UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA … · JACKELINE FERNANDA FERREIRA CAMBOIM...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE JACKELINE FERNANDA FERREIRA CAMBOIM QUEM PRECISA DE UM “CONSERTO”- A FAVELA OU A CIDADE? UMA DISCUSSÃO NA GEOGRAFIA HUMANA POR MEIO DE UM PROJETO SOCIAL DE PRÁTICAS MUSICAIS PARA JOVENS DO COQUE Recife 2015

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM

    DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

    JACKELINE FERNANDA FERREIRA CAMBOIM

    QUEM PRECISA DE UM CONSERTO- A FAVELA OU A CIDADE? UMA

    DISCUSSO NA GEOGRAFIA HUMANA POR MEIO DE UM PROJETO SOCIAL

    DE PRTICAS MUSICAIS PARA JOVENS DO COQUE

    Recife

    2015

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    JACKELINE FERNANDA FERREIRA CAMBOIM

    QUEM PRECISA DE UM CONSERTO- A FAVELA OU A CIDADE? UMA

    DISCUSSO NA GEOGRAFIA HUMANA POR MEIO DE UM PROJETO SOCIAL

    DE PRTICAS MUSICAIS PARA JOVENS DO COQUE

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Desenvolvimento e Meio

    Ambiente do Centro de Filosofia e Cincias

    Humanas da Universidade Federal de

    Pernambuco, em cumprimento s exigncias

    para a obteno do ttulo de mestre.

    rea de Concentrao: Gesto e Polticas

    Ambientais.

    Orientadora: Prof. Dr. Edvnia Torres Aguiar

    Gomes.

    Co-Orientadora: Prof Dr. Cristiane Maria

    Galdino de Almeida.

    Recife

    2015

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    Catalogao na fonte

    Bibliotecria Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291 C176q Camboim, Jackeline Fernanda Ferreira. Quem precisa de um conserto a favela ou a cidade? : uma discusso na geografia humana por meio de um projeto social de prticas musicais para jovens do Coque / Jackeline Fernanda Ferreira Camboim. Recife: O autor, 2015. 146 f. : il. ; 30cm. Orientadora: Prof. Dr. Edvnia Torres Aguiar Gomes.

    Coorientadora: Prof. Dr. Cristiane Maria Galdino de Almeida.

    Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de PsGraduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente, 2015. Inclui referncias, apndices e anexos. 1.Poltica ambiental. 2. Espaos pblicos. 3. Msica Aspectos sociais. 4. Orquestra Criana Cidad. 5. Coque (Recife, PE). I. Gomes, Edvnia Torres Aguiar (Orientadora). II. Almeida, Cristiane Maria Galdino de (Coorientadora). III. Ttulo.

    363.7 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2015-72)

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    JACKELINE FERNANDA FERREIRA CAMBOIM

    QUEM PRECISA DE UM CONSERTO- A FAVELA OU A CIDADE? UMA

    DISCUSSO NA GEOGRAFIA HUMANA POR MEIO DE UM PROJETO SOCIAL

    DE PRTICAS MUSICAIS PARA JOVENS DO COQUE

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Desenvolvimento e Meio

    Ambiente do Centro de Filosofia e Cincias

    Humanas da Universidade Federal de

    Pernambuco, como parte das exigncias para

    a obteno do ttulo de mestre.

    Data de Aprovao: 13 de Maro de 2015.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof Dr. Edvnia Torres Aguiar Gomes

    (Orientadora-UFPE)

    Prof. Dr. Vanice Santiago Fragoso Selva

    (Examinador Interno-UFPE)

    Prof Dr. Lus Ricardo Silva Queiroz

    (Examinador Externo-UFPB)

    Prof. Dr. Alexandre Simo de Freitas

    (Examinador Externo-UFPE)

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    A memria do meu av Francisco Antnio Ferreira, este dedico.

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    AGRADECIMENTOS

    Diante de tantos obstculos na concretizao desta dissertao o momento de agradecer o

    mais fcil. Pois, durante esse perodo vrias pessoas e algumas delas mesmo sem me

    conhecer doaram um pouco do seu tempo para dar sua contribuio. Ento, posso dizer que a

    concretizao deste trabalho foi marcado por: generosidade, experincias, companheirismo,

    sabedoria e ateno. Por isso, no poderia deixar registrado aqui os meus sinceros

    agradecimentos para:

    Primeiramente a Deus, autor e sustentador da minha vida, pela fora, sabedoria, ousadia e

    plantar em meu corao perseverana para continuar, mesmo quando as coisas pareciam que

    no iriam andar. E tambm por colocar essas pessoas em meu caminho.

    Aos meus pais Raquel Josefa Ferreira Camboim e Josias Lopes Camboim pelos primeiros

    ensinamentos ticos e morais que trago comigo. E pelo o incentivo muitas vezes sem falar

    nada.

    A minha orientadora professora Doutora Edvnia Gomes pela orientao, confiana,

    incentivo, e por me possibilitar enxergar o urbano como uma mercadoria para atender aos

    anseios capitalistas. Trabalhar com toda essa problemtica para mim no apenas significou

    escrever uma dissertao, mas tornou-se algo que vou levar para toda a vida seja pessoal ou

    profissional.

    A minha co-orientadora professora Doutora Cristiane Maria Galdino de Almeida pela co-

    orientao, ateno, indicaes de referncias. Suas contribuies iniciadas na minha

    qualificao foram de grande importncia para a construo desta dissertao.

    Ao Professor Doutor Lus Ricardo Silva Queiroz pela disponibilidade de ler atentamente

    minha dissertao. Certamente, suas contribuies foram valiosas, sobretudo, para a melhoria

    das anlises dos resultados e tambm na problematizao dos autores sobre prticas musicais.

    Ao Professor Doutor Alexandre Simo de Freitas, pela disponibilidade, ateno em ler minha

    dissertao, pelas sugestes de leituras e pelas colocaes pontuais e provocativas que

    certamente contriburam para a minha formao.

    Agradeo tambm a Professora Doutora Vanice Santiago Fragoso Selva, pela disponibilidade

    em ler minha dissertao por suas contribuies dissertao ao longo do mestrado, por meio

    do seminrio integrador I, seminrio de qualificao e finalizando com a banca de defesa.

    Certamente, suas contribuies foram de grande importncia.

    Agradeo as professoras: Dr Anlia Keila Rodrigues Ribeiro e a Dr Magna do Carmo Silva

    Cruz, com as quais percorri meus primeiros caminhos na cincia atravs da iniciao

    cientifica. E ao Prof Doutor Adauto Gomes Barbosa, pelas discusses, trocas, incentivo,

    durante o perodo de orientao na graduao que certamente contriburam e muito para o

    meu crescimento acadmico, forjando em mim um carter crtico.

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    Professora Doutora Laize Guazina da Faculdade de Artes do Paran que gentilmente

    contribuiu para a pesquisa por e-mail sobre projetos de prticas musicais (tema estudado por

    ela), dando alguns direcionamentos e por anexar sua tese no e-mail. Obrigada pela ateno!

    Ao professor Doutor Carlos Sandroni pela permisso de assistir as aulas de Msica e

    Sociedade como ouvinte, pelo envio de algumas referncias e pelo dilogo estabelecido na

    apresentao do meu projeto de dissertao em sala de aula.

    A professora Doutora Fabiele Stockmans que muito me ajudou dando algumas direes sobre

    a anlise do discurso do projeto da Orquestra Criana Cidad. Certamente, sua ajuda

    significou um salto muito grande para a melhoria das anlises.

    Aos prodemticos pela convivncia, troca de experincias, durante os dois anos de mestrado.

    Em especial, Bruno Melo, Diana Gmez, Jssica Azevedo, Maira Egito, Mara Braga, Nara

    Crrea, Sandra Mendes e Valcilene Rodrigues pela amizade, momentos de descontraes,

    companheirismo. Enfim, fomos sem sombras de dvidas uma equipe cada um ajudando e

    torcendo pelo outro. Obrigada Pessoas! E vem mais por a!

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente

    (PRODEMA) por contriburem para o meu enriquecimento acadmico.

    Deivide Soares pela disposio em elaborar um dos mapas da pesquisa.

    Mrio Jarbas que muito me ajudou com algumas indicaes de referncias sobre o Coque. E

    tambm, pela palavra sobre meu projeto de dissertao nos momentos iniciais que me fizeram

    repensar algumas questes, sendo determinantes para que ele ganhasse esse formato.

    Obrigada!

    Anderson Alves pelas indicaes de referncia que muito me auxiliaram para a construo

    terica desta dissertao.

    Maria Rupi que mesmo sem me conhecer gentilmente se disps contribuir para este trabalho

    dando sua opinio sobre o projeto, por meio de sua vivncia no Coque. Obrigada!

    Agradeo ainda a Cleiton Barros, pela ajuda na pesquisa por meio de nossa conversa sobre o

    Coque e o projeto. Suas palavras me fizeram lembrar a frase de Saramago: Fisicamente

    habitamos um espao, mas sentimentalmente somos habitados por uma memria. Memria

    essa que est presente nos moradores do Coque, mas infelizmente estar ausente no restante da

    cidade do Recife. Obrigada!

    Ao Projeto da Orquestra Criana Cidad, por abrir as portas para a realizao da pesquisa.

    Em especial, Mariane (assessora de comunicao), Professor Aldir (coordenador pedaggico),

    Professora Daniela (pedagoga), Professora Janayna (teoria musical). Foi muito especial para

    mim cada ida ouvir melodias que me inspiravam sempre!

    Aos integrantes do Projeto da Orquestra Criana Cidad, pela disponibilidade em contribuir

    para a pesquisa. Os nomes de compositores clssicos que escolhi uma singela homenagem e

    ao mesmo tempo mostra a minha gratido porque sem vocs no haveria pesquisa: Maurice

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    Ravel, Antonio Vivaldi, Wolfgang Mozart, Franziska Lebrun, Clara Schuman; Frdric

    Chopin, Anton Dvork, Franz Schubert, Richard Strauss, Igor Stravinky, Johannes Brahms,

    que esses nomes sirvam tambm de inspirao para continuarem a tocar na alma das pessoas!

    Aos ex-integrantes do Projeto da Orquestra Criana Cidad, por contriburem para a pesquisa

    seja atravs de telefone via Recife-Goinia, Messenger do Facebook, e-mail, whatsapp ou

    pessoalmente. Os quais tambm atribuir nomes de compositores clssicos para homenage-los

    e agradec-los: Piort Tchaikovsky e Ludwing Bethoveen. Meninos, que vocs continuem por

    meio de seus instrumentos contra baixo e viola, respectivamente encontrar coraes, levando

    emoes! Vocs tm a minha admirao e a minha eterna gratido!

