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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA ANA LIA RODRIGUES DA SILVA ARTE DO TEMPO NO ESPAÇO: SOM E INSTALAÇÕES Cuiabá-MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

CULTURA CONTEMPORÂNEA

ANA LIA RODRIGUES DA SILVA

ARTE DO TEMPO NO ESPAÇO:

SOM E INSTALAÇÕES

Cuiabá-MT

2015

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ANA LIA RODRIGUES DA SILVA

ARTE DO TEMPO NO ESPAÇO:

SOM E INSTALAÇÕES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos de Cultura

Contemporânea da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do

título de Mestre em Estudos de Cultura

Contemporânea na Área de Concentração

Estudos Interdisciplinares de Cultura, Linha de

Pesquisa Poéticas Contemporâneas.

Orientadora: Profa. Dra. Teresinha

Rodrigues Prada Soares

Cuiabá-MT

2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Teresinha Prada pelas respostas rápidas, pela confiança,

paciência, generosidade, suavidade, entusiasmo e brilhantismo.

Aos meus pais por terem acreditado, incentivado e apoiado. Zanizor, por todo tipo de

suporte imaginável e discussões filosóficas. Rosângela, pelo exemplo, pelo socorro

acadêmico à distância, por Inhotim, por tudo o mais. Agradeço aos dois por me amarem

incondicionalmente.

Aos meus filhos Miguel e Felipe por suportarem as ausências, por me acompanharem,

por serem minha motivação maior, pela vida e amor que representam, minhas maiores

criações.

À Maria Thereza Azevedo, que me acolheu desde o início.

Ao Antonio Eduardo Santos, pelo interesse e disponibilidade.

À Maurília Valderez e Renata Zambom que foram fundamentais quando tudo começou.

A todos os professores e técnico- administrativo (Glaucos) do ECCO.

Aos colegas de mestrado pela troca, por emprestarem seus trabalhos (Daniela e Juliana)

e livros (Jone), pela palavra amiga, pelo incentivo, por compartilhar desesperos e

alegrias em cada conquista.

Aos colegas de trabalho da UFMT, da PROPEQ e do Coral, que compreenderam meu

momento.

Aos meus tios Zanizer Zeila e Rotênio, por me acolherem em São Paulo.

Ao Alexandre pelo companheirismo e Luis pelas artes.

À Cristiane, Selma e Rosangela por cuidarem da minha voz, corpo e mente enquanto

isso.

Aos meus irmãos Fernando, Nuno, Murilo, Mauricio e Gabriel.

Agradecimentos seguem para todos que tiveram comigo envolvidos, ou participaram de

certo modo nesses anos de trabalho intenso nesse mestrado.

A grande oportunidade de passar por isso.

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Com amor, aos meus filhos Miguel e Felipe;

Com gratidão aos meus pais.

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Lista de figuras:

Figura 1. Partitura Variations de John Cage. ................................................................. 19

Figura 2. O tradicional metrônomo Wittner Maelzel. .................................................... 20

Figura 3. Poema sinfônico para 100 metrônomos, de Ligeti. ......................................... 21

Figura 4. Ttéia 1C, 2002 ................................................................................................. 23

Figura 5. Ritornelo. ......................................................................................................... 25

Figura 6. Música acusmática. ......................................................................................... 33

Figura 7. Pavilhão Philips, 1958. .................................................................................... 35

Figura 8. Pavilhão Philips, 1958. .................................................................................... 36

Figura 9. Happening. ...................................................................................................... 39

Figura 10. Hélio Oiticica e Neville D‟Almeida, Cosmococa 5 Hendrix War, 1973,

projetores, slides, redes, trilha sonora (Jimi Hendrix) e equipamento de áudio,

dimensões variáveis ........................................................................................................ 46

Figura 11. Valeska Soares-Folly, vídeo transferido para DVD, 5‟, madeira, vidro, ar-

condicionado, trilha sonora The Look of Love, 250 x ø 1110 cm, 2005. ........................ 50

Figura 12. Chris Burden, Beam Drop Inhotim 2008 - Foto: Eduardo Eckenfels. .......... 52

Figura 13. Janet Cardiff, Forty Part Motet, 2001, instalação sonora em 40 canais, com

duração de 14‟7‟‟, cantada pelo coro da catedral de Salisbury, dimensões variáveis,

foto: Pedro Motta. ........................................................................................................... 57

Figura 14. Janet Cardiff & George Bures Miller, The Murder of Crows, 2008. ............ 59

Figura 15. Cildo Meireles Desvio para o vermelho I: Impregnação, II: Entorno, III:

Desvio, materiais diversos,1967-84 ................................................................................ 63

Figura 16. Instalação de vídeo Small World, de Yochai Avrahami, 31ª Bienal São

Paulo-SP, Setembro 2014. .............................................................................................. 64

Figura 17. Os não contados: um Tríptico, 31ª Bienal São Paulo-SP, setembro, 2014. .. 66

Figura 18. Doug Aitken, SonicPavilion, 2009. .............................................................. 68

Figura 19. Olafur Eliasson, By Means of a Sudden Intuitive Realization; iglu de fibra de

vidro, água, iluminação estroboscópica, bomba d‟água e plástico. ................................ 69

Figura 20. Vegetation Room Inhotim- ............................................................................ 70

Figura 21. Errar de Deus- Instalação Participativa – Grupo Etcétera... e León Ferrari,

31ª Bienal, São Paulo, SP, setembro, 2014. ................................................................... 72

Figura 22. Espaço para abortar‟- 31ª Bienal, São Paulo, SP, setembro, 2014................ 73

Figura 23. AfroUFO, 31ª Bienal, São Paulo, SP, Setembro, 2014. ................................ 74

Figura 24. Páginas do Catálogo da 31ª Bienal, São Paulo, SP, setembro, 2014 ............ 88

Figura 25. Detalhe da biblioteca exposta na 31ª Bienal de São Paulo, SP. Setembro,

2014. ............................................................................................................................... 89

Figura 26. Não ideias de Marta Neves, 31ª Bienal, São Paulo-SP, Setembro 2014. ..... 91

Figura 27: Mapa do Centro de Arte Contemporânea Inhotim ........................................ 92

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Sumário:

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1. A RELAÇÃO DE TEMPO(S) E ARTE ................................................ 15

CAPÍTULO 2. INSTALAÇÕES E SONORIDADES - REFERÊNCIAS HISTÓRICAS

........................................................................................................................................ 26

2.1 A década de 60 e as novas tendências ............................................................... 28

2.2 O objeto sonoro de Pierre Schaeffer ................................................................. 30

2.3 Pavilhão Philips: um marco para as Instalações Sonoras .................................. 33

2.4 Happenings: abertura para novos espaços ........................................................ 37

2.5 Festivais contemporâneos ................................................................................. 40

2.6 As “Instalações” ................................................................................................ 42

CAPÍTULO 3. INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS EM DIVERSOS TEMPOS ................ 44

3.1. A experiência enquanto tempo em arte ................................................................ 44

3.2. A arte desconstruída e fragmentada ..................................................................... 52

3.3 Atenção! Obra em desconstrução ...................................................................... 55

3.4 Pormenor que seja um Fragmento ..................................................................... 60

3.5. O som documentado ............................................................................................ 66

CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS ......................................................................... 76

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 80

ANEXO 1 ....................................................................................................................... 84

Bienal de São Paulo .................................................................................................... 84

Repercussão ................................................................................................................ 89

ANEXO 2 ....................................................................................................................... 92

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RESUMO

A pesquisa aborda as instalações artísticas que dialogam com o som, resultado de

hibridismos em arte que utiliza de recursos sonoros, musicais, visuais, espaciais, entre

outras transversalidades. A pesquisa de campo, realizada na 31ª Bienal de Artes de São

Paulo (2014) e no Centro de Arte Contemporânea Inhotim, estabelece produções que

trouxeram o som como experiência, seja na desconstrução, documental ou a vivência

em si da com os objetos. O viés de toda a pesquisa busca relacionar perspectivas de

Tempo nesse corpo de obras analisadas.

Palavras chave: Artes Híbridas; Instalações; Tempo; Experiência; Desconstrução;

Documental.

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ABSTRACT

The research addresses art installations that converse with the sound, which are the

result of the hybridism in Arts, sound, music, visual and spatial, among other

transversalities. The field research was carried out at the 31st São Paulo Biennial of Art

(2014) and the Contemporary Art Center of Inhotim (Minas Gerais) and explored

productions that bring the sound as an experience, used in the deconstruction,

documentation or as a sensory experience of objects. The research focus seeks to relate

perspectives of the Time in the body of the analyzed art works.

Hybrid art, Installation art, Time, Experience, Deconstruction, Documental

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa aborda a produção do modo artístico que envolve certo

hibridismo entre música e artes visuais – a chamada Instalação, observando o momento

histórico em que esta vertente surgiu e seu desenvolvimento contemporâneo. Neste

sentido o projeto traz à tona as principais obras e autores que contribuíram para sua

existência, analisando as dimensões artístico-culturais do hibridismo e das

transversalidades que envolvem essa poética.

O título da pesquisa se refere à concepção da música como “a arte do tempo”, tal

como é posto pelo compositor francês Olivier Messiaen (FERRAZ, 1994)1. Para este

compositor, “compor é tornar o tempo sonoro”, quase como afirma Susanne Langer

(1989) ser a música “formas sonoras em movimento”. Os pensamentos de Gilles

Deleuze (1996) também são atravessados pela música, aquela que torna audíveis forças

não audíveis, para esse autor, o compositor é “um escultor do tempo”. Assim,

utilizamos esse conceito de música para ligar ao espaço em que ela se movimenta,

gerando produções artísticas, com maior relevo nas instalações sonoras.

Ao longo do século XX percebe-se uma crescente dissolução dos limites entre

meios de expressão e conceitos de arte em geral. A criação e utilização da música são

expandidas para além dos modos tradicionais. O intercâmbio entre as artes, mesclando

música, artes plásticas e arquitetura passou a ser designado com arte sonora (sound art),

denominação ainda discutível para ser estabelecida como gênero ou categoria artística

independente (CAMPESATO, 2006).

O surgimento dessas interações está diretamente relacionado a produções

artísticas estabelecidas entre as décadas de 60 e de 70, como instalação, happening e a

música eletrônica. A qualidade híbrida e sem fronteira da arte sonora, compartilha o

cenário contemporâneo de artes atravessadas, transculturais, realizadas através de

processos colaborativos e coletivos; trata-se de narrativas não-lineares.

Esse panorama histórico contextualiza e traz relevâncias aos precursores da arte

sonora, tal qual hoje é passível de ser encontrada nos principais circuitos artísticos do

país, como seriam a 31ª Bienal de Artes de São Paulo e o Centro de Arte

Contemporânea Inhotim, que foram visitados para pesquisa de campo deste trabalho.

Então, fez-se necessário observar dentro da música as inovações da forma, de conceitos

1 Não se trata aqui de retomar a discussão, desde Aristóteles, sobre a Classificação das Artes em

Espaciais e Temporais, mas de uma abordagem no século XX de viés de transversalidade.

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e de tecnologia que viriam a possibilitar o deslocamento do som e em continuidade com

eventos e associações artísticas onde surgiriam experiências hibridas com o som.

A dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo são

levantadas as questões do Tempo e da Arte, partindo para um dialogo com as teorias

culturais da contemporaneidade visando um entendimento aprofundado do objeto de

estudo, tempo, espaço, arte, se relacionando em suas possibilidades. As obras citadas

em questão transcendem a mera descrição. O referencial teórico da temática do Tempo

foi: Bergson por Krewer (2012) e Coelho (2004), Dorfles (1992), Victorio (2003),

Langer (1980), Ferraz (2010) e Deleuze (1996)

O segundo capítulo aborda as referências históricas que culminaram em

produção de arte com características contemporâneas a partir do uso de tecnologias e

fusões que modificaram a escuta e o relação com o som. Situa ao cenário artístico de

produções vanguardistas experimentais, citando os happenings e festivais de música

nova, e as instalações tendo estes eventos como precursores da Arte Sonora observada

nessa pesquisa.

No terceiro capítulo, a questão temporal foi subdividida em possibilidades:

Tempo experienciado na relação com os objetos artísticos no Espaço das instalações; o

Tempo desconstruído no Espaço e o Tempo das sonoridades fragmentadas; O Tempo

documentado das sonoridades presentes. Os autores que embasaram esse diálogo entre

os objetos e conceitos teóricos foram Larrossa (2002), Bouriaud (2009), Derrida por

Santiago (1976), Calabrese (1987), Schaeffer (1993) possibilitando uma maior

compreensão e debate que permeia o tema.

Os anexos 1 disserta sobre a Bienal de São Paulo, bem como seus aspectos históricos,

e relevância em seu papel de difusão das Artes e Educação e seus impactos na sociedade

e ainda as repercussões da edição citada do Evento. O anexo 2 traz o mapa do Centro de

Arte Contemporânea Inhotim.

Em busca de material que fundamente a pesquisa em torno das Instalações

Sonoras, ampliando os horizontes da pesquisa para além do estado de Mato Grosso,

direciono meu olhar para centros urbanos da região sudeste do país, São Paulo e Belo

Horizonte, mais precisamente, nos arredores da capital mineira (a 60 Km), a cidade de

Brumadinho onde se situa o Centro de Arte Contemporânea Inhotim, espaço

mundialmente conhecido por seu acervo e exposição de obras contemporâneas, o Jardim

Botânico, arquitetura e paisagismo.

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Inhotim é um projeto idealizado pelo empresário da mineração Bernardo Mello

Paz, que nos meados da década de 80 decidiu construir em sua propriedade privada uns

dos maiores centros de arte ao ar livre que existem. A instituição se mantém como

forma de OSCIP, onde são desenvolvidas atividades educativas e sociais, buscando a

multidisciplinaridade, a interação com a comunidade local e vem se consolidando como

propulsor do desenvolvimento humano sustentável. Além disso, o Centro possui um

viveiro educativo que proporciona atividades educativas e culturais, como apresentações

de música contemporânea, shows, apresentações de dança, teatro, palestras e outros

eventos. Inhotim se tornou um importante polo de turismo sendo frequentado por

pessoas de todas as idades.2

O local é apropriado para levantamento de dados sobre as artes sonoras. Em

consonância com o cenário contemporâneo, muitas obras que contém este caráter são

encontradas neste parque-museu.

Já a consagrada Bienal de São Paulo, é um evento internacional que acontece

desde 1951 e assim como Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, se iniciou com

mecenato. Ciccillo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho), presidente perpétuo da

Fundação Bienal e sua esposa Yolanda Penteado foram os responsáveis pelas

articulações políticas, comerciais e internacionais que deram inicio à Bienal.

(OLIVEIRA, 2001).

A Bienal foi a primeira exposição de Arte Moderna de grande porte realizada

fora dos circuitos europeus e norte-americanos. Em 1962, foi criada a Fundação Bienal

de São Paulo, desligando-se do MAM (Museu de Arte Moderna) onde então esteve

vinculado o evento. A exposição acontece no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, conhecido

com Pavilhão da Bienal, prédio projetado por Oscar Niemeyer que funciona desde 1957

e cuja administração é feita pela Fundação Bienal, localizado no Parque Ibirapuera na

cidade de São Paulo, Estado de São Paulo.

Enquanto Inhotim a arte é imponente, é idealizada e ajustada ao espaço físico

como operadora de deslumbre – como disse o próprio Bernardo Paz, idealizador do

feito, uma espécie de “Disneylândia das Artes”, é diversão pra toda família –, na Bienal

há espaços impróprios para menores, e estranhamente parte menos do lúdico e mais dos

questionamentos porque ainda se sai com a sensação que precisa saber de algo que não

vê. A organização da Bienal é clara quanto ao seu objetivo de distribuir a arte, não

2 www.inhotim.org.br

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deixá-la somente ser apreciada por intelectuais e antigos consumidores de arte. Esta

Bienal oferece ações, encontros, discussões, intervenções urbanas e não faltam

engajamento político e convite à participação crítica na sociedade. As experiências

sonoras e a tecnologia marcam essa edição. O som é notavelmente utilizado, assim

como outros recursos sonoros, a fim de favorecer o diálogo entre os atores da arte. Em

artes híbridas o som e as imagens, estáticas ou em vídeo, são objetos da obra, um

continuum, mas a obra nem sempre é um objeto.

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CAPÍTULO 1. A RELAÇÃO DE TEMPO(S) E ARTE

O uso das tecnologias e as transformações artísticas do século XX resultaram

em generosas obras e abriram a interlocução para inúmeras divagações e análises

substanciais das instalações e do som. Aqui o propósito é artístico e se utiliza da questão

do tempo para recompor a pesquisa. Do modo que as configurações contemporâneas das

artes trabalhadas com hibridização de gêneros, fugindo da linearidade, podem ser

discutidas por essa questão que amplia a percepção dessas obras enquanto análise.

Retomando a ideia do compositor francês Olivier Messiaen, uma pesquisa que

trate da Música em especial como a arte do tempo no espaço, poderia se tornar uma

análise mensurável de dimensão das obras, duração das obras sonoras e apropriação dos

aspectos contemporâneos em arte, porém enriqueceremos a análise observando que a

percepção da Arte do Tempo no Espaço se encontra em algum lugar do tempo ou em

algum espaço neste tempo, para além do mensurável.

As observações sobre música e tempo é assunto de considerações diversas. Ao

tratar do tempo, filósofos acabam por esbarrar em conceitos musicais, posto que a

música esteja à deriva do tempo. De muitas maneiras diferentes foi-se elucubrado o que

seria de fato a relação da música com o tempo, atravessando pelas questões das ciências,

das filosofias, das artes, da matemática, cosmologias ou espiritualidades. Se a “arte diz

o indizível, exprime o inexprimível e traduz o traduzível” – frase atribuída a Leonardo

da Vinci – poderia na música se ouvir o não audível e se perceber o imperceptível?

Trataremos dessa possibilidade e de distintas visões de tempo por meio de conceitos

gerados a partir do século XX.

O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) faz sua crítica à noção de tempo

adotada pela Ciência, que considera o tempo como uma grandeza espacial e mensurável,

espacializado, no qual se pretende medir a duração das coisas em uma linha móvel. No

entanto, o tempo para Bergson é subjetivo, entendido como a experiência vivenciada e

não um ponto delimitado em retas quantificadas, posto que “o tempo que dura não é

mensurável”, o tempo real não fornece o instante, não é matemático, não se pode

prendê-lo no espaço.

Nesse pensamento, o tempo confunde-se inicialmente com a continuidade de

nossa vida interior. Seria este fluxo o exemplo mais apropriado que dispomos para

compreender o que é tempo. O tempo, para Bergson, é um fluxo, uma passagem, um

escoamento, uma continuidade. Essa continuidade torna-se possível na presença da

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memória, pois é a memória a fonte geradora de experiência humana com o tempo. A

primeira noção de tempo, a própria natureza nos deu, o dia e a noite. A noção de tempo

foi impondo ações cotidianas de sobrevivência até chegar à sofisticação de um relógio,

cientificismo criticado por Bergson como negação de outros “tempos”.

Bergson explica que a percepção do que temos à nossa volta são atos da

experiência, permeados pelo tempo de duração. A “duração consciente” que chamou

Bergson, é fruto da observação da percepção do que está fora de nós e do que nos é

interno. Já o tempo científico é do senso comum e impessoal, pois não é elaborado pela

consciência. Ao supormos que as demais consciências apresentem ritmo parecido com o

que percebemos, acabamos por compreender a impessoalidade que o senso comum

designa ao tempo.

Para a compreensão dessa característica de duração de uma sucessão sem

separação, usa a metáfora da fluidez da melodia para pensar esse fluxo interior de nossa

consciência. Bergson propõe que se pense numa melodia ouvida. Porém, não se trata da

melodia representada espacialmente, que retém a continuação do que procede e do que

segue, e sim da “transição ininterrupta” (COELHO, 2004, p. 239). Os instantes não

deveriam ser entendidos isolados em função da solidariedade ininterrupta existente entre

eles. A essência do tempo é ser um fluxo inteiro, sem divisões em partes menores, e que

admita a continuidade na memória.

Alguns contrapontos às ideias de Bergson podem ser trazidos para esse debate.

Para o filósofo italiano Gillo Dorfles (1910-), “o tempo jamais é pura sucessão, sendo,

ao contrário, cheio de dimensões múltiplas, e o tempo musical, mais do que qualquer

outro, organizado e estruturado.” O tempo musical é a própria natureza artística da

música.

