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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO VANESSA VASCONCELOS COSME IGUALDADE MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE SUA HISTÓRIA E SIGNIFICADOS VITÓRIA 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

VANESSA VASCONCELOS COSME

IGUALDADE MATEMÁTICA:

UM ESTUDO DE SUA HISTÓRIA E SIGNIFICADOS

VITÓRIA 2007

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VANESSA VASCONCELOS COSME

IGUALDADE MATEMÁTICA:

UM ESTUDO DE SUA HISTÓRIA E SIGNIFICADOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação Matemática, sob a orientação da Profª Drª Lígia Arantes Sad.

VITÓRIA 2007

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Folha de aprovação

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A meu pai Pedro Cosme, grande incentivador

nas minhas batalhas e que não pode estar

presente até o final desta. Essa conquista é

nossa!

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por ter me dado a vida, saúde e disposição para enfrentar os desafios

impostos e usufruir das alegrias de cada dia;

Aos meus pais Pedro e Graça, por participarem sempre de todas as etapas de

minha formação pessoal, profissional e acadêmica. Sem eles não teria

chegado até aqui;

Aos meus irmãos e demais familiares e amigos, pelo incentivo e apoio no

cumprimento desse trabalho e pela compreensão nos momentos em que estive

ausente;

Aos colegas da licenciatura que se tornaram grandes amigos, pelo compartilhar

de momentos de brincadeiras e estudos de matemática;

À professora Lígia, pelos ensinamentos que tanto me ajudaram a crescer e por

sua compreensiva e paciente orientação, que me fizeram seguir em frente nos

momentos de dor e desânimo;

À professora Circe, pela firmeza e sensibilidade transmitidas nas diferentes

situações. Além dos ensinamentos acadêmicos, aprendi que as pessoas têm

muito mais a nos oferecer do que podemos perceber inicialmente;

À professora Vânia, pelos ensinamentos e cobranças nos momentos devidos; e

pela confiança depositada nessa jovenzinha que tanto cresceu e amadureceu

graças também à sua presença;

Aos professores e colegas do mestrado e doutorado, em especial os da

Educação Matemática, pelas ricas trocas de experiências e demais momentos

de convívio agradável;

Aos professores e alunos com os quais convivi no período da pesquisa e que

me permitiram participar de seu cotidiano escolar por um tempo.

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“... a igualdade natural de origem nos obriga à

igualdade política, segundo a lei, e a não

reconhecer outra superioridade além da

conferida pela fama de virtude e de

sabedoria.”

Platão

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LISTA DE QUADROS

Quadro 5. 1. Relação das obras analisadas na pesquisa bibliográfica ..............72

Quadro 6. 1. Resposta dos professores: questão 1, 2ª parte questionário.......119

Quadro 6. 2. Respostas dos alunos: questão 1, 1ª parte do questionário........132

Quadro 6. 3. Relação de marcas às figuras da questão 2, 1ª parte do

questionário dos alunos ....................................................................................134

Quadro 6. 4. Respostas dos alunos: questão 1, 2ª parte do questionário........138

Quadro 6. 5. Respostas dos alunos: questão 2, 2ª parte do questionário........141

Quadro 6. 6. Respostas dos alunos: questão 3, 2ª parte do questionário........143

Quadro 6. 7. Respostas dos alunos: questão 1ª, 3ª parte do questionário.......144

Quadro 6. 8. Respostas dos alunos: questão 1b, 3ª parte do questionário......146

Quadro 6. 9. Respostas dos alunos: questão 1c, 3ª parte do questionário ......147

Quadro 6. 10. Respostas dos alunos: questão 1d, 3ª parte do questionário ....148

Quadro 6. 11. Respostas dos alunos: questão 1 (e-5ª/ g-6ª), 3ª parte do

questionário.......................................................................................................149

Quadro 6. 12. Respostas dos alunos da 6ª série: questão 1e, 3ª parte do

questionário.......................................................................................................150

Quadro 6. 13. Respostas dos alunos da 6ª série: questão 1f, 3ª parte do

questionário.......................................................................................................150

Quadro 6. 14. Respostas dos alunos: questão 2ª, 3ª parte do questionário.....151

Quadro 6. 15. Respostas dos alunos: questão 2b, 3ª parte do questionário ....152

Quadro 6. 16. Respostas dos alunos: questão 2c, 3ª parte do questionário ....152

Quadro 6. 17. Respostas dos alunos: questão 2d, 3ª parte do questionário ....153

Quadro 6. 18. Respostas dos alunos: questão 2e, 3ª parte do questionário ....154

Quadro 6. 19. Respostas dos alunos: questão 2f, 3ª parte do questionário .....155

Quadro 6. 20. Respostas dos alunos: questão 2g, 3ª parte do questionário ....155

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2. 1. Geometrie de Descartes (1633) ................................................... 27

Figura 2. 2. Ars Magna de Cardano (1545) ..................................................... 28

Figura 2. 3. Primeira publicação do cálculo de Leibniz (1684) ........................ 28

Figura 2. 4. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Nunes (1564) ... 30

Figura 2. 5. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Nunes (1564) ... 31

Figura 2. 6. Stereometrie Archimedeae Supplementum de Kepler (1615) ...... 36

Figura 6. 1. Elementos de Geometria de Euclides...........................................................81

Figura 6. 2. Ars Magna de Cardano (1545) ..................................................... 82

Figura 6. 3. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Pedro Nunes

(1564) ............................................................................................................... 83

Figura 6. 4. Algebra de Bombeli (1572)........................................................... 84

Figura 6. 5. Arithmetica Logarithmica de Baro (1628) ..................................... 85

Figura 6. 6. Stereometrie Archimedeae Supplementum de Kepler (1615) ...... 85

Figura 6. 7. Geometrie de Descartes (1633) ................................................... 86

Figura 6. 8. Oeuvres de Fermat (1896) ........................................................... 87

Figura 6. 9. Mathematical Works de Barrow (1860) ........................................ 87

Figura 6. 10. Epistola Secunda de Maximiset Minimis de Huddenii ................ 88

Figura 6. 11. Cálculo de Leibniz (1684)........................................................... 89

Figura 6. 12. Cálculo de Leibniz (1684)........................................................... 89

Figura 6. 13. Exame de Artilheiros de Alpoym (1744) ..................................... 90

Figura 6. 14. Fundamentos de Aritmética de Frege (1884) ............................. 91

Figura 6. 15. Álgebra Fundamental de Reis (1902)......................................... 92

Figura 6. 16. Caderno de aluno da 5ª série ................................................... 113

Figura 6. 17. Livro didático A conquista da matemática, 5ª série .................. 114

Figura 6. 18. Livro didático A conquista da matemática, 6ª série .................. 115

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 6. 1. O símbolo “=” como conectivo – potenciação .........................102

Fotografia 6. 2. O símbolo “=” como conectivo – divisibilidade ........................103

Fotografia 6. 3. O símbolo “=” como resposta..................................................104

Fotografia 6. 4. O símbolo “=” como equivalência – fatoração.........................107

Fotografia 6. 5. O símbolo “=” como indicativo de continuidade, resultado e

continuidade ......................................................................................................108

Fotografia 6. 6. O símbolo “=” como equivalência – equações ........................110

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RESUMO

A linguagem matemática se caracteriza pelo uso de símbolos muito próprios,

cuja organização é geralmente ensinada com maior rigor e formalidade a partir

da 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, sendo aprofundada nas séries

seguintes. A partir da experiência como professora de matemática nos

diferentes níveis de ensino surgiu a pretensão de estudar a simbologia

matemática, em especial o símbolo “=”(igual) de igualdade matemática. Nesse

contexto, os objetivos principais deste trabalho são: conhecer mais

amplamente a evolução histórica do símbolo de igualdade e elaborar um

panorama histórico englobando as idéias que mostram essa evolução;

identificar e caracterizar significados e conhecimentos externados por

professores e alunos sobre a igualdade matemática. Para tal, foi adotada uma

pesquisa bibliográfica em livros de história da matemática e livros de

matemática usados entre os séculos XVI e XVIII. Simultaneamente, foi feita

uma pesquisa qualitativa com observação participante em quatro turmas de 5ª

e 6ª séries de dois professores de matemática da rede municipal de ensino da

cidade de Vitória – ES, com gravações em áudio, análise de materiais didáticos

e aplicação de questionários estruturados. Como fundamento teórico para a

pesquisa, recorremos a trabalhos de Vygotski, Bruner, Bakhtin e Cassirer, que

embasaram a pesquisa na constituição de argumentos de nossas análises.

Essa pesquisa visa principalmente contribuir e alertar para discussões a

respeito da simbologia matemática, em particular na questão da igualdade, e

seus usos no ensino-aprendizagem dessa ciência. Acreditamos ter atingido

essa meta: elaboramos o panorama histórico das representações para

igualdade, identificamos significados externados por professores e alunos a

respeito e iniciamos discussões sobre o assunto com outros professores e

pessoas envolvidas com a educação. Mas algumas situações merecem mais

estudo, como as relações entre professor e alunos, outros símbolos

matemáticos e também outros níveis de ensino.

Palavras-chave: igualdade matemática, linguagem simbólica, significados,

construção histórica da igualdade.

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ABSTRACT

The mathematical language if characterizes for the use of very typical symbols,

whose organization generally is taught with bigger severity and formality from 5ª

and 6ª series of basic education, being gone deep in the following series. From

the experience as teacher of mathematics in the different levels of education the

pretension appeared to study the mathematical symbology, in special the

symbol “=” (equal) of mathematical equality. In this context, the main objectives

of this work are: to more widely know the evolution historical of the equality

symbol and to elaborate a historical view including the ideas that show this

evolution; to identify and to characterize meanings and knowledge showed for

professors and pupils on the mathematical equality. For such, a bibliographical

research in books of history of the mathematics and used books of mathematics

between centuries XVI and XVIII was adopted. Simultaneously, a qualitative

research with participant comment in four groups of 5ª and 6ª series of two

professors of mathematics of the municipal net of education of the city of Vitória

- ES, with engraving in audio, analysis of didactic materials and application of

structuralized questionnaires was made. As theoretical bedding for the

research, we appeal the works of Vygotski, Bruner, Bakhtin and Cassirer, that

had based the research in the constitution of arguments of our analyses. This

research mainly aims at to contribute and to alert for quarrels regarding the

mathematical symbology, in particular in the question of the equality, and its

uses in the teach-learning of this science. We believe ter achieved that half :

elaborate the scene historic of the agencies about to equality , we identify

meanings externados by professors and pupils as to and we initiate arguments

about it along other professors and people involved with the education. But a

few state of affairs deserves more I study , like the acquaintanceship amidst

professor and pupils , other icons mathematicians and also other classes as of I

school.

Keywords: mathematical equality, symbolic language, meanings, historical

construction of the equality.

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SUMÁRIO

1 SOBRE O PROBLEMA ............................................................................. 13

1.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 13

1.2 DELIMITAÇÃO E JUSTIFICATIVA ........................................................ 14

1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO ................................................................ 23

1.4 QUESTIONAMENTOS .......................................................................... 24

1.5 OBJETIVOS .......................................................................................... 25

1.6 ORGANIZAÇÃO DO PRESENTE TRABALHO...................................... 25

2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DE SÍMBOLOS

QUE REPRESENTARAM IGUALDADE MATEMÁTICA................................. 27

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................. 42

3.1 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 42

3.2 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE LEV SEMIONOVICH

VYGOTSKI .................................................................................................... 43

3.3 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE JEROME BRUNER........... 48

3.4 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE MIKHAEIL BAKHTIN......... 52

3.5 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE ERNST CASSIRER .......... 55

4 REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................... 59

4.1 IGUALDADE MATEMÁTICA.................................................................. 59

4.2 LINGUAGEM MATEMÁTICA................................................................. 64

5 METODOLOGIA DA PESQUISA............................................................... 67

5.1 O AMBIENTE DA PESQUISA................................................................ 69

5.2 A COLETA DOS DADOS....................................................................... 72

5.2.1 Na pesquisa bibliográfica ............................................................... 72

5.2.2 Com os sujeitos de pesquisa.......................................................... 73

6 DESCRIÇÃO DA ANÁLISE DOS DADOS ................................................ 76

6.1 CATEGORIZAÇÃO DOS SIGNIFICADOS DE IGUALDADE ................. 76

6.2 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA............................................................. 79

6.3 OS DISCURSOS DOS SUJEITOS......................................................... 93

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6.3.1 As aulas.......................................................................................... 93

6.3.2 Os materiais didáticos .................................................................. 112

6.3.3 Os questionários........................................................................... 116

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 156

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................ 160

ANEXOS ........................................................................................................ 164

ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES............... 164

ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS ........................... 167

ANEXO 3 – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NA

PESQUISA ASSINADO PELOS PROFESSORES ...................................... 170

ANEXO 4 – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NA

PESQUISA ASSINADO PELOS RESPONSÁVEIS PELOS ALUNOS ......... 171

ANEXO 5 – FRAGMENTO DO ESTUDO PILOTO....................................... 172

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1 SOBRE O PROBLEMA

1.1 INTRODUÇÃO

A intenção de estudar as relações envolvendo a questão de igualdade

matemática é para nós recente, porém constituinte de um interesse inicial

conjunto com estudos da linguagem matemática e seus usos pelos alunos de

nível fundamental e médio, em nossa experiência como professora dessas

séries. Assim, ao entrarmos no mestrado, amadurecemos nossa idéia e

percebemos o quanto essa noção básica de igualdade está ligada a muitas de

nossas preocupações; tanto como professora quanto como aluna de

Licenciatura em Matemática. Conversamos muito durante nossas reuniões com

as professoras e demais alunos da linha de pesquisa em Educação Matemática

do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade

Federal do Espírito Santo (UFES). Falamos de nossas experiências e

inquietações provenientes da vida acadêmica e profissional, bem como

ouvimos relatos de outras experiências.

Esses momentos de troca de experiência possibilitaram-nos refletir sobre

nossos interesses e contribuíram para chegarmos às relações de igualdade

matemática como foco principal de nossa pesquisa. Optamos então por estudar

a igualdade matemática e significados a ela atribuídos por professores e alunos

de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, pois é nestas séries que a matemática

e sua linguagem simbólica é ensinada com maior rigor. Estamos também

interessados em analisar como esses professores e alunos trabalham com o

símbolo “=” em sala de aula e as analogias que fazem entre “=” e “igualdade”.

Um outro elemento constituinte de nosso trabalho é uma história de símbolos

que foram usados para representar a igualdade matemática. adentraremos no

processo histórico de desenvolvimento da escrita matemática, focando nas

relações de igualdade, desde o uso de uma linguagem retórica, passando pela

sincopada, até chegar à linguagem simbólica. Pretendemos, com o recurso à

história, conhecer e identificar diferentes noções de igualdade que estiveram

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presentes na matemática e que representaríamos hoje exclusivamente pelo

símbolo “=”.

1.2 DELIMITAÇÃO E JUSTIFICATIVA

Os seres humanos são, desde pequeninos, iniciados no processo de inserção

numa comunidade, numa sociedade, com hábitos, culturas e linguagem

próprios. E, dentro dos costumes desta sociedade, os indivíduos desenvolvem

habilidades que os permitem manterem-se no grupo a que pertencem ou ao

qual pretendem fazer parte. Dentre estas habilidades, uma que nós seres

humanos consideramos indispensável é o aprendizado da linguagem. Pois é

fundamentalmente por meio dela que se processa a inserção social, nos

entendemos e nos fazemos entender. Uma criança usa inicialmente a

linguagem do choro para passar a mensagem de que quer ou precisa de algo.

No entanto, quando faz uso da língua materna, ela atinge seus objetivos mais

eficazmente. Isto ocorre porque ela usa os símbolos comuns do ambiente em

que vive. No nosso caso, é empregada a simbologia própria da língua

portuguesa, nossa língua materna (falada e escrita), composta das letras do

alfabeto e dos numerais, por exemplo.

Essa necessidade de conhecimento dos símbolos de uma linguagem e de

como empregá-los dentro dos padrões ocorre com qualquer linguagem, e

acreditamos não ser diferente com a linguagem matemática. Também aí faz-se

necessário e importante um letramento (literacia matemática). É a partir desse

letramento que os indivíduos se familiarizam com os símbolos próprios da

matemática, sabendo quais são eles, para quê e em que situações são usados,

como são entendidos, interpretados, em diferentes situações. Para Bruner

(1997, p. 67), aprender uma língua é mais que aprender simplesmente o que

dizer, é aprender “como, onde, para quem e sob que circunstâncias” se diz.

Logo, na matemática não basta somente saber fazer contas e identificar os

seus símbolos ou regras, mas também aprender a ler, escrever e falar

matematicamente, sabendo compreender1 e fazendo-se compreender de

acordo com o ambiente em que estiver.

1 O compreender a que nos referimos é a ação consciente de pensar e refletir sobre expressões de forma semelhante a que outros indivíduos fazem delas, sendo, portanto, capaz

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Luiz Heinzen (2000, p. 12), em sua dissertação de mestrado sobre significados

de termos matemáticos, defende a “necessidade da apresentação dos termos

matemáticos utilizados em sala de aula com seu significado etimológico”. Ele

diz ainda que o uso da etimologia das palavras torna-se mais eficaz ao fazê-lo

acompanhado de sinônimos que fazem parte do vocabulário do aluno. Em

outras palavras, é importante utilizar os significados que o aluno aprendeu em

casa ou na rua ao trabalhar com palavras que têm sentido específico na

matemática, como é o caso da igualdade. Certamente esta não é a única, mas

é uma das maneiras pelas quais a comunicação entre professores e alunos

pode ser facilitada, com chances de tornar a matemática mais atrativa e

significativa2, com aproximações da linguagem do professor ao vocabulário de

seus aprendizes. O uso de metáforas é um outro recurso empregado para que

essas aproximações das linguagens ocorram.

Essa idéia de remeter ao vocabulário do aluno justifica-se pelo fato das

pessoas terem registros pessoais que lhes permitem constituir significados

para as palavras presentes em sua vida. Ao principiarem no universo escolar

elas são, muitas vezes, apresentadas a um novo significado atribuído àqueles

mesmos termos usados na língua materna, mas agora com uma conotação

diferente. Podemos tomar como exemplo expressões como função, relação,

igualdade, semelhança, diferença e equivalência, que têm um significado novo

e específico na linguagem matemática e que nem sempre é o mesmo em

outras áreas ou linguagens. A compreensão desse novo significado, de

igualdade por exemplo, é influenciada pelo sentido comparativo atribuído a

essa palavra na língua materna. Porém, ao se falar em igualdade pode

denotar-se idéias distintas em matemática e em língua materna, representadas

em geral por signos lingüísticos distintos: “=” e “igualdade”, respectivamente.

de continuar uma dada elaboração com base numa afirmação prévia e em seus significados. O compreender é uma ação do sujeito que se faz pelo construir de uma significação para um objeto, uma situação ou relacionamento entre eles. 2 Usamos o termo significativa no sentido de o aluno produzir significados à matemática, fazendo uso consciente de seus conceitos, definições e resultados.

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A maioria das pessoas consegue resolver com facilidade e, até mesmo

agilidade, questões práticas do dia-a-dia3 que envolvem a matemática. No

entanto, em sala de aula, quando a matemática é tratada em suas expressões,

definições e conceitos muito particulares, é possível perceber dificuldades

enfrentadas por alunos e professores. Pode tornar-se dificultoso compreender

e fazer uso dos símbolos matemáticos adequadamente dentro dos padrões

matemáticos, elaborar conscientemente modelos de algoritmos e conseguir

explicá-los, desenvolvendo raciocínio lógico, que é uma característica

fundamental no ensino-aprendizagem da matemática. Este elo entre o

desenvolvimento matemático escolar e a habilidade de resolver problemas de

situações práticas do dia-a-dia nem sempre é trabalhado, já que a

alfabetização matemática é, por vezes, inadequada ou quase inexistente. Em

textos como Na Vida Dez, na Escola Zero (CARRAHER, CARRAHER &

SCHLIEMANN, 2003), são apresentadas variadas situações que nos levam a

concluir que o passar pela educação formal ou escolarizada não pressupõe

utilizar desse aprendizado em situações práticas do dia-a-dia. Há um

estranhamento entre a matemática escolar (ou do matemático) e a da rua,

sendo comum considerar apenas a primeira como autenticamente matemática.

Nesse estranhamento não é raro nos depararmos com pessoas que dizem não

gostar e até detestar matemática; discursos como “eu não sei”, “isso é difícil”

ou “não vou usar isso pra nada”, são proferidos a todo momento e refletidos no

processo de ensino e aprendizagem dessa disciplina. Esses reflexos levam, em

alguns casos, a conseqüências de fracassos nesse processo. Não conhecer,

não saber do que se trata e se recusar a aprender ou não ter quem auxilie o

entendimento dos conceitos matemáticos e o caminho ao gosto pela mesma

são motivos pelos quais alguns estudantes tendem a se afastar da matemática.

Fazem dela (matemática) um bicho-papão, um monstro com o qual não sabem

lidar e não sentem-se preparados para enfrentar. Segundo Romulo Lins, “O

monstro me paralisa exatamente porque não sei como ele funciona, como devo

agir com relação a ele, não sei o que posso dizer dele, isto é, o único

3 Ao referir-nos a dia-a-dia aqui, falamos especificamente das situações não escolares, não querendo dizer com isso que as situações escolares não façam parte do dia-a-dia de muitas pessoas.

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significado que consigo produzir para ele é exatamente este, ‘não sei o que

dizer’.” (LINS, 2004, p.102, grifo do autor).

Será mesmo a matemática um monstro terrível? Segundo Romulo Lins ela

pode constituir-se para algumas pessoas na existência de um monstro, mas

esse monstro não é a matemática. Ele é o guardião que vigia a fronteira

existente entre a matemática do matemático e a matemática da rua, impedindo

quem não esteja familiarizado (o aluno) com a linguagem efetivamente

matemática de entrar nos jardins do matemático.

Por não conhecer a matemática e sua linguagem própria, alguns dos seus

aprendizes acabam por taxá-la como o monstro da escola, que eles nunca

serão capazes de enfrentar. Enquanto isso o professor de matemática,

responsável pelo seu ensino, acaba tomando posse da responsabilidade de

amenizar o pavor que seus alunos têm da matemática. E, por vezes, acabam

excedendo nas simplificações de conceitos, estruturas e outros elementos

dessa área de saber, como os símbolos. Aqui, o uso de metáforas para facilitar

o entendimento dos alunos pode ser um excelente recurso. Pode-se dizer que,

de maneira análoga à comparação física entre duas pessoas ou objetos,

também em matemática usa-se a comparação entre dois elementos

matemáticos e chega-se à conclusão de que eles são iguais ou diferentes.

Porém, não se pode esquecer de deixar claro que a igualdade é usada em

matemática com significado mais preciso e exato, o que não ocorre na

linguagem materna. Podemos então nos questionar em termos de contexto

social, de nosso cotidiano: que duas pessoas ou objetos são exatamente

iguais? Arriscamos responder que nenhum, se exigirmos a precisão da

igualdade matemática.

Nossa preocupação com o uso que os estudantes e os professores fazem ou

deixam de fazer dos símbolos (signos) matemáticos fez-se presente a partir do

ensino médio, pois tivemos um professor que alertava-nos para um

entendimento do que nos diziam as expressões matemáticas. Nessa etapa de

nossa vida percebemos haver outro sentido em expressões como “ 102 =x ” e

que não se tratava simplesmente de uma equação em que deveria encontrar o

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valor de “x”, tratava-se de uma frase escrita em linguagem matemática. Até

então a matemática que conhecíamos era mecanizada, apresentada por

regras, e isso nos incomodava, mas não sabíamos por quê. Foi a partir do

ensino médio que pudemos perceber uma linguagem por trás daqueles

símbolos e dar mais atenção às conexões existentes entre as linguagens

materna e matemática.

É com essa inquietação que desenvolvemos a problemática dessa pesquisa

sobre relações de igualdade matemática, muito presentes nos estudos de

equações que aparecem mais evidenciadas geralmente a partir da 6ª série do

ensino fundamental, mas que também aparecem em situações mais

elementares de matemática como, por exemplo, nos resultados de operações

aritméticas como 422 =+ .

Segundo nossa observação como estudante e professora de matemática, é

notório que não são todos os professores que fazem uma abordagem

interpretativa do que ensinam ou elaboram uma explicação clara que possa, de

certo modo, induzir no aluno a reflexão e produção de significados requeridos

pelo professor no ensino da matemática. Os que o fazem, talvez ainda não

proporcionem um impacto suficiente para que os estudantes, mesmo os

graduandos, atentem para questões como compreensão clara do significado de

igualdade matemática. Isto pode ser mais grave quando se trata de estudantes

de licenciatura nesta área: a “ausência”, ou talvez melhor dizendo, a pouca

explicitação dada aos significados matemáticos influencia tanto em sua vida

acadêmica quanto em sua vida de futuro docente, dando continuidade ao tipo

de atitude de seus professores. Talvez não seja proporcionado um efeito

desejado e efetivo nos graduandos e estes possam tornar-se professores que

se limitam a ensinar uma matemática de regras, deixando de cooperar para

que seus alunos entendam e compreendam a matemática não somente de

modo estrutural, mas na sua natureza constituinte de conceitos, definições,

resultados e simbologias próprios.

O trabalho como docente nos níveis de ensino fundamental e médio deixou-nos

ainda mais inquietas e preocupadas com a pouca atenção no âmbito

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educacional sobre uma possível falta de direcionamento aos significados

atribuídos aos símbolos matemáticos, mesmo os mais elementares como:

maior, menor, diferente, igual, semelhante, implicação, variáveis e incógnitas.

Não estamos dizendo que ocorra sempre e em todas as escolas. Esta foi uma

observação feita especificamente em algumas situações de sala de aula.

Esta pouca atenção aos significados pode ser reflexo da formação do professor

e da maneira como trabalham com os livros didáticos que, em relação aos

resultados simbólicos, fazem explorações um tanto superficiais. Não estamos

afirmando que o livro didático deveria conter tudo o que é necessário para o

ensino da disciplina a que é destinado (no nosso caso, a matemática), pois

sabemos ser impossível dar conta de todas as informações de que os

professores e alunos possam vir a usar, e nem é esse o seu papel. Também

não questionamos a competência dos professores em ensinar a matemática

dentro de um modelo padrão, exigido pelos currículos e instituições. Mas que,

na tentativa de aproximar a matemática dos alunos, por vezes fazem opção por

um caminho que pode não estar bem adequado às exigências da

aprendizagem da linguagem matemática.

Tomamos como exemplo a resolução de equações. Lembramos ter “aprendido”

a resolvê-las, em aulas de matemática, por um procedimento no qual

“passávamos” os números de um lado para o outro da igualdade e trocávamos

o sinal que os acompanhavam até que o “x” ficasse sozinho. Seguindo esse

procedimento, para resolver a equação 1132 =+x , deveríamos “passar” o 3

para depois da igualdade e trocar seu sinal, assim teríamos 3112 −=x , que

após efetuar a subtração ficaria 82 =x . Agora, como o 2 está multiplicando por

x, “passamos” ele para depois da igualdade dividindo o 8, ou seja, 2:8=x .

Logo 4=x . Assim deixando velada a justificação matemática do “passar” e do

princípio básico de equilíbrio inerente à igualdade que posteriormente

compreendemos.

Em reforço a este fato vivido, nossa experiência como professora nos colocou

em contato com alunos que, no uso de termos de linguagem matemática, para

explicar as etapas de resolução de equações como a citada acima, disseram

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ser muito mais difícil esse “outro” jeito posterior que nós lhes apresentávamos –

matematicamente justificado. Preferiam o anterior (com praticamente as

mesmas explicações dadas no exemplo acima) por ser mais fácil. Um ex-aluno

da 1ª série do ensino médio disse ter aprendido com seu professor da 6ª série

do ensino fundamental que o número deve trocar de roupa ao “passar” de um

lado para outro da igualdade e por isso o sinal que o acompanha é trocado,

portanto se a equação for 543 =−x , basta trocar a roupa do número 4 (neste

caso, ele tira o “-” e veste o “+”) e reescrever 453 +=x e, logo teremos 93 =x .

O mesmo aluno seguia “trocando a roupa” do número 3 e escrevendo

)3(:9 −=x em lugar de escrever 3:9=x .

É um hábito comum encontrarmos em livros e em discursos de professores o

uso de recursos metafóricos que, de forma mais imediata, tendem a prezar por

um caminho que parece mais fácil por aproximar de explicações comuns ao

vocabulário do aluno. Com isso procuram apresentar aos estudantes uma

linguagem simples e “fácil de entender”. Mas que deixam no ar indagações

como: Até que ponto essa simplificação pode contribuir para o aprendizado

efetivo da matemática? Uma simplificação excessiva não estaria levando a

uma deturpação de conceitos em relação à matemática do matemático e da

escola? Além de desrespeitar o princípio de equilíbrio da igualdade, ao falar de

tirar uma quantidade de uma das expressões que compõem a equação e

colocar na outra (mesmo quando a idéia por trás é a de subtrair uma

quantidade em ambos os membros da igualdade) a falta do uso de uma

linguagem matemática adequada faz também com que alunos sigam com

passos errados, como a divisão por “-3” no exemplo anterior.

Falamos em simplificação excessiva das justificações no sentido de que ela

acontece não apenas no começo do tratamento de um tópico, mas se estende

no decorrer do processo de aprendizagem deste. Acreditamos que para o

aluno seja “funcional”, e talvez até mesmo inevitável, aprender de maneira

mecânica a manipular determinados elementos matemáticos, pois o hábito de

assim o fazer torna as etapas automatizadas. Mas isso não quer dizer que ele

não vá precisar usar de explicações ou justificações adequadas às etapas do

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processo, embora isso possa ser pensado ou dito sempre que for requisitado.

No entanto, essa automatização pode até se constituir um obstáculo para a

aprendizagem significativa de desenvolvimentos matemáticos posteriores; na

impressão de sucesso em seu aprendizado (automatizado), o aluno se fecha e

não demonstra vontade de compreendê-lo mais aprofundadamente. Um

exemplo disso é o aluno citado acima que até o ensino médio ainda

manipulava equações pela “simplificação” que aprendeu anos atrás.

Segundo Vygotski4 (2005, p.63), “[...] O crescimento intelectual da criança

depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da

linguagem”. Assim é com a matemática que, sob o ponto de vista de uma

linguagem nova a ser aprendida, também deve levar o aluno a ter que

compreendê-la para dominá-la. Dominar também seus símbolos e significados,

até alcançar suas leis específicas, necessárias para se pensar e falar (ou

escrever) matematicamente, da mesma forma em que, salvaguardando as

peculiaridades de cada uma, isso acontece no aprendizado da linguagem

materna.

Com a crença de ter aprendido matemática por meio de regras e modelos que

deram certo e levaram ao sucesso nessa disciplina escolar, o aluno se fecha e

não quer compreendê-los de outro modo, com outras argumentações. Assim, a

matemática com sua linguagem pode se constituir para esses alunos um

obstáculo psicológico dos mais difíceis de serem transpostos. Ao se deparar

com situações que para os professores são simples, como exercícios de

completar lacunas com os símbolos “<”, “>”, “=” ou “ ≅ ”, os alunos ficam

confusos e tendem a não usá-los da maneira esperada pelos professores.

Principalmente no uso de símbolos como igual (=), aproximadamente igual ( ≅ ),

implicação (⇒ ) e equivalência ( ⇔ ), a maioria dos alunos fica insegura ao

fazê-lo de acordo com os padrões lógicos matemáticos e confunde seus

significados.

4 Seu sobrenome, em russo, é BbI O CK , cuja tradução que mais se aproxima é Vygotski, que adotamos nesse trabalho. A letra latina que mais se aproxima de “bI” é o “y” e de “ ” seriam duas letras “i”, mas optou-se por usar apenas um “i”. Devemos, portanto, ressaltar que estamos estudando em traduções brasileiras desse autor que optaram por reescrever seu sobrenome como Vigotski.

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A partir de discussões com professoras e colegas da linha de pesquisa

Educação Matemática, no Programa de Pós-graduação em Educação da

UFES, nos foi possível aprofundar em reflexões sobre ensino e aprendizagem

da igualdade matemática e sobre as confusões entre esse e outros símbolos

como os citados no parágrafo anterior. Até então considerávamos reflexões em

torno desse tema apenas como uma parte de outros conteúdos matemáticos e

que a ciência de seus significados é nata, pois os professores falam a seu

respeito com naturalidade dentro da linguagem matemática, como se fosse

clara e inerente à própria linguagem materna para todos. Mesmo assim, nos

questionávamos, e também aos alunos, ao percebermos situações como:

1. na solução de expressões como “ 64310 −+− ” aparecerem

representações do tipo “ 561147310 =−=+=− ”, que apesar de mostrar

uma idéia correta sobre operações a serem feitas e encontrar o

resultado certo, faz uso incorreto do símbolo “=”, pois 310 − não é igual

a 47 + e assim por diante;

2. expressar que o triângulo ABC é igual ao triângulo DEF ( DEFABC ∆=∆ ),

quando em geometria dizemos que eles são congruentes e

representamos por DEFABC ∆≡∆ ;

3. expressar que duas ou mais sentenças como “d

cb

a = ” e “ cbda .. = ”

são iguais, ou seja, cbdad

cb

a .. === , quando o correto é dizer que

elas podem ser equivalentes (desde que b e d não sejam nulos) e

escrever cbdad

cb

a .. =⇔= ;

4. escrever 14,3=π dizendo que esse é seu valor exato, omitindo uma

aproximação que deveria ser representada por 14,3≅π ;

5. escrever o símbolo “=” entre duas sentenças como 52

=+++ dcba

e

52×=+++ dcba , ou seja, 52

=+++ dcba

= 52 ×=+++ dcba ,

quando na verdade a primeira pode implicar na segunda

( 52

=+++ dcba

⇒ 52 ×=+++ dcba ), ou mesmo serem equivalentes.

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De forma geral, em situações cotidianas, segundo o sociólogo da educação

Angel Pino (2005)5, o sentido de igualdade pode sofrer variações consideráveis

na mente de adolescentes que tenham menos de 13-14 anos de idade. Pino

comentou que o conceito de igualdade (aqui afirmada com significados sociais)

ainda não foi suficientemente desenvolvido nessa idade e ela é vista como algo

comum a todos, se referindo a direitos, princípios e regras, que são igualmente

atribuídas a todos os indivíduos. Em sua palestra, Pino ressaltou que “o

conceito de igualdade deve ser muito trabalhado”. Reforçamos que dentro da

matemática o conceito de igualdade merece também ser trabalhado com mais

atenção.

