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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA DINÂMICA DO SELF EDUCACIONAL DE ADOLESCENTES ENCAMINHADOS PARA ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM VIRTUDE DE QUEIXAS ESCOLARES Salvador 2017 MARINA LIMA DUARTE MOREIRA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

DINÂMICA DO SELF EDUCACIONAL DE ADOLESCENTES ENCAMINHADOS

PARA ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM VIRTUDE DE QUEIXAS

ESCOLARES

Salvador

2017

MARINA LIMA DUARTE MOREIRA

MARINA LIMA DUARTE MOREIRA

DINÂMICA DO SELF EDUCACIONAL DE ADOLESCENTES ENCAMINHADOS

PARA ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM VIRTUDE DE QUEIXAS

ESCOLARES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação

em Psicologia, Instituto de Psicologia da Universidade

Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Psicologia.

Área de concentração: Psicologia do Desenvolvimento.

Orientadora – Profª Dra. Maria Virgínia Machado Dazzani

Salvador

2017

Figura 1 – Retrato da pesquisadora

Fonte: Ilustração elaborada por Renata Chaves Monteiro

AGRADECIMENTOS

Agrada pensar nos gracejos da vida

Como presentes que perpassam a alma

Através de gestos calorosos

De afirmação e valor.

Desejo ao fim da jornada

Levar os aprendizados da trajetória

Em uma mala sem fim.

Almejo deixar registrada na memória

Dos que ajudaram

A beleza dos momentos que compartilhei,

Aquecendo com minha história

Os sentimentos que reverberei

Na escrita da dissertação.

Verdade seja dita:

Nada mais pleno que o fim,

Mais motivante que o começo!

A vida, no entanto,

É feita de acertos e tropeços...

E nas quedas eu contei:

Com o apoio iluminado

De guias e parceiros de trabalho

Que no coração levarei.

(Marina Lima Duarte Moreira)

Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por me presentear com vida e possibilitar a

construção da minha trajetória até a academia.

Agradeço à minha mãe, Daisy, por ser fonte de inspiração, força e dedicação no trabalho com

Educação. A Matheus, meu irmão, agradeço o amor e abraços nos momentos de dificuldade.

Agradeço também ao meu pai, Paulo, que junto à minha mãe, possibilitou a concretização do

estudo no período do mestrado, dissertação e defesa. Renata, minha cunhada, pelo apoio com

sua arte.

Sou grata à minha orientadora, Virgínia Dazzani, por acreditar, incentivar, acolher e ser firme

em todos os momentos. Agradeço também aos mestres e estudantes que possibilitaram meu

crescimento e contribuíram com minha formação na Universidade Federal da Bahia.

Sou grata aos meus amigos pelo apoio, ação e acolhimento, especialmente: Moreno, Luiza,

Ágatha, Jamille, Fernanda, Joana Gomes, Igor, Camila Freitas e Lins, Lívia. Sou grata às

amigas que fiz na disciplina de metodologia: Verônica, Cláudia, Daniela e Ana Louise.

Obrigada pelas risadas, trocas e companheirismo durante todo o percurso.

Agradeço ao meu incrível, leve e alegre grupo de pesquisa, por toda ajuda e bons momentos

oportunizados. Gostaria de agradecer especialmente à colegas do programa: Verônica,

Adrielle, Alan, Bruno, Mariana e Eliseu, Brena e Julianin pois contribuíram no período de

produção da dissertação. A Ramon por toda colaboração e disponibilidade para ajudar no

detalhamento do estudo, serei eternamente grata.

Agradeço aos meus colegas de trabalho pela compreensão, especialmente: Leliane, Ivana e

Louane. Às escolas onde trabalhei, dedico esse estudo, como contribuição. Grata à Liliane,

Maria Eugênia, Andaiá, Walkyria e Joana Trigo, pela inspiração e incentivo.

Gostaria de agradecer à minha professora do primeiro semestre do curso de Psicologia. Que

perguntou aos alunos, na primeira semana de aula, que caminhos pretendiam seguir na

profissão. Eu expressei meu desejo de trabalhar em escolas, em contexto clínico, e ser

professora no ensino superior. Após uma risada jocosa, ela me respondeu: "todos nós

precisamos ter muito cuidado, pois quanto mais alto o degrau, maior a queda". Aos 30 anos, já

consegui atuar nos três contextos. À essa voz, a esse agente de referência, dedico minha

dissertação, minha transição. Para ela respondo com firmeza e ternura: não caí.

Figura 2 – Imagem do muro de uma escola, no trajeto entre a casa da pesquisadora e a UFBA

Fonte: Própria autora.

QUEIXA ESCOLAR

Toda gente sempre diz

Que o professor é o culpado

Ou que a mãe não deu educação

Ao menino endiabrado.

Mas será que é isso mesmo?

Apenas um ser apontado

Por uma responsa de todos

Escola, família, Estado.

Nesse sistema cruel

É tratado com réu:

O professor sobrecarregado

Na academia formado

Por currículo defasado

Pra rede concursado

Com salário de lascado.

Nesse sistema cruel

È tratado como réu:

A família segregada

Chamada desestruturada

Que o arrimo põe o pé na estrada

Pra garantir a garfada

Achando que a pátria-amada

Garante uma cria estudada

É esse jogo de empurra

Que nessa terra se enseja

Passado, presente, futuro

Envolvidos nessa peleja.

(Geisa Rodrigues Bispo)

MOREIRA, Marina Lima Duarte. 2017, 74 f. il. Dinâmica do self educacional de

adolescentes encaminhados para atendimento psicológico em virtude de queixas

escolares. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade

Federal da Bahia, Salvador, Bahia, 2017.

RESUMO

O tema da queixa escolar tem recebido atenção da comunidade acadêmica e sido objeto de

interesse de diversas áreas, tais como: psicologia, pedagogia, psiquiatria, neurologia e terapia

ocupacional. Diferentes explicações para os problemas relacionados ao processo de

escolarização de estudantes do ensino básico chegam aos serviços de atenção psicossocial e

de saúde, exigindo melhor preparo teórico e técnico dos profissionais para dar suporte às

diversas demandas. Na escuta dos adolescentes encaminhados, as vozes de agentes de

referência ganharam particular destaque quanto às demandas de encaminhamento referentes

às queixas escolares e repercussão na construção identitária dos estudantes durante a trajetória

escolar. Diante deste cenário, surgiu o interesse em analisar como adolescentes encaminhados

com queixa escolar para o Serviço de Psicologia expressam a participação das vozes dos

agentes de referência na dinâmica do Self e, mais especificamente, do Self educacional. O

estudo, portanto, apresenta a análise de dois casos a partir da realização de entrevistas

narrativas expondo o tema da queixa escolar, partindo da teoria do Self Dialógico para uma

discussão sobre dialogicidade, identificando também Posicionamentos do Eu (I-Positions) e

explorando, à luz da Psicologia Cultural de Base Semiótica, o desenvolvimento do Sistema do

Self Educacional dos jovens entrevistados. A pesquisa apresenta como resultados a expressão

das vozes dos agentes de referência na trajetória acadêmica dos estudantes, apontando para a

presença de signos reguladores semióticos presentes nos discursos desses agentes. Este

trabalho indica a necessidade de estudos que explorem o tema da queixa escolar a partir dos

diálogos estabelecidos no contexto educacional e construção identitária dos estudantes nos

respectivos percursos acadêmicos.

Palavras-chave: Self Educacional, Adolescência, Queixa Escolar, Psicologia.

MOREIRA, Marina Lima Duarte. 2017, 74 f. il. Dynamics of educational self of

adolescents referred for counseling because of school complaints. Dissertation (Master's

degree in Psychology). Institute of Psychology, Federal University of Bahia, Salvador, Bahia,

2017.

ABSTRACT

The school-complaint theme has received the attention of the academic community and it has

been the subject of interest in several areas, such as psycology, pedagogy, psychiatry,

neurology and occupational therapy. Different explanations for the issues related to the

students schooling process in primary schools reach the psychosocial and health care services,

demanding a better theoretical and technical development for supporting to the various

demands. Hearing the reffered adolescentes, the voices of the reference agentes got a peculiar

emphasis when related to the refferal demands relatad to the school-complaint and its

impacto on the identity construction of the students during their school trajectory. Facing this

scenario, the interest in analyze how teenagers reffered with school-complaint to the

psychological service express the role of the voices of the reference agentes in the dynamics

of the self, and, in particular, of the educational self emerged. The research, therefore, present

the analysis of two cases through the making of narrative interviews exposing the school-

complaint theme, from the dialogic-self theory to a debate over the dialogiticy, identifying

also the placement of the “I” (I-positions) and exploring, from the perspective of the semiotics

based cultural psychology, the self education system development of the young

students interviewed. The research presentes as results the expression of the voices of the

reference agents on the academic trajectory of the students, indicating the presence of

semiotcs regulating signs, that exist on the speech of those agents. This paper states the

necessity of future research that explores school-complaint theme through the dialogue based

on the educational context and the indentity construction of the students on their respective

academic trajectory.

Keywords: Educational Self; Adolescence; School-complaint; Psychology

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Retrato da pesquisadora .......................................................................................... 13

Figura 2 – Imagem do muro de uma escola, no trajeto entre a casa da pesquisadora e a UFBA

.................................................................................................................................................. 15

Figura 3 – Mediação Semiótica ................................................................................................ 15

Figura 4 – Mapa conceitual ...................................................................................................... 31

Figura 5 – Delineamento da Análise ........................................................................................ 38

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

IFBA Instituto Federal da Bahia

OMS Organização Mundial da Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

SUMÁRIO

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................................... 14

2.1 DIALOGICIDADE (OU DIALOGISMO) NA TEORIA DO SELF DIALÓGICO .......... 16

2.2 POSICIONAMENTO DO EU (I-POSITIONS) ................................................................. 19

2.3 NARRATIVAS NA ESCOLA ........................................................................................... 21

2.4 SELF EDUCACIONAL ..................................................................................................... 22

3 A QUEIXA ESCOLAR ....................................................................................................... 26

4 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ................................................................. 31

4.1 PROBLEMA ...................................................................................................................... 31

4.2 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................... 31

4.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................. 32

4.4 ASPECTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS .................................................................. 32

4.4.1 Participantes .................................................................................................................. 33

4.4.2 Instrumentos .................................................................................................................. 33

4.4.3 Procedimentos de Produção de Dados ......................................................................... 34

4.4.3.1 Procedimentos éticos .................................................................................................... 35

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS ............................................................. 35

5 VOZES DOS AGENTES DE REFERÊNCIA E SELF EDUCACIONAL NA

TRAJETÓRIA ACADÊMICA DE ADOLESCENTES COM QUEIXA ESCOLAR ..... 36

5.1 CASO BEATRIZ ................................................................................................................ 38

5.1.1 Dados da Adolescente .................................................................................................... 38

5.1.2 Contexto Acadêmico ...................................................................................................... 39

5.1.3 Contexto Familiar .......................................................................................................... 42

5.1.4 Contexto Clínico ............................................................................................................ 47

5.2 CASO GISELA .................................................................................................................. 50

5.2.1 Dados da Adolescente .................................................................................................... 50

5.2.2 Contexto Acadêmico ...................................................................................................... 51

5.2.3 Contexto Familiar .......................................................................................................... 54

5.2.4 Contexto Clínico ............................................................................................................ 57

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 60

APÊNDICES ........................................................................................................................... 68

11

1 INTRODUÇÃO

Vida é cenário

É roteiro sem fim

De experiências

Que a gente leva,

Que a gente deixa.

Registo aqui minha trajetória

Entre tanta história e pesquisa

Apresento meu produto

Em forma de estudo

Sobre o fenômeno da queixa.

(Marina Lima Duarte Moreira)

O tema da queixa escolar tem recebido atenção da comunidade acadêmica e sido

objeto de interesse de diversas áreas, tais como: psicologia, pedagogia, psiquiatria, neurologia

e terapia ocupacional. Entende-se por queixa escolar demandas formuladas por pais,

professores e coordenadores pedagógicos acerca de dificuldades e problemas apresentados

por estudantes em contexto escolar, como por exemplo: indisciplina, baixo rendimento

acadêmico e fracasso escolar (Dazzani, Cunha, Luttigards, Zucoloto & Santos, 2014).

É crescente, no Brasil, o encaminhamento de crianças e adolescentes com demanda de

queixa escolar para acompanhamento psicológico em diversos serviços de saúde (Neves &

Marinho-Araujo, 2006). De acordo com Cabral e Sawaya (2001), cerca de 70% das crianças e

adolescentes encaminhados para os serviços públicos de saúde apresentam queixas relativas a

dificuldades de aprendizagem ou problemas de comportamento na escola. Se, por um lado,

essa frequência tão elevada, identificada há quase 15 anos, levantou questionamentos a

respeito do funcionamento do sistema educacional, por outro, exigiu intervenções por parte

dos profissionais que atuam nesse contexto.

A queixa escolar entre adolescentes matriculados regularmente na educação básica

torna-se uma temática relevante, uma vez que as maiores taxas de abandono e fracasso escolar

do país, segundo o Ministério da Educação, se referem aos estudantes do 6º ao 9º ano do

Ensino Fundamental. (Secretaria de Administração do Estado da Bahia, Brasil, 2004). Embora

esses dados sejam relativos ao ano de 2004, os índices de exclusão, dificuldades e repetências

são muito altos e, de acordo com Fonseca (1995), eles são reflexos de um fracasso maior: o do

sistema educacional.

Diferentes explicações para os problemas relacionados ao processo de escolarização

de estudantes do ensino básico chegam aos serviços de atenção psicossocial e de saúde,

12

exigindo melhor preparo teórico e técnico dos profissionais para dar suporte às diversas

demandas.

Meu interesse pelo tema da presente pesquisa surgiu a partir das minhas experiências

profissionais como professora de crianças do Ensino Fundamental I, orientadora educacional

do Ensino Fundamental II e psicóloga clínica de crianças e adolescentes no município de

Salvador – Bahia. Durante essas vivências foi possível observar o fenômeno da “Queixa

Escolar” sob diversos olhares, e notar as vozes de agentes de referência, presentes nas

narrativas dos estudantes, acerca das suas respectivas trajetórias acadêmicas. Minha

curiosidade sobre esse fenômeno fomentou a busca por referenciais teóricos que discutissem o

tema mais profundamente. Esse processo de pesquisa e investimento profissional me levou ao

mestrado acadêmico, a partir do qual foi possível delimitar, com mais clareza, meu objeto de

estudo, compreender melhor os aspectos a ele relacionados, além de levantar novos

questionamentos.

Na escuta dos adolescentes encaminhados ao serviço de psicologia, no qual eu

trabalhava, as narrativas relacionadas à queixa escolar ganharam particular destaque. Foi

possível observar, na época, que as narrativas produzem repercussões na construção

identitária dos estudantes durante as suas vidas e, especialmente, nas suas trajetórias

escolares. Diante deste cenário, surgiu o meu interesse em analisar as vozes dos agentes de

referência que participam dessas narrativas, dando atenção à dinâmica do self e, mais

especialmente, ao self educacional de adolescentes encaminhados com queixa escolar para

aquele serviço.

Embora muitos estudos busquem compreender as consequências das vozes dos agentes

de referência na escolarização de crianças em séries iniciais, é possível notar a escassez de

pesquisas considerando, especificamente, as vozes dos adolescentes. Faz-se necessário,

portanto, conhecer a expressão das diferentes vozes na dinâmica do self do estudante e no

processo de escolarização, uma vez que a vida escolar é produtora de significados. Desse

modo, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa idiográfica que utilizou como instrumentos

uma ficha de dados sociodemográficos e uma entrevista narrativa. O objetivo foi compreender

como adolescentes matriculados regularmente no Ensino Fundamental II, encaminhados com

queixa escolar para o Serviço de Psicologia, expressam as vozes dos agentes de referência na

dinâmica do self e, em especial, do self educacional.

O presente trabalho está fundamentado em alguns dos pressupostos da Psicologia

Cultural de base semiótica e da Teoria do Self Dialógico. Serão discutidos três conceitos

centrais a partir dessas duas teorias, quais sejam: Dialogicidade, Self Educacional e

13

Posicionamentos do Eu (I-Positions).

A Dialogicidade, ou dialogismo, se sustenta na metáfora do diálogo para a

caracterização do sujeito e dos fenômenos inerentes aos mesmos, tais como: o conhecimento,

a subjetividade e o discurso (Cunha, 2007). O Self Educacional diz respeito a uma construção

identitária, um processo constituído na relação dialógica com vozes dos agentes de referência

durante o período de escolarização dos sujeitos, de acordo com Tateo, Marsico e Iannaccone

(2013), enquanto o Self Dialógico envolve uma dinâmica de múltiplas vozes na mente que

leva a diferentes posicionamentos, I-Positions. A noção de I-position abarca a noção de

multiplicidade do Self preservando, ao mesmo tempo, coerência e unidade (Hermans, 2013).

Além dos conceitos descritos acima, serão discutidos aspectos relacionados à

definição do fenômeno da queixa escolar, a partir de uma revisão de literatura sobre este tema.

O segundo capítulo abarca a fundamentação teórica do estudo apresentando a

Psicologia Cultural e o Self Educacional, assim como a Teoria do Self Dialógico e, a partir

desta, os Posicionamentos de Si e Dialogicidade, enfatizando também as narrativas acerca da

expressão das vozes dos agentes de referência no contexto escolar. O terceiro capítulo traz

uma revisão bibliográfica referente ao tema da “Queixa Escolar” destacando o período da

adolescência. No quarto capítulo são apresentados o problema de pesquisa, objetivos geral e

específicos, assim como os procedimentos utilizados na coleta e análise de dados da pesquisa

qualitativa idiográfica. O quinto capítulo traz a análise de duas entrevistas narrativas

realizadas com adolescentes estudantes de escola pública e privada em Salvador, Bahia. O

trabalho se encerra com as considerações finais, indicando pontos de partida para novas

pesquisas.

14

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Teoria é tela em branco

De artista em devoção

A produção de encanto

Alicerce, fundamentação.

Teoria é base, é contradição

Reinvenção, reconstrução,

Significar e produzir sentido.

