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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS FERNANDO PAULO DE OLIVEIRA ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICO-DISCURSIVAS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES EM ARTIGOS DE ARNALDO JABOR São João del-Rei Dezembro de 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

PROGRAMA DE MESTRADO EM LETRAS

FERNANDO PAULO DE OLIVEIRA

ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICO-DISCURSIVAS E CONSTRUÇÃO DE

IDENTIDADES EM ARTIGOS DE ARNALDO JABOR

São João del-Rei Dezembro de 2013

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FERNANDO PAULO DE OLIVEIRA

ESTRATÉGIAS LINGUÍSTICO-DISCURSIVAS E CONSTRUÇÃO DE

IDENTIDADES EM ARTIGOS DE ARNALDO JABOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós -graduação

em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei,

como requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Letras.

Área de Concentração: Teoria Literária e Crít ica da

Cultura

Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Márcio do Carmo

São João del-Rei Dezembro de 2013

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Para minha mãe,

que é o início, o fim

e o meio de tudo.

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas colaboraram, conscientemente ou não, para a realização desse trabalho. Sou

grato a todos, mas preciso declarar minha especial gratidão ao Professor Cláudio Márcio do

Carmo, meu orientador, pela paciência e confiança e pelo exemplo de profissionalismo.

Também reconheço a grande importância de minha noiva, Patrícia, de meus amigos,

Waschington, Elton e Clarice, e de minha família, principalmente minha mãe querida, que

compreenderam minha necessária dedicação a este trabalho, e que, muitas vezes, viram-me

dividido entre os estudos e tudo o mais, sem jamais deixarem de me acolher.

Não posso deixar de registrar que a semente deste trabalho foi semeada pelo Professor Paulo

Henrique Caetano e que foi numa de suas aulas, no curso de Jornalismo da UFSJ, que surgiu a

ideia do projeto que ora se realiza. Por isso, a ele sou muito grato.

Agradeço ainda aos professores do PROMEL e aos colegas de turma, amigos que em cada

conversa cultivaram e estimularam a perseverança de minha pesquisa.

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“Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?” Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

Identidade e identidades sempre foram motivos de reflexão para o ser humano e,

certamente, continuarão sendo. Identidade como um interminável vir a ser, uma constante

composição, implica um processo ininterrupto de construção. Este estudo tem como foco o

processo de construção de identidades por meio de estratégias linguístico-discursivas

presentes em textos da mídia impressa. A humanidade é marcada profundamente pelos meios

de comunicação, não apenas por seu poder político e econômico, mas principalmente pelo

agenciamento de identidades sociais, nacionais ou culturais, e um dos materiais de construção

de identidades mais significativos na mídia são as palavras. Utilizando teoria e método

desenvolvidos em Análise Crítica do Discurso (ACD) e Abordagem Histórica do Discurso

(AHD), este trabalho analisa o processo discursivo de construção de identidades para os

principais candidatos à presidência da República, nas eleições de 2010, no Brasil. O suporte

do editorial “O mal a evitar” e dos artigos de opinião analisados é o jornal O Estado de S.

Paulo, que é abordado conforme orienta a AHD. Sabendo que o editorial do Estado

evidenciou o apoio do jornal ao candidato José Serra, buscamos verificar se os artigos de

Arnaldo Jabor corroboraram o mesmo discurso de apoio àquele candidato e de que forma os

candidatos são representados em seus textos. Como categorias de análise, as estratégias

linguístico-discursivas desenvolvidas por Wodak (2001), Reisigl e Wodak (2001) e Wodak e

Meyer (2001, 2009) e trabalhadas também por Ihnen e Richardson (2011) apresentaram-se

como as mais adequadas à nossa proposta de pesquisa. O presente estudo constatou que, por

meio de estratégias discursivas e estratégias de construção simbólica, os artigos de Jabor

constroem identidades para os candidatos, principalmente para Dilma Rousseff, de forma a

reproduzir e reforçar o mesmo discurso de apoio a José Serra para presidente, consoante à

declaração do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Construção de identidades, estratégias linguístico-discursivas,

discurso.

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ABSTRACT

Identity and identities have always been reasons for reflection for humans and

certainly remain. Identity as an endless becoming, a constant composition, implies an

uninterrupted process of construction. This study focuses on the process of identity

construction through linguistic-discursive strategies on print media texts. Humanity is deeply

marked by the media, not only for its political and economic power , but mainly by the agency

of social, national or cultural identities, and the most significant material of construction of

identities in the media are words. Using the theory and method developed in Critical

Discourse Analysis (CDA) and Discourse-Historical Approach (DHA), this paper analyzes

the discursive process of identity construction for the main candidates for the presidency in

the 2010 elections, in Brazil. The support of the editorial “O mal a evitar” and the articles

analyzed is the newspaper O Estado de S. Paulo, what is addressed as guides DHA. Knowing

that the editorial of the newspaper Estado evidenced its support to the candidate José Serra,

quest to verify if the articles of Arnaldo Jabor corroborated the same discourse support to that

candidate and how candidates are represented in their texts. As categories of analysis, the

linguistic-discursive strategies developed by Wodak (2001), Reisigl and Wodak (2001) and

Wodak and Meyer (2001, 2009) and also studied by Ihnen and Richardson (2011) is presented

as the most appropriate to our research proposal. This study found that, by means of

discursive strategies and strategies of symbolic construction, the Jabor‟s articles construct

identities for candidates, mainly for Dilma Rousseff, to reproduce and reinforce the same

discourse in support of José Serra for President, consonant to the declaration of the Estado.

Keywords: Construction of identities, linguistic-discursive strategies, discourse.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Modelo de Quadro Comparativo ........................................................................... 65

Quadro 2 – Estratégias referenciais ou nominativas............................................................... 112

Quadro 3 – Estratégias predicacionais.................................................................................... 115

Quadro 4 – Estratégias argumentativas .................................................................................. 121

Quadro 5 – Estratégias de perspectivação, enquadramento [framing] ou representação. ...... 124

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11

CAPÍTULO I O Estado de S. Paulo: jornalismo e política no Brasil ......................... 18

1.1 O Estado de S. Paulo na história política brasileira .............................................. 19

1.2 Mídia e política no Brasil ...................................................................................... 27

1.3 Gêneros discursivos do jornal impresso ................................................................ 35

1.3.1 O gênero artigo de opinião ........................................................................ 41

1.3.2 O gênero editorial ...................................................................................... 44

CAPÍTULO II Análise Crítica do Discurso (ACD) e Abordagem Histórica do

Discurso (ADH).................................................................................................... 48

2.1 Discurso e construção de identidades .................................................................... 50

2.2 Estratégias linguístico-discursivas......................................................................... 57

2.3 Modos de operação da ideologia ........................................................................... 66

2.4 Atores sociais envolvidos na disputa pela hegemonia política e discursiva ......... 72

CAPÍTULO III Estratégias linguístico-discursivas na construção de identidades .. 77

3.1 A construção de identidades no editorial “O mal a evitar” ................................... 78

3.2 A construção de identidades nos artigos de Arnaldo Jabor ................................... 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 106

ANEXOS ........................................................................................................................... 111

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INTRODUÇÃO

Informação é Poder

Francis Bacon (1561-1626)

Informação é Mudança

Alvin Toffler (1928-)

O meu interesse pelo tema discutido nas páginas seguintes dessa Dissertação surgiu

quando ainda era aluno do curso de Comunicação Social e Jornalismo na UFSJ, há três anos -

antes de abdicar daquele curso, a fim de me dedicar exclusivamente ao mestrado. Naquele

momento, ocorreu-me a questão sobre até que ponto o jornalismo seria capaz de se envolver

na disputa eleitoral. O presente trabalho busca demonstrar uma dentre tantas formas pelas

quais a imprensa oferece seus recursos e principalmente a habilidade com as palavras para

defender interesses políticos, econômicos, sociais, podendo afetar significativamente a

história de nosso país.

O caráter dinâmico dos meios de comunicação é talvez a principal característica da

mídia contemporânea. Não obstante, grandes e antigos grupos empresariais do meio

jornalístico se mantêm fortes e ativos na sociedade, buscando se impor mesmo entre as novas

mídias, sem permitir que se perca o espaço do jornal impresso. O acesso virtual aos estoques

mundiais de informação, por meio de novas tecnologias, não substitui a mídia tradicional,

pelo contrário, é mais um complemento na articulação de novas formas de relações sociais e

no processo de construção de identidades.

Toda sociedade é marcada profundamente pelos meios de comunicação, não apenas

por seu poder político e econômico, mas principalmente pelo agenciamento das identidades

sociais, nacionais ou culturais. Um dos materia is de construção de identidades mais

significativos na mídia são as palavras, a linguagem em uso na sua modalidade escrita.

O presente trabalho tem como foco o processo de construção de identidades, a partir

de estratégias linguístico-discursivas e suas implicações. Dessarte, buscando textos

produzidos na mídia, encontramos, no jornal O Estado de S. Paulo, o nosso objeto de análise,

composto por textos de grande relevância discursiva, uma vez que foram produzidos em

período oficial de campanhas eleitorais para a Presidência da República e circularam pela

imprensa brasileira. Utilizando teoria e método desenvolvidos pela Análise Crítica do

Discurso (doravante ACD) e contribuições da Abordagem Histórica do Discurso (doravante

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AHD), este trabalho analisa o processo de construção de identidades por meio de estratégias

linguístico-discursivas, considerando a interrelação entre o conteúdo de gêneros discursivos1 e

suas condições de produção.

O momento histórico em que se encontra nosso objeto de análise é a última eleição

para Presidente da República, realizada no Brasil em 2010. Naquele momento, o país se

tornou um verdadeiro campo de batalhas de discursos e disputas pela hegemonia política, em

que os principais jornais tiveram grande destaque como atores sociais. Dentre os três maiores

jornais da “grande imprensa”2 brasileira, segundo o IVC (Instituto Verificador de Circulação),

Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo, o jornal O Estado de S. Paulo foi o único

que declarou oficialmente, em editorial, o seu apoio à eleição de um dos candidatos,

explicitando sua parcialidade política.

Essa eleição teve como principais candidatos a eleita Dilma Rousseff, do Partido dos

Trabalhadores (PT); José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Marina

Silva, do Partido Verde (PV). Houve ainda outros seis candidatos que receberam menos de

um por cento dos votos válidos e não foram mencionados em nenhum dos textos que

compõem o objeto de análise.

Em 26 de setembro de 2010, durante o período oficial das campanhas eleitorais, o

Jornal O Estado de S. Paulo publicou o editorial3 intitulado “O mal a evitar”, em que afirmou:

“o Estado apóia a candidatura de José Serra à Presidência da República”. Segundo o próprio

editorial, o mesmo foi escrito como resposta a Luís Inácio Lula da Silva (PT), diante das

acusações feitas pelo então Presidente de que a imprensa brasileira estaria “se comportando

como um partido político”.

Considerando a declaração do jornal, podemos inferir que, tendo o Estado apoiado um

determinado candidato, então seu discurso estaria voltado para esse fim, pois, do contrário,

seria incoerente com sua declaração e seu apoio não teria efeito. Essa hipótese suscitou-nos o

interesse em verificar se há realmente uma correspondência entre a declaração do Estado e o

que de fato se lê nas páginas do jornal. Ademais da declaração de apoio do Estado contida em

seu editorial, o direcionamento ideológico é contingenciado pelos interesses de editores,

proprietários e acionistas do Grupo Estado, patrocinadores, anunciantes, além de futuros

1 Trataremos sobre gêneros discursivos na seção 1.3 - Gêneros discursivos do jornal impresso, página 35. 2 “Grande imprensa”: Jornais que atendem aos seguintes critérios: Periodicidade diária, vínculo ao IVC, editorias

consolidadas, estrutura noticiosa de cobertura de âmbito nacional, poder de agendamento, anuncia ntes de

abrangência nacional, circulação nacional, posicionamento empresarial (OLIVEIRA e CAETANO, 2012a). 3 O Estado de S. Paulo publica seus editoriais na seção Notas & Informações, localizada sempre na página 3, que

é a seção mais antiga do jornal.

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aliados no poder executivo. Segundo Capelato e Prado, em pesquisa sobre o jornal O Estado

de S. Paulo,

A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a

imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de

intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam

como mero “veículo de informações”, transmissor imparcial e neutro dos

acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se inserem

(CAPELATO e PRADO, 1980, p. 19).

Nas editorias de O Estado de S. Paulo, chamam atenção os artigos de Arnaldo Jabor,

publicados na seção “Cultura”, no caderno 2, e suas considerações sobre os candidatos. Um

fator importante para a escolha dos artigos de opinião desse colunista para completar o objeto

de análise é o fato de que Arnaldo Jabor foi apontado como o “jornalista colunista mais lido

ou ouvido pelos entrevistados, no terceiro Barômetro de Imprensa” (2008, p. 4), em pesquisa

realizada pela FSB Comunicações - Assessoria de Imprensa e Comunicação Integrada

(2008), que entrevistou 563 jornalistas. Diante do resultado dessa pesquisa, é possível

perceber que Arnaldo Jabor exerce certa influência dentre seus pares, que também são

importantes formadores de opinião.

Segundo Venício de Lima (2013),

os estudos no campo da produção das notícias (newsmaking) ev idenciam que, na

seleção das matérias a serem noticiadas, jornalistas se utilizam de referências ao

grupo de colegas e às fontes, preferencialmente às referências ao seu próprio

público. Enquanto o público em geral é pouco conhecido pelo jornalista, o seu

contexto profissional imediato exerce uma in fluência decisiva na seleção do que vai

ser noticiado.

Na avaliação do autor, “a origem principal das expectativas, das orientações e dos

valores profissionais dos jornalistas não é o público para o qual escrevem, mas, sobretudo, o

grupo de referência constituído por colegas e fontes.” Para Lima, “combinando essas

indicações teóricas com os resultados da [...] pesquisa Barômetro de Imprensa é possível

compreender melhor quem de fato forma a opinião dos „formadores de opinião‟ na grande

mídia brasileira” (LIMA, 2013[2008]).

O critério para seleção dos artigos de opinião de Arnaldo Jabor foi o período oficial

das campanhas eleitorais, que ocorreu entre 6 de julho e 30 de outubro de 2010, além de terem

sido publicados no mesmo jornal. Dessa forma, foram encontrados dezessete artigos e um

editorial publicados pelo Estado nesse período.

Durante a leitura do material de análise, percebemos que, dentre os dezessete artigos

de Arnaldo Jabor, dez não tratam de questões políticas, mas sim de outros assuntos de

diferentes interesses para o articulista: um sobre a derrota da seleção brasileira de futebol na

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copa do mundo daquele ano, três artigos sobre seus trabalhos como cineasta, um com

divagações sobre mulher, outro acerca de um “futuro tecnológico”, outro a respeito do

“sentido da vida”, um artigo que previa um futuro de guerras, outro sobre sua adesão ao

twitter, e um que trata do caso Eliza Samúdio. Esses dez artigos não fazem referência aos

candidatos, portanto foram desconsiderados.

Nos dezessete artigos assinados por Arnaldo Jabor, podemos encontrar onze temas: as

eleições e os principais candidatos em sete artigos, cinema em três artigos e outros sete temas

tratados em sete artigos diferentes. Percebe-se que o tema mais recorrente foi as eleições e os

principais candidatos à Presidência. Assim, nosso material de análise é composto do editorial

e mais sete artigos de opinião sobre o tema mais recorrente.

Os conceitos e metodologias de análise que fundamentam esta pesquisa são aqueles

desenvolvidos pela ACD. No entanto, é preciso esclarecer que, conforme Ihnen e Richardson

(2011, p. 43), “a ACD não possui uma metodologia singular, mas baseia-se em critérios e

aplica categorias provenientes de uma variedade de fontes. A linguística é uma delas, é claro,

mas também o são a Teoria Política, a Filosofia Política, a Sociologia e a História”. Nesse

sentido, os autores reconhecem a importância de se considerar as contribuições de diferentes

áreas de estudo, principalmente as citadas, para uma pesquisa em ACD.

O trabalho desenvolvido por John E. Richardson intitulado Analysing Newspapers -

An Approach from Critical Discourse Analysis (2007) faz uma releitura dos estudos de

Norman Fairclough e das contribuições de outros pesquisadores da ACD. Richardson (2007)

dá grande atenção ao método de análise desenvolvido por aquele autor e apresenta um modelo

prático de ACD aplicado em pesquisas com textos de jornais, sendo, por isso, de grande

importância para o trabalho com nosso objeto de pesquisa. O autor explora o funcionamento

da linguagem do jornalismo e relações de poder, suas funções e seus efeitos. Richardson

(2007) oferece aos estudiosos de diversas áreas como Jornalismo, Comunicação e Análise do

Discurso, um quadro sistemático para o estudo crítico de textos jornalísticos.

Tomando a mídia como um grande sistema cultural que tem nos interpelado contínua e

fortemente durante as campanhas eleitorais, esta pesquisa pretende analisar o processo de

construção de identidades, a partir das estratégias linguístico-discursivas identificadas nos

artigos de opinião de Arnaldo Jabor e no editorial “O mal a evitar”. Como orientado por

Richardson (2007), abordaremos a inter-relação entre a forma do texto jornalístico e seu

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conteúdo, uma vez que, segundo o autor, “textos escritos ou lidos em diferentes meios têm

diferentes significados”4 (ibid., p. 46).

Para Richardson (2007), discurso, sociedade e cultura devem ser abordados em uma

relação dialética, uma vez que, para o autor, “sociedade e cultura são moldadas pelo discurso,

e, ao mesmo tempo, constituídas pelo discurso. Cada exemplo de uso da linguagem reproduz

ou transforma a sociedade e a cultura, incluindo as relações de poder” (ibid., p. 26). Nesse

sentido, o editorial e os artigos de opinião, textos de jornal impresso, como os estudados por

Richardson (2007), são um exemplo de espaço de uso da linguagem em que se reproduzem

discursos e se desenvolvem relações de poder. Richardson esclarece que “as palavras

transmitem a marca da sociedade e de juízos de valor em particular” (2007, p. 47), por isso,

segundo o autor, a análise, a partir do vocabulário de um texto de jornal, é quase sempre a

primeira etapa de uma análise do discurso.

Richardson (2007) toma emprestado de Ruth Wodak o conceito de estratégias

referenciais do texto. Segundo o autor, os pesquisadores Reisigl e Wodak (2001) têm

desenvolvido o entendimento de que a escolha por determinadas formas de nomeação é uma

das estratégias referenciais do texto, e, desse modo, a escolha por “descrever um indivíduo

(ou um grupo) como uma coisa ou outra pode servir a muitos propósitos psicológicos, sociais

ou políticos diferentes” (2007, p. 49).

Estratégias referenciais ou nominativas citadas por Richardson (2007) é um dos cinco

grupos de estratégias linguístico-discursivas5 que Reisigl e Wodak (2001), Wodak e Meyer

(2001, 2009) e Ihnen e Richardson (2011) observam em diferentes estudos, esclarecendo que

devem ser observadas de acordo com as especificidades de cada abordagem. Os cinco grupos

de estratégias linguístico-discursivas descritos pelos autores são: estratégias referenciais ou

nominativas; estratégias predicacionais; estratégias de argumentação; estratégias de

perspectivação, enquadramento ou representação e estratégias de intensificação e

atenuação.

Resistindo a um discurso ou reforçando-o, os atores sociais, ao fazerem uso da

linguagem, “usam formas, métodos e ideias que algum grupo social, grande ou pequeno, já

tem à sua disposição” (BECKER, 2009, p. 27). Dessa forma, todo discurso que encontramos

em diferentes contextos sociais não pode ser considerado completamente novo, pois ele

retoma, reforça, resiste, ou cita outros discursos, ou seja, um texto estabelece uma articulação

entre discursos que são reorganizados de forma dialógica. Os discursos presentes no que é

4 As traduções de textos sem publicação em Português citados nesse estudo são de minha responsabilidade.

5 Trataremos sobre Estratégias linguístico-discursivas na seção 2.2, página 57.

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dito ou no que não é dito no texto podem ser percebidos de forma mais clara, marcados por

certos recursos linguísticos, ou de maneira velada, por meio de determinadas estratégias

discursivas.

O uso da linguagem, que representa uma prática social, implica questões de ordem

econômica, política, cultural e ideológica (FAIRCLOUGH, 2003). Na análise de estratégias

discursivas, as ideologias tomam grande destaque durante todo o trabalho de seleção e

interpretação dos dados. Assim, o conceito de ideologia é caro para essa pesquisa, uma vez

que se trata de um contexto de disputas por poder e por hegemonia, não apenas política, mas

também, discursiva. Ideologia foi objeto dos estudos de Bakhtin e seu Círculo, que trouxeram

para a filosofia da linguagem elementos necessários para o entendimento desse complexo

conceito. Em se tratando do uso da linguagem, o autor argumenta que a língua é a realidade

material específica da criação ideológica (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1997) e, ainda

segundo o autor, “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e

servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto, claro que a

palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais” ( ibid., p.

41).

Para abordar o conceito de ideologia associado aos meios de comunicação, buscamos

o entendimento de John B. Thompson, presente na obra Ideologia e cultura moderna: teoria

social crítica na era dos meios de comunicação de massa (1995 [1990]). Nessa obra,

Thompson esclarece que sua proposta de abordagem sobre ideologia está focada nas maneiras

como o sentido é mobilizado numa articulação entre as formas simbólicas e as relações de

poder, ou seja, “estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para

estabelecer e sustentar relações de poder” (ibid., p. 76). Thompson (1995) desenvolve sua

teoria sobre os modos de operações gerais da ideologia6, que segundo o autor, são pelo menos

cinco: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação, os quais são

relacionados a várias estratégias de construção simbólica.

Em nossa análise, buscamos identificar e compreender a ocorrência dos modos de

operação da ideologia relacionados às estratégias linguístico-discursivas presentes no

processo de construção de identidades, considerando que, segundo Thompson (1995),

ideologia se refere às “inter-relações entre sentido (significado) e poder” (p. 16), o que

permeia todo nosso objeto de análise. Thompson (1995) esclarece também que a aplicação

6 Trataremos sobre Modos de Operação da Ideologia, na seção 2.3, página 66.

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dessa abordagem em análises textuais pode detectar “representações que escondem, enganam,

e que, ao fazerem isso, servem para manter relações de dominação” (ibid., p. 75).

A partir dos pressupostos teóricos e metodologias de análise apresentados, analisamos

como Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva, principais candidatos à Presidência da

República nas eleições de 2010, têm identidades discursivamente construídas e marcadas

pelas estratégias linguístico-discursivas presentes no editorial e nos artigos de opinião

assinados por Arnaldo Jabor e publicados no jornal impresso O Estado de S. Paulo. Como

critério para identificar o posicionamento do jornal e dos artigos em relação à eleição de

determinado candidato, estabelecemos duas possibilidades: ou os artigos são a favor ou os

artigos são contra a eleição de cada candidato a Presidente. Sabendo que o Estado, ao publicar

o editorial “O mal a evitar”, evidenciou sua posição a favor da eleição de José Serra para

Presidente da República, espera-se identificar o posicionamento discursivo dos artigos de

Arnaldo Jabor, mediante a análise das identidades construídas nesses textos.

Tendo já apresentado nosso aporte teórico e metodologia de análise, na sequência,

trataremos, no primeiro capítulo, sobre o envolvimento da imprensa escrita, com destaque

para o jornal O Estado de S. Paulo, na história política brasileira, bem como os gêneros

presentes no suporte jornal, especificamente aqueles que representam nosso material de

análise. No segundo capítulo, aprofundamos as considerações de nosso aporte teórico

metodológico, a partir da ACD e da AHD, além dos principais conceitos aplicados nesse

estudo. Conceitos como ideologia, hegemonia, discurso e identidades, serão melhor

trabalhados em relação às estratégias linguístico-discursivas observadas nos textos analisados.

No terceiro capítulo, apresentamos a análise dos dados encontrados no corpus, com base nos

conceitos trabalhados no capítulo dois e nas informações conjunturais discutidas no primeiro

capítulo. Veremos de que forma as estratégias linguístico-discursivas se combinam no

processo de construção de identidades dos candidatos Dilma, Serra e Marina, dando forma às

estratégias de construção simbólica, pelas quais operam ideologias nos artigos e no editorial.

Por fim, apresentaremos algumas considerações resultantes de nosso estudo.

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Capítulo I

O Estado de S. Paulo: jornalismo

e política no Brasil

“Quem, de três milênios,

Não é capaz de se dar conta

Vive na ignorância, na sombra,

À mercê dos dias, do tempo”

Johann Wolfgang von Goethe

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1.1 O Estado de S. Paulo na história política brasileira

Estudar a mídia impressa tem especial importância, tendo em vista seu papel central na

mediação de representações sociais, reproduzindo e veiculando ideologias e valores, que

implicam o posicionamento de sujeitos nas relações de poder, na formação social e política de

indivíduos (BELL; GARRETT, 1998). Nesse sentido, é preciso ter em mente que “os meios

de comunicação são importantes instituições sociais. Eles são cruciais apresentadores da

cultura, política e vida social, moldando-as, bem como refletindo como estas são formadas e

expressas” (BELL, 1991, p. 64). Segundo Richardson, a análise crítica de textos de jornais

deve levar em conta “como o discurso jornalístico é produzido; como o texto jornalístico

funciona; como argumentos são feitos e convincentemente justificados; e como textos de

jornais podem estar envolvidos na produção e reprodução das desigualdades sociais” (2007, p.

9).

A linguagem jornalística desempenha poder nas relações sociais (RICHARDSON,

2007) com efeito nas ações dos sujeitos, materializando discursos que são construídos ou

reproduzidos nos jornais, que atuam como meios eficientes na mediação de representações, de

valores e ideais (SCOLLON, 1998). De acordo com Scollon (1998), “gêneros, situações,

registros, práticas sociais ou comunidades de prática são apropriados como aspectos

significativos da ação mediada” (p. 253). Para o autor, as ações sociais são mediadas por meio

de ferramentas culturais empregadas pelos meios de comunicação, em que a

interdiscursividade está presente em diferentes níveis de intertextualidade (ibid.), como

veremos nos artigos de Arnaldo Jabor e no editorial do Estado.

Nas práticas textuais, discursivas e sociais (FAIRCLOUGH, 2001) da mídia, estão

imbricadas ideologias, representações, estrutura de valores, significados e visão de mundo,

que, conforme Scollon (1998), terão repercussão nas ações sociais. Desse modo, “valores que

já existem – idéias sobre sexo, patriotismo, sobre classe, hierarquia, dinheiro, lazer, vida

familiar, etc – são reproduzidos nessa interação discursiva entre o texto do jornal e o leitor”

(FOWLER, 1991, p. 46-47). Como é descrito por Fowler (1991), os textos jornalísticos

reproduzem as representações de determinadas fontes como instituições e autoridades que

ocupam posições de poder e status social, veiculando discursos que buscam alcançar ou

manter a hegemonia. O autor assevera que os jornais reconhecem que suas escolhas,

principalmente linguísticas, não são aleatórias, articulando diferentes modos de representar a

realidade e, por isso, têm a necessidade de produzir seus textos de forma que discursos,

representações e ideologias permaneçam velados.

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No Brasil, como em todo o mundo, a imprensa sempre foi objeto e meio de disputas

pelo poder político e econômico. No início da imprensa brasileira, a Coroa Portuguesa proibiu

qualquer tipo de publicação e até mesmo a posse de equipamento tipográfico, na tentativa de

inibir a divulgação de opiniões contrárias à Coroa, veiculando apenas a Imprensa Régia. A

censura prévia, que durou três séculos, foi extinta em 28 de agosto de 1821, mediante

deliberação das Cortes Constitucionais de Lisboa. Em pouco tempo, a liberdade de imprensa

passa a ser garantida pela Constituição outorgada em 1824.

Na última década da monarquia no Brasil, há um aumento expressivo de periódicos,

principalmente com a criação de jornais e pasquins republicanos. A fundação do Partido

Republicano, em 1870, alimenta o desenvolvimento de uma imprensa partidária, com objetivo

de popularizar o ideário republicano e construir uma opinião pública antimonarquista. Nesse

momento, surgem diversos jornais de propaganda republicana como A República (1870), o

Gazeta de Notícias (1875), o Diário de Notícias (1875) e O Paiz (1884). No estado de São

Paulo, destacam-se o Correio Paulistano (1872), que se torna um órgão do Partido

Republicano Paulista e A Província de São Paulo (1875). Nesse período, A Província de São

Paulo se torna uma das primeiras organizações empresariais de imprensa no Brasil e, em

1891, sob a direção de Júlio de Mesquita, viria a se chamar O Estado de S. Paulo.

Já naquela época, os jornais alimentavam uma forte oposição ao governo, e seus textos

traziam, como ainda hoje, mais ataques a personalidades do que a defesa clara de ideias. De

modo geral, passa a ser adotada uma racionalidade econômica que trouxe grandes mud anças

na linguagem jornalística como a objetividade e menor espaço para a linguagem literária. No

entanto, grandes autores da Literatura Brasileira, como Olavo Bilac, Alphonsus de Guimarães,

João do Rio, Coelho Neto, Arthur Azevedo, João Ubaldo Ribeiro, continuaram a escrever

para os principais jornais.

Já no início do século XX, ocorre a ascensão da burguesia e o avanço das relações

capitalistas, que são determinantes para o desenvolvimento da grande imprensa nesse

momento da história do Brasil (SODRÉ, 1999). Na Europa, líderes políticos já haviam

percebido o grande poder dos jornais nas sociedades, o que permitiu um rápido

desenvolvimento de uma imprensa eminentemente partidária. Desde o século XIX,

empresários europeus já investiam no jornalismo como um negócio comercial e lucrativo,

dando início ao desenvolvimento dos grandes jornais vendidos às massas.

Nelson W. Sodré (1999) destaca a estreita relação entre o desenvolvimento da

imprensa e o capitalismo. Segundo o autor,

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A história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade

capitalista. O controle dos meios de difusão de ideias e de informações – que se

verifica ao longo do desenvolvimento da imprensa, como reflexo do

desenvolvimento capitalista em que aquele está inserido – é uma luta em que

aparecem organizações e pessoas da mais diversa situação social, cultural e polít ica,

correspondendo a diferenças de interesses e aspirações (SODRÉ, 1999, p. 1).

O autor esclarece que o jornal se tornou uma empresa capitalista, modificando suas

relações com anunciantes, leitores e com o poder. Diante das sucessões dos governantes, as

empresas midiáticas, na busca pelo poder político e econômico, estreitaram suas relações com

líderes políticos. Dessa forma, ocorreu um monopólio da informação e da opinião, o que

dificultava o surgimento e a manutenção de outros jornais, haja vista a necessidade de altos

investimentos. Segundo Sodré, naquele momento, era “muito mais fácil comprar um jornal do

que fundar um jornal; e ainda mais prático comprar a opinião do jornal do que comprar o

jornal” (ibid., p. 276).

Hoje em dia, esta situação ainda se mantém, uma vez que o Governo Federal é o maior

anunciante da mídia brasileira. Também ocorre ainda a concentração de muitos meios de

comunicação sob o poder de líderes políticos. O jornal em apreço não pertence a um político

candidato a cargo público eletivo, mas se beneficia das relações políticas, das parcerias, das

concessões tributárias do governo, bem como das trocas de apoio durante candidaturas e até

mesmo durante os governos, atuando, principalmente nos últimos anos, como o braço forte da

oposição. Como verificou Nelson W. Sodré (1999), em se tratando de jornais do porte de O

Estado de S. Paulo, é bem mais fácil comprar a opinião do jornal do que adquirir o controle

majoritário de suas ações, uma vez que se trata de grandes empresas.

O processo de desenvolvimento da imprensa no Brasil não destoa de outros países.

Consoante ao entendimento de Sodré (1999), Thompson (1998) sustenta que, no século XX,

ganha vulto um processo de globalização da comunicação impulsionado por atividades de

conglomerados de comunicação de massa. Para o autor, a origem de conglomerados da mídia

remonta a uma transformação da imprensa, ainda no século XIX. Segundo Thompson,

A mudança na base econômica dos jornais, precipitada pela introdução de novos

métodos de produção, colocou em movimento um processo a longo prazo de

acumulação e concentração nas indústrias da míd ia. Ao longo do século XX, este

processo assumiu cada vez mais um caráter transnacional. Conglomerados de

comunicação expandiram suas operações para outras regiões fora de seus países

originais; e parte dos interesses financeiros e industriais, dentro de explícitas

políticas globais de expansão e diversificação, fo i canalizada para a aquisição

substancial de ações nos setores de informação e de comunicação. Através de

fusões, compras ou outras formas de crescimento corporativo, os grandes

conglomerados assumiram uma presença sempre maior na arena global do comércio

de informação e comunicação (THOMPSON, 1998, p. 143-144).

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Com o desenvolvimento da 'mass media' intrinsecamente ligado ao capitalismo, as

empresas e grupos empresariais de imprensa investem cada vez mais em técnicas de produção

e elaboração gráfica, buscando atender a novas relações sociais e formas simbólicas presentes

nas práticas de produção, distribuição e consumo de informações. A partir desse avanço

técnico da imprensa, percebe-se uma transformação tanto das formas simbólicas quanto dos

contextos sociais dessas formas. As alterações ocorrem não apenas nos formatos, mas também

no conteúdo dos jornais, para se tornar acessível a um público de menor nível cultural,

desacostumado com textos extensos e analíticos.

Consoante a Nelson Werneck Sodré (1999), Tatiana Stroppa (2012) também acredita

que a informação foi transformada em mercadoria a fim de atender a interesses como a

obtenção de lucros. A autora recorre a Modesto Saavedra López (1987) para argumentar que

“a gestão comercial dos meios de comunicação conduziu à chamada síndrome de la prensa

comercial” (STROPPA, 2012, p. 104). Assim, Stroppa (2012) defende, retomando López

(1987), que a imprensa comercial apresenta as seguintes características:

1. Subordinação da escrita à propriedade e controle do conteúdo da mensagem pelo

capital.

2. Tendência à monopolização da propriedade e à redução da variedade de oferta.

3. Barateamento do produto e ampla difusão do mesmo (o que, naturalmente, não é

em si mesmo negativo, a não ser porque isto é acompanhado, em geral, do sintoma

descrito a seguir).

4. Enfraquecimento cultural da oferta, com as características bem conhecidas do

sensacionalismo jornalístico. Uniformidade cultural em busca de um denominador

comum do público, com sua contrapartida: publicações de elite, especializadas ou

superinformadas, mas inapropriadas para o consumo de massas.

5. Despolitização do conteúdo, ou pelo menos, da virtualidade crítica do conjunto da

imprensa. Tendências objetivas à integração e ao conformis mo (LÓPEZ, 19877 apud

STROPPA, 2012, p. 104-105).

As características presentes na gestão comercial dos meios de comunicação de massa,

conforme Stroppa (2012), também identificadas na mídia brasileira por Sodré (1999), são

ainda hoje percebidas. Há uma constante subordinação das redações à propriedade, mediante

o controle do conteúdo da mensagem pelo capital. A monopolização e controle da

propriedade dos veículos de comunicação é percebida em diferentes corporações como as

Organizações Globo, de propriedade da família Marinho, o Grupo Estado, da família

Mesquita e o Grupo Folha, da família Frias. A concentração de tantos veículos de

comunicação sob o domínio de poucos tem levado a uma redução da variedade de escolha

7 LÓPEZ, Modesto Saavedra. La libertad de expresión en el estado de derecho. Entre la utopia y la realidad.

Barcelona: Ariel, 1987.

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para o público (STROPPA, 2012). A natureza comercial da informação tem sido associada a

anúncios e publicidade que patrocinam as empresas e isso tem levado à difusão de jornais

baratos que tem seu custo pago pelos anunciantes, gerando um preço acessível a um maior

número de leitores. O barateamento dos jornais geralmente acompanha o enfraquecimento

cultural do conteúdo e o sensacionalismo no trato com as notícias. Da mesma forma, a

politização do conteúdo não se dá de maneira crítica ou instrutiva, nem mesmo informativa e,

sim, de forma a conduzir o leitor de acordo com os interesses políticos e econômicos das

grandes corporações (ibid.).

Tatiana Stroppa (2012) entende que os meios de comunicação de massa defendem seu

dever moral e jurídico de comunicar, cobrando do Estado o respeito à sua liberdade editorial.

Apesar de a liberdade editorial, liberdade de informação jornalística, e a finalidade do direito

de informação possibilitarem um livre e diversificado fluxo de informações, o que se vê, pelo

contrário, é o monopólio e o controle do que deve ser publicado, mediante a seleção dos

atores sociais que terão espaço nas páginas dos jornais e a filtragem do conteúdo dos textos. A

liberdade editorial, assim, produz linhas editoriais, que representam o posicionamento de cada

grupo empresarial de mídia frente às questões mais relevantes para a sociedade. Nesse

sentido, segundo Fowler (1991), os textos veiculados pela mídia resultam de um

procedimento artificial de seleção e filtragem de dados e informações, que busca atender a

interesses econômicos e políticos.

Dos três maiores jornais da “grande imprensa” brasileira da atualidade (segundo o IVC

- Instituto Verificador de Circulação), Folha de S.Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo, o

mais antigo é O Estado de S. Paulo, que teve seu primeiro número publicado no dia 4 de

janeiro de 1875, quando ainda era “A Província de S. Paulo”. Só em 1921 é que tem início a

história da Folha de S.Paulo, quando é fundado o jornal “Folha da Noite”, e mais tarde, em

1925, é fundando o jornal O Globo com sede no Rio de janeiro.

Em 19 de fevereiro de 1921, é publicado o primeiro número da “Folha da Noite”,

cujas edições eram impressas nas oficinas do jornal O Estado de S. Paulo. Em julho de 1925,

é criado o jornal “Folha da Manhã”, edição matutina da “Folha da Noite”, que passa a ter

nova sede com suas próprias impressoras. Em 1949, é fundada a “Folha da Tarde”. Em 1º de

janeiro de 1960, as edições da tarde e da noite foram canceladas, mantendo apenas a edição

matutina, sob o título de Folha de S.Paulo. A Folha de S.Paulo foi criada como oposição ao

jornal O Estado de S. Paulo, que manifestava um forte vínculo com as elites rurais além de

uma posição conservadora e tradicional. Em 1964 a Folha de S.Paulo apoiou o golpe militar e

a deposição do então presidente João Goulart.

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Em 29 de julho de 1925, é fundado o jornal O Globo. Em seu início, era um periódico

de propriedade dos Diários Associados, mas foi adquirido pelo jornalista Irineu Marinho.

Hoje, o jornal O Globo é um importante braço das Organizações Globo, que inclui Rádio

Globo, Rede Globo de Televisão, Editora Globo, entre outros veículos de propriedade da

família Marinho. O periódico, em suas primeiras edições, era um jornal vespertino, mas, em

1962, tornou-se matutino. Em 2 de abril de 1964, logo após o golpe militar, o jornal O Globo

publicou o editorial “Ressurge a democracia”, comemorando a deposição do presidente João

Goulart. Em 7 de outubro de 1984, Roberto Marinho, publica o editorial “Julgamento da

Revolução”, em que exalta o apoio prestado pelo O Globo ao Regime Militar, desde o seu

início em 1964 até o seu fim com o processo de retorno à democracia.

O jornal O Estado de S. Paulo, suporte de nosso material de análise, foi fundado em

outubro de 1874 com o nome de A Província de S. Paulo e teve seu primeiro número

publicado em 4 de janeiro de 1875 (PONTES, 2013). A criação do jornal foi resultado de uma

Convenção Republicana realizada em 18 de abril de 1873, em Itu/SP, quando os republicanos

participantes decidiram criar um órgão de imprensa na capital para defender seus ideais. Em

outubro de 1874, constituíram uma sociedade com 19 cotistas sob o nome de Pestana,

Campos & Cia. (ibid.). O periódico foi o primeiro jornal brasileiro a investir em venda avulsa

pelas ruas, sendo alvo de críticas principalmente por parte dos concorrentes. O trabalho de

oferta dos jornais era feito pelo imigrante francês Bernard Gregoire, que cavalgava pela

cidade, tocando uma corneta e oferecendo o jornal, o que resultou no aumento da tiragem

diária. Décadas depois, o símbolo d'O Estado de S. Paulo lembraria esta cena da história do

jornal.

Após a queda da Monarquia e instituição da República no Brasil, o jornal A Província

de S. Paulo passou a circular com o nome de O Estado de S. Paulo, tornando-se o maior

jornal paulista. A partir de 1902, passa a ser de propriedade exclusiva da família Mesquita.

Em 1930, o Estado, apoiou a candidatura de Getúlio Vargas pela Aliança Liberal.

Anos depois da Revolução de 1930 que levou Vargas ao poder, posicionou-se contra o regime

e, em março de 1940, foi invadido pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social),

sendo fechado e confiscado pela ditadura, passando a ser administrado pelo DIP

(Departamento de Imprensa e Propaganda) até 1945. A partir de então, o Estado fez oposição

a todos os governos até 1964, quando, juntamente com a Folha e O Globo, apoiou o golpe

militar e a eleição indireta do General Humberto de Alencar Castello Branco. No entanto,

após o Ato Institucional Número Dois, que dissolveu os partidos políticos, O Estado de S.

