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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ UNIOESTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NÍVEL DE MESTRADO/ PPGEFB ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO O PROCESSO DE FECHAMENTO DAS ESCOLAS NO CAMPO EM ITAPEJARA D’OESTE/PR: O CASO DA ESCOLA ESTADUAL DE LAGEADO BONITO E DO COLÉGIO ESTADUAL DO CAMPO CARLOS GOMES IVANIA PIVA MAZUR FRANCISCO BELTRÃO PR 2016

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARAN UNIOESTE

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM EDUCAO NVEL

    DE MESTRADO/ PPGEFB

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    O PROCESSO DE FECHAMENTO DAS ESCOLAS NO CAMPO EM

    ITAPEJARA DOESTE/PR: O CASO DA ESCOLA ESTADUAL DE LAGEADO

    BONITO E DO COLGIO ESTADUAL DO CAMPO CARLOS GOMES

    IVANIA PIVA MAZUR

    FRANCISCO BELTRO PR

    2016

  • IVANIA PIVA MAZUR

    O PROCESSO DE FECHAMENTO DAS ESCOLAS NO CAMPO EM

    ITAPEJARA DOESTE/PR: O CASO DA ESCOLA ESTADUAL DE LAGEADO

    BONITO E DO COLGIO ESTADUAL DO CAMPO CARLOS GOMES

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao Stricto Sensu em Educao -

    nvel de Mestrado - rea de concentrao:

    Educao - Linha de Pesquisa 02:

    Sociedade, Conhecimento e Educao da

    Universidade Estadual do Oeste do Paran

    UNIOESTE, como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de Mestra em Educao.

    Orientador: Prof. Dr. Clsio Acilino Antonio

    FRANCISCO BELTRO PR

    2016

  • DEDICATRIA

    Dedico a meu pai Luiz Piva (in memoriam), pequeno agricultor, guerreiro, que

    junto com minha me, tanto me incentivou a estudar, mas infelizmente no acompanhou

    minha caminhada acadmica deste momento.

    minha me Ivone L. M. B. Piva, agricultora, guerreira, que ainda resiste no

    campo cultivando suas coisas com a sabedoria popular, pelos seus ensinamentos de

    vida.

    Aos meus irmos Ivan Piva e Luan Piva que ainda no desistiram do campo e que

    torcem por mim nessa caminhada.

    minha pequena Isadora Mazur que, mesmo sem entender, teve que dividir a me

    com esse tal de mestrado, questionando muitas vezes Me por que voc tem que estudar

    tanto?; Me quantos dias faltam pra voc terminar o mestrado?

    Ao meu esposo Jone Jos Mazur por compreender minhas ausncias e muitas

    vezes servir de ouvinte, debatedor e questionador de assuntos relacionados pesquisa.

  • AGRADECIMENTOS

    minha primeira e nica professora das sries iniciais, Sueli Salete Antoniolli (in

    memoriam), professora, merendeira, zeladora, me, amiga, exemplo de vida. A admirao

    que despertou em mim me conduziu mesma escolha profissional.

    minha famlia e amigos por compreenderem os muitos momentos de ausncias

    em decorrncia da realizao deste trabalho.

    minha sogra Olga Chiapetti Mazur e minha cunhada Giovana Malacarne Mazur

    por acolherem meu esposo e filha em minhas ausncias.

    minha amiga e bab da Isadora, Roseli Werlang por dedicar tempo extra aos

    cuidados da minha filha quando eu mais precisei.

    Ao meu orientador professor Clsio por me conduzir nessa rdua caminhada de

    exerccio da autonomia e autodisciplina, sem, no entanto, privar minha autoria do

    trabalho. Pela pacincia que demonstrou diante de minhas dificuldades, limitaes de

    compreenso e inseguranas. Por compreender os momentos em que foi impossvel

    conciliar o estudo com os problemas pessoais da vida. Pela amizade que construmos.

    Aos professores da banca de qualificao e de defesa, professora Ceclia Maria

    Ghedini e professor Elias Canuto Brando pelas valiosas contribuies que realizaram ao

    trabalho.

    Aos docentes do Programa de Mestrado por contriburem com meu crescimento

    intelectual.

    Zelinda, assistente do Programa de Mestrado, por sempre nos orientar e atender

    de forma prestativa e simptica quanto s questes burocrticas do programa.

    Ao Departamento Municipal de Educao e Cultura de Itapejara DOeste, Escola

    Estadual Irmo Isidoro Dumont, Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes e setor de

    Estrutura e Funcionamento do Ncleo Regional de Educao de Pato Branco pela

    disponibilizao de documentos.

    todas as pessoas que cederam entrevistas, documentos, livros, ou que de uma

    forma ou outra contriburam para este trabalho.

    Aos primeiros professores das escolas aqui citadas, verdadeiros heris, que, na

    maioria das vezes, sem formao e sob condies adversas levaram os ensinamentos que

    melhor podiam s populaes do campo envolvidas.

  • Aos professores militantes da comunidade de Barra Grande que nunca mediram

    esforos para mobilizar a comunidade escolar para batalhar pela manuteno da escola

    em funcionamento.

    Aos amigos colegas de turma pelos momentos agradveis em sala de aula e fora

    dela, pelas novas amizades, pelos momentos que compartilhamos, incentivos, angstias

    e dificuldades, por tudo que aprendemos e ensinamos uns aos outros.

    A todos, muito obrigada!

  • Os que lutam

    H aqueles que lutam um dia; e por isso so muito bons;

    H aqueles que lutam muitos dias; e por isso so muito

    bons;

    H aqueles que lutam anos; e so melhores ainda;

    Porm h aqueles que lutam toda a vida; esses so os

    imprescindveis.

    Bertolt Brecht

    http://pensador.uol.com.br/autor/bertolt_brecht/

  • RESUMO

    MAZUR, Ivania Piva. O processo de fechamento das escolas no campo em Itapejara

    DOeste/PR: o caso da Escola Estadual de Lageado Bonito e do Colgio Estadual do

    Campo Carlos Gomes. 2016. 203 f. Dissertao (Mestrado) Programa de Mestrado em

    Educao, Universidade Estadual do Oeste do Paran, Francisco Beltro. 2016.

    A pesquisa analisou o processo de fechamento e tentativas de fechamento das escolas no

    campo de anos finais do Ensino Fundamental em Itapejara DOeste, regio Sudoeste do

    Paran. O objetivo geral da pesquisa foi analisar esse processo para evidenciar seus

    determinantes gerais e especficos, bem como apontar as resistncias e desafios para as

    escolas no campo. Como objetivos especficos, props-se a identificar as transformaes

    no campo brasileiro a partir de 1950 e suas relaes com a reduo da populao do

    campo; contextualizar e diferenciar as concepes de educao rural e de educao do

    campo no cenrio nacional; compreender os processos de fechamento de escolas no

    campo no contexto nacional e no contexto local; descrever o processo de implantao e

    posterior cessao da oferta das sries/anos finais do Ensino Fundamental no campo a

    partir de um caso concluso de fechamento e de um em vias de fechamento. A pesquisa

    adotou uma abordagem qualitativa na perspectiva do materialismo histrico-dialtico,

    como um estudo de caso, utilizando-se dos procedimentos entrevistas semiestruturadas e

    anlise documental. Abordou as transformaes ocorridas no campo brasileiro, por conta

    da expanso do capitalismo, bem como seus efeitos que culminaram na reduo da

    populao camponesa e consequentemente na reduo das matrculas das escolas no

    campo. Enfocou a perspectiva da educao e escola rural e, como contraponto, a

    Educao do Campo, para posteriormente analisar o processo de fechamento dessas

    escolas. Evidenciou que a oferta do Ensino Fundamental no campo em Itapejara DOeste,

    tanto em relao aos anos iniciais quanto aos anos finais, ocorreu de forma precria e

    insuficiente, o que comprovou o descaso dos poderes pblicos com a educao da

    populao do campo. A anlise dos processos de implantao, fechamento e tentativas de

    fechamento das escolas evidenciou que a oferta dos anos finais do Ensino Fundamental

    no foi resultado de uma poltica pblica para atender as populaes no campo, mas sim

    resultado de reivindicaes e mobilizaes das comunidades, que da mesma forma

    resistiram diante das tentativas de fechamento das escolas. A prtica de fechamento de

    escolas embasou-se em justificativas econmico-quantitativas, que desconsideraram

    aspectos culturais presentes no processo de fechamento das escolas. Em suma, a pesquisa

    traduz a grande dvida histrica com a educao dos povos do campo e destaca que no

    bastam polticas pblicas educacionais. Estas devem estar atreladas a outras polticas

    pblicas que garantam melhores expectativas de vida no campo para que as famlias

    queiram e possam permanecer no campo.

    Palavras-Chave: Fechamento de escolas no campo; Educao do Campo; Ensino

    Fundamental no campo; Transporte escolar; Nuclearizao de escolas.

  • ABSTRACT

    MAZUR, Ivania Piva. The closing process of the countryside schools in the Itapejara

    DOeste/PR: the case of State Schools Lageado Bonito and Colgio Estadual do Campo

    Carlos Gomes. 2016. 203 f. Dissertation (Masters) Masters Program in Education,

    Universidade Estadual do Oeste do Paran, Francisco Beltro. 2016.

    The research analyzed the closing process and closing attempts of schools in the field

    with the offer of the final years of Primary Education in the countryside in Itapejara

    DOeste, Southwest region of Paran State. The general objective was to analyze this

    process, as well as showing the resistances and challenges for school in the field. The

    specific objectives proposed were to identify the changes in the Brazilian countryside

    since 1950 and its determinations on the reduction of the rural population; contextualize

    and differentiate the concepts of rural education and field education on the national scene;

    understand the school closure processes in the rural area in the national and local context,

    describe the process of implementation and subsequent stop of offering final years/grades

    of Primary Education in the countryside from a closure and completion case and from a

    closing way case. From a qualitative approach in the perspective of historical-dialectical

    materialism, there was a case study, with the use of procedures semi structured interviews

    and documental analysis. It approached the changes occurred in the Brazilian countryside,

    due to the capitalism, as well as its effects that culminated in the reduction of rural

    population and consequently the reduction of enrollment of the schools in the countryside.

