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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA FACULDADE DE EDUCAÇÃO (FACED) ANA CRISTINA SANTANA MATOS AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA QUALIFICAÇÃO DE VOLUNTÁRIOS CONTADORES DE HISTÓRIAS EM HOSPITAIS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO VIVA E DEIXE VIVER, EM SALVADOR-BAHIA Salvador 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO (FACED)

ANA CRISTINA SANTANA MATOS

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA QUALIFICAÇÃO DE

VOLUNTÁRIOS CONTADORES DE HISTÓRIAS EM HOSPITAIS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO VIVA E DEIXE VIVER, EM SALVADOR-BAHIA

Salvador

2012

ANA CRISTINA SANTANA MATOS

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA QUALIFICAÇÃO DE

VOLUNTÁRIOS CONTADORES DE HISTÓRIAS EM HOSPITAIS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO VIVA E DEIXE VIVER EM SALVADOR-BAHIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós Graduação em Educação, da

Faculdade de Educação da Universidade

Federal da Bahia como requisito parcial

para obtenção do grau de Mestre em

Educação.

Orientador: Profa.Dra. Alessandra Santana

Soares Barros.

Salvador

2012

SIBI/UFBA Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira Matos, Ana Cristina Santana. Avaliação de resultados da qualificação de voluntários contadores

de histórias em hospitais: o caso da associação Viva e Deixe Viver, em Salvador-Bahia / Ana Cristina Santana Matos. – 2012.

193 f. Orientadora: Profª Drª. Alessandra Santana Soares Barros.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, 2012.

1. Avaliação. 2. Qualificações profissionais. 3. Competência

funcional. 4. Voluntários nos hospitais. 5. Humanização da assistência a saúde.I. Barros, Alessandra Santana Soares. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III. Título

CDD 371.26 – 22.ed.

TERMO DE APROVAÇÃO

ANA CRISTINA SANTANA MATOS

AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DA QUALIFICAÇÃO DE VOLUNTÁRIOS

CONTADORES DE HISTÓRIAS EM HOSPITAIS:

O CASO DA ASSOCIAÇÃO VIVA E DEIXE VIVER EM SALVADOR-BAHIA.

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação,

Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

________________________________________ Profa.Dra. Alessandra Barros

(Orientadora)

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e Profa. da Faculdade de Educação da

Universidade Federal da Bahia – FACED

__________________________________

Profa. Dra. Isabella Pinto

Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia e Profa. do Instituto de Saúde Coletiva da

Universidade Federal da Bahia – ISC

__________________________

Prof.Dr. Uaçai Lopes

Doutor. em Educação pela Universidade Federal da Bahia e Prof. da Universidade Estadual de Feira de Santana

– UEFS

Salvador, de de 2012.

Ao meu querido Deus.

À família, aos amigos, aos mestres.

Aos participantes da pesquisa e aos que

me ajudaram nesta trajetória.

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela sua unção.

A meus pais, Neide Leão e Dejair Matos, pelo amor e incentivo.

A meus irmãos, Cristiane Matos, Felipe Leão e aos sobrinhos Beatriz Silva e Victor Hugo,

pelo amor que compartilhamos

À Professora Orientadora Alessandra Barros, pelos ensinamentos e por me incentivar a

acreditar em mim mesma, quando tudo parecia difícil.

Ao Professor Robinson Tenório, pelo apoio nos momentos cruciais deste trabalho e por me

acolher no grupo de pesquisa em avaliação, que muito me tem ensinado a caminhar nesta

trajetória de pesquisadora. Muito obrigado, professor, pela sua constante presença, mesmo

quando não está perto!

À professora Regina Antoniazzi, pela confiança.

A Raymundo Dantas, amigo querido, que sempre me motivou a crescer e aprender coisas

novas.

A Mávila Andrade e Luciene Leite, pela ajuda e dedicação em todos os momentos.

A Márcia Simões, por me ter apresentado novas possibilidades de estudo na área de

treinamento.

A Valdir Cimino e a todos os membros da Associação Viva e Deixe Viver, por

compartilharem sonhos.

Aos voluntários, que, presentes ou não na pesquisa, foram a razão de este trabalho existir e

por me ensinarem que a solidariedade é possível.

A Miriam Borges, por todo o apoio nos momentos cruciais deste trabalho.

Ao grupo de pesquisa, por compartilhar conhecimentos e pelos amigos que nos tornamos

nesta trajetória acadêmica.

Às amigas Ângela, Conceição e Luciana, pelas orações semanais na minha casa, o que me deu

força na presença de Deus.

Processos e técnicas são menos importantes do que

as suas atitudes. Deve também sublinhar-se que é a

maneira como as suas atitudes e os seus processos

são apreendidos que é importante para o paciente,

de uma importância crucial.

Carl Rogers, 1961

RESUMO

MATOS, Ana Cristina. Avaliação de resultados da qualificação de voluntários contadores de

histórias em hospitais: o caso da Associação Viva e Deixe Viver em Salvador-Bahia. 2012.

193f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.

Há crescente preocupação com a capacitação de voluntários que prestam trabalho sem

remuneração a entidades públicas ou privadas em forma de ajuda humanitária. Discussões

sobre a qualificação desses sujeitos têm logrado dimensões novas no Brasil e no mundo. Esta

dissertação apresenta uma pesquisa de avaliação de resultados da qualificação oferecida aos

voluntários de uma entidade não governamental que propõe a humanização de hospitais – a

Associação Viva e Deixe Viver. O estudo de caso teve um recorte no Município de Salvador e

avaliou, a partir de uma amostra de 51 sujeitos, os resultados da qualificação nos níveis

conhecimento e atitude. A pesquisa de campo utilizou metodologias que integraram a

abordagem quantitativa e qualitativa, com triangulação de disciplinas, teorias, métodos e

dados. Verificou-se que o treinamento oferecido pela Associação contribui no nível de

conhecimento, sendo este grupo avaliado após três anos de formados. O nível atitude, por não

ser verificado na prática, não foi avaliado em profundidade, mas trouxe resultados

importantes para a pesquisa. As contribuições dos grupos focais, cujo objetivo foi avaliar o

treinamento a partir da percepção dos participantes, aprofundaram e trouxeram elementos

importantes para construção da avaliação. Resultados foram encontrados no nível de

habilidades interpessoais, mesmo não sendo foco do estudo. As conclusões da pesquisa

apresentam novos desafios para estudos na área.

Palavras-chave: Avaliação, Qualificação, Competências, Voluntariado, Humanização na

Saúde.

ABSTRACT

MATOS, Ana Cristina. Evaluation of the qualification results of story tellers in hospitals: the

case of the Associação Viva e DeixeViver in Salvador-Bahia. 2012. 193f. Dissertation

(Master’s Degree in Education)- Federal University of Bahia, Salvador, 2012.

There is growing concern about the training of volunteers who work without pay, for provide

public or private entities, as a form of humanitarian aid. Discussions about the qualification of

these individuals have gained new dimensions in Brazil and worldwide. This dissertation

presents the research on the results of the evaluation of the qualifications offered to

volunteers, by a nongovernmental entity which proposes more humanized hospital services –

the Associação Viva e Deixe Viver. The case study, restricted to the city of Salvador,

evaluated from a sample of 51 subjects, the results of their qualification levels in terms of

knowledge and attitude. The field research used a methodology which integrates quantitative

and qualitative approaches, with triangulation of disciplines, theories, methods and data. The

training, offered by the Association, was found to qualify the volunteer at the knowledge

level. This group was evaluated after three years of graduation. The attitude level, while not

being specifically verified in practice, has not been evaluated in depth, but has brought

important results for the research. The contributions of the focus groups, which aimed to

evaluate the training from the participants’ perceptions, deepened and brought important

elements for the construction of the evaluation. Some results were found for the interpersonal

level skills even though these were not focused in the study. The findings present new

challenges for further researches in the area

Keywords: Evaluation, Qualification, Skills, Volunteer, Humanization in Health.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Exemplo de avaliação diagnóstica, formativa e somativa no contexto escolar.... 20

Quadro 2 – Síntese das Concepções de Qualificação (Manfredi, 1998).................................. 36

Quadro 3 – Síntese das Principais Concepções sobre o Conceito de Qualificação................. 37

Quadro 4 – Modelo utilizado de escala de 7 pontos ..............................................................101

LISTA DE FIGURAS

Figura 1– Mapa conceitual das cinco primeiras dimensões da avaliação............................. 23

Figura 2 – Modelo de Avaliação Integrado e Somativo....................................................... 28

Figura 3 – Módulo Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver.................... 108

Figura 4 – Fundamentos Filosóficos do Voluntariado.......................................................... 109

Figura 5 – Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo........................................................... 110

Figura 6 – Vivendo Positivamente......................................................................................... 110

Figura 7 – Ambientação Hospitalar..................................................................................... 112

Figura 8 – A Arte de Contar Histórias.................................................................................. 113

Figura 9 – Processo de Morrer e Morte................................................................................ 114

Figura 10 – Vivência Terapêutica.......................................................................................... 115

Figura 11 – Folclore Infantil.................................................................................................. 116

Figura 12 – Treinamento em Hospitais.................................................................................. 117

Figura 13 – Médias Gerais dos Módulos Avaliados.............................................................. 118

Figura 14 – Resultado da Questão de Correspondência dos Módulos Avaliados.............. 118

Figura 15 – O que você recomendaria que o Contador evitasse fazer no Hospital.............. 120

Figura 16 – Eu não faltaria à Contação de Histórias............................................................. 121

Figura 17 – Quando uma Contação de Histórias não saiu como o esperado........................ 122

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de Contadores formados em Salvador................................................... 89

Tabela 2 – Controle de Frequência da Atividade Voluntária................................................. 90

Tabela 3 – Evasão de Voluntários Contadores de Histórias.................................................. 99

Tabela 4 – Perfil de Atuação dos Voluntários Contadores de História................................ 105

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRH Associação Brasileira de Recursos Humanos

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CHA Conhecimento, Habilidade e Atitude

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

IAVE Association for Volunteer Effort

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

GTH Grupo de Trabalho em Humanização

LBA Legião Brasileira de Assistência

MAIS Modelo de Avaliação Integrado e Somativo

ONGs Organizações Não Governamentais

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PNH Política Nacional de Humanização

PNHAH Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar

SPSS Statistical Package for Social Sciences

SUS Sistema Único de Saúde

TD&E Treinamento, Desenvolvimento e Educação

VFI Volunteer Function Inventory

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 16

1 AVALIAÇÃO...................................................................................................................... 19

1.1 UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL DA AVALIAÇÃO................................................. 19

1.2 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS EM TREINAMENTO............................................ 24

1.2.1 Avaliação de Resultados em Treinamento................................................................... 29

1.3 DISCUSSÕES ACERCA DO CONCEITO DA QUALIFICAÇÃO E DA

COMPETÊNCIA ................................................................................................................ 30

1.4 QUALIFICAÇÃO: REFLETINDO SOBRE A DIMENSÃO DO CONCEITO............. 34

1.5 COMPETÊNCIAS: REFLETINDO SOBRE A DIMENSÃO DO CONCEITO ............ 37

1.6 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A COMPETÊNCIA E A APRENDIZAGEM ..... 40

2 VOLUNTARIADO........................................................................................................... 42

2.1 CONCEITO E HISTÓRIA DO TRABALHO VOLUNTÁRIO..................................... 42

2.2 A IDEOLOGIA DA CULTURA MODERNA DO VOLUNTARIADO...................... 47

2.3 FACES DA SOLIDARIEDADE: ALTRUÍSMO E EGOÍSMO................................... 53

2.4 IDENTIDADE, MOTIVAÇÕES E BENEFÍCIOS DO TRABALHO VOLUNTÁRIO. 56

2.5 PROFISSIONALIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DA AÇÃO VOLUNTÁRIA.............. 59

2.6 VOLUNTARIADO NA SAÚDE: ESPECIFICIDADES................................................. 61

3 O HOSPITAL E O CONTEXTO DA HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE....................... 65

3.1 O AMBIENTE HOSPITALAR................................................................................ 65

3.2 HUMANIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO NO CONTEXTO DA SAÚDE.......... 68

3.3 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO – PNH........................................... 73

3.4 A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E DO BRINCAR NO

CONTEXTO HOSPITALAR ................................................................................................. 77

4 DESCRIÇÃO DO ESTUDO DE CASO E MÉTODO................................................ 81

4.1 DESCRIÇÃO DO CASO............................................................................................. 81

4.1.1 Descrição do Caso em Nível Nacional.......................................................................... 81

4.1.2 Descrição do Caso realizado em Salvador-Bahia.......................................................... 86

4.1.2.1 Início das atividades da Associação Viva e Deixe Viver junto à Santa Casa......... 87

4.1.2.2 Descrição e Objetivos do Projeto Pedagógico avaliado em Salvador.................... 89

4.2 A DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA............... 93

4.2.1 Fontes e Dados.............................................................................................................. 96

4.2.2 Categorias e Subcategorias........................................................................................... 97

4.3 DELINEAMENTO DA PESQUISA.......................................................................... .. 97

4.3.1 Caracterização e Escopo do Estudo.............................................................................. 98

4.3.2 Seleção e Caracterização da Amostra............................................................................ 99

4.3.3 Instrumentos e Medidas............................................................................................... 100

4.4 PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS...........................................................................102

4.4.1 Coleta de Dados.............................................................................................................103

4.4.2 Registro..........................................................................................................................104

4.4.3 Análise de Dados...........................................................................................................104

5 RESULTADOS.............................................................................................................. 105

5.1 RESULTADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA............................................. 105

5.1.1 Características dos Sujeitos da Pesquisa...................................................................... 105

5.1.2 Nível Conhecimentos.................................................................................................. 107

5.1.2.1 Resultado geral de cada módulo avaliado............................................................. 117

5.1.2.2 Resultado da questão de correspondência............................................................. 118

5.1.3 Nível Atitude.......................................................................................................... 119

5.2 RESULTADOS PESQUISA QUALITATIVA.............................................................. 122

5.2.1 Análise das Questões Abertas do Questionário...................................................... 123

5.2.2 Análise do Grupo Focal........................................................................................ ..... 132

5.3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS............................................................................. 15 7

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 163

REFERÊNCIAS................................................................................................................ 168

APÊNDICES ....................................................................................................................... 178

ANEXO................................................................................................................................. 193

16

INTRODUÇÃO

O trabalho voluntário, também denominado voluntariado, é o exercício de uma

atividade espontânea realizada por uma pessoa para beneficiar outras pessoas, grupos e

organizações, sem remuneração por tal prestação de serviço.

Voluntários são assim pessoas que, através da doação de suas potencialidades e

talentos, ajudam a uma causa social.

Há crescente preocupação com a capacitação de voluntários que prestam trabalho sem

remuneração em entidades públicas ou privadas em forma de ajuda humanitária. A discussão

sobre a qualificação desses sujeitos tem ganhado dimensões novas no Brasil e no mundo.

A profissionalização do trabalho voluntário é tema discutido a partir da década de 90,

e um dos instrumentos em nível mundial desta discussão foi a “Declaração Universal do

Voluntariado”, aprovada pela Association for Volunteer Effort (IAVE), em conferência

realizada na cidade de Paris, em 1990. Nela, aparecem ferramentas de gestão do trabalho

voluntário, e, como deveres da entidade que atua com voluntários, preconiza garantir

treinamento apropriado e fazer avaliação regular dos serviços por eles prestados.

O voluntariado, além de trazer satisfações para si, pode favorecer a instituição que o

promove. Especificamente no meio hospitalar, fortemente estruturado e cientificista, esse tipo

de contribuição incrementa a humanização dos cuidados.

O setor saúde tem como missão cuidar do mais precioso valor humano – a vida.

Segundo Moniz e Araújo (2006), é crucial pesquisar com maior profundidade o treinamento

oferecido aos voluntários, acompanhando e avaliando os programas de capacitação e

formação fornecidos no âmbito das instituições, especialmente no que concerne à saúde.

Esses autores ainda apontam uma questão muito importante trazida em pesquisas

sobre voluntariado na saúde: na sua maioria, os hospitais contam apenas com a própria

disposição e empenho dos indivíduos, que voluntariamente atuam sem preparo ou

acompanhamento, ao contrário do profissional da saúde, que pode se apoiar na formação e no

aparato técnico.

O voluntário necessita de qualificação e educação permanente para o seu

aprimoramento, neste caso específico, na área hospitalar, que requer, além de conhecimento

de sua atividade, atitudes diante de situações como perdas e mortes, presentes no hospital.

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Este estudo teve como objetivo avaliar os resultados da qualificação oferecida a

voluntários, que são contadores de histórias, formados em uma Associação denominada Viva

e Deixe Viver, no Município de Salvador, Bahia.

Com a perspectiva de atuar em prol da humanização em hospitais, a Associação Viva

e Deixe Viver foi fundada em agosto de 1997, em São Paulo, e tem como missão promover

entretenimento, cultura e informação educacional através do estímulo à leitura e ao brincar.

Visa transformar a internação hospitalar de crianças e adolescentes em um momento mais

alegre e agradável, contribuindo positivamente para o bem-estar de seus familiares e equipe

multidisciplinar. Atualmente, a instituição se distribui em nove estados no Brasil, sendo a

pesquisa realizada no Município de Salvador, Bahia.

A instituição pesquisada é uma entidade sem fins lucrativos, não governamental,

certificada pelo Ministério da Justiça como Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público – OSCIP, conforme Lei no 9.790, de 23/03/1999.

Escolhida como caso, por ser uma instituição a trabalhar com voluntários de forma

profissionalizada no campo da saúde, já formou em Salvador, em parceria com a Santa Casa

de Misericórdia da Bahia, através do Hospital Santa Izabel, 155 voluntários contadores de

histórias desde 2007.

Esta dissertação teve a seguinte questão como problema de pesquisa : Um programa e

qualificação para voluntários contarem histórias em hospitais consegue desenvolver

competências requeridas para sua atuação no complexo ambiente hospitalar ?

A avaliação proposta nesta pesquisa privilegia a avaliação de resultados, sendo o

conhecimento e as atitudes, os níveis avaliados neste estudo.

A discussão de treinamento, qualificação e competência privilegiou neste estudo o

contexto da formação do trabalhador voluntário com a sua especificidade de atividade, que

não é em forma de emprego nem geradora de renda, mas se situa como trabalho. Assim, a

proposta é avaliar os resultados do treinamento que é oferecido aos voluntários para atuarem

em hospitais.

Este trabalho está dividido em seis partes: a primeira apresenta o referencial teórico

construído a partir da revisão de literatura de quatro grandes temas: Avaliação, Avaliação de

Treinamento, Qualificação e Competências; a segunda apresenta o referencial teórico sobre o

sujeito da pesquisa – o voluntário; a terceira discute o campo de práticas do voluntariado, o

hospital, e discute a Política de Humanização; a quarta parte apresenta o método, incluindo:

(a) descrição do caso; (b) delimitação do problema e os objetivos da pesquisa; (c) perguntas e

objetivos da pesquisa; (d) delineamento da pesquisa; (e) procedimentos operacionais.

18

A quinta parte apresenta e discute os resultados encontrados. Finalmente, na sexta

parte, são apresentadas as considerações finais, recomendações, contribuições e limitações da

pesquisa.

19

1 AVALIAÇÃO

1.1 UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL DA AVALIAÇÃO

Existem diversas abordagens que tratam sobre o que é avaliação. O conceito da

avaliação e a sua finalidade estão inter-relacionados.

De acordo com Lopes (2009), avaliação é uma atividade que consiste no levantamento

de informações fidedignas e precisas sobre um objeto ou processo para subsidiar uma tomada

de decisão com vistas à melhoria do objeto ou processo. Para esse autor, a avaliação comporta

três grandes momentos:

(a) o primeiro momento do diagnóstico, de busca de informações de qualidade, ou

seja, fidedignas e precisas;

(b) o segundo momento de julgamento, de tomada de decisão, em que as informações

previamente levantadas, organizadas e analisadas servirão de subsídio para uma tomada de

decisão com relação ao processo de avaliação;

(c) e, finalmente, faz parte ainda da avaliação, um terceiro momento que é o uso dessa

decisão no sentido de melhoria do processo.

Segundo Tenório (2010), o conceito de avaliação é uma construção eminentemente

social e histórica, que nasce gradativamente e tem-se consolidado nos últimos anos à medida

que as relações sociais se modificam.

A prática da avaliação, portanto, depende de fatores como: objetivos da pesquisa,

perfil de quem avalia interesses institucionais e, principalmente, os pressupostos que norteiam

o trabalho.

Para Oskamp (1981), há dois grandes tipos de avaliação: a avaliação formativa e a

somativa.

A avaliação formativa analisa programas em seus vários estágios, focalizando o

processo no qual eles operam e produzindo um retorno para ajudar a desenvolver sua

operação. A pesquisa formativa é, frequentemente, menos elaborada do que a avaliação feita

posteriormente e menos preocupada com delineamentos de rigor científico e com a

significância estatística.

Já a avaliação somativa é aplicada em um estágio posterior à avaliação, analisa,

principalmente, os resultados do programa e inclui monitoração de operações, avaliação de

impacto e análise de eficiência. Por se deter nos resultados, a avaliação somativa busca a

20

verificação e não a descoberta, ou seja, centra-se claramente na verificação do quanto o

programa cumpriu seus objetivos e que outros efeitos ele gerou.

Gouveia (2006), afirma que, de modo a contemplarmos todos os objetivos, funções,

efeitos e momentos dos diferentes tipos de avaliação, deveremos ainda fazer referência a

outro propósito possível da avaliação – o diagnóstico.

A consideração desta função avaliativa acaba por fazer com que a avaliação atravesse

todo o processo formativo:

(a) no primeiro nível, interpretando os dados da situação (diagnóstico);

(b) no segundo nível, acompanhando e corrigindo os processos de elaboração

(regulação);

(c) no terceiro nível, averiguando o alcance dos objetivos definidos (classificação).

Num dado contexto de aprendizagem escolar, pôde-se exemplificar a avaliação

diagnóstica, formativa e somativa a partir do quadro abaixo:

Quadro 1 – Exemplo de avaliação diagnóstica, formativa e somativa no contexto escolar.

DIAGNÓSTICA FORMATIVA SOMATIVA

Objetivo

Saber se, em dado momento,

os alunos dispõem ou não

dos conhecimentos e

capacidades necessárias para

enfrentar uma aprendizagem

Objetivo

Regular e proporcionar um

duplo feedback (professor e

aluno)

Objetivo

Fornecer um balanço de

determinada etapa, permitir

uma decisão quanto ao

futuro escolar

Momento

– No início

Momento

– Durante todo o processo

de aprendizagem

Momento

– No final

Função

– Prognóstico

Função

– Regulação

Função

– Atribuição de uma

classificação (situa os

alunos uns em relação aos

outros)

Fonte: GOUVEIA (2006, p.79). Portugal. Jan. 2006.

21

A avaliação comporta, portanto, diferentes objetivos e funções e será discutida

historicamente neste capítulo, ainda que sucintamente.

Segundo Tenório (2010), a avaliação emerge nos primeiros anos do século XX e vai

adquirindo diferentes conformações ao longo deste último século. Existem dimensões da

avaliação que correspondem a elementos constitutivos da ideia contemporânea de avaliação e

que foram reconhecidas paulatinamente, estando cada dimensão relacionada a um momento

histórico, o que torna possível falar em quatro dimensões da avaliação: medida, objetivo,

julgamento e negociação.

Irei recorrer ainda a esse autor para examinar o surgimento, ao longo da história, das

cinco dimensões que constituem uma definição da avaliação:

Inicialmente, a primeira geração de avaliadores no início do século XX,

primeiro momento de reflexão sistemática sobre avaliação, considerou que

avaliar era medir; o papel do avaliador era o de quantificar, estabelecer

medida, de aplicar testes, e, portanto, nessa primeira concepção de avaliação

praticamente a avaliação se identificava com o diagnóstico quantitativo,

como a atividade de medida da realidade.

Este tipo de avaliação foi insuficiente, pois a avaliação deve considerar os

objetivos do processo e verificar se aqueles objetivos estão sendo atingidos –

sendo esta uma reflexão elaborada pela segunda geração de avaliadores, já

na década de cinqüenta, que avançou na compreensão da avaliação

entendendo – a como sendo uma verificação da adequação ou não dos

objetivos previamente estabelecidos no processo.

Desta forma, a avaliação deixava de ser simplesmente um diagnóstico

quantitativo, uma medida, para ser também uma análise qualitativa da

consecução dos objetivos do processo avaliado. No conjunto, avaliar

significava diagnosticar o objeto, qualitativa e quantitativamente, verificando

os objetivos e analisando o grau de consecução destes objetivos. Nesta

concepção de avaliação, como diagnóstico, a avaliação se assemelha

fortemente à pesquisa, e o papel do avaliador se aproxima do papel do

pesquisador.

Isto se revelou posteriormente insuficiente, e já nos anos setenta, a idéia de

que na avaliação era preciso tomar uma decisão com base no diagnóstico

(considerando os objetivos e suas medidas) tomou conta da nova geração de

avaliadores e passou-se a ter uma idéia de avaliação mais rica, em que o

julgamento, como forma de tomada de decisão, passou a ser essencial. O

avaliador passa a ter uma função adicional semelhante à do juiz, que julga e

decide com base nas evidências. (TENÓRIO, 2010, p.17-18).

Durante a década de 60, afirmam Tenório e Lopes (2010), surge um tipo de avaliação

que põe em evidência a preocupação com a resolução de problemas sociais mais relevantes e

a aplicação de métodos com rigor científico.

22

De acordo com Calmon (apud TENÓRIO; LOPES, 2010), os trabalhos de Michael

Sriven e Donald Campbell destacam-se por trazer contribuições marcantes: uma tipologia

para a teoria de avaliação, introduzindo a distinção entre avaliação formativa, com o objetivo

de gerar feedback para a melhoria do programa, e avaliação somativa, objetivando o

julgamento do mérito do programa.

Mais recentemente, nos anos noventa, a ideia de que essa tripla concepção de medir,

verificar objetivos e julgar era inadequada, colocou em consideração a ideia de negociação

como elemento inerente à avaliação.

O modelo, com base na metáfora do avaliador como juiz que detém o poder extremado

na avaliação, é criticado por não atender a interesses dos avaliados.

A demanda social colocada pela sociedade contemporânea é que os envolvidos no

processo devem participar, tanto na definição da avaliação, quanto das etapas de diagnóstico,

da tomada de decisão, bem como do uso dos seus resultados.

Segundo Roche (2002), os projetos não podem ser julgados como tendo sido um

“sucesso” ou “fracasso”, se as percepções daqueles que a intervenção pretende beneficiar,

divergem drasticamente dos funcionários do projeto ou de um avaliador externo. Valorizar a

sabedoria e o julgamento das pessoas comuns é, portanto, um elemento crítico de qualquer

processo de avaliação.

Na proposta de construção de um significado atual de avaliação, Tenório (2010)

propõe que interessados pela avaliação participem também da melhoria do processo proposto.

A essa quarta dimensão, adiciona uma quinta, de avaliação, que conforma a ideia da avaliação

como envolvimento, comprometimento. Tanto o avaliador como interessados passam a ter

compromisso com a melhoria do objeto ou processo avaliado.

O mapa conceitual dessas cinco dimensões proposto por Tenório (2010, p.19) inclui a

dimensão do compromisso, sendo um aspecto social da avaliação:

23

Figura 1 – Mapa conceitual das cinco primeiras dimensões da avaliação.

Fonte: TENÓRIO (2010, p.19).

No mapa da Figura 1, pode-se observar o triplo caráter da avaliação: avaliação é, ao

mesmo tempo, (1) pesquisa (aspecto técnico da avaliação); (2) gestão (aspecto político da

avaliação); e (3) compromisso com a sustentabilidade (aspecto social da avaliação).

As avaliações podem analisar organizações, funções, procedimentos, políticas,

projetos, etc. Segundo Araújo (2005), avaliar é atribuir valor, e, por mais objetivados que

sejam os métodos avaliatórios, os valores atribuídos carregam, em si, a subjetividade do

avaliador.

É premente considerar a participação dos atores e, principalmente, dos usuários, na

avaliação. De fato, essa é uma questão que precisa ser considerada, porque, em última

instância, os programas são desenhados em função de seus beneficiários.

Uma investigação que pretenda desvendar um objeto de natureza qualitativa

deve, obrigatoriamente, prever a utilização de uma estratégia que permita a

apreensão dos sentidos dos fenômenos, e, ao mesmo tempo, respeite sua

complexidade, riqueza e profundidade. (UCHIMURA; BOSI, 2002.

p.1.568).

As metodologias quantitativas e qualitativas são importantes na construção da

avaliação, e uma não substitui a outra, sendo na maioria das vezes complementares.

ASPECTO TÉCNICO DA

AVALIAÇÃO

INTELIGÊNCIA:

A busca da verdade VONTADE:

Capacidade de tomar decisões

AMOR:

Capacidade de

reconhecer o outro

DIAGNÓSTICO TOMADA DE DECISÃO

MELHORIA DE

PROCESSO

DISTANCIAMENTO APROXIMAÇÃO

MEDIDA

(QUANTITITIVA)

OBJETIVOS

(QUALITATIVA)

JULGAMENTO

(DECISÃO INDIVIDUAL)

NEGOCIAÇÃO

(DECISÃO COLETIVA) COMPROMISSO

dimensão

dimensão

dimensão

dimensão

dimensão

ASPECTO POLÍTICO DA

AVALIAÇÃO

ASPECTO SOCIAL

DA AVALIAÇÃO

24

1.2 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS EM TREINAMENTO

Antes de conceituar e apresentar a avaliação, é importante fazer a distinção de

conceitos importantes que envolvem o estudo da área. Para tanto, irei utilizar como referência

as bases conceituais desenvolvidas na área de Treinamento, Desenvolvimento e Educação –

TD & E, que diferenciam informação, instrução, treinamento, desenvolvimento e educação.

Segundo Vargas e Abbad (2006), informação é uma forma de indução de

aprendizagem, podendo ser definida como módulos ou unidades organizados de conteúdo,

disponibilizados em diferentes meios, com ênfase nas novas tecnologias da informação. Pode-

se dar, por exemplo, por meio de portais corporativos, links, bibliotecas virtuais, boletins,

folhetos e similares.

Já instrução pode ser definida como uma forma mais simples de estruturação de

eventos de aprendizagem, que envolve definição de objetivos e aplicação de procedimentos

instrucionais. É utilizada para transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes simples

por intermédio de eventos de curta duração, como aulas e similares. Os materiais podem

assumir a forma de cartilhas, manuais, roteiros, etc., podendo em alguns casos, ser

autoinstrucionais.

O treinamento, segundo esses autores, já é um conceito que comporta várias definições

na literatura, embora inúmeras destas possuam coerência entre si. A definição de Goldstein

(1991, apud VARGAS; ABBAD, 2006) é que treinamento é uma aquisição sistemática de

atitudes, conceitos, conhecimento, regras e habilidades que resultem na melhoria do

desempenho do trabalho.

Outra definição importante é trazida pelo United Kingdom Department of

Employment (1971, apud LATHAM, 1988), que se refere a treinamento como o

desenvolvimento sistemático de padrões de comportamento, atitudes, conhecimentos-

habilidades, requeridos por um indivíduo, de forma a desempenhar adequadamente uma dada

tarefa ou trabalho.

Segundo Nadler (1984, apud VARGAS; ABBBAD, 2006), a expressão

desenvolvimento tem uma única e identificada função: refere-se à promoção de aprendizagem

para empregados (ou não), visando ajudar a organização no alcance dos seus objetivos. É uma

aprendizagem voltada para o crescimento individual, sem relação com um trabalho específico.

25

A definição de educação aplicada ao contexto do trabalho, segundo ainda esse autor, é

uma aprendizagem para preparar o indivíduo para um indivíduo para um trabalho diferente,

porém identificado, em um futuro próximo.

Vargas e Abbad (2006) propõem alguns exemplos de ações educacionais que podem

estar associados a cada um dos diferentes tipos de conceito:

(a) Informação: módulos ou unidades organizadas de informações e conhecimentos,

disponibilizados em diferentes meios (portais, links, textos impressos, bibliotecas virtuais,

banco de dados, materiais de apoio a aulas, folhetos e similares;

(b) Instrução: forma mais simples de estruturação de eventos de aprendizagem, que

envolve definição de objetivos e aplicação de procedimentos instrucionais. É utilizada para

transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes simples e fáceis de transmitir ou

desenvolver por intermédio de eventos de curta duração. Os materiais assumem a forma de

cartilhas, manuais, roteiros, aulas e similares, podendo, em alguns casos, ser

autoinstrucionais;

(c) Treinamento: eventos educacionais de curta e média duração, compostos por

subsistemas de avaliação de necessidades, planejamento instrucional e avaliação, que visam

melhoria do desempenho funcional, por meio da criação de situações que facilitem a

aquisição, a retenção e a transferência da aprendizagem para o trabalho. A documentação

completa de um evento educacional dessa natureza contém a programação de atividades,

textos, exercícios, provas, referências e outros recursos;

(d) Desenvolvimento: refere-se ao conjunto de experiências e oportunidades de

aprendizagens, proporcionadas pela organização e que apoiam o crescimento pessoal do

empregado sem, contudo, utilizar estratégias para direcioná-lo a um caminho profissional

específico. Gera situações similares aos demais tipos de ações educacionais, porém, neste

caso, constituem-se apenas em ferramentas de apoio e estímulo a programas de

autodesenvolvimento como os de qualidade de vida e gestão de carreira;

(e) Educação: programas ou conjuntos de eventos educacionais de média e longa

duração que visam a formação e qualificação profissional contínuas dos empregados. Incluem

cursos técnicos profissionalizantes, cursos de graduação, cursos de pós-graduação lato sensu

(especialização) e stricto sensu (mestrado profissional, mestrado acadêmico e doutorado)

As avaliações de Programas de formação não são iguais. Segundo Mourão e Palácios

(2006), existem não apenas uma variação em relação ao conteúdo do programa a ser avaliado

(que, por vezes, demanda dos avaliadores um conhecimento específico da área), como

também uma variação em relação aos tipos de avaliação. Assim, os avaliadores necessitam

26

conhecer os tipos de avaliação e identificar o mais indicado para aquele determinado

programa de formação profissional.

Para Mourão (2004), a avaliação é um processo que necessariamente inclui algum tipo

de coleta sistemática de dados.

Essas definições mostram que não se trata apenas de um evento isolado, mas do estudo

de um fenômeno complexo.

Panceri (2007, p. 54) afirma que a avaliação consiste em verificar se a formação está

dando resultados. A formação só tem sentido se forem levados em conta os seus resultados e

“[...] para ultrapassar esta questão, é necessário saber colocar o problema, sabendo o que se

quer avaliar, por que e em que condições esta avaliação é realizável”. Outro aspecto relevante

para autora é a utilidade: a quem servem os resultados da avaliação e a que se destinam?

Interrogar-se sobre os efeitos da formação pressupõe que se tenham previamente definidas

tais questões.

Borges-Andrade (2002) define avaliação de treinamento como um processo que inclui

sempre algum tipo de coleta de dados, usado para se emitir um juízo de valor a respeito de um

treinamento, ou um conjunto de treinamentos.

Para Goldstein (apud MOURÃO, 2004), avaliação é a coleção sistemática de

informações descritivas e de julgamento, necessárias para tornar efetivas as decisões de

treinamento relativas a seleção, adoção, valor e modificação de várias atividades

instrucionais, compreendendo medidas relativas ao que acontece durante o treinamento

(avaliação de processo) e medidas relativas aos resultados posteriores ao treinamento. Medir

resultados refere-se a critérios, tais como aprendizagem e performance, que representam

vários graus de resultados.

Sobre avaliação de treinamentos, é possível afirmar, segundo Panceri (2007), que

houve uma profissionalização, no sentido de que foram criados modelos com propostas de

procedimentos e métodos, assim como critérios próprios para avaliar treinamento.

Existem, segundo Mourão (2004), dois modelos de avaliação de treinamento que são

internacionalmente conhecidos e usados: o de Kirkpatrick (1976) e o de Hamblin (1978). O

de Kirkpatrick sugere quatro níveis de avaliação: reações, aprendizagem, desempenho no

cargo e resultados, enquanto o de Hamblin subdivide resultados em mudança organizacional e

valor final. Ambos os autores avaliaram que esses níveis mantêm entre si um forte

relacionamento positivo.

O modelo de Kirkpatrick possui quatro níveis:

(a) Avaliação de reação (nível 1): mede a satisfação dos participantes;

27

(b) Avaliação de aprendizagem (nível 2): avalia conhecimentos, habilidades e atitudes

advindos pela ação da formação. O aprendizado é relativo à captação, pelos cursistas, de

significados, princípios, fatos e técnicas;

(c) Avaliação de Comportamento (nível 3): avalia a transferência das aquisições do

treinamento para situações de trabalho. A diferença deste nível para o segundo é que um foca

na aprendizagem e outro no comportamento, na aplicação dos princípios e técnicas no

trabalho;

(d) Avaliação de Resultados (nível 4): neste modelo de Kirkpatrick, a avaliação de

resultados diz respeito a resultados finais do programa, sendo considerado o nível mais

importante e difícil de todos.

Já o modelo de Hamblin propõe uma avaliação de treinamento em cinco níveis:

(a) Reação: que levanta atitudes e opiniões dos treinandos sobre os diversos aspectos

do treinamento (satisfação);

(b) Aprendizagem: que verifica se ocorreram diferenças entre o que os treinandos

sabiam antes e depois do treinamento, ou se os seus objetivos instrucionais foram alcançados;

(c) Comportamento no cargo: que leva em conta o desempenho dos indivíduos antes e

depois do treinamento, ou se houve transferência para o trabalho efetivamente realizado;

(d) Organização: que toma como critério de avaliação o funcionamento da

organização, ou mudanças que nela possam ter ocorrido em decorrência do treinamento;

(e) Valor final: que tem como foco a produção ou o serviço prestado pela organização,

o que geralmente implica comparar custos do treinamento com os seus benefícios.

No Brasil, Borges-Andrade (2002) construiu um Modelo de Avaliação Integrado e

Somativo – MAIS, representado pela Figura 2, que tem sido amplamente utilizado. O modelo

sugere que uma avaliação deve levar em conta múltiplas variáveis classificadas em cinco

componentes: insumos, procedimentos, processos, resultados e ambiente, este último com

quatro subcomponentes. O autor explica que há maior probabilidade de existirem relações de

dependência entre os componentes e subcomponentes que são vizinhos (separados por linhas

contínuas ou pontilhadas), principalmente no sentido esquerda-direita.

28

Figura 2 – Modelo de Avaliação Integrado e Somativo.

Fonte: Borges-Andrade (1982, p.33)

Borges-Andrade (2002) apresenta as seguintes definições para os cinco componentes

do modelo: (a) insumos – no referido modelo, são definidos como os fatores físicos e sociais e

estados comportamentais, geralmente associados ao treinando, anteriores ao treinamento e

que podem afetar sua realização (ex.: experiências anteriores na organização e motivação

antes do treinamento); (b) procedimentos – são as operações realizadas para produzir os

resultados instrucionais, geralmente controladas pelo instrutor ou por algum meio de entrega

da instrução (ex.: sequência de objetivos, exercícios realizados, retroalimentação recebida

pelo treinando); (c) processos – são definidos como as ocorrências resultantes da realização

dos procedimentos e geralmente associadas a desempenhos intermediários dos treinandos,

mas podendo predizer resultados finais (ex.: relações interpessoais desenvolvidas no

treinamento); (d) resultados – outro componente do MAIS se refere ao que foi aprendido

pelos treinandos ou por eles alcançado ao final do treinamento (ex.: qualquer habilidade

adquirida ou atitude desenvolvida); (e) ambiente – dividido em quatro subcomponentes:

necessidades, apoio, disseminação e resultados em longo prazo.

O objetivo de trazer alguns modelos de avaliação em treinamento é discutir um dos

níveis que interessa a este trabalho: Avaliação de Resultados em Treinamento.

29

1.2.1 Avaliação de Resultados em Treinamento

Em diversos modelos de avaliação de treinamento, os resultados, referem-se a um dos

seus principais focos de interesse.

As variáveis relativas a resultados, segundo Borges-Andrade (2006), indicam o

primeiro sucesso ou fracasso de um programa e correspondem aos dois primeiros níveis de

indicadores de efetividade de modelos, como os de Kirckpatrick (1976) e Hamblin (1978).

Essas variáveis se referem ao desempenho final imediato pretendido ou às

consequências inesperadas (desejáveis ou indesejáveis) de um treinamento. Exemplos de

variáveis de resultados são as aquisições de CHAs – Conhecimento, Habilidade e Atitude,

indicadas pelos objetivos de um programa. (BORGES-ANDRADE, 2006).

Segundo Morrinson (1977, apud MAGALHÃES; BORGES–ANDRADE, 2001), esse

conjunto de competências podem ser assim descritos:

(a) Conhecimento: refere-se a um corpo organizado de informações de natureza

técnica ou administrativa, o qual, se aplicado, faz com que o desempenho adequado do

trabalho seja possível;

(b) Habilidades: refere-se à capacidade de desempenhar operações de trabalho com

facilidade e precisão. As especificidades das habilidades normalmente implicam um padrão

de desempenho requerido para operações efetivas do trabalho;

(c) Atitude: é a predisposição do indivíduo que se manifesta verbalmente ou não,

assumindo caráter de favorabilidade ou desfavorabilidade em relação a um objeto, pessoa ou

fato, ou denota sentimentos do trabalhador a respeito do que ele faz ou sobre a organização

em que trabalha ou alguma pessoa competente.

Essa definição é a mais usada pelos teóricos da Psicologia Instrucional, bem como

pelos profissionais que adotam este tipo de enfoque para planejar o ensino em situações

educacionais e de treinamento para o trabalho.

Em uma avaliação, as variáveis referentes a resultados podem ser hipotetizadas como

consequências de quase todos os demais componentes do MAIS: necessidades, insumos,

procedimentos, processos, apoio e disseminação, podendo ser preditoras dos efeitos em longo

prazo. Segundo Borges Andrade (2006), se um participante adquire competências, é provável

que utilize o que aprendeu no ambiente de trabalho, a menos que algum elemento do

componente ambiente impeça que isto aconteça.

30

Apesar de esta pesquisa não adotar nenhum modelo de avaliação na íntegra, o modelo

MAIS, contribuiu para sua formulação em avaliação de treinamento. A seguir, serão

discutidos os conceitos de qualificação e competências, que, a partir deste ponto, serão

fundamentais na construção deste trabalho.

1.3 DISCUSSÕES ACERCA DO CONCEITO DA QUALIFICAÇÃO E DA

COMPETÊNCIA

Segundo Bastos (2006), no âmbito da sociologia e da pedagogia, há uma intensa

problematização em torno dos conceitos de qualificação e competência. Mais

especificamente, no campo da sociologia do trabalho e na sua interface com a educação, há

uma larga tradição do uso do conceito da qualificação para investigar os impactos das

transformações tecnológicas.

Esse autor afirma que há posicionamentos extremamente críticos que reduzem todo

esse movimento a estratégias de ampliar o controle e a exploração dos trabalhadores.

É no cenário mundial e nacional, marcado por crises nos contextos de trabalho e

educação, que se situa a discussão sobre qualificação e competências. Segundo Druck (2001),

no caso brasileiro, o debate acerca da necessidade de qualificar a força de trabalho tomou

conta de todos os setores da sociedade – instituições governamentais/oficiais, ONG’s –

Organizações Não Governamentais, sindicatos, empresas, universidades – enfim, a

qualificação tem sido colocada como a grande solução para os problemas de desemprego e

subemprego no Brasil.

Ainda segundo essa autora (2001), no campo da produção teórica, há uma longa

trajetória de diferentes concepções sobre qualificação nas diversas áreas das ciências

humanas, constituindo uma ampla literatura estrangeira e nacional, que tem seu início nos

anos 50/60. Estas noções diferentes em geral estão associadas às concepções de

desenvolvimento socioeconômico ou de proposições de modelos de desenvolvimento que se

tornam hegemônicos numa determinada época.

Segundo Manfredi (1999), o modelo de qualificação formal tornou-se hegemônico,

vinculado à ideia de escolaridade, passando a ser um indicador de desenvolvimento

econômico e até mesmo transformado em índice estatístico utilizado por agência de

planejamento para avaliação e propostas de políticas educacionais.

