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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÂNGELA T. FONTANA DE S. T. VELHO LABIRINTOGORIA /ou sobre a experiência: apreender pela arte, fratura entre códigos para um transbordamento dos contornos/ CUIABÁ / MT 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ÂNGELA T. FONTANA DE S. T. VELHO

LABIRINTOGORIA

/ou sobre a experiência: apreender pela arte, fratura entre códigos para

um transbordamento dos contornos/

CUIABÁ / MT 2015

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ÂNGELA T. FONTANA DE S. T. VELHO

LABIRINTOGORIA

/ou sobre a experiência: apreender pela arte, fratura entre códigos para

um transbordamento dos contornos/

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação. Linha de Pesquisa: Cultura, Memória e Teorias em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Márcia Santos Ferreira

Cuiabá / MT 2015

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Aos bons amigos que me ensinam o que é ser “de rocha”. Ao Arthur, Matheus e Théo, porque são os meus versos.

Para a mãe e para a mana. Para o pai e o mano que não estão mais aqui.

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/.../ eu dizia a mim mesmo que no fundo existem /.../ duas grandes maneiras, ou melhor, duas grandezas, nessa loucura da escrita, pela qual aquele que escreve se apaga, deixando, para abandoná-lo, o arquivo de seu próprio apagamento.

(Jacques Derrida, Duas palavras por Joyce, 1987)

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AGRADECIMENTOS

Eu queria começar com um desejo, mas me sinto forçada a começar com um

“talvez”. Porque talvez essa seja a parte mais dolorida do trabalho. Dolorida

não no sentido de que agradecer faça doer como dor de machucado. Mas

dolorida porque é a última folha que escrevo e porque agradecer sempre me

soa como finalização. E o meu coração... acelerado enquanto rabisco essas

linhas... não deseja que isso tenha fim, porque descobriu que aquilo que acaba

é porque, talvez, não tenha começado.

Talvez eu não devesse agradecer. Não do mesmo modo como o fazem,

costumeiramente, na finalização de um trabalho. Então, não agradeço por

termos chegado ao fim dessa dissertação. Agradeço por termos começado.

Talvez o Professor Doutor Nazareno Eduardo de Almeida, filósofo de

„nascimento‟ e formação, nunca saiba que os primeiros pensamentos e

palavras que me trouxeram até aqui são inteira responsabilidade das suas

provocações. Talvez a Professora Doutora Maria Thereza Azevedo não saiba o

quão poderosos foram alguns momentos de suas aulas, fazendo com que eu

não me esquecesse para onde eu desejava ir. Talvez o Professor Doutor

Luciano Bedin da Costa não saiba que ouvi-lo ou lê-lo foi o bálsamo que me

vestiu para chegar até aqui. Talvez a Professora Doutora Márcia dos Santos

Ferreira não saiba o quanto de colo maternal tenha me dado, fazendo,

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definitivamente, com que eu estivesse aqui, agora. Talvez a minha “ragazza

árabe” Alessandra Abdala não saiba o quanto de Ritalina me tenha sido para

que eu, „desobinubilando‟, tenha me mantido na linha. Foram tantos os textos

enviados que já nem me lembro. Mas os diálogos, na maioria monossilábicos

/“Ui!”, “Ai!”, “Olha isso!”, “Lindo!”/, às vezes eram mais densos de significados

do que o próprio arquivo enviado. Talvez a Sara Urrea, a Marília de Almeida e

a Marisa Batalha não saibam o quanto de leveza me deram ao longo dessa

jornada. Talvez o Arthur e as crianças não saibam o quanto escreveram dessas

linhas para mim. Talvez os meus nove gatos não saibam quanta companhia me

fizeram quando me senti perdida em alguns dos labirintos que construí.

Dizer “até aqui” não significa um ponto fixo. Daqui vinte ou trinta ou cinquenta

anos, quando me recordar deste momento, ainda direi: vocês me trouxeram até

aqui. Porque “aqui” é lugar sempre presente.

Finalmente, agradeço porque estão/estarão sempre aqui.

Â. F.

Inverno de 2015 Cuiabá - BR

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[AUDÁCIA DA ALESS]

TALISGA

/ou O fio da meada/

I. Esta dissertação me deserta. Aquilo que não pude registrar nestas

páginas, ainda não floresceu em mim.

II. Em contrapartida, o caminho sinuoso que percorri, tornou-se vida que

me foi possível escrever.

III. A labirintogoria é assunto de curva, meio, via de passagem, canto. Fui

advertida a não tratá-lo.

IV. Por outro lado, muitos embarcaram neste percurso.

V. Procura dissertar sobre aprendizado, ou melhor, sobre experiência.

VI. Caça compreender o momento de encontro com aquilo que pode

suscitar a nossa compreensão e o desenvolvimento de algo que se

conhece.

VII. É uma reflexão sobre a virtude do acontecimento, do valor

argumentativo da obra de arte, da capacidade de

conhecimento/experiência/aprendizado.

VIII. Persigo, o movimento dos incorporais segundo o estoicismo antigo.

IX. Não se trata somente de ser afetado, mas de um processo de

elaboração e seu continuum.

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[DA PORTA DE ENTRADA]

COMPÊNDIO -------------------------------------------------------------------------------------09

INTRÓITO -----------------------------------------------------------------------------------------10

PRIMEIRA PASSAGEM

A BRISURA E A DIFERENÇA

/ou A desconstrução como o incorporal exprimível/ -----------------------------------17

FORMAS INACABADAS

/ou A arte como percurso: uma espécie de penetração íntima/----------------------27

SEGUNDA PASSAGEM

LABIRINTOGORIA

/ou Sobre as fraturas do entre/---------------------------------------------------------------32

A FOTOGRAFIA, UM NOEMA

/ou Uma forma de solução da imagem que me persegue/ ----------------------------46

CADA FRAGMENTO, UM TEMPO DISTINTO

/ou A Dobra, O Entre, A Fissura, A Brisura, A Passagem/-----------------------------51

TERCEIRA PASSAGEM

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A ARTE COMO EXPERIÊNCIA

/ou O corpo híbrido de matérias: corpo compartilhado/-------------------------------63

LINHAS DE MORTE OU DE LOUCURA

/ou Sobre a montagem como labirinto/ ----------------------------------------------------79

A LABIRINTOGORIA COMO O PRINCÍPIO DA EXPERIÊNCIA

/ou A experiência como consequência e condição/ ------------------------------------83

CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------------86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------------------90

ANEXOS-------------------------------------------------------------------------------------------96

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LABIRINTOGORIA

/ou sobre a experiência: apreender pela arte, fratura entre códigos para um

transbordamento dos contornos/

COMPÊNDIO: Este trabalho procura elaborar um diálogo entre Educação,

Filosofia e Artes a partir do pensamento dos estoicos, de Jacques Derrida,

Gilles Deleuze, Anne Cauquelin, entre outros, fundamentando-se na filosofia da

diferença e na teoria dos incorporais. Busca dissertar sobre aprendizado, ou

melhor, sobre experiência. Procura compreender o momento de encontro com

aquilo que pode suscitar a nossa compreensão e o desenvolvimento de algo

que se conhece. É uma reflexão sobre a virtude do acontecimento, do valor

argumentativo da obra de arte, da capacidade de

conhecimento/experiência/aprendizado no movimento dos incorporais segundo

o estoicismo antigo, mobilizando o conceito de Labirintogoria. Não se trata

somente de ser afetado, mas de um processo de elaboração e seu continuum.

PALAVRAS-CHAVE: arte, incorporal, estoico, brisura, entre, labirinto,

labirintogórico, labirintogoria.

ABSTRACT: This paper seeks to develop a dialogue between Education,

Philosophy and Arts through the thoughts of Stoics, Jacques Derrida, Gilles

Deleuze and Anne Cauquelin, among others, which are based on the

philosophy of difference and the theory of the incorporeal. It aims to discuss

learning, or rather, experience. It seeks to understand the moment that may

raise our understanding and development of something that is familiar. It is a

reflection on the power of the event, the argumentative value of the artwork, the

capacity of knowledge/experience/learning in the movement of the incorporeal

according to ancient Stoicism, mobilizing the concept of Labirintogoria. It is not

to be affected alone, but by a process of preparation and its continuum.

KEYWORDS: arts, incorporeal, Stoic, brisure, between, labyrinth,

labyrinthogoric, labirintogoria.

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INTRÓITO

/.../ as Idéias e o ideal, o Espírito e seu advento, a origem e seu retorno, os modos estéticos de conhecimento, tudo isso delineia uma área, que, por ser construída com elementos díspares, por vezes totalmente contraditórios, não deixa, ainda assim, de formar um conjunto, um meio no qual a arte pode se exercer e fora do qual ela não existiria. /.../ A obra de arte /.../ é presença, produção, e exige que sejam levadas em conta as condições de sua existência. (CAUQUELIN, 2005, pp.53-54).

Como diria Jean Lacoste (1986, p. 7), o ato criador e as experiências estéticas

reclamam silêncio e segredo, mas ainda assim pensá-los é inevitável, porque a

experiência estética se torna problemática na medida em que é reclamada pelo

prazer que pode suscitar.

A atividade artística é um gesto estético, uma atitude, um desprendimento, um

prazer, uma harmonia. À área de significação que se desenvolve em torno da

arte damos o nome de „estética‟1. Ocuparemos aqui uma parte do lugar da

1 O adjetivo „estética‟ parece qualificar comportamentos relacionados aos atributos da atividade

artística. A palavra „estética‟ utilizada enquanto substantivo remete a um corpus teórico que analisa, avalia e define o domínio específico da arte. A estética pode ser tomada como um lugar de onde se constrói uma visão. A distinção entre o adjetivo e o substantivo não é

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„Estética‟, o lugar onde se situa a reflexão sobre a arte, onde não é a obra que

apresenta os traços que caracterizam a arte, mas é a reflexão sobre ela que

será considerada estética. Trata-se de um julgamento reflexivo, através do qual

o ideal se dá pelo fato de as faculdades responsáveis pela nossa percepção

serem postas à prova, e por se representar distinta do objeto de sua

representação. A arte é intermediária entre natureza finita e pensamento

infinito, e sob essa qualidade de intermediária estabeleceremos nosso lugar de

“mirada” 2.

O estoicismo, filosofia helenística fundada em Atenas por volta do século III a.

C., é nosso ponto de partida.3 Nela estão os fundamentos para a discussão

que segue ao longo do trabalho. E é a doutrina estoica4 que determina o lugar

para onde devemos ir. O estoicismo

/.../ é a crença na impossibilidade de o homem encontrar regras de conduta ou de alcançar a felicidade sem apoio de uma concepção do universo determinada pela razão. As investigações acerca da natureza das coisas não encontram finalidade em si mesmas, na satisfação da curiosidade intelectual, mas exigem, também, a prática. (BRÉHIER, 1977 e 1978, p. 30)

A filosofia estoica está presente no pensamento ocidental de vários modos. O

lugar reservado para Deus, que aqui se relaciona com o homem e o universo,

possui aspectos que jamais pudemos encontrar entre os gregos. Poderíamos

facilmente detectável. Benedetto Croce em Essais d’ésthétique define-a como uma visão filosófica. 2 Trata-se de um vocábulo em língua espanhola que utilizei por acreditar que seja o que melhor

expressa o sentido desejado, uma vez que não se trata de „apenas olhar‟. 3 Seu nome se deve ao fato de a escola, nascida na ilha de Chipre, ter ficado conhecida pelo

3 Seu nome se deve ao fato de a escola, nascida na ilha de Chipre, ter ficado conhecida pelo

nome do local onde seus adeptos se reuniam, o Pórtico das Pinturas, que em grego é Stoá pokilé. Essa corrente filosófica é constituída em três partes: ética, física e lógica. Possui um espírito absolutamente novo. Embora possua alguns pontos de aproximação aos dogmatismos anteriores, pode-se dizer que em nada se assemelha a eles. 4 A doutrina estoica teve como pai Zenão de Cício. Zenão foi aluno de um cínico, Crates; tinha

convívio com os dialéticos e foi um ávido leitor dos “antigos”. Os estoicos do século III a. C. eram metecos, provenientes de regiões que faziam fronteira com os helenos e sofriam influências de povos vizinhos da raça semítica. Suas influências são, portanto, bem variadas, contudo, há uma grande distância entre tais influências, de modo geral, e a doutrina estoica, mas que nos dá uma visão ampla sobre o universo do pensamento filosófico dominado pelo estoicismo, que significa “/.../ um novo começo e não a continuação de escolas socráticas que morreram.” (BRÉHIER, 1977 e 1978, p. 37).

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dizer que até mesmo o cristianismo está influenciado por ele, que tem os pés

na ideia semítica do deus todo-poderoso.

/.../ O deus dos estoicos não é olímpico nem é um Dionísio, mas um deus que vive em sociedade com os homens e com os seres racionais e que tudo dispõe no universo em favor deles. Seu poder penetra em todas as coisas, e nada escapa a sua providência, por menor que seja. Concebe-se de maneira inteiramente nova sua relação com o homem e com o universo. Não é mais o solitário estranho ao mundo que atrai por sua beleza, mas o mesmo construtor do mundo, que concebeu em pensamento /.../ (BRÉHIER, 1977 e 1978, p. 40)5.

A teoria dos incorporais dos estoicos também foi decisiva para a elaboração de

reflexões de muitos autores contemporâneos da filosofia francesa, que

influenciam o pensamento em vários lugares do mundo hoje. Entre eles está

Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Maurice Blanchot, Jean-François Lyotard,

Vladimir Jankélevitch e Michel Foucault.

É nos pensadores gregos, portanto, que encontramos a origem da teoria dos

incorporais, cuja doutrina não foi assimilada pelo processo de ensino e

aprendizagem, uma vez que a lógica da identidade foi a orientação seguida

pelo cânone ocidental. Esses pensadores gregos tiveram suas ideias repelidas

por Platão e Aristóteles, para os quais, segundo Émile Bréhier (2012, p. 19), o

princípio das coisas estava nos elementos penetráveis ao pensamento claro.

Os estoicos, por sua vez, edificaram seu pensamento na percepção das

particularidades da relação entre um objeto e um nome, indo além da

exterioridade de um conceito traçado em torno de uma identidade como na

metafísica tradicional, mas buscando o singular na realidade, onde seu caráter

múltiplo é respeitado6.

5 Utilizarei aqui os estudos de Émile Bréhier sobre o estoicismo antigo, uma vez que as obras

dos estoicos não nos chegaram em volumes próprios, mas somente através de seus leitores e críticos. Portanto, para ler os estoicos é necessário um profundo trabalho de investigação, reunindo o que se encontra registrado nas obras de seus opositores, quando da crítica de suas teorias. E a investigação de Bréhier sobre a doutrina estoica constitui, hoje, o mais completo trabalho sobre os estoicos, sendo utilizado como fonte para pensadores contemporâneos como Gilles Deleuze e outros. 6 Entre outras coisas os estoicos apresentaram e melhoraram o método de leitura a partir do

qual, segundo a lógica aristotélica, o conceito, seu elemento primordial, coincide com o “atributo do objeto que chamam de exprimível” (BRÉHIER, 2012, p. 36). Em oposição à lógica aristotélica, por exemplo, um conceito de belo é tão representativo da integridade de um objeto

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Neste trabalho, porém, aos estoicos juntam-se pensadores contemporâneos

como Bréhier, Deleuze, Derrida, Cauquelin, entre outros, que nos ajudam na

elaboração desse diálogo, passando por vários momentos da arte até

chegarmos à arte contemporânea que, tão sensivelmente quanto as demais,

nos clarifica o movimento dos incorporais estoicos.

Na primeira passagem encontramos algumas considerações sobre conceitos

derridianos que, ligados ao estoicismo antigo, nos ajudarão a compreender a

labirintogoria7. Encontramos ainda um breve apanhado sobre o movimento da

arte desde o romantismo, período em que a arte começa, em nosso

entendimento, seu processo de abandono enquanto objeto de atividade social

e convencional para transformar-se em autoexpressão, criadora de seus

próprios padrões e objeto daquilo que perseguimos – ou que nos persegue.

Na segunda passagem nos deparamos com a Labirintogoria, conceito cunhado

a partir dos estudos dos incorporais estoicos diante da necessidade de melhor

compreender as relações com a arte /ou da experiência/, seja do artista com

sua obra, deste com o observador ou da própria arte sobre o observador.

Algumas obras são apresentadas na tentativa de nelas compreendermos o

movimento dos incorporais estoicos, ou melhor, da Labirintogoria.

A terceira passagem nos coloca diante da arte sob a esfera da semelhança e

nos fala da labirintogoria como um princípio e um prolongamento de

aprendizagem, ou melhor, de experiência, tal qual ela, por si, se apresenta.

Pois a aprendizagem pode ser muito mais do que essa palavrinha que tanto

usamos na escola – está além de somente aprender –, mas é uma capacidade

quanto de um fragmento dele. Pensemos em um pedaço de tecido, assim tornado a partir do entrelaçamento dos vários fios que, compondo uma trama, harmonicamente lhe dão uma forma e lhe atribui um valor estético, um conceito. Se desta trama puxarmos um único fio, este não perderá sua integridade. O fio puxado ao léu é tão belo quanto o tecido inteiro. Dessa maneira ocorre o rompimento da categorização aristotélica dos seres por substância e acidentes – estes, tomados como termos acessórios do conceito.

