UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE … Geografia e Estatística (IBGE) o Brasil tem...
Transcript of UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE … Geografia e Estatística (IBGE) o Brasil tem...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
KETTY AIRE LAUREANO
MIGRAÇÃO E IDENTIDADE
Um estudo sobre os andinos no Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO 2017
KETTY AIRE LAUREANO
MIGRAÇÃO E IDENTIDADE
Um estudo sobre os andinos no Rio de Janeiro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Comunicação e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Mohammed ElHajji
Co-orientadora: Prof.a Dr.a Catalina Revollo Pardo
RIO DE JANEIRO 2017
3
4
5
6
RESUMO
A presente pesquisa aborda as dinâmicas de configuração e reconfiguração de identidades individuais e coletivas dos andinos no Rio de Janeiro, a partir do desarraigamento territorial e cultural e o processo de adaptação sociocultural decorrente do fenômeno migratório. A proposta visa uma aproximação ao olhar da migração como um direito a buscar outras formas de vida enfrentando uma luta simbólica a través de diferentes modos de pertencimento.
Palavras-chave: Migração; Identidade; Andinos; Andinidade.
7
ABSTRACT
This research addresses the configuration and re-configuration dynamics of individual and collective identities of Andean people in Rio de Janeiro, based on territorial and cultural uprooting and the social-cultural adaptation process resulted from the migration phenomenon. The proposal aims to approach the perspective on migration as a right to search other ways of living, facing a symbolic struggle through the different modes of belonging.
Keywords: Migration; Identity; Andean People; Andeanity.
8
LISTA DE GRAFICOS, QUADROS E FIGURAS
Figura 1 - Área andina 20
Figura 2 - Imagem representativa da migração vertical 38
Gráfico 1 - Histórico de migração dos países andinos no Brasil 1970-2010 41
Quadro 1 - Dados dos migrantes de países andinos no Brasil,
Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro 48
Quadro 2 - Perfil dos atores da pesquisa 51
Mapa 1 - Trajeto migratório de Roberto 53
Mapa 2 - Trajeto migratório de Manuel 55
Mapa 3 - Trajeto migratório de Ricardo 56
Mapa 4 - Trajeto migratório de Cristina 58
Mapa 5 - Trajeto migratório de Felipe 59
Mapa 6 - Trajeto migratório de Percy 60
Mapa 7 - Trajeto migratório de Maria 62
Mapa 8 - Trajeto migratório de Juan 63
Mapa 9 - Trajeto migratório de Víctor 65
Mapa 10 - Trajeto migratório de Nicolas 66
Mapa 11 - Trajeto migratório de Rosa 67
Mapa 12 - Trajeto migratório de Pedro 68
Mapa 13 - Trajeto migratório de Violeta 70
Gráfico 2 - Representações das andinidades 82
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - PERTENCIMENTOS E IDENTIFICAÇÕES ................................................. 17
1.1. Etnicidade, andinidade e racismo ................................................................................. 18
1.1.1. Andinidades ........................................................................................................ 19
1.1.2. Racismo.................................................................................................................23
1.2. Interculturalidade e decolonialidade ............................................................................. .25
CAPÍTULO 2 - ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS DAS MIGRAÇÕES ....................... 30
2.1. Novos enfoques sobre mobilidade e migração .............................................................. 31
2.2. Transnacionalismo e globalização ................................................................................ 33
2.3. Migração vertical no mundo andino .............................................................................. 35
CAPÍTULO 3 - CONTEXTOS MIGRATÓRIOS ENTRE BRASIL E PAÍSES ANDINOS ...... 39
3.1. Migrações Internacionais tradicionais e recentes no Brasil ........................................... 40
3.2. Países andinos: emigração e contexto regional ............................................................ 42
Chile ............................................................................................................................. 42
Colômbia ...................................................................................................................... 42
Peru .............................................................................................................................. 43
Bolívia ........................................................................................................................... 45
Equador ........................................................................................................................ 46
3.3. A cidade do Rio de Janeiro no contexto das migrações andinas ................................... 47
CAPÍTULO 4 - ANDINOS NO RIO DE JANEIRO .................................................................50
4.1. Trajetórias e trânsitos: perfil dos imigrantes andinos .....................................................52
4.1.1 . Trajetos ................................................................................................................52
4.1.2. Motivos ..................................................................................................................71
4.1.3. Contato..................................................................................................................74
4.1.4 O eterno retorno......................................................................................................75
4.2.Identidades reiventadas: Andinidades..............................................................................78
4.3.Janelas e espelhos da interculturalidade: O mesmo outro...............................................83
4.3.1 Andinidades, exclusão e racismo...........................................................................84
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................89
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................91
ANEXO..................................................................................................................................97
11
INTRODUÇÃO
A migração é parte constitutiva da formação do Brasil como país, os fluxos
migratórios tem sido e seguem sendo um fator chave no seu desenvolvimento
econômico e demográfico. Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) o Brasil tem cerca de 200 milhões de habitantes, dos
quais aproximadamente 599.934 são estrangeiros. Algumas pesquisas mais
especializadas indicam a existência de 940 mil imigrantes permanentes1. Em quanto
aos países latino-americanos, ressalta-se a presença de pessoas do Paraguai, da
Argentina e da Bolívia.
América Latina teve um significativo crescimento nos movimentos migratórios
regionais a partir da década de 1980. Entre os países receptores tradicionais, Brasil
e Argentina possuem uma atuação predominante. Justamente, entre os acordos
mais importantes para o livre trânsito entre os países latino-americanos, se encontra
o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Ele foi criado com a finalidade de
fortalecer a integração dos estados membros. Em 2002 se firmou o acordo sobre
regularização migratória interna de cidadãos do Mercosul, a medida permitiu a
regularização de todos os imigrantes em situação administrativa irregular. Essa
medida representou uma significativa contribuição ao direito à identidade e a
residência de milhares de estrangeiros.
Para Baeninger (2001) o fenômeno migratório latino-americano se explica
com base em três perspectivas sociodemográficas. Primeiro, as migrações
fronteiriças de países do Mercosul; segundo, os fluxos migratórios de bolivianos e
peruanos nas áreas metropolitanas e, finalmente, as migrações de países não
limítrofes, como Chile.
A partir dos oitenta existe um incremento, censo após censo, das migrações
andinas para o Brasil. Segundo o Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía
(CELADE) entre os países mais representativos se posicionam Chile, Bolívia, Peru e
1 Dados revelados pela Policia Federal (PF) do Brasil ao oestrangeiro.org disponível em: <https://oestrangeiro.org/2013/05/22/exclusivo-os-numeros-exatos-e-atualizados-de-estrangeiros-no-brasil-2/>, Acesso em: 4 mar. 2017
12
Colômbia. Como exemplo, o estudo indica que a quantidade de chilenos que
ingressaram em 1960 era representada por 1.458, essa cifra passou a ser de 20.437
em 1991. Outro exemplo significativo é o caso dos bolivianos que passaram de
8.049 em 1960 a 38.816 em 2010. Ao observar as estatísticas migratórias por
cidades, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro são espaços
privilegiados pelos imigrantes de países andinos.
Países andinos? Lumbreras (1990) define o andino sobre duas premissas.
Inicialmente, resgata a configuração multiétnica antes do colonialismo como base
fundamental de nossas singularidades. Segundo, ressalta a predominância da
Cordilheira dos Andes na relação permanente que têm os andinos com o espaço
geográfico. Para outros autores, o colonialismo, como sistema criado em dominância
também faz parte da construção do andino. São sobre essas perspectivas que se irá
dialogar ao longo da pesquisa. Portanto Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile
são considerados países andinos dentro da pesquisa.2
No campo das migrações andinas, o conceito “migração vertical” permite
compreender melhor o fenômeno pesquisado. A teoria é proposta por Hinojosa
(2015) e tem sua justificativa na teoria de control vertical de los pisos ecológicos de
Murra (1975). Em termos gerais, explica que as migrações nos povos andinos se
dão de grandes a pequenas latitudes. Um deslocamento de arriba, abajo, de abajo,
arriba.
Embora a maioria das teorias sobre migração se enfoquem em termos
basicamente econômicos, outros tratamentos como o “transnacionalismo” e a
“migração vertical” tentam explicar o fenômeno migratório a partir de novos olhares.
A migração requer ser pensada desde outras perspectivas porque se trata de uma
prática sociocultural que está mudando profundamente as ordens simbólicas a nível
local, regional e mundial e, que ainda carece de uma abordagem que contemple
toda sua complexidade.
2 Inicialmente, se considerou Argentina dentro do grupo de países andinos, mas as pessoas de origem argentina que se consideraram para narrar seus testemunhos não se auto-identificavam como andinos.
13
O presente trabalho surgiu das minhas vivencias como andina no Brasil.
Cheguei ao Rio de Janeiro há três anos para estudar um mestrado, mas meu
percurso migratório começou quando eu tinha três anos. Nasci em San Antonio de
Ocopa3, um pequeno povoado localizado a 3.838 metros sobre o nível do mar. Em
1992 minha mãe vendeu seu torito4 e saímos em direção a capital do Peru, Lima. Lá
comecei a entender que os limites fronteiriços vão além das fronteiras. O “nosso” era
um quarto alugado de três metros por três, brincar fora desse espaço era um convite
direto a punição por parte dos donos. Em Lima éramos os outros, os serranos, os
provincianos, os cholos5, em conclusão éramos os não limeños. Na década dos
oitenta e noventa, milhares de pessoas migraram fugindo do terrorismo da serra à
capital, de zonas rurais a zonas urbanas. Nós não migramos por esse motivo. Nós
migramos na busca de melhores condições econômicas e educativas. Com o passar
do tempo, compramos um terrenito na periferia de Lima. Todos meus vizinhos eram
migrantes como nós. Mas o racismo era e é tão forte que entre nós nos
choleabamos6 para nos afastar da nossa condição de migrantes cholos.
Aqui no Brasil não é igual, é pior. A desigualdade no Brasil é chocante e
marcante. Nesse cenário nós, os andinos somos suscetíveis a receber etiquetas
identificativas que apelam a nossas origens, valores, língua, tradições e aparência.
O preconceito e a discriminação são parte do meu quotidiano, tenho em mente uma
série de situações lamentáveis que aconteceram comigo e outras tantas que
experimentaram meus amigos mais próximos. No seguinte trecho narro o último
episódio de racismo que vivenciei:
3 San Antonio de Ocopa é um povo localizado na serra do Peru, pertence ao distrito de Heroínas Toledo, província de Concepción, departamento (estado) de Junín. A população é de 174 pessoas atualmente e entre as principais atividades de subsistência estão a agricultura e a pecuária. 4 Touro pequeno. 5 Segundo Rostworowski (2007), a palavra cholo não é um vocábulo quéchua ou aimará, mas vem da expressão “cholu”, que na língua nativa muchik significa muchacho, referindo-se ao termo jovem. O muchik foi a língua dos Mochicas, uma cultura localizada ao norte do Peru. Para o historiador e político boliviano Fernando Cajías, cholo é um termo que denomina o mundo mestiço desde o século XVIII, e que, no nível sul-americano, apresenta diversas conotações, de acordo com o lugar onde é empregado. Em alguns cenários, o termo cholo é utilizado como termo pejorativo. Atualmente, graças aos movimentos reivindicatórios, a denominação tornou-se sinônimo de orgulho. A cidade de Manta, no Equador, celebra, a cada 11 de outubro desde o 2008, “El dia del cholo” (O dia do cholo). Em Cuenca realiza-se um concurso para a eleição da “chola cuencana”. Da mesma forma, na Bolívia, diversas cholitas disputam o título de “Miss cholita”, em um concurso anual que congrega diversas mulheres do país. 6 Quando um cholo descrimina ao outro cholo pela sua condição de cholo.
14
“Vocês estão fedendo” - disse gritando o motorista do Uber. Éramos quatro
peruanos, voltávamos de jantar na Ilha do Governador em direção ao Fundão,
Cidade Universitária. Era quase a meia-noite. O Uber chegou e entramos,
cumprimentamos ao motorista e não tivemos retorno. Vernny, meu namorado, se
sentou na frente do carro. Conforme íamos avançando, Vernny subiu um pouco a
janela do seu lado porque corria muito vento, passou alguns segundos e o motorista
baixou a janela toda sem falar mais nada. Tive medo. Vernny se incomodou, mas
não reagiu. O vento estava correndo muito e Vernny tentou novamente subir um
pouquinho só a janela quando o motorista gritou: “Deixa eu baixar a janela, porra!,
vocês estão fedendo”. Se existe uma palavra para expressar o que eu senti nesse
momento acredito que seria uma mistura de medo, pânico, impotência, angustia,
desespero, finalmente terror. Ele continuou gritando, nos insultando, nos xingando.
Nos olhos dele se percebia raiva, ira, rancor. Por alguma razão ele nos odiava. Nós
respondemos a seu racismo e ele ficou mais enfadado, parou bruscamente o carro e
ameaçou nos deixar no meio de uma área afastada, escura e perigosa. Com medo e
impotência, decidimos ficar calados. Chegamos ao ponto final e ele desceu do carro
para continuar nos agredindo. Falei um “racista’ forte e claro. Ele subiu em seu carro
e foi embora, sem antes dar um par de voltas perto de nós. O motorista tinha
aproximadamente uns 24 anos. Era branco. Ele, homem e branco não acreditava
que estava prestando serviço e, ainda menos, para “indígenas”, “pobres” e que
“fedem”. Por isso, a pesquisa acaba sendo, também, um projeto pessoal,
reivindicativo, de luta pelo reconhecimento da diversidade cultural de nós, os
andinos, porque de jeito nenhum somos “tudo igual”.
O trabalho, portanto, tem como objetivo principal investigar as dinâmicas de
configuração e reconfiguração de identidades individuais e coletivas dos andinos no
Rio de Janeiro. Entre os objetivos específicos se busca compreender como se
constroem as andinidades a partir de sua relação com o fenômeno migratório. Do
mesmo modo, se procura analisar os processos de manutenção de laços identitários
com o país de origem e com outros andinos. Finalmente, se pretende compreender
os modos de construção de identidades andinas, a partir da realidade
contemporânea brasileira.
15
A pesquisa se enquadra na metodologia qualitativa e a pesquisa participante.
Para Hall (1983) o processo de investigação deve se basear sobre um sistema de
discussão, indagação e analises, no qual os investigados formem parte do processo
ao mesmo nível que o pesquisador. É sobre essa perspectiva que se sustenta a
pesquisa participante. Como metodologia aponta a uma produção de conhecimento
propositivo e transformador que tem como objetivo a produção coletiva de
conhecimento e se caracteriza por ter um caráter participativo, ético e reflexivo. As
fases da pesquisa participante partem da observação, investigação, ação e
avaliação.
Para fins da pesquisa se entrevistou treze pessoas de cinco nacionalidades,
homens e mulheres que moram na cidade do Rio de Janeiro. Entre os entrevistados
estão pessoas que moram no Brasil há mais de 20 anos, assim como participantes
que chegaram no presente ano, 2017. As idades são bastante diversificadas, a faixa
etária está entre os 25 e os 56 anos. As nacionalidades dos entrevistados são
Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile.
Os instrumentos utilizados durante a pesquisa foram primordialmente as
entrevistas semiestruturadas e as experiências pessoais através do trabalho de
campo. A finalidade foi conhecer as perspectivas dos andinos, a partir de suas
percepções, interpretações, sentimentos e suas motivações. Os instrumentos foram
trabalhados mediante analises de narrativas.
Por conseguinte, no primeiro capítulo Pertencimentos e identificações se
oferece uma aproximação teórica sobre o conceito etnicidade focado na região dos
Andes. Prontamente, são identificas as definições sobre o andino e sua relação com
o racismo, a discriminação e o preconceito. Com a finalidade de questionar os
sistemas de dominação colonial e buscar o reconhecimento e respeito frente às
diversidades culturais se traz para a pesquisa os aportes da interculturalidade e a
decolonialidade.
Já no segundo capítulo Abordagens contemporâneas das migrações se
pretende fazer uma descrição do principal conceito que aborda o marco teórico da
dissertação: migração. A ideia é compreender o fenômeno migratório desde uma
16
nova perspectiva analítica no estudo da mobilidade humana, o transnacionalismo de
Glick-Schiller (1992) e a migração vertical no mundo andino de Hinojosa (2015).
No terceiro capitulo Contextos migratórios entre Brasil e os países andinos
busca-se compreender o fenômeno migratório entre o Brasil e os países andinos.
Especificamente, se descreve a crescente migração andina para território brasileiro
durante as últimas décadas e se coloca ênfase no papel da cidade do Rio de
Janeiro.
Finalmente, no último capítulo, Andinos no Rio de Janeiro se pretende
analisar as trajetórias, os trânsitos, as motivações, os modos de construção e
reconstrução das andinidades no contexto da realidade contemporânea brasileira.
No subcapitulo Andinidade, exclusão e racismo se reúnem alguns episódios de
discriminação e racismo que aconteceram com os andinos que foram entrevistados.
Como resultado da pesquisa constatou-se que os andinos no Rio de Janeiro
enfrentam preconceito, discriminação e racismo. São responsabilizados pela crise
econômica do país e se tornam uma ameaça ao mercado de trabalho. As
identidades/andinidades são confrontadas com discursos xenofóbicos e
preconceituosos que os exclui e os coloca numa posição de estrangeiros não
desejados agravando a desigualdade social.
17
CAPÍTULO 1 - PERTENCIMENTOS E IDENTIFICAÇÕES
Nesse mundo de mudanças confusas, sustentadas pela globalização,
milhões de pessoas se deslocam pelo planeta por diversas motivações. As
migrações produzem trocas na composição étnica do país de destino e as diversas
expressões culturais se tornam mais ricas para a integração das sociedades. Para
Hall (2000), o fenômeno migratório tem produzido grupos sociais específicos, que
tentam construir uma vida em comum criando estratégias de convivência, ao mesmo
tempo em que são fortemente marcados pela manutenção de costumes e práticas
sociais. Nesse cenário as identidades estão em permanente transformação,
mediante processos de negociação, que integram novos aspectos e rejeitam outros.
O presente capítulo perpassa, inicialmente, pelas teorias que retratam a
etnicidade na região dos Andes, os sistemas de dominação colonial que coloca aos
andinos numa posição subalterna e a luta que se vem desenvolvendo desde a
interculturalidade e a decolonialidade. Walsh (2005) discute, basicamente, a
interculturalidade como um projeto que busca reconhecimento e respeito à
diversidade cultural. Esta ideia traz um aporte substancial para a pesquisa já que se
contextualiza no âmbito latino-americano, contemplando, em especial, também os
povos andinos.
Em seguida são descritas as teorias que definem o andino, suas
diversidades e complexidades, a partir de perspectivas que passam por
considerações geográficas, históricas, políticas e sociais. Reconhecer quem é o
andino é um passo prévio para compreender o posicionamento do andino num
contexto internacional, a partir de seu papel como migrante no Rio de Janeiro. Um
dos temas presentes nos relatos dos andinos entrevistados são os episódios de
discriminação e racismo. Portanto, se oferecem algumas aproximações teóricas
sobre o racismo e discriminação focados no fenômeno migratório.
18
1.1. Etnicidade, andinidade e racismo
Los cholos blanquiñosos nos camuflábamos Los cholos oscuros sufrían Serrano de mierda –les decían- Alpaca conchetumadre Báñate, indio apestoso Hueles a queso. Comequeso Vicuña. Vicuñita Me da pena tu vida, serrano Eso no se quita con nada. (ÁVILÉS, 2016, p. 18)
O trecho narra os episódios de descriminação sofridos por Cochachi, um
cholo que migrou dos Andes até Lima, a capital do Peru. O relato não se afasta das
circunstâncias que passam a maioria dos cholos que migram para as grandes
cidades, onde ser branco é considerado um signo de admiração e ser mestiço ou
índio, um insulto frequente.
Para Burga (2001), o desprezo pelo andino começou em 1532, quando 166
invasores capturaram Atahualpa7, e iniciaram um longo período de dominação aos
Andes. Para o autor, o andino “se convierte gradual y abiertamente, a lo largo del
periodo colonial, en lo subalterno, lo dominado, lo derrotado, lo autóctono y
finalmente, lo indio” (BURGA, 2001, p. 1). Desprende-se que o andino como
categoria social foi se construindo sobre relações de dominação colonial, no qual, o
andino sempre foi o “outro”, o índio. Nas palavras de Grabner (2005) o conceito
etnicidade se relaciona justamente com a posição do “outro”, do “diferente”. Nas
sociedades andinas se retratavam de um lado, o grupo dominante representado
pelos espanhóis e, por outro, os índios que ocupavam uma posição de inferioridade,
de dominação. Já na atualidade, os “indígenas não são diferentes apenas pela sua
condição étnica, mas também porque a reestruturação neoliberal dos mercados
agrava sua desigualdade e exclusão” (CANCLINI, 2005, P.66)
Enquanto à identidade étnica/cultural latino-americana, Canclini (2005)
considera que não existe uma “cultura latino-americana” e não faz sentido a busca
de uma identidade comum que unifique a América Latina, já que aceitar esse
pensamento seria considerar o latino-americano como uma realidade compacta.
7 Atahualpa foi o décimo terceiro e último Sapa Inca de Tahuantinsuyu. Ele morreu estrangulado, em 1533, em Cajamarca, no atual Peru.
