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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
CAMPUS CATALO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM GEOGRAFIA
GEOGRAFIA E ORDENAMENTO DO TERRITRIO
ALTACIR BUNDE
OS IMPACTOS DO AGRONEGCIO DOS
AGROCOMBUSTVEIS SOBRE O CAMPESINATO EM
GOIS.
CATALO (GO)
2011
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D
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Dedicatria
Dedico este trabalho aos meus pais,
Silvino Bunde e Elda Helbig Bunde;
minha querida esposa, Aline Cristina Nascimento;
a todos(as) os(as) militantes do MCP e
queles e quelas que, de alguma forma,
contriburam e/ou me motivaram para que
esta produo fosse possvel.
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Agradecimentos
Durante minha caminhada acadmica, que culmina, agora, nesta dissertao, foram
inmeras as pessoas que, de alguma maneira, contriburam para que eu pudesse trilhar o rumo
certo do conhecimento e da pesquisa. Mas, quero aqui agradecer principalmente aos
militantes do Movimento Campons Popular (MCP), por ter nos proporcionado a
oportunidade de conhecer, a partir de um outro olhar, o olhar militante, a realidade, que, junto
com o conhecimento cientfico, fez com que pudssemos observ-l e interpret-l de outra
forma.
Quero destacar que esta contribuio que fao Geografia foi possvel graas aos meus
pais, Silvino Bunde e Elda Helbig Bunde, que me puseram no mundo e que me ensinaram os
valores e a importncia da vida. Tambm, aos meus trs irmos, Rugar Renato, Adilson e
Daniel, os quais, juntamente comigo, viveram todas as dificuldades, durante a infncia e a
juventude, que as necessidades materiais acarretam s famlias camponesas.
Agradeo, com todo o carinho e o amor, minha querida companheira, esposa e amiga,
Aline, pelo apoio incondicional em todos os momentos desta pesquisa, pela compreenso
durante minhas ausncias, motivaes, sonhos etc...
Sou grato a todos os professores que fizeram parte do meu aprendizado e me ensinaram o
sentido de diversas coisas, em especial, a importncia do conhecimento cientfico e, com isso,
me instigaram a prosseguir nos estudos.
Agradeo principalmente a dedicao do professor Marcelo Mendona que, desde a minha
entrada no curso de Ps-graduao em Geografia, rea at ento estranha a mim, me
incentivou e alimentou meu desejo de buscar explicaes para diversas dvidas.
Agradeo ao Alfredo Arantes que contribuiu enormemente na elaborao de alguns mapas
que apresento nesta pesquisa.
Aos professores do Mestrado em Geografia da UFG/CAC, pelas contribuies tericas e
metodolgicas.
Aos colegas do Mestrado, pelas discusses e pelos debates, muitas vezes, acalorados.
Ao Professor Gilmar Avelar, pela oportunidade para a realizao do estgio de docncia
na disciplina Geografia e Movimentos Sociais.
Aos membros da Banca de Qualificao (Prof. Dr. Antnio Thomaz Jr. e professora
Helena Anglica de Mesquita), que contriburam enormemente mostrando as possibilidades
da pesquisa terica e emprica na Geografia.
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A todas e todos as/os entrevistadas/os durante a pesquisa de campo, especialmente s
camponesas e camponeses e aos militantes da luta social no campo, verdadeiros sujeitos desta
pesquisa, e aos representantes das agroindstrias canavieiras que se disponibilizaram a dar
entrevistas e/ou fornecer informaes.
CAPES, por fornecer a bolsa, que foi fundamental para a realizao da pesquisa terica
e emprica, especialmente para os trabalhos de campo.
Enfim, sou grato a todas e todos os sujeitos envolvidos nesta pesquisa e que, de alguma
forma, contriburam para esta criao e que, por serem tantos, no foram citados aqui.
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Sumrio
Resumo............................................................................................................... 14
Abstract............................................................................................................... 15
Apresentao....................................................................................................... 16
Introduo........................................................................................................... 22
CAPTULO I. O CAMPESINATO NO CAPITALISMO: Extinguir?
Resistir? Existir?...............................................................................................
25
1.1 A via inglesa de desenvolvimento do capitalismo no campo............................. 30
1.2 A via prussiana de desenvolvimento do capitalismo no campo......................... 39
1.3 A via junker de desenvolvimento capitalista no campo..................................... 40
1.4 A via farmer de desenvolvimento do capitalismo no campo............................. 42
1.5 O campesinato no sculo XXI: sua luta e teimosia em existir........................... 44
CAPTULO II. AGRONEGCIO DOS AGROCOMBUSTVEIS: a
nova face da acumulao de capital no campo
53
2.1 Os agrocombustveis e o discurso ambientalmente correto............................... 54
2.2 A utilizao do etanol como combustvel e a cana-de-acar como fonte de
matria-prima para a sua produo.....................................................................
66
2.3 O plantation: modelo de produo da cana-de-acar no Brasil Colnia. 73
2.4 O agronegcio: modelo atual de produo da cana-de-acar. ......................... 81
2.5 O agronegcio dos agrocombustveis no Brasil no perodo atual ..................... 83
2.6 Os agrocombustveis e a formao dos monoplios e oligoplios: o processo
de centralizao de capital..................................................................................
96
CAPTULO III. OS IMPACTOS DO AGRONEGCIO DOS
AGROCOMBUSTVEIS SOBRE O CAMPESINATO EM GOIS
116
3.1 O agronegcio dos agrocombustveis no estado de Gois.................................. 117
3.2 A instalao das agroindstrias canavieiras no estado de Gois........................ 131
3.3 Impactos da expanso da rea plantada com cana-de-acar sobre a produo
de alimentos, no estado de Gois........................................................................
143
3.4 Os impactos da expanso da lavoura de cana-de-acar sobre as famlias
camponesas.........................................................................................................
153
Tecendo algumas consideraes...................................................................... 188
Referncias........................................................................................................ 194
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Lista de Quadros
Quadro 01 Evoluo da rea plantada de cana-de-acar, no estado de Gois
1960 a 2011...............................................................................................
122
Quadro 02 rea plantada (em hectares) com cana-de-acar, no estado de Gois,
por microrregies geogrficas 1990 a 2009...........................................
125
Quadro 03 Evoluo da produo de etanol e acar no estado de Gois Safra
1990/91 a 2009/10.....................................................................................
132
Quadro 04 Nmero de agroindstrias canavieira no estado de Gois em operao,
instalao e em projeto 2009.................................. ...............................
135
Quadro 05 Quantidade de cana-de-acar processada pelas agroindstrias
canavieiras e origem desta matria prima no estado de Gois
2010...........................................................................................................
160
Lista de Mapas
Mapa 01 Distribuio da rea plantada de cana-de-acar nos municpios do
estado de Gois..........................................................................................
130
Mapa 02 Distribuio das agroindstrias canavieira de acar e lcool pelos
municpios no estado de Gois em 2009...................................................
137
Lista de Tabelas
Tabela 01 Nmero de estabelecimentos agropecurios no estado de Gois srie
histrica (1970/2006)................................................................................
120
Tabela 02 Nmero de agroindstrias canavieiras em operao no estado de Gois,
2000 2009...............................................................................................
135
Lista de grficos
Grfico 01 Evoluo da rea plantada com cana-de-acar no Brasil 1975 a
2010...........................................................................................................
70
Grfico 02 Evoluo da produtividade mdia, por hectare, da cana-de-acar, no
Brasil 1975 a 2010..................................................................................
70
Grfico 03 Produo brasileira de acar e etanol safras 1990/91 a 2008/09.......... 85
Grfico 04 Evoluo da produo brasileira de etanol por regio 1990/91 a
2008/09......................................................................................................
87
Grfico 05 Vendas de automveis e veculos comerciais leves por tipo de
combustvel no Brasil 1979 a 2010........................................................
92
Grfico 06 rea (em ha) de cada estabelecimentos srie histrica
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(1970/2006)............................................................................................... 120
Grfico 07 Evoluo da rea plantada com cana-de-acar no estado de Gois
1990 a 2011...............................................................................................
123
Grfico 08 Participao, em percentual, das microrregies geogrficas, do estado
de Gois, na rea plantada de cana-de-acar 1990...............................
127
Grfico 09 Participao, em percentual, das microrregies geogrficas, do estado
de Gois, na rea plantada com cana-de-acar 2009............................
128
Grfico 10 Evoluo da rea plantada (em hectares) de cana-de-acar nas
Microrregies de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos
Bois e Ceres, 1990 2009.........................................................................
129
Grfico 11 Evoluo da produo de etanol e de acar, no estado de Gois
Safras 1990/91 a 2010/11..........................................................................
133
Grfico 12 Evoluo da cana-de-acar processada (toneladas), no estado de Gois
Safras 1990/91 a 2010/11.......................................................................
134
Grfico 13 Classificao das agroindstrias canavieiras quanto a quantidade de
cana (em toneladas) processada no estado de Gois
2010...........................................................................................................
138
Grfico 14 Evoluo do efetivo do rebanho bovino (por cabea) nas Microrregies
de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
145
Grfico 15 Evoluo da produo de leite (mil litros) nas Microrregies de
Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
146
Grfico 16 Evoluo da rea plantada (em hectares) com soja nas Microrregies de
Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
147
Grfico 17 Evoluo da rea plantada (em hectares) com milho nas Microrregies
de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
148
Grfico 18 Evoluo da rea plantada (em hectares) com arroz e feijo no estado
de Gois 1960 a 2009.............................................................................
149
Grfico 19 Evoluo da rea plantada (em hectares) com arroz nas Microrregies
de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
150
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Grfico 20 Evoluo da rea plantada (em hectares) de feijo nas Microrregies de
Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres
1990 a 2009...............................................................................................
151
Grfico 21 Evoluo da rea plantada (em hectares) com mandioca nas
Microrregies de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos
Bois e Ceres 1990 a 2009.......................................................................
