UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA LEITURA DE HIPERTEXTO: ESTRATÉGIAS METACOGNITIVAS USADAS POR LEITORES PROFICIENTES Regina Cláudia Pinheiro Fortaleza Ceará 2005

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    CENTRO DE HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGSTICA

    LEITURA DE HIPERTEXTO: ESTRATGIAS METACOGNITIVAS

    USADAS POR LEITORES PROFICIENTES

    Regina Cludia Pinheiro

    Fortaleza Cear

    2005

  • 1

    REGINA CLUDIA PINHEIRO

    LEITURA DE HIPERTEXTO: ESTRATGIAS METACOGNITIVAS

    USADAS POR LEITORES PROFICIENTES

    Fortaleza Cear

    2005

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-graduao em Lingstica da

    Universidade Federal do Cear, como

    requisito parcial para a obteno do grau

    de Mestre em Lingstica.

    Orinetadora: Prof Dr Rosemeire Selma

    Monteiro

  • 2

    Esta dissertao foi submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingstica como parte dos

    requisitos necessrios para a obteno do grau de Mestre em Lingstica, outorgado pela

    Universidade Federal do Cear, e encontra-se disposio dos interessados na Biblioteca de

    Humanidades da referida Universidade.

    A citao de qualquer trecho da dissertao permitida, desde que seja feita de acordo com as

    normas cientficas.

    _____________________________________

    Regina Cludia Pinheiro

    BANCA EXAMINADORA

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. Rosemeire Selma Monteiro UFC

    (Orientadora)

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. 1 Examinador Instituio

    (1 Examinador)

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. 2 Examinador - Instituio

    (2 Examinador)

    _______________________________________________________________

    Prof. Dr. Suplente Instituio

    (Suplente)

    Dissertao defendida e aprovada em ___/___/_____

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por me dar a oportunidade de me tornar um dos poucos cidados privilegiados na vida;

    minha me, por ser o que foi enquanto viveu e por tudo que sou (in memoriam);

    minha orientadora Rosemeire Selma Monteiro, por me ajudar a trilhar os caminhos e descaminhos dessa jornada to

    dolorosa e gratificante;

    A toda minha famlia, pelo apoio, pacincia e compreenso nos momentos de estresse;

    Ao Prof Elicio Cavalcante, por compreender que educao de qualidade se faz com professores qualificados;

    Ao Ncleo Gestor das trs escolas estaduais que contriburam com esta pesquisa, por no terem medido esforos

    para envolver os professores;

    FUNCAP, que tornou parte da pesquisa mais tranqila; Ao Mrio Saldanha, por conseguir resolver todos os

    problemas que as tecnologias nos causam no momento em que

    mais precisamos delas;

    Aos professores do Programa de Ps-graduao em Lingstica da UFC e prof Ita Lerche Vieira, do Programa de

    Ps-graduao em Lingstica da Universidade Estadual do

    Cear, que me fizeram compreender que o conhecimento to

    extenso como as guas do mar;

    Marilene Barbosa, pelas valiosas contribuies durante o processo de reviso;

    A todos os meus amigos, que me fizeram relaxar com as conversas e as marimbas;

    Com especial gratido, a todos os professores com os quais trabalhamos, por tornarem possvel a realizao desta

    pesquisa.

  • 4

    A realidade no um caos

    mas um labirinto, um cosmos

    que se oculta e temos a tarefa

    de descobri-lo.

    Jorge Lus Borges

    Caminhante, no h

    caminhos, faz-se caminhos ao

    caminhar.

    Antonio Machado

  • 5

    RESUMO

    O uso de tecnologias nas sociedades modernas possibilitou a democratizao do

    conhecimento e mudanas nas formas de pensar, de agir e de se comunicar. Atravs dessas

    tecnologias, tivemos tambm a oportunidade de interagir com um novo modo enunciativo, o

    hipertexto. Este trabalho compara a leitura do texto impresso com a leitura do hipertexto com

    relao s estratgias metacognitivas de leitores proficientes. Para fundamentar nossa

    pesquisa, apresentamos teorias de leitura, sob uma perspectiva psicolingstica, e algumas

    pesquisas realizadas sobre hipertextos. Os sujeitos com os quais trabalhamos, a fim de

    testarmos nossos pressupostos, foram quinze professores do Ensino Mdio que demonstraram

    ser leitores proficientes em texto impresso e que tinham experincia com leitura na Internet. A

    tcnica utilizada para verificarmos as estratgias dos sujeitos ao ler hipertextos foi o protocolo

    verbal, na qual os leitores verbalizaram seus pensamentos simultaneamente ao processo de

    leitura. Os resultados da pesquisa nos mostraram que estratgias utilizadas para a

    compreenso de textos impressos foram tambm usadas na leitura de hipertextos. Porm,

    nesse novo modo de enunciao, algumas dessas estratgias possuem especificaes, devido

    ao seu formato. Observamos ainda outras estratgias utilizadas pelos leitores ao ler os

    hipertextos, tais como, fazer leitura previewing da pgina inicial, procurar textos mais

    compactos, observar o tamanho do texto antes de l-lo, preferir textos com imagens e desistir

    da leitura de alguns fragmentos dos hipertextos. Os resultados dessa pesquisa contribuem para

    a criao de um modelo de leitura que contemple tambm a compreenso de hipertextos.

  • 6

    ABSTRACT

    The use of technologies in modern society made possible the democratization of knowledge

    and caused many changes in the ways we think, act, and communicate. Through these

    technologies, we also had the opportunity to interact with a new way of enunciating: the

    hypertext. This work compare the printed text reading with hypertext reading in relation to

    metacognitive strategies from proficient readers. Our theoretical bases are psycholinguistic

    theories, as well as some researches on the specific kind of texts we investigate. With the

    purpose of testing our presupposition, we worked with fifteen teachers from Ensino Mdio,

    who displayed to be proficient readers when read printed text and who had experience with

    reading on the Internet. The technique used to verify the strategies the teachers carried out

    was the verbal protocol: the readers verbalized their thoughts as they read. The results showed

    that the strategies used for reading printed texts were the same used to understand hypertexts.

    However, in the reading of the latter, some of those strategies have particular characteristics,

    due to the format of the hypertext. Other strategies used by the subjects who took part in our

    research were also observed, while they read hypertexts, like to read like previewing the

    homepage, to look for smaller texts, to look at the text size before to read, to prefer text with

    picture, to give up reading some hypertexts fragments. The results contribute to creation of a

    reading model that contemplate the hypertext comprehension too.

  • 7

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Distribuio dos sujeitos conforme a rea de atuao e o sexo ...................

    66

    Quadro 2 Distribuio dos sujeitos conforme a idade .................................................

    67

    Quadro 3 - Distribuio dos sujeitos conforme sua formao ........................................

    67

    Quadro 4 Hbitos de leitura dos participantes .............................................................

    68

    Quadro 5 Jornais e revistas lidos pelos participantes ...................................................

    68

    Quadro 6 Temas de maior interesse para os participantes ...........................................

    69

    Quadro 7 Nvel de conhecimento sobre programas de informtica .............................

    69

    Quadro 8 Freqncia de uso da Internet ......................................................................

    70

    Quadro 9 O que os participantes buscam na Internet ...................................................

    70

    Quadro 10 Distribuio do nvel de compreenso leitora no teste de proficincia ......

    71

    Quadro 11 Protocolos estabelecidos pelos sujeitos ......................................................

    84

    Quadro 12 Quantidade de vezes que cada propsito foi mencionado nos protocolos .

    84

    Quadro 13 Comentrios que evidenciam a modificao da leitura devido a

    variaes em seu propsito ........................................................................

    88

    Quadro 14 Textos ou links importantes (ou no) identificados ou abandonados pelos

    sujeitos ........................................................................................................

    91

    Quadro 15 Idias importantes identificadas pelos sujeitos nos textos selecionados.....

    92

    Quadro 16 Relatos que evidenciam a ativao do conhecimento prvio .....................

    101

    Quadro 17 Comentrios que evidenciam uma avaliao do leitor em relao

    clareza, completude e consistncia do texto .........................................

    108

    Quadro 18 Comentrios que evidenciam uma avaliao do leitor em relao

    clareza, completude e consistncia dos links ........................................

    108

  • 8

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Pgina inicial do site www.cienciaonline.org ................................................

    76

    Figura 2 Pgina inicial e os dois links principais do site www.recicloteca.org.br .......

    77

    Figura 3 Pgina inicial do site www.historianet.com.br ..............................................

    78

    LISTA DE ANEXOS

    Anexo 1 Estratgias usadas na compreenso de textos impressos ...............................

    136

    Anexo 2 - Roteiro de sondagem .....................................................................................

    137

    Anexo 3 Instrumento de verificao do nvel de compreenso leitora ........................