Paulo passou a se opor ao regime militar.

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No dia 13 de dezembro de 1968, o AI-5, Ato Institucional Número Cinco, editado pelo

regime militar, impõe a toda atividade de imprensa, no Brasil, uma forte censura direta e

indireta. Nesta mesma data, O Estado de S. Paulo, desobedecendo às determinações dos

censores, publicou o editorial “Instituições em Frangalhos” que denunciava o fim da

democracia. Essa edição do Estado foi apreendida, e em seguida, censores da Polícia Federal

passaram a atuar direto na redação do jornal, o que não ocorria com outros grandes jorna is da

época, uma vez que esses preferiam autocensurar-se, de acordo com as regras impostas pelo

DIP.

O Grupo Estado criou, em 4 de janeiro de 1970, sua própria agência de notícias, a

Agência Estado. Nesse período, o jornal Estado passou a ter a Folha de S.Paulo como seu

maior concorrente. As décadas de 1980 e 1990 marcam uma grande reformulação do Estado,

como a introdução de cores no processo gráfico e a publicação de edições diárias, haja vista

que até então o jornal não circulava nas segundas-feiras ou dias seguintes a feriados. Já

ambientado nas mídias digitais, em março de 2000, o Grupo Estado realiza a fusão dos sites

Agência Estado, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde (1966), que compõem hoje, na

internet, o portal Estadao.com8.

Já em 2010, ano da última eleição presidencial, O Estado de S. Paulo já tinha a quarta

maior tiragem diária do Brasil, com uma média de 236 mil exemplares, mas na capital

paulista tinha a segunda maior, com média diária de 159,9 mil exemplares. O Estado teve seu

volume de vendas nacionais superado pela Folha de S.Paulo, pelo Super Notícia (jornal

mineiro criado em 1º de maio de 2002) e pelo jornal O Globo. O Estado de S. Paulo integra o

Grupo Estado que também controla o Jornal da Tarde (1966), a OESP Mídia (1984), as

rádios Eldorado AM e FM (1958) e a Agência Estado (1970), que é a maior agência de

notícias brasileira.

No período da última eleição presidencial, quando também foram publicados os textos

que compõem nosso material de análise, o jornal O Estado de S. Paulo se envolveu em uma

grande polêmica que resultou na demissão de uma colunista. No dia 2 de outubro, véspera do

primeiro turno das eleições, o Estado publicou o artigo “Dois Pesos...”, assinado pela

psicanalista e escritora Maria Rita Kehl, em que a colunista criticava as correntes de e-mails

que circulavam pela internet, desqualificando o voto de pessoas pobres dependentes do “Bolsa

Família”, programa do Governo Federal que foi defendido pela colunista. O artigo de Maria

Rita Kehl teve grande repercussão na internet e, quatro dias depois da publicação, a colunista

8 Portal de notícias de O Estado de S. Paulo: Disponível em <http://www.estadao.com.br> Acesso em: 04 jul.

2013.

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foi demitida pelo Estado. Na mesma semana, a ex-colunista do Estado afirmou, em uma

entrevista9: “Fui demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo pelo que consideraram um „delito‟

de opinião (...) Como é que um jornal que anuncia estar sob censura pode demitir alguém só

porque a opinião da pessoa é diferente da sua?”. O artigo da escritora foi publicado uma

semana depois de o Estado declarar seu apoio ao candidato do PSDB.

O editorial “O mal a evitar”, que compõe nosso material de análise juntamente com

artigos de Arnaldo Jabor, foi publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 26 de setembro,

na seção “Notas & Informações”. Essa é a seção mais antiga do jornal, sempre localizada na

página 3, trazendo como símbolo a cena de Bernard Gregoire, montando seu cavalo e tocando

uma corneta, emoldurado pelo título: “EX-LIBRIS O ESTADO DE S. PAULO”, que indica

que o texto ali apresentado pertence a O Estado de S. Paulo. Esse é o espaço destinado à

manifestação da opinião e da posição tomada pelo grupo empresarial a que pertence o Estado

diante de fatos da atualidade que sejam importantes para os interesses daquele grupo. É o

espaço em que são publicados editoriais que mantêm a tradicional postura do jornal, como o

conservadorismo político e o liberalismo econômico.

De acordo com Roger Fowler (1991), a mídia ocupa, na sociedade, um espaço de

indústria, naturalmente com a necessidade do lucro para se manter em funcionamento, o que

também é descrito por John Richardson (2007). A estrutura comercial e industrial da mídia

estabelece relações com outras instituições que ocupam posição de poder na estrutura das

relações sociais, influenciando a construção dos textos jornalísticos e as representações

presentes nesses textos.

Percebe-se que o processo de midiação da cultura estabelece uma articulação

ideológica da vida social, política e econômica, por meio de estratégias de construção

simbólica que são reproduzidas na mídia (THOMPSON, 1995). Nesse sentido, o poder

hegemônico e ideologias dominantes têm como suporte principal o controle dos meios de

produção da mídia.

Diante dessas considerações, percebemos que a atividade jornalística tem como base

uma estrutura capitalista ambientada em uma “indústria da cultura” (LIMA, 2009, p. 17). No

entanto, como descrito por Richardson (2007), “detectar que jornais são empresas deve ser

sempre o ponto de partida de uma análise, não a conclusão” (RICHARDSON, 2007, p. 7).

9 Cf. Observatório da Imprensa: Disponível em: <.http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/fui-

demitida-por-um-delito-de-opiniao> Acesso em: 04 ju l. 2013.

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1.2 Mídia e política no Brasil

A mídia se destaca nas relações de poder, produção e reprodução de discursos e

ideologias, práticas políticas e disputas pela hegemonia. A relação entre mídia e política é

constante em nosso estudo, uma vez que o mesmo envolve candidatos à presidência, para os

quais identidades são construídas em textos de jornal impresso. Portanto, para tratar da

relação entre mídia e política, é necessário apresentar algumas considerações sobre esses dois

conceitos.

Venício Artur de Lima (2009) afirma que, ao tratarmos sobre a mídia, estamos falando

sobre a “indústria da cultura”, ou seja, jornais, revistas e cinema, dentre outros veículos, que,

para o autor, são os “portadores do que se chama de comunicação de massa”. Segundo Lima,

a mídia “é parte de nossas vidas”, por isso, “quase não nos apercebemos dela e de sua

importância” (ibid., p. 17).

Mídia ou media, em latim, pode ser aplicado para resumir os estudos desenvolvidos

sobre os mass media, ou “meios de comunicação de massas”, que são sistemas organizados de

produção, distribuição e recepção de informações, representados, em princípio, por jornais,

rádios, cinema e televisão. No entanto, com o desenvolvimento de novas tecnologias, surgem

novos meios de comunicação em massa, como é o caso da World Wide Web, ou teia mundial,

e aparelhos e suportes que, pelo acesso à internet, podem se comunicar de qualquer lugar com

outro lugar qualquer do planeta, em tempo real, demandando novas considerações sobre o

presente estágio da mídia mundial.

Esses sistemas são operados por empresas ou grandes grupos empresariais

especializados na comunicação de massas. Uma só empresa pode controlar diversos veículos

de informação, como jornais, canais de televisão, rádios, agências de notícias, produtoras e

distribuidoras de discos, editoras, sites de internet, entre outros. Por isso, muitos consideram a

mídia o “quarto poder”10

.

Com base nas considerações de John E. Richardson (2007, p. 7), manteremos o foco

no jornalismo impresso, que é suporte de nosso material de análise. O autor desenvolve a

discussão sobre jornalismo a partir de três abordagens: jornalismo como entretenimento;

jornalismo como um megafone para os poderosos e privilegiados, propagando e buscando

uma hegemonia discursiva; e jornalismo como uma mercadoria produzida por empresas com

fins lucrativos, alimentando as bases capitalistas do sistema midiático.

10

O “quarto poder” se refere às ações da míd ia sobre a sociedade, um poder paralelo aos três poderes do Estado

Democrático de Direito: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

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O autor acredita que “o jornalismo existe para permitir que o cidadão entenda melhor

sua vida e sua posição no mundo” (ibid., p. 07). No entanto, Richardson (2007) reconhece que

o jornalismo explora também o entretenimento, de forma a permitir que os sujeitos

reconheçam determinadas representações sociais presentes no discurso midiatizado. Dessa

forma, o autor coloca em questão o modo como o jornalismo explora prioritariamente o

entretenimento, mediando discursos hegemônicos, principalmente com o objetivo de lucro, a

despeito das necessidades e interesses coletivos da sociedade. A função do jornalismo que se

sobressai, ao considerarmos nosso objeto de análise, é a de “megafone para os poderosos e

privilegiados” (ibid.), uma vez que os textos em análise colocam em debate discursos em

disputa pela hegemonia política nacional, envolvendo atores sociais que buscam uma posição

de poder político à frente da Nação. O que está em evidência, nesse momento, é o destino

político nacional, que tem como pano de fundo os interesses econômicos, os quais estão

presentes como objetivo a longo prazo, mas sobrepostos pelo interesse político.

Quanto ao termo “política”, é preciso retornar à sua origem, na palavra, em grego,

politiká, uma derivação de polis, que se pode entender como cidade, urbano, público.

Norberto Bobbio (2004) esclarece que o conceito de política está estreitamente ligado ao

conceito de poder, manifestando-se nas relações entre governantes e governados, entre Estado

e cidadãos, ou entre uma autoridade e seus subordinados. O poder político se manifesta no

exercício da política em si, e está sempre presente nas relações sociais (ibid.). De forma mais

abrangente, o termo pode ser empregado como um conjunto de regras ou normas, ou mesmo

um padrão de comportamento.

“O homem, por natureza, é um animal político” afirmou Aristóteles (2000, p. 146),

filósofo grego do século IV a.C., em sua obra “Política”. No entanto, ao contrário do

entendimento aristotélico, Hannah Arendt (1999) defende que o homem é essencialmente

apolítico, uma vez que, segundo a autora, a política é um elemento que lhe é externo, e que

passa a existir apenas no relacionamento deste com outro, ou seja, surge nas relações sociais.

Hannah Arendt (1999) defende que a prática política é inerente à pluralidade humana, em

outras palavras, resulta da convivência entre diferentes atores sociais. Arendt (1999) afirma

ainda que a política é necessária à vida humana, tanto para o indivíduo quanto para a

sociedade. Pode-se entender que a prática política se manifesta nas relações sociais, nos

comportamentos, nas escolhas e nas tomadas de posição. A política é uma prática social

eminentemente ideológica, uma vez que envolve tomada de decisões para alcançar

determinados objetivos. Pode, ainda, ser entendida como o exercício do poder na resolução de

um conflito de interesses.

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Diariamente, os jornais envolvem-se nas diversas questões da sociedade, mas as

eleições presidenciais representam grande acirramento das disputas por hegemonia, tomadas

de decisão e defesa de interesses, um momento de tensões e de prováveis mudanças. Portanto,

os jornais dão grande atenção a este acontecimento, defendendo seus próprios interesses e

dedicando significante espaço para esse assunto em suas páginas, de diversas formas, em suas

seções e em muitos de seus gêneros discursivos.

Encontramos no jornal impresso um importante espaço de prática política e ideológica

e, consequentemente, de construção de identidades, em que se destacam o artigo de opinião e

o editorial. Estes textos opinativos, devido ao formato, à extensão, dentre outras

características, permitem a seus autores grande dinamismo nas articulações sobre os diversos

acontecimentos durante o período oficial das campanhas eleitorais. Vários temas são

abordados nos artigos de Arnaldo Jabor, mas as campanhas de Dilma (PT), de Serra (PSDB) e

de Marina (PV) ganham destaque nos artigos publicados em O Estado de S. Paulo, tendo em

vista que este jornal declarou, oficialmente, apoio à eleição de José Serra (PSDB) para

Presidente da República.

Para entendermos melhor o entrelaçamento da mídia com a política nas sociedades

contemporâneas, buscamos as contribuições de Venício A. de Lima (2004, 2009), que trata

em seu texto justamente da relação entre mídia e política na atualidade. Para o autor,

A maioria das sociedades urbanas contemporâneas pode ser considerada como

“centrada na mídia” (media centric), uma vez que a construção do conhecimento

público que possibilita, a cada um de seus membros, a tomada cotidiana de decisões

nas diferentes esferas da atividade humana não seria possível sem ela. Um bom

exemplo dessa centralidade é o papel crescente da mídia no processo de

socialização e, em particular, na socialização política (LIMA, 2009, p. 20. Grifo

nosso).

Completando esse entendimento, Oliveira e Caetano (2012b), ao estudarem também as

relações entre política e mídia, afirmam que “a „interação viva das forças sociais‟11

que revela

a palavra... toma dimensão avassaladora quando investida do poder dos meios de

comunicação de massa, que constituem a instância mais dinâmica no sentido de produzir e

veicular discursos nas sociedades modernas” (OLIVEIRA e CAETANO, 2012b, p. 118).

Nesse caso, temos o discurso de apoio à eleição de José Serra em destaque na instância

dinâmica da imprensa brasileira.

11

“A palavra revela -se, no momento de expressão, como o produto da interação viva das forças sociais”.

(BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1997, p. 66).

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Para analisar as relações entre mídia e política, Lima (2004, 2009) estabelece sete

teses que direcionam sua abordagem. Lima (2004) desenvolve suas proposições sobre a

centralidade da comunicação para a prática política, atribuindo à mídia importância

fundamental nas sociedades contemporâneas. A primeira tese estabelece que “a mídia ocupa

uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, permeando diferentes processos

e esferas da atividade humana, em particular, a esfera da política” (ibid., p. 50).

Na segunda tese, Lima (2004) propõe que “não há política sem mídia” (p. 51). Para o

autor, atualmente, a política praticada em regimes democráticos pretende ser “uma atividade

eminentemente pública e visível” (ibid., p. 51). A mídia determina a constituição do

“público”, além de ter capacidade para estendê- lo, transformá- lo e substituí- lo. Desse modo, o

público se torna midiatizado, ou seja, a mídia promove o encontro do público com os atores

políticos, que passam a disputar a visibilidade na mídia e a investir na conquista de uma

visibilidade que lhes seja favorável.

A terceira tese afirma que “a mídia está substituindo os partidos políticos em várias de

suas funções tradicionais” (LIMA, 2004, p. 52). Segundo Lima (2004), não há uma tradição

partidária consolidada, no Brasil, o que facilita a atuação da mídia na prática de algumas

funções que deveriam ser exercidas pelos partidos políticos. Algumas dessas funções são,

“construir a agenda pública (agendamento)”; “gerar e transmitir informações políticas”;

“fiscalizar as ações de governo”; “exercer a crítica das políticas públicas” e “canalizar as

demandas da população” (LIMA, 2004, p. 52). Para o autor, o resultado dessa prática de

funções políticas pela mídia, é uma crise nos partidos e no sistema político.

O agendamento realizado pela mídia, bem como a canalização das demandas da

população, é teorizado pelos estudos em Comunicação, a partir dos quais se formulou o termo

“agenda setting”, que representa a criação de uma pauta de fixação, ou uma forma de

direcionar a atenção dos leitores para a continuidade do caso midiatizado, ou seja, levado a

público. Nesse sentido, a mídia aponta quais serão os temas publicados e considerados de

interesse coletivo. Para isso, ocorre uma cobertura intensa num curto período, a fim de forçar

a entrada de determinados assuntos na agenda pública, promovendo entre os leitores a

expectativa pelas próximas edições que retomarão a discussão.

Na quarta tese, Lima (2004) defende que “a mídia alterou radicalmente as campanhas

eleitorais” (ibid., p. 52). A referida alteração resulta da comparação feita pelo autor entre “as

condições de realização das eleições diretas para presidente da República em 1960 e 1989 – a

última e a primeira que o Brasil realizou antes e depois dos anos de autoritarismo” (ibid.).

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Pode-se perceber que a mídia tem pautado as ações dos políticos, principalmente em período

de campanha eleitoral. Segundo o autor,

Consultores, assessores profissionais e empresas especializadas em marketing

eleitoral assumiram posição estratégica na definição e formatação das próprias

mensagens dos partidos e/ou candidatos para os seus eleitores potenciais. Os eventos

políticos (convenções partidárias, comícios, debates, inaugurações, vis itas, viagens,

pronunciamentos públicos, etc.) passaram a ser planejados como eventos para a TV.

O contato direto foi substituído pelo contato mediado pela mídia eletrônica (LIMA,

2004, p. 53).

Nesse sentido, é possível estender essa análise para as mídias impressas, que também

acompanham passo a passo as atuações de políticos, candidatos a cargos públicos, até mesmo

reproduzindo imagens e textos já veiculados em outras mídias, haja vista que muitos jornais

impressos são parte de grandes conglomerados detentores de diferentes veículos de

comunicação. Esse é o caso do jornal em apreço, O Estado de S. Paulo, que integra o Grupo

Estado.

Em nosso material de análise, tanto no editorial, quanto nos artigos de Arnaldo Jabor,

é possível perceber certa personalização, ou pessoalização, das disputas políticas e não

simplesmente uma campanha entre partidos, ou projetos de governo. Isso quer dizer que as

representações dos candidatos envolvidos nos textos buscam construir identidades para os

candidatos, que sejam reconhecíveis e aceitáveis pelos leitores-eleitores, sem dar a mesma

atenção aos projetos de governo de cada candidato. Essa situação é esclarecida por Venício

Lima:

[...] atribui-se à preferência da mídia pela cobertura jornalística dos candidatos, e

não dos partidos, uma crescente “personalização” da política e do processo político

que estaria sendo representado como uma disputa entre pessoas (políticos) e não

entre propostas políticas alternativas (partidos) (LIMA, 2004, p. 52).

A quinta tese de Lima (2004) afirma que “a mídia se transformou, ela própria, em

importante ator político” (p. 53). É justamente nessa perspectiva que consideramos o jornal O

Estado de S. Paulo, e por extensão o Grupo Estado, um ator político que teve importante

participação no período de campanhas eleitorais em 2010. O exemplo usado por Venício

Lima para ilustrar sua tese vale também para a presente análise, haja vista que a troca de

apoios entre o Grupo Estado e o PSDB, vai além da declaração encontrada no editorial “O

mal a evitar”.

Na sexta tese de Lima (2004), o autor esclarece que “as características históricas

específicas do sistema de mídia no Brasil potencializam o poder da mídia no processo

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político”. Para explicar sua tese, o autor argumenta que a legislação sobre os meios de

comunicação no Brasil é vaga e inacabada, e as poucas regulamentações existentes favorecem

os grupos empresariais, haja vista que, a despeito do que é previsto na Constituição de 1988,

permitem a existência de oligopólios. Segundo o autor, “a mídia brasileira se estabeleceu

oligopolisticamente” (ibid., p. 54). O autor afirma que

A legislação do setor não é uniformizada. Se, por um lado, a Constituição Brasileira

reza, desde 1988, que „os meios de comunicação social não podem, direta ou

indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio‟ (parágrafo 5º do artigo 220),

normas legais mais recentes [...] não incluíram d ispositivos diretos que limitassem

ou controlassem a concentração da propriedade (LIMA, 2004, p. 54).

Nos últimos anos, temos visto o frequente debate sobre a elaboração de um novo

Marco Regulatório das Comunicações12

para a mídia brasileira, principalmente nos períodos

de campanha eleitoral, mas, apesar de a proposta ser defendida por alguns políticos, é rebatida

pela mídia com o argumento de que alterar a legislação representa um retorno à censura da

imprensa.

O próprio jornal O Estado de S. Paulo, que é objeto de nossa pesquisa, tem um

processo em andamento que julga a proibição de publicar informações sobre o empresário

Fernando Sarney imposta ao jornal pelo desembargador Dácio Vieira. Desde 31 de julho de

2009, o Estado está impedido, por decisão judicial, de publicar reportagens sobre o

empresário, que é filho do presidente do Senado, José Sarney.

Por fim, a sétima tese de Lima (2004) afirma que “as características históricas

específicas da população brasileira potencializam o poder da mídia no processo político,

sobretudo no processo eleitoral” (p. 55). Segundo o autor, “ao contrário do que ocorre em

outros países, entre nós, as relações da mídia com o Estado já vêm, historicamente, marcadas

por uma complexa relação de interdependência” (ibid., p. 57). O autor esclarece que ainda

hoje a independência dos grupos midiáticos no Brasil é muito relativa, uma vez que estas

empresas mantêm relação financeira com o Governo, que concede inúmeros benefícios

diretos e indiretos para o setor, além de ser o maior anunciante na mídia brasileira ( ibid.).

Outro evento que foi destaque no período das campanhas eleitorais foi a discussão

sobre a “desqualificação do voto” de eleitores assistidos pelo programa Bolsa Família do

Governo Federal. Essa discussão chegou às páginas do Estadão, em forma de severas críticas

12

Cf. Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil. Disponível em:

<http://www.comunicacaodemocratica.org.br/> Acesso em: 04 jul. 2013.

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aos defensores de tal proposição, e defesa do programa do Governo, culminando na demissão

de uma colunista que defendeu o programa e o voto daqueles eleitores.

Dias antes do ocorrido com a colunista do Estado, em 23 de setembro de 2010, o

jornalista Jânio de Freitas publicara em sua coluna na Folha de S.Paulo o artigo “Além do

último sinal”13

, em que trata sobre o comprometimento político da mídia brasileira com as

eleições na condução do eleitorado. A avaliação feita pelo jornalista condiz com o

entendimento de pesquisadores, como Stroppa (2012) e Lima (2004). Segundo Freitas (2010),

Os meios de comunicação brasileiros nunca deixaram de ser parte ativa nos

esforços de conduzir o eleitorado. Sua origem e sua tradição são de ligações

políticas, como agentes de facções ou partidos, tanto de direita quanto de esquerda.

Só em meado do século passado dá-se a primeira e derrotada tentativa, no Jornal do

Brasil, de prática desconectada de segmentos políticos. Na atual campanha, os

meios de comunicação com maior presença são passíveis de acusações como

desequilíbrio no ânimo em relação a este ou àquele candidato; de parcialidade no

interesse em eventos de um ou de outro, e, no noticiário das irregularidades, de

precipitações e erros que são os mesmos comet idos na cobertura de todos os

escândalos (FREITAS, 2010, grifo nosso).

Naquela mesma semana, em 25 de setembro, a Federação Nacional dos

Jornalistas (Fenaj), publicou nota oficial sobre os acontecimentos relacionados à tomada de

posição de jornais em relação às eleições e sobre a demissão da colunista, posicionando-se,

segundo o próprio título da nota, “Em defesa dos jornalistas, da ética e do direito à

informação”14

. De acordo com a Fenaj,

O debate é público e parte da constatação de que setores da imprensa passaram a

atuar de maneira a privilegiar uma candidatura em detrimento de outra. É legítimo –

e desejável – que as direções das empresas jornalísticas explicitem suas opções

políticas, partidárias e eleitorais. O que é inaceitável é que o façam também fora dos

espaços editoriais. Distorcer, selecionar, divulgar opiniões como se fossem fatos não

é exercer o jornalis mo, mas, sim, manipular o noticiário cotidiano segundo

interesses outros que não os de informar com veracidade. Se esses recursos são

usados para influenciar ou determinar o resultado de uma eleição configura-se golpe

com o objet ivo de interferir na vontade popular (FENAJ, 2010).

Jânio de Freitas e José Augusto Camargo (presidente do Sindicato dos Jornalistas

Profissionais do Estado de São Paulo e secretário-geral da Federação Nacional dos Jornalistas

- Fenaj, que leu a nota em um pronunciamento) são profissionais que conhecem o

funcionamento do jornalismo através da atividade cotidiana no interior das redações e da

prática jornalística fora das redações. Os jornalistas apresentam avaliações importantes sobre

13

FREITAS, J. A lém do último sinal. Folha de São Paulo, 23 set. 2010. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2309201004.htm> Acesso em: 04 ju l. 2013. 14

Cf. Nota oficial do presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e Secretário-

Geral da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) sobre o envolvimento da imprensa brasileira nas campanhas

eleitorais de 2010. Disponível em: <http://www.fenaj.org.b r/materia.php?id=3180> Acesso em: 10 jul. 2013.

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o contexto sociopolítico e histórico, em que “as práticas discursivas estão embutidas”

(IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 39).

Diante das teses de Lima (2004, 2009) e das considerações de jornalistas, podemos

compreender que o jornal O Estado de S. Paulo, como um importante ator político, estando

entre os maiores jornais da grande imprensa brasileira, busca a inserção social com efeito nas

ações de seus leitores-eleitores. O Estado publicou o editorial “O mal a evitar”, defendendo-se

e respondendo às críticas de Lula que, supostamente, acusava a mídia de comportar-se como

um partido político, mas, como se pode depreender a partir das teses de Lima (2004, 2009), a

mídia exerce funções inerentes aos partidos políticos e é capaz de se envolver profundamente

nas campanhas eleitorais. Veiculando um discurso de apoio a José Serra, o Estado assume ser

um grande ator político no cenário das campanhas eleitorais, objetivando a condução do

eleitorado.

José Serra não foi o único político a receber apoio do Estadão em eleições. O jornal O

Estado de S. Paulo já manifestou seu apoio a candidatos em eleições para prefeitura de São

Paulo, para o Governo do Estado de São Paulo, além, é claro, do Golpe Militar de 1964 e,

dessa vez, para a Presidência da República. O apoio do Estado contribuiu sobremaneira para a

eleição de Paulo Maluf, em 1992, e de Celso Pitta, em 1996, para a prefeitura da capital

paulista. Em 2000, o Estado apoiou Marta Suplicy. Em 2004, o apoio da mídia somou forças

para José Serra ser eleito prefeito, deixando, em seguida, a prefeitura nas mãos do vice,

Gilberto Kassab, que também se elegeu prefeito em 2008. De acordo com o Relatório de

Responsabilidade Corporativa do Grupo Estado (2010, p. 7) 15,

A manifestação de preferência por um candidato não foi um fato inédito no Estado,

acrescenta o diretor de Conteúdo, lembrando que o jornal declarou apoio à

candidatura de Mário Covas (PSDB), ao governo de SP, em 1994, e à de Marta

Suplicy (PT), à Prefeitura de São Paulo, em 2000.

Verifica-se, desde já, que nas eleições de 2010, como em outras eleições, O Estado de

S. Paulo assumiu um posicionamento ideológico na prática política, evidenciando seu papel

nas lutas de poder e instaurando, em seu discurso, um marco delimitador entre a suposta

neutralidade jornalística e o partidarismo. Todos esses fatores nos motivam a buscar entender

como o discurso de apoio ao candidato do PSDB, José Serra, declarado em editorial,

manifesta-se em outro gênero discursivo, os artigos de opinião assinados por Arnaldo Jabor,

colunista que também se torna um relevante ator social, nas relações entre mídia e política.

15

O ESTADO DE S. PAULO. Relatório de Responsabilidade Corporativa 2010. Nº 6. Grupo Estado, São

Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/rc2010/ > Acesso em: 04 ju l. 2013.

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A tomada de posição ideológica e discursiva pela imprensa, representada pela

declaração de apoio presente no editorial, desvela a atividade diária da mídia que

normalmente ocorre como pano de fundo, mas, nesse momento, vem à tona, como última

cartada na disputa pela hegemonia política nacional. Maia (2006) permite um importante

entendimento em relação aos media: considerando que constituem espaço público de

visibilidade, podem produzir dois resultados antagônicos, de um lado, a colaboração com

deliberações necessárias ao leitor, e, de outro, a inserção de obstáculos para o debate público e

para a democracia. A declaração de apoio a Serra reforça o discurso de sua campanha

eleitoral, somando argumentos para sua eleição, não obstante, o Estado insere obstáculos para

a necessária democracia do debate público, na medida em que não proporciona aos demais

candidatos o mesmo espaço em suas páginas (MAIA, 2006).

Ao colocar em questão a deliberação mediada, Maia (2006) recorre a uma perspectiva

de competição de discursos a partir de Dryzek (2004), propondo que os meios de

comunicação podem ser entendidos como uma rede de discursos que se estende por vários

espaços da sociedade. Para a autora, os discursos presentes nos media podem ser

complementares ou antagônicos, percebidos nas diversas vozes em ação, a partir dos diversos

gêneros discursivos e diferentes meios de comunicação de massas. A autora salienta que

em vez de um encontro dialógico, baseado na comunicação interpessoal, entre dois

ou mais interlocutores, opera-se aqui com uma noção de “debate público”, isto é,

trocas comunicativas distendidas no tempo e no espaço, publicamente acessíveis.

(...) A noção de debate público volta seu foco para a competição de discursos

publicamente acessíveis. Isso porque um mes mo discurso pode ser produzido e

compartilhado por diversos indivíduos, grupos sociais ou tipos de agentes, num

campo de posicionamentos concorrentes (MAIA, 2006, p. 20) .

Maia (2006) ainda reforça que os discursos em disputa nos media ganham forma

através de “lances discursivos”, ou fragmentos de discursos, enunciados produzidos por atores

sociais em diferentes espaços e que são retomados em outros gêneros. Nesse sentido, veremos

que os diferentes gêneros que formam nosso material de análise colocam em debate os

diferentes discursos em disputa nas campanhas eleitorais.

1.3 Gêneros discursivos do jornal impresso

John Richardson (2007) esclarece a importância de se dar atenção aos gêneros que

compõem o jornalismo, afirmando que “certamente gêneros de comunicação têm mais efeitos

potenciais sobre a vida social do que outras formas de comunicação – em termos de ambos os

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efeitos positivos e negativos. Jornalismo é precisamente um poderoso gênero de

comunicação” (p. 13). Os gêneros do jornalismo são diferentes meios de se articular os

discursos em hegemonia na sociedade, dando espaço a representações que alcançarão sujeitos

sociais, encaminhando-os à formação de opinião não apenas sobre o mundo, mas

principalmente sobre o seu próprio lugar nas relações sociais (ibid.).

Luiz Antônio Marcuschi (2003, p. 8) esclarece que “o suporte não é neutro e o gênero

não fica indiferente a ele. Mas ainda está por ser analisada a natureza e o alcance dessa

interferência”. Para o autor, o suporte é uma “superfície física, em formato específico que

suporta, fixa e mostra um texto” (ibid., p. 13). Também Bonini (2006) considera que o jornal

não é um suporte semelhante a um álbum, nos jornais ocorre uma sobreposição entre gênero e

suporte, uma vez que um gênero pode servir de suporte para outro(s) gênero(s). Segundo o

autor, o jornal “é um típico exemplar de suporte convencionado que eu [sic] tenho

denominado de hipergênero, uma vez que é um gênero constituído por vários outros”

(BONINI, 2006, p. 61)16

. Consequentemente, a diversidade de gêneros presentes nesse

suporte torna complexa a caracterização dos textos que compõem O Estado de S. Paulo,

assim como outros jornais. Para o autor, uma das dificuldades de categorização dos textos de

jornal é a relação de influência mútua entre suporte e gêneros.

A ACD, desenvolvida ao mesmo tempo como “uma teoria e um método de se analisar

o modo como indivíduos e instituições usam a linguagem” (RICHARDSON, 2007, p. 1), tem

contribuído sobremaneira, com suas categorizações, para estudos realizados com base numa

abordagem sociossemiótica, principalmente no que se refere ao envolvimento de discursos na

produção, manutenção e mudança nas relações sociais de poder (FAIRCLOUGH, 2001).

Abordar o conceito de gêneros discursivos de forma sociossemiótica implica

considerar que discurso e estruturação social são interdependentes. Para Fairclough (2001), a

estrutura social se compõe de diversas nuances econômicas, políticas, culturais e ideológicas,

dentre outras, sendo todas permeadas pelo discurso. Nesse sentido, a estrutura social, as ações

e as relações sociais devem ser vistas de forma dialógica.

Marcuschi (2008) contribui para o entendimento sobre o uso da linguagem que

buscamos para esse estudo, esclarecendo que “não existe um uso significativo da língua fora

das inter-relações pessoais e sociais situadas” (p. 23). É importante esclarecer que, segundo o

autor, “todo uso autêntico da língua é feito em textos produzidos por sujeitos históricos e

sociais de carne e osso, que mantêm algum tipo de relação entre si e visam a algum objetivo

16

O uso da Linguística Textual deve-se a conceitos que são mais problemat izados nessa área e que se mostraram

pertinentes a esta pesquisa.

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comum” (ibid., loc. cit.). Os sujeitos históricos, atores sociais que mantêm inter-relações

pessoais envolvidos em nosso material de análise são o articulista, O Estado de S. Paulo,

“célula-máter” do Grupo Estado, e os políticos citados nos textos.

No entendimento de Fairclough (2001), gênero é

um conjunto de convenções relativamente estável que é associado com, e

parcialmente instancia, um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conv ersa

informal, a compra de produtos em uma lo ja, uma entrevista de emprego, um

documentário de televisão, um poema ou um artigo científico [...] um gênero não

implica somente um t ipo particular de texto, mas também processos particulares de

produção, distribuição e consumo de textos (FAIRCLOUGH, 2001, p. 161).

Processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos trazem

importantes informações sobre os textos que compõem nosso material de análise e são

considerados aspectos relevantes no processo de construção de identidades. Segundo Meurer

(2005),

o termo gênero é usado por Fairclough para designar um conjunto de convenções

relativamente estável que é associado com, e parcialmente realiza, um t ipo de

atividade socialmente aprovado [...]. [...] um gênero implica não somente um tipo

particular de texto, mas também processos particulares de produção, distribuição e

consumo de textos. Cada gênero, portanto, ocorre em determinado contexto e

envolve diferentes agentes que o produzem e consomem (M EURER, 2005, p. 81-

82).

Segundo Rojo (2005), ao tratar sobre gêneros do discurso, o pesquisador “busca a

significação da acentuação valorativa e do tema, indiciados pelas marcas linguísticas, pelo

estilo, pela forma composicional do texto” (ibid., p. 189), aspectos esses que são constantes

em nosso objeto de análise. Para a autora, em uma abordagem a partir de gêneros do discurso,

os gêneros e os textos/enunciados não podem ser analisados, nem mesmo produzidos ou

compreendidos sem levar em conta elementos da situação social mais imediata, o locutor e

seu interlocutor, a quem a palavra do locutor se dirige (ibid.). A autora deixa claro que as

relações entre os atores sociais

São estruturadas e determinadas pelas formas de organização e de distribuição dos

lugares sociais nas diferentes instituições e situações sociais de produção dos

discursos e pelas ideologias que nelas circulam. É o que Bakhtin/Volochinov

designam por esferas comunicativas [...] Em cada uma destas esferas comunicativas,

os parceiros da enunciação podem ocupar determinados lugares sociais – e não

outros – e estabelecer certas relações hierárquicas e interpessoais – e não outras;

selecionar e abordar certos temas – e não outros; adotar certas finalidades ou

intenções comunicativas – e não outras, a partir de apreciações valorativas sobre o

tema e sobre a parceria (ROJO, 2005, p. 197).

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Nesse sentido, podemos perceber que as relações existentes entre os atores sociais

envolvidos em nosso material de análise determinam lugares sociais hierarquizados, uma vez

que há uma instituição empresarial, o Grupo Estado, envolvida por uma rede de fatores e

interesses, sócios, investidores, anunciantes, etc., sendo que o colunista, autor dos artigos de

opinião em análise, está sujeito aos interesses dessa mesma instituição, uma vez que

colunistas podem ser demitidos, como ocorreu com Maria Rita Kehl, além de outros parceiros

da enunciação de grande importância que são os leitores. De todos os temas possíveis, as

campanhas eleitorais e os principais candidatos foi o tema mais recorrente. A retomada do

tema e as estratégias discursivas presentes nos textos inserem os artigos de Arnaldo Jabor

numa determinada linha de apreciações valorativas. As finalidades ou intenções

comunicativas adotadas e percebidas nas relações entre os atores sociais e nas estratégias

linguístico-discursivas presentes nos textos ainda serão consideradas nos capítulos seguintes.

Os gêneros ocorrem de forma ampla com definição complexa, haja vista que no passo

em que a sociedade se desenvolve, os gêneros acompanham suas mudanças, como esclarece

Bakhtin, “o gênero vive do presente, mas recorda o seu passado, o seu começo” (2005, p.

159). Reportagem, carta do leitor, editorial, horóscopo, tira, charge, anúncio publicitário,

classificados, receita culinária, informe social, previsão do tempo, artigo de opinião, entre

tantos outros, como os apresentados por Takazaki (2000), são alguns dos gêneros que podem

ser encontrados no suporte jornal e que se formaram no decorrer da história, acompanhando a

evolução da imprensa.

Segundo Melo (2003), os diferentes suportes da mídia atual trabalham com diferentes

gêneros, entre eles, está o gênero retórico-opinativo, que, para o autor, ocorre nas formas de

editorial, artigo, comentário, resenha ou crítica, coluna, crônica, carta e caricatura. Melo

esclarece que “a manifestação de opinião no jornalismo contemporâneo não é um fenômeno

monolítico” (2003, p. 101), para o autor,

Por mais que a instituição jornalística tenha uma orientação defin ida (posição

ideológica ou linha polít ica), em torno da qual pretende que as suas mensagens

sejam estruturadas, subsiste sempre uma diferenciação opinativa (no sentido de

atribuição de valor aos acontecimentos). As condições de produção do jornalismo

atual exigem uma participação de equipes numerosas, donde a impossibilidade de

controle total do que se vai divulgar (MELO, 2003, p. 101).

Devido a essa impossibilidade de controle sobre o conteúdo dos textos publicados nas

diversas editorias e diferentes gêneros, raras vezes são publicadas opiniões que vão de

encontro à posição ideológica, política ou linha editorial da empresa, como é o caso da coluna

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de Maria Rita Kehl, e alguns comentários feitos por ombudsman17. Todavia, para Melo (2003,

p. 102), “a estrutura do jornalismo industrial comporta, até mesmo por razões mercadológicas,

diferenças de perspectiva na apreensão e valoração da realidade”. Segundo o autor,

Talvez não se possa falar de pluralis mo, porque toda instituição jornalística possui

sua linha editorial que, através da seleção de informações (pauta, cobertura,

copidesque), entrelaça o fluxo noticioso e lhe dá um mesmo sentido. Mas existe uma

abertura para que a valoração das notícias possa ensejar a circulação de diferentes

pontos de vista. A amplitude desse espaço varia de instituição para instituição e

depende sempre da conjuntura política nacional (MELO, 2003, p. 102).

A conjuntura política é fator determinante para o nível de abertura dos jornais a

opiniões diferentes, ou posicionamento diverso ao da empresa. Em um período de

considerável estabilidade política, em que não há eleições iminentes é interessante para a

mídia veicular diversos pontos de vista, como afirma Melo (2003), com fins mercadológicos.

No entanto, em um momento de grandes mudanças em que a tomada de posição da grande

imprensa é cobrada pelos líderes políticos, o espaço para diferentes opiniões se fecha. Tendo

em vista que o Estado assumiu um posicionamento que reforça o discurso de apoio à eleição

do candidato do PSDB para Presidente da República, as consequências desse posicionamento

não seriam outras senão a manutenção daqueles colaboradores, jornalistas, colunistas que

mantenham uníssona a voz do Grupo Estado, respeitando sua linha editorial, por meio de

seleção de informações, pauta, cobertura, copidesque, entrelaçando o fluxo noticioso, dando-

lhe um mesmo sentido (MELO, 2003). O autor nos permite depreender que a pauta para os

textos opinativos é determinada pela valoração dos acontecimentos por parte de quatro

núcleos, sendo a empresa, o jornalista, o colaborador, e o leitor. Para o autor,

A opinião da empresa, ademais de se manifestar no conjunto da orientação editorial

(seleção, destaque, titulação), aparece oficialmente no editorial. A opinião do

jornalista entendido como profissional regularmente assalariado e pertencente aos

quadros da empresa, apresenta-se sob a forma de comentário, resenha, coluna

crônica, caricatura e eventualmente artigo. A opinião do colaborador, geralmente

personalidades representativas da sociedade civil que buscam os espaços

jornalísticos para participar da vida política e cultural, exp ressa-se sob a forma de

artigos. A opinião do leitor encontra expressão permanente através da carta (MELO,

2003, p. 102).

Bonini (2006), que considera o suporte jornal como um hipergênero composto de uma

grande variedade de outros gêneros, alguns sobrepostos, divide o hipergênero jornal em dois

núcleos de interesse, a informação, descrito como saber o que passa e a opinião, que seria

17

Ombudsman é uma expressão de origem sueca, pode-se entender como “ouvidor” ou “representante do povo”,

ou ainda “advogado do leitor”. Em jornais, trata-se do profissional que recebe as críticas, as sugestões ou as

reclamações, a fim de mediar conflitos entre os leitores e o jornal.

