UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN … · docência, enquanto substituta e, em...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO JOSIVÂNIA ESTELITA GOMES DE SOUSA “EU NÃO CONSIGO DORMIR ANTES DA MEIA NOITE...NUNCA”: Precarização do Trabalho Docente e Adoecimento no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte NATAL 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO

JOSIVÂNIA ESTELITA GOMES DE SOUSA

“EU NÃO CONSIGO DORMIR ANTES DA MEIA NOITE...NUNCA”: Precarização do Trabalho Docente e Adoecimento no Departamento de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte

NATAL 2015

JOSIVÂNIA ESTELITA GOMES DE SOUSA

“EU NÃO CONSIGO DORMIR ANTES DA MEIA NOITE...NUNCA”: Precarização do Trabalho Docente e Adoecimento no Departamento de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte

Dissertação de Mestrado apresentada pela aluna supracitada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com vistas à obtenção do título de mestre. Orientadora: Pós-Drª. Rita de Lourdes de Lima

NATAL 2015

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Sousa, Josivânia Estelita Gomes de. “Eu não consigo dormir antes da meia noite... nunca”: precarização do

trabalho docente e adoecimento no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte / Josivânia Estelita Gomes de Sousa. - Natal, RN, 2015.

112f. Orientadora: Profa. Dra. Rita de Lourdes de Lima. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço Social.

1. Serviço Social – Dissertação. 2. Trabalho docente – Dissertação. 3.

Ensino Superior - Dissertação. 4. Precarização - Trabalho - Dissertação. 5. Adoecimento - Dissertação. I. Lima, Rita de Lourdes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364-4:37

NATAL 2015

AGRADECIMENTOS

Gente, agradecer, que sensação maravilhosa essa! Bom, começo com um pensamento que

sempre me acompanha: “A ciência não explica o mistério”. É, trata-se de um trabalho

acadêmico, com bastante rigor científico, mas começo agradecendo a Deus, pois sei que ele

me segurou em seus braços quando eu já não aguentava mais! Ele e eu (e minha linda

orientadora também, risos) sabemos como essa caminhada até aqui foi árdua. Conseguir

entrar no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte foi a realização de um sonho gestado ainda no 4ª período da graduação,

momento em que me inseri nos debates do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ética, Trabalho e

Direitos. Pois é, finalmente consegui entrar no mestrado! Depois de uma retenção na seleção,

em 2011, depois da difícil escolha de não me submeter à seleção em 2012 (pois já estava na

docência, enquanto substituta e, em meio a diversos trabalhos para corrigir e bancas de

monografia para participar eu sabia que o resultado seria negativo mais uma vez), em 2013,

eu estava lá, na sonhada sala F4, no setor de aulas V. Gente, a partir de então, vieram

momentos ricos de debate, de reflexão, mas também de desafios, angústias. Como eu cresci,

intelectual e pessoalmente! Ao entrar no mestrado, eu tinha a docência para dar conta e ainda

um vínculo enquanto Assistente Social na Prefeitura Municipal de São Gonçalo do

Amarante... cada presença em sala de aula e cada texto lido eram verdadeiras vitórias pra

mim... nunca foi fácil. Afinal, ninguém disse que seria, não é mesmo? Mas, eis que estou aqui

concluindo essa etapa da vida minha vida acadêmica e o que é melhor, com uma espécie de

pré-objeto de pesquisa para o doutorado. Quanto atrevimento, risos! Dessa forma, passar por

tudo isso, sem agradecer, é impossível!!

Assim, continuando, quero agradecer também à minha guerreira maior, minha mãe, Ivanete,

que nunca teve a oportunidade de estar em uma universidade, mas que foi meu alicerce,

minha base de apoio desde sempre. Com você mãe, eu aprendi a ser persistente e não desistir

sem tentar até a última possibilidade. Obrigada “mamis”, te amo!

Ao meu pai, por ter me ensinado que a vida é feita de desafios e que com eles a gente aprende

a ser forte.

Ao meu companheiro que é, sem sombra de dúvida, o meu maior fã, meu amor, meu amante,

minha vidinha, Jackson, pela total compreensão de meus medos, de meus momentos de

estresse, pelas palavras de incentivo e pela paciência de sempre. Amo-te, meu presente de

Deus. Obrigada por me tornar um ser humano melhor a cada dia.

Ao Departamento de Serviço Social (entre professores, funcionários e bolsistas) que sempre

me acolheu com todo carinho. Eu amo estar com vocês, trabalhar com vocês...lutar com

vocês.

À todos os meus alunos, pela contribuição que me foi dada na construção na minha carreira

docente. Aprendo muito com vocês todos os dias!

À minha orientadora Rita, pela pessoa e pela profissional que és. Soubestes me orientar, sem

nunca perder a sutileza. Uma frase que, pra mim, diz um pouco do que foi o nosso processo:

“Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás” (Che Guevara). Obrigada por todo o

aprendizado, pelas valiosas orientações, contribuições e indicações de leituras que foram

fundamentais para a construção desse trabalho. Obrigada também pela paciência e pela total

confiança em mim e em meu potencial. És um ser humano lindo e brilhante!!

Ao meu CRESS por ter compreendido meu afastamento temporário na reta final de conclusão

desse processo.

Às minhas Malévolas (Jucilene, Annamaria, Jacqueline e Alyne) pelo incentivo virtual de

todos os dias e por compreender minhas ausências.

Aos meus Miguxos Sentidos pelo apoio de sempre na vida. O tempo tenta sempre nos

distanciar, mas cada encontro, por mais raro que seja, é sempre maravilhoso!

Por fim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma com a construção desse

trabalho... a todos, MUITO OBRIGADA!

Josivânia Estelita.

À todos os docentes universitários, que dedicam horas de seu tempo

ao ensino e formação de seres sociais.

“Sem trabalho eu não sou nada, Não tenho dignidade,

Não sinto o meu valor, Não tenho identidade.

Mas o que eu tenho É só um emprego

E um salário miserável. Eu tenho o meu ofício

Que me cansa de verdade. [...].”

Renato Russo.

RESUMO

Sabemos que, atualmente, a política de educação superior no Brasil vem sofrendo profundas transformações vinculadas à adoção do projeto neoliberal neste país. Desse modo, a partir de nossa experiência na docência no ensino superior, enquanto professora substituta no Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, objetivamos analisar a precarização do trabalho docente e o processo de adoecimento dos professores no referido departamento. É fato que, atualmente, as demandas dessa categoria estão envolvidas em um contexto de produtivismo acadêmico, resultante da subordinação da ciência à perspectiva mercadológica, fator que acelera a produção do conhecimento. Nesse sentido, nosso ponto de partida foi a compreensão de que as universidades brasileiras hoje estão caracterizadas pela aplicação de métodos empresariais, elemento que implica no controle do trabalho através das constantes avaliações dos docentes, sempre relacionadas a critérios quantitativos e acúmulo de trabalho, vinculados a obrigações de cunho burocrático (tais como produção de diversos tipos de relatórios e projetos) e número crescente de alunos e obrigações diversas. Todos estes elementos têm produzido forte impacto na saúde física e mental dos docentes, de modo que a maioria dos professores universitários trabalha sob desgaste biopsíquico/emocional e físico. Assim, através de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas com 9 docentes, analisamos o processo de precarização do trabalho dos professores do Desso da UFRN e a sua relação com o adoecimento dos professores na atual conjuntura, produto do Modo de Produção Capitalista (MPC). Nossa análise mostrou que as condições de trabalho, a intensificação da precarização e adoecimento no nosso lócus de pesquisa estão intrinsecamente vinculados ao atual cenário de expansão quantitativa das universidades brasileiras, que impõe ao professor um cotidiano de trabalho cruel, que toma conta até mesmo de suas horas de descanso. É o trabalho invadindo o espaço privado e pessoal, impedindo o professor de vivenciar outras dimensões da vida, pensar e refazer energias para enfrentar tal cotidiano. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Docente, Ensino Superior, Precarização, Adoecimento.

RESUMEN

Sabemos que los cambios profundos en la actualidad, la política de la educación superior en Brasil ha sufrido vinculados a la adopción del proyecto neoliberal en este país. Así, a partir de nuestra experiencia en la enseñanza en la educación superior como un maestro sustituto en el Departamento de Trabajo Social de la Universidad Federal de Río Grande do Norte, que tuvo como objetivo analizar la precarización de la profesión docente y el proceso de la enfermedad de los profesores en ese departamento. Es un hecho que hoy en día las demandas de esta categoría están involucrados en un contexto de productivismo académico resultante de la subordinación de la ciencia a la perspectiva mercadológica, un factor que acelera la producción de conocimiento. En este sentido, nuestro punto de partida fue la constatación de que las universidades brasileñas actuales se caracterizan por métodos comerciales que solicitan, un elemento que implica el control de los trabajos a través de evaluaciones constantes de los maestros, siempre relacionados con los criterios y atraso cuantitativos, vinculados a naturaleza burocrática de obligaciones (como la producción de diversos tipos de informes y proyectos) y creciente número de estudiantes y diversas obligaciones. Todos estos elementos han producido gran impacto en la salud física y mental de los docentes, por lo que la mayoría de los profesores universitarios que trabajan bajo biopsíquica / estrés emocional y físico. De este modo, a través de la investigación bibliográfica, investigación documental y entrevistas semi-estructuradas con nueve profesores, se analiza el proceso de precariedad de la obra de los maestros Desso UFRN y su relación con la enfermedad de los docentes en esta coyuntura, producto del modo de producción capitalista (MPC). Nuestro análisis mostró que las condiciones de trabajo, la intensificación de la inseguridad y de la enfermedad en nuestro locus investigación están intrínsecamente vinculados a la situación actual de la expansión cuantitativa de las universidades brasileñas, que impone a la maestra un trabajo diario cruel, que tiene incluso el cuidado de su horas de descanso. Es la obra invadiendo el espacio personal y privado, lo que impide que el profesor experimentar otras dimensiones de la vida, el pensamiento y hacer de nuevo la energía para hacer frente a esto todos los días.

PALABRAS CLAVE: Trabajo Enseñanza, Educación Superior, La inseguridad, La enfermedad.

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Sexo.................................................................................................................75

GRÁFICO 2 – Estado Civil.....................................................................................................75

GRÁFICO 3 – Titulação..........................................................................................................77

GRÁFICO 4 – Frequência do Cansaço...................................................................................83

LISTA DE SIGLAS

ABAS – Associação Brasileira de Assistentes Sociais

ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ABESS – Associação Brasileira das Escolas de Serviço Social

BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BM – Bando Mundial

CAPES – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CCSA – Centro de Ciências Sociais Aplicadas

CEP – Código de Ética Profissional

CF – Constituição Federal

CNPq – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CONCURA – Conselho de Curadores

CONSAD – Conselho de Administração

CONSEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

CONSUNI – Conselho Universitário

DESSO – Departamento de Serviço Social

ECT – Escola de Ciência e Tecnologia

EPB I e II – Estudos dos Problemas Brasileiros I e II

EUA – Estados Unidos da América

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

FMI – Fundo Monetário Internacional

IES – Instituições de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

JFCBN – Juventude Feminina Católica Brasileira de Natal

LBA – Legião Brasileira de Assistência

MEC – Ministério da Educação

Método BH – Método Belo Horizonte

Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização

MPC – Modo de Produção Capitalista

OMC – Organização Mundial do Comércio

Opep – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação

PEP – Projeto Ético-Político da Profissão

PEPSS – Projeto Ético- Político do Serviço Social

PID – Plano Individual Docente

PROUNI – Programa Universidade para todos

PT – Partido dos Trabalhadores

REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

SIGAA – Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UCMG – Universidade Católica de Minas Gerais

UFA – Unidade de Formação Acadêmica

UFA’s – Unidades de Formação Acadêmicas

UF’s – Universidades Federais

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UnB – Universidade de Brasília

Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................13

2 AS ALTERAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES PARA

CLASSE TRABALHADORA................................................................................................21

2.1 SOBRE A CATEGORIA TRABALHO.............................................................................21

2.2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTUVA, NEOLIBERALISMO E BUSCA PELA

MANUTENÇÃO DA HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE......................................25

2.3 O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO.......34

3 AS RECONFIGURAÇÕES NO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO: UM ESTUDO

SOBRE A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NA ÚLTIMA DÉCADA..............40

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO........................................................40

3.2 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A UNIVERSIDADE E SUAS FRONTEIRAS.....48

3.3 AS CONFIGURAÇÕES DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

NOS ÚLTIMOS ANOS............................................................................................................52

4 TRABALHO DOCENTE NA UFRN: UM ESTUDO NO DEPARTAMENTO DE

SERVIÇO SOCIAL................................................................................................................65

4.1 – O DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

RIO GRANDE DO NORTE: CONHECENDO UM POUCO DE SUA HISTÓRIA..............65

4.2 PERFIL DOCENTE............................................................................................................73

4.3 CONDIÇÕES DE TRABALHO: INTENSIFICAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO E

ADOECIMENTO NO DESSO.................................................................................................78

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................86

REFERÊNCIAS......................................................................................................................90

APÊNDICES............................................................................................................................95

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1 INTRODUÇÃO

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez

passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

(Eduardo Galeano).

O presente trabalho teve como foco de análise a precarização do trabalho docente e o

processo de adoecimento dos professores do Departamento de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (DESSO-UFRN), considerando as demandas cotidianas que

são postas à categoria dos docentes universitários, no atual contexto do produtivismo

acadêmico. Este, por sua vez é resultante da subordinação da ciência à perspectiva

mercadológica e é caracterizado por uma crescente aceleração na produção de conhecimento.

Trata-se de um movimento consubstanciado na venda de serviços educacionais, com base nos

cursos pagos e nas parcerias empresas-universidades, “viabilizados pelas fundações de direito

privado nas universidades públicas, bem como, o incentivo à competitividade, ao

empreendedorismo pragmático e ao produtivismo que caracterizam, na atualidade, a política

de pós-graduação e pesquisa.” (LIMA, 2012, p. 1-2).

Nesse sentido, nossa investigação objetivou compreender a relação da sobrecarga

laboral, a qual os docentes são submetidos mediante as transformações observadas no mundo

do trabalho, destacando o processo de adoecimento pelo qual esses sujeitos vêm sendo

submetidos a partir do seu cotidiano profissional.

Conforme Pita (2010), o cenário das universidades brasileiras hoje está caracterizado

pela aplicação de métodos empresariais, fato que implica no controle do trabalho através de

constantes avaliações dos professores1, sempre relacionadas a critérios quantitativos e

acúmulo de trabalho, vinculados a obrigações de cunho burocrático (tais como produção de

diversos tipos de relatórios e projetos) e número crescente de alunos e obrigações diversas.

Todos estes elementos têm produzido forte impacto na saúde física e mental dos docentes, de

modo que a maioria dos professores universitários trabalha sob desgaste

biopsíquico/emocional e físico.

1 Tais avaliações estão relacionadas ao cumprimento da carga horária de ensino, pesquisa, extensão e à quantidade de trabalhos publicados por ano por parte do docente, sem, no entanto, considerar as questões qualitativas, como condições de trabalho e extensa carga horária.

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Nessa perspectiva, este cenário de precarização é produto do modo de produção

capitalista, cujas consequências atingem diversos âmbitos, tais como saúde, assistência social

e educação, entre outras, com esta última experimentando um processo inegável de expansão,

que privilegia dentre outros aspectos, o quantitativo em detrimento do qualitativo.

No que concerne ao ensino superior no Brasil, Bosi (2007) destaca que, de acordo com

dados do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais (INEP), tal processo provoca transformações na rotina do trabalho docente, a

começar pelo crescimento desse tipo de força de trabalho que, em 1980, era de 109 mil

cargos, chegando a 279 mil em 2004, fato que representa um aumento de 154%, verificado,

principalmente, no setor privado,

Acerca destes dados, o referido autor atenta que, nesse mesmo intervalo de tempo,

(1980-2004), o crescimento do número de professores universitários federais cresceu de

forma raquítica, pois progrediu de 42.010 para 50.337, “o que significou um acréscimo de

pouco mais de 8.000 docentes em 24 anos.” (BOSI, 2007, p. 1509). É importante destacar

que, em percentual, este aumento é de aproximadamente 16% e que, concomitantemente a

isto, observou-se que a relação de discentes para cada professor aumentou em 50%, passando

de 6 para 12 alunos por cada docente no ano de 2004. Tais estatísticas nos revelam o cenário

de precarização a qual os docentes do ensino superior brasileiro estão submetidos nas últimas

décadas.

Assim, a pressão exigida para aumentar a quantidade de trabalho dentro de 40 horas tem se concretizado, principalmente, alicerçada na ideia de que os docentes devem ser “mais produtivos”, correspondendo à “produção” a quantidade de “produtos” relacionados ao mercado (aulas, orientações, publicações, projetos, patentes etc.), expelidos pelo docente. Por um lado, evidencia esse processo o direcionamento empresarial da ciência, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, presente nos editais dos órgãos de fomento à produção científica. (BOSI, 2007, p. 1513).

Partindo do exposto, este estudo se justifica com base em nossa experiência

acadêmico-profissional que vem sendo construída na área da docência, na qual vivenciamos a

referida expansão. Inicialmente, através da nossa vivência na monitoria na disciplina

Fundamentos Históricos, Teórico-Metodológicos do Serviço Social III durante os dois

últimos anos da graduação em Serviço Social da UFRN (2009 e 2010).

Nesse período, obtivemos uma aproximação com o cotidiano da docência em uma

Unidade de Formação Acadêmica (UFA) e, tendo em vista as atividades realizadas como

monitora foi possível compreender de que forma o trabalho de um docente se realiza dentro e

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fora da sala de aula, isto é, o preparo das aulas, a realização das leituras necessárias, o

amadurecimento pessoal e intelectual para lidar com as adversidades, a perspectiva de

estabelecer relação democrática entre aluno e professor2, bem como as atividades de pesquisa,

extensão, orientação de graduação e pós-graduação, reuniões, elaboração de relatórios,

projetos, artigos, dentre outros, elementos que nos despertaram o interesse por esta área.

Desse modo, ainda com o foco no trabalho docente, elaboramos um Trabalho de

Conclusão de Curso, intitulado “A Importância da Monitoria para a Iniciação à Docência no

Curso de Serviço Social da UFRN”. Durante essa investigação, entramos em contato mais

uma vez com as rotinas profissionais de professores (especialistas, mestres e doutores) do

ensino superior, bem como com suas trajetórias docentes, elementos que fizeram crescer o

interesse tanto em fazer parte desse cenário, bem como de continuar pesquisando acerca desse

fazer profissional.

Assim, em agosto do ano de 2011, entramos na docência na condição de Professora

Substituta do DESSO na UFRN, através de um contrato temporário, que ainda tem

possibilidade de renovação até dezembro de 2016. Ressaltamos que a entrada na docência tem

nos proporcionado grandes reflexões acerca do cotidiano profissional de um professor do

ensino superior, mais especificamente a extensa e intensa jornada de trabalho, as diversas e

variadas atividades exigidas e as precárias condições de trabalho.

Além disso, a investigação também visou proporcionar um mapeamento das condições

de trabalho e saúde dos assistentes sociais inseridos na docência tendo em vista que esta não é

concebida como um espaço sócio-ocupacional do Serviço Social por parte dos profissionais

do “campo”, pois é considerada uma área onde se concentram profissionais que trabalham

com “teoria” e esta é rechaçada em relação à “prática” do Serviço Social, configurando um

dos dilemas mais antigos presentes na profissão: o de que na prática, a teoria é outra.

Acerca desse dilema, é preciso desmistificar tal discurso que remete a uma falácia,

uma vez que tal separação, conforme Guerra (2005) está articulada às necessidades do capital.

[...] Não é demais lembrar que à separação entre teoria e prática encontra-se subjacente à racionalidade hegemônica do capitalismo. Ela repõe a alienação essencial do capitalismo – separação entre os proprietários e não proprietários dos meios de produção – sob bases mais complexas, de modo que a cisão entre os que pensam e os que executam que fundamenta a alienação no trabalho é particularizada na ordem burguesa constituída como o processo de reificação. Produto necessário do processo de reificação é uma

2 Destacamos que o estabelecimento dessa relação democrática se configura também como um compromisso ético-político dos docentes em Serviço Social, uma vez que primamos por uma educação de qualidade com um viés emancipatório, conforme preconiza o Código de Ética Profissional (CEP).

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concepção de conhecimento que não ultrapasse a aparência dos fatos; que não supere o âmbito da experiência imediata; que conceba os fenômenos na sua positividade; que descarte o seu movimento de constituição e que, por isso, não seja capaz de captar o movimento; que suprima as mediações sociais constitutivas e constituintes dos processos; que defenda a impossibilidade de conhecer a essência (a coisa em si). Sem o conhecimento dos fundamentos, a elaboração teórica nega-se a si mesma. Esta forma de produção do conhecimento vira presa fácil para servir de instrumento de manipulação. (GUERRA, 2005, p. 4)

A separação entre o pensar e o fazer gera na sociedade burguesa a compreensão de

ciência mais justificadora e ideológica dessa realidade: o pensamento positivista. Assim, a

concepção positivista de mundo apresenta e defende a realidade como cindida entre teoria e

prática. Essa concepção de mundo se dissemina na sociedade, invade a ciência e se espraia no

senso comum, sendo recorrentes os discursos impregnados de positivismo, tanto no universo

acadêmico, quanto no senso comum cotidiano.

Do ponto de vista específico da profissão, observamos que o reforço dessa dicotomia

se deu durante o momento da renovação profissional, mais especificamente na terceira

vertente da renovação do Serviço Social, a chamada intenção de ruptura, momento no qual a

categoria buscava romper com todo o conservadorismo presente na profissão.

Netto (2007) nos mostra que a intenção de ruptura deve ser compreendida a partir de

três momentos distintos, a saber: a emersão, a consolidação acadêmica e o espraiamento para

a massa de assistentes sociais. No tocante ao primeiro momento, o autor aponta que se deu na

Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG), com uma experiência-piloto denominada

Método Belo Horizonte (Método BH), isto é, a primeira formulação teórica frente ao

tradicionalismo. Assim, em 1975, a intenção de ruptura tem sequência com estudos de

mestrado, ensaios teóricos, contribuindo para a criação de uma “massa crítica”, nos termos do

autor, fato que configura a consolidação acadêmica e, por fim, observamos o espraiamento

para a categoria, favorecida pela conjuntura de redemocratização do Brasil ente 1982 e 1985.

Entretanto, apesar de ser mais uma alternativa ao tradicionalismo com avanços no seu

direcionamento político e ideológico, o primeiro momento da intenção de ruptura, naquele

período representado pela experiência do Método BH, apresentou, do ponto de vista

metodológico, certo retrocesso ao expor uma ênfase nos procedimentos metodológicos,

fornecendo passos permeados pela rigidez imposta ao fazer profissional do assistente social

(praticismo), no qual encontramos a separação entre teoria e prática, cujos resquícios ainda

permeiam alguns discursos dentro da categoria, mesmo após o alcance da maioridade

intelectual do Serviço Social e o consequente rompimento com o conservadorismo. Desse

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modo, além da presença da corrente filosófica positivista na sociedade brasileira e da sua

influência no senso comum, no caso do Serviço Social, também temos determinantes

históricos específicos que remetem à falaciosa dicotomia teoria-prática.

Desse modo, a partir dessa compreensão equivocada, todo conhecimento teórico que

não se “aplicar” à realidade na sua imediaticidade, é refutado, aspecto que provoca o

questionamento cotidiano dos estudos e das elaborações teórico-metodológicas daqueles que

trabalham com produção de conhecimento científico dentro das universidades: os professores.

Há que se ressaltar que o conhecimento e seu processo de produção não se constituem em um

mundo à parte, pelo contrário, encontra-se inserido e é produto da sociedade da qual faz parte,

ao mesmo tempo em que também interfere sobre ela. Nesse sentido, nos termos de Marx e

Engels (1991), o conhecimento é sempre práxis.

Desse modo, destacamos a importância do presente debate em articulação com as

transformações verificadas no mundo do trabalho, como a polivalência e a flexibilização das

relações trabalhistas, uma vez que buscamos identificar e analisar as determinações sócio-

históricas, por entendermos que a análise do trabalho docente (ou de qualquer outro trabalho)

não pode se dar desvinculada do estudo das determinações sócio-estruturais-históricas, bem

como da análise da dimensão conjuntural.

Para a consecução de nossos objetivos específicos, a saber: construção do perfil sócio-

econômico dos docentes em Serviço Social na UFRN; identificação da forma de inserção

profissional dos docentes (tipo de vínculo empregatício e modalidade de contrato de

trabalho); análise das condições de trabalho dos docentes em consonância com as

determinações legais, bem como com a direção do projeto ético-político e com o

compromisso com a formação acadêmica e com o exercício profissional de qualidade;

identificação e análise das demandas pedagógicas, burocráticas e de produtividade, postas aos

professores de Serviço Social inseridos na UFRN; e por fim, a reflexão acerca do processo de

adoecimento entre os professores de Serviço Social da UFRN, fizemos uso de uma pesquisa

quanti-qualitativa, pois a mesma se deu a partir da construção do perfil socioeconômico dos

profissionais docentes e da análise da docência, destacando as formas de inserção

profissional, contratos de trabalho, as demandas pedagógicas, burocráticas e de produtividade

postas aos professores de Serviço Social. Por fim, com fulcro nas falas destes professores,

bem como dos significados apreendidos nesse contato e a partir das reflexões suscitadas pela

bibliografia necessárias à apreensão do nosso objeto de estudo - a saber: crise do capital e

reestruturação produtiva, precarização do trabalho, as reconfigurações no papel do estado

brasileiro frente a tais determinantes, a política de educação superior no Brasil, a discussão

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acerca do produtivismo acadêmico entre outros - procuramos traçar a relação existente entre

a precarização do trabalho docente e o processo de adoecimento dos profissionais inseridos

nesse contexto.

No que concerne ao universo da investigação, este remontou aos docentes do curso de

Serviço Social da UFRN que, em abril de 2015, totalizam 27 professores3. Desse universo, 22

eram efetivos e 5 eram substitutos. Destes docentes efetivos, 1 se encontrava afastado à

disposição do Governo Federal desde o ano de 2003, dois estavam afastados para pós-

doutorado na Universidade de Brasília (UnB) e outros dois estavam em exercício em outras

unidades da UFRN, não podendo, portanto, fazer parte da investigação. Portanto, tínhamos 17

professores efetivos e 5 substitutos.

