UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL...

148
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL MESTRADO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO SOCIAL CAMPUS DO PANTANAL EDITH FANY JOBBINS REFORMA DA EDUCAÇÃO BÁSICA E O PROGRAMA DE AMPLIAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICÍPIO DE CORUMBÁ MS CORUMBÁ 2015

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

    MESTRADO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO EDUCAO SOCIAL

    CAMPUS DO PANTANAL

    EDITH FANY JOBBINS

    REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA DE

    AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO

    MUNICPIO DE CORUMB MS

    CORUMB

    2015

  • ii

    EDITH FANY JOBBINS

    REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA DE

    AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO

    MUNICPIO DE CORUMB MS

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Educao, rea de concentrao em Educao Social do Campus

    do Pantanal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    como requisito para obteno do Ttulo de Mestre em Educao.

    Orientao: Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki

    CORUMB

    2015

  • iii

    JOBBINS, Edith Fany. REFORMA DA EDUCAO BSICA E O PROGRAMA

    DE AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO

    MUNICPIO DE CORUMB MS. 2015. 134 folhas. Relatrio de Defesa (Mestrado

    em Educao). Programa de Ps-Graduao em Educao, rea de concentrao em

    Educao Social do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do

    Sul, Corumb, 2015.

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Campus do

    Pantanal, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para

    obteno do Ttulo de Mestre em Educao.

    rea de Concentrao: Educao Social

    `

    Orientador: Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki

    Aprovada em____________________________________________________________

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Hajime Takeuchi Nozaki UFMS/CPAN

    Julgamento: ___________________ Assinatura: _______________________________

    Prof. Dr Adriana Almeida Sales de Melo UNB

    Julgamento: ___________________ Assinatura: _______________________________

    Prof. Dr Anamaria Santana da Silva UFMS/CPAN

    Julgamento: __________________ Assinatura: ________________________________

    Prof. Dr Fabiano Antonio dos Santos UFMS/CPAN

    Julgamento: __________________ Assinatura: ________________________________

  • iv

    Dedico com todo carinho aos meus Rodrigos.

    Rodrigo pai, grande companheiro e principal incentivador,

    especialmente nas fases mais difceis da jornada.

    Rodrigo filho, que em seus apenas 3 anos de existncia,

    no consegue mensurar a importncia que ocupa em minha vida,

    mas, a quem com certeza dedico o melhor de mim.

  • v

    AGRADECIMENTO

    A construo de um trabalho dessa grandeza no tarefa fcil, tampouco se

    consegue individualmente, trata-se de uma ao coletiva, portanto, gostaria aqui de

    agradecer aos muitos participantes, no apenas na construo da pesquisa, mas na

    construo da minha histria, posto que cada um contribuiu sua maneira para a

    concretizao desta conquista.

    Agradeo primeiramente a Deus por me dar fora para seguir em frente;

    coragem para no desmoronar diante s dificuldades encontradas e sabedoria para

    entender s condies nem sempre favorveis da vida.

    Aos meus pais Almir e Bernadete Jobbins, por me darem a vida.

    Aos meus pais Vicente Max e Mrcia Regina, que a partir da adolescncia

    assumiram para si a funo de me preparar para a vida. Vocs no me ensinaram a

    andar, mas me proporcionaram condies de escolher o melhor caminho, no me

    ensinaram a falar, mas me fizeram compreender que as palavras, especialmente as de

    incentivo, so importantes e podem mudar trajetrias. A vocs todo o meu

    reconhecimento.

    Ao meu companheiro Rodrigo Antnio, minha melhor escolha. Respeito e

    companheirismo so palavras que ganharam muito sentido nesses 15 anos de

    convivncia com voc. Obrigada por voc existir na minha vida e me proporcionar

    todos os dias um amanhecer com a certeza de ser amada e admirada.

    Ao meu amado filho, com quem aprendo todos os dias a ser melhor. A voc

    dedico minha vida, minhas aes, meu amor e tudo de melhor que h em mim.

    minha amiga Ana Carolina, com quem tantas experincias j foram trocadas,

    tantas discusses tecidas e tantos cafs compartilhados. Obrigada por estar to presente

    na minha vida, especialmente me fortalecendo nos momentos mais necessrios.

    Aos colegas de mestrados com quem dividi tantas dvidas, angstias e alegrias.

    Aos professores do curso de Ps-Graduao da Universidade Federal de Mato

    Grosso do Sul, Campus do Pantanal, aqui representados em dois nomes mais do que

    especiais prof. Dr Mnica Kassar e prof. Dr Anamaria Santana. Suas aes me

    incentivam a sempre buscar mais, querer mais e, especialmente fazer mais a cada dia.

    Obrigada por todo o conhecimento compartilhado e ateno dedicada.

  • vi

    Ao Prof. Dr Fabiano Antonio dos Santos pela disponibilidade em participar da

    banca examinadora deste trabalho.

    Cleide secretaria do curso (de 2009 a 2014) pelo carinho e ateno no apenas

    comigo, mas com todas as turmas.

    prof. Dr Adriana Melo, agradeo no apenas pelo aceite em participar da

    Banca examinadora deste trabalho e suas contribuies essenciais na construo do

    mesmo, mas, especialmente, agradeo por me proporcionar o entendimento necessrio

    sobre a construo e reconstruo das nossas polticas educacionais por meio de suas

    obras to generosamente escritas.

    Ao querido prof Dr Hajime Takeuchi Nozaki, que aceitou a importante misso

    de dar continuidade orientao na concluso deste trabalho. Sei que difcil a tarefa

    de conduzir meus passos, especialmente pelas limitaes que reconheo em mim. A

    voc um agradecimento especial pelo carinho, ateno, pacincia dedicados a mim, mas

    especialmente agradeo pela experincia, competncia e seriedade que disps na

    realizao do trabalho. No fcil transmitir em palavras a importncia do seu apoio,

    ento, obrigada.

    Agradeo prof. Dr Ester Senna a quem admiro e agradeo as orientaes

    iniciais deste trabalho. Foi um grande prazer segurar em suas mos quando ainda estava

    nos primeiros passos.

    E, por fim, agradeo aos 57 sujeitos da pesquisa, que me permitiram desvelar

    aqui como se deu o processo de ampliao do ensino fundamental no municpio de

    Corumb-MS.

  • vii

    A verdadeira meta a riqueza interior que no um tipo de

    contemplao abstrata, mas autoconfirmao na plenitude da

    atividade vital de cada um. Isto significa que toda a estrutura

    da atividade vital que precisa ser transformada desde o

    trabalho cotidiano at uma participao real nos mais altos

    nveis da elaborao de polticas que tm influncia na nossa

    vida e no simplesmente o potencial da produo material de

    um pas [...]

    Istvn Mszros

  • viii

    RESUMO

    A Pesquisa aqui apresentada foi realizada com o objetivo central de analisar

    criticamente os processos de implantao e implementao do Programa de Ampliao

    do Ensino Fundamental de Nove Anos nas escolas do municpio de Corumb, MS. A

    questo compreender a materializao deste Programa no contexto da Reforma da

    Educao Bsica, buscando apreender em que medida as polticas e prticas do Estado

    central e local se coadunam com as demandas e questionamentos da sociedade. Para a

    realizao da pesquisa adotou-se o materialismo histrico-dialtico como opo terico-

    metodolgica. Como procedimento metodolgico utilizou-se a entrevista

    semiestruturada o que nos permitiu compreender o processo de ampliao em mbito

    emprico por meio da voz de 57 sujeitos participantes da pesquisa, entre diretores,

    coordenadores e professores da rede municipal de ensino. A partir dos estudos tericos

    empreendidos na pesquisa percebeu-se que as mudanas na sociedade em razo da

    mundializao do capital provocaram mudanas no campo educacional. Os resultados

    da pesquisa em mbito emprico mostram que a poltica ampliao no municpio foi

    realizada de cima para baixo, sem as discusses necessrias em relao s adaptaes na

    estrutura fsica das escolas, sem investimentos na formao continuada dos

    profissionais, bem como sem orientaes para a reelaborao da prtica pedaggica dos

    professores, revelaram que o municpio de Corumb-MS, no processo de ampliao do

    ensino fundamental priorizou as questes legais e burocrticas, em detrimento das

    questes em mbito prtico, conferindo ao Programa uma implementao aparente. Tais

    resultados nos respaldam na afirmao de que o processo de ampliao do ensino

    fundamental no municpio de Corumb-MS, assim como nas esferas federal e estadual,

    antes de objetivar a melhoria na qualidade da educao se configura com estratgias de

    consonncia com os ditames mundiais para a educao.

    Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos. Reforma da Educao Bsica.

    Corumb-MS.

  • ix

    ABSTRAT

    The research presented here was conducted with the main objective to critically analyze

    the implantation process and implementation of the Basic Education Expansion

    Program of Nine Years in schools in the city of Corumb, MS. The question is to

    comprehend the materialization of this program in the context of the Reform of Basic

    Education, looking to understand to what extent the central and local State policies and

    practices are consistent with the demands and questions of the society. To perform the

    research was adopted the historical and dialectical materialism as the theoretical-

    methodological option. As a methodological procedure it was used semi-structured

    interviews which allowed us to understand the enlargement process in empirical level

    through the voice of 57 patients and research participants, including directors,

    coordinators and teachers of the municipal school system. From the theoretical studies

    undertaken in the research it was noted that changes in society because of the

    internationalization of capital caused changes in the educational field. The results of the

    research in empirical scope shows that the expansion policy in the city was carried out

    from top to bottom, without the necessary discussions regarding the adjustments to the

    physical structure of schools, without investment in the continuing education of

    professionals, as well as no guidelines for reworking the pedagogical practice of

    teachers, revealed that the city of Corumb-MS, prioritized the legal and bureaucratic

    issuesin the process of expansion of primary education, to the detriment of the issues at

    a practical level, giving the Program an apparent implementation. These results supports

    the claim that in the process of expansion of primary education in the city of Corumb-

    MS, as well as the federal and state levels, before aim to improve the quality of

    education sets with line strategies with world dictates to education.

    Keywords: Basic Education of Nine Years. Reform of Basic Education. Corumb-MS.