19
Não há uma identidade latino-americana, mas múltiplas identidades étnicas, nacionais, de gênero, etc. contidas em tal espaço. Os recursos patrimoniais que lhes conferem coesão são línguas [...] tradições orais, culturas populares, memórias históricas e também sistemas educativos, indústrias culturais e modos de comunicação (CANCLINI, 2005, p. 174).
Consequentemente, o autor propõe, como noção mais apropriada para
denominar as muitas identidades e culturas na América Latina, o “espaço
sociocultural latino-americano”. Para que o projeto se sustente, nas palavras do
próprio autor, é preciso reconhecer “a diversidade e a existência de diferentes
movimentos ou modelos de integração, como processos históricos e inacabados”
(CANCLINI, 2005, p. 174).
Nos trechos anteriores se descreveu um pouco sobre etnicidade nas
sociedades andinas e como estas estão ligadas a sistemas de dominação desde a
etapa colonial. Antes de detalhar como essas estruturas dominantes continuam mais
vigentes que nunca é preciso descrever quem são justamente esses andinos. Nos
seguintes parágrafos se apresentam os ângulos a partir dos quais se criam as
concepções sobre o que é considerado andino.
1.1.1. Andinidades
Diversas pesquisas que refletem sobre o “andino”, a “andinidade” ou sobre o
“homem andino”, se colocam em um âmbito geográfico definido. Portanto Peru,
Equador e Bolívia tornam-se referência para muitos antropólogos, sociólogos e
arqueólogos dos “estudos andinos”. Essa pesquisa considera que o território andino
é mais amplo, já que, resguardando as diferencias entre os países sul-americanos,
os andinos estão unidos por vínculos físicos, humanos e, sobretudo, históricos.
Assim, considerou-se incluir inicialmente Colômbia, Chile e Argentina, mas nos
contratempos do trabalho se acabou não considerando Argentina.8
8 Ver na introdução.
20
Para Lumbreras (2008), a área andina
es un extenso territorio que cubre todo el occidente de América del Sur. Comprende el oeste de Venezuela y recorre íntegramente Colombia, Ecuador, Perú, Bolivia, Chile y el frente occidental de Argentina. Por el oeste, su límite es el océano Pacífico; mientras que por el Este, se pierde en las llanuras del Orinoco (en Colombia-Venezuela) en las tierras bajas del Amazonas (en Ecuador, Perú y Bolivia), en el Chaco (en Bolivia – Argentina) y en las Pampas y la Patagonia (también en Argentina) (LUMBRERAS, 2008, p. 34).
Figura 1: A área andina é representada pela cor marrom.
21
A cordilheira dos Andes se formou no período terciário e possui
aproximadamente oito mil quilômetros. Embora ela seja considerada um espaço
geográfico homogêneo, o relevo entre as montanhas e as planícies dos Andes é
bastante diversificado. Para Lumbreras (2008), o mundo andino está marcado por
um território diverso, onde os povos andinos criam mecanismos de integração
congruentes com seu habitat. A prova disso são os esforços nos laboratórios
agrícolas9 onde se realizam experimentos para melhorar os cultivos dependendo do
sistema de pisos ecológicos. Assim, o homem andino conseguiu dominar a natureza,
vencendo as desvantagens e circunstâncias adversas das terras inóspitas,
quebradas, das punas e desertos graças a seu “espírito comunitário e organizativo”
(ROSTWOROWSKI, 1999).
Para Lumbreras (1990), existem dois ângulos sobre o nascimento de uma
concepção particular do que é considerado como andino. Primeiro, a forte presença
do mundo andino a partir de uma visão puramente histórica, que se situa antes do
colonialismo. Suas bases se encontram na configuração multiétnica e na autonomia
de nosso desenvolvimento que, finalmente, permitiu uma definição de nossas
singularidades. Segundo, nossa relação permanente com o espaço geográfico, em
um território com diversas condições de habitat, que atuam como fator modular além
das circunstâncias históricas. Entretanto, Venturini (1975) define o que é
considerado andino de acordo com três particularidades. Inicialmente coincide com a
perspectiva de Lumbreras no papel fundamental da geografia na organização dos
andinos, também concorda com a importância numérica e qualitativa da população
indígena, como toda herança da civilização Inca. A contribuição diferencial do autor
faz referência ao papel da civilização ibérica na constituição do mundo andino atual.
Outro elemento importante na consolidação da América do Sul andina é a
presença do Tahuantinsuyu. Os incas conseguiram unificar todo o território andino
antigo e destacaram-se culturalmente no campo têxtil, na cerâmica, na música, nas
danças, na escultura e na arquitetura, com a mundialmente conhecida Machu
9 Os laboratórios agrícolas se criaram durante o Tahuantinsuyu com a finalidade de elaborar métodos para as melhorias no cultivo. O Laboratorio Agrícola de Moray, em Cusco, contava com aproximadamente 20 microclimas e estava constituído por andenes, espécie de plataformas circulares, que tinham uma aparência de anéis. Nesses espaços se cultivava, aclimatava e adaptava diversos tubérculos, principalmente a batata, a quinoa e o milho.
22
Picchu. Para Rostworowski (1999), Tahuantinsuyu, na língua quéchua, significa
“cuatro regiones unidas entre sí” e é a evidência plena de um desejo indígena de
unidade, que manifesta um impulso para levar a cabo a integração.
Desgraçadamente, a sonhada unidade não se realizou em decorrência da invasão
da coroa espanhola no século XVI. Os incas constituíram a maior civilização na
América pré-colombiana. Cusco era o centro político, administrativo e religioso. O
incanato se expandiu desde Pasto, na Colômbia, até o Rio Maule, no Chile. Para a
autora, a expansão inca se deve, basicamente, ao sistema andino de
reciprocidade10.
A reciprocidade foi um elemento essencial na organização econômica e
social da sociedade andina que, embora tenha sofrido alterações ao longo do tempo,
persiste na atualidade. O rito da reciprocidade constituía, essencialmente, em um
intercâmbio de bens e serviços não monetários sob a premissa do recíproco. Nesse
sentido, a reciprocidade para os andinos, “como conceito e práxis, representa um
elemento fundamental de um modo de produção de tipo comunitário” (ALBERTI e
MAYER, 1974, p.14).
Portanto, desse apartado se infere que o andino é um conceito muito amplo
e, sobretudo, diversificado, porque parte de considerações geográficas, históricas,
linguísticas e étnicas. É preciso enfatizar que seria inconsequente afirmar que todos
os andinos pertenciam à cultura incaica, ou que a cultura inca represente todo o
significado de ser andino. Embora se ressalte a presença da cultura incaica na
constituição do andino, existem outras culturas contemporâneas aos incas como os
Mapuches no Chile e os Chibchas na Colômbia que oferecem outras leituras sobre o
que é ser andino.
Kaulicke (2013) alerta que as considerações sobre o andino são
influenciadas por postulados nacionalistas e indigenistas que o definem como um
bloco inamovível no tempo e espaço. Uma questão inevitável que surge desta
postura essencialista e a-histórica é relacionada à reflexão sobre o que não é
10 “O rito da reciprocidade se efetivava na praça principal de Aucaypata, onde as panaca e ayllus reais se reuniam para comer, beber e também dançar as danças cerimoniais que marcavam as festas do calendário cusquenho” (ROSTWOROWSKI, 1999, p. 83). Segundo a autora, os espanhóis não entendiam a reciprocidade e qualificavam o rito como “borracheras”, que significa uma espécie de embriaguez coletiva. Com o tempo passou-se a proibir as cerimônias.
23
considerado andino. Alguns acadêmicos reduzem esta visão a elementos puramente
geográficos. Desse modo, não é incomum perceber trabalhos que assumem que o
sul do Chile e a Argentina ou os Andes septentrionais da Colômbia são
considerados como “menos andinos”. Mas, que é ser andino? Uma das conclusões
da pesquisa considera que não existe um conceito finalizado do andino. O que
existe são algumas perspectivas teóricas multidisciplinares sobre suas diversas e
complexas dimensões.
1.1.2. Racismo
[...] y no me van a pisotearme diciendo que “el país [es] de ellos” o que “son dueños de un país” no, nosotros no somos dueños de ningún país. […] la gente que trabaja en la calle, en la calle ¡chuta¡, ahí donde que trabaja mi señora no más, cuando estando trabajando, estando trabajando bien y viene a quitarle [sus productos] a otro, a otro trabajador diciendo que es gringo, extranjero. Te lo tiran, te lo amenazan a matar… Todos los trabajadores dicen “gringos de mierda, robando dinero aquí”… Un trabajador, que estamos trabajando, por qué le quitan y lo dicen “quítate de aquí que nosotros somos brasileros que ustedes son gringos que vayan a su país, vienen a quitar”. ¿Qué es eso? Racista, ¿no? Mucho racismo. Manuel
Manuel e Julia são equatorianos que trabalham vendendo artesanatos no
comércio de rua, eles não têm dias de descanso e, muito pelo contrário, trabalham
de segunda a domingo dividindo suas jornadas entre o Museu do Amanhã e o
Centro do Rio de Janeiro. Manuel relata que as brigas com os brasileiros pelo
espaço o pelo fato de eles serem estrangeiros é parte do quotidiano. Segundo
Manuel, nessas brigas é bastante comum que os brasileiros os chamem de índios
com a finalidade de lhes ofender. Eles são migrantes andinos que chegaram ao
Brasil em 2013, após viajar por vários países sul-americanos e europeus. Sua
motivação é juntar dinheiro para a educação de seus filhos em Otavalo. O relato de
Manuel não é uma questão afastada da realidade, já em parágrafos anteriores se
descreveu como se dá a relação da sociedade andina com as estruturas de
dominação coloniais. No presente subcapitulo o que se deseja é continuar com essa
analise, tendo como referência o fenômeno migratório de andinos para o Rio de
Janeiro.
24
Dos relatos de Manuel se desprende que a questão migratória é visualizada
como uma ameaça no mercado de trabalho, nesse sentido as desigualdades se
agravam e os migrantes acabam enfrentando episódios de racismo e discriminação.
Para Silva (1999), os migrantes que mais sofrem preconceito e marginalização são
(1) migrantes oriundos de países considerados pobres, (2) os migrantes que vindo
para o Brasil laboram em um trabalho não qualificado e, finalmente, (3) os migrantes
que apresentam fenótipo indígena.
Bogus e Fabiano (2015) questionam o fato de existir uma desconexão
ideológica entre as migrações do passado e as migrações dos últimos trinta anos.
Parecesse que para os brasileiros é mais comum aceitar a ideia de que seus
ascendentes são europeus do que aceitar que novos grupos, entre eles os sul-
americanos, aderem ao Brasil nas suas rotas migratórias. Nas palavras dos autores
O fato que mais chama a atenção no discurso da população em geral é a desconexão entre as migrações do passado (de portugueses, alemães, italianos, japoneses, libaneses, entre outros), intensas no fim do século XIX e início do século XX, e as migrações de sul-americanos, haitianos e africanos que tem ocorrido ao longo dos últimos 30 anos para o Brasil. (BOGUS & FABIANO, 2015, p. 132-133)
Uma forma de explicar essa desconexão é a percepção desigual que se tem
dos estrangeiros. Estabeleceu-se a ideia de que a questão migratória é um
problema, mas nem todo estrangeiro é um “problema”, só os migrantes que são
considerados pobres, negros e indígenas. Assim, se criminaliza os estrangeiros não
aceitos pelas elites de poder e se cria o argumento negativo de que representam
uma ameaça ao estado de bem-estar do país. A criminalização
[…] marca a construção midiática dessas migrações em que, a partir de nomeações como ilegais, clandestinos, irregulares, refugiados, deportados, os imigrantes são alvos de uma semantização negativa e “policialesca” que inclui intolerância, violência, desemprego, isolamento, preconceito, pobreza, condenação, fiscalização, deportação, expulsão, tráfico ou detenção” (COGO, 2006, p. 38)
No quarto capítulo são apresentados vários episódios de discriminação
racial, social, econômica e linguística narrados por andinos no Rio de Janeiro. Para
Fanon (2008) um país é racista ou não é, não existem intermediários. Extrapolando
25
um pouco as ideias do autor em relação ao malgaxe, é possível explicar em que
condições começou a discriminação para nós, os subalternos
Começo a sofrer por não ser branco, na medida que o homem branco me impõe uma discriminação, faz de mim um colonizado, me extirpa qualquer valor, qualquer originalidade, pretende eu seja um parasita no mundo, que é preciso que eu acompanhe o mais rapidamente possível o mundo do branco. (FANON, 2008, p. 94)
Para fins da pesquisa, se compreende por racismo, em general, se
posicionar a respeito das características de uma cultura sobre outra para aceder ao
poder e assim legitimar a exploração de algumas culturas em todos os níveis da
vida. Para Garcia (2004) o poder se pratica de três formas diferentes; primeiro,
epistemologicamente, porque quem nomeia, classifica, define e avalia aos outros é
quem tem o poder; segundo, sociopoliticamente, porque só os racistas têm o poder
tanto material, como simbólico e podem submeter aos outros para concordar com
sua lógica; finalmente, simbolicamente, porque o racismo divide aos grupos
humanos e sociais e os posiciona como diferentes e inferiores. Justamente, no
seguinte ponto da pesquisa se expõe como através da proposta intercultural e
decolonial os grupos andinos passam a decolonizar essas formas de dominação.
1.2. Interculturalidade e decolonialidade
A América Latina possui cerca de 45 milhões de indígenas, organizados em
826 comunidades11. Desse total, 900 mil moram no Brasil, país onde se concentra o
maior grupo de indígenas com 305 comunidades, seguido da Colômbia, com 102, do
Peru, com 85, do México, com 78 e, por fim, da Bolívia, com 39 comunidades. Esse
crescimento no reconhecimento e autoidentificação12 dos povos originários se
relaciona diretamente à luta dos movimentos indígenas sul-americanos,
especialmente na região andina (LOPEZ, 2009; WALSH, 2009; PAZ, 2001).
11 Dados do relatório Povos indígenas na América Latina: progressos da última década e desafio para garantir seus direitos, elaborado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O relatório foi apresentado, em 2014, na sede das Nações Unidas, durante a Conferência Mundial sobre os Povos Indígenas. No ano de 2000, foram contabilizados 30 milhões de indígenas. 12 Em outubro de 2017, o Peru incluirá, pela primeira vez no censo nacional, um questionamento sobre autoidentificação. Anteriormente, a identificação dos povos indígenas era realizada por meio de referências linguísticas. O Peru é o único país que ainda não utiliza a autoidentificação étnica do seu povo.
26
“Interculturalidade e decoloniadade” nascem a partir de uma proposta crítica
a todas as formas de dominação. Nos seguintes trechos se narra um pouco como os
movimentos andinos passam a decolonizar as estruturas de dominação diante da
interculturalidade. Isso permite recuperar o espaço político e econômico com a
finalidade de reforçar as identidades étnico-culturais e fomentar o respeito às
diferenças, tornando possível, assim, a promoção de trocas nas políticas nacionais.
Um dos conceitos que norteia a pesquisa é a interculturalidade, que, em
termos gerais, se define como a diversidade cultural que se manifesta nas
sociedades. De maneira genérica, essa mesma noção também poderia servir para
definir multiculturalidade. Para Hall (2009), o termo multicultural descreve
características sociais e problemas de uma sociedade “na qual diferentes
comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo
tempo em que retêm algo de sua identidade ‘original’” (HALL, 2009, p. 50). O autor
define o multiculturalismo como estratégias e políticas que administram os
problemas da diversidade.
Diante desta perspectiva, é preciso detalhar o que é considerado
multiculturalidade por alguns teóricos de América do Sul. Para Canclini (2005),
existem dois modos de produção social: a multiculturalidade e a interculturalidade. A
multiculturalidade é entendida como “uma diversidade de culturas, sublinhando sua
diferença e propondo políticas relativistas de respeito, que frequentemente reforçam
a segregação” (CANCLINI, 2005, p. 17). Com base nessa ideia, o multiculturalismo
se apresenta como um “relativismo cultural”, já que não existe uma relação entre as
culturas, mas uma separação e segregação.
Walsh (2009) entende por multiculturalismo a “multiplicidade de culturas
dentro de um determinado espaço – local, regional, nacional ou internacional – sem
ter necessariamente uma relação entre elas” (WALSH, 2009, p. 42). Levando em
conta a definição anterior, a autora indica que o conceito é relacionado ao contexto
dos Estados Unidos e às minorias nacionais, tanto negras, quanto indígenas e de
imigrantes. Isso resulta em uma teoria inoperante quando se trata de descrever a
diversidade dos povos indígenas dos países de América Latina.
27
O alcance destas perspectivas decoloniais passa por reconhecer, tolerar e
incorporar as diferenças dentro de uma sociedade justa, equitativa, igualitária e
plural, a partir de uma proposta intercultural, já que o multiculturalismo estaria
relacionado a uma lógica que conserva interesses hegemônicos. Isso porque o
multiculturalismo se constrói a partir de uma estrutura social desigual e mantém a
permanência da iniquidade social nas culturas. Portanto, ele “exibe ainda a síndrome
colonialista que consiste em acreditar que existe uma supra-cultura superior a todas
as demais, capaz de lhes oferecer hospitalidade benigna e condescendente”
(PANIKKAR, 2002, p. 30).
As teorias decoloniais analisam o fenômeno da herança e domínio da matriz
colonial do sistema-mundo13 capitalista na atualidade. Vários intelectuais latino-
americanos formaram uma rede multidisciplinar, que denominaram Proyecto
modernidad, colonialidad y descolonialidad, pela qual construíram novas
perspectivas críticas, especialmente sobre a região andina. Dentre os principais
autores que compõe essa rede multidisciplinar se encontram Enrique Dussel (1992),
Walter Mignolo (2009), Arturo Escobar (1999), Ramón Grosfoguel (2003) e Santiago
Castro-Gómez (2005).
Grosfoguel (2007) caracteriza a noção de colonialidade como um fenômeno,
em que os laços de subordinação se reproduzem e persistem por parte da cultura
dominante. Na atualidade, esses laços são mantidos pelas “elites brancas [que]
continuaram controlando as estruturas políticas e econômicas” (GROSFOGUEL,
2007, p. 15). Para o sociólogo peruano Quijano (1991), que, no início da década de
1990, formulou a teoria da “colonialidad del poder”, o poder é definido como “uma
relação social de dominação, exploração e conflito pelo controle de cada um dos
âmbitos da experiência humana” (QUIJANO, 2001b, p. 10). Para o autor, as
relações de poder tentam controlar toda forma de existência social.
Nas palavras de Quijano,
La colonialidad del poder es uno de los elementos constitutivos del patrón global de poder capitalista. Se funda en la imposición de una clasificación racial/étnica de la población del mundo como piedra angular de dicho patrón
13 O sistema-mundo é um enfoque inovador da sociologia ocidental, desenvolvido por Immanuel Wallerstein, em 1974.
28
de poder, y opera en cada uno de los planos, ámbitos y dimensiones, materiales y subjetivas de la existencia cotidiana y a escala social. Se origina y mundializa a partir de América (QUIJANO, 2007b, p. 93-94).
O pensamento decolonial tem como propósito a decolonialidade do poder.
Prosseguindo com a discussão, propõe-se uma reflexão a respeito do giro
decolonial, essa teoria é desenvolvida inicialmente pelo filósofo porto-riquenho
Torres (2006). Basicamente, o giro decolonial é um movimento epistemológico e
político de resistência à lógica da colonialidade. Mignolo (2007) a define como “la
apertura y la libertad de pensamiento y de formas de vida-otras (economías–otras,
teorías políticas–otras); la limpieza de la colonialidad del ser y del saber; el
desprendimiento de la retórica de la modernidad y de su imaginario imperial
articulado en la retórica de la democracia” (MIGNOLO 2007, p. 29-30).
Uma nova perspectiva intercultural que se apresenta nos discursos
decoloniais é a proposta apresentada por Walsh (2009). A autora dialoga pela
promoção das relações - de contato e intercâmbio - entre distintos grupos étnico–
culturais, em termos de equidade e partir de condições de igualdade. O trabalho da
autora é voltado para os povos latino-americanos e, especificamente, os grupos
andinos. Portanto, a ideia que ela traz para a pesquisa consiste na noção de que
la interculturalidad intenta romper con la historia hegemónica de una cultura dominante y otras subordinadas y, de esa manera, reforzar las identidades tradicionalmente excluidas para construir, tanto en la vida cotidiana como en las instituciones sociales, un con-vivir de respeto y legitimidad entre todos los grupos de la sociedad (WALSH, 2009, p. 41).
Considerando a perspectiva contra-hegemônica da interculturalidade, muitas
organizações, especialmente os movimentos indígenas, incluíram essas noções na
formação de seus projetos políticos. No cenário da América do Sul, a Confederación
de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE14) inclui, dentro de seus
14 A Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (CONAIE) é uma organização que aglutina, em seu seio, as nacionalidades, povos, comunidades, centros e associações indígenas do Equador. Em 1980, organizou-se o Consejo Nacional de Coordinación de Nacionalidades Indígenas (CONACNIE). Com o objetivo de promover a consolidação dos povos. Um primeiro congresso foi realizado em novembro de 1986, quando se constituiu a CONAIE, como resultado da luta contínua das comunidades, centros e federações de povos indígenas. Os objetivos fundamentais da confederação, em suas próprias palavras, é ”consolidar a los pueblos y nacionalidades indígenas del Ecuador, luchar por la tierra y territorios indígenas, luchar por una educación propia (intercultural bilingue), luchar contra la opresión de las autoridades civiles y eclesiales, luchar por la identidad
29
objetivos principais: (1) luchar contra el colonialismo y neocolonialismo (empresas
transnacionales en comunidades indígenas) e (2) construir una sociedad
intercultural; promover la participación mediante el establecimiento de una
democracia participativa, con fines de alcanzar la descentralización del poder y los
recursos económicos, la solidaridad y la equidad15.
