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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus Rio Claro COLÔNIA POLONESA E O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DE CURITIBA: IMPACTOS ESPACIAIS DA MODERNIDADE Sylvio Fausto Gil Filho Orientação: Profª Drª Helena Köhn Cordeiro Profª Drª Silvana Pintaudi. Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Curso de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Rio Claro (SP) 1994 ii AGRADECIMENTOS Firmo o registro de agradecer a Profª Drª Helena Köhn Cordeiro por envidar os maiores esforços na orientação deste trabalho de pesquisa, assim como o incentivo e apoio em momentos cruciais de sua realização. Reconheço com gratidão a continuidade do trabalho de orientação realizado pela Profª Drª Silvana Pintaudi que com a maior boa vontade encaminhou a fase final desta dissertação, fato este motivado pela grande perda que foi o falecimento da Profª Drª Helena Köhn Cordeiro no início de 1994. Cumpro o dever também de reconhecer a organização e competência da Coordenação de Pós-graduação do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP/ campus Rio Claro na figura de seus professores e funcionários em fornecer toda a infraestrutura necessária ao pleno desenvolvimento do curso. Cabe lembrar a concessão da bolsa de estudo e amparo a pesquisa fornecida pela CAPES sem a qual a conclusão do curso estaria comprometida. Devo destacar a atenção dos colegas: Prof Nilson Antonio de Morais (IAP), Nora Thaerzadeh (IAP), a historiadora Neda Mohtadi Doustdar (IPARDES), o companheiro de curso Prof. Paulo Roberto Rodrigues Soares (Departamento de Geociências da FURG), Débora Novas (estagiária de Geografia do IAP), Prof Henrique

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Instituto de Geociências e Ciências Exatas

    Campus Rio Claro

    COLÔNIA POLONESA E O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DE

    CURITIBA:

    IMPACTOS ESPACIAIS DA MODERNIDADE

    Sylvio Fausto Gil Filho

    Orientação: Profª Drª Helena Köhn Cordeiro Profª Drª Silvana Pintaudi.

    Dissertação de Mestrado apresentada junto ao Curso de Pós-Graduação em Geografia - Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Mestre em Geografia.

    Rio Claro (SP)

    1994

    ii

    AGRADECIMENTOS

    Firmo o registro de agradecer a Profª Drª Helena Köhn

    Cordeiro por envidar os maiores esforços na orientação deste

    trabalho de pesquisa, assim como o incentivo e apoio em momentos

    cruciais de sua realização.

    Reconheço com gratidão a continuidade do trabalho de

    orientação realizado pela Profª Drª Silvana Pintaudi que com a

    maior boa vontade encaminhou a fase final desta dissertação,

    fato este motivado pela grande perda que foi o falecimento da

    Profª Drª Helena Köhn Cordeiro no início de 1994.

    Cumpro o dever também de reconhecer a organização e

    competência da Coordenação de Pós-graduação do Instituto de

    Geociências e Ciências Exatas da UNESP/ campus Rio Claro na

    figura de seus professores e funcionários em fornecer toda a

    infraestrutura necessária ao pleno desenvolvimento do curso.

    Cabe lembrar a concessão da bolsa de estudo e amparo a pesquisa

    fornecida pela CAPES sem a qual a conclusão do curso estaria

    comprometida.

    Devo destacar a atenção dos colegas: Prof Nilson Antonio

    de Morais (IAP), Nora Thaerzadeh (IAP), a historiadora Neda

    Mohtadi Doustdar (IPARDES), o companheiro de curso Prof. Paulo

    Roberto Rodrigues Soares (Departamento de Geociências da FURG),

    Débora Novas (estagiária de Geografia do IAP), Prof Henrique

  • iii

    Firkowski (Departamento de Geociências da UFPR) e aos

    companheiros de trabalho do Departamento de Geografia da UFPR.

    Em especial agradeço o apoio da Profª Ana Helena Corrêa

    de Freitas Gil (Escola Técnica da UFPR) minha querida esposa, ao

    grande amigo e velho companheiro Hercílio Josef pela ajuda com a

    tradução do Resumo para o inglês e ao meu sobrinho Daniel de

    Freitas Channe responsável pelo trabalho gráfico da maioria dos

    cartogramas.

    iv

    RESUMO

    Esta dissertação sob o título de Colônia Polonesa e o

    Processo de Metropolização de Curitiba foi construída a partir das questões relativas a identificação de relações presentes no processo de reestruturação espacial a antiga Colônia Polonesa de Tomás Coelho no município de Araucária em face às transformações da Região Metropolitana de Curitiba (PR), assim como a verificação dos padrões de modernidade envolvidos neste processo. Partimos do pressuposto que o choque existente entre o espaço de produção tradicional e o espaço de produção moldado pelo capitalismo industrial monopolista representam o cerne desta realidade. Neste contexto elaboramos a hipótese de que as características tradicionais da Colônia Polonesa sofreram impactos devido ao processo urbano-industrial responsável pela marginalização do núcleo colonial e sua desarticulação. Para implementar a nossa análise partimos da configuração de estrutura espacial baseada em SANTOS (1985) e o conflito entre o tradicional e o moderno com base em LIPIETZ (1988). No que tange as aspectos intrínsecos à Colônia tomamos como base principal os estudos de WACHOWICZ (1976 - 1981). Quanto aos procedimentos metodológicos buscamos duas dimensões na coleta de dados: a primeira em relação a própria colônia em que foi utilizado uma amostragem de 20 (vinte) propriedades em levantamento realizado pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) em 1985 pouco antes da inundação destas terras por causa da construção da Barragem do Rio Passaúna; em segundo lugar coletamos dados relativos a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) através da análise do Plano de Desenvolvimento Integrado da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) e os dados de desempenho econômico dos setores da economia da RMC que referendaram a dinâmica urbano-industrial da região coletados da Secretaria da Fazenda do estado do Paraná. De acordo com os procedimentos adotados concluímos que o solo que pertencia a Colônia está sendo ocupado pelo setor industrial e o próprio avanço da malha urbana. Evidencia-se o fato de que a marginalização econômica da Colônia e sua tradução territorial comprovam as hipóteses levantadas. A perpetuação do tradicionalismo por parte dos colonos poloneses marcou uma profunda ruptura com a natureza do sistema capitalista hodierno e suas estruturas espaciais. Houve a consumação de um processo de desarticulação espacial da Colônia Polonesa de Tomás Coelho que não se apresenta como caso isolado porém, como as próprias incongruências do sistema hegemônico.

  • v

    ABSTRACT

    This essay under the title of Poland Colony and the Metropolization Process of

    Curitiba was built from the questions related to identifications of relations present in the spatial restructuration of the old Poland Colony of the Metropolitan Region of Curitiba (Pr), in that way like the verification of the modernity patterns involved in this process. We begin buy the standing of the hypothesis that the chock existing between the space of industrial and monopolist capitalism represents the main of this reality. In this context we elaborate the hypothesis that the traditional characteristics of the Poland Colony suffered impacts due to the urban industrial process responsible buy marginalization of the colonial centre and its desarticulation. To implement our analysis we start from the configuration of spatial structure based in SANTOS (1985) and conflict between the traditional and the modern based in LIPIETZ (1988). In which refers to intrinsical aspects to the Colony we take as main base the studies of WACHOWICZ (1976-81). Talking about the methodological procedures we search two dimensions in collecting information: the first relative to the own colony in which was utilised a sample of 20 (twenty) properties in collecting information it was made by Paraná Institute of Economical and Social Development (IPARDES) in 1985 before the flood of these land because of the construction barrage Passaúna river ; in the second place we collected information related to the Metropolitan Region of Curitiba (RMC) we what concerns the analysis of the Development and Integrated Plan of Coordination of Metropolitan Region of Curitiba (COMEC) and the economical performace of the sectors of the economy of the RMC which confirmed the dynamic of the urban industrial of the region collected from the Financial Secretary of the State of Paraná. According to the procedures adopted we conclude that the ground which belonged to the Colony is being occupied by the industrial sector and the own advance of the urban area. It’s evident the fact that the economical marginalization of the Colony and it’s territorial effect comprove the hypothesis. The perpetuation of traditionalism by the polish colonisers marked a deep rupture with the nature of the modern capitalist system and it’s spatial structures. There was the consummation of a process of spatial desaticulation of the Poland Colony of Tomás Coelho which does not present itself as an isolated case never the less like the own incongrucies of hegemonic system.

    vi

    SUMÁRIO

    Introdução___________________________________________________________________i Apresentação da Problemática ______________________________________________________ 5

    Bases Teóricas _____________________________________________________________ 13

    Revisão Bibliográfica sobre a colônia polonesa de Tomás Coelho_____________________ 27

    Procedimentos Metodológicos _________________________________________________ 28

    Capítulo 01 __________________________________________________________________

    Modernidade e Reestruturação do Espaço da colônia de Tomás Coelho ________________ 34

    Capítulo 02 __________________________________________________________________

    Sociedades Tradicionais: Resistência e Modernidade_______________________________ 55

    Capítulo 03 __________________________________________________________________

    Processo de Metropolização de Curitiba e a Organização do Espaço da Colônia Tomás Coelho ____________________________________________________________________ 78

    3.1 O Processo de Urbanização no Brasil ____________________________________________ 78

    3.2 O Processo de Metropolização de Curitiba _______________________________________ 84

    3.3 Estrutura do Espaço da Colônia Polonesa de Tomás Coelho ________________________ 118

    CAPÍTULO 04 _______________________________________________________________

    Caracterização da Área de Pesquisa e Amostragem _______________________________ 157

    CAPÍTULO 05 _______________________________________________________________

    Tomás Coelho, Modernidade, Resistência e Marginalidade _________________________ 167

    À Guisa de Conclusão ______________________________________________________ 176

    Referências Bibliográficas ___________________________________________________ 179