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40

saber o que se pensa sobre o que passa (BONINI, 2006). Da mesma forma, Melo (2003)

agrupa os gêneros jornalísticos em duas categorias considerando-se a intenção presente nos

gêneros: informativos, “a reprodução do real” e opinativos, “a leitura do real”.

Em um Relatório de Responsabilidade Corporativa do Grupo Estado, publicado em

2010, é possível perceber que a instituição jornalística também estabelece uma separação

entre as áreas noticiosa e de opinião do jornal. A notícia é tradicionalmente descrita como

objetiva imparcial e informativa, fundamentada em apurações, testemunhos, fontes,

especialistas e autoridades. É o que se percebe no relatório do Grupo Estado, segundo o qual,

O conteúdo editorial, seguindo as regras de conduta ética do Grupo, não sofreu

interferência de tipo algum, mes mo após a publicação de um editorial, em 26 de

setembro, no qual o Estado se declarou favorável ao voto no candidato José Serra

(PSDB). “Existe uma separação muito clara entre as áreas noticiosa e de opinião do

jornal. Os jornalistas tiveram acesso a esse texto junto com os leitores e continuaram

a ter a independência de sempre para fazer as apurações e editar e publicar o

conteúdo”.18

Por outro lado, a partir de suas investigações sobre a evolução dos gêneros

jornalísticos na imprensa brasileira, Manuel Carlos Chaparro (1998, 2007) defende que o

jornalismo não se divide em opinião e informação. Para o autor, o paradigma “opinião x

informação” tem sido tomado como critério classificatório e modelo de análise para muitos

autores que estudam o tema. Segundo Chaparro (1998), não há um espaço exclusivo para a

opinião, que exclua a informação e outro para a informação, que exclua a opinião. Essa

percepção do autor sugere que o paradigma “opinião x informação” é ingênuo e ineficiente

como pressuposto para a classificação de textos do jornalismo. O autor considera esse

paradigma uma fraude teórica, afirmando que o jornalismo é construído com a combinação de

informações e opiniões (ibid.).

Em seu estudo, Chaparro defende a existência de uma “intenção de texto”, que pode

ser vista como uma via de mão dupla onde ocorre a negociação de sentidos entre os interesses

do autor e os interesses do leitor. Chaparro entende que

Não há texto sem intenção nem leitura sem atribuição de sentidos. E nessa

interação entre intenções de autoria e intenções de leitura, talvez até os principais

intérpretes sejam os que leem, não os que escrevem. Umberto Eco sugere que, entre

a intenção do autor (que ele considera “frequentemente irrelevante para a

interpretação de um texto”) e a intenção do intérprete (leitor), existe a intenção de

texto (CHAPARRO, 1998, p. 104, grifos nossos).

18

O ESTADO DE S. PAULO. Grupo Estado: Relatório de Responsabilidade Corporativa 2010. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/rc2010/ > Acesso em: 04 jul. 2013.

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O autor afirma que até mesmo um texto considerado exclusivamente informativo

como a notícia “resulta de seleções e exclusões deliberadas, controladas pela competência

opinativa do jornalismo” (1998, p. 113). As escolhas pela forma, pelo conteúdo, escolhas de

ordem estrutural ou semântica são características da subjetividade do texto jornalístico.

Chaparro ainda esclarece que

a questão não é moral nem ética, mas técnica: para o relato dos acontecimentos, a

narração é mais eficaz. Ao relatar-se, conta-se uma história, com suas complicações

e seus sucessos, mas os juízos de valor estão lá, implícitos, nas intencionalidades das

estratégias autorais, e explícitos , nas falas (escolhidas) dos personagens, às vezes até

nos títulos (CHAPARRO, 1998, p. 113).

Ao se instituir como jornalista, o sujeito discursivo é levado pelo movimento da

linguagem midiática a produzir seu texto de acordo com a finalidade, objetividade e formato

esperados, muitas vezes, no anseio de apresentar um quadro aparentemente neutro, claro e

informativo sobre a atualidade, resultando em um gênero, no qual se deve inserir seu texto.

São características comuns aos gêneros editorial e artigo: argumentação, sustentação de

ideias, refutação de opiniões contrárias, negociação de tomadas de posição diferentes para as

implicações da discussão, abordagem a problemas sociais controversos e atuais.

Para os “colunistas”, articulistas e editorialistas, a preocupação com obje tividade e

neutralidade não se impõe; o que lhes permite maior liberdade no uso da linguagem para

produzir um texto que se apresenta como opinativo, transitando entre o informativo e o

subjetivo, ou seja, o colunista apresenta informações ao leitor acompanhadas de sua avaliação

particular e de comentários sobre o assunto, que não, necessariamente, refletem a opinião da

empresa. Os editoriais apresentam a opinião ou posição oficial da empresa, do Jornal, da

direção ou da equipe de redação, sem a obrigação de serem imparciais ou objetivos. Por

representarem um posicionamento do Jornal, normalmente não são assinados, como é o caso

do editorial em análise.

1.3.1. O gênero artigo de opinião

Apesar de também ser um texto opinativo, o artigo de opinião apresenta importantes

aspectos que o diferenciam do editorial: extensão do texto, profundidade da análise, autoria ou

assinatura e ainda maior liberdade formal. O artigo de opinião pode ser escrito e assinado por

um integrante da equipe jornalística da empresa, no entanto, geralmente a empresa jornalística

publica textos assinados por colaboradores, personalidades do cenário nacional, especialistas

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ou não no assunto abordado. Esses colaboradores escrevem periodicamente para o jornal,

como é o caso de Arnaldo Jabor, que tem seus artigos publicados semanalmente na seção

“Cultura” do segundo caderno do Estado.

No Dicionário de Comunicação de Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Guimarães

Barbosa (1987, p. 51), o artigo de opinião é descrito como “texto jornalístico interpretativo e

opinativo, mais ou menos extenso, que desenvolve uma ideia ou comenta um assunto a partir

de determinada fundamentação”. Segundo os autores, o artigo de opinião “difere do editorial

por não apresentar enfaticamente, como este, 'uma receita' para a questão da pauta, nem

representar necessariamente a opinião da empresa jornalística” ( loc. cit.).

A estrutura do gênero artigo de opinião não segue um determinado padrão, como tese

na introdução, argumentação/refutação no desenvolvimento e conclusão. No entanto, a

opinião sobre o assunto é trabalhada com um tom ou estilo próprio do articulista, a partir da

exposição de ideias com argumentação, defesa, exemplificação, justificação ou

desqualificação e refutação de posições opostas. Não obstante, segundo Melo (2003), os

artigos apresentam uma estrutura narrativa semelhante à do editorial, reunindo um título, uma

introdução sobre o assunto, discussão/argumentação propriamente sobre o assunto em questão

e uma conclusão. Para o autor, no gênero artigo é possível perceber o estilo particular do

articulista (idid.), por isso, muitas vezes, os textos de Jabor tomam forma de crônica, textos

baseados, muitas vezes, no relato de experiências pessoais.

Em jornais, revistas, periódicos, dentre outros, a produção de um artigo de opinião

implica o uso de alguns recursos linguísticos que introduzam comentários e defesa de pontos

de vista particulares, encaminhando os interlocutores à formação de opiniões, as quais

resultam de efeitos de sentido e representações contingenciados tanto pelo texto em si quanto

por condições de produção e recepção do mesmo. Nesse cenário, a posição enunciativa do

jornalista se destaca, considerando-se que as marcas de seu posicionamento ideológico são

explicitadas pelas possibilidades do artigo de opinião, que lhe permitem a utilização de

estratégias discursivas não permitidas ao gênero notícia, por exemplo. Nesse caso, estratégias

linguístico-discursivas deixam à mostra a subjetividade do autor, assim, representações e

efeitos de sentido podem ser percebidos nas escolhas realizadas pelo articulista.

Rodrigues (2005) nos leva a entender que o articulista conquista a valorização social e

profissional através da credibilidade que imprime em seus argumentos, e também através da

projeção que lhe é dada pelo jornal, conferindo-lhe autoridade como formador de opinião. A

opinião do articulista ganha relevância social para o jornal na medida em que se torna

relevante para o público leitor. Para Rodrigues (2005), o articulista “é um autor da elite, pois é

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um leitor selecionado e autorizado pela empresa jornalística para assumir a palavra; está,

portanto, em uma relação de superioridade” (ibid., p. 172).

Apesar dessa suposta autonomia do articulista, imaginada devido à sua autoridade, o

mesmo, muitas vezes, apenas reproduz a opinião da própria empresa, haja vista ter sido

selecionado dentre tantos outros articulistas, podendo se manter no jornal ou ser substituído. É

possível perceber que a credibilidade do jornalista é construída a partir de um "poder

simbólico", o qual segundo Pierre Bourdieu: “é um poder que está em condições de se fazer

reconhecer, de obter reconhecimento” (BOURDIEU, 1989, p. 61), é o que ocorre com

Arnaldo Jabor e que foi verificado pela revista Barômetro de Imprensa.

Para Bourdieu, “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de

manter a ordem ou de subvertê- la, é a crença na legitimidade das palavras e daqueles que as

pronunciam, crença cuja produção não é da competência das palavras” (BOURDIEU, 1989,

p.15). Nesse sentido, há uma conjunção de fatores que compõem o poder simbólico que se

manifesta através dos textos de Arnaldo Jabor. Há certa expectativa pelos seus textos, uma

vez que estes há muito tempo se fazem presentes em grandes jornais, bem como na TV,

tratando sempre de temas que afetam em grande parte senão toda a sociedade. Há ainda certa

autoridade construída pelos jornais que lhe cedem o espaço. Há também o estilo próprio e as

escolhas linguísticas recorrentes que marcam sua tomada de posição no trato com temas

polêmicos. Além disso, a diversidade dos temas discutidos pelo articulista atrai diferentes

grupos de leitores. Tudo isso alimenta a crença na legitimidade das palavras, ou das opiniões

de Arnaldo Jabor, autorizando-o a publicar seus textos e suas opiniões. Conforme Lia Seixas,

O colunista tem autoridade, adquirida seja por competência em outro domínio ou

por experiência em outro domín io e jornalística, para produzir independente da

rotina da redação. O colunista é, ao lado do especialista que assina artigo ou

articulista, do crítico, do cronista brasileiro, o único enunciador do seu discurso e

principal locutor. Inclusive é pelo reconhecimento do “ser do discurso” que o

colunista existe, é lido e procurado pelo público (SEIXAS, 2009, p. 311).

O poder simbólico pode ser compreendido como o poder que atores sociais exercem

uns sobre outros no uso da linguagem, ao fazerem o outro ver ou crer, um poder de confirmar

ou de transformar uma visão de mundo. Lia Seixas esclarece, afirmando que “Breton, com o

objetivo de explicar os tipos de argumentos, divide três razões para a autoridade:

competência, experiência e testemunho” (BRETON, 200619

apud SEIXAS, 2009, p. 311).

Rojo (2005) permite o entendimento de que os gêneros abordam determinados

conteúdos temáticos atendendo à demanda de uma pauta determinada pelos acontecimentos

19

BRETON, Philippe. L’argumentation dans La communication. Paris: La Découverte, 2006.

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de grande relevância social. A organização dos textos em torno de uma pauta e de um

conteúdo temático explica porque entre um artigo e outro escrito por Jabor sobre as eleições

surge algum artigo que trata sobre tema diferente. Uma vez que o jornal é espaço para falar

sobre a atualidade, e apesar das campanhas eleitorais continuarem, fatos inesperados de

destaque são abordados e, em seguida, o tema das eleições é retomado pelo articulista.

Segundo Marques de Melo, o artigo democratiza a opinião no jornalismo, uma vez que

toma da instituição jornalística o privilégio de defender ideais por meio do editorial,

possibilitando o acesso de lideranças emergentes da sociedade ao público leitor. Para o autor,

essa democratização é dependente do espírito de cada veículo e sua disposição para se abrir a

representantes da sociedade, mantendo um debate permanente acerca de questões de

relevância nacional (MELO, 2003). No entanto, considerando o fato ocorrido co m Maria Rita

Kehl, que foi demitida pelo Estado, segundo ela, devido a “um delito de opinião”, o espaço

opinativo reservado para colunistas não é tão democrático assim.

1.3.2. O gênero editorial

O editorial pode ocorrer na forma de artigo-de-fundo ou comentário, os quais,

geralmente, são assinados pelo proprietário do jornal, ou editorialista, mas eram mais comuns

quando os jornais eram apenas um empreendimento individual ou familiar. Hoje, é

geralmente apócrifo. Editorial é um texto argumentativo e seu objetivo é comunicar ao leitor a

tomada de posição da empresa jornalística, diante de importantes acontecimentos. “O jornal

diz o que pensa em seus editoriais; articulistas e colunistas fazem o mesmo em textos

assinados, e para eles a liberdade de estilo é tão grande quanto a de opinar” (MELO, 2003). A

redação de editorias fica a cargo de editorialistas, em geral, mas também de diretores de

redação, redator chefe ou jornalista sênior, profissionais que participam do Conselho

Editorial.

Para Lia Seixas (2009), é através do editorial que a empresa jornalística se posiciona

“subjetivamente”. Segundo a autora

Nos chamados gêneros opinativos, editorial, art igo, coluna, comentário, crít ica,

crônica, caricatura e carta, a única composição em que apenas a instituição

jornalística é enunciador e locutor é no editorial. Nesse caso, inclusive, não se sabe,

isto é, não faz parte de saber prévio sobre o discurso jornalístico, quem é o sujeito

comunicante. A não ser quando o presidente da direção assina o editorial [...] É

apenas nesta composição que a instituição jornalística, sozinha, se compromete por

opinativos, ou seja, se compromete com a crença na adequação do enunciado à

realidade. Apenas no editorial, a organização jornalística se posiciona

“subjetivamente”. É apenas nesta composição que as competências solicitadas são

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da instituição jornalística, com função social reconhecida e fiscalizada (SEIXAS,

2009, p. 295).

Segundo Faria (1996), o editorial “lida com ideias, argumentos, crítica, marcando a

posição do jornal sobre os principais fatos do momento”. Esse gênero discursivo trata de

assuntos de grande repercussão, sobre os quais pode ser interessante para o jornal assumir

uma posição. Estudos em comunicação nos oferecem ainda outros conceitos úteis para

ampliar nosso entendimento sobre o editorial. De acordo com esses estudos, editorial é:

Texto jornalístico opinativo, escrito de maneira impessoal e publicado sem

assinatura, s obre os assuntos ou acontecimentos locais, nacionais ou internacionais

de maior relevância. Define e expressa o ponto de vista do veículo ou da empresa

responsável pela publicação (do jornal, rev ista, etc.) [...] O editorial apresenta,

principalmente em sua forma impressa, para jornal, traços estilísticos peculiares. [...]

A página editorial tem um estilo que acompanha as tendências do jornal, o p róprio

„estilo‟ do jo rnal. Esse „estilo‟ é equilibrado, denso ou leve, conforme a linha do

veículo (RABAÇA e BARBOSA, 1987, p. 227).

„texto‟ onde „um autor‟ é o sujeito argumentador que „organiza a matéria linguageira

numa estrutura argumentativa‟, na modalidade escrita e no tipo monológico, sendo

„participantes desse ato linguageiro‟ o autor do editorial e os leitores, num momento

sócio-histórico-cultural „x‟, ligados por um „contrato de comunicação‟ no qual os

leitores esperam ver comentado um fato de certa repercussão social do momento

(AZEVEDO e ANGELIM, 1996, p. 126).

Da mesma forma, na percepção de José Marques de Melo, os editoriais são o espaço

destinado à manifestação dos jornais na defesa de interesses políticos e econômicos de

segmentos empresariais e financeiros representados pelos grupos empresariais de mídia. O

autor completa esse entendimento, afirmando que

A leitura de editoriais dos jornais diários, por exemplo, inspira-nos a compreensão

de que as instituições jornalísticas procuram dizer aos dirigentes do aparelho

burocrático do Estado como gostariam de orientar os assuntos públicos. E não se

trata de uma atitude voltada para perceber as reivindicações da coletividade e

expressá-las a quem de direito. Significa muito mais um trabalho de "coação" ao

Estado para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que

representam. Esta é a nossa percepção do editorial na imprensa brasileira (MELO,

2003, p. 105).

Melo (2003) percebe a relação entre mídia e política, reforçando o que já foi discutido

no tópico em que tratamos sobre essa relação, principalmente ao citarmos as teses de Lima

(2004). Melo (2003) chama a atenção para o fato de que o editorial é, normalmente, definido

de forma simplista como o gênero que apresenta o ponto de vista da empresa midiática sobre

fatos relevantes da atualidade. No entanto, é preciso ressaltar que “a sua natureza de porta-voz

da instituição jornalística precisa ser melhor compreendida e delimitada” (ibid., p. 103).

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Assim, aprofundando a análise do gênero editorial e considerando sua natureza comercial,

Marques de Melo esclarece que,

[...] nas sociedades capitalistas, o editorial reflete não exatamente a opinião dos seus

proprietários nominais, mas o consenso das opiniões que emanam dos diferentes

núcleos que participam da propriedade da organização. Além dos acionistas

majoritários, há financiadores que subsidiam a operação das empresas, existem

anunciantes que carreiam recursos regulares para os cofres da organização através da

compra de espaço, além de braços do aparelho burocrático do Estado que exerce

grande influência sobre o processo jornalístico pelos controles que exerce no âmbito

fiscal, previdenciário, financeiro (MELO, 2003, p. 103-104).

Para Melo (2003), o discurso presente nos editoriais “constitui uma teia de

articulações políticas e por isso representa um exercício permanente de equilíbrio semântico.

Sua vocação é a de apreender e conciliar os diferentes interesses que perpassam sua operação

cotidiana” (ibid., p. 104). Essa é uma análise muito importante para a compreensão das

relações entre o discurso de apoio à eleição de José Serra para Presidente da República,

declarado no editorial d'O Estado de S. Paulo, e as implicações políticas e econômicas desse

apoio. Um dos resultados é a troca de financiamentos, a empresa midiática faz a propaganda e

em troca recebe o apoio do seu candidato, se eleito. É, por exemplo, o que ocorreu após a

eleição de Geraldo Alckmin, do mesmo partido de Serra, o PSDB, para Governador do estado

de São Paulo na mesma eleição de 2010, que, segundo denúncias ao Ministério Publico,

realizou contratos sem licitação no valor de nove milhões de reais, junto a determinadas

empresas como O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Veja, IstoÉ e Época, excluindo

outras como CartaCapital e Caros Amigos 20

.

José Marques de Melo (2003) afirma que os editoriais se detêm a tratar de temas que

não são de grande interesse para os seus leitores. Para o autor, persistem ainda, como

referencial para o posicionamento das empresas jornalísticas, questões como política,

economia e administração, sem tratar de problemas ligados a trabalho, à saúde e à educação,

os quais são citados apenas para apontar alguma disfuncionalidade ou a negligência de

governantes. Segundo Melo,

A maioria dos jornais diários no Brasil permanece, contudo, mantendo o editorial na

página chamada de opinião. Ou melhor, os editoriais, pois vem se tornando geral a

orientação de publicar pontos de vista sobre as principais questões do momento. Daí

a existência de diferentes espécies de editoriais. Beltrão classifica-os segundo cinco

variáveis: morfologia, topicalidade, conteúdo, estilo e natureza. Quanto à

morfologia, os editoriais que aparecem na imprensa brasileira s e diferenciam em:

artigo de fundo (ed itorial principal), suelto (pequena análise sobre um fato da

20

Cf. ALCKMIN: 9 milhões pela fidelidade da 'Proba Imprensa Gloriosa'. Blog Contexto Livre. Set. 2013.

Disponível em <http://contextolivre.blogspot.com.br/2011/09/alckmin-9-milhoes-pela-fidelidade-da.html>

Acesso em: 04 jul. 2013.

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atualidade) e nota (registro ligeiro de uma ocorrência, antecipando suas

consequências ao leitor). A topicalidade produz três espécies de editoriais:

preventivo (focalizando aspectos novos que podem produzir mudanças), de ação

(apreendendo o impacto de uma ocorrência) e de consequência (v isualizando

repercussões e efeitos). No que se refere ao conteúdo, temos: informativo

(esclarecedor), normativo (exortador) e ilustrativo (educador). O estilo pode

sugerir duas espécies: o intelectual (racionalizante) e o emocional (sensibilizante).

Finalmente, quanto à natureza, o editorial se divide em: promocional (coerente

com a linha da empresa), circunstancial (oportunista, imediatista) e polêmico

(contestador, provocador). O editorial é um gênero quase exclusivo da imprensa,

ou, mais precisamente, dos jornais (MELO, 2003, p. 110-111, grifos nossos).

Seguindo as cinco variáveis (morfologia, topicalidade, conteúdo, estilo e natureza)

elencadas pelo autor, pode-se descrever o editorial “O mal a evitar”, primeiro quanto à sua

morfologia, como artigo de fundo, haja vista que é o principal da edição de 26 de setembro de

2010, apresentando os principais atributos do gênero, como a impessoalidade, uma vez que

não se trata de matéria assinada, ocorrendo apenas a terceira pessoa do singular ao se referir

ao próprio jornal como Estado. O editorial trata de um tema delimitado, de forma concisa,

mas apresenta ao mesmo tempo os três aspectos que compõem a segunda variável, ou seja,

topicalidade: sendo preventivo, ao alertar o leitor quanto ao suposto “mal a evitar”; de ação,

quando descreve a conjuntura política brasileira como forma de argumentar em defesa de seu

ponto de vista e de consequência, uma vez que, sendo preventivo e de ação, o editorial

apresenta ao leitor argumentos que abordam as repercussões e os efeitos das opções de voto.

O editorial apresenta ainda uma condensalidade, sendo breve, claro, com maior ênfase nas

afirmações, a fim de convencer e conquistar a adesão do leitor além de plasticidade, e

flexibilidade, uma vez que recupera os últimos acontecimentos e prepara o leitor para seus

desdobramentos iminentes (MELO, 2003).

No que se refere ao conteúdo, terceira variável, o editorial em análise pode ser descrito

como normativo, exortador, uma vez que busca persuadir o leitor a votar em José Serra,

evitando, assim, o mal representado por Lula e Dilma. Quanto à quarta variável, estilo, o

editorial é intelectual, racionalizante, por apresentar argumentos organizados a fim de

convencer o leitor quanto a veracidade das informações apresentadas. Mais uma vez o

editorial apresenta os três aspectos que compõem sua natureza, última variável, sendo, a um

só tempo, promocional, circunstancial e polêmico. Promocional porque o texto é coerente

com a linha editorial do jornal, promovendo seu discurso; circunstancial porque foi

oportunista, imediatista, considerando a iminência do primeiro turno das votações; e polêmico

porque contesta as acusações de Lula sobre o partidarismo político da mídia e provoca o leitor

a refletir sobre suposto mal que se evitará, votando em Serra para presidente (MELO, 2003).

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Capítulo II

Análise Crítica do Discurso (ACD) e

Abordagem Histórica do Discurso (AHD)

“Compreendiam exatamente o sentido lógico das

palavras que pronunciavam, mas sem ouvir o murmúrio

do rio semântico que corria entre essas palavras .”

Milan Kundera (A insustentável leveza do ser - As

palavras incompreendidas)

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Richardson (2007, p. 1) descreve a Análise Crítica do Discurso (ACD) como “teoria e

método de se analisar a maneira que os indivíduos e as instituições usam a linguagem”, numa

perspectiva da escola crítica. A ACD, a partir de Norman Fairclough (2001, 2003), tem

trabalhado um conceito de texto como espaço de uso da linguagem em que a construção de

identidades é resultado de práticas textuais, discursivas e sociais, envolvendo representações,

relações de poder e subordinação dos sujeitos. Dessa forma, pode-se depreender que, por

meio de estratégias linguístico-discursivas, ideologias perpassam os textos, buscando

estabelecer uma hegemonia discursiva nas ações dos sujeitos sociais. As práticas textuais,

discursivas e sociais, segundo Fairclough (2001), reproduzem e, ao mesmo tempo,

estabelecem valores culturais que são percebidos nas identidades de atores sociais.

Segundo Ihnen e Richardson (2011, p. 39), “os principais focos teóricos e analíticos da

Análise Crítica do Discurso (ACD) continuam a ser as relações entre o texto e o contexto”.

Nesse sentido, consoante a Fairclough (2001), os autores afirmam que a “linguagem é uma

prática social que, como todas as práticas, é dialeticamente relacionada aos contextos de seu

uso” (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 39). Os autores asseguram que na ACD, “a

principal preocupação é associar a análise linguística à análise social, examinando as relações

entre o texto e o contexto em geral e, especificamente, entre o discurso (linguagem em uso) e

a supressão de poder social, político e econômico” (2011, p. 44).

Desse modo, Ihnen e Richardson (2011, p. 39) apresentam um panorama da

“Abordagem Histórica do Discurso de Ruth Wodak para a análise do discurso”. Para os

autores, AHD é uma das perspectivas desenvolvidas no campo de estudo da ACD que aborda

a argumentação sob um “viés analítico” (ibid., p. 39). Os autores esclarecem que a AHD

trabalha com a “integração e triangulação” do conhecimento a partir de fontes históricas em

relação ao “plano de fundo dos campos social e político em que os eventos discursivos são

incorporados” (ibid., p. 40).

A AHD baseia-se no “princípio de que o texto apenas adquire sentido quando o seu

manifesto e significados latentes (implicatura, pressuposição, alusão etc.) são lidos em

contextos” (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 40). Nesse sentido, essa abordagem considera

que contexto, contextualização e recontextualização, como aspectos da construção de sentido

textual, devem receber grande atenção durante uma análise de discursos. É dessa forma que,

segundo Ihnen e Richardson (2011), “a AHD, para a Análise Crítica do Discurso,

contextualiza texto e fala em relação a outros discursos, a pontos de referência social e

institucional, bem como a contextos e eventos sociopolíticos e históricos” (p. 41).

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Os autores esclarecem que a AHD também considera como contexto “as relações

intertextuais e interdiscursivas entre os enunciados, textos, gêneros e discursos” (IHNEN e

RICHARDSON, 2011, p. 40). Nessa abordagem, deve-se levar em consideração “a história e

as referências intertextuais de termos e conceitos usados, ou as formas em que se menciona,

discute ou debate-se um conceito em diferentes textos e em diferentes gêneros” (ibid., loc.

cit.). A observação dessas informações contextuais estará presente na análise dos gêneros

editorial e artigo de opinião, o que permitirá verificarmos se as identidades construídas no

editorial e o discurso manifestado em “O mal a evitar” são ou não reproduzidos ou reforçados

nos artigos de Arnaldo Jabor.

Nosso interesse na adoção de uma abordagem crítica de análise de discursos

historicamente situados que ensejam a construção de identidades não tem a pretensão de

exaurir os aspectos linguísticos, em nosso objeto de pesquisa, nem é esse nosso foco. Como já

descrito, nossa atenção está voltada para o processo de construção de identidades que se

observa através de determinadas estratégias linguístico-discursivas que se destacam nos textos

analisados, numa relação dialética com as condições históricas em que os textos se articulam.

Por isso, é preciso levar em conta que o processo de construção de identidades por meio de

estratégias linguístico-discursivas se estabelece entre conflitos de interesses políticos e

ideológicos provenientes da estrutura das ordens sociais e discursivas emergentes naquele

momento histórico das eleições presidenciais.

As disputas pela hegemonia política e discursiva representadas em nosso objeto de

análise envolvem processos de subordinação de atores sociais nas lutas pelo poder simbólico

que emana das relações entre os sujeitos e as instituições envolvidas. Dessa forma, O Estado

de S. Paulo e Arnaldo Jabor, por meio de determinadas estratégias linguístico-discursivas,

constroem, para os principais candidatos a presidente, identidades que se materializam nos

gêneros discursivos editorial e artigo de opinião.

2.1 Discurso e construção de identidades

Para John E. Richardson (2007, p. 27), estudos em ACD devem considerar “as

relações entre texto e suas condições sociais, ideologias e relações de poder”. A partir dos

estudos de Ruth Wodak (1996) e Titscher et al. (2000), Richardson (2007, p. 26-27) reúne

alguns princípios por meio dos quais a ACD se desenvolve:

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- A Análise Crítica do Discurso se preocupa com problemas sociais. Ela não está

preocupada com a língua ou língua em uso em si própria, mas com o caráter

linguístico de estruturas e processos culturais e sociais.

- As relações de poder têm a ver com o discurso, e a ACD estuda tanto o poder que

está no discurso, como o poder sobre o discurso.

- A sociedade e a cultura estão dialeticamente relacionadas com o discurso: o

discurso dá forma à sociedade e à cultura e essas também constituem o discurso.

Cada instância da linguagem reproduz ou transforma a sociedade e a cultura,

incluindo as relações de poder.

- A língua em uso pode ser ideológica. Para determinar isso é necessário analisar

textos para investigar sua interpretação, recepção e os efeitos sociais.

- Os discursos são históricos e somente podem ser entendidos em relação aos seus

contextos. Em nível metateórico, isso corresponde à abordagem de Wittgenstein, na

qual o sentido de um enunciado reside em seu uso em uma situação específica.

- A análise do discurso é interpretativa e exp licat iva. A análise crít ica pressupõe uma

metodologia sistemática e uma relação entre o texto e sua condição so cial,

ideologias e relações de poder.

Desse modo, Richardson (2007) entende a língua em uso como instrumento de poder.

Tendo em vista que a ACD estuda o poder presente na prática discursiva, deve-se considerar

também o poder sobre o discurso, como o poder de tomar a palavra, ou seja, de ocupar o

espaço de enunciador, materializando o discurso em seus enunciados, ao colocar em uso a

linguagem, que, nesse sentido, pode ser ideológica, implicando efeitos nas ações sociais

(SCOLLON, 1998). O caráter linguístico de estruturas e processos culturais e sociais pode ser

percebido nos gêneros em que ocorrem os discursos, que são produzidos ou reproduzidos

pelos atores sociais que mantêm ou transformam a sociedade e a cultura.

O autor chama a atenção de pesquisadores para os efeitos sociais de textos

jornalísticos. Richardson (2007) esclarece que “o poder da linguagem jornalística de realizar

coisas e o modo como o poder social é indexado e representado na linguagem jornalística são

particularmente importantes de se ter em mente ao se estudar o discurso do jornalismo” (p.

13). Portanto, é preciso levar em conta que “os significados de um enunciado, de um

argumento, de um texto de jornal ou de outro texto qualquer são intimamente relacionados à

identidade do produtor responsável por seu conteúdo e o contexto de sua articulação” (ibid., p.

11). Considerando a “identidade de produtor responsável” pelos textos em análise, deve-se

levar em conta o posicionamento de Arnaldo Jabor, manifestado em seus artigos, enquanto

ator social que participa da prática discursiva do jornal O Estado de S. Paulo, no contexto do

debate político.

A concepção Bakhtiniana de linguagem como interação introduz um aspecto

fundamental para a compreensão do uso da linguagem nos gêneros discursivos em foco: o

dialogismo, cujo enfoque principal não é o diálogo entre falantes em situações de

conversação, mas a relação do enunciado com o já-dito sobre o mesmo assunto e com o que

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lhe suceder na “corrente ininterrupta” (BAKHTIN, 1997) até chegar ao leitor, refletindo ainda

em possíveis respostas e efeitos nas ações sociais (SCOLLON, 1998).

Para Bakhtin, o “discurso é um fenômeno social em todas as esferas de sua existência”

(BAKHTIN, 1993, p. 71). Nesse sentido, a interação com o outro no mundo social é tratada

como central no processo de enunciação, que se compõe dialogicamente a partir do discurso

do outro, em uma troca de ideologias, estilos, referenciações. Enfim, o discurso se forma a

partir das relações dialógicas com outros discursos, assimilando-os e negociando significados

para se constituir enquanto enunciado.

Bakhtin constrói a noção de dialogismo, apontando que sempre falamos com as

palavras do outro, com os já-ditos, e para o outro, o não-dito, considerando-se a visão do

interlocutor incorporada ao discurso e também constitutivo do processo de produção. Em uma

corrente comunicativa, um discurso responde ao já-dito, preparando seu discurso-resposta

futuro, o ainda não-dito. Assim, a “resposta compreensível é a força essencial que participa da

formação do discurso e, principalmente, da compreensão ativa, percebendo o discurso como

oposição ou reforço e enriquecendo-o” (BAKHTIN, 1993, p. 89). A prática discursiva é

dinâmica e interativa, devido à dependência da compreensão esperada e necessária ao diálogo

e à relação entre os interlocutores na autoafirmação como sujeitos produtores de sentido. Para

Bakhtin, a resposta é um resultado pertinente ao processo de interação que o diálogo sugere:

o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso ad ota

simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda

ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar

(BAKHTIN, 1992, p. 290).

Desse modo, Bakhtin (1992) esclarece que “a compreensão de uma fala viva, de um

enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau

dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma

ou de outra, forçosamente a produz” (p. 290). Na perspectiva de Ron Scollon (1998, p. 253),

as práticas sociais “são apropriadas como aspectos significativos da ação mediada”, nesse

sentido, as ações sociais, mediadas pelos meios de comunicação, respondem, de alguma

forma, aos discursos presentes, por exemplo, nos textos em análise.

A prática jornalística explora precisamente essa atitude responsiva ativa de seu

público, apostando nos efeitos sociais de seus textos, mediando discursos que buscam

alcançar ou manter sua hegemonia nas práticas sociais. A declaração do Estado, publicada em

editorial, responde ao já-dito na campanha eleitoral de José Serra, preparando um discurso-

resposta que terá efeito nas práticas sociais de seus leitores-eleitores, com possibilidade de se

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refletir nas urnas. Sobre os efeitos sociais do texto, do enunciado vivo, Bakhtin assevera que

“o ouvinte que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente,

para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou

parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar” (ibid., p. 290).

O poder manifestado pela linguagem jornalística introduz e reforça determinadas

representações sociais e certas identidades que constituem os discursos. Para Norman

Fairclough (2001), “o discurso contribui para a construção do que variavelmente é referido

como „identidades sociais‟ e „posições de sujeito‟ para os „sujeitos‟sociais e os tipos de „eu‟

[...] o discurso contribui para construir as relações sociais entre pessoas” ( ibid., p. 90-91). O

autor defende que os discursos são “representações diversas da vida social que são

inerentemente posicionadas – posicionados de modo diferente, os atores sociais „veem‟ e

representam a vida social de modos distintos, com diferentes discursos” (ibid., p. 2). Segundo

o autor, as representações permeiam as práticas sociais e as relações entre os sujeitos, “por

meio de diferentes discursos dentro de cada uma dessas práticas, correspondendo a posições

diferentes dos atores sociais” (ibid.).

De acordo com Fairclough, discurso deve ser entendido como linguagem em uso

“como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de

variáveis institucionais” (ibid., p. 90). O discurso do qual o editorial em análise participa é um

modo de ação social, de negociação de significados, posicionando sujeitos, numa articulação

de valores e crenças suscitadas na prática discursiva historicamente situada nas campanhas

eleitorais.

Segundo Fairclough (2001, 2003), as representações sociais podem ser observadas

através de aspectos linguísticos utilizados nas práticas textuais que materializam um discurso,

sendo o vocabulário um traço particular de grande destaque em cada discurso. Para o autor,

cada discurso “lexicaliza” o mundo de forma particular. A lexicalização representa a

necessidade que temos de fazer escolhas entre determinadas palavras, na busca pelos

significados que tentamos construir em nossos enunciados.

Fairclough esclarece que nossas escolhas e decisões durante a produção de textos não

são de responsabilidade apenas individual, “os significados das palavras e a lexicalização de

significados são questões que são variáveis socialmente e socialmente contestadas, e facetas

de processos sociais e culturais mais amplos” (2001, p. 230). Dessa forma, pode-se

depreender que tanto as escolhas quanto os efeitos de sentido resultantes dessas escolhas

participam de um processo social, ou seja, as práticas textuais, atravessadas por ideologias,

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materializam as representações sociais hegemônicas, de modo a reproduzir determinado

discurso e resistir a outros.

Lexicalização e relexicalização (FAIRCLOUGH, 2001) envolvem um processo de

ressignificação de valores, atitudes e crenças, que renovam as representações sociais e

mantêm a dinâmica das disputas por hegemonia. Nesse processo, as identidades sociais e

culturais também se encontram em um constante processo de construção. A lexicalização de

significados está presente em estratégias linguístico-discursivas, como referências,

nominações e predicações.

De acordo com Kathryn Woodward (2011), as identidades são construídas na e pela

linguagem nas práticas discursivas, e, dessa forma, as identidades “adquirem sentido por meio

da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas” (ibid., p. 08).

Pode-se entender que não se deve tratar de identidades sem relacionar esse conceito a

representações, tendo em vista que a representação articula sistemas simbólicos em um

processo de significação do mundo, das relações, e dos atores sociais (ibid.). Segundo a

autora, “só podemos compreender os significados envolvidos nesses sistemas se tivermos

alguma ideia sobre quais posições-de-sujeito eles produzem e como nós, como sujeitos,

podemos ser posicionados em seu interior” (ibid., p. 17).

Tendo em vista que identidades sociais são construídas de modo sócio-discursivo,

percebemos que a construção de identidades é um processo essencialmente ideológico (cf.

FAIRCLOUGH, 2001). É na prática discursiva que os indivíduos constroem e representam o

outro. Nas relações de poder entre os atores sociais, os sujeitos são posicionados e

representados num processo de construção identitária.

O pensamento de Woodward (2011) corrobora o entendimento de Bradley (1996), que

afirma que identidades sociais são o “modo como nós, enquanto indivíduos, nos posicionamos

na sociedade em que vivemos e o modo como percebemos os outros nos posicionando. As

identidades sociais provêm das várias relações sociais que as pessoas vivem e nas quais se

engajam” (BRADLEY, 1996, p. 24). Pode-se entender que os sujeitos sociais se posicionam e

são posicionados, durante as relações sociais, nas relações de poder, mas também ao

assumirem posições ideológicas em suas práticas sócio-discursivas. Desse modo, “a

identidade do indivíduo se constrói na língua e através dela” (RAJAGOPALAN, 1998, p. 41-

42), por meio das representações que ganham forma nos textos e discursos. Rajagopalan

sustenta a tese de que “é no uso político de nomes e apelidos que consiste o primeiro passo

que a mídia dá no sentido de influenciar a opinião pública a favor ou contra personalidades e

acontecimentos noticiados” (2003, p. 82), o que pode funcionar como a estratégia de

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referenciação ou nominalização conforme é descrito por Ihnen e Richardson (2011). Ao

realizar determinadas escolhas linguísticas, o Estado e o colunista, produtores dos textos em

análise, lexicalizam os significados que compõem as identidades dos sujeitos envolvidos nos

textos, deixando marcas de posicionamento ideológico e engajamento discursivo.

Woodward (2011) deixa claro que representações incluem “práticas de significação e

os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos

como sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos

sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (p. 17-18). Para a autora, as identidades

resultam de efeitos de sentido de um processo de representação, por meio de sistemas

simbólicos acessados pelos atores sociais, desse modo, “a identidade é, na verdade, relacional

e a diferença é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades”

(ibid., p. 8, 13). As relações sociais implicam o posicionamento dos sujeitos durante a

enunciação, resultando em identidades “fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa

marcação ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por formas

de exclusão social” (ibid., p. 40). De acordo com a autora,

Quaisquer que sejam os conjuntos de significados construídos pelos discursos, eles

só podem ser eficazes se eles nos recrutam como sujeitos. Os sujeitos são, assim,

sujeitados ao discurso e devem, eles próprios, assumi-lo como indiv íduos que, dessa

forma, se posicionam a si próprios. As posições que assumimos e com as quais nos

identificamos constituem nossas identidades (WOODWARD, 2011, p. 55).

Moita Lopes (2002) resume esse processo de construção de identidades no discurso,

afirmando que “as identidades sociais não estão nos indivíduos, mas emergem da interação

entre os indivíduos, agindo em práticas discursivas particulares nas quais estão posicionados”

(ibid., p. 37). O autor nos permite o entendimento de que as identidades são marcadas por um

contexto sócio-histórico de valorização ou depreciação de um modelo simbólico envolvido

nas relações de poder, em que diferentes identidades são discursivamente construídas.

Na ótica de Moita Lopes (2002), todo discurso é ideológico. Para o autor, os sujeitos

apresentam múltiplas identidades ou identidades fragmentadas. Nesse sentido, “a escolha de

nossas múltiplas identidades não depende de nossa vontade, mas é determinada pelas práticas

discursivas, impregnadas de poder, nas quais agimos embora possamos resistir a estas

práticas” (ibid., p. 37). Dessa forma, podemos perceber que os sujeitos são construídos na

prática discursiva, tendo em vista que, nas relações sociais, as identidades são condicionadas

pelas posições do sujeito nas relações de poder, reforçando ou resistindo ao discurso ou

discursos. Nesse sentido, Bourdieu entende que “a identidade social consiste na diferença, e a

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diferença é afirmada contra aquilo que é mais próximo e que representa a maior ameaça”

(BOURDIEU, 197921

apud MOITA LOPES, 2002, p. 16). E nesse caso, a maior ameaça para

um candidato, e que se encontra naturalmente mais próxima, é seu concorrente na disputa

eleitoral. Segundo o pensamento de Bourdieu e Moita Lopes, podemos depreender que é a

partir da diferenciação dos candidatos que as identidades seriam construídas.

