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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
PRISCILLA MARIA DE CASTRO SILVA
A TRAJETRIA DO PORTADOR DE SOFRIMENTO PSQUICO NO PROCESSO
DE DESINSTITUCIONALIZAO: HISTRIA ORAL
JOO PESSOA, PB
2012
1
PRISCILLA MARIA DE CASTRO SILVA
A TRAJETRIA DO PORTADOR DE SOFRIMENTO PSQUICO NO PROCESSO
DE DESINSTITUCIONALIZAO: HISTRIA ORAL
Dissertao apresentada Coordenao do
Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem - Nvel Mestrado do Centro de
Cincias da Sade da Universidade Federal
da Paraba Campus I, como requisito para
obteno do Ttulo de Mestre em
Enfermagem, rea de concentrao
Enfermagem na ateno Sade.
Linha de pesquisa: Polticas e prticas em
sade e enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Maria de Oliveira Ferreira Filha
JOO PESSOA, PB
2012
2
S586t Silva, Priscilla Maria de Castro. A trajetria do portador de sofrimento psquico
no processo de desinstitucionalizao: histria oral / Priscilla Maria de Castro Silva.- Joo Pessoa, 2012.
165f. Orientadora: Maria de Oliveira Ferreira Filha Dissertao (Mestrado) UFPB/CCS 1. Enfermagem. 2.Servios de sade mental.
3.Sofrimento psquico histria. 4. Polticas em sade. 5. Prticas em sade. 6. Reforma psiquitrica
. UFPB/BC CDU: 616-
083(043)
3
PRISCILLA MARIA DE CASTRO SILVA
A TRAJETRIA DO PORTADOR DE SOFRIMENTO PSQUICO NO PROCESSO
DE DESINSTITUCIONALIZAO: HISTRIA ORAL
Banca Examinadora
______________________________________
Profa. Dra. Maria de Oliveira Ferreira Filha
Orientadora
(UFPB)
______________________________________
Profa. Dra. Maria de Ftima de Arajo Silveira
Membro Externo
(UEPB)
______________________________________
Profa. Dra. Maria Djair Dias
Membro Interno
(UFPB)
______________________________________
Profa. Dra. Incia Stiro Xavier de Frana
Membro Externo Suplente
(UEPB)
____________________________________
Profa. Dra. Antonia Oliveira Silva
Membro Interno Suplente
(UFPB)
4
Dedico esta dissertao a minha Me, Dona Maria da Penha,
que sempre acreditou em meu potencial, investiu em mim em todos
os mbitos de minha vida e , sem dvidas, meu grande exemplo de me e mulher.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus Pais, Ivan e Penha, pela educao que me proporcionaram, pelo amor
que me deram e que me fizeram chegar at aqui.
Aos meus irmos, Lo e Jnior, pela fora e ajuda nos momentos que precisei.
A minha amada Tia Marlene, in memorian, por sempre acreditar em mim, e torcer
por cada vitria em minha vida.
Aos meus amados amigos: Elisngela Braga, Alynne Mendona, Priscilla Kelly,
Samara Tavares, Gigliola, Egberto, Bruno, Giorge e Claudinha, pela fora que me deram
em toda essa jornada de estudos. Obrigada por me ouvirem, me apoiarem e me
impulsionarem quando eu mais precisei de vocs. Amigo fiel proteo poderosa, quem
encontrou um amigo encontrou um tesouro ( Eclo 6,14).
minha to admirvel orientadora, Maria de Oliveira Ferreira Filha, pelos
ensinamentos, pela calma e serenidade nas suas orientaes. Voc para mim um exemplo
de Professora. Ser sua orientanda motivo de grande orgulho e gratido.
Aos colaboradores deste trabalho por possibilitarem, atravs de suas Histrias de
vida, nortear caminhos para construo de mais esta pgina da Reforma Psiquitrica.
A Larissa, coordenadora do CAPS III, pela abertura das portas do servio, sempre
to solcita a todos os trabalhos acadmicos que so realizados no servio do qual faz parte.
Ao Evandro, enfermeiro do CAPS, que com sua experincia e vontade de fazer o
melhor pelos usurios da instituio, melhorou qualitativamente a vida de muitos usurios,
atravs de suas prticas inclusivas.
s professoras Membros da Banca, por aceitarem o convite, Professora Djair,
Professora Ftima Silveira, Professora Incia Stiro, Professora Antnia, as admiro
demais, e sou grata por todos os ensinamentos que pude receber das senhoras como aluna.
Vocs so exemplos para mim.
minha turma de Mestrado, por ser to importante na construo de novos
conhecimentos e de novas amizades.
irmandade do Grupo de Estudos em Sade Mental Comunitria, pela
cumplicidade, coleguismo e ajuda nos momentos que mais precisei.
A todas as professoras e professores do Programa de Ps Graduao em
Enfermagem (PPGENF UFPB), vocs foram imprescindveis, para minha formao
pessoal e intelectual.
6
Aos tcnicos administrativos do PPGENF, sem vocs, tudo seria mais complicado e
burocrtico.
Aos colegas de trabalho e alunos da Faculdade de Cincias Mdicas de Campina
Grande que torceram e me incentivaram nesta Conquista, em Especial a coordenadora do
curso de Enfermagem Ademilda, pelo apoio e compreenso nos momentos que necessitei.
Aos Colegas de Trabalho e alunos da Universidade Federal de Campina Grande -
Campus Cuit, pela fora e torcida para que eu chegasse at aqui.
E, por fim, agradeo a Deus e Nossa Senhora das Graas, por guiarem meus passos
e me conduzirem at aqui. Nosso senhor grande e poderoso e sua sabedoria sem
medida (Salmo147. 5).
A todos meu muito obrigada!
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SILVA, P.M.C. A Trajetria do Portador de sofrimento psquico no processo de
desinstitucionalizao: Histria Oral. 2012. 165f. Dissertao (Mestrado em enfermagem)
Centro de Cincias da Sade, Universidade Federal da Paraba, Joo Pessoa, 2012.
RESUMO
A Lei 10.216/2001, que rege a Reforma Psiquitrica Brasileira, criou condies para a
substituio progressiva dos manicmios e como consequncia abriu a possibilidade de
rompimento com o modelo hegemnico hospitalocntrico, para um modelo de base
comunitria. E, medida que o portador de sofrimento psquico vai se reabilitando, devem
surgir novas estruturas para compor sua rede de apoio e dar suporte em seu processo de
desinstitucionalizao e incluso social. Este estudo objetivou conhecer a trajetria do
portador de sofrimento psquico no processo de desinstitucionalizao, considerando o
processo de reabilitao e incluso social. Trata-se de um estudo compreensivo -
interpretativo e de carter qualitativo, fundamentado nos pressupostos da Histria Oral,
proposta por Bom Meihy. Foi realizado com dez usurios que se tratavam em um CAPS do
municpio de Campina Grande/PB/Brasil e que estavam em processo de reabilitao e
incluso social. O material emprico foi produzido no perodo de Junho a Julho de 2012 e
seguiu todas as etapas de produo de material emprico proposta por Bom Meihy. Os
achados da investigao foram discutidos luz da tcnica da anlise temtica interpretativa
proposta por Minayo, que resultou em um grande eixo temtico intitulado: Trajetrias de
vida: da superao do preconceito ao fortalecimento da resilincia e trs subeixos temticos:
Da Casa aos Servios Psiquitricos; Do CAPS famlia, escola e trabalho; Em busca de
um novo lugar social: Possibilidades e dificuldades. Os resultados revelaram histrias de dor,
abuso, violncia, misria, abandono, que contriburam para o desencadeamento das crises, e
posterior procura aos servios especializados. O preconceito foi um dos obstculos mais
difceis de ser enfrentado pelos colaboradores e as narrativas demonstram muita f,
resilincia, empoderamento e superao deste preconceito e estigma social. A descoberta do
CAPS como um lugar de apoio, cuidado e reabilitao, promoveu a construo de uma rede
de apoio e proporcionou a intersetorialidade como inmeros rgos que favoreceram a
incluso social dessas pessoas no mercado de trabalho, escola e vrios ambientes sociais.
Entretanto, o CAPS tornou-se um ambiente ambguo no tocante incluso atravs do
trabalho, pois quem produzia fora no podia comercializar seu artesanato dentro do servio, o
que denotou uma inabilidade dos profissionais do CAPS em atuar nesta esfera do cuidado.
Uma estratgia que os colaboradores utilizaram para se reinserir no mercado de trabalho foi a
omisso de que um dia se trataram no CAPS, driblando o estigma que receberam quando
comearam a se tratar em um servio de Sade Mental. Um entrave revelado foi falta de
fomento financeiro para as mais diversas iniciativas de incluso social, mas, nesta
investigao, foi apontado o norte da economia solidria, que proporcionou o aumento da
autonomia dos sujeitos envolvidos e criou espaos para uma gesto descentralizadora e
participativa. E, como achado mais favorvel desta investigao, foi a possibilidade da
desinstitucionalizao no sentido ampliado. Algumas estratgias necessrias, tais como o
fortalecimento da resilincia e a crena em si mesmos tornaram estes usurios confiantes e de
volta ao lugar de protagonistas de suas prprias vidas.
Palavras chave: Enfermagem. Desinstitucionalizao. Servios de Sade Mental.
Sofrimento Psquico. Histria.
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SILVA, P.M.C. A Trajetria do Portador de sofrimento psquico no processo de
desinstitucionalizao: Histria Oral. 2012. 165f. Dissertation (Masters in Nursing)
Centro de Cincias da Sade, Universidade Federal da Paraba, Joo Pessoa, 2012.
ABSTRACT
The Psychiatric Reform Law 10.216/2001, created the conditions for the gradual replacement
of asylums and as a result opened the possibility of breaking away from the hospital-
hegemonic model, a model for community-based. And, as the bearer of mental suffering will
be rehabilitated, new structures must emerge to compose your support network, and support
in their process of Deinstitutionalization and Social Inclusion. This study aimed to know the
trajectory of the carrier of the mental suffering in the deinstitutionalization process,
considering the process of rehabilitation and social inclusion. This is a comprehensive study -
interpretative and qualitative, based on the assumptions of Oral History, proposed by Bom
Meihy. Was conducted with ten users that they were in a CAPS in Campina Grande / PB /
Brazil and that were in the process of rehabilitation and social inclusion. The empirical
material was produced in the period from June to July 2012, and followed all the steps of
production of empirical material proposed by Bom Meihy. The empirical material was
discussed in light of the interpretive thematic analysis technique proposed by Minayo, which
resulted in a large main theme entitled: Trajectories of life: the overcoming of prejudice to
strengthening the resilience and three sub-themes: From House to Psychiatric Services;
The CAPS family, school and work; Looking for a new social place: Possibilities and
difficulties. The results revealed stories of pain, abuse, violence, poverty, abandonment,
contributing to the onset of seizures, and subsequent demand for specialized services.
