UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOENÇAS INFECCIOSAS PRISCILA VENTORIM LISBOA FERREIRA PREVALÊNCIA DAS INFECÇÕES CUTÂNEAS FÚNGICAS EM TRANSPLANTADOS RENAIS ATENDIDOS EM HOSPITAL DA GRANDE VITÓRIA, ES. VITÓRIA 2013

Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE...

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

CENTRO DE CINCIAS DA SADE

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DOENAS INFECCIOSAS

PRISCILA VENTORIM LISBOA FERREIRA

PREVALNCIA DAS INFECES CUTNEAS FNGICAS EM

TRANSPLANTADOS RENAIS ATENDIDOS EM HOSPITAL DA GRANDE

VITRIA, ES.

VITRIA

2013

1

PRISCILA VENTORIM LISBOA FERREIRA

PREVALNCIA DAS INFECES CUTNEAS FNGICAS EM

TRANSPLANTADOS RENAIS ATENDIDOS EM HOSPITAL DA GRANDE

VITRIA, ES.

VITRIA

2013

Dissertao apresentada ao Programa de

Ps-Graduao em Doenas Infecciosas

do Centro de Cincias da Sade da

Universidade Federal do Esprito Santo,

para a obteno do Ttulo de Mestre em

Doenas Infecciosas.

Orientadora: Profa. Dra. Mariceli Lamas

de Araujo

2

Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

Ferreira, Priscila Ventorim Lisboa, 1983-

F383p Prevalncia das infeces cutneas fngicas em transplantados renais atendidos em hospital da Grande Vitria, ES / Priscila Ventorim Lisboa Ferreira. 2013.

83 f. : il.

Orientadora: Mariceli Lamas de Araujo.

Dissertao (Mestrado em Doenas Infecciosas)

Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias da

Sade.

1. Dermatomicose. 2. Imunossupresso. 3. Dermatologia. 4.

Micoses. 5.Transplante de orgos, tecidos, etc. 6. Rins -

Doenas. I. Araujo, Mariceli Lamas de. II. Universidade Federal

do Esprito Santo. Centro de Cincias da Sade. III. Ttulo.

CDU: 61

3

4

A todos que acreditam que a adversidade pode ser contornada

com f e trabalho.

5

AGRADECIMENTOS

Sempre acreditei que nossos projetos so viabilizados de acordo com nossas

oportunidades. Eu agradeo incessantemente ao Criador, por me oferecer tudo

que fosse necessrio para chegar at aqui.

Aos meus pais, Sinval e Olga, por sempre me ofertar todos os recursos que

acreditavam importantes para que eu fosse uma pessoa ntegra e til ao

Universo. Ao meu irmo Gustavo, pela alegria.

Ao meu amado scio de vida e trabalho, Lo, pelas aulas particulares e torcida

positiva.

minha querida orientadora, Dra. Mariceli, pelo incrvel exemplo de que nvel

de conhecimento e humildade so diretamente proporcionais.

Ao Professor Lauro, por ter me acolhido no ambulatrio de transplantados

renais.

Aos meus colegas da turma PDI 2011, em especial Marisa, pelo

companheirismo e ajuda nas horas mais difceis.

Aos funcionrios do ambulatrio de transplantes renais enfermeira,

recepcionistas, assistente social - pelo belo trabalho realizado e apoio na coleta

de dados.

Aos funcionrios do laboratrio de Micologia da UFES, Simone e Mauro, pelo

trabalho preciso e pelo suporte.

Aos pacientes transplantados renais, que foram para mim muito mais do que

um N. Permitiram-me de forma to gentil a fazer parte do seu universo. Talvez

6

tenham me ensinado, com seus sorrisos e exemplos de superao, muito mais

do que eu a eles.

A todos que ajudaram, mesmo que com pensamentos positivos, na execuo

deste trabalho.

7

Mesmo quando tudo parece desabar,

cabe a mim decidir

entre rir ou chorar,

ir ou ficar,

desistir ou lutar;

porque descobri, no caminho incerto da vida,

que o mais importante o decidir.

Cora Coralina

8

SUMRIO

LISTA DE SIGLAS...................................................................................09

LISTA DE TABELAS 10

LISTA DE FIGURAS 11

RESUMO 12

ABSTRACT 13

1 INTRODUO 14

2 OBJETIVO 16

Geral 16

Especfico 16

3 REVISO BIBLIOGRFICA 17

3.1 Transplante de rgos 17

4 Transplante e afeces cutneas 19

4.1 Dermatoses em geral 19

4.2 Micoses cutneas superficiais 21

4.3 Alteraes iatrognicas 30

5 Esquema de imunossupresso 27

5.1 Medicaes imunossupressoras de manuteno do rgo

Transplantado 30

9

6 Descrio das principais doenas fngicas cutneas 34

6.1 Onicomicoses 35

6.2 Pitirase versicolor 36

6.3 Tineas ou tinhas 37

7 METODOLOGIA 41

8 RESULTADOS 46

9 DISCUSSO 59

10 CONCLUSO 67

11 PERSPECTIVAS 68

12 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 69

ANEXO 1 77

ANEXO 2 79

ANEXO 3 81

10

LISTA DE SIGLAS

ABTO Associao Brasileira de Transplante de rgos

CsA Ciclosporina

DRC Doena Renal Crnica

RTR Receptor de Transplante renal

Tx Transplante

11

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Estratificao dos pacientes analisados conforme o gnero ----------46

Tabela 2: Estratificao dos pacientes estudados conforme a raa.-----------46

Tabela 3: Estratificao dos pacientes estudados conforme procedncia.---47

Tabela 4: Diviso dos pacientes em grupos conforme tempo ps transplante-47

Tabela 5: Esquemas imunossupressores utilizados.----------------------------------49

Tabela 6: Medicaes imunossupressoras presentes nos esquemas de

imunossupresso ps transplante.---------------------------------------------------------50

Tabela 7: Frequncia das dermatoses infecciosas de acordo com os grupos de

esquemas imunossupressores.-------------------------------------------------------------51

Tabela 8: Presena de dermatomicose de acordo com esquema

imunossupressor -------------------------------------------------------------------------------52

Tabela 9: Porcentagem de dermatomicoses e de dermatoses infecciosas de

acordo com os grupos de esquemas de imunossupresso----------------------53

Tabela 10: Frequencia das dermatomicoses -------------------------------------------54

Tabela 11: Cruzamento entre micoses com nmero de medicaes e esquema

com prednisona --------------------------------------------------------------------------------54

Tabela 12: Frequncia de dermatomicoses e dermatoses de acordo com o

tempo ps transplante.------------------------------------------------------------------------56

Tabela 13: Cruzamento entre tempo ps-transplante e presena de

dermatomicose ---------------------------------------------------------------------------------57

Tabela 14: Dermatomicoses causadas por leveduras e dermatfitos e

correlao com tempo de transplante e esquema imunossupressor.---------58

12

LISTA DE FIGURAS

Figuras 1 e 2: Onicomicose distrfica total por dermatfito. ----------------------35

Figura 3: Pitirase versicolor em dorso. ------------------------------------------------37

Figura 4: Tinea corporis. -------------------------------------------------------------------39

Figura 5: Comparao das frequncias de dermatomicoses dentre os grupos

utilizando esquemas imunossupressores com e sem corticoides-----------54

Figura 6: Distribuio dos percentuais das dermatoses infecciosas.-------55

13

RESUMO

Introduo: Diversas alteraes cutneas tm sido descritas nos pacientes

transplantados renais, sendo a maior parte delas relativas aos efeitos

imunossupressores diretos ou aos efeitos colaterais das drogas e podem ser

agrupadas em infeces virais, bacterianas e fngicas, leses pr-neoplsicas

e neoplsicas e iatrognicas. Objetivos: 1- Determinar os agentes etiolgicos

e formas clnicas das micoses observadas nos pacientes transplantados renais

estudados. 2- Correlacionar a ocorrncia de micose com esquema

imunossupressor. 3- Avaliar a prevalncia de micoses em relao s

dermatoses bacterianas e virais. Materiais e mtodos: Estudo descritivo tipo

corte transversal, com amostragem por convenincia, que avaliou 82 pacientes

transplantados renais em regime de medicaes imunossupressoras, atendidos

em um hospital da Grande Vitria (ES), nos anos de 2011 e 2012. Aps exame

dermatolgico foram realizados exames micolgicos atravs de microscopia e

cultura, quando necessrios. Resultados: A casustica consistiu, na maioria,

de pacientes do sexo masculino, pardos e com mdia de idade de 49,2 anos. O

esquema imunossupressor mais frequente foi a combinao de Prednisona +

Tacrolimus + Micofenolato sdico (46,3%) e foi o mais relacionado s

dermatomicoses. O percentual de dermatomicoses foi de 28%, sendo 19,5% de

onicomicoses, 6,1% de pitirase versicolor e 2,4% de tineas. Com relao s

dermatoses infecciosas, 7,3% apresentaram verrugas vulgares, 2,4% herpes

simples e o mesmo percentual de 1,22% para molusco contagioso, erisipela e

furunculose. O grupo de pacientes com transplante tardio (entre 3 e 5 anos) foi

o que apresentou maior frequncia de dermatomicoses. Concluses: Os

aspectos clnicos das dermatomicoses foram semelhantes, porm mais

freqentes que aqueles observados na populao em geral. O percentual de

dermatoses infecciosas foi similar ao da populao imunocompetente.

Palavras chave: transplantados renais, micoses superficiais, dermatofitoses.

14

ABSTRACT

Introduction: Several cutaneous changes have been reported in renal transplant

recipients, most of them due to immunosuppressive effects or side effects of the

drugs and can be grouped into viral, bacterial and fungal infections, pre-

neoplastic and neoplastic, and iatrogenic. Objectives: 1 - Determine the

etiologic agents and clinical forms of mycoses observed in renal transplant

recipients studied. 2 - Correlate the occurrence of fungal infection with

immunosuppressive regimen and time of transplantation. 3 - Evaluate the

frequency of bacterial and viral skin diseases. Materials and Methods:

Descriptive cross-sectional study with convenience sampling, which evaluated

82 renal transplant recipients under immunosuppressive medications, treated at

a hospital in Vitria (ES) in the years 2011 and 2012. After dermatological

examination, skin scrapings were performed by light microscopy and

mycological culture. Results: The sample consisted mostly of males and a

mean age of 49.2 years. The most frequent regimen was the combination of

Prednisone + Tacrolimus + Mycophenolate sodium (46.3%) and it was the most

related to dermatomycoses. The frequency of dermatomycoses was 28%, with

19.5% of onychomycosis, 6.1% of pitiryasis versicolor and 2.4% of Tineas. We

also found 7.3% of common warts, 2.4% of herpes simplex and the same

percentage of 1.22% for molluscum contagiosum, erysipelas and furunculosis.