Tornar colorido o branco que havia,

Transformar ideias em poesia.

(Marina Lima Duarte Moreira)

A cultura tem sido objeto de interesse de diversas áreas e é um conceito fundamental

para a compreensão da condição humana. Segundo Valsiner (2012), a cultura é usada em

vários sentidos. De um lado, o termo designa algum grupo de pessoas que estão reunidas

graças a algumas características partilhadas; de outro, tem sido causa de organizadores

psicológicos de sujeitos individuais. Sendo assim, parte dos sujeitos oferecem, ao mesmo

tempo, recursos, para lidar com questões individuais e coletivas. Desse modo, a cultura

funciona, portanto, dentro do sistema intrapsicológico das pessoas.

Outra proposição assumida por Valsiner (2012) é de que a cultura pertence à relação

da pessoa com o ambiente. Trata-se das diferentes formas que os sujeitos se relacionam com o

mundo, num processo onde pessoa e cultura são considerados inclusivamente separadas. A

cultura é, para ele, um processo de internalização e externalização, um conjunto de processos

posicionados (Valsiner, 2012). Esse posicionamento acontece no processo de tensão entre

normas, ideologias e valores. A posição é defendida como uma construção de sentidos, onde

quem narra assume um lugar moral em relação a ele mesmo, de forma a reagir aos discursos

dominantes (Moutinho & Conti, 2016)

O termo “cultura”, segundo Valsiner (2012), pode ser organizado por signos, numa

cadeia semiótica. A relação dos sujeitos com o sistema de signos se dá, de um lado, a partir do

funcionamento intrapsicológico e, de outro, através da dimensão interpessoal. O

funcionamento intrapsicológico pode envolver a própria experiência do sujeito com o mundo.

Semiótica, conforme Valsiner (2012), é uma ciência dos usos dos signos. Signos seriam

fabricados por mentes e essas mentes operam por meio de signos. Eles conectam as relações

do sujeito com o ambiente externo, enquanto a mediação semiótica ocorre no âmbito

interpessoal através da prática discursiva (Valsiner, 2012).

15

A mediação semiótica pode ser utilizada por instituições como ferramentas,

oferecendo ações orientadas por metas, regulando funções psicológicas e estabelecendo regras

para interações sociais (Valsiner, 2012). A escola é um exemplo de instituição utilizada como

ferramenta de controle social, na qual os seus agentes e estudantes desenvolvem crenças que

orientam as suas ações. Na escola, e a partir da escola, aprende-se regras de conduta, projeta-

se a vida para o futuro e regula-se as emoções. As instituições sociais, como aquelas de

ensino, visam propósitos particulares aparecendo como construtoras ativas de armadilhas

semióticas (Valsiner, 2012).

Abaixo, na figura 3, é apresentada uma ilustração de mediação semiótica extraída do

livro de Valsiner (2012), que nos ajuda na compreensão desse processo.

Figura 3 – Mediação Semiótica

Fonte: Valsiner (2012)

De acordo com Valsiner (2007), a psicologia cultural busca, enquanto ciência,

modelos explicativos sobre o funcionamento dos indivíduos socialmente. Procura desenvolver

métodos de estudo aplicáveis, generalizáveis que considerem os fenômenos que ocorrem na

trajetória de vida dos sujeitos.

16

Alguns conceitos são apresentados no presente estudo, dentre eles: Dialogicidade e

Posicionamento do Eu (I- Position), numa perspectiva da Teoria do Self Dialógico, e Self

Educacional. Para sua melhor compreensão serão descritos, a seguir, considerando-se a forma

como serão abordados nesta dissertação.

2.1 DIALOGICIDADE (OU DIALOGISMO) NA TEORIA DO SELF DIALÓGICO

Cunha (2007) considera que a troca mediada por um sistema semiótico (mesmo a

linguagem verbal), ocorrida no diálogo, é um processo contínuo. No dialogismo, tanto a

mente do sujeito como o sentido de self podem ser compreendidos como processos e

resultados da relação com outros indivíduos, pois a existência é sempre uma coexistência

(Holquist, 1990 citado por Cunha, 2007). Qualquer ser humano está, portanto, envolvido em

um processo comunicacional e relacional (Salgado & Hermans, 2005 citado por Cunha,

2007), donde a presença de outros indivíduos é fundamental e constitutiva.

Embora o estudo das contribuições de Bakhtin para a psicologia cultural não seja

objeto desta pesquisa, toma-se de empréstimo a sua compreensão da existência humana a qual

surge como diálogo, porque é sempre compartilhada e endereçada a outro sujeito (Cunha,

2007; Bakhtin,1993). Essa partilha ocorre em nível interpessoal ou intrapessoal. Bakhtin

(1993) afirma que não é possível ao sujeito escolher estar em diálogo, pois endereçamos

continuamente ao mundo e respondemos a ele. Nossa humanidade, segundo Cunha (2016),

está interligada, justamente, com essa responsividade. Os seres humanos são compelidos a

responder às demandas uns dos outros e são responsáveis pelas suas respostas, frente às

indagações desses outros. Para o dialogismo, a relação de comunicação é a base da existência,

pois nos coloca em relação com o outro. O contexto, então, situa e localiza o discurso no

tempo e no espaço, porque não existem mensagens independentes destes. Da mesma forma,

não existe contexto sem mensagens (Linell, 2007 citado por Cunha, 2007).

O diálogo possibilita a troca de saberes entre os indivíduos através da comunicação.

Por meio das narrativas tem-se acesso ao universo particular do sujeito, sentidos, significados

e signos presentes em sua história. O diálogo viabiliza o compartilhamento no mundo

simbólico e construções dentro de contextos culturais singulares e coletivos (Valsiner, 2012).

Para Valsiner (2012), o dialogismo implica em tornar as relações comunicativas em

definitivas para o sistema. O dialogismo, então, parte do pressuposto de que o homem é fruto

de processos relacionais e dialógicos. Através desses diálogos a criança em interação constrói

sua identidade. Valsiner (2012) afirma, ainda, que por meio dos signos presentes nas

17

narrativas expressas através do diálogo sobre a experiência passada, os sujeitos projetam o

futuro. Por meio desses signos as pessoas são capazes de criar o próximo momento. Esses

signos possibilitam que os indivíduos signifiquem o mundo e se permitam experimentá-lo

(Valsiner, 2012).

O referido autor salienta que, no processo de significação do mundo, os sujeitos se

movem entre estar em um determinado contexto e esforçar-se para sair do mesmo como

“migrantes mentais e permanentes aventureiros”, pois o futuro é incerto e o passado, de

acordo com ele, é reconstruído constantemente, quando o indivíduo se depara com a incerteza

desse futuro. O momento presente torna-se, então, uma fronteira (Valsiner, 2012). A produção

de fronteiras foi analisada nas entrevistas realizadas neste estudo, a partir do processo de

rupturas e transições vivenciados pelas adolescentes em suas respectivas trajetórias escolares.

Foram analisadas, também, nas narrativas dos participantes, as experiências vividas nas

trajetórias educacionais desses atores, a partir da qual se relaciona passado e projeções futuras

que serão, também, objeto de análise deste estudo.

A teoria dialógica de Hubert Hermans e a psicologia cultural de Jaan Valsiner

oferecem importantes recursos teóricos e metodológicos para se compreender o

desenvolvimento durante os anos da adolescência. Essas teorias possibilitam atentarmos para

as continuidades e descontinuidades nas trajetórias de vida de sujeitos em processos de

escolarização (Castro & Souza, 1994).

Segundo Zittoun (2012), a reflexão acerca da natureza do curso de vida é um objeto de

pesquisa científica recente. O estudo do curso de vida também pode ser considerado como um

esforço para a compreensão do sujeito em seu contexto, pois não há vida humana fora da

cultura (Zittoun, 2012).

A abordagem da vida útil relacionada ao desenvolvimento, segundo Zittoun (2012),

propõe que o papel da cultura, assim como do crescimento natural, são variáveis ao longo da

vida. As capacidades humanas, nesta perspectiva, crescem durante a trajetória dos seres

humanos. Depois de crescer, declinam com o tempo e, em algum ponto, o mesmo declínio é

tão significativo que não pode ser mais compensado pela cultura (Zittoun, 2012).

A psicologia do curso de vida, por outro lado, considera o desenvolvimento regulado

por seleção, otimização e compensação. Algumas habilidades são selecionadas e otimizadas.

Estas compensam suas fraquezas por outros meios (Baltes, 1986; Baltes, Staudinger &

Linderberger, 1999, citados por Zittoun, 2012).

Zittoun (2012) defende a ideia de que as transições nas trajetórias são reconhecidas

como pontos de virada, eventos que promovem mudanças substanciais na vida de um sujeito.

18

O desenvolvimento humano, portanto, está ligado às condições históricas, culturais, sociais e

seus aspectos facilitadores. Na medida em que há vida, há mudança. Coisas evoluem, se

movem, são construídas e se tornam organizadas até a decomposição e morte (Zittoun, 2012).

A percepção humana dos eventos que acontecem, graças aos marcadores sociais e

culturais, produzem tempo, como um sentido pessoal ou história coletiva. Quando um ser

humano se desenvolve, ele explora a esfera da experiência, os limites, assim como outras

esferas e contextos (Zittoun, 2012).

A escola encontra-se como um contexto rico em eventos e trocas sociais. A interação

dialógica dos estudantes favorece experiências de limites e transições proporcionadas pelos

marcadores sociais, posto que a escola reproduz o sistema. Na medida em que um sujeito

constrói sua trajetória educacional em instituições e demais esferas educativas, ele insere em

sua percepção de si e de mundo novos sentidos para a sua identidade, deixando também nesse

percurso marcas pessoais, a partir das trocas dialógicas, na cultura coletiva.

Salgado e Hermans (2005) afirmam que a característica de um diálogo é a relação

que se estabelece entre mensagens comunicativas. O self dialógico surge a partir do diálogo

entre diferentes vozes que interagem e das mudanças de posicionamento durante a vida a

partir dessa interação. Implica na combinação entre continuidade e descontinuidade,

continuidade na linha das coisas que pertencem ao Eu do sujeito e descontinuidade uma vez

que, as mesmas coisas, são representadas por diferentes vozes (Hermans, 2001). O diálogo

abre a oportunidade de diferenciar o mundo interior de um único e mesmo indivíduo sob a

forma de uma relação interpessoal estabelecida com outros sujeitos em comunicação. Todas

as coisas podem ser vistas como coexistentes (Hermans, 1999; 2013).

O “outro” funciona na dinâmica do self dialógico com duas qualidades: as posições

externas do self que geram tensões entre vozes reais e as vozes dos outros que foram

construídas na imaginação do indivíduo. Neste contexto, diálogos externos e internos

interagem modificando e desenvolvendo um ao outro (Hermans, 2013). Por esse motivo, o

presente trabalho objetiva analisar como adolescentes, encaminhados com queixa escolar para

o serviço de Psicologia, expressam a participação das vozes dos agentes de referência na

dinâmica do self educacional, atentando para os posicionamentos do Eu e sistema do self

educacional.

Histórias pessoais possibilitam compreender as pessoas como agentes de

posicionamento. Este modelo de compreensão do posicionamento nos oferece a possibilidade

de visualizar construções identitárias como duplas, ou seja, os indivíduos como capazes de

analisar a forma como o mundo referencial é construído, como personagens no tempo e

19

espaço, sendo protagonistas ou antagonistas, heróis ou vilões e, a partir desse posicionamento,

analisar a forma como o mundo referencial é constituído. Ao mesmo tempo, somos capazes

de mostrar como o mundo referencial (de um passado que é relevante para o presente) é

formado em função do engajamento interativo (Bamberg et al., 2011).

De acordo com Bamberg et al. (2011), as histórias de vida são mais que

recapitulações de eventos passados: elas abarcam uma definição de personagem. As nossas

identidades narrativas são as histórias que vivemos e uma história é uma ação situada em si

mesma, que transcende a noção de simples história. Ela age, sustentando, alterando ou criando

mundos de relação social (Gergen & Kaye, 1998).

O self é constituído nas transições pessoais envolvidas em vínculos sociais, imagens

e redes de significados (Bruner, 1997). Essa perspectiva, segundo Grandesso (2011),

compreende um self como uma pluralidade de selves possíveis, um constante processo de “vir

a ser” na linguagem. O self pode ser compreendido como um fenômeno de fronteiras em

constante mudança. Nessa perspectiva, pode-se falar em múltiplas histórias de vida com

possibilidades de narrativas diversas sobre o curso da vida do sujeito (Shootter, 1999, citado

por Grandesso, 2011). No processo de negociação com essas vozes, o estudante pode escolher

diferentes rumos para suas trajetórias acadêmicas (Grandesso, 2011).

Os adolescentes, então, negociam com essa pluralidade de vozes de outros

significativos que participam na dinâmica do self educacional. O objetivo do presente estudo,

portanto, foi analisar esse fenômeno atentando para os diversos posicionamentos e

reposicionamentos das estudantes.

2.2 POSICIONAMENTO DO EU (I-POSITIONS)

O self é baseado em polifonia, ou seja, a expressão de várias vozes diferentes. O

“outro” surge como um constituinte do Eu, considerado, portanto, como dinâmico e

heterogêneo, por ser comporto pelas diversas vozes ou I – Positions (Grossen & Orvig, 2011).

Teorias de self dialógico propõem um self descentralizado, que é percebido como

multivocal. O self dialógico, portanto, envolve uma dinâmica de múltiplas vozes na mente que

leva a diferentes posicionamentos, I-Positions. As vozes intervêm na mente do sujeito e nas

mentes de outras pessoas através do diálogo. Nesse movimento, posições diferentes são

assumidas por um “I”- Eu contínuo e trazidas para a comunicação. A noção de I-position

envolve a noção de multiplicidade do self preservando, ao mesmo tempo, coerência e unidade.

O self está envolvido em processos de posicionamento e reposicionamento (Hermans, 2013).

20

Segundo Jesus (2016), o conceito de Self proposto por Hermans (2001) não apresenta

uma característica de entidade centralizadora, mas, uma pluralidade de posições

descentralizadas, transmitindo a noção tanto de unidade como de multiplicidade do self de um

sujeito. De acordo com esse autor, “o self se situa entre posições diferentes e, muitas vezes,

opostas, e cada Posição é dotada de uma voz que tem o papel de manter relações dialógicas

com as outras posições. Cada voz tem a sua própria história, suas próprias experiências”

(Jesus, 2016, p. 41). As relações estabelecidas entre vozes e as posições diversas, acabam por

compor um self complexo, mas estruturado narrativamente. As diferentes posições do Eu (I-

Positions) contam histórias particulares na trajetória dos indivíduos e podem ser

compreendidas como narrativas particulares de diferentes personagens (Hermans, 2001;

Valsiner; 2012, citados por Jesus, 2016, p. 42).

As posições do Eu, segundo Jesus (2016), podem duvidar, discordar, aceitar,

contraditar ou negociar com outas posições do Eu. Essas posições, de acordo com o mesmo

autor, se organizam de forma hierárquica em um mesmo sujeito, estabelecendo relações de

subordinação e dominância. Ainda segundo Jesus (2016), o sujeito, nessa dinâmica, acaba por

se dividir entre o que ele pode vir a ser e o que, de fato, é. Para Valsiner (2012), cada posição

ocupada pelo sujeito traz em si componentes significativos do self do indivíduo.

Jesus (2016) defende a ideia de que o self dialógico é social, não por estar relacionado

às outras pessoas, mas porque essas outras pessoas ocupam posições de self com vozes

múltiplas. Nessa perspectiva, a mente pode ser comparada com a sociedade, pois as formas de

funcionamento de ambas são semelhantes.

O self dialógico funciona como uma “sociedade da mente”, pois existem semelhanças

entre os papéis ocupados e o funcionamento no mundo interno e no mundo externo à pessoa

(Hermans, 2002 citado por Jesus, 2016). Para Jesus (2016, p. 42), “as relações que se

estabelecem entre as posições, na sociedade e no self, são ditadas pelo caráter da dominância e

pelo poder social”.

De acordo com Hermans (2001), o self dialógico pode ser composto por posições

externas e internas. As posições externas são percebidas como parte do ambiente, como a

percepção dos outros indivíduos para ele enquanto sujeito. As internas, no entanto, se referem

às características percebidas pela pessoa como sendo próprias dela, seguem a percepção que

um indivíduo possui de si mesmo. Todas as posições, segundo o mesmo autor, fazem parte de

um self relacionado ao ambiente. As posições internas e externas não se encontram isoladas

entre si, estão em movimento, junto às mudanças culturais; uma dinâmica depende, portanto,

da outra (Hermans, 2001).

21

As narrativas dentro do espaço educacional seguem então esse movimento composto

por vozes e posicionamentos diversos do sujeito na dinâmica dialógica do self do estudante

durante sua trajetória escolar.

Segundo Mattos (2013), ainda são necessários estudos a respeito de processos

subjetivos vivenciados na juventude. De acordo com a autora, pesquisas neste campo

favorecem a elucidação de processos que regulam as relações entre jovens e contextos,

possibilitando a compreensão das mudanças constantes que ocorrem nesse momento do ciclo

vital da pessoa e que intensificam processos de transformação do self.

Os jovens são construtores ativos em suas trajetórias de vida. Esse processo ocorre a

partir de interpretações que os mesmos fazem das oportunidades presentes no ambiente, de

acordo com os sentidos formulados acerca de si mesmos e seu lugar no mundo, suas

motivações, valores e experiências (Mattos, 2013).

A mediação semiótica é importante nos processos de ruptura e transição vivenciados

por estudantes (Zittoun, 2006, 2007a citada por Mattos, 2013). As rupturas podem ser

causadas por fatores externos ao sujeito ou internos e acabam por direcionar o indivíduo para

escolhas distintas. Superar essas rupturas envolve mudanças profundas que catalisam novos

processos que envolvem um novo posicionamento ou re-posicionamento do sujeito. Esses

posicionamentos demarcam uma nova organização do self do indivíduo produzindo novos

sentidos se si no mundo (Zittoun, 2006, 2007a citada por Mattos, 2013).

