UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO … · narrativa. Em relação ao discurso...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO A HISTÓRIA DE UM DELITO: A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO NATAL /RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA

MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO

A HISTÓRIA DE UM DELITO:

A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO

NATAL /RN

2017

MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO

A HISTÓRIA DE UM DELITO:

A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – PPgEL/UFRN, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem, na área de concentração de Linguística teórica e descritiva.

Orientador: Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto

NATAL /RN

2017

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Cardoso, Marília Silva Lemos.

A história de um delito: a sequência narrativa em termos de

depoimento / Marília Silva Lemos Cardoso. - 2017. 106f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de

Pós-graduação em Estudos da Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto.

1. Depoimento (testemunhas). 2. Análise textual dos

discursos. 3. Sequência textual narrativa. 4. Gênero jurídico. I.

Silva Neto, João Gomes da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.143

MARÍLIA SILVA LEMOS CARDOSO

A HISTÓRIA DE UM DELITO:

A SEQUÊNCIA NARRATIVA EM TERMOS DE DEPOIMENTO

Relatório de Dissertação apresentado ao Programa de Pós-graduação em Estudos

da linguagem (PPgEL), Departamento de Letras, da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como um dos requisitos para a obtenção do grau de Mestre em

Estudos da Linguagem. Avaliado em ___/___/____ pela seguinte banca

examinadora:

___________________________________________________________________

Prof. Dr. João Gomes da Silva Neto

Presidente / Orientador – UFRN

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Josilete Alves Moreira de Azevedo

Examinadora Interna - UFRN

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Eliete de Queiroz

Examinadora Externa - UERN

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria das Graças Soares Rodrigues

Examinadora Interna (Suplente) - UFRN

___________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Rosângela Alves dos Santos Bernardino

Examinadora Externa (suplente) - UERN

Dedico esta dissertação ao meu amado esposo

Valter Cardoso

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a Deus que me deu todas as condições

necessárias para concluir essa importante etapa de minha vida.

Aos meus pais, Maria das Graças e Sebastião Lemos, sem os quais não

poderia estar onde estou, pois me deram o essencial para que pudesse trilhar o meu

caminho com trabalho, esforço, dedicação e honestidade. Agradeço por estas e

outras lições que levarei para toda vida.

Ao meu esposo Valter Cardoso, presente de Deus em minha vida,

companheiro de todas as horas. Apoio fundamental em todos os momentos dessa

caminhada, sem o qual não teria conseguido chegar ao fim.

Ao professor João Gomes da Silva Neto, pelas lições não só acadêmicas,

mas, sobretudo, de vida.

Às professoras Josilete Alves Moreira de Azevedo e Maria Eliete de Queiroz

que trouxeram contribuições tão valiosas para o aprimoramento deste trabalho. O

meu muito obrigada pela atenção e pelo empenho com que fizeram suas

observações.

Agradeço também a todos os colegas do grupo ATD que sempre estiveram

dispostos a colaborar para o enriquecimento deste trabalho.

Lâmpada para os meus pés é tua palavra,

e luz para o meu caminho.

(Salmos 119: 105)

RESUMO

Neste trabalho, temos o objetivo de investigar como ocorrem as sequências

narrativas no gênero termo de depoimento, peça processual que integra o inquérito

policial e é destinada ao depoimento da(s) testemunha(s). Nossa fundamentação

teórica parte dos pressupostos gerais da Linguística Textual através de autores

como Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009), Koch e Elias (2012; 2013) e Marcuschi

(2008; 2012), e mais precisamente da Análise Textual dos Discursos com Adam

(2011) no que se refere ao estudo do plano de texto e da sequência textual

narrativa. Em relação ao discurso jurídico, respaldamo-nos em Pelágio (2002),

Gomes (2011), Nucci (2014) e França (2015). Metodologicamente, é uma pesquisa

documental, que apresenta um caráter qualitativo, descritivo e que se orienta pelos

métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. O corpus é constituído por três termos de

depoimento oriundos de uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher

(DEAM), localizada em Natal, Rio Grande do Norte. Os resultados mostram que o

depoimento prestado pela testemunha é composto predominantemente pela

sequência narrativa, a qual constitui uma narrativa maior, global, que por sua vez é

composta por diversas narrativas menores – as chamadas narrativas encaixadas, as

quais atuam no texto em função dessa narrativa de nível global. Os resultados

mostram também que as sequências narrativas desempenham um importante papel

no gênero termo de depoimento, pois funcionam como principal mecanismo de

organização do depoimento da testemunha.

Palavras-chave: Análise Textual dos Discursos. Sequência textual narrativa. Termo

de depoimento. Gênero jurídico.

ABSTRACT

In the present work, we aim to investigate how the narrative sequences occur within

the genre testimony record, procedural component that integrates the police

investigation whilst being intended for the witness testimony. Our theoretical

groundings are based on the general propositions of the Text Linguistics with authors

as Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009), Koch e Elias (2012; 2013) and Marcuschi

(2008; 2012), and, more specifically, on the Discourse Textual Analysis with Adam

(2011) regarding the text plan and narrative sequence studies. In relation to the legal

discourse, we use Pelágio (2002), Gomes (2011), Nucci (2014) and França

(2015).The methodology consists of a documental research, of qualitative and

descriptive nature, as well as guided by the inductive and deductive reasoning. The

corpus is represented by three testimonial records obtained from a Women’s Police

Station (Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher – DEAM), located at

Natal, Rio Grande do Norte. Results indicate that the testimony provided by the

witness is predominantly composed by several minor narratives – the so-called

embedded narratives, which act upon the text due to a global-level narrative. The

results also indicate that the narrative sequences play an important role in the

testimonial record genre, because they function as the main mechanism for the

organization and arrangement of the witness testimony.

Keywords: Discourse Textual Analysis. Narrative textual sequence. Testimonial

record. Legal genre.

LISTA DE SIGLAS

AD Análise do Discurso

ATD Análise Textual dos Discursos

CPB Código Penal Brasileiro

CPP Código de Processo Penal

CP Código Penal

DEAM Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher

LT Linguística Textual

NE Narrativa Encaixada

PPgEL Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem

TD Termo de Depoimento

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Esquema 4: Níveis ou planos da análise de discurso.................. 41

Figura 2 Esquema 5: Operações de textualização..................................... 42

Figura 3 Esquema 30: Ligações textuais.................................................... 44

Figura 4 Esquema 20: Trama narrativa...................................................... 55

Figura 5 Esquema 19: Relações simétricas............................................... 56

Figura 6 Esquema 18: Limites do processo................................................ 56

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Propostas de classificações tipológicas........................................ 48

Quadro 2 Plano de texto do Termo de depoimento 1................................... 68

Quadro 3 Macroproposições da narrativa global.......................................... 70

Quadro 4 Macroproposições da narrativa encaixada 1................................. 73

Quadro 5 Macroproposições da narrativa encaixada 2................................ 75

Quadro 6 Macroproposições da narrativa encaixada 3................................. 77

Quadro 7 Macroproposições da narrativa encaixada 4................................ 78

Quadro 8 Macroproposições da narrativa encaixada 5................................. 79

Quadro 9 Síntese das principais ações de W nas narrativas encaixadas..... 81

Quadro 10 Plano de texto do Termo de depoimento 2................................... 82

Quadro 11 Macroproposições da narrativa global........................................... 84

Quadro 12 Macroproposições da narrativa encaixada 1................................. 87

Quadro 13 Macroproposições da narrativa encaixada 2................................. 88

Quadro 14 Macroproposições da narrativa encaixada 3................................. 89

Quadro 15 Macroproposições da narrativa encaixada 4................................. 90

Quadro 16 Síntese das principais ações de T nas narrativas encaixadas...... 91

Quadro 17 Plano de texto do Termo de depoimento 3................................... 92

Quadro 18 Macroproposições da narrativa global........................................... 94

Quadro 19 Macroproposições da narrativa encaixada.................................... 96

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.......................................................................................... 15

2 O ESTADO DA ARTE.............................................................................. 18

2.1 O ESTUDO DA NARRATIVA: BREVE PANORAMA ............................... 18

2.2 O ESTUDO DA SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA............................ 23

2.3 O GÊNERO TERMO DE DEPOIMENTO................................................. 30

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................... 36

3.1 A LINGUÍSTICA TEXTUAL....................................................................... 36

3.1.1 A Linguística Textual no Brasil............................................................. 38

3.2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS............................................... 40

3.2.1 Estrutura composicional do texto......................................................... 43

3.2.1.1 Os planos de textos.................................................................................. 45

3.2.1.2 As Sequências textuais ........................................................................... 46

3.2.1.3 A Sequência textual narrativa................................................................... 53

4 METODOLOGIA....................................................................................... 58

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA....................................................... 58

4.2 CORPUS: APRESENTAÇÃO................................................................... 60

4.3 COLETA E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE......................................... 63

5 ANÁLISE ................................................................................................. 67

5.1 TERMO DE DEPOIMENTO 1................................................................... 67

5.1.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 67

5.1.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 67

5.1.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 69

5.1.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições

narrativas.................................................................................................

69

5.1.4.1 Narrativa global......................................................................................... 70

5.1.4.2 Narrativa encaixada 1............................................................................... 72

5.1.4.3 Narrativa encaixada 2............................................................................... 75

5.1.4.4 Narrativa encaixada 3............................................................................... 76

5.1.4.5 Narrativa encaixada 4............................................................................... 78

5.1.4.6 Narrativa encaixada 5............................................................................... 79

5.1.4.7 Síntese das principais ações de W........................................................... 81

5.2 TERMO DE DEPOIMENTO 2.................................................................. 82

5.2.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 83

5.2.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 84

5.2.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 82

5.2.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições

narrativas.................................................................................................

84

5.2.4.1 Narrativa global......................................................................................... 84

5.2.4.2 Narrativa encaixada 1............................................................................... 86

5.2.4.3 Narrativa encaixada 2............................................................................... 88

5.2.4.4 Narrativa encaixada 3............................................................................... 89

5.2.4.5 Narrativa encaixada 4............................................................................... 90

5.2.4.6 Síntese das principais ações de T............................................................ 91

5.3 TERMO DE DEPOIMENTO 3................................................................... 92

5.3.1 Estabelecimento do texto...................................................................... 92

5.3.2 Apresentação do plano de texto........................................................... 92

5.3.3 Codificação do depoimento da testemunha........................................ 93

5.3.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições

narrativas.................................................................................................

94

5.3.4.1 Narrativa global......................................................................................... 94

5.3.4.2 Narrativa encaixada.................................................................................. 96

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 97

REFERÊNCIAS ....................................................................................... 99

ANEXOS

15

1 INTRODUÇÃO

Os diversos textos do âmbito jurídico desempenham um importante papel na

sociedade. Apesar disso, esses textos, de um modo geral, são bastante restritos ao

seu meio específico de circulação, o que faz com que sejam facilmente citados como

‘textos difíceis de entender’. Diante disso, surge a necessidade de estudos que

abordem esses textos a fim de contribuir para sua clarificação e assim torná-los mais

acessíveis ao seu leitor, seja ele da área jurídica ou não.

Nessa perspectiva, a presente pesquisa trata do estudo sobre a realização

das sequências textuais narrativas no gênero jurídico termo de depoimento. O termo

de depoimento é uma peça do inquérito policial, na qual a testemunha respondendo

a algumas perguntas diz o que sabe e é relevante para um determinado caso. Tudo

o que a testemunha diz é registrado pelo escrivão e, no final de seu depoimento, a

testemunha toma conhecimento de suas declarações através da leitura feita pelo

escrivão o qual assina esse documento juntamente com a testemunha e o Delegado

de Polícia. O termo de depoimento constitui, assim, um documento de fundamental

importância para a investigação e formulação das hipóteses investigativas.

O presente trabalho parte das seguintes questões de pesquisa:

Como ocorrem as sequências textuais narrativas no gênero termo de

depoimento?

Que elementos textuais e discursivos são utilizados nas sequências

narrativas no gênero termo de depoimento?

Qual o papel das sequências narrativas para a composição do gênero termo

de depoimento?

Para responder a esses questionamentos traçamos metas a serem

alcançadas com a investigação. Por isso, selecionamos os seguintes objetivos:

Objetivo geral:

Investigar como ocorrem as sequências narrativas no gênero termo de

depoimento.

Objetivos específicos:

Identificar e descrever que elementos textuais e discursivos são utilizados nas

sequências narrativas no gênero termo de depoimento.

16

Interpretar qual o papel das sequências narrativas para a composição do

gênero termo de depoimento.

Nossa fundamentação teórica parte dos pressupostos gerais da Linguística

Textual com autores como Koch (1997; 1999; 2002; 2008; 2009;), Koch e Elias

(2012; 2013), Marcuschi (2008; 2012), entre outros, e mais precisamente da Análise

Textual dos Discursos (ATD) proposta por Adam (2011) no que se refere ao plano

de texto e a sequência textual. Além desses, respaldamo-nos também em outros

autores no que se refere ao estudo do gênero, tais como Bazerman (2005), Rojo

(2005) e Marcuschi (2008). Para tratar do discurso jurídico fundamentamo-nos em

Pelágio (2002), Gomes (2011), Nucci (2014) e França (2015).

