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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE
O ACESSO À JUSTIÇA E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO
DE CONFLITOS: UM ESTUDO DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO
Autor: João Batista Fernandes Zizuino
Orientador: Prof. Dr. Sergio Torres Teixeira
Recife
2019
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João Batista Fernandes Zizuino
O ACESSO À JUSTIÇA E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO
DE CONFLITOS: UM ESTUDO DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO
Recife
2019
Monografia apresentada como Trabalho de
Conclusão do Curso de Bacharelado em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Área de Conhecimento: Direito Processual Civil,
Acesso à Justiça.
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João Batista Fernandes Zizuino
O Acesso à Justiça e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos: um Estudo da
Conciliação e da Mediação.
Monografia Final de Curso
Para Obtenção do Título de Bacharel em Direito
Universidade Federal de Pernambuco/CCJ/FDR
Data de Aprovação:
_________________________________________
Prof.
_________________________________________
Prof.
_________________________________________
Prof.
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Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no
caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue
ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. Em
verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não
pagares o último ceitil.
(Mateus, 5, 25-26)
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RESUMO
O presente trabalho aborda o tema do acesso à justiça sob a ótica dos métodos adequados de
solução de conflitos – MASCs no âmbito do Direito Processual Civil, sendo objeto de nossa
pesquisa os institutos da conciliação e da mediação. Inicialmente busca-se contextualizar o
tema do acesso à justiça partindo da organização das sociedades primitivas diante dos
conflitos de interesses, o que resultou na organização do Estado e do Direito. Discorremos a
respeito das três formas de resolução de conflitos classificadas pela doutrina: autotutela,
autocomposição e heterocomposição. Analisamos o Projeto de Florença, a pesquisa realizada
por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na qual identificaram barreiras para o acesso à justiça e
apresentaram propostas para a superação. Fizemos uma análise comparativa do modelo
contencioso e o de justiça coexistencial. Tecemos uma breve evolução histórica dos institutos
da conciliação e da mediação chegando até a regulamentação atual a partir da Resolução nº
125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, depois na Lei de Mediação e no Código de
Processo Civil – CPC/2015. Abordamos também os princípios informadores dos referidos
institutos constantes na legislação processual. Em seguida trabalhamos o conceito de “tribunal
multiportas” para o acesso à justiça e analisamos as semelhanças e diferenças entre a
conciliação e a mediação. Por fim, discorremos a respeito dos desafios atuais para a
implementação dos métodos autocompositivos de solução de conflitos.
PALAVRAS-CHAVE: Acesso à Justiça; Autocomposição; Conciliação; Mediação; Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos; Tribunal Multiportas; Código de Processo Civil.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................6
CAPÍTULO 1
ACESSO À JUSTIÇA................................................................................................................9
1.1 Delimitação e contextualização do tema...............................................................................9
1.2 Conceito de acesso à justiça................................................................................................10
1.3 A organização da sociedade diante dos conflitos de interesses..........................................11
1.4 Meios de composição de conflitos......................................................................................13
1.4.1 Autotutela.............................................................................................................13
1.4.2 Autocomposição...................................................................................................13
1.4.3 Heterocomposição................................................................................................14
1.5 O Projeto de Florença e as ondas renovatórias no acesso à justiça.....................................15
1.5.1 Primeira onda renovatória: assistência judiciária.................................................16
1.5.2 Segunda onda renovatória: representação jurídica para os interesses
difusos...........................................................................................................................17
1.5.3 Terceira onda: enfoque de acesso à justiça........................................................18
CAPÍTULO 2
MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS..............................................20
2.1 Breve histórico da mediação...............................................................................................20
2.2 Breve histórico da conciliação............................................................................................21
2.3 Modelo contencioso vesus justiça coexistencial.................................................................23
2.4 A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça...............................................24
2.5 Princípios informadores da conciliação e da mediação......................................................26
2.5.1 Independência.......................................................................................................26
2.5.2 Imparcialidade......................................................................................................28
2.5.3 Autonomia da vontade.........................................................................................29
2.5.4 Confidencialidade.................................................................................................30
2.5.5 Oralidade..............................................................................................................31
2.5.6 Informalidade.......................................................................................................31
2.5.7 Decisão informada................................................................................................32
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CAPÍTULO 3
O INSTUTUTO DA CONCILIAÇÃO.....................................................................................34
CAPÍTULO 4
O INSTUTUTO DA MEDIAÇÃO...........................................................................................36
4.1 A Lei de Mediação..............................................................................................................37
CAPÍTULO 5
O CONCEITO DE “TRIBUNAL MULTIPORTAS” PARA O ACESSO À
JUSTIÇA...................................................................................................................................41
5.1 Semelhanças e diferenças entre conciliação e mediação....................................................41
5.2 Desafios na implementação dos métodos adequados de solução de conflitos....................43
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... .........46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................49
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LISTA DE SIGLAS:
Art. – Artigo
CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania
CF – Constituição Federal
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CPC – Código de Processo Civil
ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados
Inc. – Inciso
MASCs – Métodos Adequados de Solução de Conflitos
NUPMEC – Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
ONU - Organização das Nações Unidas
PLS – Projeto de Lei do Senado
UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional
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INTRODUÇÃO
Diante do descontentamento da sociedade em relação às dificuldades enfrentadas pelo
Poder Judiciário em atender a contento as demandas por justiça, especialmente por conta da
morosidade dos julgamentos, vem se buscando, nos últimos tempos, alternativas que
viabilizem a resolução dos conflitos de interesses e estabeleçam a paz social.
Assim, para alcançar a efetiva pacificação com justiça, que é a finalidade última do
Direito, torna-se necessário a promoção de reformas estruturais e processuais que possibilitem
o tratamento adequado às diversas demandas levadas ao Judiciário. Nesse contexto
apresentam-se os métodos consensuais de resolução de conflitos, instrumentos que vêm se
mostrando bastantes eficazes na promoção da justiça e da cultura de paz.
Desse modo, o presente trabalho aborda o tema do acesso à justiça sob a ótica dos
métodos adequados de solução de conflitos – MASCs, sendo objeto de nosso estudo os
institutos da conciliação e da mediação na seara do Direito Processual Civil.
Quanto à metodologia, o presente trabalho fundamenta-se na pesquisa bibliográfica,
tendo em vista que foram utilizados como fontes de pesquisa vários livros, artigos científicos,
revistas jurídicas, sites especializados e outras publicações que trabalham o tema do acesso à
justiça e dos métodos adequados de solução de conflitos.
Foi também amplamente consultada a legislação pertinente, sobretudo, a normatização
dos institutos da conciliação e da mediação a partir do advento da Resolução nº 125/2010 do
Conselho Nacional de Justiça – CNJ, bem como a disciplina constante no Código de Processo
Civil – CPC/2015 (Lei nº 13.105/2015) e na Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015).
Organizamos o nosso trabalho em cinco capítulos. No primeiro deles tratamos do
acesso à justiça, buscando inicialmente conceituar, contextualizar e delimitar a abordagem
que faremos do tema. Assim, partimos da organização das sociedades primitivas diante dos
conflitos de interesses, mostrando como essa dinâmica resultou na organização do Estado e do
próprio Direito. Em seguida discorremos a respeito das três formas de resolução de conflitos
classificadas pela doutrina: autotutela, autocomposição e heterocomposição.
Ainda no primeiro capítulo analisamos o Projeto de Florença, a pesquisa realizada por
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na década de 1970, que resultou na clássica obra intitulada
“Acesso à Justiça”, a qual foi leitura fundamental para realização do presente trabalho.
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Em sua pesquisa, que contou com colaboradores em várias partes do mundo, Mauro
Cappelletti e Bryant Garth identificam as principais barreiras que dificultam o acesso à justiça
e apresentam soluções práticas, as quais os autores denominaram de “ondas renovatórias para
o acesso à justiça”. A primeira delas enfoca na assistência judiciária aos hipossuficientes, a
segunda na representação jurídica para os interesses difusos, e a terceira onda renovatória tem
seu enfoque no efetivo acesso à justiça.
No segundo capítulo buscamos fazer uma abordagem específica dos métodos
adequados de solução de conflitos – MASCs, discorrendo brevemente a respeito da evolução
histórica dos institutos da conciliação e da mediação, abarcando desde o seu surgimento nas
sociedades primitivas até a sua configuração atual na legislação pátria.
Em seguida fizemos uma análise comparativa do modelo contencioso e o de justiça
coexistencial. A justiça contenciosa ou jurisdicional ainda é o modelo mais utilizado para a
resolução das controvérsias, sendo marcado pela disputa das partes envolvidas, onde o
conflito é resolvido na lógica do sistema “ganha-perde”. A justiça coexistencial, por outro
lado, preocupar-se com todos os aspectos que envolvem o conflito, tendo como objetivo
principal “curar” a situação conflituosa preservando as relações.
