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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS ICSA RODRIGO ALVES MACIEL A crise impressa: perspectivas da crise de 1864 nos jornais da Corte VARGINHA MG 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – ICSA

RODRIGO ALVES MACIEL

A crise impressa: perspectivas da crise de 1864 nos jornais da Corte

VARGINHA – MG

2016

RODRIGO ALVES MACIEL

A crise impressa: perspectivas da crise de 1864 nos jornais da Corte

Trabalho apresentado como parte dos

requisitos para a obtenção do título de

Bacharel em Ciências Econômicas com

ênfase em controladoria pelo Instituto de

Ciências Sociais Aplicada da Universidade

Federal de Alfenas Campus Varginha.

Orientador: Prof. Dr. Thiago Fontelas

Rosado Gambi

VARGINHA – MG

2016

RODRIGO ALVES MACIEL

A crise impressa: perspectivas da crise de 1864 nos jornais da Corte

A banca examinadora abaixo assinada

aprova o trabalho como parte dos requisitos

para obtenção do título de Bacharel em

Ciências Econômicas com Ênfase em

Controladoria apresentado ao Instituto de

Ciências Sociais Aplicada da Universidade

Federal de Alfenas – Campus Varginha

Aprovado em: Varginha, 13 de dezembro de 2016.

Prof. Dr. Thiago Fontelas Rosado Gambi

Prof. Dr. Bruno Aidar Costa

Prof. Dr. Roberto Pereira Silva

Dedico este trabalho a Deus, aos meus

pais e a toda a sociedade brasileira que

fomentou indiretamente sua execução.

AGRADECIMENTOS

Ao Instituto de Ciências Sociais Aplicada da Universidade Federal de Alfenas – Campus

Varginha pela oportunidade.

Ao Professor Dr. Thiago Fontelas Rosado Gambi, pelo espirito motivador dedicado na

orientação deste trabalho.

A todo o corpo técnico da Universidade Federal de Alfenas - Campus Varginha.

RESUMO

O Brasil do séc. XIX experimentou importantes transformações políticas, econômicas e

sociais. A independência, a formação do Estado nacional e o estabelecimento de regras

para o funcionamento dos negócios, como o código comercial de 1850, fazem parte desse

quadro. Apesar do avanço em direção a uma economia de mercado como a dos países

desenvolvidos, restava o problema estrutural da escravidão, que só fazia crescer, apesar da

forte pressão externa e interna contra o trabalho cativo. O século XIX também foi palco de

fortes crises econômicas, como as de 1857, 1864 e 1875. As transformações e as crises do

século XIX suscitaram debates sobre a economia brasileira e o modo de conduzi-la. O mais

famoso deles alinhava de um lado os chamados metalistas e, de outro, os papelistas. De

uma maneira ou de outra, as ideias econômicas desse debate ecoavam na imprensa da

época e tentavam influenciar a condução da política econômica do Império. Tendo em

vista a importância da imprensa no debate econômico, este trabalho procura analisar as

notícias sobre a crise de 1864 publicadas nos principais jornais da Corte durante o evento,

a fim de identificar seu posicionamento em relação às medidas adotadas pelo governo para

solucioná-la.

Palavras-chave: crise de 1864, imprensa, ideias econômicas.

ABSTRACT

The nineteenth-century Brazil is led by a multitude of events that, in turn, were

instrumental in driving the country towards international progress. Factors such as their

independence were fundamental for the country to have the minimum conditions to

implement the necessary steps to align the triumph that awaited him. The movement that

came from Western Europe generated strong pressure on the empire, which put all its

"archaic" structure of an eminent structural risk. Associated with numerous factors that

guided this particular century, besides the heated debate regarding monetary policy carried

out by bullionists and papelistas, the crisis of 1864 has highlighted the discussion on the

banking system efficiency of the square in Rio de Janeiro, which in instead, he was

primarily responsible for the management of local resources at the time. In this direction,

this work strives to moderate analysis of the impact of this crisis bank held in the square in

Rio de Janeiro, through a bibliographical and documentary analysis, focusing on news

published by major newspapers of the time, in order to identify their positions pro or

against the government of the period.

Keywords: 1864 crisis, press, economic ideas

Sumário INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 8 1. CONTORNOS DA POLITICA ECONÔMICA DO SEGUNDO REINADO .................................... 10 2. A CRISE DE 1864 ................................................................................................................... 16 3. A CRISE DE 1864 NOS JORNAIS ............................................................................................ 20 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................... 42

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Introdução

O século XIX no Brasil foi palco de diversos acontecimentos importantes como a

trasladação da família real portuguesa para o país, a independência, o fim do tráfico de

escravos, a expansão bancária, a elaboração do código comercial, a contenda entre

metalistas e papelistas e as crises econômicas.

Todos esses acontecimentos, de uma maneira ou de outra, se tornaram matéria para

os jornais da época. Embora tivessem um alcance quase restrito às elites ilustradas e

camadas médias urbanas, os jornais participavam ativamente do debate econômico nesse

círculo com notícias e opiniões, e assim influenciavam seus principais atores. Nos períodos

de crise, como era de se esperar, crescia o interesse da imprensa sobre as questões

econômicas e a atuação do governo sobre elas. Foi o que ocorreu durante a crise de 1864.

Os jornais da Corte noticiaram o acontecimento, marcando posições distintas entre

diagnósticos e avaliações da atuação do governo para solucionar a crise.

Dada a importância da imprensa para o debate econômico e sua capacidade de

influenciar importantes decisões políticas e econômicas, este trabalho propõe analisar a

cobertura dos jornais da Corte sobre a crise econômica de 1864, a chamada crise do Souto.

Tal análise permite identificar o posicionamento de cada jornal em relação às questões

econômicas em pauta e aos projetos políticos que defendiam. Como os jornais avaliaram a

crise e as medidas adotadas pelo governo e pelo Banco do Brasil para combatê-la? Esta é,

em síntese, a pergunta que guia o trabalho.

Como foi bastante estudado pela literatura, em 1864, houve uma grande crise

bancária no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Há diferentes interpretações

sobre essa crise, contudo, todos concordam que seu estopim foi à negativa do Banco do

Brasil diante de um pedido de empréstimo da casa bancária do Souto, uma das mais

importantes da época, que a levou a suspender seus pagamentos e os saques de seus

clientes. Amaro Cavalcanti (1893, p. 275), ministro da fazenda do curto governo de Delfim

Moreira e estudioso da economia brasileira, afirmou que, em 10 de setembro de 1864, o

Brasil experimentou uma crise econômica sem precedentes. E tentou expressar o pânico

que tomou conta da Corte ao narrar a emocionante corrida da população rumo aos

diferentes bancos em que depositaram suas economias. Evidentemente, a crise de 1864

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seria o assunto predominante na imprensa naqueles dias, quando os jornais cumpririam seu

duplo papel de informar e influenciar.

Passada a crise, o então ministro da fazenda, Carlos Carneiro de Campos, futuro

terceiro visconde de Caravelas, nomeou uma comissão para elaborar um relatório sobre

crise de 1864.1 Neste amplo estudo, buscava-se compreender as causas da crise e o que

deveria ser feito dali em diante para que um acontecimento como aquele não se repetisse.

São mais de quinhentas páginas com entrevistas de comerciantes e personagens envolvidos

com questões econômicas à época, tabelas e quadros com informações sobre a economia e

os bancos, e uma parte dedicada à compilação das notícias sobre a crise que saíram nos

jornais.

Essa é a documentação utilizada neste trabalho. É preciso indicar desde já que o

acompanhamento do noticiário econômico sobre a crise foi feito pelas notícias compiladas

no relatório sobre a crise de 1864 publicado no ano seguinte. Nele figuram os principais

jornais da Corte: Jornal do Comércio, Correio Mercantil, Diário Oficial, Diário do Rio de

Janeiro e o Constitucional. Este material servirá de fonte para uma aproximação do

ambiente conjuntural da praça do Rio de Janeiro e para a análise da cobertura da imprensa

sobre a crise.

O trabalho está estruturado em três partes. Na primeira, procura-se esboçar

brevemente os contornos da política econômica do segundo reinado, sobretudo de meados

do século XIX. Além de questões mais gerais como a abolição do tráfico de escravos, a lei

de terras, elaboração do código comercial e a expansão dos bancos no Brasil, serão tratadas

nesta parte o debate entre os chamados papelistas e metalistas. As ideias em disputa

ajudarão a entender os diferentes posicionamentos dos jornais em relação à crise e à

atuação do governo. Na segunda parte, será feita uma também breve revisão bibliográfica

sobre a crise de 1864, a fim de mostrar análises diversas sobre o acontecimento. A terceira

parte tratará especificamente da cobertura da imprensa sobre a crise. Serão apresentados os

jornais, as notícias e suas análises, e, a partir disso, será feita uma tentativa de qualificar

suas posições diante da crise. 1 Foram responsáveis pelo relatório os conselheiros Ângelo Muniz da Silva Ferraz, José Pedro Dias de

Carvalho e Francisco de Assis Vieira Bueno.

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1. Contornos da Politica econômica do segundo reinado

O século XIX, mais especificamente, o segundo reinado, foi palco de diversos

eventos como apontados na introdução. O debate em torno do código comercial foi um

deles, que, por sua vez, rendeu diversas seções no parlamento. As relações comerciais se

expandiam no país, mas a estrutura legal que as enquadrava era obsoleta ou mesmo

inexistente, criando-se a necessidade de elaborar um código comercial. A inexistência de

mecanismos que possibilitassem uma perspectiva mais segura aos investidores e a

economia como um todo associada a uma estrutura jurídica frágil e com garantias mal

definidas constituíam elementos de atraso do Brasil em relação aos países europeus,

notadamente, França, Holanda e Espanha, os quais já possuíam o instrumento normativo

do código comercial. Além da necessidade de uma legislação clara sobre os negócios, após

1850, houve um aumento de investimentos derivado de recursos antes destinados ao trafico

de escravos, agora proibido. Nesse sentido, não havia espaço para qualquer indagação

quanto à necessidade de organizar as relações comerciais no país (BENTIVOGLIO, 2002).

Ainda de acordo com Bentivoglio (2002), o Brasil era visto como um país

promissor, rumo ao progresso, visão compartilhada no Parlamento e no Conselho de

Estado. Apesar da necessidade urgente, a elaboração do código comercial percorreu um

longo caminho, com vários debates no parlamento, com direito a adiamentos, revisões e,

finalmente, a aprovação em 25 de junho de 1850 sob crítica da Câmara quanto ao modo

como foi aprovado.

Outro fato econômico relevante do período, ligado também ao aumento dos

negócios, foi à expansão dos bancos comerciais. No período anterior à expansão, mais

especificamente em 1829, temos um fato marcante, a liquidação do primeiro Banco do

Brasil.2 Basicamente, com a partida da Corte portuguesa juntamente com algumas

suspeitas de má administração, o banco ficou sem reservas metálicas, o que comprometeu

o lastro metálico de sua emissão e culminou com o fim de suas atividades. A partir daí, o

Brasil passou um período sem bancos formais.

2 O primeiro Banco do Brasil foi criado em 1808 e detinha o poder de emitir notas. Para a história do

primeiro Banco do Brasil, ver Arinos, Freire e Viana.

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É Verdade que em 1836 houve a criação do Banco do Ceará e, em 1838, do Banco

Comercial do Rio de Janeiro. No entanto, a expansão dos bancos se dará com vigor apenas

na década de 1840 com a criação de diversos bancos regionais, como os do Maranhão, em

1846, da Bahia, em 1847, entre outros (ABREU, 2010). A incorporação dos bancos se

acelerou na década de 1850 em decorrência do café e da abolição do tráfico de escravos

(LEVY e ANDRADE, 1985). As casas bancárias, espécie de bancos de menor porte,

embora algumas delas fossem maiores do que os bancos, também se expandiram nesse

período.

Na esteira da história não poderia ficar de escanteio a questão da escravidão. O

Brasil que foi colônia de Portugal tinha sua base de mão de obra sustentada pelo trabalho

escravo. Para se ter uma ideia, na primeira metade do século XIX, cerca de dois terços da

importação total dessa mão de obra foram destinados para cultura do café, o que

representava aproximadamente um milhão e trezentas mil pessoas. Durante esse período,

criou-se uma lacuna cada vez mais profunda em relação à oferta de mão de obra entre as

regiões cafeeiras e as regiões Sul e Nordeste do Brasil. Apesar de depender

economicamente do trabalho escravo, o país se comprometeu formalmente, em especial

com a Inglaterra, em eliminar o tráfico de escravos (ABREU e LAGO, 2010).

Após iniciar uma campanha de combate ao trafico de escravos africanos, a

Inglaterra assinou vários tratados entre 1815 e 1831 com o objetivo claro de eliminar essa

prática, a qual colocava seu próprio desenvolvimento econômico em risco, uma vez que

comprometia a expansão de mercados para seus produtos manufaturados. No entanto,

apesar do compromisso formal do Brasil em eliminar o tráfico, manifestado na assinatura

do tratado de 1826 e na promulgação da lei de 1831, o comércio de almas continuava

(PRADO JR, 2012).