O corpus da pesquisa é composto por três termos de depoimento oriundos de

uma Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, DEAM, localizada em

Natal, Rio Grande do Norte, e disponibilizados através do banco de processos do

grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte (UFRN). Em conformidade com o seu local de origem, os

documentos aqui analisados abordam a temática da violência contra a mulher.

A escolha do tema do trabalho partiu de algumas motivações: em um primeiro

momento, a escolha de um gênero do âmbito jurídico, bem como a noção de

sequência textual narrativa proposta por Jean Michel Adam, deveu-se ao fato de,

enquanto pesquisadora, estar inserida no grupo de pesquisa ATD, do Programa de

Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da UFRN que tem como uma de

suas linhas de pesquisa o estudo do discurso jurídico a partir da perspectiva dos

postulados de Adam (2011). Em um segundo momento, o fato de haver poucos

trabalhos nessa perspectiva de estudo abordando o gênero termo de depoimento.

Nessa direção, destaco apenas os trabalhos de Gurpilhares et al. (2012), e de

Cardoso e Cardoso (2015), os quais retomamos aqui pela sua pertinência ao estudo

que pretendemos desenvolver.

A relevância do presente estudo centra-se justamente na abordagem do

gênero jurídico termo de depoimento, sob uma perspectiva linguística e discursiva. A

partir desse estudo, pretendemos contribuir para a sua melhor compreensão.

De acordo com os objetivos propostos, a pesquisa apresenta como categorias

de análise as macroproposições narrativas propostas por Adam (2011), as quais

estão relacionadas à dimensão estrutural e composicional do texto.

17

Esta dissertação estrutura-se em seis capítulos. O primeiro corresponde a

esta introdução, na qual expomos os principais pontos do trabalho, sobre o que ele

trata, em que se fundamenta, seus objetivos gerais e específicos, a origem do seu

corpus, e os critérios de escolha para essa temática, bem como a estruturação do

trabalho como um todo.

No capítulo dois - O estado da arte - trazemos um breve panorama sobre o

estudo da narrativa, como também um levantamento de estudos já realizados a

partir da perspectiva do estudo da sequência textual narrativa proposta por Adam

(2011). Neste capítulo, também focamos no gênero em análise (termo de

depoimento) trazendo primeiramente alguns esclarecimentos sobre em que

perspectiva teórica esse gênero aqui é concebido e, diante disso, suas principais

características, bem como em que contexto geral de pesquisas nosso trabalho se

insere.

O capítulo três - Fundamentação teórica – trata dos pressupostos teóricos a

partir dos quais embasamos nossa pesquisa.

No capítulo quatro – Metodologia – apontamos informações sobre a

caracterização da pesquisa, a apresentação, coleta e tratamento do corpus, as

categorias e os procedimentos de análise e sobre o gênero termo de depoimento.

No capítulo cinco - Análise – apresentamos a análise de acordo com os

fundamentos teóricos expostos anteriormente.

O capítulo seis - Considerações finais - traz os resultados obtidos e as

contribuições do estudo para a área em que se insere. Por último, constam as

referências de todo material utilizado na pesquisa e os anexos.

18

2 O ESTADO DA ARTE

Neste capítulo, apresentamos: um breve histórico sobre o estudo da narrativa

e apresentamos também alguns estudos já realizados acerca dessa categoria; além

disso, explicitamos algumas características do gênero jurídico termo de depoimento,

bem como delimitamos em que perspectiva teórica esse gênero é concebido nessa

pesquisa.

2.1 O ESTUDO DA NARRATIVA: BREVE PANORAMA

Nesta seção, apresentamos uma breve revisão das principais teorias

responsáveis pela elaboração do conceito de estrutura narrativa. Com isso,

objetivamos mostrar a diversidade de abordagens e enfoques existentes a respeito

do estudo da narrativa, bem como situar o nosso estudo a partir desse panorama.

Os primeiros estudos da narrativa começaram a partir da Poética de

Aristóteles, escrito por volta de 335 a.C. Nessa obra, Aristóteles estuda a epopeia, a

tragédia e a comédia para estabelecer os cânones da narrativa clássica. O autor faz

uma análise profunda da tragédia, a qual continua como referência para o estudo da

narrativa até hoje.

Propp ([1928] 1983) retomou os estudos da narrativa através da análise dos

contos de fadas russos. Nesse sentido, o autor realiza uma morfologia desses

contos de fadas, os quais denomina de contos maravilhosos. Essa morfologia

corresponde a uma descrição dos contos a partir das partes que os compõem, das

relações destas partes entre si e com o todo. Através de suas análises, o autor

concluiu que, muitas vezes, os contos emprestam as mesmas ações a personagens

diferentes. Dessa forma, o autor propõe um estudo do conto através das funções

das personagens, as quais passam a representar, nessa perspectiva, as partes

fundamentais do conto.

Propp ([1928] 1983) chega a quatro teses fundamentais: 1) Os elementos

constantes permanentes do conto são as funções das personagens, quaisquer que

sejam estas personagens e qualquer que seja o modo como são preenchidas estas

funções. As funções são as partes constitutivas fundamentais do conto. 2) O número

das funções do conto maravilhoso é limitado. 3) A sucessão das funções é sempre

19

idêntica. 4) Todos os contos maravilhosos pertencem ao mesmo tipo no que diz

respeito à estrutura.

Vieira (2001) ressalta que a importância do trabalho de Propp reside no fato

de que através das funções propostas por ele podemos construir uma estrutura do

conto. Ainda de acordo com Vieira (2001), Propp ([1928] 1983) teria sido o primeiro

a chamar a atenção para a forma estrutural do enunciado narrativo.

Bremond (1966) propõe como modelo para os enunciados narrativos uma

estrutura triádica. Em sua proposta, o processo narrativo apresenta uma situação

lógica na qual atuam três papéis básicos: vítima, agressor e ajudante, que se

organizam segundo o seguinte encadeamento: Degradação → Melhora → Ajuda.

Durante esse processo, se a ajuda é alcançada, ocorre uma melhora e o processo

de degradação é evitado. Contudo, se a ajuda não ocorre, não há melhora e o

processo de degradação é inevitável.

Já Labov e Waletzky (1967) propõem uma estrutura narrativa dividida em

cinco momentos. Para chegar a essa proposta, os autores realizaram suas análises

a partir de narrativas orais recolhidas de crianças e adultos de culturas diferentes.

Para os autores, a narrativa funciona como um método de recapitulação de

experiências passadas e apresenta duas funções básicas: de referência e de

avaliação. A primeira diz respeito à transmissão de informações que há na narrativa

em relação ao lugar, tempo, personagens, etc.; a segunda diz respeito à

transmissão ao ouvinte do motivo da narrativa ter sido contada. Os autores centram

sua definição de núcleo narrativo sobre a dimensão avaliativa que expressa o ponto

central da narrativa, dando destaque, assim, aos eventos mais importantes.

Nessa perspectiva, a narrativa vai ter uma superestrutura textual composta de

orientação, complicação, ação ou avaliação, resolução, conclusão ou moral. A

orientação corresponde ao momento em que são definidas as situações de espaço,

tempo e características das personagens; a complicação ocorre quando há uma

ação que modifica o estado inicial e dá inicio a narrativa propriamente dita. A

narrativa, então, culmina no momento em que uma ação transforma a nova situação

provocada pela complicação ou em que uma avaliação da nova situação indica as

reações do sujeito do enunciado. O resultado corresponde ao novo estado de coisas

que é estabelecido. O final da narrativa se dá no momento em que é elaborada uma

moral diante das consequências da estória.

20

Segundo Todorov (1971), “Uma narrativa ideal começa por uma situação

estável que uma força qualquer vem perturbar”, e que dessa mudança de estado

resultaria “um estado de desequilíbrio”; o equilíbrio, então, seria reestabelecido pela

ação de uma força direcionada em sentido inverso; haveria um segundo equilíbrio

que é parecido com o primeiro, mas nunca idêntico. Assim, para ele, há dois tipos de

episódios na narrativa: “os que descrevem um estado (de equilíbrio ou de

desequilíbrio) e os que descrevem a passagem de um estado a outro” (TODOROV,

1971, p. 124).

Após termos revisitado alguns dos principais autores e suas respectivas

teorias que firmaram as bases do estudo da narrativa, vejamos agora algumas das

principais abordagens sobre a narrativa no âmbito dos estudos da linguagem que

têm respaldado diversos estudos no Brasil.

Cunha (2015), em seu artigo “Um panorama de abordagens da narrativa nos

estudos da linguagem”, tem como objetivo apresentar teorias sobre a narrativa

desenvolvidas apenas no interior da Linguística do Texto e do Discurso. De acordo

com o autor, ainda que seu trabalho “[...] se restringisse somente às abordagens

sobre narrativa produzidas por linguistas [...]” não seria suficiente, pois “[...] a

quantidade e a diversidade dessas abordagens levariam apenas à produção de um

inventário, que, embora exaustivo, permaneceria inevitavelmente incompleto” (p.

36). Assim, o autor ratifica o objetivo do seu trabalho diante da diversidade de

possibilidades existentes para o estudo da narrativa.

Segundo Cunha (2015), podemos começar por distinguir duas vertentes

teóricas distintas: de um lado, Benveniste (1976) e Weinrich (1973) estudam a

narrativa com o auxílio de critérios linguísticos. Do outro lado, Labov (1967), Adam

(1992; 1999) e Bronckart (2007) estudam a narrativa com o auxílio de critérios

principalmente referenciais.

Em conformidade com o que pretendemos investigar na presente pesquisa

para saber como se realizam as sequências narrativas, debruçamo-nos um pouco

mais na segunda vertente teórica acima mencionada, e mais precisamente na

proposta de Adam (1992; 1999).

No âmbito dos estudos da narrativa que utilizam critérios linguísticos,

conforme a proposta de Cunha (2015), destacam-se Benveniste (1976) e Weinrich

(1973). Benveniste (1976) em seu estudo sobre “As relações de tempo no verbo

francês” trata de “procurar, numa visão sincrônica do sistema verbal em francês

21

moderno, as relações que organizam as diversas formas temporais”. A partir desse

estudo, o autor observa que “Os tempos de um verbo francês não se empregam

como os membros de um sistema único; distribuem-se em dois sistemas distintos e

complementares” (BENVENISTE, 1976, p. 261-262 – grifos do autor). Para o autor,

esses sistemas se manifestam em dois planos distintos: o plano da história e o plano

do discurso.

O plano da história diz respeito à narrativa de acontecimentos passados, e

limita-se a língua escrita. O autor cita como exemplos dessas enunciações históricas

os romances realistas do século XIX e as obras historiográficas. Já o plano do

discurso, diz respeito a “toda enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no

primeiro, a intenção de influenciar, de algum modo, o outro” (BENVENISTE, 1976, p.

261-262). De acordo com o autor, nesse plano do discurso estão todos os discursos

orais, como também todos os escritos que reproduzem as características de

composição e a finalidade desses discursos orais.

Weinrich (1973) parte da constatação de que os morfemas que indicam os

tempos verbais são bastante recorrentes, pois ao analisar textos escritos em

francês, observa que o tempo dominante ou mais recorrente é o presente ou o

passado simples associado ao imperfeito. A partir dessa observação, o autor levanta

a hipótese de que os verbos se repartem em dois grupos: o primeiro é constituído

pelo presente, passado composto e futuro; o segundo é constituído pelo passado

simples, o imperfeito, o mais-que-perfeito e o condicional.

Para explicar a recorrência desses tempos verbais distribuídos nesses dois

grupos, Weinrich (1973) chega à conclusão de que os tempos verbais do primeiro

grupo sinalizam o “mundo comentado” e os tempos do segundo grupo sinalizam o

“mundo narrado”. No mundo comentado, o locutor assume uma atitude tensa e

indica ao interlocutor que o texto merece uma atenção maior e espera dele, do

interlocutor, uma reação. No mundo narrado, o locutor assume uma atitude distensa

ou relaxada, porque indica ao auditor que o texto “é ‘somente’ um relato” e que

ambos os interlocutores são expectadores de um mundo representado e não os

seus atores.

As abordagens de Weinrich (1973) e Benveniste (1976) foram alvo de críticas

devido a algumas fragilidades apontadas em suas propostas como, por exemplo, a

diferenciação entre os tempos do mundo narrado e do mundo comentado, uma vez

podemos narrar com tempos do comentário e comentar com tempos da narração.

22

Para Cunha (2015), críticas como essa contribuíram para que ganhassem

cada vez mais espaço as abordagens que estudam a narrativa e os demais tipos ou

sequências com base principalmente em critérios referenciais, das quais são autores

representativos Labov e Waletzky (1967), Adam (1992; 1999) e Bronckart (2007). Na

sequência, veremos um pouco da proposta desses autores que referenciamos.