A partir de sua leitura de Bakhtin e Fairclough, Moita Lopes (2002) entende que a

prática discursiva e a formação de significados envolvem relações de poder, alteridade e

contexto, posicionando os sujeitos no discurso e revelando identidades sociais. O autor afirma

que o discurso pode ser entendido como construção social e, por isso, deve ser visto como

forma de ação dos atores sociais no mundo. Para o autor, “investigar o discurso a partir desta

perspectiva é analisar como os participantes envolvidos na construção do significado estão

agindo no mundo através da linguagem e estão deste modo, construindo a sua realidade e a si

mesmos” (ibid., p. 31).

Castells (1999), por sua vez, desenvolve uma perspectiva construtivista sobre a

questão das identidades, lançando o foco sobre as relações entre os atores sociais e a

articulação de representações construídas pela memória coletiva e pelas ideologias

alimentadas por instituições da sociedade. Segundo o autor,

Não é difícil concordar com o fato de que, do ponto de vista sociológico, toda e

qualquer identidade é construída. A principal questão, na verdade, diz respeito a

como, a partir de quê, por quem e para quê isso acontece. A construção de

identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia,

instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias e por

fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. Porém,

todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades,

que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos cultu rais

enraizados em sua estrutura social (CASTELLS, 1999, p. 23).

Castells (1999) esclarece que as identidades organizam significados a partir de

conteúdos simbólicos e são “fonte de significado para os próprios atores, por eles originados,

e construídos por meio de um processo de individuação” (p. 23). Segundo o autor, as

identidades são construídas em um processo de construção de significados a partir de algum

atributo cultural ou “um conjunto de atributos culturais inter-relacionados”, resultando que,

“para um determinado indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas”

(ibid., p. 22).

Posicionar indivíduos em grupos, classes, partidos, ou qualquer categoria, promove a

hierarquização de posições de sujeitos sociais em relações de poder. Dessa forma, quando o

21

BOURDIEU, Pierre. La distinction: Critic sociale du jugement . Paris: Les Éditions de Minuit, 1979.

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jornal toma a palavra por meio de seu editorial e também dá a palavra a determinado sujeito

social, em suas colunas, deixa claro, quem detém “o privilégio de classificar [...], o privilégio

de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados” (SILVA, 2009, p. 82). Nessa

hierarquização, ocorre a relação de alteridade em que as identidades são construídas mediante

a atribuição de semelhanças e diferenças. A identidade “só tem sentido em relação com uma

cadeia de significados formada por outras identidades [...] que por sua vez tão pouco são

fixas, naturais ou predeterminadas” (ibid., p. 80). As relações sociais estabelecem diferenças e

identidades conjuntamente, uma em relação à outra, de forma inseparável. Em outras

palavras, “a identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a

sociedade produz e utiliza classificações” (SILVA, 2009, p. 82). Silva assevera que as

identidades não devem ser consideradas simplesmente definidas, de acordo com Silva,

Elas [as identidade] não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo

sem hierarquias; elas são disputadas [...] Na disputa pela identidade, está envolvida

uma disputa mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais da sociedade. A

afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo dos

diferentes grupos sociais, assimetricamente situados, de garantir o acesso

privilegiado aos bens sociais [...] O poder de definir a identidade e de marcar a

diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a

diferença não são, nunca, inocentes (SILVA, 2009, p. 81).

O discurso se forma a partir de representações do mundo material, historicamente

relacionadas, de práticas sociais e de representações da própria prática social daqueles que o

materializam ao fazerem uso da linguagem. A prática discursiva estabelece um espaço de

construção de identidades, uma vez que enseja a representação de atores que são envolvidos

nos discursos em disputa, reforçando ou resistindo a um determinado discurso. Os textos são

materialidade de determinado discurso ou discursos, reforçando e buscando alcançar ou

manter uma hegemonia.

2.2 Estratégias linguístico-discursivas

Considerando que Richardson (2007) recorre a Reisigl e Wodak (2001) para utilizar a

noção de estratégias referenciais do texto, também nós buscamos nos estudos de Reisigl e

Wodak (2001) e Wodak e Meyer (2001, 2009) a metodologia de trabalho com estratégias

referenciais. Estratégias referenciais são descritas por esses autores como recursos linguístico-

discursivos presentes nos textos, como forma de os atores sociais manifestarem suas

experiências pessoais, opiniões e representações sociais, a fim de alcançar determinados

propósitos. Nesse sentido, Wodak e Meyer (2009) defendem que

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Talvez a Abordagem Histórica do Discurso (AHD) seja a mais linguisticamente

orientada entre as abordagens selecionadas neste volume [...]. Essa abordagem tenta

explicitamente estabelecer uma teoria do discurso, estabelecendo a ligação entre os

campos de ação (Girnth, 1996), gêneros, discursos e textos. Apesar de a AHD estar

alinhada à Teoria Crítica, a teoria social geral desempenha um papel menor em

comparação com o modelo de discurso e a ênfase na análise histórica: o contexto é

entendido como essencialmente histórico (W ODAK e MEYER, 2009, p. 26-27).

Ruth Wodak (2011, p. 149) esclarece que a AHD “provê um meio para olhar a

dinâmica do poder latente e a série de potenciais em sujeitos, pois integra e triangula

conhecimento sobre fontes históricas intertextuais e o background dos campos social e

político em que os eventos discursivos estão incorporados”. Essa relação do campo social

com a política deve ser observada de forma historicamente situada, a fim de se analisar as

estratégias discursivas empregadas conscientemente ou não pelos atores sociais.

Segundo a autora, a AHD leva em conta quatro camadas de contexto: a) “as relações

intertextuais e interdiscursivas entre enunciados, textos, gêneros e discursos”; nesse caso,

temos os gêneros editorial e artigo de opinião que mantêm entre si e outros textos de

diferentes meios grande intertextualidade, além de ambos colocarem em debate os diferentes

discursos em disputa por hegemonia. b) “As variáveis extralinguísticas sociais/sociológicas”,

que, nessa pesquisa, tratam-se das eleições de 2010 e a disputa presidencial. c) “A história e a

arqueologia dos textos e organizações” que levam em consideração as circunstâncias

institucionais de produção, como é o caso do tradicional e profundo envolvimento da mídia

no processo político brasileiro, conforme descrito por Lima (2004), principalmente o jornal O

Estado de S. Paulo, que tem apoiado abertamente certos partidos. d) “Os frames institucionais

do específico contexto de uma situação”, representados pelo apoio do Estado à eleição do

candidato Serra para a Presidência da República, declarado no editorial “O mal a evitar”.

Dessa forma, podemos entender como os discursos, os gêneros e os textos mudam em função

dos contextos sociopolíticos e com quais efeitos (WODAK, 2011, p. 149).

Para Reisigl e Wodak (2009), a AHD possibilita identificar o efeito das estratégias

discursivas específicas empregadas para representar indivíduos ou grupos, positiva ou

negativamente. Conforme Reisigl e Wodak (2001) e Wodak e Meyer (2001, 2009), podemos

entender estratégias como os recursos sistemáticos de uso da linguagem para determinado

propósito social. Segundo esses autores, as estratégias não podem ser observadas a partir de

uma visão simplista, determinista que considere os atores sociais totalmente responsáveis

pelas escolhas e efeitos das estratégias presentes em seus textos. Pode-se considerar que

estratégias são utilizadas com certos objetivos e interesses, mas não se pode pressupor que

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sejam totalmente planejadas ou instrumentalizadas, é preciso considerar as condições da

prática discursiva.

Esses recursos linguístico-discursivos vinculados a habitus22 (Cf. BOURDIEU, 2005),

constroem e reproduzem valores e significados, combinados às condições sociais e materiais

de produção dos textos, dadas as especificidades de cada gênero discursivo. Tendo em vista

que, pela sua natureza, as estratégias discursivas não são predeterminadas nem genéricas, os

diferentes estudos exploram, selecionam, adaptam e elegem determinadas estratégias como

categorias de análise a serem observadas nos textos. O foco em determinadas estratégias deve

atender às especificidades de cada objeto de pesquisa, e também aos objetivos da investigação

de cada pesquisador (cf. REISIGL e WODAK, 2009).

Ihnen e Richardson (2011, p. 41) concordam com Reisigl e Wodak (2001, 2009),

afirmando que, ao analisar estratégias discursivas, pode-se perceber como um indivíduo ou

um grupo é representado positiva ou negativamente. Estudos como os de van Leeuwen (1997,

2008), Norman Fairclough (2001, 2003), Reisigl e Wodak (2001, 2009), Wodak (2004),

Wodak et al (1999) e Wodak e Meyer (2009) argumentam que, no processo de representação,

os atores sociais realizam escolhas codificadas, disponibilizadas na língua, que podem ser

percebidas nos textos. Essas escolhas constroem identidades para os atores sociais a partir das

representações de outros atores ou grupos sociais inseridos na prática discursiva. Os

pesquisadores Wodak e Meyer (2009) reforçam esse mesmo entendimento acerca do processo

de representação social:

Atores sociais envolvidos no discurso não só usam as suas experiências e estratégias

individuais, eles baseiam-se principalmente em quadros coletivos de percepção,

chamados de representações sociais. Essas percepções socialmente compart ilhadas

formam a ligação entre o sistema social e o sistema cognitivo individual, e realizam

a tradução, homogeneização e coordenação entre as exigências externas e

experiência subjetiva (WODAK e MEYER, 2009, p 26).

A partir dos estudos desenvolvidos por Reisigl e Wodak (2001), Wodak e Meyer

(2009) e Ihnen e Richardson (2011), podem ser observadas estratégias linguístico-discursivas

exploradas pela AHD. De acordo com Ihnen e Richardson (2011, p. 41), a “AHD oferece

cinco tipos de estratégias discursivas que sustentam a inclusão/exclusão do eu/outro, e a

22

Habitus pode ser entendido como “sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas

estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias

características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 2005, p. 191). Em outras palavras, Pierre Bourdieu

(2005) se refere a habitus como práticas, representações, apreciações e valores sociais; uma forma de os

indivíduos se posicionarem frente às condições estruturais da vida em sociedade e em grupos sociais, ocorre,

assim, um “sentimento do seu lugar”, desse modo, os indivíduos se posicionam nas relações de poder e

reproduzem representações sociais hegemônicas (Cf. CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999 e LEMKE,

1995).

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construção de identidades”. Para os autores, “estratégia” diz respeito a um “(mais ou menos

preciso e mais ou menos intencional) plano de práticas, incluindo práticas discursivas,

adotadas para alcançar um objetivo social, político, psicológico ou linguístico em particular”

(IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 41). Segundo Wodak e Meyer (2009, p. 29), a AHD

concentra-se nas seguintes estratégias discursivas:

Estratégia referencial ou estratégia de nominação, em que os dispositivos

linguísticos de interesse são a categorização de membros (SACKS, 1992), as

metáforas e metonímias e sinédoques. Estratégias de predicação que aparecem em

atribuições estereotipadas de avaliação de traços positivos ou negativos e p redicados

implícitos ou explícitos. Estratégias de argumentação que se refletem em certos

topoi usados para justificar a inclusão ou a exclusão política. Estratégias de

perspectivação, enquadramento [framing] ou representação do discurso usam meios

de referência , descrição, narração ou citação de acontecimentos e enunciados. As

estratégias de intensificação e mitigação tentam intensificar ou atenuar a força

ilocucionária dos enunciados (Ng e Bradac, 1993) (WODAK e MEYER, 2009, p.

29).

O primeiro tipo de estratégia observado por Wodak e Meyer (2009) é descrito por

Ihnen e Richardson (2011) como “estratégias referenciais ou nominativas”. Por meio dessas

estratégias, os atores sociais são nomeados e, dessa forma, representados e posicionados

discursivamente (Ex.: Lula e seus bolchevistas; os soviéticos do PT; os comunas; um grande

intelectual de esquerda; o tucano; um homem sério; um ser vivo: Marina; a verde Marina -

Cf. Anexo 1 – Quadro 2). Nesse grupo de estratégias, são encontrados “dispositivos de

categorização de filiação mais ou menos explícitos, desde a nominalização aberta até a

metonímia, metáfora e sinédoque” (ibid., p. 41). Segundo Richardson e Jiwani (2011, p. 244),

“claramente estratégias referenciais trazem a marca de predicação”.

Reisigl e Wodak (2001) explicam que, no ato de nomear os atores sociais, estes são

representados como ingroups (integrantes de um grupo social) ou outgroups (não

pertencentes a determinado grupo). Segundo os autores, esse efeito pode ser produzido de

diferentes formas,

tais como dispositivos de categorização de adesão, incluindo referência por tropos,

biológico, metáforas e metonímias de naturalização e despersonalisação, bem como

por sinédoques sob a forma de a parte pelo todo (pars pro toto), ou do todo pela

parte (totum pro parte) (REISIGL e WODAK, 2001, p. 45).

Nesse primeiro caso, podemos entender, de acordo com Jan Blommaert, que

Além do significado referencial, os atos de comunicação produzem significado

indexical [sic.]: significado social, ligações interpretativas entre o que é dito e a

ocasião social em que está sendo produzido. Assim, a palavra „senhor‟ não se refere

apenas a um indivíduo do sexo masculino, mas indexa um status social particular e

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os relacionamentos de funções de deferência e cortesia vinculada por este status

(BLOMMAERT, 2005, p. 11).

As relações entre instituições e atores sociais que reproduzem um mesmo discurso

delimitam as representações e ideologias, que se fazem presentes em suas práticas textuais e

que dão forma aos gêneros discursivos disponíveis para as ações sociais. Nas palavras de

Blommaert:

Usuários da linguagem têm repertórios que contêm diferentes conjuntos de

variedades, e esses repertórios são o material por meio do qual eles se engajam na

comunicação (...). Como consequência, as pessoas não são inteiramente “livres”

quando comunicam, elas são constrangidas pelo conjunto e pela estrutura de seus

repertórios, e a distribuição de elementos de repertórios é desigual (BLOMMAERT,

2005, p. 15).

Conforme Richardson (2007, 18), “a análise de conteúdo pressupõe que se a palavra é

usada 20 vezes em um jornal e apenas duas vezes em um jornal diferente, isso é de

importância”, no entanto, nossa proposta de análise não é sobre o discurso em jornais

diferentes, mas como diferentes candidatos são representados em um mesmo jornal. Essa

proposta nos leva a considerar que, se um determinado candidato aparece tantas vezes mais

que outros, isso é relevante, podendo ser um indicador do comprometimento do jornal ou do

articulista na representação desses candidatos. Nesse caso, se estratégias referenciais ou

nominativas são empregadas repetidamente, haverá um efeito argumentativo que representa a

estratégia de intensificação da força ilocucionária dos enunciados.

Richardson (2007) nos permite o entendimento de que a maneira como as pessoas são

nomeadas durante o texto jornalístico por meio de estratégias referenciais ou nominativas

pode ter um impacto significativo sobre a forma como elas serão vistas, o que sugere efeitos

sociais das representações encontradas pelos leitores nos jornais. Richardson esclarece que

Todos nós possuímos simultaneamente uma gama de identidades, papéis e

características que poderiam ser usadas para nos descrever igualmente com precisão,

mas não com o mesmo significado. A maneira pela qual os atores sociais são

nomeados identifica não apenas o(s) grupo(s) com os quais estão associados (ou,

pelo menos, os grupos com os quais o falante/escritor quer que eles sejam

associados), isso pode também indicar a relação entre aquele que nomeia e o

nomeado (RICHARDSON, 2007, p. 49, grifo nosso).

Schiffrin (2006) desenvolve sua pesquisa sobre processos individuais e sociais na

formação e representação de identidades e, para a autora,

Uma das tarefas fundamentais da fala é a referência a alguma coisa no mundo - uma

pessoa, lugar, coisa - de uma forma que não só irá capturar o nosso próprio

entendimento do que alguma coisa é, mas também permitirá aos nossos ouvintes

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reconhecer adequadamente aquilo sobre o que estamos falando. Tão central é esta

tarefa que Brown (1995: 62) at ribui prioridade para a referência na compreensão da

linguagem: 'a característica mais importante de cada enunciado, a característica que

o ouvinte deve minimamente compreender, a fim de começar a entender o

enunciado, é a expressão usada para identificar sobre o que o orador está falando'

(SCHIFFRIN, 2006, p. 103).

Dessa forma, a autora mostra que “os substantivos e pronomes que evocam as figuras -

„sobre quem estamos falando‟ em um mundo textual - também podem tomar o seu lugar

dentro dos recursos semióticos que fornecem importantes informações sobre „quem somos‟,

quando estamos falando uns com os outros dentro do mundo social” (SCHIFFRIN , 2006, p.

125). Este entendimento aponta que a estratégia referencial ou nominativa presente nos

artigos e no editorial, pode indicar também o posicionamento dos atores sociais envolvidos,

em relação ao discurso de apoio a José Serra.

O segundo grupo de estratégias é formado pelas “estratégias predicacionais”. Por meio

desse tipo de estratégias, os atores sociais, indivíduos vinculados a determinado grupo ou um

grupo em si, como grupos sociais ou instituições, “são linguisticamente caracterizados através

de predicações” (Ex.: clone Dilma (que ama a ex-Erenice, seu braço direito há 15 anos);

Serra também estava, falando, de presidente da UNE - Cf. Anexo 1 – Quadro 3). Nesse

grupo, são encontradas formas de “atribuições avaliativas de traços negativos e positivos na

forma linguística de predicados implícitos ou explícitos” (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p.

41), que resultam na “categorização de atores sociais, processos, coisas etc., de uma maneira

mais ou menos positiva ou negativa” (ib id., loc cit).

Para Ihnen e Richardson (2011), o terceiro grupo compreende “estratégias de

argumentação”, e nesse caso específico, os pesquisadores Reisigl e Wodak (2001) dão grande

atenção aos topoi23, por meio dos quais, segundo Ihnen e Richardson (2011, p. 41),

“atribuições positivas e negativas são frequentemente justificadas”, muitas vezes, com

“argumentos quase racionais” (Ex.: Assim como foi com Jango, agora precisam do Lula. São

as mesmas besteiras de pessoas que ainda pensam como nos anos 60 e, pior, anos 40 - Cf.

Anexo 1 – Quadro 4). Topoi são ideias-chave generalizadas que produzem declarações ou

argumentos específicos. Dessa forma, certos topoi são usados para “justificar a inclusão ou a

exclusão política”, na tentativa de legitimar posições discursivas, proporcionando, conforme

23

“Reisigl e Wodak (2001) definem topoi como partes da argumentação que pertencem às premissas obrigatórias

de um argumento, explícitas ou tácitas. Topoi são as garantias para inferir conteúdos, ou „regras de conclusão‟

que conectam o argumento ou argumentos à conclusão ou à ideia central. Dessa forma, eles justificam a

transição do argumento ou dos argumentos para uma conclusão: topoi são, portanto, centrais para a análise de

argumentos falaciosos aparentemente convincentes que são amplamente adotados em todos os discursos

políticos (KIENPOINTNER, 1996, p. 562). [...] o conceito de topoi pode também ser adequadamente empregado

quando se analisa a ficção” (WODAK, 2011, p. 150).

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Wodak e Meyer (2009, p. 29), “lugares comuns” ou a naturalização, em vez de evidências

concretas. Na AHD a argumentação é apresentada como uma estratégia-chave do discurso

(IHNEN e RICHARDSON, 2011).

No quarto grupo, Ihnen e Richardson (2011), afirmam que o foco recai sobre

“estratégias de perspectivação, enquadramento [framing] ou representação do discurso” (p.

41) (Ex.: Vejo, assustado, que querem substituir o patrimonialismo "burguês" pelo

sindicalista...; Nunca vi uma campanha tão desagregada, uma campanha antiga, analógica

numa época digital - Cf. Anexo 1 – Quadro 5). Para os autores, enquadramento é um recurso

por meio do qual os “falantes expressam o seu envolvimento no discurso e posicionam o seu

ponto de vista no relato, descrição, narração ou citação de eventos relevantes ou enunciados”

(ibid., p. 41).

As estratégias podem ser combinadas buscando: primeiro, nomear os atores sociais e,

dessa forma, representá- los e posicioná- los discursivamente em grupos, para, em seguida,

caracterizá- los por meio de predicações com uma descrição avaliativa, a partir de traços

negativos ou positivos implícitos ou explícitos e, por fim, justificar, legitimar e naturalizar

essas posições discursivas. É principalmente nesse processo que se dá a construção de

identidades nos textos em análise. Observar a estratégia de perspectivação será interessa nte

para percebermos o envolvimento do Estado e do articulista na prática discursiva.

O quinto grupo é composto por “estratégias de intensificação e atenuação [mitigação]”

(ibid., p. 41). Segundo Ihnen e Richardson (2011), essas estratégias qualificam e modificam o

“status epistêmico de uma proposição pela intensificação ou atenuação [mitigação] da força

ilocucionária dos enunciados” (ibid., p. 41).

As cinco estratégias descritas combinam-se muitas vezes de forma inseparável, e, em

se tratando de intensificação ou mitigação da força ilocucionária dos enunciados, deve-se ter

em mente que é justamente essa força ilocucionária que faz dos enunciados argumentos,

combinando-se a referências e predicações. Mari e Mendes (2008) recorrem a Van Eemeren e

Grootendorst (1984), para explicar que:

a formulação de Van Eemeren e Grootendorst (1984) sobre a argumentação como

um ato de fala complexo[...]. Segundo eles, ao expressar suas intenções através da

fala ou da escrita, os interlocutores realizam vários tipos de atos de fala. [...]

Entender um ato de fala é um “efeito comunicativo” que é obje tivado pelo locutor,

que busca alcançar também um “efeito interacional”, o qual consiste em fazer com

que o interlocutor aceite ou concorde com o ato de fala enunciado. Existe uma certa

transitividade entre esses dois tipos de efeito, no sentido de que a „aceitação‟ de um

ato pressupõe algum grau de „compreensão‟ desse mesmo ato. [...] o ato de

argumentar envolve geralmente a realização de mais de uma força ilocucional

elementar. [...] a conquista da aceitabilidade do ato por parte do interlocutor, ou

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ainda, a persuasão deste último é o que está em questão, em última análise (MARI e

MENDES, 2008, p. 98)

Ante a sobreposição de estratégias discursivas, ao compor os quadros com os

enunciados encontrados no material de análise, o quadro para o quinto grupo de estratégias

deveria trazer praticamente todo o conteúdo das quatro estratégias anteriores, o que não é

metodologicamente adequado. Portanto, ao nos concentrarmos na sequência de estratégias

que se combinam para, primeiro, nomear os atores sociais, em seguida, caracterizá-los e, por

fim, justificar as nomeações e caracterizações, estaremos considerando também a força

ilocucionária dos enunciados. As estratégias de perspectivação serão consideradas, a fim de

verificarmos o comprometimento dos atores sociais com suas práticas discursivas, o que, não

raro, configura estratégia de intensificação.

Segundo Richardson e Jiwani (2011), a análise da argumentação deve examinar as

estratégias de intensificação e mitigação. Os autores esclarecem que esse grupo de estratégias

pode se manifestar por meio da ênfase em determinadas palavras. Nesse sentido, os autores

citam Reisigl e Wodak (2001) para explicar que a intensificação pode ser sinalizada, por

exemplo, com a repetição de expressões. Para os autores, o envolvimento do locutor

pode ser expresso por meio de marcadores de intensidade, tais como partículas de

ênfase ("realmente", "muito", "absolutamente", "apenas")‟ (Ibid.), ou, por outro

lado, através de partículas de mit igação e atenuação ('duvidosamente',

'questionavelmente', 'trivial', 'insuficiente'). Estas estratégias podem ser um aspecto

importante do discurso na medida em que objetivam intensificar ou atenuar o seu

conteúdo ideacional e, com isso, ajudar a construir uma identidade particular (talvez

"não-racista") para o falante ou escritor (RICHARDSON e JIWANI, 2011, p. 245).

Sobre as estratégias descritas, Ihnen e Richardson (2011), esclarecem que dessa forma,

a AHD contextualiza os textos em relação a outros discursos, buscando, para isso, pontos de

referência social, institucional, histórica e política. Percebemos que a análise do material, a

partir da perspectiva da AHD, permitirá verificar a quais discursos e pontos de referência

social e institucional os textos de Jabor se relacionam. Wodak e Meyer (2009) também

reforçam que

Esta metodologia tem como objetivo ser abdutiva, porque as categorias de análise

são primeiramente desenvolvidas de acordo com as questões de investigação, e um

movimento constante de ida e volta entre teoria e dados empíricos é sugerido. O

contexto histórico é sempre analisado e integrado na interpretação, embora não haja

nenhum procedimento rigoroso para esta tarefa (WODAK e MEYER, 2009, p. 29).

Seguindo as orientações de Reisigl e Wodak (2001) e Wodak e Meyer (2001, 2009),

estabelecemos como categorias de análise as estratégias linguístico-discursivas já delimitadas,

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uma vez que acreditamos que as mesmas ocorrem em grande medida nos textos em análise e

podem proporcionar a elucidação das questões levantadas acerca da construção de

identidades. A partir dos aspectos observáveis em cada estratégia, poderemos descrever o

processo de construção de identidades para José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva.

Associando estratégias linguístico-discursivas aos modos de operação da ideologia,

que são operacionalizados por “estratégias de construção simbólica” (THOMPSON, 1995),

poderemos ampliar o alcance da análise, haja vista que “estudar a ideologia é estudar as

maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de poder” (THOMPSON,

1995, p. 76). A articulação das estratégias discursivas para a construção do texto, a fim de

quaisquer propósitos, é permeada de forma intrínseca por ideologias que buscam a hegemonia

e a manutenção de relações de poder, no caso em apreço, do poder político principalmente.

Ihnen e Richardson (2011, p. 39) consideram que “a linguagem é uma prática social

que, como todas as práticas, é dialeticamente relacionada aos contextos de seu uso”, por isso,

os autores concordam que “falar e escrever sempre representa, produz e reproduz atitudes,

crenças, opiniões e ideologias” (HEER e WODAK, 2008 24 apud IHNEN e RICHARDSON,

2011, p. 39). Dessa forma, depreende-se que ideologias são inerentes às práticas discursivas e,

por conseguinte, estão imbricadas nas estratégias linguístico-discursivas presentes nos textos

em lide.

Para organizar os dados encontrados nos artigos de Arnaldo Jabor e no editorial do

jornal O Estado de S. Paulo, serão elaborados quadros comparativos para as estratégias

linguístico-discursivas descritas, conforme o seguinte modelo:

Quadro 1 – Modelo de Quadro Comparativo:

Dilma Rousseff José Serra Marina Silva

Editorial “O mal

a evitar”

Estratégias linguístico-

discursivas

Estratégias linguístico-

discursivas

Estratégias linguístico-

discursivas

Artigos de

Arnaldo Jabor

Estratégias linguístico-

discursivas

Estratégias linguístico-

discursivas

Estratégias linguístico-

discursivas

24

HEER, H.; WODAK, R. Introduction: Collective Memory, National Narrat ives and the Politics of the Past. In:

HEER, H.; MANOSCHEK, W.; POLLAK, A.; WODAK, R. (Eds.). The Discursive Constructi on of History:

Remembering the Wehrmacht‟s War of Annihilat ion. Basingstoke: Palgrave, 2008. p.1 -13.

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Organizando os dados dessa forma, em quadros comparativos, será possível verificar

as relações: 1) entre os gêneros, editorial e artigos de opinião; 2) entre os candidatos; 3) entre

as estratégias discursivas. Cada tabela será analisada com foco sobre as estratégias discursivas

encontradas nos textos, considerando, ainda, os modos de operação da ideologia

operacionalizados pelas “estratégias de construção simbólica” (THOMPSON, 1995).

A partir da observação desses quadros comparativos, será possível verificar: a) quais

estratégias são mais frequentes nas referências a cada candidato; b) como as estratégias são

construídas por meio de escolhas e relações lexicais na composição dos enunciados; c) como

cada candidato é representado no editorial e nos artigos; d) como os artigos de Arnaldo Jabor

se posicionam em relação a cada candidato, considerando a declaração de apoio a José Serra

manifestada no editorial “O mal a evitar”; por fim, e) como o jornal e o articulista constroem

identidades para os candidatos, por meio das estratégias discursivas presentes nos textos.

2.3 Modos de operação da ideologia

O uso da linguagem, que representa uma prática social, implica questões de ordem

econômica, política, cultural e ideológica (FAIRCLOUGH, 2003). Na análise de estratégias

discursivas do texto, a noção de ideologia permeia todo o trabalho de seleção e interpretação

dos dados. Assim, o conceito de ideologia é caro para esse estudo, uma vez que se trata de um

contexto de disputas por poder e por hegemonia, não apenas política, mas também discursiva.

Ideologia foi objeto dos estudos de Bakhtin e seu Círculo, que trouxeram para a

filosofia da linguagem elementos necessários para o entendimento desse complexo conceito.

Em se tratando do uso da linguagem, o autor argumenta que a língua é a “realidade material

específica da criação ideológica” (BAKHTIN, 1997, p. 25) e, segundo o mesmo autor, “as

palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos [...] É, portanto, claro que a

palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais” (p.41).

Para Bakhtin (1997), a lógica da comunicação ideológica se faz presente desde o signo

até a consciência individual ou de grupo, nas interações sociais. Segundo o mestre russo,

Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada.

A imagem, a palavra, o gesto significante etc., constituem seu único abrigo. Fora

desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência,

desprovido do sentido que os signos lhe conferem (BAKHTIN, 1997, p. 35).

Bakhtin (1997) entende que nas relações de interação sempre há um destinatário já

esperado, o que determina o repertório de enunciados relativamente estáveis que deverá

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compor os textos. Nesse sentido, as práticas textuais do jornal Estado reproduzem

determinado repertório, “refletindo ideologicamente” a estrutura e os objetivos da campanha

de José Serra, que se alinham aos interesses do próprio jornal. Esse repertório de enunciados é

determinado por estereótipos ideologicamente construídos que se tornam hegemônicos na

construção da realidade social que atende aos interesses do grupo social dos partidários de

José Serra, no qual o Estado se insere. O autor esclarece que

Só se pode falar de fórmulas específicas, de estereótipos do discurso da vida

cotidiana quando existem formas de vida em comum relat ivamente regularizadas,

reforçadas pelo uso e pelas circunstâncias. [...] A fórmula estereotipada adapta-se,

em qualquer lugar, ao canal de interação social que lhe é reservado, refletindo

ideologicamente o tipo, a estrutura, os objetivos e a composição social do grupo

(BAKHTIN, 1997, p. 130).

Na perspectiva de Norman Fairclough, a partir de uma leitura crítica de Althusser,

ideologias são

significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as

identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos

das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução ou a

transformação das relações de dominação [...] As ideologias embutidas nas práticas

discursivas são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem status de

senso comum (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117).

Para Fairclough (2003), a ideologia pode ser entendida como representações sociais,

de mundo e de relações de poder, e podem contribuir para o estabelecimento, manutenção ou

mudança de poder nas disputas pela hegemonia. Segundo Fairclough (1989), na medida em

que os efeitos da ideologia e sua presença nas ações dos sujeitos passam despercebidas, mais

efetiva será a ideologia nas relações de poder, e, assim, os sujeitos sociais permanecem

reproduzindo acriticamente o senso comum, o status quo que reforça e mantém hegemonias.

De outro modo, acaso nos tornemos “conscientes de que um determinado aspecto do senso

comum sustenta desigualdades de poder, aquele aspecto deixa de ser senso comum e pode

perder a potencialidade de sustentar desigualdades de poder, isto é, de funcionar

ideologicamente” (FAIRCLOUGH, 1989, p.85).

Ao abordar discurso e ideologia nas relações de poder, Fairclough (2001) considera

poder como hegemonia e as relações de poder como lutas hegemônicas. Nesse sentido,

Fairclough desenvolve o seguinte conceito para hegemonia:

Hegemonia é liderança tanto quanto dominação nos domín ios econômico, polít ico,

cultural e ideológico de uma sociedade. Hegemonia é poder sobre a sociedade como

um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em

aliança com outras forças sociais, mas nunca atingido senão parcial e

temporariamente, como um „equilíbrio instável‟. Hegemonia é a construção de

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alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes

subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu

consentimento (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122).

Segundo Fairclough (2001), nas relações de poder, um discurso hegemônico pode ser

produzido, reproduzido, contestado e transformado, resultando em mudanças sociais. Para o

autor, hegemonia deve ser vista como uma disputa em constane desequilíbrio, em um

processo constante de articulação, desarticulação e rearticulação de práticas sociodiscursivas.

Para John B. Thompson (1995), o conceito de ideologia associado aos meios de

comunicação, deve levar em conta o modo como o sentido é mobilizado numa articulação

entre as formas simbólicas e as relações de poder, para estabelecer e sustentar um discurso

hegemônico ou posições de dominação social. Dessa forma, Thompson desenvolve sua

abordagem à ideologia, a partir de três noções basilares: a noção de sentido, o conceito de

dominação e “as maneiras como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar relações de

poder” (ibid., 76).

Thompson (1995) faz referência a intelectuais como Destutt de Tracy, Marx, Engels,

Lenin, Lukács, Karl Mannheim, Weber, Horkheimer, Adorno, Habermas, entre outros,

revendo o desenvolvimento do conceito de ideologia, numa análise crítica, para formular sua

proposta teórica que reúne aspectos metodológicos utilizados na abordagem desse conceito.

O autor considera que os sujeitos sociais, ao serem posicionados nas relações de poder

em algum contexto social, são levados a determinadas escolhas, mediante os recursos e

informações que lhes são disponibilizados. Desse modo, o sentido pode servir para

estabelecer e sustentar relações assimétricas de poder, relações de dominação. Thompson se

refere ao termo “dominação”, que, segundo ele, pode ocorrer:

[...] quando relações estabelecidas de poder são “sistematicamente assimétricas”,

isto é, quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira

permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes, ou

a grupos de agentes, independentemente da base sobre a qual tal exclusão é levada a

efeito (THOMPSON, 1995, p. 80).

Thompson (1995) esclarece também que “fenômenos ideológicos são fenômenos

simbólicos significativos desde que eles sirvam, em circunstâncias sócio-históricas

específicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação” (ibid., p. 75). Nesse sentido,

Thompson (1998) entende que a construção identitária envolve a articulação de significados e

ideologias enquanto sentidos a serviço do poder, nos discursos da mídia. Entendemos, assim,

que a ideologia, em diferentes modos de operação, combina-se a estratégias discursivas que

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buscam a inclusão/exclusão do eu/outro, e a construção de identidades (IHNEN E

RICHARDSON, 2011), a fim de alcançar hegemonia e manter relações de dominação.

É importante salientar que, ao buscar em Thompson (1995) a ancoragem para analisar

os modos de operação da ideologia em nosso objeto de pesquisa, reconhecemos a extensa

discussão realizada sobre o tema ideologia, mas é no estudo de Thompson (1995) que

encontramos a metodologia que atende a nossa proposta, combinando-se adequadamente às

estratégias linguístico-discursivas que verificamos nos textos analisados.

Outros autores, como István Mészáros, debruçaram-se sobre a presença da ideologia

nas estruturas das relações sociais. Com certa inclinação lukacsiana, Mészáros entende que “a

ideologia não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma

forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada” (MÉSZÁROS,

2004, p.65). Para o autor, os valores intrínsecos das ideologias estão presentes em todas as

relações sociais, sendo percebida ou não, operando na sustentação de formas estruturadas de

dominação. Segundo o autor,

[...] em nossas sociedades tudo está “impregnado de ideologia”, quer a percebamos,

quer não. Além d isso, em nossa cultura liberal-conservadora o sistema ideológico

socialmente estabelecido e dominante funciona de modo a apresentar – ou desvirtuar

– suas próprias regras de seletividade, preconceito, discriminação e até distorção

sistemática como “normalidade”, “objetividade” e “imparcialidade científica”

(MÉSZÁROS, 2004, p. 57).

É importante reconhecer que os estudos de Mészáros e de Thompson destoam em

alguns aspectos. Para Thompson, ideologia é sentido a serviço do poder, sendo uma forma de

estratégia de manutenção dos grupos hegemônicos. Por outro lado, Mészáros reconhece mais

abertamente a relevância de forças contra-hegemônicas, apontando outras formas de ideologia

que ocupam espaço na disputa pelo poder. Mészáros considera estas formas como ideologias

emancipatórias. Para o autor, a ideologia emancipatória “questiona a viabilidade histórica da

própria sociedade de classe, propondo, como objetivo de sua intervenção prática consciente, a

superação de todas as formas de antagonismo de classe” (MÉSZÁROS, 2004, p. 68).

Thompson (1995) entende que o objetivo de seu trabalho não é resumir um conjunto

de procedimentos para observar como os sentidos estabelecem e sustentam as relações de

dominação, mas, sim, desenvolver a discussão sobre um assunto que tem produzido diferentes

linhas de análise, preparando importantes reflexões a serem trabalhadas. Segundo o autor, os

modos de operação da ideologia podem ocorrer de forma combinada, sobrepondo-se ou

reforçando uns aos outros. Ademais, Thompson esclarece que os modos descritos por ele não

são os únicos possíveis, segundo o autor, a ideologia pode operar de forma diferente em

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diversas situações. Dessa forma, John B. Thompson (1995) descreve cinco modos de

operações gerais da ideologia, legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e

reificação, relacionando-os a várias estratégias de construção simbólica.

Segundo o autor, por meio da legitimação, a ideologia opera representando as relações

de dominação para serem tomadas pelos indivíduos como justas e dignas de serem exercidas.

Nesse caso, determinadas estratégicas de construção simbólica são desenvolvidas, a fim de

legitimar e manter as posições de sujeitos nas relações de poder e dominação. A estratégia de

racionalização é desenvolvida na forma de uma cadeia de raciocínios ou uma sequência de

argumentos que buscam justificar e validar as relações sociais e as posições dos sujeitos e

instituições sociais nessas relações. Dessa forma e com certo apelo à legalidade das regras,

busca-se legitimar as relações sociais de sujeitos e instituições sociais.

Outra estratégia de construção simbólica que busca a legitimação das relações é a

universalização, pela qual interesses individuais são representados como interesses coletivos,

interesses comuns a todos. A narrativização é uma estratégia que explora a construção de

narrativas sobre eventos que ganham aspectos de tradições, sendo apresentados de forma que

pareçam eternos, permanentes, devendo, portanto, ser aceitos. Nas palavras do autor, essa

estratégia é desenvolvida para “tratar o presente como parte de uma tradição eterna e

aceitável” (THOMPSON, 1995, p. 83).

Thompson busca, a partir de Max Weber, esclarecer de que forma ocorre a

legitimação. Citando o filósofo, o autor apresenta três tipos de fundamentos presentes na

legitimação das relações de poder:

[...] Weber distinguiu três tipos de fundamentos sobre os quais afirmações de

legitimação podem estar baseadas: fundamentos racionais (que fazem apelo à

legalidade de regras dadas), fundamentos tradicionais (que fazem apelo à sacralidade

de tradições imemoriais) e fundamentos carismáticos (que fazem apelo ao caráter

excepcional de uma pessoa individual que exerça autoridade) (THOMPSON, 1995,

p. 82).

Na dissimulação, ideologias operam, ocultando, negando ou obscurecendo as relações

de poder e dominação que, desse modo, são reproduzidas, sustentadas e mantidas. As

estratégias de construção simbólica desenvolvidas nesse modo de operação da ideologia são:

o deslocamento, em que termos geralmente utilizados em referência a determinadas pessoas

ou objetos são empregados para se referir a outros, os quais então adquirem diferentes

conotações, ao se transferirem valores positivos e/ou negativos de uns para os outros; a

eufemização, que ocorre mediante uma descrição com valoração positiva para as ações, os

sujeitos, instituições ou relações sociais; e o tropo, que se dá na forma de figuras de

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linguagem, principalmente a sinédoque, a metonímia e a metáfora, com a finalidade de

dissimular as relações de poder.

A unificação é um modo pelo qual a ideologia opera com a estratégia de construção

simbólica de unidade entre indivíduos, construindo numa identificação coletiva, em que são

apagados os aspectos que os separam. Nesse caso, ocorrem as estratégias de : padronização –

estandardização, em que “formas simbólicas são adaptadas a um referencial padrão, que é

proposto como um fundamento partilhado e aceitável de troca simbólica (THOMPSON, 1995,

p. 86); e a simbolização de unidade, ou seja, construção e difusão de “símbolos de unidade, de

identidade e de identificação coletivas” (ibid., p. 86).

