UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE … · Professora Pós Doutora Denise Lucena Cavalcante...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CURSO DE MESTRADO EM DIREITO Área de Concentração em Ordem Jurídica Constitucional Linha de pesquisa: A tutela jurídica dos direitos fundamentais JANAINA SENA TALEIRES A SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES E O REQUISITO DA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA Fortaleza - Ceará 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

Área de Concentração em Ordem Jurídica Constitucional

Linha de pesquisa: A tutela jurídica dos direitos fundamentais

JANAINA SENA TALEIRES

A SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES E O REQUISITO DA REPERCUSSÃO

GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Fortaleza - Ceará

2013

JANAINA SENA TALEIRES

A SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES E O REQUISITO DA REPERCUSSÃO

GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado

em Direito da Universidade Federal do Ceará,

como requisito parcial necessário para

obtenção do grau de Mestre em Direito.

Orientadora: Denise Lucena Cavalcante

Fortaleza - Ceará

2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

Área de Concentração em Ordem Jurídica Constitucional

Linha de pesquisa: A tutela jurídica dos direitos fundamentais

A SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES E O REQUISITO DA REPERCUSSÃO

GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

JANAINA SENA TALEIRES

Dissertação defendida em 26/07/2013, às 10h00min,

com menção:

APROVADA

COMISSÃO EXAMINADORA:

Professora Pós Doutora Denise Lucena Cavalcante (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará - UFC

Professor Doutor Juvêncio Vasconcelos Viana

Universidade Federal do Ceará - UFC

Professor Doutor Juraci Mourão Lopes Filho

Faculdade Christus - FCHR

À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, minha

eterna gratidão.

In memorian, dedico esta obra ao servidor Antônio Vieira, que

dedicou a sua vida ao serviço dessa Faculdade.

AGRADECIMENTOS

Por certo, mais essa etapa da minha trajetória acadêmica não se concluiria sem a

necessária contribuição daqueles para quem tentarei, nessas linhas, demonstrar minha gratidão.

Agradeço aos meus pais, Liduina Sena Taleires e João Taleires, que insistem em me

enxergar melhor do que eu sou e, assim, me motivam a ser uma pessoa melhor, tendo como meta

ser da maneira que eles me veem. Em seus nomes, agradeço também aos meus irmãos, Daniel

Sena Taleires e João Wilkson Sena Taleires, a minha tia querida Rosângela Sena Sousa e demais

familiares.

Agradeço as minhas irmãs, que não compartilham do mesmo tipo sanguíneo ou

sobrenome, mas compartilham o caminho trilhado, pelo imprescindível apoio desde a seleção para

o mestrado. Obrigada Aline Teixeira Leal Nunes, Sara Cordeiro Felismino, Thaís Borges da

Gama, Débora Alcântara Rodrigues, Sara Moreira, Lívia Passos, Jorgiana Silva, Lana Oliveira e

Maitê Mota. Do mesmo modo, agradeço a todos os amigos que também caminham comigo,

comungando o amor por essa Instituição de Ensino, em particular, aos amigos de todas as horas,

Antônio Holanda Cavalcante Segundo, Raphael Bruno de Oliveira Silva, Tarcísio Nogueira de

Paula e Érica Portela e à amiga Mirna Mota pela revisão fundamental.

Agradeço aos colegas de curso, cuja convivência tanto me enriqueceu

intelectualmente e pessoalmente. Aos amigos Gabriela Pessoa, Eric Dantas, Alisson Melo, Felipe

Lima Gomes, Tibério Pinto, Karoline Santos, Liliane Gondim, Flávia Unnemberg, Ana Carolina

Matos, Ileide Sampaio, Késia Oliveira, Regina Farias, José Maria Zanocchi e Pedro Mirom, muito

obrigada pela parceria, cumplicidade e amizade, que certamente nos acompanharão para além

desses dois anos de convivência.

Agradeço ao apoio fundamental e à dedicação ao programa da querida Marilene, bem

como ao amigo Jothe, não só pelos livros, mas pela amizade durante todos esses anos.

Aos coordenadores do Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal

do Ceará, Hugo de Brito Machado Segundo e Tarin Cristino Frota Mont’Alverne, e a todo o corpo

docente do Curso de Mestrado em Direito, expresso também minha gratidão e admiração.

Agradeço, por fim, à Professora Pós Doutora Denise Lucena Cavalcante, de quem sou

orientanda e admiradora. Muito obrigada por todas as inestimáveis oportunidades de crescimento

intelectual e profissional e por, também, me ensinar através do exemplo pessoal de caráter

inabalável e profissionalismo incontestável. Em seu nome, agradeço aos demais membros da

banca, pela avaliação essencial para a conclusão deste trabalho.

“O Direito é, por excelência, acima de tudo, instrumento de

segurança. Ele é que assegura a governantes e governados os

recíprocos direitos e deveres, tornando viável a vida social. Quanto

mais segura uma sociedade, tanto mais civilizada. Seguras são as

pessoas que têm certeza de que o Direito é objetivamente um e que os

comportamentos do Estado ou dos demais cidadãos dele não

discreparão.”

Geraldo Ataliba, República e Constituição.

RESUMO

A segurança jurídica, entendida com elemento intrínseco do Direito, tem por finalidade

afastar o arbítrio e garantir a prática da igualdade e da isonomia, de forma que se faz

imprescindível a sua observação no contexto da instituição do requisito da repercussão geral

das questões constitucionais discutidas nos casos levados para analise do Supremo Tribunal

Federal a fim de que seja examinada a admissão do recurso. Esse requisito de admissibilidade

dos recursos extraordinários funciona como filtro recursal, permitindo que o Supremo não

julgue processos destituídos de repercussão geral. Assim, o presente estudo objetiva analisar

os aspectos da repercussão geral sob a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, ou seja,

sob a proteção que eles experimentam no seio da ordem jurídico-constitucional instituída,

mormente em matéria tributária, considerando que a preservação dos direitos fundamentais é

uma questão imperativa e intrínseca a toda e qualquer norma seja ela constitucional ou infra

constitucional. Deve-se analisar, ainda, que a instituição de tal requisito carece de uma análise

mais detalhada, vez que, no Brasil, considerado um estado fiscal ou tributário, a matéria

tributária já se encontraria intrinsecamente dotada de relevância. Neste contexto cognitivo do

trabalho, ora apresentado, será analisada a atuação do Supremo Tribunal Federal nas decisões

sobre a repercussão geral de recursos em matéria tributária, observando a oscilação acerca do

reconhecimento da transcendência das questões discutidas, confrontando tal feita com o

instituto da segurança jurídica das decisões. Para tanto, se fez imprescindível a análise

jurisprudencial e a utilização da metodologia da pesquisa bibliográfica, de maneira que se

sugere no presente estudo a mudança de aplicação prática do reconhecimento da repercussão

geral das matérias tributárias, passando a considerar-se as mesmas como imbuídas de

relevância intrínseca para que se possa minimizar o estado de insegurança jurídica vivenciado

diante das oscilações de posicionamento jurisprudencial no que concerne a esse tema.

Palavras-Chave: repercussão geral. segurança jurídica. estado fiscal.

ABSTRACT

Legal Certainty, perceived as an intrinsic element of Justice, aims to avoid the indiscretional

will and to ensure equality and isonomy. It is indispensable that Legal Certainty is observed in

the context of constitutional matter’s general repercussion. As a legal requirement for the

admission of the Extraordinary Appeal, general repercussion acts as a filtering mechanism,

selecting the appeals that will be judged by the Supreme Court. The present study objectifies

to analise the aspects of general repercussion under the jurisdictional protection of

fundamental rights, notedly in what concerns Tax Law, considering the importance of its

preservation. It is important to point out that general repercussion´s study needs to be

deepened because of its relevance, since Brazil is what can be called a Tax Estate. Said that, it

will be analised the conduct of the Supreme Court in the decisions about general repercussion

of the Extraordinary Appeals that concern taxing issues, observing the recognition of the

transcendence of the objects in discussion, confronting it with the principle of judicial

decisions’ legal certainty. In order to achieve that goal, it was indispensable reviewing

jurisprudence and using bibliographic researching method. As a result, it was possible to

conclude that, in order do minimize the state of legal uncertainty seen nowadays because of

oscillating jurisprudences, it is necessary the presumption of general repercussion in taxing

matters.

Keywords: general repercussion. legal certainty. tax estate.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1: A (IN)SEGURANÇA JURÍDICA E A ATUAÇÃO JURISDICIONAL ...... 15

1.1 Conceito de segurança jurídica e sua relação com o Estado de Direito ............................. 15

1.2 A manifestação da segurança jurídica no âmbito tributário ............................................... 19

1.3 A segurança jurídica das decisões ...................................................................................... 22

1.4 A compatibilização vertical das decisões judiciais............................................................. 24

CAPÍTULO 2: O INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL ......................................... 27

2.1 O antecedente histórico da repercussão geral no Brasil ..................................................... 29

2.2 O direito estrangeiro como fonte de inspiração da repercussão geral ................................ 31

2.3 Aspectos conceituais e natureza jurídica da repercussão geral .......................................... 33

2.4 Aspectos processuais e procedimentais da repercussão geral ............................................ 36

2.5 A tutela dos direitos fundamentais e o instituto da repercussão geral ................................ 44

2.6 A repercussão geral como instituto que objetiva firmar o papel de Corte Constitucional do

Supremo Tribunal Federal ........................................................................................................ 51

CAPÍTULO 3: A RELEVÂNCIA INTRÍNSECA DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA E A

NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA TRANSCENDÊNCIA DA QUESTÃO

DISCUTIDA ............................................................................................................................ 56

3.1 A norma fundamental na doutrina de Kelsen ..................................................................... 56

3.2 A relevância jurídica das normas constitucionais .............................................................. 61

3.3 A relevância das normas de natureza tributária .................................................................. 61

3.4 A demonstração de transcendência da matéria tributária debatida como pressuposto para

declaração de repercussão geral ............................................................................................... 66

CAPÍTULO 4: AS DECISÕES DO STF SOBRE O RECONHECIMENTO DA

REPERCUSSÃO GERAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM COLISÃO COM O

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES ......................................... 68

4.1 A Portaria n. 1/2012 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e as matérias com

repercussão geral reconhecida .................................................................................................. 68

4.2 Matérias com repercussão geral analisada.......................................................................... 71

4.3 Síntese analítica do posicionamento do Supremo Tribunal Federal nas decisões a cerca do

reconhecimento ou não de repercussão geral em matérias de natureza tributária .................... 83

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 86

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 89

INTRODUÇÃO

O ponto de partida do presente estudo é a necessária análise das tensões surgidas

em decorrência da instituição do requisito da repercussão geral e da sua aplicação prática, em

especial no que concerne à segurança jurídica.

O objetivo geral deste estudo é, pois, realizar uma análise crítica sobre o instituto

da repercussão geral, buscando responder diversas questões intrincadas em torno da forma

como esse novo instituto é operacionalizado, bem como da aplicação de seus fundamentos

sob a luz dos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente da segurança jurídica,

além de uma abordagem analítica da jurisprudência, com o apontamento de tendências para o

futuro.

Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a análise da

admissibilidade do recurso extraordinário e da eficácia do reconhecimento e do não

reconhecimento da repercussão geral na prática, de maneira a investigar a finalidade da

aplicação repercussão geral nos recursos extraordinários; a análise da relação dos direitos

fundamentais com o instituto da repercussão geral; a análise do fato da relevância intrínseca

da matéria tributária suprimir a necessidade de demonstração da transcendência da questão

discutida; a análise das decisões do STF sobre o reconhecimento da repercussão geral em

matéria tributária sob a luz do princípio da segurança jurídica das decisões.

A metodologia utilizada caracteriza-se por ser descritivo-analítica e por

desenvolver-se através de pesquisa, que consistirá, basicamente, na análise doutrinária e

jurisprudencial. O método adotado em relação aos dados bibliográficos será o dialético, que

promove o confronto de aspectos contraditórios, gerando sínteses de teor reflexivo, o que

garantirá a criticidade da pesquisa, essencial na seara dos direitos fundamentais,

especificamente a propósito da sua tutela judicial.

O estudo mostra-se relevante diante da necessidade de análise dos contornos

práticos do estabelecimento do instituto da repercussão geral para que se possa adequá-lo de

maneira correta ao ordenamento jurídico pátrio, garantindo a observação de princípios e

garantias basilares de ordem jurídica brasileira.

Desse modo, a pesquisa perpassará inicialmente, de maneira necessária, pelo

estudo do instituto da segurança jurídica, considerando que se faz importante observar que a

atuação do Supremo Tribunal Federal nas decisões sobre a repercussão geral em matéria

tributária tem se dado de maneira oscilante.

12

Em um segundo momento, promover-se-á um estudo mais detalhado do instituto

da repercussão geral. De maneira a analisar, inicialmente, o fato de que a Reforma do

Judiciário, consubstanciada na Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004,

introduziu o § 3º, no art. 102, da Constituição Federal de 1988, o qual determina que, no

recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões

constitucionais discutidas no caso, para que seja examinada a admissão do recurso. A Lei n.

11.418, de 18 de dezembro de 2006, regulamentou tal matéria, inserindo dois novos artigos no

Código de Processo Civil Brasileiro, quais sejam o 543-A e o 543-B.

A exigência de que o recorrente deva demonstrar em seu recurso extraordinário a

repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, como uma questão a ser

enfrentada antes mesmo da apreciação do próprio recurso, pode ser considerada como a

ressurreição da arguição de relevância da questão federal e objetiva diminuir o número de

recursos levados ao Supremo Tribunal Federal.

A relevância da questão federal e sua argüição surgiram em nosso ordenamento

jurídico por meio do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com a introdução da

Emenda Regimental n. 3/75, que, com base na Emenda Constitucional n. 1/69, fez várias

modificações no recurso extraordinário.

Já com a recente Reforma do Judiciário, a demonstração da repercussão geral das

questões constitucionais discutidas no caso se impõe a todos os casos de interposição de

recurso extraordinário.

O efeito da repercussão geral, na pauta do Supremo Tribunal Federal, foi

praticamente imediato, como se pode verificar nos dados oriundos do sítio eletrônico do

Supremo Tribunal Federal. Tais estatísticas do Tribunal mostram que o filtro de recursos

conseguiu reduzir sensivelmente o número de processos distribuídos. Em 2008, foram

distribuídos 59.314 processos de janeiro a dezembro. Em 2009, no mesmo período, foram

distribuídos 32.649. Em 2010, foram distribuídos 31.762 processos de classes recursais,

enquanto que, em 2011, foram 29.934 e, em 2012, até julho, foram distribuídos 16.492

processos.

Nessa linha de estudo, é de fundamental importância a análise das tensões

surgidas em decorrência da instituição do requisito da repercussão geral para que se obtenha

conhecimento dos direitos fundamentais garantidos e daqueles que não seriam observados

com a instituição de tal requisito.

Ademais, o estudo se voltará para o controle incidental da constitucionalidade,

especificamente o realizado no bojo do recurso extraordinário. Analisar-se-á se a instituição

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da repercussão geral como requisito de admissibilidade desse recurso impõe um óbice ao

conhecimento de matérias constitucionais, que não venham a apresentar tal repercussão, de

sorte que haverá matérias constitucionais que deixarão de ser apreciadas por tal razão.

Com tal configuração de ideias, é de se questionar se essa restrição ao

conhecimento de matérias constitucionais, dentre estas direitos fundamentais, é justificável do

ponto de vista da efetividade do processo, uma vez que impactará inevitavelmente sobre a

quantidade de questões que serão apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de

controle difuso de constitucionalidade e consequentemente mitigaria o direito fundamental de

acesso à justiça.

Com efeito, este tribunal é dado como o “guardião precípuo” da Constituição

Federal e, nesta condição, deveria dar a última palavra sobre a constitucionalidade de algum

ato normativo no controle difuso, logo porque é somente a partir de uma decisão do STF que

o Senado Federal poderá sustar a eficácia de lei declarada inconstitucional, o que deixará de

ocorrer caso uma lei deixe de ser objeto de controle por conta de não se observar a

repercussão geral.

De outro ponto, no direito brasileiro, todos têm direito a um processo justo, a um

devido processo legal processual. A previsão desse direito fundamental, longe de significar

uma simples proclamação de intenções não vinculativas, implica organização de

procedimentos capazes de viabilizar a efetiva tutela jurisdicional.

Nessa ótica, a adoção de um mecanismo de filtragem recursal, como a repercussão

geral, se encontraria em sintonia com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e, em

especial, com o direito fundamental a um processo com duração razoável.

Desta feita, analisar-se-á a tensão entre esses dois direitos fundamentais, partindo

do pressuposto de que todas as situações envolvendo o fenômeno de colisão de direitos

fundamentais são de complexa solução, daí porque se faz necessário partir para a ponderação

para solucionar o conflito.

Em um terceiro momento, sob o enfoque inicial de que o Brasil que é considerado

um estado fiscal ou tributário, será examinado se a matéria tributária, uma vez que já se

encontra imbuída intrinsecamente de relevância, ainda necessitaria de uma demonstração de

repercussão geral.

Indubitável é que o sistema tributário, pelas características inerentes e pela

importância dentro da estrutura econômica, política, social bem como jurídica de um Estado

de Direito, há de ser presumidamente considerado como uma questão dotada de relevância.

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Em razão disso, se faz cristalina a relevância do Direito Tributário, que possui

guarida precípua no texto constitucional, de modo que restaria à parte recorrente demonstrar,

em seu recurso extraordinário, que, ainda que a matéria tributária ali discutida já leve consigo

intrinsecamente a relevância, esta também transcende aos interesses subjetivos da causa.

No quarto capítulo, proceder-se-á a análise da manifestação prática do instituto da

repercussão geral em matéria tributária, analisando decisões que demonstram a oscilação do

reconhecimento da relevância de temas tributários pelo Supremo Tribunal Federal.

Em linhas gerais, essa é a problemática que se tentará abordar ao longo dessa

pesquisa, sem a pretensão, contudo, de exaurir a temática ou mesmo de evitar controvérsia no

deslinde do problema, considerando que muitas são as percepções sobre o objeto de estudo,

que pode ser considerado pontualmente novo.

CAPÍTULO 1: A (IN)SEGURANÇA JURIDICA E A ATUAÇÃO JURISDICIONAL

O direito, como fato ou fenômeno social, tem por pressuposto de sua existência as

relações sociais1, se apresentando sob múltiplas formas e em razão de variados campos de

interesse.

Entretanto, apesar de sua multiplicidade de significação, abrangência e campo de

atuação, pode-se dizer que a sua finalidade precípua é una, ou seja, pode ser resumida em um

único fim, qual seja o da concretização da justiça.

Ocorre que, para que possa atingir essa finalidade maior do direito, faz-se

necessária a existência de um elemento, que figurará como princípio basilar do direito e que o

imbui de força cogente, qual seja a segurança.

É esse elemento, segurança, que oferta aos integrantes da sociedade a garantia

necessária para o pleno desenvolvimento das relações sociais. Dessa afirmação, se pode

depreender que a segurança jurídica também é um fim do direito, inserida na finalidade maior

de concretização da justiça.

Neste capítulo inicial, abordar-se-á a conceituação de segurança jurídica, bem

como a sua relação com o Estado de Direito, chegando ao estudo da sua aplicação nas

decisões judiciais, da sua manifestação no âmbito do direito tributário e finalizando com a

observação da compatibilização vertical das decisões judiciais.

1.1 Conceito de segurança jurídica e sua relação com Estado de Direito

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu preâmbulo,

institui o Estado Democrático dotado de valores preponderantes, como a segurança.

Na tradução semântica da palavra segurança, temos que este termo se refere à

qualidade daquilo que está livre de perigo, de risco, e, portanto, protegido, garantido, ou seja,

configura-se como algo sobre o que se pode ter certeza, confiança, convicção.

1 Como leciona Miguel Reale em: REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 10. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 2.

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A segurança, ora objeto de estudo, que se manifesta no âmbito do ordenamento

jurídico, por certo, se reverte de sua significação semântica, mas é dotada também de uma

valoração jurídica e social.

O filosofo John Rawls2 traduz a significação do direito como uma estrutura capaz

de possibilitar a cooperação social, de maneira que se possam assegurar as expectativas

recíprocas.

Esse instrumento garantidor das expectativas, pode-se dizer, seria a segurança

jurídica, entendida com elemento intrínseco do direito, e que tem por finalidade afastar o

arbítrio e garantir a prática da igualdade e da isonomia, de forma que se faz imprescindível a

sua existência em qualquer ordenamento jurídico.

O estudo da segurança jurídica pode ser observado de maneira oscilante de acordo

com o momento histórico e o contexto social vivenciado, mas é possível verificar que a sua

origem remonta ao Direito Romano (que, em seus institutos como o ius certum e a Pax

Romana, revelava um estágio embrionário de análise sobre o elemento da certeza no Direito),

tendo evoluído no decorrer dos séculos e das transformações sociais até chegar a seu estágio

atual3.

De acordo com o entendimento firmado por Humberto Ávila4, a segurança

jurídica, considerando os estudos contemporâneos, pode ser entendida sob três enfoques. O

primeiro seria o da segurança como um fato; o segundo, da segurança como valor; e o

terceiro, da segurança como uma norma princípio.