    Bibliografia _______________________________________________________________ 192

  • vii

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    BADEP - BANCO DE DESENVOLVIMENTO DO PARANÁ

    CIAR - CENTRO INDUSTRIAL DE ARAUCÁRIA

    CIC - CIDADE INDUSTRIAL DE CURITIBA

    COMEC - COORDENAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

    COPEL - COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA

    DNOS - DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS E SANEAMENTO

    IAP - INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ

    IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

    IPARDES - INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

    SOCIAL

    IPPUC - INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO DE CURITIBA

    ITCF - INSTITUTO DE TERRAS, CARTOGRAFIA E FLORESTAS

    PDI - PLANO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO DA RMC

    PETROBRÁS - PETRÓLEO DO BRASIL SOCIEDADE ANÔNIMA

    PLAMEC - PLANO METROPOLITANO DA RMC

    PMA - PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAUCÁRIA

    REPAR-REFINARIA PETROLÍFERA DE ARAUCÁRIA OU REFINARIA PRESIDENTE

    GETÚLIO VARGAS

    RMC - REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

    SANEPAR - COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ

    SEDU - SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO URBANO E MEIO

    AMBIENTE DO PARANÁ

    SINPAS/FUNRURAL - SISTEMA NACIONAL DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA

    SOCIAL / FUNDO RURAL

    SUREHMA - SUPERINTENDÊNCIA DOS RECURSOS HÍDRICOS E MEIO AMBIENTE

    DO ESTADO DO PARANÁ

    TELEPAR - TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ SOCIEDADE ANÔNIMA

    viii

    LISTA DE TABELAS

    01 POPULAÇÃO URBANA DOS MUNICÍPIOS DA RMC ENTRE 1940 E 1991.................88

    02 POPULAÇÃO POLONESA NO PARANÁ POR COLÔNIA EM 1884.............................. 125

    03 NÚCLEOS COLONIAIS POLONESES NA REGIÃO METROPOLITANA DE

    CURITIBA............................................................................................................................. 127

    04 COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO DE TOMÁS COELHO EM 1877 SEGUNDO

    ORIGEM ÉTNICO-CULTURAL.......................................................................................... 128

    05 PRODUÇÃO DOS 792 ESTABELECIMENTOS AGRÍCOLAS DO MUNICÍPIO DE

    ARAUCÁRIA EM 1920 ........................................................................................................ 130

    06 PROPRIEDADES AGRÍCOLAS NO PARANÁ POR CATEGORIA EM HECTARES NO

    ANO DE 1920........................................................................................................................ 136

    07 DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS ENTRE OS PROPRIETÁRIOS DE TOMÁS COELHO NO

    MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA NO ANO DE 1987. ........................................................... 156

    08 CONDIÇÃO DE POSSE E ÁREA DO IMÓVEL EM TOMÁS COELHO NO MUNICÍPIO

    DE ARAUCÁRIA NO ANO DE 1987 ............................................................................... .. 159

    09 ESTRUTURA ETÁRIA DA POPULAÇÃO AMOSTRA DE TOMÁS COELHO NO

    MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA NO ANO DE 1987.............................. ............................. 160

    10 SITUAÇÃO OCUPACIONAL DOS HABITANTES DE TOMÁS COELHO NO

    MUNICÍPIO DE ARAUCÁRIA NO ANO DE 1987. ......................................... ................. 165

  • ix

    LISTA DE FIGURAS

    01 REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA —ESTADO DO PARANÁ 1975.. ........ .... 02

    02 TOMÁS COELHO: LIMITES ORIGINAIS...... ................................................ .................... 21

    03 REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1992.... .......................................... ............ 23

    04 ARAUCÁRIA - LIMITES POLÍTICO — ADMINISTRATIVOS............... ......................... 46

    05 TOMÁS COELHO: DISTRIBUIÇÃO DE LOTES........... .......................................... .......... 65

    06 REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1989........... ...................................... .......... 84

    07 EXTENSÃO DAS ÁREAS URBANAS DA RMC ENTRE 1953 E 1976 - MUNICÍPIOS

    SELECIONADOS..................................................................................................... .............. 86

    08 ARAUCÁRIA - QUADRO URBANO......................... ................................................. ........ 91

    09 CENTRO INDUSTRIAL DE ARAUCÁRIA............ ............................................. ............... 94

    10 ÁREA URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1955..................... .. 97

    11 ÁREA URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1965..... .................. 98

    12 ÁREA URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1975...................... . 99

    13 ÁREA URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA 1985..................... 100

    14 EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO RELATIVA NO VALOR ADICIONADO POR

    SETOR DA ECONOMIA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA SOBRE O

    TOTAL DO ESTADO DO PARANÁ 1975/1986................... ........................................... .. 107

    15 PARTICIPAÇÃO DOS SUBSETORES NA COMPOSIÇÃO DO VALOR ADICIONADO

    NO ESTADO DO PARANÁ EM 1975..................... ................................................... ........ 108

    16 PARTICIPAÇÃO DOS SUBSETORES NA COMPOSIÇÃO DO VALOR ADICIONADO

    DO ESTADO DO PARANÁ EM 1980...................... ................................................... ....... 109

    x

  • INTRODUÇÃO

    Em meados dos anos 80 manchetes como: "Colônia de

    Poloneses pode Morrer" (Jornal do Estado 07 de fevereiro de

    1984 ) ou "A Morte Líquida" ( Folha de Londrina 24 de abril de

    1985 ) demonstravam a preocupação e certa perplexidade dos meios

    de comunicação em massa do Paraná sobre o destino da cultura

    imigrante polonesa tradicional do Estado.

    No centro desta polêmica residia o fato da eminente

    inundação de uma parcela considerável das propriedades que

    constituíam a colônia agrícola original de Tomás Coelho,1 em

    conseqüência da construção da barragem de captação de água do

    rio Passaúna, implementada pelo Governo Federal, a fim de

    abastecer a Região Metropolitana de Curitiba (fig. 01 p. 02).

    O Projeto do Passaúna decorreu de estudos desenvolvidos

    sobre a necessidade de água tratada na área metropolitana de

    Curitiba. O pleno aproveitamento dos recursos hídricos depende

    da formação de reservas para compensar a diminuta vazão dos rios

    1A origem do núcleo colonial remonta a meados do século XIX. A crise do sistema fundiário brasileiro desencadeado pela escassez de mão-de-obra e alta de preços dos gêneros alimentícios fez com que o então presidente da Província do Paraná, Lamenha Lins, implementasse um projeto de assentamento de colonos europeus nos arredores da capital da província, com base na experiência obtida em outras colônias e no intuito de suprir Curitiba da carência de produtos alimentícios. Tomás Coelho distinguia-se de outras colônias implantadas no Brasil, onde os colonos não tinham a posse da terra que trabalhavam. No caso de Tomás Coelho o assentamento baseava-se na pequena propriedade e assim foram estabelecidos 270 lotes com uma área estimada em 1665,4 hectares, localizadas à 17 Km da capital.

    2

    FIGURA: 01

    REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 1975

  • 3

    existentes na região, formadores de bacias hidrográficas nas

    suas nascentes. A construção da barragem foi atribuição do

    Governo Federal através do DNOS. A desapropriação da área ficou

    a cargo do Governo Estadual. O acordo foi definido em 1977,

    porém somente em 1982 começou a ser realizado.

    Segundo o Plano Diretor de Abastecimento de Água e

    Controle de Poluição da Região Metropolitana de Curitiba de 1976

    houve a indicação do rio Passaúna como reserva para o

    abastecimento de água para a região, com vazão regularizada em

    2,2 m³/s. Já em 1977 recomendaram 3,0 m³, levando em conta a

    vazão média de 3,25 m³/s de longo período no local da barragem.

    Em 1980 outros estudos desenvolvidos fixaram um volume útil de

    48 x 10Å m³, delimitados entre o nível mínimo de 879,5 m e o

    nível normal de 887,2 m ( Plano Geral de Água/Esgoto da Região

    Metropolitana de Curitiba - SANEPAR ).

    Embora as controvérsias entre os relatórios hidrológicos,

    a obra foi declarada de utilidade pública através do Decreto

    4291 de dezembro de 1977, tendo sido desapropriados 10.000 m² de

    terras na bacia do rio Passaúna. Com o término do prazo do

    Decreto anterior, novo Decreto é sancionado, o de número 3031 de

    junho de 1984. Este novo decreto corrobora o primeiro e

    recomenda urgência para a formação do reservatório de água.

    O Governo do Estado acionou os órgãos auxiliares,

    autorizando a SUREHMA, a realizar as desapropriações e ao ITCF,

    hoje reunidos sob a denominação de IAP, para elaborar a

    4

    demarcação das terras a serem inundadas a partir da cota de 892

    m, acima do proposto pelo levantamento de 1980.

    Houve necessidade, para garantir a qualidade da água, da

    remoção da cobertura vegetal da área de cota 873 m

    correspondente ao futuro lago artificial. No levantamento

    preliminar foi estabelecido que seriam desapropriadas 179

    propriedades.

    Mesmo antes das devidas indenizações serem efetivamente

    realizadas a empreiteira contratada pelo Governo Federal invadiu

    a área. A ação inábil do Governo Estadual no pagamento das

    indenizações geraram protestos e revolta por parte dos colonos

    poloneses atingidos. Esta realidade foi o marco da

    desarticulação final de Tomás Coelho no que tange a sua

    existência e identidade cultural.

    Este contexto é o clímax de vários impactos de tradução

    espacial imediata que a colônia polonesa sofreu no seu processo

    espaço-temporal que justificam vários estágios de mudança.

    Ao nos reportarmos ao estudo dos impactos na

    reestruturação do espaço do núcleo colonial o nosso interesse

    pelo tema foi decisivamente estimulado.