Zittoun (2006 citada por Mattos, 2013) afirma que as experiências juvenis implicam

em transformações identitárias que geram um reposicionamento no campo simbólico e social

do sujeito. Essas transições demandam novas habilidades e produzem novos aprendizados.

Nesse processo de construção de sentido, através da reelaboração dos campos cognitivos e

emocionais, o estudante produz um sentido de continuidade de si através dos diferentes

contextos em que transita.

Assim, a escola é um contexto rico em interações sociais e possibilita a comunicação e

novos aprendizados a partir dos diálogos que permeiam a instituição e seus agentes de

referência.

2.3 NARRATIVAS NA ESCOLA

A narrativa é importante tanto para a relação do sujeito com a cultura quanto para a

estruturação da vida pessoal. A habilidade na estruturação e compreensão da narrativa é

fundamental para a formação identitária dos indivíduos, assim como para a construção de um

22

“lugar” no mundo, um papel na sociedade (Bruner, 2001).

Para construir esse “lugar” no mundo, o indivíduo precisa se comunicar, pois o

diálogo favorece a formação identitária e a formação de um espaço de pertencimento social.

Para que a narrativa se torne um instrumento na produção de significados para um sujeito, no

entanto, é necessário, produzi-la, discuti-la, analisá-la e compreender seus mecanismos

(Bruner, 2001).

Uma narrativa constrói, na linguagem do sujeito, o que ainda não foi dito, o inédito em

um arranjo ao relacionar histórias diferentes e situações dispersas que reúnem eventos

decorrentes da narrativa como um todo (Grandesso, 2011). De acordo com Anderson (1997,

p. 216), “Vivemos nossas narrativas e nossas narrativas tornam-se nossas vidas; nossas

realidades tornam-se nossas histórias e nossas histórias tornam-se nossas realidades”. Em

qualquer discurso, mesmo sozinho, é possível perceber o eco das vozes de outros discursos

que foram realizadas em lugares diversos, em diferentes ocasiões e situações (Grossen &

Orvig, 2011). Essa narrativa polifônica permite, então, a exposição de variadas perspectivas.

A possibilidade de diálogo permite a diferenciação entre o mundo interior e a concepção de

um mundo singular, único. As diferentes perspectivas apresentadas mostram variados

contextos, variados sujeitos e diversas concepções de mundo (Hermans, 2001). As narrativas

expressas acabam por orientar práticas educativas e permitem o desenvolvimento escolar dos

estudantes (Tateo, Marsico & Iannaccone, 2013). Essas narrativas são marcadas pelo tempo,

estruturam a realidade e oferecem um senso de self permitindo um reconhecimento de si

mesmo (Valsiner, 2012).

2.4 SELF EDUCACIONAL

Este estudo foi desenvolvido partindo da noção de dinâmica do self e, mais

especificamente, do self educacional. Neste sentido, de acordo com Tateo, Marsico e

Iannaccone (2013), o self educacional é constituído na relação dialógica com vozes dos

agentes de referência na trajetória escolar de estudantes, e que contribuem para a formação

identitária do sujeito no processo de escolarização.

O self educacional envolve a construção identitária durante os anos escolares e se

refere à emergência do self, a partir da interação dialógica entre vozes de referência com

estudantes em contexto educacional. Trata-se de um processo dialógico que ocorre no período

de escolarização envolvendo múltiplas vozes que expressam diferentes pontos de vista e

modulações, a partir de pontos específicos relacionados às experiências escolares e

23

educacionais (Tateo, Marsico & Iannaccone, 2013).

Quando crianças e adolescentes interagem com vozes dos agentes de referência, em

contexto educacional, os diferentes pontos de vista expressos nas narrativas desses adultos

contribuem para a construção identitária dos estudantes, oferecendo diferentes possibilidades

referentes a que tipos de pessoas eles podem ser no presente e no futuro (Tateo, Marsico &

Iannaccone, 2013). Segundo Valsiner (2012), é através da experiência passada que os sujeitos

criam os próximos momentos, momentos futuros da experiência através dos signos. Esses

signos possibilitam significar a experiência no mundo.

O self educacional é constituído na dinâmica dialógica, descrita anteriormente, com

vozes de outros significativos sobre a trajetória acadêmica de estudantes. Esse processo

contribui na formação identitária dos indivíduos na escola (Tateo et al., 2013).

Essa dinâmica do self educacional envolve a multivocalidade no contexto escolar e a

construção da identidade na trajetória de escolarização. Essa multivocalidade envolve

diferentes vozes, diferentes narrativas, através da expressão de diferentes pensamentos e

concepções acerca das experiências vividas no contexto educacional (Tateo et al., 2013).

A ideia de queixa escolar se relaciona com a dinâmica do self educacional, quando a

mesma pode ser compreendida como uma narrativa polifônica em que o estudante se encontra

envolvido em um processo ativo e contínuo de posicionamento e reposicionamento diante de

outros sujeitos significativos que participam na construção de sentidos, a partir da emergência

de diferentes vozes (Mattos, 2013). Essa dinâmica de posicionamento e reposicionamento não

assume uma relação causal. Ela representa o movimento de papéis que são assumidos

simultaneamente e que possibilitam a mudança no processo de construção identitária sem que

uma posição seja consequência de outra.

Segundo Grandesso (2011), a possibilidade de construção e reconstrução de

significados encontra-se no processo dialógico, através do qual coevolucionam a dimensão

social da fala e a singularidade da produção individual. Para que haja ressignificação é preciso

um questionamento a respeito de um significado existente, uma reflexão e reconstrução desse

mesmo significado. O outro, nesse momento, torna-se fundamental no processo dialógico que

leva à transformação pessoal e social.

As narrativas, no entanto, são construídas em uma dimensão histórica, expressas e

negociadas nos contextos do sujeito, a sua produção. Portanto, não é um ato individual, mas

uma produção coletiva (Grandesso, 2011). Adolescentes frente às queixas e diferentes vozes

têm a possibilidade de negociar, aceitar, questionar o que é escutado.

Na trajetória escolar, crianças e adolescentes experienciam o contato com o passado

24

através do que foi aprendido no levantamento de conhecimentos prévios e possibilidades

futuras de construção de conhecimento, relações sociais e identidade (Tateo et al., 2013).

Abordar o tema self ou identidade é discorrer sobre a constância das narrativas em andamento,

que passam por diversas mudanças (Grandesso, 2011). Portanto, a internalização das vozes

acaba por orientar ações no contexto educacional durante o desenvolvimento e história de

vida daqueles atores sociais envolvidos no processo (Tateo et al., 2013). Por esse motivo, faz-

se necessário compreender como adolescentes encaminhados com queixa escolar para o

Serviço de Psicologia expressam a participação das vozes de outros significativos na dinâmica

do self e, mais especificamente, self educacional.

Os profissionais da escola e os familiares estão envolvidos com o fenômeno da queixa,

assim como os profissionais de saúde aos quais os estudantes são endereçados (Dazzani,

2007). A função da educação é permitir que os sujeitos ajam no mundo desenvolvendo suas

habilidades e pleno potencial. Entretanto, a tendência é que a educação alimente e reproduza a

cultura que a apoia e, nesse sentido, sua proposta pode ir de encontro a esse desenvolvimento

ao qual se propõe para um estudante. De acordo com Bruner (2010), o ensino não pode ser

interpretado como instrumento de uma realização individual e, ao mesmo tempo, ser uma

técnica reprodutiva da manutenção de uma cultura (Bruner, 2010). Trata-se, então, de um

impasse ainda sem resposta, visto que existe um ponto de tensão entre a missão coletiva da

escola e a necessidade de considerar especificidades individuais dos(as) estudantes.

A relevância da vida escolar não pode estar relacionada apenas à promoção de

desenvolvimento de habilidades cognitivas, laborais e afetivas. Ao criar espaços de

possibilidades de relações entre atores internos e externos, a escola promove a constituição do

self (Gomes, Padovani, Dazzani, & Ristum, 2014).

Segundo Gomes (2014), o processo de escolarização é transpassado comumente por

momentos de descontinuidades e continuidades. As mudanças no contexto educacional e nas

relações que se estabelecem dentro dele, com o avançar dos anos, colocam os adolescentes

frente a situações que requerem transformações identitárias com a finalidade de solucionar

novos problemas que surgem durante esse processo.

Crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem dividem-se, portanto, na

tentativa de corresponder positivamente, confrontar expectativas e projeções das vozes dos

outros de referência em relação a sua vida acadêmica ou viver experiências de ambiguidade

na aceitação e rejeição dessas vozes, ao mesmo tempo.

Durante as interações de vozes no processo educacional, os recursos simbólicos

internalizados pelos estudantes tornam-se elementos constitutivos do self educacional. Esses

25

instrumentos acabam por administrar dimensões cognitivas dos estudantes − sociais e

emocionais − em qualquer tempo em que o sujeito esteja envolvido em contextos

considerados educacionais (Marsico & Iannaccone, 2012).

Embora se compreenda que os fatores psicológicos que envolvem as dificuldades ou

problemas experienciados no contexto escolar não são os únicos determinantes na causa de

desencadeamento do fenômeno da queixa escolar, torna-se pertinente evidenciar a dimensão

desse problema nos diferentes contextos dos adolescentes e tornar lúcidas as implicações

desse processo na ressignificação da vivência educacional.

26

3 A QUEIXA ESCOLAR

Escola é ponto de continuação

Ponto de encontro e desencontro,

Paradoxo da construção.

Base de estudante em formação,

Identidade e produção.

Escola é alento e insatisfação,

Reprodução de sistema e fracasso.

Escola é cansaço e também dedicação.

Não é desistência, é resistência.

Escola é queixa e união.

(Marina Lima Duarte Moreira)

A qualidade na educação, no ensino e aprendizagem, passou a ser mais discutida com

a ampliação do atendimento à queixa escolar pelos serviços de saúde (Oliveira, 2007). Até a

década de 1990 a qualidade do ensino e aprendizado na educação era um tema pouco visível

frente às questões como os altos índices de evasão e reprovação registrados no Brasil. Para

Oliveira (2007), exclusão e desigualdades ainda aparecem no sistema educacional; entretanto,

de uma forma diferenciada daquela que ocorria em 1990. O sistema educacional no país

mostra-se com inúmeros problemas que envolvem graves consequências sociais: evasão,

dificuldades de aprendizagem, violência, crianças fora da escola, entre outros relacionados à

educação básica no Brasil.

Essa realidade indica que pouco foi feito na última década do século XX, no que tange

aos princípios da educação básica para todos no país (Guzzo, 2001). A democratização do

acesso à escola e a regularização da frequência nesse contexto trouxeram para esse sistema o

desafio de assumir a responsabilidade pelo aprendizado de todas as crianças e jovens

(Oliveira, 2007). No entanto, é impossível pensar na responsabilidade pelo aprendizado e

educação assumida pela escola sem pensar na relação que esta estabelece com as famílias dos

estudantes.

Segundo Wagner (2011), desde seu surgimento, enquanto instituição social de

educação formal, a escola possui uma forte relação com a instituição familiar. Com a criação

dos centros urbanos e a inserção da mulher no trabalho, a partir de determinado momento

histórico, as escolas passaram a dividir com as famílias a função de educar. Existe hoje, no

entanto, uma polêmica acerca dos papéis das duas instituições quanto às tarefas educativas, a

quem cabe educar os estudantes, se a educação deveria ocorrer em domicílio ou se caberia à

escola, enquanto instituição educacional, essa função (Wagner, 2011).

27

Uma das propostas para atingir pontos em comum entre os dois contextos educativos

(família e escola) é a coerência entre práticas educativas. Para isso, segundo Wagner (2011),

faz-se necessário um espaço de acolhimento, ajuda e aprendizado de estratégias eficazes no

acompanhamento dos estudantes.

Pesquisas sobre queixa escolar têm sido alvo de interesse de profissionais de diferentes

áreas e podem ser úteis para profissionais de educação e de saúde que buscam participar mais

efetivamente no processo de escolarização de estudantes (Souza, 2000; Neves, & Marinho-

Araujo, 2006; Braga & Morais, 2007; Nakamura, Lima, Tada, & Junqueira, 2008; Bray, &

Leonardo, 2011). Essas pesquisas podem gerar benefícios para profissionais que trabalham no

atendimento clínico de adolescentes com esse histórico.

De acordo com Bruner (2001), a escola é uma das primeiras instituições da vida de

uma criança, além da família. Ela se configura como um dos primeiros contextos que

possibilita a interação social e a imersão na cultura. Torna-se, portanto, um espaço rico em

construção de significados. Esse contexto possibilita o diálogo entre diferentes versões de

mundo, através das narrativas entre atores sociais que nele circulam.

O movimento dialógico no espaço escolar colabora na construção das histórias

individuais dos estudantes que estão inseridos nas diversas instituições de ensino. É por meio

dessa interação com demais sujeitos que a criança conhece a cultura e assimila como ela

mesma concebe o mundo ao seu redor. Através da relação com o outro ela constrói seu lugar

na sociedade (Bruner, 2001).

A escola é, portanto, um palco de vivência da juventude e espaço social significativo

na história e desenvolvimento do sujeito. Experiências nesse espaço educacional são

caracterizadas por mudanças e desafios que podem ter efeitos na constituição identitária do

indivíduo (Gomes, 2014). A queixa escolar e seus desdobramentos, como qualquer discurso,

podem afetar seriamente o modo como a pessoa se organiza frente às demandas escolares,

produzindo significações no self que poderão guiar seus posicionamentos dentro e fora do

desse contexto.

Diversos pesquisadores brasileiros estudaram o fenômeno da queixa escolar (Barros,

Mendonça, & Santos, 2011; Dazzani et al., 2014; Fonseca, 1995; Neves & Marinho-Araujo,

2006; Patto, 2010). Esses estudos apresentam dados referentes aos altos índices de

encaminhamento de demandas relacionados à queixa escolar para diversos serviços de saúde.

No intuito de lidar com as demandas de queixa escolar, família e escola buscam

parcerias mediadas por profissionais de psicologia em prol de estratégias mais efetivas para o

desenvolvimento acadêmico dos estudantes. Contudo, Braga e Moraes (2007, p. 46) revelam

28

que “O psicólogo, muitas vezes, desconhece a complexa rede de relações imbricadas na

manifestação da queixa escolar, deixando à margem determinações sociais e institucionais

que influenciam na produção das dificuldades escolares”. Para que o encaminhamento e

acompanhamento terapêutico seja efetivo, cabe o envolvimento da família e escola enquanto

instituições de suporte no processo de escolarização.

A família torna-se tema de interesse, a partir da relação/parceria estabelecida com as

escolas, considerando-se seu papel, sua função e contribuição no processo educacional, e

ainda conforme os modelos de participação no processo educacional do sujeito. Verifica-se aí

um complexo jogo de relações sociais que permeia o processo institucional da educação

(Dazzani & Faria, 2009)

As duas instituições, família e escola, são contextos fundamentais para o

desenvolvimento das crianças, porque permitem interações entre atores sociais e colaboram

para a formação do sujeito. Faz-se necessário, portanto, o reconhecimento mútuo da

importância de cada um deles em prol de estratégias que visem o desenvolvimento do

estudante na sociedade (Marcondes & Sigolo, 2012).

Se por um lado uma maior escolaridade é considerada como uma possibilidade de

melhoria de renda e saúde, aumento da empregabilidade e redução da criminalidade

(Menezes-Filho, 2007, citado por Gomes, 2014), por outro lado, experiências relacionadas ao

fracasso podem ser configuradas como fator de risco social (Barros, Mendonça, & Santos,

2011, citado por Gomes, 2014).

Em pessoas em situação de risco social e pessoal os efeitos das mudanças e

estabilidades podem interferir no desenvolvimento e ajustamento psicológico. Todos os

sujeitos experienciam mudanças e constâncias (estabilidade e continuidade) ao longo do ciclo

de vida. Eles vivenciam essas alternâncias tanto individualmente quanto em grupo

(Bronfenbrenner, 2005).

O desenvolvimento de um estudante em situação de risco envolve desafios contextuais

e individuais que aumentam a vulnerabilidade do sujeito apontando para resultados que

interferem no desenvolvimento. Tradicionalmente, os fatores de risco estavam relacionados à

pobreza e maus tratos; porém, esses fatores de risco são analisados hoje enquanto processos

que envolvem a quantidade de exposição aos fatores de risco, o tempo, o momento e o

contexto (Engle, Castle, & Menon, 1996, citados por Amparo, Galvão, Cardenas, & Koller,

&, 2008). De acordo com Dazzani et al. (2014), todos os problemas relacionados ao processo

de escolarização, a não aprendizagem e às dificuldades encontradas durante a trajetória

escolar podem se configurar como queixa escolar.

29

No contexto educacional, métodos e processos de ensino e aprendizado vão se

diversificando quanto às identidades e às ações dos profissionais que trabalham no sistema de

ensino. Formas de agir são portadoras de diversificados valores que são nutridas de

interpretações sociais e das redes de relações que as estruturam politicamente (Duarte &

Junqueira, 2013).

As queixas escolares passaram a expressar problemas de aprendizagem dos estudantes,

donde se assume uma perspectiva individualista, retirando das instituições de ensino a

necessidade de repensar suas práticas pedagógicas e ações educativas, desimplicando os

autores no fazer educativo (Pereira, 2004). Alguns professores tendem a reproduzir em classe

discursos de preconceito, atribuindo aos estudantes a responsabilidade pelo baixo desempenho

acadêmico, por exemplo.

As dificuldades de aprendizagem de alguns estudantes não excluem, no entanto, o

potencial intelectual dos mesmos. Existem estratégias alternativas específicas para cada caso

em particular. Muitos indivíduos, com demandas de queixa escolar, se convencem de que não

podem aprender e fracassam na escola, apesar do esforço realizado pelos mesmos e pelos

demais atores escolares. Algumas expectativas de desenvolvimento acadêmico, portanto,

podem gerar desequilíbrios emocionais que interferem na aprendizagem (Neves & Marinho-

Araujo, 2006). Segundo Silva e Rodrigues (2014), nos dias atuais, o atendimento à queixa

escolar deve ser pautado na minimização das dificuldades apresentadas pelo sujeito,

favorecendo o desenvolvimento de competências necessárias para a vida acadêmica.