Assim, no que tange à amostra, esta representou aproximadamente 34% do universo,

uma vez que escolhemos 6 dentre os efetivos, sendo 2 que entraram na UFRN até o ano 2000

e 2 que se inseriram após esse ano, tendo em vista as alterações em curso nas universidades a

partir da década de 1990 e 2 que ocupavam cargo de gestão (chefia ou coordenação), pois

acreditamos que tais atividades representam uma carga laboral adicional no contexto da

docência.

Em relação aos substitutos4, escolhemos 3, sendo 2 que já tinham experiência de no

mínimo 2 semestres na docência no Desso e 1 que estivesse no primeiro ano de inserção nesse

cenário5.

Nesse sentido, para trabalhar com tal demanda foram utilizadas entrevistas semi-

estruturadas, revisão bibliográfica e pesquisa documental enquanto técnicas de pesquisa. No

que tange à primeira técnica, ressalta-se a sua viabilidade para investigações cujo foco é a

obtenção de informações acerca do que os sujeitos pensam, sentem, sabem, esperam e

desejam (SELLTIZ et al., 1967, apud, GIL, 2008) e a escolha pela tipologia semi-estruturada

garantiu o desenvolvimento da entrevista, de modo que todos os entrevistados respondessem

às mesmas questões (os efetivos em um roteiro de perguntas e os substitutos em outro), ao

mesmo tempo em que garantiu a flexibilidade durante a exploração das questões. Foram

3 Todos possuem formação, em nível de graduação, em Serviço Social. 4 Ressaltamos que dentre os 5 substitutos presentes no DESSO, se encontra a autora da presente dissertação de mestrado, de modo que a mesma não fez parte da amostra. 5 Para preservamos a identidade dos sujeitos na pesquisa, utilizamos nomes fictícios para destacar suas falas. Todos os nomes utilizados fazem referência a mulheres de luta e revolucionárias da História. São elas: Pagu, Olga Benário, Rosa Luxemburgo, Simone de Beauvoir, Anita Garibaldi, Leila Diniz, Maria da Penha, Virginia Woolf, Nísia Floresta.

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elaborados 3 roteiros de entrevistas distintos (para efetivos, para efetivos em cargo de gestão e

para substitutos), considerando as particularidades de cada grupo a ser entrevistado.

No que concerne à revisão bibliográfica, esta se consubstanciou na leitura,

interpretação e análise crítica das publicações referentes à discussão sobre as transformações

no mundo do trabalho e seus rebatimentos na atividade docente. Por fim, a pesquisa

documental encontrou-se vinculada ao nosso debruçamento sobre legislações, documentos e

dados referentes a atividade docente na universidade, onde a pesquisa se realizou. Sobre essa

técnica afirma Antônio Carlos Gil (2008):

Essas fontes documentais são capazes de proporcionar ao pesquisador dados em quantidade e qualidade suficiente para evitar a perda de tempo e o constrangimento que caracterizam muitas das pesquisas em que os dados são obtidos diretamente das pessoas. Sem contar que em muitos casos só se torna possível realizar uma investigação social por meio de documentos (p. 147).

No nosso caso, trabalhamos com o estudo e análise de documentos institucionais,

documentos oficiais (MEC, planos de governo) e dados do Programa de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI) na UFRN, do sítio eletrônico desta

universidade, através do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA6).

É importante destacar que o projeto de pesquisa que possibilitou a construção desse

trabalho dissertativo foi submetido ao Comitê de Ética, regulamentado pela resolução nº 466,

de 12 de dezembro de 2012 e obedeceu aos requisitos éticos da pesquisa em seres humanos.

Foi aprovado em 27 de novembro de 2014, segundo parecer nº 892.779.

A partir da utilização da coleta e análise dos dados, obtivemos o material necessário

para compreender de que forma as alterações observadas no mundo do trabalho operam

transformações e precarizam a atividade docente em Serviço Social. Nessa perspectiva,

utilizamos enquanto instrumentos de pesquisa os formulários com perguntas aplicadas pelo

pesquisador, com o apoio de gravador e mediante autorização do entrevistado, através do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Assim, a presente dissertação encontra-se distribuída em quatro capítulos (sendo um

deles esta introdução) e as considerações finais. No primeiro deles, intitulado “Alterações no

6 O SIGAA é um sistema informacional responsável por gerir todos os dados pessoais e acadêmicos de professores a alunos da UFRN, tais como nota, frequência, envio de relatórios, dentre outros. Trata-se de mais um instrumento cujo preenchimento e alimentação constante representam carga de trabalho adicional os docentes. Contraditoriamente, o mesmo sistema, a partir da informatização dos dados, trouxe algumas facilidades no acesso aos dados e na comunicação na UFRN.

20

mundo do trabalho e suas repercussões para a classe trabalhadora” fizemos um estudo

qualitativo acerca do trabalho enquanto categoria ontológica, destacando sua importância para

o ser social, bem como a sua transformação dentro do Modo de Produção Capitalista (MPC),

sua centralidade no processo de reestruturação produtiva e as atuais transformações

verificadas no chamado mundo do trabalho. Assinalamos também como tais transformações

se expressam no processo de exploração e precarização crescente da classe trabalhadora como

um todo. Além disso, situamos ainda como tais transformações rebatem no âmbito do

exercício profissional do Serviço Social na contemporaneidade.

Já no segundo capítulo, “As reconfigurações no papel do Estado brasileiro: um estudo

sobre a política de educação superior na última década”, apresentamos uma rápida discussão

acerca do “Estado”, apresentando suas principais características e funções, a partir de uma

análise gramsciana. Em seguida, discutimos a função social da universidade e analisamos as

configurações da política da educação superior brasileira nos últimos anos, ressaltando os

principais desafios à docência universitária nessa conjuntura, e mais especificamente no

âmbito da docência em Serviço Social.

No quarto e último capítulo situamos a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

e um de seus departamentos, o Departamento de Serviço Social, destacando suas origens,

desenvolvimento e condições atuais. Este capítulo condensa, a partir das entrevistas semi-

estruturadas, tanto a construção do perfil dos docentes do DESSO, bem como as condições

atuais de trabalho, sinalizando o processo de precarização de tais condições. Aponta-se ainda

o crescente processo de intensificação das exigências - jornadas exaustivas, demandas

crescentes, desempenho de múltiplas funções, entre outros - com o consequente adoecimento

dos professores do DESSO.

Por fim, as considerações finais trazem uma síntese desse trabalho dissertativo,

debatendo limites de nossa análise, mas deixando claro que os docentes do Departamento de

Serviço Social estão inseridos em um cenário de intensificação e precarização do trabalho,

uma vez que esbarram na ausência de condições adequadas de trabalho, estão sobrecarregados

com demandas que extrapolam a carga horária de trabalho e, por isso, as atividades e

exigências postas a eles invadem o tempo que deveria ser dedicado à política, à arte e à vida

particular.

21

2 AS ALTERAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES PARA

A CLASSE TRABALHADORA

“Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos, o mais que possa. E o que temos a fazer não é

divagar acerca de sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites.” (Karl Marx).

O presente capítulo apresentará, a seguir, uma análise sobre as transformações no

mundo do trabalho, levando em consideração o processo de reestruturação produtiva

desencadeado como uma estratégia do capital para superar sua crise de acumulação. Para

tanto, nosso debate encontra-se sinalizado em três itens. O primeiro deles abordará a

centralidade da categoria trabalho na vida do ser social, ressaltando suas características e sua

inserção histórica no contexto da exploração e precarização.

Já o segundo, trará pontuações acerca da reestruturação produtiva, sua relação com o

neoliberalismo e a necessidade de busca pela hegemonia da classe dominante, onde é possível

verificar as estratégias utilizadas pelo capital para manutenção de seus interesses na

sociedade. Por fim, concluímos essa sessão situando o Serviço Social no contexto da

precarização do trabalho. Trata-se um estudo que procurou vincular as alterações observadas

nos espaços profissionais onde o Assistente Social se insere às alterações gerais identificadas

no universo do trabalho.

2.1 SOBRE A CATEGORIA TRABALHO

A vida em sociedade é construída a partir da produção e reprodução material e

espiritual do Ser Social e tal produção é impulsionada pelas necessidades individuais e

coletivas dos seres humanos, determinadas historicamente. Assim, a satisfação destas

necessidades passa, obrigatoriamente, pela realização do trabalho e este, por sua vez é uma

atividade resultante da interação da sociedade (homens e mulheres) com a natureza.

Segundo Lessa (2012), o conceito de trabalho pode ser delimitado enquanto uma

atividade humana que seja capaz de transformar a natureza em bens necessários à reprodução

social. Dessa forma, o autor afirma que estamos nos referindo a uma categoria fundante dos

mundo dos homens, pois “é no trabalho que se efetiva o salto ontológico que retira a

22

existência humana das determinações meramente biológicas. Sendo assim, não pode haver

existência social sem trabalho.” (LESSA, 2012, p. 25).

Contudo, o autor destaca que tal existência não está vinculada somente ao trabalho,

uma vez que este é apenas um dos elementos que compõem um complexo social, onde

também se inserem a fala e a sociabilidade (conjunto das relações sociais). Dessa forma,

precisamos ressaltar que as relações estabelecidas entre homem-natureza serão impulsionadas

pela necessidade de garantir a vida (em seus aspectos tanto biológicos, quanto sociais) e,

portanto, é resultado de uma teleologia, isto é, o trabalho é “resultado de um pôr teleológico

que (previamente) o ser social tem ideado em sua consciência, fenômeno este que não está

essencialmente presente no ser biológico dos animais.” (ANTUNES, 1999, p. 136).

Nessa perspectiva, o trabalho, além de ser categoria fundante da sociedade, também é

constituinte da atividade econômica, “criando os valores que constituem a riqueza social.”

(BRAZ e NETTO, 2007, p. 29). A partir disto, conforme Braz e Netto (2007), o trabalho não

se efetiva de forma direta sobre a matéria natural, uma vez que ele exige instrumentos que se

interpõem entre os que executam e a matéria, além disso, ele não se realiza calcado em

determinações genéticas, pois solicita conhecimentos e habilidades e, por fim, ele atende, de

forma diferenciada, as mais variadas e ilimitadas necessidades, desde as básicas (alimentação,

vestimenta, entre outros), até as chamadas necessidades criadas ao longo do tempo. Em uma

perspectiva histórica temos:

O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm de reproduzir. Não se deve considerar tal modo de reprodução de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles (MARX e ENGELS, 1991, p. 27).

Com base no trecho referenciado anteriormente, inferimos que a forma como as

necessidades dos sujeitos são atendidas em determinado período histórico, isto é, a maneira

como o trabalho é realizado não diz respeito, somente, à reprodução físico-biológica dos

indivíduos, mas também se refere às relações desenvolvidas por eles na sociedade, ou seja, a

seus modos de reproduzirem-se econômico, político, social e subjetivamente.

Nesse contexto, segundo Marx e Engels (1991), essa relação supõe intercâmbio entre

os sujeitos e a forma desse intercâmbio é condicionada pela produção, de modo que “as

relações entre umas nações e outras dependem do estado de desenvolvimento em que se

23

encontram cada uma delas no que concerne às forças produtivas, à divisão do trabalho e ao

intercâmbio interno.” (p. 28).

Nesse momento, é importante destacar que as diferentes fases do desenvolvimento da

divisão do trabalho implicam em diferentes formas de propriedade e tendo em vista o

atendimento de necessidades básicas e a consequente criação de novas necessidades, os

sujeitos aperfeiçoam as forças produtivas e o intercâmbio interno, chegando ao capital

moderno, “condicionado pela grande indústria e pela concorrência universal, isto é, até chegar

à propriedade privada pura, que se despojou de toda aparência de comunidade [...]”. (p. 97).

É essa propriedade privada que caracteriza o Modo de Produção Capitalista, que, por

sua vez tem as suas riquezas dimensionadas a partir da acumulação de mercadorias, sendo

estas as responsáveis por atender as necessidades dos indivíduos.

A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo ou indiretamente, como meio de produção (MARX, 1987, p. 41-42).

Na sociedade do capital, uma vez produzidas as mercadorias, é através do processo de

troca que elas passam a circular socialmente, gerando um fluxo próprio, cuja consequência é o

consumo, “processo no qual um bem é utilizado para satisfação de uma necessidade

determinada” (BRAZ e NETTO, 2007, p. 64, grifos originais). É necessário relatar que nem

todos os bens produzidos são imediatamente consumidos por todos os membros da sociedade,

uma vez que:

[...] parte deles é destinada a novos processos produtivos, na condição de meios de produção – assim deve-se distinguir o consumo produtivo (o consumo de meios de produção no processo produtivo) do consumo improdutivo (o consumo de valores de uso que não contribui para a continuidade do processo produtivo); pode-se, ainda, diferenciar o consumo individual (o consumo direto de um valor de uso por um membro da sociedade) do consumo coletivo (o consumo de um valor de uso por um conjunto de membro da sociedade). (Ibidem, p. 64, grifos dos autores)

O que entendemos nesse processo é que, em qualquer uma de suas formas, o consumo

deve ser analisado a partir da produção e esta no MPC é voltada às mercadorias, cuja

condição essencial para sua produção é a divisão social do trabalho (as tarefas devem estar

repartidas entre os seres humanos) e a propriedade privada dos meios de produção, pois a

24

compra e venda de mercadorias somente se realiza a partir de quem as possui. Conforme Braz

e Netto (2007), tais condições são responsáveis pela produção mercantil capitalista que

implica, necessariamente, relações de exploração, onde o capitalista, por de ser proprietário

dos meios de produção, não trabalha, uma vez que ele compra a força de trabalho e esta,

aliada aos seus meios de produção, são capazes de produzir mercadorias.

Essa relação traz consequências para a classe trabalhadora que se insere em um

cenário de exploração, no qual a classe burguesa compra a força de trabalho e paga-lhe

através de um salário, que é o responsável por possibilitar o retorno do indivíduo para um

novo dia de labor. Contudo, destacamos que esse pagamento se dá somente sobre uma parte

do trabalho diário realizado operário, de forma que a outra parte permanece sem remuneração.

“(...) e ainda que trabalho não remunerado ou sobre-trabalho seja precisamente o fundo de que

se forma a mais-valia ou lucro, fica parecendo que todo o trabalho é trabalho pago”. (MARX

e ENGELS, s.d., p. 362).

Nesse sentido, o acirramento desta relação contraditória, entre os proprietários dos

meios de produção e os donos da força de trabalho, através do consumo e controle cada vez

maior desta força, tem gerado uma situação de crise nos últimos tempos.

Há que se observar, em conformidade com Braz e Netto (2007) que o capitalismo

possui algumas tendências indispensáveis ao seu desenvolvimento e uma delas se refere à

tendência à queda geral da taxa de lucro, representada pela relação entre o interesse particular

de um capitalista e o interesse coletivo da classe capitalista.

Um capitalista inovador introduz um método produtivo que reduz seus custos e, assim, ao vender sua mercadoria ao preço de mercado, apropria-se de uma mais-valia adicional: novo método, reduzindo o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir a mercadoria, reduz-lhe o valor, mas os capitalistas que não dispõem desse método mantêm o preço de mercado acima daquele valor – e é desse diferencial que se aproveita o capitalista inovador. Mas a pressão da concorrência obriga os outros capitalistas a adotarem o novo método; assim que ele está generalizado, cai o preço de mercado e desaparece a vantagem obtida pelo capitalista inovador. (BRAZ e NETTO, 2007, p. 153).

A partir do trecho acima, podemos concluir que ao mesmo tempo em que cada

capitalista procura maximizar seus lucros, a taxa de lucro geral do mercado tende a cair.

Contudo, ressaltamos por se tratar de uma tendência, esse fenômeno não acontece

integralmente, uma vez que as relações contraditórias entre capitalistas e classe trabalhadora,

por meio da elevação da intensidade da exploração do trabalhador, do exército industrial de

25

reserva e da depreciação dos salários possibilitam a recuperação e conservação das taxas de

lucratividade. A tendência à queda geral da taxa de lucro se constitui em um dos motivos das

crises cíclicas do capital.

Sendo assim, do ponto de vista histórico, a partir de meados da década de 1970, o

capital passou por um processo de mudanças, denominado de reestruturação produtiva, que se

configurou como uma resposta a mais uma de suas crises. Acerca desse movimento afirma

Mészáros (2002):

[...] crises de intensidade e duração variadas são o modo natural de existência do capital: são maneiras de progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo, estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. Nesse sentido, a última coisa que o capital poderia desejar seria uma superação permanente de todas as crises, mesmo que seus ideológicos e propagandistas frequentemente sonhem com (ou ainda, reivindiquem a realização de) exatamente isso. (MÉSZÁROS, 2002, p. 795).

Assim, infere-se que o capital necessita dos momentos de crise para que possa se

desenvolver a partir da realização de ajustes, e é nesse processo que se insere a reestruturação

produtiva, nosso ponto de análise a seguir.

2.2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, NEOLIBERALISMO E BUSCA PELA

HEGEMONIA DA CLASSE DOMINANTE

O processo de reestruturação produtiva, isto é, a busca do capital por novas formas de

organização do trabalho, acontece em escala global e é caracterizado por provocar mudanças

na esfera da sociedade em geral, incidindo mais intensamente no mercado e no Estado.

Tais mudanças passam a ser necessárias, uma vez que o objetivo do capital a partir

desse momento é restabelecer o equilibro no sistema de relações sociais capitalistas como um

todo, uma vez que, de acordo com Pinto (2010), na esfera macroeconômica, as contas

externas da grande maioria dos países foram amplamente desequilibradas em virtude dos

choques ocasionados pelo súbito aumento geral dos preços do petróleo pela Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (Opep), em 1973 e 1979.

Tal instabilidade macroeconômica gerou grande cautela nos investimentos produtivos industriais que, desde então, vinham se arrefecendo nos países capitalistas centrais, a partir do crescimento das atividades nos setores de

26

serviços, que agregam desde comércio, finanças, saúde etc.., até novas atividades relacionadas a entretenimento. (PINTO, 2010, p. 44).

Esse cenário será responsável pelo redirecionamento das estratégias da indústria numa

perspectiva de crescente agregação tecnológica, maior qualidade e personalização de seus

produtos. No entanto, é necessário destacarmos que todo o processo de transformações

verificados somente pôde ser operacionalizado a partir de um conjunto “de políticas estatais

que flexibilizaram, mais ou menos, conforme o caso, as barreiras institucionais

constrangedoras das consequências destrutivas do sistema de livre mercado sobre as

condições nacionais do desenvolvimento econômico e social [....].” (PINTO, 2010, p. 47).

Desse modo, no que concerne ao âmbito do Estado, tem-se a adoção de uma política

econômica de ajuste neoliberal, a qual exige, no nível do discurso7, que a esfera estatal não

participe da macroeconomia, provocando, dentre outros fatores, privatizações e a contenção

de gastos com o chamado Estado de Bem-Estar-Social8.

Conforme Perry Anderson (2008), o neoliberalismo surgiu logo após a 2ª Grande

Guerra, na Europa e na América do Norte. Tratou-se de uma alternativa/reação política e

teórica contra o Estado de Bem Estar Social.

O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalhadores para quebrar os sindicatos. Ademais reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. (ANDERSON, 2008, p. 11).

A partir daquele momento, ficava claro, no discurso, a necessidade de reformulação do

papel do Estado na política econômica e, consequentemente, o mercado receberia inflexões

7 A perspectiva do neoliberalismo afirma que o Estado não deve participar das decisões econômicas, entretanto, conforme Antônio Costa (2010), uma análise da realidade nos mostra que, a partir da necessidade do capital, esse Estado se faz presente. Exemplo desse fenômeno aconteceu em 2008, nos Estados Unidos, quando a esfera estatal injetou grande montante de dinheiro nos bancos, como saída para a crise de especulação imobiliária experimentada naquele momento. 8 De acordo com Behring e Boschetti (2008), tal Estado também conhecido como Keynesiano, é fruto de uma política econômica proposta pelo inglês Jonh Maynard Kaynes, a qual se opunha ao ideário liberal de não intervenção na economia. No Estado de Bem-Estar Social, ocorre a afirmação da esfera estatal enquanto agente controlador da economia, através, dentro outros elementos, do pleno emprego e benefícios sociais, portanto, também é chamado de Estado protecionista. O Estado de Bem Estar Social foi dominante nas sociedades europeias entre os anos de 50 e 70 do século XX.

27

desse processo, com o aumento no consumo, a transformação nas relações de poder entre as

empresas, a expansão dos grandes oligopólios e a expansão de capitais financeiros.

Segundo Therborn (2008), tais capitais possuem grande importância na reafirmação da

ideologia neoliberal, pois são bastante competitivos e maiores que muitos Estados nacionais,

que passam a depender desse mercado financeiro para implementar grande parte das políticas

estatais. Trata-se de um elemento responsável por modificar as relações de força entre os

Estados e os mercados. “Esta é uma força objetiva, que hoje estimula a onda de

privatizações.” (p. 45).

Nesse cenário de reestruturação, dá-se a presença de novas modalidades de produção,

com base em tecnologias flexíveis, provocadoras de transformações no mundo do trabalho, o

que influencia a reprodução material e espiritual da classe operária.

É neste contexto, caracterizado por um processo de precarização estrutural do trabalho, que os capitais globais estão exigindo o desmonte da legislação trabalhista. E flexibilizar a legislação do trabalho, significa aumentar ainda mais os mecanismos de exploração do trabalho, destruindo os direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente após 1930, quando se toma o exemplo brasileiro. Querem, de todo modo, fazer proliferar as distintas formas de “trabalho voluntário”, terceirizado, subcontratado, de fato trabalho precarizado. (ANTUNES, 2010, p. 2).

É necessário ressaltar que as alterações iniciadas nesse momento ainda estão em curso

e são responsáveis pela diminuição do proletariado fabril e crescimento da inserção do

trabalhador, na grande maioria das vezes, de forma precária no setor de serviços, tendo em

vista as mudanças processadas no sistema de produção, com a passagem do

fordismo/taylorismo9 para o toyotismo.

Nessa perspectiva, novos processos de trabalho emergem e a cronometragem e

produção em série, característicos do fordismo/taylorismo são substituídas pela chamada

acumulação flexível, através de uma busca por atender novos padrões de produtividade e

atender à lógica do mercado. Desse modo, tal flexibilização pode ser encontrada nos

processos e mercados de trabalho, bem como nos produtos e padrões de consumo e é

caracterizada pelo surgimento de novos setores de produção, novas formas de fornecimento

9 Trata-se de um binômio utilizado para fazer referência aos sistemas de organização do trabalho propostos por Ford e Taylor. Na perspectiva do fordismo/taylorismo, durante a realização do trabalho deve haver uma subdivisão das funções e suas atividades correspondentes entre os trabalhadores (tanto na esfera da produção, como no âmbito administrativo). Assim, esse modo de organização do trabalho é caracterizado pela extrema rigidez, repetição de tarefas, controle de tempo e movimento, tendo como base uma linha de montagem, que não permite uma produção conforme a demanda e sim a produção em série. (BEHRING e BOSCHETTI, 2008).

28

de serviços financeiros, novos mercados e índices elevados de inovação comercial,

organizacional e tecnológica. Sobre essa substituição assevera Harvey (2006):

De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo [...] de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade do planejamento e presumiam crescimento estável em mercados e consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho. (p. 135).

É necessário ressaltar que as modificações desencadeadas no mundo do trabalho a

partir dessa flexibilização atingem outras esferas da vida social (culturais, formas de

organização dos trabalhadores), uma vez que também são responsáveis por acirrar a

desigualdade social, a competitividade e o individualismo nas relações cotidianas e a

descartabilidade das mercadorias sofre espraiamento para os sujeitos, provocando

fungibilidade nas relações entre os seres humanos.

Segundo Pinto (2010), observamos a segmentação da classe trabalhadora em dois

grupos distintos: um grupo formado por trabalhadores escolarizados, dos quais se passa a

exigir maior polivalência e participação e outro grupo, onde estão os trabalhadores

contratados temporariamente ou por tempo parcial, vinculados à economia informal e outras

formas de trabalho predatórias.

Com relação ao primeiro grupo, o autor afirma que eles estão concentrados nas

grandes empresas líderes, nos círculos gerenciais ou operacionais mais importantes. Trata-se

de um espaço onde se encontra força de trabalho de alto nível de formação, garantia de

emprego com níveis baixos de rotatividade e organização do trabalho em equipe.

No que tange ao segundo grupo, Pinto (2010) aponta que se trata de um estrato

numericamente maior que o primeiro, que congrega diversas categorias profissionais, que

sofre com a precariedade do emprego, da remuneração e vê regredir cotidianamente os seus

direitos sociais, em decorrência da ausência de proteção e expressão sindical.

Essas alterações nas qualificações exigidas e as segmentações a partir daí geradas na composição da classe trabalhadora vêm afetando sua organização política, atingindo duramente o poder de seus sindicatos frente aos Estados e às entidades patronais. Mais especificamente, a diferenciação dos trabalhadores em grupos cada vez mais distintos vem fragmentando seus interesses como classe social, haja vista a evidente tendência de

29

distanciamento em termos de reivindicações e participação política entre os mantidos “estáveis” em atividades supostamente mais qualificadas, frente aos mantidos em trabalhos precários. (PINTO, 2010, p. 49).

Assim, juntamente com as mudanças no mundo do trabalho, observamos também uma

crescente utilização de inovações tecnológicas e organizacionais que vão impactar na

circulação de mercadorias e desse modo, expande-se a cultura do consumo desenfreado, do

aqui e agora, da fragmentação infinita, das relações instáveis e passageiras. Mais do que

nunca, assiste-se a fetichização da mercadoria e a coisificação (reificação) dos seres humanos,

numa cultura do descartável10.

Nessa perspectiva, esses movimentos foram responsáveis por encerrar os chamados

“30 anos gloriosos do capital”, obrigando os países centrais e, posteriormente, os periféricos a

adotarem o padrão de acumulação flexível. Contudo, é preciso ressaltar que ao ser

incorporado pelas economias periféricas, esse novo modelo de desenvolvimento político,

social e econômico resulta no agravamento de crises sociais e econômicas preexistentes.