Por segurança como um fato, depreende o autor supracitado, que a “segurança

pode referir-se a um estado de fato, isto é, a uma determinada realidade passível de

2 RAWLS, John. A theory of justice. Cambrigde: Belknap, 1971, p. 235 e ss. 3 Leciona Humberto Ávila: Mesmo assim, pode-se verificar, em muitos estudos antigos, elementos direta ou indiretamente associados à segurança jurídica ou a um dos seus elementos parciais: no Direito Romano, o debate sobre o ius certum ou sobre a Pax Romana e seus conceitos implicados de pax, securitas e libertas, embora não possam ser simplesmente transpostos para os dias atuais em razão do caráter casuístico daquele Direito e da ausência de instituições estatais só muito mais tarde consolidadas, revela um remoto embrião do estudo da certeza do Direito; no século XVI, a discussão a respeito da certitudo iurisprudentiae significava, precisamente, a tentativa de imprimir racionalidade ao conhecimento jurídico; no século XVIII e no início do século XIX, parte do debate, no que se refere à codificação, destinava-se a desenvolver leis claras e determinadas; nos séculos XIX e XX, os estudos sobre a proteção da liberdade, nas obras de Von Savigny, Meyer, Von Mohl, Holleuffer, não só pressupunham algum grau de insegurança existente à época como também tinham por objetivo garantir a ameaçada segurança por meio do Direito e da sua aplicação uniforme. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 41 e 42. 4 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 255.

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constatação” 5. Sob essa concepção, segurança jurídica seria o estado de previsibilidade e

certeza, de maneira concreta, dos desdobramentos jurídicos dos atos e condutas praticados.

A segurança jurídica como um valor teria a sua significação relacionada a um

estado ideal de existência do ordenamento jurídico, sendo cotejada e dimensionada por um

juízo axiológico de valores previamente estabelecidos.

Ainda para Humberto Ávila6, pode a segurança jurídica consubstanciar uma

prescrição normativa, sendo qualificada como uma norma jurídica da espécie norma-

princípio.

Essa caracterização de norma-princípio provém da teoria do constitucionalista

alemão Robert Alexy, que caracterizou regras e princípios como normas, uma vez que

“podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e

da proibição” 7.

Assim, norma-princípio seria aquela imbuída com grau de generalidade que

supera, em muito, o estabelecido nas normas com caráter de regra, considerando-se estas

como normas de comportamento e os princípios como normas de argumentação.

Ainda para Alexy, os “princípios são normas que ordenam que algo seja

realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”,

configurando-se como mandamentos de otimização8.

Desta feita, sob esse enfoque, a segurança jurídica, como norma-princípio, “é a

prescrição para a adoção de comportamentos destinados a assegurar a realização de uma

situação de fato de maior ou menor difusão e a extensão da capacidade de prever as

conseqüências jurídicas dos comportamentos” 9.

É este enfoque da segurança jurídica, como norma-princípio, que será utilizado no

presente estudo.

Como conteúdos que revelam a potencialidade normativa do princípio da

segurança jurídica, devem-se salientar cinco pontos centrais: a certeza do direito; a 5 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 114. 6ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 116. 7 ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 87. 8 Continua Alexy: Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 90 9 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 116.

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intangibilidade das posições jurídicas; a estabilidade das situações jurídicas; a confiança no

tráfego jurídico; o devido processo legal.

Assim, pode-se concluir que a vinculação do princípio da segurança jurídica ao

Estado Social de Direito está no fato de que uma ordem social é aquela que garante a

segurança.

Para Leandro Paulsen, o princípio da segurança jurídica constitui um subprincípio

do princípio do Estado de Direito, porque se extrai deste e o promove10. Assim, o Estado de

Direito constitui uma referência de segurança.

Dessa maneira, a segurança jurídica deve ser o principio norteador da atuação dos

Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no intuito de estabelecer credibilidade ao

ordenamento jurídico e, dessa forma, salvaguardar os fundamentos basilares e norteadores do

Estado Social11.

Ocorre que, em descompasso com desenvolvimento dos estudos doutrinários

sobre o tema da segurança jurídica, o nível de insegurança, mormente no ordenamento

brasileiro, vem assumindo graus progressivamente elevados12.

Vivenciamos a era da informação e essa quantidade de material informativo

disponível (leis, leis complementares, decretos, instruções normativas, pareceres, consultas,

livros, artigos, material doutrinários, decisões administrativas e judiciais), embora possibilite

um maior campo de pesquisa e conseqüentemente de espectro de compreensão, contribui para

a acentuação da incerteza, o que embasa o sentimento de insegurança.

10 PAULSEN, Leandro. Direito tributário. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 103. 11 Nesse ínterim César Garcia Novoa aduz que: Es así como hay que comprender una vísión sustancial de la seguridad jurídica basada en una concepción también sustancial de la legalidad. La sustancialización de la seguridad jurídica en el marco del Estado de Derecho es producto de la própria sustancialización de este tipo de Estado, pues la única forma de garantizar la primacía total de la Constitución es abandonar la idea de un Estado puramente legal, para pasar a ver al Estado de Derecho como un Estado inspirado por un conjunto de princípios constitucionales, y en el que las normas jurídicas, fruto de la voluntad general, se someten a un canon de “razonabilidad”. NOVOA, César García. El principio de seguridad jurídica em matéria tributaria. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales S.A., 2000, p. 29. 12 Para Humberto Ávila: “Os termos complexidade, obscuridade, incerteza, indeterminação, instabilidade e descontinuidade do ordenamento jurídico, servem para ilustrar tal momento. [...] Registrar o caráter instável, efêmero e aleatório do Direito tornou-se algo até mesmo banal”. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 45.

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Surge, então, a necessidade latente da busca da instrumentalização de institutos

que tutelem e garantam efetividade ao princípio da segurança jurídica, salvaguardando, assim,

de mesmo modo, os direitos fundamentais e o ordenamento jurídico como um todo.

1.2 A manifestação da segurança jurídica no âmbito tributário

Apesar de inegável o fato de que a segurança jurídica se reverte das mesmas

características anteriormente citadas quando da sua manifestação em matérias de caráter

tributário, faz-se importante salientar que existem peculiaridades provenientes da natureza da

relação obrigacional de ordem tributária e do modelo de positivação constitucional desta

norma-princípio, em temas tributários, que precisam ser ressaltadas.

Assim, pode-se dizer que:

O princípio da segurança jurídica não é diferente, na estrutura formal dos seus elementos e das suas dimensões, no âmbito do Direito Tributário, de outro, que ele é, sim, distinto, nos seus fundamentos e na sua eficácia, em razão das normas setoriais diversas e da finalidade e dos efeitos peculiares que essas normas podem experimentar. 13

Por certo, o princípio da segurança jurídica é imbuído também do intuito de

proteger o individuo (contribuinte), objetivando garantir a confiabilidade deste para com o

Estado. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse caráter protetivo tem o intuito apenas de

“demonstrar que os estados ideais cuja realização é determinada por ele são previamente

orientados” 14.

Feito esse cotejo inicial, cumpre destacar que todo o conteúdo normativo da

segurança jurídica, citado como cinco pontos centrais no item anterior do presente capítulo de

estudo, se projeta na matéria tributária, como bem lecionada Leandro Paulsen15.

Assim, em um primeiro tópico de estudo desse conteúdo normativo, faz-se

importante discorrer sobre a certeza do direito. Este conteúdo está relacionado ao

13 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 289. 14 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 287. 15 PAULSEN, Leandro. Direito tributário. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 105.

20

conhecimento relativo ao direito vigente, bem como aos efeitos jurídicos das condutas. Desta

feita, a inteligência sobre as garantias constitucionais insculpidas na Carta Magna pátria (no

que concerne à legalidade estrita16, irretroatividade17, à anterioridade de exercício18, à

anterioridade nonagesimal mínima19, à anterioridade nonagesimal das contribuições de

seguridade social20) possibilita a percepção de maneira mais precisa e adequada da atuação

estatal, conferindo segurança no exercício das condutas inseridas no âmbito de abrangência de

tais normas.

No que concerne ao conteúdo de intangibilidade das posições jurídicas, este pode

ser vislumbrado nos exemplos dados por Leandro Paulsen21:

No que diz respeito à consideração da formalização de um parcelamento de dívida tributária como ato jurídico perfeito, a vincular o contribuinte e o ente tributante, gerando todos os efeitos previstos nas normas gerais de Direito Tributário, como a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, VI, do CTN) e o conseqüente direito a certidões negativas de débito (art. 206 do CTN). Já no caso das isenções onerosas, cumpridas as condições, surge para o contribuinte direito adquirido ao gozo do benefício pelo prazo previsto em lei, restando impedida a revogação ou modificação da isenção a qualquer tempo quando concedida por prazo certo e em função de determinadas condições (art. 178 do CTN). Nesses casos, inclusive, é aplicável a garantia estampada no art. 5º, XXXVI, da CF.

Quanto ao conteúdo de estabilidade das situações jurídicas, este se evidencia nos

institutos do Código Tributário Nacional que estabelecem prazos decadenciais para a

constituição de créditos tributários22 e prescricionais para a exigência compulsória dos

16 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...]. 17 [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; 18 b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou 19 c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b. 20 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...]. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". 21 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 105. 22 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa [...].

21

créditos23, além da garantia de estabilidade prevista no artigo 16824 do mesmo código, em

combinação com o art. 3º da LC 118/05,25 que estabelece prazo decadencial contra o

contribuinte, dentro do qual deve exercer seu direito ao ressarcimento de indébito tributário

por compensação ou repetição.

No que concerne ao conteúdo de proteção à confiança do contribuinte, este se

funda no estabelecimento, instituído no Código Tributário Nacional, de que a observância das

normas complementares das leis e dos decretos exclui a imposição de penalidades e a

cobrança de juros de mora e inclusive a atualização do valor monetária da base de cálculo do

tributo26, de igual modo se observa a proteção quando do estabelecimento, também neste

código, dos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa para fins de

lançamento27.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento. 23 Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I - pela citação pessoal feita ao devedor; II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor. 24 Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória. 25 Art. 3o. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. 26 Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. 27 Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

22

Relativamente ao conteúdo do devido processo legal, este se faz perceptível tanto

no âmbito administrativo, quanto judicial, evidenciando-se, assim, a segurança jurídica

enquanto devido processo legal e, mais particularmente, enquanto acesso à jurisdição28.

Assim, pode-se concluir que, em tese, em matéria tributária, o principio da

segurança jurídica funciona como uma proteção da confiança do cidadão no Estado, ou

administração pública, ou seja, protege o cidadão no intuito de que os atos praticados pela

administração pública não serão alterados de forma repentina, assegurando os contribuintes,

de qualquer natureza, um grau mínimo de certeza, de forma a facilitar previsões financeiras e

orçamentárias29.

Ocorre que a oscilação de entendimento jurisprudencial em matéria tributária

reveste o nosso ordenamento de um elevado grau de insegurança, de modo que se faz patente

a necessidade de reavaliação constante da atividade jurisdicional e a indicação de novos

paradigmas para que se possa garantir a tutela da segurança jurídica.

1.3 A segurança jurídica das decisões

A busca da observância do princípio da segurança jurídica das decisões e a

consequente busca pela uniformização dos entendimentos divergentes se encontram

evidenciadas nos diversos mecanismos de uniformização jurisprudencial existentes, os quais

28 Aduz Leandro Paulsen: O conteúdo de devido processo legal nota-se na ampla gama de instrumentos processuais colocados à disposição do contribuinte para o questionamento de créditos tributários, tanto na esfera administrativa, através, principalmente, do Decreto n. 70.235/72 (o chamado processo administrativo fiscal, que assegura direito à impugnação e recursos), como na esfera judicial, destacando-se a amplitude que se reconhece ao mandado de segurança em matéria tributária e os meios específicos para a dedução de direitos em juízo, como a ação anulatória prevista no art. 40 da LEF e as ações consignatória e de repetição de indébito tributário, disciplinadas, respectivamente, nos arts. 164 e 165 do CTN. Em se tratando de acesso à jurisdição, remédios e garantias processuais, impende considerar, ainda, que têm plena aplicação, também em matéria tributária, dentre outros, os incisos XXXV, LIV, LV, LVI, LXIX e LXX do art. 5º da Constituição. PAULSEN, Leandro. Direito tributário. 3 ed. Porto Alegre: ed. Livraria do Advogado, 2010, p. 105. 29 Neste sentido, aduz Novoa que: Si entendemos por ordenamiento financeiro el conjunto de normas que disciplinan la actividad financeira del Estado y demás entes públicos y, por tanto, tambíén la actividad tributaria, lo primero que hay que apuntar es que tal ordenamiento público constituirá un sistema de seguridad jurídica formal o “seguridad a través del Derecho”. La existência de un ordenamiento jurídico, es fruto de la juridificación del fenômeno tributário y su conversión en una realidad normada. NOVOA, César García. El principio de seguridad jurídica em matéria tributaria. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales S.A., 2000, p. 91.

23

possuem previsões expressas nas normas processuais e que serão abordadas de maneira mais

aprofundada no tópico seguinte do presente capítulo30.

Essa busca visa provocar a prevalência do conjunto de decisões proferidas pelos

tribunais no mesmo sentido, estabelecendo condições e regras de aplicação dos precedentes.

Ao se conseguir estabelecer a garantia de que um tribunal venha a possuir uma

posição firmada sobre determinado tema, a conseqüência disso é o direcionamento do

ordenamento jurídico para o caminho que leva ao reconhecimento e observação da segurança

jurídica das decisões.

Ao firmar precedentes, os tribunais têm como resultado a possibilidade de

transmitir a confiança necessária, não somente para os destinatários da decisão, mas também

para aqueles que estão na expectativa da efetiva realização e aplicação do direito ao

respectivo caso concreto.

No âmbito tributário, a preservação da segurança jurídica das decisões tem como

conseqüência importantes desdobramentos para o contribuinte, seja em seu planejamento de

atividades, seja na preservação de situações já consolidadas perante o Fisco, seja no exercício

do direito em receber informações sobre sua situação fiscal e demais circunstâncias que

permitam o normal desenvolvimento de suas atividades.

Ocorre que a segurança jurídica das decisões se faz ameaçada, dentre outros

motivos, quando da ocorrência de alteração de posicionamentos firmados sobre matérias

julgadas anteriormente, sem a prevalência de qualquer alteração de cunho normativo que

viesse a ensejar o novo entendimento, com base apenas em argumentos de caráter econômico-

financeiro ou social. Nesses casos, a garantia de previsibilidade, embasada no posicionamento

definitivo, anteriormente firmado pelo Tribunal, se faz sabotada31.

De maneira conclusiva, mas não terminativa, faz-se importante frisar que se deve

sempre buscar a preservação e a aplicação do princípio da segurança jurídica das decisões,

30 Tais como, as dispostas no artigo 103-A da Constituição Federal e nos artigos 518, 557 e 285-A do Código de Processo Civil. 31 Nesse ínterim, faz-se importante mencionar o pronunciamento de lavra do Ministro Humberto Gomes de Barros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido no voto-vista por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 382.736–SC cujo Acórdão foi publicado no DJU de 25/02/2004. Nesta oportunidade, o Ministro manifestou indignação relativa à possível alteração de posição firmada em Súmula do STJ, senão vejamos: “Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam – sinto-me, triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, [...]. Agora estamos a rever uma Súmula que fixamos há menos de um trimestre. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim.[...]. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.”

24

como forma de conferir tanto respeito e confiabilidade ao ordenamento jurídico e ao Poder

Judiciário, quanto salvaguardar a necessidade de previsibilidade por parte do cidadão comum.

1.4 A compatibilização vertical das decisões judiciais

Como explanado anteriormente, expedientes de compatibilização vertical das

decisões judiciais vêm sendo inseridos há algum tempo no direito brasileiro, tendo como

marco inicial o recurso de revista, previsto nas Ordenações Filipinas que tiveram vigência no

Brasil até a proclamação da independência.

Esses mecanismos processuais objetivam compatibilizar as decisões de maneira a

uniformizá-las. Para Juraci Mourão Lopes Filho32:

Os precedentes judiciais tornaram-se cada vez mais relevantes para o Direito, sendo possível se apontarem três razões para tanto. A primeira é a busca da segurança jurídica. Antes procurada na lei, no período do Estado de Direito Legislativo, essa noção de segurança migrou para os pronunciamentos jurisdicionais com o surgimento do Estado de Direito Constitucional. O segundo motivo é político-institucional, porque a cúpula judiciária demanda concentrar em si, por meio do efeito vinculante de seus julgados, os novos poderes conferidos ao Judiciário. A terceira e última razão é pragmática, porque nunca foi tão fácil se ter acesso aos julgamentos dos mais diversos tribunais.

O primeiro exemplo que se pode apontar como modelo de instrumento de

compatibilização vertical das decisões é a súmula vinculante, inserida em no ordenamento

jurídico pátrio pela Emenda Constitucional de número 45, que acrescentou o artigo 103-A33

ao texto constitucional.

32 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 2012. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) – UNIFOR, Fortaleza, 2012, p.7. 33 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

25

Esse instrumento confere ao Supremo Tribunal Federal a possibilidade de atribuir

efeito vinculante às decisões, em sede de controle difuso, que este tribunal entender serem

dotadas de imperatividade cogente, de forma que as demais instâncias do judiciário e dos

outros Poderes do Estado passam a ser compelidas a cumprir a determinação contida na

súmula a partir da publicação do enunciado sumulado, possuindo este eficácia erga omnes.

Existem, ainda, outros instrumentos de compatibilização vertical das decisões

como o previsto no artigo 55734 do Código de Processo Civil Brasileiro, que permite ao

relator negar seguimento a recurso manifestamente conflitante com súmula ou

posicionamento dominante do próprio Tribunal, de Tribunal Superior ou do Supremo

Tribunal Federal.

Há também o instituto insculpido no § 1º do artigo 51835, do Código de Processo

Civil, que permite o juiz monocrático não receber o recurso de apelação quando a decisão

estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo

Tribunal Federal.

Com relação ao disposto no artigo 285-A36, também do Código de Processo Civil,

este instrumento possibilita o julgamento liminar de improcedência em processos com casos

idênticos, desde que, naquele juízo, já se tenha decidido a mesma controvérsia.

Assim, seja de maneira explícita, como no caso da edição de súmula vinculante,

ou de forma mais discreta, como nos instrumentos inseridos no Código de Processo Civil, os

instrumentos de compatibilização vertical das decisões inegavelmente possibilitam uma maior

padronização do judiciário e das suas decisões.

Desse modo, pode-se entender que esses instrumentos objetivam por tutelar a

unidade das decisões judiciais, de maneira a racionalizar a atividade judiciária. É justamente

nesta senda e com esse desiderato que se insere o instrumento da repercussão geral, que

objetiva a concretização da racionalização da atividade judicial em grau recursal no Supremo

Tribunal Federal.

34 Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. 35 Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. § 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. § 2o Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso. 36 Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

26

Portanto, conclui-se que o instituto da repercussão geral objetiva impulsionar o

exame de casos de relevância e transcendência comprovada, diminuindo a sobrecarga do

Supremo Tribunal Federal com a análise de casos não significativos, cujas soluções não

importem contribuição do Supremo Tribunal Federal para compatibilização vertical das

decisões.

O que este estudo irá analisar é se tal desiderato vem sendo satisfatoriamente

realizado de modo a garantir a segurança jurídica, ou se a atuação do Supremo Tribunal

Federal, na análise do instituto, mais especificamente em matérias tributárias, vem

contribuindo para a elevação do grau de insegurança de nosso ordenamento.

CAPÍTULO 2: O INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL

A matriz constitucional do recurso extraordinário sofreu significativas alterações

com o advento da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, dentre elas a que acrescentou o § 3º

ao artigo 102 da Constituição37. Por força de tal dispositivo, passou a ser necessário que a

parte, em seu recurso, demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas

no caso.

A regulamentação desse dispositivo constitucional se fez por meio da Lei n.

11.418 de 2006, que acrescentou dois artigos ao Código de Processo Civil Brasileiro, no

âmbito da disciplina do recurso extraordinário, quais sejam o artigo 543-A38 e o artigo 543-

B39.

37 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. 38 Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. § 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral. § 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. § 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. § 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão. 39 Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

28

A técnica funciona como filtro recursal, permitindo que o Supremo Tribunal

Federal não julgue processos destituídos de repercussão geral. Trata-se, portanto, de mais um

requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, que deverá ser demonstrado pela parte

recorrente em preliminar.

Faz-se importante ressaltar, ainda, que a repercussão geral passou a ser exigida

apenas com a entrada em vigor da regulamentação da matéria pela Emenda Regimental n. 21

de 2007, que alterou o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Tal Emenda Regimental normatizou o procedimento do instituto da repercussão

geral, considerando que nela se encontra expressamente a determinação de que conste, no

recurso extraordinário, preliminar fundamentada sobre a repercussão geral da matéria.