    It also addressed the rural education and rural school and, as a counterpoint, the Field

    Education in order to analyze the process of closing of these schools later on. The research

    showed that the offer of Primary Education in the countryside of Itapejara DOeste both

    for early years as the final years was precarious and insufficient, proving the negligence

    of the authorities to the education of the rural population. The analysis of the

    implementation process, closing and attempts to the closing of the schools showed that

    the offer of the final years of Elementary School was not the result of a public policy

    designed in order to attend the country population, but the result of claims and

    mobilization of the communities, which in the same way resisted in face of attempts to

    close schools. The practice of closing schools was based in economic-quantitative

    justification, disregarding cultural aspects that are present in the issue of closing schools

    in the countryside. In short, the research reflects the great historical debt to the education

    of the countryside people, noting that it is not enough public educational policies. These

    should be linked to other public policies that guarantee better life expectancies in the

    country so that families want and can stay there.

    Key words: Closing schools in the countryside; Field Education; Primary Education in

    the countryside; School transportation; Nuclearization of schools.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Matrculas Escola Rural Municipal Marechal Cndido Mariano da

    Silva Rondon anos iniciais do Ensino Fundamental 1967 a 1994........................

    114

    Grfico 2: Matrculas Escola Rural Estadual Clemente Saracini anos iniciais do

    Ensino Fundamental 1967 a 2000..........................................................................

    115

    Grfico 3: Matrculas Escola Estadual de Lageado Bonito anos finais do Ensino

    Fundamental 1986 a 1998......................................................................................

    116

    Grfico 4: Matrculas Escola Isolada So Marcos anos iniciais do Ensino

    Fundamental 1967 a 1976......................................................................................

    135

    Grfico 5: Matrculas Escola Isolada Joo XXIII anos iniciais do Ensino

    Fundamental 1967 a 1980......................................................................................

    136

    Grfico 6: Matrculas dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola Estadual

    Carlos Gomes 1967 a 1982.....................................................................................

    137

    Grfico 7: Matrculas da Escola Municipal do Campo Valentim Biazussi anos

    iniciais do Ens. Fundamental 1992 a 2014..............................................................

    138

    Grfico 8: Matrculas do Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes Ensino

    Fundamental (anos finais) e Ensino Mdio 1982 a 2014........................................

    139

  • LISTA DE IMAGENS

    Mapa 1: Localizao do municpio de Itapejara DOeste no Sudoeste do Paran

    com seus municpios limtrofes ................................................................................

    31

    Mapa 2: Escolas localizadas nas comunidades de Lageado Bonito e Barra Grande

    (ano de funcionamento histrico)...........................................................................

    102

    Fotografia 1: Viso frontal do prdio escolar onde funcionou a Escola Rural

    Clemente Saracini e a Escola Estadual de Lageado Bonito.......................................

    108

    Fotografia 2: Viso lateral do prdio escolar onde funcionou a Escola Rural

    Clemente Saracini e a Escola Estadual de Lageado Bonito.......................................

    108

    Fotografia 3: Viso lateral do prdio escolar da Escola Rural Clemente Saracini

    e a Escola Estadual de Lageado Bonito, com o espao onde era a quadra de

    esportes.....................................................................................................................

    109

    Fotografia 4: Construo ao lado do prdio escolar para ser um Posto de Sade e

    que acabou sendo utilizado como sala de aula...........................................................

    111

    Fotografia 5: Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes e Escola Municipal do

    Campo Valentim Biazussi Viso lateral a partir das salas de aula..........................

    129

    Fotografia 6: Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes e Escola Municipal do

    Campo Valentim Biazussi Portal frontal................................................................

    131

    Fotografia 7: Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes e Escola Municipal do

    Campo Valentim Biazussi Viso lateral a partir do Laboratrio de Informtica e

    Biblioteca..................................................................................................................

    132

    Fotografia 8: Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes e Escola Municipal do

    Campo Valentim Biazussi Quadra de esportes coberta construda pelo governo

    estadual em 2009.......................................................................................................

    132

    Mapa 3: Municpio de Itapejara DOeste com a localizao das comunidades do

    campo e rotas do transporte escolar da regio

    Oeste.........................................................................................................................

    159

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01: Escolas no campo em Itapejara DOeste a partir das Atas de Exames

    arquivadas de 1967 a 1979......................................................................................

    93

    Quadro 02: Relao de escolas extintas no municpio de Itapejara DOeste......... 95

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Populao urbana, rural e total do Municpio de Itapejara DOeste.......... 35

    Tabela 2: Percentual de populao residente urbana e rural Brasil........................ 48

    Tabela 3: Percentual de populao residente urbana e rural Regio Sul do

    Brasil........................................................................................................................

    48

    Tabela 4: Percentual de populao residente urbana e rural Paran....................... 49

    Tabela 5: Percentual de populao residente urbana e rural Regio Sudoeste do

    Paran.......................................................................................................................

    49

    Tabela 6: Percentual de populao residente urbana e rural Itapejara DOeste... 49

    Tabela 7: Estabelecimentos de ensino no campo 1997 a 2014................................. 87

    Tabela 8: Nmero de escolas rurais municipais em Itapejara DOeste 1994 a

    1997..........................................................................................................................

    97

    Tabela 9: Relao de escolas fechadas de 1995 para 1996 e seus respectivos

    nmeros de estudantes..............................................................................................

    98

    Tabela 10: Nmero de alunos por srie e por ano do Ensino Mdio......................... 148

    Tabela 11: Instituies escolares em Itapejara DOeste, matrculas, nmero de

    estudantes que utilizam transporte e origem dos mesmos ano de 2014...................

    157

    Tabela 12: Nmero de estudantes transportados por comunidade e escola de

    destino no ano de 2015..............................................................................................

    160

  • LISTA DE SIGLAS

    APMF Associao de Pais, Mestres e Funcionrios

    APPF Associao de Pais, Professores e Funcionrios

    APS Associao Paranaense de Suinocultores

    APUCARANA Companhia Colonizadora Apucarana LTDA

    ASSESOAR Associao de Estudos, Orientao e Assistncia Rural

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    CANGO Colnia Agrcola General Osrio

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CEB Cmara de Educao Bsica

    CEE Conselho Estadual de Educao

    CEFET Centro Federal de Educao Tecnolgica

    CGM Cdigos de matrcula

    CITLA Clevelndia Industrial e Territorial Limitada

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    CNE Conselho Nacional de Educao

    COMERCIAL Companhia Comercial e Agrcola Paran LTDA

    CONSED Conselho de Secretrios de Estado da Educao

    CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    CPC Centros Populares de Cultura

    CPT Comisso Pastoral da Terra

    DEDI Departamento da Diversidade

    EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    ENERA Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrria

    ERCs Escolas Rurais Consolidadas

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FACIBEL Faculdade de Cincias Humanas de Francisco Beltro

    FAO Organizao das Naes Unidas para Fome e Agricultura

    FETAEP Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paran

  • FMI Fundo Monetrio Internacional

    FONEC FRUM NACIONAL DE EDUCAO DO CAMPO

    FUNDEPAR Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paran

    GETSOP Grupo Executivo de Terras para o Sudoeste do Paran

    GMB Guias de Movimentao de Bens Patrimoniais

    IAP Instituto Ambiental do Paran

    IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social

    LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MASTEL Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Litoral do Paran

    MASTEN Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Norte do Paran

    MASTES Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Sudoeste

    MASTRECO Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Centro Oeste do Paran

    MASTRO Movimento dos Agricultores Sem-Terra do Oeste do Paran

    MEB Movimento de Educao de Base

    MEC Ministrio da Educao

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

    NRE Ncleo Regional de Educao

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PIBID Programa de Iniciao Docncia

    PME Plano Municipal de Educao

    PNE Plano Nacional de Educao

    PNTE ou PNATE Programa Nacional de Transporte Escolar

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    PROAGRO Programa de Garantia da Atividade Agropecuria

    PROCAMPO Programa de Apoio s Licenciaturas em Educao do Campo

    PROMUNICPIO Projeto de Cooperao Tcnica e Financeira Estado/Municpio

    PRONACAMPO Programa Nacional de Educao do Campo

    PRONATEC CAMPO Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e ao Emprego

    para o campo

    PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    PRO-RURAL Projeto Integrado de Apoio do Pequeno Produtor Rural

    PSS Processo Seletivo Simplificado

  • SADIA Sociedade Annima Indstria e Comrcio Concrdia

    SEED Secretaria de Estado da Educao

    SERE Sistema Estadual de Registro Escolar

    SIDRA Sistema IBGE de Recuperao Automtica

    STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais

    SUDE Superintendncia de Desenvolvimento Educacional

    UNB Universidade de Braslia

    UNDIME Unio dos Dirigentes Municipais de Educao

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

    UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran

    UTFPR Universidade Tecnolgica Federal do Paran

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................... 18

    CAPTULO I: AS TRANSFORMAES NO CAMPO BRASILEIRO E O

    SUDOESTE DO PARAN..................................................................................

    29

    1.1 - O municpio de Itapejara DOeste: histrico, movimento demogrfico e o

    campo.....................................................................................................................

    30

    1.2 - A expanso do capitalismo no campo brasileiro a partir de 1950.................... 37

    1.3 - Reduo da populao do campo: efeito da expanso do capitalismo no

    campo.....................................................................................................................

    47

    1.4 - Resistncias ao modelo de desenvolvimento capitalista no campo no

    Sudoeste do Paran: revoltas e movimentos pela conquista da terra e produo.....

    53

    1.5 - Movimentos por melhores condies de produo/comercializao no

    campo e por polticas agrcolas mais justas.............................................................

    58

    CAPTULO II: DA EDUCAO RURAL AO FECHAMENTO DE

    ESCOLAS NO CAMPO......................................................................................

    65

    2.1 - A educao rural e a escola rural..................................................................... 66

    2.2 - A Educao do Campo e a escola no campo.................................................... 75

    2.3 - Fechamento de escolas no campo................................................................... 83

    2.4 - Nuclearizao e fechamento das escolas municipais localizadas no campo

    em Itapejara DOeste a partir da dcada de 1990....................................................

    92

    CAPTULO III: A OFERTA DOS ANOS FINAIS DO ENSINO

    FUNDAMENTAL NO CAMPO EM ITAPEAJARA DOESTE:

    IMPLANTAO, FECHAMENTO E TENTATIVAS DE FECHAMENTO

    DAS ESCOLAS....................................................................................................

