vez se dizia legitimado por uma
Constituição por ele esboçada. Com o advento da República em 1891, sob os olhos pálidos e
abismados da população, o Brasil se viu no dever de consolidar um projeto novo com
instituições velhas. Mesmo República, o agora presidente buscava para si os mesmos poderes
contestados no Império.
Com a Revolução de 1930, o Brasil desperta para os movimentos sociais que
movimentavam a Europa na época. A Constituição desse período nasce encharcada dos
valores sociais dos regimes europeus da época. O Estado liberal vai sendo questionado em seu
absenteísmo e a pressão sobre o Estado é contrária ao que até então se via: busca-se um
Estado prestacional, presente e atuante na busca pela efetividade dos direitos dos cidadãos
(BARROSO, 2009, p.42).
Como seria possível garantir a liberdade, sem fornecer ao cidadão segurança?
Como assegurar a propriedade sem que o Estado intervenha para garantir esse direito? A
política econômica liberal não produzia a riqueza para distribuição igualitária, pelo contrário,
apenas acentuava as desigualdades, produzindo mais exclusão. Ao Estado cabia, então,
reequilibrar as relações sociais. Essa influência dos direitos sociais se tornou visível na
Constituição brasileira de 1934. A partir daí, todas as constituições brasileiras cederam um
espaço aos direitos sociais tidos como direitos de segunda geração/dimensão14. A
Constituição de 1988, tida como a Constituição Cidadã traz um capítulo dirigido apenas aos
direitos sociais, além de dispor sobre outros direitos sociais ao longo de seu texto.
Como dito, esses direitos tem por característica fundamental o dever prestacional
do Estado. Ao Estado, enquanto Legislativo e Executivo, cabe a tarefa de concretizá-los
precipuamente e o deve fazê-lo através de suas políticas de desenvolvimento e atendimento a
população. Logo, é dever primeiro desses dois Poderes a efetivação de Políticas Públicas que
tornem concretas as diretrizes de desenvolvimento traçadas na Constituição.
Em um Estado democrático de Direito, as funções estatais do Legislativo,
Executivo e Judiciário devem se encontrar perfeitamente delineadas, o que não exclui a
possibilidade de controle mútuo entre elas. Desta forma dispõe a Constituição Federal, ao
afirmar que os Poderes da União – Legislativo, Executivo e Judiciário – são independentes e
harmônicos entre si.
Contudo, no Brasil, essa autonomia dos Poderes da União entre si sempre se
apresentou bastante delicada. Por diversas vezes, a história brasileira viu a prevalência de um
dos poderes em relação aos outros, como nos períodos de ditadura, em que se dissolvia o
Congresso Nacional sob o manto de leis extravagantes editadas pelo Executivo e sob o olhar
silencioso do Poder Judiciário (BONAVIDES, 2009, p.58)
14 Alguns autores como Norberto Bobbio (1986), Luís Roberto Barroso (2005) e Ana Paula de Barcelos (2008), por exemplo, preferem o termo dimensão a geração, por entenderem que o termo geração poderia indicar uma sobreposição de direitos, onde os posteriores seriam mais importantes que os anteriores. Na verdade, teria ocorrido uma ampliação de perspectiva, com o reconhecimento de outros direitos no decorrer da história.
Como sabemos, a separação dos Poderes é um princípio básico em um Estado
democrático de Direito. O ideal é que não haja a prevalência de um sobre os outros, mas que
atuem em equilíbrio e harmonia para a consecução dos fins do Estado.
No Brasil, entretanto, como já dito, um fenômeno se mostra corrente nos tribunais
com ampla repercussão nos meios de comunicação. É a judicialização da política, que
significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo
decididas, em caráter final pelo Poder Judiciário.
Trata-se de fato de uma espécie de transferência para as instâncias judiciárias, o
dever de concretizar as políticas públicas, em detrimento das instituições políticas
tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo.
Podemos ver essa judicialização de questões políticas em países como Estados
Unidos – onde em 2000, ficou a cargo da Suprema Corte a decisão sobre a eleição de Bush
versus Al Gore. Da mesma forma, na Turquia, as decisões da Suprema Corte com vistas a
conter os avanços do fundamentalismo islâmico e por fim a decisão da Suprema Corte
canadense sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos realizarem testes de mísseis em
solo canadense.
Na América Latina e de acordo com Rodrigo Uprimny Yepes (2007), podemos
nos referir ao caso mais significativo que é a Colômbia. Segundo o autor, algumas das mais
importantes causas para judicialização da política na Colômbia envolveram a luta contra a
corrupção, a contenção dos abusos das autoridades governamentais, a proteção das minorias e
das populações estigmatizadas, e por fim a necessidade de interferência em políticas
econômicas buscando a proteção judicial para os direitos sociais, como o direito ao emprego e
ao salário mínimo.
Como vemos, as causas para esse fenômeno são várias e no Brasil podemos
visualizar algumas delas. Da mesma forma que em nosso vizinho sulamericano, a corrupção e
os abusos por parte do Executivo e do Legislativo tem um impacto profundo sobre a
população, no Brasil, a desconfiança e o temor para com os políticos, acarreta uma inevitável
perda de credibilidade desses Poderes junto à sociedade. Nesse contexto, percebe-se o
fortalecimento do Poder Judiciário como via utilizável para combater os arbítrios dos
integrantes dos outros poderes, punindo-os e obrigando-os a tornar efetivas as normas
presentes na Constituição que definem políticas de desenvolvimento para o país.
Da mesma forma, em Tribunais brasileiros inferiores vemos a atuação do Poder
Judiciário na concretização das políticas públicas. Urbano Ruiz (2005), desembargador do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, enumera alguns casos como o da delegacia do
ensino da Cidade de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo, que informou ao promotor de
Justiça que no ano letivo que se aproximava – 1998, faltariam cerca de 500 vagas na primeira
série do ensino fundamental e muitas crianças não teriam acesso à escola.
O Ministério Público documentou os fatos e promoveu ação civil pública para
obrigar o prefeito a criar tais vagas, já que a Constituição Federal, nos art. 211 e 212 obrigava
a Municipalidade a atuar prioritariamente no ensino fundamental, investindo 25%, no mínimo
da receita resultante de impostos. Na audiência de conciliação, o Município relutou em criar
as vagas, mas a liminar foi deferida pelo juiz obrigando o chefe do executivo a alocar essas
crianças nas escolas. Percebe-se aqui a atuação do Poder Judiciário em virtude da omissão do
Executivo em tornar efetivas as políticas públicas para a educação.
Da mesma forma, ações idênticas são propostas no Brasil inteiro a fim de obrigar
a Administração Pública a distribuir gratuitamente remédios para pessoas carentes, sobretudo
aidéticos, que não tenham condições econômicas de adquiri-los.
De fato, a atuação do Poder Judiciário citada acima encontra previsão
constitucional. A Constituição e a legislação infraconstitucional prevê o controle aos outros
poderes por parte do Poder Judiciário visando o bem coletivo. A legalidade dos atos
praticados pelos poderes estatais é algo a ser extremamente prezado, mas é legítima a atuação
dos juízes na concretização das políticas públicas, tendo em vista que ao contrário do Poder
Executivo e Legislativo, o poder judiciário não é eleito pelo povo? O jogo político entre os
Poderes do Estado sempre evoca o debate a respeito da harmonia dos poderes em virtude do
princípio da separação dos Poderes do Estado; e, para a compreensão e crítica da judicilização
da política, esse princípio assume o caráter de relevância e atualidade, especialmente em
sistemas presidencialistas como o brasileiro.
Os fundamentos dos Estados democráticos modernos encontram suas raízes em
teorias que no passado empreenderam a tarefa de pensar a solução política para a disputa entre
os interesses e poderes, regulando a participação da sociedade e limitando ou justificando o
poder do Estado.
Nesse ponto a teoria da separação dos poderes apresenta um meio eficaz de se
evitar a tirania atribuindo funções específicas para cada poder. Para utilizar a célebre
classificação de Montesquieu (1973), cabe ao poder Legislativo (fazer as leis); ao Poder
Executivo tratar das coisas que relativas ao direito das gentes (paz, guerra, segurança,
prevenção de invasões e etc), que é o poder Executivo do Estado e o por fim, o Poder
Executivo cabe tratar das coisas que dependem do direito civil (punir os crimes, julgar
conflitos entre os indivíduos e etc), ou seja, o poder de julgar.
No século XX, a questão da organização do Estado gravitou em outras
proposições. Diferentes perspectivas apontaram no aumento dos poderes e atribuições do
Executivo frente ao Legislativo, tendo em vista a complexidade das sociedades modernas. No
caso brasileiro, durante o século passado, o Executivo concentrou em si mesmo por diversas
vezes os poderes de legislar e aplicar as leis (Atos institucionais da ditadura, Medidas
provisórias). Com o restabelecimento da democracia, buscou-se uma reorganização da
dinâmica do poder no país, buscando-se equilibrar as funções estatais por métodos de controle
previstos na própria Constituição promulgada em 1988.
É evidente que houve um fortalecimento do Judiciário, com o incremento do
controle de constitucionalidade das leis e a previsão constitucional de ações específicas para
contestar atos do poder executivo. São várias as possibilidades abertas as pessoas para
permitir que políticas públicas sejam determinadas, contestadas ou ajustadas de acordo com o
programa constitucional (BARROSO, 2001, p.661). Entre elas, a ação civil pública, as
diversas ações constitucionais, as ações específicas previstas no controle concentrado de
constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal, o mandado de injunção15, a Ação de
15 O Mandado de Injunção diz respeito ao processo que pede a regulamentação de uma norma da Constituição, quando os Poderes competentes (especialmente o Legislativo) não o fizeram. O pedido é feito para garantir o direito de alguém prejudicado pela omissão.
Inconstitucionalidade por Omissão16 e a Arguição de descumprimento de Preceito
Fundamental17.
O Poder Judiciário vem assumindo um importante papel em delimitar políticas
públicas, especialmente considerando os outros países americanos e o fato de que o Brasil
constitui a maior democracia dentre os países da América Latina. Em várias ocasiões, o Poder
Judiciário tem sido chamado para avaliar decisões feitas pelo Congresso ou pelo Presidente, e
como pontua o Professor Matthew Taylor (2008), o Poder Judiciário brasileiro efetivamente
atuou e atua para delimitar e conduzir a implantação de políticas públicas no país.
Nesse sentido, o Poder Judiciário brasileiro, segundo diretamente desafia o
estereótipo regional prevalecente de cortes flexíveis na aplicação da lei, uma visão mantida
viva em virtude de casos como da Argentina ou Chile, onde as cortes tem pouca influência
nas políticas públicas de Governo.
