UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE … de... · Poema Pedagógico, A. S. Makarenko E ....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MENANDRO CELSO DE CASTRO RAMOS INVESTIGAÇÃO SOBRE O FAZER E O PENSAR MENSAGENS AUDIOVISUAIS NO COTIDIANO PEDAGÓGICO: INVENTARIADO ICONOGRÁFICO DE ASPECTOS E ABORDAGENS DO UNIVERSO IMAGÉTICO Salvador 2008

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE … de... · Poema Pedagógico, A. S. Makarenko E ....

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    FACULDADE DE EDUCAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MENANDRO CELSO DE CASTRO RAMOS

    INVESTIGAO SOBRE

    O FAZER E O PENSAR MENSAGENS AUDIOVISUAIS NO

    COTIDIANO PEDAGGICO:

    INVENTARIADO ICONOGRFICO DE ASPECTOS E

    ABORDAGENS DO UNIVERSO IMAGTICO

    Salvador

    2008

  • INVESTIGAO SOBRE

    O FAZER E O PENSAR MENSAGENS AUDIOVISUAIS NO

    COTIDIANO PEDAGGICO:

    INVENTARIADO ICONOGRFICO DE ASPECTOS E

    ABORDAGENS DO UNIVERSO IMAGTICO

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Educao, da Faculdade de Educao, Universidade

    Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno

    do grau de Doutor em Educao

    Orientador: Prof. Dr. Nelson De Luca Pretto

    Salvador

    2008

    MENANDRO CELSO DE CASTRO RAMOS

  • Ramos, Menandro Celso de Castro. O fazer e o pensar mensagens audiovisuais no cotidiano

    pedaggico : inventariado iconogrfico de aspectos e aborda-gens do universo imagtico / Menandro Celso de Castro Ramos. 2008.

    206 f. : il. ; + 2 DVD.

    Orientador: Prof. Dr. Nelson De Luca Pretto. Tese (doutorado) Universidade Federal da Bahia. Fa-

    culdade de Educao, Salvador, 2008.

    1. Imagem Estudo e ensino. 2. Produo audiovisual. 3. Linguagem. 4. Audiovisual. I. Pretto, Nelson De Luca. II. Universi-dade Federal da Bahia. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

    CDD 371.33 23. ed.

    SIBI/UFBA/Faculdade de Educao Biblioteca Ansio Teixeira

  • MENANDRO CELSO DE CASTRO RAMOS

    INVESTIGAO SOBRE

    O FAZER E O PENSAR MENSAGENS AUDIOVISUAIS NO

    COTIDIANO PEDAGGICO:

    INVENTARIADO ICONOGRFICO DE ASPECTOS E

    ABORDAGENS DO UNIVERSO IMAGTICO

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao, da Faculdade de Educao, da Universidade Federal da Bahia.

    Salvador, ____ de_____________de 2008

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Nelson De Luca Pretto (UFBA)

    Orientador

    Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi (UFBA)

    Profa. Dra. Mary de Andrade Arapiraca (UFBA)

    Profa. Dra. Fernanda Gonalves (UCSal)

    Profa. Dr. Gustavo Roque de Almeida (UNEB)

    Profa. Dra. Lcia Maria Freire Beltro (UFBA)

  • AGRADECIMENTOS

    A Celsina de Castro Ramos e Adhemar da Rocha Ramos, pais amados, cujas imagens vivas, no lbum da

    memria, o tempo no desbota e no as torna menos queridas.

    A Vozinha, pelas garapas doces e oraes sinceras quando eu ainda cria; Yai, pelos quitutes, romances

    e quintal saboreados.

    A tio Pricles, pelos fogos juninos e tantas outras alegrias pela vida afora.

    A Dulce, Diana e Norma, irms diletas e elos a um passado que a fotografia da parede no faz suspeitar,

    nem de longe, a alegria de t-lo compartilhado com elas. Alm delas, a alegria tambm de compartilhar es-

    te momento com seus queridos rebentos, respectivamente: Shirley, Salette, Tnia, Andrea, Valria, Lucia-

    na, Breno, Renata, Fernanda e Andr.

    Aos filhos queridos, Menandro Filho e Igor Ramos, meus melhores legados, minhas maiores criaes. Se-

    ria impossvel mensurar a gratido que tenho por Lita Ramos; alm dos filhos queridos que me deu, sem-

    pre esteve presente, com garra e coragem, nas rduas batalhas que travamos como parceiros.

    E aos inmeros familiares aqui no citados, como tios(as), primos(as), cunhados, mas nem por isso menos

    queridos, e a outros tantos cujos encontros no mundo nos fizeram cmplices de uma mesma causa: a vida

    para alm da imagem.

    Ao longo das minhas andanas pela vida, muitas pessoas especiais me deram fora, incentivo e carinho

    para continuar caminhando. Desculpando-me antecipadamente com as que, por lapso de minha memria

    no citei aqui, registro os nomes de algumas delas muito, muito especiais: Carlos Frana, Carminha Ra-

    mos, Ceclia de Paula, Cleverson Suzart, Dina Muniz, Eliana Ramos, Expedito Bastos, Felippe Serpa,

    Fernanda Vita, Florpedes (Ful), Guido Arajo, Hildebrando Brito, Ins Marques, Jorge Bonfim, Jos

    Arapiraca, Jos Maria Oliveira, Lauro Tonh, Lcia Beltro, Maria da Conceio Santana (Nenzinha),

    Mrio Lacerda, Marise Carvalho, Mary Arapiraca, Manoelito Damasceno, Neamilton Belchorte, Nelson

    Pretto, Nildia Andrade, Paulino Souza, Renato Santos e Wilson Dias, Reinaldo Gonzaga, Sylvio Ramos,

    Soraya Magalhes.

    Coletivamente, gostaria de agradecer ao Departamento de Educao II, ao qual estou lotado, e com o qual

    mantenho uma grande sintonia, que extrapola o vnculo legal, por ter possibilitado, na pessoa de alguns

    caros colegas, a continuidade da minha pesquisa iniciada j faz algum tempo, mas demoradamente con-

    cluda por razes alheias a minha vontade, independente das minhas limitaes pessoais. Nas pessoas dos

    que estiveram frente do referido Departamento durante todo esse perodo, meus mais sinceros agrade-

    cimentos, estendidos aos funcionrios da FACED/UFBA, com quem sempre pude contar.

  • Dois projetos da FACED/UFBA, nas pessoas das suas respectivas coordenadoras, merecem ser lembrados,

    por terem sido campos das minhas realizaes imagticas. Sempre fui distinguido no Projeto Irec e no

    Projeto Salvador com o carinho dos colegas e dos cursistas. Meu muito obrigado a todos.

    Fao ainda o registro do meu reconhecimento aos familiares do Prof. Felippe Serpa, com os quais pude

    contar para a realizao do meu trabalho.

    A participao de alunos das disciplinas que leciono, bem como dos participantes da Atividade Curricular

    em Comunidade, ACC, inclusive dos seus diligentes monitores, por mim coordenada, foi fundamental pa-

    ra que eu levasse a cabo minha pesquisa. Sem a presena deles tudo no passaria de um deserto de lucu-

    braes acadmicas cinzentas e, talvez, estreis. Foram eles que coloriam a minha investigao. Agradeo-

    os, pois, de corao.

    Tambm no poderia deixar de agradecer a algumas comunidades com as quais tive profcuos contatos,

    independentes do tempo de durao que passei com cada uma delas. Assim, a comunidade da Gamboa de

    Baixo, em Salvador, a comunidade dos ndios Kiriri, de Mirandela e a comunidade do So Francisco do

    Iguape, no Recncavo baiano, tm o meu eterno reconhecimento.

  • Na luta de classes, todas as armas so boas: pedras, noites e poemas.

    Leminski

    Uma civilizao democrtica s se salvar se fizer da linguagem da imagem uma provo-

    cao reflexo, e no um convite hipnose.

    Umberto Eco

  • Conversa com Zavgubnarobraz chefe do Departamento de Educao da Provncia

    m setembro de 1920, o Zavgu-bnarobraz me convocou sua presena e disse:

    - Olhe aqui, meu co, ouvi dizer que voc anda reclamando bea... por-que eles... do Conselho Econmico da Provncia... lhe cederam aquele lugar ali... para sua escola profissio-nal...

    - E como que eu havia de no re-clamar? O caso no s de recla-mar, caso de sentar e chorar aos uivos: que espcie de escola profis-sional aquilo? Imunda, empesteada de fumo! Ento aquilo ali parece uma escola?

    - Pois sim, j sei do que que voc gostaria: que construssem um pr-dio novo, colocassem carteiras novi-nhas, a ento voc se poria a traba-lhar. No so os prdios que impor-tam, meu caro, o que importa edu-car o homem novo, mas vocs, pe-dagogos, sabotam tudo: o prdio que no lhes agrada, so as mesas que no lhes servem. O que lhes fal-ta ... o fogo, sabe aquele... o revo-lucionrio. Janotas, o que vocs so.

    - Eu at que no sou janota.

    - V l, voc no ... Intelectuais sarnentos!... Eu procuro e procuro, temos uma tarefa to grande pela frente: proliferam esses vagabundos, moleques abandonados no se pode mais andar pela rua, at resi-dncias eles invadem. E s o que eu ouo , isto assunto seu, respon-sabilidade do Departamento de Edu-cao Pblica... E ento?

    - E ento, o qu?

    - isso a: eles no querem nem sa-ber, com quem quer que eu fale, s recebo recusa redonda eles vo nos esfaquear, falam. O que querem um bom escritorinho, seus livri-nhos... Olhe s para voc, at culos j botou...

    Desatei a rir:

    - Ora vejam, agora at meus culos atrapalham!

    - O que eu quero dizer que vocs s querem saber de leitura, mas se lhe puserem pela frente um ser hu-mano vivo, l vo vocs: o tal ser humano vivo vai me matar! Intelectu-ais!

    O Zavgubnarobraz me espetava com seus olhinhos negros enfezados, e de sob o bigode nietszchiano, emitia improprios contra toda a nossa con-fraria pedaggica.S que ele no ti-nha razo, esse Zavgubnarobraz.

    Mas oua-me por favor...

    - Oua-me, oua-me... Ouvir o qu, para qu? O que que voc pode me dizer?... Vai me dizer, ah, se fos-se daquele jeito... como na Amrica! H pouco eu li um livreco a esse respeito, algum me empurrou. Re-formador... ou, como mesmo, es-pere... isso mesmo, reformatrios. Pois bem, isso ns ainda no temos.

    - No isso, o senhor me escute.

    - Muito bem, estou escutando.

    Mesmo antes da Revoluo j se sabia lidar com esses vagabundos. J existiam as colnias para delin-qentes juvenis.

    - Isso no nos serve, sabe... O que foi antes da Revoluo no presta para ns.

    - Certo. Isso significa que temos de criar o homem novo de maneira no-va.

    - De maneira nova, isso mesmo, nis-so voc est certo.

    - Mas ningum sabe fazer isso.

    - Nem voc sabe?

    - Nem eu sei. [...]

