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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MARIZO VITOR PEREIRA ANÁLISE DA CONCEPÇÃO ARQUITETURAL À LUZ DA ARQUITETUROLOGIA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO DE EDIFÍCIOS DE USO NÃO - RESIDENCIAL DO ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE MIRANDA, ENTRE 1961 E 1981. NATAL/RN 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

MARIZO VITOR PEREIRA

ANÁLISE DA CONCEPÇÃO ARQUITETURAL À LUZ DA

ARQUITETUROLOGIA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO DE EDIFÍCIOS DE

USO NÃO - RESIDENCIAL DO ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO FERNANDES

DE MIRANDA, ENTRE 1961 E 1981.

NATAL/RN 2008

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MARIZO VITOR PEREIRA

ANÁLISE DA CONCEPÇÃO ARQUITETURAL À LUZ DA ARQUITETUROLOGIA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO DE EDIFÍCIOS DE

USO NÃO - RESIDENCIAL DO ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO FERNANDES

DE MIRANDA, ENTRE 1961 E 1981.

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE-PPGAU/UFRN, COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO.

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO

PROJETO DE ARQUITETURA E PERCEPÇÃO DO AMBIENTE

LINHA DE PESQUISA

PROJETO DE ARQUITETURA

ORIENTADORA: DRª MAISA D. VELOSO

Natal/RN 2008

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Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte / Biblioteca Central Zila Mamede

MARIZO VITOR PEREIRA

ANÁLISE DA CONCEPÇÃO ARQUITETURAL À LUZ DA

Pereira, Marizo Vitor. Análise da concepção arquitetural à luz da arquiteturologia : um estudo da produção de edifícios de uso não-residencial do arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda, entre 1961 e 1981 / Marizo Vitor Pereira. – Natal, RN, 2008. 139 p. : il. Orientador: Maisa D. Veloso. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. 1. Concepção arquitetural – Dissertação. 2. Arquiteturologia – Dissertação. I. Boudon, Philippe. II. Miranda, João Maurício Fernandes de. III. Veloso, Maisa D. IV. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. V. Título RN/UF/BCZM CDU 72.011

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MARIZO VITOR PEREIRA

ANÁLISE DA CONCEPÇÃO ARQUITETURAL À LUZ DA ARQUITETUROLOGIA: UM ESTUDO DA PRODUÇÃO DE EDIFÍCIOS DE

USO NÃO - RESIDENCIAL DO ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO FERNANDES

DE MIRANDA, ENTRE 1961 E 1981.

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE-PPGAU/UFRN, COMO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO.

Dissertação aprovada em ------- / ------- /-------

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Prof. Dr. Hélio Costa Lima Universidade Federal da Paraíba

____________________________________

Prof. Dr. Marcelo Tinoco Universidade Federal do Rio Grande do Norte ____________________________________

Profa. Dra. Maísa Veloso - Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte ____________________________________

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Aos meus pais (in memoriam);

a Siina, a todos aqueles que passaram

- e passam - pela minha vida e aos

meus protetores.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a DEUS a quem devo tudo. Meus sinceros

agradecimentos à minha orientadora, professora Dra. Maísa Dutra Veloso, por

aceitar a orientação deste trabalho e pela paciência que às vezes foi

necessária. Ao professor Dr Aldomar Pedrini pelo incentivo, pela ajuda, pelo

incansável espírito fraterno e contagiante alto astral. À professora Dra. Sonia

Marques, pelas animadas conversas sobre arquitetura e, também, pelo

incentivo.

Aos colegas do Departamento de Arquitetura – DARQ/UFRN, em

especial àqueles que me fizeram voltar a ser aluno, me introduziram nos

prazeres da pesquisa e me fizeram acreditar que ainda falta muito tempo para

me aposentar. Ao amigo e ex-colega de Departamento arquiteto João Maurício

Fernandes de Miranda - cujos projetos foram eleitos objetos de estudo - a

quem tenho grande respeito e admiração, pela competência, generosidade,

pela paciência com que me recebeu e pelas informações que me ajudaram a

desenvolver este trabalho. Aos colegas de curso cuja convivência me ajudou a

caminhar, e, com muito carinho, a Virgínia Laíse minha companheira de

estudos e de “sofrimento”. Agradeço, igualmente, aos professores do Programa

de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do

Rio Grande do Norte - PPGAU/UFRN, principalmente àqueles que foram meus

mestres. Não posso esquecer de agradecer pela paciência e atenção

dispensadas por Silvinha – grande amiga -, por seu companheirismo e

conselhos e à Professora Dra. Gleice Azambuja, pelo incentivo e bom humor.

Um agradecimento reconhecido àqueles que foram meus alunos de

graduação na disciplina Projeto de Arquitetura 01, em 2006, com os quais tive

oportunidade de exercitar, embora de forma sucinta, alguns rudimentos

conceituais da Arquiteturologia. Tentativa frutuosa de experimentar o ensino de

arquitetura segundo uma abordagem voltada para o alcance de objetivos

pedagógicos, apesar das dificuldades inerentes, vivenciadas por todos nós.

Finalizando, gostaria de agradecer a todos aqueles que, de forma direta

ou indireta, contribuíram com suas opiniões, incentivo, atenção e críticas.

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RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo sobre a concepção arquitetural, tendo como

referência a Arquiteturologia, abordagem desenvolvida por Philippe Boudon,

arquiteto, professor e pesquisador francês. A partir de um recorte temporal

(anos 1961/1981) foi feita uma seleção na produção do arquiteto potiguar João

Maurício Fernandes de Miranda, reunindo seis exemplares - projetos de uso

não-residencial, sobre os quais foram realizadas leituras arquiteturológicas. O

objetivo Geral da pesquisa é exercitar o uso da metodologia de trabalho

desenvolvida por Philippe Boudon e equipe em sua obra “Enseigner la

Conception Architecturale” (2000), com ênfase especial na identificação das

escalas arquiteturológicas, suas funções, relações e modalidades de

ocorrência. A Arquiteturologia, portanto, sendo utilizada como instrumento de

estudo da concepção arquitetural.

Palavras-chave: Concepção Arquitetural. Arquiteturologia. João Maurício Fernandes de Miranda.

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ABSTRACT This study explores the architectural conception process using the

Architecturologie as an instrument of analysis, based on “Enseigner la

Conception Architecturale” (2000), developed by Boudon - architect, lecturer

and French researcher. It begins with the selection of local architect´s works,

João Maurício Fernandes de Miranda, which resulted in six non residential

projects developed between 1961 and 1981.

Architectural readings were developed, with emphasis in the identification of

architecturological scales, their functions, relationship and modality of

occurrence.

Keywords: Architectural Conception. Architecturology. João Maurício

Fernandes de Miranda.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FOTOGRAFIAS Foto 1 (Figura 1). Vista do convento de La Tourette, projeto de Le Corbusier, França. Exemplo de grau zero da escala geográfica (negação da topografia, na implantação do projeto). Fonte: http://www.galinsky.com/buildings/latourette/tourette1.jpg. ...................38

Foto 2 (Figura 2). Vista dos arcos botantes. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem técnica. Fonte: http://gardkarlsen.com/Paris2006/flying_buttresses_of_Notre_Dame_Paris.jpg. ...........................................................................................................................38 Foto 3 (Figura 3). Vista da circulação externa do Centro George Pompidou. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem funcional. Fonte: http://gardkarlsen.com/Paris2006/front_of_Centre_Pompidou_Paris.jpg. ........38 Foto 4 (Figura 4). Vista da prefeitura de Siena, Itália, com destaque para a torre. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem simbólica-dimensional. Fonte: http://www.hoteljoly.it/website%20modificato/arte_historia_florencia/siena.htm. .......................................................................................................................... 39 Foto 5 (Figura 5). Vista superior da igreja de Miranda, Portugal. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem simbólica-formal. (planta em forma de cruz) Fonte:http://www.bragancanet.pt/patrimonio/mirandaigreja.htm. .....................40 Foto 6 (Figura 6). Vista da fachada da State street townhouses, New York. Exemplo de solução orientada por determinismo de ordem de vizinhança. Fonte:http://www.demel.net/statestreet.html .................................................... 40 Foto 7 (Figura 7). Vista da implantação no terreno, do edifício da Seagram em Nova York. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem parcelar. A implantação foi determinada pela forma do terreno e sua localização de esquina. Fonte: http://www.thecityreview.com/park375.html ... 41 Foto 8 (Figura 8). Vista da implantação no terreno, da casa da cascata, de Frank Lloyd Wright, EUA. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem geográfica. A solução respeita a topografia do terreno. Fonte: http://www.bluffton.edu/~sullivanm/wrightpa/kaufmann.html.............................41 Foto 9 (Figura 9). Vista da cidade de Londres a partir do alto do edifício da Swiss re. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem da visibilidade. Visão especial da cidade. Fonte:http://www.arcoweb.com.br/debate/debate105.asp,2007........................42

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Foto 10 (Figura 10). Vista do teatro popular de Niterói, Rj, com destaque para a rampa de acesso. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem ótica. Fonte: http://www.avizora.com/publicaciones/biografias/textos/textos_n/0011_niemeyer_oscar.htm,200. ...............................................................................................42 Foto 11 (Figura 11). Vista da pirâmide do Louvre, Paris. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem sócio-cultural. Fonte:http://www.rogerswebsite.com/Europe/17%20%20The%20Louvre%20Museum%20in%20Paris.jpg.................................................................................. 43 Foto 12 (Figura 12). Manifestação da Arquitetura do Greek Revival. Exemplo de escolha realizada por determinismo de modelo. Fonte: http://www.bestseattleproperties.com/styles.htm ...................................43 Foto 13 (Figura 13). Casa de vidro, EUA. Exemplo de escolha realizada por determinismo semântico. Fonte:http://www.thecityreview.com/arcnow.html. ............................................44 Foto 14 (Figura 14). Le Corbusier. Museu do Crescimento Ilimitado. Exemplo de solução de implantação no terreno, considerando a escala de extensão. Fonte: http://www.getep.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=145&Itemid=16 ....................................................................................................................44 Foto 15 (Figura 15). Casa de terra dos Dogon, Mali. Exemplo de escolha realizada por determinismo econômico (e sócio-cultural). Fonte: http://www.linternaute.com/voyager/habitats-du-monde/construction-en-terre-du-pays-dogon.shtml ................................................................................45 Foto 16 (Figura 16). Casa da música, Porto, Portugal. Exemplo de escolha realizada por determinismo geométrico. Fonte:http://www.vivercidades.org.br/publique222/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1223&sid=18............................................................................................45 Foto 17 (Figura 17). Pirâmide do Louvre, Paris. Exemplo de escolha, mostrando a relação com a escala humana. Fonte: http://www.tavooo.com/photos.php?lang=esp&gallery=900001115&img=13303.............................................................................................................................46 Foto 18 (Figura 20). Vista do espaço externo, lateral à nave, abrigado sob a coberta. Fonte: acervo do autor, 2007...............................................................65 Foto 19 (Figura 21). Vista da capela com a cruz em primeiro plano. Fonte: acervo do autor, 2007.............................................................................66 Foto 20 (Figura 23). Beiral da pirâmide/coberta. Fonte: Acervo do autor, 2007............................................................................67

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Foto 21 (Figura 25). Vista aérea mostrando a capela e a praça cívica. Fonte: acervo da UFRN, 2005..........................................................................68 Foto 22 (Figura 26). Localização elevada da capela, mostrando o elemento que marca a entrada. Fonte: acervo do autor, 2007.................................................68 Foto 23 (Figura 27). Vista da coberta da capela, entre as árvores. Fonte: Acervo do autor, 2006........................................................................................69 Foto 24 (Figura 28). Vista dos vitrais que contornam a nave. Fonte: Acervo do autor, 2006.........................................................................................................69 Foto 25 (Figura 29). Maquete do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto.1981....................................................................................................75 Foto 26 (Figura 46). Vista da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1974..................................................................................93 Foto 27 (Figura 53). Vista atual da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do autor. 2008.............................................................................96 Foto 28 (Figura 63). Vista da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do arquiteto. 1973............................................................108 Foto 29 (Figura 64). Vista da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo do autor. 2008...........................................................................109 Foto 30 (Figura 66). Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do autor. 2008......................................................................................110 Foto 31 (Figura 69). Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do autor. 2008......................................................................................111 DESENHOS Desenho 1 (Figura 18). Planta Baixa mostrando o cruzamento principal das vigas de coberta. Fonte: acervo de JMFM, 2007...............................................64 Desenho 2 (Figura 19). Corte mostrando a nave semi-enterrada. Fonte: acervo de JMFM, 2007...........................................................................65 Desenho 3 (Figura 22). Comparação entre as duas propostas de planta: a tradicional e a da capela. Fonte:wikipedia /acervo do autor do projeto, 2007...66

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Desenho 4 (Figura 24). Corte longitudinal, mostrando a relação da nave com o terreno plano. Fonte: Acervo do autor do projeto, 2007....................................67 Desenho 5 (Figura 30). Planta-Baixa do Pavimento Térreo. Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981..................................................75 Desenho 6 (Figura 30-a). Zoneamento do Pavimento Térreo. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981...........................75 Desenho 7 (Figura 31). Planta-Baixa do Pavimento Superior. Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981....................................76 Desenho 8 (Figura 31-a). Zoneamento do Pavimento Superior. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM.1981............................76 Desenho 9 (Figura 32).Fachada . Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981.......................................................................77 Desenho 10 (Figura 33). Detalhe de fachada. Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981.......................................................................77 Desenho 11 (Figura 34). Fachada . Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981.......................................................................77 Desenho 12 (Figura 35).Fachada . Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981..................................................................................79 Desenho 13 (Figura 36).Fachada . Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981..................................................................................79 Desenho 14 (Figura 37).Corte . Projeto do Hospital de Macaíba. Fonte: acervo do arquiteto. 1981..............................................................................................80 Desenho 15 (Figura 38). Perspectiva Externa do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1977.....................................84 Desenho 16 (Figura 39). Vista de Implantação do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1977.....................................85 . Desenho 17 (Figura 40). Fachada Oeste e trechos de outras fachadas do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1977.....85 Desenho 18 (Figura 41). Detalhes de fachadas do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto 1977..............................................................86 Desenho 19 (Figura 42). Detalhes de fachadas do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto 1977..............................................................86 Desenho 20 (Figura 43). Detalhes de fachada do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto 1977........................................................................86

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Desenho 21 (Figura 44). Planta-Baixa do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal (Bloco Principal). Fonte: acervo do arquiteto. 1977.................................88 Desenho 22 (Figura 45). Cortes. Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1977.......................................................................89 Desenho 23 (Figura 47). Fachada Lateral da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.......................................................93 Desenho 24 (Figura 48). Planta Baixa do pavimento Térreo da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.......................94 Desenho 25 (Figura 49). Planta Baixa do primeiro pavimento da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.......................94 Desenho 26 (Figura 50). Planta Baixa do segundo pavimento da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.......................95 Desenho 27 (Figura 51). Planta de Situação e Coberta da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.................................95 Desenho 28 (Figura 52). Corte Longitudinal da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973......................................95 Desenho 29 (Figura 54). Fachada Lateral e Detalhe da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973......................................96 Desenho 30 (Figura 55). Fachada Principal da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.......................................................97 Desenho 31 (Figura 56). Maquete da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966................................................................................100 Foto Desenho 32 (Figura 57). Planta de Corte da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966.....................................................................101 Desenho 33 (Figura 58). Planta baixa da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966.....................................................................102 Desenho 34 (Figura 58-a). Esquema de organização espacial da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do autor. 2008.....................................102 Desenho 35 (Figura 59). Vista Superior da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966.....................................................................103 Desenho 36 (Figura 60). Planta de corte da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966.....................................................................104

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Desenho 37 (Figura 60-a). Corte esquemático da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de autor. 2008...........................................................................104 Desenho 38 (Figura 61). Fachada da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966................................................................................106 Desenho 39 (Figura 62). Detalhe de Fachada da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1966...........................................................106 Desenho 40 (Figura 65). Fachada da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal, com detalhe. Fonte: acervo do arquiteto. 1972.....................................109 Desenho 41 (Figura 67). Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do arquiteto. 1972................................................................................110 Desenho 42 (Figura 68). Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do arquiteto. 1972................................................................................110 Desenho 43 (Figura 70). Implantação da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1972.....................................................112 Desenhos 44 e 45 (Figuras 70 e 71). Fachadas da Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.Fonte: acervo do arquiteto. 1972........................................113

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SUMÁRIO AGRADECIMENTOS

RESUMO/ABSTRACT

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. INTRODUÇÃO...............................................................................................16 1.1 PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................18

1.2 OBJETIVO GERAL..................................................................................... 19

1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS....................................................................... 20

1.4 JUSTIFICATIVA.......................................................................................... 20

1.5 METODOLOGIA......................................................................................... 21

1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO............................................................... 22

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA.....................................23 2.1 SOBRE A ARQUITETUROLOGIA.............................................................. 23

2.1.1 Sobre o conhecimento.......................................................................... 24 2.1.2 Sobre a concepção................................................................................ 27

2.2 PROCESSO DE CONCEPÇÃO..................................................................31

2.2.1 Compreensão do processo.................................................................. 32 2.2.2 Espaço de concepção e modelo arquiteturológico.............................34

2.3 ESCALAS ARQUITETUROLÓGICAS – FUNÇÕES, RELAÇÕES E

MODALIDADES DE OCORRÊNCIA............................................................... 37

2.3.1 Identificação das pertinências............................................................. 37 2.3.2 Localização de escalas......................................................................... 47

2.3.2.1 Função de escalas.................................................................................47

2.3.2.2 Relação de escalas................................................................................49

2.3.2.3 Modalidades de ocorrência....................................................................51

3. UNIVERSO DE PESQUISA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO.......................53 3.1 ARQUITETURA MODERNA EM NATAL: A PRODUÇÃO DO ARQUITETO

JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE MIRANDA.............................................. 53

3.1.1 Influência da escola carioca no nordeste.............................................56 3.1.2 Arquitetura moderna em Natal: introdução e disseminação..............57

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3.2 SELEÇÃO DA PRODUÇÃO DE JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE

MIRANDA NO PERÍODO 1961/1981: CRITÉRIOS E DEFINIÇÃO DA

AMOSTRA........................................................................................................ 59

3.2.1 O arquiteto João Maurício F. de Miranda e sua produção compreendida entre os anos 1961 e 1981……………..............…………….. 61

4. ANÁLISE DOS PROJETOSSELECIONADOS.............................................63 4.1 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DA CAPELA ECUMÊNICA DO

CAMPUS DA UFRN, EM NATAL...................................................................... 63

4.2 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO HOSPITAL

DISTRITAL DE MACAÍBA/RN...........................................................................74

4.3 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO EDIFÍCIO DO

TERMINAL RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS DE NATAL/RN......................83

4.4 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DA PROCURADORIA

GERAL DA REPÚBLICA EM NATAL/RN..........................................................92

4.5 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DA CATEDRAL

METROPOLITANA DE NATAL/RN.................................................................100

4.6 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO EDIFÍCIO DO

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE) DE NATAL/RN...........................108

5. CONSIDERAÇÕESFINAIS.........................................................................116 6. REFERÊNCIAS...........................................................................................124 APÊNDICES....................................................................................................129

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1. INTRODUÇÃO

Tomamos conhecimento da obra do arquiteto Philippe Boudon quando

éramos aluno especial do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo - PPGAU/UFRN, na disciplina Métodos e Técnicas de Projetação

Arquitetônica, em 2004. Nessa ocasião trabalhávamos o conteúdo do livro

“Enseigner la Conception Architecturale” (BOUDON et al., 2000). Esse livro tem

por objetivo tornar compreensível através de qual trabalho surge a realidade

arquitetural, tornar comunicável a concepção, organizá-la, de fato, e dar os

meios para pensar as questões que propiciam a criação de um edifício, além

das convicções pessoais do arquiteto.

As possibilidades de exploração do conteúdo de suas obras, a

preocupação com o conhecimento da arquitetura enquanto ciência, bem como

o desejo de sistematizar informações que pudessem levar ao ensino de

arquitetura, logo nos animaram.

Por outro lado, havia, também, a vontade de homenagear um dos

arquitetos de destaque na produção da arquitetura local, igualmente

importante no período de consolidação da arquitetura moderna em Natal, João

Maurício Fernandes de Miranda. Tendo estudado arquitetura no Rio de

Janeiro e se estabelecido em Natal a partir de 1962, sua obra atravessa as

décadas de 60, 70, 80 e 90, entrando pelos anos 2000.

Este trabalho, portanto, representa a oportunidade de realizar antigos

anseios, enveredar pela produção da arquitetura local, enquanto se constitui,

ao mesmo tempo, exercício de aplicação dos princípios da metodologia de

trabalho desenvolvida por Boudon, no sentido de estudar a concepção da

arquitetura. Significa, também, em segundo plano, uma oportunidade de

analisar o potencial dessa metodologia como instrumento pedagógico, no

ensino de arquitetura, notadamente na área de projeto.

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A ARQUITETUROLOGIA COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO NO ENSINO

DE PROJETO DE ARQUITETURA

Em se tratando de ensino de arquitetura, a Arquiteturologia permite,

entre outros, o ensino de projeto “à maneira de”, como o define Boudon (2002,

p.34-38), caracterizado pela prática de exercícios que exploram o que ele

chama “dispositivos de concepção” – voltados para um objetivo pedagógico -,

em um mesmo semestre letivo; desenvolvidos ao longo da fase que antecede a

prática do projeto, propriamente dito. De acordo com sua visão, as escolas de

arquitetura são de fato, inicialmente, escolas de arquitetos, estando o projeto

no centro do ensino. Este passa a ser limitado por um “savoir-faire” do projeto.

O ensino da concepção, estendendo a transmissão de conhecimentos, busca

fazer das escolas verdadeiras escolas de arquitetura. Retomando o ensino de projeto “à maneira de”, Boudon continua

afirmando que o projeto apresenta finalidades diferentes dentro e fora da

escola. No interior do curso, sua finalidade é a construção do estudante; fora, o

projeto tem a finalidade de permitir a construção do edifício. Assim, no curso de

arquitetura, o foco no ensino de projeto deve incidir sobre um objetivo

pedagógico. Por isso a idéia dos exercícios.

Trata-se do desenvolvimento, em sala de aula, de uma atividade voltada

para um objetivo dado. Nesses exercícios percebe-se um programa

pedagógico (chamado tema dos exercícios, cada um com finalidade diferente)

em substituição ao programa de necessidades montado junto ao cliente – o

programa arquitetônico. Trabalham-se, ao mesmo tempo, aspectos teóricos e

práticos durante o processo de concepção. São consideradas singularidades,

alcance de objetivos particulares, como por exemplo: singularidade do arquiteto

estudado; singularidade dos temas; e, singularidade dos percursos trilhados

pelo estudante, diante dos percursos seguidos pelo arquiteto, alvo dos seus

estudos.

O interessante dessa pedagogia, no entender de Boudon, é que ela leva

o aluno ao encontro consigo mesmo, enquanto se confronta com o outro.

No ensino da arquitetura, portanto, propõe-se:

• a concepção da arquitetura em substituição à sua apropriação

pelo exercício do projeto;

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18

• o desenvolvimento de conceitos e noções trabalhados em

exemplos e organizados em um sistema;

• proposta de exercícios, com a finalidade de adquirir

conhecimentos teóricos e práticos sobre a concepção - mostra-se

o espaço arquitetural em suas diversas dimensões e fatos de

concepção.

Outra possibilidade de aplicação: enunciar as hipóteses de uma realidade

arquitetural particular, sobre o processo de concepção. Ainda, fornecer meios

de por e pensar problemas levantados por toda a concepção, independente

das convicções pessoais do arquiteto.

A Arquiteturologia pode ser aplicada para explicitar concepções

particulares em sua complexidade. Em termos de ensino, pode levar o aluno a

conceber suas propostas através de exemplos-tipo retirados da produção

existente, onde são exploradas as “questões vivas” de processos.

É atribuída à arquiteturologia a possibilidade de fazer emergir a

realidade arquitetural, através dos olhos do arquiteto - como aquele que

concebe; tornar comunicável a concepção, pela constituição de uma

linguagem que permite sua divulgação.

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

A pesquisa desenvolvida nesta dissertação pretendia trabalhar, desde o

início, com a metodologia desenvolvida por Philippe Boudon, visando o estudo

do processo de concepção da arquitetura. O trabalho se propunha, também,

envolver a produção do arquiteto potiguar João Maurício F. de Miranda,

considerando sua produção entre os anos de 1961 e 1981. Paralelamente,

tinha a intenção de considerar a arquitetura moderna em Natal, especialmente

o período de sua consolidação na cidade (anos 60 e 70). Como afirma Seabra

de Melo (2004), a produção da arquitetura moderna se apresenta, nesse

período, como momento de consolidação e maior domínio sobre as

possibilidades do léxico formal e da técnica construtiva moderna; compreende,

também, a chamada fase do “Brutalismo Potiguar” e de dispersão do ideário

modernista, apresentando traços característicos que mostram influências do

denominado Brutalismo Paulista. (p.47)

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Os ajustes que se seguiram nos fizeram ver que seria necessário

delimitar o trabalho com mais objetividade, para evitar possíveis equívocos.

Tornava-se imperativo mostrar a ênfase a ser dada sobre as questões que

diziam respeito ao estudo de concepção, tomando por objeto de estudo uma

seleção da produção de João Maurício. Assim, a preocupação com a produção

da arquitetura moderna em Natal passaria a ser secundária, não significando

que seria abandonada; isoladamente ela não constituiria elemento fundamental

em nossa pesquisa. Igualmente secundária, seria a consideração de possíveis

influências da Escola Carioca sobre a produção do nosso arquiteto,

considerando sua formação no Rio de Janeiro. Essas influências ainda seriam,

contudo, objeto de verificação, nas análises das obras do referido autor.

A partir dessa nova definição, decidimos nos concentrar na

Arquiteturologia e no estudo da produção de João Maurício, notadamente para

compreender seu “espaço de pensamento”, como suas idéias se organizaram

durante o processo de concepção de seus edifícios. Foi então que partimos

para identificar as escalas arquiteturológicas acionadas pelo arquiteto durante

as operações de concepção – referências que justificam suas decisões -, sua

incidência e as relações verificadas entre elas.

Embora Boudon enfatize o processo de concepção nos seus estudos da

arquitetura enquanto ciência, ele apresenta alguns exemplos em que o edifício

(o produto) constitui o objeto de estudo. Esse fato, juntamente com a narrativa

de experiência didática inspirada em sua metodologia, foi decisivo para a

elaboração de nosso trabalho.