A reforma política é difícil na maioria dos contextos, mas tem representado um
desafio particularmente grande na nova democracia Brasil, devido à confluência de vários
fatores: a escala do país, de profundidade da crise econômica herdada do regime militar, a
largura da Constituição de 1988, e a dificuldade de encontrar o apoio majoritário
extremamente necessário para aprovar reformas. Sob essas condições, foi preciso recorrer a
oposição política. O que não estava previsto - e não foi suficientemente analisada - é a escolha
feita pela oposição da via judicial para conseguir os seus objetivos políticos, e como esta
escolha tem cada vez mais empurrado os tribunais brasileiros para dentro dos debates
políticos.
16 A Ação direta de inconstitucionalidae por Omissão ou ADO, é a ação cabível para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. Como a Constituição Federal possui grande amplitude de temas, algumas normas constitucionais necessitam de leis que a regulamentem. A ausência de lei regulamentadora faz com que o dispositivo presente na Constituição fique sem produzir efeitos. A ADO tem o objetivo de provocar o Judiciário para que seja reconhecida a demora na produção da norma regulamentadora. Caso a demora seja de algum dos Poderes, este será cientificado de que a norma precisa ser elaborada. Se for atribuída a um órgão administrativo, o Supremo determinará a elaboração da norma em até 30 dias. 17 É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs (Ação direta de inconstitucionalidade) , podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser municipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99. Os legitimados para ajuizá-la são os mesmos da ADI.
O Brasil é também um estudo de caso relevante porque possui lugar de destaque
em seu espaço regional, qual seja a América Latina. É um país líder em desenvolvimento,
com a quinta maior população do mundo e economia que representa mais de um terço do PIB
regional na América Latina.
A experiência brasileira revela que a Judicialização possui um forte componente
característico. Dentre as condições necessárias para o seu surgimento, conforme a
classificação proposta por Neal Tate y Torbjörn Vallinder em The Global Expansion of
Judicial Power e expostas no capítulo anterior, se pode constatar que todas elas fazem parte da
realidade do país, ainda que em diferentes graus e em razão de certos condicionamentos e
particularidades (situação histórica, estrutura institucional, realidade democrática e política,
transformações legais que repercutiram no exercício da função jurisdicional e os direitos
fundamentais).
Fiona Macaulay (2005, p.154), ao examinar as iniciativas de reformas judiciais
levadas a cabo após o período de transição democrática ocorrido no Brasil em 1985, cujo
objetivo consistia na melhoria do modelo de administração de justiça, indica uma visível
revalorização das instituições judiciais como resultado da influência política, econômica e
social nos distintos conjuntos de reformas propostas. As modificações introduzidas na
organização do Poder Judiciário, que o converteram em um poder mais ativo na condução da
vida do país, não podem ser explicadas somente em razão do movimento constitucionalista de
1988; mas com base nas realidades políticas vigentes, nas conjunturas democráticas, no
balanceamento de poder entre as três esferas do Estado, no sistema federal de governo e nos
interesses corporativistas existentes dentro do Judiciário.
Não obstante tudo quanto foi dito, se pode compreender o desenvolvimento do
fenômeno da judicialização da política no Brasil a partir do controle de constitucionalidade
das leis consagrado pela Constituição de 1988, que implicou substanciais modificações na
condução da função jurisdicional. Além disso, a constitucionalização dos direitos e a
crescente tomada de consciência por parte de vários grupos sociais de que o Poder Judiciário
pode servir como instrumento para a tutela dos seus direitos, redimensionaram os horizontes
da atuação daquele poder e ampliaram a repercussão das suas decisões no âmbito político.
A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se ainda no século XIX, com a vinda
da Corte portuguesa. Nesse período, eram realizadas apenas algumas ações de combate à lepra
e à peste, e algum controle sanitário, especialmente sobre os portos e ruas. É somente entre
1870 e 1930 que o Estado passa a praticar algumas ações mais efetivas no campo da saúde,
com a adoção do modelo “campanhista”, caracterizado pelo uso corrente da autoridade e da
força policial. Apesar dos abusos cometidos 20, o modelo “campanhista” obteve importantes
sucessos no controle de doenças epidêmicas, conseguindo, inclusive, erradicar a febre amarela
da cidade do Rio de Janeiro.
Durante o período de predominância desse modelo, não havia, contudo, ações
públicas curativas, que ficavam reservadas aos serviços privados e à caridade. Somente a
partir da década de 30, há a estruturação básica do sistema público de saúde, que passa a
realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública. Criam-
se os Institutos de Previdência, os conhecidos IAPs, que ofereciam serviços de saúde de
caráter curativo. Alguns destes IAPs possuíam, inclusive, hospitais próprios. Tais serviços,
contudo, estavam limitados à categoria profissional ligada ao respectivo Instituto. A saúde
pública não era universalizada em sua dimensão curativa, restringindo-se a beneficiar os
trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência.
Ao longo do regime militar, os antigos Institutos de Aposentadoria e Pensão
(IAPs) foram unificados, com a criação do INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.
Vinculados ao INPS, foram criados o Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de
Urgência e a Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social. Todo
trabalhador urbano com carteira assinada era contribuinte e beneficiário do novo sistema,
tendo direito a atendimento na rede pública de saúde. No entanto, grande contingente da
população brasileira, que não integrava o mercado de trabalho formal, continuava excluído do
direito à saúde, ainda dependendo, como ocorria no século XIX, da caridade pública.
Com a redemocratização, intensificou-se o debate nacional sobre a
universalização dos serviços públicos de saúde. O momento culminante do “movimento
sanitarista” foi a Assembléia Constituinte, em que se deu a criação do Sistema Único de
Saúde. A Constituição Federal estabelece, no art. 196, que a saúde é “direito de todos e dever
do Estado”, além de instituir o “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”. A partir da Constituição Federal de 1988, a prestação
do serviço público de saúde não mais estaria restrita aos trabalhadores inseridos no mercado
formal. Todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser
titulares do direito à saúde.
Do ponto de vista federativo, a Constituição atribuiu competência para legislar
sobre proteção e defesa da saúde concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios
(CF/88, art. 24, XII, e 30, II). À União cabe o estabelecimento de normas gerais (art. 24, § 1º);
aos Estados, suplementar a legislação federal (art. 24, § 2º); e aos Municípios, legislar sobre
os assuntos de interesse local, podendo igualmente suplementar a legislação federal e a
estadual, no que couber (art. 30, I e II). No que tange ao aspecto administrativo, à
possibilidade de formular e executar políticas públicas de saúde, a Constituição atribuiu
competência comum à União, aos Estados e aos Municípios (art. 23, II). Os três entes que
compõem a federação brasileira podem formular e executar políticas de saúde.
Como todas as esferas de governo são competentes, impõe-se que haja cooperação
entre elas, tendo em vista o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito
nacional” (CF/88, art. 23, parágrafo único). A atribuição de competência comum
não significa, porém, que o propósito da Constituição seja a superposição entre a
atuação dos entes federados, como se todos detivessem competência irrestrita em
relação a todas as questões. Isso, inevitavelmente, acarretaria a ineficiência na prestação dos
serviços de saúde, com a mobilização de recursos federais, estaduais e municipais para
realizar as mesmas tarefas.
Logo após a entrada em vigor da Constituição Federal, em setembro de 1990, foi
aprovada a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90). A lei estabelece a estrutura e o modelo
operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. O
SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta. A
iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar. Entre as principais
atribuições do SUS, está a “formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção”
(art. 6º, VI).
A Lei nº 8.080/90, além de estruturar o SUS e de fixar suas atribuições,
estabelece os princípios pelos quais sua atuação deve se orientar, dentre os quais vale destacar
o da universalidade – por força do qual se garante a todas as pessoas o acesso às ações e
serviços de saúde disponíveis – e o da subsidiariedade e da municipalização, que procura
atribuir prioritariamente a responsabilidade aos Municípios na execução das políticas de
saúde em geral, e de distribuição de medicamentos em particular (art. 7 o , I e IX).
A Lei nº 8.080/90 procurou ainda definir o que cabe a cada um dos entes
federativos na matéria. À direção nacional do SUS, atribuiu a competência de “prestar
cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional” (art. 16, XIII), devendo
“promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios,
dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal” (art. 16,
XV).
À direção estadual do SUS, a Lei nº 8.080/90, em seu art.17, atribuiu as
competências de promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de
saúde, de lhes prestar apoio técnico e financeiro, e de executar ações e serviços de saúde.
Por fim, à direção municipal do SUS, incumbiu de planejar, organizar, controlar, gerir e
executar os serviços públicos de saúde (art. 18, I e III).
Como se observa, Estados e União Federal somente devem executar diretamente
políticas sanitárias de modo supletivo, suprindo eventuais ausências dos Municípios.
Trata-se de decorrência do princípio da descentralização administrativa.
A mesma lei disciplina ainda a participação dos três entes no financiamento do
sistema. Os temas do financiamento e da articulação entre os entes para a administração
econômica do sistema, porém, não serão objeto de exame neste estudo. Veja-se, portanto, que
o fato de um ente da Federação ser o responsável perante a população pelo fornecimento de
determinado bem não significa que lhe caiba custeá-lo sozinho ou isoladamente. Esta, porém,
será uma discussão diversa, a ser travada entre os entes da Federação, e não entre eles e os
cidadãos.
No que toca particularmente à distribuição de medicamentos, a competência de
União, Estados e Municípios não está explicitada nem na Constituição nem na Lei. A
definição de critérios para a repartição de competências é apenas esboçada em inúmeros atos
administrativos federais, estaduais e municipais, sendo o principal deles a Portaria nº
3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de
Medicamentos. De forma simplificada, os diferentes níveis federativos, em colaboração,
elaboram listas de medicamentos que serão adquiridos e fornecidos à população.
Ao gestor federal caberá a formulação da Política Nacional de
Medicamentos, o que envolve, além do auxílio aos gestores estaduais e municipais, a
elaboração da Relação Nacional de Medicamento (RENAME). Ao Município, por
seu turno, cabe definir a relação municipal de medicamentos essenciais, com base
na RENAME, e executar a assistência farmacêutica.
O propósito prioritário da atuação municipal é assegurar o suprimento de
medicamentos destinados à atenção básica à saúde, além de outros medicamentos essenciais
que estejam definidos no Plano Municipal de Saúde. O Município do Rio de Janeiro, por
exemplo, estabeleceu, através da Resolução SMS nº 1.048, de março de 2004, a
Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), instrumento técnico-normativo
que reúne todo o elenco de medicamentos padronizados usados pela Secretaria
Municipal de Saúde.