    Poema Pedaggico, A. S. Makarenko

    E

  • RESUMO

    O presente trabalho a histria de meu envolvimento profissional, em mais de trs dcadas,

    com o universo imagtico. Tendo sido uma experincia vivida, mais de dois teros do tempo,

    em sala de aula na Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia. O percurso me-

    todolgico do trabalho foi realizado a partir de um vasto envolvimento bibliogrfico com a

    temtica da imagem e do universo da comunicao audiovisual, do qual procurei fazer um in-

    ventariado iconogrfico de aspectos e abordagens. Isso, especialmente, no que concerne s

    questes ligadas ao processo ensino-aprendizagem, isto , relacionadas com a construo do

    conhecimento na sala de aula. Mltiplos enfoques advindos da investigao, com propsitos,

    sobretudo, de subsidiar a prtica docente, no meio da qual se inserem aspectos ligados co-

    municao, foram adotados. Tendo observado que a melhor maneira de estudar a imagem

    pelo exerccio com a prpria imagem, passei a chamar de prxis imagtica a que consiste no

    trabalho de produzir imagens ou situaes em que elas estejam presentes. Adicionalmente, pa-

    ra, ao mesmo tempo em que o exerccio se faz, poder refletir sobre o que produzido, realizei,

    experimentalmente, entre outros, um material audiovisual videogrfico com o aporte das

    ferramentas tecnolgicas digitais contemporneas e de subsdios do quadro terico-conceitual,

    previamente, erigido. Na parte final, em conformidade com o design delineado, fao uma re-

    flexo sobre o processo das elaboraes videogrficas e sobre as consideraes manifestadas

    aps cada exibio feita para o pblico presente.

    Palavras-chave: imagem, aprendizado, estudo e ensino, ensino-aprendizagem, produo au-

    diovisual, linguagem.

  • ABSTRACT

    The current work is the history of my professional involvement with the imagetic universe for

    more than three decades in classrooms at the Faculdade de Educao of the Federal Universi-

    ty of Bahia. The methodological path was done by means of a vast bibliography related to the

    image and the universe of audiovisual communication, of which I have tried to write an icon-

    ographic inventory of aspects and approaches, especially in what concerns the process of

    teaching and learning, that is, the construction of knowledge in the classroom. Multiple ap-

    proaches resulting from the investigation were adopted in order to help the teaching practice,

    such as those related to communication. As I have observed that the best way to study image

    is through the exercise with image itself, I started naming imagetic praxis that one which

    produces images or situations where they are present. I also experimented an audiovisual

    videographic material with the help of technological digital contemporary tools and a

    theoretical conceptual frame that was previously built. Eventually, in keeping with the project,

    I examine the videographic process and the questions asked by the public after each exhibi-

    tion.

    Key words: image, learning, study and teaching, teaching and learning, audiovisual produc-

    tion, language.

  • LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1 Desenho de Andr Le Blanc ........................................................................Pg. 45

    Imagem 2 Pintura de Jan Steean ...................................................................................Pg. 59

    Imagem 3 Fotomontagem com escult. e pint. de Michelangelo, David e P. Amrico...Pg. 72

    Imagem 4 Fotomontagem com pintura e foto de Mantegna e Alborta..........................Pg. 72

    Imagem 5 Desenho. Cartum de Menandro Ramos .....................................................Pg. 133

    Imagem 6 Pintura de Rafael Sanzio ............................................................................Pg. 136

    Imagem 7 Desenho. Cartum de Menandro Ramos .....................................................Pg. 151

  • SUMRIO

    DIRECIONANDO O OLHAR: AS PRIMEIRAS MIRADAS................................

    14

    Antes do princpio........................................................................................................

    16

    O PORQU DO ESTUDO DA IMAGEM E DO AUDIOVISUAL.........................

    33

    ARQUEOLOGIA DA MEMRIA IMAGTICA....................................................

    37

    No princpio era a imagem fixa...................................................................................

    37

    Os primeiros movimentos flmicos..............................................................................

    46

    Senhor fazer, senhor refletir, muito prazer!..............................................................

    50

    Memria icnico-imagtica: um ir e vir infinito........................................................

    59

    Imagens, palavras e armas: alicerces dos imprios...................................................

    63

    O artista um trapaceiro?...........................................................................................

    68

    Porque so elas e porque sou eu..................................................................................

    74

    Enquanto isso, eu me profissionalizava......................................................................

    77

    IMAGENS: CAMINHOS, FORMAS, CONCEITOS E OUTROS.........................

    82

    Profuso de imagens, formas e cores no capitalismo................................................

    82

    A imagem na escola ontem e hoje...............................................................................

    86

    Imagem muita coisa, mas no de verdade............................................................

    101

    Outros....................................................................................................................... 112

    Sobre imagens e afins................................................................................................... 112

  • IMAGEM, TCNICA E TECNOLOGIA................................................................. 119

    Desenho - um Ensaio de Abordagem.......................................................................... 119

    De quantas maneiras se pode desenhar?.................................................................... 120

    O que significa o Desenho no contexto da sociedade?...............................................

    121

    Um Breve Ensaio sobre a Fotografia e a Leitura Crtica do Discurso Fotogrfi-

    co..................................................................................................................................

    121

    Os caminhos da fotografia...........................................................................................

    123

    A fotografia enquanto linguagem...............................................................................

    126

    As Tecnologias Contemporneas e os Desafios para a Escola com Futuro............

    128

    LUZ, CMERA AO, E DEPOIS?........................................................................

    133

    DEPOIS DA HORA - DH............................................................................................

    156

    REFERNCIAS...........................................................................................................

    157

    ANEXOS E APNDICES...........................................................................................

    165

  • 14

    DIRECIONANDO O OLHAR: AS PRIMEIRAS MIRADAS

    O presente trabalho, intitulado Investigao sobre o fazer e o pensar mensagens au-

    diovisuais no cotidiano pedaggico: inventariado iconogrfico de aspectos e abordagens

    do universo imagtico fruto de um percurso pessoal, permanentemente afetado por objetos,

    seres e eventos, desde o seu nascedouro, antes mesmo de materializar-se na forma de projeto

    acadmico. a histria de um envolvimento profissional de mais de trs dcadas com o uni-

    verso imagtico, sendo que, mais de dois teros desse tempo, em sala de aula.

    Ao debruar-me sobre a sistematizao e possibilidade de investigao da comunicao

    audiovisual, voltada para o chamado espao pedaggico formal, no qual atuo, deparei-me com

    a necessidade de envolvimento com outros campos do saber, num primeiro momento no co-

    gitado, dado a complexidade da temtica investigada, envoltura essa, entretanto, que no per-

    deu o foco das questes e dos aportes mais diretamente ligados ao campo iconogrfico, en-

    quanto elementos de linguagem.

    Fundamentalmente, a indagao bsica afluda nos primrdios do meu envolvimento,

    era a de como a imagem e os recursos audiovisuais poderiam contribuir para a melhoria do

    processo ensino-aprendizagem e de como os docentes, dos diversos nveis de ensino, poderi-

    am fazer um melhor uso deles no seu exerccio profissional cotidiano. Os desdobramentos das

    proposies iniciais, apresentadas em nvel tcnico-operacional, extrapolaram-se, entretanto,

    do fazer pedaggico instrumental para a reflexo crtica sobre outros aspectos comunicacio-

    nais, potencializados pelas Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC), de acordo com

    designao contempornea, apropriados pelas instncias escolarizadoras, em geral, na pers-

    pectiva de um projeto de educao a servio de uma proposta poltica de transformao, por-

    tanto, em sintonia com um Projeto Histrico de Conquista e Construo da Cidadania.

    Num pas de renda concentrada e com grande ndice de excluso social, como o caso

    do Brasil, a posse, o controle dos meios e a disseminao de mensagens audiovisuais por um

    segmento social - ou de forma enfatizada -, por apenas uma parte mnima da sociedade, pode

    significar expedientes de legitimao das desigualdades sociais. Isso se d pelo uso dos meios

    simblicos com propsitos de manuteno dessa assimetria, atravs da criao de enunciaes

    capazes de provocar estados de encantamento e letargia sobre receptores semipassivos. Semi-

    passivos porque, os recebedores das mensagens, potencialmente, sempre esto prestes a sair

    do torpor em que se encontram, atravs da mediao crtica da recepo. Isso possvel pelo

  • 15

    esclarecimento, pelo exerccio democrtico da comunicao, horizontalizado, participativo,

    dialogado. A concentrao e a posse dos meios de informao, assim como a hegemonia da

    enunciao circunscrita a uma minoria social bice para a realizao de polticas pblicas de

    comunicao verdadeiramente cidads1. Dentre outras instncias sociais, a escola, em todos

    os nveis, poder fazer essa mediao, desde que algumas condies sejam preenchidas, entre

    as quais, a conscincia do desequilbrio da distribuio econmica na sociedade (ou da luta de

    classes); a noo da necessidade de apropriaes tecnolgicas (ressignificao ou recontex-

    tualizao), bem como do apoderamento das mltiplas linguagens hegemnicas; do desejo e

    da vontade de transformao/emancipao dos que so partes constitutivas dessa escola; da

    criao de dinmicas de resistncia e superao.

    O presente trabalho teve como percurso metodolgico um vasto envolvimento biblio-

    grfico com a temtica da imagem e do universo da comunicao audiovisual, de forma mais

    ampla, especialmente no que concerne s questes ligadas ao processo ensino-aprendizagem

    ou relacionado com a construo do conhecimento na sala de aula e aos mltiplos enfoques

    advindos da investigao com propsitos, sobretudo, de subsidiar a prtica docente, no meio

    dos quais se inserem aspectos ligados comunicao. Em seguida, produzi, experimentalmen-

    te, material audiovisual (videogrfico), entre outros, com o aporte das ferramentas tecnolgi-

    cas digitais contemporneas e subsdios no quadro terico-conceitual, anteriormente erigido,

    para posterior anlise. Na etapa final, conforme design anteriormente delineado, pude refletir

    sobre o processo das feituras videogrficas e das manifestaes naturais do pblico aps cada

    exibio.

    1 No sentido que Luckesi (1986: 34) e outros entendem por cidadania: [...] a posse dos direitos e o exerccios

    dos deveres por todos os membros da sociedade. importante ressaltar que no basta assegurar os direitos e

    deveres apenas do ponto de vista formal. Luckesi (Ibid.:34-35) assim esclarece: Cidadania, ento, no o sim-

    ples fato de estar registrado geopoliticamente dentro de uma nao nem to pouco a garantia dos direitos na

    formalidade da lei, Cidadania ser aqui entendida como a concreta e histrica realizao dos direitos, seguida da

    possibilidade de realizar os deveres. \isso implica, de um lado, a realizao dos direitos civis (liberdade, de pen-

    sar, liberdade de expressar-se, de ir e vir, etc); implica a realizao dos direitos polticos (poder escolher e ser

    escolhido para direo dos bens sociais; modernamente, isso significa o direito de votar e ser votado); e, final-

    mente a realizao dos direitos sociais (direito ao trabalho, alimentao, moradia, educao, sade, ao la-

    zer, etc...). Por outro lado, a cidadania implica tambm na realizao concreta dos deveres. Cada cidado est

    obrigado, em contrapartida, a contribuir para o bem-estar dos outros membros da sociedade; obrigao esta tra-

    duzida em trabalho, produtividade, servios aos semelhantes, solidariedade, etc.