1.3 HIPÓTESES DE TRABALHO

Temos algumas hipóteses que nos ajudarão no andamento dessa pesquisa.

Acreditamos que, nos processos de ensino-aprendizagem da Matemática, a

igualdade é tratada nos livros didáticos e pelos professores como um elemento

de significado único e exato, exclusivamente dentro da Matemática. Conforme

já dissemos, a existência de outras relações de igualdade como social, política,

jurídica são normalmente interferentes no aprendizado do novo conceito.

Porém, supomos que elas sejam abordadas em disciplinas escolares como

História e Língua Portuguesa, ou em outras situações do dia-a-dia dos alunos,

sem qualquer conexão ou diferenciação explícita em seus significados nos

diferentes contextos.

Como já dissemos, existe um distanciamento entre as matemáticas da escola e

a da rua e entre a matemática e outras áreas de conhecimento. Esse

distanciamento, ligado a outros fatores de diferentes naturezas, acontece

também com os conceitos que o aluno produz a partir do termo igualdade.

Acreditamos que quase sempre ele (o aluno) não faz analogias entre a

igualdade que lhe é apresentada na Matemática e a igualdade que ele conhece

fora dessa ciência. Talvez na fala isso não seja muito visível, mas ao tratarmos

da escrita, a situação se torne mais aparente, pois é aí que o aluno se depara

5 Durante palestra intitulada Natureza e cultura na constituição humana do homem, ocorrida em 27/11/2005 no auditório do prédio IC-IV do Centro de Educação da UFES.

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com a notação de igualdade matemática – o símbolo “=” – e a sua forma

expressa por letras – igualdade – fora da matemática, o que, em nossa opinião,

dificulta ainda mais as analogias entre esses dois “termos distintos”.

Além disso, tendo em vista experiências próprias no ensino da Matemática,

percebemos que o símbolo de igualdade é tido como algo que não necessita

de maior atenção, sendo considerado como um conhecimento nato e tratado

como um detalhe que aparece em alguns tópicos matemáticos, como se não

tivesse relacionamentos diretos com as questões matemáticas das

desigualdades, semelhanças, aproximações, etc.

1.4 QUESTIONAMENTOS

Na perspectiva que apresentamos até então, alguns questionamentos são

inevitáveis e serão eles que nortearão a presente pesquisa. Podemos destacar

como sendo o principal:

� Que significados são produzidos e externados por alunos de 5ª e 6ª

séries do ensino fundamental em relação a igualdade matemática?

Além dessa questão central, outras perguntas nos ajudarão a pensar e buscar

respostas. São elas:

� Que relações esses alunos estabelecem entre significados de igualdade

na matemática e em outras áreas de conhecimento?

� Na História da Matemática, do século XVI até o século XVIII, como a

igualdade matemática foi representada?

A escolha desse período justifica-se pela introdução da linguagem simbólica

no século XVI e pela instituição sistemática de uso do símbolo “=” (para

igualdade) a partir do século XVIII.

� Como as relações de igualdade são trabalhadas por professores e em

livros didáticos que fazem uso?

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1.5 OBJETIVOS

Nesta investigação, temos dois principais objetivos: um deles é conhecer mais

amplamente a evolução histórica do símbolo de igualdade e elaborar um

panorama histórico englobando as idéias que mostram essa evolução; o outro

objetivo é identificar e caracterizar significados e conhecimentos externados

por professores e alunos sobre a igualdade matemática.

São objetivos específicos:

� Identificar e caracterizar como professores e alunos trabalham com a

igualdade matemática em sala de aula;

� Caracterizar como os livros didáticos de 5ª e 6ª séries do ensino

fundamental apresentam as relações de igualdade matemática e o

símbolo “=” que as representa;

� Tecer um panorama histórico especifico sobre como têm sido

apresentados os símbolos usados na representação da igualdade na

história da matemática, entre os séculos XVI e XVIII;

� Identificar se alunos e professores relacionam os significados de

igualdade empregados dentro e fora da matemática.

1.6 ORGANIZAÇÃO DO PRESENTE TRABALHO

Para que o leitor tenha uma idéia geral de como organizamos nosso trabalho,

apresentaremos nessa seção os principais assuntos abordados em cada

capitulo. Este primeiro, conforme já perceberam, introduz a problemática por

nós estudada, oferecendo indícios das discussões a serem feitas nos capítulos

seguintes.

No capítulo dois faremos um passeio pela história de símbolos usados na

representação da igualdade matemática, focando nos séculos de XVI a XVIII,

que corresponde ao período da introdução do símbolo “=” como igualdade

matemática por Robert Recorde até sua instituição definitiva como tal.

Em seguida, no capitulo três, introduziremos nossa fundamentação teórica,

com enfoque principal em temas como mediação, formação/construção de

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conceitos e operações com signos e seus significados. Faremos o relato

dessas idéias e de algumas outras que as permeiam à luz das teorias de

Vygotski, Bruner, Bakhtin e Cassirer. No capítulo quatro apresentaremos a

revisão de literatura, contemplando nossos estudos a partir de bibliografias que

dizem respeito à linguagem matemática, iniciação e alfabetização matemática e

matemática na sala de aula.

Os capítulos cinco e seis contemplam, respectivamente, nossa metodologia e

os resultados que obtivemos nas análises dos dados. A apresentação dos

recursos metodológicos empregados bem como a apresentação do ambiente

de pesquisa será feita no capitulo cinco. Posteriormente faremos exposição

conjunta dos resultados da investigação com descrições da análise que

fizemos dos dados, tanto na parte histórica quanto do ambiente escolar.

Reservamos o capítulo sete para as nossas considerações finais. Nesse

momento retomaremos as idéias discutidas no decorrer desse trabalho e

faremos um balanço das mesmas para inferirmos algumas conclusões e

apresentarmos sugestões que venham a contribuir no ensino e aprendizagem

de matemática.

No capítulo oito listamos as referências bibliográficas por nós utilizadas nessa

pesquisa, seguida dos anexos com os questionários e modelo do termo de

autorização para a participação dos sujeitos (alunos e professores) em nossa

pesquisa.

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2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA

DE SÍMBOLOS QUE REPRESENTARAM IGUALDADE

MATEMÁTICA

Hoje representamos a igualdade matemática com o símbolo “=”, mas nem

sempre foi assim. A primeira vez que se tem registro de seu uso é na segunda

metade do século XVI, aproximadamente em 1557, por Robert Recorde, um

matemático inglês que nasceu em Tenby (Pembrokeshire) no início do século

XVI e faleceu em Londres, em 1558.

Até 1557 e mesmo no século seguinte a igualdade era expressa normalmente

por palavras como aequales (fig. 2.1), aequantur (fig. 2.2), esgale, faciunt,

ghelijck, ou gleich ou por abreviações das mesmas, como aeq. (fig. 2.3). Esta

última aparece mesmo em escritos de autores como Johannes Kepler, Galileu

Galilei, Evangelista Torricelli, Cavalieri Bonaventura, Blaise Pascal, John

Napier, Henry Briggs, Gregory St. Vincent, Andrea Tacquet e Pierre de Fermat,

todos posteriores a Recorde; o que pode nos levar a concluir que o emprego de

um símbolo para representar a igualdade não aconteceu de maneira imediata.

Figura 2. 1. Geometrie de Descartes (1633)

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Figura 2. 2. Ars Magna de Cardano (1545)

Figura 2. 3. Primeira publicação do cálculo de Leibniz (1684)

É importante ressaltar que nos respaldamos fortemente em Florian Cajori, que

dedicou alguns parágrafos de seu livro A history of mathematical notation para

notações do sinal de igualdade. Nessa parte de seu livro ele faz referência a

mais de 100 autores cujos escritos pesquisou, alguns dos quais aparecerão no

decorrer desse texto. As principais idéias que encontramos em Cajori são: o

uso de diferentes símbolos para representar igualdade matemática, uso do

símbolo “=” com diferentes significados e a aceitação não imediata do símbolo

“=”.

Existem indícios de um símbolo encontrado em uma equação linear do papiro

de Ahmes (1650 a.C.), que significaria “isso dá”, e categorizado como um sinal

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para a igualdade. Segundo Cajori (1928, p. 297) e Thomas & Heath (1985, p.

48), Diophantus teria usado regularmente apenas o sinal “ ” para igualdade.

A contração pha foi usada com a finalidade de expressar resultado na

aritmética de Bakhslãlĩ enquanto o árabe al-Qalasâdî (1500 ad) usou um outro

sinal. Um traço “–” foi usado para a expressão da igualdade por Johannes

Muller, mais conhecido como Regiomontanus e considerado principal figura

matemática do século XV, quando adotou esse traço. Nesse momento “todos

os teoremas ainda tinham de ser expressos por palavras [...], diferindo dos

nossos textos atuais, basicamente, porque a nossa notação não existia” (Struik,

1989, p. 143).

Cajori afirma que Luca Pacioli expressou igualdade com o mesmo traço “–” no

fim deste mesmo século, em sua obra Suma de Arithmetica, Geometria,

Proportioni et Proportionalita, conhecida por Suma e impressa em 1494. De

acordo com Estrada (et all, 2000, p. 454), Pacioli representa o igual pela

abreviação “ae” da palavra aequalis. Os mesmos autores dizem que esta obra

trata o estudo de equações praticamente com os mesmos casos que Fibonnaci

em seu Líber Abaci, diferindo desta no caso da simbologia: “o Liber Abaci

mostra uma álgebra completamente retórica, na Suma observam-se muitas

abreviaturas que permitem a aproximação à álgebra sincopada”. Segundo

Struik, este trabalho de Pacioli foi o mais impressionante livro de matemática

desde a criação da imprensa, pois abordava todos os conteúdos de aritmética,

álgebra, geometria e trigonometria conhecidos até então.

Pacioli é um dos representantes de um período, final do século XV e início do

século XVI, em que a álgebra elementar teve avanços significativos na

resolução de equações e na criação dos números que hoje chamados

complexos. Além dele, os matemáticos italianos Nicolo Fontana de Brescia

(conhecido como Tartáglia), Raffaele Bombelli, Scipione del Ferro e Gerolamo

Cardano e o português Pedro Nunes tiveram grande importância nesses

avanços. Cardano costumava deixar um espaço em branco significando

igualdade, embora ainda empregue esse termo de forma retórica (fig. 2.2).

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A instituição do símbolo “=” na representação de igualdade não aconteceu pelo

menos cem anos após o registro de Recorde, período no qual alguns dos

matemáticos de maior destaque não usaram qualquer símbolo para igualdade.

Segundo CAJORI (1928, p. 298),

This is the more surprising if we remember that about a century before Recorde, Regiomontanus in his correspondence had sometimes used for equality a horizontal dash – , that the dash had been employed also by Pacioli and Ghaligai. Equally surprising is the fact that apparently about the time of Recorde a mathematician at Bologna should independetly originate the same simbol and use it in his manuscripts.

Na mesma época de Recorde, em 1564, o matemático português Pedro Nunes

publica o Libro de Álgebra en Arithmetica y Geometria, dando grande ênfase à

igualdade. Logo no primeiro capítulo (fig.2.4) que trata da finalidade da Álgebra

ele diz:

En esta Arte de Álgebra el fin que se pretende es manifestar la quantidad ignota. El médio de que usamos para alcançar este fin, es ygualdad. Las principales quãtidades a ¨q por discursos demõstratinos procuramos esta ygualdad, dandoles o quitandoles quanto cõuiene, como quien pone en balança, son tres: Numero, Cosa, Censo. (NUNES, 1564, p. 1)

Figura 2. 4. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Pedro Nunes (1564)

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Pedro Nunes nasceu em 1502, na vila de Alcácer do Sal (sul de Portugal) e

faleceu em Coimbra, em 11 de agosto de 1578, após a morte do rei D.

Sebastião na batalha de 4 de agosto de 1578. Essa data coincide com o início

de um período de declínio na matemática portuguesa, talvez devida ao fato de

Portugal passar a ser dominado e anexado a Espanha. Nunes é considerado o

mais ilustre matemático português de seu tempo e se destaca por introduzir

uma linguagem sincopada da álgebra no livro acima citado. Em seu Libro de

Algebra en Arithmetica e Geometria, ele se antecipa a François Viète6 no uso

da linguagem sincopada para a álgebra (Souza & Cardoso, apud Fossa, 2001,

p.277). Ainda de acordo com Souza e Cardoso, em sua linguagem7 12.cu.p.

18.ce.p.27.co.m.17, Pedro Nunes expressara o que hoje é escrito como 12x3 +

18x2 + 27x – 17. Entretanto, embora tenha dado tamanha importância para a

igualdade como vimos no capítulo de abertura de seu livro, não adotou

simbologia específica para ela e nem para a multiplicação. Ao expressar

igualdade, Nunes escreve “yguales”, em linguagem retórica, conforme a figura

a seguir.

Figura 2. 5. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Pedro Nunes (1564)

Desde o aparecimento em 1557, somente depois de 61 anos o “=” de Recorde

foi encontrado, num impresso de Edward Wright em 1618. Mas isso não quer

dizer que ele não tenha sido usado, já que alguns autores escreveram

6 A Viète é atribuída a criação da linguagem algébrica moderna com a introdução de, por exemplo, vogais para representar grandezas desconhecidas e consoantes para grandezas conhecidas. 7 Nunes representa a incógnita de uma equação por co (cousa), sua segunda potência por ce (censo) e a terceira potência por cu (cubo). P é inicial de plus e m, inicial de minus que representam, respectivamente, mais e menos. Essa notação para mais e menos também foi, segundo Thomas & Heath, usada por Bombelli na sua Álgebra publicada em 1572.

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manuscritos confidenciais que não exibiram em seus livros impressos ou talvez

por dificuldades em publicarem na época. Podemos exemplificar isso com John

Napier: ele usou o “=” em um manuscrito algébrico que não publicou e que foi

impresso primeiramente em 1839; e o impresso de Wright acima citado é uma

tradução para o inglês de uma outra obra de Napier, o Descriptio, que continha

um apêndice anônimo em que apareceu o símbolo “=” (provavelmente,

segundo Cajori, devido a William Oughtred).

Os primeiros livros textos que usaram o símbolo “=” no continente europeu são

holandeses: um livro de álgebra em 1639 e um tratado em 1640, ambos

escritos por Stampioen. Em seguida apareceu a obra Teutsche Algebra, escrita

pelo suíço Johann Heinrich Rahn em 1659. Leibniz, que após ler Euclid, de

Isaac Barrow, datado de 1655, adotou esse mesmo símbolo em seu De arte

combinatória, de 1666. Em 1667 Arnauld publicou o primeiro livro texto

parisiense onde este sinal aparece. Em Londres, foi Dechales que o fez, em

1674.

Em 1631 o símbolo “=” recebeu reconhecimento mais geral na Inglaterra,

porque em pelo menos três influentes trabalhos ele foi adotado: Artis analyticae

praxis de Thomas Harriot, Clavis mathematicae de William Oughtred, e

Trigonometria de Richard Norwood. Mas até então vários outros símbolos

foram empregados por matemáticos de todo o mundo para designar igualdade.

Observamos que mesmo após essa data outros símbolos continuam sendo

também usados para designar igualdade, porém com menor freqüência.

Mas será que esse “=” apareceu exatamente com essa forma desde o início?

Recorde já o escreveu exatamente como o escrevemos hoje? A resposta é

não, ele não foi escrito por Recorde exatamente como hoje, tampouco foi assim

escrito por todos os matemáticos que o empregaram em suas obras. Houveram

algumas alterações em sua forma, não é sabido ao certo quando ocorreram,

mas existem registros de algumas delas: duas linhas muito longas “═══” são

encontradas na álgebra de Thomas Harriot, em 1631 e em alguns trabalhos

posteriores, como um de De Lagny e em edição de Schawab de Euclids Data;

outros escritores desenham as duas linhas mais curtas “=”, como Weigel em

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1693. Na cidade de Upsala, Emanuel Swedenborg usou traços curtos e

inclinados para cima, “//”. Também se encontram linhas de comprimento

moderado, desenhadas distantes uma da outra ─, como em artigos de Nicole e

em outros no Jornal des Sçavans. Segundo Cajori (1928, p. 307), nas

impressões da época era mais freqüente o uso do símbolo “11” colocado

horizontalmente, para a esquerda ou para a direita.

Houve também o acréscimo de detalhes que davam especificidade de

significado, de acordo com o que pretendia-se transmitir. Wolfgang Bolyai

introduziu, por exemplo, “ ” para significar igualdade absoluta e “ ” para

igualdade em conteúdo; “ BA =( ” ou “ AB )= ” significando que cada valor de A é

igual a algum valor de B, mas não necessariamente o contrário e “ BA )(= ” para

expressar que cada um dos valores de A é igual a algum valor de B, e vice

versa. Em 1832, Bellavitis usou o sinal “ ” para marcar a igualdade de

vetores.

Em 1842 De Morgan usou, em um de seus artigos sobre teoria logarítmica, o

sinal da igualdade é escrito duplamente “= =” em expressões como

“ 11)(

−− == vx nebeβ ”, onde β e v são ângulos formados por b e n,

respectivamente, com a linha inicial. Segundo Cajori (1928, p. 307), ele usa

este sinal dobrado para indicar que cada símbolo expressará não somente o

comprimento e o sentido de uma linha, mas também a quantidade suposta de

voltas que uma linha dá para alcançar esse sentido, se ajustando para fora da

linha da unidade. Uma outra forma de empregar em dobro o sinal “=” foi a de

Gustave du Pasquier, em seu trabalho Comples Rendus du Congrès

International des Mathématicians de 1920, onde discutiu números complexos

gerais e o sinal “ ” significava “igual por definição”.

A 11ª edição da Encyclopaedia Britannica, em 1910, apresenta uma expressão

em que o símbolo “ ” representa igualdade. Mas esta não é a igualdade

aritmética, ela é somente formal. As relações entre os coeficientes de energia

de x em uma série podem ser expressas por uma igualdade formal envolvendo

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a série como um todo, como em

“ ...12

)2()1(+++ xnxn ...})1()1(1){1(

2

)2()1(+−+−++ xnxnx ”.

Outro exemplo dessas especificidades são os símbolos que expressam

igualdade aproximada. Mas essas notações são recentes, verificadas no final

do século XIX e já no início do século XX, quando tornou-se comum escrever

“~” expressando “quase igual a” como, por exemplo, em “ 2 ~ 4,1 ”, e também o

símbolo “ ≅ ”. Mesmo notações como o sinal “ ” usado por Fischer ou o

“ ” de Greennhill, que são para nós estranhos, designaram a igualdade

aproximada em data não muito distante, 1917 e 1892.

Não sabemos dizer com certeza os motivos que levaram a variações no

emprego de símbolos representativos da igualdade e nem às alterações na

forma do “=”. Acreditamos que os matemáticos da época seguiam outros

matemáticos que admiravam o trabalho, inclusive no uso das notações. Eles

não contavam com recursos como os que temos atualmente (telefone, internet,

correio e outros) e usavam manuscritos, o que tornava a comunicação difícil,

demorada e mesmo sujeita a distorções. Desse modo, quando chegavam a

acessar e “compilar” uma correspondência ou obra de um outro, a mesma já

poderia ter passado por alterações, inclusive influenciadas por um terceiro (até

mesmo por um “copista” que não era bem entendido no assunto). Além disso,

eles deveriam ter, em distintas ocasiões, pontos de vistas diferentes sobre o

significado do símbolo de igualdade que os levariam a notações também

distintas. Talvez isso justifique, mesmo que parcialmente, a variação entre

diversos símbolos usados para representar a igualdade.

Além do emprego de outros símbolos para a igualdade e das especificações

mencionadas, o “=” foi usado em relações que não eram de igualdade. Em

1591 François Viète usou o símbolo “=” para designar diferença aritmética em

seu In artem analyticen isagoge. Esta designação foi adotada por Sieur de Var-

Lezard numa tradução do Isagoge de Viète do latim para o francês, chamada

Introduction en l’art analytic ov nouvelle algèbre de François Viète, datada de

1630. Esse mesmo significado foi dado ao símbolo “=” por Girard Desargues na

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obra Invention nouvelle en l’Algebra de 1629, por De Graaf em seu De

beginselen van de Algebra of Stelkonst de 1672 e por Schooten na edição de

Geometrie de Descartes de 1695.

Em 1638, Descartes usou o símbolo “=” para designar mais ou menos, isto é,

“±”. Johann Caramuel o empregou para separar as partes inteira e decimal de

números racionais: para ele “102=857” significava “102,857”, enquanto que

para igualdade ele empregou, em 1670, o símbolo “IE”. Em 1706, Paricius usou

os sinais “=”, “:” e “-” como sinais gerais para separar os números que ocorriam

no processo de resolução de problemas aritméticos.

Essa diversificação inerente ao uso da linguagem algébrica simbólica, que

estava sendo introduzida, aumentou ainda mais quando Dulaurens e Reyher

designaram o símbolo “=” para enunciar linhas paralelas. Dessa maneira, o

símbolo “=” adquiriu pelo menos esses cinco significados diferentes entre

escritores distintos: diferença aritmética, mais ou menos (±), retas paralelas,

separação entre as partes inteira e decimal de números racionais e separação

entre números que ocorriam em problemas aritméticos. O sinal “=” estava

então sob o risco de ser rejeitado completamente e substituído por outro que

estivesse sendo empregado com significado único. Uma outra curiosidade é

percebida em 1615, na obra Stereometrie Archimedeae Supplementum: no

teorema VIII, Johannes Kepler utiliza o “=” entre objetos da geometria (fig. 2.6),

escrevendo, por exemplo, “a=DK” e “c=LK”; já no teorema IX ele escreve a

palavra aequalis ao enunciá-lo: Cylindri rect superficies est aequalis

Sphaericae, quam stringit.

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Figura 2. 6. Stereometrie Archimedeae Supplementum de Kepler (1615)

Dentre os outros símbolos usados para representar igualdade encontraram-se

“]”, “||”, “|” e “ ”. O primeiro apareceu dois anos após a escrita da Álgebra de

Recorde, no Logística de Buteo, em equações como “ 14[3

1,

3

1,1 CBA ” e

“ 120[15.3.3 CBA ”, que na notação atual podem ser representadas por

143

1

3

1=++ zyx e 1201533 =++ zyx .

Em 1571, o escritor alemão Wilhelm Holzmann, mais conhecido como

Xylander, publicou uma edição da Arithmetica de Diophantus em que duas

linhas verticais paralelas “||” foram usadas para a igualdade, sem no entanto

dizer se esse símbolo foi introduzido por ele ou se “copiou” de alguém, como

do próprio Diophantus cuja obra estudou. Em um manuscrito (editado pela 3ª

vez em 1907), Moritz Cantor levantou a possibilidade de que Xylander teria

abreviado a palavra grega λσοι (igual), originalmente empregada por

Diophantus, e escrito “ιι ”, de maneira análoga a registrada em uma tradução

parisiense da obra de Diophantus, com uma única letra “ι ” da palavra λσοι .

Para nós a opinião de Cantor faz sentido, pois as letras gregas “ιι ” se

assemelham a duas retas paralelas e poderiam ter sido por simplificação da

escrita substituídas por “||”. Isso pode ter acontecido sem intenção de distorção,

mas acompanhando o processo de simplificação da linguagem algébrica.

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As linhas paralelas verticais foram adotadas por alguns matemáticos

holandeses e franceses durante os cem anos seguintes, principalmente na

escrita de proporções. Descartes o fez em seu Opuscules de 1619-1621:

“ 32|16||8|4||2|1 ”; que hoje pode ser representada por “32

16

8

4

2

1== ”. Pierre de

Carcavi faz uso do símbolo “||” como igualdade na equação

“ 0||25239111526643060129665432 aaaaaa +−+−+−+ ”, em uma carta para

Descartes (em 24/09/1649). Conforme Cajori, De Monconys usou “||” de modo

semelhante em 1666.

Em 1668, De Sluse escreve “be || aa” para expressar o que hoje escrevemos

“ 2abe = ”. Em 1701 De la Hire representou a proporção “ abxba ::

2= ” por

“ abxxba |||| ”. Este simbolismo é igualmente adotado pelo holandês Abraham

de Graaf em 1703, por Frenchman Parent em 1713 e por outros escritores no

periódico Journal des Sçavans. Apesar de ser visto no decorrer de mais de um

século, o símbolo “||” parece ter sido usado apenas por esses poucos

escritores, não chegando a dar sequer indícios de que se firmaria como

símbolo universal para a igualdade.

Uma única linha vertical foi usada para a igualdade por Pierre Hérigone em

1634, mas em alguns momentos ele adotou a notação “ ”. Ele empregou “|”

tanto para identidades como “2|2”, quanto para passar a idéia de “maior que”

no caso de “3|2” e “menor que” no caso de “2|3”. Reyher também usou “|” como

igualdade em 1698, ou seja, para ele “A|B” significou “A = B”. Segundo CAJORI

(1928, p. 300), Reyher atribui esta notação ao astrônomo holandes Jacob

Golius, dizendo: “sou especialmente grato ao Sr. Golio pela clareza na

modalidade algébrica de demonstração com o sinal da igualdade, a saber o

traço retilíneo que está verticalmente entre dois valores da medida igual”

[tradução nossa].

Um grande concorrente para o símbolo “=” de Recorde foi o “ ”, introduzido

por René Descartes em sua Géométrie de 1637. Possivelmente tenha usado

esse símbolo primeiramente em data anterior, mas paralelamente continuou

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usando a palavra aequali (fig. 1). É possível que o sinal “ ” tenha surgido a

partir da combinação “ae” na palavra aequalis (igual). Cajori (1928, p. 301)

relata algumas explicações que encontrou para a origem desse símbolo:

Cantor o descreveu como a união das duas letras “ae” e Wieleitner como uma

união de “oe” invertida. Cajori diz que Wieleitner examinou minuciosamente

este símbolo que apareceu na edição de 1637 da Géométrie e concluiu que

uma maneira mais exata de descrever esse símbolo é dizer que ele foi criado

pela justaposição das letras “oo”, sendo a parte esquerda da primeira cortada

ao serem pressionadas uma contra a outra. Cajori também diz ter encontrado o

símbolo “oe” mais tarde, em escritos de Frans Van Schooten, de 1659.

A opinião de Cajori é que o símbolo “ ” de Descartes para igualdade, como

aparece em seu Géométrie de 1637, é simplesmente o símbolo astronômico

para o Taurus, colocado lateralmente com a abertura girada para a esquerda.

Sua opinião é justificada pelo fato de que esse símbolo ocorria regularmente

em trabalhos astronômicos e estava disponível em documentos impressos.

Acreditamos mais plausível a opinião de Cantor, na qual a origem do símbolo

“ ” é a justaposição das letras ae, iniciais da palavras aequalis, pois, antes de

serem usados símbolos para representar a igualdade, eram palavras como

essa que eram escritas. Acredito que a partir de abreviaturas e simplificações

da própria palavra aequalis, Descartes teve a inspiração para seu símbolo. Se

observarmos a figura 3, notaremos que a proximidade entre as letras ae é

maior que entre as demais letras da palavra aequali. Essa proximidade sugere

a pronúncia de ae com som muito próximo de e.

Alguns fatores contribuiriam para o firmamento do sinal “ ” como igualdade,

dentre eles destacamos o fato de o Géométrie ser considerado um trabalho de

gênio, pois apresentou a geometria analítica para o mundo, prendendo a

atenção de grandes matemáticos. Além disso, neste livro Descartes aperfeiçoa

a notação exponencial, an (n, um inteiro positivo), que marcou um grande

avanço na álgebra simbólica. Com esses argumentos fortes, seria muito

provável que o símbolo “ ” se estabelecesse para igualdade como aconteceu

com a notação “an” para exponencial. Mas Descartes também usou o sinal “=”

em um pergaminho de 1640, onde escreveu “ 406 =− NC ” para “ 4063 =− xx ”,

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o que pode ter enfraquecido o uso de seu símbolo “ ”, já que ele próprio usa

um outro no lugar desse.

Durante um período, tanto o símbolo “ ”, atribuído a Descartes, quanto “=”,

introduzido por Recorde, foram usados alternadamente por vários matemáticos.

Em 1659 a notação “ ” mostrou-se muito forte na Inglaterra, por exemplo, no

Miscellanies de Samuel Foster, escrito em latim. Na sua tradução para o inglês,

com algumas passagens mantidas em latim, é o sinal “=” que apareceu. Uma

outra tradução do latim para o inglês que empregou o sinal “=” significando

igualdade foi a Álgebra do suíço Johann Alexander.

Michael Rolle usou o “ ” em seu Traité d' algèbre de 1690, mas mudou para

“=” em 1709. Na Holanda, o sinal “ ” foi adotado em 1660 por Kinckhvysen e

em 1694 por De Graaf, exceto em escrita de proporções, quando ele usa “=”.

Bernard Nieuwentiit usa o símbolo “ ” em edições de 1694 e 1696 do seu

Considerationes, mas mudou para “=” em sua Analysis infinitorum, de 1695.

Jacob Bernoulli usou o símbolo “ ” em seu Ars Conjectandi, de 1713.

Um uso pouco comum do sinal de igualdade “=” é encontrado em 1740, no

trabalho La mesure des surfaces et des solides, de Deidier. São expressões

como 2

1

6

3

222

210=

=++

=++ e

12

1

3

1

12

5

,4,4,4

.4.1.0+=

=

=.

Entre trabalhos de Fermat editados em 1679, o tratado Ad locos planos et

sólidos isagoge apresenta o “ ” significando igualdade, mas nos originais esse

símbolo não é encontrado. Dessa forma, não podemos concluir se o próprio

Fermat empregou a notação “ ” ou se ela foi introduzida durante a referida

edição de Ad locos planos et sólidos isagoge. Essa dúvida aumenta se

acrescentarmos o fato de que em um outro tratado de Fermat, também editado

em 1679, foram expressões como “ BEDA{ ” que significaram “ BEDA = ”, ou

seja, com o símbolo “{” para igualdade.

No século XVII, a maioria dos escritores do continente europeu usou a notação

“ ” introduzida por Descartes para a igualdade. Nesse continente, considerado

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o grande centro intelectual da época, o símbolo “=” não fez nenhum progresso

considerável até 1650 ou 1660 (cerca de cem anos após a escrita da álgebra

de Recorde), quando ascendeu quase completamente na Inglaterra. Os

registros encontrados induzem a conclusão de que foi só no começo do século

XVIII que ele se fixou como o símbolo de igualdade, pois o único entre os

importantes trabalhos matemáticos desse século que utiliza o sinal “ ” é Ars

Conjectandi, uma publicação póstuma de James Bernoulli, em 1713.

A instituição do símbolo “=” na Europa foi reforçada após grandes nomes da

matemática o terem usado em seus escritos, entre eles Thomas Harriot,

Guilherme Oughtred e, um pouco mais tarde, John Wallis, Godofredo

Guilhermo Leibniz, Marques de L´Hospital, Isaac Barrow e Isaac Newton, sem

contar o próprio Descartes como já citamos anteriormente. Alguns nomes que

não são facilmente reconhecidos adotaram o mesmo símbolo de igualdade

introduzido por Recorde. Entre eles, citamos Prestet, Abb Catelan e

Tschirnhaus, Hoste, Ozanam, Nieuwentijt, Weigel, De Lagny, Carré, Polynier,

Guisnée e Reyneau. Bernhard Frenicle Bessy também o usou em uma carta a

John Wallis datada de 20 de dezembro de 1661.

No final do século XVII foram apresentados os primeiros trabalhos de cálculo

diferencial e integral. Este tem seu marco devido principalmente a Leibniz e

Newton. Considerando que Recorde não propôs nenhum outro símbolo, que o

cálculo diferencial e integral estava em desenvolvimento e que Leibniz

empregou o símbolo “=” em seus trabalhos, podemos concluir que a adoção

geral desse símbolo foi principalmente por ele influenciada. Struik (1989, p.

185) confirma isso ao dizer que “devido a sua influência [de Leibniz], o sinal = é

usado para a igualdade e × para a multiplicação”. Segundo Struik, além de

influenciar o emprego desses símbolos, Leibniz procurava uma characteristica

generalis que

levou-o a permutações, combinações e à lógica simbólica; a procura de uma lingua universalis, na qual todos os erros de raciocínio pudessem aparecer como erros computacionais, levou não só à lógica simbólica, mas também a muitas inovações na notação matemática. Leibniz foi um dos maiores inventores de símbolos matemáticos.(STRUIK, 1989, p. 181)

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Leibniz pode ter empregado alternadamente os símbolos “ ”, “ ” e “=” em

algumas correspondências e escritos não publicados, mas nos impressos

apenas o sinal “=” aparece significando igualdade, o que é um reforço na

conclusão de que sua influência foi decisiva na instituição deste símbolo “=”.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 INTRODUÇÃO

De acordo com as colocações feitas até então em nosso trabalho, nossa

pesquisa está centrada no uso da linguagem matemática por professores e

alunos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, detendo-nos nas relações de

igualdade matemática.

Recorremos às teorias de Lev Semionovich Vygotski, Jerome Bruner, Michael

Bakhtin e Ernst Cassirer por serem teóricos que trabalham com as idéias das

quais necessitamos. Não é nossa intenção aprofundar em todos os

direcionamentos contidos nas teorias desses autores. De Vygotski nos

debruçamos sobre Pensamento e linguagem e A formação social da mente.

De Bruner, voltamos nossas atenções principalmente para Atos de significação

e, da filosofia de Bakhtin, Marxismo e filosofia da linguagem. Dentre as obras

de Cassirer, aprofundamo-nos essencialmente em A filosofia das formas

simbólicas.

Essas leituras nos embasam principalmente ao que diz respeito às questões da

linguagem materna e suas relações com a linguagem mais simbólica da

matemática, focadas no estudo da palavra, de significados, de construção de

conceitos e nas relações sociais, para analisarmos dados, como os diálogos ou

monólogos em sala de aula, as conversas e questionários respondidos por

professores e alunos. A seguir destacaremos de cada um desses autores as

considerações sobre os elementos acima citados e nossos entendimentos,

para uma maior compreensão dos leitores sobre a importância e

relacionamentos deles em nosso trabalho.