    138

    http://www.cienciaonline.org/http://www.recicloteca.org.br/http://www.cienciaonline.org/

  • 9

    LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLOS

    (Baseada em Ochs, 1979 e Gaskill, 1980, citados por Cavalcanti, 1989)

    ((FR)) fala rindo (em tom de ironia)

    ((LA)) l em voz alta

    ((LB)) l em voz baixa (audvel)

    ((LS)) l silenciosamente

    Ps pausa (macropausa)

    ((RI)) ri

    ((RM)) resmunga (como se falasse consigo mesmo)

    ((VC)) fala com a pesquisadora em voz alta

    ( . ) pausa curta (micropausa)

    (...) parte suprimida do texto ou do protocolo

    (?) o pesquisador no compreende o que o sujeito falou

  • 10

    SUMRIO

    RESUMO........................................................................................................................

    ABSTRACT ...................................................................................................................

    LISTA DE QUADROS ..................................................................................................

    05

    06

    07

    LISTA DE FIGURAS .................................................................................................... 08

    LISTA DE ANEXOS ..................................................................................................... 08

    LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLOS............................................................... 09

    INTRODUO ............................................................................................................ 12

    CAPTULO 1

    1 FUNDAMENTAO TERICA .................................................................. 1. 1 Concepo de leitura .......................................................................................

    1. 2 As estratgias metacognitivas de leitura .........................................................

    1. 3 O ensino de estratgias de leitura ...................................................................

    1. 4 A revoluo eletrnica e as formas de ler e escrever ......................................

    1. 5 Histria, concepo e pesquisas em hipertexto ...............................................

    1. 6 Hipertexto e texto impresso: um s concepo ...............................................

    1. 7 Caractersticas do hipertexto e suas implicaes para o processamento da

    leitura ..............................................................................................................

    17

    18

    28

    37

    40

    43

    54

    57 CAPTULO 2

    2 METODOLOGIA ........................................................................................... 2. 1 A seleo dos sujeitos ......................................................................................

    2. 2 O perfil dos sujeitos .........................................................................................

    2. 3 Situao experimental .....................................................................................

    2. 4 A escolha dos hipertextos ................................................................................

    63

    63

    66

    71

    74

    CAPTULO 3

    3 IDENTIFICAO DAS ESTRATGIAS METACOGNITIVAS NA LEITURA DE HIPERTEXTOS ..................................................................

    3. 1 Identificao das estratgias utilizadas pelos sujeitos na leitura de

    hipertextos ....................................................................................................

    3.1.1 Estabelecer os propsitos de leitura ............................................................. 3.1.1.1 Consideraes sobre a estratgia estabelecer os propsitos de leitura ........

    3.1.2 Modificar a leitura devido a variaes no propsito ....................................

    3.1.2.1 Consideraes sobre a estratgia modificar a leitura devido a variaes

    no propsito ..................................................................................................

    3.1.3 Identificar idias importantes ....................................................................... 3.1.3.1 Consideraes a respeito da estratgia identificar idias importantes .........

    3.1.4 Usar a estrutura lgica .................................................................................. 3.1.4.1 Consideraes sobre a estratgia usar a estrutura lgica ............................

    3.1.5 Ativar o conhecimento prvio ...................................................................... 3.1.5.1 Consideraes sobre a estratgia ativar o conhecimento prvio ..................

    3.1.6 Avaliar o texto pela clareza, completude e consistncia .............................

    3.1.6.1 Consideraes a respeito da estratgia avaliar o texto pela clareza,

    completude e consistncia ............................................................................

    79

    81

    81

    84

    85

    88

    88

    92

    92 97

    98

    104

    104

    108

  • 11

    3.2 Anlise de outras estratgias utilizadas pelos sujeitos para a compreenso

    de hipertextos ...............................................................................................

    3.2.1 Estratgias utilizadas pelos hiperleitores com o objetivo de no perder tempo ............................................................................................................

    3.2.1.1 Consideraes sobre as estratgias utilizadas pelos hiperleitores com o

    objetivo de no perder tempo .......................................................................

    3.2.2 Utilizar-se de recursos no-verbais para facilitar a compreenso de

    hipertextos ....................................................................................................

    3.2.2.1 Consideraes sobre a estratgia utilizar-se de recursos no-verbais para

    facilitar a compreenso de hipertextos ........................................................

    3.2.3 Desistir da leitura de alguns sites ou links .................................................... 3.2.3.1 Consideraes sobre a estratgia desistir da leitura de alguns sites ou

    links...............................................................................................................

    109

    109

    115

    115

    119

    119

    122

    CONSIDERAES FINAIS .......................................................................................

    124

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................

    130

    ANEXOS ....................................................................................................................... 135

  • 12

    INTRODUO

    grande o nmero de pesquisas realizadas a respeito do processamento da leitura,

    visto que o ato de ler pr-requisito para a aprendizagem em todas reas do conhecimento e

    tambm fundamental para se viver numa sociedade letrada. Para que haja leitura, necessrio

    o processamento de duas etapas: a decodificao e a compreenso do texto. O processo de

    decodificao, ao qual se d maior nfase no incio da alfabetizao, consiste em reconhecer

    os grafemas e suas relaes para decifrar palavras. Esse processo passa a ser automtico

    proporo que os leitores vo se tornando mais maduros. A compreenso, por sua vez, a

    internalizao que o leitor faz do texto, tendo como base os propsitos de sua leitura, seus

    conhecimentos prvios e a informao que o texto apresenta.

    As sociedades letradas cada vez mais exigem a necessidade de saber ler, tendo em

    vista que o material escrito disponvel cerca todos os ambientes, gerando grandes dificuldades

    para aqueles que no possuem esse conhecimento. Assim, para um analfabeto, pegar um

    nibus ou sacar seu salrio em um caixa eletrnico pode ser uma tarefa que ele s pode

    realizar com o auxlio de outra pessoa. Podemos comparar um analfabeto em um mundo

    letrado a um deficiente visual que no consegue ver parte do mundo sua volta. Porm,

    apesar de muitas pesquisas, materiais de divulgao e a preocupao por parte de alguns

    governantes, a leitura e continua sendo um grande problema nas escolas brasileiras.

    Com a insero das Novas Tecnologias de Informao e Comunicao (NTIC) nas

    sociedades modernas, a exigncia da capacidade de compreender textos ainda maior. Faz-se

    necessria, portanto, a urgncia do letramento digital, que consiste no uso de prticas sociais

    mediadas pela leitura e/ou escrita, atravs da interao com o computador ou com outra

    tecnologia eletrnica do mundo contemporneo. Essa interao possibilitou o surgimento de

  • 13

    uma srie de gneros textuais digitais, como o e-mail, o bate-papo virtual, o blog etc. Nesse

    contexto, emergiu um novo formato de texto, o hipertexto, definido como uma organizao

    enunciativa no-linear, veiculada via mdia digital, que congrega informaes verbais, visuais

    e sonoras e que permite uma leitura totalmente singular e multissemitica, na qual o leitor

    pode interagir com o autor e/ou modificar o texto (Landow, 2002; Xavier, 2002; Lvy, 2003

    entre outros). Assim, surge a necessidade de descobrir como os leitores apreendem o sentido

    nesse novo modo enunciativo.

    Para tanto, esta pesquisa tem como objetivo geral investigar se as estratgias

    metacognitivas de leitura analisadas por Baker & Brown (1984) para a compreenso de textos

    impressos (ANEXO A) so tambm usadas por leitores proficientes para a compreenso de

    hipertextos. Os objetivos especficos foram assim delimitados: verificar se o leitor de

    hipertextos monitora suas estratgias para alcanar seus objetivos de leitura, investigar que

    estratgias metacognitivas de leitura so mais exigidas para a compreenso de hipertextos e

    observar se os recursos no-verbais (imagens, sons etc.) presentes no hipertexto facilitam a

    compreenso durante o processo de leitura. Estamos considerando, neste trabalho, como

    estratgias metacognitivas de leitura, as operaes realizadas conscientemente pelo leitor, a

    fim de chegar compreenso do texto lido.

    Recentemente, muitas pesquisas tm sido desenvolvidas a respeito de hipertextos,

    sob duas principais perspectivas. A primeira, centrada no sistema, tem como foco a inveno

    e implementao das tcnicas de criao do hipertexto. A segunda foca a interao entre o

    sistema e o usurio, as habilidades requeridas para usar o sistema e os efeitos dos sistemas na

    atividade de compreenso leitora das pessoas. Esta pesquisa, centrada na segunda perspectiva,

    sustenta-se nas teorias psicolingsticas, tendo por base as pesquisas j existentes sobre leitura

    de textos tradicionais impressos, a fim de compreender como se d o processamento do

    hipertexto.