31

Antoniazzi (2005) assim descreve as noções de qualificação:

(a) como sinônimo da preparação de “capital humano”, nascendo associada à

concepção de desenvolvimento socioeconômico dos anos 50 e 60, da necessidade de planejar

e racionalizar os investimentos do Estado no que diz respeito à educação escolar, visando, no

nível macro, garantir uma maior adequação entre as demandas dos sistemas ocupacionais e do

sistema educacional. Os principais teóricos da Teoria do Capital Humano, Schultz e Harbison,

defendem a importância da instrução e do progresso do conhecimento como ingredientes

fundamentais para a formação do chamado capital humano, de recursos humanos – solução

para a escassez de pessoas possuidoras de habilidades-chave para atuarem nos setores em

processo de modernização.

Ainda, a teoria do capital humano buscava apagar a diferença entre capital e trabalho,

mascarando as contradições de classe, igualando “a categoria de capital à capacidade dos

indivíduos ‘potencializada’ com educação ou treinamento” (ANTONIAZZI, 2005, p.06).

(b) “qualificação formal” – gestada e referenciada pela capacidade de cada Estado

Nacional expandir quantitativamente e qualitativamente seus sistemas escolares, restringindo-

se ao binômio emprego/educação escolar.

Embora a qualificação profissional estivesse presente nas pesquisas de Sociologia do

Trabalho e na Economia da Educação, foi somente nos anos subsequentes ao movimento

estudantil de 1968 que se multiplicaram estudos ligando educação e trabalho do ponto de vista

das Ciências Sociais, estabelecendo-se um entrelaçamento mais claro entre Sociologia do

Trabalho e Sociologia da Educação (PAIVA, 1999, apud ANTONIAZZI, 2005).

Foi Paiva (1999, apud ANTONIAZZI, 2005) que trouxe a discussão entre trabalho e

educação, mas o impulso significativo foi dado ao tema da qualificação profissional da

Sociologia do Trabalho, a partir do campo educacional, em meados dos anos 90 do século

passado.

A noção de qualificação, como ressalta Antoniazzi (2005), é polissêmica, podendo ser

assumida com várias acepções e tomada, para efeitos de pesquisa, sob ângulos e enfoques

distintos. A qualificação para alguns é considerada na perspectiva da preparação para o

mercado de trabalho, que envolve um processo de formação profissional adquirido por um

percurso escolar e através da experiência profissional. Outros entendem a qualificação como

um processo de qualificação/desqualificação, próprio da organização capitalista do trabalho.

Segundo essa autora, uma terceira visão aborda e define a qualificação a partir da

investigação de situações concretas de trabalho, chamada de qualificação real e operacional. É

uma visão que se origina na sociologia do trabalho francesa.

32

A década de 90, como afirma Druck (2001), primou pela epidemia da qualificação.

Governo, ONGs, sindicatos, empresas estatais, Sistema “S”, universidades, fundações, todos

se envolveram com a qualificação do trabalhador, que passou a ser a grande mágica para a

solução do desemprego e do subemprego, agora com uma nova roupagem.

Segundo uma pesquisa realizada por Leite (1996, apud MANFREDI, 1999, 30),

parece haver certo consenso quanto à noção de qualificação:

A capacidade de mobilizar saberes para dominar situações concretas de

trabalho e transpor experiências adquiridas de uma situação concreta a outra.

A qualificação de um indivíduo é sua capacidade de resolver rápido e bem os

problemas concretos mais ou menos complexos que surgem no exercício de

sua atividade profissional.

Ainda segundo essa autora, o exercício dessa capacidade mencionada acima implicaria

a mobilização de competências adquiridas ou construídas mediante aprendizagem, no decurso

da vida ativa, tanto em situações de trabalho como fora deste.

Assim, a discussão se concentra sobre a polêmica substituição da noção de

qualificação pela de competência, que trata das habilidades que o trabalhador deve adquirir,

como capacidade de agir, decidir em diferentes situações, intervir, saber fazer, tendo como

referência sempre o indivíduo e não mais o posto de trabalho.

A qualificação é um conceito central na relação trabalho-educação, de natureza ampla,

e incorpora desde a ideia de qualificação para o trabalho, até o de se estar socialmente

qualificado para este. O conceito de qualificação possui, portanto, a dimensão: conceitual,

social e instrumental.

A dimensão conceitual é expressa pela existência de uma certificação; a dimensão

social é expressa pelo conjunto de direitos advindos do processo de certificação e, por fim, a

dimensão instrumental se processa no ato do trabalho onde a subjetividade do trabalhador é

referida.

Nesse entendimento, o termo competências inscreve-se como uma sobrevalorização da

dimensão instrumental da qualificação, a partir da subjetividade do trabalhador no processo de

trabalho, e enfraquece as duas dimensões centrais no conceito de qualificação (conceitual e

social) ao reafirmar apenas uma.

Embora seja um conceito impreciso, a noção de “competência” ganhou, gradualmente,

ascendência no mundo produtivo porque conta com a vantagem de ter nascido no âmbito da

empresa e de estar centrada nos novos atributos pessoais e profissionais do trabalhador. Além

33

disso, recupera uma dimensão pouco estudada dos processos de qualificação – a dimensão

subjetiva do trabalho, isto é, sem mediações a um sujeito e a uma subjetividade (HIRATA,

1998, apud ANTONIAZZI, 2005, p.12).

A competência, segundo Araújo (1999), não está necessariamente ligada à formação

inicial. Ela pode ser adquirida em empregos anteriores, em estágios de formação, em

atividades fora da profissão e familiares. É tratada como uma característica individual e pode

ser apresentada como capacidade real de trabalho.

No rastro da competência, ganham evidências, segundo esse autor, termos que

procuram qualificar os saberes, e destacam-se o saber-fazer e o saber-ser.

O saber fazer está ligado, portanto, ao saber instrumentalizado, operacionalizado, e o

saber-ser associa-se à subjetividade humana, e que mobiliza conteúdos pessoais e internos na

solução de problemas e diante de situações diversas de trabalho.

Segundo Araújo (1999), sob a lógica das competências, procura-se mobilizar, na

produção, o trabalhador em todas as suas dimensões – intelecto, força física, emoções,

atitudes, habilidades, etc.

O então chamado “modelo de competência” tem-se difundido pela Europa e também

chegou ao nosso país. Conforme Manfredi (1999, p.29-30):

No Brasil, a noção de competência, apesar de já ser conhecida no âmbito das

ciências humanas (notadamente no campo das ciências da cognição e da

lingüística) desde os anos 70, passa a ser incorporada nos discursos dos

empresários, dos técnicos dos órgãos públicos que lidam com o trabalho e

por alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrência natural e

imanente ao processo de transformação na base material do trabalho. [...] No

discurso dos empresários há uma tendência a defini-la menos como “estoque

de conhecimentos/habilidades”, mas, sobretudo como capacidade de agir,

intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis.

No modelo de competências, a aprendizagem está voltada para a ação, e a sua

avaliação seria pautada nos resultados observáveis. A competência é a capacidade de resolver

um problema em uma situação dada.

A noção de competência na literatura em termos gerais, segundo Tanguy (apud

MOTTA, BUSS; NUNES, 2001), é que:

[...] competências é a capacidade de articular e mobilizar conhecimentos,

habilidades e atitudes, colocando-os em ação para resolver problemas e

enfrentar situações de imprevisibilidade em uma dada situação concreta de

trabalho e em um determinado contexto cultural.

34

Deluiz (apud MOTTA, BUSS; NUNES, 2001) amplia o leque de novas competências

requeridas ao trabalhador para além da dimensão cognitiva, intelectual e técnica,

incorporando aquelas de natureza organizacional ou metódica, comunicativas,

comportamentais, sociais e políticas.

Segundo Bastos (2006), os conceitos de qualificação e de competência se ajustam,

portanto, a dois contextos ou momentos distintos do mundo do trabalho. O primeiro reporta-

se a um mundo com a atividade econômica mais estável, concorrência limitada, emprego

formal, força das entidades sindicais e um modelo de organização do trabalho fundado em

cargos definidos com tarefas prescritas e programadas.

Ainda para esse autor, são opostas as características que marcam o momento atual no

qual emerge e ganha força a noção de competências. Sem dúvida, no entanto, os processos de

regulação do trabalho, a partir do modelo de competências, natureza do contrato e políticas de

remuneração e benefícios, enfrentam dificuldades técnicas e políticas que dificultam a sua

efetiva implementação nas organizações imersas numa cultura – nacional e/ou organizacional

– mais coletivista. No entanto, quando se trata dos processos de organização do trabalho

(definição de postos) e de preparação dos indivíduos para desempenhá-lo (as ações de

TD&E), o conceito de competência se mostra muito mais apropriado e não enfrenta as

resistências que seu uso mais ampliado suscita.

1.4 QUALIFICAÇÃO: REFLETINDO SOBRE A DIMENSÃO DO CONCEITO

Como existe, na grande maioria dos conceitos científicos nas ciências

sociocomportamentais, uma enorme variedade na forma de se definir e trabalhar com o

conceito de qualificação, irei recorrer a Bastos (2006) para discutir o conceito nas suas

dimensões:

Em Marx, “[...] o conceito de qualificação é tomado enquanto um conjunto de

condições físicas e mentais que compõe a capacidade ou a força de trabalho despendida em

atividades voltadas para a produção de valores de uso” (MACHADO,1994, p.9).

Na sociologia do trabalho francesa, surge o interesse investigativo sobre qualificação

profissional, e George Friedman, nos anos 40 e 50, se ocupou em seus trabalhos empíricos

com o conteúdo da qualificação. Nestes termos, a noção de qualificação aparece associada à

complexidade da tarefa e ao domínio requerido de saberes para executá-las. Friedman tomava

35

a qualificação como a qualidade do trabalho e o tempo de formação necessário para realizá-la.

Tal perspectiva é considerada como “substancialista” ou “essencialista”

Aqui, segundo Bastos (2006, p.29), a qualificação vincula de forma bastante direta o

desenvolvimento tecnológico ao conjunto de habilidades e conhecimentos para lidar com esse

desenvolvimento. Há, portanto, a qualificação do trabalho (o seu conteúdo) e uma

qualificação do trabalhador (o domínio de saberes necessários para executar o trabalho)

Outro nome importante é Pierre Naville, cujas pesquisas são fundantes para outra

matriz interpretativa do fenômeno da qualificação profissional – a matriz “relativista”. Por

essa concepção, “[...] a qualificação não se reduz ao conteúdo do trabalho por envolver uma

relação complexa entre as operações técnicas e a estimativa de seu valor social” (DUBAR

apud BASTOS, 2006, p.29).

A resposta ao conceito de qualificação requer uma perspectiva histórica que leve em

consideração a diversidade de condições sociais, econômicas e políticas em diferentes

momentos do tempo: diferentes sociedades terão, em diferentes épocas, critérios distintos para

definir o que é um trabalho qualificado. Bastos (2006) conclui que a qualificação não é uma

“coisa” ou um atributo que possa ser descrito em sua essência, não se podendo tomar a

qualidade do trabalho como determinante da qualificação.

Além da vertente sociológica francesa, Manfredi (apud BASTOS, 2006), apresenta

outras perspectivas na sua análise dos significados, que têm sido atribuídas às noções de

qualificação e competência, no âmbito de vários domínios disciplinares.

Traçado o quadro geral abaixo, Manfredi (1998) termina opondo uma visão marxista

às demais, ao afirmar que a questão da qualificação pode ser vista por dois eixos:

(a) a qualificação como preparação para o mercado de trabalho, envolvendo um

processo de formação profissional, um percurso escolar e de experiência que permite a

inserção e manutenção no mercado;

(b) a qualificação como um processo de desqualificação-qualificação, que resulta da

relação social entre capital e trabalho.

A essas duas vertentes, a autora acrescenta a corrente de estudos da sociologia

francesa, que produziu importantes pesquisas sobre a qualificação em situações concretas de

trabalho.

36

Quadro2 – Síntese das Concepções de Qualificação (MANFREDI, 1998, p.30)

AS NOÇÕES DE QUALIFICAÇÃO A PARTIR DA ECONOMIA DA EDUCAÇÃO Qualificação como sinônimo de preparação de

“capital humano”

a) Vincula-se à teoria do “capital humano”

dos economistas americanos T. Schultz e

F. Harbinson nos anos de 1970.

b) Trata a questão no nível macrossocial e

destaca a importância da educação para o

desenvolvimento socioeconômico.

c) Forma recursos humanos (habilidades,

experiências, educação) para atuarem nos

processos de desenvolvimento do país.

d) Gera políticas educacionais e criação de

sistemas de formação profissional

vinculados às necessidades dos setores

mais organizados do capital.

A noção de qualificação formal

a) Também voltada para o nível macrossocial,

apóia-se na noção de qualificação como

titulação, diplomação, certificação de pessoas.

b) Embasa o planejamento da demanda de

profissionais, considerando o mercado ou as

necessidades sociais.

c) Avalia o custo-benefício dos investimentos em

educação, com a taxa de retorno medida pelos

ganhos salariais associados ao maior tempo de

escolaridade.

d) Taxas médias de escolarização e duração da

escolaridade passam a ser parâmetros

internacionais de avaliação e replanejamento

das políticas educacionais.

AS NOÇÕES DE QUALIFICAÇÃO A PARTIR DA SOCIOLOGIA DO TRABALHO

O modelo taylorista e fordista de qualificação

a) Qualificação “adstrita” ao posto de

trabalho: as normas e os manuais já

definem o conjunto de tarefas e

habilidades esperadas de cada posto de

trabalho (matriz job/skills).

b) Existe uma relação direta entre perfil

requerido e requisitos formais

(escolaridade, experiência, etc.). A

qualificação é algo adquirido

(conhecimentos, habilidades, destrezas)

pelo indivíduo ao longo de sua trajetória

escolar e de experiência no trabalho.

c) Formar para o trabalho é sinônimo de

treinamento básico que assegure o

desempenho nas tarefas do cargo.

d) Entra em crise com as transformações no

mundo do trabalho.

A qualificação social do trabalho e do trabalhador

a) Expressão da perspectiva marxista, trabalha

com a polaridade: qualificação-desqualificação

como um fenômeno dialético e sociocultural,

rompendo as visões tecnicistas e unilaterais.

b) Desqualificação: alienação, fragmentação,

divisão entre trabalho manual e intelectual. É

algo inerente ao processo de trabalho capitalista

que requer o controle e a disciplina. O

trabalhador não tem autonomia para conceber e

definir ritmo e intensidade do trabalho.

c) Qualificação: possibilidade de uma apropriação

criadora, e não simples repetição/reprodução.

Os trabalhadores, como sujeitos coletivos, se

constroem e se qualificam no e a partir do

trabalho, apesar do controle do capital.

Fonte: BASTOS, (2006, p.30).

Segundo Bastos (2006), apesar da grande diversidade que marca os usos do conceito

de qualificação, como visto até o momento, podemos sintetizá-los em três concepções que

assumem nuanças específicas em trabalhos de diferentes autores. Têm a qualificação:

(a) como um conjunto de características das rotinas de trabalho, expressas

empiricamente como tempo de aprendizagem no trabalho ou por capacidades adquiríveis por

treinamento; deste modo, qualificação do posto de trabalho e do trabalho se equivalem;

37

(b) como uma decorrência do grau de autonomia do trabalhador e, por isso mesmo,

oposta ao controle gerencial;

(c) como construção social, complexa, contraditória e multideterminada.

Na síntese elaborada pelo autor, encontram-se as perspectivas e os elementos

característicos da qualificação pelas três concepções discutidas em seu trabalho.

Quadro 3 – Síntese das Principais Concepções sobre o Conceito de Qualificação

Perspectivas

Conjunto de atributos dos

postos de trabalho

Grau de autonomia no trabalho

Construção social

Elementos característicos

Características descritas nas rotinas e postos de trabalho, nos planos

de classificação de cargos.

Aquisição mediante educação e treinamento.

Desconsideração do conjunto de habilidades adquiridas ao longo da

vida – “qualificações tácitas”.

Foco no processo de trabalho e grau de controle do trabalhador.

Foco em como o trabalho é dividido e gerenciado.

Excessiva divisão e disciplina: expropriação do saber e perda

progressiva.

Amplia o conceito: “é um processo socialmente construído em

situações históricas”.

É mais do que escolaridade e exigências do posto.

Vai além da competência técnica: elementos da origem – gênero,

etnia, personalidade.

Dispõe regras socialmente partilhadas.

Fonte: Bastos (2006, p.33).

1.5 COMPETÊNCIAS: REFLETINDO SOBRE A DIMENSÃO DO CONCEITO

Perreneud (1999) afirma que a competência situa-se além dos conhecimentos e, para

ele, não se forma com a assimilação de conhecimentos suplementares, gerais ou locais, mas

sim com construção de um conjunto de disposições e esquemas que permitem mobilizar os

conhecimentos na situação, no momento certo e com discernimento.

Segundo Dias et al. (2010), apesar da aparente simplicidade do conceito de

competência, sua aplicação tem sido considerada relativamente complexa. A aplicação do

conceito de competência não aceitaria um tratamento homogêneo e unidimensional, condição

que, em geral, acompanha a apropriação das práticas gerenciais mais difundidas entre as

organizações. Ao contrário, esse conceito parece ser objeto de uma diversidade de

perspectivas, tais como a da economia e estratégia (PORTER, 1980; CORIAT; WEINSTEIN,

38

1995; TEECE et al.,1997), da educação (PERRENEUD,1999), da sociologia do trabalho

(HIRATA,1994; ROPÉ; TANGUY,1997), do direito (FERREIRA FILHO,1997) e da

administração.

O conceito de competência foi proposto de forma estruturada pela primeira vez, em

1973, por David McClelland, buscando trazer uma abordagem mais efetiva que os testes de

inteligência nos processos de escolha de pessoas para as organizações. A partir daí, o conceito

é ampliado para dar suporte a processos de avaliação e para orientar ações de

desenvolvimento profissional. Outro autor expoente na estruturação do conceito é Boyatzis

(apud FISCHER, 2010), que, a partir da caracterização das demandas de determinado cargo

na organização, procura fixar ações ou comportamentos efetivos esperados.

Autores como Le Boterf (1994; 2000; 2001; 2003) e Zarifan (1996; 2001) exploram o

conceito de competência associado à ideia de agregação de valor e entrega a determinado

contexto de forma independente do cargo, isto é, a partir da própria pessoa. Outros autores

também buscaram estruturar o desenvolvimento do conceito de competência e/ou efetuaram

uma revisão bibliográfica, destacando-se entre eles: Pary (1996), McLagan (1997) e

Woodruffe (1991), de acordo com o que relata Fischer (2010).

Segundo autores, na sua maioria de origem norte-americana, que desenvolveram

trabalhos nos anos 70, 80 e 90, competência é o conjunto de qualificações que permite à

pessoa uma performance superior em um trabalho ou situação.

Parry (1996, p.50) resume o conceito de competência como sendo um “[...] um cluster

de conhecimentos, Skills e atitudes” relacionados, que afetam a maior parte de um job (papel

ou responsabilidade) , que se correlaciona com a performance do job, que possa ser medido

contra parâmetros bem aceitos, e que pode ser melhorada através de treinamento e

desenvolvimento”.

Essa abordagem associando competências às qualificações foi disseminada no Brasil

nos anos 80 e início dos anos 90, associada à ideia de perfil de conhecimentos, habilidades e

atitudes (CHA) necessário para que determinada pessoa possa ter uma boa performance em

seu cargo (DUTRA, 2004, apud FISCHER et al., 2010).

Outra definição de competências, segundo Fischer et al. (2010) e graças ao trabalho

desenvolvido por Le Boterf (1994), Fleury (1995) e Zarifian (1996), associa-se competências

às realizações das pessoas e ao que elas provêm, produzem e/ou entregam ao meio onde se

inserem, trazendo, como exemplo, que competência não é um estado ou um conhecimento

que se tem, nem é resultado de treinamento. Na verdade, competência é mobilizar

conhecimentos e experiências para atender às demandas e exigências de determinado

39

contexto, marcado geralmente pelas relações de trabalho, cultura da empresa, imprevistos,

limitações de tempo e de recursos, etc. Nessa abordagem, portanto, pode-se falar de

competências apenas quando há competência em ação, traduzindo-se em saber ser e saber

mobilizar o repertório individual em diferentes contextos.

Alguns autores pensam a competência como a somatória dessas duas linhas, ou seja,

como as características da pessoa podem ajudá-la a se entregar com maior facilidade.

McLAGAN, 1997; PARRY, 1996, apud FISCHER, 2010). Entrega aqui corresponde ao

conceito de efetiva ação do indivíduo no exercício de suas atividades no trabalho. A entrega

traduz a real contribuição do profissional no cumprimento de determinada competência.

Parte-se do pressuposto de que, tanto com o olhar sobre o indivíduo quanto sobre a

organização, quanto maior for o grau de complexidade de sua entrega, maior será sua

capacidade de diferenciar-se e de adicionar valor ao negócio (BECKER, 2010).

Em uma classificação dos subtemas dos estudos das competências, Dias et al. (2010)

coletaram as seguintes tendências acerca da abordagem competências:

(a) competências individuais e/ou gerenciais: referem-se à competência de indivíduos,

cuja entrega é resultante de trabalho individual, na perspectiva de Parry (1988), Le Boterf

(1995), Zarifian (2001) e Dutra (2004);

(b) competências coletivas e/ou grupais: referem-se a competências coletivas, cuja

entrega é resultado de trabalho coletivo, na perspectiva de Le Boterf (2000), Dejoux (2001),

Figueiredo (2003) e Ruas (2005);

(c) competências organizacionais: referem-se a competências que dizem respeito à

estratégia da empresa e são evidentemente também competências coletivas, na perspectiva de

Hamel e Prahalad (1995), Fleury e Fleury (2000; 2004) e Ruas (2005);

(d) conceito de competência: refere-se ao debate acerca da construção e natureza do

conceito de competências, na perspectiva de Le Boterf (1995), Zarifan (2001), Fleury e Fleury

(2002), Dutra (2004).

Le Boterf defende, de forma veemente, o caráter situacional da competência humana

aplicada ao trabalho, destacando-se mais o ato e o contexto do que os recursos em si, embora

estes sejam, sem dúvida, relevantes. “A competência requer instrumentalização em saberes e

capacidades, mas não se reduz a essa instrumentalização” (LE BOTERF,1997, p.48).

Esse mesmo autor defende a ideia de que o contexto em que se trabalha e a cultura da

organização exercem influência no processo de “passagem” à competência. Para La Boterf

(1997, p.48), esta (a competência) realiza-se na ação e não a precede.

40

Afirma ainda que só é competência o que faz um sentido particular para o profissional,

ou seja, aquilo que apresenta um significado particular para sua cultura: “O profissional

mobiliza suas competências em função de um projeto que comporta para ele uma

significação, ao qual ela dá um sentido” (LE BOTERF, 1997, p.155).

Os estudos de Sandberg (1994) apontam para o fato de que as competências são

construídas a partir do significado do trabalho e não implicariam, assim, somente a aquisição

de atributos. Para esse autor, é importante não só a competência que é desenvolvida, mas

como ela é desenvolvida e como se dá a prática do trabalhador. (SARSUR; FISCHER;

AMORIM, 2010).

Zarifian (2001) aborda a competência, não só a partir da análise objetiva dos postos de

trabalho, mas discute a evolução dessa concepção para uma gestão da e pela competência,

pensando na combinação de conhecimentos (aptidão), experiências (ação), análise e avaliação

da empresa (resultados). Para esse autor, as competências são assunção de responsabilidades e

o desenvolvimento de atitude reflexiva sobre o trabalho, o que amplia o entendimento desta

nomenclatura para aspectos mais sociais. Isso implica analisar as mutações sofridas pelo

trabalho e sua organização em um contexto mais amplo e histórico.

1.6 A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE A COMPETÊNCIA E A APRENDIZAGEM

Competência profissional, para Le Boterf (1999, apud Freitas; Brandão, 2006), é

decorrente da aplicação conjunta, no trabalho, de conhecimentos, habilidades e atitudes –

CHA, que representam os três recursos ou dimensões da competência.

Comparando essas três dimensões da competência, com as proposições de autores da

área de pedagogia e planejamento instrucional, Freitas e Brandão (2006) afirmam que é

possível identificar semelhanças conceituais entre a aprendizagem e a competência. Afirmam

ainda que a aprendizagem representa o processo ou o meio pelo qual se adquire a

competência, enquanto a competência representa uma manifestação do que o indivíduo

aprendeu. Tanto a aprendizagem quanto a competência, portanto, estão relacionadas ao

conceito de mudança.

Na aprendizagem, a mudança é verificada por meio da comparação dos escores de

testes aplicados antes e depois da estratégia educacional adotada, como é o caso das provas

aplicadas no início e no final de uma disciplina. No que concerne à competência, a mudança é

41

observada quando se compara o desempenho do indivíduo antes e depois do processo de

aprendizagem. Em resumo, a competência, demonstrada pelo desempenho do indivíduo,

geralmente é visualizada como uma nova forma de realizar as tarefas, com mais qualidade e

precisão (FREITAS E BRANDÃO, 2006).

Pode-se dizer, então, que a competência é resultante da aplicação de conhecimentos,

habilidades e atitudes adquiridos pela pessoa em qualquer processo de aprendizagem, seja este

natural ou induzido. Ela revela, inexoravelmente, que o indivíduo aprendeu algo novo, porque

mudou sua forma de atuar (FREITAS; BRANDÃO, 2006).

Nesta pesquisa, a medida de aprendizagem acerca de determinados conhecimentos

adquiridos através do treinamento pelos voluntários indica competência para a execução do

trabalho como contadores de histórias.

No próximo capítulo, será apresentado o sujeito de pesquisa deste estudo - os

voluntários.

42

2 VOLUNTARIADO

2.1 CONCEITO E HISTÓRIA DO TRABALHO VOLUNTÁRIO

À palavra “voluntário” vem do adjetivo latino voluntarius que, por sua vez, deriva da

palavra voluntas ou voluntatis, que significa “capacidade de escolha, decisão”, assim como

“anseio” e “desejo”. Como adjetivo, foi encontrada sua primeira ocorrência na língua

portuguesa no século XV, com o significado de “espontâneo” (CUNHA apud ORTIZ, 2001,

p. 29).

Atualmente, é utilizada como substantivo, para “[...] aquele que se oferece para uma

tarefa a que não estava obrigado” e, ainda, ao indivíduo que se alista espontaneamente num

exército (LAROUSSE CULTURAL, 1992, p.453).

Voluntário, no Dicionário Houaiss, diz respeito ao que não é forçado, que só depende

da vontade; espontâneo, que se pode optar por fazer ou não, aquele que se dedica a um

trabalho sem remuneração, prestando ajuda quando necessário. Já filantropia tem origem

grega e significa profundo amor à humanidade, desprendimento, generosidade para com

outrem, caridade. (HOUASSIS, 2009).

O trabalho voluntário (também denominado de voluntariado) pode ser entendido como

a realização de qualquer atividade na qual a pessoa (voluntário) oferte, livremente, o seu

tempo para beneficiar outras pessoas, grupos, ou organizações, sem retribuição financeira ou

material. (WILSON apud SOUZA; LAUTERT; HILLESHEIN, 2010).

Segundo Martins Filho (2002 apud ORTIZ, 2007, p.20), foi na Idade Média que surgiu

a primeira distinção entre o trabalho profissional, que tem retribuição terrena, e aquele que

caracterizaria o estado religioso, cuja recompensa seria extraterrena:

[...] trabalho profissional: o trabalho no meio do mundo, no exercício de uma

profissão ou ofício, correspondia a um serviço que mereceria uma

retribuição terrena, na base de honorários e salário; estado religioso: o

serviço prestado pelo religioso a Deus e à comunidade correspondia à

resposta a uma vocação divina, segundo a qual o homem esperaria uma

retribuição extra-terrena.

43

Segundo Garrafa e Selli (2006), a atividade voluntária organizada surgiu na Europa,

quando a urbanização e o êxodo rural associado à industrialização, em seus primórdios,

trouxeram consequências negativas para amplas parcelas da sociedade. No mundo rural pré-

industrial, algumas instituições eram responsáveis pela solução de problemas, como fome,

doença e catástrofes naturais que pudessem atingir indivíduos ou grupos. A família extensa de

caráter patriarcal, as instituições religiosas ou mesmo a comunidade tinham tal atribuição.

Não existia, ainda, um Estado capaz de propor políticas de amparo aos necessitados.

Além de contribuírem para a solução de questões sociais, segundo estes autores, as

organizações voluntárias tiveram um papel importante na defesa da sociedade contra o

exercício arbitrário do poder do Estado. Intermediárias entre o indivíduo isolado e a sociedade

política, coube às associações voluntárias (partidos políticos, sindicatos, instituições de

intelectuais, associações religiosas) promover a defesa da sociedade civil contra o poder

arbitrário do Estado.

Para Weffort (1998, apud GARRAFA; SELLI, 2006), o processo de democratização

política experimentado na Europa muito deveu a elas. O mesmo pode-se dizer dos Estados

Unidos. Adeptos do liberalismo político, os construtores do Estado norte-americano

reservaram um amplo espaço à auto-organização da sociedade civil, dotando as comunidades

de um grande poder para gerir seus destinos sem a interferência pública.

Para discorrer sobre a história do voluntario brasileiro, recorro a Ortiz (2007, p.22-23),

que afirma em sua tese:

Assim como nos Estados Unidos, a história da prática da filantropia e do

voluntariado no Brasil foi marcada pelos propósitos e pelo estilo de nossos

colonizadores. Diferente deles, a colonização aqui foi feita, a exemplo de

outros países da América Latina, como empreendimento do estado. Assim

que chegaram, os portugueses trataram de instalar os aparatos burocráticos

da coroa e, com eles, as estruturas hierárquicas da igreja católica.

As misericórdias portuguesas foram estabelecidas no século XVI, com a

fundação da Santa Casa de Misericórdia de Santos (1543). As misericórdias

constituíram-se, assim, em todo o império ultramarino português e, de forma

destacada, no Brasil, como fator unificador de toda a política assistencial. O

voluntariado daí resultante foi marcado, desde o princípio, por fortes

vínculos religiosos e por uma inserção política centralizada no estado.

Neste sentido, cabe destacar que as Santas Casas ofereciam diversos tipos de

assistência, como esmolas, a assistência aos presos pobres e suas famílias, os

dotes a jovens órfãs e pobres, a concessão de tumbas, as rodas de expostos e

sua atividade principal que é assistência hospitalar aos enfermos.

44

A participação das mulheres como voluntárias sempre foi importante nas sociedades

filantrópicas e teve sua expressão máxima através da Rainha Leonor de Portugal, viúva do Rei

D. João II e irmão do Rei D. Manoel, o Venturoso, que fundou as Santas Casas de

Misericórdias e sempre manifestou sua preocupação com o sofrimento dos pobres.

Segundo Silveira (2002 apud ORTIZ, 2007, p.23), entre as diversas organizações

filantrópicas fundadas nessa época, constavam as religiosas, as de saúde e os educandários,

assim como as instituições de assistência aos imigrantes e associações profissionais. Nelas, a

participação feminina aumentou consideravelmente, sendo que, no início do século XX, as

“[...] damas caridosas eram as principais agentes do voluntariado no país”.

Segundo Costa (2000), no Brasil colonial, os hospitais de caridade foram as primeiras

unidades de atendimento à saúde dos pobres, marinheiros, índios. Deram origem às Santas

Casas e adotavam o compromisso (estatuto) de Lisboa. Os irmãos da Santa Casa têm como

compromisso primordial, praticar as 14 obras da misericórdia: sete espirituais e sete corporais,

que são:

Espirituais: ensinar os ignorantes, dar bons conselhos, punir os faltosos com

compreensão, consolar os infelizes, perdoar as injúrias recebidas, suportar as deficiências do

próximo, orar a Deus pelos vivos e pelos mortos.

Corporais: tratar os doentes, resgatar os cativos e visitar os presos, vestir os nus, dar de

comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, abrigar os pobres e os peregrinos.

Ainda segundo Costa (2000), a Santa Casa de Lisboa, em verdade, é a continuação do

primitivo sistema de filantropia originado nas albergarias (hospedarias) que, desde o século

XI, existiam no norte de Portugal e na Itália. O substantivo hospital é a tradução da palavra

hospitale (do latim), que significa hospedaria. Hospitale era a albergaria onde se acolhiam os

doentes.

Em continuação à história cronológica do voluntariado no Brasil, recorri a Sberga

(2002, apud ORTIZ, 2007), que destaca resumidamente:

Em 1908, chega ao Brasil o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, cuja finalidade

era a de prestar assistência médica em áreas de conflito armado. Em 1910, surgiu o primeiro

grupo de escotismo, com o objetivo de ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião.

Em 1930, na era Getúlio Vargas, o Estado passa a ter um papel cada vez mais

centralizador em relação à política assistencial em todo o país e, em 1935, foi promulgada a

Lei de Declaração de Utilidade Pública, que passou a regular a colaboração do Estado com as

instituições filantrópicas. Em 1942, em plena ditadura Vargas, foi fundada a Legião Brasileira

45

de Assistência (LBA), a ser presidida pela primeira dama do País, com o objetivo de

coordenar a política de assistência social.

Em 1961, é fundada a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), cuja

missão é a de prestar assistência e desmistificar a deficiência mental na comunidade.

Os governos militares que sucederam ao golpe de 1964, diminuíram

consideravelmente as verbas destinadas às obras sociais. Para canalizar a força do movimento

estudantil e amortecer o impacto dos conflitos sociais, foi implantado, em 1967, o projeto

Rondon, cuja finalidade era a de levar universitários voluntários a prestar assistência a

comunidades carentes em todo o interior do País.

Em 1977, a pastoral do menor instituiu uma nova modalidade de voluntariado, com o

apoio de casais que se dispunham a acompanhar adolescentes em regime de liberdade

assistida. Por outro lado, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) promoviam redes

populares de solidariedade, para dar conta dos mais diversos problemas vividos pela

população mais carente.

Já a pastoral da criança foi fundada em 1983, vinculada à Conferência Nacional dos

Bispos no Brasil (CNBB), com o objetivo de treinar lideranças comunitárias e mobilizar as

famílias carentes para o combate à mortalidade infantil, assim como em atividades para

melhoria de sua qualidade de vida em geral.

Na década de 90, observam-se alterações bastante significativas no que tange às

políticas sociais no Brasil, através da corrente de liberalismo americano com uma proposta de

“Estado mínimo”. Ao mesmo tempo a globalização da economia promoveu um aumento nas

disparidades sociais, o que acarretou o agravamento dos problemas sociais, levando à

indignação setores mais politizados da população civil brasileira.

Em 1993, o sociólogo Herbert de Souza, empenhou-se em organizar a sociedade

brasileira no combate à fome, com a Ação da Cidadania Contra a Miséria e pela Vida. Sua

campanha, amplamente divulgada na mídia, foi também um marco na expansão das ONGs

(organizações não governamentais).

Em 1995, a partir do Conselho da Comunidade Solidária, presidido pela então

primeira dama Ruth Cardoso, e através dele foi instituído, em 1997, o Programa Voluntários,

com a missão de promover e fortalecer o voluntariado no Brasil. Um dos objetivos principais

foi disseminar uma “moderna cultura do voluntariado”, preocupada com a eficiência dos

serviços e a qualificação de indivíduos e instituições. Com essa perspectiva, foram criados 34

centros de voluntariado, em 15 Estados e no Distrito federal.

46

Quanto à legislação do trabalho voluntário no Brasil, esta ação só foi regulamentada

no Brasil apenas em 1998, pela Lei n0. 9.608/98, pelo então presidente Fernando Henrique

Cardoso. De acordo com a Lei, independente do motivo que leva uma pessoa ao serviço, para

ser caracterizado como voluntário, o trabalho deve ocorrer por vontade própria, sem

remuneração, prestado por um indivíduo isoladamente e para uma organização sem fins

lucrativos, com objetivos públicos.

Segundo Landim, em pesquisa sobre o voluntariado (2001), a preferência é realizar

ações voluntárias em instituições religiosas (57%) e de assistência social (17%), o que

corresponde a 74%, sendo o restante dividido em pequenas porções entre as áreas de saúde,

educação, defesa dos direitos e ação comunitária. O perfil do voluntariado brasileiro desta

pesquisa é o cidadão mais propenso a doar seu tempo às práticas religiosas. Esses dados estão

relacionados à história da origem do voluntariado no Brasil, de caráter religioso.

Para Caldana e Figueredo (2008, p.474, grifos dos autores), “[...] a educação, ligada à

transmissão de princípios religiosos, promove o fortalecimento da cultura do voluntário e

constitui importante elemento de manutenção desta lógica”.

Devemos distinguir, dentro desse universo de conceituação de voluntariado, o que são

ações pontuais e ações duradouras. Caldana e Figueredo (2008), distinguem ato voluntário e

trabalho voluntário, ao afirmar que uma ação pontual é um ato voluntário, enquanto ações

duradouras seria trabalho voluntário. As doações estariam também numa categoria à parte.

Já existe a mensuração do trabalho voluntário estimando a proporção em que o

voluntariado participa nas entidades filantrópicas, ou seja, a média de horas recebidas como

doações e os respectivos valores não registrados contabilmente por algumas organizações.

Segundo Milani Filho, Corrar e Martins (2003), os recursos humanos representam a

essência do terceiro setor, devendo estar profundamente comprometidos com as respectivas

causas sociais de suas entidades.

Segundo Kaplan e Norton (1996 apud MILANI FILHO, CORRAR; MARTINS, 2003,

p.160), “fazerem a diferença” e não reconhecer contabilmente uma característica essencial das

entidades filantrópicas pode parecer estranho. Reconhece-se, portanto, a receita pelo serviço

prestado voluntariamente, utilizando-se como referência o valor de mercado, caso este serviço

fosse contratado.

Segundo pesquisa realizada, com uma amostra de 16 entidades paulistanas, Milani

Filho, Corrar e Martins (2003) demonstram que o voluntariado representa, em média, 45,1%

da força do trabalho total das entidades, observando-se que a média amostral de dedicação ao

serviço voluntário é de 4,5 horas por semana.

47

Por esse estudo, em média, cada organização pesquisada possuía 363 voluntários e

recebia cerca de R$ 36,3 mil por mês em serviços prestados por voluntários, ou seja, se o

voluntário cobrasse pelo seu trabalho, as organizações desembolsariam a quantia citada. Se

levarmos em consideração que em São Paulo existiam, no período da pesquisa, 286

organizações cadastradas anualmente, esse valor esteve em torno de R$ 124,7 milhões.

Segundo Merege (2009), informações do independent sector demonstram que o

percentual de pessoas voluntárias atinge cerca de 49% da população, que doa mais de 20

bilhões de horas anuais, o que corresponde a um valor de US$ 201 bilhões – um valor

significativo, superando muitos PIBs do planeta.

2.2 A IDEOLOGIA DA CULTURA MODERNA DO VOLUNTARIADO

A cultura moderna do voluntariado é bastante discutida e foi muito divulgada com o

apoio da mídia, principalmente no Ano Internacional do Voluntário, em 2001. Desde a década

de 90, tem-se defendido a criação de uma cultura “nova” e “moderna” de voluntariado em

nosso país.

Bonfim (2010, p.15), em uma análise sobre “a ‘cultura do voluntariado’, conclui que

esta é resultado de uma dinâmica social complexa, permeada de contradições, em que o

componente ideológico é decisivo para sua expansão e efetivação. A ‘cultura de crise’, ou

seja, a ideia de que todos estão sendo penalizados com a crise e que a saída desta requer, além

de sacrifícios, ajuda mútua, é terreno fértil para a expansão da atividade voluntária, que

aparece como saída para a resolução dos problemas sociais.

Segundo Cunha (2005, [p.6] grifos do autor), “a construção de um novo voluntariado

foi considerada em duas vertentes: a primeira é a das relações entre atores que deram

sustentação e visibilidade ao novo voluntariado como opção de ação de enfrentamento de

problemas sociais, especificamente os relacionados ao aumento da desigualdade. Os

principais promotores foram a Comunidade Solidária e o Programa Voluntários (criados no

primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e atrelados à esfera estatal) e os

empresários que passaram a atuar no que se convencionou chamar de responsabilidade social

das empresas”.

A segunda face dessa construção é a ideia mesma de novidade, que define o trabalho

voluntário desse período como uma ação que se diferencia de outras anteriores (desde ações

48

filantrópicas até ações que remetam aos moldes de movimentos sociais ou organizações

coletivas de reivindicação) e sinaliza um momento de amadurecimento e aperfeiçoamento nas

formas de participação social.

O “Programa Voluntários” foi criado pelo Conselho da Comunidade Solidária, em

dezembro de 1996, com a missão de contribuir para a promoção, valorização e qualificação

do trabalho voluntário no Brasil. Este Programa nasce na gestão do então presidente Fernando

Henrique Cardoso.

Esse governo incentivou a constituição de uma rede nacional de Centros de

Voluntariado no Brasil, que são organizações autônomas e independentes, financeira e

administrativamente, e que buscava atender às especificidades da região onde estavam

inseridas. O ano de 2001 foi declarado pelas Organizações Unidas como Ano Internacional do

Voluntário.

No desenvolvimento de hipóteses dos pontos de sustentação do conjunto de ideias ao

qual pertencem as que caracterizam o novo voluntariado, na expressão de Cunha

(2005,p.124), o qual assinala que, “a partir do centro do poder político, formaram-se redes de

colaboração de poder econômico (empresários e organizações de fomento) e de influência

social, reconhecidamente utilizados como meios eficazes de convencimento”.

A constante aparição do tema no debate público, com o apoio de grandes meios de

comunicação, centros de estudos e pesquisa ou dirigentes políticos, mais comumente trazendo

afirmações em vez de questões, também pode ser vista como rede que, sustentando aquele

ideário, chama a atenção para a causa do voluntariado.

Segundo relatório do Instituto Faça Parte, que surgiu com o objetivo de gerenciar as

atividades do Ano Internacional do Voluntariado, em 2001, em balanço realizado, o tema

voluntariado esteve presente em diversos veículos de comunicação. Em publicidade, foram 50

horas na TV, 400 horas em rádio, 50 páginas de mídia impressa, 200 horas em painéis

luminosos. Em mídia espontânea, 2000 páginas de reportagens, 200 horas em canais de

televisão e 300 horas de rádio (CUNHA, 2005).

O princípio mais evocado para fundamentar essa iniciativa, como enfatiza Cunha

(2005), é o de cidadania, que, apesar de já ter ocupado campos de referência e significação

distintos, é reduzido, junto com o conceito de solidariedade, a um mesmo campo de

significação.

O livro Gerenciamento de Voluntários (2000, p.11), elaborado e disseminado pelo

Centro de Voluntários de São Paulo no Brasil, traz conceitos de voluntariado como:

49

“voluntariado combativo”, “a caminho de um novo modelo”, “novos conceitos de

voluntariado”, e afirma:

A década de 90 abre as portas de um novo perfil de voluntariado que supera

o anterior e reposiciona-o como um cidadão que, motivado por valores de

participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho, talento e competência,

de maneira espontânea e não remunerada, em prol de causas de interesse

social e comunitário.

Esse conceito vai trazer uma proposta de atuação diferente para a ação voluntária, com

superação da ação antiga. E, como “novo conceito” de voluntário, o Centro de Voluntários

(2000, p.13) assim entende:

As antigas concepções de voluntariado, como ação de caridade, como

assistencialismo, ou como militância política, estão superadas. Hoje, vêm

sendo substituídas pela concepção de voluntariado como forma de ação

cívica que tem como objetivo a mobilização de pessoas, empresas e

organizações visando resolver problemas sociais, assegurar direitos humanos

e sociais por meio da responsabilidade conjunta do Estado e da Sociedade

Civil, representada pelos cidadãos, pelas ONGs, fundações e empresas.

O discurso defende a ideia de que o voluntário é também responsável pela resolução

dos problemas sociais, não cabendo apenas ao Estado este papel, mas a toda a sociedade civil.

Sobre o que se entende por sociedade civil, não é interesse deste estudo, pois o

aprofundamento desta questão aqui não é relevante. Mas vale discutir, pela defesa como

categoria que Costa (1997, apud CUNHA, 2005), faz de sociedade civil, por sua adequação,

no sentido de dar conta de uma parte do conjunto dos atores sociais que mantêm seu interesse

em intervir nas decisões ou encaminhamentos dados aos problemas pela esfera estatal, mas

não querem ser associados nem à participação partidária, nem à estrutura do Estado.

Entretanto, o emprego da noção de sociedade civil como categoria analítica sofreu

esgarçamento de significado por seu uso exacerbado como categoria política.

Para Listz (2005, apud MOUSSALLE, 2008, p.37), a noção do papel da sociedade

civil na arena pública é analisada da seguintes maneira:

O conceito de sociedade civil representa uma terceira dimensão da vida

pública, diferente do governo e do mercado [...] em vez de sugerir a idéia de

uma arena para a competição econômica e a luta pelo poder político, passa a

significar exatamente o oposto: um campo onde prevalecem os valores de

solidariedade.