Prejudice was one of the most difficult obstacles to be faced by the employees, and the
narratives demonstrate great faith, resilience, empowerment and overcoming this prejudice
and social stigma. The discovery of CAPS as a place of support, care and rehabilitation,
promoted the construction of a network of support and provided intersectorality as numerous
agencies that favor the inclusion of such persons in the labor market, school and various
social environments. However, CAPS has become an ambiguous environment with respect to
inclusion through work, for he had produced, could not be marketed within the craft service,
which denoted an inability of professionals to act in this sphere CAPS care. A strategy that
employees used to reenter the job market, was the omission of one day were treated in CAPS,
dodging the stigma they received when they started dealing in a Mental Health service. One
obstacle was revealed a lack of financial development for diverse social inclusion initiatives,
but in this research, was appointed the solidarity economy, which provided increased
autonomy of the individuals involved, and created spaces for a decentralized and participatory
management. And as more favorable finding of this investigation was the possibility of
deinstitutionalization in the broad sense. Some strategies necessary such as strengthening the
resilience and belief in themselves, these users become confident and back to the place of the
protagonists of their own lives.
Keywords: Nursing. Deinstitutionalization. Mental Health Services. Stress Psychological.
History.
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SUMRIO
CAPTULO 1...........................................................................................................................10
1. INTRODUO ..................................................................................................................11
1.2 O pressuposto do estudo e as questes norteadoras ......................................................15
1.3 Objetivos Propostos .........................................................................................................16
CAPTULO 2 ..........................................................................................................................17
2. REVISO DA LITERATURA .........................................................................................18
2.1 A Poltica de Sade mental e Reforma Psiquitrica .....................................................18
2.2 Reabilitao Psicossocial, Desinstitucionalizao, e Incluso Social ...........................22
2.3 Redes Sociais em Sade Mental.......................................................................................30
CAPTULO 3...........................................................................................................................34
3. MTODO: A PESQUISA DE CAMPO ...........................................................................35
3.1 O paradigma adotado ......................................................................................................35
CAPTULO 4...........................................................................................................................44
4. AS HISTRIAS ATRAVS DA ORALIDADE .............................................................45
CAPTULO 5...........................................................................................................................85
5. ANLISE E DISCUSSO DO MATERIAL EMPRICO ...........................................86
5.1. Trajetrias de vida: Da superao do preconceito ao fortalecimento da resilincia.86
5.1.1 Da casa aos servios psiquitricos: Em busca de cuidados........................................89
5.1.2 Do CAPS famlia, escola, trabalho ...........................................................................98
5.1.3 Em busca de um novo lugar social: Possibilidades e dificuldades...........................119
CAPTULO 6.........................................................................................................................131
6. CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................132
REFERNCIAS ...................................................................................................................137
APENDICES
APENDICE A FICHA TCNICA E PERGUNTAS DE COORTE
APENDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
APENDICE C - CARTA DE CESSO
ANEXOS
ANEXO 1 - DECLARAO DE CARACAS
ANEXO 2 - CARTA DE BRASLIA
ANEXO 3 - LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001.
ANEXO 4 - CERTIDO DE APROVAO NO COMIT DE TICA EM PESQUISA
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2010.216-2001?OpenDocument
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: MAPA DA PARABA E A LOCALIZAO DO MUNICPIO DE CAMPINA
GRANDE PB.
11
Captulo 1
12
1. INTRODUO
O modelo assistencial de sade mental desde o fim do sculo XX e incio do sculo
XXI vem passando por transformaes importantes no mbito dos processos de cuidado que
visam desinstitucionalizar e incluir o portador de sofrimento psquico na sociedade. Tal
fenmeno tem sido impulsionado pelas diretrizes das conferncias da Organizao Mundial
de Sade (OMS) e Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS), especificamente aquelas
estabelecidas na Declarao de Caracas na dcada de 1990 (ANEXO 1), que se tornou o
marco dos processos de Reforma da Assistncia Psiquitrica nos pases americanos.
No Brasil, a Reforma Psiquitrica segue as orientaes de documentos internacionais
como a Declarao supracitada, a Carta de Braslia (2005) (ANEXO 2) e o Relatrio do
Panam (2010), articulando-os com a Lei da Reforma Psiquitrica 10.216 de abril de 2001
(ANEXO 3) e com os princpios/diretrizes do Sistema nico de Sade (SUS).
Revisitando o contexto histrico do processo de reforma psiquitrica brasileira,
constata-se que este tem suas razes na dcada de 1970, no cenrio da represso e da ditadura
militar momento em que o movimento da Reforma Sanitria Brasileira avanou na luta pelo
direito sade e pela garantia dos direitos de cidadania. A Reforma Psiquitrica compartilhou
os ideais da reforma sanitria e direcionou a luta contra o modelo hospitalocntrico e
biomdico.
Amarante (2010a) revela que a Reforma Psiquitrica comea com a crise da Diviso
Nacional de Sade Mental (DINSAM), em que quatro das unidades deste rgo, localizadas
no Rio de Janeiro, deflagraram greve em abril de 1978, seguida da demisso de duzentos e
sessenta estagirios e profissionais de sade mental. Nessa poca, houve inmeras denncias
que compreendiam reivindicaes salariais, formao de recursos humanos, relaes entre
instituio, clientela e profissionais, condies de atendimento e o modelo mdico-assistencial
dando origem a um Movimento dos Trabalhadores em Sade Mental (MTSM), que tinha
como objetivo transformar-se em um espao de luta no-institucional, em um lcus de debate
e encaminhamento de propostas de transformao da assistncia em sade mental.
Em 1979, na cidade de So Paulo, destacaram-se no cenrio nacional novas discusses
em sade mental, com o I Congresso Nacional dos Trabalhadores em Sade Mental. Neste,
compreendia-se que a luta pela transformao do sistema de ateno sade estava vinculada
luta dos demais setores sociais, em busca de uma democracia plena e de uma organizao
mais justa da sociedade, pelo fortalecimento dos sindicatos e demais associaes
representativas que estavam articuladas com os movimentos sociais (AMARANTE, 2010a)
13
O ano de 1987 se destacou pela realizao de dois eventos importantes: a I
Conferncia Nacional de Sade Mental e o II Congresso Nacional do MTSM, na cidade de
Bauru SP. Este ltimo marcou uma renovao terica e poltica do MTSM, atravs de um
processo de distanciamento do movimento em relao ao Estado e de aproximao com as
entidades de usurios e familiares que passaram a participar das discusses. Instalou-se o
lema do movimento: por uma sociedade sem manicmios. Este lema sinalizou um
movimento orientado para a discusso da questo da loucura para alm do limite assistencial,
concretizando a criao de uma utopia que passou a demarcar um campo de crtica realidade
do "campo" da sade mental (LCHMANN; RODRIGUES, 2007).
Entretanto, o primeiro projeto de Lei da Reforma Psiquitrica no Brasil ocorreu dois
anos aps o congresso supracitado, com a apresentao do Projeto3. 657 no ano de 1989,
propondo a regulamentao dos direitos dos portadores de sofrimento psquico e a progressiva
substituio dos manicmios no pas. Contudo, somente depois de doze anos de tramitao
pelo Congresso, foi aprovada a Lei 10.216, em 6 de abril de 2001, conhecida como Lei da
Reforma Psiquitrica Brasileira, que garante o processo de substituio progressiva dos
leitos em hospitais psiquitricos por uma rede comunitria de ateno psicossocial (SANTOS
JR; SILVEIRA, 2009).
De acordo com a Lei, a substituio progressiva supracitada significa um rompimento
com o modelo hegemnico hospitalocntrico, pois medida que o portador de sofrimento
psquico vai se desinstitucionalizando, devero surgir novas estruturas para compor sua rede
de apoio, a comear pelos Centros de Ateno Psicossocial, nos quais todas as funes
bsicas de um servio assistencial psiquitrico devero ser cumpridas, at mesmo em um
perodo de crise, alm de cooperativas de trabalho, que criem possibilidades de trabalho
real, rompendo a ideia de trabalho teraputico.
Nesse sentido, para constituio das redes de apoio deve-se contemplar um maior
investimento nas residncias teraputicas, de forma a criar um ambiente semelhante ao
familiar; centros de convivncia, para socializao, treinos de competncias sociais e
promoo da integrao social; servios de orientao, formao e reabilitao profissional;
sistemas de emprego apoiado e apoios contratao no mercado de trabalho; cooperativas ou
empresas de insero; servios de apoio domicilirios, associados a respostas habitacionais
independentes e individualizadas; grupos de autoajuda para promoo de autonomia e
empoderamento; e grupos psico-educacionais para o portador de sofrimento psquico e
famlias (HESPANHA, 2010).
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As tecnologias de cuidado empregadas nos servios de sade mental devero
favorecer o portador de sofrimento psquico, a demanda para a vida, ou seja, diante da
possibilidade de tratamento e estabilizao do quadro evolutivo da doena mental, as pessoas
em sofrimento psquico, que geralmente viviam sombra de um futuro anunciado de
excluso, expressam o desejo de modificar sua condio de paciente, reinserindo-se na
sociedade.
Nesse sentido, Mielke et al. (2009) afirmam que a proposta de cuidado ao portador de
sofrimento psquico nos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) baseada em aes que
visam sua reabilitao psicossocial e incluso social, objetivando a buscada autonomia e
da cidadania destas pessoas.
Entretanto, pesquisas realizadas em CAPS, colocam que esses servios tm enfrentado
certas dificuldades no que se refere Reabilitao Psicossocial por ainda centralizarem as
aes em atendimentos clnicos e ambulatoriais e em menos proporo nas prticas de
reinsero social(TAVARES et al., 2003; ANDREOLI et al., 2004; CAMPOS; SOARES,
2005; BEZERRA; DIMENSTEIN, 2008; LIBERATO, 2009).