  • 16

    Antes do Princpio

    Minha tese sobre imagem, mas antes de inici-la preciso de umas tantas palavras, tal-

    vez um pouco mais de meia dzia, para trazer alguns esclarecimentos teis para a sua com-

    preenso. No s para o conforto do leitor, mas para o meu prprio bem, segundo suponho.

    Oxal no me engane!

    Talvez eu no conseguisse traz-los bem, usando apenas as imagens2. que as palavras

    tm uns conectivos mgicos, que eu chamo de coringas, que facilitam imensamente a vida

    do animal poltico, no meio do qual me incluo. Penso, logo, no quo seria fastidioso para o

    leitor das Histrias em Quadrinhos se no existissem os prestativos enquanto isso. O mni-

    mo que aconteceria era perdermos a noo do tempo, enquanto a noo de sincronia iria para

    o espao e levaria consigo o conceito de no-linearidade. A nossa percepo do mundo seria

    pobremente diacrnica e a memria s se manifestaria como aquelas pobres ovelhas de Tem-

    pos Modernos, imortalizadas por Chaplin: lembranas apenas enfileiradas, sempre uma atrs

    da outra.

    Desde muita criana, sou encantado com os conectivos (creio que no seria de todo er-

    rneo cham-los de sinapses extracerebrais) - esses bem amados elementos de ligao e pro-

    dutores de sentido global - a ponto de pensar em homenage-los em praa pblica com mo-

    numental escultura imagtica, bem moda da boneca Emlia, da oficina lobatiana. Logo se v

    que no nutro qualquer sentimento antinmico entre as palavras e as imagens. To-pouco

    desprezaria umas pelas outras ou vice-versa, ainda mais que aprendi com Millor Fernandes

    sobre a dificuldade de dizer com imagens que elas valem mais que mil palavras. Mesmo

    considerando a possibilidade de uma mente espirituosa fotografar um escrito que diz que

    uma imagem vale mais do que mil palavras e apresent-lo numa foto (portanto uma ima-

    gem), da anttese proposta pelo criativo humorista brasileiro, sntese essa que em nada melho-

    raria a relao entre as imagens e as palavras que alguns insistem em v-la de oposio entre

    si.

    2 De certa forma, no estou contrariando Bhattacharya, citado por Neiva Jr. (1986: 5-6), quando diz que Ao re-

    presentarmos uma forma qumica como [...] isso no significa que uma estrutura como essa no possa ser repre-

    sentada por uma seqncia de frases. Acontece que uma representao assim nos possibilita ver os elementos di-

    ferentes da estrutura em relao uns com os outros. No sentido cognitivo, nestas circunstncias, podemos dizer

    com propriedade que uma imagem vale mil palavras. O grifo meu e foi feito para dizer que o citado autor as-

    sinala bem a situao em que a imagem vale mais. Entretanto, no podemos dizer que se aplica a todas as cir-

    cunstncias, pois no meu relato a seguir, duas palavras vo dar sentido a dois quadros ou a duas imagens. Sem

    essas duas palavras, certamente, muitas e muitas imagens seriam necessrias. Quem sabe, at mais de mil...

  • 17

    Eu tinha um sonho, mas acabei abrindo mo dele. E lamento por isso. Quero crer que

    essa confisso pblica, mesmo expondo o meu lado pusilnime, tenha o propsito de estimu-

    lar outrem em persistir no que fraquejei. Eu queria fazer uma tese sobre imagens apenas me

    valendo de um filme ou de um vdeo, mas algo que no fosse apenas visto como um exerccio

    pirotcnico de metalinguagem e que dispensasse o paper escrito, conforme manda a tradio

    universitria. Ou seja, que eu pudesse entregar na secretaria da Ps-Graduao do meu curso

    apenas cpias de uma produo em DVD, por exemplo, para serem encaminhadas aos respec-

    tivos membros da banca que fossem participar da avaliao do meu trabalho ou do meu es-

    foro imagtico.

    Contudo, acho que me faltou coragem para, seno tecer armas contra a academia, pelo

    menos em tentar convencer meus pares a aceitarem um audiovisual covarde como requisito

    nico de tese. Explico o termo: ainda criana, no interior, aprendi que, quando acordamos,

    podemos (pelo menos, alguns podem) nos valer de um caf covarde ou de um caf valen-

    te no nosso desjejum matinal. Por valente entendamos o caf puro, sem nada mais para

    enfrentar a fome, seno ele prprio. Ao contrrio desse, o caf covarde ou mofino sempre

    se fazia acompanhar das melhores massas que se podia dispor naquele tempo como o cuscuz,

    o beiju de tapioca com manteiga de garrafa, a batata cozida, o inhame, a banana da terra, o

    avoador, o bolo frito no leo de coco, o bolo de ximango e tantas outras adorveis armas, in-

    falveis no combate da fome que, alis, no era pouca. escusado dizer qual o tipo do caf

    preferamos. Feito esse esclarecimento, posso ento prosseguir, mas antes, pedindo mil des-

    culpas ao leitor pela quebra de linearidade. De repente, senti-me escrevendo um roteiro e fa-

    zendo um corte brusco, sem qualquer elemento de transio, bem maneira do diretor norte-

    americano de cinema, Woody Allen.

    Na verdade o que eu queria mesmo era estar autorizado a defender, ou melhor, argu-

    mentar uma tese sobre imagens, valendo-me apenas da prpria imagem e do argumento da

    luz. E pronto. evidente que o trabalho no seria apenas de natureza imagtica, uma vez que

    o tempo todo a linguagem verbal, oral e/ou escrita, estaria tambm presente. O mnimo que

    poderamos dizer, pois, que seria dotado de um cdigo misto, e nesse caso, audiovisual. A

    luta seria, assim, para isentar-me do produto impresso, pela prpria natureza do trabalho

    proposto.

    Numa entrevista que gravei, em vdeo, com o Prof. Duarte Jnior, do Departamento de

    Artes Plsticas da UNICAMP, sobre a importncia da imagem na educao, tentei fazer-lhe

  • 18

    uma provocao sobre esse conservadorismo das universidades, quanto a aceitao de traba-

    lhos imagticos para qualificao acadmica, nos tempos atuais, e ele assim se manifestou:

    Nesse sentido, na questo da imagem na educao, eu acho importan-

    te tambm, essa relao que hoje, s vezes um pouco conflituosa,

    das artes dentro da academia, das artes dentro da universidade. A gen-

    te, l na UNICAMP, tem encaminhado isso de uma maneira boa, na

    USP tambm. De uma maneira boa, no sentido de que a academia en-

    tenda que publicar no s um texto escrito, que publicar tem o senti-

    do de vir a pblico. Quer dizer que obras de arte produzidas na aca-

    demia so resultado de uma pesquisa: uma pea de teatro, um concer-

    to, uma exposio de quadros, de artes plsticas, isso vir a pblico,

    isso publicar. Ento, a arte hoje est sendo mais reconhecida, mas

    ainda um embate, quer dizer, a gente mostrar para a academia que

    ns produzimos conhecimento, um outro tipo de conhecimento, mas o

    conhecimento esttico uma forma de conhecimento, e isso ainda es-

    barra em setores mais conservadores, digamos assim, da universidade.

    que eles ainda no entenderam que existem muitas epistemologias

    do conhecimento (DUARTE JR., 2006).

    Tambm numa outra entrevista (mais uma vez sobre a importncia da imagem na edu-

    cao) com o professor e fotgrafo Thomas Farkas, da Escola de Comunicaes e Artes

    (ECA), da USP, um dos pioneiros do Departamento de Jornalismo e do ensino da fotografia,

    onde desenvolveu tese de doutorado sobre os mtodos de realizao de seus documentrios,

    ele falou-me das dificuldades encontradas por ocasio da sua pesquisa e do dogmatismo de

    alguns pesquisadores em relao aos mtodos de investigao com a imagem. Esses dilogos

    que tive no me deram muito nimo para prosseguir no meu intento. Imaginei que as dificul-

    dades no seriam poucas.

    Provavelmente eu teria o aval de meu orientador, vido por desafios, assim como de ou-

    tros colegas e parceiros da Faculdade de Educao, mas s em pensar na trabalheira que eu te-

    ria para inventar uma boa argumentao, a fim de convencer uma banca (nem sempre afeita a

    novidades), sobre validade e a importncia de um produto flmico como mdia de argumen-

    tao, desisti do meu sonho, mas sem deixar de carregar interiormente um sentimento de frus-

    trao. Ainda hoje me visita, por vezes, aquele pensamento melanclico de ter fraquejado, de

    no ter lutado por algo que acredito como deveras importante, e vem tambm o sentimento de

    no ter contribudo para a renovao da linguagem na academia (no sentido de um acrsci-

    mo), ou de no ter tido coragem de dar um primeiro passo, ainda que talvez curto, para que is-

    so acontecesse. No para fazer algo extico, ou para criar modismos ou por julgar a lingua-

  • 19

    gem audiovisual superior escrita tradicional, mas por entend-la to importante quanto ou-

    tras linguagens nas mltiplas possibilidades da comunicao humana.

    E ao rever a entrevista do Prof. Duarte Jnior, me ocorreu que muitas vezes ns pr-

    prios nos impomos uma autocensura e repassamos para o outro a responsabilidade das nossas

    acomodaes. Senti-me como o prprio recruta e barbeiro da anedota que, ao inquirir o gene-

    ral, seu superior no exato momento em que lhe fazia a barba, e com a navalha prxima da

    sua jugular sobre o porqu das filhas dos generais nunca se casarem com um recruta, ao que

    o oficial (cndida ou astutamente) responde: Ora, bolas! Porque vocs nunca pedem!....

    Mea-culpa, pois. Assumo a responsabilidade por no ter, sequer, sugerido a transgres-

    so aos generais da academia. De qualquer forma, vali-me do pretexto da tese para realizar

    alguns vdeos, experimentado aplicar o que os livros, os filmes e as minhas vivncias me en-

    sinaram. O labor da construo videogrfica e seus frutos, ainda que modestos, encheram-me

    de alegria. Meu desejo socializar o que aprendi com meus alunos.

    Depois dessa meia dzia de palavras talvez at abusando delas, inicialmente sem a

    pretenso da prolixidade, o que acabou acontecendo, mas que, de todo modo, mostra que a

    minha afinidade com as imagens no me faz desamar as palavras, ao contrrio passo a falar

    da minha tese propriamente dita.