    Rildo, Matuto e Ricardo do Ponto de Cultura do Coque pela disposio de conversar sobre o

    Coque.

    Aos moradores do Coque que aceitaram o convite para participar do grupo focal ou em

    algumas conversas informais. Comunidade que vai muito alm de como representada, l

    existe histria, memria e identidade que tornam elementos de compreenso de um territrio

    pulsante.

    Agradeo tambm a Emyli Souto por me ajudar com um teste piloto e tambm pelo apoio

    moral. Sucesso em sua pesquisa e qualquer coisa pode contar comigo!

    Aos membros da Comunidade de Aprendizagem Interdisciplinar de Pesquisa Ao

    (CIAPA/2014), pelo compartilhar de experincias e dilogos sobre a produo social do

    habitar. Em especial, ao pessoal que trabalhou com o Coque: Cynthia, Karine, Marina, e Sven

    pelas nossas caminhadas e compartilhamentos.

    Ao Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFPE)

    pelo espao, em especial, a secretria do programa Solange que eu aperrei muito durante esses

    dois anos.

    A biblioteca Popular do Coque, espao no apenas de leituras, mas de formao por abrir as

    portas para mim. Atuar na biblioteca significou me conhecer um pouco mais e me possibilitou

    a criao de vnculos que me fazem sempre mesmo que em pensamento estar presente l.

    A Coordenao de Aperfeioamento de Pessoa de Nvel Superior (CAPES) pela concesso

    de bolsa de Ps-Graduao.

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    [...] Teve uma vez que eu fui tocar em um casamento a o cara me perguntou

    de onde eu era, e eu disse do Coque ele olhou com aquela cara para mim...

    Do Coque? Eu disse sim! a o professor que me chamou disse qual o

    problema dele ser do Coque? Ele calou a boca. Muitas pessoas enxergam

    que todos que so da favela fossem marginal, ladro, no enxergam que

    tem gente ali que quer mudar de vida, n? (DEPOIMENTO DE JONHANN

    STRAUSS, INTEGRANTE DO PROJETO).

    Na verdade, toda vez, que o futuro seja considerado como um pr-dado, ora

    porque seja pura repetio mecnica do presente, s adverbialmente mudado,

    ora porque seja o que teria de ser, no h lugar para a utopia, portanto para o

    sonho, para a opo, para a deciso, para a espera na luta, somente como

    existe esperana. No h lugar para a educao. S para o adestramento

    (FREIRE, 1992, p.92).

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    RESUMO

    Dentre os diferentes projetos sociais destinados a populao de baixa renda emergem aqueles

    relacionados s prticas musicais sob a gide salvacionista da criminalidade, em especial a

    juvenil. Assim, visando discutir os projetos sociais de prticas musicais consideramos as

    caractersticas das cidades contemporneas marcadas pelo capitalismo que promove um

    processo de produo desigual do espao urbano. Tendo em vista a complexidade da temtica

    abordada, apontamos a importncia de um caminho metodolgico interdisciplinar por meio de

    diferentes aportes de reas de conhecimentos, que nos auxiliassem nas discusses e ao mesmo

    tempo possibilitasse alcanar novos rumos aos projetos sociais de prticas musicais em

    diferentes contextos. A coleta e anlise dos dados foram feitas por meio de anlise de discurso

    do projeto, aplicao de questionrio, alm de dados secundrios e levantamento

    bibliogrfico. Para isso, utilizamos do exemplo do projeto da Orquestra Criana Cidad, que

    vem se consolidando ao longo dos anos no Cenrio Recifense, Nacional e Internacional como

    um projeto de grande importncia no apenas do ponto de vista cultural, mas no mbito

    social. Tal projeto inclui em suas aes: canto coral, flauta doce, instrumentos de sopro,

    cordas e percusso, alm de idiomas, alimentao, bolsas de estudos, intercmbios e plano de

    sade, sob a gide da construo da cidadania. No bojo dessa discusso estar a Zona Especial

    de Interesse Social (ZEIS) Coque, lugar em que os integrantes do projeto moram, cuja anlise

    diferenciada desde sua gnese na compreenso do que : comunidade/ favela ou populao

    de baixa renda. Pois, diferentemente do que ocorre na maioria das favelas que, por vezes,

    associam-se periferia, de algo s margens, o Coque est localizado na rea central do Recife.

    Os moradores ao longo dos anos vm lutando pelo direito cidade do Recife, alm de

    conviverem com o estigma de comunidade mais violenta, imagem construda muito em

    virtude da mdia. Pudemos identificar, a partir dos resultados da pesquisa, alguns benefcios

    do projeto para seus integrantes e ex-integrantes como: conhecimento, educao, maturidade,

    entre outros. Entretanto, alguns elementos pontuais remetem para a imagem do Coque

    enquanto lugar apenas de violncia. Contudo, apesar do problema verificado, as experincias

    do projeto da Orquestra Criana Cidad podem ser encaradas como positivas, na medida em

    que este sirva de referncia para novas solues e, ao mesmo tempo, indiquem novos

    horizontes e possibilidades na atuao do projeto.

    Palavras Chaves: Espao Urbano Desigual. Coque. Orquestra Criana Cidad. Prticas

    Musicais, Jovens.

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    ABSTRACT

    Among the different social projects aimed at the lowincome population emerge those which

    are related to musical practices under the aegis Salvationist of the criminality, with the special

    look at the young people. In this way, with the view of discussing the social projects of

    musical practices, we consider the characteristics of contemporary cities marked by capitalism

    which promotes a process of an uneven production of the urban space. Thereby , considering

    the complexity of the topic given, we point out the importance of an interdisciplinary

    methodological framework by means of different contributions in the areas of knowledge,

    which may help in the deliberations as well as may enable to reach new routes to the social

    projects of musical practices in different contexts. The collection and data analysis were

    carried out by means of discourse analysis of the project, questionnaire application, secondary

    data and bibliographical survey as well. To do so, we took into account the example of the

    Boys Citizen Child Orchestra project which has been consolidating along the years in

    Recife Scenery, National and International as a project of great importance not only from the

    point of Cultural view , but also in the social scope. This project includes in its actions: choir

    songs, sweet flute, string, wind and percussion instruments, besides idioms, food,

    scholarships, exchange programs, and healthcare plan under the auspices of a citizenship

    awareness. Within this discussion, it is the Special Zone of Social Interest (SZSI) Coque,

    place where the participants of the project live, whose analysis is differentiated since its

    genesis in the comprehension of what community/slums are, or low rate population. Unlike

    of what is happening in most slums that, sometimes, associate to the periphery , of

    something to the margins, Coque is located in a central area of Recife. The residents have

    been fighting along the years for the right to the city of Recife, besides of having lived with

    the stigma of the most violent community in Recife, that we can be seen through the media

    .From the results we could notice some benefits of the projects for its participants and ex-

    participants such as : awareness, education, maturity, among others. However, some isolated

    elements send to the image of Coque as being a place in which we can find only violence.

    Nevertheless, in spite of the problems having been verified, the experiences of the Citizen

    Child Orchestra project can be faced as positive, in as much as this problem comes as a

    reference for new solutions and, at the same time, could indicate new horizons and

    possibilities in this project development.

    Key Words: Uneven Urban Space. Coque. Citizen Child Orchestra. Musical Practices.

    Young People.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Localizao do Coque ...................................................................................... 21

    Figura 2 Zonas Especiais de Interesse Social ................................................................ 31

    Figura 3 Localizao do Projeto do Polo Juridico .......................................................... 34

    Figura 4 Reportagem Sobre a Construo do Shopping................................................. 35

    Figura 5 Canal do Ibipor no Coque ............................................................................. 38

    Figura 6 Localizao e Distncia do Quartel do Cabanga em Relao ao Coque .......... 55

    Figura 7 Constituio da ABBC ..................................................................................... 59

    Figura 8 Unidades do Projeto ....................................................................................... 62

    Figura 9 Concerto Rock .................................................................................................. 69

    Figura 10 The Beat Beatles Concert ............................................................................... 70

    Figura 11 Apresentao da Alemanha ............................................................................ 71

    Figura 12 Projeto da Nova Sede.................................................................................... 81

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Letra da Msica Sangue no Cais ................................................................ 44

    Quadro 2 Letra da Msica Quando o Dj Soltar ......................................................... 45

    Quadro 3 Quantidade e Especificaes das Dependncias do Projeto ........................... 61

    Quadro 4 Os Recursos Humanos do Projeto da Orquestra Criana Cidad.....................64

    Quadro 5 Nveis do Projeto............................................................................................. 67

    Quadro 6 Premiao do Projeto......................................................................................67

    Quadro 7 Empresas Parceiras e Patrocinadoras do Projeto.............................................75

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    LISTA DE SIGLAS

    ABBC- Associao Beneficente Criana Cidad

    BNDES- Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CBO- Classificao Brasileira de Ocupao

    CDRU- Concesso Direito Real de Uso

    CHESF- Companhia Hidreltrica do So Francisco

    CJS- Centro de Justia e Sociedade

    CORE- Companhia de pera do Recife

    COMUL- Comisso de Legalidade e Posse de Terra

    CPM- Conservatrio Pernambucano de Msica

    D SUP- Depsito de Suprimentos

    ESMAPE- Escola de Magistratura de Pernambuco

    ECA- Estatuto da Criana e do Adolescente

    IDH- ndice de Desenvolvimento Humano

    IPHAN- Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional

    FIEPE- Federao das indstrias do Estado de Pernambuco

    LUOS- Lei de Uso e Ocupao do Solo

    MERCOSUL- Mercado Comum do Sul

    MPP- Ministrio Pblico de Pernambuco

    NEIMFA- Ncleo Educacional Irmos Menores Francisco de Assis

    ONG- Organizao No-Governamental

    OP- Oramento Participativo

    OAB- Ordem dos Advogados Brasil

    PREZEIS- Plano de Regularizao de Zona Especial de Interesse Social

    PRONAC- Programa Nacional de Incentivo Cultura

    RPA- Regio Poltico Administrativo

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    SPU- Secretaria de Patrimnio da Unio

    SESI- Servio Social da Indstria

    SDs- Sequncias Discursivas

    TJP- Tribunal de Justia de Pernambuco

    URB- Empresa de Urbanizao do Recife

    UFPE- Universidade Federal de Pernambuco

    ZEIS- Zona Especial de Interesse Social

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    SUMRIO

    1 PRIMEIRAS NOTAS ..................................................................................................................... 17