    Assim, no ano de 1985, na iminência da formação do lago

    artificial da represa do rio Passaúna, desenvolvemos um trabalho

    de pesquisa a nível de graduação, com o objetivo de estudar

    aspectos relativos a cultura polonesa ali radicada. No âmbito da

    Geografia Humanista-Cultural escolhemos então a estruturação

  • 5

    do espaço mítico e sagrado como objetivo fundamental da

    pesquisa.

    No ano de 1989 retomamos os estudos sobre o núcleo

    colonial porém, sob nova abordagem, na tentativa de explicar o

    impacto da lógica industrial estimulada pela implantação da

    refinaria de petróleo REPAR, a partir da década de 70, que

    estava redimensionando o caráter tradicional da colônia.

    Caracterizando a lógica industrial no município de Araucária e

    Curitiba buscávamos explicar o avanço espacial deste fato em

    detrimento ao espaço tradicional da Colônia Polonesa de Tomás

    Coelho.

    Esta segunda monografia a nível de especialização

    provocou uma série de questões não respondidas. Havia de fato a

    consumação de um processo de reestruturação espacial, ao qual

    cabia uma análise mais aprofundada, além dos limites endógenos

    ao núcleo colonial.

    A meta do presente estudo é retomar essas questões e

    junto a outras, o que envolve o impacto de padrões de

    modernidade, recuperar a análise em uma nova dimensão: o patamar

    da nova realidade sob uma visão diacrônica da estruturação do

    espaço.

    APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA

    Nesta dissertação dois aspectos se interpõem para a

    compreensão dos seus fundamentos: de um lado o aspecto que tange

    6

    ao reconhecimento do caráter tradicional do núcleo colonial ou

    seja, sociedade cujo vínculo essencial é a tradição (ELIADE,

    1972) cujas características específicas são destacadas nos

    estudos de WACHOWICZ (1976/1981); KERSTEN (1983) e DOUSTDAR

    (1990).

    A produção perpetua-se nos moldes ancestrais com

    resistências acirradas ou esparsas às inovações tecnológicas e a

    padrões de modernidade. Entendemos por padrão cultural as

    especificidades que delineiam uma tradição cultural transmitida

    através das gerações com características próprias de

    conhecimento, valor e moral. Interessa-nos salientar que esta

    realidade compõe um corpo cristalizado na construção da

    sociedade no que se refere ao modo como se organiza no espaço

    geográfico.

    De outro lado, não menos importante, refere-se ao

    entendimento dos denominados padrões de modernidade.

    Reconhecemos modernidade como um todo constituído de uma força

    autônoma: a tecnologia, em última análise, responsável pela

    operacionalidade, difusão e evolução do sistema (SANTOS, 1985).

    Sob este prisma os fenômenos de urbanização e industrialização

    perpassam as diversas instâncias do espaço total ora difundindo,

    gerando ou resistindo, em termos de processos aos padrões de

    modernidade.

    A síntese que se apresenta através do impacto de novas

    tecnologias, a partir de novas formas de produção inerentes ao

    sistema capitalista, nega a dicotomia tradicional/moderno. A

  • 7

    negação resultante deste conjunto de processos é a metamorfose

    da organização espacial.

    O processo de modernização, em que fluem os padrões de

    modernidade, atinge a organização espacial perpassando as

    diversas instâncias da sociedade.

    O espaço apresenta formas cristalizadas de momentos de

    produção econômica diferenciados no plano histórico. O espaço

    apresenta-se como mosaico de estruturas construídas em

    diferentes períodos históricos (SANTOS, 1982).

    No entanto, cabe ressaltar que esta reestruturação do

    espaço ocorre em uma seqüência de momentos históricos e é

    assimilada pela superestrutura política e cultural em períodos

    não sincrônicos. No que tange ao caráter cultural dos núcleos

    coloniais o padrão de modernidade é quase um arquétipo de

    renovação a nível superestrutural.

    Contextualizando os impactos espaciais relevantes ao

    processo de modernização podemos obter uma visão mais adequada

    dos mecanismos, segundo os quais ocorrem novos arranjos

    espaciais. O locus central de assimilação destes impactos são os

    sistemas metropolitanos. Os núcleos coloniais limítrofes ou

    presentes nos sistemas metropolitanos interagem com os impactos

    de novos padrões de modernidade.

    A partir deste contexto indagamos:

    8

    a) Quais são as relações existentes na reestruturação do

    espaço do núcleo colonial polonês de Tomás Coelho em face às

    transformações da Região Metropolitana de Curitiba?

    b) Qual a ação dos agentes dos padrões de modernidade no

    processo de reestruturação do espaço da colônia polonesa de

    Tomás Coelho?

    A partir desta preocupação definimos os seguintes

    objetivos específicos:

    1 - Caracterizar a estrutura espacial do núcleo colonial

    polonês de Tomás Coelho, enquanto parte integrante do sistema

    metropolitano de Curitiba, no decorrer do seu processo

    histórico.

    2 - Identificar o processo e os elementos dos padrões de

    modernidade a partir dos anos 70 presentes no sistema

    metropolitano de Curitiba.

    3 - Selecionar os agentes dos padrões de modernidade

    relevantes na reestruturação recente do espaço do núcleo

    colonial polonês de Tomás Coelho.

  • 9

    Para situar o objeto de pesquisa, assumimos o pressuposto

    de que o choque existente entre o espaço de produção tradicional

    e o espaço de produção moldado pelo capitalismo industrial

    monopolista representa a síntese mais adequada da realidade

    espacial. Acreditamos que esta abordagem supera não apenas a

    clivagem tradicional/moderno, mas também a dicotomia

    cidade/campo. Esta superação de caráter conceitual percebe a

    organização espacial diferenciada, primordialmente sob o ponto

    de vista da produção antes que pela organização social (MITRANY,

    1957).

    1ª Hipótese

    Assim, levantamos a primeira hipótese:

    As características tradicionais do núcleo colonial

    polonês em questão sofreu impactos devido ao processo urbano-

    industrial da Região Metropolitana de Curitiba o que resultou na

    sua desarticulação.

    Entre outros fatores, a recriação e a desarticulação do

    Núcleo Colonial Polonês estão afetos ao avanço territorial da

    lógica urbano-industrial que se contrapõem à lógica camponesa

    tradicional.

    10

    2ª Hipótese

    Considerando o processo mencionado explicitamos a segunda

    hipótese:

    A desarticulação recente do núcleo colonial polonês de

    Tomás Coelho e a reestruturação do espaço socioeconômico

    demonstram uma marginalização da colônia imigrante em relação ao

    processo de modernização.

    Concomitante ao processo de marginalização podemos

    diagnosticar também a dissolução do caráter fechado da sociedade

    colonial imigrante em relação ao macro contexto metropolitano

    através do processo de descaracterização cultural.

    Integramos, em nossa análise, a produção do espaço à

    questão cultural. Para tanto cabe ressaltar alguns aspectos

    distintivos das sociedades tradicionais:

    (i) O espaço sociocultural de caráter tradicional rompe

    com a tendência de homogeneização do sistema capitalista

    moderno, reforçando o contraste que permite reconhecê-lo.

    (ii) A projeção da cultura na organização do espaço

    revela-se como um pólo de referência. O espaço torna a cultura

    algo legível e neste ponto passa a ser o plano de execução das

    formas representativas da organização social.

    (iii) No que se refere às sociedades arcaicas, a

    organização social é como um espelho de projeções culturais da

  • 11

    práxis da tradição e do modo como a produção econômica se

    realiza.

    (iv) A tradição além de dar razão de ser à vida ordenada

    em sociedade, transcende esta aparência e atinge a consciência e

    concretude do estilo de vida. A tradição viva se realiza na

    dinâmica social, como uma gama de escolhas excludentes. Ou seja,

    a práxis social de tarefas, a visão e a classificação do mundo

    são reproduzidas sob regras fixas (MATTA, 1981). Regras fixas

    estabelecidas dentro de uma forma de temporalidade e

    concretizadas em formas espaciais configuram-se como obstáculos

    à reprodução dos padrões de modernidade. Consideramos a tradição

    como elemento determinante da variável cultural e ideológica,

    principalmente na realidade dos núcleos coloniais poloneses.

    No que tange ao nosso objeto de pesquisa o embate entre

    lógicas distintas do sistema capitalista nos remete a

    possibilidade de sucessivos níveis de equilíbrios

    organizacionais.

    Ao visualizar a Metrópole como estrutura podemos ressaltar que o ajustamento das diversas instâncias do espaço metropolitano sofrem um processo de interações nos diversos níveis: econômico, político/administrativo , cultural/ideológico e territorial que justificam os estágios de equilíbrio de sua existência (SANTOS, 1988). O novo arranjo espacial desenvolvido em cada fase sofre várias disfunções e quando nos referimos a um Núcleo Colonial como parte desta estrutura não olvidamos suas especificidades.

    12

    Levando em conta a exposição anterior consideramos que a

    reestruturação do espaço do núcleo colonial polonês de Tomás

    Coelho foi realizada no plano histórico através de sucessivos

    patamares de equilíbrio espaço-organizacionais da metrópole que

    referendam a situação atual.

    No âmbito político e cultural o processo de modernização

    é reproduzido pelos agentes hegemônicos. No entanto, a sua

    assimilação pela sociedade é diferenciada. Aceleram-se em

    contrapartida os processos de modernização incompletos. A

    disparidade e a seletividade com que os processos de

    modernização atuam, acentuam o empobrecimento e a segregação

    territorial (SANTOS, 1988 b).

    Todavia a dialética de modernidade/tradicionalismo,

    evolução/involução reagem de modo especial em sociedades de

    vínculos sociais e territoriais mais radicais devido às

    características culturais próprias.

    Podemos identificar duas formas de ação dos agentes dos

    padrões de modernidade em relação às sociedades arcaicas: a) Sob

    um aspecto o fato dos vínculos socioculturais serem mais fortes,

    podem configurar uma resistência tenaz a qualquer forma de

    inovação tecnológica que comprometa a estrutura social

    tradicional vigente; b) por outro lado, pode ocorrer que a

    própria configuração social facilite a assimilação e reprodução

    de novos padrões de modernidade.