O papel do Poder Judiciário, em um Estado constitucional democrático, é o de
interpretar a Constituição e as leis, resguardando direitos e assegurando o respeito ao
ordenamento jurídico. Em muitas situações, caberá a juízes e tribunais o papel de construção
do sentido das normas jurídicas, notadamente quando esteja em questão a aplicação de
conceitos jurídicos indeterminados e de princípios.
Em inúmeros outros casos, será necessário efetuar a ponderação entre
direitos fundamentais e princípios constitucionais que entram em rota de colisão, hipóteses em
que os órgãos judiciais precisam proceder a concessões recíprocas entre normas ou fazer
escolhas fundamentadas.
CAPÍTULO III
AS POLÍTICAS DE SAÚDE VÃO AO TRIBUNAL – CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTOS CLÍNICOS.
No início do ano de 2006, o Ministério Público Federal no Estado do Ceará,
ingressou com ação junto a Justiça Federal no Estado do Ceará, pleiteando “a adoção de
medidas atinentes à solução definitiva da problemática da fila de espera das cirurgias eletivas
ortopédicas de alta complexidade, relativas aos hospitais HGF (Hospital Geral de Fortaleza) e
HUWC (Hospital Universitário Walter Cantídio)”.
O Ministério Público Federal, notadamente, faz um pedido bastante genérico: que
o Poder Judiciário obrigue o Poder Executivo (União, Estado do Ceará e Município de
Fortaleza) a solucionarem “definitivamente” a questão grave do longo tempo de espera nas
filas para cirurgias eletivas ortopédicas no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e também no
Hospital Universitário Walter Cantídio. Após pedir a condenação dos três entes demandados a
efetuarem, no máximo em 12 meses, “todas as cirurgias dos pacientes já cadastrados nas filas
de espera do Hospital Universitário Walter Cantídio e Hospital Geral de Fortaleza, sem
descurar das demais medidas médicas que deverão envolver o tratamento a ser dado a esses
pacientes”, o MPF especificou o que deveria ser praticado por cada um dos demandados, no
caso, União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza.
O Estado do Ceará e o Município de Fortaleza rebateram as alegações do
Ministério Público do Estado do Ceará, concentrando-se em alguns eixos: primeiro a) as
normas constitucionais que tratam da saúde pública são de eficácia programática; b) compete
exclusivamente ao Poder Executivo formular as políticas públicas; c) a intromissão do Poder
Judiciário, que decide casos específicos, compromete a implantação e efetividade da macro-
política pública; d) devem ser observadas a reserva do possível e as limitações orçamentárias
legalmente previstas.
A União por sua vez, fez uma longa digressão a respeito do princípio da separação
de Poderes do Estado, afirmando que uma decisão favorável ao pleito do MPF (Ministério
Público Federal) constituiria uma grave lesão ao princípio democrático e a própria República
em si. Aduziu ainda que as decisões judiciais que determinam a execução de política pública
não criam recursos financeiros nem podem levar à aplicação de verbas em fins diversos dos
previstos na lei orçamentária.
Para o juiz que analisou a questão, a apreciação judicial da pretensão à execução
de política pública de saúde não esbarra no princípio constitucional da separação dos poderes
e não implica em invasão, pelo Judiciário, do núcleo de discricionariedade reservado à
Administração no trato dos recursos públicos. Essa opinião representa uma amostra das
decisões recentemente dadas em matéria de concessão de medicamentos, onde segundo
cálculos do próprio STJ, quase 83,4% das ações envolvendo fornecimento de medicamentos
ou tratamentos clínicos, a decisão é favorável ao doente.
Seguindo o pensamento defendido pelo juiz do caso, se a norma jurídica deixa ao
administrador margem de liberdade para agir, não caberia ao Judiciário imiscuir-se nessa
atividade substituindo por sua própria vontade aquela do agente legitimamente eleito para
decidir quanto à conveniência e oportunidade da prática do ato ou de seu objeto.
Contudo, não se pode deixar de frisar que a atividade administrativa destina-se à
satisfação das necessidades e interesses públicos, bem como que a competência
discricionária18 só é atribuída ao administrador em razão da impossibilidade do legislador
prever previamente as soluções ideais para todos os casos concretos. Trata-se de expediente
normativo destinado a fazer com que a Administração melhor atenda à finalidade a que a
regra de direito se destina.
Daí por que, ainda que prevista na lei, se diante de um caso concreto houver uma
única solução possível de atender às necessidades ou interesses públicos, não remanescerá ao
administrador qualquer margem de liberdade. A competência discricionária que lhe foi
atribuída em tese deixará de subsistir em razão das peculiaridades da situação concreta. O
administrador não terá mais possibilidade de escolha sobre a prática ou não do ato ou sobre
18 Competência discricionária: Ato discricionário é aquele praticado com liberdade de escolha de seu conteúdo, do seu destinatário, tendo em vista a conveniência, a oportunidade e a forma de sua realização.Isso não significa que o ato discricionário, por dar uma certa margem de liberdade ao administrador, será realizado fora dos princípios da legalidade e moralidade, pelo contrário segue o mesmo parâmetro do ato vinculado.
seu objeto, tendo o dever de agir da única forma capaz de satisfazer os interesses coletivos
que a norma procura tutelar.
É o que o jurista Celso de Mello afirma em sua obra Discricionariedade e controle
jurisdicional (2000, pp. 36-37.) :
Com efeito, se a lei comporta a possibilidade de soluções diferentes, só pode ser porque pretende que se dê uma certa solução para um dado tipo de casos e outra solução para outra espécie de casos, de modo a que sempre seja adotada a decisão pertinente, adequada à fisionomia própria de cada situação, tendo em vista atender a finalidade que inspirou a regra de direito aplicanda. A existência de uma variedade de soluções comportadas em lei outorgadora de discrição evidentemente não significa que esta considere que todas estas soluções são igual e indiferentemente adequadas para todos os casos de sua aplicação. Significa, pelo contrário, que a lei considera que algumas delas são adequadas para alguns casos e que outras delas são adequadas para outros casos. Ora, em sendo verdadeira esta afirmação, em sendo corretas – como certamente o são – as lições de Guido Falzone, segundo quem existe um dever jurídico de boa Administração porque a norma só quer a solução excelente, se não for esta a adotada haverá pura e simplesmente violação da noram de Direito, o que enseja correção jurisdicional, dado que terá havido vício de legitimidade. Donde, perante eventos desta compostura, em despeito da discrição presumida na norma de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver eleito algum seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigos, a Adrministração terá desbordado da esfera discricionária, já que esta, no plano das relações jurídicas, só existe perante o caso concreto. Na regra de direito ela está prevista como uma possibilidade – não como uma certeza. A “admissão” de discricionariedade no plano da norma é condição necessária, mas não suficiente para que ocorra in concreto. Sua previsão na “estática” do Direito, não lhe assegura presença na “dinâmica do Direito. Para servimo-nos de expresões da filosofia aristotélico-tomista, a discricionariedade na regra de direito contém in potentia a discricionariedade in actu, mas nada mais que isto. (….) Logo, não bastará invocar a expressão legal enunciadora de conceito fluido ou que dá liberdade de fazer ou não fazer, ou que permite praticar o ato A, B ou C, para que o órgão controlador (interno ou externo) da legitimidade, seja o Judiciário, seja a Administração Pública, tenha que concluir que existe discrição e que, por isso, não pode ser examinado a fundo o ato, sob pena de estar-se entrando no mérito do ato administrativo. É que isto não é “mérito” do ato administrativo.
No Sudeste do País: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Segundo Fernanda Bassete, do Jornal Estado de São Paulo (BASSETE, 2011,
p.A24), em 4 anos , São Paulo simplesmente duplicou seus gastos com remédios por
determinação Judicial. Em 2007, o Estado gastou R$ 400 milhões para atender a 8 mil ações,
em 2010 foram gastos R$ 700 milhões para 25 mil ações.
Os itens mais pedidos são para atender doentes que sofrem de diabetes, que não
são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além desses, nos três principais estados
do País – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais –, medicamentos para asma e Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) lideram o ranking de ações na Justiça. Em geral para
tratamento de alguns tipos de câncer, como drogas para quimioterapria oral ou de doenças
raras.
Esse é o caso, citado pela jornalista, da empresária Francisca Bruzzi, de 50 anos
que precisou recorrer a Justiça para conseguir dar continuidade ao tratamento do marido,
Raimundo, de 61. Diagnosticado como mieloma múltiplo (um tipo de câncer na medula) em
2008, ele tentou vários tratamentos e passou por transplante de medula, mas nada deu certo. A
única alternativa para ele é o medicamento Revlimid19, que não é vendido no Brasil e custa
cerca de R$ 16,5 mil - preço de uma caixa com 30 comprimidos.
O Estado forneceu a ele o remédio similar, chamado Lenalid, que tem o mesmo
princípio ativo do de marca (lenalidomida). Teoricamente, ele oferece os mesmos efeitos ao
paciente e custa R$ 790,00 – 5% do valor do remédio de marca. Segundo a esposa do senhor
Raimundo, dona Francisca, a médica do seu esposo disse que não recomenda o consumo de
um remédio sem comprovação científica da sua eficácia. Por isso, o Sr. Raimundo está sem
receber tratamento.
Apesar disso, o Secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri, diz que a secretaria
recorre as drogas genéricas ou similares quando o juiz não especifica na decisão o nome do
medicamento de marca e sim o princípio ativo. O hematologista Celso Massumoto, da
Associação brasileira de Linfoma e Leucemia, diz que os médicos costumam receitar o
remédio de marca, muitas vezes motivados por laboratórios, mas que a maior dificuldade é o
preço. Em geral, os laboratórios costumam seguir exigências internacionais, mas os genéricos
produzidos em países como Índia, possuem o mesmo princípio ativo.
E não é só a lenalidomida que apresenta versões similares ou genéricas. Segundo
dados da secretaria, há 118 ações para fornecimento de anastrazol – droga usada no
19 Revmilid é utilizado para tratar doentes adultos aos quais tenha sido diagnosticado mieloma múltiplo. Mieloma múltiplo é um tipo de cancro do sangue que afecta os glóbulos brancos que produzem anticorpos.
tratamento de câncer de mama. Em 95 delas, o Estado fornece a versão genérica e para as
outras 13, entrega a droga de referência (Arimidex)20. A mesma coisa também tem acontecido
com 131 ações que pedem o medicamento letrozol21 – também para câncer de mama. Em 116
casos, o Estado fornece a droga genérica; nas 15 restantes, entrega a versão de marca
(Femara)
Ainda segundo a reportagem do Jornal Estado de São Paulo, a aposentada Alda
Scurzio Mantovani, de 70 anos, trata um câncer de mama e também foi à Justiça. Por dois
anos, ela comprou o remédio que custava cerca de R$ 500,00 por mês. Mas foi a Justiça
quando se endividou. Alda precisava do Arimidex mas recebeu a versão genérica do Estado.