    2PRESTISSMO: A PRODUO DESIGUAL DO ESPAO URBANO O COQUE

    COMO CENRIO DESARMONICO DOS PADRES DE TRATAMENTO DADO AS

    ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAIS .................................................................. 24

    2.1 Relao Ser Humano/Natureza: Uma Abordagem na Produo do Espao Urbano

    no Capitalismo ........................................................................................................................ 25

    2.2 A Produo Fetichista do Espao Urbano .................................................................... 26

    2.3 As Materializaes Desiguais do Espao Urbano Capitalista- Um Olhar Para o

    Coque ...................................................................................................................................... 27

    2.3.1 Uma Abordagem em Relao Violncia de Resistncia na Busca Pelo Direito Cidade

    na ZEIS Coque..........................................................................................................................30

    2.3.2 Uma Reflexo Sobre a Representao do Coque Como Lugar violento.........................40

    3 A MELODIA DA INQUIETAO- AS AFINAES E DESAFINAES DOS

    PROJETOS SOCIAIS DE PRTICAS MUSICAIS .............................................................. 42

    3.1 As Prticas Musicais e o Espao Urbano: Observando os Significados Musicais.....42

    3.2 Os Projetos Sociais de Prticas Musicais Como Espao de Educao No-Formal...45

    3.2.1 Discutindo o Conceito de Excluso/ Incluso Social a Partir dos Projetos Sociais de

    Prticas Musicais.......................................................................................................................46

    3.2.3 No Sou Condenado a Ser Quem Voc Quer...Mentir Para Mim Mesmo- Uma

    Discusso em Torno da Concepo dos Projetos Sociais de Prticas Musicais Por Meio da

    Trade Pobreza-Risco-Crime.....................................................................................................49

    4 PORQUE A METADE DE MIM PLATEIA...A OUTRA METADE CANO- A

    ORQUESTRA CRIANA CIDAD.......................................................................................52

    4.1 O Surgimento do Projeto da Orquestra Criana...........................................................52

    4.2 A Localizao da Sede do Projeto da Orquestra Criana Cidad..............................54

    4.3 A Gesto do Projeto da Orquestra Criana Cidad......................................................58

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    4.4 A Caracterizao do Projeto da Orquestra Criana Cidad........................................61

    4.4.1 A Infraestrutura do Projeto da Orquestra Criana Cidad..............................................61

    4.4.2 Os Integrantes do Projeto da Orquestra Criana Cidad.................................................63

    4.4.3 Os Recursos Humanos do Projeto da Orquestra Criana Cidad....................................64

    4.4.4 A Metodologia do Projeto da Orquestra Criana Cidad................................................66

    4.5 Algumas Apresentaes do Projeto da Orquestra Criana Cidad.....................................69

    4.5.1 Concerto Rock..................................................................................................................69

    4.5.2 The Beatles Concert.........................................................................................................70

    4.5.3 Word Orchest Kassel.......................................................................................................71

    5 POLIFONIA: Os Parceiros Do Projeto Da Orquestra Criana No FRONT DAS

    QUESTES SOCIAIS NO CAPITALISMO...........................................................................73

    5.1 Uma Discusso em Torno da Noo de Marketing Empresarial e Responsabilidade Social Por Meio Dos Parceiros do Projeto da Orquestra Criana Cidad........................73

    5.2 Alm do Arco-ris: Uma Leitura Crtica na Produo do Espao Urbano, Por

    Meio De Um De Seus Promotores..........................................................................................78

    6 MODERATTO: ANLISE DO DISCURSO DO PROJETO DA ORQUESTRA

    CRIANA CIDAD................................................................................................................88

    6.1 Preciso Pronunciar Palavras Enquanto as H, Preciso Diz-las At Que Elas

    Me Encontrem: Uma Breve Apresentao de Anlise de Discurso..................................88

    6.2 A Produo de Sentidos Enquanto Parte de Suas Vida [...] Enquanto Membros de

    Uma Sociedade: Apresentando a Condio de Produo do Discurso............................90

    6.3 No H Discurso Sem Sujeito e No H Sujeito Sem Ideologia: A Constituio do

    Corpus da Pesquisa.................................................................................................................92

    6.4 So Ditos, Permanecem Ditos e Esto Ainda Por Dizer: As Anlises do Discurso do

    Projeto da Orquestra Criana Cidad..................................................................................94

    6.4.1 A Constituio do Discurso do Projeto Sobre o Coque...................................................94

    6.4.2 A Constituio do Discurso do Projeto Sobre a Salvao nas Prticas Musicais...........97

    7 STACCATO: OS PRONUNCIAMENTOS DE ALGUNS INTEGRANTES E EX-

    INTEGRANTES SOBRE A CERCA DA PERCEPO DOS IMPACTOS DO PROJETO

    NA VIDA DELES E NA COMUNIDADE............................................................................100

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    7.1 Da Boa Receptividade ao Balano Positivo, de Acordo Com a Opinio dos

    Integrantes do Projeto da Orquestra Criana Cidad......................................................102

    7.2 O Bairro e a Casa Ganha Relevncia na Vida Das Pessoas- na Vida de Cada Um:

    O Coque, Segundo os Integrantes do Projeto da Orquestra Criana

    Cidad....................................................................................................................................105

    7.3 Replay: O Balano Positivo dos Impactos do Projeto da Orquestra Criana Cidad

    aos Ex-Integrantes.................................................................................................................110

    7.4 O Coque na Vida dos Ex-Integrantes do Projeto da Orquestra Criana

    Cidad....................................................................................................................................112

    CONSIDERAES FINAIS..................................................................................................116

    REFERNCIAS......................................................................................................................121

    APNDICE A- Formulrio de Pesquisa Para os Integrantes e ex-integrantes do

    Projeto.....................................................................................................................................131

    APNDICE B- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..............................................134

    ANEXO A- Carta de Anuncia do Projeto da Orquestra Criana Cidad..............................136

    ANEXO B- Grupo Focal no Coque (Fragmentao/Integrao Socioespacial).....................137

    ANEXO C- Petio de Suspenso do Processo Licitatrio do Edital de Concorrncia

    n.011/2014...............................................................................................................................140

    ANEXO D- Carta de Demanda Coletiva Pelo Direito Moradia..........................................142

  • 17

    1 PRIMEIRAS NOTAS

    Dentre os diferentes projetos sociais destinados populao de baixa renda emergem

    aqueles relacionados s prtica musicais sob a gide salvacionista da criminalidade, em

    especial a juvenil. Portanto, tendo como pressuposto as prticas musicais, dentre outros

    elementos, como um direito no contexto da cidadania, Guazina (2010) refora a necessidade

    de se combater a instrumentalizao das prticas musicais nos projetos sociais nessa

    perspectiva. Afinal, a cidadania precisa ser reclamada, exigida diante dos diferentes

    dispositivos institucionais (SANTOS, 2007).

    nesse cenrio que esta pesquisa teve por objetivo geral analisar o projeto da Orquestra

    Criana Cidad1, confrontando aspectos de sua implantao (justificativas) com os processos

    sociais, educativos, polticos e econmicos2 advindos dessa implantao, utilizando como

    cenrio a comunidade do Coque3.

    O Coque est espacialmente localizado em uma posio privilegiada geograficamente,

    particularmente articulando bairros de elevada especulao imobiliria, bem como a margem

    de eixos naturais e artificiais de estimado valor paisagstico. Nesse sentido, a implantao e

    funcionamento desta ento Orquestra Criana Cidad, provocam reflexes sobre o

    atingimento dos propsitos que foram atribudos, dentre eles, alguns foram trabalhados

    conforme os objetivos especficos a seguir:

    Recuperar a luz do planejamento urbano as intervenes urbanas realizadas no Coque,

    revelando os impactos na comunidade, com fins de mostrar o contexto urbano em

    que os integrantes do projeto da Orquestra Criana Cidad vivem.

    1 O projeto da Orquestra Criana Cidad foi idealizado em 2005 pelo Magistrado Joo Jos da Rocha

    Targino. Entretanto, suas atividades s iniciaram em 2006. O projeto tem como objetivo inserir

    socialmente crianas e adolescentes que moram no Coque por meio da msica com vistas

    profissionalizao (ORQUESTRA CRIANA CIDAD, 2013) ( o mesmo ser explicado com

    maiores detalhes no 4 captulo desta dissertao). 2 O aspecto econmico refere-se questo empresarial com a parceria ou patrocnio de empresas em

    projetos sociais. 3 O Coque considerado uma ilha (Ilha Joana Bezerra) localizada na Regio Poltico Administrativo

    (RPA1) microrregio 1.2 e 1.3. Assim, como outras reas consideradas pobres do Recife surgiu de

    ocupao irregular e devido a vrios movimentos sociais o Coque passou a ser uma Zona Especial de

    Interesse Social (ZEIS), contudo, a comunidade ainda continua tendo seus direitos desrespeitados,

    alm de conviverem como o estigma da violncia. (Iremos discutir de maneira mais detalhada no 2

    captulo desta dissertao).

  • 18

    Identificar os patrocinadores e parceiros do projeto da Orquestra Criana Cidad,

    buscando compreender os princpios, interesses e compromissos relativos orquestra

    e a comunidade a ela vinculado.

    Apontar elementos portadores de cenrios futuros, a partir da nova sede do projeto da

    Orquestra Criana Cidad.

    Analisar as recorrncias de efeitos de sentido no discurso do projeto da Orquestra

    Criana Cidad.

    Identificar a percepo de alguns integrantes e ex-integrantes da Orquestra Criana

    Cidad em relao aos impactos do referido projeto na vida deles e na comunidade.

    Assim, o caminho percorrido para estudos sobre projetos sociais de prticas musicais que

    visem contribuir aos jovens moradores das favelas, devem passar pela problematizao de

    suas prticas, mediante o contexto urbano em que seus integrantes esto inseridos. Utilizamos

    o termo prticas musicais e no msica por compreendermos que uma prtica musical tem,

    em sua constituio, aspectos que transcendem a msica em suas dimenses estruturais,

    fazendo dela, sobretudo, um corpo sonoro compartilhado (QUEIROZ;FIGUEIRDO, 2006,

    p.76).