50

Fica, porém, aqui a reflexão sobre que sociedade civil é esta, de enquadre difícil nos

moldes do primeiro setor – o poder público, e do segundo setor, que diz respeito ao setor

privado, e a qual possui uma lógica diferente destes dois setores, mas defende,

principalmente, as questões de interesse público.

Retornando à discussão sobre o novo voluntário, para o Centro de Voluntários (2000,

p.13), é importante ressaltar que cabe ao novo voluntário:

Buscar a qualificação da sua atuação e as organizações sociais, a eficiência e

eficácia dos serviços que prestam. Além do espírito de solidariedade, exige-

se a qualidade técnica da ação voluntária.

Isso demonstra que fazer o bem é importante, mas aqui o “novo voluntariado” precisa

fazê-lo bem, dedicando-se à qualificação que precede a sua ação.

Falar de “antigo” ou “novo” voluntário, atuação “assistencialista” ou

“transformadora”, vai marcar profundamente as discussões em torno desse tema. E nesse

ponto as opiniões divergem.

Segundo Ortiz (2000), [p.28] por meio da história do voluntariado, desde o tradicional

assistencialismo religioso e individualizante, passando pela militância político-religiosa, até o

engajamento no terceiro setor, o trabalho voluntário tem-se apresentado como resposta a

demandas – religiosas, políticas, sociais, econômicas, subjetivas, etc. –, que são, antes de

tudo, históricas.

O fato é que uma discussão que nos leve a sair em defesa de uma forma de

voluntariado que consideremos, por um critério particular, como mais “moderna” ou mais

politizada, contras as demais, atende apenas aos interesses dos defensores de uma ou outra

ideologia.

Cunha (2005, p.12) afirma em sua pesquisa sobre novo voluntariado que existe uma

separação entre o discurso institucional e a fala dos voluntários, pois estes demonstravam que

a procura pelo trabalho voluntário estava fortemente atrelada às suas experiências

particulares, e sua motivação era descrita em termos de experiências.

Já o discurso institucional se fazia presente ao defender a importância desse

envolvimento e concentrava ideias de cidadania, participação, justiça, democracia, Estado e

mudanças sociais.

Segundo o Centro de Voluntários (2000, p.12):

51

Hoje não é possível conceber uma ação social eficiente sem o envolvimento

da comunidade, da população usuária, não havendo soluções em longo

prazo. Por essa perspectiva, o voluntariado assume um papel decisivo no

encaminhamento de soluções às exigências sociais.

Impresso nesse discurso, a participação voluntária significa, portanto, a possibilidade

de mudanças, em que o sujeito voluntário é promotor de mudanças dos problemas sociais.

Contrário a esse discurso, Araújo (2008), afirma que o voluntarismo e a assistência

social concorrem de forma permanente na sociedade brasileira, estimulados pelos governos

através de estratégias políticas com o fim de manter em constante estado de equilíbrio as

forças sociais latentes de inconformidade dos excluídos sociais em face das suas condições de

vida.

Mas o que se percebeu, no cenário do chamado do novo voluntariado, foi o silêncio

em relação à garantia dos direitos sociais, e, no discurso da chamada sociedade civil, “agindo

por si mesma”, remete-se esta transferência de responsabilidade à própria sociedade na

resolução dos problemas sociais.

Para Araújo (2008, p.247), a solidariedade induzida pelo governo na década de 90 é

ambígua, por encobrir mecanismos excludentes, uma vez que o solidarismo, aqui apregoado

de conteúdo humanitário, é despossuído de caráter ético-político. A sua política difunde a

solidariedade impregnada na cultura brasileira assistencial de abnegação e benemerência. A

solidariedade coloca-se na perspectiva dos direitos sociais: “[...] solidariedade como elemento

dos direitos sociais torna-se solidariedade social cidadã quando do processo de prestação de

assistência aos excluídos sociais”.

Ainda para esse autor, o voluntariado não tem, por sua natureza e organização,

condições de responsabilizar-se por necessidades coletivas, como proteção social.

Já Demo (2002) afirma que o apelo à solidariedade pode esconder, à revelia, efeitos de

poder, sobretudo quando provêm do centro do sistema capitalista ou das elites em cada país. E

ainda, para Demo, trata-se de uma formidável polêmica que não se pretende em absoluto

resolver, mas discutir no contexto da compreensão dialética não linear, entender até que ponto

a solidariedade pode ser ancorada na história concreta, e até que ponto é truque de

domesticação.

Ainda para esse autor, a solidariedade tem sido um discurso contraditório ao extremo,

quando analisado na trama de poder: pode ser algo honesto e desonesto, bem como pode ter,

em posturas que se querem honestas, efeitos contrários, à sua revelia, à medida que provoca

subalternidades imperceptíveis e não menos eficazes. O cúmulo desse efeito para Demo é

52

esperar que o excluído seja solidário com os agentes da exclusão, ou, na linguagem de Paulo

Freire, que o oprimido espere sua libertação do opressor.

O grande desafio das propostas solidárias é o que Harding (1998, apud DEMO, 2002)

chama de Standpoint epistemology: a capacidade honesta de respeitar o ponto de vista de

outra cultura.

Embora esse posicionamento para Demo seja idealizado visivelmente, porque,

hermeneuticamente falando, é impraticável ver pelos olhos dos outros, trata-se de cultivar

suficiente autocrítica para não cair rapidamente em posturas colonialistas. Significa o gesto

generoso de tentar entender o outro a partir do outro. Esse tipo de solidariedade não parte do

solidário, mas do outro. Não implica alinhamento subalterno por parte do outro, antes busca

proporcionar ao outro condições para que possa comandar sua emancipação.

Bernabé (2003) faz distinção do “militante” e do “voluntário” quando afirma:

O militante aposta por uma “causa”, em sentido forte e amplo, com ele

corresponde o componente ideológico (interpretação da realidade). O

voluntário vive perfeitamente sem formas ideológicas nem questionamentos

ético-religiosos de grande tamanho. O sonho é só ajudar.

Esse autor afirma, portanto, que o militante aposta em uma causa em amplo sentido

ideológico e o voluntário não, ou seja, o voluntário não se implica politicamente.

Além disso, para o mesmo autor (2003), a solidariedade supõe estar disposto a tomar

partido e sempre se supõe perder algo, pois “não existe solidariedade indolor”.

Já García Roca (2001, apud CARBALLAL, 2009, p.4) percebe o voluntariado como

um instrumento de políticas públicas, ao declarar:

Nos próximos anos [...] para seguir desenvolvendo o Estado de bem-estar,

necessitaremos destes movimentos voluntários, para fazer novas prestações

sociais. Deste modo, o voluntariado se converte em um instrumento de

políticas públicas das administrações que, a troco de concessão de

subvenções, esperam a aceitação por parte das organizações do Terceiro

Setor de seu caráter instrumental.

No conceito de “solidariedade crítica” trazido por Selli e Garrafa (2005), existe a

capacidade de o agente (voluntário) discernir, ou seja, de possuir critérios capazes de ajudá-lo

a discriminar a dimensão social e a política, que estão indissociavelmente presentes na relação

solidária.

53

Mas em que medida isso é possível, se o agente voluntário procura muitas vezes o

trabalho por motivações pessoais e para satisfazer a suas necessidades de pertencimento? Esta

é uma questão colocada para reflexão e mais adiante será discutida, quando se tratar sobre

motivações dos voluntários.

Não existem garantias nem fórmulas nesta discussão sobre o fazer ou não fazer

voluntariado. É preciso conhecer as influências do discurso neoliberal, quando se trata de

promover e disseminar uma cultura de solidariedade entre as pessoas, para que as relações não

se tornem utilitárias e de dominação.

2.3 FACES DA SOLIDARIEDADE: ALTRUÍSMO E EGOÍSMO

Do ponto de vista ontológico, voluntariado é uma manifestação de solidariedade. Ao

falar de solidariedade tomaremos como ponto de partida a analise de Durkheim (apud SILVA

et al., 2004) sobre solidariedade. Ele estudou as questões ligadas à natureza do laço social,

isto é, as relações dos indivíduos entre si e as relações de cada indivíduo com a coletividade.

Para descrever esses dois tipos de relações, decidiu observar as formas de

solidariedade: como acontecem nos agrupamentos (sua morfologia) e como funcionam (sua

fisiologia). Dessas observações, deduziu dois tipos de solidariedade: a mecânica e a orgânica.

Xiberras (1993, apud SILVA et al., 2004, p.99), em sua releitura de Durkheim, explica

que a solidariedade mecânica é o laço social que acontece nas sociedades tradicionais, onde os

agrupamentos são estáveis e restritos, e as relações entre os indivíduos acontecem pela via da

semelhança entre as funções no grupo e a identidade das representações. A semelhança é o

que liga as pessoas umas às outras:

Experimentam os mesmos sentimentos, aderem aos mesmos valores e

reconhecem o mesmo sagrado. A solidariedade exprime-se, por assim dizer,

natural ou mecanicamente, isto é, no pensamento de um homem do século

XIX. Simplesmente, por contato ou proximidade dos homens entre si.

A solidariedade orgânica é comum nas sociedades modernas, onde a divisão do

trabalho possibilita diferenciações cada vez maiores nas funções de cada profissão. A

solidariedade orgânica tem como princípio a diferenciação.

54

Os indivíduos não se assemelham, mas têm consciência de participar, enquanto partes,

do bom funcionamento da totalidade (XIBERRAS, 1993, apud SILVA et al., 2004, p.99).

Durkheim (apud SILVA et al., 2004) percebeu em seus estudos que a solidariedade

orgânica não funcionava tão naturalmente como ele imaginava. O termo orgânica ele colheu

da biologia, ciência em pleno progresso em sua época, para entender esta rede complexa de

relações semelhantes a um organismo vivo.

Ainda para Durkheim, um conceito que se faz necessário nesse contexto é o de

densidade moral: “[...] coesão que existe à volta dos valores, interditos ou imperativos

sagrados, que liga os indivíduos ao todo social” (XIBERRAS, 1993, apud SILVA et al, 2004,

p.99-100).

Assim, a consciência coletiva interage com todos eles e forma a solidariedade.

Nesse contexto, o autor ressalta que o egoísmo é a postura do eu individual que se

afirma, com excesso, diante do eu coletivo. A individuação é uma postura que considera a

própria personalidade como prioridade, em detrimento das personalidades coletivas. O

egoísmo não gera solidariedade.

As práticas solidárias, portanto, por esse entendimento, deve propiciar ajuda como

ação concreta em função da necessidade de outra pessoa, no respeito à diferença,

proporcionando aprendizado com o outro.

Lipovetsky (1994, apud SILVA et al., 2004) reflete sobre o individualismo na

sociedade contemporânea como um processo de uma ética indolor. Os estudos desse autor nos

ajudam a entender os processos pelos quais as sociedades ficaram reféns da expressão “tu

deves”. Esse dever exigia dominar-se a si próprio, sacralização das virtudes privadas e

públicas, exaltação da abnegação e desinteresse.

Lipovetsky (1994, apud SILVA et al., 2004, p.104) assegura que essa fase chegou ao

seu final. O termo dever passa a não ser mais utilizado desde os meados do século passado:

Entramos em outro momento considerado por esse autor como pós-moralista das

democracias. Ele afirma que:

A retórica sentenciosa do dever já não reside no coração da nossa cultura,

substituímo-la pelas solicitações do desejo, pelos conselhos do foro

psicológico, pelas promessas de felicidades e de liberdade aqui e agora.

Essa cultura é extremamente individualista, e cada um defende seus interesses e não há

lugar para o outro, é a sociedade do culto ao “eu”, fruto de uma sociedade “narcisista”.

55

Assim sendo, Lipovetsky (1994, apud SILVA et al., 2004, p.104) afirma que os

valores altruístas deixaram de ser evidências morais aos olhos dos indivíduos e das famílias

“[...] e essa moralidade individualista não é novidade da sociedade moderna”. O que pode

parecer novo é a sua forma de expressão:

Nas nossas sociedades, o altruísmo erigido em princípio permanente de vida

é um valor desqualificado, associado a uma vã mutilação do eu: a nova era

individualista conseguiu a proeza de atrofiar nas próprias consciências a

autoridade do ideal altruísta, desculpabilizou o egocentrismo e legitimou o

direito de cada um viver para si próprio.

Dessa maneira, defende o autor, não é que as pessoas tenham deixado de ajudar umas

às outras, mas o que mudou foi o lugar que o outro ocupa nesta relação de ajuda e motivação.

Para Silva et al. (2004), a motivação para ajudar o outro passa por uma hierarquia

pessoal: vontade de ajudar a outra pessoa, aliada ao desejo pessoal de ajudar a si mesmo e de

ocupar o tempo livre. Para essa autora, isso se traduz em ação voluntária. Então, “[...] a ação

voluntária nutre-se de um plus individual, de um excesso que só faz sentido ao ser

reconhecido pelo outro, numa relação que pode ser intima ou publica” (SILVA, 2001, apud

SILVA, 2004, p.105).

Nesse sentido, é paradoxal o estímulo à ação voluntária e à solidariedade através do

discurso apresentado pela mídia, onde a benemerência e a caridade são regidas pelo dever

indolor.

As relações sociais de interesse, presentes no trabalho social assistencial, imprimem

uma dinâmica particular. Para entendê-las, valem as referências elaboradas por Bourdieu

(1994, apud ARAÚJO, 2008).

Bourdieu (1994) aborda a concepção de interesse como um investimento no qual estão

presentes aspectos libidinosos nas relações sociais. Para ele, no relacionamento interpessoal,

instala-se um jogo, um posicionamento, que implica envolvimento e um despertar de

interesses. Em outras palavras, é um processo de participação, visando a um alvo que deve ser

atingido. Nesse jogo, existem correlações de forças, de onde emergem interesses diversos

dentro de um mesmo espaço social.

Araújo (2008) afirma que é com esse entendimento que ocorrem as relações sociais do

agente social voluntário doador, cujo interesse é apresentado de forma desinteressada, o que

leva a inferir que, na ação assistencial, está presente um capital simbólico, que nada mais é do

que valores altruístas existentes nas práticas sociais. Isso demonstra que existe, por trás do

desinteresse, aparente um ganho simbólico.

56

Em 2001, Ano Internacional do Voluntário, foi vinculado um discurso na mídia que

dizia que “voluntariado é uma via de mão dupla, ao mesmo tempo em que você ajuda, é

também ajudado”, reforçando a ideia de que, por trás de cada ação, existe um ganho, um

lucro, nessa relação. Isso mostra os interesses presentes nessa relação, permeados por

altruísmo e egoísmo simultaneamente, inerentes ao voluntário.

Aqui, o capital que está em jogo, não é o monetário, estando baseado em trocas

simbólicas, que correspondem à contrapartida que os voluntários recebem no exercício de sua

atividade, como, por exemplo, reconhecimento pela sua atividade, formação de grupos

identitários, melhoria da autoestima, novas habilidades e até possibilidade de melhorar seu

currículo profissional.

Esses ganhos na atividade voluntária são expressos por Morales et al. (2009, p.148),

quando afirmam que, através do voluntariado envolvido em atividades de ajuda, objetivam em

troca obter algum beneficio. Esses autores chamam de “voluntário induzido” o indivíduo que

obtém ganho explícito nesta relação como, por exemplo, um estudante que trabalha como

voluntário e ganha um certificado pela sua experiência.

2.4 IDENTIDADE, MOTIVAÇÕES E BENEFÍCIOS DO TRABALHO VOLUNTÁRIO

Segundo a Fundação Abrinq pela Defesa dos Direitos da Criança (1995):

Voluntário é o ator social e agente de transformação, que presta serviços não

remunerados em beneficio da comunidade. Doando seu tempo e

conhecimentos, realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso

solidário, e atende não só às necessidades do próximo, como também aos

imperativos de uma causa. O voluntário atende também suas próprias

motivações pessoais, sejam elas de caráter religioso, cultural, filosófico ou

emocional. (apud DOMENEGHETTI, 2001, p.78).

Conforme a citação acima – “O voluntário atende também suas próprias motivações

pessoais, sejam elas de caráter religioso, cultural, filosófico ou emocional” –, situando, assim,

a ação voluntária no campo da motivação.

Destaco, para esta discussão, as motivações de caráter emocional, sendo conscientes e

até inconscientes, da ação voluntária, que está ligada ao mito do herói, presente nas histórias

57

contadas, campo de estudo da psicologia analítica, que não é objeto deste trabalho, mas traz

no seu bojo o desejo inconsciente de “salvar” o outro.

Para Araújo (2008), a essência motivacional do voluntariado tanto pode ser a

religiosidade como algo de ordem psicológica. A tônica é a doação, gestada de valores

religiosos da crença judaico-cristã, associados às necessidades psicológicas, como forma de

compensar inquietações ante problemas sociais.

Meister (2003, apud BONFIM, 2010) cita as variadas motivações que levam uma

pessoa a desenvolver uma atividade voluntária. São elas: altruísmo, filantropia, solidariedade;

compromisso político e participação cidadã; motivações religiosas; tempo livre; fuga de crises

e problemas pessoais; conhecimentos de outras realidades; busca de Justiça social; sentimento

de culpa; busca de relações humanas; busca de experiência profissional; busca de limites

pessoais.

Para esse autor, não importa qual seja o tipo de motivação que leva uma pessoa a

desenvolver uma atividade voluntária, o importante é que ela tenha uma finalidade social.

Segundo Fajardo (apud BONFIM, 2010, p. 87-88):

Qualquer pessoa pode ser voluntária com independência de sua situação

pessoal e dos motivos que a induzem a isso. A motivação, seja qual for, tem

servido de pretexto para tomar a decisão. A partir deste momento, deve-se

transformar em um trabalho sério, com objetivos e com uma metodologia

que contemplem a pessoa marginalizada como protagonista absoluta.

Nota-se aqui que, na formação do voluntário, a busca por resultados da ação voluntária

aparece com extrema importância. Para Meister (2003, apud BONFIM, 2010), mesmo que os

valores que fundamentam tal ação ainda sejam, em grande parte, aqueles do passado (amor ao

próximo, altruísmo dever cristão), a forma de instrumentalizá-los é outra; isto, para ele, é o

que faz o diferencial.

Numa pesquisa realizada com 594 voluntários, Silva et al. (2004) observaram que as

motivações para o exercício deste trabalho diferenciam-se em cinco categorias: assistencial,

humanitária, política, profissional e pessoal, sendo assim definidas:

(a) Assistencial: o desejo de ajudar o outro é o traço mais forte da fala desse tipo de

motivação. O outro aqui é entendido como alguém carente de afeto, de coisas materiais, de

informação e de conhecimento.

(b) Humanitária: esta motivação apresenta-se nas falas como o desejo de contribuir de

alguma forma com o outro, sendo este entendido como semelhante, próximo. Nesse tipo de

58

motivação, há expectativa de troca entre o voluntário e o usuário do serviço. Contém ainda a

possibilidade de crescimento espiritual no exercício da atividade voluntária;

(c) Política: a motivação política se expressa por evidenciar uma preocupação com o

exercício de cidadania. O trabalho voluntário seria, então, identificado como uma ação

emancipatória, tanto para o voluntário quanto para o beneficiário do serviço;

(d) Profissional: a motivação do voluntário é a possibilidade de experimentar os

conhecimentos adquiridos na universidade. Nela é comum o desejo de adquirir experiência

profissional, entrar em contato com a prática do curso em que estuda, aplicar os

conhecimentos profissionais e obter emprego nas ONGs;

(e) Pessoal: a motivação para esse voluntário é vinculada ao tratamento terapêutico, à

busca de relacionamento interpessoal, à experiência de vida, à busca de retorno emocional

numa expressão típica de entreajuda.

Segundo a autora, essas motivações se apresentam exclusivas ou associadas.

Rubin e Thorelli (1984, apud MONIZ; ARAÚJO, 2008) revelam que, embora muitos

voluntários não admitam a necessidade de recompensa, tais expectativas parecem esclarecer

quanto às diferenças motivacionais.

Em outras palavras, quanto maiores os benefícios para o voluntário – como

desenvolver relacionamentos, oportunidade de ensinar e aprimoramento pessoal –, mais

prolongada será sua permanência na atividade.

Para esses autores, as motivações para se prestar serviços voluntários variam quanto à

idade e às expectativas de recompensa. Voluntários mais jovens buscam desenvolver

habilidades lucrativas que resultem em reforço econômico, enquanto os mais velhos procuram

uma troca ou convívio reforçador social.

Identificar as motivações do voluntário é um campo fértil e estudado por muitos

pesquisadores, e as motivações dependem também do perfil de cada pessoa que se aproxima

do voluntário: idade, escolaridade, renda, sexo. As pesquisas têm muitas coisas em comum,

como, por exemplo, a preferência pelas mulheres em exercer tal atividade, mas vai haver

algumas variações, podendo o voluntariado servir a diferentes funções pessoais, sociais e

psicológicas.

59

2.5 PROFISSIONALIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DA AÇÃO VOLUNTÁRIA

A profissionalização do trabalho voluntário é tema discutido a partir da década de 90,

e, segundo Domeneghetti (2001), um dos instrumentos em âmbito mundial desta discussão foi

a “Declaração Universal do Voluntariado”, aprovada pela Association for Volunteer Effort

(IAVE) em conferência realizada na cidade de Paris, em 1990, inspirada na Declaração

Universal dos Direitos Humanos (1948) e na Convenção dos Direitos da Criança (1989).

Nessa declaração, aparecem as ferramentas de gestão do trabalho voluntário, e, no

item “Deveres da Entidade”, que diz respeito como as organizações devem atuar com os

voluntários, é colocado que estas devem:

(a) divulgar as políticas necessárias para o desenvolvimento da atividade voluntária,

definir critérios de participação do voluntário e verificar que as funções indicadas sejam

cumpridas por todos;

(b) confiar a cada pessoa tarefas adequadas, garantindo treinamento apropriado;

(c) fazer avaliação regular e reconhecer o trabalho do voluntário;

(d) prover ao voluntário cobertura e proteção adequada contra riscos, durante a

execução da sua tarefa, bem como providenciar cobertura por danos causados a terceiros;

(e) facilitar reembolso das despesas do voluntário;

(f) definir as condições sob as quais a organização ou o voluntário podem encerrar seu

compromisso um com o outro

Pode-se perceber nessa declaração que as ferramentas de Gestão em Recursos

Humanos se fazem presentes, desde a seleção do perfil adequado para atuar em determinadas

atividades até a avaliação do trabalho dos voluntários.

O Centro de Voluntariado em seu curso de voluntários, em 1998, afirma:

Quem é o voluntário? É a pessoa que doa o seu trabalho, suas

potencialidades e talentos em uma função que o desafia e gratifica em prol

de uma realização pessoal. (DOHME, 1998, apud ORTIZ, 2007, p.33).

Nessa definição do trabalho voluntário, fica evidente que o voluntário é doador de suas

habilidades, competências e de seu tempo em prol de uma causa social. A autora traz alguns

elementos que devem compor o trabalho dos voluntários:

60

Qualificação: o conceito moderno de voluntariado está muito ligado à

execução de um trabalho qualificado, que leva em conta o talento e as

habilidades de quem o executa;

Satisfação:é um trabalho exercido com prazer, garra, que fascina e dá um

sentimento de plenitude de quem o executa.

Doação: a entrega de horas de sua vida em prol do próximo, da comunidade,

é resultado de um amor transbordante, que precisa se materializar por meio

da ação.

Realização: é um trabalho que tem um compromisso com o êxito, com o

sucesso, que está determinado a cumprir com os objetivos propostos.

Em resumo, o trabalho voluntário é uma ação de qualidade, feito com prazer

em direção a uma solução que não precisa ser necessariamente grande, mas

precisa ser eficiente. (DOHME, 1998, apud ORTIZ, 2007, p.33).

Aqui, como produto dessa cartilha institucional, aparece a qualificação como fator

importante para a organização e que leva em consideração aspectos individuais importantes,

como talentos e habilidades do sujeito voluntário para a obtenção da qualidade e eficiência do

serviço prestado.

Para Bonfim (2010, p.93), coloca-se a necessidade de “profissionalizar o

voluntariado”, ou seja, submeter o voluntário às formas de planejamento e gestão mais

modernas, possibilitando assim o máximo do seu aproveitamento dentro da instituição.

Segundo Teodósio (2002, apud BONFIM, 2010, p.93), “[...] a gestão da mão de obra é um

dos aspectos mais relevantes do gerenciamento das organizações do terceiro setor”.

Na publicação de como implantar um setor de voluntários numa instituição, em seu

livro Gerenciamento de Voluntários, o Centro de Voluntariado de São Paulo (2000) recorreu

ao campo de gestão de pessoas orientando os coordenadores:

(a) na admissão do voluntário, levando em conta o recrutamento, a seleção, a não

admissão;

(b) na preparação do voluntário, desde orientação ao treinamento à formação da

equipe;

(c) no monitoramento e manutenção, que consistem em integração junto às equipes,

comunicação, supervisão e administração de conflitos;

(d) sobre avaliação e feedback;

(e) quanto à valorização e ao reconhecimento da ação voluntária;

(f) sobre o desligamento do voluntário.

61

Existe um regimento criado pelo Centro de Voluntariado de São Paulo (2000), que

discorre sobre como o voluntário deve proceder nas instituições em que prestam serviço,

abordando aspectos como: pontualidade, assiduidade, notificação de faltas, comunicação de

férias, atualização de telefone e endereços pessoais, como proceder com a imprensa e a equipe

técnica da instituição, o uso de equipamentos de escritório e eventuais reembolsos de despesas

provenientes de seu trabalho.

Isso demonstra que o voluntariado foi, pelo menos no discurso, se profissionalizando

nos moldes do trabalho formal, mantendo a lógica do mercado. Embora movido pela

solidariedade, preocupa-se com aspectos profissionais e com seus resultados, buscando a

eficiência.

2.6 VOLUNTARIADO NA SAÚDE: ESPECIFICIDADES

Com toda a complexidade que é um hospital, o voluntariado na saúde assume um

lugar também diferenciado na discussão das suas práticas. Um dos motivos é pela

especificidade do hospital, que exige um conhecimento prévio por parte do voluntário para o

cuidado consigo mesmo e com os pacientes.

Moniz e Araújo (2008) afirmam que tanto a experiência prática quanto as reflexões de

alguns especialistas alertam sobre a necessidade de organização e gerenciamento adequado da

atuação voluntária, especialmente no que concerne à saúde.

Esses autores ainda apontam uma questão muito importante identificada em pesquisas

sobre voluntariado em saúde, onde, na sua maioria, os indivíduos contam apenas com a

própria disposição e empenho, sem preparo ou acompanhamento. Ao contrário do profissional

da saúde, que pode apoiar-se na formação e no aparato técnico, o voluntário pode ficar

exposto ao estresse, tornando-se inadequado e, em casos mais graves, comprometer a

assistência ao paciente.

Os autores referenciados concluíram que o voluntário necessita de treinamento e

educação permanente: para o aprimoramento da sua atividade, neste caso, na área hospitalar.

Além de treinamento, se requer do voluntário atitude perante a morte, pois, apesar de

ser extremamente evitada na cultura ocidental, a morte dentro de um hospital se faz presente

diariamente, sendo muito comum ouvir dos voluntários, em hospitais, relatos sobre perdas,

mutilações, dores e morte.

62

Segundo Cantril (1991) e MacEarchern (1962) (apud MONIZ; ARAÚJO, 2008), além

de trazer satisfações no plano individual, o voluntariado pode favorecer a instituição que o

promove. Especificamente no meio hospitalar, fortemente estruturado e cientificista, este tipo

de contribuição incrementa a humanização dos cuidados.

O cuidado é presente historicamente no hospital. Para Heidegger (1989, apud BOFF,

1999, p.34), o cuidado é ainda algo mais que um ato e uma atitude entre outras:

Do ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda

atitude e situação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se

acha em toda atitude e situação de fato [...] cuidado significa um fenômeno

ontológico-existencial básico.

Boff (1999) afirma que o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes

que ele faça qualquer coisa. E, se fizer, ela sempre vem acompanhada de cuidado e imbuída

de cuidado. Significa, como ressalta o autor, reconhecer o cuidado como um modo-de-ser

essencial, sempre presente e irredutível à outra realidade anterior.

Segundo Souza et al. (2003), o ato de cuidar envolve diferentes aspectos da

personalidade e necessidades do cuidador, aspectos que determinam o tipo de trabalho e o

local onde o voluntário vai exercitar sua solidariedade.

Numa pesquisa realizada com mulheres por esses pesquisadores, sobre aspectos da

motivação para o trabalho voluntário com doentes oncológicos, através de um estudo

colaborativo entre Brasil e Portugal, foi utilizado o inventário Volunteer Function Inventory

(VFI), composto por 30 questões avaliando seis funções motivacionais como: Valores,

Experiência, Social , Carreira, Proteção e Autoestima para exercer a atividade em saúde.

Os resultados dessa pesquisa foram que, nas duas amostras, a grande maioria tinha

tido experiências pregressas com o câncer em suas vidas pessoais e em seus relacionamentos

familiares: 95 % das brasileiras e 83% das voluntárias portuguesas.

Os resultados mostraram também que, independente de fatores culturais, próprios de

cada país, parece existir um padrão motivacional que envolve este tipo de trabalho. O

altruísmo foi o aspecto motivacional mais importante encontrado nas amostras. Por outro

lado, a escolha deste tipo de trabalho (pacientes oncológicos) está ancorada nas suas

experiências anteriores.

Essa ocorrência é importante, segundo os pesquisadores, pois demonstra que um dos

fatores relacionados à motivação para trabalho voluntário parece ser a necessidade de

reparação de um acontecimento traumático anterior ou a perda de entes queridos relacionados

63

a isso. Assim, esse comportamento altruísta convive com uma personalidade que também

manifesta aspectos egoístas.

As contribuições da bioética têm enriquecido a perspectiva de análise sobre o tema

voluntariado. Selli e Garrafa (2008, apud MARTINS, BERUSA; SIQUEIRA, 2010), a partir

de princípios da bioética e da convicção do potencial dos prestadores de trabalho voluntário,

propõem a solidariedade crítica e o voluntariado orgânico como mecanismos de intervenção e

transformação da sociedade. A adjetivação critica diz respeito à capacidade de discernir as

dimensões sociais e políticas que estão presentes na ação solidária. O voluntário orgânico

seria aquele que tem como motivação o exercício da solidariedade crítica.

O conceito de voluntariado orgânico, por sua vez, foi construído segundo Selli e

Garrafa (2006), por analogia ao conceito de intelectual orgânico desenvolvido por Gramsci

(1979, apud SELLI; GARRAFA, 2006), que é entendido como uma participação ativa e

beneficente das pessoas que desenvolvem a atividade voluntária na construção das condições

necessárias à democratização efetiva do Estado, em todas as suas dimensões, neste caso

especifico, na área de saúde.

Moniz e Araújo (2006), nos resultados de sua pesquisa sobre trabalho voluntário em

saúde na relação com estresse e burnout, destacam também elementos significativos para a

inserção do voluntário em saúde: a experiência anterior com a doença (pessoal, familiar ou no

círculo social), a busca de realização pessoal no atendimento às necessidades pessoais, o

interesse em atender às necessidades de um grupo especifico (doentes, hospital ou a própria

instituição voluntária) e a influência social.

Para esses autores, embora não exista ganho material, há um ganho pessoal no

exercício da atividade, que se manifesta pelas gratificações associadas a: desenvolvimento,

aprendizado e experiência; reconhecimento social (respeito e valorização); mudança de

valores pessoais (desprendimento e revisão de preconceitos); senso de utilidade e importância

pessoal (ocupação de tempo e contribuição para o grupo);satisfação (prazer pessoal); relação

afetiva prazerosa com o atendido; alcance de ideais religiosos, minoração e superação dos

próprios problemas e dificuldades, aprimoramento de experiências anteriores, realização de

projeto de vida, conquista e ampliação do circulo social.

Moniz e Araújo (2006) concluem também que, embora existam insatisfações, é

possível colocar a hipótese de que o voluntariado reveste-se como um valor e constitui-se

como uma estratégia de enfrentamento, colocando como crucial pesquisar, com maior

profundidade, o treinamento oferecido aos voluntários, acompanhando e avaliando os

programas de capacitação e formação fornecidos no âmbito das instituições.

64

Nas suas pesquisas, esses autores afirmam também que o trabalho voluntário tende a

se aproximar do trabalho profissional, constituindo-se em uma categoria que precisa ser

incorporada e entendida na instituição hospitalar.

Ainda para os autores, nota-se que a figura assistencialista vem cedendo lugar à

imagem do voluntário responsável e integrado à equipe de saúde e à unidade hospitalar. No

entanto, diante dessa institucionalização, é necessário dar maior clareza entre o que é papel ou

competência do voluntário e aquilo que é dever e compromisso do Estado.

Das possíveis consequências da atividade para o voluntário, destaca-se, por exemplo,

aquela apontada por Midlarsky (1991, apud MONIZ; ARAÚJO, 2008), que considera que a

ajuda a outras pessoas constitui uma forma de enfrentamento aos agentes estressores daquele

que ajuda. Esse comportamento não permite que um indivíduo se sinta vítima, mas torna um

agente que continua tendo capacidade para agir, além de reagir.

Como agente, ele pode ajudar a si próprio, promovendo a distração dos próprios

problemas, aumentando o senso de valor e significado da própria vida, aumentando o senso de

autocompetência, melhorando o senso de humor e promovendo a sua integração pessoal.

O voluntário pode auxiliar na humanização hospitalar, assunto discutido no próximo

capítulo.

65

3 O HOSPITAL E O CONTEXTO DA HUMANIZAÇÃO NA SAÚDE

3.1 O AMBIENTE HOSPITALAR

Data de 816 a origem do termo “hospital”, para designar o estabelecimento nos quais

se cuida dos doentes. Na Idade Média, as práticas da caridade e a hospitalidade tinham o selo

político-ideológico da Igreja Católica, mas os cuidados médicos e hospitalares da atualidade

trazem a marca do que é próprio da racionalidade regida pelas relações de poder de nossa

época. Nada é mais humano que as práticas do poder, seja lá qual for a sua forma histórica.

(ORTIZ, 2007).

As crescentes mudanças econômicas e sociais trazidas com o mercantilismo, a

importância maior conferida às municipalidades para o equacionamento dos problemas

comunitários e o interesse progressivo de subordinar o clero às autoridades civis impuseram

gradativa mudança aos hospitais do Ocidente. Com a criação dos Estados monárquicos, os

hospitais vieram para a administração pública.

É a partir daí que o médico começa a se tornar sua figura central e simbolizá-lo, o que

não acontecia no hospital antigo. O médico aparece com o Estado, indissociavelmente ligado

a outro tipo de poder que não era clerical, com funções delegadas pela autoridade pública.

Passava a ser competência exclusiva sua examinar, internar, prescrever e dar alta. A partir do

século XVII, começando na Holanda, o hospital torna-se, além de campo das práticas

médicas, instrumento de formação e aperfeiçoamento (RIBEIRO, 1993).

Segundo Pitta (1999, p.39), “o surgimento do Hospital como cenário privilegiado da

tecnologia médica, cumprindo finalidades terapêuticas, é fato relativamente recente e tem

como marco das transformações de suas atribuições o final do século XVIII”.

Ribeiro (1993, p.25) ressalta que “o hospital, como campo fecundo de experiências

diversas, passava a ter, paulatinamente, uma nova missão: a de incorporar tecnologias a

princípios artesanais, passando estas, no século seguinte, a ser industrialmente produzidas”.

Pitta (1999, p.44) afirma que as diferentes funções que o hospital tem desempenhado

ao longo de sua história, têm dificultado em muito a tarefa dos que buscam entender o

processo de trabalho hospitalar como um corpo de práticas institucionais articuladas às

demais práticas sociais numa dada sociedade e submetidas a determinadas regras históricas,

econômicas e políticas.

66

Segundo Ribeiro (1993, p.27), a medicina adquiriu uma eficácia inimaginável. Pode

agora coibir a dor, o sofrimento e a morte por meio do saber e da experiência de suas equipes

de tecnólogos (não mais da ação individual dos médicos) que se escondem, quase anônimos,

atrás de máquinas e máscaras, e do hospital.

Ainda há uma contabilidade hospitalar precisa e automatizada, trazida no discurso de

Ribeiro (1993, p.27):

Há uma contabilidade hospitalar precisa e automatizada de tudo, com

números de internações, de altas, de dias de permanência e taxas de

morbidade e mortandade. Planejam-se investimentos e medem-se custos.

São tecnologias administrativas e empresariais que lhe dão aura de eficiência

e resolutividade nunca tida antes e que o diferenciam de outra tradicional

instituição médica, o consultório.

O hospital possui contornos próprios:

A percepção de sua imprescindibilidade social é absoluta, a segurança de

eficácia quase materializável, a solidariedade entre seus pares intrínseca, a

autoridade incontestável e a onipotência, uma das suas características. São

poucas as instituições sociais que gozam de tanto reconhecimento público

como o hospital. Mesmo quando a experiência pessoal não confirma as

expectativas, as críticas se fazem contra “aquele” hospital e não a instituição

hospitalar. (RIBEIRO, 1993, p.26).

Empenhados em fazer viver os ameaçados pela morte, o hospital contemporâneo tem

outras missões, entre elas, a de adiá-la, torná-la indolor e ocultá-la.

Ribeiro (1993, p. 28) assinala:

Nos anos de 1930 a 1950, ocorre a transferência da morte para o hospital,

como missão quase exclusivamente sua. Não se trata de recuperar o doente,

mas de interditar a morte, de adiá-la, medicalizando-a. O que era uma

cerimônia tornou-se um processo tecnológico com a intervenção médica.

Afinal, só se pode morrer no hospital e sob cuidados estranhos. (RIBEIRO,

1993, p.28).

E relata no seu discurso as novas funções do hospital:

O hospital moderno possui outras missões, além dessas, algumas herdadas

de sua etapa precedente, outras mais recentes. Ele é um aparelho formador

de profissionais em permanente qualificação independente de ser, stricto

sensu, uma escola. Ao qualificar técnicos, ele simultaneamente qualifica e

avaliza tecnologias – tecnologias que são hoje produtos industriais,

mercadorias. É um local privilegiado, onde essas e outras mercadorias,

67

principalmente as de maior valor de uso e conseqüentemente de troca,

podem ser vendidas. Entre elas, o trabalho. (RIBEIRO, 1993, p.29).

Assim, ao lado da missão de recuperar a força de trabalho e devolvê-la ao mercado, o

hospital contemporâneo reproduz, de outro modo, o capital. É essa nova missão, de instituição

que reproduz o capital de muitas maneiras, que caracteriza o hospital contemporâneo.

(RIBEIRO, 1993, p.29)

Este autor conceitua o novo hospital:

O hospital contemporâneo não apenas é uma instituição que evoluiu. É

muito mais, é uma instituição nova. Suas missões são outras, conquanto

resguardadas algumas que as precederam. Mudaram suas características,

suas finalidades, sua administração, seus sujeitos, seus instrumentos e

processos de trabalho. O elemento sem dúvida mais constante dessa

trajetória tem sido o homem que sofre e morre. (RIBEIRO, 1993, p.31).

Segundo Godoi (2004), a doença, a dor e o sofrimento se tornaram um imenso

mercado onde quem tiver maiores possibilidades, poderá explorá-los com maior sucesso. Isso

tem gerado, na verdade, o comércio da doença, deixando fora de foco o fato de que não é o

hospital que precisa do doente ou do paciente, é o doente que precisa do hospital.

Para esse autor, quando o paciente é a razão da existência, ele não deveria perder o

nome ou a dignidade durante uma internação hospitalar. Tampouco deveria ter a sua doença

como sendo mais importante que ele mesmo. Ao deixar de ser o objeto e passando a ser o

sujeito do tratamento, o paciente resgata a importância individual e a dignidade que o

tratamento possa lhe tirar (GODOI, 2004).

Quanto à função do médico, o que este faz é aplicar um saber datado, utilizá-lo como

instrumento de sua prática sobre outros homens, e saber que a medicina normalizou segundo o

modo de produção, as necessidades e os valores criados em cada sociedade. Não há dúvida de

que o médico detém razoável grau de autonomia e poder correlato, em decorrência de sua

atribuição intransferível de prescrever e intervir, mas é a instituição hospitalar, muito mais do

que os médicos, especialistas ou não, que determina quase tudo (RIBEIRO, 1993).

O doente do hospital padece de um mal diagnosticado como orgânico, que tornou

indispensável sua internação. Ele é internado para ser tratado ou tecnicamente cuidado para

morrer (RIBEIRO, 1993).

Ao descrever o processo de submissão do paciente no hospital, Ribeiro (1993, p.50)

afirma:

68

O processo de submissão do doente do hospital é mais amplo, mais profundo

e sem escolha. Ele é um doente assumido, por si e por todos, que carece de

uma intervenção médica, tão sistematizada quanto sua doença; doença que se

externalizou não apenas na subjetividade de suas queixas, mas na

objetividade dos outros elementos diagnósticos que o médico toca, vê e

interpreta. O doente internado é, em síntese, o doente, aquele sobre o qual a

ciência médica exacerba o seu positivismo, e pode afirmar a transposição da

linha demarcatória da normalidade. Sua patologia precisa ser reconhecida e

classificada.

Segundo Pitta (1999), por uma cultura própria, em que as relações de poder e

disciplina atravessam as diversas atuações no seu interior sem serem vistas ou examinadas de

forma clara, até porque não se manifestam de modo transparente, é tendência instituída

infantilizar o doente, submetendo-o ao paternalismo, fato que se manifesta de incontáveis

maneiras no dia a dia do hospital. Ao doente cabe confiar no médico e na medicina,

comunicando suas experiências íntimas, pessoais e corporais. Em contrapartida, não é sequer

de bom tom, ou melhor, fere as recomendações éticas e técnicas mais elementares, que um

gesto afetivo e igual apareça na relação do técnico com o enfermo.

O hospital não é apenas o lugar onde as pessoas se tratam e curam; é, também, onde se

morre e onde, paradoxalmente, a morte é negada (ARIÈS, 1988, apud RIBEIRO, 1993).

3.2 HUMANIZAÇÃO E DESUMANIZAÇÃO NO CONTEXTO DA SAÚDE

Ao se pensar em humanização, remete-se ao termo cuidado, e este esteve presente na

antiga literatura romana pela palavra cura, traduzida por cuidado, atenção, interesse. A radical

importância do cuidado para o ser humano aparece no mito, chamado de cuidado, recolhido

pelo autor romano Higino. Segundo Heidegger (1989, apud BOFF, 1999, p.34):

“Do ponto de vista existencial, o cuidado de acha a priori, antes de toda a

atitude e situação do ser humano, o que sempre significa dizer que ele se

acha em toda atitude e situação de fato. O cuidado se encontra em toda a raiz

do ser-humano, antes que ele faça qualquer coisa. E, se fizer, ela sempre vem

acompanhada de cuidado e imbuída de cuidado. Significa reconhecer o

cuidado como um modo-de-ser essencial, sempre presente e irredutível à

outra realidade anterior. É uma dimensão fontal, originária, ontológica,

impossível de ser totalmente desvirtuada”.

69

Heidegger (1995) desenvolveu a hipótese de que a atitude, a condição e a ação de

“estar cuidando” são as que melhor nos permitem compreender o sentido da nossa existência

como seres humanos. É o cuidar que revela, simultaneamente, o mundo em que (já sempre) se

está vivendo, o mundo que (sempre a partir deste em que se está lançado e como modo de

significá-lo e transformá-lo) se antecipa, se escolhe e se negocia como futuro desejado, e os

sujeitos que antecipam, escolhem e negociam esse mundo que compartilham e projetam.Nesse

sentido filosófico-existencial, o cuidado em Heidegger é entendido como o elemento

existencial que permite a autocompreensão e a (re)construção contínua e simultânea da

condição humana (AYRES, 2006).

Segundo Giordani (2008), no ato de cuidar, já deveria estar embutido o sentido da

humanização da assistência ao ser humano, família e comunidade, apesar de a abordagem

humanística em foco existir mais na teoria do que no cotidiano de muitas instituições.

Para Deslandes (2006), o significado da desumanização seria o de “tratar pessoas

como coisas”, indicando a persistente ação de não reconhecer o doente como pessoa e sujeito,

mas como objeto de intervenção clínica. Nessa racionalidade, as pessoas doentes seriam vistas

como um conjunto de necessidades padronizadas, atendidas por serviços igualmente

estandardizados.