No presente capítulo, discorrer-se-á sobre a evolução histórica do sistema de

filtragem recursal brasileiro, bem como sobre os diversos institutos do direito estrangeiro que

serviram como fonte de inspiração para repercussão geral, chegando à origem da desse

instituto no Brasil e na delineação da natureza jurídica da repercussão geral e os aspectos

processuais inerentes a esse instituto e ao recurso extraordinário, tratando desde o momento

de aferição do instituto, do quorum necessário para que se possa reconhecer a repercussão

geral da matéria constitucional discutida, até à eficácia do reconhecimento e do não

reconhecimento do instituto em análise na questão debatida.

Em um momento final, analisar-se-á o fato dessa restrição ao conhecimento de

matérias constitucionais decorrente da implementação do requisito da repercussão geral,

dentre essas matérias, aquelas concernentes a direitos fundamentais, é justificável do ponto de

vista da efetividade do processo, uma vez que impactará inevitavelmente sobre a quantidade

de questões que serão apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso

de constitucionalidade e consequentemente mitigaria o direito fundamental de acesso à

justiça.

Assim, a instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade do

recurso extraordinário, de uma lado, imporia um óbice ao conhecimento de matérias

constitucionais que não venham a apresentar tal repercussão, e, de outro lado, garantiria uma

maior celeridade na tramitação dos processos em nossa Corte Máxima.

Essa tensão advinda entre a necessidade de observação desses dois direitos

fundamentais, sem que um venha a mitigar o outro, também será objeto de análise.

Nesse palmilhar, se dará a apresentação de dados estatísticos que revelam os

resultados do estabelecimento desse filtro recursal na pauta do Supremo Tribunal Federal,

ressaltando o caráter deste como o “guardião precípuo” da Constituição Federal , devendo,

29

nesta condição, dar a última palavra sobre a constitucionalidade de atos normativos no

controle difuso.

2.1 O antecedente histórico da repercussão geral no Brasil

No Brasil, antes da instituição da repercussão geral como requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário, pode-se observar a experiência da arguição de

relevância da questão afirmada para o seu conhecimento em sede extraordinária.

A arguição de relevância foi instituída em 1975, como um pressuposto especial de

cabimento do recurso extraordinário, tendo por finalidade a restrição do número de casos

levados à Corte40.

Naquele período, a Corte tinha a função de zelar por todo o direito positivo

federal, tanto o constitucional, como o infraconstitucional, por isso, havia uma sobrecarga de

processos de contorno dramático.

Preocupado com essa crescente sobrecarga de trabalho, o Supremo Tribunal

Federal, exercitando a competência legislativa primária que lhe fora constitucionalmente

conferida, acrescentou a Emenda Regimental n. 3 ao seu regimento interno, a qual alterava

substancialmente o seu artigo 30841. Nessa Emenda, foi prevista a relevância da questão

federal como critério balizador da apreciação de recursos extraordinários pela Corte.

40 O regime da arguição de relevância pode ser estudado de maneira mais detalhada em GOMES JR., Luiz Manoel. A arguição de relevância: a repercussão geral das questões constitucional e federal. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 41 O teor do dispositivo: “Art. 308. Salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância da questão federal, não caberá recurso extraordinária, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: I – nos processos por crime ou contravenção a que não sejam cominadas penas de multa, prisão simples ou detenção, isoladas, alternadas ou acumuladas, bem como as medidas de segurança com eles relacionadas; II – nos habeas corpus, quando não trancarem ação penal, não lhe impedirem a instauração ou a renovação, nem declararem a extinção da punibilidade; III – nos mandados de segurança, quando não julgarem o mérito; IV – nos litígios decorrentes: a) de acidente do trabalho; b) das relações de trabalho mencionadas no artigo 110 da Constituição; c) da previdência social; d) da relação estatutária de serviço público, quando não for discutido o direito à constituição ou subsistência da própria relação jurídica fundamental; V. nas ações possessórias, nas de consignação em pagamento, nas relativas à locação, nos procedimentos sumaríssimos e nos processos cautelares; VI. nas execuções por título judicial; VII. sobre extinção do processo, sem julgamento do mérito, quando não obstarem a que o autor intente de novo a ação; VIII. nas causas cujo valor, declarado na petição inicial, ainda que para efeitos fiscais, ou determinado pelo juiz, se aquele for inexato ou desobediente aos critérios legais, não exceda de 100 vezes o maior salário-mínimo vigente no País, na data do seu ajuizamento, quando uniformes as decisões das instâncias ordinárias; e de 50, quando entre elas tenha havido divergência, ou se trate de ação sujeita à instância única".

30

Tal ato do Supremo Tribunal Federal ensejou duas modificações no artigo 11942

da Constituição de 1967, de modo a institucionalizar, no plano constitucional, a utilização da

relevância da questão federal como critério para descarte de recursos, sob o nomen juris de

arguição de relevância.

Deve-se salientar que a relevância43 se prestava a catalisar o ponto de vista da

Corte sobre a função do recurso extraordinário e sobre os temas que entendia serem

merecedores de apreciação da Corte em razão da contribuição que a decisão daria para o

desenvolvimento do sistema positivo e para aperfeiçoamento das instituições.

Após 13 anos de vigência, a arguição de relevância veio a ser totalmente

eliminada do nosso ordenamento jurídico com a promulgação da Constituição de 1988.

Embora se diga que a arguição de relevância foi o antecedente histórico nacional

da repercussão geral, necessário se faz ressaltar que a ligação entre os dois institutos está mais

relacionada às linhas gerais de ambos, do que aos aspectos propriamente dogmáticos de cada

um deles44.

A repercussão geral deve ser julgada em sessão pública e a recusa desse requisito

de admissibilidade depende de fundamentação que, embora possa ser concisa, deve ser

explícita, enquanto a arguição de relevância era julgada em sessão secreta e sem

fundamentação alguma.

42 Com efeito, o artigo 119 da Constituição Federal de 1967 passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal: [...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da Constituição ou de lei federal; ou d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal [...]”. 43 Nas palavras de Arruda Alvim, “historicamente(no sistema de arguição de relevância), nas disciplinas iniciais, as exclusões feitas pelo regimento interno do STF elencavam as hipóteses objeto de descabimento, em regra, do recurso extraordinário, mas simultânea ou paralelamente, desde que houvesse o comparecimento da relevância da hipótese da excluída, o recurso viria a ser objeto de julgamento; ou seja a relevância dizia respeito e incidia no universo das hipóteses normalmente excluídas, e deixaria de o ser uma dessas hipóteses, diante da relevância do caso concreto; com a evolução e com o aumento das hipóteses excluídas – o sistema de excluir nominalmente as causas passou a ser não funcional, porque o número de exclusões foi aumentado -, a definição passou a ser positiva, cabendo o recurso nos casos regimentalmente previstos, e, ainda, quando não prevista a hipótese, em relação à qual não cabia o recurso, esse passaria a caber, desde que a hipótese se apresentasse como relevante” ARRUDA ALVIM. A EC n. 45 e o instituto da Repercussão Geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005, p. 94. 44 A OAB sempre manifestou discordância em relação à adoção de filtros da natureza da arguição de relevância e da repercussão geral. Tal feita se faz explícita no discurso do então presidente do Conselho Federal, Rubens Aprobato Machado, por ocasião da posse na presidência do STJ do Ministro Nilson Naves. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/download/Discurso%20de%20Approbato.doc.>. Acesso em 11 ago. de 2012.

31

Ademais, há também uma diferença procedimental, considerando que a anterior

arguição de relevância tinha autonomia procedimental, com processamento em separado, em

petição e instrumento próprios, enquanto a repercussão geral deve ser veiculada como

preliminar formal e fundamentada na mesma petição recursal45.

2.2 O Direito estrangeiro como fonte de inspiração da repercussão geral

A massificação das relações jurídicas gerada, fundamentalmente, pela Revolução

Industrial, repercutiu de maneira direta nos tribunais de cúpula de diversos países.

O incremento do número de relações jurídicas, associado ao movimento mundial

pelo acesso à justiça, acarretou o aumento do número de demandas levadas ao Poder

Judiciário, contribuindo para o assoberbamento dos tribunais em todos os quadrantes do

globo.

Diante desse quadro, as nações passaram a adotar medidas com o fito de amenizar

os efeitos nocivos da sobrecarga em que estavam inseridas as suas cortes supremas. Dentre

essas medidas, está a criação de institutos que objetivam selecionar os casos a serem

analisados pelas supremas cortes.

Assim, surgiram instrumentos análogos à repercussão geral, no direito estrangeiro,

que serviram de inspiração para a formulação do filtro recursal inserido no ordenamento

jurídico brasileiro.

Na Argentina, o Recurso Extraordinário, assim como no Brasil, tem clara

inspiração no modelo do Judiciary Act46 dos Estados Unidos. Tal espécie recursal foi prevista

na Lei Federal n. 27 de 1862 do referido país47.

Todavia, a instituição do filtro de admissibilidade recursal foi implementada, no

direito positivo argentino, apenas em 1990, por obra da Lei n. 23.774. Tal lei alterou, entre

outros, o artigo 280 do Código Procesal Civil y Comercial de La Nación, passando a viger a

regra que a Corte Argentina, de acordo com a sua discricionariedade, pode rejeitar os

45 SOUZA, Bernardo Pimentel. Dos recursos constitucionais. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 110. 46 Tal modelo será abordado mais detidamente em um momento posterior. 47 DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 114.

32

Recursos Extraordinários por falta de lesão federal não suficiente ou quando as questões

discutidas carecerem de substancialidade ou de transcendência48.

Já na Inglaterra, foi introduzida, em 1934, lei49 que determina a exigência de

concessão de licença para recorrer ao Appeal Comittee (Comissão de Recursos) da Câmara

dos Lordes, corte de última instância dos países sob a sua jurisdição50.

Segundo essa lei, se o tribunal a quo se recusa a fornecer a licença, a parte pode

requerê-la diretamente ao Appeal Comittee da Câmara dos Lordes, que se manifestará por,

pelo menos, três juízes. O critério utilizado pela Câmara dos Lordes para conceder a licença

para recorrer é o da relevância pública geral.

Deve-se ressaltar, em pontuação final, relativamente ao modelo inglês, que não

existem parâmetros no sistema inglês para definir o que seria uma questão de importância

pública geral, de maneira que cabe exclusivamente à Câmara dos Lordes o seu balisamento.

Por fim, deve-se remeter o presente estudo à clássica prática da Suprema Corte

estadunidense cuja concepção paradigmática de filtro de acesso à Suprema Corte inspira

diversos países do mundo51.

O procedimento denominado writ of certionari52 é o único meio de o processo

chegar à Suprema Corte, nos Estados Unidos.

O quórum para concessão do certionari é definido por uma regra costumeira da

Suprema Corte. Segundo essa regra, o certionari será concedido quando, pelo menos, quatro

juízes votarem nesse sentido, o que é chamado “regra dos quatro” (rule of four), de modo que,

mesmo que a maioria dos membros da Corte concorde que o writ of certionari deve ser

denegado, basta que uma minoria de quatro votos a favor, para que a essa posição prevaleça.

Consolidou-se, entretanto, uma prática de cavalheirismo exercida pelos presidentes, segundo a

qual, votando três juízes pela concessão do certionari, o presidente a eles adere, no que é

chamado de join-three vote.

48 Art. 280 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación (CPCN): “ Cuando la Corte Suprema conociere por recurso extraordinario, la recepción de la causa implicará el llamamiento de autos. La Corte, según su sana discreción, y con la sola invocación de esta norma, podrá rechazar el recurso extraordinario, por falta de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteada resultaren insustanciales o carentes de trascendencia.” 49 Administration of Justice (Appeals) Act 1934.Disponível em: <http://www.legislation.gov.uk/ukpga/Geo5/24-25/40/contents>. Acesso em: 12 ago. de 2012. 50 DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 126. 51 DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 91. 52 Nesse procedimento, a parte sucumbente tem o prazo de 90 dias, contados a partir da intimação do acórdão proferido por uma corte federal de recursos ou a corte estadual de última instância, para protocolar um petição de certiorari perante a Suprema Corte.

33

Assim, na experiência norte-americana são reputadas como relevantes questões

relativas ao poder jurisdicional, ao sistema federal, à separação dos poderes, à segurança

nacional e assuntos do exterior, às liberdades civis e processo criminal e liberdade, à

disciplina do poder e da liberdade de comércio, ao devido processo legal substantivo e

proteção da igualdade, dentre outras53.

Cabe, ainda, o registro de que a discricionariedade da Suprema Corte norte-

americana não se manifesta apenas pela seleção dos casos que examinará, mas também pela

possibilidade de escolha, dentro de um caso, de quais questões deseja examinar (limited grant

of ceritonari).

Muitos outros países adotam semelhantes sistemas de seleção de causas para

exame pelas Cortes Supremas.

Em todos esses casos, a mesma razão encontra-se presente, qual seja, velar pela

unidade do Direito através do exame de casos significativos para a otimização da realização

dos fins do Estado Constitucional, sem sobrecarregar as Cortes Supremas com o exame de

casos sem relevância e transcendência, cujas soluções não importam contribuição para

compatibilização vertical das decisões.

2.3 Aspectos conceituais e natureza jurídica da repercussão geral

O instituto da repercussão geral foi plasmado por vocábulos cujo conteúdo

semântico é razoavelmente indicativo do objeto almejado pelo constituinte derivado.

Considerando isso, passar-se-á a discorrer sobre os aspectos conceituais desse

instituto, bem como sobre a sua natureza jurídica.

No que se refere ao seu conceito, pode-se afirmar que a repercussão geral consiste

na necessidade de que as questões constitucionais levantadas pelo recurso extraordinário

tenham a finalidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de

pessoas experimente sua influência.

53 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Questão de repercussão geral (§ 3º do art. 102 da Constituição Federal) e a admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Dialética Processual, São Paulo, n. 30, 2005, p.77.

34

Para Juvêncio Vasconcelos Viana54, a noção de repercussão geral passa pela ideia

referente ao fato de que os reflexos trazidos pelo julgamento da demanda são capazes de

extrapolar o mero interesse das partes e de, muitas vezes, afetar a própria coletividade.

Sob um prisma mais voltado aos seus aspectos processuais, podemos ainda,

concluir que a repercussão geral é o pressuposto especial de cabimento do recurso

extraordinário, constitucionalmente estabelecido. Tal pressuposto impõe que o juízo de

admissibilidade do recurso leve em consideração o impacto indireto que eventual solução das

questões constitucionais em discussão terá na coletividade.

Assim sendo, pela sua abrangência, as questões relevantes não são somente

aquelas enunciadas na Lei n. 11.418, mas também outras, tais como as pertinentes aos direitos

e garantias individuais e coletivas e às cláusulas pétreas da Lei Maior.

Desse modo, podemos entender que será dotada de repercussão geral aquela

questão que ultrapassar o interesse subjetivo da causa, por envolver controvérsias que vão

além do direito individual ou pessoal das partes55.

É de se observar, também, que o conceito de tal requisito se faz eivado de

delineação absoluta.

Em razão disso, pode-se inferir, pela redação do dispositivo da repercussão geral,

que houve a utilização, pelo legislador, de um conceito jurídico que se enquadra na

qualificação de indeterminado ou vago56, o que aponta, imediatamente, para a caracterização

da relevância e transcendência da questão debatida como algo a ser avaliado em concreto, de

acordo com o caso apresentado ao Supremo Tribunal Federal.

É possível se observar, ainda, no instituto da repercussão geral, utilizando a

terminologia adotada nos sistemas austríaco e alemão, já no século XIX, tanto um núcleo,

como um halo conceitual57.

O núcleo conceitual, que, para o jurista e filósofo alemão Karl Engisch58, é o

domínio segundo o qual se tem uma noção clara do conteúdo e da extensão do conceito,

54 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Questão de repercussão geral (§ 3º do art. 102 da Constituição Federal) e a admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Dialética Processual, São Paulo, n. 30, 2005, p.80. 55 Para Bruno Dantas: “[...] a repercussão geral se refere à necessidade de que as questões constitucionais impugnada pelo RE tenham a qualidade de fazer com que parcela representativa de um determinado grupo de pessoas experimente, indiretamente, sua influência”. DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 246. 56 Há de se considerar que se devem aos sistemas alemão e austríaco a concepção, desde o século XIX, e o desenvolvimento do que hodiernamente conhecemos por conceitos indeterminados. 57 Essa terminologia de núcleo e halo conceitual foi criada por Phlipp Heck e utilizada por Karl Engisch em ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machada. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 209.

35

evidencia-se, no instituto da repercussão geral, em função da certeza trazida pela letra da lei

de que não se faz suficiente que as questões constitucionais discutidas na lide sejam do

interesse exclusivo das partes processuais.

Esse núcleo conceitual pode ser obtido, simplesmente, através da interpretação

gramatical da lei que estabelece a criação do instituto em estudo.

Quanto ao halo conceitual, também, de acordo com as palavras do autor

anteriormente citado, pode-se dizer que é a região na qual as dúvidas começam, pois a sua

concreção depende de elevada dose de juízo valorativo. Nesse ponto, não se tem a previa

certeza sobre o conteúdo e a extensão do conceito.

Na repercussão geral, tais dúvidas estão relacionadas ao tipo de impacto indireto

que é esperado para a sua caracterização59, ou, ainda, qual o espectro de pessoas60 atingidas

para que se diga que esse impacto possui natureza geral.

Entretanto, deve-se deixar claro que não há discricionariedade no preenchimento

desse halo conceitual. Há de se empreender um esforço de objetivação valorativa nessa tarefa.

O fato de tratar-se de um conceito jurídico indeterminado, que carece de valoração

objetiva no seu preenchimento, e não de um conceito que implique poder discricionário para

aquele que se encontra encarregado de julgar, pode permitir, ademais, um controle social,

pelas partes e demais interessados, da atividade do Supremo Tribunal Federal mediante um

cotejo de casos já decididos pela própria Corte61.

Com efeito, a partir de uma paulatina e natural formação de catálogo de casos

pelos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, permitir-se-á o controle em face da própria

atividade jurisdicional da Corte, objetivando-se, cada vez mais, o manejo dos conceitos de

relevância e transcendência ínsitos à ideia de repercussão geral.

Faz-se importante ressaltar, ainda, que a própria Constituição da República

Federativa Brasileira apresenta uma estruturação analítica, demonstrando que não é lícito ao

58 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machada. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 16. 59 Para Bruno Dantas, trata-se da dimensão objetiva da repercussão geral. DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 239. 60 Essa seria a dimensão subjetiva da repercussão geral, na qual o intérprete averiguará fundamentalmente qual o grupo social que potencialmente receberá os influxos da eventual decisão, como aduz Bruno Dantas em DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais. São Paulo: RT, 2008, p. 239. 61 Importante ressaltar que o juízo valorativo, que se apresenta como necessário, não deverá encerrar um visão pessoal do aplicador da lei, mas sim a da coletividade, no que Karl Engisch chama de “valorações objetivas”. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machada. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 237.

36

intérprete negligenciar no preenchimento desses conceitos vagos empregados pelo legislador

infraconstitucional.

Evidentemente, não é por acaso que o recurso extraordinário, endereçado ao

guardião da Constituição, tem o seu conhecimento subordinado à alegação de questões

relevantes do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, uma vez que a própria

Constituição arrola matérias que trazem, explicitamente ou implicitamente, epígrafes

coincidentes com aqueles conceitos que autorizam o conhecimento do recurso extraordinário.

Deve-se salientar, também, que a margem de liberdade conferida ao Supremo

Tribunal Federal, na verificação da repercussão geral, consiste primeiro em averiguar qual o

grupo social que potencialmente receberá os influxos de sua decisão e segundo definir a

questão constitucional representativa do interesse social.

Já no que concerne à natureza jurídica do instituto da repercussão geral, este se

apresenta como pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário.

O texto constitucional evidencia a natureza desse instituto ao mencionar que se

deve demonstrar a repercussão geral a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso.

Com essa conclusão de que a repercussão geral está situada no juízo de

admissibilidade, estando intimamente vinculada à própria decisão recorrida, e não a aspectos

externos como tempestividade ou preparo, pode-se afirmar que se trata de requisito intrínseco

de admissibilidade.

Ao se realizar a análise detida do instituto, percebe-se que as espécies de

requisitos intrínsecos de admissibilidade hodiernamente reconhecidos, quais sejam cabimento,

interesse e legitimidade, são suficientes para o enquadramento da repercussão geral.

A essência da repercussão geral guarda evidente ligação com a recorribilidade, um

dos vetores do requisito do cabimento, considerando que a Constituição vincula o

reconhecimento da carência de repercussão geral das questões discutidas em um determinado

recurso extraordinário ao consentimento de dois terços dos membros do Supremo Tribunal

Federal.

Nesse caso de carência da repercussão geral, a irrecorribilidade é preexistente,

razão pela qual a decisão respectiva é estritamente declaratória, como todas as que se

relacionam com o juízo de admissibilidade.

37

2.4 Aspectos processuais e procedimentais da repercussão geral

O presente tópico de estudo passará a abordar questões processuais e

procedimentais inerentes ao requisito da repercussão geral no recurso extraordinário.

Inicialmente, faz-se importante destacar que, de acordo à redação do art. 327 do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal62, a alegação de repercussão geral deverá vir

em preliminar formal e fundamentada63.