Ainda no segundo capítulo reservamos um tópico específico para discorrer a respeito
da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da qual foi
instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses.
A Resolução nº 125/2010 do CNJ, é considerada um marco histórico na
implementação dos MASCs no Brasil, uma vez que até então o Judiciário fundamentava a sua
proposta jurisdicional no modelo contencioso. Somente a partir da edição da referida
Resolução é que se inicia o um processo mais efetivo de incentivo a solução de conflitos
através dos métodos autocompositivos, como a conciliação e a mediação.
Ao final do segundo capítulo trabalhamos os princípios informadores da conciliação e
da mediação estabelecidos no CPC/2015, como forma de introduzir a abordagem dos
institutos feita nos próximos capítulos do trabalho.
Desse modo, no terceiro e no quarto capítulos abordamos, respectivamente, os
institutos da conciliação e da mediação. A conciliação é frequentemente confundida com a
mediação, embora se tratem de métodos consensuais distintos.
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Na conciliação o conflito é trabalhado de forma superficial, uma vez que o objetivo
imediato é o encerramento da disputa por meio da formulação de um acordo entre as partes.
A mediação, por sua vez, é um instituto bem mais complexo utilizado no tratamento de
conflitos que envolvem relações que se protraem no tempo, buscando, por isso, preservar os
vínculos afetivos ou de convivência.
Ainda no quarto capítulo trabalhamos a Lei de Mediação em tópico específico devido
a sua importância para a institucionalização desse método autocompositivo no Brasil. Embora
na prática a mediação já viesse sendo utilizada há um bom tempo, a sua regulamentação por
meio da Lei nº 13.140/2015 foi medida necessária para que esse instituto pudesse ser
definitivamente legitimado em nosso ordenamento jurídico.
No quinto e último capítulo, abordamos, especificamente, o conceito de “tribunal
multiportas” para o acesso à justiça. O termo “tribunal multiportas” faz referência à maneira
eficiente de gerenciar as diversas demandas que chegam ao Judiciário, no sentido de
direcionar os processos de acordo com as suas características para os mais adequados meios
de solução de conflitos, seja o processo contencioso ou métodos autocompositivos.
É fato incontestável que a implementação dos meios autocompositivos e mais
adequados para solucionar os conflitos sociais vem reduzindo a excessiva judicialização, a
quantidade de recursos e de execução de sentenças.
Assim, o presente trabalho tem como objetivo evidenciar a conciliação e a mediação
como meios adequados para a pacificação de boa parte dos conflitos sociais, resolvendo-os de
maneira mais rápida e efetiva. Além disso, a importância da promoção dos métodos
autocompositivos de solução de conflitos vem do fato de que eles promovem efetivamente a
cidadania na medida em que a decisão das partes, reconhecida como soberana, é homologada
pelo Poder Judiciário.
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CAPÍTULO 1
ACESSO À JUSTIÇA
De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a noção de acesso à justiça serve
para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: proporcionar acesso igualitário a
todos e produzir resultados individual e socialmente justos.1 Diante de tão nobres objetivos,
torna-se necessário o aprofundamento dos estudos sobre o tema com o intuito de identificar
alternativas que ampliem o efetivo acesso à ordem jurídica justa.
As formas consensuais de resolução de conflitos como a conciliação, a mediação e a
arbitragem vêm, nos últimos anos, sendo estudadas sob a perspectiva dos conhecimentos
científicos denominados alternative dispute resolution – ADRs, traduzido para o português
como “resolução alternativa de disputas” – RAD, ou meios alternativos de solução de
conflitos – MASCs.2
Observa-se, no entanto, uma mudança conceitual na medida em que a letra A na sigla
“ADR” (alternative dispute resolution) passou a ser considerada “appropriate” (apropriada,
adequada),3 evidenciando que para resolução das complexas demandas sociais é necessário
oferecer tratamento diferenciado através de métodos adequados de solução de conflitos –
MASCs. Assim, os institutos da conciliação, mediação e arbitragem apresentam-se como
alternativas adequadas que vêm contribuindo para a ampliação do aceso à justiça.
1.1 Delimitação e contextualização do tema
Tendo em vista a abrangência e complexidade do tema do acesso à justiça, cumpre-nos
inicialmente delimitar a abordagem que faremos no presente trabalho. Pretendemos analisar o
acesso à justiça sob a ótica dos métodos adequados de solução de conflitos – MASCs, no
âmbito do Direito Processual Civil, sendo objeto de nossa pesquisa especificamente os
institutos da conciliação e da mediação.
Assim como a jurisdição contenciosa os métodos consensuais de solução de conflitos
são meios que o cidadão dispõe para o acesso à justiça, sendo a “pacificação social com
justiça” 4 o principal objetivo da ordem jurídica justa. Desse modo, tendo em vista a
pacificação com justiça, nos últimos tempos, de acordo com Cintra, Pellegrini e Dinamarco,
1 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2015, p. 08). 2 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 167).
3 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 170). 4 CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 33).
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“vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante
que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes”. 5
Nesse contexto a sociedade vem fazendo uso dos MASCs como alternativas eficazes
para a resolução dos conflitos de interesses, sendo a mediação e a conciliação meios
consensuais que vêm ampliando o acesso ao Judiciário. Nosso trabalho, portanto, objetiva
estudar a contribuição desses métodos adequados de solução de conflitos para o acesso à
ordem jurídica justa.
1.2 Conceito de acesso à justiça
De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth, nos estados liberais burgueses dos
séculos XVIII e XIX entendia-se o acesso à justiça essencialmente como “o direito formal do
indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação”.6 Buscava-se afastar o máximo possível
a interferência do Estado na vida do indivíduo visando o exercício pleno do direito de
propriedade. O direito, então, fundamentava-se na igualdade formal entre os indivíduos,
desconsiderando eventual desequilíbrio nas relações.
Assim, de acordo com Cappelletti e Garth, durante os séculos XVIII e XIX o Estado
não se incumbia de proporcionar maneiras que viabilizassem o acesso à justiça e o exercício
pleno dos direitos de forma eficaz. Assim, de acordo com os referidos autores, naquele
momento “o acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas
formal, mas não efetiva”.7
Essa realidade começa a mudar quando surgem no século XX os primeiros
movimentos pelo reconhecimento dos direitos sociais. A partir de então o acesso à justiça
começa a focar na coletividade, enfatizando os direitos sociais básicos a serem garantidos
pelo Estado de Direito. É nesse momento que a preocupação com a efetividade do processo
começa a aparecer nos estudos jurídicos. Ao analisar a preocupação com o efetivo “acesso à
justiça”, Boaventura de Souza Santos afirma que:
Foi, no entanto, no pós-guerra que esta questão explodiu. Por um lado, a
consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão
paralela à do Estado de bem-estar transformou o direito ao acesso efetivo à justiça
num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais.
5 CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 33).
6 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2015, p. 09). Grifo dos autores. 7 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2015, p. 09).
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Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos
direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e
função mistificadores.8
Desse modo, o conceito jurídico atual de acesso à justiça vai além do sentido liberal
burguês que se restringia ao direito de postular em juízo. Significa, sobretudo, o direito a um
processo que respeita as garantias processuais, assegurando uma duração razoável e que
produza decisão justa e efetiva na vida dos jurisdicionados.
De acordo com Cappelletti e Garth, “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado
como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico
moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos”.9
Susana Bruno ressalta que o processualista pernambucano Francisco Paula Batista,
ainda no início do século XX, ao discorrer sobre as “condições inerentes ao processo”, já
estabelecia que: “Brevidade, economia, remoção de todos os meios maliciosos e supérfluos,
taes são as condições que devem acompanhar o processo em toda a sua marcha”.10
A Constituição Federal – CF/88 consagrou o acesso à justiça como direito
fundamental quando estabeleceu no art. 5º, inc. XXXV, que: “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de direito”. Ainda em seu preâmbulo CF/88 afirma que
o Estado Democrático brasileiro fundamenta-se, dentre outras coisas, na solução pacífica das
controvérsias.
De acordo com José Renato Nalini, contemplando o “acesso à justiça” no Estado
Democrático a constituição “elege a Justiça como um dos valores supremos de uma sociedade
que se pretende fraterna e pluralista, o que não permite deixar de anunciar a inafastabilidade
do controle jurisdicional”.11
1.3 A organização da sociedade diante dos conflitos de interesses
Há uma clássica expressão latina que denota bem a intrínseca relação entre convívio
em sociedade e o estabelecimento das normas jurídicas: ubi societas ibi jus e ubi jus ibi
societas. De forma resumida o referido brocado afirma que “onde há sociedade há direito”,
8 SANTOS, Boaventura de Souza (2007, p. 31), apud BRUNO, Susana (2012. p. 31). 9 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2015, p. 12).