    101

    3.1 - A trajetria da Escola Estadual de Lageado Bonito: da implantao ao

    fechamento.............................................................................................................

    103

    3.1.1 - A reduo das matrculas na comunidade de Lageado Bonito e a reduo

    das matrculas da Escola Estadual de Lageado Bonito............................................

    113

    3.1.2 - O fechamento da Escola Estadual de Lageado Bonito e as resistncias da

    comunidade............................................................................................................

    119

    3.2 - A trajetria do Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes: da implantao

    s tentativas de fechamento....................................................................................

    125

    3.2.1 - A reduo das matrculas na comunidade de Barra Grande e a reduo das

    matrculas do Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes......................................

    135

    3.2.2 - As tentativas de fechamento do Colgio Estadual do Campo Carlos

    Gomes e as resistncias da comunidade escolar......................................................

    141

    3.2.2.1 - O Programa Filhos da Terra...................................................................... 153

    3.3 - Cenrio atual do transporte escolar e das escolas no campo em Itapejara

    DOeste..................................................................................................................

    157

    3.4 - Fechamento das escolas no campo: para alm dos critrios econmico-

    quantitativos...........................................................................................................

    162

  • CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 173

    REFERNCIAS................................................................................................... 181

    APNDICES......................................................................................................... 191

    ANEXO................................................................................................................. 202

  • 18

    INTRODUO

    Meu interesse pela temtica de pesquisa est relacionado minha vida pessoal,

    familiar e profissional. Posso afirmar que a problemtica que aqui abordo histria que

    eu vivi e estou vivendo eu sou parte dela e ela parte de mim!

    Sou filha de pequenos agricultores e vivi minha infncia no campo. Esta pesquisa

    tem-me emocionado por vrias vezes. Fez-me ver a minha histria familiar,

    particularmente a de meus pais que trabalharam arduamente de sol a sol pela nossa

    sobrevivncia, e isso foi o que conquistaram: nada mais que o necessrio para nossa

    sobrevivncia.

    Meus pais diziam a mim e a meus dois irmos mais novos: Vo estudar para no

    ficarem virando pedra na roa como ns. Nitidamente angustiados, no queriam que

    passssemos pelas mesmas dificuldades que viveram no campo. No deixamos vocs

    (filhos) passarem fome, mas no tenho vergonha de dizer que eu e seu pai passamos fome

    na roa, diz minha me, ao relembrar as dificuldades financeiras pelas quais passamos.

    Lembro-me de passagens nas quais meu pai, tios e primos trabalhavam por dia,

    em algumas pocas do ano, para um senhor bem de vida, que possua vrios stios,

    roando potreiros e outros servios para complementarem a renda familiar. As

    dificuldades financeiras e as perdas da lavoura devido a problemas com o clima, aos

    baixos preos dos produtos, ou baixa produo, pois o trabalho era base de fora

    animal ou manual feito pelos familiares e vizinhos quase nos levaram a abandonar o

    campo. Meus pais chegaram a procurar emprego na cidade com a ideia de sair do campo,

    porque na roa, segundo minha me, no dava mais; trs anos que a roa no dava

    nada, ou porque a enchente destruiu o soja, ou porque a praga destruiu outras plantaes,

    ou porque o produto no tinha valor e o custo da produo era muito alto. Meu pai, nessa

    ocasio tentou emprego na empresa Sadia (Francisco Beltro), mas no conseguiu devido

    a seus problemas de audio. Voltou chateado e ao mesmo tempo conformado da

    entrevista, porque a psicloga da empresa o dispensou dizendo que trabalhar na Sadia no

    era para ele, porque no era saudvel.

    Assim, mesmo com dificuldades, meus pais resistiram. O mesmo no aconteceu

    comigo e com muitos familiares, vizinhos e amigos.

    Isso se passou na dcada de 90 e ficou inculcado em minha conscincia que

    trabalhar na roa era ruim, no tinha futuro; o melhor era estudar para conseguir emprego

    na cidade.

  • 19

    Ah o estudo!!! Meus pais depositavam muita esperana nele; era algo muito

    precioso, talvez pela falta ou dificuldades de acesso que enfrentaram. Minha me estudou

    at a 4 srie do Ensino Fundamental e no teve oportunidade de continuar estudando

    porque no existia a oferta dos nveis seguintes prximo a sua residncia. Meu pai

    somente aos dezenove anos de idade, em 1982, concluiu a 8 srie do Ensino

    Fundamental, na Escola Estadual Carlos Gomes1, na comunidade de Barra Grande,

    municpio de Itapejara DOeste. Percorria a p oito quilmetros de distncia (ida e volta)

    durante a noite para poder estudar, juntamente com vizinhos e parentes, e iam armados

    para se proteger. At 1981 a Escola Estadual Carlos Gomes ofertava as sries/anos finais

    do Ensino Fundamental como extenso da Escola Estadual Irmo Isidoro Dumont,

    localizada no centro urbano de Itapejara DOeste. O Ensino Mdio meu pai concluiu anos

    mais tarde atravs de uma turma de Educao de Jovens e Adultos, que foi implantada

    em uma comunidade vizinha.

    Eu, particularmente, iniciei minha vida escolar aos sete anos de idade na 1 srie

    na Escola Rural Municipal Souza Naves2, localizada na comunidade de Seco Progresso,

    municpio de Francisco Beltro. Era uma escola multisseriada, uma nica professora

    atendia de 1 a 4 srie do Ensino Fundamental. Embora onde morssemos pertencesse

    comunidade de Barra Grande, a comunidade de Seco Progresso era mais prxima, cerca

    de dois quilmetros e meio. Ida e volta percorramos ao todo cinco quilmetros a p.

    Enquanto crianas no achvamos ruim, embora acontecessem algumas situaes que nos

    amedrontavam, como a oferta de carona por estranhos ou situaes que nos humilhavam,

    como carros que passavam nos atirando ovos crus. A estrada j era asfaltada e amos e

    voltvamos brincando nos murunduns3, tirando frutas na beira da estrada e chupando

    cana-de-acar. Mas os pais se preocupavam; se no chegssemos em casa no horrio de

    costume, repreendiam-nos.

    Quando conclu a 4 srie comecei estudar na Escola Estadual Carlos Gomes que

    ofertava at a 8 srie do Ensino Fundamental. Durante o primeiro ano, em 1994, fiz o

    mesmo percurso que meu pai fazia para estudar, ou seja, oito quilmetros diariamente, a

    p. Nos anos seguintes passamos a ter a oferta do transporte escolar.

    Concluda a 8 srie, a oferta do Ensino Mdio era apenas na cidade de Itapejara

    DOeste, em um nico colgio, distante dezesseis quilmetros da minha residncia. Com

    1 A denominao atual Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes Ensino Fundamental e Mdio.

    Nomenclatura oficializada pela Resoluo n 960, publicada no Dirio Oficial em 07/03/2012. 2 A Escola Rural Municipal Souza Naves j foi desativada. 3 A utilizao de murunduns nas lavouras era uma prtica muito comum na agricultura, semelhante a curvas

    de nvel, para evitar a eroso do solo.

  • 20

    o nibus escolar percorramos muito mais devido s diversas comunidades em que o

    mesmo nibus atendia, ficando totalmente lotado: bancos e corredor.

    Com o trmino do Ensino Mdio e incio da graduao em Pedagogia na

    Universidade Estadual do Oeste do Paran - Unioeste Campus Francisco Beltro, em

    2001, foi necessrio sair da casa dos meus pais e morar na cidade de Francisco Beltro

    para dar continuidade aos estudos.

    Concluda a graduao, fui chamada no concurso da Prefeitura Municipal de

    Itapejara DOeste para professora das sries iniciais, em 2005, e passei a atuar na Escola

    Municipal do Campo Valentim Biazussi4, localizada na comunidade de Barra Grande, na

    qual fixei residncia.

    A Escola Municipal do Campo Valentim Biazussi oferta os anos iniciais do Ensino

    Fundamental, de forma multisseriada. O prdio compartilhado com o Colgio Estadual

    do Campo Carlos Gomes, o qual oferta os anos finais do Ensino Fundamental. So as

    nicas instituies escolares em funcionamento no campo, no municpio. O Colgio

    Estadual do Campo Carlos Gomes ofertou o Ensino Mdio no perodo de 2011 a 2014,

    porm em 2014 j no foram autorizadas as matrculas neste nvel de ensino para o ano

    letivo de 2015.

    No Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes, passei a atuar em 2006, como

    funcionria administrativa efetiva responsvel pela secretaria escolar. A partir de 2007

    passei a atuar como pedagoga efetiva e no perodo de 2010 a 2014, exerci o cargo de

    diretora dessa mesma instituio.

    Portanto, mais precisamente a partir de 2006, venho acompanhando e participando

    da angstia e resistncia de professores e da comunidade frente s diversas tentativas de

    fechamento do Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes devido ao nmero reduzido de

    estudantes.

    Mas nem sempre as matrculas da escola foram reduzidas como demonstraremos

    nesta pesquisa. Alis, a comunidade de Barra Grande, onde localiza-se o colgio do qual

    falamos, chegou a ter trs instituies escolares durante os anos 1960 e 1970. Apenas o

    Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes chegou a atender 155 estudantes somente nas

    sries/anos iniciais do Ensino Fundamental, no ano de 1972. No ano de 1982 chegou a

    atender 158 estudantes entre sries/anos iniciais e sries/anos finais do Ensino

    4 A Resoluo n 978/2012 alterou a nomenclatura da Escola Municipal Valentim Biazussi para Escola

    Municipal do Campo Valentim Biazussi.

  • 21

    Fundamental. Ocorre que a comunidade foi perdendo populao e consequentemente foi

    reduzindo o nmero de matrculas.

    Neste ano de 2016 o Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes atende em torno

    de 37 estudantes nos quatro anos finais do Ensino Fundamental. Os estudantes so

    oriundos da Escola Municipal do Campo Valentim Biazussi que compartilha do mesmo

    prdio escolar. A escola municipal possui atualmente 25 estudantes, estes exclusivos da

    comunidade. Alm dos estudantes oriundos da prpria comunidade, o Colgio Estadual

    do Campo Carlos Gomes atende alguns poucos estudantes oriundos de comunidades

    vizinhas e parte significativa das suas matrculas so de estudantes oriundos da zona

    urbana.