Ainda que reconhecida a repercussão geral da matéria do recurso em outro

processo ou que decisão na origem seja contrária à jurisprudência dominante no STF, situação

em que a lei presume a existência de repercussão geral, não fica a parte dispensada de

formular a preliminar formal correspondente, nem deve o Tribunal de origem, à falta deste

requisito objetivo, dar trânsito ao recurso, presumindo a respectiva presença.

Uma vez formalmente apresentada e fundamentada, cabe ao Supremo Tribunal

Federal a decisão sobre o reconhecimento ou não da repercussão geral apresentada.

O §3º do artigo 102 da Constituição Federal, anteriormente citado, estabelece que

o Supremo Tribunal Federal só poderá recusar o recebimento do recurso extraordinário por

ausência de repercussão geral, pela manifestação de dois terços de seus membros. De outra

monta, decidindo a Turma por, no mínimo, quatro votos, pela existência da repercussão geral,

ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário, nos termo do § 4º, do artigo 543-A do

Código de Processo Civil Brasileiro.

Trata-se de quórum prudencial64 ou qualificadíssimo, que encontra paralelo, no

texto constitucional, apenas nos procedimentos para edição, revisão e cancelamento de

enunciados da súmula vinculante.

De fato, não foi por acaso o estabelecimento de tão elevado quórum. No caso da

repercussão geral, como já visto anteriormente, se está diante de um conceito jurídico

indeterminado que encerra restrição a recurso de estatura constitucional. Dada esse sua

62 Art. 327. O Presidente do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer de repercussão geral, segundo precedente do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão. § 1º Igual competência exercerá o relator sorteado, quando o recurso não tiver sido liminarmente recusado pelo Presidente. § 2º Da decisão que recusar recurso, nos termos deste artigo, caberá agravo. 63 Esse entendimento foi aplicado na Questão de Ordem decidida no AI n. 664.567/RS, Sessão Plenária do STF de 18.06.2007. 64 Denominação dada por Teresa Arruda Alvim em: A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: RT, 2005, p. 65.

38

indeterminação conceitual, o elevado quórum serve como elemento compensador da natural

redução da previsibilidade.

Deve-se observar que, ao exigir tal quórum, o constituinte derivado acenou à

sociedade que a regra continua a ser o cabimento do recurso extraordinário. A exceção é a

inadmissibilidade, e ela só ocorrerá, nesse caso, quando existir claro, para pelo menos oito

ministros, que a questão constitucional em debate está fundamentada unicamente na

irresignação do recorrente com o resultado desfavorável, sem qualquer perspectiva de que o

julgamento seja estendido para além dos limites subjetivos das partes.

Ressalta-se, por fim, no que concerne ao quórum, que o fato da declaração da

ausência de repercussão geral depender de voto de dois terços dos membros do Supremo

Tribunal Federal não depõe contra a natureza de tal requisito. Trata-se, tão somente, de

procedimento diferenciado para verificação desse requisito.

Assim, apresentado formalmente o requisito e observado o quórum, dar-se-á

início à análise que resultará no reconhecimento ou não da questão constitucional debatida.

Toda decisão jurisdicional, por força constitucional, tem de ser motivada,

levando-se em conta a necessidade de controle do poder jurisdicional, por parte da sociedade

que é o sustentáculo da legitimidade dessa função em um Estado Constitucional.

Essa motivação deve ter um conteúdo mínimo essencial, sem o qual não se reputa

atendida a ordem constitucional. A síntese desse conteúdo mínimo ocorre quando o julgador

logra individualizar os fatos, as normas jurídicas incidentes aplicáveis ao caso concreto e as

suas consequências, além de contextualizar os nexos de implicação e de ocorrência entre os

enunciados fáticos legais e justificar esses mesmos enunciados racionalmente, reportando-se

ao ordenamento jurídico.

Natural, pois, que os julgamentos do Supremo Tribunal Federal a respeito da

configuração ou não da repercussão geral da questão debatida no recurso extraordinário sejam

públicos e motivados. Longe disso, não há manejo de poder válido e eficaz no Estado

Constitucional brasileiro.

Assim, pronunciando-se o Supremo Tribunal Federal, motivadamente, sobre a

existência ou não de repercussão geral de determinada questão levada ao seu conhecimento, a

súmula do julgamento constará de ata e será publicada no Diário Oficial, servindo esse

publicação como acórdão.

Deve-se considerar, portanto, que a divulgação do julgado funciona, também,

como condição de eficácia da decisão.

39

Considerando essa necessidade de divulgação, deve-se analisar o procedimento

adotado pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne ao reconhecimento ou não da

repercussão geral.

Desta feita o procedimento se inicia com o registro dos autos e distribuição ao

relator, cabendo a ele a análise se o caso apresenta ou não a repercussão geral necessária ao

conhecimento do recurso, encaminhando aos demais ministros, por meio eletrônico, cópia de

sua manifestação65.

Deve-se destacar que a apreciação da presença ou não da repercussão geral das

questões constitucionais ainda não decididas ou sem jurisprudência dominante no STF dar-se-

á pelo Plenário Virtual, nos termos dos artigos 323 e seguintes do RISTF.

Recebida a manifestação do relator, os demais ministros terão 20 dias para se

manifestarem sobre a questão, por meio eletrônico, nos termos do artigo 324, caput, RISTF.

Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para a recusa do recurso, ter-se-á por

presente a Repercussão Geral.

Definida a existência de repercussão geral, o relator julgará o recurso ou pedirá

dia para o seu julgamento.

Caso seja negada a existência da repercussão geral, nos termos do § 5º do artigo

543-A do Código de Processo Civil, após a divulgação da decisão motivada, tal decisão valerá

para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente.

Uma vez que o recurso verse sobre questão cuja repercussão já foi reconhecida

pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária à súmula ou à jurisprudência presume-se

a existência de repercussão geral, em virtude da relevância jurídica, nos termos do §1° do

artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

A apreciação da presença ou não de repercussão geral de questões constitucionais

já examinadas pela Corte em julgados anteriores que formam jurisprudência dominante será

feita através de questão de ordem, a ser suscitada pelo Presidente, nos recursos não

distribuídos, ou pelos Relatores, nos já distribuídos.

Assim, da Questão de Ordem sobre matérias com jurisprudência dominante

poderá resultar: a) reconhecimento da repercussão geral; b) reafirmação da jurisprudência da

Corte nos julgados anteriores; c) uma vez reconhecida a repercussão geral e reafirmada a

jurisprudência quanto ao mérito, autorização para os Tribunais, Turmas Recursais e de

65 Caput do Artigo 323 do Regimento Interno do STF: “Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Relator(a) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral”.

40

Uniformização adotarem os procedimentos de retratação e reconhecimento do prejuízo aos

recursos extraordinários e agravos de instrumento correspondentes que versem sobre a mesma

questão constitucional; d) negada a repercussão geral, declaração de prejuízo aos recursos

extraordinários e agravos de instrumento correspondentes, no STF ou na origem; e)

reconhecida a repercussão geral, mas não reafirmada a jurisprudência, seguimento pelo

procedimento comum de tramitação para o recurso extraordinário, ouvindo-se a Procuradoria

Geral da República quando for o caso e solicitando-se oportunamente a inclusão em pauta do

tema66.

Deve-se ressaltar, ainda, que em havendo necessidade, o relator do recurso

extraordinário ou respectivo agravo de instrumento poderá suscitar o exame da repercussão

geral das matérias ainda não decididas, por questão de ordem, no Plenário presencial67.

É possível, também , que o processo em que a repercussão geral foi reconhecida

não possa ser levado a julgamento de mérito (em razão de homologação de desistência, por

exemplo). Nesse caso, o Ministro relator poderá selecionar outro de matéria idêntica que lhe

tenha sido distribuído para que nele encaminhe no exame da matéria de fundo68.

Deve-se ressaltar, de igual modo, a existência da possibilidade de se tratar sobre

duas matérias em um mesmo processo. Assim, nos recursos em que são levantadas várias

questões jurídicas, é possível que o Tribunal reconheça a repercussão geral quanto a um

determinado tema, inclusive julgando o mérito, e rejeite a repercussão geral quanto a outro.

Isto se verifica, por exemplo, quando parte da matéria é constitucional e parte é

infraconstitucional.

Para exemplificar, no RE 567.454, de relatoria do Ministro Carlos Britto, houve

reconhecimento de repercussão geral no Plenário Virtual, quanto à questão da competência da

Justiça Estadual e respectivos Juizados Especiais, para decidir sobre a possibilidade de

cobrança de assinatura básica de telefonia. Por ocasião do julgamento de mérito, o Tribunal

conheceu parcialmente do recurso, para negar-lhe provimento na parte conhecida, positivando

a competência da Justiça Estadual e Juizados Especiais, deixando de conhecer da questão

infraconstitucional - possibilidade da cobrança. Na sequencia, o Tribunal, por questão de

ordem suscitada pelo Ministro Cézar Peluso, decidiu aplicar o regime da inexistência da

66 Nos termos das Questões de Ordem: QO-RE 579.431, QO-RE 582.650 e QO-RE 580.108, todas de Relatoria da Ministra Ellen Gracie. 67 Conforme as Questões de Ordem: (QO-AI 664.567, de Relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, e QO-AI 715.423, de relatoria da Ministra Ellen Gracie. 68 De acordo com o despacho de 21/6/2008 no AI 716.509, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, substituindo o RE 567.948 pelo RE 591.145).

41

repercussão geral à parte não conhecida do recurso, por se tratar de questão

infraconstitucional.

Outro aspecto processual importante relacionado ao instituto da repercussão geral

refere-se à intervenção de terceiros, quando da sua averiguação pelo Supremo.

O § 6º, do artigo 543-A, inserido pela Lei n. 11.418 de 2006, no Código de

Processo Civil Brasileiro (anteriormente citado), permite que, no exame da repercussão geral,

o relator admita a manifestação de terceiros.

Esse terceiro aludido pela lei é o amicus curiae, ou seja, é o sujeito processual que

auxilia eventualmente o juízo na busca da melhor solução para a lide.

Cumpre ressaltar, inicialmente, que o interesse que o amicus curiae tem em

intervir no processo é distinto do interesse jurídico. A justificativa da intervenção do amicus

curiae está no interesse público que emerge da questão posta em juízo69.

A autorização para manifestação de terceiros tem vinculação direta com o efeito

que a decisão exercerá sobre outros recursos que versem sobre a mesma questão e com o

impacto que as questões em debate no recurso têm perante a sociedade.

No exame da repercussão geral, o amicus curiae não tem qualquer ônus além

daquele que legitima a sua intervenção, qual seja, o de apresentar, de maneira imparcial,

informações que auxiliem o deslinde da causa. Possui, entretanto, deveres, entre os quais

estão a lealdade e a boa-fé processual, e poderes, como o de apresentar informações e

memoriais, interpor embargos declaratórios e sustentar oralmente as suas decisões.

Segundo a redação da norma que enseja a participação do amicus curiae, pode-se

inferir que cabe ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disciplinar a admissão e

a intervenção dessa figura na análise da repercussão geral no recurso extraordinário.

Faz-se importante observar, ainda, que, embora o § 6º do artigo 543-A do Código

de Processo Civil se dirija ao amicus curiae, pode-se vislumbrar a admissão da assistência

simples no procedimento delineado pelo artigo 543-B do mesmo código. Nesse caso, o

recorrente que se deparar com o sobrestamento da sua impugnação em razão da

multiplicidade de recursos fundados em idêntica controvérsia terá interesse jurídico suficiente

a embasar sua intervenção na qualidade de assistente simples daquele outro recorrente que

tive o seu recurso extraordinário selecionado como representativo da controvérsia. A

justificativa da intervenção aqui não é institucional, mas estritamente jurídica.

69 Para Cassio Bueno, o amicus curiae, seria todo aquele que “não pede ou em face de quem não se pede a prestação da tutela jurisdicional”. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curie no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 359.

42

Demonstrado o procedimento de intervenção de terceiros, faz-se oportuno

destacar mais um ponto procedimental importante, qual seja o procedimento relativo aos

processos com idêntica controvérsia.

De acordo com o caput do artigo 543-B do Código de Processo Civil, havendo

multiplicidade de recursos extraordinários fundamentados em idêntica controvérsia.

Prevê o dispositivo em questão que caberá ao tribunal a quo, por seu presidente

ou vice-presidente, selecionar casos representativos da controvérsia para a remessa ao

Supremo Tribunal Federal e sobrestar os demais até ulterior decisão dessa Corte.

Sob esse prisma, passou a se fazer necessária a fixação de critério de análise, por

parte do tribunal a quo, que leve em conta a robustez e a completude de argumentos na

tentativa de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no

caso.

De acordo com o procedimento de sobrestamento acima disposto, haverá a

projeção dos efeitos da decisão sobre a existência ou não de repercussão geral nos recursos

que discutem matéria idêntica, pois, uma vez negada a repercussão, os recursos sobrestados

serão automaticamente não-admitidos, de acordo com a redação do § 2º do artigo 543-B.

Entretanto, no caso do reconhecimento da repercussão geral, os recursos

sobrestados serão apreciados pelo juízo a quo, que poderá declará-los prejudicados ou exercer

juízo de retratação (parágrafo 3º do mesmo artigo), colocando a sua decisão em consonância

com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Somente se mantida a decisão originária,

o recurso extraordinário será remetido para apreciação no Supremo Tribunal Federal.

Caso haja a aplicação indevida do artigo 543-B, ou seja, se o tribunal a quo

determine indevidamente o sobrestamento do recurso extraordinário, com fundamento em

identidade da controvérsia em outros casos múltiplos, restará à parte se insurgir contra essa

decisão por agravo de instrumento, nos mesmos moldes do que já ocorre quando o recurso

extraordinário é indevidamente retido. Tal agravo terá o objetivo de demonstrar que não há

identidade entre o caso em tela e os demais casos que se encontram sobrestados.

A técnica do procedimento adotado nos citados parágrafos do artigo 543-B é de

suma importância para a diminuição do número de recursos extraordinários levados à

apreciação do Supremo Tribunal Federal, o que corrobora com a função precípua da

implementação do instituto da repercussão geral no recurso extraordinário.

Assim, apreciada e reconhecida, pelo Supremo Tribunal Federal, a relevância de

determinada controvérsia constitucional, aplicam-se igualmente aos recursos extraordinários

anteriores a 3 de maio de 2007 os mecanismos previstos nos parágrafos 1º e 3º do art. 543-B,

43

do CPC (sobrestamento, retratação, reconhecimento de prejuízo), sendo expressa ressalva

quanto à inaplicabilidade, nessa hipótese, do teor do parágrafo 2º desse mesmo artigo, que

trata da negativa de processamento fundada em ausência de repercussão geral.

Dessa maneira, os Tribunais, Turmas Recursais e Turmas de Uniformização estão

autorizados a adotar, quanto aos recursos extraordinários interpostos de acórdãos publicados

anteriormente a 03 de maio 2007, e aos seus respectivos agravos de instrumento, os

mecanismos de sobrestamento, retratação e declaração de prejuízo, previstos no art. 543-B, do

CPC70.

Quanto aos recursos extraordinários já distribuídos, interpostos de acórdãos

publicados antes de 03 de maio de 2007, estes poderão ser devolvidos para sobrestamento,

retratação ou reconhecimento de prejuízo na origem, desde que a questão constitucional neles

suscitadas tenha repercussão geral reconhecida71.

Nesse momento, é de observar a necessidade de uma análise sobre a eficácia do

reconhecimento e do não reconhecimento da repercussão geral na questão debatida.

Uma vez sendo reconhecida a relevância da questão apresentada, caracterizando,

assim, a declaração de repercussão geral, e presentes os demais requisitos inerentes ao juízo

de admissibilidade do recurso, deve o Supremo Tribunal Federal conhecer o recurso

extraordinário, ou seja, admiti-lo, dando seguimento com a finalidade de apreciar o mérito.

Assim, o Supremo Tribunal Federal vai, então, julgar o mérito do recurso, dando ou negando

provimento72.

Ocorre que, independente do resultado desse julgamento de mérito do recurso, a

decisão recorrida, passará a ser substituída pela decisão a ser prolatada pelo Supremo Tribunal

Federal ao final do processo decisório.

Essa substituição influencia, de maneira exemplificativa, para efeitos da

determinação de competência para interposição de ação rescisória do julgado, de maneira que,

uma vez conhecido o recurso, a ação deve ser direcionada para a desconstituição da decisão

do Supremo Tribunal Federal; enquanto que, caso não seja conhecido o recurso, a decisão

atacada deve ser a objeto do recurso extraordinário não admitido.

70 Como explanou a Ministra Elen Gracie na Questão de Ordem - QO-AI 715.423.. 71 Nos termos do pronunciamento do Ministro Cezar Peluso na Questão de Ordem - QO-RE 540.410. 72 Os assuntos cuja repercussão geral for reconhecida e estes forem submetidos ao Plenário Virtual, após julgados, pode resultar na edição de súmulas vinculantes. Entre as súmulas já elaboradas em decorrência de julgamentos com reconhecimento de repercussão geral estão as que proíbem a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas e o uso do salário mínimo como indexador de vantagem para servidor público ou empregado.

44

Outro efeito do que se pode citar é que, uma vez reconhecida a repercussão geral,

passa a ser de competência do Tribunal de origem conhecer e julgar ação cautelar tendente a

dar efeito suspensivo ao recurso extraordinário sobrestado em razão daquela matéria.

Em contra partida, decidindo o STF pela não declaração da repercussão geral no

caso analisado, o recurso terá seguimento negado, de modo que a decisão do Supremo

Tribunal Federal não passará a substituir a decisão recorrida.

Como efeito desse não reconhecimento, os outros recursos fundados em idêntica

matéria e sobrestados na origem não serão conhecidos, tendo o seu seguimento negado

liminarmente.

2.5 A tutela dos direitos fundamentais e o instituto da repercussão geral

É essencial o estudo das tensões, entre o grau de aplicação de determinados

direitos fundamentais, surgidas em decorrência da instituição do requisito da repercussão

geral no recurso extraordinário para se possa ter conhecimento dos direitos fundamentais

garantidos e daqueles que não seriam observados quando da análise desse instituto pelo

Supremo Tribunal Federal.

Considerando que as situações envolvendo o fenômeno de colisão de direitos

fundamentais são de complexa solução, faz-se necessário partir para a ponderação para

solucionar os conflitos. Isto ocorre porque os direitos fundamentais não são absolutos, pois

seu grau de aplicabilidade dependerá das possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem

concretamente, conforme assinalou o jurista alemão Robert Alexy73.

Nessa mesma ideia do autor, ora citado, é salutar destacar que a preservação dos

direitos fundamentais é uma questão imperativa e intrínseca a toda e qualquer norma seja ela

constitucional ou infra constitucional.

Assim, esse conhecimento se mostra relevante para que se possa sopesar o que

deve prevalecer no caso concreto e, dessa forma, atender às perspectivas habermasianas do

devido processo constitucional de imparcialidade e de adequabilidade no discurso de

aplicação do direito.

73 ALEXY, Robert.Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p.164.

45

Deve-se estudar, ainda, o desdobramento procedimental da aplicação prática do

requisito da repercussão geral sob a ótica da proteção dos direitos fundamentais.

Nesta senda, a pesquisa perpassará inicialmente, de maneira necessária, pela

relação que se estabelece entre os direitos fundamentais e a organização, mais

especificamente o procedimento do requisito da repercussão geral.

Para Canotilho74, procedimento é um complexo de atos juridicamente ordenados

de tratamento e obtenção de informação que se estruturam e desenvolvem-se sob a

responsabilidade de titulares dos poderes públicos e servem para a preparação da tomada de

decisões.

Sob essa perspectiva, o procedimento referente ao requisito da repercussão geral

no recurso extraordinário se inicia com a apresentação da relevância pela parte, tendo a sua

conclusão quando exarada decisão referente ao seu reconhecimento ou não, de maneira que o

reconhecimento prepara o recurso para julgamento do mérito e o não reconhecimento põe fim

ao procedimento sem a análise do mérito.

Esse procedimento deve guardar conformação com a proteção jurídica dos direitos

fundamentais.

Para Canotilho, a análise do procedimento à luz dos direitos fundamentais se faz

imprescindível75:

A perspectiva que será aqui insinuada não se reconduz a qualquer destes dois modelos isoladamente considerados. Se algum ponto nos parece seguro na actual dogmática dos direitos fundamentais e do direito do procedimento, esse será o de não considerar, separadamente, os direitos materiais fundamentais, por um lado, e a organização e procedimento, por outro. A fórmula, atrás citada, de K. Hesse, servirá de linha diretriz: existe uma relação recíproca de efeitos ou uma interdependência relacional entre direitos fundamentais (direito material) e procedimento (direito procedimental e processual). Daí que: 1) A organização e o procedimento, nas suas repercussões sobre o direito

material, devem ser perspectivadas à luz dos direitos fundamentais; 2) O direito material, na sua irradiação sobre a organização e procedimento,

não deva divorciar-se da importância do due process para a garantia ou protecção jurídica dos direitos fundamentais.

[...] A conformação justa do procedimento, no âmbito dos direitos fundamentais, permite, pelo menos, a presunção de que o resultado obtido através de um

74 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização. Boletim da faculdade de direito de Lisboa, Lisboa, v. LXVI, 1990, p. 162. 75 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização. Boletim da faculdade de direito de Lisboa, Lisboa, v. LXVI, 1990, p. 157 e 163.

