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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO DANIEL PINHEIRO CAETANO DAMASCENO DARCY RIBEIRO E A FORMAÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO NO BRASIL: REFLEXÃO SOBRE O EXERCICIO INTELECTUAL DE UM ETNÓLOGO. CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ – 2009

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO

DANIEL PINHEIRO CAETANO DAMASCENO

DARCY RIBEIRO E A FORMAÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO NO BRASIL: REFLEXÃO SOBRE O EXERCICIO INTELECTUAL DE UM ETNÓLOGO.

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ – 2009

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA POLÍTICA

DANIEL PINHEIRO CAETANO DAMASCENO

DARCY RIBEIRO E A FORMAÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO NO BRASIL: REFLEXÃO SOBRE O EXERCICIO INTELECTUAL DE UM ETNÓLOGO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Linha de Pesquisa Cidadania, Instituições Políticas e Gestão Urbano-metropolitana, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Sociologia Política, sob a orientação da Prof. Dr. Yolanda Lima Lobo.

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ – 2009

DANIEL PINHEIRO CAETANO DAMASCENO

DARCY RIBEIRO E A FORMAÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO NO BRASIL: REFLEXÃO SOBRE O EXERCICIO INTELECTUAL DE UM ETNÓLOGO.

.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Linha de Pesquisa Cidadania, Instituições Políticas e Gestão Urbano-metropolitana, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Sociologia Política, sob a orientação da Prof. Dr. Yolanda Lima Lobo.

APROVADA EM: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Yolanda Lima Lobo – UENF

Prof. Dr.Robert Wegner – IUPERJ/FIOCRUZ

Prof. Dr. Wania Amélia Belchior Mesquita – UENF

Prof. Dr. Sérgio de Azevedo – UENF

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por sempre me acompanhar, guiar meus caminhos, me iluminar e dar

saúde para que eu pudesse ultrapassar as dificuldades que enfrentei ao longo da realização

desse trabalho.

Aos meus pais, Jonas Caetano Damasceno e Rosangela Pinheiro, por me darem todo o

suporte emocional, familiar, financeiro e motivacional, permitindo que eu me dedicasse única

e exclusivamente aos estudos.

Á professora Yolanda Lima Lobo, que através de sua orientação, paciência, dedicação e

brilhantismo, tornou possível esse trabalho, sempre exigindo o máximo de mim, acreditando

em minha capacidade de corresponder, mesmo diante de minhas limitações. Suas orientações

são não apenas para o mundo acadêmico, mas para a vida, me fazendo perceber que o amigo é

aquele que não te dá razão em todas as ocasiões.

Ao meu irmão e companheiro de turma, Rafael Pinheiro Caetano Damasceno. Dividir a sala

de aula com uma pessoa do seio familiar tornou mais prazeroso o percurso. Suas palavras de

apoio e confiança são parte indispensável da jornada percorrida para a conclusão deste

trabalho.

Aos professores do Programa de pós-graduação em Sociologia Política da UENF, que são

parte da construção do conhecimento, que sem a partilha nunca é completo.

Aos meus tios, Jodacil, Ignez e Jaelça e ao meu primo Gabriel, por me hospedarem no Rio de

Janeiro, fazendo de minha pesquisa de campo algo bem mais agradável e familiar.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à Fundação Darcy Ribeiro e a seus

funcionários, em particular a Edson, Raquel, Ellen, Mirian e Rita, pela dedicação, paciência,

disponibilidade e hospitalidade com que me receberam durante minha pesquisa de campo.

Resumo:

A pesquisa tem como objetivo principal esquadrinhar o percurso da formação e do exercício intelectual do antropólogo Darcy Ribeiro. O trabalho procura reconstituir a trajetória de Darcy Ribeiro, focalizando uma das estações por ele percorrida cujo eixo principal é a sua atuação como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio. O nome próprio Darcy Ribeiro, um dos pioneiros da etnologia brasileira, é, com a individualidade biológica que o representa, a forma socialmente instituída que lhe assevera a constância através do tempo e a unidade através dos espaços sociais, dos diferentes agentes sociais que são a manifestação de sua individualidade nos mais diversos campos: científico, educacional, político e literário, isto é, em todas as suas histórias possíveis. Etnólogo-político teve atuação importante na constituição do campo das Ciências Sociais no Brasil, demarcando com seus estudos históricos dos povos e suas culturas o pensamento social brasileiro. Neste sentido, procuro apreender questões como as posições ocupadas no campo, os embates, as opções, as estratégias utilizadas para alcançar notoriedade, isto é, as práticas sociais que permitem o estabelecimento de posições no espaço social estruturado e hierarquizado que é o campo científico. Para realizar esse estudo fiz uso de fontes documentais primárias e secundárias. Das fontes documentais primárias do acervo Darcy Ribeiro, selecionei tudo que ele guardou do seu período na Escola Livre de Sociologia Política de São Paulo: cadernos escolares, provas, histórico escolar, programas de disciplinas, apostilas, trabalhos de campo, discursos, fotografias, conferências. Mas, foi sobre a escrita epistolar do autor com pessoas as mais diversas do seu círculo social que me debrucei intensamente. A análise dos aspectos formais e de conteúdo dessas cartas me permitiu fazer o entrelaçamento dos fios que teciam a trama dos campos científicos e político e perceber as relações entre Darcy, as Ciências Sociais e o poder político. Servi-me, também, de fontes documentais secundárias, de modo especial, os estudos realizados por cientistas sociais sobre a constituição do campo científico. Examinei ainda fontes iconográficas do arquivo áudio visual da FUNDAR: filmes, gravações com depoimentos, fotografias. Palavras-chave: Darcy Ribeiro. Trajetória. Campo. Ciências Sociais.

Abstract: The research aims to scour the route of formation and intellectual exercise of the anthropologist Darcy Ribeiro. The work seeks to reconstitute the trajectory of Darcy Ribeiro, focusing in one of the stations he gone through, whose mainstream is its role as ethnologist in the Indian Protection Service. The name Darcy Ribeiro, one of the pioneers of Brazilian ethnology, is, with the biological individuality that represents, a socially established way that assures him the constancy over time and the unity through the social spaces, different social agents that are the manifestation of his individuality in various fields: scientific, educational, political and literary, that is, in all its possible histories. A Political Ethnologist, had a important performance in the formation of the field of Social Sciences in Brazil, demarcating with his historical studies of the peoples and cultures the Brazilian social thought. In this manner, I intend to seize issues like positions in the field, the collisions, the options, the strategies used to achieve fame, that is, social practices that allow the establishment of positions in social space structured and hierarchical, which is the scientific field. To perform this study, I made use of of primary and secondary documental sources. From the primary sources of Darcy Ribeiro’s archive, I selected all that he kept of his time at the School of Sociology Politics of São Paulo: school books, tests, academic programs, field work, speeches, photographs, lectures. However, it was about Darcy’s epistolary writing with the most diverse people in your social circle that I focused intensely. The analysis of formal aspects and content of these letters allowed me to do the interlacing of the weft threads that composed the scientific and political fields and allowed me to understand the relationship between Darcy, Social Sciences and political power. I also made use of secondary documental sources, in particular, studies made by social scientists about the formation of the scientific field. I also examined Iconographic sources from the audio visual FUNDAR’s file: films, recordings with testimonials and photographs.

Keywords: Darcy Ribeiro. Trajectory. Field. Social Science.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Donald Pierson, em cartão postal endereçado a Darcy ......................................... 53 Figura 2 – Darcy, ao centro, com Baldus a sua direita ........................................................... 56 Figura 3 – Baldus em uma comunidade indígena ................................................................... 58 Figura 4 – Darcy em expedição na tribo dos índios kadiwéu ................................................. 73 Figura 5 – Documentos de criação do CAAC, que mostra quem eram os professores que compunham o corpo docente do mesmo ................................................................................. 82 Figura 6 – Darcy Ribeiro em conferência com Anísio Teixeira. Da esquerda para a direita do leitor, Darcy é o segundo e Anísio é o quarto ......................................................................... 83

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ANL – Aliança Nacional Libertadora ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais CAAC – Curso de Aperfeiçoamento em Antropologia Cultural CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBPE – Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais ELSP – Escola Livre de Sociologia Política de São Paulo

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FFCL – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FNFi – Faculdade Nacional de Filosofia

FUNDAR – Fundação Darcy Ribeiro

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

MN – Museu Nacional

MP – Museu Paulista

MPG – Museu Paraense Goeldi

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PIMES – Programa de Mestrado de Economia e Sociologia

PUC – Pontifícia Universidade Católica

S.P.I – Serviço de Proteção aos Índios

UB – Universidade do Brasil

UDF – Universidade do Distrito Federal

UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNB – Universidade Nacional de Brasília

USP – Universidade de São Paulo

SUMÁRIO

1- INTRODUZINDO O TEMA OBJETO DE ESTUDO.........................................................11

1.1.Cotejando o Tema objeto de Estudo ......................................................................17 2- O MARCO TEÓRICO ........................................................................................................25

2.1. A Formação Intelectual ........................................................................................ 28 3 - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIENCIAS SOCIAIS NO RIO DE JANEIRO E EM SÂO PAULO .......................................................................................................................... 34

3.1. Uma Antropologia Exótica ................................................................................... 46

3.2. Uma Nova Antropologia ...................................................................................... 52 4 - A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: EM DIREÇÃO A UMA ANTROPOLOGIA INDÍGENA ............................................................................................................................. 57

4.1. Mapeando o Campo em Questão ......................................................................... 63 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 93 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 98 ANEXOS .............................................................................................................................. 103

1 – INTRODUZINDO O TEMA OBJETO DE ESTUDO

A pesquisa tem como objetivo principal esquadrinhar o percurso da formação e do exercício

intelectual do antropólogo Darcy Ribeiro. O trabalho procura reconstituir a trajetória de Darcy

Ribeiro, focalizando uma das estações por ele percorrida cujo eixo principal é a sua atuação

como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio. O nome próprio Darcy Ribeiro, um dos

pioneiros da etnologia brasileira, é, com a individualidade biológica que o representa, a forma

socialmente instituída que lhe assevera a constância através do tempo e a unidade através dos

espaços sociais, dos diferentes agentes sociais que são a manifestação de sua individualidade

nos mais diversos campos: científico, educacional, político e literário, isto é, em todas as suas

histórias possíveis. Etnólogo-político teve atuação importante na constituição do campo das

Ciências Sociais no Brasil, demarcando com seus estudos históricos dos povos e suas culturas

o pensamento social brasileiro.1

A partir do século XX, ganham espaço no âmbito da Sociologia os estudos que se ocupam da

vida e/ou obra de personagens importantes para as Ciências Sociais e seus diferentes

segmentos: economia, antropologia, sociologia, etc. Esse tipo de estudo consiste em focar

uma personagem, suas experiências e feitos, levando sempre em consideração o contexto

histórico e social no qual o indivíduo está inserido, já que o comportamento de um indivíduo

é fruto dos grupos sociais que ele integra e das regras que esses grupos adotam.

De acordo com Alain Coulon (1995), o interacionismo simbólico pressupõe que as

concepções e interpretações dos agentes concernentes ao mundo social que os rodeia podem

constituir-se objeto da investigação sociológica. Essa abordagem considera o ponto de vista

subjetivo do agente como mecanismo de compreensão das suas inquietações intelectuais,

desenvolvendo uma concepção de pesquisa caracterizada pela utilização de instrumentos e

1 A obra de Darcy Ribeiro alcançou reconhecimento internacional como um trabalho que traz um ponto de vista diferente das perspectivas européias de análise do processo civilizatório. Em 1983, Nobert Elias escreve uma carta para Darcy convidando-o para participar de uma conferência com um pequeno grupo de intelectuais interessados em processos de civilização. Nessa carta, Elias escreveu: It is with special pleasure ,,, that I am inviting you to this conference as the great representative of a view on civilizing processes with a non-European focus ... In German, your book on the civilizing process has been published by the publisher of my own books and I have read it with benefit. A conference of this kind would not be complete without your participation … I would be very happy to meet you personally here. Em tradução literal, o texto seria: É com prazer especial, que estou convidando-o a essa conferência como o grande representante de um ponto de vista sobre os processos civilizatórios com um foco não-europeu... Na Alemanha, o seu livro sobre o processo civilizatório foi publicado pela editora dos meus próprios livros e eu tive o benefício de lê-lo. Uma conferência deste tipo não seria completa sem a sua participação... Eu ficaria muito feliz em conhecê-lo pessoalmente aqui.

técnicas variadas como documentos pessoais, cartas, diários, depoimentos, autobiografias e

trabalhos de campo baseados na observação, na entrevista, no testemunho. Essa abordagem

trabalha com a utilização de história de vida ou relatos de vida que, de acordo com William

Thomas, permitiriam “objetivar” as condições de vida, as atitudes e a maneira de “definir a

situação” do grupo social analisado (Coulon, 1995, p. 87), isto é, tornar possível penetrar e

compreender, desde o interior, o mundo do agente.

Para Norbert Elias, que estudou a vida e obra de Mozart em Mozart, Sociologia de um Gênio

(1995), focalizando o trágico conflito entre criatividade pessoal e controle social, a trajetória

da vida de um indivíduo está ligada ao contexto histórico, não pelo curso da história em si,

mas pela posição social que o indivíduo ocupa e pela configuração que se estabelece em suas

relações de interdependência com as estruturas sociais de sua época e os personagens que dela

participam. Elias afirma que essas estruturas sociais agem coercitivamente sobre os

indivíduos e a trajetória de cada um deles depende de como se comportam em relação a esta

coerção. É uma relação ambígua em que a sociedade molda o indivíduo e este, por sua vez, é

o único capaz de modificar as formas de coerção da sociedade.

Pierre Bourdieu, em A Ilusão biográfica (1996ª, e 1986), afirma que a história de vida é uma

das noções do senso comum que entraram de contrabando no universo acadêmico;

primeiramente "sem tambor nem trompetes", através dos etnólogos, depois, mais

recentemente e não sem estrondo através dos sociólogos. O autor tece considerações sobre os

estudos biográficos e recomenda não se considerar uma vida como uma sucessão de

acontecimentos históricos. "É bem isto o que diz o senso comum, a linguagem ordinária que

descreve a vida comum como um caminho, uma estrada com seus cruzamentos, suas

armadilhas ou como um encaminhamento, isto é, um caminho que se faz e que se está a fazer,

um trajeto, um cursus, uma passagem, um deslocamento linear unidirecional comportando em

começo, as etapas e um fim" (Bourdieu, 1986, p.62). O olhar sociológico sobre o indivíduo,

ao contrário, deve focar as redes de sociabilidades, o cotidiano como algo desconexo,

fragmentado, sem continuidade pré-estabelecida. Na concepção de Bourdieu, três momentos

distintos caracterizam a construção de uma ciência dos fatos intelectuais existentes na vida de

um indivíduo: o primeiro é a análise de posições ocupadas pelo personagem em questão em

relação à estrutura de posições dos intelectuais dominantes no campo. Em seguida, uma

análise da estrutura de relações entre as posições ocupadas no campo em questão pelos grupos

em situação de concorrência e, por fim, a construção do hábitus como um principio gerador e

unificador do conjunto de práticas referentes ao personagem em questão dentro do seu campo

de ação. De acordo com Bourdieu, o trabalho científico que se baseia na obra e/ou vida de um

personagem, deve seguir alguns critérios específicos:

Uma investigação efetivamente inspirada pela preocupação de romper com a ideologia carismática da “criação” e da “leitura criadora”, deveria tomar precauções para não se deixar impingir, no momento da definição de seu objeto, os limites em que se move a biografia, o que implica na decisão de tomar como unidade uma obra individual ou a obra de um autor particular ou mesmo um aspecto particular de uma ou de outra (“a filosofia política de Vigny” etc.). Antes, é preciso situar o corpus assim constituído no interior do campo ideológico de que faz parte, bem como estabelecer as relações entre a posição deste corpus neste campo e a posição no campo intelectual do grupo de agentes que o produziu. Em outros termos, é necessário determinar previamente as funções de que se reveste este corpus no sistema das relações de concorrência e de conflito entre grupos situados em posições diferentes no interior de um campo intelectual que, por sua vez, também ocupa uma dada posição no campo de poder. (BOURDIEU, P. 2004a, p. 186)

É justamente dessa concepção de Bourdieu que parte o meu trabalho. Para esboçar a trajetória

acadêmica de Darcy Ribeiro, dirijo as atenções para um indivíduo que ocupou e batalhou por

posições sociais diversas em um setor do campo científico (e de poder) ainda em construção e

consolidação no cenário brasileiro, vide a tardia afirmação das Ciências Sociais no cenário

acadêmico brasileiro, que se deu somente a partir da década de 19302. Dessa forma, ao

examinar a trajetória acadêmica de Darcy Ribeiro, estou conseqüentemente me ocupando do

estudo da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, da inserção dessa disciplina no

campo científico a partir dos atores que dele fazem parte: docentes, discentes e instituições

como fundações, centros de estudo e universidades.

Para traçar a trajetória acadêmica de Darcy Ribeiro, procuro apreender questões como as

posições ocupadas no campo, os embates, as opções, as estratégias utilizadas para alcançar

notoriedade, isto é, as práticas sociais que permitem o estabelecimento de posições no espaço

social estruturado e hierarquizado que é o campo científico. Mapear o campo, detectando as

relações de Darcy, seus aliados, mentores, adversários e até mesmo desafetos é tarefa

essencial para constituir o campo no qual e contra o qual Darcy se estabeleceu.

Alguns breves sinais biográficos de Darcy Ribeiro merecem ser conhecidos. Darcy Ribeiro,

filho da professora Josefina Augusta da Silveira e de Reginaldo Ribeiro dos Santos, nasceu

em Montes Claros – MG em 26 de outubro de 1922 e faleceu em Brasília, em 17 de fevereiro

de 1997. Sua mãe queria formar médico seu filho mais novo, Darcy, ambição compartilhada 2 Ver MICELI, Sérgio (org). A história das ciências sociais no Brasil, v.1. Editora ANPOCS, 2001

pelo médico, tio e tutor, Plínio Ribeiro. Darcy ingressa na faculdade de medicina em Belo

Horizonte em 1939 e, no ano seguinte, filia-se ao Partido Comunista. Estudou medicina

durante três anos, mas, tendo sido reprovado e encontrado o seu verdadeiro interesse - os

problemas sociais brasileiros - seguiu para São Paulo, em 1943, atendendo convite de Donald

Pierson para estudar na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), onde se formou em

1946. Os primeiros dez anos de sua vida profissional se notabilizaram pela dedicação aos

estudos indígenas em diversas regiões do Brasil.

A relevância de sua obra é incontestável, posto que seus livros, publicados no Brasil e no

exterior3 alcançaram número de exemplares impressos em edições e re-edições seguidas

(publicou, ao longo de sua vida, mais de vinte obras, entre romances, teoria social, poesia,

educação). Professor de Antropologia da Universidade do Brasil (hoje, UFRJ), Darcy formou

gerações de antropólogos. Personagem instigante e provocador, refletia sobre o papel das

Ciências Sociais em cartas com outros cientistas sociais e em artigos para jornais do Rio de

Janeiro e São Paulo. O que justifica a escolha de Darcy Ribeiro enquanto personagem de meu

trabalho é sua contribuição para as Ciências Sociais no Brasil, em diferentes aspectos, o que

pode ser conferido no exame da vasta bibliografia de estudos sobre as origens das Ciências

Sociais no Brasil no qual a obra de Darcy4 merece destaque.

A Fundação Darcy Ribeiro (FUNDAR) é guardiã dos acervos Darcy Ribeiro e Berta Gleizer

Ribeiro. Um ano antes de falecer (1996), Darcy ocupou-se em criar uma instituição sem fins

lucrativos com objetivo de tornar acessível aos pesquisadores e ao público em geral o

conjunto das obras de sua biblioteca, que inclui: livros (cerca de vinte e dois mil volumes),

documentos manuscritos, iconográficos, audiovisual, recebidos, produzidos e colecionados no

percurso de sua vida como etnólogo, educador, político e romancista. Por ter permanecido

guardado em caixas por longo período, manteve suas características originais até os dias de

hoje.

Além de colecionador, Darcy Ribeiro foi, também, o autor da maior parte dos documentos sonoros do seu acervo. A maior incidência na coletânea – até o ponto de catalogação alcançado – é referente aos textos para seus livros. Darcy Ribeiro escrevia a mão, lia para o gravador e depois enviava aos assessores para digitação. Os documentos sonoros passam, assim, a ser os originais dos livros que escreveu. Um dos principais documentos sonoros é o que registra a cerimônia de inauguração da Universidade de Brasília, em 1961. Faz parte, ainda, da documentação sonora, o material produzido em viagens (Amazônia, Mato Grosso, Peru, Chile, Venezuela,

3 O Processo Civilizatório, por exemplo, foi publicado na Alemanha, nos Estados Unidos, na França, na Itália, no México, no Uruguai. 4 Conferir alguns desses trabalhos nas referências bibliográficas, de modo especial Bomeny, H. Bouquet.

Uruguai, Cuba). Nas viagens que fez, além da máquina fotográfica, Darcy fazia uso do gravador, desde o primeiro trabalho realizado com os índios Kaapor (1947) até a viagem que fez a Cuba, em 1980, para conhecer o sistema de educação desse país. (LÔBO, et alii, 2008, p. 5)

Foi na FUNDAR que realizei minha pesquisa de campo. Nela encontrei material inédito,

composto por fontes documentais primárias, principalmente do período de sua formação na

Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. São cadernos escolares, provas, histórico

escolar, programas de disciplinas, apostilas, trabalhos de campo, discursos, fotografias,

conferências, correspondências, etc., além de fontes audiovisuais como gravações feitas por

Darcy sobre assuntos acadêmicos, documentários e coletânea de entrevistas por ele

concedidas em diferentes momentos para distintos órgãos (Televisão, Jornais, entidades de

classe como União Nacional de Estudantes, Sindicatos). Esses documentos foram guardados e

arquivados por Darcy Ribeiro e fazem parte dos arquivos fotográficos e textuais da

FUNDAR.

É quase irresistível aos cientistas sociais o encantamento produzido pelo contato com as fontes primárias, documentos, papeis, fotografias, capazes de revelar parcelas desconhecidas ou até então invisíveis da história e do mundo social. Esta sensação é fortalecida quando o material foge aos rigores institucionais da produção documental, às características seriais e ao formato burocrático, e tem uma origem privada, um caráter pessoal, conferindo a impressão de que se está tomando contato com frações muito íntimas da história e de seus personagens. O acesso a estes documentos tem a força de simular o transporte no tempo, a imersão na experiência vivida, de forma direta, sem mediações. A sedução exercida pelos arquivos privados pessoais sobre os pesquisadores parece repousar exatamente na expectativa deste contato com a experiência de vida dos indivíduos cuja memória, imaginamos, fica acessível aos que examinam sua “papelada”, vista como repositório seguro dos registros de sua atuação, pensamento, preferências, pecados e virtudes. (HEYMANN, Luciana, 1997, p.41)

Não pude resistir ao encantamento produzido pelo contato com as fontes primárias do Arquivo

Darcy Ribeiro, nos primeiros momentos da investigação. As leituras que fiz sobre o tema

estudos biográficos, entretanto, me deram o distanciamento necessário para trabalhar as

fontes. Algumas indagações foram se formando: O que leva alguém a construir um dossiê

sobre a própria vida? Como se dá a construção desse processo? O que Darcy quis deixar para

as pessoas que, de uma forma ou de outra, tem acesso a documentação selecionada por ele

como uma espécie de resumo de sua vida, profissional e particular? É interessante perceber

que, sob a perspectiva de Bourdieu (1996a), o arquivo de uma pessoa não representa o todo de

sua vida, uma vez que segue uma lógica particular, apresentando a trajetória do cidadão em

questão pela ordem daquilo que é selecionado em detrimento do que é minimizado, criando o

que o autor francês chama de “ilusão biográfica”, uma espécie de tendência que os leitores de

biografias têm em naturalizar a continuidade linear dos fatos descritos nesse tipo de trabalho.

Explorando o índice das diversas seções em que está organizado o arquivo de/por Darcy, não

encontrei registros da época em que ele estudava medicina, o que indica que esse período foi

considerado pelo titular como de pouca importância perante outros acontecimentos de sua

vida, como o estudo da etnologia, por exemplo. Sobre esse fato, Heymann atesta:

[...] como se pode depreender da definição de arquivo privado, a unidade de cada um deles é conferida pela pessoa ou instituição que o constituiu, ou seja, por quem acumulou determinados documentos dentro daqueles produzidos e recebidos. No caso dos arquivos privados pessoais, cabe a uma pessoa física, o titular do arquivo, escolher os documentos que, no fluxo dos papeis manuseados cotidianamente, merecem ser retidos e acumulados. É a pessoa, a partir de seus critérios e interesses, que funciona como eixo de sentido no processo de constituição do arquivo. Por um lado, porque sua vida, suas atividades e suas relações vão determinar e informar o que é produzido, recebido e retido por ela ou sob sua orientação. Por outro lado, é fundamentalmente porque cabe a ela determinar o que deve ser guardado e de que maneira. (HEYMANN, Luciana, 1997, p. 42)

A naturalização de uma seqüência de fatos em um arquivo pessoal cai por terra até mesmo

pela interferência que sofrem os arquivos. Afinal, não se sabe se os documentos foram

analisados e coletados sempre com os mesmos critérios e qual a relevância da atuação de

arquivistas ou qualquer outro agente que não seja o titular nesse processo. Assim sendo,

considerei que as fontes primárias presentes no acervo em questão, guardadas pelo próprio

Darcy Ribeiro e, também, por sua esposa, a antropóloga Berta Ribeiro, devem ser vistas como

um arquivo autobiográfico produzido pelo próprio Darcy.

A partir dos documentos disponíveis nesse acervo é minha intenção iniciar um esboço da

trajetória intelectual dessa personagem, priorizando não uma continuidade temporal, mas os

fatos que mereceram ênfase por parte de Darcy dentro de sua trajetória. Para isso, busco

inspiração metodológica nos trabalhos do sociólogo Pierre Bourdieu5, especialmente aqueles

dedicados à análise do universo sociocultural do campo científico, com o objetivo de mapear

o espaço de posições sociais e estilo de vida da personagem objeto de minha investigação,

Darcy Ribeiro.

Para realizar esse estudo fiz uso de fontes documentais primárias e secundárias. Das fontes

documentais primárias do acervo Darcy Ribeiro, selecionei tudo que ele guardou do seu

período na Escola Livre de Sociologia Política de São Paulo: cadernos escolares, provas,

histórico escolar, programas de disciplinas, apostilas, trabalhos de campo, discursos,

fotografias, conferências. Mas, foi sobre a escrita epistolar do autor com pessoas as mais

5 Bourdieu, P. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996b.

diversas do seu círculo social que me debrucei intensamente. A análise dos aspectos formais e

de conteúdo dessas cartas me permitiu fazer o entrelaçamento dos fios que teciam a trama dos

campos científicos e político e perceber as relações entre Darcy, as ciências sociais e o poder

político. Servi-me, também, de fontes documentais secundárias, de modo especial, os estudos

realizados por cientistas sociais sobre a constituição do campo científico e, nele, a inserção

das ciências sociais. Examinei ainda fontes iconográficas do arquivo áudio visual da

FUNDAR: filmes, gravações com depoimentos, fotografias. Pela grande quantidade de

material disponível no acervo e em virtude do limite de tempo disponível para a elaboração

desse trabalho, adotei um recorte temporal (1943-1953), que vai dos primeiros anos de

formação acadêmica de Darcy na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo até os

primeiros anos de sua experiência como profissional no campo das Ciências Sociais brasileira,

quando ingressa no Serviço de Proteção aos Índios (S.P.I.). Alguns documentos utilizados

nesse trabalho são de datas posteriores a esse período. Utilizei-os na medida em que me

auxiliavam compreender melhor determinados aspectos do campo acadêmico. O material

encontrado no acervo do arquivo Darcy Ribeiro me permitiu uma visão muito privilegiada de

sua trajetória intelectual, sobretudo dos trâmites internos percorridos pela personagem dentro

dessas instituições (ELSP e S.P.I.), o que colaborou para o mapeamento das disputas no

campo acadêmico das Ciências Sociais no Brasil.

1.1 COTEJANDO O TEMA OBJETO DE ESTUDO

É crescente o número de estudos sobre trajetórias de personagens que tiveram grande

importância para as Ciências Sociais, dentre os quais destaco aqueles que focalizam as

biografias de Caio Prado Jr., Celso Furtado, Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca, só para nomear

alguns. Dialoguei com esse tipo de estudos, principalmente, com sua base teórica, procurando

informações e entendimento sobre as abordagens neles utilizadas para apreender o objeto de

estudo. Considerei importante para o desenvolvimento do tema que ora investigo, cotejá-los.

Assim procedendo, não somente tomei conhecimento da produção sobre o tema objeto de

estudo no âmbito das Ciências Sociais, como me permitiu adentrar no debate sobre o papel

que a essas Ciências cabe cumprir.

Ao trabalhar a teoria das elites, Mario Grynzspan (1999) busca traçar um olhar sobre a teoria

das elites, usando como centro da análise as trajetórias e os trabalhos de dois autores italianos:

Gaetano Mosca e Vilfredo Pareto. Grynszpan ressalta que o trabalho foi feito baseado em

fontes secundárias, devido à impossibilidade de se deslocar até a Itália. Esse fato

impossibilitou o acesso a dados estatísticos diretos ou a uma maior quantidade de informações

sobre trajetória de outros pensadores, o que permitiria ao autor estabelecer com facilidade a

caracterização do espaço social de posições italiano no período estudado. O autor destaca que

somente a partir do século XIX as Ciências Sociais se consolidaram como disciplinas

autônomas e se institucionalizaram em universidades, na Itália. Essa consolidação se deve, em

grande parte, ao resultado do trabalho de indivíduos que fundaram disciplinas e criaram

teorias que suscitaram reflexões e pesquisas sobre temas relevantes para as Ciências Sociais.

Dentre essas teorias está a do elitismo, que teve em Pareto e Mosca seus principais

fundadores. O argumento central desses autores é o de que em qualquer sociedade ou grupo,

em qualquer época ou lugar, existe uma minoria, uma elite, que devido a seus dons, suas

capacidades e recursos, assume o poder e o controle em relação à maioria. De acordo com

Grynszpan, essa teoria não foi rompida nem mesmo com o sufrágio universal, que servia

apenas para legitimar o controle da minoria, cujo poder passava a ser aceito e reconhecido

como manifestação da vontade da maioria. O que faz as elites se comprometerem com a

maioria é a concorrência e, portanto, o medo de perder o controle conquistado. Dessa forma,

atende-se aos anseios da maioria, sob pena de perder a posição para os grupos rivais. O autor

adverte, no entanto, que esse fato não pode fazer a elite de refém da maioria e,

conseqüentemente, prejudicar o sistema político, assim como não se pode dizer que a massa

pode ser facilmente dominada pela elite, pondo em prática uma negação da democracia. Para

Grynszpan, a receita para que ambos os riscos sejam eliminados é a criação de uma estrutura

intermediária coesa, com organizações concorrentes, como partidos e sindicatos que façam a

mediação entre as elites e as massas.

O autor procura entender como as elites se constituíram historicamente em objeto de reflexão

sociológica, construindo à sua volta uma teoria que se impôs como instrumento de análise

social. Para alcançar esse objetivo, Grynszpan trabalha com uma análise das trajetórias de

Mosca e Pareto, tentando demonstrar como, a partir da teoria, jogou-se, a um só tempo, a

imposição intelectual e política desses dois autores. A ênfase nas trajetórias sociais confere

uma das marcas distintivas do trabalho. Grynszpan busca os fundamentos das formulações de

Mosca e Pareto, remetendo-as às diferentes posições sociais por eles ocupadas no espaço

italiano do final do século XIX e início do século XX.

O objetivo dessa abordagem é trabalhar de modo objetivado com as idéias dos autores, ou

seja, considerando-as como opções, carreiras e estratégias individuais, dentro de um conjunto

de possibilidades. Este conjunto, por sua vez, é visto como instituído pela interseção de um

espaço social de posições estruturadas, onde os indivíduos, providos de composições de

capitais e recursos variados, localizam-se e são localizados de forma diferencial e relacional,

pelo habitus - esquemas incorporados de visão, de percepção, de classificação do mundo,

geradores de práticas sociais que são, por sua vez, igualmente estruturadoras do espaço

estruturado, reproduzindo-o ou transformando-o.

Sob esse ponto de vista, os indivíduos não são levados em consideração como pontos fixos no

espaço. As alterações que se dão em suas composições específicas de capitais e as

modificações que operam com o decorrer do tempo na estrutura do espaço na qual se inserem

fazem com que os indivíduos se desloquem em relação à posição, resultando em mudanças

em suas próprias visões, idéias e percepções. A idéia é afastar a impressão de uma formulação

de caráter individual imutável. Grynszpan ressalta que considerar os autores como agentes

atuando em um espaço de posições implica em percebê-los como agentes em relação, longe

de estarem isolados em suas posições.

Grynszpan leva em conta as visões de outros autores a respeito da teoria do elitismo e, a partir

das diferentes visões, desenvolve uma análise que engloba as trajetórias diversas, com

posições sociais distintas, até mesmo com práticas e estratégias diferentes das de Mosca e

Pareto. Ao proceder dessa forma o autor busca uma relativização do sentido universal de

processos como o da afirmação da democracia e expansão da cidadania política por meio do

sufrágio universal.

A teoria das elites de Mosca e Pareto sustenta a tese da incapacidade das massas e de

desigualdades entre os homens, questionando em conseqüência, a democracia e o sufrágio

universal, e, ainda, o socialismo, em um momento em que as massas afirmavam sua presença

na cena política, e em que a igualdade e a democracia se generalizavam como valores

legítimos e o sufrágio universal começava a se disseminar. Cabe ressaltar que a linguagem

utilizada por eles não era simplesmente a do político militante, e sim a do cientista social, uma

vez que os objetivos eram científicos. É principalmente pelas diferentes trajetórias, pelas

posições sociais diversas ocupadas por esses autores, que se compreende as posturas distintas

em relação à ciência. O que se observa é que, enquanto o primeiro adotava uma perspectiva

mais abertamente engajada, uma visão normativa, o segundo carecia da necessidade de um

distanciamento, baseando-se em um ascetismo científico. (Aqui faço associação entre as

Ciências Sociais estudadas no Rio de Janeiro e em São Paulo que, também, em busca do

mesmo objetivo, tomaram formas diferentes em virtude das experiências particulares

vivenciadas, sobre o qual falaremos mais adiante). É importante ressaltar que, uma vez

rompidas, sobretudo com o advento do fascismo, as condições que impuseram a Pareto um

afastamento da política, sua conduta desengajada foi repensada. O mesmo contexto fascista

levou Mosca a um distanciamento político e, conseqüentemente, a uma perspectiva mais

distanciada.

A abordagem proposta por Grynszpan leva a uma reflexão sobre a relação cientista social-

objeto. Colocar em prática essa reflexão é romper com o dado, o pré-concebido, confirmando

assim a sociologia reflexiva de Bourdieu. Bourdieu está presente nesta obra quando

Grynszpan trabalha a trajetória dos autores levando em conta o indivíduo como sujeito à

alterações que dependem de suas experiências nos mais diversos campos. Nesse aspecto, a

metodologia de Grynszpan assemelha-se ao trabalho que aqui desenvolvo, pois que levo em

conta as experiências vivenciadas por Darcy na ELSP e no campo das Ciências Sociais

brasileira, como fundamentais para a solidificação do intelectual que este se tornou.