  • x

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Equivalncia entre o Ensino Fundamental de oito e nove

    anos................................................................................................................................70

    Quadro 02 Nmero de matrculas no Estado de Mato Grosso do Sul no ano de

    2014...............................................................................................................................82

    Quadro 03 Nmero de matrculas no municpio de Corumb-MS no ano de

    2014...............................................................................................................................82

    Quadro 04 - Corumb MS e as metas estipuladas pelo

    MEC...............................................................................................................................83

  • xi

    LISTA DE SIGLAS

    APM Associao de Pais e Mestres

    BM Banco Mundial

    CD Conselho Deliberativo

    CE Colegiado Escolar

    CEB Cmara de Educao Bsica

    CEE Conselho Estadual de Educao

    CF Constituio Federal

    CNE Conselho Nacional de Educao

    COEF Coordenao Geral do Ensino Fundamental

    CONSED Conselho Nacional dos Secretrios de Educao

    CPAN Campus do Pantanal

    DPE Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental

    EC Emenda Constitucional

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    EPT Educao Para Todos

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FUNDEB Fundo de Manuteno da Educao Bsica e Valorizao dos Profissionais

    da Educao

    FUNDEF Fundo de Manuteno do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas

    IDEB Indice de Desenvolvimento da Educao Bsica

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    LDB Lei de Diretrizes e bases

    MEC Ministrio da Educao

    ONU Organizao das Naes Unidas

    OREALC Oficina Regional de Educao para Amrica Latina e Caribe

    PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

    PDE Programa de Desenvolvimento da Educao

    PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola

    PNE Plano Nacional de Educao

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

  • xii

    PTA Plano de Trabalho Anual

    RE Regimento Escolar

    REME Rede Municipal de Educao

    SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    SEB Secretaria de Educao Bsica

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UNDIME Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Educao

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e a Cultura

  • xiii

    SUMRIO

    APRESENTAO ........................................................................................................ 15

    INTRODUO... ............................................................................................................ 19

    O MATERIALISMO HISTRICO DAILTICO E SUAS CATEGORIAS, MAIS QUE

    UMA OPO TERICO-METODOLGICA, UMA FORMA DE LER E

    COMPREENDER A REALIDADE................................................................................24

    1 MUDANAS NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO E MANIFESTAES

    NOCAMPO EDUCACIONAL ..................................................................................... 32

    1.1 MUNDIALIZAO E PROCESSOS DE GESTO PBLICA ............................. 33

    1.2 EDUCAO BSICA E AS RELAES ENTRE OS GOVERNOS NACIONAIS

    E INTERNACIONAIS .................................................................................................... 40

    1.2.1 As conferncias mundiais de educao na determinao do papel de cada pas

    no contexto da mundializao ..................................................................................... 42

    1.2.2 O relatrio Jaques Delors para a Unesco...........................................................50

    1.3 EDUCAO BSICA E SUAS MUDANAS HISTRICAS NO BRASIL A

    PARTIR DA DCADA DE 1990...................................................................................57

    2 O PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE

    ANOS E O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO BSICA

    NO

    BRASIL..........................................................................................................................61

    2.1 O PROGRAMA, SUA CONCEPO E DESENHO..............................................63

    2.1.1 Amparo Legal....................................... ...............................................................63

    2.1.2 Determinaes administrativas e pedaggicas...................................................68

    2.2 ELABORAO, IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA A

    PARTIR DAS PUBLICAES DO MINISTRIO DA EDUCAO.........................75

    2.3 IMPLANTAO E IMPLEMENTAO DO PROGRAMA NO MUNICPIO DE

    CORUMB MS: BREVE CONTEXTUALIZAO.................................................79

    3 O PROGRAMA E SUA MATERIALIZAO NAS ESCOLAS DO

    MUNICPIO DE CORUMB-MS...............................................................................88

    3.1 OS SUJEITOS E O CAMPO DE PESQUISA..........................................................88

  • xiv

    3.2 IMPLANTAO DO PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO

    FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-

    MS...................................................................................................................................91

    3.3 IMPLEMENTAO DO PROGRAMA DE AMPLIAO DO ENSINO

    FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-

    MS...................................................................................................................................97

    3.4 AVALIAO E ACOMPANHAMENTO DO PROGRAMA DE AMPLIAO

    DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NO MUNICPIO DE CORUMB-

    MS.................................................................................................................................113

    CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................122

    REFERNCIAS...........................................................................................................128

  • 15

    APRESENTAO

    Ter um posicionamento bem definido diante das realidades que surgem parece

    essencial para determinar nossas aes durante a prpria vida. Porm, apesar de ser

    bvia tal afirmao, no nada simples, especialmente porque tal posicionamento

    pressupe uma srie de condies proporcionadas ao indivduo e que devem preceder

    suas atitudes, pois cada indivduo resultado de uma srie de vivncias que os tornam

    quem de fato . Partindo da, considero importante contar aqui, mesmo que brevemente,

    um pouco da histria da minha vida para permitir ao leitor a compreenso sobre os

    caminhos que me trouxeram a realizar a pesquisa aqui apresentada.

    Minha histria at os doze anos de idade foi escrita na coletividade de um

    orfanato no interior do Paran, de onde trago minha bagagem de lembranas, nem

    sempre boas, mas nem todas ruins. O fato que ser criada em uma instituio para

    menores rfos, no me permitiu saber quem era o que queria, o que pensar ou esperar

    da vida.

    Uma breve tentativa de retorno ao convvio familiar que durou dois anos me fez

    entender que para conquistar um espao ainda que pequeno seria necessrio abrir

    mo de qualquer movimento e/ou pensamento que fosse contrrio ao estabelecido em

    cada uma das trs famlias por onde passei.

    Aos catorze anos, insatisfeita com a trajetria escrita at o momento, aceitei a

    deciso de trabalhar em casa de famlia, imaginando que assim poderia conquistar a

    liberdade de pensar e agir, o direito de opinar em qualquer coisa que fosse, o importante

    naquele momento era ter voz, ainda que fraca.

    Na ocasio, acabei por conhecer as pessoas que por circunstncias da vida

    acabaram se tornando o que hoje conheo por famlia e que me proporcionaram, a partir

    da adolescncia, alm de uma vida mais tranquila e confortvel em relao s condies

    materiais, a ampliao do meu histrico escolar que at ento era escasso, visto que aos

    dezesseis anos havia apenas concludo a 5 srie do ensino fundamental.

    Aos dezoito entrei em uma escola particular pela primeira vez para cursar o

    segundo grau (ensino mdio) e, apesar das dificuldades encontradas pelo dficit de

    conhecimentos adquiridos at aquele momento, consegui compreender a necessidade do

    estudo na vida de uma pessoa. Foi nesse perodo tambm que comecei a perceber as

    diferenas de oportunidades entre as pessoas, as diferenas de ateno recebida por

    estudantes de uma escola pblica e privada, especialmente em relao garantia dos

  • 16

    direitos de aprendizagens. Enfim, tive aos dezoito a oportunidade de perceber as

    diferenas de classe nas quais a sociedade est pautada e pude perceber o quanto tais

    diferenas acabam por determinar a histria de vida de cada indivduo. Considero esse

    momento da vida como um marco, pois, tive a um incio de compreenso sobre

    injustia e desigualdade social.

    A vida seguiu e, entre o fim do ensino mdio e incio do ensino superior, foram

    muitas vivncias, muitas dvidas, cursos iniciados e no concludos devido s

    dificuldades de diversas naturezas e, especialmente, muitos desvios nos caminhos

    traados, desvios esses que me trouxeram Corumb MS, em abril de 2003 e me

    fizeram optar pelo curso de pedagogia que iniciei em 2004. Confesso que ao iniciar o

    curso, pensava mais na necessidade de obter um diploma e ter assim uma formao em

    nvel superior, no pude mensurar o quanto o curso e as pessoas com as quais convivi

    durante os quatro anos de graduao mudariam minha vida. Na verdade, o contato com

    a Educao e, especialmente com os professores e colegas da graduao, me

    oportunizou a, alm de adquirir os conhecimentos para o exerccio da profisso,

    conhecer a mim mesma, um diferencial que me fez rever a prpria histria e me colocar

    como autora e no simplesmente expectadora da vida. Percebi nesses quatro anos, por

    meio de atividades referentes ao curso especialmente as atividades relacionadas s

    pesquisas de iniciao cientfica e projetos que participei mas tambm nas discusses

    estabelecidas com os professores e colegas, que na vida necessrio ir alm de aceitar

    as determinaes dadas, necessrio se envolver, mudar a trajetria, buscar as

    determinaes reais para compreender as determinaes aparentes. Aprendi e aprendo a

    cada dia a buscar a essncia antes de me encantar com a aparncia das coisas.

    Em 2007 conclu o curso de graduao em Pedagogia e imediatamente entrei no

    mercado de trabalho na ansiedade de colocar em prtica todo o conhecimento adquirido

    durante os quatro anos anteriores. Naturalmente, surgiram muitas dvidas,

    principalmente em relao alfabetizao das crianas do 1 ano do ensino

    fundamental, srie que assumi logo no primeiro ano de profisso, especialmente porque

    naquele mesmo ano ocorria a ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos,

    trazendo para a escola novas questes que precisavam ser esclarecidas.

    Na tentativa de sanar as dvidas para a realizao de um bom trabalho, busquei

    informaes com os colegas de trabalho indagando professores, coordenadores, busquei

    apoio at mesmo nos antigos professores da graduao, procurando solues para uma

    prtica pedaggica adequada. Nessa busca, percebi que as dvidas que me inquietavam

  • 17

    a respeito das modificaes no processo de alfabetizao, institudas pela Lei n

    11.274/06 (BRASIL, 2006a)1 que entrava em vigor nas escolas do municpio de

    Corumb MS naquele mesmo ano, no eram apenas minhas e que outros profissionais

    da rea tambm estavam pouco interados do assunto e pouco me ajudariam a pensar

    uma prtica que, alm de atender s necessidades das crianas, atendesse tambm s

    exigncias da instituio escolar, da nova legislao em vigor e aos anseios dos pais dos

    alunos, que nesse processo de mudana se apresentavam com frequncia na escola

    repletos de dvidas em relao educao dos filhos.

