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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ BRUNA FROGERI FERNANDES “NÓS NÃO VALEMOS NADA!”: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO E SUBJETIVIDADE DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS DE CURITIBA. CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

BRUNA FROGERI FERNANDES

“NÓS NÃO VALEMOS NADA!”: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO

E SUBJETIVIDADE DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS DE CURITIBA.

CURITIBA

2013

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BRUNA FROGERI FERNANDES

“NÓS NÃO VALEMOS NADA!”: UMA ANÁLISE SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO

E SUBJETIVIDADE DOS MOTORISTAS DE ÔNIBUS DE CURITIBA

Monografia apresentada à disciplina Monografia II

como requisito parcial para a conclusão do Curso de

Psicologia do Setor de Ciências Humanas, Letras e

Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Profª. Lis Andréa Pereira Soboll.

CURITIBA

2013

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AGRADECIMENTOS

À Professora Lis Andréa por aceitar orientar este trabalho mesmo após a inscrição para

disciplina ter encerrado, pelas supervisões, pela confiança e incentivo.

Aos motoristas que tão prontamente aceitaram participar da pesquisa.

Ao Elver e à Mônica pelo acompanhamento no estágio, por dividirem comigo suas experiências

profissionais.

Ao Jardel, meu namorado, pelo companheirismo.

À minha irmã Krícia, pela amizade.

Aos meus amigos.

À Jandyra.

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RESUMO

Esta pesquisa objetivou investigar a organização do trabalho do transporte coletivo de Curitiba e

sua relação com o sofrimento dos motoristas, sofrimento esse que culmina no processo de

adoecimento mental vivenciado por alguns dos trabalhadores desse grupo profissional. A fim de

cumprir esse objetivo, a pesquisa contemplou a realização e análise de entrevistas realizadas com

quatro desses profissionais e, também, uma pesquisa documental sobre as principais entidades no

âmbito do transporte coletivo na cidade. O material foi tratado a partir da análise qualitativa de

Bardin e os resultados foram analisados tomando como referência a teoria da Psicodinâmica do

Trabalho. A discussão dos dados evidenciou que o sofrimento que os motoristas dizem enfrentar no

desenvolvimento de sua atividade laboral estão relacionadas com as normas internas, muitas vezes

paradoxais, da organização do trabalho, e em especial no que tange ao controle e a vigilância do

trabalhador. Observou-se, ainda, que os profissionais não têm reconhecimento pelo seu trabalho, o

que impede a transformação do sofrimento em prazer e leva o trabalhador a engajar-se em

estratégias defensivas. As estratégias defensivas utilizadas pelos motoristas visam o seu

autocontrole no trabalho e tem a finalidade de suportar ao máximo as irritações do dia-a-dia. A

ideologia defensiva tem um valor funcional em relação à produtividade na medida em que por meio

do excesso de autocontrole, o que culmina na alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais

produtivo e dócil, o que permite a perpetuação do ciclo de exploração. Infere-se, assim, que o

trabalho como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais circunstâncias, é

possível por meio da exploração do sofrimento desses trabalhadores, da defesa utilizada por eles.

Concluiu-se que o lugar dado ao trabalhador nessa organização do trabalho tem um impacto

negativo sobre a sua identidade, a armadura da saúde mental, o que está relacionado ao sofrimento

patogênico do trabalhador e ao processo de adoecimento psíquico vivenciado por uma parcela

significativa desses profissionais.

Palavras-chave: Motoristas. Saúde mental. Sofrimento.

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RESUMEN

Este estudio objetiva investigar la organización del transporte público en Curitiba y su relación

con el sufrimiento de los automovilistas, que culmina en el proceso de la enfermedad mental

experimentada por algunos trabajadores de este colectivo profesional. A fin de cumplir ese

objetivo, la investigación contempló la realización y análisis de entrevistas realizadas con cuatro

de esos profesionales y, también, una investigación documental sobre las principales entidades

en el ámbito del transporte colectivo en la ciudad. El material fue tratado a partir del análisis

cualitativo de Bardin y los resultados fueron analizados tomando como referencia la teoría de la

Psicodinâmica del Trabajo. En la discusión de los datos se evidenciou que el sufrimiento que los

conductores dicen enfrentar en el desarrollo de su actividad laboral están relacionadas con las

normas internas, muchas veces paradoxais, de la organización del trabajo y en especial en el que

tange al control y la vigilancia del trabajador. Se observó, aún, que los profesionales no tienen

reconocimiento por su trabajo, lo que impide la transformación del sufrimiento en placer y lleva

el trabajador la engajar-si en estrategias defensivas. Las estrategias defensivas utilizadas por los

conductores visan su autocontrol en el trabajo y tiene la finalidad de soportar al máximo las

irritaciones del día-a-día. La ideología defensiva tiene un valor funcional en relación a la

productividad en la medida en que por medio del exceso de autocontrol, lo que culmina en la

alteración de la afectividad, el trabajador se hace más productivo y dócil, lo que permite la

perpetuação del ciclo de explotación. Se infiere, así, que el trabajo como conductor de autobús

en el transporte colectivo de Curitiba, en las actuales circunstancias, es posible por medio de la

explotación del sufrimiento de esos trabajadores, de la defensa utilizada por ellos. Se concluyó

que el lugar dado al trabajador en esa organización del trabajo tiene un impacto negativo sobre

su identidad, la armadura de la salud mental, lo que está relacionado al sufrimiento patógeno del

trabajador y al proceso de adoecimento psíquico vivenciado por una cuota significativa de esos

profesionales.

Palabras clave: Conductores. Salud mental. Sufrimiento

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7

2. QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO ........................................................................ 9

2.1. O CAMPO DA SAÚDE MENTAL E TRABALHO ......................................................... 9

2.2. A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO PRECARIZADO ............ 13

2.3. ENTRE O SOFRIMENTO E O ADOECIMENTO MENTAL .................................... 17

2.4. UMA CARACTERIZAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS

MOTORISTAS DE ÔNIBUS .............................................................................................. 24

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 33

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................... 36

4.1. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ........................................................................ 36

4.1.1. As condições de trabalho ....................................................................................... 36

4.1.2. Os horários para o cumprimento do itinerário ....................................................... 38

4.1.3. As relações de trabalho .......................................................................................... 38

4.1.3.1. Fiscais e supervisores ..................................................................................... 39

4.1.3.2. Os passageiros ................................................................................................. 45

4.1.3.3. O relacionamento entre pares .......................................................................... 46

4.1.3.4. O relacionamento com os cobradores ............................................................. 47

4.1.4. “Nossa! Parece que tão me perseguindo!”: o controle sobre o trabalho dos

motoristas ......................................................................................................................... 48

4.2. UMA ANÁLISE ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER: OS MOTORISTAS

DE ÔNIBUS DE CURITIBA E O IMBRÓGLIO INSTITUCIONAL ................................ 52

4.2.1. A Urbs .................................................................................................................... 53

4.2.2 As empresas de transporte coletivo e a Urbs........................................................... 54

4.2.3. O sindicato dos trabalhadores ............................................................................ 57

4.3. UMA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PARADOXAL: O SISTEMA DE

TRANSPORTE COLETIVO DE CURITIBA ..................................................................... 62

4.4. UMA ANÁLISE DO SOFRIMENTO NO TRABALHO............................................. 65

4.4.1. O Reconhecimento ................................................................................................. 65

4.4.2. As Estratégias Defensivas ...................................................................................... 70

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 80

6. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 85

7. ANEXOS ............................................................................................................................. 94

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1. INTRODUÇÃO

“Nenhuma outra técnica para a conduta da vi da prende o indivíduo tão firmemente à

realidade quanto à ênfase concedida ao trabalho (Arbeit), pois este, pelo menos,

fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. A

possibilidade que esta técnica oferece de deslocar uma grande quantidade de

componentes libidinais, sejam eles narcísicos, agressivos ou mesmo eróticos, para o

trabalho profissional (Berufsarbeit) e para os relacionamentos humanos a ele

vinculados empresta-lhe um valor que de maneira alguma está em segundo plano

quanto ao de que goza como algo indispensável à preservação e justificação da

existência em sociedade” (FREUD, 1930 Das Unbehagen in der Kultur).

Seria alentador abordar o trabalho como meio de vi da e de conquista da dignidade

humana e observar o alívio do esforço/sofrimento do trabalhador em face dos avanços

tecnológicos e do conheci mento cientí fico acumulados na história da humanidade. Entretanto,

o que se constata no mundo do trabalho é um dista nciamento crescente entre práticas

organizacionais e direitos sociais conquistados pelos trabalhadores. É o paradoxo que encobre

o trabalho contemporâneo, sua combi nação com a precarização social, com o adoecimento

dos indivíduos e a destruição ambiental (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010).

A relevância do estudo na área da saúde mental do trabalhador se dá visto que o

adoecimento mental relacionado ao trabalho já é considerado uma enfer midade emer gente e

preocupante para a Saúde Pública (WATANABE et al., 2010). Além disso, esse adoecimento

se reflete nos índices afastamentos e benefícios que, em sua últi ma instância, onera o Sistema

Único de Saúde (SUS) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) do nosso país

(WATANABE et al., 2010). No caso dos motoristas de ônibus da cidade de Curitiba, o

adoecimento mental vem sendo apontado na mídia, desde 2007, como um problema que afeta

uma parcela signi ficativa desses profissionais. A matéria “Motoristas de ônibus estão no

„Li mite‟”, publicada no jornal Gazeta do Povo1, edição de 16 de abril de 2007, deu maior

visibilidade ao assunto. Nela, há o relato de que, de acordo com o Sindi moc, si ndicato que

representa a categoria profissional na capital e nos municípios vizi nhos, 8% dos filiados estão

de licença médica devido a distúrbios psicológicos ou psiquiátricos.

1MOTORISTAS ESTÃO NO LIMITE. Disponível em:

<http://abp.org.br/2011/medicos/clippingsis/exibClipping/?clipping=4339>. Acesso em: 02/09/2012.

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Além disso, o estudo da Procuradoria Regional do Trabalho da Nona Região (PRT,

2012), em que foram analisados os afastamentos dos motoristas de ônibus pelo INSS, de uma

das empresas de transporte coletivo de Curitiba, entre os anos de 2006 e 2012, também mostra

a relevância de uma maior investigação sobre o tema. Essa pesquisa , com base no Nexo

Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP2) para o CNAE 4921

3, evidenciou que dos 50

motoristas que tiveram seu afastamento devido à doença com relação de nexo presumido

epidemiologicamente com o trabalho, 29 têm diagnóstico de transtor nos mentais e do

compor tamento (CID F), ou seja, 58% dos casos, uma parcela significativa dos afastamentos.

A saúde do motorista está relacionada à qualidade do serviço prestado, pois, caso o

trabalhador esteja adoecido, isso pode resultar em erros e acidentes que colocam em risco a

vida de um grande número de pessoas. O comportamento desses profissionais, assim como as

condições de seu trabalho, tem grande relevância social, visto que o transporte coletivo é uma

atividade essencial à população e de muita responsabilidade. Além disso, o sistema de

transporte público coletivo de Curitiba é bastante enaltecido nas propagandas realizadas pela

prefeitura da cidade, dessa forma, é pertinente investi gar a saúde mental dos seus operadores,

os grandes atores desse sistema.

Como pode ser observado na reportagem e no estudo citado acima, é, sobretudo, o

adoecimento mental que vem ocasionando o afastamento dessa categoria profissional de seus

postos de trabalho. Diante dessa constatação, vários questionamentos motivaram a realização

deste estudo: porque o adoeci mento dessa categoria profissional vem, sobretudo, ocorrendo

pela via psíquica? Partindo do principio de que a organização do trabalho está relacionada ao

adoecimento do trabalhador, em que medida estudar sobre essa organização pode clarificar

reflexões sobre o sofrimento/adoeci mento vivido por esses motoristas? E, de modo inverso, o

que o sofri mento pode nos di zer sobre a organização do trabalho?

Tem-se como pressuposto o fato de que trabalhar não é apenas uma atividade, não é

apenas produzir, “é também e sempre viver junto”, é ainda, uma relação social que envolve

2

O NTEP refere-se a relação que se estabelece entre entidade mórbida/ doença/ agravo à saúde (Agrupamento da Classificação Internacional de Doenças - CID) e o segmento econômico (CNAE) do empregador O NTEP rompe com o paradigma do nexo técnico individual entre o trabalhador e o agravo de sua saúde ao trazer para o núcleo da investigação a figura do meio ambiente do trabalho como elemento antecessor determinante ou condicionante do fenômeno mórbido. . Foi instituído pela Lei 11.430/2006, que modificou o artigo 21-A da Lei nº 8.213/91.

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Classificação Nacional de Atividades Econô micas número 4921, referente ao transporte coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana.

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relações de equidade, de poder e de dominação (DEJOURS, 2012b, p. 38). De acordo com

Dejours (2012b), é necessário ter em mente que o engajamento da subjetividade do

trabalhador ocorre em um mundo hierarquizado, ordenado e repleto de constrangi mentos,

ainda perpassado pela luta de domi nação. As questões de ordem técnica, segundo ele, estão

mediati zadas pelas relações hierárquicas, "relações de solidariedade, relações de

subordinação, relações de formação, relações de reconheci mento, relações de luta e relações

conflituais" (DEJOURS, 1994, p. 138). Ressalta-se que esta pesquisa tem como pretensão

situar-se no campo político da Saúde do Trabalhador, falar desse lugar e não apenas do lugar

técnico da psicologia ao analisar a questão da saúde mental, o sofri mento vivenciado pelos

motoristas.

Com base no exposto, objetivou-se compreender, neste estudo, a relação entre a

organização do trabalho do sistema de transporte coletivo de Curitiba e o sofrimento

vivenciado pelos motoristas, tendo como referência a teoria da Psicodinâmica do Trabalho.

Contudo, desde aqui se esclarece que o objetivo do estudo não é realizar conclusões sobre o

tema, apenas considerações que permi tam refletir sobre a temática. Dessa for ma, sabe -se que

essa problemática não se esgotará nesse breve estudo.

Tendo em mente as concepções descritas acima, o estudo foi organi zado da seguinte

for ma: revisão de literatura dividida em quatro capítulos (o campo da saúde mental e trabalho;

a saúde mental no contexto do trabalho precarizado; entre o sofrimento e o adoecimento

mental; e, uma caracterização sobre as condições de trabalho dos motoristas de ônibus). A

parte dos resultados e discussão da pesquisa contemplou uma análise da organi zação do

trabalho do transporte coletivo de Curitiba, o que foi organizado em três capítulos (um sobre a

organização do trabalho; outro sobre as relações de poder no âmbi to do transporte coletivo; e

um terceiro referente ao paradoxo nessa organi zação do trabalho). A análise também contou

com um capítulo sobre o sofrimento dos motoristas no trabalho.

2. QUADRO DE REFERÊNCIA TEÓRICO

2.1. O CAMPO DA SAÚDE MENTAL E TRABALHO

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De acordo com as esti mativas da Organização Mundial da Saúde, os chamados

transtor nos mentais menores afetam cerca de 30% dos trabalhadores ocupados e os

transtor nos mentais graves, cerca de 5 a 10% (JACQUES, 2003). Além disso, em nosso país,

segundo o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), os transtornos mentais ocupam a

terceira posição entre as causas de concessão de benefício previdenciário como auxílio

doença, afastamento do trabalho por mais de 15 dias e aposentadorias por invalidez

(MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2001). Os dados divulgados pelo Laboratório de

Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília também confir mam a relevância do tema,

uma vez que demonstram um aumento de 260% do número de afastamentos por doenças

mentais de 2000 a 2006. Diante dos números cada vez mais abundantes de transtor nos

mentais e do comportamento associados ao trabalho, o que se constata nas estatísticas,

verifica-se um interesse crescente nos últi mos anos por questões relacionadas aos vínculos

entre trabalho e saúde/doença mental.

O campo da Saúde Mental e Trabalho deverá assumir cada vez maior i mportância para

os profissionais de saúde e da produção, como também para a or ganizações de trabalhadores

que procuram condições mais saudáveis de trabalho (SELIGMANN SILVA, 1986). Segundo

Seligmann Silva (1994) nesse campo passaram a ser exami nados os processos saúde/doença

vinculados à vida laboral, por meio de uma ótica distinta das anteriormente adotadas, tanto

pelo enriquecimento dos eixos de análise, quanto pelo estabelecimento de uma perspectiva em

que a fi nalidade das investi gações assumem diretrizes éticas. Os estudos visam investi gar os

aspectos “adoecedores” do trabalho, inclusive aqueles que possam estar servindo

simultaneamente aos interesses da produção. De acordo com a autora, utilizar a denomi nação

Saúde Mental do Trabalho

Seria focalizar também a saúde mental como processo onde as agressões dirigidas à

mente pela vida laboral são confrontadas pelas fontes de vitalidade e saúde

representadas pelas resistências de natureza múltipla, individuais e coletivas, que

funcionam como preservadoras da identidade, dos valores e da dignidade dos

trabalhadores (SELIGMANN SILVA, 1986, p.59).

Segundo Seligmann Silva (1986), o campo da Saúde Mental do Trabalho é

fundamental mente sócio-político, entretanto, moldado basicamente por forças econômicas,

que atuando por meio de estratégias organizacionais e tecnológicas, utilizam o corpo e a

mente do trabalhador como instr umentos de produção, ao mesmo tempo em que o afeta

morbigenamente. Essas ações, que causam o adoeci mento psíquico ao trabalhador, se

exercem por meio de distintas vias (social, psicológica e do próprio corpo do trabalhador,

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instr umentalizado pelo processo laboral), em cami nhos que se cruzam numa trama de

complexas interações. Dessa forma, a relação entre saúde mental e os aspectos de uma

sociedade não pode ser considerada como reducionismo teórico, uma vez que se trata de um

binômio i ndivisível. Assim, apesar de teorizações que concebem a doença mental isolando a

pessoa do contexto social, o fato é que tal dissociação é indevida (ANGERAMI-CAMON,

1986).

A temática da saúde mental e trabalho já tem um cami nho percorrido no Brasil, uma

vez que estudos, pesquisas e atividades de intervenção na área surgiram em nosso país na

década de 1980. Mesmo anterior mente a esse período já se desenvolviam atividades que

enfatizavam a saúde mental daqueles que trabalham, entretanto, tais perspectivas não se

enquadram na área da Saúde Mental e Trabalho. Nesse contexto, o trabalho, suas condições e

organização eram tomados como pano de fundo, e, se privilegiava a oferta de assistência

psicoterápica aos trabalhadores. Além disso, na década de 1940, as denomi nadas ciências do

compor tamento também já se ocupavam da saúde mental das pessoas que trabalham, na qual a

medicina ocupava-se da esfera psicológica (SATO; BERNARDO, 2005). Para esses autores,

ao abstrair as condições concretas e as relações de trabalho, uma vez que ambas as

abordagens buscam a gênese dos problemas de saúde mental no universo intra -individual,

essas contribuíram para a construção da explicação culpabilizadora da vítima.

Ao contrário de concepções individualizantes, a Saúde Mental e Trabalho pertence ao

campo da Saúde do Trabalhador e, por isso, confor me a for mulação de Saúde Coletiva

descrita por Minayo- Gomez e Thedi m-Costa (1997), toma as relações de trabalho e sua

historicidade como matriz de leitura. Tal como é definido por esses autores, a Saúde do

Trabalhador refere-se a “um corpo de práticas teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais,

humanas – e interinstitucionais, desenvolvidas por diversos atores situados em lugares sociais

distintos e infor mados por uma perspectiva comum” ( MINAYO-GOMEZ; THEDIM-

COSTA, 1997, p. 25). Essa perspectiva é resultante de todo um patrimônio acumulado no

âmbi to da Saúde Coletiva, com raízes no movi mento da Medicina Social latino -americana e

infl uenciado pela experiência italiana.

De acordo com Bouyer (2010), no Brasil, nos anos de 1980 e 1990, o estudo das

patologias do trabalho esteve centrado de um lado, na organi zação do trabalho (tida como

patogênica e deter mi nante essencial do adoecimento) e nas condições de trabalho; e no outro

lado, nas síndromes e nos adoeci mentos q ue acometiam os trabalhadores. Entre estes dois

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extremos, segundo o autor, permanecia uma lacuna na compreensão de como as mazelas da

organização do trabalho se convertiam em adoecimentos na estr utura biológica ou mental do

trabalhador. Estes estudos pecavam no estabelecimento de um nexo causal, cientificamente

verificável, entre a organização do trabalho e o adoecimento i ndividual. A solução para esta

lacuna entre o coletivo e o i ndividual, para Boyer (2010) pode ser equacionada, pela

Psicodinâmica do Trabalho, uma vez que essa se concentra na coletividade do trabalho (numa

dada organi zação do trabalho) e não apenas em indivíduos isolados. Além disso, os seus

conceitos permitem compreender o espaço entre o que está dado na dimensão coletiva (a

patogenia de uma deter mi nada organi zação do trabalho) e as suas manifestações na totalidade

biopsíquica do sujeito – não apenas a sua “nor malidade sofrente” (DEJOURS, 2012a, p. 36),

mas também as patologias ou as descompensações psicopatológicas (BOYER, 2010). Além

disso, segundo o autor, a Psicodinâmica do Trabalho tem demonstrado poder de

transfor mação nas or gani zações do trabalho em benefício dos que sofrem no ambiente

laborativo.

A psicodinâmica do trabalho analisa a constituição do sofrimento mental a partir da

percepção dos próprios trabalhadores. Estuda as vinculações entre o sofri mento e a

organização do trabalho, i nvesti gando também as dinâmicas pelas quais se constroem

sistemas coletivos de defesa e de compromisso ético nos locais de trabalho. As for mas de

exploração do sofrimento mental e das próprias defesas psicológicas individuais e coletivas

também são exami nadas por meio dessa teoria, que se utiliza do referencial psicanalítico para

a análise dos fenômenos subjetivos (SELIGMANN-SILVA, 1994).

Sobre o tema da saúde mental e trabalho, é nítido que a produção técnico-científica na

área teve crescimento nos últi mos anos (SATO; BERNARDO, 2005). Contudo, se os

condicionantes dessas investi gações estiverem ligados a interesses ligados à lógica econômica

que já influenciou tantas pesquisas, a for ma de conduzir as indagações não irá revelar, de fato,

o sofrimento relacionado aos dispositivos organizacionais que visam a maxi mização dos

lucros (SELIGMANN-SILVA, 1994). Por isso, de acordo com a autora, o desafio

metodológico está associado a um desafio político. Como defi ne Cancrini e Togliatti (1979),

quando se reduz o sofrimento mental a um problema orgânico e individual, alia -se aos

interesses que procuram negar a influência de condições laborais sobre a saúde mental.

Entretanto, os estudos recentes na área vem “oferecendo elementos no sentido de

fortalecer os argumentos e socializar o debate acerca da importante participação das

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condições e da organização do trabalho na vivência dos problemas de saúde / doença menta l”

(SATO; BERNARDO, 2005, p. 875). De encontro a isso também se observa o aumento de

serviços dirigidos aos trabalhadores. Todavia, mui tos dos problemas que i mpulsionaram o

desenvolvimento dessa área ainda persistem.

A precarização, consequência perversa do conflito entre capital e trabalho

(WATANABE et al., 2010), passou a ser característica central do trabalho contemporâneo e

das novas relações de trabalho (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010). Nessa

conjuntura a saúde do trabalhador é atingida (WATAN ABE et al., 2010).

2.2. A SAÚDE MENTAL NO CONTEXTO DO TRABALHO PRECARIZADO

A precarização do trabalho, segundo Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010, p. 234)

afeta a sociedade como um todo e não se restri nge apenas à di mensão econômica. De for ma

mul tidimensional, essa deteriora todo o tecido social, “conduzindo a um processo de

desfiliação e de despertencimento social, causa direta de vulnerabilidade social e da

desfiliação”. Além disso, “a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas

novas exi gências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno” (CASTEL,

19984, p. 409 apud FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010). É possível definir que

no âmbito da sociedade salarial delineia-se, “uma era de precarização global que consolida a

perda da razão social do trabalho, com sérios i mpactos no i magi nário social, gerando

violência e adoecimentos, caracterizando uma condição de vulnerabilidade e desfiliação

social”. O processo de despertencimento social, é produzido no seio da flexibiliza ção, pelo

binômio terceirização/precarização, conduz à fragilização dos laços e dos referenciais de

pertenci mento social, levando, à desagregação social, com a proliferação da violência social,

sofrimento e adoecimento, com ênfase para as patologias muscul oesqueléticas (LER/DORT) e

os transtor nos mentais, cada vez mais frequentes, sem limites de classe, gênero, etnia, idade

etc. (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010, p.234).

Outra questão relevante para a análise do trabalho precarizado são os avanços

tecnológicos e as novas organizações do trabalho, que não trouxeram o fi m do trabalho

penoso, acentuaram as desigualdades e a inj ustiça social e trouxeram for mas de sofri mento

4CASTEL, R. As metamorfoses da questão soci al: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

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mais complexas e sutis do ponto de vista psíquico (LANCMAN, 2011). Segundo Gaulejac

(2007), as evoluções tecnológicas, que poderiam libertar o homem do trabalho, parecem, ao

inverso, colocá-lo sob pressão, uma vez que o alívio do fardo físico, por meio da tecnologia, é

compensado por investi mento subjetivo aumentado. Assim, apesar de aliviar a fadiga física, o

aparato tecnológico no trabalho aumenta a pressão psíquica sobre o trabalhador. A pressão

pelo tempo, pelos resultados e também pelo medo têm consequências terríveis sobre ele,

gerando “compor tamentos de adição, estresse cultural, se nti mento de invasão, contra o qual é

difícil de se defender, e sofrimentos que o indivíduo esconde; do contrário, se fossem

expressos, ele ficaria visado” (GAULEJAC, 2007, p.214). Além disso, de acordo com Bouyer

(2010), na produção de diferentes tipos de serviços observa-se o maior controle do trabalho e

menor autonomia para a livre elaboração dos modos operatórios e das estratégias de ação, o

que i mpacta, signi ficativamente a relação saúde trabalho.

Apesar dos elevados patamares tecnológicos alcançados e m nossa sociedade, o mundo

da produção conti nua, predomi nantemente, estr uturado e se movendo pela acumulação de

capital e lucro, o que leva à progressiva hipotrofia e perda de uma razão social do trabalho,

tendo como ressonância a perda do sentido do trabalho (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-

SILVA, 2010). Para as autoras, a lógica produtiva permanece a mesma que orientavam as

relações capital/trabalho no século XIX, aprofundando a apropriação privada da riqueza

socialmente gerada e dos elementos da natureza, cons olidando o mercado como eixo da

sociedade. Esta lógica, segundo elas, limita, ou mesmo exti ngue, as possibilidades do trabalho

se constituir um meio de desenvolver a dignidade, a solidariedade e as potencialidades do ser

humano.