Na música que tem como seu principal “meio expressivo” justamente o

tempo encarnado em som – ou o som vivo no tempo – este fator deverá ser

considerado como um verdadeiro material construtivo. Por essa razão, jamais

será possível uma superposição exata e científica na duração pura, ou do

tempo cronológico, ou do tempo musical (DORFLES, 1992, p.133)

Em Dorfles, não há uma negação da crítica de Bergson ao tempo medido da

ciência, concordando com a sua duração como a essência do tempo, porém, de maneira

múltipla e não somente contínua, ainda mais, na vigência da música contemporânea,

que se desdobra e “transformiza” suas construções.

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A música contemporânea possui a dimensão da “consistência”, o elemento

espacial, e promove arranjamentos, que se desprendem propositalmente das rédeas da

bidimensionalidade na música (VICTORIO, 2003), ou seja, a verticalidade e a

horizontalidade na partitura musical não são a única maneira de compreender a

espacialidade musical. Victorio argumenta que a “terceira dimensão” deriva da

ampliação e especificação particulares do som através do Timbre.

O Timbre situa-se em outra esfera perceptiva, quando pensado não apenas como

um delimitador de cores individuais, mas como um formador de tecidos, de atmosferas

dentro do corpo estrutural da obra, como um novo pilar triádico e conectivo na estrutura

das obras, e o convívio com a atemporalidade como novo impulso criativo e um novo

modelo desperceptivo (VICTORIO, 2003). Victorio sustenta que, em sua dialética com

tempo e o espaço, o timbre proporciona conexão com o plano virtual.

O timbre situa-se em outra esfera perceptiva, quando pensado não apenas

como delimitador de cores individuais, mas como um formador de tecidos, de

atmosfera, dentro do corpo estrutural da obra, a partir das infinitas

combinações que, em verdade, conduzem as unidades musicais mensuráveis

(como uma ponte) ao universo da virtualidade, que é o próprio tempo

musical; da mesma forma que o tempo cronométrico/ pulsante diferencia-se

do tempo experimentado/ amorfo como dois componentes opostos na

formação da teia sonora, que vai sendo gerada a partir dos referenciais

individuais de tempo e que estabelecem um continuum, que são

conglomerados de acontecimentos espaciais que se materializam como obra

musical (VICTORIO, 2003, P.15)

O timbre deve ser então analisado a partir do conceito de espacialidade. A

espacialidade musical, à qual vai se referir Dorfles, leva a admitir a existência de uma

realidade musical (ainda que não elementarmente “sonora”), desvinculada de toda

duração e viva num momento congelado, no instantâneo (DORFLES p.134-135).

Dorfles explica que, na poesia, o tempo prosódico dificilmente combina com o tempo

poético, de modo que apenas na música o tempo (adagio, allegretto etc.) indica uma

realidade artística em si mesmo. Portanto, a música de hoje tem necessidade de

apoderar-se de uma realidade tímbrica que lhe permita desenvolver-se em sua

“multidimensionalidade espacial” (DORFLES 1992, p. 135). A esse respeito, Krewer

aborda a concepção de Dorfles:

Tal sugestão comporia uma experiência onde a realidade virtual está além da

realidade, de toda duração e até mesmo da percepção e da memória, abrindo a

compreensão para despercepção, ou seja, aquilo que ocorreu como um lapso,

escapou a percepção, ou mesmo não possui referencial algum armazenado na

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memória; e pode ser concebida em um momento no tempo, o que e chama de

instantâneo, pois se dá no espaço mas subjaz ao tempo. Um momento que

exigiria um presente prolongado. Tal esforço se equipararia ao “espaço

formativo”, semelhante ao espaço utilizado pelas artes visuais. (KREWER,

2012, p.47)

Interessante que em Dorfles, o intervalo entre duas notas não deverá ser

considerado uma interrupção ou suspensão temporal, como negatividade musical, mas

sim, continuidade musical – ainda que descontinuidade sonora (DORFLES, 1992, p.

136). Não por acaso, podemos perceber experimentações na música contemporânea que

valorizam o silêncio e sua qualidade musical e existencial no Tempo. Por exemplo, a

obra de John Cage 4’33” é nada mais nada menos que 4‟ 33‟‟ de ausência de

sonoridade, porém, não é vácuo, nem ausência, e sim um gesto.

Já para a filósofa estadunidense Suzanne Langer (1895-1985), as artes visuais

fornecem a percepção do espaço visível e as artes musicais do espaço invisível, porém

repleto de movimentos próprios e formas, assim se apoderando de toda nossa

consciência. O espaço musical é denso, possui movimento e é perceptível.

A duração musical é uma imagem daquilo que poderia ser denominado de

tempo “vivido” ou “experienciado”_ a passagem da vida que sentimos à

medida que as expectativas se tornam “agora” e “agora” em termos de

sensibilidades, tensões e emoções: e não tem meramente uma medida

diferente, mas uma estrutura completamente diferente do tempo prático ou

cientifico (LANGER 1980, p.116, Apud KREWER, 2012, p.50)

Para Langer, a música é posta como expressão da vida; a autora desenvolve o

conceito de tempo virtual que possuiria a característica de ser um tempo vital e,

contudo, este tempo, por ser de fato audível, está no espaço, em uma região sonora.

Qual então música? A criação do tempo virtual e sua determinação completa pelo

movimento é a essência de toda de formas audíveis, responde a autora (LANGER,

1980, p.132 Apud KREWER, 2012 p.54).

Neste sentido, poderíamos considerar que a música é uma imagem do tempo no

som, determinada como a forma que ocupa o espaço e perceptível à audição

(KREWER, 2012, p. 54), portanto a música é de natureza espacial e temporal? A

representação sígnica da obra musical contém resultado plástico, então por que não

pensar na sonoridade das obras plásticas? Há muitos exemplos de partituras cujos

grafismos e notação são verdadeiras obras visuais e a plasticidade delas resulta na

aproximação e associação de imagem e resultado sonoro de caráter altamente flexível.

Ao mesmo tempo, podemos ter nas obras visuais esse sentido de sonoridades. No nosso

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caso, as obras selecionadas para análise desta pesquisa levam a dialogar com as

percepções simultâneas, como sustenta Dorfles, além de contínuas como Bergson e

virtuais como Langer.

Como exemplo, já hoje histórico, John Cage nos obriga a fazer uma releitura

sobre a partitura musical, a rever conceitos, quando desutiliza os termos tradicionais

para notar suas composições. O conjunto de regras registrado em séculos para notar

música é relido e a partitura surge como uma instrução, cuja execução acontece

aleatoriamente. Cage utiliza o aspecto visual com a preocupação em contaminar sua

ideia, a fim de dar ao intérprete a composição da própria experiência.

Figura 1. Partitura Variations de John Cage.

Fonte: http://www.la-razon.com/suplementos/tendencias/Partituras-citadas-texto-Variations_LRZIMA20120928_0091_4.jpg

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Outra demonstração nos traz uma obra de 1962, do húngaro Gyorgy Ligeti

(1923-2006), Poema sinfônico para 100 metrônomos, em que organizou 100

metrônomos devidamente dispostos no espaço. A dinamização da obra consistia em

uma espécie de brinquedo que liberava em sequência 100 metrônomos regulados em

velocidades diferentes. A escolha do metrônomo não foi aleatória. Esse objeto

simboliza toda a tradição do ensino musical e, sobretudo das formas e ordens que as

músicas e músicos devem seguir, pois determina o tempo, ou melhor, a pulsação da

música. O metrônomo ajuda a manter o andamento correto da música, a manter a

disciplina e aprimorar a parte técnica de execução musical. Funciona como um relógio

para músico, possui a estrutura de um despertador, movido por corda. O primeiro

modelo foi criado pelo relojoeiro holandês Dietrich Winkel, em 1812. O austríaco

Johann Mälzel fez modificações no objeto e patenteou em 1816. O metrônomo produz

o pulso de duração exata e regular de acordo com o ajuste desejado, cujos valores são

medidos em bpm (número de batidas por minuto), os mais tradicionais fazem marcações

que variam de 40 a 240 bpm.

Figura 2. O tradicional metrônomo Wittner Maelzel.

Fonte: www.oxygenmusic.com.au/o2/product_info.php/wittner-maelzel-metronome-p-25

Os metrônomos utilizados por Ligeti são carregados de historicidade e

significação que indicariam que a escolha do objeto, composição e título da obra

ironizaria a música enquanto instituição? – considerações subjetivas à parte, o artista se

apropria do objeto e extravasa seu uso. Obra musical ou uma instalação sonora? A

organização dessa obra é passível de indagações distintas.

A “conspiração” espacial da música de Ligeti funciona como uma brincadeira

com o tempo. Os metrônomos, objetos do tempo científico, ganham a fluidez do tempo

simultâneo de Dorfles, através do movimento cinético. A organização temporal dos

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metrônomos ativa o tempo artístico, virtual, do qual Langer propõe. Langer intera que

“o tempo virtual está tão separado da sequência de acontecimentos reais quanto o

espaço virtual o está do espaço real”. Contudo, o resultado da obra na experiência do

ouvinte, não basta a explicação matemática da sequência de seus 100 metrônomos.

Além disso, o espaço físico é tomado pela obra sonora/espacial. Que tempo atinge a

obra de Ligeti? Qual a pulsação do poema sinfônico de Ligeti. Os músicos mantêm o

andamento? Como “reger” 100 metrônomos? A experiência é uma resposta não exata.

O estranhamento é uma consequência da desconstrução.

Figura 3. Poema sinfônico para 100 metrônomos, de Ligeti.

Fonte: http://www.wikiteca.org/

Vale destacar a obra Ttéia1C (2002) da galeria Lygia Pape (Nova Friburgo-RJ

1927-2004) exposta em Inhotim que não traz elemento sonoro aparentemente, mas

visual. A obra de Lygia Pape é sonora sem emitir um único som. Cordas fluidas e

futuristas como raios ou feixes remetem a instrumentos musicais. A sala, antecedida por

um corredor escuro, se abre na incompletude do som que supostamente acompanha a

imagem. Por isso, pergunto, como dizer que não há sonoridades em obras plásticas?

Texturas e tonalidades são adjetivos de ambas modalidades, timbre e dimensão podem

se equivaler? E além disso, objetos não são sonoros por natureza? As cordas de metal

de Pape emitem vibração, baixa, porém perceptível ao espectador/ouvinte atento.

Segundo o Princípio da Vibração do Hermetismo em que “nada está parado, tudo se

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move, tudo vibra” e é utilizado pela física quântica juntamente com algo que pode ter

relação com a obra de Pape: a Teoria das Cordas.

A Teoria das Cordas é modelo físico-matemático que propõe unifica a Teoria da

Relatividade e a Física Quântica. Começou a ser desenvolvida em 1919 por Theodor

Kaluza (Alemanha, 1885-1954). Os cientistas puderam dividir os prótons e nêutrons em

quarks que são formados por pequenos filamentos de energia semelhante a pequenas

cordas vibrantes, as quais vibram em padrões diferentes, produzindo diferentes

partículas que compõem o mundo. Por esse motivo essa Teoria também é chamada de

Teoria de todas as coisas. Uma analogia pode ser feita com as cordas de violão, assim

como as cordas de violão produzem sons diferentes, as vibrações desses pequenos

filamentos de energia produzem partículas diferentes (MENDES, 2014). Essa

complexidade deriva de um conceito simples: as entidades fundamentais da natureza,

partículas constituintes da matéria e das interações, não são objetos pontuais, mas fazem

parte de pequenas cordas vibrando no espaço-tempo. Para que a teoria das cordas

funcione, segundo sua descrição matemática é preciso aceitar mais sete dimensões

espaciais extras além das três que nos são familiares: comprimento, largura, altura.

Haveria mais sete dimensões espaciais que não conseguimos perceber e uma de tempo.

Portanto, a Teoria das Cordas propõe um universo multidimensional. Segundo Abdalla

(2005, p. 151), “Nossa visão restrita a quatro dimensões espaço-temporais (altura,

comprimento, largura e tempo) torna confusos e desunidos os fenômenos que

provavelmente seriam descritos de forma simples e única se pudéssemos vislumbrá-los

de fora, das dimensões em que eles de fato vivem. É claro que, de alguma forma, a

existência dessas dimensões poderia ser percebida.

A Arte nos permite percepções não usuais, sensibilização que não se pode

explicar, às vezes penetra-se um universo em que não se está familiarizado. No caso das

obras sonoras e o tempo e espaço que elas “ocupam” por vezes as descrições ficam

rasas, pois quem sabe se tratam de dimensões que não conseguimos perceber? Assim,

como outros artistas que serão citadas nessa pesquisa, Lygia Pape propõe a percepção

de outras dimensões, que nesse caso, ultrapassam o movimento do som do qual o

Timbre dá indícios de poder explicar.

A partir desses circunstanciais questionamentos surgem motivações para esta

pesquisa, reiterando que, mais do que observar aspectos sonoros de obras visuais,

instalações sonoras ou obras que comportam som documental, pretende elaborar

possíveis experiências da arte que exprime o tempo, que se faz presente no espaço, sob

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aspectos visuais de diálogo com o espaço. Neste tempo presente, onde concepções

tecnológicas mediam as relações e interferem na trama do espaço temporal, faz-se

instigante as conjecturas que vertem o tempo, o espaço, e dimensionam a arte.

Figura 4. Ttéia 1C, 2002

Fotos de Eduardo Eckenfels Copyrights © Projeto Lygia Pape.

Fonte: www.inhotim.org.br

Onde está a sonoridade de Ttéia1C? Faz-se presente na ausência, como o gesto

na obra de Cage (4’33’’). A subjetiva sonoridade das obras visuais pode ser conferida

na obra de Ligia Pape. Surge da percepção da imagem do som, ou vice-versa. Afirmar

que são vertentes de sentidos separados, seria negar a existência de imagens produzidas

pelos cegos ao contato com som, ou a áudio-descrição, por exemplo. O corpo é habitado

por imagens. Do mesmo modo que o surdo poderia ser capaz de perceber o movimento

que ocupa o espaço sonorizado, ou idealizar o som produzido por movimentos? Cada

percepção surge da própria experiência. Em Larossa, “a experiência é a passagem da

existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas

que simplesmente “ex-iste” de uma forma sempre singular, finita, imanente,

contingente” (LAROSSA, 2002, p.25).

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A partir de experimentos de dissecar a percepção que surge da experiência,

Pierre Schaeffer desenvolve sua pesquisa da supressão das referências com o objeto

sonoro. Segundo Larossa, a experiência em geral está abafada pelo excesso de

informação e camuflada pela opinião: “a obsessão pela opinião também anula nossas

possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça” (LAROSSA).

Schaeffer explorando as sonoridades, procura desmembrar a percepção da opinião, que,

por suposto, suprimiria a experiência sonora.

O filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1975) desenvolve a ideia de que a arte

torna sensível o que não é do universo da percepção e, assim, a música passa a ser a arte

de tornar audíveis as forças não audíveis; para tal, o interessante é utilizar o ouvido

impossível no lugar do absoluto. O ouvido impossível seria o que faz com que um

compositor faça de sua música uma viagem ao centro do som, fazer blocos com

partículas que não vemos, não ouvimos, e que são menores que a matéria formada,

devir-imperceptível (FERRAZ 2010 p. 71). Sílvio Ferraz, compositor e pesquisador, em

seu artigo Deleuze, Música, Tempo e Forças não sonoras, afirma que o foco da relação

entre Deleuze e a música seria o tempo. Logo, seria o compositor um escultor do tempo.

Porém, atravessado por conexões que se modulam.

O filósofo Deleuze se utiliza de conceitos da música contemporânea, que o

mesmo denominou cósmica, cujas experimentações questionam o tempo quase que

metonimicamente, causando o estranhamento ao tempo cronológico, medido por

números, seja de compasso, pulsações ou de horas. Para Deleuze, a música é o tempo do

deleite subjetivo na escuta, como afirma Ferraz:

Por que o tempo? O fato é que, ao se abrir mão da noção de melodia e

acompanhamento, de tema e desenvolvimento, a música abriu mão do tempo

cronológico e do tempo causal. A música que resultava de tal modo de pensar

saía do tempo e se aproximava das artes visuais.

(...)Deleuze já observara que o tempo musical é outro do tempo cronológico,

que na música o tempo está suspenso na duração da escuta, duração não

mensurável: nunca sabemos ao certo quanto tempo durou uma música,

sabemos apenas que durou e que ora passou mais rápida, ora mais lenta. (...)

o som ocupa o tempo sem contagem. Não se conta antes e se encaixa um

material sonoro em uma fenda mensurável de tempo cronológico, mas ocupa-

se sem contar: o som que ocupa dois segundos pode ser mais denso e de

maior duração que aquele que ocupa quatro segundos. Ouve-se música e

nunca se sabe ao certo quanto de tempo cronológico se passou. (FERRAZ,

2010, p.)

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Gilles Deleuze em parceria com Felix Guatarri chegaram a desenvolver um

conceito que diz respeito à música e ao tempo: o Ritornelo. O ritornelo em música

significa a repetição de um trecho, representado graficamente na partitura assim:

Figura 5. Ritornelo.

Os filósofos franceses supõem que o ritornelo traz a ideia de fragmento de frases

que fica girando a outros lugares, vindo a compor uma fábrica de fazer tempos, serve

para descrever coisas, e não-coisas, que se conectam, e modulam. Tais conexões não

são uma linha reta, mas se dão em giros e acabam fazendo com que, a cada ponto de um

ritornelo, algum fragmento de coisas, ou não-coisas, se desligue, se torne autônomo e se

ponha a girar em outro ritornelo.

No contato de um com outro, os fragmentos se modulam (FERRAZ, 2010, p.72).

O ritornelo vai do caos, passa pela terra e por fim vai ao cosmo. O ritornelo se

compromete em ser o conteúdo da música, é eminentemente sonoro, fazendo e

desfazendo territórios ao qual o compositor se joga. Esta é a política do músico:

desfazer os territórios, desfazer a métrica. O compositor deixa-se levar pelos blocos do

devir-sonoro, que nos invade o tempo todo, do qual ninguém conseguiria se livrar.

No entanto, pode-se dizer que o tempo da música para Deleuze está relacionado

com o tempo da experiência. O tempo do interlocutor.

A Arte supõe o mesmo acontecimento e experiências diversas, então, tempos

infinitos. A experiência enquanto singular é potencializada na Arte. A arte ultrapassa o

tempo que se conta, por isso, ir ao encontro de autores que clarifiquem esses tempos

incalculáveis pode contribuir com a relação da Arte do tempo no espaço, com a qual

relaciona a experiência dessa pesquisa. Assim, considerando a fala desses consagrados

estudiosos podemos concluir que a questão do Tempo pode ser assim apresentada:

Para Bergson, a duração pura e a memória são as questões principais do seu

conceito de tempo, nesse sentido, quem associa a experiência a alguma memória se

perderia da noção do tempo cronológico. Já para Dorfles, a percepção do tempo é

simultâneo de eventos. Para Langer, a música nesse contexto de tempo pode ser

sintetizada como formas sonoras em movimento. E para Deleuze a fruição musical

pressupõe experiência.

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CAPÍTULO 2. INSTALAÇÕES E SONORIDADES - REFERÊNCIAS

HISTÓRICAS

O objeto de estudo desta pesquisa acaba por se tornar território vasto para as

especulações sobre os parâmetros e designações da arte contemporânea. A arte

contemporânea se entende como a acontecida a partir da segunda metade do século XX,

desde quando ações de ruptura com padrões de arte moderna acometeram os meios

artísticos, de modo que o fazer artístico ultrapassou limites de definições óbvias e

suficientes, e entremeou-se em territórios por vezes inexistentes, ou seja, da arte sem

fronteira, não linear, como é a que se tratam as instalações sonoras. E ao que tudo indica

pelos estudos culturais, a década de 60 se configura como um ponto marcante desse

processo.

Contudo, o adjetivo – sonoro – não necessariamente classifica Instalações

Sonoras como um artigo da música. Por se tratar de artes híbridas, pode conter

elementos visuais, do vídeo, do espaço, da performance, de intervenção, ou qualquer

outro argumento artístico que integra as transversalidades, o diálogo de intenções

artísticas que se atravessam, se compõem e dispõem nas dimensões culturais. A

investigação desta condição de trabalho enquanto parte significativa do cenário artístico

deste tempo é foco desta pesquisa e se justifica pela desatenção, por vezes, do atributo

sonoro das obras.