Revisitar o debate da humanização nos mostra a persistência de alguns dilemas éticos,

morais e religiosos. Sua constância pode ser explicada seja pela complexidade da reflexão que

envolve (em que consiste humanizar o cuidado de saúde? o que seria desumanizá-lo?), seja

pela permanência de certas estruturas que alicerçam a produção de cuidados em saúde e que,

portanto, reproduzem e atualizam as dinâmicas relacionais aí presentes (DESLANDES,

2006).

A descrição de um conjunto de práticas, lógicas e interações que poderiam ser

reconhecidas como fatores de desumanização, está presente em estudos realizados desde os

anos 50 por diversos campos da saúde (CASATE; CORRÊA, apud DESLANDES, 2006).

Considera-se a sociologia médica norte-americana uma referência histórica

importante para conceituar a humanização e a desumanização do cuidado com a saúde, tendo

ainda como ambição a expectativa de consolidar um modelo teórico capaz de guiar

investigações. Na década de 70, registra-se a eleição dessas relações e práticas como um

objeto de estudo sistemático da sociologia médica (DESLANDES, 2006).

Alguns destaques são inevitáveis, tais como a investigação de Goffman (1961) que

retrata os intensos processos de despersonalização ocorridos em hospitais psiquiátricos e

70

permitirá, posteriormente, indagar em que medida tais mecanismos se mostram presentes nos

demais hospitais. (DESLANDES, 2006).

Geiger (1975), médico e professor de medicina preventiva, cria um modelo explicativo

sobre a desumanização no sistema médico, que articula três ordens de causas:

(a) a ordem social, considerada por ele como desigual, racista e exploratória, cujas

lógicas e critérios segregacionistas influenciaram o sistema médico;

(b) a racionalidade científica e tecnológica ocidental cujas tendências à fragmentação,

ao hermetismo e à especialização seriam obstáculos a uma visão holista do ser humano, além

de impedir o acesso à compreensão e a conseqüente participação na tomada de decisões

médicas;

(c) a subcultura médica e a organização da profissão médica que invocam os estudos

de Freidson (1970) sobre suas formas de autorregulação e proteção contra a crítica e a

supervisão externa, as barreiras de comunicação existentes na relação médico-paciente e a

formação médica (DESLANDES, 2006).

O esforço de produzir modelos explicativos tem ainda o texto da socióloga Jan

Howard (1975) como importante referência, por ser um dos primeiros trabalhos propostos no

campo da sociologia médica, nesse período, para a conceituação e a análise da humanização

do cuidado.

Howard (1975), em ampla revisão bibliográfica de textos dos anos 60 e início dos anos

70, apresenta um modelo que identifica onze práticas produtoras de desumanização dos

cuidados e oito práticas consideradas humanizadoras, já identificadas pelos pesquisadores em

estudos anteriores e na literatura de narrativas de pacientes e médicos.

As práticas produtoras de desumanização seriam:

(a) tratar pessoas como coisas, ou não reconhecer o doente como pessoa e sujeito, mas

como objeto de intervenção clínica;

(b) Enfatizar a tecnologia, isto é, a prática do cuidado predominantemente realizado

por intermédio de máquina e procedimentos, mas sem interação do doente e do cuidador;

(c) Submeter o doente à experimentação, que são as formas antiéticas de pesquisa

experimental com seres humanos;

(d) ver a pessoa como problema, desconsiderando as necessidades subjetivas e

reduzindo a pessoa doente à sua patologia;

(e) tratar as pessoas como de menos valor, ou seja, considerar certas pessoas como

sendo inferiores;

71

(f) tratar as pessoas de forma isolada, que expressa a despersonalização, a reclusão, a

solidão e a não reciprocidade entre pessoas doentes e seus cuidadores no sistema de saúde;

(g) tomar as pessoas como recipientes de cuidados subpadronizados, significando que

a algumas pessoas se dispense um cuidado inferior, de menor qualidade;

(h) considerar pessoas sem escolha, que é a falta de autonomia do sujeito doente no

espaço hospitalar e na relação com o profissional de saúde;

(i) manter a neutralidade e a objetividade biomédica, que geram interações frias e

distanciadas com os pacientes;

(j) colocar as pessoas em ambientes estáticos e estéreis, o que diz respeito ao ambiente

hospitalar, uma vez que a decoração e outras formas de ambiência já se revelavam, nessa

época, como fatores para a humanização da assistência;

(l) não levantar o debate moral sobre a responsabilidade dos profissionais na

preservação da vida, considerando uma desumanização negar tal direito, incluindo-se aí as

polêmicas sobre eutanásia, aborto e o desligamento de tecnologias de suporte da vida

(HOWARD, apud DESLANDES, 2006).

Segundo Deslandes (2006), o modelo de Howard (1975) que descreve a

desumanização dos cuidados da saúde, mais do que efetivamente produzir um exercício de

conceituação, apresenta um amplo quadro descritivo, capaz de fornecer uma espécie de guia

para identificar empiricamente a humanização a partir de oito condições que considera

“necessárias e suficientes”. Estas estão filiadas a dimensões ideológicas, da estrutura das

interações paciente-cuidador e psicológicas.

A dimensão ideológica tem como característica ser norteada pelas seguintes práticas

do cuidado: o intrínseco valor da vida humana, a insubstituibilidade de cada ser humano e as

pessoas consideradas em sua integralidade.

Nesse bloco, discutem-se as questões da igualdade, da equidade, da saúde como

direito, do direito ao atendimento diferenciado (reconhecimento das identidades únicas) a

partir do sujeito percebido na sua integralidade.

Os fatores associados à “[...] estrutura em que se dão as interações entre cuidadores e

pacientes” (HOWARD, 1975, p.43) referem-se à liberdade de ação, ao status de igualdade e

ao compartilhamento na tomada de decisões. Esses três aspectos estão interligados no modelo

apresentado.

Este bloco trata de questões discutidas no campo de humanização, envolvendo o

questionamento sobre até que ponto os pacientes têm autonomia e legitimidade para a tomada

de decisões.

72

Howard traz outro aspecto à discussão:

Dimensão psicológica como fator de humanização: a empatia e o afeto. A

discussão sobre o acolhimento, a importância do diálogo, da conversa se

afastará do status de senso comum e ganhará enquadramentos teóricos da

filosofia, da psicologia e psicanálise, sendo vistos como estratégicos na

produção dos cuidados em saúde. (apud DESLANDES, 2006, p.44).

Em relação ao movimento humanização na saúde, recorro a Rios (2009, p.11-16), para

discorrer sobre este processo de retomada de valores:

O uso histórico da Humanização o consagra como aquele que rememora

movimentos de recuperação de valores humanos esquecidos, ou solapados

em tempos de frouxidão ética. No nosso horizonte histórico, a humanização

desponta, novamente, no momento em que a sociedade pós-moderna passa

por uma revisão de valores e atitudes. A humanização se fundamenta no

respeito e valorização da pessoa humana e constitui um processo que visa à

transformação da cultura institucional, por meio da construção coletiva de

compromissos éticos e de métodos para as ações de atenção à saúde e de

gestão dos serviços.

No sentido filosófico, a humanização é “um termo que encontra suas raízes no

humanismo, corrente filosófica que reconhece o valor e a dignidade do homem – a medida de

todas as coisas – considerando sua natureza, seus limites, interesses e potenciais. O

humanismo busca compreender o Homem e criar meios para que os indivíduos compreendam

uns aos outros”. (RIOS, 2009, p.10)

A partir dessa perspectiva e da retomada de valores éticos, a humanização nasce

dentro do SUS – Sistema Único de Saúde. Os princípios do SUS são totalmente de inspiração

humanista: universalidade, integralidade, equidade e participação social.

No ano de 2000, o Ministério da Saúde, sensível às manifestações setoriais e às

diversas iniciativas locais de humanização das práticas de saúde, criou o Programa Nacional

de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), que estimulava a disseminação das

ideias de humanização, os diagnósticos situacionais e a promoção de ações humanizadoras de

acordo com as realidades locais.

Em 2003, o Ministério da Saúde, passou o PNHAH por uma revisão e lançou a Política

Nacional de Humanização (PNH), que mudou o patamar de alcance da humanização dos

Hospitais para toda a rede SUS e definiu uma política que focou, principalmente, os processos

de gestão e de trabalho.

73

3.3 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO – PNH

Segundo Martins (2006), o Programa Nacional de Humanização da Assistência

Hospitalar (PNHAH) foi criado no ano de 1999, pela Secretaria da Assistência à Saúde do

Ministério da Saúde.

Os objetivos desse Programa foram: melhorar a qualidade e a eficácia da atenção

dispensada aos usuários de rede hospitalar; recuperar a imagem dos hospitais entre a

comunidade; capacitar os profissionais dos hospitais para um conceito de atenção à saúde

baseado na valorização da vida humana e da cidadania; conceber a implantar novas iniciativas

de humanização, beneficiando tanto os usuários como os profissionais de saúde; estimular a

realização de parcerias e trocas de conhecimento; desenvolver um conjunto de

indicadores/parâmetros de resultados e sistemas de incentivos ao tratamento humanizado.

Já a Política Nacional de Humanização – PNH foi criada em 2003 para efetivar os

princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública

no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.

O Programa Nacional de Humanização à Assistência Hospitalar (2003) tem como

premissa, além da preocupação com a saúde brasileira, o aspecto da relação usuário da saúde

com o profissional da saúde:

Os inúmeros avanços no campo da saúde pública brasileira – operados

especialmente ao longo das últimas duas décadas – convivem, de modo

contraditório, com problemas de diversas ordens. Se podemos, por um lado,

apontar avanços na descentralização e na regionalização da atenção e da

gestão da saúde, com ampliação dos níveis de universalidade, eqüidade,

integralidade e controle social, por outro, a fragmentação e a verticalização

dos processos de trabalho esgarçam as relações entre os diferentes

profissionais da saúde e entre estes e os usuários; o trabalho em equipe,

assim como o preparo para lidar com as dimensões sociais e subjetivas

presentes nas práticas de atenção, fica fragilizado. (BRASIL. PNH, 2003,

p.5).

O que justifica a criação da política, acima de tudo, é viabilizar a saúde digna para

todos, a partir de modelos de gestão e de atenção, aliados aos de formação dos profissionais

de saúde, como está expresso em seu marco teórico-político:

O debate sobre os modelos de gestão e de atenção, aliados aos de formação

dos profissionais de saúde e aos modos com que o controle social vem se

exercendo, é, portanto, necessário e urgente. Necessário para que possamos

74

garantir o direito constitucional à saúde para todos, e urgente porque tal

debate é uma condição para viabilizar uma saúde digna para todos, com

profissionais comprometidos com a ética da saúde e com a defesa da vida. É

por isso que propomos uma Política Nacional de Humanização da Atenção e

da Gestão da Saúde. (BRASIL. PNH, 2003, p.5).

Outro ponto importante trazido no próprio corpo do texto da política diz respeito à

nomenclatura “humanização”, já que é redundante se falar em humanos:

E por que falar em humanização quando as relações estabelecidas no

processo de cuidado em saúde se dão entre humanos? Estaríamos com esse

conceito querendo apenas “tornar mais humana a relação com o usuário”,

dando pequenos retoques nos serviços, mas deixando intocadas as condições

de produção do processo de trabalho em saúde? (BRASIL. PNH, 2003, p.6).

A política também critica ações de caráter “vago”, como ações humanitárias de caráter

filantrópico, voluntárias e reveladoras de bondade, quando afirma:

Devemos tomar cuidado para não banalizar o que a proposição de uma

Política de Humanização traz ao campo da saúde, já que as iniciativas se

apresentam, em geral, de modo vago e associadas a atitudes humanitárias, de

caráter filantrópico, voluntárias e reveladoras de bondade, um “favor”,

portanto, e não um direito à saúde. Além de tudo, o “alvo” dessas ações é,

grande parte das vezes, o usuário do sistema, que, em razão desse olhar,

permanece como um objeto de intervenção do saber do profissional. Raras

vezes o trabalhador é incluído e, mesmo quando o é, fica como alguém que

“também é ser humano” (!) e merece “ganhar alguma atenção dos gestores.

(BRASIL. PNH, 2003, p.6).

Sobre o que é humanizar, o texto traz a seguinte definição (p.06):

Tematizar a humanização da assistência abre, assim, questões fundamentais

que podem orientar a construção das políticas em saúde. Humanizar é, então,

ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com

acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de

trabalho dos profissionais.

É também destaque da política se apresentar como uma “política” e não como

programa de humanização, pois tem como objetivo de operar transversalmente em toda a rede

SUS:

O risco de tomarmos a Humanização como mais um programa seria o de

aprofundar relações verticais em que são estabelecidas normativas que

“devem ser aplicadas e operacionalizadas”, o que significa, grande parte das

vezes, efetuação burocrática, descontextualizada e dispersiva, por meio de

ações pautadas em índices a serem cumpridos e em metas a serem

75

alcançadas independentemente de sua resolutividade e qualidade. Com isso,

estamos nos referindo à necessidade de adotar a Humanização como política

transversal, entendida como um conjunto de princípios e diretrizes que se

traduzem em ações nos diversos serviços, nas práticas de saúde e nas

instâncias do sistema, caracterizando uma construção coletiva. (BRASIL.

PNH, 2003, p.7).

Outro ponto importante na discussão é a política enquanto estratégia de interferência

no processo de produção de saúde:

Assim, tomamos a Humanização como estratégia de interferência no

processo de produção de saúde, levando-se em conta que sujeitos sociais,

quando mobilizados, são capazes de transformar realidades transformando-

se a si próprios nesse mesmo processo. Trata-se, então, de investir na

produção de um novo tipo de interação entre os sujeitos que constituem os

sistemas de saúde e deles usufruem, acolhendo tais atores e fomentando seu

protagonismo. (BRASIL. PNH, 2003, p.8).

Sendo também uma estratégia para alcançar a qualidade da atenção e da gestão,

estabelecem-se a partir das dimensões “atitudes” éticas-estéticas-políticas, características

fundamentais entre e para os sujeitos que produzem saúde:

A Humanização, como um conjunto de estratégias para alcançar a quali-

ficação da atenção e da gestão em saúde no SUS, estabelece-se, portanto,

como a construção/ativação de atitudes ético-estético-políticas em sintonia

com um projeto de co-responsabilidade e qualificação dos vínculos inter-

profissionais e entre estes e os usuários na produção de saúde. Éticas porque

tomam a defesa da vida como eixo de suas ações. Estéticas porque estão

voltadas para a invenção das normas que regulam a vida, para os processos

de criação que constituem o mais específico do homem em relação aos

demais seres vivos. Políticas porque é na pólis, na relação entre os homens

que as relações sociais e de poder se operam, que o mundo se faz. (BRASIL.

PNH, 2003,´p.8. Grifos meus).

Ainda pensando no caráter da atitude humanizadora, como construção das

competências para a construção da política, destaca-se:

Construir tal política impõe, mais do que nunca, que o SUS seja tomado em

sua perspectiva de rede. Como tal, o SUS deve ser contagiado por esta

atitude humanizadora, e, para isso, todas as demais políticas deverão se

articular por meio desse eixo. Trata-se, sobretudo, de destacar os aspectos

subjetivos e sociais presentes em qualquer prática de saúde. (BRASIL. PNH,

2003, p.8. Grifos meus.)

Quanto aos princípios norteadores da Política de Humanização (2003), destacam-se:

(a) valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção e gestão,

fortalecendo/estimulando processos integradores e promotores de compromissos/

76

responsabilização; (b) estímulo a processos comprometidos com a produção de saúde e com a

produção de sujeitos; (c) fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, estimulando

a transdisciplinaridade e a grupalidade; (d) atuação em rede com alta conectividade, de modo

cooperativo e solidário, em conformidade com as diretrizes do SUS; (e) utilização da

informação, da comunicação, da educação permanente e dos espaços da gestão na construção

de autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos.

A política estabeleceu diretrizes específicas por nível de atenção. Tratando-se da

Atenção Hospitalar, a política propõe dois níveis crescentes (B e A) de padrões para adesão à

PNH, através dos seguintes parâmetros:

Parâmetro para o nível B: (a) Existência de Grupos de Trabalho de Humanização

(GTH) com plano de trabalho definido; (b) Garantia de visita aberta por meio da presença do

acompanhante e de sua rede social, respeitando a dinâmica de cada unidade hospitalar e as

peculiaridades das necessidades do acompanhante; (c) Mecanismos de recepção com

acolhimento aos usuários; (d) Mecanismos de escuta para a população e os trabalhadores; (e)

Equipe multiprofissional (minimamente com médico e enfermeiro) de atenção à saúde para

seguimento dos pacientes internados e com horário pactuado para atendimento à família e/ou

à sua rede social; (f) Existência de mecanismos de desospitalização, visando a alternativas às

práticas hospitalares, como as de cuidados domiciliares; (g) Garantia de continuidade de

assistência com sistema de referência e contrarreferência.

Parâmetro para o nível A: (a) Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) com plano

de trabalho implantado; (b) Garantia de visita aberta por meio da presença do acompanhante e

de sua rede social, respeitando a dinâmica de cada unidade hospitalar e as peculiaridades das

necessidades do acompanhante; (c) Ouvidoria em funcionamento; (d) Equipe

multiprofissional (minimamente com médico e enfermeiro) de atenção à saúde para

seguimento dos pacientes internados e com horário pactuado para atendimento à família e/ou

à sua rede social; (f) Existência de mecanismos de desospitalização, visando a alternativas às

práticas hospitalares, como as de cuidados domiciliares; (g) Garantia de continuidade de

assistência com sistema de referência e contrarreferência; (h) Conselho gestor local com

funcionamento adequado; (i) Existência de acolhimento com avaliação de risco nas áreas de

acesso (pronto-atendimento, pronto-socorro, ambulatório, serviço de apoio diagnóstico e

terapia); (h) Plano de educação permanente para trabalhadores com temas de humanização em

implementação.

77

Quanto à gestão da Política de Humanização, uma das ações, se constitui no

mapeamento de programas, projetos e iniciativas de humanização já existentes, de modo

articulado, transversal, a partir também do seu modo de operar, quando propõe:

Mapear programas, projetos e iniciativas de humanização já existentes,

articulá-los e, a partir daí, propor diretrizes, traçar objetivos e definir

estratégias de ação na composição da PNH, num constante diálogo com as

especificidades das áreas da saúde, são tarefas das quais não podemos abrir

mão se, de fato, queremos operar transversalmente. (BRASIL. PNH, 2003,

p.16).

Ideologicamente, a Política da Humanização da Saúde é uma política transversal, que,

de maneira geral, tem como premissa levar em conta as necessidades, garantindo os direitos e

os interesses dos diferentes atores envolvidos no campo da saúde. Dessa forma, a

Humanização se constitui como um conjunto de estratégias para alcançar a qualidade da

atenção e da gestão em saúde do SUS.

3.4 A IMPORTÂNCIA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E DO BRINCAR NO

CONTEXTO HOSPITALAR

A contação de histórias possui, portanto, seu lugar no processo de humanização de

saúde, pois contar histórias é uma arte milenar, de caráter acolhedor e integrador.

Segundo Coelho (2002), como toda a arte, possui segredos e técnicas e sendo uma arte

que lida com matéria-prima especialíssima, a palavra, prerrogativa das criaturas humanas,

depende, naturalmente, de certa tendência inata, mas pode ser desenvolvida, cultivada, desde

que se goste de crianças e se reconheça a importância das histórias para elas.

Ainda para Coelho (2002), a história aquieta, serena, prende a atenção, informa,

socializa, educa e, quanto menor a preocupação em alcançar tais objetivos explicitamente,

maior será a influência do contador de histórias.

A proposta explicitada no trabalho da Associação Viva e Deixe Viver é a de contar

histórias para promoção da leitura e do brincar, não se estendendo a objetivos de cunho

formal (educação formal) ou de cunho terapêutico, mas, como assinala Coelho (2002), as

histórias possuem caráter socializador, presente portanto na proposta de humanização nos

hospitais.

78

Segundo Giordano (2004, p.279), ao ser narrada, “a história permite que o ouvinte

conte a si mesmo sua própria história, e, ao recontá-la, em um processo criador, concebe a si

mesmo, possibilitando a aventura humana de dar forma ao desconhecido. Assim, a arte/contos

é uma linguagem individual, o que significa dizer que os significados são individuais”.

Para essa autora, ouvir uma narrativa, portanto, desperta/facilita a imaginação, e a

imaginação oferece a investigação do que pode ser e não do que deve ser. Esse oferecimento

está presente em qualquer obra de arte, mas, em especial, privilegiadamente no contar

histórias, onde mora a possibilidade da meditação sobre o seu mundo, sobre você para com

você mesmo.

Segundo Estés (1994, p.34), há muitos modos de abordar as histórias. “O estudioso

profissional do folclore, o analista freudiano, jungiano ou de outra corrente, o etnólogo, o

antropólogo, o teólogo, o arqueólogo, cada um tem um método diferente, tanto na compilação

das histórias quanto na aplicação a elas atribuída”. Irei me deter apenas no caráter

humanizador das histórias.

Bachelard (1978 apud GIORDANO, 2004, p.282) comenta a fenomenologia das

ressonâncias e da repercussão que uma obra de arte poética tem sobre o homem:

As ressonâncias se dispersam nos diferentes planos da nossa vida no mundo,

a repercussão nos chama a um aprofundamento da nossa própria existência.

Na ressonância, ouvimos o poema, na repercussão nós o falamos, pois é

nosso. A repercussão opera uma revirada do ser [...] Parece que por sua

exuberância o poema desperta profundezas em nós. Para nos darmos conta

da ação psicológica de um poema teremos pois de seguir duas linhas de

analise fenomenológica: uma que vai a exuberância do espírito, outra que vai

às profundezas da alma [...] Assim, a imagem que a leitura do poema nos

oferece faz-se verdadeiramente nossa. Enraíza em nós mesmos. Recebêmo-

la, mas nascemos para a impressão de que poderíamos criá-la, de que

devemos criá-la. A imagem se transforma num ser novo de nossa linguagem,

exprime-nos fazendo-nos o que ela exprime, ou seja, ela é ao mesmo tempo

um devir de expressão e um devir de nosso ser.

É da luta contra e dentro do tempo físico que, segundo Guttmann (2004, p.255), “a

arte entra como necessidade, solução e transformação”. A arte, pois, transcende o tempo,

devolvendo ao ser humano sua natureza atemporal e ilimitada, sendo uma das máximas

expressões do homem sobre o tempo, a permissão e a necessidade do ser humano de

transcender os limites físicos da vida, explorando e ampliando o poder de sua capacidade

criativa, transformando e recriando novas realidades.

As histórias contam não apenas episódios de um evento imaginário, mas muita coisa

sobre nós mesmos. Portanto, por meio dos contos, há possibilidade de se aprender mais sobre

79

cada um de si através da revisão da sua própria história. Daí o caráter humanizante das

histórias/contos/poemas.

A atenção à saúde da criança configura-se como um campo interdisciplinar. Entre as

diversas estratégias utilizadas nas ações que envolvem o encontro de diferentes saberes, pode-

se situar o brincar. Ele deve ser visto não apenas na perspectiva de recreação, mas como

recurso terapêutico, que promove, além da continuidade do desenvolvimento infantil, a

possibilidade de elaboração de experiências, funcionando como uma linguagem não verbal de

domínio da criança. (MITRE, 2006).

Segundo a Lei no.

11.104, de 21 de março de 2005, é obrigatório que todo hospital que

possua atendimento pediátrico possua um espaço privilegiado para o brincar e para leituras,

que são as brinquedeotecas, nas suas dependências.

O brincar no hospital deve estar presente tanto na atividade espontânea da criança

quanto nas intervenções dos profissionais. Para os profissionais de diferentes áreas,

envolvidos com a promoção do brincar, ele é efetivamente percebido como algo prazeroso à

criança, que traz a alegria e também resgata a condição de “ser criança” (MITRE; GOMES,

2004, apud MITRE, 2006, p.293).

Segundo Benevides e Passos (2005), a humanização é uma estratégia de intervenção

nas práticas de saúde a partir de um novo posicionamento dos sujeitos envolvidos. Nessa

perspectiva, a contação de histórias e o brincar são percebidos como elementos que

possibilitam à criança transformar a sua participação, mediante um maior protagonismo na

produção de sua saúde.

O lúdico funciona como uma tecnologia de relações, capaz de interrogar sentidos e

significados, possibilitando a busca de novos referenciais para a intervenção clínica (MITRE;

GOMES, 2004, apud MITRE, 2006).

Conferir à contação de histórias e à brincadeira o status de instrumento no processo de

humanização da saúde envolve discussões importantes sobre como se pensa o humanização

do cuidado, porque essas experiências nos espaços hospitalares não respondem

exclusivamente por este processo, nem tampouco por uma Política.

A Política de Humanização – PNH oferta os princípios norteadores para sua

efetivação, mas essas possibilidades de construção só se consolidam através da

transversalidade e de boas práticas coletivas de programas, projetos, gestores, profissionais da

saúde e usuários.

No País, existem exemplos de projetos com foco na humanização hospitalar e relatos

dessas experiências têm sido apresentados em congressos e fóruns nacionais, como nos

80

Congressos Brasileiros de Humanização Hospitalar e Fóruns de Humanização em Saúde,

promovidos pela Associação Viva e Deixe Viver, desde 2001, em várias cidades brasileiras,

para promover a Política Pública de Humanização da Saúde. Em sua sétima edição, em 2011,

o Congresso teve como tema Comunicação e Liderança na Atenção e Gestão da Saúde, tendo

como eixos temáticos: Gestão para a qualidade e humanização, Cuidado ao paciente,

Valorização do trabalho profissional, Humanização no ensino em saúde e Pesquisa em

humanização A Associação Viva e Deixe Viver, que têm a sua formação como objeto de

estudo desta dissertação, será detalhada no próximo capítulo.

81

4 DESCRIÇÃO DO CASO ESTUDADO E MÉTODO

4.1 DESCRIÇÃO DO CASO

4.1.1 Descrição do Caso em Nível Nacional

O objeto deste estudo é o programa de formação nacional para qualificação de

voluntários desenvolvido pela entidade Associação Viva e Deixe Viver, sendo que o foco

deste trabalho será o estudo da formação que é realizada no município de Salvador –Bahia.

A Associação Viva e Deixe Viver, entidade sem fins econômicos, foi criada em agosto

de 1997. Recebeu do Ministério da Justiça, em 2002, a certificação de OSCIP, caracterizando-

se como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Atua em nove Estados no

Brasil.

É formada em sua maioria por voluntários que se dedicam a contar histórias e oferecer

entretenimento, cultura e informação educacional a crianças e adolescentes hospitalizados,

visando tornar mais alegre e agradável o momento da internação ou tratamento hospitalar.

Sua missão é promover entretenimento, cultura e informação educacional através do

estímulo à leitura e do brincar, visando transformar a internação hospitalar de crianças e

adolescentes em um momento mais alegre e agradável, contribuindo positivamente para o

bem-estar de seus familiares e equipe multidisciplinar.

Tem como objetivo contribuir para a humanização dos hospitais e casas de apoio,

fortalecendo valores e princípios essenciais do ser humano – amor, responsabilidade,

organização, transparência, respeito, paz, cooperação e união. Visa, ainda, desenvolver e

capacitar o indivíduo para o cumprimento do trabalho voluntário na área da saúde, através da

arte de contar histórias e do brincar, de maneira consciente, comprometida e constante.

Seu princípio é de atuação ética. Trabalho em equipes integradas e com respeito à

individualidade. Não há discriminação por raça, cor, credo, religião, partidos políticos,

orientação sexual e poder aquisitivo. Não é permitida a utilização institucional político-

partidária da Associação, e se incentiva a capacitação constante de cada indivíduo.

82

A entidade funciona, quase majoritariamente, através do trabalho voluntário dos

contadores e dos fazedores de história, como são denominados os voluntários que atuam nos

hospitais e os que auxiliam nas demais atividades administrativas, respectivamente. Sua

equipe de funcionários remunerados é composta por doze pessoas, que se dividem em quatro

células de trabalho para garantir o funcionamento da organização.

Para o desenvolvimento do seu trabalho, a organização conta com a doação de duas

horas semanais de seus voluntários contadores e fazedores de histórias. Os contadores passam

por um processo de seleção específico, que ocorre anualmente. Nesse processo,

essencialmente são levadas em consideração características para o desempenho da tarefa,

como comprometimento e responsabilidade, dois aspectos fundamentais para o trabalho

exercido junto aos hospitais.

O programa de voluntariado da Associação Viva e Deixe Viver tem três princípios

básicos que norteiam a sua atuação, denominados pela entidade de Três Cs (3 Cs) –

Consciência, Comprometimento e Constância: consciência do seu papel e da importância do

seu trabalho; compromisso com a responsabilidade assumida e constância na disponibilidade

de doar-se. Tais princípios são constantemente avaliados pela coordenação de voluntários, ao

longo do tempo em que eles integram a organização.

A conscientização inicia-se com processo de recrutamento e seleção, em que diversas

ações são realizadas com vistas a despertar nos candidatos o entendimento sobre a

importância, a seriedade e o valor do trabalho que irão desenvolver. Já o comprometimento e

a constância se farão perceber ao longo do próprio processo seletivo e no decorrer do trabalho

junto à entidade.

A duração do processo de seleção de voluntários nessa instituição social dura uma

média de oito meses para ser concluído. Tempo este considerado suficiente para avaliar,

inclusive, o grau de interesse e seriedade que um voluntário tem em fazer parte da entidade. O

processo é iniciado com o preenchimento de um cadastro, respondendo a um primeiro

questionário de levantamento de interesses, em que entidade e solicitante são “apresentados”.

O candidato tem acesso ao histórico da organização, sua missão, visão, valores e

forma de atuação. Por outro lado, a entidade recebe dados iniciais do candidato e também

informações básicas, sendo feito um levantamento inicial que identifica principalmente a

razão da escolha por esse trabalho voluntário. A partir daí, seguem-se entrevistas, palestras,

dinâmicas, cursos e workshops, que compõem o escopo do processo seletivo.

Os temas abordados ao longo do processo são, entre outros, conscientização sobre o

trabalho voluntário e seu papel social, administração do tempo, ambientação hospitalar, a

83

importância do pensamento positivo. Na realidade, trata-se de um período de seleção mútua,

tanto para a entidade quanto para o candidato.

Todo o processo visa levantar um questionamento no próprio candidato, para que ele

possa identificar se tem ou não condições de participar do trabalho de contador de histórias.

Muitos voluntários desistem da formação ao longo do processo ou ao perceber que não

se identificam com o trabalho efetivo de contação de histórias em hospitais. A realidade que

os espera é muitas vezes dura e chocante. Logo, é necessário que eles percebam o desafio que

está à sua espera.

Vale lembrar que cada uma dessas etapas é eliminatória, e a ausência em uma das

atividades propostas caracteriza a desistência do candidato. Isso porque cada atividade é

considerada como um treinamento para o futuro voluntário. A presença do candidato, pois, é

essencial. O processo seletivo também é acompanhado por psicólogas voluntárias da

instituição.

Passados os oito meses de seleção e treinamento, os candidatos que conseguem chegar

até a fase final do processo, confirmando a sua escolha pelo trabalho de contador de histórias,

vão-se preparar para a sua “formatura”. Esse é um momento especial e de grande

representatividade simbólica para a organização e para o voluntário também.

Cada contador recebe um avental da Associação, que o identifica como membro

oficial da entidade, alguém que representará a instituição dentro do hospital. Ele é um símbolo

de sua persistência, do seu compromisso. Chegar até ali significa ter assumido a

responsabilidade e o compromisso em se doar e, mais do que isso, mostrar que foram capazes

de vencer o seu próprio limite. E o avental é, de fato, o reconhecimento dessa vitória.

Além disso, a formatura confere aos envolvidos um forte sentimento de equipe. A

partir desse ponto, eles fazem parte do grupo, estão todos no mesmo time. A instituição

reconhece que essa identidade que se cria é fundamental para a manutenção do trabalho

voluntário.

Inicialmente, esses novos voluntários são acompanhados nos hospitais por veteranos,

sendo monitorados por estes que os recebem, apresentam as atividades e os apoiam nos

primeiros encontros. Os voluntários veteranos, que se tornam responsáveis por acompanhar e

gerenciar o desempenho dos novos contadores, são denominados cabeça de chave.

Ao ingressar no Viva, os voluntários recebem orientações através de um Manual de

Instruções para Contadores de História (2005), no qual encontram informações básicas sobre

a entidade, sobre seus parceiros e sua missão; sobre como proceder no hospital, com a criança

84

e com a entidade; as normas de conduta estabelecidas pelo Viva, além de orientações gerais

sobre a cidadania participativa.

Dentro do trabalho de contação de histórias realizado pelo Viva e Deixe Viver, existe

um papel muito importante exercido pelos chamados cabeças de chave. São eles geralmente

voluntários contadores, normalmente veteranos e mais habituados às atribuições e

necessidades dos contadores de histórias dentro dos hospitais.

O cabeça de chave responde pelo trabalho de contação de histórias desenvolvido

dentro do hospital, onde lhe cabe a responsabilidade de organizar o material usado pelos

contadores, checar e acompanhar a assiduidade dos voluntários – quesito fundamental para a

permanência deles na entidade –, identificar possíveis problemas ou conflitos que estejam

existindo em membros do grupo e buscar solucioná-los dentro de suas possibilidades, além de

acompanhar os novatos em seus primeiros dias de contação.

O cabeça de chave é um aglutinador por excelência, elo de ligação entre o voluntário e

a instituição que atende, e também entre o voluntário e a Associação Viva e Deixe Viver. A

expectativa é de que ele tenha a capacidade de lidar com as necessidades dessas múltiplas

relações.

Mensalmente, os cabeças de chave enviam um relatório de frequência para o

coordenador de voluntários, junto a outras observações que são feitas no decorrer do mês

sobre o que ocorreu no hospital. É praxe, no dia a dia do trabalho nos hospitais, cada contador

deixar registradas as ações que realizou no atendimento às crianças, em uma espécie de

“diário de bordo”. Essa ferramenta permite que se crie um histórico do trabalho voluntário no

hospital, bem como facilita o trabalho do contador seguinte, que assim fica sabendo

previamente o que ocorreu no dia anterior.

Essas informações, que são enviadas mensalmente para a coordenação de

voluntariado, são os principais elementos de que dispõem para criar novas ações, resolver

situações pendentes, modificar metodologias ou aplicar novas ações corretivas.

Além desse fator, os relatórios de frequência permitem à instituição a formação de

indicadores relevantes, como: número de crianças atendidas, número de pais e/ou

acompanhantes e número de profissionais da saúde impactados pelo serviço prestado pela

entidade. Tais dados integram os balanços sociais que a entidade regularmente deve

apresentar aos seus investidores, apoiadores e à sociedade em geral.

O relacionamento dos cabeças de chave com a sede do Viva e Deixe Viver precisa ser

o mais próximo e transparente possível, com vistas a obter um real acompanhamento do

desenvolvimento de todas as atividades que lhes são pertinentes.

85

A escolha do cabeça de chave acontece de forma espontânea. Não existe por parte da

organização nenhum processo de seleção específico para esse “cargo” ou indicadores que

apontem para um perfil desejado.

Uma das condições essenciais para o pleno desempenho da tarefa de contar histórias

em hospitais, estabelecida pela coordenação da entidade, é a frequência dos voluntários nos

hospitais atendidos pelo Viva. Por se tratar de uma iniciativa personalizada, em que cada

criança atendida acaba conhecendo e esperando por seu contador no dia estabelecido, requer

um cuidado todo especial no que tange a acompanhar a constância do voluntário contador.

De acordo com o Manual de Instruções para o Contador de Histórias (2005), as faltas

devem ser previamente avisadas e as não justificadas não podem superar o número de quatro

vezes consecutivas.

A coordenação entende que o controle de presença dos voluntários é um dos

indicadores mais relevantes, vez que é uma das tarefas mais desafiadoras que há na entidade.

Além disso, os indicadores de horas doadas e crianças atendidas compõem relatórios anuais e

balanços que a organização apresenta periodicamente a parceiros e investidores e à

comunidade em geral.

Cada hospital atendido dispõe de um diário onde são registradas a presença do

voluntário e as atividades que ele realizou naquele dia, conforme citado anteriormente. Esta é

uma importante ferramenta de acompanhamento das tarefas para todos os voluntários e

também um registro da história da organização. O diário é também um meio de avaliar o

desempenho das atividades realizadas e propor melhorias necessárias, normalmente

detectadas pelo cabeça de chave e reportadas ao coordenador de voluntários.

Como toda ação voluntária, o grande desafio das instituições é o de manter o

voluntário dentro da entidade por um longo período de tempo. No Viva e Deixe Viver, em

São Paulo, o tempo de “vida útil” de um voluntário é em média de um ano.

A coordenação entende que esse período médio de permanência é bastante satisfatório.

Na verdade, ainda que concluam com êxito os 8 (oito) meses de seleção e treinamento, apenas

com a experiência de contador no hospital é que o voluntário efetivamente decide se abraçará

ou não a causa.

Além das aulas e cursos que o voluntário recebe na fase de recrutamento, são

oferecidas, periodicamente, capacitações gratuitas para contação de histórias, oficinas de

origami, palestras sobre valores humanos, entre outras essenciais ao desenvolvimento do

trabalho de humanização hospitalar.

86

Essas atividades proporcionam ao voluntário um aumento no seu nível de

conhecimento e nas suas habilidades, sendo uma importante ferramenta para a valorização e

manutenção dele na entidade.

Apesar do não envolvimento afetivo que se recomenda para a atuação do contador, de

algum modo acaba sendo criado um relacionamento próximo entre voluntário e paciente.

Além disso, existe a consciência de que estão participando efetivamente para uma

mudança na qualidade de vida de muitas pessoas.

Por sua atuação e iniciativa, o Viva já recebeu diversas premiações, entre elas, Hall da

Fama, concedido pelo Top Of Mind de RH, na categoria Gestão de Voluntários, e o Prêmio

Ser Humano Oswaldo Checcia, da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), na

categoria seleção e treinamento de Voluntários.

4.1.2 Descrição do Caso realizado em Salvador-Bahia

O Viva e Deixe Viver iniciou suas atividades em Salvador, Bahia, no ano de 1999, no

espaço físico da Fundação Cultural do Estado da Bahia, e, em 2006, transfere suas atividades

para a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que passa a assumir o gerenciamento das

atividades neste município, através de um termo de parceria formalmente assinado em 29 de

novembro de 2007.

A Santa Casa de Misericórdia da Bahia, primeira Instituição Filantrópica do Estado da

Bahia e do Brasil, foi fundada por Tomé de Souza em 1549. Nasceu juntamente com a Cidade

do Salvador e, desde então, tem funcionado ininterruptamente.

Sua história começa com o primeiro hospital, denominado Hospital da Cidade ou

Hospital da Caridade. A partir de então, a Santa Casa foi ampliando a aperfeiçoando suas

ações, de modo a atender a seus objetivos de Misericórdia, contextualizando sua missão.

Desse modo, além do atendimento médico hospitalar, a Santa Casa se dedicou também a uma

extensa obra de assistência à infância, de educação e de administração de cemitérios.

A Santa Casa de Misericórdia da Bahia é dirigida pela Irmandade da Misericórdia,

composta por mais de seiscentos Irmãos, que supervisionam, através de seus órgãos gestores,

um conjunto de cerca de 5.000 funcionários das mais diversas áreas, a saber: Hospital,

Cemitério, Museu, Centro de Memória, Escola Técnica de Enfermagem, Cerimonial, Ação

Social.

87

O Hospital da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, denominado Hospital Santa

Izabel, inicialmente chamado de Hospital da Cidade, funcionou por 284 anos na encosta da

Ladeira da Montanha, em uma construção rudimentar, com paredes de taipa e coberta com

folhas de palmeira. Em 1833, passa a ser chamado de Hospital São Cristovão e é instalado na

antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, em Salvador.

Em 30 de julho de 1893, é transferido para o bairro de Nazaré, onde se encontra até

hoje, com o nome de Hospital Santa Izabel. É o maior departamento da Santa Casa, com

3.315 empregados. O Hospital oferece medicina de alta complexidade, tem uma política de

permanente modernização, sendo referência nacional nas áreas de cardiologia e ortopedia.

Oferece programa de residência bastante procurado e é campo de estágio para estudantes das

áreas de saúde e assistência.

É o segundo maior hospital de atendimento do SUS na Bahia. Os atendimentos

ambulatoriais pelo SUS no Hospital Santa Izabel superam o número de 700 pacientes/dia,

enquanto quantidade semelhante é a dos internados para procedimentos cirúrgicos de alta

complexidade/ano.

4.1.2.1 Início das atividades da Associação Viva e Deixe Viver junto à Santa Casa

Inicialmente, foram sensibilizados diversos setores da Santa Casa para que a proposta

da Associação Viva e Deixe Viver tivesse apoio com recursos humanos na área de

palestrantes e psicólogos.

Por se tratar de um projeto com contadores de histórias em hospitais, ficou definido

que esta formação seria gerenciada pelo setor de voluntariado, tendo o hospital Santa Izabel

como instituição promotora do treinamento.

Após a adesão de empregados da Santa Casa, foi definido, pela coordenação de

voluntariado, que era preciso sensibilizar as pessoas que já tinham atividades na Associação

Viva e Deixe Viver, e comunicar a nova gestão do projeto aos hospitais que já recebiam

voluntários contadores de histórias na Cidade do Salvador.

Foi promovida uma reunião com o tema Humanização, Voluntariado e Contadores de

Histórias, que contou com a presença de 36 pessoas voluntárias e não voluntárias, de

instituições diversas da cidade, com o objetivo de revitalizar o projeto, que naquele momento

estava desativado.

88

Em 2007, a Associação Viva e Deixe Viver reiniciou suas atividades de capacitação na

Bahia, através do Hospital Santa Izabel. Nesse período, foi preciso conseguir um grupo de

pessoas que voluntariamente deveriam dedicar-se como palestrantes e psicólogos, para

capacitar pessoas em Salvador.

A Santa Casa dispunha de um corpo de empregados em diferentes áreas de saber, e

isso era importante para o processo de formação: médicos, assistentes sociais, psicólogos.

Foram sensibilizados profissionais palestrantes de diversas áreas, para realizarem o

trabalho de “fazedores” de histórias, termo cunhado pelo Viva, que usa a frase “Quem não

conta, faz a história”, que diz respeito a pessoas que podem ajudar a Associação através de

algum outro tipo de trabalho voluntário, não, necessariamente, a contação de histórias – a

tarefa fim do Viva no hospital.

Por essa época, aderiram à proposta diversas pessoas e instituições para capacitar os

voluntários: (a) uma instituição internacional, denominada Brahma Kumaris, com filial em

Salvador, que trabalha com a cultura de paz, através de oficinas, palestras e vivências sobre

diversos temas como valores na saúde, pensando positivamente e administração do tempo; (b)

um médico; (c) duas assistentes sociais; (d) duas pedagogas; (e) sete psicólogas na área de

recrutamento e seleção, desenvolvimento de pessoas e psicologia hospitalar; (f) um

filósofo/administrador.

Posteriormente, incorporou as atividades de educação continuada da Associação, um

projeto de literatura denominado Roda Palavra – Formação de Agentes de Leitura, em

parceria com a Universidade do Estado da Bahia, tendo sido promovidos diversos encontros

para estudo da literatura infantil.

O projeto Roda Palavra é um projeto de extensão, de formação de agentes de leituras e

contadores de histórias. Sua ação consiste na promoção de rodas de leitura para interessados

em literatura, em forma de círculos de leitores, com um facilitador denominado leitor guia,

que tem como papel conduzir o grupo para a leitura e discussão de textos.

A Associação Viva e Deixe Viver, em Salvador, já formou 157 voluntários nos anos

de 2007, 2008 e 2010, conforme tabela abaixo:

89

Tabela 1 – Número de contadores formados em Salvador

ANO Formados

2007 52

2008 58

2009 Não houve formação

2010 47

2011 Não houve formação

Total Formados: 157

Fonte: Relatórios anuais da Associação Viva e Deixe Viver em Salvador nos

anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.

Foi realizado um levantamento da atuação dos voluntários da Associação Viva e Deixe

Viver em Salvador, nos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011. Segue tabela com dados de

presença, frequência acumulada de atendimento às crianças, familiares impactados, equipe

impactada e contadores atuantes.

Tabela 2 – Controle de frequência da atividade voluntária

ANO

Presença/Nº Dias

Frequência acumulada

de atendimento às

crianças*

Familiares

Impactados

Equipe

Impactada

Total de

contadores

atuantes

2008 264 3.887 904 231 32

2009 790 7.274 2.698 1.068 47

2010 768 9.192 4.198 1.160 61

2011** 569 5.833 3.093 682 33

Fonte: Relatórios da Associação Viva e Deixe Viver em Salvador. Anos de 2008, 2009, 2010 e 2011.