A proposta de Labov e Waletzky (1967) já foi referenciada anteriormente

nesta seção, acrescentamos apenas que essa proposta, segundo Cunha (2015, p.

41) é “[...] provavelmente, a mais influente das abordagens já propostas nos estudos

da linguagem para o estudo da narrativa.”.

Segundo Cunha (2015), Bronckart (2007) ao falar em tipos de discurso

desenvolve as propostas de Weinrich (1973) e de Benveniste (1976). Porém, Cunha

(2015, p. 48) acrescenta que Bronckart (2007) “encara o problema da

heterogeneidade composicional sob um enfoque sociointeracionista, segundo o qual

as condutas humanas são ações significantes, por meio das quais se elaboram as

capacidades mentais e a consciência dos agentes”. Por isso, para o autor, tal

proposta reinterpreta as teorias de Benveniste (1976) e de Weinrich (1973) no

quadro da psicologia.

Adam (1992) apoia-se em contribuições de Labov e Waletzky (1967) e de

estudiosos da cognição para defender sua proposta sobre os esquemas sequenciais

prototípicos. Assim, tanto a produção quanto a compreensão da estrutura de um

texto envolveria a ativação de conhecimentos desses esquemas, o que possibilitaria

ao sujeito identificar o tipo ou os tipos das sequências que produz ou compreende.

Em sua proposta sobre os esquemas sequenciais prototípicos, Adam (1992)

propõe a existência das sequências narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa

e dialogal. Cada uma dessas sequências prototípicas é definida como um conjunto

de macroproposições hierarquicamente organizadas. E é justamente a partir dessas

macroproposições que, segundo o autor, podemos caracterizar os protótipos.

Nessa proposta, é dado destaque ao papel da interação na constituição do

protótipo da sequência narrativa. Adam (1992) parte do princípio dialógico

bakhtiniano de que o discurso é sempre produzido para o outro e observa que a

estrutura canônica da narrativa não é homogênea, na medida em que não se

compõe apenas de acontecimentos. Algumas macroproposições destinadas a

descrever lugares e personagens (Situação inicial) e a justificar ou a explicar porque

a história merece ser narrada (Moral) são inseridas na narrativa em função de

23

necessidades pragmáticas como a vontade de favorecer a compreensão do outro ou

de convencê-lo de determinado ponto de vista.

É nesse sentido que Adam (1992) fala de uma orientação argumentativa da

narrativa. Ao considerar a dimensão pragmática da narrativa, o autor se afasta um

pouco da concepção dos estruturalistas literários em que se apoia para elaborar o

protótipo, concepção segundo a qual a narrativa seria imune ou impermeável ao

contexto.

Como pudemos observar até aqui, a narrativa tem sido estudada sob

diferentes enfoques teóricos, os quais compõem um quadro complexo de

abordagens. Cunha (2015) enfatiza que essas classificações propostas por ele que

dizem respeito às abordagens de caráter linguístico e referencial não constituem

oposição entre si, antes apenas expressam a predominância de tais aspectos,

linguístico e referencial, em cada uma delas, portanto, não é uma classificação

estanque e opositiva.

É importante destacarmos também que todos os autores aqui elencados

apresentam em comum o fato de terem procurado chegar a uma estrutura básica

geral para os enunciados narrativos, o que contribuiu significativamente para o

desenvolvimento do tema proposto nesta pesquisa.

Diante disso, situamos nosso estudo na perspectiva de Adam (2011) sobre a

sequência textual narrativa por considerarmos a sua abordagem mais completa a

respeito dessa categoria.

2.2 O ESTUDO DA SEQUÊNCIA TEXTUAL NARRATIVA

As sequências textuais constituem-se uma das noções utilizadas pela Análise

Textual dos Discursos (ATD) para o estudo da dimensão estrutural e composicional

do texto, sendo, portanto, uma categoria largamente utilizada para descrição de

textos. Nessa direção, a sequência textual narrativa tem sido tema de diversas

pesquisas que são desenvolvidas sob os mais diversos enfoques conforme os

trabalhos que citamos adiante.

No artigo intitulado “Narração esportiva de futebol e composicionalidade: uma

proposta de estudo textual-discursiva das sequências textuais”, Santos (2012)

apresenta uma análise da composicionalidade de uma narração esportiva de futebol

transmitida na televisão. A partir dos estudos do discurso (de perspectiva dialógica)

24

e da noção de sequência textual, proposta por Adam (2011), investiga o trabalho do

locutor/narrador na construção composicional da narração esportiva de futebol, bem

como pretende descrever a cena enunciativa em que ocorre a interação em análise

e discutir a sua relevância para a compreensão da composicionalidade nesse tipo de

narração. Por fim, pretende refletir sobre como a ocorrência e a organização dessas

sequências interfere, a priori, na arquitetônica do gênero.

O corpus escolhido para análise trata-se de um recorte da narração da última

partida da última rodada do Campeonato Brasileiro de 2008, ocorrida em 07 de

dezembro de 2008, entre São Paulo e Goiás, transmitida pela Rede Globo de São

Paulo.

Sobre a questão de “como a ocorrência e a organização dessas sequências

interfere, a priori, na arquitetônica do gênero” – Santos (2012) observa que o fato de

apresentar muitos traços que se assemelham aos de narrativas orais –

heterogeneidade das sequências, linguagem próxima à coloquial, interrupções,

hesitações, repetições, referência constante ou não ao outro – torna a narração

esportiva de futebol um gênero que tem sua origem na tradição oral, porém mais

complexo, até mesmo por pertencer a uma prática discursiva da esfera midiática e,

mais especificamente, jornalística.

A autora também verifica que há um agenciamento plurissequencial

heterogêneo das sequências por parte do narrador/locutor – já que a narração

constitui-se de uma mescla de diversas sequências – que revela uma flexibilidade

maior do seu discurso, em termos de composicionalidade, por contar com o auxílio

da imagem para informar ao telespectador sobre o que acontece na partida. Essa

espécie de agenciamento permite ao narrador/locutor ir além do ato de narrar a

partida, permitindo-se descrever, explicar fatos, assim como argumentar e dialogar

sobre eles durante a narração.

A arquitetônica do gênero, definida pelo narrador/locutor em uma narração

esportiva de futebol, determina a composicionalidade que esse gênero apresentará.

De acordo com a autora, isso ocorre pelo fato de esse narrador ser uma figura

central na narração. Constata também que ele apresenta o maior número de turnos,

o que justifica a presença de variadas sequências em seu discurso. Em decorrência

disso, observou-se que, em geral, a sequência narrativa acaba “exigindo” a

presença de outras sequências que a ela se articulam a fim de que o telespectador

tenha o máximo de informação relacionada a um determinado lance.

25

Santos (2012) conclui ao fim de sua análise que o narrador/locutor orquestra

não somente o gênero no âmbito das relações interlocutivas e do interdiscurso, mas

também no nível textual, articulando proposições e macroproposições, produzindo

sequências que nos permitem compreender o todo da narração, bem como a sua

finalidade em uma esfera de atividade e em um suporte relativamente recentes.

Santos (2012) salienta que outras investigações sobre a narração esportiva

de futebol podem ser realizadas a partir da perspectiva da análise textual dos

discursos, como estudos comparativos que abordem a questão do estilo dos

narradores com base na forma que eles arquitetam as sequências e os atos de

discurso ou que procurem analisar a relação entre as sequências e o interdiscurso

de modo a investigar de onde enuncia(m) o(s) narrador(es), os comentaristas e os

repórteres, por exemplo.

Em dissertação intitulada “Um estudo da realização da sequência narrativa no

gênero notícia”, Silva (2007) analisa e descreve a realização da sequência narrativa

no gênero notícia, segundo o esquema prototípico narrativo de Adam (1992), e

verifica as relações existentes entre esse modelo sequencial e a estrutura

propriamente dita do gênero.

Seu corpus é constituído por 50 notícias, dentre as quais 26 policiais e 24 não

policiais retiradas dos sites dos periódicos jornalísticos O Povo e Folha de São

Paulo, no período de setembro de 2005 a setembro de 2006, e submetidos à

identificação das macroproposições narrativas em sua estrutura textual. A análise

realizada por Silva (2007) propõe uma nova classificação das notícias em narrativas

e expositivas, de acordo, respectivamente, com a identificação da sequência

narrativa em sua estrutura.

A partir dessa nova classificação, a autora observa que a sequência narrativa

se atualiza predominantemente nas notícias policiais, que apresentaram uma forma

de realização recorrente: a ocorrência expressiva da sequência narrativa com todas

as suas fases no lead e a constante repetição ou retomada de algumas das

macroproposições narrativas no corpo da notícia, como uma extensão do conteúdo

já exposto, configurando uma característica do gênero.

Silva (2007) destaca, ainda, que a sequência narrativa funciona como um

importante mecanismo de organização textual das notícias narrativas, ainda que sua

conformação narrativa prototípica tenha sido diferente da delineada por Adam. Já

nas notícias não policiais, o rendimento foi baixo. A estrutura composicional

26

configura-se como expositiva e, nesse caso, foi analisada sob os pressupostos

teóricos de Bronckart (1999).

A autora enfatiza a importância da reflexão teórica sobre a realização do

protótipo da sequência narrativa de Adam (1992) no gênero notícia e, do ponto de

vista da aplicabilidade, e ressalta a relevância dessa reflexão para a

operacionalização do conceito de sequência textual narrativa no tratamento didático

de gêneros não literários, considerados de natureza narrativa, tal como o gênero

notícia.

Por fim, Silva (2007) enfatiza o fato de que os resultados de sua pesquisa

vêm alimentar os estudos sobre gêneros textuais na interface entre a Linguística

Textual e a análise de gêneros. Enfatiza também o fato de que esses resultados

podem contribuir para propiciar descobertas interessantes sobre o estudo da

sequência narrativa, especialmente quanto à sua realização em um gênero que,

embora não literário, tem sido considerado como narrativo; e também para

demonstrar como a organização dos aspectos estruturais dos gêneros está

imbricada às exigências pragmáticas próprias de sua constituição. Ressalta ainda

que houve uma preocupação com os aspectos didáticos no tratamento dos gêneros

e que, por isso, a pesquisa traz conclusões que podem contribuir para uma reflexão

sobre a prática pedagógica e sobre as múltiplas possibilidades de trabalho com os

gêneros textuais, especificamente com a notícia.

Na dissertação intitulada “Sequência narrativa: narrativa ou script? Um estudo

da infraestrutura em produções textuais de 6° ano”, Oliveira (2010) tem como

objetivo analisar a infraestrutura de textos produzidos por alunos do 6° ano,

verificando a presença da sequência narrativa ou do script, além da construção do

texto com as categorias: tempos verbais, organizadores temporais e pronomes. Sua

pesquisa tem como base os pressupostos da Linguística Textual, com ênfase no

protótipo narrativo de Adam (1992; 2008) e no interacionismo sóciodiscursivo (ISD)

de Bronckart (2007), especificamente, no tipo de discurso narração.

A pesquisa apresenta um caráter teórico-prático e é delineada em quase

experimental com um corpus que se compõe de quarenta e duas (42) produções

textuais divididas em produção inicial (PI) e produção final (PF). Essas produções

textuais foram recolhidas durante um período de três semanas com atividades que

tratavam das categorias citadas anteriormente, em forma de oficinas, à luz das

sequências didáticas de Schneuwly e Dolz (2004).

27

Os resultados mostram que muitas das produções analisadas foram

estruturadas segundo a sequência narrativa de Adam (1992; 2008), outras, porém,

apresentaram somente o script, conforme Bronckart (2007), comprometendo a

infraestrutura textual de gêneros do narrar.

De acordo com a autora, os alunos possuem o conhecimento da estrutura

narrativa internalizada, porém não sabem distinguir entre o processo de intriga e o

script, o que os faz produzir textos em que apenas enumeram ações e, ao construí-

los, utilizam-se das categorias elencadas, priorizando os tempos verbais do narrar,

apesar de em algumas situações essas construções parecerem equivocadas.

Os organizadores temporais, segunda categoria analisada, funcionaram

nesses textos como um elemento que auxilia os tempos verbais com as locuções

adverbiais que se apresentaram com maior incidência.

Na categoria pronomes, as construções apresentaram anáforas que

demonstraram o uso de um mecanismo da língua, evitando repetição de elementos

no texto, o que constitui para um aluno em processo de desenvolvimento da escrita

uma estruturação de ideias.

Oliveira (2010) concebe sua pesquisa como uma reflexão teórica sobre a

construção do texto narrativo de alunos de 6º ano e espera, com isso, ter contribuído

para compreensão da importância da diferenciação entre um texto narrativo e um

script. Segundo a autora, a relevância de sua pesquisa está no fato de ajudar ao

aluno compreender melhor essas categorias presentes na infraestrutura do texto e

que o auxiliam a produzir gêneros do narrar e, também contribuir para o professor,

compreender esse processo, valorizando e auxiliando o aluno na construção da

produção textual narrativa.