“algumas vezes me peguei pensando: será que esse remédio tem o mesmo efeito do de marca?
Fiquei com dúvida, porque o câncer é uma doença muito difícil, mas o meu médico me
tranquilizou, diz” (BASSETE, 2011, p.A24).
Pacientes que sofrem com doenças raras reclamam principalmente da demora para
o fornecimento de medicamentos. A associação Brasileira de Hemoglobinuria Paroxística
Noturna22 afirma que 16 pacientes já receberam liminares ou sentenças que garantem o acesso
a um remédio essencial para o tratamento, mas ainda aguardam o fornecimento do Estado.
A doença afeta 1 a cada 100 mil pessoas e é hereditária. Causa uma anemia
crônica e aumenta as chances de trombose. Fernanda Tavares, advogada que atende a
ABHPN, afirma que alguns pacientes demoram mais de 60 dias para receber o remédio –
prazo concedido para a secretaria cumprir a decisão. Em nota, a secretaria critica a “enxurrada
de decisões judiciárias obrigando o governo a comprar medicamentos não padronizados,
alguns sem registro (BASSETE, 2011, p.A24).
Como dito, geralmente, os médicos receitam os medicamentos de marca, muitas
20 Arimidex é um potente inibidor não-hormonal da aromatase e altamente seletivo para mulheres em tratamento contra o câncer de mama. Seu valor fica em torno de R$ 690,00, por uma caixa com 28 comprimidos. 21 Letrozol, versão genérica do medicamento Femara. Utilizado no combate ao Câncer de mama pós-menopausa. O preço da versão de marca Femara pode chegar a R$ 530,00 por uma caixa com 25 comprimidos. A versão genérica Letrozol se apresenta com o preçø de até R$ 200,00, por uma caixa com 28 comprimidos. 22 Hemoglobinúria paroxística noturna (ou HPN) é uma anemia hemolítica crônica causada por um defeito na membrana das hemácias. Caracterizada pela presença de hemácias na urina (hematúria). O termo noturno se refere a crença de que a hemólise era causada pela acidose que ocorre durante o sono mas a hemólise ocorre continuamente. Esta doença rara atinge igualmente ambos os sexos.
vezes motivados por laboratórios. Ao Estado é facultado conceder o genérico, contudo, alguns
juízes determinam em suas sentenças até mesmo que apenas o remédio de marca pode ser
concedido.
Os gêmeos Aurélio e Rômulo Galina nasceram em 1978, prematuros. Na
maternidade, receberam sangue para contornar os riscos da gestação interrompida aos sete
meses. Sem exames preliminares, o material doado fez com que os dois contraíssem o vírus
da hepatite C. Por ser uma doença assintomática, ela só foi diagnosticada mais de 20 anos
depois, durante uma doação de sangue. Segundo os irmãos Galina, para conviver com o
problema, acima de tudo, é preciso dinheiro. Em média, os tratamentos para a hepatite C
exigem um gasto anual de 150 mil reais.
Segundo Aurélio falando ao Portal IG: “Conseguir medicamentos por ação
judicial no Brasil é uma questão de sorte”, diz Aurélio, hoje advogado, especializado na área.
Ele revela que começou a focar sua atuação profissional nesse tipo de caso logo após
descobrir a doença e entender a burocracia necessária para obter tratamento. (MACHADO,
2012, online)
Por um ano, ele e o irmão tiveram acesso aos remédios específicos, custeados pela
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Entretanto, sem a resposta esperada, foi preciso
mudar a medicação. Ao solicitarem a alteração prescrita pelo médico, foram informados que
tal medicamento só era concedido aos pacientes que nunca haviam recebido tratamento. O
processo exigiu ação contra a Secretaria da Saúde para reverter e garantir a medicação – que,
em média, pode demorar 30 dias para ser aprovada ou não. Em alguns casos, é preciso expedir
um Mandado de Segurança. Nele, a resposta não deve ultrapassar 48 horas.
A falta de critérios também abala os cofres públicos, já que muitos juízes não
dispõe de meios adequados ou suficiente conhecimento para avaliar a necessidade de
concessão do medicamento em questão. Vânia Saerma Rabello, assessora-chefe da Assessoria
Técnica da Secretaria da Saúde de Minas Gerais, alega que, em seu Estado, a maioria das
ações são aprovadas pelos juízes.
“Quando o assunto é saúde e tem risco de vida, é muito difícil de um juiz ser
contrário. Ele não tem embasamento técnico para avaliar corretamente. Na dúvida, a maioria
aprova. Em casos de pacientes exigindo medicamentos para câncer, por exemplo,
praticamente não há indeferimento. De janeiro a agosto de 2009 já gastamos 35 milhões para
subsidiar medicamentos.”
A Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo revela que atende
atualmente a 24,3 mil ações judiciais para distribuição de medicamentos padronizados e não
padronizados pelo Ministério da Saúde para entrega na rede pública, com gasto de 57 milhões
por mês. E atende a 17,9 mil pedidos administrativos, com gasto mensal de 30,8 milhões.
Em 2009 foram ajuizadas 4.588 ações novas contra o Estado do Rio de Janeiro no
âmbito da saúde. Em 2007, foram gastos nove milhões de reais na compra de medicamentos e
serviços com intuito de cumprir as decisões judiciais. Em 2009 esse gasto aumentou para 50
milhões.
Entre 2003 e 2009, o Ministério da Saúde respondeu a 5.323 processos judiciais
com solicitações de medicamentos, o que representou um gasto de 159,03 milhões de reais.
Os 5.323 processos de ações judiciais com solicitações de remédios se referem a 1.151
medicamentos – do total são 1.116 fabricados no país e 35 importados. Em 2009, o Ministério
da Saúde investiu 83,16 milhões na compra desses medicamentos– 78,4% desse valor foi para
aquisição dos 35 remédios importados. Na esfera federal, os gastos com demandas judiciais
também aumentaram.
O Ministério da Saúde afirmou em janeiro de 2013 por meio de sua Assessoria de
Imprensa, que, entre 2003 e 2011, o gasto com pedidos de medicamentos cresceu 142 mil
vezes. "O aumento das ações judiciais se dá ano a ano por diversos fatores. Entre eles está o
fato de aumentar, a cada ano, o número de novos medicamentos e tratamentos no mercado, o
que expande a demanda. Além disso, está crescendo a cultura da judicialização", declarou em
nota.
Para diminuir os abalos financeiros e tentar conter as incoerências, a capital
fluminense criou o Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde. Uma cooperação entre
a Secretaria da Saúde e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A proposta foi de
dar subsídios técnicos aos juízes nas ações para fornecimento de medicamentos, insumos para
saúde, alimentos e tratamentos médicos.
As incoerências se transformam em aberrações em determinadas cidades do
Brasil. A Defensoria Pública de Santa Cataria revela que nos últimos anos, o atendimento
básico de saúde do Estado não recebeu nenhum investimento. Medicamentos já assimilados
pela Secretaria de Saúde de São Paulo, e incorporado ao SUS nessa região, ainda são motivos
de ações judiciais na região sul. (MACHADO, 2012, online)
Em 2009, Florianópolis protocolou 1600 novos casos de ações por medicamento.
A Defensoria atende a população carente, com renda de até 1500 reais mensais. Segundo
Oliveira, o número é crescente porque a informação chega às comunidades. Segundo o
Defensor Público Gabriel Oliveira “Antigamente só os mais ricos sabiam como reivindicar os
direitos. Hoje, as famílias mais pobres começaram a recorrer também".
O lobby de empresas farmacêuticas, ações judiciais para exigir uma determinada
marca de um medicamento disponível nos postos de saúde são alertas recorrentes dos órgãos
públicos e justificativa para que muitas ações não sejam aprovadas.
Para Ana Luiz Chieffi (2010, p.44), em trabalho que analisou várias ações de
concessão de medicamentos, há na verdade, uma verdadeira estratégia da indústria
farmacêutica que se utiliza das ações judiciais para introduzir e vender novos medicamentos.
Segundo Chieffi, O lobby da indústria e do comércio de produtos farmacêuticos com
associações de portadores de doenças crônicas e o intenso trabalho de propaganda com os
médicos fazem com que tanto os usuários quanto os prescritores passem a considerar
imprescindível o uso de medicamentos novos. Em regra, esses produtos são de altíssimo
custo, mas nem sempre são mais eficazes que outros de custo inferior, indicados para a
mesma doença
No Brasil, o medicamento só pode ser comercializado após a aprovação do
registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, sua
aprovação não signifi ca que será incorporado aos programas de assistência farmacêutica do
SUS. O poder público defi ne em seus programas os medicamentos para tratamento das
doenças, com base em critérios aceitos cientificamente, pois esses medicamentos serão
utilizados por milhões de brasileiros; dessa maneira, é primordial ofertar à população
medicamentos seguros, efi cazes, eficientes e custo-efetivos.
Grande parte da demanda judicial solicita medicamentos não incorporados pelo
SUS, isto é, que não têm sua distribuição prevista por algum dos programas de assistência
farmacêutica. Entretanto, existem casos em que o tratamento da doença, para o qual o
medicamento está sendo solicitado, está previsto e normatizado com a oferta de alternativas
terapêuticas. A interpretação do direito universal à saúde e da responsabilidade do Estado em
garanti-lo, bem como dos princípios constitucionais da universalidade e integralidade, têm
sido utilizados para justificar as demandas judiciais para a obtenção de medicamentos e outros
procedimentos médicos quando estes não estão programaticamente padronizados pelo SUS.
A corrupção na área da saúde, entretanto, na visão do defensor público Gabriel
Oliveira em entrevista ao portal IG, não pode mascarar um problema crônico de acesso.
“Impedir que um cidadão consiga um medicamento para tratar um câncer linfático, o mesmo
que curou a Presidente eleita Dilma Rousseff, depende do Estado onde ele mora, de ação na
Justiça e da sorte de seu processo cair nas mãos do juiz certo, ou no mínimo, mais flexível.”
É o que afirma WEICHERT, citado por Wanderley (2011, p.88)
Vale dizer, o cidadão tem o direito a tratamento para qualquer patologia, ainda que de extrema complexidade e de elevado custo. (...) No caso da rede do SUS, porém, a integralidade é princípio constitucional e fundamenta, inclusive, a obrigação do poder público oferecer serviços em todas as especialidades e complexidades, mesmo quando não rotineiramente incluídas na sua lista de serviços. Não pode o Poder Público deixar de prestar adequado atendimento, ainda que se trate de mal raro. A integralidade de atendimento compreende, ainda, a obrigação do Poder Público fornecer medicamentos e correlatos, mesmo a pacientes não internados, na linha do vetor da prevenção estipulado no inciso II do artigo 198. evidente, porém, que apenas medicamentos devidamente registrados nos órgãos nacionais de vigilância sanitária devem ser fornecidos. Por outro lado, há parcial discricionariedade do Poder Público para definir, dentre os vários remédios disponíveis no mercado, os mais eficazes e compatíveis com as patologias tratadas. Essa discricionariedade, todavia, não permite a recusa em fornecer produtos caros ou específicos para certas moléstias raras.