Marini (2000), esclarece que a acumulação de capitais no interior de países

dependentes possui características próprias, a saber, a existência de um mercado de trabalho

barato, associado a uma tecnologia capital-intensiva. Sobre as consequências desse processo,

o autor afirma:

O resultado, sob o ponto de vista da mais-valia relativa, é uma violenta exploração da força de trabalho, que se dá justamente como consequência de relações desiguais em termos de intercâmbio entre nações dependentes e centrais e dos mecanismos de transferência de valor reforçados por relações dessa natureza. Ocorre que o resultado imediato destes mecanismos é uma forte saída estrutural de recursos, que traz consigo graves problemas de estrangulamento externo e restrições externas ao crescimento. (MARINI, 2000, apud AMARAL, 2012, p. 75).

Nesse cenário, o autor ainda ressalta que há uma superexploração da força de trabalho

e, paralelamente, não há uma estrutura capaz de extinguir os mecanismos de transferência de

valor, fato que implica em uma distribuição regressiva de riqueza e renda.

É preciso destacar que o processo de superexploração do trabalho, nos países

dependentes, se consubstancia conforme Marini (2000) em quatro formas distintas: através do

aumento da intensidade do trabalho, da prolongação da jornada de trabalho, da ampliação do

10 A partir da análise dos escritos de Marx (1987), verificamos que coisificação refere-se à equiparação de seres humanos a máquinas, o que provoca barbárie e violência entre os homens, enquanto que o fetichismo encontra-se relacionado ao processo pelo qual a mercadoria, no MPC, algo inanimado, passa a ser considerado como se tivesse vida. Desse modo, os seres humanos tornam-se coisas descartáveis, sem valor, enquanto que as mercadorias passam a valer mais que os seres humanos.

30

valor da força de trabalho sem aumento salarial e através da queda nos salários a um nível

inferior ao correspondente ao valor da força de trabalho.

Desse modo, observamos que o sucesso empreendido pela avalanche neoliberal nos

países centrais demorou a ser observado nos chamados países periféricos, particularmente na

América Latina, onde os impactos negativos desse projeto comprometem a capacidade de

direção e desenvolvimento próprios das nações, isto é, por aqui, “a adoção deste projeto

implica no desmonte de instrumentos fundamentais de defesa da soberania nacional, que, bem

ou mal, foram erguidos no período anterior de industrialização via substituição de

importações” (FERNANDES, 2008, p. 57, grifos originais). Verificamos, portanto, que o

neoliberalismo na periferia do mundo se mostrou como inimigo do nacionalismo, o que não

aconteceu na Europa e nos Estados Unidos.

[...] No Brasil, por exemplo, a direita abandonou a bandeira da “defesa da nação”, e a deixou nas mãos da esquerda – o que vem provocando surpreendentes rupturas e realinhamentos no âmbito das próprias Forças Armadas, que não encontram mais respaldo político na direita para o seu projeto de conversão do Brasil em “potência mundial”. Nenhum movimento sério de enfrentamento com a ofensiva neoliberal pode se dar ao luxo de ignorar esses desenvolvimentos. (FERNANDES, 2008, p. 5).

Nesse sentido, ainda com relação aos países periféricos, destacamos que o Chile, sob a

ditadura de Pinochet (1973-1990), foi o pioneiro na América Latina na implementação desta

perspectiva na história contemporânea. Conforme Anderson (2008), os programas neoliberais

chilenos começaram a partir da desregulação, desemprego, repressão sindical, privatização

dos bens públicos e redistribuição de renda em favor da classe dominante. “O neoliberalismo

chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais

cruéis ditaduras militares do pós-guerra.” (p. 19). A experiência chilena foi, portanto, exemplo

para o novo neoliberalismo nos demais países da América Latina, onde se pode incluir o

Brasil.

Assim, ao analisarmos a formação econômica, política e social do Brasil, observamos

a adequação histórica desse país às requisições do capitalismo mundial. Nesse sentido, com o

advento da crise experienciada mundialmente na década de 1970, o Estado brasileiro passa a

implementar, a partir da década de 1980, uma série de contrarreformas11 que tiveram início

11 O termo “contrarreforma” é utilizado por Elaine Behring, na obra “Brasil em Contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos” (2008) com base em um posicionamento crítico da autora que considera a apropriação do termo “reforma”, pelo projeto vigente no Brasil, indébita e destituída do caráter progressista. Assim, a direção sociopolítica das transformações observadas no Estado brasileiro, segundo a autora, a partir da

31

com o processo democratização, no Brasil, que, conforme Behring (2008, p. 142) apresentam

sérios limites:

Um outro aspecto de destaque nos anos 1980 foi a redefinição das regras políticas do jogo, no sentido da retomada do Estado democrático de direito. Esta foi a tarefa designada para um Congresso Constituinte, e não uma Assembleia Nacional livre e soberana, como era a reivindicação do movimento dos trabalhadores e sociais.

De acordo com a referida autora, o ideário neoliberal de ajuste estrutural capitalista

presente no país em 1990 já estava delineado na década anterior, pois o processo de transição

democrática foi fortemente controlado pelas elites na perspectiva de impedir a constituição de

uma vontade popular soberana e radical.

Entretanto, a doutrina do neoliberalismo somente se consolida no Brasil nos anos 90

do século XX, uma vez que o ambiente político, econômico e cultural foi reforçado pelo

Consenso de Washington, o qual se estabelece calcado em um seminário realizado em 1993

que reuniu executivos de governo, dos bancos multilaterais, empresários e acadêmicos de

onze países. A ideia era discutir os métodos políticos necessários para a implementação de

programas de estabilização econômica, que possuíam três fases:

[...] a primeira consagrada à estabilização macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit fiscal primário envolvendo invariavelmente a revisão das relações fiscais intergovernamentais e a reestruturação dos sistemas de previdência pública; a segunda, dedicada ao que o Banco Mundial vem chamando de “reformas estruturais”: liberação financeira e comercial, desregulação dos mercados, e privatização das empresas estatais; e a terceira etapa, definida como a da retomada dos investimentos e do crescimento econômico (FIORI, 1994, p. 2, apud, BEHRING, 2008, p. 148).

É com base nessas determinações gerais que, após a ditadura militar, as contra-

reformas neoliberais são processadas no Brasil, tendo como seu primeiro expoente o governo

de Fernando Collor de Mello (1990-1992), quando as chamadas reformas estruturais

significaram uma adequação ao reordenamento mundial. Nesse momento, as transformações

foram orientadas para o mercado com vistas à recuperação da capacidade financeira e

gerencial do Estado brasileiro.

Com o impeachement de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco assume a

presidência e sua principal medida para estabilização econômica foi o Plano Real, organizado

década de 1980, é de caráter pragmático, fragmentado e afastado da perspectiva de totalidade, o que permite, em sua concepção, o uso do termo “contrarreformas”.

32

pelo então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. “Os brasileiros, traumatizados,

com uma inflação de 50% ao mês (junho de 1994) e esgotados com a incapacidade de

planejar a sua vida cotidiana, votaram na moeda e na promessa de que, com a estabilidade,

viriam o crescimento e dias melhores” (BEHRING, 2008, p. 155). Sabemos que tais aspectos

determinaram a aceitação da moeda e asseguraram a popularidade dos gestores da nova

política econômica.

Além disso, o sucesso do Real repercutiu na correlação de forças entre as classes,

levando a vitória de Fernando Henrique Cardoso por dois mandatos consecutivos (1995-1998

e 1999-2002) período em que as ações neoliberais no Brasil se aprofundaram, ocorrendo o

grande deslocamento de capitais para a especulação financeira, número crescente de

privatizações de instituições públicas, a aprovação de inúmeras contrarreformas da

previdência, quebra de direitos trabalhistas (criação do emprego temporário no serviço

público) e aumento do desemprego.

Nesse contexto, quando realizamos um balanço do processo de reestruturação

produtiva do capital e as formas de enfrentamento, a partir da década de 1980, verificamos

que esse capital intenta implementar iniciativas que permitam a recuperação das taxas de

lucro, ao mesmo tempo em que desenvolve iniciativas que as legitimem do ponto de vista

sociopolítico.

Segundo Mota (2012), as classes abastadas, a partir das últimas décadas do século XX,

precisam exercitar-se enquanto classe dirigente, implementando seu projeto com uma direção

restauradora, reinventado iniciativas conservadoras sob o véu do ideário neoliberal e é

necessário deixar claro que esse processo de implementação somente é possível mediante a

criação e realização de medidas constitutivas de sua hegemonia12.

Do ponto de vista histórico, é no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2012),

que se consegue a hegemonia do projeto neoliberal. Conforme Oliveira (2010), a análise dos

dois mandatos presidenciais de Lula nos faz assistir ao processo de construção de “hegemonia

às avessas”, pois segundo o autor, após as eleições, a sensação era de destruição da

desigualdade e do preconceito de classe.

Lula despolitiza a questão da pobreza e da desigualdade. Ele as transforma em problemas de administração, derrota o suposto representante das burguesias – o PSDB, o que é inteiramente falso – e funcionaliza a pobreza.

12 Trata-se de uma categoria gramsciana que compreende a noção de direção através do consenso, isto é, a hegemonia se dá a partir do convencimento das massas, não sendo, portanto, pura dominação. (SIMIONATTO, 2011)

33

Esta, assim, poderia ser trabalhada no capitalismo contemporâneo como uma questão administrativa. (OLIVEIRA, 2010, p. 25).

Para o autor, o Programa Bolsa Família foi e é o responsável por tal despolitização,

uma vez que, sob o discurso de inclusão das classes dominadas na política, estas parecem

fornecer a direção moral do Estado brasileiro. Parece que os subalternos são os próprios

capitalistas, “pois os grandes fundos de pensão das estatais são o coração do novo sistema

financeiro brasileiro e financiam pesadamente a dívida interna pública.” (p. 26).

É nessa perspectiva de “hegemonia às avessas” que a classe dominada parece

comandar a política e a economia parece finalmente estabilizada, aspectos que contornam um

conjunto de aparências, onde está inserido o consentimento:

[...] o consentimento se transforma em seu avesso: não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes – os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a “direção moral” não questione a forma de exploração capitalista. É uma revolução epistemológica para a qual ainda não dispomos de ferramenta teórica adequada. Nossa herança marxista-gramsciana pode ser o ponto de partida, mas já não é o ponto de chegada. (OLIVEIRA, 2010, p. 27).

Conforme Braga (2012), essa fase da política brasileira deve ser denominada de

lulismo, uma forma peculiar de conduzir as decisões políticas apoiada na unidade de duas

formas para buscar o consenso popular. A primeira delas diz respeito ao consentimento

passivo das classes subalternas, que acabam por ser atraídas por políticas públicas e “por

modestos ganhos salariais advindos do crescimento econômico”, enquanto que a segunda, faz

referência “ao consentimento ativo das direções sindicais, seduzidas por posições no aparato

estatal.” (BRAGA, 2012, p. 181).

A partir do exposto, corroboramos com Coutinho (2010), ao afirmar que a chegada do

Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal, em 2003, não significou a destruição do

neoliberalismo no Brasil, ao contrário, resultou na cooptação/neutralização de importantes

movimentos sociais, abrindo caminho para a consolidação da hegemonia neoliberal entre nós.

Nesse sentido, estamos vivendo em um cenário de aprofundamento das contradições

sociais, na medida em que, através do mercado e do crescimento econômico, o governo vem

atendendo as reivindicações das classes subalternas, assegurando, concomitantemente, as

exigências das classes dominantes, ao mesmo tempo, ocorre a redução da pobreza,

paralelamente ao crescimento da desigualdade social.

34

Tais elementos suscitam olhares atentos e demandam a busca de respostas cada vez

mais qualificadas por parte de diversas profissões e uma delas, é o Serviço Social, uma

especialização do trabalho coletivo que, de acordo com Mota (2012), vem enfrentando

desafios na perspectiva de resgatar a diferença entre as estratégias de superação das

desigualdades e iniciativas de enfrentamento à pobreza, e de tratar tais questões no bojo dos

projetos de emancipação humana e política.

Para tanto, necessitamos considerar a natureza desta profissão, bem como as condições

para o seu exercício, tendo em vista seus limites e possibilidades dentro das contradições

engendradas na sociedade capitalista brasileira no pós-neoliberalismo, cujas expressões

atingem a condição de trabalhador do assistente social, seja no âmbito da formação ou do

exercício profissional.

2.3 O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

O Serviço Social como profissão no Brasil tem a sua origem remontada aos anos 30 do

século XX, quando o cenário estava marcado por efervescências, de cunho político,

econômico e social. Dentro desse contexto, tais tensões presentes na sociedade e advindas,

especificamente, das relações cada vez mais contraditórias entre o capital e o trabalho,

passaram a demandar respostas, e é nesse momento que a profissão surge, no primeiro

momento vinculada à Igreja Católica e possuindo a uma utilidade social determinada

historicamente. Acerca disto, destacam Carvalho e Iamamoto (2007):

A implementação do Serviço Social se dá no decorrer desse processo histórico. Não se baseará, no entanto, em medidas coercitivas emanadas do Estado. Surge da iniciativa particular de grupos e frações de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica. Possui em seu início uma base social bem delimitada e fontes de recrutamento e formação de agentes sociais informados por uma ideologia igualmente determinada. A especificidade maior que reveste o Serviço Social desde sua implementação não está, no entanto, no âmbito das características que mais evidentemente o marcam. Historicamente, se localiza na demanda social que legitima o empreendimento. (CARVALHO e IAMAMOTO, 2007, p. 127).

Dessa forma, ao longo do tempo, a profissão passou por diversas transformações

resultantes das mudanças ocorridas no âmbito do Estado, do mercado e da sociedade civil.

Durante cerca de 30 anos desenvolveu uma postura conservadora, sem esboçar

qualquer posicionamento crítico acerca do seu fazer profissional e de suas bases teórico-

metodológicas, ou seja, sem alterar os alicerces do exercício e da formação profissionais. É

35

somente na década de 1960, como um movimento que extrapola as fronteiras brasileiras, que

o Serviço Social passa a questionar sua postura.

A segunda metade dos anos 1960 marca, na maioria dos países em que o Serviço Social já se institucionalizara como profissão, uma conjuntura de profunda erosão de suas práticas tradicionais (e, compreensivamente, dos discursos ou pseudoteóricos que as legitimavam). No século passado, a transição da década de 1960 para 1970 foi, de fato, assinalada em todos os quadrantes por uma forte crítica ao que se pode sumariamente, designar como “Serviço Social tradicional”: a prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da “questão social” sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável. (NETTO, 2005, p. 6).

Nesse momento, tratava-se do Movimento de Reconceituação13, responsável por

provocar a Renovação do Serviço Social brasileiro, compreendido por Netto (2007) em três

direções distintas: a perspectiva modernizadora, a reatualização do conservadorismo e a

intenção de ruptura.

Com relação à primeira vertente, o autor afirma que se configurou em um esforço no

sentido de adequar a profissão, “enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de

técnicas sociais a ser operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento

capitalista, às exigências postas pelos processos políticos emergentes no pós-64.” (NETTO,

2007, p. 154). No que tange à segunda direção, observamos que este momento é marcado

essencialmente pela inspiração fenomenológica no Serviço Social, circunscrevendo a

profissão no circuito da ajuda psicossocial, atualizando, portanto, suas bases, mas sem

provocar o rompimento com o tradicionalismo.

Por fim, enquanto último direcionamento da renovação, tem-se a intenção de ruptura,

compreendida, entre o fim da década de 1970 e o começo da década 1980, na qual a profissão

aproxima-se da tradição marxista, especialmente pelo viés posto pela militância política e,

após resolver reducionismos teóricos advindos dessa aproximação, vincula-se a uma direção

social estratégica, o que possibilita a construção do Projeto Ético- Político do Serviço Social

(PEPSS), nos anos 90 do século XX. 13 O Movimento de Reconceituação se dá no interior do processo de renovação do Serviço Social, sendo também profundamente heterogêneo, mas tendo como principais características: a crítica ao imperialismo norte-americano e à importação de teorias estadunidenses para o Brasil e o início da discussão acerca do significado social da profissão. É importante ressaltar que a Reconceituação extrapola as fronteiras brasileiras, se configurando como um movimento latino-americano. Já o Movimento de Renovação é próprio do Serviço Social brasileiro.

36

Desse modo, ao adentrarmos a década de 1990, nos deparamos com um exercício

profissional reconceituado e contemporâneo, que não pode ser concebido como um

desenvolver simplesmente prático de ações, mas deve ser compreendido como uma atividade

de natureza interventiva que detém uma instrumentalidade, “qual seja a de conhecer, explicar,

propor e implementar iniciativas voltadas ao enfrentamento das desigualdades sociais, que

[...], são inerentes à constituição da sociedade capitalista”. (MOTA, 2003, p. 10-11).

Segundo Yolanda Guerra, tal instrumentalidade pode ser definida em dois níveis. O

primeiro deles refere-se a que se desenvolve face ao projeto da burguesia, fato responsável

por indicar que o Serviço Social pode ser convertido em um instrumento a ser utilizado dentro

do projeto reformista burguês que, por sua vez, destina-se à reprodução das relações sociais

capitalistas; enquanto que a segunda encontra-se direcionada ao fornecimento de respostas

profissionais, expressas nas funções que profissão desempenha na implementação de políticas

sociais no contexto do exercício profissional vinculado ao cotidiano das classes pauperizadas,

interferindo no cotidiano social e nas condições subjetivas e objetivas da vida dos sujeitos

(GUERRA, apud MOTA, 2003, p. 11). Acerca de tais considerações, afirma Ana Elizabete

Mota (2003):

Isto significa dizer que o Serviço Social vincula-se com as práticas sociais que ora dão visibilidade às desigualdades sociais existentes, ora requerem meios de atendimento das necessidades dela derivadas, ou ainda, formulam, propõem e operam ações voltadas para o trato e/ou superação de situações e conjunturas que afetam as condições de vida e de trabalho daqueles que são sujeitos da desigualdade social. (MOTA, 2003, p. 11).

Nessa perspectiva, o Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão sócio-

técnica do trabalho, atua na reprodução material e espiritual das relações sociais e as ações

realizadas pelo profissional se inserem nos chamados processo de trabalho. Com relação a

este tema, ressalta Iamamoto (2008):

Qualquer processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide a ação do sujeito, ou seja o próprio trabalho que requer meios ou instrumentos para que possa ser efetivado. Em outros termos, todo processo de trabalho implica uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide a ação; meios ou instrumentos de trabalho que potenciam a ação do sujeito sobre o objeto; e a própria atividade, ou seja, o trabalho direcionado a um fim, que resulta em um produto. (IAMAMOTO, 2008, p. 61).

37

Nesse contexto, a compreensão de que o Serviço Social está imbricado na reprodução

das relações sociais, nos traz o entendimento de que a práxis do assistente social encontra-se

imersa em uma conjuntura que influencia a realização de suas atividades, bem como o

resultado de sua ação, isto é, o produto de seu trabalho.

Desse modo, as transformações societárias experimentadas a partir da avalanche

neoliberal no Brasil vem impactando a massa de trabalhadores em geral, alterando relações

em todo o mundo do trabalho e, consequentemente, atingindo o Serviço Social, uma profissão

aqui considerada como trabalho, fato que supõe privilegiar a produção e reprodução da vida

como determinantes na constituição da subjetividade e materialidade da classe trabalhadora.

(IAMAMOTO, 2008, p. 25)

Além disso, enquanto especialização do trabalho, a perspectiva de atuação do

assistente social aqui difundida, reforça a análise que recusa visões unilaterais, que

compreendem dimensões estanques e isoladas da realidade. “A preocupação é afirmar a ótica

da totalidade na apreensão da dinâmica da vida social, identificando como o Serviço Social

se relaciona com as várias dimensões da vida social.” (p. 27). Assim, a profissão é capaz de

interpretar as demandas, ou seja, as requisições técnico-operativas dos usuários chegando as

suas reais necessidades e a partir desse momento mobilizar a instrumentalidade do Serviço

Social para fornecer respostas qualificadas aos sujeitos demandantes.

Partir da perspectiva de totalidade nesta conjuntura, ao analisar a profissão, fomenta

duas constatações importantes: a primeira delas é referente ao fato de que o aprofundamento

da desigualdade e a ampliação do desemprego, que indicam a vitória da proposta neoliberal,

tem se tornado também objeto de análise do Serviço Social, incidindo sobre a formação

profissional. A segunda diz respeito à inserção precária desse trabalhador – o assistente social

– no mercado de trabalho. Trata-se do exercício profissional.

Naquilo que concerne à formação profissional, esta vem sendo uma das principais

frentes de luta do Serviço Social brasileiro, diante da expansão do ensino superior com

qualidade questionável, com fins lucrativos e com novas modalidades, a exemplo do ensino à

distância. De acordo com a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

(ABEPSS), vivenciamos um processo de descoberta do curso de Serviço Social como um

nicho de valorização e tal processo se encontra vinculado a uma demanda do mercado de

trabalho “no formato que adquire o enfrentamento das expressões da questão social pelo

Estado e as classes no neoliberalismo.” (ABEPSS, 2009, p. 148).

38

Já no cenário do exercício profissional, o que se observa é uma retração do Estado em

suas responsabilidades no âmbito social, repercutindo no deterioramento dos serviços

públicos, espaço privilegiado de atuação desta categoria profissional.

Assim, cresce a atuação do Serviço Social na área de recursos humanos, no ramo da

assessoria gerencial e na criação e manutenção de comportamentos produtivos, favoráveis ao

modo de produção capitalista. A profissão passa a ser requisitada pelas empresas para atuar

em relações humanas e na eliminação de focos de tensões, contribuindo para redução do

absenteísmo e, consequentemente, para o aumento da produção. (IAMAMOTO, 2008, p. 47).

Sendo assim, nas empresas, o exercício profissional é perpassado por uma nova racionalidade técnica e ideopolítica, no âmbito do gerenciamento de recursos humanos, que refuncionaliza o “tradicional” em prol do “moderno” e conjuga, no campo das atividades profissionais “velhas” e “novas” demandas, exigindo dos assistentes sociais estratégias que assegurem sua legitimidade social (CESAR, 1998, apud, AMARAL e CESAR, 2009, p. 419).

Trata-se de um novo perfil construído com base nas alterações verificadas no mundo

do trabalho e, portanto, a subcontratação, a polivalência, a queda do padrão salarial, a

terceirização, os contratos de trabalho temporários e o desemprego fazem parte da realidade

atual do Serviço Social, sendo uma realidade que afeta todas as categorias profissionais.

Dessa forma, os assistentes sociais convivem com a perda crescente de condições de

infra-estrutura nos mais variados espaços sócio-ocupacionais. Revelam-se a falta de material

de informática, meios de transporte para realização de atividades que necessitam de

deslocamento dos profissionais e a falta de material de consumo. Pesquisas apontam ainda a

falta de arquivos disponíveis para guarda de material em caráter de sigilo e ausência de espaço

físico para reuniões, estudos, atendimentos, de caráter individual e em equipe. (SANTOS,

2010, p. 4).

Tais condições se dão em toda a sociedade, entretanto, variam e se tornam específicas

a depender do espaço no qual o profissional se encontra inserido. A docência em disciplinas

relacionadas às matérias de Serviço Social é uma destas áreas que recebem impactos diretos

das transformações provocadas pelo desenvolvimento do capital, pois é uma atribuição

privativa do assistente social, isto é, uma atividade que somente pode ser realizada por um

profissional do Serviço Social.

Assim, esse espaço sócio-ocupacional apresenta características específicas em relação

a outras áreas de atuação do assistente social, características que estão relacionadas às

39

transformações observadas no ensino superior, onde as universidades, ao longo dos anos 1990

e início do século XXI, vem sendo alvo das políticas dos organismos internacionais, como o

Banco Mundial (BM), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (Unesco) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Tais organismos são

responsáveis por dirigirem, ordenarem a privatização interna das Instituições de Ensino

Superior (IES) públicas, sob a aparência de ampliação do acesso à educação, essencialmente

nos países periféricos (LIMA, 2008, p. 19-20).

Nesse contexto, sob o véu de expansão, a academis passa a responder a critérios

quantitativos de qualidade, como o aumento do número de vagas e consequente aumento de

discentes, fato que sobrecarrega os profissionais docentes, implicando na precarização do

trabalho desses sujeitos, conforme veremos adiante.

40

3 AS RECONFIGURAÇÕES NO PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO: UM ESTUDO

SOBRE A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NA ÚLTIMA DÉCADA

“Que [a universidade] se pinte de negro, que se pinte de mulato. Não só entre os alunos, mas também entre os professores. Que se

pinte de operários e de camponeses, que se pinte de povo, porque a universidade não é patrimônio de ninguém, ela pertence ao povo.”

(Ernesto Che Guevara).

Nesta sessão discorreremos acerca do Estado e sua relação com a sociedade,

enfatizando como ele se comporta a partir da adoção da perspectiva neoliberal e os

rebatimentos disto para a política de educação superior no Brasil. Para tanto, apresentamos

sinteticamente a função social da universidade, isto é, a produção de conhecimento, e como

esta função vem sendo alterada em uma lógica de mercado e de produtivismo, alterando

significativamente a rotina da academis e qualidade do ensino superior.

Assim, nos debruçamos sobre as atuais reconfigurações do Estado Brasileiro, que são

determinantes para essa transmutação no papel social das universidades, ressaltando as

maiores dificuldades encontradas por discentes e docentes atualmente no espaço acadêmico.

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTADO

Para que possamos compreender os elementos que conformam a atual política de

educação superior no Brasil, bem como as consequências das transformações empreendidas

para as universidades federais brasileiras, precisamos situar do se trata a esfera estatal e como

se dá a sua relação com a sociedade.

Desse modo, ao discutir Estado a partir das diversas análises que encontramos sobre

este na literatura, é possível inferir uma premissa de grande importância, a saber: não se pode

compreender o Estado sem relacioná-lo à sociedade, isto porque ambos, apesar de possuírem

objetivos e particularidades próprios, são interdependentes e sofrem influências um do outro.

Contudo, o Estado nem sempre existiu e surgiu como uma criação da sociedade. O

Estado surge em um determinado momento na história da humanidade, quando a

complexificação da sociedade e a existência de grupos dominantes e dominados, torna

necessária a ideia dessa instituição, criando-se, portanto, a partir daí a ideia de governantes e

governados. Nesse sentido, o Estado é sempre a expressão de uma forma de dominação.