Na dissertação “Recursos metadiscursivos de interação em sequência

narrativa”, Santos (2011) investiga a manifestação dos recursos metadiscursivos de

interação na perspectiva das macrocategorias de engajamento e de posicionamento

em textos de sequência narrativa. Sua pesquisa fundamenta-se na base teórica de

Hyland (2005) para o conceito de metadiscurso e em sua classificação das

macrocategorias; e em Adam (2008) para as macrounidades da organização

composicional de um texto com ênfase na sequência narrativa.

Santos (2011) discute brevemente os processos referenciais de anáfora,

introdução referencial e dêixis, os quais se sobrepõem aos recursos metadiscursivos

de interação.

28

A pesquisa é composta por um corpus de 16 textos com sequência narrativa

dominante, a partir do qual foi constatada a presença recorrente dos recursos

metadiscursivos de interação. Para a autora, o fenômeno do metadiscurso também

se manifesta nos textos narrativos através das macrocategorias de posicionamento

e de engajamento, apresentando-se de forma bastante específica e de forma

sobreposta às macrocategorias analisadas.

Na dissertação “Marcadores discursivos e sequências textuais: uma análise

das ações de textualização em programas midiáticos”, Mariano (2014) investiga em

que medida os recursos do nível textual são formatados e, de certa forma, formatam

as situações de uso. Para isso, analisa as ações de textualização empreendidas

pelos participantes do programa midiático “Manos e Minas”, veiculado pela TV

Cultura.

Com o objetivo específico de demonstrar como um olhar para as ações de

textualização empreendidas pelos participantes desse programa midiático pode nos

auxiliar na percepção da estruturação composicional dos textos analisados, a autora

seleciona os marcadores discursivos e as sequências textuais como unidades de

análise. Para tanto, assume a noção de marcadores discursivos (doravante, MDs)

na perspectiva textual-interativa e a noção de sequência textual proposta por Adam

(2008).

O corpus da pesquisa é composto de três amostras do programa de auditório

“Manos e Minas”.

A partir de suas análises, Mariano (2014) observa que no programa “Manos e

Minas” há relações de mútua constitutividade existentes entre (i) o emprego de

certas sequências textuais e determinadas situações comunicativas desenhadas

para atingir certos objetivos mais gerais do programa e entre (ii) a emergência de

algumas sequências textuais e os papéis sociais específicos desempenhados pelos

sujeitos dentro da estrutura de participação do programa. Observa também que os

MDs nesse programa parecem desempenhar um papel fundamental na estruturação

dos microtextos produzidos pelos participantes do programa.

De acordo com Mariano (2014), as análises realizadas em sua pesquisa dão

visibilidade às inúmeras possibilidades de combinação de tipos e ações textuais,

combinações estas que, em geral, são conectadas por meio de MDs. Por fim,

conclui que a textualidade constitutiva da produção discursiva analisada é plasmada

pelas relações sociais estabelecidas entre os participantes do programa. A interação

29

entre os interlocutores no “Manos e Minas” é fortemente marcada por um caráter

fático e colaborativo, reforçado pela presença significativa dos MDs interacionais e

pelo desenvolvimento de sequências textuais do tipo dialogal.

Na tese intitulada “Estrutura composicional em contos de fadas de Marina

Colasanti”, Oliveira (2016) parte da hipótese de que os contos de fadas de Marina

Colasanti têm regularidade em sua estrutura composicional com planos de texto

compostos por sequências narrativas completas, constituídas pelas cinco

proposições narrativas de base (ADAM, 2011). A partir disso, Oliveira (2016) propõe

verificar a estrutura composicional narrativa em contos de fadas de Marina

Colasanti.

A investigação fundamenta-se nos pressupostos da Linguística Textual e da

Análise Textual dos Discursos a partir de autores como Adam (2012; 2011; 2010;

2009; 2005), Adam e Heidmann (2011), que se complementam pelos estudos de

plano de texto realizados por Cabral (2013), Galvão (2013), Lourenço e Rodrigues

(2013), Silva Neto (2013), Marquesi (2014), Santos e Silva Neto (2014), bem como

pelos estudos sobre tipologia textual realizados por Travaglia (2014; 2009; 2007a;

2007c; 1991).

A pesquisa classifica-se como descritiva, de base interpretativa e é

constituída por um corpus composto por seis contos de fadas de Marina Colasanti,

dois publicados no livro “Uma ideia toda azul” e quatro publicados no livro “Doze reis

e a moça no labirinto do vento”. Nessa pesquisa é utilizada como categoria de

análise as macroproposições narrativas de base.

De acordo com Oliveira (2016), o aporte teórico utilizado tornou possível a

caracterização da estrutura composicional narrativa de contos de fadas de Marina

Colasanti, textos narrativos literários voltados para o público infanto-juvenil, de uma

perspectiva diferente das abordagens adotadas em estudos da área da Literatura

e/ou da Teoria Literária e que o diferencial de sua pesquisa é justamente o estudo

da estrutura composicional pelo viés das sequências textuais narrativas.

Por meio da análise empreendida, a autora observa que os planos de texto

dos contos de fadas de Marina Colasanti, no que diz respeito às sequências textuais

narrativas, apresentam dois níveis de organização, um global e um local. No nível

local, a regularidade aparece em alguns aspectos da organização das sequências

textuais narrativas, mais especificamente na configuração das personagens

femininas, na organização espacial, na temporalidade e nas sequências acionais.

30

As regularidades sequenciais identificadas tanto no nível global como no nível

local corroboram o pressuposto teórico segundo o qual as diferentes unidades

textuais podem ser analisadas da forma como são constituídas e da forma como

constituem o todo textual, além disso, mostram-se, definitivamente, como uma

alternativa para o estudo de textos literários.

De acordo com Oliveira (2016), o estudo sobre a estrutura composicional dos

contos de fadas de Marina Colasanti poderá, em pesquisas posteriores, ser

aprofundado em vários aspectos. Um percurso de pesquisa a ser percorrido envolve

a investigação das operações de ligação presentes no texto da autora, mas

especificamente, a função dos conectores, dos organizadores textuais e dos

marcadores discursivos no balizamento das partes dos planos de texto. Da mesma

forma, analisar o agenciamento das sequências textuais na composição dos contos

de Colasanti, da perspectiva de Adam (2011), ou as relações entre os tipos na

composição do gênero conto de fadas, da perspectiva de Travaglia (2014; 2007b),

segundo a autora, pode ampliar suas constatações e, consequentemente,

possibilitar o desenvolvimento de mais pesquisas apoiadas no aporte teórico

adotado.

Por fim, Oliveira (2016) acredita que sua pesquisa traz uma contribuição para

a análise de textos concretos e também para o desenvolvimento futuro de atividades

que facilitem o processo de formação leitora em crianças e adolescentes, com foco

tanto nas formas de organização da narrativa quanto na própria língua e nas normas

sociais que a regulamentam.

Diante do exposto, acreditamos que um estudo que aborde a sequência

narrativa no gênero jurídico termo de depoimento venha a contribuir com os estudos

linguísticos e discursivos do texto.

2.3 O GÊNERO TERMO DE DEPOIMENTO

Ao falar sobre gênero é necessário que façamos alguns esclarecimentos

acerca da perspectiva sobre a qual este conceito está sendo abordado. Isso porque

desde que este conceito passou a ser pensado ainda na Antiguidade por Aristóteles

até os dias de hoje, vários foram os critérios e métodos adotados para que se

estabelecesse uma possível classificação.

31

De um modo geral, existem duas vertentes gerais a respeito do tratamento

com os gêneros, as quais se referem à vertente que usa a denominação “gêneros de

texto” e a que usa a denominação “gêneros do discurso”. Tais nomenclaturas

carregam em si implicações teóricas e metodológicas. A esse respeito Rojo (2005)

em seu texto “gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e

aplicadas”, explica que

Ambas as vertentes encontravam-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a primeira – teoria dos gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos e a segunda – teoria dos gêneros de texto - , na descrição da materialidade textual. (ROJO, 2005, p. 185).

De acordo com a autora, Bakhtin e seu círculo eram a referência da primeira

vertente. Na segunda, os autores de referência eram, em geral, Bronckart e Adam.

Mesmo assim, de acordo com Rojo (2005, p. 185), em algumas ocasiões, em função

de uma descrição específica de exemplares de gênero, “[...] ambas as vertentes

muitas vezes recorriam a um conjunto de autores comuns, tais como, Charaudeau,

Maingueneau, Kerbrat-Orecchioni, Authier-Revuz, Ducrot, Bronckart et al. (1985),

Bronckart (1997), Adam (1992).”.

Dessa forma, para uma análise que pretenda focar em aspectos propriamente

textuais, ou seja, na materialidade linguística do texto, é adequado utilizar a

nomenclatura “gênero de texto”. Já para uma análise que pretenda investigar

prioritariamente a situação de produção dos enunciados, utiliza-se “gêneros do

discurso”. Em decorrência disso, para efeito de análise desta pesquisa, utilizamo-

nos da nomenclatura “gênero de texto”, uma vez que focamos nossa análise em

aspectos relativos à estrutura composicional do gênero termo de depoimento.

Para Marcuschi (2008, p. 155), quando falamos em gênero textual estamos

nos referindo a “[...] textos materializados em situações comunicativas recorrentes.”

O autor acrescenta ainda que “Os gêneros textuais são os textos que encontramos

em nossa vida diária [...]” e que “[...] os gêneros são entidades empíricas em

situações comunicativas e se expressam em designações diversas [...]”

(MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Nessa direção, Bazerman (2005, p. 32) diz que “Podemos chegar a uma

compreensão mais profunda de gêneros se os compreendermos como fenômenos

32

de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades

socialmente organizadas.” E acrescenta ainda que os “[...] gêneros são tão somente

os tipos que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos

outros.”.

Como podemos observar, os autores citados compartilham da ideia de que os

gêneros carregam em si um caráter social, ou seja, estão essencialmente envolvidos

com as atividades sociais que realizamos em nosso dia a dia, e que eles surgem

assim em “[...] processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às

outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados

com vistas a seus propósitos práticos.”. (BAZERMAN, 2005, p. 32). É nessa

perspectiva de gênero textual que conceituamos a seguir o gênero termo de

depoimento.

O termo de depoimento é uma peça do inquérito policial, no qual a

testemunha respondendo a algumas perguntas diz o que sabe e o que é relevante

para a investigação de um determinado caso. Tudo o que a testemunha diz é

registrado pelo escrivão e, no final, a testemunha toma conhecimento de suas

declarações através da leitura feita por ele. Depois disso, o termo de depoimento é

assinado pela testemunha, pelo(a) Delegado(a) de Polícia e pelo próprio escrivão.

A estrutura composicional do gênero termo de depoimento (considerado no

estudo na perspectiva dos gêneros textuais) é padronizada e segue um modelo

estabelecido pelo Código de Processo Penal (CPP), o qual no artigo 203 descreve

que

A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

O início do documento é composto por informações pessoais como nome,

idade, local onde o(a) depoente mora, a profissão que exerce e onde exerce, o grau

de parentesco com a parte envolvida (que pode ser a vítima ou o indiciado) ou até

mesmo que relação o(a) depoente tem com a parte envolvida, para só depois iniciar

o depoimento propriamente dito.

33

Ao pesquisar sobre estudos voltados para o gênero termo de depoimento,

pudemos observar que esse gênero não tem sido muito abordado, de um modo

geral, em pesquisas relacionadas ao estudo linguístico. Essa constatação nos

motivou ainda mais a empreender uma pesquisa que aborde o estudo desse gênero

a partir de uma perspectiva linguística. Dessa forma, entendemos que esse estudo

justifica sua relevância pelo fato de abordar um gênero que, apesar de desempenhar

um importante papel na sociedade, não tem sido muito explorado.

Nessa perspectiva, destacamos os trabalhos de Gurpilhares et al. (2012), e

de Cardoso e Cardoso (2015), que retomamos aqui pela sua pertinência ao estudo

que pretendemos desenvolver a respeito do gênero jurídico termo de depoimento.

Gurpilhares et al. (2012) em seu artigo intitulado “Linguística e discurso

jurídico – um estudo com o gênero discursivo ‘Declarações e depoimentos’”, têm

como objetivo analisar a construção da referência no gênero declarações e

depoimentos e avaliar a sua contribuição para a construção do sentido. Como

referencial teórico é utilizado, entre outros, Cardoso (2003) sobre a referência, Koch

(2006) sobre o processamento anafórico e Pietroforte (2003) sobre a referência a

partir do estruturalismo.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa. O corpus selecionado para esse

trabalho consta de quatro declarações. Gurpilhares et al. (2012) ressaltam que por

uma questão de espaço e tempo, apresenta somente a análise de uma única

declaração.