    Gostaria imensamente de poder escrever como Magritte o fez numa das suas telas famo-

    sas: Ceci n'est pas une pipe (Isto no um cachimbo), porm substituindo o que no francs

    seria cachimbo pela palavra tese, cujo nome pomposo me parece pouco adequado para

    um trabalho muito simples, ainda que feito com muita seriedade e empenho. Se o pintor bel-

    ga, entretanto, gozava da licena que o surrealismo e a prpria arte o concediam para escrever

    que a representao de um objeto no era um objeto, no que estava certo, dessa mesma prer-

    rogativa no disponho. S me resta, ento, adjetiv-la como pequena, com a autoridade que

    a lngua e o bom senso me conferem.

    Em nenhum momento pensei em fazer algo que transgredisse o conceito de tese, entre-

    tanto, optei por buscar um modo prprio de investigar sobre imagens, com extenso para

    mensagens audiovisuais, aps longo exame dos modelos mais conhecidos de pesquisa.

    Em que pese o respeito que tenho por quem assim o faz, pois seria uma das opes para

    desenvolver a minha investigao, descartei logo de incio a idia de usar quantitativos den-

    sos, de testar matematicamente hipteses formuladas, ou de hipteses substantivas e estatsti-

    cas, de teste da hiptese nula, de testes experimentais, de fazer uso de diferena entre as m-

  • 20

    dias, de questionrios extensos, de anlise de covarincia, de varivel concomitante (covaria-

    te), de tratamentos randmicos, de tabelas comparativas, de tcnica survey e de todos esses ar-

    tifcios inventados pela agudeza do esprito humano para tentar fisgar os fragmentos do real.

    Poderia at propor uma hiptese, mas sem a preocupao de demonstr-la ao p da letra:

    Num sistema econmico-social de relaes assimtricas h aspectos do uso de cdigos

    comunicativos que tm um sentido de ocultao. Seu desvelamento significa a exposio

    de suas fragilidades e constitui a construo de oportunidades para sua superao. Os

    objetivos, por sua vez, teriam a mesma linha: Identificar, cartografar, analisar e cotejar as

    obras que discutem as questes relativas s imagens; levantar conceitos e termos mais

    significativos para a investigao; realizar construtos imagticos com base no lido, no

    assistido, no sofrido, enfim, no vivido, para posterior reflexo do caminho percorrido,

    com o propsito de instrumentalizao da razo emancipadora. Essa ltima teria como

    destino os espaos de convivncia entre docentes e discentes e jamais se limitariam s

    prises de papel, em prateleiras de frios depsitos de livros.

    Nos estudos que fiz sobre esses importantes engenhos cientficos, que tm por intuito a

    aproximao da verdade, convenci-me da sua validade, principalmente quando se buscam al-

    guns resultados, porm, ainda assim, pelo meu objeto pesquisado, as imagens em certas cir-

    cunstncias, preferi algo mais simples, uma vez que o meu propsito no era a busca da exati-

    do numrica, mas a viso panormica, e quem sabe at um pouco desfocada, mesmo. Para

    mim j era de bom tamanho. Contanto que ela redundasse em aes posteriores.

    importante que eu esclarea que, no incio da minha docncia, cheguei a fazer algu-

    mas incurses pela pesquisa experimental, mas medida que fui me inteirando dos resultados

    dessas investigaes, conforme falarei mais adiante, e de refletir sobre os mesmos, decidi op-

    tar por um outro tipo de abordagem.

    Tambm ao longo da minha docncia, pude observar que a melhor maneira de estudar a

    imagem (e isso, creio, no se aplica somente a ela), ou sobre a sua importncia e os efeitos

    que ela pode produzir, exatamente exercitando o que passei a chamar de a prxis imagti-

    ca, que consiste no trabalho de produzir imagens ou situaes em que elas estejam presentes

    e, ao mesmo, tempo refletir sobre o que produzido. Alis, esses procedimentos, se no so

    rotineiros em outras reas, pelo menos, bem ou mal, no s acontecem de alguma forma, co-

    mo tambm so sobejamente recomendados. Sendo assim, tenho conscincia que no estou

    inventando nenhuma novidade e to-pouco querendo assumir a paternidade do procedimento.

  • 21

    No universo da imagem e da comunicao audiovisual, entretanto, no creio que essa

    prtica seja muito comum, pelo menos no que j pude presenciar, no limite do meu circuito de

    atuao. Vi sempre o divrcio entre a prtica e a teoria, o que raramente permite (se que

    permite) que se tenha uma viso mais abrangente do todo. Sinto que h at mesmo um certo

    preconceito de quem teoriza, em relao a quem pratica, e vice-versa. Parece que isso po-

    de ser explicado pela presena do velho legado grego, ou para no ir to longe, pela lgica da

    casa grande e da senzala, como costumava se referir o Prof. Felippe Serpa...

    Partindo das minhas vivncias, dessa forma, resolvi pautar o meu trabalho por uma li-

    nha de raciocnio anloga, ou seja, decidi debruar-me sobre o que j se produziu (ou o que

    estivesse ao meu alcance, para ser mais exato) de reflexo referente imagem e ao universo

    audiovisual e, concomitantemente, ir realizando algumas produes imagticas para, em se-

    guida, refletir sobre o realizado. Evidentemente que essa linearida simplista (e por vezes ing-

    nua, na melhor das hipteses) apenas uma carta de intenes. A complexidade do real se en-

    carregar, decididamente, de apimentar ou adocicar o gosto pela busca e de tornar ou no o

    caminho pedregoso. No meu caso particular, talvez possa citar um dos caminhos que tornaram

    a minha jornada menos rdua pela interao com o outro; pela agilidade de trocas; pela pos-

    sibilidade de errar mil e uma vezes e poder comear tudo de novo, sem perdas considerveis

    aparentes (alm da perda de tempo); pela potencializao da autoria, bem como das aes co-

    laborativas; e por tantas virtudes outras aqui no declaradas e de tantas outras aqui omitidas

    o caminho da rede mundial dos computadores, a internet, ao lado das ferramentas digitais dos

    ambientes informticos, aos quais retomarei mais adiante.

    De incio foi isso: primeiro a convico da relevncia do que me propunha realizar. Esse

    foi o marco zero. E essa certeza dizia respeito importncia do estudo sobre a imagem no es-

    pao pedaggico, ou pelo menos a importncia que lhe tem sido atribuda. Por tudo que temos

    assistido e ouvido sobre a Civilizao da Imagem em que vivemos; pela permanente inves-

    tida miditica aos olhos e ouvidos (e bolso) do leitor, fruidor e consumidor, cujas conseqn-

    cias ainda hoje no se tem muita clareza no todo, embora parcialmente j se saiba alguma coi-

    sa e por uma suposta fragilidade do pblico em relao ao apelo imagtico e audiovisual, o

    mnimo que a escola pode fazer , em todos os nveis, trazer a boa discusso para a sala de au-

    la. No com a pretenso de se chegar a um entendimento de imediato sobre tudo, mas na

    perspectiva de acumular saberes dos quais iro precisar homens e mulheres livres, comprome-

    tidos com a construo de uma sociedade justa e melhor, bem diferente da que temos hoje.

  • 22

    No tratei, pois, de pesquisar se a imagem era ou no importante. Parti do suposto que

    estud-la da maior relevncia e que essa assertiva no necessita de demonstrao, por tudo

    que dela j vivenciamos na sociedade contempornea, atravs dos chamados meios de comu-

    nicao de massa. O que mito e o que verdade, as pesquisas podero esclarecer ao longo

    dos anos e isso j vem sendo feito de alguma forma. Muita coisa poder ser desvendada em

    curto prazo, mas tudo, no. A hiptese da possibilidade de eficcia da propaganda subliminar

    (CALAZANS, 2006) que faz uso de imagens visuais ou auditivas poder ser confirmada, ou

    no, atravs da sofisticao dos instrumentos computadorizados que daro melhor acesso ao

    funcionamento do crebro humano. Minha pesquisa sobre as imagens no chega a tanto. Ela

    infinitamente mais modesta...

    Dessa forma, o meu trabalho no o resultado de enquetes laboriosas, nem faz uso de

    tcnicas complexas, mas fruto de observaes simples, pessoais, das ocorrncias do cotidia-

    no, do exerccio docente, do rduo trabalho em laboratrios de informtica ampliados ao am-

    biente domstico at altas madrugadas, das manifestaes observadas despretensiosamente

    nas crianas, nos jovens e adultos de como so afetados pelas manifestaes artsticas imag-

    ticas, enfim, de algo que eu diria mesmo como sendo do senso comum, talvez com a diferena

    de ser mais sistematizado. Em funo do meu envolvimento com as imagens e com o universo

    audiovisual, enquanto docente da Faculdade de Educao, constru o meu objetivo geral na re-

    flexo sobre algumas contribuies que o estudo da imagem pode trazer, ou vem trazendo, ao

    processo de ensino e aprendizagem, com vistas ou na busca de um melhor uso dos audiovisu-

    ais, na perspectiva crtica tanto da parte do produtor-emissor quanto do recebedor, pautada pe-

    la tica norteadora da construo de uma conscincia cidad.

    Tempos atrs, quando dialogava com a Prof. Mary Arapiraca sobre minha pesquisa e

    usei o termo com vistas na construo da cidadania plena. Ela ponderou sobre o quanto era

    vago o termo pleno. De fato, concordei com sua ponderao. Certamente o rigor cientfico

    ou suposto -, far pouco caso dessa impreciso. Entretanto, sinto no meu dia-a-dia, a necessi-

    dade de me exercitar com o afeto das palavras e os significados que podemos atribuir a elas.

    Nenhuma preciso matemtica me d o sentido do que seja plenitude, mas eu o sinto. a mi-

    nha subjetividade da qual no posso abrir mo. Embora saiba que a extenso do conceito de

    felicidade seja demasiadamente vago, e at prejudicial a sua compreenso, ainda assim, nunca

    fui impedido de vivenciar momentos felizes durante meu percurso pelo mundo. S no posso

    mensur-los e isso no faria o menor sentido. Sei que jamais poderia quantificar os momentos

    de sensao de felicidade vividos, como esse sendo mais feliz do que aquele etc. Em toda

  • 23

    a minha vida vivida, nas sensaes referidas, essas medidas exatas nunca foram precisas (sem

    a inteno do jogo de palavras) e to-pouco fizeram falta. Em outras situaes do mundo a

    preciso, ou a preciso relativa (ou de erro por pouco) necessria. A prpria fsica trabalha

    com o conceito de erro, estudado por mim ainda na adolescncia. Mas, voltando expresso

    da cidadania plena, no quero descart-la totalmente, mas antes deix-la como um indicati-

    vo de que ainda temos muita estrada a percorrer. Tenho que concordar que o conceito de ci-

    dadania plena seja por demais extenso e, por isso mesmo, talvez inatingvel, mas h de se

    concordar, tambm, que a cidadania que hoje temos, ainda muito pouca ou que apenas

    muito poucos a tm. Creio que a insero do estudo da imagem no currculo escolar, hoje,

    uma necessidade premente e, com certeza, muito contribuir para aumentar a condio de

    cidadania dos indivduos, na medida em que for formando cidados alfabetizados nos meio

    audiovisuais, com a capacidade de fazer leituras crticas de mensagens, que tm por finalida-

    de, muitas vezes, entorpec-los.