41

(RIBEIRO, 1998). Estabelecemos como ponto de partida do nosso raciocínio essa concepção

de Estado, qual seja, o Estado é essencialmente expressão de uma forma de dominação.

Dito isto, podemos então fazer um grande salto histórico para chegarmos ao Estado

Moderno, que tem entre suas características principais a separação entre a instituição, o

governante e a religião, pois é somente no século XVII – portanto já no capitalismo em seus

primeiros passos – que o Estado se separa da imagem do governante e de condicionantes

religiosos – “graças à ascensão da organização burocrática e de seu relativo distanciamento da

sociedade civil.” (CREVELD, 2004, apud, PEREIRA, 2009, p. 136).

Com efeito, foi com o fortalecimento e a extensão da burocracia que houve a demarcação de fronteiras territoriais, no interior das quais se tornou mais fácil recolher informações de todos os tipos, cobrar tributos e exercer a regulação institucional. Além disso, e como consequência, a combinação de uma estrutura técnico-administrativa mais forte com recursos garantidos por impostos, possibilitou a criação e manutenção de forças armadas como a encarnação do aparelho repressivo do Estado – que passou a ser o único dotado, legalmente, de poder coercitivo de última instância. (CREVELD, 2004, apud, PEREIRA, 2009, p. 136).

A partir do trecho acima, destacamos que é essencialmente sobre esse caráter

coercitivo que se debruçam duas importantes visões divergentes, indicativo de que “Estado”

se configura como um tema controverso. Assim, nas análises de Marx Webber, tal coerção

presente na esfera estatal seria “um atributo característico das autoridades legítimas,

impeditivo da multiplicação de iniciativas privadas de autodefesa armada ou da instauração de

regimes de exceção.” (CREVELD, 2004, apud, PEREIRA, 2009, p. 136).

Em uma análise gramsciana, temos uma indicação de Estado restrito, denominado de

Sociedade Política, onde as classes exercem sempre uma ditadura, a dominação mediante a

coerção, sem desconsiderar a presença de outro lado da intervenção estatal – aquela

relacionada à busca de consensos.

Dentro dessa perspectiva, dialogando com Potyara Pereira (2009), a autora afirma que

o conceito de Estado é bastante complexo e aponta dois grupos de autores sobre o tema:

aqueles que dizem não haver divergências quanto à sua definição e os defensores da ideia de

que definir Estado é quase impossível, haja vista sua constituição balizada e vários aspectos, o

que pode variar o seu conceito. Assim, aqueles que afirmam não haver divergências, indicam

quatro elementos que constituem a esfera estatal: o poder coercitivo, o território, a máquina

burocrática e um conjunto de condutas e comportamentos.

42

No que tange ao poder coercitivo, este seria umas das suas instituições e prerrogativas

e somente o Estado o possui por delegação da sociedade; o território faz menção a um espaço

geograficamente demarcado onde o poder é exercido. Já a máquina burocrática, é um

instrumento que tem a capacidade de gerenciar instituições e as políticas do governo,

arrecadando e gerindo recursos; “zelar pela ordem pública interna e externa; imprimir e

assegurar o desenvolvimento econômico; realizar estudos, pesquisas e construir dados

estatísticos cada vez mais precisos sobre a eficiência e eficácia das ações estatais.”

(PEREIRA, 2009, p. 142)

Por fim, observamos nesse grupo, um conjunto de condutas e comportamentos,

necessários à manutenção de uma cultura política comum a todos que compõem a nação.

É preciso destacar que a presença desses aspectos possui um caráter mais ideal do que

real, pois, na realidade, os Estados, em sua configuração atual sob a égide do capitalismo,

possuem dificuldade de exercer o seu poder, aplicar regras, controlar a entrada de elementos

não desejáveis no seu território e regular a sociedade.

Portanto, mesmo havendo concordância quanto à sua definição, torna-se evidente que a existência de um Estado não é tranquila, assim como não são as ligações que ele mantém com seus elementos constitutivos. Com a sociedade, com a qual estabelece constante e simultânea relação de antagonismo e de reciprocidade, os seus limites são tensos. (PEREIRA, 2009, p. 143).

Sendo assim, fica bastante claro que, apesar do diálogo convergente quanto à noção de

Estado, verificamos que a tensão existente entre as relações desta esfera com seus elementos

de constituição, bem como com a sociedade, tornam a sua definição um processo complicado.

Nesse sentido, destacamos os argumentos apresentados por aqueles que consideram

quase impossível tal definição, uma vez que surgem nesse conjunto diversas questões

relacionadas ao entendimento do que seria Estado de Direito, Estado Liberal, Estado de Bem-

Estar Social. Além disso, nessa ótica, o Estado tem condições de assumir forma política a

partir da historia, de modo que não há um padrão estatal absoluto e imutável e sua definição o

relaciona com seus órgãos, tendo em vista que é comum sua associação com governo, justiça

ou, até mesmo, burocracia.

Ao conjunto de instituições que se organizam em torno de um determinado espaço

geográfico dá-se o nome de Estado. Ou seja, é um conjunto de instituições (governo, forças

armadas, funcionalismo público, parlamento, etc.) que controla e administra um determinado

espaço geográfico, congregando um conjunto pessoas que tem uma cultura comum. No

43

capitalismo, o Estado tem como função principal assegurar a acumulação e reprodução do

capital (RIBEIRO, 1998).

Tendo essa conceituação como ponto de partida, entendo a complexidade ao redor do

tema da conceituação de Estado, ao mesmo tempo, é preciso evitar tratá-lo de forma linear e

parcial, estabelecendo padrões rígidos e estereótipos, pois:

[...]. Estado não existe em abstrato (desenraizado da realidade e da história) e nem em sentido absoluto (assumindo sempre e em todo lugar uma única forma). [...]. Por isso, quando se fala de Estado é preciso especificá-lo, isto é, qualificá-lo, porque, como fato historio, ele existe sob diferentes modalidades e configurações. Um mesmo país pode, em determinado momento, viver sob o domínio de um Estado totalitário, mas, em outro momento, conviver com um Estado democrático. (PEREIRA, 2009, p. 144).

Nessa perspectiva, verificamos que conceituar Estado é um processo complexo e que

necessita ser compreendido enquanto um fenômeno histórico e relacional. E isso significa

afirmar que ele não se encontra mais fundado na fé, mas na política como atividade humana.

“Trata-se, portanto, de algo em movimento e em constante mutação e, por isso, um fenômeno

que tem que ser pensado e tratado como um processo, a despeito de ainda persistirem várias

ideologias que o percebem como sistema acabado.” (PEREIRA, 2009, p. 144).

Enquanto processo histórico, a esfera estatal coadura presente, passado e futuro, de

modo que o Estado contemporâneo demonstra vários elementos do passado que convivem

com aspectos recém- incorporados. Sendo assim, só podemos analisar e compreender o

Estado a partir do estudo de suas interdependências e dentre elas está a sua relação com a

sociedade, pois é calcada nisso que tal instituição consegue abarcar todas as dimensões da

vida social, assumir diferentes responsabilidades, dentre elas a função de administrar e

atender demandas divergentes/discordantes.

Por isso, apesar de ele ser dotado de poder coercitivo e estar predominantemente a serviço das classes dominantes, pode também realizar ações protetoras, visando às classes subalternas, desde que pressionado para tanto, e no interesse de sua legitimação. (PEREIRA, 2009, p. 146).

Dentro desse contexto, Ianni (1986) afirma que o Estado não é uma entidade

desgarrada (ou equidistante) da sociedade, assim como não se configura como uma única

força organizada e autossuficiente no contexto da vida social e, portanto, não é um

instrumento exclusivo da classe dominante. (IANNI, 1986 apud PEREIRA, 2009, p. 146).

44

Disso decorre que apesar de possuir uma autonomia relativa em relação à sociedade e

à classe social com a qual possui maior compromisso, o Estado relaciona-se com todas as

classes sociais, uma vez que é a partir disto que ele se legitima e fortalece sua base material de

sustentação. “Além disso, não se pode esquecer que ele é criatura da sociedade, pois é esta

que o engendra e o mantém, e não o contrário.” (PEREIRA, 2009, p. 146).

Nessa mesma linha de pensamento, destacamos a contribuição de Antônio Gramsci,

marxista italiano que, através da sua teoria do Estado Ampliado, expandiu a concepção de

Marx que colocava a esfera estatal como comitê privado da burguesia. Contudo, é importante

ressaltar que Gramsci, mesmo ampliando a concepção de Estado em Marx, não rompe com a

perspectiva marxista. Ele, enquanto autor que tem Marx como referência, parte da concepção

de Estado como instituição que serve, fundamentalmente, aos interesses da burguesia.

É com base na realidade concreta que Gramsci trabalha com categorias, cujo centro de

seu entendimento são os fenômenos superestruturais, a esfera da cultura e da política no

âmbito da ordem capitalista, aspecto que aparece como ampliação em relação às análises

clássicas de Marx e Engels, uma vez que estes identificam o Estado como um conjunto de

aparelhos repressivos, tendo em vista a conjuntura histórica vivenciada por esses autores.

Numa época de escassa participação política, quando a ação do proletariado se exercia sobretudo através de vanguardas combativas mas pouco numerosas, atuando compulsoriamente na clandestinidade, era natural que esse aspecto repressivo do Estado burguês se colocasse em primeiro plano na própria realidade e, por isso, merecesse a atenção prioritária dos clássicos. (COUTINHO, 1992, p. 75).

Gramsci trabalha em um período onde era possível vivenciar a intensificação de

processos de socialização e participação política, tais como com a formação de grandes

sindicatos e de partidos de massa e a conquista do sufrágio universal, elementos que

possibilitam o surgimento de uma nova esfera social “dotada de leis e de funções

relativamente autônomas e especifícas, tanto em face do mundo econômico quanto dos

aparelhos repressivos do Estado.” (COUTINHO, 1992, p. 75).

Isso significa dizer que Marx não pode conhecer o fenômeno dos grandes sindicatos

abarcando milhões de pessoas e, portanto, não pode analisar a complexidade das relações de

poder numa sociedade capitalista, como a que Gramsci se deparou. Tal fenômeno, mais tarde,

Gramsci chamará de “sociedade civil” e “aparelhos privados de hegemonia”. Sobre tal

diferença histórica, escreve o próprio filósofo italiano:

45

[...] a fórmula é própria de um período histórico em que não existiam ainda os grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos econômicos, e a sociedade ainda estava sob muitos aspectos, por assim, dizer, no estado de fluidez: maior atraso do campo e monopólio quase completo da eficiência político-estatal. Em poucas cidades ou até mesmo numa só (Paris para a França), aparelho estatal relativamente pouco desenvolvido e maior autonomia da sociedade civil em relação à atividade estatal [...]. (GRAMSCI, 2000, p. 24).

Nessa perspectiva, ao considerar a crescente participação política de seu tempo,

Gramsci propõe o conceito “ampliado” de Estado como premissa para análise das sociedades

capitalistas mais desenvolvidas. Assim, a partir de 1930, podemos encontrar em seu

pensamento dois momentos distintos de articulação do campo estatal: o estado em sentido

“restrito” e o Estado em sentido “amplo”, também denominado de Estado Integral14.

Esse Estado ampliado comporta duas esferas principais, a saber, a sociedade política,

ou Estado-coerção “formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe

dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência, e que se identifica com os

aparelhos de coerção sob controle das burocracias executiva e policial-mulitar” e a sociedade

civil, formada “pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das

ideologias, compreendendo o sistema escolar, as Igrejas, os partidos políticos, as organizações

profissionais, a organização material da cultura [...], etc.” (COUTINHO, 1992, 77).

Assim, percebemos que a sociedade civil compreende o conjunto das instituições

sociais que compõem a realidade concreta, isto é, compreende não somente as instituições,

mais também as ideologias, os projetos e interesses de classe distintos, se configurando como

um espaço de disputa pela hegemonia.

Contudo, apesar da distinção entre sociedade política e sociedade civil, precisamos

atentar para o chamado momento unitário, pois o marxista italiano nos informa que tal

separação é apenas metodológica, uma vez que na realidade efetiva elas se interlacionam

dialeticamemte.

[...] Gramsci afirma que, em cada formação social, embora de maneira diversa, ocorre uma relação dialética entre sociedade política e sociedade civil, relação esta que se manifesta principalmente nos momentos de crise. O Estado pode assegurar a ordem pela força, mas pode também recorrer aos aparelhos da sociedade civil para obter o consenso acerca de seus atos. (SIMIONATTO, 2011, p. 72).

14 A denominação Estado “restrito” e Estado “ampliado” não é uma criação gramsciana. É dada posteriormente por estudiosos marxistas.

46

Essa relação dialética significa recusar a completa separação entre o Estado e

sociedade, “procurando aumentar a homogeneidade, a autoconsciência e a organização dos

grupos sociais” (SIMIONATTO, 2011, p. 73). Além desta recusa, verificamos que a depender

da conjuntura social e política, a sociedade civil aparece mais ou menos forte. Acerca disto

temos:

[...] o Estado é certamente concebido como um organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas, este desenvolvimento e esta expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias ‘nacionais’, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como contínua formação e superação de equilíbrios [...] entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos subordinados [...]. (GRAMSCI, 2000, p. 41-42).

Desse modo, o Estado organiza a sociedade e representa os interesses antagônicos nela

existentes, mas tende a ser dirigido pelas classes dominantes, enquanto que a sociedade civil15

escolhe os “seus representantes” e os leva até o Estado. Sobre isso, aponta Mészáros (2015):

[...] o funcionamento saudável da sociedade capitalista depende, por um lado, da natureza das ações produtivas materiais, de acordo com as condições históricas específicas que definem e moldam o seu caráter, e, por outro lado, da modalidade do processo geral de tomada de decisão política que complementa o processo sociometabólico, tal qual ativado na multiplicidade das unidades reprodutivas materiais particulares, ajudando-as a coerir em um todo sustentável. Sob algumas condições históricas – especialmente sob o domínio do capital como ordem sociometabólica de reprodução – essa coesão é possível somente se a dimensão de controle político geral se constituir como órgão de tomada de decisão separado/alienado de algumas das funções mais vitais. (MÉSZAROS, 2015, p. 94).

Assim, a partir dessas relações dialéticas, o Estado que tende a ser dominado pela

classe dominante necessita de mecanismos para a busca do consenso, isto é, a busca do

convencimento das massas diante de suas ações. E um desses mecanismos são as políticas

sociais, mecanismos essencialmente contraditórios, na medida em que opera a garantia de

direitos sociais na sociedade capitalista, mas também contribui para acumulação/reprodução

do capital e para a permanência das elites na direção, no poder.

15 Diferentemente de Marx e Engels, Gramsci conceitua sociedade civil como o conjunto dos aparelhos privados, responsáveis pela hegemonia. Como exemplos de tais aparelhos temos a mídia, a escola e a Igreja. (SIMIONATTO, 2011).

47

A politica de educação, será a primeira a ser associada a noção de cidadania como

direito social da população. Conforme Iamamoto (2008)

A incorporação dos direitos sociais à noção de cidadania começa com o desenvolvimento da escola primária pública e se expande, principalmente, à medida que o liberalismo vai perdendo terreno e o Estado assume progressivamente os encargos sociais face à sociedade civil (IAMAMOTO, 2008, p. 152).

Com o desenvolvimento da sociedade mercantil vai ganhando forma a ideia da

igualdade de todos os homens perante a lei, como cidadãos. Os direitos sociais só começam a

se estabelecer no século XX, mas a conquista deles é perpassada pelo estigma do

assistencialismo. Assim, desde a Lei dos pobres na Inglaterra existia uma nítida demarcação

separando os que aceitavam a assistência (considerados indigentes, beneficiários da caridade)

e os cidadãos, trabalhadores que supriam suas necessidades no mercado (IAMAMOTO,

2008).

Desse modo, a expansão dos serviços sociais começa com a educação primária

pública, a partir da influência do pensamento Rousseauniano na Revolução Francesa, que

enfatizava a importância da educação dos povos. As conquistas sociais da classe trabalhadora

vão permitindo que se amplie o acesso a educação em todos os seus níveis, chegando também

ao ensino superior.

No Brasil, a política de educação superior nos últimos decênios, sob o discurso da

expansão quantitativa, operou profundas transformações que atingem técnicos

administrativos, discentes e docentes, isto é, parcela significativa da classe trabalhadora, como

veremos a seguir.

3.2 BREVE ANÁLISE SOBRE A UNIVERSIDADE E SUAS FRONTEIRAS

Conforme Chauí (2003), a universidade se caracteriza por ser uma instituição social “e

como tal exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da

sociedade como um todo.” (CHAUÍ, 2003, p. 5). E é justamente por essa razão que podemos

observar no interior dessa instituição a presença de opiniões, projetos, atitudes divergentes

que exprimem contradições e divisões da sociedade.

Essa relação interna ou expressiva entre universidade e sociedade é o que explica, aliás, o fato de que, desde seu surgimento, a universidade pública

48

sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela. (CHAUÍ, 2003, p. 5).

As reflexões de Chauí (2003) podem ser corroboradas quando analisamos o período do

surgimento das primeiras universidades. De acordo com Benicá (2011) a instituição

universitária possui como seu lócus de surgimento as escolas antigas dos romanos, gregos,

estoicos e outros povos, e teve sua base inicial na Europa Ocidental, no período compreendido

entre os séculos XI e XIV, chamado de Baixa Idade Média. Nasce em um contexto de crise do

feudalismo e no seio de muitos conflitos e contradições sociais de diversos aspectos. Sobre

esses elementos, destaca Benicá (2011):

Tais fatores exerceram influências diretas na constituição e na vida das instituições universitárias desde o princípio. As universidades surgiram com o objetivo de atender aos interesses dos burgueses diante das atividades comerciais que começavam a se desenvolver. (BENICÁ, 2011, p. 32).

O autor destaca que, conforme algumas fontes, ‘a palavra universitas foi originalmente

aplicada às sociedades corporativas escolásticas16 e, provavelmente no decorrer do século

XIX, o termo passou a ser usado à parte, no sentido exclusivo de uma comunidade de

professores e alunos. ’ (WANDERLEY, 2003, p. 16, apud, BENICÁ, 2011, p. 32).

Segundo Chauí (2003), a legitimidade da universidade moderna deu-se na conquista

da ideia de autonomia do saber, do conhecimento em face do Estado e da religião, isto é, na

ideia de um saber orientado por sua própria lógica, por necessidades advindas dele, tanto do

ponto de vista de sua descoberta ou invenção, bem como de sua transmissão.

Em outras palavras, sobretudo depois da Revolução Francesa, a universidade concebe-se a si mesma como uma instituição republicana, e portanto, pública e laica. A partir das revoluções sociais do século XX e com as lutas sociais e políticas desencadeadas a partir delas, a educação e a cultura passaram a ser concebidas como constitutivas da cidadania e, portanto, como direitos dos cidadãos, fazendo com que, além da vocação republicana, a universidade se tornasse também uma instituição social inseparável da ideia de democracia e de democratização do saber: seja para realizar essa ideia, seja para opor-se a ela [...]. (CHAUÍ, 2003, p. 5).

16 A principal característica da escolástica era a preocupação em conciliar o ensino racional com a fé cristã e em seus primeiros momentos, as universidades eram, fundamentalmente, escolas monásticas cristãs.

49

A partir do trecho acima, observamos que o espaço da academis pode ou não estar

ligado à ideia de realização da democracia, uma vez que os processos nela existentes são

resultado também dos processos realizados na sociedade como um todo. Dessa forma, uma

sociedade com práticas não democráticas influência a oposição da universidade à democracia.

É o que temos observados nos últimos anos na realidade brasileira.

No que tange ao Brasil, Benicá (2011) ressalta que a coroa portuguesa impediu o

surgimento de universidades no período colonial, pois sua política objetivava submeter as

elites nativas ao monopólio intelectual advindo de Coimbra. É somente com a chegada da

família real ao Brasil, em 1808, que foi permitido a criação das primeiras instituições de

ensino superior, todas de cariz profissionalizante, vinculadas às áreas de Medicina,

Engenharia e Direito, instaladas nas metrópoles economicamente mais importantes da época.

Durante esse período, é possível verificarmos uma grande preocupação em se

desenvolver um modelo de educação de nível superior no Brasil, notabilizado pelo

favorecimento a uma pequena parcela da população, atendendo somente a elite, os chamados

“filhos da aristocracia” e visando basicamente à formação do “Doutor”, como era chamado

quem se formava em Direito ou Medicina. “Isso muito nos lembra a sociedade moderna, onde

ainda se pode observar resquícios do clientelismo e do favorecimento de uma pequena porção

da população com relação ao direito de acesso à educação superior bem como fora praticado

outrora.” (COSTA e RAUBER, 2009, p. 244).

Dentro desse contexto, destacamos o marcante atraso nos sistemas de ensino

implantados e uma defasagem nas produções intelectuais herdados do Brasil Colônia a partir

de Portugal. O que se observa é uma deficiência intelectual da Metrópole em áreas como

botânica, astronomia, zoologia e geologia, diferentemente de outros países da Europa, como

Alemanha, França e Inglaterra. “Desse modo, os primeiros ensaios do ensino superior no

Brasil constituíram-se sobre os moldes de Portugal, e passaria a herdar a mesma deficiência e

atraso da Metrópole.” (COSTA e RAUBER, 2009, p. 245). Sobre tais elementos, ressalta

Benicá:

[...] ao longo do Império e nos primeiros anos da República, a influência do positivismo, que atribui à instituição universitária uma natureza metafísica, desligada dos aspectos práticos e das ciências experimentais, contribui para reforçar a resistência à criação de universidades no país. A década de 1920, no entanto, vê agravarem-se as contradições da República Velha e intensificarem-se os movimentos de renovação social, política e cultural, que culminam na assim chamada Revolução de 1930. São testemunhos desse processo as greves operárias, o movimento tenentista, a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista (1922) a criação da

50

Academia Brasileira de Ciências (1922) e da Associação Brasileira de Educação (1924), entre outros. (BENICÁ, 2011, p. 33).

É importante destacar que o modelo universitário implantado no país, na década de

1930, tinha como principal marca formar uma elite intelectual capaz de servir às demandas da

classe abastada e da indústria que nascia.

A partir de 1930 inicia-se o esforço de arrumação e transformação do ensino superior no Brasil. O ajustamento de três ou mais faculdades podia legalmente chamar-se universidade. É nesses termos que se fundam as Universidades de Minas Gerais – reorganizada em 1933 – e a Universidade de São Paulo, que em 1934, já expressa uma preocupação de superar o simples agrupamento de faculdade. (LUCKESI, C. et. al., 1991, s.p, apud, COSTA e RAUBER, 2009, p. 247).

Entre os anos de 1940 e 1970, podemos perceber a criação das universidades federais

em quase todos os estados brasileiros. Tratou-se de um período marcado pela regionalização e

descentralização do ensino superior. Especificamente no pós-1945, o que se verifica nos

processos de institucionalização universitária são as lutas pela autonomia universitária, tanto

externa quanto interna, associada à expansão das universidades pelo território nacional. Tal

expansão se encontrava intimamente ligada ao ritmo do desenvolvimento do país decorrente

do processo de industrialização, onde a preocupação era, prioritariamente, com a formação

profissional com ênfase na pesquisa e na produção de conhecimentos. Segundo Fávero

(2006), apud Costa e Rauber (2009) é nesse período que começam a surgir grandes

pesquisadores.

Já segundo Stallivieri (2010) a história da educação superior no Brasil pode ser

dividida em quatro fases distintas: até 1930, de 1930 a 1968, de 1968 a 1988 e a partir de

1988. Com relação ao primeiro momento, a autora destaca que as instituições universitárias

davam maior ênfase ao ensino do que à investigação e eram extremamente elitistas com forte

orientação profissional. No que se refere ao segundo, trata-se de um período de crescimento

do sistema público, com a criação de mais de 20 universidades federais, com a contratação de

um grande número de professores europeus. É nesse momento que também surgem algumas

universidades confessionais (católicas e presbiterianas).

Ao longo dos anos 50 e 60, o ensino superior no país passa a sofrer forte e profunda influência política, passando a adotar novas ideologias como base de sustentação dos governos que se sucederam até o ano de 1964. Marcadamente, observam-se novos ensaios de mudanças na estrutura pedagógico-administrativa do ensino superior, e debates promovidos

51

principalmente por movimentos estudantis que lutavam, por entre outras coisas, pela abertura da universidade à população através da extensão e dos serviços comunitários, articulação das universidades com órgãos governamentais principalmente no interior do país, e pela liberdade de expressão. (COSTA e RAUBER, 2009, p. 249).

A terceira fase corresponde a uma maior eficiência administrativa, implementação da

estrutura departamental, inclusão da pesquisa nas atividades acadêmicas como resultado da

reforma universitária.

A reforma efetuada pelo governo militar teve o intuito de reorganizar a universidade com vistas a inserir o Brasil no capitalismo associado dependente e dar um caráter mais tecnicista à educação superior. Sabedores do potencial crítico da universidade, os militares trataram imediatamente de intervir, censurar e desconstituir os pensadores. (STALLIVIERI, 2010, s.p., apud, BENICÁ, 2011, p. 34).

Esse momento foi marcado pela busca dos militares em conter, a todo custo, os

debates travados pelos movimentos estudantis dentro e fora das universidades, através da

repressão e da desarticulação dos movimentos por meio de intervenções violentas dentro dos

campi universitários, com vistas a silenciar professores e alunos.

Por fim, o quarto período, que se iniciou na década de 1980 em um cenário de

redemocratização que culminou com a Constituição Federal (CF) de 1988 e com a

homologação de leis que passaram a regular o ensino superior. Os anos posteriores a CF serão

marcados por profundas contradições. A educação pública e gratuita é considerada na CF

direito de todos, mas contraditoriamente, nesse período, inicia-se nas grandes potências

mundiais, a defesa do projeto neoliberal17 e em seu bojo inúmeras propostas educacionais

para as nações subdesenvolvidas ou “emergentes”.

Assim, nesse período, as propostas se davam em torno de uma maior flexibilização e

expansão desse sistema, melhoria dos processos de avaliação e redução do controle exercido

pelo governo, com vistas à “elevação” da qualidade da educação.