É preciso notar, que o Brasil era extremamente dependente da mão de obra escrava

para as suas atividades e, com isso, dificilmente conseguiria sustentar e cumprir o acordo

no curto prazo. A demanda por escravos aumentou significativamente dada a ascensão do

setor cafeeiro que, por sua vez, contou com a incapacidade do governo brasileiro em fazer

valer a lei de 1831. Entre 1831 e 1850, mais de 500 mil escravos entraram no país, claro,

ilegalmente (BETHELL, 2012).

Em consequência disso, segundo Prado Jr, a Inglaterra aprovou em 1845 a “Bill

Aberdeen”, que reconhecia os navios negreiros brasileiros como infringentes da lei que

impunha a extinção do tráfico de escravos. Inconformado com a atitude passiva do Brasil

em relação à aplicação da lei de 1831, o governo inglês autorizou seus cruzeiros a caçar os

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negociantes de escravos até o interior do Brasil e submete-los à sua “Bill” de 1845. Ainda

de acordo com Prado Jr (2012), somente sob ameaça de guerra feita por Gladstone em

março de 1850, o Brasil cedeu à pressão e proibiu efetivamente o tráfico de escravos

africanos.

De fato, essa intervenção da Inglaterra no Brasil e o cumprimento do acordo em

1850 trouxeram consequências para a economia imperial como o aumento significativo do

preço da mão de obra escrava e a elevação do tráfico interprovincial de escravos devido ao

aumento da procura nas províncias do Centro-sul. De fato, as duas décadas seguintes foram

palco de um aumento expressivo do número de escravos nas regiões cafeeiras. Contudo,

com receio de instabilidade politica nas regiões cafeeiras devido ao aumento do número de

escravos, as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo estabeleceram uma

taxa elevada sobre a importação de escravos de outras províncias. O resultado dessa

politica, basicamente, fez com que o preço dos escravos despencasse e regiões como o

Nordeste, que estavam lucrando com isso, deixassem de fomentar a prática o que, por sua

vez, levou naturalmente à libertação dos escravos antes mesmo da lei de 1888, a exemplo

do Ceará em 1884 (ABREU e LAGO, 2010).

Como já mencionado, outra consequência direta do fim do tráfico de escravos

africanos, ainda segundo Prado Jr (2012), foi à liberação de recursos que eram investidos

na prática ilícita para a praça. Com a entrada de capitais novos houve, entre outras coisas, a

diminuição da taxa de juros e a elevação dos preços das ações de grande número de

companhias cotadas na bolsa do Rio de Janeiro.

Contudo, os fatos economicamente relevantes do segundo reinado não param por

aqui. Outro problema que merece destaque é a ausência de uma lei que regulasse o acesso

à terra. O Brasil, desde o século XVI até o início do século XIX, adotou o instituto jurídico

das sesmarias com intuito de incentivar a exploração de terras que, por sua vez, premiava

um número pequeno de privilegiados e contribuía para a concentração da propriedade da

terra. Os anos se passaram e a Coroa imperial perdeu o poder de conceder sesmarias em

1823. Contudo, a Assembleia do Império foi omissa durante aproximadamente trinta anos

sendo essa questão resolvida apenas em 1850, mais especificamente, em 18 de setembro,

com uma nova lei de terras (ABREU e LAGO, 2010).

Além desses fatos elencados, no Brasil do século XIX estava em curso o debate

sobre a política monetária entre os chamados papelistas, que advogavam em favor do

padrão fiduciário, e metalistas, que preferiam o padrão metálico. Esse debate faz referência

à contenda entre a escola bancária e a escola monetária da Inglaterra desse período.

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Contudo, existe uma consciência de que ajustes teriam que ser feitos a esses fundamentos a

fim de atender à particularidade da economia brasileira (SAES, 1986; GREMAUD, 1997).

Entre essas peculiaridades temos um Brasil de base agrário-exportadora e escravista oposta

a países que vinham de uma base econômica industrializada e assalariada (GAMBI, 2015).

Essencialmente, travava-se um debate sobre a conversibilidade da moeda (FONSECA e

MOLLO, 2012).

Com efeito, Fonseca e Mollo (2012) apontam que os metalistas encontravam

fundamentação na teoria econômica convencional, a qual defendia o padrão ouro, tendo

como referência a politica do país hegemônico a época, a Inglaterra. Por outro lado, os

papelistas, sem base teórica de mesma robustez para advogar sobre o desinteresse ao que

consideravam entraves à politica monetária e cambial, recorriam à experiência e a prática

para orientar o trajeto a percorrer.

Já em relação aos princípios das escolas bancária (Banking School) e monetária

(Currency School), respectivamente, a primeira se apoiava sobre a ideia de que a emissão

de notas bancária tinha como objetivo satisfazer operações de crédito que correspondessem

a negócios já efetivados, portanto, não haveria elevação da inflação. Por outro lado, o

princípio monetário sustentava que a inflação era provocada pela ampliação da oferta de

moeda e também de notas bancárias (GAMBI, 2015).

Contudo, para Gambi (2015), adentramos em duas notáveis divergências, uma em

relação ao tipo de conversibilidade e outra relacionada ao direito de emissão. A respeito da

conversibilidade, o debate girava em torno de qual lastro deveria pautar as emissões, ou

seja, unicamente em ouro ou também poderia se considerar uma mescla entre notas do

tesouro e títulos. Para os papelistas, a opção da moeda lastreada em metal ou não seria de

grande relevância dado que a economia brasileira costumava sofrer com a escassez de

metais e, portanto, seria admissível que a moeda tivesse uma relação menos radical em

relação ao metal, podendo haver moedas também com lastro em títulos da dívida pública.

No entanto, era inconcebível para esse grupo a hipótese de uma paralisação das transações

em função de uma eventual insuficiência de moeda devido à escassez de metal.

Em oposição à ideia dos papelistas, os metalistas viam a política monetária voltada

para a estabilidade do valor da moeda atrelada à politica cambial. Os defensores do padrão-

ouro concatenavam a relação entre a politica monetária e o balanço de pagamentos,

afirmando que metais preciosos adentrariam o país se o mesmo tivesse uma economia

favorável, do contrário, qualquer elevação da oferta de moeda resultaria em inflação.

Assim sendo, a liberalização dos mercados para a escola monetária, caucionaria a

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convergência da paridade de divisas e a equivalência dos preços externos e internos

(FONSECA e MOLLO, 2012).

Contudo, fazer referência ao debate que houve na Inglaterra, não significava segui-

lo à risca em sua essência, pois, a peculiar economia brasileira, agrária e escravista, estava

sempre exposta à instabilidade cambial devido à forte dependência do mercado externo. De

acordo com os papelistas, se a emissão correspondesse pari passu a cada transação, a ideia

de excesso de emissão estaria superada. Contudo, se por uma eventual circunstância

houvesse excesso de demanda por notas bancárias, a taxa juros se elevaria, fazendo com

que a emissão se ajustasse à demanda. Ultrapassado esse ponto, os papelistas indicavam a

multiplicidade de emissão como alternativa para atender as praças brasileiras que, por sua

vez, eram distantes umas das outras, com isso, essa alternativa seria eficaz para suprir a

demanda de moeda e ao mesmo tempo garantiria a efetivação das transações. Tais

interesses estavam relacionados diretamente à classe dominante ligada ao mercado interno

da economia (GAMBI, 2015).

A preocupação maior dos papelistas, do mais prudente ao mais radical, era com o

estado da atividade econômica. Complementarmente, o foco papelista pauta-se na atenção

à taxa de juros e não na taxa de câmbio. A prosperidade da economia era medida pela taxa

de juros que, por sua vez, era um fenômeno estritamente monetário, imposto pela oferta e

demanda por moeda. Portanto, não haveria relação entre oscilações da politica monetária e

da politica cambial e defendia-se que a velocidade de circulação da moeda no Brasil era

insignificante, dado o país ser agroexportador, de uma relevante extensão territorial e alta

propensão a poupar. Com isso, o crescimento tornava-se a principal variável para

economia, pressupondo que a politica cambial deveria submeter-se à politica monetária e,

não o contrário, como defendiam os metalistas (FONSECA e MOLLO, 2012).

Com foco na estabilidade, principalmente com o objetivo de manter o valor da

moeda estável, os metalistas defendiam a tese de que a quantidade de moeda em curso teria

que ser igual à porção que mantivesse seu valor estável. Com isso a taxa de cambio era o

seu principal alvo. O cenário brasileiro configurava uma utopia para a efetivação dos ideais

metalistas, dada à escassez de metal, em especial, a questão da conversibilidade, pois, seus

fundamentos eram taxativos em relação à composição da moeda, que deveria ser de metal

ou totalmente lastreados nesse elemento. Contudo, percebe-se que os metalistas, ao

promover a estabilidade do câmbio, tinham uma inclinação mais acentuada pelos interesses

ligados ao setor externo da economia (GAMBI, 2015). Além disso, seria de se pressupor

que pessoas que viviam de aplicações financeiras e rendimentos teriam uma propensão

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maior de se preocupar com a inflação e, portanto, tenderiam a associar-se aos metalistas

(FONSECA e MOLLO, 2012.).

De acordo com Cosentino (2016), um dos estudos de referência sobre o debate

monetário no século XIX seria o de Heitor Ferreira Lima. Na interpretação de Cosentino

em relação ao trabalho de Lima, na segunda metade do século XIX, a conjuntura

econômica brasileira era de expansão da demanda por meio circulante e os bancos teriam

dificuldade em atendê-la com a restrição do lastro metálico. Contudo, a contenda visava

solucionar esse entrave no qual, para Lima, sobressaiu o pensamento metalista que estava,

como mencionado, concatenado com os interesses dos exportadores e dos agricultores que,

por sua vez, advogavam a estabilidade do cambial, o enfrentamento da inflação e a

conversibilidade da moeda em metal. Possivelmente esse ambiente era favorável aos

rentistas como também aos exportadores do país hegemônico que, por sua vez, já possuíam

uma estrutura de manufaturados que precisavam ser escoados e a manutenção da paridade

diminuía o risco cambial. Lima reforça esse parêntese ao afirmar que tal conjuntura atendia

aos interesses internacionais, particularmente, os ingleses.

Consequentemente, no debate entre papelistas e metalistas o direito de emissão é

bastante relevante, o qual se observa a sua pluralidade ou unidade, matéria que implica na

questão de nacionalização ou provincialização do curso das notas emitidas. No entanto,

verifica-se no Brasil, entre o período de 1808 a 1836, a unidade de emissão, tendo seu

inicio com o Banco do Brasil e posteriormente com o tesouro. Por outro lado, a pluralidade

de emissão terá inicio em 1836, a luz de uma legislação específica sobre a operação e

criação de bancos. De fato, o Brasil experimentou a pluralidade de emissão entre 1836 e

1853, quando os bancos tinham como principal objetivo satisfazer a demanda por crédito e

moedas para efetivar negócios. No entanto, isso era feito através de emissão de seus

próprios vales que entravam em circulação e nela permaneciam. Entretanto, essa emissão

solapava o poder do governo de controlar a oferta de crédito e moeda, associado a isso,

observava-se em certa medida uma perturbação no valor da moeda (GAMBI, 2015).

Por fim, apesar da implementação de uma política mais afinada aos metalistas em

meados do século XIX, alguns autores defendem que os argumentos papelistas seriam a

base da argumentação da heterodoxia no século XX (FONSECA, 2012; SALOMÃO,

2013).

Importa para este trabalho que as medidas de restrição de emissão de moeda

impostas pela política de cunho metalista, sobretudo a partir de 1860 com a chamada lei

dos entraves, poderiam estar na raiz da crise de 1864.

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2. A crise de 1864

Na segunda metade do século XIX, o Banco do Brasil foi criado por Joaquim José

Rodrigues Torres, o então ministro da fazenda, de pensamento econômico e orientação

politica econômica pautada na tendência metalista. O banco fazia parte do projeto do

Ministro da Fazenda que era um dos lideres do partido conservador (GAMBI, 2012; 2015).

Esse banco terá um papel importante dentro do contexto da década de 60 como veremos.

O mês de setembro de 1864 se iniciou dentro da normalidade, o céu econômico

estava tomado por um azul sem sinal de tempestade que, por sua vez, possibilitou ao Banco

do Brasil uma situação confortável. Associado a esse ambiente favorável, estudava-se até a

possibilidade de redução da taxa de desconto. O comércio provincial e da Corte seguia o

mesmo curso, principalmente, com a elevação do preço do algodão devido à guerra civil

nos Estados Unidos (GAMBI, 2015, p.447). Esse ambiente favorável também é

confirmado por Pélaez e Suzigan (1981), que afirmam que, entre 1859 e 1864, o Brasil

viveu uma conjuntura comercial saudável. Associado a isso, existia uma estabilidade nos

preços dos alimentos concatenada ao ambiente de oferta e demanda dentro do padrão com

relação ao crédito, portanto, não havia sinal algum de temporal na área econômica

(CAVALCANTI, 1893).

Contudo, Guimarães lembra que desde 1860 uma série de ocorrências confluiu para

que algo ocorresse. Entre elas, a política restritiva do crédito por parte do governo que, por

sua vez, resultou no restabelecimento do monopólio de emissões por parte do Banco do

Brasil. Também a concorrência dos bancos ingleses e a queda das exportações de café em

função da guerra civil nos Estados Unidos foram decisivas para impor uma advertência

para os negócios dentro e fora do país (GUIMARÃES, 2012).