Desta feita, a posição do termo Sonora em Instalações Sonoras, adjetivando e

qualificando assim o objeto artístico, reforçaria, numa espécie de “parte pelo todo” o

processo criativo e resultado articulado em Artes, tendendo a focar em uma hierarquia,

que se torna cada vez mais difícil de elencar em ordem crescente, dissecar em partes

mensuráveis a quantidade do que foi mais sonoro e daquilo que foi “extra” na destacada

confluência de outras artes nessas Instalações, diremos, Artísticas – tal simbiose

pudemos atestar em nossa pesquisa de campo em Inhotim e Bienal de São Paulo.

A relação entre Arte e Tecnologia se tornou cada vez mais estreita; no que se

refere à Música, Massin paradoxalmente afirma que: “Em seu todo, talvez a música

jamais tenha sido menos inumana e menos frívola do que nesta segunda metade do

século XX.” (MASSIN, 1997, p. 1126). Nesse sentido, a questão do Tempo, com ou

sem tecnologias, continua sendo um ponto crucial na abordagem de objetos de arte seja

pela direta interação tecnológica seja pelas complexidades da relação experiencial de

tempo(s) perante a obra de arte.

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Tomemos como marco desta questão o surgimento do fonógrafo e do rádio e

depois alguns dos demais aparelhos tecnológicos que modificaram a experiência

cotidiana de escuta. Esses aparatos tecnológicos chamados por Fernando Iazzetta (2006)

de “fonografias” desencadearem mudanças drásticas nas concepções das músicas. O

advento das tecnologias de gravação e difusão sonora foi fundamental, uma vez que a

reprodução do som independente da performance do músico, possibilita a combinação

de sons com objetos ou com espaços diferenciados. Sobre essas tecnologias, Iazzetta

completa:

A possibilidade de gravação e reprodução sonora inaugurada pela invenção

do fonógrafo por Thomas Edson 1877 vai modificar radicalmente toda rede

de relações que se estabelecem em torno da música. O pensamento

composicional toma novas referências, a performance passa a contar com

meio de registro refinado, os meios de distribuição e comercialização da

música expandem-se de modo explosivo. Mas é a escuta talvez tenha sofrido

a maior transformação em função do surgimento da fonografia. Os meios de

gravação e reprodução sonora vão criar um ouvinte especialista na escuta e

cada vez mais distante da criação musical [tradicional]. Ao ser colocada em

evidência, a escuta passa a balizar os modos de fazer música durante o século

XX. (IAZZETTA, 2006, p.2)

As tecnologias nas músicas do século XX também desencadearam o

deslocamento da ênfase no processo de produção para recepção (audição) como

processo cultural (MOWITT 1987:173 apud CAMPESATO, 2006, p. 11). Forma-se

uma nova escuta e novos hábitos de recepção. A novidade de “aprisionar um som”

poderia ser equiparada ao surgimento da fotografia que “aprisionava a imagem”. Em

1935, Walter Benjamin vislumbra que as produções artísticas tradicionais ganham

novas funções sociais em decorrência da produção técnica: “Muito se escreveu, no

passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou

não uma arte, sem que se colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da

fotografia não havia alterado a própria natureza da arte.” (BENJAMIN, 1935, apud

Sergio Freire, 2014, p. 48).

A repercussão causada pelas fonografias na época é difícil de mensurar nos

tempos de hoje. Em 1937, Bela Bartók (Hungria, 1881-1945) em seu artigo “Música

Mecânica”, temia a substituição da apresentação musical ao vivo pelas fonografias o

que chamou música mecânica, “aquela cuja criação envolve algum tipo de máquina”

dizendo que “o rádio e o gramofone, se desenvolverão, mais cedo ou mais tarde, em

calamidade equivalente às sete pragas do Egito, mesmo superando-as, porque o

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espalhamento desses aparelhos é infinito”. (BARTOK, 1937). Porém, o próprio Bartók

utilizou o fonógrafo em muitas gravações que fez em suas pesquisas.

Edgard Varèse (França, 1883-1965), o considerado um dos precursores da

música eletrônica poderia ser também considerado o autor da primeira instalação

sonora, em 1958, com veremos adiante, em 1930, já publicara um trabalho com suas

ideias que convergiam com as de seu contemporâneo Bartók sobre a possibilidade de

novas ferramentas: “Ora, todos os novos caminhos nos são oferecidos pelas

possibilidades atuais: aperfeiçoamentos elétricos, ondas, etc. Não se trata de que estes

meios devam conduzir a uma especulação sobre a reprodução de sons existentes, mas ao

contrário, permitam trazer novas realizações advindas de novas concepções” (VARÈSE,

1930, p. 58)”. Varése compunha de uma maneira inovadora que chamou de sons

organizados.

Sendo assim, foi nesse cenário que o campo se tornou fértil para experiência

com som e tecnologias. Para a música eletroacústica é inegável a importância das novas

possibilidades de escuta e reprodução de sons. Surgem novas experiências sonoras, o

deslocamento de espaços, de tempo, forma, conceito, de função, de fonte, de percepção

que culminaram em inúmeras obras artísticas. Ao deslocar o som, surge a possibilidade

de hibridizar e transmutar este elemento.

O aparato tecnológico aflorado no século XX gerou cruzamentos possíveis em

Arte e acometeram, sobretudo, a música, cuja produção veio a se expandir

infinitamente, em meio à possível mobilidade da música e manipulação do som,

modificando impreterivelmente a condição social da escuta, podendo esta ser também

individualizada, doméstica, hibridizada à imagem, à tela, e não só ao vivo no palco-

plateia; isso sem falar dos instrumentos que antes eram considerados as únicas

ferramentas para criar música, além deles, e também eles, ganharão capacidade sem fim

de explorar sonoridades dada a ruptura contextual deste período.

Então, a Arte sonora, a fim de sensibilizar pelo som, recorre à tecnologia, pois

possibilita a interação promíscua entre a obra e seu publico diante de tantas

possibilidades de uso de artifícios.

2.1 A década de 60 e as novas tendências

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A década de 60 é marcada por acontecimentos que determinaram movimentos

artísticos e sociais do período em diante. “Maio de 68” em Paris pontua um momento de

ruptura devido aos acontecimentos políticos e sociais, revoltas, reivindicações e

mobilização popular, que marcaram de modo profícuo também a Arte; os movimentos

artísticos desse período são considerados de vanguarda, precursores de novas tendências

e dissidentes de padrões preestabelecidos.

Enquanto alguns se ocupavam em desvendar a energia espiritual da música,

outros a tinham como ferramenta política; a juventude se via compelida a aderir às

tendências de esquerda e os músicos que acompanhavam as militâncias políticas

ganhavam a massa.

Karlheinz Stockhausen (Alemanha, 1928-2007) trazia uma preocupação na

“espacialidade” quando na sua “Canção dos Jovens”, Gesang der Jünglinge (1955-

1956) foi pioneiro na multifonia, ao realizar em continuidade uma fusão entre a voz

manipulada e multiplicada de um garoto lendo a bíblia através de cinco canais

eletrônicos, colaborando para o fortalecimento do conceito de Música Eletroacústica.

Em meio a estas experiências, as contribuições teóricas e prática de Pierre Schaeffer

(França, 1910-1995) foram fundamentais para os conceitos que embasam obras sonoras,

e assim como Stockhausen está para a Música Eletroacústica, Schaeffer está para a

Música Concreta – veremos ambas conceituadas mais adiante.

John Cage (Estados Unidos da América, 1912-1992) desenvolvia um centro de

música experimental, inovando a manipulação dos instrumentos e da tecnologia em

composições, além das performances ao vivo, muitas aleatórias e já com algo de

intervenção urbana.

As vanguardas se destacavam e atividades pioneiras borbulhavam. O pós-guerra

surgia como um tempo de libertação e ruptura. O Festival de Música de Darmstadt não

pode deixar de ser citado como evento gerador e propagador da nova música.

O lema de Darmstadt era a liberdade. Após séculos de subserviência à Igreja, à

aristocracia, à burguesia e ao público de massa, às guerras, os compositores podiam

finalmente fazer o que lhes agradasse (ROSS, 2009, p. 413). Esta liberdade era quase

que uma regra no festival, tudo tinha de ser abstrato, causar estranhamento, chocar;

existia uma regra mais ou menos oficial que vetava a composição tonal. Com destaque

para Stockhausen, coroado príncipe do reino da Música Nova (ROSS, 2009, p. 414).

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Esse período, rico em movimentos relevantes, desponta como fundamental para

perceber os desdobramentos das transformações em artes, os hibridismos, as

intersecções, contaminações e transversalidades que se seguiram desde então.

2.2 O objeto sonoro de Pierre Schaeffer

Pierre Schaffer contribuiu na decupagem e dissecação do som, incluindo

sonoridades no cenário da música, transversalizando o discurso da música e vinculando

as tecnologias à poética musical

Em Paris, no final dos anos 40, ferviam os movimentos experimentalistas. A

Música Concreta nasceu nesta conjuntura. Segundo Massin, a música concreta surgiu de

um incidente técnico, um sulco de disco obstruído, ou seja, um fragmento

incansavelmente repetitivo – um verdadeiro objeto sonoro – destacado do seu contexto

chamou atenção do então engenheiro e músico da Rádio TV Francesa, Pierre Schaeffer

(MASSIN,1997. p.1167), que desde então passou a gravar “ruídos”. A manipulação de

sons, distorções e fragmentações foram umas das experiências musicais que exploravam

intensamente equipamentos tecnológicos de então. O termo “concreto”, cunhado pelo

grupo composto por Schaeffer, Pierre Henry entre outros, diz respeito às composições

cujas fontes sonoras são naturais ou “concretas”, gravadas em fita magnética, em vez de

abstratas através de notação e interpretação.

Pierre Schaeffer em seu Tratado dos objetos musicais (1993; editado por

primeira vez em 1966), designa nova nomenclatura para a escuta e música. A pesquisa e

o trabalho de Pierre Schaeffer são fundamentais para a compreensão da pesquisa sobre

as artes sonoras, pois desenvolvem conceitos sobre as potencialidades do som além da

música. Sua observação ultrapassa a condição física de emissão de ondas, incluso a

percepção auditiva, imagética, consciente ou não, coletiva ou particular, sobre o que

chamou de “objetos sonoros”. É enfatizado também o modo como a escuta é capaz de

identificar objetos sonoros.

Primeiramente, o autor dissocia o som do objeto. Para tanto, desenvolve seu

pensamento sobre o objeto baseando-se no pensamento husserliano (fenomenológico),

que diz que “o objeto é o polo de identidade imanente às vivências particulares, porém,

ultrapassa essas vivências particulares”. As múltiplas impressões visuais, auditivas,

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táteis, a maneira como se percebe, recorda-se, deseja ou imagina ou se relaciona com o

objeto, transcende a experiência individual e se coloca no mundo que se reconhece

como existente para todos. “a consciência do mundo objetivo passa pela consciência do

outro como sujeito, a supõe como prévia. Da mesma forma, a evidência de uma verdade

científica supõe o reconhecimento de uma comunidade científica para qual ela é válida.”

(SCHAEFFER, 1993, p. 240).

A tendência é declarar o objeto como subjetivo, relativo ao sujeito, diferente

apenas por possuir realidade física. É uma maneira equivocada, segundo o autor, pois a

consciência exerce mutação sobre a imagem e o som. Ocorre que no cotidiano, ocupado

em perceber o que estaria automatizado na rotina, não se tem consciência da percepção.

A percepção, resultado de uma série de processos físico-fisiológicos se torna capaz de

ser surpreendida em sua experiência cotidiana quando se nota um objeto como

transcendente. Assim sendo, não se esgotam os “estilos” de percepção, portanto não

esgota jamais seu objeto.

É um estilo particular que me permite distinguir o objeto percebido dos

produtos do meu pensamento ou da minha imaginação, os quais

correspondem outras estruturas da consciência. A cada domínio de objetos

corresponde assim um tipo de “intencionalidade”. Cada uma das suas

propriedades remete às atividades da consciência que lhes são

“constitutivas”: o objeto percebido não é mais causa da minha percepção. Ele

é seu correlatado. (SCHAEFFER, 1993, p. 243).

Ao entrar em contato com o som, têm-se indícios diversos de impressões

auditivas, porém não se trata de objetos sonoros. Por exemplo, ao se ouvir uma

gravação de um ruído de galope, „vê-se‟, infere-se um cavalo a galope no campo. Para

Schaeffer há, nesse caso, apenas uma percepção, uma experiência auditiva, através da

qual visa outro objeto. No elemento som, é mais fácil confundir o objeto percebido e a

percepção que se tem dele. Quando se trata mais do que som, não se tem objeto sonoro.

O conceito de objeto sonoro é definido pelo autor quando contemplado materialmente e

espiritualmente. Quando é o próprio som que se vislumbra é identificado pela intenção

de escutar apenas o objeto sonoro. Esse modo de escuta no Tratado dos Objetos

Musicais é chamado de “escuta reduzida”. Em amplo sentido pode-se dizer que se ouve

o som sem percepção prévia, sem associações perceptivas.

Objetos sonoros são impressões auditivas efêmeras e únicas, sem seguimento,

mesmo se gravados, e se apresentam através das diferentes percepções que se tiver a

cada escuta. Não se trata de mero sinal físico, ondas que se propagam no ar, “a decisão

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de escutar um objeto sonoro, sem outro propósito do que ouvir melhor, entender melhor

a cada escuta, é mais fácil teorizar do que pôr em prática, pois automaticamente sempre

se busca no som, indícios, sinais, „outras coisas‟, escuta por referência” (SCHAEFFER,

1993). Uma frase que explica seu pensamento:

Quanto mais hábil me tornei para interpretar indícios sonoros, tanto maior a

minha dificuldade de entender objetos. Quanto mais fácil me é compreender

uma linguagem, tanto mais difícil me será ouvi-la. (SCHAEFFER, 1993, p.

246).

Neste sentido, ao ouvir algo, o músico, busca encontrar a escuta perfeita, não se

apega à fruição e sim a precisão do som. Tenta dominar tecnicamente a audição,

reduzindo o ouvido a um mero instrumento medidor de decibéis. Os músicos,

principalmente, são aqueles treinados para entender e decodificar a linguagem sonora,

reconhecer notas, tons, escalas etc.; para uma escuta reduzida, devem buscar a

desconstrução da audição e libertar-se do condicionamento.

Na escuta banal, usual, comum, procura-se ouvir objetos precisos, reconhecíveis

por todo um campo da consciência tidos como natural ou cultural. Schaeffer propõe que

se deixe de escutar o evento por intermédio do som e passe a escutar o som como objeto

sonoro. Por exemplo, uma porta sonora que se apresente como uma porta rangendo,

deixemos de nos interessar pela porta e nos interessar somente por um rangido. Para

Schaeffer, “o objeto sonoro dá-se no encontro de uma ação acústica e de uma intenção

de escuta”. Portanto, a escuta reduzida é concebida através da Acusmática.

Sobre a Acusmática, palavra muito utilizada em Schaeffer, o compositor carioca

Rodolfo Caesar explica:

A acusmática é uma apropriação de termo de origem grega: “(...) os

discípulos da escola de Pitágoras, os acusmata, assim denominados por

ouvirem as lições do mestre em situação acusmática, isto é, sem manter

contato visual com o palestrante, que ficava oculto por uma cortina. A

intenção deveria ser a de que apenas o texto fosse transmitido, filtrando o

apoio visual do gesto e da presença cênica”. Pierre Schaeffer se

interessou pelo termo para somar a suas ideias de escuta reduzida pela

possibilidade de desvincular fonte sonora e visão. Hoje é muito usado para se

referir à música eletroacústica. (CAESAR, 2008, p. 107-108)

A chamada música eletroacústica é proveniente desses trabalhos de exploração

intensa dos equipamentos eletroacústicos para geração e controle de sons pra

formalização e controle das obras. (CAESAR, 2008, pp. 136-137). No entanto, para

Caesar, esta denominação eletroacústica é inconsistente, pois hoje em dia quase todas as

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músicas fazem usos “abusivos” de dispositivos eletroacústicos para produção e

reprodução, portanto camufla o debate entre escolas e sobrevive por acomodação dos

próprios compositores que não se mobilizam em propor um novo termo para essa

vertente.

O compositor francês François Bayle (1932-) segue sua pesquisa musical nos

trilhos desenhados por Pierre Schaeffer; estabelece o termo música acusmática, como

conceito autônomo nos anos 70. Nesta nova poética acusmática, a música é concebida

pela noção de “orquestra de alto-falantes”. A orquestra de alto-falantes é utilizada em

obras sonoras analisadas em pesquisa de campo neste trabalho como vimos nas obras de

Cardiff e Cardiff-Muller. Visualmente, a música acusmática de Bayle tem

características de uma instalação. Mais uma vez o movimento dos objetos pode se

traduzir em imagem sonora.

Figura 6. Música acusmática.

Fonte: http://www.franceculture.fr/

Por ser a música móvel e nômade, e a designação de objeto supor algo estático e

instalação, algo que foi acoplado, o que classificaria, contudo, as instalações sonoras?

2.3 Pavilhão Philips: um marco para as Instalações Sonoras

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A pioneira das Instalações Sonoras propriamente dita, reconhecida, em boa parte

dos livros de História de Arte, é o Pavilhão Philips. Interessante notar que, outras obras

parecem querer reproduzir em algum aspecto esse evento, por exemplo, a Cosmococa

em Inhotim, com o som que ocupa o espaço em quanto dialoga com público e sua

interatividade.

O empreendimento que inaugura mais evidentemente as chamadas Instalações

Sonoras viria a ser realizado em 1958, no Pavilhão Philips, obra conjunta de Le

Corbusier (Suíça,1887-1965), Iannis Xenakis (Romênia, 1922-2001) e Edgard Varèse

(França, 1883-1965), resultado do pioneirismo de fundir o design arquitetônico ao

processo de construção musical. O arquiteto Le Corbusier foi convidado pela empresa

Phillips a elaborar o projeto de um pavilhão de exposições da Feira Mundial de

Bruxelas em 1958, cujo objetivo era divulgar a tecnologia dos produtos Philips

relacionados ao som e à luz.

O Pavilhão Philips era um espaço circular de aproximadamente 25 metros de

diâmetro, apresentava três pontos em forma de cumes, o mais alto deles alcançava 18

metros de altura. Xenakis utilizou parabolóides hiperbólicos articulados, baseado nesta

função geométrica que resulta em uma superfície de três dimensões em formato de uma

sela. A geometria do pavilhão se assemelha com o movimento dos glissandos. Tendo

sido esta a forma constituída, a forma externa do pavilhão, construído para receber 500

pessoas de pé, não possuía porta, sendo livre o acesso a duas aberturas onde o público

podia circular.

Xenakis, músico, arquiteto e engenheiro, trabalhou com Le Corbusier, e se

inspirou em sua obra Metastasis (1953-54) que apresentava glissandos dos instrumentos

de corda para realizar o trabalho no Pavilhão. O glissando em música provoca ideia de

continuidade, sem quebras e partia de uma única nota em direções e tempo diferentes. O

espaço, por sua vez, foi preenchido pelo Poème Eletronique de Edgard Varèse, que

percorria a rota sonora estabelecida por Xenakis através de mais de 400 alto-falantes,

numerosos refletores, projeção de imagens e objetos suspensos. A obra, uma criação

feita em estúdio e gravada em fita magnética, utilizava ruídos de máquinas, gongos,

sinos, filtro de coro de vozes, sintetizadores entre outras fontes sonoras (TREIB, 1996,

p. 212). O efeito produzido se supõe uma impressão global de uma imaginação em

desenfreada atividade.

O Pavilhão Philips, juntamente com o Poème Eletronique, é uma obra notória

pelo empenho intermídia, transbordava o espírito da época, destoava dos padrões,

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demonstrando uma sofisticação tanto tecnológica quanto artística, tendo um projeto

arquitetônico baseado em uma composição musical, baseado na trajetória do som, ou

seja, o som implantado no espaço.

De fato essa obra foi precursora neste diálogo entre som e espaço, destacando a

dimensão do espaço como parâmetros musicais a serem trabalhados (CAMPESATO,

2007, p. 21) as portas que não existiam no Pavilhão continuaram abertas aos

desdobramentos em artes híbridas que surgiriam desde então.