  • 14

    Acreditamos que este estudo venha a preencher algumas lacunas deixadas pelas

    pesquisas realizadas e contribuir para que as instituies de ensino tenham parmetros, a fim

    de conduzir o ensino da leitura do hipertexto, criando estratgias pedaggicas adequadas para

    esse novo contexto, pois a questo atual relacionada aos estudos e pesquisas nessa rea no

    mais a insero dessas tecnologias no ensino, tendo em vista a grande popularizao da

    Internet e o acesso ao hipertexto, produto dessa tecnologia. As maiores reflexes referentes a

    esse aspecto recaem no intuito de descobrir como se compreende o hipertexto, que estratgias

    os leitores usam para processar suas informaes e em que essas estratgias se diferem das

    usadas em textos impressos, questes que se constituem focos de nossa pesquisa.

    Conforme mudam os suportes de escrita, mudam tambm os modos de

    processamento da leitura e os comportamentos do leitor. Assim, por ter o hipertexto um

    formato diferente do texto impresso e os diversos links possibilitarem uma leitura no-linear,

    delimitamos como problematizao nesta pesquisa a necessidade de investigar se as

    estratgias metacognitivas usadas para a compreenso do texto impresso (ANEXO A) so

    utilizadas para a compreenso do hipertexto e se os objetivos de leitura definidos no incio ou

    antes da leitura do hipertexto permanecem e so atingidos ou se modificam no decorrer da

    leitura. ainda uma questo importante saber que contribuio os recursos no-verbais

    (imagens animadas e inanimadas, sons, grficos etc.) do ao processamento do hipertexto.

    Levando em considerao nossa prpria experincia como leitora de hipertextos,

    temos os seguintes pressupostos para esta pesquisa:

    As estratgias metacognitivas de leitura para a compreenso do hipertexto no so as

    mesmas usadas para a compreenso do texto impresso tradicional;

    possvel prever uma relao entre a manuteno dos propsitos do leitor e o nmero

    de links contidos no hipertexto: quanto maior o nmero de links que o sujeito acessa,

    mais o leitor muda seus objetivos;

  • 15

    Os recursos no-verbais (imagens-animadas e inanimadas-, sons, grficos, etc.)

    facilitam a compreenso do hipertexto.

    Assim, para apreendermos como se d o processamento da leitura do hipertexto e

    sabermos que estratgias o hiperleitor usa para sua compreenso, escolhemos uma

    metodologia que nos permitisse ter acesso ao pensamento do sujeito. Para tanto, utilizamos a

    tcnica de protocolo verbal, que consiste na verbalizao dos pensamentos simultaneamente

    ao processo da leitura, por acreditarmos que esta seja a metodologia mais direta para detectar

    processos inconscientes da mente.

    Os leitores proficientes selecionados para participar de nosso experimento foram

    quinze professores do Ensino Mdio de escolas pblicas estaduais que tinham habilidades no

    manuseio do computador e possuam o hbito de leitura na Internet. Para selecionar os

    sujeitos com esse perfil, utilizamos um roteiro de sondagem (ANEXO B) e um teste de

    proficincia leitora (ANEXO C), aplicados em trs escolas, situadas no Serto Central do

    Estado do Cear.

    Para nossa surpresa, os resultados da pesquisa comprovaram que algumas

    estratgias usadas na leitura de textos impressos e selecionadas para verificao nesta

    pesquisa foram tambm utilizadas pelos participantes para a compreenso de hipertextos.

    Porm, verificamos que essas estratgias apresentam algumas especificaes devido ao

    formato do hipertexto. Analisamos ainda outras estratgias utilizadas pelos sujeitos para

    compreender os hipertextos.

    Este trabalho est dividido em introduo, trs captulos, representados,

    respectivamente, por fundamentao terica, metodologia e anlise de dados e as

    consideraes finais.

    No captulo 1, apresentamos algumas discusses tericas relacionadas s

    concepes de leitura, pesquisas sobre estratgias usadas pelos leitores para a compreenso de

  • 16

    textos e um breve relato sobre as transformaes nas formas de ler e escrever com a insero

    das novas tecnologias na sociedade. A seguir, mostramos como surgiu o hipertexto,

    apresentando algumas pesquisas que abordam esse tema. Por fim, apresentamos as

    caractersticas do hipertexto e suas implicaes para o processamento da leitura.

    Em seguida, no captulo de metodologia, explicitamos os procedimentos

    empregados para identificar as estratgias metacognitivas usadas para a compreenso de

    hipertextos, descrevemos como se deu a seleo dos sujeitos participantes da pesquisa, o

    perfil destes e como foram escolhidos os hipertextos utilizados na pesquisa.

    No captulo 3, analisamos os dados coletados, observando, atravs de exemplos,

    se as estratgias metacognitivas usadas para compreender o texto impresso (ANEXO A)

    foram tambm utilizadas pelos leitores participantes da pesquisa para a compreenso de

    hipertextos. Analisamos ainda outras estratgias que os hiperleitores utilizaram para a

    compreenso de hipertextos.

    Nas consideraes finais, resgatamos as descobertas realizadas na anlise de

    dados, refletindo sobre suas implicaes no ensino.

  • 17

    1 FUNDAMENTAO TERICA

    A insero das Novas Tecnologias de Informao e Comunicao (NTIC) nas

    sociedades modernas tem acarretado muitas transformaes em seus diversos setores. Novas

    formas de pensar, de comunicar, de acessar informaes e de perceber o conhecimento esto

    se impondo. Essas tecnologias possibilitaram a criao da Internet, trazendo, para o homem

    moderno, transformaes no seu modo de vida, inclusive nas formas de ler e escrever os

    sistemas alfabticos. Em virtude disso, alguns gneros textuais, como home pages, chats e e-

    mail, surgiram pela utilizao desse novo suporte, a tela do computador. Nesse novo contexto,

    emergiu uma nova forma de enunciao discursiva, o hipertexto, propiciando, ao usurio da

    Internet, novas maneiras de processar a leitura. No se trata de um gnero, mas de um modo

    enunciativo que pode abranger inmeros gneros, como as home pages institucionais ou

    pessoais, os contos escritos eletronicamente, entre outros.

    Considerando a diversidade de textos que circulam na sociedade e os objetivos de

    leitura de cada leitor, podemos afirmar que os leitores usam estratgias diferenciadas para

    compreend-los. Neste caso, podemos citar como exemplos os diferentes conhecimentos

    requeridos dos leitores para a leitura de uma carta a um amigo e a leitura de um artigo

    cientfico, ou os diferentes processos exigidos na leitura de um texto impresso e de um texto

    publicado na Internet em formato de hipertexto.

    Neste trabalho, apresentaremos estudos relacionados leitura como processo e s

    estratgias metacognitivas usadas para sua compreenso, considerando, para esse fim, teorias

    de leitura, diversas pesquisas empreendidas e alguns aspectos de interveno pedaggica,

    tendo em vista que a aprendizagem pode ocorrer atravs da interao com a mquina, sendo o

    ensino formal o principal agente proponente dessa aprendizagem. Para abordar a questo da

    concepo de leitura, tivemos como base as obras de Goodman (1976 e 1990), Smith (1989) e

  • 18

    DellIsola (2001). No que se relaciona ao aspecto das estratgias de leitura, nos baseamos em

    Brown (1980), Baker & Brown (1984), Leffa (1996), Kleiman (1996, 2000), Kato (1999),

    Olge (s/d) e Giasson (2000). Esse grupo aborda as estratgias metacognitivas de leitura

    utilizadas em textos impressos, o que comprova a necessidade de pesquisas que retratam as

    estratgias metacognitivas tambm utilizadas para a compreenso desta nova forma de

    enunciao, que o hipertexto. Sob uma outra perspectiva, procuramos apresentar algumas

    reflexes a respeito das transformaes ocorridas nos processos de ler e escrever. Para esta

    reflexo, as obras de Smith (1999), Chartier (1999, 2002), Alvarez (2001), Ferreiro

    (2001,2002) nos serviram de embasamento. Finalmente, buscamos alguma bibliografia

    relacionada leitura e escritura envolvendo novas tecnologias, principalmente, o hipertexto.

    Nesse grupo, encontramos algumas concepes diferentes, dentre as quais destacamos as de

    Marcuschi (2000), Ramal (2000), Braga (2003), Costa (2000), Xavier e Santos (2000), Pereira

    (2001), Xavier (2002), Landow (2002), Koch (2002), Possenti (2002), Lvy (2003) e Dias-da-

    Silva & Paizan (2003).