7 Conceito cunhado a partir da necessidade de encontrar uma definição para o processo de

conhecimento, que passa pela experiência e se desdobra em infinitas conexões que gerarão novas experiências e seus resultados, provocadores de outros mais e impulso de criação – processo este fundamentado pela teoria dos incorporais do estoicismo antigo.

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de apreender e de experienciar8. E a experiência é transformadora uma vez

que não se encerra em si, mas põe em movimento a possibilidade, o impulso

da criação que ousamos nomear Labirintogoria.

O texto possui uma variação, às vezes um tanto brusca, para a primeira

pessoa. Tomemos essa leitura como uma reflexão, onde em momentos árduos

a elucubração se instala de modo autoritário, numa tentativa desesperada de

seguir vencendo as dificuldades para continuar levando o pensamento ainda

adiante.

Por se tratar do novo, este texto funciona como uma carta de navegação, uma

via de passagem para o método diáfano da desconstrução. Nesse sentido,

procurei dar ao texto uma organização mais didática possível, dentro de minha

compreensão. Assim, ele se inicia com os fundamentos teóricos que irão dar

sustentação para tudo o que vem adiante; para a argumentação sobre o

princípio da aprendizagem/experiência que está no exercício da ideia; sobre

pensar o entre, o vazio, o tempo, o lugar e o exprimível; sobre estabelecer

ligações entre vozes que consideram; pensar o conhecimento como a atividade

intelectual que consiste em captar o objeto sensível, chegando assim à

labirintogoria, onde aprender é labirintogórico ou a labirintogoria um

aprendizado, ou melhor, uma experiência.

Há neste trabalho uma preocupação em como capturar e decompor o outro,

como aguçar uma curiosidade e colocar o pensamento em movimento. Para

tanto passamos pela educação, pela filosofia e pelas artes. Logo, não se trata

de perguntas a serem respondidas, mas de uma observação e, a partir desta,

da elaboração de um conceito que dê conta de tratar desse processo que

costumamos separar em partes como se possuíssem fronteiras bem

demarcadas: captura, decomposição, aguçamento, movimento. Não se trata

de simplesmente ser afetado, mas de um processo de elaboração e seu

continuum.

8 Experienciar in Dicionário da Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico [em linha]. Porto:

Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-05-17 18:07:43]. Disponível na Internet: http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa-aao/experienciar

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O que temos aqui é bastante simples: confiar a escolha de um propósito na

tentativa de melhor compreender o momento de encontro com aquilo que pode

suscitar a nossa compreensão e o desenvolvimento de algo que se conhece. E

como não é feio ter preferências posso dizer que o termo Labirintogoria provém

de uma dilecção pessoal, mas também, antes e principalmente, que provém de

uma reflexão sobre a virtude do acontecimento, do valor argumentativo da obra

de arte, da capacidade de conhecimento/experiência/aprendizagem no

movimento dos incorporais. O momento estoico permanece soberano,

admitindo desde o princípio a intangibilidade do acontecimento.

Poderemos nos interrogar sobre a razão deste trabalho. Perguntar já é dar a

resposta. Aprender e experienciar não admite controle /monopólio/, mas outras

aproximações, outros gestos, outros olhares. É certo que em alguns

momentos, algo que não nos é familiar exigirá de nós um pouco mais de

esforço, mas isso é parte do movimento dos incorpóreos, e cada um ao final,

poderá encontrar o seu ritmo, a sua luz, a sua brisura: aquilo que se apreende

no acontecimento.

É preciso entrar no labirinto para saber a vertigem.

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PRIMEIRA PASSAGEM

A BRISURA E A DIFERENÇA

/ou A desconstrução como o incorporal exprimível/

Só trabalhando e com saúde podemos tolerar uma conjuração que nos aflige por volta do meio-dia, no intervalo para o almoço /.../, que recusa a ideia de não dormir a sesta e nos encerra na sombra do quarto com mais solidez que as portas de duplo ferrolho. Só agora lembramos com nitidez a noite passada mal-dormida, essa curiosa vertigem, transparente, se nos é permitido inventar esta expressão. Ao acordar, quando nos levantamos, olhando para a frente, qualquer objeto – vamos dizer, por exemplo, o roupeiro – é visto rodando a uma velocidade variável e se desviando de forma inconstante para um flanco (lado direito); enquanto ao mesmo tempo, através do redemoinho, observa-se o mesmo roupeiro firmemente de pé e sem se mover. (CORTÁZAR, p. 73, 1986)

Quando, na década de 1960, Derrida mobilizou o conceito de diferença,

chacoalhando as oposições binárias, descobrimos essa diferença como um

ponto que, apesar de ser um ponto, não é fixo, pois podemos encontrá-lo em

qualquer lugar em uma escala de oposições. A diferença, assim como os

incorporais, não pode ser fixada, a não ser que deixe de ser ela própria,

tornando-se, assim, apenas um acidente – uma característica física qualquer.

Dessa forma a “diferença” é pura relação, não pode ser definida por um

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predicado no conceito – pois seria fixá-la –, não existe como um ser nem como

qualidade de um corpo. Não “é”, mas pode “estar”. Esta seria uma

possibilidade9.

A diferença é, portanto, um arquiconceito – o que poderíamos chamar de

conceito fecundado, prenhe de vários outros. Tomemos por exemplo o

descentramento; o fármaco /variação infinita da dose/; a escritura /que como

complemento da fala é o outro/, o suplemento /possibilidade de significados

não previstos, a valorização da ausência – na escrita/; o jogo /possibilidade de

significados da linguagem enquanto sistema aberto e imprevisível/; o rastro

/origem da origem, capaz de desestabilizar a ideia que temos de que o original

prevalece sobre a cópia – Platão e o simulacro encontrado no mundo das

aparências/.

O livro Gramatologia é considerado um dos textos mais técnicos de Derrida. É

uma obra sobre necessidade e impossibilidade 10 . Nesse sentido,

impossibilidade, porque é apenas rastro, ou seja, labirinto de inscrições, aquilo

que não se deixa apropriar; quando tenho o rastro é porque aquilo que o fez

não está mais.

Derrida nos traz um „quase-conceito‟ de escritura que aponta para um jogo de

remetimentos, colocando a escritura como transbordamento, como

possibilidades. Transbordamento, segundo ele, porque o conceito clássico de

linguagem não estaria suportando tudo o que foi reunido em seu entorno,

necessitando, assim, de um alargamento da escritura. Saussure lança a escrita

ao exílio como discurso indesejável e degradante, como já havia feito Platão; e

Derrida abraça-a como um bem, como uma ausência que se constitui estando

fora da presença /fonocêntrica/, portanto, um princípio includente da diferença.

O sujeito de Derrida é uma construção discursiva.

9 No sistema teórico aristotélico não encontramos nenhum desenvolvimento do conceito de

“diferença pura”. A diferença em si continua desterrada, produto de identificação. Os estoicos, a partir do conceito de exprimível, elaboram outro referencial de lógica e de linguagem em se tratando da “diferença”. Para eles não existe transcendência, pois sua filosofia é uma filosofia da “imanência”, e apenas esse mundo existe. E o que existir além dele, compreendido como “gênero supremo”, possui a imanência como característica básica.

10 Necessidade e impossibilidade da existência de uma gramatologia /grama = rastro, e logos =

movimento do pensamento/, o que aponta para uma suposta fala plena.

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Essa relação significado-significante é vista como um jogo, “... não há

significado que escape, mais cedo ou mais tarde, ao jogo das remessas

significantes, que constitui a linguagem” e conclui: “O advento da escritura é o

advento do jogo.” (Derrida, 1973, p.8). A escritura é autônoma em relação ao

conhecimento /episteme/, pois antes de ser seu objeto, a escritura é a sua

condição. Podemos, a partir disso, dizer que a arte, também autônoma em

relação ao conhecimento, é uma escritura. Logo, antes de ser seu objeto, é sua

condição.

Para Derrida a escritura rouba o papel principal da fala ou, na pior das

hipóteses, influencia-a através do jogo da representação. E para ele não existe

como saber quem veio primeiro, se a fala ou a escrita, se o gesto ou o

significado, se o grito ou os pictogramas. No pensamento derridiano a escritura

é vazio, ausência, silêncio, negação – elementos fundamentais no conceito de

jogo – espaço passível de ser ocupado pelo novo, pelo imprevisível, pelo

suplemento, pelo devir. O signo deixa de ser um fenômeno apenas percebido

para ser compreendido, anulando a oposição significado-significante e, do

mesmo modo e consequentemente, não opondo fala e escritura. Não há o fora,

simplesmente porque não se pode isolar os elementos e os átomos. Se formos

ao pensamento estoico veremos que este separa as partes constitutivas do

elemento – ou do que entendemos como o “átomo” da metafísica – mostrando

que uma unidade constitui-se de outras menores, dispostas num

entrelaçamento mais complexo e compreendidas a partir da noção de

acontecimento. Deste modo o conceito deixa de ser uno para tornar-se

múltiplo.

Quando Derrida faz justiça ao que excede a linguagem pretende que a

escritura se liberte de uma necessidade de adequação, ultrapassando o

conceito de linguagem tradicional, compreendendo-a como o próprio

transbordamento /que já traz consigo a ideia de desconstrução11/. Desse modo

tomemos a arte, uma vez que anuncia esse transbordamento, liberta o

11

Desconstruir uma oposição é mostrar que ela não é natural e nem inevitável mas uma construção, produzida por discursos que se apoiam nela, e mostrar que ela é uma construção num trabalho de desconstrução que busca desmantelá-la e reinscrevê-la – isto é, não destruí-la mas dar-lhe uma estrutura e funcionamento diferentes (Culler, 1999, p. 122).

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pensamento da clausura. No entanto, o transbordamento apaga os contornos12.

Não se trata de uma ciência, mas da relação fala, escritura – o que

estendemos para a arte. E escritura é transbordamento, e é transbordamento

porque é jogo.

Em Derrida todos os conceitos convergem/apontam para o conceito de

diferença que torna a se abrir, a se desdobrar em suplemento, jogo, rastro,

escritura, etc. Mas o conceito de rastro se constrói na relação com outros

conceitos. Rastro é o desaparecimento da origem. Para o filósofo não há o fora

do jogo e o jogo é um jogo de diferenças, que não se dá entre coisas, mas

entre rastros. E nos dá o termo “brisura” 13, que surge do desejo de encontrar

uma palavra para diferença 14 . Talvez a arte se constitua justamente por

brisuras. E por vigilância ou estilo, penso que assume essas brisuras e as

transforma em princípio movente.

A brisura é fora e é dentro, é conjunção aditiva e nunca alternativa. É presença

e é ausência /o rastro – um quase-conceito/, é saúde e é doença, princípio e

fim, vida e morte, amor e ódio, etc. No final, significa juntura + ruptura, ou seja,

junto e separado. Acaba significando a impossibilidade de um significante e

significado15. Para melhor compreendermos o que se coloca pensemos nos

incorporais.

De acordo com Diógenes Laércio e Sexto Empírico os incorporais são o tempo,

o lugar, o vazio e o exprimível. Não se trata do tácito, do indizível, de

misticismo ou de espiritualidade, mas de dispositivos lógicos, de linguagem, de

pensamento, de representação „compreensiva‟. Para os estoicos, os

incorporais dependem de uma lógica, de um logos. O incorporal é e/ou salva a

12

O anúncio do desfazimento não deixa de ser um contorno, e o desfazimento do anúncio é a desterritorialização do mesmo. Logo, temos um dos movimentos labirintogóricos. (Diálogos bedinianos). 13 Essa palavra corresponde ao francês brisure, que significa rotura, juntura, brecha, fenda, fragmento, fratura; articulação de duas partes em obra de carpintaria. 14

O entre como necessidade. (Diálogos bedinianos). 15

O que nos leva para o sentido de labirinto. Nada mais angustiante do que o deserto, o território sem demarcação, espaço liso por excelência. As estrias /contornos, limites/ do labirinto, ao mesmo tempo em que produzem vertigens e catástrofes, asseguram um lugar, rotas possíveis. [Uma dialética estranha.] (Diálogos bedinianos)

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diferença. Para compreendermos os incorporais devemos ter em mente a

unidade 16 , o modo como se constituem esses vínculos que preservam a

harmonia. Estes quatro incorporais não podem ser isolados, pois de cada um

deles dependem os demais. Não se trata de um encadeamento ou de tudo ao

mesmo tempo, mas de exprimir a coesão pela fragmentação, de juntura e de

ruptura, como acabamos de dizer. Imaginemos uma forma de quatro lados.

Para manter essa forma as partes estão juntas, unidas pelos lados, e ao vê-las,

vemos todas juntas, embora uma de cada vez.

Pontualmente, não se pode apresentar tudo ao mesmo tempo. A coesão se dá

pela fragmentação. Se desejarmos compreender os incorporais – e, portanto, o

labirinto que se nos apresenta –, necessitamos ter presente o modo como os

vínculos se estabelecem.

De acordo com Diógenes Laércio:

Fora do mundo se difunde o vazio infinito, que é o incorporal; o incorporal é aquilo que é capaz de conter corpos ou não contê-los. /.../ Incorporais, o lugar e o vazio são uma mesma coisa, que é chamada „vazio‟ quando nenhum corpo a ocupa, e „lugar‟ quando é ocupada por algum corpo”. (Tomo II, livro VII, p.64)

Há uma alternância entre “lugar” e “vazio”. Ambos se substituem

permanentemente. Para os estoicos o lugar só é objeto do pensamento quando

da passagem de diversos corpos numa mesma posição, caso contrário o lugar

não é objeto do pensamento.

O único incorporal que subsiste à Ideia é o vazio. Os estoicos “admitem o pleno

nos limites do mundo e, fora desses limites, o vazio infinito.” (BRÉHIER, 2012, p.

79). Para eles fora dos limites do mundo está o vazio. Fora do mundo está o

infinito, o ilimitado, que não oferece resistência aos corpos e não exerce

nenhuma ação sobre eles, do mesmo modo que nenhuma ação pode ser

exercida sobre ele /o infinito/. O vazio não possui limites, está no exterior do

mundo, logo, torna possível o movimento, e nele nenhum corpo encontra

resistência.

16

Assim é a brisura, os vincos não existem fora da unidade, se não há vínculo não há vínco. Se não houver jogo não há rastro, do mesmo modo que se não há rastro não há jogo e não há suplemento.

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Os momentos são três: 1) o corpo não é limitado pelo vazio; 2) o vazio só é

limitado pelo corpo quando preenchido por ele; 3) suprimindo o corpo, não há

mais limites. O vazio ou é ausência de corpo ou um intervalo privado deste; é

tido como o mais simples dentre os pensamentos, não possui forma, não pode

ser informe e nem ser tocado.

Sendo indeterminado, não age sobre os corpos que estão nele, e não os atrai nem para um lado nem para outro; a posição dos corpos está determinada, portanto, não por alguma propriedade do vazio no qual eles estão, mas por sua própria natureza. (Idem, p.84)

Para os estoicos é no movimento que se encontra o ato ou a perfeição, logo, é

onde a expansão se dá. Para expandir-se o ser necessita do ilimitado, onde

ele, por si próprio, determina os limites. O vazio encontra-se numa situação

especial dentre os incorporais justamente pelo fato de nenhum corpo encontrar

resistência nele.

O vazio nada mais é do que um atributo dos corpos, não um atributo real, mas um atributo possível, não é o que é ocupado pelo corpo, mas o que é capaz de ser ocupado por ele. (Idem, p. 87)

O que possui limite, o finito, é o corporal, é limitado, determinado, contém seus

princípios de ação. O que não possui limites, o que é infinito, é o incorporal, o

vazio, que não acrescenta nada, não recebe nada, permanecendo em

indiferença perfeita.

A arte pode ser associada ao vazio, à ausência, ao rastro, à crise e à

negatividade, como a escritura no pensamento derridiano, onde tais elementos

são valorizados enquanto categorias negativas, fundamentais no conceito de

jogo, espaço a ser ocupado pelo devir, pelo imprevisível, pelo novo – onde não

há fora, pois sempre se habita essas estruturas metafísicas, ainda que nem se

suspeite disso. Logo, essa desconstrução se dá “operando necessariamente do

interior, emprestando da estrutura antiga todos os recursos estratégicos e

econômicos da subversão, emprestando-os estruturalmente, isto é, sem poder

isolar seus elementos e seus átomos.” (DERRIDA, 2011, p. 30).

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Em sua filosofia, os estoicos dizem que somente os corpos existem, porém

afirmam ainda a existência do “sentido”, que não é corpóreo, contudo, pertence

à ordem do exprimível. Desse modo o exprimível é algo que não um corpo.

Logo, podemos julgar ter encontrado no pensamento estoico seu ponto de

convergência sobre a diferença.

Pensemos no “tempo”, suspenso em si, intangível e que só é corpo no

momento presente. Antes, no passado, e depois, no futuro, ele inexiste, não é.

E o “exprimível” é o que impede a divisão, ele é um acréscimo externo, está

intimamente ligado ao conjunto. São os vínculos que preservam a harmonia.

Há um jogo, um sistema aberto. É no jogo, na passagem que os incorporais

acontecem – não por sucessão, mas em sincronia.