Segundo Gaulejac (2007), o mundo parece cada vez mais insensato, visto que os

ganhos de produtividade não i mpedem as demissões, as ações têm alta ou baixa sem ligação

clara com os desempenhos efetivos, e as empresas fecham apesar de serem rentáveis. De

encontro com a perda social do trabalho, tal como definido por Franco, Druck e Seligmann-

Silva (2010), o autor explica que quando a lógica fi nanceira faz sentido por si mesma, as

relações entre o mundo do dinheiro e o mundo do trabalho dissipa -se, fazendo com que o

trabalho humano perca suas signi ficações primeiras. Para esse autor, o sentido do trabalho é

colocado em suspenso quando a atividade é avaliada a partir de critérios que não tem sentido,

visto que a constr ução de nor mas preestabelecidas não per mite medir a qualidade do serviç o

prestado. Nesse universo gerencialista, “a subjetividade é moldada sobre objetivos, resultados,

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critérios de sucesso, que tendem a excl uir tudo aquilo que não é útil ou rentável. O valor

comercial tende a se i mpor a qualquer outra consideração” (GAULEJAC, 2007, p. 154).

Tal como defi nem Franco, Dr uck e Seligmann-Silva (2010), a precarização do

trabalho é um processo complexo, uma vez que mantém a relação capital/trabalho em sua

essência, ao tempo em que altera as suas for mas de existência. A par tir desse processo, há a

neutralização e anulação da regulação social do trabalho (com a conseqüente perda de direitos

conquistados pelos movi mentos sociais), naturalizando o trabalho precário, banalizando a

injustiça social e a violência no trabalho (principal mente, a violência psicológica). Dissemina-

se, assim, “uma era de precarização social e de trabalho socialmente desagregador, terreno

fértil para o sofrimento e o adoecimento dos indivíduos, confi gurando o trabalho patogênico”

(FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010, p. 230).

Franco, Dr uck e Seligmann- Silva (2010) apontam que atual mente observa-se a

precarização da saúde dos trabalhadores. Essa vem incidindo de modo marcante na saúde

mental, que é indissociável da saúde como um todo. Para as autoras, trata -se da fragilização

(orgânica, existencial e identitária) dos sujeitos pela organi zação do trabalho com

intensificação da multiexposição. No Brasil, essa fragilização é acrescida das limitações

impostas, em grande parte das empresas em nome de uma equivocada c ontenção de custos,

postura que menospreza o que seriam investi mentos em saúde e segurança dos trabalhadores e

revela uma negação do valor da proteção à saúde e a vida.

Além disso, a precarização no mundo do trabalho, ao mi nar a identidade individual e

coletiva, conduz a fragilização dos agentes sociais e organi zações sindicais, o que enfraquece

as possibilidades de enfrentamento dessas condições. Então, a partir da “precarização da

organização coletiva, aumenta tanto a vul nerabilidade social quanto a i ndi vidual”. “A

insegurança e a desproteção, vivenciados por todos e por cada trabalhador/a, produzem

reações e desdobramentos de di ferentes tipos – incl usive transtornos psíquicos” (FRANCO,

DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010, p.233).

Segundo Sato e Bernardo (2005), os trabalhadores têm condições de reconhecer as

situações de risco do trabalho para sua saúde, entretanto, não têm tido outra opção que não a

submissão a essas condições.

Essa submissão consciente a condições inadequadas, particularmente no que diz

respeito ao ritmo de trabalho e às pressões cotidianas, parece estar se tornando um

fator adicional de sofrimento psíquico que merece uma atenção especial da área de

Saúde Mental e Trabalho. (SATO; BERNARDO, 2005, p.876).

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Dejours (2012a) explica que uma das conseqüências da precarização no mundo do trabalho é

a insensibilidade frente ao sofri mento al heio, visto que nesse contexto cada trabalhador deve

antes de tudo se preocupar em resistir e portanto, a percepção do sofri mento al heio constitui

uma di ficuldade que prejudica os esforços de resistência. De acordo com Sato e Bernardo

(2005), esse contexto parece ser pouco propício para o desenvolvimento de práticas

embasadas no discurso da Saúde do Trabalhador, cedendo espaço para o discurso da Saúde

Ocupacional/ Medicina do Trabalho.

Como aponta m Vasconcelos e Faria (2008, p.454) o que ocorre na atualidade é que as

práticas de Saúde Mental coexistem com uma pressão por produtividade crescente, num

ambiente competitivo, no qual os sujeitos devem estar sempre prontos para mudar e se adaptar

às demandas do mercado. A sociedade propõe ao sujeito uma ordem alienada: “pede -lhe que

mude para se adaptar, que se adapte para obedecer, que obedeça para que nada se altere senão

em função dos interesses daqueles que detêm o poder político e econômico” (KALINA;

KOVADLOFF, 19835

apud ANGERAMI-CAMON, 1986, p.135).

Segundo Vasconcelos e Faria (2008), as ações no âmbito da saúde do trabalhador

ocorrem nas empresas somente quando os sintomas se transfor mam em doenças e essas se

transfor mam em “redução de produtividade”. Além disso, os programas de saúde estão dentro

de uma função de tradução ideológica, “mais relacionados à estratégia da competitividade da

organização do que com uma real preocupação com a saúde física e mental dos integrantes da

organização”. Assim, os programas de saúde acabam sendo intervenções de caráter pontual,

paliativo, sem uma i nvestigação das causas de sofrimento e sem o engajamento e apoio dos

dirigentes da organi zação (VASCONCELOS; FARIA, 2008, p.458).

Gaulejac (2007) afirma que ao i nvés da sociedade estar a serviço do desenvolvimento

econômico, é necessário pensar uma economia a serviço do bem comum. Os direitos sociais

que defendem a vida são inegociáveis e que é necessário resgatar a dignidade no trab alho e

sua função social (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010). Segundo Gaulejac

(2007), a crise que atravessamos na sociedade atual não é uma crise econômica, uma vez que

conti nuamos a produzir riqueza, mas, antes de tudo ela é uma crise simbólica que atinge as

relações entre o econômico, o político e o social. Convém, confor me o autor, pensar a gestão

5KALINA, E.; KOVADLOFF, S. As ceri môni as da destrui ção. Livravia Francisco Alves Editora S.A., Rio de

Janeiro, 1983, p. 100.

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reinscrevendo-a em uma preocupação antropológica, “uma gestão humana dos recursos, mais

do que uma gestão dos recursos humanos” (GAULEJAC, 2007, p.145) .

Além disso, a precarização do trabalho é uma constr ução histórica, e portanto,

modificável. Os adoecimentos e acidentes de trabalho também são evitáveis. A prevenção,

ainda que envolva diversos níveis de complexidade, aponta para a necessidade de “civiliza r” o

mundo do trabalho a partir de elementos básicos, que precisam ser traduzidos em políticas

públicas. As práticas de enfrentamento da precarização social do trabalho precisam ser

fortalecidas e são uma necessidade em defesa da vida. Essas têm sido exerc idas por agentes

sociais diversos, tais como sindicatos de trabalhadores, o Estado - Ministério Público do

Trabalho (MPT), Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Centro de Referência em Saúde do

Trabalhador (Cerest), Superintendência Regional do Trabalho e E mprego (SRTE) e Fundação

Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) – e

universidades. No cotidiano das práticas de Saúde Pública e das atividades clínicas, é

necessário que as atividades sejam realizadas em nome da cidadania social que se encontra

em retrocesso no mundo (CASTEL, 20096

apud FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA,

2010).

Os reflexos da precarização do mundo do trabalho são o aumento extraordinário da

produtividade e da riqueza. Porém, por outro lado assiste-se “a erosão do lugar acordado à

subjetividade e à vida no trabalho” (DEJOURS, 2012b, p. 43). Nesse ponto abre-se o espaço

para o sofrimento e, talvez, posteriormente, para o processo de adoecimento, o que será o

tema do próxi mo capítulo.

2.3. ENTRE O SOFRIMENTO E O ADOECIMENTO MENTAL

De acordo com Lancman (2011, p.31), o trabalho tem uma função psíquica, uma vez

que é um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de signi ficados.

Segundo a autora, “processos como reconheci mento, grati ficação, mobilização, mobilização

da inteligência, mais do que relacionados à realização do trabalho, estão ligados à constituição

da identidade e da subjetividade”. Quando esses processos encontram-se impedidos ou

6 CASTEL, R. La montée des i ncerti tudes: travail, protections, statut de l‟individu. Paris: Seuil, 2009.

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dificultados, abre-se o espaço para o sofrimento e talvez, posteriormente, para as

descompensações psicopatológicas.

Borsoi (2007) descreve que é preciso considerar que a saúde/doença mental trata de

um processo que expressa determi nadas condições da vida e também deter minada capacidade

dos indivíduos para o enfrentamento dos desafios, conflitos e agressões apresentados pela

realidade na qual vivem. Assim, sofri mento psíquico e doença mental são processos

qualitativamente disti ntos e “o espectro da inter -relação saúde mental e trabalho abrange,

portanto, do mal estar ao quadro psiquiátrico, inclui ndo o sofri mento mental” (GLINA et al.,

2001, p.608).

Segundo Dejours (1992), a organi zação do trabalho exerce sobre o sujeito uma ação

específica, cujo impacto é o aparelho psíquico e em certas circunstâncias, eme rge o

sofrimento relacionado ao choque entre a história individual do sujeito (dotada de desejos e

esperanças), e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza

mental, começa quando o sujeito, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no

sentido de tor ná-la mais de acordo com as suas necessidades fisiológicas e a seus desejos

psicológicos – isso é, quando a relação homem- trabalho é bloqueada (DEJOURS, 1992).

Segundo Dejours (2012a, p.35), “se o sofri mento não se faz acomp anhar de

descompensação psicopatológica, é porque contra ele o sujeito emprega defesas que l he

permitem controlá-lo”. Os mecanismos de defesa têm a finalidade de evitar a descompensação

e conservar um equilíbrio possível, com a condição que se preserve o c onfor mismo aparente

do comportamento e satisfaça aos critérios sociais de nor malidade (DEJOURS, 1992). Eles

têm o objetivo de mascarar conter e ocultar uma ansiedade particularmente grave frente a um

perigo e um risco reais. Além disso, a ideologia defensi va garante a coesão grupal e exclui

quem não partil ha do conteúdo da ideologia; tem sempre um caráter vital, necessário,

obrigatório e fundamental, substituindo os mecanismos de defesa individuais (DEJOURS,

1992).

Dejours (1992) defi ne ainda que a ideologia defensiva tem um valor funcional em

relação à produtividade, o que ele designa como exploração do sofri mento. Dessa for ma, o

sofrimento mental não pode ser considerado apenas como uma consequência deplorável ou

um aconteci mento lamentável, visto que em certos casos ele se revela propício à produção,

sendo o próprio instr umento para obtenção do trabalho. “O trabalho não causa o sofri mento, é

o sofrimento que produz o trabalho”, e o que é explorado pela organi zação do trabalho é,

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principalmente, os mecanismos de defesa contra esse sofrimento (DEJOURS, 1992, p.103). O

autor explica que para aumentar a produção, basta puxar a rédea do sofrimento psíquico,

contudo, se os limites e as capacidades de cada um não forem respeitados, arrisca -se

ocorrerem as descompensações. Todavia, a exploração do sofrimento pela organização do

trabalho não cria doenças mentais específicas, pois essas dependem, em últi ma estância, da

estrutura das personalidades. Com efeito, o autor descreve que a estr utura de personalidade

explica a forma sob a qual ocorre a descompensação e seu conteúdo, mas não é suficiente para

explicar o momento escolhido.

Segundo Dejours (2011a, p. 188), a noção de sofrimento, tal como for mulada pela

psicopatologia do trabalho, permite realizar um passo fundamental em relação às concepções

clássicas, “deslocando o centro de gravidade das doenças mentais, para os estados que estão

aquém da doença, o que permi te pensar o humano e a psicologia do trabalho de forma

concreta”. É por isso que a psicodinâmica do trabalho priorizou o estudo da nor malidade:

Essa normalidade não é concebida como simples ausência de doença, mas como o

resultado, sempre precário, de estratégias defensivas elaboradas para resistir ao que,

no trabalho, é desestabilizador, ou mesmo deletério, para as funções psíquicas e para

a saúde mental, tornando essa normalidade em si mesma enigmética. No centro da

investigação estão o sofrimento e a normalidade, com um conceito arraigado de

„normalidade do sofrimento‟.(DEJOURS, 2011a, p. 226).

De acordo com Dejours (2011b, p.180), o sofri mento pode ter dois destinos diferentes:

a sublimação, por um lado, e a repressão pulsional, a auto-aceleração ou a ideologia

defensiva da profissão, por outro. A subli mação, segundo ele, adéqua novas possibilidades

para a dialética desejo/sofrimento e “assegura em relação ao sofrimento uma saída pulsional

que não faz desmoronar o funcionamento psíquico e somático”. Já no caso dos trabalhadores

submetidos à execução de atividades repetitivas, as defesas contra o sofri men to são a

repressão pulsional, a auto-aceleração ou a ideologia defensiva da profissão. Essas, acabam

que por subtrair os desejos do sujeito, favorecendo o desenvolvi mento de uma lógica da

alienação na vontade do outro. Além disso, os coletivos originados p ela sublimação estão,

segundo Dejours (2011b) preferencialmente aos , passíveis de ter uma ação significativa sobre

a organi zação do trabalho.

Para Dejours e Abdoucheli (1994) o sofrimento mental‚ pode ser definido como a

experiência subjetiva inter mediária entre doença mental descompensada e o bem-estar

psíquico. Para esses autores, o sofri mento i mplica em um estado de luta do sujeito contra as

forças (ligadas à organização do trabalho) que o empurram em direção à doença mental. Essa

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conceituação abarca, tal como eles afirmam, uma defi nição negativa do sofrimento, o que foi

designado na teoria de Dejours como “sofrimento patogênico”, isso é, o sofrimento que

emer ge quando todas as possibilidades de adaptação ou de ajustamento à organização do

trabalho pelo sujeito, para colocá-la em concordância com seu desejo, foram utilizadas, e a

relação subjetiva com a or ganização do trabalho está bloqueada.

Isto é, quando não há nada além de pressões fixas, rígidas, incontornáveis,

inaugurando a repetição e a frustração, o aborrecimento, o medo, ou o sentimento de

impotência. Quando foram explorados todos os recursos defensivos, o sofrimento

residual, não compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a destruir o

aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o lentamente ou

brutalmente para uma descompensação (mental ou psicossomática) e para a doença.

(DEJOURS; ABDOUCHELI, 1994, p. 137).

Contudo, Dejours e Abdoucheli (1994) levam em consideração a bivalência do sofrimento,

dessa forma, abordam também sobre o sofri mento criativo, o qual, segundo os autores, se

refere justamente a um desafio para a psicopatologia do trabalho, ou seja, definir as ações a

fi m de modificar o destino do sofrimento do sujeito e favorecer a sua transfor mação em

criatividade (e não sua eliminação). Quando isso é possível, ele traz uma contribuição que

beneficia a identidade e aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica

e somática. Então, dessa for ma o trabalho funciona como um mediador para a saúde. Caso

contrário, a situação de trabalho, as relações de trabalho e as escolhas gerenciais empregam o

sofrimento no sentido de sofrimento patogênico e o trabalho funciona como mediador da

desestabilização e da fragilização da saúde (DEJOURS ; ABDOUCHELI, 1994). Ainda para

os autores, o sofrimento é i nevitável e ubíquo, ele tem raízes na história singular de todo

sujeito e repercute no teatro do trabalho, ao entrar numa relação de complexidade com a

organização do trabalho. Além disso, pode-se definir que o sofri mento não se trata de uma

noção puramente descritiva, mas de um conceito possuidor de uma fonte empírica e dinâmica

e uma consistência teórica e metapsicológica. É em função dele, ao i naugurar uma lógica

essencialmente defensiva ou essencialmente criativa que conhecemos as condições sociais e

psicológicas envolvidas nesse processo.

De acordo com Brant e Mi nayo- Gomez (2004), a transfor mação do sofrimento em

adoecimento pode ser compreendida por meio do poder disciplinar que foi aperfeiçoado como

uma nova técnica de gestão dos i ndivíduos. Os autores explicam que com o advento da

medicina científica no século XXI, novas for mas de conheci mento e práticas institucionais

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tornaram o sujeito desvinculado do seu sofri mento. Nessa ocasião, a fim de conhec er o fato

patológico o médico precisou abstrair o sujeito e houve um quase silenciamento do paciente.

Nesse contexto, os sintomas foram concebidos como deter mi nantes naturais das doenças,

deixando de lado a articulação entre o sujeito e o sofri mento. Assi m, os sintomas deixaram de

ser representados como tentativa de solução de um conflito, de uma reconciliação do ser e,

perdida a sua condição de “um bem” do i ndivíduo, esse passou a se fi gurar apenas como sinal

de uma patologia. O sujeito deu, então, lugar ao paciente, representado como um conjunto de

órgãos e tecidos, lógica essa que lançou as bases para a construção da identidade do doente.

De modo semelhante, quando o sofri mento é manifestado na empresa, os gestores e

trabalhadores ficam sem referencial. Em conseqüência, tornam-se necessários, no cotidiano

do trabalho, a consulta aos profissionais de saúde. É nesse ponto que se dá o processo de

destruição do trabalhador da sua condição de sujeito, processo esse fundado numa relação que

envolve profissionais da saúde, gestores, trabalhadores e familiares. No encami nhamento do

trabalhador ao profissional de saúde, segundo os autores, “dimensões conti ngentes à

existência humana vêm sendo diagnosticados como transtor nos psiquiátricos” ( BRANT;

MINAYO-GOMEZ, 2004, p.218). Para esses autores, na esfera do trabalho ocorre um

processo de transfor mação do sofrimento em adoecimento caracterizado pela negação e

psiquiatrização do sofrimento; atribuição e incorporação da identidade de doente;

interpretações individualiza ntes e descontextualizadas; além de um elevado controle

disciplinar.

Para Freud (1930) a expressão do sofrimento é decorrente da percepção de perigo (real

ou i magi nário), iminente. Segundo o autor a vida é árdua e proporciona sofrimentos diversos

e o mal-estar sentido pelo sujeito é inerente à condição humana. De acordo com Brant e

Minayo-Gomez (2009) essa peculiaridade parece ser esquecida pela maioria dos autores no

âmbi to da Saúde do Trabalhador, uma vez que na maioria das pesquisas o trabalhador é

relegado à posição de doente ou de víti ma sofredora, distinguindo-se da positividade que

Freud atribui à manifestação do sofrimento. Para Brant e Minayo -Gomez (2009, p.239), a

demonstração do próprio sofrimento revela-se como um bem do sujeito, i ndispensável para

uma “boa vida”. Contudo, “sua i nterpretação como “pré- morbidade” destrói essa condição e

contribui para a produção do adoecimento, i ndependentemente da presença ou ausência de

doença”.

Brant e Mi nayo- Gomez (2009, p.238) consideram que

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Uma vez manifestado, o sofrimento tem como destinos: somatização – busca de

uma etiologia corporal para aquele sofrimento; psiquiatrização – expressões próprias

da existência humana diagnosticadas como doença mental; medicalização abusiva

ou desnecessária; licença médica excessiva; internação hospitalar e aposentadoria

por invalidez inde vida. (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2009, p. 238).

Entre outras explicações, essas mani festações do sofrimento nor mal mente são associadas a

fraqueza, debilidade cognitiva, desequilíbrio emocional e conflitos familiares. Dessa forma, o

sofrimento, visto unicamente como algo decorrente do próprio sujeito, culpabiliza o

trabalhador pelas suas vivências (BRANT; MINAYO-GOMEZ, 2009).

Como ressalta Foucault (2000 7

apud VASCONCELOS; FARIA, 2008), a doença

mental está sempre relacionada a valores e julgamentos de uma dada cultura, e, nas

organizações essa está relacionada ao fracasso, ao sujeito com o qual não se pode contar,

alguém frágil e “problemático”. Diante dessa situação os trabalhadores se calam, uma vez que

a exposição dessa identificação provoca angústia e medo de perder o lugar conquistado na

organização (VASCONCELOS; FARIA, 2008). Esses autores apontam que o silêncio e a

busca por soluções rápidas têm domi nado o “mundo” coorporativo, especial mente favorecido

pela evolução científica da farmacologia.

Gaulejac (1997) afirma que convém analisar a “loucura” no âmbito do trabalho como

uma violência e não tanto como uma patologia. Para ele, o sofrimento psíquico e os

problemas de relacionamento são efeitos dos modos de gerenciamento. Segundo Dejours

(2012b), a evolução das for mas de or ganização empresarial, do trabalho e de gestão repousa

em princípios que sugerem o sacrifício da subjetividade em nome da rentabilidade e da

competitividade. Entre esses princípios se destaca a avaliação quantitativa e objetiva do

trabalho, e a individualização. Sobre o primeiro aspecto, o autor explica que as avaliações de

grande complexidade e sofisticação, levam a absurdos e a injustiças intoleráveis em relação à

contribuição efetiva dos trabalhadores. Visto que o “essencial do trabalhar revela da

subjetividade, o que é mensurável não diz respeito ao trabalho”, servindo, sobretudo, como

meio de i nti midação e dominação (DEJOURS, 2012b, p. 42). Já a individualização, se gundo

principio das novas organi zações do trabalho, refere-se ao efeito do processo de concorrência

generalizada entre as pessoas, equipes e serviços. Para o autor, os contratos por metas, a

avaliação individualizada dos desempenhos, a concorrência general izada entre os

7 FOUCAULT, M.. Doença mental e psicologi a. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

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trabalhadores e a precarização das for mas de emprego levam ao desenvolvi mento de condutas

desleais entre pares e à ruína das relações solidárias. Tais práticas de gestão resultam no

isolamento de cada indivíduo, na solidão e a desagregação do viver junto (DEJOURS, 2012b).

As conseqüências desses princípios organizacionais do trabalho é o agravamento das

patologias mentais do trabalho em todo o mundo ocidental, o aparecimento de novas

patologias, os suicídios realizados nos locais de trabalho, o que não ocorria antes do domínio

neoliberal (DEJOURS, 2012b). Contudo, nor mal mente tende a se focalizar o problema sobre

o comportamento das pessoas, mais do que sobre os processos que o geram. Se contraponto a

esse fato, Gaulejac (2007, p.225) explica que “quando o assédio, o estresse, a depressão ou,

mais geralmente, o sofri mento psíquico se desenvolvem, é a própria gestão que deve ser

questionada”. De acordo com o autor, o estresse, por exemplo, antes de ser uma “doença”

pessoal, é um fenômeno social. Quando o sofrimento se expressa sob a forma de sintomas

somáticos ou psicossomáticos, ele depende de uma abordagem médica, todavia, na origem, o

problema não é médico.

Se ele se traduz por sintomas individuais, ele provém de um mal -estar provocado

pelas condições de trabalho. Suas fontes não são psicológicas. Elas são inscritas em

um modo de funcionamento da organização que „desorganiza‟ os equilíbrios de base

dos empregados e provoca mal-estares que desaparecem quando a pressão do

trabalho é aliviada (GAULEJ AC, 2007, p.231).

Diante dessas constatações, Gaulejac (2007) questiona se nesse contexto é pr udente falar em

doenças e aceitar que o seguro-doença assuma os seus custos, visto que a pressão do trabalho

é a sua causa. Para o autor, nesse contexto, o encobri mento da responsabilidade da empresa

leva a uma dupla armadilha: o agravamento contínuo das perturbações e das despesas de

saúde, de um lado; e uma cegueira sobre a degradação das condições de trabalho e de suas

conseqüências sociais, por outro. Faz-se necessário restabelecer as ligações entra a gestão dos

recursos humanos e a saúde mental, a fi m de sair dessa armadilha.

O poder gerencialista tem como propósito canalizar a ener gia psíquica a fi m de

transfor má-la em força de trabalho. Portanto, é responsabilidade da empresa “gerenciar” as

conseqüências de seu modo de gestão, visto que “os processos de mobilização psíquica têm

conseqüências sobre a saúde daqueles que a supor tam” (GAULEJAC, 2007, p. 232). As

empresas que praticam um tipo de gerenciamento danoso à saúde do trabalhador, de acordo

com o pesquisador, usufr uem de uma i mpunidade total quanto as suas conseqüências

humanas, sociais e financeiras. Assim, cabe à coletividade assumir seus custos, ao passo que

as mesmas se queixam de pagar excessivos encargos. Gaulejac (2007) afirma que a gestão

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deveria oferecer instrumentos adequados para avaliar os custos sociais e psíquicos, tal como

aqueles que ela criou para avaliar os benefícios e as perdas financeiras. Isso seria o sinal de

que essa não é mais uma ideologia a serviço do poder dominante, mas uma ciência a serviço

do interesse geral. Como efeito, o alívio da pressão no trabalho permitiria reduzir as despesas

de saúde que essa acarreta (GAULEJAC, 2007).

Esse estudo tem por objetivo analisar a relação entre a organização do trabalho e o

sofrimento vivenciado pelos motoristas de ônibus coletivos de Curitiba. Para tanto,

considerou-se relevante realizar uma revisão de literatura sobre as condições de trabalho

desses profissionais, o que pode ser visto no próxi mo capítulo.

2.4. UMA CARACTERIZAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS

MOTORISTAS DE ÔNIBUS

De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (C.B.O, 2012), os motoristas

de ônibus urbano (código 7824-10) trabalham em empresas de ônibus de transporte coletivo

de passageiros, urbano, metropolitano e rodoviário de longa distância. Esses trabalhadores são

assalariados, com carteira assinada, atuam sob supervisão, de for ma individual ou em duplas.

O seu trabalho contempla as segui ntes atividades: condução e vistoria de ônibus e trólebus de

transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários de longas

distâncias; verificação do itinerário de viagens; controle do embarque e desembarque de

passageiros; orientação quanto a tarifa, itinerários, pontos de embarque e desembarque e

procedimentos no interior do veículo; também executam os procedimentos a fim de garantir a

segurança e o confor to dos passageiros.