Embora os investimentos em servios especializado sem sade mental, a exemplo dos
CAPS, sejam consideravelmente maiores, percebe-se que uma parcela significativa de
usurios frequenta tambm a ateno primria em sade, muitas vezes apenas para obter sua
medicao.
Nesse sentido, Freitas e Souza (2010) evidenciam a emergente necessidade de
articulao do CAPS com os mais variados setores, configurando a intersetorialidade, para
facilitar dilogos na construo de redes sociais de apoio e de projetos comunitrios que, em
conjunto com outras aes, promovam o encurtamento da distncia entre lugar de tratamento
e comunidade em que vive o portador de sofrimento psquico.
Em muitos municpios do pas, o processo de desinstitucionalizao de pessoas com
muito tempo de internao vem produzindo mudanas importantes na rede de sade mental.
Desde 2004, o municpio de Campina Grande, Paraba, vem experimentando este processo de
mudana. Depois de reiteradas avaliaes negativas do Programa Nacional de Avaliao dos
Sistemas Hospitalares, o (PNASH/Psiquiatria), tomou curso o processo de
desinstitucionalizao dos cento e setenta e seis pacientes de um dos Hospitais Psiquitricos
do municpio, o Hospital Joo Ribeiro, que sofreu descredenciamento da rede SUS (BRASIL,
2005).
O processo de desinstitucionalizao e de reduo de leitos em Campina Grande
mobilizou os gestores do SUS para a construo de novas solues para as demandas de sade
15
mental da regio, envolveu a comunidade local para a Reforma Psiquitrica e mudou
efetivamente a qualidade de vida e da assistncia prestada em sade mental populao
(BRASIL, 2005).
O municpio de Campina Grande, atualmente, possui sete CAPS (Centros de Ateno
Psicossocial) e uma populao, de acordo com estimativas do IBGE, de 387.643habitantes, o
que representa uma mdia de uma unidade para cada 54,8 mil habitantes, superando o
parmetro nacional, que de uma unidade para cada 100 mil habitantes. Desta forma, o
municpio contribui para que a Paraba e tambm Sergipe sejam os nicos Estados brasileiros
a possurem CAPS suficientes para atingir o parmetro nacional. Tais informaes foram
divulgadas durante a 4 Conferncia Nacional de Sade Mental Intersetorial (IV CNSM-I),
que aconteceu em Braslia da qual participaram profissionais de todo o pas, inclusive de
Campina Grande (CODECOM, 2012).
Azevedo (2010) realizou um estudo sobre prticas que vm sendo realizadas no
municpio de Campina Grande PB, e tornou visveis os avanos que ocorreram em direo
consolidao da reforma psiquitrica. As prticas identificadas pela autora nortearam a
articulao da sade mental com outros setores da sociedade, seja educao, cultura, a
economia, criando redes sociais. Entretanto, foram apontadas como fragilidades a serem
vencidas, como a escassez de recursos financeiros e materiais e o preconceito da sociedade,
de profissionais e instituies em relao ao doente mental. Como fatores facilitadores para o
avano da reforma, foram evidenciados o trabalho interdisciplinar, a colaborao intersetorial,
o apoio dos gestores municipais para a capacitao das equipes que atuam na ateno
psicossocial, na ateno bsica e em outros setores da rede de cuidado.
Contudo, o que acontece no processo de desinstitucionalizao destes indivduos
principalmente, no tocante s redes de apoio para a concretizao da reabilitao e incluso
social, destaca-se como a lacuna investigatria deste estudo, pois se aponta o norte nos
estudos acima citados. Entretanto, estes ainda expem as fragilidades para a
operacionalizao/efetivao destas redes de apoio, principalmente devido ao preconceito que
ainda persiste na nossa cultura. Infelizmente, deparamo-nos, tambm, com a dificuldade que
os profissionais que trabalham no CAPS tm em dar alta a estes usurios, mesmo que os
usurios estejam com reais possibilidades de desinstitucionalizao e conseqente incluso
social.
Sabe-se que a experincia do sofrimento psquico uma condio humana inerente
vida, geradora de sofrimento e que produz determinadas rupturas entre o mundo interno e
externo, dentro e fora, provocando um descompasso entre o que vivido pela pessoa e o que
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se espera dela naquela cultura, naquele momento e aps aquele momento social
(DALMOLIN, 2006).
Diante desta discusso foi que emergiu o interesse da temtica pela pesquisadora, j
que a mesma trabalhou como Enfermeira numa Clnica Psiquitrica de Campina Grande PB,
por cerca de um ano e meio. Nesse perodo, teve a oportunidade de especializar-se em Sade
Mental e Ateno Psicossocial, comeando logo em seguida a lecionar a disciplina de
Enfermagem em Sade Mental em uma faculdade do municpio acima citado. Pouco tempo
depois, ao sair do hospital, comeou a trabalhar como enfermeira em um CAPS, construindo
assim uma trajetria de trabalho voltada mais especificamente para a Sade Mental. E, ao
longo desta caminhada, passando por servios to distintos, percebeu que ideologicamente e
assistencialmente o CAPS favorecia a criao de novas possibilidades de vida ao portador de
sofrimento psquico, e as suas inquietaes culminaram em algumas indagaes e nos
pressupostos deste estudo.
Nessa perspectiva, formulou-se como pressuposto deste estudo que os obstculos
vivenciados pelo portador de sofrimento psquico desinstitucionalizados ou no, ainda esto
vinculados ao preconceito da sociedade contra a loucura, dificultando o seu processo de
reabilitao e incluso social.
Para tanto, levantaram-se as seguintes questes norteadoras de pesquisa: como tem
sido a vivncia do portador de sofrimento psquico no processo de desinstitucionalizao?
Quais so os desafios enfrentados pelo portador de sofrimento psquico nesse processo? Qual
a rede de apoio que os portadores de sofrimento psquico utilizam nesse processo? E quais
so as possibilidades e/ou dificuldades de acesso aos meios sociais, como escola, o trabalho, e
redes comunitrias?
Vrios municpios brasileiros vivenciaram experincias exitosas de
desinstitucionalizao, como So Paulo e Santos que implementaram os primeiros CAPS e
NAPS do Brasil, no ano 1987, e passaram a exercer forte influncia na criao e
transformao de muitos servios em todo pas (AMARANTE, 2010a). Em seguida, Rio de
Janeiro - RJ, Porto Alegre- RS, Salvador - BA, Fortaleza CE implementam tambm seus
primeiros servios substitutivos em Sade Mental (HESPANHA, 2010) Entretanto, o foco
deste estudo foi o municpio de Campina Grande, por sediar um processo de
desinstitucionalizao e descredenciamento de um dos seus hospitais psiquitricos e hoje se
mostra como referncia para todo pas, por ter uma rede de servios substitutivos bem
consolidada, com sete CAPS, seis residncias teraputicas, um Centro de Convivncia e
vrias outras estratgias de cuidado em sade mental na ateno bsica.
17
Pretendeu-se, ento, com esta pesquisa, entender como o portador do sofrimento
psquico em processo de desinstitucionalizao torna possvel a sua incluso na sociedade e
com que laos e redes de apoio ele se reestrutura.
Nesse sentido, como objetivo geral, procurou-se conhecer a trajetria do portador de
sofrimento psquico em processo de desinstitucionalizao, considerando a reabilitao e
incluso social.
Como objetivos especficos pretenderam-se identificar os desafios vivenciados pelos
portadores de sofrimento psquico em processo de desinstitucionalizao, bem como os atores
sociais que se envolvem nesse processo; identificar as redes de apoio utilizadas pelo portador
de sofrimento psquico que experimenta o processo de desinstitucionalizao, e as estratgias
utilizadas para favorecer a reabilitao e incluso social; por ltimo, revelar as possibilidades
e/ou dificuldades de acesso dos portadores de sofrimento psquico aos meios sociais, como
escola,trabalho e redes comunitrias.
18
Captulo 2
19
2. REVISO DA LITERATURA
Neste captulo, apresentou os conceitos da Reforma Psiquitrica, Reabilitao
Psicossocial, Desinstitucionalizao e Incluso Social. Como fonte de pesquisa, utilizamos
livros consagrados na literatura para subsidiar nossos argumentos, bem como estudos
cientficos dos ltimos anos que deram nfase Reforma Psiquitrica, s Polticas de Sade
Mental e promoo da Incluso Social
2.1. Poltica de Sade Mental e Reforma Psiquitrica
No Brasil e no mundo, as instituies manicomiais foram consideradas, at pouco
tempo, um sistema de dominao e resistncia, as quais faziam do portador de sofrimento
psquico um criminoso designado como inimigo de todos, que tm interesse em perseguir e
traz consigo um fragmento selvagem de natureza; aparece como o celerado, o monstro, o
louco talvez, o doente e, logo, o anormal (FOUCAULT, 1999).
Em 1978, diante do quadro que o Brasil apresentava com relao aos cuidados aos
doentes mentais no mbito hospitalar, lugar onde se intensificava a cronicidade e a excluso
do portador de sofrimento psquico e mediante as muitas denncias e crticas quanto aos
maus-tratos e lutas por mudanas tericas e prticas, surgiu um movimento intitulado de
Movimento dos Trabalhadores em Sade Mental, que almejava profundas alteraes e uma
reforma psiquitrica concreta que colocava em pauta o saber da psiquiatria dentro da
instituio. Este movimento foi marcante na histria da Poltica Nacional de Sade Mental no
Brasil (AMARANTE, 2010a).
Uma srie de eventos importantes aconteceu no final da dcada de 1980: a 8a
Conferncia Nacional de Sade, realizada em 1986, marcada como um momento significativo
em direo concepo de sade coletiva. Logo em seguida, em 1987, a 1a Conferncia
Nacional de Sade Mental, que veio como marco do incio da desinstitucionalizao e no
mesmo ano aconteceu o II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Sade Mental, que
consagrou a insgnia Por uma sociedade sem manicmios (ROCHA, 2010).
Paralelamente a esta luta, existia a busca pelo direito de sade a todos, feita pela
Reforma Sanitria, pois o direito assistncia sade era dado, at 1988, aos trabalhadores,
ou seja, queles que gerassem lucros ao Estado. Assim, as pessoas que necessitassem de
assistncia mdica deveriam pagar diretamente por ela ou estarem inseridas no mercado de
trabalho, e isso mostra que havia, no Brasil, uma cidadania regulada (COHN, 2003). Aps
20
1988, com a criao do Sistema nico de Sade (SUS), formulado na nova Constituio
Federal, a sade passou a ser direito de todos. Logo, esse direito se estendeu aos portadores de
transtornos mentais e seus familiares, devendo ser garantido por polticas pblicas e realizado
com boa qualidade, equidade, e integralidade (COSTA, 2003).