    A compreenso das prticas musicais como alternativa de interveno nas condies de

    vida de jovens moradores das favelas iniciaram na dcada de 1990 e ao longo dos anos houve

    um crescimento. Esse crescimento indica o reconhecimento das prticas musicais como

    maneira de superao dos problemas sociais (HIJIKI, 2006a); (GUAZINA, 2010). Hijiki

    (2006a), ainda destaca alguns objetivos desses projetos que vo desde da promoo de

    cidadania, at a ampliao do universo cultural.

    nesse contexto, que o projeto da Orquestra Criana Cidad se insere no conjunto de

    vrios outros projetos sociais de prticas musicais distribudos nos Estados Brasileiros.

    Entre eles esto: Ao social pela Msica (RJ), Instituto Bacarelli (SP), Instituto Ciranda

    (MT), Neojib (BA), Orquestrando a Vida (RJ), Projeto Integrao pela Msica (RJ), Projeto

    Guri (SP), Meninos do Morumbi (SP), Vale Msica (PA) (VIVA A MSICA, 2012).

    Desse modo, a importncia desta dissertao reside no reconhecimento das prticas

    musicais no desenvolvimento e na qualidade de vida, independente da condio social. Alm

    disso, esta dissertao tem o intuito de problematizar as questes da cidade, ou seja, as

    formas do planejamento urbano, mostrando como tem sido o tratamento dado as Zonas

    Especiais de Interesse Social (ZEIS). Mas, ela tambm se preocupa em discutir um projeto

    social para jovens moradores da ZEIS Coque. Ademais, acreditamos que esta dissertao

  • 19

    pode servir de debates, visando buscar novas direes de projetos educativos que atuem com

    jovens das favelas.

    Diante desse contexto, optamos nesta dissertao pelo mtodo dialtico. Logo, buscar-se-

    assim, analisar o projeto da Orquestra Criana Cidad mediante a crtica da realidade e suas

    contradies (SPOSITO, 2004). Para tanto, adotamos um caminho metodolgico

    interdisciplinar. Isto coerente ao que diz Luck (1994) com a necessidade de romper a viso

    fragmentada ao produzir um conhecimento, leva a busca de um trabalho interdisciplinar nas

    cincias. Pois, so nas prticas interdisciplinares que os pesquisadores so conduzidos a

    revelar suas potencialidades (FAZENDA, 1994).

    No intuito de aproximar os tericos e empricos do objeto estudado a uma viso

    interdisciplinar foram abordadas diferentes reas do conhecimento que ajudaram a

    alcanarmos os objetivos especficos. Para isso, utilizamos anlise de discurso, baseada em

    Grigoletto (2005). Alm disso, utilizamos aplicao de questionrio com os integrantes e ex-

    integrantes do projeto da Orquestra Criana Cidad, e no intuito de proteger a identidade dos

    pesquisados e em coerncia com a temtica musical, optamos pelo emprstimo de nomes de

    compositores clssicos e atribumos a cada um dos integrantes e ex-integrantes. Empregamos

    ainda para subsidiar a pesquisa grupo focal, conversas informais, pesquisa exploratria e

    observao.

    Assim, dentre as diferentes aportes de reas do conhecimento utilizamos as cincias

    geogrficas por apresentar caractersticas interdisciplinares. Especialmente, consideramos o

    espao urbano enquanto local da existncia real da vida, da natureza, da sociedade (GOMES,

    2007). Assim, devido as suas inter-relaes uma das dimenses que pode ser analisada no

    urbano a questo cultural e por esse intermdio amplia-se a compreenso da sociedade em

    termos: econmicos, sociais e polticos (CRREA, 2011). Ento, consideramos como espao

    urbano para a construo desta dissertao o Coque.

    Portanto, a leitura do Coque como recorte espacial na metrpole recifense, se realizou de

    forma dialgica com os aportes das diferentes reas do conhecimento e a partir das grandes

    contribuies de intelectuais clssicos e contemporneos, que redigiram e interpretaram a

    configurao do urbano na cidade do Recife. Assim, entendemos esse espao do Recife

    como mais que nunca fragmentado e articulado. Recife, cidade que sobre qualquer anlise

    temtica revela seus fragmentos: vegetao, ilhas e tambm no social marcada por diferentes

    comunidades de baixa renda aqui caracterizada como Zona Especial de Interesse Social

    (ZEIS).

  • 20

    A cidade do Recife possui 94 bairros distribudos em 6 Regies Poltico Administrativo

    (RPA), cuja instituio tem por finalidade promover um melhor planejamento e administrao

    aos bairros. Porm, a fragmentao socioespacial da cidade do Recife por meio da

    distribuio dos bairros em RPAs fica mais evidente, pois, a composio dos bairros revelam

    reas nobres e reas pobres que apresentam precariedade ou dficit habitacional.

    Nesse sentido, como forma de proporcionar uma integrao das reas consideradas pobres,

    alm de regularizao fundiria e equipamentos urbanos foi instituda as ZEIS por meio da

    Lei de Uso e Ocupao do Solo (LUOS), que so definidas como: reas de assentamentos

    habitacionais de populao de baixa renda surgida espontaneamente, existentes e consolidadas

    ou propostos pelo poder pblico, onde haja possibilidade de urbanizao e regularizao

    fundiria. (Lei 14.511/83. Cap. II Art 17). Atualmente Recife tem 66 ZEIS, uma delas o

    Coque.

    Assim, privilegiamos o Recife por meio do Coque cuja anlise diferenciada desde sua

    gnese na compreenso do que : comunidade/ favela ou populao de baixa renda. Pois,

    diferentemente do que ocorre na maioria das favelas que por vezes associa-se a periferia, de

    algo as margens, o Coque j surge no centro articulando eixos: Leste/Oeste e Norte/Sul da

    Metrpole. Portanto, na reproduo do espao da metrpole, produz novas centralidades que

    surgem como ns articuladores de fluxos e lugares de acumulao [...] (CARLOS, 2001,

    p.177). Portanto, por meio de uma releitura desse espao em diferentes perodos da histria

    j revela essa peculiaridade.

    O Coque considerado uma ilha (Ilha Joana Bezerra) localizada na Regio Poltico

    Administrativo (RPA) 1 microrregio 1.2 e 1.3, como podemos verificar no conjunto de

    imagens que colaboram para identificar o Coque em suas distintas escalas na cidade do

    Recife. (Figura1):

  • 21

    Figura 1: Localizao do Coque

    Fonte: Arquivos Vetoriais do Estado de Pernambuco e do Brasil, Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica. Recife, Mapeamento da Prefeitura do Recife. Imagem de Satlite, obtida

    pelo Instituto de Pesquisas Espaciais. Elaborao Ygor Moraes.

    Essa centralida torna o Coque um espao de resistncia onde se pode observar dois

    movimentos: O primeiro o centrifugo no sentido de querer se apropriar dentro de um moto

    contnuo desde sua origem; o segundo movimento o centrpeto na tentativa de defesa das

    presses imobilirias, pois, a reproduo do espao urbano faz do centro o n e conserva

    duas foras interligadas e poderosas: aquelas do poder e riqueza e aquela da misria

    (CARLOS, 2001, p.177).

    E nesse contexto de velocidades diferentes e ritmos dissonantes que se insere essa

    dissertao, buscando d visibilidade s prticas utilizadas nas coxias e para alm e para

    menos do que estar contido na partitura do projeto Orquestra Criana Cidad. Portanto, para

    a concretizao desta dissertao e deixa l em consonncia com o objeto estudado, ela

    encontra-se dividida em sete cesses que foram nomeados com termos ou algo relacionado

    as prticas musicais

  • 22

    A seo 1 intitulada Primeiras Notas faz uma apresentao da temtica, importncia do

    trabalho, os objetivos, e a metodologia.

    A seo 2 de natureza terica intitulada: Prestssimo: A Produo Desigual do Espao

    Urbano- O Coque Como Cenrio Desarmnico dos Padres de Tratamento Dado as Zonas

    Especiais de Interesse Social (ZEIS), faz uma discusso sobre o processo de produo do

    espao urbano a partir da viso de mercadoria, apontando como consequncias desse

    processo a produo desigual do espao urbano. Ainda nesta seo, compreendemos como o

    governo vem tratando as ZEIS, utilizando como exemplo o Coque.

    A seo 3 tambm terica intitulada: A Melodia da Inquietao- As Afinaes e

    Desafinaes dos Projetos Sociais de Prticas Musicais faz uma discusso das prticas

    musicais a partir de seus significados e ao mesmo tempo apontamos essas prticas como

    formas de sociabilidades. Nesta seo ainda, discutimos algumas questes que giram entorno

    dos projetos sociais de prticas musicais as questes de enriquecimento cultural e incluso

    social, enfatizando a discusso do carter salvacionista dos projetos sociais de prticas

    musicais, questo considerada chave para o trabalho.

    A seo 4 intitulada Porque Uma Parte de Mim Plateia.... a Outra Cano: A Orquestra

    Criana Cidad, busca integrar descrio e discusso terica , com fins de apresentar e ao

    mesmo tempo problematizar para o leitor o objeto estudado. Para isso, esta seo trouxe

    algumas dimenses como: a origem do projeto, a localizao, a caracterizao, a metodologia,

    os prmios e algumas apresentaes musicais.

    Na seo 5 intitulada Polifonia: Os Parceiros do Projeto da Orquestra Criana Cidad No

    Front Das Questes Sociais No Capitalismo faz uma primeira abordagem em torno das

    empresas parceiras do projeto a partir de uma noo de responsabilidade social. Nesta seo

    ainda, discutimos a questo da produo do espao urbano por meio de um de seus

    produtores. Alm disso, mostramos a necessidade de romper com a lgica capitalista em que

    os processos educativos se tornam uma forma de lucro.

    Na seo 6 intitulada: Moderatto: Anlise do Discurso do Projeto da Orquestra Criana

    Cidad, tem a finalidade apresentar a materializao da linguagem, por meio do discurso,

  • 23

    em dois sentidos: a representao que o projeto faz do Coque e sobre as prticas musicais

    como salvao. Nesta seo ainda identificamos as formas de relao do projeto com o

    discurso.

    Na seo7 intitulada Stacatto: Os Pronunciamentos de Alguns Integrantes e Ex-Integrantes

    Sobre a Percepo a Cerca dos Impactos do Projeto na Vida Deles e na Comunidade .

    Portanto, nesta seo apresentaremos e discutiremos por meio das falas dos integrantes e ex-

    integrantes, mostrando os ganhos do projeto da Orquestra Criana Cidad aos integrantes e

    ex-integrantes. Ainda nessa seo, buscamos saber a relao deles com o lugar que vivem ou

    viveram.