1.2 OBJETIVO GERAL

O objetivo Geral da pesquisa é exercitar o uso da metodologia de

trabalho desenvolvida por Philippe Boudon e equipe em sua obra “Enseigner la

Conception Architecturale” (2000), com ênfase especial na identificação das

escalas arquiteturológicas, suas funções, relações e modalidades de

ocorrência. A Arquiteturologia será instrumento de estudo da concepção

arquitetural, na produção de projetos de uso não-residencial do arquiteto

potiguar João Maurício Fernandes de Miranda, no período 1961 a 1981.

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1.3 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Constituem objetivos específicos da presente dissertação:

• compreender o funcionamento do modelo arquiteturológico;

• identificar as escalas arquiteturológicas, presentes nas propostas

selecionadas de João Maurício F. de Miranda, e como funcionam ;

• observar a atuação da “escala de modelo” na produção selecionada,

bem como a possibilidade da influência da “Escola Carioca,” no

desempenho desse papel;

• perceber como funciona o espaço de concepção, na produção de João

Maurício Fernandes de Miranda;

• refletir sobre a utilização da Arquiteturologia como instrumento de

ensino-aprendizagem nas aulas de projeto de arquitetura;

• exercitar a possibilidade de uso da Arquiteturologia como instrumento de

estudo da produção do arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda;

• avaliar a possibilidade de uso da Arquiteturologia, como instrumento

eficiente no estudo da Arquitetura Moderna em Natal.

1.4 JUSTIFICATIVA

Estudar a produção de Philippe Boudon se constitui, ainda, em um

exercício pouco desenvolvido no Brasil. Suas obras permanecem

desconhecidas da maioria dos arquitetos brasileiros, apenas recentemente

tendo ocupado espaço no universo acadêmico. Por outro lado, a crise no

ensino de projeto nos cursos de arquitetura e urbanismo se ressente de

alternativas pedagógicas capazes de transformar esse ensino e torná-lo mais

objetivo. De considerar um foco que se projete sobre um objetivo pedagógico,

como afirma o citado autor.

A produção dos arquitetos potiguares, em boa parte, ainda permanece

desconhecida de todos, inclusive a de João Maurício, uma das menos

divulgadas. Essa confirmação considerou observações realizadas junto a

MUSA, CEPAU e PPGAU, setores ligados ao Curso de Arquitetura e

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Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, com base

em trabalhos disponibilizados para consulta.

Sintonizado com essas questões, decidimos adotar os procedimentos

metodológicos voltados para a sistematização das informações, calcados em

Boudon et al. (2000). Criador da Arquiteturologia, ele prioriza o estudo da

concepção arquitetural, daquilo que lhe é intrínseca, - diferente da arquitetônica

– pois, se a arquitetura construída é amplamente analisada ou comentada, o

trabalho de imaginação e elaboração, ao contrário, parece uma forma de caixa

preta tida como impenetrável. Segundo ele, compreender o processo de

elaboração do projeto se faz possível através da compreensão de conceitos

como espaço arquitetural, espaço de concepção, escala e modelo. Conceitos

que, sem dúvida, deverão orientar uma análise mais fecunda da questão.

1.5 METODOLOGIA

A pesquisa foi desenvolvida considerando a produção do arquiteto

potiguar João Maurício Fernandes de Miranda, no período 1961/1981. O

intervalo de sua produção, escolhido para análise, compreende os 20 primeiros

anos de sua atuação profissional - no RN. Esperou-se encontrar, nesse

período, caso confirmadas, influências mais marcantes sobre suas propostas,

exercidas pela Escola Carioca. Nossa pesquisa não contemplou as propostas

do arquiteto para edifícios de uso residencial – maior percentual em sua

produção. Optamos pelos edifícios de uso não - residencial por acreditarmos

ter em mãos maiores chances de analisar propostas com um maior nível de

elaboração, principalmente plástico. Esta expectativa se ampliou, quando se

levou em consideração propostas concebidas e apresentadas em concursos.

Foram selecionados inicialmente dez projetos, construídos e não-

construídos; posteriormente, essa seleção, por motivos técnicos, resultou em

seis. A seleção das propostas do arquiteto, desenvolvidas no período citado,

considerou para análise, como afirmado acima, apenas o uso não – residencial.

A título de critérios para a escolha, foram adotados, prioritariamente:

• a existência de registro gráfico, disponível no escritório do autor;

• aspectos qualitativos da informação gráfica capazes de fornecer

subsídios para a análise;

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• informação gráfica em quantidade suficiente, permitindo a

aplicação da metodologia de trabalho da Arquiteturologia;

Para complementar, convém registrar a importância dos “croquis” e do discurso

do autor, na análise dos projetos.

1.6 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Esta dissertação se desenvolve em cinco partes que definem sua

estrutura. A primeira parte apresenta toda a inquietação que envolve o

trabalho. São definidos aí todos os elementos que irão nortear e justificar a

pesquisa, bem como a sua forma de apresentação.

A segunda parte apresenta toda a fundamentação teórico-metodológica

e se divide em três sub-partes: sobre a Arquiteturologia; processo de

concepção; e, escalas arquiteturológicas: funções, relações e modalidades de

ocorrência.

A parte de número três se intitula universo de pesquisa e sua

contextualização; se subdivide em duas partes: arquitetura moderna em Natal -

a produção do arquiteto João Maurício F. de Miranda; e, seleção da produção

do arquiteto entre os anos 1961/1981.

A quarta parte apresenta a leitura arquiteturológica dos projetos

selecionados. São apresentados resultados das leituras realizadas em seis

projetos que integram a seleção.

A última e quinta parte apresenta as considerações finais onde se pode

ver as conclusões e recomendações suscitadas pelo trabalho.

Seguem-se as Referências Bibliográficas e Apêndices.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

O presente capítulo apresenta as considerações levantadas no

desenvolvimento do trabalho, a título de suporte teórico – metodológico.

Serão apresentados os principais pontos que definem e estruturam a

Arquiteturologia (Boudon et al., 2000) considerando que todo este trabalho nela

se fundamenta. A finalidade dessa iniciativa é justificar e tornar compreensível

sua aplicação na identificação das escalas arquiteturológicas, presentes na

produção selecionada do arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda, no

período em questão (1961/1981).

Desenvolve–se em três partes: sobre a Arquiteturologia – noções gerais;

processo de concepção, espaço de concepção, modelo arquiteturológico;

escalas arquiteturológicas - funções, relações e modalidades de ocorrência.

2.1 SOBRE A ARQUITETUROLOGIA

O trabalho de imaginação e elaboração do arquiteto tem se mantido

misteriosamente impenetrável, relegado ao universo da intuição. Quase toda

ênfase no estudo da arquitetura tem sido dada ao produto – o edifício.

Ao contrário dessa abordagem, a Arquiteturologia propõe uma

compreensão acessível da elaboração do projeto, “[...] da arquitetura como

pensamento do espaço” (Boudon, 2003), como que abrindo as portas dessa

“caixa negra” que, anteriormente, envolvia o processo, permitindo, assim, fazer

emergir a realidade da arquitetura. Propõe, dessa forma, o deslocamento da

ênfase para o processo de concepção.

A Arquiteturologia foi formulada em 1971, pelo arquiteto francês,

pesquisador e professor da Escola de Arquitetura Paris-La Villete, Philippe

Boudon. Essa iniciativa tinha por finalidade levar a arquitetura a definir seus

próprios axiomas e seus próprios conceitos, buscando as bases científicas de

uma verdadeira “Arquiteturologia” (estudo do “pensamento do espaço”),

confirmando, assim, o caráter científico da arquitetura, como foi definido por

Vitruvius (século I d.C.). Ou, considerando a arquitetura como objeto da

ciência, visão defendida por Boudon.

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O exercício da Arquiteturologia permitiu, também, verificar o processo de

pensar o espaço tomando o edifício já construído como objeto de estudo,

utilizando assim o processo inverso ao originalmente imaginado. Os textos em

que Boudon realiza uma leitura arquiteturológica do edifício da Baker House

(Alvar Aalto) e do Instituto do Mundo Árabe (Jean Nouvel) ilustram essa

possibilidade e, ao mesmo tempo, levantam a potencialidade de utilização da

Arquiteturologia no ensino de projeto. Seu uso, portanto, como instrumento

pedagógico. (Boudon et al., 2000) Outro exemplo ilustrativo desse uso é

sugerido através do artigo intitulado “De l'idée au travail de conception: A

propos de la compétence d'échelle dans la chapelle des Pazzi de Brunelleschi”,

de autoria de Philippe Boudon, publicado em “Les Cahiers de la Recherche

Architecturale et Urbaine” - n° 7 - janvier 2001. Nesse artigo, Boudon analisa a

capela da família Pazzi, em Florença, com a intenção de ilustrar o princípio que

afirma: sobre a concepção é preciso considerar dois sentidos (a idéia que

alguém tem sobre uma coisa e o trabalho que traz essa coisa à existência).

Partindo da obra de Jean Guillaume, intitulada “Desaccord Parfait” (1990), que

trata do estudo desse edifício, Boudon analisa proporções, escala e modelo.

Em seu artigo “Enseignement du projet et enseignement de la

conception” (Boudon, 2002) é possível lê-se a respeito de experiências de

ensino realizadas pelo autor. O ensino de arquitetura “à maneira de”, conforme

sua definição.

2.1.1 SOBRE O CONHECIMENTO

Visando o conhecimento (científico) da arquitetura, a Arquiteturologia

estuda a concepção arquitetural1; ou seja, elege a concepção como objeto de

conhecimento - o que se passa na cabeça do arquiteto durante o desenrolar do

seu trabalho.

1 O termo “architecturale” utilizado por Philippe Boudon é traduzido neste trabalho como arquitetural, seguindo o dicionário “Petit Larousse Illustré” (1990). Esse termo diz respeito à arquitetura ou evoca uma obra de arquitetura. Já o termo arquitetônico, aqui preterido, segundo o mesmo dicionário, seria relativo a um conjunto de regras técnicas próprias da arquitetura - à própria técnica da arquitetura. O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em sua 1ª edição, 7ª impressão, de 1975, registra “arquitetônico” e “arquitetural” como sinônimos, relativo à arquitetura.

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O filósofo grego Platão (século IV A.C.), criador da Epistemologia, opõe

a crença ou opinião ("doxa", em grego) ao conhecimento. Para ele, a crença se

constitui em um determinado ponto de vista subjetivo. O conhecimento, no

entanto, é definido como crença verdadeira e justificada – também defendido

pelo filósofo Sócrates (século V A.C.), de quem Platão foi discípulo.

Sua teoria abrange o conhecimento teórico, o chamado “saber que”.

Esse tipo de conhecimento compreende o conjunto de todas as informações

que descrevem e explicam o mundo natural e social próximo a nós. Ele

consiste em descrever, explicar e predizer uma realidade - analisar o que

ocorre, determinar por que ocorre dessa forma - e utilizar esses conhecimentos

para antecipar uma realidade futura.

O conhecimento científico é considerado como a relação que se

estabelece entre o sujeito - que conhece ou deseja conhecer - e o objeto a ser

conhecido ou que se dá a conhecer (Rosas, 2003) – Estabelecendo uma

analogia, o arquiteto e sua concepção.

Para o filósofo Ghiraldelli Junior (2005), a definição do conhecimento

enquanto crença verdadeira, justificada – como já afirmavam Sócrates e Platão

–, prevaleceu até 1963, quando o filósofo americano Edmund Gettier surge

com novas idéias sobre o assunto, provocando uma revisão.

Ele argumentava sobre a existência de crenças verdadeiras e

justificadas que não chegam a constituir conhecimento, sendo necessário,

nesse caso, atentar à verificação das causas responsáveis pela sua produção.

Com isso, destacou a insuficiência de apenas se buscar sua justificação,

mostrando a fragilidade dessa expectativa.

Na identificação do conhecimento, diante de um dado enunciado, dever-

se-ia partir para verificar as causas que o produziram, antes de qualquer outra

iniciativa, – podendo–se estabelecer uma analogia entre o projeto e o trabalho

de concepção do arquiteto. O conhecimento foi definido, também, como

conjunto organizado de dados e informações, destinados a resolver um

determinado problema. (wikipedia, La Enciclopédia Libre)

É Boudon (2004, p.72) quem afirma, reforçando a posição de Gettier,

que “[...] a concepção é uma atividade não de resolução de problema, mas de

produção do que pode se apresentar como solução ao problema”.

Sistematização, portanto; busca de causas.

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Tratando do conhecimento científico, “Conhecer perfeitamente é

conhecer pelas causas”, afirma Ruiz (1992, p.96) confirmando Gettier; o saber

científico não é creditado à inspiração mística, artística, religiosa e poética. É

aquele que pode ser demonstrado; explica os fenômenos.

Assim, o trabalho de imaginação e elaboração do arquiteto, a natureza

das operações que se sucedem durante o desenvolvimento do seu trabalho,

passam a ser alvo de consideração da Arquiteturologia. De um conhecimento

científico que deverá alimentar a relação sujeito/objeto, representada pelo

arquiteto e seu alvo perseguido; que busca as causas subjacentes ao

fenômeno/proposta em processo; e que se organiza de forma sistemática.

As idéias do arquiteto, sua criação, não se constituiriam em alvo da

Arquiteturologia; a criação, as idéias remeteriam ao universo da intuição, à

subjetividade. Só mesmo a concepção – as escolhas e decisões tomadas ao

longo do processo de criação - é vista como objeto de conhecimento.

Preocupada com o conhecimento científico, a Arquiteturologia se

interessa pelos objetos virtuais, processos (sob ângulo material e cognitivo),

em uma perspectiva que remete à participação humana em ações devidamente

finalizadas, concluídas. Considera o fazer – sucessão de idéias -, muito mais

do que o feito/executado. O mero exercício de projeto, como forma de

apropriação da arquitetura, não é suficiente para produzir conhecimento capaz

de conferir-lhe o caráter de ciência; capaz de explicar a concepção, entendida

como fundamental no conhecimento e, podemos acrescentar, no ensino da

arquitetura.

A complexidade do trabalho que se segue ao início do processo de

concepção interessa, também, à Arquiteturologia, supondo o compromisso

daquele que concebe, de tornar possíveis, no espaço real, as formas já

adotadas.

Considerada por seu criador a mais importante abordagem para o

conhecimento da arquitetura e do seu ensino, a Arquiteturologia se constitui em

trabalho teórico. Seu objeto, no entanto, não é o objeto empírico “arquitetura”,

embora seja por ele constituído. São as idéias - enquanto resultado de

escolhas realizadas pelo arquiteto -, que interessam, e os caminhos por elas

percorridos, ao longo do processo. A arquiteturologia parte de dois postulados:

o primeiro é a concepção, o segundo é a medida. Boudon concebe a medida

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como uma das noções fundamentais na construção do modelo de

conhecimento da concepção, alertando para o fato de que se trata de um

conceito que difere do conceito de dimensão e da simples atribuição numérica.

Para ele, “o trabalho do arquiteto consiste em atribuir medidas a tudo o que não

existe [ainda]”.

O postulado da Arquiteturologia é de considerar que, de um modo geral,

todo espaço arquitetural é dotado de medidas e que todo arquiteto deve dar

medidas ao espaço. É o caráter necessário da medida em arquitetura que

constitui o ponto de partida do percurso teórico da arquiteturologia.

Focada na compreensão de como procede a elaboração do projeto, a

Arquiteturologia vai fazer uso, de forma progressiva, de conceitos considerados

fundamentais, como o espaço arquitetural, o espaço de concepção, a escala e o modelo. Essa introdução progressiva se justifica pelo caráter

sistemático da investigação que, além do mais, também pretende tornar a

concepção comunicável.

Esses conceitos são especificações que nos ajudam a compreender as

coisas. Assim, podemos nomeá-las e expressá-las com palavras, tornando

viável a construção de uma linguagem. Os elementos que vão constituir a

linguagem identificada nos passos da atividade de concepção, trilhados pelo

arquiteto, durante o desenvolvimento de seu trabalho.

2.1.2 SOBRE A CONCEPÇÃO Ao contrário do que comumente se tem visto, em relação ao estudo da

arquitetura, a Arquiteturologia se interessa pelo estudo do processo de

concepção arquitetural. Ao considerar a concepção da arquitetura como objeto

de conhecimento, a Arquiteturologia trata da descrição da complexidade do

trabalho que se segue às idéias que estão no início do processo e que supõe a

“embrayage” 2 das formas arquiteturais no espaço real.

A concepção se expressa através da natureza das operações

adotadas pelos arquitetos, durante seu trabalho – processo de concepção. A

2 Embrayage. O termo mantém a grafia original, em virtude de não encontrarmos em português uma tradução que seja suficientemente esclarecedora de sua significação. Segundo Boudon, significa articulação do espaço de concepção ao espaço real. (2000, p.246).

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maioria das abordagens utilizadas para estudar a arquitetura é vista por

Boudon como complementar ao ponto de vista trabalhado pela arquiteturologia.

Importante é o papel que a concepção ocupa nessa abordagem, merecendo

destaque a seguinte afirmação:

A multiplicidade de abordagens convida a tornar preciso o que chamamos concepção [...] precisar o ponto de vista sem, no entanto, negar o interesse de uma diversidade de ângulos de aproximação, aliás, frequentemente complementares ao da Arquiteturologia. (BOUDON et al., 2000, p.5) (Tradução nossa).

Com o intuito de apresentar uma melhor caracterização da

Arquiteturologia, destacamos quatro elementos, na visão de Dominique

Raynaud (1999), em seu artigo: “Le schème: opérateur de la conception

architecturale”. São eles:

• interessar-se por objetos virtuais (o edifício em projeto);

• explorar os processos mais que os estados das coisas;

• considerar esses processos tanto sob o ângulo material, como

sob o ângulo cognitivo;

• abordar esses processos em uma perspectiva “poiética”,

implicando o reconhecimento de ações humanas finalizadas3.

Comentando os quatro itens, Boudon sublinha especialmente o

deslocamento de interesse para a concepção, que se destaca no primeiro,

constituindo uma melhor forma de conhecer a arquitetura. O segundo destaca

o processo de concepção. O terceiro chama atenção sobre as ciências da

concepção – ciências do artificial, segundo Herbert Simon, economista

americano. O quarto coloca o conhecimento em uma perspectiva histórica.

Acrescente-se, também, que a noção central da Arquiteturologia é permitir

comunicação entre as formas arquiteturais e o espaço real.

Afirmando a concepção como objeto de uma disciplina, e considerando

a atuação dos diversos pontos de vista no processo, Philippe Boudon assim se

expressou na apresentação do resumo de um artigo de sua autoria: As abordagens da concepção variam segundo os pontos de vista das diversas disciplinas. Se, como muitos pensam, o ponto de vista produz [define] o objeto, tantos pontos de vista constituindo outros tantos

3 A “poiética” tem por objeto o estudo das potencialidades inscritas em uma situação dada, que se abre para uma nova criação.

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objetos, recebe o nome concepção. Em meio a essas disciplinas, a Arquiteturologia constituiu o seu [ponto de vista] a partir de dois postulados: concepção (o edifício é a representação do projeto que a precedeu) e medida (o arquiteto atribui medidas ao espaço). [...] esses dois postulados estão de fato no início de uma concepção (arquiteturológica)... da concepção. [...]. (“Les nouveaux régimes de la conception: langages, théories, métiers prospective” VI, 2004). (Tradução nossa).

A Arquiteturologia se apresenta hoje como um campo teórico que propõe

modelizar a composição - inerente ao processo de concepção - em sua

complexidade cognitiva, através de conceitos que tratam sobre ações e

operações de atribuição de medidas espaciais. A arquiteturologia se constitui

em expressão de conhecimento teórico da arquitetura.

Se a Arquiteturologia constitui assim uma linguagem científica sobre a

concepção arquitetural, ela é também um campo de pesquisa que visa

esclarecer todo espaço concebido – arquitetural, urbano e paisagístico – como

também explicitar suas diversas percepções.

Para alcançar os fins a que se propõe, a Arquiteturologia necessita da

construção de um modelo – o modelo arquiteturológico. Conceitos como o

espaço arquitetural, o espaço de concepção, a escala e o modelo,

considerados fundamentais, são importantes para definir um conhecimento

elaborado a “priori”, podendo até participar de uma relação dialética com

conhecimentos elaborados a “posteriori” – caso de estudos que partem de

situações concretas.

A esse respeito, afirma Boudon: [...] não criticamos os estudos que partem de casos concretos. Nós entendemos somente ser necessário esclarecer que nossa abordagem difere nesse ponto. Longe de pensar que uma forma seria boa e a outra má, nós desejamos que se estabeleça muito mais uma relação dialética entre esses dois tipos de pesquisa referentes à concepção arquitetural (grifo nosso), em um vai-e-vem entre modelo teórico e casos concretos [...]. (BOUDON et al., 2000, p.6) (Tradução nossa).

Este trabalho, também preocupado com a concepção arquitetural e

baseado em casos concretos, se constitui em um exercício – talvez um tanto

ousado – do uso da Arquiteturologia. Nesse caso, consideramos o instrumental

criado ou posto à disposição pela Arquiteturologia para empreender uma

“viagem de volta” – do produto para o processo de concepção.

Conforme visto acima, Boudon considera pertinente a pesquisa

elaborada a partir de casos concretos, e estabelecendo referência com a

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concepção. Acredita poder haver um diálogo entre os dois tipos de pesquisa

que se propõem estudar a arquitetura.

O que nos move é a pretensão de tentar identificar quais escalas

arquiteturológicas podemos destacar – de forma mais intensa –, nas soluções

de projeto apresentadas pelas propostas selecionadas do arquiteto potiguar

João Maurício Fernandes de Miranda. Um exercício semelhante ao

desenvolvido pelo próprio Boudon, no capítulo oito do livro “Enseigner la

Conception Architecturale”(2000), em que aplica uma leitura arquiteturológica

ao edifício do Instituto do Mundo Árabe em Paris, concebido pelo arquiteto

Jean Nouvel, em 1981, além de leituras realizadas em outros projetos.

A Arquiteturologia, preocupada em estudar a arquitetura, também pode

ser aplicada à pesquisa. Embora não seja pretensão nossa aprofundar a

questão, neste trabalho, registramos alguns aspectos básicos que introduzem o

assunto.

Boudon identifica três situações fundamentais de pesquisa em

arquitetura: situação aplicacionista, situação hermenêutica e situação

axiomática.

Na situação aplicacionista a arquitetura é um campo de investigação

para disciplinas em que o objeto tem sido constituído fora: o social continua

objeto da sociologia, mesmo que o objeto de trabalho diga respeito à

arquitetura (os trabalhos de H. Raymond, sociólogo americano, por exemplo).

Na situação hermenêutica - ramo da filosofia que se debate com a

compreensão humana e a interpretação de textos escritos - a arquitetura passa

do estatuto de campo ao de objeto de um discurso onde se analisam/produzem

significações: é o caso da catedral gótica, para o historiador, segundo

Panofsky.

Por fim, na situação axiomática a arquitetura é mais que um objeto da

Hermenêutica e vem a ser um objeto teórica e verdadeiramente construído.

É o caso da Arquiteturologia que, ainda segundo Boudon, é de fato,

antes de mais nada e de forma axiomática, um objeto concebido artificialmente,

de onde surge uma série de questões na ordem de uma interrogação científica.

Comprometida com a elaboração de um conhecimento relativo à concepção

arquitetural – ela mesma definida como objeto de conhecimento -, partindo de

uma modelização concebida a “priori”.(Boudon, 1989)

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2.2 PROCESSO DE CONCEPÇÃO

Diferentemente dos estudos de concepção da arquitetura que privilegiam

o produto – o edifício -, a Arquiteturologia se volta para o processo, no interior

do qual o arquiteto realiza as seleções e escolhas inerentes ao seu trabalho.

Ela se propõe envolver, mais precisamente, o trabalho propriamente dito de

revelar formas – devidamente dimensionadas. O trabalho de elaboração do

objeto arquitetural, um trabalho que atribui forma e medida ao espaço,

qualificando-o.

O processo de concepção, até agora visto apenas como de importância

capital para a Arquiteturologia, faz parte, na realidade, do universo de

concepção denominado espaço de concepção ou espaço do pensamento; o

espaço onde se desenvolve e se define o conhecimento sobre o objeto

arquitetônico. O universo de pensamento, no qual o arquiteto propõe processos

ou modalidades de concepção.

A esse propósito convém lembrar: “A concepção de um edifício é conduzida por escolhas, intenções, decisões que permitem ou às quais remetem a idéia. [...] Ela permite colocar em relação intelecto e produção material: a idéia, em qualquer lugar, opera no trabalho do arquiteto”. (BOUDON et al., 2000, p.18).

Igualmente importante para a compreensão da presente pesquisa, onde

se busca identificar escalas arquiteturológicas (prioritárias e secundárias, no

processo de concepção), suas funções, relações e modalidades de ocorrência.

A identificação dessas escalas, nos projetos selecionados da produção do

arquiteto potiguar João Maurício Fernandes de Miranda, pretende a

compreensão do processo de concepção que preside suas propostas. As

escolhas, intenções e decisões que orientam a concepção de sua produção.

Um exercício de arquiteturologia que apresenta como objetivo compreender,

além do mais, a atuação das características profissionais resultantes de sua

formação.

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32

2.2.1 COMPREENSÃO DO PROCESSO Ainda hoje, numerosos autores encaram o processo de concepção,

como mero processo de resolução de problemas. O processo de concepção

arquitetural não pode ser confundido com um processo de decisão sob pena de

uma restrição do campo de conhecimento: concepção se confundindo com

decisão. Nesse caso, para Boudon, a concepção remetendo à decisão termina

por perder sua identidade ou provocando uma volta à antiga “caixa preta”,

responsável pelo caráter hermético da concepção, defendido há tanto tempo e

superado pela perspectiva da Arquiteturologia. Redução também na

complexidade que envolve a concepção.

Compreender o processo de concepção significa compreender a relação

estabelecida entre o modelo arquiteturológico, o espaço de concepção e o

tempo (diacronia).

Para melhor esclarecimento sobre o que se pretende aprofundar,

vejamos os conceitos. O modelo - aquilo que é repetido, reutilizado no projeto -

é chamado operando. É determinado por sua importância, na operação que

define a medida. Modelo, portanto, é aquilo sobre o qual atuam as operações

de medida.

Do ponto de vista da concepção arquitetural, as dimensões não existem

a “priori” em número finito. É o arquiteto quem define as dimensões de seu

projeto, a fim de instalá-lo no espaço real. De torná-lo real, através de sua

execução.

O modelo (de conhecimento) deverá dar conta de fenômenos

apropriados ao trabalho de concepção em geral, podendo servir, também, para

o caso especial da concepção arquitetural.