46

procedimento correcto é, com razoável probabilidade, e em medida suficiente, adequado aos direitos fundamentais.

Assim, considerando que o § 1º, do artigo 5º, da Constituição Federal Brasileira76

conferiu aplicabilidade imediata às normas definidoras de direitos fundamentais,

potencializando a eficácia desses direitos, a observação dos mesmos quando da realização do

procedimento concernente ao reconhecimento da repercussão geral se faz fundamental e

necessária, de forma a garantir a eficácia vertical dos direitos fundamentais, relacionando essa

última com a aplicabilidade desses direitos como limites à atuação dos governantes em favor

dos governados, em uma relação vertical entre Estado e indivíduo.

Sob esse prisma, passar-se-á a desenvolver uma observação analítica da

adequação dos direitos fundamentais à aplicação prática do instituto da repercussão geral.

O direito fundamental de acesso à justiça se encontra expresso na Constituição

Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXV, que prevê que “a lei não excluirá da apreciação

do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e pressupõe que todas as pessoas podem

reivindicar seus direitos e ou resolver seus litígios sob a tutela do Estado.

Neste sentido, pode-se dizer que o acesso à justiça constitui uma “garantia

universal” 77 de outros direitos, imprescindível em uma “Era dos Direitos”, para dizer como

Bobbio, que asseverou que o problema central dos direitos fundamentais atualmente não é o

de sua fundamentação, mas o de sua proteção78.

Conforme a lição de Cappelletti e Garth, o acesso à justiça é fundamental à

garantia de todos e quaisquer direitos, uma vez que possibilita a provocação do Judiciário, a

fim de se avaliar o malferimento eventual de algum direito.

Esses autores, supramencionados, apontam em sua obra o que chamam de ondas

renovatórias no processo evolutivo de acesso à ordem jurídica justa. A primeira, iniciada em

1965, volta-se para a assistência judiciária. O segundo momento seria aquele correspondente

às reformas que objetivaram garantir a representação jurídica para os interesses difusos. Já a

terceira “onda”, trouxe em seu bojo o enfoque do acesso à justiça79.

76 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 77 É clássica a lição, que entre nós contou com a adesão consagradora de Rui Barbosa, segundo a qual as garantias são instrumentos pelos quais os direitos são assegurados, o que justificaria a distinção entre as duas noções. 78 Cf. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 17. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 24. 79 CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 31.

47

Seguindo essa linha evolutiva, percebe-se que o direito fundamental do acesso à

justiça adquiriu contornos cada vez mais expressivos e abrangentes, dessa maneira conclui-se

que este tem o desiderato de nortear a interpretação constitucional e servir como diretriz para

a atividade interpretativa, influenciando, assim, o ordenamento jurídico em seu aspecto mais

amplo, desde o momento legiferante, passando pela aplicação concreta da lei até a

necessidade de se franquear opções para sua efetivação, justamente o que possibilita uma

construção da democracia de forma justa e igualitária.

Nessa perspectiva de entendimento, poder-se-ia concluir que o desdobrar

procedimental do instituto da repercussão geral mitigaria o espectro de alcance do direito

fundamental do acesso à justiça, na medida de impede que determinadas análises sejam

levadas a cabo pelo Supremo Tribunal Federal.

De outra feita, esse requisito de admissibilidade do recurso extraordinário tende a

promover outro direito fundamental que se desdobra do próprio acesso à justiça, qual seja o

direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Entretanto, imperioso é salientar a importância do fato que o estudo do direito

fundamental do acesso à justiça deve ser voltado hodiernamente não apenas para o acesso dos

órgãos jurisdicionais, mas para que se possa alcançar uma ordem jurídica justa.

Sob essa ótica, de acesso a ordem jurídica justa, pode-se dizer que a repercussão

geral promove o direito fundamental do acesso à justiça, na medida em que promove à tutela

jurisdicional efetiva, proporcionando, por consequência também, a razoável duração do

processo.

Conforme fora explanado, entende-se que o direito fundamental à tutela

jurisdicional efetiva é um direito convergente do direito de ação, encontrando fundamento no

mesmo inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição de 1988.

Deve-se salientar, neste ponto, que efetividade não se confunde com celeridade,

pois deve aquela atender ao binômio celeridade e justiça material.

Diante dessa análise, destaca-se que uma tutela efetiva e justa é aquela que

consegue atuar da forma mais próxima possível dos fundamentos da Constituição, nos termos

do artigo 1º da Constituição Federal80, numa sincronia lógica e garantística com os objetivos

da Carta Magna81, insculpidos em seu artigo 3º.

80 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;

48

Assim, se faz possível concluir que a repercussão geral não prejudicará o direito

fundamental à tutela jurisdicional efetiva, desde que a sua análise seja feita com a cautela

necessária.

Tendo presente essas coordenadas, torna-se de fácil aferição a ideia de que um

mecanismo de filtragem recursal como a repercussão geral encontra-se em sintonia com o

direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, visto que as delongas inerentes à tramitação

do recurso extraordinário são guardadas para o momento de seu conhecimento, apresentando-

se esse instituto como um imperativo para a realização da unidade do Direito no Estado

constitucional brasileiro.

De outra monta, faz-se imprescindível a análise da adequação do procedimento do

instituto da repercussão geral, sob a luz do direito fundamental à segurança jurídica.

O direito fundamental à segurança jurídica se encontra positivado na Constituição

Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXVI, o qual prevê que "a lei não prejudicará o

direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

São esses três institutos constitucionalmente expressos, quais sejam o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, que promovem segurança jurídica. Deve-se

acrescentar a eles, ainda, o princípio da irretroatividade nas normas, expresso no artigo 5º,

inciso XL, da Constituição Federal, que também guarda relação intrínseca com a segurança

jurídica.

Deve-se ressaltar, no bojo da análise do direito fundamental à segurança jurídica,

que a estabilidade da ordem jurídica equipara-se valorativamente a própria existência desta.

Em outra pontuação, é imprescindível considerar que a segurança jurídica não pode servir a

fundamentar o extremo de um ordenamento jurídico imutável, uma vez que tal feita, de igual

modo, comprometeria a sua eficácia.

No entendimento de José Afonso da Silva82, a segurança jurídica é uma

decorrência natural da segurança do direito e está ligada à positivação do mesmo, encontrando

o seu fundamento de validade na Constituição. De acordo com esse entendimento, a

segurança se harmoniza com o valor justiça, na medida em que a Constituição tem por missão

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. 81 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 82 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

49

assegurar a vigência e eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana, em que se

centram todas as demais manifestações dos direitos fundamentais do homem.

Assim, o direito fundamental à segurança jurídica pode ser analisado em um

sentido amplo e um sentido mais específico.

Em sentido amplo, esse direito fundamental se identifica com a própria segurança

do direito, estudado de maneira mais detida no capítulo inicial do presente trabalho, podendo-

se considerar que, sob essa significação, a segurança jurídica se faz mais relacionada ao

aspecto material das normas do que ao seu aspecto formal.

Já em sentido estrito, é que se pode vislumbrar um foco mais voltado ao aspecto

formal, servindo esta como instrumento próprio para garantia da estabilidade e da

previsibilidade, uma vez que, embora não impeça que as leis sejam modificadas, impõe como

regra que permanecerão intactos os efeitos produzidos durante a vigência destas.

No que concerne à previsibilidade, se faz instrumentalizada por meio dos

princípios da legalidade ampla ou estrita. No que tange especificamente ao princípio tributário

da anterioridade, possibilita que os indivíduos se preparem para sofrer um decréscimo em seu

patrimônio diante da criação ou majoração de tributo.

A Constituição Federal do Brasil refere-se, ainda, expressamente à proteção da

segurança, no preâmbulo83 e no caput84 dos artigos 5º e 6º.

No que concerne ao preâmbulo, se vislumbram todas as espécies de segurança ali

abrangidas, já expressão segurança no caput do artigo 5º se faz relacionada à segurança

jurídica em sentido estrito e à segurança jurídica como garantia penal, e, no caput do artigo 6º,

à segurança como direito social, mais especificamente, à seguridade social.

Dessa análise, pode-se concluir que a segurança jurídica objetiva um maior

alcance da previsibilidade e menor arbitrariedade nas decisões judiciais, sendo importante

frisar que uma segurança jurídica garantida pela codificação também contribui para o

83 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, 2a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. 84 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

50

aperfeiçoamento da coerência do sistema, pois garante uma correção avaliativa mais exata e

suscetível a controle.

De igual modo, pode-se inferir que o efeito da codificação do direito é, também, a

sistematização do conhecimento jurídico, uma vez que, considerando que a própria

codificação traduz-se pela ideia da concretização de medidas estruturais e de organização, tal

feita permite maior acessibilidade, assim como facilita a realização de consultas e estudos

especializados.

Dessa forma, a sistematização do conhecimento jurídico proporciona critérios

mais salutares de diferenciação para a escolha e aplicação de normas na resolução de conflitos

reais, de maneira que a previsibilidade inserida no conceito de segurança jurídica, pode se

fazer acentuada, já que casos concretos semelhantes passam a poder ser decididos de forma

semelhante, de modo a intensificar o processo de redução de expectativas.

Corroborando com esse pensamento, Humberto Ávila85 defende que a segurança

jurídica não deve ser investigada se não por meio de uma perspectiva analítica capaz de

reduzir a ambiguidade e a vagueza dos seus elementos constitutivos e de indicar os seus

aspectos, quais sejam material, subjetivo, objetivo, temporal, quantitativo e justificativo. Por

isso, afirma o mesmo autor, ser imprescindível olhar para um determinado ordenamento

jurídico, observando de uma maneira conjunta a sua superestrutura e a sua estrutura

constitucional, com o fito de esclarecer as possíveis acepções, dentre aquelas analiticamente

discerníveis, que se podem identificar.

Entretanto, deve-se destacar que se vislumbra uma dificuldade na conciliação

entre a segurança jurídica e a celeridade processual, princípios que naturalmente se colidem,

dada a divergência de finalidade de cada um, uma vez que, quanto mais se pretende preservar

a segurança jurídica, mais se tende a desprezar a celeridade processual, em virtude do fato de

que o processamento da causa se torna mais formalista e burocrático. Do mesmo modo,

prezando-se em excesso pela celeridade processual, mitiga-se a segurança jurídica, causando

instabilidade nas relações.

No que concerne ao procedimento da repercussão geral, com tal configuração de

ideias, é de se questionar se essa restrição ao conhecimento de matérias constitucionais é

justificável do ponto de vista da efetividade do processo, uma vez que impactará

inevitavelmente sobre a quantidade de questões que serão apreciadas pelo Supremo Tribunal

Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade.

85 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 282.

51

Assim, da análise dos direitos fundamentais feita no presente tópico de estudo, é

imperioso destacar que a instituição da repercussão geral como requisito de admissibilidade

do recurso extraordinário, de uma lado, garante uma maior celeridade na tramitação dos

processos em nossa Corte Máxima, porém, de outro lado, impõe um óbice ao conhecimento

de matérias constitucionais (que não venham a apresentar tal repercussão), de sorte que

haverá matérias que deixarão de ser apreciadas por tal razão.

Nessa conjectura, faz-se importante a utilização da ponderação entre esses os

direitos fundamentais mencionados quando da aplicação prática do instituto da repercussão

geral, para que se possa garantir a observação de cada um deles no grau devido.

2.6 A repercussão geral como instituto que objetiva firmar o papel de Corte

Constitucional do Supremo Tribunal Federal

O Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, organizou o Supremo Tribunal

Federal, órgão de cúpula do Judiciário. Suas competências são definidas nos artigos 102 e

103 da Constituição Federal. Doutrinariamente, podemos dividir as principais competências

do Pretório Excelso em dois grupos: originária e recursal.

O Supremo pode ser acionado diretamente, através de ações que lhe cabe

processar e julgar. Nesse caso, o Tribunal analisará a questão em única instância,

configurando, assim, a sua competência originária.

Porém, igualmente, pode-se chegar ao Supremo Tribunal Federal através de

recursos ordinários e extraordinários. Nesses casos, o Tribunal analisará a questão em

última instância, configurando a competência recursal.

Assim, cumpre ao Supremo Tribunal Federal a “guarda da Constituição”. Essa é

a função que lhe toca precipuamente.

Faz-se importante ressaltar, que a Constituição guarda os valores nos quais se

funda a sociedade brasileira, constituindo, assim, a base axiológica de todo o ordenamento

jurídico. Ademais, a Lei Máxima possui um papel unificador do Direito e do Estado

Constitucional, de modo que o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição,

tem o dever de zelar por todos os institutos jurídicos nela inseridos.

De fato, não é de hoje a crise enfrentada por tal Corte Máxima em decorrência do

número excessivo de recursos interpostos para a sua análise.

52

Assim, pode-se dizer que o filtro recursal da repercussão geral se apresenta sob a

justificativa de possibilitar que o Supremo Tribunal Federal possa exercer a sua função

precípua de salvaguardar a Constituição, ao determinar que as demais instâncias judiciárias

sigam o entendimento da Suprema Corte, evitando o encaminhamento de milhares de

processos idênticos ao Supremo Tribunal Federal e também para tornar claro o

entendimento da Corte Suprema sobre os mais variados temas que interessam ao conjunto

da sociedade.

A despeito disso, foram tecidas várias críticas a esse instituto, como, por

exemplo, pelo Instituto Brasileiro de Defesa dos Lojistas de Shopping (Idelos), que intentou

no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei n.

11.418/06, que instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade a

interposição de recursos extraordinários.

Para o Instituto, a norma viola a cláusula pétrea prevista no artigo 60, IV, da

Constituição Federal, que diz que não se pode abolir os direitos e garantias constitucionais.

A ação da Idelos afirma que a própria Constituição assegura a todo e qualquer cidadão o

direito de acesso à Corte Maior.

Segundo o entendimento do citado Instituto, a Lei n. 11.418/06 foi criada para

desafogar o Supremo Tribunal Federal, mas foi feita de forma incorreta e inconstitucional,

uma vez que conforme o próprio texto constitucional, o objetivo do recurso extraordinário é

a defesa da Constituição, e essa defesa teria ficado restringida sobre o requisito chamado

repercussão geral, conforme conclui a Idelos, pedindo a declaração de inconstitucionalidade

de toda a Lei n. 11.418/06.

O relator, então ministro Menezes Direito, extinguiu a citada ADI porque, como

sociedade civil sem atuação nacional, o Instituto não tem legitimidade para propor a ação.

A crítica tecida refere-se ao debatido no ponto anterior de estudo, formulando um

questionamento sobre a incerteza se, ao retirar do "guardião precípuo" da Constituição

a análise de matérias constitucionais que não tenham repercussão geral, não se causaria

um déficit na proteção de direitos fundamentais, ponderando, se a interpretação

constitucional, feita através dos recursos extraordinários, estaria sendo mitigada pelo requisito

da repercussão geral.

O fato é que o efeito da repercussão geral, na pauta do Supremo Tribunal

Federal, foi praticamente imediato. As estatísticas do Tribunal mostram que o filtro de

recursos conseguiu reduzir e muito o número de processos distribuídos. Em 2007, último

ano anterior ao inicio da aplicação do requisito, foram distribuídos 49.708 recursos

53

extraordinários, segundo dados constantes no sítio eletrônico do STF86. Já em 2008, foram

distribuídos 21.531, chegando à marca de apenas 2.899 recursos extraordinários distribuídos

até junho de 2013.

O gráfico abaixo, elaborado pelo Núcleo de Estatísticas – Assessoria de Gestão

Estratégica do STF87, ilustra esse impacto:

O Supremo já reconheceu a relevância política, jurídica, social ou econômica em

aproximadamente 468 temas constitucionais, tendo negado reconhecimento a 193 temas,

como se pode vislumbrar no gráfico88 a seguir:

86 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido>. Acesso em 2 de jul. 2013. 87 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 2 de jul. 2013. 88 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 2 de jul. 2013.

54

Como explanado nos tópicos anteriores deste capítulo, uma vez reconhecida a

repercussão geral, todos os recursos sobre o mesmo tema ficam nos tribunais de origem. A

decisão do Supremo no julgamento do recurso vale para todas as instâncias. No entanto,

juízes e desembargadores podem apresentar entendimentos diversos. A única garantia é de

que esses casos não poderão mais chegar à pauta do Supremo.

Entre o segundo semestre de 2007 e o primeiro semestre de 2013, 81.609

processos foram devolvidos aos tribunais de origem e aguardam o julgamento definitivo da

matéria pelo Supremo Tribunal Federal, com base no artigo 543-B do Código de Processo

Civil Brasileiro89.

Como se pode observar, os números da repercussão geral são expressivos, pelo

que se pode concluir que o instituto vem apresentando resultado e cumprindo o seu objetivo

precípuo de diminuição de atuação do Supremo Tribunal Federal como Corte Recursal.

De outra monta, é de se ressaltar a incerteza sobre o déficit de proteção aos

direitos fundamentais, como a segurança jurídica, gerada em razão da retirada do "guardião

precípuo" da Constituição da análise de matérias constitucionais que não tenham

repercussão geral, persiste.

Nesse palmilhar, a abertura do plexo de intérpretes, que propõe Häberle90, ao

afirmar que o intérprete (e guardião) último da Constituição não seria, como se supõe, um

89 Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. 90 Cf. Häberle: “a interpretação constitucional não é um “evento exclusivamente estatal”, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. A esse processo tem acesso potencialmente todas as forças da

55

órgão do Estado, como o próprio Supremo Tribunal Federal, mas o próprio povo, está sendo

restrita pelo instituto da repercussão geral.

Ocorre que, ao se vislumbrar os números apresentados nos gráficos e a análise dos

temas, percebe-se que a ponderação pelo Supremo Tribunal Federal vem sendo feita de

maneira razoável, de modo que mais de setenta por cento dos temas submetidos à analise

tiveram repercussão geral reconhecida. Dessa forma, acredita-se que o sopesamento entre o

direito fundamental do acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva vem se dando de

maneira satisfatória.

Deve-se ressaltar, ainda, que, considerando a situação de sobrecarga do Poder

Judiciário brasileiro, até mesmo como uma medida educativa, visto que a praxe da relação

processual é que as partes, não satisfeitas com os resultados das lides, utilizem-se de todos os

meios viáveis de recurso, mesmo quando não cabíveis, que o filtro recursal da repercussão

geral se apresentou, de maneira prática, como meio eficaz.

Assim, em uma visão geral, a instituição desse requisito de faz importante e os

seus resultados se mostram expressivos.

Entretanto, o que o presente estudo passará a analisar doravante são os

desdobramentos da aplicação prática e casual da repercussão geral, especificamente em temas

tributários, à luz da segurança jurídica das decisões.

O intuito desse estudo é demonstrar que, mesmo diante dos resultados positivos

trazidos pela instituição do requisito ora estudado, este carece de adequação no que diz

respeito a seu reconhecimento quando em contato com matérias tributárias, diante da

relevância intrínseca destas, em observação a, pelo menos, uma das áreas da dinâmica da

sociedade, apontadas pela Lei n. 11.418/06, quais sejam, econômica, política, social ou

jurídica.

comunidade política. O cidadão que formula um recurso constitucional é intérprete da Constituição tal como o partido político que propõe um conflito entre órgãos ou contra o qual se instaura um processo de proibição de funcionamento.” HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional (a sociedade aberta de intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição). Reimpressão. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1998, p. 23-24.

CAPÍTULO 3: A RELEVÂNCIA INTRÍNSECA DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA E A

NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA TRANSCENDÊNCIA DA QUESTÃO

DISCUTIDA

No tópico inicial deste capítulo será feito um estudo introdutório sobre a natureza

da norma fundamental, tendo como pressuposto os estudos de Kelsen, com o objetivo de

demonstrar que o ordenamento jurídico brasileiro tem por norma fundamental a Constituição,

e todas as demais normas dela emanam e nela encontram fundamento. Diante disso, as

normas constitucionais possuem relevância intrínseca, pelo que se pode dizer que grande parte

das normas constitucionais, sejam elas regras ou princípios, possuem naturalmente, por seu

conteúdo, relevância jurídica, política ou social.

Assim, partindo da ideia de que o Brasil é considerado um estado fiscal ou

tributário, deve-se analisar a relevância intrínseca da matéria tributária. Indubitável é que o

sistema tributário, pelas características inerentes e pela importância dentro da estrutura

econômica, política, social bem como jurídica de um Estado de Direito, há de ser

presumidamente considerado como uma questão dotada de relevância.

Nesse contexto, observar-se-á que a oscilação de posicionamento do Supremo

Tribunal Federal no reconhecimento da repercussão geral em matéria tributária remete à

necessidade de um estudo mais aprofundado sobre a aplicação de tal requisito em confronto

com a segurança jurídica das decisões.

3.1 A norma fundamental na doutrina de Kelsen

Pode-se considerar que a proposta contida na obra Teoria Pura do Direito91 escrita

no ano de 1934, pelo jurista austríaco, naturalizado estadunidense, Hans Kelsen, é de uma

visão sistêmica do ordenamento jurídico.