No entanto, o que chama atenção é o fato de que em 1862, o Banco do Brasil

retornou com o troco em ouro, contudo, o banco não teria condições de atender as

demandas do governo e da praça sem extrapolar o limite de emissão para além do

relacionado ao duplo do seu fundo disponível. Com isso, foi obrigado a solicitar ao

governo a ampliação desse limite. Um dos demandantes de crédito era justamente a casa

bancária do Souto, o que dava sinais do que viria a ocorrer pouco tempo depois (GAMBI,

2012). Associado a isso, ocorre o fato já mencionado, queda nas exportações de café,

devido à guerra civil nos EUA que, por sua vez, segundo Guimarães (2012), comprometeu

a politica do governo de ampliação do crédito e ao mesmo tempo a de manter a paridade.

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Entretanto, os sinais que indicavam alguma frustação não foram suficientes para

conter o ânimo com a economia. Tal ânimo foi abalado no dia 10 de setembro de 1864,

quando houve uma ruptura nesse estado de calma e tranquilidade que o Império

experimentava, ocorrendo de forma repentina e intensa uma crise comercial na praça do

Rio de Janeiro. Esse pânico se intensificou depois que a Casa bancaria A.J.A. Souto & Cia,

que fora uma das casas mais importantes do Império, devido ao grande volume de suas

operações, interrompeu seus pagamentos. Esse fato foi recebido com muito temor pelos

clientes desse estabelecimento e dos demais participantes da praça, pois, com receio de não

conseguirem resgatar suas economias confiadas aos banqueiros de sua estima, acabaram

por correrem aos bancos (CAVALCANTI, 1893). Pélaez e Suzigan (1981) também

sustentam a tese que o pânico iniciou-se após a casa do Souto ter suspendido o pagamento.

Consequentemente, segundo Gambi (2012), o Banco do Brasil seria taxado como o

principal culpado desse caos, dado que as informações que ecoavam eram de que o banco

deixara de atender uma solicitação de empréstimo no valor de 900 contos à casa do Souto.

Para Cavalcanti (1893), o fato já era previsto para os que acompanhavam de perto a

trajetória de pouco zelo das instituições bancárias. De fato, isso era o resultado da

expansão que teve o crédito nos últimos períodos. Entretanto, seria a aplicação ineficiente

dos recursos, ora orientada para empresas ineficazes, ora direcionado para gastos

domésticos com ostentação associado a empréstimos à lavoura em longo prazo tendo os

bancos em sua carteira compromissos de curto prazo que contribuíram para essa

bancarrota.

Diante desse tremor que abalou as estruturas da praça do Rio de Janeiro, o Banco

do Brasil e o governo atuaram juntos para tentar diminuir o impacto desse choque. Uma

das providências tomadas pelo governo foi emitir uma sequência de decretos autorizando

uma ampliação na oferta de notas e a flexibilização da emissão. Medidas essas que

condicionaram o banco a operar como emprestador de última instância (VILLELA, 1999;

GAMBI, 2012).

Complementarmente ao que foi exposto, com esse cenário de tamanha incerteza,

Cavalcanti (1893) aponta os diversos decretos que tentavam conter o pânico. Uma das

medidas foi à autorização dada pelo governo em vista da solicitação do Banco do Brasil

para aumentar sua emissão ao triplo do fundo disponível, concedida através do decreto nº 3

306 de 13 de setembro. Em seguida, o governo autorizou o curso forçado das notas do

banco através do decreto nº 3 307 de 14 de setembro retirando-lhe a obrigação pelo troco

em ouro de suas notas. E, por fim, com objetivo de fechar esse pacote de medidas,

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anunciou pelo decreto nº 3 321, de 21 de outubro anistiando os infratores da lei nº 1083 de

22 de agosto de 1860 e, a fim de prevenir que se repetissem os acontecimentos de

setembro, regulou através do decreto de nº 3323 de 22 de outubro a emissão de bilhetes e

ao portador. Gambi (2015) conclui que essas medidas, apesar de necessárias, acabaram por

minar a lógica em que estava inserido o banco no projeto politico do partido conservador.

Pélaez e Suzigan (1981) reforçam que as medidas tomadas pelo governo tiveram o

objetivo de beneficiar o Banco do Brasil no momento em que ele enfrentava o impasse de

ter que atender a praça com recursos e ao mesmo tempo tornar suas notas conversíveis. E

ainda, a emissão do Banco atingiu 25.167 contos em agosto de 1864, aumentando para

43.168 contos em setembro, gerando um aumento de 71,52% em relação a agosto, se

mantendo nos períodos seguintes. E, Gambi (2012) aponta que, entre os dias 10 e 22 de

setembro, a emissão do Banco do Brasil excedeu em 62% o seu limite.

Uma das razões frequentemente apontadas para a crise foi o abuso de crédito. No

entanto, Cavalcanti (1893) diz que esse argumento não se sustenta com vigor dado que

esse fato se sustentaria anos atrás, período em que surgiu a criação dos novos bancos

emissores e que, no entanto, fora superado por medidas legislativas que vinham a corrigir

esses distúrbios de politica econômica.

Isso é reafirmado pela comissão de inquérito de 1864, em que se reconhece que o

comércio já tinha vivido períodos tumultuados, porém, havia chegado ao seu momento

de pleno êxito pouco antes da crise. Tendo em vista esse período próspero vivido pelo

comércio seria de duvidar que fora esse o motivo que culminaria com a suspensão de

pagamento da casa Souto (CAVALCANTI, 1893).

Entretanto, de acordo com Gambi (2012), na interpretação da Ana Maria Ribeiro de

Andrade, o cliente das casas bancárias era aquele que não conseguia obter empréstimos

diretamente no Banco do Brasil ou em outros bancos comerciais e, isso, portanto,

fragilizou o controle do banco de emissão, pois, esses clientes duvidosos utilizavam de

intermediários, como a casa de Souto, para satisfazerem suas demandas, o que

possivelmente contribuiu para o colapso do sistema bancário na praça do Rio de Janeiro.

Vencida a questão do abuso do crédito, Cavalcanti (1893) ressalta que o corte

repentino do crédito possivelmente não teria sido uma medida inteligente dado que havia

empresas boas e ruins e que, portanto, esperar por mais algum tempo até a chegada de

condições que possibilitassem a separação das boas e más empresas seria mais prudente.

Com isso, poderia-se até puni-las e não sacrificar todo o sistema. O comércio e as

indústrias surgiram graças a esse crédito que, por sua vez, se alimentavam da emissão de

19

notas bancárias. Contudo, o corte repentino do crédito com a crise acabou interrompendo o

ritmo que ganhava a economia brasileira.

De acordo com Guimarães, o resultado da comissão organizada pelo Ministério da

Fazenda para apurar as causas da crise deu como motivos a guerra civil dos Estados

Unidos, a legislação de 1860 e estritamente o abuso ultrajante do crédito que, por sua vez,

resultou em especulações por parte das empresas, associado ao negocio das ações e o

crédito fictício que foram às principais. Contudo, ainda segundo o autor o parecer não

poderia ser outro dado ter um defensor do metalismo3 à frente (GUIMARÃES, 1997).

Entretanto, para Cavalcanti (1893), as medidas tomadas para se evitar maiores

prejuízos ao comércio deveriam ser de caráter temporário como afirmava o governo ao

corpo legislativo na seção de 1865 e que, portanto teriam que ser suspensas o quanto antes,

pois, poderiam ocasionar graves perturbações. Com vistas a induzir o Banco do Brasil a

retornar para uma base mais sólida para a conversibilidade de suas notas, o governo

expediu o decreto nº 3 309 de 14 de novembro de 1864 que considerava as somas que o

banco recebesse em conta corrente simples, como parte integrante da emissão em

circulação, além disso, limitava em 12% o lucro para dividendos, sendo o restante

destinado para aumentar o fundo de reserva. O ministro da fazenda orientou ainda em seu

relatório que antes de tudo seria preciso interromper a depreciação do meio circulante,

reduzindo a faculdade de emitir, e aplicando a lei 22 de agosto de 1860. Consta no relatório

da comissão do inquérito de 1865 que a emissão do Banco do Brasil foi além do quíntuplo

do seu fundo disponível (CAVALCANTI, 1893).

Passado pouco mais de um ano e meio da data em que o banco solicitou ao governo

a suspensão do troco de suas notas por ouro, o próprio banco não tinha ideia ainda de

quando conseguiria retornar à normalidade. No entanto, quando declarou o pedido de

interrupção do troco de suas notas, afirmou que a suspensão permaneceria enquanto

durassem os efeitos da crise. Portanto, prosseguia o curso forçado de suas notas e o

aumento da sua emissão (CAVALCANTI, 1893). As medidas adotadas aliviaram a crise

pouco tempo depois, no entanto, a situação do Banco do Brasil e de suas notas foi afetada

significativamente.

3 Ângelo Muniz da Silva Ferraz, então ministro da justiça, esteve à frente do relatório da comissão de 1864.

Apesar de ter uma posição ambígua em matéria econômica, adotou uma política de cunho metalista em sua

passagem pelo ministério da fazenda, quando foi aprovada a chamada lei dos entraves em 1860.

20

Além do Banco do Brasil possivelmente não conseguir retornar ao seu estado

inicial para o que foi projetado, um banco emissor com notas conversíveis em metal,

paralelamente à crise aconteceram fatos que impulsionaram esse estado de anormalidade

em relação ao projeto idealizado pelo partido conservador. Ocorre que, paralelo a esse

quadro de incerteza que vivia o país, o Brasil, que tinha no Uruguai um governo contrário

aos interesses do Império, decidiu apoiar os rebeldes desse governo e, no dia 12 de

setembro de 1864 invadiu o Uruguai. Entretanto, como o Paraguai era favorável ao

governo do Uruguai no período, o mesmo declarou em 13 de dezembro de 1864,

formalmente, guerra ao Brasil. Consequentemente, isso tudo, constituiu ao país um

verdadeiro sumidouro de recursos que, associado ao déficit fiscal presente que já vinha

sendo produzido pela crise, potencializava as dificuldades do governo naquele momento.

E por fim, outro fato relevante naquele período foi à questão do fomento através do

crédito à lavoura, que enfrentava alguns obstáculos, entre eles, a própria legislação

hipotecária. No entanto, períodos antes da crise de 1864 e da guerra do Paraguai, o

gabinete Zacarias4 e as câmaras, levaram adiante a reforma hipotecária. Essa reforma, por

sua vez, contribuiu para uma saída decente para o Banco do Brasil que, com a transição do

monopólio emissor para o tesouro e a transformação da instituição num banco hipotecário

e ainda, a guerra do Paraguai, sinalizariam o término do banco como estabelecimento

emissor e, com isso, a ruina do projeto de Rodrigues Torres, o então integrante do partido

conservador de pensamento metalista (GAMBI, 2015).

A partir desse contexto que abordamos, vimos alguns dos principais

acontecimentos do século XIX relacionados à economia imperial como a confecção do

código comercial, a lei de terras, o fim do tráfico de escravos, a expansão dos bancos e o

debate entre papelistas e metalistas. A seguir, tratamos da crise de 1864 a partir de uma

revisão bibliográfica de diferentes autores. Passaremos, então, à cobertura jornalística da

crise.

3. A crise de 1864 nos jornais

Como se sabe, a imprensa é um mecanismo onde outrora e no presente se exerce

um poder relevante ao noticiar fatos e acontecimentos do cotidiano de uma cidade, estado,

país e até do mundo. Contudo, ao noticiar e opinar, a imprensa influencia o debate público.

4 Zacarias de Góes e Vasconcellos

21

Ela é capaz, por meio do controle parcial da informação, criar cenários e discutir meios de

intervenção nesses cenários. É assim também que ela participa do debate econômico.

Diante disso, examinaremos os jornais que circulavam na época da crise de 1864, a fim de

filtrar as notícias divulgadas nesses meios de comunicação e, com isso, identificar as

posições incorporadas em suas entrelinhas. Conforme mencionado, serão analisadas as

notícias sobre a crise compiladas no relatório já referido. Nele aparecem notícias dos

seguintes jornais: Correio Mercantil, Jornal do Comércio, Diário Oficial, Diário do Rio de

Janeiro e o Constitucional.

A crise eclodiu no dia 10 de setembro de 1864. Sua magnitude fica bastante clara

nas noticias publicadas nos jornais que cobriram o evento. As notícias compiladas no

relatório dizem respeito apenas aos dias mais graves da crise. Não surpreende que não haja

novidade antes disso, pois os relatos da época indicavam um ambiente de tranquilidade até

o dia em que ela se iniciou. Portanto, entre os jornais coletados, a primeira notícia sobre a

crise diz respeito à confusão que se formou em frente à casa do Souto. Era tanta gente

ocupando a rua Direita e a rua da Alfândega que a polícia teve de ser acionada. O Boletim

Commercial (BRASIL, 1865, p.3) do dia 11 descreve a situação ocorrida no sábado, dia 10

de setembro:

[...] Ontem, desde o meio dia até alta noite acharam-se a rua Direita e Alfandega

atopetadas de povo que dava a casa de Souto & C.ª, sita a rua Direita n.º 59,

sobrado como falida; e a porta da mesma casa desde então postaram uma guarda

de Permanentes e patrulhas armadas . [...] A confusão aumentou e não foi mais

possível desviar o povo daqueles arredores. [...] extraordinária foi à concorrência

dos possuidores de títulos.