No modelo arquiteturológico dimensionar é, às vezes, decidir o que está

por medir e lhe atribuir uma medida, visando compreender a atuação do

arquiteto durante a concepção. Para Boudon, “Medir é comparar dois universos

onde um permite a medida e o outro a recebe.” Toda medida supõe, então, um

ponto de vista e um instrumento de medida que depende desse ponto de vista;

o instrumento fornece a medida. Como se pode deduzir, a medida a que se

refere Boudon não é necessariamente sempre métrica.

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Conforme sua apreciação, o espaço arquitetural, no processo de

concepção, deve ser distinguido do espaço físico ou morfológico da arquitetura,

pois pertence ao espaço do agir, do fazer.

O espaço onde se desenvolve e se define o conhecimento sobre o

objeto arquitetônico é chamado de espaço de concepção. Assim, o processo

de concepção se torna mais facilmente conhecido, quando se considera as

várias operações de medida distribuídas em um espaço/tempo, onde se

trabalha o conhecimento sobre o edifício – o produto. Tanto melhor será sua

compreensão (do processo de concepção) quanto mais clara for a relação

entre o espaço - onde se trabalha o conhecimento do objeto arquitetural - e o

modelo de conhecimento construído.

Adquirir o domínio sobre aquilo que Boudon define como espaço

arquiteturológico, se constitui em algo necessário para ajudar na compreensão

do processo de concepção.

O espaço arquiteturológico, segundo ele, corresponde à parte do espaço

de concepção que a modelização arquiteturológica permite explicitar. Isto é, o

espaço arquiteturológico permite expor o espaço de concepção de tal maneira

que o objeto arquitetural – o edifício – é compreendido como fruto de uma

concretização de um conjunto de hipóteses, de raciocínios, de decisões e de

operações em uma situação determinada. O domínio do espaço

arquiteturológico, mostrando o edifício como a concretização dessas hipóteses,

raciocínios, decisões e operações, ajuda na compreensão das iniciativas que

atribuem forma e medida ao espaço que se quer qualificar.

O espaço arquiteturológico é considerado por Boudon como primeira

hipótese para uma modelização teórica da concepção.

A propósito, em relação à modelização, Le Moigne4 afirma que conhecer

é modelizar, ou seja, o processo de conhecer equivale à construção de

modelos do mundo/domínio a ser construído que permitem descrever e

fornecer explicações sobre os fenômenos que observamos.

4 Jean-Louis Le Moigne é um especialista francês em Epistemologia Construtivista. É citado algumas vezes por Boudon et al. em sua obra Enseigner la Conception Architecturale.

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O modelo, juntamente com a escala, é considerado suporte principal nos

estudos de Arquiteturologia. Constitui-se, na realidade, em um modelo de

conhecimento da concepção. Trata-se, antes de mais nada, de uma

representação que leva ao conhecimento. Um instrumento que permite a

interpretação de um fenômeno (espaço de concepção); como os objetos

arquitetônicos têm sido pensados.

A construção do binômio modelo/escala – conceitos fundamentais da

arquiteturologia - tem por objetivo tornar compreensível como se dá a

apreensão da repetição e da transformação, operações inerentes à concepção

arquitetural. Essa dupla de elementos serve para explicar a concepção e

permitir a construção de um modelo de representação daquilo sobre o qual

recai a atenção do arquiteto/”conceptor”. Articula o que é medido (modelo) ao

que lhe confere medida (escala). Para que se possam descrever as operações realizadas pelo arquiteto,

durante o processo de concepção, esses elementos necessitam ser vistos

enquanto conceitos arquiteturológicos, ocupando funções específicas quando

das operações de medida – operando e operador.

Falar sobre o processo de concepção, significa penetrar na

complexidade que está em ação. No deslocamento de interesse, que parte:

• do estudo do edifício para o projeto;

• da abordagem diacrônica da produção arquitetural para a

idéia de processo de concepção;

• e, do espaço arquitetural para o espaço de concepção do

arquiteto.

2.2.2 ESPAÇO DE CONCEPÇÃO E MODELO ARQUITETUROLÓGICO.

Importa, aqui, mostrar os conceitos de Espaço de Concepção e Modelo

Arquiteturológico e sua atuação para a compreensão das Escalas

Arquiteturológicas; como isso acontece direta e/ou indiretamente.

Foi dito que o espaço de concepção é o espaço onde se desenvolve e

se define o conhecimento sobre o objeto arquitetônico. O espaço de

concepção, por conseguinte, compreende o espaço arquiteturológico,

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35

abrangendo muito mais do que o espaço de atuação da modelização

arquiteturológica.

Também foi dito, anteriormente, que o espaço arquiteturológico

corresponde à parte do espaço de concepção que a modelização

arquiteturológica permite explicitar. Corresponde ao universo de pensamento

no qual o arquiteto propõe processos de concepção.

Assim, pode-se afirmar que o espaço de concepção e o modelo de

conhecimento criado - arquiteturológico - concorrem para a compreensão do

espaço arquiteturológico. Em conseqüência, para explorar o processo de

concepção, indicando como os objetos arquiteturais foram/são pensados.

É preciso, portanto, que os conceitos de espaço de concepção e modelo

arquiteturológico sejam devidamente considerados, bem como sua relação com

a escala arquiteturológica, também. Esses conceitos já foram explorados em

ocasiões anteriores onde se atentou para sua importância no processo de

concepção e na relação com o espaço arquiteturológico. Agora, é preciso

observá-los sob outros aspectos, necessários para que se perceba sua relação

com a chamada escala arquiteturológica.

Antes de mais nada, na concepção arquitetural, a escala é considerada

como operador da operação de medida. No processo de concepção, a escala é

o que atribui medida. Recordando que “toda construção, quaisquer que sejam a

natureza e as qualidades, tem um tamanho, dimensões que podem ser

anunciadas em metros.” (BOUDON et al., 2000, p.103).

Comecemos por considerar o que se entende por escala

arquiteturológica.

Outra forma de consideração da escala percebe-a, também, como um

conjunto reunindo operações variadas que remetem a uma mesma pertinência

– relação entre uma medida e seu valor, em função de um espaço de

referência. Essa forma caracteriza a escala arquiteturológica.

Isto posto, raciocinando em termos de escala, destacamos a afirmação

de Boudon que diz, “a pertinência constitui a unidade teórica do termo escala.”

(BOUDON et al., 2000, p.119). Teorizar sobre escala passa necessariamente

pela questão da pertinência. Pensar a escala arquiteturológica significa, no

processo de concepção, pensar as dimensões e seu espaço de referência,

para cada uma das escolhas realizadas.

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Porém, para que haja uma medida - em arquitetura - precisa-se de um

ponto de vista, de um instrumento que possa defini-la, bem como de um

arquiteto que possa conceber o objeto a ser revelado. Escala é ainda definida

por Boudon como aquilo que permite a instalação de uma grandeza, seja

métrica ou não. E, que supõe a medida de um edifício, ou parte dele, em

relação a um elemento que lhe é exterior.

Assim, a escala, considerada também como um conjunto que reúne

operações variadas, voltadas para uma mesma pertinência (a chamada escala

arquiteturológica), deverá revelar as medidas pertinentes a cada referência

definida ao longo do processo de concepção. Atua no espaço de concepção,

permitindo a instalação de grandezas que ajudam na revelação das formas do

objeto arquitetural.

Quanto ao modelo, é importante lembrar que este conceito - operando

do processo de concepção - difere de modelo arquiteturológico. Na primeira

versão, ele é apenas definido como o segundo elemento fundamental -

juntamente com a escala - no estudo da arquiteturologia.

Sua relação com as escalas arquiteturológicas se dá levando em conta a

consideração que ele - modelo - pode ser definido por uma organização

espacial, um objeto, uma figura, um conjunto de operações, entre outros. O

modelo é determinado por sua função na operação de medida, podendo adotar

uma grande variedade, ao longo do processo de concepção. Às vezes, definir

dimensões no modelo é decidir o que está por medir e lhe atribuir uma medida.

A segunda consideração mostra que o modelo arquiteturológico, por sua

vez, deve permitir compreender a atuação do arquiteto enquanto concebe. Já

não é apenas o operando do processo de concepção. Sua relação com a

escala arquiteturológica vai mostrá-lo comprometido com as referências

estabelecidas nas relações de pertinência ao longo de todo o processo.

Então, a identificação de escalas arquiteturológicas em determinado

projeto - objetivo desta pesquisa -, remete à identificação de relações de

pertinência selecionadas ao longo do processo de concepção. De como as

idéias povoaram a cabeça do arquiteto/”conceptor”. As operações de

transformação que aí acontecem, se sucedem, raramente se reproduzindo.

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2.3 ESCALAS ARQUITETUROLÓGICAS – FUNÇÕES, RELAÇÕES E MODALIDADES DE OCORRÊNCIA.

Este item se inicia com a conceituação de Escala Arquiteturológica,

apresentando as diversas pertinências identificadas pelo criador/autor da

Arquiteturologia.

Com o intuito de revelar a complexidade que encobre a concepção

arquitetural e, ao mesmo tempo, apresentar o funcionamento do modelo

arquiteturológico - importante no desenvolvimento da presente pesquisa -,

serão destacadas questões arquiteturológicas-chave, úteis na operação de

identificação das escalas arquiteturológicas. Procura-se seguir, neste trabalho, a linha de raciocínio utilizada por

Boudon no capítulo oito de sua obra: ”Enseigner la Conception Architecturale”

(2000). Trata-se da leitura arquiteturológica aplicada no projeto do edifício do

Instituto do Mundo Árabe, de autoria do arquiteto francês Jean Nouvel, que

fornece os elementos a serem também explorados neste trabalho, visando o

alcance dos objetivos por nós pretendidos.

As questões arquiteturológicas-chave acima referidas, no entender do

citado autor, são: localização de escalas, localização de funções e, relações e

modalidades de escalas. Essas questões serão devidamente consideradas e

desenvolvidas, fundamentando o exercício que constitui o presente trabalho.

2.3.1 IDENTIFICAÇÃO DAS PERTINÊNCIAS

Considerada como um conjunto de operações relacionadas a uma

mesma pertinência, definida por uma medida e seu valor, em função de uma

classe onde se situa a referência, a escala arquiteturológica apresenta um

número de vinte tipos de escalas, conforme identificação feita por Philippe

Boudon et al.(2000). No seu entender, trata-se de pertinências que podem ser

identificadas hoje, embora muitas outras possam ser imagináveis. São elas:

escala técnica, funcional, simbólica dimensional, simbólica formal, de vizinhança, parcelar, geográfica, de visibilidade, ótica, sócio-cultural, de modelo, semântica, de extensão, econômica, geométrica, cartográfica, de representação, de níveis de concepção, global e humana. Lembrando que

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a pertinência estabelece uma relação estreita entre o espaço de referência e a

medida a ser atribuída; e que o espaço de referência qualifica a medida.

Porém, quando a pertinência de uma escala é encontrada pelo

arquiteto/”conceptor” através da negação da relação direta com o espaço de

referência que a define, tem-se aí o grau zero dessa escala.

Figura 1. Vista do convento de La Tourette. Le Corbusier, França.1956/1960. Exemplo

de grau zero da escala geográfica (negação da topografia, na implantação do projeto). Fonte: http://www.galinsky.com/buildings/latourette/tourette1.jpg

A seguir, as vinte pertinências identificadas serão conceituadas, de

acordo com o ponto de vista da arquiteturologia.

Por escala arquiteturológica técnica, compreende-se a escala

expressa através do ato de escolha (no espaço de concepção), a partir de

considerações de ordem técnica, visando incutir uma modalidade de atribuição

de medidas a uma parte ou ao todo do espaço arquitetural.

Figura 2. Vista dos arcos botantes. Notre Dame de Paris.(séc. XII/XVII). Exemplo de

escolha realizada por determinismo de ordem técnica. Fonte: http://gardkarlsen.com/Paris2006/flying_buttresses_of_Notre_Dame_Paris.jpg

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Escala arquiteturológica funcional é aquela resultante da atribuição

de medida a uma parte ou ao todo do espaço arquitetural, como decorrente da

influência de algum elemento externo responsável pelo destino, uso, ou pela

promoção de adaptação a um determinado uso.

Figura 3. Vista da circulação externa do Centro George Pompidou. Renzo Piano e

Richard Rogers, Paris,1977. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem funcional. Fonte: http://gardkarlsen.com/Paris2006/front_of_Centre_Pompidou_Paris.jpg

No espaço de concepção, a atribuição de medida de grandeza (para

aumentar ou diminuir) resultando da associação a um conteúdo espiritual

visivelmente claro, define a escala arquiteturológica simbólica dimensional.

Figura 4. Vista da prefeitura de Siena, Itália (séc.XIV), com destaque para a torre.

Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem simbólica-dimensional. Fonte: http://www.hoteljoly.it/website%20modificato/arte_historia_florencia/siena.html

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A concepção do espaço arquitetural, formando um conteúdo espiritual

particular com a forma simbólica adotada, caracteriza a escala arquiteturológica simbólica formal.

Figura 5. Vista superior da igreja de Miranda, Portugal (séc.XVI). Exemplo de escolha

realizada por determinismo de ordem simbólica-formal. (planta em forma de cruz) Fonte: http://www.bragancanet.pt/patrimonio/mirandaigreja.htm

A escala arquiteturológica de vizinhança considera a atribuição de

medidas por contigüidade, induzindo uma continuidade espacial entre os

elementos que participam da concepção e sua vizinhança.

Figura 6. Vista da fachada da State street townhouses. Scott Demel Architect, New

York, 2004. Exemplo de solução orientada por determinismo de ordem de vizinhança. Fonte: http://www.demel.net/statestreet.html

Definir a implantação do edifício, considerando como referências

elementos previamente fornecidos ao arquiteto, são atribuições da escala arquiteturológica parcelar. Esses elementos se constituem em possíveis

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permissões de tamanho, forma e limites do terreno, para uso no processo de

concepção.

Figura 7. Vista da implantação no terreno. Edifício da Seagram, Nova York. Mies van

der Rohe, 1958. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem parcelar. A implantação foi determinada pela forma do terreno e sua localização de esquina.

Fonte: http://www.thecityreview.com/park375.html

As medidas de uma parte ou do todo arquitetural, informadas a partir dos

pontos cardeais, situação e modelo do terreno, dados climáticos, entre outros,

são atribuições da escala arquiteturológica geográfica. Difere da escala

anterior, ao não levar em consideração os limites formais ou dimensionais do

terreno.

Figura 8. Vista da implantação no terreno. Casa da Cascata. Frank Lloyd Wright, EUA,

1935. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem geográfica. A solução respeita a topografia do terreno.

Fonte: http://www.bluffton.edu/~sullivanm/wrightpa/kaufmann.html

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No espaço arquiteturológico, definir um objeto de tal modo que ele seja

visto de um determinado lugar ou fazer com que determinado lugar seja visto a

partir dele, constituindo um ponto de vista no espaço real, caracteriza a

aplicação da escala arquiteturológica de visibilidade.

Figura 9. Vista da cidade de Londres a partir do alto do edifício da Swiss re. Londres, Norman Foster architect, 2004. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem da

visibilidade. Visão especial da cidade. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/debate/debate105.asp, 2007

A escala arquiteturológica ótica é resultante da ação de prover

solução a uma parte ou ao todo arquitetural, criando um ponto de vista

particular. Esse ponto de vista deve ser capaz de atrair o observador, fazendo

considerar as modalidades segundo as quais o objeto é visto. Difere da escala

anterior, pelo fato de atrair a atenção apenas para o objeto arquitetural – a

partir do exterior.

Figura 10. Vista do teatro popular de Niterói, Rj. (Oscar Niemeyer, 2007) Com destaque para a

rampa de acesso. Exemplo de escolha realizada por determinismo de ordem ótica. Fonte:

http://www.avizora.com/publicaciones/biografias/textos/textos_n/0011_niemeyer_oscar.htm,2007

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Tomar em consideração convenções, formas tradicionais ou outras

heranças sócio-culturais para interferir no espaço arquitetural, definindo forma

e medida, constitui atribuição da escala arquiteturológica sócio-cultural.

Figura 11. Vista da pirâmide do Louvre, Paris (Pei,1989). Exemplo de escolha realizada

por determinismo de ordem sócio-cultural. Fonte:http://www.rogerswebsite.com/Europe/17%20%20The%20Louvre%20Museum%

20in%20Paris.jpg

A escala arquiteturológica de modelo é acionada através da retomada

de um modelo anterior, efetuando-se eventualmente algumas modificações de

grau e natureza. É importante registrar dois tipos de modelo a serem

considerados separadamente: os abstratos – expressos por palavras - e os

morfológicos – expressos por formas. Também é importante não confundir com

“escala do modelo” em que apenas as dimensões são modificadas,

permanecendo a carga de significados.

Figura 12. Manifestação da Arquitetura do Greek Revival. New York (séc.XIX). Exemplo de escolha realizada por determinismo de modelo.

Fonte: http://www.bestseattleproperties.com/styles.htm

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As operações resultantes da escala arquiteturológica semântica são

permitidas ou sugeridas por palavras ou expressões verbais. As referências se

dão a partir de palavras que designam ordem de grandeza, recortam o espaço

e os objetos, ou constroem imagens dotando esses objetos de características

particulares.

Figura 13. Casa de vidro, EUA. Philip Johnson, 1949. Exemplo de escolha realizada

por determinismo semântico. Fonte: http://www.thecityreview.com/arcnow.html

Toda operação de concepção interferindo no espaço arquiteturológico,

que considera o tempo em uma perspectiva de futuro, integra a escala arquiteturológica de extensão.

Figura 14. Le Corbusier. Museu do Crescimento Ilimitado (1939). Exemplo de solução de implantação no terreno, considerando a escala de extensão.

Fonte: http://www.getep.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=145&Itemid=16

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A referência expressa ao custo, nas decisões de concepção, caracteriza

a escala arquiteturológica econômica.

Figura 15. Casa de terra dos Dogon, Mali. Exemplo de escolha realizada por determinismo econômico (e sócio-cultural).

Fonte: http://www.linternaute.com/voyager/habitats-du-monde/construction-en-terre-du-pays-dogon.shtml

As considerações geométricas nas operações de medida, interferindo no

espaço arquiteturológico, expressam a aplicação da escala arquiteturológica geométrica.

Figura 16. Casa da música, Porto, Portugal. Rem Koolhaas, 2006. Exemplo de escolha

realizada por determinismo geométrico. Fonte:http://www.vivercidades.org.br/publique222/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1223&sid=

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A escala arquiteturológica cartográfica trabalha com a referência

entre uma medida real e sua representação pertinente. Numerosas operações

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nos remetem a uma pertinência cartográfica. Ela se encontra perfeitamente

definida quando o espaço de concepção coincide com o espaço de

representação.

Independente da pertinência, a escala arquiteturológica de representação liga representante e representado. Não é a mesma coisa da

escala cartográfica que liga representante e referente.

Desenvolver operações de concepção, do micro ao macro, seguindo o

nível de representação devido a uma escala cartográfica ou, geralmente

recortar o espaço de concepção em sub-espaços de concepção, caracteriza a

escala arquiteturológica de níveis de concepção.

A pertinência considerada deve exercer uma dominância sobre as

demais, por assumir seu papel principal ou estruturante na concepção. A

função da escala arquiteturológica global é permitir essa ação, podendo

qualquer escala ser igualmente global.

A forma, o talhe ou as dimensões do corpo humano devem ser as

referências escolhidas, para estabelecer as relações nas operações de medida,

a intervir no processo de concepção. Assim funciona a escala arquiteturológica humana.

Figura 17. Pirâmide do Louvre, Paris (Pei,1989). Exemplo de escolha, mostrando a relação com a escala humana.

Fonte: http://www.tavooo.com/photos.php?lang=esp&gallery=900001115&img=13303

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2.3.2 LOCALIZAÇÃO DE ESCALAS

Trata-se da localização das características do objeto arquitetural que

remetem, de forma patente, a uma ou mais escalas arquiteturológicas. A

observação – direta ou através de imagens -, bem como os discursos

formulados sobre o objeto, vão permitir que as escalas sejam localizadas. Uma

vez localizadas, elas podem ser vistas sob três aspectos: funções, relações e

modalidades de ocorrência. A localização de escalas arquiteturológicas ajuda,

também, na compreensão do processo de concepção que envolve e define

determinado projeto. Ela permite a seleção daquelas que atuam de forma mais

determinante na elaboração e desenvolvimento de estudos voltados para a

compreensão do projeto.

2.3.2.1 FUNÇÃO DE ESCALAS Apontando o foco sobre o desenvolvimento do modelo arquiteturológico,

em toda sua extensão5, convém atentar para a forma de atuação que as

escalas adotam no processo de concepção. Acreditamos que o

reconhecimento das funções desempenhadas pelas escalas, deverá contribuir

para que possamos melhor identificá-las, considerando que essa operação se

constitui na iniciativa maior de nosso trabalho de pesquisa.

A propósito do assunto, Boudon afirma que elas podem desempenhar

diferentes funções no espaço de concepção e que essas diferentes funções

podem ser identificadas sob o termo “modo operatório”. E mais, a identificação

dessas funções é importante para a compreensão do trabalho de concepção,

principalmente no que diz respeito à atribuição de medidas. Convém

acrescentar que as funções ainda não anunciam qualquer pertinência, podendo

ser identificadas atuando, já, no início do processo de concepção.

“O modo operatório [conclui Boudon] é uma noção que permite

apreender a diversidade de fatos de medida bem no âmago do espaço de

concepção, ou seja em suas condições de elaboração”. (BOUDON et al. 2000,

p. 244). (Tradução nossa).

5 Tradução considerada para o termo “deployer”, segundo consulta ao dicionário Petit Larousse Ilustré, 1990 p.311.

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As dimensões arquiteturológicas servem de base para as operações de

escala – de referenciação6, de recorte ou dimensionamento. O ajuste para

definição da medida definitiva de um elemento, requer todo um trabalho de

concepção. Sabe-se que diferentes funções de escala são identificadas no

interior do espaço de concepção, podendo apresentar, de acordo com sua

forma de intervenção, a função de inicialização ou de limitação, “embrayage” e

representação.

A busca por essas identificações se dá em função da necessidade de

uma modelização mais elaborada - da concepção -, e da percepção de que as

escalas apresentam, de fato, diferentes funções. A definição da escala, como

operador da atuação modelo/escala, mostra uma interação que se estabelece

através de operações com função de inicialização e diz respeito ao espaço de

concepção como um todo. Essa interação sendo interrompida, a escala terá

função de limitação, em relação a anterior, atendendo as escolhas do

arquiteto/“conceptor”; caracteriza-se por ser parcialmente atuante.

Outras funções de escala que merecem destaque nos estudos de

arquiteturologia são as de “Embrayage” e Representação. Que algumas

escalas têm função de representação do espaço de concepção já se sabe -

estabelecem uma relação entre o representado e seu referente. No entanto,

uma escala com função de representação do espaço de concepção não toma

para si o encargo de articulação com o real – “Embrayage”. Para que isso

aconteça, é necessária a interferência de outra escala, a fim de que se

estabeleça a referência.

Considera-se que as diferentes percepções são organizadas pelo

arquiteto de maneira simultânea, no processo de concepção; e, reconhece-se

que as escalas arquiteturológicas são escalas de concepção.

Tratando das escalas e sua operacionalização, com relação à percepção

e sua participação no processo de concepção observa Boudon: Perceber e conceber não remetem forçosamente à mesma compreensão de um espaço [...] A concepção integra necessariamente uma visão globalisante, e, decorre desse fato, que as diferentes percepções possíveis levadas em conta pelo arquiteto são organizadas

6 O termo referenciação não é registrado nos dicionários da língua portuguesa de Holanda Ferreira,(1975) e Huaiss (2001). Encontramos em textos de algumas áreas como biblioteconomia e literatura, onde significa estabelecer referências com alguma coisa. Mantivemos a forma aportuguesada da forma francesa “référenciation”.

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de maneira simultânea (BOUDON et al., 2000, p. 26). (tradução nossa).

Em relação à percepção e sua interação com as escalas

arquiteturológicas, ele assevera: Por definição, as escalas arquiteturológicas são escalas de concepção. [...] As mesmas pertinências que funcionam na concepção, funcionam também na percepção. As escalas podem ser encaradas como operadores segundo as quais espaços de referência são utilizados na percepção: a concepção comporta uma representação da percepção (BOUDON et al., 2000, p.248). (tradução nossa).

As operações de medida definidas a partir da relação entre uma medida

e seu valor, em função de um espaço de referência – pertinência -, são as

mesmas na concepção e na percepção. Daí, as mesmas escalas funcionam

para os dois casos, embora em uma situação particular, escalas diferentes

possam intervir.

Na determinação das escalas de concepção, isso se dá por uma

representação das escalas de percepção, embora o contrário não se verifique.

A percepção pode, ainda, ser leitura semântica. Nesse caso, em conseqüência,

os efeitos de conotação podem servir de motivo para transformação de uma

escala de percepção em escala de concepção.

O suporte arquiteturológico é definido como “[...] aquilo sobre o qual se

exerce, efetivamente, a representação do trabalho de uma escala”. (BOUDON

et al. 2000, p.250). Tem por função permitir o trabalho do arquiteto, através de

um recorte no espaço arquitetural. O suporte arquiteturológico, sobre o qual a

escala opera, define seu modo operatório. É importante para que se pense o

modo operatório dessa escala e se identifique as diferentes funções que ela

possa admitir.

2.3.2.2 RELAÇÃO DE ESCALAS

Fatalmente, a identificação das escalas arquiteturológicas conduz à

necessidade de observar a relação entre elas, outro fator importante para a

compreensão do processo de concepção. Segundo Boudon: “Cada edificação

resulta do arranjo entre várias escalas, quer haja domínio de uma sobre as

outras ou não [...]”. (BOUDON et al., 2000, p.197). Cada escala determina algo

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no processo de concepção, cuja complexidade não pode depender da

determinação de uma única escala. Várias escalas concorrem para definição de uma mesma medida, assim

como para determinação da forma. Quando acontece uma associação de

várias escalas com a finalidade de definir uma só medida, a relação entre

essas escalas se dá por meio de sobredeterminação. Trata-se de uma

relação sincrônica.

Outro tipo de relação entre as escalas, definido em oposição à já citada,

é a relação por justaposição. Para que isso aconteça é necessário que haja

duas medidas coexistentes e dois suportes diferentes. Portanto, duas

dimensões e duas medidas.

Sobredeterminação e justaposição definem também as modalidades de

passagem de uma escala arquiteturológica a outra, no processo de concepção.