10 BAPTISTA, Francisco Paula (1910. p. 66), apud BRUNO, Susana (2012. p. 32). 11 NALINI, José Renato, apud NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 20).
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evidenciando que é condição fundamental o estabelecimento de normas para que seja possível
a convivência em sociedade diante dos inevitáveis conflitos de interesses.
Assim, ao longo do tempo, os primeiros grupos humanos foram organizando normas
para viabilizar o convívio social. Dessa forma, uma vez admitidas e aceitas pela coletividade,
as normas estabelecidas tornavam-se de cumprimento obrigatório por todos os indivíduos.
Nesse contexto surge o Estado para estabelecer a organização política e resolver os
conflitos de interesses, viabilizando a convivência em sociedade. De acordo com José Cichoki
Neto, “o nascimento do Estado praticamente coincide com o surgimento do Direito e, ambos,
com a criação de mecanismos para a existência do primeiro e a realização do último”.12
Assim, com o seu fortalecimento, o Estado passa a restringir o direito da autotutela,
tomando para si o monopólio do uso da força e a atribuição de ditar as regras de convívio
social, além de julgar e impor punições pelo descumprimento das leis estabelecidas.
Desse modo, o exercício arbitrário das próprias razões foi proibido e criminalizado.
Ao Estado de Direito compete, portanto, o monopólio da força; resolução dos conflitos de
interesses com o estabelecimento das regras de conduta e a imposição coercitiva do seu
cumprimento. De acordo com Sylvio Motta e Gustavo Barchet:
O Estado contemporâneo chama para si o monopólio da justiça, procurando evitar a
autotutela indiscriminada que remonta ao barbarismo. Não obstante a legislação
admita, excepcionalmente, a autotutela (legítima defesa, estado de necessidade,
desforço pessoal em esbulho possessório, entre outras), a regra constitucional em
análise exige a submissão ao poder Judiciário de todo e qualquer conflito de
interesse juridicamente relevantes, a fim de que se promova a heterocomposição
jurisdicional.13
Portanto, tendo o Estado outorgado a si mesmo a atribuição de estabelecer as regras de
conduta e julgar os conflitos sociais, coube-lhe também disponibilizar os meios necessários
para a sua efetivação.14
É importante salientar que nesse primeiro momento o Estado de Direito não se
mostrava preocupado em atingir efetivamente os “escopos sociais, políticos e jurídicos da
12
CICHOKI NETO, José, apud BRUNO, Susana (2012, p. 25). 13 MOTTA, Sylvio; BARCHET, apud NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 10-11). 14 BRUNO, Susana (2012, p. 26).
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pacificação social”. 15
Os procedimentos formais limitavam-se a regular o direito individual
no sentido de apenas garantir a postulação de uma demanda em juízo e de contestar
pretensões, assegurando a punição àqueles que descumpriam as leis estabelecidas.
1.4 Meios de composição de conflitos
De acordo com a doutrina, as formas de resolução de conflitos sociais podem ser
classificadas, fundamentalmente, em três grupos: a autotutela, autocomposição e
heterocomposição. Discorreremos brevemente a respeito de cada uma deles.
1.4.1 Autotutela
A autotutela é considerada a forma mais primitiva de solução de conflitos,16
consistindo, basicamente, em “fazer justiça com as próprias mãos”, sem interferência de
terceiros ou do Estado. Assim, por meio do uso da força o indivíduo mais forte promovia a
autotutela fazendo prevalecer a sua vontade sobre os demais.
De acordo com Cintra, Pellegrini e Dinamarco, analisando a autotutela “do ponto de
vista da cultura do século XX, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a
justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais
tímido”.17
Muito embora a autotutela figure, em regra, como crime no ordenamento jurídico
pátrio, seja quando praticada pelo particular (exercício arbitrário das próprias razões, art. 345,
do Código Penal), seja quando praticada pelo próprio Estado (exercício arbitrário ou abuso de
poder, art. 350, do Código Penal), ela ainda é admitida em alguns casos excepcionais, tendo
como exemplos, o desforço imediato daquele que vê sua propriedade violada (Art. 1.210, §1º,
do Código Civil), o estado de necessidade (Art. 188, inc. II, do Código Civil), e a legítima
defesa (Art. 25, do Código Penal), sendo o excesso desses atos considerado crime.
1.4.2 Autocomposição
Já no caso da autocomposição, o conflito é solucionado sem o uso da força. Assim, por
meio do diálogo, com ou sem a intervenção de terceiro, as partes chegam a um consenso para
15
CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 32). 16 NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 8). 17 CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 29).
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a resolução do litígio. De acordo com Cintra, Pellegrini e Dinamarco, na autocomposição
“uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do interesse ou de parte dele”.18
Discorrendo sobre o tema, ensina Fredie Didier que:
A autocomposição é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo
de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em
favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Considerada, atualmente,
como legítimo meio alternativo de pacificação social (art. 3º, § 2º, do CPC).
Avança-se no sentido de acabar com o dogma da exclusividade estatal para a
solução dos conflitos de interesses, podendo ocorrer fora ou dentro do processo
jurisdicional.19
Ainda de acordo com Cintra, Pellegrini e Dinamarco: “São três as formas de
autocomposição (as quais sobrevivem até hoje como referência aos interesses disponíveis): a)
desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à desistência oferecida à
pretensão); c) transação (concessões recíprocas).20
Fredie Didier ressalta que o Poder Legislativo vem reiteradamente incentivado a
autocomposição, por meio da edição de diversas leis neste sentido.21
Como exemplos,
podemos citar a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), a Lei de Mediação (Lei nº
13.140/2015) e as novas disposições sobre a mediação e a conciliação no Código de Processo
Civil (Lei nº 13105/2015).
Portanto, a conciliação e a mediação, objetos de estudo do presente trabalho, são
institutos jurídicos que se baseiam em formas não coercitivas de solução dos conflitos, ou
seja, são meios autocompositivos. Desse modo, podemos afirmar que “a autocomposição é
gênero cujas espécies são, dentre outras, a mediação e a conciliação”.22
1.4.3 Heterocomposição
Por fim, encontramos a heterocomposição, também conhecida como meio
adjudicatório, onde a solução do conflito é estabelecida por um terceiro imparcial (árbitro ou
juiz), e este impõe a resposta definitiva em relação às partes. De acordo com Fredie Didier,
18 CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 29). 19 DIDIER JR., (2017, p. 187). 20
CINTRA, Antônio C. Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. (2012, p. 29). 21 DIDIER JR., (2017, p. 187). 22 BRUNO, Susana (2012, p. 58).
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“A jurisdição é técnica de solução de conflitos por heterocomposição: um terceiro substituiu a
vontade das partes e determina a solução do problema apresentado”.23
Assim, a heterocomposição pode ocorrer de duas formas: a arbitral, quando as partes
escolhem um terceiro de confiança para decidir a demanda; e a jurisdicional, que ocorre
quando a questão litigiosa é resolvida por meio de decisão judicial.
Tanto a heterocomposição quanto a autocomposição são meios válidos no
ordenamento jurídico brasileiro e devem ser utilizados conforme a sua adequação para
resolução dos complexos conflitos de interesses. A autotutela, por sua vez, em regra, é
vedada, embora admitida em alguns casos excepcionais como os exemplificados.
1.5 O Projeto de Florença e as ondas renovatórias do acesso à justiça
O estudo sobre o tema do acesso à justiça ganhou amplitude a partir da década de 1970
quando Mauro Cappelletti e Bryant Garth coordenaram uma grandiosa pesquisa intitulada
“Projeto de Florença”. A equipe de pesquisa coordenada pelos autores coletou informações
com auxílio de vários colaboradores em nível mundial, resultando em um completo relatório
que até hoje norteia os estudos relacionados ao tema.24
De acordo com o estudo realizado por Cappelletti e Garth, para a garantia do efetivo
acesso à justiça seria necessário ultrapassar três principais barreiras, que, de maneira geral
são: a barreira econômica, por conta dos elevados valores das custas judiciais; a desigualdade
das partes, sobretudo na aptidão para reconhecer seus direitos; e a morosidade do Judiciário
resultante, principalmente, dos entraves processuais.