  • 13

    A realidade dos núcleos coloniais poloneses revela a

    reprodução dos padrões ancestrais de produção, sustentada pelas

    características culturais e ideológicas dos imigrantes.

    Podemos diagnosticar certas resistências à modernidade, a

    partir dos estudos de WACHOWICZ (1981) e KERSTEN (1983).

    Resgatando a categoria analítica cultural a fim de explicar os

    impactos da gestão e difusão de novos padrões de modernidade,

    verificamos que os câmbios no que diz respeito à dinâmica

    social, não acompanham necessariamente as transformações

    tecnológicas.

    A realidade cultural do núcleo colonial polonês de Tomás

    Coelho não se harmoniza com a tendência de homogeneização do

    capitalismo reinante na metrópole e, por conseguinte, representa

    resistência à assimilação de padrões de modernidade.

    BASES TEÓRICAS

    Familiarizados com a área de estudo bem como a

    bibliografia existente, abordaremos a temática em separado dos

    aspectos endógenos ao sistema Colônia Polonesa. Procuramos

    confrontar os dados endógenos e exógenos à Colônia Polonesa a

    fim de obtermos os elementos da nova realidade da região sempre

    no sentido de um processo dialético das formas espaciais.

    14

    Munidos dos elementos essenciais à pesquisa procuramos

    concatenar o trabalho de modo que sua estrutura apresente um

    tratamento crítico ao tema.

    Conscientes dos possíveis vazios, dada a aplicação dos

    métodos e em referência à coleta de dados, consideramos que a

    opção teórico-metodológica não compromete as bases e as metas

    propostas, assim como avalia satisfatoriamente as hipóteses

    expostas.

    Como procuramos diagnosticar mutações na estruturação do

    espaço, reconhecemos a dinâmica social como determinante deste

    processo, insuflado pelas vias do capital hegemônico.

    Segundo LIPIETZ (1988):

    Toda prática, toda relação social se inscreve em uma totalidade concreta sempre já dada, que a determina como sua condição de existência, condição que, à medida que é material, tem dimensão espacial. (p. 25)

    A partir desta premissa definimos as concepções aqui

    utilizadas. Conforme comenta SANTOS (1985), o espaço é um

    conjunto de formas representativas de relações sociais presentes

    que se manifestam através de processos, funções e formas. O

    espaço é um fator da evolução social e que contém uma instância

    da sociedade, uma instância econômica, uma cultural-ideológica e

    outra político-institucional. As diversas interações destes

    níveis revelam a realidade da dinâmica espacial.

    Segundo a mesma fonte podemos considerar que a estrutura

    espacial como caráter social, tende a reproduzir-se de modo

    ampliado, referendando a possibilidade de demonstrar a sua

  • 15

    qualidade de dominante em detrimento de outras estruturas

    preexistentes. O espaço organizado pelo homem revela, como as

    outras estruturas sociais, uma relação

    subordinação/subordinadora. Através da progressão espacial estas

    relações são apresentadas de acordo com o condicionantes

    espaciais.

    O espaço, como fator social, apresenta uma realidade

    objetiva pois representa um produto da ação humana, ou seja,

    pode tornar-se conhecido pela produção. Como o espaço é uma

    condição necessária à mudança ele é um fator social. Porque as

    formas espaciais são resultantes de processos passados e

    condições para processos futuros. O espaço também é parte de uma

    estrutura social quando é determinado pelos aspectos da

    organização social.

    Consideramos assim que a localização é um momento do

    movimento dialético do mundo e o lugar, este sim, é um conjunto

    fixo de objetos. Pela razão de que a localização é resultado da

    dinâmica de um fluxo de forças sociais. É por este fato que

    temos de considerar a periodização, ou seja, a variável

    temporal.

    Segundo LIPIETZ (1988):

    É preciso compreender bem que o espaço socioeconômico concreto se apresenta, ao mesmo tempo, como articulação dos espaços analisados, como um produto, um reflexo da articulação das relações sociais e, enquanto espaço concreto já dado, com um constrangimento objetivo que impõem ao desenvolvimento dessas relações sociais. Diremos que a sociedade recria seu espaço concreto, sempre já dado, herdado do passado.(pp.24-25).

    16

    Ainda, no dizer de LIPIETZ, as relações sociais atuais

    são as que estruturam ou reestruturam o tecido social,

    distribuindo assim os lugares enquanto localização.

    Na transformação das relações sociais utilizam-se por

    matéria prima as condições herdadas do passado. Quando uma

    sociedade arcaica desarticular-se a partir dos seus valores

    sociais e da desintegração de sua atividade produtiva, estamos

    diante da subversão das forças produtivas por uma nova lógica de

    acumulação capitalista. O produtor tradicional recria-se sob o

    capital ou é obrigado a perder a condição de dono dos meios de

    produção na medida em que o espaço que domina é cobiçado pela

    produção moderna industrial capitalista. Esta desarticulação

    possui necessariamente uma dimensão espacial.

    Existe, por certo, um choque entre a chamada lógica

    industrial que compreende a forma avançada do capitalismo e a

    lógica camponesa de produção identificada como um arcaísmo.

    O modo de produção dominante apropria-se e desarticula as

    formas arcaicas que resistem; dentro deste contexto as relações

    entre exploradores e explorados atingem uma dimensão espacial

    propriamente dita.

    Quando observamos que o espaço é um fator importante na

    evolução social estamos também partindo do pressuposto de que a

    realidade da dinâmica espacial não pode ser analisada fielmente

    se não considerarmos a dinâmica social que o estrutura.

  • 17

    Como produto da ação social o espaço é dinâmico em

    constante transformação o que justifica a heterogeneidade do

    espaço habitado.

    Como afirma SANTOS (1988):

    Uma das características do espaço habitado é pois, a sua heterogeneidade, seja em termos da distribuição numérica entre continentes e países ( e também dentro destes), seja em termos de sua evolução.

    Aliás, essas duas dimensões escondem e incluem a outra: a enorme diversidade qualitativa sobre a superfície da terra, quanto a raça, cultura, credos, níveis de vida, etc. (p. 40)

    As várias especificidades alocadas no espaço que em

    última análise lhe concedem o próprio caráter, não podem ser

    analisadas desarraigando-as da totalidade.

    Entendemos que uma visão holística da realidade e as

    contradições que se manifestam na produção e conseqüentemente

    nas relações sociais estão cristalizadas no espaço e são

    resultantes do movimento de macro forças que extrapolam uma

    análise regional limitada.

    Não é ambição deste trabalho recuperar integralmente este

    aspecto, mas tentaremos oferecer um enfoque que ainda não foi

    devidamente explorado.

    O lugar apresenta-se como uma combinação de variáveis de

    idades diferentes o que se evidenciará quando enfocarmos a

    colônia polonesa de Tomás Coelho diante das forças da lógica

    capitalista industrial. As relações entre as variáveis vão ao

    encontro de um contexto global.

    18

    A fim de compreendermos melhor esta realidade do espaço

    total é necessário realizar um processo de fragmentação em

    elementos. Os elementos que se dispõem no espaço estão em

    constante relação em sua própria dimensão e entre um e outro.

    Podemos categorizar estes elementos em algumas dimensões

    básicas:

    i) o trabalho do homem enquanto materialidade;

    ii) o plano das idéias e das legitimações e normas;

    iii) a base física do território modificado.

    O intercâmbio das dimensões e a redutibilidade das

    interações nos fornecerão as condições para análise das

    estruturas como colocaremos a seguir.

    A totalidade do espaço e sociedade onde está inserido o

    nosso micro contexto, a colônia polonesa, será melhor

    compreendida e identificada por um lugar. No que tange a

    realidade específica, a combinação de técnicas diferentes e a

    interação dos diferentes componentes do capital apresentam uma

    estrutura peculiar do trabalho que materializa as formas

    espaciais.

    Quando anteriormente apresentamos o espaço como fator

    social possuidor de especificidades devemos levar em

    consideração de que os elementos que compõem a totalidade

    espacial são sistemas dispostos em estruturas.

    Em um primeiro momento a estrutura espacial apresenta

    elementos homólogos que mantém laços de hierarquia com a

  • 19

    demografia, economia e setor financeiro. No segundo momento

    possui elementos não-homólogos de diferentes classes com laços

    relacionados se apresentando como uma estrutura complexa.

    Assim, podemos considerar que a estrutura espacial pode

    ser considerada a partir das seguintes subestruturas:

    demográfica, de produção, de renda, de consumo e de classes.

    Além dos arranjos específicos de técnicas organizadas definindo

    as relações de produção presentes. A interação entre a realidade

    social e o espaço.

    Segundo SANTOS (1985) a evolução das estruturas seguem

    três princípios básicos:

    a) O primeiro é representado pela ação externa, ou seja

    uma evolução exógena do sistema;

    b) O segundo é representado pelo intercâmbio de

    subsistemas e subestruturas o que representa uma evolução

    interna ou endógena;

    c) O terceiro é a evolução particular de cada parte ou

    elementos do sistema isoladamente, interna e endógena.

    A evolução das estruturas aparece como um dos pontos

    chaves para a compreensão da transformação das formas espaciais

    da colônia polonesa de Tomás Coelho.

    Como já analisamos, a questão dos elementos e estruturas

    espaciais, apresentaremos o terceiro ponto: a questão da

    periodização, variável temporal que é a linha pela qual se

    desenvolve o movimento dialético das realidades espaciais. A

    contraposição entre formas passadas e as presentes resultando

    20

    sínteses que por sua vez serão novamente negadas gerando novas

    sínteses que superam as anteriores.