* Número de atendimentos x número de crianças que participaram de cada encontro.

** Dados referentes a janeiro a setembro de 2011.

4.1.2.2 Descrição e objetivos do projeto pedagógico avaliado em Salvador

Resumidamente, apresento o Projeto Pedagógico proposto pela Associação Viva e

Deixe Viver e seus objetivos, em que a ação voluntária acontece através de formas diversas:

Contadores de histórias – pessoas de formações diversas, aprovadas no processo de

seleção da entidade, dos quais se espera dedicação de três horas semanais, na promoção de

90

entretenimento, cultura e informação educacional junto a crianças e adolescentes atendidos

nos hospitais parceiros da associação.

Cabeças de Chave - exercem papel muito importante dentro no Viva e Deixe Viver.

São voluntários contadores de histórias ou profissionais da saúde, que se destacam pelo

comprometimento e liderança que desenvolvem dentro do grupo. É dele geralmente o contato

direto com os voluntários no dia-a-dia nos hospitais.

Fazedores de histórias – pessoas com formações profissionais diversas que atuam

doando parte de seu tempo e talento no desenvolvimento das atividades nas células de

trabalho. Ex : músicos, fotógrafos, etc.

Terapeutas – profissionais da área de psicologia que atuam voluntariamente na célula

de desenvolvimento humano, gerenciando o processo de seleção de novos voluntários, as

atividades de capacitação e o atendimento individual a voluntários contadores de histórias.

Os voluntários – contadores e fazedores de histórias da Associação, que assinam um

Termo de Adesão ao Trabalho Voluntário, afirmando sua participação isenta de remuneração

e vínculo empregatício, de acordo com a Lei do Voluntariado n º 9.608, de 18.02.96.

A Associação Viva e Deixe Viver entende que, para cumprir seus objetivos, necessita

selecionar e treinar voluntários que atuem de forma consciente, comprometida e constante. A

proposta de seleção e treinamento do Viva e Deixe Viver consiste em recrutar pessoas

interessadas para cumprimento do trabalho voluntário e, posteriormente, encaminhá-las para o

Processo de Seleção e Treinamento.

O processo de seleção e treinamento de voluntários busca trabalhar a questão da

responsabilidade e do comprometimento do voluntário por meio de palestras, vivências e

outras atividades.

As palestras e oficinas de capacitação são divididas em módulos, que contemplam os

seguintes conteúdos:

Módulo 1 – O que é a Associação Viva e Deixe Viver e a Santa Casa de Misericórdia

da Bahia. Tem como objetivos: apresentar a missão, visão, causa e princípios da Associação;

apresentar o histórico da Associação; expor as regras e normas; fazer a inscrição dos

interessados no processo de seleção; proporcionar aos candidatos o conhecimento da história,

da filosofia, das regras e das normas da Associação Viva e Deixe Viver.

Módulo 2 – Fundamentos Filosóficos do Voluntariado, com os seguintes objetivos:

levar os candidatos a conhecerem os fundamentos que sustentam o trabalho voluntário, bem

como as causas e condições para um efetivo trabalho solidário, que surge na compaixão, mas

se estrutura e se estabelece com foco em resultados; possibilitar aos cursistas a reflexão sobre

91

o que é ser voluntário, as especificidades do voluntariado que atua no campo da saúde, e o

compromisso moral do voluntário com o seu público atendido; e apresentar direitos e deveres

do voluntário nas organizações.

Módulo 3 – Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo, que tem como objetivo levar

os participantes à compreensão da importância do gerenciamento de tempo, propondo

técnicas de planificação das atividades do seu dia a dia, bem como da ação voluntária, em

meio às demais responsabilidades, a fim de obter maior rendimento e satisfação.

Módulo 4 – Vivendo Positivamente, cujos objetivos são: possibilitar a compreensão da

natureza do pensamento; e ensinar a utilizar métodos para o indivíduo ser mais positivo e

construtivo em casa, no trabalho e em seus relacionamentos.

Módulo 5 – Ambientação Hospitalar, tem como objetivo: Instruir os voluntários

(contadores de histórias) a conhecerem o funcionamento, os riscos e os cuidados que,

qualquer indivíduo, deve ter ao trabalhar ou visitar uma instituição hospitalar. O portar-se sem

os devidos cuidados nessas instituições pode provocar problemas ao sujeito e/ou ao paciente.

Levar os sujeitos à tomada de consciência do ambiente hospitalar. Socializar a informação

com o contador de histórias sobre normas, rotinas e os serviços prestados pela instituição

hospitalar. O conteúdo tem a contribuição das áreas de medicina e/ou enfermagem e serviço

social.

Módulo 6: A arte de Contar Histórias. Seu objetivo é instrumentalizar os voluntários

quanto às técnicas e aos segredos da arte de contar histórias.

Módulo 7 – O processo do morrer e da morte, cujo objetivo é abordar o paciente

terminal e sua família, dando-lhe conforto físico, social e espiritual, além do processo de luto.

Módulo 8 – Vivência Terapêutica “Aprendendo a Perder”. Tem como objetivo:

propor a reflexão sobre questões emocionais que surgem durante a atuação junto às crianças e

aos adolescentes nos hospitais.

Módulo 9 – Memória do Brincar – Folclore Infantil, com os seguintes objetivos:

garantir a aquisição de conhecimentos através do acervo da cultura da brincadeira; trabalhar

com valores fundamentais para garantia de nossa humanidade, como solidariedade,

cooperação, respeito e fraternidade; resgatar o apreço das brincadeiras e cantigas populares do

País através da transmissão oral às crianças brasileiras; promover o lazer e a diversão de

forma acessível a todos.

Módulo 10 – Treinamento no hospital. Tem como objetivos conhecer o ambiente

hospitalar, as regras do hospital e iniciar a contação de histórias para as crianças e

adolescentes a partir do monitoramento de um voluntário mais experiente.

92

O Sistema de Avaliação leva em consideração: (a) Frequência nas palestras (100%);

(b) Análise do questionário (perfil do candidato); (c) Avaliação nas dinâmicas de grupo; (d)

Treinamento nos hospitais.

Os objetivos definidos a partir do Projeto Pedagógico são:

(a) Proporcionar aos candidatos o conhecimento da missão, da história, da filosofia e

das regras e normas da Associação Viva e Deixe Viver;

(b) Levar os participantes a conhecer os fundamentos que sustentam o trabalho

voluntário, bem como as causas e condições para um efetivo trabalho solidário, que surge da

compaixão, mas se estrutura e se estabelece com foco em resultados. O voluntário deverá

conhecer seus direitos, deveres e a Lei que rege o Trabalho Voluntário (9.608/98);

(c) Levar os participantes à compreensão da importância do gerenciamento de tempo,

propondo técnicas de planificação das diferentes atividades do seu dia a dia, bem como da

ação voluntária, em meio às demais responsabilidades;

(d) Dar a compreensão da natureza do pensamento, conhecendo métodos para ser mais

positivo e construtivo em casa, no trabalho e em seus relacionamentos;

(e) Instruir os voluntários a conhecer o funcionamento, os riscos e os cuidados que

qualquer indivíduo deve ter ao trabalhar ou visitar uma instituição hospitalar. O portar-se

nessas instituições pode provocar problemas ao sujeito e/ou ao paciente. Levar os sujeitos à

tomada de consciência do ambiente hospitalar e socializar a informação com o contador de

histórias sobre normas, rotinas e os serviços prestados pela instituição hospitalar;

(f) Instrumentalizar os voluntários quanto às técnicas e aos segredos da arte de contar

histórias;

(g) Levar o voluntário a conhecer sobre o paciente terminal e sua família, abordando

aspectos como o conforto físico, social e espiritual, além do processo de luto no hospital;

(h) Propor a reflexão sobre questões emocionais que surgem durante a atuação do

voluntário junto às crianças e aos adolescentes nos hospitais;

(i) Resgatar o apreço das brincadeiras e cantigas populares do País e propor a

transmissão oral às crianças brasileiras;

(j) Levar os participantes a conhecerem o ambiente hospitalar a partir da observação

de quatro hospitais e do monitoramento de um voluntário mais experiente.

93

4.2 A DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA

O problema de pesquisa foi construído a partir da proximidade com o tema, ao

trabalhar capacitando voluntários para atuarem em projetos sociais e a partir da análise de

literatura.

Na literatura brasileira não foram encontrados estudos na área de avaliação de

qualificação de voluntários, sendo realizado um levantamento cuidadoso, embora não

exaustivo, foram detectados estudos na área de: Percepção dos Voluntários ( SELLI;

GARRAFA; JUNGES, 2008), que traz contribuições sobre a percepção dos voluntários

beneficiários do trabalho voluntário no setor de saúde hospitalar, em que constatou-se que

existe entre os voluntários, uma noção de importância social do seu trabalho, faltando uma

articulação maior entre motivações individuais e trabalho voluntário como espaço de

enfrentamento de problemas sociais. Motivação de Voluntários (SOUZA et al, 2003;

CARVALHO;SOUZA, 2007 ); estes estudos possuem em comum o objetivo de identificar a

estrutura motivacional dos voluntários, sendo que no estudo colaborativo de 2003, foram

comparados aspectos motivacionais de voluntários do Brasil e de Portugal que trabalham com

pacientes oncológicos. Já o estudo de 2007 descreve os componentes da motivação no

trabalho voluntário de líderes comunitários. Solidariedade (SELLI; GARRAFA, 2005;

DEMO, 2001), o primeiro estudo discute a solidariedade crítica através da análise das

motivações de hospitalares propondo a ruptura do modelo de voluntariado assistencial

detectado. O segundo estudo discute a solidariedade não só como princípio ético da Política

Social, mas propõe a discussão da solidariedade como efeito de poder. Humanização e

Voluntariado (MARTINS; BERUSA; SIQUEIRA, 2010), analisa o processo de trabalho em

humanização hospitalar, tendo como resultado a necessidade de normatização e valorização

das atividades voluntárias especialmente no cuidado com os pacientes. Voluntariado

Hospitalar (MONIZ; ARAÚJO, 2008; ORTIZ, 2007; ARAÚJO;MAIA; OLIVEIRA, 1997;

SOUZA; ARAÚJO, 1999; OKABAYSASHI;COSTA, 2008), estes trabalhos convergem para

estudos que têm a área da saúde como campo de prática do voluntário. Auto-percepção,

Estresse e Burnout (MONIZ; ARAÚJO, 2006) estudo que avalia o grau de estresse e

burnout em voluntários da saúde; Presença Feminina na Atividade Voluntária (SELLI;

GARRAFA, 2005) trata do significado atribuído à presença feminina majoritária na atividade

voluntária; Trabalho Voluntário na Terceira Idade (SOUZA, 2007; FIGUEIREDO, 2005;

SOUZA; LAUTERT, 2007; SOUZA; LAUTERT; HILLESHEIN, 2010; SANTOS; LIMA;

94

SANTOS, 2009; SILVA, 2003; FRIAS, 1999, LAFIN, 2006) são estudos que possuem em

comum o voluntariado como estratégia de enfrentamento de idosos; Ética e Voluntariado

(FERRARI, 2008; SANTANA, 2007); estes estudos abordam a dimensão ética do trabalho

voluntário. Cultura do Voluntariado (CUNHA, 2005; SILVA et al, 2004, BONFIM, 2010);

em geral foram apresentados por este autores trabalhos relacionados a cultura do voluntariado

no Brasil, contextualizado por determinações econômicas e ideopolíticas de sua época.

Gestão de Pessoas e Voluntariado (LANDIN, 2001; RESENDE, 1999; DOMENEGHETTI,

2001; SANTOS, 2007) aborda em geral a gestão do trabalho voluntário em organizações sem

fins lucrativos; Voluntariado na Empresa (CÓRULLÓN; MEDEIROS, 2002; FISCHER;

FALCONER, 1999), estes trabalhos privilegiam os estudos relacionados ao voluntariado

coorporativo e empresarial, exercidos no interior das empresas . Educação Popular e

Voluntariado (BOSCOLO, 1992), trata de um estudo que teve como objetivo principal

identificar as representações de voluntários internacionais no campo da educação popular no

Brasil ; Redes Sociais e Voluntariado (TABORDA, 2007), estudo de dispositivos que

coletam, registram e cruzam informações no ciberespaço e que possibilitam a fomentação do

voluntariado através de redes digitais ; Voluntariado e Serviços Comunitários (SOUSA;

ARAÚJO, 2007), refere-se ao voluntariado como prestador de serviço comunitário; Valor

Contábil do Voluntariado (FILHO; MARTINS, 2003; ), estudo que trata do valor

econômico do trabalho voluntário, que não é registrado contabilmente por entidades sem fins

lucrativos ; Voluntariado e Doação (LANDIN; SCALON, 2000), é um estudo sobre perfil do

voluntário e do doador financeiro brasileiro. Subjetividade e Voluntariado (CALDANA;

FIGUEREDO, 2008), é um trabalho envolvendo voluntários em empresas com e sem fins

lucrativos, discutindo o exercício destas atividades e de suas lógicas de sustentação.

Voluntariado e Religião (SANTANA, 2007; MARTINS FILHO, 2002), são estudos da ação

religiosa de voluntários; Voluntariado Jovem (SBERGA, 2001) este trabalho refere-se a

modalidade de voluntariado jovem como possibilidade da construção de identidade;

Satisfação no trabalho Voluntário (SILVEIRA, 2002) diz respeito a um trabalho sobre a

satisfação da realização do trabalho voluntário; Voluntariado e Direitos Sociais (ARAÚJO,

2008), têm como objeto de estudo o voluntarismo e o solidarismo da assistência social no

Brasil nos anos de 1940 a 1995.

95

A idéia inicial era pesquisar o impacto da qualificação, mas, a partir dos objetivos

traçados no projeto de pesquisa, chegou-se à conclusão de que o caminho levava à avaliação

de resultados.

Foi observado que os conceitos de qualificação e competências estão intimamente

interligados e que é preciso dialogar com estes conceitos e considerar o cenário em que estão

inseridos.

A delimitação do problema se deu considerando todas as variáveis aqui discutidas, e o

problema foi assim descrito:

Um programa de qualificação para voluntários contarem histórias em hospitais

consegue desenvolver competências requeridas para sua atuação no complexo ambiente

hospitalar?

O trabalho voluntário, também denominado voluntariado, é o exercício de uma

atividade espontânea realizada por uma pessoa para beneficiar pessoas, grupos e

organizações, sem remuneração por tal prestação de serviço.

Há crescente preocupação com a capacitação de voluntários que prestam trabalho sem

remuneração em entidades públicas ou privadas em forma de ajuda humanitária, e a discussão

sobre a qualificação destes sujeitos tem ganhado dimensões novas no Brasil e no mundo.

A profissionalização do trabalho voluntário é tema discutido a partir da década de 90,

e um dos instrumentos em nível mundial desta discussão foi a “Declaração Universal do

Voluntariado”, aprovada pela Association for Volunteer Effort (IAVE), em conferência

realizada na cidade de Paris, em 1990. Nessa declaração, aparecem ferramentas de gestão do

trabalho voluntário, e traz como deveres da entidade que atua com voluntários garantir

treinamento apropriado e fazer avaliação regular dos seus serviços prestados.

Bonfim (2010, p.93) coloca a necessidade de “profissionalizar o voluntariado”, através

de formas de gestão mais modernas, possibilitando assim o máximo do seu aproveitamento

dentro da instituição.

Num estudo sobre “Trabalho voluntário, estresse e burnout”, Moniz e Araújo (2006,

p.242) observam que é crucial acompanhar e avaliar os programas de capacitação e formação

de voluntários no âmbito das associações.

O setor saúde tem como missão cuidar do mais precioso valor humano – a vida.

Segundo Moniz e Araújo (2006, p.242), coloca-se como crucial “pesquisar em maior

profundidade o treinamento oferecido aos voluntários, acompanhando e avaliando os

programas de capacitação e formação proporcionados no âmbito das instituições,

especialmente no que concerne à saúde”.

96

Esses autores ainda apontam uma questão muito importante trazida em pesquisas

sobre voluntariado na saúde que, na sua maioria, os hospitais contam apenas com a própria

disposição e empenho dos indivíduos, que voluntariamente atuam sem preparo ou

acompanhamento. Ao contrário do profissional da saúde, que pode apoiar-se na formação e no

aparato técnico.

O voluntário necessita de qualificação e educação permanente para o seu

aprimoramento, neste caso específico na área hospitalar, que requer, além de conhecimento de

sua atividade, atitude perante as perdas e mortes presentes no hospital.

A pergunta desta pesquisa foi:

– Quais os resultados da qualificação proposta pela Associação Viva e Deixe Viver

para a formação de competências de voluntários contadores de histórias que atuam em

hospitais?

Uma vez definidos o problema e a pergunta da pesquisa, foram estabelecidos o

objetivo geral e os objetivos específicos:

Objetivo geral:

– Avaliar os resultados da qualificação proposta pela Associação Viva e Deixe Viver

para a formação de competências de voluntários contadores de histórias que atuam em

hospitais.

Objetivos específicos:

(a) Definir critérios de avaliação de resultados da qualificação oferecida pelo

programa de seleção e treinamento de voluntários da Associação Viva e Deixe Viver em

Salvador;

(b) Descrever os indicadores de permanência e evasão de voluntários contadores de

histórias da Associação Viva e Deixe Viver;

(c) Avaliar se a qualificação oferecida aos voluntários desenvolve competências –

conhecimentos e atitudes – propostas pelo programa de treinamento da Associação Viva e

Deixe Viver, em Salvador, para o voluntário atuar em hospitais.

4.2.1 Fontes e Dados

Foram assim estabelecidos as fontes e os dados da pesquisa:

(a) Definição dos critérios a partir do conceito de competências, nos níveis

conhecimento e atitudes resultantes do treinamento para formação de contadores de histórias;

97

(b) Análise dos documentos de fluxos e permanência, frequência e evasão dos

voluntários contadores de histórias, obtidos nos relatórios anuais da Associação Viva e Deixe

Viver em Salvador, Bahia;

(c) Análise quantitativa e qualitativa dos dados obtidos no questionário e no grupo

focal com contadores de histórias.

4.2.2 Categorias e Subcategorias

Foram levantadas as seguintes categorias e subcategorias:

(a) Conhecimento e atitude do contador de histórias;

(b) Indicadores de permanência e evasão de voluntários;

(c) Alcance dos objetivos definidos pelo programa quanto à atitude e aos

conhecimentos do contador de histórias.

4.3 DELINEAMENTO DA PESQUISA

A Associação Viva e Deixe Viver, em Salvador, já formou 157 contadores de histórias

para atuar em hospitais e casas de apoio. O grupo de voluntários formados pela Associação

Viva e Deixe Viver do ano 2008 foi escolhido como amostra, por ser o grupo que teve menor

número de evadidos da Associação.

Para serem atingidos o objetivo geral e os objetivos específicos propostos pela

pesquisa, buscou-se considerar procedimentos diversos e fontes de informações. A pesquisa

dividiu-se em diferentes etapas:

(a) Na primeira etapa, no período de 05 de março a 15 de junho de 2011, foram

analisados relatórios/documentos da Associação Viva e Deixe Viver com o objetivo de

escolha e caracterização da amostra, sendo identificados nos documentos fluxos de

freqüência, permanência e evasão dos voluntários contadores de histórias no ano de 2007,

2008 e 2010;

(b) Na segunda etapa foi aplicado um questionário estruturado com 51 pessoas;

(c) Na terceira etapa foram realizados os grupos focais com 23 pessoas de diferentes

perfis: voluntários atuantes, isto é, que contam histórias atualmente na Associação, os que

atualmente não contam histórias e os que se formaram e nunca contaram histórias;

98

(d) A quarta etapa foi à análise dos dados, que teve como indicador de resultados as

competências relacionadas a conhecimentos e atitudes do contador de histórias.

Segundo Zarifian (2001), o conhecimento ou o “saber” é adquirido por meio da

aprendizagem. É na absorção dos conhecimentos e na relação educativa que as competências

normalmente são formadas e desenvolvidas Já a habilidade ou o “saber fazer” refere-se à

capacidade de o indivíduo utilizar, nas situações de trabalho, os conhecimentos

desenvolvidos.

As atitudes, por sua vez, pressupõem a predisposição da pessoa para atuar (comportar-

se de determinada maneira diante de um objeto). É importante ressaltar que a atitude e o

comportamento, embora relacionados, são conceitos distintos. A atitude é uma predisposição

a reagir a um estímulo e é um determinante importante do comportamento do indivíduo,

influenciando-o a agir de determinada maneira. (MARTIN-BARÓ, 1983, apud BARHY;

TOLFO, 2007).

Nesta pesquisa, não houve possibilidade de avaliar as habilidades técnicas do contador

de histórias, relacionada ao “saber fazer”, pois este atua unicamente com as crianças e seus

familiares em leitos de hospitais, e seu coordenador de voluntários, o cabeça de chave, não

participa presencialmente da sua atividade fim, que é a contação de histórias.

4.3.1 Caracterização e Escopo do Estudo

A pesquisa teve como unidade de investigação a Associação Viva e Deixe Viver. A

escolha do caso foi pela característica da Associação, que, desde a sua fundação, possui um

modelo de qualificação para seus voluntários.

Segundo Laville e Dionne (1999), o estudo de caso é apropriado para o exame

detalhado de uma comunidade, um ambiente, uma situação, um grupo ou mesmo de uma

determinada pessoa.

A Associação Viva e Deixe Viver já formou, em Salvador, em parceria com a Santa

Casa de Misericórdia da Bahia, através do Hospital Santa Izabel, 157 voluntários desde 2007.

Atualmente, conta 33 voluntários atuantes em 9 hospitais/casas de apoio e em um Centro de

Educação Infantil em Salvador. O processo de seleção e treinamento para formar contador de

histórias tem duração de nove meses.

99

Este projeto teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Prof. Dr. Celso

Figuerôa, Hospital Santa Izabel, local de qualificação dos voluntários, através do Parecer

20/2011.CAAE: 0010.0.057.000-11 no dia 15 de agosto de 2011.

O caso teve como objeto de investigação a formação destinada aos seus voluntários

pela Associação Viva e Deixe Viver em Salvador, e na pesquisa foi realizado um recorte da

população pesquisada, que corresponde a cursistas do ano de 2008.

4.3.2 Seleção e Caracterização da Amostra

A amostra foi selecionada tendo como critério o ano de menor índice de evasão de

pessoas no programa, sendo a turma formada em 2008, a escolhida como participante da

pesquisa. Os voluntários foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa, assegurados do

sigilo e convidados a assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido.

Os indicadores de permanência e evasão do programa de treinamento, nos anos de

2007, 2008 e 2010, demonstram, conforme Tabela 3, que existe um alto número de

voluntários que se evadem do programa. Foi informado que, no ano de 2009, não houve

capacitação.

Tabela 3 – Evasão de voluntários contadores de histórias

FREQUÊNCIA/ EVASÃO

Ano de Formação Número de Formados Atuantes em 25/10/2011 Percentil de Evasão (%)

2007 50 6 88

2008 58 15 74,13

2010 47 12 74,46

TOTAL 155 33

Fonte: Relatórios anuais da Associação Viva e Deixe Viver nos anos de 2007, 2008 e 2010.

Participaram deste estudo 51 voluntários, dos 58 cursistas que fizeram a formação para

contadores de histórias pela Associação Viva e Deixe Viver em Salvador, Bahia, no ano de

2008.

Desta amostra de 51 sujeitos, 15 contam histórias atualmente, 18 já contaram, mas, por

motivos diversos, estão afastados, e 18 pessoas fizeram a formação, mas nunca atuaram.

100

4.3.3 Instrumentos e Medidas

O questionário mencionado anteriormente foi construído a partir da leitura de

materiais de capacitação e dos vídeos de treinamento da Instituição, utilizados pela

Associação Viva e Deixe Viver.

Antes da aplicação do questionário, foi realizado um pré-teste

com 2 contadores de histórias que não fizeram parte da amostra, com o objetivo de avaliar as

questões quanto à escrita e à comunicação do enunciado, e com 13 facilitadores do programa

para que estes pudessem opinar sobre a coerência das perguntas que abordavam os temas

relacionados à capacitação que ministram no programa.

O questionário foi estruturado, portanto, com seis blocos de perguntas. O primeiro e o

segundo bloco tiveram a finalidade de descrever o perfil socioeconômico do voluntário. Esta

seção mapeou características referentes a gênero, faixa etária, estado civil, nível de

escolaridade, área de conhecimento e renda.

Com o terceiro (55 questões) e o quarto (01 pergunta de correspondência) bloco de

questões, buscou-se verificar o nível de conhecimento dos voluntários, acerca dos

conhecimentos adquiridos através dos dez módulos oferecidos no treinamento: “Princípios e

Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver”; “Fundamentos Filosóficos do Voluntariado”;

“Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo”; “Vivendo Positivamente”; “Ambientação

Hospitalar”; “A Arte de Contar Histórias”; “Processo de Morrer e Morte”; “Vivência

Terapêutica – aprendendo a lidar com as perdas”; “Memória do Brincar – Folclore Infantil” e

“Treinamento nos Hospitais”.

Ressalta-se que, no terceiro bloco, as perguntas foram formuladas baseadas no modelo

da escala likert de 7 pontos. A Escala Likert é a mais utilizada na construção de instrumentos

de medida. É um método dos pontos somados. Com ela, é possível verificar o nível de

concordância do respondente com afirmações favoráveis e desfavoráveis, relativas a uma

questão enunciada como falsa ou verdadeira. Nesta pesquisa, foi utilizada uma escala de 7

pontos, conforme quadro abaixo:

101

Quadro 4 – Modelo utilizado de Escala de 7 pontos

-3 -2 -1 0 1 2 3

Muitíssimo

falso

Muito

falso

Falso Não sei Verdadeiro Muito

verdadeiro

Muitíssimo

verdadeiro

Fonte: Instrumento de Pesquisa.

Ressalta-se que para analisar mais detalhadamente, optou-se por agrupar as opiniões

dos respondentes em relação a esses quesitos no terceiro bloco. Nesse sentido, a freqüência de

respostas obtidas na escala de 7 pontos, foram agrupados para formar 3 classes de respostas.

Deste modo, os pontos (-3,-2 e -1) e (1,2 e 3) da escala foram classificados como falso ou

verdadeiro a depender da alternativa analisada e considerados certos ou errados, formando

duas classes de respostas, e, a pontuação 0 da escala, tratada como uma terceira classe de

respostas, representando um posicionamento neutro com relação ao assunto tratado da

questão.

O quinto e o sétimo bloco de questões buscaram verificar a atitude do voluntário ante

o ambiente hospitalar, a contação de histórias e a criança hospitalizada.

Foi utilizado o questionário no sexto bloco a partir de questões abertas que buscam

avaliar conhecimentos e atitudes, composto por 19 questões.

Para análise dos blocos, exceto o sexto bloco, os dados foram submetidos ao

Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0 e ao Microsoft Excel 2010.

O grupo focal avaliou os níveis de conhecimentos e atitudes, a partir de um roteiro

preestabelecido, contendo as seguintes categorias de análise:

(a) O que foi mais marcante na formação;

(b) Avaliação dos conhecimentos dos 10 módulos pelo grupo;

(c) Avaliação do encontro.

O nível habilidades, neste caso, não é passível de ser avaliado, pois a atividade

desempenhada pelo contador é restrita ao paciente (criança e adolescente hospitalizados), à

família e, em alguns casos, a equipes de saúde, o que não possibilita a avaliação.

A habilidade, segundo Borges-Andrade (2001, p.37), refere-se à “capacidade de

desempenhar operações de trabalho com facilidade e precisão. Inclui comportamentos

motores ou verbais que favorecem a realização das tarefas inerentes à função”. As

102

especificações das habilidades normalmente implicam um padrão de desempenho requerido

para operações efetivas de um trabalho, o que, neste caso, seria de difícil acesso à atividade

prática de “contar histórias”.

4.4 PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

Nesta seção, encontram-se os procedimentos operacionais utilizados na pesquisa,

organizados de acordo com o processo da pesquisa: coleta, registro e análise dos dados.

Foram aplicados os instrumentos de avaliação, que constaram de um questionário

estruturado, construído a partir da leitura de materiais de capacitação, e dos vídeos de

treinamento da instituição, utilizados pela Associação Viva e Deixe Viver.

Os voluntários foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa, assegurados do

sigilo e convidados a assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido.

O grupo focal como técnica de pesquisa, segundo Gatti (2005, p.17), tem sua

constituição e desenvolvimento “em função do problema de pesquisa, e o grupo será

composto de associados à meta da pesquisa”. Recomenda essa autora que o grupo seja

composto por participantes com algumas características homogêneas. (GATTI, 2005, p.17)

A utilização do grupo focal envolveu duas etapas: planejamento e local para a

realização do grupo.

Foram organizados três grupos focais com diferentes perfis: grupo 1 (os que já

contaram, mas por algum motivo estavam afastados); grupo 2 (os que contavam histórias);

grupo 3 (os que nunca contaram histórias, mas fizeram o treinamento).

Houve a preocupação ética no sentido de obter adesão voluntária, preservar as

identidades dos participantes, garantindo-lhes anonimato. Em todas as sessões iniciais do

grupo focal, os assuntos referentes a sigilo foram tratados pelo moderador.

Devido a uma preocupação ética, pois, além de pesquisadora, coordeno as atividades

da Associação Viva e Deixe Viver na Bahia, é que foram escolhidos dois facilitadores

externos à pesquisa para condução dos grupos focais.

Segundo Gatti (2005, p.21), encontra-se na literatura a recomendação para “não se

juntar ao grupo pessoas que conheçam o moderador do grupo, pois o conhecimento mútuo

pode inibir manifestações e coibir a espontaneidade entre os que se conhecem”. Ainda

103

segundo essa autora, os participantes precisam sentir confiança para expressar suas opiniões e

enveredar pelos ângulos que quiserem em uma participação ativa. (GATTI, 2005, p.13).

O local também representou uma preocupação importante e foi conseguida uma

Faculdade que disponibilizou um espaço para a condução do grupo.

4.4.1 Coleta de Dados

O processo de coleta de dados nesta pesquisa teve início em março de 2011 e terminou

em outubro de 2011 com a realização do grupo focal.

Houve dificuldade em realizar o grupo focal 3, visto que se tratava de voluntários que

fizeram a formação, mas nunca atuaram como contadores de histórias, o que resultou num

grupo focal com apenas quatro participantes. Eles trouxeram, entretanto, contribuições

importantes para a pesquisa, permitindo também ampliar o foco de análise e cobrir variadas

condições que são intervenientes e relevantes para a pesquisa.

O grupo focal teve a participação de 23 pessoas, devido à dificuldade de agendamento

com os voluntários nas datas disponíveis para a sua realização.

A pesquisa qualitativa valeu-se de duas técnicas:

(a) Grupo focal com perfil de três grupos de contadores: os que contavam histórias (10

participantes); os que nunca contaram histórias, mas fizeram o treinamento (4 participantes) e

os que já contaram, mas por algum motivo estavam afastados (9 participantes);

(b) 19 Questões abertas do questionário.

Os dados obtidos com a pesquisa qualitativa serviram para complementar a análise dos

dados da avaliação quantitativa e, dessa forma, compor a análise das competências avaliadas

neste estudo: conhecimento e atitude.

Os 51 questionários foram aplicados individualmente em diversos locais, de acordo

com a disponibilidade de cada contador, e o grupo focal ocorreu numa sala de grupos de uma

Faculdade de Psicologia no Município de Salvador, com um total de 23 participantes. Todos

os participantes do grupo focal responderam ao questionário.

Foram aplicados 51 questionários, da amostra selecionada de 58 formados no curso de

2008, número atingido no período de coleta de 9 de setembro a 13 de outubro.

104

4.4.2 Registro

Os dados foram registrados num banco de dados criado para esta pesquisa com suporte

técnico em Microsoft Excel 2010, sendo depois transportados ao Statistical Package for

Social Sciences (SPSS), versão 17.0.

O registro do grupo focal foi realizado com dois gravadores. Os resultados foram

analisados à luz do referencial teórico apresentado, para em seguida traçar considerações em

relação aos resultados encontrados na pesquisa.

Foram transcritas pela pesquisadora 66 páginas das três sessões de grupo focal, que

foram realizadas com tempo médio de 2 horas cada uma.

4.4.3 Análise de Dados

Os dados foram analisados com a finalidade de descrever a realidade estudada, em

dois momentos distintos:

(a) Análise dos dados estatísticos, através da descrição e averiguando relações

existentes entre os dados encontrados;

Segundo Araújo (2005), a pesquisa quantitativa desenvolve-se dentro do que propõe a

avaliação somativa: a partir de resultados, provenientes do produto da ação, visando fornecer

subsídios para controle, retroalimentação e tomada de decisões organizacionais relativas ao

treinamento.

(b) Análise de dados qualitativos: pela análise de conteúdo no grupo focal e nas

questões abertas, buscou-se, através da categorização das respostas, obter dados que

pudessem fornecer uma dimensão mais aprofundada da avaliação.

Segundo Minayo (1994), a pesquisa qualitativa responde a questões muito

particulares. Ela se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou

seja, trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações crenças, valores, atitudes, o

que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que

não podem ser reduzidos à operacionalização das variáveis.

No próximo capítulo, serão apresentados os dados da pesquisa quantitativa e

qualitativa em separado e feita uma discussão dos resultados encontrados.

105

5 RESULTADOS

5.1 RESULTADOS PESQUISA QUANTITATIVA

É importante se conhecer, em alguma dimensão, o contexto ampliado de onde

emanaram os resultados. Desse modo, algumas características dos sujeitos da pesquisa são

apresentadas no início para que se tenha esta noção.

5.1.1 Características dos Sujeitos da Pesquisa

No perfil dos 51 sujeitos de pesquisa, foi detectado que o grupo de dividia em: (a)

atuantes, que são os que contam histórias; (b) voluntários que pararam de atuar, de contar

histórias e (c) voluntários que nunca contaram histórias, só fizeram a formação.

Tabela 4 – Perfil de atuação dos voluntários contadores de história

Perfil da Amostra Frequência (%)

Atuantes 15 29,42

Pararam de atuar 18 35,29

Nunca atuou 18 35,29

Total 51 100

Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Dos participantes que integram a amostra, 48 são do sexo feminino e 3 do sexo

masculino, ou, seja 94 % dos voluntários são compostos por mulheres e 6% são homens.

A maior concentração de idade é na faixa etária de 40 a 48 anos (N= 14), seguido de

49 a 57 anos (N=11), 58 a 66 anos (N= 11), 67 a 75 anos (N= 7), 22 a 30 (N= 4), 31 a 39 anos

(N=3) e 76 a 84 (N=1). Isto evidencia que a maioria dos voluntários desta amostra ultrapassa

a idade de 40 anos, ou seja, 85% possuem idade entre 40 a 75 anos.

O estado civil predominante dos voluntários foi de divorciados (N= 19), seguido de

casados (N= 16), solteiros (N= 12) e viúvos (N= 4). Ou seja, os divorciados representam 37%

da amostra, seguidos de 31% de casados, 25% de solteiros e 8% de viúvos.

106

Quanto à escolaridade, 23 dos voluntários possuem pós-graduação, 14 graduação, 6

não concluíram a graduação e 7 possuem segundo grau, restando apenas 1 no primeiro grau.

Os voluntários com graduação e pós-graduados representam 73% da amostra, o que pode

indicar que a proposta de voluntariado da Associação Viva e Deixe Viver, por atuar com

contação de histórias/literatura, possui voluntários com perfil de gosto por leitura, expresso

pelo nível de instrução formal mais qualificado.

Quanto à área de conhecimento, os entrevistados, em sua maioria, são da área de

Ciências Humanas (N= 16), seguidos da área de Ciências Sociais Aplicadas (N=14), Ciências

da Saúde (N= 5), Ciências Exatas e da Terra (N=2), Linguística, Letras e Artes (N=2),

havendo alguns (N=12) que não informaram ou não possuíam estudos avançados. A divisão

da variável área de conhecimento foi elaborada segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Ou seja, 58 % da amostra se situa na área de Ciências

Sociais Aplicadas e Humanas, tendo a área de Saúde uma parcela de 10%.

Os voluntários responderam que possuíam renda de 5 a 10 salários mínimos (N=14),

seguidos de 3 a 5 salários mínimos (N= 9), 10 a 20 salários mínimos (N=8), 2 a 3 salários

mínimos (N=6), e renda de 01 salário mínimo (N=2). A divisão por classe da variável renda

foi elaborada segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. A

renda dos voluntários acima de 5 salários mínimos corresponde a 43% da amostra, seguidos

de 29% que ganham entre 2 a 5 salários mínimos.

O nível de renda pode-se relacionar com a variável escolaridade. Os voluntários

apresentam ganhos em maior escala de renda de 5 a 10 salários mínimos (28%), seguido de 3

a 5 salários mínimos (18%) e 10 a 20 salários mínimos (16%), dados associados a 73% de

voluntários que possuem o terceiro grau.

No geral, pode-se dizer que as mulheres representam grande parte da amostra dos

voluntários (93%), o que é confirmado na literatura brasileira, segundo Selli e Garrafa (2005),

sobre a participação feminina nas atividades voluntárias. Outra dimensão importante se refere

ao grau de instrução e renda, que juntos demonstram que o grupo pesquisado possui nível de

escolaridade elevado e predominantemente advindo das áreas sociais e humanas, com renda

de 43% que ganham mais de cinco salários mínimos.

Outro ponto a ser destacado é que o grupo, na sua maioria, possui idade superior a 40

anos e é constituído de divorciados, solteiros e viúvos (70%).

O perfil desse grupo é composto, portanto, de mulheres que não possuem cônjuge,

com idade igual ou acima dos 40 anos, nível de escolaridade elevado, advindas, em sua

maioria, da área de Ciências Humanas e Sociais.

107

A próxima seção irá trazer os resultados obtidos no nível de conhecimentos acerca dos

10 módulos, que compreendem o treinamento oferecido aos voluntários.

5.1.2 Nível Conhecimentos

O nível de conhecimento corresponde àquilo que se afirma saber acerca de um

determinado tema. Isso não significa que necessariamente este aprendizado seja colocado em

prática. Corresponde a um conjunto de informações que a pessoa armazena, e quanto maior

for o conhecimento mais a competência permite que a pessoa enfrente com flexibilidade os

diversos desafios de seu cotidiano.

Segundo Zarifian (2001, p.3), “o conhecimento ou o ‘saber’ é adquirido por meio da

aprendizagem. É na absorção dos conhecimentos e na relação educativa que as competências

normalmente são formadas e desenvolvidas”.

A partir desse conjunto de reflexões e das diretrizes do projeto pedagógico do

programa de capacitação de voluntários contadores de histórias da Associação Viva e Deixe

Viver, as questões relacionadas ao conhecimento dos módulos foram elaboradas no âmbito da

pesquisa, trazendo como resultado:

(a) Módulo 1 – Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver

Este módulo tem como objetivo proporcionar que os candidatos conheçam a missão, a

história, a filosofia, as regras e as normas da Associação Viva e Deixe Viver.

As questões trazidas para avaliar este módulo foram:

(2) É muito importante para o contador de histórias saber qual é o diagnóstico da criança. (R-F)

(5) É papel do contador de histórias investigar a veracidade de uma narrativa pessoal eventualmente

contada pela criança hospitalizada. (R-F)

(7) A função terapêutica da contação de histórias está dada, principalmente, em razão da escolha

específica de determinados livros, cujo enredo de superação e personagens heróicos permitem que a

criança se identifique e encontre forças para enfrentar a doença. (R-F)

(8) Tão importante quanto contar uma história é ouvir uma história da criança? (R-V)

(9) Para o Viva e para os hospitais é preferível a desistência do voluntário do que a ausência às

atividades de contação agendadas. (R-V)

(11) Segundo a filosofia de trabalho do Viva, os livros de ficção, contos de fadas e aventura são

preferíveis para o uso do contador voluntário do que aqueles com propostas educativas explicitas sobre

hábitos saudáveis. (R- F)

(22) O contador de histórias não deve, nunca, fazer doações (de alimentos, brinquedos, material escolar)

ou campanhas de arrecadação junto aos seus amigos e familiares para ajudar um paciente do hospital.

108

( R-V)

(29) O Viva é uma instituição que atua na promoção da saúde e da cura através da contação de histórias

a pacientes hospitalizados. (R-F)

As questões 2, 5, 8, 9, 11 e 22, tiveram acertos acima de 51%. Exceto a questão 7 e a

29, que tiveram acertos de 35% e 20%, respectivamente; estas questões atribuem à contação

de histórias a “função terapêutica” e a “promoção da cura”. Muito embora a contação de

histórias, nesse projeto, não tenha a função de trabalhar terapeuticamente com os pacientes,

muitas vezes é possível que a criança elabore conteúdos internos que a auxiliem na superação

de um momento difícil. Contudo, quando isso ocorre, é pela própria natureza psíquica das

histórias, mas, objetivamente, não é trabalhado como instrumento terapêutico na formação do

contador, embora assim a reconheçam com este fim. Neutros correspondem as respostas

atribuídas a “não sei” na escala.

Figura 3 – Módulo Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(b) Módulo 2 – Fundamentos Filosóficos do Voluntariado

Este módulo tem como objetivo levar os participantes a conhecer os fundamentos que

sustentam o trabalho voluntário, bem como as causas e condições para um efetivo trabalho

solidário, que surge da compaixão, mas se estrutura e se estabelece com foco em resultados. O

voluntário deverá conhecer seus direitos, deveres e a Lei que rege o trabalho Voluntário

(9.608/98). As questões formuladas para avaliar este módulo foram:

109

( 1) A criança é o único beneficiado da contação de história. (R-F)

(23) Voluntário Profissional no Viva é aquela pessoa que faz do voluntariado sua atividade remunerada.

(R-F)

(24) Voluntário Profissional é a pessoa que cumpre com os objetivos propostos com a organização,

dentro das suas limitações. (R-V)

(30) Voluntário é a pessoa que ajuda incondicionalmente, que se sacrifica em prol do outro. (R-F)

(31) Voluntário é uma pessoa que precisa ser reconhecida no hospital porque trabalha de graça (R-F)

(32) Voluntário tem direitos e deveres no hospital. (R-V)

(39) Ser voluntário na saúde implica entrar em contato e ter que lidar com questões emocionais e com a

morte. (R-V)

Todas as questões tiveram respostas com acertos acima de 57%, o que demonstra que

o respondente conhece os fundamentos que regem o trabalho voluntário, os direitos e os

deveres desta atividade na proposta de voluntariado da Associação.

Figura 4 – Fundamentos Filosóficos do Voluntariado.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(c) Módulo 3 – Planejamento pessoal e gestão do tempo:

Este módulo tem como objetivo levar os participantes à compreensão da importância

do gerenciamento de tempo, propondo técnicas de planificação das diferentes atividades do

seu dia-a-dia, bem como da ação voluntária, em meio às demais responsabilidades. A questão

formulada para avaliar este módulo foi:

(3) O que é mais correto quanto ao meu trabalho de contador de histórias: horários

fixos (pré-determinados), do que eu me disponibilize sem horários determinados. (R-V)

110

Esta questão trouxe a ideia principal que é trabalhada no módulo para o contador de

histórias no que diz respeito à compreensão de gerenciar o tempo nas suas atividades,

incluindo a do voluntariado. Obteve acerto de 86%.

Figura 5 – Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(d) Módulo 4 – Vivendo Positivamente

O módulo tem como objetivo dar a compreensão da natureza do pensamento

positivo.Ensina métodos para ser mais positivo e construtivo em casa, no trabalho e em seus

relacionamentos. As questões formuladas deste módulo foram:

(42) É importante ter uma postura positiva para ser contador de histórias em hospital. (R-V)

(46) Viver Positivamente pode ser considerado um dos valores na saúde. (R-V)

(47) Não existe método para ensinar a pensar positivo. (R-F)

O módulo avaliado tem acertos de duas questões em 98% e de uma questão em 55%,

demonstrando que o contador entende a importância do pensamento positivo para a sua

formação de contador de histórias.