Quando alguém necessita de cuidados médicos e recorre ao SUS, geralmente
procura uma unidade de saúde municipal, ou posto de saúde. Essa unidade tem o dever de
prestar o atendimento e de fornecer os medicamentos receitados. Se o Município não puder
prestar o serviço cabível, tendo em vista as obrigatoriedades assumidas, nos termos de seu
nível de inserção ao SUS, o que está definido na política estadual, ou não contar com o
medicamento exigível, deve encaminhar o paciente ao Estado ou requisitar, do Estado, o
medicamento. (MURARO, 2008, online)
O SUS é financiado pela União, estados-membros, Distrito Federal e municípios,
e é solidária responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de
saúde que devem ser prestados em favor da população, consoante o expresso no artigo 23, II
da CF/88, ainda que exista hierarquia interna na divisão de responsabilidades, em especial no
tocante à dispensação dos medicamentos.
A implantação das políticas sociais que concretizam os direitos desta natureza
carecem de recursos que, na realidade, são escassos. As necessidades são crescentes e os
recursos, escassos; surge o problema da escolha de quais casos serão atendidos. Quem vai a
juízo com uma pretensão, exercendo direito de ação, não busca meramente uma decisão
judicial, mas sim um efeito fático-jurídico concreto. A pretensão relativa a um medicamento
ou tratamento não terá seu direito atendido com uma mera declaração judicial acerca de sua
existência.
Qualquer dos meios de coerção utilizados pelo Direito para obrigar o agente
público a fornecer o medicamento requerido apresenta problemas sérios frente ao Estado. A
pena pelo crime de desobediência a uma decisão judicial, encontra grave óbice na
consideração de que a falta de recursos não pode ser diretamente imputada ao administrador e
a escolha de atendimento de um caso em detrimento de outro se encontra em um nebuloso
campo próximo ao mérito administrativo.
No que tange aos medicamentos e tratamentos de alto custo, existem correntes
doutrinárias afirmando que não pode haver o fornecimento de um medicamento ou tratamento
de alto custo em detrimento de outros pacientes que não têm acesso a tratamentos tão
onerosos. As negativas da satisfação do direito à saúde também se justificam com base apenas
na teoria da reserva do possível e nos princípios da competência parlamentar em matéria
orçamentária, e no da separação dos poderes.
A Constituição de 1988 e a política pública de fornecimento de medicamentos e
tratamentos clínicos do SUS.
A Constituição de 1988 representou sob diversos aspectos um divisor de águas na
história do país, e um dos mais destacados é o da assistência pública à saúde. O tema, ausente
das Constituições anteriores, foi incluído e tratado com princípios muito claros:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.
Segundo tais princípios foi concebido e criado o Sistema Único de Saúde (SUS),
regulado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, complementada pela Lei nº 8.142, de
28 de dezembro de 1990, chamadas conjuntamente de leis orgânicas da saúde. O capítulo II
da Lei nº 8.080/90 trata dos princípios e diretrizes do SUS:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Entre os princípios do SUS, está o da integralidade da assistência, que pode ser
compreendida como o conjunto articulado de ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do
sistema (MACHADO, 2010, online) . Da mesma forma, os princípios do SUS advogam,
ainda, a igualdade da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Por
sua vez, o fornecimento de medicamentos aos beneficiários do SUS está previsto no art. 6o da
Lei nº 8.080/90:
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):1 I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Como já dito, a integralidade da assistência é um dos princípios basilares do SUS.
O medicamento não deve ser concebido isoladamente, mas como um dos componentes do
tratamento. É, contudo, um componente essencial cuja disponibilidade para os pacientes
necessita ser garantida.
Para garantir esse fornecimento de medicamentos, há uma verdadeira teia com
diversas leis e portarias que são dispostas de forma sistêmica a fim de abarcar várias situações
possíveis, desde a produção de medicamentos, seleção de medicamentos a serem utilizados
pelo SUS, financiamento de medicamentos, até a prescrição e dispensação de medicamentos.
Quanto a produção e seleção de medicamentos a serem empregados pelo SUS,
temos inicialmente a Portaria GM nº 374 de 28 de fevereiro de 2008, que institui no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa Nacional de Fomento à Produção Pública e
Inovação no Complexo Industrial da Saúde; assim como, a Portaria nº 2.012, de 24 de
setembro de 2008 que aprova a 6ª Edição da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais -
Rename. Temos também a portaria nº 1.254, de 29 de julho de 2005 que Constitui a Comissão
Técnica e Multidisciplinar de atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais –
Rename.
Quanto a aquisição de medicamentos pelo SUS e possivelmente, uma das leis que
mais no interesse quanto a esse trabalho, porque delimita os limites orçamentários para a
compra de medicamentos e os prazos licitatórios para que isto aconteça, temos a Lei nº 8.666,
de 21 de junho de 1993 que regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,
institui normas para licitações e contratos da Administração Pública; temos também, Portaria
nº 2.583, de 10 de outubro de 2007 que define elenco de medicamentos e insumos
disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, nos termos da Lei nº 11.347/2006, aos
usuários portadores de Diabetes Mellitus23.
Junte-se a estas normas a Portaria nº 1.818, de 02 de dezembro de 1997 que
recomenda que nas compras e licitações públicas de produtos farmacêuticos realizadas nos
níveis federal estadual e municipal pelos serviços governamentais, conveniadas e contratados
pelo SUS, sejam incluidas exigências sobre requisitos de qualidade a serem cumpridas pelos
fabricantes e fornecedores desses produtos.
Quanto a prescrição e dispensação de medicamentos, devemos citar a Resolução
23 Esse dado é interessante, visto que essa norma foi publicada em 2007, momento em que as ações envolvendo medicamentos passaram a ter mais visibilidade e se refere a doença Diabetes Mellitus. Segundo Fernanda Bassete em matéria publicada pelo Jornal o Estado de São Paulo dia 03 de dezembro de 2011, página A24, os itens mais pedidos são para diabetes, que não são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além de remédios de alto custo – em geral para tratamento de alguns tipos de câncer, como drogas para quimioterapria oral ou de doenças raras.
nº 480, de 23 de setembro de 1999 que publicou a atualização das listas de substâncias
sujeitas a controle especial (anexo I) em acordo com o artigo 101 do Regulamento Técnico
aprovado pelas Portaria SVS/MS 344, de 12 de maio de 1998, republicado no Diário Oficial
da União (D.O.U) de 01 de fevereiro de 1999. Cite-se também a Portaria nº 344, de 12 de
maio de 1998 que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos
a controle especial.
Além disso, quanto ao financiamento de medicamentos, temos a Portaria nº 1.928,
de 17 de setembro de 2008 que altera os dados populacionais dos Municípios brasileiros
discriminados no Anexo III da Portaria nº 3.237/GM, de 24 de dezembro de 2007, referente
aos recursos financeiros do Componente Básico da Assistência Farmacêutica; temos também
a Portaria nº 362, de 27 de fevereiro de 2008 que aprova incentivo financeiro para apoio as
ações de assistência farmacêutica no âmbito do Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde - PRÓ-SAÚDE.
Junte-se a estas, a Portaria nº 3.237, de 25 de dezembro de 2007 que aprova as
normas de execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica em
saúde; assim como a Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007 que regulamenta o
financiamento e a transferência dos recursos federais para as ações e os serviços de saúde, na
forma de blocos de financiamento, com o respectivo monitoramento e controle.
Quanto a política de medicamentos e assistência farmacêutica, temos a Portaria nº
2.577, de 27 de outubro de 2006 que aprova o Componente de Medicamentos de Dispensação
Excepcional como parte da Política Nacional de Assistência Farmacêutica do Sistema Único
de Saúde; temos também a Portaria nº 816, de 31 de maio de 2005 que constitui o Comitê
Gestor Nacional de Protocolos de Assistência, Diretrizes Terapêuticas e incorporação
Tecnológica em Saúde, e dá outras providências. Junte-se a estas, a Resolução nº 338, de 06
de maio de 2004 que aprova a Política Nacional de Assistência Farmacêutica; a Portaria nº
3.916, de 30 de outubro de 1998 que aprova a Política Nacional de Medicamentos.
Por fim, quanto ao uso racional de medicamentos, temos a Portaria nº 2, de 01 de
fevereiro de 2008 que aprova o Regimento Interno do Comitê Nacional para a promoção do
Uso Racional de Medicamentos; temos também a Portaria nº 1.555, de 27 de junho de 2007
que institui o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos.
Nota-se que a política pública de distribuição de medicamentos existente no
Brasil, se encontra fundamentada em um sólido sistema de portarias e resoluções.