152
Lista de fotos
Foto 01 Usina CRV de acar e lcool, em Carmo do Rio Verde (GO)................ 162
Foto 02 Comunidade gua Branca, municpio de Ipiranga de Gois (GO):
propriedade cercada pela plantao de cana-de-
acar.........................................................................................................
165
Foto 03 Propriedade camponesa cercada pela cana, municpio de Goiatuba
(GO)...........................................................................................................
167
Foto 04 Comunidade Crrego da Boa Vista, municpio de Ipiranga de Gois
(GO): caminho transportando cana-de-acar.........................................
170
Foto 05 Municpio de Nova Glria (GO): homem queimando a cana-de-acar
antes do corte.............................................................................................
171
Foto 06 Comunidade Bom Jesus, Crrego do Caf, Ipiranga de Gois (GO):
propriedade cercada por cana-de-
acar.........................................................................................................
171
Foto 07 Cidade de Maurilndia (GO) cercada pela plantao de cana-de-
acar.........................................................................................................
173
Foto 08 Comunidade Crrego da Boa Vista, municpio de Ipiranga de Gois
(GO): abaixo-assinado com mais de 300 assinaturas pedindo
providncias s autoridades para o fim da
poluio.....................................................................................................
173
Foto 09 rea abandonada, fazenda Santa Juliana, municpio de Bom Jesus
(GO)...........................................................................................................
175
Foto 10 rea aps ocupao, fazenda Santa Juliana, municpio de Bom Jesus
(GO)...........................................................................................................
175
Foto 11 Casa destruda, rea ocupada na fazenda Santa Juliana, municpio de
Bom Jesus (GO)........................................................................................
176
Foto 12 Casa destruda, rea ocupada na fazenda Santa Juliana, municpio de
Bom Jesus (GO)........................................................................................
176
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Foto 13 Destroos da casa e de brinquedos que foram destrudos durante a
expulso das famlias camponesas da fazenda Santa Juliana, municpio
de Bom Jesus (GO)....................................................................................
177
Foto 14 Acampamento de sem-terras, municpio de Rubiataba (GO).................... 178
Foto 15 Acampamento de sem-terras, municpio de Bom Jesus (GO)................... 179
Lista de figuras
Figura 01 Esquema do ciclo biogeoqumico do nitrognio com as principais rotas
de emisses, transporte, transformaes e mudana de fase dos
compostos de nitrognio no ambiente, adaptado de World Health
Organization (1997)..................................................................................
66
Figura 02 Produo brasileira de cana-de-acar, safra 1989-1990.......................... 88
Figura 03 Produo brasileira de cana-de-acar safra 2007................................. 89
Figura 04 Localizao das reas aptas para a expanso da plantao de cana-de-
acar para a produo de etanol..............................................................
91
Figura 05 Classificaao dos cinco maiores grupos multinacionais do agronegcio
dos agrocombustveis no Brasil.................................................................
98
Figura 06 Participao dos grandes grupos nacionais e multinacionais na
comercializao de etanol.........................................................................
99
Figura 07 Zoneamento da cana-de-acar no estado de Gois 2009...................... 142
Lista de siglas e abreviaturas
AEAC lcool Etlico Anidro Combustvel.
AFC Associao de Fornecedores de Cana.
ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores.
BA Bahia.
CAI Complexo Agro-Industrial.
CANASAT Mapeamento da Cana via Imagens de Satlites de Observao da Terra
CANG Colnia Agrcola Nacional de Gois.
CEM Usina.
CEPAGRI/UNICAMP Centro de Pesquisa Meteorolgicas e Climticas Aplicadas a
Agricultura da Universidade de Campinas.
CFC Clorofluor carbonado.
CH4 Metano.
CO2 Dixido de Carbono.
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CONAB Companhia Nacional de Abastecimento.
COOPERCAR Cooperativa dos Produtores de Acar e lcool do Estado de So Paulo.
COOPER-RUBI Cooperativa Agroindustrial de Rubiataba Ltda.
CV Cavalos Potncia.
DF Distrito Federal.
DIGEM Diretoria de Logstica e Gesto Empresarial.
E Leste/Yest.
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria.
EPA Agencia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos.
EUA Estados Unidos da Amrica.
FMI Fundo Monetrio Internacional.
FOMENTAR Programa de Incentivo Fiscal Estadual Gois.
GATT Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comrcio.
GEE Gs de Efeito Estufa.
GO Gois
HA Hectares.
IAA Instituto Brasileiro do Acar e do lcool.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica.
ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadorias e Servios.
IED Investimento Externo Direto.
ISPN Instituto Sociedade, Populao e Natureza.
LTDA Companhia Limitada.
MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento.
MG Minas Gerais.
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores.
MS Mato Grosso do Sul.
N Norte.
N2O xido Nitroso.
NAFTA Acordo de Livre Comrcio da Amrica do Norte.
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico.
OMC Organizao Mundial do Comrcio.
OPEP Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo.
PROLCOOL Programa Nacional do lcool.
PRODUZIR Programa de Desenvolvimento Industrial de Gois.
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PT Partido dos Trabalhadores.
R$ Real.
S Sul.
S/A Sociedade Annima.
SEPIN Superintendncia de Pesquisa e Informao.
SEPLAN Secretaria de Planejamento do Estado de Gois.
SF6 Hexafluoreto de Enxofre.
SIFACAR Sindicato da Indstria de Fabricao de Acar.
SIFAEG Sindicato da Indstria de Fabricao de lcool de Gois.
SIGABrasil Sistema de Informao Geogrfica da Agricultura
SNA Sociedade Nacional de Agricultura.
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
TEP Toneladas Equivalentes de Petrleo.
TO Tocantins.
U$ Dlar.
UDOP Unio dos Produtores de Bioenergia.
UNICA Unio das Indstrias de Cana-de-acar.
UNICAMP Universidade de Campinas.
W Oeste/West.
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Resumo
A presente pesquisa versa sobre os impactos causados pelo agronegcio dos
agrocombustveis sobre o campesinato no estado de Gois. na etapa agrcola, na produo
da cana-de-acar, que so mais visveis as caractersticas capitalistas desta atividade
econmica, os danos scio-ambientais que causa e suas contradies. O capitalismo, a partir
de e devido a condies histricas e econmicas, se desenvolveu primeiramente no campo
brasileiro no sistema de plantation. A evoluo (modernizao) do plantation chegou ao que
se tem atualmente: o agronegcio, que, no perodo atual, mesmo impactando de forma brutal
o campesinato, dada a violncia posta e imposta sobre ele, no foi capaz de elimin-lo. A luta
e a resistncia do campesinato determinaram a sua presena na histria como sujeito social,
nos dias atuais, em alguns locais com mais e em outros com menos fora.
A expanso da rea plantada de cana-de-acar em Gois vem ocorrendo devido ao
aumento da demanda do mercado externo e interno por acar, ao aumento do consumo
interno de etanol e a sua adio na gasolina, em propores que podem chegar a 25%. O
discurso de defesa do aumento da produo de etanol tem se baseado em dois argumentos:
substituir os combustveis fsseis e reduzir as emisses de CO2 (dixido de carbono) na
atmosfera. Este setor vem passando por um processo de concentrao e centralizao de
capital na produo e na comercializao que leva formao de monoplios e oligoplios. O
Brasil e o estado de Gois, a fim de atrair o agronegcio dos agrocombustveis, vm
afrouxando ao mximo a regulamentao e a fiscalizao ambiental, trabalhista, social etc. e,
ao mesmo tempo, vem blindando poltica e juridicamente empresas do setor, acobertando
os crimes por elas cometidos contra as famlias camponesas com e/ou sem terras e sendo, em
muitos casos, o prprio agente da violncia. Comprova-se, assim, que o Estado um dos
principais fomentadores do setor. Para tanto, outra maneira de o Estado agir com a
transferncia do errio pblico ao capital privado, nacional e internacional, na forma de
incentivos e isenes fiscais.
Em Gois, nas fraes do territrio onde j se produz e para onde se expande a cana que
se desenvolvem os mais intensos conflitos. A produo da cana-de-acar em grande escala
traz srias consequncias principalmente para as famlias camponesas que vivem nestes
territrios, coloca-se em risco a produo de alimentos e degrada-se os recursos naturais e a
biodiversidade do Cerrado.
Palavras-chave: Campesinato. Agronegcio. Espao. Territrio. Territorialidade.
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Abstract
This research focuses on the impacts caused by the agrofuels business on the peasantry in
the state of Gois, Brazil. It is in the agriculture phase, especially in the sugarcane production,
in which the capitalist characteristics, the socio-environmental damage, and their
contradictions are most visible. From the historical and economical conditions, the Capitalism
developed first in the Brazilian countryside by the plantation system. The plantation
development (modernization) reached what is currently called agribusiness, which was unable
to eliminate the peasantry, but causing impact on its life way, putting and imposing the
violence on it. The peasantry struggle and resistance led to its presence in history as a social
subject, nowadays, with more force in some places and in others with less force.
The expansion of the sugarcane plantation in Gois is happening due to the rising demand
from domestic and international markets for sugar, increased domestic ethanol consumption
and with its addition to gasoline in proportions of up to 25%. The defense speech of increased
ethanol production has been based on two arguments that are to replace fossil fuels and reduce
CO2 (carbon dioxide) emissions into the atmosphere. This sector has been undergoing a
process of the capital concentration and the centralization in the production and marketing
that leads to the monopolies and oligopolies formation. Brazil, mainly the state of Goias, in
order to attract the agrofuels business is loosening the regulation and the environmental
monitoring, labourite, social etc. At the same time, they come "shielding" political and legal
sector companies, covering up the crimes they commit against the peasant families with
and/or no land and being itself the violence agent in many cases. It proves so that the state is
one of the main promoters of the sector. Another way that the State is acting, it is transferring
the public funds to the private capital, national, and international by incentives and tax
exemptions.