Além da morosidade e do alto custo econômico e social da demanda no Judiciário o
jurisdicionado tem ainda que lidar com a linguagem rebuscada dos operadores do direito, o
que dificulta e, muitas vezes, impede o acesso à justiça. De acordo com Boaventura de Souza
Santos, quando busca assistência junto ao Poder Judiciário o hipossuficiente sente-se
frequentemente abatido pela “linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua
23 DIDIER JR., (2017, p. 174). 24 O resultado da pesquisa do “Projeto de Florença” foi sistematizado no clássico livro “Acesso à justiça”, de
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, publicado em 1978. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet, foi publicado no
Brasil em 1988. A referida obra foi leitura fundamental para realização do presente trabalho, cuja referência
completa encontra-se nas Referências Bibliográficas ao final do trabalho.
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maneira cerimonial de se vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas
secretarias, etc.” 25
Assim, conforme a pesquisa coordenada por Cappelletti e Garth constatou as barreiras
que impedem o acesso ao Judiciário, a mesma revelou também algumas soluções práticas.
Conforme os autores, “O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça
levou a três proposições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental”.26
Analisaremos em seguida as “três proposições básicas”; ou seja, as soluções para o
efetivo acesso à justiça apresentadas no “Projeto de Florença”, as quais os autores
denominaram de “ondas renovatórias de acesso à Justiça”.27
1.5.1 Primeira onda renovatória: assistência judiciária
A “primeira onda renovatória” focaliza, sobretudo, na assistência judiciária para os
hipossuficientes com o intuito de afastar a barreira econômica para o acesso à justiça, uma vez
que os mais pobres não têm condições de arcar com o alto custo de um processo judicial. De
acordo com Cappelletti e Garth, diante da complexidade e formalidade do sistema jurídico nas
sociedades modernas, o auxílio de um advogado é condição fundamental para o indivíduo
ingressar em juízo.28
Portanto, sem a devida assistência jurídica os mais pobres permanecerão
excluídos do processo judicial.
Os autores mencionam o sucesso do sistema judicare, que consistiu na implantação de
assistência jurídica para os mais pobres na Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha
Ocidental. Nesse sistema os advogados particulares prestavam seus serviços aos
hipossuficientes, mas eram remunerados pelo Estado. De acordo com Cappelletti e Garth, “a
finalidade do sistema judicare é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma
representação que teriam se pudessem pagar um advogado”. De acordo com os autores, “O
ideal é fazer uma distinção apenas em relação ao endereçamento da nota de honorários: o
Estado, mas não o cliente, é quem a recebe”. 29
A influência da “primeira onda renovatória” no acesso à justiça, que enfocou na
assistência jurídica aos hipossuficientes contribuiu para que a garantia da assistência jurídica
25 SANTOS, Boaventura de Souza (2007, p. 31), apud BRUNO, Susana (2012. p. 35). 26 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 31). 27
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 31). 28 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 32). 29 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 35).
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17
se tornasse direito fundamental assegurado na Constituição Federal de 1988, conforme
previsão do art. 5º, inc. LXXIV, ao estabelecer que o Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
No entanto, de acordo com Boaventura de Souza Santos, a barreira econômica não
seria o único problema a ser enfrentado, uma vez que também haveria de lidar com a ausência
de “formação jurídica nos jurisdicionados”,30
o que os impede de reconhecer os seus direitos.
Assim, a baixa escolaridade, resultante da barreira econômica, seria outro grande empecilho
para o acesso dos mais pobres à justiça.
Ainda, de acordo com José Eduardo Faria, mesmo quando reconhecem o seu direito os
indivíduos das classes mais baixas hesitam muito mais que os outros em recorrer aos
tribunais.31
Portanto, a “primeira onda renovatória” de acesso à justiça evidenciou um problema
de origem econômica com complexos desdobramentos sociais e culturais que afastam o
cidadão mais pobre do acesso à justiça.
1.5.2 Segunda onda renovatória: representação jurídica para os interesses
difusos
Por sua vez, a “segunda onda renovatória”, de acordo com Cappelletti e Garth, foca na
representação dos interesses difusos e coletivos que não encontravam guarida na concepção
tradicional do direito. Assim, esse segundo movimento renovatório preocupou-se em
assegurar o reconhecimento dos direitos difusos e coletivos nos ordenamentos jurídicos,
propiciando, dessa forma, a ampliação do acesso à justiça para toda a sociedade.
De acordo com Cappelletti e Garth, na defesa dos interesses difusos e coletivos:
[...] é preciso que haja um “representante adequado” para agir em benefício da
coletividade, mesmo que os membros dela não sejam “citados” individualmente. Da
mesma forma, para ser efetiva, a decisão deve obrigar a todos os membros do grupo,
ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de serem ouvidos.32
30
SANTOS, Boaventura de Souza (2007, p. 12), apud BRUNO, Susana (2012, p. 41). 31 FARIA, José Eduardo (Org.) (1989, p. 48), apud BRUNO, Susana (2012, p. 40). 32 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 50).
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18
Essas duas primeiras “ondas renovatórias” permitiram uma substancial ampliação do
acesso à justiça, uma vez que enfrentaram dois grandes problemas; o da assistência jurídica
aos mais pobres, bem como a representação e defesa dos interesses difusos e coletivos.
No entanto, é importante ressaltar que ao eliminar algumas barreiras no acesso ao
Judiciário, a consequência natural foi o aumento do número de processos e de seu tempo de
tramitação. Analisando esse aumento da demanda pelo Judiciário, Theodoro Júnior afirma que
hoje podemos falar “[...] numa síndrome de litigiosidade, para a qual concorre, também, a
redução na sociedade contemporânea da „capacidade para dialogar”.33
1.5.3 Terceira onda renovatória: enfoque de acesso à justiça
A “terceira onda renovatória” evidenciaria uma concepção mais ampla de acesso à
justiça, apresentando propostas de alterações no procedimento e na estrutura judicial, de modo
a propiciar efetiva prestação jurisdicional. De acordo com Cappelletti e Garth, a “terceira
onda renovatória” foca na efetiva prestação jurisdicional, no sentido de que não se limita ao
ingresso formal no Judiciário, mas sim, numa real satisfação do jurisdicionado. Dessa forma,
de acordo com os autores:
O novo enfoque de acesso à Justiça, no entanto, tem alcance muito mais amplo. Essa
“terceira onda” de reformas inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por
meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela concentra sua
atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos
utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o
denominamos “o enfoque do acesso à Justiça” por sua abrangência. Seu método não
consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em
tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o
acesso.34
(grifo dos autores)
Esse “novo enfoque do acesso à Justiça”, portanto, baseia-se na entrega efetiva da
prestação jurisdicional, indo além do acesso formal ao processo judicial, objetivando uma real
satisfação do cidadão que recorre ao Poder Judiciário. Desse modo, é preciso que o
procedimento judicial seja adequado para o tipo de conflito apresentado, considerando suas
complexidades de modo que sua resolução seja efetiva e realizada em tempo razoável.
Portanto, para a efetivação desse novo enfoque do acesso à justiça são necessárias
reformas que criem alternativas para um procedimento mais simplificado e que evidencie o 33 THEODORO JÚNIOR, Humberto (2005, p. 33), apud NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 30). 34 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 67-68).
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protagonismo das partes na resolução do próprio litígio. É nesse contexto que se apresentam
os métodos adequados de solução de conflitos – MASCs, como a conciliação e a mediação,
objetos de estudo no presente trabalho.
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CAPÍTULO 2
MÉTODOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
O direito de acesso à justiça estabelecido no art. 5º da Constituição Federal – CF/88,
além do acesso formal aos órgãos judiciários, significa, sobretudo, o acesso à ordem jurídica
justa. Desse modo, o Poder Judiciário tem o dever de estabelecer meios que proporcionem o
tratamento adequado dos conflitos sociais através do processo contencioso célere e efetivo, e
também através de outros métodos adequados de solução de conflitos – MASCs.
Os métodos consensuais como a mediação e a conciliação vêm sendo utilizados pela
humanidade há milênios, estando presentes nas várias culturas (judaicas, cristãs, islâmicas,
hinduístas, budistas, confucionistas e indígenas) 35
e evoluindo ao longo do tempo com o
próprio Direito. Desse modo, discorreremos brevemente a respeito da evolução histórica da
conciliação e da mediação até a sua configuração atual na legislação pátria.
2.1 Breve histórico da mediação
Analisando o viés etimológico da palavra constatamos que o termo mediação traduz a
intenção de estabelecer uma harmonia, um equilíbrio entre dois pontos ou sujeitos. Assim, de
acordo com o dicionário, o termo mediação é originário do latim mediatĭo, e significa: “1. Ato
ou efeito de mediar; 2. Ato de servir como intermediário entre pessoas, grupos, partidos,
nações etc., com o objetivo de eliminar divergências ou disputas; 4. Intervenção por meio da
qual se procura chegar a um acordo”.36
Apesar de muitos estudiosos identificarem na Bíblia Sagrada o início da utilização da
mediação, é provável que sua aplicação tenha se iniciado antes da história escrita,37
tendo em
vista que os conflitos e as divergências sempre estiveram presentes no convívio social desde
os primórdios da humanidade.