Por conseguinte, as representações dos povos indígenas, diante da
interculturalidade, passam a decolonizar as estruturas base de dominação e a
recuperar o espaço político e econômico. Do mesmo modo, a partir da demanda
pelo reconhecimento da diversidade cultural contribuíram muito na mudança de suas
identificações. O “índio” que tinha uma conotação negativa passou a ser, para os
movimentos, um termo de identificação positiva.
cultural de pueblos indígenas, contra el colonialismo y por la dignidad de los pueblos y nacionalidades indígenas”. Disponível em: <https://conaie.org/>. Acesso em: 15 mar. 2017. 15 Disponível em: <https://conaie.org/>. Acesso em: 15 mar. 2017.
30
CAPÍTULO 2 - ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS DAS MIGRAÇÕES
O objetivo da pesquisa é investigar as dinâmicas de configuração e
reconfiguração das identidades andinas em movimento em contextos transnacionais.
Nesse sentido o presente capítulo apresenta algumas aproximações às abordagens
contemporâneas do fenômeno migratório. Sabe-se que, atualmente, 3% da
população16 do mundo mora em países diferentes dos países de origem. Embora a
porcentagem pareça insignificante, em alguns países, o número de migrantes já
ultrapassa o número de pessoas naturais. Segundo o relatório do Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, de 2015, 88,4% da população
dos Emirados Árabes Unidos é imigrante. Em outras palavras, de 9,1 milhões de
habitantes, 8,9 milhões são estrangeiros.
Para o Brasil, o fenômeno migratório não é alheio, já que representa a
constituição da sua história e sua formação político-social. Segundo o Perfil
migratório do Brasil 2009, as grandes ondas migratórias tiveram início na Idade
Moderna com os colonizadores portugueses. Já entre 1819 e 1940, cerca de 5
milhões de imigrantes vieram oriundos da Europa e do Japão (DANIEL, 2013,
p.139). É preciso ressaltar que a vinda dos 4 milhões de africanos para o Brasil entre
1550 e 1980 se deu em condições de escravidão, eles foram forçados por traficantes
a embarcar nos navios e, posteriormente, foram vendidos como escravos.
A migração se constitui como um deslocamento de pessoas, que, junto com
os meios de transporte e de comunicação, ideias e instituições, constituem parte das
variáveis da mobilidade humana. Para Goldberg (1999), a migração e o movimento
são condições socio-históricas da formação da humanidade. Para Lussi (2015, p.
66), a “migração é itinerário, projeto sempre refeitos, dinamismo intrínseco que se
configura, transforma e reconstitui constantemente”. A Organização para as
Migrações (OIM) define migração como um
16 A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que há 240 milhões de migrantes internacionais globalmente.
31
término genérico que se utiliza para describir un movimiento de personas en el que se observa la coacción, incluyendo la amenaza a la vida y su subsistencia, bien sea por causas naturales o humanas. (Por ejemplo, movimientos de refugiados y de desplazados internos, así como personas desplazadas por desastres naturales o ambientales, desastres nucleares o
químicos, hambruna o proyectos de desarrollo)17.
Quanto às teorias da migração que embasam a pesquisa, na primeira parte
do presente capítulo, se apresenta a perspectiva de Glick-Schiller (1992) sobre a
“migração transnacional” que, em termos gerais, detalha o transnacionalismo como
a criação de campos sociais que conectam o país de origem com o país de destino.
Finalmente, se realizam esforços para explicar o conceito de migração vertical nas
sociedades andinas. Parte-se da “teoría del control vertical de los pisos ecológicos”
de Murra (1975), das considerações de Hinojosa (2015) sobre o habitus andino e,
também, das contribuições de Golte (1987) sobre a racionalidade andina.
2.1. Novos enfoques sobre mobilidade e migração
O fenômeno migratório é estudado por distintas abordagens e metodologias
a partir de disciplinas diferenciadas. Alguns dos tópicos mais ressaltados nesses
estudos se propõem a responder questões referentes a causas e consequências do
deslocamento, sobre vantagens e desvantagens, sobre a inserção ao país de
chegada e sobre o retorno ao país de origem. Lussi (2015) descreve que os
enfoques sobre migração estão concentrados, basicamente, nas áreas econômicas,
sociológicas e nas ciências políticas e se centram, principalmente, nos problemas
socioeconômicos e demográficos das migrações.
Quanto às abordagens tradicionais, a perspectiva econômica se caracteriza
por defender o perfil do migrante como homo economicus18. Para Sayad (1998), é
impossível não cruzar o fenômeno econômico com a migração, já que “um imigrante
é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória,
temporária, em trânsito” (SAYAD, 1998, p. 54).
17 Disponível em: < https://www.iom.int/es/los-terminos-clave-de-migracion>. Acesso em: 15 fev. 2017
18 Termo utilizado por Joaquin Arango em Las leyes de la migración de E. G. Ravenstein, cien años después, publicado em 1985.
32
“[Porque] quer queiramos quer não, a mobilidade humana é um fator econômico-político determinante em época de boom econômico, para favorecer o desenvolvimento, como o foi nas primeiras décadas da Europa pós-guerra” (LUSSI, 2015, p. 67).
Já na atualidade, a partir de novas modalidades de migração, os enfoques
começaram a se diversificar e surgiu uma série de novas temáticas, tais como
interculturalidade, racismo, saudades, tráfico de pessoas, gênero, raça,
discriminação, remessas, entre outras. Entre essas novas perspectivas, Portes
(2009) postula as relações da migração com a “cambio social”, porque, “desde luego
la migración es cambio y, a su vez, puede conducir a transformaciones más
profundas tanto en sociedades emisoras como receptoras” (PORTES, 2009, p. 17).
Ele também alerta que o potencial de transformação da migração está sendo
restringido por ordenamentos culturais e de poder, que se referem à estrutura social.
Nesse cenário, no campo latino-americano, Solimano (2008), no seu artigo
Migraciones Internacionales en América Latina y el Caribe, detalha que, além do
custo humano, as migrações internacionais dão conta de uma série de benefícios
tanto para o país de origem, quanto para o país de destino. Isso porque elas trazem
oportunidades de melhoria econômica, trazem uma força de trabalho geralmente
jovem, contribuem com capital humano qualificado e geram fluxos de remessas
(SOLIMANO, 2008).
Trazendo para a pesquisa as observações anteriores, em relação à
migração acadêmica, no quarto capítulo são postas em evidência as ofertas que
algumas universidades disponibilizam em seus processos seletivos, com a finalidade
de atrair mais estudantes a seus programas de estudo. Alguns jovens ingressam em
duas ou três universidades, conseguintemente escolhem a faculdade com as
melhores condições, tanto acadêmicas como econômicas.
Atualmente, cerca de 50% de alunos19 do Programa de Pós-Graduação em
Matemática do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro
são estrangeiros de países de América Latina como Peru, Colômbia, Chile,
Venezuela e Bolívia. Esse fenômeno condiz com os postulados de Solimano (2008)
19 O Programa de Pós-Graduação em Matemática do IM-UFRJ possui o conceito 7 na avaliação CAPES e tem reconhecimento nacional e internacional. Anualmente, o programa disponibiliza no máximo 30 vagas para o mestrado e 20 para doutorado.
33
sobre os benefícios que as migrações podem trazer para o Brasil no campo
acadêmico.
2.2. Transnacionalismo e globalização
Comumente se compreende por globalização o processo político, social,
cultural, econômico e tecnológico de informação que se iniciou no final do século
passado pelo qual se tem convertido o mundo em um lugar cada vez mais
interconectado. Segundo Hall (2009), o conceito globalização vai além e se
caracteriza basicamente por ser homogeneizante, sobretudo, por ser estruturado em
dominância.
Parte-se dessa concepção para descrever que os processos migratórios
atuais se regem por mecanismos assimétricos. Portanto, no contexto da
globalização, é mais fácil promover o comércio de bens e serviços do que promover
a mobilidade internacional de pessoas, que são consideradas de baixo recurso
(SOLIMANO, 2011)20.
As sociedades contemporâneas têm experimentado o incremento das
migrações transnacionais, que vêm transformando as cidades em espaços de
interação entre realidades diversas. A incorporação das tecnologias da informação e
comunicação, as chamadas TICs, nos processos migratórios “contribuem na decisão
de migrar, nas dinâmicas de instalação ou manutenção e recriação de vínculos com
os lugares de nascimento, além das mobilizações por direitos e cidadania” (COGO,
ELHAJJI & HUERTAS, 2012, p.45).
De fato, as migrações atuais se sustentam por um processo de globalização
que lhes permite manter-se conectados. Diminescu (2008) assinala que os
migrantes podem situar-se em diferentes espaços geográficos, mas convivem em
espaços digitais, tornando possível estar aqui e lá ao mesmo tempo.
Sob essas condições, o transnacionalismo surge como uma nova
perspectiva. Alguns exemplos de migrações transnacionais, no final do presente
20 Disponível em: <http://asolimano.blogspot.com.br/2011/08/migraciones-internacionales-en-america.html >. Acesso em: 03 de nov. 2016.
34
capítulo, mostram que muitas pessoas que migram mantêm vínculos próximos além
do tempo com suas respectivas comunidades natais. Justamente sob essas
considerações, se define transnacionalismo “como los procesos a través de los
cuales los inmigrantes construyen campos sociales que conectan su país de origen y
su país de asentamiento” (GLICK SCHILLER, BASCH e SZANTON BLANC, 1992, p.
1-2).
No transnacionalismo, os imigrantes, que constroem os campos sociais,
passam a se denominar “transmigrantes”. Eles por definição são quem
desarrollan y mantienen multiples relaciones –familiares, económicas, sociales, organizacionales, religiosas, políticas que sobrepasan fronteras. Los transmigrantes actúan, toman decisiones y se siente implicados, y desarrollan identidades dentro de redes sociales que les conectan a ellos con dos o más sociedades de forma simultánea (GLICK SCHILLER, BASCH e SZANTON BLANC, 1992, p. 1-2).
Para Lussi (2015), o transnacionalismo influenciou o estudo da mobilidade
humana nos últimos vinte anos e contribuiu para superar os modelos clássicos e
estáticos que abordavam os estudos sobre migração internacional. A perspectiva
sobre o transnacionalismo, segundo a autora, é que ele “permite o estudo da
mobilidade humana incluindo o processo e o progresso da experiência migratória”
(LUSSI, 2015, p. 50).
Quanto ao transnacionalismo andino, vale a pena trazer para a pesquisa o
trabalho realizado por Paerregaard (2008) sobre duas comunidades peruanas nos
Estados Unidos e a investigação trazida por Charpentier (2008) que faz referência
aos “kichwa otavalo”21.
No trabalho Migración transnacional de los kichwa otavalo y la fiesta del
Pawkar Raymi, a autora narra o compromisso dos migrantes kichwa otavalo com
uma celebração especial: O Pawkar Raymi22. A festa se celebra todos os anos, no
mês de fevereiro, e constitui um espaço de encontro entre os kichwa otavalos
migrantes e os que permanecem nas comunidades.
21 Segundo Charpentier, a comunidade kichwa é o coletivo mais poderoso política e economicamente do Equador e “cuya tradición textil, mercantil y translocal sirve como um ejemplo de los complejos efectos del movimento global de las comunidades étnicas” (CHARPENTIER, 2008, p. 69) 22 O Pawkar Raymi significa “festa de florescimento”.
35
Entre as atividades destaca-se o campeonato Copa Mundo ou também
denominado “mundialito” porque as equipes se organizam de acordo com o país ao
qual migraram. Além disso, outra atividade importante é Vida Maskay, que rende
homenagem aos primeiros emigrantes da comunidade recuperando “testimonios
orales y gráficos de la aventura migratoria de los kichwa otavalo” (ORDONEZ, 2008,
p. 84).
Paerregaard (2008), em “Transnacionalismo andino: migración y desarrollo
en dos pueblos peruanos”, relata o trajeto migratório de arequipeños e ancashinos
para os Estados Unidos e a relação direta que os dois coletivos têm com suas
comunidades no Peru. Através de instituições de emigrantes e redes transnacionais,
ambas comunidades recolhem dinheiro para apoiar projetos de desenvolvimento,
atividades sociais e culturais de seus povos natais. Entre as atividades realizadas se
encontram a arrecadação para a construção da igreja local, as festas anuais do
patrono do povo, a construção de um centro de computação, os eventos para as
crianças no Natal e o apoio aos recém-chegados. Ambos os estudos concluem que
os imigrantes têm um compromisso econômico e social com seus povos ao longo do
tempo.
Com base nas reflexões teóricas e nas experiências mostradas, essa
pesquisa considera que a definição de migração transnacional se baseia na
compreensão de que a vida dos migrantes não só se desenvolve no país de
chegada, mas se vincula tanto ao país de destino, quanto ao país de origem,
mediante a criação de espaços que permitam intercâmbios através das instituições
ou redes. Portanto, “se trata de una concepción novedosa que considera a los
migrantes como agentes sociales con capacidad de intervenir en el futuro de las
migraciones internacionales” (HINOJOSA, 2009, p. 41).
2.3. Migração vertical no mundo andino
Uma característica peculiar do deslocamento compartilhado pelas
comunidades andinas, é que as cidades de origem se localizam nas alturas dos
Andes, entre dois mil e cinco mil metros do nível do mar. Hinojosa (2015), sociólogo
boliviano, explica que, nessas condições geográficas, a relação do homem andino
36
com a natureza se desenvolveu mediante estratégias de sobrevivência consideradas
pelo autor como consequências de um “habitus” relacionado a uma “cosmovisão
particular; de um saber de vida” (HINOJOSA. 2015, p. 404) do mundo andino, um
saber ancestral que permitia uma melhor utilização dos recursos geográficos.
Assim, os andinos
han mantenido una cosmovisión espacio céntrica que se manifestaba en su permanente movilidad y utilización de diferentes espacios geográficos y pisos ecológicos, de tal manera que las migraciones fueron una constante en sus prácticas de sobrevivencia y reproducción social (HINOJOSA, 2015, p. 404).
Para o autor, o argumento central do “habitus” se sustenta na teoria do
“control vertical de los pisos ecológicos”23, de Murra (1975)24. Essencialmente, a
teoria descreve o aproveitamento simultâneo dos recursos naturais por meio de
pisos ecológicos que iam até os quatro mil metros sobre o nível do mar. Em sua
maioria eram cuidados e controlados pelos mitmaq’s25. A partir dessas
considerações, Hinojosa (2015) afirma que existia uma mobilidade socioespacial dos
andinos através desses pisos geográficos.
Para Murra (1975) e Hinojosa (2015), a principal motivação dos andinos para
esse aproveitamento múltiplo dos pisos ecológicos nos Andes seria
fundamentalmente por um “ideal andino compartido por etnias muy distintas
geograficamente entre sí” (MURRA, 1975, p. 60).
Já no livro La racionalidad de la organización andina, Golte (1987), afirma
que o motivo fundamental surgiu como necessidade e não como consequência de
um “ideal andino” (GOLTE, 1987, p. 13). Era uma necessidade causada pelas
condições desfavoráveis da geografia andina.
23 Um exemplo são os andenes, terraços agrícolas nas encostas de altas montanhas. 24 No ano 1975, John Murra publicou o livro “El control vertical de un máximo de pisos ecológicos en la economia de las sociedades andinas”, no qual desenvolveu o conceito “control vertical de los pisos ecológicos”. O livro foi escrito a partir de visitas a comunidades indígenas. Uma das conclusões mais importantes é que o “control de vertical de pisos ecológicos” era um microssistema econômico compartilhado por muitas etnias andinas, entre elas os incas. 25 Conhecidos também como mitmakuna ou mitiames, os mitmaq’s eram separados da comunidade para cumprir funções sociais, políticas, culturais e militares. Quanto ao funcionamento dos pisos ecológicos, eles se encarregavam de controlar, cuidar e desenvolver funções agropecuárias.
37
Suelos generalmente pobres, terrenos propensos a la erosión; en la vertiente occidental carecía del agua y, en general, la dureza del clima de las montañas tropicales, con un número significativo de días que aumentan con la altura, caracterizados por heladas nocturnas y marcadas diferencias de temperatura entre el día y la noche, y entre el sol y la sombra (GOLTE, 1987, p. 24).
Portanto, os habitantes dos Andes criaram uma serie de estratégias sociais
e econômicas que permitiram ter um maior controle territorial, aproveitando a criação
de gados e a domesticação e o cultivo de uma grande variedade de plantas. O autor
denomina “organización andina”, justamente, esse conjunto de estratégias que as
sociedades andinas desenvolveram ao longo de milênios.
A mitologia andina traz algumas lendas sobre esses deslocamentos.
Diversos relatos são contados, como o do Manco Capac e da Mama Ocllo26 ou Los
Hermanos Ayar27, que caminhavam ao longo de punas e cordilheiras na busca por
melhores terras para se estabelecerem e fundar o Tahuantinsuyu. Esses episódios
de peregrinação estão presentes, também, nos mitos de outras etnias. No livro
Historia del Tahuantinsuyu, Rostworowski (1999) ressalta que “a transumância dos
incas, não foi de bandas primitivas de pastores ou caçadores, mas de povos
essencialmente agrícolas, preocupados sobremaneira em procurar boas terras de
cultivo” (ROSTWOROWSKI, 1999, p. 40).
Tomando o conceito de mobilidade socioespacial dos andinos por meio dos
pisos ecológicos, proposto por Hinojosa (2015), considerando também os estudos
de Murra (1975) sobre o “control vertical de los pisos ecológicos” e as observações
de Golte (1987) e Rostworowski (1999), entende-se por mobilidade vertical o trânsito
que os andinos realizavam de arriba abajo, de abajo arriba28, desde tempos
milenares. Esse tipo de mobilidade funcionava como práticas estratégicas de
sobrevivência, geradas pela necessidade de controlar o espaço geográfico.
26 O mito de Manco Capac e Mama Ocllo narra que o deus Inti (Sol) teve dois filhos que saíram pelo Lago Titicaca. Inti deu para Manco Capac um bastão de ouro que se afundaria no lugar escolhido para estabelecer o seu povo. Eles caminharam muito por montanhas e quebradas até que o bastão se afundou na montanha Huanacaure e lá se fundou a cidade do Cusco. 27 A lenda dos Hermanos Ayar conta o percurso de quatro irmãos que saíram da montanha Tampu Tocco junto com suas esposas. Foram eles Ayar Manco e Mama Ocllo, Ayar Cachi e Mama Cora, Ayar Uchu e Mama Rahua e, por último, Ayar Auca e sua esposa Mama Huaco. Vendo a situação das terras e a pobreza do seu povo, eles saíram em busca de um lugar mais fértil e favorável para se estabelecer. No caminho, eles passaram por muitos contratempos, mas finalmente conseguiram afundar, no vale do Cusco, o bastão de ouro que o deus Inti os deu. 28 Se pode traduzir como “Acima, abaixo, abaixo, acima”
38
Trazendo a ideia para os contextos atuais de migração, no quarto capítulo dessa
dissertação, alguns andinos relatam seus trajetos migratórios, desde suas cidades
de origem, em zonas rurais com maiores latitudes, até as zonas urbanas com
menores latitudes.
Figura 2: Se entende por mobilidade vertical o trânsito que os andinos realizavam de arriba
abajo, de abajo arriba (acima abaixo, abaixo acima) desde tempos milenares.
39
CAPÍTULO 3 - CONTEXTOS MIGRATÓRIOS ENTRE O BRASIL E OS PAÍSES
ANDINOS
Os andinos no Brasil constituem, cada vez mais, uma grande comunidade
representativa. Só na cidade de São Paulo, os bolivianos se posicionam como a
segunda maior comunidade de estrangeiros depois dos portugueses. Na grande São
Paulo, estima-se que moram 500 mil bolivianos29. Na atualidade, os países andinos
experimentam
una transición sociodemográfica migracional; han pasado de haber sido una región de inmigración (hasta la década de 1960) a otra de emigración (desde la década de 1960 hasta la actualidad). En los últimos 10 años, este proceso se ha incrementado notablemente convirtiéndonos en una de las regiones de mayor emigración en el mundo (ALTAMIRANO, 2003 p. 1).
Diversos acordos contribuíram para o grande fluxo de andinos em solo
brasileiro. Dentre os acordos mais representativos, se encontra o Mercado Comum
do Sul – Mercosul30. No ano de 2009, foi promulgado o acordo sobre residências
para pessoas naturais dos países integrantes do acordo, com o objetivo de
“fortalecer e aprofundar o processo de integração, assim como os fraternais vínculos
existentes entre eles”31.
O acordo contempla a livre circulação de pessoas dentro da região, mas,
para Póvoa Neto (2016) 32 não é uma política de livre circulação, dado que as
pessoas não podem atravessar livremente as fronteiras. Ademais, no trabalho de
campo se constatou que, para além dos benefícios que apresenta o acordo, há,
ainda, diversas barreiras na tramitação do visto Mercosul na Polícia Federal.