In Gois, the greatest conflicts are taking place in the territory fractions where the
sugarcane is already produced and expanded. The sugarcane production in a large scale brings
some serious consequences especially for the rural families living in these territories, putting
at risk the food production and degrading the natural resources and the Cerrado (Brazilian
Savannah) biodiversity.
Keywords: Peasantry. Agribusiness. Space. Territory. Territoriality
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Apresentao
As inquietaes e as preocupaes com os impactos causados pela expanso do
agronegcio dos agrocombustveis sobre o campesinato no estado de Gois surgiram ao se
conhecer os relatos das famlias camponesas, especialmente na Microrregio de Ceres,
durante a militncia nos movimentos sociais do campo no estado de Gois e nos longos
debates na Via Campesina do Brasil sobre o tema. Essas inquietaes levaram necessidade
de se proceder a um estudo mais acurado sobre o assunto.
A clara percepo dos impactos que a expanso do plantio da cana-de-acar, matria-
prima para fabricao de etanol e acar, vem causando para o campesinato e a conscincia
da importncia do campesinato para a sociedade e para as necessrias transformaes dessa
sociedade requeria avanos. A militncia nos movimentos sociais camponeses,
especialmente no Movimento Campons Popular MCP, a vivncia, a militncia, a
experienciao levantavam indagaes s quais era preciso tentar responder. A expanso do
agronegcio dos agrocombustveis e suas tendncias de crescimento ainda maior so uma
ameaa real, em andamento, s famlias camponesas em Gois. Respostas, sugestes de
soluo e aes poderiam surgir com o desenvolvimento desta dissertao de mestrado.
Durante a graduao, as tentativas de apreenso e compreenso das desigualdades sociais
em nosso pas se deram por outro caminho, o da Economia, e culminaram na monografia de
bacharelado sobre a distribuio de renda no Brasil. De l para c, muitas coisas mudaram.
Mas, foi a militncia nos movimentos sociais do campo e as oportunidades de conhecer e
manter contato com pesquisadores renomados na Geografia como Ariovaldo Umbelino de
Oliveira, Bernardo Manano Fernandes e Carlos Walter Porto-Gonalves, entre outros, que
mostraram a possibilidade de buscar na Geografia explicaes para a desigual e injusta
realidade do campo. Mas, entre tantos e to importantes motivos e estmulos para estudar o
assunto, h um fato determinante: minha origem camponesa. Essa, sim, talvez tenha sido o
motivo decisivo, posto que foi no campo que nasci e vivi toda a minha infncia e a minha
juventude. Foi no campo, como filho de camponeses, e como campons, junto com meus trs
irmos, que vivi na pele a dureza de um Brasil extremamente injusto, desigual e
preconceituoso.
Assim posto, a dissertao de mestrado que ora apresentamos um estudo inicial sobre os
impactos causados pela expanso do agronegcio dos agrocombustveis sobre o campesinato
no estado de Gois. Com esta pesquisa busca-se apreender, compreender e apontar alguns
elementos para a reflexo sobre as diversas contradies geradas pelo agronegcio dos
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agrocombustveis e seus impactos para o campesinato. Para isso, utilizou-se algumas
categorias de anlise da Geografia, tais como espao, territrio e territorialidade, situando-as
no contexto do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no campo.
No que se refere metodologia ou procedimentos metodolgicos e/ou tcnicas que foram
utilizadas para buscar informaes e/ou respostas s questes apresentadas na
problematizao desta pesquisa, foram percorridos as seguintes etapas: a) pesquisa terica; b)
pesquisa documental; e, c) pesquisa de campo. Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder
(2002), essas tcnicas e procedimentos so utilizados em pesquisas de carter qualitativas,
como o caso. Alm disso, estas pesquisas possuem um carter multimetodolgico, devido ao
qual podem ser utilizados diversos mecanismos para a coleta de dados.
Para estudar o movimento contraditrio do capital no campo, no que se refere aos temas
relacionados ao campesinato, foram realizadas leituras de obras de autores como: K. Marx, R.
Luxemburgo, V. I. Lnin, Karl Kautsky, A. V Chayanov, T. Shanin, J. Gorender, J. de S.
Martins e A. U. Oliveira, entre outros. No que se refere ao processo de
concentrao/centralizao de capital centrou-se os estudos sobre autores como: K. Marx, R.
Luxemburgo, V. I. Lnin, D. Harvey, F. Chesnais, J. D. van der Ploeg, entre outros. No que
refere ao debate sobre territrio, foram analisadas obras de autores como: Calabi, Indovina,
Raffestin, A. U. Oliveira, entre outros autores que abordam as diferentes teorias de
desenvolvimento do capitalismo no campo, formuladas a partir do pensamento de Marx.
No que se refere s pesquisas documentais, elas foram de fundamental importncia, posto
que, com elas encontramos informaes importantes para a pesquisa, como estatsticas,
anlises j realizadas etc., que ajudaram a orientar tanto a pesquisa terica como a pesquisa de
campo. No nosso caso, centraram-se as anlises em documentos e dados extrados de rgos
como: IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, CANASAT Mapeamento da
Cana via Imagens de Satlites de Observao da Terra, CONAB Companhia Nacional de
Abastecimento, SEPIN Superintendncia de Pesquisa e Informao, SEPLAN Secretaria
de Planejamento do Estado de Gois, UDOP Unio dos Produtores de Bioenergia, UNICA
Unio das Indstrias de Cana-de-acar e ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes
de Veculos Automotores, entre diversos outros.
No que se refere pesquisa de campo, Segundo Luna (2000), ao realizar uma pesquisa de
campo, o pesquisador poder se deparar com vrios problemas, principalmente devido a
dificuldades de acesso s informaes. No nosso caso, para as entrevistas dos/as sujeitos
campons/a devido militncia no MCP Movimento Campons Popular e convivncia
com as famlias camponesas, em vrias regies do estado de Gois, houve uma confiana
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entre as partes, com a qual vrias barreiras foram superadas. O desafio maior, porm, foi fazer
entrevistas com usineiros ou diretores de agroindstrias canavieiras. Neste caso, o acesso s
informaes foi obtido atravs de solicitao formal de visitas e entrevistas. A incluso deste
sujeito foi de fundamental importncia para poder identificar o contraditrio.
O procedimento para recolher as informaes foi o relato verbal (oral), que foi gravado
aps a autorizao dos/as entrevistados/as em uma entrevista semi-estruturada, tanto com os
sujeitos camponeses/as quanto com usineiros e/ou diretores de agroindstrias canavieira. Os
trabalhos de campo foram iniciados antes mesmo de entrarmos no Mestrado em Geografia, ou
seja, teve incio no ms de maio de 2009, quando foram realizadas algumas visitas e
entrevistas preliminares, como parte da pesquisa, no municpio de Ipiranga de Gois, sendo
encerrada em fevereiro de 2011. Durante o trabalho de campo tambm se buscou registrar os
problemas causados pela expanso da plantao de cana-de-acar sobre o campesinato
mediante o registro em imagem fotogrfica.
Quanto amostragem utilizada em nossa pesquisa, usou-se o mecanismo de amostragem
deliberada, pois atravs dele pode-se deliberar quais seriam os sujeitos que compuseram o
estudo. Segundo Turato (2003), na amostragem deliberada o pesquisador fica livre para
deliberar sobre as caractersticas pessoais. Alm disso, neste tipo de amostragem no se deve
quantificar quantos indivduos sero entrevistados, mas, sim, pensar critrios gerais e a
incluso de sujeitos potenciais. Diante disso, ns optamos, no caso dos sujeitos
camponeses/as, por entrevistar lideranas locais.
Com a pesquisa, chegou-se a um nmero de 32 (trinta e duas) entrevistas realizadas com
os sujeitos sociais camponeses/as e 5 (cinco) entrevistas com sujeitos usineiros e/ou diretores
de agroindstrias canavieiras. As entrevistas com os sujeitos foram realizadas em cinco
Microrregies do estado de Gois, sendo elas: Meia Ponte, Sudoeste de Gois, Quirinpolis,
Ceres e Vale do Rio dos Bois. Isso ocorreu porque nestas reas que est concentrada grande
parte da plantao de cana-de-acar e localizadas as agroindstrias canavieiras.
As entrevistas com os camponeses/as foram realizadas nos municpios de Ipiranga de
Gois, Nova Gloria, Rubiataba, Carmo do Rio Verde, Itapuranga, Quirinpolis, Itumbiara,
Bom Jesus, Maurilndia, Santa Helena de Gois e Goiatuba. Com os usineiros, nos
municpios de Carmo do Rio Verde, Rubiataba, Goiatuba, Quirinpolis e Itumbiara.
Nosso objetivo, com o trabalho de campo, foi perceber e buscar respostas para as
perguntas elaboradas em nossa problemtica, assim como, fazermos uma leitura mais coerente
e o mais prxima possvel da realidade concreta e identificar o contraditrio. Mas, tambm,
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serviu para apontarmos, de forma mais clara, as aes e os interesses de classe, envolvidos no
tema.
Assim, essa dissertao de mestrado se baseou na identificao das contradies
existentes no agronegcio dos agrocombustveis, bem como nas suas novas territorialidades e
estratgias, na apreenso e na discusso dos rearranjos espaciais e redefinies desencadeadas
nas atividades do campo por este setor do agronegcio, tendo como eixo principal os impactos
sobre as famlias camponesas e a reflexo sobre a consolidao deste setor que vem ocorrendo
em Gois.
Foram considerados aspectos julgados relevantes, tais como: o campesinato e as diferentes
vias de desenvolvimento do capitalismo no campo; o agronegcio do agrocombustvel e seu
discurso ambientalmente correto; o processo de expanso das reas de cultivo da cana-de-
acar, frente perspectiva de aumento do consumo do etanol e do acar e de seus
subprodutos nos mercados interno e externo; a concentrao e a centralizao de capitais que
vo formar monoplios e oligoplios que, posteriormente, se territorializaram e
monopolizaram territrios e, por fim, os impactos causados pela expanso do agronegcio dos
agrocombustveis sobre o campesinato no estado de Gois.