Complementando a reportagem, a principal conversa dentre os críticos eram:

[...] Ontem as 11 meia horas do dia, dirigiu-se o Visconde de Souto ao Banco do

Brasil para emprestar-lhe mais novecentos contos a fim de satisfazer diversas

quantias pequenas que tinham de ser-lhe exigidas por vales com tempo

determinado que essa casa deu em caução dessa grande quantia que recebeu e,

no Banco do Brasil entenderam que não deviam dar mais dinheiro a esse

banqueiro sem que não estivesse a sua dívida de vinte e dois mil contos

amortizada em um terço (sete mil contos). A vista da recusa formal, e não tendo

o Sr. Visconde de Souto onde mais recorrer, voltou a sua casa bancaria ao meio

dia e mandou fechar as portas, e declarar que a sua casa nem pagava nem recebia

mais.

Conforme a notícia acima, a confusão foi geral e o principal motivo foi o fato da

casa bancária do Souto encontrar, segundo o Suplemento do Diário Oficial (BRASIL,

1865, p.4) “algumas dificuldades na realização de capitais para prontamente acorrer a

22

certos compromissos”. Como visto, a dificuldade da casa bancária do Souto deveu-se ao

empréstimo não concedido pelo Banco do Brasil para quitação de seus compromissos.

A casa bancária do Souto era uma importante instituição financeira da Corte e

mantinha obrigações não só com os clientes de varejo, mas também com outras instituições

bancárias. A suspensão dos seus pagamentos, portanto, poderia causar um efeito dominó.

Diante disso, o governo e o Banco do Brasil atuaram rapidamente para solucionar o

problema. Nesse sentindo o Jornal do Comercio (BRASIL, 1865, p.4.) torna público os

fatos em sua coluna:

O Governo e o Banco do Brasil tratam de tomar medidas próprias para

desvanecer o pânico que anteontem manifestou-se ao espalhar-se a notícia de que

a principal de nossas casas bancaria havia suspendido os seus pagamentos. [...] A

medida do governo, que desde já podemos anunciar que é de certo importante e

oportuna é a resolução tomada ontem d e permitirem-se ao Banco do Brasil que

alargue a sua emissão como as circunstancia podem exigir sem esquecer o

critério que deve presidir ao uso desta faculdade, para que ela seja profícua, a

exemplo do que em situações análogas se tem autorizado e conseguido em

França e na Inglaterra.

Consequentemente, diante desse singular acontecimento, outras publicações

cobriram o ocorrido de sábado e foi assim que o Correio Mercantil (BRASIL, 1865, p.5)

deu vazão à noticia anunciada pelos demais jornais: “A praça do Rio de Janeiro acaba de

passar por um grande abalo” quando se divulgou que “a casa bancaria dos Srs. Antônio

Jose Alves Souto & C.ª tinha suspendido os seus pagamentos, dando parte desse fato ao

Banco do Brasil” que, por sua vez, “causou um pânico naquelas classes da sociedade que

depositaram as suas pequenas economias”.

Souto convivia junto com as elites ilustradas e, portanto, o seu nome carregava

certo prestígio, até porque, como anunciado por vários jornais, o banqueiro era dono de

uma das principais casas bancaria da Corte do Rio de Janeiro na época. Entretanto, sua

influencia era tão extensa que chegava ao Imperador como mostra o Correio Mercantil

(BRASIL, 1865, p.8):

Sua Majestade o Imperador mandou pelo seu mordomo fazer conhecer ao Sr.

Visconde do Souto o quanto sentia os seus transtornos comerciais, e ainda mais

não estar a sua Imperial casa em estado de o poder tirar da posição em que S. Ex.

se acha.

A reportagem do Correio Mercantil confirma que o Souto era mesmo importante.

Conforme os eventos vão se desdobrando, os fatos começam a ganhar forma e os primeiros

indícios sobre as possíveis posições defendidas pelos principais jornais da época começam

23

a surgir. Por se tratar de fato inédito para política econômica do Império brasileiro, não é

de se estranhar a cautela com que as autoridades responsáveis guiaram os procedimentos

para a resolução da crise. Contudo, não é o que pensava o Jornal do Comércio (BRASIL,

1865, p.7), que levantou duras críticas à hesitação do governo e do Banco do Brasil:

Não se compreende nem se explica o procedimento da diretoria do Banco do

Brasil e do governo na conjuntura em que se acha a praça pelas dificuldades de

uma casa bancaria. Da hesitação ou inercia de ambos parece depreender-se, ou

que não conhecem os perigos da situação, ou que não querem conjura-los,

preferindo que os acontecimentos se precipitem e após eles venham a ruina e o

caos!

[...] Estando à consciência publica cheia dessas ideias é claro que a notícia com

que o mercantil de hoje instruiu os s eus leitores sobre o facto aludido de uma

casa bancaria não podia deixar de produzir no público sensato e no corpo do

comercio a maior indignação .

[...] diz-nos o Mercantil que o banco e governo nada podem fazer!

Evidentemente, como podemos verificar a seguir, o Jornal do Comércio parece

estar equivocado, pois, no Correio Mercantil (BRASIL, 1865, p.5), não consta a opinião de

que o governo nada pode fazer em relação à conjuntura. Pelo contrário, diz o jornal que o

governo atuaria sim, porém, dentro dos limites da lei, como consta nesse trecho retirado do

Mercantil:

[...] Consta-nos que o governo resolveu não anuir nenhuma das duas propostas

que lhe foram apresentadas pelo Banco do Brasil, não só por não caber em suas

atribuições às medidas lembradas, como também por julga-las ineficazes.

Entretanto consta-nos também que o mesmo governo está disposto a auxiliar,

pelos meios que lhe facultam as leis, a direção do Banco do Brasil no intuito de

conjurar a crise que nos ameaça. Um destes meios será, sem dúvida, o

alargamento da emissão até onde a lei permitir.

Diante desse fato empírico, o trecho acima desmente claramente o Jornal do

Comércio. Contudo, a reportagem sinaliza certa rivalidade entre os dois jornais.

Consequentemente, o Correio Mercantil (BRASIL, 1865, p.7) não digerindo as

provocações do seu concorrente (Jornal do Comércio), confecciona uma resposta a qual

indiretamente o aferroa dizendo:

[...] Geralmente tem reconhecido a praça que o governo não pode fazer mais do

que auxiliar o banco com os meios que lhe ofereceu. Uma ou outra pessoa menos

refletida aconselha medidas, que, além de claramente ilegais, nos levariam a um

perfeito socialismo e a ruina do crédito público que incumbe ao governo zelar

com toda cautela mesmo por causa desta deplorável emergência.

[...] Mas não é do governo que pode partir o remédio para qualquer desses males.

[...] depende do bom senso comercial [...].

[...] Os factos observados sábado e ontem (segunda-feira) são de natureza a

produzir essa confiança. Às 5 horas da tarde de ontem as casas bancarias tinham

24

pagado todos os portadores de seus bilhetes que se apresentaram. Por não haver

mais quem pedisse pagamento fecharam então os seus escritórios.

Com essas publicações podemos deduzir certa característica presente nos jornais,

enquanto o Mercantil é favor de uma postura mais liberal em relação aos desfechos da

crise, o seu concorrente (Jornal do Comercio), se posiciona a favor da intervenção do

governo na crise.

Associado a esse fato o Mercantil reforça a sua ideia da defesa pela legalidade e

pela condução a que o governo está procedendo. Além de transparecer a sua possível

inclinação política, favorável ao governo, o jornal indica que, apenas o acordo entre os

principais credores e os interessados da grande casa bancaria (possivelmente o Banco do

Brasil) pode resolver a questão. O Mercantil ainda reforça que, o restabelecimento da

confiança e a condescendência recíproca seriam essenciais para evitar um possível efeito

dominó sobre as demais casas da praça.

Contudo, antes de avançar é necessário frisar que as notícias do Jornal do Comércio

além de conterem várias críticas ao governo, promoviam uma escalada de reclamações

que, por sua vez, implicavam, por exemplo, no pedido por medidas extraordinárias, o que

indicava claramente um contraponto com as demandas vindas do Mercantil, pois, enquanto

esse afirmava na publicação anterior que “Geralmente tem reconhecido a praça que o

governo não pode fazer mais do que auxiliar o banco com os meios que lhe ofereceu” o

Jornal do Comercio (BRASIL, 1865, p.6) sustentava o oposto:

[...] No estado em que se acha a praça, enquanto não se realiza providencias

extraordinárias que se espera, e que, mais ou menos, está na confiança geral, não

deve admirar a sucessão de casos como os de ontem, nem isso pode afetar o

credito de ninguém.

[...] Há necessidade, todos o sentem e esperam de uma medida excepcional,

acompanhada de outras que desembaracem a liquidação dos credores mais

numerosos, com quem o acordo em comum é impossível.

Conforme temos observado, o Jornal do Comércio tem levantado o pleito de

medidas extraordinárias para socorrer a praça, porém, será mesmo que o governo que até o

momento manteve-se na estrita legalidade, iria ceder à pressão e adotaria intervenção

demandada por esse jornal?

Como podemos observar a seguir, começava a se formar por um lado uma posição

demandando medidas extraordinárias e, por outro, ganhava força os que defendiam a

adoção de medidas legais que já estavam sendo tomadas pelo governo, como é o caso do

25

Diário do Rio de Janeiro (BRASIL, 1865, p.8) que, por sua vez, soma forças com o

Mercantil:

A crise comercial, que neste momento traz em sobressalto a todos os espíritos,

demanda o concurso de todas as opiniões e remédios prontos e decisivos.

[...] Para que, porém, os efeitos dessa crise sejam superados [...]. [...] cumpre que

as casas e estabelecimentos, que fazem do credito a base de suas operações [...].

[...] não neguem seu apoio e os seus recursos às forças individuais e coletivas

que são, em tal caso, as sociadas pelo perigo comum, e cujo abandono ou ruina

ocasionaria uma calamidade pública.

[...] Folgamos de atestar que o governo por sua parte tem com a maior solicitude

e patriotismo, buscado conjurar o mal. Cumpre porem, ao banco tomar a

iniciativas nas medidas a serem adotadas, porque a isso está obrigada pela sua

posição de primeiro estabelecimento de credito, e privilegiado.

[...] O procedimento do governo em relação às únicas requisições do Banco do

Brasil não podia ser outro. Declarar em estado de liquidação uma casa comercial

e, nomear liquidante para ela, não está na alçada legal do governo . [...] Se outras

medidas legais ao alcance do governo forem reclamadas, podemos afirmar que

serão atendidas. Cada um na sua esfera faça o seu dever. O governo tem feito o

seu. Coloque-se o Banco do Brasil na altura da sua missão e atenda para o futuro

comercial do país.

Na notícia acima, o Diário do Rio de Janeiro não deixa dúvidas sobre sua posição

favorável ao governo e também sustenta que o Banco do Brasil deveria tomar as iniciativas

das medidas a serem adotadas, pois, este seria o seu dever tendo em vista que o mesmo

ocupava a posição de primeiro estabelecimento de crédito e privilegiado. Nesse sentido,

para confirmar sua posição pró-governo, o Diário do Rio de Janeiro encerrava o noticiário

dizendo que se houvessem mais demandas na órbita legal, o governo atenderia.

Entretanto, à medida que os dias avançavam, a situação parecia ganhar cada vez

mais outra conotação. Em vista de ser apresentada por vários jornais, a crise do dia 10 de

setembro de 1864, ganhava força, pois, ao ser noticiado por inúmeras publicações, fazia-se

perceber a sua magnitude. Nesse sentido, ficava claro também que alguns jornais, exceto o

Jornal do Comercio que solicitava a intervenção do governo, davam a entender que o

mercado devia se ajustar e cada um cumprisse com a sua responsabilidade. Nessa

reportagem abaixo do Constitucional (BRASIL, 1865, p.9) e de outras publicações

(Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro e o Diário Oficial) fica claro que a

responsabilidade pela solução da crise deveria vir exclusivamente do mercado:

A suspensão do pagamento anunciada pela casa bancaria Antônio Jose Souto &

C.ª causou nessa praça a mais dolorosa impressão.

[...] A proteção do governo não pode nem deve chegar tão longe. Convém que

cada qual se arranje como puder em sua casa, por maior que ele seja, e mais

arriscados os seus interesses.

26

[...] Uma casa comercial das mais vastas e valiosas transações suspendeu seus

pagamentos. A sua sorte está, portanto, nas mãos de seus credores; a eles e só a

eles compete resolver o que mais convém a seus interesses.

[...] O governo que em nada concorreu para as dificuldades da situação, não pode

partilhar os prejuízos que tem de redundar em vantagem dos credores da casa

Souto & C.ª e dos acionistas do banco.

O Constitucional se mostrava alinhado com a conduta do governo quando diz que o

governo não foi responsável pelo ocorrido e que, portanto, não poderia assumir a

responsabilidade pelos possíveis prejuízos e nem poderia concorrer em serventia aos

credores e, muito menos, aos acionistas do banco. Contudo, todo esse contexto parece

querer expressar o seguinte: “Querem privatizar o lucro e socializar as perdas”, essa parece

ser a princípio, a principal bandeira levantada pelo Jornal do Comércio. O Constitucional,

por sua vez, faz alguns questionamentos relevantes, entre eles, o de uma possível

depreciação das notas do Banco do Brasil. Apesar de possuir, mesmo na crise, uma

margem de emissão de dez mil contos, a autorização para alarga-la poderia acarretar, sim,

na depreciação de suas notas.