    Do ponto de vista do dito rigor cientfico, o dado estatstico e a exatido do percentual

    tm seu valor inquestionvel. J na mirada filosfica, a preciso pode ser deixada de lado.

    No que o referencial estatstico desmerea a ateno da Filosofia, muito pelo contrrio. A

    elevada taxa de analfabetismo, por exemplo, no deve ser objeto de ateno apenas de tcni-

    cos em educao, de administradores, de agentes de governos ou de polticos (alguns s em

    poca de campanha), mas de toda sociedade. O alto percentual de latrocnio ocorrido em pa-

    ses pobres aflige tanto quanto o aumento da percentagem de suicdio em pases ricos. No

    -toa que tais percentuais vm sendo substrato de filsofos, pedagogos, cientistas sociais, an-

    troplogos e demais profissionais da rea das humanidades. Diria, ento, que a minha investi-

    gao tem um vis mais filosfico do que cientfico, isto , no que diz respeito ao uso de ins-

    trumentos da cincia.

    Sempre achei que as questes imagticas deveriam ser objeto de maior ateno por par-

    te das escolas. Isso em todos os nveis. Incomodava-me a subutilizao das imagens, e dos re-

    cursos audiovisuais como um todo, na prtica docente. Isso contribuiu para eu me interessar

    pela pesquisa nessa rea. O cartaz de cartolina, esse to nosso conhecido audiovisual, e ou-

    tros de nomes imponentes para suportes to simples, como o feltgrafo, o imangrafo, o flip

    chart, o quadro de pregas, a transparncia e todos esses velhos conhecidos dos professores

    mais antigos podem prestar, ainda hoje, mutatis mutandis, bons auxlios aos docentes e aos

    discentes no ensino e na aprendizagem, mas acho tambm que podemos ir muito alm deles.

    Discordo do uso especialista desses recursos. A utilizao e a produo de cartazes, painis,

  • 24

    vdeos, ambientes virtuais e interativos, games, entre outros, no devem ser apenas privilgio

    das expertises na rea como artistas, programadores visuais, designers instrucionais, webde-

    signers e quejandos, mas de cidados em situao de comunicao. Esse o princpio geral e

    constitui para mim um postulado. Sempre fui adepto do trabalho colaborativo entre profissio-

    nais de formao diversificada: pedagogos, psiclogos, designers (includos, aqui, os artistas),

    profissionais de comunicao (redatores, fotgrafos, cinegrafistas), profissionais de informti-

    ca e outros, (sem a pretenso da categorizao profissional rigorosa), enfim, das mltiplas ca-

    pacidades em confluncia para bons projetos.

    Nos tempos atuais, os diascpios, os episcpios os epidiascpios, os magnetoscpios, as

    mquinas de ensinar, os projetores de Super 8 e de 16 mm e toda aparelhagem produzida pela

    indstria pedaggica (com a funo imprecisa entre contribuir para com a tecnologia edu-

    cacional, conforme se denominou, ou a simples obteno do lucro financeiro considerando

    serem oriundas de matrizes capitalistas de peso ou as duas coisas), foram substitudos pelas

    telas de cristal lquido sobre retroprojetores (Displays de LCD ou Data Show) e logo pelos

    projetores de multimdia, ambos tendo por interface o computador. Os projetores de multim-

    dia, por sua vez (uma espcie de canivete suo eletrnico), vm quase aambarcando as fun-

    es do cartaz, do lbum seriado, do diapositivo (slide), da retrotransparncia, da pelcula ci-

    nematogrfica e da fita de vdeo, mas trazendo, ao mesmo tempo, a alegria para os usurios

    que a eles tm acesso e tambm a idia de progresso para o ambiente pedaggico.

    Por outro lado, as teorias da administrao cientfica voltadas para o aumento da produ-

    tividade no ambiente industrial, a partir do taylorismo e de variaes de modos da organiza-

    o capitalista, adaptados conforme concepes de produo e de contextos econmicos, co-

    mo o fordismo e o toyotismo, alm das referncias psicolgicas do behaviorismo e de teorias

    da comunicao de autores estadunidenses, tiveram eco nas concepes de pensadores ligados

    educao, cujas idias convergiram para uma das tendncias pedaggicas do Ps-Guerra de-

    nominada de tecnicismo. Durante dcadas, essas teorias respaldaram o uso dos recursos audi-

    ovisuais, at serem contestadas suas bases psicolgica pelas idias surgidas no movimento da

    Escola Nova e na Psicologia Gentica de Piaget.

    No lxico da tecnologia educacional foram incorporados inmeros termos da linha de

    montagem e das outras referncias tericas, at hoje usados no cotidiano como produtividade,

    eficincia, padronizao, fluxograma, comunicao de massa, input, output, ciberntica, feed-

    back, decodificao, condicionamento, reforo, apenas para citar algumas. Creio que, tal iden-

    tificao com esses termos, talvez, seja muito mais do que uma simples apropriao lingsti-

  • 25

    ca. Durante dcadas as faculdades de educao brasileiras conviveram (e ainda convivem)

    com esses termos, e sob a influncia de autores de epistemologias muitas vezes opostas como

    Skinner e Piaget, alm de outros autores e pesquisadores com propostas convergentes para as

    idias de um ou de outro, como Mager (1962), Ausubel (1968), Bruner (1968), Gagn (1971),

    e os brasileiros Pfromm Netto (1972), Oliveira (1978), Saldanha (1978), Parra (1977), entre

    outros. Aos poucos duas tendncias bsicas foram se delineando: uma instrucional e outra

    construtivista. Essa ltima sendo influenciada pelas idias piagetianas e continuadas a partir

    de Vygotsky, no incio da dcada de 1960, quando o Ocidente passou a conhecer o pensamen-

    to do terico russo. Nota-se que, a partir da dcada de 1980, o interesse pela discusso do au-

    diovisual na escola vai tomando novas configuraes e se distanciando cada vez mais da

    abordagem sensual-empirista.

    Por longos anos venho estudando as imagens e procurando entender o seu funcionamen-

    to, a sua dinmica na percepo humana, seu papel no processo ensino-aprendizagem ou suas

    contribuies para o enriquecimento do processo educacional; enfim, o que elas vm signifi-

    cando na construo do mundo atravs das culturas e como por elas so lidas.

    O presente trabalho partiu, pois, da idia de que possvel a construo de um conhe-

    cimento mais aprofundado sobre o universo imagtico ou iconogrfico, que, por sua vez, po-

    der contribuir sobremaneira para uma prtica docente mais seminal e frutfera no que diz

    respeito ao uso dos meios de comunicao contemporneos. Assim, esta investigao parte,

    pois, de uma carncia pessoal e profissional em conhecer mais sobre o prprio objeto de tra-

    balho. Antes mesmo de me envolver formalmente na minha pesquisa sobre a imagem e o uni-

    verso audiovisual, j me encontrava mergulhando em questes relativas a decidir o qu e o

    como tratar, em sala de aula, de um universo rico, fascinante e atraente, mas, ao mesmo tem-

    po, escorregadio e lacunar.

    A indagao do que pode e do que no pode a imagem tem sido recorrente, mas, em-

    bora aparentemente simples, encerra dificuldades s percebidas por mim, na sua complexida-

    de, quando da sistematizao do projeto de pesquisa, que culminou com este meu trabalho fi-

    nal. Uma dessas dificuldades era em decidir que tipo de imagem eu contemplaria na minha

    investigao, uma vez que o conceito de imagem de enorme riqueza polissmica, ainda que

    o limitasse com o adjetivo visual. De toda forma, assim o fiz e, baseando-me em algumas

    denominaes j consagradas no campo das imagens, acabei por eleger a expresso imagem

    visual como o conceito que abrigaria outros conceitos da esfera visual quais, desenho, pintu-

    ra, escultura, fotografia, cinema etc. Este ltimo, ainda que constando no rol das imagens vi-

  • 26

    suais, necessitou de um outro destaque, uma vez que a dimenso do movimento o distingue

    dos demais. Desta maneira, a imagem de cinema e de vdeo (ambas sem som) ou, ainda, ima-

    gem flmica e videogrfica esto categorizadas como imagem visual em movimento, con-

    ceito este que as distingue das anteriores, as imagens estticas ou fixas. Da mesma forma,

    estaro as imagens oriundas de seqncias de animao ou as imagens do desenho animado.

    A confluncia de imagens visuais (fixas e em movimento) e imagens sonoras 3 permitiu-me

    trabalhar com o grande conceito guarda-chuva, presente nesta minha investigao, que o de

    meios ou recursos audiovisuais que, por sua vez, deu origem expresso linguagem au-

    diovisual.

    Para dar curso ao meu trabalho, imaginei no me restringir a um nico conceito de ex-

    tenso menor, mas ao contrrio, a idia era de expandi-lo, para alargar o conceito de imagem,

    uma vez que tinha em mente tambm a perspectiva de relacionar cada conceito a um conjunto

    mais amplo de visualidades. No quis, desta forma, trabalhar exclusivamente com um tipo

    de imagem como, por exemplo, o desenho, ou a fotografia. No exerccio docente pode ser de

    grande valia saber quando se deve trabalhar com um desenho ou com uma fotografia, ou

    quando uma aula expositiva se torna mais adequada do que a exibio de um vdeo; ou inda-

    gar sobre a adequao de usar uma foto colorida ou de fazer uso de uma outra em p&b; se

    usar uma foto pequena ou uma grande; ou se preferir uma foto ntida a uma desfocada; se es-

    colher uma foto tirada de cima para baixo ou o contrrio; ou ainda da convenincia de usar

    uma imagem esttica ou de preferir uma outra em movimento. Indagaes como essas no se

    esgotam e por mais simples que paream, respond-las pode resultar em boas pistas para a

    compreenso de aspectos relevantes da comunicao por imagem. Alguns j o fizeram e reco-

    nheo a pertinncia de um estudo dessa natureza. Inicialmente at pensei em explor-lo, mas

    acabei optando por algo que me possibilitasse, alm de uma abordagem reflexiva, uma abor-

    3 Alguns autores admitem o conceito de imagem visual, imagem auditiva ou sonora, imagem tctil etc.,

    de acordo com o rgo do sentido pelo qual a manifestao sgnica percebida, tendo seu fundamento na ana-logia com a imagem visual. Em Vanoye (1993: 16), encontra-se mencionado o conceito de canal de comunica-o, que a via por onde circula a mensagem. Geralmente o canal pode ser definido pelos meios tcnicos aces-sveis ao destinatrio: meios sonoros (voz, ondas sonoras, ouvidos etc.); meios visuais (excitao luminosa, per-cepo da retina etc.). Vanoye ainda prope uma primeira classificao, de acordo com o canal de comunica-o utilizado: 1) mensagens visuais que podem recorrem imagem ou aos smbolos. Quando recorre ima-gem, uma mensagem icnica, a exemplo do desenho e da fotografia; quando recorre ao smbolo, uma men-sagem simblica, como a que produzida pela escrita ortogrfica; 2) mensagens sonoras (palavras, msicas, sons diversos); 3) mensagens tcteis (presses, choques, trepidaes, etc.); 4) mensagens olfativas (perfumes e outros odores); 5) mensagens gustativas (tempero apimentado, cuja leitura de quente). Para serem consi-deradas como mensagens, preciso que haja uma vontade, por parte de um destinador, a dirigi-las a um desti-natrio.