Figura 6 – Vivendo Positivamente.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

111

(e) Módulo 5 – Ambientação Hospitalar

Este módulo tem como objetivo instruir os voluntários a conhecerem o funcionamento,

os riscos e os cuidados que qualquer indivíduo deve ter ao trabalhar ou visitar uma instituição

hospitalar. Tem a função de socializar a informação com o contador de histórias sobre

normas, rotinas e os serviços prestados pelo hospital. As perguntas relacionadas a este módulo

foram:

(10) Um contador de histórias não pode oferecer alimentos aos pacientes, mas pode, tranquilamente

ajudar dando água caso o paciente tenha sede. (R-F)

(12) Os cuidados de segurança do trabalho (Biossegurança) que o contador de histórias tem que manter

são importantes, antes de tudo para poupar as crianças da contaminação. (R-V)

(13) Livros de histórias cujas páginas possuem textura em tecido são bastante recomendados para o uso

do contador, pois ao contato com essas texturas, importantes estímulos sensoriais são proporcionados às

crianças hospitalizadas. (R-F)

(14) Lavar bem as mãos a cada vez que se muda de leito na contação de história é a atitude mais eficaz

para prevenir a transmissão de infecção. (R-V)

(15) Em nome da parceria que se deve estabelecer com a equipe multiprofissional de saúde, é

recomendado que o contador de histórias, eventualmente (e sempre que possível), colabore com a

equipe, por exemplo, trocando uma fralda ou ajudando a dar banho na criança. (R-F)

(16) Um voluntário que nos horários de trabalho é remunerado como enfermeiro, está autorizado a

realizar eventuais intervenções assistenciais de saúde durante sua jornada de contação de histórias no

hospital. (R-F)

(17) Em princípio equipamento individual de proteção, como luvas, por exemplo, não são requeridos

para o trabalho de contador de história em hospitais, porque, comumente, ele não tem contato com

fluidos biológicos do paciente. (R-V)

(18) Se o contador de histórias vai atuar junto a uma criança sob “isolamento de contato”, precisará,

necessariamente, utilizar avental e luvas para adentrar o quarto. (R-V)

(19) O jaleco utilizado pelo voluntário contador de história é simplesmente um sinalizador de atividade

profissional (uniforme), ou seja, ele não tem função de protegê-lo contra contaminação. (R-V)

(20) Normalmente não é necessário lavar separadamente o jaleco do contador de histórias, ou seja, ele

pode ser lavado juntamente com o restante das roupas da casa. (R-V)

(21) Vacinas disponíveis apenas para Profissionais de Saúde, como aquelas da Influenza e Hepatite A,

devem ser buscados pelo Contador em clínicas particulares de imunização. (R-F)

Este módulo contou com 11 questões avaliadoras de conhecimento, sendo que duas

tiveram alto índice de erros: as questões 20 e 21. Elas correspondem aos saberes acerca da

norma de utilização do jaleco (lavagem) e sobre a busca de vacinas disponíveis. Neste ponto,

cabe dizer que a orientação da Associação Viva e Deixe Viver é de que os voluntários não

necessitem lavar seus jalecos separadamente, o que vale ressaltar que é um posicionamento

ainda contraditório entre os próprios facilitadores deste módulo, que ajudaram a validar o

instrumento da pesquisa, pois alguns acreditam ser necessário efetuar a lavagem em separado

e outros não, o que se reflete nos índices de respostas, portanto trazidas na questão.

112

Sobre a questão 21, a Associação não aconselha o contador a buscar as vacinas em

clínicas de imunização. O procedimento de fornecimento de vacinas é para o profissional de

saúde que está no dia a dia do hospital.

Já as questões 10 e 19, que obtiveram acertos de 47% e 49%, dizem respeito a buscar

água para o paciente, caso ele tenha sede, o que é uma atitude considerada inadequada, visto

que não é permitido, ao voluntário, fornecer nenhuma espécie de alimento ou água aos

pacientes. Quanto à questão 19, que se refere ao jaleco como sinalizador, as respostas

demonstram que 49% dos voluntários têm dúvidas quanto à função do jaleco, que é de fato

um sinalizador, já que o papel do contador é restrito à contação de histórias e não envolve

cuidados médicos.

Figura 7 – Ambientação Hospitalar.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(f) Módulo 6 – A arte de contar histórias

O objetivo deste módulo é instrumentalizar os voluntários quanto às técnicas da arte

de contar histórias. As perguntas que buscavam atender a este item da pesquisa foram:

(33) Para as crianças hospitalizadas o ideal é contar histórias mais curtas. (R-V)

(34) Posso contar histórias improvisadamente, como um ator. (R-F)

(35) Devo dramatizar sempre as histórias para que se tornem mais engraçadas. (R-F)

(36) A criança que pede a história repetidas vezes é porque não entendeu a moral da história.(R-F)

(37) Não devo contar histórias de medo, morte, bruxa, terror para crianças hospitalizadas.(R-F)

(53) As histórias mais indicadas para crianças de 3 a 6 anos são histórias de fábulas, aventuras e lendas.

(R-F)

(54) A estrutura de uma história tem nos seus elementos essenciais: introdução, clímax e desfecho – tudo

isso faz parte do que chamamos enredo. (R-V)

113

Para este módulo, o contador de história obteve baixo percentual de acertos nas

questões 34, 35, 37 e 53. As questões 34 e 35 referem-se à contação de histórias como

linguagem teatral. Segundo os pressupostos de trabalho da Associação Viva e Deixe Viver, a

linguagem da contação de histórias se diferencia daquela do teatro.

A questão 37 refere-se aos conteúdos de histórias infantis. No âmbito da formação

para contadores de histórias, é ofertado o esclarecimento de que as histórias de morte, bruxas,

terror podem ser contadas, sim, pelos voluntários, visto que essas histórias ajudam as crianças

a elaborar conteúdos de medo, morte, doença, não havendo restrições a sua utilização.

A questão 53, respondida com alto percentual de erros, afirma que é indicada a

contação de fábulas, aventuras e lendas para crianças na faixa etária acima de 10 anos. No

entanto, segundo Coelho (2002, p.15), “histórias recomendadas para crianças de 3 a 6 anos,

são aquelas de bichinhos, brinquedos, objetos, seres da natureza, histórias de repetição e

acumulativas”.

Figura 8 – A Arte de Contar Histórias.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

114

(g) Módulo 7 – Processo de morrer e morte

O objetivo deste módulo é levar o voluntário a conhecer aspectos sobre o paciente

terminal e sua família, abordando elementos como o conforto físico, social e espiritual, além

do processo de luto no hospital. As perguntas que buscavam atender a este item da pesquisa

foram:

(38) Quando morre alguma criança que eu conheço no hospital, é meu papel como contador de histórias,

acolher os familiares e oferecer apoio. (R-F)

(41) Não é porque trabalho em hospital, que tenho que lidar com as perdas. (R-F)

(48) A doença da criança causa desorganização familiar. (R-V)

(49) Existem estágios como negação, raiva, barganha, depressão e aceitação no processo de internação

do paciente no hospital. (R-V)

(50) A doença causa na criança repercussões emocionais, físicas, psíquicas, motoras, cognitivas e

sociais. (R-V)

(55) É inevitável que eu me depare com situações de dor, morte e perda no hospital. (R-V)

Este módulo teve acertos acima de 69%, refletindo que as discussões abordadas

trazidas neste módulo foram assimiladas, ao menos do ponto de vista teórico-conceitual, pelo

contador de histórias.

Figura 9 – Processo de Morrer e Morte.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

115

(h) Módulo 8 – Vivência Terapêutica

O objetivo deste módulo é propor a reflexão sobre questões emocionais que surgem

durante a atuação do voluntário junto às crianças e aos adolescentes nos hospitais. As

perguntas relacionadas a este módulo foram:

(04) É importante criar laços estreitos e fortes vínculos afetivos com a criança hospitalizada para ser

um bom contador de histórias. (R-F)

(06) É imprescindível para ser um bom contador de histórias superar limites emocionais, que

constrangem, por exemplo, ao trabalhar com crianças com câncer ou crianças queimadas. (R-V)

(40) Devo me cuidar emocionalmente para ser contador de história em hospitais. (R-V)

As questões relacionadas a este módulo tiveram acertos acima de 84%, representando

conhecimentos adquiridos relacionados à atuação do voluntário junto à criança hospitalizada e

aos limites emocionais decorrentes desta relação no âmbito hospitalar.

Figura 10 – Vivência Terapêutica.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(i) Módulo 9 – Folclore Infantil

Este módulo tem como objetivo resgatar o apreço das brincadeiras e cantigas

populares do País e propor a transmissão oral às crianças brasileiras. As perguntas

relacionadas a este módulo foram:

(45) É possível resgatar a brincadeira porque ele faz parte da nossa história. (R-V)

(51) Folclore não é criado pelas classes populares. (R-F)

(52) Folclore quer dizer ciência, saber do povo. (R-V)

Neste módulo, o contador demonstra conhecimento acerca do folclore infantil, com

acertos acima de 78%.

116

Figura 11 – Folclore Infantil.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

(j) Módulo 10 – Observação/Treinamento em Hospitais

Este módulo tem como objetivo, através de um trabalho de observação em quatro

hospitais, levar os treinandos a conhecerem, de modo aplicado e mais concreto, o ambiente

hospitalar, as regras do hospital a partir do monitoramento de um voluntário mais experiente.

As questões de pesquisas relacionadas a este módulo foram:

(43) Fazer o treinamento me ajudou a escolher o lugar para contar histórias. (R-V)

(44) Ver outro contador na época do treinamento contando histórias me ajudou a melhorar a minha

performance. (R-V)

Tendo em vista que este módulo não acontece sob a forma de aula expositiva e sim

através de experiências de observação, buscou-se compreender se o contador entendia os

objetivos da realização do módulo. Obteve acertos acima de 84%.

117

Figura 12 – Treinamento em Hospitais.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

5.1.2.1 Resultado geral de cada módulo avaliado

A Figura 13 apresenta as médias por módulo das 55 questões da escala

correspondente. O resultado indica que os 10 módulos tiveram médias de acertos de 77,93%,

sendo que os módulos com maior percentual de erros foram os módulos 1 e 6, que são

referentes, respectivamente, a “Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver”

(37%) e a “A Arte de Contar Histórias” (43%), cujas questões já foram discutidas

anteriormente, na análise de cada módulo em separado.

Relacionado ao tempo de formados (3 anos) dos contadores, pode-se inferir que a

qualificação teve como resultado a aprendizagem significativa dos conteúdos estudados, pois,

como explica Perreneud (1999,p.10), “conhecimentos e competências são estreitamente

complementares, podendo haver entre eles apenas um conflito de prioridade”.

118

Figura 13 – Médias gerais dos módulos avaliados.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

5.1.2.2 Resultado da questão de correspondência

A Figura 14 apresenta o resultado do item de correspondência de uma coluna com a

outra de conhecimentos sobre os módulos acima estudados e numerados, no quarto bloco,

com o título “Nesta parte você vai fazer correspondência de uma coluna com a outra”. Os

resultados indicam que as médias correspondem a 71% de acertos.

Figura 14 – Resultado da questão de correspondência dos módulos avaliados.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

119

5.1.3 Nível Atitude

O conceito de atitude na literatura especializada pressupõe a predisposição da pessoa

para atuar (se comportar) de determinada maneira diante de um objeto. O fato de a atitude

apresentar uma intenção de comportamento por parte do indivíduo não significa,

necessariamente, que essa intenção será consumada. Segundo Bowditch e Buono (apud

BARHY; TOLFO, 2007, p.3), “a consumação depende das circunstâncias, e é por meio da

ação que o comportamento é concretizado”.

Dessa forma, a atitude aqui referida, aquela sobre a qual se diz, é apenas supostamente

desempenhada pelo contador de história no contexto em que atua, mas não verificável (ação

praticada).

O nível atitude foi avaliado a partir dessa perspectiva e valeu-se das três seguintes

questões:

(a) O que deve ser evitado fazer num hospital; (b) Por que não se deve faltar à

contação de histórias no hospital e (c) Quais os motivos que levam uma contação de histórias

não acontecer como o esperado.

A pergunta (a) “O que você recomendaria que o contador evitasse fazer em um

ambiente hospitalar” foi composta de atitudes não recomendáveis, que têm a intenção de

estabelecer segundo a percepção dos voluntários, um ranking de gravidade dessas proibições.

Foram atribuídas 4 respostas de maior relevância que correspondem a 83% das respostas de

evitação:

Questão 8 – Ministrar medicação (33%);

Questão 1 – Usar trajes incompatíveis no ambiente hospitalar (24%);

Questão 9 – Favorecer à criança a retirada do acesso venoso (18%);

Questão 3 – Não demonstrar equilíbrio emocional diante de episódios de estresse e/ou

perdas (8%).

Nessa questão sobre o que deve ser evitado fazer no hospital, as perguntas com maior

frequência de respostas foram: ministrar medicação (33%); a utilização de trajes

incompatíveis (24%); a retirada do acesso venoso (18%); não demonstrar equilíbrio

emocional diante de episódios de estresse e/ou perdas (8%). Isso demonstra que, para o

120

contador de histórias, é também importante “a sua apresentação” num ambiente hospitalar

além das normas e respeito às rotinas hospitalares. Segue percentuais de respostas de cada

pergunta na Figura abaixo:

Questão1; 24%

Questão2; 0%

Questão3; 8%

Questão4; 6%

Questão5; 2%

Questão6; 0%

Questão7; 0%Questão8; 33%

Questão9; 18%

Questão10; 4%

Questão11; 2%

Questão12; 2%

Questão13; 2%

Figura 15 – O que você recomendaria que o contador evitasse fazer no hospital.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

Quadro 5 – Perguntas da questão “O que você recomendaria que o contador evitasse fazer em um

ambiente hospitalar”

Quesito 1 Usar trajes incompatíveis ao ambiente (saias curtas, salto alto, cores berrantes) e

acessórios inadequados (joias, bijuterias em excesso, perfume muito forte).

Quesito 2 Sentar nos leitos.

Quesito 3 Não demonstrar equilíbrio emocional diante de episódios de estresse e/ou perdas.

Quesito 4 Não lavar as mãos segundo o procedimento de controle de infecção hospitalar.

Quesito 5 Fazer lanches na presença da criança.

Quesito 6

Gestos não verbais do contador que demonstrem estranheza ao quadro do paciente,

por exemplo, crianças queimadas, provocando nestas desconforto ou sentimento de

inadequação na presença do contador.

Quesito 7 Ministrar-lhe passes, johrey, massagens.

Quesito 8 Ministrar medicação.

Quesito 9 Favorecer às crianças a retirada do acesso venoso.

Quesito 10 Favorecer aos acompanhantes/pacientes burlar normas estabelecidas (favorecer o

uso de telefone fora do horário, a TV ligada, utilizar brinquedos fora do horário).

Quesito 11 Favorecer o acesso ao prontuário sem o conhecimento da equipe.

Quesito 12 Responder às curiosidades de outras mães acerca do diagnóstico mais delicado.

Quesito 13 Favorecer a saída de paciente das dependências da enfermaria sem autorização.

Fonte: Dados da Pesquisa (2011).

121

Na Figura 16, a questão “Eu não faltaria à contação de histórias porque...” indica que

76% das pessoas responderam que não faltariam, pois querem evitar sentimentos por parte das

crianças de frustração de esperar alguém, que então não comparecerá.

O voluntário demonstra preocupação junto ao público que ele atende no hospital, ao

responder que não faltaria à contação de histórias, para evitar sentimentos de frustração da

criança em esperá-lo, o que se relaciona diretamente com a filosofia da instituição, que afirma

em seu discurso institucional: “O Viva prefere a desistência do voluntário à sua ausência no

hospital”.

Figura 16 – Eu não faltaria a contação de histórias.

Fonte: Dados da pesquisa (2011).

Quadro 6 – Perguntas da questão: “Eu não faltaria à contação de histórias porque...”

Quesito1 Quero evitar sentimentos por parte das crianças da frustração de esperar alguém, que então não

comparecerá;

Quesito2 Não quero que me julguem como alguém que não atende seus compromissos;

Quesito3 Tenho medo de ir me acostumando e perder a vontade de continuar;

Quesito 4 Receio que a equipe de saúde perca o entrosamento comigo;

Quesito 5 Temo que as crianças me estranhem quando então eu retornar;

Quesito 6 Receio perder o jeito para o trabalho.

Fonte: Dados da pesquisa (2011).

A Figura 17, que corresponde à pergunta: “Quando uma contação de histórias não saiu

como o esperado”, indica que as respostas “a história contada não produzia o ‘efeito’ que eu

esperava na criança” (43%) e “havia a ‘concorrência’ de outros estímulos atraentes que

dispersam a criança como TV e brinquedos” (39%) representaram um percentual de 82% das

respostas.

122

Neste item, o contador atribui as falhas da sua atuação a fatores externos, que afetam o

seu trabalho.

Figura 17 – “Quando uma contação de histórias não saiu como o esperado, isto

Se deu porque...”

Fonte: Dados da pesquisa (2011).

5.2 RESULTADOS DA PESQUISA QUALITATIVA

A abordagem qualitativa desta pesquisa vincula-se aos objetivos da avaliação de

resultados da qualificação, tendo como indicadores o conhecimento e a atitude referida do

grupo pesquisado.

De acordo com o delineamento da pesquisa de campo, a abordagem qualitativa

pretende aprofundar a avaliação da qualificação a partir das respostas abertas do questionário

e do grupo focal.

Esses dados serão tratados de acordo com a teoria proposta de análise de conteúdo,

que, segundo Bardin (2011, p.15), “é um conjunto de instrumentos metodológicos em

constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes)

extremamente diversificados”.

Segundo Bardin (2011, p.15):

123

O fator comum dessas técnicas múltiplas e multiplicadas – desde o cálculo

de freqüências que fornece dados cifrados, até a extração de estruturas

traduzíveis em modelos – é uma hermenêutica controlada, baseada na

dedução: a inferência. Enquanto esforço de interpretação, a análise de

conteúdo oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade

da subjetividade.

5.2.1 Análise das Questões Abertas do Questionário

As perguntas do questionário analisadas foram divididas em dois blocos:

conhecimentos (2, 4, 5, 7, 8,10,19) e atitudes (9 e 14).

As respostas foram divididas em categorias e analisadas uma a uma de acordo com a

frequência encontrada nos questionários. Segundo Bardin (2011,p.147), “a categorização é

uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e,

em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente

definidos”.

As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos

(unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento

este efetuado em razão das características comuns desses elementos (BARDIN, 2011, p.147).

As perguntas foram analisadas, trazendo a frequência de ocorrência das respostas, de

acordo com o sentido de cada resposta, utilizando como critérios de categorização a semântica

(agrupamento pelos significados das palavras) e o léxico (classificação das palavras segundo

o seu sentido, com emparelhamento dos sinônimos e dos sentidos próximos).

(a) Nível Conhecimento

Pergunta 2. Qual o papel da eleição de prioridade na construção de uma agenda de atividades?

(Módulo Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo)

Este item relaciona-se diretamente ao Módulo Planejamento e Gestão Pessoal, que

propõe o melhor uso do tempo (gerenciamento) a fim de obter maior rendimento e satisfação.

As principais categorias de respostas e suas respectivas frequências (colocadas entre

parênteses) são assim agrupadas:

124

Administração do tempo Uso do tempo

Administra melhor o tempo (1) Utiliza melhor o tempo (9)

Organiza melhor o tempo (13) Aproveita melhor o tempo (1)

Otimiza o tempo (4)

Melhor adequação do tempo (1)

Planejamento do tempo Desempenho nas tarefas

Organiza a agenda de atividades (6) Ajuda a atingir metas (1)

Ajuda estabelecer prioridades (11) Melhora o desempenho no dia a dia (1)

Permite Planejar as tarefas (5)

Conforme a categorização, pode-se dizer que as respostas foram divididas em quatro

blocos com respostas em torno da administração do tempo, uso do tempo, planejamento do

tempo e desempenho. A maior frequência das respostas está relacionada ao planejamento do

tempo, um dos requisitos de gerenciamento do tempo, tratado no Módulo Planejamento

Pessoal e Gestão de Tempo.

Na pergunta seguinte, de acordo com o módulo, esperam-se respostas, em torno da

consequência da falta do contador ao hospital, que gera expectativa/frustração nas crianças e

na impossibilidade da coordenação do hospital de encaminhar outro voluntário.

Pergunta (4) – Por que o Viva diz preferir a sua “desistência”, ao invés das suas faltas nos hospitais?

(Módulo Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

agrupadas:

125

Sentimentos negativos na criança Deveres do voluntário

Frustração pela ausência do contador (7) Compromisso com o voluntariado (5)

Decepção da criança (3) Responsabilidade do contador (5)

Contrariar a criança (1) Voluntariado deve ser programado (1)

Provoca ansiedade na criança (2)

Respeito ao paciente/criança Causa

A criança cria expectativa (11) Abandono a causa (1)

A criança espera pelo contador (13) Dar lugar a outro voluntário (4)

Compromisso com a criança (3) O contador é importante para criança (5)

Desistir para não gerar expectativa (1)

Abandono à criança atendida pelo contador (1)

A falta deve ser aceita

É um acontecimento inerente ao contador (3)

Desistir pode desestimular o contador (1)

Nessas respostas, o que fica evidente é a preocupação do contador com os sentimentos

da criança, quanto às repercussões que a falta do contador ao hospital pode trazer à criança,

discurso presente no módulo, que diz que a Associação Viva e Deixe Viver prefere a

desistência do contador a suas faltas nos hospitais.

Na pergunta seguinte e de acordo com o módulo ministrado, esperam-se as respostas:

Consciência, Compromisso e Constância, valores trazidos pela Associação Viva e Deixe

Viver em seu módulo de capacitação.

Pergunta (5) – O que quer dizer cada um dos três Cs ?

(Módulo Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver)

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

agrupadas:

Não lembra Consciência, comprometimento e constância

Não lembro (44) Consciência (1)

Compromisso (3)

Constância (0)

Outros

Criança, contador e caridade (1)

Colaboração, competência e comprometimento (1)

Responsabilidades (1)

Humanização, saúde e equilíbrio (1)

126

Nesta questão, os voluntários não se recordam dos valores que são “tratados” nos

módulo da Associação. Isto sugere dizer que isso se dá porque não se introjetam valores num

treinamento, estes são adquiridos ao longo da vida do sujeito. Não se aprendem valores num

módulo de poucas horas, com caráter educativo. Isso é inferido pelo número de pessoas que

não se recordam o que significam os três Cs, bastante difundidos pela Associação, na sua

palestra de treinamento introdutória.

Na pergunta seguinte, esperam-se respostas afirmando que o contador, além de levar

entretenimento e alegria, como em outras atividades, também leva a leitura, literatura e

informação para dentro do hospital.

Pergunta (7) – Em meio a tantas outras atividades humanizadoras no hospital (palhaços, músicas,

professores, artistas plásticos, brinquedeotecas), que diferença faz o contador de história?

Módulo: Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

agrupadas:

Leva alegria e entretenimento ao hospital Estimula leitura e leva informação

Leva entretenimento para o hospital (6) Estimula a leitura (6)

Leva alegria ao hospital (13) Leva informação (1)

Leva Literatura ao hospital Favorece a fantasia e o mundo mágico

Leva literatura (4) A importância da história/mundo mágico (17)

Favorece a fantasia (3)

Solta a imaginação da criança (4)

Promove a humanização Promove a cultura

Promove a humanização (1) Promove a cultura (2)

Promove momento de aconchego (1)

Essas respostas trazem como categorias mais frequentes as que aludem ao papel do

contador no hospital como promotor de alegria e entretenimento, e ao papel das histórias que

favorecem a imaginação, a fantasia e o universo infantil (mágico), necessários para qualquer

criança.

Segundo Giordano (2004), as diversas histórias contam não apenas episódios de uma

história imaginária, mas muita coisa sobre nós mesmos. É comum que os contos apresentem

um dilema existencial de forma breve e categórica, sendo, portanto, por meio dos contos que

também há uma possibilidade de aprendermos mais sobre nossos problemas interiores. É a

127

possibilidade de revisar a própria história, porém, de outro jeito, só é possível o enfrentamento

de situações com um mínimo de sucesso a partir do que se tem como recurso interno.

Não é propósito neste trabalho discutir as possibilidades terapêuticas das histórias, mas

não se pode deixar de apontar este universo, já que o pensamento humano, através das raízes

do imaginário e da fantasia, busca equilíbrio entre suas emoções.

A especificidade do contador de histórias do Viva é levar literatura ao hospital, e isso

foi respondido por poucas pessoas no grupo. Alegria, humanização, entretenimento e leitura

são trazidos para o contexto hospitalar por palhaços, músicos, professores hospitalares,

terapeutas, mas a literatura é específica do contador de histórias.

As categorias leitura e literatura foram separadas visto que possuem matrizes

conceituais distintas. A literatura é uma criação, recriação, podendo até partir da realidade,

mas existe a preocupação com a estética, com a construção da mensagem, da arte da palavra,

do poético. A literatura perpassa a leitura, mas nem toda a leitura se faz a partir da literatura,

já que se pode ler qualquer texto que não seja necessariamente literário. Se não houvesse a

materialidade da literatura, o suporte por meio do qual ela se manifesta, no entender de

Zilberman, a literatura:

Perder-se-ia no tempo, pois seus outros elementos – as imagens que emanam

da fantasia de um sujeito, as narrações em que se transformam as falas de

pessoas e grupos – mostram-se por demais transitórios e efêmeros.

(ZILBERMAN, 2001, p.113).

Em relação à pergunta 8, espera-se como resposta em torno das seguintes reflexões: ler

e ouvir história auxilia na criação do hábito de leitura; domínio da linguagem; acesso à

linguagem; socialização; permitir a criança sair, nem que seja por alguns momentos, do foco

da doença; elaborar conteúdos mesmo que não seja este o objetivo do contador de histórias;

ajudar na adesão à dieta ou à medicação na hospitalização; estimular a capacidade de

representar fantasias; ajudar a criar novas imagens mentais; auxiliar no processo de

alfabetização e aprendizagem; oferecer recursos lúdicos que ajudem a criança a lidar com o

seu processo do adoecimento e lhe tragam uma melhor qualidade de vida.

Pergunta (8) – Para que serve, especificamente, a leitura ou ouvir uma história em hospital ?

(Módulo Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver e A Arte de Contar Histórias)

128

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

agrupadas:

Leitura para o hospital Promove a humanização

Gosto pela leitura (2) Ajuda no tratamento (2)

Benefícios da leitura (2) Promove acolhimento/humanização (2)

Mantém criança conectada com ambiente escolar (1) Promove qualidade de vida (1)

Leva alegria ao hospital Ajuda no tratamento

Promove alegria (5) Minimiza a dor (12)

Anima a criança (2) Ajuda a esquecer o sofrimento (13)

Retira o estresse (1)

Altere o estado de doença (1)

Promove a ludicidade Ajuda a criança a sonhar

Acesso ao lúdico (1) Leva a criança a sonhar (4)

As respostas encontradas evidenciam, por parte dos voluntários, o papel da contação

de história como auxiliar no tratamento da criança, minimizando a dor e o momento difícil da

hospitalização. Encontrou-se até uma resposta que se refere à contação de histórias com o

“poder” de “alterar o estado de uma doença”. Neste sentido, o que se pode dizer é que,

embora sem comprovação científica, intervenções como as contações de histórias podem

ajudar pacientes no tratamento, na adesão ao tratamento, pelo seu caráter socializador e

lúdico.

As respostas de maior frequência têm como principais conteúdos a “minimização da

dor” e o “esquecimento do sofrimento”. A dor possui componentes subjetivos, que variam de

pessoas e culturas, o que torna esta resposta de difícil aferição. Quanto ao “esquecimento da

dor”, experiências como estas podem transformar estes momentos da internação menos

difíceis e dolorosos pelo menos por alguns instantes.

A pergunta seguinte, a do módulo vivencial (dinâmica de grupo), propõe ao contador

que este reflita sobre questões emocionais que surgem na atuação dele junto à criança e ao

adolescente hospitalizado. Esperavam-se respostas sobre como saber identificar conteúdos

emocionais que são do contador e os que são do paciente, para que assim diminua a

identificação com a dor do outro.

Pergunta (10) – Qual a importância do contador saber gerenciar as suas emoções e aprender a lidar com

as próprias perdas?

(Módulo Vivência Terapêutica)

129

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

descritas:

Transmitir tranqüilidade aos pacientes Aprender a lidar com a morte e a dor

Estar equilibrado para lidar com paciente (23) Aprender a lidar com as perdas (13)

Transmitir tranqüilidade para o paciente (2) Encarar a morte (1)

Não transmitir sofrimento/problemas (3) Aprender a lidar com a dor (1)

Proteger-se do sofrimento Ajuda na vivência do hospital

Proteger-se do sofrimento (4) Ajuda na vivência de contador hospitalar (1)

Nas respostas relacionadas a este módulo, aparece com maior frequência a importância

de estar equilibrado para atuar com pacientes hospitalizados, pois nos moldes em que

funciona o hospital, o paciente é uma pessoa que perde sua condição de agente para se tornar

meramente passivo, num processo de total cerceamento de suas aspirações existenciais:

doença, morte, dor, perda de identidade, da alteridade... tudo isso é parte do adoecer no

hospital. Neste sentido, o contador deverá ser capaz de transmitir tranquilidade na relação

com a paciente. Aprender a lidar com as perdas aparece também com frequência nas respostas

encontradas.

A próxima pergunta avalia a percepção da atividade prática de observação do contador

de histórias no último módulo do treinamento:

Pergunta (19) – A minha percepção é de que as visitas a quatro hospitais antes de iniciar a contar

histórias..

(Módulo Treinamento em Hospitais)

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são as seguintes:

130

Ajuda na formação do contador Aprendi a me comportar num ambiente hospitalar

Ajuda na formação (9) Ensina a se comportar (2)

Ajuda a vivenciar o que aprendi na prática (2)

Ajudou a fazer escolhas Tive certeza que queria ser voluntária

Escolhi o perfil do paciente para contar histórias (2) Tive certeza que queria fazer voluntariado (3)

Ajuda a escolher o hospital que vai atuar (11)

Pode espantar os voluntários Não foi importante

O treinamento pode espantar os voluntários (2) Não considerei importante (2)

Ambientar-se no hospital Ajuda a trabalhar com criança hospitalizada

Ajudou a conhecer o hospital (12) Ajuda a trabalhar com criança hospitalizada (2)

De acordo com as diversas categorias analisadas, pode-se dizer que o voluntário, ao

realizar a vivência deste módulo, ambienta-se com o hospital, escolhe o local que vai atuar

(hospital e causa em que vai atuar) e ajuda na formação que obteve teoricamente durante o

treinamento da Associação Viva e Deixe Viver.

(b) Nível Atitude

Na pergunta 9, como avalia uma atitude referida, as respostas são de caráter pessoal.

Pergunta (9) – Coloque em ordem de prioridade os motivos pelos quais você pode faltar à contação

nos dias agendados para sua participação.

(Atitude)

As principais categorias de respostas e suas frequências encontradas são assim

agrupadas:

Doenças/falecimento Trabalho

Doença de alguém da família (10) Trabalho em geral (15)

Doença do contador (31)

Falecimento ou morte (8)

Estudos Viagem/Férias

Relacionados a estudos (2) Viagem (7)

Férias (3)

Imprevistos Compromissos

Imprevistos (4) Compromissos em geral (6)

Problemas com transporte (4) Questões judiciais (2)

Temporal ou clima (2)

Cansaço (1)

131

Neste item, o contador coloca a doença e o falecimento de pessoas de sua própria

família como principais motivos que justificariam a sua falta ao hospital. Nota-se, também,

que grande importância é atribuída ao fator “compromisso com o seu vínculo de trabalho

remunerado”.

A questão seguinte é uma resposta de caráter pessoal que busca avaliar o que o

contador deve ter como atitude ou habilidade para se qualificar como voluntário hospitalar.

Pergunta (14) – Para se qualificar como contador de histórias é imprescindível...

(Atitude)

As principais categorias de respostas e suas frequências são assim descritas:

Ser solidário/voluntário Compromisso

Consciência do papel do voluntário (4) Ter compromisso e comprometimento (6)

Ser solidário (3)

Querer doar-se (3)

Amor ao próximo e à causa (10)

Disponibilidade de tempo Qualificação/treinamento

Ter disponibilidade e tempo (11) Qualificar-se através dos treinamentos (13)

Vontade Gostar

Vontade e desejo de ser (4) Gostar de crianças ( 5)

Gostar de contar histórias (6)

Conhecer o ambiente hospitalar Respeito pelo outro

Conhecer o hospital (8) Respeito pelo outro (6)

Paciência Ser equilibrado

Paciência (3) Ser equilibrado emocionalmente (5)

Pode-se perceber pelas categorias acima que a maior parte das frequências atribuiu,

como imprescindível para se tornar um contador de histórias antes da qualificação, amor ao

próximo, à causa, à doação, à solidariedade e à consciência do papel de ser voluntário. É

importante ressaltar que a qualificação ocupa a segunda posição, mas que algumas qualidades

foram mencionadas como importantes para uma atuação no contexto hospitalar como

contador de histórias: equilíbrio, paciência e respeito às pessoas. De modo geral, pode-se

afirmar que as respostas indicam que, além de conhecimento adquirido através do

treinamento, o voluntário deverá ter atitudes e habilidades adequadas para atuar neste

contexto tão complexo, que é o hospital.

132

5.2.2 Análise do Grupo Focal

De acordo com o delineamento da pesquisa, o grupo focal pretende aprofundar a

avaliação de resultados do treinamento, tendo como indicadores conhecimentos dos módulos

e atitudes aprendidos na formação do contador de histórias. Quando os participantes avaliam

também o processo de treinamento, pode-se dizer que esta avaliação mesma possui

julgamento participativo.

Segundo Tenório (2010, p.21), “avaliação não é só uma atividade de especialistas, mas

um constructo coletivo a partir da participação de todos os envolvidos no processo”. Neste

sentido, a pesquisa através do grupo focal buscou avaliar, a partir dos próprios indivíduos, o

treinamento.

Nos grupos focais, buscou-se saber: (a) o que foi significativo no treinamento para

contador de histórias; (b) a avaliação de cada módulo realizado e (c) a avaliação do encontro

realizado (grupo focal).

As diferentes respostas foram analisadas separadamente por diferentes grupos: grupo 1

(que já contaram histórias, mas estão afastados); grupo 2 (contam histórias atualmente); grupo

3 (que fizeram a formação, mas não contaram histórias pela Associação Viva e Deixe Viver).

– Quando se pergunta sobre o que foi marcante e chamou a atenção dos participantes

na formação, as categorias de respostas são assim descritas:

Grupo 1: De maneira geral, este grupo destacou a seriedade do trabalho realizado pela

Associação e pelo voluntariado, com maior regularidade de respostas, mas houve respostas

relacionadas a ter aprendido a conviver com perdas e a repensar a relação com a morte, a

aprender a organizar o tempo :

Em especial à questão das perdas, aprendi a conviver com perdas.

Aprendi no treinamento a me disciplinar quanto ao tempo.. aprendi a

organizar o tempo... E levar a sério o trabalho voluntário, ser voluntária

não é de qualquer jeito, o treinamento me fez melhor, mais responsável,

mais organizada. Aprendi a lidar com perdas, a saber o limite do outro, a

saber o meu limite e tirar de mim a criatividade...

A forma como tudo foi colocado, todas as questões foram .... Em cada

reunião, questões que envolvem a criança, família, o paciente. Você como

contador, seu estado emocional, o estado emocional dos outros, o respeito

133

ao profissional.Porque tem gente que assim, ah eu sou voluntária, parece

que está fazendo um favor, o que não é, não é assim.

A voluntária acima traz as questões relacionadas à prática do voluntariado, que não é

atividade que deve ser executada de qualquer jeito, como um favor que se presta para o outro,

mas como atividade séria, pautada no compromisso com a população que se atende.

Outro aspecto importante neste grupo é que a instituição demonstra o

comprometimento com a formação das pessoas para realizar o trabalho voluntário de maneira

séria, o que, para um dos voluntários, se reflete na evasão das pessoas que, ao ouvirem certas

mensagens, desistem do trabalho voluntário:

O comprometimento da instituição de formar tantas pessoas, e a evasão do

treinamento porque começou com 200 e foi diminuindo, observei que as

mensagens foram importantes para fazer pensar o que a pessoa queria como

voluntário.

Ensina a não se envolver com o paciente, a observar os limites de cada um, o respeito

às regras:

Não se envolver intimamente com o paciente, maturidade para conhecer os

seus limites, saber até onde ir, ser voluntário tem que respeitar as regras,

para fazer um trabalho efetivo.

O que é trazido pelo voluntário é também discutido na própria formação do

profissional da saúde, sobre a intensidade e o limite de se envolver com o paciente. Esta

dimensão também é trazida no discurso da humanização, que defende a relação dialógica do

sujeito que trabalha na saúde (profissionais ou voluntários) com o paciente.

Grupo 2: Este grupo traz interações importantes em torno da discussão do módulo da

Vivência Terapêutica e do Processo de Morrer e Morte, sendo eleitos os dois focos principais

de discussão.

Segundo os voluntários, o tempo é pouco para trabalhar com as emoções dos cursistas,

alguns criticam este módulo, outros admitem que foi importante para a sua formação, a

realização deste trabalho:

O encontro das perdas, não gostei da experiência, eu achei que toca em

emoções fortes e remexe e quando eu terminei ali...extremamente

sensibilizada...foi pouco tempo para trabalhar com as emoções, para mim

foi pesado, não foi válido, achei mal estruturado, primeiro não somos

preparados, depois o tempo que é feito, é rápido e depois acaba.

134

A gente vai sem resolver nossas dores, nem as dores dos outros.

Essa foi a mesma que me marcou, é difícil mas muito rico, eu gostei

mesmo.Eu achei que foi o mais válido, mas foi de um jeito.

Lidar com a morte nunca é fácil..a morte pega a gente de surpresa...Porque

quando você faz uma vivência que é bem pesado, tem que dar respaldo,

dentro de..eu não sei se você notou, mas agente tinha o endereço, o telefone

dos psicólogos pra poder ir atrás se precisasse.

Eu não saí pesada, eu não saí pesada nesse dia, nenhum... achei

superválido. O contador chega lá, às vezes sem preparo nenhum e ele

convive com cada criança... e o paciente foi e ele fica...

Eu não saí pesado de lá, teve pessoas até que evoluíram lá, da vez que eu

fui.

Processo seletivo. Não pôde continuar. Conheço uma que não pôde contar

porque ela não estava preparada.

O que mais marcou foi isso, hoje você conta para alguém e amanhã a

pessoa pode morrer.

Pouco tempo com a vivência, deveria ter melhor preparação para a

vivência.

Hoje eu penso que lá pra trás precisava de um suporte maior. Eu...quando

perdi a primeira criança, cogitei parar.Aquela vivência não preparou

ninguém. Na verdade, eu saí...no dia não entendi porque as pessoas

choravam porque perderam um pedaço de papel (dinâmica). Naquele

momento que eu fui entender que aquele processo tinha que ter uma melhor

preparação para o que poderia, para algumas pessoas acontecer.

A maioria deste grupo traz a vivência como algo que marcou muito, e, na visão de

alguns, eles deveriam ter um suporte maior para vivenciar este trabalho, outros percebem esta

vivência também serve como filtro, ou seja, o voluntário a partir deste trabalho tem de

repensar se poderá lidar com essas questões de perdas que são presentes no contexto

hospitalar.

O grupo retoma o assunto da morte em outro módulo e coloca a importância de falar

sobre a morte, saber lidar com ela:

A palestra planejamento teve conteúdo maravilhoso, com relação a morrer e

morte não marcou muito porque sempre tive idéia na minha cabeça.

Do mesmo jeito que a gente veio, a gente vai, né?...e uma frase foi dita lá: a

gente vê o problema do outro, sente, mas não entra.

[...] porque muita gente desistiu depois que ouviu a palestra sobre a morte e

o morrer.

135

Nem todo mundo tem condições de enfrentar a morte, nem a doença grave.

Ver a criança sofrendo, toda a semana ali, dói na gente. Apesar de ter sido

minha vida toda ali no hospital, mas você olhando... e estar lá para levar

alegria e entretenimento...mesmo você se desdobrando não consegue.Você

percebe que a dor é tão grande que nem o seu encantamento consegue

passar.

Esses discursos demonstram o reconhecimento dos sujeitos sobre as suas limitações

neste trabalho, afirmam que nem todo mundo tem condições de enfrentar a perda ou a morte.

Enquanto no papel de “promotor” de alegria, os contadores de histórias reconhecem que, em

alguns momentos, a dor é grande, e isto é inerente neste trabalho. Alguns, com dificuldades

em lidar com essas questões, podem desistir de atuar, outros continuam.

A dificuldade do contador de lidar com a morte é traduzida nas situações do dia a dia,

na prática de voluntariado:

Foi aquele susto, né? A situação de lidar com a dor não é minha praia,

morte, muito pior.Eu não sei lidar com a morte.

Uma certa vez eu fui para uma mãe, ela era uma doçura, era jovem ainda,

sempre com um sorriso. Eu digo: “cadê seu filho”, ela olhou pra mim e

disse: ele morreu...olha o que Deus está me ensinando, me doendo na hora

que ela falou...aí eu tive que segurar assim...e ver o que ela podia me

ensinar...então eu tento aprender alguma coisa, lidar com o inevitável, que é

a única certeza desse mundo, que a gente vai.

A gente tem que lidar com isso..Fui pro Hospital X, área de queimados,

então eu fui fazer aquele trabalho ali. Então a gente...se eu não tivesse

aquele preparo...e se ele tiver necessidade ele vai ter apoio psicológico, que

estava previsto.Se precisasse..mas era pra mexer mesmo.Porque teve

pessoas que não pôde continuar ali.

Este voluntário traz no seu relato que se sente mais preparado por conta do treinamento

e por saber que pode contar com apoio psicológico no projeto.

O módulo do treinamento prático em hospitais é trazido como importante pela

experiência de ver o outro atuando, o que ensina diversas coisas, entre elas, como se

comportar, o que fazer, serve como aprendizagem, além de aprender a se “segurar” para não

passar as emoções, passar coisas positivas.

Gostei mais mesmo foi ver a experiência das outras pessoas, contando como

é que era, o que era preciso, o que era importante, o que era preciso saber,

né ? ... como é lidar com essa superfície, né? como é você segurar e não

passar. Você tá preocupado demais, e tentar passar coisa positiva...puxar

eles pra cima, né? Passar uma mensagem positiva.

136

Achei importante para a pessoa saber como se comportar no hospital, o que

pode e o que não pode fazer, e sobre a morte é importantíssima porque mexe

com o emocional.

Aqui, o módulo do treinamento e conteúdos acerca da morte é trazido como essencial

para a formação do contador e sobre como se comportar a partir da experiência do outro, mas

reflete também o discurso biomédico, de não envolvimento com o paciente.

Grupo 3: Este grupo vai trazer aspectos que envolvem o morrer e a morte, o módulo

Vivendo Positivamente, experiência do contador que atua em escola, é a formação que

trabalha aspectos emocionais do paciente. Este grupo discute, de forma heterogênea, os

módulos do treinamento:

Nenhum módulo poderia ser importante sem a presença do outro, é uma

corrente, um elo...Eu tive até uma situação que foi, eu convoquei uma

observação ou algo parecido, e no final a psicóloga me chamou e disse:

você não está tendo habilidade para ver uma criança morrer; eu digo,

morrer para mim é ganho, porque ela está ali sofrendo (a criança).(Grifo

meu).

O voluntário traz sua experiência com a psicologia hospitalar, mas o grupo não

interage com este assunto e relata, cada um em separado, suas experiências individuais.

O contador afirma que o treinamento trabalha não só conteúdos, mas questões de

ordem psicológica:

E o que acho positivo também, foi a preocupação não só na formação de

contar histórias. Mas foi a formação do nosso psicológico, que

estava...bastante....foi uma coisa paralela, então eu acho importante.

Aprendi a ouvir.

Pode-se inferir, a partir das experiências relatadas, que o conteúdo da proposta desse

treinamento possui uma carga emocional densa, por tratar de temas relacionados a morte,

perda e doença dentro de um contexto desconhecido para alguns e difícil para outros.

Trabalha “atitudes” do voluntário sobre como agir em situações de perda, morte, e a dor da

criança e de seus familiares.

– A avaliação do grupo focal na segunda parte da sessão tem por objetivo, neste

trabalho, avaliar cada módulo separadamente:

137

(a) Módulo – Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver

Grupo 1: Neste grupo, o relato é que este módulo explica o que se espera do candidato,

as normas e regras do projeto, as responsabilidades do voluntário. Não foi um tema muito

discutido pelo grupo.

Grupo 2: De maneira geral, o módulo é avaliado pelo grupo como conteúdo de

esclarecimento sobre o que é a proposta de voluntariado, como uma orientação, traz

conteúdos sobre voluntariado e ambiente hospitalar, sobre as regras do treinamento quanto a

reposição e faltas das aulas, e apresenta a Associação Viva e Deixe Viver e a Santa Casa de

Misericórdia da Bahia, instituição que a representa no Estado da Bahia.