E por último, o Constitucional (BRASIL, 1865, p.10) registrava em seu noticiário

uma pequena corrida para o troco de notas por ouro, ou seja, as possíveis depreciações das

notas começaram a mexer com a consciência dos clientes dos bancos e casas bancárias.

Apavorados, eles tentavam garantir que sua riqueza não desmoronasse dada a expectativa

de depreciação provocada pelo alargamento da emissão:

Hoje houve grande afluência de povo na rua Direita e vizinhanças do Banco do

Brasil a trocar notas por ouro, segundo informados, e para evitar os distúrbios,

que já começam a aparecer, foi estacionada uma pequena força de infantaria e

cavalaria, que conseguiu manter a ordem. Compareceu o chefe de polícia e o

comandante do corpo de permanentes. Fecharam-se as casas de comercio, bem

como as casas bancaria sitas no lugar onde mais afluía o povo, e dizem-nos que

por ordem da polícia.

No dia seguinte, 14 de setembro, as publicações destacavam a medida para suavizar

a possível tensão que trouxe a suspensão de pagamentos da casa do Souto. Uma delas era

sem dúvida a que mais foi demandada por alguns jornais dias antes, a saber, o alargamento

da emissão das notas do Banco do Brasil, como se verifica na seguinte publicação do

Diário Oficial (BRASIL, 1865, p.10) que diz: “Publicou o decreto de 13 de setembro

elevando a emissão do Banco do Brasil até o triplo do fundo disponível”.

Os debates sobre medidas para arrefecer o pânico da praça Rio de Janeiro

continuaram. Entretanto, como consta no Diário Oficial (BRASIL, 1865, p.10).

27

O governo imperial não anui-o aos pedidos, que lhe fizera o Banco do Brasil

para que fossem suspensos os pagamentos por 30 dias e alterada a nossa

legislação comercial, na parte que diz respeito a quebras, (...) Entendeu dever

promulgar o decreto, que vai publicado na – parte oficial -, concedendo ao

referido banco elevar a sua emissão ao triplo do fundo disponível.

Essa notícia publicada pelo Diário Oficial sobre o decreto do governo imperial

justificava a corrida para o troco das notas por ouro. Além do Diário Oficial, outras

publicações, como as do Jornal do Comércio, também noticiaram o acontecido e nos deram

mais alguns detalhes, entre eles, o pedido do Banco do Brasil ao governo imperial para que

se suspendesse o troco em ouro de suas notas. Evidentemente, esse pedido vinha ao

encontro de uma medida de proteção do banco para suas reservas que possivelmente em

situações como esta ficaria comprometida, contribuindo assim para aceleração da

depreciação de suas notas, pois, de um lado, temos o governo autorizando a elevação da

emissão ao triplo do fundo disponível e, por outro lado, existia uma demanda cada vez

maior para o troco de notas por ouro, a fim de garantir a preservação da riqueza.

Tendo as informações anteriores relevância no contexto da crise, o Jornal do

Comercio (BRASIL, 1865, p.10) veio confirmar os resultados da medida do governo de

autorizar o Banco do Brasil a elevar sua emissão, qual seja, o principio de uma agitação

como segue:

[...] A situação da praça pinta-se nos seguintes factos, que hoje presenciou todo o

público desta capital. A inquietação popular, proveniente das coisas já

conhecidas, manifestou-se ontem principalmente contra o Banco do Brasil, e por

modo tão sensível que a força pública teve de intervir.

[...] O Banco do Brasil sofreu em maior escala a corrida que começará no dia

anterior. Ali o atropelo popular foi mais notável, bem que sem o menor intento

criminoso. O banco fez face a todas as exigências do troco de seus bilhetes em

ouro, e a força militar, que se postou em frente aquele estabelecimento e aos

outros em que se dava a aglomeração de massas, chamou o povo à sua habitual

moderação, sendo passageiros e sem maiores consequências os conflitos que

então ocorreram.

Conforme é possível observar, existem algumas diferenças nas posições adotadas

nas publicações que cobriram a crise, seja defendendo medidas extraordinárias ou não, ou

na aprovação das medidas até então tomadas pelo governo. Entretanto, o Jornal do

Comercio reforçava sua posição de crítica às medidas adotadas pelo governo. É possível

também notar através de varias reportagens de diversos jornais que o governo esta agindo,

contudo, o Jornal do Comercio (BRASIL, 1865, p.11) seguia imprimindo pressão ao

governo:

28

[...] Isto é, o governo, que tem a nobre missão de velar pelos interesses do país, o

governo, que deve significar as inteligências mais elevadas na administração das

diversas especialidades da organização social, deve cruzar os braços ante uma

suspensão de pagamentos, que deve trazer consigo o abalo de todas as fortunas, a

paralisação do comercio, e a repercussão da crise em todas as praças do país!

Galante missão é, pois, a do governo, que se deve limitar a ser distribuidor de

graças governativas, e esperar que o país se arruíne para depois passar a

organiza-lo desde as bases rudimentares! O público que perdeu a confiança nos

protetores da sociedade e dos interesses particulares, assustou-se mais do que

devia e correu a trocar as notas promissórias por ouro.

[...] e a corrida sobre o ouro triplicou de proporções! [...] O comercio que espere

que se arruíne, o povo que se enfureça, as colisões que se repitam; então a ação

do governo virá como uma benção fúnebre sobre este campo de destroços! Que

previdência! Que atividade! Que zelo pela causa pública! Felizmente acima dos

poderes transitórios há um poder do estado que salvará o país. Um negociante.

Contudo, uma possível oposição aos noticiários do Jornal do Comercio era

verificada no Correio Mercantil. Talvez a principal divergência seja que, enquanto para o

Jornal do Comercio o governo é quem poderia e deveria tomar as rédeas e conjurar a crise,

o Mercantil sinalizava que essa responsabilidade caberia aos principais credores do

banqueiro e ao Banco do Brasil, que era o principal estabelecimento de crédito da Corte.

Um fato que chama atenção na cobertura da crise é que o Diário do Rio de Janeiro

(BRASIL, 1865, p.13) que se mostrava alinhado, em parte, com o Correio Mercantil,

começava a invocar medidas excepcionais assim como o Jornal do Comércio.

[...] Entre as medidas que a urgência das circunstancias está aconselhando, tem

para nós grande valor a da prorrogação do prazo para o vencimento dos títulos

comerciais, que são surpreendidos pela ocorrência que todos deploramos. Ela

serviria para estabelecer um pouco os ânimos abalados, e daria tempo para que

os interessados se prevenissem e regulassem as suas transações.

Esse pedido de prorrogação do prazo do vencimento dos títulos que, por sua vez,

tem um caráter extraordinário, teve inicio com o Jornal do Comércio, que agora começava

a ganhar adeptos como consta na publicação acima. Enquanto esse pedido estava na fase

de maturação, o dia 15 de setembro se iniciava com mais uma medida anunciada pelo

governo imperial. Agora com mais um decreto, como mostra o Diário Oficial (BRASIL,

1865, p.13) “Publicou o decreto n.º 3 307 de 14 de setembro dando curso forçado aos

bilhetes do Banco do Brasil”.

Essa medida com certeza complementa o decreto da elevação da emissão de notas

pelo Banco do Brasil que agora, com mais uma medida, contribuiria certamente para

arrefecer os ânimos da praça do Rio de Janeiro.

Diante dessa conjuntura em que os efeitos das medidas tomadas pelo governo não

podiam ser primeiramente testados num tubo de ensaio de um laboratório, podemos

29

observar que nem todos os jornais viam as medidas tomadas pelo governo como nocivas

para esse contexto de turbulência. Assim o Diário Oficial (BRASIL, 1865, p.13) fez uma

defesa acalorada em relação ao governo e, também sinalizou a sua posição e a de um de

seus concorrentes como segue:

Diante da crise, promovida pela suspensão de pagamento da casa bancaria de

Antônio Jose Alves Souto & C.ª, que assusta a praça do Rio do Janeiro, e abala,

mais ou menos profundamente o credito dessa província, assim como das de S.

Paulo e Minas, é uníssona a opinião em fazer justiça ao governo pela atitude que

tomou de conservar-se na esfera de suas atribuições, e só dentro dela e das leis

conceder os favores e empregar as medidas que forem convenientes para

acautelar ou diminuir os efeitos do mal. [...] O governo não interveio, nem

poderia intervir mais diretamente nesta conjuntura. O seu dever era manter a

ordem, que podia ser por qualquer circunstância perturbada, e garantir a

segurança individual das pessoas [...]. [...] mas nunca tomar a si os encargos

provenientes de um facto para o qual em nada contribuiu, nem reconhecer a

obrigação de indenizar prejuízos que tivessem origem ou em cálculos errados, ou

em circunstancias especiais. [...] O ato do governo concedendo ao banco elevar a

emissão ao triplo do seu fundo disponível, e a folga-lo da obrigação de resgatar

em espécie os seus bilhetes [...]. [...] o habilita sem dúvidas para ir de pronto em

socorro daqueles que, achando-se em condições favoráveis, podem ser,

entretanto arrastados pela desgraça daquela casa. Abaixo transcrevemos o artigo

do Correio Mercantil de hoje, que fala com todo o critério e bom senso desta

questão; e bem assim o da redação do constitucional de ontem, que, apesar de

órgão da oposição, reconhece com boa fé que outro não podia ser nesta

emergência o procedimento do governo.

O Diário Oficial acima se mostra afinado com o teor do noticiário publicado pelo

Mercantil, principalmente ao defender, legitimando a postura do governo em relação à

condução prudente com que opera essa crise. O mesmo Diário ainda afirma, que mesmo

que tenha que sofrer alguma diminuição a fortuna dos que confiaram na casa do Souto seus

capitais, não reduziu a fortuna pública e nem diminuiu a produção do país.

A cobertura da crise seguia e os jornais continuavam dando sua parcela de

contribuição. O Jornal do Comercio prosseguia com o mesmo tom no seu noticiário, sem

exaltar de forma concreta as medidas do governo, como faziam outras publicações, e sem

expressar em sua visão sinal de otimismo em relação à praça nesse momento. Isso é

facilmente notado quando o Jornal do Comercio (BRASIL, 1865, p.14) publica:

Atua sobre a praça, cada vez com mais intensidade, a triste impressão do

acontecido no dia 10. Novas casas suspenderam seus pagamentos, algumas não

porque estejam de facto falidas, mas porque é irresistível uma conjuntura em que

o comercio está de todo paralisado, o credito inteiramente escasseado e o pânico

exagerando o caráter e as consequências desta situação.

[...] O povo mostrou-se ontem ainda mais pacifico do que nos dias anteriores,

louvores sejam dados; mas o aspecto da praça continua a ser o da confusão, da

incerteza e do susto. Para vê-lo e senti-lo basta percorrer os principais pontos do

nosso movimento comercial. Algumas casas bancárias conservam-se fechadas.

30

Contudo, para reforçar a ideia de que o Jornal do Comércio exprime um tom que

aparenta pessimismo e, que agindo dessa força, se mostra contrario aos que são pró-

governo, na publicação a seguir, o Jornal do Comercio (BRASIL, 1865, p.15) mantem a

convicção de que a situação é ainda de caos e que o governo permanece inerte:

Todos conhecem a situação calamitosa em que está a praça do Rio de Janeiro,

todos articulam, e muito, acerca dela; e na esperança evidentemente infundada de

que o governo lhe acuda com alguma providencia, nada se tem resolvido,

nenhuma medida se adota para conjurar o mal que todos sentem iminente.

Como se pode observar acima, além de manter um tom nada favorável ao governo

em suas publicações, o Jornal do Comércio não se preocupava com as consequências

negativas de suas notícias que contribuíam para desacreditar as medidas do governo. No

entanto, os decretos emitidos se mostraram eficazes para indicar a saída da crise,

contradizendo assim o Jornal do Comércio.

Evidentemente, não é de se estranhar que no extremo oposto, o Mercantil publicasse

o contrário das notícias do Jornal do Comércio. Sendo assim, o Correio Mercantil

(BRASIL, 1865, p.17) sustentava que “Ontem as ruas comerciais apresentaram melhor

aspecto. O publico, que afluía, mostrava-se bem intencionado e disposto a aceitar os

conselhos da prudência”.

O Mercantil mantinha sua postura e, como se verifica na publicação acima, o

governo tinha um aliado ocasional. No entanto, com o transcorrer dos fatos, outras

publicações começaram a ecoar uma questão que teve como principal precursor o Jornal do

Comércio, mais precisamente, a sua matéria publicada dia 13 de setembro que invocava

medidas extraordinárias ou excepcionais para evitar um aprofundamento da crise. Contudo,

essa ideia começou a ganhar outros simpatizantes, entre eles, o Diário do Rio de Janeiro

(BRASIL, 1865, p.17), que novamente reforçava esse pleito que podia sinalizar sua

mudança de postura:

Não é a agitação popular, que inspira a nossa apreensão. [...] As apreensões que

nutrimos vêm de outra origem. Preocupa-nos o estado lastimoso, a que ficará

reduzida a primeira praça comercial do império, por falta de enérgicas,

excepcionais, sem duvida, mais absolutamente indispensáveis providencias, que

infelizmente ainda não foram adotadas e que de tardias viram a ser, quando

tomadas, ineficazes e infrutíferas. [...] Nem nos parece procedente, nesta ocasião,

o argumento de absoluta legalidade. [...] adotando as medidas extraordinárias

que aconselhamos e que são, em nosso entender, as que podem atenuar se não

remediar os males do momento.