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3.2 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE LEV

SEMIONOVICH VYGOTSKI

O pensamento e a linguagem foram duas fortes vertentes nos estudos de

Vygotski e serão por nós tratadas nesse trabalho, já que estamos debruçados

nas relações de igualdade matemática e em seus significados e usos na fala e

escrita de professores e alunos e nas comunicações entre esses sujeitos. A

mediação, entendida como a ação do indivíduo usar coisas (signos e outros

instrumentos) para modificar a realidade, seja essa ação consciente ou não, é

o eixo central das teorias de Vygotski e a base para todas as relações

humanas. Isto equivale a dizer que a todas as ações dos seres humanos

existem mediações de terceiros, pois, em maior ou menor escala, afetam a eles

próprios e ao meio em que vivem, já que as relações ocorrem nesse meio.

Como estamos falando em interferências ocorridas nas relações humanas,

especialmente no ambiente escolar de 5ª e 6ª séries, cabe trazermos as idéias

sobre aprendizado e desenvolvimento, que ocorrem na interação com o social.

Vygotski acredita que o desenvolvimento acontece do social para o individual, a

partir dos primeiros contatos com o meio em que se vive. Segundo esse

estudioso (2003, p. 110), “o aprendizado das crianças começa muito antes de

elas freqüentarem a escola”, já nos primeiros anos de vida, quando são

estimuladas pelos adultos e crianças maiores a usar sinais visuais para se

comunicarem. Em nosso estudo voltamo-nos à intermediação do professor e

de outros colegas de turma nas representações da igualdade matemática, sem

desconsiderar a existência de fatores externos à sala de aula, que

possivelmente interferem no que aprendem quando estão nesse ambiente. A

intermediação do adulto ou de uma criança ou adolescente mais experiente é

decisiva para a passagem do nível de desenvolvimento real para o potencial,

como observaremos mais adiante. Esse período de maturação de suas funções

é chamado Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que Vygotski (2003, p.

112) definiu como a

[...] distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

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O nível de desenvolvimento potencial é um estado do desenvolvimento

humano que é mutável com o auxílio de uma pessoa mais experiente, desde

que o indivíduo esteja amadurecido o suficiente para tal. Pois uma criança que

esteja nas séries iniciais dificilmente irá operar adequadamente com símbolos

matemáticos, como os de igualdade, semelhança ou equivalência, mesmo com

intermédio de um adulto. Podemos dizer que um aluno de 5ª ou 6ª série ainda

está com a construção do conceito de igualdade em fase não madura, na zona

de desenvolvimento proximal. É o professor um dos principais mediadores para

o amadurecimento desse conceito e seus usos. O sociólogo da educação

Angel Pino (2005) confirma que o sentido de igualdade ainda sofre variações

consideráveis para adolescentes de até 13-14 anos de idade,

aproximadamente.

O nível de desenvolvimento real (meta consciência) é um estado do

desenvolvimento humano já amadurecido, como o compreender um cálculo

algébrico exposto por um professor, por adolescentes de ensino médio. Nesse

nível, os indivíduos já vivenciaram situações problema com as quais

anteriormente só venciam auxiliados por um outro, mais maduro. Um exemplo

disso, que observamos no uso de símbolos matemáticos, como o de igualdade,

é o de que um aluno de ensino médio opera adequadamente com eles, dentro

dos padrões dessa ciência. Em outras palavras, este estudante de ensino

médio opera com esses símbolos em nível real de desenvolvimento. Esse

aluno pode ainda auxiliar um estudante de 5ª ou 6ª série que ainda não tem

domínio da simbologia própria da matemática, para o qual tal conhecimento

ainda está em nível de desenvolvimento potencial.

Assim como considerado por Vygotski, à medida que a criança amadurece o

que hoje se enquadra no nível de desenvolvimento potencial poderá vir a

integrar o nível de desenvolvimento real do futuro. Além disso, os

conhecimentos que o indivíduo constrói a nível real podem auxiliá-lo na

assimilação de conhecimentos ainda em nível potencial ou que estejam na

zona de desenvolvimento proximal. Para ilustrar com algo dentro de nosso

interesse nessa pesquisa, citamos o ensino de matemática: ao trabalhar com

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novas idéias dessa ciência, é possível utilizar a linguagem que o aluno já

construiu em nível de desenvolvimento real para fazer conexões e auxiliá-lo na

assimilação de novos conceitos que estejam até o momento em sua zona de

desenvolvimento proximal.

A ligação desses elementos à nossa pesquisa se justifica no sentido de que os

professores, como sujeitos mais experientes, são as referências para que os

alunos construam conceitos, como o de igualdade e sua representação

matemática. Esse processo ocorre principalmente pelo uso da palavra,

intrínseca ao seu significado, já que “[...] uma palavra sem significado é um

som vazio” (Vygotski, 2005, p. 6). A palavra e seu significado estão presentes

tanto em nosso pensamento quanto em nossa fala. Ao escrevermos

expressões matemáticas como “ 4,12 ≈ ” atribuímos a cada um desses

símbolos uma palavra que tem significado específico dentro da matemática. Ao

pensarmos e falarmos nessas expressões usamos as palavras em nosso

pensamento e fala, mesmo que elas não sejam visíveis na escrita. Para

conseguirmos interligar pensamento e fala de modo a organizarmos as idéias

que pretendemos transmitir, recorremos aos significados. Vygotski ressalta a

importância do significado e afirma que

[...] o significado é parte inalienável da palavra como tal, e dessa forma pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio, que não mais faz parte da fala humana. Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele que encontramos a unidade do pensamento verbal que procuramos. (2005, p. 6)

Cabe aqui a nossa consideração de que ao exercer sua profissão, o professor

deve estar atento aos usos que faz das palavras, pois ao principiarem no

emprego de “novas” linguagens, como a matemática, os aprendizes têm

contato com novos significados atribuídos a palavras por eles já usadas. Para

Vygotski (2005, p. 72), “o novo e significativo uso da palavra, a sua utilização

como um meio para a formação de conceitos, é a causa psicológica imediata

da transformação radical por que passa o processo intelectual no limiar da

adolescência.” Os significados sociais das palavras são internalizados no dia-a-

dia, dentro ou fora da escola, sempre com intermédio de outros indivíduos. Mas

os significados que têm conotação específica como o de igualdade matemática

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são construídos principalmente com a interferência do professor de

matemática, mas não exclusivamente, pois fora da matemática ocorrem

situações de usos dessa palavra.

Vygotski alerta para algo mais forte e que predomina o significado da palavra: o

sentido. Essa distinção entre significado léxico e sentido Vygotski (2005, p.

181) atribui a Paulhan, definindo sentido de uma palavra como

[...] a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido.

Os diferentes contextos, como já vimos, e o contato com coisas que tenham

relação com a palavra interferem no campo semântico desta, considerado por

Vygotski algo interior ao sentido da palavra. Em nosso pensamento, podemos

atribuir vários significados a uma palavra, mas ao pretendermos transmitir

nossa idéia a outras pessoas tomamos cuidados na escolha da palavra a ser

dita. Isso ocorre porque pretendemos nos aproximar ao máximo do significado

que o outro tem construído da palavra que usamos. Percebemos também aqui

o quanto o social interfere no individual e a importância do domínio da língua.

Na matemática acontece de forma análoga, pois é através do contato com

objetos usados em diferentes situações escolares que o aluno começa a

construir conceitos matemáticos, como o de igualdade, semelhança e

diferença, que até então estavam latentes. Somente a partir dessa evolução na

construção de conceitos torna-se possível a comunicação entre o professor e o

aluno, entre o adulto e a criança ou adolescente. Segundo Vygotski (2005, p.

7),

A verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude generalizante, que constitui um estágio avançado do desenvolvimento do significado da palavra. As formas mais elevadas de comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. É por isso que certos pensamentos não podem ser comunicados às crianças, mesmo que elas estejam familiarizadas com as palavras necessárias. Pode ainda estar faltando o conceito adequadamente generalizado que, por si só, assegura o pleno entendimento.

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Ao entrar na escola a criança conhece várias palavras, atribui significados a

elas e as usa em seu cotidiano, participando assim do intercâmbio social. Na

escola, outros termos são apresentados aos aprendizes e “novos” significados

são associados a termos já conhecidos. O professor e todos os demais

envolvidos no processo de aprendizagem são responsáveis pela aquisição

desses novos significados que irão culminar na comunicação entre professor e

aluno. Em outras palavras, como afirmou Vygotski, as crianças necessitam ser

apresentadas às palavras e a seus significados para que possam se

familiarizar com estas e só então as usar adequadamente nos contextos aos

quais estão inseridas, efetivando o processo de comunicação com os outros

indivíduos.

É principalmente na escola, durante as aulas de matemática, que os alunos

são apresentados e passam a utilizar notações específicas da linguagem

matemática, como “=”, “≈” e “ ≠ ”, e a relacioná-las às palavras igualdade,

semelhança e diferença, que elas designam, além de dar os primeiros passos

para a conceitualização das mesmas. De acordo com Vygotski, mesmo a

criança em idade escolar, inicialmente opera com as palavras como se fossem

propriedades de objetos para só depois atribuir a essas palavras a função de

signos, que constituem o meio básico para dominar e dirigir as funções

psíquicas superiores. “Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que

em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e,

posteriormente, torna-se o seu símbolo” (Vygotski, 2005, p.70). Mesmo

considerando a matemática em sua linguagem escrita, a palavra está intrínseca

aos símbolos, como “=”, “≈” e “ ≠ ”, que ficam aparentes na escrita matemática.

Isso ocorre porque usamos as palavras para organizar as idéias que a

simbologia própria da matemática carrega consigo.

Aos poucos, à medida que amadurecem, os indivíduos aprendem a lidar com

os signos num nível mais aprimorado, operando com as funções superiores.

Segundo Vygotski (2003, p. 54), “[...] O uso de signos conduz os seres

humanos a uma estrutura específica de comportamento que se destaca do

desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos

enraizados na cultura.” Esse estudioso afirma ainda que

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as operações com signos aparecem como resultado de um processo prolongado e complexo, sujeito a todas as leis básicas da evolução psicológica. Isso significa que a atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma serie de transformações qualitativas. (Vygotski, 2003, p. 60, grifo do autor)

Essas transformações ocorrem não de forma súbita, mas aos poucos, de

acordo com as necessidades individuais e pelas interações sociais. Da mesma

forma, aos poucos é que a criança deixa de operar com a palavra como mais

uma característica de um objeto (por exemplo, a palavra livro é uma

característica do objeto, assim como sua cor e tamanho) e passa a

compreendê-la e usá-la como signo. A criança, ou adolescente, deixa de

operar com a palavra “igualdade” ou “igual” como simples nome do símbolo “=”

e passa a perceber e compreender os significados que têm ambos, palavras e

símbolo matemático.

Ainda nessa perspectiva de nossos direcionamentos da pesquisa na

constituição de linguagem matemática, recorremos à teoria de Bruner, a fim de

completar os estudos que fizemos da teoria de Vygotski.

3.3 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE JEROME

BRUNER

Conceitos matemáticos, como de igualdade, são usados desde as séries

iniciais – 1ª a 4ª séries –, estando propostos pelo programa de ensino do

estado para estas séries que é adotado por escolas municipais e estaduais.

Este programa traz como objetivos, já na 1ª série, a aquisição de noções

implicitamente relacionadas com igualdade. Algumas dessas noções são:

grandezas (menor, maior, mais comprido, mais curto, do mesmo tamanho, etc.)

e quantidades (mais, menos, igual, etc.); a descoberta de semelhanças e

diferenças; a comparação de figuras geométricas, diferenciando-as como maior

que, menor que, inferior a, superior a, etc.; a associação da multiplicação com

situações que envolvem adição de parcelas iguais e a divisão com a idéia de

repartir igualmente. É, no entanto, a partir da 5ª e 6ª séries que esses conceitos

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começam a ser trabalhados mais formalmente e que os símbolos da linguagem

matemática passam a ser transmitidos e organizados com maior rigor.

Com a observação desse programa de ensino e de livros didáticos, pudemos

notar que, desde cedo, a igualdade aparece, implícita ou explicitamente, nas

salas de aula de Matemática, já que na maioria dos casos são os programas

municipais ou estaduais e os livros didáticos os componentes centrais do

planejamento das aulas dos professores.

Nessa fase da vida as crianças já estão habituadas aos símbolos próprios da

língua materna. A partir de sua entrada na escola elas iniciam um processo de

familiarização com os símbolos dessa linguagem e formalização falada e

escrita da mesma. O aprendizado da linguagem matemática acontece de forma

análoga, mas, diferente e concomitantemente com a língua materna. Esta é

uma linguagem cuja representação é feita com símbolos novos para a criança,

em que a escrita se destaca da que ela está acostumada na linguagem

materna. Assim, a criança deverá ser apresentada com maior cuidado a esses

símbolos para que aprenda também a usá-los de acordo com as regras desse

sistema de sinais. Segundo Bruner, o aprendizado de uma nova linguagem vai

além dessa apresentação dos símbolos e do seu uso, pois

[...] o símbolo depende de um sistema de sinais, de modo que a relação de um sinal com seu referente é arbitrária e governada apenas por sua posição dentro do sistema de sinais que define o que ele “representa”. Nesse sentido, os símbolos dependem da existência de uma “linguagem” que contenha um sistema de sinais ordenado ou governado por regras. (BRUNER, 1997, p. 66)

Nesse sentido, conhecer os símbolos matemáticos não é suficiente para que se

aprenda as noções matemáticas a eles escolarmente requeridas. É necessário

conhecer também as regras da linguagem matemática. Esta linguagem é a

responsável pela definição do que cada símbolo representa em matemática e

como ele deverá ser empregado, dependendo do que se queira expressar.

Assim, seria possível minorar confusões de entendimento e os conhecedores

desse sistema de sinais seriam capazes de compreendê-lo, já que, “como

todos sabemos, a compreensão depende da possibilidade de locutor e ouvinte

compartilharem um conjunto de convenções para comunicar diferentes tipos de

significado” (Bruner, 1997, p. 59).

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Quantas vezes já presenciamos ou, se não, ouvimos falar de

desentendimentos devidos ao uso de termos não comuns aos dois lados de um

diálogo? Quantos professores falavam matemática sem que os alunos

entendessem? Seria pelo estranhamento ou descumprimento das regras que

regem um dos sistemas? Um exemplo disso vivenciamos com o constante

crescimento da internet como meio de comunicação no Brasil, contradizendo a

realidade econômica e social dos brasileiros: com seu uso, hoje é comum

vermos nas escolas e nas casas, professores e pais enfrentando dificuldades

ao tentar interpretar o que seus alunos e filhos escrevem ou falam de modo

diferenciado, mais abreviado e com novas palavras, mesmo em ambientes fora

das telas e teclas do computador. Esse foi apenas um exemplo para ilustrar o

quanto é crucial para o entendimento entre as pessoas conhecer a linguagem

que se usa, dependendo também do ambiente em que se fará uso dos

símbolos.

Assim como Vygotski, Bruner escreve a respeito da importância da

intermediação e de quanto é necessário para o desenvolvimento do indivíduo a

presença e auxílio de outros seres, principalmente no uso da linguagem. É a

partir da forma como convivem com os adultos e com seu mundo cultural,

profissional e cívico que as crianças têm o intelecto estimulado e atingem os

estágios mais elevados de pensamento e linguagem. Bruner (1997, p. 71) diz

ainda que ao lidar com crianças e adolescentes a preocupação com a

linguagem deve ser um fator central, já que estes estão em fase mais

elementar de desenvolvimento, pois “[...] Uma vez que a criança domine,

através da interação, as formas pré-linguísticas apropriadas ao manejo

ostensivo de referências, ela pode ultrapassá-las para operar, por assim dizer,

dentro dos limites da linguagem adequada.”

É responsabilidade do adulto, segundo Bruner, ser assistente das crianças

durante o processo de aquisição da linguagem. Para que ocorra o efetivo

aprendizado de uma língua é fundamental que, além do contato com um outro

indivíduo e da observação das componentes desta linguagem, os indivíduos

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aprendam a fazer-se entender através do seu uso adequado, ou, nas palavras

de Bruner, que

a aquisição da linguagem pela criança requer muito mais assistência das pessoas que delas cuidam, assim como interação com eles, do que Chomsky (e muitos outros) suspeitaram. A linguagem é adquirida não no papel de espectador, mas através do uso. Ser “exposto” a um fluxo de linguagem está longe de ser tão importante quanto usá-la em meio ao “fazer”. Aprender uma língua, tomando emprestada uma célebre frase de John Austin, é aprender a “como fazer coisas com palavras”. (BRUNER, 1997, p. 67, grifo do autor)

Para a constituição da linguagem matemática, considerando nela a

predominância de uma escrita própria, deve-se aprender a fazer coisas

significativas com os números e símbolos próprios desta. Com relação à

igualdade, o interesse está em aprender a empregar o símbolo que a

representa dentro dos padrões desta linguagem, ter conhecimento de outros

símbolos que têm significados semelhantes ao de igualdade e diferenciá-los,

sendo capaz de expressar-se matematicamente, alcançando a compreensão

de quem compartilhe em um diálogo. Para isso, umas das “tarefas” do sujeito é

aprender o sistema lingüístico matemático, sem, entretanto, desconsiderar que

ele traz consigo algumas noções matemáticas aprendidas em situações

diversas de sua vida.

Normalmente, é a partir do ingresso na escola que as pessoas aprimoram seu

conhecimento e melhor elaboram conceitos que até então passavam pelo

intuitivo e informal. O mesmo acontece quando se trata de crianças. No contato

com outras crianças, com os professores e com os livros ela adquire o

conhecimento efetivo, pois, de acordo com Bruner (1997, p. 94),

[...] o conhecimento de uma ‘pessoa’ não está apenas em sua própria cabeça, na ‘pessoa isolada’, mas nos apontamentos que ela colocou em livros de anotações acessíveis, nos livros com passagens sublinhadas que se encontram em suas prateleiras, nos manuais que ela aprendeu a consultar, nas fontes de informação que ela colocou em seu computador, nos amigos que ela pode chamar para obter uma referência ou uma orientação, e assim por diante, quase que interminavelmente. (grifos do autor).

Não estamos dizendo que tão logo ao entrarem na escola as pessoas sejam

capazes de desenvolver as ações acima citadas. Essas ações são

incorporadas ao comportamento e aprimoradas à medida que os sujeitos

produzam seus conhecimentos. O aprendizado da matemática se efetivará no

contato contínuo com os elementos dessa ciência, no reconhecimento e

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apropriação dos significados atribuídos aos símbolos próprios desta. Esse é um

ponto presente também nas teorias de Bakhtin, sobre as quais continuaremos

a tecer considerações.

3.4 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE MIKHAEIL

BAKHTIN

Seguindo o contexto de nossa pesquisa, em que interações lingüísticas, trocas

de experiências e construções de idéias matemáticas estão presentes a todo

momento, torna-se importante o estudo da teoria bakhtiniana, segundo a qual o

lingüístico e o social estão intrinsecamente relacionados. Segundo Bakhtin

(1992, p. 38), “[...] A palavra está presente em todos os atos de compreensão e

em todos os atos de interpretação.” Logo, a palavra é mediadora entre as

interações da língua com o social, carregando, sempre que pronunciada, um

conteúdo ou conjunto de idéias.

Por ser algo implícito a existência humana, a palavra é considera, de acordo

com as idéias de Bakhtin, o principal mediador das relações sociais. É

essencialmente através da palavra, seja em sua forma escrita, falada ou

sinalizada por gestos, que os indivíduos se comunicam, mantendo-se em

contato com demais. É por meio da palavra que os professores de matemática

transmitem as idéias que pretendem e relacionam os signos8 próprios desta

linguagem a outros já conhecidos pelos alunos, possibilitando sua

compreensão. Bakhtin (1992, p. 33/34) afirma que essa compreensão de um

símbolo “consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já

conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por

meio de signos.” Podemos dizer com isso que ao lidar com um signo, por

exemplo o “=”, normalmente ocorre, no uso da linguagem oral, o emprego de

palavras que relacionamos ao referido símbolo, como “igual” ou “igualdade”.

Estas palavras são também signos lingüísticos que representam o símbolo

8 Bakhtin usa o termo signo para designar o que neste trabalho estamos denominando de símbolo.

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matemático “=”. Não há como explicarmos a maneira que compreendemos os

símbolos matemáticos sem fazer uso das palavras.

Bakhtin (1992, p. 35), em conformidade com Vygotski e Bruner, considera

ainda que a efetiva compreensão de um signo não é estática, ou seja, um signo

pode inspirar diferentes significados dependendo do ponto de vista de quem o

observa. Nas palavras do autor, “não basta colocar cara a cara dois homo

sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses

dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma

unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se”. É

necessário que, ao operar com um signo, locutor e ouvinte trabalhem dentro de

um mesmo sistema lingüístico, com significados semelhantes. No caso da

igualdade matemática, é importante que o professor de matemática fale aos

alunos sobre como entende o símbolo que a representa usando de significados

já construídos de forma semelhante, para que estes o compreendam de fato e

se evite confusões em seu uso. Caso contrário, por exemplo, ao escrever a

expressão 2732 −=+ , o professor poderá pensar no símbolo “=” como

equivalência e os alunos, com o significado de resultado para o mesmo

símbolo, não concordarem com a escrita do professor. Pois nesse caso os

alunos poderiam primeiro calcular “ 32 + ”, tendo 5 como resultado e não 7, para

depois subtraírem 2, como vimos ocorrer em algumas ocasiões.

Nessa situação, se os alunos externarem não concordar com o professor, há a

possibilidade de conversarem e o professor explicar como está empregando o

símbolo de igualdade matemática. Por outro lado, se os alunos não se

manifestarem, o professor pode crer que seus aprendizes entenderam o

símbolo do mesmo modo que ele e continuarem a falar com significados

diferentes.

Ainda pensando no ambiente escolar, é comum ouvirmos: “=” é o sinal de igual,

“+” é o sinal de adição, “<” é o sinal de menor, etc. Isso nos leva a refletir sobre

o que Bakhtin relata sobre o termo sinal. Para ele, o sinal diferencia do signo

exatamente na questão do significado. Desse modo, o que propicia sentido ao

diálogo são os significados atribuídos aos sinais empregados, que nada mais

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são do que revestimentos dos signos, das palavras. Nesse sentido, Bakhtin

(1992, p. 94) afirma que

Enquanto uma forma lingüística for apenas um sinal e for percebida pelo receptor somente como tal, ela não terá para ele nenhum valor lingüístico. A pura “sinalidade” não existe, mesmo nas primeiras fases da aquisição da linguagem. Até mesmo ali, a forma é orientada pelo contexto, já constitui um signo [...] aquilo que constitui a descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular.

Assim é com o símbolo “=”, cuja imagem que escrevemos é o sinal estático,

apenas o sinal pelo sinal, sem despertar qualquer significado matemático ou ir

além da manipulação de formas. Mas se o inserirmos em um contexto e

situação precisos pode haver evoluções e passamos a operar com o signo,

variável e flexível. Em concordância com a teoria bakhtiniana, podemos dizer

que se o aluno percebe o sinal apenas como uma marca gráfica, sem ligação

com o contexto que o origina, não estará agregando quase nada ao seu

pensamento. Os alunos que em resposta ao questionário escreveram apenas

que o símbolo “=” é o sinal de igual ou de igualdade nos sugerem, conforme

eles próprios escreveram, que trata-se apenas de um sinal, não representando

muito mais que marcas no papel.

Da mesma forma que Vygotski e Bruner, Bakhtin também afirma que a

comunicação depende da existência de dois personagens: o que fala e o que

escuta. Ao falarmos algo, o fazemos pensando para quem falamos e em que

situação. Nesse contexto,

[...] a realidade do signo é totalmente objetiva e, portanto, passível de um estudo metodologicamente unitário e objetivo. Um signo é um fenômeno do mundo exterior. O próprio signo e todos os seus efeitos (todas as ações, reações e novos signos que ele gera no meio social circundante) aparecem na experiencia exterior. (Bakhtin, 1992, p. 33, grifos do autor)

Esse mundo exterior a que Bakhtin se refere pode ser o universo matemático

ou os sujeitos que compõem o cotidiano extra-escolar. No caso das relações

de igualdade, no ambiente escolar, em aulas de matemática, professor e

alunos falarão em igualdade e usarão o símbolo “=” com significado mais

preciso. Por outro lado, se estiverem em situações corriqueiras do dia-a-dia,

poderão falar em igualdade para relacionar coisas parecidas, semelhantes,

onde o rigor matemático não se faz necessariamente presente.

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A essa ação de compreender a forma lingüística externada, Bakhtin associa a

descodificação do signo. Ao se fazer uma descodificação a tarefa essencial

não está no simples reconhecimento da forma utilizada, mas em “compreendê-

la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa

enunciação particular” (Bakhtin, 1992, p. 93). Para tal é necessário que os

sujeitos envolvidos num diálogo partilhem em um mesmo contexto social.

Para continuarmos a estudar e pensar sobre questões que envolvem

simbologia, recorremos a Cassirer. Prosseguiremos, então, com algumas

considerações sobre suas teorias.

3.5 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DE ERNST

CASSIRER

Ernst Cassirer considera o homem como um ser simbólico. Para ele, antes

mesmo de exercer sua racionalidade e para que possa fazê-lo, os humanos

necessitam de construir símbolos e aprender a lidar com eles. Esses símbolos

são utilizados nas ações do pensamento, da fala e da escrita, constituindo

assim uma linguagem. É através da linguagem que a comunicação humana

torna-se possível. Segundo Cassirer (2001, p. 80),

O mundo da linguagem envolve o ser humano a partir do primeiro momento em que dirige o seu olhar para ele, apresentando-se-lhe com a mesma determinação, necessidade e “objetividade” que definem o seu encontro com o mundo das coisas. [...] A palavra não é uma designação e denominação, não é, tampouco, um símbolo espiritual do ser, e sim uma parte real do mesmo.

Dessa forma, torna-se essencial o aprendizado e uso de um sistema de signos,

seja ele composto de imagens, palavras ou gestos, sendo a palavra a

componente principal na constituição da linguagem. Sem a palavra o discurso

do homem perece, pois só a palavra é eterna e imperecível.

Conforme vimos anteriormente, diferentes indivíduos podem compreender uma

única palavra com diferentes significados. Também Cassirer (2001, p. 18)

concorda com essa idéia e afirma que “O individual não deve permanecer

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isolado, e sim integrar-se em um contexto, no qual faça parte de um

“encadeamento”, seja ele lógico, teleológico ou causal”. Pois é nesse

compartilhar, nessa integração com o social que o pensamento humano pode

atingir as formas mais elevadas de desenvolvimento. Para Cassirer, o objetivo

do conhecimento é exatamente esse: “inserir o particular na estrutura de uma

lei e uma ordem universais”, pois

[...] Cada conceito individual, cada simulacro e signo particulares se equiparam à palavra articulada de uma linguagem que possui um significado e um sentido em si própria, e é organizada de acordo com regras fixas. Já nos primórdios da física moderna, já em Galileu, encontramos a comparação, segundo a qual o “livro da natureza” é redigido em linguagem matemática e somente pode ser lido como um código matemático cifrado. E desde então toda a evolução das ciências naturais exatas mostra como, de fato, cada progresso na formulação de seus problemas e nos seus meios conceituais se realizou de mãos dadas com um progressivo refinamento do seu sistema de signos. (Cassirer, 2001, p. 30, grifos do autor)

Assim ocorreu e continua a ocorrer com a palavra igualdade, que apresenta

variações de significados históricos e também dependentes do contexto em

que é pronunciada. Na história da matemática percebemos que os símbolos

hoje usados só foram introduzidos após séculos de linguagem retórica, em que

um único elemento matemático era representado por diferentes palavras. A

álgebra só se desenvolveu mais fortemente após a introdução dos símbolos,

inclusive o “=”. A igualdade matemática foi inicialmente representada por

diferentes palavras para só depois ser representada pelo símbolo “=”, numa

junção do signo com o significado exato requerido pela matemática. Houve

então a universalização do signo: independente de onde estivermos, o símbolo

“=” representa a igualdade matemática.

Quando falamos em igualdade matemática, o fazemos em um contexto

diferenciado do uso de igualdade nos domínios sociais, escritos inclusive por

símbolos diferentes: “=” e “igualdade”, respectivamente. E mesmo dentro da

matemática o símbolo “=” pode sofrer variações, como veremos na

apresentação da análise dos dados. Portanto, para compreendermos essas

variações torna-se necessário conhecermos as leis que regem o sistema de

signos matemáticos, ou seja, conhecer as regras que governam a linguagem

matemática.

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Vale destacar que mesmo a ambigüidade, observada, por exemplo, na história

dos símbolos que representaram a igualdade, é algo intrínseco a qualquer

símbolo e não deve ser vista como deficiência da linguagem, mas

impulsionadora de uma maior reflexão da essência de sua força expressiva.

Para Cassirer (2001, p. 85), é somente ao confrontar os sentidos opostos dos

símbolos que eles serão compreendidos e inter-relacionados como tal,

tornando-se fios condutores do conhecimento. Considerando novamente a

igualdade, será somente quando conhecermos seus diferentes significados que

poderemos compreender a abrangência de seu uso quando a empregamos

para com diferentes representações simbólicas.

Com as demais ciências ocorre de forma semelhante. Nas palavras de Cassirer

(2001, p. 14), em toda e qualquer ciência “os meios pelos quais propõe as suas

questões e formula as suas soluções não mais se apresentam como

reproduções de um dado ser, e sim como símbolos intelectuais por ela mesma

criados”. Esses símbolos são variantes, flexíveis, e seus significados

dependem do contexto, da ciência em que estão inseridos em dada situação,

ou seja,

[...] nem no âmbito da “natureza” o objeto da física coincide pura e simplesmente com o da química, tampouco o da química com o da biologia [ou com o da matemática] – porque cada uma destas ciências, a física, [a matemática], a química e a biologia, tem um ponto de vista particular na proposição de sua problemática, e submete os fenômenos a uma interpretação e conformação específicas de acordo com este ponto de vista. (2001, p. 16/17, grifo nosso)

Podemos concluir então que a aquisição de um signo é o primeiro passo para o

efetivo conhecimento das coisas, o signo não é apenas um invólucro fortuito do

pensamento ou uma forma de transmitir determinado pensamento. Sua função

vai além disso, o signo é órgão essencial e necessário ao pensamento, e se

constitui em um instrumento “através do qual este próprio conteúdo se

desenvolve e adquire a plenitude do seu sentido”. Com isso podemos

considerar a realidade como uma construção simbólica. E mais: podemos

afirmar com isso que existem várias formas de construir simbolicamente a

realidade.

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A lógica das coisas, ou seja, dos conteúdos conceituais e relações

fundamentais, sobre os quais repousa a estrutura de uma ciência, não pode ser

desvinculada da lógica dos signos. Da mesma forma a palavra não pode ser

desvinculada de suas significações, pois a palavra simplesmente falada nada

mais é que

[...] um mero sopro; mas neste sopro existe uma força extraordinária para a dinâmica das idéias e do pensamento. Esta dinâmica é tanto intensificada quanto regulada através do signo. [...] Leibniz ressalta como uma vantagem essencial e geral do signo o fato de que ele não somente serve à representação, como, sobretudo, à descoberta de determinadas relações lógicas, e de que não apenas oferece uma abreviatura simbólica, do que já é conhecido, como abre novos caminhos rumo ao desconhecido e não dado. (Cassirer, 2001, p. 67)

Concluímos, respaldadas nas considerações teóricas de Cassirer, que todo

conhecimento e toda relação do homem com o mundo que o cerca acontece a

partir dos signos em suas variações. Mas os signos ou as imagens simbólicas

não devem ser vistos como um obstáculo para o desenvolvimento humano, e

sim como condição essencial nas relações do homem com o mundo.

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4 REVISÃO DE LITERATURA

Ao pretendermos estudar as relações de igualdade matemática, formas de uso

do símbolo “=” e significados a ele atribuídos e externados por professores e

alunos deparamo-nos com dois tópicos principais, importantes de serem

discutidos: igualdade matemática e linguagem matemática. A esses dois

tópicos encontramos envolvidos assuntos como ensino-aprendizagem de

matemática, iniciação e alfabetização ou literacia matemática, assim como a

relação entre a matemática escolar e a da rua, que serão abordados nesse

capítulo.

4.1 IGUALDADE MATEMÁTICA

Julgamos ser importante apresentarmos inicialmente nossa definição

conceitual de igualdade matemática para depois continuarmos a tecer

considerações e inferirmos as idéias absorvidas a partir das leituras que

fizemos. Entendemos igualdade matemática, fundamentando-nos na

interpretação da definição de Leibniz, como uma relação precisa (no sentido da

exatidão requerida pela matemática) entre elementos matemáticos que têm em

comum a mesma característica que está sendo comparada. Segundo Leibniz

(apud Frege, 1884, p. 251), “são iguais as coisas que, salvo a verdade, podem

ser substituídas uma pela outra.”

Consideramos também necessário evidenciar a característica que está sendo

comparada e obedecer aos padrões matemáticos existentes. Podemos

contradizer o conhecido dito popular “tão certo quanto dois e dois são quatro”

ao afirmarmos que 1022 =+ dentro do sistema de numeração de base quatro

composto dos algarismos 0, 1, 2 e 3 e seguindo padrões análogos aos que

utilizamos no sistema de numeração decimal, ao qual aderimos e empregamos

em nosso dia-a-dia. Por outro lado, esta afirmação pode ser considerada falsa

se não deixarmos claro que a fizemos pensando no sistema numérico de base

quatro e não no usual sistema de base dez.

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O significado de igualdade matemática apresentado no dicionário Aurélio

(2004, p. 382) é: “Expressão com a qual se afirma que duas entidades (com o

sinal = entre elas) são iguais, ou devem ser assim consideradas.”. A palavra

igual, no mesmo dicionário, também é relacionada a algo: “1. Que tem a

mesma aparência, estrutura ou proporção; idêntico. [...] 3. Que tem a mesma

grandeza, valor, quantidade, quantia ou número; equivalente. 4. Da mesma

condição, categoria, natureza, ect.”.