Em seu trabalho sobre a biografia de Caio Prado Jr., Paulo Iumatti (2007) também utiliza o

conceito de trajetória, mas sob uma perspectiva diferente. O autor adota um recorte temporal

não linear, com o intuito de favorecer o estabelecimento de certas conexões. O livro aborda,

no início, os primeiros anos da II Guerra Mundial, e em seguida aspectos da trajetória de Caio

Prado Jr. nos anos 1930 e 1940, retornando, já no terceiro capítulo, à infância e adolescência

do mesmo, nas décadas de 1910 e 1920. Em seguida, Iumatti trabalha o período que vai de

1940 ao final dos anos 1950, para regressar, logo depois, à passagem dos anos 1920 aos 1930

e aos 1940. Por fim, o autor aborda os decênios de 1960 e 1970. Essas divisões, no entanto,

não são muito rígidas e possuem um eixo articulador, que percorre toda a obra, na década de

1940, que foi o período mais fértil da produção intelectual de Caio Prado Jr. Iumatti tem a

preocupação de, sem abandonar o contexto geral, enfocar certos temas que estão vinculados à

biografia do pensador estudado.

No início, o autor discorre sobre a contribuição de Caio Prado Jr. para a historiografia

brasileira. A idéia é passar uma visão geral do significado da Formação do Brasil

contemporâneo, principal obra escrita pelo historiador. Com um estilo que Iumatti caracteriza

como pesado, coloquial e direto, o livro de Caio Prado Jr. traz para a historiografia brasileira

uma abordagem dialética para entender a Formação do Brasil Contemporâneo, constituindo-

se, assim, destaque inovador no pensamento social brasileiro. O autor ressalta que a obra de

Caio Prado Jr. pode ser vista em conjunto com a de alguns historiadores franceses e ingleses

(Pierre Vilar e Albert Soboul), por diversas razões, entre elas, o fato comum de que na

trajetória desses autores e também na de Prado Jr. a experiência no período da Frente Popular

foi significante para o rompimento de sistemas e esquemas rígidos de pensamento, resultando

em uma visão aberta e anti-dogmática, além de uma ótica materialista na objetividade do

conhecimento e nos controles empíricos estabelecidos pela profissão. Um ponto de

semelhança nas trajetórias de Prado Jr. e do historiador francês Pierre Vilar é o diálogo que

fazem com a geografia humana e a ligação de ambos com a revista marxista La pensée, da

qual Prado Jr. era sócio na década de 1930.

No percurso político e intelectual de Caio Prado Jr., Iumatti dá destaque às questões

metodológicas desenvolvidas por ele na análise que faz sobre a industrialização. Caio Prado

Jr. compreendia a industrialização sob uma ótica próxima a de Lenin, acreditando que a

acumulação capitalista poderia partir de um espaço nacional. Nessa linha de pensamento,

aponta a fragilidade orgânica da indústria brasileira, artificialmente restringida por medidas

oficiais que limitavam a importação dos meios de produção e pela falta de um forte mercado

consumidor. Em 1935, após a dissolução da Aliança Nacional Libertadora (ANL) Caio Prado

Jr. foi preso. É na prisão, entre 1935 e 1937 que escreve os primeiros volumes de seus Diários

Políticos, uma visão crítica da cena política brasileira. Em 1937, com a liberdade condicional

(os prisioneiros políticos da ANL que ainda não haviam sido condenados foram libertados)

parte para a Europa. Inicia, então, estudos e pesquisas em parceria com pesquisadores

europeus, Fernand Braudel, Claude Levi-Strauss, entre outros. Lumatti dá ênfase, também, à

visão de Caio Prado Jr. sobre a estruturação da vida cientifica no Brasil, destacando alguns

aspectos que servem de ponto de partida para a leitura de Evolução Política do Brasil, o

primeiro livro publicado, em 1933. Em 1947, então deputado estadual, criou o primeiro

projeto de criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Já

naquela ocasião, Prado Jr. alertava que dois grandes erros deveriam ser evitados na fundação:

a restrição excessiva de auxílios concedidos por esse organismo: “É preciso que haja um

grande liberalismo, a fim de que seja concedida oportunidade a qualquer pessoa que,

realmente, possa realizar uma pesquisa.” (2007, p. 83) Ressaltava a importância do viés

democrático e científico e alertava contra um possível núcleo e favoritismo na distribuição de

bolsas: “É preciso evitar que se formem igrejinhas ao redor desses fundos de pesquisas.” Em

sua trajetória, Caio Prado Jr. conheceu características da vida intelectual e política brasileira

que davam motivos a tais preocupações: o personalismo e o apego aos esquemas estáveis de

pensamento, fossilizadores do impulso criativo, conforme já assinalara Sérgio Buarque de

Holanda em Raízes do Brasil.

Por sua vez, o trabalho de Carlos Mallorquin (2005) sobre Celso Furtado é, por definição,

uma “biografia intelectual”, pois que não pretendeu debruçar-se sobre a personalidade desse

intelectual. Ele gostaria de intitular seu estudo de “Vida e obra de Celso Furtado”, ou algo

do tipo, mas não pôde fazê-lo porque não englobou, em seu trabalho, a infância e o ambiente

cultural vivenciados por Furtado. Constitui objeto principal de seu estudo apresentar a

evolução e a transformação das idéias de Furtado, sem deixar de lado o contexto histórico,

político e cultural por ele vivenciado. Essa abordagem permite checar a relevância que as

teorias de Furtado possuem frente aos dilemas que a sociedade brasileira então

experimentava.

O autor expõe que uma das obsessões de seu trabalho é explicitar os aspectos teóricos mais

relevantes da obra de Furtado como uma emanação eminentemente latino-americana, não

vinculada às correntes teóricas vindas dos grandes centros industriais. Daí a importância de

identificar e expor as idéias de acordo com o contexto teórico-cultural em cada “período”, de

forma a identificar as propostas mais relevantes e executáveis para o desenvolvimento

econômico-social da América Latina, prosseguindo uma linha teórico-política iniciada por

Raúl Prebisch, economista argentino. Na conclusão de sua obra, inclusive, Mallorquin

explicita a viabilidade de alguns conceitos que emergem da mesma, além de propostas que

dêem continuidade à perspectiva estruturalista latino-americana.

No geral, o trabalho de Mallorquin se propõe a uma análise da consistência ou inconsistência

teórica conceitual do discurso, no que se refere aos objetivos que ele mesmo traça, além de

analisar a evolução das idéias e conceitos. Mallorquin tenta demonstrar que o estruturalismo

histórico e sociológico de Furtado tem particularidades que o afastam do pensamento de

Prebisch. Outra preocupação de Mallorquin é de não deixar sua formação de sociólogo

asfixiar o discurso de um saber econômico de Furtado, embora explicite que uma das teses

mais relevantes dentro da obra é a de que o estruturalismo de Furtado tem seus melhores

momentos e sustentação em suas características eminentemente sociológicas e históricas,

afastando-se assim do saber econômico.

Ao descrever o conteúdo de sua obra, Mallorquin chama atenção para três recortes globais:

1950-1964 indica o ápice e o declínio do discurso desenvolvimentista e a presença de Furtado

à frente de grandes projetos; 1964-1975 inicia sua carreira acadêmica e apresenta as respostas

e opções que Furtado oferece às sociedades latino-americanas diante da investida de governos

antidemocráticos e da aparente ausência de novas perspectivas teóricas; de 1975 em diante,

Furtado elabora uma crítica à economia convencional e inicia uma reconstrução teórica do

estruturalismo dos anos 1960, além de retornar a certos cargos distanciados do âmbito

acadêmico no papel de administrador público. Já no início da década de 1980, de volta ao

Brasil, traça uma “radiografia econômica” do país e do contexto internacional.

Um aspecto interessante é a análise feita por Mallorquin sobre as obras de Furtado no

decorrer das décadas, com o intuito de melhor capturar a evolução intelectual do mesmo. A

leitura dessa análise propicia notar que Furtado não ficou passivo às idéias dominantes ou a

contextos históricos, buscando sempre novas maneiras de compreender a realidade.

Mallorquin considera este um dilema clássico: como alcançar novas concepções sem

atravessar os discursos e conceitos existentes?

As leituras dessas obras foram de fundamental importância em meu estudo, que se propõe a

elaborar um perfil sociológico de Darcy Ribeiro dentro do período focalizado, isto é, uma

reflexão que exponha de maneira crítica a atuação e a consolidação de Darcy no campo

científico ao longo de sua formação como cientista social. Os fatos e as idéias serão rastreados

e apresentados em seu contexto histórico-cultural em cada “período”, para que se entenda o

contexto em que o cidadão Darcy vivenciou. Esse construto teórico e institucional é

fundamental para estabelecer algumas condições de existência das idéias do autor estudado,

que afinal de contas não pode ser levado em conta como um ser desconexo no tempo e no

espaço. Essa construção requer, inicialmente, a exposição de alguns dados biográficos do

cidadão estudado em questão. Os eixos a serem explorados são: a formação acadêmica e o

treinamento intelectual com os professores da ELSP, a iniciação sociológica, as experiências

de vida e o trabalho com os índios. Novamente aqui ressalto a importância do Arquivo da

FUNDAR, que me abriu espaço para realizar a minha investigação.

Para estudar a trajetória de Darcy Ribeiro, resolvi aprofundar-me nos estudos de Pierre

Boudieu6 para compreender como esse autor construiu os conceitos de trajetória, campo, e

habitus.

[...] toda trajetória social deve ser compreendida como uma maneira singular de percorrer o espaço social, onde se exprimem as disposições do habitus e reconstitui a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos. (BOURDIEU, Pierre, 1996b)

Sob essa perspectiva, é importante esclarecer que os acontecimentos na vida de uma pessoa

não traçam uma linearidade contínua. Essa continuidade é dada a posteriori pelo autor que

produz uma biografia, ou coisa que o valha. A intenção dessa continuidade é produzir algo tão

perseguido pela ciência e pelo homem: a coerência. Na concepção de Bourdieu essa

continuidade é impossível, uma vez que até que seja feito, o todo das ações de um

determinado sujeito escapam ao mesmo ator socialmente determinado que efetivamente se

faz. O próprio habitus7 é mutável no percurso de nossas relações, significações e

interiorizações pessoais. Para Bourdieu, a trajetória se caracteriza pelas relações entre os

atores em diferentes campos de disputa. Pelo fato de os próprios campos estarem em

permanente mudança, fica mais claro desvincular a idéia de trajetória como narrativa de ações

pré-determinadas. Ao operar em diferentes campos, nem sempre o individuo tem noção do

verdadeiro significado em que resultarão suas ações, visto que as mesmas são eventos que se

desenrolam dentro de um espaço mais complexo, que é o campo. No capítulo seguinte, busco

um maior entendimento sobre conceitos de Pierre Bourdieu que são essenciais para a

realização desse trabalho.

6 Ver relação das obras estudadas nas referências bibliográficas. 7 Ver nota de rodapé 3 nesse trabalho.

2. O MARCO TEÓRICO

Bourdieu (1979) procurou apreender o mundo social francês esquadrinhando passagens e

momentos da vida (trajetória) dos intelectuais e artistas franceses como Flaubert, Baudelaire,

e Manet. Inspirado nesses trabalhos procuro aclarar a história social de um autor – Darcy

Ribeiro – com o intuito de estabelecer ligamentos entre biografia e obra, entre vivência e

percepção dos encaixes que suscitem questionamentos a respeito de conexões causais

inesperadas.

Bourdieu (2005) afirma que “compreender é primeiro compreender o campo com o qual e

contra qual cada um se faz.” Nessa perspectiva, a trajetória de um sujeito é marcada pela

reflexividade das disputas, emoções, experiências e aprendizados que se vivencia e se

experimenta em diferentes campos. Ao participar de um determinado campo, o indivíduo

permanece, mesmo que indiretamente, suscetível ao habitus que impera nesse campo, dessa

forma, sendo atraído por alguns grupos e afastado de outros, faz-se participe do processo de

disputa por bens simbólicos de diversas espécies (reconhecimento, prestígio, poder, etc.).

Mesmo que indiretamente, as características dominantes que exercem influência dentro do

campo acabam sendo exteriorizadas pelo indivíduo. A trajetória passa a ser então, um indício

da formação de um habitus, uma análise das posições e disposições do sujeito dentro dos

diversos campos, que causa forte influência nas posições adotadas pelo individuo dentro dos

campos em que está inserido. Bourdieu ressalta que as experiências vivenciadas no mesmo

campo vão influenciar de maneira diversa os indivíduos, dependendo da construção do

habitus de cada um:

O efeito de campo exerce-se em parte por meio do confronto com as tomadas de posição de todos ou de parcela daqueles que também estão engajados no campo (e são outras encarnações distintas, e antagônicas, da relação entre um habitus e um campo): o espaço dos possíveis realiza-se nos indivíduos que exercem uma “atração” ou uma “repulsão”, a qual depende do “peso” deles no campo, isto é, de sua visibilidade, e da maior ou menor afinidade dos habitus que leva a achar “simpáticos” ou “antipáticos” seu pensamento e sua ação. (Bourdieu, 2005, p.55)

Julgo oportuno ressaltar que, para Bourdieu, habitus é um conceito em mutação que diz

respeito às estruturas mentais e sociais, que por sua vez são resultantes da posição que o

indivíduo ocupa no campo. O habitus é uma forma de disposição para práticas de grupo ou

classe, ou seja, é a interiorização de estruturas objetivas das suas condições de classe ou de

grupo sociais que gera estratégias, respostas ou proposições objetivas ou subjetivas para a

resolução de problemas postos de reprodução social . O habitus se modifica de acordo com o

campo. A questão da linguagem é um bom exemplo: A maneira de falar está relacionada à

posição que se ocupa no campo e corresponde a uma relação hierárquica, determinante na

posição social. Na concepção de Bourdieu, o habitus não está relacionado à intenção, mas

submetido às circunstâncias das estruturas do campo.

O conceito de habitus ocupa uma posição chave na construção da teoria de Bourdieu,8 na

medida em que permite articular o individual e o social, as estruturas internas da subjetividade

e as estruturas sociais externas, que o permite compreender que tanto uma quanto outra não se

excluem, ao contrário, são dois estados da mesma realidade que se inscreve e se deposita nos

corpos e nas coisas. O habitus se manifesta principalmente pelo senso prático, ou seja, pela

atitude para agir, mover-se e orientar-se no campo, segundo a lógica e situação em que se está

envolvido, tudo isso sem recorrer ao consciente, graças às disposições adquiridas.

Como citado anteriormente, para examinar a formação acadêmica de Darcy Ribeiro

trabalharei com o universo sociocultural do campo científico e nele o papel das Ciências

Sociais. Bourdieu define campo como:

O universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas. A noção de campo está aí para designar esse espaço relativamente autônomo, esse microcosmo dotado de suas leis próprias. Se, como o macrocosmo, ele é submetido a leis sociais, essas não são as mesmas. Se jamais escapa às imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada. (Bourdieu, 2004b p. 20/21)

Bourdieu (1996c) desenvolveu seus estudos levando em conta que os atores sociais

pertencem, espacialmente falando, a campos sociais, onde as disputas são mediadas por

determinados capitais (social, cultural, econômico, político, entre outros). A autonomia dentro

do campo é relativa, já que em determinados momentos não se pode fugir de influencias

externas, mas precisamente do campo político e econômico. O campo científico, por exemplo,

destaca-se por ser um campo que possui um alto grau de codificação. Essa codificação é

determinada pelo valor atribuído ao objeto (um diploma, por exemplo), a crença com que o

campo e os atores nele envolvidos o atribuem. Para Bourdieu (1996b) “o produtor do valor da

obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que

produz o valor da obra de arte como fetiche ao produzir a crença no poder criador do

8Sobre o assunto, consultar Accardo, Alain e Corcuff, Philippe, La Sociologie de Bourdieu, in Textes Choisis et Commentés, 2ème édition revue et augmentée. Boudeaux, Editions Le Mascaret, 1986.

artista.” A economia simbólica só funciona a base de reciprocidade. Um professor

universitário, que pode estar no ápice acadêmico, e consequentemente no topo hierárquico na

disputa dentro desse campo, não necessariamente ocupará a mesma posição em outros

campos. Em um pelotão do exército, por exemplo, esse professor não possuiria o volume de

capital necessário para estar no topo hierárquico, uma vez que não possui nenhuma tática de

sobrevivência ou habilidade para operar armas de fogo com maestria. O campo científico

funciona da seguinte forma:

O que comanda os pontos de vista, o que comanda as intervenções científicas, os lugares de publicação, os temas que escolhemos, os objetos pelos quais nos interessamos, etc. é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes, que são, para empregar ainda a metáfora “einsteiniana”, os princípios do campo. É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam nessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de posição. (...) Essa estrutura é, grosso modo9, determinada pela distribuição do capital científico, num dado momento. Em outras palavras, os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas, contrariamente, cada agente age sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto seu peso relativo seja mais frágil. Essa pressão estrutural não assume, necessariamente, a forma de uma imposição direta que se exerceria na interação (ordem, influência, etc.). (Bourdieu, 2004b p. 23/24)

De acordo com Bourdieu (2004b), “os campos científicos, quanto mais autônomos, mais

escapam às leis sociais externas.” Quanto maior a autonomia, mais baseada na ciência é a

disputa. Para Bourdieu (2004b) dois tipos de capital operam dentro do campo científico: o

capital institucionalizado, que se refere a cargos e posições importantes em laboratórios e

instâncias dentro das instituições científicas, tais como comissões, departamentos, bancas

avaliadoras, etc. O capital específico é aquele que se refere exclusivamente à ciência,

adquirido através de reconhecidas contribuições ao progresso da mesma, invenções ou

descobertas. O capital específico tem algo de “carismático” uma vez que é difícil de se

transmitir na prática. Já o capital institucionalizado tem as quase mesmas regras de

transmissão de outras espécies de capital burocrático.

O campo científico supõe a existência de agentes dotados de um habitus diferente daquele dos indivíduos inseridos no campo político. De modo geral, todo campo exerce sobre os agentes uma ação pedagógica multiforme, que tem como efeito fazê-los adquirir os saberes indispensáveis a uma inserção correta nas relações sociais. (Bonnewitz, 2003 p. 85)

Bourdieu (2004b) ressalta que os conflitos intelectuais são sempre, de alguma forma, conflitos

de poder que abrangem, ao mesmo tempo, uma dimensão científica e uma dimensão política.

9 As palavras foram grifadas pelo autor.

Para que progrida a cientificidade é preciso progredir junto a autonomia, somente sujeita à

imposições da coerência lógica e da verificação experimental.

É com base nessa teoria de Pierre Bourdieu que pretendo analisar o campo científico que

Darcy vivenciou em sua formação como cientista social. Busco analisar o campo científico e

as posições nele ocupadas por Darcy, que de acordo com Bourdieu (1996b) “é o espaço das

relações de força entre agentes ou instituições que tem em comum possuir o capital necessário

para ocupar posições dominantes nos diferentes campos (econômico ou cultural,

especialmente)”. Para entender a formação de Darcy enquanto cientista social, é preciso antes

saber o que o levou a se interessar por tal campo.

2.1. A FORMAÇÃO INTELECTUAL

Desde jovem, ainda aos 14 anos, Darcy já nutria um interesse pelos livros, algo pouco comum

entre as crianças de sua idade. Lia desde os romances que existiam disponíveis em sua cidade,

até os livros da biblioteca de seu tio Plínio. Um dos grandes intelectuais da cidade, Plínio

Ribeiro foi uma grande influência para Darcy, que tomou gosto pelo mundo intelectual,

diferenciando-se, até certo ponto, do cotidiano dos meninos de sua região. Através de seu tio,

Darcy, ainda em Montes Claros, tinha nas leituras a possibilidade de saber mais sobre o

mundo:

Minha cidade é do interior de Minas. A ignorância era tão grande... na minha casa tinha dois jornais: Ave Maria, um jornal que minha mãe assinava, e o jornal que ela recebia como professora primária, chamado Minas Gerais. No Minas Gerais, de vez em quando, surgia, na segunda página, algum artigo assim pretensamente cultural. Ali eu via falar de Goethe, por exemplo, no centenário de Goethe. Para obter uma idéia de como esse negócio era asnático – e de como eu estava fechado, e aquele mundo era fechado – durante muito tempo, durante quase todo o período da guerra espanhola, eu acompanhei-a pela Ave Maria, aquela revista pia, e eu não entendia porque os comunistas queriam comer as freiras. Era uma coisa louca. Eu tinha uma tia freira, e as freiras todas da Santa Casa e do colégio eram muito feias. E comunista era aquele que queria comer freiras. Então, é um negócio muito extravagante. Era preciso um grau de ignorância tremenda, para alguém pensar a guerra espanhola como comunista querendo comer freiras. Só por acaso, meu tio veio do Rio de Janeiro e levou para Montes Claros uma revista Pan. Essa revista Pan teve a importância enorme na minha vida. Ela me caiu na mão e com essa revista eu aprendi espanhol e aprendi o mundo, ao mesmo tempo, porque era uma revista política que dava uma imagem do mundo. Então a guerra espanhola estava explicada. Era uma guerra empolgante, e eu tomei posição e partido naquela guerra. Fiquei sabendo o mundo. (RIBEIRO, 1985a, pp. 2-3 In: MATTOS, 2007, p. 20).

Essas leituras abriram os horizontes do jovem Darcy que, em 1939, perto de completar

dezoito anos, vai para a capital mineira e ingressa no curso preparatório da Faculdade de

Medicina de Belo Horizonte. Aos poucos, paralelamente às reprovações em medicina, e

diante da possibilidade de assistir aulas de outros cursos, vai descobrindo o interesse por

outras áreas. À noite, depois das aulas, nos bares de Belo Horizonte, as conversas eram sobre

o contexto político que efervescia na época. É dessa forma que a identificação com os

comunistas ganha corpo e Darcy começa a militar no Partido. Descobre então que a medicina

não era sua real vocação e seu interesse pelos problemas sociais e do mundo o fazem repensar

sua formação. Passa a cabular as aulas de medicina para assistir aulas de outros cursos, como

filosofia e direito. O comunismo atrai Darcy pela sua preocupação10 com o futuro da

humanidade, com o destino dos homens. Foi o comunismo que manteve Darcy vinculado à

história, preocupado com o mundo real. É relevante lembrar que, em um contexto nacional,

eram os anos do Estado Novo, e em nível mundial, eram os anos de II Guerra Mundial, o que

tornava essa discussão política e ideológica ainda mais acalorada. Através dos comunistas,

Darcy leu11 uma bibliografia que incluía autores como Marx, Spencer, Schopenhauer, Freud,

Nietzche, etc. Desde jovem, essa temática já chamava sua atenção. Em uma de suas atividades

paralelas à medicina associou-se ao movimento estudantil do diretório central de Minas

Gerais. É assim que Darcy conhece Donald Pierson, quando o convida para uma palestra no

diretório estudantil em Belo Horizonte:

Convidei de São Paulo, para uma conferência no diretório estudantil, o sociólogo norte-americano Donald Pierson, catedrático de Sociologia e Antropologia Social na Escola Livre de São Paulo. Mostrei Ouro Preto e Mariana para ele, a prosa foi boa, e o impressionei como jovem brilhante. Ele, então, me deu uma bolsa para estudar sociologia política em São Paulo. Anos depois, ele se queixava, dizendo que tinha má pontaria: todo jovem por quem se interessava, como o Florestan Fernandes e eu, acabava se revelando comunista... Ele queria ter criado um sociólogo como ele, de direita, e não conseguiu. (RIBEIRO, APUD ZARVOS, Guilherme,2007, p. 202)

Darcy aceita a bolsa e o convite de Donald Pierson e parte para São Paulo, com a finalidade

de estudar Sociologia Política na Escola Livre de Sociologia Política (instituição à qual dedico

maior atenção no segundo capítulo deste trabalho). Inicia o primeiro ano do curso de bacharel

em Ciências Políticas e Sociais no ano de 1944. Ao longo dos três anos de seu curso cursou

com aproveitamento as seguintes disciplinas:

1ª série – 1944: Elementos de Biologia – 7,3; Etnologia Geral – 9,3; Estatística – 6,0; Fisiologia do Trabalho – 7,5; Introdução à Ciência da Sociologia – 9,1; Introdução à Psicologia – 8,5; Estatística I – 5,0 (aproximadamente); Ciência Política – 8,8. No ano de 1944, a escala de notas se dividiu da seguinte maneira: Aprovação Simples: 5,0 a 6,9; Aprovação Plena: 7,0 a 8,9; Distinção: 9,0 a 9,9; Grande Distinção: 10

10 Depoimento no programa Roda Viva. Disponível em http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/63/entrevistados/darcy_ribeiro_1995.htm acessado em 10/09/08 11 Ver RIBEIRO, Darcy. 1997. Confissões. São Paulo: Cia das Letras.

2ª série – 1945: Organização e Desorganização Social – 8,0; Introdução à Antropologia Social – 6,5; Introdução à Psicologia Social – 7,1; Psicotécnica – 7,6; Estatística II – 7,1; Higiene Social – 6,5; Introdução à Economia – 7,7. O ano de 1945 teve a seguinte escala de notas: Aprovação Simples: 6,0 a 6,9; Aprovação Plena: 7,0 a 8,9; Distinção: 9,0 a 9,9; Grande Distinção: 10 3ª série – 1946: Administração Pública – 7,8; Economia Internacional – 7,3; Estatística III – 7,0; Etnologia Brasileira – 9,6; Finanças Públicas – 7,8; Higiene Mental e Psicanálise – 8,0; História das Doutrinas Econômicas – 8,5; História Econômica do Brasil – 7,6; História Social e Política do Brasil – 8,1; Serviços Sociais – 7,7. A escala de notas em 1946 foi a seguinte: Aprovação Sofrível: 6,0 a 6,9; Aprovação Simples: 7,0 a 7,9; Aprovação Plena: 8,0 a 8,9; Distinção: 9,0 a 9,9; Grande Distinção: 10

É importante ressaltar que, antes mesmo do aprendizado com os professores em sala de aula,

uma questão colaborou de forma crucial para a formação acadêmica de Darcy Ribeiro: assim

como as leituras que fazia quando menino e a militância no Partido Comunista, a bolsa de

trabalho que Darcy recebeu de Pierson foi de extrema importância em sua formação. Não

apenas por possibilitar sua ida à ELSP e sua especialização em Etnologia, mas por fazer com

que Darcy enxergasse, desde cedo, a possibilidade de aplicar a sociologia ao exame dos

problemas brasileiros:

[...] duas coisas me salvaram do academicismo fútil. Primeiro, o fato de ser comunista na ocasião, impedindo que eu me desvinculasse da história, e me desinteressasse do mundo real, concreto, meu. (...) O segundo fato que impediu minha alienação completa foi puramente acidental. Minha bolsa na Escola de São Paulo era de trabalho. Assim é que, ainda estudante em São Paulo, tive de ler um número enorme de obras de interesse social, toda literatura que envolvesse sociologia. E li não apenas o ciclo de romances regionalistas e coisas do gênero, como também Sílvio Romero, Capistrano, Oliveira Vianna e outros autores. Isso foi muito importante pois assim tomei contato com o pensamento brasileiro que no meu curso jamais seria objeto de interesse, senão, talvez, como exemplos desprezíveis de filosofia social. Obrigado pela bolsa, tive que me inteirar dos estudos brasilianos. Não somente no campo da ficção mas também na ensaística, inteirando-me assim de algum modo – ainda que precariamente – dos esforços dos brasileiros para compreender-se a si mesmos. Como vêem, o ativismo político, a herança brasilianista e o interesse literário provavelmente impediram que eu me convertesse num acadêmico completo, perfeitamente idiota. Desses que só servem para pôr ponto e vírgula nos textos de seus mestres estrangeiros e cujo ideal é viver no exterior, fazer um doutorado e voltar, depois, para capitalizá-lo e papagaiando. (RIBEIRO, APUD ZARVOS, Guilherme, 2007, p. 86-88)

Esse contato com o pensamento social brasileiro, que tanto marcou Darcy, ficou, de início,

restrito às atividades da bolsa. Em sala de aula, as leituras eram outras. Em minha pesquisa de

campo, no arquivo da FUNDAR, encontrei alguns textos da cadeira de Antropologia Social,

ministrada pelo professor Antonio Rubbo Muller, entre eles, O Desenvolvimento da

Antropologia Social de Radcliffe-Brown (uma palestra realizada na Divisão de Ciências

Sociais, na Universidade de Chicago em 01/12/36) e A Organização Social de Tribos

Australianas (III Parte) também de Radcliffe-Brown. É interessante perceber que, além de

grifos pessoais nos textos, as apostilas de Darcy tinham no verso de cada folha uma espécie

de resumo, um diálogo que ele fazia com os textos a partir de sua própria leitura, construindo

assim, um método próprio de estudo. Dentre as observações mais interessantes de Darcy

Ribeiro, está as que fazia sobre o conceito de ciência. Em seu trabalho prático de biologia, no

qual obteve nota máxima, Darcy Ribeiro diz que “A distinção entre fenômenos físicos,

biológicos, sociológicos, etc. é uma “distinção acadêmica”, que não tem sentido na realidade.

As fronteiras entre as ciências não existem, senão no espírito dos cientistas.” Ao longo desse

trabalho, Darcy faz uma precisa associação entre as ciências sociais e a biologia, mostrando

argumentos pelos quais acreditava ser impossível desassociar uma ciência da outra:

Posto isso, que o mundo fenomenológico encontra-se assim dividido por uma simples “divisão de trabalho”, estudemos o caso particular da biologia e da sociologia. Biologia é a ciência da vida e, como tal, aquela parte do conhecimento humano que se refere ao fenômeno vida. O homem é um aspecto, um caso particular desse fenômeno, uma forma de ser. A biologia o estuda enquanto tal e somente deste ângulo, assim como a física o estudaria, como uma massa em que atua uma força, produzindo um movimento. Ora, todas as ciências sociais estudam no homem sua capacidade e forma de associação. A sociologia, mais particularmente, como ele, fisicamente isolado dos outros e biologicamente capaz de vida a parte – embora cultural e geneticamente subordinado, devo acrescentar – se organiza em grupos que podem agir como realidade própria. Vê-se, pois, claramente, que o conhecimento deste aspecto do homem é dependente do estudo de seus outros aspectos, assim, dos funcionais biológicos, etc., como de sua objetivação psicológica, isto é, como uma totalidade, uma unidade. Dr. Donald Pierson analisando as várias ciências, a partir dos conceitos de integração e desintegração de todas as coisas, em virtude do antagonismo de força, sempre presente, situa a sociologia como estudo: dos processos pelos quais as “pessoas” se combinam em grupos capazes de ação conjunta, e estes grupos, subseqüentemente se desintegram, perdem sua solidariedade. Deste ponto de vista, a biologia seria a disciplina que estuda: 1) os processos pelos quais os compostos químicos complexos, se combinam em células e as células se desintegram em suas partes isoladas; 2) os processos pelos quais as células se combinam em organismos vivos (um dos quais é o homem), e os organismos se desintegram em suas partes componentes na classificação das ciências segundo um critério de “complexidade crescente e generalidade decrescente” (Augusto Comte), encontramos a sociologia, imediatamente depois da biologia e assim dependente desta. Spencer defendendo a continuidade do mundo orgânico, inorgânico e super-orgânico, encara a sociologia como um organismo, isto é, em termos biológicos; em virtude da divisão do trabalho e do crescimento contínuo, comum às sociedades e aos organismos. Aplica assim, à sociologia o postulado central de seu sistema: a evolução faz-se por integração, crescimento em massa e passagem do homogêneo difuso ao heterogêneo ordenado, tese largamente aceita pelos biólogos do tempo. É interessante notar que esta integração entre a biologia e a sociologia, não é uma tese isolada, mas um ponto de vista participado por inúmeros biólogos e sociólogos. Vemos, assim, ao lado de sociólogos pensando em termos biológicos, biólogos visando conceitos das ciências sociais; é o caso de, por exemplo, Henri-Milne-Edward procurando provar que a divisão do trabalho existe, tanto nas criações da natureza como nas industrias humanas, ou Darwin procurando nas idéias do economista Maltus inspiração para edificar sua teoria. Por outro lado o “organicismo” de Spencer tem suas raízes no pensamento de sociólogos que objetivaram problemas sociais com óculos de biólogos e vice-versa. Este é o caso de Lilienfield em que a concepção organicista da sociedade alcança o máximo quando leva sua comparação aos detalhes mínimos. Além dele, Greef com seus

“hiper organismos”, Schaettle com seu “cosmos moral”, Espinas vendo já no indivíduo uma sociedade; Worms fazendo da sociologia simples prolongamento da biologia. Desta forma, podemos afirmar que antes de alcançar sistematização de ciência natural, a sociologia foi, como suas mais próximas correlatas, profundamente influída por todas as grandes teorias que, nos últimos tempos revolucionaram a biologia. A teoria celular, por exemplo, correspondeu a “concepção nuclear” da sociedade; ao evolucionismo, a “concepção organicista” à mais recente ecologia corresponde o mesologismo da última geração de sociólogos e a genética concorrera, sem dúvida, para a melhor compreensão de certos aspectos dos fenômenos sociológicos.

Vale observar a nítida compreensão de Darcy sobre o método de análise funcional

Piersoniana, que tem como princípio orientador a idéia de que os fatos sociais devem ser

sistematicamente descritos e estudados levando-se em conta seu contexto e sua

interdependência. Donald Pierson, mencionado por Darcy nesse trabalho de biologia, foi um

de professores na ELSP12 que exerceu uma influência marcante em sua formação acadêmica.

"Sob a influência de Donald Pierson, o Brasil surgiu como objeto das preocupações de Darcy

Ribeiro" (LÔBO et alii, 2008, p.20). Ao longo de sua vida, Darcy manteve ativa a

correspondência com aquele de quem herdou a seriedade e o comprometimento para encarar a

ciência, e cujas lições de uma sociologia científica voltada para a pesquisa de campo lhe fez

perceber como o culto mineiro à erudição era enfermidade do espírito. Em trecho de uma

carta13 do acervo da FUNDAR, Darcy escreve ao mestre recordando os encontros e

desencontros:

[...] lembro-me sempre, com prazer, daqueles idos da década de 40 em que eu era seu aluno e freqüentava sua casa, tomando chá gelado com folhas de hortelã e comendo biscoitos. Lembro-me, porém, principalmente, de suas lições como mestre de uma sociologia científica voltada para a pesquisa de campo que me permitiu perceber como o culto mineiro à erudição era uma enfermidade do espírito. Nunca concordaram foi o seu objetivismo supostamente neutro e a minha paixão política participativa.14 Isto mesmo, de resto, eu vejo hoje com outros olhos, como posturas que correspondem a intelectuais de países em situação oposta. Um, tendo dado certo, não espera nada de sua sociologia. Outro, que tendo fracassado até agora na realização de suas potencialidades, pede a ciências sociais diagnósticos de programas. [...]