Bruner (2001) aponta para a relevância da escola enquanto instituição que deveria

favorecer a construção identitária do sujeito oportunizando a inserção social. Por outro lado,

alguns autores, tais como Cabral e Sawaya (2001), Dazzani et al. (2014) e Neves e Marinho-

Araujo (2006), indicam a relevância da formação na prática cotidiana dos profissionais de

saúde, pois são eles que recebem os estudantes encaminhados com a demanda de queixa

escolar para atendimento. De acordo com esses autores, esses profissionais podem atuar não

apenas intervindo, no sentido de desenvolver competências e minimizar as dificuldades, mas,

também, implicando todos os atores sociais envolvidos no processo de escolarização do

estudante, de forma a contribuir com o desenvolvimento global do sujeito. Esses trabalhos

atentam, sobretudo, para a descentralização da queixa no estudante e a formação acadêmica

que possa criar as competências necessárias para lidar com os encaminhamentos.

O atendimento à queixa escolar deve envolver diversos atores sociais, tais como: pais

e/ou responsáveis, diretores, funcionários e professores implicados no desenvolvimento global

dos estudantes. Silva e Rodrigues (2014) atentam para a necessidade de reflexão crítica acerca

30

do tema da queixa, enfatizando a necessidade de contextualização da demanda e de análise, a

partir de uma ótica proativa.

Um sistema educacional deve ajudar aqueles que estão se desenvolvendo em uma

cultura a encontrar uma identidade dentro dela, um lugar que permita o olhar para o singular,

sem perder de vista o todo da sociedade, do contexto. As escolas, segundo Bruner (2001),

devem cultivar a identidade, alimentá-la e parar de desconsiderá-la. As instituições de ensino

têm um dever social a cumprir, mas, no fazer educativo, não se deve perder o foco na

formação particular de cada sujeito implicado na construção da sua trajetória escolar. A escola

não olha o sujeito enquanto aluno único em função da sua missão coletiva. Faz-se necessário,

portanto, alimentar a identidade do indivíduo em desenvolvimento no contexto educacional

(Bruner, 2001).

Considerando a fundamentação teórica exposta acima, foi delimitado o objeto de

estudo da pesquisa que segue na próxima seção.

31

4 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

Seriam ricos os não limites

Na fronteira do pensar,

Mas a linha tênue não nos permite estudar

O universo em amplitude.

Delimitar é atitude que permite segurar nas mãos

Os pássaros que poderiam voar.

(Marina Lima Duarte Moreira)

Figura 4 – Mapa conceitual

Fonte: própria autora

4.1 PROBLEMA

Como adolescentes encaminhados com queixa escolar para o Serviço de Psicologia

expressam a participação das vozes dos agentes de referência na dinâmica do self e, mais

especificamente, do self educacional?

4.2 OBJETIVO GERAL

Analisar como adolescentes, encaminhados com queixa escolar para o serviço de

Psicologia, expressam a participação das vozes dos agentes de referência na dinâmica do self

educacional, atentando para os posicionamentos do Eu, a partir de suas narrativas.

32

4.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Identificar e analisar como os adolescentes significam as queixas escolares

tecidas sobre si mesmos;

b) identificar e analisar as diferentes vozes relacionadas ao processo de

escolarização de estudantes sobre os quais são tecidas as queixas escolares;

c) analisar possíveis tensões relacionadas às diferentes vozes de agentes de

referência;

d) identificar as expectativas dos adolescentes sobre seu futuro (pessoal,

profissional e acadêmico) e sua relação com o processo atual de escolarização.

4.4 ASPECTOS METODOLÓGICOS E ÉTICOS

De forma a tornar a produção mais coerente com o marco teórico, este estudo

considerou alguns aspectos metodológicos apresentados por Valsiner (2007, 2012), a partir da

psicologia cultural de base semiótica.

Para Valsiner (2012), a metodologia é um processo através do qual o conhecimento

científico é produzido. Ainda segundo o autor, é necessário repensar as formas metodológicas

convencionais, de modo a oferecer abertura para uma nova fase da psicologia do

desenvolvimento.

Considerando que a proposta de trabalho foi analisar como adolescentes,

encaminhados com queixa escolar para o serviço de Psicologia, expressam a participação das

vozes de agentes de referência na dinâmica do Self educacional, atentando para os

posicionamentos do Eu, a utilização do método qualitativo e idiográfico foi pertinente.

O método qualitativo foi utilizado no estudo, considerando-se, então, as narrativas dos

adolescentes participantes, com a finalidade de acessar as vozes de agentes de referência

através do discurso relacionado ao processo de escolarização, atentando para os diversos

posicionamentos e reposicionamentos.

De acordo com Molenaar & Valsiner (2005), cada experiência humana é singular,

única no tempo e não pode ser reproduzida. Para Valsiner (2012), os estudos idiográficos

concebem esses fenômenos singulares dentro da irreversibilidade do tempo, ou seja, dentro da

passagem cronológica. Segundo Moreno e Branco (2014), o método idiográfico permite o

estudo das questões psicológicas e fenomenológicas de forma contextual e em profundidade.

33

A generalidade, nesse modelo, se baseia na ideia de que conhecimentos sistêmicos produzidos

no estudo de casos individuais podem ser aplicados em novos casos também individuais.

4.4.1 Participantes

Participaram do estudo três estudantes da rede pública e privada de ensino,

encaminhados para serviços de atendimento psicológico na cidade de Salvador, Bahia. Duas

delas estavam vinculadas ao ensino público da cidade durante o período da entrevista e apenas

uma estudante tinha sido vinculada anteriormente ao ensino privado. Entretanto, esta última

desistiu da participação da pesquisa, ao deixar de frequentar o serviço de atendimento

psicológico. Vale salientar que as participantes foram encaminhadas para esse serviço em

virtude de demandas relacionadas à queixa escolar, tais como baixo desempenho acadêmico,

repetências, indisciplina, baixa frequência e permaneceram em atendimento até a data da

coleta de dados. Foram consideradas relevantes, também, as queixas levadas pelos

participantes.

De acordo com os critérios estabelecidos para a participação no estudo, os

participantes deveriam possuir entre 10 e 19 anos − faixa etária que compreende a

adolescência, segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS (Oselka & Troster, 2000).

Além disso, os participantes deveriam estar vinculados às escolas de Ensino Fundamental II e

Ensino Médio e deveriam ser escolhidos por acessibilidade. O caráter privado ou público das

instituições de ensino não foi considerado critério de seleção dos participantes; entretanto,

essa caracterização da escola figuraria eventualmente como um ponto de análise a partir das

suas narrativas, uma vez que as distintas realidades dos contextos educacionais poderiam

produzir diferenças importantes na cultura pessoal e coletiva dos sujeitos.

4.4.2 Instrumentos

Foram realizadas entrevistas narrativas com duas participantes selecionadas estudo.

Essa técnica contempla as narrativas das adolescentes e evidencia as vozes dos agentes de

referência como parte de uma complexa rede semiótica que envolve a dinâmica do self

educacional.

Segundo Jovchelovitch e Bauer (2002), a entrevista narrativa objetiva estimular o

participante entrevistado a falar, contar uma história a respeito de um acontecimento relevante

34

na sua vida. A proposta é reconstruir, a partir das falas dos participantes, acontecimentos

sociais diretamente, ou seja, narrar, com profundidade, histórias que remetam ao tema central

de estudo.

Na entrevista narrativa o contador da história narra fatos relevantes da sua vida, de

acordo com sua perspectiva de mundo. Portanto, a explicação de acontecimentos é seletiva e

está de acordo com os fatos que o sujeito considera importante sobre uma determinada

temática (Jovchelovitch & Bauer, 2002). Foi utilizada uma questão disparadora para iniciar a

entrevista com as duas participantes do estudo, qual seja, “Eu gostaria que você me falasse da

sua vida escolar, de quando começou a estudar até os dias atuais”.

Além do uso da entrevista narrativa, foi aplicada uma ficha de dados

sociodemográficos com a finalidade de realizar um levantamento de algumas informações

adicionais referentes às participantes. Essas informações foram úteis na análise dos dois

casos.

4.4.3 Procedimentos de Produção de Dados

O projeto foi apresentado aos responsáveis pelo serviço de atendimento psicológico e

foi solicitada indicação de casos triados previamente pelos profissionais da clínica,

considerando como critérios de seleção, adolescentes que estavam vinculados às escolas de

Ensino Fundamental II de escolas públicas e/ou privadas de Salvador, encaminhados para

acompanhamento psicoterapêutico com a demanda de queixa escolar.

A pesquisadora entrou em contato com os responsáveis legais, por telefone fornecido

pelas estudantes selecionadas para apresentação da proposta de pesquisa e convite formal para

participação no estudo. Foram agendadas as entrevistas em local e horário acordados

previamente com as participantes que consentiram em participar do estudo.

Inicialmente foi realizada uma entrevista narrativa piloto, a partir da questão

disparadora citada logo acima. Após a entrevista piloto, a pesquisadora fez os ajustes

necessários para proceder às entrevistas com as participantes do estudo, considerando pontos

relevantes para a compreensão da produção da queixa escolar, especialmente relacionadas à

negociação com as vozes dos agentes de referência na dinâmica do self educacional.

35

4.4.3.1 Procedimentos éticos

Foram respeitados os procedimentos éticos para pesquisa com seres humanos. Os

responsáveis pelos estudantes, dispostos a participar, assinaram um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a participação no estudo. As estudantes adolescentes

assinaram um termo de assentimento escrito confirmando a anuência na participação no

estudo.

4.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

Foram analisados os dados sociodemográficos, após a realização de todas as

entrevistas, com a finalidade de buscar informações que se relacionassem ao contexto

educacional, ambiente familiar e social. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas

na íntegra. Em seguida, elas foram analisadas em profundidade fundamentadas no tema

central do estudo.

36

5 VOZES DOS AGENTES DE REFERÊNCIA E SELF EDUCACIONAL NA

TRAJETÓRIA ACADÊMICA DE ADOLESCENTES COM QUEIXA ESCOLAR

Dar voz e som

É dom de músico e poeta,

De professor e aprendiz.

É troca ritmada,

Comunicação sem fim

De histórias expressas ou guardadas

Jamais silenciadas

De trajetórias, de caminhadas.

(Marina Lima Duarte Moreira)

A análise dos casos será dividida em três diferentes contextos em que os agentes de

referência estão inseridos: Escola, Família e Clínica, que fazem parte do contexto maior − o

Educacional. Os três contextos em que as expressões das vozes dos agentes de referência

serão analisadas, se conectam à demanda de Queixa Escolar e à construção do lugar de

“queixa”.

Estudos sobre a medicalização nas escolas apontam para a culpabilização das famílias,

da higiene nas instituições de ensino, cujos diagnósticos estão relacionados às causas e efeitos

dos poucos cuidados básicos oferecidos. A medicina se ocupa pela responsabilização dos

alunos a partir de crenças acerca de baixa instrução da população, não fiscalização nas escolas

e aposta na necessidade de diagnósticos a serem realizados nas instituições de ensino para

posterior encaminhamento para especialistas, enfatizando a necessidade de atendimento

clínico (Moysés, 2008)

A medicina construiu, ao longo dos anos, as doenças do não-aprender-na-escola e o

processo demandou serviços de saúde especializados, estando a escola e especialistas como

competentes, responsáveis pela resolução dessas demandas. A partir deste momento, a

medicina se apropriou, cada vez mais, do objeto aprendizagem, sem mudanças significativas,

apenas estendendo seu campo normativo (Moysés, 2008).

Uma das especificidades da comunicação humana, segundo Bruner (1990), encontra-

se no papel da construção de significados. Os adolescentes sentem e percebem seus contextos,

desenvolvendo expectativas, assim como memórias, que ganham significados na interação

com outros sujeitos, ou através de reflexões pessoais.

A ideia central da psicologia cultural entende cada pessoa como uma instância no

tempo e espaço. Instância essa, absolutamente única e, quando exposta aos diferentes tipos de

ambientes e discursos, compreende os mesmos de forma partilhada permanecendo em

37

interações com outros sujeitos. Existe, também, uma forma de entendimento único a respeito

do mundo, traduzido nas próprias mentes, integrados com outros traços de experiências

pessoais (Zittoun, 2012).

O processo de internalização e externalização podem ser identificados como processos

através dos quais os significados são produzidos coletiva e individualmente (Zittoun, 2012).

Um ponto de partida é afirmar que tudo muda constantemente, dentro de uma constante

tensão entre continuidade e mudança. Somos ao mesmo tempo o mesmo e não o mesmo

(Zittoun, 2012).

Nem toda mudança, entretanto, produz consequências duráveis. As mudanças

transitivas são parte das mudanças entre sujeitos e contextos. As mudanças intransitivas são

chamadas de rupturas, momentos em que os modos de ajustamento são interrompidos. Essas

rupturas podem ser consequência de fatores externos e pessoais. Elas podem ser esperadas ou

inesperadas. As rupturas podem ser também chamadas “pontos de viragem” ou “pontos de

bifurcação” em uma determinada trajetória (Zittoun, 2012). Alguns caminhos são fechados,

outros abertos e alguns não decididos (Zittoun, 2012).

As rupturas geralmente abarcam mudanças intransitivas substanciais que geram

transições, processos de adaptação ao ambiente. Rupturas seguidas de transições são, segundo

Zittoun (2012), mudanças rápidas ou catalisadas.

A natureza normativa de transições é facilitadora de movimentos de mudanças e

posicionamentos, pois o desenvolvimento humano não é linear, não pode ser previsto. O

mundo em que vivemos é, na maioria das vezes, imprevisível (Zittoun, 2012). A trajetória de

vida também é multilinear, pois existem vários caminhos para chegar em pontos semelhantes

num curso de vida (Zittoun, 2012). Nesse sentido, cursos de vida dependem de eventos

aleatórios, de alguns aspectos pessoais e de forças sociais. Elas não são previsíveis (Zittoun,

2012). Rupturas que geram transições são produzidas através de uma passagem a outra dentro

das esferas de experiências próprias do indivíduo (Zittoun, 2012).

A adolescência, de modo geral, é um período que é atravessado por diversas rupturas e

transições, mudanças de esferas da experiência que podem ocorrer em um curto período de

tempo. Os adolescentes passam mais tempo no mundo social e imaginário, quando

comparados a indivíduos adultos (Zittoun, 2012). Cada uma das esferas da experiência pode

envolver processos de transições, e os adolescentes podem experienciar uma pluralidade de

identidades, criando eventos de limite, tensões, passagens, mudanças ou reflexivos, apenas,

através das rupturas e transições que experienciam (Zittoun, 2012).

38

Quando os estudantes avançam em suas trajetórias eles acumulam transições. A

experiência pessoal não envolve apenas a acumulação de vivências distintas; implica na

reelaboração no sistema de orientação pessoal (Zittoun, 2012).

Figura 5 – Delineamento da Análise

Fonte: Própria autora

5.1 CASO BEATRIZ

“Metade do mundo se baseia na escola porque é realmente onde se passa muito

tempo. Onde você aprende muita coisa.”

5.1.1 Dados da Adolescente

Beatriz, nome fictício escolhido para a primeira participante entrevistada, possuía 15

anos na época da entrevista. Morava com os pais e irmão, quatro anos mais novo, em

Salvador (Bahia). A estudante frequentou escolas particulares da sua cidade até ser aprovada

no Instituto Federal da Bahia (IFBA), nos primeiros meses de aula do Ensino Médio. A

entrevista aconteceu no período de transição entre a escola particular e o Instituto Federal da

Bahia.

Beatriz começou a frequentar a psicoterapia aos 10 anos de idade e foi encaminhada,

na época, em virtude do bullying sofrido no contexto escolar. A narrativa da adolescente

emergiu de forma não linear, mas foi possível identificar pontos de ruptura e transição, assim

como mudanças de I-Positions na dinâmica do self da estudante.

39

Nota-se, através da entrevista narrativa, a prevalência de três posicionamentos da

estudante (I-Positions): “Eu-Estudante Excelente”, “Eu-Filha Nota 10”, e “Eu-Aluna

Sozinha”, que se revezam na dinâmica de integração do self. Beatriz afirma: “Nesse

momento, o mais importante para mim é a escola e a família e os amigos... A minha vida toda

são essas três coisas”.

Beatriz optou por narrar sua história a partir do segundo ano do Ensino Fundamental I,

mesmo sendo convidada a narrar desde o início da sua trajetória acadêmica. O período

escolhido pela adolescente correspondeu ao mesmo período em que iniciou a psicoterapia.

5.1.2 Contexto Acadêmico

A trajetória acadêmica de Beatriz foi marcada por dificuldades relacionadas ao

conteúdo programático de disciplinas e foco no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Beatriz é uma estudante muito exigida pelos agentes de referência (pais) em relação ao alto

desempenho acadêmico. Alguns elementos que revelam essa preocupação, como indicativos

da demanda da queixa escolar apresentada como, por exemplo, autoexigência em relação ao

bom desenvolvimento acadêmico estavam presentes na narrativa de Beatriz:

Nesse momento minha maior preocupação é questão da escola. O IFBA,

esse ano, não ensina Biologia, nem Geografia, nem Redação. Só ano que

vem e, eu estou pensando: o que é que eu vou fazer agora? Porque isso não

é bom para quando você for fazer o ENEM, Beatriz, você ficar um ano sem

essas matérias. Ou talvez minha maior preocupação seja, de fato, o ENEM1.

O interesse precoce pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) apareceu no

discurso relacionado às projeções futuras de inserção na Universidade e mercado de trabalho.

Essas projeções correspondem às expectativas dos pais que surgem nas narrativas da

adolescente como vozes de agente de referência e serão apresentadas no decorrer o estudo:

eu vou começar a trabalhar e depois que eu terminar a faculdade, eu vou

começar a ganhar dinheiro, eu vou me mudar para morar com minhas

amigas, depois de um tempo eu vou mudar para morar sozinha, ter meu

próprio carro, fazer essa vida que todo mundo já planeja, sabe? A meta

básica praticamente.