Aps a formulao do artigo 196 da Constituio Brasileira de 1988, que dispe do
direito que a sade um direito de todos e dever do estado, o movimento que buscava as
diferenciaes na rea mental ganhou mais fora, e suas atividades, mais repercusses.
Surgiu, no mbito da Reforma Psiquitrica, uma alternativa como ferramenta de
substituio do hospital psiquitrico, que foi o Centro de Ateno Psicossocial (CAPS), que
promove um espao de criatividade, de construo de vida, de novos saberes e prticas. Em
vez de excluir, medicalizar e disciplinar, o CAPS acolhe, cuida e estabelece pontes entre o
portador de sofrimento psquico e a sociedade. O primeiro CAPS do Brasil foi o CAPS
Professor Luiz Cerqueira, criado em 1987, na cidade de So Paulo. Foi um modelo e exerceu
grandes influncias na criao de outros CAPS e conseqentes transformaes de outros
servios (ROCHA, 2010).
Das importantes experincias desenvolvidas nesta poca, uma delas ganhou destaque
pela semelhana com a experincia do Italiano Franco Basglia, em 1989,o Municpio de
Santos-SP implantou uma rede essencialmente pblica com bases territoriais, de carter
substitutivo ao hospital psiquitrico e composto de uma estrutura complexa, capaz de
responder a qualquer tipo de demanda psiquitrico-psicolgica e de carter social. No mesmo
ano foi apresentado pelo Deputado Paulo Delgado, o Projeto de Lei n. 3.657/89, dispondo
sobre a extino progressiva dos manicmios e sua substituio por outros recursos
assistenciais e regulamentava a internao psiquitrica compulsria (BORGES; BAPTISTA,
2008, p.475).
Um acontecimento histrico no setor de sade mental, possibilitador de mudanas em
nvel de Ministrio da Sade, foi a Conferncia Regional para a Reestruturao da Assistncia
Psiquitrica, realizada em Caracas, em 1990. Neste encontro, no qual o Brasil foi representado
e signatrio, foi promulgado o documento final intitulado Declarao de Caracas. Nele, os
pases da Amrica Latina, inclusive o Brasil, comprometeram-se a promover a reestruturao
da assistncia psiquitrica, rever criticamente o papel hegemnico e centralizador do hospital
psiquitrico, salvaguardar os direitos civis,a dignidade pessoal, os direitos humanos do
portador de sofrimento psquico e propiciar a sua permanncia em seu meio comunitrio
(HIRDES, 2009b).
21
Em conseqncias de lutas, de palestras e incentivos, o projeto de Lei do Deputado
Paulo Delgado, foi sancionado em 2001, depois de vrias modificaes de seu texto original,
e formulou-se a Lei 10.216 que passou a (re)direcionar a Poltica Nacional de Sade Mental
do Brasil (AMARANTE, 2010a).
O dispositivo estratgico mais importante para efetivao desta Poltica de Sade
Mental foi o Centro de Ateno Psicossocial (CAPS), regulamentado pela Portaria 336, de 19
de fevereiro de 2002, que definiu as diretrizes para o funcionamento dos CAPS, categorizados
por porte e clientela, esto com as seguintes denominaes: CAPS I, CAPS II, CAPS III,
CAPSi e CAPSad: (BRASIL, 2005).
a) Os CAPS I so os Centros de Ateno Psicossocial de menor porte, capazes de oferecer
uma resposta efetiva s demandas de sade mental em municpios com populao entre
20.000 e 50.000 habitantes - cerca de 19% dos municpios brasileiros, onde residem por volta
de 17% da populao do pas. Estes servios tm equipe mnima de nove profissionais, entre
profissionais de nvel mdio e nvel superior, e tm como clientela, adultos com transtornos
mentais severos e persistentes e transtornos decorrentes do uso de lcool e outras drogas.
Funcionam durante os cinco dias teis da semana e tm capacidade para o acompanhamento
de cerca de duzentos e quarenta pessoas por ms (BRASIL, 2005).
b) Os CAPS II so servios de mdio porte e do cobertura a municpios com mais de 50.000
habitantes - cerca de 10% dos municpios brasileiros, onde residem cerca de 65% da
populao brasileira. A clientela tpica destes servios de adultos com transtornos mentais
severos e persistentes. Os CAPS II tm equipe mnima de doze profissionais, entre
profissionais de nvel mdio e nvel superior e capacidade para o acompanhamento de cerca
de trezentos e sessenta pessoas por ms. Funcionam durante os cinco dias teis da semana
(BRASIL, 2005).
c) Os CAPS III so os servios de maior porte da rede CAPS. Previstos para dar cobertura aos
municpios com mais de 200.000 habitantes, os CAPS III esto presentes hoje, em sua
maioria, nas grandes metrpoles brasileiras os municpios com mais de 500.000 habitantes
representam apenas 0,63 % por cento dos municpios do pas, mas concentram boa parte da
populao brasileira, cerca de 29% da populao total do pas. Os CAPS III so servios de
grande complexidade, uma vez que funcionam durante 24 horas em todos os dias da semana e
em feriados. Com no mximo cinco leitos, o CAPS III realiza, quando necessrio,
acolhimento noturno (internaes curtas, de algumas horas a no mximo sete dias). A equipe
mnima para estes servios deve contar com dezesseis profissionais, entre os profissionais de
nvel mdio e superior, alm de equipe noturna e de final de semana. Estes servios tm
22
capacidade para realizar o acompanhamento de cerca de quatrocentas pessoas por ms
(BRASIL, 2005).
d) Os CAPSi, especializados no atendimento de crianas e adolescentes com transtornos
mentais, so equipamentos geralmente necessrios para dar resposta demanda em sade
mental em municpios com mais de 200.000 habitantes. Funcionam durante os cinco dias
teis da semana e tm capacidade para realizar o acompanhamento de cerca de cento e oitenta
crianas e adolescentes por ms. A equipe mnima para estes servios de onze profissionais
de nvel mdio e superior (BRASIL, 2005).
e) Os CAPS AD, especializados no atendimento de pessoas que fazem uso prejudicial de
lcool e outras drogas, so equipamentos previstos para cidades com mais de 200.000
habitantes, ou cidades que por sua localizao geogrfica (municpios de fronteira, ou parte de
rota de trfico de drogas) ou cenrios epidemiolgicos importantes necessitem deste servio
para dar resposta efetiva s demandas de sade mental. Funcionam durante os cinco dias teis
da semana e tm capacidade para realizar o acompanhamento de cerca de duzentas e quarenta
pessoas por ms. A equipe mnima prevista para os CAPSad composta por treze
profissionais de nvel mdio e superior(BRASIL, 2005).
No ano de 2010, para proporcionar maior resolutividade ao CAPS AD, emergiu o
CAPS AD III,considerando a Portaria n 2.841, de 20 de setembro de 2010, que instituiu, no
mbito do SUS, o Centro de Ateno Psicossocial de lcool e Outras Drogas 24 horas -
CAPS AD III (BRASIL, 2010).
Os CAPS so servios de base territorial com papel fundamental na organizao da
rede de sade mental de sua rea de abrangncia que tm como misso o acompanhamento
dos portadores de sofrimentos psquicos severos e persistentes (BRASIL, 2011). Portanto, o
CAPS configura-se como um dispositivo que visa prestar atendimento clnico na vida diria,
podendo promover sade mental para evitar internaes hospitalares. Assim sendo, baseia
suas aes do dia a dia na reduo de sintomas e conflitos atravs de dilogos e incentivos,
promovendo a insero social com aes intersetoriais, oficinas teraputicas, assembleias,
eventos etc. considerada a principal ferramenta da poltica de sade mental, pois age como
porta de entrada nos servios responsveis em cada municpio ou regio (BRASIL, 2005).
Complementado a ideia supracitada, deve-se, ento, tratar o portador de sofrimento
psquico junto s experincias cotidianas, sustentada nas redes de relaes psicossociais. um
recurso utilizado para o cuidado de pessoas cujas possibilidades de circulao social
encontram-se comprometidas e a subjetividade ameaada pela impossibilidade de estabelecer
vnculos afetivos e sustentar uma vida produtiva no ambiente familiar, social e profissional.
23
E nessa perspectiva que o portador de sofrimento psquico que acompanhado pelos
servios de sade mental pode vir a receber alta, administrando sua prpria histria de vida, e
neste sentido necessitam de suporte eventual, em momentos de instabilidade, que podem vir a
necessitar de ateno mdica e psicossocial.
Os servios que constam na Ateno Primria em Sade, que podem prestar este
suporte, so a Estratgia Sade da Famlia (ESF); os Ncleos de Apoio Sade da Famlia
(NASF), alm das Prticas Integrativas e Complementares do SUS (PICS), no qual se
enquadra a terapia comunitria.
Cabe a esta rede informar e aos dispositivos de sade mental referenciar os usurios
que receberam alta destes servios, para que no se gere desassistncia (AMARANTE,
2010b).
Ao optar por uma reestruturao das diretrizes polticas de sade mental e suas
prticas, assume-se o conceito de desinstitucionalizao referente a seu aspecto de crtica e
negao do paradigma psiquitrico. Nesse sentido, a concepo de desinstitucionalizao e os
preceitos da Reabilitao Psicossocial perpassam todo o discurso de modelo assistencial que
vem sendo implantado e tem sido um norte e um argumento para a poltica dessa rea (LEO;
BARROS, 2008).
2.2 Reabilitao Psicossocial, Desinstitucionalizao, e Incluso social
2.2.1 A Reabilitao Psicossocial
Reabilitao Psicossocial um conceito particularmente importante no movimento de
luta antimanicomial e, sobretudo, de vida digna ao portador de sofrimento psquico. um
conjunto de meios, de atividades que se desenvolvem visando melhorar a qualidade de vida
dos que apresentam problemas srios e persistentes no campo da sade mental, ou seja, o
processo que busca ajudar o sujeito com limitaes a restaurar sua autonomia, no melhor nvel
possvel, para fazer face s suas funes na sociedade (ROCHA, 2010).