Com essas anlises pde-se perceber que o capitalismo no campo brasileiro, organizado
na forma do agronegcio, agora contando com esse setor especfico dos agrocombustveis,
vem formulando uma nova estratgia para garantir a expanso da acumulao de capital:
firmar alianas entre a produo, a circulao e o capital financeiro (este no comando), para
formar, assim, grandes monoplios e oligoplios. Esta estratgia de ao do capital no campo
visa territorializao dos monoplios e oligoplios, via desterritorializaao dos camponeses
e monopolizao de territrios atravs da sujeio e subjugao da renda da terra, oriunda
tanto das relaes de produo capitalistas quanto das relaes no capitalistas.
no estudo e na anlise das caractersticas da acumulao e da reproduo ampliada do
capital no campo brasileiro que podem ser encontradas explicaes, em suas prprias
contradies, para as transformaes e prejuzos territoriais, sociais e ambientais decorrentes
da expanso do agronegcio dos agrocombustveis no estado de Gois, produto da
modernizao e expanso capitalista no campo.
No desenvolvimento da investigao emprica, na anlise de documentos e na reflexo
terica procurou-se considerar, sobretudo, os desdobramentos do processo de apropriao e o
consequente reordenamento espacial que atinge as famlias camponesas e que estabelece a
luta pelo territrio de pertencimento. Para isso, levou-se em conta a ideia defendida por
alguns estudiosos do tema de que o agronegcio dos agrocombustveis produz um discurso,
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muitas vezes, respaldado pelas aes e pelo discurso do Estado, de que essa atividade capaz
de produzir combustvel ecologicamente correto, limpo, e, assim, contribuir para enfrentar a
crise climtica. O fato de que o agronegcio historicamente concentrador de terra e de
capital, explorador da fora humana que trabalha (inclusive com trabalho escravo), no gera
emprego, renda e desenvolvimento econmico e social onde est instalado e/ou onde se
instala e, ao mesmo tempo, causa grandes impactos para o campesinato e para o meio
ambiente pde ser comprovado nesta pesquisa. Alm disso, ficou claro que o modelo
tecnolgico usado na produo da matria-prima, a cana-de-acar, para a fabricao do
etanol, na verdade um modelo petrodependente dada a quantidade de insumos oriundos de
combustveis fsseis consumidos e mesmo de leo diesel, durante o plantio, a colheita e o
transporte da cana e do etanol.
Constatou-se na pesquisa emprica a luta de classes no campo, envolvendo o conjunto dos
trabalhadores, especialmente as famlias camponesas, em defesa do direito terra de
trabalho, do acesso e/ou da permanncia nela, e que, enquanto sujeitos sociais tm se oposto
reproduo ampliada do capital no campo, sendo por este considerados um obstculo, um
empecilho que precisa ser removido para limpar a terra.
Nesta pesquisa, no que diz respeito ao recorte geogrfico, foi adotada a diviso em
microrregies feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), segundo a qual
o estado de Gois possui dezoito microrregies geogrficas. Destas, cinco, segundo dados da
Produo Agrcola Municipal, srie histrica do mesmo rgo, se destacam na plantao de
cana. So elas: Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste de Gois, Vale do Rio dos Bois e Ceres.
nelas que est concentrada grande parte (cerca de 77%) da plantao de cana-de-acar do
estado. Nessa poro do estado, o discurso e o iderio dessa nova territorializao do
agronegcio dos agrocombustveis vm utilizando os benefcios que a expanso do cultivo
de cana-de-acar proporciona, o que expressa a fundamentao econmica do agronegcio
dos agrocombustveis, para se firmar e afirmar. Foi por este motivo que, durante o
desenvolvimento dessa dissertao, acompanhou-se o discurso desenvolvimentista do
agronegcio dos agrocombustveis, respaldado pelo Estado, e constatou-se que ele adquire
visibilidade e territorializa-se com as novas configuraes com que o capital se apresenta.
Entre os principais percursos terico-metodolgicos que nortearam a pesquisa emprica e
a formulao dessa dissertao est a leitura geogrfica da correlao de foras, que
envolve, de um lado, capital e Estado e, de outro, as famlias camponesas. Nesse embate, a
contradio do capital fica explcita na materialidade e nos fenmenos presentes na expanso
do agronegcio dos agrocombustveis. E a conscincia dessa contradio que leva luta
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pela permanncia na terra de trabalho e/ou pelo acesso a ela. Ou seja, a leitura geogrfica
mostra as disputas pelo territrio entre famlias camponesas (com ou sem terra) e capital, na
construo e/ou manuteno de territorialidades. Enfim, trata-se da luta das famlias
camponesas pela sobrevivncia contra o capital (agronegcio dos agrocombustveis) que
busca no campo a sua reproduo e ampliao.
No pretenso desta pesquisa, como no pode ser de nenhuma outra, esgotar o assunto.
Intencionou-se demonstrar que, em algumas fraes do territrio, no estado de Gois, est em
curso um processo de reordenamento territorial e produtivo pautado por um conjunto de aes
estratgicas, econmicas e polticas, adotadas pelo agronegcio dos agrocombustveis com o
apoio do Estado, que vm causando srios problemas no uso e posse da terra, por exemplo, a
diminuio da produo de alimentos, especialmente os produzidos pelas famlias
camponesas que vivem nestes territrios. Assim, esto postos novos desafios para os
movimentos sociais do campo na busca de mecanismos de resistncia e superao da ao do
capitalismo no campo.
As obras lidas, analisadas e interpretadas durante a pesquisa, somadas investigao
emprica e aos levantamentos de dados em fontes secundrias, forneceram os elementos
necessrios para a elaborao dessa dissertao.
Com essa pesquisa espera-se ter contribudo para mostrar a importncia da cincia
geogrfica e, especialmente, ter esclarecido algumas questes e proposto assuntos para novas
pesquisas. Alm disso, procuramos deixar clara nossa posio diante da realidade encontrada,
pois pior do que no compreender os problemas causados pelo agronegcio dos
agrocombustveis s famlias camponesas compreender e no tomar posio, no fazer nada,
tratar com indiferena, ignor-los.
Diante disso, apresenta-se esta dissertao para atender s exigncias do Programa de Ps-
Graduao Stricto Sensu em Geografia, da Universidade Federal de Gois, Campus Catalo,
na rea de concentrao Geografia e Ordenamento do Territrio e na linha de pesquisa
Trabalho e Movimentos Sociais com o intuito de obter o ttulo de Mestre em Geografia.
Mestre no quem sempre ensina, mas quem, de repente, aprende, segundo Joo
Guimares Rosa que, por meio de um dos seus personagens tambm disse: Saber de muitas
coisas eu no sei; mas, desconfio.
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Introduo
O espao geogrfico onde se realiza esta pesquisa o estado de Gois. Situado no centro
do pas, Gois possui 341.300 Km de rea total, com suaves declives em grande parte de seu
territrio, extensos planaltos, tambm chamados de chapades e chapadas, nascentes que do
origem a bacias hidrogrficas importantes como a Amaznica, a do Prata, a do So Francisco
e a do Tocantins-Araguaia (CASTRO; BORGES; AMARAL, 2007). Mas, as anlises feitas
concentraram-se sobre os lugares onde est localizada grande parte da plantao de cana-de-
acar, como o caso das Microrregies de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio
dos Bois e Ceres.
O capitalismo, formado a partir de condies histricas, polticas e econmicas se
desenvolveu, ao longo da histria, a partir da Revoluo Industrial ocorrida entre o final do
sculo XVIII e o incio do seculo XIX na Inglaterra. No campo, seu desenvolvimento ocorreu
a partir de diferentes vias, como a inglesa, a prussiana, a junker e a farmer. Mas, nos pases
colonizados, como o caso do Brasil, a forma capitalista de produo que predominou foi o
plantation que influenciou tambm a formao do meio urbano, visto que o Brasil teve na
agropecuria sua principal atividade econmica at sua industrializao, que ainda est em
curso. Da modernizao do plantation surgiu a forma atual: o agronegcio.
A ao capitalista no campo vem causando impactos brutais para os camponeses, dada a
violncia posta e imposta sobre eles, mas, mesmo assim, no foi capaz de elimin-los, pois
sua resistncia fez com que eles continuassem presentes na histria, nos dias atuais, inclusive
nas sociedades capitalistas, em alguns locais com mais e em outros com menos fora e
presena. Isso ocorre, segundo Shanin (1983; 2005) porque fatores econmicos desagregam e,
ao mesmo tempo, o agregam, assim como, fatores polticos (poltica conjuntural) desagregam
e, ao mesmo tempo, agregam (transformaes espaciais) o campesinato e ele, ento, para
sobreviver, recria-se.
No Brasil, o capitalismo no campo, que teve incio com o plantation e na produo de
cana-de-acar, sua principal atividade econmica, passou, ao longo da histria, por diversas
transformaes at chegar sua fase atual, o agronegcio. No perodo recente, devido s
crises climticas e relativa proximidade do fim do petrleo, o capital encontrou no campo
brasileiro, mais especificamente no agronegcio dos agrocombustveis, uma nova
oportunidade para realizar e ampliar ainda mais a sua acumulao. Utilizando um discurso
ambientalmente correto, o capital vai construindo novos mecanismos e/ou estratgias de
acumulao o que d a ele uma nova face.
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Como resultado, ocorre um reordenamento territorial e produtivo em fraes do territrio
goiano, mais especificamente a partir do ano de 2005/06, momento em que a rea plantada
com cana-de-acar sofre enorme expanso, provocada por trs fatores, que so: 1) o aumento
na demanda dos mercados externo e interno por acar; 2) o aumento do consumo interno de
etanol como combustvel de veculos automotores; e 3) a adio de lcool anidro gasolina.