Entendemos que a maioria das pessoas opera com uma mescla desses

significados do dicionário em seu dia-a-dia, ao falaram em igualdade. No

ambiente escolar, no ensino de matemática, os significados atribuídos à

igualdade também podem passar por variações. Ao falar das dificuldades que

os estudantes enfrentam ao iniciarem os estudos de álgebra, Booth (1995, p

27) alerta para a compreensão que esses alunos têm do símbolo “=”. Segundo

o autor, ao trabalharem com aritmética os alunos operam com o símbolo de

igualdade para indicar resultado; e enfrentam dificuldades ao uso do mesmo

símbolo como equilíbrio, significado muitas vezes atribuído ao “=” na álgebra.

Teles, em seu artigo A aritmética e a álgebra na matemática escolar, também

escreve que é na passagem da aritmética para a álgebra que o estudante se

depara com essa forte mudança no significado de igualdade:

Enquanto aritmeticamente o sinal de igual é “sinal de produzir algo”, na linguagem algébrica representa um símbolo de equivalência que equilibra os lados esquerdo e direito de uma equação. [...] Porém a idéia de o sinal de igualdade poder ser visto como indicador de uma relação de equivalência não é percebida de imediato pelo aluno. (Teles, 2004, p. 14, grifos do autor)

Segundo Teles, é a partir de significados atribuídos a elementos da aritmética,

possivelmente envolvendo igualdades e desigualdades, que consiste a álgebra.

Portanto,

[...] o significado dos símbolos de operações e de igualdade que as crianças adquirem durante suas primeiras experiências aritméticas pode se constituir em obstáculo epistemológico para a apropriação da álgebra nos seus diversos aspectos. (Teles, 2004, p. 14)

Tanto para Booth quanto para Teles, os alunos têm dificuldades em identificar

qual o significado de igualdade em questão ao lidar com um exercício ou

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problema matemático: acostuma-se a trabalhar com o símbolo “=” indicando

resultado até a 6ª série e, um tanto de repente, deve passar a entendê-lo e

usá-lo como equivalência.

Lins e Gimenez (1997), ao escreverem Perspectivas em Aritmética e Álgebra

para o século XXI, apresentam uma proposta que pode contribuir para atenuar

ou extinguir esse e outros obstáculos epistemológicos: o trabalho baseado em

significados e não em conteúdos. Eles criticam na linearidade de aprendizagem

e propõem o ensino em ciclos. Segundo esses autores a aprendizagem não

ocorre de forma linear, em que apresenta-se e “ensina-se” um conteúdo por

vez. Esse processo compartimenta os conteúdos e dificulta relacioná-los. Ao

contrário, o trabalho em ciclos, que permite um ir-e-vir entre os conteúdos

ensinados, possibilita uma leitura “permanente do que os alunos estão dizendo

e fazendo”.

Lima et al (1997, p.17), iniciam a seção Comentário Sobre a Noção de

Igualdade afirmando que “Uma coisa só é igual a si mesma. Quando se

escreve a=b, isto significa que a e b são símbolos usados para designar o

mesmo objeto.”. Dessa forma, apresentam o rigor e exatidão exigidos ao

símbolo “=” em matemática. Além disso, os autores mencionam o uso impróprio

da termologia igualdade dentro da matemática, como, por exemplo

Em Geometria, às vezes ainda se usam expressões como “os ângulos alfa e beta são iguais” ou “os triângulos ABC e A’B’C’ são iguais” para significar que são figuras que podem ser superpostas exatamente uma sobre a outra. A rigor, porém, esta terminologia é inadequada. Duas figuras geométricas que coincidem por superposição devem ser chamadas congruentes.

Os autores não citam o uso de símbolos diferenciados para indicar esses

termos matemáticos. Mas vale ressaltar que de um modo geral usamos os

símbolos “=” e “ ≡ ”, respectivamente, para indicar igualdade e congruência.

Lima et al ressalta que possivelmente continua havendo uso da palavra “igual”

em sentido mais amplo por influência da linguagem usado antigamente pelos

matemáticos: “Euclides, que viveu há 2300 anos, chamava “iguais” a dois

segmentos de reta com o mesmo comprimento, a dois polígonos com a mesma

área e a dois sólidos com o mesmo volume”.

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Segundo os autores, a igualdade se prende ainda à linguagem materna, em

que usamos o termo “igual” de forma mais abrangente e menos precisa que na

matemática. Na matemática só podemos dizer que dois elementos são iguais

quando ambos representam estritamente a mesma coisa. Por outro lado,

Na linguagem corrente, às vezes se diz que duas pessoas ou objetos são iguais quando um certo atributo, ao qual se refere o discurso naquele momento, é possuído igualmente pelas pessoas ou objetos em questão. Assim, por exemplo, quando dizemos que “todos são iguais perante a lei”, isto significa que dois cidadãos têm os mesmos direitos e deveres legais. (Lima et al, 1997, p. 18)

Após essa afirmação, os autores apresentam as propriedades reflexiva,

simétrica e transitiva da igualdade e reforçam a ligação entre as linguagens

materna e matemática transcrevendo-as para a linguagem corrente. Eles

relembram novamente Euclides, desta vez para dizer que a propriedade

transitiva dita ou escrita em língua materna – dois objetos (a e c) iguais a um

terceiro (b) são iguais entre si – era um dos axiomas enunciados nas primeiras

páginas do livro Os Elementos, de Euclides.

Retomando a questão social, se pararmos para refletir sobre o que pensar para

formar ou manter uma sociedade, perceberemos que a noção de igualdade

está presente com força. Isso porque, ao imaginar uma comunidade, temos a

idéia de um ambiente formado por pessoas que se respeitam, que tenham os

mesmos direitos e obrigações e que não levem vantagens sobre as demais.

Portanto, de certo modo, a igualdade condiciona a existência de uma

sociedade.

Ernst von Glasersfeld (1996) apresenta alguns pensamentos sobre a

construção do conhecimento e neles a noção de igualdade se faz presente. Ele

desenvolve suas idéias a partir de quatro fontes: linguagem, os céticos, teoria

da evolução de Darwin e a cibernética.

Baseado na cibernética e afirmando que só podemos conhecer o que criamos,

Glasersfeld recorre a Claude Shannon para esclarecer que:

• O significado não é transladado do emissor para o receptor, e sim os

sinais;

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• Os sinais só o são até que alguém os decodifiquem; e para tal é

necessário conhecer seu(s) significado(s).

Dessa forma, a comunicação funciona quando uma pessoa envia um sinal a

outra e esta conhece e entende o significado do sinal do outro. Mas é

necessário que o sinal tenha o mesmo significado ou bem semelhantes para as

duas pessoas.

Podemos trazer essa idéia para o ambiente escolar. Suponhamos que durante

uma aula de matemática o professor escreve uma equação no quadro. Os

alunos só compreenderão o significado de equivalência para o símbolo “=”,

escrito pelo professor, se conhecerem a possibilidade desse significado ser

atribuído ao símbolo em questão e se refletirem sobre o que vêem. Caso

contrário, eles não conseguirão manter um diálogo efetivo com seu professor,

ou mesmo incompreensões acontecerão.

Segundo Glasersfeld, a reflexão é fundamental para construirmos qualquer

coisa, inclusive o conhecimento. E já que, de acordo com ele, o conhecimento

é construção, não existe conhecimento sem reflexão. Podemos então

questionar Como começa a reflexão para construir qualquer coisa? O autor

assinala que

[...] as primeiras ferramentas indispensáveis para essa construção são as noções de diferenças e semelhanças. [...] O tratado de George Spencer Brown, Laws of form, começa com um preceito que diz, simplesmente: “Faça uma distinção”. Esta distinção, inevitavelmente, será o produto de uma comparação que também poderia desembocar numa semelhança. (Glasersfeld, 1996, p. 80)

Ao falar da comparação em que o resultado é uma semelhança, Glasersfeld

refere-se à comparação que resulta na conclusão de que duas coisas não são

diferentes, ou seja, elas são iguais ou a mesma coisa. O autor chama a

atenção para a existência, em algumas línguas, de dois termos distintos para

expressar igualdade:

Um [termo] para aquelas coisas consideradas iguais com respeito a todas as características que estavam sendo examinadas, no sentido em que dizemos que todos os membros de uma mesma classe ou categoria são iguais. A este tipo de igualdade chamo “equivalência”. [...] O outro sentido da igualdade é o que empregamos quando queremos dizer que uma certa coisa não só é igual a outra que vimos ontem como, além disso é o

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mesmo indivíduo. A isto chamo “identidade individual”. (Glasersfeld, 1996, p. 81, grifo nosso)

Glasersfeld alerta que pode ser inconveniente atribuir a identidade individual a

um objeto que vimos em duas situações distintas. Pois, para comprovar a

identidade seria necessário mostrar que todas as características estão

presentes no objeto nas duas situações em que o vimos. Para nós, isso é ainda

mais delicado no ambiente social, em que as coisas e pessoas estão em

freqüente mutação. Usamos a palavra igual com freqüência, por exemplo ao

comparar gêmeos. Mas essa igualdade a que nos referimos seria, entre os

termos expostos por Glasersfeld, a equivalência e não a identidade individual.

Baldino (1997) também reflete sobre a identidade e questões que a permeiam,

em sua Tentativa de leitura linear de Hegel. Segundo sua interpretação,

identidade é o que é a mesma coisa – a essência – e nada mais. A partir de

uma comparação entre duas ou mais coisas podemos afirmar, ou negar,

através de argumentos plausíveis, que elas são iguais. Porém, existem coisas

em que essa argumentação é dispensável. Por exemplo, ao expormos uma

proposição como “A é igual a A”, não precisamos justificar ou provar a

identidade, pois ela mesma se auto-evidencia, não há como negar que uma

coisa seja igual a ela mesma. Nessa última afirmação não incluímos os seres

humanos, pois acreditamos que este esteja em constante transformação.

4.2 LINGUAGEM MATEMÁTICA

Até a 4ª série os professores preocupam-se, essencialmente, em aprimorar em

seus alunos a língua materna falada e ensinar sua escrita, além de introduzir

noções elementares de aritmética. É a partir de 5ª e 6ª séries que passam a se

ocupar de forma menos elementar da linguagem matemática, apresentando

com maior rigor aos alunos os símbolos próprios dela. Nesse sentido, o uso de

incógnitas, algumas variáveis, números decimais, frações, números negativos,

equações e inequações se faz presente, mesmo que implicitamente. O aluno

começa a deparar-se com expressões matemáticas como 11449 −=+ ,

5

10

8

16= ,

3

3

3

3

−=

− , 4,12 ≈ ou x2710 += .

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Possivelmente para um professor ou estudante de um curso superior de

matemática essas sejam situações das mais simples, mas exatamente por isso

chamamos a atenção para elas. Não são raras as vezes em que os alunos

omitem o sinal de igualdade na resolução de equações, confundem igualdade

com semelhança, aproximação, implicação, equivalência. Talvez esses erros

ocorram porque os estudantes não conheçam as propriedade da igualdade,

não tenham ainda formado o conceito de igualdade matemática ou não

dominem as regras da linguagem matemática.

Desde que nascemos somos inseridos em uma sociedade e devemos aprender

as coisas desse ambiente em que vivemos, os costumes religiosos, o folclore,

a linguagem mãe, seja ela português, javanês ou qualquer outra. Todos esses

elementos são fundamentais para nossa sobrevivência e é através

principalmente da linguagem que nos relacionamos com os demais indivíduos

da sociedade a qual pertencemos, para aprendermos a sobreviver nela. Assim

também deve ocorrer com a matemática, que

[...] tem uma linguagem de abstração completa. Como qualquer sistema lingüístico, a ciência matemática utiliza-se de signos para comunicar significados matemáticos. Assim, a leitura da linguagem matemática ocorre a partir da compreensão e da interpretação dos signos e das relações implícitas naquilo que é dito de matemática. Ler matemática significativamente é ter a consciência dirigida para o sentido e para o significado matemático do que está sendo lido. É compreender, interpretar e comunicar idéias matemáticas. (Danyluk, 2002, p. 19)

Segundo Danyluk, é através do conhecimento e uso significativo dos

componentes da linguagem matemática que ela é aprendida. Somente por

meio da compreensão dos seus signos pode ocorrer a alfabetização

matemática, considerada por essa autora como o

[...] fenômeno que trata da compreensão, da interpretação e da comunicação dos conteúdos matemáticos ensinados na escola, tidos como iniciais para a construção do conhecimento matemático. Ser alfabetizado em matemática, então, é compreender o que se lê e escrever o que se compreende a respeito das primeiras noções de lógica, de aritmética e de geometria. (Danyluk, 2002, p. 20)

E mais, para que possa ler e escrever sobre as noções acima citadas os

indivíduos devem identificar os símbolos próprios da matemática. Eles devem

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ainda conhecer seus significados e compreender como e para que são usados.

A partir daí terão condições de compreender o mundo que os cerca,

interpretando-o, atribuindo a ele significados. Mas a princípio os símbolos são

tratados somente como algo que representa uma palavra, e esta, por sua vez,

é usada para dar nome a objetos.

Dessa forma, Danyluk (2002, p. 29) infere que a linguagem escrita foi

historicamente construída não como um processo de codificação, em que

determinado símbolo transmite uma idéia dentro de um sistema de códigos. A

escrita de uma linguagem foi desenvolvida com a finalidade de obter um

sistema de representação, em que um símbolo representa algo: a palavra gato

representa o animal que tem esse nome, o símbolo “=” representa a palavra

igual ou igualdade.

Assim acontece com os símbolos da linguagem matemática, que são

normalmente usados para representar palavras usadas na linguagem materna,

numa tentativa de simplificar, resumir o que se pretende escrever. Danyluk

(2002, p. 45) afirma que “mesmo as tentativas mais singelas de iniciação à

matemática pressupõem um conhecimento da língua materna, ao menos em

sua forma oral”. Entretanto, essa relação entre matemática e língua materna

não é facilmente percebida no ambiente escolar. Ao contrário, o que

percebemos são ações isoladas entre o ensino de matemática e o aprimorar da

linguagem materna.

Podemos então dizer que o uso da oralidade ao se trabalhar matemática feito

unicamente por elementos da matemática é algo complexo. Portanto, recorrer à

fala em sua amplitude pode ser o caminho mais adequado para alcançar uma

aproximação entre a língua falada e a escrita matemática. Para tal, a mediação

da língua materna no ensino da matemática é fator fundamental.

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5 METODOLOGIA DA PESQUISA

Conforme nossa opção, investigamos as relações de igualdade matemática no

ambiente escolar de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, com o objetivo

central de identificar e analisar significados produzidos e externados por

professores e alunos desse nível de ensino. A escolha desses sujeitos em

nossa pesquisa se justifica por ser na 5ª e 6ª séries que os indivíduos são

iniciados no ensino mais formal da matemática, com introdução mais rigorosa

de seus símbolos e leis que regem a linguagem matemática.

Nesse trabalho fizemos opção por uma metodologia de pesquisa qualitativa

com observação participante, que nos permitisse observar os discursos, sejam

orais ou escritos, de professores e alunos, interferindo o mínimo possível no

desenvolvimento dos mesmos. Flick (2004, p. 152) destaca alguns aspectos da

observação participante, dentre os quais apontamos:

· uma abordagem e um plano de estudo de caso em profundidade,

qualitativos [...];

· localização no aqui e agora das situações e dos ambientes da vida

cotidiana como o fundamento da investigação e do método [...];

· o emprego da observação direta juntamente com outros métodos de

coleta de informações [...].

Conforme dissemos, a nossa observação das aulas ocorreu na perspectiva do

que esse autor denomina observador participante, cuja participação, por menor

que seja, é feita junto aos sujeitos de pesquisa, em um ou mais estudo de

casos. Segundo Flick (2004, p. 84), a escolha de um ou mais casos para o

estudo é tomada a partir de dois objetivos principais: diversidade e

profundidade. Assim, quando se pretende abrir um leque maior de informações

sobre determinado tema recorre-se a um número maior de casos que se

relacionem com ele. Por outro lado, se a pretensão for de realizar análises do

campo e de suas estruturas com máxima profundidade, os estudos são

concentrados em situações particulares. Em nossa pesquisa, optamos pela

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diversidade de sujeitos e informações sobre os significados atribuídos à

igualdade matemática.

Para analisar os dados coletados recorreremos à análise de conteúdo, a partir

da qual reduziremos esse material e categorizaremos os significados atribuídos

à igualdade matemática. Seguiremos o procedimento de análise qualitativa de

conteúdo proposto por Flick (2004, p. 202):

• Selecionar o material relevante para a solução da questão de pesquisa

(trechos dos diálogos entre professores e alunos em sala de aula, do

conteúdo dos livros didáticos e dos questionários);

• Analisar a situação de coleta de dados;

• Caracterizar como foi documentado e editado o material;

• Definir a direção da análise para o material selecionado;

• Definir a técnica analítica a ser usada: abreviação da análise de

conteúdo, análise explicativa do conteúdo ou análise estruturadora do

conteúdo.

A diferenciação entre as três técnicas de análise pode ser percebida a partir

dos significados das palavras que as denominam: abreviação, explicação e

estruturação. Flick afirma que “Na abreviação da análise de conteúdo, o

material é parafraseado, o que significa que trechos e paráfrases menos

relevantes que possuam significados iguais são omitidos.” O contrário ocorre

na análise explicativa, em que são feitos esclarecimentos de trechos confusos.

Na análise estruturadora do conteúdo, que optamos por utilizar em nosso

estudo, o material é organizado em tipos ou estruturas formais que revelam e

descrevem aspectos do material com exatidão.

Um outro ponto forte em nosso estudo é a investigação bibliográfica a respeito

da história de símbolos empregados na representação da igualdade

matemática. A pretensão foi de identificar a variação de significados de

igualdade presentes no discurso de autores veiculados pela história da

matemática, a fim de termos uma maior abrangência no conhecimento dos

possíveis significados da igualdade e sua incidência em outras épocas ou não.

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Para tal, adotamos como recurso a análise de livros sobre história da

matemática e obras de conteúdo matemático publicadas a partir do século XVI,

conforme veremos posteriormente.

Apresentaremos agora o ambiente de nossa pesquisa e os procedimentos do

desenvolvimento da metodologia. No capítulo seguinte, a exposição dos dados

coletados e analisados durante esse processo.

5.1 O AMBIENTE DA PESQUISA

Escolhemos dois professores de matemática que lecionam para turmas de 5ª e

6ª séries de uma escola municipal de Vitória, no estado do Espírito Santo. A

escolha dessa escola entre os demais contatos que mantivemos foi efetivada

pela receptividade da coordenação e pela receptividade e disponibilidade de

professores atuando nas séries que buscávamos. Cada um dos professores

escolheu duas entre as três turmas que trabalhava para que

acompanhássemos, sendo uma turma de 5ª série e outra de 6ª série. Essa

seleção baseou-se, segundo os professores, no bom comportamento das

turmas e na existência de aulas geminadas9.

Ambos os professores são licenciados plenos em matemática e trabalham no

ensino de matemática há mais de 15 anos. O livro didático adotado é A

conquista da matemática: a mais nova, escolhido, segundo informou-nos a

responsável pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)10 no estado do

Espírito Santo, por grupos de professores que atuavam nas escolas públicas

municipais e estaduais no ano de 2004. Esse livro escolhido em 2004 chegou

às escolas para ser usado em 2005 e nos dois anos subseqüentes. Dessa

forma, os alunos também têm acesso a esse livro, fornecido pelo governo

federal. Ele é um instrumento base para o desenvolvimento dos conteúdos

matemáticos pelos professores, desde a ordem de apresentação até as formas

como introduzem os temas e desenvolvem atividades. No entanto, os

9 Aulas geminadas são aulas consecutivas, cuja permanência do professor numa determinada turma é ininterrupta. 10 Para maiores detalhes sobre a distribuição de livros didáticos, consultar o site www.fnde.gov.br e buscar por Distribuição PNLD/PNDE.

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professores declaram também recorrer, em seus planejamentos, a outros livros

didáticos, como o PROMAT e Tudo é matemática.

Com intuito de resguardar as identidades dos sujeitos envolvidos nessa

pesquisa, nomeamos os professores como Beta e Gama. Para as quatro

turmas, nomeamos quinta A e sexta A as orientadas pelo professor Beta e

quinta C e sexta C as orientadas pelo professor Gama.

Desde o primeiro contato com os coordenadores pedagógicos e os professores

da escola dissemos que estudaríamos as relações de igualdade matemática e

significados a ela atribuídos no discurso de professores e alunos, a fim de

coletar dados para uma pesquisa de mestrado. Dissemos também que, para

alcançarmos nosso objetivo, assistiríamos a algumas aulas e aplicaríamos um

questionário estruturado aos professores e outro aos alunos. Além disso,

necessitaríamos de momentos para reflexões e esclarecimentos sobre nossas

observações das situações de sala de aula e respostas dos questionários como

um meio colaborativo. Essa colaboração ocorreu de professores para

pesquisadores e vice-versa: os professores cederam-nos espaço em seu

ambiente de trabalho para que coletássemos dados para nossa pesquisa; em

contrapartida, procuramos informar-lhes de nossas observações e

preocupações e os auxiliamos no processo de aprendizagem de seus alunos.

Acordamos com os sujeitos de pesquisa que o acompanhamento seria feito

com anotações, fotografias da lousa e cadernos e gravação em áudio de pelo

menos duas aulas semanais em cada turma, entre os meses de maio e agosto.

O professor Beta marcou um dia com aulas geminadas na quinta A e outro na

sexta A, excetuando-se os dias em que haveria prova ou outra atividade

avaliativa escrita ou atividade desenvolvida pela escola em que ocorresse

afastamento dos alunos da sala de aula. Essas datas foram sistematicamente

seguidas. De forma semelhante, marcamos com o professor Gama um dia de

aulas geminadas na quinta C e outro na sexta C. Entretanto, tivemos

dificuldade na efetivação das aulas agendadas durante os meses de maio a

agosto por variados motivos alegados pelo professor e externos ao nosso

domínio. Assim, passamos a acompanhar sistematicamente as aulas do

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professor Gama no final do mês de agosto e demos continuidade até início de

novembro, com algumas interrupções. No total, assistimos 16 aulas do

professor Beta e 12 aulas do professor Gama.

Julgamos relevante dizer que a referida escola atende a alunos de diversos

bairros do município de Vitória e alguns de cidades metropolitanas,

provenientes, portanto, de diferentes realidades sócio-econômicas e culturais.

A quinta A e a sexta A possuem, cada uma, 39 alunos na faixa etária entre 10 e

13 anos. Os alunos da quinta C e da sexta C estão em número de 38 e 36,

respectivamente e têm entre 10 e 16 anos de idade.

As salas de aula têm em média vinte e cinco metros quadrados, uma porta num

canto, janelas na parede ao lado oposto da porta e um quadro branco na

parede entre esses dois. Chegando junto à porta visualizamos à frente, num

canto ao lado do quadro, uma mesa para o professor. Sobre essa mesa

encontra-se uma pasta para registros do comportamento dos alunos, tais como

excesso de conversas paralelas, agressividade e não cumprimento de tarefas

solicitadas pelo professor. Dirigindo o olhar no sentido transverso à entrada

veremos cinco ou seis filas de mesas e cadeiras para os alunos.

Tão logo entremos nas salas percebemos diferenças de comportamento entre

os alunos do professor Beta e os de Gama. Os primeiros estão sempre

sentados obedecendo as filas e raramente prolongam conversas. Os alunos da

quinta C e da sexta C costumam sentar-se mais a vontade e também

conversam um pouco mais que os das outras turmas. Além dessa primeira

impressão, se acompanharmos as turmas mais de perto por um tempo

notaremos que os alunos do professor Gama tendem a se expressar mais

durante as aulas, demonstrando inclusive terem um senso crítico bastante

aguçado. Os alunos do professor Beta tendem a ficar mais quietos, sem

conversar muito, mesmo que seja para perguntar algo referente a uma dúvida

da explicação. São poucos os que se manifestam durante as aulas.

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5.2 A COLETA DOS DADOS

5.2.1 Na pesquisa bibliográfica

Na parte de análise bibliográfica, considerando a influência de fatos ocorridos

em tempos passados, mesmo se tratando de muitos séculos anteriores,

julgamos pertinente e importante trazermos uma história dos símbolos que

representaram a igualdade matemática. Para tal, analisamos livros de história

da matemática e livros de matemática usados em épocas distintas, conforme

quadro a seguir. Com eles identificamos como a igualdade matemática tem

sido representada e pensamos sobre influências desses usos nos dias atuais.

O livro de Euclides foi escolhido por ser bastante antigo, conhecido e

importante obra básica para os conhecimentos matemáticos que se

desenvolveram pelo menos até a Idade Média, e por apresentar, mesmo sem

simbologias, a igualdade em proposição. Os demais livros de matemática são

por abrangência aos séculos de bastante produção matemática, a partir do

século XVI, além dos dois livros de história da matemática que tratam de

notações11 usadas nessa área.

Quadro 5. 1. Relação das obras analisadas na pesquisa bibliográfica Titulo Autor Local e data12

Elementos de Geometria (vol. I de

Os Elementos) (fax similar) Euclides São Paulo, 1945

Libro de Algebra en Arithmetica y

Geometria (vol. VI de Obras) Pedro Nunes Portugal, 1564

Stereometrie archimedeae

supplemmentu Ioanne Kepplero Lincii, 1615

Arithmetica Logarithmica Iohannes Nepervs

Baro Godvae, 1628

La Geometriè Descartes Paris, 1637

Exame de Artilheiros Jozé Fernandes Pinto

Alpoym Brasil, 1744

Mathematical Works Isaac Barrow Cambridge, 1860

Os Fundamentos da Aritmética Johann G. Frege Breslau, 1884

Oeuvres de Fermat Fermat Paris, 1896

11 Livros destacados com o símbolo “#”. 12 Referente à edição que usamos nas investigações.

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Álgebra Fundamental (vol. I do

Curso Elementar de Matemática) Aarão Reis Brasil, 1902

# Notations in elementary

mathematics (vol. I de A history of

mathematical notation)

Florian Cajori Califórnia, 1928

# Diophantus of Alexandria: A

study in the history on greek

Algebra

Sir Thomas & L. Heath New York, 1985

Analysis by its history E. Hairer & G. Wanner New York, 1995

Apresentamos em capítulo anterior algumas considerações sobre a história do

símbolo “=”, em que citamos algumas dessas obras e autores. Mencionamos

também sobre como eles apresentam a igualdade matemática. No capítulo

seguinte, quando apresentaremos os resultados das análises dos dados,

retomaremos o estudo sobre a história dos símbolos usados para representar a

igualdade matemática. O foco estará nos significados que percebemos nas

obras listadas.

5.2.2 Com os sujeitos de pesquisa

Seguimos as três fases da observação participante apresentadas por Flick

(2004, p. 152): descritiva, focal e seletiva. A observação descritiva é feita no

início e possibilita ao pesquisador se informar em linhas gerais sobre o campo

de estudo para que se oriente sobre o desenvolvimento de sua pesquisa. O

estudo piloto e os primeiros contatos com os membros da escola pesquisada

contribuíram nesse sentido. Com essas primeiras descrições em mãos,

passamos para a observação focal, que restringe o olhar aos pontos mais

essenciais da investigação: os usos e significados da igualdade matemática em

salas de aula de matemática. A observação seletiva vem em seguida, próximo

ao fim da coleta de dados, cuja função é encontrar mais evidências e exemplos

que completem os dados descobertos na segunda etapa. Elementos

contribuintes para esse aprofundamento foram as conversas que tivemos com

os professores e alguns alunos.

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Nos momentos em que acompanhávamos as aulas não fazíamos

questionamentos ou comentários e observações durante as mesmas, salvo

quando os professores solicitavam. Anotamos e/ou fotografamos nossas

observações e dúvidas para apresentá-las aos professores em momentos

posteriores às aulas. No entanto, nossa interferência durantes algumas aulas

foi inevitável, pois mesmo quando não falávamos, os professores tendiam a

direcionar os olhares para nós, o que por vezes possibilitava-lhes leitura de

nossas expressões faciais em acordo ou desacordo com seu discurso. Além

disso, em algumas situações os professores nos chamavam a auxiliá-los junto

aos alunos na resolução de exercícios ou de eventuais dúvidas, conforme

relataremos posteriormente em algumas das intervenções escolhidas. Após

algum tempo de nossa permanência, também os alunos passaram a nos

procurar quando tinham dúvidas sobre determinado exercício e o professor

estava atendendo um outro estudante.

Com o intuito de esclarecer eventuais dúvidas ou responder a perguntas que

pudessem surgir dessas observações, fizemos encontros informais com

professores ou alunos, posteriores às aulas em que aconteceram as referidas

observações. Analisamos outras fontes, como cadernos dos alunos, planos de

aula dos professores, provas escritas e outras atividades. Com essa discussão

de nossos registros e observações, feitos durante o período de coleta de

dados, pretendemos também dar um “feedback” aos professores sobre as

aulas assistidas e as respostas ao questionário. Com essa atitude

oportunizamos ter uma descrição dos registros e observações com maior

fidelidade sob os olhares do observador e do professor, para uma efetiva

validação de nossos dados.

Para um registro mais fiel e detalhado dos fatos ocorridos nas aulas, utilizamos

a gravação em áudio, que, de forma semelhante à presença de um observador,

causa certo desconforto e maior interferência nos discursos tanto de

professores quanto de alunos. Não ignoramos essa interferência que a

gravação pode causar aos sujeitos pesquisados, mas “através desse sistema,

obtém-se um registro naturalista dos eventos” (FLICK, 2004, p. 180), pois se

espera que os sujeitos nela envolvidos, após um tempo inicial, esqueçam da

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gravação ou não se importem com ela. Por essa razão, utilizamos o gravador

de maneira discreta.

Como instrumentos metodológicos complementares de nossa coleta de

informações, aplicamos questionários estruturados aos professores e aos

alunos e também analisamos livros didáticos e cadernos dos alunos. Os

questionários proporcionaram aos nossos sujeitos de pesquisa escrever mais

especificamente suas opiniões no que se refere à igualdade matemática.

Enquanto os livros e cadernos ajudaram a evidenciar os significados de

igualdade presentes nos diálogos entre professores e alunos, que costumam

ser baseados nos livros.

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6 DESCRIÇÃO DA ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo apresentaremos uma categorização analítica dos significados de

igualdade considerados. Em seguida, exporemos os resultados obtidos na

coleta de dados juntamente com nossa análise dos mesmos. Para tal, os

organizamos em duas seções principais: a análise bibliográfica e os discursos

dos sujeitos. A segunda seção está separada em observações das aulas,

análise de materiais didáticos e análise dos questionários aplicados.

Descreveremos melhor cada item no decorrer desse texto.

Destacamos que houve uma pré-análise de todos os dados (bibliográficos e

dos discursos dos sujeitos), a partir da qual identificamos significados

atribuídos à palavra “igualdade” e ao símbolo “=”. Elaboramos então nossa

categorização, baseando-nos principalmente nos discursos dos sujeitos e

aliando-nos a uma nova e mais profunda análise dos dados. Essa análise mais

profunda inclui conversas com alunos e professores para esclarecimento de

dúvidas que tivemos. Entretanto, estas foram poucas, já que o tempo

disponível dos sujeitos era restrito.

6.1 CATEGORIZAÇÃO DOS SIGNIFICADOS DE IGUALDADE

Com base na pré-análise dos dados, identificamos significados atribuídos ao

símbolo “=” (igual) de igualdade matemática nos discursos (escrito e falado)

dos diferentes sujeitos envolvidos em nossa pesquisa. Consideramos, portanto,

a possibilidade de existirem outros significados, mas os que percebemos em

nossa observação das aulas, nos materiais analisados e nos questionários

foram os seguintes13:

• Resultado;

• Resposta;

• Equivalência ou equilíbrio;

13 Apresentamos esses significados para igualdade em conformidade com a maneira que os sujeitos por nós observados se colocaram a respeito e não de acordo com os significados que nós, enquanto professoras de matemática, atribuímos a esse termo.

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• Identidade;

• Semelhança;

• Conectivo;

• Igualdade social.

O símbolo “=” como resultado

Relacionamos o símbolo “=” a idéia de resultado quando o mesmo é escrito

após operações aritméticas indicadas e seguido de um número que representa

o resultado da operação efetuada, como ao escrevermos “ 15510 =+ ”.

O símbolo “=” como resposta

O símbolo de igualdade é usado como indicativo de resposta, na linguagem

materna, quando o professor faz uma pergunta e escreve a letra R seguida do

símbolo “=” para indicar a resposta à sua pergunta. Nesse caso, tanto

professor quanto alunos dizem “a resposta é”, ou seja, está explícita a noção

de resposta, conforme veremos já no início da descrição das aulas.

O símbolo “=” como equivalência ou equilíbrio

O significado de equivalência foi percebido fortemente associado a equilíbrio.

Ao escreverem expressões como 31043 −=+ professores costumavam dizer

que o que aparece antes da igualdade é igual ao que aparece depois dela, ou

que ambos têm o mesmo valor. Também no estudo de equações essa noção

se fez presente: os professores associavam as equações algébricas a balanças

equilibradas, sendo destacada a questão numérica. Evidencia-se sempre uma

explícita comparação, equilibrando os resultados das operações indicadas em

cada membro da igualdade.

O símbolo “=” como identidade

Quando o símbolo “=” aparece escrito entre dois objetos, sejam eles

matemáticos ou não, que têm características em comum (comprimento, área,

volume, etc.) ou que representam a mesma coisa, a tendência é externar a

idéia de identidade. Percebemos isso, por exemplo, em escritas como a=2,

onde a é um objeto de comprimento 2; e também para determinar a medida de

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uma ângulo: Â=90° ou, como aparece no livro didático que pesquisamos,

med(a)=90°. Dessa forma, diz-se que a é a mesma coisa que 2 e que o ângulo

A mede 90°, sem ter a necessidade de efetuar cálculos.

O símbolo “=” como semelhança

O significado de semelhança apareceu como uma aproximação do significado

preciso associado ao símbolo “=” na matemática. Nesse caso, percebe-se a

relação com a igualdade usada em contexto social, em que o significado de

igualdade é mais maleável ou que o uso do sinal “ ≅ ”, que deveria estar

presente, como por exemplo, em 4,12 ≅ , substituído indevidamente por “=”.