Darcy cursou, sob a orientação de Pierson, um seminário de métodos em ciências sociais, e

nas anotações que fez em seu caderno15 pude observar mais algumas informações sobre as

orientações que recebeu de Pierson, no que diz respeito à forma de encarar a ciência:

12 Sobre a influência, a importância e contribuição de Donald Pierson para a consolidação do projeto pedagógico da Escola Livre de Sociologia Política, consultar LÔBO et alii, 2008; SIMÕES apud MATTOS, 2007. Doutor pela Universidade de Chicago, Pierson traz dessa Escola de Chicago a proposta de pesquisa empírica, que se projetava como um modelo científico de Sociologia. Naquela ocasião, a Escola de Chicago privilegiava as pesquisas sobre contato racial e cultural e o Brasil era considerado um lugar especial para realizá-las. 13 Carta de 10/05/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR. 14 Grifei esta frase para chamar a atenção do leitor. 15 Caderno de aula pertencente ao acervo Darcy Ribeiro da FUNDAR

[...] A ciência hoje sofre de várias falhas em relação à ciência moderna, prejuízo devido a suposições filosóficas, pontos de vista e idéias correntes naquela época: 1- ignoravam os fatos excepcionais; 2 – não tinham novos fatos; 3 – ignoravam os processos. Era também inerente ao ponto de vista grego a desnecessidade de descrever processo, no que está em oposição à ciência moderna, que dá ênfase a este trabalho. [...]

Ao destacar aspectos como uma sociologia voltada para a pesquisa de campo e ênfase em

apreender os fatos e os processos, percebe-se na formação de Darcy a perspectiva

metodológica da Escola de Chicago, da qual Pierson era adepto. Essa influencia é parte da

nova ideologia que toma conta da ELSP com a chegada de Pierson, em 1939, fato que abordo

no próximo capítulo desse trabalho, onde falo da consolidação do campo das Ciências Sociais

no Brasil. Uma observação, porém, se faz necessária. Darcy manifesta, na carta acima, um

desacordo entre ele e Pierson: Nunca concordaram foi o seu objetivismo supostamente neutro

e a minha paixão política participativa. E mais: "eu vejo hoje com outros olhos, como

posturas que correspondem à intelectuais de países em situação oposta. Um, tendo dado

certo, não espera nada de sua sociologia. Outro, que tendo fracassado até agora na

realização de suas potencialidades, pede a ciências sociais diagnósticos de programas. A

preocupação com o papel que as Ciências Sociais deveriam desempenhar no Brasil já era

determinante para Darcy desde o início de sua formação: o país fracassado na realização de

suas potencialidades pede socorro às Ciências Sociais para diagnosticar seus problemas. É

interessante observar a expressão: eu vejo com outros olhos, porque ela parece indicar uma

percepção operada na visão de Darcy pelas lições de uma sociologia científica voltada para a

pesquisa de campo que lhe fez entender como o culto mineiro à erudição era enfermidade do

espírito. Conhecer realidades diferentes de seu mundo mineiro significou para ele assumir

compromisso com elas, ter responsabilidade, obrigar-se a trabalhar em proveito da superação

do fracasso do Brasil na realização de suas potencialidades. Por seu lado, Pierson respeitou

sempre a autonomia intelectual de Darcy, numa relação pedagógica de liberdade e

independência moral e intelectual. A ELSP foi de extrema importância na formação de Darcy

Ribeiro, não só por proporcionar a este um contato com cientistas de primeira grandeza, mas

também por permitir que Darcy fizesse parte de um campo que estava em ascensão no país,

como veremos no próximo capítulo.

3 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO R IO DE JANEIRO E

EM SÃO PAULO

Parte primordial deste trabalho é a análise da atuação de minha personagem no campo das

Ciências Sociais brasileira. Antes, porém, julgo necessário contextualizar o campo que Darcy

encontrou depois de formado como etnólogo, e para isso, traço um perfil da

institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, em especial no eixo Rio de Janeiro – São

Paulo.

Sergio Miceli (2001) ressalta que no período compreendido entre a década de 1930 até 1964,

as Ciências Sociais no Brasil estiveram atreladas à organização universitária e a recursos do

governo para a criação de centros de debates e investigações sem vínculo com o ensino

superior.16 Ao analisar o desenvolvimento dessas ciências em nosso país, Miceli ressalta que,

por ocasião de sua implementação, o perfil das Ciências Sociais nas diferentes regiões de

nosso país variou de acordo com o campo em que as mesmas se instalam:

[...] o perfil intelectual das Ciências Sociais brasileiras variou em medida considerável conforme a margem de distância institucional em relação às escolas superiores tradicionais, conforme o grau de autonomia em face de seus mentores políticos, partidários e/ou confessionais, enfim conforme o espaço social de recrutamento dos quadros profissionais para as novas disciplinas. O tipo de relacionamento com as escolas superiores tradicionais fornece subsídios indispensáveis, quer sobre o perfil classista dos futuros profissionais das Ciências Sociais se comparado aos seus contemporâneos das profissões liberais, quer sobre as modalidades propriamente intelectuais de incorporação da ciência social estrangeira da época em suas diversas vertentes doutrinárias e famílias de pensamento (jurisdicista, politicista, espiritualista, culturalista, racista, etc.), quer afinal sobre os espaços conquistados de autonomia acadêmica, financeira e política. Os padrões de relacionamento entre os cientistas sociais e seus mentores políticos, partidários e/ou confessionais, permitem dilatar a caracterização de sua posição na estrutura social e, em especial, o lugar que ocupam no interior dos grupos dirigentes. (MICELI, Sérgio, 2001, p. 93)

É importante explicitar os diferentes rumos tomados pelas Ciências Sociais nas regiões

pioneiras em que se deu o desenvolvimento desses estudos em nosso país. Um levantamento

estatístico feito por Miceli (2001) aponta que, em São Paulo, os adeptos dessas novas

disciplinas eram, em sua maioria, mulheres e/ou descendentes de imigrantes que, embora

fossem abastados do ponto de vista material, não possuíam tradição em nível superior ou na

16 No Rio de Janeiro, por exemplo, a Antropologia era um ramo das Ciências Naturais do Museu Nacional, órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, nas décadas de 1920-30. Ver a esse respeito, LÔBO, Y. Berta Lutz. Ministério da Educação, Coleção Educadores. Recife, Editora Massangana, Fundação Joaquim Nabuco, 2009. (No Prelo)

política do Brasil, formando um perfil discente diferente daqueles encontrados nos cursos

tradicionais como Direito, Medicina e Engenharia. Os alunos das Ciências Sociais vinham em

geral de famílias tradicionais empobrecidas, oriundas do interior do Estado e também de

famílias ligadas ao magistério secundário, imprensa e burocracia estatal. Essa estatística pode

ser explicada pelo fato de os cursos de Ciências Sociais no Brasil se proporem a formar

alunos para a docência no ensino secundário, o que caracterizava uma carreira de boa

formação cultural com ambições profissionais e sociais mais humildes em relação aos cursos

tradicionais.

No início da década de 1930, a chegada de docentes estrangeiros, que incluíam nomes como

Roger Bastide, Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss, Herbert Baldus e Donald Pierson, nas

universidades paulistas marca uma virada nas Ciências Sociais desse estado. Acostumados

com a competição acadêmica européia, esses docentes transformam São Paulo em um centro

de ensino e pesquisa em tempo integral, com critérios acadêmicos de titulação, promoção e

avaliação:

O acesso às posições de comando e liderança esteve invariavelmente condicionado à produção e defesa do doutoramento, ao concurso para livre-docência e à conquista da cátedra, preenchendo-se esses lugares de preferência com licenciados nativos que firmaram sua reputação pela excelência de sua produção intelectual, pela herança presuntiva das posições em aberto com o retorno dos estrangeiros, ou então por uma combinação variável de ambos os fatores. (MICELI, Sérgio, 2001, p. 102)

As Ciências Sociais em São Paulo passavam então a se basear em critérios acadêmicos

propriamente ditos, como metodologia científica com trabalho de campo e excelência

intelectual. Miceli atribui essa autonomia científica ao fato de, em São Paulo, a organização

universitária dar-se em âmbito estadual, fazendo com que as Ciências Sociais florescessem

em espaços abertos (Departamento Municipal de Cultura, Revista do Arquivo Municipal,

Museus de Arte de São Paulo, entre outros), tomando um caráter acadêmico profissional e se

distanciando de questões políticas clientelistas.

No Rio de Janeiro a questão política imperava. A Universidade do Distrito Federal (UDF)

abrigava corridas por posições de destaque em uma disputa entre grupos políticos e/ou

ideológicos como esquerdistas, liberais, integralistas e católicos. Fundada por Anísio Teixeira

em 1935, a UDF, assim como a USP, estava ligada aos intelectuais que assinaram o Manifesto

dos Pioneiros da Educação Nova, que pregavam uma nova concepção de educação superior,

capaz de formar cidadãos aptos a mudar o destino do país. A idéia de Anísio Teixeira, grande

incentivador e idealizador da UDF, era a de estabelecer uma instituição que se constituísse em

centro de pesquisa e produção de conhecimento, com liberdade e autonomia para fazer

ciência. No entanto, impedida de fazer pesquisa científica pela falta de recursos e apoio

governamental, a UDF teve como característica a formação de docentes para todos os níveis

de ensino. Em 1939, a Universidade é fechada por decisão do Governo Federal, por influencia

de lideranças católicas junto ao Ministério da Educação. Surge então a Faculdade Nacional de

Filosofia (FNFi), amparada pelas mesmas lideranças católicas e, de acordo com Miceli (2001)

em sintonia permanente com o Ministro Capanema até a queda do Estado Novo (p. 101).

Vale ressaltar que a institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, que se iniciou na

década de 1930, teve como contexto histórico os governos de Getúlio Vargas na Presidência

da República. Entre 1930 e 1945, Vargas governou o Brasil em três fases distintas: na

primeira, de 1930 a 1934, no Governo Provisório, onde assumiu a chefia com plenos poderes

e governava o país através de decretos; de 1934 a 1937, no Governo Constitucional, eleito

pelo Congresso Nacional, sob voto indireto; e de 1937 a 1945, no Estado Novo, contexto nada

favorável à criação de instituições democráticas de saber e produção de ciência, devido ao

controle ideológico imposto às instituições. Sobre esse controle, Schwartzmann atesta:

A Igreja contribuiu, finalmente, para a seleção ideológica de funcionários ministeriais e professores, particularmente os da Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). Além da profusão de vetos e indicações de nomes que aparecem na correspondência entre Alceu Amoroso Lima e Capanema (e de muitos mais, seguramente, que não aparecem), houve uma influência direta da Igreja no fechamento da Universidade do Distrito Federal, criada por Anísio Teixeira e entregue mais tarde, por um breve período, à direção de Amoroso Lima. A Faculdade Nacional de Filosofia, organizada a seguir, também estava destinada a Amoroso Lima, que acaba, no entanto, não assumindo o posto, deixando-o para San Tiago Dantas, figura proeminente do movimento integralista dos anos 30. A seleção ideológica dos professores da Faculdade Nacional de Filosofia se fez principalmente para as disciplinas de conteúdo social e filosófico, mas esteve presente inclusive na escolha dos professores franceses convidados para o Rio, nos moldes da experiência paulista de 1934, A Universidade de São Paulo, no entanto, não esteve sujeita a um controle ideológico deste tipo, sendo talvez esta uma das razões pela qual tenha conseguido, na média, um corpo de professores de melhor qualidade e uma presença muito mais significativa na vida cultural do país. [...] Dentro do espírito do Estado Novo, o Ministério Capanema tratou de centralizar, tanto quando possível, a educação nacional (é de justiça assinalar que o centralismo não se originou com Capanema, estando também presente na legislação promulgada por Francisco Campos, em 1931, com raízes muito anteriores). Esta centralização foi, sobretudo, normativa. O Estado se sentia na necessidade de fixar, em lei, todos os detalhes da atividade educacional, dos conteúdos dos currículos aos horários de aula, passando pelas taxas cobradas aos alunos. O ideal, uma vez expresso, era repetir no Brasil o orgulho que diziam ter sido de Napoleão, ou seja, o de poder, em seu gabinete, saber a cada momento o que estava ensinando cada professor em qualquer parte do território nacional. A idéia de que as universidades, pelo menos, pudessem ter autonomia, era aceita em princípio desde a legislação promulgada em 1931 por Francisco Campos, mas desde então também cerceada pela noção, hoje tão conhecida, de que elas “ainda não estavam preparadas” para isto. O conteúdo do ensino deveria ser fixado por lei e sua manifestação concreta fixada em instituções-

modelo - o Colégio Pedro II e a Universidade do Brasil - que todos deveriam copiar. As instituições de ensino não poderiam crescer aos poucos e ir definindo seus objetivos ao longo do tempo. Mais inaceitável ainda seria a idéia de que elas pudessem evoluir segundo formatos, modelos e conteúdos distintos, Não havia lugar para incrementalismo e muito menos para pluralismo. (Schwartzmann, Simon, 1985, p. 267)

A FNFi tinha como projeto a formação de profissionais de nível técnico para atuar no ensino

secundário e nas áreas de educação e cultura a serviço do Estado. Essa forte interferência

política, responsável pelo fechamento da UDF, impediu que se estabelecesse no Rio de

Janeiro, o critério acadêmico instalado em São Paulo, já que os docentes estrangeiros que

desembarcaram na então capital federal tiveram que se submeter às pressões dos grupos

detentores do poder político.

No Rio de Janeiro, nos dois empreendimentos universitários citados verifica-se uma corrida política em torno das posições disponíveis, logo convertidas em alvos de clientelismo, e rapidamente preenchidas pelos docentes estrangeiros “acima de qualquer suspeita” doutrinária, por jovens provincianos recém-chegados ao Rio na cola de algum protetor ou mandachuva político e por docentes transferidos de cátedras do ensino jurídico ou médico, alguns desses últimos tendo dado provas de serem intelectuais de primeira linha (Vítor Nunes Leal, por exemplo). (MICELI, Sérgio, 2001. p. 102)

No Rio de Janeiro, as universidades que prosperaram foram as que tinham a Igreja Católica

no controle, deixando os critérios acadêmicos e intelectuais de lado, andando sempre lado a

lado com iniciativas políticas. Enquanto São Paulo prosperava academicamente, com

acontecimentos como a fundação da Sociedade de Sociologia de São Paulo, em 1934, e a

realização do I Congresso Brasileiro de Sociologia, o Rio de Janeiro tinha homens que faziam

de suas funções acadêmicas mais uma entre várias atividades de prestigio que ostentavam. É

importante ressaltar um fato interessante apontado por Miceli (2001) de que as Ciências

Sociais no Rio de Janeiro sofreram influências do ensino jurisdicista e militante, priorizando

questões desenvolvimentistas na escala de relevância intelectual, o que, mais uma vez,

direcionava o estudo das Ciências Sociais para a questão política. O fato das Ciências Sociais

no Rio estarem vinculadas à questão política explica-se pelo fato de muitas das pessoas17 que

ocupavam os cargos acadêmicos no Rio de Janeiro serem bacharéis em Direito, curso que

formava os líderes políticos do país:

O treinamento acadêmico dos futuros quadros da política profissional, o polimento das “vocações” e postulantes às carreiras políticas (executivas, parlamentares, judiciárias, etc.), os conflitos doutrinários entre facções ideológicas concorrentes, o enfrentamento das forças e mandatários governistas, o envolvimento com os temas e questões políticas mais candentes, em suma todos os lances em torno dos quais vai tomando corpo o trabalho político tinham lugar no âmbito privilegiado da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nela tiveram alento as lideranças

17 Para citar alguns exemplos temos Hélio Jaguaribe, Candido Antônio José Francisco Mendes de Almeida, João Paulo Almeida Magalhães, entre outros.

políticas do período democrático, muitas delas atuantes até hoje. Todos eles fizeram aí sua aprendizagem política, concorrendo nas chapas para o diretório, participando de marchas e eventos de resistência ao regime autoritário, assinando manifestos e buscando firmar um espaço próprio para a representação estudantil (UNE, etc.), mobilizando docentes e, por fim, enquadrando-se nos movimentos e partidos que iam tomando feição nos primórdios do processo de redemocratização em meados dos anos 40. (MICELI, Sérgio, 2001. p. 111)

Paralelamente a essa dominação do Direito no campo acadêmico e político brasileiro, Helgio

Trindade (2006) aponta as fundações da ELSP em São Paulo e da UDF no Rio de Janeiro

como marco da implantação das Ciências Sociais no Brasil. Trindade cita ainda o fim do ciclo

da República Velha, através da Revolução de 1930, como fator importante nesse processo.

Isso porque, com a mudança do cenário político, São Paulo foi excluído do poder nacional,

mobilizando sua elite em um novo movimento educacional para formar novas lideranças

regionais, a partir da criação da ELSP e da USP, em 1933 e 1934, respectivamente.

Na ELSP a presença de sociólogos estrangeiros marca os primeiros anos de funcionamento da

Escola. Fundada em 1933 e integrada em 1938 à USP como instituição complementar, a

ELSP tinha a finalidade de formar profissionais técnicos, para melhorar a competência

administrativa do país. O ensino da ELSP tinha fins práticos, com cadeiras aplicáveis ao

estudo dos problemas nacional. Essa ênfase empírica espelha-se também nas pesquisas de

campo e tem o objetivo de permitir aos profissionais formados uma intervenção prática na

realidade brasileira. Em 1939, essa filosofia inicial perde força com a chegada de Donald

Pierson. Inicia-se um viés acadêmico no intuito de formar sociólogos profissionais, mantendo

a essência da pesquisa empírica.

Fundada em 1934, um ano depois da ELSP, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras

(FFCL) trazia um projeto muito mais ambicioso e amplo, apoiado por recursos públicos. Isso

causou uma queda no número de matrículas da ELSP que, em conseqüência, preparou um

documento com o objetivo de demonstrar que a instituição ainda tinha razão de ser, pois que

suas finalidades eram diferentes da FFCL. Enquanto a FFCL tinha por fim formar uma elite

de professores secundários, a ELSP dedicava-se a formar técnicos capacitados para mudar a

administração nacional. A FFCL possuía um ensino teórico e geral e a ELSP um viés prático

e aplicado, com ênfase nas pesquisas de campo. Essa atenção especial à pesquisa, aliada a

Pós-Graduação que mais tarde se instalaria na ELSP, tornaria essa escola uma opção

interessante para os recém formados na FFCL, onde a pesquisa era uma atividade ausente.

(LIMONGI, Fernando, 2001)

Nesse processo de desenvolvimento das duas instituições o papel dos professores estrangeiros

foi de extrema importância no sentido de ruptura com o “ensaismo social e político” da

geração anterior (Trindade, 2006 p. 78). Entram em cena os “estudos de comunidade”,

oriundos da Escola de Chicago18.

Na década de 1940, surgem no Rio e em São Paulo os cursos de pós-graduação (Mestrado e

Doutorado em Antropologia, Sociologia e Ciência Política pela USP e Mestrado e Doutorado

em Ciências Sociais pela ELSP e pela Universidade do Brasil). A década de 1950 é destacada,

tanto por Trindade (2006) quanto por Miceli (2001), como o período em que se percebem os

frutos das primeiras gerações de sociólogos, que começam a apresentar trabalhos acadêmicos,

marcando suas atuações no campo das Ciências Sociais brasileira. Além desses trabalhos, a

década de 1950 traz novas instituições para o cenário brasileiro, principalmente no Rio de

Janeiro, onde o fechamento da Universidade do Distrito Federal resultou em uma dispersão

dos estudiosos da área por diversos centros de estudo. Nessa década surgiram diversas

instituições, tais como: o Instituto Brasileiro de Direito Público e Ciência Política, vinculado

à Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do qual fizeram parte nomes com Bilac Pinto e Vitor

Nunes Leal, entre outros. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o Centro Brasileiro de

Pesquisas Educacionais (CBPE-INEP-MEC) e a criação da Pontifícia Universidade Católica

(PUC), fruto da reunião das Faculdades Católicas.

De acordo com o relatório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES), desenvolvido pelos professores Edison Carneiro e Costa Pinto, outro fator

importante como marco da institucionalização das Ciências Sociais no Brasil foi a

organização dos trabalhos que alguns estudiosos das Ciências Sociais já desenvolviam,

individualmente, sem vínculo com qualquer instituição, principalmente em estados como

Minas Gerais, Pernambuco e Bahia. Segundo Costa Pinto e Edison Carneiro, naquele

momento, os estudos de nível superior no Brasil eram caracterizados por um “bacharelismo”

que incluía nesse contexto até mesmo as ciências médicas. Por essa razão, os estudantes

precursores das Ciências Sociais, após muitas manifestações contra essa influência

bacharelesca, tiveram seus esforços premiados com a criação de cursos de nível superior, no

18 Na sociologia, a Escola de Chicago foi considerada um movimento intelectual de tendência empírica datado do início do século XX e marcado pelo desenvolvimento de pesquisas em direção ao que é hoje conhecido como sociologia qualitativa, numa associação entre empirismo e trabalho concreto de campo. Consultar a esse respeito, COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas; Papirus Editora, 1995.

início da década de 1930, em São Paulo, sob uma nova perspectiva científica, diferente

daquela de cunho normativo e formal, que fosse capaz de oferecer os instrumentos para

estudar a realidade social brasileira. (CAPES, 1955). Miceli (2001) ressalta que só em 1941

inaugurou-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o primeiro curso de Ciências

Sociais em nível universitário em Minas Gerais, que encerrou suas atividades em 1942 por

falta de alunos. As atividades do curso foram reiniciadas somente em 1947, e em 1953 a

Faculdade de Ciências Econômicas abriu os cursos de Sociologia Política e de Administração

Pública. Micelli caracteriza esses autodidatas, apontando para grupos de jornalistas, bacharéis

e intelectuais de esquerda, que, insatisfeitos com o rumo da política, escrevem ensaios de

interpretação política e críticas militantes nas mais diferentes formas: poesias, romance,

crítica literária, fugindo assim dos padrões de produção acadêmico/científica. Micelli cita

também Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala), Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do

Brasil) e Caio Prado Jr. (Evolução Política do Brasil) como autores bem sucedidos, sem

vínculo com instituições universitárias, que produziram grandes “retratos do Brasil”.

É a partir dessa mudança, que se iniciou na década de 1930, que as Ciências Sociais no Brasil

passam a ganhar espaço no campo acadêmico e começam a sair da sombra de cursos como

engenharia, direito e medicina. Além de marcar o surgimento das Ciências Sociais

institucionalizadas em nosso país, a década de 1930 protagonizou também uma explosão de

instituições particulares de direito, engenharia e medicina, o que causou uma crise no ensino

dessas disciplinas, tornando a oferta bem maior do que a demanda. De acordo com estatísticas

mostradas por Miceli (2001), no ano de 1932 se podia encontrar nove faculdades politécnicas

(duas estaduais, duas federais e cinco particulares), onze faculdades de medicina (três

estaduais, três federais e cinco particulares) e vinte e uma faculdades de direito (cinco

estaduais, três federais e treze particulares). A predominância desses cursos fez com que a

falta de espaço no campo para os primeiros formados em Ciências Sociais fosse tão grande a

ponto de só encontrar trabalho como críticos literários em revistas e jornais da época, sem

características científicas. No entanto, aos poucos, vão ganhando espaço no campo

acadêmico, com a criação das revistas especializadas em Ciências Sociais, como a Sociologia

e Revista de Antropologia, que surgiram em São Paulo, como veículos acadêmicos de

Ciências Sociais, em 1939 e 1954, respectivamente. Essas revistas proporcionavam aos

estudiosos a oportunidade de atuar em uma área específica do conhecimento, as Ciências

Sociais, e ainda, tornaram-se veículos de divulgação da produção intelectual da época,

contribuindo assim não somente para tornar conhecida uma ciência em processo de

institucionalização no Brasil, mas, também, para ocupar posição no campo científico. Luis

Carlos Jackson (2004) ressalta que, a partir das publicações nas revistas, foi possível notar as

estratégias de afirmação no campo, tanto no que diz respeito à promoção de indivíduos e/ou

grupos e a conseqüente desvalorização dos rivais.

Sociologia foi criada em 1939, por Emílio Willems e Romano Barreto. Jackson (2004) divide

a existência da revista em três fases cronológicas distintas: a primeira vai do ano de sua

fundação até 1948, período em que Willems, professor da USP e da ELSP (único profissional

vinculado às duas instituições), era o diretor e tinha como colaboradores nomes como Herbert

Baldus, Donald Pierson e Roger Bastide. Esse período ficou marcado ainda pela colaboração

de jovens sociólogos da USP, que escreviam artigos para Sociologia, dentre os quais se pode

destacar Florestan Fernandes (Folclore e grupos infantis, Educação e Cultura Infantil,

Aspectos mágicos do folclore paulistano e O problema do método na investigação científica),

Gioconda Mussolini (O cerco da tainha na Ilha de São Sebastião e O cerco flutuante: uma

rede de pesca Japonesa que teve a Ilha de São Sebastião como centro de difusão no Brasil) e

Antonio Candido (Opinião e classes sociais em Tietê), nomes que posteriormente assumiriam

posição de destaque na sociologia paulista.

A partir de 1947, Sociologia passa oficialmente a fazer parte da ELSP, fato que diminui

consideravelmente a presença dos sociólogos da USP nas páginas da revista. A revista passa

então a priorizar os chamados estudos de comunidade, o que pode ser explicado pela presença

de Baldus, Pierson e Willems que, na pós-graduação da ELSP, lecionavam, respectivamente

as cadeiras de Etnologia Brasileira, Pesquisas Sociais na Comunidade Paulista e Assimilação

e aculturação no Brasil. A partir de 1949, Oracy Nogueira passa a ser o diretor de Sociologia,

e as publicações da revista são predominantemente frutos da pesquisas da ELSP. A terceira

fase destacada por Jackson (2003) se dá a partir de 1958 e teve como diretor Trujillo Ferrari.

A volta de Pierson aos EUA e o conseqüente declínio da ELSP abre novamente na revista

espaço para os sociólogos da USP.

Destacam-se, também, no âmbito dos periódicos das Ciências Sociais, a Revista do Museu

Paulista, criada por Herbert Baldus em 1947 e a Revista de Antropologia, criada por Egon

Schaden, em 1953. A primeira era publicada anualmente e, ao reproduzir vários trabalhos

importantes na íntegra (dentre eles A moda no século XIX, de Gilda de Mello e Souza; Função

social da guerra na sociedade Tupinambá, de Florestan Fernandes e Os Caraybas negros, de

Ruy Coelho), supria a carência de editoras que deveriam assumir esse papel. Por sua vez, a

Revista de Antropologia também foi fruto de batalha entre intelectuais e instituições, que

procuravam acumular capital dentro do campo científico. O fato de Egon Schaden ser

professor de antropologia da USP abriu espaço para os intelectuais daquela instituição, tais

como Gioconda Mussolini, Antonio Candido, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Octávio Ianni,

e outros. Sobre a Revista de Antropologia, Gustavo Lins Ribeiro, ex-presidente da Associação

Brasileira de Antropologia (ABA), disse:

A Revista de Antropologia atravessou meio século cumprindo um papel central na difusão do conhecimento antropológico de ponta no Brasil por meio da publicação de textos de autores nacionais e internacionais. Seu fundador, Egon Schaden, tinha uma visão do futuro da revista quando, no primeiro número de seu segundo volume publicado em 1954, agradecia a "acolhida que se lhe dispensou, bem como a boa vontade demonstrada por autores nacionais e estrangeiros, que a honraram com sua excelente colaboração. Se continuar a merecer esses favores, a Revista poderá ir se aperfeiçoando em vários sentidos e contribuir, ao que esperamos, para a elevação do nível dos estudos antropológicos em nossa terra". Os antropólogos brasileiros, 50 anos depois, podem nesse circuito kula do qual fazemos parte, afirmar, em sintonia com a generosidade do reconhecimento precoce feito pelo professor Schaden, que muito se deve à presença da Revista de Antropologia em nosso meio. Estou certo de que o presidente ou a presidenta da ABA, daqui a 50 anos, louvará o trabalho dos colegas da Universidade de São Paulo, pois a Revista de Antropologia continuará demonstrando a qualidade da antropologia que se faz no Brasil e no mundo. (RIBEIRO, Gustavo Lins. Ver. Antropol. , São Paulo, v. 46, n.2, 2003.)

Além de Sociologia, Revista do Museu Paulista e Revista de Antropologia, outros periódicos

tiveram relevância no âmbito das Ciências Sociais brasileiras: a Revista do Arquivo

Municipal, publicada a partir de 1935, que também contou com a participação de Herbert

Baldus, figura participativa no campo científico em questão, colaborando com diversos

artigos. Intelectuais como Florestan Fernandes, Sérgio Milliet, Paulo Duarte, Roger Bastide e

Antonio Candido também publicaram em Revista do Arquivo Municipal. Duas outras revistas

se destacaram dentre os periódicos especializados em Ciências Sociais: Anhembi e Revista

Brasiliense. Essas revistas possuíam em comum a mistura entre cultura, política e sociologia.

Anhembi foi publicada a partir de 1950, e tinha como editor Paulo Duarte, jornalista e

advogado, que almejava com a revista atuar na modernização do país, elevando o padrão

cultural das elites. Editada mensalmente, a revista mesclava artigos de autores nacionais e

estrangeiros. Anhembi encerrou as publicações em 1962, devido aos problemas econômicos

que enfrentava. A Revista Brasiliense, por sua vez, foi editada por Caio Prado Jr. entre 1955 e

1964. Era uma revista com forte ideologia política, ligada ao Partido Comunista Brasileiro

(PCB), que abria espaço para temas acadêmicos e culturais, onde se fazia notar firmemente a

presença dos acadêmicos da FFCL-USP. A essência da Revista Brasiliense era de cunho

socialista-marxista, pautado no processo de formação da sociedade de classes no país, bem à

feição de seu editor, Caio Prado Jr.

Esses periódicos constituíam um forte instrumento de dominação do capital cultural

dominante no campo científico. Através das revistas os grupos e indivíduos se estabeleciam,

conquistando espaço, reconhecimento e prestígio. Em seu trabalho intitulado A sociologia

paulista nas revistas especializadas (1940-1965), Luiz Carlos Jackson mostra que grupos se

configuravam e se organizavam em torno dos periódicos e das instituições de ensino,

publicando artigos e disputando posições de destaque no campo das Ciências Sociais

brasileiras:

“O percurso até aqui realizado privilegiou, inicialmente, o projeto acadêmico centralizado na ELSP, a partir de sua conformação na Revista Sociologia. Nessa, Emílio Willems, Donald Pierson, Herbert Baldus e Oracy Nogueira foram os personagens decisivos, em boa parte responsáveis pelos rumos tomados pelas ciências sociais em São Paulo até meados dos anos de 1950. Em seguida, tomando como referência a Revista do Arquivo Municipal, a Revista do Museu Paulista (nova série) e a Revista de Antropologia, confirmou-se a tendência de autonomização científica, por meio das duas últimas, especializadas em antropologia e radicadas em instituições acadêmicas. Ambas ocuparam (nos anos de 1950), progressivamente, o espaço antes ocupado pela revista editada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, sob orientação de Sérgio Milliet. Notou-se também a importância de ambas como instâncias de legitimação para Herbert Baldus, que dirigia a segunda, e Egon Schaden, editor da terceira. As revistas serviriam também à publicação dos trabalhos dos sociólogos da USP, ausentes, como vimos, de Sociologia durante a maior parte da década de 1950. Os sociólogos iriam divulgar suas pesquisas, marcando posições, também nos jornais e em revistas de cultura como Anhembi e Brasiliense, voltadas aos círculos acadêmico e político. Estranhamente, já que não detinha o controle direto de nenhum periódico, o pólo forte das ciências sociais paulistas em tese estaria, nesse aspecto, um passo atrás em relação à Antropologia e à Escola de Sociologia e Política. No entanto, defendo hipótese oposta: por não estar diretamente vinculado a nenhuma revista, o grupo reunido por Florestan Fernandes em torno da Cadeira de Sociologia I produzia e publicava em abundância, sob o manto da neutralidade científica, apenas (aparentemente) em função do mérito inerente dos trabalhos realizados. Não questiono aqui a qualidade dos textos, mas, se eles pareciam “brotar” naturalmente, isso se explica pela estratégia provável de Florestan Fernandes, que, sem editá-los, exercia um controle razoável sobre o conjunto das revistas então existentes.” (2004, JACKSON, L.C. P. 275-276)

As produções acadêmicas não estavam restritas aos periódicos. As universidades também

eram centros de produção e investimento de capital cultural. A década de 1930 trouxe

universidades como USP (criada em 1934), UDF (criada em 1935) e Universidade do Brasil

(UB, criada em 1937), que tiveram como mentores Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e

Gustavo Capanema, respectivamente. Névio de Campos (2006) destaca que a USP, assim

como a ELSP, foi criada para formar lideranças capazes de dar novos rumos para o país:

A USP e a UDF tiveram relação ampla com o movimento pela Escola Nova, pois o Manifesto dos Pioneiros da Educação expressou que a educação superior que

existia no Brasil até então, não servia para constituir o projeto de nação, ou seja, que os cursos de formação técnica não faziam erigir à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais a sua finalidade estritamente profissional. O documento salientava sobre a necessidade de criação de Faculdades de Ciências, Letras e Filosofia como medida fundamental para estabelecer uma nova concepção universitária. É com esse objetivo ampliado que as experiências paulista e carioca se constituíram, ou seja, estavam alicerçadas na investigação, na docência e na extensão. (2006, CAMPOS, Névio de, p. 13)

A FFCL fez parte desse projeto da USP, tendo sido criada por Armando Sales Oliveira, Júlio

Mesquita Filho e Fernando de Azevedo, que mais tarde viria a lecionar na instituição. A

FFCL tinha como objetivo formar professores para outros níveis de ensino que não o superior,

com o intuito de superar o isolamento que imperava nas escolas de formação profissionais

vigentes até então. A missão de docentes franceses que desembarcou no Brasil, contratados

por George Dumas a pedido de Júlio Mesquita Filho, foi fundamental nesse processo. De

acordo com Peixoto (2001), os franceses que aqui desembarcaram deixaram em seu país um

cenário onde não havia verba para pesquisas em Ciências Sociais, somadas a improvável

possibilidade de ingresso no ensino superior e a um cenário político instável. Cabe ressaltar

que, além da falta de verba, a pouca ênfase dada para pesquisa de campo era fruto do que

Peixoto (2001) denominou como “sociologia durkheimiana”:

A Sociologia, do modo como foi concebida por Durkheim, não deve ser entendida como mais uma disciplina, e sim como o corpus do conjunto das Ciências Sociais, a ciência social por excelência que englobaria, de uma certa forma, todas as outras. Isto é, a Sociologia francesa na acepção durkheimiana não é uma disciplina isolada, mas acima de tudo um método, com a ajuda do qual os fenômenos adquirem inteligibilidade. Logo, não é preciso ser sociólogo para fazer sociologia. Isto talvez explique o seu diálogo com as demais disciplinas, o recrutamento de profissionais de áreas variadas. (Lévi-Strauss, 1947, p. 515). [...] O lugar secundário ocupado pelo trabalho empírico é uma marca inegável da Sociologia francesa. Durkheim é um sociólogo de gabinete, assim como Lévy-Bruhl e Mauss. Á tradição filosófica da disciplina une-se a falta de recursos para as pesquisas no país, até os anos 30. A etnologia, empírica por definição, não conhece senão curtos períodos de trabalho de campo, com parcos recursos oferecidos pelas colônias. (2001, PEIXOTO, Fernanda, p. 497-499.)

De acordo com Miceli (2001) os franceses desenvolveram na FFCL um viés científico com

ênfase filosófica, pautada em reflexões mais gerais e menos práticas, sem a pesquisa de

campo, baseado na cátedra e nas leituras, diferentemente da perspectiva empírica, baseada na

pesquisa de campo da ELSP e da perspectiva jurídica que imperava nos centros de estudos

anteriores a década de 1930.