A concepção de meta básica é uma construção social internalizada por Beatriz, como

processo linear de construção de carreira bem-sucedida, prestigiada e reconhecida

1 Doravante, as narrativas dos sujeitos de pesquisa serão escritas em itálico como forma de salientá-las e

diferenciá-las do referencial teórico.

40

financeiramente. Bens materiais aparecem como exemplos dessa conquista promovida pela

ascensão social consequente do alto investimento nos estudos e na dedicação profissional. Ela

se compara a outros indivíduos da cultura: “fazer essa vida que todo mundo já planeja”. Nesse

momento, ela sai do lugar de indivíduo com escolhas particulares para se colocar enquanto

sujeito coletivo, na expectativa de corresponder aos ideais coletivos, reconhecidos e

valorizados.

Beatriz estudou em três instituições de ensino caracterizadas, por ela, como marcantes,

sendo a primeira de grande importância por ter sido sua escola por 10 anos consecutivos:

O IFBA é uma oportunidade única, mas eu ainda sinto muita saudade da

escola que eu estudava (primeira escola). Eu passei dez anos da minha vida

lá e eu ainda sinto muita falta daquilo. Acabei me afastando um pouco das

minhas amigas, não todas, mas eu me afastei um pouco e, é meio triste.

Apesar de ter se adaptado às duas instituições seguintes, lugares nos quais permaneceu

por menos de um ano cada, Beatriz relatou forte desejo de retornar à primeira instituição. Ela

narra, de forma não linear, vivências marcantes na primeira escola e estabelece uma

comparação com a instituição pública de ensino, na qual havia sido aprovada recentemente.

Sua fala apresenta uma carga afetiva e em seu discurso aparecem amizades e perdas

consequentes da ruptura, representada pela mudança de instituição educacional: “As maiores

amizades que eu já fiz na vida foram na escola e são amizades que, sinceramente, eu

pretendo levar para vida toda”. As amizades representam elementos de grande importância.

A estudante narra acerca das exigências da escola e as relaciona diretamente ao

comportamento das figuras parentais, no que diz respeito ao processo de escolarização

relacionando as expectativas de bom desempenho acadêmico no espaço escolar à tentativa de

corresponder às exigências da família: “Escola realmente dá muita pressão, porque os pais

cobram... a carga horária às vezes é muito puxada”.

Os professores são avaliados pela estudante por sua interação com os alunos: diálogos,

fora e dentro de sala, piadas e outras demonstrações afetivas que revelem interesse na relação

com os estudantes, não pelo seu desempenho enquanto profissionais, não são avaliados pelos

conteúdos que ensinam, métodos de ensinar ou pela exigência marcada como pertencente à

instituição escolar. Ela delega aos professores uma carga afetiva promovida através da

interação com os estudantes, considerada, por ela, como saudável apenas quando existe algum

vínculo e diálogo. Ela revela uma carga afetiva depositada nas figuras dos agentes de

referência, nesse caso professores, no processo de escolarização da estudante: “Tem

professores muito legais, às vezes... tem professor que não é muito legal não, né? Mas eu já

41

tive professores ótimos que foram meus amigos mesmo, assim, sabe? Que eu encontrava eles,

que eu conversava com eles”.

Beatriz indica signos presentes nas vozes parentais que ganham significado na sua

trajetória acadêmica, na medida em que se tornam mediadores semióticos, participando do

movimento de posicionamento da estudante. A Posição do Eu “Eu- Estudante Excelente” está

relacionada ao signo “excelente”, indicando uma possível expectativa da adolescente de

corresponder à exigência paterna referente aos estudos. Ela revela angústia em relação ao

ENEM: “Meu pai, ele é um pouquinho bipolar na verdade... ele cobra muito! Muito mesmo...

ele acha que é a única coisa que eu faço da vida; então eu tenho que fazer tipo: excelente.

Também tem muita preocupação com isso. Ele se preocupa muito com as coisas da escola”.

Segundo Gomes (2014), os posicionamentos e rearranjos diferenciados ocorreram

quando lhes foram atribuídas novas tarefas, responsabilidades, oferecidas por instituições

sociais no presente, assim como projeções futuras. Essas projeções exigiram da jovem

mecanismos de mediação semiótica do self.

Moreno (2015) afirma, em sua tese, que a mediação semiótica é um princípio

regulador da conduta na atividade própria do sujeito e dos outros na cultura. A autora utiliza a

definição de Vygotsky de mediação semiótica. Os instrumentos mediam a relação do ser com

seu mundo físico promovendo mudanças no contexto, controlando, desta forma, a natureza

(Vygotsky, 1962, citado por Moreno, 2015).

Há uma grande expectativa parental que remonta aos anos iniciais de escolarização. Os

seus pais criaram expectativas de sucesso e os relacionarem ao futuro mercado de trabalho.

Essa expectativa está presente na ideia de que um excelente desempenho acadêmico

favoreceria a inserção no mercado, ao alcance de prestígio, reconhecimento financeiro e de

possibilidade de aquisição de bens para uma sequência linear projetada na ideia da construção

social de “qualidade de vida” e de “sucesso” (cultura coletiva): “você está aprendendo para

entrar na faculdade, para ganhar um emprego”. O signo “Excelente” emerge na dinâmica

dialógica estabelecida com a figura paterna, e esse posicionamento se configurou como parte

do seu self educacional, na medida em que, para ela, tornou-se importante estar no lugar de

aluna dedicada, esforçada, excelente.

Os pais ofereceram suporte para as escolhas referentes às questões experienciadas

dentro do contexto escolar. As escolhas quanto às instituições de ensino, no entanto, foram

definidas por seus pais, sem a sua participação. Ela informa que o irmão foi aprovado em uma

instituição de ensino considerada muito boa em Salvador e que os pais decidiram que ela,

então, precisaria de uma escola onde o ensino fosse mais “reforçado”. Esse ponto será

42

discutido adiante.

Beatriz revela insatisfação com a mudança da escola: “Quando eu entrei na escola

nova todo mundo era mais barra pesada. Tinha gente que bebia, tinha colegas que faltavam

aula pra ir na praia, que ficava na frente... eu ficava me perguntando: gente o que é que eu

faço? Isso é muito doido pra mim”.

5.1.3 Contexto Familiar

Beatriz apresentou, segundo ela, um baixo rendimento no oitavo ano; em uma

disciplina sentiu dificuldades para estudar e apresentou um escore equivalente à média escolar

que, para ela e sua família, seria considerado baixo. A justificativa que a adolescente

apresenta é: “No oitavo ano eu estava preocupada, porque meus pais sempre falaram muito

que Ensino Médio eu teria que estudar todo dia e tirar notas “perfeitas”; então, a ideia que

eu tinha do Ensino Médio é que eu não ia mais ter vida social e eu precisaria começar a

investir nisso no nono ano”. A adolescente afirma que, ainda no oitavo, os pais alertaram:

“Ano que vem sua vida vai mudar. Você vai ter que estudar muito! E eu pensei: tenho que

aproveitar agora enquanto dá!”.

Os signos apresentados pelos agentes de referência parentais funcionam como

catalizadores no movimento de escolha da estudante, no sentido de menor investimento nos

estudos, antecipando uma projeção de dificuldades referentes à rotina acadêmica que

prejudicariam sua vida social. Outro ponto a ser destacado é o valor atribuído pela adolescente

e família ao escore, no sentido de que a média escolar não era suficiente. O escore era

considerado baixo. O signo “Perfeição” relacionado ao escore, já antecipa um posicionamento

que será apresentado pela estudante no decorrer desta análise.

A conduta humana é orientada por valores, enquanto signos hipergeneralizados de

regulação semiótica (Branco & Valsiner, 2012 citados por Mattos, 2016). A Psicologia

Cultural compreende o self como um sistema autorregulador e autocatalítico que orienta o

sujeito para o futuro, possibilitando, ou não, a emergência de sentidos novos, que exercem

certo controle nos posicionamentos das pessoas (Valsiner, 2002 citado por Mattos, 2016). Os

signos hipergeneralizados são reconhecidos por toda uma cultura quanto aos seus

significados. Os pais de Beatriz foram descritos como “presentes” e as vozes dessas figuras de

referência foram expressas predominantemente na sua dinâmica dialógica, especialmente no

que diz respeito ao contexto educacional, quando comparadas a outros agentes de referência,

tais como professores, amigos, terapeuta.

43

Beatriz, no período em que participou do estudo, estava vivenciando situações que lhe

exigiam diferentes rearranjos e Posicionamentos do Eu (I- Positions). Ela enfrentava desafios

pessoais relacionados ao nível de cobrança dos seus pais que lhe exigiam melhor escore

acadêmico, alto rendimento nas disciplinas (muito superior à média escolar) e preparação para

aprovação em alguma universidade pública. De acordo com as suas palavras:

Eu era o tipo de aluna que meus pais cobravam muito e eu prestava muita

atenção na aula, tipo, de um jeito até exagerado... Meu pai também é bem

rigoroso em tudo, na verdade, tudo. Escola é o principal, mas, é em tudo.

Tipo, como meu pai, minha mãe também cobra bastante: largue esse celular

e vá estudar. Eles acham que ainda não está o bastante.

Beatriz se posiciona com relação à escola, de forma a corresponder às exigências

parentais, se colocando no lugar de “aluna excelente” e se dedicando aos estudos como tarefa

primordial.

A estudante traz em sua narrativa alguns aspectos da relação com o irmão mais novo.

Destaca pontos positivos na relação fraternal com o irmão, tais como: apoio, diversão,

preocupação. Entretanto, de acordo com ela, o seu irmão, em situações de conflito, cobra

frequentemente um melhor desempenho acadêmico. Vez ou outra ele a questiona: “Olha eu

passei no Colégio Militar. E você? Não passou no IFBA”. Ela aponta uma certa ambivalência

nessa relação fraternal: “quando a gente brigava, ele ficava esfregando isso na minha cara. Aí

depois, quando eu passei no IFBA ele ficou muito feliz por mim. Eu fiquei até surpresa”. Em

momentos de conflito, o irmão reproduz as falas do pai, revelando não apenas uma exigência

de bom desempenho e aprovação em instituições reconhecidas pela família, como o status de

comparação entre os dois. A competição entre ambos é velada, mas os dois tentam

corresponder ao nível de excelência exigidos pelos pais.

As projeções futuras de Beatriz respondiam às exigências da família e da escola, as

quais enfrentava desde o início da sua trajetória acadêmica. Enfatiza-se a necessidade de

dedicação precoce aos estudos, visando méritos relacionados à aprovação em instituições de

ensino superior e eventuais empregos que proporcionassem ascensão social e prestígio.

Embora tentasse responder às exigências parentais, demonstrava pessimismo quanto à vida

adulta: “No Ensino Médio você vai ter que estudar todo dia e tirar notas perfeitas”. A

expectativa da adolescente com relação ao seu futuro prevê dificuldades no percurso para o

alcance de seus objetivos: “eu sei que depois, quando começar a faculdade, tudo vai ficar

bem pior do que já é na escola e, depois, vai ficar pior ainda porque eu terei que trabalhar,

terei que me ganhar dinheiro, vou me preocupar muito”.

44

A expectativa dos pais, enquanto agentes de referência, projetadas no signo

“perfeição”, a partir da narrativa da adolescente, aparece com um marcador semiótico que vai

orientar projeções futuras da adolescente, antecipando angústias e movimentos proativos, no

sentido de alcançar essa perfeição na trajetória acadêmica.

Os signos são definidos como meios artificiais que cumprem uma função de

estimulação; portanto, mediam a relação do ser, consigo e com os outros. Eles são orientados

internamente (Vygotsky, 1962, 2008 citado por, Moreno, 2015). O desenvolvimento das

funções psicológicas superiores, consequentemente, é gerado a partir de combinações entre

signos e instrumentos (Moreno, 2015).

A mediação semiótica permite aos sujeitos regular as funções psicológicas, tanto no

nível pessoal como interpessoal. As instituições regulam as ações orientadas por metas,

monitorando regras sociais que permitem a transformação dos sistemas humanos e de culturas

pessoais e coletivas (Valsiner, 2007, 2012 citado por, Moreno, 2015). Dessa maneira, criar,

empregar e regular signos nos leva a processos de significação permanentes que têm um

caráter dinâmico nas vidas dos sujeitos (Moreno, 2015). Segundo a mesma autora, alguns

signos são mediadores, ou seja, adquirem um movimento constante e generalizante que lhes

transformam em marcador semiótico, adquirindo poder de regulação nos processos de

significação.

Seus pais apareceram em sua narrativa como referência no acompanhamento escolar.

Eles estão presentes em toda a narrativa sobre a sua trajetória acadêmica. Sempre avaliaram o

seu comportamento, o seu desempenho acadêmico (especialmente o escore), monitoraram os

estudos dentro e fora da escola, instruíam nas atividades escolares realizadas em casa,

orientavam nos procedimentos de como ela deveria estudar e a auxiliavam nas tarefas das

disciplinas. Essas figuras parentais surgiram no discurso, também, como suporte no

enfrentamento de desafios sociais, tais como bullying, busca por profissionais especializados

para orientação, psicoterapia e decisão sobre mudanças referentes ao espaço escolar,

posteriormente: “[...] o meu irmão passou no Colégio Militar e meu pai queria me botar em

uma escola boa também. Ele ficou preocupado, tipo: ah! Seu irmão vai para uma escola

ótima e você vai ficar aí?”.

Quanto às projeções futuras, relacionadas ao mercado de trabalho, a estudante

encontra-se em dúvida acerca da área profissional a seguir, seja pelo perfil de trabalho, seja

pelo reconhecimento financeiro e prestígio social:

Ainda não sei bem qual carreira eu vou seguir, estou entre: Medicina,

Arquitetura, Jornalismo e Cinema. Mas não importa qual eu fizer, vou fazer

45

Cinema depois. Porque Cinema é uma área mais arriscada e tem chance de

não dar muito certo, então eu vou fazer alguma coisa mais segura e depois

vou fazer Cinema, que é o que eu realmente gosto.

Estabilidade financeira aparece como sinônimo de segurança, no discurso de Beatriz.

Esse valor atribuído ao reconhecimento financeiro e estabilidade no mercado de trabalho está

presente no discurso parental, nas narrativas acerca da excelência, preocupação com o ENEM

e dedicação aos estudos. Beatriz deixa de priorizar seu desejo de estudar Cinema, a fim de

corresponder aos ideais dos pais.

É possível notar, a partir da narrativa de Beatriz, uma cultura pessoal, apesar do pouco

poder de negociação com o posicionamento “Eu-Filha Nota 10”. Na adolescente transparece

uma tensão entre atender à expectativa parental e buscar seu desejo pelo Cinema como

prioridade em sua carreira profissional pretendida.

A estudante trata como “épico” o evento “fechar a média global de matemática” no

início Ensino Fundamental e relata frustração ao “fechar médias globais” de disciplinas tais

como Artes e Religião: “a primeira global que eu fiz foi de Religião e Artes. Tipo, isso foi

triste”. A adolescente apresenta uma hierarquia de valores pessoais atribuídos às disciplinas,

reproduzindo uma cultura coletiva do sistema de validação para escores altos em matérias

consideradas relevantes para aprovação no ENEM e relacionadas ao reconhecimento no

mercado de trabalho. Cinema, por exemplo, torna-se segunda opção para a adolescente, sendo

este, um curso que, para ela, apresenta menor estabilidade e, está relacionado às artes. A

matemática, para a adolescente, aparece relacionada às profissões de mais estabilidade

financeira e, por esse motivo, aparece como relevante no discurso de Beatriz. Essa valoração

relacionada às disciplinas sugere projeções e expectativas parentais, já incorporadas pela

adolescente, assumidas como escolhas pessoais futuras.

Nota-se uma dificuldade da adolescente em negociar com as vozes dos agentes de

referência parentais quanto às exigências de disciplina, rotina e de escore: “Você tem que

estudar e tirar dez”. Houve uma promoção de mudanças em sua postura de estudante, na

tentativa de apresentar aos pais resultados diferentes, que comprovavam uma correspondência

ao que esperavam dela enquanto estudante, ou as dificuldades por ela enfrentadas na escola.

Nessa relação emergiu o posicionamento “Eu-Filha Nota dez”, com o qual Beatriz se

identificou e, para o qual tentava corresponder às projeções parentais.

Alguns fatores contribuíram para a reafirmação desse signo e posicionamento, tais

como: o reconhecimento da média exigida em casa, diferente da exigida pela escola, sendo

um ponto acima, ou seja, oito: “a média na minha casa nunca foi sete, porque a média do meu

46

pai é oito. Ele sempre deixava isso claro. Abaixo de oito era como se você tivesse tirado

abaixo da média”. Para não ser considerada uma aluna “mediana”, Beatriz se esforçava na

tentativa de excelência para chegar ao escore máximo, dedicando-se de forma “até exagerada”

aos estudos.

Na narrativa da adolescente pôde-se perceber como emergente a I-Position do “Eu-

Estudante-Excelente” e “Eu-Filha Nota 10”, desde os anos iniciais relatados e a dinâmica de

reposicionamento do self, a partir das vozes expressas dos agentes de referência, pais e

professores, bem como sua participação no sistema do self educacional: “Algumas situações

que ocorrem na escola, não são muito legais, tipo quando você vai e tira uma nota baixa”.

Observa-se uma dificuldade da adolescente em negociar com as vozes dos agentes de

referência parentais quanto às exigências de disciplina, rotina e de escore: “Você tem que

estudar e tirar dez”, dizia o pai. A adolescente promoveu mudanças em sua postura de

estudante, na tentativa de apresentar aos pais resultados diferentes, que comprovavam uma

correspondência ao que esperavam dela enquanto estudante. Nessa relação, a nota 10 ganha

um significado próximo ao de “excelência” e Beatriz constrói uma postura de estudante que

corresponde tanto em escore quanto em adequação comportamental e passa a utilizar o signo

“aluna nota 10”. Esse valor numérico passa a ser um valor simbólico na constituição da sua

identidade integrando-se ao seu sistema do self educacional. Nessa relação emergiu o

posicionamento “Eu-Filha Nota 10”, com o qual Beatriz se identificou e, a partir do qual

tentava corresponder às projeções parentais.