    Atravs do site do Ministrio da Educao (MEC), encontrei os documentos que

    constituem o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos,

    elaborados pelo Governo Federal no intuito de subsidiar os profissionais da educao

    nesse processo de mudana do ensino fundamental. Esses documentos me trouxeram

    esclarecimentos de algumas questes, principalmente referentes aos objetivos da

    ampliao, bem como os caminhos a seguir para construir uma prtica condizente com

    tais objetivos. Porm, me trouxeram outras tantas dvidas em relao s prticas

    orientadas pelos documentos e em relao s responsabilidades de cada um dos agentes

    envolvidos no sistema de educao, para que o Programa de Ampliao pudesse ser

    implantado e implementado2 com sucesso no pas e para que realmente pudesse fazer

    diferena no processo de aprendizagem das crianas includas nesse nvel de ensino.

    A necessidade de responder s minhas dvidas, unida ao desejo de embasar e

    melhorar minha prtica pedaggica como professora alfabetizadora suscitou o interesse

    em realizar a pesquisa aqui apresentada. H quem possa questionar que as indagaes

    iniciais do estudo se referem somente s prticas pedaggicas e que, portanto, o trabalho

    estaria ligado a uma linha de pesquisa na rea da formao de educadores. Porm,

    apesar de admitir que minhas preocupaes iniciais originaram-se do trabalho cotidiano

    realizado no ptio escolar, penso ser uma questo ainda maior, posto que as mudanas

    que ocorrem na escola nesse momento so resultados de uma proposta de mudana nas

    polticas pblicas educacionais do pas, necessitando, portanto, ser refletida no contexto

    1 A Lei n 11.274/06 modifica o Ensino Fundamental, que passa a ter durao de nove anos e a idade

    obrigatria para a matrcula das crianas no 1 ano passa a ser de seis anos, na busca de assegurar a todas

    as crianas um tempo maior de escolarizao e aumentar suas oportunidades de aprendizagens. Essa lei

    ser melhor explorada durante o desenvolvimento da pesquisa por ser a base do Programa de Ampliao

    do Ensino Fundamental de Oito para Nove anos que se apresenta como objeto deste estudo. 2 O termo implantao refere-se fase da formao de uma poltica, o momento em que as propostas se

    constituem em poltica propriamente dita. J o termo implementao refere-se ao momento em que a

    poltica se transforma em programa e so criadas as condies para que se efetive. No captulo II a

    diferena entre os dois termos ser melhor explicitada.

  • 18

    nacional e at internacional, pois a ampliao desse nvel de ensino no se apresenta de

    forma isolada, mas faz parte de uma agenda de reformas da educao bsica que na

    dcada de 1990 busca a conformidade com as diretrizes dos Organismos Internacionais.

    Sendo assim, no momento em que foi inicialmente problematizado,

    considerando a complexidade do tema e que somente os questionamentos no mbito

    escolar no trariam as respostas almejadas, percebi que o trabalho deveria ser inserido

    na linha de pesquisa: Polticas, Prticas Institucionais e Incluso/Excluso Social do

    Programa de Ps Graduao em Educao, em nvel de Mestrado do Campus do

    Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPAN/UFMS).

  • 19

    INTRODUO

    A partir da promulgao da Lei n 11.274, de 06 de fevereiro de 2006 (BRASIL,

    2006a), o Governo Federal, cumprindo seu papel de indutor de polticas pblicas,

    lanou ainda o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de nove anos, tendo

    como objetivos principais:

    a) Melhorar as condies de equidade e de qualidade da Educao Bsica;

    b) Estruturar um novo ensino fundamental para que as crianas prossigam nos estudos, alcanando maior nvel de escolaridade;

    c) Assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianas tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da

    alfabetizao e do letramento. (BRASIL, 2009a, p.5)

    Porm, somente o aumento no tempo de escolarizao no garante um melhor

    aprendizado da criana includa no ensino fundamental e, para que os objetivos da nova

    lei sejam efetivados, necessria uma srie de aes relacionadas s condies

    pedaggicas, administrativas, financeiras, materiais e de recursos humanos, para que

    esse tempo maior de convvio escolar seja empregado de maneira eficiente e que

    realmente contribua para o processo de aprendizagem da criana, garantindo a qualidade

    na educao.

    A implantao de uma poltica de ampliao do Ensino Fundamental de nove

    anos, alm de se apresentar em consonncia com vrios outros pases, - caracterstica do

    processo de mundializao3 vivido pela sociedade contempornea - representa mais uma

    estratgia do Estado na busca do cumprimento das metas de Educao para Todos,

    estabelecidas na Conferncia Mundial de Educao para Todos, realizada em Jomtiem,

    em 1990, e reafirmada nos compromissos assumidos em Nova Delhi (1993), e em

    Dakar (2000), bem como em outros encontros mundiais que visam discutir a garantia do

    direito educao de que todo cidado possuidor. Atende especificamente a uma das

    metas do Compromisso de Dakar, que estabelece:

    3 O termo mundializao do capital de origem francesa utilizado por Chesnais (1996) em detrimento

    ao termo globalizao. De acordo com o autor mundializao diminui a falta de nitidez conceitual do

    termo globalizao utilizado para manipular a imaginao social. No captulo I ser apresentada mais

    detalhadamente a diferena entre os termos.

  • 20

    [...] consolidar os principais resultados positivos da Educao para

    Todos alcanados pela regio4 durante a dcada de 1990. Entre eles,

    no mbito regional, constatam-se os seguintes: [...] ampliao do

    nmero de anos de escolaridade obrigatria [...].

    (UNESCO/CONSED, 2001)

    Para que a Lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a) se efetivasse de fato, o Programa de

    Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos, atravs de suas publicaes

    estabeleceu algumas modificaes nos sistemas de ensino que implicavam determinadas

    aes e atenes especficas em relao normatizao e organizao pedaggica para

    o bom andamento e um melhor resultado do novo formato do Ensino Fundamental,

    como: amparo legal, implicaes administrativas, questes sobre a nomenclatura,

    reflexes sobre o currculo, a avaliao e formao dos profissionais da educao.

    Sobre as implicaes administrativas, por exemplo, de acordo com o 3 relatrio

    do Programa de Ampliao do Ensino Fundamental, para a ampliao desse nvel de

    ensino, necessrio:

    - Reorganizar o ensino fundamental tendo em vista no apenas o

    primeiro ano, mas toda a estrutura dos nove anos de ensino;

    - Planejar oferta de vagas, nmero de salas de aula, adequao dos

    espaos fsicos, nmero de professores e profissionais de apoio,

    adequao de material pedaggico;

    - Realizar a chamada pblica, conforme estabelece a LDB;

    - Providenciar a normatizao legal do Conselho de

    Educao. (BRASIL, 2006b. p.7)

    Alm disso, ainda nas implicaes administrativas, cabe ressaltar a questo da

    nomenclatura que tambm sofreu alteraes nesse processo de modificaes do ensino.

    De acordo com a Resoluo CNE/CEB n 3 de 2005 (BRASIL, 2005c), ficou da

    seguinte maneira.

    Educao Infantil, com durao de cinco anos, sendo que, as crianas de

    at 3 anos de idade sero atendidas pela creche e as crianas de 4 e 5

    anos sero atendidas pela pr-escola.

    Ensino Fundamental, tambm com duas fases, sendo a 1 denominada

    anos iniciais, com cinco anos de durao, que atender as crianas de 6 a

    10 anos de idade, e a 2 denominada anos finais, com quatro anos de

    durao, pra os estudantes de 11 a 14 anos de idade.

    4 A regio em questo trata-se das Amricas posto que o texto foi retirado do Anexo Educao para

    Todos nas Amricas/Marco de Ao Regional, que compe o documento Educao para Todos: O

    compromisso de Dakar.

  • 21

    Atravs dos Pareceres CNE/CEB n 6/2005 (BRASIL, 2005d), CNE/CEB n

    18/2005 (BRASIL, 2005e), CNE/CEB n 7/2007 (BRASIL, 2007a) e CNE/CEB n

    4/2008 (BRASIL, 2008), as crianas devem ingressar no Ensino Fundamental a partir

    dos seis anos de idade, completos ou a completar at o incio do ano letivo.

    Ainda de acordo com o 3 Relatrio de Acompanhamento do Programa, os

    recursos financeiros para a implantao do Ensino Fundamental de nove anos devero

    ser repassados s Secretarias de Educao pelo Plano de Trabalho Anual (PTA) e

    dependem da aprovao das propostas que apresentam. Os gastos com as crianas de 06

    anos de idade passam a ser contabilizados no ensino fundamental e no mais na

    educao infantil.

    A organizao pedaggica do novo Ensino Fundamental requer uma ateno

    especial com relao ao currculo, que deve ter uma nova proposta pedaggica e uma

    forma de avaliao cumulativa do desempenho do aluno que valorize seu processo de

    aprendizagem e no apenas as provas finais. preciso elaborar um currculo que

    considere no somente as especificidades da criana de 06 anos que ser includa no 1

    ano do Ensino Fundamental, mas tambm as crianas de todo esse nvel de ensino.

    Ainda sobre o currculo do novo Ensino Fundamental, os documentos

    publicados pelo MEC, especialmente o 3 Relatrio do Programa, ressalta que os

    contedos devem ser elaborados, a partir de consultas nos documentos oficiais, que so:

    A Constituio Federal; a LDB n 9.394/1996; o Plano Nacional de

    Educao, Lei n 10.172/2001; os pareceres e as resolues do

    CNE/CEB e do respectivo sistema de ensino; orientaes gerais para a

    ampliao do ensino fundamental de nove anos

    MEC/SEB/DPE/Coef; Ensino Fundamental de nove anos: orientaes

    para a incluso das crianas de 6 anos de idade; as propostas

    pedaggicas das Secretarias de Educao; os projetos poltico-

    pedaggicos das escolas; as pesquisas educacionais; a literatura

    pertinente. (BRASIL, 2006b. p. 09 e 10)

    Outra preocupao no processo de implementao do Ensino Fundamental de

    nove anos com a incluso de crianas de 06 anos de idade no 1 ano, a formao dos

    profissionais que trabalharo diretamente com essas crianas, que dever seguir o que

    rege o parecer CNE/CEB n 4/2008 (BRASIL, 2008) que reitera o que est estabelecido

    no artigo 62 da Lei n 9.394/96 (BRASIL, 1996a), que diz que a formao mnima para

    os professores das sries iniciais deve ser o ensino mdio na modalidade normal, mas,

    preferencialmente, licenciados em Pedagogia ou Curso Normal Superior. Porm,

    somente a formao inicial no basta para a realizao de um bom trabalho, devendo,

  • 22

    portanto, ser dada a devida ateno a esses profissionais que assumiro a

    responsabilidade de trabalhar com as crianas de 6 anos de idade includas no novo

    Ensino Fundamental, fornecendo-lhes capacitaes para que este esteja preparado de

    fato para realizar um trabalho que realmente favorea o processo de aprendizagem das

    crianas.