O presente capítulo narra os percursos migratórios oriundos dos países
andinos – considerados nessa pesquisa –, ressaltando a presença do Brasil, e, mais
especificamente, a presença da cidade do Rio de Janeiro. Ao longo do capítulo, se
29 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/grande-sao-paulo-pode-ter-ate-500-mil-bolivianos-es0z58td2egmx78zzz8mk5npq>. 30 Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção com intuito de criar o Mercado Comum do Sul - Mercosul. A configuração atual do Mercosul encontra seu marco institucional no Protocolo de Ouro Preto, de dezembro de 1994. 31 Disponível em: < http://www.mercosul.gov.br/>. Acesso em: 10 de mar. 2017. 32 Apontamentos da disciplina “Políticas de imigração no Brasil” ministrada pelo professor Helion Póvoa Neto no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ
40
apresentará dados sobre o histórico de migração para o Brasil entre os contextos
regionais para, finalmente, colocar maior ênfase na cidade de Rio de Janeiro.
3.1. Migrações Internacionais tradicionais e recentes no Brasil
Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), os estrangeiros, no Brasil, são aproximadamente 600 mil pessoas. Estudos
mais recentes afirmam a existência de 940 mil imigrantes permanentes33 no Brasil.
Os principais países de origem dos imigrantes34 são Paraguai, Japão, Estados
Unidos, Argentina e Bolívia. Nos censos de 2010, os resultados variaram
significativamente, sendo os Estados Unidos o principal país de origem dos
imigrantes, seguido de Japão, Paraguai, Portugal e Bolívia.
Quanto à distribuição dos imigrantes internacionais por Unidades
Federativas (UF), o principal destino foi para o estado de São Paulo, seguido por
Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e, por fim, Goiás. A porcentagem dos três
primeiros estados soma mais da metade dos imigrantes internacionais, no ano de
2010. No Censo Demográfico 2000, as principais Unidades Federativas de destino
dos imigrantes internacionais eram São Paulo e Paraná, seguidas do Rio de Janeiro,
Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Segundo o Perfil Migratório do Brasil do ano de 2009, já se evidenciava um
novo panorama migratório que, a partir dos anos de 1980, se consolida como “área
de expansão das migrações latino-americanas” (BAENINGER, 2012, p. 15). Para
Baeninger (2001), existem três perspectivas sociodemográficas do fenômeno
migratório sul-americano no Brasil. Primeiro, as migrações de tipo fronteiriça, que
incluem os países do Mercosul e também Colômbia e Venezuela; segundo, as
migrações em direção às áreas metropolitanas do Brasil, com destaque para os
fluxos migratórios constituídos de bolivianos e peruanos; por último, as migrações
com países não limítrofes, especialmente o Chile.
33 Dados fornecidos pela Policia Federal (PF) e disponibilizados no portal O Estrangeiro. Disponível em: <https://oestrangeiro.org/2013/05/22/exclusivo-os-numeros-exatos-e-atualizados-de-estrangeiros-no-brasil-2/>. Acesso em: 15 jan. 2017. 34 Segundo o Censo Demográfico 2000.
41
Abaixo, alguns dados são apresentados sobre os imigrantes provenientes de
países andinos para o Brasil:
Gráfico 1: Dados utilizados da Divisão de População do Centro Latino‐Americano e Caribenho de Demografia (CELADE) e do Perfil Migratório Brasil 2009. Organizado pela autora.
Nos gráficos, pode-se visualizar a crescente evolução de estrangeiros no
Brasil, desde 1970 até 2010. Com relação ao Chile, os 20,4 mil chilenos, no ano de
1991, evidenciam um enorme aumento em referência aos 1,9 mil migrantes que
chegaram no ano de 1970. No entanto, a Bolívia quase quadruplicou o número de
10 mil pessoas, apresentado em 1960, para 15,6 mil, no ano de 1991. Já o Peru,
passou de 2,4 mil, em 1972, a 15 mil migrantes em 2010. Em menor presença, os
colombianos também migraram para o Brasil. No ano de 2010, foram 6 mil
colombianos, em contraste com as 870 mil pessoas que migraram no ano de 1970.
Equador tem presença somente nos censos demográficos recentes. No ano 2000
eles foram 879 em total, já no 2010, eles passaram a ser 1729 equatorianos no
Brasil.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
1970 1980 1991 2010
Histórico de migração dos países andinos no Brasil 1970 - 2010
Chile Bolívia Peru Colômbia
10 712
38 816
1 900
15 43320 437
15 020
2 410 6 851
870
42
3.2. Países andinos: emigração e contexto regional
Chile
No Chile, a maior população imigrante é formada por argentinos, que
passaram a ser 25,8% da população estrangeira do país, em 2002, contra os 15,1%,
em 197035. Também é significativa a presença dos peruanos em solo chileno, que
em três décadas passaram de 4,3 %, no ano de 1970, a 20,0% do total de
estrangeiros em 200236.
Conforme o Perfil Migratório do Chile 2011, o destino privilegiado para a
emigração chilena é a Argentina, com 50,1% de migrantes no ano de 2004, seguido
dos Estados Unidos, com 13%, Suécia, com 4,9%, Canadá, com 4,4%, Austrália,
com 3,9% e Brasil, com 3,3%. Já em menor escala, se encontra a Venezuela, com
3,2%, a Espanha, com 2,8%, a França, com 1,8%, e a Alemanha, com 1,2%.
De acordo com o Censo Demográfico 2010 do IBGE, chegaram 15.432
chilenos no território brasileiro. O estado mais povoado pelos chilenos é o estado de
São Paulo, com 57,53% representado por 8.879 pessoas. Em menor número, está o
estado do Rio de Janeiro com 8,91% e 1.375 pessoas, seguido do Rio Grande do
Sul, com 6,35% e 980 chilenos, e Paraná, com 6,11% e 943. No estado do Rio de
Janeiro, a cidade que mais recebe chilenos é a capital Rio de Janeiro, com 697
migrantes.
Colômbia
No ano de 2010, o Perfil Migratório da Colômbia calculou que um em cada
dez colombianos mora fora do país, fato que “converte a Colômbia em um dos
países de maior migração na América do Sul” (OIM, 2010, p.47).
35 Dados recolhidos do Perfil Migratório de Chile 2011. 36 A comunidade peruana, no Chile, aumentava ano após ano em relação aos 1% da população total estrangeira. Em 1970, eram 4,3%; em 1982, 5,1%; em 1992, eram 6,7% e, em 2002, o índice passou para 20%. Segundo o Perfil Demográfico de Peru 2012, o motivo principal foi o incremento econômico diferencial do Chile na região.
43
Dicho de otra manera, las migraciones de sudamericanos en la región son, casi exclusivamente, de índole laboral, con la sola excepción de algunos flujos de colombianos hacia el exterior, principalmente hacia los vecinos países de Ecuador y Venezuela, forzados a dejar ese país por las condiciones políticas internas imperantes así como por los problemas de seguridad vinculados al narcotráfico (PANORAMA MIGRATORIO AMERICA DEL SUR, 2012, p. 14).
Segundo os dados sobre migrantes colombianos no exterior do ano 200537,
a República Bolivariana da Venezuela ocupa o primeiro lugar com 30%, seguido dos
Estados Unidos com 29% e Espanha com 19,5%, como os principais destinos. Já
sobre a presença de outros países andinos na rota migratória dos colombianos,
destaca-se o Equador com 49.467 migrantes, representando 2,5%, em 2005. No
caso da migração equatoriana para Colômbia, o fenômeno começou no final da
década 1960 e princípios dos anos de 1970. Conforme Altamirano (2003), são os
comerciantes otavaleños38 que começaram a povoar os mercados da Colômbia com
seus artesanatos.
Os colombianos no Brasil, de acordo com o Censo Demográfico 2010 do
IBGE, se encontram em maior presença no estado do Amazonas, com 1.888
pessoas, em contraposição com outros países andinos, que têm maior presença no
estado de São Paulo. Seguido do estado do Amazonas, São Paulo, com 1.680
colombianos, e Rio de Janeiro, com 1.239, concentram índices significativos de
colombianos. Só na cidade do Rio de Janeiro, se encontra 70,37% dos colombianos
do estado.
Peru
No último sexênio, a emigração peruana, além de aumentar
consideravelmente em números, também ampliou o leque dos países39 de destino.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Informática (INEI), entre os principais
novos destinos, o Brasil representa 20,1% do total, situando-se no primeiro lugar;
37 Perfil Migratório de Colômbia 2010. 38 Natural de Otavalo, no Equador. 39 Embora os Estados Unidos continue sendo o principal destino dos migrantes da América Latina há
ainda uma ampliação e diversificação dos destinos que incluem países como Espanha, Itália, França,
Portugal, Japão, Canadá, Austrália, Israel. Para os peruanos, o principal destino é os Estados Unidos
da América, com 35% de migrantes, seguido da Espanha, com 16%, e Argentina, com 14,3% (COGO,
ELHAJJI & HUERTAS, 2012).
44
seguido da Holanda, com 19,0%, e da Colômbia, com 18,2%. Quanto ao
crescimento dos fluxos migratórios no Brasil em relação aos cidadãos provenientes
dos países andinos, especialmente Peru e Bolívia, o crescimento da população
imigrante cresce censo após censo, principalmente entre os de 1991 e 2000. O
número de imigrantes peruanos para o Brasil passou de 2.410, nos anos de 1970, a
10.841, em 2000 (COGO, ELHAJJI & HUERTAS, 2012, p. 475). De acordo com
Altamirano (2003, p. 2), “desde la década del setenta, se amplian los países y
regiones de destino, hasta que en la fecha prácticamente todos los países del
mundo son destinos de la emigración: es decir, hay peruanos en todas partes del
mundo”.
Há tempo que, para os peruanos, a emigração se tornou uma etapa
importante na sua trajetória em busca de melhores condições de vida, estruturando-
se, em muitos casos, na base dos mesmos tipos de redes sociais e estratégias de
sobrevivência desenvolvidas na migração interna (DANIEL, 2013, p.114). Muitas
vezes, a migração interna no Peru constitui uma experiência migratória prévia ao
deslocamento internacional.
Parafraseando Daniel (2013), as migrações internas foram deslocamentos
geográficos, étnico-raciais e econômicos que desafiaram as hierarquias tradicionais
de dominação. Elas foram um processo de mudança da serra dos Andes à Costa
peruana num contexto de crise econômica e violência de origem política nos anos
80, que deixou o triste saldo de mais de 69 mil mortos e desaparecidos (COGO,
ELHAJJI & HUERTAS, 2012, p. 476).
Nos anos de 1980, o Peru tornou-se um importante emissor de emigrantes.
O cenário de violência política, criado por parte dos grupos armados e o Estado, fez
da emigração uma alternativa para muitos peruanos que buscavam escapar dos
impactos da profunda crise dentro do país (DANIEL, 2013, p.113). Com
oportunidades de trabalhos disponíveis no exterior, os novos imigrantes chegam ao
Brasil e enfrentam as representações que a sociedade brasileira tem sobre eles e
sobre sua nacionalidade.
45
Bolívia
No último quarto do século passado, os processos migratórios internacionais de bolivianos adquiriram maior intensidade e focalizaram como lugares de destino massivo basicamente em direção a três países: Argentina, Estados Unidos e Brasil (HINOJOSA, 2008, p. 406).
O perfil migratório da Bolívia, no ano de 2011, indica que o principal destino
dos bolivianos é a Argentina, com 48,9%, seguido da Espanha, com 31,5%, dos
Estados Unidos, com 14%, e do Brasil, com 2,9%. Hinojosa (2008) aponta que são
quase um milhão e meio de bolivianos morando na Argentina, o destino tradicional e
histórico na migração da Bolívia.
Em relação à Espanha, o Registro de Vacunación de la Fiebre Amarilla
(RVFA), organizado por Hinojosa (2008), evidencia a presença de muitas pessoas
naturais de Cochabamba no país espanhol. Um índice de 56,6% de
cochabambinos40 escolheu a Espanha como destino principal, passando de 793
pessoas, no ano de 2000, para 11.793 pessoas, em 2005.
No Brasil, com o passar do tempo, a presença dos bolivianos vai
aumentando significativamente. Conforme o Perfil Migratório da Bolívia 2011, no ano
de 1970, havia 10.712 bolivianos no país. Já no ano de 2000, esse índice quase
duplicou com o número de 20.388 bolivianos no Brasil. Entre os estados com maior
presença de bolivianos, São Paulo marca elevada diferença com outros estados,
com índice de 71,44%. De acordo com o Censo Demográfico 2010 do IBGE,
Rondônia é o segundo estado com a maior população boliviana, com 6,9%, seguido
do Mato Grosso do Sul, com 4,18%, do Mato Grosso, com 3,28%, e do Rio de
Janeiro, com 2,99% dos bolivianos.
A escolha dos bolivianos de migrar para o Brasil começa na década de
1950, quando um grande grupo procurou o país “diante da crise decorrente do
processo revolucionário ocorrido no país, com importantes repercussões nas áreas
rurais. Essa tendência começou a inverter o processo consagrado de emigração
para a Argentina” (LEMOS, 2015, p.1).
40 Oriundos da cidade de Cochabamba, na Bolívia.
46
De acordo com o autor, existem três fluxos migratórios de bolivianos no Rio
de Janeiro. O primeiro fluxo chegou na década de 1950, composto por estudantes à
procura de universidades no país, devido aos acordos diplomáticos com o Brasil. Os
estudantes bolivianos constituíam um grupo favorecido economicamente.
Como imigrantes no Rio de Janeiro, formaram o Círculo de amigos Bolivianos no ano 1969, com a finalidade de lembrarem seu país, suas famílias e suas tradições. Em 1974, foi criado pelas mulheres daqueles imigrantes o Comitê Beneficente de Damas Bolivianas, com a finalidade de desenvolver atividades culturais e beneficentes relacionas às suas tradições (LEMOS, 2015, p. 2)41.
O segundo fluxo migratório foi formado por estudantes de intercâmbio
cultural, na década de 1960. Nesse período, os bolivianos que aqui chegaram
criaram o Centro Cultural Social Boliviano, no dia 14 de julho de 1975. O terceiro
fluxo, do qual fala Lemos (2015), é o mais recente e se caracteriza com um perfil
bastante diverso, dentre músicos, mecânicos e profissionais liberais que chegam ao
Rio de Janeiro.
Equador
A presença de andinos no comércio de rua do Rio de Janeiro torna–se
numericamente significativa com a figura dos equatorianos. Silva Vieira (2013)
realizou um estudo concluindo que a maioria deles, cerca de 80,88%, é proveniente
da cidade de Otavalo, região da serra do Equador e lar dos kichwa otavalo, um povo
indígena reconhecido por ser herdeiro da identidade mindala42.
Para os otavaleños,
el viajar se ha convertido del simple modo de mobilidad o desplazamiento en un valor que reviste al individuo de reconocimiento, honor, prestigio y status otorgado por la colectividad, dependiendo de los puntos de llegada, así como que, al momento del retorno, pueda mostrar los éxitos (MALDONADO, 2004, p. 9).
Além disso, Vieira (2013) descreve os otavaleños como “indivíduos que
viajam o mundo vendendo suas mercadorias e inseriram a cidade do Rio de Janeiro
41 Grifo da autora. 42 Para Lema (2007, p.106) a mobilidade social é uma forma de vida ancestral dos otavalos. Eles são herdeiros da identidade cultural mindala e, hoje, são os mais espertos comerciantes indígenas.
47
na sua rota migratória, em virtude da sua visibilidade internacional e do imaginário
de uma cidade acolhedora para imigrantes” (VIEIRA, 2013, p. 7).
No cenário sul-americano, na década de 1960 e começo dos anos 70, a
Colômbia surgiu como país de imigração equatoriana. Para Altamirano (2003), os
otavaleños começaram a povoar os mercados e feiras colombianas, com a
finalidade de vender seus artesanatos utilizando suas vestimentas típicas.
Sabe-se também que, nessa mesma época, começou a emigração de
equatorianos para Venezuela. Para o autor, muitos profissionais que realizam
trabalhos braçais e comerciantes otavaleños migraram para trabalhar na extração de
petróleo. Atualmente, segundo o Censo de Población y Vivienda (CPV) 2010 do
Equador, os países sul-americanos com maior presença de equatorianos são o
Chile, com 4.955 pessoas, a Colômbia, com 3.916, e a Venezuela, com 3.488
equatorianos.
Quanto à expansão da migração transnacional, Altamirano (2003) ressalta a
década de 1970 como o período da maior emigração para os Estados Unidos. Já no
ano de 2000, muitos equatorianos viajaram para Espanha, passando do número de
11 mil, em 1997, a 83.514, no ano de 2000. De acordo com o Perfil Migratório do
Equador 2011, estima-se que, atualmente, 500 mil equatorianos moram na Espanha.
Em relação à distribuição geográfica por regiões, o maior número de emigrantes
está concentrado na Serra Equatoriana, com cerca de 52% dos equatorianos,
seguidos da região da costa, com 44% de emigrantes.
Em suma, para o Panorama Migratório de América do Sul 2012, os
principais corredores migratórios da região da América do Sul são: Paraguai–
Argentina, Bolívia–Argentina e, com um fluxo menor, Colômbia–Venezuela, Peru–
Argentina, Peru-Chile, Bolívia-Brasil e Colômbia–Equador.
3.3. A cidade do Rio de Janeiro no contexto das migrações andinas
Segundo o Censo Demográfico 2010 do IBGE, os estrangeiros provenientes
de países andinos que têm maior presença no Brasil são os bolivianos, com cerca
48
38.816 pessoas, seguidos pelos 15.432 chilenos. Já em menor presença, estão os
equatorianos, com um número de 1.730.
Na rota migratória dos países andinos no Brasil, São Paulo se posiciona
como o primeiro lugar de destino dos imigrantes. A cidade abriga 71% dos bolivianos
que moram no Brasil; 57% dos chilenos; 38% dos equatorianos; 32% dos peruanos
e 24% dos colombianos. Todos esses índices consideram a relação com o total de
migrantes de cada um desses países, dentre Bolívia, Chile, Equador, Peru e
Colômbia, que, hoje, moram no Brasil.
Desta forma, o primeiro lugar no ranking de recebimento de imigrantes
internacionais, de acordo com o Censo Demográfico 2010 do IBGE, é a cidade de
São Paulo. O segundo lugar é ocupado pela cidade do Rio de Janeiro, que
apresenta a maior estatística de migrantes, com 70%, em todo o estado do Rio. Na
capital fluminense, os colombianos têm maior presença, expressas pelo número de
872 imigrantes; em seguida, estão os 854 peruanos; os bolivianos somam 706
pessoas; os chilenos, 697; e, em menor presença, estão os 137 equatorianos. Os
imigrantes sul-americanos, no Brasil, aumentaram significativamente de 6,3%, em
1991, para 11,6%, no ano de 2010.
Países Andinos Brasil Rio de Janeiro Município do Rio de
Janeiro
Chile 1 532 1 375 697
Colombia 6 851 1 239 872
Peru 15020 1 186 854
Bolívia 38816 1 162 704
Equador 1 730 212 137
Quadro 1: Dado utilizados do Censo Demográfico do 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Organizado pela autora.
49
Neste cenário, os países andinos têm experimentado um aumento
significativo no número de migrações transnacionais para o Brasil e vêm
transformando as cidades em espaços de interação entre realidades sociais
diferentes. A proposta da pesquisa visa, desta forma, uma aproximação à forma de
se perceber a migração como um direito de buscar outras maneiras de vida. Os
migrantes enfrentam uma luta simbólica em diferentes modos de pertencimento,
resgatando a configuração e reconfiguração das identidades entre o
desarraigamento territorial e cultural, e no processo de adaptação sociocultural que
experimentam os andinos no Brasil.
50
CAPÍTULO 4 – ANDINOS NO RIO DE JANEIRO
O presente capítulo se desenvolve através dos relatos dos andinos no Rio de
Janeiro. Para tal finalidade foram entrevistadas treze pessoas entre 25 e 56 anos.
Os entrevistados moram na cidade do Rio de Janeiro e desempenham diversas
atividades. Entre os participantes se encontram tanto mulheres como homens de
países como Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e Chile.
O questionário baseia-se em três eixos fundamentais: trajetórias e trânsitos,
identidades reinventadas e janelas e espelhos da interculturalidade. Nessas seções
se pretende detalhar o histórico de migração, as motivações, os pertencimentos e
suas percepções. Em trajetórias e trânsitos se narra um pouco o histórico de
migração de cada participante da pesquisa, trata-se de compreender,
principalmente, como o fenômeno migratório perpassa suas vidas e a de suas
famílias. Nesta unidade, também se narra os motivos dos seus trânsitos,
especialmente, os motivos pelos quais migraram para o Rio de Janeiro.
Em identidades reinventadas: Andinidades se pretende compreender como se
constroem as identidades andinas e como a partir do fenômeno migratório se
reconfiguram esses pertencimentos. Já na última seção, janelas e espelhos da
interculturalidade, narram-se as percepções que tem os andinos sobre a sociedade
brasileira, os outros estrangeiros, os outros andinos e a cidade de Rio de Janeiro. O
item também se subdivide no debate denominado Andinidade, exclusão e racismo
no qual se relata alguns episódios de discriminação e racismo que os andinos
experimentaram no Rio de Janeiro.