Segundo a C.B.O (2012), o exercício dessa ocupação requer carteira de habilitação,

ensino fundamental completo e curso básico de qualificação, incluindo mecânica e

eletricidade de veículos automotores. Esses profissionais, também se habilitam

periodicamente para conduzir ônibus, e o pleno desempenho das atividades ocorre após três

ou quatro anos de experiência. A CBO (2012) ainda descreve que as condições gerais de

exercício da atividade laborativa dos motoristas de ônibus urbano refere -se ao trabalho nos

veículos, em horários irregulares, em sistema de rodízio e sob press ão de cumprimento de

horário. As atividades desses profissionais são desenvolvidas em confor midade com leis e

regulamentos de trânsito e de direção de veículos de transporte coletivo. Esses trabalhadores

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permanecem em posição desconfortável por longos perí odos de tempo e estão sujeitos a

acidentes e assaltos, o que pode provocar estresse; há, ai nda, a ausência de instalações

sanitárias nas paradas de ônibus, provocando desconforto.

Pesquisa realizada por Sato (1991) aponta que mesmo sendo bastante detalhada, a

descrição da C.B.O não contempla todas as variações do trabalho do motorista e, ainda que

existam regras a serem seguidas pela empresa e pelo motorista, na realidade verifica -se a

existência de uma prática distinta, em mui tos aspectos, daquela planejad a.

Sobre a análise das condições de trabalho dos motoristas de ônibus urbano, Mendes

(1997) define que essa é uma tarefa complexa, em decorrência dos diversos aspectos que

caracterizam a atividade. Diferente de outros profissionais, o motorista exerce suas funções

“extra- muros” da empresa, o que os dei xa sujeitos a intempéries como o cli ma, a violência, as

condições de tráfego e do trajeto das vias (BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006),

acarretando a uma maior possibilidade de imprevistos e tornando ampla a aná lise deste

trabalho (MENDES, 1997). Battiston, Cruz e Hoffmann (2006) defi nem que caracterizar essas

condições é relevante, uma vez que estas inter ferem no estado psicofisiológico do trabalhador,

traduzi ndo-se em irritabilidade (que pode levar a um comportamento agressivo na direção),

insônia (associada à sonolência nas horas de trabalho e di mi nuíndo os reflexos) e também os

distúrbios na atenção (função cognitiva essencial para a direção segura).

Battiston, Cruz e Hoffmann (2006), descrevem que o estudo das condições de trabalho

desse grupo de trabalhadores deve analisar os seguintes aspectos: a carga de trabalho (produto

da relação entre as exi gências do trabalho e a capacidade de desempenho e de enfrentamento

do trabalhador); o posto de trabalho (pouco mais de 1,5 m², causando restrição dos

movi mentos, precárias instalações para o conforto e segurança do motorista); o ruído e as

vibrações; a temperatura; as posturas forçadas; e os movi mentos repetitivos do membro

superior (causando os transtornos musculoesqueléticos) (BATTISTON; CRUZ;

HOFFMANN, 2006). Segundo esses autores, as condições de trabalho que i nter ferem no

bem-estar do trabalhador incluem a percepção das tarefas, das relações sociais de trabalho, da

hierarquia, do controle e do sentido que o trabalho toma para o ele, da carga real ou sentida,

das condições físicas e ergonômicas do ambiente, entre outras. Quando essas condições não

são adequadas, se traduzem em uma série de problemas de saúde física e mental, visto que,

como já mencionado, interferem nos estados psíquico, físico e biológico do trabalhador.

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A Fundação Joaqui m Nabuco, realizou uma pesquisa sobre as condições de trabalho e

de vida dos motoristas de ônibus em Recife no ano de 1982. Esse estudo apontou como

dificuldades do trabalho dos motoristas: jornadas de trabalho excessivas e longas, com horas -

extras de acordo com a conveniência das empresas; defeitos nos veículos; falta de sanitários

nos pontos fi nais; pressões de tempo para cumpri mento de horários; esforço físico demasiado;

e relacionamento conflituoso com passageiros e com as chefias (FUNDAÇÃO JOAQUIM

NABUCO, 1982). Transcorridos 30 anos da publicação desse trabalho, os estudos mais

recentes apontam que as condições de vida e trabalho desses profissionais não melhoraram.

De acordo com Al meida (2002), estas condições apenas se agravaram, o que o autor constata

a partir dos relatos dos motoristas no Departamento de Psicologia do Departamento Estadual

de Trânsito de Pernambuco (DETRAN-PE).

Outros estudos que tratam sobre as condições de trabalho desses profissionais citam a

falta de instalações sanitárias, de água potável e de local adequado para as refeições, fazendo

com que utilizem das instalações de bares, ainda que contra as regras da empresa

(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006). Segundo Mendes (1997), essas condições de

trabalho são apontadas como fator de vergonha e humilhação pelos profissionais. Paes -

Machado e Levenstei n (2002), em estudo em com os motoristas de ônibus de Salvador (BA),

apontam que os intervalos entre as viagens e para a refeição são considerados insuficientes, o

que é agravado pelos atrasos nos percursos. E Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006) também

chamam atenção para o fato de que o tempo da rota i nterfere nos i ntervalos que o profissional

pode fazer durante sua jornada de trabalho.

De acordo com Smi th (1987 8

apud BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006), as

características do local de trabalho do motorista que podem produzir estresse psicológico são:

a carga de trabalho inadequada; o ambiente hostil; a ambi güidade de funções; a falta de

tarefas estimulantes; a sobrecarga cognitiva; o relacionamento conflituoso; a falta de controle

sobre as tarefas ou sobre a tomada de decisões; e a falta de apoio social por parte de

supervisores, companheiros de trabalho ou familiares. La ncaster e Ward (20029

apud

SOARES; THIELEN, 2010) afirmam haver correlação entre estresse e acidentes de trânsito,

8 Smith, M. J. Occupational stress. In Salvendy, G. (Org.), Handbook of human factors. Nova York: Wiley,

1987.

9

LANCASTER, R.; WARD,R. The contri bution of i ndi vi dual factors to dri vi ng behavior: implications for

managing work related road safety. HSE Research Report 020: HSE Books, 2002.

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além disso, Oliveira e Pinheiro (2007) encontraram uma relação entre os acidentes e o número

de horas trabalhadas, ou seja, os motoristas que realizam a jornada de trabalho mais extensa

estão mais propensos a se envolver em acidentes. Para Soares e Thielen (2010, p.14), as

condições precárias de trabalho “incidem diretamente sobre o desempenho do motorista,

sobretudo na sua capacidade de gerenciar os riscos no trânsito”. Esse profissional exerce seu

trabalho num ritmo i ntensificado, cujas conseqüências prejudicam suas habilidades e se

sobrepõem ao efeito de técnica que enfoca o manejo de comportamentos de risco. Os autores

explicam que o motorista pode optar por comportar-se com segurança no trânsito, contudo

“está sujeito prioritariamente por condições de trabalho que obscurecem seu j ulgamento”.

Tais condições são expressas pelo ritmo intensificado pela pressão do controle

minucioso de tempo entre cada parada no itinerário de viagem, o cumprimento de

exaustivas horas-extra que podem fazê-lo conduzir como se estivesse alcoolizado, os

contratos precários de trabalho e benefícios, ou mesmo o constrangimento

ergonômico do posto de trabalho. O ritmo de trabalho não pode ser ditado pelo

capital, pois assim gera conseqüências danosas no trânsito como os acidentes ou

colisões. (SOARES; THIELEN, 2010, p. 14).

Estudos descrevem que as especificidades do trabalho dos motoristas englobam: a

falta de controle sobre o trabalho (SATO, 1991); jornada de trabalho irregular e excessiva

(OLIVEIRA; PINHEIRO, 2007) ; pressão exercida pelo controle severo do cumpri mento do

horário no iti nerário (SILVA; GÜNTHER, 2005); a vulnerabilidade a assaltos e roubos

(PAES-MACHADO; LEVENSTEIN, 2002); os acidentes de trânsito e trabalho (SOARES;

THIELEN, 2010); e, relacionamentos i nterpessoais instáveis com os passageiros e fiscais

(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006).

Como descrito por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), os conflitos i nterpessoais no

trabalho são um fator, dentre outros, que podem produzir estresse psicológico. Os

relacionamentos i nterpessoais dos motoristas acontecem com os passageiros, os fiscais, os

cobradores e outros motoristas. Com relação aos passageiros, que são a razão de existir o

transporte coletivo, a relação é instável, visto que os profissionais citam haver ora um bom

relacionamento, ora uma relação de embate. De acordo com Mendes (1997), os passageiros

são a causa constante de conflitos e são a eles que os motoristas atribuem suas principais

dificuldades no trabalho. Os conflitos são percebidos também, por esses profissionais, como

decorrentes de fal has do sistema, tais como horários superlotados e as más condições dos

veículos. Eles apontaram que as reclamações de passageiros são excessivas e nem sempre

consistentes e que os usuários lhes cobram uma autoridade que muitas vezes eles não

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possuem. Observa-se, assim, que as cobranças são paradoxais, como, por exemplo, quando o

trabalhador cita: “há a necessidade de desenvolver maior velocidade em função do tempo,

mas os passageiros quei xam da velocidade” (MENDES, 1997, p.5). Dessa for ma, para superar

atrasos devido ao trânsito, muitas vezes os motoristas têm atitudes que poderiam causar

acidentes. Por isso, Mendes (1997) descreve que as dificuldades encontradas no trânsito

refletem-se diretamente no relacionamento com o passageiro.

Essa relação de instabilidade, segundo Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), também

aparece quando o assunto são os fiscais. Sobre a questão, o que se destaca é o fato do

reconheci mento conferido pelos motoristas ao poder desses profissionais, o que implica na

frustração pela impossibilidade de controle da sua própria atividade de trabalho. Com relação

ao fato do motorista não ter poder sobre o trabalho, Sato (1995) aponta que isso tem relação

com a fiscalização constante sobre esses trabalhadores, seja pelos passageiros, fiscais ou

outros motoristas. Já no que se refere à relação entre pares e com os cobradores, Battiston,

Cruz e Hoffmann (2006) indicam que ela é amistosa, que esses profissionais compartilham as

mesmas condições de trabalho e se solidarizam uns com os outros. Apesar disso, a atividade

do motorista é solitária, visto que assumem a responsabilidade pelas vidas que transporta m e

pela sua própria, e não compartilham com ni nguém as decisões que tem que tomar para

desempenhar sua tarefa com segurança (BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006).

Outro aspecto ressaltado por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006) é a i mpossibilidade

do controle da própria atividade de trabalho por parte dos motoristas. Apesar desses

trabalhadores permanecerem a maior parte da jornada de trabalho fora dos portões da

empresa, há a atribuição de normas rígidas de fiscalização no que diz respeito ao

cumpri mento de horários e cuidados com o veículo (uma vez que são responsáveis por

qualquer dano ao mesmo). Ai nda que cumprir o horário estabelecido não dependa apenas do

motorista, e sim, essencialmente, das condições de tráfego (fl uxo de veículos, condições do

clima, horário, etc), esses pesquisadores descrevem que o tempo para o cumpri mento de cada

rota é predeterminado e o controle do processo de trabalho, por parte do profissional, é quase

nulo. “A participação nas decisões da empresa é apontada como tarefa do sindicato , embora

os motoristas pouco se engajem em lutas pela melhoria da qualidade de seu trabalho”. Como

apontam os autores, a comunicação é falha tanto no que se refere às inovações e mudanças

organizacionais e institucionais quanto a projetos e lutas do própr io sindicato.

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Nesse contexto, entretanto, há for mas de controle por parte das empresas, o que pode

ser observado a partir dos descontos feitos no salário sobre avarias nos ônibus. “Qualquer que

seja o problema – multas por infrações de trânsito, acidentes com danos ao veículo, rodas

danificadas no meio-fio – se considerados culpados, os motoristas arcam com as despesas de

reparo, sendo este valor descontado na fol ha de pagamento” (BATTISTON; CRUZ;

HOFFMANN, 2006, p.341). De acordo com Souza (1996), as situações de maior incômodo

aos motoristas referem-se justamente às responsabilidades financeiras, tais como pagar multas

de trânsito, peças quebradas do ônibus e consertos resultantes de acidentes ou colisões. As

reclamações dos passageiros também se constituem como uma ameaça aos motoristas, uma

vez que representam a possibilidade de uma avaliação negativa do desempenho da sua função

e acarreta punições (MENDES, 1997).

Sato (1991) descreve que os motoristas têm um conheci mento prévio sobre as

possibilidades e limitações do poder que detém e percebem seu trabalho como penoso por não

conseguirem lidar com suas variabilidades. De outro modo, eles consideram que a

organização do seu trabalho não é flexível o suficiente para que pudessem transfor má -la de

acordo com as exi gências de sua atividade. Para a pesquisadora, a percepção de descontrole

sobre o trabalho tem por referência o conheci mento anterior de que a programação e a tabela

planejadas a priori determinam um andamento diferente do andamento real. Esse desc ontrole

é sentido como gerador de nervosismo pelos motoristas de ônibus. Reconhecer a limitação do

poder de modificação ou de interferência nos contextos “penosos” de trabalho gera a

confor mação de um trabalho “duro de agüentar”, pois o motorista é obrigad o a suportar e a

submeter-se a situações complicadas e difíceis (SATO, 1991).

Sato (1991), descrevendo sobre a penosidade do trabalho dos motoristas, cita que essa

não se refere simplesmente à exi gência de esforços que provocam i ncômodo e sofri mento ao

trabalhador, mas que ela passa a existir quando são ultrapassados os limites do supor tável. “A

violação do limite supor tável dá-se quando sobre estes esforços, sentidos como demasiados, o

trabalhador não tem controle (SATO, 1991, p. 55). Dessa forma, dadas as características,

necessidades e limites subjetivos, “o trabalho é „penoso‟ quando o trabalhador não tem

conheci mento, poder e instrumentos para controlar os contextos de trabalho que suscitam

vivências de desconforto e desprazer”, quando ele não tem contr ole da situação (SATO, 1991,

p. 72). Além disso,

Estar sofrendo pressão constantemente seja da empresa ou de outras formas de fiscalização, seja dos passageiros ou das intempéries que o trânsito oferece no dia-a-dia de seu trabalho,

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faz com que essa atividade receba sobrecargas com as quais os motoristas não sabem lidar

(BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006, p. 340).

A partir da descrição dessas condições, observa-se que a irritação sentida pelo

motorista sofre determi nações objetivas e subjetivas, pois depend e tanto dos contextos de

trabalho, como das características de cada motorista (SATO, 1991). Contudo, Sato (1991)

alerta para o fato de que as determinações objetivas parecem ser relevantes na vivência da

irritação desses profissionais. Ela descreve que o adoecimento dos motoristas ocorre quando

não é possível manter o equilíbrio que permi te ao trabalhador exercer o controle sobre os

contextos de trabalho que o incomodam, o irritam e que exi gem dele esforço a mais, ou seja,

“quando há uma exi gência do trabalho maior do que é possível corresponder, havendo

transgressão do ritmo e li mite subjetivo” (SATO, 1991, p. 72). A ruptura, para os motoristas

de ônibus, se expressa na saúde. “É quando as coisas saem dos seus l ugares, quando força

demais, provoca nervosismo, estado de nervo abalado” (SATO, 1991, p. 72). Não havendo

mecanismos adequados para lidar com esses estados emocionais, dá -se um “processo de

transfor mação da subjetividade e a pessoa fica doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO,

1991, p. 73). Isto leva a um desgaste mais rápido desses profissionais e, consequentemente, à

aposentadoria precoce (SATO, 1991).

Sato (1991) explica que o esgotamento da saúde do motorista a ponto de tor ná-lo

incapacitado para o trabalho, mesmo que temporariamente, ocorre quando os motoristas

sentem que foi violado o seu li mite subjetivo do suportável. Nesse processo se dá o desarranjo

da subjetividade, que é objetivado em manifestações psicológicas e fisiológicas. A autora

explica que aquilo que se exterioriza como descontrole ocorre em função do excesso de auto-

controle adotado pelo trabalhador, visando suportar o máxi mo possível as irritações. Observa-

se que o poder para interferir no trabalho a fi m de respeitar o limite subjetivo é o elemento

que parece ter maior peso no jogo de forças que possibilita o controle ou leva à ruptura

(SATO, 1991).

Sobre o adoecimento nessa classe trabalhadora, vários estudos têm demonstrado que

os motoristas de ônibus apresentam um adoecer e morrer diferenciado da população geral. Em

uma revisão de literatura produzida por Santos Júnior (2003), que analisou trabalhos

publicados em um período de 15 anos (1987- 2001) sobre morbidade e mortalidade de

motoristas de ônibus, verificou-se que estes trabalhadores estão expostos a uma enor me gama

de fatores nocivos (físicos, quí micos, biológicos e ergonômicos), os quais podem produzir

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diversas categorias de doenças relacionadas ao trabalho. De acordo com o Winkleby et al.,

(1988), motoristas de ônibus têm alta morbidade e mortalidade por três principai s grupos de

doenças: doenças do aparelho cardiovascular, doenças do aparelho gastrointestinal e doenças

do aparelho osteomuscular, essas últimas sendo causadas principalmente pelo sedentarismo e

a vibração do corpo inteiro. Estudos realizados em Campi nhas (SP) demonstraram uma

associação positiva tanto entre o tempo acumulado de trabalho e a pressão arterial

(CORDEIRO et al., 1993), como entre o tempo acumulado de trabalho e as perdas auditivas

(CORDEIRO et al., 1994). Outro estudo com os motoristas do transporte coletivo urbano da

cidade de Florianópolis, realizado por Battiston, Cr uz e Hoffmann (2006), apontaram que o

alto índice de dores na coluna e nas pernas (76,2%), cabeça e pescoço (81%), representam a

fadiga resultante da atividade desempenhada por esses profissionais. Sobre o grande número

de adoecimento desses trabalhadores, Winkleby et al. (1988) observaram altos índices de

absenteísmo.

“Entre os principais impactos organizacionais das condições de trabalho penosas,

destacam-se o aumento do absenteísmo, da rotatividade e dos conflitos” (MENDES, 1997, p.

7). Sobre o assunto, Dejours (2011b), ao explicar as estratégias defensivas individuais,

descreve que em certas circunstâncias pode acontecer de o trabalhador não conseguir,

isoladamente, manter os ritmos de trabalho ou manter seu equilíbrio mental. Assi m, a saída

será individual e duas soluções lhe são possíveis: a saída do emprego ou as faltas contí nuas.

Observa-se, então que é a ausência ao trabalho que per mite a conti nuidade na empresa.

Contudo, do ponto de vista da or ganização, os absenteísmos causam uma série de transtor nos,

em especial relacionados à sobrecarga de trabalho para outros funcionários (MENDES, 1997).

Com relação ao adoecimento mental entre os motoristas de ônibus, Ramos (1991)

descreve sobre a maior incidência, entre outras doenças, de desordens mentais,

psiconeuróticas e distúrbios da personalidade destes trabalhadores em relação a população

geral. Em um estudo realizado em São Paulo (SP), que analisou a presença de distúrbios

psiquiátricos menores em motoristas e cobradores de ônibus, também encontrando uma

prevalência destes distúrbios de 20,3% no conjunto dos dois grupos de trabalhadores (28% em

cobradores e 13% em motoristas) (SANTOS, 1992).

Lei gh e Fries (1992), identificaram em 1992 que os motoristas de ônibus estavam

entre as ocupações com maiores índices de incapacidade . Pesquisa mais recente confir ma a

manutenção deste quadro, uma vez que Santos Júnior (2003) aponta que o exercício dessa

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profissão nas atuais condições de trabalho a que estão submetidos os motoristas em

praticamente todo o mundo, danifica a saúde destes trabalhadores, causando adoecimentos,

variadas formas de sofrimento físico e/ou mental e mortes prematuras.

“O trânsito, o contato com passageiros e a press ão decorrente das exi gências de

cumpri mento dos horários são fatores que tornam o cotidiano de trabalho extremamente

estressante e criam um cli ma de per manente nervosismo” (MENDES, 1997, p.6). Além destas

repercussões, outro aspecto relevante que amplia as consequências nocivas do trabalho é a

contami nação da vida fora do trabalho pelos fatores ansiogênicos da função (DEJOURS,

2011b). Dessa for ma, as condições de trabalho causam i mpacto no relacionamento do

trabalhador com familiares e amigos, podendo levar até mesmo à comportamentos auto

destrutivos e de grande risco para a sociedade, como o consumo de álcool (MENDES, 1997).

Entretanto, não podemos estabelecer uma relação de causalidade direta entre essas condições

e o aparecimento de distúrbios, pois uma série de componentes sócio-psico-biológicos

interferem neste processo (MENDES, 1997).

Sato (1991), ao delimitar o conceito de trabalho penoso a partir do conheci mento

prático dos motoristas de ônibus da cidade de São Paulo, refere que o modelo monocausal

pautado na objetividade e adotado na legislação para compreender a relação saúde e trabalho

se mostra limitado para estudar a penosidade, visto que não é possível identificar e eleger um

agente específico da condição de trabalho do motorista profissional, ca paz de sintetizar a

noção de “trabalho penoso”. A pesquisadora descreve que os motoristas concebem o trabalho

como unidade, como totalidade, cuja configuração é deter minada pela interação dinâmica

entre os seus componentes, que se apresentam sempre na sua interação com os demais. Dessa

for ma, diferente da concepção dos arti gos que tratam das condições de trabalho dos

motoristas, Sato (1991) descreve que seria fictício atribuir apenas a componentes isolados a

causa da penosidade do trabalho.

Para Sato (1991), uma intervenção pautada na elimi nação ou a mi ni mi zação da ação

de elementos identificados como motivo de penosidade, isoladamente, através de medidas de

proteção individual e coletiva, não garantem o êxito da atuação preventiva, já que modi ficar

os conte xtos de trabalho necessita repensar o trabalho na sua totalidade. Para assim proceder,

é preciso considerar, simultaneamente, a dimensão objetiva e subjetiva, a saúde física e

mental, tendo-se por referência a busca do equilíbrio que garante o controle sob re o trabalho.

Para tanto, as for mas de organi zação do trabalho devem ser repensadas de modo decisivo, já

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que a centralização do poder desempenha um papel importante na oscilação entre controle e

ruptura e nucleia a delimitação do conceito de Trabalho Penoso. Considera-se essa reflexão de

Sato (1991) de extrema relevância, uma vez que a maioria dos estudos sobre o tema, tal como

o de Battiston, Cruz e Hoffmann (2006), apesar de trazerem significativas contribuições para

a análise das reais condições de trabalho dos motoristas de ônibus, acabam que por concluir

apenas a necessidade de mudanças pontuais no processo de trabalho, tal como a existência de

programas de educação para o trânsito, programas educacionais e de conscientização que

levem até esse profissional o ensino de técnicas de alongamento e auto-correção postural, e o

redesenho das cabines e do posto de trabalho. Como aponta Ramos (1991), não bastam

mudanças pontuais sem uma intervenção real nas condições de operação. De acordo com

Mendes (1997) as mudanças nas condições de trabalho dos motoristas de ônibus são de

responsabilidade dos diversos atores envolvidos no processo. Além disso, a melhora das

condições de trabalho desses profissionais pode ter um efeito positivo no desempenho da

atividade, considerada prioritária à população.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa teve por objetivo investigar a organi zação do trabalho do transporte

coletivo de Curitiba e sua relação com o sofri mento dos motoristas, sofri mento esse que

cul mi na no processo de adoeci mento mental vivenciado por uma parcela significativa dos

motoristas na cidade. A fim de cumprir esse objetivo, a execução da pesquisa contemplou a

realização e análise de entrevistas realizadas com esses profissionais e, também, uma pesquisa

documental sobre as principais entidades no âmbito do transporte coletivo na cidade.

Entrevistas

Foram entrevistados 4 motoristas de ônibus da cidade de Curitiba, no período de

dezembro de 2012 e janeiro de 2013. Optou-se por entrevistar os profissionais em seus

próprios postos de trabalho, durante a execução da sua atividade laborativa. Foram

convidados para responder a entrevista apenas os profissionais que trabalham em linhas sem a

presença de cobradores. Esse foi o critério para a realização das entrevis tas, visto que se

considerou que a presença desses últimos poderia interferir nas respostas dos motoristas,

prejudicando análise dos resultados deste estudo. Respeitando -se essa exigência, os

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profissionais entrevistados foram definidos por acessibilidade e adesão nos ter minais de

ônibus/ pontos de ônibus da cidade, em horários em que não há grande circulação de

passageiros.

No contato com os motoristas, foi lhes explicado que a entrevista ti nha caráter sigiloso

e que essa seria utilizada para a realização de um estudo que trata das condições de trabalho

dos motoristas de ônibus da cidade de Curitiba. Optou-se por não falar que o estudo ti nha

como foco de investigação a saúde mental desses profissionais, a fim de não tendenciar as

respostas durante a entrevista. Todos os profissionais aceitaram participar da pesquisa. Eles

responderam uma entrevista semi-estr uturada, a qual o roteiro pode ser visto em anexo ( p.94).

Como define Minayo (1999), o “roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo”. É dentro

dessa visão que o roteiro foi elaborado e utilizado nesta pesquisa, visto que o diálogo entre

trabalhador e pesquisadora extrapolou, em todas as ocasiões, os questionamentos previamente

elaborados no roteiro. Cada entrevista durou cerca de uma hora e posteriormente elas foram

transcritas. Foram respeitadas todas as condições éticas para a realização desta pesquisa.

Caracterização dos participantes

TABELA 1 – CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

Participantes Motorista 1 Motorista 2 Motorista 3 Motorista 4

Tempo de

trabalho

16 anos 10 anos 10 anos 2 anos

Posto de

trabalho

Trabalha em ônibus com via

exclusiva de

circulação.

Trabalha em ônibus com via

exclusiva de

circulação.

Trabalha em ônibus que

realiza

integração

entre alguns

ter minais e

tubos da

cidade. Divide

o trânsito com

os demais automóveis.

Trabalha em micro ônibus

convencional,

que ligam os

bairros ao

centro. Divide

o trânsito com

os demais

automóveis.

Ingressou no setor de

transportes

como cobrador

e

posteriormente

passou para

função de

Ingressou no setor de

transportes

como cobrador

e,

posteriormente

passou para

função de

Ingressou no setor de

transportes

como

motorista. Já

trabalhou em

diversas linhas

de ônibus,

Ingressou no setor de

transportes

como cobrador

e

posteriormente

passou para

função de

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Experiência

Profssional

motorista. Já trabalhou em

diversas linhas

de ônibus,

sempre na

mesma

empresa.

motorista. Trabalha cerca

de 2 meses por

ano como

motorista no

transporte

coletivo de

passageiros, e

durante os

outros meses do

ano

desempenha essa função em

outro ramo. Já

trabalhou em

diversas linhas

de ônibus,

sempre na

mesma

empresa.

sempre na mesma

empresa.

motorista. Já trabalhou em

diversas linhas

de ônibus,

sempre na

mesma

empresa.