Os incorporais não são um existente, porém subsistem no tempo. E em se

tratando do tempo, o presente é a existência plena. A propriedade dos corpos

só existe na medida em que se situa no tempo presente. Passado e futuro

subsistem, não possuem existência concreta17. É o presente que torna o corpo

inalterável.

O tempo é o intervalo do movimento e só há movimento se houver um corpo.

Entre o passado e o futuro não há limite, pois não há limite entre um corpo e

outro. Nesse sentido o presente existe e contém um acontecimento real,

portanto, uma existência real e a ação sobre os seres. Para o estoicismo, o

tempo está no pensamento vazio, não tem contato com o ser verdadeiro das

coisas, do não ser, por isso foi considerado um incorporal.

Os incorporais são conduzidos a uma noção de atributo dos corpos – atributo

no sentido de efeito da atividade corporal –, são o limite ideal e irreal de sua

ação. (Bréhier, 2012, p. 108)

Sobre o espaço, diz Bréhier:

/.../ os corpos, naturalmente, não se interpenetram em todas as suas partes. A alma do mundo, por exemplo, que penetra todas as partes do universo, somente é penetrada por cada uma delas em uma de suas partes. Não estamos falando do lugar dessas partes, mas da posição que elas ocupam na alma do

17

Indício da concepção deleuziana sobre “diferença”.

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mundo. As posições, portanto, são os lugares de cada corpo considerado na sua relação com o lugar maior do corpo no qual ele está. (Idem, 2012, p. 93)

A realidade está no corpo, uma vez que “tudo o que existe é corpo”, o que

significa, segundo Bréhier (2012, p. 23), “/.../ que a causa, tal como nós a

definimos, é um corpo, e o que sofre a ação dessa causa /.../ também é um

corpo.”, o que o torna o único agente. O incorporal não está na causa, mas no

efeito.

A relação dos corpos, para os estoicos, é que causam as ideias. E são elas

que estão no “devir”, opondo-se, assim, à concepção de Platão. As ideias, para

os estoicos, são acontecimentos que podem variar continuamente, e não seres

imóveis e perfeitos. E as ideias existem porque derivam dos corpos 18 . O

sentido no acontecimento é um incorporal que somente pode ser fixado diante

da perda da compreensão de sua natureza fugitiva.

Para pensarmos os incorporais e a desconstrução não há melhor lugar senão a

arte, pois segundo os estoicos ela é a intermediária entre a percepção comum

e o conhecimento, tornando-se um “/.../ sistema de percepções reunidas pela

experiência, visando a um fim útil à vida.” (BRÉHIER, 1977 e 1978, pp.43-44).

No estoicismo a separação entre o pensamento e o real levaria a uma dialética

de extrema pobreza, incapaz de reproduzir ligações reais entre as coisas. Os

estoicos admitiam um modo de saber e de conhecer fora da dialética e

absolutamente diferente dela: a representação compreensiva, ou seja, a ação

real entre dois corpos em razão de sua tensão interna.

A aproximação do íntimo da alma e seu objeto dizem respeito aos exprimíveis,

aos acontecimentos, e isso não possui nenhuma espécie de relação com o

conhecimento dialético. Ao contrário, o conhecimento real está mais próximo

de uma atividade do que de uma contemplação, e sua atividade é uma

apreensão do objeto, uma espécie de penetração íntima.

Para pensarmos a desconstrução como o incorporal exprimível, falemos do

atributo. O atributo não é um ser, mas um hábito, ou seja, uma maneira de ser.

18

Nesse ponto se abre uma passagem para a Labirintogoria.

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O hábito está na superfície do ser, no seu limite. O hábito /ou maneira de ser/

não é ativo nem passivo, mas um resultado, um efeito inclassificável entre os

seres. O resultado da ação dos seres é o fato, ou melhor, o acontecimento.

O fato incorporal está de todo modo no limite da ação dos corpos. /.../ a ação de um corpo, sua força interna, não se esgota nos efeitos que produz: seus efeitos não são um custo para ele e não afetam em nada seu ser. O ato de cortar não acrescenta em nada à natureza da navalha. /.../ por um lado, o ser profundo e real, a força; por outro lado, o plano dos fatos, que atuam na superfície do ser, e constituem uma multiplicidade sem laço e sem fim de seres incorporais. (BRÉHIER, 2012, pp. 33-34)

O incorporal exprimível jamais poderá ser associado com a palavra ou com o

significante, não é a representação, nem a noção, mas há o atributo de ser

significado pela palavra. Para os estoicos, em se tratando de um objeto, por

exemplo, o pensamento é corpo e o som da palavra também é corpo.

O fato de ser significado por uma palavra deve então ser acrescentado como um atributo incorporal que não o modifica em nada. /.../ todos os elementos que pertencem à lógica, os atributos, os julgamentos, as ligações de julgamentos, também são exprimíveis. (Idem, p. 37)

Segundo Bréhier, tais elementos não podem ser reduzidos às coisas

significadas por uma palavra. O atributo é a afirmação de um ser ou de uma

propriedade, e jamais se poderá dizer que ser afirmado é o mesmo que ser

significado.

De modo geral, se o „significado‟ é um „exprimível‟, não vemos, de modo algum, que o exprimível seja um „significado‟. /.../ o fato de ser expresso /ou ser dito/, que é um predicado do exprimível não deve, de toda forma, ser confundido com o fato de ser significado /.../, que é um exprimível e um predicado do objeto. (Ibidem, p 38)

Portanto, um exprimível não é designado por palavras, tampouco sua natureza

designada ou significada por palavras.

Sexto, o que é confirmado por Diócles, nos diz o que está na representação racional: o exprimível. Enquanto a representação comum se produz pelo contato de um corpo que marca sua impressão na parte hegemônica da alma, ao

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contrário, parece que, na representação racional, há mais espontaneidade. É o pensamento que a constrói, reunindo, aumentando, diminuindo os objetos sensíveis que a ele são dados imediatamente; os objetos, nesse caso, não são causa ativa, mas a razão. (Ibidem, p. 39)

O atributo não é algo existente fisicamente e, sob seu aspecto lógico,

tampouco existente no pensamento. Logo,

/.../ pode-se conceber que atributo lógico e atributo real são, na verdade, dois incorporais e inexistentes, coincidindo inteiramente. Os atributos dos seres são expressos não por epítetos que indicam propriedades, mas por verbos que indicam atos /.../. (BRÉHIER, 2012, p. 43)

Os estoicos não aceitam outras proposições que não as de fato. Os fatos são

incorporais e existem apenas no pensamento. Desse modo transformam os

fatos na matéria de sua dialética. “O exprimível, portanto, não é uma

modalidade qualquer de representação racional, mas unicamente a do fato e

do acontecimento. Constitui, como tal, a matéria de toda lógica.” (BRÉHIER,

2012, p. 49)

Observemos o necessário e a definição. Segundo Bréhier, no estoicismo o

necessário é a universalidade de um fato ou da atribuição presente nos seus

momentos. Porém, o verdadeiro não atingirá sempre o permanente, pois ele se

modifica constantemente, uma vez que os acontecimentos mudam

perpetuamente. E a definição, para eles, “/.../ é apenas a coleção dos fatos

característicos de um ser; mas a razão intrínseca da ligação, [e] a essência

escapam às investidas do pensamento lógico.” (Idem, p. 61).

Nesse sentido, a desconstrução, que não consiste em destruir, mas no

desfazimento sem a destruição, resistente ao domínio do logos, reconstrução,

possibilidade cambiante. As verdades absolutas com as quais a metafísica

opera e a linguagem que utiliza para legitimar suas verdades passam, agora, a

permitir um duplo viés. Duplo, porém, não no sentido de uma coisa e outra,

mas de simultaneidade, concomitância.

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FORMAS INACABADAS

/ou A arte como percurso: uma espécie de penetração íntima/

O caminho que resta, então, é o das palavras, a areia de todos os livros. /.../ Eu sopro sobre o pavio que queima em cada palavra.

O deserto é o vazio com sua poeira. No coração deste universo pulverizado, em sua ausência intolerável, apenas o vazio conserva sua presença; não mais como vazio, contudo, como respiração do céu e da areia.

O caminho que resta, então, é aquele das palavras, a areia de todos os livros. Nunca esqueças que és o núcleo de uma ruptura.

Antes existe a água, após existe a água: durante, sempre durante... Jamais a água sobre a água, jamais a água para a água, mas a água onde não há mais água, mas a água na memória morta da água. Viver na morte viva, entre a lembrança e o esquecimento da água, entre a sede e a sede.

(Edmond Jabés – Le livre des questions)

O Romantismo é o marco inicial da arte moderna. Arnold Hauser, em História

Social da Literatura e da Arte (1982, p.832), afirma que haviam se rompido “os

velhos elos” e o “sentimento de absoluta nulidade do espírito relativamente à

ordem divina e da sua nulidade relativa perante a hierarquia eclesiástica e

secular” haviam desaparecido. O indivíduo encontrava-se “em relação reflexa

consigo próprio”, concebendo, portanto, a “ideia de autonomia intelectual”.

Füssli e Goya assim como Blake e os artistas de sua geração, não estavam

mais obrigados à tradição, mas livres para os seus sentimentos e as suas

impressões do mundo em que viviam.

Segundo Hauser, a arte havia deixado de ser uma atividade social,

objetivamente criteriosa e convencional para transformar-se em autoexpressão,

criadora de seus próprios padrões, meio pelo qual um indivíduo singular se

comunicava com indivíduos singulares (Idem, p.804).

A idéia de que nós e nossa cultura estamos em condições de eterno fluxo e de perpétua luta, a noção segundo a qual nossa vida intelectual é um processo de caráter meramente transitório, é uma descoberta do romantismo e representa a

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sua mais importante contribuição à filosofia da era presente. (Idem, p.822).

O que chamamos arte contemporânea19 não é a arte do “agora”, do nesse

momento, ou de uma determinada estrutura que, bem verdade, talvez nem

saibamos ainda. Mas trata-se, de fato, de um sistema distinto daquele de até

bem pouco tempo atrás. Esse sistema é resultado de uma alteração estrutural.

Embora difícil de avaliar, dado o fato de ter seu início há aproximadamente

quatro décadas, podemos analisá-la a partir das características que a marcam.

A ruptura é um deslocamento de domínio. O sujeito desaparece em favor de

uma interatividade. A arte contemporânea é a imagem de si própria. O valor

está mais no lugar e no tempo do que no próprio objeto. Wittgenstein, que com

seus jogos de linguagem que não esclarecem a mensagem, mas o sistema e

uso da língua, é um bom exemplo para ilustrar a arte contemporânea – que não

esclarece os próprios objetos, mas o funcionamento da arte. A obra de arte,

assim como a linguagem na visão hermenêutica, não é fechada, está

permanentemente „por terminar‟ na linguagem que, por sua vez, apoia-se na

obra.

A arte assume uma postura de reivindicação.

/.../ o corpo na cidade contemporânea é negado, rejeitado, neutralizado, funcionalizado ao exagero. É apenas uma peça de um jogo abstrato, dentro de uma enorme máquina que devora a energia. O artista reivindica então um „direito ao corpo‟, à emoção carnal, mesmo que tenha de passar pelo sofrimento – a body art põe em cena o corpo torturado do artista –, o inaceitável, o feio, o sujo, mesmo o pavoroso. Como qualquer corpo, do qual ela seria a expressão, a obra é efêmera, convive com a escatologia, o dejeto e o lixo. (CAUQUELIN, 2005, p.148)

19

Seria pertinente uma discussão bem elaborada sobre de que modo a arte contemporânea é ruptura ou continuidade do que chamamos arte moderna; sobre a noção de modernidade, do que se convencionou chamar de arte moderna, modernismo, pós-modernismo ou arte pós-moderna. No entanto, como não se trata de estudo do conteúdo dos movimentos artísticos, não nos deteremos nessa discussão. Em síntese, segundo Clement Greenberg (1961), „modernismo‟ é o oposto de „moderno‟, que por sua vez é distinto de „modernidade‟. Modernismo é a radicalização daquilo que marca um momento e lugar determinado, deixando para trás as referências que caracterizam a arte moderna; modernista é o indivíduo a favor da novidade; modernidade são traços sociais e culturais detectados em determinado momento e lugar.

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O domínio da arte, agora, não está no conflito, mas nos mecanismos que a

animam.

A partir desse momento, o domínio da arte não é mais o da retirada e do desenvolvimento, do conflito com a sociedade, mas de um aclaramento, circunstanciado, dos mecanismos que a animam. (Idem p.105).

E esses mecanismos são compostos de múltiplas ramificações construídas por

um trabalho subterrâneo, cujas conexões desconhecemos, mas que

certamente se fazem e se desfazem, contínua e descontinuamente; como o

processo reticular do espaço cibernético, onde as conexões, como os nós da

trama de uma rede, dão acesso a outras conexões, e a outras, e a outras, e a

outras...

O passo dado pelos primeiros artistas modernos tornou possível a arte

contemporânea, tal qual a conhecemos. Somente a partir do movimento

iniciado pelos artistas da arte moderna, foi que a arte contemporânea pôde

fazer desaparecer definitivamente as relações internas que existiam entre os

objetos, para finalmente propor a interação entre espaço, objeto e espectador.

Não se trata de mera contraposição entre arte figurativa e arte abstrata, mas de

inúmeras variantes, de um amplo espectro de atuação que vai do concreto ao

conceito e à atitude. A arte se transforma em um instrumento do pensamento,

instrumento de reflexão e ação.

Da incompletude do objeto à ausência, a arte conceitual e o minimalismo, por

exemplo, a partir da década de 60, começaram a tomar o lugar que até esse

momento era dominado pela arte moderna. Além de desconforto causaram

interesse, pois propunham relações complexas e composições engenhosas

que deixavam perceptível o processo de criação. A arte contemporânea

provocou uma mudança de paradigma. As relações unicamente internas,

propostas pela arte moderna, agora desapareciam.

Não se trata da autossuficiência do modernismo e de estruturas eloquentes,

mas de objetos formalmente simples, de ideias interessantes, do deslocamento

de relações, de produtos que propõem o pensamento, a reflexão, a sugestão, o

movimento, as inter-relações. Parafraseando Weiner, na exposição When

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atitudes become forms, de Londres, em 1969: a arte contemporânea é algo que

está perto no tempo e no espaço, mas só é conhecida por mim quando

percebo o que está entre.

Tal arte está para a inspiração, para o poder de invenção do artista, relaciona-

se diretamente à vida, permitindo o imprevisível, a mutação inesperada, a

valorização do pormenor, a possibilidade do imprevisto, da fantasia, do

mistério. Detestamos a arte pronta e acabada onde tudo está dito. Apreciamos

o inacabado, o inesgotável, o que não se define. O incorporal. Não queremos o

indivíduo, mas o esboço dele; não queremos a pessoa, mas o mito; não

queremos a interpretação, a análise, mas aquilo que está em suspenso – algo

de sublime. Tomando emprestadas algumas palavras de Cecilia Salles em seu

Gesto Inacabado, de 2009: o que nos alicia é “a beleza da precariedade de

formas inacabadas”. O que buscamos na arte hoje, segundo Sainte-Beuve

(1888, pp. 266-7), é o estímulo, são os sonhos para serem compartilhados.

Desejamos algo como o /re/conhecimento de nós mesmos; encontrar-nos.

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SEGUNDA PASSAGEM

LABIRINTOGORIA

/ou Sobre as fraturas do entre/

“Não haverá nunca uma porta. Estás dentro E o alcácer abarca o universo E não tem nem anverso nem reverso Nem externo muro nem secreto centro. Não esperes que o rigor de teu caminho Que teimosamente se bifurca em outro, Que obstinadamente se bifurca em outro, Tenha fim. É de ferro teu destino Como teu juiz. Não aguardes a investida Do touro que é um homem e cuja estranha Forma plural dá horror à maranha De interminável pedra entretecida. Não existe. Nada esperes. Nem sequer No negro crepúsculo a fera”.

Jorge Luis Borges, Elogio da Sombra

Zenão é considerado o profeta do logos, e a filosofia é a consciência de que

fora dela nada existe. Para os estoicos a Razão adquire plena realidade nas

coisas sensíveis, nelas está o domínio da certeza e do conhecimento. Comuns

nas percepções, a verdade e a certeza não ultrapassam, em exigência,

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nenhuma qualidade que já pertence ao homem, seja o mais sábio ou o mais

ignorante. Mesmo que o conhecimento pertença ao sábio, não deixa de

proceder do sensível, permanecendo assim, enleado

/.../ às percepções comuns, das quais não é senão a sistematização. O conhecimento parte, com efeito, da representação ou imagem /fantasia/, que é a impressão provocada na alma por um objeto real, /.../ não se contenta em ter a imagem do objeto, mas o apreende de imediato e com integral certeza. Capta, não a imagem das coisas, mas as próprias coisas. Tal é, no sentido próprio da palavra, a sensação, ato do espírito muito diferente da imagem. (Ibidem, pp. 42-43).

Segundo o estoicismo, para que não nos enganemos e possamos chegar à

percepção, é necessário que a própria imagem seja fiel.