Figura 7. Pavilhão Philips, 1958.

Fonte: http://estrolabio.blogs.sapo.pt/

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Figura 8. Pavilhão Philips, 1958.

Fonte: http://pt.wikipedia.org

Segundo o musicólogo Paul Griffiths, o pioneirismo de Varèse foi de suma

importância para a proliferação da música com meios eletrônicos. A reação de seus

colegas mais jovens diante do intento beirava à euforia. A partir daí proliferaram

rapidamente estúdios de música eletrônica, sobretudo em estações de rádios que

dispunham de equipamento, como por exemplo, a Radio Diffusion Français em Paris

cujo diretor do estúdio era ninguém menos que Pierre Scheffer.

Quase simultaneamente às experiências francesas, o uso de aparelhos de rádio

como instrumentos fora inaugurado em Imaginary Landscape n. 4, de Cage, para doze

receptores (1951). Parecia fatal que o caráter arbitrário do material de radiodifusão

apaixonasse o autor de Music of Changes e 4’33”. (GRIFFITHS, 1998, p. 154).

Também nos anos iniciais da década de 1950, obras sonoras importantes serviam

de rompimento e incorporavam os meandros transculturais. Cage em Variations,

utilizando dança, cinema, imagens de televisão, e envolvimento com formas teatrais,

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efeito de iluminação, cenário. Sobre a sua poética Cage intera que “procuro manter

minha curiosidade e consciência aberta ao que está acontecendo e dispor do material

musical da maneira a não ter a menor ideia do que poderá acontecer” (GRIFFITHS,

1998, p. 175). Cage trabalha a música de forma aleatória. Os espetáculos multimeios

tornaram-se comuns nos anos 60 e início dos 70, por exemplo, o Musicircus (1967) de

Cage. O pensar o espaço para dialogar com a música e, portanto, trazer a experiência do

tempo em arte, vinha acontecendo.

Merece destaque ainda nesse período as produções de Stockhausen como

Ensemble, espetáculo de quatro horas de duração, apresentado em Darmstadt (1967).

Griffiths assim descreve as obras de Stockhausen desse período:

Musikfür die Beethovenvalle, um plano de execução noturna nos

auditórios e corredores de um prédio com várias salas de concerto,

SternKlang (som estelar, 1971) música para encenação noturna em

parque público em cerimônia astrológica de sons e magia, com a

participação de vários conjuntos eletrônicos dispersos aqui e ali e

coordenados por sinalizações musicais e archotes conduzidos por

atletas. Já AlphabetfürLiège, espécie de demonstração das

propriedades físicas e metafísicas da vibração sonora.

(...) Stockhausen levou essas encenações cerimoniais à sala de

concerto: Trans é a transcrição de um sonho, no qual as cordas,

banhadas no palco em luz violeta avermelhada, tocam harmonias

estacionárias que servem de anteparo aos sons agressivos produzidos

pelos instrumentos de sopro percussão dispostos por trás; e em Inori

(adoração em japonês) um mímico em posição elevada conduz a

orquestra com gestos de súplica. (GRIFFTHS, 1998, p.175)

Esses exemplos todos demonstram os primórdios das ideias extramusicais

dialogando cada vez mais com a música de concerto, em espetáculos multimídias

happenings e intervenções até o ponto de abertura tão vasta que proporcionou novas

vertentes, variando no que seria mais fortemente exaltado, ora numa teatralidade, ora no

uso de instrumentos eletrônicos, ora no espaçamento urbano.

2.4 Happenings: abertura para novos espaços

Por volta dos anos 50 surgiram os Happenings. Um movimento de ruptura com

as convenções artísticas; artistas e pessoas comuns se miscigenavam em prol da

combinação de artes visuais, dança, teatro, música, teatro, se distinguiam através da

performance. Os happenings eram improvisações nas ruas, em lojas, onde quer que se

estivesse, deslocando o espaço da projeção artística e, sobretudo, a estrutura, que se

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tornaria flexível e conduzida pela espontaneidade, onde público e espetáculo não se

separavam. A filosofia de John Dewey (Estados Unidos da América, 1959-1952),

sobretudo suas reflexões sobre arte e experiência, o zen-budismo, o trabalho

experimental do músico John Cage, assim como a actionpainting do pintor americano

Jackson Pollock são matrizes fundamentais para a concepção de happening. Theater

Piece#1, tal evento foi considerado o primeiro happening, realizado por John Cage, em

1952, na Black Mountain College, em Asheville, na Carolina do Norte, Estados Unidos,

e pela descrição é possível imaginar o Evento:

No espetáculo, M. C. Richards e o poeta Charles Olson lêem poemas nas

escadas enquanto David Tudor improvisa ao piano e Merce Cunningham

dança em meio à audiência. Pendurada, uma whitepainting de Robert

Rauschenberg, uma velha vitrola toca discos de Edith Piaf. Café é servido por

quatro rapazes de branco. Cage, sentado, lê um texto que relaciona música e

zen-budismo, algumas vezes em voz alta, outras, em silêncio. O espetáculo

apela simultaneamente aos sentidos da visão, audição, olfato, paladar e tato,

e, além disso, envolve os artistas mencionados e outros participantes, que

interferem, aleatoriamente, na cena3.

Vendo a descrição anterior, podemos notar a ressonância dos happenings na

Cosmococa de Oiticica e Neville. A Cosmococa sugere um ambiente dinâmico,

inventivo, mesclado, provocante, pitoresco, inusitado. Podemos notar influência dos

Happenings nesse sentido. Uma grande combinação de espaços alegóricos e

conceitualmente trabalhados em sua poética.

As contribuições do Fluxus são imprescindíveis para se entender os processos

acometidos em Arte a partir de segunda metade do século XX. As performances deste

grupo caracterizavam-se pela multiplicidade, incluíam variáveis artísticas distintas:

teatro, música, dança, artes visuais com tendência intermídia. O grupo apresentava

espetáculos não-lineares, que seguiam as tendências dos happenings, utilizando-se de

recursos sonoro, visual, literário, fotográfico etc.

O nascimento do grupo está ligado ao Festival de Música Nova em Weisbaden,

na Alemanha, em 1962, e ao artista George Maciunas (1931-1978), artista lituano

radicado nos Estados Unidos. A palavra Fluxus se refere a movimento, escoamento, e

de fato as performances e happenings do grupo fluíam para diversos outros movimentos

artísticos. Mais uma vez trata-se de romper as barreiras entre arte e não arte,

incorporados do espírito de contestação do dadaísmo e dos ready-mades de Marcel

3 Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural http://enciclopedia.itaucultural.org.br/

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Duchamp (França, 1887-1968) em sua crítica à institucionalização da arte, e

na actionpainting de Jackson Pollock (Estados Unidos da América, 1912-1956).

O grupo enfatizava o processo de criação ancorado no gesto e na ação. A música

experimental entra como definição de grande atitude artística do grupo. A experiência

com os sons do cotidiano permeia os trabalhos, a procura por romper a barreira da arte/

não arte, dirigindo a criação artística às coisas do mundo, à natureza, à realidade urbana,

à tecnologia e a ideia de abolir a hierarquia entre artista e observador, produtor e

consumidor, destacando o papel ativo e criador da recepção. Entre os artistas do Fluxus,

estavam John Cage, Nam June Paik (Coreia do Sul, 1932-2006), Yoko Ono (Japão,

1933) e Joseph Beuys (Alemanha, 1921-1986). Bueys, artista, ativista, veio a ser um

dos fundadores do Partido Verde alemão.

Figura 9. Happening.

Fonte: http://imgkid.com/

André Cunha (2013) pesquisou sobre como a influência de Cage e dos

Happenings acometeu o músico Rogério Duprat, sobretudo pontuando como o Brasil

foi contaminado por esses eventos, citando espetáculos multimedia, a irreverência e

crítica mordaz. A exemplo cita happenings que aconteceram por um curto período na

cidade de São Paulo do grupo denominado MARDA (Movimento de Arregimentação

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Radical de Defesa da Arte-1966). O grupo compostos pelos artistas Duprat, Decio

Pignatari e Damiano Cozzella, visava debochar dos costumes da elite burguesa

paulistana, pendurando em monumentos, placas com mensagens satíricas. Os pontos

escolhidos na cidade, chamados de “mardosos” eram: a estátua do bandeirante Borba

Gato na Avenida Santo Amaro, o avião de Santos Dumont na Praça 14 bis, a extinta

bandeira paulista do prédio Gazeta, na Avenida Paulista, e os cemitérios da Consolação

e do Araçá, lugares considerados os mais Kitsch (GAÚNA, 2002, p. 61 apud CUNHA,

2013, p. 38).

2.5 Festivais contemporâneos

Como visto anteriormente, os antecedentes culturais e artísticos dos anos após a

Segunda Guerra Mundial abriram muitas possibilidades de novas tendências. Os

festivais contemporâneos reforçam ainda que o hibridismo seria um agenciamento que

ocorreria em artes desde então.

Na Europa, a grandiloquência da Neue Musik conquistava os festivais no mundo.

Na América do Norte, Cage e outros ousavam na “contaminação” das artes híbridas. No

Brasil, o Grupo Música Nova acentuava as vanguardas musicais; o Festival Música

Nova, idealizado pelo compositor Gilberto Mendes (1922-), se tornava referência em

música contemporânea, como afirma Prada:

Neste sentido, o grupo Música Nova (e o Festival como um bem simbólico

consequente) primou pela busca do novo, e atravessou os 40 anos finais do

século XX interagindo, participando das linhas que iam compondo novos

sistemas, novas poéticas. (PRADA, 2010, p. 38)

Especificando quais seriam essas linhas e poéticas, Prada continua:

Quanto às tendências de composição, o Festival partiu das linhas da

vanguarda musical – atonalismo, serialismo, dodecafonismo, eletroacústica, e

mais outras linhas – happenings, teatralidade etc. e hoje é bem amplo,

eclético, tornando-se uma mostra diversificada. (PRADA, 2010, p. 45)

Tais manifestações diversificadas de música contemporânea seguem, como as

que presenciamos em Inhotim em 2014.

O Centro Cultural de Inhotim abraça projetos e eventos como o Ciclo de Música

Contemporânea. Na ocasião, foi possível presenciar uma apresentação no teatro situado

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em Inhotim. Trata-se do Festival Internacional Artes Vertentes que ocorre na cidade de

Tiradentes. A apresentação relatada foi uma extensão do evento realizado nesta cidade.

O festival, no ano de 2014, está em sua terceira edição, com o tema “Quando

Antes for Depois”, engloba oficinas, dando um caráter educativo ao evento, e

proporciona a apresentação de músicos, bailarinos, artistas visuais, escritores, atores,

cineastas, servindo de plataforma de comunicação entre os artistas. O tema aproveita o

ensejo histórico da cidade de Tiradentes e traz uma reflexão sobre o tempo,

metamorfose e eternidade.

Na apresentação assistida em Inhotim, “Música e Poesia”, foram tocadas quatro

obras de música contemporânea em diálogo com outras linguagens como poesia e

dança. Um diferencial nesta apresentação aconteceu ainda na disposição do teatro. A

cada obra, as portas do teatro se abriam para que o público circulasse à sua vontade,

portanto, o espaço e o movimento foram especialmente visados para se integrarem à

performance.

A primeira obra executada foi composta pelo jovem compositor mineiro Sergio

Rodrigo e chama-se Corisco para percussão e violoncelo (2009). A segunda apresentou

um diálogo entre a performance de um bailarino em cena e os músicos, na obra de

Samir Odeh-Tamini cujo nome é Jabsurr, para violoncelo e piano (2009). Em seguida,

apresentaram outra obra de Sergio Rodrigo chamada Para o início dos tempos para

violino, viola, violoncelo, percussão, piano e voz (2013). Nesta peça, eram mescladas a

música e a poesia, onde dois artistas declamavam em determinado momento, em dois

idiomas.

Na quarta obra, também de Samir Odeh-Tamini, chamada Headlands (2013),

para piano, clarineta, trombone, percussão, violoncelo e voz, uma cantora utilizou

técnica vocal expandida.

O concerto tem a intenção de mostrar a hibridação entre música e outras

linguagens, vertendo para a música contemporânea. Os instrumentos musicais são

usados com técnica expandida. O piano tem suas cordas puxadas, e a clarineta produz

sons multifônicos. A cantora, posicionada no centro do palco emitia sons guturais,

aparentemente aleatórios, porém, controlados pela sua partitura o tempo todo. Já os

demais músicos, na maioria das peças, não viraram as páginas das partituras. Esta

observação acrescenta constatar o aspecto contemporâneo também nas partituras das

obras executadas, ou seja, de provável uso de improviso controlado por módulos ou

grafismos em Bulas.

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Ainda hoje, em pleno século XXI, é comum notar o estranhamento que causa a

música contemporânea, diante das reações de deboche, nervosismo, um visível

incômodo. O concerto então passa a ser um des.concerto. Pessoas saem desconcertadas

tomadas pela estranheza. Se nas artes visuais a contemporaneidade pode se considerar

aceita, as músicas que se aproximam das escolas vanguardistas ainda se parecem com

bicho de sete cabeças para o público comum. Nota-se quão difícil é romper com padrões

culturais preestabelecidos. Não se pode esquecer a divulgação desse padrão que vem em

forma do produto comercial e também na herança cultural que engloba a educação

formal.

O Centro Cultural Inhotim é um espaço de deslumbre artístico a partir de um

vislumbre. Um lugar lúdico, propício a despertar a fruição, apreciação e percepção

artística e sensorial. No que tange as instalações sonoras, ou obras que se utilizam do

som ou da música para compor a obra, apareceram em uma proporção de um terço das

galerias. A música contemporânea ganha presença em Eventos Populares como os

Ciclos da Música em Inhotim. O espaço é frequentado por púbico diversificado e faz

parte de circuito nacional de pacotes de turismo. Estes dados servem para evidenciar a

presença das instalações sonoras no cenário nacional das artes, pô-las em foco, pois,

embora a ocorrência desta composição poética seja cada vez mais constante, pouco se

nota que o elemento sonoro é capaz de trazer uma característica que diferencia das

demais obras visuais que não se hibridizam com o som.

2.6 As “Instalações”

O termo “instalações” foi incorporado às artes visuais no contexto artístico das

vanguardas como gênero que se constituiu da dissolução dos limites entre vertentes

artísticas, a exemplo dos Happenings. Surge como um desdobramento da arte conceitual

e remonta aos trabalhos de Marcel Duchamp e seus ready-mades que buscavam a

desmaterialização da arte (CAMPESATO, 2007). O uso dos meios artísticos foi

extrapolado assim como a fronteira entre o artista e a obra. Então, nas instalações, o

espaço se constitui da própria obra. No entanto, nas instalações sonoras são adicionadas

o fator som.

No percurso desta pesquisa, encontramos dificuldade em delimitar a instalação

sonora propriamente dita. Então, procurou-se abranger na pesquisa de campo as

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produções que trouxeram o som como experiência, fosse ele na desconstrução,

deslocamento de sua fonte e seu fim ou origem, fosse ele documental derivado de

aspectos naturais, ou depoente de fatos, fosse ele da experiência em si da vivência com

os objetos. A percepção escolhida foi não necessariamente ser visual para ser sonora,

uma vez que a palavra instalação é proveniente das artes visuais. É um território sem

fronteiras onde a nomenclatura talvez ainda não seja suficientemente atualizada para

acompanhar os desdobramentos contemporâneos. Portanto, difícil afirmar que esse

trabalho se ocupa de uma vertente artística; é mais provável que se trate de uma

experiência sonora em galerias de arte. A riqueza é ser simultânea na observação.

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CAPÍTULO 3. INSTALAÇÕES ARTÍSTICAS EM DIVERSOS TEMPOS

Neste capítulo, a questão do tempo na arte musical dimensionada pelas

instalações artísticas será debatida em três instâncias. A experiência enquanto tempo em

arte; a desconstrução e fragmento na arte e o som quando documentado. Partindo de

uma escolha das obras previamente descritas e vivenciadas na pesquisa de campo, a

presente seleção visou à representatividade de determinadas nuances em comparação

nessas espécies de relação com o Tempo e Espaço. Isso não significa que a análise

obriga a um fechamento, ou seja, uma mesma obra poderá estar em mais de uma

possibilidade, porém, a sua face mais marcante é que determinou a sua colocação em

uma categoria.

Assim, o diálogo nas três esferas apresentadas aqui possui um caráter de

fundamento teórico para a vivência do exame desses objetos. O tom da fala desse

capítulo é eminentemente ligado às poéticas, sendo todas as informações veiculadas

nessas descrições feitas com aval de autores das teorias culturais contemporâneos para

acentuar o que cada uma das obras guarda de singular e de enlace conceitual.

3.1. A EXPERIÊNCIA ENQUANTO TEMPO EM ARTE

Arte é chão para a experiência, e fundo para o deslocamento necessário para a

ruptura que aciona o tempo da imprecisão, o continuum, que não se mede com segundos

passados. A experiência de pesquisa de campo vai além de descrição das dimensões da

obra, esplendor arquitetônico das galerias, e estética das obras, adentrou no campo

singular da experiência. Os trabalhos como os de Hélio Oiticica, Cildo Meirelles e

Valeska Soares visitados em Inhotim, trouxeram a esta pesquisa subsídios para dialogar

com o filósofo e educador espanhol Jorge Larossa e seu pensamento sobre experiência.

Primeiramente o que foi importante nessas escolhas foi a sonoridade das obras, e

depois a possibilidade que carregam como espaços de experiência. A experiência requer

um momento de interrupção, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e

dar-se tempo e espaço. Requer quietude e demora na escuta, na observação, no sentir.

(LARROSA, 2002, p.24). Torna-se necessário suspender a opinião, o juízo e quebrar o

automatismo na ação. Essas obras de certo modo remetem a esta pausa para

experienciar.

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Hélio Oiticica faz um convite para um encontro, um deleite, um repouso, um

sorriso interno, e nos convida para uma experiência. Cosmococa é uma galeria

permanente cuja arquitetura instigante abriga obras dos brasileiros Hélio Oiticica (Rio

de Janeiro 1937-1980) e Neville D‟Almeida (Belo Horizonte, 1941-). A ideia é

reproduzir o trabalho desenvolvido na década de 70, nomeado de Blocos-Experiência

em Cosmococa. As obras são definidas como intervenções espaciais e se constituem em

ambientes sensoriais com projeção de slides, trilha sonora e diversos elementos táteis. A

Cosmococa carrega a ideia de “Quasi-cinema”, que procura investigar a relação do

público com a imagem-espetáculo, estimulando a livre expressão4, e que recusa a

narratividade tradicional e comercial. No entanto, as obras só se completam com a

presença do público, chamado não de espectador, mas de participador. Os slides

projetados partem dos desenhos usando luz, sombra e cocaína, a qual os artistas

utilizavam como pigmento branco sobre capa de discos e livros, fotos e jornais onde

ilustravam personalidades como Jimi Hendrix, Luis Buñuel, Yoko Ono, Luís Fernando

Guimarães, Marilyn Monroe, John Cage, entre outros. A Galeria recebe em caráter

permanente cinco Cosmococas: Trashcapes, Onobject, Maileryn, Nocagions, Hendrix-

War.

Para adentrar a Galeria é necessário retirar os sapatos. As salas são escurecidas e

refrigeradas. Em uma das salas há uma piscina aberta para o público, muitas pessoas

mergulham na piscina iluminada acompanhada de projeção na parede e música. Todos

os ambientes seguem a ideia da projeção de filmes e trilha sonora. Em Nocagions, o

ambiente da piscina é relacionado a John Cage. Em outra das salas encontramos

colchões no chão, em outra, redes penduradas e a terceira sala possui o chão irregular

coberto de lonas, balões de ar espalhados pelo chão (vazios para que o participador

interaja). É notável a sensação de descontração que causa nas pessoas, um momento

para relaxar, interagir e entusiasmar-se com as propostas de inter-relação feitas pelos

artistas. Os artistas propõem relações entre as pessoas e o mundo por intermédio de

objetos estéticos, remetendo-nos assim aos conceitos da chamada Arte Relacional

(BOURRIAUD, 2009).