Acrescente-se a elas a modalidade de co-determinação de escalas. Segundo

essa modalidade, uma escala associada a outra pode agir de forma diacrônica,

a partir de uma necessidade do processo. O efeito suscitado pela primeira

escala termina por provocar reação sobre ela mesma.

Uma determinada escala pode assumir a função de outra. Por exemplo,

meta-escala – aquela que tem função a nível local ou global - pode ser também

escala dominante; uma escala semântica pode ter a função de escala global.

A propósito, toda escala – dita também elementar - pode ter função de escala

local ou de escala global. Qualquer escala que possa ser identificada como

participante no conjunto das pertinências é chamada dominante. Ela possui

valor de explicação global.

A meta-escala pode ainda ser principal ou estruturante. Ela é escala principal quando aparece frequentemente no processo de concepção, mas

sem resultar qualquer efeito importante. Ela é escala estruturante quando, em

determinado caso de concepção, organiza o sistema de pertinências. Pode

resultar de um conjunto de escalas.

As modalidades de articulação entre as escalas trazem à tona a questão

do encadeamento de escalas. As operações de escala se sucedem na

dinâmica do processo de concepção podendo ser de ordem de uma

necessidade ou de uma intenção do arquiteto/”conceptor”. Esse grupamento de

escalas pode ser de Cascata e Revezamento ou, inferência e indução.

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A cascata de escalas não compreende operações de referenciação, ela

é identificada quando operações de recorte ou de dimensionamento se ligam a

novas operações, de forma necessária. Nesse caso, a pertinência é dada por

outra escala, porém o suporte é o mesmo. Observa-se uma mudança de

pertinência, em que a modalidade operante é a sobredeterminação.

O revezamento de escalas se dá, quando operações de medida

consideram uma pertinência que mantém vínculo com outras pertinências

diferentes, conforme intenção do arquiteto. As diferentes pertinências mantêm

relações de dependência entre si e se estabelecem sobre um mesmo suporte.

A relação de escalas envolvendo duas medidas coexistentes e dois

suportes diferentes – justaposição -, traz novamente à tona a questão da

intencionalidade do arquiteto/”conceptor”. Ela atua na inferência, onde se

observa dois níveis de concepção com autonomia relativa, atendendo à

intencionalidade do projetista. Aí, as operações de medida de um nível estão

ligadas ao que acontece no precedente. No caso dessa relação resultar de

uma necessidade, estamos diante de indução.

As orientações iniciais de um projeto podem ser definidas, claramente,

pela atuação de um conjunto de escalas, organizadas entre si, permitindo ao

arquiteto/”conceptor” estabelecer relação de pertinência com as intenções

iniciais. Essa operação define o partido arquiteturológico.

2.3.2.3 MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS A análise da relação entre as escalas, bem como a identificação de suas

propriedades comuns constituem operações importantes, para a compreensão

do processo de concepção. Conforme Boudon: A enumeração da multiplicidade de escalas seria em

vão, se não se colocasse em relação as escalas entre si e se não se

identificasse suas propriedades comuns. (BOUDON, 2000, p.162). (tradução

nossa). Considerando as propriedades das escalas, destacam-se aquelas com

efeito local e aquelas com efeito global, traduzindo as visões espaciais que um

arquiteto tem sobre seu projeto; a espacialização da visão operacional de uma

escala. Em ambas, a visão do arquiteto/”conceptor” é fundamental. É ela que

define o ponto de vista adotado.

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A escala com função global é aquela que segue um ponto de vista

com implicação global sobre o projeto. Ela repousa sobre um conjunto de

elementos – considerados importantes, naquele momento, na visão do

arquiteto - sem comprometer a totalidade dos elementos do projeto.

A escala com função local atua sobre uma parte desse projeto,

considerada elementar pelo arquiteto - possui implicação local; é aquela que

segue um ponto de vista responsável pelo recorte da parte, na atribuição de

medida. Também é chamada escala de nível de concepção.

Outra modalidade de ocorrência é o grau zero da escala. Para que isso

se verifique, as operações de referenciação, de dimensionamento ou de recorte

definem sua pertinência ao contrário, nessa escala. O grau zero resulta de uma

operação de referenciação e põe em relevo a margem de liberdade que

acompanha a concepção.

A escala arquiteturológica pode receber um tratamento por conotação.

Nesse caso, uma determinada escala receberá uma segunda denominação,

resultante de outra operação de medida. Expressão de nova pertinência.

Compatibilidade de escalas. Não se trata da mesma coisa que

sobredeterminação.

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3. UNIVERSO DE PESQUISA E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO Este capítulo se compõe de duas partes. Na primeira, será apresentada

uma panorâmica sobre a arquitetura moderna no Brasil, pano de fundo para a

consideração da produção da arquitetura moderna em Natal.

Procura-se fundamentar o contexto em que surge e se desenvolve a

produção do arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda, um dos mais

expressivos integrantes desse movimento no estado do Rio Grande do Norte.

O referido arquiteto fez seus estudos no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional

de Arqutetura, tendo concluído em 1961, ano em que inicia suas atividades em

Natal, como autônomo.

A segunda parte será dedicada à seleção dos projetos que definiram a

amostra, sobre a qual foi desenvolvido o presente trabalho de pesquisa. Foram

selecionados, ao todo, 10 projetos de uso não-residencial, concebidos entre os

anos de 1961 e 1981.

Procurou-se, nesta seleção, trabalhar com os exemplares mais

expressivos, no sentido de apresentar determinada elaboração projetual;

consequentemente, mais campo fértil para aplicação da arquiteturologia. Em

seguida, foram desenvolvidas análises voltadas para identificação das escalas

arquiteturológicas, interesse maior do trabalho.

3.1 ARQUITETURA MODERNA EM NATAL: A PRODUÇÃO DO ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE MIRANDA

Iniciamos com um breve panorama, pretendendo situar o contexto em

que se iniciou o processo no qual se insere a produção da arquitetura moderna

em Natal e, por extensão, do nosso arquiteto selecionado.

A realização dos pioneiros europeus do Movimento Moderno difundiu-se

no Brasil na década de 20, do século passado. O período de introdução da

Arquitetura Moderna no Brasil - com ênfase especial à chamada “Escola

Carioca” -, praticamente iniciou-se na década de 1930, data de sua chegada e

sua implantação em nosso país, principalmente no Rio de Janeiro. Trata-se de um processo que levará à adoção dos princípios

corbusierianos, mesclados com nossa herança cultural, que veio mudar de uma

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vez por todas a face da arquitetura brasileira e seu ensino. Os arquitetos

modernistas partiram, também, em busca de uma linguagem brasileira para os

postulados funcionalistas.

É com esse objetivo que são resgatados os velhos combogós, as treliças

e os azulejos de revestimento, para uso juntamente com os princípios

defendidos por Le Corbusier – “pilotis”; teto-jardim; autonomia das paredes, em

relação à estrutura; e janelas-cortina. Sem esquecer os “brises-soleil”.

Nesta fase, Ficher e Acayaba (1982) afirmam que,

“[...] os arquitetos brasileiros davam preferência às formas geométricas claramente definidas, à separação entre estrutura e vedação, permitindo maior liberdade no agenciamento interno dos edifícios, ao uso sistemático do pilotis, aos panos de vidro contínuos, ao invés das janelas tradicionais, e à integração da arquitetura com o entorno pelo paisagismo e com as outras artes plásticas pelo emprego de murais, painéis de azulejo decorado e escultura em substituição à decoração aplicada.” (FICHER e ACAYABA, 1982, p.10)

Esse movimento se apresenta, conforme o define Paulo Santos (1981),

em quatro fases. Segundo seu entender, os acontecimentos que demarcam

cada fase são os seguintes:

“[...] Primeira fase – da posse de Lúcio Costa na ENBA-Escola Nacional de Belas-Artes à visita de Le Corbusier; segunda fase – da vinda de Le Corbusier / início da construção do edifício do MEC à Pampulha; terceira fase – inaugurada com a construção da Pampulha, até a construção de Brasília - fase de superação da ortodoxia funcional e regularidade geométrica de traçados, rumo à procura da liberdade formal, através da incorporação de novas idéias; quarta fase - da construção de Brasília em diante. A primeira é chamada de implantação, inicia em 1930 e vai até 1936; a segunda, de 1936 a 1941; a terceira, de 1941 a 1961; a quarta, iniciada com a construção de Brasília.” (SANTOS, 1981, p.103).

No final desse período, encontram-se consolidados e definitivamente

codificados os postulados da doutrina da Arquitetura Moderna no Brasil

Os referidos postulados, uma vez codificados, assim foram relacionados

por Lúcio Costa:

“[...] a disponibilidade do solo apesar de edificado, graças aos pilotis, cuja ordenação arquitetônica decorre do fato de os edifícios não se fundarem mais sobre um perímetro maciço de paredes, mas sobre os pilares de uma estrutura autônoma, os pisos sacados para uma maior rigidez; as fachadas translúcidas guarnecidas – conforme se orientam para a sombra ou não – de quebra-sol ou apenas dispositivo para amortecer a luminosidade segundo a conveniência e a hora e, motivadas pela circunstância de já não constituir mais a fachada elemento de suporte, senão simples membrana de vedação e fonte de

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luz, o que faculta melhor aproveitamento, em profundidade, da área construída; a livre disposição do espaço interno, utilizado independentemente da estrutura; a absorção dos vigamentos para garantir a continuidade calma dos tetos; a recuperação ajardinada da coberta.” (COSTA, 1995, p.168)

Considerando os princípios definidores da Arquitetura Moderna de Le

Corbusier, convém atentar para as características pelas quais seriam

identificados, posteriormente, os trabalhos da chamada Escola Carioca.

Houve na Arquitetura Moderna brasileira, um movimento liderado por

Lúcio Costa no Rio de Janeiro, que vai da década de 30 até os idos da

construção de Brasília, nos meados dos anos 50, chamado pelos críticos e

estudiosos europeus e norte-americanos de “Brazilian School”, “Cariocan

School”, “First National Style in Modern Architecture” e que é conhecido pela

historiografia brasileira como Escola Carioca. A influência da Escola Carioca se

fez visível em várias partes do Brasil, em obras de destaque nas principais

cidades do país.

O caráter dessa arquitetura se deu através da reunião dos elementos de

arquitetura e de composição identificados nos seus mais importantes projetos,

como os “brises-soleil”, o elemento vazado, os pilares de seção circular, além

dos elementos corbusierianos de composição cúbica e prismática.

É assim que o “brise-soleil” no Brasil, criado pelos modernistas cariocas,

tinha o sentido de proteger as fachadas e o edifício da intensa quantidade de

sol dos trópicos e não como mais um dos elementos modernos estéticos; o

“pilotis”, outro elemento moderno da arquitetura no Brasil, foi usado para que

houvesse transparência no percorrer do terreno, e sombra e proteção, e não

apenas como elemento de vislumbre; o uso maciço do concreto armado, com

inteligência e criatividade, moldando-o às necessidades funcionais e não

apenas como morfologia projetual.

A disseminação dessa linguagem deu-se, em boa parte, pela participação

de profissionais do Rio de Janeiro ou daqueles que se formaram na Escola de

Belas Artes, depois Faculdade Nacional de Arquitetura, da Universidade do

Brasil.

A produção da Escola Carioca começa a se tornar expressiva, a partir da

concepção e construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde

(1936/1943).

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3.1.1 INFLUÊNCIA DA ESCOLA CARIOCA NO NORDESTE

Aqui se pretende explicitar, brevemente, o quanto a arquitetura moderna

do Nordeste deve à Escola Carioca. Notadamente a Acácio Gil Borsoi e seu

papel de divulgador da arquitetura moderna, praticada sob os princípios da

Escola Carioca.

A ida de arquitetos formados pela Escola Nacional de Belas-Artes do Rio

de Janeiro – posteriormente Faculdade Nacional de Arquitetura - para cidades

como Recife e Salvador estimulou a difusão do repertório da arquitetura

moderna, a partir dos anos 30.

Em Recife, aparece a figura de Luís Nunes, discípulo de Lúcio Costa,

que permanece de 1934 a 1937, deixando alguns projetos – verdadeiras

referências - construídos para a iniciativa pública. Em Salvador, destacam-se

as figuras de Paulo Antunes Ribeiro – década de 40 – e José Bina Fonyat, na

década de 50.

Nas décadas de 1920-30 chegavam também à capital paraibana os

primeiros arquitetos com idéias modernistas, dentre eles destacam-se: Pascoal

Fiorilo, Olavo Freire, Clodoaldo Gouveia, Hermenegildo Di Láscio, alguns deles

formados pela Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro. A nova linguagem

arquitetônica adotada sofria influência do modernismo europeu, em especial de

Le Corbusier, e seguia os exemplos das obras realizadas no Rio de Janeiro por

Lúcio Costa, Afonso Reidy, Carlos Leão, M. M. Roberto, entre outros; e em

Brasília, quando a obra de Niemeyer exerceu grande influência sobre a

produção moderna local.

Nos anos 50, em Recife, o carioca Acácio Gil Borsoi juntamente com o

arquiteto português Delfin Amorim, provocaram uma transformação na

arquitetura local. Borsoi formado no Rio de Janeiro e Amorim formado em

Portugal.

Acácio Gil Borsoi nasceu no Rio de Janeiro em 1924, concluindo o curso

de arquitetura em 1949, pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de

Janeiro; foi estagiário no escritório de Affonso Eduardo Reidy. Veio a Recife em

1951, contratado como professor do Curso de Arquitetura da Escola de Belas-

Artes da Universidade do Recife (fundado em 1932 e oficializado em 1948).

Posteriormente, curso de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco-

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UFPE. Enquanto Amorim mostra influências de Le Corbusier, Borsoi

demonstra, através de seu trabalho, influências de Reidy e Niemeyer e, em

segundo plano, de Lúcio Costa.

As bases para o surgimento da escola do Recife teriam sido a

conjugação das idéias de Costa, adaptadas ao contexto local, principalmente

através da contribuição sistemática de um educador de sólida formação cultural

– Delfin Amorim. (Silva, 2001).

Nos anos 50, Borsoi projeta importantes edifícios públicos, dentre eles o

Pronto Socorro do Recife (1955, atual Hospital da Restauração), o Museu de

Arte Moderna (1955, não construído), sua produção se estende a outros

programas modernos e ultrapassa a cidade do Recife, com projeto para o

Clube Cabo Branco, em João Pessoa.

Este período que coincide com o pós-guerra europeu consolidou no

Brasil a hegemonia do grupo carioca; o talento de Oscar Niemeyer influenciou

esta geração de jovens arquitetos, assim como os ensinamentos do célebre

arquiteto e urbanista Lúcio Costa, sobre a arquitetura tradicional e nosso

passado colonial. (Amaral e Naslavski, 2003).

3.1.2 ARQUITETURA MODERNA EM NATAL: INTRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO

A cidade do Natal/RN, cidade provinciana, inicia o século XX com sua

arquitetura totalmente impregnada pelo estilo Neocolonial e pelo estilo

denominado Eclético. Sobrevivem, também, reminiscências do casario colonial

com seus telhados desaguando diretamente através dos beirais, durante muito

tempo delimitando o espaço das ruas.

Em 1935, no governo Rafael Fernandes, a cidade passa por

transformações urbanísticas que vão ter repercussões também com relação à

arquitetura. Uma nova linguagem arquitetônica é dada a conhecer através das

propostas para os novos edifícios públicos, como por exemplo, as Estações

Ferroviária e Aeroportuária, integrantes do projeto realizado pelo escritório de

Saturnino de Brito, em 1935.

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O Mercado Público da Cidade Alta, inaugurado em 1937, apresenta uma

fachada totalmente destituída de ornamentos e com a predominância de linhas

retas.

Mais expressivo é o projeto do edifício da Comissão de Saneamento de

Natal, situado na Avenida Rio Branco e concebido também pelo escritório de

Saturnino de Brito. Em suas fachadas podem ser vistas influências de Walter

Gropius (BAUHAUS) e Le Corbusier. A semente está lançada. Surgem aos

poucos outras propostas influenciadas pela nova arquitetura, incluindo

habitações, em sua maioria.

Nos anos 50, Natal seria introduzida definitivamente na modernidade

arquitetônica. Observam-se alguns exemplares da mais pura expressão

modernista como a sede do América (1959), projeto de Delfin Amorim,

arquiteto português radicado em Recife; edifício do INSS/Ribeira (1954),

projeto de Raphael Galvão Júnior – arquiteto carioca; sede do ABC, projeto de

Agnaldo Muniz (1959) – desenhista local - , entre outros.

Considerando que o arquiteto de nosso interesse é potiguar, queremos

chamar a atenção para os arquitetos nascidos no RN que tiveram sua

formação em cursos de outros estados e, ao voltarem, contribuíram para

disseminar a Arquitetura Moderna em Natal, nas décadas de 50 e 60.

Vários desses arquitetos tiveram sua formação profissional basicamente

em dois estados, Pernambuco e Rio de Janeiro. Pernambuco tendo criado seu

curso de arquitetura na década de 50 e Rio de Janeiro ainda no século XIX.

Pode-se fazer referência a Ubirajara Galvão, Daniel Hollanda e

Raimundo Gomes formados pela UFPE, enquanto João Maurício Fernandes de

Miranda e Moacir Gomes são formados pela Faculdade Nacional de

Arquitetura, então Universidade do Brasil no Rio de Janeiro.

O trabalho desses profissionais reveste-se de uma importância muito

grande para a compreensão da evolução da arquitetura local, porém tem sido

pouco estudado e divulgado. Muito de sua produção foi destruída –

principalmente os “croquis” - ou não saíram do papel – a chamada arquitetura

potencial, conforme Chupin.

Esta dissertação tem, entre outras, a finalidade de contribuir para o

resgate da memória do período de produção da Arquitetura Moderna em Natal,

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se debruçando sobre a contribuição de um de seus agentes, documentando e

analisando parte da sua produção.

3.2 SELEÇÃO DA PRODUÇÃO DE JOÃO MAURÍCIO FERNANDES DE MIRANDA NO PERÍODO 1961/1981: CRITÉRIOS E DEFINIÇÃO DA AMOSTRA

Iniciamos com a contextualização da produção da arquitetura moderna

em Natal, no período selecionado (1961/1981). Este período compreende duas

fases segundo Consulin7 (2004), em sua dissertação de Mestrado “Yes. Nós

temos arquitetura moderna”: década de 60 – momento de consolidação e maior

domínio sobre as possibilidades do léxico formal e da técnica construtiva

modernos; década de 70 – fase do Brutalismo Potiguar (por apresentar traços

característicos que mostram influências do chamado Brutalismo Paulista) e de

dispersão do ideário modernista. Esta última é a fase que sucede à superação

da ortodoxia funcional e regularidade geométrica de traçados, rumo à procura

da liberdade formal, através da incorporação de novas idéias. (Santos, 1981)

Essa contextualização serve como referência, muito embora não

signifique que toda a produção selecionada deva, necessariamente, apresentar

traços do estilo brutalista.

Como vimos, a concepção de um edifício supõe a intervenção de várias

escalas, com o intuito de atribuir dimensões ao modelo; a identificação dessas,

suas funções e operações realizadas, se afiguram como importantes iniciativas

na compreensão do processo que envolve a concepção arquitetural.

Dentre as várias escalas arquiteturológicas, algumas se mostram alvo de

atenção especial. No nosso caso, a escala de modelo pode vir a ser de

extrema importância, em virtude da formação do arquiteto em questão e

possíveis influências dessa formação sobre a concepção de suas propostas.

Falamos da Escola Carioca, uma vez que João Maurício Fernandes de Miranda

7 Trata-se de um dos poucos estudos sobre a produção da arquitetura moderna em Natal.

Talvez o mais elaborado. Segundo sua autora, “este trabalho tem por objetivo apresentar a arquitetura moderna potiguar através dos seus exemplares residenciais, investigando especificidades dos seus aspectos formais, construtivos e espaciais que, em conjunto, demonstram mais um sotaque da arquitetura moderna brasileira: o potiguar”.

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cursou a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, tendo aí concluído o curso

de arquitetura em 1961.

O intervalo de sua produção, escolhido para análise, compreende os 20

primeiros anos de sua atuação profissional - no RN. Espera-se encontrar,

nesse período, caso sejam confirmadas, influências mais marcantes exercidas

pela referida escola sobre suas propostas. Nossa pesquisa não contempla as

propostas do arquiteto para edifícios de uso residencial – maior percentual em

sua produção. Optamos pelos edifícios de uso não residencial por acreditarmos

ter em mãos maiores chances de analisar propostas com um maior nível de

elaboração formal, principalmente nas propostas concebidas e apresentadas

em concursos.

De um total de 117 projetos (produção do período 1961/1981) de

residências, edifícios comerciais e edifícios públicos – construídos e não

construídos - foram selecionadas 10 propostas para análise aprofundada.

Foram adotados como critérios de escolha:

• a existência de registro gráfico, disponível no escritório do autor;

• aspectos qualitativos da informação gráfica capazes de fornecer

subsídios para a análise;

• informação gráfica em quantidade suficiente, permitindo a

aplicação da metodologia de trabalho da Arquiteturologia;

• memória do projeto, através do relato do seu autor.

O critério de seleção de maior peso, aquele que definiu as obras que

viessem apresentar maior diversidade de informação, enfim que tornasse

possível ter acesso a desenhos, croquis e a entrevistas com o autor, permitindo

a aplicação da abordagem escolhida.

As técnicas aplicadas previram também o uso da documentação indireta

- a pesquisa documental e bibliográfica -, além da análise qualitativa com base

na documentação (desenhos) e discurso, sendo prevista visita “in loco”.

Foi usada a observação direta intensiva para se obter aspectos da

realidade dos projetos executados e, também, para a aplicação de entrevistas.

A abordagem da Arquiteturologia, através das noções previamente

apresentadas, foi aplicada sobre o suporte gráfico – plantas, cortes, esboços e

perspectivas, etc – tendo em conta a possibilidade da Escola Carioca se

constituir na escala de modelo arquiteturológico aplicada pelo arquiteto. Esse

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modelo se constitui em um modelo de conhecimento, capaz de contribuir na

interpretação do fenômeno que se pretende analisar.

3.2.1 O ARQUITETO JOÃO MAURÍCIO F. DE MIRANDA E SUA PRODUÇÃO COMPREENDIDA ENTRE OS ANOS 1961 E 1981.

Trata-se de um profissional que, além da formação no Rio de Janeiro,

produziu projetos fortemente influenciados pela Arquitetura Moderna de

inspiração corbusieriana, tendo também atuação pedagógica destacada,

ministrando disciplinas nos cursos de Engenharia Civil e no Curso de

Arquitetura e Urbanismo da UFRN.

O arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda nasceu em Natal(RN)

em 1933, concluindo seu curso de arquitetura pela Faculdade Nacional de

Arquitetura no Rio de Janeiro, em 1961.

A partir de 1962 retorna a Natal dividindo suas atividades entre o

escritório de arquitetura e a sala de aula.

Lecionou, inicialmente, na Escola de Engenharia da UFRN, de 1965 a

1974. Entre 1974 e 1976, organizou a montagem do Curso de Arquitetura e

Urbanismo da UFRN, do qual foi seu primeiro coordenador. Lecionou nesse

mesmo curso as disciplinas Planejamento Arquitetônico I, II e IV; e

Planejamento Urbano e Regional I e II, entre os anos 1975 e 1988..

Em 1981, ano de publicação de sua obra “380 Anos de História Foto-

Gráfica da Cidade de Natal - 1599–1979”, registrava a produção de 112

projetos executados e 20 anos de atividade profissional.

No início da década de 60, associou-se a Moacir Gomes e Daniel

Hollanda no escritório de arquitetura PLANARQ – Planejamento Geral de

Arquitetura Ltda. A partir de 1972, instala seu próprio escritório com o nome

JOÃO MAURÍCIO – arquitetura e urbanismo, em atividade até os dias de hoje.

Sua produção, no período demarcado para a pesquisa, inclui projetos

como a sede do D.E.R. (1965), juntamente com Moacir Gomes e Daniel

Hollanda; Edifício Barão de Rio Branco e Conjunto Residencial Normandie

(1970); edifício sede do TRE (1972); capela do Campus da UFRN (1973); sede

da Procuradoria Regional da República (1973); Ginásio do Campus da UFRN,

Escola Kennedy, ambulatório da Base Naval, (sem acesso às datas precisas);

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fábricas Seridó (Natal) e Empele (São Gonçalo do Amarante); projetos de

várias residências e intervenção no patrimônio histórico local.

Sua formação, no Rio de Janeiro, aconteceu no período caracterizado

por SEGAWA (1998) como o de “Afirmação de uma Escola (a Escola Carioca)

1943-1960”. A adequação dos princípios corbusierianos à realidade local, a

essa altura, já merecia o reconhecimento da crítica internacional. A Escola

estava consolidada, e com ela seu léxico.

Para proceder à identificação e análise das escalas arquiteturológicas

foram, então, selecionados os seguintes projetos:

Catedral Metropolitana de Natal, Natal – 1966;

Tribunal Regional Eleitoral, Natal – 1972.

Procuradoria Regional da República, Natal – 1973;

Capela do Campus Central da UFRN, Natal – 1973;

Terminal Rodoviário de Natal, Natal – 1978;

Hospital Distrital de Macaíba, Macaíba, RN – 1981;

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4. ANÁLISE DOS PROJETOS SELECIONADOS

Neste capítulo, serão analisados os projetos selecionados da produção

do arquiteto João Maurício, anunciados no capítulo anterior. A leitura

arquiteturológica aplicada nessas propostas pretende revelar as pertinências

de escalas que mais se destacaram em sua concepção, bem como as funções,

as formas de relacionamento e modalidades de ocorrência entre elas.

Inicialmente, será apresentada uma leitura da proposta estabelecendo

possíveis relações com cada uma das pertinências apresentadas por Boudon

et al.(2000) – Escalas elementares. Essa leitura fornecerá os elementos que

definirão as escalas arquiteturológicas que mais se evidenciam e como elas se

articulam. A observação da edificação “in loco” (quando se tratar de obra

executada) e/ou do registro gráfico (único registro disponível no caso da

chamada arquitetura de papel), serão complementados pelos discurso(os)

produzido(os) pelo autor do projeto e outras fontes possíveis.

4.1 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DA CAPELA ECUMÊNICA DO CAMPUS DA UFRN, EM NATAL. O projeto arquitetônico da Capela Ecumênica do Campus Central da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN resultou de um concurso

fechado, instituído pela universidade em 1973, tendo sido convidados os

arquitetos potiguares Ubirajara Galvão e João Maurício Fernandes de Miranda,

além do paraense Alcir Meira, com resultado favorável ao arquiteto João

Maurício. Sua construção se deu nesse mesmo ano, tendo sido inaugurada em

dezembro do ano seguinte.