The group of patients with late transplant (between 3 and 5 years) showed the

highest frequency of dermatomycoses. Conclusions: The clinical aspects of

dermatomycoses was similar but it was more frequent than that observed in the

general population. The percentage of cutaneous infections was similar to that

of immunocompetent population.

Keywords: renal transplant recipients, superficial mycoses, dermatophyte.

15

1 INTRODUO

Na atualidade, o mundo est enfrentando uma epidemia da doena renal

crnica. O transplante renal o tratamento de eleio na fase final da doena

renal crnica (DRC). O transplantado renal representa uma classe especial de

pacientes. Em primeiro lugar, por fazer uso constante de medicaes

imunossupressoras que podem facilitar o aparecimento de enfermidades

especficas. Por assegurar a maior sobrevida do receptor e do enxerto, custa

de um estado constante de imunossupresso. O transplante predispe o

organismo a uma resposta imune diminuida e aos efeitos colaterais das

medicaes imunossupressoras. A pele um espelho de alteraes

multissistmicas, j que reflete a melhora das caractersticas do estado

urmico e o surgimento das alteraes consequentes ao uso das drogas

imunossupressoras. Neste cenrio, torna-se constante a busca por um

imunossupressor capaz de induzir uma boa patncia do enxerto com efeitos

colaterais mnimos (GUPTA, 2001)

Inmeras alteraes cutneas tm sido descritas nos pacientes transplantados

renais, sendo a maior parte delas relativas aos efeitos imunossupressores

diretos ou aos efeitos colaterais das drogas, podendo ser agrupadas em

infeces virais, bacterianas e fngicas, leses pr-neoplsicas e neoplsicas,

iatrognicas e miscelnea (BENCINI et al. 1983).

Estudos recentes em alguns pases foram realizados com objetivo de

determinar o percentual de doenas infecciosas fngicas em imunossuprimidos

transplantados renais. De acordo com estudo realizado em 102 receptores de

transplante renal, a causa mais comum de infeco cutnea foi fngica,

16

ocorrendo em frequncias entre 7 a 75%, o que constitui uma taxa mais

elevada do que a que foi encontrada na populao em geral (63,7%). Nesse

estudo, o tratamento com ciclosporina e a terapia com azatioprina foram

identificados como fatores de risco independentes para doena fngica

superficial (GULEC et al. 2003).

O levantamento bibliogrfico de estudos sobre manifestaes cutneas em

transplantados renais resultou num banco de dados na sua maioria composto

por publicaes de pases de clima temperado, estimulando a realizao deste

trabalho, pela necessidade de percentuais de dermatomicoses em um pas de

clima tropical.

17

2 OBJETIVOS

Geral:

Realizar o levantamento da ocorrncia de dermatoses em uma srie de

pacientes transplantados renais, com nfase nas dermatomicoses.

Especficos:

Estabelecer a etiologia e frequncia das dermatomicoses no grupo de

pacientes estudados.

Correlacionar a ocorrncia de infeces cutneas fngicas com o tempo

de transplante e tipo de terapia imunossupressora.

Avaliar a frequncia de outras dermatoses infecciosas e no infecciosas.

Comparar a freqncia de dermatomicoses com dermatoses virais e

bacterianas.

18

3 REVISO BIBLIOGRFICA

3.1 TRANSPLANTES DE RGOS

Transplante de rgos a oferta de um novo rgo saudvel, atravs da

transferncia do rgo de um doador para o corpo do receptor, sendo uma das

alternativas de tratamento da Doena Renal Crnica (DRC). Segundo

BAVINCK et al. (1996), o primeiro relato de transplante aparece nos

manuscritos chineses que datam do terceiro sculo a.C., quando um cirurgio

chamado Pien Chiao refere ter realizado um transplante combinado de

estmago e corao. Uma das histrias mais famosas de transplante ocorreu

na Idade Mdia, no sculo III, e diz respeito a um nobre que freqentava a

igreja onde Cosme e Damio, santos patronos da medicina, faziam pregaes.

Aparentemente o homem que havia contrado uma gangrena em uma das

pernas foi salvo pelo transplante do rgo recebido de um escravo mouro que

acabara de morrer, permanecendo desta forma com uma perna branca e outra

negra. Este fato foi retratado por vrios artistas sendo uma delas a pintura do

espanhol Alonso de Sedano intitulada Cosme e Damio, datada do sculo

XV/XVI que se encontra no acervo do Museu do Prado, em Madri.

Os primeiros transplantes renais foram realizados no incio do sculo XX, de

forma experimental em ces. Porm na maioria dos casos os rins eram

rejeitados em torno de cinco a sete dias. O primeiro transplante renal humano

com sucesso foi realizado por Joseph Murray em Boston em 1954 e o

pioneirismo de seu trabalho rendeu-lhe um Prmio Nobel em 1992. O doador e

o receptor eram gmeos idnticos e o sucesso foi grandemente garantido pelo

fato de ambos terem compatibilidade gentica (BAVINCK et al. 1996).

19

O desenvolvimento e aplicao de transplantes no tratamento de doenas

terminais de alguns rgos constituem um dos maiores xitos na histria da

medicina, que em poucas dcadas evoluiu de um procedimento arriscado para

uma teraputica eficaz (BARBARA et al.1996).

Com o passar do tempo, a taxa de sobrevida ao final do primeiro ano de

transplante foi elevando, devido aos avanos na compreenso dos processos

de rejeio, na melhoria dos mtodos de preservao dos rgos e do cuidado

ao paciente, alm do desenvolvimento de novas drogas imunossupressoras e

das tcnicas cirrgicas (ALMYROUDIS et al. 2006)

O transplante renal foi o processo de tratamento de eleio e definitivo para

melhorar a DRC estdio 5. No entanto, at o incio da dcada de 80 sua

evoluo freqentemente era pouco segura em decorrncia de graves

complicaes cirrgicas e clnicas. Em razo da rejeio, principal causa de

morbimortalidade para os transplantados, fazendo com que estes pacientes

retornassem ao tratamento dialtico e lista de espera para transplantes, seja

de doador vivo ou cadver (THARAYIL et al. 2003). Com o advento da

ciclosporina, um imunossupressor eficiente, e seu uso clnico, na dcada de 80,

houve melhora na sobrevida do enxerto no primeiro ano (90%) alavancando a

realizao de transplantes e de pesquisa nesta rea. (CHAN et al. 2001).

No Brasil, a prevalncia de pacientes renais crnicos em dilise est

progressivamente aumentando, tendo passado de 100 para cada milho de

pessoas (pmp) em 1987 para 150 pmp em 1993, e para 214 pmp em 1997.

Segundo estatsticas da Associao Brasileira de Transplantes de rgos, no

primeiro semestre de 2012, o estado do Esprito Santo ocupou o primeiro lugar

20

em nmero de cirurgias por milho de pessoas, dentre os estados brasileiros

(ABTO, 2013).

Para a maioria dos pacientes renais crnicos, o transplante oferece a melhor

oportunidade de reabilitao, e melhor qualidade de vida. Pacientes receptores

de transplante renal (RTR) cujas cirurgias foram bem-sucedidas so

usualmente capazes de retornar a uma vida normal (ALMYROUDIS et al.

2006).

Entretanto, este aumento de prevalncia de DRC no foi acompanhado por

aumento semelhante no nmero de transplantes realizados nem nas aes de

preveno e diagnstico precoce de DRC, de tal forma que o nmero de

pacientes aguardando transplantes aumenta de forma significativa ano a ano

(ABTO, 2013).

4 TRANSPLANTE E AFECES CUTNEAS

4.1 DERMATOSES EM GERAL

Desde o final da dcada de 1990, a sobrevida do enxerto a curto prazo

aumentou significativamente, graas melhoria dos agentes anti-rejeio, tais

como o micofenolato de mofetil, tacrolimus e sirolimus, bem como o aumento

do uso de timoglobulina. Com a melhora dos esquemas imunossupressores,

taxas de sobrevida do enxerto em mais de 90% tm sido relatados, no entanto,

as taxas de infeco fngica tambm aumentaram (THARAYIL et al. 2003).

Dentre os fatores de predisposio para infeco fngica esto: a utilizao de

agentes imunossupressores e antibiticos de largo espectro; cateteres

permanentes; aumento do nmero de procedimentos cirrgicos; perturbaes

21

da mucosa intestinal ou vesical; hiperglicemia; infeco com citomegalovrus e

doena heptica crnica. Colonizao por espcies de Candida tambm um

importante fator de risco para a infeco fngica. H relatos de colonizao

com espcies de Candida em at 45% dos receptores de rins. Outros fatores

de risco como diabetes e dilise pr-transplante prolongada tambm

influenciam no desenvolvimento de infeces fngicas sistmicas

(NAMPOORY et al. 1996).

As infeces fngicas so responsveis por 5% de todas as infeces em

receptores de transplante renal (ABOTT et al. 2001). Infeces causadas por

fungos endmicos geograficamente limitados so pouco frequentes. Espcies

de Aspergillus, Mucorales, Candida e Cryptococcus neoformans so os fungos

oportunistas que causam a maioria das infeces. Candidase a infeco

fngica mais frequente (47% dos casos), porm com baixas taxas de

mortalidade. A aspergilose ocorre tanto como uma infeco primria ou

secundria (EINOLLAHI et al. 2008). A frequncia de aspergilose invasiva em

receptores de transplante renal varia entre 0,5% e 2,2%, com uma alta taxa de

letalidade, de at 88% (ERGIN et al .2003). A terceira infeco fngica mais

comum, em receptores de transplante de rgos slidos a criptococose. A

incidncia global de criptococose em pacientes transplantados de rgos

slidos de aproximadamente 2,8% e varia de 0,3% a 5% (HUSAIN et al.

2001).

Dentre os fatores de risco para mucormicose, esto o transplante renal,

insuficincia renal, diabetes, e uso prvio de voriconazol ou caspofungina. Em

receptores de enxerto renal, a criptococose uma condio extremamente

22

rara, com incidncia variando entre 0,2% e 1,2%, porm com alta taxa de

mortalidade (SINGH et al. 2009).