  • 27

    dagem que, de alguma forma, me envolvesse com algum tipo de realizao concreta, fazendo

    uso de imagens.

    Antes de decidir-me pelo trabalho de pesquisa com a imagem em movimento, com nfa-

    se no audiovisual, especulei diversas possibilidades de trabalhar com o cdigo imagtico,

    sempre com o intuito de desenvolver aplicaes que pudessem ser exploradas, posteriormente,

    em salas de aula. Como j havia me envolvido com o universo da informtica, envolvimento

    esse requerido pela docncia das disciplinas Tcnicas e Recursos Audiovisuais, Introduo

    Informtica na Educao e Educao e Tecnologias Contemporneas, todas elas do Departa-

    mento de Educao II, resolvi experimentar as chamadas ferramentas digitais e as introduzi na

    minha pesquisa como ferramentas.

    Mergulhei-me no estudo de alguns programas relacionados com a produo de imagem

    e texto, acabando por me comprometer com a coordenao e com o design do site da Facul-

    dade de Educao/UFBA, praticamente durante todo o perodo em que o Prof. Nelson Pretto e

    a Profa. Mary Arapiraca estiveram frente da direo da referida faculdade. Exceo feita ao

    ltimo ano da gesto de ambos, perodo em que me afastei para finalizar os encaminhamentos

    deste meu trabalho.

    Dessa forma, os sete anos em que passei desenvolvendo pginas para a Faculdade de

    Educao e em laboratrio com as mencionadas disciplinas e mais a Atividade Curricular em

    Comunidade, ACC - Memria Cultural e Iconografia Kiriri, deram-me alguma intimidade

    com as ferramentas digitais, o que certamente acabou contribuindo para decidir os rumos da

    minha pesquisa.

    Enveredei-me, inicialmente, pela produo de pginas web e de ambientes interativos,

    chegando a disponibilizar no meu site4 algumas das experincias realizadas e que tinham co-

    mo destino os alunos das licenciaturas matriculados nas disciplinas ministradas por mim. O

    ambiente que passei a chamar de Estufa Digital 5 prestou-se para abrigar algumas das expe-

    rincias realizadas, voltadas para as reas das Cincias Naturais, das Cincias da Sade, da

    Geografia, das Artes Visuais e da Lngua Portuguesa6, entre outras. Meu site, desta maneira,

    4No seguinte endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro.

    5 Algumas experincias disponibilizadas no ambiente denominado de Estufa Digital podem ser vistas no ende-

    reo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/estufa_digital/estufa_digital.htm 6 Veja nos endereos: http://www.faced.ufba.br/%7Eedc287/t01/gina_dourado/index.htm (ambiente denominado

    por mim de webpoemas que assim defini; Web Poemas: em princpio, at que no modifiquem o que imaginei - e fico feliz se o fizerem - a manifestao do sentimento humano atravs do cdigo verbal, oral ou escrito, tendo como suporte a Web, valendo-se, preferencialmente, dos recursos que ela oferece ou vir a ofere-

    cer) e http://www.faced.ufba.br/~menandro/poemas/index_poemas.html.

  • 28

    passou a ser um espcie de caderneta de campo e tambm de uma vitrine, onde eu ia de-

    positando todo tipo de experincia realizada a partir das ferramentas digitais e fruto da minha

    alfabetizao no mundo virtual e tambm de trabalhos de alunos. Recuperei desenhos antigos

    (charges7), ainda do tempo em que eu trabalhava em jornal e feitos com as ferramentas tradi-

    cionais como caneta nanquim e com ponta de feltro (hidrocor), que passaram a ganhar co-

    res, com o auxlio de programas de edio de imagem fixa e comearam a figurar no meu site,

    ao lado de caricaturas tambm antigas8, de fotos documentais

    9, de ensaios fotogrficos

    10, de

    imagens de sntese combinadas com chapas radiogrficas11

    , de experincias com pequenas

    animaes (webcharges 12

    ), textos gerais13

    e especficos14

    da minha pesquisa ou de refle-

    xes sobre o universo imagtico, inclusive de alguns que passaram a compor o texto desta te-

    se. E o melhor desse ambiente o fato de se puder estabelecer um canal de permanente dilo-

    go com o outro, como ocorreu comigo por diversas vezes.

    Talvez um dos melhores frutos dessa pesquisa tenha sido a criao de um ambiente de

    interatividade, ainda como aluno especial de uma das disciplinas do Programa de Ps-

    Graduao em Educao, ministrada pelo Prof. Felippe Serpa, sendo auxiliado, em linguagem

    de programao, pelo ento aluno do curso de Cincia da Computao/UFBA Renato Novais.

    Este ambiente que denominei de Rascunho Digital15

    , ainda hoje, vem sendo utilizado por

    7 Veja no endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/charges/index.htm.

    8 Disponveis no endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/caricaturas/caricaturas1.html.

    9 No endereo: http://www.faced.ufba.br/~edc287/t01/noticias.htm, sobre manifestao de servidores pblicos,

    ou no endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/textos/forum_mundial_de_educacao.htm, sobre o Frum

    Mundial de Porto Alegre, ou sobre as manifestaes contra as reformas do governo:

    http://www.faced.ufba.br/editoriais_publicados/marcha_contra_reforma_univ_25112004.htm, realizadas por

    sindicatos brasileiros, s para citar alguns. 10

    Nos endereos: http://www.faced.ufba.br/~menandro/galeria_do_aluno/galeria_aluno1.html, e

    http://www.faced.ufba.br/~menandro/arte_foto/material_bruto/teste/credito.htm. 11

    Disponveis no endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/arte_menandro_ramos. 12

    No endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/web_charges/charge1.htm. 13

    Disponvel no endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/textos/mr_outros_textos.htm. 14

    No endereo: http://www.faced.ufba.br/~menandro/textos/textos_mr.htm; 15

    O texto explicativo que fiz quando da estria do Rascunho Digital, chamei-o de Iniciando, apenas inician-do e o apresento, aqui, na ntegra: Que bom ter sado o nosso Rascunho Digital (RD)! No nada de extraor-dinrio, apenas uma possibilidade de ter autonomia num ambiente prprio. uma coisa muito simples, bem simples mesmo. a possibilidade de criarmos um espao de interlocuo na Faced. Atualmente, existe um sem nmero de similares na Rede. Muitos deles, extremamente complexos e robustos. O RD bem modesto ainda. O que no significa que o nosso programador Renato Novais v parar por a. Se o conheo bem, ele prosseguir nas suas pesquisas para tornar o ambiente interativo cada vez mais acolhedor e, sobretudo, mais interativo. Parabns Renato! Aos poucos vamos cuidando da programao visual do ambiente. Acabei sendo contagiado pela agitao de Nelson Pretto - ainda que em menor escala! Com ele aprendi a no me preocupar com o pre-ciosismo patolgico. Claro que o cuidado com os detalhes importante, mas isso pode ser visto no processo. Alis, por falar em programao visual, est na hora de Rosane Suzart entrar em ao! Para quem no sabe, ela est contribuindo tambm com as nossas Web Pginas (Espiem s a home do Lazer Cidado) e, o mais im-portante: a primeira cartunista feminina da Bahia! ( Voc conhece alguma outra?) E se essa histria do tal Criador mesmo verdadeira (morro de dvidas!), ELE certamente pensou em criar um Universo perfeito, todo

  • 29

    alguns professores da Faculdade de Educao, ao lado de um outro, inspirado no primeiro,

    denominado de Rascunho Digital das Disciplinas.

    Ao cri-lo, no podia imaginar que seria to bem acolhido pelo Prof. Felipe Serpa, que

    passou a us-lo com freqncia, no s publicando textos de reflexes pessoais, como tam-

    bm mantendo, at a data de sua morte, uma permanente interlocuo com os usurios do

    Rascunho. Trs meses aps o seu falecimento, a EDUFBA publicava o livro de sua autoria

    Rascunho Digital - Dilogos Felippe Serpa, cujo contedo fora extrado dos 31 textos pu-

    blicados por ele no Rascunho Digital.

    Aps a primeira explicao que publiquei sobre o Rascunho Digital, no seu prprio

    ambiente, escrevi um segundo texto que o chamei de Admirvel Mundo Novo, vindo este

    merecer um pequeno comentrio do professor Felippe Serpa, que muito me entusiasmou. As-

    sim escrevi (RAMOS, 2008):

    ADMIRVEL MUNDO NOVO

    Rascunho Digital (RD) foi uma idia que tive nas aulas de Felippe Serpa. Nessa po-

    ca, nosso saudoso Cludio Costa Pinto tambm buscava uma ferramenta gil que pu-

    desse, de forma simples, fazer disponibilizar textos oriundos dos bate-papos de sala de

    aula. Lembro-me do empenho dele, s voltas com ambiente interativo proveniente de

    uma universidade americana. A idia era boa, porm a lentido da rede no animava

    muito os usurios.

    Felippe havia se entusiasmado, mas a participao da turma foi muito baixa. Levan-

    tamos algumas hipteses: dentre elas, arrisquei que a nossa cultura da oralidade podia

    ser uma das explicaes. Eu havia me lembrado de um meu professor europeu, na

    Unicamp, que me falara, uma certa ocasio, sobre a loquacidade dos brasileiros quan-

    do se pronunciavam oralmente e, de forma oposta, o que ele padecia para tirar dos

    seus alunos duas pginas de texto escrito.

    Considerei essas duas dificuldades, mas pensei tambm em aes concretas para supe-

    r-las. A primeira delas, seria em bolar uma ferramenta sem muito rebuscamento vol-

    tada, sobretudo, para pessoas sem traquejo com os suportes digitais. Pessoas que aos

    poucos vo se apropriando dessas novidades cibernticas, mas que ainda so capazes

    nos conformes. Porm, na labuta da criao, deve ter sacado que a coisa no era muito fcil...ELE no contava com a combativa oposio! Ah, essa Dialtica! E foi a que, no stimo, dia, aps uma trabalheira dos dia-bos(ops!, perdo), o Divino Construtor resolveu dar aquela descansada maneira, sem se esquecer, de tomar, antes, segundo suponho, um divino licor, ou quem sabe, uma deliciosa cervejinha... Foi, provavelmente, nesse exato momento que teve a idia de deixar que as coisas se aperfeioassem no processo, no conflito. Portan-to, Caros Usurios, ao lanar o RD, ainda cheio de falhas, no estou mais do que me valendo da lgica divina. Bons rascunhos para todos!(RAMOS, 2008).

  • 30

    de cometer certas barbaridades, qual chamar o helpdesk para descobrir o defeito de

    um computador com o monitor desligado.

