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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CURSO DE ZOOTECNIA GLEICIELLY LEITE VIEIRA DA SILVA AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS FISIOLÓGICOS DE TAMBATINGAS (FÊMEA DE Colossoma macropomum X MACHO DE Piaractus brachypomus) SUBMETIDAS À ELETRONARCOSE CUIABÁ 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CURSO DE ZOOTECNIA

GLEICIELLY LEITE VIEIRA DA SILVA

AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS FISIOLÓGICOS DE TAMBATINGAS (FÊMEA DE

Colossoma macropomum X MACHO DE Piaractus brachypomus) SUBMETIDAS

À ELETRONARCOSE

CUIABÁ

2015

GLEICIELLY LEITE VIEIRA DA SILVA

AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS FISIOLÓGICOS DE TAMBATINGAS (FÊMEA DE

Colossoma macropomum X MACHO DE Piaractus brachypomus) SUBMETIDAS

À ELETRONARCOSE

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Zootecnia da Universidade Federal de Mato Grosso, apresentado como requisito parcial á obtenção do título de Bacharel em Zootecnia.

Orientador: Profª. Drª. Janessa Sampaio de

Abreu Ribeiro

Supervisor de estágio supervisionado: Profª.

Drª. Janessa Sampaio de Abreu Ribeiro

CUIABÁ

2015

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. Distribuição percentual da produção de peixes no Brasil, por Grandes

Regiões.....................................................................................................4

Figura 2. Principais peixes redondos produzidos no estado de Mato Grosso. A) Pacu

(Piaractus mesopotamicus); B) Tambaqui (Colossoma macropomum); C)

Tambacu (fêmea de Colossoma macropomum x macho de Piaractus

mesopotamicus); D) Tambatinga (fêmea de Colossoma macropomum x

macho de Piaractus brachypomus)............................................................5

Figura 3. Glicemia (mg/dL) de tambatinga (fêmea de Colossoma macropomum x

macho de Piaractus brachypomus) submetidas à insensibilização por

choque elétrico e hipotermia. Letras diferentes indicam diferenças entre

tratamentos.................................................................................................12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Parâmetros hematológicos de tambatingas (fêmea de Colossoma

macropomum x macho de Piaractus brachypomus) submetidas à

insensibilização por choque elétrico e hipotermia.................................14

Tabela 2. Parâmetros iônicos de tambatingas (fêmea de Colossoma macropomum

x macho de Piaractus brachypomus) submetidas à insensibilização por

choque elétrico e hipotermia.....................................................................14

SUMÁRIO

1. Introdução................................................................................................1

2. Objetivo....................................................................................................3

3. Revisão....................................................................................................4

4. Material e Métodos.................................................................................10

5. Resultados e Discussões.......................................................................12

6. Conclusão..............................................................................................15

7. Considerações Finais............................................................................16

8. Referências...........................................................................................17

RESUMO

Objetivou-se neste trabalho avaliar a influência de diferentes métodos de

insensibilização (eletronarcose e hipotermia) nas respostas fisiológicas de

tambatinga (fêmea de Colossoma macropomum x macho de Piaractus

brachypomus) durante manejo pré-abate. Parâmetros metabólicos (glicemia),

hematológicos (hematócrito, hemoglobina e contagem total de eritrócito) e iônicos

(cloreto e proteína total) foram avaliados após insensibilização de tambatingas

juvenis (1,70 ± 0,21 kg) por hipotermia por 5 minutos a uma temperatura de 3,4 °C

(Tratamento 1) e choque elétrico durante 15 segundos (Tratamento 2) e 25

segundos (Tratamento 3), ambos com voltagem 120V e corrente de 7,5 A. Um grupo

de peixes não submetidos aos tratamentos foi considerado como controle para os

indicadores avaliados. A insensibilização por choque elétrico e hipotermia não

alterou a glicemia dos peixes, uma vez que não houve diferença significativa entre

os métodos avaliados. O manejo dos peixes para aplicação dos tratamentos não

afetou os parâmetros hematológicos e os níveis plasmáticos de cloreto, os quais

também não foram alterados quando os peixes foram submetidos à eletronarcose e

hipotermia. Contudo, maior concentração de proteína total (6,50 ± 0,98 g/dL) foi

verificada nos peixes submetidos à hipotermia, possivelmente pela vasoconstrição

provocada pela baixa temperatura da água a qual os peixes foram submetidos

durante este tratamento. A eletronarcose de até 25 segundos e hipotermia não

influenciaram as respostas fisiológicas de tambatingas com peso médio de 1,7 kg

durante manejo pré-abate.