O símbolo “=” como igualdade social

A conotação social atribuída ao símbolo “=” está na forte relação entre esse

símbolo e os significados sociais atribuídos à palavra “igual”. Por exemplo,

usamos o símbolo “=” para substituir a palavra e escrever mensagens

eletrônicas de forma mais sintética ou porque requeiram maior rapidez. O

significado de igualdade social aparece também quando sujeitos distintos

dizem que são iguais uns aos outros e que devem se tratar com respeito.

O símbolo “=” como conectivo

Conectivo entre idéias ou sentenças escritas é uma forma de uso do símbolo

“=”, que aparece quando professores e alunos redigem uma seqüência

algorítmica. Os professores costumavam propor expressões numéricas aos

alunos como exercícios de fixação das operações aritméticas, como a seguir e

na descrição das aulas.

91423

)317(23

)8:2417(23

=−

=−−

=−−

Não queremos dizer que a escrita não possa ser assim ou que o uso do sinal

“=” esteja indevido, mas que o significado aqui externado não é de igualdade.

De forma semelhante, usa-se o símbolo “=” no lugar de relacionar duas coisas

por meio de uma seta como conectivo de ligação ou implicação. Em sala de

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aula notamos a escrita do símbolo de igualdade com essa finalidade, por vezes

substituído por uma seta ou traço reto14.

6.2 A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Analisamos autores como Cajori que contam a história de notações

matemáticas e também obras escritas por diversos matemáticos entre os

séculos XVI e XVIII. No entanto, devemos ressaltar que algumas delas foram

publicadas muitos anos mais tarde e que por isso podem ter passado por

alterações inclusive na escrita matemática. Por exemplo, uma palavra que

aparecia em obra escrita no século XVI pode ter sido substituída por um

símbolo15 ao ser transcrita no século XVIII, quando a linguagem simbólica já

era mais usual.

Conforme percebemos no capítulo dois, algumas características mostram-se

predominantes ao longo da história do símbolo “=”. As principais que

destacamos são:

• Diferentes símbolos para representar a igualdade matemática, tais como

“ ”, “=”, “–”, “ae”, “//”, “ ”, “ ”, “ ”, “= =”, “ ”, “ ”, “]”,

“ιι ”, “||” e “|”;

• Diferentes significados atribuídos ao símbolo “=” num período muito

próximo: Diferença aritmética; Mais ou menos (±); Retas paralelas;

Separação entre as partes inteira e decimal de números racionais; e

Separação entre números que ocorriam em problemas aritméticos.

Falamos mais detalhadamente sobre esses aspectos em nosso texto Algumas

considerações sobre a história de símbolos que representaram igualdade

matemática, principalmente sobre os diversos símbolos usados para expressar

igualdade matemática. Nessa seção apresentaremos alguns significados que

observamos nos usos da igualdade matemática por matemáticos como

14 Mesmo nos cursos de graduação é comum vermos colegas e alunos escrevendo “=” ou até mesmo “⇒ ” no lugar de “ → ”. 15 Não queremos dizer com isso que uma palavra não seja um símbolo, apenas diferenciamos palavra e símbolo para nos referirmos às linguagens retórica e simbólica, respectivamente.

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Descartes, Cardano, Kepler e Leibniz. Ao falar desses significados não nos

detemos em um único símbolo, mas nas representações para igualdade que

encontramos nas obras desses autores (uma palavra na linguagem retórica,

uma abreviação de palavra na linguagem sincopada e um símbolo na

linguagem simbólica). Mostraremos, em ordem cronológica de vida dos

autores, parte dos diferentes significados de igualdade presentes na

matemática, que hoje são representados pelo símbolo “=”.

Na análise dos textos de matemática listados no capítulo anterior identificamos

praticamente os mesmos significados que observamos no ambiente escolar,

com algumas peculiaridades. Acreditamos que o maior diferencial se encontre

na linguagem, que modificou-se muito desde o século XVI até os dias atuais.

Segundo Cajori (1928, p. 297), um símbolo teria sido usado em equações

lineares encontradas no papiro de Ahmes (1650 a.C.) que significaria isso dá,

sendo, portanto, categorizado como um sinal para a igualdade. Associamos o

termo isso dá ao significado de resultado, que está relacionado à igualdade

matemática.

Conforme já dissemos, o livro Elementos de Geometria escrito por Euclides é

uma das mais antigas obras que se tem registro na história da matemática e

que foi usada durante séculos por diferentes matemáticos. Além disso, temos

particular interesse nela pelo fato de apresentar a igualdade matemática em

axiomas, conforme verificamos na figura a seguir.

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Figura 6. 1. Elementos de Geometria de Euclides

Na Linguagem matemática que usamos hoje os axiomas podem ser reescritos

da seguinte maneira:

I – Se ca = e cb = então ba = ;

II – Se ba = então cbca +=+ ;

III – Se ba = então cbca −=− .

O primeiro axioma trata da propriedade transitiva da igualdade, que é

apresentada inclusive em livros didáticos de matemática, como veremos na

seção 6.3.2 deste capítulo. Nos dois axiomas seguintes percebemos o princípio

de equivalência, que pode também ser aplicado à multiplicação e divisão.

Entendemos que o significado de identidade é bastante forte nessa obra de

Euclides, podendo ser percebido também em outros trechos do livro, em que a

palavra “igual” é usada para designar “cousas” que têm mesma característica,

como comprimento ou valor.

O fragmento seguinte é da obra Ars Magna, escrita por Cardano em 1545.

Nessa época a linguagem retórica ainda era dominante, por isso a

representação da igualdade pela palavra aequantur.

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Figura 6. 2. Ars Magna de Cardano (1545)

A igualdade aí está expressa em meio a operações aritméticas, o que nos leva

a crer na presença do significado de resultado, mesmo que implicitamente.

Porém este não é o único significado por nós percebido. Parece haver uma

equivalência, ou equilíbrio, entre algumas dessas operações.

De acordo com Cajori e demais fontes pesquisadas, doze anos mais tarde, em

1557, Recorde criou o símbolo “=” como representante da igualdade

matemática e passou a usá-lo em seus escritos até o ano seguinte, quando

veio a falecer. Entretanto, não tivemos acesso a esses escritos.

Pedro Nunes foi um matemático de destaque no uso de símbolos para

representar o que antes era escrito apenas com palavras. Embora não tenha

usado um símbolo para designar igualdade matemática, ele atribui a ela ênfase

significativa já na primeira parte de seu Libro de Algebra en Arithmetica y

Geometria, publicado sete anos após a criação do símbolo “=” por Recorde.

Segundo ele, é pela resolução de uma equação que encontramos o valor de

uma variável, sendo esta expressa através de uma igualdade. No entanto, não

emprega um símbolo próprio para representá-la, o fazendo em linguagem

retórica.

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Figura 6. 3. Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria de Pedro Nunes (1564)

Analisando esse fragmento da obra de Nunes, percebemos a igualdade sendo

usada como sinônimo de equilíbrio, o que é evidenciado quando o autor a

compara a uma balança.

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Figura 6. 4. Algebra de Bombeli (1572)

De forma semelhante ao que observamos em Cardano, também na álgebra de

Bombeli percebemos o significado de equilíbrio atribuído à igualdade

matemática. De acordo com a simbologia empregada nesse fragmento de obra

e em outras obras matemáticas, podemos transcrever a ultima linha como

161642024 +−=− , já que “m” representa minus (subtração) e “p” representa

plus (adição). Bombeli representa a igualdade tanto em linguagem retórica

quanto em linguagem simbólica, sendo a primeira usada em escrita corrente e

a segunda, especificamente para escrever matematicamente.

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Figura 6. 5. Arithmetica Logarithmica de Baro (1628)

Na Arithmetica Logarithmica de Baro, em reedição de Henry Briggs,

percebemos a igualdade matemática, ainda expressa em linguagem retórica

pela palavra aequales, significando identidade.

Figura 6. 6. Stereometrie Archimedeae Supplementum de Kepler (1615)

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Em Kepler podemos perceber a igualdade representada tanto pela palavra

aequalis16 quanto pelo símbolo “=”. Em ambos os casos o significado é o de

identidade.

Figura 6. 7. Geometrie de Descartes (1633)

Na Geometriè de Descartes identificamos tanto a palavra “aequali” quanto o

símbolo “ ” para indicar igualdade matemática. O autor escreve o símbolo “ ”

entre elementos matemáticos que compara e verifica que têm o mesmo valor

ou medida. Entendemos que Descartes emprega a palavra aequali em meio a

parte mais textual de sua obra, enquanto o símbolo “ ” é empregado

exclusivamente ao comparar elementos matemáticos, exprimindo a idéia

principal de identidade.

16 Rever as considerações que fizemos sobre a história de símbolos que representaram a igualdade matemática.

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Figura 6. 8. Oeuvres de Fermat (1896)

Conforme o capítulo sobre a história dos símbolos usados na representação da

igualdade matemática, Fermat teria empregado o símbolo “{” para igualdade.

Porém, nos fragmentos de textos desse autor aos quais tivemos acesso, é o

símbolo “=” que aparece, possivelmente por se tratar de uma tradução. Nestas,

identificamos o significado de equilíbrio como sendo dominante, mas o uso

desse símbolo para indicar identidades e resultados também ocorre.

Figura 6. 9. Mathematical Works de Barrow (1860)

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O texto Mathematical Works, de Isaac Barrow, apresenta o símbolo “=” como

representativo de igualdade matemática. Na figura 6.12 o percebemos como

indicativo de identidade entre elementos matemáticos, mas ele também

aparece como equilíbrio entre operações aritméticas.

Figura 6. 10. Epistola Secunda de Maximiset Minimis de Huddenii17

Não temos a data precisa em que foi escrita a Epistola Secunda de Maximiset

Minimis, mas nela observamos a igualdade expressa tanto pela palavra

aequales quanto pelo símbolo “ ”, usados também por Descartes, em La

Geometriè. Percebemos, além do significado de identidade atribuído à

igualdade matemática, seja representada retórica ou simbolicamente, o

significado de indicativo de resultado. 17 Em Struik (1989, p. 153), identificamos uma matemático chamado Johannes Hudde (1633-1704) que, segundo características, seria uma tradução de Huddenii para uma língua mais atual.

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Figura 6. 11. Cálculo de Leibniz (1684)

Figura 6. 12. Cálculo de Leibniz (1684)

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Leibniz é considerado o principal responsável pela instituição do símbolo “=”

como representante da igualdade matemática. Isso se deve a forte influência

dos seus trabalhos, e dos trabalhos de Newton, sobre o cálculo, publicados a

partir do século XVII (Struik, 1989, p. 185). Conforme verificamos na figura

6.12, o símbolo “=” aparece indicando igualdade. Apesar de empregar também

o símbolo na forma retórica (aequalis) e sincopada (aequ), estas aparecem

mais em meio a textos, enquanto o símbolo aparece entre cálculos. Os

significados mais aparentes são identidade e equilíbrio.

Figura 6. 13. Exame de Artilheiros de Alpoym (1744)

Nos textos de Alpoym, primeiros escritos no Brasil, não identificamos uso de

linguagem simbólica ou um símbolo próprio como indicativo de igualdade

matemática. Os exames de artilheiros e de bombeiros são escritos em

linguagem retórica e a palavra igual é usada para afirmar que dois ou mais

elementos matemáticos têm mesmo valor.

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Figura 6. 14. Fundamentos de Aritmética de Frege (1884)

Frege se ocupa de uma definição de igualdade ao falar em paralelismo de

retas, apropriando-se da definição de Leibniz. As palavras de Frege

demonstram a exatidão requerida à igualdade matemática, não aceitando

semelhanças ou aproximações. Não identificamos uso de simbologia para

representar igualdade em sua obra que pesquisamos.

Na obra de Aarão Reis, publicada no Brasil, percebemos o cuidado ao

apresentar a simbologia usada no livro, inclusive os símbolos de igualdade (=)

e de resultado (......), aqui diferenciados.

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Figura 6. 15. Álgebra Fundamental de Reis (1902)

Embora diferenciando os símbolos de igualdade e de resultado, o autor

emprega o símbolo “=” para indicar resultado de operações aritméticas em

algumas situações expostas em sua obra. Identificamos os significados de

equilíbrio e conectivo como sendo os mais presentes na Álgebra Fundamental

de Reis.

Segundo Morador e Natiello (2006, p. 124), que escrevem sobre a filosofia

matemática de Marx, este estudioso usa a igualdade essencialmente com duas

funções (que ora chamaremos significados) básicas:

• Definição, para expressar, por exemplo, que A representa “ 2+xe ” no

caso de escrever 2+= xeA ;

• Identidade, quando os membros direito e esquerdo representam a mesma

coisa, como é o caso da expressão 92 =x .

Ao mencionarem a função identidade do símbolo “=”, Morador e Natiello

destacam que nas escritas matemáticas de Marx, “los objetos que están a

ambos lados de uma igualdad son por cierto equivalentes”. Os autores afirmam

ainda que para Marx nem sempre a igualdade é imediatamente evidente,

como, por exemplo, na expressão “ ...)()()()()( 2 +++=

−+hxqhxpxg

h

xfhxf”.

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Passaremos agora para as análises dos discursos dos sujeitos, que incluem

obras atuais que tratam de elementos da matemática: os livros didáticos

adotados pelos professores e alunos pesquisados.

6.3 OS DISCURSOS DOS SUJEITOS

6.3.1 As aulas

Conforme dissemos anteriormente, assistimos a 16 aulas18 do professor Beta e

12 do professor Gama. Nas aulas assistidas com o professor Beta os

conteúdos ministrados seguiram a ordem do livro didático adotado: divisão e

potenciação de números naturais, noção e critérios de divisibilidade, divisores,

fatores e múltiplos, números primos e decomposição em fatores primos na

turma da quinta A; e divisão, potenciação e radiciação de números inteiros,

conjunto dos números racionais e multiplicação e divisão de números racionais

na sexta A. Nas aulas ministradas pelo professor Gama que observamos os

conteúdos também seguiram a ordem do livro didático: máximo divisor comum,

idéia de fração, comparação de números fracionários, frações equivalentes e

problemas com frações na quinta C; e conjunto dos números racionais,

representação na reta numérica, operações fundamentais com números

racionais, estudo de médias e equações na sexta C.

Durante essas aulas procuramos sempre nos sentar no final da sala para

mantermos uma visão mais ampla de todos os alunos e do professor e para

que os alunos, sentados no máximo ao nosso lado, se distraíssem o mínimo

possível com nossa presença.

Registramos as aulas com anotações em nosso caderno de pesquisa, além de

gravarmos em áudio e fotografarmos quadro e cadernos, conforme já

dissemos. Procuramos fazer registros fiéis às situações vividas em cada uma

18

Consideramos aqui uma aula como sendo um período de tempo contínuo que permanecemos nas salas junto com cada professor de matemática e uma das turmas que orienta. Portanto, as aulas geminadas foram contadas como uma única aula.

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das aulas, mesmo que estes não tivessem ligação direta com o foco de nosso

estudo.

Com esses documentos em mãos, selecionamos trechos distintos (orais e

escritos) em que o uso do símbolo “=” ou da palavra “igualdade” se fizeram

presentes e que nos possibilitaram inferir conclusões de significados

externados sobre esses termos. Serão, portanto, parte desses trechos que

apresentaremos na análise a ser aqui exposta.

Optamos por não transcrever todas as diversas situações de uso da igualdade

matemática, por julgarmos suficiente a visualização de apenas uma ou duas

situações semelhantes para compreendermos a ligação desse fato a

determinado significado atribuído à igualdade matemática.

A seguir, apresentaremos os trechos selecionados transcritos e os registros de

nossas observações, a partir das aulas assistidas em cada turma, obedecendo

a ordem cronológica de seu acontecimento. Separamos esta apresentação em

dois grupos de aulas: as ministradas pelo professor Beta e as ministradas pelo

professor Gama.

Aulas do Professor Beta

As aulas do professor Beta mantiveram a seqüência de cumprimentar os

alunos, aguardar uns instantes até que os mesmos sentassem ordenadamente

nas filas e silenciassem. Em seguida fazia a chamada, abria seu caderno de

planos e o livro didático e iniciava a parte específica de matemática. O uso do

quadro pelo professor foi constante, tanto para escrever as atividades que não

estavam no livro didático, quanto para anotar idéias principais do conteúdo

trabalhado.

Percebemos esse professor bastante preocupado com a organização e

disciplina dos alunos, pois sempre os fazia sentar obedecendo as filas e

chamava a atenção no caso de conversas paralelas. Além disso, nos

momentos em que conversávamos Beta frequentemente dizia que os alunos

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são muito indisciplinados e despreocupados com seu compromisso de estudar

e que ainda existe o agravante das turmas terem um elevado número de

alunos. Foram várias as vezes em que o professor nos mostrou a pasta com as

ocorrências negativas das turmas, dizendo não serem poucas. De fato, alguns

alunos tinham vários registros, principalmente de falta de cumprimento de

tarefas e conversas paralelas em aulas de diferentes disciplinas.

A primeira aula do professor Beta que assistimos foi na sexta A. O professor

nos apresentou e disse que estávamos ali para fazer uma pesquisa de

mestrado e que para tal observaríamos algumas aulas. Um aluno questionou o

que é mestrado e respondemos que é um curso feito após a faculdade com

objetivo de estudar um assunto mais profundamente.

Feita a apresentação e esclarecida a dúvida do aluno, o professor fez a

chamada e disse que introduziria um novo conteúdo, copiando as seguintes

palavras de seu caderno de planos para o quadro:

Divisão de Nº Inteiros

Qual a operação inversa da multiplicação?

R= É a divisão.

(-5).(-8)=+40

(+5).(+8)=+40

(-5).(+8)=-40

(+5).(-8)=-40

(+40):(-8)=-5

(+40):(+8)=+5

(-40):(+8)=-5

(-40):(-8)=+5

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Observando a terceira linha em que Beta escreve “R= É a divisão”, ou seja, a

resposta é divisão, notamos claramente a idéia de resposta ligada ao símbolo

de igualdade matemática. Para esse professor o símbolo “=” pode ser

empregado como indicativo para uma resposta. O símbolo “=” também aparece

como resultado de operações aritméticas, como usado nas multiplicações e

divisões escritas acima.

Após escrever e falar sobre as oito operações, relembrando a multiplicação de

números inteiros, o professor destaca que, na divisão, a regra de sinais é a

mesma usada na multiplicação. Reforça sua fala dizendo que “Se os sinais

forem iguais então o resultado é positivo e se os sinais forem diferentes então o

resultado é negativo.” Enquanto fala essa frase, escreve no quadro:

Regra de sinais

• Sinais iguais = +

• Sinais diferentes = -

Ligando a fala do professor às expressões por ele escritas no quadro já

pudemos novamente perceber nessa primeira aula com a sexta A o símbolo “=”

se prestando ao papel de resultado. Além disso, ao falar “se os sinais forem

iguais” está implícita a relação de identidade entre os sinais que representam

mais e menos.

No mesmo dia assistimos a primeira aula na quinta A. O procedimento foi o

mesmo relatado anteriormente, em nossa apresentação na sexta A, exceto

pelo fato do professor ter dito que já havia falado sobre nossa presença na sala

por um tempo e o objetivo da mesma. Sentamos no final da sala e assistimos a

correção de exercícios de divisão de números naturais.

Posterior à correção dos exercícios, Beta fez considerações sobre divisão de

números naturais e escreveu no quadro um exemplo para cada consideração

falada, solicitando aos alunos que acompanhem essas observações em seus

livros didáticos. Apresentamos a seguir a frase dita pelo professor e o exemplo

por ele escrito no quadro.

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• Nem sempre é possível a divisão de um número natural por

outro número natural. Quando que não é possível eu estar

dividindo um número natural por outro? Quando eu divido por

zero.

• Nem sempre a divisão de um número natural não nulo, que não

seja zero, por outro número natural não nulo, que também não

seja zero, vai dar um número natural.

• Quando dividendo é zero e o divisor é um número natural

diferente de zero, o quociente será zero.

• Quando dividendo e divisor são números naturais não nulos o

quociente será um.

Após exemplificar essas situações o professor copiou do livro para o quadro as

divisões:

5 0

5 2 10 2,5 0

0 5 0

7 7 1 0

50 3

20 16 2

x

+

48 3

18 16 0 +

x

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O professor Beta orienta os alunos a observarem que nas divisões acima

temos, respectivamente, 016348 +×= e 216350 +×= . Beta diz ainda que

essa relação (dividendo = divisor x quociente + resto) acontece em todas as

divisões e que por isso é chamada fundamental.

Imediatamente após Beta resolver essas operações aritméticas no quadro,

uma aluna diz que “a primeira deu igual à segunda”. Entendemos que nessa

frase a aluna compara os resultados (ou quocientes) das divisões de 48 por 3 e

de 50 por 3 e observa que ambos correspondem a 16. No entanto,

desconsidera a diferença existente nos restos. O professor diz que trata-se da

mesma relação (divisor x quociente + resto = dividendo) em ambos os

exemplos e não de duas operações iguais, já que seus dividendos e restos são

diferentes.

Logo após essa discussão e sem prolongá-la o professor diz que irá “mostrar

um exemplo de como aplicar essa relação”. Ele escreve uma pergunta e logo

após a resposta para a mesma na lousa:

Numa divisão o divisor é 7, q é 13 e r é 5. Qual o valor do dividendo?

96

591

5137

=

+=

+×=

n

n

n

Simultaneamente ao escrever a última linha Beta diz que “n vai ser 96”.

Percebemos então mais uma vez o símbolo “=” se prestando ao papel de

resultado.

Dando prosseguimento a aula, o professor Beta orienta seus alunos a

resolverem algumas atividades propostas pelo livro didático, chamando a

atenção para a existência de uma igualdade no quinto exercício da página 66 e

diz que discutirão a respeito no momento da correção. Alguns alunos começam

? 7

5 13

n

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99

a falar as respostas dos primeiros exercícios, mas o professor repreende-os,

dizendo que não devem responder oralmente e sim escrever as respostas no

caderno.

A correção desses exercícios segue tranquilamente com a participação dos

alunos. Porém, quando chegou o exercício 5 e o professor perguntou “Qual é o

valor do número natural n para que se tenha 20:805: =n ?” os alunos

silenciaram. O professor repete a pergunta e os alunos murmuram que não

entenderam. Beta então diz que existe uma igualdade entre duas divisões, ou

seja, que o resultado da divisão de n por 5 é o mesmo da divisão de 80 por 20

e dá mais um tempo para os alunos tentarem resolver. Passam 15 minutos

enquanto o professor atende a duvidas individuais dos alunos sobre esse

exercício. No geral, Beta tende a induzir os alunos a encontrarem o resultado

da divisão de 80 por 20 e perceberem que existe um número n que ao ser

dividido por 5 encontramos o mesmo resultado.

Inicialmente, os alunos demonstram visualizar apenas 805: =n , ou seja,

entendem que o símbolo “=” indica o resultado de n dividido por 5 e este é 80.

Após o professor repetir sua fala de igualdade entre resultados de divisões e

escrever no quadro, conforme a ilustração acima, os alunos parecem ter

entendido a proposta do exercício. Porém, temos duvidas quanto a percepção

do símbolo de igualdade como equilíbrio ou equivalência. Essa desconfiança

foi confirmada em uma conversa com o professor Beta alguns dias depois. Ele

afirmou que os alunos não sabem identificar uma igualdade quando o símbolo

aparece entre operações.

No momento dessa conversa o professor fez observações também sobre a

intensidade da agitação dos alunos, principalmente nos dias em que

estávamos presentes. De acordo com o que já dissemos no capítulo da

n : 5 = 80 : 20

4 4

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100

metodologia, essa reação era esperada, pois se tratava da presença de

estranhos num ambiente ao qual os alunos estavam familiarizados.

Em aulas posteriores, na quinta A e na sexta A, o professor Beta trabalha com

expressões numéricas, tema que propicia aos estudantes lidar com diferentes

operações aritméticas em conjunto. Assim, podem assimilar padrões

matemáticos, como resolver multiplicações e divisões antes das adições e

subtrações.

Eis alguns exemplos que foram exercitados em uma aula na quinta A:

91423

)317(23

)8:2417(23

=−

=−−

=−−

2

17:34

]623[:34

)]1218(23[:34

)]3:3618(23[:34

=

=−

=−−

=−−

12

3.4

3].1115[

3)].112(15[

3)].8:812(15[

=

=−

=−−

=−−

Podemos perceber o símbolo “=” sendo usado tanto como conectivo quanto

como resultado. No primeiro caso, a cada salto de linha usa-se a igualdade

para indicar que a expressão tem continuidade na linha seguinte. O símbolo

também é usado para indicar nove como diferença (ou resultado) entre vinte e

três e quatorze.

Interessante que mesmo escrevendo o símbolo “=” no quadro e nos cadernos,

cada etapa é falada em voz alta pelo professor e pelos alunos apenas até

chegar ao símbolo, e este não é pronunciado. Não pudemos verificar se os

alunos têm consciência da igualdade entre as expressões escritas, mas

julgando pelos relatos do professor e das respostas que os próprios alunos

deram ao questionário19, são poucos os que percebem e externam esse

significado relacionado ao símbolo “=”.

Na aula em que introduziu o estudo de gráficos na quinta A, o professor Beta

empregou o símbolo “=” como identidade, alternando entre as notações

)0,0(=P e )3,1(M para indicar pares ordenados.

19

Conferir item 6.1.4 para análise completa dos questionários dos alunos.

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101

O significado de identidade para o símbolo em questão também apareceu em

aula na sexta A, para indicar valores como 1−=x ou 11=p a serem

substituídos em expressões algébricas. Novamente nessa mesma aula

identificamos o símbolo “=” se prestando a resultado, ou resposta. Observando

as expressões abaixo notaremos o “=” como indicativo de continuidade,

conforme já relatamos anteriormente, e também como resposta a pergunta do

exercício20 e como resultado de operações aritméticas. Vejamos:

11

11101

)10(1

)100(1

==

=+

=−−

=−−

pR 1

)9(:9

)2516(:9

)54(:8122

−=

−=

−=

−=

x

x

x

x

Outro detalhe importante é o uso do símbolo “=” pelo professor imediatamente

após enunciações de exercícios. Por exemplo: Resolva a expressão:

“ =−−−− )10(:60)4.(515 ”. Essa é uma atitude constante nas atividades escritas

na lousa ou entregues em folhas já digitadas por Beta. Aqui, o símbolo “=” é

usado pelo professor para indicar equilíbrio entre as expressões. Além disso, é

uma forma de induzir os alunos a existência de uma resposta e que essa

resposta é indicada pelo símbolo “=”. De fato, conforme já escrevemos no

capítulo de fundamentação teórica, tanto Vygotski quanto Bruner alertam para

a influência de pessoas mais experientes (no caso o professor) sobre os mais

novos (os estudantes). Eles afirmam ainda que esta influência, mediação para

Vygotski e intermediação para Bruner, é definitiva para a aquisição de novos

conhecimentos e amadurecimento de conhecimentos já existentes. O

estudante traz consigo para a sala de aula noções de igualdade

(principalmente com conotação social) que aprendeu ao longo de sua vida,

com os adultos e demais crianças e adolescentes com os quais conviveu.

Agora, na escola, ele opera tanto com o conceito social de igualdade já

assimilado quanto com o conceito de igualdade matemática que começa a

fazer parte de seu dia-a-dia.

20 Exercício da página 72 do livro A conquista da matemática: a mais nova, de 6ª série: O

número p representa o valor da expressão )100(1 −− . Qual é o número p?

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102

As noções de identidade e resultado são exemplos de significados atribuídos a

igualdade presentes em aula na quinta A. Ao mesmo tempo em que usa o

símbolo “=”, em tamanho menor ao lado da potência, para indicar seu resultado

(o qual aparece circulado em destaque), o professor escreve o símbolo “=”

entre as potências quando estas forem iguais, como na letra “e” da fotografia

abaixo, tirada do quadro.

Fotografia 6. 1. O símbolo “=” como conectivo – potenciação

Um uso pouco comum do símbolo “=” em matemática é o de conectivo entre

idéias ou expressões que não são iguais. Apresentaremos em linhas gerais o

acontecido nessa aula para chegarmos ao referido destaque da aula.

O professor explica os critérios de divisibilidade por dois e três em uma das

aulas assistidas na quinta A. Durante a explicação ele solicita aos alunos que

somem os algarismos dos números 12, 13, 19, 23, 24, 27, 30, 37, 43, 48, 87 e

99 e dividam a soma obtida por três. Os alunos seguem essas orientações e o

professor faz algumas perguntas, induzindo os alunos a concluírem que “Um

número natural é divisível por três quando a soma dos seus algarismos for

divisível por três”. Após verificar que a maioria dos alunos efetuou as

operações sugeridas, Beta faz o mesmo no quadro, conforme vemos em nosso

destaque na imagem abaixo.

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103

Fotografia 6. 2. O símbolo “=” como conectivo – divisibilidade

Foi a esse uso do símbolo “=” que atribuímos o significado de conectivo,

especificamente ao trabalhar com os números 13 e 19 (destaque). Nesse caso

a conexão a ser destacada pelo símbolo “=” é entre o número que se deseja

verificar se é divisível por três e o procedimento a ser feito para tal verificação.

Porém, este uso é indevido, já que 13 não é igual à soma de 1 e 3.

Encerramos a seleção de trechos das aulas ministradas pelo professor Beta

com um último exemplo em que o símbolo “=” se presta ao papel de resultado.

Ao introduzir decomposição de números em fatores primos, o professor sugere

um problema: As medidas da piscina de Lucas, em metros, são dadas por

números primos. Nessa piscina cabem 70 metros cúbicos. Quais são essas

medidas? Beta argumenta com os alunos, dizendo que para encontrar o

volume da piscina (70m3) é necessário multiplicar as medidas de sua largura,

comprimento e profundidade e que essas três medidas são números primos.

Dito isso, Beta escreve a solução no quadro, conforme a seguinte fotografia

tirada do mesmo:

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104

Fotografia 6. 3. O símbolo “=” como resposta

Acreditamos ter atingido nosso objetivo de identificar e caracterizar como a

igualdade matemática foi trabalhada nas aulas que observamos. Além disso,

pudemos identificar significados de igualdade matemática externados pelo

professor Beta e seus alunos durante as aulas. Tentaremos atingir os mesmos

resultados em nossa análise das aulas do professor Gama que relataremos a

seguir.

Aulas do Professor Gama

As aulas do professor Gama eram comumente agitadas, sempre tinha alguém

a dizer algo. O professor sempre entrava na sala de aula cumprimentando seus

alunos e dizendo palavras para incentivá-los aos estudos. Gama aproveitava

cada oportunidade que surgia para dizer aos alunos o quanto é importante

refletirem sobre suas atitudes e o quanto isso é decisivo para a direção que

tomará suas vidas.

Uma outra característica comum era buscar a participação dos alunos a todo

momento, sem se preocupar muito com a disposição física dos mesmos na

sala. O uso do quadro era sempre compartilhado com os alunos,

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105

principalmente na correção dos exercícios. Gama empregava um vocabulário

um tanto rebuscado para os alunos e por vezes eles perguntavam o significado

de alguma palavra. Inclusive dentro da linguagem matemática, que ele fazia

questão de afirmar ser uma linguagem simbólica própria. Gama costumava

inserir termos como corpo, anel, denso e extensão de corpos. Porém, não

presenciamos nenhuma pergunta dos alunos referentes a essas palavras.

Nos momentos em que conversávamos Gama dizia que os alunos são um

pouco indisciplinados e muito despreocupados com seu compromisso de

estudar. Entretanto, afirmava que eles tinham potencial e que se “puxarmos”

perceberemos o quanto eles podem produzir.

Depois de alguns contatos com professor na escola em que não foi possível

entrarmos em sala de aula, assistimos a primeira aula na sexta C. Gama diz

aos alunos que já havia falado sobre nossa presença em algumas aulas para

coletar dados para uma pesquisa de mestrado. Em seguida recorda com eles

que o conjunto dos números naturais é subconjunto dos inteiros. Depois de

dizer isso o professor pergunta aos alunos “Qual o número que somado a -2

chegaremos a -8?” e fala do uso de uma simbologia própria na linguagem

matemática e repete a pergunta aos poucos, enquanto escreve 8)2( −=−+x no

quadro. O próximo passo é resolver essa equação:

6

28

82

8)2(

−=

+−=

−=−

−=−+

x

x

x

x

Ao observar o professor Gama resolver essa equação no quadro, percebemos

a noção de identidade associada ao símbolo “=” quando o professor diz que

“ 2−x ” tem o mesmo valor que “-8”. Porém, na seqüência de discussões, o

professor passa também a idéia de resultado, mesmo no enunciado da

questão. Ao transcrever a pergunta feita em linguagem materna para a

linguagem matemática, Gama relaciona o termo “chegaremos a” ao símbolo

“=”, atribuindo significado de “o resultado é”. O professor trabalha com outros

exemplos semelhantes, todos com a igualdade matemática indicando

resultado.

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106

Numa outra aula na sexta C o símbolo “=” novamente aparece como indicador

de resultado de operações aritméticas escritas pelos alunos que resolveram

exercícios no quadro: 5,05,77 −=− Simultaneamente, os estudantes o usam

como equilíbrio ou equivalência, entre frações equivalentes (2

1

10

5 −=

−) e entre

operações que também envolvem frações equivalentes (36

18

36

20

4

2

9

5+

−=+

−).

Na quinta C o primeiro significado atribuído ao símbolo “=” que observamos foi

o de resultado, quando o professor escreveu potências como 100002 =x e

2165 =y para os alunos encontrarem os valores de x e y. Esse significado ficou

claro quando o professor perguntou “Qual deve ser o valor de x para que o

resultado de x elevado ao quadrado seja 10000?”.

Na mesma aula, com foco em mínimo múltiplo comum e máximo divisor

comum, o símbolo “=” é sempre escrito para indicar resultado de operações

aritméticas como 18332 =×× , onde 2 e 3 são os fatores primos em que foram

decompostos os números 90 e 126. Em determinado momento dois alunos

escrevem, também ao final de decomposição em fatores primos, as expressões 333

63.2 = e 444105.2 = . Imediatamente o professor Gama lembra para a classe

que esses alunos aplicaram a propriedade de potenciação “a elevado a n vezes

b elevado também a n é igual a a vezes b elevado a n.” e a escreve no quadro,

conforme podemos observar na imagem a seguir.