A Arquiteturologia, como foi dito no capítulo anterior, procura apreender

a complexidade do trabalho de concepção do arquiteto desde as idéias que

estão no início do processo e supondo a “embrayage” do espaço de concepção

com o espaço real.

Concebida sob a forma de pirâmide, totalmente em concreto aparente, o

volume principal que compõe a capela apresenta o cruzamento de suas

colunas inclinadas deslocado em relação ao centro da figura geométrica que

define a nave. Essa modificação, como afirmou Miranda, “foi motivada pelos

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estudos de acústica, previamente desenvolvidos, com o objetivo de garantir

boa propagação do som no interior da nave”. Enfatizando a liberdade de

criação do arquiteto, João Maurício colocou como importante esses estudos de

acústica, resultando na definição da dimensão das faces da pirâmide. Resulta,

também, dos mesmos estudos, a inclinação dessas faces e a autonomia na

definição dos tamanhos dos quatro triângulos que definem o volume. Levou-se

em consideração o local do altar como fonte de emissão do som que deveria

ser distribuído por toda a nave. Outra solução de ordem técnica diz respeito ao

revestimento da coberta. Foi recomendado, na época da construção, o uso de

alumínio para acabamento, não tendo sido executado, segundo o arquiteto

autor da proposta, por falta de recursos. Tem-se, portanto, soluções

determinadas por considerações de ordem técnica que remetem a uma

pertinência (escala arquiteturológica técnica), expressas através de atos de

escolha do arquiteto.

Outra escolha presidida pela escala arquiteturológica técnica foi o uso do

concreto armado. Sua flexibilidade plástica permitiu, com facilidade, a

execução da forma prevista.

Figura 18. Planta Baixa mostrando o cruzamento das vigas principais de coberta.

Fonte: acervo de JMFM, 2007.

A solução da nave semi-enterrada foi Justificada pelo autor do projeto

como possibilidade de permitir acesso visual às cerimônias, a partir do espaço

externo de circulação que contorna a nave.

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Figura 19. Corte mostrando a nave semi-enterrada.

Fonte: acervo de JMFM, 2007.

Foi criado o espaço da nave propriamente dito, onde a participação dos

fiéis seria direta; e uma outra opção para os que quisessem assistir de fora.

Criou-se um espaço de circulação em nível mais elevado (acima do nível de

piso da nave), onde as pessoas poderiam também deambular; uma forte

analogia com o alpendre da casa colonial. Os vitrais deveriam apresentar

partes fixas e móveis, possibilitando acesso visual a partir do exterior. Na visão

do autor do projeto, o espaço ecumênico deveria conotar a idéia de liberdade,

possibilitando diversas formas de participação. A escala arquiteturológica funcional, pois, é expressa mediante a influência dessas escolhas

comprometidas com o uso.

Figura 20. Vista da circulação externa, lateral à nave, abrigada sob a coberta.

Fonte: acervo do autor, 2007. A edificação apresenta uma cruz em sua fachada principal, deslocada da

pirâmide. A grande dimensão atribuída a este elemento serve para destacar o

uso simbólico da cruz na identificação da função básica do edifício. Esta

pertinência define a escala arquiteturológica simbólica dimensional. Ao

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mesmo tempo, o elemento cruz estabelece uma referência visual, capaz de

atrair a atenção do observador e indicar o acesso principal à nave. É útil para

orientar o usuário a partir do exterior, assim como mostrar o volume que marca

a entrada do edifício, resultando da aplicação da escala arquiteturológica ótica.

Figura 21. Vista da capela com a cruz em primeiro plano, mostrando também os

volumes que indicam o acesso. Fonte: acervo do autor, 2007.

O grau zero da escala arquiteturológica simbólica formal é

encontrado na solução da planta da capela. Esta foi concebida diferente da

planta tradicional do templo católico (sempre aludindo à cruz), apresentando

apenas o percurso que liga a entrada ao altar. Sua forma se apresenta

desprovida de simbologia – a forma trapezoidal não possui nenhum significado

no universo cristão -, sem qualquer conteúdo espiritual.

Figura 22. Comparação entre as duas propostas de planta: a tradicional e a da capela.

Fonte:wikipedia /acervo de JMFM, 2007.

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Como já foi dito, a nave da capela foi concebida semi-enterrada.

Considerando que não se trata de um determinismo topográfico, pois a porção

de terreno na qual ela está implantada é plana, esta solução expressa o grau

zero da escala arquiteturológica geográfica. Por outro lado, podemos afirmar

que os generosos beirais definidos pelo limite inferior da pirâmide, projetando

sombra, resultam de dimensionamento inspirado por essa mesma escala, em

função do clima local e da preocupação com o conforto térmico.

Figura 23. Beiral da pirâmide/coberta.

Fonte: Acervo do autor, 2007.

Figura 24. Corte longitudinal, mostrando a relação da nave com o terreno plano.

Fonte: Acervo de JMFM, 2007.

A topografia do terreno foi decisiva para definição do local de

implantação do edifício religioso. Conforme depoimento do autor do projeto,

“buscou-se o local mais elevado, que oferecia melhor visão, para aí ser

localizada a capela.” Aplica-se assim a escala arquiteturológica de visibilidade. A concepção da praça cívica foi posterior, locada em frente à

capela, sendo situada em cota de nível mais baixa.

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Figura 25. Vista aérea mostrando a capela e a praça cívica.

Fonte: acervo da UFRN, 2005.

Figura 26. Localização elevada da capela, mostrando o elemento que marca a entrada.

Fonte: acervo do autor, 2007.

A presença da coberta de quatro águas, conforme analogia estabelecida

pelo autor do projeto, expressa pertinências da escala arquiteturológica sócio-cultural. Segundo seu discurso, ele afirmou que a forma piramidal da

capela resultou da analogia com a coberta da casa grande colonial de quatro

águas. Outra analogia que pode ser registrada diz respeito aos vitrais coloridos

que contornam três das quatro faces da nave, remetendo às catedrais góticas.

Essas soluções, operantes no espaço de concepção, caracterizam

pertinências da escala arquiteturológica de modelo – no caso, modelo

morfológico. A presença do concreto armado, a exploração plástica da

estrutura e a forte geometrização da forma podem ser considerados elementos

tomados de modelos anteriores (Escola Carioca, Brutalismo Corbusieriano),

igualmente resultantes da mesma pertinência.

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Figura 27. Vista da coberta da capela, destacando-se entre as árvores. Fonte: Acervo

do autor, 2006.

Figura 28. Vista dos vitrais que contornam a nave. Fonte: Acervo do autor, 2006.

A presença marcante da geometria, definindo a volumetria do edifício, a

estrutura e a planta trapezoidal da nave, expressa a pertinência da escala arquiteturológica geométrica. Segundo afirmação do autor do projeto, não se

trata de determinação econômica. Em virtude de exercer uma dominância

sobre as demais, essa escala assume seu papel principal ou estruturante na

concepção. A função da escala arquiteturológica global é aplicada à escala

técnica e à escala funcional, recorrentes ao longo do processo de concepção.

A escala arquiteturológica humana tem sua expressão mais forte no

dimensionamento dos volumes que abrigam o acesso de entrada e o

apartamento do vigário. A relação estabelecida entre a dimensão do corpo

humano e os ambientes apresenta-se, aí, de forma mais visível.

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O projeto arquitetônico da capela apresenta vínculo mais forte com doze

escalas elementares, das vinte pertinências de escala apresentadas por

Boudon.

FUNÇÕES DE ESCALAS

Identificadas as principais escalas arquiteturológicas na leitura do projeto

do arquiteto João Maurício, passamos a examinar as funções que essas

escalas apresentam, durante o processo de concepção.

Iniciamos com a pergunta: o que estaria em jogo, na cabeça do

arquiteto, no início da concepção da capela do campus da UFRN, em Natal?

Como já foi dito, a forma de atuação das escalas ao longo do processo

de concepção, pode variar enormemente, sendo esta revelada através do

termo “modo operatório.” Com o intuito de proceder a uma modelização mais

detalhada da concepção, serão levantadas as escalas que participam de forma

mais decisiva do processo de concepção da capela. A ênfase recai sobre as

funções de inicialização. As demais funções não serão alvo de identificação

por terem uma atuação secundária em relação a essas.

O projeto se apresenta definido por formas nitidamente geométricas,

simples e marcantes - predominando a pirâmide de coberta da nave -,

facilmente apreendidas pela visão, sob a luz do sol da cidade do Natal. A

considerar pela determinação dessas formas na definição do edifício, a escala

geométrica parece presidir a escolha inicial do partido arquitetural, fornecendo

um ponto de vista para o início do processo de concepção.

Na origem do projeto, pode-se considerar ainda a presença da escala técnica. Como afirmou o autor da obra, partiu-se de estudos de acústica que

foram decisivos na definição inicial da volumetria, bem como no

dimensionamento dos triângulos que formam a pirâmide de coberta. Esses

estudos também foram importantes na definição do ponto de cruzamento das

vigas principais, sobre a planta da nave. Em razão da ênfase atribuída, essas

escalas terão função de inicialização para o projeto. Igualmente importante

como escala de inicialização pode-se eleger a escala funcional, que orienta

todas as decisões tomadas pelo arquiteto, no espaço de concepção. Temos,

portanto, três escalas elementares, consideradas na função de inicialização do

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projeto da capela. Essas escalas são “embrayantes”, pois permitem a

articulação com o espaço real. É importante registrar a presença da escala

sócio-cultural enquanto escala de modelo. Deve-se a esta pertinência a

analogia do deambulatório (espaço de circulação externa, em volta da nave)

com o alpendre das casas nordestinas, como afirmou o autor.

RELAÇOES DE ESCALAS No processo de concepção, as diferentes funções adotadas pelas

escalas, naturalmente conduzem a relações e articulações entre as mesmas. E

mais, sabe-se que uma construção não pode se limitar a determinação

procedente de uma única escala. Partindo dos três modos de relação de

escalas apresentados por Philippe Boudon, passaremos a observar como se

dá o relacionamento daquelas já identificadas como de importância na

concepção do edifício em pauta.

Observando-se a atuação das escalas técnica, geométrica e funcional, percebe-se sua participação ativa no dimensionamento da

volumetria da nave da capela, entre outros. Considerando a associação entre

as três, na definição das dimensões da citada nave, conclui-se por um modo de

relação por sobredeterminação, uma vez que elas se unem para definição de

uma única medida, de forma sincrônica.

Outra definição de medidas que é resultante de uma associação é dada

pelas escalas de modelo, sócio-cultural e técnica. Mais uma associação por

sobredeterminação. Trata-se da definição das medidas que compõem três das

paredes laterais da nave da capela. Chama-nos a atenção a porção superior

(onde se situam os vitrais). Concorrem, na definição de suas medidas,

pertinências resultantes dos espaços de referência que levam em conta o

modelo (os vitrais, o alpendre), os usos culturais (o alpendre da casa colonial) e

as possibilidades técnicas permitidas pelo concreto. A escala técnica

encontra-se presente nessas duas associações de escalas marcadas pela

sobredeterminação, confirmando, pois, a importância de seu modo de atuação.

Três outras escalas se associam também por sobredeterminação, para a

definição das medidas do elemento situado à entrada da nave. Escalas funcional, humana e ótica. Este elemento atende as pertinências que

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consideraram a função do espaço, seus usuários e a indicação do acesso

principal do templo. Predomina, entretanto, o ponto de vista ótico. No momento

que o arquiteto decide utilizar a escala ótica para estabelecer as dimensões do

elemento, esta escala passa a ser co-determinada pelas outras duas.

Em relação à fachada principal, a composição considera a pertinência

procedente da escala funcional e da escala humana, na definição do

elemento de acesso. Sua volumetria apresenta dimensões de alturas

diferentes, embora mantendo certa relação com a altura do espaço que separa

a pirâmide do solo – área ocupada pelos vitrais. A relação entre essas escalas

caracteriza o modo de justaposição, mostrando duas dimensões e dois

suportes de medida.

Um exame da volumetria geral mostra uma pirâmide que se destaca,

além de dois outros volumes menores. Observa-se uma mudança de escalas

entre eles. No primeiro, o dimensionamento privilegia a escala técnica,

enquanto nos outros dois as dimensões refletem, primordialmente, a escala funcional.

MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS As escalas técnica, funcional e geométrica foram definidas como

escalas inicializantes. A escala geométrica, devido a sua participação no

processo, determina ao partido um ponto de vista global, como também

pontos de vista relativos a níveis de concepção particulares. Cada elemento do

edifício tem suas dimensões determinadas por essa escala, cujo determinante

maior – a presença marcante da geometria - constitui a linguagem

predominante. As formas se destacam contra um fundo composto pelas dunas,

estabelecendo um contraponto. Um verdadeiro grau zero de escala de vizinhança.

Considerando as escalas que atuam de forma global e em operações de

medida relativas a partes do edifício, a atenção se volta, mais uma vez, para as

escalas técnica, geométrica e funcional. As duas primeiras com caráter mais

global, em razão de sua participação na maior parte das operações, a partir da

definição da volumetria básica; do partido. A última relacionada tem uma

atuação intensa no dimensionamento do projeto, embora, em alguns

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momentos, a pertinência encontrada seja definida por outra escala – simbólica,

por exemplo.

A escala de visibilidade apresenta uma participação muito limitada no

processo de concepção. Ela é acionada apenas no momento de implantação

no terreno, quando se escolhe a cota mais elevada. Igualmente atuante de

forma limitada, observa-se o ponto de vista operado através da escala ótica. A

definição das dimensões de altura da cruz, à frente da fachada principal,

resulta de escolha com implicação apenas local.

A escala geométrica, como vimos, tem implicação global no projeto. No

momento em que ela é acionada para definição dos vitrais que contornam a

nave, ela passa a ter implicação também local.

Outra modalidade de ocorrência é o grau zero da escala. Foi

identificado o grau zero da escala arquiteturológica geográfica. Observou-se

a solução da nave semi-enterrada sem que a topografia do terreno assim

determinasse. Outro grau zero de escala foi identificado na escala arquiteturológica simbólica formal, definida pela planta da capela que foge à

definição tradicional da nave das igrejas católicas - ruptura muito recorrente

nos projetos de arquitetura moderna: catedral de Brasília, por exemplo. O ponto

de vista adotado pelo arquiteto privilegia a função – no primeiro caso – e a

técnica – no segundo. A observação atenta indicará outros graus zero de

escalas, como no caso da definição das dimensões da cruz plantada em frente

à capela. Sua altura, por exemplo, não resulta de determinante de ordem

técnica, mas de ordem simbólica.

As constatações acima ilustram negação intencional do projetista

durante operações de referenciação, dimensionamento ou recorte – as três

operações constitutivas da escala arquiteturológica -, ao longo do processo de

concepção, definindo pertinências nessas escalas de forma invertida.

Mobilizadas ao contrário.

A escala arquiteturológica pode receber um tratamento por conotação.

A idéia de liberdade, segundo seu autor, presidiu a concepção arquitetônica da

capela do campus da UFRN, em Natal. Criado com a intenção primordial de

atender a cultos de diversas religiões, o edifício se apresenta desprovido de

símbolos exclusivos, expressão de uma única crença.

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Essa idéia, refletida no espaço, foi expressa por uma coberta em forma

de pirâmide. A forma do templo – casa de DEUS – se inspira na forma da

habitação com telhado em quatro águas – casa do homem. A escala simbólica

é operada, orientando as operações da pertinência técnica. A significação

conotativa do signo “casa” é trabalhada na definição do partido

arquiteturológico, configurando um tratamento de escala por conotação. A

solução apresentada pelo arquiteto, criando a pirâmide, conota simbologia e

técnica. Expressa a modernidade de forma geométrica e através do concreto.

A escala sócio-cultural é solicitada na consideração do ponto de vista

inicial, permitindo o desenvolvimento do partido. A analogia com o alpendre

resulta, também, da mesma solicitação.

Como já foi apresentado anteriormente, a atuação das escalas técnica, geométrica e funcional, na definição das dimensões da nave da capela,

define um modo de relação por sobredeterminação, uma vez que elas se unem

para definição de uma única medida. As escalas de modelo, sócio-cultural e técnica se unem numa associação por sobredeterminação para definição das

medidas que compõem três das paredes laterais da nave da capela. Três

outras escalas se associam também por sobredeterminação, para a definição

das medidas do elemento situado à entrada da nave. Escalas Funcional,

Humana e Ótica. Essas associações apresentam, também, compatibilidade de escalas, pois, segundo Philippe Boudon toda sobredeterminação supõe a

compatibilidade, embora o inverso não seja sempre confirmado.

4.2 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO HOSPITAL DISTRITAL DE MACAÍBA/RN O projeto arquitetônico do Hospital Distrital de Macaíba/RN foi concebido

em 1981, atendendo a uma solicitação do então Prefeito da cidade, embora

não tenha sido executado. Foi dimensionado para funcionar como hospital

geral, devendo atender a clientela da região onde se insere o município.

Situada em terreno ligeiramente inclinado, próximo ao rio Jundiaí que passa ao

lado, a edificação projetada em dois pavimentos, com características

volumétricas preponderantemente horizontais e geométricas, apresenta planta-

baixa se desenvolvendo em torno de um pátio central.

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Figura 29. Maquete do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM.1981.

O pavimento térreo é ocupado pelos setores de urgência, ambulatório e

serviços.

Figura 30. Planta-Baixa do Pavimento Térreo. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Figura 30-a. Zoneamento do Pavimento Térreo. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba.

Fonte: acervo de JMFM. 1981.

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No pavimento superior ficam o centro cirúrgico, enfermarias e

apartamentos.

Figura 31. Planta-Baixa do Pavimento Superior. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba.

Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Figura 31-a. Zoneamento do Pavimento Superior. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba.

Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Suas fachadas resultam de composições definidas por linhas horizontais

e verticais, perfazendo entre si ângulos de 90º.

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Figura 32. Fachada Principal. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Basicamente se apresentam divididas em duas faixas horizontais. A

inferior, mais simples, com poucas aberturas; a superior, mais trabalhada,

exibe aberturas verticais situadas entre a platibanda e uma viga horizontal que

marca o início do pavimento superior.

Figura 33. Detalhe de fachada, mostrando a divisão dos dois pavimentos. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Figura 34. Fachada Posterior. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Embora tenha tido ótima recepção por parte do cliente, conforme

depoimento do autor, o projeto jamais saiu do papel.

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Na observação do projeto do edifício do Hospital Distrital de Macaíba, é

possível localizar características que remetem às escalas arquiteturológicas,

tomando por base os desenhos e as afirmações do seu autor.

Serão destacadas as escalas técnica, geométrica e funcional por

serem aquelas que mais oferecem pertinência para dimensionar o espaço

arquitetural, ao mesmo tempo em que se mantêm presentes ao longo de todo o

processo de concepção. São elas que orientam a maior parte das escolhas

feitas pelo arquiteto. Seu resultado percebe-se na organização da planta-baixa,

na definição da volumetria e nos aspectos que caracterizam as relações

funcionais no edifício.

Durante a concepção do referido projeto as escolhas presididas por

considerações de ordem técnica, segundo afirmação do próprio autor, são

responsáveis por boa parte das soluções apresentadas. São percebidas,

sobretudo, na definição prévia do zoneamento adotado; no

dimensionamento/definição volumétrica da caixa da água; na utilização de

rampas de acesso e no dimensionamento dos elementos que fazem a proteção

contra a insolação direta das fachadas do pavimento superior. Este último

também se deve à pertinência geográfica (aspectos climáticos, insolação e

ventilação dominante).

As referidas considerações, visando incutir uma modalidade de

atribuição de medidas a uma parte ou ao todo do espaço arquitetural, assim se

justificam: O zoneamento considera a organização espacial dos ambientes, as

relações de proximidade entre eles, bem como os fluxos de circulação,

tomando como referência estudos previamente realizados por especialistas em

arquitetura hospitalar. O aspecto técnico precede a funcionalidade.

A definição da planta-baixa, em termos gerais, é orientada por essas

considerações, cabendo os ajustes pertinentes a outra etapa, quando da

definição da funcionalidade. A altura da caixa da água foi definida a partir da

necessidade de garantir pressão satisfatória, considerando a demanda e a

eqüidistância dos diversos pontos a atender, bem como os dois pavimentos

superpostos. Trata-se, por conseguinte, de outra atuação da escala arquiteturológica técnica. Outra definição de dimensões que considerou a

escolha técnica é a adoção de rampas - além de escadas -, na interligação dos

dois pavimentos. Outro ato de escolha que expressa essa escala diz respeito à

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definição dos elementos que fazem a proteção contra a insolação direta das

fachadas do pavimento superior.

A escala arquiteturológica geométrica é identificada na definição da

volumetria geral, na concepção das fachadas e também na implantação no

terreno. Como se pode observar, a geometria se faz presente, de forma

incisiva, na definição de todas as formas que compõem a proposta.

Figura 35. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba, destacando a linguagem geométrica da fachada. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Figura 36. Fachada Lateral. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

O mesmo se pode afirmar da composição das fachadas e da rigidez da

implantação sobre o terreno.

A presença da escala Funcional acompanha todo o processo de

concepção do projeto. Essa escala apresenta caráter global.

Outras pertinências de escala podem ser percebidas, com menor

ênfase, ao longo do citado processo. É o caso da escala simbólica dimensional e de visibilidade que atuam sobre a caixa da água.

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Figura 37. Corte Esquemático. Projeto do Hospital Distrital de Macaíba. Fonte: acervo de JMFM. 1981.

Ao mesmo tempo, seu dimensionamento expressa compromisso com o

símbolo que conota (marco), enquanto funciona, também, como ponto de

referência visual. A escala Geográfica é expressa através da solução

encontrada para combater a insolação das fachadas e sombreamento da

circulação dos consultórios do andar térreo. À escala Ótica é credenciada a

mudança de tratamento da fachada principal, em relação às demais. A

organização espacial da planta em volta do pátio mostra que a escala de Modelo foi acionada. Uma vez mais, a ênfase sobre a escala arquiteturológica

funcional é precedida por outra.

FUNÇÕES, RELAÇÕES E OCORRÊNCIAS DE ESCALA

As escalas técnica, geométrica e funcional atuam no início da

concepção; têm, portanto, função de inicialização. O ponto de vista para o

começo do trabalho é fornecido pela escala técnica; as informações técnicas

geram a definição prévia do zoneamento adotado: desenvolvimento da planta-

baixa, em torno do pátio aberto, com a organização dos ambientes e destaque

para os fluxos de circulação.

Essas mesmas escalas vão definir, também, o partido arquiteturológico.

Todas elas vão permitir tornar precisas as orientações iniciais do projeto, dar

pertinências às intenções iniciais. Pode-se constatar, ainda, outras idéias

presentes nesse momento, como por exemplo, em relação à caixa de água.

Além do aspecto técnico, houve a intenção de transformá-la em marco de

referência. Para isso, foi considerado o ponto de vista fornecido pelas escalas

simbólico-dimensional / de visibilidade / ótica.

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Com relação às escalas com pontos de vista global e local, destacamos as escalas técnica e a de função como global, pelo fato delas

englobarem um conjunto de elementos presentes ao longo de todo o processo.

O mesmo não se afirma quanto à escala ótica, em relação ao tratamento das

fachadas. Percebe-se que a fachada principal sofre uma transformação em seu

traçado que a torna diferente das demais, atraindo a atenção do observador

sobre si. Nesse caso, a escala Ótica tem a função de escala com ponto de

vista local. Outros pontos de vista são fornecidos pelas escalas de modelo e geográfica. O uso do pátio, na organização da planta-baixa, se orienta por um

ponto de vista que pode ser considerado local, em virtude de se tratar apenas

de um recorte. A escala geográfica, responsável pelo sombreamento da

circulação dos corredores dos consultórios, no pavimento térreo, também

apresenta uma função local. Trata-se de outro recorte operacionalizado.

No geral, pode-se afirmar que as escalas técnica, funcional e geométrica consideram pontos de vista que a definem como de função global;

a escala simbólica-dimensional, de visibilidade, geográfica, ótica e de modelo podem ser definidas como de função local. Uma mesma escala pode

apresentar vários pontos de vista, dependendo do contexto em que é

considerada. Tomemos como exemplo a escala técnica que é considerada

atuando sob um ponto de vista global. Esse ponto de vista passa a ser local

quando atua na definição de dimensões como a dos elementos que

possibilitam a proteção das paredes contra a insolação.

Partindo do princípio que cada edificação resulta da atuação de várias

escalas observam-se algumas associações, como por exemplo: na definição da

volumetria, da caixa de água e do tratamento das fachadas do pavimento

superior. A definição da volumetria resulta da associação entre as escalas técnica, de função e geométrica, e do ponto de vista de visibilidade; a

definição da caixa de água envolve as escalas técnica, geométrica, de visibilidade, simbólica-dimensional e ótica, resultando do ponto de vista

simbólico-dimensional; e, a definição do tratamento das fachadas do pavimento

superior associa as escalas técnica, geográfica e geométrica, comprometida

com o ponto de vista geográfico. Todas essas associações se dão por

sobredeterminação, em que várias escalas se reúnem para atuar, em

sincronia, sobre uma única operação de medida.

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Quando a escala técnica age sobre a definição das aberturas das

janelas, a escala geográfica determina o dimensionamento da proteção das

fachadas do pavimento superior. Nesse caso, coexistem abertura e

tratamento, caracterizando relação de escalas por justaposição.

Uma escala pode atuar durante o processo de concepção, levando

outras consigo, de forma diacrônica, (cascata de escalas). As operações de

uma escala, nesse contexto, se ligam a novas operações, sendo a pertinência

decorrente de outra escala. A definição do sombreamento da circulação dos

consultórios do térreo (escala Geográfica) mantém vínculo com as operações

de medida advindas da adoção do pátio (escala de modelo). A decisão

relativa à definição da caixa de água (em princípio decorrente de uma escala técnica) leva a outra definição que se apóia na questão da visibilidade. Trata-

se de um encadeamento de escalas do tipo revezamento.

No desenvolvimento dessa proposta, algumas operações de escala

encontraram sua pertinência ao contrário. Pode-se observar isso na

constatação de ausência de influência do meio construído imediato na

definição da edificação; da forma do terreno, na definição da implantação; de

heranças sócio-culturais, como referência; de expressões verbais definindo o

edifício e de indicação de possível área de expansão do projeto. São definidas

de tal maneira que o arquiteto decidiu fazer uso do chamado grau zero de escala. São negadas, no desenvolvimento da proposta do hospital, as

pertinências, por via direta, das seguintes escalas: de vizinhança, de parcelamento, sócio-cultural, semântica e de extensão. Assim, aspectos

ligados a essas escalas como contigüidade vicinal, projeção da edificação no

terreno em relação com sua forma, seu tamanho e seus limites, o uso de

soluções orientadas por práticas ou herança cultural não participam das

escolhas realizadas pelo arquiteto durante a concepção da proposta.