O quadro abaixo mostra o perfil dos envolvidos na pesquisa:
51
Quadro 2: Perfil dos atores da pesquisa
Pseudônimo
Idade
Lugar de Nascimento
País
Ano de chegada
Atividade
Cristina 56 Lima Peru 2003 Venda de roupas/ Venda de comida
Felipe 27 La Paz Bolívia 2013 Estudante de Doutorado/ Professor substituto na Universidade Federal Fluminense (UFF)
Juan 26 Arequipa Peru 2014 Estudante de Doutorado
Manuel 56 Otavalo Equador 2013 Venda de artesanato
Maria 38 Bogota Colômbia 2004 Pós-doutorado/ DJ
Nicolás 25 Arica e Parinacota
Chile 2017 Estudante de Mestrado
Pedro 30 Oruro Bolívia 2013 Estudante Doutorado
Percy 38 Cusco Peru 1996 Gerente de Projetos
Ricardo 29 Ancash Peru 2016 Estudante de Mestrado
Roberto 32 Cracóvia (Nacionalidade peruana e colombiana)
Polônia 2007 Pós-doutorado
Rosa 32 Lima Peru 2000 Venda de roupas
Victor 32 Pichincha Equador 2011 Analista de Projetos
Violeta 25 Puno Peru 2016 Estudante de Mestrado/ Professora de espanhol
52
4.1. Trajetórias e trânsitos: perfil dos imigrantes andinos
A mobilidade não é um fenômeno novo para os andinos, a migração constitui
uma constante em suas práticas de sobrevivência desde tempos milenários e,
embora, na atualidade, os motivos se diversificaram, a migração continua sendo
parte de seus quotidianos. As experiências dos participantes apontam que muito
antes de incluir o Brasil na sua rota migratória, a vida dos andinos já estava marcada
pela mobilidade.
Nos seguintes parágrafos se apresentará os envolvidos na pesquisa, suas
origens, seus trajetos, suas motivações, o primeiro contato com o Brasil, as redes de
familiares e, na última parte, o relato que sempre está presente na vida dos andinos:
O eterno retorno. Por uma questão meramente dinâmica se desenhou alguns mapas
com o trajeto migratório de cada participante, as flechas de cor azul representam os
desejos de retorno.
A importância das trajetórias versa em situar os participantes da pesquisa,
quais são suas cidades de origem, os trajetos que realizaram antes de vir para o
Brasil, quanto tempo moram no Rio de Janeiro, em que laboram, enfim, o objetivo
central do seguinte segmento é conhecer o lugar desde onde falam sobre suas
andinidades.
4.1.1 Trajetos
Roberto tem 32 anos, estuda um segundo pós-doutorado em Engenharia e
Metalurgia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele nasceu na Cracóvia, seu
pai é colombiano e a mãe é peruana. Quando ele tinha dois anos seus pais
decidiram começar uma nova vida em Pasto (Colômbia), cidade onde cresceu até os
10 anos, para logo morar quatro anos na Espanha. Depois voltou para Colômbia e
estudou na Universidad del Valle uma graduação em Engenheira Química.
Bueno, nací en Cracovia, Polonia, pero mi nacionalidad es colombiana [Tengo] dos nacionalidades, peruana y colombiana… [En Polonia] no tengo nacionalidad, porque es por consanguineidad. - Roberto
53
Bueno, viví hasta los 2 años y medio en Polonia, de ahí viví en Colombia, en Pasto hasta los 10 años, después vivimos en España cuatro años, de ahí me fui a estudiar a Cali y de Cali ya me vengo para acá [Brasil]. - Roberto
Os percursos do Roberto foram principalmente causados pela migração de
ordem acadêmica e laboral de seus pais. Sua mãe é pedagoga e seu pai engenheiro
de minas, ambos com estudos de doutorado, eles se conheceram na Polônia
quando estudavam uma graduação. Roberto mora no Brasil há nove anos e oito
meses, se casou com uma argentina e tem três filhas, duas delas nasceram no Rio
de Janeiro.
Mapa 1: Trajeto migratório de Roberto
Manuel tem 56 anos e já recorreu mais de cinco países vendendo seus
artesanatos, ele nasceu em Huanasi, uma comunidade a “dos quilômetros del
parque Otavalo”, como ele mesmo descreve. Otavalo é um cantão, lar dos kichwa
otavalos, mundialmente reconhecido pela qualidade dos seus tecidos e artesanatos
que são comercializados no mundo inteiro. Manuel, como todos seus antepassados
54
kichwas otavalos é herdeiro da identidade cultural mindala43. No seguinte trecho ele
narra alguns países onde ficou por mais tempo, porque no seu percurso ele também
já esteve no Peru e Colômbia.
Primera vez en Bolivia 3 años, 97, 98, 99. En el 99, el 7 de noviembre me fui a España, volví en 2007 [a Otavalo], después me fui a Curazao, de Curazao me vine para acá, Brasil. -Manuel
Manuel estudou até o ensino básico e já realizou diversas atividades na sua
vida, ele foi agricultor, pedreiro, motorista de maquinaria pesada, mas o artesanato
sempre foi a melhor oportunidade para sair ao mundo. Quando foi consultado sobre
sua principal atividade remunerativa no Rio de Janeiro, ele respondeu
Comercio, comercio y produciendo lo que es pulseras de cuero […] Para hacer una pulsera entran varias materias y herramientas, hay que conocer varias herramientas, porque cada artesanía necesita diferentes herramientas, porque para tejer la pulsera [yo] necesito un telar de madera y ese telar de manera necesita unas, unas pequeñas cosas, pequeñas cosas que es polea, la malla, peine… y saber trabajar y valorar eso, apreciarle […] Es como estudiar para ser una maestra, esto es un maestro, si no tienes ganas de aprender, sino tienes ganas de trabajar nunca te va a salir bien, hay que aguantar el dolor, hay que aguantar el hambre, hay que aguantar la putería de otras personas para aprender. - Manuel
Manuel mora no Rio de Janeiro há cinco anos e vende seus artesanatos entre
a estação Uruguaiana e o Museu do Amanhã, no centro de Rio de Janeiro, trabalha
junto com sua esposa todos os dias da semana até altas horas da noite, porque
“Brasil es para trabajar no más”44, indica.
43 Ver o terceiro capítulo. 44 Brasil só é para trabalhar
55
Mapa 2: Trajeto migratório de Manuel
Ricardo é ancashino45, tem 29 anos e há um ano mora no Brasil. Ele nasceu e
se criou na serra peruana e quando tinha 18 anos decidiu viajar para Lima, capital
do Peru, para tentar uma vaga nas universidades nacionais. Atualmente ele é aluno
de mestrado no Programa em Matemática da Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
En lo personal yo vivo hace 11 años en Lima […] mis papás básicamente no radican en Lima, ellos viven allá en Huaraz, o sea vienen temporalmente. Pero tengo hermanos que ya viven en Lima años, 20, 30 años. - Ricardo
A migração de Ricardo e seus irmãos representa a migração de milhões de
pessoas que abandonavam as províncias e formavam grandes barriadas46 nas
zonas periféricas da capital. Na década dos oitenta se constituiu a segunda maior
onda migratória do país, as ameaças dos movimentos subversivos, a guerra e a
morte obrigaram a que muitas pessoas abandonassem suas terras com a esperança
45 Proveniente de Ancash, Peru. 46 Barriadas ou também conhecidos como pueblos jóvenes é a principal forma de crescimento urbano de Lima através de assentamentos localizados em zonas periféricas da cidade.
56
de encontrar segurança nas zonas urbanas.
Mi papá me contaba que cuando él era joven sí había terrorismo y justo él pasó por una penuria de esas, que como él era gobernador creo, ellos [los terroristas] buscaban y los mataban, [por eso] mi papá tuvo que estar escondido un tiempo. - Ricardo
Ricardo e seus irmãos migraram por outros motivos, mas se instalaram em
bairros populosos da Capital com outras pessoas que chegavam de todos os
departamentos47 de Peru. Matos Mar (1984) denominou esse fenômeno como
“desborde popular”. Os movimentos del campo a la ciudad48 mudaram
completamente a imagem de Lima, atualmente Lima é uma cidade que pertence aos
migrantes.
No seguinte trecho, Ricardo narra os motivos pelos quais ele e seus irmãos
decidiram migrar para Lima
Básicamente creo que es, buscando superarse como personas o en la forma académica, ¿no?, como sabes en Lima está…por la centralización hay más oportunidades de estudios, laborales y básicamente eso. -Ricardo
Mapa 3: Trajeto migratório de Ricardo
47 Departamentos, o que equivaleria no Brasil aos estados. 48 Do campo a cidade.
57
Cristina também é peruana, tem 56 anos e chegou ao Rio de Janeiro em
2003. Trabalha de segunda a sábado na venda de roupas numa barraca na estação
de metrô do Flamengo, reconhece que mais que vender roupa ela gosta de cozinhar
e, eventualmente, vende comida nos eventos tradicionais da comunidade peruana
no Rio de Janeiro.
Bueno a mí me gusta la cocina, cuando hay eventos, me gusta hacer eventos, como que fue… organicé el día Fiestas Patrias, se vendió la comida […] Preparar comida, me gusta la cocina mucho y… eso es en eventos de ahí, un campeonato que siempre organizo el primero de mayo todos los años y después que va a ver ahora el evento del Señor de los Milagros también que voy a participar, llevo mi comida, siempre, o sea en eventos, siempre estoy ahí, en cualquier lugar. -Cristina
Cristina nasceu em Lima, mas seu pais são de Ayacucho49, eles pertencem a
primeira grande onda migratória das zonas rurais às zonas urbanas na década de
1950. Entre os principais motivos do deslocamento, Cristina conta que seus pais
trabalhavam para os hacendados50 durante longas jornadas, narra que eles não
tinham chácaras para trabalhar de forma independente e não existia a possibilidade
de conseguir uma parcela, todo o trabalho era para os hacendados.
Cosechaban, o sea trabajaban no para propio de ellos, era una hacienda, el hacendado les daba trabajo de cortar la chala, entonces solo eso ellos que hacían y sembraban el maíz, sembraban el choclo. - Cristina
Por falta de terras próprias para trabalhar e devido aos maus tratos dos donos
das terras, os pais de Cristina decidiram começar uma nova vida em Lima. Sob
essas condições a migração atravessou a vida da entrevistada.
49 Ayacucho é uma cidade do Peru, capital do departamento de Ayacucho, província de Huamanga e do distrito de Ayacucho, se localiza ao sul do Peru. 50 Proprietários da terra, que percentualmente equivaliam ao 2% da população que possuía o 90% da terra cultivável em todo o Peru. Em 24 de junho de 1969, Velasco Alvarado mediante a Reforma Agrária distribuiu as terras dos hacendados entre os campesinos, sobre a premissa “la tierra es de quien la trabaja” (a terra é de quem a trabalha).
58
Mapa 4: Trajeto migratório de Cristina
Felipe nasceu em La Paz, Bolívia, tem 27 anos e chegou ao Rio de Janeiro
em 2013. Atualmente estuda um doutorado em matemática na Universidade Federal
do Rio de Janeiro e divide suas atividades acadêmicas como professor substituto na
Universidade Federal Fluminense. Ele indica que sempre morou em La Paz e, que
apesar de nunca ter saído de La Paz, a migração é parte dos relatos de sua história
familiar.
Eh, yo creo que se mudaron para buscar más oportunidades también, o sea, yo cuando nací… yo tengo ahorita tres [hermanos], somos cuatro en realidad, yo sería el segundo la verdad, pero el primero se murió, entonces las últimas dos son mujeres, son mis menores, entonces cuando nació mi hermano, mi hermano el primero, él nació en Copacabana creo que es frontera con Puno… y por ahí vivían, mis dos abuelos por parte de mi mamá y papá viven por ahí, en esa localidad de Copacabana y entonces cuando nació mi primer hermano, creo que ellos, según me contó mi mamá, creo que se quedaron un momento ahí, en Copacabana, pero después se mudaron para aquí, pa’ La Paz, y ahí en ese trayecto creo que pasó algo y se murió mi hermano y aquí, llegando aquí siempre ya vivíamos donde estamos viviendo ahorita, en El Alto. - Felipe
Os pais de Felipe são da localidade de Copacabana e migraram a El Alto,
antes de Felipe ter nascido. Nas linhas anteriores, ele narra como seus pais
59
chegaram e conta que, lamentavelmente, no trajeto seu irmão mais velho morreu.
Uns dois motivos pelo quais seus pais migraram foi porque
[En el Alto] hay más oportunidades, porque también es más central, es más céntrico… Copacabana es una ciudad muy pequeña, es turístico no más básicamente. -Felipe
Mapa 5: Trajeto migratório de Felipe
Percy tem 38 anos e mora no Rio de Janeiro há 21, trabalha como gerente de
projetos numa prestigiosa empresa de telecomunicações. Ele está casado com uma
brasileira e tem uma filha de dois anos. A migração também atravessou a vida de
Percy antes de vir para o Brasil, ele nasceu em Cusco, Peru, e se mudou para
Tacna quando ainda era adolescente. No seguinte trecho, narra os motivos pelos
quais sua família migrou
Por una cuestión académica, porque mi papá era profesor universitario, él salió por una cuestión política también… [mi papá era] profesor catedrático físico- matemático en la San Antonio [Universidad San Antonio Abad del Cusco] y él se fue a Tacna, a Arequipa primero y, finalmente, a Tacna, nosotros fuimos siguiendo a mi papá [Su mamá y él]. - Percy
60
O pai de Percy era professor, mas sempre esteve perto da carreira política,
na época universitária foi dirigente estudantil, isso gerou anos mais tarde, alguns
problemas no campo laboral, nesse contexto é que a família começa o trajeto
migratório. Em palavras de Percy: Nosotros fuimos siguiendo a mi papá51. É assim
como constituiu a primeira migração, a segunda foi quando decidiu viajar para o
Brasil, nos próximos parágrafos esse será o tema destaque.
Quando consultado sobre parentes em outras partes do mundo, respondeu
Varios, varios. En Estados Unidos, en Italia, bastantes, especialmente la rama materna, España, Alemania, y en algunos países que debo estar olvidando, familiares, tenemos los peruanos una tradición de migración fuerte. - Percy
Mapa 6: Trajeto migratório de Percy
Continuando com as trajetórias dos envolvidos na pesquisa, se apresentará
os relatos de Maria, uma colombiana que antes de vir para o Brasil já tinha uma
51 “Nós fomos seguindo ao meu pai”
61
migração interna na Colômbia e outra internacional quando viajou para Inglaterra em
2004.
Maria nasceu em Bogotá, tem 38 anos e mora com sua filha de nove anos no
Rio de Janeiro desde 2009, mas ela chegou ao Brasil muito antes, em 2005. No seu
trajeto foi primeiro a Belo Horizonte e logo migrou para Campos dos Goytacazes.
Maria tem noção da migração desde quando era criança, já na composição familiar a
presença de sua avó paterna é significativa, ela é alemã e chegou a Bogotá fugindo
da guerra. Enquanto ao seu trajeto migratório ela indica
Ya he viajado, ya he migrado antes… viví primero, mira empezó todo, bueno tuve una migración interna de Bogotá al Caribe por seis meses para un trabajo, en el Golfo de Morrosquillo, eso es en el norte, en el Caribe colombiano, en un lugar que se llama Moñitos Córdoba, ahí retorné a Bogotá y después, al año de esa migración que fue un trabajo temporal, me fui en el 2004, fue la primera parada internacional me fui para Inglaterra en febrero de 2004 y viví en Inglaterra por un año y medio, eh… de Inglaterra, decido vivir en Londres todo ese tiempo y de Londres vine directamente al Brasil, en julio del 2005. -Maria
Maria é psicóloga e, atualmente, faz um pós-doutorado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro, mas também é DJ, embora os estudos e a maternidade
envolvam todas suas horas, quando pode ela sempre toca música em algumas
festas latinas. Enquanto a motivação de seus primeiros deslocamentos, ela ressalta
a viagem para a Inglaterra
[Viajé a Inglaterra] Porque me estaba graduando de la universidad, de psicología, soy psicóloga y cuando salí era una necesidad aprender inglés y tenía una motivación de conocer un poco Europa, junté un poco de dinero y se juntó otro dinero que mi familia me quería dar de regalo por mi grado y ahí se juntó, y también yo tengo familiares en Inglaterra, entonces también era fácil, no me iba a costar como la estadía y esas cosas primeras que son muy costosas antes de conseguir trabajo y así pude ir. -Maria
Para Maria ter família na Inglaterra possibilitou e motivou mais sua viagem, já
que ia ter um lugar onde morar até conseguir emprego. A importância das redes
familiares será trabalhada nos próximos itens.
62
Mapa 7: Trajeto migratório de Maria
Ao visualizar o mapa migratório de Juan, pode-se considerar que a vida dele
nunca foi atravessada pela migração antes de vir para o Brasil, mas quando ele se
apresenta é uma acumulação de culturas que o definem. Seu avô é de Moquegua52,
mas quando jovem trabalhava comercializando tecidos, em 1940, chegou a Arequipa
e se estabeleceu. O pai e a mãe de Juan migraram desde crianças e desenvolveram
a sua vida toda em Arequipa. A mãe é de Puno e o pai de Moquegua.
Mi abuelo [materno] migró, era 1940, porque había un intercambio de ventas, de no sé, de cosas que habían, que traían, tejidos llevaba mi abuelito, llevaba tejidos de Puno para Arequipa, porque no había mucho en Arequipa en esa época por lo menos, entonces él tenía acceso y no era tan fácil, él tenía que viajar todo un día, me decía, en burro tenía que viajar desde Puno hasta Arequipa y después él veía que la ciudad era un lugar apropiado y al final decidió venirse a vivir ahí.- Juan
A história de migração da família de Juan, não é um fato isolado, no Peru a
migração de puneños53 com destino a Arequipa se acentuou na década de 1960 e
52 Cidade ao sul do Peru 53 Natural de Puno, Peru
63
1970, quando centos de migrantes puneños chegaram a Arequipa atraídos
principalmente pela atividade comercial. Juan narra como seus familiares pouco a
pouco foram migrando de Puno a Arequipa e logo, como destino final, a Lima.
Solo que cuando él vino [su abuelo] ya tenía hijos, pero en Puno, mi mamá es la última hija que él tuvo y por eso la trajo a ella, la última… [mis tíos] ellos han nacido en Puno, pero después como mi abuelo se fue a vivir a Arequipa, ellos lo siguieron también... Ellos fueron a vivir a Arequipa, pero después se fueron a vivir a Lima, la mayoría. -Juan
Juan tem família em Puno, Moquegua, Arequipa e Lima. Juan é arequipeño54
e mora no Rio de Janeiro há quase quatro anos onde estuda um doutorado em
Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Mapa 8: Trajeto migratório de Juan
O outro participante é Victor, ele tem 32 anos e mora no Rio de Janeiro há
seis anos, estudou um mestrado em engenharia elétrica na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, atualmente, trabalha como analista de projetos numa
54 Natural de Arequipa, Peru
64
empresa de petróleo na mesma cidade. Victor nasceu em Quito, Equador, mas seus
pais migraram desde Loja e Tungurahua até a capital do Equador.
Tungurahua e Loja... está en la sierra, son provincias de la sierra las dos. Tunguragua queda cerca de Pichincha, Loja queda aproximadamente a siete u ocho horas de Pichincha, Loja ya queda cerca a las provincias de la costa.-Victor
À migração interna dos pais de Victor incorporou-se um fenômeno maior no
Equador. Paz y Miño (2009) explica que na década dos sessenta e setenta se
acelerou a migração de campesinos55 e indígenas às grandes cidades,
particularmente em direção a Quito e Guayaquil. O processo de modernização do
país foi um dos motivos principais para consolidar Quito como um epicentro de
desenvolvimento, isso atraiu aos grandes coletivos de migrantes de distintas
cidades, entre as mais representativas estão Cotopaxi, Imbabura, Chimborazo e
Tungurahua.
Victor estudou a graduação em Quito, logo viajou a Espanha para fazer um
estágio, voltou ao Equador e quando terminou a graduação, ganhou uma bolsa para
estudar um mestrado no Rio de Janeiro. Em 2014 quando terminou a pós-
graduação, ele viajou para a China e estudou chinês mandarim na Hebei Normal
University. Os planos de Vitor eram criar uma empresa para importar e exportar
produtos, mas acabou voltando para o Brasil.
55 Agricultores
65
Mapa 9: Trajeto migratório de Víctor
Nicolás nasceu em Arica, Chile, tem 25 anos e mora no Rio de Janeiro há
sete meses, ele é formado em licenciatura em física e matemática pela Universidad
de Tarapacá. No Rio de Janeiro, ele estuda um mestrado em matemática na
Universidade Federal de Rio de Janeiro ao qual se dedica de forma exclusiva.
Siempre he vivido en Arica […] Sí, he salido a varios países, he ido a Perú y Bolivia [por] temas académicos, pero esta es la primera vez que estoy mucho tempo fuera, a las más veces un mes
Nicolas sempre viveu na Arica, embora ele tivesse saído algumas vezes em
viagens aos países vizinhos por temáticas acadêmicas, nunca esteve tanto tempo
fora de sua casa como atualmente. Sua composição familiar também é migrante, o
pai dele migrou desde Talca, Região de Maule, quando era jovem para completar o
serviço militar, mas quando finalizou, ele decidiu ficar e começar uma vida em Arica
ao lado da mãe de Nicolás.