Palavras-Chaves: abate, choque elétrico, hipotermia, insensibilização, pescado.

1

1. INTRODUÇÃO

A produção intensiva de peixes implica em sistemas concebidos para produzir

o máximo ao menor custo. Contudo, a alta produtividade geralmente não

compatibiliza com boas práticas que visem o bem estar dos animais. Aspectos como

o manejo, o alojamento e os procedimentos adotados relativamente ao transporte e

abate são as áreas que por ventura têm um maior impacto no bem-estar dos peixes

em sistemas de produção. O conhecimento sobre bem estar tem vindo a modelar

normas de boas práticas, linhas de orientação e legislação a cerca de como os

animais devem ser tratados em cativeiro (VOLPATO, 2007).

A sociedade ainda é carente de informações a respeito do bem-estar de

peixes, podendo não estar ciente dos impactos negativos ocasionados no grau de

bem-estar dos animais submetidos às práticas rotineiras de manejo, inclusive

quando se refere ao reconhecimento pela população da senciência e aos métodos

de abate (DUNCAN, 1996).

Métodos comerciais de abate de peixes expõem os animais ao sofrimento

intenso por período prolongado. No entanto, do ponto de vista do bem-estar animal,

qualquer método de abate deve incorporar um procedimento de insensibilização e

inconsciência antes da morte. O processo que deve durar menos de um segundo

quando forem utilizados procedimentos de insensibilização e de abate aversivos e a

insensibilização deve persistir até a morte do animal (LINES et al., 2003). Porém,

geralmente os métodos existentes capazes de sacrificar os peixes humanitariamente

não são realizados, em virtude do desconhecimento da técnica pelos operadores

(BLOKHUIS, 2004)

Em todas as espécies de animais de sangue quente (mamíferos e aves) é

comum propiciar bem estar tanto na criação como no abate (VAN DE VIS et al.,

2003), e portanto foi estabelecido que a inconsciência e a insensibilização devem

ser induzidas de forma rápida sem descuidar do bem estar animal e da qualidade da

carne (LAMBOOIJ et al., 2002). Contudo, em contraste com os demais animais de

2

criação zootécnica, não existem leis específicas para a proteção dos peixes durante

o processo de abate, embora várias pesquisas tem sido conduzidas no mundo todo.

Nos países europeus, muitos são os métodos de insensibilização utilizados no

abate de pescado, como termonarcose, insensibilização com dióxido de carbono

(CO2), percussão cerebral, corte branquial e choque elétrico. No Brasil, o método de

insensibilização mais comumente utilizado nas indústrias processadoras é a

insensibilização por gelo (hipotermia) onde um grande recipiente (localizado no início

da linha de processamento) contendo água e gelo com temperatura de

aproximadamente 0°C e recebe os peixes advindos das fazendas de produção. O

abate dos peixes com choque térmico permite menor dano físico e maior período de

rigor mortis, favorecendo a qualidade do pescado para o consumo, contudo, há

relatos de que este método não seja considerado humanitário, porque provoca

sofrimentos desnecessários, estresse e dor (LAMBOOIJ et al., 2006). O uso de

eletricidade como método de insensibilização parece ser em geral um dos métodos

causadores de menos perturbação, a julgar por dados comportamentais, por

indicadores de reflexos cerebrais e pela qualidade da carcaça (CONTE, 2004).

Parâmetros fisiológicos como glicemia, cloreto, proteína total e parâmetros

hematológicos são importantes indicadores secundários de estresse, as alterações

bem como flutuações desses parâmetros podem indicar respostas a um agente

estressante.

A tambatinga é um híbrido resultante do cruzamento de fêmea de tambaqui

(Colossoma macropomum) com o macho de pirapitinga (Piaractus brachypomum),

que vem sendo bastante cultivado no estado de Mato Grosso, sendo o cultivo

realizado em sistema semi- intensivo e intensivo. Na maioria dos casos o cultivo tem

duração média de 12 meses e os peixes são comercializados com peso entre 1,5 e

2,0 kg. O conhecimento de metodologias eficientes é necessário para modelar

normas de boas práticas, linhas de orientação e legislação acerca de como os

peixes devem ser abatidos principalmente para garantir que um pescado de melhor

qualidade chegue ao mercado consumidor.