    1.1 Concepo de leitura

    Apesar da compreenso de sentidos de textos mobilizar aspectos de diversas reas

    do conhecimento, como cincias sociais, psicologia, filosofia etc., as pesquisas cientficas

    fazem recortes para realizar seus estudos. Assim, este trabalho, sob a perspectiva das cincias

    da cognio, se preocupa somente com as estratgias metacognitivas mobilizadas pelos

    leitores de hipertextos, a fim de chegar sua compreenso.

    Iniciaremos este subitem abordando a concepo de leitura que servir de base

    terica para nossa pesquisa. Apresentaremos as teorias de Goodman (1976 e 1990) e Smith

  • 19

    (1989), na perspectiva da Psicolingstica, e, por fim, a pesquisa de DellIsola (2001), sob o

    ponto de vista da Sociolingstica.

    Goodman (1976, 1990) desenvolveu trabalhos sobre leitura quando a teoria

    dominante nos Estados Unidos era uma concepo baseada no senso comum de que aprender

    a ler era um processo preciso que envolve percepo seqencial, detalhada e exata, em que o

    foco centrava-se na identificao de letras e palavras, soletrando modelos e longas unidades

    de linguagem (1976: 491). Contrapondo-se a essa concepo, Goodman percebe a leitura

    como um jogo psicolingstico de adivinhaes. Nesse jogo, o leitor seleciona, com base nas

    suas expectativas, o menor nmero de pistas que devem ser o mais produtivas possveis. To

    logo essa informao processada, ele toma decises para confirmar, rejeitar ou refinar o

    progresso da leitura. A concepo de leitura de Goodman similar a de Smith, porm, aquele

    discorda deste quando afirma que h um nico processo de leitura para ler qualquer tipo de

    texto, independentemente de sua estrutura e do propsito que tenha o leitor no momento de

    ler (Goodman:1990:14). Esse processo constitui-se de quatro ciclos: tico, perceptual,

    gramatical e de significado. Porm, a ateno est focalizada no significado e tudo que estiver

    alm disso s recebe ateno plena quando houver dificuldades no significado.

    No ciclo tico, o crebro controla o olho e o dirige para que busque aquilo que

    espera encontrar (Goodman, 1990:18).

    O ciclo perceptual faz com que tenhamos a iluso de termos visto todos os detalhes

    grficos do texto, uma vez que este compreendido.

    O ciclo gramatical faz com que o leitor seja capaz de utilizar elementos-chave de

    oraes, nexos, sufixos gramaticais e pontuao para predizer pautas sintticas e dos perodos

    quando comea a process-los.

    O ciclo semntico o mais importante de todo o processo e todos os outros funcionam

    em funo dele.

  • 20

    Assim, as estratgias usadas nos ciclos acima so realizadas com o propsito de

    encontrar significado no texto que construdo enquanto se l, mas tambm reconstrudo,

    uma vez que devemos acomodar continuamente nova informao e adaptar nosso sentido de

    significado em formao (Goodman,1990:19). No entanto, o que o leitor compreende da

    leitura depende daquilo que ele j sabe. Por isso, seu propsito, sua cultura social, seu

    conhecimento prvio, seu controle lingstico, suas atitudes e seus esquemas conceptuais so

    muito importantes para o xito do processo. Por possuir todas essas informaes, os leitores

    so capazes de antecipar o texto, utilizando estratgias de predio para adivinhar o que vir

    no texto e qual ser seu significado. Alm de predizer, selecionam aquelas informaes que

    so mais teis e fazem inferncias para compreender o que no est explcito no texto ou o

    que poder vir posteriormente, utilizando os conhecimentos que j possuem. Assim, como a

    seleo, as predies e as inferncias so estratgias bsicas de leitura. Os leitores esto

    constantemente controlando sua prpria leitura para assegurar-se de que tenha sentido

    (op.cit., 1990:17).

    As pesquisas de Goodman (1976) revelam que os leitores usam a estratgia de

    identificao de palavras, atravs da relao letra-som somente quando necessitam, devido ao

    desconhecimento de algumas palavras. Outra revelao das pesquisas que o significado de

    palavras que eles nunca ouviram pode ser conseguido com a ajuda do contexto. Assim,

    diferentemente do ponto de vista do senso comum que considera o desvio como um erro, para

    Goodman (op. cit.), um erro no indica que um leitor no sabe ou que seja desatento na

    aplicao de seu conhecimento. Os leitores, muitas vezes, cometem desvios na leitura que no

    modificam a construo do sentido e usam substituies com a mesma funo gramatical, por

    isso, no h razes para corrigi-los. Insistir para que eles identifiquem cada palavra poder

    faz-los desviar sua ateno do significado para preocupar-se com informaes gramaticais

    desnecessrias que no fazem diferena para a compreenso da leitura.

  • 21

    A seguir, resumiremos o modelo de leitura de Goodman (1976) em que apresenta

    os processos como um jogo psicolingstico de adivinhaes.

    O leitor escaneia a pgina da direita para esquerda e para baixo linha a linha. Esse

    processo de leitura chamado por outros autores, como Kato (1999) de top-down;

    Ele fixa os olhos em um ponto, sendo que alguns sinais grficos ficaro no foco

    central e outros na periferia do foco;

    A partir disso, inicia o processo de seleo, baseando-se em pistas grficas, guiado

    por seus conhecimentos anteriores e estratgias aprendidas;

    Forma uma percepo, usando essas pistas e suas pistas anteriores que so

    parcialmente, o que ele v e o que espera ver;

    Procura na memria por pistas sintticas, semnticas e fonolgicas que estejam

    relacionadas. Isso pode lev-lo a selecionar mais material grfico e reformular sua imagem

    perceptual;

    Nesse ponto, ele faz uma adivinhao ou uma tentativa de escolha consistente com

    as pistas grficas. A anlise semntica o conduz a uma decodificao parcial que pode ser

    possvel. Esse significado armazenado na memria de curto termo enquanto a informao

    processada;

    Se a adivinhao no se confirmar, ele checa a percepo de entrada e tenta

    novamente. Se mais uma vez a adivinhao no se confirmar, volta ao texto para adquirir

    mais pistas grficas;

    Se ele pode fazer uma escolha decodificvel, ele testa se ela semntica e

    gramaticalmente aceitvel no contexto desenvolvido por escolhas prvias e decodificao.

    Se a tentativa de escolha no aceitvel semntica ou sintaticamente, ento ele volta

    a escanear a pgina e localiza o ponto que ficou inconsistente semntica ou sintaticamente.

  • 22

    Quando esse ponto encontrado, reinicia a partir daquele ponto. Se nenhuma inconsistncia

    identificada, ele l, buscando mais pistas para harmonizar a situao que no estava adequada;

    Se a escolha aceitvel, a decodificao confirmada, o significado assimilado

    com o significado anterior e o conhecimento acomodado. Se necessrio, expectativas so

    formadas sobre grficos de entrada e significado que viro;

    Ento o ciclo continua.

    Nesse jogo psicolingstico de adivinhaes, a ordem das aes desenvolvidas

    pelo leitor no segue a mesma seqncia mostrada anteriormente.

    Smith (1989), que tem a mesma concepo de Goodman (1976, 1990), postula

    que, assim como a identificao de palavras no requer a identificao prvia de letras,

    tambm a compreenso no requer a identificao prvia das palavras, ou seja, a identificao

    imediata do sentido to independente da identificao das palavras individuais quanto a

    identificao imediata das palavras independente da identificao de letras individuais (p.

    180). Se a seqncia de palavras for significativa, o significado que auxilia os leitores na

    identificao de letras ou palavras individuais e no o contrrio. Para isto, os leitores utilizam

    a sua informao no-visual, as informaes do contexto frasal (uma palavra ajuda na

    identificao de outras) e a estratgia de eliminao prvia para reduzir as alternativas que

    no caberiam naquele contexto. Esse tipo de leitura comprovado quando observamos

    leitores experientes trocando palavras por outras totalmente diferentes daquelas que esto

    impressas, mas com significados semelhantes, confirmando a prioridade do sentido sobre a

    identificao individual de palavras. Porm, agindo desse modo, os leitores, em alguns casos,

    podem usar palavras que estabeleam diferena de sentido. O bom leitor, percebendo o

    engano, volta atrs e o corrige. Entretanto, existem ocasies em que a identificao mediada

    do sentido pode ser tentada, envolvendo a identificao de palavras individuais antes da

    compreenso de uma seqncia significativa de palavras como um todo (p. 195). Nesse caso,

  • 23

    em que a passagem compreensvel e somente uma palavra desconhecida, o significado do

    todo pode ser usado para fornecer um possvel significado para essa palavra, pois extramos

    um sentido para as palavras a partir do contexto em que esto inseridas, utilizando o que j

    se conhece para compreender e aprender o que nos estranho (p. 196). Assim, as crianas

    que lem lentamente e em voz alta, tentando identificar as palavras uma de cada vez, como se

    cada palavra no tivesse nada a ver com as outras, sobrecarregam a memria de curto prazo e

    colocam o significado como ltima preocupao. Por isso, quando se ensina na escola a

    decodificar e no a adivinhar, est, na verdade, se ensinando o contrrio do que necessrio

    para a compreenso.