Na arte relacional, as experiências individuais possibilitam a construção de

significados coletivos, portanto, as relações humanas na arte, o envolvimento do artista

e a participação do público passam a ser peça-chave para a realização da proposta.

4 Fonte: Itaú Cultural.

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia/cinema/home/dsp_home.cfm

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A essência da prática artística residiria, assim, na invenção de relações entre

sujeitos, cada obra de arte particular seria a proposta de habitar um mundo

em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de

relações com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o

infinito. (BOURRIAUD, 1998, p. 31)

Cremos então que a Cosmococa é ambiente desse encontro do artista e seu

público e a intenção dessa relação como objeto da obra. Andrea Bertoletti, analisando a

Arte Relacional, afirma:

Segundo Bourriad (2009), arte relacional mantém como alicerce teórico a

esfera das interações humanas e seu contexto social, cujo substrato é calcado

pela intersubjetividade, e seu cerne traduz o “estar junto, „encontro‟ entre o

observador e o quadro, a elaboração coletiva do sentido” (Bourriaud, 2009,

p.21) (...) Porém, num sentido mais amplo, a estética relacional é

representada como um interstício social. Interstício como um espaço de

relações humanas que sugere possibilidades de troca além da instituída pelo

sistema. (BERTOLETTI, 2011).

Figura 10. Hélio Oiticica e Neville D‟Almeida, Cosmococa 5 Hendrix War, 1973, projetores, slides,

redes, trilha sonora (Jimi Hendrix) e equipamento de áudio, dimensões variáveis

Foto: Eduardo Eckenfels. Fonte: www.inhotim.org.br

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O acontecimento da obra, se aproveitado pelo sujeito da experiência, é

enriquecedor. Cosmococa rompe com o usual, com o consumo inóspito e passivo diante

das obras de arte.

No cotidiano passa-se muita coisa, mas quase nada acontece. Para Larrosa, a

experiência trata-se do que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se

passa, não o que acontece – o que toca. Todavia, os excessos têm impedido o sujeito da

experiência; excesso de informação, opinião, trabalho e falta de tempo têm feito rara a

experiência. Passemos a examinar cada um desses termos.

Excesso de informação que camufla a possibilidade de experienciar. A

experiência, no entanto, não deve ser confundida com informação ou conhecimento.

Excesso de informação acaba por se tornar uma antiexperiência. A sociedade construída

sobre o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível

(LAROSSA, 2002, p. 22). A opinião também destrói a experiência. O homem pós-

moderno, dotado de conhecimento e informação – o homem quer opinar e sempre

criticar algo. Interessante a observação de Larrossa com relação à opinião e informação:

nossa trajetória educacional é construída da seguinte forma, primeiro é preciso se

informar e depois há de opinar. A informação seria o objetivo e a opinião o subjetivo,

uma reação subjetiva que se tornou automática. Opinar, na maior parte do tempo, se

resume em estar contra ou a favor, mas de todo modo é justamente aquilo que nos

ensinaram e que o bom aluno deve fazer. Dessa forma, Larossa entende que a

experiência é mais do que opinião e que é capaz de gerar transformação mais do que

reprodução de modelos pré-fabricados.

Ainda em Larossa, a experiência está rara por falta de tempo. Esta afirmação

vem a calhar como tema dessa pesquisa que sugere um tempo além desse tempo que se

“perde” para adentrar as obras propostas. A velocidade com que nos são dados os

acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo

moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos (LAROSSA, 2002,

p.23). Um acontecimento é prontamente substituído por outro sem deixar vestígios,

assim, a memória fica comprometida, as vivências tornam-se instantâneas, vive-se em

constante excitação. Para Larrosa, a falta de silêncio e memória são inimigos mortais da

experiência.

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E por fim o excesso de trabalho atrapalha a experiência. Muitas vezes trabalho é

confundido com a experiência. O sujeito atual está sempre desejando fazer algo,

produzir algo, descobrir algo, se relaciona com o acontecimento do ponto de vista da

ação, ou seja, estamos sempre mobilizados e não podemos parar, e por não podermos

parar, nada nos acontece. (LARROSA, 2002, p. 24) Quem seria enfim, o sujeito da

experiência?

Cildo Meirelles, nascido em 1948 no Rio de Janeiro, propõe o Através (1983-

1989). Através é um ambiente labiríntico, formado por barreiras de objetos e materiais

usados para delimitar ou interditar espaços, como alambrados, grades, cortinas e

tecidos. O espaço é disponível e convidativo para um passeio singular. O chão, durante

o percurso é todo cobertos de cacos de vidro e vai se pisando nesse chão para adentrar o

Através.

O próprio nome da obra conduz a essência da experiência. Passar por entre os

obstáculos propostos por Cildo, no tilintar dos vidros dispostos na obra, desperta para a

sonoridade que fez a obra importante para esta dissertação, pois ainda que não possui

uma música construída para obra, pode sim, ser considerada sonora, de acordo com o

ponto de vista das sonoridades que ocupam o espaço enquanto tempo de experiência em

arte. Dos diversos relatos percebidos no local pode-se inferir que para cada um a

experiência é única, singular, ora de agonia ora de prazer, de tensão e de medo diante da

possibilidade de ferir os pés, enfim, infinitas experiências. A experiência é sempre

única, e mesmo que haja esforço para encontrar as semelhanças entre experiências,

mesmo que se busque os padrões, regras e técnicas de reprodução do idêntico,

experiência potente será sempre um acontecimento singular com poder de transformar a

pessoa e o mundo (LEITE, 2015, p. 56). A experiência é singular e irrepetível.

O nome da obra em si já carrega sua intenção. A palavra experiência vem do

latim experir, provar experimentar, cujo radical éperiri, o mesmo de periculum, perigo.

Em alemão, experiência é Erfahrung, que contém o fahren, viajar. No entanto apalavra

experiência contém a dimensão de travessia e perigo (LAROSSA, 2002. p.24). Na

galeria Cildo Meirelles, a obra Através nos obriga a atravessar um caminho, um

labirinto de obstáculos percorridos em um chão de cacos de vidros, provocador de

sensações. A travessia chega a causar ansiedade, sensibiliza. O caminho labiríntico

atravessado por diferentes texturas e objetos evoca o ponto culminante da experiência,

que não exatamente um resultado e sim, o que nos acontece, quando algo acontece.

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O sujeito da experiência de Larossa seria algo como um território de passagem,

algo como uma superfície sensível em que aquilo que acontece afeta de algum modo,

produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos

(Larossa, 2002, p. 24). Esse sujeito se caracteriza pela sua disponibilidade,

receptividade e abertura, porém uma posição de passividade feita de paixão,

padecimento, paciência e de atenção. Está em posição de se transformar, está tombado,

diferente do sujeito pronto, seguro de si mesmo, autodeterminado, impávido, inatingível

e definido por seu saber e poder. A transformação de experiência vem da lógica da

paixão, no sentido de estar longe do seu domínio, fora de si mesmo, mas ainda assim,

não é incapaz de compromisso ou ação e conhecimento.

Assim, a experiência é definida por Larossa como a mediação entre o

conhecimento e a vida humana. O modo como damos sentido ao que nos acontece,

dessa forma, cada experiência é única, embora o acontecimento possa ser o mesmo. Por

isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente,

pessoal. (LARROSSA, 2002, p. 27) Por fim, a experiência se difere do experimento

postulado pela ciência moderna, pois a experiência não é um caminho para um objetivo

previsto e sim a abertura para o desconhecido, para o que não se pode prever. Não

poderia ser apenas um resultado a ser alcançado se o que me foi atravessado difere do

outro, e a finitude da individualidade e a infinitude da diversidade de experiências num

tempo de duração que é único e impreciso, então, a experiência se abre e não se fecha

em sua potência. O sujeito atravessado pela experiência está aberto à sua própria

transformação.

Vê-se que a experiência tem sua pluralidade. Na arte, a vida é intensificada e

transformada num tempo-espaço único. Diferente do experimento, discurso

metodológico e genérico, a experiência é singular e de natureza plural e heterogênica.

Neste sentido, experimentar a vida e a arte é estar intensamente presente ao que nos

acontece sempre uma única vez. Estar inserido num plano de experiência é estar aberto,

poroso e receptivo para os afetos que essa dinâmica contém e, ao mesmo tempo, compor

ativamente com esse plano de forças (LEITE, 2015, p. 56).

Outro espaço permanente em Inhotim é a nomeada Galeria Valeska Soares.

Artista brasileira de Belo Horizonte (1957), criou a obra Folly com vídeo transferido

para DVD de 5‟. O pavilhão é construído em madeira e espelho, a arquitetura em si já é

uma joia. É notável o cuidado no entorno da galeria de dialogar com o espaço e usar os

elementos naturais, a vegetação minuciosamente escolhida para conferir a característica

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delicada da obra. O efeito da obra está na atmosfera criada. Assim está descrita do

Catálogo de Inhotim:

O vídeo Tonight (2002), que serviu de ponto de partida para a criação da obra

e projetado em seu interior, foi gravado na boate do antigo Cassino da

Pampulha, projeto de Oscar Niemeyer em Belo Horizonte, hoje museu. As

imagens se relacionam com a arquitetura, que remete a um gazebo de jardim

ou um coreto de praça. Para a apresentação permanente em Inhotim, foi

criado em seu entorno um projeto paisagístico, desenvolvido em colaboração

entre a artista e a equipe botânica de Inhotim, que se distingue do tipo de

paisagismo aplicado à maior parte do parque e traz características de um

jardim doméstico, com árvores frutíferas e flores. O interesse pelo jardim e

pelo aspecto multisensorial da arte - além da visão, o tato e o olfato - é

recorrente na obra de Soares, assim como a memória e a ficção.

(...) Como é comum na obra de Soares, em Folly (2005-2009) a participação

do público é fundamental para a concretização da obra, e ela só acontece

plenamente por meio da vivência direta dos espaços. Uma vez dentro desta

estrutura, o espectador pode perceber-se parte da dança projetada em vídeo

nas paredes espelhadas em seu interior. As múltiplas imagens são formadas

por reflexos.5

Figura 11. Valeska Soares-Folly, vídeo transferido para DVD, 5‟, madeira, vidro, ar-condicionado, trilha

sonora The Look of Love, 250 x ø 1110 cm, 2005.

Fonte: www.inhotim.com.br

5 Catálogo das obras do Instituto Inhotim. Fonte: www.inhotim.org.br

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Como uma caixa de música, a obra de Valeska nos remete a um universo lúdico

e romântico, certamente que espera o envolvimento do espectador com o ambiente

espelhado e, sobretudo a música escolhida, de autoria de Burt Bacharach (Estados

Unidos da América, 1928-), e Hal David (Estados Unidos da América 1921-2012)

interpretada pela cantora jazzista Diana Krall (Canadá, 1964-) The look of love, que

pertence a um universo popular, conferindo uma atmosfera familiar. A canção escolhida

foi composta em 1967, gravada originalmente por Dusty Springfield para o filme

Cassino Royale, recebeu indicação de melhor canção nos Academy Awards 1968 em

2008 foi introduzida no Hall da fama do Grammy. Um casal dança no vídeo projetado

no pavilhão de espelhos que se multiplica em mil. De repente se vê rodeado por várias

imagens do mesmo casal que dança, dança, rodopia, ao som da canção.

Nesse caso, observa-se que a memória é um fator relevante ao se tratar da

experiência. A música é um referencial do jazz e está contextualizada em período

histórico, carrega um contorno do tempo. A atmosfera proposta procura gerar uma

resposta de tempo, memória, ritmo e movimento, devido ao vídeo com a dança, o

deslocamento da música e do objeto, caixa de música, do jogo de espelhos. Surge uma

construção artística através de desorganização, desconstrução e reorganização dos

objetos, no qual se criou um organismo. Uma caixa/casa de música, que fala/canta,

anda/dança, ama/dança e produz sentido. O sentido, ou o não sentido, é o que provoca

então a experiência em Folly de Valeska Soares.

Uma obra de Chris Burden (Estados Unidos da América,1946-), um dos

pioneiros da bodyart6, Beam drop Inhotim (2008), consiste em vigas de ferro lançadas

pelo artista de um guindaste no cimento fresco, em valorização ao gesto e em referência

a Pollock7. A obra compõe uma paisagem no alto das montanhas de Inhotim e um

famoso cartão postal do lugar. Adentrar a obra e tocar as estacas de ferro é criar um

ambiente sonoro de extremo valor, para quem estiver aberto à experiência. A

experiência do tato, na rispidez das vigas de ferro, relembra o momento perigoso em

que as vigas foram lançadas do alto. A partir de interação com o observador, a

sonoridade da obra se realiza. A interação de produzir som não deve ter sido esperada

pelo Burden, deve ter sido um aspecto inusitado, simplesmente aconteceu. Para Larossa,

6Bodyart – uma vertente na arte contemporânea em que o corpo é utilizado como matéria e suporte para a

realização dos trabalhos, de modo geral associado à violência, dor, ou ao esforço físico (Fonte:

Enciclopédia Itaú Cultural; disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/#!/q=body%20art) 7Jackson Pollock é um artista visual norte americano, nascido em 1912-1956, representante do

expressionismo abstrato e do estilo próprio de pintar actionpainting onde a tinta é tirada, gotejada, e o

artista gira sobre o quadro que fica no chão. Seu estilo influenciou diversos artistas

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o sujeito da experiência é, sobretudo um lugar onde tem espaço os acontecimentos

(LARROSA, 2002, p. 19). Portanto, ampliar e divagar o olhar e a movimentação para

além de espectador faz-se necessário para acrescentar som e novidade a Beam Drop

Inhotim, ou seja, faz-se necessária a interação para desvelar a sonoridade.

Figura 12. Chris Burden, Beam Drop Inhotim 2008 - Foto: Eduardo Eckenfels.

Fonte: www.inhotim.org.br

3.2. A ARTE DESCONSTRUÍDA E FRAGMENTADA

Embora possa passar despercebido aos sentidos do observador comum, a arte

contemporânea parece posta para que seu enlevo seja de experiências únicas em

extasias. A arte contemporânea é construída em desconstrução e conceitos, recortes e

rupturas, apropriações e desterritorialidade, arcaísmos, releituras, e apoderamento

tecnológico, interação e promiscuidade virtual. O descentramento que torna confusa a

existência e uma verdade pura, tem relação com o pensamento de Derrida na

perspectiva da desconstrução.

Jacques Derrida, filósofo franco-argelino (1930-2004) vai além das certezas do

discurso. A partir da dúvida, da interrogação sobre a palavra, surgem questionamentos

filosóficos postulados como verdade. O pensamento de Derrida sobre as ideias clássicas

da filosofia e seu discurso transborda o discurso filosófico chegando a embrenhar pelo

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discurso artístico. Logo, nota-se a arte contemporânea relacionando-se com essas

suposições de Derrida, logo reparamos, a arte está desconstruída. A arte do tempo

presente conta com a surpresa, algo que não se estabilize ou se escore em cômodas

poéticas, porque existe para quem se surpreende com algo a ser desvelado, pois,

somente o superficial é contundente. Assim, a análise das obras ultrapassa a mera

descrição das técnicas empregadas e não se contenta com a coleção crítica categórica,

adentra o campo de plurissignificância, na seara da incerteza e, preconiza a morte da

arte que é sinônimo de natureza e beleza, somente.

O trabalho de Desconstrução de Derrida se inicia na linguagem. A leitura da

desconstrução propõe a descentralização. Porém, descentralizar não se reduz apenas a

inverter o movimento, nesse caso, se estaria apenas deslocando o centro. A ideia é

anulação do centro como lugar fixo e imóvel. O descentramento seria a independência

total da cadeia de significantes. A desconstrução opera por inversão e por deslocamento

positivo, transgressão. Não se trata, por sua vez, de uma ruptura definitiva. Para

Derrida, “as marcas se reinscrevem sempre num tecido antigo que é preciso continuar a

desfazer sempre. Nesse sentido, desconstruir é também descoser” (SANTIAGO, 1976,

p.19). A inversão consiste em desrecalcar o simulado, mudar as hieraquias e as

oposições. No entanto, esta fase é necessária, funcionando como uma estratégia geral da

desconstrução, porém ainda assim ainda permanece o campo que se quer desconstruir.

Existe a necessidade de outro gesto, trata-se da transgressão, trata-se de produzir novos

conceitos; surge a necessidade de ausentar-se.

A ausência, para Derrida, admite abandono declarado de toda referência a um

centro, a um sujeito, a uma origem, a uma referência privilegiada. Ocorre como um

deslocamento, mas não uma outra presença, pois não substitui nada. O descentramento,

a partir do conceito de desconstrução, possibilita interpretações sempre incompletas,

pois não se esgota do objeto na sua totalidade. No entanto, a ausência tece

complemento, pois diz respeito à ausência que deve ser preenchida. No caso da arte, se

comporta como obra aberta citada pelo italiano Umberto Eco (1932-), cujo pressuposto

é a intencionalidade. O autor afirma que valoriza o potencial sugestivo da obra, em que

cada interlocutor pode dar interpretação que quiser, aberta à livre reação do fruidor. É

como deixar uma pergunta sem resposta (CAPILÉ, 2014, p. 29).

Derrida fala da Dobra, quer dizer sobre o que está oculto e precisa ser desvelado.

Está mascarado nos textos e se comporta como subtexto cuja interpretação funciona

como uma trama de tecidos. Significa tecer um tecido com fios extraídos de outros

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tecidos-textos (SANTIAGO, 1976, p. 51). Segundo o Glossário de Derrida de Santiago

(1976), interpretação é um tipo de leitura que supletiva um texto, no momento em que,

penetrando no seu corpo, desconstrói-o e revela aquilo que estava recalcado. O texto

desconstruído, sem centro, deve ser pensado na estruturalidade da estrutura, o que

permite uma ação lúdica, um jogo de presenças e ausências. Esse não-lugar permite a

polissemia e interpretação. A interpretação consiste de movimentos dinâmicos de

decifragem do texto, como um sistema interpretativo próprio, uma espécie de leitura

supletiva de texto, que uma vez penetrando seu corpo desconstrói, revelando o que

estava recalcado.

Outra proposição de Derrida é a que não existe origem, ou uma forma matricial,

e sim um traço, uma rasura, não há uma origem plena, uma ideia pura inicial, é a não-

origem que é originária. Derrida chamou de Différance (com a), a palavra que faz

referência a palavra francesa, "différence" (diferença) somando o significado de diferir,

adiar e de diferenciar, de ir além. Diferir como se o significado de uma palavra pode ser

adiado para muitas possibilidades de significados, que serão desvelados, ao serem

suspensas as dobras, está ligado à temporalidade. A respeito da diferença, está ligada ao

espaçamento que difere alguma coisa de outra, ligada a oposição e hierarquias que

sustentam seus significados pela presença deste espaço.

A repetição, junto com traço e a diferránce, funciona como uma proteção da

vida contra a morte e está ligada em Derrida ao processo de representação

(SANTIAGO, 1976, p. 78). A ideia de suplemento existe a partir do descentramento, e

funciona como uma adição, um significante disponível a ser acrescentado e fornecer o

excesso que e é preciso. A lógica do suplemento e da diferença se distingue da lógica da

complementaridade e da identidade e oposição binária, em que se fundamenta a

filosofia clássica, por não estabelecer um terceiro termo para solução para as oposições,

ainda que desorganize este sistema (SANTIAGO, 1976, p. 87).

Simultaneamente à difusão do pensamento de Derrida, ferviam movimentos

políticos e artísticos na década de 1960. Esse período aparece como importante para

compreender a arte produzida deste então. Os fatos históricos têm suas consequências e

reverberações nos dias atuais. Trata-se de um passado latente que culmina com o

diálogo na arte contemporânea.

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3.3 Atenção! Obra em desconstrução

Na desconstrução, a música está para ser deslocada, tal qual a obra de Janet

Cardiff em Inhotim. Na obra de Cardiff, a música de Tallis, que tinha funcionalidade

histórica, aparece como fragmento. A ideia do uso deste coral não é resgatar a história,

reproduzir os antepassados. Aparece em recorte quando o coral é dividido em caixas por

onde o público pode transitar. Transformou o sentido local da obra inicialmente feita

para uma catedral. O coral está descentralizado, não há regente, não há formação coral

de apresentação, e nem mesmo a disposição dos alto falantes lembra um coral. Com

isso, Cardiff provoca o questionamento sobre o descentramento, as ausências e

incompletude.