Em defesa do etanol, o discurso capitalista tem se baseado principalmente em dois
argumentos. O primeiro deles que o etanol uma alternativa de combustvel renovvel para
substituir os combustveis fsseis que vo acabar num futuro no muito distante
considerando-se o tempo histrico; o segundo a necessidade de reduzir as emisses de CO2
na atmosfera, cujo principal responsvel so os combustveis fsseis. So estes os principais
argumentos utilizados nos discursos para justificar a expanso do setor que, atualmente, vem
promovendo a concentrao e a centralizao de capital, tanto na produo como na
distribuio e comercializao do etanol, formando oligoplios e monoplios.
No Brasil, entretanto, a produo do agrocombustvel, o etanol, petrodependente, porque
a produo da matria-prima para a fabricao do etanol, a cana-de-acar, altamente
dependente do consumo de venenos, fertilizantes, mquinas e equipamentos, caminhes etc.
que consomem uma grande quantidade de combustvel fssil e seus derivados. Portanto, na
verdade, o etanol no um combustvel limpo como propagado e, mesmo assim, no Brasil,
sua produo vem se expandindo justificada como um meio para enfrentar a crise ambiental e
as possibilidades reais do fim do petrleo.
Alm disso, no Brasil, vem ocorrendo uma crescente concentrao e centralizao na
produo e nas vendas de etanol e acar por grandes grupos econmicos multinacionais, o
que condiz com o que Franois Chesnais chamou de mundializao do capital. Neste sentido,
o capitalismo no campo brasileiro, no caso, o agronegcio dos agrocombustveis, vem
construindo um conjunto de aes para garantir a expanso da acumulao de capital e, para
isso, est firmando uma aliana entre a produo, a circulao e o capital financeiro,
formando, assim, grandes monoplios e oligoplios, tendo sempre frente os grupos de
empresas transnacionais e estas, por sua vez, controladas e/ou dirigidas pelo capital
financeiro. Portanto, h, de fato, uma tendncia formao de monoplios e oligoplios no
agronegcio dos agrocombustveis no Brasil.
A formao de monoplios e oligoplios ocorre por meio do processo de fuso e
aquisio no setor sucroalcooleiro no Brasil, que pode ser explicada, a partir das teorias sobre
o imperialismo, elaborada por autores como Marx, Lnin, Luxemburgo, Harvey e Ploeg, entre
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outros. Mas, as explicaes mais prximas realidade podem ser encontradas nas anlises
sobre a mundializao do capital realizadas por Franois Chesnais.
A luta de classes, travada entre as famlias camponesas e o capital, no caso o agronegcio
dos agrocombustveis, conforme Oliveira (2007), que estuda a luta dos camponeses pela
permanncia em seus territrios, produto do prprio desenvolvimento do capital que faz
do territrio objeto de um longo e constante processo de
construo/destruio/manuteno/transformao para dele se apropriar para aquilo que for
conveniente no momento, neste caso, para exercer o agronegcio dos agrocombustveis. a
partir da expanso da rea plantada com cana-de-acar sobre os territrios camponeses que
surge a luta pelo territrio, que tem levado construo de novas territorialidades e, com isso,
tem provocado enormes contradies.
Esta dissertao dividida em trs captulos, os quais abordam os seguintes temas:
a) Captulo I: as relaes entre o capitalismo e o campesinato a partir das diferentes vias
de desenvolvimento do capitalismo no campo. Para isso, foram analisadas vrias vias de
desenvolvimento, desde as clssicas at as mais recentes.
b) Captulo II: trata das novas faces de acumulao do capital e seu discurso
ambientalmente correto; do agronegcio dos agrocombustveis no Brasil; da expanso das
reas de cultivo da cana-de-acar, frente a perspectiva de aumento do consumo do etanol e
do acar nos mercados interno e externo; da concentrao e da centralizao de capitais que
vo formar oligoplios e monoplios.
c) Captulo III: apresenta os impactos causados pelo agronegcio dos agrocombustveis
sobre o campesinato no estado de Gois. Neste captulo so apontadas as diversas
contradies geradas por esse setor do capital no campo. Para tanto, deu-se nfase ao estudo
em reas de maior concentrao das agroindstrias sucroalcooleiras e de plantao de cana-
de-acar.
Por fim, apresentam-se as consideraes e alguns apontamentos, embora o tema
pesquisado requeira muitos outros e permanentes estudos. Espera-se que a pesquisa seja til
para a Cincia Geogrfica, para os sujeitos envolvidos nesta pesquisa, ou seja, para as famlias
camponesas, bem como, de alguma forma, para grande parte do povo brasileiro.
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CAPTULO I. O CAMPESINATO NO CAPITALISMO: Extinguir? Resistir? Existir?
Os camponeses no falam, so falados.
(Pierre Bourdieu citado por Gerard Mauger)
Para se analisar a presena do campesinato na sociedade capitalista e apreender,
compreender e apontar alguns elementos para a reflexo sobre sua extino, resistncia e/ou
existncia, faz-se necessrio entender as diferentes vias de desenvolvimento adotadas pelo
capitalismo no campo, desde o seu surgimento at os dias atuais.
Nesta pesquisa, o tema proposto ser abordado a partir da Geografia Agrria. Neste campo
da Geografia, h certo consenso que o compreende como o conjunto de problemas inerentes
ao desenvolvimento do capitalismo no campo.
No Brasil, no comeo dos anos de 1960, Orlando Valverde foi um dos precursores do
debate sobre a Geografia Agrria a partir de um olhar crtico. Segundo Valverde (2006), ao se
estudar a explorao agrcola, necessrio que se tenha um profundo conhecimento sobre o
solo, a geologia, o relevo, o abastecimento de gua natural, o clima, a vegetao, a formao
econmica, as influncias sociais etc. Mas, para ele, alm de se compreender esses elementos,
faz-se necessria uma anlise maior de aspectos como a ao modificadora dos homens por
motivos de ordem econmica, social, histrica e religiosa. Por isso, mostra ainda que a
Geografia Agrria no deve restringir-se a uma simples anlise e classificao dos sistemas
agrcolas e, sim, deve ir alm, porque
A Geografia Agrria , em ltima anlise, a interpretao dos vestgios que o
homem do campo deixa na paisagem, na sua luta pela vida, quotidiana e silenciosa.
Ela permanece, desse modo, no seu substrato, como um estudo essencialmente
econmico. No foi por acaso que ela foi estruturada quase um sculo depois da
Economia Poltica. S assim, bem caracterizada no seu aspecto qualitativo e
quantitativo, a Geografia Agrria adquirir cunho cientfico e ter utilidade prtica.
Amputada de uma de suas partes, ela poder proporcionar matria para elegantes
conferncias, cheias de erudio, mas jamais contribuir para a soluo de qualquer
dos problemas que afligem o homem (VALVERDE, 2006, p. 15).
Referindo-se realizao de trabalhos de campo, Valverde (2006) considera que,
[...] o instrumento mais importante que o gegrafo leva para o campo o prprio
crebro. L, ele no se limita a olhar, pois que assim o fazem todos os que viajam:
turistas, viajantes. O gegrafo precisa ver o que significa olhar, associado ao ato
inteligente de refletir: observar, enfim (VALVERDE, 2006, p. 07).
Referindo-se origem da Geografia Crtica no Brasil, Oliveira (2005) esclarece que ela
surgiu nos anos 1970 tendo-se atribudo a ela a caracterstica crtica, porque intentava-se
fazer a crtica ao modo de produo capitalista que se consolidava vorazmente no campo
brasileiro naquele momento.
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Para Bray (2008), em Manuel Correia de Andrade que encontra-se uma ampliao dos
estudos de Geografia Agrria no Brasil, pois, segundo ele, os estudos de Andrade rompem
com a chamada neutralidade da Geografia ao incluir em suas discusses os movimentos
agrrios do Nordeste, especialmente as Ligas Camponesas. Na viso de Bray, Andrade seguia
o mesmo caminho de outros estudiosos da agricultura brasileira poca, principalmente, Caio
Prado Jnior, que prefaciou uma das principais obras de Andrade, A Terra e o Homem no
Nordeste, publicada no comeo dos anos 1960, momento no qual se discutia a Questo
Agrria e as Lutas Camponesas em diferentes segmentos da sociedade brasileira.
Segundo Bray (2008), devido a essa comunho do gegrafo com os movimentos sociais
que pode-se considerar Manuel Correia de Andrade o primeiro gegrafo brasileiro a romper
com os formalismos e as formalidades, do positivismo neutralidade. Para Bray, foi a partir
desse momento que Andrade passou a produzir cincia como cientista e como cidado. Nesse
sentido, A ligao da obra A Terra e o Homem no Nordeste com Caio Prado Jnior colocava
a necessidade do trabalho emprico sensvel que o gegrafo nacional desenvolveu, no estudo
das relaes de produo e de trabalho (BRAY, 2008, p. 08).
Seguiu esta linha de pensamento e tambm considerado um dos precursores deste debate
o professor e gegrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, com a defesa, em 1978, de sua tese
de doutorado intitulada "Contribuio para o estudo da Geografia Agrria: crtica ao
Estado isolado de Von Thnen"1. Sobre o estudo do campo pela Geografia, Oliveira afirma
que preciso construir uma Geografia que [...] possa servir de instrumento para a
transformao do campo e, se possvel, tambm, da cidade (OLIVEIRA, 2001, p.7)2.
Em suas anlises sobre a Geografia Agrria, Oliveira inseriu temas como a luta pela terra
e a lgica do sistema capitalista. Para tanto, nas discusses envolvendo o estudo das relaes
sociais no campo, foram incorporadas a Sociologia e a Economia para buscar explicaes
para a complexa realidade no campo. Mas, claro que isso no se fez sem que houvesse
crticas por parte de alguns gegrafos3.