Os autores mostram, em seu trabalho, a diferença entre o termo de

declarações e o termo de depoimento. Segundo o Código de Processo Penal

Brasileiro, termo de depoimento é aquele em que a pessoa, testemunha, presta o

compromisso formal da verdade e que, por isso, poderá responder pelo crime de

falso testemunho se o que disser não for a verdade. Termo de declaração é uma

espécie de ‘depoimento’, sem o compromisso da verdade; geralmente os

investigados de um delito, antes de serem interrogados, prestam declarações, tanto

quanto aquelas pessoas que tenham relação de parentesco com o ofendido, assim

como os menores impúberes e o próprio ofendido.

Após a análise, Gurpilhares et al. (2012) constataram a presença de 20

anáforas elípticas, 19 anáforas diretas e 1 anáfora encapsuladora expressa por um

pronome demonstrativo neutro. Quanto às expressões linguísticas que ancoram as

anáforas, apareceram em maior número os pronomes retos ocultos, seguindo-se:

34

pronomes oblíquos, pronomes relativos, pronomes possessivos, pronomes

demonstrativos (neutros e outros), expressões nominais à sua correspondência com

as anáforas elípticas. O maior número de anáforas elípticas deveu-se, de acordo

com os pesquisadores, à presença maior de um único referente: o réu.

Por fim, os autores enfatizam a importância do estudo desse gênero na

escola no sentido de aumentar o repertório do estudante, não só quanto ao tipo

textual, mas também quanto ao conteúdo e estrutura. Para eles, muito pouco tem se

trabalhado o discurso jurídico em sala de aula e que por isso a sua inclusão no

ensino de Língua Portuguesa, especialmente no Curso Médio, é uma contribuição

bem-vinda para o ensino e, ainda, que sua pesquisa traz perspectivas para um

estudo com outros gêneros.

Seguindo essa perspectiva da importância do estudo de gêneros jurídicos em

sala de aula, Cardoso e Cardoso (2015), no artigo “Estruturação composicional em

autos de depoimento de inquérito policial: uma abordagem para o ensino dos

gêneros jurídicos”, apresentam um estudo sobre a estruturação composicional do

gênero auto de depoimento1, focando mais especificamente na configuração do

plano de texto e na sequência textual dominante com o objetivo de elaborar

sequências didáticas para o ensino do gênero auto de depoimento.

O corpus foi coletado em uma Delegacia Especializada em Atendimento à

Mulher (DEAM), localizada em Natal, Rio Grande do Norte, e disponibilizado através

do grupo de pesquisa ATD da UFRN. A metodologia adota um enfoque

multidisciplinar e a fundamentação teórica parte dos pressupostos gerais da

linguística textual a partir de autores como Koch (2004), Koch e Elias (2012; 2013),

Marcuschi (2008), dentre outros, e mais precisamente da Análise Textual dos

Discursos (ATD) proposta por Adam (2011) no que se refere ao plano de texto e a

sequência textual. A proposta apoia-se ainda nas orientações dos “Parâmetros

Curriculares Nacionais” (PCN) e no texto “Procedimentos de Ensino: Escolher e

Decidir”, de Carlini (2004), além de Nucci (2014) no que se refere ao gênero auto de

depoimento.

Cardoso e Cardoso (2015) apresentam a análise de um auto de depoimento

retirado de um inquérito de natureza criminal de violência contra a mulher com foco

1 A expressão “auto de depoimento” é uma nomenclatura também utilizada para referir-se ao gênero termo de

depoimento. Adotamos aqui a nomenclatura termo de depoimento pelo fato de ter sido a expressão utilizada nos

documentos oficiais, como no CPP, por exemplo.

35

nos aspectos composicionais do texto e, de forma mais específica, na configuração

do plano de texto e na sequência textual dominante. A partir disso, os autores

apresentam uma proposta para o ensino da entrevista, procedimento que compõe

basicamente o gênero auto de depoimento.

De acordo com os autores, a proposta não objetiva apenas trazer para o

aluno o conhecimento de um novo gênero e de como esse se estrutura, mas

também mostrar-lhes que, na verdade, o auto de depoimento é composto por um

procedimento bastante conhecido por eles mesmos, uma vez que, em seus próprios

livros didáticos, a entrevista aparece muitas vezes como tema de unidades (divisão

didática e temática do livro) que propõem leituras (de entrevistas), exercícios e até

mesmo oficinas de elaboração e de projetos de jornal e/ou revista da escola.

Nesse enfoque, os autores apresentam uma sequência didática composta

pelas seguintes etapas: descrição, procedimentos de ensino, objetivos de ensino e

atribuições do professor. Por último, os pesquisadores elucidam que sua proposta

trata-se de uma mescla e uma adaptação de uma série de outras propostas e que

esperam que através dela possam contribuir para a atividade do professor em seu

exercício, bem como aproximar o aluno de um gênero desconhecido, mas que é

composto por um procedimento comum em seu cotidiano, a entrevista.

Cardoso e Cardoso (2015) acrescentam ainda que por se tratar de uma

proposta de ensino, essa proposta é passível de modificações e adaptações de

acordo com a necessidade e a realidade do contexto em que se pretende aplicá-la.

36

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo situamos nossa pesquisa no quadro teórico mais amplo da

Linguística Textual e mais especificamente da Análise Textual dos Discursos.

Apresentamos também os principais conceitos relacionados ao nível de análise em

que esta pesquisa se insere (estrutura composicional do texto): plano de texto e

sequências textuais. Por último, focalizamos o conceito de sequência textual

narrativa, adotado como categoria de análise neste trabalho.

3.1 A LINGUÍSTICA TEXTUAL

De acordo com Koch (2009), a Linguística Textual (doravante LT) inicia-se

primeiramente na Europa Continental, nos anos 60 do século XX. Nesse primeiro

momento, destaca-se principalmente em países como Alemanha e Holanda.

A LT surge a partir da premissa básica de que a língua não funciona nem se

realiza em unidades isoladas, como fonemas, morfemas, palavras ou frases soltas,

mas sim em unidades de sentido chamadas texto que podem se materializar tanto

na modalidade oral quanto na escrita. A LT caracteriza-se, assim, como uma

perspectiva teórica que objetiva trazer em suas análises o sujeito e a situação

enunciativa, elementos excluídos das análises de caráter estruturalista, as quais

entendiam a língua como sistema e como código, que possuía consequentemente

uma função puramente informativa.

Um panorama sobre a trajetória de formulação do campo da linguística

textual nos mostra que ele não se desenvolveu de forma homogênea, ao contrário,

constituiu-se a partir de várias perspectivas e métodos. De um modo geral, duas

tendências podem ser destacadas: a análise do discurso de linha francesa (AD) e a

linguística textual propriamente dita, de origem germânica. Na AD, a questão central

é o sujeito da enunciação, os sentidos que ele produz através de seu discurso e a

ideologia subjacente às suas mensagens. Já na LT, o objeto específico de análise

são os processos de construção textual através dos quais os participantes do ato

comunicativo criam sentidos e interagem uns com os outros.

Para Marcuschi (2012), a LT constitui “[...] uma linha de investigação

interdisciplinar dentro da linguística e como tal exige métodos e categorias de várias

37

procedências”. Para ele, a LT “[...] trata dos processos e regularidades gerais e

específicos segundo os quais se produz, constitui, compreende e descreve o

fenômeno texto.” (MARCUSCHI, 2012, p. 17).

Para Koch (2009), as diferentes concepções de texto marcam o percurso de

desenvolvimento da LT e como consequência disso surgem diferenças significativas

entre as etapas de sua evolução. A autora destaca algumas concepções de texto

que fundamentaram os estudos em Linguística Textual, ressaltando, porém, que em

alguns momentos essas concepções se imbricam:

1.texto como frase complexa ou signo lingüístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico (concepção de base gramatical); 2.texto como signo complexo (concepção de base semiótica) 3.texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica); 4.texto como ato de fala complexo (concepção de base pragmática); 5.texto como discurso “congelado”, como produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); 6.texto como meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); 7.texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitivista); 8.texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional). (KOCH, 2009, p. xii – introdução – grifos da autora).

Na época de seu surgimento na segunda metade da década de 60, como

também na primeira metade da década de 70, em função do conceito de texto até

então em vigor, segundo Koch (2009), a maioria dos estudos estavam centrados na

análise transfrástica e/ou na construção de gramáticas de texto. Nesse período, o

principal objeto de estudo era a coesão, muitas vezes equiparada à coerência, uma

vez que ambas eram vistas como qualidades ou propriedades do texto.

Já na década de 80, segundo a autora, há uma ampliação significativa do

conceito de coerência decorrente de uma perspectiva pragmático-enunciativa, a

partir da qual “[...] passou-se a postular que a coerência não constitui mera

propriedade ou qualidade do texto em si [...]”, mas sim, um fenômeno mais

complexo, “[...] visto que ela se constrói, em dada situação de interação, entre o

texto e seus usuários [...]”, e essa interação ocorre “[...] em função da atuação de

uma complexa rede de fatores, de ordem linguística, cognitiva, sociocultural e

interacional.”. (KOCH, 2009, p. xiii – introdução).

38

É justamente nesse período que se destaca o interesse pelo processamento

cognitivo do texto. Tal perspectiva ganha espaço no início da década de 90 com

uma forte tendência sociocognitivista. Assim, a partir da década de 90, assumem

posição de destaque os estudos sobre os processos de organização global dos

textos, bem como questões de caráter sociocognitivista, com temas como

referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio, etc. É

significativo também nesse período o interesse pelo tratamento da oralidade e da

relação oralidade/escrita, bem como o estudo dos gêneros textuais, agora, a partir

da perspectiva bakhtiniana, o que fez com que a questão dos gêneros voltasse a

ocupar lugar de destaque nas pesquisas sobre o texto.

A Linguística Textual percorreu um longo caminho até chegar ao seu

momento atual e, justamente por isso, segundo Koch (2009), “Aqueles que não

acompanharam a sua trajetória estão longe de poder avaliar o que hoje essa

disciplina vem se propondo como objeto de investigação [...]”, bem como o quanto

ela vem contribuindo “[...] em prol de um melhor conhecimento de como se realiza a

produção textual do sentido”. (p. xvi – introdução). Nesse sentido, Passeggi (2014, p.

61) destaca como um dos grandes avanços alcançados pela linguística textual “[...]

mostrar que o funcionamento da linguagem é complexo e que o contexto/cotexto é

fundamental para sua descrição.”.

3.1.1 A linguística textual no Brasil

A Linguística Textual surge juntamente com a Sociolinguística, a Análise do

Discurso, a Pragmática, entre outras, em um momento de mudança de paradigma

nos estudos da linguagem, quando são considerados, na cena linguística, outros

“atores”, tais como a subjetividade, a dimensão espaço-temporal e as interações de

fala (Cf. SILVA, 2003).

De acordo com Koch (1999), é somente no final da década de 70 que

começam a surgir, no Brasil, os primeiros trabalhos dedicados ao estudo linguístico

do texto. Para a autora, o que contribuiu de forma significativa para o surgimento

desses trabalhos foi a tradução de duas obras: “Semiótica Narrativa e Textual”

(CHABROL et al., 1977) e “Linguística e Teoria do Texto” (SCHMIDT, 1978), como

também a publicação, em Portugal, do livro “Pragmática Linguística e o Ensino do

Português” (FONSECA; FONSECA, 1977), no qual se defendia a aplicação dos

39

princípios da Pragmática Linguística ao ensino de língua materna e, em decorrência,

a necessidade de um enfoque textual, como já era comum em outros países da

Europa.

Ainda de acordo com a autora, paralelamente à tradução dessas obras,

desenvolviam-se na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas, São Paulo,

Brasil), os primeiros importantes estudos relacionados ao discurso e sobre

semântica argumentativa, muitos deles publicados sob a forma de livros (OSAKABE,

1979; VOGT, 1977) ou de artigos em revistas especializadas. Destaca também que

nesse momento os trabalhos de Pontes sobre as estruturas de tópico no português

brasileiro, posteriormente coletados nas obras “Sujeito: da Sintaxe ao Discurso” (São

Paulo, Ed. Ática, 1986) e “O Tópico no Português do Brasil” (Campinas, Ed. Pontes,

1987) desempenharam um importante papel. Contudo, é somente na década de

oitenta que os estudos da denominada Linguística Textual se expandem, de fato,

principalmente depois da publicação do artigo “Por uma Gramática Textual”, de

Ignácio Antônio Neis (1981). Após essa publicação pioneira na Revista “Letras de

Hoje”, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, vêm à luz os dois

primeiros livros na área, em 1983: “Linguística Textual: Introdução” (FÁVERO;

KOCH, 1983) e “Linguística de Texto: O Que é e Como se Faz” (MARCUSCHI,

1983).