Contudo, tal processo de expansão e flexibilização trouxe problemas, pois tendo em

vista o avanço do capitalismo, a grande concentração populacional urbana e a exigência de

melhor qualificação profissional, tal expansão se tratou, na verdade, de um alastramento do

ensino superior pelo país. Todos esses elementos contribuíram para a perda da qualidade no

ensino. “A grande busca por cursos superiores permitiu a expansão da iniciativa privada no

17 Acerca do Neoliberalismo, ver Sader e Gentilli (2008).

52

ensino superior, o que se tornou uma característica marcante nesse período.” (COSTA e

RAUBER, 2009, p. 249).

Ao mesmo tempo, todas essas novas propostas educacionais vão emanar do Fundo

Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

(BIRD) Banco Mundial, que ditam normas as quais devem se adequar os países “emergentes”

(LIMA, 2012).

Como uma herança das necessidades que impulsionaram a criação, desenvolvimento,

bem como a expansão desenfreada das universidades, hoje é possível observar diversos

problemas que permeiam o campo universitário, uma vez que este espaço é caracterizado

também por “refletir”18 dentro de seus muros a sociedade da qual faz parte, ou seja, é uma

instituição social e isso significa dizer que suas ações não se encontram separadas dos

processos desenvolvidos em determinada sociedade.

[...] não há solução para os problemas da universidade, se não encontrar solução para os problemas do ensino primário e médio; tudo é um bloco homogêneo e coerente. [...] a universidade é um lugar de discussão, não uma ilha onde o aluno desembarca para sair com um diploma. (SARAMAGO, 2010, s.p. apud, BENICÁ, 2011, p. 36).

Tais reflexões nos levam a perceber o contexto adverso no qual a universidade

brasileira se encontra, pois vem experimentando, nas últimas décadas uma expansão que deve

ser analisada tendo como base o atual estágio de desenvolvimento do capitalismo e sua busca

por elevação nas taxas de lucro e produtividade, elemento que transforma todas as esferas da

vida social em áreas bastante lucrativas. A seguir, teceremos maiores considerações sobre

isto.

3.3 AS CONFIGURAÇÕES DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

NOS ÚLTIMOS ANOS

Fávero (2006) nos chama atenção para o fato de que alguns impasses vividos pela

universidade no Brasil podem estar vinculados à própria história dessa instituição na

sociedade brasileira. Acerca disto, a autora discorre:

18 Esse processo não é mecânico nem unilateral, mas dialético, o que significa que a universidade também interfere, em certa medida, na sociedade, ao mesmo tempo em que a universidade possui processos internos que seguem uma lógica específica.

53

[...] basta lembrar que ela [a universidade] foi criada não para atender às necessidades fundamentais da realidade da qual era e é parte, mas pensada e aceita como um bem cultural oferecido a minorias, sem a definição clara no sentido de que, por suas próprias funções deveria se constituir em espaço de investigação científica e de produção de conhecimento. Produção essa que deveria procurar responder às necessidades sociais mais amplas e ter como preocupação tornar-se expressão do real, compreendida como característica do conhecimento científico, mas sem a falácia de respostas prontas e acabadas. (FÁVERO, 2006, p. 19.).

Percebemos que as problemáticas verificadas no contexto universitário atualmente

além, de estarem ligadas à forma de desenvolvimento capitalista operacionalizada no Brasil,

sofrem um significativo aprofundamento após a adoção do neoliberalismo, pois a academis

absorve e exprime as práticas neoliberais.

Conforme Chauí (2001), quatro aspectos nos permitem perceber tal absorção, pois a

autora revela que ao se debater sobre universidade, alguns temas são hegemônicos. “Quer os

universitários se ponham a favor que se ponham contra, todos trabalham com a mesma

temática.” (CHAUÍ, 2001, p. 35).

Segundo ela, a absorção pelas universidades da lógica neoliberal pode ser notada nos

quatro elementos a seguir: 1) na aceitação da ideia de avaliação universitária; 2) na aceitação

da avaliação acadêmica pelo critério das publicações e das titulações; 3) na aceitação do

critério de distribuição dos recursos públicos para pesquisa tendo em vista a ideia de “linhas

de pesquisa”; e 4) na aceitação da ideia de modernização racionalizadora pela privatização e

terceirização da atividade universitária.

Vejamos mais de perto cada um desses elementos. A aceitação da ideia de avaliação

universitária, que em seus momentos iniciais encontrou resistência de alguns grupos, ausenta-

se totalmente de considerações sobre a situação do ensino fundamental e médio, como se a

academia não possuísse relação com eles e nenhuma responsabilidade lhe coubesse na

situação atual e como se fosse possível avaliar a instituição e seus cursos sem considerar

como chegam os discentes do ensino fundamental e médio. Nesse sentido, os processos

avaliativos deixam de considerar que há cursos universitários, predominantemente, formados

por setores da pequena burguesia e extratos médios da sociedade, que chegam à universidade,

em sua maioria, vindo de instituições do ensino privado, enquanto há outros cursos formados,

predominantemente, por setores mais empobrecidos da sociedade e que, por isso, provêm da

escola pública com inúmeras deficiências em seu processo de formação.

O segundo elemento, a aceitação da avaliação acadêmica pelo critério das publicações

e das titulações, revela o total descaso pela docência. Esse elemento resume e avalia a vida

54

dos docentes somente a partir de sua titulação e da quantidade de publicações, esquecendo-se

da importância da qualidade das aulas na graduação e pós-graduação - e que boas aulas

exigem tempo adequado para preparação e estudo -, das ações e projetos de extensão

fundamentais para tornar a universidade presente na sociedade, a qual deve prestar serviços,

entre outros elementos.

O quarto elemento citado por Chauí é a aceitação do critério de distribuição dos

recursos públicos para pesquisa tendo em vista a ideia de “linhas de pesquisa”. Tal critério

somente faz sentido para áreas “duras”/exatas, que funcionam com grandes laboratórios e com

grandes equipes de pesquisadores, o que não se aplica com o mesmo rigor nas chamadas

ciências não exatas, ou seja, a áreas de humanidades e nos campos de pesquisa fundamental.

E, por fim, o quinto elemento se expressa na pela aceitação da ideia de modernização

racionalizadora pela privatização e terceirização da atividade universitária, “a universidade

participando da economia e da sociedade como prestadora de serviços às empresas privadas,

com total descaso pela pesquisa fundamental e de longo prazo.” (CHAUÍ, 2001, p. 36). Junte-

se a isso a ideia, hoje hegemônica nas universidades, que a universidade pública e seus

docentes devem ser capazes de “captar” recursos no mercado para suas pesquisas e projetos e

aqueles que não o fazem, não conseguem porque são “incompetentes”. Mais uma vez, tal

lógica não se aplica a área de humanidades e aos pesquisadores/as que adotam uma

perspectiva crítica a lógica do mercado. Além disso, tal raciocínio quebra pela raiz a ideia de

autonomia universitária, uma vez que as empresas só patrocinam pesquisas que lhe convêm.

Seja para defender ou para opor-se a tais ideias, a autora ressalta que o campo das

discussões está predefinido e predeterminado pela ideologia neoliberal, que também reforça o

fato da universidade se mostrar como integrante e constitutiva de um tecido social autoritário

e oligárquico. De acordo com Chauí (2001), é possível observar tais aspectos em seis ordens.

A primeira delas diz respeito ao corpo discente, pois a universidade pública tem

aceitado, de forma passiva, a destruição do ensino público de primeiro e segundo graus, que

coloca o ensino superior público a serviço das classes e grupos dominantes, abrindo espaço,

(sob o discurso da democratização) para a educação superior privada. No que tange ao

segundo, tem-se o corpo docente que acompanha as tendências de fragmentação da classe

trabalhadora, operacionalizada pela economia, assumindo também a organização e a luta

corporativa por empregos, salários e cargos. “Ao fazê-lo, deixam as questões relativas á

docência, à pesquisa, aos financiamentos e à avaliação universitária nas mãos das direções

universitárias, perdendo de vista o verdadeiro lugar da batalha.” (CHAUÍ, 2001, p. 38).

55

No tocante ao terceiro aspecto, percebemos a tendência dos universitários em aceitar

cada vez mais a separação entre docência e pesquisa, aceitando que os títulos universitários

funcionem como graus hierárquicos de segregação entre graduação e pós-graduação, ao invés

de pensá-las integralmente. Sobre as consequências desse elemento, a autora alerta:

[...] como consequência, aceitam [os alunos] a decisão das direções universitárias de reduzir a graduação e a escolarização – número absurdo de horas-aula, desconhecimento, por parte dos estudantes e docentes, de línguas estrangeiras, miséria bibliográfica e informativa, ausência de trabalhos de laboratório e de pequenas pesquisas de campo etc. -, isto é, a redução da graduação a um segmento do grau avançado para a formação rápida e barata de mão-de-obra com diploma universitário. Em contrapartida, aceitam que a pós-graduação seja o funil seletivo de docentes e estudantes, aos quais é reservada a verdadeira formação universitária. (CHAUÍ, 2001, p. 38).

Continuando sua reflexão, Chauí (2001), ainda tece considerações sobre as

universidades federais, sobre os financiamentos das pesquisas e acerca das agencias públicas

de financiamento dessas pesquisas. Nas universidades federais, a dialética entre aceitação e

combate dos interesses oligárquicos vem promovendo desgaste entre alunos e professores e

esse desgaste é reforçado pela atitude estatal que tende a reduzir os docentes à luta por cargos,

salários e carreiras baseadas no tempo de serviço, no lugar de baseadas na pesquisa, na

formação e na apresentação de trabalhos relevantes para as humanidades e para a ciência.

Com relação aos financiamentos das pesquisas, há a aceitação acrítica da privatização

das pesquisas, perdendo de vista o papel público da atividade de investigação. Esse processo é

responsável por provocar, conforme a autora:

I. Perda da autonomia ou liberdade universitárias para definir prioridades, conteúdos, formas, prazos e utilização das pesquisas, que se tornam inteiramente heterônomas; II. Aceitação de que o Estado seja desincumbido da responsabilidade pela pesquisa nas instituições públicas; III. Aceitação dos financiamentos privados como complementação salarial e fornecimento de infraestrutura para os trabalhos de investigação, privatizando a universidade pública; IV. Desprestígio crescente das humanidades, uma vez que sua produção não pode ser imediatamente inserida nas forças produtivas, como os resultados das ciências; V. Aceitação da condição terceiro-mundista para a pesquisa científica, uma vez que os verdadeiros financiamentos para pesquisa de longo prazo e a fundo perdido são feitos no primeiro mundo. (CHAUÍ, 2001, p. 39).

A fim de concluir suas análises sobre o autoritarismo e sobre a oligarquia na

universidade, Chauí (2001) assevera que há também uma tendência nas agências públicas de

financiamento, a partir das quais as universidades interiorizam as regras fixadas pelas

56

agências, de não fazer a distinção entre critérios de financiamento e critérios das pesquisas, o

que transparece na fixação de prazos para dissertações e teses, que são determinados pelas

agências de financiamento.

Todas essas transformações, segundo Lima (2012), estão associadas a uma expansão

da educação de nível superior que ocorre a partir de três necessidades do capital, a saber: a) a

subordinação da ciência à lógica mercantil, com a venda de “serviços educacionais”, parcerias

universidades-empresas, incentivo à produtividade e o empreendedorismo pragmático; b) a

constituição de novos campos de lucratividade, verificado no aumento de Unidades de

Formação Acadêmicas (UFA’s) no setor privado; e, por fim, c) a construção de estratégias de

obtenção de consenso em relação ao projeto burguês de sociabilidade em tempos de

neoliberalismo reformado, a partir da transmutação da educação superior em educação

terciária, pois a ideia é ‘democratizar” o acesso à universidade e, para tanto, qualquer curso

pós-médio, de curta duração ou graduação à distância são levados em consideração nesse

processo.

O papel histórico do Estado brasileiro na condução da política de expansão da educação superior é, portanto, fundamental. É o Estado que cria o arcabouço jurídico para operar esta política, autorizando e credenciando as IES privadas, bem como, legalizando a privatização interna das IES públicas e estimulando o produtivismo e o padrão mercantil da pesquisa e da produção de conhecimentos. As concepções de educação superior – reduzida à educação terciária – e de universidade – como instituição de ensino e/ou instituição subsumida à lógica mercantil – são compartilhadas por reitores das universidades e por parte dos docentes dessas IES. (LIMA, 2012, p. 2).

Analisar o papel do Estado nessa seara supõe entender que a esfera estatal cria

condições necessárias para que a privatização do ensino superior aconteça, principalmente a

partir dos anos de 1990, sendo ampliado na primeira década do novo século, configurando e

consolidando o empresariamento deste setor educacional no país. Esse empresariamento pode

ser verificado a partir de três fatores distintos: o aumento do número de Instituições de Ensino

Superior privadas, a privatização nas universidades públicas, através de cursos pagos,

fundações de direito privado e Lei de Inovação Tecnológica19 e o produtivismo que atravessa

e condiciona a política de pesquisa e de pós-graduação.

No tocante às Instituições de Ensino Superior privadas, Lima (2012) ressalta que

conforme dados do Censo de Educação Superior do ano de 2008, em 2002 (no final do

19 Lei 10.793, de 2 de dezembro de 2014, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Nela fica bastante clara a possibilidade de realização de parcerias com organizações de direito privado sem fins lucrativos na pesquisa científica.

57

governo de FHC) de um total de 1.637 IES, 195 eram públicas e 1.442 privadas. Já em 2008,

do total de 2.252 IES, 235 eram públicas e 2.016 eram IES privadas.

Acerca da privatização nas universidades públicas, Lima (2012) ainda destaca que se

trata de uma privatização interna, sendo operada através da venda de “serviços educacionais”,

tais como cursos pagos (latu senso) e parcerias entre universidades públicas e empresas para o

desenvolvimento de pesquisas e assessorias. São ações viabilizadas por meio das fundações

de direito privado que atuam no interior das universidades públicas e são responsáveis por

garantir complementação salarial aos professores atuantes nestes projetos, “esvaziando as

ações coletivas por condições de trabalho, remuneração e carreira docente.” (LIMA, 2012, p.

16).

É importante destacar que esse processo demonstra, portanto, a configuração de um

determinado perfil de trabalhador docente – os professores empreendedores. “Um docente

que, na condição de empresário de si mesmo, capta recursos públicos e privados no lucrativo

‘mercado educacional’ criado no interior da universidade pública.” (LIMA, 2012, p. 16, grifos

da autora).

No que tange ao produtivismo, observamos a perda da autonomia das universidades

públicas, um fator fundamental para a produção do conhecimento crítico. Esse movimento

acontece pela avaliação das atividades universitárias de pós-graduação e pesquisa a partir de

fora da academis, pelos órgãos de fomento à produção científica, como a Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as fundações estaduais de apoio à

pesquisa. Lima (2012) ressalta alguns elementos centrais dessa reconfiguração do ensino

superior.

Conforme a autora, o estabelecimento de um padrão mercantil de produção de

conhecimento tem como pano de fundo o direcionamento empresarial da pesquisa operado

pelo arcabouço jurídico-legal do Estado brasileiro, como decretos, leis, medidas provisórias e

portarias. Além disso:

Está em curso a redefinição das atribuições e a privatização dos meios de produção do trabalho docente (livros, laboratórios, computadores e equipamentos) que não são mais viabilizados, em sua maioria, pela universidade, mas pelos docentes que concorrem a editais e bolsas de produtividade. [...]. Existe o compartilhamento de uma “cultura da produtividade/desempenho”, pois a política é elaborada, difundida e monitorada pelos órgãos de fomento [...], mas é apropriada por parte significativa dos docentes. (LIMA, 2012, p. 17).

58

Acerca dessa apropriação da “cultura do desempenho”, destacamos abaixo um trecho

da entrevista de uma docente:

A maior dificuldade enfrentada hoje pelos professores nas universidades, inicialmente, eu acho que é essa carga de trabalho pra dar conta. A articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Mas acho também, falando dos docentes, né? Acho também que é uma questão muito pessoal que é como você gerencia suas tarefas. Às vezes, eu vejo muita gente apagando incêndio. [...]. Se envolve com mil coisas, que pra mim, isso é uma escolha, porque eu tenho que saber até onde eu posso dar conta. [...]. Então, eu vejo muita gente com essa dificuldade de gerenciar o tempo, e, logicamente, a gente não consegue dar conta de tudo sempre. Tem uma cultura de produtividade (isso está em cima da gente) e tem uma coisa dos próprios indivíduos de se autossobrecarregar de coisas. [...]. Eu criei algum mecanismo nos últimos anos e, especialmente, de 2008 pra cá de que o trabalho não é um fator de estresse. Embora eu me sinta, em alguns momentos, pressionada [...], mas eu acho que tem uma coisa da relação, a minha relação com o trabalho não é uma relação de escravidão. [...]. Tem a questão do produtivismo, que é você incorporá-lo como cultura. E eu acho que muitos professores, mesmo com a visão crítica, sobre o produtivismo incorporam a lógica produtivista na sua vida. A gente escuta muito “eu preciso de capítulos, eu preciso de artigos”. Eu não tenho essa pressão, eu não me vejo pressionada a ter que publicar, a ter que ter nome nacional. [...]. E acho que, em alguma medida, a gente da esquerda, com pensamento crítico, incorpora. Tem a questão da sociabilidade, tem um movimento geral e tem o movimento também do indivíduo. Eu posso dizer hoje que sou uma resistente. (Pagu, docente efetiva há 13 anos).

Percebemos a partir do trecho de entrevista acima que o movimento de resistência a

esta cultura é algo ainda incipiente, uma vez que os docentes, em sua grande maioria, não

conseguem romper com as demandas cotidianas do produtivismo acadêmico, que coloca

limites ao processo de resistência individual. Contudo, há que se assinalar que não se trata de

um simples movimento de “autosobrecarregamento”, como assinala a docente. A nosso ver,

tal visão, tende, mais uma vez, a responsabilizar os indivíduos por não saberem

“administrarem bem o seu tempo”, o que reforça o ethos burguês, ao minimizar a importância

e força dos determinantes sociais e conjunturais frente aos indivíduos. Na perspectiva

apresentada pela docente, tudo se resume “a saber administrar bem o seu tempo” e, nesse

caso, a dizer “não” para inúmeras atividades que os docentes são chamados a contribuir.

Assim, as determinações mais amplas da totalidade social [...] são silenciadas dando lugar a abordagens interdisciplinares que procuram extrair das situações singulares inteligibilidade e soluções centradas no indivíduo ou, no máximo, em seu grupo "básico" de sociabilidade: familiares e amigos. O indivíduo social e o caráter alternativo de suas escolhas, e dos valores que as orientam, são tomados, na maioria das vezes, de forma atomizada face às

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bases ontológicas e históricas do processo de autoconstrução do ser social. A sociabilidade, que do ponto de vista ontológico é uma capacidade humana essencial e síntese da práxis histórica dos homens, é apreendida como contexto, como pano de fundo ou ainda como redes de interações e de valores que devem ser mobilizadas para orientar as escolhas individuas [...] (BRITES, 2006, p. 17)

A afirmação feita pela docente é, em parte, verdade, pois os docentes são “livres” para

dizerem “não” a determinadas atividades, contudo, não se pode fazer tal afirmação sem

considerar as determinações mais amplas, como se tudo fosse uma simples questão de escolha

individual. Nesse sentido, é importante considerar também que, muitas vezes, o compromisso

ético-político com a profissão, com a socialização do conhecimento, com a direção social

defendida, com a necessidade de extrapolar os muros da universidade, “obriga” os docentes a

se envolverem com inúmeras atividades, o que termina sobrecarregando-os.

Além disso, aqueles professores que fazem parte de alguma pós graduação e desejam

ter recursos para fazer suas pesquisas, mesmo criticando a tal lógica, “precisam” publicar

como condição para se submeter aos editais e, portanto receber recursos, pois sua “pontuação”

no currículo lattes é um dos elementos avaliados para que possa ter seu projeto com recursos

aprovado pelas agências financiadoras. Trata-se, portanto, de encontrar estratégias para um

movimento de resistência coletiva (e não individual), uma vez que os indivíduos estão

inseridos em condições objetivas de vida e trabalho que o subjugam. Problematizando essa

questão observamos:

A estratégia utilizada para difusão dessa “cultura da produtividade/desempenho” é a política de avaliação: na graduação, a avaliação das instituições de ensino superior/IES e dos cursos pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior/SINAES/ na pós-graduação, pelas notas atribuídas aos programas de pós-graduação pela CAPES e na produção docente, pelo direcionamento da produção e difusão do conhecimento conduzido pelo sistema Qualis da CAPES. Trata-se de uma competitividade entre instituições, entre programas de pós-graduação e entre docentes, reconfigurando o trabalho docente, representando a perda da autonomia e a subsunção do trabalho intelectual à lógica do capital. (BOSI, 2007, s.p, apud, LIMA, 2012, p. 18.)

Tendo em vista o referido cenário, Chauí (2001) chama a nossa atenção para o fato de

que atualmente, a docência no ensino superior tem sofrido com a transformação do direito à

educação em educação como prestação de serviço, de forma que a universidade passa a ser

vista como um órgão prestador de serviços e, portanto, lócus da avalanche neoliberal. Assim,

60

termos como: “qualidade universitária”, “avaliação universitária” e “flexibilização da

universidade” são inseridos nesse espaço e passam a fazer parte de seu cotidiano profissional.

No que tange à qualidade e avaliação universitárias, Chauí (2001) afirma que ambas

estão calcadas no atendimento às necessidades de crescimento social e modernização da

economia, tendo como critério a produtividade, uma vez que esta é medida por quanto, em

quanto tempo e com quais custos uma universidade produz.

Em outras palavras, os critérios da produtividade são quantidade, tempo e custo, que definirão os contratos de gestão. Observa-se que a pergunta pela produtividade não indaga: o que se produz, como se produz para que ou para quem se produz, mas opera uma inversão tipicamente ideológica da qualidade em quantidade. (CHAUÍ, 2001, p. 184, grifos nossos).

Acerca dessa inversão verificada nos espaços acadêmicos, observamos que a lógica da

produtividade tem provocado nos docentes não apenas a assimilação desse padrão, mas a

necessidade de criar condições para realização dessa produção, conforme verificamos na fala

a seguir:

[...] a questão do produtivismo, né? Eu tô querendo entrar no doutorado e não sei como vou fazer isso, porque eu não tenho muitas produções. Depois que eu entrei na docência, a gente orienta trabalhos, pensa nos objetos de estudo dos nossos alunos, mas nossos objetos de estudo ficam sempre no segundo plano. E o produtivismo, que nos é cobrado pela CAPES, por essas agências, o verdadeiro fordismo intelectual, mas que, infelizmente, a gente passa, todas essas condições de trabalho perpassam o nosso universo de vida pessoal. (Olga Benário, docente substituta há 2 anos).

Já no que concerne à flexibilização, Chauí ressalta que a atual fase do capitalismo se

caracteriza pela fragmentação de todas as esferas da vida social e da destruição dos

referenciais que delimitam a identidade de classe e as formas da luta de classe e, nessa

perspectiva, a universidade passa a ser uma organização moldada pelas transformações em

curso, um espaço que “depende muito pouco de sua estrutura interna e muito mais de sua

capacidade de adaptar-se celeremente a mudanças rápidas da superfície do ‘meio ambiente’”.

(CHAUÍ, 2001, p. 188)

Sendo assim, trata-se de um processo que coloca a academis na condição de captadora

de recursos e geradora de receitas a partir de alguns ajustes, tais como a eliminação do regime

único de trabalho e do concurso público e da dedicação exclusiva, substituindo-os pelos

contratos flexíveis; a simplificação dos processos de compras – licitações – a gestão

financeira e a prestação de contas (setores que se tornaram enxutos e que passam a proteger as

61

chamadas “outras fontes de financiamento”); a separação da docência e da pesquisa, deixando

aquela para a universidade e esta para centros autônomos de pesquisa e, por fim, a adaptação

dos currículos de graduação e pós-graduação às necessidades profissionais de diferentes

regiões do país, como forma de responder às demandas empresariais locais.

Como uma das consequências deste processo, tem-se a desregulamentação dos

contratos de professores, pois tais possibilidades de contratação precária, abertas por práticas

constituídas à margem da lei ou mesmo por modificações na legislação trabalhista, promovem

o enxugamento dos gastos, a perda da qualidade no ensino, bem como a sobrecarga de

trabalho para os chamados docentes substitutos.

[...] como se trata de um vínculo temporário, ele tem data pra começar e pra terminar, então, processos mais complexos como propostas de cursos de longa duração ou projeto de extensão, como eu venho bem antes da universidade, noutras instâncias, envolvida em projetos, grandes projetos de longo prazo, eu sinto muita falta dessa possibilidade de ter essa autonomia e liberdade de propor uma coisa, porque a gente não tem forças para, não tem recursos, a gente não pode participar dos editais e tudo mais. Então, eu destacaria como principal dificuldade essa diferença na carga de ensino, de horário, que a gente tem que disponibilizar que é bem maior, né? [...]. Mas também os limites para o envolvimento e proposição de outros processos que se referem à pesquisa e extensão. [...]. Mas assim, claro que tem ainda esse determinante e essa justificativa que é o fato da gente realmente ter prazo, a gente tá numa condição que não permite dar continuidade, então a gente acaba se envolvendo e não tem como não tratar dessa questão, uma cultura ainda que subalterniza muito o lugar do professor e da professora substituta. [...]. A gente sabe que passa por um processo seletivo e tem que atender determinados critérios, mas tem que ter muito cuidado e resistência do corpo como um todo pra não subalternizar contribuições. O lugar do e da professora substituta requer respeito tanto do alunado, como do corpo como um todo porque é um processo, é um momento de aproximação com a docência que, em geral, assim, tem muita dedicação, porque a gente sabe que tem as exigências né? A cada seis meses poderão renovar e tal, isso faz com que a gente também tenha um esforço quase que desumano pra dar conta das coisas pra qualificar nossa atuação. (Rosa Luxemburgo, docente substituta há 2 anos).