3

2. OBJETIVO

Este trabalho teve por objetivo avaliar a influência de diferentes métodos de

insensibilização (eletronarcose e hipotermia) nas respostas fisiológicas de

tambatinga (fêmea de Colossoma macropomum x macho de Piaractus

brachypomus) durante manejo pré-abate.

4

3. REVISÃO

3.1. Panorama da Piscicultura no Brasil

A atividade de criação de peixes em cativeiro vem ganhando cada vez mais

espaço dentro do mercado nacional. Segundo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) há vários fatores que favorecem a criação de peixes no Brasil,

como o grande potencial hídrico que o país possui (12% da água doce do planeta),

além da grande diversidade de espécies e um clima que favorece a produção de

pescado o ano inteiro (IBGE, 2013).

A piscicultura continental vem atingindo crescimento expressivo nos últimos

anos. Segundo o IBGE (2013) a produção piscícola no Brasil em 2013 foi de

392,493 mil toneladas, sendo que a região Centro-oeste destacou-se como a

principal região produtora do país, com despesca de 105,010 mil toneladas de

peixes o que corresponde a 26,8% do total produzidos no país no ano de 2013

(Figura 1).

Figura 1. Distribuição percentual da produção de peixes no Brasil, por Grandes Regiões.

Fonte: IBGE (2013).

5

Dentro do ranking nacional de produção de peixes de água doce, o estado de

Mato grosso está na liderança com 19,3% da despesca nacional, sendo que o

município que obteve a maior produção de peixes no estado foi Sorriso com 21,524

mil toneladas, seguido por Nossa Senhora do Livramento com 14,083 mil toneladas

(IBGE, 2013).

No Brasil, a espécie mais produzida em 2013 foi a Tilápia correspondendo a

43,1% da produção de peixes, depois o Tambaqui com 22,6% da produção e o

grupo Tambaqui e Tambatinga com 15,4% da produção (IBGE, 2013). Segundo o

Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária (IMEA, 2014) no estado de

Mato Grosso os peixes mais cultivados são os redondos destacando-se entre as

espécies nativas o Pacu e Tambaqui e os híbridos Tambacu a e a Tambatinga

(Figura 2).

Figura 2. Principais peixes redondos produzidos no estado de Mato Grosso. A) Pacu (Piaractus

mesopotamicus); B) Tambaqui (Colossoma macropomum); C) Tambacu (fêmea de

Colossoma macropomum x macho de Piaractus mesopotamicus); D) Tambatinga (fêmea de

Colossoma macropomum x macho de Piaractus brachypomus).

Fonte: Portal da pesca.

A exploração comercial destes peixes pode ser explicada devido à suas

características zootécnicas. Segundo EMBRAPA (2013) os peixes redondos

apresentam hábito alimentar onívoro com comportamento frugívoro possuindo

A B

C

D

6

rastros branquiais desenvolvidos e capazes de realizar a captura do plâncton como

fonte de alimento. Apresentam, ainda, alta rusticidade boas taxas de crescimento e

conversão alimentar. Possuem dorso alto e região de costelas ampla o que

possibilita bons cortes industriais e uma boa aceitação de mercado, além da

qualidade da carne.

Dentro do grupo dos peixes redondos, por muitos anos o híbrido tambacu foi

o mais cultivado no estado de Mato Grosso. Atualmente, a produção de outros

híbridos vem ganhando espaço no cenário produtivo do estado, dentre eles a

tambatinga, originada do cruzamento da fêmea do tambaqui (Colossoma

macropomum) com o macho da pirapitinga (Piaractus brachypomus).

Em 2013, a produção do híbrido tambatinga juntamente com o híbrido

tambacu no Brasil atingiu cerca de 60,5 mil toneladas, sendo que deste quantitativo,

47,4 mil toneladas foram produzidas no estado de Mato Grosso (IBGE, 2013).

Segundo SILVA-ACUÑA e GUEVARA (2002), esse híbrido possui facilidade para

atingir o peso comercial em curto período de tempo e com baixos níveis de proteína

bruta na dieta, o que representa economia com custo de ração.