Essa imagem fiel, que constitui, desde logo, o critério ou um dos critérios da verdade, é a famosa representação compreensiva /fantasía kataleptiké/; compreensiva significa não capaz, ela mesma, de compreender ou perceber /o que não teria qualquer sentido, dado que a representação é pura passividade, e não atuante/, mas capaz de provocar o assentimento verdadeiro e a percepção. A palavra compreensiva indica, portanto, a função e não a natureza dessa imagem. (Ibidem, p. 43)

A representação compreensiva é, portanto, aquela que permite a

representação verdadeira. Ainda que a representação compreensiva não deixe

confundir os objetos, é nela que reside a qualidade própria e pessoal que

distingue um objeto de outro, como afirmam os estoicos. Ela possui

característica própria que a diferencia de outra, o que Sexto Empírico nomeia

idioma, e para Cícero ela manifesta de modo particular as coisas que

representa.

Desse modo tem-se que o conhecimento é sistemático e racional, uma vez que

ele é a percepção segura porque é total. Tal atividade intelectual consiste em

captar o objeto sensível. E sem abandonar os dados sensíveis se pode

abstrair, ajuntar, compor, transpor. O exprimível /lektón/ é o que se pode dizer

ou expressar pela linguagem, e ao seu lado estão as coisas sensíveis.

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Os “incorpóreos”, que também denominavam inteligíveis, são meios inteiramente inativos e impassíveis, como o lugar, o espaço ou o vácuo, ou bem esses enunciados exprimíveis por um verbo, que são os acontecimentos ou aspectos exteriores da atividade de um ser. Em uma palavra: tudo o que se pensa com respeito às coisas, mas não as coisas. (Ibidem, p. 48)

Pensando, portanto, no conhecimento como a atividade intelectual que consiste

em captar o objeto sensível, como para os estoicos, e na representação

compreensiva /fantasia kataleptiké/, na imagem/fantasia, abracemos o

raciocínio seguinte.

Fantasia vem do grego phos, “luz”, raiz do verbo phaínein, “fazer aparecer”, de

modo que o que é iluminado pela luz se faz notar. Phantasía está relacionado a

aparição e imaginação. O verbo phaínein /aparecer/, mostrar/se/,

manifestar/se/, dá origem a numerosas vozes como fenômeno, fantasia,

fantasma, fanerógama e outras. Fantasma no grego phantázein, portanto a

mesma derivação, mostra o que há para ver. Provenientes de phaínein,

fantasma é diáfano, transparente, que se pode ver através. Ser mostrado ou

aparecer, em grego, era dito phainomai, que em latim passou a phenomenon,

cujo sentido inicial era “tudo aquilo que pode ser percebido pelos sentidos”. Se

fantasia, fenômeno e fantasma pertencem à mesma raiz, tomemos fantasma

por aquilo que pode ser percebido pelos sentidos. Desse modo, fantasmagoria

seria a ação dos sentidos e fantasmagórico aquilo que os sentidos podem

perceber.

Agora, tomemos a palavra labirinto, que compreende uma construção

arquitetônica de complicada estrutura e na qual, uma vez em seu interior, é

impossível ou muito difícil encontrar a saída. O labirinto assombra por sua

beleza e por seus mistérios. As origens dessa palavra remontam do egípcio

lapi ro hunt, que significa templo à entrada do lago, fazendo referência ao

labirinto localizado a 80 quilômetros da cidade do Cairo, na região sul, mais

precisamente próximo ao Lago Moeris, hoje chamado Birqkat Qarum, que

significa “O estanque de Coré”. Esse lago localiza-se no lado oeste do Nilo.

O historiador grego Heródoto considerava o labirinto como uma proeza egípcia

maior que as próprias pirâmides. Essas construções datam do reinado do faraó

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Amenenhat III da XI dinastia. Heródoto, que os conheceu no século V a.C.

afirma: “Se fossem reunidas em uma única envoltura todas as fortificações e

construções da Grécia, tal conjunto pareceria ter custado menos trabalho e

gastos que o labirinto”. (Histórias, s/d)

Do egípcio passou ao grego como labyrinthos e mais tarde para o latino

labyrinthus. Há outra etimologia proveniente da língua minoica, onde Labrys

/lâmina dupla/ dá nome a muitos dos santuários da região de Creta, cujo

significado faz menção ao par de cornos do Touro.

Labrys está relacionada ao duplo machado que estava espalhado por várias

partes do Palácio de Cnosos, cuja arquitetura era labiríntica. O duplo machado

(fig. 01) era tomado como símbolo da potência masculina e feminina,

representando, desse modo, a união dos contrários ou síntese dos opostos.

Figura 01

Machado duplo (Labrys).

Disponível em: https://circuloantoniotelmo2.wordpress.com/2012/12/16/a-libertacao-do-sangue/labrys-ou-duplo-machado/ Acesso: 15 nov. 2014.

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O labirinto também está presente nas catedrais da Idade Média (fig. 02) e em

algum momento, nesse período, a palavra foi explicada como labor /trabalho/ e

intus /interior, lugar fechado/20. Nesse sentido, labirinto estava relacionado a

prisão, de onde se tinha “trabalho para sair” 21 , e uma vez necessitando

penetrá-lo, significava “proteção para um tesouro”. Desde o ano 250 d. C. foi

um recurso muito utilizado para adornar o piso abaixo das abóbadas ou em

algumas paredes das igrejas, estando isto repleto de simbologia.

Figura 02

20

Em livre associação podemos tomar labirintus como” trabalho interior”, sem dificuldade nos conduzindo para a labirintogoria.

21 A idade Média transforma o labirinto em sacrifício.

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Labirinto da catedral de Chartes, na França.

Disponível em: http://cienciaconfirmaigreja.blogspot.com.br/2013/01/o-labirinto-das-catedrais-simbolismos-e.html Acesso: 15 nov. 2014.

Mais do que arquitetura o labirinto é parte do que somos feitos. Cérebro (fig.

03). A fim de ilustrar essa afirmação, segue uma imagem verdadeira e

fabulada.

Figura 03

Cérebro Humano

Disponível em: http://www.fragmentoscoetaneos.com/2014/05/tecnicas-neuroimagen-cerebro-

vivo.html Acesso 17 mai. 2015.

[Talvez esta seja a mais complexa das estruturas labirínticas. Centro de

regulação e de controle, sede da consciência, do pensamento, da memória e

da emoção. Suas conexões, ainda em parte misteriosas, nos permitem

perceber, identificar e interpretar o mundo. É composto de massa e dividido em

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hemisférios. Induz a elaborações de pensamento abstrato e representações

simbólicas. Possui algumas feras conhecidas como lobos, que têm localização

precisa e um poder superior capaz de determinar movimentos, pensamentos,

articulações de fala e de planejamento. Dizem que são responsáveis por tudo o

que se conhece e se detém. São capazes de dar a conhecer, desvendar e

inclusive recuperar o que se perde. As tais feras são cinco: Lupus Frontalis,

Lupus Parietale, Lupus Occipitium e Lupus Temporalia.

Lupus Frontalis é aquele que possui o poder de fazer fluir o pensamento e a

linguagem, comandar as emoções, a vontade e as ações, selecionando nossa

atenção.

Lupus Parietale é anterior e posterior, possui a capacidade de fazer sentir as

coisas, sentir dor e calor. Dizem que é o maior deles e o mais sensível; age nos

lábios, na boca e na garganta dos seres; é aquele que interpreta informações e

que pode fornecer localização.

Lupus Occipitium se oculta num lugar misterioso chamado Córtex, na região

mágica do Tálamo, onde estão as paredes sombrias do terceiro ventrículo,

para onde vão os chamados Nervus Ópticus. Ele é o que pode dar a ver, e

processa os dados recebidos depois de fazê-los passar pelo Tálamo, para que

saiba da cor, do movimento, da profundidade, da distância e outras coisas

mais. Ele pode pedir ajuda de outros lugares para significar, fazendo com que

uma mesma visão seja percepcionada de maneiras diferentes e singulares por

quem quer que seja. E a quem Lupus Occipitium nega seu poder recai a

terrível Agnosia.

Lupus Temporalia é quem faz ouvir e permite processar informações por

associação. Ele faz os sons viajarem de um lado para outro, ricocheteando e

despertando todo o labirinto, que então se torna uno e reconhece e decifra o

que houve... ouve... ve...

Na região subterrânea dessa edificação se encontra o Cerebellum. Dizem que

tal criatura usa as informações captadas pelos guardiões, os lobos, para

coordenar os corpos. E há ainda as Glias e os Neuronuns que estão por toda

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parte. As Glias, como um exército, dão suporte e protegem os Neuronuns, e

estes fazem as informações chegarem a todas as criaturas passando-as de um

para o outro. Contam que são tantos, que as informações escorregam, com a

ajuda das Sinapses, de um para outro numa velocidade tão incrível que delas

só se vê um raio, uma espécie de pulso elétrico, mágico. A edificação inteira se

comunica em linguagem própria, captura mensagens, reúne, organiza,

armazena, transmite, dita comportamento motor, mantém funções de pulsação,

pressão, equilíbrio hídrico e temperatura. Além de tudo produz os Hormons,

criaturas sorrateiras que influenciam e reagem em todas as partes dos corpos.

É uma organização brilhante. Pulsante. Misteriosa. Desejante]22.

Tomemos o labirinto timpânico, vestíbulo-coclear ou estato-acústico, ou

simplesmente o chamado ouvido. O pavilhão auricular possui uma gama de

pregas e relevos característicos, cuja função é concentrar e enviar ondas

sonoras à caixa aurícula externa – estrutura tubular ligeiramente sinuosa, que

liga a parte central da orelha ao tímpano. Tal estrutura amplia e transmite as

ondas sonoras exteriores para o seu interior, fazendo vibrar as cordas que

movimentam o martelo „contra‟ a bigorna que impulsiona o estribo. Tudo em

movimento único, operando como uma caixa amplificadora em direção ao

ouvido interno, denominado labirinto, de estrutura muito complexa e forma

irregular. Cavidade. Vazio estoico.

Labirinto ósseo, labirinto membranoso, labirinto posterior, labirinto anterior

/caracol/, estria, órgão de Corti, células sensoriais, impulsos elétricos,

vibrações sonoras, movimentos de êmbolo, terminações nervosas, estato-

acústico, encéfalo. Regulação, equilíbrio transversal, sagital, frontal. Forma

cúbica, estruturas, acelerações lineares. Máculas otolíticas, cristas ampolares,

nervo vestibular, estato-acústico. Impulsos. Cérebro.

Por fim, chega-se ao tronco cerebral onde a comunicação se estabelece em

núcleos específicos, com fibras que levam informações ao cérebro,

concretamente a uma área do lobo temporal, onde as sensações sonoras se

22

As informações contidas neste trecho são científicas, no entanto, por força de escrita, prevalece o tom literário.

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tornarão conscientes, assim como as estruturas encarregadas da manutenção

do equilíbrio corporal. O labirinto é o equilíbrio.

O labirinto é também um símbolo ocultista, proveniente da Cabala, conhecido

como labirinto de Salomão. Na Alquimia, simboliza a grande obra alquímica do

conhecimento formado por círculos concêntricos e ininterruptos em alguns

pontos, desenhando um intrincado caminho que deve ser superado para que

se possa chegar até o centro, que representa a superação e o conhecimento

da verdade. Sendo necessário percorrer o caminho inteiro para atingir o

objetivo.

O labirinto, portanto, é o mistério a ser desvendado ou o nó a ser desatado.

Para desvendar o mistério é necessário fazer uso dos sentidos /fantasmagoria/,

pois somente através da percepção se pode entrar no labirinto e dele sair.

Desse modo temos a Labirintogoria.

E se há uma imagem para labirintogoria tomemos de Escher.

A imagem que vemos (fig. 04) nos transporta para a mente de um dos mais

famosos artistas gráficos de todos os tempos, que percebia os lugares que

emergiam da vida cotidiana para a arte. A imagem que vemos é um exemplo

de diálogo com o que poderíamos chamar de “sua textura artística”. O que

vemos é uma relação de teoremas de ordem geométrica e numérica resolvidos

na percepção visual. Há um esmagamento do espaço real para a criação de

um espaço imaginário, como que construído para fora das dimensões da tela.

É mais ilusório do que visualmente ambíguo, porém possui uma absoluta

ambiguidade de significado. É inegável que certos pares conceituais como

negativo e positivo, preto e branco e acima e abaixo, consequentemente,

tornem-se intercambiáveis. E os códigos matemáticos e geométricos que

Escher havia identificado como meio de compreensão e conhecimento da

humanidade e do mundo são a base precisa da ambiguidade visual acentuada

por seu paradoxo.

Figura 04

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Maurits Cornelis Escher – Relatività, 1953 (litografia)

Disponível em: http://julietartmagazine.com/it/il-labirinto-di-escher/ Acesso: 15 nov. 2014.

A ambiguidade dos planos é a complementaridade dos vazios. Uma parte é

apoio e base da outra. Ângulo. Espelhamento. Inversão. Duplo.

A labirintogoria, diríamos, é fractal, do adjetivo latino fractus e do verbo

frangere, fraturado, de onde surgem fragmentos irregulares, que podem se

repetir infinitamente, mesmo que limitados a uma área finita, cujas escalas

carregam a semelhança23. E se tivéssemos que descrevê-la geometricamente,

nos restaria dizer que apresenta estruturas complexas e infinitamente variadas.

E que podem ser tão perfeitas quanto o triângulo ou o tapete ou a pirâmide de

23

Ver paráfrase da teoria das semelhanças de Walter Benjamin na página 73.

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Sierpinski, a esponja de Menger, a curva de Koch, o conjunto de Cantor, a

Curva de Peano ou a árvore pitagórica; ou as nervuras de uma folha, a

precisão de uma colmeia, a calda de um pavão, a copa de uma árvore ou de

um brócolis ou de uma couve-flor; uma concha de caracol, uma raiz de

gengibre, o chão craquelado de um lago seco, o veludo da íris de um olho, uma

matriosca, um dente de leão, um floco de neve; o emaranhado de veias,

artérias, vasos, tendões, nervos, células e órgãos do corpo e seu

funcionamento; ou ainda uma sequencia de Fibonacci que, como praticamente

tudo o que existe, possui os mesmos padrões geométricos da concha de um

náutilo, da distribuição das sementes de um girassol, das formações das

nuvens de um furacão ou a disposição das estrelas em uma galáxia 24 . A

mesma que define a proporção Áurea.

A Labirintogoria pode ser tomada como um desenvolvimento „indesenvolvível‟;

uma sensação; uma afecção; uma inflamação que me paralisa ao mesmo

tempo em que me expande e me emudece. Eu não sei dizer, mas me tira do

sonho e da ação. É da indiferença que a labirintogoria me tira. É a diferença, a

desconstrução. Uma queda no vazio. Onde estamos em suspenso.

Quando a ênfase dilaceradora me atinge, eu viro o rosto buscando um ponto

qualquer, numa tentativa de „ver‟ o que acabei de encontrar ou o que acaba de

me atingir: a labirintogoria. Pego de surpresa, meu cérebro tenta, num flash,

encontrar uma ordem, um raciocínio que torne plano /lógico/ o lampejo

fantasmático que o atingiu, o labirinto onde, por um segundo, se viu cair.

O labirinto é fantasmático na medida em que, como em Deleuze (2006), tem a

impassibilidade e a idealidade do acontecimento; na medida em que não é nem

ativo, nem passivo, nem externo, nem interno, nem imaginário, nem real; na

medida em que inspira a espera insuportável daquilo que vai resultar, que se

acha em vias, mas não acaba mais de resultar; não se deixa fixar a um lugar. O

fantasma é:

/.../ distinto de sua efetuação como das causas que o produzem, fazendo valer esta eterna parte de excesso com relação a estas causas, esta parte de inacabado com relação a

24

Ver imagens nos anexos.

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suas efetuações, sobrevoando seu próprio campo, fazendo-nos filhos dele mesmo. (2006, pp.218-219).

O fantasma, para Deleuze, é o efeito de superfície ou o acontecimento; é

inseparável dos casos fortuitos que coloca em cena. O fantasma

/.../ representa o acontecimento segundo sua essência, isto é, como um atributo noemático distinto das ações, paixões e qualidade do estado de coisas. Mas o fantasma representa também o outro aspecto, não menos essencial, segundo o qual o acontecimento é o exprimível de uma proposição /.../” (Idem, p. 221.)

A labirintogoria pode ser um aparecimento fantasmático, uma proposição, um

acontecimento, uma parte de inacabado que ainda deverá seguir adiante, o

aparecimento do incorporal estoico.

Pensar o entre, a brisura derridiana, o incorporal como um "espasmo"

labirintogórico não é determinar um meio, porque não divide, não possui uma

linha divisória, uma fronteira. Mas um momento ou uma ênfase em que os

fragmentos de um acontecimento se misturam numa espiral. A espiral como um

labirinto. Na espiral as margens quase se perdem. O labirintogórico é embrião

e genitor.

O princípio da aprendizagem está no exercício da ideia. Pensar o entre, o

vazio, o tempo, o lugar e o exprimível; estabelecer ligações entre vozes que

consideram; pensar a arte como expressão e sensibilização, com o próprio

corpo como canal de vibrações, sendo o corpo /objetivo e subjetivo/ uma

multiplicidade de instintos e consequente capacidade criadora.

Aprender pode ser labirintogórico. Podemos igualmente dizer que a

labirintogoria seja um aprendizado, ou ainda melhor, uma experiência. Sem

dúvida não há mão única. Pensemos no verbo em francês “apprendre”, que

reunindo os sentidos de “aprender” e “ensinar” no mesmo ato, coloca-nos em

uma via de mão dupla, cujo fluxo contínuo e „irrepetível‟, nunca nos deixa,

como no rio de Heráclito, voltar ao mesmo ponto.