Além dos professores estrangeiros que vieram para lecionar nas universidades como USP,

UDF e na ELSP, foi de grande importância para o desenvolvimento das Ciências Sociais no

Brasil, os intercâmbios feitos entre o Brasil e instituições estrangeiras, como a Organização

das Nações Unidas para a educação (UNESCO) e universidades. Os pesquisadores

estrangeiros vinham ao Brasil interessados na diversidade de temas de pesquisa, como cultura,

religião, etnias, etc. e conseqüentemente, ajudaram as ciências sociais brasileiras a ganhar

espaço no campo científico do país. A antropologia foi especialmente beneficiada com o

convênio entre Columbia University e Museu Nacional (MN), que trouxe ao Rio

pesquisadores como Charles Wagley, Buell Quain, Jules Henry, Franz Boas, Ruth Landes,

Ruth Benedict, entre outros.

Com relação a estados fora do eixo Rio-São Paulo, Trindade faz um pequeno panorama,

destacando aspectos relevantes para as Ciências Sociais nos diferentes estados. Na Bahia,

ressalta a tradição regional de ensaios na fase “pré-científica”, desde Nina Rodrigues até

Arthur Ramos. Em 1955, a Bahia sediou a Segunda Reunião Brasileira de Antropologia, da

qual participaram nomes como Roger Bastide, Donald Pierson, Costa Pinto, Roberto Cardoso

de Oliveira e Florestan Fernandes. Na mesma época houve um estudo sobre as questões

raciais, organizado por Thales de Azevedo, num convênio entre a Universidade de Columbia

e o Estado da Bahia, que foi sede também de um projeto em parceria com a UNESCO, sobre

relações de cor. Em 1961, foi fundado, também por Thales de Azevedo, o Instituto de

Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Em Pernambuco, Trindade cita o Instituto Joaquim Nabuco, fundado em 1949, como

instituição precursora das Ciências Sociais naquele estado. Porém, antes disso, em 1934,

Recife havia sediado o Congresso Afro-Brasileiro. Em 1945, Gilberto Freyre, na condição de

deputado federal, elaborou um projeto de lei para criar um instituto voltado ao estudo

sociológico sobre as condições de vida do trabalhador da região agrária do Norte e Nordeste.

O Instituto ficou vinculado ao Ministério da Educação e, em 1963, teve o nome modificado

para Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, passando ao estatuto jurídico de

Fundação em 1980. Trindade destaca ainda uma maior organização da Universidade Federal

de Pernambuco (UFPE), a partir da década de 1960, com destaque para a implantação do

Programa de Mestrado de Economia e Sociologia (PIMES), em 1966.

No Pará, Trindade enfatiza a importância do Museu Paraense Goeldi (MPG), fundado no fim

do século XIX, marcado por suas relações com a Universidade Federal do Pará e por sua

importância para a antropologia no estado. Trindade destaca a presença de Eduardo Galvão

como crucial para o desenvolvimento do Museu. Galvão foi o primeiro brasileiro a fazer

doutorado em antropologia, sob a orientação de Charles Wagley, na Universidade de

Columbia. Galvão foi importante pela ampliação do campo de pesquisa, até então

estritamente naturalista, e que passou a voltar-se para os estudos dos índios e caboclos da

Amazônia. Galvão foi diretor do MPG entre 1951 e 1962, contribuindo também para o

desenvolvimento da antropologia na Universidade do Pará, uma vez que foi Napoleão

Teixeira, discípulo de Galvão, quem levou a cadeira de antropologia para a universidade.

Em Minas Gerais, assim como no Rio de Janeiro, imperava uma visão jurídica. Trindade

ressalta a importância da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG) para a ciência política com a criação da Revista Brasileira de Estudos Políticos, que

trazia análises sobre eleições e poder local. Diferentemente da maioria dos estados, onde as

Faculdades de Filosofia assumiam esse papel, em Minas foi a Faculdade de Ciências

Econômicas que deu inicio à formação dos primeiros cientistas sociais do estado. Isso se deu

pelo fato das elites regionais apostarem em um diagnóstico sobre a estagnação econômica. Os

cursos da Faculdade de Ciências Econômicas compreendiam sociologia, economia, política e

administração pública, e seus alunos foram os primeiros do país a receber bolsas de estudo

ainda na graduação. Entre os formados nessa instituição estão Vânia Bambirra, José Murilo de

Carvalho, Simon Schwartzman e Fábio Wanderley Reis. Em 1961, a Faculdade de Ciências

Econômicas fundou a Revista Brasileira de Ciências Sociais, que circulou até o golpe militar

em 1964 e foi retomada pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências

Sociais (ANPOCS) em 1985.

3.1. UMA ANTROPOLOGIA EXÓTICA Nessa parte do trabalho, me remeto ao surgimento de três instituições que são importantes

para melhor compreender o quadro que antecedeu a descrição feita acima sobre a

institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, e que se faz imprescindível para a

compreensão do desenvolvimento da antropologia enquanto ciência: O Museu Nacional

(MN), Museu Paulista (MP) e o Museu Paraense Goeldi (MPG). Em comum,

experimentaram, no período entre 1870 e 1930, o nascimento, apogeu e declínio. Essas

instituições brasileiras tomaram como modelo os museus europeus, seguindo seus padrões e

tentando estabelecer contato. Schwarcz (2001) afirma que os museus surgiram inicialmente na

Europa como instituições voltadas para reunir a memória de uma nação, expondo objetos ao

público. A partir de 1890, no entanto, os museus ganham subdivisões internas, marcando a

separação entre beleza e instrução, entre exposições estéticas e funcionais:

Os museus etnográficos tomam forma e função nesse momento, organizando-se enquanto instituições consagradas à coleção, preservação, exibição, estudo e interpretação de objetos materiais. Como “museus etnológicos”, eles se transformarão nos arquivos do que os antropólogos chamavam de cultura material: os objetos “dos outros”, a vida humana, cuja similaridade ou diferença é constantemente coletada, classificada, comparada e observada. (Stocking Jr., 1985, p.4 In: Micelli, 2001, p. 33)

Os Museus instalados no Brasil tinham em comum o fato de se espelharem e procurarem

diálogo com os grandes centros culturais europeus, além de adotar uma antropologia restrita à

perspectiva naturalista. Essa tendência européia se explica pelo fato de que, naquela ocasião

(meados do século XIX), a ciência praticada no Brasil estava restrita à viajantes estrangeiros,

que vinham ao país coletar material (embora não tivéssemos a prática da ciência aqui, o país

sempre foi lugar privilegiado no que diz respeito à coleta de material para pesquisa). Não

havia iniciativa nacional, por falta de interesse, e, principalmente, de recursos para financiar

estudos dessa natureza. Fernando de Azevedo19 definiu esse momento como um período de

improvisação e diletantismo. Várias outras instituições seguiam essa tendência naturalista

vinda da Europa:

As faculdades de direito de São Paulo e Recife – centros intelectuais da época, por excelência, aplicavam as teorias da evolução a partir de interpretações diversas: enquanto em São Paulo se consumiam e se aplicavam as máximas do positivismo de Comte, em Recife (e no Nordeste como um todo) predominava o monismo evolucionista de Haeckel e Spencer. (Miceli, 2001. p. 37)

Com a criação das já citadas subdivisões internas nos museus, estes passaram a ser espaço de

ciência, o que atraiu inúmeros naturalistas da Europa, entre eles H. von Ihering, F. Muller,

Goeldi e Sillow. Schwarcz destaca que a antropologia da época era bastante restrita,

dedicando estudos à análise de medição de crânios (craniometria), o que era considerado

fundamental para analisar os diferentes povos e suas contribuições para a humanidade. A

antropologia era vista dentro dos museus como uma ramificação das ciências naturais,

separada da etnografia por sua conceituação teórica.

No Rio de Janeiro, foi criado em 6 de julho de 1808 o Museu Nacional (MN), “querendo

propagar os conhecimentos e os estudos de ciências naturais do Reino do Brasil... e que

podem ser empregados em benefício do comércio, das indústrias e das artes” (Lacerda, 1914,

apud Miceli, 2001, p. 40). O primeiro material do MN foi doado por D. João VI e consistia

19 Ver Schwarcz Lilia. O Nascimento dos Museus Brasileiros. In: MICELI, Sérgio. A história das ciências sociais no Brasil, v.1. Editora ANPOCS, 2001.

em peças de arte, quadros, artefatos indígenas, animais empalhados, etc. Ainda no século

XIX, chegaram as coleções botânicas, mineralógicas e zoológicas. O desenvolvimento da

instituição se deu a passos curtos, por problemas já conhecidos: falta de verbas e as conquistas

que impulsionaram os museus europeus, ficando assim, restrito a uma figuração

comemorativa e histórica, sem aspecto científico. A partir da direção de Ladislau Neto (1874-

1893), o quadro evolui, com a criação da revisa Archivos do Museu Nacional, publicada

trimestralmente. Schwarcz afirma que, na ocasião, as revistas eram sinal de estabilidade e

fator de permuta entre as instituições. A intenção dos criadores da revista era a de que esta

fosse o símbolo da cientificidade do MN, divulgando-o no Brasil e no exterior. A revista,

assim como o MN, chamava a atenção pelo reduzido espaço dedicado à antropologia, em

contraste com o domínio das ciências naturais, em especial botânica, zoologia e geologia.

Esse quadro fica ainda mais visível quando se leva em conta o levantamento estatístico feito

por Schwarcz sobre os assuntos dos artigos da revista Archivos do Museu Nacional: 45,3%

dos artigos eram voltados para a zoologia, 19,2% sobre botânica, 13% sobre geologia,

totalizando assim 78,4% dos artigos publicados para as ciências naturais. Completava o

quadro a antropologia, com 11% dos artigos publicados (em sua totalidade sobre análise de

ossos, em especial, o crânio.) e 10% para a arqueologia. O levantamento estatístico dos

artigos mostra que 71,5% dos trabalhos foram escritos por pesquisadores nacionais, dando ao

MN uma característica nacional, se diferenciando dos outros museus, que privilegiavam os

pesquisadores internacionais.

Schwarcz enfatiza que, em São Paulo, a criação de um museu teve inicio a partir da idéia de

erguer um monumento escultural e grandioso, em homenagem à independência brasileira. O

projeto foi retardado pelas elites, que não viam sentido prático no centro de estudos que seria

o museu. Dessa forma, somente em 1890, com o projeto do italiano Tommaso Gaudenzio

Bezzi, conclui-se as obras do MP, dando a São Paulo uma ascensão no cenário nacional.

Naquele momento, o MP não possuía perspectiva científica, estando estritamente destinado à

memória da independência. Em 1893, o MP adquire as coleções de Joaquim Sertório. No

material existiam coleções de história natural, peças indígenas, quadros, jornais e mobílias.

De posse desse material, o MP é inaugurado em 26 de julho de 1894, mesmo ano em que é

contratado para a direção o zoólogo Hermann von Ihering, que ocupou o cargo até 1915.

Em 1895 o MP inicia um projeto de “museu enciclopédico”, voltado para o conhecimento

humano. Fez parte desse projeto a criação, também em 1895, da Revista do Museu Paulista.

Schwarcz destaca que a revista, além de marcar um projeto bastante personalista de von

Ihering, adotava uma ênfase internacional, fazendo referência a grandes centros de produção

intelectuais europeus. O trecho transcrito abaixo, parte do discurso de von Ihering na

solenidade de inauguração do MP, deixa claro as perspectivas que cercavam a nova

instituição:

[...] Seja-me permitido portanto congratular-me com sua excelência por ter criado um museu sobre bases scientíficas como até agora no Brasil não existiu... o fim de nossas colleções é demonstrar, dar boa e instrutiva idéia da rica, interessante natureza da América do Sul, do Brasil e em especial do homem sul americano... O que nós precisamos fazer são classificações scientíficas... Nesse sentido, muito para não dizer tudo está por fazer ainda. [...] (Revista do M.P., 1, PP. 19-24. In: Miceli, 2001, p. 56)

A partir do discurso de von Ihering, Schwarcz identifica as principais características do MP

naquele momento: preocupação com a ciência, métodos, regras e classificações, todas essas

espelhadas em modelos estrangeiros. Isso se deve, em parte, ao papel intelectual destacado

que os museus assumiam na época, devido ao limitado número de instituições universitárias

no país. Outra questão importante destacada por Schwarcz é a polêmica que se cria com o

MN, uma vez que von Ihering desconsiderou a instituição carioca ao citar o MP como a

primeiro museu com bases científicas no país. A afirmação mereceu resposta do MN, quando

João Batista Lacerda, então diretor da instituição, publica na revista Archivos do Museu

Nacional:

Um ponto de mira teve o Dr. von Ihering quando para alterar o nível scientifico do museu procurou iludir a opinião dos ignorantes sobre o valor do Museu do Rio de Janeiro que ele julga indigno de equiparar-se ao M.P. e ao do Pará... o Dr. Lhering pretende certamente ter realizado um milagre com os escassos recursos do Estado, com um pequeno núcleo de colleções compradas a um particular. (Schwarcz, 2001, p. 57)

Com relação ao tipo de publicação da Revista do Museu Paulista, predominavam os autores

internacionais: dos 110 artigos escritos no período da direção de von Ihering, somente dez

eram de autores nacionais. Dos 100 artigos de autoria de pesquisadores estrangeiros, 45 deles,

cerca de 40% do total, eram do próprio von Ihering. Com relação aos temas dos artigos, o

levantamento estatístico feito por Schwarcz divide-se da seguinte forma: Dentre 254 artigos

catalogados, 180, cerca de 70%, eram sobre zoologia, 9,8% para antropologia, 4,7% sobre

botânica, 4% sobre biografias e 3,5% para geologia e arqueologia. A predominância de

autores internacionais pode ser explicada em parte pela grande quantidade de revistas com as

quais o MP mantinha relações de permuta. Schwarcz encontrou no registro 38 diferentes

referências de países como Chile, E.U.A, Itália, Alemanha, entre outros. A partir de 1916, o

novo diretor do Museu Paulista, Affonso D’Escragnolle Taunay, adota um discurso em que

deixa de lado essa ênfase em zoologia e em pesquisadores internacionais, passando a

aumentar as publicações de outros ramos das ciências naturais, com maior participação de

autores nacionais. Schwarcz afirma que até existiu um ligeiro predomínio de pesquisadores

nacionais, mas prosseguiu a ênfase em zoologia. Segundo Schwarcz, a antropologia no MP

estava classificada enquanto derivação dos estudos de zoologia e botânica, limitando os

estudos sobre o homem americano e partindo da premissa de que estudar o homem primitivo

era estudar a fauna e a flora, sob uma perspectiva naturalista.

O MPG, por sua vez, foi criado em 6 de outubro de 1866, através da Associação Filomática

do Pará, contando com a participação de Domingos Soares Ferreira Penna, Jonas Montenegro

e Ladislau de Souza Mello. A idéia era formar uma instituição científica em meio a Floresta

Amazônica, o que certamente traria uma perspectiva diferente à instituição. Um Museu em

Belém preencheria uma lacuna na cidade, que não possuía universidades ou instituições

científicas. O foco do MPG era o estudo da floresta amazônica, sua fauna e flora, além de sua

constituição geológica.

A partir de 1871, por problemas de verba e recursos, o MPG passa para a administração do

Governo da Província de Pará, tornando-se uma simples repartição pública e sendo fechado

em 1888. Apenas em 1891 o Museu volta à ativa, em parte devido à boa fase da borracha na

região. Em 1893, o zoólogo suíço Emílio Goeldi assume a direção do museu, elaborando no

ano seguinte uma nova estrutura com seções de zoologia, botânica, etnologia, arqueologia,

mineralogia e geologia. A idéia era reformular o Museu com base nos moldes europeus. Para

isso, vários pesquisadores internacionais desembarcam no Pará com a finalidade de colaborar

com o Museu Paraense, dentre os quais estavam Jacques Huber, Frederico Katzer, Godofredo

Hagman, entre outros. Outro passo importante foi a criação de duas revistas em moldes

internacionais: o Boletim do Museu Paraense e Memória do Museu Paraense. As primeiras

publicações expõem os objetivos do Museu Paraense:

Trabalhar no desenvolvimento das sciencias naturais e da etnologia do Pará e da Amazônia em particular, do Brasil e do continente em geral. Publicaremos trabalhos originais, realizados por nós e collegas... em contacto. Estudaremos igualmente o que tem sido feito de bom antes de nós... fiscalizando o que se vai fazer fora, longe daqui, por naturalistas (Boletim do M.P.G., 1(1), p.2). In: Miceli, 2001, p. 66)

O MPG se aproxima do MP não apenas pela visão cosmopolita, voltada para os grandes

centros internacionais, mas principalmente pelo fato de seu diretor, Goeldi, também polemizar

com o Museu Nacional, como vemos no trecho abaixo, em publicação da revista Boletim do

Museu Paraense:

Não menos sabido é o modo pelo qual o Museu Nacional enriqueceu-se, ainda não há muitos annos, às expensas incontestes do M.P.G. com avultado número de objetos preciosos oriundos de Marajó e de outros pontos da Amazônia, levando a directoria, à título de “empréstimo”, e com o pretexto de dar maiores dimensões a uma tal “Exposição anthropológica” realizada na Capital brasileira, o quinhão maior do que havia aqui no Pará. Nada voltou, nada foi dado em troca... a recordação d’aquella dívida de... hoje já é tão pállida, que amanhã talvez seja extinta. Ficamos decididamente só com aquele “recibo”, como valor de “acção à fonds perdu?” (Boletim do M.P.G., 1(1), p.16. In: Miceli, 2001, p. 69)

Com relação ao levantamento estatístico dos artigos publicados na revista Boletim do Museu

Paraense, Schwarcz apresenta os seguintes dados: zoologia (48%); botânica (36%); geologia

(10,2%) e antropologia (0,4%). Os estudos de antropologia tratavam de debates sobre línguas

e vocabulários indígenas. A constante presença dos diretores como autores de artigos nas

revistas dos Museus aqui citados, demonstra mais do que um viés personalista, indica a falta

de pessoal capacitado para produzir, pesquisar e colaborar com artigos. No caso do MPG esse

fato é ainda mais grave, visto que, segundo Schwarcz, até 1949, apenas autores estrangeiros

publicaram artigos nas revistas.

O quadro acima deixa claro o perfil dos museus, que ocupavam o papel de instituições

científicas na época. Em comum, o MN, MP e MPG apresentavam grandes discursos e

pequenos feitos. A ambição enciclopédica esbarrou no limitado material que as instituições

possuíam. Mesmo em seus melhores momentos, as três instituições ficaram, de uma forma ou

de outra, restritas às figuras de seus diretores, que precisavam enfrentar a falta de pessoas

capacitadas para atuar nos museus. As tarefas de organização, elaboração de artigos e até

mesmo contratação de pessoas, ficaram a cargo dos diretores, no que Schwarcz classifica

como dependência das instituições em torno de uma liderança pessoal carismática. Outros

problemas enfrentados eram o contraste entre o material estritamente nacional e a preferência

pelo interesse internacional e a insistência em estudar o homem brasileiro numa análise

pautada estritamente na flora e fauna do país. Essas fragilidades são os principais motivos

para uma crise que teve seu ápice nos anos 1920, década que ficou marcada como o fim da

“era dos museus”, dando espaço a uma nova perspectiva antropológica.

3.2. UMA NOVA ANTROPOLOGIA

A década de 1930 pode ser encarada como um divisor de perspectivas no estudo da

antropologia. Isso porque, de acordo com Júlio Cezar Melatti (1984), quando se trata dessa

ciência, antes desse período, “tanto os brasileiros como os estrangeiros [...] nem sempre eram

puramente etnólogos, mas sim antropólogos gerais, lidando indistintamente com problemas

etnológicos, arqueológicos, lingüísticos ou de Antropologia Física.” (p.5). O objeto de estudo

muda a partir de brasileiros autodidatas da antropologia, que focam suas observações e

estudos em negros, índios e sertanejos e na maneira como esses povos se inseriam na

sociedade brasileira. Entre os pioneiros nesse novo tipo de estudo destacam-se vários nomes,

dentre eles os do médico Edgar Roquette Pinto e o do jurista Oliveira Viana, além do

arquiteto Manuel Raimundo Querino e do também médico Raimundo Nina Rodrigues. No

entanto, o marco institucional se dá a partir do início da década de 1930, com a FFCL e ELSP

e a chegada dos docentes estrangeiros. Sobre esse período, Melatti descreve o seguinte

quadro:

Para fazer frente à necessidade de professores, foram contratados vários mestres estrangeiros. Desse modo, Roger Bastide, Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss passaram a trabalhar na primeira, enquanto Herbert Baldus, Donald Pierson, na segunda, onde esteve como professor visitante, por breve período durante a Segunda Guerra Mundial, Radcliffe-Brown. Também no Rio de Janeiro criava-se a Universidade do Distrito Federal, onde Gilberto Freyre assumiu em 1935, como seu primeiro professor, a cátedra de Antropologia Social e Cultural; ocupou também a cátedra de Sociologia, enquanto Arthur Ramos ficava com a de Psicologia Social. Por volta de 1939 criava-se a Universidade do Brasil, que absorveu a Universidade do Distrito Federal. Nela Arthur Ramos ocupou a cátedra de Antropologia e Etnologia. Salvo engano, a Universidade do Distrito Federal, de curta existência, e sua sucessora, a recém-criada Universidade do Brasil, não chamaram professores estrangeiros para a área de Ciências Sociais. No entanto, Gilberto Freyre tinha estudado nos Estados Unidos, na Universidade de Baylor e depois na de Colúmbia, até 1922, viajando em seguida por Portugal e Inglaterra e, portanto, podia imprimir uma influência renovadora sobre seus alunos. Mas parece que sua permanência na Universidade do Distrito Federal foi pequena. Já Arthur Ramos teve suas primeiras experiências no exterior a partir de 1940, mas sua prematura morte, aos 46 anos de idade, em 1949, privou a Universidade do Brasil do muito ainda que lhe poderia ter dado. Já em Recife, conforme conta Gonçalves Fernandes no seu Prefácio à segunda edição dos Problemas brasileiros de antropologia de Gilberto Freyre, em 1956 (Freyre, 1943), este último manteve atividades docentes na Escola Psiquiátrica do Recife, mantendo intenso intercâmbio com seus alunos. O próprio Gilberto Freyre, num artigo que integra o mesmo volume, “Um antropólogo brasileiro especializado no estudo de ‘relações entre raças’”, a respeito de René Ribeiro, que estudou nessa Escola, declara-se como responsável inicial pela primeira cátedra de Sociologia, no Brasil, em 1928, na Escola Normal do Estado, em Recife. Mas sem dúvida foi São Paulo, pelo número de professores, pelo número de alunos e pelo espírito de renovação, o principal foco de irradiação da etnologia nesse período. (Melatti, 1984, p.11)

Uma vez que, como já vimos, o campo científico no Brasil encontrava-se em ascensão, fazia-

se natural o intercâmbio de conhecimento com docentes estrangeiros. Embora a ELSP tenha

sido fundada em 1933, é a partir de 1939 que se inicia uma mudança de mentalidade quando,

a convite do diretor Cyro Berlinck, Donald Pierson chega à Escola. Pierson já havia estado no

Brasil realizando pesquisa sobre relações raciais na Bahia, em 193520. Essa pesquisa foi tema

de seu doutorado, concluído em 1939, na Escola de Chicago, sob a orientação de Robert Park.

A chegada de Pierson trouxe também recursos de fundações norte americanas (a Smithsonian

Institution e sua área de Antropologia Social) e mudanças no projeto pedagógico da ELSP,

que passou a ser voltado para pesquisas de campo em pequenas localidades (os famosos

estudos de comunidade) com o objetivo de compreender o processo de modernização da

“sociedade tradicional” brasileira.

Figura 1 - Donald Pierson, em cartão postal endereçado a Darcy

Pierson procura implantar na ELSP um padrão mais científico, acadêmico, em lugar da

perspectiva técnica e aplicada que existia, e promove também a profissionalização dos

cientistas sociais ali formados que, anteriormente, tinham em seus professores e estudantes,

pessoas de outras áreas, que atuavam como diletantes nas Ciências Sociais, como já visto

neste trabalho. Após sua chegada à ELSP, Pierson pleiteou bolsas para projetos de pesquisa,

financiamento para a primeira grande biblioteca universitária em Ciências Sociais, os

20 Ver Negroes in Brazil: A Study of Race Contact at Bahia (University of Chicago Press), 1942.

professores passaram a receber salários regularmente, dando aos jovens, perspectiva de

construir carreira intelectual nas Ciências Sociais. A Escola tornou-se um ambiente de debate

ideológico, fomentado pelos problemas do Brasil e do mundo. A ciência era o objetivo, tanto

nas pesquisas quanto nos debates e reflexões. Essas mudanças marcam um novo pensamento

no âmbito intelectual paulista, tornando-se uma especificidade da ELSP.

Penso que a gente recebia um ensino de primeira qualidade; fora Durkheim, que era ensinado pelo Emílio Willems, ensinava-se uma matéria chamada Ecologia Humana a partir da Escola de Chicago. Pierson dava um autor sueco, Gunnar Myrdal. Agora, pensando melhor, acho que a escola era mais de antropologia do que sociologia. Isso eu tenho a impressão que era mais voltada para esse lado, de política também tinha pouco, apesar de termos história da política. As disciplinas de antropologia eram mais fortes. Líamos a escola funcionalista, Radcliffe-Brown, tínhamos antropologia cultural dada pelo Octávio Eduardo da Costa, e também havia toda a parte da antropologia física que eu também não sei mais como é que se chama hoje em dia. (FARKAS, Melanie In: KANTOR, Íris (Org.); MACIEL, Débora Alves (Org.); SIMÕES, Júlio Assis (Org.) A Escola Livre de Sociologia e Política: anos de formação. São Paulo: Escuta, 2001, p.122)

É a partir desse cenário que o negro e o índio se solidificam como novos objetos de estudo da

antropologia. Vários alunos da ELSP, integrantes das primeiras gerações de cientistas sociais

diplomados no Brasil, estiveram à frente de pesquisas sobre o tema, fazendo com que a

antropologia se afastasse das ciências naturais e se aproximasse da sociologia. Intelectuais

como Castro Faria e Antonio Candido, já destacaram21 a aproximação dessas duas disciplinas

no período entre 1940 e 1950, utilizando os termos antropologia sociológica e sociologia

antropológica. Como exemplo dessa nova abordagem, destaco Oracy Nogueira, que se

graduou (1942) e se formou mestre (1945) na ELSP, fez pesquisas de grande relevância sobre

a temática racial como Preconceito Racial de Marca e Preconceito Racial de Origem e o

relatório sobre “As Relações raciais no município de Itapetininga”, em pesquisa para a

UNESCO22, na década de 1950. O projeto da UNESCO também possibilitou a Florestan

Fernandes a oportunidade de estudar a questão racial, numa perspectiva sociológica,

analisando as estruturas e os processos históricos que caracterizavam a sociedade brasileira.

21 Ver KANTOR, Íris (Org.); MACIEL, Débora Alves (Org.); SIMÕES, Júlio Assis (Org.) A Escola Livre de Sociologia e Política: anos de formação. São Paulo: Escuta, 2001.p. 61 22 Sobre as pesquisas de Oracy Nogueira e Florestan Fernandes, ver Nogueira, Oracy. Relações raciais no município de Itapetininga. In: FERNANDES, Florestan e BASTIDE, Roger (orgs.). Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo: Ed. Anhembi, 1955. Reeditado pela EDUSP, 1988, como Preconceito de marca: as relações raciais em Itapetininga. Ver também Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil”. Anais do XXXI. Congresso Internacional dos Americanistas, realizado em São Paulo em Ago.1954 v.1, pp. 409-434. Também publicado em Revista Anhembi, abril/1955. São Paulo [Republicado em Tanto Preto, Quanto Branco: Estudo de Relações Raciais, p.67-93. São Paulo: T.A. Queiroz., 1985]

Com essas mudanças, a perspectiva naturalista perde espaço dando vez à uma nova tendência:

o culturalismo.

As pesquisas desenvolvidas por Darcy Ribeiro tendo os índios como objeto de estudo tiveram

forte influência do alemão Herbert Baldus, apontado por Darcy como o melhor professor que

já teve. A contribuição de Baldus para as Ciências Sociais no Brasil foi enorme. Em 1937,

com base em suas expedições etnológicas, publica Ensaios de Etnologia Brasileira, um

material com ensaios de diversos assuntos da cultura indígena brasileira. Em 1939, a convite

do professor Antônio Rubbo Muller, assume a cadeira de Etnologia Brasileira na ELSP, além

de contribuir como diretor da seção etnológica da revista Sociologia, através da qual ampliou

o alcance de muitos de seus trabalhos etnológicos. Em 1946, a convite do governo de São

Paulo, torna-se o organizador das coleções do Museu Paulista, e diretor da Seção de

Antropologia desse Museu. Nessa condição de diretor dessa Seção, cria então a Revista do

Museu Paulista, que se tornou um dos mais relevantes periódicos em antropologia no país. De

acordo com Mattos (2007), Baldus teve influencia significativa na formação de uma geração

de etnólogos brasileiros, uma vez que seu curso de “Etnologia Brasileira” foi base para três

das cinco primeiras teses defendidas na ELSP. Naturalizado brasileiro em 1941, Baldus

dirigiu, também, a seção etnológica da revista Sociologia da Fundação Escola de Sociologia

Política de São Paulo. Entre os seus principais trabalhos destaca-se a obra Bibliografia Crítica

da Etnologia Brasileira, em dois volumes. Baldus acumula, portanto, índice substancial de

poder no campo científico: dirige duas das principais revistas, organiza coleções do Museu

Paulista e dirige a Seção de Antropologia desse Museu, o que lhe assegura notoriedade

intelectual. Além de Herbert Baldus, uma outra eminente figura intelectual se destaca no

momento em que Darcy Ribeiro ingressa na Escola Livre de Sociologia Política. Trata-se do

sociólogo Donald Pierson, cujo capital simbólico de notoriedade pode ser evidenciado pelo

poder que lhe coube ao selecionar bolsistas com recursos de instituições estrangeiras, pela

autoridade científica manifestada na direção de uma equipe de pesquisa, pelo prestígio

científico medido pelo reconhecimento concedido no campo científico, notadamente no

estrangeiro. Darcy ingressa na ELSP como bolsista de Donald Pierson e, durante o curso, foi

orientando de Herbert Baldus. É, portanto, sob a égide desses prestigiosos intelectuais que

Darcy Ribeiro conduz sua formação intelectual na ELSP.

Figura 2 – Darcy, ao centro, com Baldus a sua direita.

É oportuno lembrar que, de sua herança familiar, Darcy traz sistema de disposições para agir,

perceber, sentir e pensar de modo independente, interiorizado e incorporado por ele no

convívio com a mãe, destacada professora, o tio, médico conceituado no interior de Minas

Gerais (Montes Claros) e, desde muito cedo, pode dispor de instrumentos culturais

importantes como biblioteca, cinema, rádio. Vale ainda destacar o aprendizado na militância

no Partido Comunista, desde 193923. Essas características acompanharam Darcy em sua

jornada profissional, onde traçou caminhos de forma peculiar, indo de encontro àquilo que ele

acreditava ser bom para si e para os índios, paixão que descobriu em seu primeiro trabalho,

como veremos no próximo capítulo.

23 Na condição de militante do Partido Comunista Darcy Ribeiro participa intensamente da vida estudantil, organizando atividades culturais no diretório central de Minas Gerais e participa da fundação da União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro.

4 – A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL: EM DIREÇÃO A UMA ANT ROPOLOGIA

COMPROMETIDA COM A CAUSA INDÍGENA

Formado eu tinha que tomar destino. Vivia então da bolsa de estudo que ia se esgotar, das rendas minguantes das ações do Banco do Comércio de Minas e principalmente da venda dos direitos de comprar novas ações. Mas minha renda principal era como consultor da Justiça do Trabalho. ... Minha chance de trabalho era secretariar Roberto Simonsen, que acabara de criar o SENAI. ... outra era ir trabalhar no Rio com Rodrigo Mello Franco no Patrimônio Histórico onde estava a melhor gente do Brasil – Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Dona Heloisa, Carlos Drumond, Gastão Cruls. ... O que eu queria mesmo era substituir Câmara Ferreira na direção do diário Hoje, porque ele ia passar um ano na Rússia. Assim eu me converteria num revolucionário profissional com participação no comando do partido, para fazer a revolução brasileira. Felizmente o Partidão tinha mais juízo do que eu. ... O que me restava era a carta do professor Baldus ao Marechal Rondon recomendando-me para o cargo de etnólogo do Conselho Nacional de Proteção aos Índios. (RIBEIRO, 1997, p.144).

Sob a proteção do Professor Baldus, que permanece sendo o seu principal interlocutor e

orientador, Darcy credencia-se para o cargo de etnólogo do Conselho Nacional de Proteção

aos Índios.24

Em 1947, recém-formado na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, ingressa no Serviço de Proteção aos Índios – SPI, como etnólogo. Nessa época tem início sua amizade com o fundador e então diretor do Serviço, Marechal Cândido Rondon, a quem Darcy tinha como mestre e de quem se dizia "amigo-discípulo". (LÔBO et alii, 2008, p.30)

Ao credenciar Darcy para o exercício do cargo de etnólogo do SPI, Baldus tinha como

objetivo colocar uma pessoa competente, com habilidade no trato das relações humanas,

comprometida com a questão indígena, com vista à obtenção dos resultados desejados. Darcy

era "a grande esperança" de Baldus: "Darcy, você é a minha grande esperança naquela obra a

que dediquei toda a minha vida e que é salvar os índios do Brasil e ensinar ao mundo o que

eles são".25

Baldus desejava influir na definição do programa de ação governamental do S.P.I, com vistas

a estabelecer uma linha de cooperação técnico-financeira com este órgão, para dar

continuidade às pesquisas que desenvolvia. Muito embora gozasse de relativa autonomia, para

sobreviver, o campo científico precisava articula-se com o campo de poder. O campo

24 Julgo oportuno esclarecer que o Serviço de Proteção aos Índios foi criado em 7 de setembro de 1910 tendo o Marechal Rondon como grande idealizador e seu primeiro diretor. Já o Conselho Nacional de Proteção aos Índios foi criado em 1939 pelo então presidente da República Getúlio Vargas. O Marechal Rondon foi também seu presidente, assumindo o cargo em 27 de dezembro daquele ano. 25 Carta de Baldus para Darcy em 14 de fevereiro de 1948. FUNDAR, Série Correspondência geral. Subsérie Correspondentes. Herbert Baldus.

científico é um mundo social que faz imposições que não são independentes das pressões do

mundo social global que o envolve. Um dos problemas que o campo científico enfrentava,

então, era a falta de recursos para desenvolver pesquisas. Baldus desejava estabelecer uma

articulação com o S.P.I que permitisse a continuidade das pesquisas, principalmente, com a

finalidade de obter financiamento para grupos que se destinavam a explorar, pesquisar e

estudar em caráter científico as regiões do Planalto Central e da Amazônia.

Figura 3 – Baldus em uma comunidade indígena.