    Eu aqui me recuso em usar uma expresso que ouvi, certa feita, de um infomanaco:

    "h usurios que no babam no olho por que a gravidade no permite". A crueldade

    dessas palavras no nos fazem resolver os problemas, pelo contrrio, inibe os usurios

    levemente desplugados... A soluo seria, pois, criar um ambiente sem muitos botes

    (pelo menos por enquanto), para que os chamados emergentes digitais no se sentis-

    sem desmotivados.

    Esse desafio estudei com o jovem promissor Renato Novais, aluno de Cincia da

    Computao da UFBA e nosso estgirio da FACED. Nosso propsito de aperfeio-

    ar cada vez mais a interatividade deste ambiente.

    A segunda dificuldade seria estimular o nosso usurio da FACED a escrever. Talvez,

    seja uma tarefa mais difcil do que a primeira, mas vamos tentar. Foi exatamente a

    partir desse ponto que pensei em algo que pudesse funcionar como um bloco de ano-

    taes para idias, rascunhadas digitalmente, dessas que ocorrem quando menos espe-

    ramos. Com isso asseguraramos que os nossos "insights" no seriam perdidos. E com

    a vantagem de podermos "pensar alto", de modo a compartilhar esses pensamentos,

    atravs da internet, com os nossos pares, e quem sabe, a partir da, criarmos boas in-

    terlocues.

    Quando externei para Felippe essas idias, ele as acolheu com entusiasmo. Como vive

    colocando minhocas na cabea da moada, certamente, vislumbrou, de imediato, a

    possibilidade de uma participao gil dos sujeitos. .

    Assim, estamos tentando criar, aqui na FACED, mais um espao para a inveno e in-

    terlocuo. Se lhe ocorrer algo, escreva. No fique tmido ou tmida. Tente! Afinal,

    s um rascunho eletrnico. Qualquer coisa, por segurana, s selecionar o que es-

    creveu e apertar a tecla del. Claro que estamos torcendo, mesmo, para que aperte,

    com o mouse, o botozinho mgico dessa engenhoca, em que est escrita a palavra

    enviar.

    Quem sabe se o RD no a chave para a construo coletiva de um Admirvel Mun-

    do Novo, multivocal, ressignificado e bem diferente daquele imaginado por Huxley?

    A resposta do Prof. Felippe Serpa no demorou de ser publicada, quase que de imediato.

    Rapidamente ele se inteirara comigo dos procedimentos para usar o Rascunho. Ele assim es-

    creveu:

    Admirvel Mundo Novo, que partindo da jogada de um texto precipitado por um jo-

    gador, que se enriquece e imediatamente enriquece tambm o universo virtual de pos-

    sibilidades para todos os outros jogadores, cujos comentrios precipitados enriquecem

    os comentadores e, ao mesmo tempo, tambm expandem o universo virtual de possi-

    bilidades. um permanente movimento potncia-atualizao.

    As palavras de Felippe comearam a ecoar na minha cabea. Sua presena foi uma

    constante na minha tese e acabou por influir tambm no percurso que eu havia esboado. No

    dia do seu falecimento, publiquei um texto no Rascunho Digital, intitulado de E agora Pa-

    j? (RAMOS, 2008a), V. Anexo 1, juntamente com uma interveno fotogrfica em um retra-

  • 31

    to seu. Mais tarde fui convidado a fazer um vdeo sobre ele16[1]

    , por ocasio da outorga do t-

    tulo de Doutor Honoris Causa Post-Mortem a sua famlia, numa solenidade no Palcio da

    Reitoria da Universidade Federal da Bahia. Coincidentemente eu tinha feito uma gravao em

    vdeo de uma entrevista com ele, a pedido da colega do Departamento de Educao II, Profa.

    Maria Ins Marques, para sua tese de doutoramento. Assim, pude valer-me dessas imagens e

    de outras fornecidas por seus familiares e amigos para editar o vdeo que o homenagearia.

    A partir dessa poca, passei a exercitar-me intensamente em programas de edio de v-

    deo e de udio, desenvolvendo mais de uma dezena de realizaes audiovisuais de curta dura-

    o. A essa altura j tinha, com mais clareza, o esboo metodolgico do que eu iria desenvol-

    ver. Imaginei realizar mais dois audiovisuais: um que tratasse de questes relativas s possi-

    bilidades das mltiplas linguagens na comunicao humana, do tipo didtico e um outro, de

    natureza documental, que abordasse algo ligado Faculdade de Educao como o Tabuleiro

    Digital ou a influncia das novas tecnologias na alterao da dinmica da FACED, por

    exemplo. Foi ento que me ocorreu, quando da aproximao do aniversrio de morte do Prof.

    Serpa, fazer um vdeo com breves dados biogrficos sobre a sua vida, a partir de um coment-

    rio de uma aluna, feito na lista de discusso online da Faculdade de Educao, em lamentava

    por no ter vivido na Faculdade na poca em que ele viveu, pois ouvia, com freqncias, refe-

    rncias elogiosas sobres a sua pessoa, mas de forma muito superficial. Dizia na mensagem

    postada na mencionada lista que gostaria de saber um pouco mais sobre ele.

    Delineou-se, ento, na minha cabea a possibilidade de conceber um audiovisual que

    pudesse esclarecer um pouco sobre a vida do Prof. Felippe Serpa, mas que fosse embasado no

    construto terico do qual eu j me apropriara, concepo esta que, por sua vez, suscitaria no-

    vas reflexes e posicionamentos sobre o produzido. Decidindo, ento, pela realizao do v-

    deo, elaborei um breve roteiro em que faria constar uma curta biografia do Prof. Serpa, com

    imagens estticas; excertos de tomadas inditas da mesma gravao que eu fizera para a tese

    da Profa. Ins Marques, j referida anteriormente; depoimento que eu gravaria em vdeo com

    professores, alunos e funcionrios da Faculdade de Educao sobre o biografado. Entre a con-

    cepo e o lanamento do vdeo que nominei de Felippe Serpa, para sempre!, ocorrido no

    Auditrio I, da FACED/UFBA, transcorreram-se cerca de cinco meses.

    16 [1]

    Trata-se do vdeo intitulado de Convivncias de Felippe Serpa, disponibilizado no endereo:

    http://www.faced.ufba.br/radio_tv_faced/entrevista_felippe.htm.

  • 32

    J o segundo vdeo, que eu havia idealizado como algo didtico acabou desvirtuan-

    do-se para outro documentrio. Isso ocorreu em funo de um convite que recebi do Prof.

    Guido Arajo, diretor e idealizador da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, para reali-

    zar um vdeo sobre a pintora mexicana Frida Kahlo, que estaria comemorando o centenrio do

    seu nascimento, em julho de 2007. A pintora seria homenageada na Pr-Jornada, com um fil-

    me de curta durao no Espao Walter da Silveira, situado nos Barris. Acabei concordando

    em faz-lo, mas propus que no seria um filme de curta durao, mas de mdia, uma vez que

    pretendia direcion-lo para o meu trabalho de pesquisa. Vi no desafio a vantagem de o traba-

    lho ser exibido para um pblico maior e em mais espaos de exibio, alm de ser projetado

    em tela de grande dimenso. Vislumbrei sentir melhor a reao do pblico nos espaos de ci-

    nema. De fato, alm de Viva o Mxico de Frida e Oflia (nome que dei ao documentrio),

    ser exibido na Pr-Jornada de Cinema, diante do resultado, que agradou ao Prof. Guido Ara-

    jo, o referido filme tambm foi exibido durante a XXXIII Jornada Internacional de Cinema da

    Bahia, na mesma sala Walter da Silveira, e no Instituto Cultural Brasil Alemanha, ICBA. Pos-

    teriormente, foi mais uma vez apresentado na Sala de Cinema da UFBA, no Pavilho de Au-

    las do Canela, PAC, em uma atividade do Grupo de Estudo da Imagem, coordenado pela Pro-

    fa. Maria Ceclia de Paula, da Faculdade de Educao.

    Na seqncia dos tpicos desenvolvimento neste trabalho, apresentarei O PORQU

    DO ESTUDO DA IMAGEM E DO AUDIOVISUAL no espao pedaggico. Logo em se-

    guida abordarei, em ARQUEOLOGIA DA MEMRIA IMAGTICA, as reminiscncias

    icnicas que situaro o meu percurso de envolvimento com as imagens, desde tenra idade.

    Nesse tpico, farei livremente algumas incurses crticas, de forma no-linear, a questes sus-

    citadas por certas referncias imagticas. Em IMAGENS: CAMINHOS, FORMAS, CON-

    CEITOS E OUTROS tratarei de aspectos mais tericos e de reviso de literatura. Finalizan-

    do, teo algumas consideraes em LUZ, CMERA AO, E DEPOIS?

  • 33

    O PORQU DO ESTUDO DA IMAGEM E DO AUDIOVISUAL

    Alguns aspectos do nosso cotidiano vo tomando, a cada dia, novas configuraes de

    maneira to acelerada que poucos se arriscam a fazer previses para um perodo mais longo.

    A tecnologia, especialmente a que se vem denominando como de ponta, sem dvida, tam-

    bm alavanca essas transformaes. No campo da comunicao, a internet pode ser citada

    como um bom exemplo. Na ltima dcada, operou uma verdadeira revoluo. Inicialmente,

    de demandas de pesquisadores da comunicao, ampliadas para necessidades militares, foi-se

    expandindo para o cotidiano civil de tal maneira que, hoje, para os que a adotaram, tornou-se

    insuportvel passar sem ela. Do final da dcada de 60, quando surgiu timidamente, at os

    tempos atuais, tem sido vertiginoso o seu crescimento.

    Criou-se, nos ltimos tempos, uma expresso para designar os que no possuem qual-

    quer familiaridade com o mundo da informtica: analfabeto digital. Tal designao expressa

    a importncia que cada vez mais atribuda ao computador e as suas mltiplas formas de uso,

    a ponto de se estabelecer uma analogia com a incapacidade de ler e escrever, carncia essa

    que nem de longe pode ser tolerada por qualquer pas com pretenso de ser chamado desen-

    volvido. Tambm j se vem tornando coro que a excluso digital bice para que se alcance

    a cidadania. De fato, o alheamento ou no-envolvimento nessa rea, cada vez mais coloca o

    indivduo margem dos benefcios que a tecnologia contempornea vem proporcionando,

    quer no mundo do trabalho, dos negcios ou em simples atividade de lazer.

    Dessa forma, pesquisadores e educadores de um modo geral esto convencidos que a

    escola contempornea, em qualquer que seja o nvel, no pode ficar indiferente e se furtar a,

    pelo menos, examinar as possibilidades de uso do computador no espao pedaggico, enquan-

    to instrumento especial de mediao do conhecimento. Ao tempo em que se fica merc do

    mercado, pois tem-se tambm que acompanhar os avanos e descartar aparelhos, rapidamente

    tornado obsoletos.

    A possibilidade de enviar e receber textos evoluiu para outras possibilidades envolven-

    do imagens fixas e em movimento, sons, hipertexto e interatividade. Tudo isso despertou o in-

    teresse pela potencializao das formas de comunicao. O mundo da indstria, do comrcio,

    dos servios, dos negcios e do entretenimento prontamente adotou o novo meio eletrnico. A

    ele no ficou indiferente, por sua vez, o universo pedaggico.