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O saber absoluto é um plano de chegada que, já sabemos, não se pode

alcançar, pois quanto maior a tentativa de aproximação, mais profunda a

espiral se revela, e sempre mais vertiginosa do que poderíamos supor.

Lendo Deleuze em sua revolução liberadora, o empirismo radical da dispersão

das certezas nos coloca em queda espiralada, porque aprender é lançar-se

numa espiral, é fractal, sem expectativa de encontrar o fim, onde tudo termina

ou começa. Chegar ao fim do aprender/apreender seria desvendar o labirinto,

ou seja, desdobrá-lo, desfazê-lo, o que nessa ordem seria perdê-lo,

“desinventá-lo”. Uma “desinvenção” seria um retrocesso, como andar para trás,

anular experiências, apagar vivências. É não ter escolhas a serem feitas. É não

possuir passagens a serem atravessadas.

René Scherer, lendo Deleuze, nos recorda o denominador comum dos diversos

temas e pontos de sua filosofia: “não se pode aprender sem começar a se

desprender. A se desprender, é claro, dos preconceitos anteriores, mas antes

de tudo, e sempre, a se desprender de si.” (2005, p. 1187). Aprender está além

de saber, compreende começo e meio. Jamais poderemos dizer “e fim”, porque

simplesmente não existe fim, mas um incessante sempre /re/começo. E uma

vez “meio”, há novamente e novamente sempre possibilidade – e talvez

necessidade – de refazer o percurso, porque justamente ao meio se pode

perceber que estivemos caminhando por apenas uma das infinitas trilhas, e

que ela mesma não seria possível sem as outras que a sustentam e alimentam.

Logo, é perceptível que caminhar somente pela passagem eleita é insuficiente

e improvável. Uma vez tendo adentrado a primeira passagem do labirinto,

acomete-nos uma vertigem, de tal modo que retroceder é uma alternativa nula,

pois já não se sabe a direção da porta de entrada. E ela mesma não mais

existe, pois sair por ela já não é fazer o mesmo caminho, uma vez que a nossa

posição para o percurso estará na posição inversa e já não mais nos aparecerá

como na primeira vez.

A labirintogoria assemelha-se a um estado de procedimento ativo, pois

somente num estado de acometimento é que talvez o sentimento da

labirintogoria possa dominar em nós, mesmo que não estejamos

suficientemente preparados, ou seja, quando a nossa vontade é anulada,

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quando a angústia não encontra lugar mesmo diante de algo ameaçador e

aterrorizante. O labirintogórico talvez domine em nós enquanto persista a

contemplação estética, enquanto diante da incomparável superioridade do

objeto – mesmo que ameace o indivíduo de aniquilamento – ele seja

contemplado livremente acima de qualquer ação, acima da vontade e do

conhecimento que se tem dele; quando a presença do objeto anula a nossa

própria e torna-se, ele mesmo, uma Ideia. E o próprio sujeito no

entre/fronteira/brisura é algo que compõe, que só se faz na relação, na junção.

O labirintogórico sugere a arte intensificada, além da angústia e do terror. A

arte já está suposta no labirinto, o que não se dá inversamente, uma vez que

só a arte ainda não supõe a labirintogoria. A arte é expressão, e não existe

antes da labirintogoria. Para Lygia Clark o plano /a tela/ não existe antes da

obra e é necessário demoli-lo “/.../ como suporte da expressão e tomar

consciência da unidade como um todo vivo e orgânico.” (CLARK, 1980, p. 13).

A demolição do plano tem inicio no momento em que este se torna

fantasmático, diáfano, quando se vê através – o que significa que já se

caminha pelo labirinto. Quando tem inicio a demolição é porque a labirintogoria

é/está em ato.

Labirintogórico é como o ato que não cessa de acontecer.

A labirintogoria pode ser um estado de experiência estética; superior porque

permite experienciar a coisa de uma maneira mais direta, mais claramente,

porque consegue dissolver a individualidade do sujeito. Este, para contemplá-

la, distancia-se de si, da sua subjetividade.

Na condição estética o querer é abandonado. A condição subjetiva do prazer

estético liberta o conhecimento contido/dominado pela vontade; lança o sujeito

para junto do objeto tornar-se /ele e o objeto/ „um‟ todo. O “eu” passa a pura

exterioridade, deixa de ser percebido e a potência prevalece.

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A FOTOGRAFIA, UM NOEMA

/ou Uma forma de solução da imagem que me persegue/

/.../ telescópios do invisível, que se tornam de alcance maior à medida que se envelhece. Sentimos muito bem, ao percebermos o olhar vendado pela lembrança, cansado de tanta adaptação a épocas tão distintas, não raro tão distantes, o olhar enferrujado dos velhos, sentimos muito bem que sua trajetória, atravessando „a sombra dos dias‟ vividos, vai aterrissar a alguns passos à frente deles, na realidade a cinquenta ou sessenta anos atrás. (PROUST, Pastiches e miscelâneas).

Pensemos na fotografia. A fotografia como um noema. Inclassificável. Arte para

alguns, não arte para outros. Vou tratá-la aqui como a “arte do referente”

(Barthes), pois diferente da pintura, que pode simular sem ter sido, a fotografia

não me deixa negar o que esteve lá. É realidade e é passado; é uma arte da

cena porque teatral na pose; escritura; culto de morte. Segundo Roland

Barthes, a fotografia é o mistério simples da concomitância, é presente-

passado de um futuro-passado. É a imagem do que não é mais, mas que nela

ainda é, e nela ainda vai deixar de ser. É algo que já morreu, mas que nela

ainda vai morrer. E a foto não fala, me dá a ver. Não pode me dizer, mas é

escritura do que dá a ver. Esmagamento do Tempo.

O vazio, o entre, a brisura surge imediatamente após o disparador acionar as

placas da objetiva. O sujeito fotografado torna-se objeto nas camadas plásticas

da fotografia. O sujeito fotografado segue sujeito, mas a máquina, mortífera,

arrancou dele uma objetidade; mumificou-o, arrancou-o para fora do tempo.

Ao tratar da fotografia, Barthes, em A Câmara Clara, fala de dois instrumentos

que a compõem. O studium, aquilo que a fotografia revela, o que ela significa,

as intenções do fotógrafo /Operator/, e aquilo que nomeia punctum, o detalhe

que imobiliza o olhar do observador /Spectator/. No primeiro momento de sua

análise, o punctum, como um ponto magnético, nunca é o mesmo para um e

para outro observador. E ainda, em algumas ocasiões, nunca é o mesmo para

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um mesmo Spectator. A imagem se desenvolve distintamente para cada

observador em cada olhar. Mais adiante ele faz sua palinódia e então descobre

o punctum, não como o detalhe, mas como uma intensidade que está no

conjunto da imagem, não mais em algum ponto para onde o olhar converge. O

punctum é o Tempo (um incorporal), é a ênfase dilaceradora do noema /“isso-

foi”/, sua representação pura.” (BARTHES, 1984, p. 141).

A fotografia „autentifica‟ a existência do corpo /ou do rosto/ fotografado. É uma

evidência, algo que está além da semelhança. Em Barthes, esse algo é o ar,

indecomponível25. O ar não é esquemático como a silhueta, nem análogo como

a semelhança – como na pintura, por exemplo /a fotografia esmaga a pintura

figurativa/ –, mas indutor: leva do corpo à alma. Uma fotografia sem ar é como

um corpo sem sombra: estéril.

O ar está no olhar. Não o olhar inteligente, mas, contraditoriamente, o olhar

despretensioso, sem alvo ou intenção, retido em seu interior. É o olhar /e pelo

olhar/ que, na fotografia, se atravessa o Tempo. Nas fotografias que possuo de

família, meus antepassados /aqueles fotografados de frente/, cento e doze

anos depois, ainda me olham.

O ar, para Barthes, é o suplemento que “/.../ exprime o sujeito, na medida em

que ele não se dá importância.” (1984, p.160). O ar como suplemento é a

sombra que acompanha o sujeito, a sua evidência, o que está lá, no labirinto.

Em se tratando do suplemento, derridianamente, diríamos que a fotografia

como suplemento substitui a presença na sua ausência originária.

A verdadeira fotografia, essa que realiza a confusão de que fala Barthes, a

“confusão inaudita da realidade /“isso foi”/ e da verdade /“É isso!”/”, é ela que

possui a verdade louca: o ar, a alma do fotografado26. A fotografia é uma

evidência intensificada, carregada da própria existência daquele que ela

„representa‟. Nela „está‟ a ausência e a presença daquilo que existiu, que

esteve onde nela não está /está/ e que vejo. Ela é certeza imediata, mediúnica,

25

Indecomponível nos remete à desconstrução. 26

É lindo isso do „ar‟. A gente diz „aquilo tem um ar de‟ – é uma posse de algo efêmero ter um ar. (Diálogos bedinianos)

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alucinação, loucura, pontualidade, verdade. Em se tratando da percepção, é

falsa, e do tempo, é verdadeira. Labirintogórica.

Em Barthes o punctum deixa de ser “lugar” para ser Tempo, a “ênfase

dilaceradora” é o “isso-foi”; aquilo que na imagem "é" e no seu tempo deixará

de ser. Não é mais agora, mas naquele momento "foi" e tinha seu porvir. Nesse

ponto, precisamente, encontro em Barthes o acontecimento do entre, a

descoberta da presença do incorporal estoico.

O aqui e o lá se confundem. Há um “lugar” /incorporal/ na imagem, que

desaparece. Eu olho a fotografia e a imagem está lá, nesse lá-lugar onde foi

tirada. Mas a fotografia tirou a imagem do seu lugar e agora ela está aqui,

embora de posse daquele lá. A imagem me dá um lugar que transita no tempo

– o lugar precisa do tempo para existir. O lá esvazia o aqui, e o aqui rouba o lá

do seu lugar, fazendo-o desaparecer. Ambos, cada um em seu momento, são

vazio. Não posso considerar estes espaços como sendo neutros, o que seria

“sem lugar”, pois o objeto pertence a seu próprio lugar, como um incorporal.

O vazio se liga ao lugar e ao tempo – incorporais estoicos –, sendo que este

último é sua condição. O vazio não tem corpo, sua existência é descontínua.

Ele existe nos intervalos de tempo, na partida dos corpos. É no intervalo de

tempo, na suspensão dos corpos, onde o vazio se dá que encontramos a

brisura, onde caímos no labirinto espiralado que não tem fim. Suspensão

pavorosa. Vertigem. Momento de queda, no encontro do entre em uma obra

artista.

A loucura e a sensatez na fotografia estão no tipo de realismo: se relativo ou se

absoluto; se se trata de hábito estético ou empírico ou se de movimento

revulsivo. Labirintogórico.

A labirintogoria pode estar naquela imagem do homenzinho em pleno voo (fig.

05), pulando sobre uma poça d‟água, captada por Henri Cartier-Bresson atrás

da gare de Saint Lazare, em Paris. O seu voo refletido na água, como o voo

também refletido da bailarina do cartaz prezo a grade.

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49

Figura 05

Henri Cartier-Bresson – Atrás da estação Saint Lazare, 1932 (Impressão em prata coloidal)

Disponível em: http://galeriadefotos.universia.com.br/uploads/2012_01_20_17_02_101.jpg Acesso: 12 nov. 2014.

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Bresson estava Influenciado pelo surrealismo e pelo cubismo. Como descreve

Pierre Assouline, Bresson parece ter, naquele momento, com sua Leica27 ,

dissipado “o hiato entre a verticalidade do homem e a horizontalidade do

mundo.” Tudo o que existe possui um momento decisivo. Esse momento –

estoico – depende da captura, o que na linguagem fotográfica seria uma trama

complexa de gesto, composição e tempo.

A imagem continua sendo imagem porque passou pela intervenção do gesto,

foi codificada, dependeu de uma escolha, de uma decisão. E a intervenção do

gesto, da escolha, da decisão, assim como o código, não seria uma construção

ou parte – em parte responsável – das dobras de um labirinto, de um caminho

que se constrói para que se possa percorrer?

A imagem fotográfica é uma realidade desanimada, contudo animada ao ser

percebida. Percebê-la é indissociável dela, pois aquilo que lhe é intrínseco é

inferido a partir do que produz no observador, independentemente do ângulo

eleito. Sua natureza diática impossibilita que a tomemos como mero índice ou

ícone. Sua materialidade evidente, somada à complexidade e abstração, torna-

a um meio com configuração própria, diferentes facetas e análise abrangente.

Nesse sentido o fotógrafo pode ser visto como um filtro cultural, cuja

composição, elaborada de modo consciente ou não, não deixa de imprimir

visões de mundo que irão compor na elaboração de outras tantas.

27

Leica é a abreviação de Leitzsche Camera, uma empresa alemã de produtos ópticos. A câmera fotográfica Leica é hoje em dia um item raro de colecionadores. Esse tipo de câmera está fortemente associada à fotografia de rua, principalmente na segunda metade do século XX, tendo sido utilizada por importantes fotógrafos desse período.

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CADA FRAGMENTO, UM TEMPO DISTINTO

/ou A dobra, O entre, A fissura, A brisura, A passagem/

Figura 06

GOYA, The Giant, 1818 (Aquatint and burin 28,5 x 21 cm. Museum of Modern Art, New York)

Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/97/Coloso_de_Goya_%28estampa%29_cropped.jpg Acesso: 07 mai. 2013

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A lua, um quarto crescente. Diante dela O Gigante, que atingido nas costas

pelos olhos do seu contemplador, interrompe a aparente imobilidade para

espreitar aquele que ousa invadi-lo. O silêncio é assustador, o ambiente é

totalmente sombrio, e pareceria inóspito não fossem os pontos miúdos que

denunciam uma cidade quase imperceptível perante a estatura colossal da

figura sentada adiante. O Gigante (fig. 06) de Goya parece, como descreve E.

H. Gombrich, “descansar numa paisagem enluarada como um íncubo maligno,

/.../ sentado à borda do mundo” (2008, p.488). O gigante está só.

Num uso dramático de pouca luz e quase inteira sombra, Francisco José de

Goya y Lucientes, precisamente no ano de 1818, escolheu retratar uma

daquelas imagens que se apresentam durante o sono da razão. A figura

perturbadora nos atinge enigmaticamente e a ela nos entregamos sem

resistência. É um incorporal que se apresenta, que nomeia/sugere o

labirintogórico e se desloca do objeto em direção ao sujeito, lhe dissolvendo a

individualidade.

Alguns anos antes, entre 1799 e 1801, Johann Heinrich Füssli havia concebido

O Silêncio, a expressão daquilo que é recôndito no homem e, sob seu domínio,

uma sinceridade absoluta. O Silêncio (fig. 07) é uma contemplação estética que

apresenta a imagem da Ideia; é o belo comunicado pela obra do gênio,

instaurado num estado estético por ocasião ou disposição; /seria o

labirintogórico?/, porque “a disposição que nomeamos sentimento do sublime

tem sua origem propriamente na parte subjetiva da fruição, a saber, nasce

mediante um acréscimo especial a ela” (SCHOPENHAUER, 2003, p.101).

A figura que contemplamos não brota do escuro, ao contrário, é engolida por

ele. É como se víssemos a gradação da noite no gerúndio e o ser dentro dela

sempre prestes a desaparecer, sendo tomado por essa sombra que avança. É

puro recolhimento. Os braços cruzados /masculinos ou femininos? – união dos

contrários ou síntese dos opostos = labirinto/ como que apreendem e vedam

esse silêncio. Nada que é externo pode penetrá-lo. O seu silêncio é crescente

no sentido e também na ausência, naquilo que é o silêncio. A imagem se

trans/verte naquilo que representa.

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Figura 07

Henry Füssli – O Silêncio, 1799-1801. (Oil on Canvas)

Disponível em:

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/0c/Johann_Heinrich_F%C3%BCssli_008.jpg

Acesso: 30 mai. 2014.

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Edward Hopper – pintor norte-americano do século XIX / XX – assim como

Füslli, Goya e todos os artistas modernos, também estava desobrigado da

tradição e livre para si mesmo. Hopper retrata a solidão urbana na

contemporaneidade. Tem uma linguagem própria, um olhar singular. Não

escolhe como tema aquilo que, de certa maneira, parecia „moda‟ em seu tempo

– afinal, estava marcado por duas grandes guerras que tornavam recorrentes

temas como a tragédia, os oprimidos e os desamparados, a violência e a

destruição. Hopper nos apresenta uma arte igualmente misteriosa, inesgotável,

inventiva e psicologicamente impactante. Banhadas por uma luz „estranha‟,

suas pinturas retratam a solidão na contemporaneidade, o estar sozinho em

meio à multidão. Independentemente do cenário escolhido, se urbano ou rural,

o seu personagem aparece solitário e quase podemos “ouvir” o silêncio ao seu

redor. Tudo o que compõe a cena torna-a inquietante: seja a paisagem urbana

e, no entanto, deserta; a figura desolada; o tom melancólico e abandonado. O

homem está só.

Ao longo da obra de Hopper há uma verdade delicada, a certeza daquilo que

somos: essencialmente solitários. E nisso não há desespero nem desconforto.