Assim, Kelsen92 define Direito como uma ordem normativa coercitiva:

91 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998. 92 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 4.

57

A verdade, o Direito, que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja , um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira.

Nesse palmilhar, de acordo com o pensamento de Kelsen93, as normas encontram-

se postas no ordenamento como um sistema escalonado, ilustrado pelo formato de uma

pirâmide ocupada, em seu topo, por uma norma denominada Norma Hipotética Fundamental:

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.

Desse modo, as normas superiores determinam a forma de produção das inferiores

e o seu conteúdo, servindo de pressuposto para a existência das mesmas, tendo como ápice

um fecho que garante a unidade ao sistema, qual seja a Norma Hipotética Fundamental.

Como explanado anteriormente, a representação dessa estrutura hierárquica de

normas é feita através de uma pirâmide. Nela, o vértice é ocupado pela Norma Fundamental e

a base pelos atos executivos.

Assim, tem-se que a função da Norma Fundamental é atribuir validade ao

ordenamento jurídico, configurando-se como a fonte de validade de todas as normas que

pertencem a uma mesma ordem normativa.

Feita essa síntese introdutória da significação do conceito de norma hipotética

fundamental, deve-se destacar que, seguindo sua linha de análise, Kelsen inicialmente

discorre sobre a ordem94 social, traduzindo esta como uma ordem normativa que regula a

conduta humana na medida em que ela está em relação com outras pessoas, para depois

93 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 136. 94 Cf Kelsen: Uma “ordem” é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é - como veremos - uma norma fundamental da qual se retira a validade de todas as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando a sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 21.

58

formular o entendimento sobre ordem jurídica. Desta feita, analisa a possibilidade de

prescrição de uma conduta, de maneira autônoma, ou seja, sem a necessária vinculação desta

às consequências de sua observância, destacando ser possível essa prescrição ocorrer de

maneira concomitante com a vinculação a uma vantagem, quando houver cumprimento, ou a

uma desvantagem, na hipótese de descumprimento.

Assim, de acordo com o princípio retributivo, na hipótese primeira ter-se-ia um

prêmio, e na segunda hipótese, uma pena, mas considerando que ambos constituem sanção.

Dessa maneira, a ordem jurídica pode ser classificada como ordem social que prescreve uma

determinada conduta precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem95.

Nesse ínterim, o Direito seria uma ordem de conduta humana (jurídica) coativa

que prescreve condutas sob a cominação de atos coercitivos96.

Do pensamento do jurista austríaco, pode-se deduzir que, dentro de uma ordem

jurídica, a normas regulam a conduta humana, prescrevendo, de maneira necessária, deveres

jurídicos e, ainda que, por derivação, determinam, também, faculdades. Entretanto, os deveres

da maioria dos indivíduos não são expressos por normas, ainda que estejam, de fato,

determinados por elas.

95 Cf. Kelsen: Finalmente, uma ordem social pode - e é este o caso da ordem jurídica - prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem, como a privação dos bens acima referidos, ou seja, uma pena no sentido mais amplo da palavra. Desta forma, uma determinada conduta apenas pode ser considerada, no sentido dessa ordem social, como prescrita - ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita -’ na medida em que a conduta oposta é pressuposto de uma sanção (no sentido estrito). Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica, prescreve uma conduta pelo fato de estatuir como devida (devendo ser) uma sanção para a hipótese da conduta oposta, podemos descrever esta situação dizendo que, no caso de se verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada sanção. Com isto já se afirma que a conduta condicionante da sanção é proibida e a conduta oposta é prescrita. O ser-devida da sanção inclui em si o ser-proibida da conduta que é o seu pressuposto especifico e o ser-prescrita da conduta oposta. Devemos a propósito notar que, com o ser-”prescrita” ou o ser-”proibida” de uma determinada conduta se significa não o ser-devida desta conduta ou da conduta oposta, mas o ser-devida da consequência desta conduta, isto é, da sanção. A conduta prescrita não é a conduta devida; devida é a sanção. O ser-prescrita uma conduta significa que o contrário desta conduta é pressuposto do ser-devida da sanção. A execução da sanção é prescrita, é conteúdo de um dever jurídico, se a sua omissão é tornada pressuposto de uma sanção. Se não for esse o caso, ela apenas pode valer como autorizada, e não também como prescrita. Visto não podermos admitir um regressum ad infinitum, a última sanção nesta série apenas pode ser autorizada, e não prescrita. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 17-18. 96 Cf. Kelsen: É, por isso, de rejeitar uma definição do Direito que o não determine como ordem de coação, especialmente porque só através da assunção do elemento coação no conceito de Direito este pode ser distintamente separado de toda e qualquer outra ordem social, e porque, com o elemento coação, se toma por critério um fator sumamente significativo para o conhecimento das relações sociais e altamente característico das ordens sociais a que chamamos “Direito”; e mais especialmente ainda porque só então será possível levar em conta a conexão que existe - na hipótese mais representativa para o conhecimento do Direito, que é a do moderno direito estadual - entre o Direito e o Estado, já que este é essencialmente uma ordem de coação e uma ordem de coação centralizadora e limitada no seu domínio territorial de validade. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 38.

59

Assim, para Kelsen, quando uma segunda norma estatui uma sanção para a

hipótese da não observância da primeira, estas duas normas estão interligadas, configurando-

se como normas jurídicas não-autônomas97.

Na primeira edição de sua obra Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen traz uma

definição de norma imbuindo a ela um duplo juízo hipotético, distinguindo entre norma

primária e norma secundária, dando ênfase para a sanção, que é considerada como elemento

central e específico da norma. Desta feita, a norma primária se configura naquela que impõe

uma sanção para a conduta ilícita e secundária aquela que, ao derivar da primeira, explicita o

seu conteúdo.

Assim, sendo o Direito uma ordem jurídica normativa, dotado de um sistema de

normas que regulam a conduta humana, a pluralidade de normas contidas em seu bojo

normativo, sendo elas de natureza primária ou secundária, necessita, de maneira

imprescindível, de uma unidade.

Nesse momento, remete-se ao ponto inicial e principal de estudo do presente

tópico. Assim, como explanado inicialmente, o sistema escalonado de normas encontra sua

unidade e seu fundamento de validade em uma norma superior98.

A norma fundamental figura como fonte de validade de todas as normas de uma

mesma ordem normativa. Desta feita, se uma norma pertence a uma ordem normativa, o seu

último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem, considerando que a

norma fundamental constitui a unidade de uma pluralidade de normas, ao mesmo tempo em

que representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem

normativa.

Ainda para Kelsen, de acordo com a natureza do fundamento de validade de um

ordenamento, este pode ser distinto em estático e dinâmico. 97 Cf. Kelsen: Já num outro contexto fizemos notar que, quando uma norma prescreve uma determinada conduta e uma segunda norma estatui uma sanção para a hipótese da não-observância da primeira, estas duas normas estão essencialmente interligadas. Isto vale particularmente para a hipótese em que um ordenamento normativo - como o ordenamento jurídico - prescreve uma determinada conduta pelo fato de ligar à conduta oposta um ato coercitivo a título de sanção, de tal forma que uma conduta somente se pode considerar como prescrita, nos termos desse ordenamento - e, portanto, no caso do ordenamento jurídico, como juridicamente prescrita -, se a conduta oposta é pressuposto de uma sanção. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 39. 98 Cf. Kelsen: A norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm). KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 136.

60

Estático é aquele ordenamento cujas normas são consideradas devidas em razão

do seu conteúdo, ou seja, “porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo

conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o

particular ao geral” 99.

De outra monta, o ordenamento dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma

fundamental ter por conteúdo a determinação sobre como devem ser criadas as normas gerais

e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental.

Nesse palmilhar, o sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica

tem essencialmente um caráter dinâmico, para Kelsen100:

Uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela vida de um raciocínio lógico do de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma forma determinada - em última análise, por uma forma fixada por uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à ordem jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma fundamental. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito. Não há qualquer conduta humana que, como tal, por força do seu conteúdo, esteja excluída de ser conteúdo de uma norma jurídica. A validade desta não pode ser negada pelo fato de o seu conteúdo contrariar o de uma outra norma que não pertença à ordem jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade da norma em questão. A norma fundamental de uma ordem jurídica não é uma norma material que, por o seu conteúdo ser havido como imediatamente evidente, seja pressuposta como a norma mais elevada da qual possam ser deduzidas - como o particular do geral - normas de conduta humana através de uma operação lógica.

Neste sentido, a norma fundamental poderia ser designada como constituição em

seu sentido lógico-jurídico, segundo o qual ela constitui ponto de partida do processo da

criação do Direito positivo, não sendo norma posta pelo costume ou pelo ato de um órgão

jurídico, mas sim pressuposta, considerando-se a instância constituinte como a mais elevada

autoridade.

Conclui-se, então, que a natureza da norma fundamental está umbilicalmente

ligada a uma Constituição, produzida através do costume ou da elaboração formal, que possui

eficácia coercitiva, com normas jurídicas objetivamente válidas, e as relações constituídas

através destas normas como relações jurídicas.

Assim, tendo como pressuposto os estudos de Kelsen, entende-se que o

ordenamento jurídico brasileiro tem por norma fundamental a Constituição, e todas as demais

99 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 136. 100 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fortes, 1998, p. 139.

61

normas dela emanam e nela encontram fundamento. Diante disso, as normas constitucionais

possuem relevância intrínseca, como se passará a demonstrar.

3.2 A relevância jurídica das normas constitucionais

É de se destacar, inicialmente, seguindo a lógica doutrinária de Hans Kelsen, que

a constituição é a norma fundamental, ou seja, aquela que unifica e confere validade às

demais normas.

Assim, considerando a Constituição Federal Brasileira de 1988 como a norma

unificadora de nosso ordenamento jurídico, constitui-se esta como a nossa lei fundamental e

suprema, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos podres

públicos, forma de governo aquisição do poder de governar, distribuição de competências,

direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

Por ser norma fundamental, faz-se imbuída de uma força normativa superior. Com

isso, pode-se afirmar que a força normativa da Constituição é o imperativo de conformação

entre a realidade social e o texto constitucional.

Desta feita, pode-se dizer que grande parte das normas constitucionais, sejam elas

regras ou princípios, possuem naturalmente, por seu conteúdo, relevância jurídica, política ou

social. Não se fala aqui na totalidade das normas constitucionais porque o texto constitucional

pode conter também normas cujo conteúdo não tenha grau de especialidade tão relevante,

mas, ainda essas, são superiores do ponto de vista formal.

Outra justificativa para a supremacia do texto constitucional reside na sua origem.

Do ponto de vista ideal, as constituições são resultado da mobilização cívica popular que

ocorrem em momento críticos e extraordinários. Como exemplo disso cita-se a formação da

Assembleia Nacional Constituinte de 87/88, que contou com uma participação popular inédita

na história do Brasil. Em razão disso, o texto constitucional reflete, ou deveria refletir, o

intento maior do povo.

Essa supremacia constitucional, ora justificada, se impõe por meio da rigidez da

Constituição e do controle de constitucionalidade dos atos normativos. A rigidez

constitucional se manifesta através do estabelecimento de um procedimento de complexidade

superior àquela exigida para a elaboração dos textos da legislação infraconstitucional. O

62

controle de constitucionalidade, por sua vez, proporciona a declaração de invalidade daqueles

atos normativos que contrariarem a Constituição.

Assim, a normatividade constitucional se faz garantida tanto pela atuação do

Poder Judiciário, através do controle de constitucionalidade, quanto pela existência, na

sociedade, de uma cultura constitucional.

Com relação a essa cultura constitucional, pode-se dizer que ela se materializa na

necessidade de que predomine na sociedade aquele que se pode denominar de sentimento

constitucional.

Segundo Pablo Lucas Verdu101, sentimento jurídico consiste em uma inclinação

em prol do direito ideal, que corresponda às necessidades vitais da comunidade, relacionando-

se com a conexão entre coação jurídica e liberdade moral.

É uma concretização do direito, uma rápida posição reflexiva sobre a aplicação

das normas jurídicas que aparece quando se está em conexão com um sistema de valores

concreto que o assegura. Tanto a consciência do direito ou consciência jurídica, como o

sentimento jurídico, são muito importantes para o direito e para toda a norma, porque sem eles

não se aplica o direito.

Ainda sob o foco da importância da consciência, ressalte-se que uma consciência

constitucional insuficiente produz a neurose política. O progresso constitucional será

autentico quando o povo se fizer consciente de que ele só pode ser realizado por um grande

número de grupos e de cidadãos.

O sentimento constitucional também atua na reforma total ou parcial da

constituição, atua não só junto às reformas sociais ou expressas, mas também nas mutações

constitucionais. A influência desse sentimento ocorre porque a constituição necessita atender

a razão e finalidade para que fora criada, atendendo às necessidades populares.

Para Verdú, a Constituição e a sociedade hão de estar ligadas por um sentimento

anímico (constitucional). Para que uma constituição dure e seja efetiva, deve impor quando

serão suas revisões, como garantia de adequação à realidade dos seus destinatários, não pode

ser tão rápida nem tão lenta.

Com relação ao controle de constitucionalidade, no Brasil, em função do modelo

híbrido aqui adotado (difuso e concentrado), a jurisdição constitucional é exercida por todos

os juízes e tribunais, sendo o Supremo Tribunal Federal (STF) o seu órgão de cúpula.

101 VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como de integração política. Tradução Agassiz Almeida Filho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004, p.127-152.

63

Assim, o Poder Judiciário tem a função de garantir a supremacia da Constituição,

em especial através do Supremo Tribunal Federal, fazendo uso do controle concentrado de

constitucionalidade.

3.3 A relevância das normas de natureza tributária

Conforme as lições de Hugo de Brito Machado, pode-se dizer que o direito

tributário é aquele que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas às imposições

tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os

abusos desse poder.102

Esse poder de tributar configura-se no desdobramento de um dos aspectos da

soberania do Estado, qual seja a possibilidade de penetrar nos patrimônios dos particulares,

criando tributos, estabelecendo proibições tributárias, isto é, emanando normas jurídicas

tributárias.

Desse modo, tem-se que o direito tributário regula as relações jurídicas entre o

que se denomina fisco, o sujeito ativo da relação tributária, e o contribuinte (ou terceiros),

sujeito passivo. Desse modo, o tributo configura-se como a base do direito tributário.

As normas gerais do direito tributário, no Brasil, se fazem estabelecidas pelo

Código Tributário Nacional - CTN e emanam da Constituição Federal que apresenta, a partir

do artigo 145103, normas sobre o sistema tributário nacional e estabelece a outorga

competência tributária aos entes federados; a delimitação dos tributos (artigos 145, 148 e 149

da Constituição Federal de 1988)104; as limitações constitucionais ao poder de tributar (artigo

102 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito 7ributário. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 51 103 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I - impostos; II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos 104 Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

64

146, II c/c artigo 150, caput da CF/88) 105 e a repartição da receita tributária (artigos 157 e

seguintes, CF/88) 106.

II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 41, 19.12.2003) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003) III - poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) § 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) § 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001) 105 Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; [...] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] 106 Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; II - vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 154, I. Art. 158. Pertencem aos Municípios: I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003) III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios; IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal. Art. 159. A União entregará: (Vide Emenda Constitucional n. 55, de 2007).

65

Assim, temos no Brasil, a tributação como fonte de receita do Estado,

constituindo-se este, portanto, como Fiscal ou Tributário. Como assevera Leandro Paulsen107:

No Brasil, como na quase totalidade dos Estados modernos, predomina a tributação como fonte de receita, de modo que se pode falar num Estado Fiscal ou num Estado Tributário. Considerando-se, ainda, que a ampla gama de direitos sociais exige a promoção contínua de ações e novas iniciativas por parte do Estado, temos, nesse Estado Social Tributário, uma tensão entre a necessidade de recursos e os limites da tributação, considerando-se que não se pode ter tributo com caráter confiscatório. O papel do Judiciário está em fazer com que o Estado respeite as normas de competência e as limitações ao poder de tributar e que os contribuintes cumpram as suas obrigações tributárias, de modo a que se tenha equilíbrio na relação Estado/contribuinte.

Pode-se dizer que o direito tem por finalidade promover o equilíbrio nas relações

entre aqueles que possuem mais e menos poder. Sendo o Estado a expressão máxima de

poder, o direito tributário possui o desiderato de limitar o poder de tributar e proteger o

cidadão em razão da supremacia de pode estatal.108

Desta feita, se faz cristalina a relevância do direito tributário, relevância essa que

possui guarida precípua no texto constitucional e se faz revertida pelas suas características

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados quarenta e oito por cento na seguinte forma: (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 55, de 2007) a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal; b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer; d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 55, de 2007) II - do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, dez por cento aos Estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados. III - do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico prevista no art. 177, § 4º, 29% (vinte e nove por cento) para os Estados e o Distrito Federal, distribuídos na forma da lei, observada a destinação a que se refere o inciso II, c, do referido parágrafo.(Redação dada pela Emenda Constitucional n. 44, de 2004) § 1º - Para efeito de cálculo da entrega a ser efetuada de acordo com o previsto no inciso I, excluir-se-á a parcela da arrecadação do imposto de renda e proventos de qualquer natureza pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos do disposto nos arts. 157, I, e 158, I. § 2º - A nenhuma unidade federada poderá ser destinada parcela superior a vinte por cento do montante a que se refere o inciso II, devendo o eventual excedente ser distribuído entre os demais participantes, mantido, em relação a esses, o critério de partilha nele estabelecido. § 3º - Os Estados entregarão aos respectivos Municípios vinte e cinco por cento dos recursos que receberem nos termos do inciso II, observados os critérios estabelecidos no art. 158, parágrafo único, I e II. § 4º Do montante de recursos de que trata o inciso III que cabe a cada Estado, vinte e cinco por cento serão destinados aos seus Municípios, na forma da lei a que se refere o mencionado inciso. (Incluído pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003). 107 PAULSEN, Leandro. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado/ESMAFE, 2012, p.12. 108 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 51.

66

inerentes e pela inegável importância deste no contexto da estrutura econômica, política,

social e jurídica de um Estado de Direito.

3.4 A demonstração de transcendência da matéria tributária debatida como pressuposto

para declaração de repercussão geral

Considerando a necessidade de demonstração de repercussão geral da matéria

constitucional debatida, quando da interposição do recurso extraordinário, restaria à parte

recorrente demonstrar que, ainda que a matéria tributária ali discutida já levasse consigo

intrinsecamente a relevância, esta também transcende aos interesses subjetivos da causa.

Nesse momento, percebe-se que, quando da instituição do instituto da repercussão

geral, desconsiderou-se a relevância intrínseca da matéria tributária e todas as especificidades

de caracterização do Estado Fiscal, subjulgando as decisões referentes a essa matéria

específica à vala do comum.

Tal feita resulta na desconsideração, ainda que de maneira indireta, da estrutura

escalonada de nosso ordenamento, ensejando, por conseguinte, um abalo em nosso sistema

normativo, conferindo ao mesmo uma insegurança que não se faz desejada.

Nas palavras de Diogo Leite de Campos109:

A primeira – talvez principal – vítima desta espiral é a segurança do Direito. Segurança que, ao lado da Justiça, constitui o pilar do Direito e da própria sociedade. Os agentes econômicos, famílias e empresas, veem-se impossibilitados de fazer previsões; uma sociedade que se constitui para prosseguir um certo objecto, tem de se extinguir por uma alteração inopinada do Direito Fiscal tornar inviável a prossecução dessa finalidade.

Em consequência disso, a atuação do Supremo Tribunal Federal nas decisões

sobre a repercussão geral de recursos em matéria tributária tem se manifestado de maneira

oscilante.

Para apontar um exemplo dessa oscilação cita-se o julgamento do RE 585.740-

RG/RJ, que analisou a possibilidade de extensão da forma de cálculo da COFINS e da

contribuição ao PIS, conferidas às empresas de comercialização de veículos usados, para

todas as outras pessoas jurídicas que atuam no ramo industrial. Com relação a tal tema,

109 CAMPOS, Diego Leite. Direito Tributário. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 15-16.

67

decidiu a Corte Suprema não existir repercussão geral na questão ventilada, tendo sido

vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, que assim se manifestou, em contraponto ao relator,

Ministro Meneses Direito110:

Observem a importância da repercussão geral: Conforme venho ressaltando, cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário. Relativamente ao tema de fundo, está-se diante de situação concreta passível de repetir-se em um sem-número de processos, incumbindo ao Supremo definir o alcance do princípio da isonomia encerrado no artigo 150, inciso II, da Carta da República. 111

Sob outro ponto de vista, quando da análise do RE 587.008-RG/SP, no qual se

discutia a presença da relevância e repercussão da discussão acerca da majoração de alíquota

da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) sem o respeito da garantia nonagesimal

prevista no art. 195, § 6º, da CR/88, ao contrário do caso anteriormente citado, o Supremo

Tribunal Federal entendeu pela existência da transcendência da questão discutida.

Assim, analisando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quando do

reconhecimento de repercussão geral em matéria tributária, conclui-se que ora se considera,

ora não a relevância da matéria tributária. Em razão dessa oscilação de posicionamento, a

garantia de previsibilidade e, portanto, de segurança jurídica, se faz sabotada.