Inicialmente, de acordo com a Portaria nº 204/GM, de 29 de janeiro de 2007 temos que:
1) o financiamento das ações e serviços de saúde é de responsabilidade das três
esferas de gestão do SUS;
2) os recursos federais destinados às ações e aos serviços de saúde são
organizados e transferidos na forma de blocos de financiamento, a saber: I - Atenção Básica;
II - Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar; III - Vigilância em
Saúde; IV - Assistência Farmacêutica; e V - Gestão do SUS. Ao tratar especificamente da
assistência farmacêutica, a portaria dispõe:
Art. 24. O bloco de financiamento para a Assistência Farmacêutica será constituído por três componentes: I - Componente Básico da Assistência Farmacêutica; II - Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica; e III - Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Art. 25. O Componente Básico da Assistência Farmacêutica destina-se à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica no âmbito da atenção básica em saúde e àqueles relacionados a agravos e programas de saúde específicos, no âmbito da atenção básica. § 1º O Componente Básico da Assistência Farmacêutica é composto de uma Parte Financeira Fixa e de uma Parte Financeira Variável. § 2º A Parte Financeira Fixa do Componente Básico da Assistência Farmacêutica consiste em um valor per capita, destinado à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica em atenção básica, transferido aos Estados, ao Distrito Federal e (ou) Municípios, conforme pactuação nas Comissões Intergestores Bipartite - CIB. § 3º Os gestores estaduais e municipais devem compor o financiamento da Parte Fixa do Componente Básico, como contrapartida, em recursos financeiros, medicamentos ou insumos, conforme pactuação na CIB e normatização da Política de Assistência Farmacêutica vigente. § 4º A Parte Financeira Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica consiste em valores per capita, destinados à aquisição de medicamentos e insumos da assistência farmacêutica dos Programas de Hipertensão e Diabetes, Asma e Rinite, Saúde Mental, Saúde da Mulher, Alimentação e Nutrição e Combate ao Tabagismo. § 5º Os recursos da Parte Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica referentes a medicamentos para os Programas de Asma e Rinite, Hipertensão e Diabetes, devem ser descentralizados para Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme pactuação na Comissão Intergestores Bipartite. § 6º Os demais recursos da Parte Variável do Componente Básico da Assistência Farmacêutica poderão ser executados centralizadamente pelo Ministério da Saúde ou descentralizados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, conforme
pactuação na Comissão Intergestores Tripartite e, posteriormente, nas Comissões Intergestores Bipartite, mediante a implementação e a organização dos serviços previstos nesses programas. § 7º Os recursos destinados ao medicamento Insulina Humana, do grupo de medicamentos do Programa Hipertensão e Diabetes, serão executado centralizadamente pelo Ministério da Saúde, conforme pactuação na CIT. Art. 26. O Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica destinase ao financiamento de ações de assistência farmacêutica dos seguintes programas de saúde estratégicos: I - controle de endemias, tais como a tuberculose, a hanseníase, a malária, a leishmaniose, a doença de chagas e outras doenças endêmicas de abrangência nacional ou regional; II - anti-retrovirais do programa DST/Aids; III - sangue e hemoderivados; e IV - imunobiológicos. Art. 27. O Componente Medicamentos de Dispensação Excepcional –CMDE destina-se ao financiamento de Medicamentos de Dispensação Excepcional, para aquisição e distribuição do grupo de medicamentos, conforme critérios estabelecidos em portaria específica. § 1º O financiamento para aquisição dos medicamentos do Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional é de responsabilidade do Ministério da Saúde e dos Estados, conforme pactuação na Comissão Intergestores Tripartite - CIT. § 2º Os recursos do Ministério da Saúde aplicados no financiamento do CMDE terão como base a emissão e aprovação das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo – APAC, emitidas pelos gestores estaduais, vinculadas à efetiva dispensação do medicamento e de acordo com os critérios técnicos definidos na Portaria nº 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006. § 3º Trimestralmente, o Ministério da Saúde publicará portaria com os valores a serem transferidos mensalmente às Secretarias Estaduais de Saúde, apurados com base na média trimestral das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Alto Custo – APAC, emitidas e aprovadas conforme critérios e valores de referência indicados para o Grupo 36 da Tabela SIA/SUS.
Em princípio, o SUS deve ser capaz de fornecer medicamentos de forma gratuita
para todas as pessoas. Contudo, diante da dificuldade para que essa meta se concretize, outras
medidas foram tomadas no âmbito das políticas públicas, como a criação do Programa
“Farmácia Popular do Brasil, mediante o Decreto nº 5.090, de 20 de maio de 2004:
Art. 1o Fica instituído o Programa "Farmácia Popular do Brasil", que visa a disponibilização de medicamentos, nos termos da Lei no 10.858, de 13 de abril de 2004, em municípios e regiões do território nacional. § 1o A disponibilização de medicamentos a que se refere o caput será efetivada em farmácias populares, por intermédio de convênios firmados com Estados, Distrito Federal, Municípios e hospitais filantrópicos, bem como em rede privada de farmácias e drogarias. § 2oEm se tratando de disponibilização por intermédio da rede privada de farmácia e drogarias, o preço do medicamento será subsidiado. Art. 2oA Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ será a executora das ações inerentes à aquisição, estocagem, comercialização e dispensação dos medicamentos, podendo para tanto firmar convênios com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sob a supervisão direta e imediata do Ministério da Saúde. Parágrafo único. O Ministério da Saúde poderá firmar convênio com entidades
públicas e privadas, visando à instalação e implantação de novos serviços de disponibilização de medicamentos e insumos, mediante ressarcimento, tão-somente, de seus custos de produção ou aquisição. Art. 3o O rol de medicamentos a ser disponibilizado em decorrência da execução do Programa "Farmácia Popular do Brasil" será definido pelo Ministério da Saúde, considerando-se as evidências epidemiológicas e prevalências de doenças e agravos. Art. 4o O Programa "Farmácia Popular do Brasil" será executado sem prejuízo do abastecimento da rede pública nacional do Sistema Único de Saúde - SUS.
Segundo dados do portal do Ministério da Saúde, o programa Farmácia Popular
do Brasil começou em 2004 com apenas 27 unidades e hoje conta com 529 unidades.
Como se pode antever, o principal fator limitante dos sistemas de saúde em todo o
mundo é sem sombra de dúvida o orçamentário. A descoberta de novos tratamentos e drogas,
a sofisticação dos procedimentos, a criação de novos exames, o envelhecimento populacional,
o alto preço dos medicamentos sob proteção patentária, todos fatores somam-se para criar
uma espiral ascendente de custos, e cada país lança mão dos meios disponíveis para suprir as
necessidades de seus cidadãos.
O que percebemos em nossa pesquisa, é que enquanto Política de Saúde Pública, o
SUS se apresenta com alternativas viáveis, buscando atender a população dentro dos limites
orçamentários que possui. O que nos fez concluir que as ações pleiteando o fornecimento de
medicamentos constituem exceções, instigadas pela omissão do Poder Público em legislar ou
expandir a política de saúde pública a fim de abarcar situações ainda sem o amparo que
necessita.
A questão é sem dúvida, bem grave, complexa e com capacidade de gerar ainda
muitas discussões e conflitos. O SUS, apesar de todo o arcabouço que possui para amparar os
cidadãos e dos avanços nos últimos anos, apresenta falhas e por vezes, é golpeado pela
corrupção e pelo descaso.
Podemos analisar o fenômeno por duas óticas então: por uma ótica micro, pontual
relativa a casos individuais e outra macro referente a problemas de natureza estrutural e geral.
A questão é controversa porque envolve princípios e direitos fundamentais, como
dignidade da pessoa humana, vida e saúde. Disso resultam duas consequências relevantes. A
primeira: como cláusulas gerais que são, comportam uma multiplicidade de sentidos possíveis
e podem ser realizados por meio de diferentes atos de concretização. Em segundo lugar,
podem eles entrar em rota de colisão entre si. A extração de deveres jurídicos a partir de
normas dessa natureza e estrutura deve ter como cenário principal as hipóteses de omissão dos
Poderes Públicos ou de ação que contravenha a Constituição. Ou, ainda, de não atendimento
do mínimo existencial.
Para Barroso (2009, p.67), o controle jurisdicional em matéria de entrega de
medicamentos deve ter por fundamento, como todo controle jurisdicional, uma norma
jurídica, fruto da deliberação democrática. Assim, se uma política pública, ou qualquer
decisão nessa matéria, é determinada de forma específica pela Constituição ou por leis
válidas, a ação administrativa correspondente poderá ser objeto de controle jurisdicional como
parte do natural ofício do magistrado de aplicar a lei. Também será legítima a utilização de
fundamentos morais ou técnicos, quando seja possível formular um juízo de certo/errado
em face das decisões dos poderes públicos.
A normatividade e a efetividade das disposições constitucionais estabeleceram
novos patamares para o constitucionalismo no Brasil e propiciaram uma virada
jurisprudencial que é celebrada como uma importante conquista. Em muitas situações
envolvendo direitos sociais, direito à saúde e mesmo fornecimento de medicamentos, o
Judiciário poderá e deverá intervir. Tal constatação, todavia, não torna tal intervenção imune a
objeções diversas, sobretudo quando excessivamente invasiva da deliberação dos outros
Poderes. De fato, existe um conjunto variado de críticas ao ativismo judicial nessa matéria,
algumas delas dotadas de seriedade e consistência.
A primeira e mais freqüente crítica oposta à jurisprudência brasileira se apóia na
circunstância de a norma constitucional aplicável estar positivada na forma de norma
programática. O artigo 196 da Constituição Federal deixa claro que a garantia do direito à
saúde se dará por meio de políticas sociais e econômicas, não através de decisões judiciais. A
possibilidade de o Poder Judiciário concretizar, independentemente de mediação legislativa, o
direito à saúde encontra forte obstáculo no modo de positivação do artigo 196, que claramente
defere a tarefa aos órgãos executores de políticas públicas.
Talvez a crítica mais freqüente seja a financeira, formulada sob a denominação de
“reserva do possível”. Os recursos públicos seriam insuficientes para atender às necessidades
sociais, impondo ao Estado sempre a tomada de decisões difíceis. Investir recursos em
determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros. De fato, o orçamento
apresenta-se, em regra, aquém da demanda social por efetivação de direitos, sejam
individuais, sejam sociais.
Em diversos julgados mais antigos, essa linha de argumentação predominava. Em
1994, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao negar a concessão de medida
cautelar a paciente portador de insuficiência renal, alegou o alto custo do medicamento, a
impossibilidade de privilegiar um doente em detrimento de outros, bem como a
impropriedade de o Judiciário “imiscuir-se na política de administração pública”.
Mais recentemente, vem se tornando recorrente a objeção de que as decisões
judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização da Administração Pública.
São comuns, por exemplo, programas de atendimentos integral, no âmbito dos quais, além de
medicamentos, os pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico.
Quando há alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de
medicamentos, freqüentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um
paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual que obteve a
decisão favorável (CHIEFFI, 2010, p.51). Tais decisões privariam a Administração da
capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência administrativa no atendimento ao
cidadão. Cada uma das decisões pode atender às necessidades imediatas do jurisdicionado,
mas, globalmente, impediria a otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção
da saúde pública.
No contexto da análise econômica do direito, costuma-se objetar que o benefício
auferido pela população com a distribuição de medicamentos é significativamente
menor que aquele que seria obtido caso os mesmos recursos fossem investidos em outras
políticas de saúde pública, como é o caso, por exemplo, das políticas de saneamento básico e
de construção de redes de água potável 52 . Em 2007, por exemplo, no Estado do Rio de
Janeiro, já foram gastos com os programas de Assistência Farmacêutica R$240.621.568,00 –
cifra bastante superior aos R$102.960.276,00 que foram investidos em saneamento
básico.
Tal opção não se justificaria, pois se sabe que esta política é significativamente
mais efetiva que aquela no que toca à promoção da saúde. Na verdade, a jurisprudência
brasileira sobre concessão de medicamentos se apoiaria numa abordagem individualista dos
problemas sociais, quando uma gestão eficiente dos escassos recursos públicos deve ser
concebida como política social, sempre orientada pela avaliação de custos e benefícios As
políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e
sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implantação dessas
políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem
seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial.
Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de
medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se
aprofundaria pela circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em
programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais, proferidas, em sua
grande maioria, em benefício da classe média.