É possível notar no relato exposto que na condição de docente temporária, a

entrevistada não tem possibilidade de articular o ensino, a pesquisa e a extensão e, além disso,

deixa claro que está imersa em um cenário de precarização, necessitando de esforços

individuais para qualificar sua intervenção enquanto professora, elementos que colocam em

xeque a real função da universidade. Sobre esse fato, destaca outro sujeito de pesquisa:

Eu acho que a gente tá vivendo um momento de muito descenso, né? Descenso no sentido do decréscimo da perspectiva política, de uma

62

identificação política do papel social da universidade. [...]. Nós estamos em uma conjuntura histórica da realidade brasileira em que nós vivemos uma crise muito grandiosa do ponto de vista dos valores, da ética na política, uma crise na periferia do capital inquestionável e eu diria que incontornável do ponto de vista ideológico. [...]. Há uma tendência muito conservadora, politicamente muito conservadora dentro da universidade. Isso é um acúmulo de anos, de décadas, né? De desmobilização, de precarização, de ataques ao trabalho. [...]. Eu acho que a universidade tem se embebido das concepções muito mais gerenciais, empresariais, autocráticas e cada vez mais meritocráticas também. (Simone de Beauvoir, docente efetiva há anos).

Nesse contexto, as reformas implementadas descaracterizam a universidade enquanto

ambiente privilegiado de formação, reflexão, criação, exercício crítico e, como espaço de

democratização do saber e a tornam uma organização com fins lucrativos. Assim sendo,

temos:

Uma sociedade de mercado produz e troca equivalentes e suas instituições são, por isso mesmo, equivalentes também. É isso que se costuma batizar de “tecnocracia”, isto é, aquela prática que julga ser possível dirigir a universidade segundo as mesmas normas e os mesmos critérios com que se administra uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados. (CHAUÍ, 2001, p. 186).

Dentro dessa perspectiva, a adoção de métodos empresariais no ambiente acadêmico

fomenta alterações no processo de ensino-aprendizagem e a docência subordina-se à lógica do

capital, a partir da reorganização deste tipo de trabalho. Hoje, os professores universitários

não desenvolvem mais atividades integrantes de um projeto de produção do saber, mas estão

inseridos em um processo que concebe o ensino como um repasse de pacotes fechados de

conhecimento “ao estilo dos pacotes de instruções usados para preparar operadores de

máquinas, guardadas, obviamente, as devidas proporções.” (PINTO, 2000, p. 22).

[...] este espaço [a universidade] se tornou um importante lugar para a expansão do capitalismo, para operar inversões na busca do lucro através da produção de conhecimento e da formação de mão-de-obra especializada a partir dos critérios do mercado (leia-se grande capital). Neste sentido, procura-se transformar o trabalho docente em trabalho produtivo, que transforma o simples dinheiro em capital através da mais-valia. (PINTO, 2000, p. 23).

Essa cultura produtivista não se limita a intensificar o trabalho do professor

universitário (exigindo a publicação de maior número de artigos e livros, aumento do número

de orientações, pesquisas, alunos, iniciação científica e relatórios), mas implica também em

acirrar a competição entre grupos de trabalhos, instituições e colegas em todo o país.

63

A disputa por recursos públicos, via editais, em uma conjuntura de diminuição do

montante destinado ao setor público fomenta a cultura competitiva entre os pares, fragilizando

a perspectiva de classe, com um verniz de competência e mérito acadêmico. Ao mesmo

tempo, se amplia o financiamento do setor privado através de programas diversos, como o

Programa Universidade para todos (PROUNI), que concede bolsas de estudo integrais e

parciais (50%) em instituições privadas de ensino superior e o Fundo de Financiamento

Estudantil (FIES), destinado a financiar a graduação de estudantes em instituições privadas20.

Observamos, portanto, uma contradição nesse cenário, uma vez que, no setor público

tem se dado a ampliação o número de alunos por sala e a atribuição de novas tarefas ao

docente, como a busca por financiamentos para seus projetos e a transmissão de notas e

resultados, avaliações, trabalhos realizados por redes de computadores, após o desmonte das

secretarias, mais uma medida tomada com vistas a “enxugar” a máquina estatal. (PITA, 2010,

p. 15).

Assim, verificamos como parte desse fenômeno, o Programa de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI), uma iniciativa do Ministério da Educação

(MEC) com uma proposta de reforma universitária para todo o Brasil e cujo objetivo

principal, segundo o discurso oficial, é ampliar o acesso e a permanência na educação

superior.

No que tange aos seus objetivos oficiais, observa-se, dentre outros elementos, a

promoção de inovações pedagógicas, aumento do número de vagas para ingresso nas

Universidades Federais (UF’s), especialmente no período noturno, redução das taxas de

evasão e aumento das taxas de sucesso, ocupação de vagas ociosas, reestruturação acadêmico-

curricular, revisão da estrutura acadêmica, a reorganização dos cursos de graduação e a

diversificação das suas modalidades, preferencialmente com superação da profissionalização

precoce e especializada. Além disso, há o investimento e ampliação do número de cursos mais

rápidos (cursos sequencias e de graduação tecnológica) e o crescimento do número de

mestrados profissionalizantes, ou seja, voltados para satisfazer as demandas do mercado.

A UFRN participa, como todas as UFA’s do país, desse quadro desalentador, agravado

pela cultura conformista que reina na instituição. No próximo capítulo, analisaremos quem

20 Em junho de 2014, o MEC lançou também um programa que visa “apoiar o acesso à pós-graduação no Brasil”, através de financiamento para pagamento de cursos de pós-graduação em universidades privadas. Ao mesmo tempo, diminuem-se ou estagna-se o número de bolsas destinadas às universidades públicas. Mais informações em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/governo-vai-financiar-pos-graduacao-em-faculdade-privada.Acesso em 30 de junho de 2014.

64

são os docentes inseridos nesse contexto de precarização, destacando seu cotidiano

profissional, tendo em vista o Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte.

65

4 TRABALHO DOCENTE NA UFRN: UM ESTUDO NO DEPARTAMENTO DE

SERVIÇO SOCIAL

“Há homens que lutam um dia, e são bons; Há outros que lutam um ano, e são melhores;

Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons; Porém há os que lutam toda a vida.

Estes são os imprescindíveis.” (Bertold Brecht).

A sessão que se inicia possui como eixo central de análise o processo de precarização

e adoecimento dos docentes (substitutos, efetivos e efetivos que ocupam cargos de gestão) no

Departamento de Serviço Social da UFRN. Para atingirmos tal objetivo, apresentamos a

trajetória histórica do nosso lócus de pesquisa, destacando como a conjuntura econômica,

política e social influenciou as alterações verificadas ao longo do tempo, tanto na

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, bom como no Serviço Social e no DESSO,

especificamente.

Nessa perspectiva, a fim de conhecer nossos sujeitos de pesquisa, construímos um

perfil docente, calcado em aspectos privados, sociais, econômicos e políticos da vida dos

professores do DESSO e por fim, analisamos as condições de trabalho nesse espaço,

ressaltando a intensificação da precarização e do adoecimento que vem se fazendo presente

vida cotidiana desses sujeitos.

4.1 – O DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO

RIO GRANDE DO NORTE: CONHECENDO UM POUCO DE SUA HISTÓRIA

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte originou-se da Universidade do Rio

Grande do Norte, criada em 25 de junho de 1958, através de lei estadual, e foi federalizada em

18 de dezembro de 1960. De acordo com informações disponíveis no sítio eletrônico da

UFRN, a mesma foi instalada em sessão solene “realizada no Teatro Alberto Maranhão, em

21 de março de 1959.” (UFRN, s.d./s.p.).

Nesse período, tal universidade foi formada a partir de faculdades e escolas de nível

superior já existentes em Natal, como a Faculdade de Odontologia, Farmácia, Direito,

66

Medicina, a Escola de Engenharia, entre outras21. Durante a Ditadura Militar (1964-1985)22,

mais especificamente, a partir de 1968, a UFRN vivenciou a reforma universitária da

Ditadura. O golpe militar calcou-se no discurso de que era necessária uma intervenção militar

a fim de estabelecer a ordem e colocar o país de volta ao caminho correto, longe da ameaça

comunista e rumo a um próspero desenvolvimento econômico. No âmbito acadêmico, houve

um processo de reorganização, marcando o fim das faculdades e consolidando a atual

estrutura, isto é, o agrupamento de diversos departamentos, que, a depender da natureza dos

cursos e das disciplinas, organizam-se em Centros Acadêmicos. Essa nova forma organização,

à semelhança das universidades existentes nos Estados Unidos da América (EUA),

fragmentava ainda mais as áreas, “aprisionando” os docentes e discentes em seus respectivos

Centros que, na maioria das vezes, desconhecem por completo as especificidades e questões

que se referem as outras áreas.

Na verdade, tais mudanças não se deram somente no campo educacional. A partir do

golpe militar de 1964, os militares implantaram uma série de “reformas” no campo das

políticas sociais, iniciando o que Netto (2007) denominou de Modernização Conservadora,

uma vez que um dos objetivos das medidas era “modernizar” o país, contudo, era fundamental

nessas medidas depurar qualquer influência comunista. Ao mesmo tempo, era fundamental

também para o referido regime, ampliar ações nos campos das políticas sociais, configurando

o que os autores denominam de “política da repressão-assistência” 23 (Yasbek, 2014). Nesse

sentido, no campo educacional, todas as experiências que precederam a Ditadura e que

“cheiravam” a participação popular ou crítica ao sistema capitalista, foram extirpadas e

substituídas por experiências “assépticas” e depuradas de influências ideológicas. No Rio

Grande do Norte, o método Paulo Freire - implantada no governo de Aluizio Alves (1961-

1966), pioneiramente na cidade de Angicos - e a proposta de “Pé no chão também se aprende

a ler” – implantada em Natal, na administração do prefeito Djalma Maranhão (1956-1959) -

foram substituídas pelo “Mobral” (Movimento Brasileiro de Alfabetização)24. No ensino

médio, a reforma retirou as disciplinas de Sociologia e Filosofia, substituindo-as pela

disciplina “Educação Moral e Cívica”. Nas universidades além da modificação estrutural, já

21 O curso de Serviço Social, conforme sinalizaremos adiante, foi criado em 1945, ou seja, já existia como curso isolado, contudo, só se agregou à universidade em 1958. 22 Denominada por Netto (2007) de Autocracia Burguesa, a fim de sinalizar que os militares estabeleceram um poder ditatorial no país, contudo, estavam representando os interesses da burguesia nacional e transnacional. Tratava-se, portanto, de uma Autocracia Burguesa. 23 É característico de períodos ditatoriais a utilização do binômio repressão-assistência, no Brasil, são exemplos típicos disso a Ditadura Vargas e a Ditadura Militar. Contudo, tal prática não é exclusiva do Brasil nem tampouco da contemporaneidade. 24 A esse respeito ver especialmente: Netto (2007).

67

sinalizada, implantou-se a disciplina Estudos dos Problemas Brasileiros I e II (EPB I e II), que

objetiva estudar os problemas brasileiros à luz da doutrina da Segurança Nacional.

Uma das ações desse conjunto de medidas adotadas pela “Modernização

Conservadora”, adotadas no âmbito das universidades, foi a criação dos campi universitários,

centralizando todos os cursos numa só área geográfica, facilitando assim o controle e a

repressão sobre professores e estudantes. Os currículos dos cursos foram também

“higienizados” de influências comunistas, instaurando-se um clima de vigilância e repressão

na academia, criando-se assim, segundo denominação de Netto (2007) “a universidade

domesticada”.

Desse modo, nos anos 70 do século XX, teve início a construção do campus central,

numa área de 123 hectares. Atualmente, esse campus central abriga um “complexo

arquitetônico, circundado por um anel viário que o integra à malha urbana da cidade de

Natal”. (UFRN, s.d./s.p.). Em 1974, através do Decreto nº 74.211, a estrutura da UFRN foi

modificada, a partir da constituição do Conselho Universitário (CONSUNI), Conselho de

Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), Conselho de Curadores (CONCURA) e Reitoria.

Em 1996, foi concluída uma reforma no Estatuto desta Universidade, estabelecendo a

estrutura em vigor até os dias de hoje, acrescentando-se aos conselhos existentes o Conselho

de Administração (CONSAD) e criando, na estrutura acadêmica, as Unidades Acadêmicas

Especializadas e os Núcleos de Estudos Interdisciplinares.

Além das referidas reformas, atualmente a Universidade Federal do Rio Grande do

Norte também vem sendo alvo das mudanças provocadas pelo Programa de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais. O REUNI se insere no conjunto de transformações

mundiais, instauradas a partir da crise mundial do capitalismo em final nos anos 197025, a

partir das quais se espraiam para o campo das políticas sociais, entre elas na educação.

Conforme pontuamos no capítulo anterior, a partir da crise mundial surgem propostas de

reorganização da educação, fomentadas pelas agências econômicas mundiais, que

estabelecem reformas, diretrizes e metas para serem alcançadas pelos países com os quais se

relacionam26.

Na UFRN, o REUNI foi instituído pelo Decreto nº. 6.096, de 24 de abril de 2007, e é

uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), sendo

responsável tanto pelo aligeiramento da formação, bem como pela intensificação do trabalho 25 Tais modificações foram brevemente apresentadas no capítulo anterior e se expressam, particularmente, através da proposta neoliberal. 26 Ver a esse respeito, Lima (2012) e Revista Temporalis 1 (Reforma do Ensino Superior e Serviço Social - ABEPSS).

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docente nessa universidade, pois com o REUNI e a partir da adoção de turmas mais

numerosas, o professor se insere em um contexto que não permite a realização de pesquisa,

nem extensão, consequentemente, a formação dos discentes é prejudicada e se quebra a

indissocialibilidade ensino-pesquisa-extensão, tripé basilar da universidade.

Em entrevista realizada em dezembro de 2013 com um professor, lotado na Escola de

Ciência e Tecnologia (ECT) da UFRN e que vivenciou todas as alterações promovidas por

esse programa de reestruturação, o REUNI27 está colocado no tensionamento das relações

entre a universidade e o governo brasileiro, uma vez que apesar de proporcionar maiores

recursos para ensino e pesquisa28, afeta a autonomia universitária, pois esta passa a responder

às determinações do governo central e a produção de riquezas não está voltada para a

comunidade acadêmica, nem tampouco para a população do entorno da academis. Em outras

palavras, o REUNI é responsável por acelerar a concentração de riquezas na administração

central das universidades, pois grupos hegemônicos ampliam e reafirmam seu poder,

dificultando o exercício da democracia nesses espaços.

Ainda conforme o professor entrevistado, dois aspectos são fundamentais para

compreensão dessa realidade: o primeiro deles é a própria adoção de metodologias de ensino

que são fragilizadas nesse modelo, tendo em vista o número de alunos matriculados nas

disciplinas (aproximadamente 160), fato que fragiliza a relação educador-educando e o

processo de aprendizagem e acompanhamento dos discentes; o segundo remete à expansão

quantitativa de entrada dos alunos na universidade sem acompanhamento da expansão

quantitativa de saída desses discentes, pois com o Programa de Reestruturação, o nível de

retenção do alunado vem sofrendo considerável crescimento. Acresce-se a isso, o fato da

expansão estrutural não acompanhar no mesmo ritmo o aumento exponencial do número de

discentes.

[...] a ECT [Escola de Ciência e Tecnologia] tá rebaixando os índices da UFRN por causa do nível de retenção que ela tem. Então, no caso, se você olha, entram, por semestre, 560 alunos aqui, as nossas saídas [...]nós já tivemos saídas [...] nós já estamos aqui há 4 anos e meio [...] estamos agora com a quarta saída, as saídas não passam de 120, 130. Então, você ver que tá ficando aí 400, mais ou menos 400 e poucos alunos estão ficando pelo meio do caminho. Então, esse é um problema concreto. Quer dizer, então, na realidade, é uma expansão quantitativa de entrada, sem expansão

27 A escola de Ciência e Tecnologia (ECT) da UFRN é apresentada como experiência exitosa da proposta do REUNI. A entrevista foi feita com vistas a conhecer as consequências do REUNI para além do que é apresentado nos documentos oficiais do MEC. 28 A soma de maiores recursos resulta da chamada política de indução, na qual os recursos somente chegam às universidades que se adequam/aderem a nova proposta.

69

quantitativa de saída. E, em termos qualitativos, é complicado, né? Que qualidade de ensino você tá dando, você tá conseguindo manter? É pouco. Se não, nós não estaríamos com um nível de retenção tão grande. E aí, por exemplo, aqui, em termos de unidade, o que se questiona muito é que se diz assim: se abriu a porteira de entrada e entrou muita gente despreparada porque o ensino médio é deficiente. É jogar a culpa pro outro. (Trecho de Entrevista – Professor ECT).

Nesse sentido, com base em informações coletadas nos relatórios de gestão da UFRN,

em 2007, esta instituição mantinha uma estrutura para abrigar 20.680 alunos em 58 cursos de

graduação presencial e 2.415 alunos em 61 cursos de pós-graduação. Em 2012, o número de

cursos de graduação sofreu um aumento de cerca de 50%, pois a instituição passou a oferecer

120 cursos também na modalidade presencial, com um aumento de cerca de 25% no número

de alunos (27.482 discentes matriculados). No que concerne à pós-graduação, o crescimento

foi de 28%, uma vez que passou a ter 85 cursos, com 4.548 alunos matriculados, o que

representa um aumento de 46% no número de alunos de pós-graduação. (UFRN, 2015, s.p.)

A interpretação destes dados em conjunto com a realidade da academia nos dias atuais

nos revela que apesar do crescimento nos números, tal expansão não se dá de forma

qualitativa e um dado que revela este aspecto é o parco crescimento no número de professores

(adjunto, assistente, associado, auxiliar e titular), que cresceu no intervalo entre os anos de

2008 a 2012 – de 1.394 para 1.922 docentes (crescimento de aproximadamente 27%), fato que

denuncia a sobrecarga laboral a qual estão submetidos, uma vez que a maioria dos docentes

da UFRN se dedica a atividades de ensino na graduação e pós-graduação, realizando ainda

atividades de pesquisa, extensão e administração.

Atualizando tais dados, hoje a UFRN, oferece 84 cursos de graduação presencial, 9

cursos de graduação à distância e 86 cursos de pós-graduação. Sua comunidade acadêmica é

formada por mais de 37.000 estudantes, incluindo-se graduação e pós-graduação, 3.146

servidores técnico-administrativos e 2.000 docentes efetivos. Essas informações revelam,

mais uma vez, a disparidade entre o aumento do número de estudantes e de professores.

Nessa perspectiva, um dos cursos de graduação presenciais ofertados por esta

universidade é o curso de Serviço Social. A profissão de Serviço Social tem seu surgimento

marcado na transição do capitalismo concorrencial para o monopolista, “a partir das

exigências deste, que, no seu processo de expansão crescente, passou a exigir profissionais

capacitados para as funções de articulação da população, operando com a coerção e a

construção de consensos, visando atenuar conflitos.” (LIMA, 2006, p. 143).

70

Seu nascimento está relacionado a conjunturas históricas que exigiam novos

mecanismos de atuação frente às necessidades sociais, oriundas da questão social29. Nesse

contexto, em virtude do processo de industrialização e urbanização brasileiras, demarcadas na

década de 1930, a primeira escola de Serviço Social do Brasil surge em 1936, na cidade de

São Paulo, berço dessa industrialização.

No que tange ao Rio Grande do Norte, mais especificamente à sua capital, segundo

Lima (2006), com as preocupações com a questão social em Natal, sentiu-se a necessidade de

preparar, de forma adequada, profissionais para atuarem na realidade local. Conforme a

autora:

[...] a necessidade de profissionais mais qualificados para intervir na questão social fez desabrochar a ideia da urgência da criação de cursos de capacitação para profissionais aptos a lidar com problemas sociais. Por conseguinte, optou-se, inicialmente, pela realização de cursos intensivos para preparação das primeiras visitadoras sociais, assim chamadas na época. O primeiro curso durou 45 dias, abrangendo um período que vai do final de 1942 ao início de 1943, com 25 alunas, e foi realizado na escola doméstica de Natal. [...]. O segundo curso de visitadoras sociais aconteceu em 1943, durou seis meses, sendo quatro de estudos teóricos e dois estágios em Serviço Social e Enfermagem. (LIMA, 2006, p. 147).

Esses dois cursos deram o pontapé inicial para a criação da Escola de Serviço Social

de Natal, em 2 de junho de 1945, que adotou um currículo mínimo seguindo o modelo das

Escolas de São Paulo e Rio de Janeiro, que, por sua vez, eram influenciadas diretamente pelas

escolas da Europa. De acordo com Lima (2006), a Escola de Serviço Social de Natal foi

criada por iniciativa da Juventude Feminina Católica Brasileira de Natal (JFCBN), em

convênio com a Legião Brasileira de Assistência (LBA) 30 e foi a sétima instituição de

Serviço Social fundada no Brasil e a segunda da Região Nordeste.

É preciso destacar que a manutenção econômica desta escola, durante os primeiros

cinco anos, foi de responsabilidade da LBA, mas coube a JFCBN conseguir funcionários e um

apropriado corpo docente. “Apesar de a sua manutenção caber ao Estado, as alunas também

pagavam mensalidade, sendo, entretanto, oferecidas bolsas e estudo àquelas que não podiam

pagar.” (LIMA, 2006, p. 148).

29 Conforme Iamamoto (2008), a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que possui uma raiz comum: “a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade.” (IAMAMOTO, 2008, p. 27). 30 Foi institucionalizada durante o Governo Vargas para prestar assistência às famílias cujos homens estavam na Segunda Guerra Mundial. Por isso, é conhecida como uma instituição criada como esforço de guerra.

71

Nessa perspectiva, a Escola de Serviço Social de Natal passou, aos poucos, a participar

ativamente das discussões, congressos e encontros em nível internacional (Europa, Estados

Unidos e América Latina) e nacional, através dos congressos brasileiros e regionais de

Serviço Social e das entidades de luta pela organização profissional.

Em 1949, foi instalado em Natal o Centro Regional da ABAS (Associação Brasileira de Assistentes Sociais), e a Escola tornou-se membro efetivo da ABESS (Associação Brasileira das Escolas de Serviço Social) em 1949, engajando-se mais ainda, portanto, a partir daí, nas discussões que se davam em nível nacional nas outras escolas de Serviço Social do Brasil. (LIMA, 2006, p. 150).

Esse engajamento foi fundamental para o processo de transformação da Escola de

Serviço Social de Natal de uma instituição privada para uma instituição pública, com

reconhecimento do Ministério da Educação.

Neste sentido, a escola de Natal obteve seu reconhecimento junto ao MEC, como escola de ensino superior, em 04 de outubro de 1956 (Decreto nº 40.066). Sua agregação à Universidade do Rio Grande do Norte se deu por meio da Lei Estadual nº 2.307, de 25/06/1958, mantendo-se na situação de agregada, mesmo quando se deu a federalização da universidade em 1960. Pelo Decreto nº 997, de 21/10/1969, foi incorporada à UFRN, passando a integrar o CCSA (Centro de Ciências Sociais Aplicadas). Com a implementação da reforma universitária, durante o regime militar, a Escola de Serviço Social transformou-se em Departamento de Serviço Social em 1974, por meio da resolução nº 02/74 – Consuni de 4 de fevereiro (UFRN/DESSO, 1980, apud LIMA, 2006, p. 152).

Desse modo, verifica-se, a partir do trecho acima, que é somente depois de

aproximadamente 30 anos que a Escola de Serviço Social de Natal se transforma em

Departamento de Serviço Social. A inserção do Serviço Social brasileiro nos campi

universitários possibilitou à profissão o contato com outros cursos, a aproximação com o

movimento estudantil mais amplo, enfim tirou o Serviço Social de seu isolamento,

possibilitando, sendo um dos determinantes para o início do processo de transformação e

amadurecimento crítico na profissão. Netto (2007) assinala que a junção de todos os cursos no

âmbito dos campi universitários pela Ditadura Militar com vistas a seu maior controle, como

já assinalamos, possibilitou, contraditoriamente, uma maior articulação e aproximação entre

os diversos profissionais e estudantes, gerando assim, um efeito não esperado pelos militares.

72

Desse modo, a partir dos anos 1960, a partir de inúmeros determinantes31, o Serviço

Social brasileiro inicia um processo de questionamento as suas bases, desembocando no

processo de renovação e reconceituação32. Por conseguinte, nos anos 1970, o DESSO também

passa por discussões e modificações em seu currículo, contudo, a proposta implantada no

DESSO/UFRN, nesse período, se inseriu na proposta de modernização geral pela qual

passava o país e implantou, por exemplo, as disciplinas de planejamento e administração nos

currículos, a partir da discussão que se fazia naquele momento, da necessidade de

planejamento e gestão das políticas sociais.

O cenário da década de 1980 contribui para que o Serviço Social brasileiro33 e, nesse

caso particularmente, o DESSO, iniciasse seu processo de amadurecimento teórico-crítico e

rompe com a vertente modernizadora, a partir da necessidade de repensar a profissão em

consonância com as demandas da sociedade e da classe trabalhadora, visando dar respostas

mais adequadas diante das transformações conjunturais. Assim, a partir de um processo de

profunda avaliação dos currículos de então, detectou-se inúmeros problemas na formação

profissional. Assim o DESSO passa a implementar modificações no seu currículo pleno,

inserindo-se também no processo nacional de reformulação curricular da profissão. Assim

sendo, o currículo pleno foi implementado no Departamento de Serviço Social de Natal em

1985, depois de uma série de debates e estudos, envolvendo discentes e docentes.

Mais adiante, em finais dos anos 1990 e início dos anos 2000, a ABEPSS inicia e

coordena outro processo de reformulação do projeto pedagógico do Serviço Social brasileiro,

que culminou com a aprovação das diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social

brasileiro34. Esse processo foi também impulsionado por modificações conjunturais mundiais

- que tiveram início na crise estrutural do capital em finais dos anos 1970, mas cujos

rebatimentos incidem no Brasil, mais enfaticamente, a partir dos anos 1990. Desse modo, em

2000, inserindo-se nesse processo de discussão e modificação nacional foi implementada uma

nova proposta pedagógica no curso de Serviço Social da UFRN. Tal proposta tentou superar

diversos problemas através do diálogo com diversas vertentes teórico-metodológicas, por

31 Netto (2007) assinala como determinantes para o processo de renovação do Serviço Social brasileiro: a inserção do SS no meio universitário e o contato com as demais disciplinas, o crescimento da teologia da Libertação no seio da Igreja Católica, o processo de laicização da profissão, a conjuntura revolucionária da década de 1960, o contato com o movimento estudantil, a revisão crítica que acontecia, à época, nas Ciências Sociais e a inserção dos profissionais nos meios de esquerda, 33 Todos os processos de discussão e modificação dos currículos e projetos pedagógicos do Serviço Social brasileiro foram coordenados pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, com ampla participação dos docentes e discentes, através de oficinas nacionais, regionais e locais. 34 As diretrizes curriculares foram aprovadas no XXIX Encontro Nacional da Associação das Escolas de Serviço Social (ABESS), atualmente ABEPSS, em 1996.