Há relatos do uso da mediação em tempos bastante remotos na China e no Japão,
como forma primária na resolução dos conflitos. Na China a mediação desenvolveu-se a partir
da visão de Confúcio, que defendia a abordagem dos conflitos pautada na harmonia natural e
na aplicação da moral, distanciando-se dos meios coercitivos.38
35 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 203). 36
MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2015, versão online). 37 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 204). 38 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 204).
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21
No Japão os próprios habitantes das aldeias atuavam como mediadores, os quais
mantinham a preocupação em preservar ao máximo o relacionamento entre os envolvidos, o
que exigia um tempo razoável para que fosse possível alcançar eventual acordo, uma vez que
o objetivo principal do procedimento era reconstruir a relação afetada pelo conflito.39
A maneira de resolver os conflitos com a atuação de intermediários neutros não ficou
restrita ao Oriente, sendo também aplicada pelas diversas culturas no Ocidente.40
Na história mais recente é possível constatar o uso da mediação em diversos países,
merecendo destaque os Estados Unidos, onde, desde longo período a mediação é utilizada
para resolver litígios trabalhistas e comunitários, embora, apenas recentemente as cortes desse
país tenham incorporado a mediação de forma sistemática.41
No Brasil o Código de Processo Civil – CPC/2015 incentiva fortemente o uso de
meios não contenciosos de solução de conflitos, destacando o papel da conciliação e da
mediação na promoção do acesso à justiça. Também em 2015 foi aprovada a Lei de Mediação
(Lei nº 13.140/2015), estabelecendo, dessa forma, o marco regulatório do instituto no país.
2.2 Breve histórico da conciliação
A conciliação também é um instituto bastante antigo cujo termo é originário do latim
conciliabulum que remonta ao local destinado a se buscar um acordo nos tempos da Roma
antiga.42
De acordo com o dicionário, conciliar significa: “1. Pôr(-se) de acordo, pôr(-se) em
harmonia; congraçar(-se); 2. Combinar(-se), harmonizar(-se); 3. Aliar(-se), unir(-se); 4.
Atrair, captar, conseguir, granjear”.43
No Brasil o instituto da conciliação se faz presente desde as Ordenações Manuelinas
(1514) e Filipinas (1603, Livro III, Título XX, § 1º), sendo positivado na Constituição de
1824, que estabelecia no art. 161 que “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da
reconciliação, não se começará Processo algum”.44
39 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 204). 40 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 204). 41 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 205). 42 NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 107). 43
MICHAELIS Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa (2015, versão online). 44 BRASIL, Constituição de 1824, apud CALMON, Petronio (2013, p. 161), apud NUNES, Juliana Raquel
(2017, p. 107).
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22
De acordo com Petronio Calmon, a fim de promover a conciliação foram instituídos
juízes de paz, eleitos pelo mesmo tempo e da mesma forma que eram eleitos os vereadores.
Dessa forma, estava instituída no Brasil a conciliação prévia obrigatória.45
A conciliação também foi estabelecida no primeiro Código de Processual Civil
brasileiro, instituído por meio do Decreto nº 737 de 1850, originalmente exclusivo para as
causas comerciais. Ainda de acordo com Petronio Calmon, em cumprimento ao disposto na
Constituição de 1824, “[...] este dispositivo legal dizia que nenhuma causa seria proposta em
juízo contencioso sem que previamente se tenha tentado o meio da conciliação, ou por ato
judicial, ou por comparecimento voluntário das partes”.46
Nas constituições posteriores, de 1891 e 1934, a competência de legislar sobre
conteúdo processual foi transferida para os estados, acarretando que nem todos os Códigos
locais trataram sobre o instituto da conciliação.47
As Constituições de 1937 e 1946, legislando sobre o tema, instituíram as figuras do
conciliador e do juiz leigo, com fundamento na Justiça de Paz do Império.48
Por sua vez, a Constituição de 1967 determinou que os Estados instituíssem, por meio
de lei local, o cargo de juízes togados ou leigos com investidura temporária e competência
para julgamento de litígios de pequeno valor.49
Por fim, a Constituição Federal de 1988 consagrou o acesso à justiça como direito
fundamental ao estabelecer no art. 5º, inc. XXXV, o princípio do controle jurisdicional,
estabelecendo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça de
direito”. Para a ampliação do acesso à justiça a Carta Magna estabeleceu no art. 98 a criação
pelos entes federados dos juizados especiais competentes para promover a conciliação.
Dessa forma, o instituto da conciliação é fortalecido a partir da criação dos juizados
especiais cíveis, na medida em que a conciliação tornou-se etapa necessária do procedimento.
De acordo com Trícia Navarro, embora tivesse havido uma resistência inicial, os resultados
45 CALMON, Petronio (2013, p. 161), apud NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 107). 46 BRASIL, Regulamento nº 737, de 1850, apud CALMON, Petronio (2013, p. 161), apud NUNES, Juliana
Raquel (2017, p. 108). 47
NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 108). 48 NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 108). 49 NUNES, Juliana Raquel (2017, p. 108).
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23
positivos deram credibilidade a este modelo e hoje boa parte dos conflitos já são solucionados
na audiência de conciliação, sem necessidade de uma decisão impositiva do juiz.50
Por fim, os institutos da conciliação e da mediação ganham bastante destaque com o
advento do Código de Processo Civil de 2015, que estabelece como uma de suas premissas o
incentivo aos meios não adjudicatórios de resolução de conflitos.
2.3 Modelo contencioso versus justiça coexistencial
A justiça contenciosa ou jurisdicional ainda é o modelo mais utilizado para a resolução
das controvérsias. Ele é marcado pela disputa das partes envolvidas e o conflito acaba sendo
decidido por terceiro imparcial e estranho à relação vivenciada. De acordo com Fernanda
Tartuce, no modelo contencioso “as pessoas posicionam-se como partes contrapostas e
disputam posições de vantagens; a análise dos fatos foca no passado e um terceiro é chamado
a decidir imperativamente”.51
Assim, por ser marcada pela disputa acirrada entre partes contrapostas a resolução dos
conflitos na justiça contenciosa acaba por promover o sistema “ganha-perde”, na medida em
que ao final da disputa sempre haverá uma parte “vencedora” e uma “vencida”. Desse modo,
além de não contribuir efetivamente para a instauração da cultura de paz na sociedade, o
modelo contencioso gera, muitas vezes, a sensação de injustiça para os “vencidos”, afastando-
os da pacificação com justiça.
A concepção de justiça coexistencial ou conciliatória surgiu a partir dos estudos de
Mauro Cappelletti a respeito do tema do acesso à justiça. De acordo com a abordagem
coexistencial, a justiça deve preocupar-se com todos os aspectos que envolvem o conflito com
o intuito de “curar” a situação conflituosa. Desse modo, a situação de tensão que marca a luta
pelo direito, “o Kampf ums Recht, deve dar lugar ao Kampf um die Billigkeit, ou seja, à luta
pela equidade, por uma solução justa e aceitável para todos os contendores”.52
De acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth, alguns litígios, em virtude de sua
própria natureza, exigem soluções rápidas, enquanto outros permitem suportar um tempo mais
50 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. A Evolução da Conciliação e da Mediação no Brasil. In: Revista
FONAMEC - Rio de Janeiro, v.1, n. 1, maio 2017, p. 356. 51 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 88). 52
CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas. In:
MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). O processo civil contemporâneo. Curitiba: Jurará, 1994, p. 27, apud
TARTUCE, Fernanda (2019, p. 87).
-
24
longo.53
Ainda, de acordo com Cappelletti, a justiça conciliatória é mais adequada para tratar
dos casos em que as pessoas são forçadas a conviver constantemente, uma vez que a solução
contenciosa poderia conduzir a uma maior e ainda mais efetiva exacerbação dos ânimos.54
A abordagem feita na justiça conciliatória é, sobretudo, colaborativa, uma vez que as
partes envolvidas no conflito são levadas a dialogar a respeito da controvérsia com o intuito
de chegar a uma solução consensual. Nessa abordagem tem prevalência a autonomia da
vontade dos envolvidos, de modo que o terceiro facilitador atua apenas na viabilização do
diálogo produtivo, sem nenhum poder decisório.