    Nesta análise partimos da premissa de que os elementos

    cedem lugar a outros elementos de mesma categoria porém mais

    modernos. Ainda outros, elementos resistirão ao processo de

    inovação. Neste caso, elementos novos e arcaicos coexistem ao

    mesmo tempo. No dizer de SANTOS (1985) o espaço se apresenta

    como um mosaico de elementos de diferentes períodos históricos,

    que indica de um lado a evolução da sociedade e de outro,

    expressa situações da atualidade. O espaço não pode ser isolado

    da variável temporal.

    Consideramos que o sistema temporal coincide com o

    período histórico. No que se refere ao nosso contexto de estudo

    dividimos a evolução da colônia polonesa no seguinte sistema

    temporal:

    1ª Etapa - implantação da colônia a partir de 1876,

    criando novas áreas de expansão agrícola circunstanciais à

    economia da época.

    2ª Etapa - desenvolvimento da organização do espaço

    socioeconômico da colônia polonesa em relação às transformações

    da economia agrícola e o choque da economia urbano-industrial de

    caráter hegemônico.

    3ª Etapa - impactos marcantes a partir dos anos 70 do

    processo de industrialização e expansão da ocupação urbana do

    espaço e o impacto decisivo da construção da barragem de

  • 21

    captação de água do rio Passaúna (fig. 02 p.22).

    A sucessão dos períodos presos às circunstâncias da

    política institucional nacional vincularam uma série de mutações

    no espaço da Colônia Polonesa. As macro relações a nível

    internacional e nacional articulam-se no plano da totalidade

    espacial às mutações do micro contexto da colônia polonesa de

    Tomás Coelho.

    Na medida em que o capitalismo recria-se, transforma

    rapidamente as relações sócio-espaciais que sofrerão direta ou

    indiretamente o impacto destas transformações. O diagnóstico

    atual a partir da verificação das inovações define-se como:

    ... o resultado do equilíbrio entre os fatores de dispersão e de concentração em um dado da história do espaço. No presente período, os fatores de concentração são essencialmente, o tamanho das empresas , a indivisibilidade das inversões e as economias e externalidades urbanas e de aglomeração necessárias para implantá-las. Tudo isto contribui para a concentração em uns poucos pontos privilegiados do espaço, das condições para a realização de atividades mais importantes. (SANTOS, 1985: 29)

    As inovações apresentam-se sob várias formas, porém podemos

    destacar as estruturas viárias e de comunicações que são formas

    induzidas no plano institucional e também serão vias para a

    circulação das inovações provenientes dos pólos mais avançados.

    22

    FIGURA: 02

    TOMÁS COELHO - LIMITES ORIGINAIS

  • 23

    Na medida em que a circulação desenvolve-se e conduz as

    novas exigências do capital, as formas espaciais são

    necessariamente readaptadas adquirindo novas dimensões e

    aspectos em relação a nova lógica que se impõem. Este é o caso

    da RMC (fig. 03 p.24), bem como das suas áreas camponesas.

    Ao encontro da segunda hipótese, baseamo-nos no

    desenvolvimento do conceito de espaços organizacionais de

    sociedades marginais. A fixação deste conceito realiza-se em

    tese na teoria da marginalidade, enquanto espaços locais.

    Espaço social marginal refere-se ao limite da assimilação

    de padrões de modernidade, no que tange à área metropolitana de

    Curitiba. Este processo de marginalização ocorre também em

    termos de produção do espaço, a lembrança de LIPIETZ (1988):

    Mas, mais profundamente, são as relações sociais que, a medida que têm uma dimensão espacial, "polarizam" o espaço social. A "região" aparece assim como produto das relações inter-regionais e estas como uma dimensão das relações sociais. Não há "região pobre", há apenas regiões de pobres, e, se há regiões de pobres, é porque há regiões de ricos e relações sociais que polarizaram riqueza e pobreza e as dispõem diferentemente no espaço.(p. 29).

    A distância entre as classes sociais, também podemos

    destacar entre grupos culturais de característica social e

    econômica específica. Os pólos hegemônicos de um lado e os

    grupos sociais marginais de outro concretizam o processo de

    modernização incompleta e involução como custo de adaptação ao

    sistema vigente (SANTOS, 1988).

    24

    FIGURA: 03

    REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 1992

  • 25

    O processo de imigração no Brasil agravou a formação de

    periferias das grandes cidades ou bairros marginais. No entanto,

    o processo de favelamento ou bairros de precárias condições de

    vida demonstram apenas uma faceta da realidade. Dentro de uma

    abordagem funcionalista da marginalidade a questão de integração

    social é considerada fundamental. Nesta colocação as dualidades

    tradicional/moderno ou marginal/integrado são vistas a nível

    macro-sociológico em termos estruturais (KOWARICK, 1977).

    Encarando , mesmo dentro de uma aproximação de caráter

    Marxista as oposições entre explorados e exploradores ou o

    conceito de exército industrial de reserva tateiam apenas a

    realidade que tentamos explicar.

    A falta de identificação de um grupo social à cultura

    dominante atinge um ponto mais essencial da problemática em

    questão. Assim, reconhecemos duas formas de marginalidade: uma

    em relação à produção econômica e outra supra estrutural,

    enquanto sistema cultural.

    Considerando a inserção no espaço das instâncias

    econômica e cultural e reconhecendo o caráter peculiar de

    sociedades tradicionais coloniais, viabilizaremos a análise a

    partir de tal concepção teórica.

    Retomando algumas das colocações da Teoria da

    Modernização que podem espelhar questões de caráter local,

    assumimos que a problemática, em termos analíticos, passa pela

    consideração do surgimento de uma "lógica do industrialismo"

    26

    responsável pela distribuição de papéis sociais em meios não-

    industriais propriamente ditos. ( APTER, D. apud KOWARICK,

    1977).

    O processo de modernização desencadeia rupturas e

    desorganiza quadros sociais preexistentes, assim como origina

    descontinuidades entre o padrão sociocultural e os padrões

    incorporados por indivíduos e grupos que sofreram impactos pela

    metamorfose social ( DURKHEIM apud KOWARICK, 1977).

    A marginalidade decorre da dificuldade de uma sociedade

    colonial em assimilar os padrões modernos, que são reconhecidos

    como formas modelares urbano-industriais antagônicas às formas

    tradicionais rurais.

    Nas palavras de SANTOS (1985):

    Em cada período, o sistema procura impor modernizações características, operações que procede do centro para a periferia. Não se trata de uma operação ao acaso. Os espaços atingidos são aqueles que respondem, em um momento dado, às necessidades de crescimento ou de funcionamento do sistema, em relação ao seu centro.

    As modernizações criam novas atividades ao responder a novas necessidades.(...) a modernização local pode representar adaptação de atividades já existentes a um novo grau de modernismo. O fato de que a cada momento nem todos os lugares são capazes de receber todas as modernizações explica porque: 1) certos espaços não são objetos de todas as modernizações; 2) existem demoras, defasagens, no aparecimento desta ou daquela variável modernizante; e isto ocorre em diferentes escalas. (pp. 31 e 32).

    O aumento das disparidades de assimilação dos padrões de

    modernidade no decorrer do processo histórico retrata graus de

    marginalidade à lógica urbano-industrial enquanto reestruturação

    do espaço e avanço em termos de território.

  • 27

    REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A COLÔNIA POLONESA DE TOMÁS COELHO

    No que tange a bibliografia utilizada destacamos os

    seguintes autores que trabalharam a questão da migração polonesa

    e que serviram de base para a presente análise:

    A obra de Romão WACHOWICZ (1975) conhecida como a Saga de

    Araucária revela em outras questões a luta do imigrante na

    implantação das colônias, o trabalho da terra e as possíveis

    relações com os aspectos míticos e religiosos de suas vidas.

    Trata-se de um trabalho básico, descritivo e, por vezes,

    transparecendo o lado romântico da história da colonização

    polonesa no município de Araucária.

    Sob o ponto de vista acadêmico de maior interesse foram

    os trabalhos de Ruy Chistovam WACHOWICZ: Tomás Coelho uma

    Comunidade Camponesa de 1976 e O Camponês Polonês no Brasil de

    1981. Apoiado em referências originais em polonês, como

    historiador, constrói o referencial que explica a saída do

    migrante polonês do século XIX na Europa e a difícil adaptação

    na realidade brasileira. A apreensão da história do colono

    polaco, principalmente no Paraná passa necessariamente por suas

    pesquisas.

    Dentre as pesquisas mais recentes, especialmente sobre a

    Colônia Polonesa de Tomás Coelho, destacam-se os trabalho de

    Márcia S. de Andrade KERSTEN e Neda M. DOUSTAR. O trabalho de

    KERSTEN de 1983, embora restrito à análise da população de Tomás

    28

    Coelho por se basear nos registros do SINPAS/FUNRURAL, revela

    uma reflexão interessante para a realidade do colono polaco

    diante do sistema capitalista. Já o trabalho de DOUSTAR de 1990

    demonstra outra faceta da realidade do imigrante polonês os

    aspectos tradicionais de sua cultura e o enfrentamento do

    sentimento anti-polonês no Brasil. A análise do preconceito

    enfrentado pelo polonês no Brasil é o plano de reflexão de sua

    pesquisa.

    PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

    Não nos limitamos à rigidez de uma atitude preconcebida

    diante das fontes. Antes, buscamos a pluralidade como meio de

    construir a síntese mais próxima da realidade. Assumimos uma

    postura crítica diante da análise dos dados e não discriminamos

    os autores que tomamos como base teórica .

    Quanto ao quadro teórico buscamos a reflexão dialética.

    De acordo com a probabilidade de resposta à problemática da

    dissertação, muitas vezes, torna-se necessário o resgate

    sistêmico no tratamento dos dados para posterior análise de

    caráter crítico. Mesmo porque não escapamos totalmente à lógica

    formal na qual estamos imersos. Como afirma Hegel na sua

    Fenomenologia do Espírito: “O que há de mais fácil é julgar o

    que possui conteúdo e densidade. Mais difícil é apreendê-lo e o

    mais difícil é produzir a sua exposição, que unifica a ambos”

    (Os Pensadores vol II 1992). Confrontando, a ver da história,

  • 29

    não existe regra, embora plausível e bem fundamentada na

    epistemologia, que não seja violada em algum momento.