73

meio dos núcleos de fundamentação profissional35, bem como das disciplinas complementares

e optativas. “A referida proposta explicita claramente seu compromisso com o projeto ético-

político da profissão expresso no Código de Ética de 199336.” (LIMA, 2006, p. 160).

É relevante destacar também que, nesse mesmo ano, se deu a implantação do mestrado

em Serviço Social na UFRN, o que representou a possibilidade de maior aprofundamento e

conhecimento das questões e da realidade local e maior incentivo à produção científica,

promovendo, portanto, novos debates para o âmbito do DESSO da UFRN.

Assim sendo, o Serviço Social em Natal hoje é resultado do processo de discussão e amadurecimento da profissão ao longo desses anos. Um aprendizado que obrigou o Serviço Social a estar mais atento à realidade local, a colocar-se ao lado da população com quem trabalha, a descobrir a importância do debate e das discussões e a abrir-se a contribuições de perspectivas teóricas diversas. (LIMA, 2006, p. 160).

Como já citado em outro momento neste trabalho, atualmente o Departamento de

Serviço Social da UFRN possui um corpo docente formado por 27 professores, sendo 22

efetivos e 5 substitutos. Nossa investigação teve como amostra 9 sujeitos de pesquisa, sendo 6

efetivos e 3 substitutos. A partir da análise dos dados, apresentaremos a seguir um perfil

docente, bem como um estudo sobre a intensificação da precarização do trabalho docente e o

adoecimento no DESSO.

4.2 PERFIL DOCENTE

A partir da categorização dos dados produzidos através das entrevistas realizadas entre

novembro de 2014 a maio de 2015, verificamos que 89% dos sujeitos de pesquisa são do sexo

35 São três os núcleos de fundamentação: 1 – núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, 2 – núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira inserida na divisão internacional do trabalho e 3 – fundamentos do trabalho profissional. Quanto ao primeiro núcleo, este é responsável pelo tratamento do ser social enquanto totalidade histórica, fato que fornece os elementos essenciais da vida social que serão particularizados nos núcleos de fundamentação da realidade brasileira e do exercício profissional. Já o segundo, faz referência ao conhecimento da constituição social, econômica, cultural e política da sociedade brasileira, objetivando a compreensão dos padrões de gestão, produção e organização do trabalho, da constituição do Estado brasileiro, das relações existentes entre Estado e sociedade civil, do significado da profissão e sua relação com as contradições da realidade, dos distintos projetos políticos existentes na sociedade brasileira e a análise de sua conjuntura em articulação com as expressões da questão social. No que concerne ao núcleo de fundamentos do trabalho profissional, este é responsável pela apreensão do Serviço Social como uma forma especializada do trabalho social, determinado por sua inscrição na divisão sócio-técnica do trabalho e situado historicamente no contexto do capitalismo monopolista. (MACIEL, 2006). 36 Nos anos 1990, o Serviço Social brasileiro aprovou o seu atual Código de Ética (1993) e a Lei de regulamentação da profissão (Lei 8662/1993).

74

feminino, enquanto que apenas 11% são do sexo masculino, conforme observamos no gráfico

que segue:

Gráfico 1

Assim sendo, observou-se a predominância de um perfil feminino, acompanhando a

tendência geral da profissão37, historicamente vinculada ao sexo feminino em virtude das

características de seu surgimento no Brasil. Trata-se de uma prática profissional originada a

partir da ações das chamadas damas de caridade, bastante comuns no início do século XX,

consideradas mulheres de boa índole e sensíveis, devendo portanto disseminar o bem entre a

população menos favorecida. Acerca disto, Iamamoto (2008) problematiza:

No Serviço Social tem-se um contingente profissional, hoje proveniente de segmentos médios pauperizados, com um nítido recorte de gênero: uma categoria profissional predominantemente feminina, uma profissão tradicionalmente de mulheres e para mulheres. A condição feminina é um dos selos da identidade desse profissional, o que não implica desconhecer o contingente masculino de assistentes sociais, com representação nitidamente minoritária no conjunto da categoria profissional no país. (IAMAMOTO, 2008, p. 104, grifos da autora).

A presença masculina no cenário da docência em Serviço Social, mais especificamente

no contexto da UFRN, concatena-se com a noção exposta pela autora, uma vez que dentre os

9 docentes entrevistados, apenas 1 pertence ao sexo masculino. Com esse perfil, o Assistente

Social inserido em qualquer âmbito (saúde, educação, assistência, docência e outros) absorve,

37 Perfil profissional do DESSO em consonância com o perfil profissional da categoria de Assistentes Sociais no Brasil. Ver CFESS (2006).

75

na maioria das vezes, tanto a imagem social da mulher, quanto os preconceitos e

discriminações a ela impostas no mercado de trabalho.

Outros determinantes analisados no presente perfil remetem à cor, ao estado civil, à

estrutura familiar, faixa etária, titulação e renda familiar mensal. Naquilo que tange à cor,

observa-se a predominância das cores parda e preta, pois 6 entrevistados se declararam

pardos, 2 pretos e apenas um se declarou branco. Tal dado nos leva a refletir sobre as

condições de vida do preto na sociedade brasileira, constantemente marginalizado e inserido

na periferia dos grandes centros urbanos, excluído do acesso aos serviços básicos de saúde,

saneamento e educação. Em virtude desse cenário, a população preta do Brasil é minoria na

política, nos cargos mais bem remunerados de grandes empresas e não seria diferente no

âmbito da universidade pública brasileira.

Remetendo-nos ao estado civil percebemos, conforme o gráfico a seguir, que há uma

maioria de docentes solteiros (44%), uma minoria de divorciados (11%), enquanto que

casados e em união estável totalizam 45% dos sujeitos da pesquisa.

Gráfico 2

Quanto à estrutura familiar dos professores do DESSO, observamos que a maioria não

tem filhos, enquanto que aqueles que afirmaram possuir, declaram ter entre um e cinco filhos.

É importante destacar que quando questionados acerca do que realizam em suas horas vagas,

76

ou seja, quando não estão trabalhando, grande parte dos docentes declarou realizar atividades

junto com suas famílias, como é possível inferir no trecho a seguir:

[...] eu brinco, brinco bastante em casa. É uma coisa que tem sido prioridade, estando em casa é brincar, é fazer tarefas. Como eu tenho um filho com problema delicado de saúde, então a gente tem que ter muito estímulo pra fala e tal. E durmo, saio, vou passear, vou pra rua andar de bicicleta com as crianças, fazer exercícios, essas coisas. Que esse semestre foi possível, apenas, porque antes disso não era possível. (Rosa Luxemburgo).

Percebemos na fala em destaque que as atividades realizadas fora do horário de

trabalho estão vinculadas à família, contudo também é possível inferir do referido trecho que,

em alguns momentos, a rotina de trabalho impede o lazer, a diversão e o descanso. Vejamos

um trecho de entrevista de outro sujeito de pesquisa, quando questionada sobre esse mesmo

quesito:

Bem, tem o trabalho doméstico, que aí ocupa um tempo grande, porque como a gente passa a semana inteira aqui na universidade, vão acumulando as coisas em casa, né? Então tem, “n” coisas que a gente precisa dar conta no final de semana e também procuro, tipo assim, sair [...]. Meu companheiro tem [.....]38, então às vezes eu acompanho até pra me desprender um pouco desse universo, né? E aí, isso é algo que eu estou fazendo com mais frequência esse semestre, porque o semestre passado eu renunciava muito essas saídas em função da preparação de aulas, em função da preparação dos materiais. Esse semestre, nas horas vagas, eu tenho me dedicado a tentar me desprender um pouco do trabalho, e aí eu procuro ir pra barzinho, sair com ele, encontrar os amigos, fazer jantar na casa dos amigos, algo desse tipo. Mas, é um dia no final de semana, porque o outro dia é dividido entre trabalho doméstico e atividades que voltam ao âmbito da docência. (Anita Garibaldi, docente substituta há um ano).

Nessa perspectiva, notamos que há entre os professores uma dificuldade em conciliar

as demandas do trabalho e as demais necessidades sociais, nesse caso, o lazer, pois a

sobrecarga de trabalho os obriga a sacrificar suas horas vagas. Acerca dessa dificuldade,

Lemos (2011) aponta:

Uma das consequências das múltiplas atividades do professor, dessa polivalência, é a intensificação e a sobrecarga de trabalho, o que, por sua vez, gera a necessidade de trabalhar no tempo de lazer, com consequências em termos de desgaste físico e psíquico, assim como dificuldades na relação familiar. (LEMOS, 2011, p. 108).

38 Nesse trecho, a entrevistada informa a ocupação do companheiro. Como o DESSO, atualmente, tem um número pequeno de docentes, para evitar identificação da entrevistada, optamos por suprimi-lo.

77

É visível também na fala de Anita Garibaldi as determinações de gênero, uma vez que

o tempo que poderia ser dedicado ao lazer é ocupado com atividades domésticas,

historicamente delegadas às mulheres, enquanto que aos homens é oferecido o espaço

público.

A sociedade delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma como escolhe os terrenos em que pode atuar o homem. [...]. Não obstante todas as diferenças, que tornam a vida de mulher mais ou menos difícil, a responsabilidade última pela casa e pelos filhos é imputada ao elemento feminino. Torna-se, pois, clara a atribuição, por parte da sociedade, do espaço doméstico à mulher. Trabalhando em troca de um salário ou não, na fábrica, no escritório, na escola, no comércio, ou a domicílio, como é o caso de muitas mulheres que costuram, fazem crochê, tricô, doces e salgados, a mulher é socialmente responsável pela manutenção da ordem na residência e pela criação e educação dos filhos. Assim, por maiores que sejam as diferenças de renda encontradas no seio do contingente feminino, permanece essa identidade básica entre todas as mulheres. (SAFFIOTI, 1987, p. 8-9, grifos da autora).

No que tange à faixa etária dos sujeitos de pesquisa, percebemos que sua grande

maioria está entre 30 e 44 anos de idade, existindo também sujeitos na faixa etária dos 25 aos

30 anos e dos 53 aos 68 anos de idade.

Por fim, os dois últimos dados analisados acerca deste perfil docente dizem respeito à

titulação dos professores do Departamento de Serviço Social da UFRN, bem como à sua

renda mensal familiar. Em relação à titulação, observamos uma predominância de mestres e

doutores, tal como mostra o gráfico que segue.

Gráfico 3

78

Sobre a renda familiar mensal, dos 9 entrevistados, 6 afirmaram que a renda de suas

famílias compreende a faixa entre cinco e dez salários mínimos, 2 declararam renda familiar

entre dez e quinze salários e apenas um indicou a renda familiar entre a faixa de quinze a

vinte salários mínimos.

No próximo tópico apresentaremos um estudo sobre as condições de trabalho no

DESSO, destacando a intensificação de sua precarização e o adoecimento dos sujeitos

inseridos no cenário da docência do ensino superior.

4.3 CONDIÇÕES DE TRABALHO: INTENSIFICAÇÃO DA PRECARIZAÇÃO E

ADOECIMENTO NO DESSO

A presente análise encontra-se calcada em dois eixos distintos presentes no formulário

da entrevista: dados acerca do cotidiano docente e saúde física e mental. Com relação ao

primeiro eixo, analisamos aspectos referentes aos desafios presentes na docência, levando em

consideração o compromisso ético-político com a formação e com o exercício profissional, à

quantidade de horas trabalhadas ao dia, ao trabalho depois da meia noite e a influência das

condições de trabalho na dimensão do ensino, da pesquisa e da extensão.

No concernente ao segundo eixo, nos debruçamos acerca das doenças que os

professores apresentavam no período da realização das entrevistas, a frequência do cansaço, a

realização de atividade física e atividades docentes que são responsáveis por gerar maior

desgaste físico e mental.

Ao questionarmos acerca dos desafios presentes na atividade docente no Serviço

Social, todos os sujeitos de pesquisa apontaram a defesa do Projeto Ético-Político da

Profissão (PEP) enquanto maior desafio colocado à docência. Alguns destacaram que a

imaturidade dos alunos ao entrarem na universidade contribui para tal fato, outros afirmaram

que a conjuntura atual da universidade (já discutida em outro momento neste trabalho) são

impulsionadores desse desafio. Tais elementos podem ser verificados nas seguintes falas:

Eu acho que os desafios vêm nesse sentido, na defesa do nosso projeto diante dessa sociabilidade que nós temos e aí é um desafio de manter esse projeto, né? De ter em vista o que nós defendemos enquanto categoria,

79

enquanto dimensões éticas e políticas. E aí, diante dessas condições adversas de precarização do trabalho, de precarização do trabalho docente [...] eu acho que se coloca como desafio a defesa desse projeto, o compromisso com a qualidade do ensino diante desse turbilhão aí de privatizações, da transformação do ensino em mercadoria, e aí, eu acho que a gente se coloca nesse embate mesmo. É um pouco daquilo que tem alguns autores colocam [...] a gente meio que está remando contra maré, né? É aí, quando a gente vem pra universidade superlotada, com sala de aula em cada semestre com mais alunos, com alunos cada vez mais jovens, e aí vindos de processo de precarização do ensino desde o ensino médio, desde o ensino fundamental. (Anita Garibaldi). Às vezes a impressão que eu tenho é que há estudantes nossos se formando, se graduando e continuam pessoas totalmente sem sintonia com o mundo em que vivem [...]. Eu vou falar aqui de respeito ao outro, é um respeito de uma forma muito ampla, de uma forma geral, né? [...] Estão saindo daqui pessoas que serão profissionais ainda com visões muito deturpadas, muito equivocadas, muito preconceituosas, né? E que são totalmente contrárias da perspectiva em que essa profissão defende, que nossa categoria defende; muito distantes do que nós buscamos defender. Então isso pra mim é preocupante, isso pra mim é desafio, é necessário estar questionando, refletindo cada vez mais entre, entre os estudantes, entre nós profissionais também, já que levamos, que estamos ajudando na formação desses estudantes. O que será que tá faltando? O que será que nós estamos falando ou fazendo? Será que estamos contribuindo também para que de repente haja ainda esse distanciamento por parte de parcela desses estudantes, de entender que perspectiva é essa e o que é que nós defendemos para essa sociedade? E aí eu acho que outro desafio também são as condições em que nós trabalhamos, né? Que aí tem a ver com o nosso trabalho. É que, se eu fizer comparações com outros espaços institucionais, talvez eu chegue à conclusão de que nós estamos melhor do que muitas outros, mas o fato de eu chegar a essa conclusão não significa que nós estamos bem, não adianta fazer essa comparação. Então, ainda aqui é muito claro como seria importante que nós tivéssemos um maior número de docentes efetivos [...] essa questão dessa exigência de pesquisa, ensino e extensão sem nos dá a real condição para tal. (Leila Diniz, docente efetiva há 11 anos).

Percebemos nas falas em destaque que as condições de trabalho no DESSO, também

se configuram como desafios ao exercício profissional dos professores, se colocando como

limite à consolidação da direção social estratégica presente no PEP. Não podemos esquecer

que tais condições de trabalho estão articuladas às mudanças verificadas na universidade nos

últimos anos. Desse modo, a formação do Assistente Social sofre implicações diante desse

processo. Problematizando acerca deste elemento assevera Boschetti (2000):

A maior implicação pode ser um “esvaziamento” das diretrizes curriculares discutidas e construídas coletivamente a partir de 94, já que existe uma contradição entre a proposta de formação das diretrizes curriculares e a proposta de formação adjacente à reforma do ensino superior: as diretrizes curriculares, articuladas e em consonância com o código de ética profissional

80

e a lei de regulamentação da profissão, conformam um projeto ético político profissional crítico, na perspectiva de transformação societária, o que se confronta com a perspectiva governamental de formação profissional predominantemente preparatória para o mercado e, portanto, para atender às necessidades e interesses do capital. A formação e o exercício profissional correm o risco de sujeitar-se à ditadura do mercado. (BOSCHETTI, 2000, p. 95).

Nesse contexto de risco apresentado pela autora, ressaltamos que no que se refere as

condições de trabalho, um aspecto que merece destaque é o tempo de trabalho dedicado à

docência, pois conforme as entrevistas, os professores trabalham em média 14 horas por dia,

compreendendo os momentos de sala de aula, orientações, reuniões, visitas de estágio, bem

como a preparação dos materiais, realizada em casa. Assim, tomando como referência as

horas de um dia, quase 2/3 das 24 horas é consumida com o trabalho, fato que demonstra o

processo de exploração, acompanhada da alienação do ser.

Acerca da sobrecarga de trabalho no cotidiano da docência, 90% dos sujeitos

entrevistados declarou precisar trabalhar depois da meia noite e nos fins de semana. “[...] pra

mim era muito difícil terminar a aula no final da tarde e preparar a aula para o outro dia às

sete horas da manhã. Às vezes eu não dormia pra fazer isso.” (Olga Benário).

A realização de trabalhos da universidade - elaboração de relatórios, preenchimento

da produção intelectual e técnica no currículo Lattes ou no SIGAA a preparação de projetos

de pesquisa ou extensão para concorrer a editais internos e externos, a leitura e resposta de e-

mails, memorandos e comunicados institucionais e de discentes ou docentes, correção de

trabalhos e provas, entre outros – torna necessária a utilização de horários extras de trabalho -

à noite, em fins de semana, feriados, os quais nunca são computados como horários extra de

trabalho, mas se incorporam à vida docente como ônus inerente ao trabalho39.

Nesse sentido, o desenvolvimento tecnológico em todas as áreas e, particularmente, na

área da informática e na rede mundial de computadores - que deveria ter permitido diminuir o

tempo de trabalho necessário -, ao se inserir na lógica da acumulação e reprodução capitalista,

não permitiu diminuir o tempo de trabalho dos trabalhadores, pelo contrário, houve uma

intensificação da jornada de trabalho, uma vez que o mundo virtual com as demandas do

trabalho, chega até você onde quer que você esteja e as ferramentas virtuais disponíveis lhe

permitem trabalhar em qualquer espaço e horário.

39 Na verdade, criou-se e se tornou hegemônica a cultura do produtivismo no mundo acadêmico. Por isso, grande parte dos docentes aceita como inerente à profissão docente a realização de trabalhos fora do horário de trabalho, em finais de semana e a noite.

81

Importa ressaltar que o desenvolvimento tecnológico é condição necessária para a

diminuição do tempo de trabalho necessário e, portanto, é condição para aumento do tempo

livre, do tempo disponível para lazer, cultura, desenvolvimento humano. Contudo na lógica

da sociedade do Capital, cujo objetivo é produção de mais valia, não interessa diminuir

trabalho excedente, pois é o trabalho excedente que gera mais valia.

Se todo o trabalho de um país só fosse suficiente para prover o sustento de toda a população, não haveria nenhum trabalho excedente, e, consequentemente, nada que pudesse ser acumulado como capital [...]. Uma nação é verdadeiramente rica quando não existe nenhum juro, ou quando se trabalha seis horas em lugar de doze. (Panfleto anônimo, 1821, s./p., apud Mészáros, 2015, p. 96).

Nessa perspectiva, compreendemos o tempo enquanto elemento fundamental para uma

condição de trabalho adequada no cotidiano docente e esse elemento influencia diretamente a

dimensão do ensino, da pesquisa e da extensão, uma vez que a indissociabilidade entre tais

elementos torna-se cada vez comprometida, à medida que o docente termina por priorizar uma

ou outra dimensão.

[...]. Por vezes você não tem todos aqueles instrumentos, equipamentos ou condições de saúde, que lhe possibilitem desenvolver um bom trabalho. Isso vai atingir diretamente, né? Pra fazer pesquisa, tudo na universidade tem prazo, né? Pesquisa, ensino e extensão. Na própria gestão, determinadas atividades tem prazo e se você não tem todas as condições pra realizar tudo no prazo, e se você não tem saúde, porque saúde é uma coisa que é crucial, né? Você não ter um espaço totalmente adequado pra se trabalhar. Vamos falar aqui da sala onde eu estou hoje, cadeiras foram trocadas aqui, a gente precisa de algo, aquele suporte pra colocar as pernas, pois eu sinto muita dor nas pernas se eu passo aqui muitas horas e até hoje não me veio isso que eu solicitei. (Leila Diniz).

Também é possível inferir do trecho de entrevista anterior que as condições e a

intensificação do trabalho tensionam a saúde dos professores, provocando, em alguns casos,

adoecimento. Entre as principais enfermidades apresentadas pelos docentes estão a arritmia,

taxas sanguíneas elevadas, dores de cabeça, artrite reumatoide, problemas circulatórios, dores

nas pernas e na coluna.

É necessário ressaltar que algumas doenças se intensificam quando os sujeitos estão

inseridos em um contexto de sobrecarga de trabalho, cobrança ou estresse. No que tange à tais

elementos Marx (1987) analisa:

82

O capital não toma, pois, em atenção à saúde e a duração da vida do trabalhador, a não ser quando a sociedade o compele a respeitá-las. A queixa sobre a degradação física e mental, morte precoce, suplício do trabalho levado até a completa exaustão, o capital responde: por que nos atormentar com esses sofrimentos se aumentam os nossos lucros? Grosso modo, isto, porém, também não depende da boa ou má vontade do capitalista singular. A livre concorrência torna as leis imanentes da produção capitalista leis externas, compulsórias para cada capitalista singular. (MARX, 1987, p. 306).

As palavras do autor se coadunam com a fala de uma entrevistada que afirma ter seus

problemas de saúde agravados em virtude do trabalho:

Eu tenho problemas intestinais, problemas que pioram com o estresse, né? Tenho hoje uma pré-diabetes que também com o estresse, com a questão psicológica afeta diretamente os índices glicêmicos e aí eu faço acompanhamento medicamentoso. Além disso, e, vez por outra, gripes, resfriados, infecções urinárias e a própria saúde ginecológica mesmo, que aí quando nossa imunidade baixa, em função de estresse, os fungos e bactérias se proliferam. A gente passa o dia na universidade de calça jeans, só toma banho quando saí de casa e quando chega em casa. Então tudo isso desencadeia um conjunto de pequenos problemas, pequenas doenças que vão se desenvolvendo e trazendo outras consequências. (Anita Garibaldi).

Lemos (2011) apresenta um estudo acerca das condições de saúde e trabalho na

docência, destacando que as condições inadequadas de acesso à universidade (escadas, longas

distâncias), dos equipamentos (impressoras quebradas, faltando cartuchos, computadores

obsoletos), dos móveis e das salas (antigos e desconfortáveis) – realidade sempre presente nas

universidades e instituições públicas brasileiras -, e a própria natureza da atividade do

professor, marcada pela sobrecarga e pela pressão provocam queixas referentes à cansaço

mental, tensão e tristeza. Corroborando com Lemos (2011), Silva (2011) também analisa as

consequências da sobrecarga laboral para a saúde mental. Conforme esta última autora, as

mudanças em curso nos processos produtivos fazem uso da tecnologia para aprimorar a

produção, gerando diminuição do trabalho físico, mas intensificando o trabalho psíquico.

Novas tecnologias: para o bem e para o mal. O advento das novas tecnologias embutidas nos equipamentos utilizados na produção moderna diminuíram as cargas de trabalho físico em muitos tipos de produção. Ao mesmo tempo, novos dispositivos voltados a garantir segurança e proteção aos trabalhadores foram criados. Assim, o progresso tecnológico permitiu aumentar fantasticamente a produtividade e, em tese, deveria também diminuir acidentes e adoecimentos determinados pelo trabalho. Por outro lado, as chamadas tecnologias de ponta foram também muitas vezes consideradas as responsáveis pelo acúmulo de prejuízos que atingem a classe trabalhadora. (SILVA, 2011, p. 165).

83

Vinculando as palavras da autora ao cenário do Departamento de Serviço Social da

UFRN, verificamos que as inovações tecnológicas colocam a demanda de gestão do ensino

para esse sujeito, fato que obriga o docente a alimentar sistemas e preencher quadros,

informações e relatórios informacionais. Tal conjuntura é posta como uma demanda a mais no

cotidiano de trabalho dos professores, provocando aumento da carga de trabalho e

consequentemente o cansaço. Ressalte-se que, para os docentes que estão em cargo de gestão

ainda se soma o atendimento virtual aos alunos, a homologação de matrículas e de processos

diversos referentes aos discentes e docentes, a colocação de avisos no sistema, entre outros.

Essa realidade de sobrecarga faz com que a grande maioria dos professores entrevistados

declarem sentir cansaço sempre e frequentemente, como pode ser interpretado no gráfico a

seguir:

Gráfico 4

Essa sensação de cansaço está relacionada à ausência de tempo para o ócio e é

responsável também por não permitir ao professor a possibilidade de praticar alguma

atividade física, pois dos 9 sujeitos entrevistados apenas 2 informaram realizar atividades

físicas pelo menos 3 vezes na semana. Tais dados demonstram que as condições de trabalho e

a intensificação da precarização no cenário da docência no DESSO são reais. Desse modo,

algumas atividades docentes, na ótica dos professores entrevistados, são responsáveis por

gerar maior desgaste físico e mental. Nesse contexto, as duas atividades que mais geram esse

tipo de desgaste, apontadas pelos sujeitos de pesquisa foram a correção de trabalhos e as

orientações, sejam elas de estágio ou de trabalho de conclusão de curso.

84

A correção de trabalhos exige que você julgue o outro, o que é muito difícil. Ainda mais pra gente aqui na área de ciências humanas, onde o nosso conhecimento é subjetivo. As teorias elas são discutidas, não tem nada matemático e na área de ciências exatas uma correção de uma prova é mais fácil, porque existe uma só resposta; para nós aqui, existem as teorias, as discussões e os diferentes autores tratam de maneira diferente. Por exemplo, questão social, diferentes autores tratam de diferentes maneiras a questão social e o aluno vai expor o que ele leu e você vai olhar e ver se tem coerência com os autores de tal linhagem teórica que ele tá antenado, então, que ele tá seguindo. Então, isso exige que você raciocine muito sobre o que o aluno tá colocando e que você julgue a pertinência daquilo que ele tá dizendo, que é algo extremamente subjetivo. Então, pra mim, é muito difícil. Eu acho muito difícil julgar um trabalho. Então, é desgastante por causa disso. (Maria da Penha, docente efetiva há 18 anos).