Atual mente

exerce dupla

função (dirige

e cobra a

passagem dos

usuários).

Os sujeitos da pesquisa têm idade entre 45 e 56 anos.

Análise das entrevistas

O material foi tratado a partir da análise qualitativa de Bardin. Os resultados foram

analisados tomando como referência a teoria da Psicodinâmica do Trabalho.

Pesquisa Documental

A pesquisa documental foi realizada a partir de uma análise das notícias referentes aos

motoristas de ônibus de Curitiba e das principais entidades no âmbito do sistema transporte

coletivo na cidade. A coleta de dados foi realizada nos se guintes meios de comunicação: no

site do jornal Gazeta do Povo, jornal de grande circulação na cidade; no site da Radio Banda

B, estação de rádio que publica na sua pági na da inter net denúncias anôni mas realizadas pelos

motoristas; e no site G1, portal de notícias da emissora Rede Globo. Além disso, também foi

realizada uma busca no site da Urbs e nos documentos que regem a instituição, a fi m de

investigar a criação e desenvolvimento do transporte coletivo na cidade. A pesquisa

documental também contemplou uma análise referente ao Sindicato dos motoristas e

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cobradores de ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Si ndi moc) e ao Si ndicato das

empresas de ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), realizada por meio de uma

investigação no site dessas instituições, assim como por meio das notícias de jornal. Também

foi utilizada a análise de conteúdo qualitativa proposta por Bardin para análise destes dados.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Dejours (1992, p. 25), o sofri mento mental está relacionado à organi zação do

trabalho. Essa é defi nida como “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa (na medida em

que ele dela deriva), o sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder,

as questões de responsabilidades etc.”. Pautando-se no princípio de que a relação do sujeito

com a organi zação do trabalho pode gerar fragilizações mentais e causar adoecimento

(DEJOURS, 1992), considerou-se relevante realizar uma análise mais abrangente sobre a

organização do trabalho do sistema de transporte coletivo de Curitiba.

4.1. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Como beber dessa bebida amarga

Tragar a dor e engolir a labuta?

4.1.1. As condições de trabalho

Chico Buarque - Cálice

Observa-se que as condições de trabalho dos motoristas de ônibus de Curitiba

assemelham-se bastante daquelas encontradas em outras regiões do país, descritas

anterior mente na revisão de literatura sobre o tema. Três dos profissionais entrevistados

ingressaram no setor de transporte como cobradores de ônibus e posteriormente passaram

para a função de motorista. Além disso, todos eles trabalham na mesma empresa desde que

ingressaram nesse setor. Esses profissionais trabalham de 6 a 7 horas diárias, dependendo da

tabela de horários que têm que cumprir, têm fol ga de um dia por semana, que alter na a cada

mês entre o sábado e o domingo e dizem não serem obrigados a fazer horas extra. Entre as

atividades do motorista, está a de chegar à garagem al guns minutos antes do horário definido

para a saída do ônibus, para conferir se tudo está funcionando no veí culo, como também para

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marcar o tempo da saída. Além disso, em deter minados trechos da viagem eles marcam o

horário em uma tabela impressa, modelo que está em substituição pelo computador de bordo.

A remuneração pela atividade profissional, segundo os entrevistados, é de 1500 reais, porém

alguns motoristas disseram que esse valor sofre descontos devido às multas aplicadas pela

Urbs.

Um dos entrevistados relatou sua insatisfação quanto às tabelas de horário estipuladas

pela empresa, uma vez que alguns motoristas têm uma pausa não remunerada na sua jornada

de trabalho. Assi m, o trabalhador está disponível por um período de 9 horas para a empresa,

durante todos os dias de trabalho, mas apenas 6 horas são remuneradas. No que se refere às

férias, são de 30 dias, normal mente não sendo possível tirá-las no mês de venci mento,

podendo atrasar alguns meses. Já um dos motoristas infor mou que na empresa na qual

trabalha, por uma nor ma i nter na, os motoristas tiram férias somente quando estiver para

vencer os dois anos consecutivos de trabalho, o que resulta em estresse e cansaço por parte

dos profissionais.

Sobre a questão do banheiro, o profissional que trabalha no micro ônibus relatou que

devido aos horários apertados estipulados pela Urbs, normal mente não sobra tempo p ara ir ao

banheiro durante a jornada de trabalho. Ele disse que nor mal mente está atrasado em relação

aos horários, principalmente durante a semana, já que o trânsito e o fl uxo de usuários são

maiores. Além do tempo apertado, outro agravante citado por esse entrevistado é a falta de

sanitários, visto que na linha a qual opera não há banheiro que possa utilizar. Já os outros três

profissionais, que trabalham em li nhas que fazem integração com ter mi nais, relatam conseguir

utilizar os sanitários enquanto os passageiros embarcam no ônibus; dois deles disseram

utilizar os sanitários quando necessário, mesmo que esteja atrasado, já o outro profissional

admi tiu ir somente se estiver sobrando tempo, de acordo com a tabela estipulada pela Urbs.

4.1.2. “É trânsito, fiscal, passageiro e horário: os quatro inimigos da vida de motorista”

Observou-se que as di ficuldades apontadas pelos motoristas durante a execução da sua

atividade laborativa são de fundamental importância para o entendi mento da organizaçã o do

trabalho na qual esses profissionais estão inseridos. Por isso uma análise pautada nessas

dificuldades mostrou-se relevante nesta etapa do estudo. Contudo, neste capítulo foram

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analisados também os aspectos para além daqueles defi nidos pelos motoristas como

dificuldades, de modo a englobar as relações de trabalho de um modo mais amplo.

4.1.2. Os horários para o cumprimento do itinerário

Uma das dificuldades apresentadas pelos profissionais foi o tempo estipulado pela

Urbs para a realização do trajeto. Esse horário, segundo os entrevistados, foi estipulado há

mui tos anos (26 anos, segundo um dos entrevistados), e naquela época as condições da cidade

(expansão e número de pessoas), assim como as condições do trânsito, eram outras. Além

disso, três dos profissionais entrevistados relataram que se pudessem modi ficar algo em seu

trabalho, alterariam os horários para o cumpri mento das viagens, de modo a dei xá -los mais

flexíveis. Dois dos trabalhadores disseram que durante a semana é mais complicado cumpri-

los. De acordo com um deles, durante o fi m de semana “eles aumentam a tabela, aumentam o

horário”, contudo, durante a semana, período em que “tem mais passageiro, pára mais para

entrar, demora mais para subir e para descer, (...) eles diminuem o tempo. (...) Tem mais

gente, mais fluxo e diminui o tempo!”.

De acordo com entrevista à Rádio Banda B, do dia 16 de fevereiro de 2010,

disponível on line, um motorista relatou que os motoristas estão submetidos à pressão

psicológica e condições inadequadas de trabalho. Segundo ele, maior pressão é com relação

aos horários que os motoristas são obrigados a cumprir, obrigatoriedade que também foi

mencionada nas entrevistas. Sobre o assunto, os motoristas de ônibus com i ntegração com

ter minais responderam que não sofrem penalidade se não conseguirem cumprir o horário

estabelecido; já o motorista do microônibus disse que uma prática na empresa a qual trabalha

é tirar da escala os motoristas que nor mal mente não conseguem cumprir o horário, mudando -

os de linha.

4.1.3. As relações de trabalho

De acordo com Dejours (2012b, p. 38) trabalhar não é apenas uma atividade, não é

apenas produzir, “é também e sempre viver junto”. Dessa for ma, entende -se “por „relação do

trabalho‟ todos os laços humanos criados pela organização do tra balho” (DEJOURS, 1992, p.

75). No caso dos motoristas de ônibus, os laços que, durante a entrevista, se mostraram

relevantes para essa análise foram: com os fiscais da Urbs, supervisores da empresa,

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passageiros, outros motoristas e com os cobradores. As relações traçadas no trabalho são

importantes em ter mos de preservar ou prejudicar a saúde mental (CODO, 2002).

4.1.3.1. Fiscais e supervisores

Apesar de qualificado como necessário o trabalho de fiscalização realizado pelos fiscais

da Urbs, dois dos motoristas entrevistados referem uma visão bastante negativa sobre esses

profissionais. Segundo esses entrevistados, os fiscais por “qualquer coisa querem meter a

caneta”, são “sarna”, ficam dando multas “para dizer que são bons” e “arrecadar dinheiro

para a Urbs”. Na visão dos entrevistados, ao invés desse profissional primeiramente

“advertir, (...) explicar, para na segunda vez ele punir, não! Eles já não querem saber!” .

Observa-se, por essas expressões utilizadas pelos motoristas, um conflito bastante

pessoalizado em relação aos fiscais. Isso não foi observado apenas na fala dos trabalhadores,

visto que confor me descrito em matéria pública10

sobre as multas abusivas da Urbs, o então

prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, não questionou as nor mas dessa instituiçã o ou a posição

das empresas diante dessas nor mas, mas “a falta de coerência dos fiscais” na aplicação das

mul tas. Observa-se na fala do prefeito, assim como na dos próprios motoristas, que os fiscais

são vistos como os verdadeiros opressores dos demais operadores do transporte coletivo.

Contudo, uma das denúncias do motorista entrevistado pela Rádio Banda B, no dia 16

de fevereiro de 2010, foi em relação às multas abusivas às quais os profissionais estão

submetidos no trabalho, situação que ocorre com freqüência e envolve tanto as empresas do

setor quanto a Urbs, responsável pela fiscalização do transporte coletivo na cidade. Outra

notícia sobre esse assunto, publicada no jornal Gazeta do Povo, no dia 7 de março de 2009,

descreve que os motoristas e cobradores ficaram assustados após a mudança na for ma de

cobrança realizada pela Urbs, uma vez que os possíveis erros durante a jornada de trabalho

passaram a ser motivo de desconto no salário ao final do mês. Segundo a reportagem, até

dezembro de 2007, a Urbs co municava a infração com base no relatório do fiscal, antes de

mul tar. Entretanto, após a mudança, uma notificação de multa é expedida pela Urbs e as

empresas agem de acordo com as suas nor mas, podendo recorrer em caso de dúvida.

10

LUCIANO DUCCI DETERMINA SUSPENSÃO DE MULTAS A COBRADORES. Banda B,

Curitiba, 26 agosto 2011. Disponível em: < http://ba ndab.pron.com.br/j orna lis mo/ luc ia no-ducc i-

determ ina- suspens ao-de-m u ltas-a- cobrado res-272 98/>. Acesso em: 20/12/2012.

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A respeito das multas abusivas, uma notícia disponível no site da Rádio Banda B,

datada do dia 26 de agosto de 2011, explica que Luciano Ducci, prefeito de Curitiba na época,

deter minou à Urbs uma revisão no estatuto que rege a atividade de motoristas e cobradores de

ônibus e a suspensão de multas admi nistrativas. O prefeito disse que “não se pode multar

alguém por sentir frio”, fazendo referência à situação enfrentada pelos cobradores das

estações-tubo da cidade que eram mul tados por utilizarem agasalhos que não faziam parte do

unifor me para se protegeram do frio durante o inver no. Após discutir o assunto com o

presidente da Urbs, Marcos Isfer, o prefeito determinou as medidas e disse confiar na

competência e sensibilidade da Urbs para resolver a situação.

De acordo com o edital 11 do concurso público para os agentes de fiscalização da Urbs,

algumas das atribuições desse cargo são:

Verificar em campo e orientar o cumprimento dos regulamentos do sistema de

transporte coletivo, táxis, transporte comercial e equipamentos urbanos, fazendo

cumprir a legislação pertinente, e regulamentos específicos, informando à Unidade

ocorrências e sugerindo alterações visando melhorias dos sistemas. Emitir registros

de ocorrências e/ou autos de infração. Prestar informações e orientações aos

usuários. Fazer cumprir o regulamento interno, normas, termos de permissão de uso

(...). Tomar providências em situações de emergência para garantir a operação de

transporte coletivo.

A indi gnação para com esses profissionais, por parte dos motoristas, aumenta na med ida em

que eles citam irregularidades na função do fiscal. De acordo com um entrevistado, ocorrem

casos em que em deter mi nado horário o motorista é multado, pelo fiscal, em um ponto da

viagem, sendo que naquele período ele estava em outro trecho, o que, se gundo o profissional,

“não tem lógica”. Sobre as multas, um dado relevante encontrado nas entrevistas foi que o

participante da pesquisa que exerce o cargo há menos tempo apontou que o abuso das multas

aplicadas pelos fiscais decorre das próprias normas or ganizacionais, ou seja, por motivos para

além daqueles pessoais, como citado pela maioria dos entrevistados. Esse profissional afirmou

que, na empresa na qual trabalha, havia um motorista que era ex fiscal. Segundo o

entrevistado, “ele foi mandado embora da Urbs porque a Urbs obrigava que eles tivessem

uma cota de multa mensal. (...) Daí ele falou „vou multar se precisar‟. (...) Ele foi mandado

embora por justa causa, até! Daí entrou na justiça, recorreu e ganhou!”.

11 http://www.pciconcursos.com.br/concurso/urbs -urbanizacao-de -curitiba-sa-pr-vagas-ate-1039>. Acesso no dia

21/02/2013.

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Com base nessa explicação realizada pelo motorista, infere-se que a noção de

“carrasco”12

se aproxima da fi gura do fiscal do transporte coletivo de Curitiba. O trabalho

desse profissional “carrasco”, como é o caso dos fiscais, tendo metas de aplicação de

penalidades a serem atingidas mensal mente, como explicou o entrevistado, “consiste em

cometer uma inj ustiça contra outrem, sem que este tenha a possibilidade de se defender, sem

que ele esteja preparado, às suas costas, sem face a face, sem que ele o saiba, a coberto”

(DEJOURS, 2012ª, p. 80). Já quem ordena o “trabalho sujo”, segundo Dejours (2012a, p. 80)

está, na maioria dos casos, “protegido (...) por toda uma série de inter mediários que o

executam e for mam um a nteparo entre ele” e os sujeitos a serem punidos. Dessa for ma,

infere-se que é por meio do trabalho do profissional fiscal que se forma a engrenagem entre a

Urbs e as empresas de transporte para com os motoristas, permi tindo o exercício do controle

hierárquico no transporte coletivo de Curitiba. Além disso, o trabalho dos fiscais, sendo

incumbidos de realizar o que é próprio da organização do trabalho, pode gerar o que Dejours

(2012a) denomi nou de “sofrimento ético”. Segundo o autor, esse é o sofrimento que o sujeito

experi menta ao cometer, por causa de seu trabalho, atos que condena moral mente.

Ainda pode-se mencionar que essa concorrência generalizada entre os funcionários,

equipes e serviços, como reflexo da gestão do transporte coletivo (visto que segundo o

trabalhador, os fiscais teriam metas de multas a atingir mensalmente ), acaba levando ao

desenvolvimento de condutas desleais entre os trabalhadores e à ruína das relações solidárias.

Dejours (2012b) explica que tais práticas de gestão resultam no isol amento de cada i ndivíduo,

na solidão e a desagregação do viver junto. Como o próprio autor aponta, entre as

conseqüências desse tipo de prática organizacional está o aparecimento das patologias mentais

do trabalho.

Da mesma for ma que é com os fiscais, os motoristas percebem o conflito com os

supervisores da empresa também como um problema pessoal. Na fala do entrevistado mais

novato na profissão, a razão de a maioria dos motoristas não gostar dos supervisores está

relacionada à própria função deles na empresa:

12 A origem dessa palavra, segundo site, está relacionada historicamente ao trato com pessoas que não

queriam seguir os ditames da lei, dessa forma, para que a lei fosse cumprida, o trato para com esses indivíduos

era mediado por um profissional. Quem se ocupava dessa tarefa, para que os outros não precisassem “sujar as

mãos” era o carrasco. (HTTP://origemdapalavra.com.br/palavras/carrasco/ . Acesso em:03/02/2013).

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Se a pessoa é meu supervisor, tá me supervisionando, tá vendo como a gente tá

trabalhando, o que que tá fazendo...daí o que ele faz? Ele faz o relatório e manda

para a empresa, daí esse motorista é chamado lá, pra responder a algum erro que

ele cometeu. Aí que dá os problemas, que o motorista acha que é pessoal.

Como pode ser percebido por meio dos relatos, a questão do trabalho fica escamoteada e o

debate se desloca para questões pessoais. Para Dejours (1992), esse deslocamento que se dá

no âmbito das relações de poder é uma situação típica do setor terciário, em que a atmosfera

de trabalho tem como efeito principal o envenenamento das relações entre os empregados,

criando suspeitas, rivalidades e perversidade de uns para com os outros. Considera -se essa

reflexão pertinente, no caso do Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba, pois pelas

próprias normas institucionais aos quais os trabalhadores estão submetidos, esti mula -se o

conflito entre eles, o que certamente tem conseqüências no trabalho e na s ubjetividade dos

mesmos. Dessa for ma, “de um conflito no sentido vertical, as contradições passam a se dar

então no plano horizontal” (DEJOURS, 1992, p.76). Segundo o autor, essa é uma das for mas

de controle no setor terciário e uma trama assim elaborada é densa e coerente, sendo difícil a

fuga ou a não participação no sistema. Além disso, de acordo do Dejours (1992, p. 75) “não

podemos considerar como epifenômeno ou como questão acessória a discriminação que opera

a hierarquia com relação aos trabalhadores”, visto que essa “faz parte i ntegrante das táticas de

comando”.

Segundo um dos entrevistados, as multas ainda conti nuam ocorrendo, mesmo após o

decreto que proíbe a sua aplicação ter sido assinado. Ele explicou que quando é mul tado por

um fiscal, um comunicado da Urbs, sobre a mul ta, é encami nhado à empresa. Na fala do

profissional,

Se você não concorda, você tem que falar com a empresa, você tem que falar com o

chefe lá. (...) E aí ele fala, „ele é seu e assina aí‟, é assina ou assina! E depois que

você assinar, ele até recorre, mas não é assim! Você não tem que assinar... você tem

que primeiro fazer a defesa, ser julgado, para depois né? Mas não. (...) Ou assina

ou fica sem trabalhar...

Percebe-se, embutido nessas práticas, “nada de imprecisões, de sutilezas capazes de

despertar a curiosidade, o questionamento, a perplexidade” do trabalhador (DEJOURS,

2012a, p. 68). É como se o motorista acusado estivesse desarmado diante de toda a

parafernália que instrumentaliza a produção das provas ao seu respeito: relatórios realizados

pelos fiscais e supervisores sobre o cometi mento de infrações e as circunstâncias nas quais

foram realizadas (por quantos quilômetros o motorista dirigiu na ilegalidade), e demais

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documentos enviados para a empresa, como as reclamações dos usuários que entram em

contato com a central de atendi mento e i nfor mações da Prefeitura Municipal de Curitiba. “É

uma luta desigual: de um só lado todas as forças, todo o poder, todos os direitos”

(FOUCAULT, 2002, p.76), de outro, o trabalhador solitário, não podendo contar nem mesmo

com o seu sindicato diante dessa prática injusta, o que será abordado posteriormente.

Ainda sobre a postura da empresa diante dessas penalizações, o profissional responde

que a empresa “não quer nem saber”, “pensa só em lucro e não está nem aí para você”.

Visto que as multas eram aplicadas de acordo com a quilometragem, em algumas

circunstâncias essas acabavam acarretando uma perda significativa no salário. O mesmo

ocorre quando acontecem acidentes de trânsito com batida do veículo em outros automóveis.

Nesses casos, o motorista paga a franquia do seguro do outro automóvel (cerca de 1000 reais)

e mais o conserto do ônibus, segundo um dos entrevistados. Um dos motoristas contou,

também, que pelo letreiro da lateral do ôni bus com o nome da linha ter quei mado, já foi

obrigado que pagar cerca de 150 reais, o que precisou parcelar em três vezes. As mul tas,

segundo ele, vinham diretamente descontadas na fol ha de pagamento.

A maioria das multas que acontecem, de acordo com um motorista, são por excesso de

velocidade. Outro entrevistado afirmou que na época anterior a questão do abuso das mul tas

por parte da Urbs ser noticiado na mídia,

se você estava com a barba um pouquinho por fazer, você era multado, daí multava

a empresa e descontavam da gente. É... de boné, por exemplo, (...) tem gente que

usa boné branco. Você era multado! Você só pode usar boné preto, azul ou cinza,

entendeu? Só por coisas banais. Que nem aconteceu do rapaz da estação tubo lá,

que colocou um cobertor, um negócio lá para se proteger do frio e foi multado. A

Urbs multou por ele estar deixando tudo fora do padrão, e não sei o que, da onde se

viu uma coisa dessas?

Pelas situações relatadas pelos entrevistados, observa -se a presença da penalidade diante de

mi nuciosidades, detalhes e banalidades. Além disso, observa -se que essas não têm relação de

proporção direta com os atos cometidos. Contudo, após os abusos na aplicação das multas

serem expostas na mídia e após a mudança de gestão no sindicato dos trabalhad ores, o

motorista explica que a Urbs “deixou um pouco mais flexível”. Segundo ele, como a Urbs não

é uma empresa 100% do município, tendo uma par te dela que é privada, os fiscais da urbs não

poderiam multar os motoristas. “Se não se transforma na indústria da multa. O dinheiro das

multas, que era para ir para o município está indo para a pessoa, né. É ações da Urbs” .

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Além disso, segundo ele, como os fiscais não são da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran)

ou do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran), não podem mais multar os motoristas,

apenas a empresa. O trabalhador conta que após as mudanças referidas acima, “ a empresa

vem e cobra da gente, né. Tipo assim „você tá barbudo, cara, fica aí e não vai sair na escala

hoje‟, „cara, você não pode trabalhar com esse boné, cara‟”. Dessa for ma, percebe-se por

meio dessa prática um remanejamento do poder de punir, que outrora era realizado pela Urbs.

Se antes o trabalhador era punido fi nanceiramente pela Urbs (por meio dos fiscais) por

trabalhar com a barba por fazer, agora é constrangido pela própria empresa, não podendo

trabalhar nessas ocasiões, a fim de que essa não seja penalizada. Infere -se que atual mente, é

por meio dessa tática que a organização do trabalho ati nge seus objetivos. Analisam-se três

aspectos a partir dessa situação: que a proibição das multas aplicadas aos motoristas não

ocorreu por uma nova sensibilidade do lugar do trabalhador nessa organização do trabalho

(visto que ele ainda é penalizado); que a nova política em relação às “ilegalida des” cometidas

pelos motoristas, exemplificada acima, se configura como um terreno fértil para o

desenvolvimento do assédio moral organi zacional; e que a organização do trabalho utiliza e

reorganiza o poder de punir confor me seus objetivos econômicos.

Outro motorista explicou que as multas foram substituídas por palestras em que se

explica ao profissional o modo correto de atuação. Essas diferentes respostas podem referir a

diferença no posicionamento de cada empresa após o decreto que proíbe a aplicação de multas

aos cobradores e motoristas ter sido assinado. Porém, o que é comum a todas essas

possibilidades é o exercício da disciplina. As estratégias de disciplina que são operadas dentro

das instituições tem a fi nalidade de tornar o trabalhador mais produtivo e eficiente. A

combi nação dessas operações de poder com a vigilância garante o controle da força de

trabalho dos trabalhadores (FOUCAULT, 2002). Dessa forma, as relações hierárquicas

estabelecem o lugar que cada um deve ocupar nas organizações, infl uenciando a conduta dos

trabalhadores (GONÇALVES; BUAES, 2011).

4.1.3.2. Os passageiros

Como descrito acima, outra dificuldade apontada por esses profissionais no exercício

de seu trabalho é a relação com os passageiros. Tal como no caso dos fiscais, foi observada

uma visão negativa por parte de alguns profissionais sobre os usuários do transporte coletivo:

“xucrão”, “tiozão” e “povo enchendo o saco” foram algumas das expressões para qualificá-

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los. Segundo um dos entrevistados, a maioria das pessoas “embarca, passa a catraca e tá

beleza, não incomodam! Mas tem pessoas que vem, sabe, e parece que vem predisposto a

arrumar confusão”. Os motoristas sentem que são mal vistos pela população e explicaram

que os usuários cobram e reclamam demais, sendo difícil satis fazê-los. De acordo com um

profissional “é complicado! Você anda demais, „você está louco, você está louco‟. Se você

anda de menos „ô, motorista, tá se arrastando?‟”. Contudo, dois entrevistados mencionaram

ter uma boa relação com os passageiros.

Infere-se, ainda, que essa visão negativa sobre a população, por parte dos motoristas,

decorre do fato de que os passageiros são vistos como uma ameaça a esses profissionais, o

que remete as próprias nor mas que os motoristas são submetidos em seu trabalho. Isso po de

ser percebido, por exemplo, quando o motorista explica que os usuários podem ligar para a

central de atendi mento e i nfor mações da Prefeitura Municipal de Curitiba reclamando da sua

postura profissional. As conseqüências desse fato, segundo ele, é que a infor mação é

repassada para empresa e essa aplica uma penalidade ao motorista. De acordo com um

profissional, “você pode ligar e inventar um monte”, e nessas ocasiões a palavra do usuário é

sempre vista como correta. Um dos motoristas ainda comenta que os conflitos com

passageiros são constantes: “eles te xinga, te grita e vem em cima de você aqui. Teve uns

rabudo aí que já tomou uns tabefe! Já teve casos de neguinho apanhar no volante! Vários,

vários...”. Contudo, o motorista entrevistado que trabalha no transporte coletivo de

passageiros apenas durante alguns meses do ano, refere que uma das razões da irritação dos

passageiros para com os motoristas se deve a falta de conheci mento desses últi mos em relação

às suas condições de trabalho:

Eles não entendem muito assim, não sabem que é horário, não sabem das condições

da gente. Chega lá e não querem saber. Eu acho injusto também, né. Uns ajuda,

outros não ajuda, sobra para você resolver o problema. „Mas você está atrasado,

motorista‟. O tempo é curto, você te m bastante passageiro para pegar e a empresa

não colabora para te ajudar, a resolver o seu problema, eles querem te punir ainda.