Na fala abaixo, a voluntária afirma que, após conhecer o trabalho da Associação, se

deu conta de que a contação de histórias era só um instrumento para realizar um trabalho

maior: a humanização hospitalar através das histórias.

Essa primeira palestra serviu para me orientar e eu não era ligado à

literatura em primeiro plano, porque eu fui pra lá porque era contação de

história e no final eu fui ver que a contação de história era só um

instrumento, era só um instrumento pra gente fazer um trabalho maior.

Para outra, foi um esclarecimento de que não se tratava de grupo de palhaços:

Eu achei muito interessante esse esclarecimento porque na minha maneira

de visualizar, eu tinha na mente Grupo de palhaços e quando eu cheguei lá

eu vi que não era nada disso e fiquei porque quis e gostei.

Grupo 3: O grupo contribui com a discussão e diz que este módulo traz a realidade do

que é ser voluntário, a tomada de consciência para fazer este trabalho, além da visão do

ambiente hospitalar. Uma das voluntárias ressalta que, no início, achou a proposta rígida:

É assim, se você quiser você fica se não tiver comprometimento, você vai

sair. Você tem que dar atestado. Ela deu todas as respostas. Porque assim,

voluntariado as pessoas não têm comprometimento na verdade. Começa e

não vai. Esta é uma rigidez que eu achava muito forte. No início em

pensava: “eu vou ser voluntária, estou dando meu dia, ainda acha...”. Mas

ai eu percebi que realmente tinha que ser assim. E tanto que eu me

encontrei, fui e fiquei.

(b) Módulo – Fundamentos Filosóficos do Voluntariado

Grupo 1: Este módulo trouxe para este grupo questões ligadas à responsabilidade e ao

compromisso do voluntário, à disciplina ao se assumir um compromisso com o público

138

atendido, e à importância da capacitação para a atividade voluntária, do amor à causa, o que

possibilitou as pessoas definirem se queriam estar envolvidas neste projeto de voluntariado.

Grupo 2: Para este grupo, de maneira geral, o módulo esclarece sobre

responsabilidades, os compromissos assumidos com o voluntariado e com a criança

hospitalizada, sobre a importância da atividade voluntária. E, na fala de dois integrantes do

grupo, este módulo passa até sentido de obrigatoriedade:

Passa esse sentido de responsabilidade com o voluntariado, que para as

pessoas em geral o voluntário sugere uma coisa eventual, você vai quando

quer. E essa palestra da ... focalizou isso, que fica para o curso, pra ser

contador de história não quem vai na hora que dá vontade ou que pode, é

uma questão de responsabilidade, praticamente de obrigatoriedade. Só

quando é indispensável faltar, quando é por motivo maior. Então a gente...

ficou bem esclarecido tudo isso. E essa obrigatoriedade é no curso.

É porque ficou esclarecido o seguinte, que ser voluntário é integrado, tem

que respeitar a organização, os critérios [...] mas é igual a qualquer outro

funcionário, tem que respeitar o horário, a organização.

A fala de dois sujeitos de pesquisa é que a Associação traz sentido de obrigatoriedade

no trabalho voluntário, o que no discurso da instituição não é confirmado quando esta afirma

que prefere a “desistência” do voluntário às suas “faltas”, para não gerar expectativa na

criança hospitalizada.

O voluntário, depois de concluída sua formação, ingressa no hospital e assina um

termo de adesão, contendo direitos e deveres perante a organização, visto que a atividade

voluntária dispõe de legislação própria (Lei 9.608/98).

Para outra voluntária, os fundamentos do voluntário apresentam uma dimensão de

quando se inicia como contador de história cria-se relação com vida, com a morte, com o ser

que está ali doente:

Também são os nossos fundamentos, né?! Quando começam a contar

história, você monta a sua relação com a vida, com a morte, com o ser que

ta ali doente. Você... “eu vou porque também me faz bem”, me faz bem ir ao

hospital contar histórias, mesmo que seja muita tristeza, mas você sai

aliviado até, às vezes. Muitas vezes...

Grupo 3: O módulo, para este grupo, passa a história da instituição, passa

credibilidade, esclarecendo de maneira geral quais são os direitos e deveres do candidato

voluntário. O grupo não contribuiu com discussão sobre este módulo.

139

Um voluntário critica os cabeças de chave, advertindo que coisas que aprendeu na

teoria, na prática não foram executadas:

Os cabeças de chave já existiam lá. Por que já existiam lá? Por que já são

funcionários? Por que têm uma relação maior com a instituição? Mas... é

necessário que haja uma mudança, talvez, no futuro, em relação a esses

cabeças de chave. Porque eles terminam não abrindo muito. Porque você

que tem que me dizer, nós aprendemos na teoria que você não pode sair de

um leito para o outro, de um quarto para o outro, sem passar na pia e lavar

as mãos e fazer toda a higiene para ir pro outro. Mas você tem horas que

não faz essas coisas. Ou você para pra fazer e fica: “eu lavo ou vou atrás

dele? [atrás do cabeça de chave no hospital]. (Grifos meus).

(c) Módulo – Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo

Grupo 1: As questões mais discutidas neste grupo é que este módulo trata da

preparação e da disposição necessária para ser voluntário; a importância de ter prioridades,

organizar e disciplinar o tempo; a importância de estar preparado para atuar no ambiente

hospitalar e respeitar o tempo da criança:

Você tem hora para entrar, mesmo sabendo que você tem hora pra

sair...você precisa organizar e respeitar o tempo da criança... E isso a gente

aprende na prática, mas nesse módulo também...

Aqui, o voluntário expressa que a aprendizagem significativa do módulo é aprendida

no contexto, na atuação, reconhece a função educativa do módulo, mas é no contexto que ele

atua, que ele desenvolve a competência do saber agir. Neste caso, pode-se dizer que a atitude

advém do conhecimento.

Grupo 2: Este grupo de maneira geral diz que o módulo contribui para se refletir sobre

o tempo pessoal de cada um, inclusive para ser voluntário; o grupo elogia também o

desempenho do facilitador, e os cursistas colocam a importância de ter participado de uma

dinâmica neste módulo que exercitava as prioridades:

Tudo que ele fala cai como uma luva pra gente. Administrar o tempo, para

uma pessoa como eu, que no momento que fiz aquele curso tinha cinco

trabalhos.

Numa das falas, o voluntário afirma que o módulo, além de ser uma preparação para o

contador, traz a importância de se realizar um trabalho eficiente:

140

Isso aí foi uma preparação para todos nós conseguirmos administrar o

tempo. Porque muitas vezes íamos faltar a contação de história por falta de

administração do tempo. Então ele deu todo um suporte, para que nós

abarcássemos os conhecimentos e começássemos a administrar nosso tempo

para prestarmos um bom serviço e não desserviço.

E o módulo possibilita que o contador reflita sobre sua entrada no projeto e mostra que

voluntariado não é uma fuga:

Várias coisas que ele falou... pra mim... foi o ímpeto da seleção, né?! pelo

qual passamos nesse treinamento. O trabalho do voluntário, principalmente

este de contação, não deveria ser uma fuga para você. Estou com um

determinado problema, eu vou entrar nesse trabalho para me resolver.

Não... Saia. Resolva e volte. Então, acho que é isso...

O voluntariado, no discurso do facilitador trazido pelo voluntário, não deve ser uma

expiação para os problemas pessoais. Segundo Ortiz (2007, p.34), “o voluntário deve buscar

sempre uma solução, que não precisa necessariamente ser grande, mas eficiente”.

O resultado do trabalho não é medido por dimensões sociais, mas por sua eficiência,

não é, também, uma atividade de cunho terapêutico para resolver conflitos e problemas

pessoais dos voluntários, ainda que, de forma indireta, esta atividade possa ajudá-los a

abrirem novos horizontes e possibilidades, como desenvolver potencialidades, criar novos

amigos e sentimento pertença, dentro de uma instituição social.

Grupo 3: Neste grupo, os aspectos relevantes do módulo foram a importância de se ter

uma agenda, planejar e organizar suas atividades pessoais:

Então, era esse planejamento pessoal que você tem que fazer, a sua agenda,

ser organizado, priorizar para poder estar fazendo esse trabalho. Porque

assim, é como fulana falava: “É melhor desistir ou faltar?...está certo isso,

do que não aparecer.

(d) Módulo – Vivendo Positivamente

Grupo 1: De maneira geral, o grupo relata que este módulo trata da importância de se

ter uma atitude positiva para transmitir, às pessoas, equilíbrio emocional, a importância de

conhecer técnicas de relaxamento e meditação, o que se reflete na atuação do voluntário

também no ambiente hospitalar:

141

O que me prendeu muito nessa palestra foi que vivendo positivamente você

muda a sua saúde, suas células, de como você respirar nos ambientes, em

momento de tensão, de tristeza, e tudo que acontece no hospital, muita coisa

triste acontece... E me ajudou muito nesse processo. Você respirar e tem

hora que você é a única pessoa ali que a família tem pra se apoiar. Eu vi

muito isso no hospital, e não tem um enfermeiro, um técnico e a criança

passando mal e a mãe olha assim: “É você e agora”. Aí eu respirava, ia

acolher a mãe e tentar chamar alguém responsável, mas tem muito isso...

Equilíbrio emocional para, diante da dificuldade, você não cair, a criança

não sentir que você está com dor, saber agir com equilíbrio com a criança,

não sentir que você está caindo.

Grupo 2: No grupo, os voluntários citam as dinâmicas de relaxamento que

vivenciaram no módulo, e uma das voluntárias afirma que o módulo a fez refletir sobre a

importância de deixar os problemas em casa para levar alegria às crianças:

Eu achei que foi uma coisa sensitiva. Ela quis demonstrar que antes da

gente ir para o hospital, a gente deixa os problemas em casa, trancadinhos.

E lá só vai a gente com as crianças. Eu achei importante isso... ela falou

relaxar assim... a gente relaxa e vai. É como deixar os problemas da gente.

Pra gente não ir com muitos problemas na cabeça e levar para a criança... a

gente tem que levar alegria para a criança. Você vai contar história com a

fisionomia problemática?

Grupo 3: O grupo também traz a importância do relaxamento, da meditação e da

escuta como aspectos importantes tratados no módulo, e de se “ver” o lado positivo das

coisas. Foram poucas as discussões sobre este módulo no grupo.

De maneira geral, os três grupos trazem a vivência do relaxamento vivida no módulo,

em que alguns voluntários indicam como uma possível ajuda em momentos de tensão no

hospital. O que chama atenção é que este módulo trata de questões ligadas ao equilíbrio

interior, como um módulo de autoajuda, trazendo, por exemplo, a prática da meditação.

(e) Módulo – Ambientação Hospitalar

Grupo 1: De maneira geral, para este grupo, o módulo ensina a se portar num hospital,

ensina medidas de proteção, regras e normas hospitalares, quanto à utilização de roupas e

sapatos fechados, trazidas em algumas falas:

Aprendi como me portar e quando chegasse em casa não abraçasse nossos

filhos, não colocasse o jaleco e os sapatos com outras roupas. Sapato

fechado... Foi muito bem explicado.

142

Foi pra proteger todo mundo, tanto as crianças, quanto proteger a gente e

nossos familiares. Porque imagine que a gente não use esses princípios

básicos e a gente contamina a nossa família em casa, por uma coisa simples,

não é isso? Então, eu achei válido isso, em relação às medidas de

segurança.

Alguns voluntários, porém, reproduzem um discurso equivocado do treinamento, visto

que o Módulo Ambientação Hospitalar trata de alguns cuidados que o contador deve ter no

ambiente hospitalar, através de cuidados essenciais de higiene, especialmente no lavar as

mãos, e a utilização de roupas adequadas.Quanto à higiene das roupas e sapatos, estes poderão

ser higienizados em casa, sem risco de contaminação.

Outro aspecto abordado por um dos componentes do grupo é que o papel de contador

não se deve misturar ao do técnico, mas pode ajudá-lo em algumas circunstâncias trazidas

pelo voluntário, como, por exemplo, ajudando a nutrição, incentivando a criança a comer,

através de uma conversa.

Grupo 2: O módulo para este grupo possui a função de educar o voluntário “leigo” a

estar no hospital. Afirmam que é importante este conhecimento porque existem pessoas com

experiências diferentes, que nunca trabalharam num hospital e não sabem como se comportar

neste ambiente. Uma contadora da área de educação traz este discurso na sua fala:

Então, o detalhe do hospital... eu não sou da área de hospital, eu sou da

área de educação. Saber que você não pode entrar no hospital de sandália.

Eu tô sempre de sandália, ia lá saber que não pode? A questão da mão, de

limpar, a higiene, essa questão toda que a gente sabe. Mas eu achei assim...

interessante porque tem muitos detalhes pra gente... prá uns é café pequeno,

já sabem, mas pra outros não. “2” é enfermeira, sabe da questão do sapato

fechado, ela é enfermeira e eu nunca tinha pensado nisso. Então, é muito

válido uma palestra que fale desses assuntos. Porque é uma questão de

educar o contador de história, chegar e não sentar na cama do paciente, de

entender que aquele jaleco é do hospital, então não pode ficar com o

jaleco... tem que ser higienizado e não pode usar com outras coisas, outros

ambientes... não levar coisas para as crianças.

Já outra voluntária do mesmo grupo afirma que é simples atuar no hospital, que

existem muitas coisas que passam no imaginário das pessoas, diz que o módulo não deu “a

acomodação” que deveria para pessoas que não conhecem o hospital:

Eu acho que você pode visitar pessoas e contar histórias sem esse temor que

se passa na cabeça de muitas pessoas. Não é verdade ? Eu achei válido, mas

não deu a acomodação que deveria para pessoas que não têm a vivência

hospitalar.

143

Grupo 3: Neste encontro, as pessoas relatam que o módulo aborda como proceder e

chegar ao hospital, a utilização de roupas adequadas, noções de higiene, o papel do contador

junto à criança hospitalizada e ao profissional de saúde, e o conhecimento sobre o ambiente

hospitalar. Estes aspectos são trazidos na fala de uma contadora quando diz:

Roupas, as roupas não muito chamativas. Você sempre prestar atenção a

como você está vestido. Higiene, o não se envolver no momento que o

médico precisa dar um remédio, um procedimento. Porque acha que sabe

alguma coisa e quer ajudar. A criança está com soro e não quer mais ou já

acabou? Você não tem que ir lá tirar, quem tem que ir lá é o funcionário, o

profissional que está trabalhando com ele. Você está ali simplesmente com o

papel de contar histórias. Você pode até acionar, se tiver dificuldade da

criança, de chegar e acionar e deixar que... todo o procedimento tem que ser

com o profissional responsável pelo caso. Você não tem que se meter em

nada, mesmo que você seja enfermeira. Você é enfermeira do hospital em

outro horário, naquele horário você não é.

A voluntária traz a preocupação de ir ao hospital depois de ter pegado ônibus:

A questão de você não dar opiniões. E em particular pra mim, eu já entro lá

neurótica (risos), foi, vou dizer por que. Eu pego ônibus, boto minha mão

naquele lugar, aí...

E diz que o módulo mudou os hábitos no ambiente hospitalar:

Até se acostumar a lavar a mão, usar álcool gel... hábitos que eu não tinha.

Mas apresenta traços de uma pessoa preocupada em excesso com contaminação:

Medo de sair contaminando um monte de gente.

A fala acima apresenta uma visão distorcida sobre o ambiente hospitalar, pois é

carregada do “medo da contaminação”, com certa desproporção.

Este módulo de caráter técnico é educativo, principalmente para os voluntários que

não são da área de saúde e se sentem “leigos”, até conhecerem este módulo, considerado

importante pela maioria do grupo.

144

f) Módulo: A arte de contar histórias

Grupo 1: Este módulo foi bastante discutido pelo grupo, que afirma que o módulo

ensina o voluntário a apresentar o livro, oralmente; desperta a vontade de contar histórias;

resgata a criança interior que existe em cada pessoa, ao se deparar com histórias infantis;

informa sobre a importância de o contador se integrar no texto, não trabalhar com improviso,

estudar a história de acordo com a faixa etária.

Mas, no discurso de uma voluntária, esta afirma que não se deve contar histórias

trágicas para as crianças:

O contador precisa antes de contar a história se integrar no texto e não

chegar e dizer: hoje vai ser isso aqui...Tem que ver que história eu posso

levar, deve ver a faixa etária porque isso é importante. O conteúdo, e não

contar histórias trágicas. Eu não tive dificuldade porque sou bibliotecária e

já trabalho com isso, então eu tenho um acervo grande. O que acho

interessante também é a gente não ficar presa ao livro, têm os fantoches,

isso desperta muito as crianças... eu tenho um guarda-chuva, que eu fui

contar história na sexta-feira no Hospital X, fui convidada. E eu tenho um

guarda-chuva, é um guarda-chuva mesmo, preto, grande, onde em cima ele

é todo aplicado e em baixo eu amarrei um boneco. Aí eu levei o guarda-

chuva mágico, porque eu não posso usá-lo na chuva... e você têm várias

maneiras de contar as histórias! Então eu aprendi também que você não

pode contar só de uma maneira. O que a gente puder fazer para movimentar

a nossa contação.

A questão trazida pelo contador trata da evitação de histórias trágicas para crianças

hospitalizadas. Não existe nenhuma contraindicação ao se trabalhar com este tipo de

literatura, mas obviamente histórias de superação são as mais indicadas para crianças

hospitalizadas. As histórias trágicas, ao contrário do que se pensa, têm um importante papel

na elaboração de problemas e conflitos no imaginário infantil.

Outros pontos também foram discutidos pelo grupo, como a importância de o contador

estar preparado para contar histórias variadas, pois há crianças que, em alguns momentos, não

querem ouvir a história que o contador preparou e pedem outra. Outro ponto discutido é a

importância de adaptar a história para diferentes idades, e o respeito ao “não” da criança,

quando esta não quer ouvir histórias ou prefere fazer outra atividade.

Outra voluntária afirma:

A história possui caráter transformador.

145

Segundo Estés (2005, p.30) as histórias possuem caráter transformador, pois podem

curar dano ou resgatar algum impulso psíquico. Nas histórias, afirma a autora, estão

incrustadas instruções que nos orientam a respeito das complexidades da vida, ou seja,

suscitam interesse, tristeza, perguntas e anseios.(ESTÉS, 2005, p.30)

Não é objeto deste trabalho discutir a natureza psíquica das histórias, mas é importante

notar que, apesar de não ser objetivo do trabalho do voluntário neste projeto, este percebe a

importância das histórias para a estrutura psíquica das crianças por ele atendidas.

Neste grupo, uma contadora expressa a dificuldade de lidar com a frustração de ouvir

o “não” da criança:

Às vezes eu fico triste porque acho que as crianças não querem histórias ou

brincar... uma vez a criança não quis ouvir...fiquei triste porque se ela

soubesse o quanto é legal. Estou aprendendo a como cativar a criança para

ouvir a história, ainda não sei como fazer isso... e que seja um momento

mágico.

Grupo 2: Este grupo afirma ter aprendido técnicas e posturas para contar histórias, o

que para uma contadora é de fundamental importância, já que nem todos possuem “dom” para

contar histórias:

Esse módulo foi importante para mim, porque por mais que eu ouvisse... Eu

tinha uma mãe que contava aquelas histórias, que não tinha em lugar

nenhum e que fica. Que foi o presente que ela me deu. Eu não tenho esse

dom, sabe? De sair falando, eu sou mais quadrada, dura, eu não sou

daqueles sabe? Uhu!!! Sabe?!! [risos].

A percepção da contadora é que, para contar histórias, é preciso possuir “um dom”,

não se sente tão capaz quanto a sua mãe, mas confere importância ao módulo como suporte

para sua atividade. Neste sentido, vale dizer que a contação de histórias é uma atividade que

pode ser aprendida não só por meio de tradição oral, como pelo desenvolvimento de técnicas.

Já outro contador expressa que contar histórias independe da técnica, mas da atitude

segura do contador quando chega ao hospital:

Independente da técnica, de tudo que tem pra ajudar, você não precisa

saber nada disso. Você tem que ser você. Você chega lá com seu livro de

histórias e é o seu livro, lê e, então, isso me deu segurança. Não que eu

chegue lá... com o tempo você vai tendo segurança. Mas eu cheguei lá e

curti. [o grupo dá risada] Eu achei legal porque, por mais que me

ensinassem várias formas eficientes, deixou à vontade pessoas como eu,

sabe? que não tinha a menor ideia de nada e não me sentia muito à vontade

pra chegar: “ ah, já sei, vou chegar lá e rebolar.

146

Grupo 3: Este grupo afirma que o módulo, de maneira geral, ensina a estudar,

classificar e contar histórias, o manuseio do livro, o tom de voz, a postura e a forma de contar,

além da importância de se identificar com a história que se conta, expressa no discurso do

contador:

Ela ainda ensinou contar histórias, ler histórias, representar histórias.

Porque vem a questão de você estar com um livro lendo. Como você estaria

manuseando? De que forma você usaria para estar lendo a história? Tom de

voz, postura... Como se fosse contar história, porque você estaria com o

livro apresentando à criança. Se fosse contar história, você conheceria a

história, você contaria a história.

Já outro contador diz ser importante saber escolher que história contar, e que as

histórias devem ter o compromisso educativo de transmitir boas lições:

Além de ser... como eu já contava muita história. Mas o desejo que você

venha mesmo a viver aquela história. Fazer com que a criança aprenda, e

trazer uma lição para aquela história. Então, a escolha das histórias...

também nesse módulo. Deveria ser aquela que tivesse um final, uma lição

boa ou que não trouxesse... Se você percebesse que aquela criança, que

aquela história que você ia contar, ia despertar nela algum sentimento ruim,

ou triste, ou... você não contaria aquela história.

No discurso trazido pela voluntária, é importante se apontar “a moral” da história para

a criança, como uma forma de lição educativa. Segundo Betty Coelho (2002, p.24), “uma boa

conclusão não aponta a moral da história, nem faz aplicação de lições, as conclusões

pertencem aos ouvintes”. O que permite dizer que as histórias contadas não devem ter caráter

de educação moral, como geralmente ocorre nas fábulas, mas de entretenimento.

A mesma voluntária traz, na sua fala, a importância de respeitar o “não” da criança

que não quer ouvir uma história:

Porque eu acho assim... Porque eu quero, ou não quero. “Não tô afim”, não

vou forçar.

Mas se pode perceber que, apesar de dizer respeitar a vontade da criança, quando

escuta um “não”, diz tentar reverter a situação:

Tem mães... tem mães mais problemáticas do que a própria criança. Porque

quando você chega... é como se ela estivesse achando que você... Ela falou

alguma coisa e você está querendo ali... preencher esse espaço. Essa mãe

mesmo, dessa adolescente, então ela dizia... é uma questão de ciúmes, “ah,

147

ela não gosta de histórias”, “eu vou prestar atenção, a senhora quer tomar

um cafezinho, alguma coisa assim.... Ela não quer ouvir história, então eu

vou conversar um pouquinho com ela e tal”, aí ela: “não, eu não vou sair

não, vou ficar aqui mesmo”. [...] Eu comecei a conversar com ela, como se

fosse já uma parte da história e aí ela, “eu quero ouvir.

Já outra voluntária afirma que o conhecimento se dá contando histórias na prática

porque contar histórias é uma arte:

Conhecimento, se dá em contar histórias. Porque é realmente uma arte,

saber a arte de contar histórias. Pega uns traços de pintura, delinear um

pouco. É uma arte, você tem que participar, conhecer, tem que saber fazer.

Outro ponto trazido por esta voluntária é que o contador deve saber dar “vida” à

história que se conta, e utilizar das suas várias possibilidades:

E no dia a dia você vai estar contando história, você tinha que ter

consciência que não é [...], você sabe ler, então eu pego aqui e leio a

história. Não é essa a questão. Era você trazer vida àquela história que você

está lendo para a criança. Com adolescentes... com adolescente, ela tem que

estar,a arte da história. Tinha um adolescente que queria ler a história. Eu

estaria contando a ela, queria ler a história. “Você leia e depois eu te

conto”. Porque ela estava muito sozinha. “E eu vou te contar a história, ou

você vai me contar?” E aí... existe um momento e você precisa saber das

possibilidades naquele momento. Porque talvez ela gostasse de ouvir a

história, mas a mãe dela dizia que ela não gostava de ouvir história. A mãe

que não queria. Não tinha nada que estar ali. A mãe ali, deitada em uma

cama e ela ali.

Ainda sobre a possibilidade de criação com as histórias, outra voluntária conta a

seguinte experiência da dramatização como recurso importante para contação:

Isso é importante porque... você sabe só contar. Algumas pessoas acham que

é a mesma coisa. Mas é você dramatizar, é você saber a postura do livro, é

você empostar a voz quando dá ênfase.

O conceito empregado da dramatização aqui se refere à forma de contar, com voz

empostada, com postura adequada do livro, o voluntário não se refere à dramatização teatral

em si.

De maneira geral, este grupo interagiu com o tema, e houve diversas discussões sobre

o módulo.

148

(g) Módulo: Processo de Morrer e Morte

Grupo 1: Este grupo discute a morte, não só da perspectiva da morte física, mas da

morte simbólica, atribuindo significado às “perdas” que o paciente enfrenta na sua

hospitalização, como expresso nas falas dos voluntários:

Esta vivência, o que eu lembro é não é só a perda da morte física, mas o

afastamento do lar, a criança que tem toda a vida e fica paralisada, a

alegria na família, a esperança, isso é uma perda muito grande... O

afastamento do brinquedo, do irmão, da comida, é uma perda muito grande!

E é uma morte. Eu lembro da frase que dizia assim: ‘Quando a gente dorme,

a gente morre’. Eu lembro sempre, foi marcante trazida neste módulo.

Outra voluntária afirma que a formação a ajudou a elaborar a experiência da morte:

É chocante de imaginar a perda de entes querido, mas ajudou a elaborar e

pensar que, por mais que seja difícil, tem que pensar o quanto em vida a

pessoa que morre contribuiu.

Outra contadora traz a sua experiência com a morte como voluntária do hospital:

Morreu uma criança, tinha acabado de morrer e a mãe estava pegando as

coisas. Ela, a mãe me convidou para ir no necrotério ver o filho dela, a

gente abraçou ela e... mas não tinha nada a fazer, eu disse: seu filho está no

céu. Era o que podia fazer, não tinha mais nada.

Grupo 2: Este grupo em geral traz a morte na sua discussão como algo natural, como

um processo natural de vida, retratado nas seguintes falas:

A morte é algo natural, que chega e que a gente tem que se preparar para

isso.

É um simples processo.

É um processo que algumas pessoas não conseguem finalizar, elas não

aceitam. Mas, normalmente, quando não é um mal súbito, ela vai se

preparando. Às vezes no meio do processo ela morre, talvez se tivesse mais

tempo ela concluiria. Esse é o processo de morrer e morte.

Nesta fala, o voluntário traz uma representação da morte como processo de “morte

social”, que é não a morte física:

149

O processo de morrer e morte, não é só físico, é social, que é a morte de

perder ‘as coisas’, como viver em situação de miséria, pobreza, de perder

valores.

Grupo 3: Este grupo avaliou, junto com este módulo, o Módulo da Vivência

Terapêutica, que também trata de perdas e mortes. Foi um grupo com posicionamentos

diversificados sobre o tema, alguns o discutiram como conteúdo do módulo, outros trouxeram

experiências pessoais sobre o conceito:

Para a contadora, o processo de morte é uma passagem, o indivíduo é imortal, diz

trazer este ensinamento do espiritismo, encara a morte com naturalidade, refere que os

módulos ensinam que não se deve criar laço “emotivo” com o paciente e que o contador não

deve se envolver com as questões da morte:

Que é importante não criar laço emotivo, e nem se envolver se acontecer do

paciente ir a óbito na hora que se está lá, o contador tem de ficar no papel

de contador.

Aqui, o contador traz não só uma fala sobre o papel do contador, mas uma fala que

sugere que este “não se envolva” com o paciente em momento de dor e morte. Esta é a

reprodução do discurso que formou o profissional da saúde, e vem, através do movimento da

Política da Humanização, sendo repensado. A assistência humanizada apregoa que se tenha

empatia com o outro, não se distancie do paciente em seu momento de dor, mas, apesar de

não poder solucionar o problema do outro, deve acolhê-lo na sua dificuldade.

Outro contador traz a contribuição da formação que o ajudou a elaborar a morte:

O curso ajudou o contador a elaborar os conceitos sobre a morte, passou a

ver a morte como saudade e não como tristeza.

Foi marcante para outra voluntária, que aprendeu que a morte é o processo de vida:

Na verdade pra mim foi assim... marcante. Porque eles sempre estavam

dizendo. Como você é humano, não é máquina. Então, você chega e é aquele

menino mais ativo, foi aquele menino mais ativo, foi aquele que perguntou

mais [...] e aí quando você chega lá na outra semana e... pergunta a

enfermeira, “cadê P?”, “ele veio a óbito”. Você sabe... como se fosse... você

perde até o laço. Mas você aprende que, naquele momento, é o processo da

vida.

150

A fala desta contadora é uma elaboração do processo de morte dentro do hospital,

porque a contadora faz parte do grupo que nunca atuou como contadora em hospital e traz no

discurso o conteúdo de sua aprendizagem no módulo:

O módulo nos mostra e nos traz essa vivência. Porque ... você tem

acumulados em você... já tem esse conhecimento. Mas você tem que alguém,

regue um pouquinho para que venha e mostrar que dessa maneira... não é

tão.. útil você chegar no hospital e uma mãe chegar chorando naquele

momento e se ela vier de encontro com você e te abraçar, é você humano

que vai estar ali. Mas você não tem que estar ali... fazendo... a família...

fazendo naquele momento, às vezes [...]. E ela vai buscar os familiares, os

médicos, as pessoas e você continua... E isso nos foi passado e foi assim que

eu aprendi. E talvez eu não fizesse isso, talvez fosse também ficar ali. Talvez

se eu já entrasse sabendo que não poderia fazer isso, eu ficaria ali chorando

com ela e abraçando, sentindo também. Eu acredito que eu ia fazer isso.

Mas já que o módulo me dava essa direção que você tem que saber lidar

com as perdas.

A contadora diz aprender, através do módulo, a ter respeito pela dor do outro e a lidar

com as perdas do paciente e da família, mas ela mostra que não saberia como fazer isso na

prática (atitude):

É quando a criança está ali, naquele momento e passa mal, começa a

vomitar, e eu não sei se eu saiu, se eu fico, ai quando o pessoal chega, eu,

você tem que sair de lá. Ai naquele momento ali você vai querer saber o que

foi que aconteceu e naquele momento ali que a gente é muito forte. Você

praticamente está vendo uma criança morrer. Você... uma pessoa passa mal

e você tem que sair porque quer dar espaço. Nesse momento você tem que

sair, sem precisar ninguém... você tem que ir embora, saia naquele momento

dali, porque minha presença ali será apenas um incômodo.

A voluntária expressa que, apesar ter aprendido teoricamente no módulo sobre a morte

no hospital, não sabe que atitude tomar em momentos como esse.

Outra voluntária afirma que os módulos a ajudaram a lidar com a morte:

Eu não lembro qual foi desses dois, mas eu me lembro que foi com a morte.

Teve as dinâmicas e tudo, e também foi muito forte. E agora eu digo que me

ajudou muito, participar dessa vivência no momento da morte da minha

mãe. Depois ai minha irmã ficou dizendo que eu era muito fria, muito

calculista e que eu não chorei.

Um aspecto importante trazido é que a contadora elabora a morte, que foi discutida no

módulo, com a morte vivenciada no seu “processo de luto” de um ente querido.

151

(h) Módulo: Vivência Terapêutica

Grupo 1: Este grupo avalia a experiência deste módulo como difícil por lidar com as

perdas, mas que ajudou a realizar o trabalho voluntário e elaborar (em alguns casos) o próprio

luto por que estava passando:

Foi difícil...muito difícil, foi a que mais...eu não tinha muita

vivência..experiência, nesta ocasião eu tinha pouco tempo perdido meus

pais. Foi ótimo para sentir que tudo podia ter sido pior...aquilo me

despertou.

O assunto foi difícil porque cada um tinha que mergulhar em si..pensar nas

perdas ..teve muito choro...as pessoas tinham dificuldade de lidar com as

perdas.

O grupo 2 não discutiu este módulo e o grupo 3 o discutiu junto com o Módulo

Processo de Morrer e Morte.

(i) Módulo: Memória do Brincar

De maneira geral, este módulo foi avaliado pelos três grupos como um módulo

divertido, que proporcionou momentos de descontração e interação entre os participantes,

exceto por um contador. O folclore infantil, a importância do brincar e da cantiga de rodas

não foram mencionadas.

Grupo 1: Este módulo teve uma boa repercussão na avaliação dos contadores, como um

módulo que ajudou no trabalho do contador.

Na fala de um contador, este afirma que o módulo ampliou a sua visão a partir da sua

prática no hospital, quando diz:

O módulo do Folclore amplia a questão do regional, onde eu conto as

crianças são do interior, têm coisas que eles conhecem com outro nome, ai

às vezes você fala uma coisa e eles não conhecem, aí eu mudo e pergunto:

Como a gente fala? Ás vezes eles conhecem as músicas de outra maneira,

né?

A partir dessa fala, o contador afirma que este módulo ajuda a melhorar a

comunicação com a criança, a partir da compreensão e do diálogo com as suas diferenças

(universo regional).

152

Grupo 2: Este grupo traz a experiência como importante para se trabalhar com

músicas, letras, cantigas de roda e teatro.

Grupo 3: Já este grupo avalia o módulo como uma possibilidade de interação no

grupo, como momento de brincar e reencontrar as pessoas da formação, não se refere ao

conteúdo do módulo, mas à experiência de tê-lo feito.

(j) Módulo: Treinamento em Hospitais

Grupo 1: Este módulo traz as experiências dos voluntários, que neste grupo foram

percebidas de diferentes maneiras, mas, em geral, “negativas” na sua primeira experiência

prática de acompanhamento da contação de histórias, e que merecem ser analisadas nas falas

trazidas pelos sujeitos:

O contador relata que se decepcionou com dois hospitais que foi visitar, diz ter

observado que não adianta os hospitais terem brinquedotecas, é fundamental ter calor

humano:

Não tive receptividade das assistentes sociais e das próprias enfermeiras,

pensei: jamais quero vir para aqui..fui para o Hospital A ..e lá nós tivemos

um acolhimento maravilhoso, do porteiro até lá em cima ..têm hospitais que

lhe enche os olhos com a brinquedoteca, que não tem no Hospital A, mas o

calor humano é o Hospital A que tem, isso é muito importante, porque você

chega de coração aberto para fazer um trabalho e não tem

receptividade..nossa, é um balde de água fria.

Este módulo traz a experiência negativa percebida pelo voluntário, que não foi bem

recebido pelo profissional da saúde no hospital, e outra experiência com um hospital que não

tinha infraestrutura, mas tinha “calor humano”. O espaço garantido por lei, que é a

brinquedoteca, só faz sentido na fala do voluntário, se o “capital humano”, ou seja, as pessoas

estiverem comprometidas com o acolhimento e o bem-estar dos pacientes, caso contrário, será

um espaço sem função pedagógica e de ressocialização para a criança.

Outro contador observa as relações de poder existentes no hospital e critica a postura

de uma contadora, que também era profissional de saúde do hospital que ela foi visitar:

Teve um hospital que eu fui e só tinha uma contadora que era servidora

enfermeira (trabalhava no hospital),ela mostrava como era feito...

receptividade... outro lugar, só tinha uma contadora. A forma que ela

contava, brigando com os menininhos, tem hora que você tem que ter pulso

forte, mas parecia que era “aqui eu que mando, isso aqui é meu”. Eu achei

horrível, é complicado! Acho que você tem que ter pulso firme..mas se você

153

está lá para trazer alegria, que elas esqueçam dos problemas, lazer para as

crianças, e coloca a criança para ouvir como se fosse obrigação, realmente

é complicado!

Essa experiência considerada negativa pelo voluntário que foi realizar o treinamento

no hospital, traz uma discussão importante sobre as relações de poder existentes entre o

profissional da saúde e o paciente, vivenciadas no dia a dia dos hospitais, que coloca o

paciente no lugar de “sujeito passivo”, que não respeita a alteridade do paciente, contrário ao

movimento da humanização dos cuidados, que tem como premissa o respeito ao paciente.

Outro voluntário diz perceber que, quando fez a visita ao hospital, o profissional da

saúde não entendia o trabalho do contador e achava que atrapalhava:

Tinha uma barreira muito grande, eles achavam que nós iríamos

atrapalhar, interferir... e estavam recebendo os contadores.. antes eles

achavam que nós íamos interferir...agora, depois de três anos, mudou a

visão. Eles já estão mais qualificados...

Essa experiência relata que, apesar do discurso da humanização, do acolhimento, do

incentivo às boas práticas de inclusão do paciente no universo lúdico e literário nos hospitais,

o “técnico”, ou seja, o “profissional da saúde” não compreende o impacto deste trabalho e não

o valoriza. Segundo o voluntário, a sua percepção é que, neste hospital, hoje, os profissionais

estão mais qualificados, preparados para receber o voluntário.

Outro contador relata sua experiência com o profissional da saúde, o que reforça a

reflexão do parágrafo anterior:

Gostei da casa de apoio A, a menina da casa de apoio A era excelente; eu

não gostei do casa de apoio B, não da contadora, da receptividade... A

sensação que eu sentia era... “isso resolve alguma coisa?” Tive a sensação

que eles não sabiam porque estávamos lá, eles precisam brincar mais,

aprender a viver o lúdico, pois a alegria, o entretenimento, a brincadeira

transforma a criança e melhora a saúde da criança. Interagir com eles, eu

já me peguei falando como criança.

As experiências relatadas pelo Grupo 1, em geral, foram negativas no treinamento. A

maioria foi mal acolhida pelos profissionais da saúde, que não valorizavam ou não

entenderam o trabalho que estava sendo realizado pelos contadores de histórias.

Grupo 2: De maneira geral, este grupo relata a ansiedade de fazer o treinamento em

hospitais, a importância de observar a contação de histórias na prática por um contador mais

experiente e conhecer o ambiente hospitalar.

154

A voluntária relata que, na sua experiência, a habilidade de ver outro contador que

incluiu uma adolescente que não sabia ler na contação de histórias, foi um aprendizado para

sua formação:

Eu fui no estágio com ela. Uma menina de 14 anos, que veio do interior. E

falou com a mãe e a menina que queria contar história. Deu um livrinho pra

menininha e ela superconstrangida disse: “eu não posso contar porque eu

não sei ler” e por sorte foi um livro que não precisava ler (livro de gravura

apenas). Mas a contadora H. sabe disso. Ela disse: ‘não vou oferecer um

livro a uma criança que pode não ler. Tem muita gente do interior que não

sabe ler’. E eu acho que aprendi muito com isso. E acho que foi um ótimo

aprendizado. Eu tenho o livro, e a criança pode contar sem saber ler.

Outros voluntários relatam sua ansiedade no treinamento:

Eu estava ansiosa pra começar. Casa de apoio A só tinha uma criança e ela

foi sufocada pela quantidade de contador, mas ela foi privilegiada porque a

gente jogou, contou histórias para ela. Depois fui na Casa de Apoio B, que

foi comemorado o primeiro ano da biblioteca. Então, teve gente contratada

e a gente participou da festa, mas não contou também. Foi frustrante

[risos]. Depois fui pro Hospital C, eu imaginei que ia contar. Foi

maravilhoso.

Essa ansiedade é constante, não sabia o que ia encontrar, isso é bem

verdade. Principalmente esse curso de pormenores. Aí fui pro Hospital X,

foi bem receptivo, comecei ter contato, vi a pessoa contando. Fui com a H Y,

tentando sugar ali, via a possibilidade. Uma forma de diminuir a ansiedade.

E realmente deu pra começar, deu pra começar... minha experiência foi boa.

No Hospital Z, Casa de Apoio A, então, tive lá também. Cursos diferentes.

Tive no hospital, tive na brinquedoteca.

Outro contador diz aprender a se comportar após este treinamento:

Como a gente tem que se posicionar em diversos locais e diferentes do

hospital. Crianças acamadas, crianças na brinquedoteca, crianças na

enfermaria, crianças que não podiam receber visitas... Então eu achei

importantíssimo. Pra gente saber como se comportar.

Nessa fala, o voluntário diz que o treinamento de observação lhe permite se adaptar a

situações diversas encontradas no hospital.

Já outra voluntária observa que as experiências do estágio, encontradas neste módulo,

são importantes para a prática do contador, e representam uma pequena amostra do que se vai

encontrar na prática:

155

Essas observações, essas experiências no nosso estágio são importantes

para dar uma pequena amostra do que vamos encontrar porque a

diversidade é muito grande. A gente recebe muito “não” e a gente recebe

muito “não” e tem que estar preparado para receber, porque tem. Não

muito forte, você tenta negociar.

A experiência, para outro voluntário, é que o treinamento em hospitais ajuda também

o contador a criar sua técnica, sua metodologia, na capacidade de compreensão do momento

da criança:

É o mínimo para que depois cada um vá criando sua técnica, sua

metodologia. Na abordagem de receber. Não só o “não” como o

“mais um, mais um, mais um...

O voluntário traz uma experiência importante que reflete o papel do voluntário para

ajudar na adesão ao tratamento:

Eu fui um... não que a criança estava no Hospital X, ela tinha que fazer um

procedimento, uma vez que ela teve uma grande parte queimada do corpo. E

os olhos fechados. E para fazer o procedimento ela tinha que estar com os

olhos abertos e ela não abria de jeito nenhum. E, aí, a gente chegou lá com

“O Menino dos Oito Óculos”. Eu sei que... “posso contar?”, “não, não...”.

Eu comecei a contar, a menina começou a ouvir, ouvir. Disse: ‘seria tão

bom se você pudesse ver essas coisas maravilhosas que tem aqui na minha

mão’, aí falei da fada, de coisas assim... Aí quando a gente deu as costas, a

enfermeira veio correndo contar pra gente, dizer que ela abriu os olhos pra

fazer o procedimento, queria ver as coisas. Quer dizer... aí voltei e mostrei

as coisas pra ela.

Já outro contador diz que a primeira coisa que faz ao chegar ao leito é desligar a

televisão e diz fazer com habilidade:

Eu, primeira coisa que chego é desligar a televisão. Quem quer que esteja.

Vou desligar aqui pra ficar só nós três.

Essa atitude aqui trazida pelo contador de história é contrária ao que é instruído no

treinamento, que orienta em um dos módulos (Princípios e Diretrizes da Associação Viva e

Deixe Viver) o voluntário a sempre perguntar primeiro, se a criança quer ouvir história, e

respeitá-la quando ela prefere ouvir a TV à contação de histórias.

Outro contador demonstra que é importante o respeito à vontade da criança ou da

família em assistir à TV:

156

Mas a minha experiência no Hospital A foi num lugar, tinha muitos

pacientes e esse pai estava num lugar mais distante. Ele não tava ouvindo, a

gente estava contado pra outra criança. A contadora pediu, mas ele disse

que o filme estava no final e ele queria ver o final do filme. A gente

respeitou, “não, tudo bem”, aí ele próprio veio pra cá e ficou assim,

ouvindo a história.

E uma história é relatada, a respeito de uma experiência de lidar com a sua frustração,

causada por uma criança que não quer ouvir a história:

Ontem quando eu fui contar história esse menino, ele estava no videogame e

não queria sair de jeito nenhum. Porque muitas vezes a gente consegue “oh,

o videogame vai continuar aí, eu depois vou embora e você pode jogar o

videogame depois”. Muitas vezes a gente consegue. Ele disse: “que já tinha

ouvido todas as histórias”. Me esqueci o nome dele, ele estava no primeiro

quarto, aí ele não quis ouvir.

E o contador mostra que soube lidar com a sua frustração, causada pela negativa de

uma criança em não querer ouvir a história, e contou para mãe que pediu para ouvir a história:

Até a mãe: ‘não deixa elas lerem, eu também quero ouvir’. Até pra

convencer ele, mas eu senti que ele não estava... Resultado: ‘já que você não

quer ouvir, vou contar para sua mãe’. Ai eu contei duas histórias pra ela,

porque eu acho que as pessoas que estão acompanhando também precisam.

Tão lá ás vezes tristes porque o filho está ali, ou cansada, às vezes não tem

nem quem vai substituir, fica ali direto. Eu já vi casos também... Então eu

disse: ‘não, vamos contar pra ela’.