Mi madre es de Arica, de Arica y Parinacota, mi padre es de Talca, VII Región […] Mi padre vino por tema del servicio militar, le tocó hacer el servicio militar en Arica y se quedó ahí.-Nicolas
66
Mapa 10: Trajeto migratório de Nicolás
Rosa é autónoma56, trabalha todos os dias vendendo roupa de mulher numa
barraca que ganhou por meio da Prefeitura. Ela é peruana, de Lima, e chegou no
ano 2000 ao Rio de Janeiro, atualmente convive com um peruano e tem duas filhas.
Ahorita estoy como autónoma, estoy até como… eh… vendedora podría decir, porque conseguí una barraca legal y puedo trabajar ahí. -Nicolas
Rosa tem 32 anos e terrminou o ensino médio numa escola no Rio de
Janeiro, comenta que teve de fazer duas vezes o mesmo grau porque teve muitas
dificuldades com o idioma. Estudou vários cursos técnicos, entre eles, três anos de
enfermagem, não exerce a profissão por falta de diploma, mas ressalta que também
não a exerce porque como autonoma se ganha mais.
Sí, yo trabajé de varias cosas, de babá, de, de… cuidé de idosos, sí fue los primeros trabajos que me llegaron y ahora soy más independiente con la
56 Quando consultada sobre sua principal atividade remunerativa, ela se descreveu como “autónoma”, se entende que é porque trabalha de forma independente.
67
barraca, la verdad, me gusta más, mi horario es… exerci más fue trabajo autónomo que ganaba más. -Rosa
Da mesma forma que Rosa, a mãe dela também trabalha numa barraca
vendendo diversos acessórios. A mãe pertence ao grupo de muitas mulheres que
trabalhavam como empregada doméstica e migram porque seus empregadores
mudam de residência em outros países.
Mi mamá también, cogió su barraca, es autónoma, ella era empleada doméstica, acá vino con contrato y esas cosas, de ahí pues intentó un negocio sino que no tenía documentos legales entonces ahí abrió su propio negocio así también por la prefeitura y ahora está trabajando ahí tranquila también… en una barraca.-Rosa
Semelhante à historia de outros peruanos participantes, os pais de Rosa
chegaram à capital, Lima, na década de 80 provenientes de todos os cantos do
Peru, a mãe é de Tarma e o pai de Cusco. Ela nasceu em Lima, mas se descreve
como uma mistura causada pelas diversas origens dos pais.
Nací en Lima, pero mi papas son puneños, otros son tarmeños [Risos], mi mamá… una mistura, pero yo nací en Lima. -Rosa
Mapa 11: Trajeto migratório de Rosa
68
Os pais de Pedro nasceram em La Paz, Bolívia, mas por causa do trabalho
dos avós migraram a Oruro, cidade onde seus pais se conheceram e onde nasceu e
cresceu. As narrações de Pedro sobre sua família estão marcadas pela migração
interna desde a época de seus avós, nos seguintes trechos ele narra um pouco dos
motivos pelos quais seus avós migraram a Oruro:
[Mis padres] Son de Bolívia, entonces eh… los dos, mi papá, mi mamá nacieron en La Paz y se conocieron en Oruro […] Sus familias se fueron [a Oruro], entonces, ellos practicamente nacieron allá, directamente allá… mis abuelos son de Chochabamba, La Paz, Potosí. -Pedro
En ese momento entonces había más trabajo en mi ciudad, entonces mi abuelo se fue de Cochabamba, entonces justamente por cuestiones de trabajo a Oruro y mi, de parte de mi mamá, su familia trabajaba en una empresa de explotacón minera, entonces mi abuelo por parte de mi mamá trabajaba ahí, entonces la familia practicamente se mudó. -Pedro
Pedro chegou ao Rio de Janeiro em 2013, atualmente faz um doctourado em
engenharia civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele também pertence ao
grupos de entrevistados que estudam de forma exclusiva e se mantém com o
dinheiro da bolsa que a universidade lhes proporciona.
Mapa 12: Trajeto migratório de Pedro
69
Violeta é peruana, nasceu na comunidade de Sajo, município de Chucuito
July, no departamento de Puno, quando era pequena passou por uma migração
interna da zona rural onde morava para o centro da cidade, a zona urbana. No
seguinte trecho, reflexiona sobre sua infância e a relação que tem o campo
Mi infancia que fue más o menos hasta los seis, siete años yo viví en el campo, en la comunidad de Sajo, creo que ahora, ahora es comunidad, pero antes era centro poblado, bueno, allí pasé mi niñez, siempre he esto relacionada con el campo, además de ello que tengo bastante familia que habla aymara también allá, siempre he estado visitándolos, yendo, es como mi segundo hogar, es como mi casa prácticamente, es mi casa.-Violeta
Violeta questiona os motivos de sua primeira migração, desde Sajo para Puno
capital, reflete sobre o que é realmente qualidade de vida, porque no campo, ela
sentia que era um bom lugar para crescer, como ela mesma o define, era sua casa,
sua primeira casa
Mis padres se mudaron en los años 2000, se mudaron del campo a la ciudad, supuestamente para que yo pudiera estudiar en una escuela o en un colegio y tuviera… ellos creían que yo tendría mejor calidad de vida allá en la ciudad, por eso me llevaron. -Violeta
O fato de Violeta morar perto da fronteira fez com que seus trajetos fossem
marcados pela passagem do Peru a Bolívia. Desde pequena ela viajava para
comprar produtos, passar férias e mesmo quando terminou a graduação ela
trabalhou um tempo em uma empresa boliviana. Em Puno, ela estudou a graduação
e um mestrado na Universidad Nacional del Altiplano. Violeta é professora de
português e trabalhou muito tempo dando aulas em diversas instituições, também se
desempenhou na edição de livros em algumas revistas e periódicos da região.
Sua primeira aproximação ao Brasil foi em 2014 quando ela viajou para Mato
Grosso do Sul com o interesse principal de conhecer a cidade e treinar o português.
Já em 2016 chegou ao Rio de Janeiro, atualmente estuda um mestrado em
linguística na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também trabalha como
professora do espanhol.
70
Mapa 13: Trajeto migratório de Violeta
É possível identificar que existem duas categorias a partir das narrações: os
que migraram e os que “nunca migraram”. Ambos grupos têm uma vinculação direta
com a migração. Para o primeiro grupo, a migração foi parte de suas vidas
diretamente, já seja por decisão própria ou de seus pais, eles tiveram uma migração
interna, em alguns casos, do campo para cidade, e em outros vivenciaram várias
migrações no nível internacional. Os peruanos são casos representativos de
migração interna. Desde zonas rurais para zonas urbanas, sua migração constitui
um passo prévio para o deslocamento internacional. Os equatorianos e os
colombianos que já tiveram migrações internacionais aderem ao Brasil na sua rota
migratória.
No segundo grupo, eles afirmam nunca ter saído de suas cidades de origem,
embora, suas famílias se estabeleceram nessas localidades, justamente por causa
da migração. Para o grupo, a migração cruza suas vidas a partir da formação de
suas famílias, em muitos casos seus pais migraram com seus irmãos mais velhos e
eles já nasceram nos novos espaços. Os bolivianos e os peruanos que nasceram
71
em zonas urbanas são filhos de pais que migraram das zonas rurais em busca de
melhores condições laborais. A exceção é o caso de Nicolás, cujo pai chegou a
Arica para cumprir o serviço militar e terminou se assentando na cidade por temas
afetivos.
Os relatos anteriores dão conta de como a migração termina envolvendo a
vida dos andinos, em alguns casos, muito antes de seu nascimento. Mediante os
relatos e trajetórias é possível constatar que a migração para os andinos termina
sendo uma constante e não uma novidade em suas vidas.
4.1.2 Motivos
As migrações dos andinos entrevistados na pesquisa se caracterizam pelo
aspecto basicamente acadêmico, laboral e afetivo. Entre as migrações de origem
laboral estão os relatos de Manuel, ele comenta que no Equador existe muita
competição na venda de tecidos artesanais, por isso decidiu migrar para o Brasil,
onde trabalha todos os dias sem descanso e consegue enviar duzentos e cinquenta
dólares semanais para os estudos de seus filhos. O seguinte trecho é um claro
exemplo da migração de ordem laboral:
Mis padres eran pobres y en ese tiempo no me dejaron estudiar y hasta tengo arrepentimiento de no haber estudiado, porque mis padres no pudieron mandarme y por esa razón yo estoy luchando para que mis hijos sean profesionales, si fuera para mí no más este trabajo…no trabajaría yo, estaría en mi país, en mi casa tranquilamente, descansando, no estaría hasta estas horas, porque tengo que, tengo que sacar adelante a mi hijos para que no esté sufriendo como yo he sufrido y para que no estén tristes.-Manuel
A mãe de Rosa trabalhava no Peru como empregada doméstica até que os
patrões se mudaram para o Rio de Janeiro. Ela veio com eles e quando o contrato
acabou, decidiu ficar e trabalhar no comércio de rua, atualmente também vende
roupas e outros acessórios numa barraca. Nas seguintes linhas, Rosa narra que ela
veio para o Rio de Janeiro porque tinha muitas saudades de sua mãe:
La verdad no fue mi decisión exactamente, como te digo mi mamá está aquí ya dieciocho años y ella, ella por opción al trabajo nos tenía allá con los tíos y bueno, para no distanciarnos más porque ya eran varios años afastados de nuestra mamá, entonces… somos tres niñas, ¿no?, y un hombre,
72
entonces yo era la mayor de las chicas y yo quería mucho y era la más apegada a mi mamá, entonces yo quería mucho estar con ella y le exigía que venga, que venga y por el trabajo que allá estaba mucho mejor que en Perú una época, acá estaba mucho mejor, entonces optamos porque ella me traiga aquí y eso que yo no me imaginé quedarme, o sea, con tal que esté con mi mamá donde sea, o sea, y bueno nunca había salido… viajado para otros país y yo feliz, ¿no?, me vine a ojos cerrados dejando todo allá y aquí me quedé con ella.-Rosa
As narrações sobre as migrações acadêmicas estão bastante diversificadas,
alguns partem do reconhecimento brasileiro no nível acadêmico, outros porque além
de estudar gostariam de ter novas experiências culturais e, finalmente, porque seria
bem mais fácil estudar um mestrado aqui que em suas cidades de origem.
En realidad cuando uno estudia física, al menos en física teórica que es mi área, uno tiene que buscar un lugar donde pueda desarrollarse, ¿ya? Entonces, física teórica al menos en Arequipa y en Perú en general, no tiene mucha atención. - Juan
Brasil es más o menos lo que te había contado, tenía la expectativa, la inquietud mejor dicho, muchas veces incentivada por mi papá, de salir del Perú, de tener otra experiencia cultural otra experiencia académica, como él falleció [su papá] poco tiempo antes y tendría que estar cerca de mi mamá y de mi hermana, comencé a buscar países más cercanos de los que había pensado, inicialmente pensé Rusia, Alemania, España y ahí descubrí las becas de Brasil, entonces postulé a las becas…e ingresé. - Percy
Bueno, yo siempre quise hacer la maestría, ¿en qué? Eso varía mucho, yo quería hacer una maestría en física, después astronomía y ya después ya se me ocurrió por último tiempo ser matemático pero no sabía dónde. Entonces mi orientador me aconsejó hacerlo acá en Brasil, por un montón de motivos. Me dijo, al principio va a ser difícil porque hay que hacer un montón de trámites de la visa y… pero… me dijo que al final iba a ser mejor. ¿Por qué iba a ser mejor? Porque sacar lo mismo en Chile, la calidad puede ser la misma pero te piden más cosas y después tienes que devolver más cosas.- Nicolás
De todos os relatos, Nicolás é o único que considera que o nível acadêmico
em seu país é tão bom quanto o nível brasileiro, mas a diferença é que lá ele teria
que pagar para estudar, uma condição similar para todos os entrevistados. Fica
subentendido que a bolsa e a gratuidade da universidade são fatores que atraem
aos alunos estrangeiros. Só Violeta estudo sem bolsa, mas trabalha na mesma
faculdade ministrando aulas de espanhol no programa “Idiomas sem fronteiras- IsF”
da UFRJ e assim consegue sustentar sua estadia no Rio de Janeiro.
73
No escopo da pesquisa foram entrevistados três estudantes de matemática,
de mestrado e doutorado, que não têm bolsa PEC-PG57, o processo seletivo para
concorrer a uma vaga é mais simplificado. Cada ano mediante o extramuros58, eles
podem ingressar em diversas universidades do Brasil, dependendo das condições
eles aceitam a vaga. Ricardo fez a prova no Peru e ingressou na Universidade do
ABC, mas ele queria estudar na Universidade Federal do Rio de Janeiro, então
juntou um pouco de dinheiro e veio fazer o curso de verano onde foi aceito com
bolsa.
A escola de verão é outra forma comum de ingresso, onde os alunos
participam de uma disciplina na mesma universidade brasileira, normalmente o curso
é feito em janeiro e fevereiro de cada ano. Ao finalizar o curso, eles fazem uma
prova mediante a qual se filtra os ingressantes. O curso de verão é custeado em sua
maioria pelos próprios estudantes, no entanto, poucos alunos conseguem uma bolsa
de apoio.
Felipe realizou a escola de verão sem necessidade de sair da Bolívia, conta
que um boliviano que estudou na Universidade Federal Fluminense (UFF) e que
ainda tinha relação laboral com a Universidad Mayor de San Andrés, ministrou uma
disciplina de verão que permitia o ingresso direto para a UFF. Nestor ingressou e
ainda conseguiu bolsa, assim ele saiu da Bolívia com “algo seguro”.
Lo que pasa es que a medio año del 2012, un profesor que estaba haciendo el doctorado en la UFF, que se llama Yestin Arce, el continuaba trabajando en la UMSA donde yo estaba estudiando y él nos dijo que va haber al año un curso de verano, ¿en qué va a consistir?, nos dijo, va a consistir, ustedes van a hacer el curso de análisis funcional, pero no van a tener que viajar a Brasil, sino yo voy a venir aquí, voy a tomar el examen, voy a mandar los exámenes allá a la universidad, ellos lo van a revisar y es mejor porque ustedes no van a tener que gastar el dinero al hacer el verano, porque eso es lo que se hace normalmente.-Felipe
57 O Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), criado oficialmente em 1981, oferece bolsas de estudo para nacionais de países em desenvolvimento com os quais o Brasil possui acordo de cooperação cultural e/ou educacional, para formação em cursos de pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado) em Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. Em <http://www.dce.mre.gov.br> 58 A Prova Extramuros é organizada anualmente pelos programas de pós-graduação em matemática
da USP-São Carlos e da UFRJ e visa oferecer uma oportunidade às universidades parceiras de
utilizá-la como parte do processo seletivo do programa de mestrado ou doutorado em matemática.
74
4.1.3 Contato
A maioria dos entrevistados não tinha contatos antes de vir para o Rio de
Janeiro e os que tinham eram contatos indiretos, pessoas que nunca tinham visto na
sua vida. Os casos especiais são das redes familiares e amigos que permitiram dar
um suporte ao recém-chegados. Violeta narra que quando chegou teve muito medo,
porque não conhecia ninguém e teve que dormir na Rodoviária uma noite até
conseguir alguém que pudesse lhe ajudar a encontrar um quarto para viver, assim
chegou a bairros muitos caros e gastou muito dinheiro em pouco tempo. No seguinte
fragmento ela conta um pouco sobre sua chegada:
La verdad es que no, yo me vine sin conocer a nadie, solo, bueno, después me enteré que uno de mis estudiantes se vino para aquí, fue el que me recibió, porque yo en principios no conocía a nadie y tuve que vivir en zonas caras, porque me dijeron, a un inicio cuando uno es turista, siempre te dicen ah! Rio de Janeiro!… y los únicos barrios que funcionan para el turismo es, aunque ya no sé si siga siendo barrio, para mí son barrios, Copacabana, Niteroi, esa es la visión de una persona que viene de afuera, y cuando llegas aquí, te dicen que no puedes ir más allá, que es peligroso, que te van a matar, que no puedes caminar por las calles, te atormentan, te frustran las personas y yo tuve mucho miedo, por supuesto, cuando llegué sola, con mis cosas porque viajé en carro, no vine en avión, por primera vez.-Violeta
Manuel também não conhecia ninguém, ele passou uma noite dormindo na
praia, até que o dia seguinte um brasileiro ajudou-lhe a conseguir um lugar onde
morar:
Llegué febrero del 2013 […] venimos mi hijo, yo y un sobrino mío, llegamos a Rio de Janeiro, a Copacabana, en puesto 1 [Posto 1], puesto 1, ahí dormimos una noche, al siguiente noche ya nos conseguimos con un brasilero, para que nos consiguiera un cuarto y ahí vivo hasta cinco años, hasta ahora.-Manuel
Entre os estudantes que já tinham contato com pesquisadores que no futuro
seriam seus orientadores, só Felipe recebeu ajuda concreta quando chegou ao Rio
de Janeiro. Ele morou por um tempo na casa do professor até conseguir alugar um
quarto:
Él nos recibió cuando llegamos, él nos recibió cuando llegamos a los tres, en su cuarto nos alojó, buena gente… De ahí el profesor nos vino a recoger con un estudiante más que no los conocía, nos presentó… pero al llegar, más bien, el profesor nos alojó, fue buena persona, nos alojó a los tres, en su cuarto, nos hizo un campito, ahí…pero al mes después cada uno por su camino también.-Felipe
75
As redes familiares também estão presentes nos relatos, Cristina e Rosa
chegaram com ajuda de seus familiares que já moravam há muito tempo no Rio de
Janeiro. A mãe de Rosa chegou em 1998 como empregada doméstica e, com o
tempo, ajudou a trazer a quase toda sua família, incluídos seus quatro filhos,
cunhadas, irmãos e sobrinhos. No trecho abaixo, Rosa narra como chegou pouco a
pouco toda sua família:
No, yo primera, mi hermana vino después de, poco más de un año después y así mi otra hermana también tres años después y así…a la finales, todos los hermanos vinimos, inclusive mi mamá trajo a su hermana, o sea, indicó un trabajo y ya vino con trabajo a una hermana, otra hermana y así.-Rosa
Cristina viajou trazendo a filha de sua cunhada em 2003, falaram que no Rio
de Janeiro poderia encontrar trabalho como empregada doméstica e assim decidiu
empreender a viagem:
Yo me vine aquí a Brasil por lo que, o sea yo, hasta entonces yo vivía con mi esposo, ¿no?, allá en Perú, mas este, yo me vine con una de mis sobrinas… Por la mamá de Patricia, que ella estaba aquí y entonces ya me vine trayéndole también a su hija, su hija también ya se quedó aquí, ya tiene como trece años más diez son 23 años que también tiene ella ya ahora.-Cristina
Das narrações é possível compreender que, na maioria de casos, os andinos
já haviam criado algumas redes de contato desde o país de origem, mas eram
pessoas que nunca tinham visto e nas quais não confiavam totalmente. Eram
amigos de amigos. Por esta razão, quando chegaram ao Brasil eles foram
construindo amizades com outros migrantes e brasileiros que acabaram conhecendo
com o tempo e são eles os que forneceram apoio na solidão e companheirismo aos
recém-chegados.
4.1.4 O eterno retorno
Para os andinos as narrativas sobre o retorno, sobre a saudade e a
esperança de voltar à sua terra são constantes. Esses sentimentos se baseiam em
considerar que por mais que seus projetos pareçam permanentes e inacabados,
sempre existirá um ponto fixo ao qual sempre podem/querem voltar. Os mapas
76
anteriormente desenhados mostram as trajetórias dos andinos, também em muitos
casos refletem seus desejos de voltar. Diversas narrativas expressam esses
sentimentos. Aqui apresentaremos os mais representativos.
O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas, como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa intranquila nostalgia ou saudade da terra (SAYAD, 2000, p.11-12)
No espanhol não temos uma expressão que signifique em sua totalidade a
expressão saudade”59, penso que representaria muito bem o sentimento dos
andinos por sua terra. Manuel exemplifica muito bem esse conceito:
Si no puedo trabajar, me retorno a mi país, a mi casa porque allá yo voy a estar tranquilo con mis animales, con mis terrenos. Una persona que no tienen terreno una persona que no tiene animales, yo he visto que mis vecinos, que solo se han dedicado en otro país solo negocio, esa gente nunca van a poder regresar, esa gente no pueden estar en propio país porque no tienen en qué agarrarse, en cambio yo no, yo soy agricultor, artesano, trabajo construcción, trabajo en todo lo que me dé. Yo puedo irme de aquí sin nada y puedo sacarme alguna comidita en mi país, otra gente no es así. Como han estado en otro país y no han tenido su propio país nada en que van a ir a agarrarse, no pueden irse nada. Eso me siento yo. Y si diosito quisiera que me diera algo más dinero yo lo seguiría comprando terrenos, alguna cosa en mi país para yo estar tranquilo una vez que me vaya. Ya, trabajar, dejar esto, en propio país es bueno para cualquier cosita.-Manuel
Do relato de Manuel é possível entender que para os kichwas ter uma casa,
um “terrenito” na cidade de origem, é simbolicamente positivo porque existe um
espaço onde sempre se pode voltar. Essa seria a diferença das pessoas que não
investem em comprar um terreno, porque nas palavras de Manuel “por más que
quieran, nunca van a poder volver”. A terra para Manuel é sinônimo de casa, o lar
onde se pode retornar sempre e em qualquer condição, porque lá, além de tudo, se
pode começar do zero. Os sentimentos de Violeta também fazem referência a terra
e a tudo o que representa a geografia das suas cidades:
Se extraña cuando se está en otro país, se extraña mucho, la tierra de donde… extrañas más que cuando estás allá, extrañas tu tierra, extrañas la comida, extrañas a la gente, extrañas el ambiente mismo, la naturaleza donde tú has crecido y sobre todo cuando las personas como yo por ejemplo, o mi papá o mi mamá, hemos vivido en el campo y siempre hemos estado cerca de la naturaleza. Por lo tanto, los cambios cuando venimos a la ciudad son enormes, es casi como un reto ¿no? Adaptarse, yo hasta
59 Saudade se entende como um sentimento causado pela distância ou ausência de algo ou alguém.
77
ahora no me consigo adaptar a una ciudad como esta, como Rio de Janeiro, que considero es una ciudad grande, contaminada, que tiene lugares hermosos pero a la vez hay grandes peligros y yo prefiero mi ciudad que es Puno, o prefiero ir al campo que está cerca, viajo dos horas y me voy al campo a relajarme y no escucho el sonido del celular, no escucho nada, solo me relajo junto a los lagos de mi abuela, caminar descalza, cuando el viento hace que se raje mi cara, que se malogre mi cara, eso también se extraña.-Violeta
Em alguns casos, o retorno se mistura com novas aspirações, novas viagens,
novos desejos de explorar o mundo, são sentimentos aparentemente contraditórios,
mas que se disputam continuamente nas projeções dos andinos.