Para Ferreira Filha et al. (2005), a reabilitao psicossocial vem sendo considerada um
campo novo de prtica e de estudos na rea de sade mental e necessita de um maior
aprofundamento sobre sua base terica conceitual. Em seu estudo, afirma que na trajetria
conceitual, h uma vinculao deste termo, com o paradigma normativo preventista, sendo
necessrio avanar para uma viso mais ampliada, que considere a incluso social, o cuidado
de forma singular do portador de sofrimento psquico e o respeito s diferenas.
24
Nessa perspectiva, a reabilitao psicossocial aponta para uma nova forma de pensar o
processo sade/doena mental/cuidado. J que a Reforma Psiquitrica envereda pela
substituio da concepo de doena pela de "existncia-sofrimento", na valorizao do
cuidar e na adoo do territrio como espao social de busca constante da reconstruo da
cidadania do portador de sofrimento psquico (BREDA, 2005).
Logo, a reabilitao psicossocial destina-se a aumentar as habilidades da pessoa,
diminuindo as deficincias e os danos da experincia do sofrimento psquico (SARACENO,
2001). E, para que ocorra uma efetiva reabilitao, importante a reinsero do portador de
sofrimento psquico na sociedade e nos mais variadas redes sociais (LUSSI; PEREIRA;
PEREIRA JUNIOR, 2006).
Contrapondo o que acabou de ser dito acima, apesar da diversidade de diagnsticos em
psiquiatria e dos inmeros de modelos tericos, os tratamentos utilizados pelos servios de
sade mental, principalmente pelos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), so poucos e
muitas vezes repetitivos, no satisfazendo as necessidades reais do portador de sofrimento
psquico.
Entretanto, a partir dessa ausncia de especificidade da psiquiatria que devemos
raciocinar para compreender como entrar em relao com as variveis reais que mudam as
vidas reais das pessoas reais (SARACENO, 2001). Cabe salientar aqui que o CAPS no um
sinnimo de incluso social, mas serve como uma estratgia para estimular esse processo de
enfrentamento a uma cultura muitas vezes estigmatizante, ao buscar construir rede social, ao
estimular a autonomia do portador de sofrimento psquico, ao evitar internaes e possibilitar
outras formas de tratar esse sujeito (LEO; BARROS, 2008).
Saraceno (2001) refere que somente servios de alta qualidade podem garantir
programas reabilitativos confiveis. Dentre as caractersticas de um servio de alta qualidade,
identifica aquelas que se ocupam de todos os portadores de sofrimento psquico e a todos
oferecem possibilidades de reabilitao. O autor pontua que os servios que no oferecem
estas possibilidades acabam gerando hierarquias de interveno e, os menos dotados, acabam
sendo excludos do processo; e ressalta que um servio de alta qualidade dever ser permevel
e dinmico, comum alta integrao interna e externa: um servio onde a permeabilidade dos
saberes e dos recursos prevalece sobre a separao dos mesmos.
A desinstitucionalizao implica na reinveno da sociedade em que vivemos. A
transformao de uma realidade histrica no poder se dar pela tcnica, mas atravs da
revelao dos pontos de sustentao que a prpria sociedade impe (HIRDES, 2009a). Neste
contexto, a famlia se torna um dos pontos importantes na reabilitao psicossocial.
25
Entretanto, as famlias e a sociedade podem ser as primeiras formas de excluso, mas, para
que isto no venha a acontecer, os trabalhadores da sade mental precisam trabalhar com estas
famlias e com a comunidade mostrando que estes sujeitos no so uma ameaa sociedade e,
quando estabilizados de seu sofrimento psquico, podem ser participantes ativos destas redes
sociais (COIMBRA et al., 2005).
2.2.2 A Desinstitucionalizao
Desinstitucionalizar tirar o foco das atenes da instituio e transferir para a
comunidade ou para qualquer um espao limitado, ou seja, procurar deixar de tratar o
portador de sofrimento psquico dentro das instituies que tratam a doena mental e passar a
trat-lo dentro do seu lugar de origem ou de sua famlia (HIRDES, 2009b). Assim, tenta-se
atenuar as crises mentais de cada indivduo permitindo um processo de reabilitao e
reinsero na comunidade externa, longe do encontro do indivduo doente com vrios outros
(AMARANTE, 2010c).
A desinstitucionalizao vem juntamente unida a algumas caractersticas como a busca
de liberdade de comunicao, a anlise de tudo que acontece na comunidade com cada
indivduo, a tentativa de destruio da relao de autoridade que antes estava presente na
instituio e, como a proposta indica cuidar dentro da comunidade de acordo com seu dia a
dia, havendo a possibilidade de reaprendizagem social e cultural para os profissionais. Assim,
no h dvida que a terapia que no retira o indivduo do seu eixo de origem traz consigo
muitas vantagens para o usurio, para o profissional e para a sociedade que ainda deve ser
convencida disso, para ser capaz de aceitar mudanas (AMARANTE, 2010c).
Esta proposta de desinstitucionalizar o portador de sofrimento psquico precisa, para
cumprir suas caractersticas, alm da necessidade dos dispositivos, tambm da necessidade da
reinsero familiar e social, e muitas vezes a prpria famlia no sabe lidar com seu
constituinte que necessita de ateno e cuidados em sade mental. Neste contexto, verificam-
se vrias dificuldades quando se refere inteno de desinstitucionalizar.
A desinstitucionalizao considerada um processo tico porque, em suma, inscreve-
se em uma dimenso contraditria ao estigma, excluso e violncia. manifestao tica e
se exercita quanto ao reconhecimento de novos sujeitos de direito, de novos direitos para o
portador de sofrimento psquico, de novas possibilidades de subjetivao daqueles que seriam
objetivados por saberes e prticas cientficas e inventa prtica e teoricamente- novas
possibilidades de reproduo social desses mesmos sujeitos (AMARANTE, 2010b).
26
Amarante (2010b) define diferentes sentidos para Desinstitucionalizao e coloca
que o seu conceito prtico e terico sofre metamorfose substancial abrindo inmeras
possibilidades para o campo da Reforma Psiquitrica. Para ele, existem os seguintes mbitos
para se classificar a Desinstitucionalizao: Desinstitucionalizao no Sentido de
Desospitalizao; Desinstitucionalizao no Sentido de Desassistncia e;
Desinstitucionalizao no Sentido de Desconstruo; e; Venturini (2010) prope a
desinstitucionalizao no sentido ampliado.
A desinstitucionalizao no Sentido de Desospitalizao, nascida nos projetos de
psiquiatria preventiva e comunitria, opera uma crtica ao sistema psiquitrico, por ser
centrado na assistncia hospitalar, mas no faz o mesmo com a natureza do saber que o
autoriza, ou seja, inspira-se no paradigma psiquitrico tradicional, assumindo a validade de
seus princpios, e partindo da ideia de que a reforma consiste na correta aplicao do saber e
das tcnicas psiquitricas, ou seu simples rearranjo e conduo administrativa. Nesse sentido,
a causa da falncia do sistema psiquitrico no estaria na psiquiatria, mas na m aplicao
desta (AMARANTE, 2010b).
Aqui, neste sentido de desinstitucionalizao, ficam priorizados os interesses
econmicos deixando de lado os interesses do grupo para quem so prestados os servios para
a sade mental. Esta tendncia visa economia dos cofres pblicos, no priorizando o
atendimento eficiente. Logo, a Reforma Sanitria que defende a proposta de promover sade e
no s trat-la, prova que mais vantajoso e lucrativo para o estado prevenir do que apenas
tratar (HIRDES, 2009b).
Mas, na rea da sade mental, no basta s prevenir, pois existem as pessoas que
passaram anos sendo vistos como inteis e sem autonomia para a sociedade, necessitando no
s de preveno, mas de tratamento humanizado, trabalhos teraputicos para haver a
aderncia da sua autonomia. Desta forma, a desinstitucionalizao com este sentido no faz
com que a poltica de sade mental atinja seus objetivos. Pior: pode gerar mais prejuzos,
causando desassistncia e perigo ao usurio e sociedade (HIRDES, 2009b).
Necessitando de princpios de preveno de internaes em instituies psiquitricas,
assim como o retorno para a comunidade de todos os pacientes at ento institucionalizados
com o estabelecimento e manuteno de sistemas de suporte comunitrio, esta opo de
encarar a desinstitucionalizao no se mostra como a que mais pode dar retorno, pois esta
desospitalizao no prev as condies necessrias para viabilizar uma proposta de
ressocializao/reabilitao (GODOY; BOSI, 2007).
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Neste sentido, a desinstitucionalizao pode causar consequncias negativas sobre a
famlia, pois nesta que se baseia a nova forma de cuidar no cotidiano. Sem mtodos, esta
instituio social fica inerte, sem ao, e sendo tentada a buscar a re-hospitalizao, ou seja, a
proposta de base comunitria e de busca cidadania volta ao marco zero (GONALVES;
SENA, 2001).
Na desinstitucionalizao no sentido de desassistncia, no observado o principal: o
atendimento, a ateno e a necessidade do paciente. O interesse maior a implementao da
lei sem ao menos serem traados planos para dar suporte nos servios substitutivos aos
desinstitucionalizados, lanando-os prpria sorte. Entretanto, uma das diretrizes da Lei
10.216 que seja feita a substituio progressiva e organizada para que no cause
desassistncia aos egressos dos hospitais psiquitricos (HIRDES, 2009b).
Grupos minoritrios e com interesses tentam passar esta reflexo de desassistncia
para a comunidade, pois so segmentos que se opem "desinstitucionalizao", seja por
resistir a qualquer ideia que represente a ampliao dos direitos e igualdade de setores
considerados minoritrios, ou por ter interesses especficos nas formas tradicionais de
organizao da Psiquiatria, por exemplo, as indstrias farmacuticas ou ainda representantes
privatistas. Tentam pregar a idia de que os pacientes recebero alta da instituio
hospitalizao e no tero infra-estrutura e nenhum aparato para substituir os tratamentos.
Logo, esta imagem de desassistncia responsvel por mudanas na vontade de algumas
famlias que antes lutavam pelo fechamento dos manicmios, pois se veem em uma situao
literalmente de desamparo (GODOY; BOSI, 2007).
Os segmentos contrrios proposta de atendimento nos servios de base comunitria
se sentem atingidos, pois os atendimentos, principalmente os privatistas, deixam de lucrar
bastante, havendo uma ateno na preveno primria as intervenes so feitas nas
condies passveis de formao da doena mental; na secundria cuidados que buscam
realizar diagnstico e tratamento precoce da doena mental; e na terciria que se tenta a
readaptao do paciente vida social, aps sua melhoria (AMARANTE, 2010a).