Nos primeiros anos de atividades de Darcy no S.P.I, a troca de correspondência com Baldus é

intensa. Darcy envia carta26 a Baldus “para prestar contas do meu primeiro trabalho de

campo”, no Serviço de Proteção ao Índio. “Estou trabalhando na elaboração do material que

colhi. Não é grande coisa, naturalmente, mas aproveitei muito, aprendi mais nesses meses

entre os índios do que em anos de leitura.” Darcy prepara os primeiros relatórios e os envia

para Baldus: “o que tenho na realidade são informações ligeiras sobre as possibilidades de

pesquisa entre os Caiuá, notas sobre a culturação, terminologia do parentesco, informações

sobre organização social e sistema familiar dos Kadiweu.” Darcy ressalta ainda que "os

kadiweu não são difíceis de lidar como dizem" e que apenas o tempo e a inexperiência o

impediram de conseguir mais. Por fim, pede as críticas de Baldus: “sei que é uma exploração,

mas pretendo continuar sendo um dos seus alunos.” O trabalho de campo a que se refere

Darcy é a expedição que chefiou para estudar a tribo dos índios Kadiwéu, que mais tarde lhe

rendereia o Prêmio Fábio Prado de ensaio de 1950 com o trabalho “Religião e Mitologia dos

Kaduieu.” Ainda nesta mesma correspondência, ele trata de informar a Baldus sobre seu

26 Carta de 04/02/48, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

Contrato de Trabalho pelo S.P.I. e lhe faz saber quem são as figuras do alto escalão desse

órgão: Serpa, encarregado de fazer o Plano de Trabalhos da Seção para o ano de 1948, e o

Diretor da Seção, Dr. Donatini.

É oportuno salientar que, embora adote um tom coloquial e afetivo, a carta de Darcy foi

datilografada em folha de papel com logotipo do Ministério da Agricultura27 e traz no

cabeçalho uma formalidade própria da escrita entre autoridades. Assim, dirige-se com polidez

ao Exm° Sr. Professor Herbert Baldus, Seção de Etnologia – Museu Paulista. Logo abaixo de

sua assinatura consta o endereço: Avenida Graça Aranha, 81, 4° andar. Seção de Estudos.

S.P.I. Rio de Janeiro. Trata-se, pois, de uma correspondência entre autoridades públicas.

Apesar disso, Darcy não se submete completamente às normas expressas de proceder desse

gênero de escrita institucional. Muito provavelmente porque desejava que os temas abordados

na carta estimulassem o destinatário a responder28 (sei que é uma exploração, mas pretendo

continuar sendo um dos seus alunos). Na parte final da carta, a escrita apresenta uma

tonalidade interpessoal, talvez, com a intenção de estreitar laços de solidariedade, de adesão à

causa indígena ou mesmo de cumplicidade: "li o seu relatório [de Baldus] encaminhado ao

Diretor do S.P.I sobre a viagem ao Araguaia que aborda exatamente os temas que me

preocupam no momento. Senti não os ter lido antes de preparar as notas críticas que envio,

elas teriam sido melhores". Antes das formalidades finais, um pedido inusitado que subverte

ainda mais o modelo de carta protocolar: "já arranjei uma casa... diga ao Schultz que preciso

da estante que ele me prometeu".

Doze dias depois de enviar sua carta, Darcy recebe uma carta de Baldus. Em papel timbrado

do Museu Paulista, Caixa Postal 32 – B. Seção de Etnologia, São Paulo, o diretor do Museu

Paulista inicia sua carta com uma formulação de estima própria de quem está ligado por

afeição e confiança: Meu caro Darcy ... você fez um ótimo trabalho. Aliás, não esperei outra

coisa de você. O tom da carta é estimulador. Baldus não somente faz ver a Darcy que os bons

resultados do trabalho devem animá-lo a prosseguir, como o faz crer ser ele, Darcy, o único

"batuta" capaz de reger a tarefa em prol dos índios e da etnologia brasileira. Exprime votos de

confiança para Darcy se apoderar do SPI, "orientando-o e, daí a alguns anos, dirigindo-o".

Particularmente, Baldus quer acompanhar todos os trabalhos de Darcy e pede-lhe para

27 O Serviço de Proteção ao Índio era subordinado ao Ministério da Agricultura. 28 Sobre modelos epistolares, consultar CHARTIER, Roger. Des Secretaires pour le Peuple? Les modèles épistolaires de L´Ancien Régime entre littérature de cour et livre de colportage. In La Correspondance. Les usages de une lettre au XIXe siècle. Paris, Fayard, 1991, pp. 159-208.

escrever artigos para as revistas "Sociologia" e a "Revista do Museu Paulista". Eis alguns

trechos da carta datada em 14 de fevereiro de 1948:

Meu caro Darcy, ... você fez um ótimo trabalho. Aliás, não esperei outra coisa de você. Li atenciosamente tudo e não encontro nada para criticar. E isso me dá uma imensa satisfação, pois sempre desejei ver um batuta como você trabalhar em prol dos índios e da etnologia brasileira, e agora faço votos que você se apodere, pouco a pouco de todo o SPI orientando-o, e, daí a alguns anos, dirigindo-o. Darcy, você é a minha grande esperança naquela obra a que dediquei toda a minha vida e que é salvar os índios do Brasil e ensinar ao mundo o que eles são. ... o SPI, até agora, não fez absolutamente nada no caso dos Tapirapé dos quais trata a primeira parte do meu relatório dirigido ao Dr. Donatoni. Apesar dos meus diversos apelos. ... o Diretor do SPI está deixando morrer de fome estes índios perseguidos pelos seus vizinhos kaiapó. Você pode me explicar essa negligência completa? ... Peço-lhe de me mandar sempre cópia de todos os seus trabalhos e, sendo possível, reservar algum artigo para a "Sociologia" e a "Revista do Museu Paulista".

Um mês depois de receber a carta de Baldus, Darcy pede-lhe desculpas pelo atraso em

respondê-la em uma extensa carta29. Datilografada em papel timbrado do Ministério da

Agricultura e dirigida ao Ilm° Professor Herbert Baldus, Seção de Etnologia. Museu Paulista,

esta carta traz algumas especificidades. Primeiramente cabe notar a mudança no tratamento

com o qual Darcy se dirigiu, anteriormente, ao diretor do Museu Paulista. Darcy substituiu

excelentíssimo (tratamento dado a certos indivíduos de alta hierarquia social) por ilustríssimo,

(tratamento dado a pessoas a quem nos dirigimos por escrito, e àquelas de quem falamos na

ausência, implicando, a princípio, a atribuição de certa dignidade a essas pessoas). Em

seguida, faz uso, parcialmente, dos mesmos termos afetivos de Baldus, Meu caro Professor.

Ao contrário de Baldus - que escreveu meu caro Darcy, demonstrando uma escrita afetuosa,

sem formalidade, Darcy ainda apresenta certa cerimônia no trato com o Professor Baldus.

Na primeira parte da carta Darcy dá conta ao Professor do artigo que escreveu sobre o sistema

Kadiwéu, com vista à publicação em uma das duas revistas sob a direção de Baldus.30 Na

segunda parte, relata que ainda trabalha no S.P.I. sem receber ordenado porque seu plano de

trabalho ainda não tinha sido aprovado, mas que estava disposto a permanecer no S.P.I. com o

objetivo de garantir espaço para os trabalhos etnológicos, tal como desejava seu mestre. Na

terceira parte, dá detalhes da expedição que chefiaria a Mato Grosso para estudar vários

grupos indígenas. Por fim, apresenta a possibilidade de ampliar os trabalhos de etnologia do

S.P.I., com a colaboração de pessoas a serem indicadas por Baldus.

29 Carta de 05/04/48, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR 30 Baldus havia convidado e incentivado o discípulo a escrever artigos para as revistas que dirigia.

Meu caro Professor, ... respondo com atraso porque estive preparando um artigo sobre o sistema Cadivéu, que envio agora para submeter à sua apreciação, para ver se merece ser publicado na "Sociologia" ou na "Revista do Museu Paulista". ... Procurei fazer uma simples exposição do sistema tal como o surpreendi funcionando; evitei generalizações e, em vista da pobreza de informações anteriores sobre o assunto, fugi ao estudo da mudança na estrutura social. Mas voltarei ao tema para analisá-lo desse ponto de vista em um próximo trabalho sobre aculturação. Envio também o resto das notas sobre os artefatos às quais deverei acrescentar ainda um estudo sobre o desenho Cadivéu, e um trabalho que foi feito particularmente para o Diretor, sobre problemas do SPI. O último serve como resposta à sua pergunta sobre a negligencia imperdoável do Serviço para com os Tapirapé. ... Minha situação está um pouco melhorada, o Ministro assinou o plano mas ainda está em via-crucis pelo Tribunal de Contas e espero receber o primeiro salário deste ano no fim deste mês. Uma lástima, mas estou convencido de que se pode fazer da S. E do S.P.I. um belo centro de trabalho etnológico, e enquanto puder apertar o cinto ficarei aqui. Assim que o plano for aprovado, irei vê-lo, pois terei que passar por São Paulo em viagem para Mato Grosso. Voltarei este ano a procurar os Ofaié - e desta vez para encontrar mesmo, se ainda existir algum – depois irei a Lalima ver os Guaicuru e Tereno e, finalmente, se sobrar tempo, o Posto Indígena Presidente Alves de Barros para mais uma visita aos Cadivéu. O nosso plano de estudos para os Urubu, por várias razões, teve que ser transferido para o próximo ano. Estou providenciando a aquisição de uma máquina de gravação em fio que, acredito, permitirá trazer um bom material do sul de Mato Grosso, isto me anima mais ainda a voltar àquela região. ... o Schultz esteve aqui, conversei com ele sobre o plano de trabalho da S.E. para 1948. ... está prevista um a colaboração mais efetiva com outras instituições além do Museu Nacional. Assim será possível conseguir para pessoas que o senhor indicar em nome da Escola, do Museu ou da Revista de Sociologia, a ajuda financeira para uma pesquisa etnológica – passagem, estadia e verba para assalariado, só não será possível pagar salários ao técnico. E as obrigações serão apenas apresentar um plano de pesquisas e de um relatório final de prestação de contas, além de cópias dos trabalhos que escrever, assegurando direitos autorais e liberdade para publicar onde quiser. Quero, terminando, agradecer-lhe a carta que me escreveu, sua confiança me estimula muito, procurarei ser digno dela.

Baldus lê a carta de Darcy e fica preocupado com a instabilidade de seu trabalho no S.P.I. A

resposta traz recomendações, ainda, para Darcy melhorar o texto que havia enviado com a

finalidade de publicação em uma das revistas sob sua direção. Nesta carta31, e em outras que

se seguem, a temática da escrita científica torna-se central. O professor orienta Darcy sobre a

necessidade de atender às peculiaridades da escrita científica.

27/04/48 “Meu caro Darcy: Agradeço-lhe sua carta de 5 do Cr. Com os manuscritos anexos. Li tudo e gostei. Infelizmente tenho de devolver o excelente trabalho do prof. Boudin, pois não vejo possibilidade de arranjar os sinais diacríticos necessários para a impressão. Não me lembro se já eu tinha avisado antes que só podemos imprimir com letras que se encontram nas tipografias comuns. Mas acho que o JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES DE PARIS publicará com prazer e felicidade. Devolvo anexo também o seu interessante artigo sobre os problemas do SPI. As notas sobre os artefatos talvez possam ser publicadas, oportunamente, na Revista do Museu Paulista, se você arranjar as figuras (fotos e desenhos) indispensáveis para ilustrar o assunto.

31 Cartas de 27/04/48, pertencentes ao acervo de correspondências da FUNDAR

O seu trabalho sociológico é peculiarmente interessante e será publicado na “Revista” ou na “Sociologia” depois de algumas modificações que faremos quando você aparecer aqui. Eu gostaria que você visse o tomo III da obra “El Paraguay Católico” de José Sánchez Labrador que, talvez, se encontre na Biblioteca Nacional. Além disso, você deve indicar, em certos lugares de seu trabalho, o que você observou pessoalmente e o que lhe disseram os informantes (distinção entre os chamados “dados funcionais” e “dados intencionais”). Resumindo: gostei muito dos seus trabalhos e espero sua visita.

Abraço do Baldus”

Na carta32 enviada em 03/06/48, Baldus continua fazendo anotações sobre a especificidade da

escrita científica e faz saber que "não só numa poesia, mas também num trabalho científico, a

forma vale tanto quanto o conteúdo". Escrever com ordem e método é a principal

recomendação de Baldus para Darcy, nesta carta, sem esquecer de estimular e relembrar ao

discípulo a seguir em "bom caminho":

Meu caro Darcy: Anexo devolvo as cópias dos trabalhos que você me emprestou. Li tudo com grande prazer e gostei muito.Também o seu artigo sobre “O Sistema familiar kadiuéu” está, agora, ótimo e só quero esclarecer ainda alguns pontos: Porque você prefere dizer “Sistema Familiar” em vez de “Familial”. Na pag. 11 você escreve “a terminologia do parentesco retrata não só as interrelações familiares – como a maior vinculação do homem à parentela paterna devida ao casamento matrilocal que cinge a mulher ao convívio de parentes da mãe – “ etc... Não compreendo como essa terminologia possa retratar “a maior vinculação do homem à parentela paterna”. Acho conveniente você esclarecer isso com alguns exemplos. Na mesma página você diz: “o sistema de parentesco kadiuéu é muito semelhante ao sistema Tupi; as diferenças mais dignas de nota são devidas à maior elaboração do sistema Kadiuéu que distingue maior número de relações de parentesco e nas correlações com as respectivas organizações sociais que diferem muito.” Não compreendo esta última frase. Você não pode dizer tudo isso de maneira mais simples, mais clara e mais bonita?? Acho que não só numa poesia, mas também num trabalho científico, a forma vale tanto quanto o conteúdo. (...) Meu caro Darcy, você está em bom caminho. Espero grandes coisas de você. Recomende-me à sua senhora e aceite um forte abraço do velho amigo.

Os laços que uniam o discípulo ao mestre passavam pelo desafio de inverter a propensão de

uma antropologia reacionária, então vigente, para uma antropologia preocupada

fundamentalmente com o destino humano. As correspondências sobre o esse tema com

Baldus mostram que Darcy vivenciou em sua formação acadêmica a transição da perspectiva

naturalista de ciência para a perspectiva culturalista que adotou para nortear seus estudos

sobre as diferentes tribos indígenas que visitou ao longo de sua carreira como etnólogo. A

experimentação de uma nova perspectiva teórica pode ser atribuída à convivência com

Baldus, visto que as orientações do professor alemão e o recém adquirido posto de etnólogo

do SPI foram fatos que mudaram as estruturas e esquemas de pensamento de Darcy, assim

como sua posição no campo acadêmico, reconfigurando, por conseqüência, seu hábitus.

32 Carta de 03/06/48, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

Darcy defende uma nova antropologia, com um corpo de saber científico revestido de todo

rigor metodológico, como instrumento intencional de transformação cultural das sociedades

humanas. Essa concepção se torna um pouco mais clara ao lermos o conceito que Darcy faz

de antropologia em um dos arquivos de áudio33 da FUNDAR:

Nesse campo, aliás, o desafio com que nos defrontamos é o de inverter as tendências da antropologia. Em lugar da propensão reacionária que até hoje prevalece, ela devia orientar-se para a postura oposta, ou seja, para constituir uma teoria do fenômeno humano, preocupada fundamentalmente com o destino humano. Seria, por conseguinte, tanto um corpo de saber científico revestido de todo rigor metodológico em que isso implica, como um instrumento intencional de transformação cultural das sociedades humanas. A teoria da cultura, com todas essas ambições deveria ser construída com base tanto em pesquisas de observação direta e estudos temáticos comparativos como na reavaliação crítica das contribuições de todas as demais ciências sociais. Assim, ela se construiria como uma teoria, por um lado especifica do fenômeno cultural, e por outro lado, tão ampla que serviria de base ou de denominador comum a todas as ciências humanas. Sobre essa base é que cada uma delas formularia a teoria de seu próprio objeto.

4.1. MAPEANDO O CAMPO EM QUESTÃO

O campo na concepção de Bourdieu é um espaço relativamente autônomo, que obedece a leis

sociais próprias, específicas de um determinado contexto. Dessa forma, o campo científico

vivenciado por Darcy Ribeiro constitui um universo social específico, com ordens sociais

peculiares, que o diferenciam perante outros campos. Dito isto, Bourdieu explicita a

importância de mapear um determinado campo para compreender sua dinâmica:

[...] nessas condições, é importante, em seguida, para a reflexão prática, o que comanda os pontos de vista, o que comanda as intervenções científicas, os lugares de publicação, os temas que escolhemos, os objetos pelos quais nos interessamos, etc. é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes que são, para empregar ainda a metáfora “einsteiniana”, os princípios do campo. É a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam nessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de posição. (BOURDIEU, 2004, p.23)

A partir dessa concepção, tento aqui esboçar a configuração das posições ocupadas no campo

científico por Darcy Ribeiro e diversos personagens com quem ele interagiu. O mapeamento

traçado por mim toma por base as correspondências disponíveis no acervo do arquivo Darcy

Ribeiro da FUNDAR. A principal personagem a ser levado em conta para essa tarefa é

Herbert Baldus. Isso porque, como já dito anteriormente, o alemão foi uma espécie de mentor

intelectual de Darcy, usando sua experiência e seu capital institucionalizado para indicar o

33 Ver em CD DR 116 – Faixa 4. Teoria da Cultura “As Ciências Antropológicas” – fita 181

caminho que Darcy deveria percorrer para acumular capital cultural e alcançar posições

dominantes no campo em questão.

No momento em que as pesquisas etnológicas começavam a "entrar numa fase mais fecunda"

e, segundo Darcy, Baldus era o ponto para onde convergiam as atividades organizadas por

todos que trabalhavam em conjunto para fortalecer uma antropologia dedicada a "salvar os

índios do Brasil" (o Sr. é o centro desse movimento), uma inquietação toma conta de Darcy: a

viagem de Baldus aos Estados Unidos. Baldus viajaria aos Estados Unidos representando o

Brasil em um congresso. O temor de perder o "único roteiro seguro" de que dispunha foi o

tema principal da carta que Darcy escreve, substituindo o formalismo inicial das anteriores

por um estilo de reverência submisso, em 01/08/49:

Meu caro professor: Soube de sua próxima viagem aos EE.UU., para o Congresso, com sentimento de prazer e inquietação. O Brasil estará representado por quem melhor o pode fazer; mas temo que o senhor aceite alguns convites, que certamente aparecerão, para trabalhar em alguma Universidade americana. Isso seria uma grande perda para todos que trabalham em etnologia no Brasil – e para mim muito particularmente – porque estaríamos privados de sua orientação, o único roteiro seguro de que dispomos. (...) As pesquisas etnológicas, entre nós, começam a entrar numa fase mais fecunda e o Sr. é o centro desse movimento. O trabalho que eu venho fazendo, por exemplo, desde minha preparação intelectual até a possibilidade material de realizá-lo e, mais ainda, de elaborar seguramente o material colhido, é resultado de suas atividades como cientista, como professor e como amigo. E é claro, que esse não é dos principais frutos de seus esforços. Num meio de verdadeira tradição universitária, de maior compreensão da importância do trabalho científico, o Sr. teria muito melhores condições de realizar-se; entretanto, a obra de sua vida é “salvar os índios do Brasil e ensinar ao mundo o que eles são”, e isto terá que ser levado adiante aqui mesmo, com todas as dificuldades de nosso meio e eu não tenho dúvidas que este será o seu caminho.

O receio de Darcy não era totalmente infundado, uma vez que as ciências sociais no Brasil

ainda estavam em fase de desenvolvimento e encontravam, com freqüência, dificuldades de

estrutura, principalmente no que diz respeito a financiamento para o desenvolvimento de

pesquisas científicas na área. Baldus, que já era um intelectual renomado, certamente

encontraria o apoio que aqui era escasso, em instituições americanas, que faziam parte de um

campo científico bem mais autônomo, baseado na ciência, conseqüentemente mais atrativo.

(Sobre essa dependência do âmbito financeiro dentro do campo científico, me aprofundo

adiante, ao tratar das dificuldades encontradas por Darcy para se estabelecer no campo). Mas,

é importante sublinhar a percepção clara de Darcy sobre o trabalho de indicação metódica e

minuciosa da situação e direção de caminhos a seguir que Baldus lhe proporcionava: "O

trabalho que eu venho fazendo... desde minha preparação intelectual até a possibilidade

material de realizá-lo e, mais ainda, de elaborar seguramente o material colhido, é resultado

de suas atividades como cientista, como professor e como amigo". Os substantivos cientista e

professor configuram os caracteres próprios e exclusivos com que Darcy identifica a pessoa

de Baldus. O cientista-professor é responsável por sua "preparação intelectual até a

possibilidade material de realizá-lo". Os adjetivos amigo e seguro modificam os substantivos

indicando a qualidade de uma relação livre de risco. São sentimentos que desenham matizes

da cumplicidade tácita entre o discípulo e o mestre que se desenvolveu no trabalho

etnográfico e que sustentam a parceria de ambos na consolidação de uma antropologia

cultural. Assim é que, em outra correspondência, do dia 24/05/48, Darcy comunica as boas

notícias a Baldus: uma possível parceria entre S.P.I e o Museu Paulista, instituição que tinha

Baldus como diretor de sua Seção de Antropologia.

[...] sobre a possibilidade de contribuição financeira do SPI para a realização de trabalhos de campo do Museu, tenho boas notícias: o terreno está bem preparado e qualquer proposta que o senhor mandar nesse sentido será aprovada pelo Serpa e pelo Donatini. Entretanto, acho conveniente mandar o quanto antes o plano de trabalho, se vier enquanto eu estiver aqui saberei fazê-lo correr depressa pelos célebres “canais”. Como lhe disse, o SPI poderá financiar esse ano: 1) despesas de viagem do técnico; 2) despesas de embalagem e transporte da coleção etnográfica; 3) salários de quatro trabalhadores à razão de 20 cruzeiros por dia, durante quatro meses e 4) verba para a aquisição de brinde para os índios. O SPI poderá provavelmente financiar também uma pesquisa do Schaden ou de outro etnólogo, caso o senhor queira apadrinhá-la em nome do Museu ou da Escola e nos mandar o plano. O que pensa disso?

È importante observar que Darcy, como previra Baldus, move-se com desenvoltura no campo

burocrático. Ele sabia como fazer "correr depressa pelos célebres “canais” os processos, pois

que "o terreno está bem preparado e qualquer proposta que o senhor mandar nesse sentido

será aprovada pelo Serpa e pelo Donatini".

Se a posição de Darcy no campo burocrático estava demarcada, era preciso mobilizar esforços

para ampliar seu horizonte profissional. Nesse sentido, Baldus procura orientá-lo. Em

24/04/50, escreveu a Darcy aconselhando-o a preparar-se para concurso da Cadeira de Arhur

Ramos:

[...] quero tomar a liberdade agora de sugerir-lhe uma coisa que considero importantíssimo para sua carreira: inscreva-se imediatamente para o concurso da cadeira do Arthur Ramos. Você tem o preparo necessário para tal, e certas coisinhas que talvez ainda lhe faltem, como por exemplo, antropologia física, você aprenderá em dois instantes. Como tese poderá aprontar, rapidamente, um de seus trabalhos sobre os kadiuéu. Eu conheço três dos que entrarão no concurso e sei, portanto, que você, ao lado deles, desempenhará um bom papel. Mesmo se você não conseguir o primeiro lugar, obterá, em todo o caso, o título de “Livre Docente” da Universidade do Brasil, e isto já será de grande utilidade para o seu futuro.

Darcy fica lisonjeado com a sugestão de Baldus para que ele se candidatar a Cátedra. No seu

imaginário, somente Baldus estava a altura para fazer da Cátedra um centro de pesquisas e de

formação de novos quadros. Todavia, estimulado pela mensagem de confiança de seu mentor,

Darcy põe-se em campo disposto34 a levar à frente a empreitada.

Escrevi esta carta quando recebi a sua, ontem; desde então tenho estado num dilema terrível. Outros amigos, professores da Fac. Fil. haviam sugerido a minha inscrição, mas eu sempre me considerei muito abaixo das exigências, apesar e principalmente, porque meu grande sonho é, um dia, conquistar uma cátedra de Antropologia. Respondi a eles, que só o senhor, no Brasil, está a altura e tem condições para fazer dela um centro de pesquisas e de formação de novos quadros, como deve ser. Sua carta foi um choque, o snr. não desconhece a influência que tem sobre mim e pode avaliar como me senti, joguei a autocrítica janela abaixo e me pus em campo disposto a levar a frente a empreitada. Soube, então, que as inscrições estavam abertas, urgia providenciar, fui à Faculdade – o entusiasmo desceu a zero – verifiquei que as inscrições e o prazo para a apresentação da tese extingue-se a 9 de Junho próximo. Não há tempo material, antes de fazer a tese teria de apresentar um dossiê com o meu titulozinho e muita farolagem, para ser declarado um cidadão de “notório saber” pela Congregação da Faculdade, condição indispensável para a inscrição de quem não é interino, nem titular, por concurso de Cátedra da mesma matéria. Conta-se com três meses e eu me inscreveria, estimulado por sua mensagem de confiança. Iria lutar pela livre-docência e seria uma oportunidade única, porque, para obter esse título aqui no Rio, terei de trabalhar ao menos 4 anos, pois para isso será necessário fazer antes o doutorado com todos os seus prazos e atrasos. Como tese pensava utilizar o material sobre os Kadiuéu, fazer um estudo de sua organização social ou mesmo, para ganhar tempo, de suas manifestações artísticas: artes gráficas e plásticas, literatura, música e dança – pois a elaboração destes dados já está bem adiantada. Porém, mesmo nesse assunto, preciso mais de um mês, só a exigência de apresentar 50 exemplares da tese e a necessidade pessoal de submetê-la a sua aprovação, torna impraticável. É uma pena. Eu que há dois dias não me preocupava com isso, considerando-me fora do jogo, hoje, com a muleta que o Snr. me mandou me sinto quase roubado por não poder concorrer. Mas a responsabilidade de seu discípulo (vivo sempre a vangloriar-me disto, o Snr. me desculpe) não permite uma aventura assim. Estou mandando junto uma cópia que lhe peço devolver por ser única, de um artigo que quero publicar no próximo número da revista “Cultura”. O Diretor promete imprimir isso com os cento e tanto clichês programados, vê-se que é louco esse nababo. Diga-me o que pensa disto. Infelizmente não posso mandar as ilustrações, pois a maioria será feita à base de desenhos originais, as outras são fotografias, aliás muito boas.

A estrutura do espaço de poderes no campo científico se organiza em torno de uma oposição

principal entre duas espécies de poder. O poder propriamente universitário, fundado

principalmente sobre o domínio da reprodução do corpo professoral, que no Brasil era

representado pela Cátedra. O catedrático gozava de poder para escolher e nomear seus

auxiliares e assistentes, portanto, para regular o ingresso dos pretendentes à carreira docente.

Dado que o concurso era para ocupar a vaga de Arthur Ramos na Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras, o catedrático exercia influencia sobre os demais níveis de ensino,

notadamente sobre os professores secundários, pois que a formação desses professores se

34 Carta de 28/04/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

fazia nesta Faculdade. A este poder socialmente codificado opõe-se um conjunto de poderes

de espécies diferentes que se encontram, sobretudo, entre os cientistas: o poder (ou autoridade

científica) manifestado pela direção de uma equipe de pesquisa, o prestígio científico medido

pelo reconhecimento concedido pelo campo científico, a notoriedade intelectual mais ou

menos institucionalizada, como pertencer a Academia de Ciências, a publicação nas coleções

conferindo uma série de status de clássico (A Coleção Brasiliana, por exemplo), pertencer ao

comitê de revistas intelectuais e, ainda, a ligação com os instrumentos de grande difusão

(rádio, revistas e, hoje, televisão e mídia eletrônica).

Assim sendo, no plano traçado pelo Professor Baldus para seu discípulo, o ingresso na

carreira docente revestia-se de enorme importância. Para ele, Darcy tinha o perfil intelectual

ideal para ocupar a Cátedra de Antropologia e Etnologia de Arthur Ramos na Universidade

do Brasil. A Cátedra era o lugar em que se produzia a ambição intelectual no mundo

acadêmico brasileiro. A maquinaria do processo de consagração no campo intelectual

iniciava-se com o concurso de Livre Docência e, em seguida, o de Cátedra. Certamente, o

concurso era objeto da mais alta aspiração intelectual, estética, espiritual e, principalmente,

de ordem prática. O ingresso de Darcy na Universidade do Brasil, como Livre Docente35 e

Catedrático, permitiria ampliar o espaço do grupo sob a liderança de Baldus. Além disso, e

sobretudo, a Cátedra era o meio principal para consolidar uma perspectiva antropológica

nova, defendida por Baldus e Darcy, entre outros. Darcy passa a dedica-se com empenho na

preparação do concurso. Ele conseguiu reunir um material imenso sobre os Kadiwéu e, por

sugestão de Baldus, escolheu esse estudo para a prova de Livre Docente.

No entanto, suas pretensões tiveram que ser adiadas. Não se sabe bem o motivo que levou a

Universidade a adiar o concurso.36 Apesar disso, Baldus continuou a incentivar37 Darcy a

persistir na preparação do concurso e faz recomendações sobre como ele deveria fazer para

VENCER.

[...] sua segunda carta, dizendo que o concurso da Faculdade de Filosofia será adiado, foi uma alegria para mim. É preciso fazer qualquer sacrifício para você poder entrar nesse concurso e VENCER. Acho que uma monografia sobre a cultura kadiuéu na sua totalidade, considerando também minuciosamente os fenômenos de aculturação e acrescentando, sendo possível, alguns dados de antropologia física

35 Precedia ao Concurso de Cátedra o de Livre Docente, como condição para candidatar-se à Cátedra. 36 Por diversas vezes, a Universidade transferiu a data para realização do concurso. Especulou-se que o próprio Arthur Ramos havia protelado o concurso, temeroso da concorrência que se estabelecia então para sua candidata, a assistente da Cadeira, Marina Vasconcelos. Somente em 1956, Darcy inicia sua carreira universitária como professor de Etnologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil. 37 Carta de 19/05/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

(pois esta faz parte das matérias a serem lecionadas na cadeira de Arthur Ramos) – seria a tese ideal. Ao mesmo tempo, porém, para acabar com sua insegurança no SPI, convém tratar de arranjar uma bolsa nos Estados Unidos para o ano de 1951. No mês que vem virá ao Rio, provavelmente, meu bom amigo Charles Wagley, professor de antropologia da Columbia University de New York e o homem mais indicado para conseguir qualquer bolsa para você ou, pelo menos, para dar importantes informações a respeito. Quem pode colocar você em contato com ele é Clara Galvão, bibliotecária do Museu Nacional e mulher do nosso colega Eduardo Galvão, que está, atualmente, no Xingu. Fale com ela dando-lhe lembranças minhas. A respeito da bolsa penso numa de Guggenheim Foundation ou do Viking Fund. Naturalmente é preciso desde já estudar fanaticamente inglês. Para ter muitos “pontos” para o concurso convém publicar mais alguma coisa. Se você me mandar um pequeno artigo de caráter etno-sociológico, prometo colocá-lo no próximo nº da revista “Sociologia”.

Os problemas no S.P.I. agravaram-se no retorno38 da viagem que Darcy fez a Mato Grosso

chefiando uma expedição científica.

Aqui no Rio me esperavam muitas surpresas desagradáveis, nosso plano de trabalhar três anos ou mais com os Urubu está seriamente ameaçado e nem sei se posso continuar no Serviço na situação em que me colocaram. O Modesto, refazendo a tabela de assalariados mensalistas para 1950 criou uma atrapalhada enorme, veja o que arranjou: 1º - demite todos os trabalhadores da S.E. exceto ao Boudin e a mim, “por sermos indispensáveis” (sic); 2º - dias depois readmite todos e aumenta seus salários num gesto espontâneo, já que não pleitearam isso; 3º - para pagar os aumentos desloca-nos da verba de mensalistas para a de expedições científicas. Conseqüências: 1º - a verba já pequena, fica desfalcada de 120 contos, tornando impossível qualquer pesquisa demorada e cara, mesmo porque, alguns serventes são pagos também por ela e o laboratório e outras despesas no Rio já consomem metade; 2º - passaremos a receber o primeiro semestre em Junho e o segundo em Novembro de cada ano, devido aos atrasos dessa verba, ficando até aquele mês sem saber se a receberemos ou não, porque o Ministro pode cortar a verba, a qualquer tempo, como medida de economia, como tem ameaçado. Isto equivale a uma demissão hipócrita. Eles não o fariam se estivéssemos no Rio, mas nos sabiam no mato, impossibilitados de qualquer providência. A ficar nestas condições, terei que refazer nossos planos e ir para o campo fazer novos trabalhos, sem saber se estou sendo pago. Para agravar ainda mais a complicação, o Serpa, achando-se sozinho, fez um plano de trabalho completamente idiota para o corrente ano. Por ele teremos de voltar ao campo no segundo semestre, quando preciso é de tempo, aqui, para elaborar meu material; reduziu a um terço as verbas que propus para ajuda a outras instituições, dividindo-as ainda por semestres, o que as torna praticamente inaplicáveis, consignou suprimentos para as coisas mais estúpidas, como 20 contos para compra de manuscritos.

O antropólogo norte-americano Charles Wagley participava de uma equipe de pesquisa que

realizava estudos na Bahia. Wagley fez parte, também, com outros cientistas, da organização

38 Carta de 26/04/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.39 É ele quem promove o encontro de Darcy

Ribeiro com Anísio Teixeira, na segunda metade da década de 1950.

Seguir para os Estados Unidos como bolsista da Guggenheim Foundation ou do Viking Fund

não fazia parte dos planos de Darcy Ribeiro. Apesar da insegurança no trabalho, com

pagamento de salário em atraso de três meses, a idéia de gozar uma bolsa de estudos nos

Estados Unidos era impraticável para Darcy, entre outras razões, podem-se apontar as

políticas40. Em 15/07/50, Darcy responde a Baldus:

“(...) estive com o Wagley aqui; ele me procurou para convidar-me a participar das pesquisas que vai realizar com Costa Pinto e três bolsistas da Universidade de Columbia na Bahia. Infelizmente não pude aceitar, por causa do concurso e de meus trabalhos. Soube que o Galvão chegou do Xingu há dias, mas ainda não o encontrei, vou procurá-lo. É muita bondade sua, meu caro mestre, querer convencer-me da possibilidade de uma bolsa nos EE. UU., isto é impraticável e não me preocupa muito porque acredito que trabalhando aqui sob sua orientação, continuando o meu programa de pesquisas, poderei fazer serviço útil. Para nossos objetivos não é importante minha ida à América, mas sua permanência no Brasil.”

Segundo Bourdieu (2004) é a estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina

o que eles podem e não podem fazer. Ou, mais precisamente, é a posição que eles ocupam

nessa estrutura que determina ou orienta, pelo menos negativamente, suas tomadas de

posição. A posição de roteirista de Baldus no campo – é ele quem estabelece o itinerário a

seguir - abre um leque de opções para Darcy e, objetivamente mostra-lhe a conveniência de

manter e ampliar as relações com instituições e cientistas no Brasil e no exterior. Mas, Darcy

acredita que "trabalhando aqui sob sua orientação, continuando o meu programa de pesquisas,

poderei fazer serviço útil. Para nossos objetivos não é importante minha ida à América, mas

sua permanência no Brasil".