Continuar el doctorado todavía, no sé tal vez, depende de las oportunidades que se me presenten… hacer un doctorado, pero de todas maneras hacer un intercambio estudiantil de doctorado, si se puede de sandwich, hacer un intercambio con una universidad en Barcelona o con la universidad de mi orientador que es Liverpool, que también trabaja ahí, tal vez irme a Liverpool, dependiendo, pero sí pienso salir todavía de Brasil - Violeta
Os desejos de voltar se nublam quando eles comparam as realidades de seus
países. Querem voltar, mas as condições econômicas, acadêmicas ou afetivas
representam maiores benefícios no Brasil. Os trechos abaixo indicam algumas
narrativas sobre os interesses particulares que os vincula ao Brasil:
Mira, yo estoy viviendo justamente por mi trabajo que está aquí, porque en Perú un trabajo quizás puede haber, ¿no?, pero, estoy bien aquí en Brasil, fuera de mi país, pero estoy bien, porque estoy trabajando acá y por mi trabajo, pero tal vez que alguna vez… yo no pienso quedarme eterno aquí- Cristina
Ah, es un poco incierto, porque el futuro uno no lo conoce. A mí me gustaría... por un lado volver, porque la idea siempre fue esa, aprovechar el conocimiento adquirido aquí para ayudar también allá. Me gustaría volver pero también yo sé que a veces las decisiones cambian, entonces no sé, existe también una incertidumbre-Pedro Una plaza de profesor en Brasil, a nivel latinoamericano, es difícil encontrar como con tan buenos… con tanta seguridad y con un salario tan bueno. No sucediendo eso, regresaría a Colombia a intentarlo allá, de todas lo de la plaza en el Brasil es algo constante- Maria
Por tanto, a migração não representa afastamento, distanciamento,
separação ou esfriamento, a migração é pertinência e ressignificação das relações
com nossa terra, com nossas famílias, posto que simbolicamente é possível estar
aqui e lá ao mesmo tempo.
78
4.2 Identidades reinventadas: Andinidades
Yo cuando yo entiendo, en andino cuando yo entiendo es… andino es cuando mucho viajan. Cuando mucho viajan. Eso me siento yo. -Manuel
Manuel é indígena, índio e andino, a visão de sua andinidade se constrói
sobre trânsitos, movimentos e migrações. Manuel pertence à cultura mindala60 e as
viagens formam parte de seus quotidianos, da sua identidade como kichwa otavalo.
A viagem para os otavaleños é sinônimo de reconhecimento e prestigio. Com base
em seus relatos, sua andinidade também se constrói a partir da língua: o quéchua,
herança dos incas, como ele bem fala. Segundo os postulados do Venturini (1975), a
presença espanhola também é parte da nossa constituição como andinos, mas para
Manuel é sinônimo de falsidade e rechaço:
Yo indígena pues, hablo quechua, hablo quechua yo, primera lengua mío es quechua, segundo es español…primero es nuestro idioma que los incas dejaron.-Manuel
Indio, también, indio orgullosamente soy indio, porque yo, según la historia me dice que nosotros somos indios, venimos de indio. Nuestros antepasados los incas y venimos de nuestra pachamama. Y quienes nos han falsificado son los españoles.-Manuel
Outros relatos consideram a Cordilheira dos Andes como fator principal na
definição de suas andinidades. Situar-se em um âmbito geográfico prioriza a
condição do clima, o médio ambiente, a altitude, a terra, as montanhas, a natureza.
Victor analisa etimologicamente o termo andino e a partir disso inclui vários países
na mesma condição:
Mis orígenes son de allá entonces yo pienso que sí, analizando un poco la palabra viene de los Andes, entonces pienso que es persona que vive en altitud, en los países de la zona, Perú, Colombia, Ecuador, entonces, para mi serían las personas que viven en altitud en los países andinos.- Victor
O Peru está dividido geograficamente em três regiões, a Costa, a Sierra e a
Selva. Nos relatos de Ricardo, ele se define como andino porque nasceu na Sierra
que, em sua totalidade, é atravessada pela Cordilheira dos Andes:
60 Ver capítulo 3
79
De hecho porque yo vengo de los andes ¿no? De la sierra, porque Huaraz es sierra, tiene andes entonces por mis raíces, he nacido crecido allá... claro que soy andino… Bueno, desde el punto de vista que... he recibido esa educación, es persona que viene del ande ¿no? Entonces, el Perú está lleno de andes, entonces, Huaraz es una zona andina, montañosa. Entonces, digo que soy andino.- Ricardo
Para Maria, a definição do andino está cheia de boas lembranças como
quando nos finais de semana ela saia de sua cidade e “subia” até sua finca61
localizada na montanha, nos arredores da cidade. Na entrevista ela conta que
quando estava fazendo uma trilha com alguns amigos aqui, no Rio de Janeiro, eles
acreditavam que ela não ia conseguir subir na montanha, mas ela respondeu que lá,
em Bogotá, também tem montanhas, tem a presença da Cordilheira dos Andes e
que era uma prática bem comum para ela subir e descer.
Yo, sí [soy andina], porque soy de Bogotá, y Bogotá está la Cordillera de los Andes, a 2.600 metros de altura.-Maria
Maria aclara que os andinos em Bogotá são diferentes dos andinos de outros
países, porque eles não foram influenciados pelos Incas e sim pela cultura
Chibchas62. Ela também ressalta a importância política, econômica e educativa que
tem Bogotá em toda Colômbia:
El desarrollo y todo el progreso que hay en Bogotá y toda la tecnología, Colombia tiene una economía hiper centralizada y todo el desarrollo está centralizada, entonces es una ciudad… con alto nivel de vida, el mayor del país con las mejores universidades, con el mejor aeropuerto, con todas las cosas y estamos encima de los andes.-Maria
O andino também pode ser entendido como um gentílico que parte de uma
localização territorial dentro de um mesmo país. Felipe descreve que os andinos na
Bolívia são os que nasceram em La Paz, Potosí e Oruro. Para outras cidades
existem outras denominações, como os “cochas” para os que nasceram em
Cochabamba e os “cambas” para os oriundos de Santa Cruz.
¿Andino? Pues para mí es… desde mi educación desde la escuela que me dijeron… andino es un ciudadano que vive en el altiplano, altiplano quiere decir de lo alto, del campo, de una ciudad no tan poblada, entonces… yo soy de ahí, porque yo nací ahí. Eso es, eso es mi concepto.
61 Finca consiste em uma extensão de terra não urbana com casas e que geralmente compreende montes, campos ou outros acidentes geográficos. 62 Os Chibchas ou muíscas eram uma tribo de fala chibcha do planalto central da Colômbia que formavam a Confederação Muísca.
80
Por lo menos entre bolivianos, los andinos nos llaman a los del altiplano, los andinos, en realidad, todos los de La Paz somos andinos.-Felipe
Para Felipe, a Bolívia é definida por fortes regionalismos, por isso quando
Pedro é consultado sobre sua andinidade, ele responde que mais do que andino, ele
se sente boliviano. É possível compreender que isso se dá porque ele não concorda
com as divisões territoriais de seu país e aposta em uma perspectiva mais
unificadora.
Sí, pero por encima boliviano, andino yo creo que es más la ubicación territorial y que tal vez implica algunas costumbres pero por encima está mis características más de país. Entonces sabiendo que Bolivia es bien diversa, y entonces, y que juntos creo que la importancia de nación y conformar un país está por encima de que eh… por coincidencia, entonces, mi departamento tiene una parte de la Cordillera de los Andes, entonces la Cordillera de los Andes pasa cinco países y es bien larga, pero eso no significa que los cinco países sean exactamente iguales, cada uno tiene sus características. Entonces, para mi es más importante ser boliviano que andino.-Pedro
O andino também se manifesta desde perspectivas históricas em tempo e
espaço. O andino é um sentimento de nostalgia por um passado que representa
nossas raízes, o que atualmente somos e o que fomos. Um passado cheio de
contradições e convergências. Por um passado de opressões e um presente de luta
reivindicativa. Violeta é aimará e andina e sobre essas identificações descreve seus
sentimentos
Para mi ser andino es ser aimara, bueno tener las raíces de nuestros antepasados, las raíces de nuestros antepasados, reconocer que ellos están todavía con nosotros porque somos ellos, somos lo que el pasado fue y nosotros somos el producto del pasado.-Violeta Ser aimara es aquello que una vez Gamaliel Churata dijo “El hombre no es de donde nace sino de dónde sus raíces mentales son” es saber que ha habido un pasado que ha sido tan importante como lo es en el presente para vivir y para ser felices.-Violeta A mis antepasados, me refiero a mis antepasados, que yo soy producto de mis antepasados y soy consciente de toda la historia cargada de opresión, sumisión… a nosotros prácticamente cuando estuvimos relegados, hasta ahora seguimos siendo invisibles, en el tiempo, por eso, por eso me considero aimara, porque para mí es importante, creo que todo ser humano debería de reconocer de… o todo profesional o todo ser humano debería saber de dónde, cuáles son sus raíces para tener noción de qué significa el nicho donde vivimos, porque si no estaríamos con los ojos vendados volando en el espacio sin saber quiénes somos.-Violeta
81
Juan também define o andino desde uma visão histórica, mas ele faz ênfase à
cultura Inca e ao enorme prestigio que sente por ser parte dela. Considera o Inca
como um elemento distintivo e diferenciador do resto do mundo.
Con la cultura que me hace diferente de los demás, con las demás personas de otras partes del mundo. Con las cosas buenas con las cosas malas, que no son para continuarlas sino para aprender y no repetir. Con la historia de la gente que vivió antes de mí y, si se le puede llamar privilegio, yo tengo ese privilegio porque soy de esa zona donde el imperio incaico por lo menos era más fuerte ¿no? Del sur del Perú, Moquegua, Arequipa todo está en el sur del Perú, Puno, todo está en el sur del Perú. En ese sentido creo que soy andino. -Juan
Prosseguindo, se compreende o andino como presente, como cultura viva,
como parte dos nossos quotidianos, nosso dia a dia. Para Roberto, o andino vai
além dos fenótipos e é entendido também como elemento unificador entre países de
América Latina:
Pues, para mi es… una serie, no solamente, de, digamos, de rasgos que sean fisonómicos ¿si? O tú, como de dónde desciendes y tu ascendencia, sino más que todo, digamos, la cultura y el entorno en el que te educaste ¿si? O sea la educación no solo como escolarización ¿si?, porque en la escuela no te enseñan absolutamente nada, sino lo que aprendes en tu ciudad, tiene que ver con los modos, las fiestas, las expresiones, como hablas, lo que escuchas, la música que escuchas, de nuevo la culinaria, también lo que comes ¿si? Eh, y obviamente, toda la historia y todos los rasgos que nos identifican y realmente es amplio, he conocido otros países como Chile, Perú, Ecuador y hay muchos puntos comunes que nos identifican como, digamos, la región andina.-Roberto
Finalmente, se entende o andino como produto de uma grande diversidade,
uma mistura que atravessa todos os âmbitos da vida. Para Nicolás o andino se
relaciona diretamente com o aimará, da mesma forma com que Violeta percebe essa
definição, mas a diferença é que Nicolas define o andino através das representações
atuais da cultura aimará no presente:
Sí, me considero andino, porque aquí en particular la cultura de Arica es muy andina… Por ejemplo, como Arica tiene mucha influencia de muchas regiones de muchas partes entonces prácticamente la cultura de Arica es una mistura, por ejemplo, en varias partes de la universidad hay algunas cosas que están escritos en aimara, a veces todos nos reunimos y celebramos el Pachacmara…Es el año nuevo aimara, entonces eso ya es una cultura que se… ah ya, ¿vas a celebrar el Pachacmara? ah ya! Vamos!, y hacemos el Pachacmara, o si te hablo de los bailes andinos que se hacen
82
en verano, entonces de varias cosas como la cultura aimara se celebran como… en general en Arica. Entonces, por esa como cercanía que hay a la cultura aimara, sí me podría considerar como un andino.-Nicolas
Portanto, ser andino é
Gráfico 2: Imagem elaborada a partir das respostas dos entrevistados.
No gráfico, as cores similares designam um passado em comum. O quéchua
e o kichwa são variantes do quéchua incaico. Em alguns países de América Latina o
cholo é a denominação que se dá ao mestiço. O povo aimará se assentou
principalmente na Bolívia e Peru, por isso ser boliviano tem uma forte relação com o
aimará. Para os andinos, os brasileiros têm três formas de chamá-los: gringo, índio
ou indígena. Essas considerações vão ser trabalhadas no item “Andinidade,
exclusão e racismo”.
O andino atravessa por uma infinidade de acepções, existem várias leituras
para compreender e viver as andinidades em tempo e espaço. A partir de uma
multiplicidade de identificações cada um constrói uma definição particular do andino.
O andino é passado, presente e futuro. O andino é uma construção vigente, atual e,
sobretudo, dinâmica. O andino também é saudade e nostalgia por um passado que
definiu nossas bases. Portanto, o andino não é uma definição acabada, mas uma
SER ANDINO
Indígena
Índio
Gringo
Aimará
Quéchua
Mestiço
Cholo
Kichwa
Boliviano
Latino-americano
83
construção permanente.
4.3 Janelas e espelhos da interculturalidade: O mesmo outro
Janelas e espelhos da interculturalidade é uma metáfora que interpreta a
luta entre a própria identidade e aquela proveniente do reflexo e do olhar dos outros.
É uma alegoria das andinidades individuais e coletivas cruzadas dentro de um
sistema intercultural. É uma aposta por explicar como a partir de fenômenos sociais
híbridos, complexos e marcados por relações interculturais, os andinos geram auto-
reconhecimento e reconhecimento dos outros a partir da alteridade. Nas próximas
linhas, são indicados alguns relatos que exemplificam as percepções que os andinos
têm de outros andinos, da sociedade brasileira, das instituições e da cidade de Rio
de Janeiro.
As percepções sobre outros andinos estão baseadas em similitudes. Quando
consultada sobre a relação que tem com outros andinos, Violeta, por exemplo,
responde que os sente como parte de sua própria família, como irmãos, como
iguais. Para ela, todos os migrantes andinos passam pelas mesmas preocupações e
necessidades, assim cria um universo simbólico cheio de semelhanças que só nós
podemos entender.
Para mí sí, porque son como mi familia, porque solo entre nosotros nos entendemos y sabemos que se siente estar lejos de la tierra, de donde somos, porque aunque haya cosas parecidas, aunque la gente sea cálida, siempre tenemos un momento de, extrañamos, o continuamente estamos extrañando a la tierra, a las personas, a la familia, siempre.-Violeta
Para Maria, reunir-se com outros andinos é tão importante quando associar-
se com outros latino-americanos. Os andinos entrevistados que chegaram antes de
2005 coincidem com as perspectivas de reivindicação latino-americana que
expressa Maria em seus relatos. Percy chegou ao Brasil em 1996 e mais que
andino, ele se identifica como latino-americano, relata que quando chegou havia
poucos andinos e, consequentemente, ele não se associa com os grupos andinos de
outras gerações.
Sí, creo que es importante tener relaciones con todo el mundo, no por ser andino no, creo que lo veo más en una tónica y en un proceso de lo que te
84
decía de reivindicación latinoamericana, de los migrantes, entonces, en ese sentido siempre estamos generando…siempre estoy pendiente de generar alianzas, para las actividades que hacemos en diferentes contextos de poder fortalecer los procesos de la cena migrante en Rio de Janeiro y eso implica que haya gente de diferentes alturas – Maria
Yo me identifico más como latinoamericano, pero también, o sea, si hubiera esa posibilidad, me gustaría tener por ejemplo…hacer algún evento andino, con bolivianos, ecuatorianos […] es que básicamente es una cuestión generacional, como de… está ligada a la generación, quien vino en el 96 hay pocos andinos -Percy
Os andinos criam espaços simbólicos que compartem com outros andinos,
estrangeiros e brasileiros. Faculdades, repúblicas universitárias, campeonatos de
futebol, restaurantes, botecos, baladas, bares, ruas constituem espaços públicos
apropriados por andinos para reivindicar suas identidades. O “bar do Felipe” está
localizado na Vila Residencial63 e é o espaço eleito pelos andinos64 para reproduzir
seus costumes. O lugar é acolhedor principalmente porque o dono nos permite ter
muitas liberdades, por exemplo, podemos dispor do local para nossas datas
comemorativas, as músicas são eleitas por nós e se a reunião segue até o dia
seguinte, ele só fecha quando nós vamos embora. E apenas nesse espaço nós nos
permitimos dançar e cantar nossas melodias, num ambiente aberto, livre. Violeta
pertence ao grupo e fala um pouco sobre isso no seguinte trecho
Sí y a veces organizamos fiestas, hacemos, tratamos de reproducir nuestras costumbres culinarias, a veces las costumbres que nosotros tenemos allá, con ellas, que por supuesto la mayoría de las…bueno por lo que vi y los amigos que tengo algunos también tienen raíces andinas.- Violeta
4.3.1 Andinidades, exclusão e racismo
Quando consultados se haviam sofrido algum tipo de discriminação ou
racismo, inicialmente, os interlocutores negavam essa possibilidade. Depois de
63 A Vila Residencial está localizada no Fundão, na Cidade Universitária, lá moram estudantes de diversas nacionalidades: colombianos, peruanos, chilenos, equatorianos, argentinos, venezuelanos, bolivianos e estudantes de distintos países africanos. É comum escutar entre os estudantes sobre a “residência dos colombianos”, “residência dos peruanos”, “residência dos africanos”. Justamente se denominam assim porque as pessoas que moram nessas moradias são majoritariamente dessas nacionalidades. Na Vila Residencial moram aproximadamente 100 estudantes latino-americanos, entre eles, os colombianos e peruanos tem maior presença. 64 Pelos andinos que moramos na Vila Residencial, Cidade Universitária.
85
alguns minutos da entrevista eles começavam a se lembrar de algum tipo de
“problema” que tiveram com os brasileiros. Mas sempre, ao final do relato, repetiam
que era uma questão isolada. Finalmente, se justificava a situação,
responsabilizando aos outros ou responsabilizando-se. Existe uma negação da
discriminação racial, que passa inicialmente por (1) uma negativa literal, “nada
aconteceu”, depois (2) uma negativa interpretativa, “o que aconteceu é uma questão
diferente” e, finalmente, (3) a negativa justificatória “o que aconteceu é justificado”
(DULITZKI, 2000, p.3). Compreende-se que aceitar a discriminação racial coloca o
andino em uma posição vulnerável, de subalternidade frente ao “outro”.
Nos seguintes trechos, diversos relatos mostram episódios de discriminação
vivenciados pelos andinos. Rosa comenta que estava no ônibus tentando reivindicar
o assento reservado para uma mulher grávida, quando um homem reconheceu nela
rasgos próprios de estrangeiridade e falou o seguinte
[…] ahí de frente me miró a mí, yo mal hablé, dije “ah qué horror –yo dije algo así- qué horror, qué horror, feio, qué feio” [y el señor le respondió] “Ah, tá falando qué, tú no nem, nem, tú nem, ¿cómo dijo?, tú no eres nem daquí, que tá falando qué, ah! vai voltar para tu país, no me enche” Comenzó, comenzó a insultar, a hablar, ahí la gente dijo: “Oye” Era más chiquilla, ¿no?, então y solamente también eh, reagi como otros, ¿no?, hay qué raro, me pareció absurdo lo que estaba haciendo, entonces opiné algo así y él me habrá escuchado, como no podía decir mucha cosa y a mí agarró y me dijo, ¿no? - Rosa
Quem pode trabalhar e quem não? É a pergunta que se faz Cristina todos os
dias. Para ela vender roupa no comércio de rua é difícil, porque não se pode
trabalhar livremente. Os brasileiros sempre estão questionando sua condição de
estrangeira. Cristina acha que talvez esses comentários signifiquem que eles, por
ser brasileiros, realmente tenham mais direitos que ela.