31

A publicação acima produz uma controvérsia, pois, ao acompanhar as publicações

anteriores, observa-se que o Diário do Rio de Janeiro esteve alinhado com a posição

prudente que o governo estava tomando perante a crise, ou seja, trabalhar dentro de suas

atribuições e seguir a lei, porém, de umas publicações para cá, o mesmo jornal mudou de

opinião e, passou a solicitar medidas extraordinárias para arrefecer a crise.

Diante do aumento das vozes na defesa de medidas extralegais, tal como defendidas

inicialmente pelo Jornal do Comércio, o Constitucional (BRASIL, 1865, p.18) associava-se

à ideia anterior que outrora tinha um pensamento e agora com o desenrolar dos fatos

chamava por medidas proporcionais ao agravo do acontecido como mostra à publicação a

seguir:

As providencias tomadas pelo governo, qual o alargamento da emissão e o curso

forçado das notas do Banco do Brasil até ulterior deliberação, trarão a vantagem

imediata de sossegar as inquietações daqueles que principiando a recear o

depreciamento total das notas corriam ao troco. [...] Estamos sob a ação

inexorável de circunstancias excepcional, é preciso dar-lhe na parte que lhe

compete o quinhão que elas imperiosamente reclamam a fim de se poder salvar o

resto.

Entretanto, um fato curioso do desenrolar da crise seria a confecção do factoide

iniciado pelo Jornal do Comercio como única opção para solucionar a crise que, por sua

vez, começa a ganhar corpo, seja pela mudança de posição politica, ou seja, pela mudança

devido à pressão sobre a sociedade, associado à ansiedade por uma resolução, ou até

mesmo falta de experiência, dado que se trata de um acontecimento novo ao Brasil que

apouco tinha aprovado seu mais novo código comercial que, por sua vez, passa pela sua

primeira prova de fogo desde aprovação em 1850.

No dia 16 de setembro, como já era de ser esperar, o Jornal do Comércio posiciona-

se mais uma vez contra o governo, dizendo sem meias palavras que “a situação da praça é

ainda a mesma”, mesmo depois das inúmeras medidas tomadas pelo governo e perante

relatos favoráveis pós-medida.

Conforme os dias se desdobravam observamos diversas tentativas do governo em

solucionar a questão da crise. Contudo, a notícia mais esperada pelos defensores das

medidas extraordinárias foi autorizada e o Diário Oficial (BRASIL, 1865, p.24) fez saber

que,

o governo imperial resolveu decretar a suspensão dos pagamentos da praça por

espaço de 60 dias, a contar de 9 do corrente, e a regular administrativamente a

liquidação das casas bancaria. O conselho de estado opinou unanimente em favor

das referidas medidas.

32

Essa noticia foi recebida com entusiasmo pelos principais jornais da praça. Como

publicado por alguns deles, a suspensão de pagamento decretada pelo governo trouxe certo

alívio à praça, que agora poderia respirar até terminar o prazo de 60 dias corridos. Uma

coisa curiosa a observar seria o fato do Correio Mercantil, sempre favorável às medidas

ordinárias tomadas pelo governo, não se manifestar sobre as medidas extraordinárias

decretadas, nem ao menos para criticá-las.

O governo imperial, diante das sucessivas medidas tomadas até o momento,

parecia ceder à pressão vinda tanto da sociedade como dos jornais. Contudo, começaram a

aparecer seus primeiros resultados que, segundo Diário do Rio de Janeiro (BRASIL, 1865,

p.37), eram favoráveis à conjuntura que parecia retornar aos trilhos:

O estado da praça, com quanto ainda se ressinta dos acontecimentos que

perturbaram, vai sensivelmente melhorando. Consta-nos que algumas transações

importantes se efetuaram, o que é indicio de renascimento gradual da confiança.

[...] O numero dos afluentes as casas bancarias já foi ontem, relativamente

diminuto, e , segundo somos informados, somas não pequenas voltaram aos

cofres de onde saíram. São indícios favoráveis que, com quanto não prenunciem

próxima e geral prosperidade, servem, contudo para tornar mais regulares as

operações comerciais.

Sem sombra de dúvida, o Diário do Rio de Janeiro acima rebatia indiretamente as

publicações do Jornal do Comércio que ressaltavam que o pânico ainda não havia se

dissipado de todo. O Diário ainda ressaltava que a situação da praça estava se arrefecendo

e que quantias razoáveis retornaram de onde haviam saído o que indicava um possível

retorno à normalidade das transações.

Contudo, estava vaga ainda a questão da regulação das falências, o que trazia

inquietação sobre a praça. De acordo com Diário do Rio de Janeiro (BRASIL, 1865, p.39),

a praça:

Espera ansiosamente pelo decreto do governo que tem de regular as liquidações

das casas bancarias que ficaram impossibilitadas de continuar as suas transações

e é natural que seja em breve satisfeito.

Entretanto, o mesmo Diário do Rio de Janeiro (BRASIL, 1865, p.39), depois de

haver escrito isso, opinou sobre o decreto aprovado:

[...] Com a franqueza que nos é própria declaramos desde já que não

concordamos, nem com o modo pratico que o governo adotou para a solução da

grave questão comercial com que lutamos, nem com muitas outras das

disposições desse decreto, especialmente na que respeita a pouca liberdade à

33

administração das massas de tal natureza, e a preferencia que (direito novo) se

estabelece em favor de simples credores chirographarios.

Depois de várias criticas, posteriormente, elogios, o governo novamente foi alvo de

questionamentos e críticas como mostra a publicação acima. É notável que mesmo após

vários decretos associados ao arrefecimento do pânico da praça e também do retorno,

mesmo que lento, das transações e das vendas de café, a crise ocorrida em 10 de setembro

ainda repercutia nos noticiários e na sociedade.

O governo que ajustava ainda suas medidas a fim de melhorar o aspecto dessa

conjuntura que outrora fora desfavorável, obtinha agora de seu maior crítico na ocasião, o

Jornal do Comércio (BRASIL, 1865, p.39), uma expressão inusitadamente favorável:

Após as lamentáveis ocorrências que por sua vez provou a nossa praça e com ela

sofreram as classes ligadas aos seus interesses, entramos nessa quadra melhor

que as recordações e lições da experiência não impedem a concepção de novas

esperanças. [...] As vendas do nosso principal produto de exportação, que sobem

nestes três dias a mais de 60 000 sacas, as importantes operações de cambio

efetuadas no mesmo período, e a renda da alfandega, que ainda ontem se elevou

a 92 909$450, provão que a nossa atividade comercial desperta obediente a

grande força das necessidades públicas.

Essa publicação do Jornal do Comércio se assemelhava ao anunciado na penúltima

matéria do Diário do Rio de Janeiro, indicando que os negócios estavam retornando à

normalidade.

O Governo imperial após decretar uma moratória de 60 dias e, com isso, beneficiar-

se com uma retomada de fôlego não teve muito descanso. Logo após decretar outra

medida, a regulamentação para liquidação das casas que estiveram com problemas de

solvência, retornaram novamente uma fração de novas críticas, entre elas, como disse, o

Diário do Rio de Janeiro, a que diz respeito à pouca liberdade da administração das casas

liquidadas e a prioridade aos pequenos credores, que eram os mais vulneráveis, pois, se

tratam de pessoas que trabalharam a vida toda e depositaram suas pequenas quantias nas

mãos desses banqueiros, que à primeira vista soaram irresponsáveis. O Jornal do Comercio

(BRASIL, 1865, p.40) não ficou de lado, e, logo desferiu o golpe de misericórdia sobre o

governo em relação à última medida:

O espirito público esperou com ansiedade o regulamento para a liquidação das

casas bancarias. [...] A publicação do decreto nº 3 309, com a data de ontem,

veio apagar estas esperanças, e confirmar a opinião de que as concessões têm

vindo sempre extemporaneamente, e de uma forma incompleta. [...] Porque se

excluíram da gerencia administrativa desses estabelecimentos em liquidação, os

seus antigos donos, que eram os mais habilitados para saber aproveitar todos os

recursos do seu ativo? O que significa este luxo de fiscais do governo que por

certo hão de auferir avultados lucros em liquidações de puro interesse comercial?

34

Complementarmente as criticas do Diário do Rio de Janeiro, o Jornal do Comércio,

questiona dentre tantas coisas, o decreto n.º 3 309 de ontem, principalmente a questão dos

fiscais do governo como principal ponto de descontentamento o qual por sua vez, estaria

atuando em benefício próprio. O jornal também questionava em relação ao governo não ter

indicado os antigos donos para participarem da liquidação, que, segundo o jornal, seriam

os mais preparados para conseguir os melhores resultados.

A crise se desdobrou em seu primeiro mês, possivelmente, com um balanço

favorável ao governo que, por sua vez, trabalhou incessantemente para arrefecer o pânico

que agora parecia estar controlado. Contudo, ainda existiam reparos a fazer. Não houve nos

noticiários após as primeiras medidas, seja o aumento ao triplo do seu fundo disponível,

associado à autorização do curso forçado das notas do banco e, também, a moratória de 60

dias concedidos aos negócios da praça do Rio de Janeiro, nenhum tumulto registrado o que

indicava estabilidade ao governo imperial. Entretanto, os trabalhos não pararam por aí. No

inicio de outubro surgiram novos fatos, entre eles o publicado pelo Jornal do Comércio

(BRASIL, 1865, p.66) de 2 de Outubro de 1864:

Vale das casas bancarias. – Com terror do número infinito dos interessados,

espalhou-se pela cidade a notícia de que alguns vales das casas bancaria levado à

recebedoria do município, para ali pagarem selo, tinham sidos confiscados, como

sujeitos a revalidação e multa. [...] Não nos parece possível sujeitar aos rigores

da lei estes vales, o que valeria absolver o fisco o valor que eles ainda podem

representar, quando a culpa não é por certo dos pobres portadores, na sua quase

totalidade ignorante das disposições legais, mas dos banqueiros e do mesmo

governo, que, não podendo deixar de saber o modo por que estes procediam, o

tolerava com sua inação. Os banqueiros passavam publicamente vales ao

portador, sem prazo e nem selo, todos os tomavam, o governo consentia abertas

as casas que faziam este negócio.

Esse novo fato publicado pelo Jornal do Comércio, deixava claro que a sociedade

do século XIX, não tinha segurança alguma, tanto jurídica como também econômica.

Possivelmente, esse novo fato, se não resolvido, poderia reanimar o pânico que já estava se

arrefecendo. A fim de evitar que a chama do pânico voltasse a acender, o Governo imperial

sem saída, rapidamente e dado que ao longo do tempo foi complacente com a ilegalidade,

segundo matéria do Jornal do Comércio, apreendeu os bilhetes e vales sem selo e sem

prazo. Agora dando respaldo a ilegalidade e delimitando a sua amplitude, a justificativa

era, sem dúvida, a situação extraordinária. A solução publicada no Diário Oficial

(BRASIL, 1865, p.74) diz:

O governo resolveu hoje, sobre consulta das seções de justiça e de fazenda do

conselho de estado, declarar, pelo ministério da fazenda, o seguinte: 1.º, que a

apreensão das notas, vales, ou bilhetes ao portador emitidos pelas casas bancarias

35

desta corte até o dia 9 do mês próximo passado não deve continuar a praticar-se

nas estações fiscais competentes; 2.º que não só os negociantes, mas outra

qualquer pessoa que o não seja, pode emitir recibos ou mandatos de que fala a lei

de 22 de agosto de 1860 no § 10 do art. 1.º; 3.º, que o selo só é necessário,

quando se houver de ajuizar a nota, bilhete, recibo ou mandato de que se trata

naquela lei; 4.º que nas circunstancias atuais, é inexequível a imposição e

pagamento da multa de que fala a dita lei, pela emissão das referidas notas, vales

ou bilhetes ao portador, e que mais do que em nenhuma outra ocasião a

liquidação de tão enormes massas e tão numerosos interesses, como os que se

prendem as casas bancarias em liquidação, deve ser feita ex aquo et bono.

Esse fato sem dúvida demonstra as fragilidades relacionadas ao sistema de regulação

de crédito no país que possivelmente levaram a praça do Rio de Janeiro à crise.

Como publicado anteriormente, as atividades da praça do Rio de Janeiro começaram

a recuperar, mesmo que lentamente. Isso contribuiu para afastar um pouco a sombra que

pairava sobre a praça. No dia 7 de outubro, chegava mais uma notícia para animá-la,

segundo a publicação abaixo do Jornal do Comércio (BRASIL, 1865, p.75), a boa colheita

de 1864 começava a chegar e a movimentar a alfândega e os bancos e casas bancárias,

A praça do Rio de Janeiro tornou a si do profundo abalo que lhe causou o

acontecimento de 10 do mês passado, e logo reatou o fio de seus trabalhos

ordinários. Esta atividade se manifesta no rendimento da alfandega, devido

principalmente a boa colheita do corrente ano, a qual começa a chegar dos

centros produtores, na massa de transações que nestes últimos dias se tem

efetuado com os bancos e até nos pagamentos já feitos as casas bancarias em

liquidação.