No procedimento da mediação fica evidente que a abordagem do conflito não tem
como foco principal a análise do passado, no sentido de identificar “culpados” e “inocentes”,
mas, busca, sobretudo, delinear como será o futuro da relação controversa a partir da solução
e restauração do vínculo. Assim, de acordo com Fernanda Tartuce, na perspectiva de justiça
conciliatória “o debate sobre quem deixou de cumprir a obrigação pode até ocupar certo
espaço na conversação, mas, dificilmente chega a merecer maior destaque do que a busca de
uma solução futura”.55
Assim, o modelo coexistencial de justiça foca a sua abordagem no acordo para a
resolução da controvérsia. Portanto, diferentemente da justiça contenciosa, no modelo
consensual busca-se, por meio do diálogo produtivo, uma situação mais favorável para todos
os envolvidos no conflito, de modo que o resultado será concluído sob a perspectiva do
sistema “ganha-ganha”. Ao final todos sairão satisfeitos, uma vez que a solução para a
controvérsia foi construída de comum acordo, gerando benefícios mútuos no presente e para o
convívio futuro.
2.4 A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça
Nos últimos tempos o Estado brasileiro vem incentivando a resolução dos conflitos
por meios não contenciosos. Nesse sentido, ainda em 2009 os poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário assinaram o “II Pacto Republicano do Estado por um sistema de justiça mais
acessível, ágil e efetivo”, no qual, dentre outros compromissos assumidos, se comprometiam
53
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 72). 54 CAPPELLETTI, Mauro (1994, p. 91), apud TARTUCE, Fernanda (2019, p. 353). 55 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 88).
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25
em “fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios
autocompositivos, voltados à maior pacificação social e menor judicialização”.56
Diante do agravamento da crise enfrentada pelo Judiciário, especialmente em razão do
excessivo número de processos a espera de julgamento, bem como para dar respostas à
população que cobrava uma prestação jurisdicional mais efetiva, o Conselho Nacional de
Justiça – CNJ editou em 2010 a Resolução nº 125, por meio da qual instituiu a Política
Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário.
A Resolução nº 125/2010 do CNJ é um marco histórico, uma vez que até então o
Judiciário fundamentou a sua proposta jurisdicional no modelo contencioso. Somente a partir
da edição da referida Resolução é que se inicia o um processo mais efetivo de incentivo a
solução das demandas judiciais através dos métodos adequados de solução de conflitos –
MASCs, com ênfase na conciliação e na mediação.
Desse modo, ao estabelecer a Resolução nº 125/2010 o CNJ teve como principal
objetivo a instituição de uma política pública de solução de conflitos baseada no tratamento
adequado dos litígios, fundado no conceito de “tribunal multiportas”, na medida em que
grande parte dos conflitos sociais poderia ser resolvida de modo mais efetivo através de meios
adequados a sua natureza e peculiaridade. Assim, além de desafogar o Judiciário, o CNJ
promoveu os métodos adequados de solução dos conflitos – MASCs, “abrindo”, por meio
desses, mais “portas” de acesso ao Judiciário.
De acordo com os termos da Resolução nº 125/2010, o CNJ fica incumbido de
organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de
litígios e à pacificação social através da conciliação e da mediação (art. 4º). Para
implementação dessas atividades o CNJ contaria com a participação de rede constituída por
todos os órgãos do Poder Judiciário e também por entidades públicas e privadas parceiras,
inclusive universidades e instituições de ensino (art. 5º).
Ainda de acordo com a Resolução, foi determinada a criação e instalação dos Núcleos
Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPMEC (art. 7º), e dos
56 II Pacto Republicano do Estado por um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo (2009). Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm> Acesso em 13 set. 2019.
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26
Centros Judiciários de Solução de Conflitos – CEJUSCS (art. 8º), verdadeiros juízos de
resolução alternativa de conflitos especializados na prática autocompositiva.
Assim, o estabelecimento da Resolução nº 125/2010 do CNJ reforçou o acesso à
justiça, uma vez que a partir dos Centros e Núcleos (CEJUSC e NUPMEC) boa parte dos
conflitos levados ao Judiciário pode, desde então, ser solucionados de forma mais adequada,
célere e justa através dos métodos adequados de solução de conflitos – MASCs.
Uma das considerações que fundamenta a Resolução nº 125/2010 do CNJ ressalta que
a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e
prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no
país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de
recursos e de execução de sentenças.
2.5 Princípios informadores da conciliação e da mediação
Os métodos adequados de solução de conflitos – MASCs fundamentam-se em
determinados princípios informadores. Todos eles, por sua vez, derivam do princípio absoluto
da dignidade da pessoa humana, que é fundamento do Estado Democrático de Direito e da
República Federativa do Brasil.57
Assim, a correta observância dos princípios informadores na
utilização dos MASCs é a garantia de que a prática será efetivada respeitando a dignidade dos
indivíduos no processo.
De acordo com o art. 166 do Código de Processo Civil – CPC/2015, os institutos da
conciliação e da mediação são informados pelos princípios da independência, da
imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da
informalidade e da decisão informada.
Desse modo, iremos tecer breve análise a respeito de cada princípio informador da
conciliação e da mediação, destacando as principais diretrizes que devem nortear a prática
autocompositiva tendo em vista um sistema de justiça conciliadora.
2.5.1 Independência
O princípio informador da independência garante liberdade de atuação ao
conciliador/mediador junto às partes quanto à escolha de técnicas procedimentais para
abordagem do conflito e na condução da negociação. De acordo com Fernanda Tartuce, por
57 Constituição Federal de 1988, art. 1º, inc. III.
-
27
meio do princípio da independência, ao conciliador/mediador é assegurada autonomia para
conduzir a negociação da melhor forma e no interesse dos litigantes, desde que não excedam
os limites legais, morais ou estabelecidos pelos próprios envolvidos.58
A independência também é elencada como princípio fundamental na atuação do
mediador/conciliador judicial, conforme disposto no art. 1º, inc. IV, do Código de Ética de
Conciliadores e Mediadores Judiciais, constante do anexo III da Resolução nº 125/2010 do
CNJ:
Art. 1º, § 5º - Independência e autonomia - Dever de atuar com liberdade, sem sofrer
qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou
interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para seu bom
desenvolvimento, tampouco havendo obrigação de redigir acordo ilegal ou
inexequível.
Lia Sampaio e Adolfo Braga Neto, por sua vez, ressaltam que tendo como fundamento
o princípio da independência é dever do mediador/conciliador informar às partes a existência
de alguma relação anterior com um dos mediandos. Os referidos autores citam o nº 5 do art.
5º da Lei Modelo da UNCITRAL 59
sobre Mediação e Conciliação Comercial Internacional:
Artigo 5º. Número e designação de mediadores/conciliadores
5. A pessoa que for nomeada como mediador/conciliador deverá revelar todas as
circunstâncias que possam dar lugar a dúvidas justificadas acerca de sua
imparcialidade e independência. O mediador/conciliador revelará sem demora tais
circunstâncias às partes, a menos que já tenha feito.60
Assim, tendo em vista a independência e também a imparcialidade necessária ao
processo o mediador/conciliador deve revelar qualquer vínculo anterior com os envolvidos
para que estes decidam sobre a validade de sua intervenção.
58 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 221). 59 UNCITRAL – Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional – é um órgão subsidiário
da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU – que “Desempenha uma função de relevo no
desenvolvimento do quadro jurídico do comércio internacional, através da preparação de textos legislativos, para
que os Estados os utilizem na modernização do direito do comércio internacional, e textos não legislativos, para
que as partes os utilizem na negociação de suas transações comerciais”. Disponível em:
Acesso em: 28 ago. 2019. 60 Lei Modelo da UNCITRAL, conforme citada por SAMPAIO, Lia R. Castaldi; BRAGA NETO, Adolfo (2007,
p. 36), apud BRUNO, Susana (2012, p. 155).
-
28
Tendo como fundamento o princípio da independência, o CPC/2015, no art. 166, §§ 3º
e 4º, prever a utilização de técnicas negociais e regras procedimentais livremente escolhidas
pelos interessados, fortalecendo, dessa forma, a autonomia e independência do processo:
§ 3º. Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar
ambiente favorável à autocomposição.
§ 4º. A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos
interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.
Portanto, assegurar a independência e a autonomia nas sessões de
mediação/conciliação proporciona a liberdade necessária para que o processo se desenvolva
sem pressões externas, garantindo resultados satisfatórios aos envolvidos. Ademais, a
independência fundamenta a imparcialidade, uma vez que livre de influência externa o
procedimento se dará de forma imparcial.
2.5.2 Imparcialidade
A imparcialidade é o princípio fundamental que deve ser observado não apenas em
relação aos métodos autocompositivos, mas também na justiça contenciosa, uma vez que é
requisito de validade da atuação do terceiro no processo, seja este mediador, conciliador,
árbitro ou juiz.