De todo modo, como bem ressalta Thomaz Jr (2009),
[...] o que queremos com esse raciocnio chamar a ateno do leitor para o fato de
que a Geografia Agrria tem como elemento fundamental e fundante o fato de
termos uma questo agrria no Brasil [...] habitada, pois, por contradies,
polmicas histricas e renovadas nos ltimos anos pelos efeitos irradiadores do
1 Ver Atlas da Questo Agrria Brasileira, disponvel em:
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/questao_agraria.htm. 2 Ver Atlas da Questo Agrria Brasileira, disponvel em:
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/questao_agraria.htm. 3 Para identificar alguns crticos e para uma maior compreenso do tema ver Atlas da Questo Agrria
Brasileira, disponvel em: http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/questao_agraria.htm.
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destrutivismo do desenvolvimento das foras produtivas capitalistas atravs do
agronegcio, em particular na primeira dcada do segundo milnio (THOMAZ JR,
2009, p. 27-28).
Como os debates e a discusso sobre a Geografia Agrria Crtica no Brasil tiveram incio
no final da dcada de 1960 e comeo dos anos de 1970, tambm, nesta pesquisa, para o
entendimento das diferentes vias de desenvolvimento do capitalismo no campo, recorrer-se-
a autores clssicos, tanto da Economia como da Sociologia, especialmente Marx e autores
marxistas, porque escolher os mtodos e conhecer suas implicaes importante em todas as
pesquisas.
Mas, antes preciso, mesmo de forma resumida, pois no inteno aprofundar este
debate nessa pesquisa, conceituar o que o capitalismo enquanto modo de produo.
Entre os consensos existentes entre intelectuais das mais diferentes correntes que, a partir
de um olhar extremamente tcnico, analisaram no ltimo sculo e meio o sistema capitalista
est o entendimento de que capitalismo refere-se: acumulao financeira, posse privada
dos meios de produo que destinada totalmente comercializao para obteno de lucro,
portanto, todos os produtos so mercadorias, inclusive o homem.
Mas, dentre as principais correntes de anlise e interpretao deste sistema de produo,
duas correntes chocam-se e divergem substancialmente, seja no que se refere s origens, seja
no que se refere s consequncias deste sistema para a sociedade. Nesse caso, est se falando
de dois grandes pensadores: Karl Marx e Max Weber4.
A primeira crtica sistematizada feita ao capitalismo foi elaborada por K. Marx, para quem
o capitalismo tem sua origem em e formado a partir de condies histricas e econmicas.
Marx define o capitalismo como um modo de produo de mercadorias que teve origem na
Idade Moderna. O seu desenvolvimento, enquanto modo de produo, deu-se a partir da
Revoluo Industrial.
4 claro que existem diversos outros autores que abordaram o tema como Werner Sombart; Maurice Dobb, com
seus Estudos sobre o desenvolvimento do Capitalismo; Paul Sweezy e Rodney Hilton, cujo conjunto de debates
foi publicado nos livros A transio do feudalismo para o capitalismo, publicado no Brasil pela Editora Paz e
Terra e Do feudalismo ao capitalismo, livro organizado por Theo Santiago e que foi publicado no Brasil pela
Editora Contexto. Tambm existe a obra de Karl Polanyi, A grande transformao. Alm disso, nos anos de
1970 o livro de Perry Anderson, Linhagens do Estado Absolutista. Entre os mais recentes destaca-se a obra de
Ellen M. Wood, A origem do capitalismo, publicada em 1999 e traduzida no Brasil em 2001. Mendona (2008),
por exemplo, afirma que O capitalismo uma construo histrica e, portanto, passvel de ser superada, na
medida em que em condies objetivas, o capitalismo surge em espaos e tempos diferenciados, contudo,
notrio o seu pioneirismo na Inglaterra em meados do sculo XVII (MENDONA, 2004, p. 03). A opo pelas
obras de K. Marx e Max Weber deu-se porque, de certa forma, eles acabaram influenciando as demais, que
acabaram por concordar ou no com as abordagens destes dois tericos.
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Para Marx o modo de produo capitalista no se restringe somente s questes
econmicas, entranha-se nas relaes sociais estabelecidas a partir da relao entre capital e
trabalho, na qual a fora de trabalho (os trabalhadores) no proprietria dos meios de
produo, o que leva a um outro aspecto fundamental para o funcionamento do sistema
capitalista: a transformao da fora de trabalho em mercadoria. Logo, esta fora de trabalho
pode ser levada ao mercado e trocada livremente. Feito isso, para Marx estava posta a
caracterstica fundamental deste sistema: a diviso da sociedade em classes sociais. De um
lado, as classes que so proprietrias dos meios de produo (burguesia e proprietrios de
terra), e, de outro, outra classe, cuja nica fonte de sobrevivncia a venda de sua fora de
trabalho.
Outra explicao alternativa de Marx, e que ganhou muitos adeptos, inclusive na
Geografia, foi apresentada por Max Weber em sua obra A tica protestante e o esprito do
capitalismo. Weber centraliza sua anlise em aspectos culturais, pois, para ele, o desejo de
acumular riquezas sempre existiu nas sociedades humanas. Para Weber este desejo esteve
presente no Imprio Romano, assim como nas Grandes Navegaes. Mas, ainda faltavam
condies sociais para garantir seu desenvolvimento contnuo e ininterrupto.
Weber afirma ainda que as condies sociais necessrias ao desenvolvimento pleno do
capitalismo surgiram somente aps a Reforma Religiosa Protestante ocorrida no sculo XVI.
Demonstra isso a partir da anlise que faz das condenaes feitas pela Igreja Catlica s
prticas da usura e do lucro por comerciantes durante os sculos XV e XVI. Afirma tambm
que, se as restries tivessem sido mantidas, no se teria chegado "acumulao primitiva".
Ento, para Weber, a mudana fundamental ocorrida, e que permitiu retirar as amarras ao
desenvolvimento do capitalismo, foi a Reforma Religiosa5 promovida por Lutero e Calvino.
Segundo Weber, tanto para Lutero como para Calvino, as atividades profissionais devem ser
vistas como um dom, uma vocao divina, e seria da vontade de Deus que elas fossem
exercidas. No entendimento de Weber, foi a partir deste momento que o trabalho, que at
ento era visto como um mal necessrio, passa a ter um valor positivo. Ainda, na viso de
Calvino, o trabalho a nica forma de salvao e a acumulao de riquezas a partir do
trabalho um sinal de predestinao.
Para Max Weber, esses novos dogmas religiosos, somados a outros como a contabilidade
diria etc., passaram a formar os fundamentos de uma tica que, a partir de ento, regeria a
5 Conjunto de movimentos de carter religioso, mas que chegaram ao campo poltico e econmico contestando
os dogmas catlicos. Ocorreu entre os anos de 1517 e 1564. Iniciou-se na Alemanha e provocou a separao na
comunidade catlica da Europa que deu origem ao protestantismo.
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conduta diria dos fiis protestantes. Logo, estavam dados os elementos fundamentais para a
consolidao do capitalismo aos quais chamou de: A tica protestante e o "esprito" do
capitalismo.
Estas duas diferentes formas de interpretar o capitalismo, descrita acima, guardam
divergncias entre elas. Diante disso, toma-se posio no apenas por questes ideolgicas,
mas tambm por questes lgicas pois seguir analisando, de um lado, as ideias de Weber,
e/ou autores weberianos, e, de outro, Marx e/ou autores marxistas se constituiria um exerccio
tautolgico. Alm disso, as opes terico-metodolgicas so necessrias para a realizao de
quaisquer trabalhos cientficos. Ou se est com um ou se est com outro, especialmente no
que se refere s interpretaes sobre o capitalismo. Assim seguir-se- nesta pesquisa as ideias
de Karl Marx, at porque o conceito de capitalismo de Marx rigorosamente unvoco. No h
margem para subterfgios. J o idealismo das teorias elaboradas por Max Weber, centradas
numa certa orientao capitalista de lucro, poderiam levar as interpretaes dos fatos a vrias
formas de capitalismo.
A seguir, sero discutidas as principais vias de desenvolvimento do capitalismo na
agricultura a partir das obras de Marx e de autores marxistas, fato importante para poder se
perceber os impactos da ao do capitalismo, especialmente do setor do agronegcio dos
agrocombustveis sobre as famlias camponesas. Alm disso, a partir dessas vias pode-se
confirmar ou no as predies de autores clssicos sobre a extino do campesinato em todo o
mundo.
Compreender este processo histrico do capitalismo e suas diferentes vias de
desenvolvimento faz-se necessrio porque a sua forma de ao/expanso no foi homognea,
o capitalismo foi se metamorfoseando conforme a necessidade de cada realidade histrica.
Alm disso, h diferentes interpretaes sobre os impactos causados pelo seu
desenvolvimento sobre o campesinato.
Diante disso, pergunta-se: Por que, mesmo depois de cerca de um sculo da proclamao
do fim do campesinato, os camponeses continuam presentes em todo o mundo, em alguns
locais, com mais, e, em outros, com menos presena? O que ento explicaria sua permanncia
nestas sociedades capitalistas? Que elementos (fatores) levaram sua extino, sua
permanncia, sua recriao? Que futuro lhe espera especialmente onde se expande o
agronegcio dos agrocombustveis como vem ocorrendo em Gois? Estas questes tm
levado a grandes polmicas e precisam ser mais bem analisadas pelos estudiosos.
Inmeras discusses sobre o campesinato, desde os clssicos at os mais recentes,
perpetuaram diferenas entre as atividades desenvolvidas no campo, a realidade camponesa, e
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as no camponesas, que vo desde as suas formas de existncia at as relaes sociais e
tcnicas nelas presentes, como por exemplo: proprietrios da terra x no proprietrios;
tecnificados x no tecnificados; especializados x diversificados; dinmicos x conservadores;
modernos x atrasados.
Quanto s discusses envolvendo a racionalidade camponesa do processo decisrio so
bastante comuns discusses abordando temas como: maximizador de renda x minimizador de
fadiga x minimizador de risco.