O modo de operação da ideologia manifestado pela fragmentação é uma forma de

segmentar, de separar os indivíduos ou grupos que representem alguma ameaça a atores

sociais, instituições ou mesmo à estrutura das relações de poder e a forças ou interesses

dominantes. Nesse modo, ocorre a fragmentação da identidade coletiva pela qual atores

sociais são reconhecidos. As estratégias de fragmentação ocorrem na diferenciação de grupos

e de atores sociais, destacando-se suas diferenças e particularidades, a fim de dificultar ou

impedir que os mesmos exerçam algum poder; e no expurgo do outro, com a construção de

uma imagem de inimigo para a sociedade, ou seja, a atribuição de valores negativos,

representações de sujeito como uma ameaça à qual se deve resistir, ocorre, assim, uma ênfase

das deficiências ou a depreciação de aspectos físicos, morais ou sociais. Na fragmentação,

“relações de dominação podem ser mantidas não unificando as pessoas numa coletividade,

mas segmentando aqueles indivíduos e grupos que possam ser capazes de se transformar num

desafio real aos grupos dominantes” (ibid., p. 86-87).

A reificação: (Eliminação/ocultação do caráter sócio-histórico de um fenômeno) modo

de representar situações transitórias, sociais, históricas, como se fossem permanentes, naturais

e atemporais. São quatro as estratégias ligadas a esse modo: a naturalização (Criação social e

histórica é tratada como natural ou aceitável); a eternalização (Fenômenos sociohistóricos são

tratados como permanentes, eternos); a nominalização e a passivação (Ações e atores sociais

são apagados dos processos). Com a reificação, ideologias operam, transformando relações de

dominação em entidades, processos são representados como coisas. Da mesma forma, eventos

e condições históricas, que são naturalmente momentâneas ou transitórias passam a ser

representados de maneira eternizada, atemporal, contínua. Na reificação, mediante a estratégia

de naturalização, “um estado de coisas que é uma criação social e histórica pode ser tratado

como um acontecimento natural ou como um resultado inevitável de características natura is”

(ibid., p. 86).

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Com a eternalização, determinados “costumes, tradições e instituições que parecem

prolongar-se indefinidamente em direção ao passado [...] adquirem, então, uma rigidez que

não pode ser facilmente quebrada” (ibid., p. 86), assim, fenômenos são representados como

“permanentes, imutáveis e recorrentes” (ibid., p. 88). A nominalização é a estratégia de

construção simbólica em que enunciados ou expressões que geralmente indicam ações são

utilizados como nomes, ou substantivos, adquirindo um status ou sentido de coisa. A terceira

estratégia para a reificação é a passivização, que ocorre por meio do emprego da voz passiva

na elaboração de enunciados, produzindo o apagamento dos sujeitos e de suas ações,

apresentando os acontecimentos sem citar os atores que praticam a ação.

Observando os modos de operação da ideologia, ampliamos a análise dos efeitos das

estratégias discursivas presentes no editorial e nos artigos de Arnaldo Jabor.

2.4 Atores sociais envolvidos na disputa pela hegemonia política e discursiva

No contexto de nosso material de análise, alguns atores sociais têm grande destaque,

tendo em vista o envolvimento no processo de construção de identidades. Dilma, Serra e

Marina são foco dos textos analisados, por meio dos quais os candidatos são inseridos em um

processo de construção de identidades marcadas por representações, nomeações, predicações,

legitimações, unificações, reificações, a partir de um modelo simbólico de estereótipos

daquele contexto sociopolítico e histórico.

Nesse estudo, outros atores sociais ganham destaque: Arnaldo Jabor, autor dos artigos

de opinião em apreço, e o próprio jornal O Estado de S. Paulo, enquanto instituição e suporte

dos artigos e do editorial “O mal a evitar”.

Os artigos de Jabor, ao tratarem sobre as eleições e os principais candidatos, são

elaborados a partir de estratégias de construção simbólica e estratégias linguístico-discursivas

que se desenvolvem por meio de: referenciações, percebidas, por exemplo, na formação de

grupos, nomeando e reunindo os atores sociais que, segundo o colunista, se alinham a

determinado candidato; predicações que narrativizam, legitimam e reificam determinados

significados e valores presentes na representação dos candidatos; e justificações de

nomeações e predicações que ganham força ilocucional na construção dos argumentos que

expressam seu posicionamento diante dos discursos em disputa pela hegemonia.

Textos jornalísticos fazem uso político de nomes e apelidos para se referirem a

personalidades importantes, a fim de construir uma opinião pública a favor ou contra estes

atores sociais (RAJAGOPALAN, 2003). É importante perceber que esses nomes e apelidos

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são destacados de representações sociais para ganhar evidência no texto, chamando a atenção

do leitor para “atribuições estereotipadas de avaliação de traços positivos ou negativos”

(WODAK e MEYER, 2009, p. 29) empregadas no processo de construção de identidades para

os candidatos. Essas nomeações, muitas vezes, estabelecem a intertextualidade entre os textos

e contextos em que determinadas expressões são comuns e os artigos do colunista.

Atendendo ao proposto pela AHD, verificamos importantes dados do contexto sócio-

histórico e político, que surgem nos textos de Arnaldo Jabor, compondo as estratégias

discursivas. Os artigos de opinião em análise exploram estereótipos, comportamentos, fatos

relacionados aos candidatos e àqueles que compõem os grupos organizados pelo colunista,

dando forma a estratégias discursivas e à construção simbólica de significados.

O processo de construção de identidades alimentado pelos textos de Jabor é marcado

pelos modos de operação da ideologia, o que se pode perceber nas contraposições

estabelecidas pela marcação simbólica de identidades confrontadas com outras identidades

(RAJAGOPALAN, 2003). Ao confrontar identidades por meio de diferenciações, as

estratégias de construção simbólica (THOMPSOM, 1995) posicionam os sujeitos, resultando

em identidades construídas mediante a marcação da diferença. Assim, a diferença que

estabelece a identidade ocorre por meio de formas de exclusão social e sistemas simbólicos de

representação (RAJAGOPALAN, 2003). Dessa forma, os significados construídos pelo

embate discursivo promovido pelo colunista “recrutam” (WOODWARD, 2011) os candidatos

como sujeitos, e, assim, os candidatos são sujeitados às relações de poder da disputa pela

hegemonia discursiva (WOODWARD, 2011).

Algumas informações sobre os candidatos podem elucidar o procedimento de

construção simbólica que interage com estratégias linguístico-discursivas, as quais se

combinam na construção de identidades para os candidatos.

Encontram-se, nos textos em análise, referências a características físicas, religião,

fatos marcantes da vida dos candidatos, entre muitas outras. Vejamos algumas informações

sobre os candidatos, a partir das quais estes são representados nos textos de Jabor.

Dilma Vana Rousseff, que se candidatou a presidente, pelo PT, na eleição de 2010, é

mineira nascida em Belo Horizonte. Seu pai, de origem búlgara, mas naturalizado brasileiro,

era advogado e foi filiado ao Partido Comunista da Bulgária. Dilma formou-se em Economia

pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1977. Ainda jovem, diante do golpe

militar de 1964, Dilma apoiou movimentos socialistas, participando de grupos organizados

que enfrentavam o regime militar com a luta armada. Dilma integrou grupos como o COLINA

- Comando de Libertação Nacional, a VAR-Palmares - Vanguarda Armada Revolucionária

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Palmares e o POLOP - Política Operária. Ficou presa entre 1970 e 1972, na Oban (Operação

Bandeirante) e no DOPS, onde foi torturada. Dilma militou ao lado de nomes como José

Aníbal, Carlos Lamarca e Apolo Heringer.

Durante o governo de Lula, Dilma foi ministra de Minas e Energia e Ministra-chefe da

Casa Civil, trabalhando ao lado de Antônio Palocci e José Dirceu, entre outros envolvidos no

escândalo denominado pela mídia como “mensalão”. Sua candidatura teve início oficialmente

em 13 de junho de 2010, tendo como vice Michel Temer do PMDB de São Paulo.

O partido de Dilma, o PT, tradicionalmente de esquerda, é identificado por bandeira

vermelha com uma estrela branca no centro, onde está escrita a sigla.

O único candidato que representava alguma ameaça à eleição de Dilma era José Serra,

o qual disputou com a candidata o segundo turno. José Serra é natural de São Paulo/SP, filho

de imigrantes italianos, e estudou Engenharia Civil na Universidade de São Paulo.

A carreira política de José Serra começa realmente em 1963, quando se torna

presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE. Em 1964, com o golpe militar contra o

então presidente João Goulart, Serra vai morar no Chile, onde permaneceu até o golpe militar

de Augusto Pinochet contra Salvador Allende, presidente que desenvolvia um projeto

democrático de governo socialista. Serra morou também nos Estados Unidos, concluindo

doutorado em Economia pela Universidade de Cornell. Em 1978, Serra retornou para o Brasil.

José Serra assumiu vários cargos políticos em São Paulo, como Secretário de

Economia e Planejamento do Governo de Franco Montoro, em 1983, Deputado Federal em

1990 e Senador por São Paulo, em 1995. Serra foi Ministro do Planejamento, entre 1995 e

1996, e Ministro da Saúde, entre 1998 e 2002, nos dois governos do presidente Fernando

Henrique Cardoso. Em 2002, concorreu à Presidência da República sendo derrotado por Lula

no segundo turno. José Serra foi eleito Prefeito de São Paulo em 2004 e Governador do

Estado de São Paulo em 2006, renunciando em 2010 para concorrer à eleição para Presidente.

Após a derrota nas eleições de 2010, em 13 de abril de 2011, José Serra volta a escrever para

o Estado de S. Paulo, publicando artigos na seção “Política”25

do portal Estadão.com e na

seção “Espaço Aberto”, página A2, do Estado.

Serra foi um dos fundadores do movimento Ação Popular (AP) e também do partido

ao qual ainda é filiado, o PSDB, fundado em 1988. O PSDB, partido de direita, é representado

por uma bandeira azul, tendo como símbolo um tucano.

25

Cf. SERRA, José. „Acredito no poder da razão e das ideias‟. Po lít ica, Estadão. 13 abr. 2011. Disponível em:

<http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,acredito-no-poder-da-razao-e-das-ideias,705933,0.htm> Acesso

em: 05 jul. 2013.

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A terceira candidata mais votada nas eleições de 2010, e que recebeu alguma atenção

por parte do colunista foi Marina Silva. Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima nasceu

em 1958, em Breu Velho, comunidade de trabalhadores do Seringal Bagaço, no Acre, de uma

família de nordestinos. Marina não representou grande ameaça à campanha de Dilma

Rousseff. No entanto, sua projeção, no final da campanha de primeiro turno, tirou muitos

votos de Dilma, levando José Serra e Dilma Rousseff a uma disputa em segundo turno, fato

que foi comentado por Arnaldo Jabor em seu artigo intitulado “O súbito enca nto de Marina

Silva”, publicado em 5 de outubro de 2010, após o resultado da primeira votação. O Partido

Verde (PV), pelo qual Marina se candidatou ao pleito, apostou na defesa do meio ambiente

como projeto de governo, mas na campanha, ocorreu uma disputa de mulher contra mulher,

entre Marina e Dilma, além do forte apelo religioso na campanha do PV. Ao lado de Chico

Mendes, Marina Silva ajudou a fundar, no estado do Acre, a CUT (Central Única dos

Trabalhadores) e o PT, ao qual se manteve filiada até a mudança para o PV.

Em 1988, Marina foi eleita vereadora, sendo a mais votada, em Rio Branco e, em

1990, foi eleita Deputada Estadual, também com a maior votação. Chegou ao Senado em

1994, sendo reeleita em 2002. Marina Silva foi Ministra de Meio Ambiente durante o governo

Lula, até 2008, quando retornou ao senado. Em agosto de 2009, desfiliou-se do PT, e, em

maio de 2010, lançou sua candidatura à presidência pelo PV.

O Partido Verde brasileiro teve grande influência do Partido Verde europeu na escolha

de Marina como sua candidata na eleição presidencial. Marina alcançou grande projeção

internacional na defesa do meio ambiente, sendo homenageada e premiada em muitos países.

Muitos outros elementos sociais e culturais podem ser encontrados nos textos de

Jabor, uma vez que estes se reportam a diferentes notícias veiculadas pela mídia sobre os

candidatos. Nos textos, aparecem referências à religião, devido à discussão sobre Dilma ser

ou não ateia, e sobre imagens de Dilma e Serra em missas, e, ainda, o posicionamento dos

candidatos em relação à questão do aborto. São estabelecidas relações de unificação e

agrupamento de personalidades para cada candidato, bem como a segmentação entre os

candidatos. Dessa forma, as identidades são construídas por meio de diversas estratégias

linguístico-discursivas e de construção simbólica.

Uma questão que tem destaque nos textos de Jabor é a díade direita e esquerda

política e, considerando a atual liquidez da vida política mundial, como diria Zygmunt

Bauman, é importante esclarecer do que se trata esta dicotomia. Segundo Mészáros,

A ideologia dominante do sistema social estabelecido se afirma vio lentamente em

todos os níveis, do mais grosseiro ao mais refinado. De fato, os vários níveis do

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discurso ideológico se intercomunicam de várias maneiras. Podemos recordar neste

contexto que alguns dos mais célebres intelectuais do pós -guerra declararam em

seus livros e estudos acadêmicos que a distinção “antiquada” entre esquerda e

direita políticas não fazia sentido nenhum em nossas sociedades “avançadas”. Sabe-

se muito bem que essa idéia tem sido avidamente acolh ida pelos manipuladores da

opinião pública e amplamente difundida com o auxilio de nossas instituições

culturais, a serviço de determinados interesses e valores ideológicos. Graças a tal

comunicação entre o “sofisticado” e o “vulgar”, tornou-se comum chamar os

representantes de direita de “moderados”, enquanto aqueles da esquerda eram

designados como “extremistas”, “fanáticos”, “dogmáticos” e coisas similares

(MÉSZÁROS, 2004, p. 15).

As obras Direita e Esquerda de Norberto Bobbio e Para além da esquerda e da

direita de Anthony Giddens foram publicadas em 1994, o que mostra a importância dessa

discussão no cenário político atual. Norberto Bobbio (2001 [1994]) defende a relevância da

demarcação da direita e da esquerda política, contrastando os dois campos políticos, a partir

de outros autores, mas também acrescentando seus próprios critérios para a distinção. O autor,

mesmo com a ressalva de observar o tema a certa distância, busca em sua obra responder às

constantes afirmações de que tal dicotomia não mais existe no mundo contemporâneo.

Como se pode perceber no título da obra de Giddens, o autor busca ir além da

dicotomia direita / esquerda, formulando argumentos que buscam sustentar o que Bobbio

chama de terceiro inclusivo, o que seria uma terceira via, ou seja, um campo político que

sintetiza elementos da esquerda e elementos da direita. Para Giddens (1996 [1994]), o que se

vê hoje é uma política radical reconstituída em ascensão que une elementos do

conservadorismo filosófico com valores centrais do pensamento socialista. Apesar de Giddens

apresentar distinções para os dois campos, refinando a proposta de Bobbio, o sociólogo inglês

propõe a superação da dicotomia, construindo seu pensamento que, mais tarde, seria

aprofundado na obra A Terceira Via.

Para os autores, está claro que as diferenças entre esquerda e direita encontram-se

principalmente nas pautas defendidas para os governos. No Brasil, pode-se perceber que as

metas, os objetivos e as plataformas de governo defendidas pelos partidos e pelos políticos

que se agrupam em partidos e coligações demarcam os campos de esquerda e de direita.

Veremos que nos textos de Arnaldo Jabor, esquerda e direita ganham conotações que

produzem a delimitação de cada campo político.

No próximo capítulo, veremos como os textos analisados desenvolvem estratégias

linguístico-discursivas construindo identidades para os candidatos.

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CAPÍTULO III

As estratégias linguístico-discursivas

na construção de identidades

“Com as palavras todo cuidado é pouco, mudam de

opinião como as pessoas. [...] Porque as palavras, se não

o sabe, movem-se muito, mudam de um dia para o

outro, são instáveis como sombras, sombras elas

mes mas, que tanto estão como deixaram de estar bolas

de sabão, conchas de que mal se sente a respiração,

troncos cortados.”

José Saramago (As Intermitências da Morte).

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Durante a verificação das estratégias linguístico-discursivas presentes nos textos em

análise, percebemos que estas ocorrem de maneira intercalada, sem seguir uma ordem

permanente, mas construídas de forma combinada. No decorrer do período oficial das

campanhas eleitorais, o editorial “O mal a evitar” e os sete artigos selecionados, publicados

por Jabor n‟O Estado de S. Paulo constroem referências e nominações sobre os candidatos,

atribuindo- lhes traços estereotipados, morais e comportamentais negativos e positivos

diretamente, ou indiretamente, ao se referir aos grupos ou a integrantes desses grupos em que

os candidatos foram discursivamente inseridos. Os textos buscam justificar e legitimar as

nominações, referenciações e predicações por meio de estratégias argumentativas. É nesse

processo que ocorre a construção de identidades para os candidatos.

Pode-se perceber que os candidatos são representados em referenciações e

nominações, sendo vinculados a determinado grupo. Conforme entendimento de Reisigl e

Wodak (2001), estratégias referenciais ou nominativas podem representar atores sociais como

ingroups ou outgroups, e dois grupos principais podem ser percebidos nos textos em análise.

Os principais atores sociais de cada grupo encontrados nos textos são Dilma, Lula e PT em

um grupo, e Serra, FHC e PSDB em outro.

A partir da referenciação aos candidatos e formação de grupos para cada candidato,

Dilma, Serra e Marina são linguisticamente caracterizados através de predicações e

“atribuições avaliativas de traços negativos e positivos na forma linguística de predicados

implícitos ou explícitos” (IHNEN E RICHARDSON, 2011, p. 41). Ao mesmo tempo em que

os candidatos são nominados e são representados com valores positivos ou negativos,

“argumentos quase racionais” (ibid., loc cit), e até mesmo suposições e conjecturas, são

construídos para “justificar a inclusão ou a exclusão política” (ibid., loc cit), na tentativa de

legitimar posições discursivas, proporcionando, conforme Wodak e Meyer (2009, p. 29),

“lugares comuns” ou a naturalização.

Para análise, estamos utilizando exemplos emblemáticos de casos recorrentes que

podem ser encontrados nos quadros das estratégias linguístico-discursivas constantes do

Anexo 1.

3.1 A construção de identidades no editorial “O mal a evitar”

O editorial “O mal a evitar”, apresenta-se como ponto de partida para a análise dos

artigos de Arnaldo Jabor, tendo em vista que é nesse editorial que se encontra a declaração de

apoio do Estado ao candidato Serra, o que torna evidente o posicionamento do jornal. No

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entanto, colunistas, de acordo com as características do gênero artigo, teriam liberdade para

escolher os assuntos e expor suas opiniões e posicionamentos diante dos temas tratados

(MELO, 2003), o que permitiria a Arnaldo Jabor apresentar opiniões diferentes e até

contrárias às opiniões veiculadas no editorial do Estado.

O Estado publicou o editorial em análise, no dia 26 de setembro de 2010, a uma

semana da votação em primeiro turno, quando pesquisas de intenção de voto apontavam que

Dilma tinha o apoio de metade dos eleitores e Serra não tinha um quarto do eleitorado.

A partir das estratégias referenciais encontradas no editorial, empregadas para nomear

os candidatos e descrevê-los, podemos perceber que há grande diferença nas representações

de cada candidato. As estratégias referenciais ou nominativas constroem identidades

diferenciadas pelo discurso fomentado pelo jornal e seu posicionamento ideológico frente a

cada um dos candidatos. No editorial, dois grupos podem ser percebidos: um formado por

Dilma, Lula e PT e outro formado por Serra, Itamar Franco, Fernando Henrique e também,

devido ao apoio declarado no editorial, O Estado de S. Paulo.

As estratégias referenciais presentes no editorial manifestam claramente modos de

operação da ideologia, conforme definido por Thompson (1995). Ocorrem, no editorial, a

unificação e a dissimulação, na medida em que, ao formar dois grupos e se referir ao

componente de um grupo, a descrição sobre o mesmo é transferida aos demais componentes,

nesse caso, ocorre o deslocamento dos valores e características de um para o outro, ou para os

outros. Por outro lado, a unificação, por meio da formação de grupos, permite a fragmentação

dos candidatos Dilma Rousseff e José Serra, que são diferenciados pelo jornal.

No editorial, o nome de Dilma Rousseff não aparece, as únicas referências feitas pelo

jornal à candidata do PT ocorrem de forma negativa na estratégia nominativa “invenção de

uma candidata” e com mitigação em “se eleita”. Já sobre o candidato apoiado pelo jornal, as

referências são mais expressivas e ocorrem mediante valores positivos, como se percebe em

negrito: o candidato é citado pelo nome, José Serra e retomado em méritos do candidato, seu

currículo exemplar de homem público e candidato Serra. Não é feita qualquer referência a

Marina Silva no editorial, talvez porque, nesse momento, a candidata do PV já estivesse

praticamente fora da disputa. Apesar de não citar o nome da candidata Dilma Rousseff, o

Estado destaca o PT e o então Presidente Lula, que tiveram, obviamente, grande participação

no processo eleitoral. Ao citar efusivamente o Presidente Lula e o PT, o editorial marca a

presença de Dilma, uma vez que o PT é o partido dessa candidata e Lula, ícone do PT, além

de principal aliado da candidata nas campanhas.

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As referências ao Presidente Lula e ao PT são marcadas por conotação negativa, uma

vez que são usados termos popularmente empregados quando o assunto é a criminalidade

como chefão; facção e chefe de uma facção. O editorial se refere ao PT como uma facção,

companheirada, e a Lula, como presidente Lula e Luiz Inácio Lula da Silva, mas também

como o chefão, o dono do PT; chefe de uma facção; o responsável pela invenção de uma

candidata; um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega

descontroladamente ao desmando e à autoglorificação, e, em tom de ironia, em esse é o

'cara'. Podemos perceber as estratégias referenciais: chefão; chefe de uma facção; o

responsável pela invenção; um chefe de Estado e também as predicacionais: que despreza

[...] e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação. O item

descontroladamente manifesta uma estratégia de intensificação da força ilocucional do

argumento construído no editorial contra o aliado da candidata do PT.

Pode-se perceber que, ao se referir a Lula como chefe de uma facção, o editorial

estabelece a construção de “símbolos de unidade, de identidade e de identificação coletivas”

(THOMPSON, 1995, p. 86), como estratégia de construção simbólica de unidade, uma vez

que a facção, segundo o Estado, chefiada por Lula, teria como integrantes Dilma Rousseff e

demais partidários. Dessa forma, a palavra facção é empregada com forte carga pejorativa,

conotando a criminalidade, atribuindo a Dilma Rousseff e a seus aliados uma conduta

criminosa. A mesma estratégia de unificação pode ser percebida em facção; companheirada;

uma candidata [Dilma] para representá-lo [Lula]; Lula e seu entorno primam pela escolha

dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder (Cf. Anexo 1 – Quadro

1). Mais uma vez, a conotação negativa se faz evidente, de forma a atingir a candidata Dilma,

como se pode ler em piores meios e manter-se no poder.

Quanto a Serra e ao PSDB, ocorre uma única referência a seus aliados, que são citados

pelo nome, Itamar Franco e Fernando Henrique, aos quais é atribuída uma ingente tarefa,

estratégia predicacional que atribui aos aliados de José Serra valores positivos, como se lê no

exemplo a seguir:

ingente tarefa [...] de promover o desenvolvimento econômico quanto na

ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de

brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as

exigências da dignidade humana. (Exemplo 1. Cf. Anexo 1 – Quadro 3)

As estratégias discursivas são construídas de forma distinta pelo jornal para se referir a

cada candidato, José Serra é citado pelo nome, enquanto o nome de Dilma não aparece. Não

há qualquer referência a Itamar Franco ou a Fernando Henrique, além de seus próprios nomes,

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já para Lula, é enumerada uma sequência de epítetos e antonomásias criados pelo jornal, a fim

de construir uma identificação coletiva para seus partidários, incluindo a candidata Dilma.

Para o grupo de Serra, o Estado construiu uma estratégia predicacional com valores

positivos que podem ser percebidos em ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar

Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico [...]. Por outro

lado, ao Presidente Lula e ao PT, e consequentemente à candidata Dilma, são relacionados os

seguintes valores éticos e morais negativos:

alianças espúrias , corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência,

mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a

democracia - a começar pelo Congresso (Exemplo 2. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

Segundo J. Richardson (2007), os textos de jornais precisam dar nomes, identificando

as pessoas envolvidas nos eventos aos quais o jornal se refere e “essa nomeação sempre

envolve escolhas” (id., p. 49), consequentemente, essas escolhas sempre incluem atores em

determinadas categorias sociais, excluindo-os de outras. Como colocado por Richardson, as

estratégias discursivas presentes no editorial materializam um processo de escolhas que

constroem as identidades dos candidatos Serra e Dilma, localizando José Serra em uma

determinada categoria social com seu currículo exemplar de homem público e Dilma Rousseff

em outra, com facção e alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de

influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições [...] (Cf. Anexo 1 –

Quadro 3).

Reforçando o apoio declarado no próprio editorial, O Estado de S. Paulo constrói para

José Serra uma identidade com valores morais positivos, atribuindo ao candidato méritos e

um currículo exemplar e a seus partidários uma ingente tarefa [...]. Já para a candidata Dilma,

o Estado constrói uma identidade marcada pela carga negativa das palavras que conotam a

criminalidade, o que poderia dissuadir aqueles que tivessem Dilma como sua opção de voto e

persuadir os leitores-eleitores a votarem em Serra para Presidente da República.

O editorial busca reforçar e legitimar as representações construídas sobre os

candidatos, também por meio de estratégias argumentativas e construção simbólica de uma

racionalização sobre as votações. O enunciado É sobre essa perspectiva tão grave e

ameaçadora que os eleitores precisam refletir é uma estratégia argumentativa que possibilita

a associação entre a escolha de um candidato, que resulta de uma reflexão do eleitor, e uma

perspectiva tão grave e ameaçadora que é, segundo o jornal, a possibilidade da candidata do

PT ser eleita. Este raciocínio é reforçado em seguida, em:

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O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Es tado nas

mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só,

submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção . (Exemplo 3. Cf.

Anexo 1 – Quadro 4)

A estratégia de intensificação da argumentação construída pode ser percebida em

perspectiva tão grave e ameaçadora. Nesse momento, o editorial recupera seu argumento de

que, caso Dilma seja eleita, Lula é quem governará. Esse argumento aparece também em

[Lula] É quem é o responsável pela invenção de uma candidata [Dilma] para representá-lo

no pleito presidencial (Cf. Anexo 1 – Quadro 4).

Concluindo o editorial, o Estado prepara uma estratégia de construção simbólica de

“expurgo do outro”. Segundo Thompson (1995, p. 87), o expurgo do outro “envolve a

construção de um inimigo contra o qual os indivíduos são chamados a resistir coletivamente ”.

É dessa forma que ocorre a representação de Lula, como um inimigo para a sociedade, ou

seja, uma ameaça à qual os eleitores devem resistir. Essa construção simbólica pode ser

verificada em: „Se ele [Lula] pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não

eu?‟ Este é o mal a evitar.

Analisando as estratégias linguístico-discursivas presentes no editorial, pode-se

verificar que Dilma é representada de forma negativa, juntamente com Lula e PT, associados

a expressões que conotam o crime e valores morais negativos. Por outro lado, José Serra é

representado juntamente com Fernando Henrique e Itamar Franco, que, segundo o Estado,

iniciaram uma ingente tarefa. A José Serra são associadas expressões que o valorizam como

candidato:

méritos do candidato, seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele

[Serra] pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico

e social pautado por valores éticos . (Exemplo 4. Cf. Anexo 1 – Quadro 3)

Nesse sentido, o editorial reproduz e reforça, de forma coerente, o discurso de apoio a

José Serra, exaltando o candidato e depreciando sua concorrente.

3.2 A construção de identidades nos artigos de Arnaldo Jabor

Arnaldo Jabor, notadamente, teve grande espaço no jornal O Estado de S. Paulo para

elaborar textos que colocaram em debate os diferentes discursos em disputa durante as

campanhas eleitorais. Para evidenciar a posição do articulista Arnaldo Jabor em relação ao

discurso de apoio a José Serra, reproduzido e reforçado pelo Estado, veremos como seus

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artigos constroem, para os candidatos Dilma, Serra e Marina, identidades marcadas pelas

estratégias linguístico-discursivas e estratégias de construção simbólica.

É importante retomarmos o entendimento do sociólogo Howard S. Becker (2009), que

entende que “as pessoas que coletam fatos sobre a sociedade e os interpretam não começam

do zero a cada relato que fazem. Usam formas, métodos e ideias que algum grupo social,

grande ou pequeno, já tem à sua disposição como maneira de fazer esse trabalho” (p. 27).

Essa é justamente a atividade do articulista, coletar fatos sobre a sociedade e interpretá- los,

expondo sua análise e suas opiniões. No entanto, é importante considerar, conforme discutido

na seção sobre gêneros discursivos, que o articulista atua em uma instituição, uma empresa de

mídia, que tem sua linha editorial, seu corpo diretor e seus próprios interesses, que muitas

vezes direcionam ou filtram o conteúdo do jornal.

Pode-se perceber que os assuntos e as ideias articuladas por Jabor correspondem a

assunto de grande interesse para o jornal. Conforme explicado por Becker (2009), há uma

comunidade interpretativa composta de dois atores sociais, de um lado uma organização de

pessoas que faz rotineiramente representações padronizadas de um tipo particular, os

“produtores”, e de outro, os “usuários”, aqueles que as aplicam rotineiramente para objetivos

padronizados, ao falar sobre a sociedade (ibid., p. 27). É o que pode ser verificado no

editorial, onde encontramos a reprodução de um discurso, ou seja, o jornal se tornou usuário

de um discurso cujos produtores são José Serra e seu partido.

No primeiro artigo selecionado, Os grandes arrepios, Jabor escreve, de modo geral,

sobre as eleições e sobre eventos da história política brasileira, sem enfatizar as campanhas

eleitorais de 2010. Nesse artigo, verificam-se estratégias referenciais e nominativas que

representam os candidatos como desfile de horrores da política brasileira e Os dois carros-

chefe do desfile, Dilma e Serra. Estes enunciados se referem a ambos os candidatos Dilma e

Serra. No entanto, ao final do artigo, encontramos referências a Lula, em a mentira com 80%

de ibope, representando o então presidente de forma negativa, ao falar de seu índice de

popularidade, e a FHC, em um grande intelectual de esquerda, em que se percebe a

valorização do aliado de José Serra. O candidato do PSDB aparece em Serra também estava,

falando, de presidente da UNE. Nesse enunciado, Jabor traz para seu texto um fato relevante

da história de José Serra: ter sido presidente da União Nacional dos Estudantes de 1963 até o

golpe de 1964, o que constrói uma predicação com atribuições positivas sobre o candidato.

No último parágrafo de Os grandes arrepios, Jabor se refere à possibilidade de vitória

da candidata Dilma com o seguinte enunciado:

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Teremos a sabotagem radical de tropas pelegas impedindo Serra de governar ou o

"revival" do arremedo de socialismo que já era ridículo em 63? Arrepio-me.

(Exemplo 5. Cf. Anexo 1 – Quadro 3)

A partir da semântica da expressão tropas pelegas, percebemos a referência a pelego,

termo depreciativo recorrente nos movimentos sindicais em referência a representantes de um

sindicato que não cumprem sua função, agindo sob o comando dos empresários em desfavor

dos trabalhadores, traindo-os e impedindo que lutem por seus direitos.

Ao se referir a arremedo de socialismo que já era ridículo em 63, remete-se a João

Goulart, presidente entre 1961 e 31 de março de 1964, deposto por golpe militar, sob a

acusação de representar uma suposta “ameaça comunista” para o Brasil. Esse enunciado

estabelece a construção simbólica de eternalização dos eventos que marcaram o governo de

Jango, como fenômenos “permanentes, imutáveis e recorrentes” (THOMPSON, 1995, p. 88)

que “adquirem, então, uma rigidez que não pode ser facilmente quebrada” (ibid., p. 86), como

se o projeto político do PT fosse o mesmo de Jango.

Em sua narrativa, o colunista apresenta como motivos para seus grandes arrepios

certos eventos históricos como o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros, o

golpe militar de 1964, a morte de Tancredo Neves e a morte de políticos do PSDB. Ao final

do artigo, conforme o exemplo 5, há o enunciado arrepio-me, uma estratégia de

perspectivação sobre a possibilidade de vitória de Dilma, que estabelece um paralelo entre a

eleição da candidata do PT e demais motivos para os grandes arrepios de Jabor. Note-se que

a argumentação presente na narrativa do colunista apresenta vários motivos para seus

arrepios, direcionando-se à conclusão de que a eleição de Dilma é motivo para arrepios ao

par daqueles apresentados anteriormente.

Em 31 de agosto, o Estado publica A volta do bode preto da velha esquerda. Note-se a

reificação produzida pela expressão velha esquerda e também por volta. Com a reificação,

Jabor desconsidera e oculta o caráter sócio-histórico da evolução política nacional,

representando situações transitórias, históricas, como se fossem permanentes, naturais e

atemporais. Jabor reproduz representações que relacionam a filosofia política e linha de

governo do PT a eventos históricos envolvendo Socialismo e Comunismo. O próprio título do

artigo associa a expressão bode preto a velha esquerda. O item esquerda é tradicionalmente

atribuído a ideias socialistas e comunistas, portanto, o que mais chama atenção é a expressão

bode preto, que é popularmente empregada como sinônimo para diabo, demônio, mau agouro.

Nesse sentido, Jabor demoniza a ideia de esquerda política e utiliza a mesma forma de

referência para a ditadura: [...] 20 anos de bode preto da ditadura.

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No mesmo artigo, outras referências à esquerda aparecem, como em:

Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha es querda que agora quer voltar ao

poder como em 63, de novo com a ajuda de um presidente. (Exemplo 6. Cf. Anexo 1

– Quadro 4)

Mais uma vez, ocorre a reificação da nominação construída sobre Dilma e seus

partidários, mediante a estratégia de naturalização, tratando os eventos de 1963 e 1964 de

forma simplista e não como um fenômeno social e historicamente situado. Dessa forma, Jabor

estabelece uma comparação entre as ações do presidente João Goulart, em 1963, e o apoio do

Presidente Lula a Dilma Rousseff, em 2010.

Nesse segundo artigo sobre os candidatos, Jabor elabora enunciados que dão forma a

estratégias linguístico-discursivas como as nominativas e referenciais em: essa ala da

esquerda burra (a inteligente cresceu e mudou...); a velha esquerda; inimigos da liberdade de

opinião; Lula e seus bolchevistas e FHC.

Em essa ala da esquerda burra (a inteligente cresceu e mudou...), pode ser verificada

a fragmentação fortemente marcada pela depreciação de um partido e a valorização positiva

de outro, na medida em que o articulista se refere a alas da esquerda, uma burra, o PT, e outra

inteligente, o PSDB, que, segundo Jabor, cresceu e mudou. Também ocorrem enunciados que

funcionam como estratégias predicacionais e argumentativas:

Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha es querda que agora quer voltar

ao poder como em 63, de novo com a ajuda de um presidente (Exemplo 7. Cf.

Anexo 1 – Quadro 4)

Assim como foi com Jango, agora precisam do Lula. São as mesmas besteiras de

pessoas que ainda pensam como nos anos 60 e, pior, anos 40 (Exemplo 8. Cf.

Anexo 1 – Quadros 2 e 3).

Veja-se mais uma vez a construção simbólica que busca dissimular e reificar a

referenciação velha esquerda, por meio da eternalização de eventos históricos e o apagamento

do processo sócio-histórico de desenvolvimento do sistema político nacional, além da

intensificação marcada na predicação: Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha

esquerda, presente no exemplo 7.

As expressões negritadas: tropas pelegas; pessoas que ainda pensam como nos anos

60 e, pior, anos 40 e gente tão incompetente quanto a velha esquerda produzem sinédoques

argumentativas, como estratégia para generalizar, essencializar e nivelar (REISIGL e

WODAK, 2001, p. 57) o grupo de políticos, no qual Dilma foi incluída pelo colunista.

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Pode ser percebida claramente a depreciação de Dilma, Lula e PT, que são agrupados

por Arnaldo Jabor. Esse agrupamento é o mesmo verificado no editorial e marca a

argumentação construída nos textos, mediante o deslocamento de predicações, descrições,

valorações morais e éticas, ao se referir a um elemento do grupo ou a todo o grupo de forma

abrangente, produzindo a simbolização de unidade (THOMPSON, 1995).

Em Lula e seus bolchevistas, Jabor estabelece o deslocamento das representações

hegemônicas acerca do partido liderado por Vladimir Lenin, durante a Revolução de 1917, na

Rússia. Aqueles conhecidos como bolcheviques defendiam uma mudança radical de política e

revolução socialista armada. Desse modo, Jabor busca representar a política de governo de

Lula, Dilma e PT, como radical e uma forma de tomada de poder.

No artigo publicado em 21 de setembro, Jabor se refere a Lula como um fenômeno

religioso. Com um povo de analfabetos manipuláveis; soviéticos do PT; "chavismo light" ;

"massa atrasada" ; "massa adiantada" (Dilma et PT) e soviéticos ascendentes são exemplos

das expressões construídas pelo articulista, para se referir a Lula e ao PT, e,

consequentemente, à candidata Dilma (Cf. Anexo 1 – Quadro 2). Nesse artigo, a única relação

que se pode fazer a José Serra é por meio de seu partido que aparece em derretimento do

PSDB.

Nas palavras de Norman Fairclough, a abordagem do vocabulário

baseia-se no pressuposto de que diferentes modos de 'lexicalizar' domínios de

significado podem envolver sistemas de classificação ideologicamente diferentes,

assim há interesse em como as áreas da experiência podem vir a ser 'relexicalizadas'

em princípios classificatórios diferentes, por exemplo, no curso da luta política

(FAIRCLOUGH, 2001, p. 49).

No artigo Lula é um fenômeno religioso, percebemos lexicalizações e relexicalizações

que manifestam estratégias referenciais e nominativas construídas para Dilma, Lula e PT. Já

agrupados pelo articulista – e pelo Estado no editorial –, Dilma, Lula e PT são representados

coletivamente como bolchevistas; soviéticos do PT; "chavismo light" ; "massa atrasada"

[PMDB]; "massa adiantada" (Dilma et PT) e soviéticos ascendentes, além de agregar mais

um membro ao grupo de Dilma, com a maçaroca informe do PMDB.

As expressões soviéticos do PT; "chavismo light" e soviéticos ascendentes são

exemplos de relexicalizações construídas por Jabor, formadas pela associação de

representações negativas sobre elementos de outros contextos com elementos do contexto das

campanhas eleitorais, ou seja, Jabor associa soviéticos, do contexto da Ex-União Soviética, à

campanha do PT. Em seguida o colunista cria o item "chavismo light" , colocando-o entre

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aspas e marcando-o como neologismo. Com essa lexicalização, Arnaldo Jabor aciona no

imaginário popular representações sobre o que seria "chavismo light" , mas estas

representações são associadas às demais atribuições negativas presentes nas referências e

predicações anteriores e também às representações sobre Hugo Chaves e sua linha de

Governo na Venezuela, principalmente a partir do que é veiculado na mídia.

Em Lula e seus bolchevistas; soviéticos do PT e soviéticos ascendentes, Jabor

recupera representações sobre a Ex-União Soviética (União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas - URSS), que é marcada pela Revolução de 1917 e a implementação do

Comunismo pela luta armada. Da mesma forma, ao se referir à política do PT, como

"chavismo light" , o articulista estabelece relação entre o PT e a política de governo de Hugo

Chaves, Presidente da Venezuela entre 1999 e 2013, que é marcado pela política de esquerda,

e por ser militar. Com políticas de inclusão social e transferência de renda, além de

declarações e ações contra o governo norteamericano, Hugo Chaves obteve grande

popularidade e apoio da população, mas foi constantemente atacado pela mídia e pela elite

empresarial de seu país, chegando a sofrer uma tentativa de golpe de estado, em 2002.

Com estas referenciações, os textos de Jabor produzem construções simbólicas

mediante a dissimulação e o deslocamento de representações entre a Ex-União Soviética, o

Governo de Hugo Chaves e Dilma, Lula e PT. Uma vez mais, Jabor incrementa a

representação de Dilma, Lula e PT com a conotação de política voltada para o Comunismo,

conforme o movimento bolchevique, o governo da Ex-União Soviética e a política de governo

de Hugo Chaves. O governo de Hugo Chaves, mesmo não sendo comunista, apresentou

aspectos socialistas e elementos que permitem a associação, como o vermelho de sua bandeira

e a política de transferência de renda para os mais pobres, que marcam também a esquerda

política.

Ainda nesse artigo, encontramos a estratégia de nominação clone Dilma (que ama a

ex-Erenice, seu braço direito há 15 anos), em que Jabor subverte a relação entre Dilma e

Erenice Guerra, que protagonizou escândalo político de corrupção durante o governo Lula.