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107

Fotografia 6. 4. O símbolo “=” como equivalência – fatoração

Observando a relação escrita pelo professor identificamos o significado de

equivalência entre as sentenças matemáticas. Ou seja, podemos tanto efetuar

o produto dessas potências quanto efetuar o produto entre as bases para

depois resolver as potências.

Os alunos dessa turma também expressam os significados de indicativo para

continuidade, resultado e identidade, de acordo com o que mostra a fotografia

a seguir, que tiramos quando os alunos resolviam exercícios na lousa.

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108

Fotografia 6. 5. O símbolo “=” como indicativo de continuidade, resultado e continuidade

Em uma aula posterior na sexta C o professor introduzir o tópico equações do

primeiro grau. A proposta do livro é iniciar falando sobre a igualdade matemática e

suas propriedades simétrica, reflexiva e transitiva. Porém, Gama fez a opção de

expor algumas situações problemas para os alunos e as escreve no quadro, como

segue:

Introdução:

1) Em um reservatório havia 50l de água, quando foi aberta uma

torneira que despeja 20l de água por minuto.

Após quantos minutos o reservatório conterá 150l de

água?

• 6’?

• 10’?

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109

Antes de começar a resolver esses problemas o professor fala aos alunos que o

próximo assunto a ser estudado é equações do primeiro grau, explicando que

trata-se de uma igualdade entre duas expressões matemáticas em que aparece

uma variável. Em seguida, Gama passa a resolver o segundo problema exposto,

que ele relaciona a uma máquina em que entra um número e sai o seu dobro e

exemplifica com os números listados na figura acima. O passo seguinte é solicitar

aos alunos que generalizem essa situação chegando a uma igualdade. Eles

escrevem algumas igualdades com auxílio do professor: 100.2 =x , 20.2 =x , etc.

Para resolver o primeiro problema o professor inicialmente diz aos alunos:

“Gostaria que vocês fizessem uma análise desse problema e depois tentassem

representá-lo de forma generalizada através de uma igualdade, de uma equação

matemática onde apareça uma variável.”. Os alunos subtraem 50 (quantidade de

água já existente no reservatório) de 150 (quantidade total de água no

reservatório) e depois dividem 100 (resultado da subtração anterior) por 20

(quantidade de litros despejados por minuto). Gama concorda com seus alunos e

pergunta: “É possível essas operações elementares que vocês fizeram nós

representarmos através de uma igualdade, tipo uma expressãozinha numérica?”,

os estudantes respondem afirmativamente e, aos poucos, chegam à equação

1505020 =+t . Como nesse exemplo o professor Gama passou aos alunos a idéia

de igualdade entre elementos matemáticos, entendemos que o significado aqui

atribuído ao símbolo “=” foi de equilíbrio.

ENTRADA

DOBRO NÚMERO

SAÍDA

-1 0 1

3,5 x

-2 0 2 7

2x ... ...

2)

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110

Na mesma aula o professor relaciona a igualdade ao “fiel” da balança, que

determina o equilíbrio entre os objetos a serem comparados. Ele utiliza essa idéia

de equilíbrio para ensinar os alunos a resolverem equações, colocando ou

retirando a mesma quantidade em ambos os membros da igualdade. O tempo da

aula termina e o professor solicita aos alunos que leiam as páginas iniciais do livro

sobre equação, para que possam discutir melhor o tema na próxima aula.

Conforme combinado, Gama retoma essa discussão com um exemplo, mas os

alunos dizem não entender. O professor tenta outros exemplos, inclusive

recorrendo ao desenho de uma balança, conforme podemos verificar na figura

abaixo, novamente evidenciando o significado de equilíbrio ao símbolo “=”.

Fotografia 6. 6. O símbolo “=” como equivalência – equações

Uma aluna questiona como são as propriedades da igualdade, pois tentou

resolver os exemplos no livro seguindo a orientação do professor e não

conseguiu. Gama escreve algumas expressões no quadro (veja figura abaixo) ao

mesmo tempo em que pergunta aos alunos se a escrita está certa. Depois diz aos

alunos que trata-se de uma propriedade da igualdade.

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22

2424

66

2424

44

=

−=−

=

+=+

=

cbca

ba

+=+

=

Os alunos parecem não entender e o professor diz que seguirá a ordem do livro

para trabalhar esse tema. Nesse momento pensamos que ele retomaria a

introdução falando da linguagem simbólica da matemática e do conceito e

propriedades da igualdade matemática. Porém, Gama diz que seguirá a ordem do

livro e apresenta uma definição de equação: É toda equação escrita na forma

0=+ bax , sendo a e b números racionais e a diferente de zero. Novamente os

alunos dizem não entender: “Não to entendendo essas letras aí.”. Aos poucos o

professor consegue fazer os alunos visualizarem que as letras a e b representam

números e também a resolverem equações seguindo o método que utiliza os

princípios aditivos e multiplicativos da equação.

O símbolo “=” foi essencialmente usado como indicativo de equilíbrio entre

sentenças matemáticas e, eventualmente, em identidades como 3=a e 1−=b .

Entretanto, observamos atitudes dos alunos como a omissão do símbolo “=” entre

frações equivalentes ao simplificar o resultado de uma equação ou mesmo entre a

incógnita e o seu valor, o que indicaria o resultado da equação. Assim, podemos

imaginar que eles escrevem esse símbolo apenas porque o professor os ensinou

a fazê-lo, sem termos garantia de que eles compreendam essas igualdades e os

significados envolvidos ou atribuídos.

Um fato interessante ocorreu na quinta C quando foi introduzido o tema frações

equivalentes. O professor pede a um aluno para ir ao quadro e escrever a fração

21 e outras frações que representem a mesma coisa. O aluno escreve as frações

200

100,

4

2,

60

30,

8

4,

2

1 separadas por vírgula. Em seguida, escreve

21 ao lado de

168

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112

e, iniciando o movimento de escrever algo entre essas frações, para por uns

instantes, escreve o símbolo “=” e pergunta ao professor se é igual mesmo o

símbolo a ser escrito. O professor afirma que sim, pois as frações representam a

mesma coisa. Julgando também por outras atitudes desse aluno em aulas

anteriores, percebemos que ele costuma refletir sobre o que ouve e escreve,

questionando quando não compreende algo. Nesse caso quis ter certeza de que

o símbolo a ser usado era o de igualdade antes de mostrar ter encerrado a

atividade proposta pelo professor.

6.3.2 Os materiais didáticos

Classificamos como materiais didáticos os cadernos dos alunos, o caderno de

planos do professor e o livro didático. Percebemos, em nossa análise desses

materiais, que os cadernos dos alunos contêm registros de explicações do

professor (faladas ou escritas no quadro), conteúdos e exercícios copiados e

resolvidos do quadro ou do livro e entregues em folhas impressas pelo professor.

Em seu caderno de planos, o professor Beta registrava todas as ações a serem

realizadas em suas aulas, principalmente as que seriam transcritas para o quadro

e número de páginas do livro com conteúdo a ser trabalhado em aula. O professor

Gama não possuía caderno de planos, seguindo o livro didático adotado e,

segundo relatou, outros livros didáticos que possui.

Tanto o caderno de planos do professor quanto os cadernos dos alunos contêm

os registros do que é trabalhado em sala de aula, não sendo por nós registrada

diferenciação significativa entre esses registros. Se observarmos o fragmento de

um caderno de aluno na figura a seguir notamos o símbolo “=” usado como

resultado, em expressões escritas da maneira como os professores apresentam

em suas aulas e nos registros dos livros didáticos. Por essa razão, optamos por

destacar aqui apenas a análise dos livros didáticos, além dos trechos das aulas.

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113

Figura 6. 16. Caderno de aluno da 5ª série

O livro didático pareceu-nos ser o mais usado desses materiais, pois era de

acesso tanto dos professores quanto dos alunos. É com base no livro didático que

os professores preparavam suas aulas. A coleção de matemática adotada pelos

professores e alunos foi “A Conquista da Matemática”, dos autores José R.

Giovanni, José R. Giovanni Júnior e Benedito Castrucci.

Com os livros de 5ª e 6ª séries em mãos, inicialmente analisamos o sumário

buscando algum tópico relacionado à igualdade ou a simbologias. Encontrando

algum indício de igualdade, direcionamos a atenção para as páginas indicadas,

fazendo uma leitura mais rápida nas demais para identificar onde aparece alguma

relação de igualdade. Assim, destacamos as partes em que relações de igualdade

fazem-se presentes.

No livro da 5ª série o símbolo “=” aparece pela primeira vez enunciando o

conjunto dos números naturais – ,...}3,2,1{=Ν . Depois disso é tratada nas

operações de adição e subtração para indicar sucessores e antecessores e em

um quadro, como resultado de comparação entre duas quantidades. A figura a

seguir é um recorte do livro ao apresentar esses símbolos, tratando o símbolo “=”

como identidade, afirmando que dois elementos matemáticos expressam a

mesma quantidade.

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Figura 6. 17. Livro didático A conquista da matemática, 5ª série

Em todo o livro da 5ª série a idéia de resultado aparece ligada ao símbolo “=”, em

diversas operações que envolvem números naturais, decimais e fracionários. A

igualdade também aparece relacionando ângulos e segmentos, frações

equivalentes e mistas, unidades de medidas de comprimento (como m, cm e km)

e capacidade (como m3 e l).

No livro da 6ª série notamos a noção de igualdade melhor explicada, apresentada

como tópico de um capítulo, antecedendo a introdução de equações. Apesar de

ser abordada em situações semelhantes às do livro da 5ª série, antes de

introduzir equações os autores dão maior atenção à igualdade e à linguagem

matemática. Na página 106, antes de apresentar exemplos de usos e as

propriedades da igualdade, os autores escrevem que:

Comumente usam-se sentenças, seja no decorrer de uma conversa, seja na linguagem escrita.

Em Matemática, também usamos sentenças, a maioria das quais fazendo afirmações sobre números. Nas sentenças matemáticas, encontram-se, no lugar de palavras, símbolos, como = (é igual a), ≠ (é diferente de), > (é maior que) e < (é menor que).

Uma sentença matemática na qual se use o símbolo = representa uma igualdade. (Giovanni, Castrucci & Giovanni Júnior, 2002, p. 106)

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115

Os exemplos de uso do símbolo “=” foram 752 =+ , 3523 =− e 222

543 =+ , que

entendemos indicar, respectivamente, resultado, resultado e equivalência.

Conforme aprofundaremos na análise dos questionários, os alunos têm facilidade

em identificar a igualdade como escrita nos dois primeiros exemplos, pois trata-se

de indicativo de resultado. Já no uso de do símbolo “=” como equivalência, como

no terceiro exemplo, os alunos demonstram resistência ao entendê-la.

Após esses exemplos e de indicar as partes da igualdade como 1º e 2º membros,

os autores apresentam as propriedades da igualdade, como segue:

Figura 6. 18. Livro didático A conquista da matemática, 6ª série

No volume da 6ª série, ao tratar de geometria, são explicitadas as diferenças

entre os símbolos “ ≅ ” e “=”, apresentados respectivamente como de

congruência21 e igualdade, sendo o primeiro usado entre ângulos e o segundo

entre medidas de ângulos. Assim, para dizer que dois ângulos A e B são

congruentes os autores escrevem A ≅ B, enquanto escrevem med(A)=med(B)

quando pretendem passar a mensagem de que esses ângulos têm mesma

medida ou quando med(A)=60º.

21 Destacamos que esses autores usam a notação “ ≅ ” como congruência, diferenciando-se de outros autores de livros didáticos de matemática, como o de Jakubovic (1999, p. 160), que usam o símbolo “ ≡ ” para expressar congruência.

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6.3.3 Os questionários

Como recurso complementar e elemento de triangulação de coleta de dados

utilizamos os questionários estruturados. Elaboramos dois modelos diferentes, um

para ser respondido pelos professores e outro para os alunos. Em ambos

buscamos incitar professores e alunos a escreverem suas idéias sobre a

simbologia própria da matemática. Recorremos a questões mais abrangentes e

outras mais específicas sobre o símbolo “=”. A seguir apresentaremos nossa

análise para cada questionário separadamente.

Questionário dos professores

Aplicamos o questionário escrito (anexo 1) aos professores Beta e Gama, cada

qual em seu horário de trabalho, na escola onde a pesquisa foi desenvolvida.

Esse instrumento está dividido em três partes:

• A primeira consta de duas questões mais gerais a respeito da linguagem

matemática e da relação desta com a linguagem materna e situações diversas

do dia-a-dia;

• A segunda parte possui seis questões que tratam especificamente do

símbolo “=” e de outros símbolos que possam ser relacionados ou confundidos

com ele. As duas últimas questões que compõem essa parte do questionário

estão direcionadas ao uso desses símbolos em sala de aula, na convivência

entre professor e alunos;

• A terceira parte tem três questões com expressões matemáticas onde o

símbolo “=” aparece e que consideramos possíveis em suas aulas nas turmas

de 5ª e 6ª séries.

Apresentaremos abaixo os nossos objetivos específicos para cada uma das

partes e questões do questionário, as questões com as respectivas respostas dos

dois professores e de nossa análise do que foi escrito por Beta e Gama.

Eventualmente, um único objetivo se presta a diferentes questões e, nesses

casos, compactaremos as idéias para não nos tornarmos repetitivos.

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PRIMEIRA PARTE

Nessa primeira parte pretendíamos que os professores escrevessem se

relacionam ou não a linguagem matemática à linguagem materna, normalmente

mais usada em outras disciplinas escolares. Objetivávamos também que os

professores exemplificassem quando notam esse relacionamento, escrevendo

ainda como fazem para tornar a matemática mais clara em sua linguagem.

Questão 1

Escrever algo matematicamente é como escrever na língua falada e escrita? Por

quê? Dê exemplos de quando esse relacionamento é próximo e de quando ele se

distancia.

Beta: Sim. A linguagem matemática é utilizada para representar através de

símbolos o que poderíamos utilizar na fala ou escrita. Ex: Um nº somado com

três. 3+x

Gama: Sim; É necessário que o professor [faça] a equivalência entre a língua

falada e a escrita simbólica.

A diferença de dois números é dez 10=−⇒ yx

Um certo nº acrescido de seu um terço é quatro vezes o nº mais dois

2431 +=+ xxx .

Ambos os professores falam do uso de símbolos para representar uma sentença

da linguagem materna. Porém, Beta diz que essa sentença pode ser falada ou

escrita na língua materna enquanto Gama afirma que esta seria exclusivamente

falada. Para Gama, usamos os símbolos para expressar na escrita matemática o

que comumente falamos no dia-a-dia.

As respostas dos dois professores nos oferecem indícios de que fazem relação

entre significados de termos usados em matemática e em outras áreas já que

escreveram que os símbolos são usados com mesmo objetivo que as palavras.

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Dessa forma entendemos ter atingido nosso objetivo, já que os professores

demonstraram relacionar a linguagem matemática à linguagem materna.

Questão 2

O que podemos fazer para tornar a matemática mais significativa e clara? Como

você faz isso em seu dia-a-dia de professor(a) e estimula que seus alunos o

façam?

Beta: Trabalhar com situações-problema, contextualizando o assunto dado,

principalmente procurando assuntos atuais.

Gama: Através de exemplos práticos, onde as situações discutidas estejam

ligadas ao cotidiano do aluno. Não podemos abrir mão do hábito do fazer.

Entendemos que os termos contextualizando o assunto e situações discutidas

estejam ligadas ao cotidiano reforçam a ligação entre matemática e linguagem

materna. Como esta última é utilizada no dia-a-dia, ao contextualizarmos um

assunto ou ligarmos situações matemáticas a situações do cotidiano estamos no

fundo fazendo ligações entre matemática e língua materna.

Assim, as respostas às duas primeiras questões se fundem e podemos inferir que

os professores Beta e Gama relacionam igualdade matemática (expressa pelo

símbolo “=”) com noções de igualdade vivenciadas em contexto mais amplo, com

conotação social. Porém, somente analisando as respostas posteriores tivemos

condições de afirmar isso com certeza.

SEGUNDA PARTE

Nessa segunda parte do questionário centramos as perguntas no símbolo “=” e

em símbolos que são associados ou confundidos com este. Nosso objetivo foi de

incentivar os professores a escreverem com suas palavras como eles entendem o

símbolo “=” e como imaginam que seus alunos o entendem, como trabalham com

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ele em sala de aula e se dizem fazer ligações entre esse elemento matemático e

elementos de fora da matemática.

Questão 1

Fale como você entende estes símbolos:

Organizamos as respostas dos professores Beta e Gama no quadro a seguir pela

ordem de apresentação dos símbolos. Vale ressaltar que incluímos uma palavra a

direita do símbolo, entre parênteses, para indicar como entendemos cada um, o

que não foi escrito no questionário original aplicado aos professores para não

influenciar suas respostas.

Quadro 6. 1. Respostas dos professores à questão 1 da 2ª parte

Símbolo Resposta de Beta Resposta de Gama

≡ (congruência) Identidade

(equivalência)

(triângulo retângulo desenhado)

222cba +=⇔

Se, somente se

⇒ (implicação) 6)3).(2( +⇒−− Implica

≈ (semelhança) Aproximadamente

≅ (aproximação) 2999,1 ≅ Congruência

≠ (diferença) Diferente

= (igualdade) 5

3

2=

x (o produto dos meios é igual ao produto

dos extremos)

Igualdade

O professor Gama fez simples reconhecimento visual dos símbolos, escrevendo

as palavras associadas a eles pela matemática. Com base nessas respostas

concluímos que esse professor possivelmente relacionou cada um dos símbolos

listados à palavra que normalmente falamos ou pensamos ao escrever o símbolo,

porém se equivocou em alguns deles.

O símbolo “ ≅ ” foi associado a idéia de aproximação pelo professor Beta,

contradizendo o conceito de congruência externado pelo professor Gama. Este

escreveu que o símbolo “ ≈ ” indica aproximação. É possível que Gama tenha se

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referido a “ ≅ ” como congruência porque o livro didático de 6ª série que usa traz

essa idéia ao tratar de ângulos (ver nota de rodapé na página 114).

O professor Beta, que escreveu todas as suas respostas em um rascunho

inicialmente, perguntou-nos se seria para escrever o nome dos símbolos ou para

dar exemplos de situações de uso dos mesmos. Quase instantaneamente, diz

que não vai escrever e apaga a palavra equivalência que havia escrito junto ao

símbolo “ ⇔ ” em seu rascunho.

Para quatro dos sete símbolos o professor Beta exemplificou com uma situação,

possivelmente de sala de aula. A partir desses exemplos pudemos inferir algumas

análises sobre como Beta entende alguns desses símbolos. Entendemos que o

professor empregou o símbolo “ ⇔ ” de equivalência para significar que um

triângulo retângulo remete ao teorema de Pitágoras e vice-versa. Ao usar o

símbolo “⇒ ” de implicação, Beta o faz para indicar resultado de uma operação

aritmética, onde normalmente escrevemos “=”. Nesse caso, “⇒ ” pode estar

ligado à idéia de levar a, ou seja, se multiplicarmos dois números negativos

teremos como produto um número positivo. O professor Beta usou esse símbolo

para escrever a regra de sinais em aula22. Ao olharmos o exemplo que o

professor Beta escreve sobre o símbolo “=”, visualizamos a idéia de equivalência.

Possivelmente se os professores tivessem escrito o que de fato cada símbolo

representa para eles, sem se prenderem ao conceito matemático atribuído aos

símbolos poderíamos obter resultados mais próximos à maneira como eles vêm

os símbolos matemáticos acima listados.

O professor Beta não respondeu às questões 2, 3, 5 e 6 dessa parte do

questionário. A não resposta de Beta a essas questões nos impossibilitou de

atingir na íntegra o objetivo proposto para as mesmas. Entretanto, no momento

em que respondia ao questionário Beta disse que essas perguntas são muito

difíceis de serem respondidas. Disse ainda: “não gosto muito de escrever não,

meu negócio é fazer contas.”. Com base nessa fala do professor Beta e de suas 22 Ver a seção anterior do relato de aulas assistidas.

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respostas anteriores deduzimos que ele opera com símbolos matemáticos (o de

igualdade, por exemplo) essencialmente para indicar ações algoritmicas.

Questão 2

Para você, o que o símbolo “=” representa em matemática?

Beta: não respondeu

Gama: Igualdade; equivalência entre duas situações reflexivas e simétricas.

Ao responder essa pergunta o professor Gama inclui o conceito de equivalência

ao símbolo “=”, completando o que já havia escrito na questão anterior. As

palavras reflexivas e simétricas remetem às propriedades de igualdade que,

conforme vimos, são apresentadas no livro didático de 6ª série.

Questão 3

Em que situações você usa o símbolo “=” em matemática, dentro ou fora do

ambiente escolar?

Beta: não respondeu

Gama: Pagamento de uma passagem; fórmula matemática para definir uma

corrida de táxi; compra de pães na padaria e outras.

Os exemplos citados pelo professor Gama, em conjunto com algumas palavras

que disse enquanto respondia, nos conduzem a relacionar o símbolo “=” a idéia

de resultado. O ato de pagar uma passagem implica em uma retirada de dinheiro

que resulta em uma quantia menor que a possuída antes. Podemos representar

isso matematicamente: bpa =− , sendo a a quantia possuída antes de pagar a

passagem, p o valor da passagem e b a quantia que restou após o pagamento da

passagem. De forma análoga podemos pensar a situação de compra de pães e a

corrida de táxi. Esta última, porém, possibilita pensarmos também em

equivalência ou equilíbrio, dependendo de como formular a situação.

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Questão 4

Você acha que existe alguma relação entre o símbolo “=” e a palavra “igualdade”?

Comente a respeito.

Beta: Sim.

Gama: Sim, mas é necessário mostrarmos que através de uma análise reflexiva a

situação de igualdade torna-se próxima do igual.

O professor Beta escreveu apenas “sim” em sua resposta, não explicitando

relação alguma entre o símbolo “=” e a palavra “igualdade”. O professor Gama

escreve algo mais, porém, também não deixa claro que relação percebe entre os

termos citados. Gama afirma que a “igualdade” pode se aproximar do “igual” (que

entendemos como referência ao símbolo “=”) desde que reflitamos a respeito. E

outras palavras, possivelmente Gama quis dizer que esses termos têm

significados e usos distintos se pensarmos neles isoladamente, mas podemos

relacioná-los caso queiramos.

Particularmente, ao lermos essa resposta pensamos que o símbolo “=” é usado

na matemática com significado preciso, exato. Enquanto a palavra “igualdade”

pode representar semelhança, como no caso de dizer que fulano é igual a

beltrano. Dessa forma a situação de igualdade torna-se próxima do igual, em uma

tendência à identidade ou à igualdade precisa.

Mas o professor Gama parece não pensar que o símbolo “=” não exprime tanta

exatidão como é requerido matematicamente, já que antes mesmo de escrever

sua resposta ele nos disse que:

= e igualdade se equivalem, igualdade deriva da palavra igual. Mas você quer que responda matematicamente!? Bom, todo ângulo formado por duas retas perpendiculares é necessariamente reto, ou seja, é igual a noventa graus. Mas existe uma distorção, mínima, nessa igualdade.

O professor refere-se a uma imprecisão prática, que não traduz a certeza abstrata

da matemática. Ao falarmos ou escrevermos que um ângulo mede, por exemplo,

90º temos a certeza que é exatamente essa sua medida, mesmo não tendo como

representá-la rigorosamente.

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Questão 5

O que acha que seus alunos sabem sobre o símbolo “=” ? O que eles mais dizem

sobre este símbolo?

Beta: não respondeu

Gama: Infelizmente, apenas como resultado de certa situação concreta. Ex:

2552 =

A resposta do professor Gama foi bastante clara e reforçou o que percebemos

nos usos do símbolo “=” durante as aulas. Outro reforço a essa idéia apresentada

por Gama, são as respostas dos próprios alunos ao questionário, conforme

veremos posteriormente na análise dos mesmos.

Questão 6

Escreva sobre uma aula em que trabalhou com o símbolo “=”, procurando dizer o

que e como você falou e escreveu sobre igualdade. E os alunos? Como falaram e

escreveram? Notou alguma coisa marcante ou diferenciada a esse respeito?

Beta: não respondeu

Gama: Em uma aula de função de 1º grau:

(aluno do EJA), trabalhador gostaria de encontrar uma fórmula para cálculo de

seu salário: fixo= R$350,00; 2% sobre o que vender ⇒ xy %.2350 +=

Apesar de Gama não explicitar isso em sua resposta, notamos claramente a

noção de resultado atribuída ao símbolo “=”. Na situação de sala de aula descrita

pelo professor a variável y aparece como resultado das operações indicadas na

fórmula. Outro significado que podemos entender como atribuído a esse símbolo

é o de identidade: fixo= R$350,00.

TERCEIRA PARTE

Nas questões um e dois da terceira parte listamos as mesmas situações

presentes na respectiva parte do questionário aplicado aos alunos. Em algumas

delas os professores marcariam erros encontrados e falariam algo a respeito. Em

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outras questões os professores resolveriam e corrigiriam um problema

matemático em que o símbolo “=” é usado.

Nosso objetivo nessa parte do questionário foi relacionar as respostas dos

professores com as dos alunos. Consideramos para tanto a possibilidade dos

professores escreverem sobre o que seus alunos poderiam pensar em algumas

das referidas situações.

Questão 1

Apresentamos cada questão com um “x” indicando a resposta, que foi a mesma

para os dois professores. A exceção foi a letra “f”, cujas respostas diferem.

Faremos breves comentários após cada item da questão.

Observe as expressões abaixo e assinale uma das opções. No caso de encontrar

algum erro, circule-o e fale sobre.

a. 9 + 4 = 14 – 1

( x ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

b. 16/8 = 10/5

( x ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

c. (-3)/3 = 3/(-3)

( x ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

Os itens a, b e c acima foram respondidos pelos professores dentro de nossas

expectativas. Conforme deduzimos, os professores não atribuíram erro a elas, já

que as igualdades indicam equivalência entre resultados de operações efetuadas

em cada um dos membros.

d. 2 ≈ 1,4

( ) Totalmente certo ( x ) Com algum erro

Gama: É necessário que defina o tipo de aproximação.

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Seguindo sua resposta à questão 1 da segunda parte, Gama interpretou o

símbolo “≈” normalmente como aproximação e destacou que o erro existente na

expressão acima é o de não identificar a aproximação feita. Imaginamos que o

professor deve entender ser errado fazer a aproximação em uma casa decimal e

não indicar que a estamos fazendo. É provável que Gama julgue que essa atitude

de não especificar a aproximação feita pode levar alunos a crerem 2 sendo

exatamente igual a 1,4, o que seria um erro.

Beta apenas marcou “x” para indicar que percebe algum erro na expressão, sem

escrever que erro seria esse. Retomando a questão um da segunda parte para

relembrar a resposta desse professor notamos que ele não respondeu como

entende o símbolo “≈” e associou “ ≅ ” a aproximação, exemplificando com

2999,1 ≅ . Com base nessas respostas deduzimos que Beta entende ser correto o

uso do símbolo “ ≅ ” em lugar de “≈”.

e. 2 = 1,4

( ) Totalmente certo ( x ) Com algum erro

Novamente os professores apenas indicaram perceber algum erro na sentença

matemática acima. Podemos, portanto, deduzir que o erro notado foi no uso do

símbolo “=” de igualdade. Conforme o item anterior, para Gama trata-se de uma

aproximação. No caso do professor Beta não podemos inferir nada.

f. 10 = 7 + 2x

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

O professor Gama marcou “x” no item totalmente certo. Resposta para nós

natural, pois x é uma variável que ao assumir o valor 1,5 torna a igualdade

verdadeira. O professor Beta indicou a existência de erro nessa expressão, mas

sem destacar qual ou quais seriam.

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Lembramos nossa experiência com um aluno de ensino médio descrita no inicio

desse trabalho em que esse aluno não soube manipular uma função apresentada

na forma )(xfbax =+ no lugar da usual baxxf +=)( . Da mesma forma a

equação 10 = 7 + 2x poderia ser estranhada pelos alunos e por isso, pensando

nos alunos, Beta teria indicado a existência de erro.

g. 2x + 3 = -7

( x ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

Nesse item ambos os professores indicam a expressão como totalmente certa.

Aqui, diferente do caso anterior, a equação foi apresentada na forma usual e a

possibilidade de estranhamento é menor. Associando os itens f e g, e as

respostas dos professores, podemos imaginar que Beta não operou com a

propriedade simétrica da igualdade.

Questão 2

Observe cada uma das expressões abaixo e comente sobre elas. Em cada uma

delas, escreva se concorda com a forma como foi apresentada, se tem alguma

coisa que mudaria ou até se discorda.

a. Você pede que seus alunos encontrem o resultado das operações

“ 64310 −+− ” e ele apresenta o seguinte resultado: “ 561147310 =−=+=− ”.

Beta: C [concordo].

Gama: Totalmente errada.

Na resposta o suposto aluno escreveu o resultado de cada operação seguido

imediatamente da próxima, na ordem em que aparecem. O professor Beta parece

ter compreendido e aceito a resposta apresentada. O professor Gama, ao

contrário, a considerou totalmente errada. Possivelmente essa discordância é

devida ao fato do aluno escrever igualdades como 61147 −=+ , que não são

igualdades, mesmo que não tenha sido sua intenção dizer que o resultado de 7 +

4 é igual ao resultado de 11 – 6.

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b. Dados os triângulos ABC e DEF, cujos lados correspondentes têm mesma

medida e os ângulos correspondentes têm medidas iguais. Concluímos

que DEFABC ∆=∆ .

Beta: C [concordo].

Gama: DEFABC ∆≡∆

Novamente o professor Beta concorda com a afirmação feita e o professor Gama

tem correção a fazer. Dessa vez Gama escreve o erro por ele percebido: o uso do

símbolo “=” em lugar de “ ≡ ”.

c. Podemos dizer que cbdad

cb

a .. === .

Beta: C [concordo].

Gama: Falso, cbdad

cb

a .. =⇔= .

De forma análoga a expressa no item anterior, apenas Gama percebe e corrige

erro no uso do símbolo “=”. Nesse caso, entre as equações apresentadas, os

padrões matemáticos determinam o uso do símbolo de equivalência e não o de

igualdade, como expresso por nós no enunciado da questão.

d. Afirmamos que 14,3=π .

Beta: E [errado]: 14,3≅π .

Gama: Falso; esta escrita torna-se verdadeira desde que haja informações desta

aproximação.

Nesse item ambos os professores indicaram erro ao escrevermos uma igualdade

onde cabe uma aproximação, pois o valor exato de π não é 3,14. Segundo o

professor Beta deveríamos usar o símbolo “ ≅ ”. Gama diz que seria “aceitável” a

igualdade no caso de determinar que a aproximação seja de duas casas

decimais.

Podemos concluir que atingimos nossos objetivos para essa parte do

questionário, já que os professores indicaram perceber diferenças entre os

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símbolos relacionais mencionados no decorrer de nossa análise. Possivelmente

se Beta e Gama tivessem escrito mais sobre suas impressões poderíamos inferir

mais detalhes.

Questão 3

Nessa questão apresentamos dois problemas de matemática em que o uso do

símbolo “=” pode ocorrer, procurando usar uma linguagem não muito rigorosa

para nos aproximar mais do vocabulário comumente usado em sala de aula23.

Solicitamos que os professores (re)escrevessem as respostas para observarmos

se eles usariam o símbolo de igualdade e como o fariam.

Como você (re)escreveria as respostas a seguir caso fosse apresentá-las para

seus alunos?

a. Questão: Resolva a equação 8215 +=+ xx .

Resposta:

8215 +=+ xx

1582 −=− xx , passando x para antes do igual e números para depois do

igual.

7−=− x , multiplicando tudo por “-1”.

7=x

Beta: desenha uma balança equilibrada, escreve a equação 815 +=+ xxx ,

indicando com um traço a retirada de x e 8 unidades em cada membro e conclui

que 7=x .

Gama: O que é tudo? (linguagem inadequada). A situação mostrada acima pode

ser usada desde que o aluno tenha conhecimento das propriedades da igualdade.

O professor Beta apresentou uma situação visual, que se aproxima mais do

concreto e que possibilita melhor entendimento pelos alunos. Nessa situação

proposta, a noção de equilíbrio se faz presente com bastante força, tanto na

ilustração da balança equilibrada quanto na igualdade entre as operações x+15 e

23 A respeito dessa linguagem normalmente usada em sala de aula, comentamos na introdução do trabalho.

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x+x+8, em que Beta omitiu o símbolo “+” entre os dois “x”. A idéia de resultado

também está relacionada à resolução apresentada por Beta ao escrever x=7.

O professor Gama diz que a resposta ao exercício pode ser apresentada aos

alunos, desde que as propriedades de igualdade já tenham sido trabalhadas com

eles. Gama ressalta que poderíamos procurar outra maneira de explicar as etapas

da resolução para os alunos, pois considera a linguagem empregada – multiplicar

tudo por “-1” – inadequada. Como o professor Gama procurava sempre usar

corretamente a linguagem matemática em suas aulas, entendemos que ele

discorda dessa linguagem empregada por se distanciar dos padrões matemáticos.

Ressaltamos que ao considerar as propriedades da igualdade24 como sugerido

pelo professor, evidenciamos o uso do símbolo “=” como equivalência ou como

identidade.

b. Questão: Sejam a e b dois números tais que 32=ab e b é o dobro de a.

Quais os valores de a e de b?

Resposta:

Os professores resolvem o problema usando sistema de equações 32=ab e

ab 2= e concluem corretamente que temos duas respostas: quando a vale 4

então b vale 8 e quando a vale -4 então b vale -8. Nas respostas de Beta e Gama

o símbolo “=” é usado para indicar resultado. Além disso, ao substituírem “b” por

“2a” no sistema, fica explícita a noção de identidade ligada ao símbolo “=”.

O professor Gama ponderou que “A questão acima deveria ser melhor

contextualizada.” Segundo ele nos disse as noções de álgebra implícitas no

problema nem sempre são compreendidas pelos alunos e cabe a nós professores

facilitarmos esse entendimento. Minha compreensão disso é que o professor

sugere o uso de situações práticas ao trabalharmos matemática com os alunos, e

não simplesmente apresentar os conteúdos componentes dessa ciência.