110 Essa questão, relativa à alegada possibilidade de extensão da forma de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS fixada para as empresas que atuam no ramo industrial, não possui repercussão geral a ensejar o julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. A supremacia do princípio da igualdade tributária não será afetada pelo caso em tela, de modo que o conflito deduzido em juízo pela parte, qualquer que seja a solução, não repercutirá, política, econômica, social e, muito menos juridicamente na sociedade como um todo, limitando-se, no máximo, ao âmbito de atividade da recorrente. (Trecho da manifestação do Ministro Menezes Direito, constante na página 682, proferida no julgamento sobre a declaração da repercussão geral no RE 585.740-RG/RJ). 111 Trecho da manifestação do Ministro Marco Aurélio Mello, constante na página 686 dos autos, proferida no julgamento sobre a declaração da repercussão geral no RE 585.740-RG/RJ.

CAPÍTULO 4: AS DECISÕES DO STF SOBRE O RECONHECIMENTO DA

REPERCUSSÃO GERAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA EM COLISÃO COM O

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA DAS DECISÕES

Ainda que o objetivo final do instituto da repercussão geral seja impulsionar a

unidade do direito através do exame de casos de relevância e transcendência comprovada,

diminuindo a sobrecarga do Supremo Tribunal Federal com a apreciação de casos não

significativos, no que tange à análise da aplicação desse instituto em matéria tributária, pode-

se dizer que, de modo geral, essa sistemática de filtragem recursal vem contribuindo para a

elevação do grau de insegurança de nosso ordenamento, em razão da dubiedade do

posicionamento no que concerne ao reconhecimento da demonstração de relevância das

controvérsias imbuídas de caráter tributário.

Ademais disso, deve-se ressaltar que a demora no reconhecimento da relevância

de determinados temas tributários de ampla repercussão, bem como no seu julgamento de

mérito, vem fazendo com que conselhos e órgãos diretamente relacionados ao sistema

tributário nacional venham a emitir portarias e pareceres que regulam as suas atuações durante

o lapso temporal de aguardo da manifestação do STF, conferindo, também, insegurança

jurídica, o que se soma ao fato de que, como se irá demonstrar, caso o Supremo venha a

decidir de forma diferente da por adotada por tais órgãos, resultar-se-á em uma demanda

elevada para o Judiciário, em inverso sentido da criação do instituto.

É o que esse ponto último do presente estudo se prestará a analisar: a

manifestação prática, em matéria tributária, da instituição da repercussão geral.

4.1 A Portaria n. 1/2012 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e as matérias

com repercussão geral reconhecida

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF foi criado pela Medida

Provisória n. 449, de 2008, convertida na Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009, e instalado

em 15 de fevereiro de 2009, mediante Portaria MF n. 41, de 2009.

O CARF constitui-se em um órgão colegiado, paritário, integrante da estrutura do

Ministério da Fazenda, tendo por finalidade julgar recursos de ofício e voluntário de decisão

69

de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial, que versem sobre a

aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal

do Brasil. Esse Conselho teve o seu Regimento Interno aprovado pela Portaria MF n. 256, de

22 de junho de 2009 e foi alvo de diversas alterações e regulamentações desde então.

Uma dessas regulamentações é resultante da portaria da Portaria n. 1/2012, de

lavra do presidente do CARF, que veio regulamentar os parágrafos 1º e 2º do artigo 62-A112

do Regimento Interno desse Conselho, flexibilizando o sobrestamento de processos fiscais

que tratem de matérias admitidas como de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal,

mas ainda não julgadas em seu mérito por essa corte.

A Portaria n. 1/2012 do CARF determinou, ainda, que os sobrestamentos só

podem ser feitos caso as partes ou o relator comprovem a admissão de recurso extraordinário

sobre a mesma matéria no Supremo Tribunal Federal, bem como o sobrestamento dos demais

processos judiciais sobre o assunto nas instâncias inferiores, valendo tal regra tanto para os

casos futuros, quanto para os que já estavam sobrestados.

Assim, o texto da referida portaria teria regulamentado o procedimento e

interpretado o teor do artigo 62-A do Regimento Interno do CARF, de acordo com o

entendimento de que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal determina que a

repercussão geral é um instituto diferente do sobrestamento, de maneira que o primeiro é

tratado pelo artigo 322 deste último regimento, cujo parágrafo único aduz que para efeito da

repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões que, relevantes do ponto

de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os interesses subjetivos das

partes. Dessa forma, a repercussão geral seria um critério de admissibilidade e não estaria

diretamente relacionada ao sobrestamento, este tratado no artigo 328 do mesmo regimento,

que aduz que protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se

em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de ofício ou a requerimento

da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de Juizado Especial, a fim de

que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes

informações, que deverão ser prestadas em cinco dias, e sobrestar todas as demais causas com

questão idêntica. 112 Art. 62-A. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática prevista pelos artigos 543-B e 543-C da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF. § 1º Ficarão sobrestados os julgamentos dos recursos sempre que o STF também sobrestar o julgamento dos recursos extraordinários da mesma matéria, até que seja proferida decisão nos termos do art. 543-B. § 2º O sobrestamento de que trata o § 1º será feito de ofício pelo relator ou por provocação das partes.

70

De acordo com esse entendimento, o regimento interno daria ao Supremo

Tribunal Federal a possibilidade de sobrestar, mas não afirma que todo caso que está sob

repercussão geral deve ser sobrestado. Sob o fundamento desse entendimento e a análise

sistemática do Regimento Interno do CARF, foi elaborada essa portaria.

Assim, a Portaria n. 1/2012 do CARF, de fato, principalmente em relação à

celeridade que pretende garantir, foi editada com o intuído de oferecer uma alternativa ao

órgão diante dessa demora do Supremo Tribunal Federal em julgar matérias tributárias. A

estimativa é de que, antes da edição da portaria, até dezembro de 2011, uma média de 70%

(setenta por cento) dos processos estava sem tramitação, aguardando o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal sobre as matérias neles contidas.

Ocorre que o posicionamento expresso na Portaria n. 1/2012 do CARF não é

consensual. Por um lado há o entendimento de que se deve proceder ao sobrestamento de todo

caso analisado pelo Supremo, já por outro, de que apenas devem ser sobrestado aqueles

recursos que tiverem sido explicitamente declarados sobrestados.

Em seu aspecto formal, a portaria é questionada em razão do fato de que a sua

edição extrapolaria a competência que o presidente do Conselho tem, segundo o Regimento

Interno, de modo que a mudança trazida em seu bojo apenas poderia ter sido feita pelo próprio

ministro da Fazenda.

Além desse obstáculo formal, há ainda o receio de que, caso o Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais se adiante em julgar alguma matéria que espera

julgamento no Supremo Tribunal Federal, e os ministros dessa corte, em momento posterior,

venham a decidir de forma diferente, resultar-se-á em uma demanda elevada para o Judiciário,

que é exatamente o que a repercussão geral e o regimento interno do CARF pretendem evitar.

Dentre as matérias que aguardavam decisão do STF sobre o reconhecimento da

repercussão geral, estava o caso referente à transferência de dados bancários à Receita Federal

sem a intermediação do Judiciário. Tal matéria aguardava julgamento, no Supremo Tribunal

Federal, do RE n. 601.314, representativo da controvérsia, que discute a constitucionalidade

da Lei Complementar n. 105/2001.

O Supremo Tribunal Federal findou por reconhecer a existência de repercussão

geral no RE n. 601.314, mas ainda não se manifestou sobre o mérito do recurso, devendo

permanecer sobrestados, em tese, os processos de idêntica controvérsia, como ocorreu no RE

n. 387.604 de relatoria da Ministra Carmen Lúcia.

Ocorre que, antes mesmo de qualquer decisão do Supremo sobre o tema, em razão

da Portaria n. 1/2012 do CARF, este órgão passou a proferir algumas decisões no sentido de

71

que a Receita não pode acessar dados bancários de contribuintes sem autorização da Justiça,

com base no julgamento do RE n. 389.808 de 2003, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio

Melo, que decidiu pela inconstitucionalidade da quebra de sigilo sem autorização judicial.

Mas ainda resta dúvida sobre a aplicação desse entendimento dentro do Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, tendo sido esse assunto um dos temas do 2º

Encontro da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) com os

Representantes do CARF, em novembro de 2012 em Brasília.

Deve-se salientar que, tanto a questão relacionada à validade formal da portaria

quando a inquietação material do conselho em relação à matéria do sigilo bancário, conferem

ao contribuinte, jurisdicionado no caso, um enorme insegurança.

Esse grau de insegurança jurídica não se pode admitir e é o que esse estudo se

presta a demonstrar e atacar. Ainda que se entenda que a demora do Supremo em analisar a

matéria acaba por engessar o funcionamento do Conselho, acredita-se que, diante da

conjuntura legal posta, a atuação discricionária do Conselho apenas aumentará a grau de

insegurança, visto que, diante de entendimento diverso do STF, tais decisões poderão ser

reformadas.

Diante disso, conclui-se que, tendo como objetivo maior a garantia da segurança

jurídica, a atuação do Conselho deva observar a atuação do Supremo Tribunal Federal,

aguardando o seu posicionamento final sobre a matéria, quando do julgamento do RE n.

601.314.

4.2 Matérias com repercussão geral analisada

Fora observado, no bojo da análise das manifestações fundamentadas dos

Ministros do Supremo Tribunal Federal em decisões sobre o reconhecimento da repercussão

geral afetas ao direito tributário, que se tem considerado ausente a repercussão geral, quando

se entende que as questões discutidas nas razões do recurso extraordinário não repercutem na

sociedade como um todo, ignorando-se a relevância intrínseca da matéria tributária.

Ocorre que também se pôde verificar o reconhecimento da relevância de

determinadas matérias tributárias, em razão, também, da repercussão econômica da matéria.

Assim, percebe-se que a atuação do Supremo Tribunal Federal na análise do

instituto da repercussão geral em matérias tributárias se faz oscilante, vez que ora se entende

72

que a relevância econômica do tema, por si só, justifica a repercussão geral, ora se nega o

reconhecimento desta em razão da consideração de ausência de relevância.

Esse posicionamento vacilante contribui para a elevação do grau de insegurança

de nosso ordenamento. É o que se objetiva demonstrar no presente tópico de estudo, com a

análise de alguns temas que foram avaliados por essa corte até o presente momento.

Deve-se ressaltar, ainda, que, em alguns casos, percebeu-se que o embasamento

utilizado para a justifica da ausência de repercussão geral tangenciou o mérito do recurso

extraordinário analisado, de maneira diversa do que deveria ocorrer quando da análise desse

instituto.

Como primeiro tema, proceder-se-á ao estudo da problemática concernente ao

sigilo bancário, pontualmente exemplificado no tópico anterior, por consistir essa em um

ponto polêmico, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.

Sobre o tema, aduz Denise Lucena Cavalcante113 que:

A polêmica maior referente à lei brasileira é a possibilidade de quebra direta do sigilo bancário pela autoridade fazendária, com a revogação do art. 38, da Lei 4.595/64, que restringia ao Poder Judiciário a autorização para o acesso às informações bancárias dos contribuintes.

Ainda demonstrando a importância e a necessidade de discussão dessa temática,

afirma a autora supracitada:

É preciso que a questão do sigilo bancário seja abordada como uma exigência da economia mundial e não discutida pelos poderes locais como uma simples questão de legislação interna. A transparência das informações é uma tendência internacional, não podendo mais prevalecer decisões contraditórias e fora das exigências da governabilidade contemporânea114.

Refletindo essa problemática, o recurso extraordinário n. 601.314 chegou ao

Supremo contra uma decisão que entendeu pela constitucionalidade do artigo 6º da Lei

Complementar n. 105/2001, que permite a entrega das informações, por parte dos bancos, a

pedido do Fisco115, ao fundamento de que fornecer informações sobre a movimentação

113 CAVALCANTE, Denise Lucena. Transparência, cooperação internacional e flexibilização do sigilo bancário no combate à corrupção fiscal: análise do contexto brasileiro. Nomos: Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, Fortaleza, v. 22, n.1, jan./dez. 2003, p.89. 114 CAVALCANTE, Denise Lucena. Sigilo Bancário no Brasil. In: GAMA, João Tabosa da et al (Coord.). Estudo em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches. v. 5. Direito Fiscal: garantias, procedimento, infracções, gestão fiscal, internacional e europeu. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 116. 115 “Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.

73

financeira diretamente ao Fisco, sem autorização judicial, configuraria quebra de sigilo

bancário do contribuinte de maneira inconstitucional, por ofensa aos princípios que asseguram

ser invioláveis a intimidade e o sigilo de dados, consoante dispõe o art. 5º, X e XII, da CF.

O acórdão recorrido também entendeu que a Lei n. 10.174/2001 é constitucional e

que é possível aplicá-la para instaurar procedimento administrativo para verificação de

existência de eventuais créditos tributários, mesmo que em relação a exercícios anteriores a

vigência da referida lei.

No recurso, contudo, alegar-se que este dispositivo seria inconstitucional, uma vez

que permite a entrega de informações de contribuintes, sem autorização judicial, configuraria

quebra de sigilo bancário, violando o artigo 5º, X e XII da Constituição Federal.

Quanto à repercussão geral, em preliminar formal, sustentou-se que o tema em

debate cumpre este requisito, notadamente porque a matéria discutida neste processo, atinente

aos vícios de inconstitucionalidade de quebra de sigilo bancário, atinge a todos os

contribuintes postos em situação semelhante ao recorrente. Assim sendo, a depender do

entendimento esposado pela Instância Suprema sobre a questão, um número indeterminado de

ações judiciais ativas restarão comprometidas.

Aduziu que o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a

definição sobre a constitucionalidade do envio de informações sobre movimentações

financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial, bem como a definição sobre

possibilidade de aplicação de normas nesse sentido à fiscalização de tributos referentes a

exercícios anteriores à sua vigência, norteará o julgamento de inúmeros processos similares,

que tramitam neste e nos demais tribunais brasileiros.

Diante desse fundamento, o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu que

a controvérsia possui repercussão geral, sob a justificativa de a questão constitucional trazida

aos autos, qual seja a constitucionalidade e a aplicação no tempo de normas que permitam a

quebra do sigilo fiscal pelo Poder Executivo (autoridade administrativa) independente de

autorização judicial, ultrapassa o interesse subjetivo das partes que atuam neste feito.

Ocorre que o mérito desse recurso ainda não foi julgado, portanto, as decisões do

CARF, no sentido de que a Receita não pode acessar dados bancários de contribuintes sem

autorização da Justiça, com base no julgamento do RE n. 389.808 de 2003116, de Relatoria do

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. 116 Referente a esse assunto, aduz Denise Lucena Cavalcante: Decisões contraditórias dos tribunais brasileiros têm ofuscado ainda mais a questão do sigilo bancário. Para ilustrar esta afirmação cita-se a decisão recente do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário – RE 389.808 de 15.12.2010, onde o Plenário do STF por

74

Ministro Marco Aurélio Melo, que decidiu pela inconstitucionalidade da quebra de sigilo sem

autorização judicial, se fazem temerárias, vez que uma mudança de posicionamento do STF

quando do julgamento do RE n. 601.314 pode desencadear um sem número de demandas

judiciais, de maneira a contribuir para a elevação do grau de insegurança jurídica do

ordenamento jurídico brasileiro.

Já no RE n. 587.008-RG/SP, se discutia a presença da relevância e repercussão da

discussão acerca da majoração de alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) sem

o respeito da garantia nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da Constituição Federal de

1988117.

A parte recorrente apresentou preliminar formal e devidamente fundamentada

sobre a repercussão geral da questão constitucional objeto desse recurso extraordinário.

Argumentou, pois, que a matéria possui ampla relevância econômica e jurídica, uma vez que

se decidirá sobre a majoração de contribuição destinada à Seguridade Social trazida por

Emenda Constitucional. Aduziu, ainda, que são milhares de processos judiciais em trâmite

perante o país em que se discute a matéria, envolvendo cifras vultosas a ingressar nos cofres

públicos a título de CSSL.

No mérito, alegou que o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no

artigo 195, § 6º, da Constituição Federal, aplica-se às leis ordinárias e não às emendas

constitucionais.

Afirmou, ainda, que a Emenda Constitucional n. 10/96, publicada em 7 de março

de 1996, que majorou a alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro, não contrariou o § 6º,

do artigo 195, da Constituição Federal, uma vez que o fato gerador da CSSL se concretiza em

31 de dezembro de cada ano, quando é apurado o lucro do período-base. Destacou que só

haveria inconstitucionalidade se a majoração da alíquota tivesse ocorrido depois de 2 de

outubro de 1996, o que não ocorreu no caso em tela. maioria dos votos modificou o acórdão proferido pelo Tribunal Federal da 4.ª Região que havia permitido o acessa da autoridade fiscal a dados relativos à movimentação financeira da empresa a qual havia um procedimento fiscal regularmente instaurado. CAVALCANTE, Denise Lucena. Sigilo Bancário no Brasil. In: GAMA, João Tabosa da et al (Coord.). Estudo em memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches. v. 5. Direito Fiscal: garantias, procedimento, infracções, gestão fiscal, internacional e europeu. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 112-113. 117 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...] § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". [...]

75

A vice-presidente do Tribunal de origem admitiu o recurso extraordinário e,

atribuindo efetividade ao novel instituto da repercussão geral, assinalou que a matéria versada

também é objeto de outros feitos similares, determinando, por fim, o sobrestamento dos

demais similares até definição da matéria pelo Excelso Pretório.

Assim, como se pôde observar, a questão suscitada nestes autos, referente à

majoração de alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) sem o respeito da

garantia nonagesimal, demonstra intrínseca relevância vez que o princípio da anterioridade

expressa a ideia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os

contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo de

gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo, dessa forma, organizar e planejar seus

negócios e atividades.

Em sua manifestação, como relator do caso, o eminente Ministro Menezes Direito

manteve seu entendimento, já demonstrado anteriormente em questões de natureza tributária,

pela inexistência de repercussão geral da questão, nos seguintes termos:

A questão suscitada nestes autos, referente à validade da exigência da Contribuição Social Sobre o Lucro com base na nova alíquota, que foi majorada de 18% para 30%, exclusivamente no período de janeiro a 5 de junho de 1996, não possui repercussão geral a ensejar o julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. A matéria está restrita aos interesses das pessoas jurídicas sujeitas à referida contribuição, não repercutindo política, econômica, social ou juridicamente na sociedade como um todo.118

De outra monta, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, divergindo do relator,

defendeu a existência de repercussão geral, sendo acompanhado pelos Ministros Carmén

Lúcia, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, aduzindo que a questão discutida na

espécie envolve relações jurídicas diversas, ou seja, de todos os contribuintes do referido

tributo sujeitos à majoração verificada, assim cumpre ao Supremo esclarecer se a

anterioridade nonagesimal diz respeito ou não, também, às emendas constitucionais. Frisou,

ao final, que, nessa fase, não cabe definição sobre tal matéria, mas tão somente sobre a

repercussão geral.

Ao final, o Supremo Tribunal entendeu, assim, pela existência da transcendência

na questão discutida, saindo vencidos, entretanto, os Ministros Menezes Direito, Carlos

Britto, Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.

118 Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE n. 587.008-RG/SP, p. 2646.

76

Nesse caso em específico, prevaleceu a observância da relevância da temática

tributária debatida, entretanto tal feita não se deu com a naturalidade esperada, vez que ainda

se pode verificar resistência a esse entendimento no Supremo Tribunal Federal.

No RE n. 578.635-RG/RS, a discussão travada estava na possibilidade ou não da

exigibilidade da contribuição social destinada ao INCRA das empresas urbanas, sustentando a

parte recorrente a violação de diversos dispositivos e princípios inseridos na Carta Política de

1988.

Sustenta a parte recorrente, também em preliminar formal e devidamente

fundamentada, a repercussão geral da questão constitucional objeto da irresignação. Afirma

que a matéria discutida nos autos afeta todas as empresas urbanas do país e atinge diretamente

a capacidade de investimento dos contribuintes da referida exação.

No mérito, alega contrariedade aos artigos 5º, inciso II, 145, § 1º, 146, inciso III,

149, 150, incisos I e III, 153, 154, inciso I, 194, inciso V, e 195, §§ 4º e 5º, da Constituição

Federal, considerando ser inconstitucional a exigência da contribuição de 0,2% (dois décimos

por cento) incidente sobre a folha de salário das empresas urbanas e destinada ao INCRA.

Destaca, em síntese, ser impossível a cobrança da mencionada contribuição

porque ausente previsão em lei complementar e porque sua exigência implica confisco, bem

como por ser uma contribuição que possui base de cálculo que já está constitucionalmente

atrelada a outra contribuição social que, igualmente, incide sobre a folha de salários

O eminente Ministro Menezes Direito pronunciou pela inexistência de

repercussão geral da questão, nos seguintes termos:

Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos não possui repercussão geral porque está restrita ao interesse das empresas urbanas eventualmente contribuintes da referida exação. A solução adotada pelas instâncias ordinárias no deslinde da controvérsia não repercutirá política, econômica, social e, muito menos, juridicamente na sociedade como um todo.119

De outra sorte, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, divergindo do relator,

defendeu a existência da repercussão geral, porquanto reiterou que cumpre encarar o instituto

da repercussão geral com largueza, pois viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado

Maior, com o exercício na plenitude, do direito de defesa.