Vrios agentes causadores da infeco fngica invasiva foram identificados.

Uma anlise dos pronturios de 850 pacientes transplantados renais entre

1977 e 2000 por GUPTA, 2001, mostrou que as infeces fngicas sistmicas

foram documentadas em 83 pacientes (9,8%). Nestes indivduos, as infeces

fngicas foram identificadas como se segue: a candidase em 25 pacientes

(2,8%), a aspergilose em 20 (2,3%), mucormicose em 17 (2,0%), criptococose

em 16 (1,9%), e fungos que incluam Feohifomicose em 3 pacientes e

histoplasmose em 2. A maioria das infeces fngicas ocorre nos primeiros 6

meses aps o transplante, devido utilizao de numerosos

imunossupressores.

O tempo mdio para o incio da infeco tambm associado a agentes

causadores. Pappas e cols relataram que os tempos mdios para o

aparecimento de candidase, aspergilose e criptococose aps o transplante,

foram 103, 184 e 575 dias respectivamente (PAPPAS et al., 2010).

4.2 MICOSES CUTNEAS SUPERFICIAIS

A defesa contra microrganismos invasores uma srie complexa de interaes

cooperativas que envolvem a barreira tegumentar, os componentes da

imunidade humoral (imunoglobulinas sricas e sistema complemento), a

imunidade celular (linfcitos e macrfagos) e os neutrfilos. Os receptores de

transplante de rgos tm maior vulnerabilidade aos agentes infecciosos

porque seus mecanismos de defesa so alterados por diferentes vias e em

vrios graus de gravidade e extenso. Essas alteraes resultam em reduo

23

do nmero e funcionalidade dos neutrfilos, desarranjo e supresso da

imunidade humoral e celular, empobrecimento do poder de opsonizao e

perda da funo reticuloendotelial (SERODY SHEA, 1997).

As alteraes dermatolgicas dentre os pacientes dialisados e transplantados

j foram motivo de diversos estudos. Nos ltimos anos, entretanto, grandes

progressos foram alcanados nas duas modalidades teraputicas, os quais

podem ter modificado tanto o tipo de alterao dermatolgica associada a

estas duas condies, quanto sua intensidade ou frequncia. (ALIMAGHAM et

al. 2005).

Desordens dermatolgicas associadas a transplante renal so uma

consequncia dos medicamentos imunossupressores, bem como a condio

de imunossupresso produzida (ZAMANIAN FARSHCHIAN, 2007).

Quando a IRCT conduz a um transplante renal, algumas patologias reversveis

da pele, como prurido e xerose tendem a melhorar, mas uma maior tendncia

para desenvolver malignidades torna-se proeminente (AVERMAETE

BACHARACH-BUHLES, 2002).

De acordo com estudo realizado em 102 receptores de transplante renal, a

causa mais comum de infeco cutnea foi fngica, ocorrendo em frequncias

entre 7 e 75%, sendo a pitirase versicolor a mais comum, com frequncia de

48%, o que constitui uma taxa mais elevada do que a encontrada na populao

em geral. Em 65 (63,7%) dos seus 102 pacientes havia candidase cutnea-

oral, dermatofitose, ou pitirase versicolor. Nesse estudo, o tratamento com

24

ciclosporina e a terapia com azatioprina foram identificados como fatores de

risco independentes para doena fngica superficial (GULEC et al. 2003).

De acordo com estudo italiano, dentre 105 receptores de transplante renal, 100

(95,2%) apresentavam manifestao dermatolgica no momento do exame,

sendo 55% com iatrogenias, 74% com leses infecciosas (35,5% virais, 49,5%

fngicas e 14,9% bacterianas), 12% pr-neoplsicas e neoplsicas (BENCINI

et al. 1983).

Estudo americano de reviso sobre as manifestaes cutneas de

imunossupresso na populao de RTR, com N=120, encontrou 68,3% com

algum tipo de infeco fngica, 50% com um nico quadro de infeco fngica

e 18,3% com duas ou mais manifestaes. No sub-grupo de tempo ps-

transplante menor que 12 meses, a frequncia de infeco fngica foi de 56,3%

em 32 casos; no grupo com 12 a 60 meses, a frequncia foi de 75,7% dentre

70 casos (ABEL, 1989).

Um estudo com 14 pacientes transplantados renais em uso de

imunossupresso demonstrou presena de infeces fngicas em 87,7% dos

pacientes, virais em 28,6% e bacterianas em 21,4%. Manifestaes alrgicas

tiveram prevalncia de 7,1%, pr-tumorais de 7,1%, vasculares de 14,3% e

tumorais de 14,3%. As iatrognicas no diferiram daquelas descritas na

literatura mundial, sendo, principalmente, relacionadas aos esteroides. As

leses cutneas tenderam a ser mais atpicas e rebeldes teraputica quando

os pacientes apresentavam dficit funcional renal, independente da dosagem

das drogas imunodepressoras (MAMERI et al. 1989)

25

Outro estudo, com 120 pacientes seguidos, encontrou 100% de casos com

manifestaes dermatolgicas ps-transplante renal. A dermatose viral mais

frequente foi a verruga vulgar, a fngica mais frequente foi pitirase versicolor.

No houve uma infeco bacteriana predominante. Dentre as leses pr-

neoplsicas, destacou-se a ceratose actnica. Nas neoplsicas, o carcinoma

basocelular, carcinoma espinocelular, doena de Bowen, ceratose seborreica

maligna bowenoide e sarcoma de Kaposi foram as leses encontradas. Das

iatrognicas, as principais manifestaes foram hipertricose, Cushing e acne

(SARAY et al. 2004).

De acordo com outro estudo realizado no Chile com 91 pacientes em 2009,

62% dos pacientes transplantados renais apresentavam doenas cutneas. A

mais frequente foi onicomicose (58%), seguida de verruga vulgar (25%),

dermatofitose (10%) e pitirase versicolor (6%) (SANDOVAL et al. 2009).

Com relao s alteraes ungueais, o transplante renal tem se mostrado

capaz de reduzir a frequncia da hemorragia subungueal e unhas meio-a-meio.

Por outro lado, em um estudo com 116 pacientes, leuconquia foi mais

frequente nos transplantados renais (SARAY et al. 2004).

4.3 ALTERAES CUTNEAS IATROGNICAS

Em uma reviso da literatura sobre doenas de pele em receptores de

transplante renal, baseada nos resultados de cinco anos de acompanhamento

de 285 pacientes, constatou-se que infeces humanas por HPV e tumores

malignos da pele so significativamente mais freqentes em receptores de

transplante renal do que em indivduos imunocompetentes, alm de trazer um

pior prognstico nesse grupo de pacientes (BARBARA et al. 1996).

26

Carcinomas de pele so os tumores mais observados em pacientes

transplantados. Muitos fatores desempenham um papel importante na sua

patognese, tais como: influncias genticas, ambiental e iatrognica. O cncer

de pele no melanoma cada vez mais reconhecido como uma complicao

de imunossupresso a longo prazo, em receptores de transplante renal e

fatores que contribuem para estes pacientes incluem no s a

imunossupresso global, mas a mutagnese induzida por radiao ultravioleta,

mas tambm a presena de infeco por HPV, incluindo a epidermodisplasia

verruciforme (LEIGH et al. 1995).

Na populao RTR, o cncer de pele aparece em idade mais precoce, alm do

comportamento de forma mais agressiva, e freqentemente aparece em vrios

locais (CASABONNE et al. 2009).

Hiperplasia gengival, hipertricose, acne e fentipo cushingide so

manifestaes clnicas relacionadas com a maior parte dos esquemas

imunossupressores (ALANGADEN et al. 2006), achados tambm encontrados

por SecKin, em 1998, quando avaliou 80 transplantados renais, sendo as

leses relacionadas com as drogas imunossupressoras presentes em 97% dos

seus pacientes, com a frequncia de 40% para hiperplasia gengival, 76% para

hipertricose, e 36% para acne.

Outra alterao comum encontrada nos receptores de transplante renal foram

as verrugas planas, de ocorrncia mais frequente em reas fotoexpostas e,

geralmente, mltiplas. De acordo com publicaes para a avaliao de

frequncia de verrugas em receptores de transplante renal, quanto maior o

tempo de imunossupresso, maior a prevalncia de verrugas (RUDLINGER et

27

al. 1986). De 189 receptores de rim com enxerto funcionante com mais de

cinco anos, 92% apresentavam verrugas (DYALL-SMITH et al. 1991). Alguns

indivduos imunossuprimidos tm um aumento da incidncia de ambas as

verrugas virais e tumores de pele no melanoma, fato que levou sugesto de

que o HPV pode desempenhar um papel patognico (HARWOOD et al. 2000).

Em estudo realizado em 1995, a avaliao de leses cutneas em

transplantados renais foi comparada a um grupo de pacientes em dilise. No

grupo dos transplantados, o tempo de transplante foi maior nos pacientes com

dermatoses virais, em suporte ao conceito de que o tempo de

imunossupresso um determinante dessas infeces. As leses malignas e

pr-malignas tiveram frequncia relativamente baixa e semelhante nos dois

grupos. O estudo confirmou os inmeros relatos, que mostram a alta incidncia

de manifestaes cutneas em pacientes renais, bem como uma srie de

achados peculiares associados ao tipo de tratamento de cada populao

estudada (ISSA, 1995).

28

5 ESQUEMAS DE IMUNOSSUPRESSO

Os alvos principais na maioria dos esquemas imunossupressores so os

linfcitos T. Esta imunossupresso pode ser alcanada por trs diferentes vias:

desvio do trfego, depleo ou bloqueio de suas vias de resposta. (HALLORAN

2004).

A imunossupresso de manuteno geralmente conseguida atravs da

combinao de dois ou mais medicamentos a partir de diferentes classes de

frmacos. Isso aumenta a eficcia do regime alvejando componentes

exclusivos da resposta imune. Os objetivos da fase de imunossupresso de

manuteno so para evitar episdios de rejeio aguda e aumentar a longo

prazo a sobrevida do enxerto. A seleo cuidadosa de medicamentos contra a

rejeio, alm de ajuste de dosagem so necessrias para compensar o risco

de rejeio e o risco de toxicidade. Alguns dos eventos adversos mais notrios

ps-transplante (por exemplo, infeco, malignidade) esto associados com o

estado de imunossupresso; por conseguinte, essencial que o grau de

imunossupresso seja gradualmente reduzido na ausncia de episdios de

rejeio (LUAN et al. 2009).