Sendo assim, contrariando a desinstitucionalizao com sentido de desassistncia, para
Amarante (2010a), a psiquiatria preventista deve primeiramente reduzir os transtornos
mentais, promovendo a sanidade mental dos grupos sociais; em um segundo momento,
encurtar a durao dos transtornos, identificando-os e tratando-os precocemente; e por fim,
minimizar a deteriorao resultante das crises mentais.
A desinstitucionalizao deve ser feita com a viso de desconstruir, j que o
manicmio se revelou como um local em que est presente uma psiquiatria que administra a
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figura da misria, da periculosidade social, da marginalidade e da improdutividade, ou seja,
deve desconstruir primeiramente a viso que se tem do portador de sofrimento psquico
(AMARANTE, 2010c).
A caracterstica de desconstruo inspirada nas crticas aos saberes mdicos que por
muito tempo invalidou o usurio da instituio manicomial, busca desconstruir o aparato
psiquitrico (relaes instituio/prticas/saberes) que delimita os objetos e conceitos
aprisionadores e redutores do indivduo doente (AMARANTE, 2010c). Esta ideia espelha a
realidade que a poltica busca, pois questiona a mercantilizao da loucura, a medicalizao
sem limites, o intervencionismo aumentando a vontade do mdico e diminuindo o paciente,
enfim responde busca presente na Reforma Psiquitrica do Brasil, deixando de lado s a
parte administrativa, dando vistas rea terico-prtica para que a qualidade no atendimento
seja melhorada com o passar do tempo (HIRDES, 2009b).
Assim sendo, deve-se desconstruir, para poder reconstruir de forma melhorada,
reconstruir ideais, culturas e servios seguindo os princpios da constituio brasileira e
elucidando o direito do doente mental, sabendo que este deve ser considerado um cidado
igual aos outros com direitos e deveres a serem cumpridos. E mais: este conceito e suas
caractersticas
[...] implicam num estilo de trabalho que evidenciam e valorizam a pessoa,
tornando progressivamente esvaziado de significado o atributo de
periculosidade. Trata-se de fortalecer uma viso dinmica e histrica da
doena enquanto evento da vida, no mais possvel representar a doena
como fratura na continuidade da existncia. A histria no vista como
explicao da crise, mas como seu contexto; a crise considerada um evento
no curso do tempo que pode ser superada. Afirmar que a doena no totaliza
o indivduo significa dizer que uma pessoa pode estar mal, mas continuar a
viver em sua casa, e que os servios de sade mental podem jogar melhor
com a contradio sade-doena sem aprision-lo em sua doena
(AMARANTE, 2010c, p.182).
Assim, a desinstitucionalizao com o sentido de desconstruir no busca apenas fechar
manicmios e acabar com as crticas a eles, no se importando em abandonar o portador de
sofrimento psquico com seus familiares ou at mesmo nas ruas gerando desassistncia, nem
tampouco o objetivo reduzir gastos fechando leitos em busca do neoliberalismo. O lema
deste ideal a desconstruo de estigmas e esteretipos vinculados loucura e figura do
portador de sofrimento psquico, ou seja, busca superar o modelo onde focada a doena e
visar o sujeito como cidado que requer as melhores condies de vida, sendo necessrio no
apenas administrar-lhes medicamentos, mas tambm gerar possibilidades de sociabilidade e
subjetividade (AMARANTE, 2010c).
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Nesta desconstruo, extinta a noo do antigo aparato manicomial e passa a
reconstruir alguns itens de ateno na nova forma de tratar: como novo objeto, v-se a sade
mental; o novo objetivo a preveno da doena mental; a coletividade passa a ser o novo
sujeito de tratamento tendo as equipes comunitrias como novos agentes profissionais agindo
na comunidade; pois este o novo espao de tratamento baseado na concepo de que a
personalidade a unidade biopsicossocial (AMARANTE, 2010a).
Para Venturini (2010), a desinstitucionalizao no deve ser considerada sinnimo de
Reforma Psiquitrica, muito embora este movimento abra espao para muitos de seus
contedos; a desinstitucionalizao diferente da simples desospitalizao; no consiste na
reabilitao psicossocial; certamente no consiste na antipsiquiatria. Logo, eclode como
pressuposto de seus estudos, que a desinstitucionalizao mais do que um tratamento ou
uma adaptao: a desinstitucionalizao consiste em um crescimento pessoal.
Rotelli, Leonards e Mauri (1990) defendem uma ideia muito prxima deste sentido
ampliado proposto por Venturini (2010). Referem que a desinstitucionalizao dever se
apresentar como um trabalho voltado para reconstruir as pessoas como atores sociais,
transformando os modos de viver e sentir sofrimento do usurio e apresentando formas de
transformao de sua vida concreta cotidiana.
Nela, o portador de sofrimento psquico finalmente o verdadeiro protagonista de seu
processo de melhora e cura, considerando os prprios pontos de resilincia e de fraqueza, as
oportunidades e os aspectos que incidem negativamente em sua vida pessoal, construindo
estratgias viveis para sua vida, at mesmo em redes de sentido frgeis e provisrias. Nessa
perspectiva, agindo deste modo, reconhece-se para o paciente o valor da competncia
adquirida com a prpria experincia (VENTURINI, 2010).
A retomada da subjetividade da pessoa elabora dialeticamente o conceito de doena
superando a tradicional dicotomia entre o ponto de vista biomdico, corrigindo o narcisismo e
as instncias pedaggicas embutidas no cuidar, atenua a presuno profissional do tratamento:
Implica num reposicionamento dos objetivos de cura - no mais como
reabilitao ou reduo do dano, mas como bem-estar dos usurios; redefine
o conceito de responsabilidade - em psiquiatria a responsabilidade
atribuda apenas ao mdico, enquanto na "retomada subjetiva" do prprio
usurio a responsabilidade por si mesmo; reduz o espao vicarial
tradicionalmente ocupado pela famlia e pela sociedade. Mais do que um
processo de cura, a "retomada subjetiva" um percurso de atribuio de
sentido, oferece ao sujeito a oportunidade de alcanar um novo equilbrio
existencial (VENTURINI, 2010, p.144).
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Geralmente, o doente mais exigente quanto empatia e tica envolvidas no
processo de cura, do que quanto compreenso da interpretao e da ao propostas pelos
curadores. Ele quer ser curado e satisfaz-se com sentir esse compromisso na inteno e na
ao do curador, aderindo ao tratamento sem exigir explicaes pormenorizadas dessa ou
daquela natureza (TESSE; LUZ, 2008).
Mas, o sofrimento psquico provoca uma alterao to profunda que no suficiente
intervir com um simples ato tcnico-reparador, sendo necessrio encontrar um novo equilbrio
para a existncia. Como consequncia, o verdadeiro significado da cura - o "primeiro dever do
mdico" - se funda na capacidade do curador de aderir a uma experincia global, baseia-se na
sua disponibilidade para participar, com intensidade profissional e emocional, do evento
existencial que investe o paciente (VENTURINI, 2010).
A cura dever ter uma relao dialgica entre pessoas, cujas palavras, porm, no se
referem a um saber acadmico e sim a um saber prtico prprio da subjetividade dos
indivduos. A reflexo sobre o sintoma - elemento revelador de como e onde se situar na
linguagem da sade - de fato apenas o esboo sobre o qual construir o dilogo. A cura, mais
do que uma tomada de conscincia, uma pesquisa que se funda no exerccio de um poder
social reconhecido ao paciente e experimentado em concreto no dia a dia (VENTURINI,
2010).
Deve-se pensar no valor da indignao encerrada no olhar inocente, olhar de quem
estranho a um processo, de quem no est acostumado. A qualidade de um servio de sade
se mede naturalmente pelo quanto pesam, nas suas decises, as pessoas envolvidas no
problema, os pacientes em primeiro lugar (VENTURINI, 2008).
Cabe, tambm, acreditar no crescimento de uma comunidade competente, uma
comunidade que seja capaz de responder s necessidades de todos os seus membros e,
sobretudo, daqueles mais frgeis, sem delegar a vida deles aos profissionais (VENTURINI,
2008).
Nessa perspectiva, a desinstitucionalizao transcende a disciplina mdica e envolve
outros saberes. uma atitude, porm, que no desmerece o saber clnico: o inclui em um
saber mais amplo e complexo e, ao mesmo tempo, mais acessvel e controlvel. A arte da cura
nasce da escuta, da capacidade de fazer silncio dentro de ns, para acolher o outro, mas
tambm para ns mesmos livrar-nos, descobrindo nossos limites e tambm nossas
possibilidades, amide contidas ou desconhecidas (VENTURINI, 2010).
31
2.2.3 Incluso Social do portador de sofrimento psquico
Considera-se como prtica de incluso social toda e qualquer tentativa de resgate de
cidadania do portador de sofrimento psquico sejam atravs do acolhimento, da assistncia, do
resgate ao convvio social, familiar e na sociedade ou atravs de aes intersetoriais que busquem
o cuidado integral para estes sujeitos (AZEVEDO, 2010).
Um dos principais desafios da reforma psiquitrica brasileira est na incluso social
das pessoas com sofrimento psquico na vida pblica e coletiva, de forma que suas
singularidades possam se expressar. Na incluso social, atravs do trabalho, os desafios
correspondem ao modelo de produo capitalista contemporneo, que exclui do mundo do
trabalho as pessoas consideradas inaptas e/ou improdutivas junto ao mercado (RODRIGUES;
MARINHO, AMORIM,2010).
Nesse sentido, encontra-se dificuldade de acesso do portador de sofrimento psquico
vida produtiva, pois necessitam-se de mudanas de paradigmas e prticas implementadas
voltadas incluso no mundo do trabalho que ainda uma barreira a ser transposta
objetivando alcanar melhores nveis de qualidade de vida e condies mais concretas de
incluso social.
Afirmando sua relevncia, considera-se que o valor do trabalho, enquanto prtica que
integraliza e legitima socialmente os portadores de sofrimento psquico, reconhecido nas
diferentes classes sociais, grupos e comunidades. A oportunidade de voltar a integrar o mundo
do trabalho, ou, em muitos casos, iniciar essa integrao, amplia as possibilidades de alcance
da insero social e de melhores nveis de sade e de qualidade de vida (LUSSI;
MATSUKURA; HAHN,2010).