Alguns fatores contribuíram para a reafirmação do signo “Nota 10” e alguns

posicionamentos, tais como, o reconhecimento da média exigida em casa, diferente da exigida

pela escola, sendo um ponto acima, ou seja, oito. A integração de orientações pessoais e

valores funcionam como um sistema aberto em constante mudança (Branco & Valsiner, 2012

citados por Mattos, 2016). Alguns valores, no entanto, podem, com o tempo, tornarem-se

dominantes ou permanentes em relação a outros valores, dependendo do poder que exercem

de regulação no sistema e de experiências que o indivíduo experimenta ao longo da sua

trajetória (Mattos, 2016). O valor “Nota 10” deixou de ocupar um lugar de escore para

representar um valor atitudinal da adolescente integrado ao sistema do self educacional.

47

5.1.4 Contexto Clínico

Beatriz trouxe o tema do bullying em alguns momentos da sua narrativa. Ela disse não

se recordar sobre o motivo da violência sofrida na escola. Enfatizou, apenas, seu sentimento

de exclusão em classe, quando ocorriam frequentes risos direcionados a ela, sem um motivo

justificado, para a adolescente, e o desejo cada vez menor, do seu grupo de colegas, em

compartilhar momentos de lazer com a estudante:

[...] a sala quase toda que me perturbava muito. Tipo, acho que já passava

de brincadeira porque era toda hora e as vezes me excluíam quando eu

queria brincar também. Era só aquilo. Não entendia direito o que estava

acontecendo. O que era bullying? Estavam fazendo isso por quê? Mas me

excluíam muito, mesmo! E eu tinha umas amigas também e elas iam brincar

com outras pessoas e me deixavam lá. Aí, eu passava muito tempo sozinha e

era bem triste, né?”.

O signo “Sozinha” aparece, então, no discurso de Beatriz relacionado ao sentimento de

tristeza, sendo o ponto inicial para a busca da Psicoterapia: “Meus pais estavam desesperados

sem saber o que fazer. Iam na escola, falavam. A escola dizia que ia resolver, mas, não

resolviam nada”. Segundo a adolescente, a decisão acerca do encaminhamento para a

psicóloga foi dos pais, mediante o não posicionamento efetivo da instituição educacional

frente à violência sofrida. Nesse período da vida da estudante, os amigos e colegas surgem

como vozes de referência; entretanto, são os gestos e comportamentos de discriminação,

exclusão e desafeto que prevalecem nessa relação. Nenhuma fala desses colegas e amigos

aparece; por esse motivo; Beatriz não consegue identificar o fator alvo de violência, mas os

risos constantes e a exclusão surgem como comportamentos que revelam um movimento

disfuncional no grupo., o que gerava sofrimento para a estudante.

Esses episódios de discriminação, exclusão e desafeto se tornaram tão frequentes na

época, que lhe causaram muito sofrimento, levando seus pais a decidirem buscar a escola e a

psicoterapia como recursos para ajudá-la a lidar com essa questão: “Meus pais estavam

desesperados sem saber o que fazer. Eles iam na escola, falavam, eles (profissionais da

escola) diziam que iam resolver, mas não resolviam nada... aí, eles me colocaram na

psicóloga”. A escola, segundo ela, foi negligente quanto a este quadro de violência.

Beatriz narra o processo psicoterapêutico que vivenciou por cinco anos. A psicóloga

que a atendeu surge, então, enquanto agente de referência relevante na sua trajetória

educacional e como suporte no processo de construção identitária: “ela me ajudou muito. Eu

estava muito insegura com essa coisa toda acontecendo, muito sem saber o que fazer e ela me

48

ajudou conversando comigo, me deixou mais tranquila, segura. Me falou mais o que deveria

fazer, como fazer, agir e tal. Ajudou bastante”. A psicóloga passa a ser referência no suporte à

demanda e no auxílio em relação à flexibilização diante do grande esforço e necessidade de

autonomia frente às figuras parentais. A voz da psicóloga passa a ser fundamental para a

compreensão de suas atitudes na trajetória acadêmica e nas demandas nascidas no contexto

escolar.

Beatriz frequentou a psicoterapia até o momento em que participou deste estudo e

relatou, na entrevista, que suas demandas eram escolares, não mais referentes ao problema do

bullying sofrido por ela, pois este já havia sido resolvido no início do Ensino Fundamental II.

Atualmente, ela apresenta apenas as queixas referentes ao alto nível de exigência dos pais

com relação à escola, mesmo apresentando um bom desempenho acadêmico.

De acordo com Mattos (2016), quando ocorre uma descontinuidade no sistema do self

de uma pessoa jovem, os signos promotores possibilitam que o sujeito se afaste da experiência

presente e construa pontes de sentido entre o passado e o futuro, promovendo continuidade no

sistema do self através do tempo e dos diferentes espaços. No caso de Beatriz, a psicoterapia

surge como principal recurso para lidar com a violência em classe. A participação da família

na escolha pelo encaminhamento e acompanhamento da estudante, nesse serviço de saúde,

emerge como suporte e incentivo, uma vez que é possível notar, através da análise da

entrevista, como um todo, uma hierarquia das vozes de agentes de referência, estando os pais,

acima dos demais sujeitos participantes do processo de escolarização. A redução da violência

contra Beatriz na escola é apontada, quando ela narra a respeito do sexto ano, mas a troca de

turma no sétimo marca essa transição, fim do bullying, de forma mais efetiva.

Beatriz permaneceu na mesma escola no Ensino Fundamental II, experienciando,

porém, uma nova transição relacionada à mudança de turma no sétimo ano. A decisão partiu

da adolescente, após experiências com o grupo do sexto ano, juntamente com a melhor amiga,

insatisfeitas com conflitos no grupo. Beatriz relata que seu grupo costumava “brigar”

bastante. Os conflitos não apareceram como relevantes em seu discurso. Quando questionada

sobre a opção de mudança de sala, Beatriz discorreu sobre a necessidade de acompanhar a

amiga, sua grande referência, no período pós-bullying: “Saímos eu e minha melhor amiga, por

causa de conflitos do grupo, não com a gente. Os conflitos presentes no grupo atrapalhavam

as aulas e isso prejudicava sua atenção e desempenho. O grupo estava brigando muito, sabe?

Minha amiga decidiu sair; então, pensei: Não vou ficar aqui sozinha para ficar brigando”.

Beatriz decide sair da escola.

49

A decisão de mudança de escola foi anterior à aprovação no IFBA:

Enquanto eu não sabia que tinha passado no concurso, eu fiquei estudando

eu comecei o ensino médio em outra escola e, foi bem diferente quando eu

cheguei lá. Na escola que eu passei dez anos, todo mundo era mais

quietinho, mais certinho, assim, mais inocente que nem eu. Tipo muito

inocente. Eu cansei de voltar para sala sozinha porque o pessoal ficava na

biblioteca e eu ia para aula.

O signo “sozinha” ressurge na segunda escola. O posicionamento “Eu-Aluna Sozinha”

está presente, embora a adolescente revele que os amigos possuem grande importância na sua

vida e se configurem como agentes de referência.

Beatriz revela ambivalência em relação às experiências da adolescência:

[...] tem gente que diz que esse é o melhor momento da vida e, às vezes, eu

realmente acredito nisso, porque eu tenho minhas amigas, a gente se diverte

muito... e tem o lado ruim também, né? Porque muita gente tipo, meus pais,

por exemplo, não entendem mais o que é ser adolescente, não entendem

mais... A adolescência é doída, completamente maluca.

A participante de nossa pesquisa faz projeções futuras relacionadas aos ideais de vida

bem-sucedida: “o que eu preciso alcançar é o trabalho dos sonhos, uma casa própria, o

carro, essas coisas assim”. Ela rompe com as ideias tradicionais da cultura, apenas quando

afirma: “Pela sociedade, também eu preciso casar e ter filhos, mas eu não penso muito

nisso... o que eu preciso é estar bem com o que eu estiver vivendo. O que eu preciso, mesmo,

é estar feliz do jeito que eu estiver”. Nesse momento, ela demonstra uma autonomia,

revelando características identitárias que não aparecem relacionadas a nenhuma voz de agente

de referente presente em seu discurso.

A estudante encerra sua narrativa trazendo uma elaboração acerca da sua trajetória nos

contextos da família, escola e clínica revelando uma metáfora de obstáculos e enfrentamentos,

relacionando a trajetória educacional com o curso de vida do ser humano: “Uma vez eu li que

se você pode encarar a vida como se fosse um jogo de videogame. Como se até os 18 anos

fosse uma versão beta e depois você tem que pagar para jogar. Li isso no Facebook uma

vez”.

A frase que Beatriz elege como metáfora para encerrar sua narrativa, torna-se

simbólica, na medida em que ela consegue sintetizar sua trajetória incluindo projeções

pessoais futuras em uma colocação que traz como objeto central: um videogame (recurso

valorizado por adolescentes). O signo “jogo” apresenta a perspectiva da estudante a respeito

da dinâmica constitutiva do sujeito no sistema do self educacional e a infância/adolescência

como períodos de investimento gratuito, uma vez que, para ela, os agentes de referência

50

parentais são hierarquicamente mais elevados, responsáveis em suas vozes, ações e sustento.

Versões de vida, não gratuitas para a estudante, são projetadas em sua expectativa de futuro.

O “Pagar”, como signo, não possui apenas um significado para Beatriz. Para ela, existe o

“Pagar” recurso financeiro para alcance de uma vida estável socialmente, e o “Pagar”

enquanto sacrifícios, esforços pessoais necessários para o sustento de uma vida adulta na

cultura coletiva.

O caso a seguir apresenta algumas características similares ao analisado acima, quanto

às figuras que emergem como agentes de referência e vozes expressas com mais frequência

no sistema do self educacional. Algumas experiências relatadas no contexto escolar são

semelhantes, assim como no contexto clínico, apresentando uma diferenciação maior nas

experiências referentes ao núcleo familiar.

5.2 CASO GISELA

“Eu diria que a minha experiência na escola foi educativa, porque eu aprendi com

pontos negativos, a deixar tudo positivo.”

5.2.1 Dados da Adolescente

Gisela tinha 14 anos no período da entrevista e cursava o nono ano do Ensino

Fundamental II, em uma escola da rede privada de Salvador. Filha única de pais separados,

enfrentou desafios na primeira instituição de ensino. No quinto ano do ensino fundamental

precisou lidar com problemas referentes à socialização. Ela se isolava boa parte do tempo e

tinha dificuldade com o processo de formação e rompimento de vínculos. No Ensino

Fundamental II permaneceu enfrentando desafios referentes às desavenças com amigos,

dificuldades na interação com colegas, que consideravam suas afinidades infantis inadequadas

para a faixa etária. Ela apresentou baixo desempenho em matemática por um curto período,

além de problemas no núcleo familiar como: o adoecimento da mãe. Essas dificuldades

interferiram na sua dinâmica de interação com colegas da escola.

Mesmo sendo convidada a fazer o relato da sua trajetória escolar desde os primeiros

anos de ensino, Gisela optou por fazer um recorte com narrativas sobre o ano de ingresso na

psicoterapia, o que ocorreu no encerramento do Ensino Fundamental I e ingresso no Ensino

Fundamental II. A escolha denotou a importância atribuída por ela ao processo de ruptura e

51

transição, que será descrito na análise abaixo, marcado pela mudança de escola e ano letivo,

concluindo o Ensino Fundamental I, passando para o Ensino Fundamental II. A reverberação

semiótica no self educacional aparece de forma linear no período escolhido pela adolescente

para ser narrado, contemplando a participação das vozes de agentes de referência (pais, irmão,

professores, colegas, amigos e terapeuta), afetos, motivações e tensões que levaram aos quatro

posicionamentos identificados: “Eu-Estudante Retraída”, “Eu-Estudante Recaída”, “Eu-

Colega Infantil” e “Eu-Escritora”. Esses posicionamentos serão analisados no estudo a partir

dos seguintes contextos: acadêmico, familiar e clínico, como no caso estudado anteriormente.

A dinâmica de posicionamento e reposicionamentos na vida de Gisela, surge em sua

trajetória relacionada principalmente ao contexto escolar, indicando uma participação

dialógica de vozes de agentes de referência (pais, professores, colegas, amigos e terapeuta) no

sistema do self educacional da adolescente, contribuindo para sua formação enquanto

estudante e constituição identitária. Esses posicionamentos aparecem através da narrativa da

estudante na expressão de marcadores semióticos catalizadores, responsáveis por transições

significativas na vida dela.

5.2.2 Contexto Acadêmico

No relato sobre a primeira escola, a estudante fez referência em seu discurso a muitos

conflitos e episódios de bullying praticados por um colega, que a chamava de “gordinha e

dentuça”, fazendo referência a ela como “Mônica”, personagem dos desenhos em quadrinhos

de Maurício de Souza. Essa voz emergiu na narrativa da estudante como um agente de

referência expressando atos de violência que marcaram a trajetória da estudante. Outras vozes

de colegas, no discurso de Gisela, apareceram descritas, porém, não expressas. Iniciar a

narrativa com esse marcador de violência, sugeriu, desde o início da entrevista, dificuldades

enfrentadas no processo de socialização com outros estudantes, vindo a interferir em seu

processo enquanto estudante, requerendo a primeira demanda por terapia. Tratava-se,

primordialmente, de questões relacionadas ao isolamento e conflitos com as amizades

próximas e colegas de turma. Quando questionada sobre a demanda de encaminhamento

narrou: “eu ficava superchateada com esse menino. Foi um dos motivos que eu também entrei

na terapia. Foi bem na época que minha mãe começou a ter o problema de saúde e que eu

comecei a ter a inimizade com minhas amigas”. A mãe de Gisela apresentou um quadro de

saúde grave, um câncer, pouco tempo depois do início do processo psicoterapêutico da

estudante.

52

Gisela frequentava a escola pertencente à família no Ensino Fundamental I e buscava

o pai, funcionário da instituição, nas horas do intervalo, evitando, assim, estar com os colegas.

Esse movimento da estudante ocorria quando aconteciam conflitos, bullying, por vezes, sem

um motivo justificado pela adolescente. Aparecia apenas como uma necessidade de

isolamento do grupo. Nesse período foi indicado à família, pela psicóloga da escola,

acompanhamento psicológico clínico com a demanda: retraimento social e conflitos

frequentes com colegas. Ela tem sido acompanhada pela mesma psicoterapeuta desde os 10

anos.

Gisela descreveu, em sua entrevista, a transição do Ensino Fundamental I para o

Ensino Fundamental II como uma experiência difícil:

Sempre fui uma criança que gosta muito de leitura. Quando eu era pequena,

já tinha lido um livro que era quase uma lista telefônica. Na minha antiga

escola eu era uma das melhores alunas. Minhas notas eram tipo:8, 9, 10.

Quando mudei de escola achei difícil, porque, do sexto ano para cima

sempre fica mais complicado, muitos professores e, no ano passado (oitavo

ano), eu fiquei de recuperação em matemática.

A adolescente apresentou baixo desempenho acadêmico no oitavo ano do ensino

fundamental, quando foi para recuperação em Matemática. Ela relatou que obteve o apoio dos

pais que pagaram um profissional para aulas particulares e não recriminaram a reprovação na

disciplina. Ela não atribuiu o baixo desempenho acadêmico a nenhum fator relacionado ao

contexto escolar ou familiar. Relatou apenas sentir dificuldade nos conteúdos programáticos

das disciplinas.

Gisela trouxe as figuras parentais como participantes assíduos das suas atividades

escolares. A adolescente atribuiu um valor positivo a essa participação na sua trajetória

acadêmica e, esse valor, perpassou sua narrativa do início ao fim. A expressão das vozes dos

pais, enquanto agentes de referência, foram predominantes no discurso da adolescente quando

comparadas às vozes da terapeuta, professores, amigas e colegas. Ainda sobre a transição de

escola relatou: “eu tive muitos problemas nesses anos que eu fiquei no meu novo colégio: de

personalidade, de afinidade com amigos, com o estudo e foi uma pequena dificuldade que eu

já estou melhorando”. Toda a narrativa de Gisela é projetada em perspectivas positivas

quanto à resolução de problemas e desafios no contexto escolar: “eu aprendi com pontos

negativos, a deixar tudo positivo.”

As relações de amizade apareceram em seu discurso como as mais prejudicadas na sua

trajetória acadêmica. Foram muitos os episódios de brigas e reconciliações envolvendo

amigos desde o quinto ano até o momento da entrevista. Ela aponta esses conflitos como um

53

aspecto contribuinte para a I-Position “Eu-Aluna Retraída”. A adolescente ofereceu uma

dimensão maior a essas questões enfatizando a relevância da demanda para a mesma.

O self do sujeito é social e emerge a partir de encontros relacionais com múltiplas

alteridades em esferas diferentes da experiência humana. Os encontros dialógicos com

múltiplos outros sociais, segundo Mattos (2016), tornam-se internalizados na forma de

posicionamentos (I-Positions). De acordo com a mesma autora, os posicionamentos dos

sujeitos em relação aos outros, eles mesmos e acontecimentos do contexto, são incorporados

afetivamente.

A mediação semiótica relacionada à participação parental, enquanto vozes de agentes

de referência, pode ser destacada como as mais presentes nesses períodos marcados por

rupturas e transições, tais como: mudança de escola, adoecimento da mãe, fim e início de

amizades no contexto escolar, baixo desempenho acadêmico. Os pais de Gisela apareceram

em seu discurso como figuras participantes do cotidiano escolar, grandes incentivadores na

resolução de conflitos, no envolvimento com disciplinas, participação em reuniões

pedagógicas, instrução para realização de tarefas em casa, suporte financeiro no pagamento de

profissionais para lecionar disciplinas isoladamente, apoio aos projetos profissionais presentes

e futuros e busca por auxílio de profissionais especializados para acompanhamento

psicoterapêutico.