    (FEYERABEND, 1977).

    Uma postura estática de uma teoria inerte da

    racionalidade fundamenta-se em uma concepção à revelia da

    situação social do homem.

    Coleta de Dados

    Distinguimos quatro categorias para a coleta de dados:

    1ª - De caráter exploratório e bibliográfico referente às

    bases teóricas conforme delineada no item anterior.

    2ª - Refere-se aos trabalhos específicos relativos à

    colonização polonesa em escala local.

    3ª - Trata-se dos trabalhos referentes ao processo de

    metropolização de Curitiba enquanto afetos à problemática em

    questão.

    4ª - A colônia Tomás Coelho em si em termos de

    organização espacial. Para tanto consideramos a seguinte

    subdivisão:

    a) a colonização polonesa no plano histórico da sua

    origem.

    b) a colonização polonesa em seu caráter recente.

    c) os estudos de caso no âmbito circunstancial da

    desestruturação da colônia.

    Duas variáveis primordiais foram consideradas nos

    objetivos relativos à organização do espaço em estudo:

    30

    a) as características culturais específicas;

    b) a questão da produção e existência econômica.

    O desenvolvimento da pesquisa a partir dos objetivos específicos.

    1º Objetivo

    Para a caracterização espacial do Núcleo Colonial de

    Tomás Coelho no decorrer do seu processo histórico, consideramos

    os seguintes momentos:

    1) Levantamento feito a partir dos estudos mais recentes

    do IPARDES, IAP, dados da Prefeitura Municipal de Araucária a

    partir do seu departamento de urbanismo. Também levamos em

    consideração os estudos históricos e etnográficos específicos de

    KERSTEN (1983) e DOUSTDAR (1990), assim como GIL (1985/1989), ou

    seja, nossos estudos anteriores.

    3) Levantamento a partir dos 71 laudos de desapropriação

    do ITCF responsável pela avaliação das terras a serem

    desapropriadas em ocasião da formação do lago artificial da

    barragem de captação de água do rio Passaúna. Os laudos

    proporcionaram o universo de nossa pesquisa e a partir dos

    mesmos o reconhecimento dos produtores agrícolas da colônia de

    Tomás Coelho. No que tange a análise destes laudos, partimos dos

    estudos do IPARDES (1987), onde foi selecionado uma amostra de

    propriedades para o trabalho de campo que se desenvolveu. Os

    critérios utilizados nesta seleção se estabeleceram na seguinte

    forma:

  • 31

    a) Verificou-se que dos 71 laudos do ITCF apenas 61 eram

    correspondentes a lotes propriamente rurais. Dos lotes rurais

    alguns eram improdutivos e não faziam parte da dinâmica social

    da colônia.2

    b) As propriedades restantes pertenciam a poucos

    proprietários o que restringiu nosso universo à 28 famílias

    residentes sendo que nove dentre elas faziam apenas a guarda dos

    lotes que na verdade pertenciam a outros. Diante deste fato a

    amostra, a mesma que utilizamos em nossa análise, limitou-se a

    20 famílias.3

    Neste levantamento considerou-se as seguintes variáveis

    específicas:

    3.1 - origem cultural do proprietário;

    3.2 - área estimada da propriedade em hectares;

    3.3 - forma de produção do solo;

    3.4 - condição de posse do imóvel;

    3.5 - forma de aquisição do imóvel;

    3.6 - pauta de produtos;

    3.7 - base técnica das unidades de produção;

    3.8 - volume de produção;

    3.9 - formas de comercialização da produção e

    3.10 - padrão de vida da população residente.

    2 Algumas áreas improdutivas pertenciam a Rádio Cidade de Araucária e outros lotes pertenciam a empresa de cerâmica Klemtz e também as propriedades da Indústria e Comércio de Desidratados Ltda. 3Dessas famílias foi considerado, uma que fazia apenas guarda do lote porém, comercializava parte da produção.

    32

    4) Levantamento do IAP a partir de fotografias aéreas de

    1992 que reconstituíram o uso do solo da região nos fornecendo a

    realidade atual após a inundação das propriedades da antiga

    colônia de Tomás Coelho.

    A partir destes dados nos foi possível produzir uma

    imagem concreta da dinâmica socioeconômica responsável pela

    reestruturação espacial constante do local concatenando estas

    características com as especificidades da supra estrutura

    cultural.

    2º Objetivo

    Para identificar o processo e os elementos agentes dos

    padrões de modernidade a partir dos anos 70 na área

    metropolitana de Curitiba nos detivemos nas características do

    processo de metropolização. Para tanto identificamos e

    analisamos a expansão de sistemas dinâmicos como,

    principalmente, o setor secundário responsável pela gestão da

    modernidade.

    Neste intuito consideramos os seguintes dados:

    1) Levantamento do aglomerado industrial do município de

    Araucária a partir dos dados da Prefeitura Municipal de

    Araucária e as organizações presentes no Centro Industrial de

    Araucária (CIAR). Em plano secundário os dados correspondentes a

    Cidade Industrial de Curitiba (CIC).

    2) Levantamento dos dados da expansão urbana e industrial

    da RMC encontrados nos planos da Coordenação da Região

    Metropolitana de Curitiba (COMEC). Cabendo ressaltar o Plano de

  • 33

    Desenvolvimento Integrado (PDI) e o Plano Metropolitano da RMC

    (PLAMEC) que referenda o comportamento do valor adicionado do

    setor secundário e terciário da RMC de 1974 a 1986. Além destes,

    consultamos o Plano de Desenvolvimento Urbano do município de

    Araucária (New Plan) do departamento de Urbanismo da Prefeitura

    Municipal de Araucária.

    3) Levantamento específico em relação à construção da

    barragem de captação de água do rio Passaúna a partir do Plano

    Geral de Água e Esgoto da RMC da SANEPAR.

    4) Levantamento da descrição ambiental da bacia do rio

    Passaúna a partir de relatório técnico de 1990 da SUREHMA. Além

    das características próprias dos efeitos ambientais da barragem,

    o uso do solo na área específica da colônia com o devido

    mapeamento.

    3º Objetivo

    Selecionamos os agentes dos padrões de modernidade mais

    atuantes no processo de metropolização de Curitiba e que

    motivaram o processo de desarticulação que a Colônia Polonesa

    vem sofrendo. Para tanto explicitamos a expansão espacial urbana

    em detrimento das antigas áreas rurais. Este processo está afeto

    ao crescimento industrial da região. Esta corresponde à síntese

    em resposta à problemática da pesquisa.

    34

    CAPÍTULO 01

    MODERNIDADE E REESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DA COLÔNIA DE TOMÁS

    COELHO

    A análise dos processos motivadores da reestruturação do

    espaço da antiga Colônia de Tomás Coelho pressupõe a

    caracterização do que entendemos por modernidade e a relação

    desta com a evolução da organização do espaço em questão.

    A antiga colônia polonesa corresponde , em relação a sua

    área remanescente, à região situada entre o quadro urbano do

    município de Araucária e a sua fronteira ao norte com o

    município de Curitiba e Campo Largo (fig. 03 p. 24). Conforme o

    quadro teórico exposto na introdução, a evolução com as devidas

    transformações espaciais da antiga colônia de Tomás Coelho pode

    ser melhor compreendida através das figuras concretas que se

    cristalizam no espaço e testemunham a sucessão de épocas e as

    práticas produtivas. Estas mudanças se reconhecem na medida em

    que analisamos o processo de metropolização de Curitiba e

    relacionamos a sua dinâmica com a expansão urbano-industrial da

    região. A metrópole desempenha o papel de área receptora e

    propagadora de padrões de modernidade dependendo da sua condição

    hierárquica na rede urbana nacional.

    Tomando por base CORRÊA (1989), a rede urbana é

    simultaneamente reflexo e condição da divisão territorial do

    trabalho. No interesse do nosso argumento a lógica de acumulação

  • 35

    capitalista suscita o aumento da escala de produção, assim como

    o progresso técnico e a conseqüente expansão do território onde

    se realiza. Isto possibilita a valorização de determinadas áreas

    em detrimento de outras.

    Entendemos por padrões de modernidade a tendência à

    facilidade na aceitação e adoção de novas práticas relacionadas

    a produção e dinamizadas no plano das relações sociais e das

    idéias que se contrapõem a prática da tradição e do

    conservadorismo representado por formas de produção arcaicas e

    relações sociais e políticas restritas a uma etnia ou uma

    nacionalidade específica.

    Segundo BERMAN (1987):

    Existe um tipo de experiência vital - experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida - que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como "modernidade". Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, auto transformação e transformação das coisas em redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como diz Marx, "tudo o que é sólido desmancha no ar". (p. 15).

    Ao relacionar a modernidade ao modo de vida, BERMAN, nos

    aponta uma saída conceitual interessante. A diversidade das

    experiências relacionadas à modernidade tendem a romper com o

    36

    permanente, tende a reunir o inconciliável; assim rompe com os

    padrões tradicionais de culturas específicas, amalgamando-as em

    uma única dinâmica de transformação contínua, fragmentando o

    próprio passado.

    Porém não podemos desvincular a modernidade do seu âmbito

    estrutural, ou seja o processo de modernização articulado ao

    desenvolvimento do modo de produção capitalista. Em um de seus

    trabalhos mais recentes HARVEY (1992), explica referindo-se a

    Marx como um dos primeiros a analisar o processo de modernização

    do sistema capitalista. Sendo assim atribui a burguesia a

    criação de um internacionalismo relacionado ao mercado mundial,

    a par da sujeição da natureza humana a um complexo maquinário e

    uma série de transformações relacionadas à indústria e à

    agricultura. Porém, tudo feito a um alto custo social. O

    advento de uma economia do dinheiro dissolve os vínculos e

    relações próprias das comunidades tradicionais. A manutenção da

    lucratividade própria do sistema tende ao esfacelamento de modos

    arcaicos considerados avessos às transformações que a tendência

    homogeneizante do capitalismo impõe.