Uma determinada expressão utilizada por Arnaldo Jabor poderia passar despercebida

por alguns leitores ou sem o efeito de sentido desejado pelo colunista, mas é necessário

destacá- la:

E é espantoso que este óbvio fenômeno político, caudilhista, subperonista,

patrimonialista, aí, na cara da gente, seja ignorado por quase toda a intelligentsia do

País, que antes vivia escrevendo manifestos abstratos e agora se cala diante deste

perigo concreto que nos ronda (Exemplo 9. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

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O item lexical em destaque traz para o enunciado o interdiscurso, de forma que mais

uma vez, Jabor reforça seus argumentos sobre um perigo concreto que nos ronda. O item

intelligentsia foi tradicionalmente empregado – principalmente na Literatura Russa, para se

referir a grupo de intelectuais engajados na luta política e comprometidos com a resistência a

regimes autoritários. Desse modo, o colunista estabelece relação entre o Governo Lula – além

da possibilidade de eleição de Dilma pelo PT – e a Revolução Russa de 1917, em que o grupo

denominado intelligentsia era formado por dissidentes do Partido Comunista e outros

intelectuais contrários ao Partido. Assim, a intelligentsia do país seria algum grupo que

fizesse resistência ao suposto “regime autoritário” do Governo Lula, o que pode ser

depreendido através dos demais itens que compõem o enunciado do exemplo 9.

Outros itens nesse mesmo enunciado completam o efeito de sentido construído pelo

colunista. Em óbvio fenômeno político, caudilhista, subperonista, patrimonialista, temos a

referência a caudilho26

, expressão tradicionalmente empregada em determinados contextos,

para denominar um líder político-militar no comando de uma força autoritária. Em seguida,

Jabor reforça o efeito de sentido da expressão caudilhista com o emprego de subperonista27

,

que traz à memória a política de governo de Juan Domingo Perón, caudilho, militar e

estadista, que se tornou Presidente da Argentina, com ideais socialistas, porém algumas vezes

taxado como fascista. Com a expressão patrimonialista28

, Jabor reforça o argumento de que a

política de governo do PT seria autoritária e não respeitaria os limites entre o público e o

privado, como ocorre em regimes de absolutismo.

No enunciado em análise, exemplo 9, ocorre uma estratégia discursiva argumentativa,

combinada com nominações e estratégias de intensificação como se vê em óbvio fenômeno

político, bem como na repetição de expressões que se reforçam. Mediante a racionalização e o

deslocamento dos sentidos de determinados contextos para o contexto das campanhas

eleitorais do PT, a combinação das estratégias discursivas resulta na construção simbólica de

uma política de governo petista semelhante às práticas imanentes a cada um dos intertextos

trazidos pelo colunista, o caudilhismo, o governo de Juan Domingo Perón, o absolutismo

patrimonialista e o Comunismo. Jabor completa seu raciocínio, descrevendo o cenário criado

por ele como um perigo concreto que nos ronda, marcado com a estratégia de intensificação

em negrito.

26

Cf. AULETE, Caldas. Caudilho. In : AULETE, Caldas. iDicionário Aulete. Disponível em:

<http://aulete.uol.com.br/caudilho> Acesso em: 05 ju l. 2013. 27

Cf. AULETE, Caldas. Peronismo. In: AULETE, Caldas. iDicionário Aulete . Disponível em:

<<http://aulete.uol.com.br/peronismo> Acesso em: 05 ju l. 2013. 28

Cf. AULETE, Caldas. Patrimonialis mo. In: AULETE, Caldas. iDicionário Aulete. Disponível em:

<<http://aulete.uol.com.br/patrimonialismo > Acesso em: 05 ju l. 2013.

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Os enunciados em análise ilustram o entendimento de Woodward (2011) de que as

identidades resultam de efeitos de sentido de um processo de representação, por meio de

sistemas simbólicos acessados pelo colunista. É o que pode ser verificado repetidas vezes em

estratégias referenciais que remetem ao Comunismo.

No dia 28 de setembro, o Estado publica As boquinhas fechadas, em que Jabor fala de

tomada de poder, "chavismo cordial" e populismo-voluntarista-estatizante, referindo-se à

candidata Dilma e ao PT. Ao se referir a Fernando Henrique Cardoso (eleito Presidente pelo

PSDB em 1994 e 1998), em os bons resultados da economia do governo FHC, mais uma vez,

é possível perceber a diferença nas escolhas das palavras para se referir à Dilma (e ao PT) e a

Serra (e ao PSDB). Ao falar sobre tomada de poder, Jabor produz a estratégia argumentativa

programa não-declarado (o aparente engana...) sobre a proposta de governo de Dilma

Rousseff, deixando subentendida a tomada de poder e a continuação velada do governo de

Lula.

O súbito encanto de Marina Silva foi publicado em 5 de outubro, ou seja, após o

resultado do primeiro turno, em que Marina Silva surpreendeu com a conquista inesperada de

parte considerável dos eleitores. Nesse artigo, Jabor apresenta uma retomada de suas

considerações sobre os candidatos, dedicando- lhes alguns parágrafos. O artigo começa com o

seguinte enunciado:

Não, o Palácio de Inverno de São Petersburgo da Rússia em 1917 ainda não será

tomado pela onda vermelha. (Exemplo 10. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

Com essas palavras, o texto estabelece relação entre a campanha eleitoral de Dilma

Rousseff e o evento histórico que envolve uma tomada de poder pelas forças comunistas

bolcheviques, exército vermelho, na Revolução Russa de 1917. A expressão onda vermelha é

tradicionalmente empregada para se referir a movimentos comunistas ou socialistas. A relação

com Dilma e o PT está marcada na coincidência da cor que representa o PT e, historicamente,

o comunismo/socialismo, além das referenciações anteriores que relacionaram Dilma, Lula e

PT aos bolcheviques. Podemos entender que o Palácio da Alvorada ainda não será tomado

pelo PT, uma vez que a eleição ficou para o segundo turno. Esta relação fica mais clara no

parágrafo seguinte, em que Jabor afirma: Agora, o PT vai ter de encarar: estamos num país

democrático [...].

Fernando Barros e Silva disse na Folha uma frase boa: "Dilma parece uma

personagem de ficção e Serra a ficção de uma personagem." Na mosca. (Exemplo

11. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

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No exemplo 11, o negrito marca a estratégia de perspectivação utilizada pelo colunista

para introduzir as predicações sobre os candidatos. A estratégia de perspectivação e de

representação do discurso expressa o envolvimento do articulista no discurso e posiciona o

seu ponto de vista em relação ao relato ou citação (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 41).

Em na mosca, temos, além da estratégia de perspectivação, também a estratégia de

intensificação do enunciado citado pelo colunista.

Na sequência desse mesmo artigo, há descrições dos três candidatos, sendo que, outra

vez, Dilma recebe maior atenção, a começar do primeiro parágrafo já apresentado. Arnaldo

Jabor faz críticas amenas a José Serra, como em: autossuficiência (seu defeito principal);

anúncios populistas tardios; campanha tão desagregada e autoconfiança suicida. Para

Dilma, Jabor reserva as seguintes palavras: fabricada dos pés ao cabelo; má interpretação da

personagem; simpatia que escondesse o nítido temperamento autoritário; uma outra Dilma

que não sabemos quem é; arrogância; ser pelo aborto e depois desmentir; sua união de ateia

com evangélicos; voracidade de militante – tarefeira (Cf. Anexo 1 – Quadros 2 e 3). Estes

são apenas alguns exemplos, uma vez que já é possível perceber a proporção das referências

aos candidatos. Mas além da candidata do PT receber maior atenção, ela é representada de

forma negativa em todas as referências e predicações.

Em invenção de uma candidata e uma candidata fabricada, ocorre a nominação das

expressões que se tornam reificadas, naturalizando e eternalizando o processo de escolha da

candidata do PT para disputar a Presidência.

Fica claro, a partir desse artigo, o processo de construção de identidades que é

alimentado pelas representações evocadas pelo articulista. Esse processo ocorre conforme

descrito por Castells (1999):

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fo rnecida pela história,

geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e e

por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso.

Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e

sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e

projetos culturais enraizados em sua estrutura social (CASTELLS, 1999, p. 23).

Nesse sentido, Arnaldo Jabor utiliza informações do momento para construir seu texto.

Em fabricada dos pés ao cabelo, Jabor se refere ao preparo da imagem da candidata para as

campanhas, e sua união de ateia com evangélicos remete às notícias veiculadas sobre a

presença de Dilma em missas e cultos, sendo marcada por Jabor a representação tradicional de

militantes de esquerda como ateus. Em ser pelo aborto e depois desmentir (Cf. Anexo 1 –

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Quadro 3), tem-se uma estratégia predicacional, em que Jabor retoma grande polêmica das

campanhas eleitorais sobre a possibilidade de legalização do aborto. Nesse momento, pode-se

notar a dissimulação de Jabor, ao citar a questão do aborto que foi debatida durante as

campanhas e omitir a polêmica sobre o aborto supostamente praticado pela esposa29

de José

Serra, o que foi amplamente noticiado.

Nesse artigo, Jabor escreve sobre Marina Silva. O próprio título do artigo, O súbito

encanto de Marina Silva, apresenta a proposta de tratar justamente sobre a ascensão da

candidata do PV no primeiro turno, o que, para Dilma, implicou a perda de muitos votos, e,

consequentemente, a disputa em segundo turno com José Serra.

O articulista elabora poucos enunciados sobre Marina:

apareceu um ser vivo: Marina;

a verdade da verde Marina,

Sua voz calma, sua expressão sincera, o visível amor que ela tem pelo povo da

floresta e da cidade

Marina tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de vencer

pelo bem.

(Exemplo 12. Cf. Anexo 1 – Quadros 2 e 3).

Marina Silva é descrita principalmente por meio de estratégias referenciais e

predicacionais que a representam de forma positiva.

Em Marina tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de

vencer pelo bem, percebe-se a estratégia argumentativa na comparação entre Marina e Lula,

de forma que Marina é descrita positivamente e Lula, negativamente. A estratégia

predicacional em destaque atribui a Lula traços negativos na forma linguística de um

predicado implícito (IHNEN E RICHARDSON, 2011, p. 41). Desse modo, a ideologia opera

por meio da fragmentação, diferenciando os dois candidatos, o que é uma estratégia política

que poderia impedir que o leitor-eleitor que tivesse votado em Marina, votasse, no segundo

turno, na candidata do PT.

Na sequência desse mesmo artigo, o grupo formado por José Serra, PSDB e FHC é

mais uma vez representado positivamente na estratégia referencial intensificada como se vê

em negrito os grandes feitos do próprio PSDB, durante o governo de FHC. José Serra,

candidato pelo PSDB é beneficiado pela descrição positiva sobre seu partido, mediante

construção simbólica que torna o partido de Serra o responsável por grandes feitos.

29

NOBLAT, Ricardo. Mônica Serra contou ter feito aborto, diz ex-aluna. O Globo, 16/10/2010. Disponível

em: <http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/10/16/monica-serra-contou-ter-feito-aborto-diz-ex-aluna-

333126.asp> Acesso em: 04 jul. 2013.

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Para encerrar o primeiro artigo após o resultado do primeiro turno, a menos de um mês

da segunda votação, Arnaldo Jabor não economizou elogios a José Serra:

José Serra, que apesar de ser um homem sério, competentíssimo, patriota, que

conheço e res peito desde a UNE, mas que é das pessoas mais teimosas do mundo.

(Exemplo 13. Cf. Anexo 1 – Quadros 2 e 3).

Nesse caso, temos a combinação de estratégias referenciais, predicativas e de

intensificação, que se somam na representação positiva do candidato.

Em 12 de outubro, o Estado traz Outra vez com sentimento, penúltimo artigo de Jabor

sobre os candidatos, durante o período oficial das campanhas eleitorais. Nesse artigo, Arnaldo

Jabor simula um diálogo entre Lula e Dilma. Jabor marca as falas de Lula, em eu que sou uma

vitória do proletariado, e também as respostas de Dilma: - Mas, presidente.... As falas de

Lula e Dilma são introduzidas por discurso direto, com travessão e aspas. Nesse artigo, há

comentários de Jabor sobre o diálogo que ele mesmo simula.

O articulista constrói seu texto com as falas inventadas de outros atores sociais

envolvidos nas eleições, o que confere uma ligação mais estreita entre as representações

manifestadas no texto, além da impressão de veracidade das informações, uma vez que seriam

ditas pelos próprios atores políticos através do articulista. Esta estratégia atribui a Dilma e a

Lula as representações inerentes ao discurso de apoio a José Serra, manifestadas pelo próprio

articulista, como se fossem palavras proferidas por Dilma e Lula. Faladas por outros atores

sociais, as palavras utilizadas por Jabor ganham maior credibilidade e tom de verdade.

Arnaldo Jabor marca as falas de Lula com expressões típicas de nordestinos, como as

estratégias referenciais aquela candanga e um círio de Nazaré, além de informações que

remetem à biografia de Lula, nas predicações:

Eu que sou uma vitória do proletariado;

E os meus 80 % de Ibope;

Agora, só tenho pesadelos - sonho que estou de volta ao ABC, num torno

mecânico. (Exemplo 14. Cf. Anexo 1 – Quadros 2 e 3).

Os vocativos criados por Arnaldo Jabor revelam-se um reservatório de estratégias

nominativas e referenciais: como se vê em Muito bonito, hein, madame?; Aprenda o meu

truque, sua canastrona.

Nesse artigo, Jabor descreve Dilma em um diálogo com Lula, mas não se pode negar

que as palavras são escolhidas pelo próprio Jabor, assim, o articulista se refere a Dilma com

as estratégias referenciais e predicacionais: madame; senhora; babacas intelectuais que te

acham uma "revolucionária"; canastrona; vocês "aloprados" ; você era uma soviética como

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esses aí; tem de começar sendo atriz; penteado de galo imperial; treinamentos de sorrisos.

Quanto a José Serra, nesse artigo não há qualquer referência.

Em uma das falas atribuídas pelo colunista a Lula, temos as estratégias referenciais e

predicacionais combinadas de forma a reforçar a argumentação do articulista de que Dilma é

uma candidata inventada por Lula para que ele continue governando através dela:

Eu só te escolhi porque a senhora é mulher e era obediente, "tarefeira", tipo: " Vai

pichar parede!..." Você ia. " Vai panfletar!" Obedecia... . (Exemplo 15. Cf. Anexo 1 –

Quadros 2 e 3).

Na sequência, ocorrem estratégias nominativas e predicativas combinadas com a

intensificação, relacionando a candidata do PT ao Comunismo: como vocês, comunistas, são

incompetentes! (Cf. Anexo 1 – Quadro 2). A depreciação do grupo de Dilma, Lula e PT, com

o deslocamento e a unificação marcada em vocês, comunistas, é clara em são incompetentes.

Em seguida, Arnaldo Jabor retoma a questão sobre religiosidade, o que marcou

fortemente as campanhas eleitorais, sendo veiculadas imagens dos candidatos em missas e

cultos. Jabor recupera representações discriminatórias sobre o ateísmo relacionado ao

comunismo:

não faça carinhas de cristã, entre evangélicos e católicos. Não dá uma de Madre

Tereza de Calcutá que nego saca que é chinfra.... (Exemplo 16. Cf. Anexo 1 –

Quadro 4).

Mais uma vez, Jabor associa Dilma a Socialismo/Comunismo, citando um enunciado

popularmente conhecido e atribuído a Karl Marx: Todo mundo sabe que você acha a religião

"o ópio do povo", não é isso que o teu mestre falou?.

A estratégia argumentativa busca justificar as predicações e referenciações construídas

anteriormente como se vê em:

Outra coisa: como vocês, comunistas, são incompetentes!... Oito anos e o PAC está

essa bosta, com apenas 15 % feito? Sou obrigado a inaugurar placas e

aeroportos duas vezes? (Exemplo 17. Cf. Anexo 1 – Quadro 4).

Outra estratégia argumentativa é construída para justificar as predicações presentes

em: Aprenda o meu truque, sua canastrona; a senhora tem de fazer uma carinha de

"vítima", como eu faço, não importa por quê. Jabor completa seu raciocínio com: O povão

adora que a gente reclame "daszelites", como o Jânio fazia - "vítima" de algo... Até o Hitler

fingia que era vítima do mundo todo.... Notem-se também as comparações com Jânio e Hitler.

Em A difícil missão de Dilma Rousseff, último artigo sobre os candidatos e as eleições,

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mais uma vez, Jabor recorre à simulação de um diálogo entre Lula e Dilma para lhes atribuir

palavras que trazem representações presentes no discurso de apoio a José Serra, com o tom de

verdade que é conferido por serem supostamente falas de Dilma e de Lula. Nesse artigo, Jabor

introduz comentários sobre o diálogo, marcando-os com parênteses. Esses comentários

revelam-se como estratégia de perspectivação e representação do discurso. A estratégia de

perspectivação é um recurso por meio do qual os “falantes expressam o seu envolvimento no

discurso e posicionam o seu ponto de vista no relato, descrição, narração ou citação de

eventos relevantes ou enunciados” (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 41).

Jabor inicia seu artigo com estratégias predicacionais que novamente depreciam a

candidata: [...] Dilma você está sem emoção, tem de passar mais verdade... Dilma, seu

sorriso não está sincero... [...]. Na sequência, Jabor introduz seu comentário, como um

narrador. Arnaldo Jabor tece o seguinte comentário a partir de estratégias nominativas e

predicacionais:

(Coitada da pobre senhora que, canhestramente, segue as ordens do patrão e dos

petistas que a usam para ficar eternamente em seus buraquinhos ou para realizar o

que seria a torta caricatura de um vago socialismo, que não passa de uma reles

aliança com a banda podre do PMDB.) (Exemplo 18. Cf. Anexo 1 – Quadro 2).

A estratégia de mitigação está presente em canhestramente e torta caricatura de um

vago socialismo e não passa de uma reles aliança, de forma que a política de esquerda do PT

é depreciada, e desvalorizada. Mas o colunista utiliza a estratégia de intensificação em segue

as ordens do patrão e dos petistas que a usam para ficar eternamente em seus buraquinhos.

Dessa forma, os argumentos são organizados para desvalorizar a tendência socialista do PT e

destacar o argumento de que a eleição de Dilma tem o objetivo de manter outros políticos no

poder, como se lê em segue as ordens do patrão e dos petistas que a usam.

Verifica-se a estratégia de construção simbólica mediante a narrativização resultante

da combinação entre os diálogos e os comentários de Jabor. Nesse artigo, o colunista assume

a função de um narrador onisciente. Por meio dessa estratégia, o colunista trata o presente

“como parte de uma tradição eterna e aceitável” (THOMPSON, 1995, p. 83), ou seja, como se

fossem informações verdadeiras.

O articulista retoma os argumentos de que Dilma é ateia e a favor do aborto,

manifestando estratégia de perspectivação e representação do discurso, a fim de reforçar

pontos de grande interesse popular que foram amplamente discutidos durante as campanhas

eleitorais. Dessa forma, são combinadas estratégias referenciais e predicacionais que trazem

marcas de perspectivação como em eu sei que, conforme se verifica no exemplo a seguir:

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Dilma, não fale nada de novo sobre aborto que você já deu uma entrevista na TV e

agora não adianta desmentir e Dilma, eu sei que você é ateia, que para você a

religião é o ópio do povo. (Exemplo 19. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

Na mesma direção, Jabor cita o caso dos “padres panfleteiros”30

que pregaram contra

Dilma, sob o argumento de que a candidata era ateia e a favor do aborto: Dilma, levanta e vai

confessar e comungar, mas não conte tudo ao padre, não, porque esses padres de hoje não

são confiáveis e podem fazer panfletos.

O colunista se refere a Marina Silva, tratando sobre a votação inesperada obtida pela

candidata do PV no primeiro turno, que teria resultado na perda de votos para Dilma: Sei que

foi duro para você, bichinha, ser preterida pela Marina, tão magrinha, uma top model do

seringal (Cf. Anexo 1 – Quadro 2). Em negrito pode-se perceber que Jabor se refere a Marina

com menção a seringal, característico do Acre, Estado de origem da candidata. Em você,

bichinha, ser preterida pela Marina, temos o vocativo que marca a nominação em referência

a Dilma, por meio de uma expressão tipicamente nordestina, suscitando a origem de Lula, e

também se pode verificar a predicação sobre Dilma em ser preterida pela Marina.

Arnaldo Jabor completa a sequência com estratégias argumentativas e construção

simbólica de racionalização sobre os supostos objetivos da eleição de Dilma:

sabemos de tudo que você tem sofrido, mas você é uma revolucionária e tem de

aguentar as intempéries para garantir os empregos de tantos militantes que

invadiram esse Estado burguês para "revolucionar" por dentro. (Exemplo 20.

Cf. Anexo 1 – Quadro 2).

Com essa estratégia argumentativa, Jabor busca legitimar os argumentos de que a

eleição de Dilma seria uma tomada de poder [do] patrão e dos petistas que a usam para ficar

eternamente em seus buraquinhos e, agora, para "revolucionar" por dentro.

Em seguida Jabor comenta esse enunciado acerca da candidata do PT: o segundo turno

não estava em seus planos de tomada do poder, reiterando o argumento de que o objetivo da

eleição da candidata do PT é tomar o poder e estabelecer o Comunismo. Note-se a sequência:

Feito ensinou aquele cara italiano, que os comunas vivem falando, o tal de Gramsci... só que

nosso Gramsci é o Dirceu. (Cf. Anexo 1 – Quadro 2). Tendo em vista que é o Lula falando, o

item nosso compreende Lula, Dilma, e PT, acrescentou-se, agora, José Dirceu, que foi

ministro da Casa Civil do governo Lula e um dos mais influentes dirigentes do Partido.

Em Dilma, companheira, esculacha bem o FHC e o Serra, o vocativo em destaque

marca a expressão recorrente na representação de militantes socialistas, o que reforça a

30

NASSIF, Luis. Quem pagou os panfletos do padre Luizinho? GGN, 11/10/2010. Disponível em:

<http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/quem-pagou-os-panfletos-do-padre-luizinho> Acesso em: 04 ju l. 2013.

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atribuição das falas a Lula. Na sequência, Jabor desenvolve estratégia argumentativa por meio

da narrativização, buscando legitimar as representações do discurso de apoio a José Serra

como se vê em negrito:

esconde que foi o governo do FHC que inventou o Bolsa Família e negue com

todas as forças se disserem que o Plano Real tirou 30 milhões da faixa de

pobreza, quando acabou com a inflação . (Exemplo 21. Cf. Anexo 1 – Quadro 4).

Em Diz aí que nós tiramos 28 milhões de brasileiros da miséria! Claro que é

mentira, pô, o colunista rebate os argumentos da campanha de Dilma que, de certa forma,

utilizou os programas desenvolvidos no Governo Lula a seu favor, dentre eles o PAC e o

Bolsa Família. Jabor completa a argumentação com a construção simbólica de racionalização,

por meio de predicações como o PT tentou impedir o Plano Real no STF; não assinou a

Constituição de 88 para não compactuar com o "Estado burguês" ; fomos contra a Lei de

Responsabilidade Fiscal e demos força a todos os ladrões que pudemos para manter as

alianças para nosso poder eterno. Dessa forma, são suscitadas no imaginário popular as

representações sobre criminalidade - os ladrões, improbidade - contra a Lei de

Responsabilidade Fiscal, e antidemocracia - não assinou a Constituição de 88.

A estratégia de intensificação pode ser verificada, no argumento contra Dilma que

sugere a existência de pontos positivos do governo do aliado de Serra, Fernando Henrique:

atacar tudo do governo FHC, mesmo as coisas inegavelmente boas.

A estratégia de construção simbólica de racionalização é, segundo Thompson (1995),

um modo de operação da ideologia, e, nesse caso, se apresenta como estratégia discursiva

argumentativa, enumerando uma sequência de argumentos favoráveis à eleição de José Serra,

mediante a representação positiva do governo de Fernando Henrique, que é também do

PSDB. É o que se verifica ao se tratar sobre as privatizações realizadas no governo de FHC:

a Vale, por exemplo, quando foi privatizada em 97 valia 8 b ilhões de reais e que

hoje vale 273 bilhões [...] FHC escreveu na época, dizendo que "nunca privatizaria a

Petrobras" [...]. (Exemplo 22. Cf. Anexo 1 – Quadro 4).

Jabor comenta os diálogos criados por ele para atribuir enunciados a Lula e a Dilma,

chegando à seguinte conclusão: Eu acho que Dilma é uma vítima. Uma "tarefeira" do

narcisismo de Lula. A estratégia de perspectivação marcada em negrito introduz a predicação

e a nominação que reforçam a representação de Dilma como uma candidata inventada para

representar Lula no Governo, mantendo-o no poder.

O colunista constrói a estratégia predicacional Agora que Dilma não tem mais certeza

de que vai vencer, seu semblante é repassado por uma vaga inquietude, que levanta a

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questão sobre a possibilidade de vitória de Serra, apontando que até mesmo Dilma está em

dúvida quanto à sua própria eleição. Haja vista o enunciado Gente autoritária odeia dúvidas,

porque a dúvida não é "de esquerda" , Jabor prepara o argumento de que Dilma não quer ser

eleita, ao mesmo tempo em que se refere a ela e seus partidários como Gente autoritária. Na

sequência, o articulista cita Karl Marx, relacionando-o ao assunto desse momento e à

candidata: a dúvida é coisa de pequenos burgueses - como dizia Marx: "Pequeno burguês é a

contradição encarnada." (Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

Com frequentes referências a Marx e Lenin, Arnaldo Jabor busca enfatizar sua

argumentação de que o projeto de governo do PT, através de Lula e Dilma, seria um projeto

de tomada de poder e instauração do Comunismo no Brasil, o que poderia trazer para o leitor

representações contra o Comunismo, uma vez que o mesmo foi historicamente deturpado e

representado de forma negativa. Sobre a relação entre Marx, Lenin, Comunismo e Socialismo,

Daniel M. Neves (2013) esclarece:

Conquanto as obras de Karl Marx constituam a teoria motriz sobre o comu nismo –

em especial, o Manifesto comunista e O Capital –, Lenin, pseudônimo de Vladimir

Ilitch Ulianov (1870-1924), dirigente da Revolução Russa de 1917, exerceu

importante papel teórico, interpretando e desenvolvendo o ideário marxista,

sobretudo com o intuito de, segundo o seu ponto de vista, evitar leituras errôneas.

Assim, a teoria revista posteriormente foi denominada de marxista-leninista, e

informa que o comunis mo, na sua fase completa, somente seria alcançado depois

que houvesse a tomada de poder pela classe proletária e a extinção do modo de

produção capitalista, juntamente com a instalação do modo de produção socialista

(NEVES, 2013, p. 62).

As predicações sobre Lula e o PMDB completam o raciocínio sobre a dúvida de Dilma

quanto à sua própria eleição, e em seguida apresenta a combinação de estratégias referenciais

e predicacionais com a depreciação do candidato a vice-presidente:

Agora Lula está deprimido de novo, o PMDB está angustiado, querendo trair,

como mostra a cara do candidato a vice-presidente, o mordomo inglês de filme de

terror... (Exemplo 23. Cf. Anexo 1 – Quadro 3).

No final do artigo, Arnaldo Jabor apresenta o argumento de que Dilma não quer ser

eleita – Talvez no fundo, Dilma tema a própria vitória; Coitada da Dilma - sendo empurrada

com a resignação militante; Dilma às vezes dá a impressão de que não quer governar... Ela

quer sossego, mas não deixam.... Em seguida, o colunista recorre novamente à estratégia

argumentativa combinada a predicações, buscando justificar esse argumento e, dessa forma,

Jabor enumera os atores sociais que são agregados pelo colunista ao grupo de Dilma :

[...] porque terá de aguentar o PMDB exig indo coisas , Força Sindical, CUT,

ladrões absolvidos, renunciados, cassados, novos corruptos no poder, novas

Erenices, terá de receber ordens do comissário do povo Dirceu, terá de beijar e

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gostar do Sarney, Renan, Collor , seus aliados . Vai ter de beijar com delícia o

Ahmadinejad, o beiçudo leão de chácara Chávez , o cocaleiro Evo, com o MS T

enfiando bonés em sua cabeça, vai ter de aturar as roubalheiras revolucionárias dos

fundos de pensão que já mandaram para o Exterior bilhões em contas secretas.

(Exemplo 24. Cf. Anexo 1 – Quadro 2).

No último artigo de Jabor, por meio de estratégia argumentativa, o grupo formado pelo

articulista para Dilma, Lula e PT é claramente completado com PMDB, Força Sindical, CUT,

Erenice, Dirceu, Sarney, Renan, Collor, Ahmadinejad, Chávez, Evo, MST. As estratégia de

construção simbólica de unificação e dissimulação percebidas resultam no deslocamento e

generalização das representações dos leitores sobre aqueles atores sociais. Nesse modo de

operação da ideologia, percebemos a simbolização de unidade, ou seja, a construção e difusão

de “símbolos de unidade, de identidade e de identificação coletivas” (Thompson, 1995, p. 86).

Dessa forma, Jabor suscita no leitor-eleitor representações sobre atores sociais que são

frequentemente citados na mídia, envolvidos em alguma polêmica, por exemplo, José Dirceu

envolvido no caso do “Mensalão”; Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, envolvido na

polêmica sobre a produção de armas nucleares e outras de destruição em massa.

Por fim, o discurso discriminatório também pode ser notado no artigo de Jabor, como

se verifica no último enunciado dos artigos em análise: Como é que fazem isso com uma

senhora?. Dessa forma, o colunista coloca em questão o sexo e a idade da candidata,

levantando representações sociais discriminatórias.

Com estratégias de referenciação e nominação, Jabor constrói antonomásias para se

referir a Dilma e a Lula. Dessa forma, os artigos de Jabor são marcados por “dispositivos de

categorização de filiação mais ou menos explícitos, desde a nominalização aberta até a

metonímia, metáfora e sinédoque”, conforme conceitos descritos por Ihnen e Richardson

(2011, p. 41). É importante ressaltar que as “estratégias referenciais trazem a marca da

predicação” (RICHARDSON e JIWANI, 2011, p. 244) e, da mesma forma, as estratégias

argumentativas são formadas por referências, predicações, intensificações, mitigações e

perspectivações.

Nos sete artigos analisados, há referências aos candidatos facilmente percebidas e

outras que demandam uma análise mais ampla das estratégias discursivas de referenciação e

do contexto, para que se perceba exatamente a quem tais palavras se referem. No entanto, é

nítida a maior atenção dedicada a Dilma Rousseff, nos artigos. Com uma contagem manual,

verifica-se que o nome de Dilma aparece 38 vezes, enquanto o nome de Serra é citado apenas

17 vezes, e o de Marina, 8. Segundo Richardson (2007), um dos métodos de análise

“pressupõe que a descrição quantitativa do conteúdo da comunicação é significativa. Esta

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hipótese implica que a frequência de ocorrência de várias características do conteúdo é em si

um fator importante no processo de comunicação” (BERELSON, 195231

apud

RICHARDSON, 2007, p. 18).

Dilma Rousseff, claramente, recebe maior atenção nos textos de Jabor, o que pode ser

percebido não apenas porque o nome da candidata do PT é citado mais vezes que o nome do

candidato do PSDB, mas também devido às estratégias linguístico-discursivas sobre a

candidata serem muito mais elaboradas, em maior quantidade e com maior articulação

argumentativa, ou seja, são muitas as formas de referenciação e nominação combinadas a

estratégias predicativas e argumentativas.

Percebe-se que em seus artigos Jabor concentrou-se na construção de uma identidade

para Dilma Rousseff, omitindo-se em dar a mesma atenção a José Serra. As estratégias

referenciais e nominativas se destacam nesse processo, devido ao grande número de

nominações e referenciações sobre a candidata do PT. Reunindo-se as estratégias referenciais

e nominativas (Cf. Anexo 1 – Quadro 1) e considerando os “dispositivos de categorização de

filiação mais ou menos explícitos, desde a nominalização aberta até a metonímia, metáfora e

sinédoque” (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 41), teremos o seguinte :

Estratégias referenciais ou nominativas sobre Dilma e seu grupo:

- tropas pelegas,

- a velha esquerda,

- in imigos da liberdade de opinião,

- Lula e seus bolchevistas ,

- maçaroca informe do PMDB,

- soviéticos do PT,

- mentirosos e embusteiros,

- Lula e seus áulicos,

- "chavismo light" ,

- " massa atrasada" [PMDB],

- " massa adiantada" (Dilma et

PT),

- todos os mensaleiros,

- sanguessugas e aloprados,

- ex-partido dos trabalhadores,

- direita do atraso [PMDB],

- a esquerda do atraso [PT],

- marxismo-leninismo tardio,

- leninismo,

- getulismo desenvolvimentista,

- populismo-voluntarista-

estatizante,

- "Padim Ciço" Lula,

- maniqueís mo lulista,

- uma candidata fabricada,

- soviéticos ascendentes ,

- Os soviéticos que sobem,

- sua clone e seus militantes,

- petistas ... revolucionários

"puros",

- comunistas ,

- "aloprados",

- uma soviética,

- a torta caricatura de um vago-

socialismo,

- os comunas ,

- Uma "tarefeira" do narcisismo de

Lula

- uma senhora.

Sobre Marina Silva, há poucas estratégias referenciais e nominativas, as quais se

combinam a estratégias predicacionais:

- [...] apareceu um ser vivo: Marina. Isso.

- Uma das razões para o segundo turno foi a verdade da verde Marina.

31

BERELSON, B. Content Analysis in communicat ions research . In BERELSON, B. and JANOWITZ, M. (Eds)

(1966) Reader in Public Opinion and Communication (2nd edn), pp. 260-266. New York: The Free Press,

1952.

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- Aí, vem aquela lambisgoia do Acre, com sua carinha de índia aculturada, e me ganha a parada.

- E vem aquela candanga seringueira f*&der tudo, dando chance a uma nova eleição?

- Sei que fo i duro para você, bich inha, ser preterida pela Marina, tão magrinha, uma top model do seringal.

As estratégias referenciais ou nominativas sobre José Serra e seu grupo resumem-se a:

- [FHC] um grande intelectual de esquerda,

- Alckmin [...] o tucano,

- um candidato aferrado em certezas de um frio marqueteiro,

- José Serra [...] um homem sério, competentíssimo, patriota, que conheço e respeito des de a UNE,

- FHC e o Serra.

Nas referenciações e nominações sobre Dilma Rousseff, as marcações em negrito

apontam que a associação de Dilma ao Comunismo é a estratégia de referenciação mais

recorrente, o que intensifica o argumento de Jabor sobre um projeto do PT para tomada de

poder. A repetição das referenciações que associam Dilma e seu grupo ao Comunismo

qualifica e modifica o status epistêmico das estratégias discursivas pela intensificação da

força ilocucionária dos enunciados (IHNEN e RICHARDSON, 2011, p. 41). Conforme

Richardson e Jiwani (2011), a análise da argumentação deve examinar as estratégias de

intensificação e as estratégias de mitigação, as quais podem se manifestar por meio da ênfase

em determinadas palavras. Nesse caso, percebemos que a intensificação dos argumentos de

Jabor sobre a existência de um projeto petista para tomar o poder e "revolucionar" por dentro

é sinalizada principalmente com a repetição das referenciações e nominações negritadas.

Nas referenciações e nominações sobre Serra, não se pode falar em intensificação da

força ilocucionária dos enunciados, da mesma forma que ocorre sobre Dilma. Parcas

referenciações e argumentos foram construídos por Jabor sobre o candidato do PSDB, nesse

caso, o não-dito se faz presente, dando espaço à imaginação do leitor sobre o candidato do

PSDB. Assim, o colunista nega ao leitor argumentos suficientes a favor do voto em José

Serra, atendo-se a argumentar contra Dilma.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos em disputa nos textos analisados se articulam para a construção de

identidades sociais e posições de sujeito. No contexto de nosso material de análise, diferentes

discursos em disputa pela hegemonia podem ser percebidos, mas o que ganha maior espaço

no suporte do corpus é o discurso de apoio a José Serra para Presidente da República. Nesse

caso, pode-se perceber que as identidades mais relevantes são aquelas construídas para os

candidatos, além das posições dos atores sociais, Arnaldo Jabor e O Estado de S. Paulo,

perante tais discursos. As identidades resultam de efeitos de sentido de um processo de

representação, por meio de sistemas simbólicos acessados pelos atores sociais. Nesse sentido,

a análise das estratégias linguístico-discursivas e das estratégias de construção simbólica que

dão forma aos modos de operação da ideologia apresentou-se bastante produtiva, revelando o

processo de representação e construção de identidades.

Nos textos, ocorrem poucas referências a José Serra, não havendo uma contraposição

elaborada entre os dois principais candidatos. No entanto, podemos inferir que o não-dito

participa da construção do sentido do texto. Dilma recebe grande ate nção sendo citada

repetidamente em referenciações, predicações e argumentações. Por outro lado, Jabor se

omitiu em descrever Serra na mesma medida. Ocorre nos textos, portanto, certo vazio

argumentativo em favor da eleição de José Serra, pela falta de informações suficientes que

subsidiassem o posicionamento favorável ao candidato Serra, que recebeu o apoio declarado

do jornal. A pouca atenção dedicada a Serra e a grande atenção voltada para Dilma

evidenciam o objetivo de construir uma identidade para a candidata do PT que provocasse o

efeito de sentido de expurgo do outro (THOMPSON, 1995), ou seja, a construção simbólica

de uma candidata inimiga da sociedade, à qual os leitores-eleitores deveriam resistir, votando

no candidato do PSDB. Nesse sentido, as relações sociais observadas nos textos implicaram o

posicionamento dos sujeitos durante a enunciação, resultando em identidades contrapostas e

marcadas por suas diferenças. Essa marcação ocorreu principalmente por meio de sistemas

simbólicos de representação e formas de exclusão social e política.

A partir de Becker (2009), foi possível comprender que, ao produzir seus textos, O

Estado de S. Paulo e Arnaldo Jabor apropriaram-se de expressões, enunciados, representações

e estratégias de contrução simbólica que outros grupos sociais têm produzido e difundido,

principalmente o grupo representado pelo PSDB. Nesse processo, o jornal se torna usuário de

representações produzidas no discurso de apoio a José Serra, inerentes à sua campanha

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eleitoral, assim, o Estado passa à posição de produtor de novas representações que são usadas

pelo colunista, o qual integra o discurso de apoio à eleição de Serra e produz novas

representações que alcançarão os leitores do jornal, como em uma “corrente ininterrupta”.

Nos textos analisados, o discurso de apoio à eleição de José Serra é constantemente

reforçado pelas representações articuladas por Arnaldo Jabor, e, para tanto, o discurso da

campanha eleitoral de Dilma Rousseff é representado de forma negativa, por meio de diversas

estratégias discursivas e de construção simbólica, pelas quais opera a ideologia.

Para Howard Becker (2009), a atividade representacional suscita questões morais para

participantes, produtores e usuários em inúmeros aspectos: mérito, culpa, papéis de herói e de

vilão, e tudo isso é recorrente nos textos em análise. No editorial verificamos a estratégia de

construção simbólica de “expurgo do outro” em esse é o mal a evitar e, nos artigos de Jabor,

podem ser percebidas diferentes estratégias discursivas que advertem o leitor quanto ao

perigo concreto que nos ronda, que seria a possibilidade de Dilma vencer as eleições.

A partir dos estudos que deram suporte à nossa pesquisa, os quais foram trabalhados

no segundo capítulo, podemos afirmar que as identidades construídas nos textos analisados,

resultam de representações manifestadas nas estratégias discursivas e de construção

simbólica, que reproduzem o discurso de apoio à eleição de José Serra. O Estado e Jabor se

envolvem profundamente nessa campanha, tornando-se importantes atores políticos, uma vez

que suas representações são veiculadas pela imprensa. Os interesses políticos e econômicos,

conforme já discutido no primeiro capítulo, são cada vez mais evidentes.

A construção de identidades nos textos de Jabor é operada conforme descrito por

Castells (1999), mediante informações contextuais, históricas, estereotípicas, representações

sociais e institucionais. Ao tomar a palavra por meio de seu editorial e ao dar a palavra ao

colunista Arnaldo Jabor, O Estado de S. Paulo coloca em prática seu privilégio de classificar

e de atribuir valores aos diferentes grupos formados na prática discursiva do jornal. Está claro

que o Estado, como suporte para os textos analisados, não é neutro e os gêneros artigo e

editorial não são indiferentes a ele. O jornal Estado enquanto suporte para o gênero artigo de

opinião, assinado por Jabor, mantém seu poder de filtragem e direcionamento de seu

conteúdo. Esse privilégio potencializado pela mídia e marcado pelas estratégias discursivas,

no processo de construção de identidades, não pode ser separado das relações mais amplas de

poder.