    E por fim, as Consideraes Finais e Referncias

    Neste momento, preciso ouvir o que vem das linhas do pentagrama desta

    sinfonia, pois, atrs de cada instrumento tem um ser humano, cada nota tocada uma

    forma de dizer estou aqui. Por isso, tempo de tornar os jovens moradores das favelas

    visveis , alm do palco do teatro e da sala de concerto, mas no palco da vida. Assim, para

    marcar os ritmos dissonantes iniciaremos a pesquisa com o emprstimo da palavra italiana

    Prestissmo para representar a velocidade no processo de urbanizao.

  • 24

    2 PRESTISSMO4 : A PRODUO DESIGUAL DO ESPAO URBANO O COQUE COMO CENRIO DESARMNICO DOS PADRES DE TRATAMENTO DADO AS

    ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL

    Se o imperador Shun, em todas as suas andanas

    pelo reino, descobrisse que os instrumentos dos

    diferentes territrios estavam afinados de maneiras

    diferentes, chegaria concluso que j teria

    previsto, de que os territrios logo comeariam a

    diferir uns dos outros (se j no tivessem

    comeado) (TAME, 1984, p.16).

    Este captulo faz uma discusso sobre o processo de produo do espao urbano a partir de

    uma viso de mercadolgica e aponta como consequncias desse processo a produo

    desigual do espao urbano. Ainda nesta seo, compreendemos como o governo vem tratando

    as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), utilizando como exemplo o Coque. Para isso,

    no ficamos limitados nas discusses tericas, mas utilizamos tambm dados secundrios e de

    um grupo focal5 (ANEXO B). O grupo focal uma procedimento de coleta de dados que

    permite ao pesquisador observar as formas de atuao de um grupo e ao mesmo tempo escutar

    vrias pessoas (KIND, 2004). Esse procedimento de coleta de dados foi realizado no dia 14

    de junho de 2014 e foi realizado no Ncleo Educacional Irmos Menores de Francisco de

    Assis (NEIMFA) localizado no Coque e foi intitulado de Fragmentao/ Integrao

    Socioespacial.

    O grupo focal contou com seis participantes, sendo trs do sexo feminino e trs do sexo

    masculino, todos moradores do Coque e de idades e ocupaes diferenciadas, isso porque O

    recrutamento dos participantes ocorre em funo do grupo social a ser estudado, devendo

    abranger sua variabilidade (por exemplo, faixa etria, gnero e classe social) (BORGES;

    SANTOS 2005, p.76). Desse modo, para preservar a identidade dos entrevistados utilizamos

    4 Prestssimo um termo em italiano que significa o mais rpido possvel, os termos em italiano

    foram utilizados pelos compositores para designar o andamento da msica (BURROWS, 2013, p.21).

    A opo em utilizar esse termo neste captulo terico deveu-se ao fato que o processo de urbanizao

    muito acelerado. 5 Destacamos que esse instrumento de coleta de dados foi elaborado por outra pesquisadora para sua

    tese de doutorado. Nossa participao foi de colaborao junto com outra mestranda fazendo os

    registros das observaes decorrentes das falas dos entrevistados e registros fotogrficos

    respectivamente. Os dados obtidos serviram para dar subsdio nas nossas discusses tericas e tambm

    aparecem na tese e tambm na Dissertao das pesquisadoras.

  • 25

    de nomes fictcios. Alm disso, aplicao desse instrumento nos permitiu saber se o Coque

    era um lugar para eles, se os moradores se sentem trancados isolados nesse lugar e /ou

    frequentam o resto da cidade e, por fim, se os equipamentos introduzidos vem modificando o

    seu lugar.

    Assim, nos tpicos a seguir discutiremos questes em torno da abordagem histrica da

    produo do espao urbano, as materializaes desiguais no/do espao urbano de Recife-PE

    por meio do Coque a partir do tratamento dado a essa ZEIS.

    2.1 Relao Ser Humano/Natureza: Uma Abordagem na Produo do Espao Urbano

    no Capitalismo

    No livro El Concepto de la Naturaleza en Marx, Schimdt (1977) percebe a relao ser

    humano/ natureza por meio de um processo histrico. Portanto, esse entendimento leva a

    dimenso da existncia de uma histria natural e uma natureza histrica, que vo sendo

    modificadas a partir de seu processo histrico. Pois, antes essa relao era feita em forma de

    culto contemplativo e romntico de domingo, mas a modernidade cientifica em parceria com

    a indstria partiu com a viso naturalstica de boa, pacfica e equilibrada (SCHIMDT, 1977).

    Assim, com a era industrial, o ser humano pode ser visto como um escravo do tempo que

    torna como uma medida para a sua humanizao (SCHIMDT, 1997). Em virtude disso, o ser

    humano passou a usar instrumentos que no foram criados por ele para produzir objetos

    desnecessrios (SANTOS, 2007). Logo, por meio do seu trabalho o ser humano vai

    produzindo um espao. Portanto,

    [...] a relao do ser humano/natureza mediada pelo processo de trabalho produz um espao que adquire, ao longo da histria, uma dimenso social,

    do produzido socialmente de um determinado modo para suprir as

    necessidades especficas, visando objetos concretos. E o processo histrico

    que torna a natureza do meio de produo em um produto. O urbano, como

    produto e reproduo dos seres humanos produto histrico ao mesmo

    tempo que realidade presente e imediata (CARLOS, 2008, p. 85).

    Nessa concepo de produo do espao por meio do trabalho do ser humano, Santos

    (2004) percebe o espao como um objeto de grande valor para a sociedade. Carlos (2011)

    ainda observa que as transformaes sociais contribuem para as mudanas sofridas na cidade.

    Ademais, diante do capitalismo o espao reproduzido mediante os anseios capitalistas

    causando como consequncia um espao como produto (SPOSITTO, 1997).

  • 26

    Diante disso, percebemos que existem interesses capitalistas na maneira como nossas

    cidades so produzidas, tornando-a uma maneira de acumular capital (CASTILHO, 2011a).

    Portanto, acumulao o motor cuja potncia aumenta no modo de apropriao capitalista

    (HARVEY, 2005, p.40). No entanto, Santos (2007) observa que esse acmulo de capital

    depende do processo de circulao, e esto situados nos espaos de produo. Todavia, vale

    ressaltar que o capital :

    Um processo em que o dinheiro perpetuamente enviado em busca de mais dinheiro. Os capitalistas so aqueles que pem esse processo em movimento

    assumem identidades muito diferentes. Os capitalistas financistas se

    preocupam em ganhar mais dinheiro emprestando a outras pessoas em forma

    de juros (HARVEY, 2011, p.41).

    Portanto, podemos observar nas cidades duas formas de acumulao do capital. A primeira

    faz referncia s indstrias atravs das movimentaes do dinheiro e das mercadorias por

    meio do trabalho, pois, a fora do trabalho combinada com os meios de produo por um

    processo de trabalho ativo realizado sob a superviso do capitalista (CARLOS, 2008);

    (HARVEY, 2011, p.41). A segunda tem por fundamento o sistema compra e venda do espao

    urbano, agregando a ele um valor de uso e de outro, aquele em virtude de sua localizao e

    este pelo aumento do valor (CARLOS, 2008; 2011).

    Assim, o espao como produto dos anseios capitalistas vai sendo apresentado aos

    consumidores como objeto de sofisticao, sendo fator condicionante para a venda. Dessa

    maneira, no tpico a seguir iremos discutir sobre esse espao urbano como um feitiche de

    mercadoria.

    2.2 A Produo Fetichista do Espao Urbano Capitalista

    O ser humano faz a natureza diversa atravs dos objetos, e com isso, a natureza deixa de

    ser provedora das necessidades do ser humano e fica a servio do mercado imobilirio

    (SANTOS, 2009); (VALENA, 2013). Entretanto, esse processo torna o espao seu oponente

    porque ele se funda em um carter desumano e alienante. Pois, os meios de comunicao

    esto sujeitos as classes mais abastardas que lanam as mercadorias aos seus compradores, e

    ao mesmo tempo torna o espao urbano uma obra sedutora que escraviza os seres viventes.

    (SANTOS, 2004); (GARCIA, 2006). Nesse sentido, Garcia (2006) ainda observa que a

    existncia dessa obra de seduo circula em torno da belo e do bem elaborado e, por isso,

  • 27

    chama a ateno dos consumidores. Portanto, [...] O aspecto sensvel torna-se portador de

    uma funo econmica: o sujeito e o objeto da fascinao economicamente funcional. Que

    domina as manifestaes domina as pessoas fascinadas mediante o sentido (HAUG, 1997, p.

    27). Nesse caso a viso que promove esse fascnio ao comprador e assim o escraviza. Logo,

    o discurso para vender essa mercadoria terra edificao, equipamentos e meios de consumo

    coletivo e rea verdes o de segurana e da qualidade intramuros (RODRIGUES, 2013,

    p.148).

    Desse modo, para que as pessoas sejam convencidas do novo desenvolvimento utilizado

    publicidade, no entanto, ela s vezes no consegue levar os seres humanos ao seu objetivo

    que comprar. Ento, so utilizados apelos por meios de esquemas que se convertem em

    processos brutais para alcanar o seu fim nico: a construo dos projetos (HARVEY, 2011).

    Todavia, grande parte desse processo de feitiche advm do setor privado em que o governo

    tem se comprometido em conseguir dinheiro atravs das obras. Logo, percebemos que os

    investimentos pblico tem por finalidade proporcionar benefcios e ao mesmo tempo torna

    privado o que pblico (HARVEY, 2011). Assim, o Estado tem transferido cada vez mais

    iniciativa privada a condio dos processos de interveno urbanstica (ALVAREZ, 2013,

    p.120). Diante dessa produo do espao mercadoria de fetiche o espao vai sendo

    materializado desigualmente.

    2.3 As Materializaes Desiguais do Espao Urbano Capitalista- Um Olhar Para o

    Coque

    O processo de produo do espao no carter mercadolgico leva a desigualdade

    socioespacial do espao urbano, aprofundando a separao entre as classes. Portanto, as

    cidades ao apresentarem caractersticas fsicas espaciais maiores, tero seus territrios mais

    prximos, contudo, essa aproximao no quer dizer a presena de relaes sociais

    (SANTOS, 2004). Esse fenmeno de desigualdade socioespacial e distanciamento social

    podem ser explicados por meio do acesso a terra para moradia favorecendo as divises

    sociais, pois, o local, o tipo e o tamanho esto sujeitos a forma que os seres humanos se

    inserem nas obras materiais. Pois, aqueles que detm de melhores condies

    socioeconmicas residem nas melhores reas da cidade (CARLOS, 2011); (CARLOS, 2008).