A tambatinga possui rastros branquiais mais desenvolvidos que e a pirapitinga

o que confere uma maior capacidade de filtração do plâncton. Devido a sua estrutura

corporal possui o lombo maior, sua carne e mais clara além de possuir um bom

sabor característico fazendo com que sua carne tenha uma boa aceitação de

mercado (GUERRA et al., 1992).

3.2. Efeito do Estresse na Qualidade da Carne de Pescado

Atualmente é muito discutido o manejo adequado para o abate dos animais

de produção, já que este momento configura estresse, influenciando a qualidade da

carne. Durante o processamento do pescado, se a captura do peixe e o abate não

forem realizados de maneira adequada, pode haver um significativo

comprometimento da qualidade de carne e prejuízo ao bem estar animal.

Em respostas a um estressor, os peixes ativam respostas de forma a refletir a

severidade e a duração do estressor. As respostas de estresse são divididas em três

categorias: primária, secundária e terciária As respostas primárias são as hormonais,

as secundárias são mudanças nos parâmetros fisiológicos e bioquímicos e as

terciárias são o comprometimento no desempenho, mudanças no comportamento e

7

aumento da suscetibilidade às doenças (BARTON e IWAMA, 1991). O cortisol,

principal corticosteróide em peixes, é considerado um bom indicador para avaliação

de resposta primária ao estresse e a glicose do sangue ou plasma é considerada um

bom indicador de resposta secundária.

O aumento da atividade muscular e o estresse sofrido durante o transporte, a

captura e o manejo dos peixes podem reduzir o tempo de rigor mortis e, assim, o

peixe estressado pode desenvolver um rigor mais drástico, afetando a textura da

carne (NAKAYAMA et al., 1992) O sofrimento faz com que o animal libere os

hormônios adrenalina e corticosterona na corrente sanguínea, o que faz com que o

pH da carne seja modificado. De fato, a carne de peixes submetidos a diferentes

níveis de estresse apresenta qualidade inferior e maior susceptibilidade aos

processos degradativos durante o armazenamento, comparada à carne de peixes

não estressados antes do abate.

Em estudo realizado com hibrido de Pintado amazônico (Pseudoplatystoma

fasciatum x Leiarius marmoratus), MACIEL (2014) verificou que os peixes

submetidos à asfixia apresentaram níveis de cortisol sanguíneo mais elevado em

comparação aos demais tratamentos que usavam dióxido de carbono (CO2) e

hipotermia como métodos de insensibilização pré-abate, concluindo assim que a

asfixia provoca aumento nas respostas de estresse a aceleram a deterioração da

qualidade da carne, não podendo assim ser uma forma de abate adequada.

3.3. Métodos de Abate em Peixes

O abate deve ser realizado imediatamente após a captura ou transporte,

evitando que os peixes se fadiguem e percam as reservas energéticas que são

importantes para prolongar a fase de pré-rigor e consequentemente manter a

qualidade do pescado (CAGGIANO, 2002).

O conjunto de procedimentos técnicos e científicos que visem à diminuição do

sofrimento dos animais durante o transporte, manejo pré-abate, insensibilização até

a sangria recebe a denominação de Abate Humanitário e tem sido alvo de inúmeros

estudos, com vários objetivos, entre os quais os de promover o controle de

qualidade, a eficiência e a segurança dos procedimentos (CONTE, 2004).

Os métodos de abate mais praticados incluem o atordoamento elétrico, o

golpe letal na cabeça, o choque térmico, água saturada com CO2, secção da medula

8

seguida de sangria das brânquias, ou simplesmente a remoção de água (morte por

asfixia) sendo métodos que trazem grande sofrimento aos animais e não podem ser

considerados humanitários.

Uma forma de abate muito discutida atualmente é o uso de eletricidade, tanto

para atordoamento quanto para abate, uma vez que promove a transição rápida

para a insensibilidade e possibilita sua execução individualmente ou em lotes

(LAMBOOIJ et al., 2002; LAMBOOIJ et al., 2006). De acordo com CONTE (2004), os

atordoamentos elétricos e percussivos, aplicados somente na cabeça, parecem ser

em geral os métodos causadores de menos perturbação, a julgar por dados

comportamentais, por indicadores de reflexos cerebrais e pela qualidade da carcaça.