    A modernidade revela constantemente a experiência do

    "novo" que se sobrepõe ao "velho", adornando a realidade

    espacial de signos próprios da modernidade em contraste aos

    signos tradicionais.

    Segundo GOMES & COSTA (1988):

    (...) a modernidade é um tempo de conflitos entre o moderno e tradicional, mas também entre as visões do novo e a imprevisibilidade das transformações, entre

  • 37

    as versões proclamadas da mudança e os processos efetivamente vividos. (p. 50).

    A difusão da modernidade entra em conflito com diversas

    resistências e é um processo que possui diversas ambigüidades. O

    resultado destes conflitos está impresso no espaço geográfico.

    O espaço é veículo e testemunha da dinâmica dos padrões

    de modernidade. No espaço encontram-se os signos da permanência

    e da mudança (GOMES & COSTA, 1988).

    Propondo a modernidade como articuladora de um processo

    de direcionamento da dinâmica metropolitana não queremos afirmar

    que a modernidade seja a única responsável. No entanto o

    conjunto dos diversos processos que a compõem é significativo e

    preponderante em relação a outros.

    Existe de fato uma lógica moderna, por assim dizer,

    articulada ao desenvolvimento capitalista, na razão direta em

    que ela gera novas diretrizes em termos de relações sociais

    dinamizadoras de uma produção massiva. A produção massiva

    peculiar dimensão da modernidade, concretiza-se no espaço

    metropolitano e nos caminhos de sua expansão urbana. Encaramos o

    conjunto dos processos articuladores do capitalismo industrial e

    suas implicações nas relações sociais e no espaço geográfico

    como expressões concretas da modernidade.

    GOMES & COSTA (1988) afirmam que:

    O espaço metropolitano é extremamente enfático na medida em que revela as múltiplas conexões dos sentidos atribuídos à espacialidade e incorpora sinteticamente a mudança e a permanência, o caos e a ordem, sem os justapor, congregando-os em uma dinâmica comum que constitui, em certo sentido, a própria natureza dos processos de metropolização. (p. 56).

    38

    Quando, em meados deste século, o processo de

    modernização rompe com os limites territoriais dos países

    centrais e torna-se visível na periferia, esta atinge uma

    configuração diferenciada pela temporalidade (BERMAN, 1987).

    Entendemos que o modo de vida moderno reduz o passado a

    fragmentos porém, absolutamente não o apaga. Deste modo, as

    sociedades tradicionais são testemunhas de um rompimento com a

    modernidade e uma recrudescência da tradição. Sua resistência a

    padrões de modernidade está na essência da explicação do modo de

    vida da comunidade dita tradicional.

    O processo de modernização, enquanto articulado à

    acumulação do capital, repercute no caráter da prática

    produtiva, o que se refere ao conflito inerente do choque de

    padrões de modernidade a uma realidade tradicional.

    Na medida em que a contradição entre a dinâmica social e

    o caráter privado cristalizam-se no espaço, reconhece-se

    sucessivos períodos de características peculiares. As

    transformações reconhecidas são conseqüências da evolução de

    determinada formação social (LIPIETZ, 1988).

    A divisão social e econômica do espaço reproduz-se

    através de uma estrutura já existente que determina a ação dos

    agentes econômicos.

    As características de uma sociedade tradicional se

    evidenciam em Tomás Coelho. A estrutura econômica da colônia

    baseia-se em uma pequena produção onde os excedentes são

    comercializados a nível regional. Possuem tradições arraigadas

  • 39

    que mantém a prática produtiva aos moldes arcaicos típicos de

    uma fase anterior ao capitalismo industrial. Esta realidade

    demonstra a oposição de uma lógica moderna à outra tradicional.

    A lógica industrial, cuja dinâmica é típica da modernidade,

    tende a romper com a pequena produção agrícola tradicional, na

    medida em que ela atende às necessidades de produção massiva

    contrapondo aos níveis de acumulação do capital industrial. A

    reprodução desta realidade tem origem no próprio desenvolvimento

    do capitalismo; a própria criação de um proletariado reside no

    fato da desintegração social e econômica da comunidade de

    pequenos produtores (DOBB, 1987). A comparação de pequenos

    produtores feudais com os colonos poloneses de meados do século

    XIX é válida na medida em que os últimos apresentavam condições

    sociais e econômicas pré-capitalistas, avançando apenas no

    comércio de excedentes.

    Em Curitiba, como capital provincial, desenvolveu-se

    através de uma diversificação de serviços. A política de

    instalação de imigrantes poloneses visava contribuir à

    necessidade de abastecer de gêneros alimentícios a capital. A

    realidade do Brasil do século XIX apresentava-se plena de formas

    arcaicas de vida quando comparamos à Europa.

    Segundo WACHOWICZ (1981):

    No Brasil, os imigrantes poloneses encontraram também, predominando na sociedade, as formas arcaicas de vida. O Brasil novo apenas iniciava sua emergência, as formas arcaicas ainda predominavam. As populações agrícolas locais, constituídas de escravos, libertos e caboclos eram bem diferentes das populações agrícolas européias. A população polonesa aportada ao Brasil, maciçamente camponesa não poderia

    40

    ser equiparada a estas populações agrícolas locais. Os poloneses, apesar de seu atraso, com relação aos moldes da Europa Ocidental, sentiram sua superioridade técnica, e isto os satisfez em seu orgulho. Onde quer que as populações agrícolas nativas brasileiras entrassem em concorrência, os poloneses se impuseram na agricultura. (p. 12).

    Até meados do nosso século, as características

    eminentemente agrícola tradicional da colônia polonesa não

    sofreram mudanças marcantes. No entanto, a Região Metropolitana

    de Curitiba sofreu o impacto das novas condições agrárias que se

    evidenciavam no país, o que possibilitou um incremento da rede

    urbana nacional devido ao processo de modernização.

    A realidade agrícola tradicional da colônia polonesa se

    perpetuou desde a sua fundação, porém sofreu algumas mudanças em

    relação a inserção do colono polonês na economia de mercado que

    se desenvolvia no Brasil nos anos 50. O processo de

    industrialização tardio que se desenvolveu no Brasil, repercutiu

    sensivelmente na Grande Curitiba. Já nos anos 70 os limites da

    capital alcançaram a colônia polonesa. Neste período o município

    de Araucária começa a industrializar-se. O capital industrial de

    caráter monopolista referenda uma transformação profunda da

    lógica reinante, culminado com a progressiva desarticulação de

    espaços tradicionais.

    O colono polonês e seus descendentes apresentaram-se

    conservadores e apegados às formas tradicionais que herdaram de

    sua origem na Europa Central.

    Segundo WACHOWICZ (1981), na década de 70, ficou claro a

    superação na concorrência que os luso-brasileiros e outros

    imigrantes apresentaram em relação ao colono polonês. As

  • 41

    características da produção da colônia, baseada na subsistência

    e no comércio de excedentes agrícolas se demonstrou resistente à

    inovações.

    A partir da premissa de que os ditames do capital

    condiciona a produção do espaço nos reportamos ao impacto

    causado pela dinâmica do sistema capitalista no processo de

    reestruturação da colônia polonesa.

    Considerando o Brasil, percebemos que a evolução do

    sistema capitalista apresenta-se em várias etapas e com

    características próprias. As transformações do quadro geral

    brasileiro repercutem em uma reorganização dos setores

    produtivos e uma reelaboração das relações entre capital e

    trabalho.

    Três estágios da evolução do capital nacional

    desenvolvem-se a par com o processo histórico da formação da

    colônia polonesa de Tomás Coelho.

    O primeiro estágio —— da hegemonia do capital comercial —

    , devido as monoculturas de exportação, onde destaca-se o café

    como principal gerador destes capitais, contemporâneo do

    programa de estabelecimento de colônias imigrantes na então

    província do Paraná. Na segunda metade do século XIX o Brasil se

    caracteriza por uma economia cuja lucratividade se baseava na

    exploração da mão-de-obra escrava, na manutenção dos latifúndios

    com a produção destinada ao mercado externo. Porém, a economia

    cafeeira já demonstrava sinais visíveis de esgotamento. É neste

    contexto que os programas de imigração européia se intensificam.

    42

    Com base em OLIVEIRA (1982) a economia cafeeira baseada

    no trabalho compulsório, embora gere um primeiro produto de

    circulação internacional de mercadorias, no que interessa ao

    desenvolvimento urbano nacional foi de caráter abortivo.

    Praticamente até os anos 20 esta realidade perpetuou-se, a

    exemplo de São Paulo que até este período não tinha expressão na

    rede urbana nacional.

    Sob este prisma a industrialização do Brasil seria

    difícil de acontecer pois esta se apoia no desenvolvimento

    urbano. De fato o que vai ocorrer é que a nossa industrialização

    forçará uma urbanização sem precedentes.

    Os imigrantes poloneses que se estabeleceram no Brasil de

    meados do século XIX encontraram uma realidade diferente daquela

    de onde vieram. Curitiba era uma pequena vila em uma realidade

    estritamente agrícola. A política do Estado Brasileiro no

    estabelecimento dos colonos poloneses caracterizava-se pela

    pequena propriedade rural dando preferência à tradição agrícola

    do colono. Em Curitiba o colono polonês se insere em uma

    economia de caráter comercial, sendo que os mesmos desfrutaram

    de uma certa autonomia em relação à produção e à venda dos

    excedentes na cidade. No caso, ao colono polonês foi garantido a

    posse da terra que o diferenciava do camponês nativo.

    Nota-se que a economia primário-exportadora possuía um

    único elemento autônomo para o crescimento de renda, sendo o

    setor externo o centro dinâmico da economia (MELLO, 1982).