    Frente s ameaas de fechamento h quase duas dcadas, o coletivo escolar e local

    da comunidade de Barra Grande sempre se mobilizou e conseguiu evitar que o

    fechamento se efetivasse. Mas est ficando cada vez mais difcil esse impedimento, uma

    vez que algumas turmas possuem um nmero de estudantes extremamente reduzido. Foi

    sob essa justificativa que o Ensino Mdio fechou em 2014, pois possua 7 estudantes no

    1 ano, 2 estudantes no 2 ano e 3 estudantes no 3 ano.

    Contribui para isso, o fato de que algumas famlias da prpria comunidade,

    descontentes com a qualidade do ensino ministrado na instituio, esto transferindo seus

    filhos deste colgio para escolas particulares, para o Colgio Agrcola de Francisco

    Beltro, ou simplesmente para escolas urbanas em busca de uma qualidade no ensino

    supostamente melhor, reduzindo ainda mais o nmero de matrculas, podendo estar

    abalando o consenso, existente at ento, pela defesa da manuteno da escola em

    funcionamento na comunidade.

    Alguns professores atuantes no Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes

    vivenciaram o momento de fechamento da Escola Estadual de Lageado Bonito, em 1999,

    na comunidade vizinha de Lageado Bonito sob a justificativa de falta de clientela. As

    instituies educacionais Carlos Gomes e Lageado Bonito so as nicas do municpio que

    ofertaram, no campo, os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Mdio. No caso

    especfico do Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes, a oferta do Ensino Mdio

    ocorreu durante o perodo de 2011 a 2014.

    Os estudos realizados sobre a temtica de Educao do Campo e fechamento de

    escolas tm denunciado o descaso histrico com a educao dos povos do campo em

    mbito nacional e estadual. Grande parte das populaes camponesas quando tiveram

    acesso educao escolar, esta foi limitada oferta das sries/anos iniciais do Ensino

  • 22

    Fundamental e sobre essas escolas temos encontrado nmeros alarmantes de fechamento

    a partir da dcada de 1990, no Brasil. Assim, ndices elevados de estudantes do campo

    so transportados para escolas no permetro urbano para terem acesso s sries/anos finais

    do Ensino Fundamental e Ensino Mdio. Alis, os estudos revelam que a oferta destes

    nveis de ensino no campo em alguns municpios ou inexistente ou mnima, mesmo

    existindo demanda de estudantes.

    Em se tratando do Paran, precisamos considerar que essa oferta realizada em

    sua grande maioria pelas escolas mantidas pelo governo estadual devido ao processo de

    municipalizao do ensino5.

    Assim, sobre fechamento de escolas no estado do Paran temos encontrado alguns

    trabalhos que tratam desta problemtica em escolas municipais6. Estudos que abordem o

    fechamento das escolas estaduais so mais escassos7e isso tem nos instigado para a

    pesquisa nas escolas que ofertaram as sries/anos finais do Ensino Fundamental e Ensino

    Mdio no campo, em Itapejara DOeste.

    Nossa pesquisa aborda essas duas escolas: a Escola Estadual Lageado Bonito,

    cessada em 1999; e o Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes, que ao longo dos

    ltimos anos conseguiu resistir s diversas tentativas de fechamento, mas que, novamente,

    desde 2013, vem sendo ameaado pela cessao de suas atividades.

    Embora o municpio seja formado por dezenove comunidades, as instituies a

    serem investigadas esto localizadas em duas comunidades vizinhas, distantes cinco

    quilmetros uma da outra. A Escola Estadual Lageado Bonito e o Colgio Estadual do

    Campo Carlos Gomes funcionaram em regime de dualidade administrativa com o

    municpio, este responsvel pelos anos iniciais do Ensino Fundamental.

    Diante do que expomos, o fechamento total das escolas no campo no municpio

    parece inevitvel! E ao mesmo tempo parece muito contraditrio se considerarmos que

    Itapejara DOeste possui uma populao total de 10.532 habitantes (IBGE Censo 2010),

    sendo que 3.544 residem no campo, distribudos em dezenove comunidades. Se 33,65%

    da populao itapejarense ainda se mantm no campo, como explicar o fechamento das

    5 De acordo com Dias (2000), em 1993 o Estado do Paran contava com a adeso de 86% de seus municpios

    ao processo de municipalizao do ensino. Nesse processo de diviso de responsabilidades entre Estado e

    Municpio, as escolas estaduais de Pr-escolar, de Ensino Fundamental prioritariamente de 1 a 4 sries

    de educao especial e o Programa de Educao de Jovens e Adultos fase I passam a ser mantidas pelos

    municpios. A rede estadual passou a manter prioritariamente as escolas de 5 a 8 sries, Ensino Mdio, e

    o Programa de Educao de Jovens e Adultos fase II e III. 6 Bareiro (2011); Ramos (1991); Raymundo e Fagundes (2013); Tibucheski (2011). 7 Farias (2013) traz alguns nmeros de escolas estaduais fechadas no Sudoeste do Paran.

  • 23

    nicas instituies no campo que ofertaram as sries/anos finais do Ensino Fundamental

    e temporariamente o Ensino Mdio por falta de estudantes?

    Assim, delimitamos como objetivo geral dessa pesquisa: analisar o processo de

    fechamento e tentativas de fechamento das escolas com a oferta dos anos finais do Ensino

    Fundamental no campo em Itapejara DOeste, evidenciando seus determinantes gerais e

    seus determinantes especficos, bem como apontar as resistncias e desafios para a escola

    no campo.

    Como objetivos especficos nos propomos a:

    - Identificar as transformaes no campo brasileiro a partir de 1950 e suas

    determinaes sobre a reduo da populao do campo;

    - Contextualizar e diferenciar as concepes de Educao Rural e de Educao do

    Campo no cenrio nacional;

    - Compreender os processos de fechamento de escolas no campo no contexto

    nacional e no contexto local do municpio de Itapejara DOeste;

    - Descrever o processo de implantao e posterior cessao da oferta das

    sries/anos finais do Ensino Fundamental no campo, em Itapejara DOeste a partir de um

    caso concluso de fechamento e a partir de um caso em vias de fechamento.

    Entendemos que a problemtica que nos propomos a investigar parte integrante

    de um contexto mais amplo. Portanto, no seria possvel analisar tal realidade de forma

    isolada em sua constituio atual, fazia-se necessrio buscar sua origem histrica. Alm

    disso, como nossa pretenso era de expor ao mximo a totalidade de aspectos que

    interferiram e interferem na configurao da problemtica em estudo, optamos por

    realizar este trabalho pautando-nos no mtodo do materialismo histrico-dialtico.

    Em se tratando de teoria nas cincias sociais e humanas, de acordo com Frigotto

    (2001), todos os referenciais tericos esto em crise frente s mais brutais e ardentes

    contradies e violncias do capital em escala global na atualidade, inclusive o

    materialismo histrico-dialtico, mas ainda a concepo metodolgica mais acertada,

    pois:

    [...] consegue ir raiz da condio humana na sua construo histrica

    no interior das relaes sociais capitalistas, de forma mais abrangente e

    radical em relao s demais concepes e teorias vigentes. Tambm, e

    por consequncia, este instrumental crtico permite revelar a natureza

    anti-social e anti-humana das relaes sociais capitalistas (FRIGOTTO,

    2001, p. 23).

  • 24

    No processo da pesquisa a ser desenvolvida sob esse mtodo, necessrio

    considerar o carter universal dessa realidade, ou seja, as leis gerais do desenvolvimento

    do capitalismo quando este avana no campo e suas implicaes para as escolas no

    campo. Por isso, a pesquisa considera como esse carter universal se manifesta em

    Itapejara DOeste e ento teremos o carter particular dessa realidade: como ocorreu a

    expanso do capitalismo no campo em Itapejara DOeste a partir o processo de

    modernizao da agricultura e que determinantes econmicos, polticos, sociais e

    histricos estiveram presentes? Qual a sua relao com o fechamento das escolas em

    estudo no campo? Com isso, ser possvel tambm identificar o carter singular

    envolvido, ou seja, processos especficos exclusivos dessa realidade. De acordo com

    Netto (2011, p. 45), o conhecimento do concreto opera-se envolvendo universalidade,

    singularidade e particularidade.

    Isso significa, nos termos de Kosik (1976), entender a problemtica na sua

    concreticidade (totalidade), atingir a sua essncia, o que implica conhecer o

    movimento recproco, a relao dialtica entre o todo e as partes, o fenmeno e a essncia,

    a totalidade e as contradies. Esse entendimento no se manifesta de forma imediata ao

    homem, faz-se necessrio um dtour, que Frigotto (1997) nos auxilia a entender:

    Esse detour implica necessariamente ter como ponto de partida os fatos

    empricos que nos so dados pela realidade. Implica, em segundo lugar,

    superar as impresses primeiras, as representaes fenomnicas destes

    fatos empricos e ascender a seu mago, s suas leis fundamentais. O

    ponto de chegada ser no mais as representaes primeiras do

    emprico ponto de partida, mas o concreto pensado (FRIGOTTO, 1997,

    p. 79).

    Nesse sentido, a realidade concreta da problemtica no se manifesta de forma

    aparente no objeto o imediato. Embora seja ponto de partida, no permite por si s

    entender as mltiplas determinaes que levaram o objeto a tornar-se o que ; h que se

    buscar as mediaes, como ele foi produzido socialmente e historicamente. Somente

    assim possvel chegar ao conhecimento concreto do mesmo. De acordo com a

    concepo de Marx (2008),

    [...] O concreto concreto, porque a sntese de mltiplas

    determinaes, isto , unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece

    no pensamento como o processo da sntese, como resultado, no como

    ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto,

    o ponto de partida tambm da intuio e da representao (MARX,

    2008, p. 258-259).

  • 25

    Desta forma, a abordagem da questo do fechamento das escolas estaduais no

    campo em Itapejara DOeste, a partir do mtodo histrico-dialtico, implica antes de tudo,

    olhar para a problemtica como integrante de um contexto amplo. H, assim, que se

    considerar, de acordo com Frigotto (1997), o carter sincrnico e diacrnico dos fatos,

    ou seja, considerar os fatos empricos que caracterizam seu momento atual (carter

    sincrnico), mas ir alm, faz-se necessrio historicizar, buscar a origem histrica da

    problemtica (carter diacrnico) (FRIGOTTO, 1997, p. 78).