Pero yo decía, uno que otro, pero no, aquí nada, todo tranquilo, todo bien, sino que a veces no encuentras, ¿no?, por buscarte un lugar en otro lugar, como yo trabajaba en la calle, entonces buscando me ponía ahí, ya… “No, no, yo trabalho aquí, esto, entonces um poquinho me arrimo, no, no, você vai, vai” que no, que no quería “se você no trabalha aquí, você debe ir embora, debe ir a su país, aquí yo estoy en Brasil, yo estoy, yo soy brasilera, yo estoy en mi país” como diciendo que él tiene más valor para trabajar y yo no.- Cristina
Juan considera que nunca sofreu discriminação, mas se lembra de um
“problema” que teve com o Branco do Brasil no qual um funcionário reclamou sobre
86
sua condição de estrangeiro e não quis lhe atender. O funcionário lhe repreendeu e
disse que os estrangeiros só vêm para tirar o dinheiro dos brasileiros. Ele ficou
chocado e não teve uma resposta. Atualmente, para “não ter problemas” com outras
pessoas, ele decidiu se identificar como estudante de intercambio, para evitar
possíveis brigas futuras.
Aquí… discriminación… creo que no. El único problema que tuve y que todavía recuerdo, inclusive le compartí a mi asesor aquí, de física, fue de cuando yo llegué, el Banco de Brasil me hacía mucho problema para abrir mi cuenta de banco y yo fui a reclamar, aquí a la agencia, y yo fui a reclamar uno, dos veces y me decían que no, que usted debe entregar este papel más, fue una vez, llevé el papel, la segunda vez me dijeron no tiene que tener más esto, a la tercera vez tiene que tener más esto y a la cuarta vez le dije; pero ya no me falta más nada. Y me dijeron: no, pero ustedes extranjeros para qué vienen aquí, nos quitan el trabajo a nosotros los brasileros que no tenemos. Y cuando acabó de decir eso me dijo; puede retirarse. Y me dejó hablando así, entonces, creo que fue muy mal educado, yo no sabía qué hacer también porque no quería reaccionar igual que él y lo que hice fue quedarme callado también porque me reaccionó muy mal que no sé si era discriminación a mí mismo o en general a los extranjeros porque “ustedes los extranjeros a qué vienen aquí, nos quitan el trabajo”. Y cuándo le dije eso a mi asesor, porque me perturbó, me dijo; pero ellos no tienen ningún derecho de decirte eso, cuando ustedes son aceptados aquí en Brasil para hacer su maestría, o doctorado, el país hace un contrato con ustedes de manera formal y ustedes tienen todo el derecho para que se les atienda bien ahí como si fueran brasileros. Entonces, porque en algún momento dije; tal vez es verdad ¿no?. Me sentía mal porque ya había escuchado que aquí había problemas de dinero y todo eso, aquí en Brasil en general. Y que un extranjero venga y reciba un tipo de bolsa era un tipo de robo, desde cierto punto de vista ¿no? Pero mi asesor, cuando me dio el punto de vista correcto recién entendí que era un tipo de mala educación por parte del trabajador… En el Banco de Brasil, aquí en la Ilha del Fundão, en el CCS y ahí me sentí mal también. Y por esas veces, en mi caso por ejemplo, para evitarme ese tipo de problemas, en base a esas experiencias, creo que si es que me preguntan algo prefiero decir que soy un estudiante de intercambio para que sepan que estoy de un tiempo no más y no he venido a robar, es porque en general no quiero tener problemas. Uno no sabe con qué tipo de personas vas a responder a veces, si responden agresivamente imagínate. Esa vez fue la vez que me hicieron sentir bien mal, porque yo era recién llegado todavía, y me trataron así mal.-Juan
A forma como a sociedade brasileira os define, impacta na construção de sua
identificação. Manuel não gosta que o chamem de “gringo”65. Ele entende esse
termo como um insulto. Explica que tem visto permanente e tem os mesmos direitos
que qualquer brasileiro. Para ele, gringo é uma pessoa de passagem, temporário,
mas ele já mora há muito tempo no Rio de Janeiro.
65 Gringo é um termo que designa os indivíduos estrangeiros, residentes ou de passagem pelo país.
87
Maricones de mierda me dicen gringo…ese gringo para mí es una vulgaridad, un insulto, es un insulto, cuando a un gringo le dicen…un gringo le dice solo cuando está solo turista, cuando está solo paseando, a esos les llaman gringos, pero en cambio yo no soy gringo, porque yo he estado mucho tiempo y algo me apara porque yo tengo residencia aquí para que me respeten, no es para que digan, para que me digan gringo. Gringo es pasajero, que están pasando, paseando para arriba, para abajo.-Manuel
O termo indígena tem uma conotação negativa em quase todo o território
peruano. As pessoas se autodenominam aimarás ou quéchuas, mas com menor
frequência, indígenas. Isso se deve a posição subalterna do indígena. Atualmente,
existem movimentos reivindicatórios, particularmente eles podem se autoidentificar
como indígenas, mas não recebem a acepção de agentes externos a sua
comunidade. Quando Violeta chegou todo mundo a classificava como indígena, com
o tempo, reconsiderou a ideia e agora se identifica como indígena também.
Aquí me identifican como indígena y yo les digo que sí soy indígena, que prefiero ser indígena que blanca…cuando llegué recibí bastantes muestras de racismo y discriminación.-Violeta
Cuando yo conversaba y bueno, yo sí, soy india y… y me siento orgullosa de aquello ¿no? Sí soy india, en un principio me chocaba porque mi ciudad el concepto de indígena nosotros lo hemos descartado, ya no se usa. Si tú dices indígena la población tiene una herida colonial todavía que persiste hasta estos días, podemos ser… podemos recibir un… como digo… “la justicia popular” de la gente, la gente se reúne y te dice ah, bueno, ¿nos han dicho indígenas otra vez? porque hay esa herida que todavía se guarda. – Violeta
Depois dos episódios racistas, os entrevistados preferem se proteger, em
muitos casos, alterando seu comportamento. Como se detalhou no início do
segmento, se opta por negar a discriminação com a finalidade de evitar situações
semelhantes. Em nenhum dos relatos se denunciou o ato racista. Entre os andinos
entrevistados, as pessoas com fenótipo branco indicam que nunca vivenciaram
situações de discriminação ou racismo. Em contrapartida, os andinos com fenótipos
indígenas foram alvo dos ataques discriminatórios.
Dos relatos se desprende que os episódios de racismo e discriminação são
motivados pela percepção desigual que se tem dos migrantes. Enquanto alguns são
aceitos, outros representam uma ameaça nacional para o mercado de trabalho. Por
trás desse discurso se busca fomentar o ódio, a rejeição e o desprezo aos migrantes
88
oriundos de países considerados pobres: os negros e os indígenas. Como disse
Fanon (2008) um país é racista ou não é. O Brasil é.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho não pretende gerar uma perspectiva essencialista, unitária e muito
menos a-histórica do que é considerado andino. Homogeneizar a todos os andinos
sobre premissas definidas seria ignorar toda sua diversidade e complexidade. Não
existe um conceito finalizado do andino, porém ele vai se reinventando ao longo do
tempo. O que existe são identidades étnicas, linguísticas, nacionais, regionais e de
gênero que convergem em harmonia com o andino conformando novas
configurações.
As lembranças do Tahuantinsuyu como representação do andino foi uma
leitura constante no trabalho de campo, mas na pesquisa se conclui que os incas
não representam tudo o que significa ser andino, porque o andino antecede e
sucede o incaico em tempo e espaço. Pensar que o andino é só a cultura incaica
parte de eliminar as outras representações de andinidades, por conseguinte,
retrataria o andino como um elemento inamovível.
Todos os andinos participantes da pesquisa, de uma ou outra forma, são
atravessados pela migração. Já seja por decisão própria ou familiar. A viagem se
converte em parte importante na formação histórica de suas famílias, por tanto, é
parte dos seus quotidianos e não uma novidade. Entende-se dessa forma que o
Brasil é só parte da continuação de seus trajetos. Outro fato importante nos
deslocamentos dos andinos é que a maioria dos entrevistados realizou uma
migração de altas latitudes até cidades com menores latitudes. Segundo os
postulados de Hinojosa (2015), esse tipo de deslocamento denomina-se migração
vertical, portanto se pode considerar que as migrações andinas são de ordem
vertical.
Os andinos mantém uma relação de pertencimento com o seu território de
origem, portanto a migração não expressa desenraizamento, mas ressignificação de
suas relações sociais. Os andinos não têm certeza de qual será sua próxima parada,
mas tem bem resolvido qual vai ser a última. A ideia de retorno é um discurso
90
constante, mesmo assim as saudades se entrecruzam com os novos desejos de
continuar com suas trajetórias por outros países. Parecem ideias contraditórias, mas
dialogam continuamente no fenômeno migratório.
As relações assimétricas de poder afetam historicamente as identidades da
região andina. Diante dessa premissa, se considera importante a proposta de Walsh
(2009) sobre o respeito à diversidade através de políticas interculturais. No mesmo
caminho, o enfoque decolonial tenta romper com a história hegemônica de uma
cultura dominante e outra subordinada, dessa maneira se pretende reforçar as
identidades tradicionalmente excluídas. A finalidade é um conviver de respeito e
legitimidade entre todos os grupos da sociedade.
Os andinos no Rio de Janeiro enfrentam preconceito, discriminação e
racismo. São responsabilizados pela crise econômica do país e se tornam uma
ameaça ao mercado de trabalho. Quando são consultados sobre discriminação ou
racismo, a resposta inicial é sempre um não. Posteriormente se lembram de um
episódio, mas não a categorizam como racismo. Finalmente, responsabilizam a
situação aos outros ou responsabilizam-se. A primeira reação é se culpabilizar,
encontrar o motivo dentro de si mesmo. Por último, modificam seus padrões de
comportamento para não vivenciar outro ato de racismo.
“Índio, indígena e gringo” são termos utilizados como insultos para se referir a
nós, os andinos. Assim, nossas identidades/andinidades estão sendo confrontadas
por discursos de ódio. Existe uma criminalização dos nossos costumes, línguas,
formas de vestir, dos nossos fenótipos, do fato de não falar “bem” o português, de
querer tentar construir uma vida em espaços que os brasileiros consideram que “não
nos pertencem”. Somos discriminados tanto nos serviços públicos, quanto nos
privados, por funcionários, policiais, professores, motoristas, políticos e governantes.
Por isso, ser andino no Rio de Janeiro é também sinônimo de resistência e de luta
pelo reconhecimento e respeito de nossa diversidade cultural.
91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBERTI & MAYER. Reciprocidad e intercambio en los Andes peruanos. Lima: IEP
ediciones, 1974.
ALTAMIRANO, Teófilo. El Perú y el Ecuador: Nuevos países de emigración. Revista
Aportes Andinos, N°7, 2003
AVILÉS, M. ¿De dónde venimos los cholos? Lima: Ed. Planeta - Seix Barral, 2016.
BAENINGER, R. O Brasil no contexto das migrações internacionais da América
Latina. Centro de Gestão e estudos Estratégicos Populações e políticas sociais no
Brasil: os desafios da transição demográfica e as migrações internacionais, Brasília:
[s.n], 2008.
_______________. Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de
População- Nepo/ Unicamp; Fapesp; CNPq; Unfpa, 2012
BÓGUS & FABIANO. O Brasil como destino das migrações internacionais recentes:
novas relações, possibilidades e desafios. Revista Punto e Vírgula- PUC SP. N° 18,
segundo semestre, 2015, p. 126-45
BONILLA, H. & LUMBRERAS, L. (org.). Los andes. El camino del retorno, Ecuador:
Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales & ABYA- YALA, 1990
BURGA, Manuel. La región andina: Integración, desintegración. ¿Historia hacia
adentro o historia hacia afuera? In: BONILLA, H., LUMBRERAS, L. (org.) Los andes.
El camino del retorno, Ecuador: Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales &
ABYA- YALA, 1990
CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2005
92
CASTLES, S. & DELGADO WISE, R. (Cord.) Migración y Desarrollo: perspectivas
desde el sur. México: Universidad Autónoma de Zacatecas, 2007
CASTRO GOMEZ & GROSFOGUEL. El giro decolonial: reflexiones para una
diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y
Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.
COGO, Denise; ELHAJJI, Mohammed; HUERTAS, Amparo (Ed.). Diásporas,
migraciones, tecnologías de la comunicación e identidades transnacionales.
Barcelona: Institut de la Comunicación (InCom-UAB), 2012.
CONTRERAS (Ed.) Compendio de historia económica del Perú: Economía
prehispánica. Lima: BCRP; IEP, 2008 (Serie: Historia Económica, 1)
CUETO, M. & LERNER, A. (ed.) Desarrollo, desigualdades y conflictos sociales. Una
perspectiva desde los países andinos. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2011
DANIEL, Camila. P’a crecer em la vida: a experiência migratória de jovens peruanos
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013. Tese (doutorado em Ciências Sociais) -
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
[Orientadora: Profa. Sonia Maria Giacomini]
DULITZKY, Ariel. La negación de la discriminación racial y el racismo en América
Latina. Colombia: BID, 2000
DURAND, Jorge & LUSSI, Carmen. Metodologia e teorias no estudo das migrações.
São Paulo: Paco Editorial, 2015
FACULTAD LATINOAMERICANA DE CIENCIAS SOCIALES. Al filo de la identidad.
La migración indígena en América Latina. Ecuador: Facultad Latinoamericana de
Ciencias Sociales, 2008
93
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador, EDUFBA, 2008
GLICK SCHILLER, Nina. Nuevas y viejas cuestiones sobre localidad: teorizar la
migración transnacional en un mundo neoliberal. In SOLÉ, C., PARELLA, S. &
CAVALCANTI (Cord.). Nuevos retos del transnacionalismo en el estudio de las
migraciones. Madrid: Ministerio de Trabajo e Inmigración, 2008
GLICK SCHILLER, Nina; BASH, Linda & BLANC SZANTON, Cristina. Towards a
transnational perspective on migration: race, class, ethnicity and nationalism
reconsidered. New York: New York Academy of Sciences, 1992
GOLTE, Jürgen. La racionalidad de la organización andina. Lima: Instituto de
Estudios Peruanos, 1987
GRABNER & CORONEL. Lenguas e identidades en los Andes. Perspectivas
ideológicas y culturales. Quito: Abya Yala, 2005
HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2009
HINOJOSA, Alfonso. Buscando la vida: familias bolivianas transnacionales en
España. La Paz: CLACSO; Fundación PIEB, 2009
________________. Transnacionalismo y multipolaridad en los flujos migratorios de
Bolivia. Familia, comunidad y nación en dinámicas globales. In RIVERA, S., AILLÓN,
V. (Coord.) Antología del pensamiento boliviano contemporáneo. 1a ed. Ciudad
Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2015.
KAULICKE, Peter. Lo andino y lo no andino. Perspectivas arqueológicas
comparativas entre las tierras bajas y las tierras altas. Revista Brasileira Lingüística
Antropológica, vol. 5, n. 1, 2013.
94
KINGMAN, Eduardo. La identidad perdida de los ecuatorianos. Revista de la
Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. N° 7, 1999, p. 108 -117
LEMA, Lucía. La cultura viajera de los kichwa Otavalo del Ecuador. In Instituto
Interamericano de Derechos Humanos. Migraciones indígenas en las Américas,
Costa Rica: Instituto Interamericano de Derechos Humanos, 2007
LEMOS, M. T. T. B. Presença boliviana no Rio de Janeiro: notas prévias sobre a
imigração? 1950/2000. Rio de Janeiro: LABIMI, 2015 (Artigo de divulgação científica
em meio digital). Disponível em: < http://www.labimi.com.br/artigos/1390312110.pdf
>. Acesso 20/01/ 2017
MALDONADO RUIZ, Gina. Comerciantes y viajeros. De la imagen etnoarqueológica
de “lo indígena” al imaginario del kichwa otavalo “universal”. Ecuador: Editorial Abya-
Yala, 2004
MURRA, John. Formaciones económicas y políticas del mundo andino. Lima:
Instituto de Estudios Peruanos, 1975
ORDOÑEZ CHARPENTIER, Angélica. Migración transnacional de los Kichwa
Otavalo y la fiesta de Pawkar Raymi. In TORRES, A. & CARRASCO, J. Al filo de la
identidad. La migración indígena en América Latina. Ecuador: Facultad
Latinoamericana de Ciencias Sociales, 2008
PAERREGARD, Karsten. Transnacionalismo andino: Migración y desarrollo en dos
pueblos peruanos. In TORRES, A. & CARRASCO, J. Al filo de la identidad. La
migración indígena en América Latina. Ecuador: Facultad Latinoamericana de
Ciencias Sociales, 2008
PANIKKAR, Raimon. La interpelación intercultural. In: ARNAIZ, Graciano González
R. (coord). El discurso intercultural. Prolegómenos a una filosofía intercultural.
Madrid: Biblioteca Nueva, 2002.
95
PANORAMA MIGRATORIO DE AMÉRICA DEL SUR 2012. Organización
Internacional para las Migraciones (OIM). Buenos Aires, 2012
PASTORAL DO MIGRANTE, REDE MIGRAÇÃO RIO. A presença do imigrante no
Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2015
PATARRA, N. L. O Brasil: país de imigração? E-metropolis, ano 3, n. 09, 2012,
PORTES, Alejandro. Convergencias teóricas y evidencias empíricas en el estudio
del transnacionalismo de los inmigrantes. Revista Migración y Desarrollo. N° 4,
primer semestre, 2005, p. 2-19
________________. Migración y cambio social: Algunas reflexiones conceptuales.
Revista Española de Sociología. N° 12, 2009, p. 9-37
QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y Modernidad-Racionalidad. Perú Indígena, Lima, v.
13, n. 29, 1991.
______________. Colonialidade do poder. Eurocentrismo e América Latina. Buenos
Aires: CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2005.
RICARD LANATA, Xavier (ed.) Vigencia de lo Andino en los albores del siglo XXI.
Una mirada desde el Perú y Bolivia. Cusco: Centro de Estudios Regionales Andinos
Bartolomé de las Casas, 2005
ROSTWOROWSKI, María. Historia del Tahuantinsuyu. Lima: IEP/Promperú, 1999
SAYAD, Abdelmalek. Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Edusp,
1998.
________________. Travessia especial. Revista do Migrante, ano XII, n° especial,
janeiro, 2000
96
SILVA, S. Hispano-americanos em São Paulo, Revista Travessia, ano XII, n. 33,
1999, p. 24-32.
SOLIMANO, A. Migraciones internacionales en América Latina y el Caribe:
oportunidades, desafíos y dilemas. Foreign Affairs en Español. 2008
VENTURINI, O. América del Sur Andina. In UNESCO. Geografía de América Latina.
España: Editorial Teide & Editorial Unesco Paris, 1975
VIEIRA, Camila da Silva. A cidade do Rio de Janeiro no contexto das migrações
internacionais contemporâneas: O exemplo dos equatorianos no comércio de rua.
Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (mestrado em Geografia) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências, Rio de Janeiro, 2013. [Orientadora: Olga
Maria Schild Becker]
WALSH, Catherine. (De) construir la interculturalidad. Consideraciones críticas
desde la política, la colonialidad y los movimientos indígenas y negros en el
Ecuador. In FULLER, Noma (Ed). En Interculturalidad y Política. Lima: Red de Apoyo
de las Ciencias Sociales, 2002
_______________. Interculturalidad, estado, sociedad. Luchas (de)coloniales de
nuestra época. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar/Ediciones Abya-Yala, 2009
97
ANEXO
Roteiro de Entrevista
Datos personales
1. Edad
2. País y provincia de origen
3. Provincia donde vivía antes de irse al exterior
4. Profesión
5. Nivel educativo
6. Provincia de origen de los padres
7. Profesión de los padres
8. Estado civil
9. Nacionalidad del cónyuge
10. ¿Tienes hijos? ¿Cuántos? ¿Dónde nacieron?
Histórico de Migraçión
11. ¿Cuántos meses y años lleva residiendo en Brasil/ RJ?
12. ¿Por qué decidió venir para Brasil y RJ específicamente?
13. ¿Ya tenía contactos en Río antes de venir?
14. ¿A qué se dedica en Brasil?
15. ¿A qué se dedicaba en Perú/Bolivia/Ecuador/Chile/Argentina/Colombia?
16. ¿Tiene parientes/ amigos fuera del
Perú/Bolivia/Ecuador/Chile/Argentina/Colombia? ¿Dónde?
17. ¿Cuál fue su vía de ingreso a Brasil?
-Paso fronterizo en bus
-Avión
- Vía terrestre no declarada
- Paso fronterizo en auto particular
-Otros
18. Tipo de Visa en Brasil
98
19. Motivo de migración
Pertenencia
20. ¿Usted se considera andino? ¿Por qué? ¿Qué es para ud. ser andino?
21. Aquí en Brasil, ¿cómo te identifican?
22. ¿Cree usted que es importante mantener las costumbres y tradiciones de su
país al vivir en Brasil? ¿Por qué?
23. ¿Cree usted que es importante y valioso mantener relaciones con otros que
usted considera andinos? ¿Por qué?
24. ¿Cree usted que es importante y valioso mantener contacto con brasileños?
¿Por qué?
Percepciones
25. ¿Existe racismo en su país? ¿Cómo se manifiesta?
26. ¿Sufrió algún tipo de discriminación en su país? ¿Cómo fue?
27. En su opinión, ¿existe racismo en Brasil? ¿Cómo se manifiesta?
28. ¿Sufrió algún tipo de discriminación en el Brasil? ¿Cómo fue?