Um dos pilares mais importantes para um transplante renal bem sucedido o

esquema imunossupressor eficiente. As medicaes com esta finalidade so

utilizadas tanto na induo (imunossupresso intensa pr e ps o transplante)

quanto na manuteno da imunossupresso ou at na reverso de um

processo de rejeio. A premissa comum para terapias imunossupressoras de

transplante de rim a utilizao de mltiplos agentes para trabalhar em

diferentes alvos imunolgicos. O uso de um regime de mltiplos frmacos

29

permite atividade farmacolgica em vrios passos-chave na replicao de

clulas T e doses mais baixas de cada agente individual, produzindo assim

menos toxicidades relacionadas com a droga. Em geral, h trs fases de

imunossupresso clnica: terapia de induo, terapia de manuteno, e o

tratamento de um estabelecido episdio de rejeio aguda (LODHI et al.

2011).

Avanos alcanados nas tcnicas cirrgicas em paralelo com melhorias no

conhecimento dos mecanismos imunolgicos de mediao contra a rejeio do

enxerto permitiram que o primeiro transplante de rim realizado de um gmeo

para o outro, por Joseph E. Murray e seus colegas no Peter Bent Brigham

Hospital, em 1954, em Boston, fosse bem sucedido. Murray utilizou a

azatioprina, uma droga imunossupressora previamente testada em ces, o que

permitiu que o receptor do transplante pudesse sobreviver um ano aps a

cirurgia. Mesmo assim, foi um grande avano na medicina, demonstrando que

era possvel a realizao de transplantes de rgos com sucesso em humanos,

mas ainda era necessrio resolver o problema de rejeio entre doadores no

aparentados; desde ento, diversos tratamentos farmacolgicos foram

desenvolvidos (KLINTMALM RUIZ 2012).

Os efeitos imunossupressores da ciclosporina A (CsA) foram descobertos em

1972 na Sua. Alguns ensaios para comparar a CsA contra azatioprina e

esterides foram desenvolvidos e os resultados promissores levaram

aprovao clnica para a utilizao da CsA em transplantes humanos, em 1980.

A introduo da CsA contribuiu substancialmente para a melhoria da auto-

enxerto e sobrevida do paciente (RIVELLI et al. 2007).

30

A imunossupresso ps-transplante dividida em duas etapas, a terapia

imunossupressora de induo e a fase de manuteno. Episdios de rejeio

aguda ocorrem mais comumente no incio do perodo ps-transplante e so

raros alm dos trs meses aps o transplante com regimes mais

imunossupressores. Isto foi conseguido em grande parte por meio do uso de

terapia de induo durante o perodo peritransplante. O termo terapia de

induo refere-se a agentes potentes dados durante o perodo inicial aps o

transplante que no so contnuos a longo prazo. O agente de induo

basiliximab um anticorpo monoclonal quimrico murino/humano (IgG1k)

especfico contra a cadeia alfa do receptor de interleucina-2 (antgeno CD25),

que se encontra presente na superfcie dos linfcitos-T em resposta

estimulao antignica. Basiliximab liga-se especificamente ao antgeno CD25

em linfcitos-T ativados, os quais contm receptores de interleucina-2 de

elevada afinidade, inibindo, assim, a ligao da interleucina-2, sinal para a

proliferao das clulas-T. Outros agentes indutores utilizados freqentemente

incluem a imunoglobulina de coelho antitimcitos humanos (timoglobulina), um

anticorpo policlonal de linfcitos. Cita-se, ainda, a introduo recente de

alemtuzumab, um anticorpo monoclonal humano que especfico para CD52 e

esgota clulas T, linfcitos B e moncitos (HANAWAY et al. 2011).

Normalmente, um desses agentes de induo tambm combinado com um

curso curto de corticosteride ou a utilizao de corticosterides a longo prazo,

bem como a introduo de um regime de manuteno (SALVADORI

BERTONI, 2012).

31

Tendo em conta as vantagens e desvantagens de todos os agentes disponveis

e os vrios regimes diferentes, ainda no h protocolo rgido. A timoglobulina

o agente mais comumente usado e muito potente, enquanto que basiliximab

menos potente, mas oferece menos complicaes. A escolha do regime

depende de uma avaliao dos riscos de rejeio e complicaes de uma

maior imunossupresso (BESTARD et al. 2012).

A imunossupresso de manuteno pode ser melhor alcanada com uma

abordagem combinada, embora existam alguns esquemas com inibidor de

calcineurina em monoterapia. A terapia de combinao tem como objetivo

reduzir os efeitos secundrios de um nico frmaco, mantendo a

imunossupresso adequada. Isto conseguido atravs da combinao com

um corticosteroide, um inibidor de calcineurina (ciclosporina ou tacrolimus), e

um agente anti-proliferativo, tais como azatioprina ou micofenolato. Diversos

fatores como o grau de incompatibilidade do antgeno leucocitrio humano,

grupo tnico destinatrio, transplantes anteriores, e histria de rejeio aguda

pregressa determinam a escolha e dosagem de agentes especficos de

manuteno, com base no risco de rejeio aguda ou toxicidade (HALLORAN,

2004).

5.1 MEDICAES IMUNOSSUPRESSORAS DE MANUTENO DO

RGO TRANSPLANTADO

Azatioprina

A azatioprina foi desenvolvida na dcada de 1960 e funciona como um anti-

metablito para diminuir e sntese de DNA e RNA dos linfcitos. Um

mecanismo mais recentemente identificado de ao a inibio da sinalizao

32

intracelular aps a ativao da via CD28. Os efeitos colaterais da azatioprina

incluem leucopenia, trombocitopenia, perturbaes gastrointestinais, hepatite,

colestase e alopecia. H necessidade de exames sricos com avaliao do

leucograma, para rastreio da mielossupresso, efeito colateral potencialmente

fatal (SALVADORI BERTONI, 2012).

Corticosterides

Os corticosterides tm sido o principal agente teraputico durante a induo e

manuteno da imunossupresso. O mecanismo de ao envolve a inibio de

uma gama de citocinas, incluindo IL-1 e IL-6 por macrfagos, assim como

todos os estgios de ativao de linfcitos-T. Os corticosterides so tambm

muito eficazes quando utilizados em doses elevadas para o tratamento de

episdios de rejeio aguda. As complicaes a longo prazo associadas com o

uso de corticosterides esto bem documentadas e incluem a hipertenso,

diabetes mellitus, catarata, osteoporose, hiperlipidemia e infeces. Com o

aumento da perda de transplante relacionada com a mortalidade cardiovascular

e complicaes infecciosas fatais, est sendo cada vez mais utilizado o

esquema de imunossupresso livre de corticoides, fato possibilitado com a

melhora progressiva da potncia dos outros medicamentos

imunossupressores. Apesar de menores taxas de efeitos colaterais, os

esquemas livres de corticoides possuem maiores ndices de rejeio aguda ao

rgo transplantado (SCHACKE et al. 2002)

Inibidores da calcineurina

Ciclosporina

33

Introduzida na dcada de 80, a ciclosporina se liga molcula intracelular

ciclofilina e o complexo inibe a calcineurina fosfatase. Isto, por sua vez, impede

a desfosforilao do fator nuclear de linfcitos T ativados com a consequente

inibio da sntese de IL-2. A citocina IL-2 fundamental na conduo da

proliferao de linfcitos-T. Na introduo da ciclosporina, uma taxa de

sobrevivncia de aloenxertos renais elevou de aproximadamente 60% para

taxas entre 80% e 90%. A ciclosporina est associada com nefrotoxicidade,

devido vasoconstrio causando isquemia e os efeitos txicos diretos nas

clulas epiteliais tubulares renais, o que tem impulsionado tentativas para

encontrar drogas alternativas (COLOMBO AMMIRATI, 2011).

Tacrolimus

O tacrolimus um macroldeo relacionado estruturalmente com o antibitico

eritromicina. um imunossupressor mais potente que a ciclosporina, com

algumas publicaes sugerindo melhora da sobrevida do enxerto, porm s

custas de taxas mais elevadas de efeitos colaterais, como sintomas

neurolgicos, incluindo tremor e parestesia. Como mencionado acima, o

tacrolimus nefrotxico, mas est associado a uma menor incidncia de

hipertenso e hiperlipidemia que a ciclosporina. Este fato importante, pois a

doena cardiovascular a causa mais comum de morte prematura no receptor

de transplante renal (HALLORAN, 2004).

Micofenolato

O cido micofenlico inibe a enzima desidrogenase inosina monofosfato e

diminui a proliferao de linfcitos T e B. O micofenolato uma terapia

34

adjuvante mais potente usado junto com ciclosporina do que com azatioprina

(BESTARD et al. 2012).

Os mecanismos de ao e efeitos colaterais dessas medicaes so

apresentados no Quadro 1.

Quadro 1: Principais medicaes imunossupressoras, mecanismos de ao e

efeitos colaterais.

Medicao Mecanismo de ao Principais efeitos

colaterais

Corticosterides Bloqueio da transcrio

de genes de citocinas, IL-

1, IL-2, IL-3, IL-5, IL-6,

TNF- e INF

Hipertenso

Intolerncia glicose

Dislipidemia

Osteoporose

Ciclosporina Inibe produo de IL-2,

estmulo da produo de

TGF-

Nefrotoxicidade

Hipertenso

Intolerncia glicose

Dislipidemia

Tacrolimus Inibe produo de IL-2 Nefrotoxicidade

Hipertenso

Dislipidemia

Intolerncia glicose

Azatioprina Inibe a sntese de purinas Mielossupresso

35

e bloqueia a sntese de

DNA e RNA. Inibe a

sinalizao de CD28+

Micofenolato mofetil Bloqueio de novo da via

de sntese das purinas

(seletivamente para

linfcitos) e bloqueio da

glicosilao

Diarreia e sintomas

gastrointestinais

Mielossupresso

Sirulimus/Everolimus Bloqueio da progresso

do ciclo de clulas IL-2

induzidas

Dislipidemia

Trombocitopenia

lceras orais

Cicatrizao lenta de

leses cutneas

Belatacept Bloqueia a coestimulao

de CD28+

Desordem

linfoproliferativa ps

transplante em pacientes

sem contato prvio com

Ebstein-Barr vrus

6 DESCRIO DAS PRINCIPAIS DOENAS FNGICAS CUTNEAS

As micoses so doenas provocadas por fungos, dividindo-se em superficiais e

profundas. As superficiais acometem a epiderme e seus anexos, afetando, s

vezes, a derme e, mais raramente, outros rgos internos. Caracterizam-se por

no induzir anticorpos sricos, provocar inflamao local banal e, podem ser

transmitidas por contato direto. J as profundas invadem a derme e, em

algumas ocasies, hipoderme e vsceras. Produzem reao inflamatria

granulomatosa, h presena de anticorpos, sendo desconhecido seu contgio

homem a homem (RAMOS-E-SILVA, 2000).