O primeiro parâmetro que parece consistente elaborar é o que circunscreve
a atuação do Judiciário – no âmbito de ações individuais – a efetivar a realização das opções
já formuladas pelos entes federativos e veiculadas nas listas de medicamentos referidas acima.
Veja-se que o artigo 196 da Constituição Federal associa a garantia do direito à saúde a
políticas sociais e econômicas, até para que seja possível assegurar a universalidade das
prestações e preservar a isonomia no atendimento aos cidadãos, independentemente de
seu acesso maior ou menor ao Poder Judiciário. Presume-se que Legislativo e Executivo, ao
elaborarem as listas referidas, avaliaram, em primeiro lugar, as necessidades prioritárias a
serem supridas e os recursos disponíveis, a partir da visão global que detêm de tais
fenômenos. E, além disso, avaliaram também os aspectos técnico-médicos envolvidos na
eficácia e emprego dos medicamentos.
A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender a todas as
necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões
difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em
outros. A decisão judicial que determina a dispensação de medicamento que não consta das
listas em questão enfrenta todo esse conjunto de argumentos jurídicos e práticos.
Essa mesma orientação predominou no Superior Tribunal de Justiça, em ação na
qual se requeria a distribuição de medicamentos fora da lista. Segundo o Ministro Nilson
Naves, havendo uma política nacional de distribuição gratuita, a decisão que obriga a
fornecer qualquer espécie de substância fere a independência entre os Poderes e
não atende a critérios técnico-científicos. A princípio, não poderia haver interferência
casuística do Judiciário na distribuição de medicamentos que estejam fora da lista. Se os
órgãos governamentais específicos já estabeleceram determinadas políticas públicas e
delimitaram, com base em estudos técnicos, as substâncias próprias para fornecimento
gratuito, não seria razoável a ingerência recorrente do Judiciário.
Um dos fundamentos para o primeiro parâmetro proposto acima, como referido, é
a presunção – legítima, considerando a separação de Poderes – de que os Poderes Públicos, ao
elaborarem as listas de medicamentos a serem dispensados, fizeram uma avaliação
adequada das necessidades prioritárias, dos recursos disponíveis e da eficácia dos
medicamentos. Essa presunção, por natural, não é absoluta ou inteiramente infensa a revisão
judicial. Embora não caiba ao Judiciário refazer as escolhas dos demais Poderes, cabe-lhe por
certo coibir abusos.
Assim, a impossibilidade de decisões judiciais que defiram a litigantes
individuais a concessão de medicamentos não constantes das listas não impede que
as próprias listas sejam discutidas judicialmente. O Judiciário poderá vir a rever a lista
elaborada por determinado ente federativo para, verificando grave desvio na avaliação dos
Poderes Públicos, determinar a inclusão de determinado medicamento.
O que se propõe, entretanto, é que essa revisão seja feita apenas no âmbito de
ações coletivas (para defesa de direitos difusos ou coletivos e cuja decisão produz efeitos erga
omnes no limite territorial da jurisdição de seu prolator) ou mesmo por meio de ações
abstratas de controle de constitucionalidade, nas quais se venha a discutir a validade de
alocações orçamentárias. As razões para esse parâmetro são as seguintes
Em primeiro lugar, a discussão coletiva ou abstrata exigirá naturalmente
um exame do contexto geral das políticas públicas discutidas (o que em regra não ocorre, até
por sua inviabilidade, no contexto de ações individuais) e tornará mais provável esse
exame, já que os legitimados ativos (Ministério Público,associações etc.) terão
melhores condições de trazer tais elementos aos autos e discuti-los. Será possível ter uma
idéia mais realista de quais as dimensões da necessidade (por exemplo, qual o custo
médio, por mês, do atendimento de todas as pessoas que se qualificam como
usuárias daquele medicamento) e qual a quantidade de recursos disponível como um
todo.
Em segundo lugar, é comum a afirmação de que, preocupado com a solução dos
casos concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora
outras necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para
o atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça.
Um dos aspectos elementares a serem considerados pelo Judiciário ao discutir a
alteração das listas elaboradas pelo Poder Público envolve, por evidente, a comprovada
eficácia das substâncias. Nesse sentido, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça
suspendeu liminar em ação civil pública que obrigava o Estado a distribuir Interferon
Perguilado ao invés do Interferon Comum, este já fornecido gratuitamente. O
Tribunal entendeu que o novo medicamento, além de possuir custo
desproporcionalmente mais elevado que o comum, não possuía eficácia comprovada.
Entendeu ainda que o Judiciário não poderia se basear em opiniões médicas
minoritárias ou em casos isolados de eficácia do tratamento. No mesmo sentido, não se
justifica decisão que determina a entrega de substâncias como o composto
vitamínico “cogumelo do sol”, que se insiram em terapias alternativas de discutível eficácia.
A inclusão de um novo medicamento ou mesmo tratamento médico nas
listas a que se vinculam os Poderes Públicos deve privilegiar, sempre que possível,
medicamentos disponíveis no mercado nacional e estabelecimentos situados no Brasil, dando
preferência àqueles conveniados ao SUS. Trata-se de decorrência da necessidade de se
harmonizar a garantia do direito à saúde com o princípio constitucional do acesso
universal e igualitário.
Pelas mesmas razões referidas acima, os medicamentos devem ser
preferencialmente genéricos ou de menor custo. O medicamento genérico, nos termos da
legislação em vigor (Lei nº 6.360⁄76, com a redação da Lei nº 9.787⁄99), é aquele similar ao
produto de referência ou inovador, com ele intercambiável, geralmente produzido após
a expiração da proteção patentária, com comprovada eficácia, segurança e qualidade.
A discussão sobre a inclusão de novos medicamentos na listagem que o Poder
Público deverá oferecer à população deve considerar, como um parâmetro importante, além
dos já referidos, a relação mais ou menos direta do remédio com a manutenção da vida.
Parece evidente que, em um contexto de recursos escassos, um medicamento vital à
sobrevivência de determinados pacientes terá preferência sobre outro que apenas é capaz de
proporcionar melhor qualidade de vida, sem, entretanto, ser essencial para a sobrevida.
Como mencionado, apesar das listas formuladas por cada ente da federação, o
Judiciário vem entendendo possível responsabilizá-los solidariamente, considerando que se
trata de competência comum. Esse entendimento em nada contribui para organizar o já
complicado sistema de repartição de atribuições entre os entes federativos. Assim, tendo
havido a decisão política de determinado ente de incluir um medicamento em sua
lista, parece certo que o pólo passivo de uma eventual demanda deve ser ocupado por esse
ente. A lógica do parâmetro é bastante simples: através da elaboração de listas, os entes da
federação se autovinculam.
Nesse contexto, a demanda judicial em que se exige o fornecimento do
medicamento não precisa adentrar o terreno árido das decisões políticas sobre
quais medicamentos devem ser fornecidos, em função das circunstâncias
orçamentárias de cada ente político. Também não haverá necessidade de examinar o tema do
financiamento integrado pelos diferentes níveis federativos, discussão a ser travada entre
União, Estados e Municípios e não no âmbito de cada demanda entre cidadão e Poder Público.
Basta, para a definição do pólo passivo em tais casos, a decisão política já tomada por cada
ente, no sentido de incluir o medicamento em lista.
Estudo de caso: a jovem Clarice Abreu de Castro Neves e a concessão do
remédio Zavesca.
Também em 2006, o Ministério Público Federal no Ceará ajuizou ação civil
pública, objetivando que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza sejam
impelidos ao fornecimento, à jovem Clarice Abreu de Castro Neves de 21 anos portadora de
doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo C)24, de medicamento
denominado Zavesca (miglustat), de aquisição impossível pelos genitores da paciente,
professores universitários, por ser significativamente caro (a dosagem necessária mensal
giraria em torno de R$ 52.000,00).
Como foi dito, o MPF asseverou que os pais da jovem não possuiriam condições
financeiras de custear o medicamente, de modo que o teriam solicitado dos poderes públicos,
não obtendo resposta. Realçou que o custo estimado da dosagem mensal prescrita giraria em
torno de R$ 52.000,00. Contudo, admitia que o medicamento estaria ainda pendente de
registro na ANVISA. Sublinhou, entretanto que, consoante laudo de especialista, o único
tratamento eficaz se faria com a substância miglustat (Zavesca), fabricante Actelion, inibidora
da deposição de glicolipídios nas células do cérebro. Afirmou ainda que, segundo laudo da
Rede Sara de Hospitais de Reabilitação, o referido medicamento poderia aumentar a
sobrevida e/ou a melhora da qualidade de vida dos pacientes.
O Juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará determinou a extinção
do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por ilegitimidade
ativa do Ministério Público, com base na maioridade da pessoa doente, que a época já contava
com 21 anos e no fato de que o Ministério Público Federal não poderia substituir a Defensoria
Pública.
O Ministério Público Federal no Ceará Recorreu e a 1ª Turma do TRF da 5ª 24 Niemann-pick tipo C é uma doença rara e hereditária que causa problemas neurológicos graves. De um modo geral a doença começa a manifestar-se na idade escolar, entre os 5 e 7 anos e nos casos mais graves as crianças pode apresentar um atraso no desenvolvimento motor e hipotonia (moleza) até mesmo antes dos dois anos de idade. Na Niemann-pick tipo C; o organismo é incapaz de metabolizar de forma correta as gorduras que vão se acumulando, causando grandes danos no indivíduo. As crianças com essa doença tem uma esperança de vida de em média 10 anos, mas existem algumas que vivem até os 20, mas com algumas limitações.
Região, reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação
civil pública, deferiu antecipação de tutela para que a União, o Estado do Ceará e o Município
de Fortaleza fornecessem o medicamento Zavesca (Miglustat) à jovem de 21 anos portadora
da doença neurodegenerativa progressiva (Niemann-Pick Tipo “C”).
Contra essa decisão a União ajuizou pedido de suspensão dessa tutela, ou seja,
pedindo que não fosse obrigada a conceder o medicamento liminarmente, alegando, em
síntese, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e a ilegitimidade passiva da
União. Sustentou a ocorrência de grave lesão à ordem pública - uma vez que o medicamento
requerido não havia sido aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e não
constava da Portaria no 1.318 do Ministério da Saúde - e de grave lesão à economia pública,
em razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês). Inferiu, ainda, a
possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, que significaria que caso
fosse dada uma decisão favorável a jovem Clarice, outras ações, inspiradas por ela se
sucederiam causando maior lesão ao erário.
Dois pedidos de suspensão de tutela foram interpostas: A Suspensão de Tutela
Antecipada 175, promovida pela União e outra de nº 178, promovida pelo Município de
Fortaleza.