Como resultado de estratégias discursivas e de estratégias de construção simbólica,

combinadas de forma a reiterar referenciações, predicações e argumentações, os textos

analisados constroem para Dilma Rousseff uma identidade de candidata que, segundo o

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colunista, serviria apenas ao interesse de Lula em continuar no governo, materializando um

suposto projeto petista de tomada de poder para a imposição de um regime autoritário, o que

deveria ser evitado pelos leitores-eleitores. As representações mais marcantes são assim

percebidas devido a estratégias de intensificação como a repetição de referenciações e

nominaçãos. As representações mais evidentes foram aquelas articuladas em função da

candidata do PT, repetidamente associada ao Comunismo, a regimes autoritários, e a um

suposto projeto de tomada de poder. Estas são representações recorrentes no discurso contra a

esquerda política.

Analisando a maneira pela qual os atores sociais são nomeados, em estratégias

referenciais, foi possível identificar não apenas a que grupo os candidatos foram associados,

nos textos, mas também foi possível perceber a relação entre aqueles que nomeiam, o Estado

e o colunista, e os nomeados, principalmente os candidatos. Assim, a partir dos resultados da

análise, podemos concluir que O Estado de S. Paulo e Arnaldo Jabor posicionaram-se da

mesma forma em apoio à eleição do candidato do PSDB, e também de igual modo, reforçam a

resistência ao discurso da campanha eleitoral da candidata do PT, aquela que é reiteradamente

representada como comunista e nomeada com atribuições negativas.

A partir das representações verificadas na análise das estratégias discursivas

desenvolvidas nos textos, podemos concluir quem são os enunciadores ao se dirigirem ao

público leitor. E essa conclusão não é outra senão a de que estes enunciadores são os

partidários de Serra, ou seja, Estadão e Jabor.

Com base nos dados analisados, percebemos que os artigos assinados por Arnaldo

Jabor reforçaram o apoio do jornal O Estado de S. Paulo à eleição de José Serra para a

Presidência da República, nas eleições de 2010. Os artigos e o editorial, bem como as

condições de produção dos textos, constroem, conjuntamente, identidades q ue indicam o

candidato José Serra como aquele que deveria ser eleito Presidente da República. José Serra e

seus partidários aparecem, relativamente, poucas vezes. Em relação à candidata eleita, Dilma

Rousseff, seu nome aparece duas vezes mais que o nome de Serra, o que, por si só, já indica

que Dilma Rousseff recebeu maior atenção. Essa maior atenção dedicada a Dilma foi marcada

por críticas, especulações, construções pejorativas, valorações estéticas, morais e éticas de

forma negativa, frequentemente associando-se a candidata ao contexto da criminalidade, da

corrupção e do autoritarismo. Sua identidade é construída em torno de conjecturas sobre

envolvimento com supostos criminosos, facções, eventos históricos de tomada de poder,

regimes autoritários, ameaça à democracia, relações com personalidades polêmicas, como

Chefes de Estado supostamente envolvidos em crises internacionais e terrorismo. Dilma tem

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sua identidade construída ainda com ênfase em sua aparência física, além de julgamentos de

valores morais quanto à sua sexualidade, orientações filosóficas e sua opção pessoal por

alguma religiosidade ou ateísmo. Dessa forma, os artigos e o editorial apresentaram uma

identidade de candidata que não deveria ser eleita Presidente, sendo sua eleição, repetidas

vezes, descrita como um risco e um perigo concreto.

Marina Silva recebe, relativamente, pouca atenção entre os artigos e o editorial,

figurando apenas em dois artigos de Arnaldo Jabor, que foram publicados após o resultado do

primeiro turno das eleições, quando Marina já estava fora do páreo. A candidata do PV teve

uma identidade de pouco destaque nos artigos, porém construída principalmente com

expressões positivas, como se verificou na estratégia de construção simbólica de

diferenciação entre a candidata do PV e Lula, com o fim de evitar que, no segundo turno, os

votos de Marina se transferissem para Dilma.

Fica evidente que Arnaldo Jabor dedicou-se a reforçar o discurso de apoio a José

Serra, consoante à declaração do editorial do Estado, dedicando-se sobremaneira, em seus

textos, à construção de uma identidade para Dilma Rousseff, mais do que para a construção de

uma identidade para José Serra, como pode ser verificado ao observarmos a desproporção nos

quadros das estratégias discursivas em anexo.

Respondendo à indagação que motivou esta pesquisa e confirmando a hipótese

levantada de início, entendemos que existe uma correspondência entre a declaração de apoio

do Estado ao candidato José Serra e as identidades construídas nos artigos de Arnaldo Jabor,

configurando o discurso de apoio do jornal, corroborado pelo articulista, ao candidato José

Serra, em detrimento das candidatas, Dilma e Marina.

Também podemos concluir que há uma estreita relação entre a opção política da

empresa, O Estado de S. Paulo, e o discurso reafirmado pelo articulista. Vale lembrar que a

psicanalista e ex-colunista do Estado, Maria Rita Kehl, demitida após publicar artigo em que

defendia as ações do governo Lula, criticando indiretamente o discurso de apoio a Serra,

afirmou: “Fui demitida por um 'delito' de opinião”. A demissão de Maria R. Kehl sustenta o

entendimento de que, se não estivessem coerentes com a opção política do Estado, os artigos

de Arnaldo Jabor, sobre as eleições, não teriam o mesmo espaço que tiveram no jornal. É

possível considerar que os artigos de Jabor não foram um “'delito' de opinião”, no julgamento

do Estado, estavam coerentes com a política e a opção partidária da empresa.

A escolha de uma palavra em detrimento de outra, a escolha de determinadas palavras

para se referir a um candidato e de outras palavras para se referir a outro, evidencia um

posicionamento ideológico, reforçando o discurso de apoio a José Serra e expondo o grupo

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hegemônico no qual Jabor se insere. Além da publicação dos artigos de Arnaldo Jabor

naquele jornal que declarou oficialmente seu posicionamento, as estratégias discursivas, que

constroem as identidades dos candidatos nos textos analisados, também marcam o

posicionamento ideológico do articulista.

Em seus artigos, Arnaldo Jabor responde ao já-dito, adaptando, reforçando e

enriquecendo diferentes discursos que se fazem presentes no espaço de interação que se

estabelece na coluna que traz seus textos. Arnaldo Jabor deixa marcados em seu enunciado

pontos de diálogo com outros interlocutores, outros autores de enunciados anteriores, e

também com autores de respostas possíveis que completem a “corrente ininterrupta”

(BAKHTIN, 1997), refletindo, conforme Scollon (1998), em possíveis efeitos nas ações

sociais dos leitores. Segundo Bakhtin, o leitor “que recebe e compreende a significação de um

discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele

concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar”

(1992, p. 290).

A ação responsiva desejada pelo jornal e pelo articulista era, sem dúvida, o voto de

seus leitores-eleitores em José Serra. Assim, em São Paulo, Estado onde o jornal consolidou a

liderança no mercado de imprensa, José Serra foi realmente o candidato mais votado, o que

resulta de diversos fatores sociais, culturais e históricos, mas também do forte apoio da

imprensa. Conquanto o apoio do jornal e seu alcance nacional não tenham sido suficientes

para eleger o candidato do PSDB para a Presidência da República, o mesmo partido teve seu

candidato a governador eleito naquele Estado.

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ANEXOS

Anexo 1- Quadros comparativos

Quadro 2 - Estratégias referenciais ou nominativas:

Dilma Rousseff José Serra Marina Silva

Editorial

“O mal a

evitar”

A acusação do presidente da República de que

a Imprensa "se comporta como um part ido

político" é obviamente extensiva a este jornal./

Lula, que tem o mau hábito de perder a

compostura quando é contrariado/

o dono do PT/

se transformou de presidente de todos os

brasileiros em chefe de uma facção que tanto

mais sectária se torna quanto mais se apaixona

pelo poder./

É quem é o responsável pela invenção de uma

candidata para representá-lo no pleito

presidencial e , se eleita, segurar o lugar do

chefão e garantir o bem-estar da

companheirada./

Luiz Inácio Lula da Silva/

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e

seu entorno primam pela escolha dos piores

meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no

poder./

E o que dizer da postura nada edificante de um

chefe de Estado que des preza a liturgia que

sua investidura exige e se entrega

descontroladamente ao desmando e à

autoglorificação?/

Es te é o "cara"./

o Estado apoia a

candidatura de José

Serra à Presidência da

República [...]/

O apoio deve-se também

à convicção de que o

candidato Serra é o que

tem melhor possibilidade

de evitar um grande mal

para o País./

ingente tarefa - in iciada

nos governos de Itamar

Franco e Fernando

Henrique - de promover

o desenvolvimento

econômico/

Artigos de

Arnaldo

Jabor

o desfile de horrores da política brasileira./

Os dois carros-chefes do desfile, Dilma e Serra/

É arrep iante ver a mentira com 80% de ibope/

tropas pelegas /

Jânio Quadros [...] o avô " mid iático" do Lula/

estabilização da economia, lei de

responsabilidade fiscal, privatizações essenciais,

consolidação da dívida interna, saneamento

bancário que nos salvou da crise de hoje,

telefonia, tudo aquilo que, depois, Lula

desapropriou como obra sua./

o desfile de horrores da

política brasileira./

Os dois carros-chefes do

desfile, Dilma e Serra/

Serra/

um grande intelectual

de esquerda [FHC]/

FHC [...] não explicou

didaticamente para a

população a revolução

estrutural que

realizava: estabilização

da economia, lei de

Marina/

No meio de uma

programação

mecân ica de

market ing,

apareceu um ser

vivo: Marina.

Isso./

Uma das razões

para o segundo

turno foi a

verdade da

verde Marina./

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"revival" do arremedo de socialismo que já

era ridículo em 63/

a velha esquerda/

inimigos da liberdade de opinião/

Lula e seus bolchevistas./

Escrevo isso enojado pela mentira [Lula]

vencendo com 80% de Ibope/

Lula não é um político - é um fenômeno

religioso/

a maçaroca informe do PMDB agarrada aos

soviéticos do PT, nossa direita

contemporânea./

malditos sejais, ó mentirosos e embusteiros!/

PT/

Lula e seus áulicos /

"chavismo light", cordial/

"massa atrasada" [PMDB]/

"massa adiantada" (Dilma et PT)/

ganhamos mais cultura política com a visão da

figura da Erenice, a burocrata felliniana, a

"mãe coragem" com seus filhos lobistas, com o

corpinho barbudo do Tuminha (lembram?),

com o " make-over" da clone Dilma (que ama a

ex-Erenice, seu braço direito há 15 anos), com o

silêncio eufórico dos Sarneys, do Renan, do

Jucá.../

o Lula brilhando na TV, xingando a míd ia e com

todos os mensaleiros , sanguessugas e aloprados

felizes em seus empregos e dentro do ex-partido

dos trabalhadores ./

soviéticos ascendentes./

Os soviéticos que sobem/

dois tumores gêmeos de nossa doença: a união da

direita do atraso [PMDB] com a esquerda do

atraso [PT]./

marxismo-leninismo tardio/

persiste entre nós este sarapatel de teses:

leninismo, getulismo desenvolvimentista - e

agora, possível "chavismo cordial"./

responsabilidade fiscal,

privatizações essenciais,

consolidação da dívida

interna, saneamento

bancário que nos salvou

da crise de hoje,

telefonia,/

Em um debate com

Alckmin (lembram?),

quando o tucano

perguntou a Lula.../

A campanha à que

assistimos foi uma

campanha de bonecos

de si mesmos , em que

cada gesto, cada palavra

era vetada ou liberada

pelos donos da

"verdade" midiática./

uma candidata fabricada

e de um candidato

aferrado em certezas

de um frio

marqueteiro./

...José Serra, que

apesar de ser um

homem sério,

competentíssimo,

patriota, que conheço e

respeito des de a UNE,

mas que é das pessoas

mais teimosas do

mundo./

"Dilma, companheira,

esculacha bem o FHC e

o Serra/

Aí, vem aquela

lambisgoia do

Acre, com sua

carinha de índia

aculturada, e me

ganha a parada/

E vem aquela

candanga

seringueira

f*&der tudo,

dando chance a

uma nova

eleição?/

Sei que foi duro

para você,

bichinha, ser

preterida pela

Marina, tão

magrinha, uma

top model do

seringal/

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esse populismo-voluntarista-estatizante/

Lula topa tudo para eleger seu clone [Dilma] que

guardará a cadeira até 2014./

...como Lula já fez com seus desmandos de cabo

eleitoral da Dilma/

Aloprados /

A campanha à que assistimos foi uma campanha

de bonecos de si mesmos , em que cada gesto,

cada palavra era vetada ou liberada pelos donos

da "verdade" mid iática./

Dilma, fabricada dos pés ao cabelo, desfilava

na certeza de sua vitória, abençoada pelo "Padim

Ciço" Lula./

má interpretação da personagem, como atrizes

ruins em filmes/

os jovens contemporâneos, mesmo aqueles

cooptados pelo maniqueísmo lulista, não

conseguem votar naquela ostentada simpatia,

pois veem com clareza uma careta querendo

ser cool./

uma candidata fabricada e de um candidato

aferrado em certezas de um frio marqueteiro./

o Lula, sua clone e seus militantes/

Além disso, com " medinho" de desagradar aos

"bolsistas da família", n inguém podia expor

mentiras e falsos dados que os petistas exib iam

gostosamente, com o descaro de revolucionários

"puros"./

"Muito bonito, hein, madame? A senhora me

apronta uma dessas.../

Outra coisa: como vocês, comunistas, são

incompetentes!.../

Aprenda o meu truque, sua canastrona; a

senhora tem de fazer uma carinha de "vítima",

como eu faço, não importa por quê. O povão

adora que a gente reclame "daszelites", como o

Jânio fazia - "vítima" de algo... Até o Hitler

fingia que era ví tima do mundo todo.../

Será possível que vocês "aloprados" não podem

ficar quietos nunca?/

você era uma soviética como esses aí... Agora,

tem de começar sendo atriz.../

(Coitada da pobre senhora que,

canhestramente, segue as ordens do patrão e dos

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petistas que a usam para ficar eternamente em

seus buraquinhos ou para realizar o que seria a

torta caricatura de um vago socialismo, que

não passa de uma reles aliança com a banda

podre do PMDB.)/

Feito ensinou aquele cara italiano, que os

comunas vivem falando, o tal de Gramsci... só

que nosso Gramsci é o Dirceu.... ah ah.../

"Dilma, companheira, esculacha bem o FHC e o

Serra, pois você pode inventar os números que

quiser, porque ninguém confere./

Eu acho que Dilma é uma vítima. Uma

"tarefeira" do narcisismo de Lula./

Coitada da Dilma - sendo empurrada com a

resignação militante, para cumprir ordens,

tarefas, como os militantes rasos que pichavam

muros ou distribuíam panfletos./

Como é que fazem isso com uma senhora?/

Quadro 3 - Estratégias predicacionais:

Dilma Rousseff José Serra Marina Silva

Editorial

“O mal a

evitar”

Lula, que tem o mau hábito de perder a

compostura quando é contrariado,/

tem também todo o direito de não estar

gostando da cobertura que o Estado, como

quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à

escandalosa deterioração moral do governo

que preside./

O presidente Lula tem, como se vê, outro mau

hábito: julgar os outros por si./

É quem é o responsável pela invenção de uma

candidata para representá-lo no pleito

presidencial e, se eleita, segurar o lugar do

chefão e garantir o bem-estar da

companheirada.

Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao

final de seus dois mandatos com níveis de

popularidade sem precedentes/

tentativas quase sempre bem-sucedidas de

desconstrução de um edifício institucional

democrático historicamente frágil no Brasil/

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e

seu entorno primam pela escolha dos piores

meios para atingir seu fim precípuo: manter-se

no poder./

o Estado apoia a

candidatura de José

Serra à Presidência da

República,/

e não apenas pelos

méritos do candidato,

por seu currículo

exemplar de homem

público e pelo que ele

pode representar para

a recondução do País

ao desenvolvimento

econômico e social

pautado por valores

éticos./

O apoio deve-se também

à convicção de que o

candidato Serra é o

que tem melhor

possibilidade de evitar

um grande mal para o

País./

Lu iz Inácio Lula da

Silva está chegando ao

final de seus dois

mandatos com níveis de

popularidade sem

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Para isso vale tudo: alianças espúrias,

corrupção dos agentes políticos, tráfico de

influência, mistificação e, inclusive, o

solapamento das instituições sobre as quais

repousa a democracia - a começar pelo

Congresso./

E o que dizer da postura nada edificante de um

chefe de Estado que despreza a liturgia que sua

investidura exige e se entrega

descontroladamente ao desmando e à

autoglorificação? Este é o "cara"./

precedentes,

alavancados por

realizações das quais ele

e todos os brasileiros

podem se orgulhar, tanto

no prosseguimento e

aceleração da ingente

tarefa - iniciada nos

governos de Itamar

Franco e Fernando

Henrique - de

promover o

desenvolvimento

econômico quanto na

ampliação dos

programas que têm

permitido a

incorporação de

milhões de brasileiros a

condições materiais de

vida minimamente

compatíveis com as

exigências da

dignidade humana./

Artigos de

Arnaldo

Jabor

Os dois carros-chefes do desfile, Dilma e Serra,

correrão na frente de um trem fantasma/

Os candidatos equilibram bolas no nariz como

focas amestradas/

"alianças es púrias" (infantis, comparadas com

a era Lula)/

Teremos a sabotagem radical de tropas pelegas

impedindo Serra de governar ou o "revival"

do arremedo de socialismo que já era ridículo

em 63? Arrepio-me./

Gramsci foi transformado em chefe de

quadrilha./

clone Dilma (que ama a ex-Eren ice, seu braço

direito há 15 anos)/

E é es pantoso que este óbvio fenômeno

político, caudilhista, subperonista,

patrimonialista, aí, na cara da gente, seja

ignorado por quase toda a intelligentsia do

País , que antes vivia escrevendo manifestos

abstratos e agora se cala diante deste perigo

concreto que nos ronda./

No Brasil, a palavra "es querda" ainda é o ópio

dos intelectuais ./

A única oposição que teremos é o da imprensa

livre, que será o inimigo principal dos

soviéticos ascendentes. /

Serra também estava,

falando, de presidente

da UNE/

o Plano Real que FHC

fez (que depois foi

roubado pelo Lula,

claro...)./

Aí, 1994, o ano da

esperança ...um grande

intelectual de esquerda

subindo ao poder

[FHC]/

Serra. Os erros da

campanha do Serra

foram inúmeros: a

adesão falsa ao Lula,

que acabou rindo dele:

"O Serra finge que me

ama".../

Serra errou muito por

autossuficiência (seu

defeito principal),

demorando muito para

se declarar candidato/

Serra demorou para

escolher um vice-

presidente (com a gafe

de dizer que vice bom é

o que não aporrinha)/

Os erros dos

dois favori tos

acabaram sendo

o grande

impulso para

Marina./

Sua voz calma,

sua expressão

sincera, o visível

amor que ela

tem pelo povo

da floresta e da

cidade, tudo isso

desconstruiu a

imagem de uma

candidata

fabricada e de um

candidato

aferrado em

certezas de um

frio marqueteiro./

Marina tem

origem

semelhante à do

Lula, mas não

perdeu a doçura

e a fé de vencer

pelo bem. Isso

passa nas

imperceptíveis

expressões e

gestos, que o

público capta./

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malditos sejais, ó mentirosos e embusteiros!/

Os soviéticos que sobem já avisaram que

revistas e jornais são o inimigo deles./

Estamos vivendo um momento grave de nossa

história política em que aparecem dois tumores

gêmeos de nossa doença: a união da direita do

atraso com a esquerda do atraso./

O Brasil está entregue à manipulação pelo

governo das denúncias... para uma espécie de

"tomada do poder". Isso; porque não se trata de

um nome por outro - a ideia é mudar o Es tado

por dentro./

Diante de Lula, o símbolo do "povo que subiu

na vida", eles capitulam./

A explicação desta afasia e desta fixação num

marxismo-leninismo tardio é muito bem

analisada em dois livros.../

O que vai acontecer com esse populismo-

voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá

em ciência polít ica./

Se eleito [“seu clone” - Dilma], as chamadas

"forças populares", que ocupam mais de 100

mil postos no Estado aparelhado, vão

permanecer nas "boquinhas", através de

providências burocráticas de legitimação./

Não, o Palácio de Inverno de São Petersburgo da

Rússia em 1917 ainda não será tomado pela

onda vermelha./

Dilma. Enquanto o Serra surfava em sua

autoconfiança suicida, a Dilma, fabricada dos

pés ao cabelo, desfilava na certeza de sua

vi tória, abençoada pelo "Padim Ciço" Lula./

Seus erros foram difíceis de catalogar

racionalmente, mas os eleitores perceberam

sutilezas na má interpretação da personagem,

como atrizes ruins em filmes./

O sorriso sem ânimo, riso esforçado, a busca de

uma simpatia que escondesse o nítido

temperamento autoritário, suas palavras sem a

chama da convicção, ocultando uma outra

Dilma que não sabemos quem é, sua postura de

vencedora, falando em púlp itos para jornalistas,/

sua arrogância que só o salto alto permite: ser

pelo aborto e depois desmentir,/

sua união de ateia com evangélicos,/

a voracidade de militante - tarefeira, para quem

tudo vale a pena contra os "burgueses de direita"

que são os adversários, os esqueletos da Casa

fez acusações ligando

as Farc à Dilma/

esculachou o governo

da Bolívia ainda no

início/

avisou que pode mexer

no Banco Central e,

quando sentiu que não

estava agradando, fez

anúncios populistas

tardios sobre salário

mínimo e aposentados./

Serra não mudou um

milímetro os erros de

sua campanha de

2002./

Serra surfava em sua

autoconfiança suicida/

Agora teremos um

segundo turno e talvez

vejamos um PSDB

fortalecido pela súbita

e inesperada virada./

Desta vez, o partido

terá de ser oposição, se

defendendo e não

desagregado como foi

no primeiro turno,

onde se esconderam

todos os grandes feitos

do próprio PSDB,

durante o governo de

FHC./

Na minha opinião, só

chegamos ao segundo

turno por conta dos

deuses da Sorte. Isso -

foi sorte para o Serra e

azar para a Dilma./

...Isso salvou a

campanha errática e

autossuficiente do José

Serra, que apesar de

ser um homem sério,

competentíssimo,

patriota, que conheço e

respeito des de a UNE,

mas que é das pessoas

mais teimosas do

mundo./

Se ouvir seus pares e

o

reconhecimento

popular do

encanto sincero

de Marina./

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Civil, desde os dossiês contra FHC, passando

pela Receita Federal (com Lina Vieira e depois

com os invasores de sigilos),/

sua tentativa de ocultar o grande hipopótamo

do Planalto que foi seu braço direito e resolveu

montar uma quadrilha familiar./

Além disso, os jovens contemporâneos, mes mo

aqueles cooptados pelo maniqueísmo lulista,

não conseguem votar naquela ostentada

simpatia, pois veem com clareza uma careta

querendo ser cool./

vimos o Lula, sua clone e seus militantes se

apropriarem descaradamente de todas as

reformas essenciais que o governo anterior fez

e que possibilitaram o sucesso econômico do

governo Lula, que cantou de galo até no Financial

Times, assumindo a estabilização de nossa

economia./

Na minha opinião, só chegamos ao segundo

turno por conta dos deuses da Sorte. Isso - foi

sorte para o Serra e azar para a Dilma./

"Muito bonito, hein, madame? A senhora me

apronta uma dessas , justamente depois de tudo

que eu fiz? Pusemos uma equipe de técnicos em

make-over, em embelezamento, a bicha te fez

um penteado de galo imperial, gastamos um

granão em botox, em treinamentos de sorrisos,

em ritmo de falas e a senhora me apronta uma

dessas, sem ao menos me avisar de que havia o

perigo na área daquela caricatura de

burocrata que a senhora me empurrou na

Casa Civil? A senhora não sabia que aquela

família estava aparelhada lá dentro, filhinhos,

genrinhos, etc.?/

E a senhora levanta para ela cortar com aquele

papo na TV dizendo há uns meses que é a favor

do aborto? Você está pensando que fala com

quem? Com aqueles babacas intelectuais que te

acham uma "revolucionária"? Não. A senhora tem

de falar como eu, para idiotas.../

e você abre para os padres te esculacharem

porque você é a favor do aborto? Tá tudo no

YouTube, não adianta desmentir não, que é

pior. Lembra quando aquela minha ex-mulher

disse que eu tinha tentado obrigar ela a abortar?

Perdi tudo, e aí tu me dá uma dessas?/

Eu só te escolhi porque a senhora é mulher e

era obediente, "tarefeira", tipo: "Vai pichar

parede!..." Você ia. "Vai panfletar!"

Obedecia... Eu devia estar no Irã beijando o

aiatolá, se não a senhora não falava aquilo!/

Outra coisa: não faça carinhas de cristã, entre

amigos, poderá ser o

próximo presidente. Se

não.../

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evangélicos e católicos ./

Não dá uma de Madre Tereza de Calcutá que

nego saca que é chinfra... Todo mundo sabe que

você acha a religião "o ópio do povo", não é

isso que o teu mestre falou?... /

E mais: se o adversário diz que vai aumentar o

mínimo para R$ 600, diz que joga para mil,

porra! Pode dizer que depois se vê.../

Eles pensam que eu é que fiz o Plano Real, que

eu mandei a economia mundial vir para cá, eles

pensam que você é minha mulher. Deixa

pensar... pode dizer que é minha mulher

mesmo - (a outra até ficou com ciúme...)/

...Como é que a senhora ainda me deixa aparecer

outra "erenicezinha", como? Quem é essa moça

que você chama de "tupamara" que era sua

amiga, que você contratou e que logo, logo

entregou R$ 14 milhões para uma firma sem

licitação? Já está aí nas revistas desses canalhas

da imprensa que teimam em mostrar

roubalheiras.../

"Dilma, não fale nada de novo sobre aborto

que você já deu uma entrevista na TV e agora

não adianta desmentir./

Dilma, eu sei que você é ateia, que para você a

religião é o ópio do povo, mas, dane-se, ajoelha

e reza, mas não fica com a cara muito em êxtase

feito uma madre Teresa de Calcutá, não, que eles

desconfiam./

Sei que foi duro para você, bichinha, ser

preterida pela Marina,/

você é uma revolucionária e tem de aguentar

as intempéries para garantir os empregos de

tantos militantes que invadiram esse Estado

burguês para "revolucionar" por dentro./

Você tem de es quentar minha cadeira até 2014,

pois você acha que vou ficar de pi jama em São

Bernardo?"/

Aí, chegam os marqueteiros, escondendo sua

depressão, pois o segundo turno não estava em

seus planos de tomada do poder/

Diz aí que nós tiramos 28 milhões de

brasileiros da miséria! Claro que é mentira,

pô/

Esqueça no fundo de tua mente que a inflação só

ameaçou o Plano Real quando Lula barbudo

ia vencer... Mas, quando o Duda escreveu a

cartinha do Lulinha "paz e amor", a inflação

voltou ao normal./

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Dilma, você tem de negar em todos os debates

que o PT tentou impedir o Plano Real no STF,

assim como não assinou a Constituição de 88

para não compactuar com o "Estado burguês"/

todos têm de esquecer que fomos contra a Lei de

Responsabilidade Fiscal, que demos força a

todos os ladrões que pudemos para manter as

alianças para nosso poder eterno/

pois as ordens do companheiro Dirceu ... eram:

atacar tudo do governo FHC, mesmo as coisas

inegavelmente boas./

Diga sempre que a culpa é das "elite", que o

povão do Bolsa acredita.../

Agora que Dilma não tem mais certeza de que

vai vencer, seu semblante é repassado por uma

vaga inquietude./

Gente autoritária odeia dúvidas, porque a

dúvida não é "de es querda"; a dúvida é coisa

de pequenos burgueses - como dizia Marx:

"Pequeno burguês é a contradição encarnada."/

Lula também odeia dúvidas ... Ele fica

retumbante quando vitorioso, mas sua cara muda

com fracassos. Lembram do seu pior momento,

quando explodiu o mensalão?/

Eu que sou uma vitória do proletariado, eu que

tenho devotos, eu que sou quase um círio de

Nazaré?/

Agora Lula está deprimido de novo, o PMDB

está angustiado, querendo trair, como mostra a

cara do candidato a vice-presidente, o mordomo

inglês de filme de terror... Lula teme a derrota/

Talvez no fundo, Dilma tema a própria v itória/

porque terá de aguentar o PMDB exigindo

coisas, Força Sindical, CUT, ladrões

absolvidos, renunciados, cassados, novos

corruptos no poder, novas Erenices/

terá de receber ordens do comissário do povo

Dirceu/

terá de bei jar e gostar do Sarney, Renan,

Collor, seus aliados./

Vai ter de beijar com delícia o Armadinejad, o

beiçudo leão de chácara Chávez, o cocaleiro

Evo, com o MS T enfiando bonés em sua

cabeça/

vai ter de aturar as roubalheiras

revolucionárias dos fundos de pensão que já

mandaram para o Exterior bilhões em contas

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secretas./

Coitada da Dilma - sendo empurrada com a

resignação militante, para cumprir ordens,

tarefas, como os militantes rasos que pichavam

muros ou distribuíam panfletos./

Dilma às vezes dá a impressão de que não quer

governar... Ela quer sossego, mas não

deixam.../

Quadro 4 - Estratégias argumentativas:

Dilma Rousseff José Serra Marina Silva

Editorial

“O mal a

evitar”

Efetivamente, não bastasse o embuste do

"nunca antes", agora o dono do PT passou a

investir pesado na empulhação de que a

Imprensa denuncia a corrupção que degrada

seu governo por mot ivos partidários./

É sobre essa perspectiva tão grave e

ameaçadora que os eleitores precisam refletir./

O que o eleitor decid irá de mais importante é se

deixará a máquina do Estado nas mãos de

quem trata o governo e o seu partido como se

fossem uma coisa só, submetendo o interesse

coletivo aos interesses de sua facção./

"Se ele pode ignorar as instituições e atropelar

as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

valores essenciais ao

aprimoramento se não

à própria

sobrevivência da

democracia neste país./

Artigos

de

Arnaldo

Jabor

Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha

esquerda que agora quer voltar ao poder como

em 63, de novo com a ajuda de um presidente./

Assim como foi com Jango, agora precisam do

Lula. São as mesmas besteiras de pessoas que

ainda pensam como nos anos 60 e, pior, anos

40./

delegávamos o dever da revolução ao presidente

da República, na melhor tradição de dependência

ao Estado, como hoje. Deu nos 20 anos de bode

preto da ditadura./

"Revolução" era uma mão na roda para justificar

sua ignorância, pois essa ala da esquerda burra

(a inteligente cresceu e mudou...) não precisava

estudar nada profundamente, por serem "a favor"

do bem e da justiça - a "boa consciência", último

refúgio dos boçais./

Vejo, assustado, que querem substituir o

patrimonialismo "burguês" pelo sindicalista,

ala da esquerda burra (a

inteligente cresceu e

mudou...)/

a via mais

revolucionária para o

Brasil de hoje é

justamente o que

chamávamos de

"democracia

burguesa", com

boquinha de nojo./

acho que a luta de hoje é

entre a verdadeira

esquerda que

amadureceu e uma

esquerda que quer

continuar a bobagem,

não por romantismo,

mas porque o Lula abri-

lhes as portas para a

Uma das razões

para o segundo

turno foi a

verdade da verde

Marina./

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claro que numa aliança de metas e métodos com

o que há de pior na política deste país./

uma es querda que quer continuar a bobagem,

não por romantismo, mas porque o Lula abri-

lhes as portas para a lucrativa pelegagem./

Vão partir para um controle soviético e

gramsciano vulgar do Es tado para ter salvo-

condutos para suas roubalheiras num país sem

oposição, entregue a inimigos da liberdade de

opinião./

...mentira vencendo com 80% de Ibope,

apagando como da história brasileira o melhor

governo que já tivemos de 94 a 2002 , com o

Plano Real, com a Lei de Responsabilidade

Fiscal, com a telefonia moderna de hoje, com o

Proer ... o progresso econômico de hoje que foi

apropriado na "mão grande" por Lula e seus

bolchevistas./

O governo Lula roubou FHC e o mais sério

período do País .../

Lu la não é um político - é um fenômeno

religioso. De fé. Como as igrejas que caem,

matam os fiéis e os que sobram continuam

acreditando./

Com um povo de analfabetos manipuláveis, Lula

está criando uma igreja para o PT dirigir,

emparedando instituições democráticas e

poderes moderadores./

Estamos vendo o início de um "chavismo

light", cordial, para que a "massa atrasada"

seja comandada pela "massa adiantada"

(Dilma et PT)./

Os escândalos agora são de governos inteiros

roubando em cascata, como em Brasília,

Rondônia e Amapá - são "girândolas de crimes"./

estamos mais alertas sobre a técnica do

desgoverno corrupto que faz pontes para o

nada, [...] tudo proclamado como plano de

aceleração do crescimento popular ./

O Brasil está evoluindo em marcha à ré!/

O Brasil está entregue à manipulação pelo

governo das denúncias... para uma es pécie de

"tomada do poder". Isso; porque não se trata

de um nome por outro - a ideia é mudar o

Es tado por dentro./

Também não há coragem de admitirem o óbvio: o

socialismo real fracassou./

Fácil era esculhambar FHC. Mas, como

lucrativa pelegagem./

o melhor governo que

já tivemos de 94 a

2002, com o Plano Real,

com a Lei de

Responsabilidade Fiscal,

com a telefonia moderna

de hoje, com o Proer.../

Também estou enojado

com os vergonhosos

tucanos apanhando na

cara por oito anos sem

reagir./

O governo Lula roubou

FHC e o mais sério

período do País e seus

amigos nunca o

defenderam nem

reagiram. São pássaros

rid ículos em ext inção./

a Vale, por exemplo,

quando foi privatizada

em 97 valia 8 bilhões

de reais e que hoje vale

273 bilhões , que seu

lucro era de 756 milhões

e que agora é de 10

bilhões,/

que seus empregados

eram 11 mil e que

agora emprega 40.000./

Mesmo sabendo que a

Embraer entregava 4

jatos em 97 e que agora

entrega 227,

que a telefonia não

existia na Telebrás e

que agora quase todos

os brasileiros têm

celular. Não podemos

divulgar, mas a telefon ia

privatizada aumentou o

número de telefones em

2.500 por cento... Isso./

Viu o belo exemplo do

Gabrielli, que ousou

dizer que o FHC

queria que a Petrobras

morresse de inanição e

que o Zylberstajn era a

favor da privatização

do pré-sal"? Ninguém

contesta, mesmo sendo

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espinafrar um ex-operário? É tabu./

reformas políticas e econômicas seriam muito

mais progressistas que velhas ideias

generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a

História"./

Tragicamente, nossos pobres são fracos,

doentes, ignorantes e não são a força da

natureza, como eles acham. Precisam de ajuda,

educação, crescimento para empregos, para além

do Bolsa-Família./

se o PT prevalecer com seu programa não-

declarado (o aparente engana...), não teremos

nada do que a cultura moderna preconiza./

O PT, que usou os bons resultados da

economia do g overno FHC para fingir que

governou, ousa dizer que "estabilizou" a

economia, quando o PT tudo fez para acabar

com o Real, com a Lei de Res ponsabilidade

Fiscal, contra tudo que agora apregoa como

atos "seus"./

Fingem de democratas para apodrecer a

democracia por dentro./

As Agências Reguladoras serão assassinadas/

O Banco Central poderá perder a mínima

autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam)

conseguirem anular Antonio Palocci, um dos

poucos homens cultos e sensatos do partido./

A reforma da Previdência "não é necessária" -

já dizem eles -/

A Lei de Responsabilidade Fiscal será

des moralizada/

Os gastos públicos aumentarão/

Voltará a obsessão do "Controle" sobre a

mídia e a cultura, como já anunciam/

Leis "chatas" serão ignoradas/

o PT vai ter de encarar: estamos num país

democrático, cultural e empresarialmente

complexo, em que os golpes de marketing, os

palanques de mentiras, os ataques violentos à

imprensa não bastam para vencer eleições.../

Além disso, com " medinho" de desagradar aos

"bolsistas da família", ninguém podia expor

mentiras e falsos dados que os petistas exibiam

gostosamente, com o descaro de

revolucionários "puros"./

só chegamos ao segundo turno por conta dos

deuses da Sorte... Ou melhor, duas sortes: O

publicado o que FHC

escreveu na época,

dizendo que "nunca

privatizaria a

Petrobras"./

esconde que foi o

governo do FHC que

inventou o Bolsa

Família e negue com

todas as forças se

disserem que o Plano

Real tirou 30 milhões

da faixa de pobreza,

quando acabou com a

inflação./

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grande estrago causado pela súbita riqueza da

filharada de Erenice, ali, tudo exibido na cara

do povo.../

Outra coisa: como vocês, comunistas, são

incompetentes!... Oito anos e o PAC está essa

bosta, com apenas 15 % feito? Sou obrigado a

inaugurar placas e aeroportos duas vezes?/

Pode citar número quanto quiser que ninguém

confere... diga que os municípios têm

saneamento básico, quando metade deles não

tem esgoto nem água tratada, depois de nossos

oito anos no poder... Pode dizer o que quiser./

Quadro 5 - Estratégias de perspectivação, enquadramento [framing ] ou representação:

Dilma Rousseff José Serra Marina Silva

Editorial

“O mal a

evitar”

A acusação do

presidente da República

de que a Imprensa "se

comporta como um

partido político" é

obviamente extensiva a

este jornal/

Com todo o peso da

responsabilidade à

qual nunca se subtraiu

em 135 anos de lutas, o

Es tado apoia a

candidatura de José

Serra à Presidência da

República/

Artigos de

Arnaldo

Jabor

Teremos a sabotagem radical de tropas pelegas

impedindo Serra de governar ou o "revival" do

arremedo de socialis mo que já era ridícu lo em

63? Arrepio-me./

Vejo, assustado, que querem substituir o

patrimonialis mo "burguês" pelo sindicalista.../

Escrevo isso enojado pela mentira vencendo

com 80% de Ibope.../

Lu la muda os fatos em ficção. Só nos resta a

humilhante esperança de que a democracia

prevaleça./

Es tamos vendo o início de um "chavismo light",

cordial.../

Ao menos, estamos mais alertas sobre a técnica

do desgoverno corrupto/

Só nos resta a praga: malditos sejais, ó

mentirosos e embusteiros! Que a peste negra vos

Escrevo isso porque

acho que a luta de hoje

é entre a verdadeira

esquerda que

amadureceu [PSDB] e

uma esquerda que quer

continuar a bobagem

[PT].../

Também estou enojado

com os vergonhosos

tucanos apanhando na

cara por oito anos sem

reagir./

Fernando Barros e

Silva disse na Folha

uma frase boa: "Dilma

parece uma personagem

de ficção e Serra a

ficção de uma

personagem." Na

No meio de uma

programação

mecân ica de

market ing,

apareceu um ser

vivo: Marina.

Isso./

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cubra de feridas, que vossas línguas mentirosas se

transformem em cobras peçonhentas que se

enrosquem em vossos pescoços, e vos devorem a

alma./

Por isso, "si vis pacem, para bellum", colegas

jornalistas. Se quisermos a paz, preparemo-

nos para a guerra./

Fernando Barros e Silva disse na Folha uma

frase boa: "Dilma parece uma personagem de

ficção e Serra a ficção de uma personagem." Na

mosca./

Além disso, com "medinho" de desagradar aos

"bolsistas da família"... Na minha opinião, só

chegamos ao segundo turno por conta dos

deuses da Sorte. Isso - foi sorte para o Serra e

azar para a Dilma./

Eu acho que Dilma é uma v ítima. Uma

"tarefeira" do narcisismo de Lula./

mosca./

Nunca vi uma

campanha tão

desagregada, uma

campanha antiga,

analógica numa época

digital [...] Serra não

mudou um milímetro os

erros de sua campanha

de 2002. Como os

Bourbon, "não

esqueceu nada e não

aprendeu nada"./

...José Serra, que apesar

de ser um homem sério,

competentíssimo,

patriota, que conheço e

respeito desde a UNE,

mas que é das pessoas

mais teimosas do

mundo./

Anexo 2 – Editorial

O mal a evitar

26 de setembro de 2010

O Estado de S. Paulo / Notas e Informações

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é

obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado,

tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de

imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão

agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está

enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido polít ico" e tomar partido numa

disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da

democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a

candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo

exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento

econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é

o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na

empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O

presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse

partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais

sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata

para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da

companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará

em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a

distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor

decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido

como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com

níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem

se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - in iciada nos governos de Itamar Franco e

Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm

permit ido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida min imamente compatíveis com

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as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evolu iu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país

melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas

quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no

Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de

que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para

atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes

políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a

democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que

despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorif icação?

Este é o "cara". Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a

qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a

evitar.