36

6.1 ONICOMICOSES

Onicomicose uma das dermatoses mais freqentes, com uma prevalncia

variando de 7 a 10 %, sendo responsvel por 15 a 40 % das alteraes

ungueais. Trata-se de uma infeco ungueal causada classicamente por

dermatfitos, leveduras e fungos filamentosos no-dermatfitos. So

classificadas clinicamente em onicomicose subungueal distal, onicomicose

superficial branca, onicomicose proximal subungueal e onicomicose distrfica

total (RAMOS-E-SILVA, 2000).

O diagnstico essencialmente clnico (Figuras 1 e 2), sendo confirmado

atravs do exame micolgico direto positivo e cultura para fungos (RAMOS-E-

SILVA, 2000).

O tratamento pode ser tpico ou sistmico, de acordo com o nmero de unhas

acometidas e grau de acometimento ungueal (se ultrapassa 50% da lmina

ungueal). As drogas utilizadas na terapia tpica das onicomicoses so:

amorlfina 5% esmalte, ciclopirox 8% esmalte e tioconazol soluo 28%. Para

tratamento sistmico, as drogas mais utilizadas em nosso meio so a

Griseofulvina, Terbinafina, Itraconazol e Fluconazol (ZAITZ et al. 2010).

Figuras 1 e 2: Onicomicose distrfica total por dermatfito (Fonte: RAMOS-E-SILVA,

2000).

37

6.2 PITIRASE VERSICOLOR

A pitirase versicolor causada por fungos do gnero Malassezia,

anteriormente conhecida como Pityrosporum ovale. universal, acometendo

qualquer raa e sexo, sendo, no entanto, mais comum no adulto. Ocorre em

especial em regies de clima quente e mido. A Malassezia spp. pode estar na

pele ou no cabelo sem provocar leses que, quando presentes, se

caracterizam por manchas hipocrmicas, eritematosas ou acastanhadas, da o

nome 'versicolor' (Figura 3). Essas mculas so confluentes, tm contornos

geogrficos, apresentam escamas furfurceas e, em geral, no se

acompanham de prurido. Afetam em especial o dorso e os braos e as

recidivas so freqentes. O diagnstico feito pelo exame direto do raspado da

leso, clarificado pelo hidrxido de potssio, no qual so observados grupos de

esporos entrelaados por pequenas hifas. Com a lmpada de Wood, as leses

mostram cor amarelo-ouro. Para seu tratamento so utilizadas medicaes

tpicas e orais. Entre as tpicas, destacam-se a soluo de hipossulfito de

sdio, a de iodo com cido saliclico, o sulfeto de selnio e vrias drogas

antifngicas tpicas, como o cetoconazol, o clotrimazol, entre outras, devendo

ser utilizadas por tempo prolongado (at seis meses). J dentre as medicaes

orais esto o cetoconazol, o itraconazol e a terbinafina (HAY, 2011)

38

.

6.3 TINHAS OU TINEAS

As tinhas so dermatofitoses superficiais causadas pelos fungos dermatfitos.

Os fungos dermatfitos caracterizam-se por apresentar duas fases evolutivas,

a assexuada, na qual pode ser parasita, e a sexuada, quando saprbio no

meio ambiente. Na fase parasitria, os gneros so denominados de

Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton. As principais espcies do

gnero Trichophyton so o T. rubrum, muito resistente aos tratamentos e

causador da maioria dos quadros clnicos; o T. schoenleinii que, em geral,

poupa as dobras naturais; o T. tonsurans, que poupa barba e pregas dos ps e

mos; e o T. interdigitale. Entre os fungos do gnero Microsporum, destacam-

se o M. audouinii, com predileo pelo couro cabeludo; o M. canis, que

acomete predominantemente os cabelos e a pele glabra; e o M. gypseum, que

afeta o couro cabeludo e o tronco. No gnero Epidermophyton, o E. floccosum

prefere dobras e ps, podendo acometer unhas e tronco, mas nunca os

Figura 3: Pitirase versicolor em dorso. Fonte: Dermis, 2013

39

cabelos e a barba. Conforme seu habitat, os dermatfitos so divididos em

antropoflicos, bem-adaptados ao homem, com pouca ou nenhuma reao

inflamatria; os zooflicos, com predileo por animais, que, quando acometem

o homem, apresentam reao inflamatria de mdia intensidade; e os

geoflicos que, pela exuberncia da inflamao que produzem no homem, tm

tendncia cura espontnea. As manifestaes clnicas dessas micoses

superficiais dependem da hipersensibilidade retardada, mediada por linfcitos

CD4, que pode ser avaliada pelo teste intradrmico de tricofitina, embora este

esteja em desuso. importante ressaltar que existe um fator fungisttico

natural; fator esse que impede a penetrao no organismo para reas mais

profundas da pele e para outros rgos. As mucosas nunca so atingidas pelos

dermatfitos (ZAITZ et al. 2010).

Os dermatfitos provocam diferentes formas clnicas, sendo as mais

freqentes:

1. Tinea capitis: nesse quadro, os cabelos so invadidos e lesados, partindo o

acometimento da poro prxima raiz, provocando, por isso, tonsura. Com

freqncia essa rea de tonsura apresenta-se eritematosa e descamativa. A

tinha tricoftica, causada por fungos do gnero Trichophyton, manifesta-se por

pequenas e mltiplas reas de alopcia (tonsuras), geralmente parciais, e os

plos, quando observados ao microscpio, mostram esporos do fungo em seu

interior, sendo, portanto, essa forma conhecida como endotrix. J a tinha

microsprica, cujo agente etiolgico so fungos do gnero Microsporum,

caracteriza-se por poucas e grandes reas de tonsura. Para esse gnero, ao

exame direto do plo acometido, seus esporos aparecem por fora dele, sendo

40

por isso chamado de ectotrix. H outro tipo de tinha capitis muito menos

freqente, a tinha favosa, provocada pelo T. schoenleinii. Causa alopcia

definitiva, e suas leses aparecem como formaes amareladas, resultantes da

massa necrtica que se forma pelo aglomerado de miclio e esporos do fungo,

clulas, sebo e exsudato, o que chamado de god fvico (SAMPAIO, 2008).

2. Tinea corporis: esse tipo de dermatofitose tem localizao preferencial nos

braos, face e pescoo e, em geral, vem acompanhado de prurido. Causa

leses eritematodescamativas, circinadas, isoladas ou confluentes (Figura 4),

de crescimento centrfugo, podendo-se observar vesculas ou pstulas em sua

borda (SAMPAIO, 2008).

Figura 4: tinea corporis. Fonte: Dermis, 2013.

41

3. Tinea cruris ou dermatofitose marginada: tem seu incio a partir da prega

inguinal, podendo atingir coxas, perneo, ndegas e regio pubiana. A leso

eritematodescamativa com bordas ntidas e muito prurido (SAMPAIO, 2008).

4. Tinea pedis: existem trs quadros clnicos de dermatofitose dos ps:

a. eczematide: caracterizada por vesculas plantares e digitais.

b. intertriginosa: afeta as pregas interdigitais, em especial, dos terceiros e

quartos espaos, provocando fissuras e macerao. freqente sua

associao com infeco bacteriana.

c. crnica: provoca leses eritematodescamativas em toda regio plantar,

acompanhadas de discreta ou nenhuma inflamao (SAMPAIO, 2008).

5. Tinea imbricata: essa forma clnica, cuja etiologia o dermatfito T.

concentricum, ocorre principalmente em certas regies da Polinsia, sendo, no

Brasil, encontrada no pantanal mato-grossense e na Amaznia. Suas leses

caracterizam-se pela formao de crculos concntricos de descamao que

atingem grandes reas do corpo (SAMPAIO, 2008).

Dermatoftides: so quadros hiperrgicos agudos ou subagudos, de tendncia

simetria e recidiva em portador de dermatofitose, que ocorrem por

disseminao hematognica de dermatfitos ou seus produtos. Provocam, em

geral, alteraes de aspecto disidrosiforme. So leses desabitadas com foco

de Tinea distncia (RAMOS-E-SILVA, 2000).

O diagnstico das dermatofitoses feito pelo exame direto do raspado das

leses, quando so observadas hifas septadas e artrocondeos. Esses fungos

crescem na cultura no meio de gar Sabouraud, e cada espcie tem

42

caractersticas prprias. A luz de Wood pode auxiliar no diagnstico etiolgico,

j que a tinha favosa e a microsprica mostram colorao esverdeada, e a

tricoftica, no (RAMOS-E-SILVA, 2000).

Para o tratamento das dermatofitoses provocadas por fungos zooflicos e

geoflicos suficiente tratamento tpico na maioria dos casos, como

formulaes com iodo, cido saliclico e cido benzico ou mesmo antifngicos,

como o miconazol, tolnaftato, clotrimazol, oxiconazol ou cetoconazol, pois a

reao inflamatria intensa presena do fungo auxilia bastante na cura. J as

dermatofitoses antropoflicas, ou seja, aquelas causadas por fungos mais bem

adaptados ao homem, so bastante resistentes s medicaes. Em geral,

exigem tratamento oral, associado ou no a um dos tpicos mencionados

anteriormente. Entre as medicaes orais utilizadas esto a griseofulvina, o

cetoconazol, o fluconazol, a terbinafina e o itraconazol. Ressalta-se a grande

utilidade destas duas ltimas medicaes, pelos seus discretos efeitos

adversos, alm da possibilidade de ser prescrita no esquema conhecido como

pulsoterapia, por meio do qual se administram doses de 400mg por dia, em

duas tomadas s refeies, durante sete dias. O paciente descansa por trs

semanas e repete esse ciclo por trs meses, para onicomicose das mos, ou

por seis meses, para a dos ps. Esse esquema promove a cura de casos

resistentes a outros tratamentos, com menor custo e tempo de terapia (ZAITZ

et al. 2010).

7 METODOLOGIA

7.1 Tipo de estudo

43

Estudo observacional descritivo transversal.