    Para Smith (op. cit.), o leitor lana-mo de questes implcitas sobre o significado

    e no sobre as letras ou palavras, juntando aquilo que j sabe com o que o texto informa

    explicitamente, tornando a leitura um processo ativo. O sentido construdo em um texto

    depende ento do conhecimento anterior do leitor e daquilo que ele consegue perceber atravs

    dos implcitos deixados pelo escritor. Essa informao no-visual utilizada no texto para que

    o leitor possa tomar decises para construir o sentido. Assim, a informao no-visual pode

    ser empregada para reduzir a incerteza do leitor com antecedncia e para limitar a

    quantidade de informao visual que deve ser processada (p. 188).

    O autor reconhece a dificuldade de se definir leitura, pois essa definio depende

    do que ocorre durante o processo, visto que este se modifica dependendo do texto que se est

    lendo e do objetivo do leitor. A compreenso relativa; depende de se obterem respostas

    para as questes que esto sendo formuladas. Um significado particular a resposta que o

    leitor obtm para determinada questo (p.201). Sendo assim, numa leitura significativa, no

    necessrio perceber tudo o que se l. Alguns pequenos detalhes podem ser saltados porque so

    irrelevantes ou desnecessrios para os interesses do leitor. Porm, reconhece que leitura

    pensamento e afirma que esta no diferente do pensamento que realizamos em outras

  • 24

    atividades, como falar, compreender o que algum est dizendo ou extrair sentido do mundo.

    Para ele, uma imensa vantagem da leitura sobre o pensamento em outras circunstncias o

    controle que esta oferece sobre os eventos. Os leitores podem fazer pausa no meio de uma

    experincia para reflexo. Os leitores podem reviver experincias to freqentemente quanto

    desejarem, e examinarem-nas a partir de muitos pontos de vista (op. cit. p. 214).

    Para o autor, a primeira compreenso que todo aprendiz deve ter a fim de se

    tornar um leitor (ou um escritor) a de que a linguagem escrita, por si mesma, faz sentido

    uma compreenso nem sempre fcil de ser alcanada nos ambientes educacionais (Smith,

    1989:236). Assim, a compreenso da linguagem escrita est relacionada compreenso de

    suas funes sociais. preciso levar em conta, principalmente, sua funo de representao.

    Quando as crianas tentarem compreender a leitura em situaes significativas nas quais

    possam gerar e testar hipteses, adquiriro cada vez mais informao no-visual e experincia

    na utilizao desta e com muito mais eficincia. Este aprendizado inclui a compreenso das

    finalidades e convenes do texto, porm no est baseado na instruo formal porque esta

    habilidade no pode ser ensinada de modo explcito, mas pode ser demonstrada. Nesse

    contexto, as previses so muito importantes para a compreenso. Smith (op.cit.) divide as

    previses em globais e focais. As primeiras dizem respeito s expectativas sobre o contedo,

    o tema ou o tratamento de um texto ou livro, a partir do ttulo ou da indicao dada por outra

    pessoa. As previses focais surgem em um nvel mais baixo, relacionadas s palavras,

    sentenas ou pargrafos e geralmente so demandadas pelas previses globais. Assim,

    enquanto lemos um romance, por exemplo, podemos estar preocupados com um nmero de

    previses bastante diferentes ao mesmo tempo, algumas globais, que podem persistir atravs

    de toda a extenso do livro, e outras mais focais que podem surgir e serem descartadas em

    uma nica fixao (p.203).

  • 25

    Com relao fluncia em leitura, Smith (1989) reconhece que, em alguns casos,

    possvel um leitor iniciante ler algo com facilidade e tambm possvel encontrar algo que

    um leitor proficiente tenha dificuldade em ler, existindo a possibilidade de leitura fluente e

    difcil para ambos. O que os diferencia a familiaridade com diferentes espcies de texto.

    Assim, quanto mais o leitor experienciar a leitura de diversos textos, maior ser sua

    probabilidade de ser proficiente. Porm, aspectos como a informao no-visual inadequada

    por parte do leitor, a maneira como o texto foi escrito e presses ou ansiedades durante a

    leitura, podem causar dificuldades at mesmo para leitores experientes, fazendo com que estes

    leiam como leitores iniciantes. Discordamos desta afirmao do autor, pois como confirmam

    as pesquisas de Baker & Brown (1984), comentadas no prximo subitem, os leitores

    experientes tendem a usar estratgias para superar lacunas de compreenso que no foram

    detectadas em leitores iniciantes. Para Smith (1989:211), a leitura fluente est baseada em

    uma especificao flexvel de intenes e expectativas, que mudam e se desenvolvem como

    uma conseqncia da progresso do leitor ao longo do texto. Por isso, facilitar o uso da

    informao no-visual tambm pode tornar a leitura compreensvel. Alm do mais, para que

    as crianas aprendam a ler necessrio que elas compreendam que a escrita significativa e

    diferente da fala. As crianas que no possuem esses conhecimentos tendem a achar que a

    leitura absurda. Sobre o primeiro conhecimento, o autor se refere ao fato de as crianas

    formarem um sentido para a informao impressa e afirma que elas esto imersas na

    linguagem escrita ao se depararem com a riqueza de materiais escritos que podem ser

    encontradas em diversos lugares. Para ele, a escola no apenas deixa de ensinar esses

    conhecimentos, mas tende a inibi-los em alguns casos. Reproduzimos, a seguir, dois de alguns

    aspectos fundamentalmente incompreensveis da instruo da leitura, apresentados por Smith

    (1989:241), que podem existir na escola, tornando assim, o aprendizado mais difcil:

    O relacionamento de letras a sons. Para uma criana que no tem idia sobre

    leitura, ouvir que algumas formas peculiares chamadas de letras que no tm

  • 26

    funo aparente no mundo real ento relacionadas aos sons, que no tm

    existncia independente no mundo real, pode ser a mais pura baboseira.

    Exerccios e testes sem sentido. Existem tantos candidatos para esta categoria, indo

    desde a deciso sobre qual dos trs patinhos est olhando para a direo errada at o

    sublinhar de letras mudas em palavras, que no tentarei confeccionar uma lista. As

    crianas podem aprender a ter notas altas em tarefas repetitivas e absurdas

    (especialmente se so leitoras competentes), mas esta habilidade especializada no

    as transformar em leitores. (SIC)

    Com relao ao aspecto de que a leitura escrita diferente da fala, Smith (1989)

    comenta que as crianas sem esse conhecimento tendem a ter dificuldades na previso e

    compreenso das convenes da escrita e, conseqentemente, no aprendizado da leitura. Essa

    percepo pode ser adquirida quando algum l para a criana ou ela mesma l em voz alta,

    num processo de engajamento. Assim, medida que a linguagem escrita ouvida e

    compreendida, [o leitor] desenvolver um entendimento sobre as convenes particulares da

    linguagem escrita (p.243). O autor afirma ainda que a linguagem artificial dos livros escolares

    tende a ser imprevisvel e incompreensvel para crianas que, conseqentemente, tero

    dificuldades para aprender a ler a partir de tais textos. Sobre tais dificuldades, existem fatores

    que tornam a leitura mais difcil, tais como a concentrao nos detalhes visuais, que causar a

    viso em tnel; a sobrecarga da memria de curto prazo, pela ateno a fragmentos de texto

    que fazem pouco sentido; confuses na memria de longo prazo, medida que a criana luta

    para responder prontamente a questes, apresentadas posteriormente etc.

    DellIsola (2001), numa viso mais voltada para a Sociolingstica, comprova que

    o contexto sociocultural do leitor influencia no processamento de inferncias. Dependendo da

    classe social a que o leitor pertence, suas inferncias so diferentes. As duas concepes

    reunidas as que levam em considerao as inferncias e as que se baseiam no contexto

    sociocultural do sua pesquisa um carter inovador, demonstrando que as interpretaes

    nas leituras de texto so determinadas pelo contexto sociocultural do aluno, o que revela que o

    processo ensino-aprendizagem da leitura deve passar por uma modificao. Para essa autora,

    os professores devem conscientizar-se da heterogeneidade sociocultural dos alunos e repensar

    o ensino de linguagem, principalmente da lngua padro que privilegiada na escola.