    Dentre as possibilidades de se realizar uma pesquisa qualitativa, optamos por

    realizar um estudo de caso do municpio em questo. Para Gil (2002, p. 55), a aplicao

    de estudo de caso em Cincias Sociais tem como propsito proporcionar uma viso

    global do problema ou de identificar possveis fatores que o influenciam ou so por ele

    influenciados.

    De acordo com Ldke e Andr (1986 apud Pdua e Pozzebon, 1996, p. 77), esse

    tipo de pesquisa visa apreender o objeto de estudo no contexto em que est situado,

    buscando retratar a realidade de maneira completa e profunda, revelando assim a

    multiplicidade de dimenses presentes no objeto (situao ou problema).

    Para Godoy (1995), essa multiplicidade de dimenses garante complexidade

    realidade a ser estudada. Nesse sentido, o pesquisador que adotar o estudo de caso como

    tipo de pesquisa deve estar ciente de que para apreender de forma mais completa o objeto

    em estudo dever evidenciar suas vrias dimenses, o contexto mais amplo em que est

    situado e, ainda, as divergncias e conflitos presentes na situao social.

    Em se tratando dos dados a serem obtidos para pesquisa, Gil (2002, p. 141, grifos

    do autor) afirma que o estudo de caso a possibilidade mais completa uma vez que pode

    utilizar-se tanto de dados de gente quanto de dados de papel. Em nossa pesquisa estas

    duas dimenses de dados so consideradas, pois utilizamos os seguintes instrumentos

    para coleta de dados: realizao de entrevistas semiestruturadas e anlise documental.

    Godoy (1995) apresenta que uma das vantagens em se adotar documentos como

    fonte de pesquisa consiste no fato que eles se constituem enquanto fontes no-reativas,

    na medida em que as informaes que contm no se alteram com o tempo, evidenciam

    assim o contexto histrico, econmico e social nos quais tiveram origem. Por outro lado,

    a autora aponta algumas dificuldades e limites no trabalho com documentos: no so

    produzidos com o intuito de fornecer informaes para a pesquisa social; podem

    expressar os pontos de vista de apenas alguns indivduos no registrando experincias e

  • 26

    vivncias de outros indivduos envolvidos no fenmeno; os documentos preservados ou

    que o pesquisador tem acesso nem sempre representam a situao em estudo, podem

    apresentar dados que no so vlidos ou no confiveis.

    Nesse sentido, a utilizao, de forma complementar, de anlise documental e

    entrevistas semiestruturadas para coleta de dados tem como objetivo validar as

    informaes obtidas ou mesmo confront-las evidenciando as contradies presentes na

    realidade em estudo.

    Para a anlise documental utilizamos: documentos escolares (livros atas escolares,

    atas de exames finais, relatrios finais, relatrio do transporte escolar, resolues, censo

    escolar); resolues municipais e decretos municipais.

    Para a realizao de entrevistas semiestruturadas8, selecionamos sujeitos que, de

    formas diversas, estiveram envolvidos com o processo de fechamento das escolas

    estaduais no campo do municpio e que podiam fornecer dados e informaes pertinentes

    para a pesquisa a partir das suas diferentes relaes com a escola. Foram selecionados

    justamente para evitar registros unilaterais, ou seja, depoimentos a partir do ponto de vista

    de apenas um determinado segmento em detrimento de outros. A partir dos sujeitos

    selecionados, foi possvel termos acesso a uma amostra de informaes oriundas dos

    representantes dos poderes pblicos envolvidos, bem como registros de depoimentos dos

    profissionais atuantes nessas escolas e de cidados atingidos pelo processo de fechamento

    das escolas no campo.

    No mbito dos poderes pblicos os sujeitos selecionados foram:

    - chefe do Ncleo Regional de Educao de Pato Branco atuante no momento de

    fechamento da Escola Estadual de Lageado Bonito;

    - funcionrio atuante no setor de Estrutura e Funcionamento do Ncleo Regional

    de Educao de Pato Branco;

    - coordenadora da Educao do Campo do Ncleo Regional de Educao de Pato

    Branco;

    - secretria municipal de educao atuante nos momentos de fechamento de

    escolas municipais (considerando que ambas as escolas em estudo funcionavam ou

    funcionam de forma compartilhada com o municpio) e a atual secretria municipal de

    educao.

    8 As entrevistas foram realizadas no perodo de 06 a 19 de junho de 2015, e no dia 15 de fevereiro de 2016,

    sendo gravadas em udio e posteriormente transcritas na ntegra. Nos casos em que o participante no

    autorizou a gravao em udio, as informaes foram colhidas por meio de registros escritos. Nos casos

    em que os entrevistados no autorizaram a utilizao de sua identificao pessoal, optamos por utilizar no

    texto os codinomes: Sujeito A, Sujeito B, Sujeito C, Sujeito D e Sujeito E.

  • 27

    No mbito dos profissionais das escolas e das famlias envolvidas, selecionamos

    mais de um sujeito com o intuito de obter uma maior representatividade sobre as posies

    naquela escola ou comunidade. Os sujeitos selecionados foram:

    - 2 gestores e 2 professores que atuaram na Escola Estadual Lageado Bonito

    (cessada)9;

    - 3 gestores, 1 pedagoga e 2 professores que atuaram/atuam no Colgio Estadual

    do Campo Carlos Gomes (em funcionamento);

    - 2 famlias de moradores da comunidade onde se localizava a Escola Estadual

    Lageado Bonito (cessada) que tiveram filhos que estudaram nesta escola;

    - 3 famlias de moradores da comunidade onde se localiza o Colgio Estadual do

    Campo Carlos Gomes (em funcionamento) que tiveram ou tm filhos que estudam neste

    colgio (uma famlia mais antiga, uma que vivenciou tentativas de fechamento e uma

    famlia que ainda possui filho no colgio);

    Por meio desses instrumentos (anlise documental e entrevistas semiestruturadas),

    pretendemos levantar dados que nos auxiliaram a explicitar como e porque ocorreu e est

    ocorrendo o processo de fechamento das escolas com oferta dos anos finais do Ensino

    Fundamental no campo, do municpio de Itapejara DOeste. Tnhamos como intuito

    identificar todas as possveis determinaes que levaram nossa problemtica a constituir-

    se na forma que se apresenta atualmente e, desta forma, compreend-la concretamente.

    Nesse sentido, o trabalho que ora apresentamos foi organizado em trs captulos.

    No primeiro captulo nos detemos primeiramente em situar o municpio de Itapejara

    DOeste, o histrico de sua formao, os movimentos demogrficos que evidenciam a

    perda contnua de populao camponesa e de modo geral as transformaes que tm

    passado o campo do municpio at o momento. Para a compreenso desse processo de

    mudanas buscamos evidenciar as transformaes ocorridas no campo no contexto

    brasileiro desde a dcada de 1950, por conta da expanso do capitalismo nesse meio, bem

    como seus efeitos que culminaram na reduo da populao camponesa e,

    consequentemente, na reduo das matrculas das escolas no campo.

    No segundo captulo, trazemos a Educao Rural e a escola rural, com suas

    inmeras carncias educacionais e materiais, que historicamente foram ofertadas s

    populaes do campo. Em seguida, como contraposio Educao Rural e escola rural,

    abordaremos a Educao do Campo, sua trajetria, suas conquistas bem como os desafios

    9 A Escola Estadual de Lageado Bonito durante o seu perodo de funcionamento teve apenas duas diretoras,

    as quais foram entrevistadas, e no teve equipe pedaggica.

  • 28

    para a Educao do Campo e para as escolas no campo. Apresentamos um breve histrico

    sobre a problemtica do fechamento das escolas com as justificativas apresentadas pelos

    poderes pblicos para a adoo de tal prtica. Evidenciamos, porm, que a problemtica

    envolve disputas por projetos de campo e determinaes das polticas neoliberais. Por

    fim, fazemos uma abordagem local do processo de nuclearizao e fechamento das

    escolas municipais localizadas no campo em Itapejara DOeste a partir da dcada de 1990.

    No terceiro captulo, detemo-nos a duas escolas do presente estudo de caso: Escola

    Estadual de Lageado Bonito e Colgio Estadual do Campo Carlos Gomes. Em ambos os

    casos descrevemos seu histrico, a reduo de suas matrculas e finalmente o processo de

    fechamento ou de tentativas de fechamento e as resistncias das comunidades. Indicamos

    contradies e determinaes especficas que estiveram envolvidos na trajetria de ambas

    as instituies, desde a implantao at o fechamento ou tentativas de fechamento.

    Posteriormente, apresentamos o cenrio atual do transporte escolar em Itapejara DOeste,

    evidenciando um dos desafios para a permanncia das escolas no campo no municpio.

    Realizamos tambm uma reflexo sobre fechamentos de escolas no campo, destacando a

    necessidade de se abordar essa questo com uma viso que extrapole os critrios

    econmicos.

    A realizao dessa pesquisa sobre a realidade do municpio de Itapejara DOeste

    e sobre as escolas em estudo buscou trazer contribuies no sentido de evidenciar as

    contradies que permeiam processos de fechamento de escolas no campo e suas reais

    determinaes. Certamente, compreenses j desenvolvidas por outros estudos foram

    reforadas, assim como outros aspectos vieram tona, o que pode contribuir para a

    compreenso de outras realidades.

    Aes de fechamento de escolas no campo desconsiderando os efeitos sobre as

    populaes atingidas, como tm sido praticadas historicamente, necessitam ser

    problematizadas, questionadas e enfrentadas. A questo complexa e desafiante. Outros

    estudos ainda necessitam ser realizados sobre essa problemtica para contribuir com o

    debate da Educao do Campo. Esperamos que tenhamos suscitado elementos

    importantes a serem considerados e que nossa pesquisa possa auxiliar na luta pelo no

    fechamento das escolas no campo e pela Educao do Campo.

  • 29

    I - AS TRANSFORMAES NO CAMPO BRASILEIRO E O SUDOESTE DO

    PARAN

    A discusso sobre a problemtica do fechamento das escolas no campo em

    Itapejara DOeste nos remete olharmos como esta questo se relaciona com a reduo da

    populao do campo, ao mesmo tempo que uma questo contraditria produzida por

    seus determinantes histricos. Adiantamos que o esvaziamento populacional do campo

    no um processo especfico desse municpio, nem do Estado do Paran e nem de nosso

    pas. Tal processo est vinculado s transformaes ocorridas de forma geral no campo a

    partir da expanso do capitalismo.