Quando Gisela apontou o motivo da procura pela psicoterapia, falou sobre o

adoecimento materno: “minha mãe que teve problema de saúde e eu fiquei muito chateada,

muito retraída”. Uma hipótese para os momentos de isolamento apresentados pela estudante,

quando não ocorriam os conflitos é a “chateação”, com a dificuldade frente ao grave quadro

clínico de saúde da mãe. Gisela continua:

Não queria mais estar com as meninas da minha idade na escola e queria

ficar com meu pai que trabalha na escola e acabava ficando com ele na

hora do intervalo. Meus pais e a psicóloga da escola acharam que eu tinha

que fazer terapia, tinha que colocar as coisas que eu sentia para fora. Que

isso seria bom, e foi bom. Isso refletia nas minhas relações sociais.

O signo “Retraída” surge no discurso da estudante e reforça o posicionamento “Eu-

Aluna Retraída”. Ela apresenta uma consciência do isolamento e o signo presente nas vozes

dos agentes de referência, pais e psicóloga escolar, passa a fazer parte do seu vocabulário,

ganhando um significado pessoal e indicando um posicionamento ocupado pela estudante, a

partir da demanda de encaminhamento psicoterapêutico.

54

5.2.3 Contexto Familiar

No mesmo ano em que a psicoterapia teve início, a mãe de Gisela desenvolveu um

câncer. A família batalhava, desde o período do encaminhamento da adolescente para

psicoterapia, aos nove anos, até o período da entrevista, para manter a mãe da adolescente

saudável, visto que estava submetida a inúmeros tratamentos e cirurgias em virtude da sua

condição de saúde.

A descoberta do quadro clínico de câncer da mãe aconteceu quando Gisela iniciou o

acompanhamento psicoterapêutico indicado pela escola, pelas demandas referentes ao seu

processo de socialização. Desde então, os períodos de bem e mal-estar da mãe foram

acompanhados por desafios e superações de Gisela na escola. A adolescente apresentava

queixas quando sua mãe não estava bem de saúde e conseguia superar seus obstáculos quando

a mesma apresentava melhora no seu quadro clínico. Isso promoveu mudanças no sistema do

self de Gisela, na medida em que a estudante trouxe em seu discurso signos distintos e novos

posicionamentos que serão descritos a seguir.

Gisela falou com naturalidade sobre o adoecimento da mãe e cuidados necessários

para com a sua saúde. Ela narrou sobre o apoio nos procedimentos necessários, colocando-se

como cuidadora, em seu discurso, uma vez que morava sozinha com a mãe: “ela sempre me

ajuda no que eu preciso e está sempre comigo. Eu sempre ajudo ela no que ela precisa

também”. A adolescente falou desse apoio como recíproco. Segundo Gisela, a mãe a ajudava

com a rotina escolar aconselhando-a, também, para melhor desenvolvimento dos seus

vínculos com colegas e, em contrapartida, a jovem auxiliava com alguns procedimentos

necessários para o cuidado da mãe durante o tratamento: “Ela é uma pessoa maravilhosa, ela

não é só mãe. É amiga. Às vezes ela dá uma de mãe chata. Mas é pelo meu bem. Disso eu

tenho certeza. Ela me ajuda na relação com amigos, ela me faz pensar. Ela também me ajuda

muito com o estudo, com o incentivo na literatura”.

A relação com os pais foi apontada como positiva. A estudante afirmou que gostava

muito do pai e da mãe e citou elementos muito positivos, características e valores que

ajudaram no seu desenvolvimento: “inteligência, amizade, companheirismo, tudo isso, os dois

têm comigo”. Sobre críticas, a estudante discorre:

[...] os pontos negativos dos meus pais seriam que eles brigam, um pouco.

Meu pai sempre quer ter razão nas coisas. A minha mãe menos. Ela fica

chateada comigo muito raramente e é mais por minha causa, porque eu

provoco mesmo. Porque eu, de vez em quando, gosto de responder, essas

coisas de adolescente, que sempre faz isso.

55

As críticas assinaladas fazem referência à rotina, tais como: brigas relacionadas ao

comportamento, aborrecimentos, que Gisela retrata como “comuns”, “coisas de adolescente”.

Mais uma vez ela traz valores que transmitem ideias culturais, construções coletivas a respeito

dos adolescentes.

Gisela falou do seu encaminhamento para a psicoterapia, colocando o retraimento

como a principal motivação. Foi possível identificar a emergência do signo: “Retraída” ao

longo da sua narrativa. Para descrever esse signo emergente, ela falou sobre o seu isolamento

em relação às amigas durante conflitos e relacionou a mudança de comportamento

relacionado ao adoecimento da mãe. Gisela identificou, na sua trajetória, momentos de

retraimento, isolamento, pouca interação e muitos impasses nas relações de amizade,

justamente em períodos de piora do quadro clínico da sua mãe. Foi possível identificar um

novo posicionamento “Eu-Aluna Recaída”, que será descrito abaixo.

Apesar de relatar com naturalidade, a estudante falou sobre a dificuldade que sentiu ao

lidar com a realidade da saúde materna, trouxe em seu discurso certo desconforto que a levava

a essa postura mais “retraída”: “Eu sempre fui boa em várias coisas, mas depois eu tive uma

queda, uma retraída, mas que agora eu voltei, subindo ao topo. A queda teve a ver com o

problema de saúde de minha mãe. Ela teve câncer”. Quando questionada sobre o que ela

considerava “queda”, a estudante respondeu: “Não um foi só um prejuízo nas notas... quando

fui para a escola que estou hoje, tive uma recaída porque minha mãe também teve uma

recaída”.

Quando a mãe apresentava melhora frente ao tratamento ou deixava o hospital, ela

acompanhava o movimento apresentando menos demandas frente aos desafios no contexto

escolar. No período da entrevista, a mãe estava melhor, inclusive conduzindo a adolescente

até o local para participação do estudo. É possível que essa melhora do quadro clínico esteja

relacionada à fala transcrita acima: “agora voltei, subindo ao topo”. As vozes parentais,

referentes ao quadro clínico materno, reproduzem o discurso médico acerca da saúde física da

mãe. É possível analisar o signo “Recaída” como mediador semiótico e catalizador na vida da

estudante quando ganha sentido para vida da adolescente, que se considera não saudável

mentalmente ou emocionalmente. Gisela, quando narra sobre as demandas escolares, utiliza a

fala acerca das dificuldades e relaciona com a sua “personalidade”.

No decorrer da entrevista, foi possível notar que Gisela trocou o signo “Retraída” por

“Recaída”, termo clínico para o agravamento do quadro de adoecimento, e substituiu o signo

“Aluna Retraída” por “Aluna Recaída” alterando, consequente, posicionamento “Eu-Aluna

Recaída”, em todas as suas falas, a partir da primeira troca. Quando a sua mãe tem uma

56

“Recaída” no agravamento do seu câncer, Gisela costuma apresentar “Recaída” nas notas, nos

conflitos com amizades, no comportamento, isolamento:

tive uma recaída porque minha mãe também teve uma recaída.

Quando ela ficou pior eu acabei ficando muito chateada, com

problema com amigos e tal e eu cheguei a querer mudar de sala no

ano passado, mas eu mudei de ideia e eu continuei na mesma sala.

Porque minha afinidade com meus amigos ficou melhor.

A adolescente utilizou o termo “Recaída” para falar a respeito das oscilações de

humor e comportamento dos pais: “Eu não poderia ter pai melhor. Ele tipo, ele pode de vez

em quando ter uma pequena recaída, ficar bravo, reclama. De vez em quando ele fala mais

alto do que queria e aí fica parecendo que está brigando, mas ele faz qualquer coisa por

mim”. Gisela tem dificuldade em apresentar críticas ou queixas em relação às figuras

parentais. Qualquer queixa é seguida de elogio, como mecanismo de compensação pelo

aspecto revelado como negativo. Porém, as queixas escolares seguiram emergindo na sua

trajetória justamente nos períodos de agravamento do quadro clínico da mãe, como se a sua

condição de desenvolvimento escolar saudável não fosse possível frente à condição de

adoecimento da materna.

É possível notar vulnerabilidade da estudante frente às situações experienciadas em

casa em relação ao quadro clínico da mãe. Há uma aliança forte de Gisela com a figura

materna. É possível analisar esse vínculo, na medida em que emergem no discurso inúmeros

elogios, uma associação direta das queixas apresentadas na escola com o adoecimento da mãe,

relação esta deflagrada pela própria adolescente. Nota-se pouca negociação com a voz dessa

agente de referência, fator que será discutido mais adiante. Na medida em que a mãe

apresenta uma recaída, um agravamento na saúde física, Gisela apresenta comportamentos

não saudáveis para o seu desenvolvimento emocional e psicológico na escola, produzindo

queixas antes consideradas “Sanadas”. Utilizo aqui a expressão “Sanadas”, justamente para

enfatizar esse movimento indiferenciado, dependente da figura da mãe vinculado ao signo

“Saúde”. O mesmo signo “Recaída” é compartilhado por ambas; porém, o significado aparece

distinto nos posicionamentos que ocupam. A queixa escolar de Gisela surge como sintoma, no

momento em que a jovem se posiciona como “Recaída” e, não mais, “Retraída”.

Quando Gisela muda de posicionamento de “Retraída” para “Recaída”, ela sai do

lugar de aluna isolada, em conflito, para o de uma aluna não saudável no contexto escolar,

implicando uma necessidade de atenção da família, da escola e da psicoterapia. A estudante

“Retraída”, aos nove anos, foi encaminhada para psicoterapia, a estudante “Recaída” é a que

permanece em acompanhamento psicoterapêutico até os dias atuais.

57

5.2.4 Contexto Clínico

A estudante começou a frequentar a psicoterapia aos nove anos de idade, quando

cursava o quinto ano do Ensino Fundamental I. Seus pais buscaram ajuda de um profissional,

após a indicação da psicopedagoga da escola, pois a relação de Gisela com outras crianças

estava prejudicada por conflitos, bullying e isolamento frequente, conforme o já referido.

Gisela falou que adorava ler e escrever e projetou sua carreira a partir desse seu

interesse; afirmava que queria ser escritora. O signo “Escritora” emergiu em seu discurso e

foi sustentado por pais e professores, vozes de agentes de referência que incentivaram sua

produção escrita, valorizando esse talento e respeitando o desejo de gênero literário eleito por

Gisela, como mais relevante: ficção. A adolescente afirmou na entrevista que já escreveu oito

livros de ficção e estava escrevendo o seu nono, todos envolvendo magia e realidade. Ela

conta que seus livros falam sobre uma vida que todas as pessoas gostariam de ter.

Considerando-se o quadro clínico da mãe e os desafios enfrentados por Gisela na escola, a

busca pelo misto entre magia e realidade, na comunicação escrita, revela um desejo particular

de construção de um sistema ideal, um mundo imaginário.

Seus pais apareceram como grandes incentivadores na dinâmica dialógica da

estudante, através da comunicação oral e escrita, visto que um dos motivos que a levou buscar

a psicoterapia foi a necessidade de expressar verbalmente sentimentos aparentes no

comportamento de conflito e isolamento. Além dos pais e professores, alguns autores

serviram de inspiração para Gisela nessa atividade de expressão através da língua escrita.

A estudante afirmou ter enfrentado alguns problemas com colegas de escola que, por

não gostarem dos mesmos gêneros e temas que ela, a consideravam infantil, imatura: “eu

gostava de coisas que eles achavam que, para nossa idade, já não era mais necessário –

magia, por exemplo”. As vozes dos agentes de referência, colegas de classe, aparecem muito

na descrição desse período, através de falas dos pais, aconselhando Gisela no sentido de não

se importar com as opiniões alheias, enfatizando a necessidade de respeito às diferenças, e

sugerindo à estudante não modificar seus gostos ou comportamentos em função das

expressões das vozes dos colegas.

O signo “Infantil” foi catalizador na transição, deslocamento de posicionamento de

Gisela em direção a um novo posicionamento “Eu-Colega Infantil”. Esta se tornou uma

demanda terapêutica, uma vez que se sentiu desencorajada a fazer coisas que gosta ou

escrever sobre os temas que eram de seu interessante. A pouca autoestima apareceu no

discurso como um obstáculo da atualidade. Gisela encontrou, nas vozes parentais e da

58

psicoterapeuta, reforço para lidar com o signo “Infantil” que causava um sentimento de

desconforto e exclusão.

Os seus pais interviram conversando com a adolescente sobre os comentários dos

colegas da escola: “Eles disseram que eu não deveria ligar para essas coisas, porque escrever

e gostar desses temas, é uma coisa minha e que se eles não gostam, eu não preciso mudar,

não devo mudar por causa deles. E eu segui o conselho”. Essas falas de regulação semiótica

possibilitaram que Gisela retomasse seu interesse por literatura, com seu gênero favorito,

buscando apoio em narrativas que ofereciam suporte para seu movimento enquanto escritora.

A ênfase no talento para escrita tornou signo “Escritora” promotor, na medida em que

possibilitou o reposicionamento da adolescente, de um lugar considerado “Infantil” para um,

de talento, correspondente às projeções futuras da própria adolescente. Surge, então, o

(Re)Posicionamento “Eu-Escritora”, possibilitando na trajetória acadêmica um lugar de

destaque, relevante para o sistema do self educacional de Gisela, não mais relacionado à

problema de autoestima, mas ao movimento de construção identitária e consolidação presente

a partir de aspirações futuras.

Segundo Valsiner (2007/2012), o sistema de Self dialógico pode ser considerado

autorregulador, uma vez que possibilita a criação de um senso pessoal sobre o que está

acontecendo. O indivíduo possui, portanto, um papel ativo na construção da sua trajetória, de

forma a atingir seus objetivos de vida (Moreno, 2015).

A adolescente se posicionou ativamente, empoderada na sua escolha no que se refere

às suas aspirações profissionais futuras. Engajada em seus investimentos com a leitura e

escrita, sua projeção profissional foi acolhida e incentivada pelas figuras parentais, tendo

também na escola um espaço de valorização e reconhecimento por parte dos professores que

elogiam as suas produções escritas. Ela não revela quais elogios foram expressos por essas

vozes dos agentes de referência pais e professores.

A noção de irreversibilidade do tempo possibilita considerar que um indivíduo não

pode voltar a um estado anterior; suas experiências tornam-se singulares por esse motivo.

Todos os participantes da cultura, segundo Moreno (2015), são importantes para o

desenvolvimento do indivíduo, principalmente os que possuem vínculos afetivos considerados

pela autora como privilegiados: pais, professores, irmãos etc.

As vozes dos pais de Gisela aparecem, em toda sua narrativa, como agentes de

referência, participantes, incentivadores, presentes no suporte frente a obstáculos enfrentados

por ela na escola. Gisela acatava opiniões, se aliando às vozes dos agentes de referência –os

pais – aceitando as propostas dessas vozes. Ela considerava que as falas parentais deveriam

59

nortear seus comportamentos. Confiava e seguia os conselhos considerando as falas positivas

para seu desenvolvimento presente e futuro. A estudante não apresentou discordâncias em

relação às narrativas parentais, enquanto agentes de referência: “Eu gosto dos meus colegas

como amigos, eu respeito e, se não quiserem gostar de mim, eu vou respeitar eles. Uma coisa

é: eles não podem me desrespeitar... meus pais dizem exatamente isso. Que eu tenho que

respeitar, que eu não tenho que gostar, da mesma maneira, que eles precisam respeitar, mas,

não têm que gostar de mim”. Essa pouca negociação com as vozes parentais pode estar

relacionada à hierarquia de vozes dos agentes de referência, uma vez que essas falas são mais

comuns e significativas para a estudante no seu percurso acadêmico.

O self torna-se um espaço favorável para negociação entre o eu e o outro, que vão

além de negociações de papéis sociais, referindo-se, também, aos estados afetivos e

significados reflexivos (Hermans, 2001 citado por Mattos, 2016). O self, portanto, pode ser

visto como um sistema de posicionamentos, uma estrutura, em um campo de possíveis

sentidos de si mesmo, tornando-se um espaço de negociação de valores e crenças que

predominam em esferas diferentes da experiência humana (Mattos, 2016)

O caso Gisela apresenta valores relacionados à representação das figuras parentais. A

dificuldade em negociar com essas vozes ou, até mesmo, queixar-se delas, pode estar

relacionada à fragilidade experienciada no núcleo familiar em função do adoecimento

materno. Essa proteção denota um cuidado de Gisela com as figuras parentais, em retribuição

aos cuidados que as mesmas possuem com a adolescente, na medida em que é acolhida frente

aos conflitos e violências experimentados na relação com os colegas.

Signos diversos aparecem nos casos contribuindo para transições, mudanças de

posicionamento da estudante, que contribuem para a percepção de si enquanto agente de

transformação na cultura coletiva e pessoal.

O sistema do self educacional de Gisela apresenta uma estudante, ainda, pouco

autônoma na trajetória educacional, apesar de muito envolvida com temas e contexto escolar.

O caso torna-se rico posto que estabelece, em sua análise, uma ponte que possibilita

relacionar educação e saúde, enfatizando a necessidade de mais estudos acerca do tema da

queixa escolar, a partir da aliança entre escola, família e clínica, como contextos promotores

do desenvolvimento e relevantes na construção identitária do sujeito.

60

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do fim ao começo

Todo passo

Corre o risco de tropeço.

A esperança ao caminhar

É a semente que brota

Na planta do pé.

O pesquisador que se propõe andar,

Precisa reconhecer que é

Possível errar e acertar

O caminho.

Importante saber

Que a água do broto do saber

É a possibilidade de crescimento

No avesso do conhecimento.

(Marina Lima Duarte Moreira)

A dinâmica de posicionamento no self dialógico e as projeções futuras aparecem

relacionadas ao sistema do self educacional das duas estudantes entrevistadas, porquanto

contemplam mudanças de valores através da mediação semiótica e posicionamento no

contexto educacional. Isto favorece a construção de uma identidade de estudante através do

reconhecimento de trajetórias construídas, pontes entre uma posição e outra, promovendo a

formação identitária das adolescentes, reconhecimento de si mesmas nas histórias narradas,

considerando-se o contexto escolar como palco para cenas positivas e negativas, rupturas e

transições marcadas como significativas nas entrevistas narrativas.