Cabem ressalvas aqui, que para a construo de rede de ateno e rede social que
favoream prticas inclusivas ao portador de sofrimento psquico, a intersetorialidade um
dos aspectos primordiais. Nesse sentido, ressaltamos a necessidade de interlocuo das
demais polticas pblicas com a rea da sade mental (LEO; BARROS, 2008).
2.3Redes Sociais em Sade Mental
Ao longo da vida, um indivduo entrar necessariamente em contato com vrias
pessoas em sociedade e, a depender das motivaes, participar de arranjos de convivncia
diferentes. Vinculamo-nos aos outros por meio de contratos ou pactos associativos, cujo
material ligante est definido pela necessidade ou interesse comum. o que definimos como
redes sociais (LANDIM et al., 2010).
32
A abordagem sistmica, definida por Barreto (2008), explana bem as redes sociais, j
que percebe o sujeito na sua relao com a famlia, com a sociedade, com seus valores e
crenas, contribuindo para a compreenso e transformao do indivduo.
Todo sistema tem a capacidade de proteger-se, de reequilibrar-se e de crescer em uma
ao interna que chamamos de autoproteo, de autoequilbrio e de desenvolvimento prprio.
A comunidade assim e a famlia do indivduo tambm (BARRETO, 2008).
Na dinmica familiar, a presena do portador de sofrimento psquico tende a criar
situaes crticas que mobilizam todos os atores no processo de busca de solues, tanto
dirigidos ao sujeito que sofre como ao prprio grupo do qual ele faz parte, de forma que as
redes sociais tm um papel na identificao do problema e tambm na busca de soluo e
escolhas teraputicas. Nesse processo, percebem-se rearranjos, rupturas, dissoluo e
reconfigurao das redes sociais, pois as situaes decorrentes do sofrimento psquico,
especialmente aqueles severos e persistentes, podem trazer mudanas significativas nas
trajetrias de vida da pessoa e em seu circuito relacional (MURAMOTO; MANGUIA, 2011).
A funo de uma rede social est estreitamente relacionada qualidade destas relaes
interpessoais estabelecidas com a famlia extensa ou com seu entorno social, de onde surgem
atributos importantes, que podero configurar a construo de uma rede de suporte pessoal
significativa. Por sua vez, a qualidade das relaes est necessariamente ancorada na histria
dos vnculos estabelecidos, na intensidade, frequncia e mutualidade dos mesmos (LANDIM
et al., 2010).
Nesse contexto, para Saraceno (2001), o processo de reabilitao seria, ento, um
processo de reconstruo, um exerccio pleno da cidadania e, tambm, de plena
contratualidade nos trs grandes cenrios: habitat, rede social e trabalho com valor social.
Nos ltimos anos, a reabilitao psicossocial vem sendo considerada o modelo
dominante em cuidados comunitrios e enfatiza a melhora no funcionamento social e no
desempenho de papis (DRAKE et al., 2003).
Complementando tal ideia, o processo adequado para a reabilitao implica a criao
de servios na comunidade, com diferentes nveis de ateno e complexidade e integrados ao
sistema geral de sade, fornecendo um acompanhamento intensivo e permanente que possa
satisfazer todas as necessidades do portador de sofrimento psquico (VIDAL; BANDEIRA;
GONTIJO, 2008).
necessrio, sem dvidas, a existncia de pontos de rede de apoio que promovam
maior autonomia, reorganizao da vida cotidiana, bem como a incluso do portador de
sofrimento psquico nos diversos grupos sociais (VARELLA et al., 2006).
33
Para construo das mais variadas redes sociais do portador de sofrimento psquico ,
interessante que haja a possibilidade de se proporcionar tratamento na ateno primria, j
que adotar o territrio tambm como estratgia de ampliao das redes sociais fortalece o
conceito de que os servios de sade devem integrar a rede social das comunidades em que se
inserem, assumindo a responsabilidade pela ateno sade nesse espao. Tal fato remete ao
aparecimento de desafios previsveis j que os confrontos se colocam em todas as instncias
do cuidado, tanto para os atores, como para as instituies envolvidas no processo, que
anseiam pela mudana de paradigmas fortemente institudos (BREDA et al., 2005).
Dalla Vecchia e Martins (2009) em sua pesquisa referem que algumas experincias na
ateno bsica tm-se mostrado alternativas interessantes como citam um exemplo em que os
agentes comunitrios de sade (ACS) esto sendo capacitados para o acolhimento de
demandas em sade mental, profissionais dos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) esto
desenvolvendo atividades de discusso de casos em unidades de sade da famlia (USF),
caracterizando hoje no que temos como clnica ampliada e equipes de ateno bsica e de
sade mental se (co)responsabilizando pelo cuidado nas estratgias de matriciamento.
Azevedo (2010) evidenciou, em seu estudo, uma reflexo sobre as diferentes prticas
inclusivas que vm sendo realizadas no municpio de Campina Grande. As prticas identificadas
favoreceram a articulao da sade mental com vrios setores da sociedade, como educao,
cultura, a economia, criando redes sociais.
Em se tratando da estratgia de formar vnculos com outros setores, remete-nos idia
que temos atualmente de intersetorialidade. Outros setores, alm do da sade, como
educao, trabalho, previdncia social e direito, bem como certas organizaes no-
governamentais, devem ter participao na melhoria da sade mental das comunidades.
As redes ampliadas so experincias exitosas da intersetorialidade, j que articular
aes com setores como a escola, a justia, redes de apoio como o SESI, SESC, SENAI, as
cooperativas de usurios/egressos dos servios de sade mental, demonstram a efetividade de
que estas redes de apoio esto adentrando gradativamente no cotidiano do portador de
sofrimento psquico dos servios de sade mental.
Com a Reforma Psiquitrica, eclodem, tambm, experincias inovadoras e de novas
tecnologias em resposta aos desafios do cuidado e da incluso social. Os Centros de
Convivncia e Cultura so uma destas experincias, criados de acordo com a Portaria n 396
de 07 de Julho de 2005. As pessoas que trabalham nos Centros de Convivncia e Cultura no
so profissionais da Sade, nem da Sade Mental so oficineiros, artistas plsticos, msicos,
atores, artesos, auxiliares administrativos e de limpeza (BRASIL, 2005b).
34
Os Servios Residenciais Teraputicos ou Residncias teraputicas como so
chamadas atualmente, representam mais um novo contexto construdo nas redes sociais dos
portadores de sofrimento psquico e tem como objetivos centrais a reinsero social dos
egressos dos manicmios, tentando propiciar-lhes autonomia, atravs do processo de
reabilitao psicossocial, com (re)aprendizagem de atividades cotidianas e sociais necessrias
para vida em comunidade. Pretende-se, com isso, que o morador deixe de ser um tutelado da
instituio hospitalar e resgate a possibilidade de convivncia social, encontrando condies
para uma vida com qualidade e integrada ao ambiente comunitrio (WEYLER;
FERNANDES, 2005).
35
Captulo 3
36
3. METODOLOGIA
3.1O Paradigma Adotado
Trata-se de um estudo compreensivo e interpretativo, fundamentado nos pressupostos
da Histria Oral, propostos por Bom Meihy. Procuramos, atravs da histria oral temtica,
conhecer as vivncias do portador de sofrimento psquico em processo de
desinstitucionalizao no tocante sua reabilitao e incluso social.
A Histria Oral uma histria do tempo presente, reconhecida como histria viva,
considerada um mtodo que trabalha com a fonte oral e que constitui, como resultado do
trabalho, a documentao oral produzida e analisada a partir de um conjunto de
procedimentos (BOM MEIHY; HOLANDA, 2011).
Existem quatro gneros distintos de histria oral: Histria Oral de Vida, Histria
Oral Temtica, Tradio Oral e Histria Oral Testemunhal. A primeira trata da narrativa
do conjunto de experincia de vida de uma pessoa. A segunda parte de um assunto especfico
e preestabelecido, o qual se compromete com o esclarecimento ou opinio sobre algum evento
definido. A Tradio Oral trabalha com a permanncia dos mitos e com a viso de mundo de
comunidades que tm valores filtrados por estruturas mentais asseguradas em referncias do
passado remoto. A Histria Oral testemunhal se caracteriza pela presena de uma situao
traumtica, na qual as entrevistas so inicialmente apreendidas com a Histria Oral de Vida e
a partir do trauma so direcionadas para o objetivo proposto pelo projeto de Histria Oral
(BOM MEIHY; HOLANDA, 2011).
Cabe aqui ressaltar que a Histria Oral privilegia grupos sociais deslocados, parcelas
minoritrias, excludas, marginalizadas e se vale de suas narrativas para propor uma outra
histria, ou uma histria vista de baixo, de um ngulo incomum, sobre uma determinada
realidade em contraposio ao silenciamento ou a viso majoritria e institucionalizada,
assumida como aquela que devemos reconhecer como verso oficial (BOM MEIHY;
HOLANDA, 2011).
Sendo assim, o que se pretendeu com este estudo fundamentado nos pressuposto da
Histria Oral foi possibilitar a este grupo social o registro das experincias vividas como
portador de sofrimento psquico, em busca de recuperao de sua sade mental e tambm da
ocupao de um novo lugar social. Interessava-nos, sobretudo, compreender como tais
experincias foram sentidas, fatos foram sentidos, compreendidos e, mesmo, reinterpretados
por aqueles que os viveram (BOM MEIHY; HOLANDA, 2011).
37
Este estudo foi realizado, em Campina Grande PB, que a segunda cidade mais
populosa da Paraba (aps Joo Pessoa, capital do Estado, distante 120 km). De acordo com o
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), no ano de 2011, constatou-se que o
municpio de Campina Grande - PB possua, aproximadamente, 687.545habitantes e que sua
rea territorial atinge 621 km.
Figura 1: Mapa da Paraba e a localizao do cenrio de estudo (Campina Grande)
Fonte: http://www.emepa.org.br
A Rede Municipal de Sade conta com cento e vinte e cinco estabelecimentos/servios
de sade (pblicos, privados e filantrpicos, de mdia e alta complexidade), prestando
atendimentos regularmente ao SUS. A rede bsica de sade dispe de noventa e duas Equipes
da Estratgia Sade da Famlia, (ESF) a qual abrange cerca de 83% da rea territorial do
municpio, contando tambm com cinco Centros de Sade e nove Ncleos de Apoio ao Sade
da Famlia (NASF) (CODECON, 2012b ).