    O Brasil avanou bastante em relao democratizao do acesso ao ensino

    obrigatrio, nas ltimas dcadas. De acordo com o documento Ensino Fundamental de

    Nove Anos: Orientaes Gerais do Programa de ampliao do Ensino Fundamental,

    97% das crianas brasileiras j esto na escola, entretanto, avalia-se que o modelo

    educacional vigente no provocou mudanas efetivas de comportamento para construir

    uma cidadania solidria (BRASIL, 2004a p. 9), ou seja, o aumento no acesso no

    suficiente para garantir a qualidade desse ensino. Caminhamos para a universalizao

    desse atendimento, mas ainda temos muito a construir para que a educao seja

    considerada prioridade na vida das crianas e jovens e estes, por sua vez, sejam

    considerados pela escola nas suas especificidades, para que a democratizao

    efetivamente acontea.

    Nesse sentido, a ampliao do ensino fundamental de oito para nove anos

    apresentaria-se como mais uma estratgia de democratizao e acesso escola. A Lei n

    11.274, de 06 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006a), assegura o direito das crianas de

    seis anos educao formal e obrigatria, exigindo que as famlias as matriculem e que

    o Estado oferea o atendimento.

    O municpio de Corumb MS, em consonncia com o Estado do Mato Grosso

    do Sul, tem adotado uma postura bastante imediatista no que diz respeito ao

    cumprimento das leis educacionais, postura que se pode perceber nitidamente no

    cumprimento das exigncias da Lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a). J em 2006, o

    municpio deu os primeiros passos para a regulamentao da lei por meio da

    Deliberao CEE/MS n 8.144/06 (MATO GROSSO DO SUL, 2006), que estipula a

    implantao da ampliao do ensino fundamental j a partir de 2007. Mas ser que esse

    imediatismo no cumprimento da lei no se configura como obstculo garantia da

    qualidade no processo de implementao da nova legislao?

    Sobre essa questo, Brito e Senna (2009, p.11), aps anlise nas polticas

    educacionais voltadas especificamente para o ensino fundamental, e especialmente

    focalizando as discusses e as lutas travadas durante o processo de implementao da

    ampliao do ensino fundamental, produzem um artigo e concluem que:

  • 23

    O que fica evidente que no Estado o processo de implantao do

    Ensino Fundamental de nove anos antes que fossem garantidas as

    condies de preparao das respectivas escolas e professores, denota

    precocidade e a conseqente preocupao de que esta mudana possa

    se configurar apenas numa mudana estrutural.

    Silva e Scaff (2010) corroboram com tal alerta quando, ao pesquisarem o

    processo de implantao da lei 11.274/06 (BRASIL, 2006a) nos estados da Bahia e

    Mato Grosso do Sul, percebem que as preocupaes se limitam aos procedimentos de

    regulamentao da lei sem que houvesse uma qualificao dos profissionais que vo

    atuar com as crianas, ou mesmo com a adequao das escolas, sem os ajustes

    pedaggicos ou materiais preconizados pela lei e julgados adequados para o processo de

    incluso pautado pela premissa da qualidade na educao.

    Aps a leitura de todas as especificidades das publicaes do MEC, ficaram

    algumas questes pertinentes que demonstram minha preocupao relacionada ao tema

    no mbito municipal, tais como: ser que a Secretaria de Educao do municpio de

    Corumb MS tem procurado realmente efetivar a garantia dos direitos das crianas

    envolvidas nesse processo, ou tem se preocupado apenas com o cumprimento da Lei?

    Tem dado suporte tcnico e terico s instituies escolares bem como aos educadores

    na prtica de suas aes? E os profissionais que atuam diretamente com os alunos

    foram includos no processo de discusso sobre a efetivao da lei, ou foram apenas

    informados sobre as mudanas? Foram preparados para atuar de acordo com a nova lei?

    Foram realizados cursos de formao continuada que tratassem especificamente desse

    assunto? Quais so as orientaes e exigncias dos diretores, coordenadores e/ou

    supervisores das escolas em relao prtica pedaggica nas salas de aula? Existiu uma

    preocupao em reelaborar os currculos e planejamentos para o atendimento s novas

    exigncias? Teve preocupao em mudar o espao fsico das salas de aula e da escola

    para atender s necessidades das crianas de seis anos includas no ensino fundamental,

    assim como preconizam as orientaes da legislao em questo?

    Desta forma, o objetivo central da pesquisa analisar criticamente o processo de

    implantao e implementao do Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de

    Nove Anos nas escolas do municpio de Corumb em Mato Grosso do Sul. J os

    objetivos especficos so:

    Analisar no contexto de mundializao do capital, como se deu a Reforma da

    Educao Bsica e sua manifestao nas polticas educacionais;

  • 24

    Discutir a interlocuo dos diferentes atores da poltica educacional com o

    Estado acerca do Programa;

    Analisar a interseo das polticas e prticas educacionais do governo central e

    local;

    Analisar como se concretizou no municpio de Corumb a implantao do

    Programa nas escolas;

    Compreende-se no ser possvel realizar um estudo sobre a implantao e

    implementao de uma determinada poltica, sem considerar o contexto das polticas

    nacionais e o papel que o Estado central e local ocupam na sociedade, bem como as

    relaes e embates entre Estado/sociedade, posto que as reformas educacionais so

    mediaes das tendncias da reforma do Estado. A reforma do Estado est intimamente

    conectada com as transformaes internacionais, principalmente no que diz respeito

    educao bsica (objeto de pesquisa do presente trabalho). As relaes entre os

    governos nacionais e internacionais ocorrem por meio de compromissos, encontros e

    conferncias mundiais e regionais, ocasies em que so delineadas as aes e estratgias

    educativas que os pases devem adotar para que as metas de direito universal educao

    para todos sejam atingidas, bem como para garantir o financiamento externo.

    Justifica-se, assim, a necessidade de incluso na pesquisa de um estudo sobre o

    processo de desenvolvimento das polticas pblicas de educao a partir das metas de

    educao assumidas pelas naes, nas conferncias e encontros mundiais em busca de

    uma educao para todos os cidados, enfocando os compromissos das Conferncias de

    Educao Para Todos, realizada em Jomtien na Tailndia em 1990 (UNESCO, 1998a), a

    de Nova Delhi, realizada em 1993 (UNESCO, 1998b), e os compromissos assumidos

    em Dakar, Senegal no ano de 2000 (UNESCO, 2001a) e no Relatrio Jaques Delors

    (UNESCO, 2001b), um documento da Comisso Internacional sobre Educao para o

    sculo XXI. Esse resgate se fez necessrio para dar base ao pressuposto da pesquisa, de

    que as mudanas na sociedade em razo da mundializao do capital provocaram

    mudanas significativas no campo educacional.

    O materialismo histrico-dialtico e suas categorias, mais que uma opo terico-

    metodolgica, uma forma de ler e compreender a realidade.

    Para a realizao da pesquisa adotamos o materialismo histrico-dialtico como

    opo terico-metodolgica, pois nos fornece a possibilidade de estudar e captar a

  • 25

    essncia do objeto a ser estudado, analisando-o dialeticamente, ou seja, considerando a

    relao dialtica todo-parte, existente no objeto pesquisado e que, a essncia no se d

    imediatamente; mediata ao fenmeno e, portanto, se manifesta em algo diferente

    daquilo que . A essncia se manifesta no fenmeno (KOSIK, 1976, p.11). Assim

    sendo, para alcanarmos a compreenso que vai alm da aparncia e atingirmos a

    essncia da coisa, necessrio fazermos um dtour, ou seja, fazer um desvio na

    inteno de descobrir a essncia, a verdade oculta, a coisa em si, (KOSIK, 1976) que

    se esconde atrs da aparncia da coisa, do fenmeno.

    As polticas pblicas esto vinculadas ao processo social e histrico em que

    esto inseridas, devendo ser consideradas em sua totalidade e historicidade. Marx (1983,

    p. 224) ensina que:

    Do mesmo modo que toda cincia histrica ou social em geral,

    preciso nunca esquecer, a propsito da evoluo das categorias

    econmicas, que o objeto, neste caso a sociedade burguesa moderna,

    dado, tanto na realidade como no crebro; no esquecer que as

    categorias exprimem, portanto, formas de existncia, condies de

    existncia determinadas...

    Com base nesta perspectiva e fazendo uso de categorias metodolgicas tais

    como: a totalidade, a contradio e a mediao, bem como algumas categorias de

    contedo como: a historicidade, a reproduo, a hegemonia e o Estado que

    procuraremos compreender, explicar e expor detalhadamente os mltiplos aspectos que

    produziram um Programa para uma determinada poltica educacional em determinado

    momento da histria.

    Totalidade, pois a compreenso da relao todo/parte nos esclarece que uma

    poltica pblica no se desvincula de uma estrutura mais ampla, mas ao contrrio, est

    intimamente ligada a um projeto de sociedade, e nesse caso, sociedade capitalista. No

    caso especfico do estudo presente, a categoria totalidade torna-se imprescindvel na

    medida em que o objeto de pesquisa um programa que se coloca na realidade escolar e

    que no pode ser entendido se no por meio da compreenso do todo, ou seja, das

    relaes estabelecidas entre as bases de produo e o princpio educativo atual. Logo, a

    proposta aqui no simplesmente conhecer o fenmeno, mas conhec-lo e compreend-

    lo como parte que compe o todo.

    Contradio, posto que todo fenmeno, - a exemplo disso, uma poltica

    educacional -, repleto de contradies e conflitos, a prpria educao reflete a

    estrutura social na qual est inserida, ao mesmo tempo em que evidencia as contradies

  • 26

    desta mesma sociedade. captando as contradies do fenmeno que se compreende a

    realidade, enquanto que ignor-la: ... querer retirar do real o movimento e, por isso,

    recurso prprio das ideologias dominantes, que, no podendo retir-la das relaes

    sociais, econmicas e polticas, representam-na como imaginariamente superada.