7.2 Populao estudada e local de estudo

Critrios de seleo da amostra

Amostragem por convenincia.

Critrios de incluso: pacientes transplantados renais, em regime de

medicaes imunossupressoras, maiores de 18 anos, que concordaram

com o termo de consentimento informado e decidiram participar da

pesquisa.

Critrios de excluso: pacientes com leses cutneas suspeitas que no

podem por algum motivo realizar exame confirmatrio histopatolgico ou

micolgico direto; amostras de pacientes insuficientes ou extraviadas.

Aspectos ticos

Os pacientes foram informados sobre os objetivos do estudo e convidados a

participar de forma voluntria, aps assinar o termo de consentimento livre e

esclarecido (Anexo 2). Esse projeto de pesquisa foi submetido avaliao do

Comit de tica em Pesquisa do Centro de Cincias da Sade da Universidade

Federal do Esprito Santo e aprovado em maro de 2006 (Anexo 3) e pelo

Centro de Transplantes do Hospital Meridional.

Foram includos neste estudo pacientes transplantados renais, em regime de

medicaes imunossupressoras, atendidos no Ambulatrio da Clnica do Rim,

do Centro de transplantes do Hospital Meridional de Cariacica (ES), nos anos

de 2011 e 2012. Todos os pacientes com critrio de incluso no estudo foram

44

convidados a assinar um termo de consentimento informado especfico e foi

preenchida uma ficha especfica com dados scio-demogrficos, clnicos,

exames recentes e medicaes em uso na poca da avaliao (Anexo 1).

Os pacientes foram examinados em consultrio anexo ao consultrio do

nefrologista, por dermatologista, em busca de leses clinicamente compatveis

com dermatomicoses.

No diagnstico clnico da dermatofitose observa-se leso eritmato-

descamativa, circinada e pruriginosa, sendo classificadas em corporal, crural,

inguinal, do p. Quando afetam a unha, so tambm denominadas de

onicomicoses. Estas apresentam-se clinicamente com oniclises com

hiperceratose subungueal, eventualmente proximal no leito ungueal. O

intertrigo com candidase traduz-se clinicamente por leses em dobras midas,

eritematosas, por vezes com manifestaes satlites. A pitirase versicolor

produz leses hipocrmicas ou acastanhadas, por vezes eritematosas,

perifoliculares, descamativas e com teste de Zileri positivo na maior parte dos

casos.

Aps o exame clnico, quando necessrio, o material foi colhido destes

pacientes e transportado at o laboratrio em recipientes estreis, dentro de

embalagem que oferece proteo contra luz, umidade e calor.

Estudo micolgico

Material de pacientes com leses de dermatomicoses superficiais foram

submetidos a exame microscpico direto e cultura, realizado no laboratrio de

Micologia clnica do Departamento de Patologia/UFES.

45

O exame micolgico requer treinamento de pessoal especializado.

necessria a limpeza prvia do stio de coleta com lcool etlico e o

instrumental deve ser previamente esterilizado. As amostras clnicas foram

coletadas atravs da raspagem das leses com lmina de vidro estril ou corte

de fragmento ungueal com cortador de unha descontaminado.

A quantidade de material deve ser adequada e a escolha do local da coleta

varia de acordo com a forma clnica de onicomicose: distal e lateral (transio

unha sadia-alterada); superficial branca (lmina ungueal); proximal subungueal

(leito ungueal proximal); distrfica total (leito ungueal por curetagem);

onicomicose por Candida (prega ungueal); oniclise (subungueal proximal). O

exame micolgico direto realizado aps a clarificao das escamas com

soluo aquosa de hidrxido de potssio.

A cultura realizada em meio de gar Sabouraud com cloranfenicol e em meio

com cloranfenicol e cicloheximida (actidione), conhecidos com o nome

comercial de Mycosel ou Mycobiotic. Para identificao da espcie do fungo,

utilizada a tcnica de microcultivo em lmina. Alm da coleta e processamento

corretos do material, podemos utilizar algumas tcnicas para ampliar a preciso

do diagnstico etiolgico. Quando possvel, as coletas devem ser realizadas

em diferentes ocasies, com intervalo de uma semana. Quando so isolados

fungos filamentosos no-dermatfitos, devem ser realizadas culturas repetidas

(no mnimo trs), sendo o material coletado em diferentes ocasies.

importante salientar que na coleta do material o paciente deve estar sem uso

de antifngico tpico h uma semana ou antifngico sistmico h dois meses.

46

O exame direto foi realizado atravs da visualizao microscpica de escamas

de pele, bipsia ou de unha, aps tratamento com hidrxido de potssio a 20%.

As culturas foram realizadas nos meios mencionados, em duplicata. Estes

permaneceram incubados na temperatura ambiente por at 15 dias. A

identificao dos fungos foi atravs de caractersticas morfolgicas

(observadas em microcultivo) e, quando necessrio, de provas bioqumicas.

Pacientes com doenas cutneas foram encaminhados ao Ambulatrio de

Dermatologia do Hospital das Clnicas para tratamento.

Anlise estatstica

O banco de dados foi montado no programa EXCEL verso 14.3.6, e foram

realizadas medidas de frequncia absoluta para as variveis forma clnica, de

acordo com esquema imunossupressor e tempo ps transplante.

Foi realizado teste no-paramtrico de Mann-Whitney (comparao do tempo

ps transplante e presena de micoses) e teste de Fisher (cruzamento entre

variveis categricas).

47

8 RESULTADOS

Foram avaliados 82 pacientes transplantados renais atendidos no Ambulatrio

de Nefrologia do Hospital Meridional, no perodo de maro de 2011 a dezembro

de 2012. Destes, 24 (29,2%) apresentaram dermatomicoses, sendo as unhas

as superfcies mais acometidas.

Gnero

De acordo com a amostra avaliada, a maioria foi composta por homens

(60,9%), conforme Tabela 1.

Tabela 1: Estratificao dos pacientes analisados conforme o gnero.

Masculino 50 60,9%

Feminino 32 39%

Idade

A idade dos pacientes avaliados variou entre 29 a 75 anos, sendo a mdia de

49,2 anos.

Raa

Foi observado que a maioria dos pacientes (74,3%) era composta por pardos,

de acordo com a Tabela 2.

Tabela 2: Estratificao dos pacientes estudados conforme a raa.

Pardos 61 74,3%

Brancos 16 19,5%

Negros 5 6,1%

48

Procedncia

De acordo com a Tabela 3, a procedncia dos pacientes foi de cidades do

estado do Esprito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sendo que a

maioria dos pacientes (81,7%) era procedente do Esprito Santo.

Tabela 3: Estratificao dos pacientes estudados conforme procedncia.

Esprito Santo 81,7%

Bahia 7,3%

Minas Gerais 7,3%

Rio de Janeiro 3,6%

Tempo ps transplante

O tempo ps transplante variou de 1 ms a 24,9 anos, sendo a mdia de 6,65

anos. O grupo com maior nmero de pacientes foi o correspondente ao tempo

ps transplante entre 5 e 10 anos (31,71% dos pacientes), conforme Tabela 4.

Tabela 4: Diviso dos pacientes em grupos conforme tempo ps transplante.

Tempo ps transplante N %

Tx < 1 ano 11 13,4%

1 ano Tx < 3 anos 21 25,6%

3 anos Tx < 5 anos 9 10,9%

5 anos Tx < 10 anos 26 31,7%

Tx 10 anos 15 18,3%

Comorbidades

As principais comorbidades encontradas foram a hipertenso arterial e o

diabetes, correspondendo a 76 casos (92,7%) e 17 casos (20,7%),

49

respectivamente. A associao das duas doenas foi encontrada em 14

pacientes (17,1%)

Dentre os exames laboratoriais avaliados, 8 pacientes (9,7%) apresentavam

descompensao da glicemia srica de jejum (glicose acima de 125). Apenas

um paciente (1,2%) apresentava leucopenia (Leuccitos abaixo de 3300).

Medicaes Imunossupressoras

Com relao ao esquema imunossupressor, encontram-se abaixo os

esquemas utilizados. Foram enumerados os esquemas de 1 a 15, em ordem

decrescente de frequncia, conforme Tabelas 5 e 6.

O esquema imunossupressor mais frequente foi a combinao de Prednisona +

Tacrolimus + Micofenolato sdico (46,3%), seguida pelas combinaes

Prednisona + Azatioprina (10,9%) e Prednisona + Azatioprina + Tacrolimus

(10,9%).

50

Tabela 5: Esquemas imunossupressores utilizados.

Esquema Drogas Nmero de casos Percentagem

1 Prednisona +

Micofenolato sdico +

Tacrolimus

38 46,3%

2 Prednisona +

Azatioprina

9 10,9%

3 Prednisona +

Azatioprina +

Tacrolimus

9 10,9%

4 Prednisona +

Micofenolato sdico

8 9,7%

5 Prednisona +

Azatioprina +

Micofenolato sdico

4 4,9%

6 Prednisona +

Ciclosporina +

Micofenolato sdico

3 3,7%

7 Micofenolato sdico +

Tacrolimus

3 3,7%

8 Ciclosporina +

Micofenolato sdico

1 1,2%

9 Metilprednisolona

endovenosa

1 1,2%

10 Prednisona +

Azatioprina +

Ciclosporina

1 1,2%

11 Ciclosporina +

Tacrolimus

1 1,2%

12 Sirulimus + Tacrolimus 1 1,2%

13 Sirulimus +

Micofenolato sdico

1 1,2%

14 Azatioprina +

Micofenolato sdico

1 1,2%

15 Prednisona +

Micofenolato Mofetil

1 1,2%

51

Tabela 6: Medicaes imunossupressoras presentes nos esquemas de

imunossupresso ps transplante.

Na tabela 7, foram listadas as dermatoses (excluindo dermatomicoses) e

dermatomicoses encontradas no grupo de 82 pacientes avaliados, de acordo

com os esquemas imunossupressores; na tabela 8, a presena de

dermatomicose de acordo com o grupo imunossupressor.

Drogas N

Prednisona 74 (90,2%)

Micofenolato sdico 59 (71,9%)

Tacrolimus 52 (63,4%)

Azatioprina 23 (28%)

Ciclosporina 7 (8,5%)

Sirulimus 2 (2,4%)

Metilprednisolona 1 (1,2%)

Micofenolato mofetil 1 (1,2%)

52

Tabela 7: Frequncia das dermatoses e dermatomicoses de acordo com os

esquemas de imunossupresso.