    Desta forma, neste primeiro captulo, situaremos o municpio de Itapejara

    DOeste, apresentando um breve histrico de sua formao, os movimentos demogrficos

    que evidenciam a perda contnua de populao do campo a partir de sua formao e

    apresentaremos de forma geral as transformaes do campo do municpio at o momento.

    A compreenso dessas transformaes ocorridas no campo em Itapejara DOeste,

    bem como a reduo da populao desse meio no seria possvel se nos mantivssemos

    apenas em uma anlise local do problema. Foi necessrio, portanto, buscarmos as

    determinaes mais gerais que implicam na manifestao do fenmeno local.

    Nesse sentido, buscamos abordar as transformaes ocorridas no campo no

    contexto brasileiro desde a dcada de 1950. A razo para a definio desse perodo

    justifica-se porque o municpio de Itapejara DOeste, como a prpria regio do Sudoeste

    do Paran, tem seu processo de ocupao populacional desenvolvida de modo mais

    extensivo nesse perodo. Como tambm, um perodo que o campo no mundo e no pas

    passa por transformaes importantes. Para tanto, questionamos: Quais seriam essas

    transformaes e por quais motivos so desencadeadas? Quais seus efeitos sobre a

    populao do campo?

    Em seguida, apresentamos a reduo da populao do campo como um efeito da

    expanso do capitalismo nesse meio, explicitando os motivos que levam as populaes a

    abandonarem o campo. Destaca-se que a regio Sudoeste do Paran, onde localiza-se o

    municpio de Itapejara DOeste em que realizado este estudo, ainda apresenta parcelas

    significativas de populao no campo. Assim, no quarto tpico evidenciamos alguns

    movimentos de resistncia ocorridos nessa regio, que representaram enfrentamentos ao

  • 30

    modelo de desenvolvimento capitalista para o campo e que contriburam como obstculo

    da expulso do campo em relao a outras regies do pas e do estado do Paran.

    1.1 - O municpio de Itapejara DOeste: histrico, movimento demogrfico e o

    campo

    Compreender a temtica do fechamento das escolas estaduais no campo em

    Itapejara DOeste no seria possvel se nos mantivssemos apenas no contexto local, to

    pouco seria possvel compreend-la se no situssemos o municpio do qual falamos. Faz-

    se necessrio conhecer sua histria, sua populao, suas caractersticas, seu campo, para

    assim identificar determinaes gerais que incidem sobre a problemtica, bem como

    perceber as especificidades do contexto local que tambm podem ter sido determinantes

    para o processo de fechamento das escolas estaduais no campo neste municpio.

    Nesse sentido, faremos um breve resgate histrico da formao do municpio a

    partir do contexto da regio Sudoeste do Paran, onde se localiza. Traremos ainda dados

    demogrficos da populao itapejarense desde 1970 at 2014 e caracterizaremos o campo

    atual de Itapejara DOeste.

    Itapejara DOeste limita-se ao Norte com o Rio Chopim, Rio Santana e municpios

    de So Joo e Ver, a Oeste com o Rio Marrecas e municpio de Francisco Beltro, ao

    Sul com o Rio Vitorino e municpio de Bom Sucesso do Sul e a Leste com Rio Chopim,

    Rio Gavio e municpios de Coronel Vivida e Pato Branco (ITAPEJARA DOESTE,

    2006).

    De acordo com o IBGE a populao total estimada, em 2014, era de 11.335

    habitantes. O municpio de pequeno porte e sua economia est baseada

    predominantemente na agricultura, pecuria e na indstria (ITAPEJARA DOESTE,

    2006, p. 9 e 30).

    Para entendermos a histria de ocupao e formao do municpio, faz-se

    necessrio abordarmos o contexto de ocupao da regio Sudoeste do Paran na qual

    Itapejara DOeste est inserido

  • 31

    Mapa 1: Localizao do municpio de Itapejara DOeste no Sudoeste do Paran com seus municpios limtrofes

    Fonte: Plano Diretor de Itapejara DOeste (2006); Base Cartogrfica IBGE (2008). Elaborao Raquel A. Meira (2016).

  • 32

    Mondardo (2011), ao analisar a dinmica migratria do Paran, durante o sculo

    XX, aponta que esse foi um processo especfico, diverso da maioria dos demais estados

    brasileiros.

    Segundo o autor, a regio Sudoeste do Paran, no perodo de 1900 a 1940,

    marcada pela presena de caboclos10 oriundos de outras regies do Paran, como Palmas,

    Clevelndia, Guarapuava; de outros estados do Sul, como Santa Catarina e Rio Grande

    do Sul; e mesmo dos pases vizinhos, como Argentina e Paraguai. Excedentes nos

    latifndios, expulsos ou empobrecidos em seus lugares de origem, chegam ao Sudoeste

    paranaense em busca de sobrevivncia, em busca de terras ainda pouco exploradas,

    dominadas pela mata. Dedicam-se a uma economia de subsistncia, alm da extrao de

    erva-mate e madeira e da pecuria. A populao, nessa poca, era dispersa e pouco

    numerosa.

    J o perodo de 1940 a 1970 caracterizado pela intensa e acelerada migrao de

    gachos e catarinenses11 (de descendncia italiana, alem e polonesa) para o Estado do

    Paran, de forma mais expressiva para a regio Sudoeste ainda pouco desbravada

    (MONDARDO, 2011).

    Nesse sentido, a conjuntura da colonizao do Sudoeste do Paran foi responsvel

    pela constituio fundiria no to concentrada nessa regio, uma vez que permitiu a

    ocupao da terra por pequenos proprietrios, baseados no trabalho familiar e em uma

    economia de subsistncia. Esses, dispondo de algum recurso financeiro, de alguns

    instrumentos de trabalho, dos conhecimentos, tradies e cultura que trouxeram de seus

    locais de origem e ainda das caractersticas ambientais do Sudoeste (semelhantes aos

    locais de origem), reproduziram as atividades econmicas e culturais que j desenvolviam

    em terras gachas e catarinenses.

    Nesse contexto situa-se o municpio de Itapejara DOeste. A regio onde

    atualmente se localiza o municpio foi ocupada primeiramente pelos caboclos a partir da

    dcada de 1920. De acordo com Wachowicz (1987, p. 70), como nessa dcada a regio

    10 Segundo Wachowicz (1987, p. 85), no Sudoeste paranaense, caboclo no o indivduo necessariamente

    descendente do indgena. denominado por caboclo aquele de cor escura, com costumes sertanejos,

    geralmente pobre (de posse de 5 a 8 alqueires de terra). Os caboclos viviam em ranchos sem assoalhos,

    feitos de troncos de rvore e cobertos com folhas de bambu ou taboinhas lascadas de pinheiro. 11 Segundo Mondardo (2011), alguns fatores combinados foram fundamentais para esse processo. A

    ampliao das grandes propriedades que se dedicavam pecuria no Rio Grande do Sul e Santa Catarina

    foi um dos fatores responsveis pela gerao de um excedente de populao que passou a buscar alternativas

    de sobrevivncia em outras regies. Alm disso, a subdiviso das terras das famlias imigrantes gachas e

    catarinenses atravs de herana teria provocado o surgimento de minifndios afetando as condies de

    sobrevivncia das famlias.

  • 33

    da colnia de Pato Branco j estava ocupada, os caboclos comearam a tomar posse12 dos

    arredores. Ou seja, os terrenos onde esto hoje os municpios de Vitorino, Enas

    Marques, Renascena, Itapejara DOeste, Coronel Vivida, passaram a ser objeto de

    ocupao pelos posseiros.

    A partir das dcadas de 1930 e 1940 inicia-se a venda das pequenas posses dos

    caboclos aos migrantes oriundos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As terras valiam

    pouco, pois eram abundantes. Assim, trocava-se a posse de 4 a 8 alqueires de terra por

    um animal ou uma arma, por exemplo (WACHOWICZ, 1987, p. 71-72).

    Os registros da formao do municpio datam de 1937, quando surge o lugarejo

    denominado inicialmente Lageado dos Guedes, devido ao nome do primeiro morador13:

    Simplcio de Paula Guedes. Os migrantes gachos e catarinenses que povoaram o local

    encontravam dificuldades de chegar ao lugar. No havia estradas, sendo necessria a

    abertura de picadas no mato, ou quando havia eram precrias. O transporte s era possvel

    por meio de cavalos e carroas (MAYCOT, 2001). Mas isso no impediu a intensificao

    da colonizao dessa regio por esses migrantes a partir de 1947 (BARBOSA, 1986, p.

    108). Os primeiros moradores subsistiam da caa, pesca e agricultura tradicional,

    trocando produtos com comerciantes de Pato Branco ou Clevelndia, sendo que o

    primeiro estabelecimento comercial data de 1950, de propriedade de Nicanor e Dalmo

    Baccin (MAYCOT, 2001).

    O primeiro nome oficial da vila foi Ch da Gralha, sendo subordinada ao

    Distrito de Coxilha Rica, municpio de Pato Branco. Em 1950 os moradores mudam o

    nome para Tapejara. Porm, em decorrncia da existncia de outra cidade paranaense

    com o mesmo nome, mudou-se para Itapejara. A mudana ocorreu tambm para

    destacar uma caracterstica do lugar, o fato de haver muitas pedras no local. Em tupi,

    Itapejara significa pedregulho ou caminho das pedras. Em 1951 acrescentou-se o

    termo DOeste, o que definiu sua denominao atual. (MAYCOT, 2001, p. 17).

    Itapejara DOeste elevou-se categoria de distrito administrativo subordinado ao

    municpio de Pato Branco atravs da Lei Municipal n 27, de 30 de dezembro de 1961.

    Com essa mesma denominao, em 1964 torna-se municpio pela Lei Estadual n 4859,

    12 Posse era o meio de aquisio de terras que vigorava na regio nessa poca, pois no havia registro de

    documentao legal da propriedade. As pessoas ocupavam um pedao de terra, ou seja, se apossavam dela,

    marcavam suas divisas, estabeleciam sua morada e retiravam dessa terra os meios de sua subsistncia.