Atordoamento elétrico imediatamente após a captura é visto como um método

que promove o bem estar do peixe no momento do abate, através da indução de um

estado de inconsciência imediata, que persiste até que o animal esteja morto

(KNOWLES et al.,2008)

Matrinxãs abatidos por eletronarcose apresentaram concentração de ATP

muscular significativamente maior que as observadas nos peixes abatidos por outros

métodos de insensibilização, como CO2 e água com gelo (VARGAS, 2011).

Segundo o autor, este fato pode ser explicado pela eficiência da eletronarcose como

método de abate no que se refere a velocidade da promoção de insensibilidade uma

vez que quanto mais rápido o estado é atingido, menor a movimentação do animal,

preservando as reservas deste componente no tecido muscular. O

atordoamento/abate elétrico é reconhecido como uma forma rápida e eficiente de

induzir inconsciência e insensibilidade em peixes (ROBB e ROTH, 2003). Entretanto,

lesões como faturas de vértebras e ruptura das artérias dorsal podem ocorrer,

gerando danos, como manchas de sangue e hemorragias na carne de peixes

abatidos/atordoados por eletricidade. De acordo com VARGAS (2011), matrinxãs

abatidos por eletronarcose apresentaram os filés com uma coloração de vermelho

mais intenso, não observado nos demais tratamentos. A ocorrência destas lesões

parece estar associada com a força do campo elétrico aplicado, condutividade da

água, frequência, forma da onda elétrica, duração da corrente e espécie de peixe

abatida.

Comercialmente filés de peixes lesionados e com coloração avermelhada têm

menor aceitabilidade pelo consumidor, pois reduz o valor de mercado do produto

final. Entretanto, segundo ROTH (2007), variações na corrente elétrica no momento

9

do atordoamento/abate podem diminuir ou até mesmo extinguir a ocorrência desses

tipos de danos.

No estudo com matrinxã, VARGAS (2011) concluiu que o método de

insensibilização por eletronarcose pode vir a causar hemorragias fazendo com que a

coloração de filé fique mais intensa, entretanto isto não foi suficiente para

comprometer a estabilidade e aceitação da carne armazenada sobre refrigeração

uma vez que para análises químicas e sensoriais não houve diferença significativa

entre os tratamentos. Assim, para os aspectos de bem estar animal, a eletronarcose

pode ser uma metodologia eficiente, se provocar a morte rápida e segura, sem

promover sofrimento excessivo e desnecessário ao animal, atendendo aos preceitos

básicos do abate humanitário.

10

4. MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi conduzida no setor de Piscicultura da Fazenda Experimental

da Faculdade de Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade

Federal de Mato Grosso (FAMEVZ/UFMT). Trinta tambatingas juvenis em fase de

terminação com peso médio de 1,70 ± 0,21 kg foram adquiridas de uma piscicultura

comercial localizada em Várzea Grande/MT e transferidas para viveiros escavados

(800m2) da Fazenda experimental da UFMT onde foram aclimatadas durante 3

semanas, com alimentação diária (2 vezes ao dia) com ração comercial extrusada

para peixes onívoros com 28% Proteína Bruta (PB). Após período de aclimatação,

os peixes foram mantidos em privação alimentar por 24 horas e submetidos à

insensibilização por hipotermia (Tratamento 1) e choque elétrico durante 15

segundos (Tratamento 2) e 25 segundos (Tratamento 3). Um grupo de 8 peixes não

submetidos aos tratamentos anteriores foi considerado como controle para os

indicadores fisiológicos de estresse.

Para a aplicação de cada tratamento, os peixes (n=10 peixes/tratamento com

cada peixe representando uma repetição) foram transferidos individualmente para

uma caixa de polietileno com 100 litros de água. Para aplicação do choque elétrico,

os peixes foram transferidos individualmente a uma caixa plástica com 100 litros de

água de poço artesiano salinizada com cloreto de sódio (0,03%) para melhorar a

condutividade elétrica da água que foi de 488 micro Siemens/cm e foram em

seguida submetidos ao choque elétrico (gerador elétrico Honda EU10 ILP1; potência

950W, voltagem 120V, corrente 7,5A e frequência 60Hz) durante 15 e 25 segundos.

O tempo de exposição aplicada foi determinado em experimento preliminar, no qual

foi verificado ausência de movimento nos peixes expostos ao choque elétrico por 25

segundos. Na hipotermia, a caixa de polietileno foi preparada com água e gelo na

proporção de 1:1, atingindo uma temperatura média de 3,4°C e os peixes

submetidos ao choque térmico por 5 minutos.