A fala do motorista evidencia que as falhas da or gani zação do trabalho são assumidas

individual mente pelo trabalhador (é um problema dele, o qual ele tem que resolver). Além

disso, é sentida, por esse profissional, uma falta de solidariedade tanto da empresa, quanto em

relação aos passageiros. Tal como definido por Mendes (1997) sobre a realidade do trabalho

dos motoristas em Belo Horizonte, observa-se que, pelo menos em parte, o relacionamento

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entre motoristas e passageiros do transporte coletivo de Curitiba é instável devido as próprias

questões que per meiam a organi zação do trabalho, o que Mendes (1997) referiu como “falhas

do sistema”.

Quando os motoristas citam suas relações no trabalho, observa-se o desgaste que essas

trazem ao trabalhador, evidenciando relações que produzem sofri mento. No que se refere à

saúde mental no trabalho, pode-se afir mar que essa desestruturação das relações afetivas no

ambiente laborativo é fonte suplementar de sofrimento e a “desorganização dos investi mentos

afetivos provocada pela organização do trabalho pode colocar em perigo o equilíbrio mental

dos trabalhadores” (DEJOURS, 1992).

4.1.3.3. O relacionamento entre pares

Todos os motoristas entrevistados afirmaram ter relações amistosas para com os outros

motoristas, o que pode ser percebido pela for ma que uns denomi nam os outros:

“companheiros de trabalho”, “amigo” e “parceiro”. Um dos motoristas explicou que

quando esses trabalhadores estão reunidos, o que nor mal mente acontece no i ntervalo entre as

tabelas, o clima é de descontração. Contudo, durante a entrevista um dos profissionais

reclamou da falta de envolvi mento quanto à luta por mel hores condições de trabalho, o que

pode ser percebido quando ocorrem as greves. Segundo ele,

você tá fazendo a greve, ao invés de ir na assembléia, eles vão para porta da

empresa, para saber o resultado da assembléia pra já ir trabalhar. Porque a

maioria das vezes a gente perde, né! (...) Tem 6 na assembléia, 200 na porta da

empresa, esperando o resultado. (...) „Ah, não sei, não vou ficar perdendo tempo lá

não‟, é o que eles falam! Tem 12 mil funcionários em geral, cobrador e motorista,

se vai 2 mil vai muito.(...) Tivemos conquistas, mas dava pra conquistar mais, bem

mais. Mas um só não ganha, né? Mas ninguém levanta as mão, uns 2 levanta a mão

e ninguém quer levantar.

Na visão desse profissional, a categoria, apesar de ter relações amigáveis, é desunida

na l uta por seus i nteresses, o que prejudica a mudança das condições de trabalho. Para ele,

“na convivência beleza, mas vamos pro pau? Ninguém vai!”. Ele ainda refere que os

trabalhadores têm responsabilidade quanto a essa situação vivenciada, visto que “ se fosse

unida, a categoria, e exigisse alguma coisa” a situação teria se alterado, contudo, “o patrão

tem a categoria na mão”. Segundo Dejours (2012a, p. 19) a mobilização coletiva tem sua

principal fonte de ener gia na cólera contra o sofrimento e a i njustiç a considerados

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intoleráveis, contudo, “o sofri mento somente suscita um movi mento de solidariedade e de

protesto quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio e a

convicção de que esse sofri mento resulta de uma inj ustiça”, caso contrário, “não se levanta a

questão da mobilização numa ação política, tampouco a questão de justiça e injustiça”. Além

disso, observou-se durante as entrevistas uma postura desacreditada por parte dos motoristas

quanto as melhorias nas suas condições de trabalho, uma vez que eles afirmaram que não há

como a situação ser alterada, que “não tem como mudar” que “é isso ou não é”. Observa-se,

assim, uma tolerância dos trabalhadores quanto às injustiças e uma postura de resignação

diante de “um fenômeno” sobre o qual não se pode exercer nenhuma infl uência e, ai nda, a

atenuação das reações de indignação por parte de alguns entrevistados.

Diante desse paradigma da precariedade da mobilização coletiva contra o sofri mento,

Dejours (2012a) explica que o problema passa a ser o do desenvolvimento da tolerância à

injustiça. Essa discussão será mais bem desenvolvida adiante, quando abordada a questão das

estratégias defensivas. Por enquanto, basta dizer que essa passividade coletiva é consequência

da falta de perspectivas (econômica, social e política) alternativas (DEJOURS, 2012a), e que

ela possibilita o aumento progressivo da exploração.

4.1.3.4. O relacionamento com os cobradores

Visto que três dos motoristas entrevistados entraram no setor de transportes e

posteriormente assumiram o cargo de motoristas, observou-se uma visão respeitosa sobre

esses profissionais, apesar de um entrevistado ter explicado que um comentário comum dentre

os motoristas é que “cobrador não faz nada” e, um entrevistado ter referido que o cargo de

cobrador demanda menos responsabilidades em comparação com o cargo de motorista. Além

disso, todos os entrevistados afirmaram já ter trabalhado em ônibus com cobrador e quando

perguntados como era a relação entre eles, evidenciou-se certa falta de co municação entre

esses profissionais, visto que eles disseram que cada um fazia a sua tarefa sem interferir na

atividade de trabalho do outro. Alguns dos entrevistados ainda explicaram algumas condições,

semel hantes as vivenciadas pelos motoristas, as que e stão submetidos os cobradores, tais

como assaltos, vandalismo e nor mas rí gidas por parte da Urbs. Segundo um motorista,

“sabendo disso, tudo certo, amiguinho!”.

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4.1.4. “Nossa! Parece que tão me perseguindo!”: o controle sobre o trabalho dos motoristas

De acordo com Soares e Thielen (2010) há uma avançada tecnologia aplicada no

maqui nário dos veículos e no sistema infor mati zado de gerenciamento do transporte coletivo

urbano, o que visa ampliar a produtividade do serviço. Isso pode ser observado na cidade d e

Curitiba a partir do Sistema Integrado de Monitoramento, um sistema de controle de tráfego

que visa dar mais fluidez ao fl uxo de veículos nas ruas da cidade. De acordo com reportagem

do site G1 (10/04/2012), esses sistema foi colocado em operação pela Urbs e a Prefeitura de

Curitiba em abril de 2012. Os ônibus do transporte coletivo foram adaptados com

computadores de bordo, com GPS, tela e botões de alarme que per mitem contato i mediato

com o Centro de Controle Operacional (CCO).

O Sistema Integrado de Monitoramento que monitora mais de 1,9 mil veículos da

Rede Integrada de Transportes (RIT) da região metropolitana de Curitiba e teve o custo de

71,8 milhões de reais para sua implantação, foi apelidado pelos motoristas de ônibus, segundo

reportagem de Marchiori para Gazeta do Povo (09/2012), como “dedo-duro”, visto que “o que

os olhos dos fiscais da Urbs não vêem, as câmeras do Centro de Controle e Operações (CCO)

têm flagrado”. De acordo com a reportagem, 21 operadores do CCO controlam

aproxi madamente 21 mil viagens diárias dos ônibus da cidade e para alcançar a precisão

quanto as metas de horário. O sistema conta com aparelhos GPS i nstalados em 1.920 ônibus

e, além de comunicar imprevistos, esses equipamentos indicam, o status do cumpri mento de

metas de horários, “dedurando” os ônibus atrasados. Segundo reportagem de Marchiori

(18/08/2012), com essas infor mações, “os técnicos das empresas responsáveis pelas linhas

enviam mensagens de até 140 caracteres para alertar sobre as metas”. Apesar disso, Marchiori

ainda relata que segundo a Urbs, há um cuidado para que o motorista não seja pressionado

com essas mensagens que chegam ao pai nel de controle dos veículos e eles só podem ler ou

responder com o carro parado. Segundo a reportagem, o CCO também comunica sobr e vias

interditadas e outras ocorrências que interferem no dia a dia do motorista e a fluidez do

tráfego.

No que se refere a esse aparato tecnológico instalado nos ônibus, três dos

profissionais, durante as entrevistas, julgaram o como sendo válido, e um deles disse que a

empresa tem o direito de monitorar os ônibus, que é um patri mônio dela. Os profissionais

afirmaram que a tecnologia não i nter fere muito no trabalho e um deles mencionou que est á

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havendo muitos problemas com o sistema, visto que ao i nvés de agilizar o processo, a

tecnologia não está consegui ndo oti mi zar o trabalho em algumas das situações para qual se

destina. Segundo esse profissional, a nor ma diante de um i mprevisto (como por exemplo, uma

pista com trânsito intenso devido a colisão entre veículos), é que os motoristas devem esperar

uma mensagem no computador de bordo (a ser enviada pela CCO) que prescreve o que deve

ser feito (desviar o itinerário ou esperar, por exemplo) . Para o profissional, isso vem

demorando mais do que se os motoristas pudessem decidir por si próprios o que deve ser feito

diante de um i mprevisto. Percebe-se, assim, que objetivo do aparato tecnológico era um maior

controle sobre a atividade laboral dos motoristas visando otimi zar o processo, contudo, como

pode ser percebido pela explicação do entrevistado isso ainda não foi possível em algumas

situações. Como aponta Soares e Thielen (2010), o trabalho dos motoristas de ônibus vem

sendo controlado mi nuciosamente por i nstr umentos de gestão que servem à oti mi zação dos

procedimentos de trabalho e essa tecnologia de gestão tor na o trabalhador supostamente

descartável e desvalorizado. Além disso, observa-se no exemplo aci ma que o saber intelectual

do trabalho é transferido para as máquinas infor mati zadas, “que se tornam mais inteligentes”,

distanciando a subjetividade do exercício de uma cotidianidade autêntica (ANTUNES;

ALVES, 2004, p.347), e negando o saber-fazer do trabalhador.

Segundo o profissional entrevistado que está a menos tempo na profissão,

Para nós não interfere muita coisa, né. Na verdade isso é mais para eles

fiscalizarem a gente do que para a gente ter uso. Porque não interfere em muita

coisa, o horário tá ali para ser cumprido e pronto, tem que fazer, não altera muita

coisa. Altera porque dá uma controlada e tal , mas para nós eu não vejo muita coisa.

Mandar mensagem para eles, isso pode ser pelo telefone.

Dessa for ma, na visão do profissional o aparato tecnológico instalado nos ônibus não

tem utilidade senão como meio de controle, já que suas outras funções são facilmente

substituíveis por métodos até então utilizados. Contrasta-se com essa “falta de utilidade”

apontada pelos trabalhadores, que di zem i nclusive que atual mente “eles não te obrigam a

cumprir o horário”, a explicação dos entrevistados sobre a utilização do instrumento, onde se

evidencia o controle exercido pelo aparato. Apontando para o computador de bordo um dos

motoristas explica: “verde eu estou no horário, vermelho eu estou adiantado e amarelo eu

estou atrasado”. Com referência nessas sinalizações e algumas marcações de horário no

painel, o profissional diz que ti nha o prazo de um mi nuto para arrancar dali, “se não acusa

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atrasado”, segundo ele, “tem que cumprir direitinho”. Dessa for ma, confor me apontado

acima, se observa que a finalidade maior do instr umento remete a uma pressão para o

cumpri mento do horário, ou seja, uma fi nalidade de controle.

Acredita-se que esse instrumento, por meio do controle sutil que desempenha, sendo

quase que i mperceptível pelos motoristas (que afir mam que atual mente não há a obri gação do

cumpri mento do horário), seja o meio pelo qual a organização atinge seus objetivos na

atualidade, em uma época na qual foram escancarados para sociedade os abusos das multas

aplicadas aos trabalhadores do setor de transportes (e assina do o decreto que proíbe a sua

aplicação). Por esse motivo, a organi zação do trabalho, não pode mais se valer desse artifício

(multas) para alcançar a precisão quanto as metas de horário e aumento de lucratividade.

Contudo, isso pode ser alcançado com a i mplantação do aparato tecnológico nos ônibus e do

Centro de Controle Operacional (CCO). Sob o ponto de vista da lucratividade o controle do

tempo é algo relevante, pois quanto maior o número de viagens que um ônibus fizer, menos

recursos a organização do trabalho terá que dispor (ônibus, funcionários, etc.) e sua

lucratividade será aumentada.

Ainda é preciso ser dito que com o apelo da organi zação do trabalho ao controle por

meio do aparato tecnológico instalado nos ônibus, o conflito personificado na figura do fiscal

pode deixar de existir, uma vez que nesse contexto não haverá mais uma pessoa para a qual os

trabalhadores podem dirigir sua fúria frente à pressão que a organi zação do trabalho lhes

impõe. Além disso, como já dito, a tecnologia é um meio de controle quase que i mperceptível

aos trabalhadores, algo neutro. Nesse novo paradigma, acredita -se que o controle quanto ao

cumpri mento de horário é internalizado pelo trabalhador, visto que o ele afirma que a

organização não obriga mais o cumpri mento do horár io. Da mesma for ma, o conflito entre a

organização do trabalho e o trabalhador continua não sendo visível. Além disso, perante a

população o aparato tecnológico nos ônibus, meio sutil de controle sobre o trabalho do

motorista, é visto como ícone de moder nidade de uma cidade “modelo”, desenvolvida. Dessa

for ma, o controle excessivo sobre a atividade laborativa desses profissionais se perpetua,

contudo, não sem dei xar marcas na subjetividade do trabalhador , como evidenciado no relato

de um dos entrevistados. Nesse, ao explicar sobre o trabalho dos fiscais e sobre mecanismos

institucionais do sistema de transporte coletivo, o trabalhador parece ter tido um insight, que

remete a um próprio efeito subjetivo que essas condições de trabalho provocam:

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É necessário: fiscal da Urbs, fiscal de itinerante, fiscal secreto... Nossa! Parece que

tão me perseguindo!Perseguindo porque o GPS aqui é para cuidar do carro, aí tem

o fiscal itinerante que vem à paisana dentro do carro, te multa. Tá dirigindo, tem o

aparelho te cuidando, tem mais o fiscal te cuidando dentro do carro. Aí, tem o

telefone que é disponível, você (passageiro) pode ligar e inventar um monte. Eles

não estão nem aí, eles escrevem. Você pode fazer isso aí. Eles não querem saber se

você está certa. Se você ligou lá, você está certa. E isso não é certo.

Pelo sistema de vigilância e controle (evidenciado pelos múltiplos mecanismos citados pelo

trabalhador acima), percebe-se que essa organi zação do trabalho assemel ha-se do panoptismo,

tal como é conceituado por Foucault (2012). O panoptismo é um sistema caracterizado por

uma inspeção constante, em que “o olhar está alerta em toda parte” a fi m de observar os

indivíduos, de for ma que o sujeito é visto, mas não vê. Isso pode ser percebido na organização

do trabalho do transporte coletivo de Curitiba por meio, por exemplo, da figura do fiscal

itinerante ou até mesmo do fiscal de rua que o multa e ele fica sabendo do fato apenas

posteriormente (já que parece não haver comunicação entre esses profissionais), como

também pelo uso do aparato tecnológico nos ônibus, que per mite localizar e vigiar o

trabalhador. Além disso, algo relevante nessa organi zação é o fato de que o exercício da

disciplina, finalidade do panoptismo, se di funde no campo social, visto que se i nstr umen taliza

os passageiros e a sociedade em geral, a fim de exercer esse controle também para com o

trabalhador, garanti ndo a eficácia do sistema de vi gilância e controle: o funcionamento da

disciplina de maneira difusa, múltipla e polivalente. Esse sistema induz o sujeito a um estado

consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder e

faz com que esse não se acrescente de fora. O i mpacto subjetivo desse sistema pode ser

percebido quando o trabalhador diz sentir-se perseguido e ameaçado por esse métodos e pelas

pessoas as quais vive cotidianamente, que passam a ser percebidas como “i ni mi gas” (fiscais e

passageiros), como foi abordado acima. Evidencia-se, dessa forma, que a desagregação dos

laços entre os trabalhadores está relacionado com a for ma de gestão e seus mecanismos de

controle/ vigilância do trabalhador.

Quando per guntado ao entrevistado sobre quem eram, então, os ami gos da vida de

motorista, ele responde: “amigo só você mesmo e Deus!”. A partir das falas do profissional,

podemos perceber o impacto subjetivo dessas formas de controle para os motoristas, que

cul mi nam na sua solidão e na falta de solidariedade no trabalho. Assim, cada indivíduo fica

sozinho, na solidão frente à injustiça. Evidencia-se que a isso ocorre como conseqüência do

modelo de gestão do sistema de transporte coletivo de Curitiba.

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Tal como apontam vários pesquisadores que investi garam as condições de trabalho

dos motoristas (SATO, 1991; BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, 2006), o excesso de

controle sobre a atividade laborativa desses profissionais foi um dado encontrado também na

realidade curitibana. Analisa-se, que as dificuldades que os motoristas dizem ter no exercício

de sua profissão estão bastante relacionadas, direta ou indiretamente, ao controle da

organização do trabalho sobre sua atividade laboral.

4.2. UMA ANÁLISE ACERCA DAS RELAÇÕES DE PODER: OS MOTORISTAS DE

ÔNIBUS DE CURITIBA E O IMBRÓGLIO INSTITUCIONAL

De que me vale ser filho da santa?

Melhor seria ser filho da outra

Outra realidade menos morta

Tanta mentira, tanta força bruta

Chico Buarque - Cálice

O trabalho dos motoristas de ônibus de Curitiba é influenciado tanto pelas

deter minações do órgão gestor do serviço, no caso, a Urbanização de Curitiba S.A ( Urbs),

como das deter mi nações das empresas prestadoras do serviço. Dessa forma, ai nda no âmbito

da organização do trabalho no transporte coletivo de Curitiba, é conveniente contemplar neste

estudo uma análise sobre as relações de poder que envolvem essas entidades, assim como o

sindicato dos trabalhadores (Sindi moc) e o sindicato das empresas de transporte coletivo

(Setransp). De acordo com Faria (2004) é por meio das relações de poder que o sentido do

poder pode ser compreendido, e esse pode ser definido como a

Capacidade de um grupo (social ou politicamente organizado) de definir e realizar

os seus interesses objetivos e subjetivos específicos, mesmo contra a resistência ao

exercício desta capacidade e independentemente do nível estrutural em que tal

capacidade esteja principalmente fundamentada (FARIA, 2004, p. 141)

4.2.1. A Urbs

De acordo com o Estatuto Social da Urbs (2012, p.2) a Urbs “é uma sociedade por

ações e de economia mista, com personalidade jurídica de direito privado, declarada de

utilidade pública e constituída e com as atribuições e responsabilidades definidas pela Lei

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Municipal nº 6.155, de 26 de junho de 1980 e por suas alterações”. De acordo com o site 13

da

URBS, a Sociedade foi criada com o objetivo de admi nistrar o Fundo de Urbani zação de

Curitiba (FUC), para desenvolver obras de infraestrutura, programas de equipamentos

urbanos e atividades relacionadas ao desenvolvimento urbano da cidade. Contudo, ao longo

dos seus 47 anos, às suas funções origi nais foram acrescidos demais tarefas. No histórico da

empresa, disponível no site 14

, consta que a Urbs é a empresa responsável pelas ações

estratégicas de planejamento, operação e fiscalização que envolvem o serviço de transporte

público, além do gerenciamento e administração de equipamentos urbanos de uso comercial

da cidade, instalados em bens públicos. Nesse histórico consta que em 1986 ela passou a

gerenciar o Sistema de Transporte Coletivo de Curitiba e em 2010 realizou a pri meira

licitação do transporte público urbano da cidade.

De acordo com o Estatuto Social da Urbs (2012, p. 2) essa entidade, “na qualidade de

admi nistradora do Fundo de Urbanização de Curitiba, agirá como concessionária de serviços

públicos, nos ter mos dos contratos de concessão fir mados com o Executivo Municipal”. Além

disso, esse estatuto estipula que a participação da Prefeitura Municipal de Curitiba no capital

da Urbs, sempre será de no mí ni mo 51% das ações com direito a voto. Segundo nota de

esclarecimento de 2011, no site15

da Câmara Municipal de Curitiba, atualmente 99,9% das

ações da Urbs pertencem ao município, e 0,1% aos demais acionistas, o que é necessário para

caracterizar a participação do capital privado na entidade.

Sobre essa instituição, foi dito pelo pesquisador Mansur Gibran (em matéria publicada

no jor nal Gazeta do Povo (03/04/2011) pelos jornalistas Köni g, Boreki e Azevedo) que a

escolha dos acionistas não ocorre de forma aberta e que o processo seguramente não é

transparente. Segundo ele, os 0,1% das ações da Sociedade dão o poder de decisão a 13

pessoas (dois vereadores ocupantes ou ex-ocupantes de cargos públicos e quatro instituições).

Em 1963, momento de criação da Urbs, os sócios eram necessários para que ela funcionasse

como uma sociedade anôni ma (S/A). O Departamento Inter sindical de Estatísticas e Estudos

Socioeconômicos ( Dieese), na mesma matéria, também apontou a falta de critérios claros da

instituição para definir o valor da tarifa de ônibus. Ai nda com relação a essa instituição, foram

13

http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/institucional/atuacao>. Acesso em:16/12/2012.

14 http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/institucional/nossa-historia>. Acesso em: 16/12/2012.

15

http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=16696 . Acesso em: 23/12/2012.

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vários os fatos noticiados nos meios de comunicação que remetem a abuso s da Urbs na

aplicação de multas aos motoristas e cobradores do transporte coletivo , como foi abordado no

capítulo anterior.

4.2.2 As empresas de transporte coletivo e a Urbs

No que se refere ao sindicato patronal, no site 16

do Sindicato das empresas de ônibus

de Curitiba e Região Metropolitana (Setransp), consta que a entidade sur giu em 1949 e

atual mente tem 29 empresas associadas.

Sobre a relação entre a Urbs e as empresas de transporte coletivo de Curitiba, em texto

de opinião da Gazeta do Povo (07/04/2010), Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento

Econômico pela UFPR, apontou o favorecimento da Urbs em relação a algumas empresas no

seu processo de licitação, em 2010. Isso, pois dentre outros aspectos, o edital determinava

experiência de mais de 20 anos no modal de transporte coletivo típico de Curitiba e o

pagamento de 250 mil hões de reais para aquelas empresas que vencessem o edital. Já em

outras circunstâncias a Urbs e as empresas parecem entrar em relação de embate,

principalmente quando o assunto são os interesses econômicos, o que engloba os direitos dos

trabalhadores. Isso pode ser percebido pelas notícias relatadas adiante.

Em matéria da Gazeta do Povo, do dia 13 de fevereiro de 2012, Geron, Trisotto e

Leitóles explica m que os motoristas e cobradores decidiram entrar em greve por tempo

indeter mi nado após a recusa da proposta apresentada pelo Setransp. O sindicato patronal

apresentou uma proposta de 7% de aumento total (cerca de 1,37% aci ma das perdas da

inflação), enquanto os trabalhadores exi giam 40% de aumento. Além de reivindicações por

mel horia salarial, a reportagem afir ma que os trabalhadores apresentaram uma pauta com

mais de 50 reivindicações. De acordo com a matéria, a Urbs se pronunciou sobre o assunto da

greve dizendo que se trata de uma negociação entre o si ndicato patronal e o dos trabalhadores

e que não vai se manifestar. Como aponta uma reportagem do mesmo jornal, datada do dia 15

de fevereiro de 2012, após quase dois dias de paralisação, motoristas e cobradores aceitaram a

proposta feita pelo sindicato patronal e encerraram greve. Com esse acordo, os trabalhadores

vão receber reajuste salarial de 10,5%, vale-alimentação de 200 reais e abono único de 300

reais.

16 http://empresasdeonibus.com.br/2011/index.php/setransp/. Acesso em: 26/12/2012.

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O embate devido às questões econômicas entre as empresas e a Urbs pode ser

percebido por meio do i nfor me publicitário do Setransp, disponível no dia 30 de dezembro de

2012 no site17

do jornal Gazeta do Povo. O infor me, na página on-line do jornal, ocupava o

espaço destinado à propagandas de serviços e produtos. Dessa for ma, observa -se que a

infor mação não se refere a uma notícia do jornal, mas a uma opinião do Setransp que ocupa

um l ugar destinado à publicidade. O documento, intitulado “transporte coletivo vive a maior

crise da sua história, empresas estão em situação financeira grav íssima e pedem socorro”

refere que as empresas de ônibus da cidade vêm passando por uma grave crise econômico -

financeira, como nunca se viu na história do transporte coletivo de Curitiba e Região

Metropolitana. Nesse, as empresas questionaram “as decisões equivocadas da Urbs”,

apontadas como causa da crise financeira que as empresas vêm passando. Segundo a

publicidade, “o rombo nas contas das empresas ultrapassa dezenas de milhões de reais, fora

ações judiciais que cobram outros prejuízos causados pelo não cumprimento de clausulas

contratuais” com a Urbs. No infor me publicitário, o sindicato patronal ainda critica a lei que

proíbe a dupla função dos motoristas dos microônibus, pois “na contramão de tudo que existe

de mais moder no em ter mos de bilhetagem eletrônica, a Prefeitura Municipal sanciona uma

lei que obriga o retor no de cobradores em veículos onde a própria Urbs deter mi nou que não

mais existisse esses profissionais”. Essa medida ocasionará custos às empresas, tanto no que

se refere à contratação de mão de obra, quanto a readequação dos veículos, custos que,

segundo o Setransp, não serão ressarcidos.

De acordo com a matéria publicada na Gazeta do Povo (05/12/2012) por Trisotto e

Senkovski, foi sancionada (em 27 de novembro de 2012) a lei que proíbe as empresas

concessionárias de serviços de transporte coletivo em Curitiba de determinar aos motoristas a

cobrança das passagens. Diante dessa situação, o Setransp infor mou que irá questionar

judicialmente a constitucionalidade da medida. O único motorista en trevistado que

desempenha a dupla função, disse considerar que a cobrança de passagens é a principal

dificuldade durante o exercício da sua atividade laborativa, visto que essa tarefa tira o foco do

motorista diante da sua principal função. Contudo, ele mostra-se descrente de que a dupla

função realmente será proibida. De acordo com a reportagem do dia 15 de maio de 2012, o

exercício da dupla função coloca em perigo a população, visto que devido as determinações

17http://www.gazetadopovo.com.br>. Acesso: 30/12/ 2012.

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de horário estipuladas pela Urbs, o trabalhador não tem tempo de primeiro cobrar e depois

dirigir, o que acarreta em atrasos e excesso de velocidade.