Janet Cardiff é uma artista canadense que vive em Berlim, nascida em 1957. Sua

obra Forty part motet (2001) é uma instalação sonora em 40 canais, com duração de 14‟

77‟‟, cantada pelo coral da Catedral de Salisbury¹. A obra causa impacto ao visitante,

sendo uma das mais próximas da entrada do Parque. O primeiro impacto é da densidade

e volume da música. No primeiro momento, tem-se a impressão de que se trata de uma

apresentação de coro que acontece em algum lugar do parque, cercado pelas árvores. Ao

se chegar perto da galeria, percebe-se que a origem do som está em uma sala, onde

possivelmente está acontecendo o concerto. De qualidade do som é clara e volume alto,

o público passa pela porta giratória, atraído pelo som, curioso para ver quem está

cantando. A peça se chama Spem in Alium nunquam habui e foi composta para a

comemoração do aniversário da Rainha Elizabeth I, em 1575, composta pelo

compositor inglês do século XVI, Thomas Tallis (1505-1585). É um moteto para oito

coros de cinco vozes, com quarenta partituras separadas e é conhecida como uma das

mais complexas obras para coral, nunca superado como demonstração de brilhantismo

do contraponto (CROSBY, 1999, p. 122) O tema gira em torno de humildade e

transcendência, dois temas importantes para o compositor católico, numa época em que

o catolicismo era reprimido pelo Estado soberano da Inglaterra.

Ao chegar à sala, a imagem que se tem é de caixas de som dispostas em formato

oval na altura de uma pessoa. O espectador se coloca no centro da obra e vai

percorrendo o espaço, ouvindo os alto-falantes um a um. Cada um deles diz respeito à

uma única voz. Segundo as descrições da obra, a artista utilizou microfones individuais

para cada integrante do coral composto de vozes masculinas – baixo, barítono e tenor –

e um soprano infantil. Na instalação, a artista usa um alto-falante para cada voz, o que

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permite ao espectador ouvir diferentes vozes e perceber as diferentes combinações e

polifonias à medida que percorre a instalação. A disposição dos alto-falantes denuncia a

intenção da artista. O espectador interage com a obra à medida que se desloca no

espaço, criando possibilidades na escuta de acordo com tempo da música e seu passo.

Essa mesma artista cria interações artísticas que denominou de “Audiowalk” e

“Videowalk”8. Janet Cardiff se utiliza de tecnologias de ponta para empregar diversos

meios expressivos.

Nessa obra, é adicionado ao deslocamento, o fator som ao tempo e ao espaço, ou

talvez o fator espaço ao tempo de deslocamento e ao som. Ao passar caminhando pelo

alto-falante que emite som, ou seja, pela pessoa que canta naquele momento, tem-se

uma percepção diferente, como se a voz a cantar estivesse do outro lado da sala.

Interessante notar que a arrumação no espaço em acordo com o tempo da música e o

deslocamento é que modificam a obra. Portanto, surge dessa interação.

Lilian Campesato relata em sua dissertação que “na arte sonora, diferente da

música, o tempo se aproxima de uma concepção experiencial e até cinemática.

Chamamos de tempo cinemático, pois a articulação do tempo se dá pelo percurso no

qual obra é desenvolvida, coordenada pelo movimento que o espectador estabelece para

percorrer o percurso da obra.” (CAMPESATO, 2007, p. 154) Neste sentido, vale

considerar a interação como elemento constituinte da obra, tida por Campesato um dos

cinco preceitos fundamentais da arte a sonora, a interação diz respeito à inclusão do

espectador no fazer artístico (idem, p. 121). Embora, aparentemente, a obra pareça

estática, as caixas de som não se movem, não há projeção, nem jogos de luzes. A

qualidade límpida do som e a proposição do alto-falante na altura de uma pessoa trazem

o aspecto de realidade que impressiona neste trabalho. É como se nós ouvintes

dialogássemos com o cantor, é como se cada alto-falante fosse uma boca a nos abrir

para o universo da inovação artística.

8http://www.cardiffmiller.com/artworks/inst/index.html

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Figura 13. Janet Cardiff, Forty Part Motet, 2001, instalação sonora em 40 canais, com duração de 14‟7‟‟,

cantada pelo coro da catedral de Salisbury, dimensões variáveis, foto: Pedro Motta.

Fonte: www.inhotim.org.br

Uma das galerias de Inhotim recebe o nome de Galpão Cardiff-Miller. Os

galpões de Inhotim recebem nomes de artistas que acolhem exposições permanentes.

Nesse espaço, Janet Cardiff e George Bures Miller (Canadá, 1960, residente em

Berlim). Nessa obra, utiliza-se 98 alto-falantes. A singularidade está na dimensão

espacial e volume que contém. As 98 caixas de som estão organizadas no espaço, em

uma mesa se encontra um gramofone e à sua frente cadeiras enfileiradas como a plateia

a assistir os “artistas” alto-falantes retangulares da cor preta. Toda a sala é coberta por lã

de vidro, inclusive o teto, as paredes, as vigas e os caibros do telhado. O aspecto visual

é interessantíssimo e o volume sonoro preenche a sala de timbres, cores e coloraturas.

Junto às cadeiras está disponível um programa com o roteiro do espetáculo sonoro.

Trata-se de texto poético e descrição da sonoridade:

Tudo certo...foi... foi um sonho muito bizarro, um dos mais estranhos...

estávamos, parece, em um auditório, mas de repente tudo se transformou...em

uma fabrica. (...) Por exemplo, uma máquina era alimentada com gatos. Os

gatos eram moídos e o sangue escorria, e havia uma outra máquina que era

alimentada com bebês. (...). Então, tive que ir embora de táxi. E então ele

estava... consegui fugir dele. Levei u outro sujeito comigo e estávamos

tentando escapar.

Ruídos industriais continuam

Homens começam a cantar em voz baixa. Primeiro os tambores e depois

outros instrumentos começam tocar. O canto atinge outro clímax. Tudo

silencia.

A voz de Janet vindo do gramofone

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Estávamos num país estranho havia floresta e tudo o mais (...) Fiquei

aterrorizada, simplesmente petrificada. Eu estava assustada e então o coronel

nos disse, “Não lhes cortamos as pernas de verdade, apenas lhes damos um

susto pavoroso. Precisamos de gente com dois pés

E então, tudo muda... muitos de nós estamos entrando em um hotel

A música inicia...

...o vento se ameniza e oceano parece ainda mais distante. Gaivotas ecoam.

A voz de Janet vindo do gramofone colocado sobre a mesa (som do mar ao

fundo)

Caminho sozinha por uma praia. Vejo uma casinha (...) tento gritar e quero

acordar, mas minha voz não sai e não consigo me mexer. Sei que algo terrível

está para acontecer.

O som das ondas cresce.

Um piano toca suavemente. Uma mulher começa a cantar

Mulher: Onde está minha perna. Onde é que ela foi parar?

Coro: Ela perdeu a perna, onde é que ela foi parar?

(...)

Coro: É um milagre ela está viva... o que ela faz com sua alma... onde ela

pode se esconder?

Do gramofone vem o canto suave do violão

Os corvos voaram pelos céus

Ouço-os corvejar

Estranha cantiga de ninar

(...)

Feche os olhos e tente dormir

Feche os olhos e tente dormir

Desse modo, a partitura conta uma narrativa não linear. Remete à uma partitura

nos termos da vanguarda dos anos 60, quando se utilizava a partitura sem nota. O texto

se apresenta texto politizado, fazendo crítica política e social relacionado à guerra,

contrastando ambientes. Percebe-se que a ideia dos autores é chocar e denunciar. A obra

de Cardiff-Miller nos conduz vivamente à referência histórica de Pierre Schaeffer

(1993, p. 237-253) sobre os objetos sonoros e a experiência acusmática. Schaeffer

propunha que se esquecesse de toda referência a significados instrumentais pré-

existentes, procurando dedicar-se então exclusivamente à escuta, o que levaria ao “puro

sonoro” ou “puro musical” (SCHAEFFER, 1993, p.88). Do mesmo modo é a sugestão

da acusmática: “negar o instrumento e o condicionamento cultural, colocar diante de

nós o sonoro e seu „possível‟ musical” (SCHAEFFER, 1993, p.88). Nesta obra

vivenciamos boa parte da discussão em torno da “ausência” de músicos nas tendências

da música eletrônica e eletroacústica, a primazia do som em relação ao concerto

tradicional e o uso do espaço como material inerente à criação artística, fundamental

para a construção poética das instalações sonoras.

A presença do gramofone nesta instalação traz referência histórica imanente ao

objeto, tido como iniciador da maquinização da música e nova difusão musical. A

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música, que antes era ouvida somente através da performance, passou a ser mediada

pelos alto-falantes.

Num primeiro momento, a fonografia libertou a performance do contexto da

apresentação presencial, deslocando a música do seu espaço e tempo de criação

(IAZZETTA, 2011, pp. 3-4). A possibilidade de repetição musical e os desdobramentos

causados contexto histórico foram tão impactantes quanto às tecnologias atuais, como,

por exemplo, a presença da Internet e de aparelhos celulares modificam a forma da

apreciação sonora hoje. O compositor húngaro Béla Bartók (1881-1945) escreveu em

seu tempo que o papel do gramofone era mais importante do ponto de vista didático e

científico, mas nunca poderia substituir a performance original do ponto de vista

estético (BARTÓK, 1937). Essa afirmação contrasta com a qualidade do som gravado

produzido atualmente, sobretudo nesta exposição de Cardiff-Muller. Um aparato

tecnológico de altíssima qualidade performa um som claro, perfeito, para a plateia que

senta para assistir e ouvir, o suposto ultrapassado gramofone, o “tataravô”, e as potentes

caixas sonoras, seus descendentes. Mais uma vez os artistas querem evidenciar uma

ruptura.

Figura 14. Janet Cardiff & George Bures Miller, The Murder of Crows, 2008.

Fonte: www.inhotim.org.br

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Cardiff se alimenta de muitas obras, e não usa certeza de nada. Não traz um

significado, o postulado pela incompletude; nem ao gramofone como marco histórico da

entrada na tecnologia musical é garantido como uma citação literal, um signo perfeito,

trata-se de uma leitura. Referindo-se a audição, o signo vem ligado ao gosto construído

as entranhas culturais. Audição é o sentido ligado ao medo, à proteção, às coisas

fantasiosas (principalmente na ausência da fonte visual, a audição é aguçada). Aqui, é

arte contemporânea, não tem completude em nada. Não se finaliza e nem precisa ter

finalidade ou função. O roteiro desse espetáculo de alto-falantes está pronto, mas conta

com o devir da interação e de um tempo virtual. A obra de Cardiff é desconstrutora e

desconstruída, enquanto desconstrói desterritorializa, decupa, disseca, esquarteja, para

compor sua poética. Colagens de partes e pormenores funcionariam como subsídio

teórico para fragmentação.

3.4 Pormenor que seja um Fragmento

Fragmento fala de uma porção, uma parte. A arte contemporânea é transladação

do fragmento. A arte desse tempo é referencial, jamais quer ser pura, é recortada

contendo porções, partes ou detalhes de outros tempos, modos, linguagem; tal arte é

soma ou subtração e ausência. Incompleta, não busca significado e tem significância(s).

Sem limites, não se limita a conceitos, mas é conceitual cujas fronteiras são borradas,

sem finais, incompletude que não se esgota.

O fragmento é explorado por Omar Calabrese em A idade neobarroca. Para ele,

o neobarroco reflete o momento contemporâneo nas relações, na ciência, nas artes. Do

ponto de vista linguístico, a parte não se explica sem o todo. Parte/tudo e tal relação não

se esgotam na oposição. Na ideia do todo, ou inteiro, ou conjunto, existe a

pressuposição da parte, do fragmento ou porção. Porém o detalhe e fragmento, tal como

nível semântico, produz sentido. Usualmente, ocorrem nas produções artísticas o uso de

tais fragmentos, ensaios fragmentados, e recortes. Ainda mais com a gama de

possibilidades tecnológicas que despontam, os fragmentos que se relacionam e se

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encontram em algum tempo da “Teia” sucumbem aos desdobramentos constantes dos

tempos de hoje.

Calabrese fala da diferença entre corte e ruptura. O corte seria exemplificado

pelo detalhe, do latim, de-tail, isto é, talhar de. Com isso, no ato de talhar, cortar,

presume-se a existência de um inteiro. É relevante pensar que a ação de talhar carrega

ação do sujeito que o executa, o ponto de visto do detalhante e, portanto, subjetivação.

O inteiro e as partes estão simultaneamente presentes. Observaremos nas obras

escolhidas nessa pesquisa trabalho a relevância e valorização dos detalhes. Nas palavras

de Calabrese:

A função especifica do detalhe, por consequência é a de re-constituir o

sistema de que o detalhe faz parte, descobrindo-lhes leis ou pormenores que

anteriormente não se revelavam pertinentes para a sua descrição. A prova

disso está em que existem formas de excesso de detalhe que fazem que o

próprio detalhe se torne sistema: neste caso, perdem-se as coordenadas do

sistema de pertença ao inteiro, ou então o inteiro desaparece por completo.

(CALABRESE, 1987, p.87)

Para o mesmo autor, o fragmento já pressupõe mais do que o sujeito do romper-

se. O fragmento, diferente do detalhe não contemplaria a presença do inteiro anterior,

aqui, o interior está in absentia, em ausência. O fragmento deixa-se ver tal como é e não

como fruto da ação do sujeito, é determinado pelo caso e não por uma ação subjetiva

(CALABRESE,1987, P.88). O fragmento possui uma linha irregular de fronteira, dada a

ruptura que permitirá então, não uma obra de re-constituição, mas de re-construção pela

hipótese de pertencer a um sistema, contudo, o fragmento não é explicado enquanto o

detalhe, ou pormenor, explica de uma maneira nova o mesmo sistema. Um fragmento

não exprime um sujeito, um tempo, um espaço, uma enunciação. Em sua forma de

excesso que modifica a sua natureza: o fragmento torna-se ele próprio sistema no caso

de renunciar à pressuposição da sua presença a um sistema.

A análise feita em pormenor permite um exame mais de perto, um revisar, e

releitura do sistema global proveniente. Mediante o fragmento, tem-se o aspecto mais de

inquérito do que de uma pesquisa analítica, tem-se a impressão de se procurar um

suspense, uma pista, uma solução eventualmente confirmada. Consiste na quebra casual

da continuidade e da integridade de uma obra e, no gozar das partes assim obtidas e

tornadas autônomas (CALABRESE, 1987, p. 103) A estética do aspecto fractal evita o

centro, ou a ordem do discurso, a ponto de preferir incoerência à ordem que deforma

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Assim como em Derrida, a estética do fragmento é um espalhar evitando o centro, ou a

ordem, do discurso (CALABRESE, 1987 p. 101).

Tanto o pormenor e o fragmento embora diferentes entre si acabam por

participar da mesma intenção, o declínio da inteireza, também o declínio de sistema

ideológicos fortes, de modelos face à pós-modernidade. Sugere essas porções uma

dinâmica de observar o tempo nessas obras, surge um tempo recomposto, divergente do

estático e aglomerado em porções. O caso é que o pormenor dos sistemas, ou a sua

fragmentação se tornam fatos autônomos, com suas valorizações próprias, e fazem,

literalmente, perder de vista os grandes quadros de referência geral. (CALABRESE,

1987, p. 104).

Em Inhotim, Desvio para o Vermelho: Impregnação, Entorno, Desvio, (1967-

1984) de Cildo Meireles (Rio de Janeiro, 1948) tudo que está na casa é da cor vermelha,

variando apenas o tom da cor. O limite quer não aparecer, quer estar borrado. Ao

mesmo tempo em que desterritorializa, pois não dá para marcar de definição entre os

objetos, compõe um território, o território do vermelho. Que pulsa, que repete, que

impõe seus detalhes. Cada parte aparece como fractal, como fragmento do todo, o todo

parece uma só parte. A repetição é a característica principal dessa obra, levando o

espectador a observar detalhes. Desde joias que variam no tom vermelho, expostas na

cristaleira vermelha, a detalhes dos livros em cima do móvel. No fundo da casa

vermelha, segue para outro cômodo de uma pia que pinga tinta vermelha.

A instalação de Cildo parece ter sofrido atualização que um espectador desatento

pode não notar: em cima da mesa, um ipod vermelho, cuja imagem do aparelho se vê

dançarinos com vestimentas vermelhas em jogo de imagem em que aparecem e

desaparecem, ou seja, se deslocam e, por meio dos fones de ouvido, vermelhos, uma

música com tendências contemporâneas. É possível que o atributo sonoro tenha sido

adicionado mediante o aparecimento da tecnologia, pois em 1967 quando a obra foi

realizada ainda não havia ipod, nem em 1984. No entanto, é mais uma confirmação de

que a arte sonora vem caminhando com a tecnologia, com a qual se faz possível fazer os

arranjamentos artísticos. Neste caso, Cildo completa sua instalação usando de

hibridismo, englobando à sua arte, o som.

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Figura 15. Cildo Meireles Desvio para o vermelho I: Impregnação, II: Entorno, III: Desvio, materiais

diversos,1967-84

Foto: Pedro Motta. Fonte: inhotim.org.br

Já na Bienal de São Paulo, a obra Small World (Pequeno Mundo), de Avrahami,

vale a evidência, pois chama atenção do espectador logo na entrada. Uma caixa de som

projeta um ruído sonoro parecido com um carrinho de trem-fantasma, combinado a

projeções com imagens destes carrinhos entre outras imagens. Ao adentrar a instalação,

o público percorre uma espécie de labirinto, como nos parques de diversão, onde, entre

outros objetos, fotografias de pessoas mortas estão penduradas. O artista pretende

relacionar um trem-fantasma, um museu do crime e uma escola de samba. Para Yochai

Avrahami (Israel, 1970-), que já apresentou outras pesquisas sobre atrocidades, são três

maneiras de contar histórias, nas quais, interessa os dispositivos utilizados para contar

essas histórias. O artista pesquisou memoriais, museus e monumentos no mundo e no

Brasil, como Museu do Escravo em Belo Horizonte e o Museu Penitenciário em São

Paulo (antigo Carandiru). Com foco particular nas atrocidades, massacres e desastres

naturais, Yochai avaliou como as versões das narrativas ganham dimensão de

espetáculos e rigidez de verdade e assumem e exercem poder. A instalação, que utilizou

de som em sua composição, propunha uma situação onde não há história, um museu ou

algo que existe dando espaço pra uma emancipação da memória.

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Aqui está um retalhamento, um recorte, uma colagem. O nome, Small World,

pequeno mundo, entrega a ideia de concentrar muitos em um. Um mundo é

cosmopolita, um mundo pequeno é uma concentração de partes. Mundo compõe

territórios e acordos políticos, tudo isso vem inserido no nome da obra e o nome da obra

também é conteúdo do objeto artístico. O pormenor, o detalhe é pensado como porção

de um conjunto, que permite, depois de um exame mais de perto, regressar sobre, ou

reler o sistema global de que foi provisoriamente extraído (CALABRESE, 1987, p.89),

ou seja, a presença de ícones produz uma aproximação ao particular com objetivo e

reler o inteiro. Os diversos objetos, sons, imagens, fragmentos compõem o Small World

do artista.

Figura 16. Instalação de vídeo Small World, de Yochai Avrahami, 31ª Bienal São Paulo-SP, Setembro

2014. Fonte: http://culturafm.cmais.com.br/cultura-agora/experiencias-sonoras-e-tecnologia-marcam-projetos-da-bienal-de-arte-de-sp

Vale relatar a descrição do trabalho do Mapa Teatro: um galpão no 2º andar do

Pavilhão da Bienal abriga a obra do grupo Mapa teatro-laboratório (1984, Paris, França;

sede atual em Bogotá) transdisciplinar de artistas que vivem em trabalham em Bogotá,

Colômbia. Os não contados: um Tríptico é um trabalho sonoro a julgar pelos objetos

que se têm na sala. Atrás de uma vitrine, um ventilador quebrado, uma vitrola, fumaça e

uma bateria que toca sozinha, não há músico, não há instrumentista. O ambiente passa

ideia de uma festa acabada e seus vestígios, restos de purpurina, cadeiras viradas,

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cartolas no chão e a bateria que segue tocando sozinha. Constitui-se em uma instalação

que se desdobra em três espaços articulados como um tríptico. Um tríptico é um

dispositivo formal unido por dobradiça formando uma única pintura. Neste caso é

necessário entrar e sair das salas para visitar os três ambientes. A obra propõe a

teatralização da violência e ameaças sobre o povo em três festas da cultura colombiana.