Dessa forma, a imparcialidade também figura como princípio fundamental na atuação
do mediador/conciliador judicial, conforme disposto no Código de Ética constante no Anexo
III da Resolução 125/2010 do CNJ:
Art. 1º, § 3º. Imparcialidade – Dever de agir com ausência de favoritismo,
preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos pessoais não
interfiram no resultado do trabalho, compreendendo a realidade dos envolvidos no
conflito e jamais aceitando qualquer espécie de favor ou presente.
Portanto, o terceiro imparcial não deve ter posição em relação aos interesses das
partes, não estando ligado a elas por quaisquer relações anteriores, sejam pessoais ou
profissionais, para que possa ser reconhecida a isenção que vai garantir a credibilidade ao
procedimento autocompositivo. Nesse sentido, a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), em seu
art. 5º, parágrafo único, determina que:
A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes,
antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar
-
29
dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito,
oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas.
O art. 49 do CPC/2015 reconhece aos mediadores e aos conciliadores judiciais a
qualidade de auxiliares da justiça, os quais, para manter a imparcialidade, se submetem aos
mesmos motivos legais de impedimento e suspeição dos magistrados (CPC/2015, art. 148, II).
Nesse sentido a Lei de Mediação também submete o mediador às mesmas hipóteses de
impedimento e suspeição do juiz (Lei nº 13.140/2015, art. 5º), garantindo a imparcialidade do
terceiro interventor.
2.5.3 Autonomia da vontade
A autonomia da vontade tem fortes raízes no princípio da liberdade, uma vez que aos
participantes de um procedimento autocompositivo é assegurada a autonomia de decidir a
solução da controvérsia. De acordo com Fernanda Tartuce, “o reconhecimento da autonomia
da vontade implica em que a deliberação expressa por uma pessoa plenamente capaz, com
liberdade e observância dos cânones legais, deva ser tida com soberana”.61
Também chamada de autodeterminação ou voluntariedade, a autonomia da vontade é
princípio destacado na Lei de Mediação (art. 2º, V) e no CPC/2015 (art. 166). O Código de
Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais (Anexo III, art. 2º, § 2º, da Resolução nº
125/2010 do CNJ) destaca que a autonomia da vontade consiste no dever de respeitar os
diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que cheguem a uma decisão
voluntária com liberdade para tomar as próprias decisões, podendo inclusive interromper o
procedimento a qualquer tempo.
A autonomia da vontade se configura desde o momento em que as partes envolvidas
no conflito decidem livremente em participar da sessão de conciliação/mediação. Nesse
sentido, de acordo com Fernando de Miranda Neto e Irineu Soares, o princípio da autonomia
da vontade traz implicitamente a voluntariedade dos envolvidos, uma vez que não existe
autonomia nas escolhas se a pessoa é obrigada a participar do procedimento.62
Na medida em que o princípio da autonomia da vontade norteia os métodos adequados
de solução de conflitos – MASCs, proporcionando verdadeiro protagonismo aos envolvidos
61 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 211). 62
MIRANDA NETTO, Fernando Gama; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. Princípios procedimentais da
mediação no Novo Código de Processo Civil. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) (2016, p. 116).
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da decisão do próprio destino, ele evidencia também o seu fundamento no princípio soberano
da dignidade da pessoa humana, ícone da República e do Estado democrático de Direito.
2.5.4 Confidencialidade
O princípio da confidencialidade ou do sigilo recebe destaque no CPC/2015, que no
art. 166, §§ 1º e 2º, determina que a confidencialidade estende-se a todas as informações
produzidas no procedimento da conciliação/mediação, sendo vedada a sua utilização para fim
diverso do expressamente deliberado pelas partes, não podendo constar nem mesmo em
depoimento judicial. A lei impõe severa punição ao conciliador/mediador que descumprir o
princípio da confidencialidade, determinando a sua exclusão do cadastro de profissionais.63
Nesse sentido, o Enunciado 56 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados – ENFAM ressalta que "nas atas das sessões de conciliação e mediação, somente
serão registradas as informações expressamente autorizadas por todas as partes".64
O Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais (Anexo III da Resolução
125/2010 do CNJ), por sua vez, destaca a confidencialidade como o dever de manter sigilo
sobre as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes, violação à
ordem pública ou às leis vigentes; estando o conciliador/mediador impedido de testemunhar
sobre o caso ou atuar como advogado dos envolvidos em qualquer hipótese.
A Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) também destaca o princípio da
confidencialidade em diversos dispositivos. Em seu art. 14 é estabelecido que no início da
primeira reunião de mediação, e sempre que julgar necessário, o mediador deverá alertar as
partes sobre as regras de confidencialidade aplicáveis ao procedimento. A determinação do
sigilo é importante para que as partes sintam-se seguras para tratar com detalhes dos seus
anseios e problemas pessoais que deram origem ao conflito.
Ainda de acordo com o art. 30, § 1º, da Lei de Mediação, o dever de confidencialidade
estende-se não apenas aos mediadores e às partes, mas também aos prepostos, advogados,
assessores técnicos e a outras pessoas que tenham, direta ou indiretamente, participado do
procedimento de mediação.
63
CPC – Lei nº 13.105/2015, art. 173, I. 64 Enunciados aprovados pela ENFAM. Disponíveis em: Acesso em: 05 set. 2019.
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O parágrafo 4º, do referido art. 30, da Lei de Mediação, no entanto, ressalta exceção à
regra da confidencialidade, uma vez que não afasta o dever de as pessoas discriminadas
no caput do artigo prestarem informações à administração tributária após o termo final da
mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manter sigilo das informações
compartilhadas nos termos do art. 198 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966).
2.5.5 Oralidade
Tendo como norte o princípio da oralidade entendemos que nas sessões de
conciliação/mediação deve prevalecer a forma oral de comunicação, o que facilita, sobretudo,
a participação das partes, uma vez que a linguagem técnica/jurídica é uma das barreiras de
acesso ao Judiciário, conforme já exposto no primeiro capítulo do nosso trabalho.
Como a proposta dos métodos consensuais de solução de conflitos é de que a partir do
restabelecimento da comunicação as partes possam, com liberdade, autonomia e com o
mínimo de formalismo, propor soluções para a situação controversa, a prevalência da
oralidade torna-se fundamental. Fernanda Tartuce ressalta que “a exposição oral de fatos e
percepções é importante para que cada pessoa tenha voz ao abordar suas perspectivas e possa
se sentir efetivamente escutada”.65
É importante salientar que a prevalência da oralidade nas sessões consensuais não
veda a utilização da forma escrita, uma vez que não encontramos essa proibição na legislação.
Há apenas a necessidade de a forma oral prevalecer sobre a escrita, sem, contudo, eliminá-la,
tendo em vista que ao final do procedimento haverá a redação do termo de
mediação/conciliação, conforme prescreve o art. 334, § 11, do CPC/2015, bem como a Lei de
Mediação, no art. 20.
2.5.6 Informalidade
O princípio da informalidade tem como objetivo permitir que a conciliação e a
mediação se desenvolvam de forma espontânea, simples e objetiva, em um ambiente
convidativo. Dessa forma, o conciliador/mediador não deve utilizar linguagem técnica ou com
formas rebuscadas, bem como deve abster-se do extremo formalismo nas vestes,
características tão comuns no ambiente judiciário.
65 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 211).
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Nesse sentido é sempre importante ressaltarmos a fala lapidar de Boaventura de Souza
Santos, de que quando busca assistência junto ao Poder Judiciário o hipossuficiente sente-se
frequentemente abatido pela “linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua
maneira cerimonial de se vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas
secretarias, etc.” 66
O cenário descrito não é condizente com um sistema de justiça
coexistencial; disso advém a importância do princípio da informalidade nortear os MASCs.
Os métodos autocompositivos não possuem regras fixas, uma vez que se desenvolvem
a partir do diálogo aberto entre as partes com a ajuda de um terceiro imparcial sem poder
decisório. Desse modo, a informalidade na conversa ajuda na comunicação interativa entre os
sujeitos e com o próprio conciliador/mediador, favorecendo a composição entre as partes. De
acordo com Fernanda Tartuce, “a informalidade permite relaxamento, descontração e
tranquilidade; tais sentimentos colaboram para o desarmamento dos espíritos e otimizam as
chances de resultarem soluções consensuais”.67
Desse modo, a informalidade permite que cada sessão de mediação ou conciliação seja
um ato único, favorecendo a humanização da resolução de disputas.68
2.5.7 Decisão informada
De acordo com o art. 2º, § 1º, do Código de Ética constante no Anexo III da Resolução
nº 125/2010 do CNJ, os mediadores e conciliadores judiciais têm o dever de esclarecer as
partes a respeito do método de trabalho que será empregado no procedimento, apresentando-o
de forma completa, clara e precisa, informando-os sobre os princípios e as regras de conduta e
as etapas do processo. Esse dever do facilitador de manter as partes plenamente informadas
decorre do princípio da decisão informada.