A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis 12.016/2009,
8.437/1992, 9.494/1997 e art. 297 do RI-STF) permitem que a Presidência do Supremo
Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela
antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando
a discussão travada na origem for de índole constitucional. No caso, trata-se do artigo 196 da
Constituição Federal de 1988 que trata do direito a saúde. Para o Ministro Gilmar Mendes,
relator da Ação, a controvérsia levantada pela Ação de concessão de Medicamentos de
Clarice era de matéria constitucional por alegada ofensa aos arts. 2º, 6º, caput, 167,
196 e 198 da Constituição.
Dessa forma, a ação da jovem Clarice chegou ao Supremo, quando em 8 de
novembro de 2007, a Ministra Ellen Gracie determinou o apensamento da Suspensão de
Tutela Antecipada (STA) 178/DF aos autos da STA 175, promovida pela União, por
considerar idênticas as decisões formuladas.
No pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº 178, o Município de
Fortaleza requereu a suspensão da decisão liminar, o que significaria que a decisão que
determinava a concessão de medicamento deveria ser suspensa com base, igualmente, em
alegações de lesão à ordem pública, em virtude da ilegitimidade do Ministério Público para
propositura de ação civil pública a fim de defender interesse individual de pessoa maior de 18
anos. Logo, a decisão liminar que a União e o Município de Fortaleza buscavam suspender
determinou que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fornecessem o
medicamento Zavesca (Miglustat) à paciente Clarice Neves, com fundamento na aplicação
imediata do direito fundamental social à saúde.
Para o Ministro Gilmar Mendes, em sua digressão a respeito do caso de Clarice, a
judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve
não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da
área de saúde e a sociedade civil como um todo.
Em 05 de março de 2009, o Ministro Gilmar Mendes convocou Audiência Pública
em razão dos diversos pedidos de suspensão de segurança, de suspensão de tutela antecipada e
de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a
execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais
variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares,
órteses e próteses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de
saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no
exterior, entre outros).
Segundo o Ministro, após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes
dos diversos setores envolvidos, seria necessário redimensionar a questão da judicialização do
direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorria
em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do
direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento
de políticas já estabelecidas.
Para melhor sistematizar sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que o
primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a
prestação de saúde pleiteada pela parte. Para o Ministro, ao deferir uma prestação de saúde
incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu
cumprimento.
O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não
fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o
objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que
inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão.
No caso de Clarice, o medicamento Zavesca ainda não havia sido aprovado e
muito menos contava de registro na ANVISA. De acordo com o Médico Paulo Hoff, Diretor
Clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo na Audiência Pública realizada pelo
Ministro Gilmar Mendes, essas drogas não podem ser compradas em nenhum país, porque
nunca foram aprovadas ou avaliadas, e o acesso a elas deve ser disponibilizado apenas no
âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido, não sendo possível obrigar o
SUS a custeá-las. No entanto, é preciso que o laboratório que realiza a pesquisa continue a
fornecer o tratamento aos pacientes que participaram do estudo clínico, mesmo após seu
término.
Observando o caso específico da jovem Clarice, alguns dados podem ser
destacados:
a) a interessada, a jovem de 21 anos de idade, é portadora da patologia
denominada NIEMANN-PICK TIPO C, doença neurodegenerativa rara, comprovada
clinicamente e por exame laboratorial, que causa uma série de distúrbios neuropsiquiátricos,
tais como, “movimentos involuntários, ataxia da marcha e dos membros, disartria e limitações
de progresso escolar e paralisias progressivas”;
b) os sintomas da doença teriam se manifestado quando a paciente contava com
cinco anos de idade, sob a forma de dificuldades com a marcha, movimentos anormais dos
membros, mudanças na fala e ocasional disfagia;
c) os relatórios médicos emitidos pela Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação
relatam que o uso do ZAVESCA (miglustat) poderia possibilitar um aumento de sobrevida e a
melhora da qualidade de vida dos portadores de Niemann-Pick Tipo C;
d) a família da paciente declarou não possuir condições financeiras para custear o
tratamento da doença, orçada em R$ 52.000,00 por mês;
Contudo, apesar da inexistência de registro, o Ministro Gilmar Mendes,
analisando os autos, considerou que os atestados de especialistas e pesquisadores eram
suficientes para comprovar que o medicamento miglustato (Zavesca) era o único
medicamento capaz de deter a progressão da Doença de Niemann-Pick Tipo C, aliviando,
assim, os sintomas e sofrimentos neuropsiquiátricos da paciente.
Em consulta posterior, o Ministro verificou no sítio da ANVISA na internet, que o
medicamento ZAVESCA (princípio ativo miglustate), produzido pela empresa ACTELION,
possuia registro (nº 155380002) válido até 01/2012.
Ressaltando ainda que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para
o seu não fornecimento, o Ministro Gilmar Mendes afirmou não ser possível vislumbrar grave
ofensa à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas a ensejar a adoção da medida
excepcional de suspensão de tutela antecipada. Dessa maneira, em 18 de setembro de 2009, o
Ministro manteve a decisão que obrigava a União, Estado do Ceará e Município de Fortaleza
a conceder o medicamento a Clarice Abreu de Castro Neves.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou compreender o papel do Judiciário brasileiro na
concretização de Políticas Públicas, tomando como exemplo o caso da concessão de
medicamentos. Como dito anteriormente, a população sofre com um déficit enorme não
apenas financeiro, como de recursos de saúde e de alimentos, e o Poder Público é responsável
constitucionalmente pela garantia dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa
humana, bem como pela erradicação da pobreza e da marginalização.
A questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos clínicos é crucial
porque toca um ponto muito delicado da vida humana : a saúde. Sem saúde, não se trabalha,
não se produz, não se vive com dignidade. Depender de medicamentos é uma constante na
vida de muitos brasileiros, contudo, grande parte deles necessita de tratamentos específicos e
não tem acesso por razões econômicas. A cada ano, novos medicamentos e tratamentos são
comercializados no mercado mundial. Promessa de cura para alguns, podem significar uma
vida mais digna e com menos dor para outros pacientes. A simples possibilidade de redução
do sofrimento é suficiente para encher de esperança quem convive com uma doença crônica.
Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício
efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro, as decisões judiciais têm
significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas
públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais as mais diversas,
muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e
além das possibilidades orçamentárias.
As ações de fornecimento de medicamentos apresentam então duas faces de uma
mesma moeda: a qualidade de vida de um indivíduo em sua totalidade e a governabilidade do
Executivo e Legislativo que, segundo o mais básico dos princípios da economia, precisa
gerenciar recursos escassos tendo em vista necessidades múltiplas. Para além das soluções
que podem vir a ser tomadas, é preciso que haja uma afirmação da dignidade humana.
Falar sobre a saúde como direito fundamental parece matéria fácil do ponto de
vista constitucional, mas, quando nos deparamos com a realidade da saúde no Brasil, ao longo
dos anos, pode-se falar em caos social. Se a situação não é tão ruim para os que têm condições
de custear suas despesas com tratamentos caros, o mesmo não ocorre com os demais
cidadãos. Os que não possuem uma situação financeira estável ou não dispõem do suficiente
para bancar os gastos com saúde tendem a padecer em filas de hospitais, SUS ou se utilizam
das tutelas de urgência juntamente com o princípio do acesso à justiça para conseguir o
fornecimento de remédios de alto valor.
Por vezes, em razão da urgência quanto ao fornecimento desses medicamentos,
muitos, devido ao processo de convalescimento da doença, não conseguem ir até o fim da
demanda. Aí cabe perguntar, onde fica a dignidade dessas pessoas? Outro problema que vem
dificultando o fornecimento dos medicamentos é que os entes públicos tentam se esquivar de
suas responsabilidades, jogando o ônus de um para outro. Este embate pode ser visualizado
principalmente em ações nas quais o Estado e o Município são citados. Enquanto se discute
quem tem o ônus ou não desta obrigação, a saúde dessas pessoas se deteriora, sem falar no
desgaste e na humilhação que as famílias têm que suportar durante essas ações.
A saúde é um direito fundamental social assegurado no caput do art. 6º da CF/88
(especificamente no título II, que aborda os direitos e garantias fundamentais, e no capítulo II,
que trata dos direitos sociais); por sua vez, o art. 196[28] da CF/88 define que a saúde é
direito de todos e é dever do Estado assegurar o bem-estar da sociedade.
É certo que não se inclui no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário
a atribuição de formular e implementar políticas públicas, pois nesse domínio o encargo é dos
Poderes Legislativo e Executivo. Contudo, como pontuou o Ministro Celso de Melo, em voto
proferido no caso mencionado nesse trabalho da jovem Clarice Abreu, a incumbência de fazer
implementar políticas públicas fundadas na Constituição pode ser atribuída, ainda que
excepcionalmente, ao Judiciário se e quando os órgãos estatais competentes descumprirem os
encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vindo a
comprometer a eficácia e a integridade de direitos individuais, como o direito à saúde.
Acreditamos que isso significa que a intervenção jurisdicional justificada pela
ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito a saúde,
torna-se plenamente legítima sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de
interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política
fundamental que o legislador constituinte adotou visando o respeito e a proteção ao direito a
saúde. Poderíamos citar então Luiza Cristina Frischeisen (2000, p.59), que diz:
Nesse contexto constitucional que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado as políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer (…) Conclui-se portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
Sabendo das limitações orçamentárias, é necessário frisar a importância da
alegação do princípio da reserva do possível. Diz a sabedoria popular que não se pode gastar o
que não se tem. O princípio da reserva do possível contempla essa necessidade de
planejamento do Executivo e do Legislativo de forma a gastar com inteligência, a fim de
potencializar os benefícios adquiridos utilizando o dinheiro público. Porém, cumpre advertir
que esta não cláusula não pode simplesmente ser invocada pelo Estado com a finalidade de
exonerar-se dolosamente do cumprimento de suas obrigações constitucionais, especialmente
quando dessa conduta governamental negativa, puder resultar a aniquilação dos direitos
constitucionais.
A saúde é um direito caro e frágil. Sua ausência limita o ser humano em diversas
dimensões e o fragiliza, impedindo-o de viver com independência e autonomia. O sofrimento
e a morte são capítulos obrigatórios na trajetória humana e, apesar dos avanços na medicina,
não podemos contar com a imortalidade ou a cura de todas as doenças. Aprendemos a
conviver com o sofrimento e a aliviar as dores uns dos outros em nossa caminhada.
O sentido de fundamentalidade do direito a saúde impõe ao Poder Público um
dever de prestação positiva que somente será cumprido, pelas instâncias governamentais,
quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva
da determinação ordenada pelo texto constitucional.
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