  • 43

    O café que na verdade era o elemento principal do

    investimento de capitais nacionais, capitais estes que são

    gerados e reinvestidos na expansão da produção cafeeira. O

    colono polonês não está integrado à produção cafeeira

    diretamente, sendo sua realidade a produção de gêneros

    alimentícios para a sua subsistência e a venda de excedentes no

    mercado interno.

    No entanto é a produção cafeeira que dinamiza a

    modernização do país, pois são os capitais gerados com o café

    que possibilitaram o pleno desenvolvimento da lógica

    capitalista. Ou seja, a massa de capital gerado com o café

    transformou-se em capital industrial possibilitando a formação

    de mão-de-obra assalariada (MAZZEO, 1988).

    Segundo MELLO (1982):

    O período que se estende de 1888 a 1933 marca, portanto, o momento de nascimento e consolidação do capital industrial. Mais que isto, o intenso desenvolvimento do capital cafeeiro gestou as condições de sua negação, ao engendrar os pré-requisitos fundamentais para que a economia brasileira pudesse responder criativamente à “Crise de 29”. De um lado, constituem-se uma agricultura mercantil de alimentos e uma indústria de bens de consumo assalariado capazes de, ao se expandirem, reproduzir ampliadamente a massa de força de trabalho oferecida no mercado de trabalho, que já possuía dimensões significativas; de outro forma-se um núcleo de indústrias leves de bens de produção (...) e, também, uma agricultura mercantil de matérias-primas que, ao crescerem, ensejariam a reprodução ampliada de fração do capital constante sem apelo às importações. (p. 109).

    Parece importante que a organização de uma economia

    baseada no trabalho assalariado, marca o início de uma economia

    44

    propriamente capitalista que posteriormente será base do

    capitalismo industrial que se consolidará no Brasil.

    O segundo estágio se apresenta com transição da economia

    agro exportadora para uma economia industrial. Também

    reconhecida como a fase concorrencial. A característica peculiar

    deste período á a transposição do modelo de uma autarquia rural

    para uma autarquia industrial. Para OLIVEIRA (1982), as

    indústrias que nascem, em um processo avançado de acumulação,

    serão completamente autárquicas desde que não apoiavam seu

    processo produtivo em uma divisão social do trabalho anterior

    que as ligassem ao campo. A industrialização que sediava-se nas

    cidades, centros burocráticos do capital comercial, não vai

    encontrar uma divisão social do trabalho que possibilitasse a

    formação de unidades produtivas de pequeno porte.

    Na primeira metade do nosso século estabelece-se no

    Brasil um processo de industrialização que está fundamentado no

    aumento do lucro em um espaço rápido de tempo pela debilidade da

    concentração de capitais e as condições de mercado (CARLOS,

    1988).

    MELLO (1982) sugere que o capitalismo estruturado no

    Brasil foi imposto pela colonização européia. Deste modo o

    próprio desenvolvimento do sistema guarda em seu bojo padrões

    estruturados no período colonial que se perpetua na fase inicial

    da industrialização brasileira. Como exemplo podemos citar a

    estrutura autárquica, a reprodução e manutenção de grandes

  • 45

    unidades produtivas. Nesta fase a lógica era a substituição de

    importações.

    A produção do espaço da colônia de Tomás Coelho, a

    despeito das transformações da economia nacional, se manteve nos

    moldes ancestrais com poucas modificações no processo produtivo.

    Curitiba e região, na verdade, ficaram à margem das modificações

    que o processo produtivo nacional vivenciava e onde São Paulo

    despontava como principal centro. O impacto da industrialização

    se torna mais substancial na década de 50 já no início da fase

    do capitalismo industrial monopolista, principalmente pela ação

    estatal.

    No terceiro estágio o 2º pós-guerra impõe uma

    reorganização da economia mundial. Esta realidade referendou a

    mudança na forma de exploração por parte dos países centrais em

    relação aos países periféricos. Anteriormente os investimentos

    no exterior concentravam-se no controle de matérias-primas,

    aberturas de filiais manufatureiras e a disseminação de

    operações bancárias internacionais. Posteriormente ampliaram-se

    as empresas com poder de operar no exterior e a luta pelos

    mercados passou para produção dentro dos países periféricos

    (MAZZEO, 1988).

    Segundo CARLOS (1988), a fase monopolista centra-se nas

    grandes firmas e o espaço deixa de ser organizado pela indústria

    como simples unidade produtiva. Processa-se uma articulação de

    modo hierárquico através do capital, caso das empresas

    multinacionais que se instalam no Brasil nos anos 50. Esta

    46

    concentração deve-se à aglomeração dos meios de produção e da

    gestão por parte das metrópoles. Acentua-se a especialização

    produtiva do espaço junto com as transformações dos meios de

    comunicação e transportes.

    Nesta fase de redimensionamento do espaço de produção

    brasileiro, ocorrem transformações em relação a Curitiba e

    região, como por exemplo a formação da Cidade Industrial de

    Curitiba na década de 70. A expansão da lógica industrial na

    região relaciona-se a articulação do capital multinacional e o

    Estado tende, em sua expansão territorial, a encampar setores de

    produção tradicional como Tomás Coelho no município de Araucária

    (fig. 04 p. 47). A concentração, a formação dos conglomerados e

    empresas multinacionais revelam uma nova lógica organizacional

    que se evidencia a nível espacial.

    Neste estágio ocorre a desarticulação da organização

    espacial anterior e a reestruturação de uma nova lógica

    espacial. Neste ponto a ação Estatal visa amenizar as

    insuficiências na alocação do espaço por parte dos agentes

    privados através de uma atitude concreta na produção de

    equipamentos coletivos e planejamento.

    Nesta articulação do Estado com os agentes do Capital

    industrial monopolista, as facilidades do acesso ao solo

    metropolitano por parte do capital hegemônico torna-se evidente.

  • 47

    FIGURA: 04

    ARAUCÁRIA - LIMITES POLÍTICO-ADMINISTRATIVOS

    48

    A urbanização do Brasil, enquanto articulada pelo Estado

    e as forças do capitalismo industrial monopolista, fixa um

    período de intensa ocupação do espaço outrora rural.

    A princípio, reconhecemos, com base em OLIVEIRA (1982),

    uma certa incapacidade da iniciativa privada nacional para

    oferecer padrões de acumulação de capital necessários à dinâmica

    industrial. A articulação entre o Estado Nacional e as empresas

    multinacionais pode ser colocada como conseqüência da debilidade

    da iniciativa privada nacional. A intervenção estatal resgata a

    possibilidade de redirecionar a política rural e urbana do país

    a fim de atender emergentes interesses do capital internacional.

    O impacto inicial da lógica industrial sobre a Colônia

    polonesa de Tomás Coelho redimensiona as relações econômicas

    essencialmente mercantis que desde a sua fundação vigorava.

    Segundo KERSTEN (1983) o camponês fora redimensionado

    pelo capital, já que a posse do meio de produção dependia da

    venda de produtos agrícolas na cidade. A vinculação ao mercado

    no modo do capitalismo mercantil criara portanto, uma profunda

    dependência do colono que tinha que saldar o custo de produção e

    a manutenção da posse da terra.

    Para melhor caracterizar a forma de produção camponesa e

    o porquê de atribuir um caráter quase pré-capitalista à sua

    dinâmica citamos CHAYANOV (1981):

    O camponês ou artesão que dirige sua empresa sem trabalho pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de produtos que depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de sua

  • 49

    unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano: resta-nos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu com o seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de renda (da terra) possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou artesanal, pois não existe maneira de decompô-la analítica ou objetivamente. Dado que não existe o fenômeno social dos salários, o fenômenos social de lucro líquido também está ausente. Assim é impossível aplicar o cálculo capitalista do lucro.(p. 138)

    A partir da década de 70, o capitalismo industrial

    monopolista renova as relações de dependência, pois a produção

    industrial reverte a um novo modo de vida e a uma intensa

    valorização do solo.

    A situação de assédio do capital industrial em relação ao

    solo ocupado por colonos poloneses na grande Curitiba reflete as

    novas relações de produção próprias da modernidade engendrados

    pela expansão do espaço industrial e urbano.

    Neste contexto, verificamos a condição do dominado em

    relação ao dominante materializados no desmantelamento de uma

    organização espacial agrícola tradicional e a reestruturação sob

    formas avançadas do capitalismo industrial.

    Para LIPIETZ (1988):

    A análise revelará, assim, por exemplo, o antagonismo de uma lógica industrial, correspondendo às formas avançadas do capitalismo, oposta a uma lógica fundiária , própria aos modos arcaicos; mas o estudo concreto mostrará o funcionamento de um sistema único e coerente, possuindo características originais, àquelas que a análise tem precisamente por finalidade explicar. Enfim, as próprias modalidades da articulação devem ser compreendidas como um processo, onde o modo dominante domina, dissolve, integra o modo dominado segundo fases sucessivas nas quais se

    50

    modificam as regras de funcionamento da totalidade social. (p. 23).

    O antagonismo de duas lógicas distintas, participando

    antes do mesmo espaço, acarretará uma relação contraditória,

    cuja síntese se concretiza numa configuração espacial.

    Considerando que cada momento histórico se destaca pela

    manifestação de sistemas dominados por técnicas diferenciadas,

    podemos reconhecer a descontinuidade que representam as formas

    de produção arcaicas. Estas reproduzem técnicas de períodos

    históricos anteriores na tentativa de auto preservação. No

    entanto, mesmo que permaneça o caráter tradicional no plano

    supra estrutural, ou seja, cultural e político, no plano

    estrutural ou econômico pode haver assimilação de padrões de

    modernidade.

    As transformações , muitas vezes, seguem a via econômica

    antes de afetar as relações propriamente sociais.

    A mudança tecnológica impõe uma reestruturação que afeta

    a sociedade tradic