Para Trisotto e Senkovski, o fi m da dupla função é uma reivindicação da categoria,

contudo a medida deverá onerar o sistema já deficitário. Segundo a matéria publicada por

esses autores, a Urbs acumulou um prejuí zo de cerca de 53 milhões de reais entre março e

novembro de 2012. Já as empresas de transporte alegam um déficit de 100 milhões de reais

em seus cofres, provocado pelo desequilíbrio entre as obrigações previstas no contrato com a

Urbs e o pagamento recebido por elas. Entretanto, em matéria publicada no jornal Gazeta do

Povo em 4 de dezembro de 2012, a Urbs afir ma estar rigorosamente em dia com todas as suas

obrigações contratuais perante as empresas operadoras do sistema e descartou possíveis

pendências, despesas estas que são custeadas, segundo a Urbs, pelo governo do estado.

Devido a essa crise financeira a qual dizem passar as empresas do transporte coletivo,

de acordo com reportagem de Senkovski e Trisotto no jor nal Gazeta do Povo (30/11/2012),

elas dividiram o 13º salário dos motoristas e cobradores em 4 parcelas. Sobre o assunto, a

Urbs em nota de esclarecimento 18

infor ma que o poder público está rigorosamente em di a

com todas as suas obrigações contratuais perante as empresas operadoras do transporte

público, inclusive no que se refere à verba relativa ao 13º salário dos funcionários, referindo

em reportagem de Senkovski para o jornal Gazeta do Povo (28/11/2012) que “vai se

posicionar de maneira fir me no caso de haver atrasos”. Sobre esse assunto, um dos motoristas

questionou as empresas, durante a entrevista, quanto a esse parcelamento e, principalmente, o

lugar dado aos trabalhadores no “ranking” de prioridades dessa instituição. Segundo e le,

Os cara falam que não tem dinheiro, o nosso décimo foi pago em quatro vezes! Não

tem como os cara falar que não tem dinheiro! Pô, você vai pegar um ônibus, você

vai na Urbs e você carrega o seu cartão 30 dias, paga a vista, e tão dizendo que

não tem dinheiro. (...) Só esse ano que acabou agora compraram mais duas

empresas e falam que não tem dinheiro para pagar nosso décimo terceiro. Pagou

em 4 vezes. Nem pagou, falta mais uma parcela ainda.

Além disso, um dos motoristas entrevistados denuncia uma relação de cumplicidade

entre a Urbs e as empresas que acaba por prejudicar os trabalhadores, como é no caso das

mul tas. Ao explicar essa questão o motorista percebe relações de poder entre as empresas e a

18http://www.urbs.curitiba.pr.gov.br/noticia/nota-de-esclarecimento. Acesso em: 26/12/2012.

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Urbs que estão relacionadas às penalizações que sofre no exercício do seu trabalho, que o

prejudicam. Segundo ele,

Que o meu patrão, a empresa e o grupo patronário têm ações na Urbs, com certeza!

Na verdade é quase um monopólio. (...) A Urbs é uma sociedade anônima. Com

certeza tem um dedinho lá deles.(...) O patronato é dono de todas as empresas. Tem

um grupo aí e esse grupo tem 37%. Esse grupo pioneiro aí. Fora o que tem por fora,

tem até avião. (...) Eles que mandam, né. A Urbs pune nós, os funcionários. Nós

pagamos o mesmo patrão, porque o dinheiro vai para eles mesmos, né. Os patrões

punem nós, paga de um lado e tira do outro. Paga pouquinho de um lado e tira

quase tudo. (...) É o mesmo patrão, é o mesmo dono, o mesmo grupo...

Frente a situação paradoxal dessa organização do trabalho, que remunera o trabalhador pelo

exercício de sua atividade laborativa, ao mesmo tempo em que recebe novamente parte dessa

remuneração por meio das multas, o trabalhador refletindo sobre o assunto chegar a conclusão

de que a Urbs e a empresa na qual trabalha têm relações mui to próxi mas, se constitui ndo

como “o mesmo patrão”, um “mesmo gr upo”. Essa é a explicação encontrada por ele como

passível de justificar as nor mas e punições abusivas para com os trabalhadores. Um dos

motoristas também afirmou acreditar que entre a Urbs e as empresas há uma relação de

dependência, uma vez que a Urbs cria as normas e as empresas têm que cumpri -las. Também

foi ressaltado o fato de que a Urbs “fiscaliza a empresa de uma maneira complicada”, e que

essa também tem que pagar multas diante de i mprevistos. Quando perguntado como a

empresa se posiciona diante das multas dadas aos funcionários por parte da Urbs, dois dos

trabalhadores referem que é de for ma “totalmente conivente”. De acordo com um

trabalhador, “a Urbs sempre multou as empresas, isso aí sempre aconteceu, mas sempre

quando tinha a negociação” dos interesses dos trabalhadores “lá na Urbs com a prefeitura, a

empresa sempre se posicionava do mesmo lado, entende?”

4.2.3. O sindicato dos trabalhadores

De acordo com infor mação do site19

do Sindicato dos motoristas e cobradores de

ônibus de Curitiba e Região Metropolitana (Si ndi moc), a entidade foi fundada em 1990,

depois do desmembramento de uma entidade da classe a nível estadual. Confor me descrito no

site da instituição, durante o seu período de funcionamento, houve momentos de glórias e

lutas e também momentos obscuros e atual mente se busca “a limpeza e o fi m dos vícios que já

ocorreram no passado”. Pôde ser percebido, por meio de uma breve pesquisa documental

19 http://www.sindimoc.com.br/index.php?area=historia. Acesso em: 28/12/2012.

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sobre a entidade, que essa tem um histórico que evidencia fatos de violência e corrupção. A

partir desses fatos, infere-se historicamente a prioridade da instituição, ou pelo menos de parte

dos envolvidos na direção do sindicato, não esteve relacionada à defesa dos direitos dos

motoristas e cobradores, mas ao contrário, esteve a serviço da opressão da classe, o que pode

ser evidenciado pelas situações relatadas abaixo.

Em notícia publicada no G1, portal de notícias da rede Globo, no dia 31 de agosto de

2010, há a i nfor mação de que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organi zado

(Gaeco) prendeu o então presidente do Sindimoc, Denilson Pires, que foi acusado de

apropriação indébita e formação de quadrilha. Outras três pessoas também foram presas, uma

delas por porte ilegal de arma. Na ocasião, foram encontrados cerca de 110 mil reais no

sindicato. O Gaeco refere um suposto esquema de fraudes no si ndicato e além de Denilson,

“foram presos, sob as mesmas acusações o tesoureiro e candidato à presidência do sindicato,

Valdecir Bolette, o advogado do Sindi moc, e o ex-vereador de Curitiba, cassado em 2008 sob

acusação de abuso do poder econômico, Valdenir Dielle Dias. De acordo com o Mi nistério

Público, o advogado seria o mentor das fraudes e teria ascendência sobre os dirigentes da

entidade.” 20

De acordo com Carriel, em reportagem de Ribeiro para o jornal Gazeta do Povo

(01/09/2010), a prisão de Denilson Pires foi mais um episódio turbulento nos 20 anos de

existência do Sindimoc. O sindicato, criado em 1990, teve o seu pri meiro pre sidente, o

motorista José Martins Costa, cassado em 1994 sob acusação de irregularidades. Em 1998,

Aristides da Silva, segundo presidente, foi executado com sete tiros em Itapoá, Santa Catarina

e, até hoje os assassinos não foram identificados. Já em janei ro de 2009, o secretário-geral da

instituição, Alcir Teixeira, conhecido como “Zico”, foi morto ao chegar em casa. De acordo a

reportagem de autoria de Cabral, para o jornal Gazeta do Povo (27/09/2010), Zico dizia ter

descoberto irregularidades no sindicato e ameaçava denunciar. Ele teria gravações de reuniões

do Sindi moc que comprovariam as denúncias. Após sua morte as gravações foram

encontradas e entregues ao Gaeco do Mi nistério Público. As denúncias referem-se a um

acerto entre o sindicato e uma fornecedora de cestas básicas para os funcionários das

20

LÍDER DO SINDICATO DE MOTORISTAS DE CURITIBAÉ PRESO. G1, portal de notíci as da gl obo. Brasil,31

agosto 2010. Disponível em: < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/08/lider-do-sindicato-de-motoristas-de-

curitiba-e-preso.html>.Acesso em: 22/12/2012.

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empresas de ônibus. Segundo a reportagem, “as cestas conti nham produtos inferiores e não

sofriam a devida fiscalização pelo sindicato, que em troca recebia 120 mil reais por mês. As

gravações ainda mostram co nversas entre os dirigentes do Sindi moc a respeito de

funcionários fantasmas”.

O filho de “Zico”, Anderson Teixeira, foi candidato à presidência do Sindi moc pela

oposição e atualmente preside a entidade. Segundo a reportagem de Cabral, cinco dias antes

das eleições na instituição, ele foi alvo de um suposto atentado de quatro tiros. Essa mesma

reportagem explica que Anderson Teixeira concorreu contra a chapa da até então diretoria que

tinha o tesoureiro do sindicato, Valdecir Bolette, como candidato à pres idência, e o vereador

Denílson Pires, até então presidente, como candidato a vice. A matéria de autoria de Ribeiro,

Trisotto e Ribeiro, do Jornal Gazeta do Povo (31/08/2010) afirma que o Gaeco, em suas

investigações, apontou que um mesmo gr upo comanda o si ndicato desde a sua fundação. De

acordo com Trisotto e Azevedo, autores de matéria do dia 30 de setembro de 2010, apesar do

clima tenso, a votação para a presidência do sindicato transcorreu sem problemas. A chapa da

oposição foi escolhida por cerca de 70% dos votos e durante a contagem dos votos o

candidato a presidência pela chapa situacionista, Valdecir Bolette, afirmou que discordava do

resultado e iria questionar a votação judicialmente.

De acordo com matéria publicada no G1, portal de notícias da red e Globo, em 18 de

janeiro de 2012, o Ministério Público do Paraná denunciou à Justiça ex-diretores e

funcionários vinculados ao Sindimoc e, entre os acusados de desvio de dinheiro da entidade

está o vereador de Curitiba Denilson Pires (ex-presidente do Sindimoc), que já foi preso em

2010 pelo Gaeco. De acordo com a reportagem, as denúncias variam entre for mação de

quadrilha, peculato e falso testemunho. Entre os anos de 2006 e 2010, Denilson e outras

quatro pessoas participaram de um desvio de 8.125 milhões de reais do Sindimoc. Ai nda está

descrito na notícia que o ex-funcionário do sindicato, Márcio Ramos, e outras três pessoas

coagiram as testemunhas do inquérito que apura irregularidades e desvio de verbas no

sindicato, no Mi nistério Público do Paraná, no período de janeiro e fevereiro de 2011. Eles

prometeram cargos e ajuda financeira para que as testemunhas mudassem o depoimento

concedido à Procuradoria do Trabalho. O escrivão também foi denunciado, pois para o

Ministério Público ele sabia que declarações eram falsas.

No que se refere ao posicionamento do sindicato diante da l uta dos trabalhadores por

mel hores condições de trabalho, uma notícia do jornal Gazeta do Povo de autoria de Marés

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(16/02/2012) que trata sobre o fim da última greve da categoria, pa rece abordar o assunto.

Segundo a reportagem, no momento do acordo o clima era de insatisfação entre os motoristas.

Contudo, diante dessa situação, “a direção do Sindimoc consegui u convencer os cerca de 3

mil grevistas presentes em assembléia” de que, caso a proposta fosse rejeitada e o caso fosse

para dissídio, o resultado poderia ser ainda menos satisfatório. Galindo, autor da reportagem

do jornal Gazeta do Povo (31/08/2010) afirma que o Sindi moc é um si ndicato poderoso e

sempre foi influente: tem mais de 11 mil filiados e atua em um negócio milionário, visto que

o sistema de transporte coletivo movi menta 700 milhões ao ano. O privilégio das questões

econômicas em detri mento do interesse coletivo dos trabalhadores, no sindicato, foi

evidenciado tanto pelas notícias de jornal, quanto na fala dos motoristas entrevistados, que

não se sentem representados pela instituição.

No que se refere às entrevistas, o trabalhador mais novato no cargo e aquele que

exerce a função de motorista em poucos meses do ano referi ram uma postura bastante

semel hante sobre o sindicato dos trabalhadores. Um deles refere que o Si ndi moc na sua anti ga

gestão era um“sindicato patronal, então quem mandava lá eram os patrões”. Outro

entrevistado disse que nem sempre o si ndicato age de modo a favorecer os trabalhadores,

tanto que antigamente o sindicato patronal e o sindicato dos trabalhadores “fechavam o

acordo entre eles”, o que contribui u para que os trabalhadores ficassem 12 anos sem receber

aumento. Segundo ele,

É complicado, viu? A gente sabe que tem muito peixe grande lidando aí, muitos

interesses, muito dinheiro envolvido. Então a gente não sabe de que lado que eles

jogam, sebe? Quando vão determinar alguma coisa para nós, a gente sabe que na

maioria das vezes a gente sai perdendo. Aí tem motorista que acha que o sindicato

não serve para nada, que o sindicato tá ali só para ganhar dinheiro.

Alguns entrevistados também j ulgaram que a entidade em sua nova gestão é mais favorável

em relação aos interesses dos trabalhadores e localizam al gumas vitórias da classe devido a

essa mudança na direção. Foi comum, durante as entrevistas, a denomi nação por parte dos

motoristas da entidade em sua anti ga de gestão como “outro sindicato” e, na gestão atual,

como “novo sindicato”. Uma das melhorias apontada por um deles refere-se ao abono de 200

reais. Segundo o entrevistado,

“em 20 anos do outro sindicato dos cobradores e motoristas, a nossa cesta básica

era uma porcaria, (...) a gente carregava aquela cesta no ombro, pegava ônibus.

Agora é uma beleza! Agora aumentou o valor da cesta e não é mais aquele pacote,

você pode comprar, é ticket agora, entendeu? Bem mais prático...”.

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Outra mel horia apontada foi em relação às multas, visto que o sindicato resolveu a

questão das últi mas multas aplicadas ao trabalhador e ele ganhou a causa. Entretanto, sobre a

mudança na direção do sindicato, um dos entrevistados explicou que somente mudou a

“mosca” e que a exploração aos trabalhadores permanece igual.

Pela pesquisa documental contemplada neste estudo, obs erva-se que as relações de

poder e relações trabalhistas que geram sofri mento ao trabalhador são amplamente

denunciadas pela mídia. Contudo, essa denúncia permanece em al gumas circunstâ ncias sem

conseqüência política e, ainda, “parece compatível com uma crescente tolerância à injustiça”,

familiarizando a sociedade civil com a adversidade e domesticando as reações de indignação

(DEJOURS, 2012a, p.25). Diante dessas denúncias, que evidenciam situações de violência,

injustiça e i mpunidade (que envolvem favorecimento de algumas pessoas em detri mento da

coletividade) infere-se que essas têm constituído, incl usive, uma preparação psicológica para

padecer a adversidade. Isso, pois favorecem a resignação dos trabalhadores diante de

mel horias em suas condições de trabalho e contribuem, também, para o medo e coação das

pessoas intencionadas em modificar essa realidade.

A gestão do transporte coletivo, da qual fazem parte as insti tuições citadas, é um

aspecto fundamental para a análise do processo saúde/doença vivenci ado pelo trabalhador. As

notícias de jornal, assim como a fala dos trabalhadores evidenciam relações entre essas

diversas instituições responsáveis pela situação vivenciada pelos motoristas, assim como

retratam transfor mações constantes que infl uenciam dir eta e/ou indiretamente o seu trabalho.

Observa-se, a partir das notícias de jornal e das falas dos trabalhadores, que cada uma dessas

instituições tem seus interesses políticos e econômicos, contudo, quando o assunto é a

exploração do trabalhador, parece haver uma relação de conveniência entre elas. Esse fato,

entre outros, parece confor mar a organi zação do trabalho paradoxal que é o sistema de

transporte coletivo de Curitiba, tema a ser tratado no próxi mo capítulo.

4.3. UMA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PARADOXAL: O SISTEMA DE

TRANSPORTE COLETIVO DE CURITIBA

Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)

Chico Buarque - Cálice

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Como pode ser observado nos relados dos dois capítulos anteriores, observa-se uma

característica peculiar na organi zação do trabalho do transporte coletivo de Curitiba: o

paradoxo. Esse pode ser percebido em i númeras situações, tais como: na questão da s cotas

mensais de multa a serem aplicadas pelo fiscal aos motoristas, explicadas pelo entrevistado;

pagamento de mul tas por esse profissional sem previamente ter o direito de defesa;

dimi nuição do tempo prévio das viagens durante os dias da semana, dias os quais há um

maior número de passageiros e fl uxo de veículos das ruas; uma organização do trabalho que

estipula prazos insuficientes para realização das viagens, pressiona o trabalhador para cumpri -

los (por meio de multas, do computador de bordo que indica os horários) e, ao mesmo tempo

o multa por excesso de velocidade; entre outras questões. Observa -se, que esse último aspecto

remete a regulamentos i ncompatíveis entre si presentes nessa organi zação do trabalho. Nessa

situação, o trabalhador não consegue, na maioria das viagens, cumprir o horário (regra 1) sem

transgredir o limite de velocidade (regra 2). Assim, o trabalhador se vê impedido de fazer

corretamente o seu trabalho (DEJOURS, 1992), pois não há como realizar sua atividade

laborativa sem infringir uma das nor mas. Para Gaulejac (2011) a presença de exi gências

incompatíveis entre si é uma das características de um sistema paradoxal. Nesse, a

organização se transfor ma em um sistema de mediação que “concebe e utiliza dispositivos

para permitir a coexistência de elementos necessários à produção mais ou menos

incompatíveis ou antagônicos” (GAULEJAC, 2011, p.85).

Nesse ponto, observa-se que diferente do que é definido por Foucault (2002), da

aplicação da punição com a finalidade de prevenir seu reaparecimento, sugere -se nessa

organização do trabalho a existência de um movi mento contrário, que objetiva garantir a

ocorrência dessas “ilegalidades”. Um paradoxo, já que tudo é “ilegal” e passível de punição.

Dessa for ma, infere-se que já que as quebras de regras são inevitáveis (por tanto, per mitidas),

essas ocorrem de modo conveniente à gestão, visto que para cada ilegalidade foi encontrada a

pena que convém à organização do trabalho: o pagamento em dinheiro que favorece seu

desenvolvimento fi nanceiro.

Na fala do trabalhador, “a Urbs quer que a gente trabalhe de graça pra ela, porque

nós não fazemos nada e ela enche de infrações”. Já o motorista entrevistado em reportagem

da Gazeta do Povo (07/03/2009), referiu que “daqui a pouco vamos pagar para trabalhar”.

Infere-se que nesse contexto, cada i ndivíduo encontra-se “preso numa universalidade punível-

punidora” (FOUCAULT, 2002, p. 149). Para Gaulejac, (2011) o cerceamento é grande e o

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indivíduo não pode se desvencilhar desse sistema que emite mensagens contraditórias e não

permite escapatória, seja o que fizer será pego em erro e isto destrói a possib ilidade de reação

para sair desta dominação. “Ele se encontra então em uma situação sem saída e insustentável,

na i mpossibilidade de optar entre exigências ao mesmo tempo obri gatórias e antagônicas”

(GAULEJAC, 2011, p.86).

Ao exercer sua atividade laborativa o motorista comete i nfrações que remetem as

próprias falhas da organização do trabalho, contudo isso é percebido como um erro do seu

trabalho. Como explica Dejours (2008) para trabalhar é preciso transgredir o que está

prescrito, portanto ocorre o paradoxo entre o prescrito e o real e, quando ocorre um i ncidente,

é a própria boa vontade do trabalhador que se vol ta contra ele, pois será acusado de não

respeitar as prescrições, um sinal de indisciplina ou incompetência. Observa -se, assim, que os

trabalhadores são confrontados com a i mperfeição da or ganização do trabalho no exercício da

sua atividade laborativa (DEJOURS, 2011e). Além disso, no sistema de transporte coletivo de

Curitiba os motoristas arcam/arcavam financeiramente com essas falhas (pagamento de

mul tas). Dessa maneira, a falha que é própria da organização do trabalho passa a ser percebida

a nível individual, como uma i ndisciplina do trabalhador. Além disso, de acordo com Finger

(2012),

O que parece ser um paradoxo da gestão é, na verdade, as contradições do sistema

capitalista, deslocada como paradoxos da organização. A contradição é inerente ao

capital, o paradoxo é uma dissimulação discursiva dessa contradição, ele muda a

dimensão da contradição ao mudar uma contradição, que é do sistema, para uma

contradição que é pessoal e que se apresenta, na aparência, como um paradoxo. Na

contradição capital e trabalho, com os objetivos de exploração para atingir o lucro e

controle ideológico dos trabalhadores se busca, por meio da gestão, colocar

paradoxos para que o indi víduo, por exemplo, ao mesmo tempo em que tem

autonomia, ele tem que se submeter às regras. (FINGER, 2012, p. 138).

Observe-se que as nor mas e a vigilância as quais estão submetidos os motoristas

durante o exercício de sua atividade laborativa, implicam em uma coerção ini nterrupta, em

que se realiza a sujeição constante do indivíduo (FOUCAULT, 2002). Nesse processo, ao

arcar financeiramente com as falhas da organização do trabalho, observa -se a obediência do

trabalhador. Essa obediência se dá “a uma autoridade que se exerce conti nuamente sobre ele e

em tor no dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele” (FOUCAULT, 2002, p.

106). É por meio dessa submissão do trabalhador, de sua obediência ao arcar, em partes,

financeiramente com seu próprio trabalho que a organização do traba lho alcança(va) o

incremento de seus objetivos econômicos.

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Sobre o paradoxo ainda podemos citar os indícios de que o sindicato dos trabalhadores

é/foi conivente e atuante na exploração do trabalhador; e, que a organi zação do trabalho do

transporte coletivo na cidade até esses assuntos serem noticiados na mídia, pagava os salários

dos trabalhadores “com uma mão”, para “tirar com a outra” uma parte do pagamento através

de multas abusivas. Essas nor mas i nternas foram qualificadas como “sem lógica”, “sem

sentido” e “sem pé nem cabeça” durante as entrevistas. Dessa forma, percebe-se que mesmo

não sendo um ato consciente, visto que o conflito entre o trabalhador e a organi zação do

trabalho encontra-se deslocado, esses sujeitos denunciam o todo tempo a organi zação do

trabalho paradoxal a qual pertencem. Contudo, apesar de qualificadas como sem sentido pelos

trabalhadores e percebidas durante a realização desse trabalho como bastante paradoxais,

aponta-se a partir dessa caracterização que há uma lógica por detrás des sa gestão, isto é, a

lógica na qual os fi ns j ustificam os meios: a lógica da l ucratividade desenfreada. Observa-se

uma “violência destrutiva, apresentada como a conseqüência de uma racionalidade

econômica, vivida como total mente irracional” (GAULEJAC, 2007, p. 208). Como aponta

Faria (2004, p. 164), “o lucro é a ética do capital”. Nessas circunstâncias, toda a questão

humana do trabalho é abandonada, vista como perda de lucratividade. Perde-se de vista as

finalidades sociais e humanas, ainda que essas sejam constitutivas da própria existência da

instituição (GAULEJAC, 2007).

“Temos o hábito de apresentar as relações de trabalho em ter mos políticos ou em

ter mos de poder” (DEJOURS, 1992, p. 75). Enfati za-se a importância da análise desses

aspectos, como dos demais elementos da or ganização do trabalho para refletir sobre o tema da

saúde mental dos trabalhadores, uma vez que essa envolve fatores fundamentais para a análise

do processo de sofrimento vivenciado pelo sujeito, que operam direta ou i ndiretamente sobr e

ele. Todavia, a análise sobre a organi zação do trabalho não é suficiente para investigar o

processo de sofrimento/adoecimento vivenciado pelo trabalhador. Como o sofri mento não é

imediatamente identi ficável e sim possível de investigação por meio dos sis temas defensivos,

aponta-se a necessidade da palavra, do comentário do trabalhador acerca da sua situação de

trabalho, assim também como da interpretação (DEJOURS, 1992). Somente a partir desses

pré-requisitos é possível ler o sofrimento operário. Segundo Dejours (1992, p. 138), o

esquema de interpretação utilizado “é a própria organização do trabalho, a ser decodificada,

por meio dos avatares que ela sofre na sua interiorização coletiva”. Dessa forma, o próxi mo

capítulo aborda o processo de sofrimento vivenciado por esses profissionais no trabalho, o

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que pode levar ao ser adoecimento, tendo como referência a teoria da psicodinâmica do

trabalho.

4.4. UMA ANÁLISE DO SOFRIMENTO NO TRABALHO

O engajamento da subjetividade do trabalhador ocorre em um mundo hi erarquizado,

ordenado e repleto de constrangi mentos, perpassado pela luta de domi nação (DEJOURS,

1994), aspectos os quais se procurou investigar nos capítulos anteriores. Dessa forma, é

necessário ter em mente que o sofri mento vivenciado pelos motoristas está relacionado a essas

questões, as questões que remetem à organi zação do trabalho do transporte coletivo de

Curitiba. A análise do sofri mento desses profissionais foi pautada em dois aspectos da teoria

da psicodinâmica do trabalho: o reconheci mento e as estratégias defensivas. Dejours (2012b,

p.106) explica que “a retribuição simbólica conferida pelo reconheci mento pode fazer sentido

em relação às expectativas subjetivas quanto à realização de si mesmo”, dessa forma, é

através do reconheci mento que o sofri mento advindo do trabalho pode encontrar um sentido e

ser, assim, subvertido em prazer (DEJOURS, 2012b, p. 106). Já o estudo das estratégias

defensivas é relevante, pois esse é o recurso utilizado pelo trabalhador para “resistir ao que,

no trabalho, é desestabilizador ou mesmo deletério, para as funções psíquicas e para a saúde

mental”. Dessa for ma, é por meio de sua investi gação que é possível estudar a “nor malidade

do sofrimento” (DEJOURS, 2011c, p. 226).

4.4.1. O Reconhecimento

Essa palavra presa na garganta

Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade?