Mesmo diante de resultados favoráveis e do arrefecimento da crise, as críticas ao

governo continuaram como mostra a publicação do Constitucional (BRASIL, 1865, p.80):

Rio, 8 de Outubro. – Causou extraordinária surpresa a nomeação dos três fiscais

das massas falidas pela súbita importância dos nomeados. [...] As casas bancaria

falidas não são estabelecimentos público; nenhuma ingerência tinha o governo

na administração delas quando faziam face a seus empenhos. O facto da

insolvabilidade não lhes pode dar o direito de intervir na direção de suas

operações ulteriores. O governo não pode por via de seus comissários gerir a

propriedade particular, dispor dos bens dos credores, entregando ao martelo do

leiloeiro parte desses bens, transigir a respeito de outros, em suma praticar atos

que só os credores do falido por si ou por seus prepostos podiam praticar. [...]

Recusando uma coisa e aceitando outra, o gabinete de 31 de agosto provou que

tem ideias mais claras e acertadas do socialismo, do que das condições de nossa

forma de governo.

Conforme podemos observar, o Constitucional desmoralizava as medidas tomadas

pelo governo, em especial, a que se referia aos fiscais das comissões administrativas. Por

outro lado, o Correio Mercantil (BRASIL, 1865, p.100) que sempre esteve ao lado do

governo, rebatia fortemente o concorrente:

36

[...] Caímos das nuvens quando lemos estas linhas, em que os conservadores

genuínos não só censuram medidas aconselhadas pelos seus legítimos e mais

distintos chefes no conselho de estado, como protestam contra a tutela

administrativa, que por eles foi implantada na legislação do país. Em 1860, por

exemplo, não estalava uma crise medonha, os estabelecimentos de credito,

capitalistas, negociantes e todas as espécies de credores não recorriam ao

governo que só ele os poderia salvar com algumas medidas excepcionais.

Entretanto nesse tempo os conservadores propunham, sustentavam e votavam a

conveniência da tutela do estado, contra a qual hoje bradam? Não nos

demoraremos em repetir as judiciosas reflexões do comunicante, assim como da

redação do Jornal do Comércio; a urgência e conveniência dessas medidas foram

por todos sentidas, por todos pedidas e aplaudidas. Isto nos basta. [...] Também

nos parece que os novos decretos precisão de um regulamento que bem defina as

suas disposições, e facilite a sua combinação e harmonia com a legislação

comum. Expedido esse regulamento, estamos convencidos de que o pensamento

do governo ficará melhor compreendido, desaparecendo todas as duvidas.

O Mercantil, que claramente se mostrava favorável ao governo, rebatia as

investidas da oposição ressaltando que os críticos, em 1860, solicitaram medidas

excepcionais ao Governo imperial perante uma crise e que, portanto, os conservadores

propunham, sustentavam e votavam pela tutela do Estado e agora faziam todo esse

barulho. Em relação ao pedido para o falido ser investido da posse da administração das

suas respectivas casas, o Mercantil destacou que o falido, ao decretar falência, já se

declarava incompetente para administrar a sua firma, porém, se fosse de sua conveniência,

o mesmo poderia pedir concordata para os seus credores ou moratória. Entretanto, o

Correio Mercantil, afirma que o governo fez bem em não entregar a liquidação das massas

falidas aos próprios banqueiros, dado que eles já tinham se declarados impossibilitados de

administrá-las e não foram considerados capacitados pelos credores. E, por fim, o

Mercantil concordava e evidenciava a necessidade de alguns ajustes nas medidas para

conclui-las e, com isso, sanarem quaisquer dúvidas.

Diante dessas inúmeras contendas entre jornais que atacavam e defendiam o

governo se faz necessário também destacar outra discussão à época que configurava um

pano de fundo em relação à politica monetária a ser adotada pelo governo imperial, cujo

debate no parlamento entre os pensadores metalistas e papelistas atravessou as paredes do

parlamento e chegou aos jornais. Nesse sentido, foram eleitos os dois principais jornais

(Correio Mercantil e o Jornal do Comercio), que mais compilações tiveram nesse relatório

sobre a crise, para filtrar as suas posições em relação a esse importante debate que ocorria

no Parlamento.

Pelo lado do Correio Mercantil (BRASIL, 1865, p.94), não há dúvidas em relação a

sua posição em relação ao debate que ocorria no parlamento. O jornal criticava, além do

monopólio de emissão, outras questões, como constam na notícia a seguir:

37

[...] A todos os olhos apareceu com a maior clareza à falsidade em que assenta a

circulação fiduciária do país, a todos os olhos apareceu com a maior evidencia a

falsidade das doutrinas de restrição econômica. A circulação de papel fiduciário

baseada nas operações de um banco, sujeito a todas oscilações do cambio, da

produção, e da permuta, tornando -se quase exclusivamente a moeda do país, põe

este sob e ação de crises rápidas e subsequentes, para as quais só há remédio nos

meios violentos na ilegalidade. As doutrinas de restrição econômica

concentraram o crédito nas firmas dos banqueiros, dos capitalistas, e dos grandes

intermediários e deixaram o pequeno comercio a mercê dos jesuítas e a lavoura

sob a pressão do celebre premio de 15%, em um país onde ela dificilmente tira

8% das plantações mais rendosas! O resultado destes erros econômicos vem-se

na situação anormal em que se acha o comercio e no deperecimento continuo

para que marcha a lavoura. A diretoria do Banco, doutrinada pelas ideias de

reação, em vez de favorecer os produtores em troca das vantagens obtidas do

governo, eleva a taxa de juro em uma situação tão critica, e usa da maior

restrição na reforma das letras que não vêm referendadas pelos monopolistas do

credito! A elevação da taxa de juro se é feita com o fim de sustentar o cambio é

ilusória, porque as necessidades irremediáveis do comercio hão de por força

sustentar na circulação todo o papel que se acha emitido. [...] Logo a elevação da

taxa só pode dar como resultado o aumento de dividendos, e da importância da

porcentagem dos Diretores, ou o aumento de lucros para os intermediários de

dinheiro, que farão pagar aos consumidores deste todos os ônus. Convém, pois,

ao Estado tratar de tirar o país da situação falsa em que se acha. O primeiro passo

a dar é a reforma do Banco do Brasil, convertendo-o em simples estabelecimento

comercial de deposito e desconto. Uma liquidação gradual e refletida, apoiada

nesta medida pode assim salvar os interesses dos acionistas, sem lesar o

comercio em suas necessidades mais imperiosas. Tirando-se o privilegio da

emissão a este estabelecimento, deve-se ir procurar a base do credito onde ela

naturalmente se elabora, - no solo, e na produção. A circulação fiduciária do país

será baseada nas propriedades rurais, no credito do governo e na produção

agrícola e, assim dando -se maior valor à propriedade rural e, fixando–se a

exploração do solo, favorecer-se-á o desenvolvimento do trabalho livre. Para as

necessidades do comércio em vez do regime do monopólio, estabelecer-se-á o da

livre concorrência. A um banco soberano, dispensador do credito, regulador

caprichoso das fianças do país, sucederão muitos bancos de pequeno capital com

emissão limitada e formados necessariamente com os capitais mobilizados pelo

crédito agrícola e pela liquidação do grande estabelecimento. Sentimos e

avaliamos quanto há de difícil nesta revolução econômica, mas dela saíra a nova

era de prosperidade do país: e embora as nossas ideias não sejam adotadas senão

com grandes modificações, teremos grande prazer em despertar o estudo da mais

grave e importante questão para a emancipação econômica do país.

Conforme é possível observar, a reportagem do Correio Mercantil acima deixa clara

sua posição crítica em relação ao monopólio de emissão concedida ao Banco do Brasil. A

mesma reportagem ainda ressalta a importância de retirar do Banco do Brasil o privilégio

de emissão e criar vários pequenos bancos, a fim de não sobrecarregar apenas uma

instituição que, por sua vez, ficaria sujeita a qualquer oscilação ocorrida na economia.

Desta forma, buscando-se lastrear o crédito na propriedade rural e na produção, associado

ao crédito do governo, a circulação fiduciária promoveria o desenvolvimento do trabalho

livre. Contudo, a retirada do monopólio do Banco do Brasil e o estabelecimento da livre

concorrência atenderia a lavoura que sofria com juros altos de 15% ao ano a serem pagos

ao banco monopolista e atenderia as necessidades do comércio. Nesse sentido, não resta

38

duvida que o Correio Mercantil tenha inclinações voltadas ao uso do crédito que, por sua

vez, constitui a base principal da corrente papelista.

Entretanto, o seu principal concorrente, o Jornal do Comercio (BRASIL, 1865,

p.98), tinha posição oposta, deixando claro que advogava em favor da paridade e contra

uma ampliação irrestrita do crédito,

[...] É conhecido de todos que até certo tempo se a casa Souto não era o único

foco de credito desta praça, era o mais importante e mais falado. Também é

conhecido que o nobre Visconde de Souto em sua vida comercial não deixou

senão uma falta a se lhe notar, que foi a sua pouca prudência acerca dos recursos

de sua caixa para acudir a uma emergência como essa que o fez quebrar. [...] O

dinheiro que sai da casa do banqueiro regularmente é em favor do comercio e da

lavoura; mas para ali não volta, quer direta, quer indiretamente, senão pelos

recursos desta, em que se apoia o comercio. [...] Toda a felicidade do banqueiro

depende do bom resultado da confiança que depositou no pessoal para cujas

mãos passou o seu dinheiro, que fica sujeito não só a contingência do bom ou

mau resultado do seu emprego, como da capacidade individual. Além de que

uma crise na lavoura determina necessariamente uma crise no comercio, em

razão de ir alterar imediatamente o equilíbrio entre a importação e a exportação,

cujo déficit ou há de ser suprido pela moeda metálica, que não temos, ou pelo

credito, mas ficando-se sempre em debito para com o estrangeiro, acontece que o

comercio tem também suas crises comerciais propriamente tais. Assim, por

exemplo, a ultima crise propriamente comercial, cujos efeitos ainda se fazem

sentir na praça, consistiu no excesso da importação de gêneros secos e molhados

muito além das forças do país. Os atacadistas, avessados a vender para o interior,

e ignorantes de que as vendas do costume estavam já ao par dos recursos do

consumidor, se prestaram as exigências dos importadores, que lhe facilitaram

suas vendas a prazo de gêneros que a seu turno, eles compradores tiveram de

revender a credito, não só aos seus fregueses como também a quantos quiseram

ir mascatear para o interior. Foi consequência o mercado de gêneros de mar em

fora ficar abarrotado por toda a parte. Os varejistas inexperientes tomaram o

expediente de vender também a credito aos consumidores, que tiveram de

satisfazer necessidades exageradas pela sedutora presença da fazenda, que nunca

viram em tanta quantidade, nem por tão baixo preço, e menos ainda tão

oferecida, porque o que se queria era vender, fosse como fosse. O resultado foi o

completo estrangulamento de todo o comercio do interior, pela dificuldade,

senão impossibilidade das cobranças , com cujo produto os imprudentes

vendedores tinham de satisfazer os seus credores da praça que, em ultima

analise, se viram na necessidade de pagar esses gêneros , não com os produtos

respectivos , mas sim com os seus capitais já feitos , ou ocultando os seus apuros

com reformas e mais reformas, engrossando sempre o seu debito, oriundo de um

capital esbanjado em tão mal feitas vendas e revendas. E quanto não gemeria a

fortuna já adquirida da casa Souto com reformas desta ordem? E a quanto ainda

não estará sujeita a liquidação de sua casa, com títulos vindos de reforma em

reforma, no intuito de se adiar a dificuldade mais para diante, sem se reparar que

com um tal sistema ela mais se agrava, e só tem a dar em resultado verdadeira

delapidação da grossa, porém bem adquirida fortuna do banqueiro? Esta crise, a

que me refiro, é uma das grandes causas dos apuros da praça do Rio de Janeiro,

porque os títulos debitarias inveterados pelas reformas que lhe dão mocidade

aparente, apenas representam um ativo no livro de seus signatários inteiramente

irrealizável. As falências já verificadas as dúzias demonstram a triste verdade

que acabamos de indicar. Quanto as que estão ainda envoltas na capa das

reformas sem fim, é de presumir que aqueles que com suas imprudências

concorreram para a queda do seu benfeitor o acompanhem nela. [...] Esta crise,

conquanto em nada tenha onerado as casas bancaria, todavia imobilizou em

muito grande quantidade os seus recursos. [...] Assim, pois, os capitais

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fornecidos ao lavrador de alguma maneira ficam imobilizados, porém, mais

seguros do que os fornecidos ao comércio; porque os títulos do debito respectivo

representam o que há de real no país, a propriedade produtiva.

De fato, segundo a notícia do Jornal do Comércio acima, as vendas a crédito foram

o principal motivo da quebra da casa do Souto e demais casas. O fato da venda de produtos

importados para o interior, onde as pessoas já estavam com seus recursos no limite, não os

dava a garantia de ótimas vendas. Nesse sentido, além de venderem a prazo para os

consumidores que estavam encantados com tanta fartura e com tamanha facilidade para

pagamento, existia o problema de efetuação das cobranças, pois, como se sabe, a depender

para que distância dos grandes centros esses vendedores fossem mascatear surgia um

entrave à sua cobrança dadas as dificuldades de transporte. Contudo, como o próprio texto

diz, os vendedores estavam interessados em vender fosse como fosse. Isso, por sua vez,

resultou em ativos irrealizáveis no livro dos credores os quais quando não recebiam dos

vendedores eram “obrigados” a realizar reformas e mais reformas de títulos que

mascaravam a real saúde financeira dos bancos e casas bancárias.