A partir de então, muitas revistas passam a trazer artigos desenvolvidos sob

essa perspectiva e até mesmo números inteiros dedicados aos estudos textuais,

como exemplo a revista Letras de Hoje 18 (2), Cadernos PUC 22: Linguística

Textual/ Texto e Leitura. Os trabalhos nessa área começam a surgir também em

anais de congressos e seminários, e em várias universidades brasileiras formam-se

núcleos de pesquisa sobre o texto.

Koch (1999) apresenta a Linguística Textual no Brasil em três momentos, a

saber: a) O primeiro momento corresponde até a metade da década de 80, quando

são publicadas as obras introdutórias dessa nova perspectiva de estudo linguístico;

b) O segundo momento corresponde ao início dos anos 90; e o terceiro momento

corresponde à atualidade, no qual a LT promove um intercâmbio com outras áreas

das Ciências Humanas adotando uma perspectiva sociointeracional no estudo da

linguagem e, portanto, do texto.

40

3.2 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

A Análise Textual dos Discursos (ATD), de acordo com Passeggi et al. (2010,

p. 262- 263), constitui uma abordagem teórica e descritiva do campo da Linguística

textual, elaborada pelo linguista francês Jean-Michel Adam. De acordo com Adam

(2011, p. 23), a linguística textual constitui “[...] uma teoria da produção co(n)textual

de sentido, que deve fundar-se na análise de textos concretos.” E acrescenta que é

esse procedimento que ele propõe desenvolver e designar como “análise textual

dos discursos.” Assim, Adam (2011) inscreve sua proposta na perspectiva de um

posicionamento teórico e metodológico que, com o objetivo de pensar o texto e o

discurso em novas categorias, situa decididamente a linguística textual no quadro

mais amplo da análise de discurso.(Cf. ADAM, 2011, p. 24).

Em sua obra “A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos”,

Adam (2011, p. 25) enfatiza que pretende “[...] trazer respostas à demanda de

proposições concretas sobre a análise de textos [...]”, e que apresenta uma “[...]

reflexão epistemológica e uma teoria do conjunto [...]”. Acrescenta ainda que o

propósito principal de sua obra aqui citada inicialmente “[...] limita-se às bases de

uma análise textual dos discursos, que tem a ambição de delinear uma alternativa

para a explicação de texto tradicional e a análise estilística.”. Ainda em relação à

proposta de sua abordagem, justifica que

O texto é, certamente, um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de suas relações com o domínio mais vasto do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos das diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM, 2011, p. 25)

O autor esclarece que utiliza o termo análise textual dos discursos em

substituição ao termo “análise textual”, o qual, segundo ele, já foi usado por outros.

Cita como exemplo Roland Barthes ao falar em análise textual por oposição à

análise estrutural, na análise de um texto bíblico (BARTHES, 1972) e de um conto

de Edgar Allan Poe (Barthes, 1973b).

Adam (2011) apresenta em um esquema, reproduzido a seguir, os níveis de

análise textual dos discursos. Nesse esquema, podemos observar a proposta do

41

autor de relacionar os níveis ou planos da análise de discurso aos níveis ou planos

da análise textual. Em relação ao nível discursivo, Passeggi et al. (2010, p. 266),

explicam que

[...] uma determinada intencionalidade ou objetivo (expresso linguisticamente pelos atos ilocucucionários) realiza-se numa intenção social e numa formação discursiva dadas (que delimitam “o que pode e deve ser dito”), utilizando o socioleto (dialeto local) dessa formação e no seio de um interdiscurso, com a mediação de um gênero. Nesta concepção, o gênero é o eixo da articulação discurso/texto.

No âmbito dos níveis ou planos da análise textual, os níveis 4 e 5

(proposições, períodos, sequências e planos de texto) remetem diretamente à

textura/composicionalidade dos textos, isto é, de forma ampla, à sua

sequencialidade ou linearidade.

Os níveis 6, 7 e 8 (representações discursivas, reponsabilidade enunciativa e

valor ilocucionário), segundo Passeggi et al. (2010, p. 268), “[...] são dimensões

constantes ao longo do texto, tanto em nível local como global, pois cada enunciado

elementar do texto expressa, simultaneamente, um conteúdo semântico, um ponto

de vista e um valor ilocucionário/argumentativo.”.

Figura 1 – Esquema 4: Níveis ou planos da análise de discurso

Fonte: Adam (2011, p. 61)

42

Podemos observar, conforme Silva Neto (2014, p. 42) que “[...] os planos da

análise textual estão situados numa dimensão englobante, composta pelos planos

da análise do discurso.” Para o autor, “[...] em termos práticos, os usos da língua,

expressos na materialidade do texto (enquanto enunciado), são considerados na

perspectiva da enunciação, correspondente à dimensão discursiva em que se dá a

linguagem verbal em questão.”.

Adam (2011) utiliza-se de vários esquemas para ilustrar sua proposta. A

exemplo do esquema 4 sobre os níveis ou planos da análise de discurso e níveis ou

planos da análise textual, abaixo segue o esquema 5 que mostra os dois tipos de

operações de textualização: as operações de segmentação e as operações de

ligação.

Figura 2 – Esquema 5: Operações de textualização

Fonte: Adam (2011, p. 64)

Segundo Adam (2011), as unidades textuais são submetidas a esses dois

tipos de operações de textualização. De acordo com o autor, essas unidades são

separadas por segmentação, que na escrita realiza-se de forma tipográfica, na

oralidade através de pausas, entonação e/ou movimentos dos olhos e da cabeça.

Assim, a descontinuidade da cadeia verbal vai da segmentação permanente de

palavras na escrita, através das marcações de parágrafos ou estrofes e de

subdivisões em partes de um texto escrito, e realiza-se de forma mais fraca na

oralidade. Em relação às operações de ligação, “[...] essas unidades textuais são,

com bases nas instruções dadas pelas marcas de segmentação e por diversos

marcadores [...]” ligadas entre elas pelas operações de ligação, “[...] que consistem

na construção de unidades semânticas e de processos de continuidade pelos quais

43

se reconhece um segmento textual.” (Cf. ADAM, 2011, p. 63-64). Em relação à

correspondência entre essas operações, o autor explica que

[...] uma primeira segmentação [3] recorta as unidades de primeira ordem, enquanto uma primeira operação de ligação [4] as reúne em unidades de ordem superior de complexidade. Essas unidades (períodos e/ou sequências são objeto de uma nova segmentação [6] que determina seus limites inicial e final. A ligação [7] dessas unidades de segunda ordem resulta em parágrafos de prosa ou em estrofes constitutivas de um plano de texto [8] e em uma unidade textual delimitada, ela própria, por uma sexta operação de segmentação, que se pode denominar peritextual [9], na medida em que fixa os limites ou fronteiras materiais de um texto. (ADAM, 2011, p. 64).

Dessa forma, podemos observar que essas duas operações de textualização

propostas pelo autor são responsáveis pela constituição do texto como um todo, a

partir da perspectiva de sua segmentação ou descontinuidade, como também de sua

ligação ou continuidade.

3.2.1 Estrutura composicional do texto

Para Adam (2011, p. 255-256), “[...] um texto pode ser constituído de trechos

sucessivos que formam subconjuntos em seu interior. O reconhecimento do texto

como um todo passa pela percepção de um plano de texto [...]”. O autor acrescenta

ainda que esse plano de texto poderá ter “[...] suas partes constituídas, ou não, por

sequências identificáveis.”. Para compreender melhor essa ideia de estruturação do

texto proposta por Adam (2011), vejamos o seu esquema 30 sobre as ligações

textuais.

44

Figura 3 – Esquema 30: Ligações textuais

Fonte: Adam (2011, p. 257)

A partir desse esquema, visualizamos uma representação gráfica de como se

dispõem as partes ou “trechos” que organizam e estruturam o texto. O esquema

constitui-se de dois polos principais: Estruturação sequencial composicional, e

Estruturação não sequencial. No primeiro, temos o “plano de texto”, que pode

classificar-se como “Convencional” ou “Ocasional”. Temos também as “sequências”,

que podem constituir no texto uma “Série de sequências” “Homogêneas” ou

“Heterogêneas”, e ainda “Dominante”, o que configura o “Tipo de texto”. No segundo

polo, observamos que em relação à “Estruturação não sequencial”, temos a

“Reticular” (relacionada ao léxico e às colocações), e a “Configuracional”, que pode

ser “Temática” (macroestrutura semântica), e “Ilocucionária” (macroatos de

discurso).

De acordo com Oliveira (2016, p. 65), a estruturação sequencial

composicional dos textos tem sido objeto de estudo de muitos pesquisadores, entre

os quais, a autora destaca os trabalhos de Marquesi e Elias (2011), Rodrigues et al.

(2012), Cabral (2013), Galvão (2013), Lourenço e Rodrigues (2013), Marquesi

(2013), Silva Neto (2013), Marquesi (2014), Marquesi e Cabral (2014) e Rodrigues,

Passeggi e Silva Neto (2014). Para a autora, tais trabalhos evidenciam “[...] a

45

importância que os conceitos de plano de texto e sequências textuais propostos por

Adam (2011) adquiriram nos estudos linguísticos dos últimos anos”.

É especificamente no polo de composição sequencial composicional que o

nosso trabalho se situa, uma vez que tratamos dos planos de texto e das

sequências. A seguir, veremos um pouco mais sobre os conceitos de plano de texto,

sequências textuais e sequências textuais narrativas.

3.2.1.1 Os planos de texto

O conceito de plano de texto diz respeito a um princípio organizador que

permite atender e materializar as intenções de produção, bem como distribuir a

informação no desenvolvimento da textualidade e também é responsável pela

estrutura composicional do texto. Para Adam (2011, p. 256), “O reconhecimento de

um texto como um todo, passa pela percepção de um plano de texto com suas

partes constituídas, ou não, por sequências identificáveis”.

Adam (2011) fala na existência de um plano de texto convencional e de um

plano de texto ocasional. Assim, como já sugerem as suas classificações, os planos

de texto convencionais dizem respeito àqueles que já seguem um determinado

modelo fixado pelo histórico de um gênero ou subgênero do discurso. Já os

ocasionais referem-se àqueles que surgem de determinadas mudanças que são

realizadas a partir de um gênero ou subgênero que já possui uma determinada

formatação, mas que em um determinado momento, por algum motivo, não foi

seguida.

De acordo com essas classificações, percebemos que alguns textos não

possuem uma organização rígida, mas flexível. Nesse sentido, os planos de texto

mostram sua importância como “o principal fator unificador da estrutura

composicional.”. Eles possibilitam a construção e a reconstrução da organização

global de um texto, a partir da prescrição de um determinado gênero. Assim como os

gêneros, os planos de texto estão disponíveis na nossa memória coletiva. Para

Cabral (2013, p. 244), os planos de texto constituem “[...] parte dos conhecimentos

prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de um texto.”. A respeito do

importante papel dos planos de texto, a autora acrescenta ainda que

46

O plano de texto, ao explicitar a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, pode fornecer os elementos necessários à compreensão e à produção, uma vez que, para a percepção/elaboração da estrutura global do texto, o leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual. (CABRAL, 2013, p. 244).

Diante do exposto, parece-nos clara a importância desse “princípio

organizador” para a construção de sentido dos textos. Ainda de acordo com Cabral

(2013), existe um conhecimento superestrutural ou tipológico, como também um

conhecimento de outros textos que fazem parte da nossa cultura e que são

conhecimentos ligados ao conceito de plano de texto. Para a autora, extrair de um

texto seu plano de texto “[...] auxilia a construção dos sentidos por parte do leitor, na

medida em que lhe permite estabelecer coerência entre as partes do texto”. E por

último, enfatiza que é nesse sentido que considera “[...] importante a percepção de

um plano de texto, como um princípio organizador que fornece subsídios para a

construção dos sentidos do texto [...]”. (Cf. CABRAL, 2013, p. 247).

3.2.1.2 As sequências textuais

Nesta seção, apresentamos algumas das principais propostas de

classificação tipológica de texto, bem como tratamos do conceito de sequência

textual de acordo com Adam (2011), posição teórica adotada neste trabalho.

De acordo com Rodrigues (2014), as propostas tipológicas tiveram sua

origem na Grécia antiga com Aristóteles, em “A Poética” (335 a. C.). O autor propõe

uma classificação para os gêneros poéticos e musicais com base nas diferenças.

Com isso, originam-se as classificações da tragédia, da comédia e outras,

principalmente as que focalizam a narrativa.

Rodrigues (2014) cita o trabalho de Ergon Werlich (1975) como um estudo

basilar no século XX, o qual vem servindo como referência para diversos outros

trabalhos. O autor propõe os seguintes tipos textuais: instrução, argumentação,

narração, exposição e descrição. Tal classificação focaliza a organização linguística

específica de cada um desses tipos de texto.