Observar sua pintura é algo como observar o mundo inteiro à minha volta,

escolher uma cena e enquadrá-la. Eu me escondo atrás de uma objetiva e olho

as cenas que vão sendo compostas pelas pessoas, por essas outras vidas que

são a minha própria. Hopper me posiciona como uma espécie de “voyeur” de

mim mesma.

Observo a imagem noturna do homem solitário pela rua deserta (fig. 08) e

estou lá, imersa naquela solidão que é a do outro, mas que também é a minha

própria. Olho para a moça sozinha no restaurante vazio (fig. 09) e sou eu quem

está ali, quem me sento solitária. O que a imagem reproduz me afeta antes que

qualquer tentativa de leitura seja arquitetada. Há algo de labirintogórico aqui.

Um incorporal toma lugar. É o objeto que me arrebata antes que eu dele tome

consciência. Seja em Automat (1927) ou Night Shadows (1921), sou eu quem

Hopper fotografa.

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A pintura, princípio da subjetividade, é independente da espacialidade. Faz uso

apenas da superfície e da tonalidade para expressar os sentimentos de

interioridades.

Figura 08

Edward Hopper – Sombras Noturnas (Night Shadows), 1921. (Água-forte, Nova York)

Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/-

yAbUIjcKm5M/UivfhAMZmjI/AAAAAAABTu4/QhhykeT_aO4/s1600/sombras-da-noite.jpg

Acesso: 07 mai. 2014.

A poesia é uma arte exclusiva do pensamento e a pintura, por exemplo, está

entre as artes inclassificáveis, uma vez que não buscam nem a utilidade, nem a

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verdade, “mas em silêncio, imitam uma realidade imaginária.” (LACOSTE,

1986, p. 8)

O que é que se pinta quando se pinta? O que é que se retrata quando se

retrata? O que é que se fotografa quando se fotografa? O que é que se diz

quando se está a dizer /e isto não necessariamente através de palavras/? E o

que é que dizemos quando não queremos dizer nada? 28 O que é que vemos

quando estamos a ver? Os incorporais estão entre nós.

Figura 09

Edward Hopper – Autômato (Automat), 1927 (Óleo sobre tela)

Disponível em: http://femeniname.com/wp-content/uploads/2013/06/mujeres_hopper_dos.jpeg

Acesso: 12 nov. 2014.

28

Talvez nem seja este o verbo ideal para a interrogativa, uma vez que dizer já carrega essa

imagem de letras e palavras surgindo. Talvez o mais adequado seja exprimir.

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A imagem é também ausência, é o lugar que vai instituir o „não-lugar‟, como o

vaso que se faz periferia para que o vazio seja possível. Quando observamos

O Silêncio de Füssli ou O Gigante de Goya ou o homem que caminha solitário

pela rua deserta e a mulher sozinha no bar, de Hopper: que figuras são essas,

quem são esses personagens, o que, afinal, vejo? A potência para a minha

construção está no jogo, nas fissuras, no entre. A imagem cria uma situação

para o incorporal aparecer.

Um texto é uma escritura, uma escultura é uma escritura, uma pintura, uma

fotografia, uma leitura é uma escritura, nunca uma representação.

Nunca há uma representação: nunca temos nada senão a presença: as coisas, as mãos que as tocam, as bocas que as falam, as orelhas que as escutam, as imagens que circulam, os olhos nos quais prestamos atenção àquilo que é dito ou visto, os projetores que dirigem os signos do corpo a outros olhos e outras orelhas. (RANCIÈRE, 2010, p. 92)

Figura 10

Vera Sala – Disposições Transitórias ou Pequenas Mortes, 2007 (Performance)

Disponível em: https://c1.staticflickr.com/5/4093/4823345171_86a7b2a11c_s.jpg Acesso: 12

nov. 2014.

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Vera Sala – professora no Curso de Comunicação e Artes do Corpo da

PUC/SP –, apresenta o espetáculo “Pequenas Mortes” (fig. 10), baseado no

texto “A vida desnudada” de Peter Pál Pelbart. Um corpo é refletido em vidros,

metais e chapas de inox espelhadas. O que vemos são imagens duplicadas de

corpos fragmentados, distorcidos pelos materiais em formas côncavas e

convexas. As chapas refletem também o público e perde-se a noção do que é

real e do que é imagem refletida, do dentro e do fora, criando um jogo de

remetimentos onde os limites desaparecem. Não há princípio e não há fim, só o

entre, a fissura /ou brisura/. O entre é uma possibilidade de expansão.

Figura 11

Vera Sala – ImPermanências, 2006 (Performance)

Disponível em: https://i.vimeocdn.com/video/459009592_640.jpg Acesso: 12 nov. 2014.

Em outro trabalho intitulado ImPermanências (fig. 11), a artista, presa a um

monte de fios de arame, tenta livrar o corpo do emaranhado que o contém, que

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o imobiliza. O corpo coadapta-se, realizando somente o movimento que a

estrutura lhe permite. E com micro movimentos vai encontrando o caminho

para além da contenção. Os movimentos são fragmentados e realizados tão

lentamente que é preciso reconfigurar a ação motora, reconfigurar o modo de

realizar cada movimento a todo instante, pois cada um é distinto, não há uma

continuidade, embora se constituam para o mesmo fim. Cada movimento

possui, de uma maneira ou de outra, um tempo distinto. É um movimento

constituído de fragmentos, fissuras, e entre um fragmento e outro há uma

dobra, um entre que os comunica.

A arte é jogo, é no jogo que a diferença se dá. Segundo Anne Cauquelin, é na

arte que o invisível é exageradamente visível, cheio de reminiscências, de

saberes implícitos; é onde “/.../ o sentido, prestes a se dar, vacila, para

finalmente se esvair e escapar definitivamente” (2008, p.09), permanecendo

em suspenso, nos solicitando e escapando ao mesmo tempo. Para Cauquelin o

implícito é a memória sem memória, é aquilo que sabemos sem saber que

sabemos e que a ocasião permite trazer.

O implícito é a forma do exprimível. O espaço do exprimível é um espaço de

possibilidades que pode ou não ser preenchido. E quando preenchido, quem o

faz é a escritura. Podemos ver os efeitos dessa divergência na arte

contemporânea. É o tempo incorporal que nos leva ao exprimível – estão

ligados do mesmo modo que estão o lugar e o vazio. Todo acontecimento está

no tempo – ou o tempo o exprime no momento da sua ocupação.

Ao marcar o interstício imperceptível entre um todo – o mundo – e aquilo que o acompanha sem ruído nem existência – o vazio –, o fragmento deriva do corpo e do incorporal, sempre no limite de voltar a ser sem consistência, ou de apresentar em um único ponto e em um só momento, estoico, a consistência do todo. (2008, p.213)

De acordo com Cauquelin, a pintura de paisagem possui várias características

que sugerem o incorporal. A linha do horizonte é uma indicação do mais-além,

ilusão permanente de um lá, mas que não deixa de ser o aqui onde nos

encontramos. Todo horizonte acolhe um acontecimento incorporal; toda

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paisagem possui um vazio e um entorno com poder de desorientação – que

nos aproxima do incorporal, do lugar e do vazio.

O vazio, o entre, a brisura está no estranhamento, é possibilidade de

estranhamento – o que em Brecht, por exemplo, é possibilidade de criação.

Brecht e Heyner Müller valorizam os textos interrompidos, inacabados, ou os

que contenham material cru, permitindo a elaboração de camadas não

esgotadas em sua potencialidade. Müller menciona em vários momentos a

importância dos fragmentos. A ideia do fragmento é a ideia de que há espaço

entre uma coisa e outra, o entre, a brisura. Cada fragmento pode estar num

tempo distinto. É uma ideia em espiral, o labirinto da desconstrução onde o

estranhamento se dá, onde está o incorporal. O fragmento, paradoxal e

misterioso, é ao mesmo tempo único em si mesmo e reflexo do conjunto.

Não se trata mais de simulacros que escapam do fundo e se insinuam por toda parte, mas de efeitos que se manifestam e desempenham seu papel. Efeitos no sentido causal, mas também “efeitos” sonoros, ópticos ou de linguagem – e menos ainda, ou muito mais, uma vez que eles não têm mais nada de corporal e são agora toda a ideia... O que se furtava à Ideia subiu à superfície, limite incorporal, e representa agora toda a idealidade possível, destituída esta de sua eficácia causal e espiritual. (DELEUZE, 2006, p. 8)

A arte – desconstrução da /re/construção – é um tecido de lugares, patrimônio

de ideias, do progresso, da beleza, da verdade, do gesto: necessária. Ela

supera a experiência imediata. É desconstrução porque é desmontagem,

decomposição do formatado, possibilidade de criação em razão da brisura. É

um percorrer a fita de Moebius, como um surfista que desliza em superfície

espirlada, do lado de fora, mas dentro da onda, na dobra.

Em toda forma de arte, seja a performance, a instalação, o teatro, a imagem,

há essa forma de vazio que a cerca pelos lados, todos ao mesmo tempo e um

de cada vez, de forma a acolher o que está em suspenso, isso que nos agarra

e nos lança ao abismo.

Não é o artista quem revela o incorporal, somos nós que o frequentamos.

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A arte é isso. É a metáfora da discussão da existência; é uma forma de solução

da imagem que me persegue.

Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras. (Samuel Beckett, Textos para nada).

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TERCEIRA PASSAGEM

A ARTE COMO EXPERIÊNCIA

/ou O corpo híbrido de matérias: corpo compartilhado/

Se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de passagem, então a experiência é uma paixão. /.../ A paixão tem uma relação intrínseca com a morte, ela se desenvolve no horizonte da morte, mas de uma morte que é querida e desejada como verdadeira vida, como a única coisa que vale a pena viver, e às vezes como condição de possibilidade de todo renascimento. (LARROSA, 2002, p. 26)

Na contemporaneidade, em tempos de transformações e inovações

constantes, o corpo é um receptor orgânico e inorgânico, híbrido de matérias e

subjetividades, de próteses e tempo enxertado. Híbrido de si próprio e de

outros. Corpo compartilhado. A arte da Performance , por exemplo, – gênero

praticado com frequência cada vez maior – ainda que pouco entendida, possui

uma realização artística de caráter interdisciplinar, de extensão semiológica, de

vivência humana em seus múltiplos aspectos. A performance amplia a

concepção de corpo. Não há um objeto físico, mas uma qualidade semiótica,

surpreendente e fugaz.

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A performance, como diria Jocken Gerz, é uma espécie de matriz de todas as

artes; manifestação incomum de expressão, relacionada a pantomima;

questionamento do natural, proposta artística. O próprio corpo – matéria

plástica e significante – como suporte, particularizado, orientado pelo secreto,

gestos clandestinos, individuais e coletivos. Conjugação arte-corpo,

inverossímil-verossímil, nem contínuo nem linear, relação simultânea,

possibilidade de estratificação.

O desenvolvimento de uma ação com o corpo, na arte, demanda, por um lado, uma perspectiva multidisciplinar e uma concepção de retórica que é totalmente diferente da tradicional: uma retórica da ação e do movimento. /.../ Quando a arte toma a seu cargo um objeto, vai formar e acentuar o valor dessas alterações que, em última instância, constituem sua fonte nutridora. (GLUSBERG, 2013, p.64-65).

A performance é fonte de fantasmas e crise de instabilidade. Seu

desenvolvimento é uma evolução de rupturas. Relação do tempo subjetivo e do

tempo interno da experiência: labirintogórica.

As fantasias emergem no homem, as mais arcaicas a partir de acontecimentos que, como as performances, questionam o desenvolvimento normal estereotipado, as convenções dinâmicas dos membros ou os códigos instituídos de programas gestuais. Este tema constitui a base da compreensão do espectador frente à arte corporal, quer dizer, às identificações e projeções possíveis de quem vive a experiência estética. (Idem, p.65)

A bailarina Vera Sala em seus micromovimentos, desconstrói o corpo moldado,

seu corpo de bailarina. A partir daí esse corpo é um novo corpo. E Francis

Bacon (fig. 12) nos traz a teoria da desmontagem do corpo. Na desmontagem

do papa de Velásquez (fig. 13), é como se ele cavasse nas camadas da

pintura, procurando o “vazio” do dentro, o interior, o cru. Ele desconstrói a

placidez do papa, a sua altivez, buscando o seu interior, aquilo que está por

dentro. E a figura que encontramos na desconstrução solta um grito de

desespero.

Figura 12

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Francis Bacon – Estudo sobre a obra Papa Inocêncio X, de Velazquez, 1953.

Disponível em: https://artepedrodacruz.files.wordpress.com/2010/05/bacon-1953-st-aft-vs-port-of-pope-innocent-x.jpg Acesso: 12 nov. 2014.

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Figura 13

Diego Velazquez – Papa Inocencio X, 1650 (Óleo sobre tela, 140cm X 120cm)

Disponível em: http://image.slidesharecdn.com/pinturabarrocaespaola-130714175453-phpapp02/95/pintura-barroca-espaola-44-638.jpg?cb=1373825457 Acesso: 12 nov. 2014

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A pintura de Bacon deforma as imagens para nelas encontrar a imagem da imagem, a máscara da máscara, os personagens-conceitos triturados pela representação que os mata no ovo, o pensamento sem imagem ressuscita corpos e desejos mortificados numa língua terrorista. O pensamento sem imagem não seria o pensamento do desastre, que passa sempre por uma escrita-poema, ou uma escrita-dançarina, possuída ou tomada por um alfabeto que é puro ritmo, um alfabeto que ama rabear a linguagem? Um ritmo é uma onda que leva as figuras, expressões, narrativas, descritivas, à velocidade que, ao mesmo tempo, as faz e as desfaz. E esse movimento, que gagueja ficção e defecção, é o que constitui o pensamento sem imagem, o pensamento-poema. O poema por vir. O pensamento nômade como uma maneira de conceber o mundo, de experimentá-lo em sua potência, ligado à recusa de uma filosofia linear, de uma só passagem que convocaria um imaginário sedentário, pois que tudo se assemelha a um texto tornado continente e impede, em nome do rigor, introduzir na linguagem filosófica vozes de fora, estrangeiras e vizinhas, a saber, as vozes do mito e da poesia. (LINS, 2013, p. 12)

Antonin Artaud está em busca da percepção. Há em seu pensamento uma

lucidez incrível e não a experiência pela experiência como o que ocorria nos

anos 60. Artaud tinha objetivos muito claros: a busca de um novo ser e de um

novo corpo, o corpo sem órgãos – “desorganizado”. Era uma nova escritura.

Sua tentativa era desconstruir o homem formatado, engessado; colocar uma

lente na percepção; o „descondicionamento‟ dos corpos condicionados. Porque

a arte reivindica um suporte para continuar sendo imaterial.

Márcio Seligmann-Silva, na orelha do livro O corpo como suporte da arte, de

Beatriz Ferreira Pires, escreve: “O artista que elege seu corpo como „suporte‟

/.../ revive o primeiro ator da tragédia que, sob a pele de um bode, entrou em

transe dionisíaco.” (2005).

A primeira potência é inverter a posição das coisas. Para Artaud o corpo

também pensa, não só a cabeça. Ele busca um conflito primordial. O espaço

do teatro, o espaço da arte é o espaço da vida. O ator/artista é alguém em

constante processo de /des/re/construção, sempre reivindicando um novo

corpo. Para Artaud a arte é uma reconstrução de si, é de fonte dionisíaca, é ver

o mundo às avessas, se /re/inventar. Vê o palco como lugar de investigação da

natureza humana, um modo de experimentar a existência; é fratura entre

códigos, a quebra, a passagem: labirinto.

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Nas artes plásticas, Ernesto Neto, artista plástico contemporâneo, ao explorar

matérias diversas, tanto na articulação simbólica quanto formal, utilizando

força, tensão, resistência e equilíbrio com a mistura de materiais inusitados,

provoca o observador (figura 14). Há em sua obra um híbrido de escultura e

instalação. Sua obra está associada ao corpo, ao orgânico, tanto nas formas

sinuosas que remetem ao interno do organismo, quanto nos materiais

utilizados: como o tecido que se assemelha à epiderme ou aos temperos que

provocam o olfato. O público é instigado a ultrapassar a barreira do meramente

visual para interagir com a obra: tocar, cheirar, vestir fazendo dela, muitas

vezes, uma extensão do seu próprio corpo. A obra se concretiza na tensão, na

fragilidade e na dinâmica sentidas pelo corpo que a toca, que a altera. Ela se

concretiza na tensão do acontecimento, na dobra, na passagem. É o corpo que

interfere e prevalece.

Em uma das voltas do labirinto, na dobra de uma de suas passagens se dá a

tensão, essa que chamamos arte. Sensível e frágil e forte. Sensível porque se

pode perceber, frágil porque não duradoura e forte porque intensa.

Figura 14

Ernesto Neto – Torus MacroCopula, 2012 Disponivel em: http://www.designboom.com/art/ernesto-neto-madness-is-part-of-life/ Acesso: 15

nov. 2014.

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Lygia Clark, pintora e escultora mineira, integra o corpo à arte na medida em

que amplia as possibilidades de percepção sensorial em seus trabalhos. Na

obra Bichos (fig. 15) alcança a queda definitiva da bidimensionalidade – caída

no espaço.