A idéia de conotação traduz um segundo significado que é colocado

sobre a significação direta – denotação. Inicialmente a idéia de caixa de água

remete a um reservatório com capacidade de armazenar água e distribuí-la. A

essa idéia se sobrepõe uma outra, de expressão vertical da forma, com o fim

de criar um referencial visual. A escala simbólica-dimensional foi alvo de um

tratamento por conotação.

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Na modalidade de ocorrência de escalas, outro aspecto a ser

considerado é a compatibilidade. Por princípio, todas as escalas que se unem

por sobredeterminação apresentam compatibilidade. O inverso, no entanto,

não se verifica, conforme afirma Boudon. Nem todas as escalas que

apresentam compatibilidade entre si, se unem por sobredeterminação.

Levantadas estas questões sobre a concepção da proposta do Hospital

Distrital de Macaíba, sobre as iniciativas tomadas por seu conceptor/arquiteto,

a partir dos desenhos e depoimentos, torna-se mais clara a possibilidade de

aplicação da Arquiteturologia no conhecimento da arquitetura e seu potencial

como instrumento de ajuda em sala de aula, no ensino de projeto.

4.3 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO EDIFÍCIO DO TERMINAL RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS DE NATAL/RN

Concebido em 1977, pelo arquiteto João Maurício Fernandes de

Miranda, esse projeto foi fruto de um concurso de anteprojetos de arquitetura,

realizado a nível estadual, sob responsabilidade da Secretaria de Transportes e

Obras Públicas do RN e da Prefeitura Municipal do Natal. Trata-se de mais

uma proposta de arquitetura de papel, em virtude de não ter sido executada.

O Terminal de Passageiros deveria ser considerado do tipo “C” -

conforme designação do Manual de Implantação de Terminais Rodoviários de

Passageiros / Ministério dos Transportes - e composto pelos setores de

operação1 (embarque e desembarque); de uso público; de operação2

(predomínio de comércio); e de administração. Sua capacidade final, prevista,

deveria apresentar dezoito plataformas de embarque e dez de desembarque.

Descartando a solução em uma única edificação, a proposta foi

concebida como um conjunto definido por três volumes, predominantemente

horizontais que se articulam, somados a um outro vertical (castelo de água). Os

três horizontais apresentam um corpo principal (definido, porém com

possibilidade de expansão) e dois secundários. Na área de cota mais baixa do

terreno, o pé-direito corresponde a dois pavimentos (setor de embarque e

desembarque), com a ligação ao piso de cota mais alta realizada através de

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rampa. De acordo com o Edital do concurso, a implantação deveria se dar por

etapas (na prática, duas, como se lê na Memória do projeto à página I-4).

Figura 38. Perspectiva Externa do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

O Terminal deveria ser implantado em uma área de aproximadamente

10 ha, ladeando o encontro de duas avenidas, no bairro Cidade da Esperança.

Caracterizado como residencial de baixa renda, apresentando, também, baixa

densidade de ocupação, esse bairro apresentava vazios urbanos, praticamente

não havendo edificações na vizinhança do terreno. Em relação à forma do

terreno, a edificação proposta apresenta implantação tomando como referência

eixos ortogonais, paralelos aos lados. A concepção buscou evitar cruzamento

de circulação entre os fluxos de ônibus urbano e rodoviário, bem como de

pedestres. Situa-se o Terminal, portanto, como ponto de transição para o

usuário - conforme afirma seu autor -, ente os sistemas de acesso viário urbano

e rodoviário. (Memória do Projeto p. I-2).

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Figura 39. Vista de Implantação do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal.

Fonte: acervo de JMFM. 1977.

Suas formas se apresentam caracterizadamente simples e geométricas.

Definidas em função da solução estrutural, elas compõem fachadas, conforme

se lê na memória do projeto, “resultantes da proteção e contraste das sombras”

(p. I-5).

Figura 40. Fachada Oeste e trechos de outras fachadas do Projeto do Terminal Rodoviário de Natal, mostrando a importância da estrutura em sua definição.

Fonte: acervo de JMFM. 1977.

Tratam-se de formas originadas por um jogo de horizontais e verticais,

exibindo marcação predominantemente horizontal e apresentando

transparência no preenchimento dos espaços.

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Figura 41. Fachada parcial do Terminal Rodoviário de Natal, mostrando a importância da estrutura em sua definição. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

Figura 42. Fachada parcial do Terminal Rodoviário de Natal, mostrando a importância da estrutura em sua definição e o destaque da caixa de água. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

Figura 43. Detalhe de fachada do Terminal Rodoviário de Natal. Composição valorizando a estrutura e os elementos de vedação. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

Destaca-se a caixa de água, concebida como elemento funcional e, ao

mesmo tempo, monumental. Uma referência espacial que pode ser alcançada

visualmente, à distância.

No desenvolvimento do processo de concepção da proposta, as

considerações de ordem técnica, na atribuição de medidas ao espaço

arquitetural, constituem operações das mais recorrentes. A começar pela

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categorização atribuída ao Terminal, que além de se deter nos aspectos

funcionais, toma como ponto de partida dimensões pré-estabelecidas, todas

definidas a partir de considerações eminentemente técnicas. A definição das

áreas dos ambientes que constituem os setores de operação (embarque e

desembarque), de uso público, de operação (predomínio de comércio) e de

administração, assim como da modulação estrutural resultam dessa

pertinência. Daí decorre que a definição da volumetria do conjunto e das

fachadas também encontra sua referência na escala técnica, pelo vínculo que

mantém com a estrutura.

A pertinência conferida pela mesma escala pode ser vista na definição

da caixa de água, embora se perceba a incidência de outras escalas, como a

de visibilidade e a ótica. Além de conter a água, a construção funciona como

marco de referência e como algo que foi criado para ser visto à distância.

A categorização atribuída ao terminal indica, também, previamente, a

forma de uso da edificação, reflexo da atuação da escala funcional. E porque

não, de Modelo, quando se sabe da existência de um Manual que dispõe sobre

todos os esquemas? Essa mesma escala vai atuar, de forma clara, na

utilização de rampas ligando os dois níveis de piso e, ao mesmo tempo, na

definição das funções em planta e áreas de circulação - evitando cruzamentos.

A função, nesse projeto, como determinante de operação de medidas se

apresenta como outro referencial de uso constante. A concepção arquitetônica

é definida como simples e fortemente funcional. A organização da planta-baixa

do bloco principal, desenvolvida ao longo de um eixo longitudinal, expressa

essa escolha. O resultado em planta chega a apresentar um caráter marcial, ao

observarmos a distribuição rígida das funções no plano, confirmando sua

importância na elaboração da proposta e sua prioridade sobre outros aspectos,

como o plástico, por exemplo.

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Figura 44. Terminal Rodoviário de Natal. Planta-Baixa do Bloco Principal. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

O destaque da caixa de água sobre a volumetria das edificações, com

sua grande dimensão, demonstra uma intenção de ir além da preocupação

com os aspectos técnico-funcionais. Percebe-se associação a um conteúdo

que se realiza em outro plano. O volume ganha em monumentalidade,

estabelece-se uma referência visual. (escala simbólica-dimensional, além

das duas outras citadas acima).

O terreno em declive, como se pode observar nos cortes, leva o

arquiteto a criar um duplo pé-direito no setor de embarque/desembarque. Um

sistema de rampas conecta os dois níveis de piso; esta solução traduz uma

recorrência à escala arquiteturológica geográfica, motivada pelo declive do

terreno. Igualmente, identifica-se a mesma recorrência na adoção de

generosos beirais e no desnível da coberta do bloco principal (como se pode

ver na perspectiva do conjunto). Essa solução traduz a necessidade da

proteção contra a insolação das paredes e da entrada de luz natural, na

iluminação da circulação.

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Figura 45. Projeto do Terminal Rodoviário de Natal. Cortes mostrando a implantação no terreno. Fonte: acervo de JMFM. 1977.

É prevista a expansão do bloco principal, que deve variar de forma

proporcional ao aumento da capacidade de embarque do Terminal, conforme

memória do projeto. Trata-se de uma operação de concepção que considera o

tempo em uma perspectiva de futuro, expressão da escala arquiteturológica de extensão.

Juntamente com as escalas técnica e funcional, a escala econômica

teve participação definitiva na seleção de escolhas realizadas pelo arquiteto.

Trata-se de um determinante que orienta, conforme memória do projeto, todos

os passos trilhados pelo arquiteto / “conceptor”. O resultado plástico reflete

claramente essa questão. A simplicidade de linhas e a geometrização de suas

formas (também resultante da escala geométrica) traduzem, de modo claro,

os determinismos mais expressivos, de forma racional.

Duas outras escalas foram alcançadas ao contrário. Refiro-me à escala de vizinhança e à escala sócio-cultural. Observa-se o grau zero da escala

de vizinhança, considerando que, em nenhum momento, qualquer dimensão foi

atribuída levando em consideração as edificações do entorno do Terminal. O

mesmo se pode afirmar quanto à influência de heranças sócio-culturais

utilizadas como referência na definição da proposta. Espacial ou

morfologicamente.

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Não se pode esquecer a presença da escala humana, ajudando a

dimensionar ambientes, circulações, entre outros, apesar das dimensões

monumentais da edificação (como se pode ver em desenho de fachada, na fig.

42).

FUNÇÕES, RELAÇÕES E MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS

Passemos a examinar as funções que essas escalas apresentam,

durante o processo de concepção. Convém lembrar que as escalas remetem a

operações de referenciação, recorte e dimensionamento, podendo ocupar

diferentes funções no espaço de concepção. Igualmente, que uma mesma

escala pode ocupar funções diferentes, reveladas pelo seu “modo operatório”.

Comecemos pelo tratamento das orientações iniciais do projeto.

Identificadas as principais escalas arquiteturológicas na sua leitura, qual ou

quais participam, de forma expressiva, da escolha inicial do partido

arquiteturológico? Pelos aspectos considerados e pelas confirmações,

principalmente através dos desenhos, três escalas se destacam no processo

de concepção do Terminal. São elas: a técnica, a de função e a geométrica.

As três têm participação ativa na definição do partido, pois organizadas entre

si, permitem ao arquiteto dar pertinência às suas intenções iniciais. Assim

sendo, a proposta se define sob a determinação dessas escalas, de forma

constante, conforme se pode observar nas características da proposta.

Dentre elas, o ponto de vista fornecido para começar o projeto provém,

sobretudo, da escala técnica, que tem no Manual de Implantação de

Terminais Rodoviários do MT, anexo ao Edital do Concurso, uma forte

referência. É preciso destacar a presença da escala econômica no início do

projeto. O custo da obra contribui para determinar suas características que vão

desde a definição da estrutura, escolha dos materiais, até a adoção das

formas.

A função de Inicialização é desempenhada pela escala técnica, pelo

fato dessa comandar o início da concepção, impondo um ponto de vista a todo

o processo (ponto de vista Global). Observa-se a pertinência permitida por

essa escala, no dimensionamento do espaço de concepção e em algumas

operações de referenciação, respondendo a quase todas as demandas por

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atribuição de medidas. Pode-se atribuir essa função também às escalas ditas

de função e geométrica, pela intensidade com que participam desse

momento, como também do partido arquiteturológico. Outra participação

especial no processo de concepção se deve à escala econômica, responsável

pelas decisões, em todos os momentos.

Como exemplo de ponto de vista Local, chamamos a atenção sobre a

definição dos generosos beirais, concebidos para proteger do sol,

principalmente. Dentre as diversas escalas, destacamos as mais importantes

que atuam como escala em nível de concepção. São elas: simbólica-dimensional, de visibilidade e ótica, que se associam na definição da caixa

de água; geográfica, na definição de rampas de acesso; e, de extensão, na

possibilidade de expansão do bloco principal.

Todas as escalas citadas remetem, predominantemente, a operações de

dimensionamento. As demais, contempladas na identificação, apresentam

função apenas “embrayante”, permitindo articulação com o espaço real.

Segundo afirmação de Philippe Boudon et al. (2000), a concepção de

um edifício pressupõe a intervenção de várias escalas que podem se articular

por Justaposição ou Sobredeterminação. Observando as escalas identificadas,

percebe-se a presença constante das três que se juntam para atuarem como

de inicialização/partido arquiteturológico: técnica, de função e geométrica

(acrescente-se a de custo). As relações estabelecidas entre essas escalas

voltam-se para as funções citadas. Um olhar mais atento registra o caráter de

junção que preside a atuação dessas escalas em quase todos os momentos,

caracterizando a relação por sobredeterminação. Outro caso de relação

semelhante se dá na definição da caixa de água. Juntam-se as escalas de visibilidade, ótica e simbólica dimensional. Nenhuma relação expressiva por

Justaposição foi identificada.

Já anunciamos as modalidades de ocorrência de grau zero das escalas

de vizinhança e sócio-cultural. Como vimos, a proposta não contou com a

intervenção de heranças culturais ou sociais, muito menos qualquer influência

possível, de operacionalização de medidas, presidida pelas dimensões do

entorno construído. Considerando a determinação das escalas técnica e de função, bem como sua participação efetiva nas operações de medida,

produzindo uma proposta totalmente racional, justifica-se o grau zero de escala

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registrado em relação à escala sócio-cultural. O ponto de vista considerado se

atém apenas aos aspectos funcionais e técnicos. Nenhuma forma ou medida

foi atribuída ao espaço arquitetônico que tenha levado em consideração

alguma convenção, forma tradicional ou herança cultural.

A predominância de soluções técnicas e funcionais resulta de uma

escala econômica, que funciona como símbolo da racionalidade e fornece o

ponto de vista para o desenvolvimento da proposta. É o caso, por exemplo, da

organização da planta-baixa do bloco principal, que chega a apresentar um

desenho estático, atendendo, primordialmente, a prerrogativas de ordem

quantificável. Por outro lado, observa-se a total compatibilidade dessas

escalas, quando se trata de definir a volumetria do conjunto, determinada pela

escala geométrica.

4.4 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA, EM NATAL / RN.

Projeto arquitetônico concebido em 1973, o edifício da Procuradoria

Geral da República, em Natal, atendeu a uma solicitação do Procurador, à

época, o Sr. Francisco das Chagas Rocha. O projeto resultou construído, tendo

sido implantado na Avenida Deodoro da Fonseca, Cidade Alta, em um terreno

central de quadra, voltado para o poente, cuja vizinhança se constituía de

edificações residenciais de um e dois pavimentos. Segundo seu autor, a

execução obedeceu fielmente à proposta apresentada. Hoje, a edificação se

encontra em estado decadente, embora ainda não totalmente

descaracterizada, principalmente devido à mudança da Procuradoria para outro

endereço.

A concepção da proposta considerou, de início, as características do

terreno estreito, devendo abrigar um programa relativamente grande, em razão

das necessidades do cliente. O arquiteto apelou para uma solução que

implanta a edificação no centro do terreno, com os pavimentos distribuídos em

desnível. São três pavimentos locados em função de uma escadaria central; os

dois pavimentos superiores estando separados entre si, apenas por um lance

(meio pé direito) de escada. O acesso do térreo ao primeiro andar, no entanto,

se desenvolve ao longo de dois lances. O pavimento térreo concentra as

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funções voltadas para o atendimento do público, juntamente com as de serviço

e apoio; no segundo pavimento foram instaladas as funções administrativas,

assessorias e biblioteca; o último pavimento foi reservado ao gabinete do

procurador-chefe, sala de reuniões e secretaria.

Segundo depoimento do autor, a volumetria foi pensada com a intenção

de apresentar “vazios, sem ligação entre si”. É definida por uma composição

que se inspira na linguagem geométrica modernista, em que o cubo se destaca

como geratriz.

Figura 46. Vista da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1974.

As fachadas apresentam, em conseqüência, uma composição dinâmica,

a partir de um jogo de horizontais e verticais, destacando arcadas nas laterais

(com a função de protegê-las contra a insolação intensa) e alturas variadas.

Figura 47. Fachada Lateral da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

No processo de concepção da proposta os determinantes funcionais e geométricos, como se pode aferir dos desenhos, tiveram prioridade sobre os

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demais. Segundo afirmação do arquiteto João Maurício, o programa discutido

com o cliente foi decisivo para a implantação da edificação no terreno,

sobretudo na forma de ocupação vertical, como já foi comentado

anteriormente. Igualmente, a presença das formas geométricas se constitui em

outro fator de peso na concepção do edifício. É clara a pertinência geométrica

para as soluções adotadas na proposta.

Os determinantes técnicos, aparentemente, apresentam influência

secundária na concepção da proposta; sobretudo, se fazem presentes através

do programa (responsável pelo dimensionamento dos ambientes e pela

organização dos espaços).

Figura 48. Planta Baixa do pavimento Térreo da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

Figura 49. Planta Baixa do primeiro pavimento da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1973.

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Figura 50. Planta Baixa do segundo pavimento da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

A forma de implantação no terreno também reflete o determinismo

técnico. Resulta da observação dos recuos mínimos exigidos e adota uma

solução de ocupação vertical especial. Apesar disso, não há indícios que

coloquem a pertinência técnica em evidência.

Figura 51. Planta de Situação e Coberta da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM . 1973.

Figura 52. Corte Longitudinal da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

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A proposta não lança mão de determinante simbólico dimensional ou

formal. Assim, não apresenta uma forma comprometida com aspectos ligados a

questões simbólicas,

Embora o programa, indiretamente, tenha determinado a altura da

edificação, a relação com as edificações da vizinhança, coincidentemente, se

apresentava de forma equilibrada, na época de sua construção. Ainda hoje é

possível observar-se essa relação resultante.

Figura 53. Vista atual da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo do autor.

2008.

A planta de locação do edifício no terreno foi solucionada tomando como

referência a forma do lote (determinante parcelar), mantendo paralelismo com

suas faces.

A orientação geográfica foi responsável pela concepção das fachadas

laterais, principalmente. Vê-se, aí, a presença de uma arcada que atua como

“brise soleil”, proteção contra a insolação excessiva. Tratam-se, na realidade,

de “brises” verticais, arrematados por arcos plenos.

Figura 54. Fachada Lateral e Detalhe da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

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Quanto à visualização, o arquiteto pretendeu criar um jogo de volumes

separados por vazios. O volume que se destaca na fachada principal, no último

pavimento, participa da composição com a função específica de chamar a

atenção para o conjunto. Esta solução mostra a atuação da escala de visibilidade.

Figura 55. Fachada Principal da Procuradoria Geral da República em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

A presença das arcadas, nas fachadas laterais, pode ser vista como

determinada por uma pertinência sócio-cultural (escala sócio-cultural). Trata-

se de um elemento bastante explorado pela arquitetura brasileira colonial e

moderna, constituindo-se em herança cultural, retomada pelo arquiteto. Aqui

elas apresentam, conforme afirmação do autor, dupla função: “composição de

fachada e proteção solar”. O uso do arco também pode ser considerado como

remetendo à pertinência de modelo (escala de modelo – morfológico). Nesse

caso, o que está sendo levado em conta é o elemento arco - elemento de

composição -, aqui retomado e reproduzido em série – arcada. Inúmeros são

os exemplos, desde as galilés das igrejas barrocas brasileiras até os edifícios

de Brasília.

Em relação à importância atribuída à função, a escala funcional assume

o caráter de escala global estruturante, pois este determinante está presente

estruturando toda a proposta; lembrando, segundo o autor do projeto, o

programa de necessidades foi resultado de estudos com o cliente -

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organização das funções. Já a escala geométrica assume o caráter de escala global dominante; ela colabora com o conjunto das pertinências, mas não

ordena o sistema. As escalas funcional e geométrica, considerando que elas

são escalas globais, são vistas como meta-escalas, em virtude da ênfase que

recai sobre elas no processo de concepção; as demais são apenas

elementares - conceito que envolve todas elas.

A relação estabelecida com a escala humana preside toda a proposta.

A representação do homem, na fachada principal, em duas posições, ilustra

esse fato. A escala humana, por conseguinte, assume o papel do determinante

com mais importância do que a escala simbólica formal, apesar do caráter

público da edificação.

FUNÇÕES, RELAÇÕES E MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS

Como já é do nosso conhecimento, as escalas podem assumir várias

funções no espaço de concepção, em meio ao processo de atribuição da

medida definitiva de uma parte ou da totalidade do espaço arquitetural.

Observar as diferentes funções das escalas no espaço de concepção permite

traçar uma modelização mais aprofundada desse processo - a concepção. De

acordo com a abordagem arquiteturológica, as escalas podem assumir as

funções de inicialização, limitação, “embrayage” e representação.

A operação de recorte (“Découpage”) se apresenta como uma das três

operações constitutivas da escala arquiteturológica. Esta operação define

sobre o que vai incidir a atribuição de medida e resulta da seleção de alguns

elementos, por parte do arquiteto, sobre os quais concentra seu trabalho. Tem-

se o exemplo da caixa de água, cuja função extrapola a decisão técnica, e a

arcada das fachadas laterais. A primeira, integrando a composição volumétrica

e a segunda protegendo as paredes da insolação e compondo a fachada.

As escalas funcional e geométrica desempenham função de

inicialização no processo de concepção. O determinismo exercido por elas

abre esse processo. As funções que definem o programa começam por

determinar, como já foi dito, a ocupação vertical do espaço - incidindo na

solução de implantação -, ao mesmo tempo em que o arquiteto trabalha o jogo

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de “vazios sem ponto de contato entre os volumes”, como foi definido por ele,

fazendo uso de uma linguagem plástica bastante simplificada.

Essas escalas impõem um ponto de vista ao partido global, muito

mais do que a níveis de concepção particulares - permitindo precisar as

orientações iniciais do projeto; o partido arquiteturológico. Um ponto de vista local é definido pela solução apresentada para proteção das paredes das

fachadas laterais. A necessidade dessa proteção leva o arquiteto a adotar a

arcada contendo os “brises”, conforme se pode observar nas figuras 47 e 54.

Todas essas escalas concorrem para a definição das medidas atribuídas

à edificação, sendo a escala funcional e a geométrica as mais influentes; em

segundo plano, como já assinalado, se situa a escala técnica.

No processo de concepção, as soluções procedem da determinação

proveniente de várias escalas. Apresentaremos, a seguir, alguns exemplos de

modalidade de ocorrência de escalas observados no processo de operação

de medidas. As escalas funcional, geométrica e técnica concorrem,

associadas, para a solução da volumetria, resultante do programa e de sua

distribuição no espaço. Já a funcional, associada à técnica, concorre para

determinação da organização espacial, horizontal e verticalmente. A

composição das fachadas resulta da associação entre as escalas funcional, geográfica e a sócio-cultural. Considerando que estas escalas estão

associadas para determinação de uma mesma medida, a relação entre elas

caracteriza a chamada modalidade de sobredeterminação. As escalas

consideradas neste exercício possuem função “embrayante”, permitem

articulação com o real. Quanto às demais funções, não se percebe, de forma

expressiva, escalas resultantes de interação (jogo modelo/escala) apresentada

por meio de limitação.

A articulação entre as escalas traz à tona questionamento sobre a

maneira como esta acontece, quer seja por necessidade do projeto ou intenção

do projetista. Considerando que foram apenas identificadas relação de escalas

por sobredeterminação (ação conjunta de escalas), esta é a modalidade, na

visão da Arquiteturologia, que caracteriza o encadeamento por cascata de escalas. Dessa forma, as operações envolvendo as escalas em questão se

conduzem, entre si, determinando medidas distintas, tendo um mesmo suporte.

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4.5 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DA CATEDRAL METROPOLITANA DE NATAL / RN.

A proposta arquitetônica da Catedral Metropolitana de Natal foi

concebida em 1966, estando a Arquidiocese desta cidade sob a direção do

Arcebispo D. Nivaldo Monte.

Pela terceira vez, a arquidiocese empreendia esforços para construção

de uma catedral. Em 1935, o então arcebispo D. Marcolino Dantas teve a

primeira iniciativa; em 1945, a iniciativa foi retomada, porém novamente sem

sucesso. O estudo preliminar apresentado pelo arquiteto João Maurício, em

1966, previa um volume piramidal de base hexagonal, ladeado por cinco

volumes prismáticos de base retangular. O conjunto era presidido por uma cruz

formada por quatro lâminas retangulares verticais, separadas entre si, mas

presas a uma lâmina horizontal quadrada, possuindo a mesma altura da

pirâmide. O local de implantação seria a Praça Pio XII - ao lado do Cinema Rio

Grande -, situada na Avenida Deodoro da Fonseca, Cidade Alta.

Sua concepção buscou privilegiar a estrutura em concreto armado, cuja

forma não deveria apresentar apenas função de sustentação. A proposta,

entretanto, não chegou a ser executada.

Figura 56. Maquete da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

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A nave semi-enterrada da catedral8 apresentava iluminação zenital,

possibilitada por um rasgo (medindo 1,50m de largura), coincidindo com as

arestas da pirâmide de seis faces que constituía o volume principal.

Figura 57. Planta de Corte da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

Contornando a pirâmide central, foram dispostos cinco volumes menores

que atendem a funções específicas como: sacristia, capelas (2), salão, sala de

celebrações e batistério. As fachadas apresentavam o destaque da pirâmide,

as vigas que estruturavam suas faces e as superfícies dos volumes que

serviam aparentemente de base.

A concepção do edifício foi precedida por explicações e esclarecimentos

prestados por padres da arquidiocese, sobre a liturgia da igreja católica e o

funcionamento de uma catedral, em todos os detalhes - ambiente por

ambiente. O programa de necessidades foi resultado de discussões com o

cliente: previa o percurso que remete o fiel ao altar principal, iniciado na

entrada do templo; a locação do batistério ao lado da entrada. Próximos ao

altar, foram reservados espaços para autoridades e situado o coro; em volta da

nave, foram localizadas capelas e salões para celebrações. Por trás do altar,

foi localizada a sacristia, semi-enterrada; na parte central da nave, foram

dispostos os bancos para o público. Sob a sacristia, totalmente enterrada, foi

localizada a capela do santíssimo – a cripta.

8 Solução semelhante à da Capela do Campus da UFRN, inclusive quanto à forma do volume que cobre a nave.

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102

Figura 58. Planta baixa da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

Figura 58-a. Esquema de organização espacial da Catedral Metropolitana de Natal.

Fonte: acervo do autor. 2008.