    (CURY, 1987. p. 34)

    Mediao, pois, a educao possui antes de qualquer outro, um carter

    mediador, Cury (1987, p. 66) evidencia isso quando afirma que:

    Atravs da categoria da mediao a educao se revela como um elo

    existente capaz de viabilizar uma estruturao ideolgica para um

    determinado modo de produo, que, por sua vez, tende a assegurar a

    dominao da classe pela hegemonia. Em outros termos, ela um

    momento mediador em que se busca e onde se pretende a direo

    ideolgica da sociedade [...].

    A categoria mediao fundamental no estudo, posto que no processo de

    conhecimento de um objeto, o pesquisador obrigado a fazer cises na totalidade

    buscando as determinaes especficas do objeto de pesquisa, porm, no contexto real

    nada isolado. De acordo com Kuenzer, (2008, p. 65).

    [...] isolar os fatos significa priv-los de sentido e inviabilizar sua

    explicao, esvaziando-o de seu contedo; da a necessidade de

    trabalhar com a categoria mediao, de tal modo a, cindindo o todo ao

    buscar a determinao mais simples do objeto de investigao, poder

    estudar o conjunto das relaes que estabelece com os demais

    fenmenos e com a totalidade [...]

    A categoria mediao permear, portanto, em todo o trabalho, na medida em que

    ser necessrio em determinados momentos desvincular partes do objeto, nesse caso, o

    Programa de Ampliao do Ensino Fundamental, para conhecer suas determinaes

    mais especficas, a fim de explic-las diante do conjunto das relaes com os demais

    fenmenos educativos. Porm, na mesma medida o movimento contrrio tambm se faz

    necessrio para buscarmos a compreenso dos seus determinantes no contexto histrico

    e social.

    Historicidade, no sentido que toda ao poltica se d de acordo com o momento

    histrico vivido pela sociedade.

    Reproduo uma vez que a escola, instituio alvo da poltica pblica aqui

    analisada, est associada reproduo na medida em que dissipa em seu interior uma

    conformao, uma forma de pensar condizente com as aspiraes da classe dominante.

    A esse respeito temos:

  • 27

    Alm da reproduo, numa escala ampliada, das mltiplas habilidades

    sem as quais a atividade produtiva no poderia ser realizada, o

    complexo sistema educacional da sociedade tambm responsvel

    pela produo e reproduo da estrutura de valores dentro da qual os

    indivduos definem seus prprios objetivos e fins especficos. As

    relaes sociais de produo capitalistas no se perpetuam

    automaticamente. (MSZROS, 1981 p. 260)

    Nesse sentido a categoria reproduo tambm precisa estar presente no estudo,

    posto que a escola, lcus emprico da pesquisa, est vinculada categoria na medida em

    que em seu funcionamento desencadeia conflitos de ideias, produz seus valores e

    reproduz continuamente os valores de que a sociedade capitalista necessita para a sua

    sobrevivncia.

    Hegemonia, pelo fato de a educao ser um espao social de disputa. Quem nos

    d base para tal afirmao Frigotto (2003, p. 25), quando ressalta que:

    A educao, quando apreendida no plano das determinaes e relaes

    sociais e, portanto, ela mesma constituda e constituinte destas

    relaes, apresenta-se historicamente como um campo da disputa

    hegemnica. Esta disputa d-se na perspectiva de articular as

    concepes, a organizao dos processos e dos contedos educativos

    na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social,

    aos interesses de classe.

    Na mesma medida em que a escola um campo de produo de ideologias,

    tambm uma reprodutora de ideologias, especialmente as ideologias das classes

    dominantes, que usa o espao escolar para incutir seus valores na classe dominada.

    Sendo assim, no poderamos excluir do estudo a hegemonia, uma vez que nada mais

    do que essa capacidade de direo cultural e ideolgica (CURY, 1987), num

    movimento constantemente contraditrio no qual uma classe busca domnio sobre a

    outra.

    O Estado visto na pesquisa pela tica gramsciana, mais especificamente em seu

    conceito de Estado Ampliado, que distingue duas esferas no interior dessa

    superestrutura, as quais denomina sociedade poltica referindo-se aos aparelhos

    coercitivos do Estado como as foras armadas, as foras policiais e as leis e

    sociedade civil o conjunto das instituies que representam interesses de diferentes

    grupos sociais como o sistema escolar, a igreja, os partidos polticos, os meios de

    comunicao, as organizaes profissionais, a comunidade cientfica, os artistas entre

    outros grupos e organizaes que elaboram e difundem os valores simblicos e

    ideologias nas sociedades. Temos em Coutinho (1994, p.54) que:

  • 28

    Essas duas esferas se distinguem, justificando assim que recebam em

    Gramsci um tratamento relativamente autnomo, pela funo que

    exercem na organizao da vida social e, mais especificamente na

    articulao e reproduo das relaes de poder. Em conjunto as duas

    esferas formam o Estado em sentido amplo.

    Nesse sentido, as duas esferas podem conservar ou transformar uma determinada

    sociedade de acordo com o interesse de uma classe social no modo de produo

    capitalista, o que as diferencia a maneira que atuam, enquanto que a sociedade civil

    busca exercer sua hegemonia por meio de alianas e consenso, a sociedade poltica

    exerce a dominao por meio da coero, mas, independente da forma como o Estado

    exerce o poder, Gramsci o v como um aparelho a servio da coero de uma classe

    sobre a outra, e defensora dos interesses da classe hegemnica. Segundo Gramsci (1980,

    p. 87): [...] o Estado todo um complexo de atividades prticas e tericas com as quais

    a classe dirigente justifica e mantm no s o seu domnio, mas consegue obter o

    consentimento ativo dos governados [...]. As ideias de Gramsci permanecem atuais na

    medida em que se faz um questionamento das polticas contemporneas que, apesar do

    discurso do direito do cidado que torna possvel o domnio consentido dos

    governados -, tendem a atender sempre as determinaes das ideias hegemnicas no

    cenrio mundial.

    Ao encontro dessa concepo do Estado como regulador das relaes sociais,

    por meio de suas polticas pblicas, temos Fedatto (2008, p.15) que afirma que:

    O entendimento de que o Estado ente abstrato, como um personagem,

    um leviat, nas palavras de Hobbes, no existe, o que existem so

    instituies permanentes criadas pelo homem para regular as relaes

    sociais que vo se tornando complexas a partir do progresso das foras

    produtivas e das conseqentes distines sociais e desigualdades entre

    os indivduos e os grupos fundamental para a compreenso da

    educao como estratgia de interveno na sociedade pelo Estado,

    seja para criar tipos de homens 5, seja para o controle ideolgico.

    Para discutir uma poltica pblica, seja ela no campo social, econmico ou

    educacional, como prope esta pesquisa, no se pode deixar de considerar que toda

    poltica est articulada a um projeto de sociedade, e sabe-se que em qualquer sociedade

    mas especificamente aqui, a sociedade capitalista as diretrizes estabelecidas para o

    desenvolvimento econmico que vo direcionar e mediar, o planejamento das polticas

    pblicas. Portanto, pode se afirmar que, uma poltica pblica constitui-se a partir de

    uma questo que j se tornou socialmente problematizada, exigindo a ao do Estado,

    5 Termo cunhado por Brando,1985 e destacado por Fedatto, 2008.

  • 29

    que deve tomar decises, sempre visando os interesses que predominam na sociedade

    em questo. Sobre isso, Azevedo (2004, p. 61) afirma:

    Neste quadro importante, tambm, ter presente como se d o

    surgimento de uma poltica pblica para um setor, ou, melhor dizendo,

    como um problema de um setor ser reconhecido pelo Estado e, em

    consequncia, ser alvo de uma poltica pblica especfica. Poltica

    esta que surgir como meio de o Estado tentar garantir que o setor se

    reproduza de forma harmonizada com os interesses que predominam

    na sociedade.

    A autora, tendo Jobert como referncia, refora essa afirmao quando o mesmo

    salienta que:

    Os modelos de poltica no so independentes da poltica cultural e

    dos valores. Suas relaes so duplas. Primeiramente o modelo de

    poltica deve dar forma aos conceitos e aos valores mais gerais da

    ordem social. Segundo, deve estar em harmonia com as concepes

    dominantes do Governo e com as formas de interao entre o Estado e

    sociedade. (JOBERT, 1989b: p.378, apud AZEVEDO, 2004, p. 66 e

    67).

    A partir dessas observaes, mais uma vez, reafirma-se o pressuposto da

    pesquisa que aqui se apresenta, de que as polticas educacionais, sendo polticas

    pblicas, no esto desvinculadas aos ditames da hegemonia mundial para a educao,

    posto que hoje as naes no possam agir de forma isolada devido ao processo de

    mundializao. Evidencia-se, por outro lado, a importncia da questo central tratada na

    pesquisa, que compreender a materializao do Programa de Ampliao do Ensino

    Fundamental de oito para nove anos, no contexto da Reforma da Educao Bsica

    orquestrada pelos Organismos internacionais nos anos 1990. Busca-se, assim, apreender

    em que medida as polticas e prticas do Estado central e local se coadunam com as

    demandas da sociedade civil, bem como em mbito local, analisando como se

    concretizou o processo de ampliao do ensino fundamental no municpio de Corumb

    MS.

    Para atingir os objetivos propostos para a pesquisa, foram realizados estudos

    tericos a respeito do tema, tendo como base material produes como, livros, teses,

    dissertaes, artigos e trabalhos publicados que tratam dos temas, Estado e Polticas

    Pblicas de Educao, Capitalismo Contemporneo, Conferncias Mundiais e Polticas

    Educacionais no Estado de Mato Grosso do Sul, documentos oficiais da legislao da

    Educao bsica, tais como a Constituio Federal (1988), A Lei n 9.394 (BRASIL,

    1996a), a Lei n 10.172 (BRASIL, 2001), Lei n 11.114 (BRASIL, 2005a), a Lei n

    11.274 (BRASIL, 2006a), alm de uma anlise nos documentos do Programa de

  • 30

    Ampliao do Ensino Fundamental de oito para nove anos, objeto da pesquisa dentre

    eles, Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientaes Gerais (Brasil, 2004a); 1

    relatrio do Programa (BRASIL, 2004b); 2 Relatrio do Programa (BRASIL, 2005);

    Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientaes para a incluso da criana de seis anos

    de idade (Brasil, 2006b); 3 Relatrio do Programa (Brasil 2006c) e Ensino

    Fundamental de Nove Anos: Passo a Passo do Processo de Implantao (BRASIL,

    2009), objeto da pesquisa.