O programa de pesquisas a que se refere Darcy exigia, para o seu êxito, a ampliação das

equipes e, ainda, tornar acessíveis ao mundo acadêmico os seus resultados. Daí a insistência

de Baldus para usar as revistas “Sociologia”, “ Cultura” e “Revista do Museu Paulista” como

veículo de divulgação dos trabalhos de pesquisas realizados por Darcy e outros etnólogos.

39 Consultar o Documento Klineberg, no qual se encontra o plano de organização do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e Centros Regionais, publicado na Revista Educação e Ciências Sociais. Participaram de reunião realizada em 18 de agosto de 1955, que aprovou o documento final de criação do Centro os seguintes educadores e cientistas sociais: Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, J. Roberto Moreira, Charles Wagley, Mário de Brito, Jaime Abreu, L. de Castro Faria, Antonio Cândido de Melo e Souza, José Bonifácio Rodrigues, Lourival Machado, o sociólogo britânico Bertram Hutchinson, Florestan Fernandes, Egon Schaden, L. Costa Pinto e o representante no Brasil da Assistência Técnica da O.N.U., Henri Laurentie. 40 Darcy militava no Partido Comunista e fazia restrições a política ("imperialista") de expansão e domínio econômico dos Estados Unidos sobre as nações do terceiro mundo.

Sobre esse aspecto de periódicos importantes nas Ciências Sociais, cabe observar que as

revistas como “Sociologia”, “ Cultura” e “Revista do Museu Paulista” funcionavam como um

veículo de afirmação no campo acadêmico, uma vez que os artigos publicados em seus

fascículos garantiam aos seus autores acumulação do capital cultural necessário para a

consolidação de uma posição de destaque no campo em questão.

Dirigir uma dessas revistas requer habilidade para obter financiamento e colaboradores, tarefa

difícil em tempo de recursos parcos. Curiosamente, quando faltam recursos materiais e

financeiros para a Revista do Museu Paulista, Baldus procura41 Darcy para obtê-los no S.P.I.

Este é o assunto principal das cartas durante o mês de maio. A carta de Baldus escrita em 19

de maio apresenta uma mudança significativa no tratamento dispensado a Darcy. O pronome

possessivo meu (meu caro) desaparece. Baldus conclui a carta com uma nova formulação,

mais convencional: Felicidades. Disponha sempre de Herbert Baldus. O tom geral da carta é

conciso, exato, de poucas palavras, mais próximo do gênero de cartas comerciais ou sociais

do que de cartas entre amigos. Nos dois primeiros parágrafos ele discorre sobre a lista de

compromissos da agenda compartilhada com Darcy (devolvo-lhe as cartas, li com interesse,

escrevi imediatamente). Os compromissos pendentes (cartas ao Donatini e Serpa e as

dificuldades com as verbas para custeio de publicações) também foram listados.

Caro Darcy: Devolvo-lhe, anexo, as cartas do Sr. Malcher que li com grande interesse. Muito obrigado pela atenção. Escrevi imediatamente depois da sua partida a esse senhor, abrindo-lhe os braços para a colaboração conosco. Provavelmente você já viu a minha carta dirigida a ele. As cartas ao Donatini e Serpa só mandarei quando posso acrescentar o relatório do Schultz sobre os Krahó. Ele está trabalhando nisso e espero que acabará dentro de poucos dias. Você já falou da possibilidade duma ajuda nas publicações? Aliás, por causa da nossa dificuldade com as verbas aqui no Museu seria conveniente você mandar fazer os clichês dos esquemas do seu artigo, lá no Rio, para enviá-los junto com o manuscrito. Será possível? O tamanho não pode ser maior do que 12cm : 18 cm Felicidades. Disponha sempre do Herbert Baldus

Como já assinalei anteriormente, Darcy já havia preparado o terreno para estabelecer

colaboração entre o S.P.I e o Museu Paulista e havia dito a Baldus que "qualquer proposta que

o senhor mandar nesse sentido será aprovada pelo Serpa e pelo Donatini". Esse entusiasmo de

Darcy, entretanto, é temporário, dada a instabilidade pela qual o S.P.I. passava e a dificuldade

41 Carta de 19/05/48, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

para retornar ao estado de equilíbrio após sofrer uma perturbação. Em longa carta42 dirigida a

Baldus, Darcy afirma que o "S.P.I continua em marcha-a-ré”. A carta é longa, posto que

Darcy teve que "por aí o que teria dito numas cinco cartas que não lhe escrevi". São

sentimentos contraditórios e em ebulição, ao mesmo tempo: vergonha, indecência,

dificuldade, esforço, esperanças, consciência, força.

... O SPI continua em marcha-a-ré. Não é mais que uma máquina com fim em si mesma e para qual os índios são mero pretexto. No interior, apesar da direção, se faz alguma coisa, mal e tortamente, o que é sempre melhor que nada. Li sua entrevista às Folhas e as distribuí aqui, mas essa gente é imune à decência e à defesa dos interesses dos índios. Esforcei-me inutilmente para que indeferissem o requerimento do bandeirante para mais uma razzia contra os índios, mas qual! Se o SPI negasse o CNPI consentiria, é o que dizem. É uma vergonha, Rondon se deixa levar pelo Oliveira, até dizem que seu último candidato à direção do SPI é o Nabuco, veja só! Minhas esperanças de melhores dias estão em que o problema indígena se torna cada vez mais gritante e a consciência dele começa a surgir. É preciso, a força de campanhas de imprensa, do parlamento, de sociedades como a SAI agitar isto para mostrar a essa gente que o SPI tem uma função precisa além de dar empregos a filhotes de políticos e levar algumas minguadas bugigangas a alguns índios. O Serviço não tem plano algum, tudo se faz ao improviso e a maior preocupação parece ser a de economizar para apresentar “saldos” ao governo, o resultado é que o ministro prendeu a verba de auxílio aos índios para o segundo semestre e dizem que só vai conceder metade, se conceder! Como vai a Revista do Museu, avalio as dificuldades que o sr. tem enfrentado para publicá-la. Não mandei ainda o necrológio do Ernani Martins porque combinamos que ele sairia no terceiro número e o atraso do segundo me tem feito adiar, mas eu o farei antes de partir para o Norte. Desculpe-me tamanha carta, tive que por aí o que teria dito numas cinco cartas que não lhe escrevi. Abraços e recomendações meus e da patroa ao sr. e a todos os amigos.”

A primeira parte dessa mesma carta traz o esboço da monografia sobre os Kadiuéu43, para o

qual Darcy pede o julgamento e apreciação do Baldus:

... Continuo no meu trabalho de elaboração do material colhido junto aos Kadiuéu. O que mais tenho aprendido é valorizar suas lições. Quanto mais estudo o material, maiores dificuldades encontro e mais sinto as limitações dele. As maiores surpresas me vieram, quando iniciei uma análise mais acurada da bibliografia, à medida que a relia minhas próprias observações iam tomando sentido e se multiplicavam as perguntas q não posso responder. Encontrei um material precioso na Biblioteca Nacional, particularmente nos manuscritos da Coleção de Angelis, o melhor foi um códice de um franciscano sobre os índios Guaikurú escrito em 1772 de uma aldeia Mbaya e dirigido a Azará. Como a coleção é miseravelmente mal catalogada, tive que examinar cada um dos documentos o que ocupou quase dois meses, mas foi proveitoso, encontrei muita coisa interessante, embora tenha atrasado todos os meus planos. O rendimento do meu trabalho tem sido pequeno, em grande parte devido à inexperiência que me leva a perder tempo com coisas sem importância, e à falta de preparo teórico, pois à medida que organizo o material tenho que ler não só a bibliografia sobre o grupo mas também livros gerais, para não perder o rumo.

42 Carta de 01/08/49, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR 43 Diários Índios, Os Urubu-Kaapor, livro escrito por Darcy e publicado pela Companhia das Letras, em 1996, é produto desse trabalho. O cineasta Foerthmann passou a compor a equipe de Darcy, a partir dessa expedição. Um dos trabalhos mais importantes de Foerthmann é o documentário cinematográfico sobre o funeral do chefe índio Cadete, cuja única cópia encontra-se na FUNDAR.

Pretendia terminar a monografia sobre os Kadiuéus antes de setembro, mas vejo que isto é impossível; terei que continuar, ainda por algum tempo, mastigando o material. Quero submeter à sua apreciação o esquema geral em que estou elaborando os dados colhidos; é o seguinte: Introdução Metodológica I – História dos contatos culturais II – As relações entre os homens e as coisas 1) Subsistência 2) Aldeia e casa 3) Vestimenta e adorno 4) Manufaturas III – As relações entre os homens 1) Estratificação social 2) Sistema familial 3) Organização política 4) Ciclo de vida do indivíduo IV – Produtos da vida social 1) Padrões de comportamento 2) Religião – magia – medicina 3) Mitologia 4) Arte e recreação Na introdução trataremos dos métodos utilizados, principalmente das limitações que foram impostas pelo papel que representamos junto ao grupo, discutindo, a validade dos dados colhidos. Iniciaremos com um ensaio muito sumário sobre a história dos Guaikurú-Mbaya e suas relações com outros grupos e com os europeus, com o propósito de situar o problema historicamente, chegando até os remanescentes Guaikurú do Brasil atual. Os dados serão distribuídos em três conjuntos, o primeiro sobre a ecologia, a ergonotia, a base material da vida do grupo; o segundo, sobre a organização social, tendo um capítulo particular sobre o ciclo de vida; o último, sobre a vida intelectual, tratando dos padrões de comportamento (no sentido em que o Sr. usou o termo no seu último artigo sobre os Kaingang), do sobrenatual, da mitologia, da arte e recreação. Não poderemos fazer estudos comparativos nem mesmo da mitologia e da arte decorativa, em relação aos outros grupos chaquenhos, porque isso exigiria muito tempo para examinar toda a bibliografia; assim, faremos apenas uma análise sociológica dos mitos, para o que, o material se presta otimamente. Estou me esforçando para fazer de cada um desses quadros um conjunto homogêneo, descrevendo a configuração antiga e a atual e procurando esclarecer os processos de mudança em cada um deles. Meu grande problema, hoje, professor, é conciliar as pesquisas de campo e os estudos de gabinete. Subestimei muito o trabalho de elaboração, acreditando que poderia realizá-lo nuns poucos meses; por isto, planejei para este ano a pesquisa junto aos Urubu. Agora me encontro a véspera de uma nova pesquisa ainda engasgado com a última. Preciso estar atento para isto, senão acabo juntando muito material e não elaborando nenhum. Deverei iniciar em Setembro próximo o estudo dos Urubu, partirei de Belém, passando por Bragança, rumo a Vizeu. Daí subirei o Gurupí, parando em cada uma das comunidades ribeirinhas, até as aldeias Urubu; pretendo correr todas elas para fazer um recenseamento e me inteirar das condições particulares de cada uma. Voltarei (em janeiro) descendo o Turiassú, que é a outra via de contato dos Urubu com os neo-brasileiros e outros grupos indígenas. Irei dar em São Luiz, donde voltarei. Nosso propósito este ano é apenas fazer um survey sobre as condições em que teremos de realizar as pesquisa, à base dele estabeleceremos precisamente os objetivos científicos da pesquisa. Acho que teremos trabalho para os próximos quatro ou cinco anos e para todos os etnólogos e sociólogos que queiram participar. É possível que o Boudin se encarregue do estudo lingüístico, e que o Foerthmann vá também, já este ano para iniciar o documentário cinematográfico, mas isso ainda não está assentado definitivamente Que acha desse plano, professor? Como no caso dos Kadiuéu, o Sr. terá de nos orientar; é um projeto ambicioso e só poderá ser realizado com segurança e inteiro proveito científico, se for muito bem orientado desde o início, e para isso dependemos

do Sr. Quando eu voltar, no próximo ano, irei a São Paulo comunicar-lhe os resultados da viagem e para combinarmos sua visita às aldeias Urubu. Quero que o senhor pense nessa pesquisa como sua própria, que ela realmente é, pois foi por uma sugestão sua, que a planejamos.

Figura 4 – Darcy em expedição na tribo dos índios kadiwéu.

Vale ressaltar alguns trechos da carta. O primeiro deles registra a autoria de um trabalho feito

sob a orientação do Mestre: "no meu trabalho de elaboração do material colhido junto aos

Kadiuéu. O que mais tenho aprendido é valorizar suas lições". O segundo refere-se ao trecho

da carta em que Darcy expressa sentimento de inexperiência que resultou no pouco

rendimento do trabalho: "O rendimento do meu trabalho tem sido pequeno, em grande parte

devido à inexperiência que me leva a perder tempo com coisas sem importância, e à falta de

preparo teórico, pois à medida que organizo o material tenho que ler não só a bibliografia

sobre o grupo, mas também livros gerais, para não perder o rumo".44 O terceiro ponto diz

respeito à dificuldade de conciliar "as pesquisas de campo e os estudos de gabinete". E,

finalmente, sublinho o desejo veemente de Darcy para saber a opinião balizada do professor

sobre o plano traçado (Que acha desse plano, professor?) e o apelo entusiástico para obter a

orientação do Mestre (o Sr. terá de nos orientar; é um projeto ambicioso e só poderá ser

realizado com segurança e inteiro proveito científico, se for muito bem orientado desde o

início, e para isso dependemos do Sr.).

44 Identifiquei-me muito com esse trecho da carta, na elaboração de meu trabalho.

Trabalhando com as correspondências, pude perceber que Darcy e Baldus se utilizavam

determinadas estratégias para ajudar o primeiro a se estabelecer no campo científico, como

por exemplo, publicações nas principais revistas e coleções de renome dentro do âmbito das

Ciências Sociais. O próprio Darcy, ao se preparar para o concurso da FNFi, mencionado em

trecho de correspondência supracitado, se utilizou das revistas e coleções para publicar

trabalhos e enriquecer seu currículo. Um exemplo disso foi a coleção que Simeão Leal

incumbiu Baldus de organizar, dirigir e editar, sobre trabalhos de etnologia. No trecho de

correspondência45 a seguir, Baldus escreve para Darcy falando sobre a coleção:

Prezado Darcy: Recebi sua carta de 15 do corrente. Muito obrigado. A respeito da coleção a ser publicada pelo Sr. Simeão Leal e dirigida por mim faço as seguintes sugestões: Nome: Coleção Etnológica Brasileira – ou – Coleção “Índios do Brasil”.Obras a serem publicadas: Darcy Ribeiro: Os índios Kadiuéu.; Florestan Fernandes: A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá; Fritz Krause: Nos sertões do Brasil; Karl Von den Steinen: Entre os aborígenes do Brasil Central. Além disso, talvez alguma coisa de Nimuendajú, Koch-Grunberg, Wagley e Galvão (A versão port. dos Tenetehara, se eles não tiverem outro compromisso a respeito), e de mim. [...] preciso dizer que acho a projetada coleção uma ótima oportunidade para você ter sua tese para o concurso não só gratuitamente impressa – (e você tem de entregar impressa) – mas também paga. Podia-se publicar como primeiro volume da coleção ou só a tese sob o título “Organização Social Kadiuéu” ou uma monografia sob o título acima que reúne também os seus dados sobre outros aspectos da cultura desses índios inclusive os que você quer publicar na revista CULTURA. [...] O trabalho do Florestan é tese de doutoramento, terá cerca de 350 páginas e poderá ser entregue até março de 1951. O autor deseja vê-lo publicado até junho de 1951 e pede Cr. 15.000,00 de honorários e 50 exemplares gratuitos. [...] Não pude ainda conversar com o tradutor Egon Schaden que está atualmente estudando os Kayuá de Mato Grosso. A respeito dos honorários do diretor da coleção espero uma proposta do sr. Simeão Leal (pagamento por volume ou por página?). O mais importante para mim, meu caro Darcy, é que seu livro inaugurará a coleção.

Como se pode ler no trecho acima, além de enriquecer seu currículo com a publicação de seu

trabalho, Darcy teria, na coleção editada por Baldus, a oportunidade de colocar seu nome e

seu trabalho ao lado de nomes relevantes da etnologia da época, como Florestan Fernandes,

Fritz Krause, Charles Wagley e Eduardo Galvão. Mais ainda, o livro de Darcy inauguraria a

coleção, sendo o primeiro a ser publicado.

Esses trechos selecionados mostram o intenso intercambio de idéias, a cumplicidade em um

projeto comum, entre Darcy e Baldus. Até mesmo o cargo de etnólogo no S.P.I que Darcy

ocupava foi uma indicação de Baldus ao Marechal Cândido Rondon. Essa indicação também

tem forte influência na configuração do mapeamento do campo científico em questão, uma

45 Carta de 29/07/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

vez que, segundo Mattos (2007), durante a década de 30, Baldus tentou fazer parte da equipe

do Museu Nacional, enviando uma carta onde ressaltava sua formação em “Antropologia

Indigenista Americanista”, além de trabalhos por ele realizados como projetos, publicações e

exposições sobre o tema. Porém, foi recusado pela então diretora da instituição, Heloísa

Alberto Torres, não conseguindo, pois, estabelecer-se no Rio de Janeiro. Esse episódio,

somado à identificação de Baldus com o trabalho e a filosofia humanista do Marechal

Cândido Rondon, foi suficiente para que ele preterisse o Museu Nacional e não poupasse

esforços para que Darcy ingressasse no Serviço de Proteção aos Índios com a finalidade de

marcar posição (e oposição) no campo científico (da antropologia) no Rio de Janeiro.46 Essa

predileção de Baldus pelo S.P.I em detrimento do MN no momento da indicação profissional

de Darcy já indica uma configuração no espaço de posições no campo acadêmico, colocando-

o ainda mais próximo de Baldus e de seus “aliados”, e ao mesmo tempo, em oposição aos que

disputavam posições de prestígio com o alemão, uma vez que o campo é um espaço social

conflituoso, interna e externamente. Ao considerar para Darcy possibilidades como a cadeira

de antropologia na Faculdade Nacional de Filosofia, publicações de artigos em revistas

especializadas e bolsa de estudos no exterior, Baldus estava certificando-se de que seu

discípulo acumularia o capital necessário para se estabelecer em posição dominante no campo

acadêmico. Para entender melhor os conflitos no interior do campo, é necessário explorar os

conceito de capital e de campo. De acordo com Bonnewitz, o capital:

Se acumula por meio de operações de investimento, transmite-se pela herança, permite extrair lucros segundo a oportunidade que o seu detentor tiver de operar as aplicações mais rentáveis. Estas características fazem dele um conceito heurístico se, como faz Bourdieu, seu uso não é limitado apenas à área econômica. (BONNEWITZ, 2003, p. 53)

São quatro os tipos de capital: Social: (se refere às relações sociais de um indivíduo ou

grupo), Simbólico (se refere ao reconhecimento por partes de outros membros da sociedade),

Cultural (se refere à intelectualidade nas suas diferentes formas) e Econômico (se refere aos

fatores de produção e aos bens econômicos). O capital cultural, como mencionei acima, se

refere a intelectualidade em suas diferentes formas e tem grande importância na configuração

do campo científico. Esse capital pode ser apreendido em três formas: incorporado,

objetivado e institucionalizado. O capital cultural incorporado demanda uma acumulação

baseada na assimilação pessoal, um trabalho de aquisição individual, que não pode ser

efetuada por terceiros. Trata-se de uma aquisição que, diferente de bens materiais, não pode

46 Talvez, esse fato possa ter sido a explicação para outras polêmicas de Darcy com o Museu Nacional, como as cartas que trocou com os antropólogos do MN quando voltou do exílio, no final da década de 1970.

ser apreendida ou transferida imediatamente. Apresenta um nível de dissimulação no sentido

que não pode ser identificado à primeira vista. A acumulação do capital cultural no estado

incorporado é um processo contínuo, que começa na infância, baseado na socialização do

indivíduo. Esse capital também está vinculado ao capital econômico, nesse caso, pelo tempo

disponível para adquiri-lo, uma vez que o tempo que o indivíduo pode dedicar à aquisição do

capital cultural incorporado está diretamente relacionado ao tempo livre que sua família pode

propiciar, liberando-o de atividades de cunho econômico.

O capital cultural no estado objetivado, por sua vez, se refere à aquisição de bens culturais no

estado material, tais como quadros de arte, livros, esculturas, vitrais, etc. É interessante

perceber que, para adquirir os bens que constituem o capital cultural objetivado, é preciso

possuir o capital econômico. Mas isso não basta. É preciso ainda, possuir o capital cultural

incorporado para estar apto a usufruir desses bens, caso contrário, o capital cultural no estado

objetivado não tem sentido real para o indivíduo. Sobre esse tipo de capital (cultural

objetivado) Bourdieu explicita:

[...] Apresenta-se com todas as aparências de um universo autônomo e coerente que, apesar de ser o produto da ação histórica, têm suas próprias leis, transcendentes às vontades individuais, e que – como bem mostra o exemplo da língua – permanece irredutível, por isso mesmo, àquilo que cada agente ou mesmo o conjunto dos agentes pode se apropriar (ou seja, ao capital cultural incorporado). É preciso não esquecer, todavia, que ele só existe e subsiste como capital ativo e atuante, de forma material e simbólica, na condição de ser apropriado pelos agentes e utilizado como arma e objeto das lutas que se travam nos campos da produção cultural (campo artístico, científico, etc.) e, para além desses, no campo das classes sociais, onde os agentes obtêm benefícios proporcionais ao domínio que possuem desse capital objetivado, portanto, na medida de seu capital incorporado. (BOURDIEU, 2001, p. 77-78)

Já o capital cultural no estado institucionalizado se refere a um atestado de aptidão cultural

que valoriza o indivíduo de forma definitiva, cultural e socialmente. Essa certificação é

autônoma, em alguns casos perpassando até mesmo o efetivo capital cultural possuído por seu

detentor. O capital cultural institucionalizado garante o reconhecimento, sem que o seu

portador tenha que demonstrar seu real valor constantemente. Esse tipo de capital constitui

ainda uma transformação do capital cultural em capital econômico, uma vez que o detentor de

diplomas e certificações é valorizado no âmbito do mercado de trabalho, devido ao

investimento acadêmico que fez.

Quanto mais capital cultural um determinado agente adquire, maior o seu capital simbólico

dentro do campo em questão. Esse capital simbólico gera um poder abstrato, exercido apenas

com a cumplicidade daqueles que partilham do mesmo campo e, conseqüentemente, das

mesmas regras e valores, fato que os leva a reconhecer o tal poder como legítimo e não como

arbitrário. Dessa forma, trata-se de um poder que atua em um universo determinado,

estruturado, onde se produz e reproduz a crença num determinado aspecto ou valor. Esse

poder simbólico é o que determina os ocupantes das posições mais altas no campo e é ao

mesmo tempo, instrumento de comunicação (já que os dominados perseguem o poder

simbólico para se assemelharem aos dominantes) e de distinção (uma vez que é através do

poder simbólico que os dominantes garantem a imposição para se distinguirem dos

dominados e garantir a manutenção das posições de destaque dentro do campo.). Essas

tomadas de posição da qual os dominantes se apropriam são estratégias para a manutenção e

legitimação da hierarquia dentro do campo. Bourdieu explicita a importância da aquisição e

acumulação de bens simbólicos dentro de um determinado campo:

A história da vida intelectual e artística das sociedades européias revela-se através da história das transformações da função do sistema de produção de bens simbólicos e da própria estrutura destes bens, transformações correlatas à constituição progressiva de um campo intelectual e artístico, ou seja, à autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens simbólicos. (BOURDIEU, P. 2004a, p. 99)

Ao insistir para que Darcy fizesse o concurso para a cátedra de antropologia da FNFi, Herbert

Baldus estava planejando para seu discípulo conquistar as posições dominantes no campo. O

caminho realmente não poderia ser mais propício, uma vez que, como atesta Luis Carlos

Jackson (2007), era através das cátedras nas universidades que os grupos se estabeleciam e os

indivíduos acumulavam capital para ocupar tais posições dominantes:

Durante sua vigência (1934-1969), na FFCL-USP, havia duas cátedras de Sociologia, que polarizaram as disputas em torno das concepções de ensino e pesquisa (freqüentemente misturadas às questões de ordem política) que deveriam orientar a constituição das ciências sociais nessa universidade. Os primeiros catedráticos foram Paul Arbousse-Bastide (primeira cadeira) e Lévi-Strauss (segunda). O confronto entre os dois em torno da organização do programa do curso teve como desfecho o afastamento de Lévi-Strauss, no final de 1937. Para seu lugar, foi contratado Roger Bastide, personagem central na FFCL-USP (e no cenário cultural paulista) até seu retorno à França, em 1954. No começo da década de 1940, ele assumiu a cadeira de Sociologia I, ocupando a segunda cadeira Fernando de Azevedo (Arbousse-Bastide tornou-se catedrático em Política). A cadeira de Antropologia foi criada em 1941, regida por Emílio Willems até 1949, em seguida por Egon Schaden e por João Batista Borges Pereira (nos anos de 1960). Disputas mais acirradas ocorreram quando Florestan Fernandes foi indicado por Bastide para substituí-lo em 1954. Nesse contexto, as assistentes Gilda de Mello e Souza e Maria Isaura Pereira de Queiroz transferiram-se, respectivamente, para a Filosofia e para a Sociologia II. Esta (na qual trabalharam Florestan e Antonio Candido, como assistentes, até 1954 e 1958, respectivamente) reuniria, sob a cátedra de Fernando de Azevedo (substituído em 1964 por Rui Coelho), sociólogos com orientações teóricas diversas, como Rui Coelho e Azis Simão, por exemplo. Na Sociologia I, prevaleceu a orientação "científica" imposta por Florestan Fernandes a seus discípulos, entre os quais Fernando Henrique Cardoso,

Octavio Ianni, Maria Sylvia de Carvalho Franco e Marialice Forachi. O desenvolvimento da sociologia na USP foi marcado fortemente por essa divisão, pelas disputas entre as cadeiras e internas a elas, sobretudo na Sociologia I, acirradas depois de 1964. [...] O quadro é indicativo de aspectos da sociabilidade vigente, determinada pela convivência estreita e por competição acirrada, por meio das quais as afinidades e as diferenças sociais se expressavam na conformação de grupos intelectuais e de amizade, de relações amorosas e de rivalidades; tudo isso em meio à rígida hierarquia determinada pela cátedra e pelos novos procedimentos de legitimação intelectual e profissional (doutoramento, sobretudo). Nesse ponto, intervieram decisivamente os membros das missões estrangeiras de docentes, principalmente franceses na FFCL e norte-americanos na ELSP. Nova seara de disputas e parcerias certamente, responsável pela definição de programas de ensino e pesquisa que aos poucos constituiriam linhagens acadêmicas nas ciências sociais paulistas. (JACKSON47, L.C., 2007, p.120)

Sob essa perspectiva, fica claro que a insistência de Baldus para que Darcy prestasse o

concurso para Cátedra de antropologia da FNFi, era para que o mesmo pudesse adentrar nesse

universo institucional de disputas e tomadas de posição. O ingresso na Cátedra daria a Darcy

a afirmação necessária para se estabelecer, uma vez que, de acordo com Bourdieu (2004a),

quanto maior for a autonomia e independência de um indivíduo em um campo intelectual,

como o científico e o artístico, por exemplo, maior será o seu capital simbólico, requisito

indispensável para que este vença os conflitos, os jogos da fração dominante e ocupe as

posições hierárquicas no campo.

Com o adiamento sine die do concurso, Darcy continuou suas atividades no Serviço de

Proteção ao Índio. A chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 1950, traz para o S.P.I.

mudanças significativas. Após um período de interinidade (e de muita instabilidade), José

Gama Malcher assume a direção do S.P.I. e Darcy assume a direção da Seção de Estudos de

Proteção aos Índios, com o apoio do Marechal Rondon. Em carta de 22 de fevereiro de 1951,

Darcy deu a boa notícia ao seu mestre:

“(...) tenho uma boa notícia: Malcher toma posse hoje da diretoria do SPI. Isto significa que, agora, se poderá fazer alguma coisa pelos índios. Ninguém está em melhores condições que ele para assumir o posto. A oposição com que lutamos por parte dos burocratas que infestam o SPI foi tremenda; desesperados diante da possibilidade do Malcher ser diretor, eles fizeram as maiores besteiras, Donatini chegou a transferi-lo, anteontem, para o Pará. Mas foi bom porque, agora, nem podem pensar em continuar no Serviço e eles próprios se demitirão. Será uma limpeza. Imagine que alguns deles ganhando dois contos por mês, mantém automóvel, casa própria e um padrão de vida de dez contos. Como vê tinham boas razões para se desesperarem. Seria interessante que o senhor telegrafasse ao ministro da agricultura felicitando-o pela escolha. Malcher precisará de muito apoio para por esta máquina em ordem e fazê-la funcionar em benefício dos índios.”

47 Ver em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010320702007000100007&lng=en&nrm=iso, acessado em 10/01/09.

A direção da Seção de Estudos de Proteção ao Índio possibilita a Darcy tornar real alguns dos

seus principais projetos e se constitui momento de sua consolidação no campo científico. Pela

primeira vez, um antropólogo assume a direção de um órgão dedicado a estudos de proteção

ao índio. Mas, traz, também, muitas inquietações intelectuais que ele compartilha com seu

Mestre a quem pede "socorro". Em 21 de abril de 1952 ele discute as aplicações práticas das

pesquisas e confessa ter consciência de que o índio já não é para ele "mero objetivo de estudo,

é isto e mais – uma realidade humana que me afeta como cientista e como homem".

Mestre Baldus Recebi sua carta de 8 de Abril, com os recibos e, sobretudo, aquela proposta comovente. Sento-me à mesa disposto a escrever uma carta besta. Não sei agradecer, nem sei se deva. Quando as coisas chegam a este ponto, o melhor é fingir que não se vê a mão do amigo, dadivosa, encaminhando a gente. Tenho horror às ladainhas de agradecimento. E também não sei decidir. Com mil demônios, eu gostaria de trabalhar cinco anos, dez anos, tendo como escopo, isto que o senhor me oferece de mão beijada. Por outro lado talvez seja das coisas boas para daqui a 20 anos, quando já tiver dado o que posso nas pesquisas de campo, nestas que exigem maiores investimentos de suor que de meditação. O senhor fala de ser útil aos índios. É curioso. Quando entrei no SPI tinha certa ojeriza às aplicações práticas de meu trabalho, malgrado toda a minha militância missionária queria distinguir entre os objetivos científicos dele e os esforços de dar mais felicidade aos índios. Queria me convencer de que aos administradores é que cabia tirar de meu trabalho “científico” a “utilidade prática” que pudesse ter. Hoje, passado cinco anos, aprendi muito. Primeiro que o campo mais nobre de pesquisa pura é talvez mesmo este de que tanto carece a administração: o esforço para compreender o processo de assimilação dos índios. E mais, que a preocupação de encararem os índios como problema social, longe de nos desviar dos objetivos da ciência, aprofundam nossa compreensão e permitem ver muito mais claro, descobrir certas coisas que de outro modo nos passariam despercebidas. Acho que estou dando uma boa cooperação ao Malcher, é verdade que isto me tem custado muitas horas que poderia dedicar aos estudos. Mas já perdi aquela estultice de discriminar tarefas por uma tábua de valores que as distinguia em nobres – de nobreza científica e prosaicas, práticas. Índio já não é para mim mero objetivo de estudo, é isto e mais – uma realidade humana que me afeta como cientista e como homem. Pra que todo este palavreado? A verdade é que ando procurando convencer-me com ele de que devo ficar aqui e com risco de não encontrar outra vez uma oportunidade como a que o senhor me oferece. Há outros aspectos. Aqui tenho dinheiros mais ou menos largos para minhas andanças, a liberdade de escolher meus temas e de me meter no mato quando desejo. Por outro lado, com a chefia da Seção, tenho, também, obrigações burocráticas e, sempre, o perigo de, saindo o Malcher ter que tourear algum novo Donatini. São Paulo representa, primeiro, o seu convívio (nunca pude explorá-lo tanto quanto desejo); e, ainda, livros e uma instituição científica amadurecida. Como vê não tenho opinião, não posso resolver nos termos que o senhor propõe; o que seja mais importante no interesse da ciência e dos índios. A ciência nestes casos é quase sempre a gente, a oportunidade de realizar-se; os índios, bem, os índios, sei lá... por pouco qu’eu queira, a verdade é que me importam muito. Vou pensar mais, antes de decidir e lhe peço socorro, sugira alguma coisa. Eu lhe escrevi há dias uma longa carta falando de um programa de trabalhos para a UNESCO, como o senhor não a recebeu, mando cópia. Métraux já respondeu, gostou do plano, prometeu mandar logo um contrato.

Mas ele é um trapalhão; veja só: depois de me fazer esta proposta, mandou uma longa carta à D. Heloísa cheia de requebros, pedindo que sondasse o Roquette a ver se ele podia fazer o mesmo trabalho. O diabo é que eu já lhe havia falado a respeito e ela ficou furiosa com Métraux; vai responder-lhe que tem bastante respeito por Roquette para que se preste a uma brincadeira e termina perguntando se “há sinceridade nisto”? (1) Ela crê que Métraux está certo de que Roquette não pode aceitar o trabalho e simplesmente aproveitou a oportunidade para fazer uns salamaleques, desculpando-se, assim, de um desentendimento que tiveram. Isto é pelo menos muito gozado, quanto a mim não aceito papel na palhaçada, briguem ou se beijem quanto queiram. Já recebeu os números de Cultura em que saiu seu trabalho? Remeto-lhe hoje umas separatas do meu, estou sensualmente feliz com elas, não estão uma beleza? Abraços saudosos e recomendações de Berta. (1) É gíria carioca, a mais nova.

Como de costume, bem ao estilo característico de Darcy, a carta é longa e trata de

sentimentos, projetos, e sobretudo, de um tema apaixonante para ele: ser útil aos índios. Darcy

inicia a carta tentando expressar agradecimentos "a mão do amigo, dadivosa, encaminhando a

gente". Em seguida, expõe como decidiu resolver o conflito existente entre "o campo mais

nobre de pesquisa pura e certa ojeriza às aplicações práticas de meu trabalho". Antes, diz ele,

"queria distinguir entre os objetivos científicos dele [de seu trabalho] e os esforços de dar

mais felicidade aos índios. Queria me convencer de que aos administradores é que cabia tirar

de meu trabalho “científico” a “utilidade prática” que pudesse ter". E continua explorando o

assunto: "Hoje, passados cinco anos, aprendi muito. Primeiro que o campo mais nobre de

pesquisa pura é talvez mesmo este de que tanto carece a administração: o esforço para

compreender o processo de assimilação dos índios. E mais, que a preocupação de encararem

os índios como problema social, longe de nos desviar dos objetivos da ciência, aprofunda

nossa compreensão e permite ver muito mais claro, descobrir certas coisas que de outro modo

nos passariam despercebidas". Conclui com a afirmação: "já perdi aquela estultice de

discriminar tarefas por uma tábua de valores que as distinguia em nobres – de nobreza

científica e prosaicas, práticas. Índio já não é para mim mero objetivo de estudo, é isto e mais

– uma realidade humana que me afeta como cientista e como homem".

A segunda parte da carta expõe uma polêmica agitada à volta do valor de um programa de

trabalhos para a UNESCO, que envolvia figuras importantes do cenário intelectual do Rio de

Janeiro. A questão acirrou as disputas entre instituições (MN e S.P.I) e personagens que se

digladiavam no campo científico. "Métraux já respondeu, gostou do plano, prometeu mandar

logo um contrato. (...) Mas ele é um trapalhão; veja só: depois de me fazer esta proposta,

mandou uma longa carta à D. Heloísa cheia de requebros, pedindo que sondasse o Roquette a

ver se ele podia fazer o mesmo trabalho.