24 Ver as proposições dos Elementos de Euclides na análise bibliográfica e fragmento do livro didático na análise do mesmo.

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Questionário dos alunos

Aplicamos o questionário, conforme anexo 2, a um total de 99 alunos: 56 alunos

do professor Beta e 43 alunos do professor Gama. Desse total de alunos, tivemos

25 da quinta A, 26 da quinta C, 31 da sexta A e 17 da sexta C. Esse instrumento

está dividido em três partes:

• A primeira consta de duas questões mais gerais a respeito da linguagem

matemática e da relação desta com a linguagem materna e situações diversas

do dia-a-dia;

• A segunda parte possui três questões que tratam especificamente dos

símbolos “=” e “igualdade”;

• A terceira parte tem duas questões com exercícios de matemática onde o

símbolo “=” aparece e que consideramos aplicáveis para 5ª e 6ª séries.

Diferenciamos os questionários dessas duas séries, acrescentando algumas

questões no questionário referente a 6ª série.

Apresentaremos a seguir, a análise por questão, incorporando as respostas de

todas as turmas simultaneamente, excetuando-se as questões da parte três que

foram aplicadas apenas para a 6ª série. Possíveis situações com respostas muito

diferenciadas entre as turmas, seja de uma série para outra ou entre as turmas

orientadas por um e outro professor, serão destacadas. Entendemos esse

procedimento necessário pois tanto a diferença de idade biológica ou escolar

quanto a diferença no discurso dos dois professores interferem na opinião dos

alunos.

Fizemos uma leitura inicial rápida de cada resposta dada à primeira questão,

separando-as em grupos, por diversidades. Em seguida lemos novamente as

respostas, com maior rigor, e elegemos uma representante de cada grupo a ser

apresentada nessa análise. Optamos também por escolher mais alguma entre as

referidas respostas no caso de apresentarem um exemplo ou frase que a

diferencie das demais do grupo. Esse processo foi repetido para todas as

questões.

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Como os objetivos das questões têm inter-relações, para não sermos repetitivos,

colocaremos aqui, de forma mais abrangente, nossas pretensões ao aplicarmos

esse questionário. À medida que expusermos as questões, acrescentaremos

objetivos específicos.

Tendo em vista a linguagem matemática e sua ligação com a linguagem materna

e outras situações cotidianas, aplicamos as duas questões dessa primeira parte

do questionário e as questões 2 e 3 da segunda parte. Pretendíamos verificar se

os alunos percebem essa ligação e como o fazem. Além disso, outra pretensão foi

que esses alunos externassem como vêem a matemática, o que nos dá indícios

de como trabalham com seus signos, incluindo o símbolo “=” (de igualdade).

PRIMEIRA PARTE

Questão 1

Você acha que escrever algo em matemática é como normalmente escrever algo

em outras matérias? Escreva sobre isso.

Os alunos responderam diretamente a essa pergunta, escrevendo sim ou não e

justificando em seguida, a exceção de treze alunos da 5ª série (três da quinta A e

dez da quinta C) que a deixaram em branco e um aluno que respondeu não

saber. Vale ressaltar que dois alunos da quinta C escreveram “mais ou menos” e

um deles escreveu ainda que “nós escrevemos uma matéria, pensamos em

outras, e você pensa que quando escrevemos uma matéria podemos

normalmente fazer a matemática parecer outra matéria”, fazendo-nos entender

que percebe analogias entre matemática e outras matérias.

Obtivemos 29 respostas afirmativas e 53 negativas. Das respostas afirmativas,

três alunos simplesmente escreveram “sim” e as demais foram justificadas pelo

fato da matemática ser uma matéria como as outras. As justificativas para as

respostas negativas foram que a matemática está relacionada

predominantemente a números e não a palavras como as outras matérias

escolares. No quadro abaixo veremos algumas dessas respostas.

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Quadro 6. 2. Respostas dos alunos à questão 1 da 1ª parte do questionário

Algumas

respostas

afirmativas

– 30%

5ª série

Sim. Ex: 12=douze

Sim. Pois você precisa de escrever para aprender e para você estudar.

Sim porque você esta escrevendo igual a qualquer outra matéria só que a

resposta é diferente.

Sim, porque não usamos só cálculos.

6ª série

Sim, porque todas as matérias tem que ter uma parte de escrita ou seja, as

regras, o modo explicação especialmente em matemática;

É, todos precisam de raciocínio e ter atenção;

Sim ,só um pouco diferente pois você usa além das palavras, sinais e números

que diferenciam;

Algumas

respostas

negativas

– 54%

5ª série

Não porque cada matéria fala de uma coisa.

Não porque a matemática é como se fosse uma caixinha de números e não de

letras.

Não. Porque matemática são números e as outras matérias dependem da

explicação.

6ª série

Não, pois são matérias diferentes umas das outras. Ex: números comuns como

1, 2, 3,... não devem ser escritos assim em outra matéria;

Não, pois em matemática você precisa ter muita concentração, atenção e

raciocínio, é como se fosse um teste de esperteza;

Não, pois a matemática é uma matéria mais elevada que as outras que consiste

mais atenção.

Mais ou

menos -

2%

+/-

Mais ou menos.

Indecisos

– 1%

Não sei

Em branco

– 13%

Vale ressaltar que a diferença entre as respostas sim e não dos alunos da quinta

A e sexta A foi pequena: 42,86% dos alunos do professor Beta disseram haver

relação entre escrever algo em matemática e em outras disciplinas e 50%

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133

negaram essa relação. Fato contrário aconteceu entre os alunos da quinta C e

sexta C, em que a maioria das respostas foi negativa: 11,91% dos alunos do

professor Gama escreveram sim e 64,29% responderam não.

Esses resultados podem também ser analisados em vistas das nossas

observações em sala de aula, nos discursos dos professores e alunos e nos

registros feitos por ambos. Trouxemos então um pouco de nossas observações

das aulas de matemática com os professores Beta e Gama, nas turmas citadas

acima. Notamos que o professor Beta costumava fazer uso constante da escrita

na lousa e estimular os alunos a fazerem o mesmo em seus cadernos, com

cálculos e frases que mesclavam palavras da língua portuguesa e símbolos

matemáticos. Enquanto que, nas aulas do professor Gama, a fala predominava à

escrita e a linguagem própria da matemática estava mais presente em seus

discursos, em que sempre destacava a existência de uma simbologia, de uma

forma de escrita particular da matemática. Assim, essas peculiaridades que

percebemos nos discursos dos professores podem ter sido marcantes para os

alunos e interferido em suas respostas, conforme percebemos nesse

questionário.

Conforme vimos nos parágrafos anteriores, atingimos nosso objetivo de verificar

se os alunos fazem relação entre matemática e outras disciplinas escolares,

concluindo que a maioria deles não a faz. Entendemos que as respostas dos

alunos evidenciaram uma visão de matemática essencialmente ligada a números.

Com a segunda questão que apresentaremos a seguir objetivávamos que os

alunos marcassem especificamente o que viam de matemática em cada figura,

não apenas circulando ou sublinhando toda a figura em que percebiam algo, mas

podendo escrever uma palavra que representasse o que viram. Pretendíamos

perceber a visão de elementos matemáticos que os alunos têm sem forçá-los a

escrever muito. Além disso, esperávamos que escrevessem se ficassem em

dúvida ao marcar alguma imagem. Com essas respostas, associadas às demais,

pretendíamos perceber se os alunos fazem analogias entre elementos

matemáticos e elementos figurativos do cotidiano.

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Questão 2

Destaque o que você vê de matemática no quadro. (ver anexo 2, quadro com

todas as figuras). Em alguma você ficou em dúvida? Por que?

Relação das figuras por número de marcas que tiveram:

Quadro 6. 3. Relação de marcas às figuras da questão 2 da 1ª parte do questionário dos alunos Nº marcas 84 79 76 61 54 51 38 16 15 13 09 08 07

Figura 03 13 04 09 11 10 06 02; 08 15 12 01; 14 05; 07 16

Destacamos a seguir as figuras que mais apareceram nas respostas dos alunos

ao questionário. Noções matemáticas como cálculo, frações, medidas e

tratamento da informação estão presentes nessas figuras, o que certamente levou

os alunos a marcarem-nas.

F3

Três mais quatro

é igual a sete F4

F9 F13

A figura F3 está ligada à matemática certamente pela idéia de operação

aritmética, mas apresentada não na linguagem simbólica própria da matemática e

sim na língua materna, deixando-nos concluir que os alunos que a destacaram

fazem, mesmo que inconscientemente, analogias entre essas duas linguagens.

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A figura F4 também possibilita pensar em operações aritméticas, cálculos. Como

se trata de um folheto de propaganda de desconto, pode-se subentender a idéia

de porcentagem ao menos para os alunos da 6ª série, pois os da 5ª não

estudaram esse tópico, tendo certamente já ouvido falar a respeito. A ligação em

destaque aqui não está entre as linguagens materna e matemática, e sim entre a

matemática e situações vividas no cotidiano de qualquer indivíduo.

Na figura F9 a idéia de medidas é aparente se pensarmos na ação demonstrada

pela menina, que pode estar a aferir quantidade de biscoitos, capacidade da

embalagem ou sua medida em centímetros, com auxílio da fita métrica. Foram

certamente algumas dessas idéias que influenciaram os alunos no momento de

marcarem a figura. Novamente a matemática transparece como um conhecimento

presente no dia-a-dia dos alunos.

A figura F13 apresenta uma imagem um tanto formal, uma vez que é um gráfico

de setores, daqueles que estão sempre nos jornais e revistas e também nos livros

didáticos e no ambiente escolar, mesmo fora das aulas de matemática. Além

disso, pode ser ligada também à idéia de fração. Aqui a relação que os alunos

fizeram pode ser com as demais disciplinas escolares e com situações

vivenciadas fora da escola.

As figuras menos destacadas foram F5, F7 e F16. O fato dos alunos não terem

marcado e escrito com maior precisão o que perceberam de matemática nessas

figuras dificulta nossa análise, mas tentaremos colocar algumas impressões.

F5 F7 F16

Brinquei e

passeei no

fim de

semana!

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Um aluno que respondeu não à primeira questão agora escreveu que marcou F5

“pois se [o livro atrás das 3 crianças] for de português tem haver com matemática

pois para interpretar as perguntas de matemática precisamos saber de

português.” Assim como esse, outros alunos demonstraram oscilações em seus

conceitos de matemática ou dificuldades em organizar e colocar suas idéias por

escrito, apresentando respostas contraditórias nessas duas primeiras questões.

Em uma primeiro momento escreveram que a matemática não tem ligação com

outras matérias e em seguida escrevem que essa ligação existe, inclusive com

exemplos.

A figura F7 apresenta uma paisagem com bonecos de massinha de modelar e

duas pizzas, estando uma em posição que a deixa em destaque na figura, o que

possibilitaria uma ligação com frações. Pensamos que F7 pode ter sido pouco

marcada devido ao fato de possivelmente os alunos verem matemática como algo

mais formal, como no gráfico em F13. Essa visão de matemática como disciplina

restrita às salas de aula de matemática pode ter induzido os alunos a não

perceberem a pizza como representação de fração.

O quadro da figura F16 com a frase “passeei e brinquei no fim de semana”, que

imaginávamos que não seria marcado pelos alunos, foi marcado por sete deles.

Como os alunos não escreveram o que viram de matemática aí, podemos

imaginar várias coisas que possam ter pensado, mas sem nenhuma certeza.

Apenas um aluno (do professor Beta) atendeu o nosso objetivo na questão,

marcando detalhes de cada figura e escrevendo ao lado uma palavra que

representasse o elemento matemático que viu. Chamou-nos a atenção esse aluno

ter utilizado o símbolo “=” para ligar o detalhe da figura marcada e a palavra

explicativa por ele escrita em linguagem materna. Percebemos então o símbolo

“=” com o significado de conectivo entre idéias ou como resultado, resposta.

Pareceu-nos que a imagem de matemática existente para os alunos é de uma

disciplina mais formal e com poucas possibilidades de relação com situações não

matemáticas, como na imagem da pizza que, apesar de mostrar o tópico de

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frações em desenho como normalmente é trabalhado nas escolas, está mais

colorido, como um desenho feito em artes. As imagens do carrinho de lego e da

professora sentada junto aos alunos tendo o quadro negro como pano de fundo

também foram pouco marcadas, com 9 e 16 destaques, respectivamente.

Imaginávamos que, pelas imagens de formas geométricas e do quadro negro e da

professora, mais alunos as marcariam.

Uma limitação dessa questão, além da não especificação de detalhes por parte

dos alunos, foi de nossa parte. Algumas figuras ficaram pouco nítidas, dificultando

a visualização de alguns de seus detalhes, principalmente de textos que as

compunham. Tentamos suprir essa falha com esclarecimentos sobre as imagens.

Porém, pela observação no momento em aplicamos o questionário nem todos os

alunos se detiveram nos detalhes.

SEGUNDA PARTE

Com a primeira pergunta pretendíamos perceber mais claramente os significados

que os alunos atribuem ao símbolo “=”, especificamente em matemática. Em

resposta a essa questão eles próprios poderiam nos apresentar esses

significados, exemplificando com termos ou palavras que julgassem estar

associados a esse símbolo.

O objetivo com a segunda questão foi de identificar onde e como, fora da

matemática, os alunos usam o símbolo “=”. Essas respostas, em conjunto com as

dadas à pergunta posposta, podem também contribuir para identificarmos

significados atribuídos a esse símbolo.

Na terceira questão focamos no símbolo “=” e na palavra “igualdade”.

Pretendíamos com isso reforçar possíveis relações feitas pelos alunos entre a

igualdade matemática e situações de igualdade vivenciadas em seu cotidiano.

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Questão 1

Para você, o símbolo “=” representa algo em matemática? O que?

Trinta alunos25 fizeram reconhecimento visual do símbolo “=”, ou seja, escreveram

que ele representa algo em matemática e que se trata do “sinal de igual”.

Listamos na tabela a seguir algumas das respostas que nos levaram a

identificação dos significados externados pelos alunos:

• Resultado, sendo 14 e 10, respectivamente, o número de respostas de

alunos da quinta A e da quinta C, além de 23 da sexta A e 8 da sexta C;

• Identidade, externado por 5 alunos das turmas de 6ª série e 2 alunos da

quinta C;

• Equivalência, em respostas de 3 alunos da 6ª série e de 1 aluno de cada

turma de 5ª série;

• Semelhança, por 1 aluno da quinta C e 1 da sexta C.

Quadro 6. 4. Respostas dos alunos à questão 1 da 2ª parte do questionário Reconhecimento

visual – 30%

Sim, o sinal de igual.

Sim, representa igualdade.

Resultado – 52%

5ª série

Resposta, igualdade, resultado.

Sim. A resposta.

Sim, ele é como um portal para o resultado.

6ª série

R= Representa o resultado.

Sim, significa que e o final da conta que você vai resolver e dá o

resultado na frente.

Sim. Pode significar o resumo do seu cáuculo.

Identidade – 7%

5ª série

Sim, que por exemplo 1/10 = 0,01.

Sim representa igualdade de um número pra outro.

6ª série

Sim, representa uma coisa que seja igual a outra.

Equivalência – 5% 5ª série

Sim, equivalente.

25 Entre as turmas de 5ª série, 7 alunos da quinta A e 13 da quinta C e, na 6ª série, 5 alunos da sexta A e 5 da sexta C simplesmente escreveram que o símbolo “=” é o sinal de igualdade.

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6ª série

Sim, o total, o resultado equivalente a uma espresão.

Sim, representa equilíbrio, equivalência, igual á, etc...

Semelhança – 2%

5ª série

Sim, equivalência, igualdade, semelhança.

6ª série

Sim, igualdade, semelhança.

Não externaram

significado – 4%

Quinta A

Não.

Não entendi.

Sim. Porque deve estar explicando.

6ª série A

Não. Representa alguma coisa que está em português.

Um aluno da 6ª série associou o “=” simultaneamente a resultado e a equivalência

ao escrever “o resultado da divisão, subtração, soma, multiplicação,... o que

equivale.” Também observamos, na resposta de outro aluno, os significados de

resultado e identidade: “esse símbolo é a representação de igual, igualdade.

Usamos ele no fim de uma conta para indicar o resultado e também para indicar

que alguma coisa é igual a outra”. Esses dois alunos demonstraram maior

amadurecimento do conceito de igualdade e do uso do símbolo matemático que a

representa, possivelmente perceberam ainda que um mesmo signo pode assumir

diferentes significados dependendo do contexto em que aparecem. Conforme

estudamos em Vygotski (2003, p. 60), esse adolescente provavelmente já passou

por transformações qualitativas que compõem o processo de operação com

signos e essa passagem lhe proporcionou aproximação de suas funções

superiores.

A resposta “Não. Representa alguma coisa que está no português” pode ser

indício de alguma relação entre a matemática e a língua materna, mas como o

aluno não especificou o que esse símbolo representa em português (e em inglês,

conforme sua resposta a questão 2 seguinte) não podemos inferir nada além.

Conforme imaginávamos e também conforme o professor Gama escreveu em

resposta ao questionário, a maioria dos alunos relaciona o símbolo “=” a

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resultado. As respostas mais freqüentes foram semelhantes a: “representa os

resultados das operações matemáticas.” ou “depois de fazermos qualquer conta

ou expressão, usamos esse sinal para botarmos o resultado da operação”.

Os alunos de 5ª série estudaram apenas a parte de aritmética da matemática e os

alunos da 6ª série recém iniciaram os estudos de álgebra quando responderam

esse questionário. Essa pode ser uma justificativa para que a maioria desses

alunos tenha relacionado o símbolo “=” a resultado, já que “em aritmética,

símbolos como + e = são interpretados geralmente em termos de ações a serem

efetuadas, de maneira que + significa efetivamente realizar a operação, e =

significa escrever a resposta.” (Beher, Erlwanger e Nicols, 1980; e Ginsburg,

1977, citados em Booth, 1995, p. 27)

Segundo Bakhtin, quando uma forma lingüística – como o símbolo “=” – é

percebida apenas como um sinal ou no máximo como o nome atribuído a um

símbolo, a mesma perde em valor lingüístico. Entendemos então que os 30

alunos que fizeram apenas o reconhecimento visual não compreendem o símbolo

“=” como componente de uma língua, com significados, mas somente operam

com ele como um sinal, no máximo para denominar algo.

No que diz respeito ao emprego dos símbolos próprios da linguagem matemática,

à primeira vista pareceu-nos que os alunos entendem a matemática como uma

disciplina usada para fazer contas e que seus símbolos são instrumentos a serem

utilizados para esse fim.

Acreditamos ter alcançado nosso objetivo de obter respostas dos alunos quanto

aos significados atribuídos à igualdade. Dentre os significados externados pelos

alunos, percebemos claramente a ligação dos mesmos com os usos do símbolo

“=” na matemática, tanto nos discursos dos professores quanto em livros didáticos

dessa disciplina. Entretanto, excetuamos o significado de semelhança, que

consideramos estar ligado a situações sociais e sem o rigor e a precisão exigidos

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à igualdade dentro dos domínios da matemática. Os alunos que deram essa

resposta devem estar trabalhando com conceitos mais próximos da rua26.

Questão 2

Você acha que pode dar exemplos do uso do símbolo “=” em outras matérias? E

fora da escola?

Consideramos uma resposta ao item uso do símbolo “=” em outras matérias e

outra, possivelmente diferente, ao item uso do símbolo “=” fora da escola. Por isso

organizamos as respostas no quadro seguinte separando-as em cinco grupos:

ambas as respostas afirmativas; ambas as respostas negativas; primeira resposta

afirmativa e segunda negativa; primeira resposta negativa e segunda afirmativa; e

outras respostas.

Quadro 6. 5. Respostas dos alunos à questão 2 da 2ª parte do questionário Respostas

afirmativas – 50%

5ª série

Ex: “maneiro” e “irado”

a+a=à, flor+couve=couveflor, beija+flor=beijaflor.

§ Sim na matéria de português e fora da escola também. Por exemplo:

Olha ela comprou um sapato igual= ao meu.

6ª série

> Sim. Na minha opinião o símbolo “=” é como ponto de interrogação faz

uma pergunta e dou a resposta. A diferença que usamos tipos de

símbolos diferentes.

§ Sim, dentro da escola e igualdade matemática e fora da escola é você

ser igual a o outro, e respeitar os outros.

Sim, para mandar recados em símbolos. Ex.: eu sou = a vc.

> Sim. História. Ritle (nas. 1853)(morreu=1900)! Fora da escola=(não

sei).

Respostas

negativas – 20%

5ª série

Não.

6ª série

O símbolo não mas sim a palavra igual: Eu tenho uma personalidade

igual a da Júlia.

Não pois o símbolo é usado somente na matemática. Também não.

26 Fazemos menção aqui à teoria dos monstros, que separam a matemática da escola da matemática da rua, de Romulo Lins.

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Afirmativa/Negativa

– 5%

5ª série

Só em outras matérias.

6ª série

Sim um sinal de igualdade, uma adaptação ao resultado. Nenhum.

Negativa/Afirmativa

– 15%

5ª série

§ Não. Fora da escola sim tipo você fala para uma pessoa “voce é = a

ela” eu acho que serve para isso.

Não. Sim.

> Não. Sim uma pessoa mais uma pessoa é igual a duas pessoas.

Não, sim [placa semelhante às de transito com o “=” centrado]

6ª série

Em outras matérias não mas fora da escola sim, como no msn ou

abreviando em algum lugar.

> Em outras matérias eu acho que não mas em outros lugares sim ex=

banco e etc... isso é o que eu acho.

Não. Sim na política por exemplo: eu já vi em um adesivo colado em um

carro assim {PT} = CORRU{PT}OS.

Outras respostas –

10%

5ª série

Não sei.

6ª série

Não lembro.

Não do símbolo, mas sim da palavra.

Interessante como o significado de resultado, e também o de resposta, no uso do

símbolo “=” está presente nos alunos, mesmo quando eles não parecem ter a

intenção de externá-lo. Pudemos observar isso nas respostas sinalizadas com “>”.

Mesmo considerando que essa questão está centrada no símbolo “=” e não na

palavra “igualdade” (o que para alguns alunos mostrou-se diferente), percebemos

uma tendência aos significados sociais associados a esses termos, conforme

respostas assinaladas com “§”. Um exemplo disso é dizer “eu tenho a

personalidade igual a de fulano” ou “beltrano comprou uma roupa igual a minha”,

conforme respostas escritas por alguns dos alunos. Apesar dessa possibilidade

ser majoritária, alguns alunos realçaram diferenças ao afirmarem que o símbolo

“=” é para uso restrito a matemática.

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Questão 3

Você acha que existe alguma relação entre o símbolo “=” e a palavra “igualdade”?

Por quê? Escreva o que pensa.

Quadro 6. 6. Respostas dos alunos à questão 3 da 2ª parte do questionário

Respostas

afirmativas – 75%

5ª série

Sim. Porque você faz uma conta, e o resultado você coloca sempre

igual, “igualdade”. Igual + igual = “igualdade”.

Porque o símbolo = representa a palavra igual e igualdade deriva de

igual.

Sim, pois são sinônimos, mas na matemática usamos símbolos.

Sim. Porque ela pode ser usada para expressar sentimentos iguais,

significa que algo ou águem deve ser tratado de formas iguais e etc.

6ª série

Sim. Porque o símbolo representa também igualdade (além de

resultado de operações aritméticas, como na questão 1).

Sim. Porque =, igual e o resultado.

Sim. Porque igual é igual a igualdade.

Sim. Essa palavra (o símbolo “=”) significa igualdade como já disse na

questão numero 1. Em matemática palavras são substituídas por

símbolos como: mais +; menos -; pertence ∈ , não pertence ∉, vezes

× , dividido ÷ e etc.

Respostas

negativas – 20%

5ª série

Não. Porque a palavra não tem nada vê um com outro.

Não por = em matemática é quanto da uma conta e igualdade é que

todos devemos nos achar em igual a outra pessoa e não ter

preconceito.

Não, porque a igualdade é igualdade de raças de cores, e = é um

sinal como: -, +, :, x.

Não, porque igualdade não existe na matemática.

6ª série

Não, pois “=” (símbolo matemático) e igualdade em português

sinônimo de igual é totalmente diferente.

Eu acho que não igualdade não fala de soma não fala de números

fala da característica das pessoas. E = representa o final de uma

conta representa os números e etc...

Não. Porque igualdade é como se fosse algo igual ou parecido e já o

símbolo = é o resultado de alguma soma etc...

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“Não sei” e

respostas em

branco – 5%

Nas respostas dadas a esta questão, especialmente pelos alunos da 5ª série,

pudemos perceber nitidamente o que o sociólogo Angel Pino afirmou sobre a

compreensão que adolescentes de até 14 anos têm de igualdade. Segundo ele, e

pelas respostas dos alunos acima citadas, confirmamos que a noção de igualdade

está fortemente ligada às questões sociais.

De forma geral, percebemos que os alunos fazem analogias entre matemática e

outras situações vivenciadas em seu cotidiano. Porém, fazem diferenciações

como o uso de uma simbologia própria para representar visualmente o que seria

escrito de maneira diferenciada em outras áreas de conhecimentos. Alguns

disseram ter que tomar um cuidado especial com a matemática, pois ela exige

maior atenção e concentração que outras disciplinas escolares.

TERCEIRA PARTE

Questão 1

Observe cada uma das expressões abaixo diga se concorda ou não com cada

uma delas. Não esqueça de dizer porque concorda e porque não concorda.

a. Um colega seu mostra “ 561147310 =−=+=− ” como resultado das

operações “ 64310 −+− ”.

Quadro 6. 7. Respostas dos alunos à questão 1a da 3ª parte do questionário Concordam – 68% 5ª série

Concordo. Porque da o mesmo resultado.

Concordo! Pq e a mesma coisa porém em um junta-se o resultado com

o outro nº, qnto o outro é direto (conta direta sem precisar escrever).

6ª série

Concordo porque são contas seguidas de uma para outra, e não existe

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regra contra isto.

Concordo, mas o certo é fazer separadinho, pois fica embolado, mas do

mesmo jeito chega ao resultado correto.

Sim eu concordo, porque são os números que estão depois da

igualdade.

Não concordam –

15%

5ª série

Errado.

Não concordo, porque se a pessoa não explicar, o outro não vai

entender.

Não nunca vi uma expressão desse tipo.

6ª série

Não concordo porque eu acho que o resultado que ele colocou está

errado. Eu acho que ele não somo direito.

Não concordo, pois fica muito embolado.

Não concordo porque é so o resultado e não todo mundo.

Não responderam

e outras respostas

– 17%

5ª série

Não sei

6ª série

1- Sim. Porque o resultado está certo. 2- Não. Porque não está certo.

Dois alunos da 5ª série responderam à questão resolvendo a expressão assim:

Um dos dois não escreve mais nada e o outro indica cada passo na resolução

mostrada e diz que está certo.

A maioria dos alunos parece ter entendido e aceito a resolução apresentada.

Porém, mesmo alguns dos que concordaram com ela escrevem que fica confuso

e fazem a ressalva de que é necessário explicar ou indicar o que está sendo feito

para que todos possam compreender.

7 + 4 - 6

11 - 6

5

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b. Os triângulos ABC e DEF são eqüiláteros. A medida dos lados do triângulo

ABC é a mesma dos lados do triângulo DEF. Concluímos então que

DEFABC ∆=∆ .

Quadro 6. 8. Respostas dos alunos à questão 1b da 3ª parte do questionário Concordam – 51% 5ª série

Concordo. Porque os triângulos são eqüiláteros portanto tem a mesma

medida.

6ª série

Sim, concluímos.

Concordo pois os lados do triângulo ABC é a mesma dos lados do

triângulo DEF (ABC=DEF)

Não concordam –

11%

5ª série

Não. Porque são letras diferentes.

6ª série

Não concordo.

Não responderam

e outras respostas

– 38%

5ª série

Não entendi.

6ª série

Esse item foi justificado por muito poucos alunos. A grande maioria apenas

escreveu concordo, não concordo, sim ou não. Os que escreveram justificativas

para sua concordância o fizeram afirmando que os triângulos são iguais porque

são eqüiláteros. Apenas um aluno justificou não concordar. Fez isso escrevendo

que as letras que indicam os triângulos são diferentes, ou seja, se as letras

fossem iguais os triângulos seriam iguais.

A última justificativa citada nos induziu a pensar que o aluno operou com a

igualdade com o significado de identidade. Isso equivale a dizer que, nesse caso,

ele percebe se duas coisas iguais através da aparência delas. Não podemos

dizer, por exemplo, que a=d, pois, para esse aluno, a é igual apenas ao próprio a.

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147

c. Afirmamos que 6

4

3

2= .

Quadro 6. 9. Respostas dos alunos à questão 1c da 3ª parte do questionário Concordam – 68% 5ª série

Concordo, pois se simplificarmos 6

4:2=

3

2.

Concordo, porque 2.2=4 e 3.2=6 ou 4:2=2 e 6:2=3.

Concordo. Pois 2+2=4 e 3+3 =6.

6ª série

Concordo pois é um calculo de x.

Exatamente, pois se multiplicarmos 2 e 3 por 2 o resultado será 4 e 6.

assim 4/6 é o resultado de 2/3 por 2.

Não concordam –

17%

5ª série

# Não 2/3=5/6.

Não pois cada uma tem um resultado.

6ª série

Não concordo, cada uma das expressões dá um resultado.

# Não porque um é o dobro do outro.

Outras respostas –

15%

5ª série

Não lembro.

6ª série

Sim e não. Sim porque e o dobro e não porque nunca se multiplica

sempre se divide.

A maioria dos alunos identificou a equivalência entre as frações e justificou

escrevendo que se multiplicar ou dividir o numerador e o denominador por mesmo

número encontraremos uma fração que representa a mesma coisa que a inicial.

Externaram, dessa forma, o significado de equilíbrio entre operações aritméticas.

As justificativas para a discordância foram poucas, em geral escrevendo que os

resultados são diferentes. Apenas as respostas destacadas com “#” diferenciaram

das demais. Na primeira o alunos substituiu o 4 por 5, imaginamos que por ser

este o antecessor de 6, já que na primeira fração o numerador é antecessor do

denominador. Na segunda o aluno entendeu que multiplicamos a primeira fração

por dois, mas não compreendeu que esse processo gera uma fração com mesmo

valor que a primeira.

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d. Afirmamos que 9

3

4

2= .

Quadro 6. 10. Respostas dos alunos à questão 1d da 3ª parte do questionário Concordam - 6 5ª série

Sim.

6ª série

Sim.

Não concordam –

81%

5ª série

Não 2/4=3/5

Não concordo. Pois 2+2=4 e não 3. e 4+4=8 e não 9.

Errado, pois 9

3:3=

3

1 e

4

2:2=

2

1,

2

1

3

1≠ .

6ª série

Não concordo porque não tem nenhuma soma que da esse resultado.

R= Não concordo porque não são divisores um do outro.

Não, pois se simplifica 3/9 não vai dá 2/4, e sim 1/3.

Não, as proporções não são equivalentes.

Respostas em

branco e outras –

13%

5ª série

Não lembro.

De forma análoga a situação anterior, a maioria dos alunos entendeu a relação de

equivalência entre as frações. As justificativas também foram semelhantes, no

entanto, foram usadas para respaldar a discordância com a afirmação dada.

Destacamos o significado de resultado implícito em respostas como “R= Não

concordo” e “não tem nenhuma soma que da esse resultado”. Apesar de não ser

exatamente essa a idéia passada quando escrevemos frações equivalentes, os

alunos parecem quase sempre ligar o símbolo “=” a resposta, resultado.

e-5ª/g-6ª Você percebe alguma relação entre as duas expressões abaixo?

Justifique sua resposta.

Meu pai tem o mesmo nariz que eu.

Meu pai tem o nariz igual ao meu.

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Quadro 6. 11. Respostas dos alunos à questão 1 (e-5ª/ g-6ª) da 3ª parte do questionário Concordam – 69% 5ª série

Sim porque a palavra mesmo e igual significam a mesma coisa.

Concordo, porque a pessoa diz nas duas frases que o nariz dela e do

pai são iguais.

Sim, + o pai não tem o mesmo nariz que ele.

Sim, que igual é idêntico e mesmo é porque pode ser no mesmo lugar

etc.

6ª série

Sim, na frase mostra uma semelhança, uma igualdade.

Sim, pois si o pai dele tem o nariz igual ao dele ele tem o mesmo nariz

que o do pai dele.

Sim, pois “o mesmo” e “igual” dá à mesma idéia na frase.

Não concordam –

18%

5ª série

Não porquê um afirma que tem os mesmos narizes. E outro afirma que

é so igual.

Não, a 1ª so existe 1 nariz na 2ª 2 iguais.

6ª série

Não, porque um e que é como se fosse 1 nariz pros dois e na otra são

dos narizes iguais.

Não responderam

e outras respostas

– 13%

Não sei.

Podemos resumir as repostas dos alunos dizendo que eles diferenciam as

palavras “mesmo”, com significado de único, e “igual”, significando semelhança

entre duas coisas. Porém, nesse caso 70% dos alunos afirmou que essas duas

palavras foram usadas com o propósito de expressar que pai e filho tem narizes

parecidos. O significado de igualdade aqui está associado a questões sociais,

com menos que precisão do que lhe exige a matemática.

Questões aplicadas somente para as turmas de 6ª série:

e. Dizemos que “ cbdad

c

b

a.. === ”.

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Quadro 6. 12. Respostas dos alunos da 6ª série à questão 1e da 3ª parte do questionário Concordam – 52% Sim, eu concordo.

Concordo, pois sempre temos que multiplicar o a com d e c com b.

(indicando a multiplicação em x na fração)

Não concordam –

29%

Discordo.

Não concordo. Porque a.d e b.c vai dar outros resultados diferentes.

Não. O sinal sempre vem por ultimo e depois vem a resposta.

Não responderam

e outras respostas

– 19%

Não sei.

Conforme imaginávamos, os alunos não mencionaram que deveríamos relacionar

a igualdade de frações com a igualdade de produtos com o símbolo “=”. Eles

tenderam a escrever que está correto multiplicar as frações em “x” e que, ao

multiplicar, obtemos o produto ad=bc.