    As informaes sobre a implantao e implementao no mbito prtico, foram

    coletadas a partir de entrevistas semiestruturadas, que contaram com a participao de

    profissionais da Secretaria Municipal de Educao, dos gestores das instituies de

    ensino do municpio de Corumb, e dos professores que atuam no 1 ano do ensino

    fundamental de nove anos.

    O trabalho aqui apresentado est estruturado por uma introduo e 3 captulos e

    Consideraes Finais, elaborados de acordo com os propsitos da pesquisa.

    O Captulo I discute as mudanas no capitalismo contemporneo e

    manifestaes no campo educacional, abordando os temas da mundializao do capital e

    processos de gesto pblica, a educao bsica e as relaes entre os governos nacionais

    e internacionais. Neste captulo, realizou-se, alm de uma contextualizao do

    capitalismo contemporneo com a educao, um estudo aprofundado em diversos

    documentos e declaraes de acordos mundiais para a educao, visto que hoje os

    pases esto todos interligados de alguma maneira devido ao processo de mundializao

    que vem ocorrendo de forma contnua.

    O Captulo II apresenta o Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de

    Nove Anos desde sua concepo, os caminhos percorridos para sua implantao e

    implementao, a finalidade do Programa, a perspectiva governamental e demandas da

    sociedade civil organizada, alm de uma anlise no processo de implantao e

    implementao do Programa em nvel nacional e local, trazendo informaes sobre a

    implantao do Programa no municpio de Corumb.

    O Captulo III buscando cumprir com os objetivos propostos pela pesquisa,

    especialmente o objetivo especfico de analisar como se concretizou a implantao do

    Programa de Ampliao do Ensino Fundamental de Nove Anos nas escolas, assim,

    apresenta o campo da pesquisa, os sujeitos, os dados empricos coletados por meio das

    entrevistas realizadas no decorrer da pesquisa, envolvendo a participao de gestores e

    profissionais diversos envolvidos no processo de ampliao do ensino fundamental bem

  • 31

    como as anlises dos discursos apresentados nas entrevistas em confronto com os

    estudos tericos realizados para a concretizao da pesquisa, especialmente os

    documentos elaborados pelo MEC na busca de fornecer os subsdios necessrios ao

    processo de ampliao do ensino fundamental. A construo deste captulo possibilita a

    afirmao de que no processo de ampliao do ensino fundamental de oito para nove

    anos, as preocupaes tanto da secretaria municipal de educao quanto das instituies

    escolares da rede municipal de educao de Corumb-MS, estiveram muito mais

    instaladas nas questes burocrticas do que no mbito da prtica pedaggica.

    E por fim nas Consideraes Finais, finalizamos o trabalho proposto

    evidenciando que os esforos realizados no processo de ampliao do ensino

    fundamental nos levam a reafirmar que os reais objetivos da reforma da educao

    bsica, especialmente a partir da dcada de 1990, se aproximam mais do campo

    econmico do sistema capitalista, na medida em que busca antes de garantir a qualidade

    na educao, estar em consonncia com os ditames internacionais para a educao.

  • 32

    1. MUDANAS NO CAPITALISMO CONTEMPORNEO E

    MANISFESTAES NO CAMPO EDUCACIONAL.

    A sociedade est em processo de desenvolvimento e passa por vrios processos

    de transformaes permeados de contradies e antagonismos. Um exemplo disso o

    modo de produo predominante nas sociedades contemporneas, o modo de produo

    capitalista, que vem enfrentando crises contnuas e permanentes em sua dinmica de

    crescimento, com a hegemonia do capital financeiro. Marx, no sculo XIX, j alertava

    para a impossibilidade de se estabelecer uma sociedade slida, a partir de um modo de

    produo to contraditrio, caracterizado pela diviso da sociedade em classes, na qual

    a verdadeira necessidade produzida pela economia a necessidade do capital, e o valor

    do homem e seu poder so medidos pela sua capacidade de acumulao e,

    principalmente, uma sociedade com base na propriedade privada. Segundo o prprio

    Marx (1987, p. 182):

    [...] a propriedade privada no sabe fazer da necessidade bruta

    necessidade humana; seu idealismo a fantasia, a arbitrariedade, o

    capricho; nenhum eunuco adula mais baixamente seu dspota ou

    procura com os meios mais infames estimular sua capacidade

    embotada de gozo, a fim de obter um favor, do que o eunuco

    industrial, o produto, para granjear para si mais moedas de prata e para

    fazer sair ovos de ouro do bolso de seus prximos, cristmente

    amados (cada produto uma isca com a qual se quer atrair o ser dos

    outros, seu dinheiro; toda necessidade real ou possvel uma fraqueza

    que arrastar as moscas ao melado explorao universal da essncia

    coletiva do homem; assim como toda imperfeio do homem um

    lao como os cus, um lao pelo qual seu corao acessvel ao

    sacerdote; toda carncia oferece uma ocasio para parecer de modo

    mais amvel diante do prximo e dizer-lhe: querido amigo, dou-te o

    que necessitas, mas j conheces a conditio sine qua non, j sabes com

    que tintas tem que assinar o compromisso que te liga a mim; engano-

    te enquanto te proporciono gozo) [...].

    Tendo como referncia as ideias de Marx, o captulo discorrer sobre essas

    mudanas sociais, nas quais imperativos econmicos tornam seus indivduos cada vez

    menos humanizados, e sempre em confronto com as necessidades do capital. Marx

    desvela que quem possui os meios de produo possui tambm o direito de fazer do

    operrio (o trabalhador) seu objeto, a ponto de:

    [...] A simplificao da mquina, do trabalho, utilizada para

    converter em operrio o homem que ainda est se formando, o homem

    ainda no formado a criana -, assim como o operrio tornou-se

    uma criana totalmente abandonada. A mquina acomoda-se

  • 33

    fraqueza do homem, para converter o homem fraco em mquina.

    (MARX, 1987, p.183)

    Assim, este captulo far uso de algumas das categorias principais do

    materialismo histrico-dialtico, como a prpria dialtica do processo de

    desenvolvimento social, a totalidade e a contextualizao histrica - posto que no se

    pode entender um objeto sem que se compreenda as condies em que os homens

    construram a histria -, as lutas de classes e a hegemonia de poucos (dominantes) sobre

    a maioria dos pases dominados, o processo de mudanas no capitalismo

    contemporneo, bem como suas implicaes nos processos de gesto pblica e suas

    influncias na rea educacional por meio das polticas pblicas de atendimento

    educao bsica.

    Buscando atender os objetivos da pesquisa, especialmente analisar no contexto

    de mundializao do capital, como se deu a Reforma da Educao Bsica e suas

    manifestaes nas polticas educacionais, o captulo est dividido em 3 partes: a

    primeira trata de compreender o processo de mundializao e suas manifestaes nos

    processos de gesto pblica, evidenciando que existe uma proposta mundial especfica

    para a educao e que os pases de capitalismo perifrico como o Brasil precisam

    seguir. A segunda parte busca apresentar os compromissos assumidos pelo pas a partir

    dos encontros e conferncias mundiais para a educao, eventos organizados e

    financiados pelos organismos multilaterais do capital tais como a Organizao da

    Naes Unidas (ONU), o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial

    (BM), que impem suas condicionalidades para o financiamento da educao no pas. A

    terceira parte finaliza o captulo trazendo um breve resgate histrico da educao

    brasileira discutindo em que medida a Reforma da Educao Bsica realizada pelo

    governo federal entre os anos 1995 a 2001 se coaduna com as orientaes mundiais para

    a educao a partir da dcada de 1990.

    1.1 Mundializao e processos de gesto pblica.

    O capitalismo o sistema socioeconmico dominante, caracterizado pela

    propriedade privada, meios de produo baseados na acumulao de capital, existncia

    de livres mercados, gerao de lucros, diviso de classes, que enfatiza as relaes entre

    a classe trabalhadora e a classe dominante e suas diferentes fraes. A classe dominante

    se sobrepe primeira numa relao de poder econmico, poltico e ideolgico. Trata-

  • 34

    se de um sistema que no considera as necessidades societais, mas sim, sua

    autovalorizao e que subordina radicalmente o valor de uso das mercadorias em

    detrimento do valor de troca das mesmas, pois o que realmente importa para o

    capitalismo que a mercadoria tenha utilidade para o capital.

    Ao longo de sua histria, o capitalismo vem passando por uma srie de ciclos

    que sempre variou entre expanso e crise, porm, vrios autores que se ocuparam em

    estudar esta forma de produo entram num consenso que a crise atual do capitalismo

    uma das mais fortes da histria. Mszros (2009) defende a ideia de que a crise atual do

    capitalismo uma crise estrutural, e que a busca de uma alternativa para solucionar essa

    crise seria a construo de um novo modo de produo e de vida totalmente contrrio ao

    modo de produo capitalista destrutivo, hoje dominante, pois segundo ele:

    Recentemente, vocs tiveram um prenncio do que eu tinha em

    mente6. Mas apenas um prenncio, porque a crise estrutural do

    sistema do capital como um todo a qual estamos experimentando

    nos dias de hoje em uma escala de poca est destinada a piorar

    consideravelmente. Vai se tornar a certa altura muito mais profunda,

    no sentido de invadir no apenas o mundo das finanas globais mais

    ou menos parasitrias, mas tambm todos os domnios da nossa vida

    social, econmica e cultural. (MSZAROS, 2009, p. 17)

    O processo de mundializao vivido pelas sociedades na atualidade nos mostra

    que a ligao entre as naes est cada vez mais estreita em todos os sentidos, assim,

    verifica-se que um fato ocorrido em qualquer parte do mundo no d mais para ser

    considerado um evento isolado, pois suas consequncias tm abrangncia em todas as

    partes do globo e em todos os setores, seja de ordem econmica, social, na sade, nas

    relaes de trabalho, no campo educacional e em todos os setores que envolvem a vida

    dos indivduos.