O conjunto foi implantado no terreno fazendo coincidir duas faces da

pirâmide com dois lados; as quatro faces restantes foram dispostas de forma

inclinada, cada uma formando um ângulo de 30º com os demais lados.

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Figura 59. Vista Superior da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

Passemos à identificação das escalas arquiteturológicas, iniciando com

as decisões tomadas pelo arquiteto no processo de concepção da proposta,

em função dos determinantes técnicos e funcionais: o programa de

necessidades, previamente discutido e definido, trouxe consigo uma conotação

técnica expressa, por exemplo, em uma seqüência de espaços que deveria ser

contemplada. Em alguns elementos, as dimensões matemáticas já são

previamente fixadas. A estrutura de coberta, a definição da forma, a solução de

iluminação zenital também resultaram de operação de medida fortemente

influenciada pela escala técnica. O programa também interfere nas decisões

para estabelecer medidas que dizem respeito às funções. Sua organização no

espaço arquitetural recorre à pertinência funcional. A dimensão da pirâmide – elemento principal da volumetria – bem como

da cruz fixada no exterior expressam, de forma eloqüente, o simbolismo

inerente ao templo. A escala simbólica dimensional se manifesta no tamanho

imposto a esses elementos, no sentido de enfatizar a associação da arquitetura

com o divino. A forma ascendente da pirâmide, por sua vez, resulta de uma

operação que buscou a associação da forma com um símbolo que melhor

pudesse expressar a função do edifício. O arquiteto, aqui, recorreu à escala simbólica formal.

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Quanto a influências da vizinhança, na concepção da proposta, o

arquiteto não observa qualquer possibilidade. A volumetria do edifício

naturalmente se destaca do entorno, definido, à época, por construções de um

e dois pavimentos. A escala de vizinhança é, portanto, negada, ou mesmo

buscada ao contrário, o que configura seu grau zero.

O espaço onde deveria ser implantado o conjunto se aproximava da

forma quadrada; a locação foi solucionada considerando os lados do terreno

como referência e as possibilidades resultantes. A escala parcelar é

responsável pela operacionalização das medidas. Duas faces do hexágono são

paralelas aos lados da parcela urbana, enquanto que as outras quatro formam

ângulos com as duas faces do terreno.

No espaço de concepção, os dados climáticos, a orientação e a

topografia não são considerados para informação de medidas. A solução da

nave semi-enterrada se apresenta como grau zero da escala geográfica, uma

vez que a topografia do terreno é totalmente plana.

Figura 60. Planta de corte da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

Figura 60-a. Corte esquemático da Catedral Metropolitana de Natal.

Fonte: acervo de autor. 2008.

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A dimensão vertical da pirâmide e da cruz que, juntas, compõem a

volumetria da catedral permite sua visualização à distância. Esta solução pode

ser vista remetendo à escala de visibilidade. Igualmente, o acesso

subterrâneo à nave permite uma visão de seu interior, resultante da recorrência

à mesma escala, desta vez com efeito local. O observador é situado em

posição privilegiada para realizar a interação com o espaço. Considerando a

relativamente pequena dimensão do terreno e a pouca largura das ruas do

entorno, a visão à distância se vê prejudicada, demonstrando, assim, a

prioridade do determinante técnico na solução adotada.

A presença da iluminação zenital, segundo o arquiteto, ajudaria também

na exaustão do ar quente, pois os vidros seriam fixados de forma sobreposta

para permitir sua passagem. Observando sob outro ângulo, essa iluminação

cria um novo interesse para o espaço da nave. Nesse caso, pode-se afirmar

que o arquiteto fez uso da escala ótica. Apesar da amplidão da nave – dotada de conforto visual, principalmente

-, a tradição do templo católico apresenta a organização do espaço interno

destacado por duas colunatas que delimitam o percurso em direção ao altar

principal. Assim, surgem três naves – uma principal e duas laterais. Temos,

aqui, uma planta hexagonal com o altar-mor situado na extremidade oposta à

entrada - início e fim do percurso acima referido. Nesse caso, a escala sócio-cultural foi encontrada ao contrário, numa transgressão – nave única. Outro

grau zero de escala. Ao mesmo tempo, substituindo o referencial, esta

solução reproduz o modelo observado na Catedral de Brasília, dentre outros.

Determinado pela escala de modelo. A presente proposta se desenvolve estabelecendo referências com a

forma triangular, com o acesso subterrâneo e com o modelo de organização

funcional católico. Essa referência resulta de operações de medida em que a

escala de modelo foi o determinante. Os modelos acionados foram: a forma

ascendente, voltada para o alto (tomada da pirâmide egípcia e explorada nas

igrejas góticas), as catacumbas romanas e o “mise-en-scène” litúrgico católico -

responsável pela organização do espaço interno da nave. A recém inaugurada

catedral de Brasília (primeira fase concluída nos anos 1959/1960) também

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comparece como uma fonte de inspiração para o arquiteto: nave semi-

enterrada, com entrada através de passarela subterrânea, de piso inclinado.

Embora o determinante econômico não tenha tido papel diretamente

decisivo na concepção do templo, segundo afirmação do autor, a questão

econômica tende a se confundir com a necessidade de racionalização, própria

a uma empreitada dessa envergadura. A importância da escala econômica,

portanto, não pode ser descartada, mesmo atuando de forma indireta.

A geometria fornece os elementos que definem a linguagem utilizada

pelo arquiteto. Pirâmide e prismas definem, de forma simplificada, a volumetria

do conjunto. A escala geométrica tem seu papel de destaque em todo o

espaço de concepção.

Figura 61. Fachada da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

Figura 62. Detalhe de Fachada da Catedral Metropolitana de Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1966.

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FUNÇÕES, RELAÇÕES E MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS.

Várias escalas participam do processo de concepção; são chamadas a

atuar no espaço de concepção. Consequentemente, percebe-se variação de

funções no desempenho das escalas.

Como as escalas identificadas se apresentam em suas articulações, no

processo de concepção? Pelo que já foi exposto, as escalas funcional, geométrica e técnica interagem no jogo modelo/escala sob a forma de

inicialização. Elas presidem as primeiras operações empreendidas pelo

arquiteto. A liturgia, a influência da linguagem geométrica e a técnica do

concreto armado se antecipam enquanto determinantes, orientando o início do

processo de concepção da proposta. O ponto de vista imposto ao partido global

é dominado por essas escalas (principalmente as duas primeiras) que

presidirão todo o processo – ponto de vista global. Essas mesmas escalas

vão ser responsáveis pelo partido arquiteturológico, por fornecerem as

orientações iniciais do projeto. As escalas identificadas são, ao mesmo tempo,

embrayantes, desempenham função de articulação do espaço de concepção

com o espaço real.

As relações entre as escalas estão presentes durante toda a concepção,

onde se pode observar até o domínio de uma sobre as outras. Casos há em

que várias escalas se associam para definir soluções e atribuir medidas,

inclusive relacionadas a um mesmo suporte. Pode-se observar a associação

das escalas geométrica, técnica, simbólica, funcional e de modelo na definição

da forma da catedral; para a solução adotada de implantação no terreno, foram

determinantes as escalas parcelar, funcional e de modelo. Na composição das

fachadas foram atuantes as escalas geométrica e técnica; a solução estrutural

resultou de operações envolvendo as escalas geométrica, técnica e funcional.

As soluções voltadas para organização das funções no espaço foram

determinadas pela associação entre as escalas funcional, sócio-cultural,

técnica, simbólica e de modelo – a escala ótica foi atuante na definição da

iluminação zenital. Essa associação entre escalas caracteriza a modalidade de sobredeterminação, em virtude de atuarem de forma sincrônica, na

mesma atribuição de medida.

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As escalas com função de inicialização mostram que há, entre elas, uma

ação com efeito diacrônico - uma escala remetendo a outra - e mútuo -

biunívoco -, caracterizando uma co-determinação de escalas. Quanto às relações de escala predominantes na concepção, segundo a

abordagem aquiteturológica, a modalidade de sobredeterminação vai definir as

relações de escala caracterizadas como cascata de escalas. No nosso caso,

salvo as escalas de inicialização - já caracterizadas -, as demais apresentam

relações resultantes de efeito sincrônico, porém sem caráter mútuo; voltadas

para o mesmo suporte.

4.6 LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL (TRE) DE NATAL / RN.

O projeto arquitetônico da sede do Tribunal Regional Eleitoral-TRE de

Natal foi concebido pelo arquiteto João Maurício em 1972, atendendo

solicitação do então Presidente. Mais uma vez o cliente define o programa de

necessidades com o arquiteto, através de discussões que antecederam as

primeiras operações para instauração do processo de concepção. Interessante

exemplar da arquitetura moderna na cidade, situado na Praça André de

Albuquerque, Cidade Alta, ocupa um terreno de esquina, estreito e longo,

voltado para nascente.

Figura 63. Vista da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal, na época de sua construção. Fonte: acervo de JMFM. 1973.

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Figura 64. Vista atual da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo do autor. 2008.

Distribuídas em três pavimentos, as funções se apresentam voltadas

para o público e de apoio, no térreo; no segundo pavimento estão as funções

administrativas, biblioteca e serviço médico; o terceiro pavimento concentra a

direção, a presidência e a sala de sessões. Há ainda um subsolo onde fica a

garagem e o apartamento do zelador.

A volumetria é definida por um prisma de base retangular, com suas

faces (fachadas) compostas por elementos verticais e horizontais em concreto

aparente, apresentando vazios preenchidos por vidro. A fachada voltada para o

nascente apresenta forte equilíbrio entre cheios e vazios, enquanto a fachada

voltada para o poente é totalmente protegida por “brises” verticais. O material

predominante na construção é o concreto aparente, aceito com reserva pelo

cliente, à época, em virtude de seu acabamento bruto.

Figura 65. Fachada da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal, com detalhe. Fonte: acervo de JMFM. 1972.

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Figura 66. Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Detalhes de fachada. Fonte: acervo do Autor 2008.

Figura 67. Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo do arquiteto. 1972.

Figura 68. Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1972.

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Figura 69. Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal.

Fonte: acervo do autor. 2008

Segundo depoimento do autor, “tudo é estrutura”. O espaço interno é

definido como planta livre, totalmente independente, fiel ao princípio de mesmo

nome da Arquitetura Moderna, criado pelo arquiteto Le Corbusier, constituindo-

se em um dos seus cinco princípios básicos.

O desenvolvimento da proposta apostou na monumentalidade, segundo

afirmação do autor, como característica a ser perseguida, em razão do caráter

público da edificação9. As considerações de ordem técnica na atribuição de

medida foram atuantes na eleição do concreto armado como material

predominante na construção; na solução de planta livre; na ênfase dada à

estrutura e no tratamento da fachada voltada para o poente.

Os determinantes funcionais foram ativos na consideração do

programa de necessidades, na organização do espaço interno e na adoção da

planta livre.

A escala simbólica dimensional foi responsável pela solução adotada

para as fachadas, voltada para atribuição de valor monumental à edificação. A

grandeza que é portadora de sentidos em arquitetura, nesse caso, não remete

apenas ao tamanho, mas a outro tipo de escolha, comprometido com um

conteúdo mais expressivo em termos de significação Tira-se partido do

9 Em relação à proposta da Procuradoria Geral da República, a concepção da sede do TRE apresenta mais ênfase quanto à questão da monumentalidade, inclusive com um nível maior de elaboração plástica.

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tratamento das fachadas, não necessariamente do aumento ou diminuição de

um elemento. Incide também nessa operação a escala ótica, igualmente

recorrente quando o arquiteto tem a intenção de valorizar a edificação, para

isso estabelecendo ênfase na monumentalidade. É considerado o ponto de

vista expresso através do tratamento das fachadas, a partir do qual o edifício

deverá ser lido.

Os elementos que fazem parte do entorno da edificação não interferiram

nas operações de atribuição de medidas, em parte ou no todo do espaço

arquitetural, durante a concepção. Resultam de escolhas que vão de encontro

ao que compete à escala de vizinhança, constituindo Grau zero da mesma.

A implantação no terreno mostra que o espaço do lote foi

completamente ocupado pela construção. A forma do lote se impõe para definir

as medidas de sua projeção, ilustrando a atuação da escala de parcelamento.

Figura 70. Sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Implantação no terreno. Fonte: acervo de JMFM. 1972.

A orientação geográfica do terreno evidencia o tratamento a que foram

submetidas as fachadas voltadas para Leste e Oeste. A concepção da

proposta considera a ligeira inclinação descendente que a topografia do terreno

apresenta, no sentido frente/fundos. Na parte mais baixa situa-se a entrada da

garage, no subsolo. As soluções implantadas refletem a atuação da escala geográfica, determinante nessas operações de atribuição de forma e medida.

O acesso do público ao edifício é feito através de uma escadaria – na

versão original; hoje substituída por uma rampa – que se liga a um bloco

destacado na fachada, de alto a baixo. Este elemento chama a atenção para o

acesso principal, em virtude da dimensão e tratamento de superfície em

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relação ao restante da fachada, se constituindo em um recorte no espaço de

concepção. Trata-se de uma operação de ordem da escala de visibilidade. A estrutura foi concebida para apresentar função plástica, ao mesmo

tempo em que garante a planta livre. Trata-se de uma estrutura aparente

compondo as fachadas, principalmente as laterais. É possível encontrar

referências na arquitetura moderna de Le Corbusier, na sua fase brutalista, e

no edifício do Ministério da Educação do Rio de Janeiro e até na arquitetura

moderna de Kenzo Tange. As citadas referências ilustram a atuação da escala de modelo. Apesar de ter sido construído um anexo em 2000, não fazia parte

da proposta inicial reserva de espaço para expansão.

Figuras 71 e 72. Fachadas da sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal. Fonte: acervo de JMFM. 1972.

O uso do concreto aparente pode ser considerado como uma solução

determinada pela escala econômica, pois dispensa reboco e pintura. A

racionalização que se faz necessária na concepção e execução, naturalmente

reflete um componente econômico.

A linguagem geométrica foi amplamente utilizada na concepção da

proposta, traduzindo a influência da arquitetura moderna. Um grande prisma à

semelhança das unidades de habitação de Corbusier, preside a composição

volumétrica. As colunas que compõem as fachadas voltadas para o nascente e

poente apresentam a forma cilíndrica, uma solução que extrapola o significado

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apenas estrutural do elemento. A escala geométrica tem uma atuação

predominante.

As escalas geométrica, de função e técnica estão presentes em todo o

processo de concepção orientando soluções e escolhas por parte do autor,

revelando sua maneira estruturadora de atuação como escalas globais. O

caráter de monumentalidade priorizado na concepção do projeto remete a

escala humana a segundo plano. Ela é acionada, principalmente, nas

definições de áreas e larguras - espaço horizontal -, como determinante nas

operações de medida.

FUNÇÕES, RELAÇÕES E MODALIDADES DE OCORRÊNCIA DE ESCALAS.

O processo de concepção de uma proposta é revelador de escolhas,

intenções e decisões que tornam a idéia viável ou são usados como

referências para tal. Esse processo tem início quando o arquiteto procura

instaurar o jogo modelo/escala, o esquema de concepção.

Que escalas estão presentes neste momento, no início das operações

de concepção do edifício do TRE? O arquiteto inicia o processo consciente do

programa de necessidades a considerar, das referências em termos de forma e

material de construção. Por outro lado, considerando que material e técnica de

construção caminham lado-a-lado, pode-se afirmar que havia informações

técnicas a serem consideradas, contados onze anos de experiência profissional

do autor. As escalas funcional, técnica e geométrica desempenham, assim,

a função de inicialização. O ponto de vista para iniciar o projeto é fornecido pela associação das

três escalas; elas deverão orientar as decisões de concepção a serem tomadas

durante todo o processo (incidência global), ao mesmo tempo em que

definem o partido arquiteturológico. É interessante atentar para os pontos de

vista que recortam as fachadas, principalmente as voltadas para o nascente e

poente. No caso da voltada para o nascente, o ponto de vista enfatiza o

aspecto técnico associado ao compositivo, com ênfase na plástica. As escalas

técnica e geométrica predominam. A solução adotada na fachada voltada para

o poente resulta de um ponto de vista que enfatiza o aspecto técnico associado

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à proteção contra a insolação. Nesse caso, predominam as escalas técnica e

geográfica.

As escalas identificadas através da leitura permitem a articulação com o

espaço real, são, portanto,”embrayantes”, não possuindo função de

representação. A identificação da atuação de cada escala, de certa forma,

antecipa traços característicos do processo de concepção adotado pelo autor,

como também a importância por ele atribuída a cada uma.

Alguns escalemas podem ser localizados nas fachadas, por exemplo.

Centraremos nossa atenção sobre a fachada voltada para o nascente, em

virtude de seu destaque entre as demais, atentando para a localização de

escalemas de escala ótica e geométrica. Isto é, os fatos responsáveis pela

solução adotada a partir dos determinantes geométricos e de escala ótica, na

definição de medidas. Deve-se a esses as soluções que atuam sobre o

material (concreto e vidro) e as dimensões propostas, com a intenção de lhe

conferir monumentalidade.

As escalas se relacionam e se articulam de formas as mais variadas, no

processo de definição do edifício; cada solução encontrada, durante o processo

de concepção, pode resultar do envolvimento de uma, duas ou até mais

escalas. As relações encontradas neste exercício de leitura são

predominantemente do tipo cascata de escalas, atuam de forma sincrônica. Prevêm um grupamento delas, articuladas de forma seqüenciada, em que as

operações para atribuição de medida guardam necessariamente relação entre

si e são totalmente controladas pelo arquiteto. Este tipo de relação,

considerando que as escalas atuam conjuntamente e correspondem a uma

mesma dimensão arquitetural, apresenta a modalidade de

sobredeterminação.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o início desta dissertação nossa pretensão foi trabalhar com a

abordagem proposta por Philippe Boudon – a Arquiteturologia – aplicada à

análise da produção do arquiteto João Maurício Fernandes de Miranda, nos

limitando ao período 1961/1981, por motivos já conhecidos.

Sentimos a necessidade de melhor conhecer o trabalho de Boudon,

associando o interesse pela proposta pedagógica, ao nosso ver, capaz de

transformar o ensino de arquitetura – inspirado em experiência de ensino

apresentada por ele - e, também, ao desejo de inventariar e analisar parte da

produção do referido arquiteto potiguar. Os primeiros passos da pesquisa não

deixaram ver, com a clareza necessária, o caminho a ser trilhado com

objetividade, pois faltava definir melhor seus limites, no início do curso. A

proposta de trabalho parecia uma mistura que envolvia Arquiteturologia, a

produção do arquiteto João Maurício, a Escola Carioca, a arquitetura moderna

em Natal e o ensino de arquitetura. Pouco a pouco, fomos desvelando o

objetivo real do nosso trabalho e o percurso a ser tomado, atribuindo o peso

necessário a cada item acima relacionado.

Definimos que nossa preocupação teria foco na concepção da

arquitetura, e para isso usaríamos o instrumental disponibilizado pela

Arquiteturologia. Assim, procuramos exercitar o uso desse instrumental

aplicando-o a uma seleção de propostas arquitetônicas do profissional acima

mencionado, tomando como base a obra “Enseigner la Conception

Architecturale” (Boudon et al., 2000), em razão do seu caráter de manual;

enfatizando a identificação das escalas arquiteturológicas, suas funções,

relações e modalidades de ocorrência.

Essa delimitação colocava em segundo plano as preocupações com a

Escola Carioca e com o ensino de arquitetura. Ou, pelo menos, os colocava em

seu devido lugar; a arquitetura moderna em Natal seria objeto de estudo em

outra oportunidade. De fato, os objetivos específicos trazem dois itens onde se

pode ver que aquelas preocupações são contempladas como ponto para

observação (caso da influência da Escola Carioca) e ponto para reflexão

(Arquiteturologia como instrumento pedagógico). A ênfase recai, de forma

prioritária, sobre a identificação das escalas e como elas se articulam, no

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processo de concepção. Decidimos, portanto, desenvolver um trabalho que nos

levasse a exercitar o método arquiteturológico, como primeira etapa de um

estudo que se espera aprofundar futuramente.

Redefinidos os objetivos, partiu-se então para o trabalho propriamente

dito. Inicialmente, a seleção dos projetos de João Maurício previa um total de

10 unidades que seriam submetidas à leitura arquiteturológica. Analisadas as

três primeiras, como etapa inicial da leitura das propostas, observou-se uma

tendência à repetição de alguns esquemas, de algumas determinações que

presidiram o processo de concepção desses projetos. Parecia haver, por parte

do arquiteto, intenção de seguir um modelo que viesse, no final, revelar o perfil

de seu espaço de pensamento. Feita a constatação, partiu-se para a redução

do total de propostas a serem analisadas, atendendo à sugestão da banca de

exame da qualificação. Portanto, seis dos 10 projetos iniciais foram submetidos

à leitura arquiteturológica, na qual foram identificadas as escalas atuantes e

seu modo de articulação.

As leituras arquiteturológicas realizadas nos seis projetos tiveram como

base os desenhos, algumas imagens tomadas in loco e o discurso do arquiteto.

Nos depoimentos concedidos, ele deixou clara a falta de hábito de preservar

“croquis” e outros desenhos que não os meramente técnicos. Naquele período,

“Não era um hábito comum entre os arquitetos”, assim se referiu ele. Os

estudos preliminares mais básicos eram, todos, apresentados com o uso de

instrumento.

Os desenhos encontrados em seu escritório são plantas, cortes,

fachadas, entre outros; todos representados na melhor expressão do desenho

arquitetônico. Técnico, entretanto. Assim, as leituras arquiteturológicas não

puderam considerar o processo de concepção por meio dos “croquis” iniciais. O

discurso do arquiteto se constituiu no principal instrumento da memória dos

projetos.

Outro aspecto interessante foi a característica do discurso. Apesar de ter

sido docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo-CAU/UFRN trata-se,

sobretudo, de um profissional de prancheta, com discurso pragmático sem um

arcabouço teórico muito elaborado. Formado sob a égide da máxima

“arquitetura não se ensina, se aprende”, percebeu-se certa relutância do

arquiteto em estudo quanto a aceitar a busca por referências projetuais, ao

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menos de forma consciente - como se isso significasse “copiar os outros”;

embora fosse considerada a possibilidade dessa busca. Afinal, espera-se do

profissional arquiteto, antes de tudo, criatividade, pensamento que segue a

linha identificada por Comas (1986) como subjetiva / intuitiva na qual o

arquiteto é considerado um “gênio criador”. Apesar desta dificuldade,

conseguimos fazer algumas associações entre os projetos do arquiteto e

algumas tendências da arquitetura à época.

Em termos gerais, o exercício de leitura arquiteturológica aplicada aos

seis projetos de João Maurício levou em conta, de início - para consideração

posterior -, dois aspectos principais: propostas para concursos e propostas

contratadas pelo cliente (baseadas na demanda). E, também, arquitetura de

papel - propostas não construídas - (baseadas na natureza). Pertencem ao

primeiro grupo o projeto da Capela do Campus da UFRN (1973) e o do

Terminal Rodoviário de Natal (1978); ao segundo grupo pertencem: o projeto

da Catedral Metropolitana de Natal (1966), o Tribunal Regional Eleitoral de

Natal (1972), a Procuradoria Regional da República de Natal (1973) e o

Hospital Distrital de Macaíba/RN (1981). Dessa amostra foram construídos: a

Capela do Campus, o Tribunal Regional Eleitoral e a Procuradoria Regional da

República. As demais não foram executadas, permanecendo apenas no papel.

A questão da tipologia não foi considerada em caráter prioritário, embora tenha

sido alvo de algumas considerações.

Os dois projetos concebidos para concurso apresentam as mesmas

pertinências arquiteturológicas, já identificadas como escalas de inicialização.

Nesse aspecto, não se registra qualquer destaque em relação aos demais

projetos, concluindo-se pela importância que essas escalas representavam

como determinantes inicias no processo de concepção, na produção do

arquiteto em pauta.

A observação do desempenho do arquiteto na concepção de propostas

para concursos fazia parte de nossas preocupações iniciais. Alimentávamos a

expectativa da possibilidade de resultados com características não

necessariamente semelhantes às solicitações cotidianas de projeto. A amostra

que temos em mãos revela, no entanto, que tal fato não aconteceu,

principalmente no caso do Terminal Rodoviário. A solução apresentada é muito

simples e até recorrente, como podemos avaliar através da leitura

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arquiteturológica realizada em outra parte do trabalho, no capítulo anterior. Na

realidade o projeto se impõe pela dimensão do talhe e racionalismo construtivo,

decorrente, preponderantemente, do determinante funcional. A proposta da

Capela do Campus da UFRN, no entanto, se impõe por seu caráter plástico,

geométrico e pela visibilidade decorrente da localização em ponto elevado.

Apesar de uma solução espacial também muito simples, seu uso religioso

naturalmente, em geral, requer mais elaboração. Em termos gerais, o nível de

complexidade e elaboração não varia, de forma visível, para os dois grupos. O

tipo de demanda, consequentemente, não alterou, de forma palpável, os

resultados projetuais.

Em virtude do caráter recorrente das pertinências escala técnica, escala

de função e escala geométrica, pode-se afirmar que estas constituem as

principais dimensões, consideradas pelo arquiteto em suas propostas. A

exceção é dada pelos projetos para a capela do campus da UFRN e a catedral

metropolitana de Natal (uso religioso) que apresentam uma outra dimensão em

destaque: a simbólica; embora seja percebido impacto causado pela geometria.

Assim, constata-se que a dimensão geométrica define a forma, a

dimensão funcional ajusta o uso à forma, a dimensão técnica possibilita a sua

execução. Uma analogia com os três princípios vitruvianos “venustas”, “utilitas”

e “firmitas”, tão determinantes na arquitetura moderna, tão caros ao

funcionalismo que lhe serve de base.

O resultado do exercício de leitura dos seis projetos trouxe à tona

algumas outras conclusões. Com relação à identificação das escalas, é notória,

mais uma vez, a ênfase atribuída às três escalas referidas acima. Em todos os

projetos analisados elas desempenham a função de escalas de inicialização.

Juntas, elas determinam o início das operações de concepção. No caso da

capela e da catedral, outra escala atua como iniciante, além destas três – a

escala de modelo. Nos dois projetos, o simbolismo que acompanha a forma da

coberta – pirâmide – precede a definição das medidas reveladoras do talhe da

edificação. Nessas propostas, percebeu-se, também, um destaque para as

escalas arquiteturológicas cuja atuação reflete, diretamente, sobre o aspecto

plástico da edificação.