Mesmo calado o peito resta a cuca

Dos bêbados do centro da cidade

Chico Buarque – Cálice

Um i mportante aspecto a ser considerado para a análise da saúde mental dos

trabalhadores é o reconhecimento. Isso, pois ele é decisivo na dinâmica da mobilização

subjetiva e da personalidade no trabalho (DEJOURS, 2012a). De acordo com Dejours

(2012b), os julgamentos sobre o trabalho realizado, em um segundo momento podem ser

deslocados do registro do fazer para o do ser, podendo transfor mar o sofri mento em prazer e

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contribuir com a grati ficação identitária. Isso, pois a relação entre identidade e trabalho é

mediada pelo outro, no j ulgamento de reconheci mento (DEJOURS, 2012b). Dessa for ma, é

porque o trabalho pode oferecer gratificações importantes no registro da identidade que se

pode obter a mobilização subjetiva, a inteligência e o zelo dos sujeitos que trabalham. A

identidade é a armadura estr utural da saúde mental, portanto, “toda descompensação

psicopatológica supõe um titubear ou uma crise de identidade. Assim, a dinâmica do

reconheci mento das contribuições à organi zação do trabalho engaja, de facto, à problemática

da saúde mental” (DEJOURS, 2012b, p. 108).

Sobre esse assunto, ao falar da relação entre a empresa e os funcionários, um

trabalhador explica um comentário corrente entre os motoristas na empresa a qual trabalha a

partir de uma prática organi zacional:

Muita pegação no pé, muita cobrança. Não dão valor para o funcionário. Lá, os

pneus são marcados, você pode perceber que os pneus são marcados. Tem umas

mancinhas no pneu, porque não pode raspar pneu e tal, entendeu? O pessoal

costuma dizer na garagem que a gente vale menos que aquela bolinha lá, do pneu.

Porque quem raspar aquele pneu ali, você paga 5 reais. (...)Aí a gente fala que a

gente vale menos do que aquela bolinha, aquela marquinha, para a empresa. Nós

não deve valer nada, não deve valer nada. Lá o que vale é os carros, o número. Nós

não valemos nada!”

Esse trabalhador diz que se vê trabalhando “meio de graça, por merreca”. Na sua

opinião, a empresa “tem que expandir, mas valorizar o que tem, os trabalhadores que a

fizeram crescer”. A partir desses relatos reflete-se que os trabalhadores não se sentem

reconhecidos e valorizados pelas organizações da qual fazem parte. Uma vez que “o

reconheci mento pode transfor mar o sofri mento em prazer” (DEJOURS, 2012b, p. 40), a

ausência do reconheci mento tem drásticas conseqüências sobre o indivíduo e o coletivo.

Implica, inicialmente, em um i mpedi mento de derivar o sofrimento pela signi ficação social

levando o i ndivíduo a uma dinâmica patogênica de descompensação psíquica ou somática

(DEJOURS, 2011d). Observa-se, também na fala do trabalhador a falta de esperança em ser

reconhecido. Essa falta de reconhecimento leva ao sofrimento e é capaz de desestabilizar a

identidade e a personalidade e de levar à doença mental (DEJOURS, 2012a). Além disso, a

falta da retribuição esperada faz sur gir senti mentos de inj ustiça (o que pode ser visto abaixo) e

o ambiente de confiança se degrada (DEJOURS, 2008).

O motorista que trabalha apenas alguns meses por ano no transporte coletivo,

mostra-se bastante indignado ao observar a disparidade entre a sua condição (“ Não tenho

dinheiro para pagar o SPC, cara!”) e a condição do empregador (que tem 11 empresas no

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estado; recebe o dinheiro adiantado – visto que a maioria dos passageiros recarrega o cartão

de transporte para o mês inteiro; e diz não ter dinheiro para pagar o 13º salário dos

trabalhadores). Vendo-se como alguém que contribuiu para o sucesso da or gani zação e não

valorizado por esse feito, o trabalhador sofre, indigna-se. Segundo ele:

Você trabalha bastante ali e o patrão só engordando, só enricando (...) Porque

aqui, é que nem eu falei pra você, é um monop ólio aqui. É tudo de um dono só! Mas

aí fala que não tem dinheiro! E aí vai fazer o que? Botar fogo nos ônibus? O certo

era fazer isso né.

A fala desse trabalhador di z ai nda do senti mento de inj ustiça e indi gnação frente as

suas condições de trabalho e da falta de reconheci mento por seu esforço. Também ilustra, de

um modo indireto o conflito com a or ganização do trabalho. Infere-se que o trabalhador fala

de um desejo de penalizar o padrão através da destruição d o i nstr umento de trabalho

(propriedade do patrão), e não percebe que trama que defi ne as suas condições de

trabalho/saúde são mais amplas, o sistema inj usto e responsável pelo seu sofrimento no

trabalho. “A frustração, a revolta e a agressividade reativas, não conseguem encontrar uma

saída”. Sabe-se muito pouco sobre os efeitos da repressão desta agressividade sobre o

funcionamento mental dos trabalhadores, contudo, presume-se sua i mportância na relação

saúde/trabalho (DEJOURS, 1992, p.75). Ao fi m da entrevista esse trabalhador comenta que

deixará o trabalho: “É, eu vou vazar daqui! (...) eu estou de saco cheio! É do jeito que eu tô

já... Eu não quero aposentar aqui não! Eu não quero isso, eu vou vazar. (...) É porque eu

estou estressando, cara! Entra ano e sai ano, não muda!”. No caso desse trabalhador,

observa-se que não podendo gozar dos benefícios do reconheci mento do seu trabalho nem

obter assim o sentido de sua relação para com o trabalho, ele “se vê reconduzido ao seu

sofrimento e somente a ele” (DEJOURS, 2012a, p. 35). Frente a essa situação, uma das

possibilidades encontradas pelo trabalhador é abandonar o emprego.

Nos casos em que a dinâmica do reconheci mento está paralisada o sofrimento não

pode mais ser transfor mado em prazer, não encontra mais sentido . “Pode, neste caso, apenas

ir se amontoando e engajar o sujeito em uma dinâmica patogênica que, ao ter mo, leva a

descompensação psíquica e somática” (DEJOURS, 2012a, p. 35).

Foi observado ainda durante as entrevistas, que um tema corrente comentado pelos

motoristas é a questão da sua responsabilidade no trabalho. Esse trabalhador, por exemplo,

explica que pela responsabilidade da sua função, o salário é muito baixo:

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O salário de motorista é 1500 reais e tem mais desconto, o carro é pra 180 pessoas,

um carro desse é mais de 1 milhão de reais, bem mais! Você tem a responsabilidade

de cumprir com isso, mas não é reconhecido por isso. É uma responsabilidade, um

carro desse valor na sua mão, um monte de vidas aí, horário para cumprir. (...)Não

é valorizado, é muita coisa para você cuidar:cuidar do horário, velocidade do

carro, frear brusco, passageiro, é muita coisa... (...) Muito pouco reconhecimento

pela quantidade de responsabilidade que a gente tem aqui.

A partir da fala desse trabalhador, nota-se, tal como defi ne Dejours (2012b), que o

trabalhador ao oferecer sua contribuição à empresa, (submetendo-se aos riscos de seu

trabalho, mobilizando sua i nteligência e subjetividade), espera ou aspira uma retribuição.

Essa, “não é apenas a retribuição material, o salário, mas uma retribuição simbólica, o u

mesmo „ moral‟. Esta retribuição toma uma for ma extremamente precisa: o reconheci mento”

no duplo sentido da palavra, ou seja, referindo-se tanto à gratidão, como ao reconheci mento

da realidade da contribuição do trabalhador à organi zação do trabalho, real idade esta que não

é visível, mas é imprescindível a toda organização (DEJOURS, 2012b, p. 39).

O salário é visto pelo trabalhador como um meio pelo qual ele adquire

reconheci mento, tanto da empresa na qual é funcionário, quanto de seus familiares e amigos.

Para ele, “todo mundo acha” que o salário é baixo, “só quem não acha são os patrões”. Ele

afirma que os familiares e amigos não acreditam quando ele fala o valor da sua remuneração,

que eles “pensam „nossa, motorista de ônibus!‟ Coitados se eles soubessem...”. Com essa

frase sugere-se que o valor do salário é motivo de vergonha e humilhação do trabalhador

frente a outras pessoas. Já outro entrevistado refere que mui tas das conquistas que teve na sua

vida ocorreram devido ao trabalho como motorista, contudo, mesmo assi m ele se vê apenas

“só mais como um número” para a empresa. O trabalhador explica que houve casos em que

seus colegas se acidentaram e “a empresa (...) tirou o dela da reta e deixou o cara na mão”.

Uma vez que a sublimação aparece mediante a apreciação qualitativa do julgamento pelo

outro, por meio do reconheci mento, infere-se, portanto, que essa pode encontrar-se

prejudicada no contexto de trabalho dos sujeitos desta pesquisa.

Já os motoristas que trabalham a mais tempo na profissão referem que o

relacionamento com a empresa é tranqüilo, como foi a respostas para maioria das perguntas, e

que eles sentem que seu trabalho é reconhecido e útil. Segundo um desses sujeitos,

Se você trabalha certinho, eles nem incomodam. Mas é... se eu precisar, pagar um

final de semana... é que as vezes acontece, né? Se eu quero ir viajar, preciso folgar

dois dias, eu chego e converso com eles, digo „ó, posso pagar tal pessoa pra fazer

pra mim?‟ „Não, não, pode pagar tranqüilo‟, porque eu não dou problema pra eles,

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né? Cumpro o horário certinho, não falto. Com eles é normal. (...)Eu, em 22 anos,

eu tenho 4 faltas. Fui viajar... só que eu avisei eles, né? „to indo viajar e tal‟. „Daí

quando você voltar você tira as faltas‟. No mais... e nem atraso também.

Esses motoristas, que afir ma m serem vistos como um bons funcionários na empresa,

referem que o relacionamento com a instituição “é tranqüilo se você não atrasa, se você não

tem faltas”. Quando per guntado a um deles como é o relacionamento da empresa com esses

outros trabalhadores, ele explica que a atuação da empresa “vai depender dos motoristas”:

“Se o cara trabalha certinho, não tem problema, não pegam no pé, nada. Agora, se

começar a faltar (...) alguma coisa está errada, né? Daí eles começam a... mas se

não, não. O tratamento é de igual pra igual”.

Durante toda a entrevista desse trabalhador observam-se omissões na sua fala. Esse

reconheci mento do qual fala do trabalhador, refere-se a um reconheci mento instrumental.

Percebe-se, nesse caso, que o que é reconhecido não é o que se faz, o esforço dispendido e a

inventividade, mas os resul tados em ter mos de di nheiro (SELIGMANN-SILVA, 1994).

Segundo Seligmann-Silva (1994, p.97) a “utilização de senti mentos e da estimulação do

orgulho pelo trabalho bem feito são al gumas das técnicas adotadas pelo poder que recebem

fortalecimento considerável da disciplinação, favorecendo a eficácia da mesma, preparando o

terreno para garantir a aceitação das exigências disciplinares”.

Segundo Dejours (2011c), a falta de reconheci mento provoca o risco de uma

desestabilização da identidade e a descompensação psicopatológica. “Se o reconheci mento não

aparece, os sujeitos engajam-se em estratégias defensivas a fim de evitar a doença mental,

com consequências para a organi zação do trabalho” (DEJOURS, 2012b, p. 110), o que será

abordado adiante.

4.4.2. As Estratégias Defensivas

Como é difícil acordar calado

Se na calada da noite eu me dano

Quero lançar um grito desumano

Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa

Atordoado eu permaneço atento

Na arquibancada, prá a qualquer momento

Ver emergir o monstro da lagoa

Chico Buarque - Cálice

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O estudo das estratégias defensivas utilizadas pelos motoristas de ônibus do transporte

coletivo de Curitiba pautou-se essencial mente na análise das falas dos entrevistados sobre três

aspectos. O primeiro refere-se à como os profissionais fazem para lidar com as dificuldades

encontradas no trabalho (dificuldades essas já expostas acima); o segundo, o que o trabalho

como motorista pode causar na saúde; e o terceiro, a explicação dos profissionais sobre o

motivo pelo qual alguns trabalhadores adoecem. Apesar do último aspecto não fazer parte do

questionário de for ma explícita, houve na maioria das entrevistas um comentário dos

entrevistados sobre o tema.

Quando per guntados sobre o que o trabalho como motorista de ônibus coletivo poderia

causar na saúde, todos os entrevistados imediatamente responderam que era o estresse.

Posteriormente, al guns entrevistados citaram a perda de audição provocada pelo barulho do

ônibus e o trabalhar sentado como origem de possíveis doenças. Segundo um motorista, há

mui tos profissionais “encostados” pelo INSS e “muitos adoecidos trabalhando ainda”. Ele

ainda menciona que “tem muito louco trabalhando”, fazendo referência aos trabalhadores

com estresse e ansiedade que não querem se afastar do trabalho devido a redução na

remuneração (tornando-a insuficiente para o pagamento de contas e o sustento da família) e a

perda da carteira de habilitação. Dessa forma, o profissi onal explica que esses trabalhadores

“não querem se entregar” e, por isso “tem muito louco aí, chapado...” trabalhando.

As estratégias que os profissionais disseram ter para lidar com as dificuldades do

trabalho foram “não esquentar a cabeça”, “não levar a sério o trabalho”, “levar na

esportiva”, “continuar tranqüilo” e “ficar em banho maria” Além disso, alguns deles

referiram que os motoristas que adoecem, adoecem por não conseguirem cumprir essa regra,

por “levarem muito sério a coisa”, “levarem na risca”, irem “guardando” e “ se

remoendo”, não consegui ndo “filtrar” ou “se desligar”. Segundo um deles:

Eu não levo a sério isso daqui não. Não levo mesmo. Eu estou trabalhando aqui.

Larguei o ônibus aqui, saí do serviço, fica aqui, maluco! Tem cara que não, que

leva sinal de dedo, xinga a mãe do cara, o cara guarda aquilo. Aí, ele não consegue

filtrar, sabe? Leva e aí o cara pira, né! O cara xinga de filha da puta, xinga o outro

cara e o cara fica aqui ó, se ele descer do carro aqui ele já perdeu o direito. (...)Ah,

eu não tô nem aí! É que nem eu falei, eu saio daqui, eu larguei o ônibus.... (...)

Xingou, „ah, a sua mãe também!‟ e um abraço! Mas tem cara que não, tem cara que

fica espumando aqui! Tem hora que tipo assim, não é que você sofra na hora ali,

tem dia que estressa mesmo, passageiro também, me tira do sério, mas eu, graças a

Deus, eu filtro né! De uma hora para outra, já era, já tô suave já, tranqüilo! Mas

tem cara que não! A maioria do pessoal não consegue! Eu não, eu saio daqui e tô

de boa! Levo na esportiva (...)Tem cara que fica se remoendo ali, aí o cara pira. Se

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eu recebo um sinal de dedo, ou qualquer coisa assim e é primeira viagem, aí fica

tudo diferente, atrapalha já, fico tenso.

Outro trabalhador explica o que seria a estratégia de “não levar tão a sério” o trabalho:

Mas não bagunçando, né? Mas não esquentar a cabeça por qualquer coisinha. Tipo

um carro que atravessa na frente (...) isso é grave. Atravessou? Leva na boa!

Porque não vai resolver nada, né? Quer dizer, vai resolver pra mim, se eu não

levar a sério, a minha saúde vai ficar tranqüila. Não vou esquentar muito, não vou

me estressar muito. Agora se a pessoa faz isso, qualquer coisinha já tá xingando, e

tal, aí o prejuízo é dele, da saúde dele, né?

Dejours (2011b) situa diferentes funções das defesas em um coletivo de trabalho, que

podem se estr uturar como defesas de proteção, defesas de adaptação e, ainda, as defesas

baseadas na exploração. Observa-se, nas falas acima, que uma estratégia defensiva utilizada

pelos trabalhadores é a da racionalização, o que Dejours (2011b) define como sendo o

fundamento das defesas de proteção. Essas consistem em modos de pensar, sentir e agir

compensatórios, que são utilizados para supor tar o sofri mento e tendem, a perder sua eficácia,

segundo o autor, quando as adversidades da realidade do trabalho se intensificam. A

racionalização é um mecanismo no qual se atribuem explicações coerentes do ponto de vista

lógico, ou aceitáveis do ponto de vista moral, para uma atitude, ação, idéia ou um senti mento

(LAPLANCHE; PONTALIS, 2004). Observa-se que esse mecanismo auxilia o trabalhador a

manter o autocontrole enquanto exerce sua atividade laborativa e, portanto, auxilia no

enfrentamento do sofri mento, sem, contudo, tem força para mobilizar mudanças na

organização do trabalho.

Considera-se que os dados encontrados neste estudo se assemelham daqueles

encontrados por Sato (1991), sobre o trabalho dos motoristas de ônibus em São Paulo. A

partir da fala dos profissionais entrevistados em Curitiba, podemos inferir ta l como

mencionado pela autora, que o trabalho como motorista nas atuais condi ções demanda um

excesso de autocontrole por parte desses profissionais. Infere-se que o trabalhador utiliza

estratégias defensivas que visam o autocontrole (“filtrando”, “não esquentando a cabeça” não

“levando a sério o trabalho” e “desligando-se”) diante das situações estressantes do dia-a-dia.

Por meio dessas, o trabalhador objetiva suportar ao máxi mo as irritações a fim de não

adoecer, como explica o próprio trabalhador acima. Segundo Sato (1991, p.75) “é necessário

mui tas vezes ter autocontrole para continuar trabalhado, denotando que quando não é possível

controlar os contextos de trabalho „penosos‟, é necessário controlar a si mesmo”.

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Tal como pode ser analisado a partir da fala dos sujeitos desta pesquisa ao explicarem

sobre o motivo que leva alguns profissionais ao adoecimento, Sato (1991) explica que esse

ocorre entre os motoristas quando não é possível manter o equilíbrio que per mite ao

trabalhador exercer o controle sobre os contextos de trabalho que incomodam e irritam

(quando o trabalhador não consegue “filtrar”, não consegue mais permanecer no “banho

Maria”, segundo os entrevistados). Dessa forma, a r uptura, como denomi nado o adoecimento

pela autora, está relacionado ao excesso de autocontrole adotado, visando supor tar o máxi mo

possível as irritações no trabalho. Não havendo mecanismos adequados para lidar com esses

estados emocionais, dá-se um “processo de transfor mação da subjetividade e a pessoa fica

doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO, 1991, p. 73). O que leva a um desgaste mais

rápido desses profissionais e, consequentemente, a sua aposentadoria precoce (SATO, 1991).

Outro ponto relevante para o estudo das estratégias defensivas parece u ser a questão

do tempo/adaptação do motorista ao trabalho. Isso, pois se observou que apesar de

singularidades quanto às estratégias defensivas utilizadas pelos entrevistados, houve

diferenças substanciais entre a fala dos trabalhadores que exercem a função de motorista de

ônibus coletivo de passageiros por um período menor (o que se chamou de trabalhadores

menos adaptados) em comparação com a fala dos motoristas que exercem há função há mais

tempo (trabalhadores mais adaptados). O primeiro grupo englobou tanto o entrevistado mais

novato na profissão (2 anos), quanto o sujeito que apesar de trabalhar há 10 anos como

motorista, exerce, durante todos os anos, a função no transporte coletivo de passageiros

somente durante cerca de 2 meses por ano. Já os outros motoristas desempenham sua

atividade há mais tempo (10 e 16 anos), durante todo o período do ano.

Observou-se que o primeiro grupo ( menos adaptados) enfati zou, em alguns momentos

da entrevista, o quanto o trabalho é estressante, o que foi ressaltado várias vezes pelo

motorista mais novo na função. Esse, disse estar estressado e precisando de descanso, já o

outro motorista afir mou estar “estressando”. Em contrapartida, os profissionais mais

adaptados a função, apesar de terem mencionado que uma das conseqüências do trabalho

como motorista na saúde é o estresse, durante toda a fala ressaltaram que o trabalho é

“tranqüilo” e as relações de trabalho são “tranqüilas” ou “nor mais”. Na fala do profissional

que desempenha a função há mais tempo (16 anos) isso apareceu de modo mais acentuado,

visto que ele utilizou as expressões “é tranqüilo”, “é sossegado” e “bem gostoso” pelo

menos uma vez a cada resposta, não apresentando quei xas sobre o seu trabalho. Até mesmo a

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questão das multas, algo amplamente noticiado na mídia como abusivo para c om o

trabalhador, esse entrevistado disse serem justas (ele explica que os trabalhadores acham que

fazem tudo da maneira correta, porém as reclamações sobre seu comportamento e as multas

evidenciam que eles estão enganados). De acordo com Dejours (2011b) as defesas de

adaptação e de exploração se baseiam na negação do sofrimento e na submissão ao desejo da

produção. São funcionais para a empresa porque os trabalhadores assumem, como suas, as

metas de produtividade e de excelência, tomando como seu o desejo da organização.

(DEJOURS, 2011b). Dessa for ma, “centrado sobre si mesmo”, sobre o seu autocontrole, “o

indivíduo „esquece‟ de se interrogar sobre o funcionamento global ” da organização,

“particularmente sobre a violência que nela reina”. Além disso, a negação da realidade gera

uma aniquilação e uma incapacidade de se defender (GAULEJAC, 2007, p. 189).

Analisa-se que os profissionais que desempenham sua função há mais tempo, têm o

discurso organi zacional mais internalizado em comparação com os motoristas ma is novos,

chamados de “calouro” por um dos entrevistados. Essa submissão vol untária, observada

nesses trabalhadores, caracteriza uma patologia social em que as relações profissionais são

utilizadas como estratégia para o crescimento na hierarquia (DEJOURS, 2012a). O

trabalhador adere a esse discurso quando consente com práticas marcadas pelo sofrimento e

pelo uso conti nuado de defesas, como recurso para garantir seu emprego. Ao i nvés de

protestar contra as condições geradoras de sofri mento, mostra -se adaptado, integrado e feliz.

Essa patologia é resultado da radicalização dos princípios da racionalidade econômica nas

relações de trabalho (MENDES, 2007), como conseqüência, o sujeito se faz i nstr umento e

aliena seu desejo na vontade do outro (FERREIRA, 2007).

Os “calouros” parecem não ter internalizado, ai nda, todas as regras da ideologia

defensiva que per mite a continuidade no trabalho e ainda “falham” na sua utilização, visto que

um aborrecimento logo no i nício da jornada de trabalho, tal como citado pelos do is motoristas

do primeiro grupo, “atrapalha”, “altera o humor”, deixando o motorista “tenso”. Infere-se

que é devido a essa “falha” que esses profissionais foram os únicos que mostraram sinais de

indignação frente as nor mas que são submetidos no trabalho e também devido a isso eles não

conseguem negar o sofri mento (admi tindo estarem estressados), diferente dos motoristas do

primeiro gr upo. O que ai nda contribui para essa análise é o fato de que ambos os

trabalhadores “menos adaptados ao trabalho” afirmaram que uma das estratégias que utilizam

frente ao estresse do dia-a-dia é “desligar de tudo” ao fim da jornada de trabalho (ir “para

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casa e não pensar mais nisso, senão a gente fica louco”), o que não apareceu na fala dos

demais entrevistados. Infere-se que se essa estratégia se faz necessária para esses

profissionais, é porque eles ainda permanecem, ao menos em parte, “ligados” durante o

exercício do seu trabalho, o que per mite a alteração do humor, o estresse e a tensão frente às

situações desagradáveis. Nesses casos, observa-se que apesar da evidencia do sofrimento,

esses trabalhadores parecem ter, ai nda, sua capacidade afetiva preservada, já que se abalam

diante das situações estressantes, são comovidos por elas, percebem-nas como estressantes e

também o risco delas para sua saúde. Já os demais trabalhadores entrevistados, que parecem

ter a estratégia defensiva mais “solidificada”, aparentam insensibilizados contra tudo aquilo

que os fazem sofrer, por isso não se observa nenhuma crítica, nenhuma revolta, so fri mento ou

indignação, nenhuma queixa sobre o trabalho. O trabalhador parece não ter a capacidade de

comover-se, torna-se submisso e adaptado. Com essa estratégia o trabalhador visa cultivar a

resistência, ou seja, a capacidade de aguentar fir me o tempo todo a qualquer intempérie sem

se ferir ou adoecer (DEJOURS, 2012a). Observa-se nesse processo a exploração das defesas

pela organização do trabalho e, assim, a transfor mação do humano em um recurso explorável

(GAULEJAC, 2007).

Diante do sofri mento, um dos motoristas do primeiro grupo disse planejar sair do

emprego (já tendo procurado outro meio de sustento), e o outro, pede por férias por estar

senti ndo-se estressado e reflete que alto í ndice de adoecimento mental sofrido pela sua

categoria profissional está associado justamente à falta de descanso. Além disso, um desses

profissionais foi o único a comentar sobre a preocupação quanto ao alto índice de afastamento

do trabalho por adoecimento mental na sua categoria profissional. Ele também foi o único a

relatar, durante a entrevista, o senti mento de medo: medo de “bater o carro, derrubar

alguém, machucar alguém”, contudo, disse estar se acostumando com a situação. Tal como

explica Dejours (1992), percebe-se que os “calouros” estão sendo submetidos ao teste da

ideologia-defesa e se não suportarem esse ambiente de trabalho deverão sair do trabalho. A

fala dos profissionais desse primeiro grupo foi de essencial relevância para a análise da

organização do trabalho (capítulos anteriores), uma vez que esses evidenci aram a exploração

a qual os profissionais estão submetidos no trabalho e a relação conflituosa e paradoxal que

envolvem a or ganização do trabalho, o que não seria possível observar somente analisando a

fala dos motoristas mais adaptados ao trabalho.

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Ainda sobre a reflexão dos mais adaptados/ menos adaptados ao trabalho, considerou-

se relevante mencionar a explicação do motorista entrevistado que desempenha sua função há

mais tempo (trabalha há 22 anos na empresa e desempenha a função de motorista há 16 ano s,

tendo trabalhado anteriormente como cobrador). Ele disse que durante os primeiros 6 anos

saiu do trabalho 4 vezes (“não tá dando mais, eu pegava e saia fora...”). As desistências do

trabalhador ( mesmo que na época ele fosse cobrador) podem ser um indíc io da dificuldade

que ele enfrentou para adaptar-se a essa organização do trabalho. Além disso, o seu

compor tamento de desistir do trabalho por quatro vezes parece entrar em conflito com o fato

de ele ter sido o trabalhador que durante as entrevistas, mais enfatizou o quanto o seu trabalho

é tranqüilo e o quanto estava satisfeito. Infere-se que as estratégias que per mitiram seu acesso

à adaptação, de modo a ele perceber tudo como tranqüilo e, como conseqüência, seu

permaneci mento no trabalho, também foram aquelas que cul minaram na alteração de sua

afetividade, tornando o trabalhador insensível contra aquilo que o faz sofrer. Observa-se,

nesse ponto, que agir e padecer são como as faces opostas da mesma moeda (ARENDT,

2007) e que o engajamento na estratégia defensiva é danoso à saúde do trabalhador. Infere-se,

assim, que o trabalho como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais

circunstâncias, é possível por meio da exploração do sofrimento, da estratégia defensiva

utilizada pelo trabalhador.