Figura 15

Lygia Clark – Bicho invertebrado, 1960

Disponível em: http://entretenimento.uol.com.br/noticias/reuters/2013/11/22/obra-de-lygia-clark-

e-vendida-por-us-18-mi-em-leilao-de-arte-latina-em-ny.htm Acesso: 15 nov. 2014

Acima, a montagem insólita, silenciosa e eloquente é presença de um ato que

não cessa de acontecer. Bichos é um ato participativo. Deixa de ser escultura

dando um novo estágio de formação a isso que nomeamos escultura. Há o

vínculo autor-obra-espectador. Não é performance, é proposição.

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Somos os propositores; somos o molde; a vocês cabe o sopro, no interior desse molde: o sentido da nossa existência. Somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos; estamos a vosso dispor. Somos os propositores: enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a vocês para que o pensamento viva pela ação. Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado nem o futuro, mas o agora. (CLARK, 1980. p. 31)

A arte é um diálogo entre sujeitos que, cúmplices, usufruem de uma operação

compartilhada no agora. A obra é liberada de modo que o espectador exerça o

direito de composição sobre ela. A manipulação de qualquer exemplar em

Bichos, assim como caminhar pelo labirinto, exige escolhas, e feitas cada uma

resultará num diferente. A obtenção de cada resultado exige que o

“espectador” /que deixa de o ser/ coloque todo o seu corpo em funcionamento.

A ocupação espacial da obra de Clark é cambiante, fazendo com que lugar e

vazio /os incorporais/ estejam sempre em possibilidade de movimento. O

mesmo se dá com as obras da série “Trepantes”, que partindo sempre de

formas circulares recortadas chega-se a um resultado orgânico do espaço.

Para a obra de Clark não há molde e muito menos lugar certo. Todo espaço é

passível de ser lugar, e o movimento sofrido pela obra não a desconfigura, ao

contrário mostra sua natureza, que é continuar sendo, uma vez que permite o

movimento.

O artista dinamarquês Olafur Eliasson propõe processos de percepção e de

construção da realidade com obras que convidam o espectador a experimentar

fenômenos naturais como luz, cor, neblina, reflexos e orientação espacial. O

trabalho Seu Corpo da Obra é, como uma fita de Moebius, marcada pela

ambiguidade do dentro e do fora. Do mesmo modo sua obra redefine o espaço

ao redor.

Tomemos The Weather Project (Projeto do Tempo) (fig. 16), onde no enorme

salão de turbinas do Museu Tate Modern, em Londres, um gigantesco e

nebuloso sol interagia com o espectador que acabava estirado no chão para

“aquecer-se sob o astro”. Uma fina névoa rastejava pelo ambiente e a esfera

de brilho deslumbrante estabelecia a ligação entre o espaço real e a reflexão.

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Eliasson toma a paisagem onipresente como base para explorar ideias sobre

mediação, representação e experiência.

Figura 16

Olafur Eliasson – The Weather Project, 2006

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Disponível em:

http://everystockphoto.s3.amazonaws.com/olafur_eliasson_weather_1408983_o.jpg

Acesso: 15 mai. 2015

O campo visual em torno do sol é transformado em uma ampla paisagem

duotone. A falta de materialidade da instalação está enraizada na crença do

artista de que a arte pode criar espaços sensíveis, sejam individuais ou

coletivos. Em Projeto do Tempo está todo um tratado sobre experiência.

Anish kapoor, um escultor que começou a ganhar notoriedade ao explorar

novos tipos de arte a partir da década de 1980, provoca “reflexões”. Suas obras

são normalmente simples, possuindo linhas curvas e cavidades que invocam

mistério. Mexem com os opostos como terra e céu, luz e escuridão, visível e

invisível, masculino e feminino, corpo e mente. A obra Cloud Gate (figura 17)

baseada em espelhos refletindo e distorcendo traz o dentro e o fora. É uma

obra quase corporal que envolve pela cromaticidade e escala intensa. A

escultura elíptica inspirada pelo mercúrio em estado líquido não possui cor

própria, reflete o horizonte da cidade de Chicago e o movimento do espaço a

sua volta. E uma “porta” para a câmara côncava na parte de baixo convida os

transeuntes a espreitar o dentro, a tocar a superfície espelhada que devolve

sua imagem e a paisagem atrás de si a partir de uma variedade de

perspectivas. É uma obra interativa, permite que o espectador se torne parte da

arte ou fique distante deixando que o simples ato de andar, ou mesmo

balançar, mude o visual apresentado pela escultura. A experiência de mover-se

e interferir na reflexão da obra torna-o continuidade e continuador dela.

A arte contemporânea, como um caldeirão de bruxa, reúne todos os

componentes colhidos ao longo da história; permite a mistura, é livre para

escolher os ingredientes e a medida das coisas; compõe com asas de barata e

pernas de aranha; explora, logo, experimenta o movimento próprio dos

incorporais. Pois é no movimento que eles manifestam a sua potência. E o

movimento, como de nosso conhecimento, só é possível em razão do vazio,

que, sem limites, permite a expansão dos corpos.

Figura 17

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Anish Kapoor – Cloud Gate, 2004/2006

Disponível em: https://www.artsjournal.com/aestheticgrounds/wp/wp-

content/uploads/2013/05/8659744887_b04a0894c3_z.jpg Acesso: 15 mai. 2015.

Parafraseando Walter Benjamin (1994) em A doutrina das semelhanças,

dizemos que o saber oculto repousa sob a esfera da semelhança, revelando-se

ao passo que sobre ela se lance um olhar profundo. As semelhanças são

maquinações da natureza, no entanto, nós somos os que possuem a

capacidade suprema de revelá-las. A existência, regida pela semelhança,

possui vastidão. A semelhança nos destina sem que dela tenhamos

consciência. É apenas uma fração daquilo que nos determina. As que

percebemos, se comparadas àquelas das quais não temos consciência, são

partículas de uma imensidão „específica‟. Sem que possamos nos dar conta, se

correspondem naturalmente assumindo um significado decisivo que nos reflete,

nos dualiza, nos familiariza, nos individualiza, nos configura, nos prescreve,

nos preexiste.

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O encontro com a arte é um momento de percepção da queda, do giro, de uma

dobra do labirinto, de sua expressão, quando nos coloca em abismo. O

encontro não ocorre necessariamente diante da obra, talvez quase nunca

diante da obra, mas quando a imagem dela ou a memória de alguma

sensação, catapultada por ela se nos encosta. Obsessivamente tentamos reter

esse momento que nos empurra para as dobras do labirinto. Entre pulsão e

desejo tentamos cavar nessas dobras informações e sensações do presente e

do passado, raspar os elementos que, sabemos, estão em algum lugar para

compor o entrelaçamento que nos dará sustentação ou que se romperá ao

nosso peso. Somos, assim, lançados de um modo ou de outro a alguma nova

passagem. Em ato, em expansão. Não conhecemos a arquitetura do labirinto,

mas ele se /re/desenha lentamente a cada encontro, a cada experiência, num

processo de justaposição. Depois de algum tempo as novas passagens, que o

tornam cada vez mais profundo, são anunciadas por urgência e necessidade,

fazendo aparecer um sentimento que não se sabe se é desejo ou ânsia, que

por fim nos atrai e nos impulsiona. O artista ou o observador, angustiado com o

sintoma, tenta descrevê-lo, na esperança de livrar-se dele, dessa imagem

retida que o persegue e aterroriza, ameaçada de isolamento, anterioridade,

esquecimento, origem, rastro, escritura e gozo. Fernando Pessoa deixou dito

que a arte é a autoexpressão lutando para ser absoluta. A arte é mecanismo e

propulsão.

Aprender ou apreender a imagem estável /instável/, texto móvel, jogo

permanente, construção/desconstrução/reconstrução, é o desdobramento das

tentativas em raspar as dobras. É por meio do exercício de sua arte que o

artista aprende/apreende e experimenta. Isolada e esquecida a imagem

esconde a arquitetura do labirinto, mas uma vez captada pelo artista ou

observador atento, deixa encontrar suas múltiplas dimensões e desencadeia a

escritura /além da psicanálise/.

Jorge Larrosa Bondía, em seu texto intitulado “Notas sobre a experiência e o

saber de experiência” (2002), nos fala da experiência como aquilo que nos

passa, nos toca, nos acontece, e por essa razão nos forma e nos transforma.

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Para ele nós, somente enquanto sujeitos da experiência, estaremos abertos à

nossa própria transformação.

A imagem clássica de um filme de 1925, do diretor russo Sergei Eisenstein (fig.

18), onde uma mulher, atingida por um tiro, abre a boca em seu desespero de

morte, como num grito surdo, traduz essa ideia da imagem, de outra escritura

em gestação. O Encouraçado Potemkin sempre exerceu fascínio em Bacon, de

forma que de um modo ou de outro, tal imagem despertou nele essas outras

imagens que acabaram compondo parte de sua obra. Mas não se trata da

mesma imagem. O que Bacon nos dá não é uma releitura, menos ainda uma

representação do seu modo de ver, mas seu pensamento, o efeito de sua

descoberta do entre, de sua queda na brisura, o resultado das dobras do

labirinto para onde foi catapultado29, em algum momento, com aquela cena. A

imagem cavada na tela é vertiginosa, movimento oscilatório do corpo e do

entorno em relação ao corpo.

A vertigem inicial subentende a ideia, suscita a escritura30, aponta para um

processo paralelo de sublimação que depois de atravessar zonas de

instabilidade, se modifica para se deixar conhecer pelo observador atento. A

vertigem e as zonas instáveis e os processos paralelos podem surgir a

qualquer momento, sob qualquer provocação ou como em Goya, durante o

adormecimento da razão.

Durante o sono, não havia cessado de refletir sobre o que acabara de ler, mas essas reflexões tinham assumido uma feição um tanto particular; parecia-me que eu era o assunto de que tratava o livro: uma igreja, um quarteto, a rivalidade entre Francisco I e Carlos V. (PROUST, s.d. p.9)

Figura 18

29

Não se trata de ser lançado, pois o lançamento exige preparação, enquanto a catapulta retém, para num repente desarmar-se, fazendo toda a sua carga viajar, fendendo o vazio para finalmente romper/-se/. 30

Escritura aqui compreendida como ato de criação: podendo ser esculpida, musicada, pintada, lida, interpretada...

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Sergei Eisenstein - Cena do filme "Couraçado Potemkin" de 1925.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/11/1554835-critica-o-encouracado-

potemkin-de-1925-impressiona-pelo-frescor.shtml Acesso: 18 dez. 2014.

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Em outro momento, quando Swann escuta a música de Vinteuil, a pulsação da

escuta suscita nela uma escritura. Nesse sentido, segundo Paul Ricoeur (1984,

p. 214), a obra de arte nos antecede e deve ser descoberta. Logo, criar é

traduzir. Para Paul Valéry (1988, p. 355) há todo um trabalho que se

desenvolve em nós sem o nosso conhecimento: “/.../ nosso estado consciente

é um quarto que arrumam em nossa ausência.”

A labirintogoria, deveras, toma a forma do nosso estado de gozo quando o

mais íntimo de nossa alma se despoja de todo raciocínio, caminhando sozinha

pelas passagens obscuras do labirinto. Parafraseando Freud, o artista é, no

conhecimento da alma, nosso mestre, porque é em fontes inacessíveis para as

ciências que ele se abastece (1976, v. IX).

Caminhar pelo labirinto requer interrupção para pensar, para olhar e escutar,

para ir mais devagar, parar para sentir, observar os detalhes, anular o juízo, a

vontade e a automação, cultivar a atenção, preservar a delicadeza, ter

paciência, valorizar o encontro, permitir-se mais tempo e mais espaço.

A imagem de nossa alma caminhando sozinha por passagens obscuras de um

labirinto, em estado de gozo, não soa dramática, mas eroticamente derivada da

língua e do gozo. Quando a imagem ganha sentido, imediatamente se desfaz,

evanesce obrigatoriamente para continuar existindo. Porque quando adquire

total sentido encontra uma espécie de estabilidade, e a estabilidade não tem

alma, não cai no labirinto, não corre com ou de fantasmas, não busca nada,

não sonha, não se equivoca, não treme, não medra.

A labirintogoria, casualmente, reaparece não quando a convocamos, mas na

brisura da escritura, no espaço não preenchido, no espaço-tempo que ainda

não é lugar. Assim, todo artista e todo observador é uma espécie de efeito da

escritura, sem, contudo, operar unicamente como sujeito do inconsciente. Não

é o sonho, mas o deslocamento da escritura que veste o gozo. O

deslocamento, a condensação e a „figurabilidade‟ são um mergulho no

labirintogórico, para vestir a escritura. A labirintogoria marca a continuidade da

escritura e marca a sua /in/variabilidade. É outra e é a mesma. Essa

duplicidade não é de soma, de duplicação, mas como o duplo artaudiano, de

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força, de intensidade, desejo, tempo não linear, encontro fora de fusão,

fora/dentro.

O labirinto adiciona imprevisibilidade ao previsível, o que significa que o artista

ou o observador sabem, mais pelo inconsciente que pela inteligência, que a

imagem possui uma definição e que é possível chegar ao seu resultado. No

entanto, antes que a imagem se mostre, eles não a conhecem e não conhecem

a sua escritura, que se oculta nas passagens do labirinto, ignorando se há e

onde está o que poderia ser a saída. O labirintogórico ressurge quando o

artista hesita, rasura, fende, deixa um espaço, um tempo não preenchido, um

vazio, não para deixar fugir algo, mas para permitir que o observador perceba a

brisura, onde a obra “se fende”. Nesse sentido, o artista e o observador, aquele

que comunica e aquele que „aprende‟ ou „apreende‟, são efeitos da escritura.

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LINHAS DE MORTE OU DE LOUCURA

/ou Sobre a montagem como labirinto/

O hábito é o balastro que prende o cão ao seu vômito. Respirar é um hábito. A vida é um hábito. Ou melhor, a vida é uma sucessão de hábitos, porque o indivíduo é uma sucessão de indivíduos [...] «Hábito» é pois o termo genérico para os inúmeros contratos celebrados entre os inúmeros sujeitos que constituem o indivíduo e os seus inúmeros objetos correlativos. Os períodos de transição que separam as consecutivas adaptações [...] representam as zonas perigosas na vida do indivíduo, perigosas, penosas, misteriosas e férteis, em que, por um momento, o tédio de viver é substituído pelo sofrimento de ser. (Samuel Beckett, Esperando Godot)

Em Encouraçado Potemkin, de Eisenstein, a narrativa não traz um herói, mas

um conflito de classes. Eisenstein foge da lógica narrativa e ao aproximar duas

imagens acaba criando conceitos visuais. É o “princípio da montagem”.

A montagem é silenciosa e engajada nisso, no silêncio que tende justamente a

guardar, nela, o que cala. A montagem da cena não é uma invenção, mas um

encontro, uma afinação de tons para serem silenciosamente ouvidos. O

silêncio no centro da montagem, da montagem enquanto linguagem é força de

intimidação, sem a qual seu sistema aberto e imprevisível se perderia entre

ruídos.

O silêncio da montagem não é esquecimento ou ausência de palavras, mas a

tentativa de dar à cena certo tom que possa ser ouvido ainda que se desvie da

aparência a que está ligada. O silêncio da montagem é a valorização da

ausência, o suplemento do filme.

Tomemos a Nouvelle Vague com sua estética do fragmento, incorporação do

acaso, valorização da montagem, sem reservas com a descontinuidade. A

montagem do filme não é simples colagem de pedaços, mas justaposição de

partes que resultam na criação de um conceito, grávido como a diferença

derridiana, dual como o teatro artaudiano. Ela engendra correlações tornando

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inesperado aquilo que dela resulta ao mesmo tempo em que predetermina os

elementos e as circunstâncias de sua justaposição.

O fragmento é preservado na sensação e na memória como parte do todo. A

reunião da imagem na mente do espectador é resultado da construção de uma

cadeia de remetimentos. Os fragmentos se transformam em imagens e a

percepção se transforma em sensação. Tudo resulta daquilo que a montagem

sugere.

A sugestão é uma arte determinada pela ordem da montagem. Sua força se

manifesta na intenção do autor, na sua individualidade, e se funde com a

realidade do espectador/observador, a seu modo e de acordo com sua própria

experiência, sua fantasia e poder de associações. A imagem, ao mesmo tempo

em que é concebida pelo autor é criada pelo espectador. O que resulta é

deveras pessoal em cada observador, ainda que derivado da mesma

especificação partilhada por vários observadores. Embora todos sejam

testemunhas da mesma temática transmitida de forma idêntica, cada um terá

sua própria “representação”, em cada um surgirá uma imagem própria.

E agora podemos dizer que é precisamente o princípio da montagem, diferente do da representação, que obriga os próprios espectadores a criar, e o princípio da montagem, através disso, adquire o grande poder do estímulo criativo interior do espectador, que distingue uma obra emocionalmente empolgante de uma outra que não vai além da apresentação da informação ou do registro do acontecimento. Examinando esta diferença, descobrimos que o princípio da montagem no cinema é apenas um caso particular de aplicação do princípio da montagem em geral, um princípio que, se entendido plenamente, ultrapassa em muito os limites da colagem de fragmentos de filme. (EISENSTEIN, 1990, p. 29)

Para Eisenstein, a montagem na criação do autor/ator e na criação do

espectador pode levar a conclusões fascinantes. Há um encontro entre o

método de montagem e o processo interno. A arte requer circunstâncias

especiais para recriar o processo da vida.