A escala de vizinhança, como foi possível observar, ocupa uma posição

especial, dentre as pertinências encontradas em grau zero de escala. A

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linguagem geométrica, característica da arquitetura moderna, invade o meio

urbano ignorando qualquer influência exercida pelo entorno edificado, em

qualquer de suas dimensões. Altura, forma, composição de fachadas, por

exemplo, resultam de determinantes funcionais, em sua maioria, acrescidos

dos ditames da arquitetura moderna, frequentemente caracterizada por:

• rejeição de estilos históricos como fonte de definição da

forma;

• adoção do princípio de que as necessidades materiais e

funcionais determinam o resultado;

• adoção da estética da máquina;

• rejeição do ornamento;

• simplificação da forma e eliminação do detalhe

desnecessário;

• adoção da estrutura aparente;

• a forma é determinada pela função.

Outra pertinência encontrada através da negação da escala (grau zero

de escala) diz respeito aos determinantes geográfico e sócio-cultural. No

primeiro caso, trata-se da solução de semi-enterrar parte do projeto, sem que

seja esta uma imposição da topografia do terreno (nos exemplos dados, as

naves das propostas para a capela e a catedral). No segundo, uma imposição

da estética da arquitetura moderna, manifesta, nos nossos exemplos, por

rejeição à associação a elementos regionais ou históricos, ou com o meio

construído mais próximo. É interessante observar como a associação de

escalas é recorrente na atribuição de medidas, em parte do espaço arquitetural

ou no seu todo.

No que diz respeito à escala de modelo, a influência se manifesta

através da história da arquitetura e das características da arquitetura moderna.

A história da arquitetura fornece os modelos dos vitrais góticos, do arco como

elemento decorativo, da casa-grande colonial e das catacumbas subterrâneas

dos cemitérios romanos. A arquitetura moderna participa com o uso do

concreto armado, da estrutura com função plástica e da geometrização da

forma. As duas primeiras remetem ao Brutalismo, enquanto a outra à

arquitetura moderna, em essência.

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121

A escala de modelo, alvo de nossa expectativa quanto a possíveis

influências da Escola Carioca sobre a produção do arquiteto João Maurício,

revelou que o mesmo a utilizou como referência, ainda que não assumida, haja

vista o uso maciço do concreto armado, com inteligência e criatividade,

moldado às necessidades funcionais e não apenas como morfologia projetual;

os “brises soleil", o elemento vazado, os pilares de seção circular, os elementos

corbusierianos de composição cúbica e prismática.

Essas influências podem ser vistas, com mais ênfase, na definição

volumétrica da capela, que parece se inspirar em Vilanova Artigas e, também,

em Oscar Niemeyer - onde é possível observar alguns traços atribuídos à sua

produção. Segundo Bruand (1981), rejeição de todo tradicionalismo; novos

materiais e técnicas; e, valorização da arquitetura como arte plástica. Podem

ainda ser confirmadas na sede do TRE, com sua estrutura de concreto

aparente e o tratamento de fachada com uso de “brises” verticais.

Observa-se, por outro lado, uma tendência à definição de um modelo de

concepção próprio do autor dos projetos, que se repete nos exemplares

analisados (a presença constante e marcante das três escalas, por exemplo –

escala técnica, escala de função e escala geométrica). Como já foi dito, essas

escalas acompanham todo o processo de concepção dos projetos analisados,

fazendo-se notar desde sua função de inicialização, apresentando, inclusive,

ponto de vista global. As demais escalas atuam, em geral, de forma unitária,

diferentemente em cada projeto.

De forma geral, as pretensões iniciais se mantiveram, apenas sendo

alvo de ajustes em prol de mais objetividade para o trabalho. As dificuldades

encontradas ao longo do percurso podem ser classificadas em dois tipos. A

dificuldade inerente à complexidade da Arquiteturologia que se constitui, de

forma minuciosa, numa construção que exige muita atenção para ser

compreendida; e a dificuldade natural para se fazer uma leitura

arquiteturológica de projetos sem os desenhos iniciais, dispondo apenas de

desenhos técnicos e do discurso do autor. No nosso caso, considerando,

também, o tempo que separa o ano de concepção da proposta e o de

realização da leitura. Observamos dificuldade, por parte do autor das obras

analisadas, em lembrar certos detalhes que participaram da concepção.

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122

Dentro do possível, procuramos agir em busca de nossos objetivos,

conscientes de que essas dificuldades, mais que atrapalhar, aguçariam nossa

percepção, nos motivando a explorar cada elemento ou detalhe que se nos

apresentasse. Mesmo assim, foram registradas, ainda, algumas dificuldades,

durante o exercício das leituras arquiteturológicas, com relação à identificação

de escalas e suas modalidades de atuação. De qualquer maneira, o exercício

aplicado remeteu ao aprendizado de lições capazes de confirmar a importância

da Arquiteturologia para alcance de nosso objetivo. E de sua eficácia na

compreensão do funcionamento das operações de medida no espaço de

concepção.

Embora seja constatada a necessidade de um maior domínio na

compreensão do conteúdo da Arquiteturologia, seu uso como instrumento

pedagógico em sala de aula, no ensino de arquitetura, pode se constituir em

grande contribuição para estabelecer o diferencial entre o antes - a

consideração do programa de necessidades - e o depois – consideração do

programa pedagógico. Esta é uma questão que merece, sem dúvida, ser

aprofundada em ocasião oportuna.

Considerando os conceitos fundamentais da Arquiteturologia, o exercício

realizado mostra que, quanto ao espaço arquitetural - partindo do princípio de

que ele foi pensado -, a produção de nosso estudado se constituiu em uma

pequena amostra que levou à compreensão de como se organiza em

arquitetura o pensamento sobre o construído (a concepção). Para isso,

concorrendo sempre o jogo modelo/escala, em todo o processo. Juntamente

com esse pensamento, como se deu a “embrayage” - a ligação com o real – e

as possibilidades de execução.

O espaço de concepção é chamado “o espaço do fazer” – onde se

desenvolve o conhecimento sobre o edifício -, somente dado a perceber pelas

modalidades, pelas operações que permitem a concepção do espaço

arquitetural. Corresponde, como foi dito, ao universo de pensamento no qual o

arquiteto propõe processos de concepção; o espaço de concepção

compreende o espaço arquiteturológico que, por sua vez, o enuncia e permite

sua exploração. No nosso caso, o conhecimento sobre os edifícios analisados

se ressente da falta dos desenhos iniciais, bem como do registro gráfico da

seqüência de etapas no desenvolvimento da proposta. Em conseqüência,

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verifica-se uma lacuna em prol da percepção da ação do arquiteto no espaço

de concepção, preenchida, em parte, pelo seu discurso.

A geometria atuou como um instrumento de concepção e de projeção

em todos os projetos analisados. Não só porque permitiu apreender o espaço,

como também pela recorrência do arquiteto a figuras geométricas com valor de

modelo. Basta lembrar que, como determinante, a referência geométrica esteve

presente, como escala de inicialização, em todos eles.

Satisfeita nossa pretensão inicial, continua, no entanto, a necessidade

de maior aprofundamento no estudo da obra de Philippe Boudon. Tentamos,

neste trabalho, identificar apenas escalas arquiteturológicas e suas

articulações, conscientes de estarmos realizando uma pequena “demarche” se

considerarmos a complexidade que envolve a Arquiteturologia e, por

conseguinte, a concepção arquitetural.

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APÊNDICE 1. CAPELA ECUMÊNICA DO CAMPUS DE NATAL

QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO, A PARTIR DE UM ROTEIRO QUE CONTEMPLA OS SEGUINTES ASPECTOS:

Determinismos de ordem técnica - enfatizando a liberdade de criação do

arquiteto, JMFM colocou como importante os estudos de acústica

desenvolvidos, resultando na definição da dimensão das faces da pirâmide.

Resulta também dos mesmos estudos a inclinação dessas faces e a autonomia

na definição dos tamanhos dos quatro triângulos. Levou-se em consideração o

local do altar como fonte de emissão do som que deveria ser distribuído por

toda a nave. Outra solução de ordem técnica diz respeito ao revestimento da

coberta. Foi recomendado na época o uso de alumínio para acabamento, não

tendo sido executado por falta de recursos. Outra escolha presidida pela escala

arquiteturológica técnica foi o uso do concreto, em virtude de sua característica

plástica.

Determinismos de ordem funcional- justificou-se a solução da nave semi-

enterrada como possibilidade de acesso às cerimônias pelo lado de fora. Foi

criado o espaço da nave propriamente dito, onde a participação dos fiéis seria

direta; e uma outra opção para os que quisessem assistir de fora. Criou-se um

espaço de circulação em nível mais elevado, onde as pessoas poderiam

também deambular, uma perfeita analogia com o alpendre da casa colonial. Os

vitrais deveriam possibilitar o acesso visual. Na visão do autor, o espaço

ecumênico deveria conotar a idéia de liberdade, possibilitando diversas formas

de participação.

Determinismos de ordem econômica- nenhuma limitação econômica provocou

qualquer decisão de caráter conceptivo, nas palavras do autor do projeto. Muito

ao contrário, o reitor em exercício na época (Prof Genaro Fonseca) expressou

a preocupação em começar a construção do campus a partir do edifício

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religioso, como que solicitando as bênçãos de Deus para o empreendimento

que se iniciava, marcado pela execução dessa obra.

Determinismos de ordem topográfica- a topografia do terreno foi decisiva para

definição do local de implantação do edifício religioso. Afinal buscou-se o local

mais elevado para aí ser localizada a capela. A definição da praça foi posterior.

Determinismos de ordem plástica- a forma da capela resultou da analogia

com a coberta da casa grande colonial de quatro águas. Outra analogia que

pode ser registrada diz respeito aos vitrais coloridos que remetem às catedrais

góticas.

Com relação a possíveis influências atuantes na concepção do projeto, JMFM

se refere ao arquiteto americano Paul Rudolph, no que diz respeito ao uso do

concreto bruto. Lembrando que tal fato remonta a Le Corbusier, por ocasião da

construção da Unidade de Habitação de Marselha, Maison Jaoul, Chandigard,

Convento de La Tourette, entre outros. Sem esquecer Oscar Niemeyer, pela

exploração da plasticidade do concreto.

2. LEITURA ARQUITETUROLÓGICA DO PROJETO DO HOSPITAL DISTRITAL DE MACAÍBA/RN

QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO a partir de roteiro que contempla os seguintes aspectos: Determinismos de ordem técnica – Foi considerada determinante de ordem

técnica a proximidade das funções que guardam dependência entre si, em um

hospital desse porte. É importante considerar que se trata de um hospital geral,

com pretensão de raio de atendimento regional. Outro determinante de ordem

técnica foi a definição da altura da caixa da água, que deveria garantir pressão

satisfatória, considerando a eqüidistância dos diversos pontos a atender e os

dois pavimentos superpostos. Ainda outro determinante, foi a utilização de

rampas na interligação dos dois pavimentos, em função de permitir essa

conexão através de menor esforço dispendido pelos usuários que a utilizam.

Alguns determinantes, também de ordem técnica, foram responsáveis pela

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definição das fachadas, principalmente no pavimento superior. É o caso dos

elementos que fazem a proteção contra a insolação direta, por exemplo.

Determinismos de ordem funcional – Segundo o autor do projeto, os

determinismos funcionais são de tamanha importância na concepção do projeto

que chegam a influenciar na definição da volumetria do edifício. A planta-baixa

se desenvolve em torno da circulação que conecta as principais funções e

conduz os usuários, estruturando, inclusive, sua relação com a rua. Igualmente

importante do ponto de vista funcional é a distribuição das atividades nos dois

pavimentos, reservando o pavimento superior para as funções que requerem

mais tranqüilidade, intimidade e especialização. A implantação da edificação no

terreno, igualmente, resulta de escolhas determinadas pela funcionalidade. O

acesso principal se dá pela cota mais alta, simplesmente pela proximidade da

rua. O terreno possui apenas uma frente; não há influência da topografia nessa

definição.

Determinismos de ordem econômica - Aparentemente, segundo expressou o

autor do projeto, não houve limitações impostas pela economia na concepção

do edifício. O aspecto racional que se pode observar, incluindo a modulação

em planta, não apresenta qualquer relação com imposição de ordem

econômica nesse nível. Trata-se apenas de atendimento aos princípios que

são coerentes com a arquitetura moderna e com aspectos práticos ligados à

execução.

Determinismos de ordem topográfica - O terreno, onde deveria ser implantado

o edifício, fica nas proximidades do rio Jundiaí, apresentando uma pequena

inclinação no sentido longitudinal, com cota ascendente, em relação à rua. A

disposição das rampas, situadas no lado contrário à entrada, une os dois

pavimentos e tira proveito dessa declividade, permitindo a comunicação direta

entre as enfermarias, centro cirúrgico, setor de serviços e circulação interna.

Determinismos de ordem plástica – Formas geométricas puras definem a

volumetria da edificação, apresentando características predominantemente

horizontais. O racionalismo presente no programa e no dimensionamento dos

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ambientes se reflete também na forma adotada, caracterizada pela presença

de planos ortogonais, definindo ângulos de 90º.

Determinismos de outras possíveis influências – Mais uma vez é possível

observar influências do Brutalismo corbusieriano, na definição da volumetria do

edifício.

3. PROJETO DO EDIFÍCIO DO TERMINAL RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS DE NATAL/RN QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO A PARTIR DE ROTEIRO QUE CONTEMPLA OS SEGUINTES ASPECTOS: (Leitura da memória do projeto) Determinismos de ordem técnica – Em virtude da dimensão do

empreendimento, o racionalismo que caracteriza a proposta mostra que a

mesma é regida, principalmente, pelo determinante técnico. Como se pode

observar no documento em apreço, sua presença é exigida em praticamente

todos os momentos da concepção. No aspecto plástico (definição das formas),

espacial (dimensionamento e organização dos ambientes), como também

construtivo (modulação), a técnica predomina, ora buscando experiências

anteriores sistematizadas (know-how), ora buscando economicidade de

execução.

Determinismos de ordem funcional – A funcionalidade é considerada requisito

básico na concepção do projeto. Juntamente com o aspecto técnico, preside

quase todas as escolhas feitas pelo autor. Esse requisito deve interferir

diretamente na adoção do partido, conforme se pode ler no documento /

memória consultado, responsável pela adoção da simplicidade de formas e

linhas comprometidas com a valorização da estrutura.

Determinismos de ordem econômica – A questão econômica preside todas as

etapas da concepção do Terminal. O custo se constitui em requisito

fundamental, motivando a adoção do sistema construtivo modulado, entre

outros. Também a solução plástica encontrada, tem sua justificativa no aspecto

econômico.

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Determinismos de ordem topográfica - O terreno, onde deveria ser implantado

o edifício, possui três frentes e uma declividade acentuada na parte posterior.

O Terminal ocupa a parte plana.

Determinismos de ordem plástica – A leitura da memória do projeto permite

observar as seguintes características: Concepção arquitetônica simples,

funcional e a adequada à realidade atual.(1977); adoção de um partido plástico

funcional no sentido de valorização estrutural; contribuição estética

fundamental na composição das fachadas, com pureza e simplicidade de

formas e linhas, resultantes da proteção e contraste das sombras.

Determinismos de outras possíveis influências – Mais uma vez é possível

observar influências do Brutalismo corbusieriano, na definição da volumetria do

edifício. Este exercício se desenvolve, identificando as escalas mais expressivas, suas

funções, relações e modos de ocorrência. Para isso, o registro gráfico e o

discurso do autor do projeto são utilizados como fonte de informação. Através

dessa operação, procura-se observar que questões foram trabalhadas pelo

arquiteto - e como -, durante o processo de concepção; que referências foram

acionadas. Possíveis problematizações formuladas sobre a proposta,

envolvendo qualquer elemento ou momento do processo de concepção,

deverão encontrar resposta a partir da consideração dessas questões e de sua

análise.

4. PROJETO DO EDIFÍCIO DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA EM NATAL QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO, A PARTIR DE ROTEIRO QUE CONTEMPLA OS SEGUINTES ASPECTOS:

Determinismo de ordem técnica – Através de entrevista aberta com o autor do

projeto, podemos constatar que esse determinismo se fez notar a partir da

observação de um programa de necessidades - principalmente das dimensões

que definem os ambientes -, fruto de discussão com o cliente, objetivando

melhor atender seus objetivos e aproveitar o espaço exíguo do terreno. A

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concepção da estrutura e a escolha dos materiais de construção também

refletem essa dimensão (técnica). É atribuída a esse determinismo a solução

de ocupação vertical do espaço, em torno de uma escada que permite o

acesso aos pavimentos. Com exceção do espaço reservado ao atendimento

público, os demais pavimentos são afastados, entre si, por um só lance de

escada, o que significa meio pé-direito. Isso se faz possível pelo fato de cada

pavimento se desenvolver ao longo de apenas um lado da escada, de forma

alternada.

Determinismo de ordem funcional – A organização das funções no espaço -

principalmente horizontal -, reservou a área de atendimento do público

colocando-a diretamente em contato com a rua, ao mesmo tempo em que

situou o gabinete do Procurador-Geral na posição mais afastada, em virtude da

importância desse cargo. Em conseqüência, o jogo volumétrico concebido

refletiu essa consideração, dando como resultado volumes alternados.

Determinismo de ordem econômica – Apesar da solução de ocupação vertical

ser atribuída a questões de ordem técnica, é possível observar que,

indiretamente, a questão econômica também é contemplada, nesse caso. De

modo geral, não foi confirmada junto ao autor do projeto, a dimensão

econômica justificando qualquer solução adotada.

Determinismo de ordem topográfica – Diante do programa de necessidades

apresentado, as características do terreno, estreito, longo e de meio de quadra,

foram responsáveis pela solução de implantação adotada. Obedecidos aos

recuos mínimos, praticamente a construção ocupa todo o espaço do lote,

exigindo desenvolvimento vertical em pavimento térreo, acrescido de mais dois

outros. A orientação geográfica, expondo ao sol as fachadas mais longas,

exigiu uma solução de proteção contra a insolação excessiva. Foram adotados

brises verticais arrematados por arcos plenos na parte superior. A edificação

apresenta uma altura que estabelece relação de equilíbrio com a vizinhança,

onde predomina construções de um e dois pavimentos.

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Determinismo de ordem plástica – A influência do cubo na definição

volumétrica da proposta se constitui em uma escolha predominantemente

comprometida com a estética. De formação essencialmente modernista, o

autor aplica a linguagem geométrica fazendo uso de volumes que se alternam

e, segundo ele, alimentam um “jogo de volumes separados por vazios”. A

arcada que protege as fachadas laterais contra a insolação, resultou também,

de uma escolha determinada pela dimensão plástica, tendo por referência seu

uso na arquitetura moderna e na arquitetura colonial. Observa-se que a mesma

marca as fachadas de forma ritimada.

O início do processo de concepção do projeto traz consigo, de forma muito

clara, a influência da arquitetura modernista e da linguagem geométrica,

associadas à funcionalidade expressa através do programa de necessidades.

5. PROJETO DA CATEDRAL METROPOLITANA DE NATAL QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO, A PARTIR DE ROTEIRO QUE CONTEMPLA OS SEGUINTES ASPECTOS:

Os fatores técnicos que se destacam na concepção da proposta arquitetônica

da catedral estão relacionados ao uso do concreto armado, em função de sua

liberdade plástica, da área a cobrir, do trabalho estrutural requerido e, também,

à concepção de uma estrutura cuja forma não apresentasse apenas função de

sustentação. Em alguns momentos, o determinante técnico respondeu a

exigências da função do espaço, ditada pela liturgia católica. Um exemplo claro

é a ausência de pilares no interior da nave principal, a localização da cripta em

pavimento subterrâneo, bem como a solução que permite o domus de

iluminação sobre a sacristia. Outra solução na qual intervem o determinante

técnico é a iluminação zenital da nave, permitida por um rasgo (medindo 1,50m

de largura) coincidindo com as arestas da pirâmide de seis faces, que define o

volume principal. Convém lembrar a execução da cruz/monumento - exterior à

pirâmide - igualmente em concreto, com 25 metros de altura. Ainda, a

implantação semi-enterrada da nave. Constitui-se, portanto, em um

determinante com participação ampla no processo de concepção.

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Os fatores funcionais estão presentes, como determinantes, durante todo o

percurso do trabalho de concepção, a começar pela definição da volumetria

geral. Contornando a pirâmide central, foram dispostos volumes menores que

atendem a funções específicas como: sacristia, capelas (2), salão, sala de

celebrações e batistério. A concepção da catedral foi precedida por explicações

e esclarecimentos prestados por padres da arquidiocese, sobre a liturgia da

igreja católica e o funcionamento de uma catedral, em todos os detalhes;

ambiente por ambiente. O programa de necessidades tendo sido elaborado em

seguida, foi coerente com esses ensinamentos. Assim, foi considerado o

percurso que se dirige ao altar principal, iniciado na entrada do templo, tendo

sido localizado o batistério ao lado da entrada. Próximos ao altar, foram

reservados espaços para autoridades e o coro; em volta da nave, foram

localizadas capelas e salões para celebrações. Por trás do altar, foi localizada

a sacristia, semi-enterrada; na parte central da nave, foram dispostos os

bancos para o público. Sob a sacristia, totalmente enterrada, foi localizada a

capela do santíssimo – a cripta.

Não foi informada qualquer decisão projetual em que o determinante econômico tenha tido papel de destaque, apenas foi registrada a participação

de um engenheiro calculista – Hélio Varela – no acompanhamento da definição

da estrutura, em função do volume de concreto a ser demandado na execução

da proposta. Indiretamente, a questão econômica tende a se confundir com a

necessidade de racionalização, própria a uma empreitada dessa envergadura.

A topografia do terreno é totalmente plana, sendo desnecessários movimentos

de terra ou quaisquer intervenções semelhantes. No entanto, foram previstas

escavações para permitir a implantação da proposta que conta com nave e

sacristia semi-enterradas e a cripta totalmente subterrânea. A implantação no

terreno considera a visibilidade do conjunto sem definição de frente e fundo. De

qualquer das quatro ruas que limitam o terreno, a visão que se tem do conjunto

edificado apresenta o mesmo esmero no tratamento fachadístico. Esse terreno

onde se previa a construção da catedral era ocupado por um praça (Praça Pio

XII) situada na Av. Deodoro da Fonseca, na Cidade Alta. Apresenta forma de

quadrilátero e, na época, era ladeada por edificações de um só pavimento,

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salvo o cinema Rio Grande que apresenta pé direito equivalente a três

andares, no mínimo. Devido à relativamente pequena dimensão do terreno

(112mx90m) e à pouca largura das ruas que o contornam, não se obtém

afastamento suficiente para apreciação do conjunto em perspectiva; o registro

visual do observador sendo feito, sempre, a pouca distância. Em relação à

forma do terreno, o conjunto foi implantado fazendo coincidir duas faces da

pirâmide com dois lados; as quatro faces restantes foram dispostas de forma

inclinada, cada uma formando um ângulo de 30º com os demais lados do

terreno. Não se percebe preocupação com questões climáticas. Não há

indicação de como proceder para combater ou evitar o calor gerado no interior

da nave, por exemplo.

A linguagem geométrica predomina na solução plástica resultante. Trata-se

de uma pirâmide de base hexagonal ladeada por prismas de base retangular.

Ao lado desse conjunto, uma cruz formada por quatro lâminas retangulares

verticais, separadas entre si, presas a uma lâmina horizontal quadrada.

Inicialmente, o processo de concepção foi presidido por exigências

funcionais, associadas a determinismos litúrgicos. Isso ficou bastante

evidenciado pelo autor da proposta. Igualmente importante nesse momento, foi

a simbologia adotada – analogia com as catacumbas romanas, localizadas no

sub-solo, cujo acesso se dava a partir de uma passarela que conduzia ao

subterrâneo. A recém inaugurada catedral de Brasília (primeira fase executada

entre 1959/1960) também comparece como uma fonte de inspiração para o

arquiteto: nave semi-enterrada, com entrada através de passarela de piso

inclinado.

6. PROJETO DO EDIFÍCIO SEDE DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL EM NATAL QUESTÕES COLOCADAS AO AUTOR DO PROJETO, A PARTIR DE ROTEIRO QUE CONTEMPLA OS SEGUINTES ASPECTOS:

Dentre os fatores técnicos que se apresentaram como determinantes na

concepção do edifício sede do Tribunal Regional Eleitoral em Natal,

destacaram-se: a eleição do concreto armado como material de construção, a

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solução de planta livre, os balanços e a interseção de planos na definição da

volumetria, merecendo do arquiteto, autor da proposta, a definição de que

nesse projeto “tudo é estrutura”. Acrescente-se, ainda, a solução de proteção

da fachada “posterior”, executada, também, em concreto armado. Segundo o

arquiteto, a idéia de monumentalidade presidiu as etapas da concepção; os

determinantes de ordem econômica, por sua vez, tiveram participação no

desenvolvimento da idéia, de forma a garantir o racionalismo construtivo

inerente a uma proposta do nível desse edifício (Por exemplo, a simplificação

da estrutura/forma). Exceção para o uso do concreto aparente, conforme o

autor, como uma solução diretamente inspirada pela dimensão econômica.

Os determinantes funcionais foram de grande importância na concepção do

edifício do TRE. Esses levaram à solução da planta livre (junto com os

determinantes acima referidos) e à localização dos ambientes, em atenção à

definição do programa de necessidades, amplamente discutido com o cliente.

O autor enfatizou o uso da rampa nesse projeto, caracterizando a preocupação

com a acessibilidade - a partir de 1985 passou a ser exigência legal (lei

7405/85). Desses determinantes resultou, também, a ocupação vertical do

espaço, situando a garagem no subsolo.

O terreno onde foi implantado o edifício é de esquina, longo e estreito,

apresentando uma topografia com pequena inclinação. Em virtude de sua

orientação, as duas fachadas com maior área requereram atenção especial;

uma porque fica voltada para nascente, podendo receber grande áreas

envidraçadas e a outra porque fica voltada para o sol poente, necessitando de

proteção. A solução adotada foi determinada pela situação geográfica,

evitando a penetração do sol da tarde no interior da edificação, cuja construção

ocupa toda a área do terreno. Determinismos de ordem plástica – A edificação apresenta uma forma

prismática simples, no entanto, é possível observar influências da arquitetura

do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro e da arquitetura de Le Corbusier,

especialmente do período brutalista (“beton brut” – Chandigard, Unidade de

habitação). A definição da estrutura aparente obedece a esse determinismo,

com sua linguagem geométrica - contrastando com o entorno imediato -,

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balanços e uso do concreto aparente. A solução adotada para as fachadas

permite, como afirmou o autor, “leituras diferentes, em horários diferentes, em

função da variação da projeção das sombras”.