    Para iniciar uma discusso sobre mundializao e a influncia que esse processo

    pode ter sobre os processos de gesto pblica, primeiramente se faz necessria uma

    explicao da opo pelo termo mundializao em detrimento de globalizao, uma vez

    que muitos trabalhos acadmicos trazem os termos como sinnimos, enquanto que

    outros os diferenciam entre si. Assim, ser possvel justificar a escolha no presente

    estudo.

    A respeito da palavra globalizao, temos que ela:

    6 Referncia a uma anlise dele prprio de que a crise mundial de 1929-1933 se parece com uma festa

    no salo de ch do vigrio em comparao com a crise na qual estamos realmente entrando.

  • 35

    [...] est relacionada com a forma expansionista do modo de produo

    capitalista -, que tende, (desde) o seu nascimento, a incorporar

    territrios, povos, recursos naturais e culturas. (NORONHA, 2008,

    p.16).

    O conceito de globalizao se aplica, portanto, produo,

    distribuio e consumo de bens e servios, organizados a partir de

    uma estratgia mundial, e voltada para um mercado mundial. Ele

    corresponde a um nvel e a uma complexidade da histria econmica,

    no qual as partes, antes internacionais, se fundem agora numa mesma

    sntese: o mercado mundial. (ORTIZ, 1994, p.29)

    De acordo com Ortiz, a diferena dos termos que enquanto a globalizao

    est ligada aos processos de natureza econmica e tecnolgica, a mundializao reporta-

    se ao mbito dos processos culturais (ORTIZ, 1994 apud NORONHA, 2008 p. 22).

    Chesnais (1996), em sua obra Mundializao do Capital, esclarece que os termos

    global, globalismo e globalizao no so termos neutros, ao contrrio, so

    carregados de ideologia e conscientemente utilizados para manipular a imaginao

    social e pesar nos debates polticos, mas ao mesmo tempo so vagos a ponto de

    poderem ser empregados da maneira mais conveniente por quem quer que seja. O termo

    americano global surgiu na dcada de 1980 por meio da imprensa econmica e

    financeira destinado aos grandes grupos econmicos no intuito de transmitir que:

    [...] em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstculos

    expanso das atividades de vocs foram levantados, graas

    liberalizao e desregulamentao; a telemtica e os satlites de

    comunicaes colocam em suas mos formidveis instrumentos de

    comunicao e controle; reorganizem-se e reformulem, em

    consequncia, suas estratgias internacionais. (CHESNAIS, 1996,

    p.23).

    J o termo de origem francesa mundializao remete ideia de que junto com

    a mundializao da economia, necessrio construir instituies polticas que sejam

    capazes de controlar esse movimento e, isso o que as foras que atualmente regem os

    destinos do mundo no querem de jeito nenhum (CHESNAIS, 1996 p. 24). Para o

    autor, o termo mundializao diminui a falta de nitidez conceitual do termo

    globalizao e esse um dos motivos que fez com que o termo encontrasse

    dificuldades para se impor nos discursos da economia e da poltica francesa, bem como

    nas grandes organizaes internacionais.

    Assim, este trabalho pretende fazer um estudo sobre as manifestaes do

    capitalismo no campo educacional, que est includo de forma mais diretamente aos

    processos culturais que nos processos econmicos, ainda que no esteja excludo deles,

  • 36

    uma vez que o sistema de produo capitalista est determinado, em ltima instncia,

    pelo campo econmico. Assim, compreende-se que os processos econmicos

    estabelecem mediaes com o campo educacional.

    Por outro lado, o estudo representa um esforo na tentativa de desvelar e no

    encobrir as reais intenes de uma determinada poltica na rea da educao. E, por

    entender que esse processo de internacionalizao no s uma questo conceitual, mas

    especialmente de formao de ideologias, optou-se por utilizar o termo mundializao

    em detrimento de globalizao.

    A influncia que as aes que um pas exerce sobre todos os outros pases, pode

    ser claramente percebida se analisarmos as consequncias no caso das maiores

    indstrias automobilsticas, General Motors e Ford que, beira da falncia, j contaram

    no passado com o apoio financeiro do governo norte-americano na tentativa de salv-

    las. No entanto, independente da ajuda que obtiveram em outros tempos, nenhum

    subsdio pode ser considerado suficiente, pois as trs grandes indstrias automobilsticas

    encontravam-se novamente beira da bancarrota no final da primeira dcada do sculo

    XX (MSZROS, 2009). Isto mostra que, a partir do momento em que os subsdios

    financeiros se fazem presente, fica sempre difcil de interromp-los. E mais uma vez as

    indstrias recorreram ao governo, contando com o apoio do Estado americano, num

    acordo que, segundo The Economist (Londres), publicado em 04/10/2008 :

    O acordo significa que as companhias de automveis abenoadas

    com a garantia do governo deveriam obter emprstimos com uma

    taxa de juro de cerca de 5% em vez dos 15% que enfrentariam no

    mercado aberto nas condies de hoje. (apud MSZAROS, 2009,

    p.24)

    Mas o que essas informaes sobre as grandes automobilsticas podem ajudar na

    compreenso das manifestaes do capitalismo nas polticas do campo educacional?

    importante ressaltar aqui que todo esse montante de dinheiro gasto pelo

    governo norte-americano na tentativa de salvar a economia - no s das empresas

    automobilsticas, mas em casos como de grandes bancos, das companhias hipotecrias e

    de seguros, por exemplo -, trata-se de dinheiro pblico e, para que se recupere esse

    capital, necessrio o desencadeamento da parte do Governo, de vrias outras aes.

    Aes inclusive no campo educacional, que implicam consequncias na vida dos

    cidados, no somente daquele, mas em todos os outros pases. , posto que hoje, a

    ligao entre eles evidente por meio do processo de mundializao da economia.

  • 37

    As aes e consequncias mais comuns na busca de reaver o dinheiro gasto na

    tentativa de salvamento dessas indstrias so o aumento de impostos, a inflao, o

    desemprego, entre outras que vo influenciar diretamente na qualidade de vida das

    pessoas no mundo todo, pois no devemos esquecer que so grandes empresas

    totalmente mundializadas em seu funcionamento. No caso das automobilsticas, por

    exemplo, as peas necessrias para a montagem de determinado carro so fabricadas em

    vrias partes do globo. Assim, as empresas podem utilizar a mo de obra mais barata em

    determinadas partes do mundo, diminuindo o custo para a fabricao e aumentando em

    escala extraordinria os lucros de seus produtos atravs da explorao da mo de obra

    de trabalhadores que necessitam trabalhar, mesmo que em algumas situaes precrias.

    (MSZROS, 2009).

    Ainda nesse sentido, temos em Chesnais (1996) a flexibilizao da produo, a

    proximidade do mercado e as desigualdades salariais entre pases e as deslocalizaes7,

    vistas como uma forma de tirar proveito da liberalizao do comrcio exterior, no

    intuito de se beneficiar dos baixos custos salariais e da ausncia de legislao social em

    determinados pases. Tal ao caracteriza uma das peculiaridades do modo de produo

    capitalista, portanto, refletindo sobre esse fato pode-se perceber as mudanas que

    ocorreram e esto ocorrendo nas relaes entre capital e trabalho (MZROS, 2009).

    Poderamos aqui nos perguntar ento: por que o Estado coloca uma nao diante

    dessa situao? Vrios fatores influenciam essa poltica, mas uma das principais razes

    para esse aventureirismo financeiro a necessidade da confiana, pois, para o

    capitalista, nenhum pas pode atrair investimentos sem um ndice favorvel de

    confiana. Mszros (2009, p. 19) ironiza essa necessidade de confiana no mercado

    capitalista:

    De qualquer forma, toda essa conversa sobre as virtudes absolutas da

    confiana na administrao econmica capitalista assemelha-se muito

    explicao oferecida pela mitologia indiana sobre a base de suporte

    do universo. Pois naquela antiga viso do mundo, dizia-se que o

    universo era carregado, muito confortavelmente, sobre as costas de

    elefantes.

    O autor prossegue discorrendo a respeito do elefante, que este ainda seria

    confortavelmente carregado nas costas de uma tartaruga csmica, ou seja, h uma

    espcie de comodismo a respeito das grandes crises, pois utilizando a excessiva

    confiana no mercado, nem mesmo se procura uma sada, pois se acredita que o

    7 Ver mais sobre os conceitos em A Mundializao do Capital (CHESNAIS, 1996).

  • 38

    mercado sempre conseguir resolver seus problemas por conta prpria para salvar o

    sistema.

    Para Mzros (2009), o que tem acontecido na verdade um fechamento

    generalizado de olhos para a totalidade da problemtica, pois as recentes solues e

    medidas adotadas pelas autoridades que governam os pases somente buscam remediar

    os problemas no aspecto financeiro da crise. Mas a verdade que nem todos querem

    enxergar que o aprofundamento da crise se agrava a cada dia, e que:

    Naturalmente a conseqncia necessria da crise sempre em

    aprofundamento nos ramos produtivos da economia real como

    eles agora comeam a cham-la contrastando a economia produtiva

    com o aventureirismo especulativo financeiro o crescimento do

    desemprego por toda a parte numa escala assustadora, e a misria

    humana a ele associada. Esperar uma soluo feliz para esses

    problemas vinda das operaes de resgate do Estado capitalista seria

    uma grande iluso. (MSZROS, 2009 p. 25)

    Em sua obra, Mszros faz referncia a outro grande problema para o sistema

    capitalista global. Trata-se da inadimplncia dos EUA, ou seja, a possibilidade deste

    pas no conseguir honrar suas dvidas, afirmao que ele tem feito j h alguns anos8.