Anexo 3 – Artigos de Opinião

Artigo 1

Os grandes arrepios

17 de agosto de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

Hoje começa o circo da p ropaganda eleitoral, o desfile de horrores da polít ica brasileira. Os dois carros -

chefes do desfile, Dilma e Serra, correrão na frente de um trem fantasma de caras e bocas e bochechas que

traçam um quadro sinistro do Brasil, fragmentado em mil pedaços - o despreparo, a comédia das frases, dos

gestos, das juras de amor ao povo, da ostentação de dignidades mancas.

Os candidatos equilibram bolas no nariz como focas amestradas, dão "puns" de talco, dão cambalhotas

no ar como babuínos de bunda vermelha, voando em trapézios para a macacada se impressionar e votar neles. Os

candidatos têm de comer pastéis de vento, de carne, de palmito, buchada de bode e dizer que gostaram, têm de

beber cerveja com b icheiros e vagabundos, têm de abraçar gordos fedorentos e aguentar velhinhas sem dente,

beijar criancinhas mijadas, têm de ostentar atenção forçada aos papos com idiotas, têm de gargalhar e dar

passinhos de "rebolation" quando gostariam de chorar no meio -fio - palhaços de um teatrinho absurdo num país

virtual, num grande pagode onde a verdade é mentira e vice-versa.

Ninguém quer o candidato real; querem o que ele não é. A política virou um parafuso espanado que não

rola mais na porca da vida social, mas todos fingem que só pensam no povo e não em futuras maracutaias.

Arrepios voltaram. Ninguém sabe o que vai acontecer. Só nos resta o mau ou bom agouro, o palpite, a

orelha coçando, o cara ou coroa. Meu primeiro arrep io foi em 54. Estou do lado do rádio e ouço o Repórter Esso:

"O presidente Vargas acaba de se suicidar com um t iro no peito!" O mundo quebrou com o peito de Getúlio

sangrando, as empregadas correndo e chorando.

Estou no estribo de um bonde, em 61. "O Jân io Quadros renunciou!", grita um sujeito. Gelou -me a

alma. Afinal, eu votara pela primeira vez naquele caspento louco (o avô "midiático" do Lula), mais carismático

que o careca do general Lott. Eu já sentira arrepios quando ele proibiu biquínis nas praias. Tínhamos elegido um

louco - não seria o único...

Em 64, dias antes do golpe militar - o comício da Central do Brasil. Serra também estava, falando, de

presidente da UNE. Clima de v itória do "socialismo" que Jango nos daria (até para fazer "revolução" precisamos

do governo...). Tochas dos bravos operários da Petrobrás, hinos, Jango discursando, êxtase polít ico: seríamos a

pátria do socialis mo carnavalesco. Volto para casa, eufórico, mas, já no ônibus, passando no Flamengo, vejo uma

vela acesa em cada janela da classe média, em sinal de luto pelo comício de "esquerda". Na noite "socialista",

cada janela era uma estrelinha de direita. "Não vai dar certo essa porra..." - pensei, arrepiado. Não deu.

Ainda em 64, festa do "socialismo" no teatro da UNE. 31 de março, 11 da noite. Elza Soares, Nora Ney,

Grande Otelo comemoram o show da vitória. No dia seguinte, a UNE pegava fogo, apedrejada por meus

coleguinhas fascistas da PUC. Na capa da rev ista O Cruzeiro, um baixinho feio, vestido de verde-o liva me olha.

Quem é? É o novo presidente, Castelo Branco. Corre-me o arrepio na alma: minha vida adulta foi determinada

por aquele dia. O sonho virou um pesadelo de 20 anos.

Depois, vem o Costa e Silva, outro arrepio, sua cara de burro triste e, pio r, sua mulher perua brega no

poder. Aí, começaram as passeatas, assembleias contra a ditadura. Costa e Silva tinha alguns traços populistas e

resolveu dialogar com os líderes do movimento democrático. Uma comissão vai conversar com o p residente. Aí,

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outro absurdo - os membros da comissão se recusam a vestir paletó e gravata na entrada do palácio : "Não

usamos gravatas burguesas!" e o encontro fracassa. Ninguém lembra d isso; só eu, que sou maluco e olho os

detalhes.

Tancredo entrou no hospital e arrepiou-me o sorriso deslumbrado dos médicos de Brasília

no Fantástico, amparando o presidente como um boneco de ventríloquo; tremeu-me o corpo quando vi que nossa

história fora mudada por um micróbio em seu intestino.

Arrepiou-me ver o Sarney, homem da ditadura, posando de "oligarca esclarecido" na transição

democrática, com seu jaquetão de "teflon", até hoje intocado. Assustei-me com a moratória de 87, aterrorizou-me

a inflação de 80% ao mês. E, depois, vejo a foto do Collor na capa da Veja - com todo mundo dizendo: "Ele é

jovem, bonito, macho...", revirando os olhos numa veadagem ideológica. Foi um período tragicômico, com a

nação olhando pela fechadura da "Casa da Dinda" para saber do seu destino. Depois o período do

"impeachment", dos caras-pintadas, num breve refresco dos arrepios. Durante Itamar, a letargia jeca-tatu, só

quebrada pela mudança na economia com o Plano Real que FHC fez (que depois foi roubado pelo Lula, claro...).

Aí, 1994, o ano da esperança, Brasil tetra na Copa e um grande intelectual de esquerda subindo ao poder. Mas

meu arrepio histórico logo voltou, quando vi que a Academia em peso odiava FHC por inveja e rancor, criando

chavões como "neoliberalis mo", "alianças espúrias" (infantis, comparadas com a era Lula). Os radicais de

cervejaria ou de estrebaria não deram um escasso crédito de confiança a FHC que veio com uma nova agenda,

para reformar o Estado patrimonialista.

Durante o mandato, o próprio governo FHC cometeu seu erro máximo que até hoje repercute - não

explicou didaticamente para a população a revolução estrutural que realizava: estabilização da economia, lei de

responsabilidade fiscal, privatizações essenciais, consolidação da dívida interna, saneamento bancário que nos

salvou da crise de hoje, telefonia, tudo aquilo que, depois, Lula desapropriou como obra sua. É arrep iante ver a

mentira com 80% de ibope.

Arrepiou-me a morte de Sergio Motta, Mário Covas e Luís Eduardo Magalhães, levando para o túmulo

a autoestima do PSDB, o part ido que se esvai e apanha calado.

Hoje, estamos diante do mistério: Dilma ou Serra? Teremos a sabotagem rad ical de t ropas pelegas

impedindo Serra de governar ou o "revival" do arremedo de socialismo que já era ridículo em 63? Arrepio -me.

Artigo 2

A volta do bode preto da velha esquerda

31 de agosto de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

Meu primeiro grande amor começou num "aparelho" do Partido Comunista Brasileiro em 1963, meses

antes do golpe militar. Era um pequeno apartamento conjugado na Rua Djalma Ulrich em Copacabana, em cima

de uma lo ja de d iscos. No apartamento, havia um sofá-cama com a paina aparecendo por um buraco da mola,

entre manchas indistintas - marcas de amor ou de revolução? Na parede, um cartaz dos girassóis de Van Gogh e,

numa tábua sobre tijolos, livros da Academia de Ciências da URSS. Um companheiro me emprestara a chave

com olhar preocupado, sabendo que era para o amor e não para a política. " Cuidado, hein, se o dirigente da

"base" souber..." - d isse-me, vendo a gratidão em meus olhos.

Eu era virgem de sexo com namoradas, pois pouquíssimas moças "davam", nessa época anterior à

pílula; transar para elas era ainda um ato de coragem polít ica. As moças iam para a cama pálidas de medo, para

romper com a "vida burguesa", correndo o risco da gravidez - supremo pavor. Famintos de amor, usávamos até

Marx para convencer as meninas.

"Não. Aí eu não entro!", gemiam, empacadas na porta do apartamento. Nós usávamos argumentos que

iam de Sartre e Simone até a revolução: "Mas, meu bem... deixa de ser "alienada"... A sexualidade é um ato de

liberdade contra a direita..."

Tudo era ideológico em Ipanema - até a praia tinha um gosto de transgressão política. Éramos assim nos

anos 60.

A guerra fria, Cuba, China, tudo dava a sensação de que a "revolução" estava próxima. "Revolução" era

uma varinha de condão, uma mudança radical em tudo, desde nossos "pintinhos" até a reorganização das

relações de produção. Não fazíamos diferença entre desejo e possibilidade. Eu era do " Grupo Vertigem", como

colegas radicais nos apelidaram. Nossa revolução era poética, Rimbaud com Guevara; era uma esperança de um

tempo futuro em que a feia confusão da vida se harmonizaria numa perfeição política e estética. Para os mais

obsessivos, era uma tarefa a cumprir, uma disciplina infernal, um calvário de sacrifícios para at ingir não

sabíamos bem o quê. Tínhamos os fins, mas não tínhamos os meios.

E, como todos, tínhamos horror ao demônio do capital e da administração da realidade para a luta (co isa

chata, sem utopia...) Por isso, a incompetência era arrep iante. Ninguém sabia admin istrar nada, mas essa

mediocridade era compensada por bandeiras e frases bombásticas sobre justiça social, etc... Nunca vi gente tão

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incompetente quanto a velha esquerda que agora quer voltar ao poder como em 63, de novo com a ajuda de um

presidente. Assim como foi com Jango, agora precisam do Lula. São as mesmas besteiras de pessoas que ainda

pensam como nos anos 60 e, pio r, anos 40.

"Revolução" era uma mão na roda para justificar sua ignorância, pois essa ala da es querda burra (a

inteligente cresceu e mudou...) não precisava estudar nada profundamente, por serem "a favor" do bem e da

justiça - a "boa consciência", último refúgio dos boçais. Era generosidade e era egoísmo. A desgraça dos pobres

nos doía como um problema existencial nosso, embora a miséria fosse deles. Em nossa "fome" pela justiça, nem

pensávamos nas dificuldades de qualquer revolução, as tais "condições objetivas"; não sabíamos nada, mas o

desejo bastava. Como hoje, os idiotas continuam com as mes mas palavras, se bem que aprenderam a roubar e

mentir como "burgueses".

A democracia lhes repugnava, com suas fragilidades, sua lentidão. Era d ifícil fazer uma revolução?

Deixávamos esses "detalhes mixurucas" para os militantes tarefeiros, que considerávamos inferiores, "peões" de

Lenin ou (mais absurdo ainda) delegávamos o dever da revolução ao presidente da República, na melhor trad ição

de dependência ao Estado, como hoje. Deu nos 20 anos de bode preto da ditadura.

Por que escrevo essas coisas antigas, estimado leitor? Porque muita gente que está aí, gritando slogans,

não quer entender que a via mais revolucionária para o Brasil de hoje é justamente o que chamávamos de

"democracia burguesa", com boquinha de nojo. Muita gente sem idade e sem memória não sabe qu e o caminho

para o crescimento e justiça social é o progressivo aperfeiçoamento da democracia, minando aos poucos, com

reformas, a tradição escrota de oligarquias patrimonialistas. Escrevo isso porque acho que a luta de hoje é entre a

verdadeira esquerda que amadureceu e uma esquerda que quer continuar a bobagem, não por romantismo, mas

porque o Lula abri-lhes as portas para a lucrativa pelegagem. Vejo, assustado, que querem substituir o

patrimonialis mo "burguês" pelo sindicalista, claro que numa aliança de metas e métodos com o que há de pior na

política deste país. Vão partir para um controle soviético e gramsciano vulgar do Estado para ter salvo -condutos

para suas roubalheiras num país sem oposição, entregue a inimigos da liberdade de opinião. Escrevo iss o

enojado pela mentira vencendo com 80% de Ibope, apagando como da história brasileira o melhor governo que

já tivemos de 94 a 2002, com o Plano Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a telefonia moderna de

hoje, com o Proer que limpou os bancos e impediu a crise nos atingir, com privatizações essenciais que mentem

ao povo que "venderam nossos bens...", com a d iminuição da pobreza em 35% e que abriu caminho para o

progresso econômico de hoje que foi apropriado na "mão grande" por Lula e seus bolche vistas. Ladroeira pura,

que o povo, anestesiado pelo Bolsa-Família e pelas rebolations do Lula na TV, não entende. Também estou

enojado com os vergonhosos tucanos apanhando na cara por oito anos sem reagir. O governo Lula roubou FHC e

o mais sério período do País e seus amigos nunca o defenderam nem reagiram. São pássaros ridículos em

extinção.

Tenho orgulho de que, há 40 anos, no apartamento conjugado do Partidão com minha namorada, eu

gostava mais dos girassóis de Van Gogh do que dos livros de Plenkanov.

Por isso, para levar meu primeiro amor ao apartamento, usei uma cantada de esquerda: "Nosso amor

também é uma forma de luta contra o imperialis mo norte-americano." E ela foi.

Artigo 3

Lula é um fenômeno religioso

21 de setembro de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

Lu la não é um político - é um fenômeno religioso. De fé. Como as ig rejas que caem, matam os fiéis e os

que sobram continuam acreditando. Com um povo de analfabetos manipuláveis, Lula está criando uma igreja

para o PT dirig ir, emparedando instituições democráticas e poderes moderadores.

Os fatos são desmontados, os escândalos desidratados para caber nos interesses políticos da igreja

lulista e seus coroinhas. Lula nos roubou o assunto. Vejam os jornais; todos os assuntos são dele, tudo converge

para a verdade o ficial do poder. Lu la muda os fatos em ficção. Só nos resta a humilhante esperança de que a

democracia prevaleça.

Depois do derretimento do PSDB, o destino do País vai ser a maçaroca informe do PMDB agar rada aos

soviéticos do PT, nossa direita contemporânea. Os comentaristas ficam desorientados diante do nada que os

petistas criaram com o apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos, como "razão, democracia, respeito à lei,

ética", ficaram ridículos, insuficientes raciocínios diante do cinismo impune.

Como analisar com a Razão essa insânia oficial? Como analisar o caso Eren ice, por exemplo, com todas

as provas na cara, com o Lula e seus áulicos dizendo que são mentiras inventadas pela mídia? Temos de cr iar

novos instrumentos crít icos para entender esta farsa. Novos termos. Estamos vendo o início de um "chavismo

light", cordial, para que a " massa atrasada" seja comandada pela " massa adiantada" (Dilma et PT). Os termos

têm de ser mudados. Não há mais "propina"; agora o nome é "taxa de sucesso". A roubalheira se autonomeia

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"revolucionária" - assalto à coisa pública em nome do povo. O que se chamava "vítima" agora se chama "réu".

Os escândalos agora são de governos inteiros roubando em cascata, como em Brasília , Rondônia e Amapá - são

"girândolas de crimes". Os criminosos são culpados, mas sabem t ramar a inocência. O "não" agora quer dizer

"sim".

Antigamente, se mentia com bons álibis; hoje, as tramoias e as patranhas são deslavadas; não há mais

respeito nem pela mentira. Está em andamento uma "revolução dentro da corrupção", invadindo o Estado em

nossa cara, com o fito de nos acostumar ao horror. Gramsci fo i transformado em chefe de quadrilha.

Nunca antes nossos vícios ficaram tão exp lícitos, nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Já

sabemos que a corrupção no País não é um "desvio" da norma, não é um pecado ou crime; é a norma mes mo,

entranhada nos códigos e nas almas. Nosso único consolo: estamos aprendemos muito sobre a dura verdade

nacional neste rio sem foz, onde as fezes se acumulam sem escoamento. Por exemplo: ganhamos mais cultura

política com a v isão da figura da Eren ice, a burocrata felliniana, a " mãe coragem" com seus filhos lobistas, com

o corpinho barbudo do Tuminha (lembram?), com o "make-over" da clone Dilma (que ama a ex-Erenice, seu

braço direito há 15 anos), com o silêncio eufórico dos Sarneys, do Renan, do Jucá... Que delícia, que doutorado

sobre nós mesmos!

Ao menos, estamos mais alertas sobre a técnica do desgoverno corrupto que faz pon tes para o nada,

viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da pele, tudo proclamado como plano

de aceleração do crescimento popular.

Nossa crise endêmica está em cima da mesa de dissecação, aberta ao meio como uma galinha. Meu

Deus, que prodigiosa fartura de novidades imundas, mas fecundas como um adubo sagrado, belas como nossas

matas, cachoeiras e flores.

Os canalhas são mais didáticos que os honestos. Temos assistido a um show de verdades mentirosas no

chorrilho de negaças, de cínicos sorrisos e lágrimas de crocodilo. Como é educativo vermos as falsas ostentações

de pureza para encobrir a impudicícia, as mãos grandes nas cumbucas e os sombrios desejos das almas de rapina.

Que emocionante este sarapatel entre o público e o privado: os súbitos aumentos de patrimônio, filh inhos

ladrões, ditadura dos suplentes, cheques podres, piscinas em forma de vaginas, despachos de galinhas mortas na

encruzilhada, o uísque caindo mal no Piantela, as flatulências fétidas no Senado, as negaças diante da evidência

de crime, os gemidos proclamando "honradez" e "patriotismo".

Talvez esta vergonha seja boa para nos despertar da letargia de 400 anos. Através deste escracho, pode

ser que entendamos a beleza do que poderíamos ser!

Já se nos entranhou na cabeça, confusamente ainda, que enquanto houver 20 mil cargos de confiança no

País, haverá canalhas, enquanto houver estatais com caixa-preta, haverá canalhas, enquanto houver subsídios a

fundo perdido, haverá canalhas. Com esse código penal, nunca haverá progresso.

Já sabemos que mais de R$ 5 b ilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais, estradas, sem

saneamento, com o Lula brilhando na TV, xingando a mídia e com todos os mensaleiros, sanguessugas e

aloprados felizes em seus empregos e dentro do ex-part ido dos trabalhadores. E é espantoso que este óbvio

fenômeno político, caudilh ista, subperonista, patrimonialista, aí, na cara da gente, seja ignorado por quase toda a

intelligentsia do País, que antes vivia escrevendo manifestos abstratos e agora se cala diante deste perigo

concreto que nos ronda. No Brasil, a palavra "esquerda" ainda é o ópio dos intelectuais.

A única oposição que teremos é o da imprensa livre, que será o inimigo principal dos soviéticos

ascendentes. O Brasil está evoluindo em ma rcha à ré! Só nos resta a praga: malditos sejais, ó mentirosos e

embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que vossas línguas mentirosas se transformem em cobras

peçonhentas que se enrosquem em vossos pescoços, e vos devorem a alma.

Os soviéticos que sobem já avisaram que revistas e jornais são o inimigo deles.

Por isso, "si vis pacem, para bellum", colegas jornalistas. Se quisermos a paz, preparemo -nos para a

guerra.

Artigo 4

As boquinhas fechadas

28 de setembro de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

Estamos vivendo um momento grave de nossa história polít ica em que aparecem dois tumores gêmeos

de nossa doença: a união da direita do atraso com a esquerda do atraso.

O Brasil está entregue à manipulação pelo governo das denúncias, provas cabais, evidências solares,

tudo diante dos olhos impotentes da opinião pública, tapando a verdade de qualquer jeito para uma espécie de

"tomada do poder". Isso; porque não se trata de um nome por outro - a ideia é mudar o Estado por dentro.

Tudo bem: muitos intelectuais têm todo o direito de acreditar nisso. Podem votar em quem quiserem.

Democracia é assim.

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Mas, e os intelectuais que discordam e estão calados? Muitos que sempre idealizaram o PT e se

decepcionaram estão quietinhos com vergonha de falar. Há o medo de serem chamados de reacionários ou

caretas.

Há também a inércia dos "latifúndios intelectuais". Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e

não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e,

por isso, não podem "esquecer um pouco do que escreveram" para agir. Mudar é t rair... Também não há coragem

de admitirem o óbvio: o socialis mo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de "revisionistas", como

se tocassem na virg indade de Nossa Senhora.

O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, com o voluntaris mo e o populismo

antidemocrático. E não abrem mão de utopias - o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula,

o símbolo do "povo que subiu na vida", eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um

ex-operário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza,

como eles acham. Precisam de ajuda, educação, cres cimento para empregos, para além do Bolsa-Família. Quem

tem peito de admit ir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que

sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas que velhas ideias

generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a História". Mas eles não abrem mão dessa elegância ridícula e

antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas

encardidas.

Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sérgio Buarque em vez de Florestan Fernandes,

em Tocqueville em vez de Gramsci.

A exp licação desta afasia e desta fixação num marxis mo-lenin ismo tardio é muito bem analisada em

dois liv ros recentemente publicados: Passado Imperfeito, do Tony Judt (que acaba de morrer), e o livro de Jorge

Caldeira História do Brasil com Empreendedores (Editora Companhia das Letras e Mameluco). A li, vemos como

a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do "Front Populaire" da França nos anos 30, pautando

as ideias de Caio Prado Jr. e deflagrando o marxis mo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros

dialogam e mostram como persiste entre nós este sarapatel de teses: lenin ismo, getulis mo desenvolvimentista - e

agora, possível "chavismo cordial".

A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários "prêmios

Nobel" concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.

Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não-declarado (o aparente engana...), não teremos nada

do que a cultura moderna preconiza.

O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá em ciência

política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer

que "estabilizou" a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade

Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos "seus". Fingem de democratas para apodrecer a democracia por

dentro.

Lu la topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas "forças

populares", que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas "boquinhas", através

de providências burocráticas de legitimação.

Os sinais estão claros.

As Agências Reguladoras serão assassinadas.

O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se d irigentes petistas (que já rosnam) conseguirem

anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e s ensatos do partido.

Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna

depravação), será esquecida.

A reforma da Prev idência "não é necessária" - já dizem eles -, pois os "neoliberais exageram muito

sobre sua crise", não havendo nenhum "rombo" no orçamento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.

Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não

prejudicar o funcionamento da máquina pública".

Portanto, nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.

Voltará a obsessão do "Controle" sobre a míd ia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma

profecia autorrealizável.

Leis "chatas" serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com

a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, "esquecendo-a" de propósito.

Lu la sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma "superioridade" mágica,

como se ele estivesse "fora da política", como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior.

Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro

dos aloprados, ouviu-se um "ohhhh!...." escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilég io contra a

santidade do operário "puro".

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Vou guardar este artigo como um reg istro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio. Um dia, t irá -lo-ei

do bolso e sofrerei a torta v ingança de declarar: "Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!"...

Artigo 5

O súbito encanto de Marina Silva

05 de outubro de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

Não, o Palácio de Inverno de São Petersburgo da Rússia em 1917 ainda não será tomado pela onda

vermelha.

Não. Agora, o PT vai ter de encarar: estamos num país democrático, cultural e empresarialmente

complexo, em que os golpes de market ing, os palanques de mentiras, os ataques violentos à imprensa não bastam

para vencer eleições... (Por decência, não posso mostrar aqui os emails de xingamentos e ameaças que recebo

por criticar o governo). O Lula vai ter de descobrir que até mesmo seu populismo terá de se modernizar. O povo

está muito mais informado, mais online, mais além dos pobres homens do Bolsa -Família, e não bastam

charminhos e carismas fáceis, nem paz e amor nem punhos indignados para a população votar. Já sabemos que

enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que enquanto não acabarem as regras políticas

vigentes, nada vai se resolver. Já sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais,

estradas e nenhum carisma esconde isso para sempre. Já sabemos que admin istração é mais importante que

utopias.

A campanha à que assistimos foi uma campanha de bonecos de si mes mos , em que cada gesto, cada

palavra era vetada ou liberada pelos donos da "verdade" midiát ica. Ninguém acreditava nos sentimentos

expressos pelos candidatos. Fernando Barros e Silva disse na Folha uma frase boa: "Dilma parece uma

personagem de ficção e Serra a ficção de uma personagem." Na mosca.

Serra. Os erros da campanha do Serra fo ram inúmeros: a adesão falsa ao Lula, que acabou rindo dele:

"O Serra finge que me ama"...

Serra errou muito por autossuficiência (seu defeito principal), demorando muito para s e declarar

candidato, deixando todo mundo carente e zonzo, como num coito interrompido; Serra demorou para escolher

um v ice-presidente (com a gafe de dizer que vice bom é o que não aporrinha), fez acusações ligando as Farc à

Dilma, esculachou o governo da Bolívia ainda no início, avisou que pode mexer no Banco Central e, quando

sentiu que não estava agradando, fez anúncios populistas tardios sobre salário mín imo e aposentados. Nunca vi

uma campanha tão desagregada, uma campanha antiga, analógica numa época dig ital, enlouquecendo cabos

eleitorais e amigos, todos de bocas abertas, escancaradas, diante do óbvio que Serra ignorou. Serra não mudou

um milímetro os erros de sua campanha de 2002. Como os Bourbon, "não esqueceu nada e não aprendeu nada".

A campanha do primeiro turno resumiu-se a dois narcisis mos em luta.

Dilma. Enquanto o Serra surfava em sua autoconfiança suicida, a Dilma, fabricada dos pés ao cabelo,

desfilava na certeza de sua vitória, abençoada pelo "Padim Ciço" Lula.

Seus erros foram difíceis de catalogar racionalmente, mas os eleitores perceberam sutilezas na má

interpretação da personagem, como atrizes ruins em filmes.

O sorriso sem ânimo, riso esforçado, a busca de uma simpatia que escondesse o nítido temperamento

autoritário, suas palavras sem a chama da convicção, ocultando uma outra Dilma que não sabemos quem é, sua

postura de vencedora, falando em púlp itos para jornalistas, sua arrogância que só o salto alto permite: ser pelo

aborto e depois desmentir, sua união de ateia com evangélicos, a voracidade de militante - tarefeira, para quem

tudo vale a pena contra os "burgueses de direita" que são os adversários, os esqueletos da Casa Civil, desde os

dossiês contra FHC, passando pela Receita Federal (com Lina Vieira e depois com os invasores de sigilos), sua

tentativa de ocultar o grande hipopótamo do Planalto que foi seu braço direito e resolveu montar uma quadrilha

familiar. Além d isso, os jovens contemporâneos, mesmo aqueles cooptados pelo maniqueís mo lulista, não

conseguem votar naquela ostentada simpatia, po is veem com clareza uma careta querendo ser cool.

Marina. Os erros dos dois favoritos acabaram sendo o grande impulso para Marina. No meio de uma

programação mecânica de marketing, apareceu um ser v ivo: Marina. Isso.

Uma das razões para o segundo turno foi a verdade da verde Marina. Sua voz calma, sua expressão

sincera, o visível amor que ela tem pelo povo da floresta e da cidade, tudo isso desconstruiu a imagem de uma

candidata fabricada e de um candidato aferrado em certezas de um frio marqueteiro .

Marina tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de vencer pelo bem. Isso

passa nas imperceptíveis expressões e gestos, que o público capta.

Agora teremos um segundo turno e talvez vejamos um PSDB fortalecido pela súbita e in esperada

virada. Desta vez, o partido terá de ser oposição, se defendendo e não desagregado como foi no primeiro turno,

onde se esconderam todos os grandes feitos do próprio PSDB, durante o governo de FHC.

Desde 2002, convencionou-se (Quem? Por quê?) que o Lula não podia ser atacado e que o FHC não

poderia ser mencionado. Diante dessa atitude, vimos o Lula, sua clone e seus militantes se apropriarem

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descaradamente de todas as reformas essenciais que o governo anterior fez e que possibilitaram o sucesso

econômico do governo Lula, que cantou de galo até no Financial Times, assumindo a estabilização de nossa

economia. E os gringos, desinformados, acreditam.

Além disso, com " medinho" de desagradar aos "bolsistas da família", n inguém podia expor mentiras e

falsos dados que os petistas exibiam gostosamente, com o descaro de revolucionários "puros". Na minha opinião,

só chegamos ao segundo turno por conta dos deuses da Sorte. Isso - foi sorte para o Serra e azar para a Dilma.

Ou melhor, duas sortes:

O grande estrago causado pela súbita riqueza da filharada de Eren ice, ali, tudo exib ido na cara do povo,

e o reconhecimento popular do encanto sincero de Marina.

Isso salvou a campanha errática e autossuficiente do José Serra, que apesar de ser um homem sério,

competentíssimo, patriota, que conheço e respeito desde a UNE, mas que é das pessoas mais teimosas do mundo.

Duas mulheres pariram o segundo turno. Se ouvir seus pares e amigos, poderá ser o próximo presidente.

Se não...

Artigo 6

Outra vez com sentimento

12 de outubro de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

"Muito bonito, hein, madame? A senhora me apronta uma dessas, justamente depois de tudo que eu fiz?

Pusemos uma equipe de técnicos em make-over, em embelezamento, a b icha te fe z um penteado de galo

imperial, gastamos um granão em botox, em treinamentos de sorrisos, em ritmo de falas e a senhora me apronta

uma dessas, sem ao menos me avisar de que havia o perigo na área daquela caricatura de burocrata que a senhora

me empurrou na Casa Civ il? A senhora não sabia que aquela família estava aparelhada lá dentro, filhinhos,

genrinhos, etc.? Aí, vem aquela lambisgoia do Acre, com sua carinha de índia aculturada, e me ganha a parada,

logo depois de eu ter berrado na televisão contra os ratos da imprensa, essa cambada de mentirosos que teimam

em mostrar verdades num mundo como o de hoje, dominado pelas versões? E vem aquela candanga seringueira

f*&der tudo, dando chance a uma nova eleição? É justo isso comigo? Eu que sou uma vitória do pro letariado, eu

que tenho devotos, eu que sou quase um círio de Nazaré? E os meus 80 % de Ibope, é merda, isso? Não vale

nada? E a senhora levanta para ela cortar com aquele papo na TV dizendo há uns meses que é a favor do aborto?

Você está pensando que fala com quem? Com aqueles babacas intelectuais que te acham uma "revolucionária"?

Não. A senhora tem de falar como eu, para idiotas, para gente que acha que dossiê é um doce, para gente que me

obedece, e você abre para os padres te esculacharem porque você é a favor do aborto? Tá tudo no YouTube, não

adianta desmentir não, que é p ior. Lembra quando aquela minha ex-mulher d isse que eu tinha tentado obrigar ela

a abortar? Perdi tudo, e aí tu me dá uma dessas? Eu só te escolhi porque a senhora é mulher e era obed iente,

"tarefeira", tipo: " Vai p ichar parede!..." Você ia. " Vai panfletar!" Obedecia... Eu devia estar no Irã beijando o

aiatolá, se não a senhora não falava aquilo!

Outra coisa: como vocês, comunistas, são incompetentes!... Oito anos e o PAC está essa bosta, com

apenas 15 % feito? Sou obrigado a inaugurar placas e aeroportos duas vezes?

Olhe-se no espelho... a senhora pensa que algum jovem vai achar que a senhora é leve e solta,

descolada, legal? Tem que sorrir, juvenilmente, como eu... Vamos lá, sorria! Não é assim, não. Olha aqui; eu sou

um grande ator e alquimista, ah, ah, pois eu transformo merda em ouro... A senhora não tem minhas covinhas,

meu riso franco e puro... Tem de melhorar muito; a senhora tem de ficar mais "riponga", mais moderna... Muda

essas roupas caretas; por que não compra aquelas batas que a Mercedes Sosa usava? Batas indianas, de batik... E

quando falar para os jovens, use umas palavras mais "da hora", pode fazer uns trejeitos meio punks e falar

moderninho assim: "Aí, galera jovem, vamos fazer um governo "irado", na boa, f*&..dão!" Se a senhora pudesse

emagrecer... Mas, não dá mais tempo... E não ponha mais botox! Veja o que aconteceu com minha mulher...

Chama aquele babaca do seu marqueteiro pra te treinar direito... e não diz que adora música brega não -

só no sertão, no Nordeste... Diga aos jovens - como é o nome? - ah... d iga: "Nos anos 90, eu adorava o Clash!"

Isso.

Outra coisa: não faça carinhas de cristã, entre evangélicos e católicos. Não dá uma de Madre Tereza de

Calcutá que nego saca que é chinfra... Todo mundo sabe que você acha a religião "o ópio do povo", não é isso

que o teu mestre falou?... E mais: se o adversário diz que vai aumentar o mínimo para R$ 600, diz que joga para

mil, porra! Pode dizer que depois se vê...

Aprenda o meu truque, sua canastrona; a senhora tem de fazer uma carinha de "vítima", como eu faço,

não importa por quê. O povão adora que a gente reclame "daszelites", como o Jânio fazia - "vítima" de algo...

Até o Hitler fingia que era vít ima do mundo todo...

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Por sua causa e desses marqueteiros de araque, eu vou ter de ficar de molho uns dias, feito um tatu no

Alvorada, até esquecerem o que eu disse... Aprende comigo, porra! Povão gosta de sinceridade, mes mo falsa.

Mas tem de fazer direito, se não, percebem... Eles pensam que eu é que fiz o Plano Real, que eu mandei a

economia mundial vir para cá, eles pensam que você é minha mulher. Deixa pensar... pode dizer que é minha

mulher mes mo - (a outra até ficou com ciúme...)

E agora? Como é que a senhora ainda me deixa aparecer outra "erenicezinha", como? Quem é essa

moça que você chama de "tupamara" que era sua amiga, que você contratou e que logo, logo entregou R$ 14

milhões para uma firma sem licitação? Já está aí nas revistas desses canalhas da imprensa que teimam em

mostrar roubalheiras... Será que vou ter de sumir de novo, para não me confundirem com vocês? Será possível

que vocês "aloprados" não podem ficar quietos nunca? Porra!

- Mas, presidente, o senhor também pisou na bola berrando demais contra a imprensa...

- Cale-se! Não fala assim comigo! Eu não erro... Eu estava me esgoelando na TV para tapar as cag**das

que vocês fizeram!

Ai, que saudades da rainha Elizabeth... Beijei a mão dela, lembro do cheiro da mão... Eu até segredei

para minha mulher: " Viu só, mãezinha? Êta nós aqui, hein?" Os europeus todos me puxando o saco, mas até isso

acabou, porque fui obedecer vocês comunas burros e acabei beijando aquela bicha do Irã... Agora, não sou mais

o cara do Obama, que nem quer ver a minha cara... Pode?

Eu estava curtindo tanto o poder. Chegava a dormir abraçado comigo mes mo, sonhando e beijando -me a

mim mes mo: " Eu me amo, eu me amo..."

Agora, só tenho pesadelos - sonho que estou de volta ao ABC, num torno mecân ico... Vocês cortaram

minha onda!...

- Mas, e eu, presidente, eu, quem sou eu?

- Você?

- Sim, por favor; diga: quem sou eu?

- Você de antes ou de agora?

- Agora, presidente!

- Bem, você era uma soviética como esses aí... Agora, tem de começar sendo atriz...

Vamos lá... De novo: sorria mais descoladamente... Não. De novo... Mais uma vez, com sentimento, d iz: "Nunca

antes no Brasil..." Repete."

Artigo 7

A difícil missão de Dilma Rousseff

19 de outubro de 2010

Arnaldo Jabor, [email protected] - O Estado de S. Paulo

"Dilma faz isso, Dilma faz aquilo... Dilma, corta o cabelo! Dilma se maquia mais rosadinha! Dilma

você está sem emoção, tem de passar mais verdade... Dilma, seu sorriso não está sincero... Dilma isso, Dilma

aquilo..."

(Coitada da pobre senhora que, canhestramente, segue as ordens do patrão e do s petistas que a usam

para ficar eternamente em seus buraquinhos ou para realizar o que seria a torta caricatura de um vago socialis mo,

que não passa de uma reles aliança com a banda podre do PMDB.)

"Dilma, não fale nada de novo sobre aborto que você já deu uma entrevista na TV e agora não adianta

desmentir. Dilma, ajoelha, isso, sei que está cansada, mas ajoelha e faz cara de religiosa devota de Nossa

Senhora Aparecida; Dilma, eu sei que você é ateia, que para você a relig ião é o ópio do povo, mas, dane -se,

ajoelha e reza, mas não fica com a cara muito em êxtase feito uma madre Teresa de Calcutá, não, que eles

desconfiam. Dilma, levanta e vai confessar e comungar, mas não conte tudo ao padre, não, porque esses padres

de hoje não são confiáveis e podem fazer panfletos. Dilma isso, Dilma aquilo!... Sei que foi duro para você,

bichinha, ser preterida pela Marina, tão magrinha, uma top model do seringal, sabemos de tudo que você tem

sofrido, mas você é uma revolucionária e tem de aguentar as intempéries para garantir os empregos de tantos

militantes que invadiram esse Estado burguês para "revolucionar" por dentro. Viu, Dilma? Feito ensinou aquele

cara italiano, que os comunas vivem falando, o tal de Gramsci... só que nosso Gramsci é o Dirceu.... ah ah...

Você tem de esquentar minha cadeira até 2014, pois você acha que vou ficar de pijama em São Bernardo?"

Aí, chegam os marqueteiros, escondendo sua depressão, pois o segundo turno não estava em seus

planos de tomada do poder:

"Dilma, companheira, esculacha bem o FHC e o Serra , pois você pode inventar os números que quiser,

porque ninguém confere. Diz aí que nós tiramos 28 milhões de brasileiros da miséria! Claro que é mentira, pô,

mas diz e esconde que foi o governo do FHC que inventou o Bolsa Família e negue com to das as forças se

disserem que o Plano Real tirou 30 milhões da faixa de pobreza, quando acabou com a inflação. Esqueça no

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fundo de tua mente que a inflação só ameaçou o Plano Real quando Lula barbudo ia vencer... Mas, quando o

Duda escreveu a cartinha do Lulinha "paz e amor", a inflação voltou ao normal.

Dilma, você tem de negar em todos os debates que o PT tentou impedir o Plano Real no STF, assim

como não assinou a Constituição de 88 para não compactuar com o "Estado burguês"; todos têm de esquecer que

fomos contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que demos força a todos os ladrões que pudemos para manter as

alianças para nosso poder eterno, pois as ordens do companheiro Dirceu ("sim, doutor Dirceu, como está?

Estamos ensinando aqui à dona Dilma suas recomendações...") eram: atacar tudo do governo FHC, mes mo as

coisas inegavelmente boas. Dilma, afirme com fé e indignação que as "privatizações roubaram o patrimônio do

povo", mes mo sabendo que a Vale, por exemplo, quando foi privatizada em 97 valia 8 bilhões de reais e que hoje

vale 273 bilhões, que seu lucro era de 756 milhões e que agora é de 10 b ilhões, que seus empregados eram 11

mil e que agora emprega 40.000. Mesmo sabendo que a Embraer entregava 4 jatos em 97 e que agora entrega

227, que a telefonia não existia na Telebrás e que agora quase todos os brasileiros têm celular. Não podemos

divulgar, mas a telefonia privatizada aumentou o número de telefones em 2.500 por cento... Isso. Mas, não diga

nada... Pode citar número quanto quiser que ninguém confere... d iga que os municíp ios têm saneamento básico,

quando metade deles não tem esgoto nem água tratada, depois de nossos oito anos no poder... Pode dizer o que

quiser. Viu o belo exemplo do Gabrielli, que ousou dizer que o FHC queria que a Petrobras morress e de inanição

e que o Zylberstajn era a favor da p rivatização do pré -sal"? Ninguém contesta, mesmo sendo publicado o que

FHC escreveu na época, dizendo que "nunca privatizaria a Petrobras". Diga sempre que a culpa é das "elite", que

o povão do Bolsa acredita... Dilma, faz isso, faz aquilo... Dilma, sobe no palanque, desce do palanque..."

(Eu acho que Dilma é uma v ítima. Uma "tarefeira" do narcisismo de Lula. Agora que Dilma não tem

mais certeza de que vai vencer, seu semblante é repassado por uma vaga inquietude. Gente autoritária odeia

dúvidas, porque a dúvida não é "de esquerda"; a dúvida é coisa de pequenos burgueses - como dizia Marx:

"Pequeno burguês é a contradição encarnada." Lula também odeia dúvidas... Ele fica retumbante quando

vitorioso, mas sua cara muda com fracassos. Lembram do seu pior momento, quando explodiu o mensalão?

Agora Lula está deprimido de novo, o PMDB está angustiado, querendo trair, como mostra a cara do

candidato a vice-presidente, o mordomo inglês de filme de terror... Lu la teme a derrota, como se caísse de volta

na linha de pobreza que ele diz que interrompeu. Talvez no fundo, Dilma tema a própria vitória, porque terá de

aguentar o PMDB exigindo coisas, Força Sindical, CUT, ladrões absolvidos, renunciados, cassados, novos

corruptos no poder, novas Erenices, terá de receber ordens do comissário do povo Dirceu, terá de beijar e gostar

do Sarney, Renan, Collo r, seus aliados. Vai ter de beijar com delícia o Armadinejad, o beiçudo leão de chácara

Chávez, o cocaleiro Evo, com o MST enfiando bonés em sua cabeça, vai ter de aturar as roubalheiras

revolucionárias dos fundos de pensão que já mandaram para o Exterio r bilhões em contas secretas.

Coitada da Dilma - sendo empurrada com a resignação militante, para cumprir ordens, tarefas, como o s

militantes rasos que pichavam muros ou distribuíam panfletos. Dilma às vezes dá a impressão de que não quer

governar... Ela quer sossego, mas não deixam...

Como é que fazem isso com uma senhora?