  • 34

    A prova disso que o ensino superior, para no falar dos nveis fundamental e mdio,

    cada vez mais vem recheando os currculos dos seus cursos com disciplinas direta ou indire-

    tamente ligadas a essa rea, ora criando ora atualizando contedos relacionados com o saber

    digital, seja numa abordagem crtica, seja numa dimenso instrumentalizadora.

    A Faculdade de Educao, por exemplo, desde a dcada de 80 vem criando espaos e

    possibilidades de construo de competncia nessa rea, no s no que diz respeito criao

    de disciplinas, mas tambm na instalao de ambientes de formao e desenvolvimento da

    cultura digital, a exemplo do Tabuleiro Digital e dos dois laboratrios de Informtica que

    servem tanto a atividades ligadas a disciplinas, como para o uso de alunos da UFBA, sem

    qualquer vnculo curricular.

    De forma avassaladora, a internet vem ocupando os espaos mais significativos do coti-

    diano e, dentre eles, o espao da sala de aula, que cada vez mais tem sua concepo original

    alterada, cujos limites de expanso ainda no possvel determinar, a menos que se queira

    considerar o mundo como o prprio limite, o que, para fins prticos, acarretaria algumas difi-

    culdades.

    Uma simples navegao a sites de instituies educacionais, ou afins, aponta para um

    sem nmero de possibilidades de realizaes que podem significar a criao de novas dinmi-

    cas capazes de tornar a prtica pedaggica mais prazerosa e mais profcua, conforme vem

    sendo anunciado. Em outras palavras, a internet seduz, encanta e desperta interesse dos que

    buscam construir uma escola com solues melhores do que as apresentadas historicamente.

    Incluindo-se a o que diz respeito formao humana.

    Pouco menos de meio sculo antes do surgimento da internet, acontecia, em 1929, a

    primeira demonstrao do funcionamento da televiso. J nessa poca, ocorriam tambm as

    manifestaes exitosas do cinema, outra inveno magistral que despertou, desde seu nasce-

    douro, grande interesse por parte dos educadores. O alto custo da produo cinematogrfica,

    entretanto, no permitiu que a escola se apropriasse, de maneira mais significativa, dessa nova

    maravilha, como a indstria do entretenimento o fez. S dcadas mais tarde, com a TV j con-

    solidada, foi possvel, a partir do surgimento das cmeras portteis, um envolvimento maior

    por parte de educadores, no que diz respeito produo e edio imagtica. Por outro lado, o

  • 35

    contato com as imagens 17

    fixas e as imagens em movimento, tornaram-se cada vez mais fre-

    qentes.

    A partir de 1962, data da transmisso das primeiras imagens ao vivo, atravs do satlite

    Telstar, lanado pela NASA, iniciou-se uma extraordinria expanso da TV, alcanando lo-

    cais antes inspitos a outros meios de comunicao. Quatro dcadas depois, povoados distan-

    tes dos grandes centros urbanos recebiam profuses de imagens geradas em culturas longn-

    quas, justificando a expresso aldeia global, cunhada na dcada de 70 por McLuhan.

    A multiplicao de produtos e servios e a proliferao das empresas de comunicao,

    somada ao aperfeioamento aos equipamentos de registro, fizeram surgir uma sociedade emi-

    nentemente audiovisual, com nfase no sentido da viso. De acordo com Soares (1982: 8), um

    jovem, ao alcanar 15 anos j foi exposto a 300.000 mensagens publicitrias e gastou vendo

    TV o dobro do tempo empregado em sala de aula.

    Assim, as mltiplas formas de comunicao nos grandes centros e, a partir da TV, pre-

    sentes tambm nas pequenas localidades, mediada por uma profuso de imagens com extra-

    ordinria capacidade de simular o real.

    Multiplicam-se os suportes e a capacidade de reprodutibilidade tcnica. Refina-se o con-

    junto de signos partilhados socialmente. As imagens esto em toda parte: seduzindo, encan-

    tando, persuadindo, vendendo. Cada vez maior a verossimilhana. O livro, o jornal, o cartaz,

    o cinema, a televiso, o vdeo, o outdoor, o transdoor, o painel eletrnico e, contemporanea-

    mente, a internet abrigam generosamente a imagem, nas mais distintas modalidades de gera-

    o, ora criada de forma mais artesanal, ora produzida industrialmente por meio de equipa-

    mentos mais complexos, ou ainda de maneira mista, resgatando e ressignificando modalidades

    anteriores.

    A superexposio imagtica a que submetido o indivduo na sociedade contempornea

    vem despertando o interesse de profissionais de reas diversas, no sentido de investigar im-

    pactos e resduos que essa exposio excessiva pode ocasionar. nesse sentido que se preten-

    de fazer um inventariado de aspectos e abordagens no universo imagtico com vistas ao pro-

    17 Adota-se, aqui, o conceito de Rabaa (1987) para imagem, dentre outros, como sendo uma representao vi-

    sual, artstica ou mental de um objeto ou ainda a representao de um objeto por meios visuais, grficos, pls-

    ticos ou fotogrficos (fotografia, desenho, escultura, cinema, televiso etc.). Mais adiante veremos outras concei-

    tuaes. H uma categorizao feita por Mitcheel, citado por Santaella, de grande abrangncia. Segundo essa

    classificao a imagem compreende cinco grupo e cada um deles abriga outros subgrupos: Imagem Grfica (fi-

    guras, esttuas, design); Imagem tica (espelhos, projees); Imagem Perceptiva (dados dos sentidos, aparn-

    cia); Imagem Mental (sonhos, memrias, idias); Imagem Verbal (metforas, descrio).

  • 36

    cesso ensino-aprendizagem, no s no que diz respeito a possibilidades de uso em situaes

    de construo do conhecimento, como tambm no que concerne dimenso da leitura crtica

    da imagem. a percepo da importncia que essa questo tem para os que trabalham com a

    comunicao que leva Dondis a manifestar-se dessa maneira:

    A fora cultural e universal do cinema, da fotografia e da televiso, na configurao

    da auto-imagem do homem, d a medida da urgncia do ensino de alfabetizao visu-

    al, tanto para os comunicadores quanto para aqueles aos quais a comunicao se diri-

    ge (DONDIS, 1991: 4).

    Hoje j se constitui um trusmo dizer que os meios de comunicao, ditos de massa,

    com ou sem razo, forjam vises de mundo e que refletem o modo de produo que o engen-

    drou. No se pode negar a influncia que exercem sobre as pessoas, bem como as dificuldades

    de torn-los incuos ou desideologizado. Alguns estudiosos apontam como soluo a possibi-

    lidade de trabalhar a mensagem na recepo, atravs de instrumentos tericos crticos.

    Dentre outras, uma das conseqncias dos valores difundidos por essas mdias, princi-

    palmente a TV, segundo Soares (Ibid.: 10), a confirmao da justeza do modelo atual da

    sociedade (os pobres so mais pobres porque so incapazes, mas todos tm iguais oportuni-

    dades, devem, pois, pagar pela sua incompetncia).

    Eco (1989), ao analisar os resultados de uma vasta enquete feita na Europa por ocasio

    das comemoraes do bicentenrio da Revoluo Francesa, comenta para mostrar a influncia

    do cinema na construo do imaginrio dos indivduos: As pessoas tm idias vagas, fre-

    qentemente filtradas por Hollywood Pelas respostas dos entrevistados creio que no equi-

    vocado dizer que os jovens universitrios europeus de quatro pases (Alemanha, Frana, In-

    glaterra e Itlia), aprenderam menos com seus professores de Histria do que com os diretores

    hollywoodianos.

    Isso significa dizer que a viso que um diretor ou roteirista de um grande estdio tem

    sobre uma determinada personalidade histrica ou sobre um certo fato, poder impregnar o

    seu discurso imagtico. O mesmo pode ser dito em relao a outras mdias de grande poder de

    penetrao.

    A convico da importncia de novas formas de alfabetizao e aqui poderamos in-

    cluir a alfabetizao digital faz Dondis (Ibid.: 4) lembrar da clebre frase de Moholy-

    Nagy, ilustre professor do movimento do Bauhaus, proferida em 1935, na Alemanha: Os ile-

    trados do futuro tambm vo ignorar tanto o uso da caneta quanto o da cmera.

  • 37

    ARQUEOLOGIA DA MEMRIA IMAGTICA

    "As primeiras lembranas da vida so lembranas visuais. A vi-

    da, na lembrana, torna-se um filme mudo. Todos ns temos na men-

    te a imagem que a primeira, ou uma das primeiras, da nossa vida.

    Essa imagem um signo, e, para sermos mais exatos, um signo lin-

    gstico, comunica ou expressa alguma coisa."

    Pasolini18

    No princpio era a imagem fixa

    Talvez os meus primeiros contatos com as imagens os signos icnicos tenham sido

    atravs de austeras fotografias de familiares nas paredes da minha casa. Meu av paterno fora

    fotgrafo profissional na sua juventude, coincidentes com as tambm iniciais do sculo 20,

    percorrendo lguas e mais lguas em lombo de burro, por essa terra de meu Deus e por esse

    mundo afora, segundo relato de minha av, sua esposa, extenso ou lonjura essa que, possi-

    velmente, nem de longe ameaava ultrapassar os limites do Estado da Bahia. Naquele tempo,

    o mundo parecia muito maior. Nos alforjes conduzidos pelas suas alimrias podiam ser en-

    contrados agasalhos, roupas, utenslios pessoais e profissionais, quais cmeras de grande for-

    mato, negativos de vidro, hipossulfito e outros qumicos pertinentes ao ofcio, alm de duas

    poderosas garruchas, uma em cada arca, bem no fundo, escondida entre panos. A conduo

    de armas de fogo era um costume da poca, uma vez que as estradas ermas eram sempre con-

    vidativas aos malfeitores, como se costumava dizer. Quanto idia de conduzi-las s sete-

    chaves e literalmente no fundo do ba, certamente era o trao idiossincrtico do meu av Ne-

    co, pacifista convicto e cultor do bom relacionamento entre as pessoas.

    Quero acreditar que o amor do meu av nutrido pela arte fotogrfica talvez tivesse in-

    fluenciado o meu pai a tambm cultiv-la, mas nesse caso apenas como apreciador e fruidor.

    Embora os retratos fossem mais ou menos comuns, naquela poca do meu av e no perodo da

    minha prpria meninice, como adornos de paredes, de memria, eu me reporto para outras re-

    18 (Pasolini, Pier Paolo. "Gennariello: a linguagem pedaggica das coisas" em: Os jovens infelizes: antologia de

    ensaios corsrios. So Paulo: Brasiliense, 1990, p. 125.)

  • 38

    sidncias de familiares e amigos de infncia com quem convivi e, sem nenhuma dvida, posso

    afirmar que a densidade fotogrfica por metro quadrado na minha casa era bem maior do

    que a de outras que eu freqentava. Isso tudo para dizer que eu vivi, quando ainda bem crian-

    a, mergulhado em fotografias e retratos.

    bem verdade que