    (WACHOWICZ, 1987, p. 68). 13 Atravs do relato de moradores mais antigos, confirma-se que os primeiros migrantes que chegaram

    regio, onde atualmente se localiza o municpio de Itapejara DOeste, compraram o direito de posse dos

    caboclos que aqui residiam, sem documentao legal da propriedade. Isso indica a existncia de pessoas no

    local antes da chegada dos migrantes gachos e catarinenses. Porm, nas fontes locais consultadas sobre a

    histria do municpio no foram encontrados registros sobre os caboclos.

  • 34

    de 28 de abril, com instalao em 14 de dezembro de 1964 e com unidade territorial

    demarcada em 254.014 Km. Para a formao do municpio, os distritos de Itapejara

    DOeste e Coxilha Rica foram desmembrados do municpio de Pato Branco e o distrito

    de Barra Grande foi desmembrado do municpio de Francisco Beltro. O municpio de

    Itapejara DOeste ficou ento constitudo por trs distritos: Itapejara DOeste (distrito

    sede), Coxilha Rica e Barra Grande (IBGE, 2015a).

    Em 1964, ano da criao do municpio, chega ao local o primeiro proco, Padre

    Narciso Zanatta, oriundo da Diocese de Vacaria, Rio Grande do Sul. Indivduo de

    bastante relevncia para o municpio, pois foi um batalhador para melhorar a situao de

    uma regio ainda pouco desbravada e com pouqussimos ou nenhum recurso. Em uma

    carta ao Bispo de Lages, Dom Agostinho Sartori, Padre Zanatta descreve a situao da

    parquia que assumiu e as atividades desenvolvidas:

    Por insistncia do saudoso bispo D. Carlos, aceitei a parquia de

    Itapejara dOeste. Cidade nova, sem estradas, sem escolas, sem

    comrcio, tudo por fazer... [...] Essa parquia fora oferecida aos

    franciscanos, aos palotinos, aos saletinos, aos belgas e outros. Todos a

    recusaram por no oferecer condies... Com a graa de Deus e a boa

    vontade do Conselho Paroquial e com a generosa colaborao dos

    paroquianos, em pouco tempo, foram realizadas obras de cunho

    religioso, assistencial e social. Basta lembrar a Assistncia Samaritana,

    para atendimento dos humildes e indigentes: O Ginsio Agrcola, o

    Grupo Escolar e outras escolas, postos-chaves para a estabilidade e

    desenvolvimento da cidade. Depois, a Igreja matriz, capelas, a

    inspetoria. Realizao de Semanas Ruralistas, misses e encontros. Luz

    eltrica para a cidade. [...] (BARBOSA, 1986, p. 109).

    Desta forma, Padre Zanatta foi um bravo incentivador, no apenas na questo

    religiosa, pois no mediu esforos para propiciar e mobilizar a populao de sua parquia

    para que tivessem acesso a servios ainda inexistentes como: educao, sade, assistncia

    social, assistncia aos agricultores14, servios de responsabilidade do gestor pblico.

    O municpio recm implantado passou por um processo de rpido povoamento e

    crescimento populacional. Isso descrito por Serena e Camargo (1968) no lbum

    Histrico de Itapejara DOeste:

    inegvel que Itapejara DOeste cresce a olhos vistos. Cada semana

    diferencia uma enormidade. [...] o comrcio que cresce

    assustadoramente. So as indstrias inmeras que ligam suas sirenes

    pelas manhs anunciando seus operrios mais um dia de labor. o

    colono, patrimnio vivo do municpio que com suas mos calejadas e

    14 Seu trabalho foi reconhecido em 1972 quando lhe foi conferido o ttulo de Cidado Benemrito do

    Municpio de Itapejara DOeste (BARBOSA, 1986, p. 109).

  • 35

    suor intenso traz o mantimento para a cidade (SERENA e CAMARGO,

    1968, sem pgina).

    Tal crescimento gerava grandes expectativas para o municpio, tanto que os

    autores chegam a denominar Itapejara DOeste como a Capital do Progresso. Neste ano

    de 1968, Serena e Camargo (1968) registram uma populao aproximada de 12.000

    habitantes, sendo que 1.500 localizados na zona urbana e 10.500 na zona rural.

    Porm, como os dados dos censos demogrficos demonstram na tabela abaixo, o

    ritmo de crescimento populacional total no se manteve. Por esses dados, o municpio

    comea a perder populao a partir de 199115, sendo o crescimento retomado a partir de

    2000.

    Tabela 1: Populao urbana, rural e total do Municpio de Itapejara DOeste

    ANO URBANA RURAL TOTAL

    1970* 2.146 7.929 10.075

    1980* 3.064 7.046 10.110

    1991* 3.909 5.136 9.045

    1996** 4.108 4.805 8.913

    2000* 4.961 4.201 9.162

    2010* 6.987 3.544 10.531

    2014*** ND**** ND 11.335

    *Fonte: IBGE (2015b), Populao nos Censos Demogrficos por situao do domiclio.

    ** Fonte: IBGE (2015a), Contagem Populacional.

    *** Fonte: IBGE (2015a), Populao Estimada.

    **** ND: Dados no disponveis.

    O que se mantm em crescimento o nmero da populao urbana, em detrimento

    da populao rural. Se em 1970, 78,69% da populao total estava na zona rural, em 2010,

    restam apenas 33,65% no campo. A partir do censo demogrfico do ano de 2000 registra-

    se a inverso da populao do municpio: de maioria rural para maioria urbana.

    Maycot (2001) registra que na gesto de Leonardo Gritti, 1997 a 2000, foram

    realizados investimentos macios visando o desenvolvimento do setor de indstria e

    comrcio, atravs da doao de terrenos, infraestrutura (gua, luz, calamento,

    terraplanagem, construo de barraces industriais) para que pequenos microempresrios

    instalassem seus negcios. Aponta tambm que, nesta gesto, houve a firmao de

    15 As matrculas escolares das comunidades em estudo comeam reduzir ainda no incio da dcada de 1980,

    o que pode ser um indcio de que alm da populao rural, a populao geral do municpio j estava em

    queda.

  • 36

    convnios com o governo estadual e com a iniciativa privada para subsidiar a implantao

    de indstrias de pequeno e mdio porte, destacando-se, nesse perodo, as negociaes

    para a construo do Frigorfico da Anhambi Agroindustrial Ltda.

    Com tais investimentos, possivelmente havia uma preocupao com o declnio

    acentuado da populao total que no ano de 1996 chegou a 8.913 habitantes. O

    desenvolvimento da indstria e do comrcio resultou na retomada do crescimento

    populacional de forma geral, mas no amenizou a queda da populao do campo.

    Embora a populao desse meio, desde o surgimento do municpio, tenha se

    mantido em declnio, a agropecuria, com destaque para a suinocultura, pecuria de leite

    e corte, avicultura de corte e postura e plantio de milho e soja, tem se mantido enquanto

    a principal fonte de renda econmica do municpio, representando 41% do Produto

    Interno Bruto (PIB) (ITAPEJARA DOESTE, 2006, p. 9). No ano de 2013, de acordo

    com IBGE (2015b)16, a pecuria municipal concentrava seus dados mais expressivos em:

    galinceos, bovinos, sunos e na produo de leite. Enquanto que a produo agrcola

    concentrava-se em: milho, soja, trigo e feijo.

    No decorrer dos anos, enquanto a populao do campo diminuiu,

    contraditoriamente a produo desses produtos aumentou17. Os trabalhadores que se

    mantiveram no campo esto em sua grande maioria produzindo mais. Se no incio da

    implantao do municpio os agricultores itapejarenses eram maioria da populao e

    cultivavam uma agricultura tradicional, na qual produziam para a subsistncia e o

    excedente era comercializado, isso no mais representa uma caracterstica predominante

    do campo atual de Itapejara DOeste. O que se tem uma populao reduzida no campo

    a cada censo demogrfico, mas com uma produo mais elevada de alguns produtos ou

    culturas.

    Como explicar esse processo de aumento de produtividade concomitante com a

    reduo contnua da populao do campo no municpio? E mais, qual a relao dessas

    transformaes no campo com o fechamento das escolas nesse meio em Itapejara

    DOeste?

    So questes que nos obrigam a extrapolarmos o contexto local e atual para

    encontrarmos as respostas, conduzindo-nos a situar Itapejara DOeste em um contexto

    maior de transformaes no campo, permeado pela lgica capitalista que adentra o campo

    brasileiro. Tais aspectos sero tratados nos prximos tpicos.

    16 Pesquisa Pecuria Municipal e Produo Agrcola Municipal. 17 Com exceo da criao de sunos que, em 1975, era muito maior que em 2013.

  • 37

    1.2 - A expanso do capitalismo no campo brasileiro a partir de 1950

    Neste item abordaremos as alteraes no campo brasileiro decorrentes da

    expanso do modo de produo capitalista nesse meio, a partir dos anos 1950. O intuito

    evidenciar a lgica capitalista no campo, a qual se faz presente tambm no campo de

    Itapejara DOeste, para que posteriormente possamos identificar sua determinao sobre

    o fechamento das escolas no campo.

    As transformaes que o campo brasileiro tem passado desde os anos 1950 no

    so naturais. Cercadas de um aparato ideolgico, foram forjadas e induzidas, com o aval

    do Estado, com o intuito de atingir os objetivos de acumulao capitalista, sobretudo dos

    pases de Primeiro Mundo, em detrimento dos interesses dos trabalhadores do campo.

    Nesse sentido, o campo brasileiro do qual discutiremos, desde a modernizao da

    agricultura at o atual agronegcio, um campo que est permeado pela lgica excludente

    do modo de produo capitalista mundial.

    Em se tratando do modo de produo em questo, faz-se pertinente salientar que

    uma de suas caractersticas fundamentais a transformao do trabalho em mero

    mecanismo de reproduo ampliada do capital. A classe capitalista utiliza-se do trabalho

    alheio, via explorao, para atingir seus objetivos de acumulao de riqueza.

    (BONAMIGO; SILVA, 2012, p. 131).

    Falar de um campo permeado pela lgica do capital significa tratar de processos

    de excluso, de explorao e expropriao a que foram e so submetidos os trabalhadores

    do campo, processos esses que embora de carter geral possuem caractersticas

    especficas.