    Diante disso, ter uma moradia digna no est condicionada ao tempo de construo, mas

    no fato de ter ou no condies para adquiri-la, e, por isso, aqueles que no so providas de

    condies suficientes encontram como nica opo ocupar os mocambos e as favelas

    (SPOSITTO, 1997). Portanto, o uso diferenciado da cidade demonstra que esse espao se

  • 28

    constri e se reproduz de forma desigual e contraditrio. Logo, a desigualdade espacial

    produto da desigualdade social (CARLOS, 2011, p. 23). Dessa maneira, o espao como

    produto capitalista tende a surgir de modo diferenciado e contraditrio, porque:

    [...] A cidade aparece como produto apropriado diferencialmente pelos

    cidados. Essa apropriao se refere s formas mais amplas de vida na

    cidade; e nesse contexto se coloca a cidade como palco privilegiado das lutas

    de classe, pois o motor do processo determinado pelo conflito decorrente

    das contradies inerentes s diferentes necessidades e pontos de vista de

    uma sociedade de classes (CARLOS, 2011, p.23).

    Desse modo, no plano da produo do espao urbano, a segregao aparece como forma

    lgica da separao dos elementos constitutivos da cidadania ligados ao capital, que

    hierarquiza e separa como forma positiva de diferenciao (CARLOS, 2013, p. 97). Assim,

    esse processo de produo do espao diferenciado tem a tendncia de negao da cidade.

    Pois,

    O sentido da cidade como reunio de todos os elementos definidores de vida

    humana e simultaneidade dos atos e atividades de sua realizao, como

    possibilidade do uso dos espaos-tempos que compem a vida, contm

    aquilo que a nega: a produo da segregao como separao e apartamento

    implicando uma prtica social cindida com o ato de negao da cidade

    (CARLOS, 2013, p.100).

    Sentir e viver a cidade um desejo de todos aqueles que a percebem como um lugar de

    encontros, todavia, esse lugar de encontros pressupe a utilizao dos espaos pblicos para

    as reunies. Pois, uma cidade com essas caractersticas cheia de vida, porque somos ns

    que habitamos a cidade, que damos movimento a ela. Por outro lado, o fechamento dos

    espaos pblicos por meio de uma separao por condomnios fechados, no apenas um

    carter excludente, mas uma afirmao da lgica mercadolgica.

    Assim, devido ao uso diferenciado, o espao urbano pode ser compreendido como um

    lugar de conflitos e sua resoluo no tarefa fcil devido aos vrios interesses em questo.

    Portanto, por meio das discusses dos conflitos causados pela diferenciao do espao

    urbano, que verificamos as moradias precrias como denncia da acumulao do capital

    (MARICATO, 2011). Logo, um dos lugares que podemos perceber essa produo desigual do

    espao Recife, que apresenta como caracterstica ocupaes inadequadas nos morros e reas

    de mangue. No entanto, as intervenes pblicas realizadas na cidade contriburam para a

    expanso perifrica (RECIFE, 2009).

    Para Castilho (2011a) a produo do espao urbano do Recife se alinha com a histria

  • 29

    da cidade de lutas, em virtude da lgica das modernizaes que reforaram o contraste da

    cidade. Assim, um exemplo dessa luta foi a expulso de 13 mil habitantes do Bairro do

    Recife para a reforma do Porto e as demolies dos sobrados em 1910, alm da erradicao

    dos mocambos, culminando a criao da Liga Social Contra Mocambo (RECIFE, 2009).

    Entretanto, alm das demolies dos sobrados e erradicaes dos mocambos, outras

    tentativas de expulso ocorreram em outras comunidades em anos posteriores, no entanto, a

    resistncia popular garantiu a permanncia de muitas delas, principalmente nas reas de

    grandes interesses econmicos, a exemplo de: Coelhos, Ilha Terezinha, Ilha do Cu, Ilha do

    Chi e o Coque (RECIFE, 2009); (CASTILHO, 2011b).

    nesse contexto, que traremos como exemplo de desigualdade socioespacial e resistncia

    de permanncia a comunidade do Coque. Pois, ao contrrio de outros lugares, colocados

    como favelas/comunidades ou reas pobres estarem situados em reas perifricas da cidade, o

    Coque compreendido como um lugar diferenciado, porque desde sua gnese localiza-se

    numa rea central da cidade do Recife-PE. Essa compreenso pode ser percebida por meio

    dos relatos dos moradores obtidos pelo grupo focal. Os moradores relataram que sentem

    integrados a cidade do Recife-PE: A gente se sente, mas para a maioria que est de fora, s

    tem marginais6. Ou ainda, O Coque tem aquela assombrao, em qualquer canto, a turma

    ainda faz isso, mesmo na faculdade. Quando voc se apresenta do Coque, a turma se

    espanta7 [...].

    Foi apontado tambm no grupo focal a questo do deslocamento dos moradores para outras

    reas da cidade, como podemos verificar na fala: Eu saio porque vou para faculdade,

    comprar material8. Em relao proximidade do Coque um morador fez a seguinte

    afirmao: tudo perto, vai praia de p, se adoece no tem dinheiro para a passagem

    bota no carro de mo, numa bicicleta vai para o pronto socorro, pra todo canto9. Foi

    apresentado tambm por um dos moradores algumas mudanas em relao mobilidade no

    Coque como:

    mais fcil, a mobilidade melhorou tem nibus tem metr, tem txi, tem

    moto, tudo que a pessoa precisa para se locomover. Atravessa a ponte, t na

    escola, outra ponte t no hospital, Afogados, a praia, tudo prximo10

    . No

    incio as pessoas para sair daqui tinha que usar barco11

    .

    6 Depoimento de Maria, 33 anos, Moradora do Coque. 7 Depoimento de Pedro, 24 anos, Morador do Coque.

    8 Depoimento de Pedro, 24 anos, Morador do Coque. 9 Depoimento de Pedro, 24 anos, Moradores do Coque.

    10 Depoimento de Pedro, 24, anos, Morador do Coque e Maria, 33 anos moradora do Coque.

    11 Depoimento de Jlia, 22 anos, Moradora do Coque.

  • 30

    Essas questes postas pelos moradores do Coque mostram que o espao fragmentado e

    articulado ao mesmo tempo. Portanto, o espao urbano simultaneamente fragmentado e

    articulado: cada uma de suas partes mantm relaes espaciais com as demais, ainda que de

    intensidade varivel ( CRREA, 1995, p.7). O autor ainda observa que os entrelaamentos

    espaciais nos diferentes formatos unem vrias reas das cidades (CRREA, 1995).

    Embora, o Coque seja articulado a outras reas da cidade do Recife, podemos perceb-lo

    ao mesmo tempo desintegrado, porque existi uma demarcao simblica ou uma barreira

    invisvel no local fazendo com que pessoas de outras reas do Recife no entrem no Coque.

    Por isso, tomamos nessa pesquisa o Coque como um gueto, que segundo Wacquant (2004),

    gueto uma rea delimitada que contm grupos especficos, com fins de isolamento. Alm

    disso, as prises so guetos com muros, e os guetos so prises sem muros. Diferem em si

    principalmente no mtodo pelo qual seus internos so mantidos no lugar e impedidos de

    fugir [...] (BAUMAM, 2003, p.109).

    Podemos perceber que o Coque embora esteja localizado centralmente na cidade do

    Recife, muitos tm medo e percebem a comunidade como um lugar feio, mas no buscam

    saber toda a problemtica urbana em que o Coque se insere e nem buscam colaborar para

    buscar melhorias para o lugar. Assim, iremos discutir no tpico a seguir sobre um dos

    problemas que o Coque enfrenta desde sua primeira ocupao a resistncia permanncia.

    2.3.1 Uma Abordagem em Relao Violncia de Resistncia na Busca pelo Direito Cidade

    na ZEIS Coque

    O Coque desde sua gnese apresenta-se como um espao de resistncia na tentativa de se

    defender das presses imobilirias. Pois, de uma rea que no tinha nada e que ningum

    queria devida sua proximidade com o porto, as pessoas foram ocupando provocando um

    grande adensamento populacional. O grande adensamento do Coque e as articulaes dos

    movimentos sociais realizados pelos moradores, levou ao governo por meio do Ministrio da

    Fazenda firmar o contrato de aforamento com o Municpio que garantiu o repasse de 134

    hectares de terra para a delimitao da Ilha Joana Bezerra (JUVINO et al. 2006). Raffestin

    (1988); Harvery (2011); Souza (2010) compreendem o processo de delimitao como uma

    forma de poder. Raffestin (1988) ainda observa que o processo de delimitao estratgia

    organizacional de populao.

    Nesse contexto, em 1978 a Unio cedia as terras para o Municpio com a finalidade de

    regularizao fundiria. Porm, os moradores ainda insatisfeitos ajudados pela Comisso de

  • 31

    Justia e Paz mobilizaram-se para exigir a edificao de equipamentos urbanos na

    comunidade (JUVINO et al. 2006). Com as mobilizaes dos moradores em torno de

    garantias e equipamentos urbanos no ano de 1983, o Coque passou a ser uma Zona Especial

    de Interesse Social (ZEIS) por meio da Lei de Uso e Ocupao de Solo (LUOS) instituda

    pela lei 14.511/83 que divide a cidade em zonas (Preservao Ambiental, Especiais de

    Interesses Sociais, Industriais, Residenciais) (JUVINO et al. 2006). Atualmente a Cidade do

    Recife possui 66 ZEIS, uma delas o Coque, como verificamos no mapa das Zonas Uso e

    Ocupao do Solo (Figura 2):

    Figura 2 Zonas Especiais de Interesse Social

    Fonte: Prefeitura do Recife, 2013.

  • 32

    O objetivo da ZEIS era formar um instrumento legal que possibilitasse melhorias, isto ,

    em teoria pretendia estabelecer uma integrao na cidade por meio de um processo de

    melhorias da infraestrutura urbana, melhorando a qualidade de vida dos moradores (JUVINO

    et al. 2006). Todavia, as ZEIS no tm representado um eficiente instrumento na poltica do

    municpio, pois, observamos as mesmas como um espao opaco (reserva) que ao se tornar

    atrativa ao mercado imobilirio tem se tornado um espao luminoso. Esses termos podem ser

    definidos como:

    Aqueles territrios que acumulam densidades tcnicas e informacionais e,

    portanto, se tornam mais aptos a atrair atividades econmicas, capitais,

    tecnologia e organizao so denominados territrios luminosos. Os espaos

    onde essas caractersticas esto afastadas so chamados de territrios opacos

    (SANTOS, 2009, p.194).