    Segundo o autor, existem duas certezas diante dessa situao, a de que a inadimplncia

    dos Estados Unidos afetar a vida de todos no nosso planeta, e a de que a hegemonia

    dos Estados Unidos continuar, e ser afirmada de todas as formas possveis e far com

    que todos paguem suas dvidas:

    O agravante da realidade hoje, que o resto do mundo tem cada vez

    mais dificuldades para preencher o buraco negro produzido numa

    escala sempre crescente pelo insacivel apetite dos Estados Unidos

    por financiamento da dvida mesmo com a macia contribuio

    chinesa, historicamente irnica, para a balana do Tesouro norte-

    americano-, como demonstrado pelas repercusses globais da recente

    crise hipotecria e bancria norte-americana. (MSZROS, 2009,

    p.27)

    Mszros (2009, p. 27) discorre ainda sobre a proximidade do calote dos Estados

    Unidos:

    A verdade dessa matria perturbante que pode no haver caminho de

    volta para essas contradies essencialmente suicidas contradies

    que so inseparveis do imperativo da infindvel expanso do capital

    a todo custo, confundindo de forma arbitrria e mistificadora com

    crescimento como tal sem a mudana radical do nosso modo de

    reproduo sociometablica.

    8 Referncia a A crise atual, em Para Alm do Capital de Stvn Mzaros, 1995.

  • 39

    E essa transformao no modo de produo deve ser realizada atravs de

    prticas responsveis e racionais, orientada primordialmente pela necessidade humana e

    no mais pelo degradante lucro. Mszros (2009) se refere Marx, dizendo que ele se

    torna hoje ainda mais relevante quando diz que apenas uma mudana sistmica radical

    proporcionar a esperana e a soluo para o futuro.

    Mas a histria da evoluo do capitalismo mostra que nem sempre foi assim. H

    pouco tempo atrs, o capitalismo era bem aceito. Sobre isso, Mszros (2009, p. 48)

    escreveu:

    [...] o crescimento sem barreiras e a multiplicao do poder do capital,

    a irresistvel extenso de seu domnio a todos os aspectos da vida

    humana eram fatos proclamados com toda a segurana e amplamente

    aceitos. O funcionamento no-problemtico e sem distrbios das

    estruturas capitalistas de poder era tomado como certo e declarado

    como feio permanente da prpria vida humana[...].

    Complementa ainda que quem desacreditasse ou colocasse em dvida essas

    afirmaes, costumava ser desqualificado pela sociedade hegemnica burguesa, e era

    tachado como idelogo. Porm, a poca da crise chegou tambm para o capitalismo. A

    dominao e a expanso sem limites esto encontrando resistncias em toda parte, a

    degradao do meio ambiente por conta da explorao irresponsvel em nome do

    crescimento capitalista, a crise estrutural na educao que j vem ocorrendo h anos, e a

    desintegrao da famlia que aos poucos se dissolve diante dos diversos conflitos

    sociais, como exemplo, o nmero cada vez maior de desemprego, inclusive de pessoas

    com alta qualificao, so algumas evidncias de que o capitalismo est em franco

    declnio, comprometendo o status quo social.

    Mszros, com base nas palavras de Isaac Deutscher9 reitera que:

    Num mundo constitudo por uma multiplicidade de sistemas sociais

    conflitantes e em mtua interao em contraste com o mundo

    fantasioso das escaladas e desescaladas dos tabuleiros de xadrez, o

    precrio status quo global caminha por certo para a ruptura.

    (MSZAROS, 2009, p.48)

    Alm disso, o capitalismo conta tambm com outra contradio, o fato de no se

    conseguir separar o avano e a destruio, em sua busca por lucratividade, custe o que

    custar e o progresso sempre vem acompanhado de desperdcios que afetam toda a

    humanidade. Sobre essa destruio temos:

    9 Referncia obra de Isaac Deutscher, The Unifished Revolution (Oxford, Universidade Oxford, 1967),

    p.110-4 [Ed.bras.: A Revoluo inacabada: Rssia 1917-1967, So Paulo, Civilizao Brasileira,1968.]

  • 40

    Quanto mais o sistema destrava os poderes da produtividade, mais

    libera os poderes da destruio; e quanto mais dilata o volume da

    produo, tanto mais tem de sepultar tudo sob montanhas de lixo

    asfixiante. O conceito de economia radicalmente incompatvel com a

    economia da produo do capital, que necessariamente causa um

    duplo malefcio, primeiro por usar com desperdcio voraz os limitados

    recursos do nosso planeta, o que posteriormente agravado pela

    poluio e pelo envenenamento do meio ambiente humano,

    decorrentes da produo em massa de lixo e afluentes. (MSZAROS,

    2009, p.73)

    Na verdade, para o autor, a ruptura coisa certa, a questo de que forma ela

    acontecer e a resposta a essa pergunta, depender da capacidade das sociedades em

    criar mecanismos que garantam assegurar a transio para uma sociedade socialista, na

    qual a humanidade possa encontrar a unidade que necessita para sua simples

    sobrevivncia (MSZROS, 2009, p.48).

    A sociedade contempornea est enfrentando srios problemas, principalmente

    relacionados s desigualdades ocasionadas pelo modo de produo capitalista, processo

    em que se utiliza da mundializao do capital para cada vez mais conseguir a

    hegemonia de cultura dos poucos pases dominantes sobre um turbilho de outros

    pases, uma vez que a desigualdade entre as naes se materializa por meio do controle

    mundial, inclusive de forma repressiva. Nesse contexto, difcil fragmentar o processo

    de mundializao da economia, cultura e educao, dos processos de gesto pblica

    entre os pases, posto que todos esto interligados e dependentes uns dos outros na

    dinmica do capitalismo.

    1.2 Educao bsica e as relaes entre os governos nacionais e internacionais

    Evidenciamos at aqui que os pases esto interligados de alguma maneira

    devido ao processo de mundializao do capital, que vem ocorrendo de forma contnua.

    A educao dos pases no foge a essa regra, pois se constata que atualmente no se d

    nem mesmo um passo adiante sem que se tenha em vista as metas educativas universais,

    uma vez que tais metas so periodicamente revistas, reestabelecidas e avaliadas em

    nvel mundial.

    No campo educacional, principalmente no que diz respeito educao bsica, as

    relaes entre os governos nacionais e internacionais se d por meio de compromissos

    assumidos em encontros e conferncias mundiais e regionais, ocasies em que so

    delineadas as aes e estratgias educativas que os pases devem adotar.

  • 41

    Antes da discusso sobre esses encontros e conferncias, necessrio

    apresentarmos alguns organismos multilaterais do capital, tais como a Organizao das

    Naes Unidas (ONU), que com suas agncias como a Organizao das Naes Unidas

    para a Educao, Cincia e a Cultura (UNESCO), criadas no sentido de promover a paz

    mundial e o bem estar comum da humanidade (MELO, 2004, p.176), e especialmente o

    Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), posto que so os

    organizadores e os principais financiadores desses encontros que influenciam no

    direcionamento das polticas sociais, dentre elas as polticas educacionais dos pases do

    mundo todo.

    A criao do FMI e do BM ocorreu em 1945 atravs dos acordos de Bretton

    Woods, que buscavam no perodo ps-segunda guerra mundial consolidar a hegemonia

    dos Estados Unidos por meio da reconstruo e desenvolvimento dos pases derrotados.

    A materialidade do acordo de Bretton Woods, bem como da criao desses organismos,

    reside na busca de recomposio da crise capitalista da dcada de 1930, inicialmente

    contornada pela rediviso internacional do trabalho, por meio da II Guerra Mundial que

    torna lder os EUA. Posteriormente, o padro taylorista-fordista e o Estado de Bem-

    estar social vieram a compor esta estratgia de recomposio.

    Inicialmente cabia ao FMI as polticas monetrias, fiscal e o monitoramento da

    dvida externa dos pases europeus. O BM se responsabilizaria pelos emprstimos para a

    infraestrutura, gastos pblicos, polticas de preo e aperfeioamento da eficincia de uso

    dos recursos pelos pases tomadores de emprstimos. A partir da dcada de 1950, com a

    emergncia da Guerra Fria, houve a necessidade de assistncia econmica, poltica e

    militar aos pases do Terceiro Mundo. S ento que o Banco Mundial adquiriu o perfil

    hoje conhecido de um banco voltado para o financiamento dos assim denominados

    pases em desenvolvimento (SOARES, 2003).

    No ano de 1968, Robert S. MacNamara, um dos mais importantes formuladores

    da poltica externa dos EUA, assumiu a presidncia do BM e sua gesto se caracterizou

    por tentar ganhar os pases em desenvolvimento para o capitalismo, sob o discurso da

    preocupao com a pobreza. No difcil imaginar que a real inteno dos emprstimos

    aos pases que jamais poderiam saldar suas dvidas, s poderia ser a possibilidade de

    control-los. Porm, nos anos 1970, o BM perde importncia novamente no cenrio

    mundial devido ao crescimento do crdito bancrio privado, pois os recursos

    provenientes dos petrodlares levam os bancos a oferecer crditos em condies

  • 42

    facilitadas para os pases em desenvolvimento, superando em pouco tempo o volume de

    emprstimos oferecidos pelo BM. (SOARES, 2003).

    Nos anos 1980 eclode a crise do endividamento dos pases latino-americanos,

    causando uma instabilidade no mercado internacional. Esse acontecimento abre espao

    para uma ampla transformao do papel que o conjunto de organismos multilaterais

    vinha desempenhando, e especialmente o BM ganha novamente importncia estratgica

    na reestruturao econmica desses pases e:

    [...] De um banco de desenvolvimento, indutor de investimentos, o

    Banco Mundial tornou-se o guardio dos interesses dos grandes

    credores internacionais, responsvel por assegurar o pagamento da

    dvida externa e por empreender a reestruturao e abertura dessas

    economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado.

    (SOARES, 2003, p. 20 e 21)

    Devido vulnerabilidade dos pases endividados, no foi difcil o Banco

    Mundial atingir seu objetivo de controle, pois passou a ser a nica fonte de recursos

    externos, uma vez que os bancos privados haviam interrompido os emprstimos a esses

    pases, a forma de controle utilizada foi exatamente a imposio de condies para a

    concesso dos emprstimos, passando assim a influenciar o conjunto das polticas

    domsticas e at na legislao dos pases.

    Os espaos em que se delineiam tais estratgias so os encontros e conferncias

    mundiais para as discusses e definies de como devem seguir as polticas de diversos

    pases, inclusive do Brasil. Alguns exemplos sero abordados aqui, tais como: A

    Conferncia Mundial de Educao para Todos em Jomtien (UNESCO, 1998a), na

    Tailndia - 1990, a Decl