Aduziu, ainda, o Ministro Marco Aurélio Mello que, em princípio, é possível

vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia

vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário.

119 Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE 578.635-RG/RS, p. 2654.

77

É estreme de dúvidas que a contribuição social destinada ao INCRA está sendo

exigida de todas as empresas urbanas, cujo universo ultrapassa seis dígitos - o que

independentemente do mérito da causa - sobrelevando a relevância econômica, social, assim

como jurídica da questão, o que inegavelmente transcende os interesses subjetivos da causa.

Não obstante, os Ministros da Alta Corte, vencidos o Ministro Marco Aurélio

Mello e Gilmar Mendes e não tendo se manifestado a Ministra Ellen Gracie, decidiram pela

inexistência de repercussão geral da questão constitucional suscitada.

Nesse caso em específico, foi ignorada a relevância intrínseca da temática

tributária, o que demonstra, mais uma vez, a oscilação de posicionamento do Supremo

Tribunal Federal.

O RE n. 585.740-RG/RJ pauta a possibilidade de extensão da forma de cálculo da

COFINS e da contribuição ao PIS, conferidas às empresas de comercialização de veículos

usados, para todas as outras pessoas jurídicas que atuam no ramo industrial.

No apelo extremo, a parte recorrente sustenta, de igual modo em preliminar

formal e devidamente fundamentada, a repercussão geral da questão constitucional objeto do

recurso extraordinário. Nesse ponto, assevera que se trata de caso de interesse geral, cuja

decisão não se confina com a esfera subjetiva dos direitos exclusivamente dos litigantes do

presente processo, mas revela-se útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas

jurídicas.

No mérito, alega violação dos artigos 5º, caput, 93, inciso IX, e 150, inciso II, da

Constituição Federal, haja vista que o artigo 5º da Lei n 9.716/98 confere tratamento

diferenciado a situações fáticas equivalentes ao determinar que as pessoas jurídicas que

tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de

veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de

consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim

dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados.

Sustenta que, da mesma forma que o PIS e a COFINS recolhidos por

revendedoras de veículos usados têm por base de cálculo a diferença entre o valor da compra

e o valor da venda do veículo, o recolhimento dessas contribuições pelas indústrias deverá ser

efetuado após a exclusão do faturamento decorrente das vendas dos custos dos insumos

adquiridos para a fabricação do produto final.

Sustentou novamente o Ministro Menezes Direito, relator do recurso,

demonstrando desconsiderar a relevância intrínseca da matéria tributária:

78

Essa questão, relativa à alegada possibilidade de extensão da forma de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS fixada para as empresas que atuam no ramo industrial, não possui repercussão geral a ensejar o julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. A supremacia do princípio da igualdade tributária não será afetada pelo caso em tela, de modo que o conflito deduzido em juízo pela parte, qualquer que seja a solução, não repercutirá, política, econômica, social e, muito menos juridicamente na sociedade como um todo, limitando-se, no máximo, ao âmbito de atividade da recorrente.120

De outra monta, manifestando-se em voto escrito, o Ministro Marco Aurélio

Mello foi enfático ao dizer que:

Observem a importância da repercussão geral: Conforme venho ressaltando, cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário. Relativamente ao tema de fundo, está-se diante de situação concreta passível de repetir-se em um sem-número de processos, incumbindo ao Supremo definir o alcance do princípio da isonomia encerrado no artigo 150, inciso II, da Carta da República. 121

É salutar ressaltar que, no caso acima, estão envolvidas todas as sociedades

industriais do país, que estiverem no regime da não-cumulatividade atinente às referidas

contribuições, ultrapassando os interesses subjetivos da causa, bem como denotando a

relevância do ponto de vista econômico e social.

Entretanto, decidiu a Corte Suprema não existir repercussão geral na questão

ventilada, vencido o Ministro Marco Aurélio, não tendo se manifestado a Ministra Ellen

Gracie, de maneira a ignorar, mais uma vez, a relevância presumida defendida no presente

estudo.

Aumentando ainda mais a distorção acima apresentada, cita-se o RE 590.186-

RG/RS. Nele, a questão constitucional gravita em torno da incidência do IOF sobre as

operações de mútuo praticadas entre pessoas jurídicas ou entre pessoas jurídicas e físicas,

segundo as mesmas regras aplicáveis às operações praticadas pelas instituições financeiras.

Mais uma vez como Relator do recurso, o Ministro Menezes Direito, agora indo

em direção oposta ao que defendeu em outros julgados, como os supramencionados, entendeu

pela existência da repercussão geral da questão constitucional, manifestando-se:

120 Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE n.585.740-RG/RJ, p. 682. 121 Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE n. 585.740-RG/RJ, p. 686.

79

Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos transcende interesse subjetivo das partes, na medida em que se discute a constitucionalidade de norma legal que prevê a incidência de imposto que, em princípio, pode ser exigido da maioria das pessoas físicas e jurídicas do país. Assim, a questão constitucional possui relevância econômica, porquanto afeta grande número de contribuintes, além de influir na arrecadação.122

O Ministro Marco Aurélio Mello, como noutros julgados, manteve sua convicção

a respeito da repercussão geral, especialmente em casos como o acima apresentado, repetindo:

Atentem para o alcance da repercussão geral: Conforme venho ressaltando, cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário. No caso, verifica-se situação jurídica, dirimida pela Corte de origem de forma contrária à contribuinte, que pode se repetir, sob o ângulo constitucional, em um sem-número de processos. Tudo recomenda que o Supremo defina o alcance do preceito da Carta Federal aplicável à espécie, tal como ressaltado pelo ministro Menezes Direito.123

Nesse caso em específico, os Ministros, por unanimidade, decidiram pela

existência de repercussão geral.

Ainda na seara tributário, destaca-se a matéria relacionada à alíquota progressiva

do ITCD, cujo leading case foi o RE n. 562.045, de relatoria do Ministro Ricardo

Lewandowiski. Esse recurso extraordinário veio discutir, à luz dos artigos 145, § 1º; e 155, §

1º, IV, da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, da fixação de alíquota progressiva

para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação - ITCD, nos termos da Lei Estadual

gaúcha nº 8.821/8.

Entendeu o relator que o deslinde da matéria possibilidade de fixação de alíquota

progressiva para o imposto sobre transmissão causa mortis e doação poderá afetar a situação

econômica de um contingente incontável de contribuintes e estabelecer tese relevante quanto

aos aspectos jurídicos do tributo em questão, inclusive em relação aos demais estados da

federação, ultrapassando a causa o interesse subjetivo do recorrente.

122 Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE n. 590.186-RG/RS. 123 Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE n.590.186-RG/RS.

80

Com isso em vista, manifestou-se pela existência de repercussão geral, tendo sido

acompanhado pelos demais Ministros, não tendo se pronunciado os Ministros Celso de Mello

e Cezar Peluso.

Acrescenta-se neste elenco a tese acerca do prazo prescricional para a cobrança de

contribuições sociais devidas à Seguridade Social, consubstanciada no RE n. 559.943, de

relatoria da Ministra Cármen Lúcia, no qual se discute, à luz do art. 146, III, b, da

Constituição Federal, a constitucionalidade, ou não, dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/91,

com o objetivo de definir qual o prazo prescricional para a cobrança dos créditos relativos às

contribuições sociais devidas à Seguridade Social: de cinco anos, nos termos dos artigos 173 e

174 do Código Tributário Nacional, ou de dez anos, nos termos da Lei nº 8.212/91.

Neste caso, a Ministra relatou que a apresentação pela recorrente da preliminar

formal e fundamentada sobre a repercussão geral da questão constitucional foi suscitada no

recurso pelo argumento de que a autarquia previdenciária é responsável pela arrecadação e

fiscalização de todas as contribuições previdenciárias federais, tributos esses que mantêm o

sistema previdenciário público que beneficia dezenove milhões de brasileiros. Assim, a

diminuição dos prazos de decadência e prescrição das contribuições previdenciárias, de 10

para 5 anos, pode acarretar prejuízos irreparáveis aos cofres públicos e, consequentemente,

aos beneficiários e dependentes da Previdência Social.

De acordo com o entendimento da Ministra Relatora124:

A argumentação apresentada demonstra que a questão constitucional ultrapassa os interesses subjetivos da causa e tem repercussão econômica e social, esta reforçada pela pletora de processos que vieram a este Supremo Tribunal relacionadas ao mesmo tema, como se verifica nas diversas decisões por mim proferidas com fundamento no art. 328, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Aduziu ainda que:

De se acrescentar, ainda, haver repercussão geral da matéria sob o ponto de vista jurídico. Tanto se evidencia quando uma lei tem a sua presunção de constitucionalidade questionada, fundamentadamente, em juízo, e, principalmente, quando se tem a acolhida da alegação de contrariedade ao texto da Constituição da República por algum ou alguns órgãos do Poder Judiciário125.

124 Trecho da manifestação da Min. Cármen Lúcia, no RE n. 559.943. 125 Trecho da manifestação da Min. Cármen Lúcia, no RE n. 559.943.

81

Os demais ministros corroboraram com o entendimento da Ministra Cármen

Lúcia, com as exceções dos Ministros Eros Grau e Cezar Peluso, pelo que se reconheceu a

existência de repercussão geral neste caso.

Outra matéria com repercussão geral analisada pelo STF refere-se à contida no RE

n. 565.160, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, que discute, à luz dos artigos 146; 149;

154, I; e 195, I e § 4º, da Constituição Federal, o alcance da expressão “folha de salários”,

contida no art. 195, I, da Constituição Federal, e, por conseguinte, a constitucionalidade, ou

não, do art. 22, I, da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.876/99, que instituiu

contribuição social sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer

título aos empregados.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao recurso de

apelação, assentando a constitucionalidade do artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91, com as

alterações introduzidas pela Lei nº 9.876/99, na parte em que instituiu contribuição social

sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título aos empregados.

O tributo foi criado com fundamento na redação original do artigo 195, inciso I, da Carta da

República, no que previa a incidência do tributo sobre a folha de salários.

Por meio do extraordinário interposto com alegada base na alínea a do permissivo

constitucional, a recorrente articula com a transgressão dos artigos 146, 149, 154 e 195, inciso

I e § 4º, da Lei Maior. Argumenta que descabe considerar como de natureza salarial toda e

qualquer verba paga ao empregado, em razão do fato de nem todos os valores comporem a

remuneração prevista no contrato de trabalho. Aduz que a contribuição social não pode incidir

sobre verba de cunho indenizatório. Sustenta a repercussão geral da matéria, ante a

circunstância de que a decisão do Supremo sobre o tema ultrapassará os interesses subjetivos

da causa, mostrando-se relevante a todos os contribuintes que se encontram na mesma

condição.

Diante disso, assim entendeu o relator126:

Tudo recomenda o pronunciamento do Plenário do Supremo sobre a questão, elucidando-se o alcance da expressão folha de salários, contida no artigo 195, inciso I, da Constituição Federal. A abrangência do tributo, por si só, revela a importância.

126 Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio, no RE n. 565.160.

82

Essa decisão acompanhada por unanimidade, tendo o Ministro Marco Aurélio

ressaltado, ao final que:

Por meio do extraordinário interposto com alegada base na alínea ‘a’ do permissivo constitucional, a recorrente articula com a transgressão dos artigos 146, 149, 154 e 195, inciso I e § 4º, da Lei Maior. Argumenta que descabe considerar como de natureza salarial toda e qualquer verba paga ao empregado, em razão do fato de nem todos os valores comporem a remuneração prevista no contrato de trabalho. Aduz que a contribuição social não pode incidir sobre verba de cunho indenizatório. Sustenta a repercussão geral da matéria, ante a circunstância de que a decisão do Supremo sobre o tema ultrapassará os interesses subjetivos da causa, mostrando-se relevante a todos os contribuintes que se encontram na mesma condição127.

Acrescenta-se, por fim, a matéria consubstanciada no RE n. 568.657, de relatoria

da Ministra Cármen Lúcia, em que se discute, à luz dos artigos 5º, X e XXX; e 22, da

Constituição Federal, a revogação, ou não, da exigência de publicação do nome dos devedores

e endereços relativos à dívida, assim como a sua origem e o seu valor (cobrança amigável

prévia ao ajuizamento da execução fiscal), contida no art. 71 do Código Tributário do

Município de Campo Grande/MS.

O recorrente alega que o requisito de publicação do nome dos devedores e

endereços relativos à dívida, assim como a sua origem e valor - contida no art. 71 do Código

Tributário Municipal - não teria sido recepcionada pelo art. 5º, incs. X e XXXV, da

Constituição. Segundo ele, aquela exigência afrontaria o direito à intimidade dos devedores,

além de obstar o seu acesso ao Poder Judiciário, por ter de se submeter à condição prévia para

o exercício do seu direito à jurisdição.

Entendeu a Ministra relatora que a questão constitucional suscitada no recurso

extraordinário é restrita ao interesse do Município Recorrente e não encerra relevância a

caracterizar a existência de repercussão geral, nos termos do art. 543-A, § 1º, do Código de

Processo Civil.

Em razão disso, manifestou-se pela recusa do recurso extraordinário, nos termos

do art. 543-A, caput, do Código de Processo Civil c/c art. 322, caput, do Regimento Interno

do Supremo Tribunal Federal, tendo sido acompanhada pelos demais Ministros, a exceção do

Ministro Marco Aurélio, que divergiu, tendo sido acompanhado pelo Ministro Gilmar

Mendes.

127 Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio, no RE n. 565.160.

83

O Ministro Marco Aurélio assim se manifestou128:

A relevância da matéria decorre do fato de haver o envolvimento de princípio constitucional da maior envergadura – o do acesso ao Judiciário. A Carta da República, de início, restringe as situações em que necessário acionar-se antes a esfera administrativa – a negociação para o ajuizamento do dissídio coletivo e o esgotamento das instâncias da Justiça Desportiva quando se tratar de disciplina e competição desportivas. Daí me manifestar pela repercussão geral do tema, presente a elucidação do alcance da Constituição Federal no tocante a questão tão sensível como é a do acesso ao Judiciário.

Assim, da análise acima delineada fez-se evidente a oscilação de posicionamentos

dos Ministros do Supremo Tribunal Federal com relação ao reconhecimento da relevância das

matérias tributárias.

4.3 Síntese analítica do posicionamento do Supremo Tribunal Federal nas decisões a

cerca do reconhecimento ou não de repercussão geral em matérias de natureza

tributária

Como se pode observar no gráfico abaixo129, a matéria tributária figura em

segundo lugar dentre os temas mais levados à analise pelo Supremo Tribunal Federal.

128 Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio, no RE n. 568.657. 129 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 25 jul. 2013.

84

De igual modo, se verifica o segundo lugar da matéria tributária com relação aos

processos sobrestados130:

130 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=numeroRepercussao>. Acesso em: 25 jul. 2013.

85

Diante desses números, verifica-se, de maneira ainda mais acentuada a

importância da matéria tributária na pauta do Supremo Tribunal Federal.

Assim, da síntese analítica do posicionamento do Supremo Tribunal Federal nas

decisões a cerca do reconhecimento ou não de repercussão geral em matérias de natureza

tributária, fez-se evidente a dificuldade de previsibilidade e da quebra da proteção à confiança

do contribuinte, ambas inerentes à segurança jurídica que se fez violada em um grau elevado.

De outra monta, impõe-se destacar que os dados quantitativos explorados no

decorrer do presente estudo mostram otimismo em relação à redução do número de recursos

extraordinários em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal, pelo que se espera que esse

fato somado a necessárias modificações regimentais que venham aprimorar a sistemática de

aplicação da repercussão geral junto ao Supremo Tribunal Federal possibilite a formação de

um posicionamento mais sólido dos Ministros no que concerne a matérias tributárias, bem

como uma maior celeridade no julgamento do mérito dos recursos.

Espera-se a inauguração de uma sólida tendência nesta Corte no sentido de

considerar a relevância intrínseca da matéria tributária, considerando que tais temas devem ser

acolhidos como de inegável relevância.

CONCLUSÃO

Com o objetivo de salvaguardar a segurança jurídica, os instrumentam de

compatibilização vertical das decisões objetivam tutelar a unidade das decisões judiciais, de

maneira a racionalizar a atividade jurídica, o que acarreta, ainda, em uma considerável e

importante economia processual.

Nesse contexto e com esse desiderato, se engasta o instrumento da repercussão

geral, que objetiva, ao mesmo tempo, concretizar o valor da igualdade e patrocinar sensível

economia processual, racionalizando a atividade judicial.

O requisito da repercussão geral foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro,

quando da alteração da matriz constitucional do recurso extraordinário através da Emenda

Constitucional n. 45 de 2004, que acrescentou o § 3º ao artigo 102 da Constituição.

Por força de tal dispositivo, passou a caber à parte fazer, em seu recurso, a

demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso.

A regulamentação desse dispositivo constitucional se fez por meio da Lei 11.418

de 2006, que acrescentou dois artigos ao Código de Processo Civil Brasileiro, no âmbito da

disciplina do recurso extraordinário, quais sejam o artigo 543-A e o artigo 543-B.

Da análise dos números da repercussão geral, pode-se concluir que o instituto

vem apresentando resultados e cumprindo o seu objetivo precípuo de diminuição de atuação

do Supremo Tribunal Federal como Corte Recursal.

Ainda que persista a incerteza sobre o déficit de proteção aos direitos

fundamentais, como o acesso à justiça, gerada em razão da retirada do "guardião precípuo"

da Constituição da análise de matérias constitucionais que não tenham repercussão geral, ao

se vislumbrar os referidos números, percebe-se que a ponderação pelo Supremo Tribunal

Federal vem sendo feita de maneira razoável, de modo que mais de setenta por cento dos

temas submetidos à analise tiveram repercussão geral reconhecida.

Diante disso, se pode crer que o sopesamento entre o direito fundamental do

acesso à justiça e o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva vem se dando de

maneira satisfatória, funcionando este instituto até mesmo como medida educativa diante da

situação de sobrecarga do Poder Judiciário brasileiro.

Ocorre que, no que concerne à aplicação prática do instituto da repercussão geral,

mormente na seara tributária, ainda se vivencia um estágio de insegurança jurídica,

considerando a oscilação de posicionamentos com relação ao reconhecimento da relevância

87

de matérias tributárias apresentadas para análise da corte, podendo se observar a existência de

argumentações dissonantes quando da aferição de tais entendimentos.

Para exemplificar essa oscilação aponta-se, de um lado, o julgamento do RE

585.740-RG/RJ, que trouxe à balia a possibilidade de extensão da forma de cálculo da

COFINS e da contribuição ao PIS, conferidas às empresas de comercialização de veículos

usados, para todas as outras pessoas jurídicas que atuam no ramo industrial. Com relação a tal

tema, decidiu a Corte Suprema não existir repercussão geral na questão ventilada, sob a

argumentação do relator, Ministro Menezes Direito, a supremacia do princípio da igualdade

tributária não será afetada por este caso em específico, de modo que o conflito deduzido em

juízo pela parte, qualquer que seja a solução, não repercutirá, política, econômica, social e,

muito menos juridicamente na sociedade como um todo, limitando-se, no máximo, ao âmbito

de atividade da recorrente.

De outra monta, cita-se o RE 587.008-RG/SP, no qual se discutia a presença da

relevância e repercussão da discussão acerca da majoração de alíquota da Contribuição Social

Sobre o Lucro (CSLL) sem o respeito da garantia nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da

CR/88. Neste caso, ao contrário do anteriormente citado, o Supremo Tribunal Federal

entendeu pela existência da transcendência da questão discutida, aduzindo o relator, Ministro

Marco Aurélio Mello, que a questão discutida envolve relações jurídicas diversas, ou seja, de

todos os contribuintes do referido tributo sujeitos à majoração verificada.

Assim, da análise do entendimento do Supremo Tribunal Federal da repercussão

geral em casos que envolvem matéria tributária, pôde-se perceber uma oscilação de

posicionamento quanto ao reconhecimento da relevância desta, de modo que a garantia de

previsibilidade e, portanto, de segurança jurídica, se faz sabotada.

Acredita-se que, de outra sorte, que a demonstração de transcendência da matéria

tributária debatida deveria encontrar justificativa em si mesma, por figurar o Brasil como

Estado Fiscal.

No Brasil, como na grande maioria dos Estados Modernos, verifica-se a

predominância da tributação como fonte de receita, de sorte que, como anteriormente fora

mencionado, se pode falar num Estado Fiscal ou num Estado Tributário.

O sistema tributário, pelas características inerentes e pela importância dentro da

estrutura econômica, política, social bem como jurídica de um Estado de Direito, há de ser

presumidamente considerado como uma questão dotada de relevância.

Neste palmilhar, seria o conteúdo tributário pressuposto inerente para declaração

de repercussão geral.

88

É hora do Poder Legislativo e do Supremo Tribunal Federal avançarem na

implementação e adequação do instituto da repercussão geral, devendo a matéria tributária

possuir repercussão geral presumida para que se possa superar o estado de insegurança

jurídica vivenciado diante das oscilações de posicionamento jurisprudencial.

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