Após exposição aos tratamentos, os peixes foram identificados, pesados,

medidos e submetidos a coletas sanguíneas com e sem anticoagulante (EDTA e

11

fluoreto de sódio) por punção caudal. Nas amostras sanguíneas avaliou-se

hemoglobina (metodologia de cianeto de hemoglobina por kit comercial Labtest®) e

hematócrito (Microcentrífuga Spin100, centrifugação por 10 minutos a 3300 x g e

posterior leitura em cartela própria). O sangue foi centrifugado (centrífuga HT CM-

610, centrifugação por 10 minutos a 3300 x g) para separação do plasma para

análises de glicemia (metodologia GOD-Trinder por kit comercial Labtest®) e cloreto

(determinação colorimétrica através de reação de ponto final por kit comercial

Labtest®) e separação do soro para análise de proteína total (metodologia biureto

por kit comercial Labtest®).

O experimento foi conduzido em delineamento inteiramente casualizado e os

resultados submetidos à análise de variância (ANOVA). Os dados foram expressos

em média ± desvio padrão da média e as médias comparadas pelo teste de Tukey,

com nível de 5% de significância.

12

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A glicemia dos peixes submetidos à insensibilização por choque elétrico

durante 25 segundos aumentou significativamente em relação ao grupo controle,

sem diferir dos tratamentos de insensibilização por choque elétrico durante 15

segundos e hipotermia (Figura 3).

Figura 3. Glicemia (mg/dL) de tambatinga (fêmea de Colossoma macropomum x macho de Piaractus

brachypomus) submetidas à insensibilização por choque elétrico e hipotermia. Letras

diferentes indicam diferenças entre tratamentos.

BRANDÃO et al. (2006) demonstrou que a elevação de níveis glicêmicos

indica a necessidade de energia para suportar situações adversas. Este aumento,

nos casos de estresse, tem origem glicogenolítica proveniente da ação de

catecolaminas e corticoesteróides, sendo excelente indicador para a resposta

secundária do estresse em peixes.

0

50

100

150

200

250

Controle Choque elétrico

(15 segundos)

Choque elétrico

(25 segundos)

Hipotermia

B AB

A AB

Glice

mia

(m

g/d

L)

13

Neste estudo, os peixes foram capturados e transferidos para a caixa de

polietileno antes de serem submetidos aos tratamentos testados e este manejo

imposto aos animais gerou estresse elevando sua glicemia, especialmente nos

peixes submetidos à eletronarcose por 25 segundos. MAZEAUD et al. (1977) explica

que o teor de glicogênio nos peixes exposto ao agente estressor é inversamente

relacionado à concentração de glicose plasmática, este fato pode ser explicado pelo

aumento da atividade gliconeogenolítica para aumentar a produção de glicose e

reestabelecer a homeostase, pois a glicogenólise é induzida durante situações

adversas como o manejo de captura e abate.

A insensibilização por choque elétrico e hipotermia neste trabalho não alterou

a glicemia dos animais, uma vez que não houve diferença significativa entre os

métodos avaliados. Diferentemente do encontrado no presente estudo, em Solea

senegalensis a hipotermia a 4ºC mostrou ser um procedimento eficiente na redução

das respostas de estresse uma vez que os peixes expostos a este tratamento

apresentaram glicose sanguínea significativamente menor quando comparado aos

peixes que sofreram asfixia por exposição aérea (RIBAS et al., 2007).

Neste trabalho, não foram verificadas diferenças significativas nos parâmetros

hematológicos (Tabela 1) e níveis de cloreto plasmático (Tabela 2). A perda de íons

e a tendência a ganhar água são distúrbios eletrolíticos frequentemente observados

em peixes de água doce (CARNEIRO e URBINATI, 2001). Segundo estes autores,

as concentrações plasmáticas de cloreto diminuem após manejos estressantes,

sendo necessárias 24 horas para o restabelecimento dos valores basais.

O manejo dos peixes para aplicação dos tratamentos não afetou estes

parâmetros, os quais também não foram alterados quando os peixes foram

submetidos à eletronarcose e hipotermia. Em contrapartida, peixes submetidos à

hipotermia apresentaram níveis de proteína total significativamente maiores quando

comparado aos demais tratamentos. A baixa temperatura da água a qual os peixes

foram submetidos durante a hipotermia pode ter provocado uma vasoconstricção,

aumentando a concentração de proteínas específicas no soro.