Enfim, estas e tantas outras discusses, a partir de teorias totalizantes, tm sido colocadas
nos ltimos tempos sobre a presena do campesinato na sociedade capitalista.
H ainda os que advogam a incapacidade estrutural das unidades camponesas de
sobreviver na sociedade capitalista. Mas, h tambm os que, opondo-se queles, argumentam
que os camponeses tm seus mecanismos prprios de resistir ao econmica do capitalismo
no campo. De qualquer forma, as predies sobre o futuro dos camponeses so elaboradas a
partir de diferentes interpretaes das diferentes vias de desenvolvimento do capitalismo no
campo; entre as clssicas alguns autores marxistas identificam as vias inglesa, prussiana,
junker, farmer e a plantation e a atual, o agronegcio. Neste captulo, sero abordadas apenas
as quatro primeiras. As demais sero tratadas no captulo seguinte.
1.1 A via inglesa de desenvolvimento do capitalismo no campo
Entre os que realizaram uma primeira interpretao sobre o desenvolvimento do
capitalismo a partir de uma viso crtica esto autores clssicos, como Karl Marx, Friedrich
Engels e Rosa Luxemburgo que centraram suas anlises no desenvolvimento do capitalismo
na Inglaterra porque foi l, na Inglaterra, que o capitalismo teve seu incio a partir da
Revoluo Industrial ocorrida entre o final do sculo XVIII e o incio do seculo XIX e que
levou a um conjunto de mudanas tcnicas e tecnolgicas que causou grandes impactos no
processo produtivo, assim como mudanas econmicas, polticas, culturais e sociais
profundas.
Estes autores so tidos por muitos, assim como sero tidos nesta pesquisa, como aqueles
que interpretam o desenvolvimento, nessa fase inicial, do capitalismo como a chamada via
inglesa.
Karl Marx (2005), no livro I, V. II, Cap. XXIV de O Capital, foi o primeiro a partir de
uma viso crtica e a utilizar o conceito de acumulao primitiva em suas abordagens
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histricas sobre o desenvolvimento do modo de produo capitalista e os impactos causados,
por meio de sua expanso, sobre o campesinato na Inglaterra.
Neste captulo, Marx denuncia o modo violento e criminoso com que a nova classe social
(a burguesia), que se formava na Europa, especialmente na Inglaterra, se apoderou de toda a
riqueza fundiria, que pertencia historicamente grande massa camponesa (na Idade Mdia),
aps o declnio da sociedade feudal.
Para Marx, o desenvolvimento do modo de produo capitalista se alicera na dissociao
dos trabalhadores de seus meios de produo atravs da expropriao e da extrao da mais-
valia.
[...] a acumulao do capital pressupe a mais-valia, a mais valia, a produo
capitalista, e esta, a existncia de grandes quantidades de capital e de fora de
trabalho nas mos dos produtores de mercadoria [...] Todo esse movimento tem,
assim, a aparncia de um ciclo vicioso, do qual s poderemos escapar admitindo uma
acumulao primitiva, anterior acumulao capitalista, uma acumulao que no
decorre do modo capitalista de produo, mas seu ponto de partida (MARX, 2005,
p. 827).
A histria do capitalismo para Marx, no que se refere ao acmulo de terras, sempre se deu
pela expropriao dos camponeses ou de povos tradicionais6, que eram a maioria, em proveito
de uma minoria. Marx denominou este processo de acumulao primitiva.
Para Marx a acumulao primitiva teve seu incio com a expropriao dos camponeses na
Inglaterra atravs dos enclosures, ou seja, dos cercamentos, e, posteriormente, se estendeu
s colnias7, de uma forma ainda mais brutal e violenta, tendo presente o trabalho escravo.
Assim, impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o
globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vnculos em toda
parte (MARX; ENGELS, s/d, p. 24). E,
Devido ao rpido aperfeioamento de todos os instrumentos de produo e ao
constante progresso dos meios de comunicao, a burguesia arrasta para a torrente da
civilizao mesmo as naes mais brbaras. Os baixos preos de seus produtos so a
artilharia pesada que destri todas as Muralhas da China e obrigam a capitularem os
6 Existem, claro, outras formas de interpretao sobre a origem do capitalismo. Na viso de Ellen M. Wood, por
exemplo, O capitalismo nasceu bem no cerne da vida humana, na interao com a natureza, da qual depende a
prpria vida, e a transformao dessa interao pelo capitalismo agrrio revelou os impulsos intrinsecamente
destrutivos de um sistema em que os prprios fundamentos elementares da vida ficam sujeitos aos requisitos do
lucro (WOOD, 2001, p. 126). 7 Para Ellen M. Wood, Uma vez estabelecido o capitalismo num dado pas, a partir do momento em que ele
comeou a impor seus imperativos [quais sejam: desapropriao, extino dos direitos consuetudinrios,
imposio dos imperativos do mercado (como os de competir e acumular) e destruio ambiental] ao resto da
Europa e, por fim, ao mundo inteiro, seu desenvolvimento em outros lugares nunca pde seguir o mesmo curso
que ele tivera em seu lugar de origem. A partir de ento, a existncia de uma sociedade capitalista transformou
todas as demais, e a expanso posterior dos imperativos capitalistas alterou constantemente as condies do
desenvolvimento econmico (WOOD, 2001, p.126-127).
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brbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros. Sob pena de morte, ela obriga todas
as naes a adotarem o modo burgus de produo, constrange-as a abraar o que ela
chama de civilizao, isto , a se tornarem burguesas. Em uma palavra, cria um
mundo a sua imagem (MARX; ENGELS, s/d, p. 25).
Como resultado deste processo, a burguesia criou aglomeraes de pessoas nas cidades,
centralizou os meios de produo e concentrou a propriedade da terra, o que,
consequentemente, levou centralizao poltica.
Realizada a separao dos trabalhadores dos seus meios de produo, destrudas as
diferentes formas organizativas de povos primitivos ou outros modos de produo (Primitivo,
Asitico e/ou Feudal), Em seu lugar, estabeleceu-se a livre concorrncia, com uma
organizao social e poltica correspondente, com a supremacia econmica e poltica da classe
burguesa (MARX; ENGELS, s/d, p. 26).
Para Marx, o sistema capitalista, em seu processo histrico, como histria universal,
pressupe a dissociao entre os trabalhadores e a propriedade dos meios de produo pelos
quais realizam o trabalho, o que corresponde separao entre homem e natureza. Em meio a
esta contradio, a luta de classes aparece como agente propulsor deste processo. Ainda,
segundo ele, quando a produo capitalista se torna independente, no se limita apenas a
manter essa dissociao, dedica-se a reproduzi-la em escala cada vez mais ampliada. Por isso,
os mecanismos que criam o sistema capitalista esto alicerados na retirada do trabalhador da
propriedade de seus meios de trabalho. Um processo que transforma em capital os meios
sociais de subsistncia e de produo e converte em assalariados os produtores diretos.
Da a acumulao primitiva, para Marx, ser o processo histrico que dissocia o
trabalhador dos meios de produo e que separa homem e natureza. E considerada primitiva
porque constitui a pr-histria do capital e do modo de produo capitalista. Neste sentido,
[...] a expropriao da massa do povo que fica assim sem terra forma a base do modo
capitalista de produo (MARX, 2005, p. 884) e o principal mecanismo de produo do
capital.
Portanto, para Marx, a acumulao primitiva constituiu a base do desenvolvimento do
modo de produo capitalista e,
Marcam poca, na histria da acumulao primitiva, todas as transformaes que
servem de alavanca classe capitalista em formao, sobretudo aqueles
deslocamentos de grandes massas humanas, sbita e violentamente privadas de seus
meios de subsistncia e lanadas no mercado de trabalho como levas de proletrios
destitudos de direitos. A expropriao do produtor rural, do campons, que fica
assim, privado de suas terras, constitui a base de todo o processo (MARX, 2005, p.
829-830).
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Para Marx, a estrutura econmica da sociedade capitalista nasceu da decadncia da
estrutura econmica da sociedade feudal. A desagregao do feudalismo liberou os elementos
necessrios para a formao do sistema capitalista. Com a dissoluo do sistema feudal que,
em toda a Europa, segundo Marx, se caracterizava pela grande distribuio8 das terras entre os
camponeses, que teve incio o processo ento chamado de enclosures.
Os enclosures, ou cercamentos, consistiam na destituio das terras antes em posse dos
camponeses, as terras comunais, desses camponeses, para dar lugar criao de ovelhas, com
a finalidade de fornecimento de matria-prima (l) para abastecer a indstria de tecelagem que
se desenvolvia poca. Como resultado deste processo, a terra transforma-se em mera
mercadoria.
Para garantir o cercamento das terras comuns, neste perodo (sculos XV e XVI), o
instrumento utilizado foi a violncia e o terrorismo, que garantiram, assim, a transformao
das lavouras em pastagens. Se a situao do campons j era ruim, com a usurpao das terras
comuns e a revoluo agrcola que a acompanhava, agravou-se (MARX, 2005).
Alm disso, vrias outras aes de violncia e vrios outros mecanismos de expropriao
dos camponeses foram utilizados na Inglaterra, durante este perodo. Tudo para afastar os
camponeses do seu meio de produo a terra , e, assim, [...] o ltimo e grande processo de
expropriao dos camponeses finalmente a chamada limpeza das propriedades, a qual
consiste em varrer desta os seres humanos (MARX, 2005, p. 842). Como resultado, [...] a
expropriao da populao rural cria imediatamente apenas grandes proprietrios de terras
(MARX, 2005, p. 856).
Segundo Marx (2005), com o furto das terras da Igreja, com a alienao dos domnios do
Estado, com a ladroeira das terras comuns e com a transformao da propriedade feudal e do
cl em propriedade privada levados a cabo atravs de violncia implacvel, configuraram-se
os mtodos idlicos da acumulao primitiva que permitiram o ganho das terras para o capital
e [...] conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e
proporcionaram indstria das cidades a oferta necessria de proletrios sem direitos
(MARX, 2005, p. 847).