A Rede de Sade Mental em Campina Grande - PB comeou a ser tecida no ano de
2002, com a aprovao da Lei municipal 4.068. Esta lei contempla a ateno em liberdade,
diretrizes sobre a promoo de sade e reintegrao social do portador de transtorno mental,
as quais determinam a implantao de aes e Servios extra-hospitalares em Sade Mental,
agindo de acordo com a Lei 10.216 que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental
(SILVA, 2007).
Postergada a aprovao desta lei municipal, efetivou-se em Dezembro de 2003 a
abertura do primeiro CAPS do municpio, o CAPS II Novos Tempos, localizado na avenida
http://pt.wikipedia.org/wiki/Para%C3%ADbahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Pessoa_%28Para%C3%ADba%29http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_Geografia_e_Estat%C3%ADsticahttp://www.emepa.org.br/
38
Getlio Vargas, que, atualmente, realiza atendimentos no Bairro do Catol na Av. Elpdio de
Almeida.
Em 2004 foi inaugurado o CAPSad em Campina Grande tornando-se o segundo
servio substitutivo da referida cidade. No ano de 2006, o CAPSad j atendia cerca de
duzentos usurios (CIRILO, 2006).
Como estopim e marco divisor da assistncia hospitalar em Campina Grande, houve o
processo de interveno e o descredenciamento do SUS de um dos hospitais psiquitricos do
municpio, o Instituto Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilitao Funcional (ICANERF),
conhecido popularmente como Hospital Joo Ribeiro. Em 2005, com o fechamento deste
referido hospital, criaram-se inmeros servios de base comunitria e uma rede extra-
hospitalar, fazendo com que Campina ficasse conhecida no cenrio nacional (SILVA, 2007).
Segue o que foi dito pelo Ministrio da Sade no ano de 2005:
Na poca da interveno, dos 176 pacientes do Hospital, 38 encontravam-se
em um Centro de Referncia em Sade Mental (unidade provisria,
implementada para substituir as pssimas condies do Hospital Joo
Ribeiro), e o restante dos pacientes, j se encontravam referenciados aos
novos servios substitutivos supracitados. Em cerca de um ano, Campina
Grande mudou radicalmente sua rede de ateno sade mental e investiu
em novos servios na regio, em benefcio dos direitos dos pacientes
(BRASIL, 2005, p.22).
Durante este perodo, o processo de desinstitucionalizao e de reduo de leitos na
cidade mobilizou os gestores do SUS para as construes de novas solues para as demandas
de sade mental da regio e mobilizou tambm a comunidade local para a Reforma
Psiquitrica, mudando efetivamente a qualidade de vida e da assistncia prestada em sade
mental populao (BRASIL, 2005).
Atualmente, compem a rede do municpio o Centro Campinense de Interveno
Precoce (CAPSinho), o CAPS I Viva Gente (infanto-juvenil), o CAPS II Novos Tempos, o
CAPS III Reviver, que funciona 24 horas e o CAPS ad (lcool e Outras Drogas), alm dos
dois CAPS I localizados nos distritos de Galante e So Jos da Mata. Os servios
disponibilizados para portadores de transtornos mentais incluem, ainda, o Centro de
Convivncia e Cultura, Artes e Ofcios, que neste ms de junho completou trs anos de
funcionamento, a Emergncia Psiquitrica e seis Residncias Teraputicas, trs delas
masculinas, duas femininas e uma mista. Elas so destinadas s pessoas que so egressas de
hospitais psiquitricos e perderam familiares ou apresentam dificuldades de reintegrao
familiar (CODECOM, 2012a).
39
Por tratar-se de um estudo realizado com base nos pressupostos da Histria Oral, faz-
se necessrio definir um projeto com todas as etapas: tema, justificativa, definio da
comunidade de destino, colnia, formao de rede, entrevista, transcrio, textualizao,
transcriao, conferncia, uso e arquivamento do material emprico produzido.
De acordo com Bom Meihy e Holanda (2011, p.52): Comunidade de destino seria
formada a partir de uma postura comum, de um passado filtrado pelo trauma coletivo, que
seria matria de registro e verificao da histria oral.A comunidade de destino foi
definida, uma vez que todos os colaboradores que tnhamos em mente desencadearam algum
tipo de sofrimento psquico e passaram por um processo de institucionalizao e posterior
desinstitucionalizao, configurando uma comunidade de destino com histrias de vida, de
sofrimento e preconceito em comum. Os CAPS da Cidade de Campina Grande PB
acolheram muitos desses sujeitos e a comunidade de destino deste estudo encontrava-se neste
servio.
De acordo com Bom Meihy e Holanda (2010, p.52) a colnia uma parcela de
pessoas de uma mesma comunidade destino, a primeira diviso... sua finalidade facilitar o
entendimento do coletivo que se perderia na abrangncia. A colnia representa os
elementos que marcam a identidade geral dos segmentos dispostos a anlise, ou seja, traos
que ligam a trajetria destas pessoas. A nossa colnia foi constituda por usurios, que se
tratavam no CAPS e estavam em processo de desinstitucionalizao, e que estavam inseridos
em alguma atividade que caracterizasse a reabilitao e incluso social.
E, por fim, foi construda a rede considerada uma subdiviso da colnia que visa
estabelecer parmetros sobre quem vai ser entrevistado... (BOM MEIHY; HOLANDA,
2011, p.54). A construo da rede e seleo dos sujeitos que compuseram a rede se deu com
as referncias feitas no depoimento do colaborador que apresentou um relato em sua
entrevista que norteou todas as outras o ponto zero. A origem da rede sempre o ponto
zero, e essa entrevista deve orientar a formao das demais redes (BOM MEIHY;
HOLANDA, 2011, p.54).
A rede foi formada por dez usurios de dois CAPS de Campina Grande, considerados
colaboradores, indicados a priori, pelos tcnicos de referncia, do CAPS j que estes
conheciam os usurios mais avanados no processo de desinstitucionalizao do servio.
Fizemos contato prvio por telefone com cada um. Alguns no quiseram participar do estudo
com receio de se expor, outros, por no dispor de tempo devido ao trabalho, e assim, fomos
contatando, um a um, para ver quem poderia participar de uma conversa acerca do projeto de
investigao.
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Tomamos como critrio de escolha para a entrevista considerada o ponto zero da rede
aquela que foi concedida por um portador de sofrimento psquico estabilizado, em processo
de desinstitucionalizao de um dos CAPS inserido em uma atividade de reabilitao,
prximo de receber alta do servio e j includo socialmente atravs do trabalho. Assim, o
colaborador Paulo teve sua entrevista tida como ponto zero e desde o incio mostrou interesse
em contar sua histria e no decorrer da narrativa foi indicando outros colaboradores para
compor a rede.
Aps a definio da rede, foram realizadas as entrevistas, que, segundo Bom Meihy
(2005), so divididas em trs etapas: a pr entrevista, a entrevista e a ps entrevista.A pr-
entrevista consiste em um contato prvio com os colaboradores, para apresentar o projeto de
investigao. Nesse primeiro momento, foram feitas visitas aos colaboradores, ora nos CAPS
ora nas suas residncias, tendo em vista o agendamento da data e do local da entrevista, as
quais foram definidas pelos colaboradores.
A etapa da entrevista propriamente dita ocorreu no perodo de Junho a Julho de 2012.
As entrevistas foram feitas individualmente com auxilio de um aparelho de MP4. Antes de
darmos incio s entrevistas, os colaboradores foram convidados a assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO B), ficando um termo para o colaborador e o
outro para a mestranda, nos quais constavam os objetivos do trabalho, o mtodo utilizado e o
posicionamento tico adotado a partir da Resoluo 196/96, que trata da pesquisa envolvendo
seres humanos. O posicionamento tico adotado resguardou a garantia da sua livre escolha de
participar do estudo, bem como assegurava a sua desistncia a qualquer tempo, sem qualquer
tipo de represlia, sendo garantido ainda que a publicao da entrevista s ocorreria mediante
a assinatura carta de cesso, de que iremos tratar mais adiante.
A entrevista foi guiada pelas perguntas de coorte, que segundo Bom Meihy, (2005)
so elementos fundamentais e comuns pelos quais devem passar todas as entrevistas. Foram
elas:
1. H quanto tempo voc est aqui neste servio?
2. Conte-me como tem sido a sua experincia para retomar sua vida na famlia, no
trabalho, com os amigos?
3. Quais foram seus principais desafios para retomar sua vida aps a alta do servio?
4. Voc est sendo (ou voc foi) orientado para (conduzir a prpria vida) fora do
servio? De que forma?
5. Quando voc teve alta (quando voc tiver alta) do servio o que fez (pretende fazer)
para retomar a sua vida pessoal e profissional?
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6. Quem apoiou voc (a quem voc pedir apoio) para seguir com sua vida na famlia, o
trabalho e na sociedade de um modo geral?
7. Existiu algum tipo de dificuldade de acesso aos servios que no so de sade mental?
No decorrer das entrevistas, percebemos que os colaboradores sentiram a necessidade
de falar de suas experincias contando um pouco da sua histria de vida.Nesse momento,
afloraram seus sentimentos: ora choro, risos, silncios, pausas... Eles contextualizavam seu
presente a partir de um doloroso passado.
Vale salientar, tambm, que entrevistamos familiares que se fizeram presentes no
momento da entrevista, revelando fatos de modo mais detalhado e que eram significativos
para compreender a histria que estava sendo contada pelo colaborador. No mesmo instante,
as narrativas dos familiares foram validadas pelos colaboradores, e em alguns momentos a
entrevista teve o tom de conversa e dilogo a trs.
Na Histria Oral, esse tipo de dilogo permitido, pois a construo da narrativa no
deve ser um exerccio mecnico. A ao do entrevistado como narrador transpassa uma
audincia visvel e aparente, podendo-se ter uma audincia mais ampliada, incluindo,
familiares, amigos, pares, adversrios, superiores hierrquicos, imprensa, enfim, a sociedade
como um todo (BOM MEIHY; HOLANDA, 2011, p.163).
A ps-entrevista caracterizada por Bom Meihy (2005, p.180) como a etapa que se
segue realizao da entrevista ou das entrevistas. Cartas ou telefonemas devero ser
enviados, a fim de estabelecer a continuidade do processo. Neste momento, algumas