Ainda em 1952, Darcy participa da equipe que elaborou o projeto para a criação do Parque

Indígena do Xingu. Três instituições reuniram esforços para tornar viável o projeto do Parque

Indígena do Xingu: a Fundação Brasil Central, o Museu Nacional e o S.P.I.

... como representante do SPI, Darcy contribuiu para a criação do Parque Indígena do Xingu, juntamente com membros da Fundação Brasil Central, da Expedição Roncador-Xingu, do Museu Nacional e do próprio SPI, entre outros. Grande conquista do indigenismo brasileiro, o Parque Indígena do Xingu se constituía em iniciativa, até então inédita no país, que se transformou em modelo para a execução de políticas indigenistas. Pretendia-se criar, com o Parque, uma barreira contra as frentes de expansão, com o objetivo de preservar não apenas população e culturas indígenas, mas também os recursos naturais por meio dos quais elas se perpetuariam. Sua proposta extrapolava assim os limites da questão indígena, avançando sobre o que mais tarde se denominaria ambientalismo. (LÔBO et alii, 2008, p.12)

No ano seguinte, Darcy aplica a sua atenção na elaboração de um projeto especial: o Museu48

do Índio, inaugurado em 19 de abril, vinculado à Seção de Estudos de Proteção ao Índio, e

sob sua direção49. Nesse mesmo ano, realiza a primeira exposição do Museu do Índio, com

objetos indígenas coletados durante as expedições que realizou na segunda metade da década

de 1940.

“O Museu do Índio foi criado por mim em 1953 como a parte visível da Seção de Estudos que eu dirigia no antigo Serviço de Proteção aos Índios. Ao lado das atividades de natureza científica e cultural, indispensáveis ao SPI, o Museu foi criado com o propósito específico de desmentir os preconceitos usuais que a população brasileira desenvolve em relação aos índios. Nesse sentido, o Museu do Índio era um órgão singular entre os vários museus etnográficos do mundo, que exibiam o índio como um ser exótico e feroz”. (Darcy Ribeiro, acervo D.C 19/ 12/ 1991).

Em 1953, aceita o convite da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação

Getúlio Vargas para lecionar a disciplina Etnologia brasileira, iniciando, assim, sua carreira

docente. O magistério desponta para ele como um espaço privilegiado posto que passou a

formar novas gerações acadêmicas e porque consegue incluir a disciplina Etnologia brasileira

48 Desde então fica patente a importância que Darcy atribui aos Museus como instituição educativa. Ele tem uma concepção inovadora peculiar de Museus como centros culturais. Para ele o museu não é um lugar de depósito de objetos, mas, é um espaço educativo. Ao longo de sua vida dedicou-se à criação de museus, dada a importância que conferia a essa instituição como espaço educativo. Quando assumiu a Vice-governadoria do Estado do Rio de Janeiro, em 1983, e ocupou o cargo de Secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia, dedicou-se a recuperar prédios históricos da cidade do Rio de Janeiro, dando-lhes novo uso. Assim, transformou o prédio da antiga Alfândega, projetado por Grandjean de Montigny, em Museu da Matriz Francesa da Cultura Brasileira: a Casa França-Brasil. 49 A associação dos Antigos Alunos da ELSP, então presidida por Erasmo H. M. Lopes, congratula Darcy por ter sido escolhido para dirigir o Museu do Índio. Darcy é reconhecido, na carta, como alguém que “tanto tem feito pelo desenvolvimento das ciências sociais em nosso país e, especialmente contribuído para melhor conhecimento do índio.”

em um curso de Administração Pública. Dois anos depois, organiza o primeiro curso de pós-

graduação em antropologia cultural do Brasil vinculado à Seção de Estudos do Serviço de

Proteção ao Índio do Museu do Índio, com o apoio da CAPES.

Funcionando sob os auspícios da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, que tinha como secretário-geral Anísio Teixeira, este curso destinava-se à formação de pesquisadores aptos a atuar nos aparelhos do Estado, formulando políticas públicas que visassem à solução dos problemas sócio-culturais do país. Além disso, tinha como objetivo contribuir na consolidação do recém-criado Museu do Índio, pois seus alunos eram estagiários desta instituição. (LÔBO et alii, 2008, p.15)

Figura 5 – Documentos de criação do CAAC, que mostra quem eram os professores que compunham o corpo

docente do mesmo. A partir de então, outra personagem passa a ter uma grande influência na vida de Darcy e o

introduz no campo da educação, o educador Anísio Teixeira.50

50 Sobre a atuação de Darcy Ribeiro no campo da educação e seu trabalho com Anísio Teixeira consultar LÔBO et alii, Darcy Ribeiro: o brasileiro. Rio de Janeiro, Quartet, 2008.

Figura 6 – Darcy Ribeiro em conferência com Anísio Teixeira. Da esquerda para a direita do leitor, Darcy é o

segundo e Anísio é o quarto.

Vale registrar que a questão indígena foi objeto de preocupações de Darcy por toda a vida. No

período em que atuou no S.P.I, entre os anos de 1947 e 1957, esse órgão viveu um período

excepcional. "... foi uma época em que civis estiveram à frente do SPI, e em que pesquisas de

caráter científico, promovidas pela Seção de Estudos, passaram a subsidiar a elaboração da

política indigenista nacional". (LÔBO et alii, 2008, p.10). Comprometido com o destino dos

povos indígenas, Darcy lutou pela defesa intransigente da integridade desses povos, suas

culturas e territórios.

A causa indígena foi inspiração e motivação para o trabalho de Darcy, sempre. Nas inúmeras entrevistas e conferências que proferiu, em seus artigos científicos, ensaios e romances, bem como em sua atuação como político e intelectual engajado, Darcy Ribeiro difundiu informações e opiniões sobre os índios que acabaram por habitar o imaginário nacional e constituem, hoje, referências obrigatórias ao pensamento social brasileiro. (id. p. 11)

O início da década de 1950 pode ser definido, na trajetória de Darcy Ribeiro, como o

momento de consolidação e ampliação de sua posição no campo científico. Na direção de

duas instituições, a Seção de Estudos de Proteção ao Índio e o Museu do Índio, no magistério,

na direção de cursos de pós-graduação, Darcy amplia consideravelmente seu círculo de

interlocutores. Abrem-se, para ele, novas possibilidades de atuação em outros domínios do

campo científico. Com Anísio Teixeira ele adentra no campo de educação, ajudando-o na

reconfiguração desse campo. Com Victor Nunes Leal (e também Anísio Teixeira) segue na

direção do campo político, na segunda metade da década de 1950.

Em minha pesquisa de campo, fiz o levantamento das correspondências que Darcy trocou

com atores relevantes dentro do campo cientifico das Ciências Sociais, no intuito de

identificar os atores com quem Darcy se relacionava e que assuntos eram tratados e o teor

com que eram discutidos. Na grelha de correspondências que apresento em anexo, adotei o

recorte temporal que vai de 1948 até 1953, período que compreende a experiência de Darcy

enquanto etnólogo do S.P.I. Nela, pode-se perceber que, além de Herbert Baldus e Donald

Pierson, que já foram apresentados nesse trabalho, aparecem outras personagens que faziam

parte do campo cientifico e com as quais Darcy buscava manter interlocução privilegiada.

Entre eles, Oracy Nogueira, sociólogo que se graduou e fez mestrado sob orientação de

Donald Pierson na ELSP. Thales de Azevedo, médico, escritor e antropólogo, docente da

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, autor de várias pesquisas sobre

relações raciais no Brasil. O alemão Heinz Foerthmann, cineasta e fotógrafo profissional do

SPI, com quem Darcy fez pesquisas etnológicas e produziu filme sobre os índios Borôro.

Claude Lévi-Strauss, antropólogo francês, que veio ao Brasil no início da década de 1930 para

lecionar sociologia na USP. Ficou em terras brasileiras de 1935 a 1939, período em que fez

algumas expedições etnológicas para o Centro-Oeste e Norte do país. Roberto Cardoso de

Oliveira, formado em filosofia pela USP e que, no entanto, convidado por Darcy, passou a

trabalhar como etnólogo do SPI, destacando-se efetivamente em trabalhos etnológicos em

defesa do índio brasileiro.

Eu fui aprender etnologia. Eu disse a ele, quando me convidou: “Olha, eu não sou competente para esse trabalho, não entendo nada de índios brasileiros ou quaisquer outros, a minha experiência se limita aos cursos com o Florestan, em relação aos tupinambá e aos cursos do Bastide”. [...] Mas Darcy me deixou tranqüilo, dizendo que eu poderia ficar estudando... Teria pelo menos um ano para ler no Museu do Índio, que ele tinha criado recentemente no âmbito da Seção de Estudos que dirigia no SPI. Então eu fui para ler, e isso eu devo a ele. E ler sob sua orientação, que não era um tipo de orientação teórica como eu me habituara na USP. Darcy não tinha muito apreço pelas questões teóricas, mas, nessa época, ele já era um excelente etnólogo, pois tinha feito trabalhos da melhor qualidade sobre os Kadiwéu, como sua famosa etnografia Religião e Mitologia Kadiwéu, publicada em 1950; e seus artigos sobre os Urubu Kaapor, índios Tupi do Maranhão, o segundo grupo com o qual trabalhou. [...] Com Darcy, o indigenismo passaria a se apoiar nas teorias modernas da antropologia. Essa me parece uma contribuição que nem sempre é reconhecida pelo atual campo indigenista. Pois a tendência, hoje, é a crítica ao Estado, enquanto nos anos 50, tratava-se de fortalecer o Estado em sua luta de duas frentes: contra os latifundiários que destruíam os índios fisicamente e contra as missões religiosas que logravam praticamente o mesmo, conduzindo-os à desorganização social. (CARDOSO DE OLIVEIRA, R. ; GRUPIONI, L. D. B. ; GRUPIONI, M. D. F. . Falando de Antropologia (Entrevista com Roberto Cardoso de Olveira) - Cadernos de Campo: Revista dos Alunos de Pós-graduação da USP. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1996 (Entrevista, p. 197-198)

O depoimento de Roberto Cardoso de Oliveira é interessante na medida em que nos permite

notar que Darcy escolhia os profissionais que acreditava serem capazes, ainda que não

tivessem formação adequada. Talvez isso seja um indício da autonomia de Darcy, que

acreditava saber bastante sobre os índios, estando apto assim, a preparar as pessoas com quem

gostaria de trabalhar. Roberto Cardoso de Oliveira ressalta isso ao destacar a maneira ímpar

com que Darcy passava os seus conhecimentos, voltado para a ação, sem “muito apreço pelas

questões teóricas”. A lista de profissionais com quem Darcy se relacionou continua com

Frank Perry Goldman, americano formado em sociologia pela ELSP, notabilizou-se pelo

estudo com idosos no estado de São Paulo. Clifford Evans, arqueólogo americano, casado

com a também arqueóloga Betty Meggers, funcionário do Smithsonian Institute, com quem

Darcy estabeleceu parceria. Com a arqueóloga Betty Meggers, Darcy mantém intensa

correspondência na qual discute o papel das Ciências Sociais. Harald Schultz, etnólogo e

fotógrafo, que trabalhou com Darcy no S.P.I. Schultz trabalhou, ainda, como assistente de

etnologia na Seção de Etnologia do Museu Paulista, cujo diretor era Herbert Baldus. Todos

esses estudiosos merecem, logicamente, um destaque e um espaço bem maior do que o

dedicado nesse trabalho. No entanto, o objetivo aqui é situar, ainda que minimamente, o

leitor, sobre as personagens que formavam a rede de relações sociais de Darcy Ribeiro.

As cartas são, sem dúvida, instrumentos de comunicação para a execução dos projetos de

Darcy. É através das cartas que Darcy se relaciona com atores relevantes no campo científico.

Por meio de correspondências trocava idéias sobre etnologia, planejava viagens e expedições

etnológicas, falava sobre publicações, premiações, cargos, colocava-se a par das novidades no

campo, estabelecia alianças e contatos. Personagens relevantes como Florestan Fernandes,

Lévi-Strauss, Harald Schultz, Oracy Nogueira, Eduardo Galvão51 e tantas outras se

corresponderam com Darcy, colocando-o em um núcleo privilegiado do campo das Ciências

Sociais.

Por meio das cartas Darcy amplia seu capital social, que na concepção de Bourdieu (2001) é

um conjunto de recursos que se estabelecem através de contatos firmados, de forma

institucionalizada ou não, mas onde o conhecimento e o reconhecimento mútuo são

51 As cartas que Darcy Ribeiro trocou com Eduardo Galvão não constam da grelha por uma mera questão de recorte temporal pré-determinado por mim para esse trabalho, visto que as que encontrei no acervo da FUNDAR, correspondem a um outro período da vida acadêmica de Darcy. No entanto, não poderia deixar de citar que Galvão foi um dos grandes personagens com quem Darcy debatia questões sobre etnologia, trabalhos no Museu Paraense e outros assuntos acadêmicos, fato que, mesmo indiretamente, se ocupa da formação intelectual de Darcy Ribeiro e sua inserção no campo das ciências sociais brasileiras.

imprescindíveis. Capital social suficiente para criar um atrelamento, uma conexão entre os

diferentes agentes que constituem um grupo dotado de características em comum, que os

fazem permanecer ligados simbolicamente, à base de reciprocidade mútua. Ainda de acordo

com Bourdieu (2001), quanto mais extensa for a rede de relações de um determinado

indivíduo, maior será o seu volume de capital social. Bourdieu ressalta ainda que o capital

social não é completamente independente do econômico e cultural, visto que se baseia numa

ação de reciprocidade, na troca ou permuta entre duas pessoas ou dois grupos, o que supõe

que os indivíduos pertencentes a uma determinada rede de relações tenha uma certa

homogeneidadede nos objetivos, o que permite fazer circular o capital social e se multiplicar

através dessa rede. Essa rede nada mais é do que uma estratégia para estabelecer ou ampliar

relações que, invariavelmente, são necessárias para a ocupação de posições dominantes dentro

de um determinado campo.

Além das estratégias planejadas com Baldus (concursos, publicações, ocupação de cargos) e a

troca de correspondências com atores relevantes das Ciências Sociais brasileira e estrangeira,

as congratulações e os convites formais para eventos são outra forma de apreender a

importância do indivíduo na configuração do campo científico, uma vez que eles evidenciam

prestigio e reconhecimento, que é uma forma de capital simbólico. Reproduzo, em anexo,

algumas dessas congratulações e convites recebidos por Darcy encontrados em seu acervo

pessoal.

Esses convites e congratulações são frutos da posição de destaque que Darcy conseguiu

alcançar no campo científico, tanto no reconhecimento por parte dos atores que constituem o

campo, como por autoridades do campo de poder e do campo literário. Haja vista os cargos de

direção que exerceu e as premiações recebidas (Darcy venceu o prêmio Fábio Prado de 1950,

assumiu a chefia da Seção de Estudos do SPI em 1951 e em 1953 assume a direção do Museu

do Índio). Além disso, estabeleceu contatos internacionais, consolidando-se ainda mais no

campo científico e conseguindo parcerias de trabalho, por exemplo, entre o S.P.I e o

Smithsonian Institution. Transcrevo abaixo, trechos da carta escrita52 por Clifford Evans,

membro da Divisão de Arqueologia do Smithsonian Institution para José Maria da Gama

52 Carta de 01/12/54, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

Malcher, então diretor do S.P.I, sobre um programa cooperativo de trabalho a ser

desenvolvido por essas instituições (com a tradução53 em nota de rodapé):

[...] In discussing our research plans and difficulties and the various problems of storage and preservation of the Museu do Índio informally with Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro and Geraldo Pitaguary, it seemed to us that some kind of cooperative program could be worked out between the Serviço de Proteção aos Índios and the Smithsonian Institution that would prove fruitfull to both institutions. It is our understanding that the spaces limitations and scientific orientation of the Museu do Índio do not permit the undertaking of a long-range program of archeological research. We also understand that import regulations and dollar restrictions sometimes make it difficult for your organization to secure necessary supplies like paradichlorabenzine crystals, large-sized photographic paper, etc. With all those factors in mind, we would like to propose for your consideration the following exchange: If the various employees of the Serviço de Proteção aos Índios who work in the interior would collect small sherd samples (100-200 fragments) from old Indian sites, placing each sample in a cloth bag with a label indicating the name and location of the site, size of the site, depth of the deposit, etc., the Smithsonian Institution would pay for the shipment by ocean freight to Washington D.C. and in return for the time and and trouble expended by your organization, would send to you whatever materials (chemicals, photographic paper, etc.) that you desired at the time. This arrangement would resemble the exchange programs frequently arranged between Museums, except that instead of exchange ethnographic specimens from one area for those from another, we would be exchanging materials for specimens. We discussed the feasibility of this program in an informal way with Galvão and Ribeiro while we were in São Paulo, so they will be able to clarify any details not covered here. […]”

No entanto, embora essas estratégias (publicações contatos e convites, etc) sejam relevantes

para mapear o campo científico, para se estabelecer no mesmo é necessário ainda superar as

batalhas contra as adversidades e interferências que o referido campo sofre. Uma das

adversidades mais encontradas nos registros de minha pesquisa de campo foi a questão da

(falta de) independência financeira, difícil de ser estabelecida, em virtude da escassez de

verbas. A ELSP, por exemplo, passava por esse problema, razão pela qual não pode colocar

53 Ao discutir nossos planos de pesquisa e dificuldades e os vários problemas de armazenamento e preservação do Museu do Índio informalmente com Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro e Geraldo Pitaguary, nos pareceu que algum tipo de programa cooperativo poderia ser trabalhado entre o Serviço de Proteção aos Índios e o Smithsonian Institution, que se mostraria proveitoso para ambas instituições. É de nosso entendimento que as limitações de espaço e orientação científica do Museu do Índio não permitam o encerramento de um programa de longo alcance de pesquisa arqueológica. Nós também entendemos que regulamentação de importação e restrições do dólar às vezes tornam difícil para sua organização a obtenção de utensílios necessários como cristais de paradiclorobenzina, papeis de fotografia ampliados, etc. Com todos esses fatores em mente, nos gostaríamos de submeter à sua consideração a seguinte troca: Se os vários funcionários do Serviço de Proteção aos Índios que trabalham no interior coletassem pequenas amostras de cacos (100 a 200 fragmentos) de velhos sítios indígenas, colocando cada fragmento em uma bolsa com um rótulo indicando o nome e a localização do sítio, tamanho do sítio, profundidade do depósito, etc. o Smithsonian Insitution pagaria pelo transporte por oceano fretado para Washington D. C. e em retorno pelo tempo e trabalho gasto pela sua organização, mandaria a vocês quaisquer materiais (químicas, papel fotográfico, etc.) que vocês desejassem. Esse acordo seria semelhante a programas de intercâmbio freqüentemente estabelecidos entre Museus, exceto que ao invés de trocar espécimes etnográficos de uma área pela outra, nós estaríamos trocando material por espécimes. Nós discutimos a viabilidade deste programa de uma maneira informal com Galvão e Ribeiro enquanto estivemos em São Paulo, então eles estarão aptos a esclarecer quaisquer detalhes não abordados aqui.

em prática alguns projetos de pesquisas. Em uma correspondência que escreveu54 para Darcy,

Pierson lamenta que esse tipo de empecilho tenha sido determinante para que ambos não

desenvolvessem juntos uma pesquisa:

[...] Nunca perdi a esperança de que num destes dias o amigo e eu pudéssemos estar juntos numa pesquisa. Aliás, como sabe, alimentei muito interesse por isso desde que nos encontramos pela primeira vez em Belo Horizonte, e fomos juntos a Ouro Preto. Sempre lamentei a carestia de verba na Escola que não me permitiu, durante muitos anos, fazer, junto com meus alunos, as pesquisas que queria.

Essa questão da falta de verba como impedimento de realizações no âmbito acadêmico é

interessante ser analisada sob o conceito de campo de Bourdieu. O campo é uma espécie de

mercado, onde os indivíduos que nele operam atuam como jogadores e como produtores e

consumidores de bens. Dentro de um campo, os indivíduos que possuem o capital específico

para dominá-lo se enfrentam em busca da acumulação de forças que vai assegurar a

dominação do campo. Sob essa perspectiva o capital é meio e fim. Os indivíduos medem

capital em busca da acumulação do mesmo. Nessa busca pelo capital, o propósito de quem

está na posição dominante é acumular o máximo possível. E quem está em posição dominada,

procura “mudar as regras do jogo”, desvalorizando o capital sobre o qual repousa a

dominação do oponente. É importante notar que, embora os campos sejam universos dotados

de características e regras peculiares, não são totalmente autônomos. Ao contrario, os

diferentes campos se misturam em determinados momentos. Um exemplo claro é o campo

econômico: sua lógica de funcionamento é claramente percebida em outros campos, como o

da arte e da cultura. Quando Pierson menciona o problema da falta de verba para executar as

pesquisas que gostaria e que julgava necessárias para os alunos da ELSP, é nítida a percepção

de que o campo acadêmico em questão sofria influências externas, nesse caso, do campo

econômico. Essa situação é ilustrada mais claramente em outra carta55, de Pierson para Darcy,

já na década de 80, na qual ele faz referência a dificuldade apresentada para sua permanência

na Escola, problema que somente foi resolvido com a ajuda do Smithsonian Institution:

[...] Nesta altura permita-me mencionar que talvez se saiba que no segundo ano depois de chegar a São Paulo, visto que o Diretor Berlinck e a Escola queriam que eu continuasse aí mas eu não queria competir com meus colegas e alunos pelos poucos recursos financeiros que eu tinha descoberto foram disponíveis, veio procurar meu salário de outra fonte – e isto consegui, recebendo salário de fora durante muitos anos, terminando com o da Smithsonian Institution cujo programa de pesquisas e de ensino do seu Instituto de Antropologia Social no Brasil eu dirigi, como sabe, creio, de 1945 a 1952. [...]

54 Carta de 20/12/51, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR 55 Carta de 15/07/88, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

A questão econômica não era um problema enfrentado apenas pela ELSP. Dentro do S.P.I,

Darcy enfrentou problemas de ordem financeira e burocrática, o que mais uma vez remete a

questão da autonomia do campo científico. Este problema foi, mais de uma vez, assunto

principal de sua correspondência com Baldus. A burocracia colocava entraves aos projetos de

Darcy e se constituía seu principal problema no S.P.I. Em correspondências56 endereçadas a

Baldus, Darcy lamenta o fato de pessoas se apoderarem de cargos para benefício próprio e

demonstra esperança de mudança com a nomeação de José da Gama Malcher como novo

diretor. Destaco também a correspondência57 escrita por Harald Schultz para Darcy Ribeiro,

denunciando a situação de descaso com que se deparavam os índios perante a burocracia que

engessava ações relevantes do S.P.I. Os grifos na correspondência foram feitos pelo próprio

Harald Schultz:

Meu caro Darcy! Um abraço. Voltei do Gy-Paraná, onde visitei e estudei os desconhecidos índios Uruku e Gavião. O resultado destes estudos e da situação do problema indígena encontrado naquela região será apresentado em relatório logo após a minha volta a São Paulo em março próximo. Por enquanto assuntos muito mais sérios! Está no poder no Território Federal do Guaporé um oficial muito inteligente, ótimo brasileiro e velho conhecido meu, o Governador Major Enio dos Santos Pinheiro. Escrevi pela mesma mala ao Malcher, expondo a ele a possibilidade que se apresenta pela compreensão máxima e boa vontade em obter a título definitivo no Território Federal do Guaporé uma reserva de terras para cada tribo que lá reside. O que se torna necessário, é que, imediatamente (!), (e não daqui a dois anos...) se inicie ativamente o trabalho, e para isto é urgente o envio de recursos materiais e técnicos (humanos) à chefia do IR9 de Porto Velho. Com “recursos humanos” compreendo auxiliares abnegados e competentes (se tais existem?), que possam realizar viagens nas diversas regiões do Guaporé, com o único fim de localizar as tribos e delimitar com precisão geográfica as reservas necessárias a cada tribo. Você não acha, que, conseguir “uma reserva de terras para cada tribo” é uma oportunidade única e digna dos maiores esforços por parte da chefia do SPI? Agora, este esforço tem de ser feito imediatamente, e não “depois”! Desculpe, se repito isto... Para não ter que repetir todos os dados tratados, peço que você leia nas mãos do Malcher a carta que lhe envio nesta mesma mala! Nela trato dos detalhes da questão. De você espero seu inteiro apoio, para a realização das “reservas”. Quero dizer, ainda, como estou mal-impressionado quanto a assistência que vocês dão ao índio do Território do Guaporé. Falta de tudo na inspetoria, que, finalmente e depois de muitos anos de fracassos, parece ser entregue a pessoa digna e honesta, depois de tantos ladrões, que destruíram totalmente o bom nome do SPI em todo o Território do Guaporé. (E, por surpresa, estes ladrões continuam pululando dentro do SPI apresentando índios como se fossem fantoches, certamente para encobrir faltas suas pelo alvoroço que levantam pela imprensa e pelo rádio!!) Realmente, o nome do SPI no Guaporé soa como se fosse o conteúdo de uma latrina, e ninguém mais acredita na sinceridade, eficiência e intenções honestas de funcionário algum. E, posso afirmá-lo com orgulho, se o atual Governador, Major Enio dos Santos Pinheiro, está disposto a colaborar doando terras para cada tribo indígena do Guaporé, é porque acredita em mim, é porque acredita num Brasil melhor num futuro próximo ou remoto, é porque compreende o alcance humano, nacional e econômico que significa isto. O que causa espanto, Darcy, é, que um território imenso como o Guaporé, onde existem muitas tribos mansas e selvagens,

56 Cartas de 08/01/49 e 22/02/51. Acervo FUNDAR.Trechos dessas cartas estão nas páginas 59 e 66. 57 Carta de 30/01/54, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

e onde existe agudo, em constante realidade o problema do contato entre o seringueiro e o índio, entre o sertanejo e o selvícola, é que uma tal região seja totalmente esquecida das atividades necessárias do SPI. O SPI no Guaporé praticamente não existe. E se havia por lá funcionários, desbaratavam tudo, desperdiçavam tudo, e dizem até que roubavam tudo. (tenho disto até provas convincentes e vocês devem estar muito melhor informados do que eu! – Por favor, não mande nenhum daqueles pacificadores espalhafatosos para lá, que vocês mantém no SPI não sei porque raio, ou melhor, parece-me que eu o sei, mas não o digo, pelo menos não por escrito)...

Os relatos acima sobre os “burocratas” do S.P.I e suas regalias remetem ao campo político,

onde posições de destaque trazem vantagens, que o Bourdieu chama de lucros simbólicos, que

por sua vez podem transformar-se em lucros econômicos. O campo político é um espaço de

jogos, regras, disputas e posições próprias dentro de um campo. Nesse campo desenrolam-se

disputas em torno do poder. Em torno dessas disputas, a política é vista como um produto e

os indivíduos que participam desse campo são vistos como consumidores que têm a

incumbência de escolher. Isso faz do campo político um campo onde a economia simbólica

tem forte ênfase. Também nesse campo é preciso ter um determinado tipo de capital para ser

aceito e reconhecido por seus integrantes. Esse capital é configurado por discursos, teorias,

retórica, tradição, etc. Nesse campo, especialmente, existe a adesão ao jogo. Contatos,

alianças e reconhecimento estão implícitos no campo político. O campo de poder pode ser

percebido dentro do campo acadêmico, uma vez que existem disputas em prol da ciência e

disputas sob uma perspectiva econômica, que visa lucros. Nas disputas em um campo de

poder, todos os grupos tentam impor limites que os favoreçam e excluam outros grupos.

Os lucros simbólicos gerados pelas posições de destaque no campo político podem ter sido o

motivo pelo qual o concurso para a cadeira de antropologia da Faculdade Nacional de

Filosofia, para qual Darcy estava se preparando, tenha produzido intensa celeuma e insensatez

geral. Com a ida de Arthur Ramos para o exterior, as inscrições do concurso para sua cadeira

se encerram com a inscrição de apenas um candidato: Marina Vasconcellos, que tivera Arthur

Ramos como seu professor de Psicologia Social na UDF e desde então se tornara sua

discípula. De acordo com Adélia Ribeiro (2000), com Marina Vasconcellos ocupando a

cadeira de antropologia, Arthur Ramos continuou dando as coordenadas para a pupila:

A lealdade de Marina para com Arthur Ramos, que marcou toda a sua trajetória, começara como aluna e seguia como sua assistente: "Aguardo ansiosamente os planos do professor para o próximo ano letivo. Será desnecessário lembrar ao Mestre que encontrará em mim uma discípula com quem poderá contar em todas as ocasiões" (carta de Marina de Vasconcellos a Arthur Ramos, citada em Barros, 1999, p.20). Arthur Ramos elaborava os planos dos cursos que Marina ministrava em sua ausência; tomava ciência dos relatos da assistente e mantinha comunicação

com a Direção da FNFi sobre o andamento dos cursos. (MIGLIEVICH, Adélia Maria58, 2008.)

A proximidade profissional entre Ramos e Vasconcellos certamente fez com que a segunda

tivesse uma melhor posição no campo em questão para ocupar o referido cargo. Esse fato traz

de volta a questão da autonomia do campo, onde várias questões, que não a ciência pura e

própria, se fazem relevantes em decisões e configurações acadêmicas. Sobre isso, Bourdieu já

explicitara que “os lucros que o pertencimento a um grupo proporciona estão na base da

solidariedade que os torna possível.” (2001, p. 67) Mas o trabalho de Darcy para ocupar a

cátedra de antropologia não foi em vão59, uma vez que a tese que preparou, intitulada

“Religião e Mitologia dos Kaduieu.” foi o trabalho que lhe rendeu o Prêmio Fábio Prado de

1950, fato que lhe concedeu ainda mais prestigio no campo científico.

Julgo oportuno ressaltar também que, com a não realização do concurso, Darcy estava apenas

adiando a sua entrada no âmbito universitário como catedrático, visto que, em 1956, foi

indicado pela Congregação da FNFi para assumir a Cadeira de Etnografia Brasileira e Língua

Tupi, na Universidade do Brasil . Essa disciplina fora criada pela Lei nº 2.311 de 03/09/54,

que a tornava obrigatória em todas as Faculdades de Filosofia do Brasil, com o intuito de

expandir a antropologia, colocando-a nos cursos de Ciências Sociais, História e Geografia.

Em trecho de correspondência60 pessoal entre os dois, Florestan Fernandes congratulou Darcy

pela nova empreitada:

Especialmente, esperamos que a sua ida para a Faculdade de Filosofia não beneficie apenas a Universidade do Brasil, mas que lhe proporcione novas oportunidades de aplicação e enriquecimento de seus dotes intelectuais e de suas aptidões científicas.

58 Ver http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702008000500002&lng=e&nrm=iso&tlng=e acessado em 10/11/08 59 Ao longo do período compreendido neste trabalho, Darcy publicou também: SISTEMA FAMILIAR KADIWÉU - Em Revista do Museu Paulista, n.s., vol. II, São Paulo, 1948; A ARTE DOS ÍNDIOS KADIWÉU - Separata da revista Cultura, nº 4, p. 145-190, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1951, 45 pp. (ilustrações); CONVÍVIO E CONTAMINAÇÃO: EFEITOS DISSOCIATIVOS DA DEPOPULAÇÃO PROVOCADA POR EPIDEMIAS EM GRUPOS INDÍGENAS - Revista Sociologia, vol. XVIII, nº 1, São Paulo, 1956; RELIGIÃO E MITOLOGIA KADIWÉU - Conselho Nacional de Proteção aos Índios, Publicação do Serviço de Proteção aos Índios nº 106, Rio de Janeiro, 1950, 222 pp. (Prêmio Fábio Prado de Ensaios outorgado pela Associação de Escritores de S. Paulo, em 1950). * Reproduzido em KADIWÉU: ensaios etnológicos sobre o saber, o azar e a beleza, Petrópolis, Vozes, 1980; NOTÍCIA DOS OFAIÉ-CHAVANTE - Separata da Revista do Museu Paulista, n.s., vol. V, São Paulo, 1951; OS ÍNDIOS URUBUS - Separata dos Anais do XXXI Congresso Internacional de Americanistas, vol.I, p. 127-157, São Paulo, 1955 (reproduzido em Uirá e em uma coletânea de ensaios organizada por Egon Schaden). THE MUSEUM OF THE INDIAN, RIO DE JANEIRO - Museum, vol. VIII, nº 1, UNESCO, Paris, p. 5-10, 1955. Reproduzido em Américas, vol. VII, nº 9: "Um museo contra el preconcepto". Washington (União Panamericana), 1955. 60 Carta de 18/01/56, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

Os cargos, as publicações e as expedições etnológicas foram experiências indispensáveis para

que Darcy acumulasse capital cultural e simbólico a ponto de assumir as posições de destaque

no campo das Ciências Sociais brasileiras. O prêmio Fábio Prado, inclusive, deu a Darcy uma

notabilidade e visibilidade que ultrapassou as barreiras do campo acadêmico, tendo seu feito

sido comentado em jornais61 da época, no momento em que a etnologia não era um assunto

muito considerado. Darcy foi caracterizado como “o etnólogo número 1 da nova geração

brasileira” (MATTOS, 2007, p. 95). Esse novo patamar alcançado no campo deu a Darcy

novas oportunidades de cargos e pesquisas. Com a ida de Sérgio Buarque de Holanda para a

Universidade de Roma, Herbert Baldus foi convidado para assumir seu lugar na direção do

Museu Paulista, deixando vaga sua posição de chefe do Setor de Etnologia do MP. Baldus fez

o convite a Darcy, para que deixasse o S.P.I e chefiasse o Setor de Etnologia do MP. Darcy

ficou bastante indeciso, mas, ao explicar a Baldus sua decisão62 em continuar no S.P.I,

considerou um fator determinante: “Aqui tenho dinheiros mais ou menos largos para minhas

andanças, a liberdade de escolher meus temas e de me meter no mato quando desejo.”

Outra grande empreitada que se mostrou possível para Darcy foi uma pesquisa com a

UNESCO, a que me referi anteriormente. A Divisão de Estudos Sociais da referida

instituição, através de Alfred Metráux, convida Darcy para uma pesquisa sobre a política

indígena brasileira. A pesquisa, caracterizada por Trindade (2007) como “um grande projeto

sobre relações raciais no Brasil [...] com pesquisadores dos estados de Pernambuco, Bahia,

Rio e São Paulo” (p.93), foi iniciada em 1952, e tratou-se de uma grande oportunidade, para

Darcy e para o S.P.I, de ter um olhar abrangente sobre a relação dos povos indígenas com o

restante da sociedade e teve seu relatório final apresentado em 1953. Durante a pesquisa

Darcy revisitou e conheceu novas tribos em expedições etnológicas. Darcy permaneceu ligado

ao S.P.I até 1956, tendo colaborado na criação do Parque Indígena do Xingu, do Museu do

Índio e seu curso de pós-graduação em Antropologia Cultural, antes de abandonar o a

instituição por corte drástico de verbas imposto pelo governo federal, além de divergências

ideológicas com a direção que assumiu o S.P.I após a saída de José Maria Gama Malcher. Sua

relação com os índios, no entanto, o acompanhou por toda a vida.