No Brasil, muitos estudiosos têm se debruçado sobre o tema e proposto

classificações, entres eles: Marcuschi (2002), Koch e Fávero (1987), Travaglia

(2002, 2007, 2009), entre outros. Em relação à Travaglia (2002, 2007, 2009),

47

Rodrigues (2014) observa que o autor objetiva uma teoria que indicasse os pontos

em comum presentes em todas as propostas tipológicas e que caminhasse, assim,

para um quadro classificatório único. Para Rodrigues (2014, p. 18) “Evidentemente,

esse anseio não pode ser atendido [...]”, uma vez que “[...] os critérios usados para

classificação variam.”.

Com o objetivo de enfatizar a pluralidade de critérios utilizados para as

classificações tipológicas, Rodrigues (2014) destaca ainda a proposta de

Charaudeau (2008 [1992]) e a de Marcuschi (2000, 2002, 2008).

De acordo com a autora, Charaudeau (2008 [1992]) afirma que há distinção

entre a finalidade de um texto e o seu modo de organização, e que “[...] a

recorrência do fenômeno linguístico aponta para a classificação do modo de

organização discursivo [...]” (RODRIGUES, 2014, p. 21).

Marcuschi (2002, p. 27), por sua vez, diz que “[...] entre as características

básicas dos tipos textuais está o fato deles serem definidos por traços linguísticos

predominantemente.”. Rodrigues (2014) observa que “[...] diferente de Charaudeau

(2008 [1992]), que se ancora em níveis de análise, como por exemplo, o semântico,

a proposta de Marcuschi focaliza marcas linguísticas em uma perspectiva ampla.”.

Por fim, a autora conclui que

[...] os critérios que fundamentam as classificações variam, conforme revelam as propostas mencionadas, uma vez que Aristóteles propôs uma tipologia, a partir das diferenças, Marcuschi (2002) considera a recorrência do fenômeno linguístico, Charaudeau (2008 [1992]) propõe a ordem discursiva, ‘[...] procedimento que contribui para pôr em cena os outros modos de organização do discurso’. (RODRIGUES, 2014, p. 22 – grifo da autora).

A fim de ilustrar as inúmeras propostas de classificação tipológica, Rodrigues

(2014) apresenta um quadro-resumo, no qual destaca essas principais propostas

bem como seus respectivos autores e designação do objeto, como podemos

observar na reprodução desse quadro a seguir.

48

Quadro 1 - Propostas de classificações tipológicas

Autor Designação do objeto Classificação tipológica Adam (2011, 1992)

Sequência textual (1) Narrativa (2) Descrição (3) Argumentação (4) Explicação (5) Diálogo

Travaglia (2012)

Tipo (1) Texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo; (2) Texto argumentativo “stricto sensu” e argumentativo não “stricto sensu”; (3) Texto preditivo e não preditivo; (4) Texto do mundo comentado e do mundo narrado; (5) Texto lírico, épico / narrativo e dramático; (6) Texto humorístico e não humorístico; (7) Texto literário e não literário; (8) Texto ficcional e factual

Charaudeau (2008 [1992])

Modos de organização do discurso

(1) Enunciativo (2) Descritivo (3) Narrativo (4) Argumentativo

Marcuschi (2002)

Sequência tipológica (1) Narrativa (2) Descritiva (3) Expositiva (4) Injuntiva (5) Argumentativa

Werlich (1975)

Tipos textuais (1) Descrição (2) Narrativa (3) Exposição (4) Argumentação (5) Instrução

Groose (1976)

Classes de textos (1) Textos normativos (2) Texto de contacto (3) Textos que indicam grupos (4) Textos poéticos (5) Textos em que predomina a automanifestação (6) Textos predominantemente exortativos (7) Classes de transição (8) Textos em que predomina a informação

Longacre e Levinsohn (1978)

Tipos de discurso (1) Discurso narrativo (2) Discurso procedural (3) Discurso de conduta (4) Discurso expositivo

Vilela e Koch (2001)

Sequências textuais ou modos de tratamento do tema

(1) Texto argumentativo (2) Texto explicativo (3) Texto descritivo (4) Texto narrativo

Bronckart (2007)

Tipos de textos (1) Contar (2) Conversar (3) Argumentar (4) Teorizar

Fonte: Rodrigues (2014, p. 22) – (Alguns modos de designação do nosso objeto de

reflexão).

49

É importante destacar o que observa Rodrigues (2014) a respeito dessas

propostas, mais precisamente sobre o fato de que há vários pontos em comum entre

elas relacionados às nomeações, bem como a ocorrência da categoria narrativa

presente em quase todas elas, exceto no trabalho de Groose (1976). Em relação à

quantidade de sequências ou tipos, a autora observa também que há uma variação

entre três e oito destas. E por último, constata que “A designação das categorias

envolve pelo menos um dos seguintes lexemas ou seus derivados: sequência, texto,

discurso.” (RODRIGUES, 2014, p. 24).

Nessa direção, de acordo com Passeggi (2014, p. 62 – grifos do autor), no

âmbito da linguística textual, “[...] diversos autores identificam um nível de

estruturação textual intermediário denominado de ‘sequências textuais’, ‘modos de

organização do discurso’ ou ‘modos do discurso’, entre outras denominações.”. O

autor cita como exemplo os trabalhos de Adam (1992, 2008a, 2008b), Charaudeau

(1992, 2004, 2008) e Smith (2009 [2009]). Para ele, os trabalhos desses autores

apresentam noções próximas, mas “[...] não idênticas porquanto inseridas em

contextos teóricos diferenciados, encontram-se relativamente estabilizadas quanto à

sua conceituação e eventual identificação, divergindo quanto ao seu número,

detalhamento e hierarquização.”.

São inúmeras as propostas de classificações tipológicas e igualmente

diversos os critérios, teorias e níveis de análise conforme cada dessas propostas.

Para Rodrigues (2014, p. 21), isso é resultado da “[...] heterogeneidade dos textos,

da amplitude infinita da criatividade humana que supera de modo incomensurável o

universo limitado da gramática normativa.”.

Para fins desta pesquisa, trabalhamos a noção de sequência textual conforme

proposta por Adam (2011). Essa escolha teórica justifica-se por entendermos que,

conforme Silva Neto (2013, p. 95), a proposta de Adam sobre as sequências

constitui uma concepção cognitivo-semântica, reforçada por uma perspectiva

pragmática e “[...] com as devidas implicações analíticas voltadas para o discurso -,

o que sublinha (e revela) seu caráter operatório, na construção de aparato

metodológico de pesquisa de texto [...]”.

A noção de sequência textual diz respeito ao modo como os textos se

organizam e se estruturam para realizar nossos atos comunicativos. Através da

análise das estruturas que compõem um texto identificamos, por exemplo, se

50

estamos diante de um texto do tipo narrativo, descritivo, argumentativo, etc. (Cf.

CAVALCANTE, 2016).

A teoria das sequências, segundo Charaudeau e Maingueneau (2016, p. 444),

tem origem em Adam (1992) e “[...] foi elaborada em virtude da grande generalidade

das tipologias de texto (Werlich, 1975) surgidas com as gramáticas de texto”. De

acordo com Passeggi et al. (2010, p. 263), no contexto da Linguística Textual

brasileira, “[...] Adam é, sobretudo, conhecido pelas suas pesquisas sobre as

sequências textuais [...]”, e acrescenta ainda que “As sequências constituem, hoje,

uma categoria de análise consolidada e regularmente utilizada nas descrições de

textos, de grande interesse pelas suas aplicações ao ensino de língua portuguesa e

língua estrangeira.”.

Para Adam (2011), as sequências textuais são unidades textuais complexas,

compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as

macroproposições. De acordo com a proposta do autor, todo texto apresenta uma

sequência dominante, em relação à qual se organizam as demais sequências

dominadas ou inseridas.

De acordo com Cavalcante (2016, p. 62), “Aspectos como extensão, a

complexidade e os diferentes propósitos comunicativos indicam que há naturalmente

uma inclinação à combinação de sequências textuais, o que torna o texto

heterogêneo.”. Ou seja, para a autora, de um modo geral, um mesmo texto

apresenta diferentes sequências e esse fenômeno é chamado de heterogeneidade

composicional.

Conforme Adam (2011), as proposições-enunciadas, unidades textuais

elementares, estão sujeitas a dois grandes tipos de agrupamentos que as mantêm

juntas. Para o autor, as unidades textuais frouxamente tipificadas correspondem ao

que chama de “período” e as unidades textuais mais complexas, tipificadas,

correspondem às “sequências”. O autor explicita ainda que a diferença entre uma

sequência mínima e um período complexo não está diretamente relacionada à

questão do volume, mas sim à complexidade do todo formado pela organização das

proposições-enunciadas. Ou seja, a diferença substancial entre o período e a

sequência corresponde ao seu nível de organização interno dado pelo

encadeamento dessas proposições.

Diante disso, Adam (2011, p. 204-205) deixa clara a distinção entre essas

unidades composicionais de base, os períodos e as sequências, ao dizer que: “[...]

51

os períodos são unidades que entram diretamente na composição de partes de um

plano de texto [...]”, já as sequências são “[...] unidades textuais complexas,

compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados: as

macroproposições.”.

A macroproposição, por sua vez, é um tipo de período que tem como principal

característica o fato de ser uma unidade ligada a outras macroproposições,

ocupando assim, posições definidas dentro do todo ordenado da sequência. Cada

macroproposição adquire seu sentido em relação às outras, na unidade hierárquica

complexa da sequência.

Nessa perspectiva, segundo o autor, uma sequência é uma estrutura que

constitui uma “rede relacional hierárquica”, uma grandeza analisável formada por

partes ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem. O autor também as

considera como uma “entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização

interna” que lhe é própria e, portanto, que possui uma relação de dependência-

independência com o conjunto mais amplo do qual faz parte (o texto).

Segundo Passeggi et al. (2010, p. 274), das sequências textuais propostas

por Adam, “[...] a sequência descritiva aparece como a menos estruturada”, uma vez

que “[...] não possui uma organização típica [...]”, compondo-se frequentemente “[...]

de um conjunto de operações que se desenvolve conforme um plano de texto”. De

acordo com os autores, a descrição não possui, como as demais sequências, uma

ordem de organização das proposições-enunciados em macroproposições

hierarquizadas. Por último, acrescenta que as proposições descritivas formam ciclos,

mais de períodos do que de sequências.

Adam (2011) confere quatro macro-operações que agrupam nove operações

descritivas que originam vários tipos de operações descritivas de base. O autor

propõe quatro macro-operações de construção da sequência descritiva, as quais

são: tematização, aspectualização, relação e expansão por subtematização.

A sequência narrativa, para Adam (2011) compõe-se de uma estrutura

hierárquica constituída por cinco macroproposições narrativas de base (Pn) que

correspondem aos cinco momentos (m) do aspecto: antes do processo (m1), o início

do processo (m2), o curso do processo (m3), o fim do processo (m4) e, por último,

depois do processo (m5). Como essa sequência constitui foco de nossa análise, ela

será detalhada na próxima seção.

52

A sequência argumentativa prototípica proposta por Adam (2011) contempla a

contra-argumentação e é composta por: tese anterior, dados/fatos, apoio, restrição e

conclusão. Conforme Passeggi et al. (2010), essa sequência comporta dois níveis

a) um nível justificativo (P. arg. 1 + P. arg. 2 + P. arg. 3), em que a estratégia argumentativa é dominada pelos conhecimentos apresentados; b) um nível dialógico ou contra-argumentativo (P. arg. 0 e P. arg. 4), em que a argumentação é negociada com um contra-argumentador (auditório) real ou potencial. Nesse nível, a estratégia argumentativa visa a uma transformação dos conhecimentos. (PASSEGGI et al., 2010, p. 291).

Os autores acrescentam ainda que as etapas da argumentação não seguem

uma ordem preestabelecida, uma vez que a tese “[...] pode ser formulada de início e

retomada, ou não, por uma conclusão que a duplica no final da sequência. Além

disso, a tese anterior (P. arg. 0) e os apoios podem estar subentendidos.”. (Cf.

PASSEGGI et al., 2010, p. 291-292).

A sequência explicativa é constituída pelas seguintes macroproposições:

descrição inicial, problema (questão), explicação (resposta) e ratificação/avaliação.

Conforme Passeggi et al.(2010, p. 292) trata-se de

[...] uma estrutura sequencial de base, na qual um primeiro operador [PORQUE?] introduz a primeira macroproposição obrigatória (P. explicativa 1), e o segundo operador [PORQUE] leva à segunda macroproposição obrigatória (P. explicativa 2). Segue-se, geralmente, uma terceira macroproposição, que é de ratificação (P. explicativa 3). Esse conjunto é frequentemente precedido por uma descrição inicial destinada a introduzir o objeto problemático (P. explicativa 0), tematizado pela questão POR QUE?, que corresponde à macroproposição P. explicativa 1.

Por fim, a sequência dialogal é composta por: pergunta, resposta e avaliação.

Para Passeggi et al. (2010, p. 295), um texto dialogal pode apresentar “sequências

fáticas” de abertura e de fechamento que enquadram o núcleo transacional de base.