  • 27

    A percepo de que seus alunos apresentavam interpretaes consideravelmente

    diferentes na leitura de textos, fruto da experincia da autora como professora na Repblica

    Popular do Congo - frica - onde lecionava para alunos provenientes de vrias regies do

    Brasil e de classes sociais diferentes, justifica a pesquisa da autora que se fundamenta nas

    seguintes questes: em que medida a diversidade de compreenses acerca de um nico texto

    se deve ao conhecimento de mundo e s experincias do leitor? H influncias das

    experincias prvias do leitor na produo da leitura? E qual a interferncia do contexto

    sociocultural no processo inferencial? (DellIsola, 2001:22)

    O teste utilizado para verificar o que as pessoas de nveis culturais diferentes

    inferem e avaliam a partir de um nico texto foi a pausa protocolada previamente marcada no

    texto, que consiste na leitura em partes. Aps a leitura de cada parte a pesquisadora

    estabeleceu possveis perguntas que se dividiam em objetivas, inferenciais e avaliativas. Para

    a escolha do texto, foi considerada a legibilidade em seus aspectos fsico, lingstico e

    interativo. Os sujeitos que se submeteram ao pr-teste e ao teste pertenciam a classes sociais

    diferentes, tendo como indicativos dessa diferena, a escola em que estudavam, o perfil dos

    mesmos e suas atividades extra-escolares. Participaram do pr-teste alunos da 5 srie e do

    teste alunos da 7 srie do Ensino Fundamental de escolas pblicas e particulares. Quanto aos

    estabelecimentos escolares, a autora os dividiu em escola A (instituio privada que atende

    somente queles alunos que possuem recursos para pagar uma alta mensalidade) e escola B

    (instituio pblica de ensino gratuito, que atende a uma clientela carente de recursos

    financeiros).

    A concluso mostrou que no h uma nica interpretao para cada texto lido. A

    autora pde verificar que o contexto sociocultural do indivduo atua como fator condicionante

    da variedade de interpretaes e que a produo da leitura varivel entre os indivduos

    porque cada um gera suas inferncias de acordo com o seu conhecimento prvio social e

  • 28

    cultural (p. 221). Nesse sentido, imprescindvel que os professores valorizem as inferncias

    dos alunos, promovendo intercmbio cultural entre eles.

    A pesquisa apresenta consideraes que devem ser pensadas pelos educadores na

    conduo de suas aulas, a fim de no criarem expectativas de que seus alunos tero as mesmas

    inferncias e interpretaes dos textos apresentados. Sua aplicao na escola estimula o

    repensar do ensino, principalmente o de leitura e instiga reflexes a respeito das diversas

    manifestaes socioculturais provindas dos contextos em que os alunos esto inseridos e que

    se evidenciam na escola.

    No prximo subitem, apresentaremos algumas pesquisas que mostram as

    estratgias metacognitivas de leitura usadas para a compreenso de textos impressos.

    1. 2 As estratgias metacognitivas de leitura

    Conforme explicamos no item anterior, a leitura um processo de interao entre

    autor e leitor, via texto. Nessa concepo, Kleiman (2000) considera que o leitor faz o

    mximo para recuperar o que o autor quis transmitir. Este, por sua vez, busca a adeso do

    leitor, procurando produzir um texto informativo, claro e relevante, que fornea claramente as

    pistas que permitem uma reconstruo do significado e da inteno comunicativa (op.cit.).

    Assim, numa atividade de leitura significativa, o leitor faz uso de estratgias para

    atingir os seus objetivos. As estratgias so aes que o leitor pratica antes, durante e aps a

    leitura, a fim de apreender o sentido do texto. Para isso, o leitor utiliza a informao visual,

    que se encontra no texto, e a informao no-visual, que est na sua mente e da qual lana

    mo para integr-la informao que o texto fornece.

    Muitas pesquisas tm sido realizadas para descobrir as estratgias que os leitores

    utilizam no processamento da leitura. Essas estratgias podem ser classificadas em cognitivas

    e metacognitivas. O que diferencia as estratgias cognitivas das metacognitivas o estado de

  • 29

    conscincia do leitor em relao s suas aes. Assim, estratgia cognitiva uma atividade

    executada, mas que fica no nvel inconsciente do leitor. classificada como um processo de

    desenvolvimento automtico. J na realizao das estratgias metacognitivas, o leitor tem

    conscincia do conhecimento e busca um aumento gradual do controle desse conhecimento,

    tornando o uso dessas estratgias cognitivas desautomatizadas em situaes de problema

    (Kato, 1999). Assim, as estratgias metacognitivas seriam aquelas operaes (no regras),

    realizadas com algum objetivo em mente, sobre as quais temos controle consciente, no

    sentido de sermos capazes de dizer e explicar a nossa ao (Kleiman, 1996:50). O leitor

    proficiente faz uso constante de estratgias metacognitivas e flexvel na sua leitura, usando

    vrios procedimentos para atingir seus objetivos. Quando uma estratgia no funciona, ele faz

    uso de outra. Por isso, o leitor proficiente apresenta duas caractersticas bsicas: ele tem

    algum objetivo e compreende o que l (Kleiman, 1996).

    Este trabalho concentrar-se- nas estratgias metacognitivas, tendo em vista que

    nosso objetivo investigar se os leitores proficientes utilizam, para compreenso de

    hipertextos, as mesmas estratgias metacognitivas de leitura usadas para compreender textos

    impressos.

    Segundo Leffa (1996:51), as pesquisas em metacognio tm se desenvolvido

    fazendo o leitor meditar metacognitivamente sobre seu prprio conhecimento a

    conscincia da prpria conscincia. Essas pesquisas se utilizam do protocolo verbal cujo

    objetivo principal das anlises consiste em fazer o leitor pensar em voz alta sobre suas

    prprias estratgias de leitura. Segundo o autor, h estratgias que so facilmente observveis

    e outras que no so detectadas diretamente por se constiturem de processos mentais no

    observveis. Podemos citar, como exemplo das primeiras, as palavras-chave sublinhadas pelo

    leitor e, da segunda, a avaliao de sua prpria compreenso. Segundo Leffa (1996), as

    concluses a que chegaram os estudos sobre metacognio so as seguintes: a metacognio

  • 30

    desenvolve-se com a idade; correlaciona-se com a proficincia em leitura; o comportamento

    metacognitivo melhora com a instruo; a eficcia de uma determinada estratgia depende do

    objetivo de uma determinada leitura. Assim, a capacidade que o leitor tem de refletir sobre o

    que faz ajuda a desenvolver estratgias adequadas para a compreenso da leitura, pois o bom

    leitor

    deve saber quando est entendendo bem um texto, quando a compreenso

    est sendo parcial ou quando o texto no faz sentido, [...] sabe tambm o que

    fazer quando est tendo problemas com o texto. Sabe at que ponto est ou

    no preparado para atender s exigncias encontradas, qual a tarefa

    necessria para resolver o problema e, o que mais importante, se o esforo

    a ser dispendido vale ou no a pena em funo dos possveis resultado.

    (Leffa, 1996:45).

    As pesquisas em metacognio tm se desenvolvido sob duas correntes. A

    primeira centra-se no conhecimento dos processos cognitivos, no qual o leitor d-se conta do

    domnio especfico desse conhecimento, detectando o problema ocorrido, analisando-o,

    caracterizando-o e refletindo sobre o que sabe e o que no sabe sobre a soluo. Giasson

    (2000) discute esses conhecimentos e os divide em:

    Conhecimento sobre si prprio - no qual o leitor est consciente dos seus recursos e

    dos seus limites;

    Conhecimento sobre a atividade - o leitor deve ter conscincia das exigncias da

    atividade;

    Conhecimento das estratgias ter conscincia das estratgias que podem ser teis

    para resolver um problema.

    A segunda corrente, na qual nossa pesquisa est inserida, centra-se na gesto dos

    processos cognitivos. Segundo essa corrente, o leitor tem conscincia de que possui

    estratgias ou maneiras para proceder quando se depara com um problema na leitura e elabora

    um plano para atacar esse problema.

    Brown (1980), uma das principais representantes dessa corrente, apresenta

    algumas aes gerais que permanecem na conscincia de leitores proficientes na gesto do

  • 31

    processamento da leitura. A primeira ao diz respeito ao conhecimento do leitor sobre o

    momento em que ocorre uma falha na compreenso. Ao detectar essa falha, o leitor

    proficiente inicia uma ao para super-la, o que no acontece com o leitor no proficiente.

    As pesquisas da autora mostraram que essa necessidade no depreendida por crianas mais

    jovens. Assim, aps a constatao do momento em que a falha ocorre, o leitor detecta qual

    parte do texto no foi compreendida. Essa segunda ao da conscincia a iniciao de uma

    forma mais complexa de metacognio. O bom estudante sabe o que no entende porque

    checa constantemente sua aprendizagem e est consciente da diferena entre o que ele sabe e

    o que no sabe. Uma outra ao metacognitiva relaciona-se necessidade do leitor de saber o

    que que se precisa para que a compreenso ocorra. Essa conscincia desenvolvida

    relativamente tarde, porm necessria para o planejamento de uma ao estratgica.