O Manual de conciliação e mediação da Justiça Federal afirma que “o conceito de
decisão informada possui dois componentes que se inter-relacionam: decisão e informação. Se
as partes não forem suficientemente informadas, o consenso que porventura obtiverem em
relação ao resultado é considerado suspeito”.69
66 SANTOS, Boaventura de Souza (2007, p. 31), apud BRUNO, Susana (2012. p. 35). 67 TARTUCE, Fernanda (2019, p. 220). 68 MIRANDA NETTO, Fernando Gama; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira. Princípios procedimentais da
mediação no Novo Código de Processo Civil. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.) (2016, p. 114/115). 69 TAKAHASHI, Bruno (2019, p. 35).
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A aplicação do princípio da decisão informada, portanto, tem como objetivo evitar que
as parte sejam surpreendidas em alguma etapa do procedimento e também sobre as
consequência fáticas e jurídicas de possível acordo. Assim, para que sejam consideradas
válidas é fundamental que as decisões das partes tenham sido tomadas de forma livre e
plenamente consciente.
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CAPÍTULO 3
O INSTITUTO DA CONCILIAÇÃO
A conciliação é um dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos constante
no Código de Processo Civil – CPC/2015. Atuando por meio de uma abordagem mais
superficial do conflito, o instituto da conciliação tem como objetivo principal a solução do
conflito por meio da formalização de um acordo entre as partes.
De acordo com Hannah Gevartosky, a conciliação é uma técnica de autocomposição
“na qual o terceiro imparcial, mediante atividades de escuta e investigação, auxiliará as partas
a celebrarem um acordo, até mesmo expondo pontos fortes e fracos de suas posições e
propondo o acordo”.70
O CPC/2015, em seu art. 165, § 2º, dispõe que o conciliador atuará preferencialmente
nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, estando ele autorizado a sugerir
soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou
intimidação para que as partes conciliem. O conciliador, portanto, está autorizado a sugerir às
partes soluções para a melhor resolução da controvérsia, evitando, dessa forma, maiores
desgastes numa batalha judicial.
Conforme Bruno Takahashi, o conciliador “tem uma postura mais propositiva
direcionada para disputas de cunho objetivo em que não haja, preferencialmente, um vínculo
anterior entre as partes”. Assim, o foco do conciliador é “alcançar a resolução amigável da
disputa, contemplando-se os interesses das partes e as possibilidades concretas de acordo”.71
Mauro Cappelletti e Bryant Garth apontam alguns benefícios na utilização da
conciliação para a composição dos conflitos; tais como, o seu baixo custo e o alto nível de
efetividade das decisões construídas pelas próprias partes envolvidas, além, de contribuir para
a diminuição da sobrecarga dos tribunais.72
Os referidos autores ressaltam, ainda, que “Já há indicadores acerca dos tipos de
comportamento por parte dos conciliadores que se prestam melhor a obter a resolução efetiva
dos conflitos”. Alertam sobre a necessidade da verificação da eficácia no resultado positivo de
70 GEVARTOSKY, Hannah. A realização de audiência de mediação/conciliação initio litis no Novo Código de
Processo Civil. In: Revista de Processo. Ano 41; Vol. 260, outubro 2016. Disponível em:
Acesso em 19 set 2019. 71 TAKAHASHI, Bruno (2019, p. 61). 72 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 83-84).
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uma conciliação para as partes litigantes e não somente para os problemas enfrentados pelo
Poder Judiciário como a morosidade.73
A conciliação é adequada também para dirimir conflitos aparentes, uma vez que por
meio de aconselhamento, sugestão ou induzimento de um terceiro as partes acabam chegando
a um acordo ao perceberem que, na verdade, o motivo da contenda foi ocasionado, sobretudo,
por uma falha na comunicação.
Na conciliação, portanto, o terceiro imparcial está autorizado a sugerir possível
solução para o conflito. De acordo com Susana Bruno, “neste método não adversarial o
terceiro não atenta para a sua atuação com imparcialidade, mas tão somente com ética”.74
É importante ressaltar que os aconselhamentos feitos por conciliadores não são
impositivos às partes, uma vez que a conciliação não é um método heterocompositivo de
conflitos. Assim, a decisão final surge necessariamente pelo consenso das partes.
73 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant (2002, p. 86-87). 74 BRUNO, Susana (2012, p. 71).
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CAPÍTULO 4
O INSTITUTO DA MEDIAÇÃO
A mediação é um dos métodos consensuais de resolução de conflitos que busca, por
meio do restabelecimento da comunicação, a composição amigável das partes. Na mediação
atua um terceiro imparcial que tem a finalidade de auxiliar no restabelecimento do diálogo e
na preservação da relação entre as partes envolvidas no conflito, não estando autorizado a
sugerir soluções para o conflito.
De acordo com Fernanda Rocha Lourenço Levy, o mediador “atua como terceiro
imparcial, sem poder de julgar ou sugerir, acolhendo os mediandos no sentido de
proporcionar-lhes a oportunidade de comunicação recíproca e eficaz para que eles próprios
construam conjuntamente a melhor solução para o conflito”.75
O Código de Processo Civil – CPC/2015, no art. 165, § 3º, ao disciplinar a atuação do
mediador afirma que este deve atuar preferencialmente nos casos em que há vínculo anterior
entre os envolvidos, devendo auxiliar as partes na compreensão das questões e dos interesses
em conflito, de modo que, pelo restabelecimento da comunicação, possam eles mesmos
chegar a soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
A Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), por sua vez, no art. 1º, parágrafo único,
classifica a mediação como sendo “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem
poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou
desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
De acordo com os referidos textos legais compreendemos, portanto, que a mediação é
a intervenção de um terceiro imparcial, desprovido de qualquer poder decisório, atuando no
auxílio aos envolvidos para o estabelecimento de uma comunicação construtiva a fim de que
consigam chegar voluntariamente a resultado satisfatório para todos com a resolução do
conflito.
A mediação quando corretamente aplicada proporciona uma ampliação do
conhecimento sobre os reais interesses presentes em determinado conflito, permitindo que as
partes possam construir uma solução consensuada de maneira mais satisfatória possível.
Assim, o objetivo principal do mediador é trabalhar a comunicação entre os envolvidos para
que eles mesmos possam encontrar respostas adequadas para o problema vivenciado.
75 LEVY, Fernanda Rocha Lourenço (2013, p. 58), apud TARTUCE, Fernanda (2019, p. 198).
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Ao discorrer sobre o conceito de mediação, Fernanda Tartuce afirma que:
A mediação consiste no meio consensual de abordagem de controvérsias em que
alguém imparcial atua para facilitar a comunicação entre os envolvidos e propiciar
que eles possam, a partir da percepção ampliada dos meandros da situação
controvertida, protagonizar saídas produtivas para os impasses que os envolvem.76
Assim, o papel primordial do mediador é aproximar as partes para que compreendam
melhor os vieses do conflito, fazendo com que superem as pressões irracionais e/ou
emocionais que distorcem a visualização realista do litígio. A partir do momento em que as
partes compreendem de forma mais ampla a situação terão condições de propor um acordo
que melhor atenda aos seus anseios.
Diferente da conciliação, a mediação não busca apenas a composição dos envolvidos,
uma vez que tem também a pretensão de resolver assuntos emocionais mais intensos e seus
efeitos psicológicos gerados que influenciam na manutenção da relação entre os envolvidos.
Dessa forma, “a mediação presidida por profissionais capacitados possibilita que as partes
saiam da sessão satisfeitos com a resolução da questão financeira e também emotiva”.77
A mediação, portanto, “não é um método que se propõe necessariamente a solucionar
litígios, mas sim cuidar da relação e da comunicação das partes, atribuindo a elas a
responsabilidade de encontrar uma saída para o conflito em questão”.78
Pela preocupação em preservar as relações preexistentes o instituto da mediação
mostra-se o mais adequado para resolver conflitos na seara do Direito de Família, Direito
Empresarial, questões condominiais, comunitárias, escolares, entre outras onde há uma
relação continuada marcada por um vínculo anterior que deverá ser preservado. Assim,
concluímos que a mediação é instituto plenamente eficaz em promover a justiça coexistencial
na medida em que também estimula o desenvolvimento da cultura de paz.
4.1 A Lei de Mediação
A Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) foi precedida por diversas outras