    Portanto, esse espao luminoso bem ntido no Coque, pois, embora seja uma ZEIS e no

    plano jurdico determine a permanncia dos moradores na rea, em termos prticos, a

    presena dos moradores percebida como algum que est de passagem e no como

    aquele o lugar de moradia deles de 20 ou 30 anos, possuindo valores de pertencimento e

    identidade com a terra a qual produziram. Por outro lado, reconhecemos que a presena das

    ZEIS uma forma de luta pelo direito moradia e sem ela os moradores dessas reas que j

    nem so muito escutados no teriam nem voz e nem vez, se tornando mais vulnerveis.

    Os movimentos sociais ainda estiveram presente na luta por uma gesto democrtica,

    culminando com uma srie de aes entre elas a criao no ano de 1987 do Plano de

    Regularizao de Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) instituda pela lei 14.947/87

    (FERRAZ, 2009). Por outro lado, Maricato (2011) compreende que as lutas por marco

    jurdico devem existir, porm, essas lutas esto longe de possibilitar garantias reais.

    O sistema PREZEIS possui duas instncias deliberativas: Comisso de Urbanizao e

    Legalizao (COMUL), responsvel pela fiscalizao dos planos de regularizao fundiria

    e o Frum do PREZEIS que apresenta caracterstica representativa por meio da Comisso

    de Urbanizao e Legalizao Instalada (COMULs) definida como: Espaos redacionais de

    carter deliberativo no que se refere aos projetos de urbanizao e regularizao jurdica a

    serem desenvolvidas pelo poder legislativo municipal na respectiva Zona Especial de

    Interesse Social-ZEIS(DECRETO LEI 16. 113/95 Art. 1).

    Porm, o sistema PREZEIS e suas instncias deliberativas tm passado por um processo

    de desmobilizao devido aos diferentes interesses existentes. Um exemplo dessa

    desmobilizao foi a publicao do edital para a contratao de uma empresa de servios

  • 33

    especializadas em arquitetura e urbanismo para a elaborao de um Plano de Reurbanizao

    para o Coque, e seu entorno imediato. Porm, esse processo deveria ser discutido pelo

    PREZEIS, e, por isso, foi pedido a suspenso do edital (ANEXO C).

    Apesar da legitimidade da permanncia dos moradores por ser instituda ZEIS, o que vem

    ocorrendo desde suas primeiras ocupaes uma constante luta em torno da permanncia e

    pelo direito cidade do Recife que :

    O direito a cidade no pode conceber-se como um simples direito de visita ou retorno para as cidades tradicionais. Somente pode formular-se como

    direito vida urbana, transformada e renovada. Pouco importa que o tecido

    urbano encerre no campo e o que subsiste da vida camponesa, desde que o

    urbano lugar do encontro, prioridade do valor de uso inscrito no espao de

    um tempo, promovendo a categoria do bem supremo entre os bens, encontre

    sua base morfolgica, sua realizao prtica sensvel (LEBFEVER12

    1968,

    p.138, traduo nossa).

    Portanto, ter o direito cidade no apenas retornar, por exemplo, a gora de Atenas,

    lugar de grande importncia para a produo do espao urbano de Atenas na era clssica, com

    a manifestao de opinio pblica estabelecendo assim, um princpio de cidadania e

    democracia. Mas, uma forma constante do direito vida urbana. Ento,

    O direito cidade , portanto, muito mais do que um direito de acesso individual ou grupal aos recursos que a cidade incorpora: um direito de

    mudar e reinventar a cidade mais de acordo com nossos mais profundos

    desejos. Alm disso, um direito mais coletivo do que individual, uma vez

    que reinventar a cidade depende inevitavelmente do exerccio de um poder

    coletivo sobre o processo de urbanizao [...] (HARVEY, 2014, p.28).

    Logo, A existncia da propriedade privada da riqueza apoiada numa sociedade de classes

    e a constituio do espao como valor de troca geram a luta pelo direito cidade (CARLOS,

    2013, p.94). Podemos perceber essa luta pelo direito cidade dos moradores do Coque, em

    decorrncia de alguns equipamentos urbanos construdos ou com ameaas de construo

    tomando o lugar como um territrio de constantes lutas. Um exemplo desta construo foi o

    Frum Rodolfo Aureliano que no trouxe nenhum beneficio para os moradores do Coque.

    Contudo, como uma interveno urbanstica no vem s, pois, permitem o encadeamento

    de outras construes, o Frum puxou a ameaa da construo do polo jurdico. O projeto

    12 El derecho a la ciudad no puede ser concebido como un simple derecho de visita, el retorno que

    hacia las ciudades tradicionales. Solo puede formularse como derecho a la vida urbana, transformada

    y renovada sin importar que el tejido urbano encerra en el campo y lo que subsiste la vida campesina,

    igual como lo urbano lugar de encuentro, prioridad del valor de uso inscrito em el espacio de um

    tiempo, promoviendo categora del bien supremo entre los bienes, encuentra su base morfolgica, su

    realizacn y prctica sensible.

  • 34

    permitia a construo de um complexo de servios jurdicos em uma rea de 217 m e

    integraria esse polo os seguintes rgos: Ministrio Pblico de Pernambuco (MPP), e as novas

    sede do Tribunal de Justia de Pernambuco (TJP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

    Defensoria Pblica, Escola de Magistratura Estadual (ESMAPE), Frum Criminal e um

    estacionamento para 4000 veculos. Como podemos verificar no projeto (Figura 3):

    Figura 3-Projeto Polo Jurdico

    Fonte: Coque Vive, 2013.

    Para a construo do polo foi utilizado como justificativa a questo de emprego para os

    moradores do Coque, contudo,

    Esse frum foi uma obra que a comunidade no estava preparada

    militantemente para debater porque no era para ser a, porque no trouxe

    benefcios. Quem trabalha a? Se so trs pessoas so muito! porque no

    colocou em outro lugar onde tem mais espao, onde no tinha uma

    problemtica habitacional to forte.13

    O projeto esbarrou numa doao de terreno ilegal pelo fato do Coque ser ZEIS, alm da

    rea ter sido votada pelos moradores no Oramento Participativo (OP). Diante disso, os

    moradores mobilizaram-se contra a construo o que levou a Ordem dos Advogados do Brasil

    (OAB) a devolver o terreno aos moradores. Com isso, o governo do Estado em parceria com

    a prefeitura fez a doao da antiga sede do Jornal do Comrcio para a OAB instalar sua sede.

    13 Depoimento de Jlia, 22 anos, Moradora do Coque.

    http://memoriasdaterra.files.wordpress.com/2011/06/imagem_juridico.jpg

  • 35

    Na rea onde hoje o Frum seria construdo um Shopping que foi impedido devido s

    mobilizaes dos moradores que na dcada de 1980 eram fortes. Essa ameaa de construo

    foi noticiada no Dirio de Pernambuco como podemos verificar na figura 4:

    Figura 4- Reportagem sobre a Construo do Shopping

    Fonte: Coque Vive, 2013.

    Essa construo do shopping dividiu opinies. Pois, para alguns a construo iria

    proporcionar ao Coque respeito, afastar a criminalidade, tornando-o um grande bairro. Outras

    pessoas acreditavam na possibilidade de obter um emprego. Diante disso, podemos pensar no

    processo de diviso social do trabalho. Pois, A fora do trabalho combinada com os meios

    de produo por um processo de trabalho ativo realizado sob a superviso dos capitalistas

    (HARVEY, 2011, p.41). O mesmo autor ainda fez a seguinte afirmao:

    Sem a relao entre capital e trabalho, expressa por meio da compra e venda

    da fora do trabalho, no poderia haver nem explorao, nem lucro e nem

    circulao de capital. [...] A relao de classe entre capital e trabalho ,

    indiscutivelmente, a relao social mais importante dentro da complexa

    tecedura da sociedade burguesa (HARVEY, 2005, p.129).

    Desse modo, preciso urgente construir um espao humano, que permita unir os seres

    humanos pelo trabalho e no separa-los em classes, enfim, um espao de carter social. Por

    outro lado, preciso reconhecer que para eliminar as desigualdades socioespacais necessrio

    modificar os modelos de produo (SANTOS, 2004).

  • 36

    Outro projeto realizado no Coque foi construo e ampliao do Terminal de

    Passageiros Joana Bezerra que integrou o projeto de mobilidade urbana devido Copa do

    Mundo de Futebol. Essa questo levou a escrita de uma carta de demanda coletiva (Anexo D)

    realizada pela Rede Coque (R) Existe14

    pela preservao do direito moradia na ZEIS Coque.

    Um dos elementos mencionados na carta foi o fato de os moradores s ficarem sabendo do

    processo quando receberam a carta convocando-os para receber a indenizao na Procuradoria

    Geral do Estado.

    Portanto, a forma como o Estado tem atuado no Coque assume a lgica do passar por

    cima, como se o Coque fosse um lugar de passagem, ao contrrio, um local legitimo de

    moradia, mas que os moradores no tm espao para solucionar em conjunto com os poderes

    pblicos. Assim, concordamos com Ronilk (2009) ao afirmar que as articulaes ou apelos

    judicirios atrasam ou contribuem para as remoes de forma menos traumtica. Entretanto,

    o que vem acontecendo so aes sob sigilo (RONILK, 2009).

    Esses espaos de negociao colocados por Rolnik (2009), so formas de possibilitar a

    gesto democrtica das cidades, preconizada no Estatuto da Cidade lei 10.257/01, portanto,

    Gesto Democrtica por meio da populao e de associaes representativas dos vrios

    segmentos da comunidade na formulao execuo e acompanhamento de planos, programas

    e projetos de Desenvolvimento urbano (Art. 2 paragrafo II). No entanto, preciso atentar

    para:

    Fala-se na construo de uma cidade democrtica e livre. Para que isso

    ocorra necessria uma pr-condio: a existncia de homens livres. E a

    cidade no deve ser entendida como valor de troca e suas reas mantidas

    como reservas de valor. Impe pensar a cidade no enquanto materializao

    das condies gerais do processo de reproduo do capital, mas de vida

    humana em sua plenitude [...] (CARLOS, 2011, p.89).