    Somente os leitores eficientes sabem quando h uma informao essencial para completar a

    tarefa eficientemente. Finalmente, a autora cita como ao estratgica para compreender um

    texto a necessidade que o leitor tem de saber a utilidade de uma interveno. Em investigao

    sobre as habilidades de crianas retardadas e normais, ela comprovou que as crianas normais

    mais novas no apreciam a interveno dos outros, o que pode gerar uma falta de

    compreenso na leitura.

    Apresentaremos sucintamente uma pesquisa de Brown (1980) em que o foco de

    ateno so as estratgias metacognitivas.

    A primeira estratgia observada pela autora estava centrada na identificao das

    idias principais. Segundo a autora, para selecionarmos as idias principais, necessrio que

    saibamos quais so elas. Assim, os estudos comprovaram que abstramos a idia principal,

    mesmo quando no somos instigados a fazer isso. Porm, embora lembremos o essencial de

    uma mensagem, isso no exclui a possibilidade de usar as estratgias intencionais para

    aumentar o entendimento. Uma outra revelao da pesquisa, relacionada a essa estratgia, diz

  • 32

    respeito maturidade. As crianas mais velhas recontam seus protocolos, incluindo os

    elementos essenciais e algumas trivialidades, enquanto as mais novas, embora favoream as

    idias mais importantes, perdem muitos desses elementos, pois no concentram sua ateno

    neles por no saberem identific-los.

    A segunda estratgia metacognitiva pesquisada foi a seleco da deixa recupervel

    conveniente. Para a autora, selecionar uma deixa inclui saber que os elementos textuais

    variam em importncia e a recordao de unidades importantes essencial para a coerncia.

    Assim, os leitores devem concentrar seus esforos para recordar elementos que podem ser

    esquecidos, mas que so essenciais para estabelecer a coerncia do texto. A pesquisa mostrou

    que a habilidade de selecionar a deixa recupervel s desenvolvida mais tarde porque requer

    um bom nvel de sensibilidade para as demandas da tarefa de lembrar o essencial.

    A terceira estratgia centrava-se na avaliao da leitura para um teste. A fim de

    investigar esse aspecto, a autora realizou dois estudos. O primeiro consistia em lembrar listas

    de figuras. Essa experincia detectou que crianas mais jovens no eram capazes de lembrar

    figuras que lhes foram dadas, mesmo dispensando todo o tempo necessrio tarefa. Segundo

    a pesquisadora, isso pode ter acontecido porque elas no tendiam a introduzir estratgias de

    memorizao que envolvessem elementos de auto-regulagem como ensaio e antecipao. O

    segundo estudo consistia em retirar a idia principal de uma passagem em prosa e recontar o

    essencial das idias com suas palavras. A tarefa proposta era a leitura e o entendimento de

    doze estrias para serem lidas durante seis dias, a fim de lembrar o mximo que pudessem.

    Quando estivessem certas de que poderiam contar tudo o que aconteceu com suas palavras,

    tocavam um sino e tentariam contar a histria. Os sujeitos deste estudo foram divididos em

    quatro grupos. Estavam no primeiro grupo aquelas crianas que haviam treinado com sucesso

    o ensaio e antecipao em testes anteriores. O segundo fazia parte de um grupo de controle

    original que no tinha aperfeioado sua habilidade de recontagem de leitura. O grupo seguinte

  • 33

    no tinha experincia prvia no teste, mas havia obtido um bom nvel em testes de leitura. O

    ltimo grupo era formado por crianas que avaliados por seus professores semelhantemente

    aos dos sujeitos da experincia. Os principais aspectos que os estudantes treinados deveriam

    representar incluam: recontagem da quantidade total; desperdcio total de tempo para o

    estudo; o reconto padro, no qual se favorecem os temas principais, comportamento tpico de

    estudantes maduros e um ndice de estudo aberto, incluindo antecipao, ensaio, seleo de

    releitura, sublinhar, circular palavras chaves etc. Nos ltimos dias do teste, os sujeitos foram

    incitados a realizar, por conta prpria, hbitos como sublinhar, circular palavras-chave ou

    frases, tomar notas. Como resultados, a autora apresentou as seguintes concluses:

    As crianas que eram instrudas a realizar habilidades como sublinhar, circular

    palavras-chave etc. no melhoraram sua performance no teste. As outras que faziam isso

    espontaneamente tiveram um melhor desempenho.

    As crianas que eram instrudas a sublinhar pontos importantes marcavam quase tudo.

    A destinao de um tempo de estudo estratgico depende de uma variedade de

    habilidades cognitiva e metacognitiva, no facilmente evidenciadas em crianas jovens.

    A autora considera a falta que uma descrio detalhada do desenvolvimento dessas

    habilidades representa uma lacuna nesses estudos e as tcnicas necessrias para inculcar as

    tticas naqueles que no a desenvolveram espontaneamente no tm sido estabelecidas.

    Segundo a autora, enquanto o processo flui tranqilamente, sua construo de sentido

    muito rpida, mas quando uma falha de compreenso detectada ele [o leitor] deve diminuir

    a velocidade e dividir uma capacidade de processo extra para a rea do problema (Brown,

    1980:455).

    Baker & Brown (1984) tambm defendem que a metacognio envolve dois

    processos separados: a conscincia de habilidades, de estratgias e de recursos que so

    requeridos para realizar uma tarefa efetivamente e a habilidade de usar mecanismos de auto-

  • 34

    regulagem para assegurar o sucesso completo da tarefa, tais como planejar uma ao para

    resolver um problema, avaliar a efetivao de uma ao tentada, testar e revisar uma

    estratgia de aprendizagem e remediar dificuldades encontradas pelo uso de estratgias

    compensatrias. As autoras, realizando pesquisas sobre compreenso de leitura em textos

    impressos, tambm na perspectiva da corrente centrada na gesto dos processos cognitivos,

    demonstram a existncia de estratgias metacognitivas cruciais para uma boa compreenso,

    algumas das quais apresentamos a seguir e as utilizamos, a fim de verificar se leitores

    proficientes usam-nas para a compreenso de hipertextos:

    Estabelecer os propsitos da leitura

    Esta estratgia est diretamente relacionada significao do texto. O leitor, ao se

    propor a ler algo, tem em sua mente um propsito que perseguido durante a leitura. Os

    propsitos do leitor podem ser muito variados e so eles que definem o tipo de leitura a ser

    realizada e as estratgias que sero executadas para a depreenso do sentido do texto. As

    pesquisas de Baker & Brown (1984) demonstram que, para muitas crianas, o propsito a

    decodificao e no uma atividade para obter sentido.

    Modificar o tipo de leitura devido a variaes no seu propsito

    O objetivo do leitor pode se modificar ao longo da leitura ou quando este muda o

    gnero do texto, pois o tipo de leitura definido pelo propsito do leitor. Assim, o leitor

    modifica o tipo de leitura devido a variaes no seu propsito. Se o propsito da leitura

    for encontrar uma informao especfica ou descobrir de que trata o texto, o leitor praticar o

    ato da leitura de modo diferente. Nesta pesquisa, consideramos a nomenclatura proposta por

    Alliende e Condemarn (1987) quando afirmam que os leitores podem usar trs tipos de

    leitura. O primeiro, a leitura previewing ou viso preliminar, serve para o leitor decidir se vai

    ler o texto ou descobrir como este est organizado. Portanto, ele faz uma leitura superficial. O

    segundo tipo, a leitura seletiva espontnea ou skimming, objetiva a busca das idias principais

  • 35

    e dos detalhes do texto. E, finalmente, atravs da leitura seletiva indagatria ou scanning, o

    leitor encontra uma informao especfica no texto. Assim, dependendo do objetivo do leitor,

    ele usar um tipo de leitura e se, durante a leitura, seu propsito se modificar, haver uma

    alterao nesse tipo. A partir dos resultados das pesquisas de Baker & Brown (1984), as

    autoras recomendam que, antes de as crianas modificarem sua razo de leitura

    apropriadamente, elas devem saber como a modificao ir afetar o objetivo. Quando esto

    procurando por uma informao especfica e quando encontram um ponto difcil, elas devem

    saber que reduziram a velocidade porque o material difcil.

    Identificar as idias importantes

    Um leitor proficiente identifica em um texto aqueles segmentos que so

    considerados mais relevantes para seu objetivo de leitura. Alm da relao com o objetivo do

    leitor, esses segmentos esto tambm relacionados ao conhecimento prvio do leitor. Este

    geralmente enfatiza no texto aquilo que sabe e que acredita. Aps identificar aquelas idias

    que so mais relevantes para seu objetivo, o leitor capaz de apreender o significado global

    do texto. Segundo Baker & Brown (1984), as crianas adquirem essa habilidade proporo

    que vo crescendo, apesar de sempre saberem o que importante e o que no .