O ambiente da festa, sonoro e decadente faz do público testemunha de uma festa que

chegou ao fim de maneira misteriosa e violenta, parece a cena de um crime. As

referências sonoras mudam de um lado ou de outro da vitrine, de um lado se está na

festa e do outro se assiste à festa e o som é mais distante, compondo cenários diferentes

propostos.

O tríptico é um plano que se abre em três, mas não se separa, são partes de um

inteiro que o compõe. Porém não há um inteiro matricial, o regresso ao inteiro é nulo.

Partes um todo onde não há uma linha regular por entre as dobras do tríptico e tais

“dobras” estão mais para serem desveladas, assim como em Derrida. Existe algo fora do

tríptico a ser dito. O que carrega de história e aspectos sociais do qual inquire a obra

está fora do texto. Entre cada plano desses, esses símbolos, objetos e som há algo a ser

dito além do fim da festa. Ao se analisar uma obra de arte, considera-se mais ou menos

como elemento oculto, no qual cada porção é remetida ao significado global, e produz

sentido a mais níveis, segundo o sistema de relações pelo qual estas se integram com as

outras (CALABRESE, 1987, p.90).

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Figura 17. Os não contados: um Tríptico, 31ª Bienal São Paulo-SP, setembro, 2014.

Fonte: http://circuitomt.com.br/editorias/cultura/50677-como-encontrar-coisas-que-nao-existem-.html

3.5. O SOM DOCUMENTADO

Durante a pesquisa de campo, foi interessante detectar características diferentes

nos usos das sonoridades entre as obras selecionadas. O som, por consequência de

arranjamentos, aparece como elemento fundamental e constituinte da obra. O som

reproduzido, manipulado ou captado protagoniza a obra, pois está se visualizando a

potência sonora desta arte sob a perspectiva do som constituinte do discurso artístico.

As instalações modificam a maneira como o sujeito experiência um espaço

particular, aproximando-se das artes performáticas. Nesses casos, o espaço age como

unificador na relação entre o sujeito e objeto. Ao som cabe a propriedade de esculpir o

espaço, no entanto o espaço é parte da própria obra. O som é posto em condição

intrinsecamente relacional ao passo que deixa um corpo para entrar em outro, de modo a

causar transformações de efeito profundo (CAMPESATO, 2007, P.66).

O pesquisador e artista sonoro estadunidense Brandon LaBelle sugere o

deslocamento do foco no objeto, em direção ao ambiente, de um corpo em direção a,

além de outras modalidades de ativação do material sonoro cujas propriedades são

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descritas como relacional, temporal e espacial. Esse autor inclui esta vertente entre as

artes do âmbito da arte contextual, enfatizando que a arte sonora é construída em torno

da noção de contexto e de espaço (CAMPESATO, 2007 p.66). Portanto, a

documentação do som inclui a relação do tempo do interlocutor e obra suscetível a

diluição em singularidades da experiência e mesmo da interação do espaço enquanto

agente do tempo.

Nota-se que o protagonismo do som não existe necessariamente na sonoridade

elaborada e sim em uma sonoridade existente e apropriada que se torna foco. Sonic

Pavilion (2009) é uma galeria de exposição permanente assinada pelo artista

estadunidense Doug Aitken (Estados Unidos, 1968-) cujo objetivo da obra é o som. Um

caso „clássico‟ de uma arte sonora, uma vez que, o objetivo é trazer à tona, à superfície,

o som, o som do interior da Terra, ou seja, documentar esta presença audível.

A obra se fundamenta em um princípio bastante simples, porém de complexa

realização. Cavou-se um buraco de 200 metros de profundidade no solo e ali foram

instalados microfones para captar o som da Terra, que é então transmitido em tempo

real por meio de avançado sistema de equalização e amplificação. O pavilhão de vidro e

aço, revestido de película plástica, vazio e circular, busca equivalência entre experiência

auditiva e espacial: para adentrar o pavilhão sobe-se uma rampa em espiral como

adentra-se ao centro da Terra. Este trabalho pode ser considerado uma releitura dos

Earth works dos anos 1960 e 1970, acrescidos de elementos sonoros e tecnológicos. O

que se ouve nesta galeria são os microrruídos que, gerados no interior da Terra,

contudo, tal cavidade também cria um espaço de reverberação contínua, cujo som é

transformado pelo trabalho de equalização:

Ouvimos um padrão nunca repetitivo, rico em frequências e texturas, que

remete à música minimalista de Terry Riley e Steve Reich. Do último, uma

possível referência seria a peça processual Pendulummusic (1968), em que

o som é gerado pelo movimento dos microfones em relação às caixas de

som. O que Reich disse sobre sua peça parece servir como uma definição

para o processo sempre contínuo, vivo e aberto de Sonic Pavilion: “uma vez

que o processo é estabelecido e iniciado, ele funciona por si mesmo”. 9

São estrondos que acontecem em forma cíclica, como ondas do mar, mas não

repetidamente. Como roncos e zunidos. Pessoas que experenciaram terremotos relatam

ouvir som parecido quando a terra se move. A sensação é a de que não há som maior,

pode-se dizer místico, assim como trovões. Não é à toa que mitologias indígenas ou de

9 Catálogo de Inhotim. Fonte: www.inhotim.org.br

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povos da antiguidade equivalem os sons dos fenômenos naturais, como o do trovão e do

mar, aos seus deuses.

Figura 18. Doug Aitken, SonicPavilion, 2009.

Fonte: www.inhotim.org.br

Elemento da natureza, a água é um recurso sonoro explorado em obras expostas

em Inhotim. Em By means of a sudden intuitive realization (por meio de intuição

perceptiva súbita), 1996, obra de Olafur Eliasson (Dinamarca, 1967-), um iglu de fibra

de vidro, uma bomba d‟água e iluminação estreboscópica proporcionam um jogo de luz

e água. As emissões brevíssimas de luz surgem aos olhos como cristais, acontecendo,

como o título supõe, diante de uma percepção súbita, por frações de segundo. É comum

o espectador querer tocar na água para comprovar ser veracidade. Neste caso, a água

jorrada pela bomba recria um ambiente sonoro dentro do iglu. Levanto relevância desta

obra, que embora o artista suponha jogo de luz e efeitos visuais de provocação, a obra

não está dissociada do som, e, portanto, não o torna secundário diante disso e sim

contribui potencializando o discurso da obra, que possui a presença da água – e a água

tem a presença do som.

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Figura 19. Olafur Eliasson, By Means of a Sudden Intuitive Realization; iglu de fibra de vidro, água,

iluminação estroboscópica, bomba d‟água e plástico.

Fonte:www.inhotim.org.br

O som da água não pode ser coadjuvante e na obra de Cristina Iglesias

(Espanha-1956), Vegetation Room Inhotim (2010-2012) a água faz parte de seu

labirinto. O som da água é o tesouro a ser encontrado pelo labirinto, a artista se utiliza

do som como força motriz do seu trabalho, neste caso um som de um elemento da

natureza. A obra consiste em uma estrutura espelhada em diálogo com a natureza,

imersa no ambiente. A natureza do local com água, luz, relevo e vegetação promove

encontros sensoriais podendo ser percebidos como “vestígios reais ou de memória e

fantasia”.10

10

Catálogo de Inhotim. Fonte: www.inhotim.org.br

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Figura 20. Vegetation Room Inhotim-

Fotos de Eduardo Eckenfels. Fonte: www.inhotim.org.br

Labelle levanta questões que pontuam as produções sonoras: interação,

intensidades da voz, ressonâncias das arquiteturas e o potencial da produção cultural

que se endereça a um público (CAMPESATO, 2007, P.109). Diante disso pressupõe

três premissas: A primeira, o som está em mais de um lugar, posto que reverbera;

segunda, o som ocorre entre os corpos, existe na materialidade do espaço e na presença

dos corpos, assim como imagens, habitam nos corpos, portanto, o evento acústico

também é um evento social, diante das contaminações nos comportamentos sociais. Já a

terceira preposição é de que o som não é um fenômeno particular, privado – o som está

envolvido em conexões que fazem “a privacidade intensamente pública e a experiência

pública distintamente pessoal” (LaBelle and Roden, 1999, ix Apud CAMPESATO,

2007, p. 108)

Já na Bienal de são Paulo, por algumas vezes, “Deus” e “religião” apareceram

em trabalhos, também a problemática dos gêneros, principalmente feminino e

transgêneros, assim como classes desfavorecidas e marginalizadas como presidiários,

manifestantes, o funk, a periferia. Falar de algo que não existe (tema da Bienal de

2014), pode ser entendido como falar do que é discriminado, excluído, oculto, em

segredo, rechaçado. Especialmente, em se tratando dessa pesquisa, foi interessante

questionar: “como ouvir o som que não existe”, ou seja, onde as instalações sonoras são

utilizadas nas poéticas das coisas que não existem?

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Dentre as obras que se destacam pelo uso do som como agente potencializador,

Errar de Deus é uma delas; uma instalação participativa que teve sua primeira

apresentação nesta 31ª Bienal e utiliza recursos visuais, sonoros, teatrais e literários. O

grupo argentino Etcétera... utiliza da obra de León Ferrari (Argentina, 1920-2013),

artista e membro fundador do CIHABAPAI (Clube de Ímpios, Hereges, Apóstatas,

Blasfemos, Ateus, Pagãos, Agnósticos e Infiéis). O ambiente é predominantemente

colorido de vermelho e preto, aludindo ao inferno e ao sangue. No hall, insetos de

brinquedos junto a santos e outras gravuras formam um conjunto de obras de Ferrari,

antecede à tribuna circular permeado por imagens, como afrescos nas catedrais. Nas

arquibancadas, o público senta ao lado dos telefones pretos espalhados que tocam sem

parar até serem atendidos. O texto com diálogo de Deus com diversos personagens se

repete incessantemente, ao mesmo tempo em que o soam os telefones. Quando

finalmente atendido, apenas um dos telefones responde uma voz do outro lado pedindo

a participação do espectador para compor a dramaturgia. A voz do “especta-ator” é

gravada e repetida por algumas vezes intercalando com os outros textos gravados. Nas

pastas portifólio pretas espalhadas pela arquibancada estão impressas as páginas de

diálogo entre Deus e a Monsanto, Deus e Angela Merkel, Deus e o papa Francisco,

Deus e um jogador de futebol, Deus a mulher, entre outros diálogos. As passagens do

diálogo são embasadas na obra Palabras Ajenas (Palavras Alheias): conversas de Deus

com alguns homens e de alguns homens com Deus (1967) de León Ferrari que deu

origem à obra Errar de Deus do coletivo Etcétera... .

Interessa destacar o uso do espaço sonoro como dinamizador da instalação. A

possibilidade de interação e reprodução do som gerado pelo próprio público, o texto dos

diálogos gravados e reproduzidos no ambiente, a voz que lhe fala em particular ao

telefone, dizendo: “Agora fale o que você que dizer para Deus”, os toques do telefone

mostram uma característica notável no sentido de arte sonora para esta obra, o que

punge como significante para a obra é a sua qualidade sonora, de reproduzir os textos

gravados e originados pelo público. Essa obra é um documento, acontece quase em

tempo real. Enquanto interagem, os expectadores esperam se ouvir, ou seja, de qualquer

modo o sujeito está manipulando a obra, o objeto artístico. A interação ligação/gravação

da resposta ao telefone, e as pré-gravações das „entrevistas com Deus‟ em seleção

randômica, aleatória. Retomamos o assunto do tempo, o tempo previsto da obra fica

estendido. O tempo da obra também é aleatório. O tempo do espectador e também o

tempo de execução do áudio, parece ser infinito, pois a interação na cessa. É possível

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ficar todo tempo ali, ouvindo e lendo, ou pode ser breve. Isso não parece ser óbvio

quando se leva em conta a exploração das poéticas contemporâneas.

Em 1997, León Ferrari solicitou ao então papa que providenciasse a anulação do

Juízo Final e da imortalidade. Neste projeto, o coletivo Etcétera... junta assinaturas em

uma petição destinada ao Papa Francisco, requerendo a abolição do inferno. Esse é um

dos motivos pelos quais a 31ª Bienal tem sido motivo de polêmica. O evento está sendo

considerado por determinados grupos religiosos como sacrilégio e blasfêmia, gerando

protestos na internet e em vias públicas. Errar de Deus, Espaço para abortar, Deus é

bicha, Museu Travesti do Peru, Inferno são obras que estão sendo atacadas por esses

grupos. Esse último trata-se de um curta-metragem de ficção onde o Reino de Salomão

da Igreja Universal do Reino de Deus é queimado.

Figura 21. Errar de Deus- Instalação Participativa – Grupo Etcétera... e León Ferrari, 31ª Bienal, São

Paulo, SP, setembro, 2014.

Fonte: errardedios.org

Espaço para Abortar é uma contribuição de Mujeres Creando - Coletivo de

feministas, ativistas urbanas e anarquistas, com base nas cidades de La Paz e Santa Cruz

de La Sierra, Bolívia, fundado em 1992. A ideia é uma intervenção urbana, passeata e

performance pública e participativa, com um enorme útero ambulante temporariamente

estacionado no Pavilhão da Bienal. O projeto busca levantar questões da colonização do

corpo feminino, sobretudo nos países sul-americanos, onde o aborto é ilegal e

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penalizado. A sensibilização consiste em adentrar as câmaras de filó vermelho, acoplar

os fones de ouvido e ouvir depoimentos reais de mulheres que sofreram aborto. A

experiência é no mínimo tocante. Mais um momento nesta Bienal em que o uso da

tecnologia sonora causa um diferencial no processo da obra.

Nesta como em outras instalações desta Bienal se utilizam fones de ouvido, seja

para ouvir texto ou acompanhar vídeo, mas, no caso, difere de obras em que o som é por

si só o projetor da imagem e textura no espaço. Porém, as artes sonoras possuem as

características de terem no som uma ponte ou meio de projeção poética. A qualidade

híbrida deste tipo de produção artística pode ser observada nestas exposições que se

utilizam do som para sensibilização e ativação de ideia artística, que por escolha do

artista, o recurso não é apenas visual, é também sonoro, gozando da audição como

sentido de fruição artística.

Os relatos dessa instalação funcionam como um documento, sendo as narrativas

que são apreciadas por meio da sonoridade (ou se forem traduzidas para a Linguagem

de Sinais - LIBRAS) são a atração dessa obra. Assim como pontua Labelle, o som

carrega carga relacional e a experiência da escuta desencadeia conexões. Assim, para

Labelle, já o ato de falar é viver em mais de uma cabeça além da mente individual, e

ouvir é forma de dividir o evento sonoro (CAMPESATO, 2007, p. 109). Espaço para

abortar deixa clara a experiência pública de uma escuta particular, produzindo

reverberação cultural.

Figura 22. Espaço para abortar‟- 31ª Bienal, São Paulo, SP, setembro, 2014

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Fonte:http://ipco.org.br/ipco/noticias/uma-primeira-vitoria-exposicao-da-bienal-espaco-para-abortar-tem-

acesso-proibido-para-menores-de-18-anos#.VHTeuvnF_5Y

AfroUFO é uma espécie de disco voador grafitado estacionado no último andar

do Pavilhão da Bienal. Tire os sapatos e viaje na nave de Tiago Borges (Luanda,

Angola, 1973) e Yanomine (Luanda, Angola, 1975), artistas que vivem e trabalham em

Lisboa, Portugal; um objeto negro não-identificado que deixa rastro por onde passa

porque carrega luz em seu interior, música, imagens e palavras. O ambiente pictórico da

periferia e o funk, a música eletrônica, grafite em cores flúor, o chão metalizado remete

ao excesso das festas e aparelhagem no Pará, às ostentações do funk pancadão. O negro

da obra também faz alusão crítica à falta de luz em Luanda há mais de 10 anos, depois

de 26 anos de guerra, negras são as pessoas dentro do AfroUFO e suas diferentes

tonalidades. “Esta é a negritude de uma história colonial comum”. Inquestionável a

postura tomada pelos artistas de ambientar a instalação a partir das músicas. No aspecto

visual uniformizado ao mesmo tempo em que é caótico, mesclado e superlativo com

relação a cores e palavras. AfroUFO é um exemplo de deslocamento, da hibridização do

som com escultura, arquitetura, linguagem e conceito. Os artistas fazem uso de detalhes

para remeter ao todo. Característica recorrente nas artes contemporâneas, o uso de

recortes. Ao artista subtraíram partes da periferia, as cores, luzes, sons e texturas,

fragmentos para compor um inteiro, pois cada pormenor é também a presença do

pertencimento. O inteiro e as partes estão simultaneamente presentes, nas palavras de

Omar Calabrese (CALABRESE, 1997, p. 86).

Figura 23. AfroUFO, 31ª Bienal, São Paulo, SP, Setembro, 2014.

Fonte: http://www.guiamsp.com.br/blog/

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CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

Nossa pesquisa transitou entre as Artes e, nestas, em suas diferentes vertentes e

possibilidades em diálogo constante, então nada mais justo que nossas considerações

também vertessem não para uma finalização limitadora, mas para uma visão ampliada e

in progress do verdadeiro panorama a que estivemos expostos nesse percurso.

A primeira consideração que se apresenta são as evidências de uma arte híbrida,

que envolve artes visuais e a arte das sonoridades, então, o caráter de um hibridismo

com o qual esse trabalhou levantou sua primeira impressão inicial está confirmado. O

termo “híbrido” original da Biologia carrega em si a ideia do “cruzamento” entre

espécies, numa metáfora artística, temos a ideia do som e das imagens se entrecruzando,

a ponto de se tornar difícil uma separação de suas características originárias – o “DNA”

dessas artes está reconfigurado.

A incerteza está mais evidente ainda na classificação direta do que seria uma

Instalação Sonora, caracterizada como uma vertente como faz Campesato, que pondera

para a vigência do som nas produções. Essa autora representa uma ideia, conceitual e

em vigor no meio musical, bem fixada no processo composicional das obras musicais

realizadas com o fito de serem apresentadas em instalações artísticas, o que levaria à

preponderância do Som, e daí a nomenclatura Instalações Sonoras, como que

abandonando as fronteiras e se fixando em um só território.

Em Inhotim e na 31ª Bienal de São Paulo, fomos expostos ao hibridismo, à

miscelânea entre as nuances artísticas, onde as fronteiras aparecem borradas. Até

mesmo na Galeria Sonora de Cardiff e Miller consideramos as dificuldades de

categorizar como apenas sonora as resultantes artísticas ali apresentadas.

Outra consideração que temos em mente é que o exame dessas obras não se

configura dentro de um campo exato e sim um campo artístico, e foi esse ambiente que

possibilitou o diálogo com pensadores que discutem outras possibilidades que julgamos

mais pertinentes e em afinidade com essa arte na fronteira.

Uma dessas possibilidades de pensamento teórico e artes, é a relação com o

Tempo. Vimos que tal questão, o Tempo, é na verdade um fator determinante para as

obras artísticas estudadas, porém não mais se situa com a tradicional visão de tempo

medido, empiricamente organizado em horas, minutos e segundos, e na música, algo

bem formatado pelos compassos. A escuta musical tomará proporções muito distintas.

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Assumindo essa perspectiva, a pesquisa não se resumiu apenas em descrever

aspectos técnicos e dimensões materiais das obras, mas a verificação do Tempo na Arte

que se dizia uma Arte Musical como “Arte do Tempo”, e acrescentamos aí o seu

movimento no Espaço.

Das muitas possibilidades de se abordar Tempo e Som/Música/Formas Sonoras

em movimento pelo Espaço, nos centramos em três vieses: a Experiência enquanto

proposição de fruição artística, a Desconstrução enquanto substância das artes da

contemporaneidade e o Som enquanto Documento, que viabiliza a interação entre o

ouvinte/ espectador/ público e com isso questionamentos de relevância desse sentido

auditivo para as significações possíveis das obras – em prol da descrição de um

percurso de vivências nas obras de arte para a vigência de um pensamento crítico; da

presença in loco nessas instalações para uma base teórico-conceitual que dialogasse

com o material assimilado por nossa pesquisa de campo. A pesquisa de campo nos

possibilitou viver essas obras, mas foi o posterior diálogo com os conceitos que nos fez

perceber o que de fato nos tocou enquanto qualidade artística, atravessada por

pensadores distintos, justificando esse uso pela desterritorialização das compreensões

acadêmicas desse Tempo.