A hipotermia e o choque elétrico por até 25 segundos não provocou alteração

na maioria das respostas fisiológicas avaliadas neste estudo. Segundo VARGAS

(2011), o atordoamento elétrico dos animais pode resultar em um estado de

inconsciência e insensibilidade em função da indução de um insulto epileptiforme

através de uma corrente elétrica aplicada ao cérebro, porém respostas

14

comportamentais que pudessem indicar atividade cerebral não foram avaliadas no

presente estudo, não sendo possível determinar se os métodos de testados foram

eficazes para promover o estado de inconsciência e insensibilização dos peixes.

Pesquisas adicionais que envolvam avaliação de respostas neurais e

comportamentais, além das fisiológicas fazem-se necessárias para melhor

conhecimento da eficiência dos métodos de insensibilização aplicados durante o

abate de peixes.

Tabela 1. Parâmetros hematológicos de tambatingas (fêmea de Colossoma macropomum x macho

de Piaractus brachypomus) submetidas à insensibilização por choque elétrico e

hipotermia.

Tratamentos

Hematócrito

(%)

Hemoglobina

(g/dL)

Eritrócitos

(cel x10⁶/µL)

Controle 42,44 ± 10,66 A 10,09 ± 5,34 A 0,96 ± 0,53 A

Choque elétrico (15 segundos) 45,60 ± 4,22 A 10,00 ± 3,41 A 1,09 ± 0,36 A

Choque elétrico (25 segundos) 45,75 ± 6,16 A 9,28 ± 1,50 A 0,88 ± 0,35 A

Hipotermia 45,89 ± 6,46 A 8,67 ± 2,39 A 1,00 ± 0,37 A

Média ± Desvio padrão seguida de mesma letra na coluna não difere entre si pelo Teste de Tukey

(5%).

Tabela 2. Parâmetros iônicos de tambatingas (fêmea de Colossoma macropomum x macho de

Piaractus brachypomus) submetidas à insensibilização por choque elétrico e hipotermia.

Tratamentos Cloreto (mEq/L) Proteína total (g/dL)

Controle 157,63 ± 64,74 A 4,94 ± 0,59 A

Choque elétrico (15 segundos) 128,99 ± 34,39 A 5,09 ± 0,52 A

Choque elétrico (25 segundos) 132,51 ± 14,99 A 4,83 ± 0,47 A

Hipotermia 123,51 ± 17,39 A 6,50 ± 0,98 B

Média ± Desvio padrão seguida de mesma letra na coluna não difere entre si pelo Teste de Tukey

(5%).

15

6. CONCLUSÕES

A eletronarcose de até 25 segundos e hipotermia não influenciaram as

respostas fisiológicas de tambatingas com peso médio de 1,7 kg durante manejo

pré-abate.

16

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de bem-estar de peixes ser uma preocupação em todo o mundo,

principalmente na Europa, no Brasil, os estudos sobre atordoamento e abate de

peixes nativos são escassos. Os resultados deste trabalho contribuem para o

conhecimento da eficácia de métodos de insensibilização em peixes nativos, mas,

pesquisas adicionais são necessárias a fim de avaliar a viabilidade da utilização da

eletronarcose e hipotermia como agentes diminuidores de estresse pré-abate.

O trabalho desenvolvido foi de grande aprendizado e inspiração para a

conclusão da graduação em Zootecnia durante todo o curso aspectos de qualidade

de carne e estresse animal são correlacionados, demonstrando assim a importância

de pesquisas e estudos nesta área. Estudo com diferentes formas de

insensibilização e abate de peixes devem ser mais exploradas e difundidas, pois

hoje a atividade de piscicultura se encontra em constante expansão e a adoção de

formas de abate racional deve ser amplamente adotada.

No atual cenário produtivo em que nos encontramos produtores e

pesquisadores devem trabalhar juntos para atingirem os anseios do mercado

consumidor em busca de maior qualidade e demanda produzida associada a

praticas de produção sustentáveis e maior bem estar animal, aliando assim

produtividade e qualidade para a obtenção de alimentos.

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REFERÊNCIAS

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