    Usar a estrutura lgica

    A estratgia acima refere-se habilidade do leitor de perceber a manuteno da

    unidade temtica do texto, pois este precisa saber como e porque as idias esto

    interconectadas. A continuidade e a articulao das idias no texto contribuem para a

    manuteno temtica e o leitor usa esses fatores para perceber o texto como uma unidade

    global coerente. Em relao continuidade, necessrio que o leitor perceba a permanncia

    de elementos constantes no texto, a fim de manter a unidade temtica. A retomada desses

    elementos possibilita ao autor dar continuidade s idias, introduzindo novas informaes. A

    articulao refere-se ao encadeamento das idias e maneira como elas se organizam e se

  • 36

    relacionam umas com as outras. Assim, o leitor, ao usar a estrutura lgica do texto, percebe

    que algumas ligaes entre as idias do texto podem ficar subjacentes ou o texto pode

    estabelecer relaes inadequadas entre elas. As pesquisas de Baker & Brown (1984)

    verificaram que as crianas mais jovens tm dificuldades em detectar violaes na estrutura

    lgica do texto.

    Ativar o conhecimento prvio

    Ativar o conhecimento prvio uma habilidade que facilita a compreenso da

    leitura, pois o confronto da informao que o leitor recebe do texto com a que ele j adquirira

    desperta o interesse para aquela leitura. Considerando essa questo, podemos afirmar que o

    texto pode suscitar vrias interpretaes, tendo em vista que o conhecimento prvio de cada

    leitor diferente. Porm, se o leitor no possui conhecimento prvio sobre o assunto que est

    lendo, a leitura pode se tornar enfadonha devido grande quantidade de informao que o

    leitor deve armazenar. Muitas vezes, a estrutura lgica do texto compreendida atravs da

    ativao do conhecimento prvio. Posteriormente, comentaremos a respeito do ensino dessa

    estratgia como atividades de pr-leitura. As autoras comprovam que essa habilidade

    adquirida com o amadurecimento, atravs da instruo formal e da experincia diria.

    Avaliar o texto pela clareza, completude e consistncia

    Uma compreenso adequada da leitura no depende somente do leitor.

    necessrio que o texto seja claro, que suas idias sejam consistentes para fundamentar a tese.

    Alm disso, se houver uma contradio nas idias, o texto deve apresentar um marcador

    indicando que o autor o fez de propsito para obter uma melhor argumentao. Se tudo isso

    no acontecer, o leitor poder ter problemas de compreenso. Porm, importante que ele

    tenha sensibilidade para avaliar a inadequao de textos (ambigidade, falta de informao

    suficiente, idias que se confundem com outras), a fim de que a compreenso seja efetivada.

  • 37

    Assim, avaliar o texto pela clareza, completude e consistncia uma estratgia que

    confirma a proficincia em leitura.

    As autoras concluram que leitores imaturos tm dificuldades de encarregar-se de

    seu processo cognitivo durante a leitura. Eles no so flexveis em adaptar seu nvel de

    processamento para tarefas que se diferem em graus de entendimento, assim como no

    atentam para pontos importantes e s tardiamente conseguem captar a estrutura lgica do

    texto. Tambm tm mais dificuldades em ativar o conhecimento prvio relevante, a fim de

    alcanar uma melhor compreenso e no detectam inconsistncias no texto. Em geral, no

    conhecem seu nvel de entendimento a cerca do que lem para arriscar-se em um teste e

    tambm no tm habilidade para direcionar atividades de reforo, como auto-questionamento,

    questionamento em outras fontes, releitura etc.. Assim, os leitores menos experientes no

    realizam atividades de monitoramento cognitivo, caracterstica de leitores proficientes.

    As autoras afirmam, ainda, que a maioria das pesquisas tem mostrado que a

    ineficincia dos estudos est associada a uma compreenso inferior, mas elas sustentam que

    esta no a nica causa. Para elas, a compreenso inferior reduz a habilidade de monitorar

    atividades seguintes ou um conhecimento prvio insuficiente pode ser responsvel pelos

    problemas.

    1.3 O ensino de estratgias de leitura

    Em relao ao ensino de estratgias de leitura, podemos mencionar Olge (s/d), que

    desafiou professores para desenvolver uma pesquisa com alunos, na qual trabalhariam uma

    forma ativa e pessoal de leitura e aprendizagem de texto expositivo. A autora afirma que os

    mestres devem ensinar tcnicas eficientes de leitura para lecionar Cincias Sociais, Cincias

    Exatas ou qualquer outra matria. Para este trabalho, foram considerados alguns critrios que

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    os docentes acharam importantes, a saber: o trabalho a ser desenvolvido deveria ser adaptvel

    a toda classe e incluir formas que envolvessem todos os alunos; o uso do material desse

    estudo deveria ser aquele que j vinha sendo utilizado pelos alunos, trabalhando com

    flexibilidade para usar at mesmo textos pobremente estruturados; e o trabalho deveria

    estabelecer como modelo um leitor ativo. Essa pesquisa de Olge (s/d) contribuiu para que a

    escola oferecesse atividades orientadas para o desenvolvimento e a aplicao de estratgias

    metacognitivas de leitura.

    A estratgia utilizada na pesquisa, denominada Que sabemos, que queremos

    saber, que aprendemos (Olge (s/d)), envolve os alunos antes, durante e aps a leitura do

    texto. Consiste no registro em uma folha de papel dividida em trs colunas, na qual os

    discentes escreviam o que pensavam que sabiam sobre determinado assunto, o que queriam

    aprender e o que aprenderam com a leitura. Na busca de alternativas para ensinar estratgias,

    tiveram preocupaes em investigar o conhecimento prvio dos alunos, por saberem da

    importncia deste para a construo do significado.

    Na atividade de pr-leitura, quatro etapas foram consideradas. Na primeira, a

    tempestade de idias, o professor pedia aos alunos para que escrevessem tudo o que pensavam

    que sabiam acerca do tema a ser estudado. Nessa etapa, geralmente, surgiam conflitos que

    serviam para ajudar o grupo a formular perguntas para sua leitura. Essas perguntas iriam para

    a coluna que queremos saber. A segunda fase, a categorizao, exigia que os alunos

    categorizassem as idias fornecidas na fase anterior, encaixando essas idias umas com as

    outras. A fase seguinte, chamada de predio, consiste em colocar os alunos na condio de

    autor do texto, a fim de predizer as categorias bsicas que deveriam levar em conta nos

    textos. Essa predio pode ser ativada fazendo as seguintes perguntas: Que temas ou

    categorias de informao queramos explicar a nossos leitores? ou Que nossa audincia

    necessitaria saber sobre determinado assunto?. A ltima fase consistia na formulao de

  • 39

    perguntas feitas ao texto que seria lido e era muito importante para guiar a busca do

    conhecimento do leitor.

    Aps a atividade de pr-leitura, os alunos passariam leitura do texto expositivo.

    Sobre essa fase, a autora afirma que, dependendo da dificuldade do material e do grau de

    familiaridade que os alunos tm com o tema, alguns fragmentos podiam ser lidos

    integralmente, antes de discutir e ordenar as idias. Porm, pedaos maiores deveriam ser

    lidos em unidades, intercalando as discusses para ir clareando a leitura. Nessa fase, a tarefa

    dos alunos era ler ativamente, buscando informao nova e resposta para suas perguntas.

    Aps a leitura do texto, os alunos passam a refletir sobre a aprendizagem. Depois

    de algumas constataes e de preencher a coluna O que aprendemos, a professora poderia

    comparar as respostas com a primeira coluna que se referia a O que alunos pensavam que

    sabiam para checar se havia erros de concepes. Nessa etapa, h uma reacomodao do

    conhecimento.

    As atividades de pr-leitura so uma confirmao de que o processo de

    aprendizagem que se inicia com a ativao do conhecimento prvio dos alunos pode

    desequilibrar o prprio conhecimento e estimul-los a aprender. Em seguida, a busca de novas

    informaes e de respostas para suas perguntas e as reflexes sobre alguns erros de

    concepes so fundamentais para os esclarecimentos. Assim, confirmou-se que estes

    procedimentos estimulam a aprendizagem, tornando-a independente. Constatou-se que, com o

    ensino dessas estratgias, os alunos se tornariam mais autnomos ao ler e compreender textos

    expositivos.

    importante salientar que para a atividade de leitura ter sentido necessria a

    satisfao de um propsito. Assim, concordamos com Kleiman (2000:35), quando afirma que

    a leitura que no surge de uma necessidade para chegar a um propsito no propriamente

    leitura; quando lemos p