Em outra notícia, o Jornal do Comércio (BRASIL, 1865, p.99) levantava novas

evidências para a crise, além das vendas de importados mal sucedidas a falta de estudos

sobre o país de grande extensão como o Brasil, o meio circulante, entre outros,

As causas gerais da crise que atravessamos estão ligadas ao nosso meio

circulante, tem sua origem em época já remota, agravadas em épocas mais

recentes. A origem de todos os nossos males está especialmente em querermos

macaquear a Europa. Sem um estudo profundo de nosso país, sem estatísticas,

nem atenção à extensão dele, à longitude dos centros produtores aos centros

comerciais, destes entre si e especialmente do velho mundo, a quem infelizmente

ainda prestamos contas, apesar da uberdade do nosso solo, sem atenção, dizemos

nós, à base do nosso comercio, procuram sempre os nossos estadistas, depois de

discussões estéreis de bairrismo, transplantar para cá tudo quanto é Europeu, e

tal qual lá existe. [...] O primeiro de nossos erros econômicos foi à elevação do

valor oficial do ouro quase no tempo em que o valor do ouro se desequilibra na

Europa pelos grandes suprimentos daCalifórnia e Austrália. [...] Com a elevação

oficial do valor do ouro fizemos grande serviço ao estrangeiro que conosco

comercia, sem vantagem alguma nossa. [...] O segundo erro foi à consequência

do primeiro, isto é, a criação do Banco do Brasil, com emissão: s e o nosso meio

circulante fosse ouro, sua criação seria curial e sua missão seria auxiliar o

comercio e a lavoura, conservando o aluguel do dinheiro em preço razoável, para

criar capitais no país, aumentando a fortuna publica, sem depreciar o meio

circulante. Com uma base, porém, de papel fiduciário, e, mesmo assim, em

escala pouco maior que o fundo com que era criado, e com as obrigações

dúplices de um empréstimo gratuito ao Governo e conversão de suas notas em

ouro (embora mais tarde, pela faculdade que tinha de paga-la em ouro ou notas

do Governo), é o que era impossível, e os factos bem alto o têm demonstrado,

além de ter sido a sua criação uma perfeita ratoeira para o comercio, o que

vamos prova-lo.

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Complementarmente, o Jornal do Comércio ressaltava a questão da depreciação no

meio circulante. Evidentemente, o jornal desferia críticas em relação à politica econômica

adotada pelo Governo imperial, ou seja, a criação do Banco do Brasil com emissão de

papel fiduciário superior ao seu fundo disponível associado ao aumento do preço do ouro,

cuja implicação principal seria desvalorização do câmbio. Contudo, o aumento do preço do

ouro foi concomitantemente com a elevação da oferta de ouro na Europa que fica apontado

pelo jornal como situação negativa para o comércio de exportação do país, devido ao

barateamento da exportação em momento de superabundância de ouro no exterior.

Finalizando esse conjunto de evidências que apontam a posição do Jornal do

Comércio (BRASIL, 1865, p.109) em relação ao debate entre metalistas e papelistas no

parlamento, nesta próxima reportagem a discussão avança para a vantagem absoluta entre

o Brasil e o resto mundo,

Continuando no nosso esboço, sempre na intenção de só dizer a verdade, no

intuito de provocar calma discussão sobre assunto tão grave, somos obrigados a

reconhecer que a casa Souto & C.ª, apesar da pouca prudência de sua gerencia,

não teria falido se ela não fosse vitima da crise comercial, de que vimos de falar,

resultante do excesso da importação de gêneros que fizemos menção. [...] Os

capitais fornecido ao comerciante não estão no mesmo caso dos que são

fornecidos ao lavrador ou a um empreendedor de um estabelecimento, sempre de

aplicação tal, que se tem em vista a lenta, mas segura amortização pelo

rendimento também lento e seguro. [...] Para fazer face à importação, a nossa

praça só pode contar com os recursos da indústria agrícola, e nada da fabril, que

está em menos de embrião, e sim em verdadeiro problema, de cuja a solução

depende o futuro do país. Para se compreender que a produção da nossa lavoura

não cobre o valor dos gêneros importados e consumidos no país, basta atender-se

a que a população toda do Império consome gêneros de procedência estrangeira,

sendo bem diminuta a porção da mesma população que com seu trab alho

concorre para a exportação. Além do que, cumpre notar-se que regularmente os

artefatos são de maior valor do que os produtos agrícolas, muito principalmente

quando estes consistem em matéria prima, que tem de ser transformada pela arte

fabril. Do que resulta a nação arcar comum déficit perene, que no exterior eleva

o seu debito anualmente; e no interior se resolve nesse montão de falências, que

enluta a nossa praça. No pé em que se acham as coisas, ainda quando se

demonstre por algarismos que o valor d a exportação para pagamento dos juros

da dívida pública, sempre crescente; para pagamento dos juros da dívida

particular, porque como tais se devem considerar as remessas de valores feitas

para a Europa ás pessoas que ali vivem com rendimento da fortuna que possuem

no Império; e finalmente para a solução da passagem de fundos que

constantemente é operada por aqueles que deixam de residir no país. Desde que

nos achamos sempre em debito, todas essas operações de comercio só podem ser

realizadas à custa dos gêneros exportados. Cumpre, pois, que a praça empregue

os meios de que pode dispor para que a importação fique ao alcance da

exportação.

Ficam evidentes os problemas referentes à superabundância do crédito, à questão da

emissão do papel fiduciário além do seu fundo de reserva disponível, à depreciação

cambial, devido tanto ao aumento do preço do ouro, à elevação da emissão e, por fim, à

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importação de produtos com valores relativamente superiores ao da exportação, o que

denunciava especificamente o problema da vantagem absoluta. Esse diagnóstico fornece

indícios de que o Jornal do Comércio tinha uma inclinação favorável à linha de

pensamento metalista.

Retornando à cobertura dos desdobramentos da crise, não demorou muito e a

resposta veio a galope, o resultado da reclamação em relação aos fiscais inseridos pelo

governo para a resolução da crise encerrou-se com uma publicação do Jornal do Comércio

(BRASIL, 1865, p.106),

[...] Ao que se diz, vagará o lugar de fiscal de uma das casas bancaria falidas; o

lugar era preenchido por um homem politico, e não convém que venha outro que

tal, mas sim um homem acostumado ao enfadonho labutar dos algarismos [...]

Como podemos observar na reportagem acima, o Jornal do Comércio não se

conformou apenas com a retirada do fiscal que era do governo e sem perder tempo mandou

um recado: que o fiscal fosse substituído por um especialista. Entretanto, passado esse

embate, a notícia mais esperada pela praça do Rio de Janeiro foi reforçada novamente pelo

Jornal do Comércio (BRASIL, 1865, p.96):

Os dias da tormenta comercial e atmosférica estão passados; entramos no

período da reparação e composição dos seus estragos. [...] Os decretos de 17 e 20

de setembro terão lacunas e imperfeições; mas foram salutares, desfizeram a

agitação das praças, tranquilizaram os ânimos, e abriram ao comercio um

caminho pelo qual vai ele saindo prudentemente dos embaraços extraordinários

que a crise acarretou-nos.

Em 23 de outubro, o Diário Oficial, Jornal do Comércio e o Correio Mercantil,

publicaram o “decreto n.º 3 321 de 21 de Outubro de 1864 onde o governo esta indultando

os contraventores do art. 1.º § 10 da lei n.º 1 083 de 22 de agosto de 1860”. Com esse

decreto publicado, o governo pôs fim às críticas que vinha sofrendo e que depreciavam a

sua imagem dado que não havia punido ninguém por qualquer fraude.

Entretanto, no dia seguinte, complementando esse decreto último, o Diário Oficial

(BRASIL, 1865, p.104) publicou o “decreto n.º 3 323 de 22 de Outubro de 1864 regulando

novamente a emissão de bilhetes e outros escritos ao portador”.

Por fim, em 31 de outubro, o Jornal do Comércio (BRASIL, 1865, p.117),

encerrou, para variar, os anexos do relatório referentes à crise de 1864, dizendo:

A crise comercial, acontecimento por certo grave e que ainda por algum tempo

se fará sentir, já produziu os seus mais desastrosos efeitos; agora declina

consideravelmente, e no decurso de alguns meses entraremos em condições

normais [...]

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O que é mais interessante, dado sua posição crítica ao longo da cobertura da crise é

que no texto acima, a afirmação do Jornal do Comércio de que a crise comercial declinava

significativamente, e, em pouco tempo a economia entrara nos trilhos é de causar

estranheza, pois nem aparenta ser aquele opositor.

Considerações Finais

O trabalho inicialmente realizou um breve panorama de eventos importantes para a

economia que aconteceram durante o segundo reinado, passando pela proibição do tráfico

de escravos imposto pela Inglaterra, pela aprovação do código comercial, pela expansão

dos bancos, pela lei de terras e pelo debate monetário marcado pela disputa entre papelistas

e metalistas.

Esse debate serviu de pano de fundo para entender os diferentes posicionamentos

dos principais jornais em relação à crise de 1864 e à atuação do governo. Além dessa

estrutura, o trabalho contemplou uma revisão bibliográfica sobre a

crise de 1864. Um dos principais motivos apontados foi o controverso debate sobre a

expansão do crédito, que, por sua vez, fora questionado, pois, em 1860 haveria uma

legislação que barrava essa prática demasiadamente. Em contrapartida, há quem defenda

que o corte repentino do crédito foi o principal motivo. Vale lembrar que para os papelistas

o crédito era fundamental para o crescimento da economia da época que, por sua vez,

podemos associá-lo com a postura defendida pelo Mercantil, pois, ao defender o mercado

e, não a intervenção estatal, o jornal lembra um dos princípios desse pensamento, o de

ajuste automático, pois, se a oferta de moeda elevasse além do necessário, os juros

subiriam e ajustariam a oferta e demanda por crédito. Por outro lado, os metalistas

sustentavam o padrão-ouro como medida para o crescimento da economia brasileira, que,

por sua vez, poderíamos associa-lo ao Jornal do Comercio, o qual defendia a paridade

moeda-ouro e criticava a expansão irrestrita do crédito.

A cobertura da crise realizada pelos principais jornais de 1864 constitui uma valiosa

fonte de informação que contribuiu para esclarecermos o desenrolar da crise. De uma

forma geral, o Jornal do Comércio, dá inicio a demanda por medidas extraordinárias que,

por sua vez, eram ilegais. Em contrapartida, o Correio Mercantil defende o contrário e,

afirma que era consenso geral que o governo não poderia fazer mais do que auxiliar o

banco para a resolução da crise, não extrapolando assim, suas atribuições.

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O Diário do Rio de Janeiro defende que o governo realizou todo esforço para

arrefecer o pânico e que caberia ao Banco do Brasil fazer a sua parte, pois, a isso estava

obrigado por ser o primeiro estabelecimento de crédito e privilegiado. O Diário do Rio de

Janeiro que no inicio defendeu a conduta do governo pela legalidade e, portanto, não

intervenção no mercado, com o passar da crise começou a demandar medidas

extraordinárias, ou seja, que o governo interviesse. Porém, no limite, o Diário do Rio de

Janeiro se manteve pró-governo, isso fica claro em todo o decorrer do pós-pânico.

O Constitucional que a princípio defendeu o governo, logo foi desmascarado.

Primeiro com a afirmação de outro jornal, o Diário Oficial de que o Constitucional seria da

oposição. E no transcorrer da crise ele se alinha ao Jornal do Comércio com sucessivas

criticas ao governo, confirmando assim a sua posição, contrária ao governo.

O Diário Oficial, por sua vez, deixa claro sua defesa pela conduta da legalidade em

que o governo atua com o iniciar da crise e, com o decorrer não faz oposição ao governo,

isso fica claro em suas publicações e, ainda, fornece em uma de suas publicações a

evidência de qual lado se encontra a posição de um de seus concorrentes, o Constitucional,

conforme foi dito. Segundo a publicação do Diário Oficial (BRASIL, 1865, p.13) ele se

encontra na oposição.

O Governo no inicio da crise procurou se manter estritamente dentro da legalidade,

contudo, sob forte pressão acabou cedendo e deu lugar a medidas extralegais. Entretanto,

após decretar a autorização para o Banco do Brasil emitir o triplo do seu fundo disponível

e, em seguida dar curso forçado às notas do banco, suspendendo a obrigação do troco por

ouro, a praça tranquilizou-se. O governo não parou por aí e adotou outras medidas, entre

elas, a suspensão de pagamento por sessenta dias e também decretou o perdão aos

infratores da lei de 1860.

Enfim, o curso dos acontecimentos mostrou à luz das notícias publicadas que as

posições, em especial, as do Correio Mercantil e as do Jornal do Comércio se mantiveram

por um longo período pós 10 de setembro de 1864, fomentando assim, um rol amplo de

evidências que indicam suas posições políticas perante a crise, dando ao Correio Mercantil,

Diário Oficial e Diário do Rio de Janeiro um caráter pró-governo e ao Jornal do Comércio

e Constitucional o título de oposição.

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