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Em eXistenZ David Cronenberg, com a ideia de uma fatwa 31 contra um

designer de jogos de realidade virtual, cria uma estrutura complexa, labiríntica,

que termina por apagar as fronteiras entre realidade e escapismo. As

possibilidades estão acompanhadas de uma troca de sensibilidades que se

ajustam a necessidades de novos paradigmas. eXistenZ exige de nós uma

reflexão sobre transformações de hábitos culturais que permitam desenvolver

outras compreensões, para além da experiência.

Logo no início do filme a personagem principal, uma designer de jogos, nos

lança uma frase fatídica: “O mundo dos jogos se encontra em um ponto de

inflexão. As pessoas estão programadas para aceitar muito pouco, mas as

possibilidades são tão enormes...”. Esta afirmação pode ser perfeitamente

transferida do mundo dos jogos virtuais para a realidade labirintogórica, onde o

jogo derridiano é o ponto de inflexão formando as passagens do labirinto que

erigimos, onde o sentido ou a experiência não é única, estável ou permanente,

mas encontra-se permanentemente à deriva, num jogo aberto de conexões e

significação em que cada elemento presente se relaciona com algo que não

seja ele próprio, uma vez que, como preconiza Derrida, nada pode desejar-se

completo, pois sempre estará repleto de incoerências.

Podemos dizer que a labirintogoria não está na essência do método, mas na

aplicação da experiência; não está no modo como exploramos a brisura/fissura,

mas em como a percebemos. As passagens do labirinto jamais se apoiam num

fio de retorno ou outro sistema de localização, não tem uma ordem do que está

por vir e do que já passou. No labirinto não há quadros completos nem

alternância tediosa, mas propriedades determinantes, emoção genuína,

experiências, combinações, movimento. O encadeamento das passagens

labirínticas /ou da montagem/ é como o “enjambement” na poesia, onde o

desencontro entre a articulação sintática e a articulação métrica significa a

presença da pausa sintática, mais significativa do que aquela que está no início

ou da que se faz no “fim” da composição. Pausa não no sentido de ruptura,

mas de “modulação enarmônica”, ou seja, passagem de uma tonalidade a

31

Pronunciamento legal no Islã emitido por um especialista em lei religiosa, sobre um assunto específico.

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outra de acordo com necessidades naturais – a tônica não é modificada,

somente enarmonizada.

A montagem do filme é uma composição com modulações enarmônicas. Esta

ordem de enarmonização dá ao autor um considerável número de

possibilidades de produção. As pausas sintáticas ou modulações enarmônicas

são inflexões vocais ampliadas, em que o essencial se prolonga ad infinitum.

O dentro, a fissura consegue traçar uma linha de variações, onde mínimas

diferenças suscitam outros pensamentos, e novamente outros modos de sentir.

A fissura é linha de morte ou de loucura.

A fissura é o vazio que me arrebata, que me deixa em suspenso, e não há

tempo determinado, não há lugar. Não sei se é deslumbramento ou terror. A

fissura da cena está no entre, está na “montagem”, porque é na articulação da

montagem que se imprime o vazio. O vazio dá significação, é nele que eu

encontro a sugestão, a possibilidade que é potência.

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A LABIRINTOGORIA COMO O PRINCÍPIO DA EXPERIÊNCIA

/ou A experiência como consequência e condição/

/.../ fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, “fazer” significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, 2003, p. 143)

Segundo Larrosa (2002), a experiência é um saber particular, subjetivo,

relativo, contingente e pessoal. Não é aquilo que acontece, mas o que nos

acomete. E o mesmo acontecimento é diferente para um e para outro sujeito,

pois a ele estão sujeitos de modo diverso e não fazem a mesma experiência. O

acontecimento é o mesmo, mas para cada um a experiência é singular e,

mesmo para o mesmo sujeito, não será jamais repetida. Ela é como o punctum

bathesiano, o ponto imagético que nunca é o mesmo para um e outro

observador ou ainda, nunca é o mesmo para o mesmo observador, porque se

desenvolve de modo diverso a cada olhar. A experiência é algo que não pode

ser separada daquele que a encarna. Não está fora de nós como o saber

científico, “/.../ mas somente tem sentido no modo como configura uma

personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma

humana singular de estar no mundo /.../” (Idem, p. 27).

A experiência é o que se obtém no modo como respondemos ao que nos

sucede e no sentido que atribuímos ao acontecimento. Ter experiência não é

saber a verdade das coisas, mas conhecer o sentido do que nos acomete. A

experiência é singular e produz diferença ao mesmo tempo em que produz

pluralidade. A experiência nunca se repete, não é previsível, não pode ser

reduzida; não pode ser antecipada, prevista; é uma passagem para o

desconhecido, só conhecido na experiência.

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/.../ a experiência é, em espanhol, “o que nos passa”. Em português se diria que a experiência é “o que nos acontece”; em francês a experiência seria “ce que nous arrive”; em italiano, “quello che nos succede” ou “quello che nos accade”; em inglês, “that what is happening to us”; em alemão, “was mir passiert”. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. /.../ Se escutamos em espanhol, nessa língua em que a experiência é “o que nos passa”, o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície sensível que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos. Se escutamos em francês, em que a experiência é “ce que nous arrive”, o sujeito da experiência é um ponto de chegada, um lugar a que chegam as coisas, como um lugar que recebe o que chega e que, ao receber, lhe dá lugar. E em português, em italiano e em inglês, em que a experiência soa como “aquilo que nos acontece, nos sucede”, ou “happen to us”, o sujeito da experiência é sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos. (LARROSA, 2002, p. 21 e 24)

A possibilidade da experiência é a possibilidade da existência. A experiência é,

como a unidade no pensamento estoico, constituída de outras que se dispõem

num entrelaçamento complexo e podem ser compreendidas a partir da noção

de acontecimento. E assim como a diferença, não pode ser fixada. É uma linha

de fuga, é outra coisa, o porvir, é o texto lido de outra maneira, é a máquina de

guerra deleuziana contra o instituído de verdades absolutas.

Assim como no movimento dos incorporais, há na experiência um jogo que

pode estar na causa e certamente está no efeito; um hábito, um resultado, uma

força que não se esgota e, bem como os incorporais, inexiste fisicamente. É

um ato, e à semelhança do vazio /incorporal estoico/ não possui limites, não

oferece resistência, colabora para o movimento. Não possui forma e nem é

disforme, assegura a possibilidade de expansão, não pode ser tocada, só pode

ser vivida. No estoicismo o corpo é quem torna possível o movimento,

felizmente, pois é o movimento quem torna possível a experiência, onde os

incorporais se dão a conhecer. A experiência não possui relação com o

conhecimento dialético, não é uma contemplação, mas uma transposição

íntima.

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A experiência me dá o fármaco, a escritura, o suplemento, o jogo e o rastro

para finalmente me permitir a Labirintogoria – nela embrionária e dela genitora.

Desse modo a arte, que se constitui por brisuras e as transforma em princípio

movente, é lugar onde a experiência pode ser vivida, uma vez que é capaz de

anunciar o transbordamento e libertar o pensamento de qualquer

encerramento. Como já disseram os estoicos, a arte é a intermediária entre a

percepção comum e o conhecimento, acabando por se tornar em um sistema

de percepções que a experiência reúne com o desejo de um fim útil para a

vida.

É pela experiência que aprender e/ou apreender se torna possível, porque ela

nos ajuda a perceber o entre, o vazio, o tempo, o lugar e o exprimível; permite-

nos a multiplicidade de instintos e a perícia geradora, ou seja, a Labirintogoria,

que avulta a experiência e é avultada por ela.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

/.../ Nietzsche o compara não só à orelha circular mas ao anel nupcial. Assim o labirinto é o anel, a orelha, o próprio Eterno Retorno que se diz do que é ativo ou afirmativo. O labirinto já não é o caminho no qual nos perdemos, porém o caminho que retorna. O labirinto já não é o do conhecimento e da moral, e sim o da vida e do Ser como vivente. Quanto ao produto da união de Dioniso com Ariadne, é o além-do-homem ou o além-do-herói, o contrário do homem superior. O além-do-homem é o vivente das cavernas e dos cumes, a única criança que se concebe pela orelha, o filho de Ariadne e do Touro.

(DELEUZE, 1996)

Reza a lenda que certa vez Louis Armstrong foi interrogado sobre “o que é

jazz?”, e teria respondido: “Man, if you have to ask, you‟ll never know”. Esta

resposta tornou-se autoridade para dizer que não há uma única definição viável

para Jazz. Não existe uma lista única de características essenciais para defini-

lo. Nesse sentido a Labirintogoria é conhecimento apenas na medida em que

não possui um significado determinado, definido. É movimento unicamente pela

sua capacidade de não estar amarrada, contida, fixa em um conteúdo. Porém,

assim como o Jazz, “improvisação” é para ela uma definição deturpada, pois

não se opõe a objetivos e não contradiz uma ideia de registro. Acreditar que

músicos de Jazz simplesmente improvisam do nada é um tanto quanto

“primitivo”, uma vez que se liga à ideia de algo “instintivo”, “inconsciente”. O

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Jazz não é espontâneo e inocente e nem o músico uma espécie de místico. Do

mesmo modo a labirintogoria é resultado de uma preparação, treinamento,

habilidade, devoção. É tudo aquilo que, agregado, chamamos de experiência, e

para além dela a continuação.

Os bares de Jazz eram o local para onde os músicos iam depois de suas

apresentações pela noite, para juntos concentrarem-se em aprender novas

técnicas. E o que foi chamado de “improvisação” era, na verdade, o que se

pode definir como preocupação primordial com uma dinâmica ininterrupta. É

assim que a Labirintogoria pode ser compreendida, como uma dinâmica

ininterrupta que entra em movimento a partir do vazamento de algo através de

um vinco, de uma brisura. A captura desse algo é apreensão, „experienciação‟

que, como um projétil disparado, percorre seu caminho influenciado apenas

pela variação da Energia Potencial Gravitacional 32 , e sem nenhuma

possibilidade de retorno.

Disparado o primeiro acorde, outros se manifestam e tantos outros se fazem

possíveis, elaborando escrituras labirínticas, redes infinitamente articuladas.

Jogo. Dança. Erige-se uma arquitetura fractal, cuja lógica só pode ser

percebida pela mais fina dança incorporal no jogo dos sentidos.

Então a labirintogoria pode ser o princípio da experiência e como experiência

uma perturbação, um mal de arquivo.

A perturbação do arquivo deriva de um mal de arquivo. Estamos com um mal de arquivo (en mal d'archive). Escutando o idioma francês e nele, o atributo de "en mal de", estar com mal de arquivo, pode significar outra coisa que não sofrer de um mal, de uma perturbação ou disso que o nome „mal‟ poderia nomear. É arder de paixão. É não ter sossego, é incessantemente, interminavelmente procurar o arquivo onde

32 A energia potencial gravitacional é uma forma de energia associada à posição em relação a um referencial, sendo que neste caso, há a interação gravitacional entre a Terra e um determinado corpo. Uma energia potencial ou energia armazenada por um corpo pode ser traduzida como a capacidade que este corpo detém de realizar trabalho. Trata-se de uma energia associada ao estado de separação entre dois objetos que se atraem mutuamente através da força gravitacional. O acréscimo desta energia será igual ao trabalho aplicado em direção ao corpo, o que permite concluir que o trabalho realizado sobre o corpo é igual à variação da energia potencial sofrida pelo corpo. (DA SILVA, Domiciano Correa Marques. Energia Potencial Gravitacional e Elástica. Disponível em: <http://www.alunosonline.com.br/fisica/energia-potencial-gravitacional-e-elastica.html>. Acesso em: 25 mai. 2015)

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ele se esconde. É correr atrás dele ali onde, mesmo se há bastante, alguma coisa nele se anarquiza. É dirigir-se a ele com um desejo compulsivo, repetitivo e nostálgico, um desejo irreprimível de retorno à origem, uma dor da pátria, uma saudade de casa, uma nostalgia do retorno ao lugar mais arcaico do começo absoluto. (Derrida, 2001, p.118)

E não se trata de afetação, mas de experiência, experienciar, elaborar,

/des//re/construir. Não se trata de contingência, mas de condições de

possibilidade de apreender, e compreender que aprender não se encerra com

um saber. Mas que iniciar o movimento é o ato mais importante, pois uma vez

em movimento o espírito já se perdeu /experimentou/, e retroceder é uma

possibilidade inexistente. O impulso inicial liberta da clausura, desembaraça

dos artifícios e impedimentos das representações, do superficial, do pronto e

acabado, desfaz os entraves, liberta do que imobiliza. E a própria vertigem do

labirinto reativa o movimento, nos ensinando a nos deslocarmos para o devir,

que estará sempre em devir.

A experiência /o aprender/ está associada à Ideia, àquilo que é externo e

interno, de fora para dentro e de dentro para fora. Podemos ainda tomá-la

como a desconstrução derridiana, uma vez que desmantela e reinscreve, não é

destruída, mas ganha uma nova estrutura e diferente funcionamento.

A labirintogoria se aproxima do incorporal exprimível na medida em que, pela

experiência, é resultado de um julgamento, pertence a uma lógica no sentido

de que é a afirmação de uma propriedade, de uma experiência.

A labirintogoria está para escritura e, como o exprimível, uma representação

„racional‟, construída pelo pensamento na reunião dos objetos sensíveis que a

ela são dados. É uma proposição de fato, representação racional do

acontecimento, e nesse sentido matéria de uma lógica. Sugere um

acontecimento que se afasta do permanente, está em perpétua mudança. É

uma coleção de fatos e, como a desconstrução derridiana, não destrói, ao

contrário consiste num desfazimento sem destruir, resistindo ao domínio do

logos, sempre em possibilidade de. É um duplo. Concomitância.

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Pensemos, finalmente, na labirintogoria como possibilidade, processo de

aclaramento, construído de inúmeras e inimagináveis ramificações, que num

continuum oferece acesso a novas elaborações retiformes. É um idioma33,

capaz de captar o objeto sensível, pensá-lo e de algum modo exprimi-lo.

Aquilo que é labirintogórico se faz notar como um fantasma – que dá a ver e

que permite ver através – e pode ser percebido pelos sentidos. Concêntrica e

ininterrupta a labirintogoria é sempre superação, conhecimento. E inseparável

daquilo que coloca em cena, acontecimento segundo sua essência,

proposição. É o sujeito que se faz na junção.

A labirintogoria é produtora de cenários. O pensamento labirintogórico não

pertence a uma lógica; possui o devir dançante de que falamos, em que a

interação entre os corpos é de tal forma harmônica que a coreografia nasce

espontânea, brotando em cada gesto no movimento que o ordena. A

labirintogoria exige a seriedade e a paciência de uma reflexão infinita.

Entre as arestas da parede, entre as paredes do labirinto, entre as curvas, as

voltas, com a /in/decisão de cada escolha, se desenha e se apaga, de luz

entrecortada, com a mesma lentidão, um fantasma, uma escritura, dilacerante,

assombrada por um desejo de eternidade e atormentada por uma sempre

possível eminente abolição, cuja emergência, acompanhada de catastrófica

ameaça, possui a dimensão suplementar que se desenvolve de diferentes

formas. LA BI RIN TO GÓRICA.

33

Sexto Empírico nomeia idioma a característica própria que diferencia a representação compreensiva /verdadeira/ da representação comum, onde habita a qualidade própria que distingue um objeto de outro.

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111

RAIZ DE GENGIBRE

Disponível em: http://i01.i.aliimg.com/img/pb/052/680/314/314680052_309.jpg Acesso: 18 mai.

2015.

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CHÃO CRAQUELADO

Disponível em: http://thumbs.dreamstime.com/x/lago-seco-7705933.jpg Acesso: 18 mai. 2015.

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ÍRIS

Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/-VbHOfssNXgA/Uh-

PtGAfWmI/AAAAAAAAACE/tUzXywG-QCg/s1600/iris+face.jpg Acesso: 18 mai. 2015.

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MATRIOSKA

Disponível em: http://wiki.deldebbio.com.br/images/Matrioska.jpg Acesso: 18 mai. 2015.

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115

DENTE DE LEÃO

Disponível em: http://www.bolsademulher.com/files/2014/04/cha-dente-leao-emagrece-

desintoxica-organismo-1.jpg Acesso: 18 mai. 2015.

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FLOCO DE NEVE

Disponível em: http://hypescience.com/wp-content/uploads/2013/11/snowflake.jpg Acesso: 18

mai. 2015.

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CORPO HUMANO

Disponível em: http://obutecodanet.ig.com.br/index.php/2009/05/11/imagens-transparentes-do-

corpo-humano-como-dificilmente-vemos/ Acesso: 18 mai. 2015.

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GIRASSOL

Disponível em: http://blog.giulianaflores.com.br/wp-content/uploads/2013/07/Girassol.jpg

Acesso: 18 mai. 2015.

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119

FORMAÇÃO DE NUVENS DE FURACÃO

Disponível em: http://www.emtemporeal.com.br/imagens/galeria/furacao%281%29.jpg Acesso:

18 mai. 2015.

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DISPOSIÇÃO DAS ESTRELAS NA GALÁXIA

Disponível em: http://www.fcnoticias.com.br/qual-a-forma-da-via-lactea/ Acesso: 18 mai. 2015.