    Nessa perspectiva, a utilizao do termo Desenvolvimento mediante as forma de

    apropriao e de produo do espao errnea, porque desenvolvimento implica na utilizao

    de fatores econmicos que possibilitem melhores condies e acesso : Educao, Sade,

    Habitao. Alm disso, valores como identidade, memria de um lugar tambm devem ser

    considerados, alm dos aspectos naturais. Portanto,

    14 A Rede Coque (R) existe surgiu com a ideia de romper a viso que as pessoas tm do Coque como

    um lugar de violncia, convidando os que no moram no Coque para passar o dia com vrias

    atividades. Essas atividades ocorreram no dia 04/08/13 e ficou marcado como o dia de luta e

    resistncia do Coque. As atividades foram repetidas no dia 03/08/14.

  • 37

    Um desenvolvimento autntico, sem aspas, no se confunde com uma simples expanso do tecido urbano e a crescente complexidade deste, na

    estreita do crescimento econmico e da modernizao tecnolgica. Ele no

    , meramente, um aumento da rea urbanizada, e nem mesmo, simplesmente,

    uma sofisticao ou modernizao do espao urbano, mas, antes e acima de

    tudo, um desenvolvimento socioespacial na e da cidade: vale dizer, a

    conquista de melhor qualidade de vida para um nmero crescente de pessoas

    e de cada vez mais justia social (SOUZA, 2013, p.101).

    Assim, a forma de desenvolvimento baseada nos modelos econmicos no um

    desenvolvimento, mas um crescimento urbano, modernizao urbana ou outras denominaes

    que remetam economia. Portanto, essa ausncia de liberdade nas tomadas de decises pelos

    moradores pe em evidncia a face do desenvolvimento urbano que oprime e fortalece a

    lgica capitalista. Logo,

    Que utilidade pblica tem fazer um projeto que as pessoas no tm direito.

    Utilidade Pblica para grandes empresas de nibus? Para melhorar porque

    vai ter uma copa? As pessoas vem de fora para ver? Ver o qu? Ver que as

    pessoas esto todas desabrigadas, porque o que eles esto oferecendo para a

    gente no d para comprar uma casa. Ento, o certo , vai ter um projeto?

    vai! vai sair? vai! Vai precisar da rea? Vamos! Ento, vamos fazer um

    conjunto residencial decente. Nesse conjunto vamos fazer uma creche para

    as mes trabalhadoras, porque a maioria aqui trabalhadora 15

    .

    Dessa forma, percebemos que o termo Utilidade Pblica tem sido usado como maneira

    de justificar vrios projetos. Mas, em termos prticos o que seria essa utilidade pblica? ou

    utilidade para quem? Da sociedade ou dos anseios capitalistas? Pois, na forma que est escrita

    possibilita margens para vrias interpretaes. Essas aes apontam que o problema no est

    na lei, mas na sua aplicao (MARICATO, 1996).

    Outra obra que tambm acarretou algumas remoes foi a construo do canal do Ibipor,

    votada pelos moradores no Oramento Participativo (OP) que um dos instrumentos da

    Poltica Urbana, pois, Trata-se como o nome sugere pelo menos em uma situao ideal de

    delegar poder aos prprios cidados, para diretamente decidirem sobre o destino a ser dado

    aos investimentos pblicos (SOUZA, 2013, p.141). Por isso, OP um instrumento de

    gesto que existe pela luta histrica do movimento popular, no a conquista de um governo.

    Ento, no pode ser compreendido como um instrumento de governo de operar a poltica

    (FERRAZ, 2010, p.69). Apesar do OP existir mediante a luta dos moradores em torno de

    15 Depoimento de uma moradora do Coque que integra o primeiro vdeo da srie despejo#1 Coque

    realizada pela Rede Coque (R) Existe.

  • 38

    melhores condies de vida na consolidao das obras votadas, ele tambm podem significar

    uma contradio em relao a essa luta. Um exemplo disso a obra do canal do Ibipor,

    (figura 5):

    Figura 5- Canal do Ibipor

    Fonte: Karine, 2014.

    Embora a obra tenha sido votada pelos moradores no OP devido a necessidade no apenas

    no ponto de vista esttico, mas principalmente para a sade dos moradores, as remoes para

    a construo do canal no trouxeram indenizaes significativas aos moradores. Pois,

    At porque a gente sabe que essa obra do canal essencial, at porque est

    nessa situao. [...] a gente sabe que preciso, mas no esto dando opo,

    uma indenizao irrisria para a gente comprar um negcio, em sei l...

    Limoeiro! como um vizinho meu morando aqui h 25 anos e que pegou R$

    15.000 para ir morar em Limoeiro [...]. Eles fazem os projetos, mas voc se

    vira. Eles no querem saber de razes, quantos anos a gente viveu, no quer

    saber da famlia, entendeu?16

    Diante disso, percebemos que as obras realizadas no Coque so realizadas, e os moradores

    que se virem na busca de outro local para morar sem pensar nas questes de valores e

    pertencimento com a terra. Ademais, os valores irrisrios dados nas indenizaes podem levar

    a uma situao pior do que a anterior, um exemplo disso, uma moradora que recebeu R$ 4

    mil reais de indenizao, no entanto, com esse valor no se compra nenhuma casa, ento, ela

    16 Depoimento de Jlia, moradora do Coque, 22 anos.

  • 39

    foi morar em uma palafita em Areinha17

    . Por isso, no tratamento dessa questo percebemos

    que no so todas reas pobres uma ZEIS e que ser ZEIS no sinnimo de espao justo

    (CASTILHO, 2011b). Por isso,

    Eu sou contra esses projetos, tem que se formar uma lei que proba, porque

    isso aqui, no mapa, tem uma nuvenzinha azul que diz que isso uma rea

    ZEIS, uma rea para interesse social, uma rea para pobres, uma rea

    protegida que o governo tem que olhar de uma maneira especial pra gente,

    dizendo assim no, esse povo j muito vulnervel ento vamos tocar nele

    no, vamos proteger, vamos fazer mais leis que respaldam isso, que cuidam

    deles, isso no acontece, s a gente se unindo, se unificando mesmo para

    isso vir e valer a pena.18

    Diante disso, percebemos que o Coque sofre uma violncia de resistncia, fruto da

    violncia estruturante que divide os seres humanos em classes sociais e os oprime. Todavia,

    evitar as diferenas de renda criadas pelo processo produtivo supe mudar sua prpria lgica.

    Essa questo tambm est relacionada com as relaes do ser humano/natureza e do ser

    humano consigo (SANTOS, 2004). Santos (2013), ainda observa que o problema da pobreza

    no est fundada no processo de integrao da populao com a estrutura opressiva, com a

    finalidade de parecer com ele, mas em transformar a estrutura para que cada indivduo seja

    livre (SANTOS 2013).

    Portanto, essa discusso mostra o quanto conflitante e complexo o estudo da

    problemtica urbana, e, por isso, deve ser compreendida em toda a sua conjuntura , visando a

    construo de uma cidade que tenha polticas pblicas que possam superar e amenizar as

    injustias socioespaciais. Enfim, deve ser uma cidade que no sirva de fetiche devido face

    opressora do capitalismo, mas uma cidade de todos e para todos. Entretanto, no apenas

    com a especulao imobiliria que os moradores do Coque sofrem, embora, a permanncia

    seja legitima, Mas, pelo fato do resto da cidade perceber o Coque como um territrio apenas

    de violncia, fato aguado pela mdia.

    17 Dentro do Coque existe uma delimitao simblica do lugar que advm de uma delimitao

    especfica para cada rea. Vila Localidade, Realeza e Areinha. Areinha conhecida, na dimenso

    externa do bairro, na do observador que vem de fora, como as palafitas do Coque e est localizada

    as margens do Capibaribe (FERRAZ, 2010, p.93). O nome Areinha porque as ocupaes ocorreram

    em cima da areia retirada do Rio pela Prefeitura (FERRAZ, 2010). 18

    Depoimento de Jlia, 22 anos, moradora do Coque.

  • 40

    2.3.2 Uma Reflexo Sobre a Representao do Coque Como Um Lugar Violento

    As favelas no podem ser compreendidas apenas por habitaes desordenadas, porque ela

    possui caractersticas especficas, podendo ser compreendida como um cenrio ecolgico19

    de acordo com seu relacionamento com a cidade (BURGOS, 2005). Contudo, a representao

    das favelas aparece com conotaes negativas e com sinnimos de desordem (BURGOS,

    2005). Os moradores das favelas por sua vez, so vistos como:

    Imigrante pobre e semianalfabeta incapaz de integrar-se ao mercado de

    trabalho formal. Sob essas concepes, ela passou a ser compreendida, tanto

    no meio acadmico, como na mdia, como equivalente a pobreza. [...] E o

    fato de o indivduo ser identificado como favelado diante da sociedade

    desqualifica-o e representa nele certa vulnerabilidade, que o atinge no

    somente enquanto morador, mas como cidado, em suas distintas facetas.

    [...] Associa-se tambm m conduta, delinquncia e pobreza. Portanto, a

    sociedade frequentemente atribui pr-julgamentos, que culminam na

    estigmatizao, discriminao e excluso social desses moradores.

    (OLIVEIRA, 2012, p.62-63).

    Para Serrano (2006), os moradores das favelas no escolhem quem so porque sua

    identidade esto atreladas a esteretipos pautados em generalizaes, como se no houvesse

    famlias de bem que merecessem apreo. Por isso, a favela revelada para o resto da cidade

    por meio de sua face violenta, o que aprofunda a ideia de que so espaos de crueldade.

    Portanto, esse processo feito de maneira pejorativa com representao que deprecia o

    territrio como um lugar de violncia e precariedade habitacional (BURGOS, 2012).

    Portanto, o Coque um exemplo dessa representao negativa de violncia onde assaltos,

    homicdios, trficos de drogas imperam. Enfim, o Coque colocado como um territrio onde

    tudo de ruim acontece. Nesse sentido, a mdia deu sua parcela de contribuio nessa

    representao do Coque que serviu para que as pessoas percebessem o Coque por sua

    violncia (FREITAS; VALE-NETO, 2009). Portanto, a mdia, envolvida na gerao e

    manuteno de esteretipos e preconceitos que estigmatizam as populaes mais pobres

    (MELLO, 2013 p.131). Assim, a mdia ao comunicar atos violentos faz um espetculo ao

    falar de maneira espalhafatosa, sem promover um questionamento em torno das razes que

    conduzem a essas prticas (MELLO, 2013).

    Nesse sentido, com a pretenso de fazer da violncia do Coque noticia, a mdia acabou

    criando estigmas e desvalorizando a comunidade (FREITAS; VALE-NETO, 2009). Para

    19 O termo est compreendido no sentido mais amplo que usual. Para melhor compreenso do termo

    ver Capra (2006)

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    Mello (2013), a mdia tem por funo esclarecer