A partir da percepção da perturbação da subjetividade dos motoristas (que envolve

portanto, a afetividade, visto que essa está na base da subjetividade (DEJOURS, 2012a)) ao

trabalhador engajar-se na ideologia defensiva, pode-se voltar a questão descrita a pouco sobre

a falta de engajamento político dos trabalhadores na luta por mel hores condições de trabalho.

Foi dito anteriormente que “o sofrimento somente suscita um movi mento de solidariedade e

de protesto quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio e a

convicção de que esse sofri mento resulta de uma inj ustiça”, caso contrário, “não se levanta a

questão da mobilização numa ação política, tampouco a questão de justiça e injustiça”

(DEJOURS 2012a, p. 19). Todavia, o autor explica que essa percepção do sofri mento alheio

provoca um processo afetivo, “indispensável à concretização da percepção pela tomada de

consciência” (p.46) e que a sensibilidade para com o sofri mento de outrem, depende

inevitavelmente da relação do sujeito para com seu próprio sofrimento. Como já mencionado,

encontrou-se indícios, nesta pesquisa, de que o engajamento dos motoristas na ideologia

defensiva leva a uma alteração da afetividade, ou seja, do modo pelo qual o corpo vivencia

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seu contato com o mundo (DEJOURS, 2012a), fazendo com que o trabalhador mantenha -se

insensibilizado diante daquilo que o faz sofrer. Dessa for ma, a i mpossibilidade de exprimir e

elaborar o sofri mento constitui um obstáculo ao reconhecimento do sofri mento alheio. Além

disso, “a intolerância afetiva para com a própria emoção reacional acaba levando o sujeito a

abstrair-se do sofrimento alheio por uma atitude de i ndiferença – logo, de intolerância para

com o que provoca seu sofri mento” (DEJOURS, 2012a, p. 46).

Dessa for ma, observa-se a estratégia defensiva do individualismo, que leva ao

enfraqueci mento da solidariedade. Mesmo os trabalhadores partilhando coletivamente da

vivência do trabalho, da cadência e da disciplina, “os operários são confrontados um por um,

individual mente e na solidão, às violências da produtividade” ( DEJOURS, 1992, p. 39).

Assim, analisa-se que a falta de engajamento político dos motoristas na l uta por melhores

condições de trabalho esteja relacionada com o próprio engajamento deles na ideologia

defensiva. Tal estratégia defensiva pode constituir-se, ainda, como objeto de cooperação, visto

que contribuem de maneira decisiva para a coesão do coletivo de trabalho (DEJOURS,

2012a). Dessa for ma, observa-se que a cooperação dos trabalhadores tem uma “relação

estreita com os procedimentos defensivos contra o sofri mento decorrente dos processos de

organização do trabalho” (DEJOURS, 2011b, p.173). Isso poderia explicar a existência de

relações ami gáveis entre a categoria profissional dos motoristas, que, no entanto, não se

constituem como relações de solidariedade. Confor me cita Dejours (2012a) essa estratégias

defensivas têm uma função primordial de adaptação e de fuga contra o sofrimento, mas são o

meio essencial de banalização da injustiça social. Já que a percepção do sofrimento alheio

constitui uma dificuldade subjetiva suplementar, que prejudica os esforços de resistência no

trabalho, assim, cabe a cada trabalhador nesse contexto de trabalho precarizado negar o

sofrimento alheio e calar o seu (DEJOURS, 2012a).

Nesse ponto, também se torna per tinente mencionar a exploração do sofri mento pela

organização do trabalho. Percebe-se, neste contexto, que a ideologia defensiva tem um valor

funcional em relação à produtividade na medida em que por meio do excesso de autocontrole,

o que cul mi na na alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais produtivo e dócil, não

se percebe enquanto alvo de abuso de poder, fica em “banho Maria” frente aquilo que causa o

seu sofrimento e per mi te a perpetuação do ciclo de explora ção. De encontro com essa

reflexão, um dos entrevistados explica, do seu ponto de vista, o porquê a Urbs ai nda não

redefiniu os horários para o cumpri mento das frotas, estipulados há muitos anos:

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Eu acredito que a Urbs só não mudou o horário ainda por causa dos louco! Por

causa dos louco, porque se todo mundo rodar certinho ninguém vai dar para

cumprir o horário. De jeito nenhum dá pra cumprir o horário. Mas tem uns louco

que fazem loucura, sei lá., consegue fazer. Então se ele consegue fazer, por que eu

não consigo? A Urbs pensa assim, entendeu? Então aí fica assim como tá.

Contudo, em maior ou em menor grau, todos os profissionais entrevistados afirmaram fazer

essas “loucuras”, ou seja, transgredir nor mas para adaptar a defasagem entre o trabalho

prescrito e o trabalho real. Essas transgressões incluem comportamentos que favorecem os

interesses da organização do trabalho, tais como: não ir ao banheiro quando necessário;

“aumentar a velocidade para compensar o atraso”; “correr demais”; “passar no sinal

amarelo”; “fazer as coisas mais rápido”; “pisar um pouco mais”. Como também

compor tamentos que apenas permitem que o trabalhador escape da punição: u m dos

motoristas mencionou que “corta viagem”, comportamento que consiste em esperar no ponto

final até o horário da viagem segui nte quando ocorre um grande atraso. Entretanto, devido a

implantação do aparato tecnológico que per mite localizar os ônibus, essa estratégia não vem

sendo mais viável. Tal como definido por um trabalhador “você tem que andar que nem

louco” afi m de que o sistema de transporte coletivo de Curitiba funcione. Infere-se que pela

adesão dos trabalhadores “eles se tornam os principais atores de uma domi nação que eles

suportam” (GAULEJAC, 2007, p. 308) e é por essa adesão que a situação e a domi nação se

perpetuam.

Segundo Gaulejac (2011) numa gestão paradoxal existe a presença de exi gências

incompatíveis entre si às quais é necessário submeter -se sem desobedecer ou agir de outra

maneira. Percebe-se pelas falas acima, que uma das estratégias dos motoristas diante da

defasagem entre o real e o prescrito é a autoaceleração no trabalho (“fazer as coisas mais

rápido”) e com o ônibus (“aumentar a velocidade para compensar o atraso”). Essa

estratégia, segundo Dejours (2011c), ocorre comumente diante do trabalho repetitivo e sob

controle de tempo, onde a i mposição das cadências e, sobretudo a repetição estão em conflito

com o funcionamento psíquico espontâneo. Nessas situações a atividade fantasmagórica

(produto da imaginação para escapar ou fugir de uma situação real) além de inútil ao trabalho

torna-se um estorvo na execução da tarefa. O autor explica que ela provoca desatenção ao

trabalhador, faz com que sua cadência baixe e altera sua concentração, o que pode acarretar

acidentes de trabalho. Dessa for ma, os fantasmas tornam-se algo avesso à adaptação ao

trabalho. Dejours (2011c, p. 230) explica que os trabalhadores “obtêm o sossego como

resultado de expurgo de qualquer atividade fantasmagórica de sua consciência. Em outros

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ter mos, os operários procuram produzir em si uma paralisia do funcionamento psíquico”, o

que ocorre por meio da autoaceleração. Por meio desse processo é alcançada a repressão da

pulsão, e assim “não há mais conflito entre funcionamento psíquico e or gani zação do

trabalho” (DEJOURS, 2011c, p. 230). Sugere-se que é por meio do engajamento nessa

estratégia defensiva a própria percepção do risco que envolve o trabalho como motorista é

alterada, o que está relacionado ao fato dele “correr demais” e “passar no sinal amarelo”,

colocando em vul nerabilidade sua vida, a dos passageiros e demais pessoas com quem divide

o trânsito.

Considera-se que a estratégia defensiva utilizada pelos motoristas permite, por um

lado, a não confrontação com a organi zação do trabalho (isto é, a perpetuação dos inte resses

dessa organização) e, por outro, um equilíbrio precário ao trabalhador, que se não entrar no

pacto da ideologia defensiva terá sua saúde prejudicada e terá ameaçada a sua continuação no

trabalho. Dessa for ma, é por meio do engajamento na estratégia defensiva que o motorista

torna-se corpo útil à organização do trabalho. Em outras palavras, é por esse mecanismo que

há a transfor mação de “cada i ndivíduo em trabalhador e cada trabalhador em i nstr umento

adaptado às necessidades da empresa” (GAULEJAC, 2007, p. 308). Nesse processo “uma boa

parte de sua ener gia psíquica é captada (...) e transfor mada em força de trabalho a serviço da

rentabilidade financeira” (GAULEJAC, 2007, p. 308).

De encontro com os dados analisados neste estudo, segundo Sato (1991) o

adoecimento nessa classe de trabalhadores está relacionado ao excesso de autocontrole

adotado, visando suportar o máxi mo possível as irritações no trabalho. Não havendo

mecanismos adequados para lidar com esses estados emocionais, dá -se um “processo de

transfor mação da subjetividade e a pessoa fica doente, fica nervosa, fica irritante” (SATO,

1991, p. 73). No caso do adoeci mento mental, Dejours (2011d) explica que ele ocorre quando

o indivíduo perde o contato com o real e o reconheci mento com o outro, cul mi nando, segundo

o autor, em sua alienação mental. Foi dito que os trabalhadores mais adaptados ao trabalho

negam a realidade e o próprio sofrimento que as condições de trabalho lhe acarretam. Além

disso, não há um reconheci mento sobre o seu trabalho por parte das empresas, a não ser um

reconheci mento instrumental. Sugere-se que essa situação se configura como contexto

propício para o desenvolvimento de descompensações mentais. Dessa for ma, o sofri mento e o

adoecimento mental desses trabalhadores não pode ser considerado apenas como uma

consequência deplorável ou um aconteci mento lamentável, visto que, tal como define Dejours

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(1992), até um certo momento esse se revela propício à produção, sendo o próprio

instr umento para obtenção do trabalho.

A fala de trabalhador é esclarecedora, nesse sentido. Quando per guntado a ele sobre o

posicionamento da empresa diante dos adoeci mentos, ele explica: “só tem um médico lá, você

chega lá com dor no pé ele te dá uma Cibalena para você tomar lá, e boa, te dá um doril.

„Ah, tô com insônia por causa dos horário‟, te dá um doril e abafa! É só isso!”. Esse

trabalhador infere que nada vem sendo feito a fi m de prevenir os adoeci mentos e denuncia

uma atitude no sentido de “abafá-los”, ou seja, escondê-los, sonegando os direitos do

trabalhador. Assim, i nfere-se que além do fato de que a organi zação do trabalho beneficia -se

do processo de adoecimento/sofri mento vivenciado pelo trabalhador (ou seja, de seu

“desarranjo subjetivo”, que per mi te que o motorista negue os riscos de seu trabalho e,

portanto ande mais depressa; não se abale diante das situações estressantes e, portanto não as

perceba como tal; e, pri ncipalmente seja dócil frente ao processo de exploração), ela dispõe os

sujeitos a fim de garantir o sucesso do processo de dominaçã o que exerce ao trabalhador. Em

meio a essa disposição dos sujeitos, está o fiscal, profissional que aplica as multas abusivas

aos motoristas, e a figura do médico, quem ocupa o lugar de esconder o adoecimento, o grito

do trabalhador, sua denúncia acerca do processo de exploração que a organização do trabalho

exerce para com ele. Nessa conjuntura a organi zação do trabalho omite -se de suas

responsabilidades e dos danos os quais ela mesma produziu.

Diante do que foi exposto acima, percebe-se a necessidade da implementação de

mudanças no processo de trabalho dos motoristas, o que deve contar com a participação

desses trabalhadores, enquanto sujeitos de sua vida e sua saúde, capazes de contribuir para o

avanço da compreensão do impacto do trabalho sobre o proce sso saúde doença e de intervir

politicamente para a transfor mação desta realidade (SANTOS JÚNIOR, 2003).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pai! Afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue

Tal vez o mundo não seja pequeno (Cale-se!) Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)

Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)

Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale -se!)

Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)

Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)

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Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)

Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!)

Chico Buarque – Cálice

Esta pesquisa objetivou investi gar a organização do trabalho do transporte coletivo de

Curitiba e sua relação com o sofri mento dos motoristas, sofri mento esse que cul mi na no

processo de adoecimento mental vivenciado por alguns desses trabalhadores. Observou-se que

as dificuldades que os motoristas dizem enfrentar no desenvolvi mento de sua atividade

laboral estão relacionadas com as nor mas i nter nas, muitas vezes paradoxais, da organização

do trabalho, e em especial no que tange ao controle e vigilância do trabalhador. Nesse

processo, as relações de trabalho são prejudicadas, vistos que as pessoas que estão no

convívio com o trabalhador são instr umentalizadas, pela organização do trabalho, para exercer

o controle para com esse profissional: os fiscais, por meio de seus relatórios e aplica ção de

mul tas; e os passageiros e a população em geral, por meio de sua reclamação na central de

atendi mentos e infor mações da prefeitura de Curitiba, o que acarreta, nos dois casos, uma

penalidade ao motorista. Dessa forma, entende-se que essas relações de trabalho, percebidas

como ameaça pelos entrevistados, são reflexos do modo de gestão do transporte coletivo de

Curitiba, que contribui para a destr uição das relações afetivas desses profissionais no trabalho

e produz a falta de solidariedade entre eles, a solidão e o sofrimento ao trabalhador. Foi

observado também a presença de regulamentos i ncompatíveis entre si na organi zação do

transporte de Curitiba, uma das características de um sistema paradoxal (GAULEJAC, 2011),

de modo que não tor na-se possível o motorista realizar sua atividade sem infringir nor mas.

Dessa forma, esse profissional comete infrações que remetem as próprias falhas da

organização do trabalho, contudo isso é percebido como um erro do motorista e i nterpretado

como i ncompetência ou i ndisciplina.

As fal has da organização do trabalho são assumidas individual mente pelo motorista,

são um problema o qual ele tem que resolver. Contudo, em uma análise sobre o sofrimento

vivenciado por esses profissionais, observou-se que eles não se sentem reconhecidos pela

empresas na quais trabalham por oferecer a sua contribuição (submetendo -se aos riscos do

trabalho, mobilizando sua inteligência e subjetividade). Como existe a falta do

reconheci mento, não há a transfor mação do sofri mento em prazer (DEJOURS, 2 012b) e o

trabalhador “se vê reconduzido ao seu sofri mento e somente a ele” (DEJOURS, 2012a, p. 35),

tendo que engajar-se em estratégias defensivas a fim de evitar a doença mental (DEJOURS,

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2012b). Observou-se que esses trabalhadores utilizam estratégias defensivas que visam seu

autocontrole no trabalho (“filtrando”, “não esquentando a cabeça”, não levando a sério o

trabalho”, “ficando em banho maria” e “se desligando”), com a finalidade de suportar ao

máxi mo as irritações do dia-a-dia. Além disso, percebeu-se diferenças substanciais entre a

fala dos trabalhadores que exercem a função de motorista de ônibus coletivo de passageiros

por um período menor (o que se chamou de trabalhadores menos adaptados) em comparação

com a fala dos motoristas que exercem a função há mais tempo (trabalhadores mais

adaptados). Isso foi de fundamental impor tância para o entendi mento das estratégias

defensivas utilizadas por essa categoria profissional. Encontrou-se indícios, nesta pesquisa, de

que o engajamento dos motoristas na ideologia defensiva leva a uma alteração da afetividade,

ou seja, do modo pelo qual o corpo vivencia seu contato com o mundo (DEJOURS, 2012a).

Observou-se que os trabalhadores mais adaptados referem que o trabalho é tranqüilo, não

expressam qualquer sinal de indignação frente as nor mas as quais estão submetidos, e são

insensíveis contra tudo aquilo que os fazem sofrer, negando a realidade e o próprio sofrimento

que tais condições de trabalho lhe acarretam, submetendo-se, assim, ao desejo da produção. Já

os trabalhadores menos adaptados aparentam ai nda fal har na utilização das estratégias

defensivas que visam o autocontrole no trabalho, isso pois ressaltam, ao contrário do pri meiro

gr upo, o quando sua atividade é estressante e demonstram i ndignação frente as nor mas da

Urbs, a conivência da empresa para com essas nor mas, e também frente as situações que

remetem a exploração dos trabalhadores por parte do seu próprio sindicato. Apesar de uma

evidência maior do sofrimento, observa-se que os motoristas desse grupo ainda têm sua

capacidade afetiva preservada. Além disso, observou-se que a falta de engajamento político

dos motoristas na luta por melhores condições de trabalho esta relacionada ao próprio

engajamento deles na ideologia defensiva.

Percebe-se, que a ideologia defensiva tem um valor funcional em relação à

produtividade na medida em que por meio do excesso de autocontrole, o que cul mina na

alteração da afetividade, o trabalhador torna-se mais produtivo, não se percebe enquanto alvo

de abuso de poder, fica em “banho Maria” frente aquilo que causa o seu sofrimento e permite

a perpetuação do ciclo de exploração. A organização do trabalho beneficia -se do processo de

sofrimento vivenciado pelo trabalhador (ou seja, de seu “desarranjo subjetivo”, uma vez que

esse permite que o motorista negue os riscos de seu trabalho e, por tanto ande mais depressa;

não se abale diante das situações estressantes e, portanto não as perceba como tal; e,

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principalmente seja dócil frente ao processo de exploração). Infere -se, assim, que o trabalho

como motorista de ônibus no transporte coletivo de Curitiba, nas atuais circunstâncias, é

possível por meio da exploração do sofrimento, da defesa utilizada pelo trabalhador. Assim,

percebe-se que “o trabalho não causa o sofrimento, é o sofri mento que produz o trabalho”

(DEJOURS, 1992, p.103) e que agir e padecer são como as faces opostas da mesma moeda

(ARENDT, 2007). O engajamento na estratégia defensiva, apesar de garantir um equilíbrio

precário, é danoso à saúde do trabalhador, na medida em que altera a sua afetividade de for ma

a resistir ao que é prejudicial.

Nessa linha de raciocínio, infere-se, que nas atuais circunstâncias de trabalho dos

motoristas, contextualizadas neste estudo, o processo de adoeci mento desses trabalhadores

está relacionado ao excesso de autocontrole, tal como já foi apontado por Sato (1991).. No

caso do adoecimento mental, Dejours (2011d) explica que ele ocorre quando o indivíduo

perde o contato com o real e o reconhecimento com o outro, cul mi nando, segundo o autor, em

sua alienação mental. Foi dito que os trabalhadores mais adaptados ao trabalho negam a

realidade e o próprio sofrimento que as condições de trabalho lhe acarretam. Além disso, não

há um reconheci mento sobre o seu trabalho por parte das empresas, a não ser um

reconheci mento instrumental. Sugere-se que essa situação se configura como contexto

propício para o desenvolvimento de descompensações mentais. Além disso, o sofri mento e o

adoecimento mental desses trabalhadores não pode ser considerado apenas como uma

consequência deplorável ou um aconteci mento lamentável, visto que, tal como define Dejours

(1992), até um certo momento esse se revela propício à produção, sendo o próprio

instr umento para obtenção do trabalho.

Buscou-se, chamar atenção, ainda, ao lugar dado ao trabalhador nessa organização do

trabalho, o que diz também do lugar dado ao trabalhador na sociedade atual. Por meio do

estudo das relações de poder entre as instituições no âmbito do transporte coletivo (Urbs, as

empresas e o sindimoc), foi notado uma tentativa, por parte de cada uma dessas entidades, de

se eximir de suas responsabilidades para com o trabalhador e uma relação de conveniências

quando o assunto é o incremento da lucratividade por meio de sua exploração. Como cita o

trabalhador, “eles só querem saber do lucro, só querem saber do lucro”, “pensa só em lucro

e não está nem aí para você”. Observa-se tanto pelos relatos dos trabalhadores, quantos pelas

notícias publicadas na mídia, que o sindicato dos trabalhadores também parece estar inserido

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nesta lógica, visto que as notícias evidenciam que historicamente as condutas do sindicato não

foram em prol dos trabalhadores.

O lugar do trabalhador, nessa organi zação do trabalho também foi destacado no título

deste estudo, a partir da fala de um dos motoristas entrevistados: “Nós não valemos nada”,

disse o trabalhador, “menos do que aquele pinguinho no pneu”. Observa-se, portanto que os

motoristas ocupam um lugar não reconhecido (não são reconhecidos pelo seu esforço), um

lugar de explorado, de punido, lugar onde além da força de trabalho, o trabalhador é

explorado a ponto de arcar financeiramente com o seu trabalho para a manutenção do

emprego. Explorado pelas três entidades responsáveis por zelar pelos seus direitos e sua

saúde, mas que ao invés disso lidam com o trabalhador confor me as convém em ter mos

financeiros, deixando-os em segundo plano. Lugar no qual a sua condição de sujeito, a sua

subjetividade é negada. Demarca-se que estamos falando sobre esse lugar neste estudo, e é ele

que se buscou enfati zar durante a análise. Isso, pois é neste e deste lugar que o trabalhador

vem adoecendo, no momento da sua vida no qual trabalha. Nesse âmbito, questiona -se: qual é

o impacto do l ugar ocupado pelo trabalhador nessa organização do trabalho (e modo mais

abrangente, na nossa sociedade), em ter mos da sua identidade?

Sabendo que o trabalho tem uma função psíquica, uma vez que é um dos grandes

alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de si gnificados (LACMAN, 2008), e que a

identidade é a armadura estrutural da saúde mental (DEJOURS, 2012b), infere -se que esse

lugar ocupado pelo trabalhador nesse contexto está relacionado ao sofri mento patogênico e ao

processo de adoecimento psíquico vivenciado por esse grupo de trabalhadores. Infere -se que

tal lugar é desestruturante, levando o trabalhador a uma crise de identidade, o que cul mi na em

sua descompensação psicopatológica.

Buscou-se analisar o sofrimento a partir dos processos que os geram, o adoecimento

não como uma patologia do trabalhador, mas como um reflexo de uma violência para com ele

e, talvez, até mesmo como um sinal de saúde, visto que é por meio desse adoecimento que o

sujeito consegue deixar de se submeter às condições danosas à sua saúde. Interpretamos,

dessa maneira, o adoecimento como uma expressão do sofri mento, como um grito do

trabalhador, sua denúncia acerca do processo de exploração que a organização do trabalho

exerce para com ele, uma tentativa de solução de um conflito. Como ressalta Brant e Minayo -

Gomez (2009), a expressão do sofrimento é “um bem” do sujeito. Acredita -se que o

adoecimento é a for ma encontrada pelo trabalhador para denunciar as condições de trabalho

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que não cessam de se degradar, a destruição da sua condição de sujeito, a dureza das

condições de trabalho, o contexto violento e paradoxal do qual faz parte.

Nesse contexto questiona-se, tal como descreve Gaulejac (2007) se é prudente falar

em doenças e aceitar que o seguro-doença assuma os seus custos, visto que a pressão do

trabalho é a sua causa. Para o autor, o encobrimento da responsabilidade da empresa leva a

uma dupla armadilha: o agravamento contínuo das perturbações e das despesas de saúde, de

um lado; e uma cegueira sobre a degradação das condições de trabalho e de suas

conseqüências sociais, por outro. Dessa for ma, o autor aponta a necessidade de restabelecer as

ligações entra a gestão dos recursos humanos e a saúde mental. Para ele, o poder gerencialista

tem como propósito canalizar a energia psíquica a fim de transfor má -la em força de trabalho.

Portanto, infere-se que é responsabilidade da organização do trabalho “gerenciar” as

conseqüências de seu modo de gestão que tem acarretado danos à saúde dos trabalhadores.

Diante do adoecimento mental vivenciado pelos motoristas de ônibus de Curitiba,

infere-se, dessa forma, que é a própria gestão do sistema de transporte coletivo da cidade que

deve ser questionada, o que engloba a Urbs, as empresas de ônibus e o si ndicato dos

trabalhadores. Afi nal, essas entidades praticam um tipo de gerenciamento danoso à saúde do

trabalhador, e até então, usufr uem de uma i mpunidade total quanto as suas conseqüênci as

humanas, sociais e financeiras. Tal como aponta Gaulejac (2007) a gestão deveria oferecer

instr umentos adequados para avaliar os custos sociais e psíquicos, tal como aqueles que ela

criou para avaliar os benefícios e as perdas financeiras. Isso seria o sinal de que essa não é

mais uma ideologia a serviço do poder dominante, mas uma ciência a serviço do interesse

geral. Como efeito, o alívio da pressão no trabalho per mitiria reduzir as despesas de saúde que

essa acarreta (GAULEJAC, 2007).

O transporte coletivo é essencial e

Requer intervenções cuidadosas não só no sentido da preservação do direito social

ao acesso a um transporte de boa qualidade (...), mas também no sentido da

preservação do direito dos trabalhadores à sua saúde. Estas duas questões devem ser

compatibilizadas e não antagonizadas. Até porque no caso de um maior estresse

entre os motoristas de ônibus com a supressão do trabalho do seu auxiliar, pode -se

ocasionar no limite, ao longo do tempo, um aumento do número de acidentes de

ônibus e, aumentar os riscos de problemas de saúde entre motoristas (SOUZA,

1996).

6. REFERÊNCIAS

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7. ANEXOS

Rote iro de e ntre vista:

1) Fale sobre o seu trabalho.

2) Há quanto tempo trabalha como motorista? Como foi a sua inserção na profissão?

3) Qual foi a sua trajetória na empresa? Já trabalhou em outras empresas?

4) Como funciona a questão das fol gas, férias e as pausas na jornada de traba lho?

5) Como é ser motorista de ônibus para você?

6) Quais são as suas dificuldades no trabalho? O que você faz para lidar com elas?

7) Se você pudesse mudar algo no seu trabalho, o que você mudaria?

8) O que mantém você neste trabalho?

9) Como é a relação com os passageiros/ cobradores/ fiscais/ supervisores?

10) Como você percebe a relação dos trabalhadores com o sindicato? E com a empresa? E

com a Urbs?

11) Como você se vê nessa profissão?

12) Como você acha que é visto?

13) O que você acha que o trabalho como motorista pode provocar na saúde? Por quê?

14) Há um alto índice de afastamentos do trabalho por adoecimento mental entre os

motoristas de ônibus de Curitiba. O que você pensa sobre isso?