Os alunos que discordaram da afirmativa parecem tê-lo feito por não

compreender a equivalência entre as operações indicadas. Um deles chegou a

afirmar que o sinal “=” não deve ser usado no meio da sentença e sim ao final,

indicando o resultado de uma multiplicação ou adição, por exemplo.

f. Afirmamos que 14,3=π .

Quadro 6. 13. Respostas dos alunos da 6ª série à questão 1f da 3ª parte do questionário Concordam – 31% Concordo, porque π pode ser qualquer numero.

Concordo, pois todas as letras tem que ter um significado.

Não concordam -

31%

Não, pois tem que fazer uma conta que tenha 3,14 como resultado.

Não concordo. Pois não sei se esse sinal representa esse numero

decimal.

Respostas em

branco e outras –

38%

..., pode ser, mas também pode não ser, porque R é variável, pode ser

qualquer elemento.

Não conheço π .

Não sei.

As respostas dos alunos nos levam a deduzir que eles não conhecem pi e o

interpretaram como sendo uma variável que pode assumir diferentes valores. Foi

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essa a justificativa de praticamente todos os alunos que responderam afirmativa

ou negativamente. Metade deles usou o fato de π ser variável para afirmar que

ele pode assumir qualquer valor e a outra metade para dizer que não podem

afirmar que 3,14 é o valor assumido por π nesse caso, já que poderia qualquer

outro.

Questão 2

Observe as expressões abaixo e diga se estão certas ou erradas. Faça um círculo

onde acha que está o erro e justifique suas respostas:

a. 9 + 4 = 14 – 1

Quadro 6. 14. Respostas dos alunos à questão 2a da 3ª parte do questionário Concordam – 54% 5ª série

= serto 9+4=3 e 14-1=3 dá o mesmo resultado.

Certa. Pois 9+4=13 (14-1)

6ª série

Certa, porque 9+4=13 e 14-1=13

Não concordam –

31%

5ª série

Porque nove mais 4 é 13 e não 14. (circula “14-1”)

9+4=13 (circula “14-1”)

6ª série

É 13-1=12 (circula “14”)

Não responderam

– 15%

Vale destacar que entre os alunos de 6ª série 30 concordaram com a afirmação

proposta, 16 discordaram e 5 não responderam. No grupo de alunos de 5ª série

essa diferença entre a quantidade de respostas afirmativas e negativas é menor:

23 e 19, respectivamente. As respostas dos alunos da quinta A a situação é

inversa, pois 9 concordaram que 9 + 4 = 14 – 1 enquanto 12 escreveram que está

errado, afirmando que a soma de 9 e 4 é 13 e não 14. Essas informações são

importantes para observarmos que os alunos de 6ª série percebem as relações de

equivalência como a citada aqui com mais facilidade que os alunos de 5ª série,

ainda presos ao uso da igualdade como resultado.

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b. 16/8 = 10/5

Quadro 6. 15. Respostas dos alunos à questão 2b da 3ª parte do questionário Concordam – 33% 5ª série

Certa, pois cada fração representa 2 inteiros.

Não concordam –

36%

5ª série

Não porque 16 não é múltiplo de 10 e 8 não é de 5.

6ª série

16/8 = 8/4

Não responderam

– 31%

Considerando que quase um terço dos alunos não responderam, imaginamos que

eles podem ter estranhado a notação “/” usada para representar as frações. Por

outro lado, mais de dois terços respondeu a questão e não indicaram

estranhamento ao uso da barra “/”.

Segundo suas respostas, erramos ao escrever a segunda fração, que é

equivalente a primeira. Para eles o correto seria multiplicar a primeira fração por

um número (inteiro) e escrever a fração resultante dessa operação após o

símbolo “=”. O contrário parece não ter validade para eles, pois não fizeram

correções reescrevendo a fração 16/8.

c. 2 ≈ 1,4

Quadro 6. 16. Respostas dos alunos à questão 2c da 3ª parte do questionário Concordam – 20% 5ª série

Certa.

6ª série

Verdadeira.

Certa.

Não concordam –

47%

5ª série

É = e não ≈.

Não tem raiz quadrada.

Não porque 2 = 1,4142135...

Não porque a raiz quadrada de 2 é 2.

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6ª série

Não existe.

=1.

Respostas em

branco e outras –

33%

Não conheço o símbolo ≈.

Conforme observamos no quadro, quase metade dos alunos discordou da

igualdade expressa por nós. De acordo a maioria das respostas, não existe raiz

quadrada de dois. Eles estão certos, pois no conjunto numérico dos números

inteiros que lhes é familiar realmente não existe tal número, que para eles é uma

resposta. Alguns chegaram a escrever que essa resposta para a raiz quadrada de

dois é o próprio dois ou um. Um único aluno da quinta C escreveu “ 2 =

1,4142135...”, procurando talvez uma maior aproximação da igualdade à 2 .

Alguns alunos identificaram erro no uso do símbolo “≈” em lugar de “=”, mas não

chegaram a escrever porque seria “=” o símbolo correto a ser usado. Essa

inconclusão foi reforçada com a não resposta e afirmação de não conhecimento

do símbolo “≈”.

d. 2 = 1,4

Quadro 6. 17. Respostas dos alunos à questão 2d da 3ª parte do questionário Concordam – 24%

Não concordam –

48%

5ª série

Não porque a raiz quadrada de 2 é 2.

Não 2 =2 > 1,4.

6ª série

2 =1/5.

Errada pois a de 2 é 1.

Não existe.

Não responderam

– 28%

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Interessante observarmos que os alunos não parecem ter relacionado o item

anterior da questão a esse, mesmos os estudantes que afirmaram que

deveríamos usar o símbolo de igualdade, conforme apresentado aqui. A

porcentagem de respostas afirmativas, negativas e em branco manteve-se bem

próxima da anterior. Porém, o número de justificativas diminuiu e foi direcionado a

escrever que a raiz quadrada de dois é dois, um ou não existe.

O erro de uso do sinal que indica a raiz não apareceu. Possivelmente porque eles

entendem o símbolo “=” como indicativo de resultado. Como alguns alunos

responderam anteriormente, “ele (o sinal de igualdade) é um portal para o

resultado” e “usamos ele quando terminamos a conta e vamos por a resposta”.

Transpondo essa idéia para essa questão, nós “perguntamos” qual a raiz de dois

e usamos o símbolo “=” para escrever a resposta, seja ela 2, 1, 1/5 ou

1,4142135...

Questões aplicadas somente para as turmas de 6ª série:

e. (-3)/3 = 3/(-3)

Quadro 6. 18. Respostas dos alunos à questão 2e da 3ª parte do questionário Concordam – 48% Certo.

Verdadeira.

Não concordam –

23%

Diferente pois um é 3 e o outro é -3.

Errado ñ são equivalentes.

Não responderam

– 29%

Na resposta de cinco alunos percebemos confusão no uso dos números

negativos. Esses alunos provavelmente relacionaram o sinal “-” apenas no

numerador e concluíram que as frações não são equivalente, já que 3 e -3 não

são iguais. As demais respostas são inconclusivas para nossa análise. Podemos

inferir que aproximadamente metade dos alunos perceberam a identidade de

frações.

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f. 10 = 7 + 2x

Quadro 6. 19. Respostas dos alunos à questão 2f da 3ª parte do questionário Concordam – 31% Certo, porque 7+2.1,5=10.

Concordo.

Não concordam –

44%

Errado.

Discordo.

Não responderam

– 25%

Apenas um aluno justificou sua resposta, conforme verificamos no quadro acima.

As demais respostas foram simplesmente certo, concordo, errado ou discordo.

Portanto, não podemos inferir mais detalhes.

g. 2x + 3 = -7

Quadro 6. 20. Respostas dos alunos à questão 2g da 3ª parte do questionário Concordam – 27% Certa.

Verdadeira.

Não concordam –

46%

Errado, porque 2.um numero +um numero pode dar +7 e não -7.

Não responderam

– 27%

De forma semelhante a anterior, apenas um aluno justificou a resposta. Este

demonstrou compreender que x representa um número que multiplicado por 2 e

somado com 3 resulta em -7, mas parece ter operado apenas com valores

positivos para x. Novamente está presente a idéia de indicativo de resultado

relacionada ao símbolo “=”. Possivelmente outros colegas pensam de forma

semelhante, mas podem também ter pensado em uma série de outras coisas.

Logo, não podemos concluir nada mais.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao introduzir o presente trabalho nos propusemos a identificar e caracterizar

como professores e alunos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental trabalham

com a igualdade matemática e que significados podem ser produzidos e

externados por esses sujeitos. Nossa análise dos três instrumentos de coleta de

dados apontou o significado de resultado como o mais externado, principalmente

pelos alunos, mesmo em situações em que o significado presente foi outro27.

Porém, nas observações das aulas pudemos apontar essa predominância do

significado de resultado em menor relevância. Além do significado de resultado,

outros apareceram menos incidentes. São eles: equivalência, identidade,

semelhança, conectivo entre idéias e igualdade social.

Com relação aos professores, estes demonstraram trabalhar com a igualdade

matemática dentro dos padrões exigidos por essa ciência. Vale ressaltar que um

professor investigado no estudo piloto28 apresentou variações ao usar o símbolo

“=” (de igualdade) e outros como “ ≅ ”, “ ≈ ” e “ ≡ ”. Este professor, apesar de

trabalhar há mais de dez anos com ensino de matemática, não tem mesma

formação superior que os professores com os quais trabalhamos na pesquisa

aqui apresentada, podendo esta ser uma razão de sua confusão no uso do

símbolo “=”.

Percebemos que os professores pesquisados tendem a empregar o símbolo “=” e

direcionar a questão da igualdade matemática como se a ciência de seus

significados fosse nata, como algo que não necessita de maior atenção. Os

alunos, talvez por não estarem amadurecidos o suficiente, quase nunca

questionam o que é pelo professor falado. Eles lêem o símbolo “=” como sendo o

sinal de igual e o escrevem essencialmente para indicar o resultado de operações

aritméticas, conforme já dissemos. Alguns alunos da 6ª série demonstram já

27 Ver respostas dos alunos ao item “a” da questão 2 da segunda parte do questionário a eles aplicado. 28 Ver fragmento desse estudo em anexo.

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operar com o símbolo “=” em situações não aritméticas, por principiarem nos

estudos de álgebra que lhes exige manipular equações.

Conforme Vygotski, Bruner e Bakhtin afirmam, os alunos se desenvolvem a partir

das mediações dos mais experientes, nesse caso os professores. Esses

influenciam diretamente na maneira como os estudantes com os quais trabalha

manipulam os elementos matemáticos, como o símbolo “=”. Foi possível

identificar situações que demonstram isso em diversos momentos da pesquisa,

conforme citado anteriormente.

Fora da matemática o termo igualdade aparece com significados semelhantes aos

empregados dentro da matemática, porém menos rígidos e precisos, como ao

dizer que duas pessoas são iguais. Nesses casos, o símbolo “=” é usado para

sintetizar sentenças escritas quando é exigida maior rapidez. No entanto, para os

alunos esse relacionamento entre o símbolo “=” e a palavra “igualdade” parece

inconsciente, não sendo parte de relacionamentos entre matemática e outras

linguagens ou situações em que a presença da matemática não é explícita. A

maioria dos alunos afirmou não haver relação entre as linguagens matemática e

materna. Porém, grande parte destes disse perceber relação entre o símbolo “=” e

a palavra “igualdade”, sendo o símbolo usado para abreviar a palavra. Esse pode

ser um indício de que os alunos usam o símbolo de igualdade matemática de

acordo com as regras que organizam essa linguagem, de acordo com o que

afirma Cassirer. Consideramos, entretanto, que este uso possa ser inconsciente,

influenciado pelo discurso do professor.

Destacamos que deve haver uma atenção especial, e até mesmo cuidado, ao

trabalharmos com situações em que relações de igualdade se fazem presentes,

sejam elas dentro ou fora da matemática. Essa atitude é necessária para que se

tenha segurança de que significado está em questão. Esse cuidado é percebido,

por exemplo, no livro de Aarão Reis, que apresenta os símbolos a serem usados,

explicitando situações em que serão usados. Mas são poucos os livros de

matemática ao longo da sua história, por nós analisados, que assim o fazem. Em

geral eles simplesmente usam o símbolo de igualdade, sem maiores detalhes.

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Possivelmente, os livros didáticos atuais seguem a mesma linha. Inclusive os

significados percebidos hoje no ensino da matemática são praticamente os

mesmos identificados historicamente nas diversas obras que manipulamos.

Caracterizamos, portanto, uma permanência da maneira como os símbolos são

apresentados nos discursos matemáticos ao longo da história que transparece

ainda hoje em autores de livros didáticos e professores que trabalham com essa

ciência.

Sentimos certa resistência por parte dos professores contatados, no sentido de

não quererem se expor. A principal preocupação transparecida por eles foi se

investigaríamos sua pratica, tanto que foi somente após o segundo contato, na

certeza de que nosso foco não era avaliar o trabalho por eles desempenhado, que

conseguimos seu consentimento na participação desta pesquisa. Mesmo depois

de aceitarem, durante nossas primeiras semanas na escola, notamos tentativas

de escaparem de nossas observações, mas que com o tempo diminuiu.

Uma outra dificuldade por nós enfrentada foi a impossibilidade de estarmos mais

presentes nas atividades escolares dos professores, pois seu tempo na escola

era na sala de aula ou nos horários de planejamento das mesmas. Além disso,

ambos trabalhavam em outra(s) escola(s), o que lhes deixava pouco tempo livre.

De forma semelhante, também não conseguimos maior aproximação com os

alunos, já que estes tinham outras atividades fora do horário escolar ou moravam

em outra cidade, o que dificultava o acesso.

Baseadas nas dificuldades citadas acima e em observações durante o período em

que realizamos esse trabalho, percebemos algumas questões que merecem

investigação, como outros símbolos matemáticos. De uma forma geral, estudos a

respeito da linguagem matemática são necessários, por exemplo sobre a

transposição matemática simbólica no uso da escrita em linguagem materna.

Também não tivemos condições de aprofundar nossos estudos nas relações

cotidianas entre professor e alunos, o que consideramos fator importante no

processo de ensino-aprendizagem, tanto nas séries com as quais trabalhamos

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quanto em outros níveis de ensino. Seria igualmente interessante analisar como

professores e alunos de séries iniciais, que ainda não estudam matemática tão

formal, trabalham com o símbolo “=” ; ou como essa questão é vista no ensino

médio ou superior, com uma suposta superação das dificuldades e percepção de

demais significados.

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Santo, n. 10, Vitória, p. 125-140, 2000.

VIGOTSKI, L. S. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange

Castro Afeche. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,

1998.

_____________ Trad. Jefferson Luiz Camargo. Pensamento e Linguagem. 3. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 2005. 1ª ed. em 1987.

WUSSING, H. Lecciones de Historia de las Matemáticas. Madri: Siglo XXI de

Espanha, 1998.

ZUCHI, I. A Importância da Linguagem no ensino de Matemática. In: Revista da

Sociedade Brasileira de Educação Matemática. Recife, n. 16, p. 49-55, 2004.

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ANEXOS29

ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES NOME: _________________________________________________________

LOCAL: _________________________________ DATA: _________________

TEMPO DE SERVIÇO: ____________________________________________

FORMAÇÃO: ___________________________________________________

PRIMEIRA PARTE

1. Escrever algo matematicamente é como escrever na língua falada e escrita?

Por quê? Dê exemplos de quando esse relacionamento é próximo e de quando

ele se diferencia mais.

2. O que podemos fazer para tornar a matemática mais significativa e clara?

Como você faz isso em seu dia-a-dia de professor(a) e estimula que seus alunos

o façam?

SEGUNDA PARTE

1. Fale como você entende estes símbolos:

≡ :

⇔ :

⇒ :

≈ :

≅ :

≠ :

= :

2. Para você, o que o símbolo “=” representa em matemática?

3. Em que situações você usa o símbolo “=” em matemática, dentro ou fora do

ambiente escolar?

29

Suprimimos os espaços reservados nos questionários para os professores e alunos responderem às questões, pois julgamos desnecessário.

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4. Você acha que existe alguma relação entre o símbolo “=” e a palavra

“igualdade“? Comente a respeito.

5. O que acha que seus alunos sabem sobre o símbolo “=” ? O que eles mais

dizem sobre este símbolo?

6. Escreva sobre uma aula em que trabalhou com o símbolo “=”, procurando

dizer o que e como você falou e escreveu sobre igualdade. E os alunos? Como

falaram e escreveram? Notou alguma coisa marcante ou diferenciada a esse

respeito?

TERCEIRA PARTE

2. Observe as expressões abaixo e assinale uma das opções. No caso de

encontrar algum erro, circule-o e fale sobre.

a. 9 + 4 = 14 – 1

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

b. 16/8 = 10/5

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

c. (-3)/3 = 3/(-3)

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

d. 2 ≈ 1,4

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

e. 2 = 1,4

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

f. 10 = 7 + 2x

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

g. 2x + 3 = -7

( ) Totalmente certo ( ) Com algum erro

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3. Observe cada uma das expressões abaixo e comente sobre elas. Em cada

uma delas, escreva se concorda com a forma como foi apresentada, se tem

alguma coisa que mudaria ou até se discorda.

a. Você pede que seus alunos encontrem o resultado das operações

“ 64310 −+− ” e ele apresenta o seguinte resultado: “ 561147310 =−=+=− ”.

b. Dados os triângulos ABC e DEF, cujos lados correspondentes têm mesma

medida e os ângulos correspondentes têm medidas iguais. Concluímos

que DEFABC ∆=∆ .

c. Podemos dizer que cbdad

cb

a .. === .

d. Afirmamos que 14,3=π .

4. Como você (re)escreveria as respostas a seguir caso fosse apresentá-las para

seus alunos?

a. Questão: Resolva a equação 8215 +=+ xx .

Resposta:

8215 +=+ xx

1582 −=− xx , passando x para antes do igual e números para depois do

igual.

7−=− x , multiplicando tudo por “-1”.

7=x

b. Questão: Sejam a e b dois números tais que 32=ab e b é o dobro de a.

Quais os valores de a e de b?

Resposta:

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ANEXO 2 – QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ALUNOS NOME: _________________________________________________________

LOCAL: ______________________________ DATA: ____________________

SÉRIE: _________________________ IDADE: _________________________

PRIMEIRA PARTE

1. Você acha que escrever algo em matemática é como normalmente escrever

algo em outras matérias? Escreva sobre isso.

2. Destaque o que você vê de matemática no quadro abaixo.

Três mais quatro

é igual a sete

Brinquei e

passeei no

fim de

semana!

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Em alguma você ficou em dúvida? Por que?

SEGUNDA PARTE

1. Para você, o símbolo “=” representa algo em matemática? O que?

2. Você acha que pode dar exemplos do uso do símbolo “=” em outras matérias?

E fora da escola?

3. Você acha que existe alguma relação entre o símbolo “=” e a palavra

“igualdade”? Por quê? Escreva o que pensa.

TERCEIRA PARTE – 5ª SÉRIE

1. Observe cada uma das expressões abaixo diga se concorda ou não com cada

uma delas. Não esqueça de dizer porque concorda e porque não concorda.

a. Um colega seu mostra “ 561147310 =−=+=− ” como resultado das

operações “ 64310 −+− ”.

b. Os triângulos ABC e DEF são eqüiláteros. A medida dos lados do triângulo

ABC é a mesma dos lados do triângulo DEF. Concluímos então que

DEFABC ∆=∆ .

c. Afirmamos que 6

4

3

2= .

d. Afirmamos que 9

3

4

2= .

e. Você percebe alguma relação entre as duas expressões abaixo? Justifique

sua resposta.

Meu pai tem o mesmo nariz que eu.

Meu pai tem o nariz igual ao meu.

2. Observe as expressões abaixo e diga se estão certas ou erradas. Faça um

círculo onde acha que está o erro e justifique suas respostas:

a. 9 + 4 = 14 – 1

b. 16/8 = 10/5

c. 2 ≈ 1,4

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d. 2 = 1,4

TERCEIRA PARTE – 6ª SÉRIE

1. Observe cada uma das expressões abaixo diga se concorda ou não com cada

uma delas. Não esqueça de dizer porque concorda e porque não concorda.

a. Um colega seu mostra “ 561147310 =−=+=− ” como resultado das

operações “ 64310 −+− ”.

b. Os triângulos ABC e DEF são eqüiláteros. A medida dos lados do triângulo

ABC é a mesma dos lados do triângulo DEF. Concluímos então que

DEFABC ∆=∆ .

c. Afirmamos que 6

4

3

2= .

d. Afirmamos que 9

3

4

2= .

e. Dizemos que “ cbdad

c

b

a.. === ”.

f. Afirmamos que 14,3=π .

g. Você percebe alguma relação entre as duas expressões abaixo? Justifique

sua resposta.

Meu pai tem o mesmo nariz que eu.

Meu pai tem o nariz igual ao meu.

2. Observe as expressões abaixo e diga se estão certas ou erradas. Faça um

círculo onde acha que está o erro e justifique suas respostas:

a. 9 + 4 = 14 – 1

b. 16/8 = 10/5

c. 2 ≈ 1,4

d. 2 = 1,4

e. (-3)/3 = 3/(-3)

f. 10 = 7 + 2x

g. 2x + 3 = -7

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ANEXO 3 – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA ASSINADO PELOS PROFESSORES Prezado(a) professor(a), eu, Vanessa Vasconcelos Cosme, aluna do curso de

Mestrado em Educação do PPGE-UFES, gostaria de convidá-lo(a) a participar

como sujeito de uma pesquisa em Educação Matemática que estou iniciando.

Esta pesquisa vai focalizar as relações de igualdade matemática. Pretendo, com

essa pesquisa, identificar conceitos/significados que professores e alunos

externam a respeito da igualdade. No decorrer de toda a pesquisa nos

encontraremos para compartilhar os dados coletados e analisados. Com esta

prática espero que possamos trabalhar de forma colaborativa e compartilhar em

todas as fases as informações da pesquisa. Informo que todos os nomes e

informações que o(a) identifiquem e ao local de trabalho serão mantidos em sigilo.

No relato final da investigação nós utilizaremos nomes fictícios combinados com

você. Em qualquer momento você professor(a) poderá desistir de participar desta

investigação. Nesse caso todas as informações que tenham sido compartilhadas

sobre a sua pessoa irão permanecer em sigilo.

Nome:

Local: Data:

Assinatura:

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ANEXO 4 – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA ASSINADO PELOS RESPONSÁVEIS PELOS ALUNOS

Prezado pai, mãe ou responsável,

Eu, Vanessa Vasconcelos Cosme, aluna do curso de Mestrado em Educação do

PPGE-UFES, gostaria de convidar seu(sua) filho(a) a participar como sujeito de

uma pesquisa em Educação Matemática que estou desenvolvendo. Para isso

necessito de sua autorização. Esta pesquisa vai focalizar as relações de

igualdade matemática. Pretendo com ela identificar conceitos/significados que

professores e alunos de 5ª e 6ª séries externam a respeito de igualdade. Para tal,

estou acompanhando as aulas de matemática e pretendo analisar materiais do

professor e dos alunos e conversar com eles, inclusive seu(sua) filho(a), caso

autorize. No decorrer da pesquisa informarei sobre os dados coletados e

analisados. Informo que todos os nomes e informações que identifiquem seu(sua)

filho(a) e local de estudo serão mantidos em sigilo. No relato final da investigação

nós utilizaremos nomes fictícios combinados com cada aluno. Em qualquer

momento, caso o(a) senhor(a) ou seu(sua) filho(a) queiram, poderão desistir da

participação dele(a) nesta investigação. Nesse caso todas as informações que

tenham sido compartilhadas sobre o(a) seu(sua) filho(a) irão permanecer em

sigilo.

Nome do(a) aluno(a):

Local: Data:

Nome do responsável:

Assinatura do responsável:

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ANEXO 5 – FRAGMENTO DO ESTUDO PILOTO

Em uma tentativa de explorar a problemática e descobrir como melhor trabalhar

com a metodologia da pesquisa fiz um estudo piloto. Considerando o fato de eu

ser iniciante em pesquisa, pude dessa maneira verificar em escala mais

simplificada como seriam os processos de coleta, tratamento e análise de dados

na prática e quanto tempo gastaria em cada um deles. Também com este estudo

piloto foi possível registrar que instrumentos de coleta de dados precisam ser

modificados e como alterá-los para que os sujeitos possam responder de forma

que facilite a análise das informações.

No início do ano letivo de 2006 entramos em contato com direção e professores

de escolas da rede pública de ensino do município de São Mateus. Falamos a

respeito da pesquisa que estamos desenvolvendo e tivemos respostas positivas

por parte tanto dos professores quanto da direção de duas escolas. No entanto,

por problemas de ordem pessoal não iniciamos, de imediato, nossa pesquisa. Em

primeiro de março novamente contatamos os professores para marcarmos, de

acordo com suas possibilidades, os dias e horários para darmos prosseguimento

ao estudo. Assim, nas próximas duas semanas, estivemos acompanhando, direta

ou indiretamente, o trabalho desses professores, quer assistindo suas aulas,

conversando com eles, seus alunos e outras pessoas envolvidas com as escolas

onde trabalham.

Considerando a possibilidade de que os professores se sentissem pouco a

vontade ou menos inibidos pela idéia de serem observados em sua prática

profissional, a primeira coisa que fizemos foi falarmos mais a nosso respeito, de

nossas experiências enquanto estudantes e professores de matemática e de

nossos interesses especificamente nessa pesquisa. Falamos também sobre as

dificuldades que enfrentamos em determinados momentos e de como várias delas

foram superadas após diálogo com outros colegas. Dessa forma tentamos

mostrar que estávamos ali não para avaliá-los ou criticá-los como professores,

mas na busca de identificar ligações entre o símbolo usado nas relações de

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igualdade e significados a ele atribuídos no ambiente escolar. Também utilizamos

desses momentos para analisarmos seu interesse em colaborar com nossa

pesquisa, saber como eles falam de sua vida acadêmica e profissional, de seus

contatos com a matemática e se falavam algo a respeito das relações de

igualdade matemática.

Depois dessa primeira conversa aplicamos um questionário escrito. Foram dois os

professores que o responderam, ambos trabalhando com 5ª e 6ª séries do ensino

fundamental, sendo um da rede municipal e outro da estadual. O livro didático de

5ª e 6ª séries adotado pelas duas escolas é “A Conquista da Matemática: a mais

nova”, dos autores José Ruy Giovanni, Benedito Castrucci e José Ruy Giovanni

Júnior. Para preservar a identidade desses dois professores e dos demais sujeitos

envolvidos nesse estudo piloto, usaremos nomes fictícios para nos referirmos a

eles: Alfa e Beta. Às escolas onde eles trabalham chamaremos, respectivamente,

Escola A e Escola B.

Os professores

O professor Alfa leciona matemática há dez anos, sendo nove destes com 5ª e 6ª

séries. Começou na profissão quando cursava faculdade de Administração. Foi

após algum tempo de trabalho como professor que decidiu iniciar o curso de

Licenciatura em Matemática, tendo o concluído em 2002. Atualmente trabalha

com turmas de 5ª a 8ª séries em uma escola particular e com 5ª série e PREFES

(Programa de Regularização do Fluxo Escolar) na Escola A. Mostrou-se tranquilo

e totalmente disposto a colaborar com a pesquisa e em ter acesso a trabalhos

sobre o tema. Falou bastante sobre suas experiências como estudante e

professor de matemática, demonstrando preocupação com a maneira de

transmitir seus conhecimentos aos alunos. Mas se sente insatisfeito pelo fato de,

segundo resposta sua ao questionário, “Sermos considerados como o “bicho

papão” do Estabelecimento de Ensino”. Outro motivo para sua insatisfação é o

desinteresse demonstrado por parte dos alunos quando se trata de estudar

matemática e também a falta de cuidado por parte dos próprios professores ao

lidar com ela: “Penso que tudo na Matemática é importante, desde que trabalhada

com cuidado para que o aluno perceba a necessidade de estudá-la“.

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Com relação a maneira como trabalha com os símbolos usados na matemática,

reconhece a falta de atenção despendida a análises e disussões que envolvam

símbolos como o de igualdade, de semalhança, implicação e equivalência.

Durante a conversa que tivemos informalmente e ao responder o questionário,

sem falar especificamente sobre o uso do símbolo “=“, ele diz que “Quando

estamos nos graduando, os professores não se preocupam em ensinar esses

detalhes que penso eu, é de fundamental importância. Observo que nesses anos

que estou lecionando nunca parei para analisar com detalhes todos esses

símbolos, e acredito que a maioria de nossos colegas também não se preocupam

em analisá-los e transmití-los aos alunos“.

O professor Beta cursou Licenciatura em Geografia, com pós-graduação em

Geografia do Brasil e Estudos Adicionais em Matemática. Leciona matemática há

cerca de dezoito anos, não especificando o tempo de experiência na disciplina de

geografia. Beta já trabalhou na Escola B há alguns anos, tendo se afastado por

um período e esta retornando agora em 2006. Trabalha com matemática em

turmas de 5ª e 6ª seriés e geografia no ensino fundamental e médio. Disse achar

interessante essa pesquisa e estar totalmente disposta a colaborar, usando quase

que essas mesmas palavras. Falou pouco, não dando muitas aberturas a

conversas, mesmo as informais. Estive na escola três dias depois de os termos

marcado, permanecendo todo o período da manhã. Nesse tempo não houve uma

aproximação por parte do professor Beta, mesmo no horário de seus

planejamentos e recreio ela se manteve a distância e, quando eu a procurava ela

dava respostas curtas como é, sim, não, pode e vou ver.

Assisti a duas aulas na 5ª série e uma na 6ª série, sendo apresentada como uma

professora de matemática e estudante de mestrado que assistiria as aulas para

um trabalho. Sentei em uma cadeira no fundo da sala e assisti às correções de

exercícios e de provas, gravando as falas. Nessas aulas o professor perguntava e

respondia ele mesmo, ou em alguns momentos, com alunos respondendo ao

mesmo tempo. Beta pareceu seguir suas aulas sem parecer se incomodar com

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minha presença, apenas passava o olhar por onde eu estava e prosseguia a aula.

Monstrou-se sempre firme ao se dirigir aos alunos.

Incomodou-me o fato de não ter dado aberturas a perguntas ou comentários dos

alunos, até mesmo quando, na 5ª série, um menino falou não ter notado o

símbolo de igual (que ela sabia ser o objeto central de meu estudo) em uma

questão da prova; não sei se o professor não ouviu ou se não quis dar a palavra

ao aluno.

Em resposta ao questionário, Beta diz que a matemática depende de

interpretação e, para isso, é necessário escrevê-la de forma clara, usando um

linguagem acessível ao aluno. Também se refere a igualdade como resultado de

comparação quando perguntada sobre o uso do símbolo “=“ fora da matemática.

Para ele, “De acordo com o conteúdo aplicado, outras disciplinas utilizam a

comparação. Como a Geografia, por exemplo, não falamos de uma cultura, sem

compará-la com outras”. O professor pareceu não ter muito claros os significados

de equivalência, congruência, implicação, semelhança, diferença e igualdade,

conforme ilustração a seguir.

Os alunos

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Vinte e um alunos da 5ª série e quatro da 6ª série da Escola A responderam ao

questionário escrito. De um modo geral, todos eles apresentaram dificuldades em

interpretar as questões e em elaborar respostas, sendo um tanto superficiais

(respostas “sim“ e “não“ foram as mais comuns). Os alunos da 6ª série, como já

esperávamos, deram respostas mais de acordo com as perguntas e fizeram

menos questionamentos sobre entendimento das perguntas. Já os da 5ª série

solicitavam constantemente nosso auxílio para saber o que estava sendo

perguntado, além de escrever como respostas palavras ou frases que não

respondiam à pergunta dada. Falavam coisas como “Eu não sei o que é esse

símbolo, o que eu respondo? Deixo em branco?“.

Chamou-nos a atenção o fato de um único aluno apresentar respostas bem

elaboradas, claras e com maiores detalhes a respeito de suas opiniões, e este

aluno é da 5ª série. Ele escreveu que na matemática usa o igual “para dizer que

alguma coisa é igual a aquilo“ e, fora da matemática, “ele pode ser usado em

outras matérias como em português, história, entre outros. Para dizer que aquilo é

igual a outra coisa“, dizendo também que na disciplina de história viram que

“antes as pessoas em igualdade, ou seja, elas comiam o mesmo que o outro“. Um

outro aluno também da 5ª série apresenta a frase “você é igual a mim“ como

situação de uso do igual fora da matemática. Essas respostas vão ao encontro

das palavras do sociológo Angel Pino, afirmando que até os 13-14 anos os

indivíduos atribuem à igualdade significados principalmente de âmbito social, se

referindo a direitos e valores.

Quando perguntados se conhecem o símbolo =, o que têm a dizer sobre ele e se

ele representa algo em matemática, a resposta mais comum foi de

reconhecimento visual, ou seja, que ele é o sinal de igual ou que representa

igualdade. Alguns escreveram que conhecem e usam e não fizeram qualquer

outro comentário. Dois alunos parecem não ter entendido que estávamos nos

referindo ao símbolo “=“, talvez por ele aparecer justaposto ao sinal “?“ de

interrogação da pergunta. Suas respostas foram sobre este último sinal.

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Dois alunos não responderam a essas perguntas, um escreveu que não conhece

e dois, que conhecem mas não o usam. Cinco dos vinte e um alunos da 5ª série

disseram que o símbolo = não pode ser usado fora da matemática, dois

responderam que não sabem e três não responderam. Um aluno disse que o

símbolo = “compara as coisas“.

Na Escola B não foi possível organizar um horário para aplicar o questionário aos

alunos. Os alunos falavam pouco até quando o professor perguntava algo e

alguns deles manifestaram dúvidas, recorrendo aos colegas ou a mim, durante os

curtos períodos em que o professor se ausentou da sala de aula. O professor

Beta disse que eles “Estão limitados ao conteúdo aplicado. Mas distingue a

igualdade da desigualdade (< ou >)”. No entanto, alguns deles se mostraram

interessados em aprofundar seus conhecimentos e ir além do conteúdo.

Na Escola B percebemos situação semelhante durante a correção da prova da 5ª

série, quando um dos alunos disse não ter percebido o símbolo “=“, imaginando

que ele estava alí para separar a primeira parte do enunciado dos símbolos “>“ e

“<“.