Grupo 3: Este grupo não discutiu em profundidade este tema, um dos voluntários

afirma que o treinamento em hospitais o ajudou a conhecer o ambiente hospitalar, e exprime

descontentamento com a postura do cabeça de chave, que ele considera inadequada:

De acordo com o que você já aprendeu nos módulos e vai vivenciar... Eu

entrei no leito, ‘ah, você lavou a mão? Ah, vai lavar...’. Porque ela não

tinha que fazer isso pra mim, né? Não era ela que tinha que fazer isso,

porque eu estava chegando agora... Aí lavei as mãos. Porque na verdade eu

não vim aqui aprender com ela, eu já vim mostrando o que eu aprendi

(Risos).

Os outros voluntários, de maneira geral, afirmam que o módulo vivencial ensina a se

ambientar no espaço hospitalar, apresenta a estrutura física do hospital, mostra os locais de

atuação do contador, mostra como o contador chegar ao leito para contar uma história, mostra

157

como se comportar e funciona como “educação hospitalar”, na aprendizagem às regras e

normas do ambiente hospitalar.

– Avaliação dos participantes do grupo focal

As avaliações do encontro foram realizadas pelos Grupos 1 e 2:

Grupo 1: De maneira geral, este grupo diz que foi válido relembrar, após três anos,

conteúdos do treinamento. Um voluntário afirma que este trabalho vai enriquecer as

atividades da Associação Viva e Deixe Viver.

Grupo 2: Os voluntários deste grupo afirmam que foi enriquecedor porque aprenderam

muito com os outros nas discussões do grupo, e que as opiniões foram de maneira geral se

agrupando. Foi uma possibilidade de se reencontrar.

5.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados serão discutidos a partir da relação das respostas obtidas no questionário

e no grupo focal, e a teoria estudada, englobando os níveis de conhecimento e atitudes.

(a) Nível Conhecimento:

No nível conhecimento, existem alguns pontos que merecem ser discutidos:

Os voluntários, nas questões relacionadas a conhecimento sobre a “Associação Viva e

Deixe Viver”, atribuem à contação de histórias a função terapêutica e de cura. Isso não reflete

os objetivos do módulo e da Associação, que coloca a função da contação de histórias como

socializadora, através de promoção da alegria e do bem-estar aos pacientes internados, com a

possibilidade de ajuda na adesão ao tratamento.

Nas questões qualitativas deste módulo ainda, o voluntário atribui respostas esperadas

na pergunta que diz respeito ao fato de a Associação preferir a “desistência” do contador às

suas “faltas” na instituição, mas contrariamente, na questão relacionada aos “valores” da

instituição, que diz respeito aos 3Cs, os voluntários não conseguem recordar as respostas. Isto

já foi discutido e demonstra que “valores” não podem ser aprendidos num treinamento

modular, já que são aprendidos no decorrer da vida da pessoa.

158

Outro ponto importante a ser discutido ainda neste módulo sobre os “Princípios da

Associação Viva e Deixe Viver” é que os voluntários atribuem respostas ao papel de contador

de histórias como promotor de alegria e entretenimento. Mas, com baixa frequência de

respostas, mencionam que o contador leva literatura, leitura e informação ao ambiente

hospitalar, ou seja, o voluntário é sujeito, um veículo para conduzir até a criança a história

(mundo mágico). Pode-se inferir, porém, que o contador não associa este trabalho à função de

estimular a leitura.

Quando perguntado para que serve a leitura ou ouvir uma história, ainda neste módulo,

o voluntário atribui a função principal da história “à minimização da dor” e como “ajuda à

criança a esquecer o sofrimento” (função aqui entendida de caráter terapêutico e de cura).

Os módulos sobre Fundamentos Filosóficos do Voluntariado e Planejamento Pessoal e

Gestão do Tempo demonstram que os voluntários compreenderam os fundamentos que regem

o trabalho voluntário e a importância do gerenciamento do tempo, tanto na análise

quantitativa quanto na qualitativa. O Módulo Vivendo Positivamente teve alto índice de

acertos.

O Módulo Ambientação Hospitalar teve questões com alto índice de erros que foram

relacionados a: (a) instrução da lavagem do jaleco: foi visto, no processo de construção das

questões, que existiam posicionamentos diferentes entre os próprios facilitadores quanto a

este assunto. A Associação, em São Paulo, orienta a lavagem do jaleco junto com todas as

roupas de casa nos vídeos de treinamento, mas os facilitadores da Associação, em Salvador,

orientam que seja lavado em separado; (b) a questão das vacinas: perguntado se devem ser

buscadas ou não pelo contador em clínicas de imunização, foi constatada que a Associação

Viva e Deixe Viver em Salvador orienta que o contador não deve buscar as vacinas.

No Módulo Arte de Contar Histórias, pôde-se perceber que, apesar de a Associação

Viva e Deixe Viver, em seu treinamento, diferenciar a linguagem da contação de histórias do

teatro, muitos contadores associam o “fazer” da contação de histórias à dramatização, o que se

reflete nas respostas associadas a esta questão.

Neste módulo, ainda outras questões equivocadas emergem das respostas do contador:

(a) sobre os conteúdos das histórias (bruxas, morte, terror, medo), em que os contadores

recomendam que estas não sejam contadas às crianças, o que contrariamente é proposto pelo

módulo, pois, segundo a Associação, histórias deste gênero ajudam a criança a elaborar seus

conteúdos internos; (b) a questão da indicação de histórias como fábulas, lendas e aventuras

para crianças de 3 a 6 anos, o que no curso é indicado para crianças a partir de 10 anos.

159

Os módulos Processo de Morrer e Morte, Vivência Terapêutica, Memória do Brincar e

Treinamento nos Hospitais tiveram alto índice de respostas acertadas nas questões

quantitativas.

Na pesquisa qualitativa, a questão relacionada à Vivência Terapêutica obteve respostas

esperadas relacionadas à importância de o contador saber gerenciar suas emoções aprendendo

a estar equilibrado para lidar com os pacientes e a lidar com as perdas. Já no Módulo

Treinamento em Hospitais, o voluntário afirma que esta experiência tem a função de ajudá-lo

a conhecer o ambiente hospitalar e definir o hospital em que vai atuar.

(b) Nível Atitude

No nível atitude, referida pelo contador, foi demonstrado ter este a atitude esperada

pela Instituição em obedecer às regras e normas do hospital, em não frustrar as expectativas

da criança, pela espera do contador no hospital. Quando a contação de histórias não acontece

como esperado, o voluntário atribuiu a fatores externos, como: “a história contada que não

produzia os efeitos esperados” ou a “concorrência de outros estímulos atraentes que

dispersam a criança”, como a televisão ou os brinquedos.

Na pesquisa qualitativa, o voluntário, quando é perguntado por que motivo pode faltar

à contação de histórias, afirma que em casos de doença e morte na família do voluntário. Mas

um dado que deve ser levado em consideração, é que este grupo que traz como resposta o

compromisso com a criança, possui alta evasão na atuação nos hospitais, pois, das 51 pessoas

respondentes ao questionário, apenas 15 contam histórias atualmente.

Na questão relacionada à pergunta sobre o que é imprescindível para se qualificar

como contador de histórias, as respostas de maior frequência se relacionaram às qualidades e

aos valores mais próximos do ato de voluntariar, que é o amor ao próximo, a solidariedade, a

doação e a consciência do papel de voluntário.

160

(c) Avaliação dos módulos no grupo focal realizado pelos voluntários

Em geral, o Módulo Ambientação Hospitalar, para o grupo, ensina o voluntário a se

portar num hospital, além de medidas de proteção, regras e normas hospitalares. Mas, na fala

de alguns voluntários, o medo da contaminação no hospital é desproporcional à realidade.

No Módulo Arte de Contar Histórias, os voluntários têm a percepção de que as

histórias trágicas e sem final feliz não devem ser contadas às crianças hospitalizadas, mas, de

maneira geral, este módulo ensina técnicas, posturas e formas de contar histórias.

Na avaliação dos voluntários, o Módulo Vivência Terapêutica, pela densidade do seu

conteúdo, é ministrado em pouco tempo, pois justificam que este trabalha com as emoções

das pessoas. Contudo afirmam que nem todas as pessoas conseguem prosseguir na formação

após este módulo, pois este lida com a questão da perda, dificuldade que, para os voluntários,

nem todas as pessoas estão preparadas para lidar.

Um dos conteúdos que emergiram da pesquisa, diz respeito à importância dos

voluntários em não passarem suas emoções para os pacientes, o que é discutível na proposta

da humanização, visto que este é um paradigma do modelo formativo biomédico, que instrui,

ao profissional de saúde, uma postura rígida de não envolvimento com os pacientes.

Segundo Ayres (2006), quando se pensa na assistência à saúde, associa-se a aplicação

de tecnologias para o bem-estar físico e mental das pessoas. No entanto aspectos importantes

são esquecidos ou negligenciados pelos profissionais da saúde, e que torna-se imprescindível

considerar o modo como se aplica e se constrói tecnologias e conhecimentos científicos.

O profissional da saúde não tem seu papel restrito ao aplicador de conhecimentos , ou

seja, não é um apenas um modo de fazer, mas é também uma decisão sobre quais coisas

podem e devem ser feitas, num processo mediático entre que não se restringe a aplicação de

tecnologias.

A política Nacional de Humanização (2003), alerta que construir “uma política

voltada para a humanização” requer ter atitude humanizadora, ressaltando que os aspectos

subjetivos e sociais estão presentes em qualquer prática de saúde.

Outro aspecto importante é que os conteúdos do Módulo O processo de Morrer e

Morte, que são questões que dizem respeito à morte e ao luto, aparecem na fala de muitos

voluntários: uns colocam este conteúdo com mais naturalidade, outros com dificuldade. Um

grupo trata da “morte simbólica”, que é a perda da identidade ao se estar no hospital,; alguns

voluntários colocam o conceito de “morte social”, que é a perda do sujeito dos seus direitos de

cidadãos, e outro grupo fala da morte como processo natural de vida.

161

Segundo Pina (1993), o elemento mais constante dessa trajetória, que é a passagem do

indivíduo no hospital, é o homem que sofre e morre. Esta “morte simbólica” ou “morte

social” representa o processo de submissão do doente no hospital.

O Módulo Memória do Brincar, de maneira geral, é pouco discutido entre os grupos,

mas, segundo estes, a experiência em geral foi socializadora. Vale ressaltar que os voluntários

avaliam o módulo pela sua forma, como ele acontece e a importância de as pessoas se

encontrarem, e muito menos pelo seu conteúdo.

De maneira geral, o Módulo Fundamentos Filosóficos do Voluntariado traz, no

discurso do contador, a importância do comprometimento nesta proposta de voluntariado em

hospitais e a seriedade da Instituição que gerencia o projeto. Além disso, alguns voluntários

criticam a rigidez do projeto no início da formação.

Segundo Moniz e Araújo (2008 ), as pesquisas sobre voluntariado na saúde apontam

que, estes indivíduos contam apenas com boa vontade e disposição para ação a voluntária, ao

contrário do profissional de saúde que pode se apoiar na formação e no aparato técnico para

atuar no complexo ambiente hospitalar, o que pode expor o voluntário ao estresse.

O Módulo Treinamento em Hospitais é bastante discutido pelo grupo de maneira

geral, pois atribui que este capacita os voluntários a atuarem nos hospitais. Mas alguns

voluntários relatam experiências negativas da sua experiência prática, criticam a postura do

cabeça de chave que os recebe nos hospitais e também alguns hospitais por não entenderem e

acolherem a proposta de voluntariado da Associação.

Os voluntários afirmam, em alguns casos, que o que aprendem, no treinamento, não é

praticado nos hospitais. Apesar que uma parte do grupo pesquisado afirmam que o

treinamento os ajudou, pois teve a função de um estágio para a sua prática de contador de

histórias.

O Módulo Planejamento Pessoal do Tempo é um módulo cujo conteúdo é bem

avaliado pelo grupo, com as questões sobre gerenciamento e planejamento do tempo.

O Módulo Vivendo Positivamente é um módulo que tem um conteúdo que trata da

importância de se ter uma atitude positiva para enfrentamento das questões que aparecem no

ambiente hospitalar. Segundo alguns voluntários, aprender técnicas de relaxamento,

meditação, ajuda a enfrentar momentos de tensão.

No Módulo Princípios e Normas da Associação Viva e Deixe Viver, o voluntário

afirma que tem a função de apresentar as normas e os princípios do projeto e o que é ser

voluntário. Alguns voluntários relatam, no grupo focal, atitudes contrárias ao que foi

aprendido neste módulo, como, por exemplo, chegar ao quarto de um hospital e desligar a

162

televisão. Ademais, neste módulo, uma das discussões importantes é o respeito ao paciente e o

desejo de “ouvir as histórias”.

A atitude, mesmo não colocada como categoria de avaliação no grupo focal, é trazida

no discurso das experiências vividas no hospital pelos voluntários, em vários momentos:

quanto à atitude de respeito ao “não” da criança, a atitude ao se chegar para contar histórias

ou a atitude ao ter de lidar com a morte, em momentos de dor junto à família e à criança.

Com isso, encerram-se a apresentação e a discussão dos resultados da pesquisa. O

próximo capítulo traz as considerações finais sobre o estudo.

163

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa configurou-se como uma oportunidade para avaliar os resultados da

qualificação de voluntários que atuam no campo hospitalar, situado no contexto de uma

organização não governamental.

O problema da pesquisa foi avaliar se um programa de formação para voluntários

contarem histórias consegue desenvolver competências requeridas para sua atuação no

complexo ambiente hospitalar. E a questão da pesquisa foi avaliar os resultados da

qualificação proposta pela Associação Viva e Deixe Viver para a formação de competências

de voluntários contadores de histórias.

O primeiro objetivo da pesquisa foi definir critérios de avaliação de resultados da

qualificação oferecida pelo programa de seleção e treinamento de voluntários da Associação

Viva e Deixe Viver em Salvador. A teoria das competências (conhecimentos, habilidades e

atitudes) e as pesquisas em avaliação de treinamento ajudaram a definir o escopo do estudo,

fazendo um recorte na avaliação de resultados a partir dos conhecimentos adquiridos no

treinamento e das atitudes dos cursistas.

Na pesquisa foi descrito o perfil socioeconômico do voluntário que atua na Associação

Viva e Deixe Viver, e o resultado encontrado confirma a presença feminina na atividade

voluntária, conforme a história do voluntariado no Brasil, marcado pelo trabalho de mulheres

nesta atividade. Mas apresenta um dado importante para a pesquisa, que é o perfil de pessoas

com grau elevado de instrução, o que hipoteticamente está associado à proposta da instituição,

que é trabalhar com o universo literário (livros). Outros dados interessantes e que podem ser

aprofundados em futuras pesquisas, é a faixa etária neste projeto, de mulheres acima de 40

anos, e a pouca participação de jovens no projeto, ressaltando que o universo estudado é de 70

% de pessoas que não estão casadas.

Quanto ao segundo objetivo da pesquisa – descrever os indicadores de permanência e

evasão de voluntários contadores de histórias da Associação Viva e Deixe Viver –, estes

indicadores permitiram relacionar os resultados encontrados na qualificação e aferir que,

apesar de qualificados, os voluntários, não permanecem trabalhando nos hospitais.

A evasão de voluntários no projeto é, em geral, de 78,86%, mas não se verificou

relação de causalidade com o programa de treinamento, podendo ser investigado isso com

maior profundidade em futuras pesquisas.

164

O terceiro objetivo da pesquisa – o de avaliar se a qualificação oferecida aos

voluntários desenvolve competências (conhecimentos e atitudes) propostas pelo programa de

treinamento da Associação Viva e Deixe em Salvador para o voluntário atuar em hospitais –

foi viabilizado, mas com restrições à avaliação de atitudes, pelos motivos mencionados

anteriormente.

Os conhecimentos e atitudes foram avaliados na perspectiva do pesquisador e dos

participantes, o que trouxe elementos importantes para a pesquisa, demonstrando que as

competências foram adquiridas no contexto da atuação. Segundo Roche (2002), valorizar a

sabedoria e o julgamento das pessoas comuns é um elemento crítico de qualquer processo de

avaliação.

Foi observado que o grupo 3, participante do grupo focal, que não conta histórias nos

hospitais, apesar de ter participado do treinamento, não contribuiu de forma efetiva para as

discussões acerca dos conhecimentos adquiridos no treinamento em comparação aos outros

grupos, o que se torna um achado da pesquisa no decorrer da avaliação.

De maneira geral, os voluntários possuem conhecimento acerca dos módulos que

estudaram no ano de 2008, apresentam dificuldades com internalização de valores que são

colocados pela instituição no seu treinamento e têm a percepção da atividade de contação de

histórias como ajuda terapêutica e de cura, o que não é trazido no discurso institucional.

Além disso, alguns voluntários acreditam que a contação de histórias minimiza a dor e

ajuda a diminuir o sofrimento da hospitalização, o que na prática não é possível se verificar,

pela própria subjetividade da atividade, que, apesar de ter como finalidade levar alegria e

entretenimento aos pacientes, na fala dos voluntários extrapola sua função.

As atitudes requeridas pelo programa de treinamento, apesar de não verificáveis na

prática dos voluntários, foram detectadas nos discursos destes, podendo-se dizer que a maioria

conhece e obedece as regras e normas estabelecidas no hospital. Porém existe um

distanciamento entre o que a instituição requer do voluntário e o que se pratica nos hospitais,

como em alguns casos em que o contador se sente frustrado quando a criança não quer ouvir

sua história.

Apesar de os voluntários responderem adequadamente quando perguntados sobre o

que aprenderam nos módulos sobre a importância de gerenciar o tempo, de planejar a

atividade voluntária, de não faltar à contação de histórias, o índice de evasão do programa

reflete o contrário. Do grupo avaliado, apenas 29,42% atuam nos hospitais.

A habilidade, apesar de importante constructo na formação de competências, não foi

proposta na avaliação de resultados, mas foi encontrada nos achados da pesquisa, que

165

apontam que habilidades humanas, como as de relações interpessoais, foram desenvolvidas a

partir do treinamento desenvolvido pela Associação, visto que os resultados da pesquisa

apontam para o fato de que o treinamento desenvolveu a escuta, a capacidade de compreender

a dor do outro, a empatia com o paciente.

As discussões dos grupos focais trouxeram elementos importantes para a construção

dessa avaliação, que trouxe a avaliação participativa do próprio sujeito da pesquisa e

aprofundou outras questões. Nessa condição como afirma Gatti (2005), os grupos focais

possuem análises mais estruturadas, voltadas a situações predeterminadas, tendo em vistas

metas aplicadas. Houve uma organização analítica que permitiu visualizar de modo sintético o

que cada grupo expôs em relação a cada tópico avaliado.

É importante ressaltar que o módulo “treinamento em hospitais”, avaliado por um dos

grupos, traz questões importantes, que dizem respeito ao despreparo da equipe da saúde em

acolher o trabalho desses voluntários no ambiente hospitalar, do cabeça de chave, que

representa a instituição perante o hospital. Na avaliação de alguns voluntários, eles não

seguem as normas do hospital, conforme percebido durante o módulo em questão, como, por

exemplo, a lavagem das mãos. A partir da análise desses dados, pode-se dizer que, apesar do

discurso da humanização hospitalar, advindo da Política da Humanização da Saúde, na

prática, tentativas como essas muitas vezes não são reconhecidas como importantes para o

profissional da saúde.

Apesar de a avaliação neste estudo ter sido centrada na avaliação de competências

advindas do treinamento, pôde-se observar influência do contexto em que se atua para a

promoção de aprendizagem.

Este estudo apresentou algumas limitações, considerando que a escolha da amostra

teve um recorte que é uma parcela de um grupo maior estudado, além disso o estudo não é

passível de generalizações para outros contextos, pois revela aspectos apenas de uma parcela

da realidade estudada.

Dificuldades foram encontradas na realização do grupo focal, que contou com a

participação de 23 pessoas, embora o questionário tenha sido respondido por 51 pessoas. Vale

ressaltar que todos os participantes do grupo focal responderam ao questionário.

A competência relacionada à habilidade técnica ( se o contador conta histórias bem ou

não) não pôde ser avaliada pela dificuldade da inserção no campo (diversos hospitais) para

visualização do trabalho do voluntário.

As contribuições metodológicas referem-se ao processo da pesquisa. A primeira delas

diz respeito à integração das abordagens quantitativas e qualitativas no estudo, o que permitiu

166

contribuir para melhor aprofundamento da pesquisa em avaliação. E a segunda foi de avaliar a

proposta a partir dos sujeitos da pesquisa, o que contribuiu para a discussão da avaliação

participativa, que segundo Tenório (2010), representa a quinta dimensão de avaliação, que

corresponde ao seu caráter social, o compromisso, a partir da ideia de avaliação como

envolvimento, comprometimento com a melhoria do objeto avaliado.

Em decorrência da integração dessas abordagens, é possível citar esta contribuição

como uma triangulação metodológica. A triangulação interdisciplinar mostrou-se também

adequada para o estudo, que incluiu conhecimentos das áreas de educação, psicologia,

administração, saúde e serviço social. Dessa forma, observa-se um trabalho voltado para a

interdisciplinaridade pela sua própria característica, gestada na sua proposta de estudo.

Traz colaborações para a área de educação na medida em que se apropria de conceitos

aplicados na área de Treinamento, Educação e Desenvolvimento. Também contribui para a

área de saúde, já que o campo empírico são os hospitais. Pode-se falar, então, num trabalho na

área de educação e saúde.

Muito embora o fundamento da estratégia avaliativa empregada tenha limitações

oriundas da impossibilidade de deduzir competências e atitudes alcançadas pelos treinandos a

partir de conhecimentos adquiridos no treinamento a que foram submetidos, esta estratégia

avaliativa mostrou-se válida no assinalamento de lacunas no aprendizado de conceitos. Ou

seja, se é impossível afirmar, por um lado, que os voluntários de Salvador que passaram pelo

Programa de formação do Viva e Deixe Viver estão, no que tange a determinadas

competências e atitudes, aptos ao trabalho de contação de histórias em hospitais, por outro,

talvez seja possível (ou menos impossível) afirmar que eles não adquiriram alguns

conhecimentos específicos.

Tais conhecimentos não aprendidos, então, careceriam de ser alvo de investimento

maior nas próximas turmas de formação de voluntários; investimento este que talvez devesse

rever não só a quantidade (o conteúdo) da informação ensinada, mas principalmente o modo

de ensiná-la (a forma).

O presente estudo avaliou um nível do treinamento, que é a avaliação de resultados,

tomando como referência o modelo de Avaliação Integrado e Somativo – MAIS, que refere-

se segundo Borges-Andrade (2002,p.33) ao que foi aprendido pelos treinandos ou por eles

alcançado ao final do treinamento.

Dentro do propósito de contribuir para a melhoria das ações de voluntários, seguem

algumas recomendações:

167

(a) Avaliar os insumos do treinamento, ou seja, os fatores físicos e sociais, anteriores

ao treinamento, que podem ser descritos como conhecimentos e habilidades que o voluntário

traz para o treinamento;

(b) Avaliar o ambiente em que ocorre o treinamento, ou seja, variáveis como: apoio à

atividade de contação de histórias que o contador recebe tanto na instituição como em casa,

pelos seus familiares; resultados a longo prazo, que é o efeito da contação de histórias para a

criança, a família, o profissional da saúde e o contador de histórias.

Além da inclusão dessas avaliações, sugerem-se estudos na área de Avaliação da

Política de Humanização, que se constitui como um avanço para melhorar a relação dos

profissionais da saúde, voluntários e usuários.

Estudos na área de comprometimento também podem ser relevantes para a

compreensão dos fatores que mantêm voluntários ao longo de três anos, na atividade

voluntária, pois, segundo fontes da Associação, o tempo de permanência médio de um

contador de histórias na organização é de um ano, e neste estudo foram encontrados dados

relevantes de voluntários com tempo de permanência superior.

Pesquisas longitudinais na área de formação de competências podem ser estudadas,

mediante estudos que privilegiem a aprendizagem no contexto da ação. Existem estudos na

área, como os de Le Boterf (1994; 2000; 2001), Zarifian (1996; 2001) e Ruas (2005), que se

vinculam à ideia da mobilização da capacidade da pessoa em determinado contexto.

Sugerem-se estudos na área de educação continuada dos voluntários e profissionais da

saúde, pois o estudo indicou que, apesar de o treinamento sobre normas e regras ser

importante para os sujeitos que produzem saúde, muitas vezes tais normas e regras são

negligenciadas no ambiente hospitalar.

168

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APÊNDICE A

QUESTIONÁRIO

Prezado Contador de História,

Este questionário tem como objetivo fazer uma avaliação da Associação Viva e Deixe

Viver, especificamente do seu processo de Qualificação, através da Pesquisa

intitulada: Avaliação da Qualificação de Voluntários no Contexto da Humanização da

Saúde, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

I - IDENTIFICAÇÃO GERAL

1. Sexo ( ) masculino ( ) feminino

2. Idade: _______

3. Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado ( ) divorciado/separado/desquitado ( ) viúvo ( ) outro________________

4.Tem filhos ( ) Sim ( ) Não.Se sim, número de filhos _____________

II - FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO PROFISSIONAL

5. Nível Escolaridade ( ) 1 grau ( ) 2 grau ( ) 3 grau incompleto ( ) 3 grau completo.

Curso de graduação_______________________________

Pós- graduação_______________( ) lato senso ( )stricto sensu/mestrado/doutorado

5. Está fazendo algum curso atualmente ? ( ) sim ( ) não

Se sim, qual ? ___________

Cite outros cursos que fez nos últimos 5 anos: _____________________________________________________________________

5. Profissão atual __________________

6. Sua Renda pessoal ___________________________

179

III - CONHECIMENTOS SOBRE O VIVA E O CONTADOR DE HISTÓRIAS

Nesta parte você vai ler cada uma das perguntas e responder de acordo com a escala

abaixo relacionando com o grau de intensidade com que concorda ou discorda de

cada questão.

Atribua um valor as suas respostas portanto, conforme o quadro abaixo:

1. ( F ) A criança é o único beneficiado da contação de história?

2. ( F ) É muito importante para o contador de histórias saber qual é o

diagnóstico da criança?

3. ( V ) O que é mais correto quanto ao meu trabalho de contador de

histórias horários fixos (predeterminados) do que eu me disponibilize sem

horários determinados.

4. ( F ) É importante criar laços estreitos e fortes vínculos afetivos com a

criança hospitalizada para ser um bom contador de histórias?

5. ( F ) É papel do contador de histórias, investigar a veracidade de uma

narrativa pessoal eventualmente contada pela criança hospitalizada?

6. ( V ) É imprescindível para ser um bom contador de histórias superar

limites emocionais, que constrangem, por exemplo, ao trabalhar com crianças

com câncer ou crianças queimadas?

7. ( F ) A função terapêutica da contação de histórias está dada,

principalmente, em razão da escolha específica de determinados livros, cujo

enredo de superação e personagens heróicos permitem que a criança se

identifique e encontre forças para enfrentar a doença?

8. ( V ) Tão importante quanto contar uma história é ouvir uma história da

criança?

-3 -2 -1 0 1 2 3

Muitíssimo

falso

Muito

falso

Falso Não sei Verdadeiro Muito

verdadeiro

Muitíssimo

verdadeiro

180

9. ( V ) Para o Viva e para os hospitais é preferível a desistência do

voluntário do que a ausência às atividades de contação agendadas?

10. ( F ) Um contador de histórias não pode oferecer alimentos aos

pacientes, mas pode, tranquilamente ajudar dando água caso o paciente tenha

sede ?

11. ( F ) Segundo a filosofia de trabalho do Viva, os livros de ficção,

contos de fadas e aventura são preferíveis para o uso do contador voluntário

do que aqueles com propostas educativas explicitas sobre hábitos saudáveis?

12. ( V ) Os cuidados de segurança do trabalho (Biossegurança) que o

contador de histórias tem de manter são importantes, antes de tudo para

poupar as crianças da contaminação?

13. ( F ) Livros de histórias cujas páginas possuem textura em tecido são

bastante recomendados para o uso do contador, pois ao contato com essas

texturas, importantes estímulos sensoriais são proporcionados às crianças

hospitalizadas?

14. ( V ) Lavar bem as mãos a cada vez que se muda de leito na contação

de história é a atitude mais eficaz para prevenir a transmissão de infecção?

15. ( F ) Em nome da parceria que se deve estabelecer com a equipe

multiprofissional de saúde, é recomendado que o contador de histórias,

eventualmente (e sempre que possível) colabore com a equipe, por exemplo,

trocando uma fralda ou ajudando a dar banho na criança?

16. ( F ) Um voluntário que nos horários de trabalho é remunerado como

enfermeiro, está autorizado a realizar eventuais intervenções assistenciais de

saúde durante sua jornada de contação de histórias no hospital?

17. ( V ) Em princípio equipamento individual de proteção, como luvas, por

exemplo, não são requeridos para o trabalho de contador de história em

hospitais, porque, comumente, ele não tem contato com fluidos biológicos do

paciente?

18. ( V ) Se o contador de histórias vai atuar junto a uma criança sob

“isolamento de contato”, precisará, necessariamente, utilizar avental e luvas

para adentrar o quarto?

181

19. ( V ) O jaleco utilizado pelo voluntário contador de história é

simplesmente um sinalizador de atividade profissional (uniforme), ou seja, ele

não tem função de protegê-lo contra contaminação?

20. ( V ) Normalmente não é necessário lavar separadamente o jaleco do

contador de histórias, ou seja, ele pode ser lavado juntamente com o restante

das roupas da casa?

21. ( F ) Vacinas disponíveis apenas para Profissionais de Saúde, como

aquelas da Influenza e Hepatite A, devem ser buscados pelo Contador ?

22. ( V ) O contador de histórias não deve, nunca, fazer doações (de

alimentos, brinquedos, material escolar) ou campanhas de arrecadação junto

aos seus amigos e familiares para ajudar um paciente do hospital?

23. ( F ) Voluntário Profissional no Viva é aquela pessoa que faz do

voluntariado sua atividade remunerada.

24. ( V ) Voluntário Profissional é a pessoa que cumpre com os objetivos

propostos com a organização, dentro das suas limitações.

25. ( pessoal ) Recebo apoio da minha família para minha atividade de

contação de histórias.

26. ( pessoal ) Recebo apoio do hospital para minha atividade de contação

de histórias.

27. ( pessoal ) Meu coordenador de voluntários é alguém ausente na minha

atividade de contação de histórias.

28. ( pessoal ) O Viva e Deixe Viver oferece apoio para as minhas

atividades de contação de histórias.

29. ( F ) O Viva é uma instituição que atua na promoção da saúde e da

cura através da contação de histórias à pacientes hospitalizados.

30. ( F ) Voluntário é a pessoa que ajuda incondicionalmente, que se

sacrifica em prol do outro.

31. ( F ) Voluntário é uma pessoa que precisa ser reconhecida no hospital

porque trabalha de graça

182

32. ( V ) Voluntário tem direitos e deveres no hospital

33. ( V ) Para as crianças hospitalizadas o ideal é contar histórias mais

curtas.

34. ( F ) Posso contar histórias improvisadamente, como um ator;

35. ( F ) Devo dramatizar sempre as histórias para que se tornem mais

engraçadas.

36. ( F ) A criança que pede a história repetidas vezes é porque não

entendeu a moral da história.

37. ( F ) Não devo contar histórias de medo, morte, bruxa, terror para

crianças hospitalizadas;

38. ( F ) Quando morre alguma criança que eu conheço no hospital, é

meu papel como contador de histórias, acolher os familiares e oferecer apoio.

39. ( V ) Ser voluntário na saúde, implica entrar em contato e ter de lidar

com questões emocionais e com a morte.

40. ( V ) Devo me cuidar emocionalmente para ser contador de história

em hospitais.

41. ( F ) Não é porque trabalho em hospital, que tenho de lidar com a

perdas.

42. ( V ) É importante ter uma postura positiva para ser contador de

história em hospital.

43. ( V ) Fazer o treinamento me ajudou a escolher o lugar para contar

histórias.

44. ( V ) Ver outro contador na época do treinamento contando histórias

me ajudou a melhorar a minha performance.

45. ( V ) É possível resgatar a brincadeira porque ele faz parte da nossa

história.

46. ( V ) Viver Positivamente pode ser considerado um dos valores na

saúde.

183

47. ( F ) Não existe método para ensinar a pensar positivo.

48. ( V ) A doença da criança causa desorganização familiar.

49. ( V ) Existem estágios como negação, raiva, barganha, depressão e

aceitação no processo de internação do paciente no hospital.

50. ( V ) A doença causa na criança repercussões emocionais, físicas,

psíquicas, motoras, cognitivas e sociais.

51. ( F ) Folclore não é criado pelas classes populares.

52. ( V ) Folclore quer dizer ciência, saber do povo.

53. ( F ) As histórias mais indicadas para crianças de 03 a 06 anos são

histórias de fábulas, aventuras e lendas.

54. ( V ) A estrutura de uma história tem nos seus elementos essenciais:

introdução, clímax e desfecho – tudo isso faz parte do que chamamos enredo.

55. ( V ) É inevitável que eu me depare com situações de dor, morte e

perda no hospital.

184

IV – NESTA PARTE VOCÊ VAI FAZER CORRESPONDÊNCIA DE UMA COLUNA

COM A OUTRA.

1. Na coluna abaixo você verá o nome dos módulos/aulas que foram ministradas

durante o treinamento.Na coluna que segue você associará com conceitos, termos,

expressões, que apareceram no decorrer de cada módulo.

(1)Módulo : “Princípios e Diretrizes da Associação Viva e Deixe Viver”.

(2)Módulo : “Fundamentos Filosóficos do Voluntariado”.

(3)Módulo : “Planejamento Pessoal e Gestão do Tempo”.

(4)Módulo : “ Vivendo Positivamente”

(5)Módulo : “Ambientação Hospitalar ”.

(6)Módulo : “A arte de Contar Histórias ”.

(7)Módulo : “Processo de Morrer e a Morte”.

(8)Módulo : “Vivência Terapêutica” – Aprendendo a lidar com perdas.

(9)Módulo : “ Memória do Brincar - Folclore Infantil”

(10)Módulo : Treinamento nos Hospitais

( 3 ) Organizar a agenda semanal de tarefas

( 1) Humanizar a Assistência à saúde

( 2 ) Solidariedade com foco em resultados

( 9 ) Transmissão para crianças de cantigas brasileiras

( 4 ) Tornar a vida diária uma experiência construtiva e rica.

( 5 ) Respeito ao silencio dentro da instituição

( 6 ) Formas de apresentar uma história

( 7 ) Cuidados físico, psíquico, social e espiritual do paciente

(8 ) Administrar as emoções pessoais para lidar com equilíbrio emocional diante das

perdas e atuar assertivamente em contexto hospitalar

( 10) Visualizando a contação de histórias a partir da observação.

185

V - QUESTÕES DE ENUMERAR:

Responda a pergunta colocando em ordem de prioridade (de 01 a 08) cada uma das

funções esperadas do voluntário Contador de História no hospital. Se julgar necessário

pode excluir algum item.

1. O voluntário contador de histórias deve levar ao hospital:

( ) ENTRETERIMENTO

( ) LEITURA

( ) CULTURA

( ) CIDADANIA

( ) ALEGRIA

( ) INFORMAÇÃO

( ) LAZER

( ) CUIDADO

Resposta correta está relacionada à missão da instituição que é : Promover

entretenimento, cultura e informação educacional através do estímulo à leitura

e do brincar, visando transformar a internação hospitalar de crianças e

adolescentes em um momento mais alegre e agradável, contribuindo

positivamente para o bem estar de seus familiares e equipe multidisciplinar. Ou

seja, as respostas estarão corretas em torno das respostas: cultura,

informação, leitura, alegria.

2. O que você recomendaria que o contador evitasse fazer em um ambiente

hospitalar? Enumere de 01 a 13 do pior para o menos pior.

( ) Usar trajes incompatíveis ao ambiente (saias curtas, salto alto, cores

berrantes) e acessórios inadequados (jóias, bijuterias em excesso, perfume

muito forte).

( ) Sentar nos leitos.

( ) Não demonstrar equilíbrio emocional diante de episódios de estresse a/ou

perdas.

186

( ) Não lavar as mãos segundo o procedimento de controle de infecção

hospitalar.

( ) Fazer lanches na presença da criança.

( ) Gestos não verbais do contador que demonstrem estranheza ao quadro do

paciente, por exemplo crianças queimadas, provocando nestas desconforto ou

sentimento de inadequação na presença do contador.

( ) Ministrar-lhe passes, jorey, massagens.

( ) Ministrar medicação.

( ) Favorecer às crianças a retirada do acesso venoso.

( ) Favorecer aos acompanhantes/pacientes burlar normas estabelecidas

(favorecer o uso de telefone fora do horário, a TV ligada, utilizar brinquedos

fora do horário).

( ) Favorecer o acesso ao prontuário sem o conhecimento da equipe.

( ) Responder às curiosidades de outras mães acerca do diagnóstico mais

delicado.

( ) Favorecer a saída de paciente das dependências da enfermaria sem

autorização.

Respostas estão todas incorretas, a intenção da pergunta é estabelecer,

segundo a percepção do voluntário, um “ranking” de gravidade dessas

proibições, relacionadas a atitudes que não são recomendáveis no ambiente

hospitalar. .

187

VI - QUESTÕES ABERTAS:

1. Na administração pessoal de seu tempo, uma pessoa deve atentar para uma série

de aspectos que “roubam” horas de seu dia, você seria capaz de se recordar de 2

deles?

Questão pessoal eliminada

e

2. Qual o papel da eleição de prioridade na construção de uma agenda de atividades?

R: Espera-se em geral: Viver bem, ter harmonia interna e externa, cumprir metas,

utilizar bem o tempo.

3. Quais as dificuldades para ordenamento de prioridades no ranking de importância

nas nossas vidas?

Questão pessoal eliminada

4. Por que o Viva diz preferir a sua “desistência”, ao invés das suas faltas nos

hospitais?

Espera-se em geral: As faltas geram expectativas/frustração nas crianças que estão

esperando e impossibilitam a coordenação de encaminhar outro contador.

5. O que quer dizer cada um dos três Cs?

Consciência;

Compromisso;

Constância.

6. O que representa, do ponto de vista da estratégia de treinamento do Viva, a

exigência de freqüência integral às sessões do curso de formação?

Questão eliminada

188

7. Em meio a tantas outras atividades humanizadoras no hospital (palhaços, músicas,

professores, artistas plásticos, brinquedoteca) que diferença faz o Contador de

História?

Esperam-se respostas em torno de: Porque o contador além de levar entretenimento e

alegria, como em outras atividades, também leva a leitura e informação para dentro do

hospital.

8. Para que serve, especificamente, a leitura ou ouvir uma história em hospital?

Respostas esperadas:

Ler e ouvir história auxilia na criação do hábito de leitura. Domínio da linguagem;

acesso à linguagem; socialização; permite a criança a sair nem que seja por alguns

dos momentos sair do foco da doença, elaborar conteúdos mesmo que não seja este o

objetivo do contador de histórias.

Ajuda na adesão à dieta ou à medicação na hospitalização, estimula a capacidade de

representar fantasias, ajuda a criar novas imagens mentais, auxilia no processo de

alfabetização e aprendizagem, oferece recursos lúdicos que ajudem a criança a lidar

com o seu processo do adoecimento e lhe tragam uma melhor qualidade de vida

9. Coloque em ordem de prioridade os motivos pelos quais você pode faltar à

contação nos dias agendados para sua participação.

Resposta Pessoal

10. Qual a importância do contador saber gerenciar as suas emoções e aprender a

lidar com as próprias perdas?

Resposta em torno de:

Saber identificar o que é meu, e o que é do outro, diminuindo assim a identificação com a dor do outro. Se lidarmos melhor com nossas dores, saberemos como lidar com a dor do outro.

11. Eu tinha outras habilidades que me ajudaram a contar histórias, quando iniciei no Viva.

Caso concorde cite:

Questão pessoal eliminada

12. Eu gosto nas horas vagas e de lazer:

Questão pessoal eliminada

189

13. Com a formação do VIVA, eu aprendi uma nova habilidade.

Caso concorde, cite:

Questão pessoal eliminada

14. Para se qualificar como Contador de Histórias hospitalar do VIVA é imprescindível...

Espera-se que ele responda: treinamento, comprometimento, responsabilidade, ter

tempo.

15. Tem módulos do Viva que não considero importante para a formação do contador de história.

Cite caso concorde:

Questão pessoal eliminada

16. O que me motivou a querer ser um contador de histórias quando procurei o Viva ...

Questão pessoal eliminada

17. O que me motiva hoje ser contador de histórias é :

Questão pessoal eliminada

18. A minha percepção é de que o resultado do meu trabalho ao longo deste tempo...

Questão pessoal eliminada

19. A minha percepção é de que as visitas a quatro hospitais antes de iniciar a contar histórias...

Resposta Pessoal

190

VII - QUESTÕES FECHADAS:

Respostas pessoais

1. Nas questões abaixo, marque a alternativa que mais é adequada, MARQUE

APENAS UMA ALTERNATIVA :

A) Eu não faltaria a contação de histórias porque:

a. Quero evitar sentimentos por parte das crianças da frustração de

esperar alguém, que então não comparecerá;

b. Não quero que me julguem como alguém que não atende seus

compromissos;

c. Tenho medo de ir me acostumando e perder a vontade de continuar;

d. Receio que a equipe de saúde perca o entrosamento comigo;

e. Temo que as crianças me estranhem quando então eu retornar;

f. Receio perder o jeito para o trabalho.

B) Quando uma contação de Histórias não é como o esperado, o que

aconteceu foi que:

a. A criança não prestava atenção;

b. Havia barulho demais no ambiente;

c. Havia a “concorrência” de outros estímulos atraentes para a criança;

d. A história contada não produzia o “efeito” que eu esperava na criança;

e. Eu me emocionava com a situação da criança.

191

APÊNDICE B

ROTEIRO PARA REALIZAÇÃO DO GRUPO FOCAL

QUESTÕES:

(a) O que marcou ou chamou mais sua atenção na formação para contador de histórias?

(b) Sobre os módulos, eu vou falar sobre cada um deles e seus respectivos instrutores e vocês

irão emitir opiniões sobre cada módulo: quanto a sua importância e utilização na prática como

contador, e que os ajudou a contar histórias..

(c) Como vocês avaliam nosso encontro?

192

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TÍTULO: Avaliação da Qualificação de Voluntários no Contexto da

Humanização da Saúde: o caso da Associação Viva e Deixe Viver em

Salvador-Bahia

DESCRIÇÃO DO ESTUDO E OBJETIVOS

Você participará de uma atividade de aplicação de questionário e de atividade em grupo

denominada grupo focal e, a partir de seu resultado, se pretende elaborar uma dissertação de

mestrado, cujo conteúdo se refere à avaliação de resultados da qualificação da Associação

Viva e Deixe Viver para formação de Voluntários (as) contadores(as) de Histórias.

AUTORA: Ana Cristina Santana Matos, Psicóloga, Pedagoga, Pesquisadora-mestranda em

educação pela Universidade Federal da Bahia.

PARTICIPAÇÃO: Sua participação nas atividades será fundamental, entretanto,

necessitamos de sua autorização para que as informações prestadas durante a atividade sejam

utilizadas na dissertação de mestrado.

BENEFÍCIOS: Você estará contribuindo para a ampliação do conhecimento sobre a

qualificação de voluntários no campo da saúde.

DIVULGAÇÃO E CONFIDENCIALIDADE: As informações prestadas por você serão

submetidas à análise e embasarão a formulação do referida dissertação de mestrado para

publicação. Em qualquer dessas circunstâncias, sua identidade será mantida sob sigilo.

DIREITO DE RECUSAR OU DESISTIR DA PARTICIPAÇÃO: Durante toda a

pesquisa, você terá a liberdade de recusar ou desistir de participar da mesma. Sendo sua

participação voluntária, você tem autonomia para abandonar o posto de sujeito da pesquisa. A

qualquer momento da pesquisa, você poderá interromper a participação sem nenhum dano a

si.

QUESTÕES: Caso alguma dúvida persista, ou haja alguma questão, fique à vontade para

colocá-la, mesmo que o período de pesquisa tenha-se expirado. Para tal, entre em contato com

a investigadora principal, Ana Cristina Santana Matos, pelo número (71) 8800-2787.

Declaro que li e entendi as informações que me foram transmitidas acima e autorizo a

utilização das informações prestadas para elaboração de artigo científico para

publicação.

Salvador, _____________de____________de 2011.

Nome:_____________________________Assinatura:________________________________

A N E X O