    No sistema capitalista a explorao do trabalhador se efetiva, tipicamente, atravs

    de relaes assalariadas de trabalho. Assim a acumulao de riqueza garantida:

    [...] atravs do tempo de trabalho apropriado pelo capitalista e no pago

    ao trabalhador, o qual denominado de mais-valia, sobretrabalho ou

    trabalho excedente. Sem o mecanismo da mais-valia, o sistema

    sociometablico do capital no se reproduz e no se sustenta

    (BONAMIGO; SILVA, 2012, p. 132, grifos dos autores).

    Porm no Brasil, a expanso do capitalismo no campo ocorre a partir da

    coexistncia das tpicas relaes de trabalho assalariadas do sistema capitalista com

    relaes de trabalho no-assalariadas, o que demonstra que a expanso do capitalismo

    nesse meio no ocorre absolutamente, j que o capital no elimina totalmente o trabalho

  • 38

    familiar campons18, mas o transforma para que possa atender seus interesses

    (OLIVEIRA, 1994 apud ANTONIO, 2013, p. 39).

    Para Silva (1982), da mesma forma, as transformaes capitalistas na agricultura

    brasileira, ou seja, a expropriao do trabalhador, bem como sua explorao atravs da

    proletarizao, no se deu de forma completa e generalizada; ocorreram lentamente, por

    isso de forma dolorosa. Mas isso no significa uma fragilidade do capital em sua

    expanso na agricultura. Significa antes, uma forma especfica de domin-la. Em alguns

    poucos casos alguns produtos e regies se observa a extrao da mais-valia da forma

    clssica do capitalismo, ou seja, atravs do trabalho assalariado. Na maioria dos casos

    predominam pequenas unidades familiares, organizadas a partir do trabalho familiar,

    dependentes do mercado, seja para venda ou para compra de produtos. essa dependncia

    dos camponeses ao mercado que permite que lhe seja extrado seu excedente ou

    sobretrabalho (SILVA, 1982, p. 127).

    Isso significa que mesmo a partir de relaes de trabalho no-assalariadas os

    trabalhadores do campo so da mesma forma excludos, explorados e expropriados, pois

    o capital se apropria do seu sobretrabalho, como descreveremos mais adiante.

    Para entendermos porque o capital adentra no campo brasileiro, faz-se necessrio

    buscarmos explicaes mais globais. De acordo com Silva (1982, p. 21), a partir da

    evoluo do capitalismo de uma fase de livre concorrncia para uma fase de capitalismo

    monopolista (processo esse que ocorreu antes em alguns pases do mundo, como os da

    Europa ocidental e os Estados Unidos), o excedente econmico deixa de ser controlado

    por pequenos capitalistas e passa a ser controlado por poucas, mas grandiosas empresas,

    as multinacionais. Tais empresas, espalhadas pelo mundo fazem com que a economia dos

    pases perifricos reproduza as necessidades de acumulao de capital da economia do

    centro.

    [...] assim como a batida do corao repercute na artria mais distante,

    a periferia tem de pulsar no ritmo dado pelas necessidades da

    acumulao de capital do centro. E, medida que se estreitou a

    solidariedade das naes perifricas com o capitalismo internacional,

    via multinacionais, as economias perifricas se tornaram,

    necessariamente, reflexas (SILVA, 1982, p. 21, aspas do autor).

    18 Compreendemos o sujeito campons, de modo geral, como o pequeno agricultor que tem sua terra como

    terra de trabalho, tendo-a como fonte principal de subsistncia, utilizando-se da fora de trabalho familiar

    e comercializando os excedentes de sua produo. Constituem um modo de vida e trabalho especficos,

    podendo ser pequenos proprietrios, sem terras, posseiros, proletrios do campo, entre outros

    (BONAMIGO, 2007; RIBEIRO, 2010 apud BONAMIGO; SILVA, 2012, p. 128. grifos dos autores).

  • 39

    Segundo Silva (1982, p. 46), no final dos anos 1950 e 1960 o Brasil passa por um

    processo denominado de industrializao pesada. Neste processo, o campo includo,

    pois no final da fase de expanso desse ciclo se instalam no pas indstrias de insumos

    agrcolas (principalmente mquinas agrcolas, fertilizantes qumicos, raes,

    medicamentos veterinrios, entre outros).

    a prpria necessidade de expanso da industrializao do pas que produz o

    processo denominado por Silva (1982, p. 47) de industrializao da agricultura ou para

    Carvalho (2005, p. 207) intercmbio entre agricultura e indstria.

    Se a agricultura at ento, mesmo nas grandes fazendas, era caracterizada por uma

    autossuficincia19, fator esse que, na viso da indstria em sua fase inicial no pas freava

    o desenvolvimento industrial, precisava ser transformado para atender s necessidades de

    industrializao (SILVA, 1982, p. 47).

    Carvalho (2005, p. 207) tambm adepto dessa viso de que o paradigma

    produtivo baseado na produo para o autoconsumo no favorecia a continuidade e o

    aumento na obteno do lucro das agroindstrias que se desenvolveram a partir de 1960,

    elemento fundamental para o avano do capital. Nesse sentido, a transformao dos

    pequenos agricultores em foras industriais possibilitaria aumentar o lucro atravs da

    explorao da mais-valia.

    Logicamente que isso no foi exposto s claras. De acordo com Silva (2004, p.

    20), a partir de 1950, a modernizao da agricultura brasileira passou a ser discutida

    politicamente como soluo para o atraso econmico do pas. Este seria causado pela

    agricultura at ento caracterizada por relaes sociais arcaicas e pela misria da grande

    maioria dos trabalhadores. Para Silva (2004, p. 20),

    A modernizao era identificada ao desenvolvimento, cidade,

    industrializao. O Brasil era visto, na realidade, como sendo dois

    Brasis: o moderno, correspondente ao urbano, e o atrasado,

    correspondente ao rural.

    Visando o aumento da produo de excedentes para exportao, a liberao de

    capital e mo-de-obra e, portanto, modernizar a agricultura brasileira, foi adotado o

    modelo tecnolgico denominado de Revoluo Verde (CARVALHO, 2005, p. 229).

    19 Antes as fazendas produziam quase tudo o que era necessrio atividade produtiva: os adubos, os

    animais e at mesmo alguns instrumentos de trabalho, bem como a prpria alimentao dos trabalhadores.

    Aps a industrializao, os adubos so produzidos pela indstria de adubos, parte dos animais de trabalho

    foram substitudos pelas mquinas produzidas pela indstria de mquinas e equipamentos agrcolas, e os

    alimentos dos trabalhadores so comprados nas cidades (SILVA, 1982, p. 62).

  • 40

    Esse modelo, difundido em diversos pases do mundo a partir de 1950, sob um

    discurso ideolgico de valorizao do progresso e de eliminao da fome e da pobreza

    atravs do aumento da produo de alimentos, foi apoiado pelas grandes empresas

    multinacionais e amplamente incentivado, induzido e amparado pelo Estado Militar

    (BONAMIGO; SILVA, 2012). Um modelo concebido como um pacote tecnolgico,

    constitudo por insumos qumicos, sementes de laboratrio, irrigao, mecanizao e

    grandes extenses de terra (PEREIRA, 2013, p. 685).

    O intuito principal desse modelo consistia em substituir a forma em que se fazia

    o uso dos ambientes na agricultura: de uma forma extensiva (cultivar a terra de acordo

    com suas capacidades produtivas naturais) para uma forma intensiva (controlar as

    limitaes ambientais atravs do uso desses insumos agrcolas modernos) (CARVALHO,

    2005, p. 232).

    De acordo com Alentejano (2013), esse modelo agrcola da revoluo verde

    supunha, portanto, a artificializao e adequao dos ambientes ao padro mecnico-

    qumico da agricultura moderna, alm disso, a padronizao da agricultura em detrimento

    da diversidade ambiental e a imposio de padro alimentar que atendesse s grandes

    corporaes agroindustriais (ALENTEJANO, 2013, p. 478).

    Alentejano (2013) tambm destaca o papel fundamental do Estado para

    impulsionar o processo de modernizao da agricultura brasileira. Este forjou as

    condies para a internalizao da produo de mquinas e insumos para a agricultura;

    implantou um sistema de pesquisa e extenso rural20 em favor de tal processo, utilizou-

    se de meios para a difuso das tcnicas modernas aos agricultores21; e forneceu as

    condies financeiras para viabilizar esse processo (ALENTEJANO, 2013, p. 478).

    Esse conjunto de aes, auxiliado tambm pelos meios de comunicao, culminou

    no que Alentejano (2013, p. 480) denominou de imposio ideolgica da

    modernizao. Na medida em que convenceu os agricultores, no caso os camponeses,

    de que as tcnicas modernas de produzir eram melhores do que as tradicionais, alm de

    expropriar-lhes economicamente, tambm os expropriou do saber, tornando-os

    dependentes, uma vez que no mais dominam as tcnicas e processos produtivos.

    20 Alentejano (2013) cita a criao da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (EMBRAPA), em

    1972, a qual realizou vrias pesquisas para adaptao de variedades ao clima brasileiro). 21 Alentejano (2013) cita a ampla assistncia tcnica, bem como a difuso das tcnicas modernas aos

    agricultores atravs de tcnicos agrcolas, agrnomos, veterinrios e extensionistas rurais. Cita tambm a

    criao da Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (EMBRATER), em 1974,

    responsvel por padronizar as prticas de assistncia tcnica e extenso rural.

  • 41

    As transformaes que atingem a agricultura brasileira passam a se caracterizar

    pela sua subordinao crescente ao setor industrial como compradora de certos insumos

    industriais e vendedora de matria-prima para a indstria (SILVA, 1982, p. 62). Ao

    tornar-se dependente da indstria para comprar os insumos industriais necessrios

    produo, o pequeno produtor tem seu custo de produo aumentado e ainda depara-se

    com preos dos produtos para venda controlados por um mercado de poucos compradores

    (BALSAN, 2006).

    Por que, ento, os pequenos agricultores se integraram indstria? Como

    veremos, estes encontraram-se em uma situao que, para continuarem existindo, no

    tinham como evitar. Fleischfresser (1988), ao analisar o processo de modernizao mais

    precisamente nos anos 70, afirma que embora tenha sido um processo seletivo, ele

    difundiu-se gradualmente entre os produtores rurais:

    [...] isso porque, aps a introduo dessa tecnologia, induzida ou no,

    h quase uma certa obrigatoriedade de seu uso entre os produtores