Assim sendo, sobre a relação arte no tempo e no espaço, consideramos que em

arte o Tempo cronológico tem bem pouco valor em comparação com o gesto temporal

da Duração, como Bergson sustentou, é um Tempo que transcende, que não se finda, se

torna múltiplo e simultâneo pela nossa percepção, levando a plurissignificados, assim

como Dorfles nos informa, trata-se de ser multisensorial, multiafetos, nos instantes

fruidores em que são solicitadas nossas memórias, associações psicológicas, sinergias e

sinestesias.

Abrindo-se a abordagem do Tempo para o plano da Experiência, aquela única,

que, segundo Larrosa, é singular, plural e heterogênea, ligada ao tempo e espaço único,

vimos que esta não se reduz apenas ao que nos passa, mas ao que nos toca. As

sonoridades se tornam espaço da Experiência.

Em Derrida, a Desconstrução põe em xeque as certezas, as verdades, ampliando-

se a recepção e a análise ora feita dessas obras, despertando também a

plurissignificância; a Arte deste tempo notamos que se relaciona com o mote da

desconstrução tanto pela incompletude de sentido que não se fecha em lugares e

conceitos prontos, tanto pela descentralização que refuta as hierarquias das linguagens

artísticas das obras híbridas. Observamos que a característica recorrente nesse momento

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é o uso de recortes em detalhes e fragmentos, descritos por Calabrese, que compõem e

recompõem as obras trazendo-lhe comportamento de corte e ruptura, dizem respeito à

ação de um sujeito na ação e na quebra da integridade, por isso, desterritorializa. Desse

modo, reitera declínio de modelos prontos e inteiros, buscando o descentramento que

valoriza autonomia dos fatos ou das partes nas obras.

O som enquanto documento age como escultor do espaço, modificando a relação

do objeto e o sujeito. Levando em consideração a interação com o próprio objeto da

obra, o som se presume como um fenômeno que não é privado, pois reverbera; indica

experiências públicas para vivências particulares.

Historicamente falando, cremos que somente quando se dissociou da música

como era entendida na modernidade e somada ao uso das tecnologias, foi que a música

projetou através de seus timbres outras dimensões de percepção, entrando para o rol das

revoluções conceituais que atingiram seu ápice na década de 60 do século XX e que até

hoje continuam se (re)inventando.

Outra conclusão que podemos desenvolver diz respeito aos espaços abordados

nessa dissertação, o Centro de Arte contemporânea Inhotim e 31ª Bienal de São Paulo.

A contribuição artística desses espaços é evidente, já se estabelecendo como referência

nacional e internacional. Destacamos ainda a sua contribuição educativa por

proporcionar a experiência artística em configuração contemporânea, trazendo senso

estético e sendo divulgadas essas criações para grande público. Inhotim e Bienal e São

Paulo se configuram como instituições que ilustram e lançam luzes ao cenário cultural

contemporâneo, pois abrangem a cultura urbana, toda a contaminação e transversalidade

desse contexto, o híbrido e o miscigenado, do que é global e o que é local, ao mesmo

tempo em que conversa com o tempo presente em uma tomada de posição ou

engajamento. Enfim, Arte é mais do que arte, acrescento em dizer que som é mais que

som, o tempo mais do que sua duração, uma experiência mais do que acontecimento.

Finalizando, não quisemos levar em consideração alguma preponderância nas

Instalações, e sim utilizá-las como recorte para a exploração do tema proposto. No

entanto, não há a intenção de se chegar a uma conclusão categórica, mas dar subsídios

para demais experiências, quem sabe possibilitar uma maior atenção ao componente

sonoro, pois foi justamente a usual desatenção que despertou interesse para o objeto de

pesquisa.

Vale lembrar que essa dissertação é fruto de uma experiência, de um sujeito que

experimenta, receptivo ao que lhe acontece, consciente da irrepetição que acomete o

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momento. A intenção de ilustrar com fotografias reais condizem com o plano de

experienciar e aguçar a imaginação do leitor para as suas próprias extasias. A ideia é

transitoriamente considerar, finalizado esse momento de pesquisa e abrir a escuta para

respostas e observar seus desdobramentos, que venha a encorajar análises autênticas do

meio acadêmico, em detrimento das críticas rasas, a fim de ousar serem voluntárias na

permissividade das transformações.

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ANEXO 1

BIENAL DE SÃO PAULO

A Bienal de São Paulo é um evento internacional que acontece desde 1951 e

assim como Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, se iniciou com mecenato.

Ciccillo Matarazzo (Francisco Matarazzo Sobrinho), presidente perpétuo da Fundação

Bienal e sua esposa Yolanda Penteado foram os responsáveis pelas articulações

políticas, comerciais e internacionais que deram inicio à Bienal. (OLIVEIRA, 2001). A

Bienal foi a primeira exposição de Arte Moderna de grande porte realizada fora dos

circuitos europeus e norte-americanos. Em 1962, foi criada a Fundação Bienal de São

Paulo, desligando-se do MAM (Museu de Arte Moderna) onde então esteve vinculado o

evento. A exposição acontece no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, conhecido com Pavilhão

da Bienal, prédio projetado por Oscar Niemeyer que funciona desde 1957 e cuja

administração é feita pela Fundação Bienal, localizado no Parque Ibirapuera na cidade

de São Paulo.

Ao longo do tempo, a Bienal evidenciou as vanguardas artísticas à Arte

contemporânea. A Bienal desempenhou papel fundamental na formação da arte

moderna brasileira a ponto de suas histórias serem inseparáveis (FABRINI, 2002). Teve

contribuição impactante, influenciando as produções e consumo artístico e cultural no

país. Os momentos políticos interferiam na realização do evento; durante o período da

ditadura militar, principalmente entre 1965 e 1973, a Bienal sofreu os efeitos da

repressão política e as participações internacionais diminuíram sensivelmente. Na 10ª

Bienal (1969), chamada de “Bienal do Boicote”, artistas, críticos e intelectuais se

recusaram a participar quando no Museu de Arte Moderna de Paris, diversos artistas e

intelectuais assinaram o “Manifesto Não à Bienal”. Por fim, a arte não está dissociada

do contexto social do país, e nota-se a potencialização de ideias que a arte propaga.

Sobre as interferências políticas como fundamentais para legitimar a importância da

Bienal, Fernando Lemos publicou em 1969:

É inegável que desde a 1ª Bienal os artistas do Brasil nela encontraram a

única plataforma para a atividade das artes visuais – ou plásticas como

naquela altura ainda estreitamente se denominavam. Se há nisso um erro

original, pouco importa agora até porque ele determinou aspectos hoje

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irreversíveis na mostra. Talvez o antibiótico tenha alimentado o micróbio e o

transformou num monstro (LEMOS, 1969)11

Na edição de 2014, um grupo de 55 artistas de diferentes nacionalidades

publicou uma carta aberta direcionada à Fundação Bienal pedindo a recusa do

financiamento de Israel à 31ª Bienal internacional de Artes de São Paulo. A mostra

costuma receber financiamento de diversos países. O objetivo é protestar contra as

ações militares de Israel na Faixa de Gaza. Aceitar o apoio seria legitimar as agressões e

ações bélicas que vem acontecendo na região. A carta recebeu apoio de curadores que

entenderam que este tema é maior do que a 31ª Bienal, portanto solicitaram à Fundação

a revisar suas regras de patrocínio e certificarem que curadores e artistas concordem

com qualquer apoio por seu trabalho que possa ter um impacto em seu conteúdo e

recepção. O apoio de Israel foi dissociado dos artistas participantes da obra, embora os

próprios artistas participantes do país tenham rechaçado o apoio de Israel. O caso gerou

polêmica e discussões.

O corpo de curadores da 31ª é formado por Luiza Proença, (1985, Brasil),

Benjamin Seroussi (1980, França), Nuria Enguita Mayor (1967, Espanha), Oren Sagiv

(1969, Israel), Galit Eilat (Israel,1965), Pablo Lafuente (Espanha, 1976), Charles Esche

(Escócia, 1962).

Contudo, a Bienal continua sendo fonte de informações e divulgação e

popularização de novos modos de fazer arte, de agir, intervir em sociedade, enfim, uma

dimensão cultural que atrai mais de 500 mil pessoas no centro urbano de São Paulo a

cada dois anos.

O projeto educativo que acompanha a Bienal é bastante atuante: o “Educativo da

Bienal” esteve presente desde a 2ª edição em 1953. Desenvolve trabalho de formação de

professores; envolve comunidades e trabalha de forma itinerante em diferentes cidades

brasileiras, buscando a ativação de novos públicos; promove visitas orientadas às

exposições. Como ferramentas para organização cultural, são realizados workshops e

encontros com professores da rede pública e privada e educadores de ONGs, além de

ateliês de criação, cursos a distância e presenciais, palestras e seminários e ações

poéticas e intervenções na cidade. O papel é propor questionamentos sobre a vida a

partir do contato com a arte. Além disso, as mediações críticas, que fogem dos modelos

transmissivos, e os “Encontros Abertos”, reuniões organizadas pelas equipes curatorial

11

Fernando Lemos, publicado em O Estado de S. Paulo em 22 fevereiro de 1969. Disponível em

http://www.30xbienal.org.br/single/92.

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e educativa, têm funcionado como ferramentas de pesquisa e avaliação crítica, sendo

disponibilizado pelo site do Evento, proporcionando atividade pedagógica aberta.

O projeto educativo disponibiliza material como fichas de trabalho e cartazes,

livro para professores e demais orientações para educadores. Em material

disponibilizado pela 31ª Bienal, algumas fichas propõem jogos; uma delas chamou

nossa atenção, pois é uma proposta de trabalho chamada de “Instalação Sonora”:

Instalação sonora:

Quando você se sente parte de um grupo? O que acontece quando uma

história pessoal se torna coletiva? A proposta é fazer uma pergunta simples

que envolva assuntos pessoais, como: “o que acontece só em sua casa”? ou

“qual é o seu sonho?” Cada um redige uma frase curta para responder à

questão. Em seguida, as respostas são embaralhadas e sorteadas entre todos.

Com os papéis nas mãos, os participantes começam a andar pela sala,

cruzando os olhares com os colegas. Repetem de forma sussurrada e contínua

os textos.

O modo como as frases estão sendo ditas (altura, intensidade, altura de voz)

interfere em seus sentidos?

Este jogo procura criar o ambiente da instalação sonora. Lílian Campesato

(2007) em Arte Sonora: uma metamorfose das musas comenta que na arte sonora, o

sentido da escuta é capaz de dar ao espaço a uma qualidade plástica “o espaço sonoro

faz frente não somente às qualidades materiais do objeto e espaços fisco, mas também á

ressonância de nossos próprios corpos e à percepção de nós mesmos.” (IAZZETTA e

CAMPESATO, 2006, p. 776).

Dar o nome de instalação sonora ao jogo descrito acima elucida a capacidade

plástica que o som pode tomar em suas diversas variantes e combinações de seus

parâmetros (altura, intensidade, timbre e duração). Isso combinado à intenção subjetiva,

que no caso acima foi motivada pelas perguntas do jogo, óbvio nas instalações sonoras,

a condição do som utilizado. O cuidado na escolha ou composição que compõe a obra

das Instalações Sonoras deve necessariamente partir de uma motivação do artista a fim

de produzir apreciação visual além de sonora. Assim, diferenciando de uma paisagem

sonora, trilha sonora ou música de fundo. A ideia é divergente de música que

acompanha e bem mais próxima da utilização da música como objeto da obra, para

compor, pintar, esculpir o espaço e inferir em corpos que com ele dialogam.

O objetivo de visitar a 31ª Bienal de Artes de São Paulo para esta pesquisa diz

respeito a estudar o uso do som e instalações sonoras no mais recente momento de

divulgação das artes no contexto urbano. A Bienal, em diferença ao Centro de Arte

Contemporânea Inhotim, que possui galerias de obras permanentes, é uma

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demonstração temporária cujos artistas elaboram seus trabalhos a partir de um tema

comum.

Visitar uma exposição de arte faz tempo que deixou de ser ver quadros

pendurados na parede. A arte contemporânea convida o público à diversidade de ações

artísticas, sobretudo, o uso da imagem que extrapola o papel, lona e superfície tangíveis.

A impressão da arte contemporânea mais se parece a uma feira de trocas, ideias,

tecnologias e histórias, que cada vez menos são de fato imprimidas em espaços físicos,

mas nem por isso deixam de ser projetadas no substrato humano.

Esse evento de intercâmbio cultural ultrapassa o plano estritamente artístico,

atingindo as dimensões culturais como um todo, as pautas da educação, do consumo, da

economia, da ideologia, das questões de direitos humanos e de gênero. Essas questões

são zonas de conflito do tempo atual, das quais se fala, das quais se vê, embora nem

sempre elas existam.

O Título da 31ª Bienal: “como falar de coisas que não existem” multiplica seus

questionamentos e de modo rizomático e se transforma em: “como escrever coisas que

não existem, como construir coisas que não existem, como sentir coisas que não

existem, como esquecer coisas que não existem”, enfim, um leque de possibilidades

inexistentes. Manoel de Barros, poeta falecido em 2014, na publicação O Livro sobre o

Nada (1997) já dizia que: “Há muitas maneira sérias de dizer nada, mas só a poesia é

verdadeira; Tem mais presença em mim o que me falta”.

Ao compartilhar, “coisas que não existem”, a potencia artística se propaga

causando transformações à existência. As coisas que não existem se tornam tangíveis

em sua ausência. As coisas que não existem se tornam claras se reconhecermos que as

ações humanas são sempre parciais, limitados por expectativas e crenças (CATÁLOGO

DA BIENAL, 2014). No tema deste ano, que se estende a valorizar os processos

colaborativos, surge uma invocação poética do potencial da arte e da sua capacidade de

agir e intervir em locais e comunidades onde ela se manifesta. Justificado pelo momento

histórico, considerado como tempo de crise política, social, religiosa, econômica

ecológica, surge a necessidade de “virada”, que pode ser entendida como definir um

ponto em uma situação, como por exemplo, conversão religiosa. Porém, no momento de

virada em que nós encontramos os mecanismos, direção e consequências dessas

mudanças não são exatamente claros. Não se trata da virada moderna, progressista, e

sim de um cenário contemporâneo, desordenada e inconstante, complexa, flexível,

diversificada, e é dessa condição que fala a 31ª Bienal.

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O objeto desta Bienal não são os objetos e sim as pessoas que trabalham com as

pessoas, os projetos colaborativos. Assim sendo, alguns trabalhos são assinados por

coletivos de arte, ativistas, educacionais, entre as ações sociais. Um belo exemplo deste

processo é o próprio catálogo desta 31ª edição. Longe de ser um guia explicativo sobre

as obras, é uma obra em si, sem início e sem fim, com crédito nas páginas do meio, de

miscelânea de texto e imagens, desenhos dos coletivos, obras expostas, foto de reunião

do coletivo, entre trabalhos dos artistas e etc. A Biblioteca situada no andar térreo do

pavilhão também trazia em sua organização característica fora do padrão, mas de acordo

com os movimentos contemporâneos, onde as áreas do conhecimento se inter-

relacionam.

Figura 24. Páginas do Catálogo da 31ª Bienal, São Paulo, SP, setembro, 2014

(Observa-se miscelânea de texto e imagens, de artistas individuais e coletivos)

Fonte: Arquivo pessoal.

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Figura 25. Detalhe da biblioteca exposta na 31ª Bienal de São Paulo, SP. Setembro, 2014.

Fonte: Arquivo pessoal.

REPERCUSSÃO

Além das polêmicas religiosas, muitas críticas têm sido publicadas sobre a 31ª

Bienal de São Paulo. Dialogando com essas críticas, vemos que pontos essenciais da

Estética permanecem nas bases do exame das obras, como a funcionalidade da arte –

alguns críticos apontam essa Bienal como panfletária – em detrimento de sua autonomia

como objeto de arte. A programação em geral engajada parece ter sido a fonte de maior

destaque das resenhas.

Olívio Tavares Araujo publicou em 14 de setembro de 2014, na Carta Capital,

uma avaliação da mostra que ressalta o caráter político das obras em oposição à falta de

artisticidade e senso estético dando origem a instalações improvisadas, vídeos pobres,

pintores deficientes, tem-se a impressão que a biografia social dos artistas escolhidos

representam o ponto de partida das escolhas, não sua trajetória artística anterior, o que

explicaria os equívocos citados pelo crítico.

Também para Fabio Cypriano crítico da Folha de São Paulo, em 06 de setembro

de 2014, publica que esta Bienal também carrega caráter panfletário e jornalístico, cita a

grande quantidade de obras em formato de vídeo, parecendo documentário, porém

algumas vezes os temas são trabalhados com humor. Notou a tema sobre religiosidade e

elogiou a maneira como foi feita a expografia, ou seja, a ocupação do espaço do

Pavilhão. Cipriano acredita que o tema seja uma crítica, pois a arte não precisa

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necessariamente falar de algo que urgentemente exista, mas de coisas que infelizmente

existem.

Ricardo Ohtake, coordenador geral do instituto Tomie Ohtake no portal O Beijo,

publicado em 11 de setembro de 2014, elogia a seleção de obras que não fazer parte do

mercado das artes e que ao assumirem o momento contemporâneo adentra ao cenário

político com conflitos, poesia e visões que extrapolam a imaginação.

A Bienal parece ter abandonado de vez sua herança modernista e mergulhou no

dilema contemporâneo onde “Como (...) coisas que não existem” parece a princípio um

tema abstrato, mas em um momento onde as velhas formas não cabem, o que existe

então? Os três andares do Pavilhão da Bienal foram predominantemente tomados por

uma arte contestadora, algumas vezes ativista, demonstrando um prisma diferente do ser

que faz arte, afastado dos meios mercadológicos, mais próximo dos meios pedagógicos,

e das ações e organizações, associações civis que veem sua arte consumida e

compartilhada na ciberesfera.

Os coletivos usam materiais simples mas abusam das tecnologias como

ferramenta, suporte e plataforma de projeção de sua arte, a mesma que movimenta seu

tempo e modifica o espaço. Talvez seja justamente esse uso das tecnologias

potencializando o hibridismo nas obras o primor qualitativo desta exposição. Não se

fala da tecnologia carnavalesca e aparatos luminosos e ensurdecedores, mas da

contribuição inteligente do som, do vídeo às obras miscigenadas aos talvez arcaísmos

artísticos, como por exemplo, faixas estendidas (como aquelas que anunciam show,

mais comuns nas periferias) com as „não-ideias‟ de Marta Neves, (Belo Horizonte,

1964), artista de Belo Horizonte. Contavam a história como a de “Cassia pensou em

pedir ao otorrino que a deixasse surda, já que não tem ideia de como fazer sua mãe parar

de gritar”. Suas faixas se estendiam para além do Pavilhão e marcavam presença pelo

Parque Ibirapuera afora. O catálogo da Bienal traz uma passagem que sintetiza o uso

das tecnologias que atua hibridizando em arte e do intuito das obras escolhidas:

... o uso de imagens de nosso amplo arquivo cultural ou de nosso presente

hipertecnológico – interpelado por palavras ou outras imagens em montagens

diacrônicas – é um dos métodos mais recorrentes atualmente. Lidando tanto

com a memória como mo a observação, obras que realizam tais operações

podem alcançar potencial transformador, especialmente em lugares

devastados por guerras e ditaduras. Nesses espaços pós catastróficos, as

imagens não mais representam, nem são um reflexo do entorno, mas sim uma

força insurrecial que ajuda a expressar o que não pode ser dito ou o que ainda

não existe dentro do senso comum. O potencial para tal insurreição é gerado

hoje com mais facilidade em coletivos – uma maneira de organizar e

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conduzir trabalho que é recorrente na 31ª Bienal, desde a equipe curatorial até

muitos projetos artísticos. (CATÁLOGO DA BIENAL, 2014).

Figura 26. Não ideias de Marta Neves, 31ª Bienal, São Paulo-SP, Setembro 2014.

Fonte: http://staticoesquema.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/sites/34/2014/09/Captura-de-Tela-2014-09-01-

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ANEXO 2

Figura 27: Mapa do Centro de Arte Contemporânea Inhotim