É necessário ressaltar que os docentes inseridos em cargos de gestão declararam que a

atividade mais desgastante para esses é a distribuição de atividades entre seus pares, pois

apesar da grande maioria dos professores estarem em regime de dedicação exclusiva, são

poucos os que procuram saber quais serão suas atividades em determinado semestre letivo.

Observemos a fala a seguir:

Em que pese todos os nossos docentes ou as nossas docentes serem com dedicação exclusiva, com quarenta horas, raríssimas são aquelas que me procuram pra saber o que é que eu vou fazer no presente semestre. [...].Seria mais fácil se os docentes procurassem dissessem assim: “o que é que eu vou fazer esse semestre?. Alguns procuram, evidentemente, isso não é geral, né? É bom deixar claro, mas são pouquíssimos. Tem uns que parecem que fogem, você fica caçando mesmo (é caçando, não é nem procurando) pra atribuir. “Ei você vai ficar com aquilo e aquilo outro”, né? Isso aí é profundamente desgastante e irrita, né? Você fica irritado, por mais paciente que você seja. Esse é um grande problema, todo semestre eu enfrento isso, distribuir isso aí. (Virginia Woolf, docente há 36 anos).

Nessa perspectiva, observamos que as condições de trabalho, a intensificação da

precarização e adoecimento no Departamento de Serviço Social da UFRN estão

intrinsecamente vinculadas ao atual cenário de expansão quantitativa das universidades

brasileiras, que impõe ao professor um cotidiano de trabalho cruel, que toma conta até mesmo

de suas horas de descanso, é o trabalho invadindo o espaço privado e pessoal, impedindo o

professor de vivenciar outras dimensões da vida, pensar e refazer energias para enfrentar tal

cotidiano. “É o produtivismo aplicado à lógica acadêmica, o grande fracasso da

universidade.” (OLIVEIRA, 2009, p. 48).

Desse modo, os tempos atuais pedem um esforço coletivo de luta por melhores

condições de trabalho, sejam elas físicas ou intelectuais dentro da academia. A educação e a

universidade que queremos devem estar vinculadas à liberdade, na qual os atores (alunos e

85

docentes) possam ser livres para escolher o que produzir, como produzir e para que produzir,

um espaço que permita o desenvolvimento das habilidades de cada um, cujo objetivo seja, de

fato, a produção de conhecimento desvincula da perspectiva mercadológica que acelera

processos e impede o retorno da produção acadêmica para a sociedade. A academis e os

indivíduos que a compõem precisam sair de seus muros e romper fronteiras, pois somente

assim será possível construir uma educação verdadeiramente libertária.

86

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é, se se quer transformá-lo.

Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.” (Antônio Gramsci).

A partir das reflexões apresentadas ao longo deste trabalho dissertativo, torna-se

necessário salientar que os argumentos traçados até o presente momento não são capazes de

esgotar todo o debate acerca da Precarização do Trabalho Docente e Adoecimento, levando

em consideração a política de educação superior no Brasil.

Precisamos destacar que esse processo de precarização e adoecimento, foco de nossa

análise, acontece como uma repercussão das transformações verificadas no mundo do

trabalho, a partir do processo de reestruturação produtiva, estratégia do capital para fazer

frente à crise estabelecida na produção de mercadorias. Assim, como um dos direcionamentos

dessa estratégia, observamos a opção política por um Estado de cunho neoliberalizante que

atinge todos as áreas das políticas sociais, entre elas, a educação superior.

Como uma das refrações desse Estado neoliberal no ensino superior observamos a

tendência dos últimos anos à expansão quantitativa das universidades públicas, com aumento

significativo de alunos, porém sem o aumento do número de docentes na mesma proporção e

sem melhoria das condições efetivas de trabalho desses sujeitos. Nesse sentido, aumenta

excessivamente o volume do trabalho, sem que o número de trabalhadores aumente na mesma

proporção.

Nessa conjuntura de modificações no mundo do trabalho, assiste-se também por parte

das classes dominantes, a uma tentativa de cooptação da classe trabalhadora e de construção

do consenso em torno da ideia da necessidade de mais competitividade, visão empresarial,

enxugamento da máquina estatal etc. Tal construção ficou a cargo das agências financiadoras

internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Internacional para

Reconstrução e Desenvolvimento, entre outros que determinam uma série de medidas a serem

seguidas pelos países “em desenvolvimento”, que incluem ajustes fiscais, corte de gastos no

setor público e nas políticas sociais em geral. Inicialmente, tais medidas encontram

resistência da sociedade, contudo, com o apoio da mídia escrita, televisionada, internet e

outros, a classe dominante, no momento atual, conseguiu construir um consenso em torno

dessas ideias e tal discurso tornou-se hegemônico na sociedade.

87

Desse modo, nas universidades públicas também se assiste a hegemonia do discurso

da necessidade de mais competitividade e necessidade do corpo docente saber captar recursos

no mercado. Assim, cria-se o que os autores denominam de universidade empresarial. O

resultado é a perda da função social da universidade, isto é, a produção de conhecimento, que

dá lugar a uma universidade operacional e captadora de recursos para pesquisa e extensão.

Diante disso, a tendência é a intensificação do trabalho dos docentes, levando-os, muitas

vezes, ao adoecimento, uma vez que, muitos se veem obrigados a trabalhar madrugadas

adentro e nos fins de semana para conseguir cumprir seus cronogramas e atividades

semanais40.

Tal cenário é somente uma das expressões da política de expansão do ensino superior

no Brasil, pois o crescimento de universidades privadas também se configura como uma

característica dessa política nos últimos anos.

Contudo, em virtude do próprio direcionamento dado à pesquisa, cujo foco foi a

universidade pública brasileira, não foi possível aprofundar os direcionamentos do ensino

superior a partir das instituições privadas. Desse modo, a partir de três segmentos distintos de

sujeitos de pesquisa – professores efetivos em cargos de gestão, professores efetivos e

professores substitutos -, foi possível verificar no Departamento de Serviço Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte que o processo de adoecimento dos docentes

encontra-se vinculado à precarização e sobrecarga de trabalho e consequentemente à ausência

de tempo de descanso adequado para esses profissionais.

É necessário destacar que tais fatores possuem como pano de fundo o produtivismo

acadêmico, resultante da subordinação da ciência à perspectiva mercadológica, fator que

acelera o produtivismo no âmbito da produção do conhecimento e, muitas vezes, impõe ao

professor universitário a necessidade de publicar, se envolver cada vez mais em projetos de

pesquisa e extensão para assegurar, inclusive, sua progressão funcional, uma vez que a

progressão não mais se baseia somente em tempo de serviço, mas também na pontuação

acumulada pelos servidores41. Ressalte-se que não estamos advogando que não haja nenhum

controle sobre a produção dos servidores públicos em geral. Na verdade, tal controle é

40 Na UFRN, desde 2010, os docentes efetivos preenchem no SIGAA, a cada semestre, o Plano Individual Docente (PID) no qual registram todas as atividades as quais se dedicarão durante o semestre nas áreas de ensino (graduação e pós), pesquisa, extensão e administração. Todo o plano deve contabilizar 40 horas semanais e, caso o docente tenha atividades que superem as 40 horas, ele deve ir diminuindo a quantidade de horas em cada atividade, pois o sistema não permite que se registre horas além dessas, pois se caracterizaria como horas extras. Desse modo, o PID se torna algo que não exprime, de fato, a quantidade de horas trabalhadas pelos docentes. 41 O próprio SIGAA gera um relatório de produtividade docente, que serve de parâmetro para o professor solicitar sua progressão na UFRN. No processo de progressão esse relatório deve ser anexado e uma comissão avaliará se o professor cumpriu as metas estabelecidas nas resoluções internas.

88

necessário, pois por terem seus salários pagos com recursos públicos, os servidores devem

prestar contas à sociedade do trabalho realizado. O que questionamos é a cultura do

produtivismo e a lógica do mercado que se tornou dominante nas universidades públicas.

Para analisar o processo de trabalho dos docentes no DESSO, desenvolvemos nosso

raciocínio ao longo da dissertação, a partir de três eixos: o primeiro deles fez referência à

influência da política neoliberal na educação, a partir da inserção de métodos empresariais na

esfera pública, o segundo remontou à docência em tempos de reestruturação no mundo do

trabalho, levando em consideração as relações/contratos precarizados e o emprego

desprotegido ou “reformulado” e o terceiro considerou os processos de adoecimento

provocados pelas exigências de produtividade e precarização das condições de trabalho.

O material que conseguimos através das entrevistas com os docentes do DESSO,

mostrou-se riquíssimo e possibilita inúmeras análises e aprofundamento posteriores. Contudo,

o processo de construção dessa dissertação também se deu sob condições objetivas adversas,

pelo fato de também encontrarmo-nos em relações de trabalho precarizadas42, o que trouxe

dificuldades na equalização do tempo necessário para analisar todos os dados. Nesse sentido,

não foi possível analisar todos os dados produzidos durante as entrevistas com os docentes e

aqui tentaremos apontar somente algumas indicações daquilo que não conseguimos nos

debruçar mais adequadamente, como prospecções para estudos futuros.

Desse modo, percebemos que a precarização e o adoecimento são sentidos de formas

distintas entre os segmentos analisados: professores substitutos, efetivos em cargo de gestão,

efetivos ingressantes na universidade antes dos anos 2000 e aqueles efetivos que assumiram a

docência no ensino superior depois dessa data.

É perceptível que para aqueles docentes que assumiram suas atividades universitárias

durante a década de 1990, o atual cenário da academis, em termos de estrutura física, não se

configura como precarização do trabalho, pois afirmaram que, em uma análise comparativa, o

quadro hodierno fornece boas condições físicas e estruturais de trabalho.

Já os docentes inseridos em cargo de gestão relataram como maiores dificuldades ao

seu trabalho o relacionamento com os seus pares, ou seja, com seus colegas professores, uma

vez que a distribuição de atividades, bem como a unificação de processos pedagógicos

(avaliações, atividades, colocação de prazos, dentre outros) causa muito desgaste.

Para os docentes substitutos, a maior expressão da precarização diz respeito à

sobrecarga laboral que incide, inevitavelmente, nas condições de saúde física e mental. Esse

42 Além de discente do mestrado, também atuamos como docente substituta do DESSO desde 2011 até o ano o presente momento.

89

grupo específico dos sujeitos de pesquisa declarou não conseguir ir ao médico com

regularidade, se sentir cansado sempre ou frequentemente e afirmou também que, às vezes, se

sente deprimido.

Outro elemento não analisado concerne à participação dos docentes em movimentos

sociais, conselhos ou partidos políticos, atividades fundamentais, levando em consideração à

dimensão política do Serviço Social. Daqueles que afirmaram participar, poucos declararam

conseguir comparecer sempre ou frequentemente às atividades propostas, mas todos

destacaram que sua participação nesses espaços influencia sua saúde física e mental, pois

demandam tempo e tempo tem se tornado cada vez mais escasso para cumprir as inúmeras

atividades que se exige dos docentes.

Por fim, gostaríamos de ressaltar a relevância da presente discussão para a sociedade,

bem como para o Serviço Social, pois o debate poderá suscitar formas de enfrentamento à

realidade aqui apontada, tais como a luta pelo aumento do número de concursos para

professores efetivos, bem como a busca cotidiana por melhores condições de trabalho (físicas,

materiais e de saúde) para esses sujeitos. Esperamos também que tal estudo possa contribuir

para o questionamento da hegemônica lógica mercantil-empresarial nas instituições públicas,

ao sinalizar que todos os seres humanos devem contribuir para a construção da sociedade,

através do seu trabalho, contudo, todos também merecem usufruir dos bens sociais que a

humanidade produziu ao longo dos anos. Nesse sentido, o direito ao descanso, ao lazer, as 8

horas diárias de trabalho, descanso semanal, ao ócio, entre outros, que são conquistas dos

trabalhadores, precisam ser reafirmadas como conquistas humanas, que não podem ser

negadas a partir da lógica da competitividade do mercado. É preciso construir outra discurso

hegemônico que afirme a importância e a necessidade dos seres humanos se desenvolverem

plenamente e para isso, é preciso tempo e condições adequadas de vida e trabalho.

90

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APÊNDICES

APÊNDICE A- FORMULÁRIO DE QUESTÕES PROFESSORES EFETIVOS DO DESSO-UFRN

I – IDENTIFICAÇÃO - PERFIL 1. Nome Completo:

2. Sexo:

3. Data de Nascimento:

4. Idade:

5. Cor:

6. Naturalidade:

7. Reside em Natal? Qual bairro?

8. Possui residência própria?

9. Estado Civil:

10. Tem filhos? Quantos?

11. Quantas pessoas residem na casa?

12. É arrimo de família? Ajuda a família?

13. Ano de graduação?

14. Ano de Ingresso no Desso –UFRN:

15. Tipo de vínculo e modalidade de contrato:

16. Titulação:

17. Há quanto tempo trabalha como docente?

18. Renda familiar mensal?

( ) Entre 5 a 10 salários mínimos ( ) Entre 10 e 15 salários mínimos ( ) Entre 15 e 20

salários mínimos

19. Fala algum outro idioma?

II – COTIDIANO DOCENTE

1.Quais disciplinas normalmente ministra:

2. Levando em consideração os dois últimos semestres, tem cumprido a sua carga horária de

ensino, pesquisa e extensão exigidos pelo Ministério da Educação (MEC)?

3. Que demandas necessita atender enquanto docente da UFRN?

4. Quais são os desafios à docência em Serviço Social, tendo em vista o compromisso ético-

político com a formação e o exercício profissional?

5. Trabalha, em média, quantas horas por dia?

6. Em relação ao seu planejamento semanal (aulas, correções, orientações, visitas de

estágio...), normalmente consegue cumprir?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

7. Costuma trabalhar depois das 00h00min? Com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

8. Costuma trabalhar nos fins de semana?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

9. O que faz nas horas vagas?

10. Como avalia as condições de trabalho do docente? O que tem? O que falta?

11. De que forma as condições de trabalho influenciam na dimensão do ensino, pesquisa e

extensão?

12. Quais os cursos de formação de professores que tem feito nos últimos 5 anos?

13. De que forma avalia seu desempenho dentro e fora da em sala de aula, levando em

consideração as dimensões de ensino pesquisa e extensão?

14. Tendo em vista as demandas relacionadas ao compromisso com a formação acadêmica e

com o exercício profissional de qualidade, avalie as contribuições e limites do DESSO e da

UFRN para o cotidiano docente.

15. Tendo em vista a realidade das universidades hoje, quais são as principais dificuldades e

limites enfrentados pelos docentes efetivos?

III- SAÚDE FÍSICA E MENTAL

1. Quais doenças tem/apresenta no momento?

2. Com que frequência tem adoecido?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

3. Com que frequência procura assistência médica?

( ) Sempre que adoeço ( ) Mensalmente ( ) Semestralmente ( ) Anualmente

4. Tem se sentido cansado com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

5. Tem se sentido deprimido com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

6. Realiza alguma atividade física? Qual? Com que frequência?

( ) 5 vezes por semana ( ) 4 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana ( ) 2 vezes por

semana ( ) 1 Vez por semana ( ) Sempre que o horário permite

7. Durante o começo do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

8. Durante a metade do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

9. Durante a fim do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

10. Ultimamente, como você avalia a sensação de esgotamento físico e/ou mental?

( ) Sempre/diariamente ( ) Final de Semestre ( ) Alguns dias na semana

11. Como você avalia a relação entre suas condições de trabalho e sua saúde física e mental

em geral? Fale sobre isso.

APÊNDICE B – FORMULÁRIO DE QUESTÕES PROFESSORES SUBSTITUTOS DO DESSO-UFRN

I – IDENTIFICAÇÃO - PERFIL 1. Nome Completo:

2. Sexo:

3. Data de Nascimento:

4. Idade:

5. Cor:

6. Naturalidade:

7. Reside em Natal? Qual bairro?

8. Possui residência própria?

9. Estado Civil:

10. Tem filhos? Quantos?

11. Quantas pessoas residem na casa?

12. É arrimo de família? Ajuda a família?

13. Ano de graduação?

14. Ano de Ingresso no Desso –UFRN:

15. Tipo de vínculo e modalidade de contrato:

16. Titulação:

17. Ensina em outras Unidades de Formação Acadêmica?

18. Possui vínculo institucional em outra instituição?

( ) Como docente ( ) Como Assistente Social

19. Há quanto tempo trabalha como docente?

20. Qual a sua renda e renda familiar mensal?

( ) Entre 5 a 10 salários mínimos ( ) Entre 10 e 15 salários mínimos ( ) Entre 15 e 20

salários mínimos

21. Fala algum outro idioma?

II – COTIDIANO DOCENTE

1.Quais disciplinas normalmente ministra:

2. Levando em consideração os dois últimos semestres, tem cumprido a sua carga horária de

ensino, pesquisa e extensão exigidos pelo Ministério da Educação (MEC)?

3. Que demandas necessita atender enquanto docente da UFRN?

4. Quais são os desafios à docência em Serviço Social, tendo em vista o compromisso ético-

político com a formação e o exercício profissional?

5. Trabalha, em média, quantas horas por dia?

6. Em relação ao seu planejamento semanal (aulas, correções, orientações, visitas de

estágio...), normalmente consegue cumprir?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

7. Costuma trabalhar depois das 00h00min? Com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

8. Costuma trabalhar nos fins de semana?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

9. O que faz nas horas vagas?

10. Como avalia as condições de trabalho do docente? O que tem? O que falta?

11. De que forma as condições de trabalho influenciam na dimensão do ensino?

12. Quais os cursos de formação de professores que tem feito nos últimos 5 anos?

13. De que forma avalia seu desempenho dentro e fora da em sala de aula?

14. Tendo em vista as demandas relacionadas ao compromisso com a formação acadêmica e

com o exercício profissional de qualidade, avalie as contribuições e limites do DESSO e da

UFRN para o cotidiano docente.

15. Tendo em vista a realidade das universidades hoje, quais são as principais dificuldades e

limites enfrentados pelos docentes substitutos?

III- SAÚDE FÍSICA E MENTAL

1. Quais doenças tem/apresenta no momento?

2. Com que frequência tem adoecido?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

3. Com que frequência procura assistência médica?

( ) Sempre que adoeço ( ) Mensalmente ( ) Semestralmente ( ) Anualmente

4. Tem se sentido cansado com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

5. Tem se sentido deprimido com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

6. Realiza alguma atividade física? Qual? Com que frequência?

( ) 5 vezes por semana ( ) 4 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana ( ) 2 vezes por

semana ( ) 1 Vez por semana ( ) Sempre que o horário permite

7. Durante o começo do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

8. Durante a metade do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

9. Durante a fim do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

10. Ultimamente, como você avalia a sensação de esgotamento físico e/ou mental?

( ) Sempre/diariamente ( ) Final de Semestre ( ) Alguns dias na semana

11. Como você avalia a relação entre suas condições de trabalho e sua saúde física e mental

em geral? Fale sobre isso.

APÊNDICE C – FORMULÁRIO DE QUESTÕES PROFESSORES EFETIVOS EM CARGO DE GESTÃO NO DESSO-UFRN

I – IDENTIFICAÇÃO - PERFIL 1. Nome Completo:

2. Sexo:

3. Data de Nascimento:

4. Idade:

5. Cor:

6. Naturalidade:

7. Reside em Natal? Qual bairro?

8. Possui residência própria?

9. Estado Civil:

10. Tem filhos? Quantos?

11. Quantas pessoas residem na casa?

12. É arrimo de família? Ajuda a família?

13. Ano de graduação?

14. Ano de Ingresso no Desso –UFRN:

15. Tipo de vínculo e modalidade de contrato:

16. Titulação:

17. Há quanto tempo trabalha como docente?

18. Há quanto tempo se encontra em cargo de gestão?

19. Qual a sua renda e renda familiar mensal?

( ) Entre 5 a 10 salários mínimos ( ) Entre 10 e 15 salários mínimos ( ) Entre 15 e 20

salários mínimos

20. Fala algum outro idioma?

II – COTIDIANO DOCENTE

1.Quais disciplinas normalmente ministra:

2. Levando em consideração os dois últimos semestres, tem cumprido a sua carga horária de

ensino, pesquisa e extensão exigidos pelo Ministério da Educação (MEC)?

3. Que demandas necessita atender enquanto docente e gestor na UFRN?

4. Quais são os desafios à docência em Serviço Social, tendo em vista o compromisso ético-

político com a formação e o exercício profissional?

5. Trabalha, em média, quantas horas por dia?

6. Em relação ao seu planejamento semanal (aulas, correções, orientações, visitas de

estágio...), normalmente consegue cumprir?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

7. Costuma trabalhar depois das 00h00min? Com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

8. Costuma trabalhar nos fins de semana?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

9. O que faz nas horas vagas?

10. Como avalia as condições de trabalho do docente? O que tem? O que falta?

11. De que forma as condições de trabalho influenciam na dimensão do ensino, pesquisa e

extensão?

12. Quais os cursos de formação de professores ou de gestão que tem feito nos últimos 5

anos?

13. De que forma avalia seu desempenho dentro e fora da em sala de aula, levando em

consideração as dimensões de ensino, pesquisa e extensão?

14. Tendo em vista as demandas relacionadas ao compromisso com a formação acadêmica e

com o exercício profissional de qualidade, avalie as contribuições e limites do DESSO e da

UFRN para o cotidiano docente.

15. Tendo em vista a realidade das universidades hoje, quais são as principais dificuldades e

limites enfrentados pelos docentes em cargo de gestão?

III- SAÚDE FÍSICA E MENTAL

1. Quais doenças tem/apresenta no momento?

2. Com que frequência tem adoecido?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

3. Com que frequência procura assistência médica?

( ) Sempre que adoeço ( ) Mensalmente ( ) Semestralmente ( ) Anualmente

4. Tem se sentido cansado com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

5. Tem se sentido deprimido com que frequência?

( ) Sempre ( ) Frequentemente ( ) Às vezes ( ) Nunca

6. Realiza alguma atividade física? Qual? Com que frequência?

( ) 5 vezes por semana ( ) 4 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana ( ) 2 vezes por

semana ( ) 1 Vez por semana ( ) Sempre que o horário permite

7. Durante o começo do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

8. Durante a metade do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

9. Durante a fim do semestre letivo, como se sente ao acordar diariamente?

( ) Sempre disposto ( ) Disposto ( ) Cansado ( ) Muito cansado

10. Ultimamente, como você avalia a sensação de esgotamento físico e/ou mental?

( ) Sempre/diariamente ( ) Final de Semestre ( ) Alguns dias na semana

11. Como você avalia a relação entre suas condições de trabalho e sua saúde física e mental

em geral? Fale sobre isso.

APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: “Precarização do trabalho docente

e adoecimento: uma análise no Departamento de Serviço Social (DESSO) da UFRN” que tem

como pesquisador responsável Josivânia Estelita Gomes de Sousa

Esta pesquisa pretende analisar a precarização do trabalho docente e o processo de

adoecimento dos professores do Desso da UFRN na atual conjuntura.

O motivo que nos leva a fazer este estudo são as crescentes demandas postas aos

professores universitários no atual contexto, o que tem levado esses sujeitos a trabalharem sob

desgaste biopsíquico/emocional e físico.

Caso você decida participar, você deverá ser entrevistado a partir de um roteiro com

perguntas semi-estruturadas, cujas respostas fornecidas por você serão gravadas, mediante

gravador de voz, caso você autorize no presente termo. É importante destacar que caso algum

questionamento realizado durante a entrevista lhe cause qualquer tipo de constrangimento,

você poderá se recusar a respondê-lo.

Durante a realização das entrevistas a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que

você corre refere-se ao uso indevido das informações coletadas. Tal risco será minimizado

pela utilização de nomes fictícios que serão conferidos aos entrevistados, durante a análise

dos dados. Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será identificado em

nenhum momento. Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados

será feita de forma a não identificar os voluntários.

Você terá os seguintes benefícios ao participar da pesquisa: contribuição para estudos

futuros que possam suscitar medidas para melhoria das condições de trabalho dos docentes

universitários.

Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta

pesquisa, você terá direito a indenização.

Durante todo o período da pesquisa, você poderá tirar suas dúvidas ligando para

Josivânia Estelita Gomes de Sousa, através dos números (84) 8808-3160/9937-7168. Esses

dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro e por

um período de 5 anos.

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer

fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você. Os dados que você irá nos fornecer serão

confidenciais e serão divulgados apenas em congressos ou publicações científicas, não

havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe identificar.

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador e reembolsado para você. Se você sofrer algum dano comprovadamente

decorrente desta pesquisa, você será indenizado.

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética

em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, telefone 3342-5003.

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o

pesquisador responsável, Josivânia Estelita Gomes de Sousa

Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados

serão coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela

trará para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da

pesquisa: “Precarização do trabalho docente e adoecimento: uma análise no Departamento de

Serviço Social (DESSO) da UFRN”, e autorizo a divulgação das informações por mim

fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde que nenhum dado possa me

identificar.

Natal, _____ de ________ de 2014.

Assinatura do participante da pesquisa

Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo: “Precarização do trabalho docente e

adoecimento: uma análise no Departamento de Serviço Social (DESSO) da UFRN” declaro

Impressão datiloscópica do

participante

que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos

metodologicamente e direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante desse

estudo, assim como manter sigilo e confidencialidade sobre a identidade do mesmo.

Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei

infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de

Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Natal, _______de _________ de 2014.

Josivânia Estelita Gomes de Sousa

Pesquisadora Responsável

APÊNDICE F – TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

Eu, ________________________________________________, depois de entender os

riscos e benefícios que a pesquisa: “Precarização do trabalho docente e adoecimento: uma

análise no Departamento de Serviço Social (DESSO) da UFRN” poderá trazer e, entender

especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente

da necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, a

pesquisadora Josivânia Estelita Gomes de Sousa a realizar a gravação de minha entrevista sem

custos financeiros a nenhuma parte.

Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores

acima citados em garantir-me os seguintes direitos:

1. Poderei ler a transcrição de minha gravação;

2. Os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a

pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas,

congressos e jornais;

3. Minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das

informações geradas;

4. Qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita

mediante minha autorização;

5. Os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a)

pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisa Josivânia Estelita Gomes de Sousa, e após esse

período, serão destruídos e,

6. Serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento

e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Natal, _____ de _________de 2014.

Josivânia Estelita Gomes de Sousa

Pesquisadora Responsável