As duas adolescentes escolheram narrar suas trajetórias a partir do período em que

iniciaram a psicoterapia, apesar de terem sido convidadas a narrar desde o ano inicial da

trajetória escolar. Esse dado pode ser relacionado ao fato de terem tido conhecimento da

pesquisa, através do termo de assentimento, cujo tema “queixa escolar” faria interface com a

área da Psicologia.

Em ambos os casos, o bullying apareceu como um dos motivos pelos quais procuraram

a psicoterapia, expressando violências vividas pelas duas adolescentes em contexto escolar.

Apesar de ser um tema recorrente em instituições de ensino, pouco se é validado, enquanto

fator que implica na saúde emocional de estudantes acerca da queixa escolar. Em ambos os

casos, as narrativas não descreveram suporte oferecido pela escola nesses casos de violência.

O bullying é citado como demanda de busca pelo acompanhamento terapêutico, mas

intervenções do espaço escolar não são expressas nas narrativas analisadas. O caso Beatriz

revela, inclusive, a busca parental pelo apoio clínico frente ao não posicionamento da

61

instituição de ensino.

Outra similaridade pôde ser notada – as jovens trouxeram as vozes parentais como

mais presentes em comparação aos outros agentes de referência. A idade de ambas pode ser

um fator contribuinte para o posicionamento elevado dessas vozes de referência, uma vez em

que ambas as adolescentes apresentam pouca negociação, sem tentativas de enfrentamento ou

rejeição das expectativas parentais. As adolescentes não apresentam queixas escolares de

conduta desviante ao padrão coletivo; as queixas revelam estudantes mais passivas frente às

vozes adultas, sem posições de enfrentamento a essas figuras. Gisela enfrenta colegas, mas

traz sofrimento frente aos conflitos e Beatriz coloca-se em posição passiva, apenas crítica em

relação aos demais estudantes.

Professores e psicoterapeutas são citados nas narrativas e valores lhes são atribuídos,

mas as falas não são expressas nas narrativas das estudantes. São enfatizadas, apenas, ações

positivas que reverberam na motivação das estudantes diante das dificuldades encontradas no

ambiente acadêmico. As figuras dos psicólogos são valorizadas no acolhimento e suporte,

principalmente referente à demanda de bullying, possivelmente por se tratar de uma queixa

escolar que envolve violência.

Vozes de colegas, enquanto agentes de referência, aparecem expressas em atos

violentos e negativos. Poucas falas desses agentes de referência surgem de forma positiva,

apesar das adolescentes identificarem como importantes, e queridas, as amizades que

possuem, denotando uma ambivalência em relação aos colegas de sala. Os grandes amigos

são citados, mas suas vozes não aparecem expressas nas narrativas enquanto suporte ao

enfrentamento das demandas educacionais.

Foi possível notar pouca negociação com as vozes dos agentes de referência parentais.

As duas adolescentes correspondiam às expectativas dos agentes de referência parental.

Beatriz apresentou mais ambivalência em relação à concordância com as vozes, mas não se

posicionou de forma a contrariá-las na sua trajetória educacional, nem nas projeções futuras,

aceitando como suas as aspirações projetadas e incorporadas como pessoais. Gisela, por sua

vez, conseguiu deslocar-se do posicionamento “Eu-Colega Infantil” prejudicial para sua

estima, consequente da interação com as vozes dos demais estudantes, para a valorização do

“Eu-Escritora” a partir das narrativas de incentivo dos professores, pais e terapeutas. Nesse

caso, em particular, mais vozes foram descritas e expressas como promotoras.

A partir do estudo, foi identificada a necessidade de aprofundamento da pesquisa, no

sentido de investigar a negociação com as vozes dos agentes de referência no self educacional

das estudantes, de forma a oferecer às vozes identificadas, não apenas o espaço de expressão,

62

mas de relação com as mudanças de posicionamento das estudantes, a partir das negociações

estabelecidas. O estudo contribuiu para a identificação dos contextos em que as vozes dos

agentes de referência predominam: acadêmico, familiar, clínico.

Os posicionamentos e reposicionamentos das estudantes, relacionados às rupturas e

transições experimentadas, participaram dos seus sistemas do self educacional, na medida em

que permitiram reflexões acerca de escolhas presentes e projeções futuras, contribuindo para a

construção identitária das adolescentes, a partir das vozes dos agentes de referência que

surgiram em seus respectivos percursos de escolarização, sendo expressas nos dois casos as

vozes parentais, com mais frequência.

As vozes dos agentes de referência expressas receberam significados variados para as

estudantes, que escutaram e orientaram trajetórias educacionais pertencentes ao curso de vida

de ambas. As expressões das mesmas foram mais significativas no núcleo familiar, mas essa

representatividade não excluiu a possibilidade de significação das demais vozes a partir das

ações dos agentes de referência presentes no contexto. O sistema do self educacional não pode

ser analisado separadamente do movimento dialógico que ocorre em contexto educacional;

este aparece nesse período de jornada acadêmica e promove mudanças, tanto na constituição

da identidade, quando nas projeções de futuro, envolvendo, no caso de ambas as estudantes,

projeções de carreira voltadas para instituições de ensino superior que levariam ao exercício

de profissões ambicionadas, por elas, no futuro.

Por fim, deixo, através da expressão de minha própria voz, enquanto estudante de

mestrado e agente de referência em instituições educacionais, a possibilidade de recomeço, a

partir dos novos questionamentos que poderão ser levantados na leitura do estudo realizado.

Deixo aqui, não um ponto final, mas reticências ou um ponto de continuação para aqueles que

ambicionam favorecer o estudo sobre queixa escolar, self educacional, vozes, identidade,

dialogicidade, posicionamento do eu e educação. Com a esperança de acerto em minhas

análises, finalizo este trabalho, no intuito de que novos olhares possam focar outras vertentes

e interfaces para enriquecê-lo, levantar novas questões, a partir de lacunas possivelmente

deixadas no decorrer da escrita. Que os produtos contemplem a reflexão sobre como articular

esses conhecimentos florescendo saberes que possam ser semeados, preenchendo os buracos

fertilizados para germinar novas sementes com qualidade e maturidade de frutos para uma

excelente colheita.

63

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68

APÊNDICES

69

Apêndice A – Entrevista Narrativa com o adolescente

Pergunta disparadora: Eu gostaria que você me falasse da sua vida escolar, de quando

começou a estudar até os dias atuais.

70

Apêndice B – Ficha de Dados Sociodemográficos

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Caso: ____________

Nome do(a) estudante: ________________________________________________________

Data de nascimento: _______________________

Endereço:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Motivo do encaminhamento/demanda:____________________________________________

Telefones: __________________________________________________________________

Religião: ___________________________________________________________________

Escolaridade: _______________________________________________________________

Trabalha? ( )sim ( )não. Se sim, qual a

ocupação?____________________

Seus pais moram juntos?_______________________________________________________

Seus pais trabalham? Se sim, em que eles

trabalham?__________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

Até que série seus pais estudaram? ______________________________________________

Quantas pessoas moram com você? Quem são? ____________________________________

Grau de parentesco Idade

Qual a renda da família?

Até 01 salário mínimo ( ).

De 01 a 02 salários mínimos ( ).

De 02 a 03 salários mínimos ( ).

Mais de 04 salários mínimos ( ).

Alternativa de contato:

Nome: _____________________________________________________________________

Telefone: ___________________________________________________________________

Data e local da entrevista ______________________________________________________

71

Apêndice C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Eu, ........................................................................................., responsável legal pelo(a)

estudante .................................................................................................., convidado(a) a

participar da pesquisa intitulada "Vozes Parentais no Sistema do Self Educacional de

Adolescentes com Queixa Escolar ." Proposta por mim, Marina Lima Duarte Moreira, sob

orientação da professora Dr.ª Maria Virginia Machado Dazzani. Tal estudo tem como objetivo

analisar como adolescentes com queixa escolar, encaminhados para o serviço de Psicologia,

negociam a participação das vozes parentais no sistema do Self educacional, atentando para os

posicionamentos criados e suas reverberações na organização do Self educacional. Pesquisas

sobre queixa escolar são alvo de interesse de profissionais de diferentes áreas e os resultados

podem contribuir ajudando profissionais de educação e de saúde que buscam participar mais

efetivamente no processo de escolarização de estudantes. Também poderão ser beneficiados

profissionais que trabalham no atendimento clínico de adolescentes com esse histórico. O

estudo possui um desenho de pesquisa qualitativo que tem como objetivos específicos

investigar a partir das narrativas dos adolescentes as experiências que permitam: (a)

Conhecer as trajetórias escolares de estudantes com queixa escolar; (b) Conhecer as

continuidades e descontinuidades nas trajetórias de vida de sujeitos em processos de

escolarização; (c) Identificar e analisar concepções sobre a queixa escolar entre os

estudantes;(d) Identificar e analisar as vozes parentais relacionadas ao processo de

escolarização de estudantes com queixa escolar; (e)Identificar as expectativas dos

adolescentes sobre a vida acadêmico-profissional e sua relação com o processo atual de

escolarização; (f) Analisar possíveis tensões relaciondas às expectativas contidas nas vozes

parentais. Para a execução da pesquisa, O estudante responderá, individualmente, a entrevistas

narrativas, que serão gravadas em áudio.

Receberá resposta a qualquer dúvida sobre a pesquisa em qualquer momento que desejar.

Assim como terá total liberdade para retirar o seu consentimento, a qualquer momento, e

deixar de participar da pesquisa sem qualquer penalização ou prejuízo para você ou para

terceiros. Seu anonimato será assegurado, buscando respeitar a integridade moral, intelectual,

social e cultural, isto é, não será divulgado quem forneceu as informações. Os possíveis riscos

desta pesquisa envolvem o receio de suas falas se tornarem públicas e inibição por expor

informações pessoais e conjugais. Tendo em vista que os instrumentos remetem, entre outros

aspectos, à trajetória de acolhimento, poderão gerar ansiedade ao tocar aspectos subjetivos de

suas vidas. Tais riscos serão minimizados mediante esclarecimentos adicionais sobre a

natureza da pesquisa e sobre o sigilo, sempre que for solicitado ou que o pesquisador

identifique que seja necessário. Além disso, caso os participantes manifestem interesse ou

necessidade, será garantido o atendimento psicológico especializado em instituições com

serviços gratuitos ou com baixo custo. O sigilo será resguardado e a entrevista será em local

reservado. A participação não acarretará custos ou terá compensação financeira. Caso seja

verificado algum prejuízo com a pesquisa, será indenizado se comprovado o prejuízo

mediante avaliação judicial.

Universidade Federal da Bahia – UFBA

Instituto de Psicologia – IPS

Programa de Pós-graduação em Psicologia – PPGPSI

Mestrado e Doutorado

72

O benefício relacionado à participação será uma melhor compreensão de como adolescentes

com queixa escolar, encaminhados para o serviço de Psicologia, negociam a participação das

vozes parentais no sistema do Self educacional, atentando para os posicionamentos criados e

suas reverberações na organização do Self educacional. Os dados coletados serão utilizados

exclusivamente para a construção de relatórios de pesquisa, bem como para a divulgação para

fins científicos.

No momento em que houver necessidade de esclarecimentos sobre sua participação na

pesquisa, você poderá entrar em contato com os pesquisadores através do telefone (71)

98878-2430, bem como com o Comitê de Ética em Pesquisa responsável. Desta forma, se

concordar, por sua livre vontade, em participar desta pesquisa, por favor, assine este termo de

consentimento livre e esclarecido ficando com uma cópia para si. Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a)

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Bloco: /Nº: /Complemento:

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Contato de urgência: Sr(a)

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Bloco: /Nº: /Complemento:

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Endereço dos responsáveis pela pesquisa

MARINA LIMA DUARTE MOREIRA

Instituição: Universidade Federal da Bahia

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Rua Professor Carlos Ott, 142

Bloco: /Nº: /Complemento:

Casa 10

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Stella Maris. 41600-665. Salvador, BA. (71)988782430

Endereço dos responsáveis pela pesquisa

MARIA VIRGÍNIA MACHADO DAZZANI

Instituição: Universidade Federal da Bahia

ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no

estudo dirija-se ao:

Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia

Rua Aristides Novis, estrada de São Lázaro, 197

CEP 40210-730 – Salvador, BA

Telefax: +55 71 3283- 6442/ +55 71 98707- 1083

Cidade:____________________, BA, ___________de ______________de_________

__________________________________________________

(Assinatura do pesquisador responsável. Deve-se rubricar todas as páginas)

__________________________________________________

(Assinatura do pesquisador responsável. Deve-se rubricar todas as páginas)

Assinatura ou impressão datiloscópica d(o,a)

voluntári(o,a) ou responsável legal e rubricar

as demais folhas

Nome e Assinatura do(s) responsável(eis) pelo estudo

(Rubricar as demais páginas)

73

Apêndice D – Termo de Assentimento

Termo de Assentimento

Eu, ........................................................................................., Estudante convidado(a) a

participar da pesquisa intitulada "Vozes Parentais no Sistema do Self Educacional de

Adolescentes com Queixa Escolar ." Proposta pela Psicóloga, Marina Lima Duarte

Moreira, sob orientação da professora Dr.ª Maria Virginia Machado Dazzani. Tal estudo

tem como objetivo analisar como adolescentes com queixa escolar, encaminhados para o

serviço de Psicologia, negociam a participação das vozes parentais no sistema do Self

educacional, atentando para os posicionamentos criados e suas reverberações na

organização do Self educacional. Pesquisas sobre queixa escolar são alvo de interesse de

profissionais de diferentes áreas e os resultados podem contribuir ajudando profissionais

de educação e de saúde que buscam participar mais efetivamente no processo de

escolarização de estudantes. Também poderão ser beneficiados profissionais que

trabalham no atendimento clínico de adolescentes com esse histórico. O estudo possui um

desenho de pesquisa qualitativo que tem como objetivos específicos investigar a partir

das narrativas dos adolescentes as experiências que permitam: (a) Conhecer as trajetórias

escolares de estudantes com queixa escolar; (b) Conhecer as continuidades e

descontinuidades nas trajetórias de vida de sujeitos em processos de escolarização; (c)

Identificar e analisar concepções sobre a queixa escolar entre os estudantes;(d) Identificar

e analisar as vozes parentais relacionadas ao processo de escolarização de estudantes com

queixa escolar; (e)Identificar as expectativas dos adolescentes sobre a vida acadêmico-

profissional e sua relação com o processo atual de escolarização; (f) Analisar possíveis

tensões relaciondas às expectativas contidas nas vozes parentais. Para a execução da

pesquisa, O estudante responderá, individualmente, a entrevistas narrativas, que serão

gravadas em áudio.

Receberá resposta a qualquer dúvida sobre a pesquisa em qualquer momento que desejar.

Assim como terá total liberdade para retirar o seu consentimento, a qualquer momento, e

deixar de participar da pesquisa sem qualquer penalização ou prejuízo para você ou para

terceiros. Seu anonimato será assegurado, buscando respeitar a integridade moral,

intelectual, social e cultural, isto é, não será divulgado quem forneceu as informações. Os

possíveis riscos desta pesquisa envolvem o receio de suas falas se tornarem públicas e

inibição por expor informações pessoais e conjugais. Tendo em vista que os instrumentos

remetem, entre outros aspectos, à trajetória de acolhimento, poderão gerar ansiedade ao

tocar aspectos subjetivos de suas vidas. Tais riscos serão minimizados mediante

esclarecimentos adicionais sobre a natureza da pesquisa e sobre o sigilo, sempre que for

solicitado ou que o pesquisador identifique que seja necessário. Além disso, caso os

participantes manifestem interesse ou necessidade, será garantido o atendimento

psicológico especializado em instituições com serviços gratuitos ou com baixo custo. O

sigilo será resguardado e a entrevista será em local reservado. A participação não

acarretará custos ou terá compensação financeira. Caso seja verificado algum prejuízo

com a pesquisa, será indenizado se comprovado o prejuízo mediante avaliação judicial.

O benefício relacionado à participação será uma melhor compreensão de como

adolescentes com queixa escolar, encaminhados para o serviço de Psicologia, negociam a

participação das vozes parentais no sistema do Self educacional, atentando para os

posicionamentos criados e suas reverberações na organização do Self educacional. Os

dados coletados serão utilizados exclusivamente para a construção de relatórios de

pesquisa, bem como para a divulgação para fins científicos.

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No momento em que houver necessidade de esclarecimentos sobre sua participação na

pesquisa, você poderá entrar em contato com os pesquisadores através do telefone (71)

98878-2430, bem como com o Comitê de Ética em Pesquisa responsável. Desta forma, se

concordar, por sua livre vontade, em participar desta pesquisa, por favor, assine este

termo de consentimento livre e esclarecido ficando com uma cópia para si. Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a)

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Bloco: /Nº: /Complemento:

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Contato de urgência: Sr(a)

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Bloco: /Nº: /Complemento:

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Endereço dos responsáveis pela pesquisa

MARINA LIMA DUARTE MOREIRA

Instituição: Universidade Federal da Bahia

Domicílio: (rua, praça, conjunto):

Rua Professor Carlos Ott, 142

Bloco: /Nº: /Complemento:

Casa 10

Bairro:/ CEP:/ Cidade:/ Telefone:

Stella Maris. 41600-665. Salvador, BA. (71)988782430

Endereço dos responsáveis pela pesquisa

MARIA VIRGÍNIA MACHADO DAZZANI

Instituição: Universidade Federal da Bahia

ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no

estudo dirija-se ao:

Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia

Rua Aristides Novis, estrada de São Lázaro, 197

CEP 40210-730 – Salvador, BA

Telefax: +55 71 3283- 6442/ +55 71 98707- 1083

Cidade:____________________, BA, ___________de _______________de_________

__________________________________________________

(Assinatura do pesquisador responsável. Deve-se rubricar todas as páginas)

_________________________________________________________________

(Assinatura do pesquisador responsável. Deve-se rubricar todas as páginas)

Assinatura ou impressão datiloscópica d(o,a)

voluntári(o,a) ou responsável legal e rubricar

as demais folhas

Nome e assinatura do(s) responsável(eis) pelo estudo

(Rubricar as demais páginas)