Efetivado este processo de expropriao e expulso dos camponeses de suas terras, estas
foram enquadradas na disciplina exigida pelo sistema de trabalho assalariado, por meio do
terrorismo legalizado, que empregava o aoite, o ferro em brasa e a tortura9. Mas, segundo
8 Entendida como posse, como terra para trabalho.
9 Sobre o tema ver tambm a obra Costumes em comum - estudos sobre a cultura popular tradicional de E. P.
Thompson. Nela o autor aborda temas relacionados histria do trabalho, dos motins, do radicalismo, do crime,
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Marx (2005), para o desenvolvimento do capitalismo, no bastava apenas que houvesse, de
um lado, condies de trabalho sob a forma de capital e, do outro, seres humanos que nada
tinham a vender alm de sua fora de trabalho, tampouco bastava for-los a vender
livremente sua fora de trabalho. Para progredir a produo capitalista, era preciso que se
desenvolvesse tambm uma classe trabalhadora que, por educao, tradio e costume,
passasse a aceitar as exigncias daquele modo de produo como leis naturais evidentes.
Essas condies foram dadas, durante a Idade Mdia, conforme (MARX, 2005), ao
surgirem duas formas de capital das quais emergiram o capitalismo: o capital usurrio e o
capital mercantil. Mas, o capital dinheiro, formado tanto pela usura quanto pelo comrcio, era
impedido de transformar-se em capital industrial devido existncia do sistema feudal no
campo e organizao corporativa na cidade, as corporaes de ofcio. Estes entraves foram
postos abaixo com a dissoluo das vassalagens feudais e com a expropriao e expulso das
populaes rurais.
Para Marx (2005), os vrios acontecimentos ocorridos durante o processo de
desenvolvimento do perodo manufatureiro caracterizam-no como perodo de acumulao
primitiva. Entre eles, O sistema colonial, a dvida pblica, os impostos pesados, o
protecionismo, as guerras comerciais etc., esses rebentos do perodo manufatureiro,
desenvolvem-se extraordinariamente no perodo infantil da indstria moderna (MARX,
2005, p. 870-71). Assim, mediante enormes sofrimentos para as populaes que,
Estabeleceram-se as eternas leis naturais do modo capitalista de produo,
completou-se o processo de dissociao entre os trabalhadores e suas condies de
trabalho, os meios sociais de produo e de subsistncia se transformaram em capital,
num polo, e, no polo oposto, a massa da populao se converteu em assalariados
livres, em pobres que trabalham, essa obra prima da indstria moderna [...] o
capital, ao surgir, escorrem-lhe sangue e sujeira por todos os poros, da cabea aos ps
(MARX, 2005, p. 873-74).
Durante todo esse processo, agitavam-se no seio da sociedade foras e paixes que se
sentiam prejudicadas e que deveriam ser destrudas e o foram. Sua destruio significou a
transformao dos meios de produo individual em meios socialmente concentrados que
transforma as posses minsculas de muitos em propriedades gigantes de poucos. Assim, a
expropriao dos camponeses, expulsos de suas terras, de seus meios de subsistncia e de seus
instrumentos de trabalho, constitui a pr-histria do capital (MARX, 2005).
dos costumes, das leis etc. Analisa tambm os hbitos dos setores populares britnicos, como a defesa do uso
comunal das terras diante da intensificao dos cercamentos, as novas noes de tempo trazidas pelo capitalismo
industrial, a cruel punio aplicada a quem desrespeitasse as regras dos vilarejos etc. como defesa de direitos
imemoriais ou estratgias de manipulao da lei numa sociedade que se defrontava com as novas imposies do
capitalismo.
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No entendimento de Marx (2005), desintegrada a velha sociedade e convertidos os
camponeses e demais trabalhadores em proletrios e suas condies de trabalho em capital e
posto o modo de produo capitalista a andar sobre seus prprios ps, surgiria uma nova etapa
em que prosseguiriam, agora, sob nova forma, a socializao do trabalho e a converso do
solo e dos meios de produo em meios de produo coletivamente empregados em
propriedade comum , o que levaria uma nova expropriao. Nesta nova etapa, [...] o que
tem de ser expropriado agora no mais aquele trabalhador independente, e, sim, o capitalista
que explora muitos trabalhadores (MARX, 2005, p. 876).
Para Marx (2005), essa expropriao10
ocorreria pela ao das prprias leis imanentes da
produo capitalista, que levam ao processo de centralizao do capital e constituio de
monoplios, que se estenderiam pelo mundo, dando origem ao carter internacional do regime
capitalista, o que, de fato, ocorreu. Todo este processo de centralizao dos meios de
produo e socializao do trabalho, contudo, podem atingir patamares que o tornaro
incompatvel com o prprio envoltrio capitalista, que romper-se- e, ento, soar a hora final
da propriedade particular capitalista, na qual os expropriadores, agora, sero expropriados.
nesta contradio que a produo capitalista vai gerar sua prpria negao, como um processo
natural. a negao da negao. Se antes houve a expropriao da massa do povo por poucos,
agora se trata da expropriao de poucos usurpadores pela massa do povo. No entanto, esse
no um processo que ocorre por inrcia ou naturalmente. preciso que os expropriados
da massa do povo ajam no vcuo que as contradies capitalistas geram.
Ao se analisar, a partir da viso de Marx, o futuro do campesinato na sociedade
capitalista, percebe-se que o campons para ele funcionalizvel para o capital mercantil e
usurrio (momento da dominao indireta do capital), porm incompatvel com o domnio
direto e a subsuno real. Neste sentido, para Marx, no existe a possibilidade de permanncia
(sobrevivncia) do campesinato na sociedade capitalista, pois os fatores econmicos
identificados no desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra levariam ao seu fim.
Contrapondo-se tese de Marx, Rosa Luxemburgo (1985), em sua obra A Acumulao de
Capital, no captulo XXVII em que aborda A Luta Contra a Economia Natural, afirma que
O capitalismo vem ao mundo e se desenvolve historicamente em meio social no-
capitalista. Nos pases da Europa ocidental ele se desenvolve inicialmente no meio
feudal, o que lhe comunica sua forma primitiva [...] aps a queda do feudalismo, ter
por ambiente o meio campons-artesanal, ou seja, o meio da produo simples, de
10
Esta expropriao da massa do povo deu origem ao conceito de exrcito industrial de reserva desenvolvido por
F. Engels em seu trabalho sobre As condies da classe trabalhadora na Inglaterra e que veio a integrar o
ncleo central da economia poltica desenvolvida posteriormente por Marx.
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cunho mercantil, seja agrcola, seja artesanal [...] esse o meio em que prossegue a
marcha do processo capitalista de acumulao (LUXEMBURGO, 1985, p. 253).
Embora seguidora do pensamento de Marx, Rosa Luxemburgo v o futuro do campesinato
de uma forma diferente da de Marx. Para ela, h trs fases importantes a se observar neste
processo, que so: a luta do capital contra a economia natural; a luta contra a economia
mercantil; e a concorrncia do capital no cenrio mundial, em luta pelas condies restantes
de acumulao (LUXEMBURGO, 1985, p. 253).
Para Luxemburgo (1985), as formas de produo da economia natural de nada servem
para o capital para a realizao de seu fim, que o lucro, pois nestas formas de produo seus
produtos so destinados satisfao das necessidades prprias e, por isso, seus praticantes no
necessitam de mercadorias estrangeiras e nem registram excedentes de produtos prprios que
os obriguem a deles se desfazerem. Alm disso, nesta economia e em todas as suas formas de
produo existe sempre um vnculo entre os meios de produo e a mo-de-obra, seja ela nas
comunidades camponesas onde a posse da terra era comum, como na propriedade feudal, seja
em outras. Nestas economias, estabelece-se como base de sua organizao a sujeio dos
principais meios de produo terra e fora de trabalho conforme o direito e a origem.
por isso que a economia natural cria empecilhos s exigncias do capital e tambm por isso
que o capitalismo, onde quer que seja, busca sempre destru-la.
Para Luxemburgo (1985), os objetivos econmicos da luta do capitalismo contra as
sociedades de economias naturais eram os seguintes:
a) apossar-se diretamente das principais fontes de foras produtivas, tais como terra,
caa, das florestas virgens, minrios, pedras preciosas e metais, produtos vegetais
exticos, como a borracha etc. b) liberar fora de trabalho e submet-la ao capital,
para o trabalho; c) introduzir a economia mercantil e; d) separar a agricultura do
artesanato (LUXEMBURGO, 1985, p. 254).
Na acumulao primitiva, segundo Luxemburgo (1985) o encampamento do pequeno
estabelecimento agrcola pelo grande, constituiu, na Inglaterra e no continente europeu, o
meio mais importante para a transformao macia dos meios de produo e da fora de
trabalho em capital. Esta situao prevaleceu e foi levada adiante, em escala bem maior, por
meio das polticas de colonizao. Na viso da autora pura iluso, entretanto, esperar que o
capital se contente com os meios de produo obtidos somente da via comercial.
Mas, o capital encontrou resistncia para se implantar. Entre as principais dificuldades
estava o fato de que, em grandes regies do mundo, as foras produtivas se encontravam sob
o controle de formaes sociais que rejeitavam o comrcio ou no podiam oferecer ao capital
os principais meios de produo que lhe interessavam. Isso aconteceu principalmente com a
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terra e com a riqueza que ela continha. Esperar pelo processo de desagregao dessas regies
de economia natural, at que isso resultasse na alienao, pelo comrcio, dos principais meios
de produo, significaria para o capital a renncia total s foras de produo desses
territrios. Isso explica por que o capitalismo utilizou a apropriao violenta dos principais
meios de produo em terras coloniais (LUXEMB