61 Ver MATTOS, 2007, p.96. 62 Carta de 21/04/52, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR.

5 – CONSIDERAÇÕS FINAIS

Ao esquadrinhar o percurso da formação e do exercício intelectual do antropólogo Darcy

Ribeiro constatei tratar-se de um indivíduo plural. É inegável o talento e a capacidade de

Darcy Ribeiro, como etnólogo, escritor e político, pela maestria com que cravou seu nome na

história dos intelectuais brasileiros. O que me chamou atenção, no entanto, é a forma com que

Darcy caminhou para alcançar notoriedade, principalmente nos primeiros anos de sua

formação acadêmica, período que me propus a estudar nesse trabalho.

Embora tenha alcançado de forma considerável uma posição de destaque no campo científico,

Darcy nunca se encaixou completamente em algumas características necessárias para o perfil

de um sujeito da academia. Ao trabalhar a trajetória acadêmica de Darcy Ribeiro, uma de

minhas preocupações foi justamente a de não ser envolvido pelo “canto da sereia”, ou seja,

não me deixar levar pela tendência de encarar como natural os fatos que marcam a trajetória

de um indivíduo qualquer. A partir disso, pude perceber algumas rupturas dentro da trajetória

de Darcy. A própria inserção de Darcy nas ciências sociais foi uma ruptura com a

continuidade que havia traçado para si, uma vez que, como já vimos nesse trabalho, Darcy foi

a Belo Horizonte para estudar medicina, quando descobriu na capital mineira o seu real

interesse pelos problemas da humanidade.

Ao fim do seu curso na ELSP, Darcy tinha planos de ser um revolucionário, e substituir

Câmara Ferreira na direção de um jornal comunista. No entanto, foi recusado pelos

comunistas. Aqui, novamente, se quebra uma continuidade “natural” de sua trajetória, uma

vez que, contrariado com a recusa do partido, Darcy procurou outro caminho, seguiu um rumo

profissional alternativo. Cabe lembrar que a militância no Partido Comunista já lhe causara

problemas nos tempos de ELSP: A veia comunista de Darcy era tida como uma das

preocupações dos diretores da Escola, ao mesmo tempo em que sua carreira intelectual não

era bem vista no partido. Na ocasião da formatura, Darcy foi escolhido orador oficial de sua

turma. Preocupado com o conteúdo desse discurso, Ciro Berlinck, então diretor da Escola, o

chama em sua sala e pede para ouvir o discurso antecipadamente. A solução encontrada por

Darcy foi o que mais tarde o próprio classificou como a primeira grande tapeação que fez na

vida: foi à sala do diretor e leu o discurso sem pontuação. Ignorou vírgulas e pontos, de forma

que, aos ouvidos do diretor da Escola, aquelas palavras não faziam sentido. Dessa forma, o

discurso foi liberado para o dia da formatura. Ao ler o discurso63 de Darcy, é nítida sua

preocupação com a missão de colocar em prática, de retirar dos livros e trazer para o mundo

real, tudo aquilo que foi ensinado na Escola, fazer ciência atuante, comprometida:

[...] Senhores professores. Sob vossos olhos, vossa orientação paciente e devotada vivemos estes três anos procurando assimilar as tradições científicas que nos transmitistes. Recebemos de vós, senhores professores, essa mensagem das gerações passadas, mensagem de todos os que, em todos os tempos, se preocuparam com o destino do homem procurando compreender suas formas de ser, de sentir e de pensar. Procuramos ser os continuadores de vossa obra de pioneiros das ciências sociais em seu verdadeiro sentido de ciência do homem, a serviço do homem. Ciência interessada e comprometida. Ciência finalista interessada no conhecimento do homem e na descoberta de soluções para os seus problemas. Que não cruza o braço e se isola em torres de neutralidades, de pureza e de não participação; mas que participa da vida dos homens, luta com eles para edificar uma vida nova, novas e melhores condições de existência. Comprometida com nosso povo, com todos os povos. Disposta a não servir por ação ou omissão ao que se oponha a marcha dos povos para uma vida mais feliz. Finalista porque interessada no destino da humanidade, porque comprometida a servir ao povo, não se deixando usar como instrumento de repressão. [...]

Já formado, ao tentar realizar sua principal vontade, de atuar no partido comunista, (queria ser

revolucionário e gostaria de substituir Câmara Pereira como diretor do jornal Hoje, um

veículo comunista.), a resposta que obteve foi a de que seria “liberado” para os estudos. Anos

depois, o próprio Darcy confirmou que era impossível seguir os dois caminhos:

Percebia, é certo, a animosidade que crescia na Escola contra mim, por minha militância política ostensiva, a começar por Pierson, que passou a ter medo de mim. De fato, só o professor Baldus continuou confiante em minha sina até o término dos estudos, mas, então, eu já via claramente que prosseguir dentro da Escola para fazer mestrado já não me seria tão fácil e não me era tão atrativo. No partido ocorria coisa semelhante. Os comunistas, práticos, como sempre, viam com suspeita os intelectuais como eu. Na minha ingênua visão, entretanto, os dois caminhos estavam abertos e ambos eram fascinantes (RIBEIRO, 1997, p. 128)

Acaba indo assim, em mais uma ruptura do que havia traçado para si, trabalhar no SPI, sob a

indicação de Herbert Baldus. O professor alemão foi sem dúvida o grande responsável por

guiar Darcy às posições de destaque no campo científico64. Através de Baldus, Darcy

aprendeu a movimentar-se com desenvoltura no campo científico, ampliando seu círculo

social e a familiarizar-se com alguns detalhes importantes da vida acadêmica desde a escrita

científica à novas vertentes de antropologia (da física para a cultural), ao trabalho de campo e

a formação de equipes para expedições etnológicas. Dessa forma, pode-se perceber que, sob a

batuta de Baldus, Darcy passou a ocupar posição privilegiada no campo intelectual do grupo

de agentes que o produziu. No entanto, Darcy não abandonou sua veia comunista. E ela se

63 Documento pertencente ao acervo Darcy Ribeiro da FUNDAR 64 Em trecho de carta reproduzido nas páginas 79 e 80 deste trabalho, Darcy se reporta a Baldus cheio de anseios e inseguranças. O mestre era para Darcy, segundo suas próprias palavras, um “roteiro seguro” a seguir.

manifesta por ocasião da recusa em aceitar o conselho de Baldus para uma bolsa nos EUA.

Dentre os motivos, estavam suas ideologias políticas, contrárias ao “imperialismo” norte-

americano. Essa questão ideológica fez com que Darcy não seguisse o caminho de outros

tantos intelectuais que prosseguiram em seus estudos: o mestrado, doutorado e estudos no

exterior. Herbert Baldus, seu mentor, insistiu algumas vezes para que seu pupilo aceitasse

uma bolsa de estudos nos EUA, mas Darcy não achava65 que aquilo fosse necessário, já que

aqui no Brasil ele se sentia útil, estudando e trabalhando com e pelos índios, e uma possível

ida ao exterior, possibilidade extremamente atraente aos olhos da academia, não se fazia

prioritária em sua ideologia engajada. Essas atividades acadêmicas não pareciam chamar a

atenção de Darcy. Na verdade sua passagem pela Escola já apontava questões que contrastam

com o brilhantismo que alcançou no campo das Ciências Sociais brasileiras, vide suas notas,

já mostradas nesse trabalho, que foram medianas (ao longo dos três anos, Darcy cursou 25

disciplinas, obtendo dez aprovações simples, doze aprovações plenas e três distinções.) e um

teste66 de Q.I., realizado ao adentrar na ELSP e cujo rendimento não foi satisfatório. Durante

minha pesquisa de campo, identifiquei que as únicas atividades acadêmicas que chamavam a

atenção de Darcy eram as de professor e pesquisador, fato que o fez se empolgar67 com o

conselho de Baldus para concorrer à cátedra de Antropologia da Faculdade Nacional de

Filosofia, uma forma de ingressar na docência sem ter que fazer o doutorado.68 Com a

monografia preparada para o concurso, Darcy ganha o prêmio Fábio Prado de Ensaio de 1950,

fato que fortaleceu sua posição no campo científico e deu novos rumos a sua carreira.

Sua paixão pela pesquisa de campo o fazia trocar os estudos de gabinete por meses no mato,

entre os índios. Sua forma de analisar o estudo da população indígena passava

necessariamente pelo convívio com os mesmos, assunto no qual Darcy se considerava um

expert:

“Fui dos primeiros antropólogos a estudar a fundo os nossos índios. Mesmo Lévi-Strauss, cujas pesquisas etnológicas foram tão fecundas, não passou mais que uns dias com os nambiquaras. Eu, como o Eduardo Galvão, meu colega, exagerei nisso. Fiquei nisso muito tempo, pois curti muito os índios.” (RIBEIRO, Apud ZARVOS, Guilherme. 2007, p. 81)

65 Carta de 15/07/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR 66 Ver MATTOS, André Luis Lopes Borges de (2007) Darcy Ribeiro: uma trajetória (1944 – 1982) [tese de doutorado] Campinas, SP. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. P. 34. 67 Carta de 28/04/50, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR 68 A Livre Docência, concurso que antecedia ao de Cátedra, era um título equivalente do de Doutor.

Curiosamente, foi Wagley (o antropólogo norte-americano que Baldus sugeriu que Darcy

procurasse para obter a bolsa no exterior) quem anos mais tarde apresentaria Darcy a Anísio

Teixeira, grande responsável para que Darcy rumasse para a área da educação. Darcy se junta

a Anísio Teixeira para trabalhar no INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais), num projeto de estudos sobre condições culturais e escolares e as tendências

de desenvolvimento das diferentes regiões da sociedade brasileira que resulta na criação do

CBPE, onde Darcy assumiria a coordenação da Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais

(LOBO, 2008, p. 42). Darcy aprendeu a admirar Anísio, a quem considerava um verdadeiro

intelectual, sempre em busca da verdade, sem compromisso com suas idéias. Foi com Anísio

que Darcy aprendeu que esta era a verdadeira busca pela verdade: não ter verdade alguma

(ZARVOS, 2007, p. 86).

Muito embora Darcy tenha se estabelecido com sucesso no campo científico (vide os prêmios

que ganhou, trabalhos que produziu e cargos que ocupou), sua veia prática e seu

encantamento pela ação são facilmente notados quando se olha Darcy Ribeiro estudante de

antropologia. É justamente essa sua forma peculiar de analisar a ciência, pautando-se mais na

experiência, vivência e praticidade do que em parâmetros cultuados na academia (como

neutralidade científica e diplomas) que fez com que ele polemizasse com alguns colegas de

antropologia, como a famosa polêmica com os antropólogos do Museu Nacional, que embora

não se encaixe no recorte temporal deste trabalho, retrata bem o fato de Darcy não seguir o

padrão pré-estabelecido dentro do campo científico. Intelectuais relevantes como Roberto da

Matta e Gilberto Velho, acusados por Darcy de fazerem “uma antropologia vadia, que ajuda o

discurso europeu a povoar o Brasil” (ZARVOS, 2007, p. 181), escreveram protestando contra

as críticas feitas por Darcy, reclamando de desrespeito pelo trabalho que vinha sendo

exercido. Em sua defesa, Darcy disse69:

[...] Sou, talvez, demasiadamente ambicioso, para com os jovens antropólogos brasileiros. Que fazer? Quisera para o Brasil uma antropologia descolonizada. Se possível, uma antropologia tão boa no plano humanístico que trate logo de devolver aos índios o que apreendeu deles. Uma antropologia tão eficaz no plano sócio-político que permita até aposentar, por dispensável o materialismo-histórico. E, quem sabe? – se já não é desvario meu, pedir tanto a vocês – uma antropologia sem conivências com o despotismo, que ajude o Brasil a sair desse atoleiro de um subdesenvolvimento que se subdesenvolvesse cada vez mais [...].

A maioria dos fatos relatados aqui já foram mencionados em diferentes partes desse trabalho.

Entretanto, a intenção de colocá-los reunidos aqui é a de mostrar como as disputas no campo

69 Carta endereçada a Roberto da Matta, sob o título “Por uma antropologia melhor e mais nossa”, pertencente ao acervo de correspondências da FUNDAR

levaram Darcy para diferentes caminhos dentre os que planejara seguir. As diferentes

batalhas que enfrentou dentro e fora do campo traçaram os rumos de Darcy, distanciando-o

de caminhos que inicialmente imaginava e, consequentemente, o levando a novas

possibilidades que acabaram por consagrá-lo como grande personagem do campo científico e

intelectual brasileiro.

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ANEXOS

1- GRELHA DA CORRESPONDÊNCIA DE DARCY RIBEIRO

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 07/03/49 Oracy

Nogueira Darcy Ribeiro Amistosa Oracy fala dos planos acadêmicos

para o ano de 1949: concluir o trabalho de Itapetininga e publicar dez artigos.

Não.

04/05/50 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Darcy fala sobre elaboração do material kadiwéu, expedição à tribo dos urubú e pergunta sobre os trabalhos de Oracy (artigos e Itapetininga).

Não.

16/05/50 Oracy Nogueira

Costa Pinto Formal Voto para representante da Sociedade Brasileira de Sociologia no Congresso Mundial de Sociologia/ Zurich.

Não.

17/05/50 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Convite a Darcy para se tornar membro da SBS, artigos, Itapetininga e “Cultura”.

Não.

05/06/50 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Sobre SBS, Revistas, trabalhos de Oracy e estudos Kadiwéu.

Carta formal favorável à SBS.

05/07/50 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Agradece a hospitalidade, disponibiliza livros que Darcy pediu, convida para participar do Congresso do Negro.

Envia um pacote por Pater-nostro, que estava indo ao Rio.

15/07/50 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Trivialidades, agradece pelos livros, fala sobre ELSP, concurso de Vítor Nunes.

Não.

27/09/50 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Prestando satisfações sobre o certificado de Bertha e sobre chegada do segundo filho em novembro.

Não.

18/10/50 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Pergunta sobre o concurso de Darcy, Itapetininga, pede apostilas de Direito Romano do prof. Matos Peixoto para estudar para exame.

Não.

13/11/50 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Encomenda fascículos de “Sociologia” para completar a coleção de Simeão Leal.

Não.

01/01/51 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Darcy pede que Oracy escreva seu livro no prêmio Fábio Prado.

Não.

12/01/51 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Informal Comunica a inscrição de ambos no prêmio Fábio Prado, pede estatutos sobre a Fundação Getúlio Vargas.

Não.

24/01/51 Bertha Ribeiro

Oracy Nogueira Formal Envio dos estatutos, informa que Darcy está em La Paz.

Estatutos da FGV.

07/03/51 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Informal Novidades e propostas no campo das ciências sociais.

Não.

19/03/51 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Formal Pede para Oracy fazer perguntas a Paternostro (propostas de pesquisas).

Não.

25/03/51 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Formal Tentativa de publicações de Darcy em revistas, trabalho de Oracy com a UNESCO.

Não.

02/04/51 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Formal Envia copia da resenha de seu livro, comunica que Paternostro aceita o emprego e avisa que deu aula inaugural no curso de técnicas de pesquisa social para folcloristas.

Resenha de Livro.

13/06/51 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Parabéns pela vitória no prêmio Fábio Prado, Itapetininga, UNESCO, possível viagem aos EUA e Revista Anhembi.

Não.

12/12/51 Oracy Nogueira

Bertha Ribeiro Amistosa Comunica ida aos EUA, pergunta se Darcy já voltou do Norte.

Não.

20/12/51 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Não foi aos EUA por problemas de visto. Trabalho da UNESCO quase pronto.

Não.

07/01/52 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Saudades, UNESCO e publicação do livro vencedor do prêmio Fábio Prado.

Não.

21/04/52 Darcy Ribeiro

Lizette Nogueira

Amistosa Saudade, Metraux lhe encomendou trabalho sobre política indigenista no Brasil, é o Chefe da S.E. do SPI.

Carta Manus-crita.

19/05/52 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Felicita Darcy pelo Parque Nacional, assuntos pessoais e Itapetininga.

Não.

24/07/52 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Amistosa Assuntos pessoais. Não.

06/08/52 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Assuntos pessoais, verba aprovada para pesquisa de Oracy no Mato Grosso.

Não.

22/08/52 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Trabalho na UNESCO, No SPI e tarefa chata (levou a pedido do SPI, um inglês para pesquisa de campo junto aos Urubu).

Não.

24/10/52 Darcy Ribeiro

Oracy Nogueira Amistosa Envia instruções de pesquisa a Oracy.

Não.

07/11/52 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Formal Oracy comunica não poder ir à pesquisa em Mato Grosso.

Não.

28/05/53 Bertha Ribeiro

Lizette Nogueira

Informal Assuntos pessoais, inauguração do Museu do Índio. Bertha comunica que está estagiando no Museu Nacional. Darcy fala sobre assuntos acadêmicos.

Não.

11/12/53 Oracy Nogueira

Darcy Ribeiro Informal Assuntos pessoais. Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 07/02/50 Bertha

Ribeiro Darcy Ribeiro Informal Assuntos pessoais, SPI, Índios. Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 08/07/52 Thales de

Azevedo Darcy Ribeiro Formal Agradece o envio do trabalho sobre

Arte dos Kadiwéu e remete o boletim informativo da Fundação, com informações detalhadas sobre o programa de pesquisas sociais no estado da Bahia – Columbia University.

Boletim informa-tivo da Fundação para desenvol-vimento da ciência na Bahia.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 21/07/52 Heinz

Foerthmann Darcy Ribeiro Formal SPI, verbas, pesquisas, desordem

na S.E. Darcy pede uma relação dos grupos indígenas do Mato Grosso.

Não.

01/03/53 Darcy Ribeiro

Heinz Foerthmann

Formal Darcy pede a Foerthmann que volte rápido ao Rio, sob pena de ser desligado do SPI pela direção. Problemas no SPI e expectativa sobre o filme Borôro.

Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 28/10/52 Lévi-Strauss Darcy Ribeiro Formal Agradece pelo envio e elogia o

material “A arte dos índios kadiwéu”. Incentiva Darcy a reunir material kadiwéu em uma publicação, com apoio de uma fundação estrangeira.

Não.

02/01/53 Darcy Ribeiro

Lévi-Strauss “Depois” Darcy agradece o apoio e diz que é Strauss quem deve encabeçar o “tesouro da arte kadiwéu”, devido sua maior experiência no assunto. Darcy coloca seu material a disposição.

Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 25/11/53 Roberto

Cardoso de Oliveira

Darcy Ribeiro Informal Feliz em trabalhar com Darcy a partir de janeiro. Elogia “A Arte dos Índios Kadiwéu”. Comenta que estuda com Florestan e elogia a tese do mesmo. Discute sobre método e comenta a mudança para o Rio de Janeiro.

Boletim informa-tivo da Fundação para desenvol-vimento da ciência na Bahia.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 20/07/50 Frank

Goldman Darcy Ribeiro Formal Avisa que “cor, dor e poesia” já

está pronto e que levará na próxima visita ao Rio.

Não.

14/08/50 Frank Goldman

Darcy Ribeiro Amistosa Desculpas por partir sem avisar. Trabalhos que tem a fazer e entrega a antologia para Simeão.

Não.

14/09/50 Frank Goldman

Darcy Ribeiro Amistosa Problemas com a bolsa e não quer voltar aos EUA com tanto por estudar no Brasil. Pede que Darcy procure a turma de Murilo Braga para saber o que houve com a bolsa.

Não.

16/01/51 Frank Goldman

Darcy Ribeiro Amistosa Indefinição de sua situação, trabalho e pede pela obra “Uma Interpretação”, de Gilberto Freyre.

Não.

01/08/53 Frank Goldman

Darcy Ribeiro Amistosa Pesquisa etnológica sobre os “Carajá” com o apoio de Baldus e renovação de seu contrato com Fernando de Azevedo.

Não.

?/?/53 Frank Goldman

Darcy Ribeiro Amistosa Sobre possibilidade de uma pesquisa (filmagem, gravações e fotos) em São Paulo junto com Darcy.

Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 11/10/52 Clifford

Evans Darcy Ribeiro Formal Agradecendo os relatórios e o

envio de “A Arte dos Índios Kadiwéu”. Comunica mudança de endereço e partida para uma pesquisa de 7 meses na Guiana Inglesa.

Não.

01/03/53 Darcy Ribeiro

Clifford Evans Formal Agradece o envoi de “Cultural Stratigraphy in the Virú Walley, Northern Peru”. Comunica a criação do Museu do Índio, colocando o material a disposição.

Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 24/04/50 Donald

Pierson Darcy Ribeiro Respeitosa Envia livros da biblioteca de

ciências sociais para Darcy. Envia o esboço de uma segunda monografia e uma relação de artigos para a escolha de um para “Cultura”.

Esboço de mono-grafia.

10/05/50 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Lembranças, planos acadêmicos, “Cultura” e comenta sobre o esboço de monografia.

Não.

17/07/50 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Publicações de trabalhos e envio de livros para Darcy.

Não.

21/08/50 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Pesquisas no Vale do São Francisco, publicações de artigos e trabalhos sobre kadiwéu.

Não.

07/11/50 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Envia para Darcy um artigo para ser entregue ao “Observador Econômico”, a fim de publicá-lo. Diz que Baldus espera por um artigo de Darcy para “Sociologia”.

Artigo a ser publicado.

20/11/50 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Artigos de revistas, pesquisa no Vale do São Francisco e Kadiwéu.

Não.

28/11/50 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Artigos de revistas, pesquisa no Vale do São Francisco e planos para nova pesquisa.

Não.

13/01/51 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Agradece a relação de endereços que Pierson enviou.

Não.

09/02/51 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Comunica retorno da Bolívia e cede dois endereços a Pierson.

Não.

21/06/51 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Respeitosa Envia cheque de 2.000 cruzeiros. Pagamento de Simeão Leal por artigo em “Cultura”. Comunica que parte para nova viagem às aldeias Urubu.

Cheque.

27/06/51 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Agradece pelo cheque, deseja boa viagem e diz que não leu trabalho sobre kadiwéu por estar doente.

Não.

20/12/51 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Fala sobre problemas de saúde e convida Darcy para uma pesquisa.

Não.

04/02/52 Donald Pierson

Darcy Ribeiro Respeitosa Lamenta a recusa de Darcy em pesquisar juntos, visto que devido à saúde, essa deve ser sua ultima pesquisa.

Não.

08/08/52 Darcy Ribeiro

Donald Pierson Formal Simeão Leal diz que o artigo de Pierson sairá em “Cultura” n. 5.

Não.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 01/04/48 Harald

Schultz Darcy Ribeiro Amistosa Etnologia, problemas do SPI e

parabeniza Darcy pelo casório. Não.

05/04/48 Darcy Ribeiro

Harald Schultz Amistosa Agradece pelos parabéns, problemas do SPI, planos de pesquisa para 1948, elogia Oracy Nogueira.

Não.

12/05/53 Darcy Ribeiro

Harald Schultz Amistosa Material sobre Umutina, cópia do filme Umutina e deseja boa sorte no curso.

Cópia de filme.

Data Remetente Destinatário Teor Assunto Anexo 04/02/48 Darcy

Ribeiro H. Baldus Respeitosa Presta contas sobre SPI e

etnologia. Cópias de trabalhos -relatórios.

14/02/48 H. Baldus Darcy Ribeiro Elogiosa Elogia Darcy e seus trabalhos. Fala sobre SPI e pede que Darcy mande cópia dos trabalhos que for fazendo.

Não.

05/04/48 Darcy Ribeiro

H. Baldus Respeitosa Artigo Kadiwéu, SPI, expedições etnológicas, projetos de pesquisa.

Artigo Kadiwéu para provável publicação em “Socio-logia” ou “Museu Paulista”.

27/04/48 H. Baldus Darcy Ribeiro Respeitosa Devolve artigos, orientações sobre trabalhos.

Não.

19/05/48 H. Baldus Darcy Ribeiro Respeitosa Cartas a terceiros (Donatini e Serpa) e publicações.

Não.

24/05/48 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Ajuda financeira do SPI para pesquisas de campo do Museu. Envio de verba do SPI para a “Revista do Museu Paulista”.

Não.

03/07/48 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Correções no artigo “O sistema familiar Kadiwéu”.

Devolve cópia de trabalhos que Darcy emprestou.

29/09/48 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Correções no artigo “O sistema familiar Kadiwéu” e viagem de Darcy.

Não.

01/08/49 Darcy Ribeiro

H. Baldus Respeitosa Viagem de Baldus aos EUA, etnologia, ciência, kadiwéu, SPI, “Revista do Museu”.

Não.

09/08/49 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Viagem aos EUA, etnologia, kadiwéu, Urubu e “Revista”.

Não.

27/11/49 Bertha Ribeiro

H. Baldus Formal Comunica que Darcy foi a Belém e transcreve carta do mesmo.

Não.

07/12/49 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Parabeniza e dá dicas para expedição junto aos Urubu. Fala de SPI e recomenda bolsa de pesquisa para Darcy nos EUA

Não.

24/02/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Noticias sobre a expedição: sarampo nos índios, visita às aldeias. Deseja boa viagem aos EUA e descarta bolsa.

Não.

24/04/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Inscrição em concurso para a cadeira de Arthur Ramos.

Não.

26/04/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Expedição no Pará, etnologia, SPI. Não.

28/04/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Orien-tação

Falta de tempo hábil para inscrição em concurso.

Artigo para ser publicado em “Cultura”.

10/05/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Adiamento do concurso , dando-lhe seis meses para se preparar. Revista “Cultura”.

Não.

19/05/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Artigo sobre arte kadiwéu, publicações em revistas, concurso da faculdade de filosofia e bolsa nos EUA para terminar insegurança no SPI. Pede que mande artigos para publicar e “ganhar pontos”. Trabalhos futuros.

Devolve artigo de Darcy com fotos.

07/07/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Monografias etnológicas, “Revista do Museu”, etnologia e publicações do Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

Artigo do antropó-logo belga François-Xavier Beghin.

15/07/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Orien-tação

Artigo em “Cultura”, Monografias etnológicas, “Revista do Museu” e artigo de antropólogo belga. Etnologia, recusa de convite para pesquisas na Bahia. Descarta ir aos EUA e avisa que o CNPI mandou publicação para Baldus.

Não.

29/07/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Sugestão de publicações para coleção de monografias etnológicas, “Revista do Museu Paulista”, artigo de antropólogo

Não.

belga. Artigo de Darcy em “Revista do Museu Paulista.”

21/08/50 Darcy Ribeiro

H. Baldus Orien-tação

Coleção de monografias, artigo kadiwéu (religião e mitologia), impossibilidade de publicar no próximo n. de “Sociologia” por falta de tempo, SPI e pesquisa da UNESCO no Brasil.

Não.

27/09/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Publicação de artigos e etnologia. Não. 30/10/50 Darcy

Ribeiro H. Baldus Orien-

tação Envio do artigo sobre religião e mitologia kadiwéu e ilustrações sobre artigo dos Ofaié. Etnologia e coleção de monografias.

Resumo do trabalho de Glycon Paiva, sobre geologia, com notas etnográ-ficas.

28/11/50 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Leitura da tese e pequenas correções. Aconselha Darcy a aceitar a bolsa da Universidade de Columbia.

Não.

09/01/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Congresso em La Paz, Kadiwéu e SPI.

Não.

09/01/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal “Revista do Museu Paulista”, viagem a La Paz e kadiwéu.

Não.

13/01/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Atraso no artigo Ofaié e viagem a La Paz.

Não.

22/02/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Envio do artigo Ofaié e Malcher na direção do SPI.

Não.

01/03/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Consideração sobre artigo, apoio a Malcher e prêmio Fábio Prado.

Não.

07/03/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Mudanças no SPI, Etnologia, Prêmio Fábio Prado, “Cultura”.

Não.

21/03/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Etnologia, publicações, SPI. Não. 07/05/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Dinheiro do prêmio Fábio Prado,

publicação de artigo em “Sociologia” para “ganhar pontos”, dinheiro de Baldus por artigo em “Cultura” e pesquisas.

Recorte do jornal “Estado de São Paulo” e telegrama do Ministério da Agricultu-ra.

12/05/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Prêmio Fábio Prado, SPI, etnologia, dinheiro de Baldus.

Não.

19/06/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Viagem ao Pará, SPI, pergunta sobre Francis Huckley, que vai junto na viagem. Autoriza publicações e comunica que virá mais verba no 2º semestre.

Cheque para Baldus pelo artigo em “Cultura”.

26/07/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Verbas, publicações, lista de endereços europeus que podem publicar o livro de Darcy.

Não.

29/07/51 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Expedição ao Pará, SPI e verba. Não.

28/09/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Publicações, expedição etnológica, livro de Darcy e Francis Huckley.

Não.

29/12/51 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Felicita Darcy pela chegada, publicações de Darcy, ajuda em ajustes para expedição em Curitiba.

Não.

05/01/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Verba, etnologia, “Revista do Museu” e Francis Huxley.

Não.

08/01/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Amistosa Reenvia carta não recebida por Baldus, verba e ida à BH para casamento do irmão.

Não.

21/02/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Amistosa Expedição em Curitiba, solicita material para o Museu Paulista, pergunta sobre “Cultura” e Kadiwéu.

Cópia de carta enviada por Baldus a Malcher.

27/03/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Amistosa Etnologia, UNESCO, SPI, Kadiwéu e “Cultura”.

Não.

08/04/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Amistosa Pede ajuda a Darcy sobre prestação de contas e oferece a Darcy seu cargo no Museu Paulista.

Não.

21/04/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Orien-tação

Longa carta considerando a proposta de Baldus, UNESCO.

Não.

30/04/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Orien-tação

Parabeniza Darcy pela chefia no SPI e o aconselha a permanecer. Etnologia, “Cultura”, viagem à Europa.

Introdução de trabalho sobre os kaingang paulistas.

06/05/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Comunica que espera os recibos da prestação de contas.

Não.

28/05/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Etnologia, UNESCO, SPI. Comunica a chegada de Eduardo Galvão e Orlando Vilas Boas ao SPI. Problemática indígena.

Não.

06/06/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal “Cultura”, Kadiwéu, prestação de Não.

contas. Convida Darcy/Bertha para Congresso no exterior. Problemática indígena.

08/07/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Sobre sua viagem por Goiás e Pará. Artigo kadiwéu. Recusa a Europa por verba e compromisso com a UNESCO.

Não.

09/07/52 J.M. Malcher

H. Baldus Formal Pede que Baldus represente o SPI no Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas em Viena. Manda 20 dólares para assinar publicações.

Não.

15/12/52 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Comunica volta do exterior, avisa que Oberg escreve resenha em inglês do livro de Darcy para dar ao livro “mais ressonância científica”.

Não.

19/12/52 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Boas vindas, UNESCO, SPI, passagem por São Paulo em janeiro.

Não.

20/03/53 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Viagem, kaingang paulistas, SPI, Museu do Índio, Eduardo Kaoro, pede a Baldus para vir a inauguração do Museu, opinião sobre tradutor e artigos.

Artigos e relatórios para Schultz.

27/03/53 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Ida ao Rio (pede a passagem), agradece os anexos. Publicações e artigos.

Não.

09/04/53 Malcher H. Baldus Formal Convida Baldus, em nome do SPI, para a inauguração do Museu do Índio em 20/04/53 às 15:00h na S.E.

Não.

09/04/53 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Confirma o convite, pede que Baldus avise a hora de chegada para Darcy buscá-lo. Acomodações em hotel arranjadas.

Não.

22/04/53 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Agradece pela hospitalidade, e devolve verba que sobrou da viagem. Comenta sobre a impossibilidade de conseguir prédio da secretaria de educação de São Paulo.

Verba da viagem.

12/05/53 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Agradece a carta, pede texto da conferência de Baldus e fala sobre a primeira reunião de antropologia, em novembro no Rio de Janeiro.

Não.

29/05/53 H. Baldus Darcy Ribeiro Informal Cartão Postal. Texto de conferên-cia

25/07/53 Darcy Ribeiro

H. Baldus Informal Expedição etnológica em Mato Grosso, reunião de antropologia e SPI.

Não.

2- CARTAS E CONVITES

14/06/51

A Associação dos Antigos Alunos da ELSP, então presidida por José Novaes Paternostro,

congratula Darcy por vencer o prêmio Fábio Prado de ensaio, correspondente a 1950, com o

livro “Religião e Mitologia dos Kaduieu.”

27/02/53

A Associação dos Antigos Alunos da ELSP, então presidida por Olavo Baptista Filho,

congratula Darcy pela publicação de seu novo trabalho: “Arte dos Kaduieu”.

30/05/53

A associação dos Antigos Alunos da ELSP, então presidida por Erasmo H. M. Lopes,

congratula Darcy por ser escolhido para dirigir o Museu do Índio. Darcy é reconhecido na

carta como alguém que “tanto tem feito pelo desenvolvimento das ciências sociais em nosso

país e, especialmente contribuído para melhor conhecimento do índio.”

29/07/53

Darcy recebe uma carta de Yvone Leite Magalhães Pinto, diretor da Faculdade de Ciências

Econômicas da Universidade de Minas Gerais, convidando-o para aula inaugural do recém-

criado curso de Sociologia da referida instituição:

Prezado Prof. Darcy Ribeiro. Hoje mesmo providenciei para que a Panair colocasse a sua disposição, aí no Rio, duas passagens para B. Horizonte. Fico aguardando a comunicação do dia da sua chegada para a reserva de hotel. Quando, no ano passado, foi resolvida a instituição do curso de Sociologia, tive logo a idéia de trazê-lo aqui no início do ano letivo. Com os imprevistos surgidos, o vestibular do novo curso somente se realizou em maio último e as aulas foram iniciadas a seguir, sem qualquer instalação solene. Não tenho qualquer dúvida quanto ao êxito da iniciativa, sem subestimar as dificuldades que ainda deverão ser vencidas. A sua opinião sobre o que estamos fazendo será para mim de grande valia. Aguardando a sua próxima chegada, mando-lhe a minha visita muito cordial com meus sentimentos de estima e apreço.

10/08/53

Erasmo H. M. Lopes, junto com Oracy Nogueira, convida Darcy para dar uma palestra sobre

“Os índios no passado e no presente”, em 02/10/53, no auditório da Biblioteca Municipal,

como parte de uma série de palestras sobre “Temas Sociais Brasileiros” a se realizar entre

28/09/53 e 30/10/53. Segue a programação de palestras do evento:

28/09/53 – Aspectos de Pré-história Americana – Fernando A. Silva 02/10/53 – Processo de Assimilação do Índio no Brasil – Darcy Ribeiro 05/10/53 – O Africano na População Brasileira – Otávio Costa Eduardo 09/10/53 – O Europeu na População Brasileira – Olavo Baptista Filho 12/10/53 – A Organização do Trabalho em São Paulo nos tempos Coloniais – José Albertino Rodrigues 16/10/53 – Administração Brasileira no passado e no Presente – Vicente Unzer de Almeida 19/10/53 – Mudança Social no Brasil – Oracy Nogueira 23/10/53 – A Higiene Mental em uma Sociedade em Mudança – Virgínia Bicudo PS: Todos os palestrantes são bacharéis pela Escola de Sociologia e essa iniciativa foi definida pela Associação de Antigos Alunos da ELSP como uma tentativa de difundir as ciências sociais no Brasil.

24/08/55

O diretor da ELSP, Cyro Berlinck, convida Darcy Ribeiro para um jantar em homenagem aos

professores contemplados com o prêmio “Fábio Prado” no campo das ciências sociais e

estudos brasileiros. Professores convidados (vencedores do prêmio): Darcy Ribeiro, Florestan

Fernandes, Vicente Unzer de Almeida, Octávio Teixeira Mendes Sobrinho e Oracy Nogueira.

(jantar realizado em 02/09/55.)