Esquema

Imunossupressor

Dermatoses (no

dermatomicoses)

Dermato-

micoses

1-Pred + MicS +

Tacro

28 41,8% 15 60% 38

2- Pred + Aza 12 17,9% 2 8% 9

3- Pred + Aza +

Tacro

6 8,9% 1 4% 9

4- Pred + MicS 8 11,9% 1 4% 8

5- Pred + MicS +

Ciclo

4 5,9% 1 4% 4

6- Pred + Aza +

MicS

0 0 1 4% 3

7- MicS + Tacro 3 4,5% 0 0 3

8- Ciclo + MicS 0 0 2 8% 1

9- MetilP 2 2,9% 0 0 1

10- Pred + Aza +

Ciclo

1 1,4% 0 0 1

11- Ciclo + Tacro 1 1,4% 0 0 1

12- Sir + Tacro 0 0 1 4% 1

13- Sir + MicS 0 0 0 0 1

14- Aza + MicS 2 2,9% 0 0 1

15- Pred + MicM 0 0 1 4% 1

TOTAL de

dermatoses e

dermatomicoses

67 100% 25 100% 82

TOTAL DE

PACIENTES

53

Tabela 8: Presena de dermatomicose de acordo com esquema

imunossupressor.

Esquema

Micose

Sim No

n % n %

Prednisona + Micofenolato sdico + Tacrolimus 16 64,00 23 38,60

Prednisona + Azatioprina 2 8,00 7 12,28

Prednisona + Azatioprina + Tacrolimus 1 4,00 8 14,04

Prednisona + Micofenolato sdico 1 4,00 7 12,28

Prednisona + Azatioprina + Micofenolato sdico 1 4,00 3 5,26

Prednisona + Ciclosporina + Micofenolato sdico 1 4,00 2 3,51

Micofenolato sdico + Tacrolimus - - 3 5,26

Ciclosporina + Micofenolato sdico 1 4,00 - -

Metilprednisolona endovenosa - - 1 1,75

Prednisona + Azatioprina + Ciclosporina - - 1 1,75

Ciclosporina + Tacrolimus - - 1 1,75

Sirulimus + Tacrolimus 1 4,00 - -

Sirulimus + Micofenolato sdico - - 1 1,75

Azatioprina + Micofenolato sdico - - 1 1,75

Prednisona + Micofenolato Mofetil 1 4,00 - -

Total 25 100,00 58 100,00

Para efeitos de comparao, os esquemas de imunossupresso foram

divididos em grupos numerados de 1 a 3. O grupo 1 representa apenas o

esquema 1; o grupo 2 os esquemas 2, 3 e 4 e o grupo 3, os esquemas 5 ao 15.

Na Tabela 9, foram mostradas as frequncias de dermatoses e

dermatomicoses de acordo com os grupos de imunossupresso. No grupo 1

correspondeu maior freqncia de dermatoses.

54

Tabela 9: Frequncia das dermatoses infecciosas de acordo com os grupos de

esquemas imunossupressores.

Grupos Dermatoses infecciosas N

1

(esquema 1)

38 pacientes

Intertrigo por Candida spp.

Verrugas virais

Tinea pedis

Pitirase versicolor

Molusco contagioso

Onicomicose

Erisipela

1

3

1

3

1

10

1

Sub-total: 20 (55,5%)

2

(esquema 2 + 3

+4)

26 pacientes

Verrugas virais

Tinea mannum

Onicomicose

2

1

3

Sub-total: 6 (16,7%)

3

(esquema 5 a

15)

18 pacientes

P. versicolor

Onicomicose

Herpes vrus

Verrugas virais

Furunculose

Intertrigo fngico em virilha

2

3

2

1

1

1

Sub-total: 10 (27,8%)

Total 36 (100%)

No geral, as dermatomicoses mais frequentes esto listadas na Tabela 10.

55

Tabela 10: Frequncia das dermatomicoses.

Dermatomicoses N %

Onicomicose 16 64%

Pitirase versicolor 5 20%

Intertrigo fngico 2 8%

Tinhas 2 8%

Total 25 100%

Observa-se menor freqncia de dermatomicoses no grupo com esquema sem

corticoide, conforme Tabela 11.

Tabela 11: Cruzamento entre micose com nmero de medicaes e esquema

com Prednisona.

Variveis Micose

p-valor Sim No

Nmero de medicaes

0,255 Duas 6 (24,0%) 21 (36,8%)

Trs 19 (76,0%) 36 (63,2%)

Esquema com Prednisona

1,000* Sim 23 (92,0%) 51 (89,5%)

No 2 (8,0%) 6 (10,5%)

TOTAL 25 (100,0%) 57 (100,0%) -

* Teste exato de Fisher

56

Figura 6: Distribuio dos percentuais das dermatoses infecciosas.

As frequncias de dermatomicoses e dermatoses foram estratificadas de

acordo com o tempo ps transplante, sendo que o grupo de pacientes com

transplante tardio (entre 3 e 5 anos) foi o que apresentou maior frequncia de

dermatomicoses. O grupo de pacientes com tempo de transplante superior a 10

anos foi o que apresentou maior frequncia de dermatoses no

dermatomicoses, conforme Tabela 12. Foi realizado teste no paramtrico para

avaliar se o tempo ps-transplante aumentava a presena de dermatomicoses,

porm, no se observa diferena estatisticamente significante do tempo ps

transplante entre a presena ou no de dermatomicose (Tabela 13).

Dermatoses infecciosas (no dermatomicoses)

Verrugas virais

Herpes simples

Furunculose

Molusco contagioso

Erisipela

57

Tabela 12: Frequncia de dermatomicoses e dermatoses de acordo com o

tempo ps transplante.

Tempo ps

transplante

N N pacientes com

Dermatomicoses

N de pacientes

com

Dermatoses no

dermatomicoses

Tx < 1 ano 11 0 6 (54,5%)

1 ano Tx < 3

anos

21 5 (23,8%), sendo

onicomicose:3

tinha pedis: 1

p. versicolor: 1

15 (71,4%)

3 anos Tx < 5

anos

9 6 (66,7%), sendo

onicomicose: 4

p. versicolor: 1

intertrigo: 1

5 (55,5%)

5 anos Tx <

10 anos

26 9 (34,6%), sendo

onicomicose: 7

p. versicolor: 2

* 1 paciente

apresentou

onicomicose + p.

versicolor

13 (50%)

Tx 10 anos 15 5 (33,3%), sendo

onicomicose: 2

tinha da mo:1

p. versicolor: 1

intertrigo: 1

11 (73,3%)

58

Tabela 13: Cruzamento entre tempo ps-transplante e presena de

dermatomicose.

Varivel Micose Mediana Mdia Desvio-

padro p-valor

Tempo ps-

transplante

Sim (n=25) 66 85,04 67,91

0,257

No (n=57) 39 77,58 78,58

*teste no-paramtrico de Mann-Whitney

Nos casos com exame micolgico positivo, foi avaliada a ocorrncia de

infeces cutneas por leveduras e dermatfitos em relao ao tempo de

transplante e esquema imunossupressor , conforme Tabela 14.

59

Tabela 14: Dermatomicoses causadas por leveduras e dermatfitos e

associao com tempo de transplante e esquema imunossupressor.

Fungos Leveduras (6 casos) Dermatfitos (15

casos)

Total

Tempo de transplante

< 1 ano 0 (0%) 0 (0%) 0 (0%)

1 Tx

60

9 DISCUSSO

O estudo consistiu na avaliao dos pacientes transplantados renais atendidos

no ambulatrio de Nefrologia do Hospital Meridional, tratando-se de

amostragem por convenincia. Durante consulta mdica com o nefrologista, o

paciente era convidado a passar pelo exame dermatolgico ao final do

atendimento. O maior tempo de permanncia no ambulatrio para avaliao

dermatolgica foi um fator de desistncia para alguns pacientes, principamente

os que aguardavam o transporte dos municpios de origem.

Devido procedncia da maioria dos pacientes ser de cidades do interior do

estado do Esprito Santo, quando no de outros estados (Minas Gerais, Bahia

e Rio de Janeiro), houve certa dificuldade em manter seguimento de alguns

casos, pois, quando necessrio, na necessidade de coleta de novo exame

micolgico, o paciente muitas vezes no pode comparecer nova consulta.

Dos 82 casos, o percentual de dermatomicoses foi de 29,2%, sendo 64% de

onicomicoses, 20% de pitirase versicolor, 8% de tinhas e 8% de intertrigo

fngico. No foi possvel atribuir a topografia das leses a alguma atividade

laborativa (por uso de equipamentos de proteo individual ou uniformes

especficos), j que os transplantados obtm aposentadoria devido a doena

crnica.

O esquema imunossupressor mais frequente foi a combinao de Prednisona +

Tacrolimus + Micofenolato sdico (46,3%), sendo que 90,2% estavam em uso

de prednisona, 71,9% de micofenolato sdico e 63,4% em uso de tacrolimus.

61

Os pacientes em uso da combinao imunossupressora Prednisona +

Tacrolimus + Micofenolato sdico apresentavam, em 60,5% dos casos, pelo

menos uma dermatose infecciosa, enquanto que o percentual de

dermatomicoses foi de 25% entre os pacientes que utilizaram esquemas sem

prednisona. O percentual de dermatomicoses foi um pouco menor dentre os

que no utilizavam prednisona, embora a dose utilizada na manuteno seja

mais baixa, em mdia 2,5 a 10 mg/dia.

Dentre os pacientes que utilizaram 3 drogas imunossupressoras, o percentual

de dermatomicoses foi de 29,1%, um pouco maior do que o grupo que utilizou

duas drogas.

A frequncia de dermatofitoses relatada na populao, de acordo com estudos

prvios, considerada varivel, o que dificulta a comparao com os

resultados encontrados com os pacientes transplantados renais. Ameen (2010)

descreve uma frequncia de micoses cutneas em pacientes

imunocompetentes em torno de 20-25%. Mazon et al. 1997 referem que 10 a

15% da populao ter algum tipo de dermatomicose ao longo da vida. Com

isso, a frequncia encontrada dentre os transplantados renais avaliados neste

estudo foi um pouco maior do que a encontrada na populao

imunocompetente.

Considerando as micoses ungueais, a prevalncia na populao geral de 7 a

10% de onicomicoses, a prevalncia foi considerada maior do que a da

populao geral (AZULAY, 2004).

O percentual de infeces fngicas descritas nos transplantados renais

tambm varivel conforme estudos prvios, sendo maiores que aquelas

62

encontradas em nosso estudo. Bencini et al., em 1983, avaliando

transplantados renais, observaram que a frequncia de infeces fngicas foi

de 49,5%. Estudo realizado por Abel, em 1989, demonstrou prevalncia de

68,3%. Estudo realizado por Mameri et al, em 1989, revelou 87,7% de

dermatomicoses.

Com a evoluo nos esquemas imunossupressores e surgimento de novas

drogas, novos estudos foram publicados. Estudo que avaliou transplantados

renais, realizado por Gulec et al, em 2003, demonstrou uma frequncia de

pitirase versicolor (dermatomicose mais comumente encontrada) de 48% -

frequncia maior do que a do nosso estudo, porm, estes autores concluiram

que os RTR no tinham fator de risco aumentado para dermatofitoses. J as

frequncias encontradas por Sandoval et al, em 2009, foram de onicomicose

em 58% dos casos, tinhas em 10% e pitirase versicolor em 6% - um percentual

menor do que observado no nosso estudo.

Segundo estudo de Dicle et al, em 2009, avaliando os registros mdicos de 401

pacientes acompanhados pela Central de Transplantes em Universidade na

Turquia, 220 (54,9%) tiveram alguma infeco da pele. Do total de 280

infeces em indivduos identificados, 180 (64,3%) eram de etiologia fngica,

77 (27,5%) viral, e 23 (8,2%) foram bacterianas. Pitirase versicolor estava

presente em 95 pacientes (23,7%), infeco por vrus do papiloma humano, em

44 (11%), onicomicose em 23 (5,7%). A durao da imunossupresso

prolongada aumentou significativamente a prevalncia das infeces da pele, e

o intervalo significativo para o desenvolvimento de infeces fngicas, aps o

transplante foi mais cedo para infeces fngicas do que para as infeces

virais ou bacterianas.

63

Estudo realizado com 100 pacientes transplantados renais em 2009, por

Ghaninejad et al, identificou infeces cutneas em 83% dos pacientes e a

maioria destas foi infeces virais (65%), especialmente de vrus do papiloma

humano (HPV), em 40% dos pacientes. Do total, 56 pacientes foram afetados

por pelo menos um tipo de infeco fngica superficial. Pitirase versicolor foi

detectada entre o primeiro e o terceiro ano de transplante em 35% dos casos;

candidase (34%) foi a micose mais freqente no primeiro ms aps o

transplante.

Um total de 302 pacientes transplantados renais foi avaliado no estudo caso-

controle de Bakr et al., de 2011, que encontraram em 191 casos (63,25%)

algum tipo de infeco da pele. Foliculite (10,3%), pitirase versicolor (30,1%),

dermatofitose (19,5%) e onicomicose (7,6%) foram significativamente mais

comuns em transplantados, em comparao com indivduos controle.

Khosravi et al., em 2011, avaliaram 178 transplantados renais, sendo que 31

(25%) tinham a pele normal. As leses iatrognicas foram mais frequentes

(70%), seguidas por leses infecciosas (57%), e leses cutneas no

infecciosas foram exibidas por 26% dos pacientes, enquanto que as leses

fngicas foram mais prevalentes (58,7%).

George et al, em 2009, realizaram estudo com 365 RTR. Infeces fngicas

profundas eram relativamente raras (1,5%). Pitirase versicolor e candidase

foram vistas nos pacientes com tempo ps-transplante mais curto (inferior a 2

anos), enquanto infeces por dermatfitos so comuns em pacientes com

maior tempo ps-transplante. Entre as infeces fngicas, dermatofitoses

64

representavam apenas 10% do total de leses da pele, um percentual menor

do que os outros estudos.

Selvi et al, em 1999, encontraram dermatofitose em 42% dos 100 pacientes

transplantados renais selecionados, dos quais 17% tiveram a infeco por mais

de um ano. Tinea cruris e Tinea corporis foram os tipos clnicos comuns

observados. Tinea unguium foi observada como onicomicose branca

subungueal proximal em 3% dos pacientes.

Dufrechou et al, em 2011, avaliaram 100 transplantados com idades entre os

21 e 77 anos, com um total de 104 dermatoses, sendo que 68% dos pacientes

tiveram pelo menos uma manifestao cutnea. As dermatoses infecciosas

foram encontradas em 27,9% dos casos.

Ao avaliar as dermatoses encontradas com relao ao tempo ps-transplante,

observou-se o maior percentual de dermatomicoses no grupo compreendido

entre 3 e 5 anos ps-transplante, com 66,6% de dermatomicoses. Este fato

pode ser explicado pela dosagem de imunossupressores ser estabilizada at

os primeiros anos de transplante, com posterior reduo da dose

imunossupressora. De acordo com estudo de Abel, 1989, a maior frequncia

de dermatomicoses foi no perodo pos operatrio de 12 a 60 meses, com a

frequncia de 75,7%.

Em estudo realizado com 100 pacientes transplantados renais em 2009, por

Ghaninejad et al, pitirase versicolor foi detectada entre o primeiro e o terceiro

ano de transplante em 35% dos casos; candidase (34%) foi a micose mais

freqente no primeiro ms aps o transplante.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed?term=Dufrechou%20L%5BAuthor%5D&cauthor=true&cauthor_uid=22099799

65

Estudo de George et al, em 2009, encontrou pitirase versicolor e candidase

nos pacientes com tempo ps-transplante mais curto (inferior a 2 anos),

enquanto infeces por dermatfitos mais comuns em pacientes com maior

tempo ps-transplante (superior a 2 anos).

Estudo realizado por Vettorato et al, em 2003, concluiu que a ocorrncia das

dermatoses infecciosas nos pacientes transplantados renais aumenta

progressivamente conforme o tempo transcorrido a partir do transplante.

Considerando as dermatoses infecciosas no fngicas, observamos a

presena de verrugas virais em 7,3% dos pacientes, dado similar populao

geral (LETO et al. 2011). Alm disso, foi encontrado no nosso estudo o

percentual de 2,4% de leses cutneas de herpes simples, e a mesma taxa de

1,22% para molusco contagioso, erisipela e furunculose.

Do ponto de vista clnico, as dermatomicoses encontradas no diferiam

clinicamente das encontradas nos imunocompetentes. Porm, Virgili et al, em

2002, em estudo avaliando receptores de transplante de rgos slidos,

consideraram que os quadros clnicos podem ser variados, com leses

podendo ser, em muitas vezes, inespecficas ou ambguas. Awasthi et al, em

2005, tambm concluram que a forma clnica das micoses cutneas em

transplantados renais pode mimetizar outras doenas cutneas, a partir do

relato de uma Tinea capitis simulando tumor cutneo.

Outro grupo de dermatose esperada no grupo transplantado renal, porm no

encontrada neste estudo, o grupo das micoses subcutneas. Estudos prvios

com transplantados renais demonstram a frequncia aumentada de micoses

subcutneas. Um estudo envolvendo 774 transplantados renais, realizado por

66

Caroti et al, em 2010, avaliou transplantados renais entre 1991 a 2009,

identificando ndulos subcutneos em 7 pacientes, sendo que um caso foi por

Trichophyton rubrum. George et al, em 2009, encontraram prevalncia de

1,5%. Talvez um estudo com maior nmero de pacientes fosse necessrio para

investigar a prevalncia das micoses subcutneas na regio da Grande Vitria.

Esta frequncia aumentada de micoses subcutneas dentre os transplantados

renais atenta para a possibilidade de uma micose superficial ser um precursor

para uma micose profunda, da a importncia da avaliao de leses cutneas

para preveno de possveis infeces disseminadas. Alm disso, medidas

profilticas para evitar a contaminao por fungos podem ser realizadas

durante a internao, e os pacientes devem receber informaes de modo a

evitar a contaminao, no s durante o primeiro perodo aps o transplante,

quando altas doses de drogas imunossupressoras so dadas, mas tambm

mais tarde, quando um estilo de vida normal retomado (VIRGILI et al. 2002).

Outro fato relevante foi o grande nmero de pacientes em uso de antifngicos

tpicos (prescrito por algum mdico ou uso por conta prpria), algumas vezes

utilizados cronicamente. Os antifngicos utilizados foram os azlicos tpicos e

shampoos anticaspa (com piritionato de zinco em concentraes de 1 a 1,5%).

Este fato contribuiu para o nmero aumentado de dermatoses presentes

clinicamente, porm, com micolgico direto positivo e cultura negativa. O

seguimento de alguns destes casos foi prejudicado devido procedncia

destes ser de cidades distantes ou at de outros estados.

No geral, o resultado de nosso estudo reflete um bom nvel de sade dos

pacientes, decorrente de um bom nvel de higiene associado a um bom

67

seguimento ps-transplante, com ao eficaz das medicaes

imunossupressoras.

Com os novos esquemas de imunossupresso com doses cada vez menores

de corticoides e at mesmo esquemas livres de corticide - espera-se que o

percentual de dermatofitoses diminua ao longo dos anos.

68

10 CONCLUSO

A grande melhoria nos esquemas de imunossupresso tem aumentado

a sobrevida dos pacientes transplantados renais, com isso, h maior

tempo de seguimento destes pacientes, sendo possvel observao de

doenas fngicas, oportunsticas ou no.

Neste estudo observamos uma frequncia de dermatomicoses um

pouco maior que na populao imunocompetente, dado que alerta o

seguimento clnico destes pacientes, atentando para exame fsico do

tegumento.

Este percentual encontrado foi inferior aos estudos realizados em outros

grupos de transplantados renais, refletindo uma melhora na qualidade

de vida dos pacientes, a partir de esquemas imunossupressores mais

eficientes.

A necessidade de estudos futuros torna-se importante a fim de

comparar o percentual de dermatomicoses dos novos esquemas

imunossupressores com os atuais, alm do seguimento de tempo maior

desse grupo.

69

11 PERSPECTIVAS

Espera-se que o melhor conhecimento do percentual das micoses superficiais

que acometem indivduos transplantados renais permita melhor abordagem e

tratamento de tais leses por estarem mais associadas a risco de complicaes

para esse grupo de pacientes.

70

12 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ABEL E. Cutaneous manifestations of immunosuppression inorgan transplant

recipients. J Am Acad Detmatol 1989;21:167-79

ABBOTT KC, HYPOLITE I, POROPATICH RK, et al. Hospitalizations for fungal

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