Silva Neto (2013) observa que para Adam (2011a) esses cinco tipos de base

descritos até aqui “[...] correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas

memorizadas por impregnação cultural (pela leitura, escuta e produção de textos) e

transformadas em esquemas de reconhecimento e de estruturação da informação

textual.”. Nesse sentido, Adam (2011) enfatiza que

53

As asserções narrativas, descritivas, argumentativas e explicativas, factuais ou ficcionais, antes constroem representações esquemáticas do mundo do que se ajustam a ele, e o estabelecimento de uma crença partilhada não é a finalidade última dessas asserções. Seu objetivo último é, como nos [enunciados] diretivos, uma finalidade de ação: fazer partilhar uma crença com a finalidade de induzir um certo comportamento (sonhar, chorar, indignar-se, revoltar-se, agir no mundo etc.). (ADAM, 2011, p. 207).

Silva Neto (2014, p. 56) ressalta a relevância do conceito de sequências

textuais no que refere à questão da metodologia do ensino, mais precisamente na

transposição didática, quando diz que “[...] é possível assumir que as sequências

textuais estão a meio caminho entre os estudos da gramática e os estudos do texto

[...]” e que, dessa forma, as sequências podem “[...] ser tomadas como ferramentas

conceituais que viabilizariam uma melhor compreensão dos elementos constitutivos

dos vários tipos de texto e, por extensão, dos gêneros de discurso.”.

3.2.1.3 A sequência textual narrativa

Nesta pesquisa, realizamos um estudo sobre as sequências textuais

narrativas de acordo com a concepção de Adam (2011), complementada pelos

estudos de Cavalcante (2016), e Silva Neto (2013).

De acordo com Adam (2009, p.125), o narrativo diz respeito a

“desenvolvimentos cronológicos finalizados” e, segundo ele, “[...] esse tipo é

provavelmente aquele que foi o mais e o melhor estudado pela tradição retórica,

poética e semiótica”. Apesar dessa constatação feita pelo autor, para Oliveira (2016,

p. 75) “[...] as possibilidades de descobertas ainda são muitas”. E são justamente

essas possibilidades de novas descobertas que também nos motivam a realizar esta

pesquisa.

De acordo com Adam (2011, p. 225), em sentido amplo, toda narrativa pode

ser considerada como a exposição de fatos reais ou imaginários. Essa designação

geral de “fatos” abrange duas realidades distintas, as quais o autor denomina de

“eventos” e “ações”. A ação se caracteriza pela presença de um agente (ator

humano ou antropomórfico) que provoca ou tenta evitar mudança. Já o evento

ocorre sob o efeito de causas, sem a intervenção intencional de um agente.

54

Para Cavalcante (2016, p. 65), o principal objetivo da sequência narrativa é

“[...] manter a atenção do leitor/ouvinte em relação ao que se conta.”. De acordo com

a autora, para que isso ocorra “[...] são reunidos e selecionados fatos, e a história

passa a ser desenvolvida, quando a situação de equilíbrio é alterada por uma tensão

[...]”. E é justamente essa tensão que irá determinar transformações e

retransformações que direcionam para o final. Cada etapa da sequência narrativa é

chamada de fase. Prototipicamente, para ela, a sequência narrativa constitui-se das

seguintes fases:

i) situação inicial – estágio inicial de equilíbrio, que é modificado por uma situação de conflito ou tensão; ii) complicação – fase marcada por momento de perturbação e de criação de tensão; iii) ações (para o clímax) – fase de encadeamento de acontecimentos que aumentam a tensão; iv) resolução – momento de redução efetiva da tensão para o desencadeamento; v) situação final – novo estado de equilíbrio; vi) avaliação – comentário relativo ao desenvolvimento da história; vii) moral – momento de explicitação da significação global atribuída à história. (CAVALCANTE, 2016, p. 65, grifos da autora.).

É importante dizer que não há uma extensão fixa para essas fases, há uma

variação do número de proposições que as compõem, o que faz com que não

correspondam necessariamente a um parágrafo. As fases avaliação e moral nem

sempre são explícitas, e quando aparecem promovem uma reflexão em relação à

história narrada (aspecto peculiar do gênero fábula, mas muitas vezes implícito em

outros gêneros). A situação inicial, a situação final e a moral apresentam extensão

bem menor do que as demais. (Cf. CAVALCANTE, 2016).

Para Silva Neto (2013, p. 96) é importante “[...] reter a ideia de que a estrutura

narrativa situa-se no interior de um processo narrativo, comumente conhecido por

trama narrativa.”. E que conforme Adam (2011a, p. 225), a sequência narrativa pode

ser pensada em termos de um encadeamento de cinco momentos que constituem a

“exposição de ‘fatos’ reais ou imaginários”, em função dos limites do processo

narrativo. Esses momentos, conforme o autor, são marcados por uma situação inicial

e uma situação final, o que implica uma transformação. Para Silva Neto (2013)

Dentro desses limites são identificados os outros três momentos, nesta ordem: “nó (desencadeador)” ou “núcleo”, “reação ou

55

avaliação” e “desenlace (resolução)”. Dependendo do grau de narrativização, a trama pode ser mais complexa e, por isso, apresentar proposições anteriores e posteriores a esses cinco momentos da sequência narrativa, de maneira que serão observados, nesses casos, mais dois momentos, situados nos limites externos aos cinco anteriores: uma “entrada-prefácio” e um “encerramento ou avaliação final”. (SILVA NETO, 2013, p. 96).

Através do esquema seguinte proposto por Adam (2011) podemos visualizar

como se compõe a trama narrativa complexa.

Figura 4 – Esquema 20: Trama narrativa

Fonte: Adam (2011, p. 229)

Podemos ver no esquema proposto por Adam (2011, p. 229) que a trama

narrativa é composta por cinco momentos: Pn1 ou Situação inicial (orientação), Pn2

ou Nó (Desencadeador), Pn3 ou Re-ação ou Avaliação, Pn4 ou Desenlace

(Resolução) e Pn5 ou Situação final. Para o autor, a trama pode apresentar uma

maior complexidade e, nesse caso, apresentará proposições anteriores e posteriores

a esses cinco momentos da sequência narrativa, as quais serão a Pn0 ou Entrada-

prefácio e o PnΩ ou Encerramento ou Avaliação final.

No esquema a seguir, o autor põe em evidência duas relações simétricas

entre quatro macroproposições. Tais relações encontram-se entre o nó (Pn2) e o

desenlace (Pn4), e entre a situação inicial (Pn1) e a situação final (Pn5). Vejamos o

esquema:

56

Figura 5 – Esquema 19: Relações simétricas

Fonte: Adam (2011, p. 228 – Estrutura narrativa).

Para Adam (2011, p. 228), “O fato de estrutura decorre dessa simetria e

dessa dinâmica: a Pn1 é dinamizada por Pn2 e conduz a um estado transitório Pn3,

que se interrompe, ele próprio, sob o efeito de Pn4, que leva ao final Pn5.”. Para o

autor, “Quando Aristóteles diz que a narração tem um início (Pn1), um meio (Pn2-3-

4) e um final (Pn5), ele reduz a complexidade da tríade central.”. No esquema acima,

Adam propõe o resultado de duas tríades encaixadas.

As diferentes formas de construção de uma narrativa dependem de seu grau

de narrativização. Segundo Adam (2011, p. 226), as narrativas têm um baixo grau

de narrativização quando apresentam apenas uma simples enumeração de ações

e/ou eventos e um alto grau de narrativização quando apresentam uma estrutura

hierárquica formada por cinco macroproposições narrativas de base (Pn). Essas

macroproposições narrativas correspondem “aos cinco momentos (m) do aspecto:

antes do processo (m1), o início do processo (m2), o curso do processo (m3), o fim

do processo (m4) e, por último, depois do processo (m5)”. Esses cinco momentos

encontram-se descritos no esquema abaixo.

Figura 6 – Esquema 18: Limites do processo

Fonte: Adam (2011, p. 226).

57

Para Adam (2011, p. 226), “Tvetzan Todorov (1968, p. 82) e Paul Larivaille

(1974) estão entre os primeiros a propor uma descrição da organização da trama

que corresponde ao mais alto grau de narrativização”. De acordo com Passeggi et

al. (2010, p. 285), “[...] nem toda sequência narrativa atinge o grau de narrativização

mais complexo [...]”.

Para Adam (2011, p. 228), “Não é possível definir nenhuma regra de

segmentação própria às sequências.”. Para o autor, uma sequência pode ser

fortemente segmentada e, nesse caso, teríamos “[...] proposições narrativas

separadas pelo par maiúscula-ponto, ou por um conector [...]” ou fracamente

segmentada. De acordo com o autor, “Se a sequência se desenvolve, não é raro que

os agrupamentos de proposições nas macroproposições narrativas sejam

salientados por mudança de parágrafo.”.

Utilizamos também neste estudo o conceito de narrativa encaixada, o qual se

refere a inserções de narrativas menores numa narrativa maior, principal. Para Adam

A narrativa encaixada pertence a um tipo particular da tradição oral: o conto etiológico, gênero narrativo determinado por um objetivo ilocucionário explicativo. Os contos etiológicos têm por finalidade dar uma resposta às perguntas que o homem se faz sobre as ações humanas, tanto as mais comuns como as mais extraordinárias. (ADAM, 2011, p. 273-274).

Conforme Adam (2011), a narrativa encaixada possui um caráter explicativo.

A partir dessa perspectiva do autor, analisamos as sequências narrativas maiores,

as quais denominamos narrativas globais, bem como as narrativas menores, as

chamadas “encaixadas”, a fim de observarmos como elas se constituem e o papel

que desempenham.

Pretendemos, dessa forma, descrever e analisar como se realiza a sequência

narrativa no gênero termo de depoimento, e se essa sequência narrativa

compreende todos os momentos demonstrados no esquema anterior, possuindo

assim, segundo Adam (2011), um alto grau de narrativização, ou não, se só

apresenta alguns desses momentos, configurando-se assim com um baixo grau de

narrativização.

58

4 METODOLOGIA

Neste capítulo, apresentamos a caracterização da pesquisa e aspectos

relacionados à sua natureza; apresentamos também bem o processo de coleta e

seleção do corpus e, por ultimo, apresentamos as categorias e os procedimentos de

análises utilizados nessa pesquisa.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A presente pesquisa classifica-se como documental e se orienta pelos

métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. Trata-se de uma pesquisa descritiva que

possui uma abordagem qualitativa. De acordo com Severino (2007, p. 122-123)

No caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas sobretudo de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais. Nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.

Dessa forma, em conformidade com o que explica Severino (2007), utilizamos

documentos legais, termos de depoimento, os quais constituem matéria-prima a

partir da qual desenvolvemos nossa análise. Porém, para tanto, fez-se necessário

que esse material passasse por um tratamento que viabilizasse a sua utilização para

que pudéssemos realizar a análise pretendida.

Por esse motivo, nas seções seguintes tratamos mais especificamente da

natureza do corpus, sua definição enquanto gênero, e em seguida descrevemos

como foi realizado o processo de coleta, bem como os procedimentos utilizados no

tratamento desse corpus.

Utilizamo-nos dos métodos do raciocínio indutivo e dedutivo. Para Severino

(2007, p. 88), a indução e a dedução constituem as duas grandes formas de

raciocínio. De acordo com o autor, “O raciocínio dedutivo é um raciocínio cujo

antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis; através

dele se chega a um consequente menos universal.” Acrescenta ainda que “As

59

afirmações do antecedente são universais e já previamente aceitas [...]” e que,

assim, “[...] delas decorrerá, de maneira lógica, necessária, a conclusão, a afirmação

do consequente.” Desse modo, há um processo que parte das premissas à

conclusão.

Já em relação ao método indutivo, para Severino (2007, p. 89), “[...] é uma

forma de raciocínio em que o antecedente são dados e fatos particulares e o

consequente uma afirmação mais universal.” Para ele, a indução parte de “[...] fatos

particulares conhecidos para chegar a conclusões gerais até então desconhecidas.”

A partir dessa perspectiva, utilizamo-nos desses dois métodos; o método do

raciocínio indutivo ao analisarmos um texto específico, particular, como também do

raciocínio dedutivo ao partirmos de toda uma proposta teórica já estabelecida como

aceita no âmbito acadêmico para procedermos à análise a que nos propomos

realizar e assim chegar a resultados particulares. Dessa forma, podemos dizer que

tais métodos são utilizados de forma igualmente eficaz em nosso trabalho.

Conforme Charoux (2004), quanto ao tipo de questionamento formulado, a

presente pesquisa classifica-se como descritiva e em relação à sua finalidade,

classifica-se como qualitativa. A pesquisa descritiva, segundo Charoux (2004, p. 38

– grifos da autora),

[...] busca descrever/narrar/classificar características de uma situação e estabelece conexões entre a base teórico-conceitual existente ou de outros trabalhos já realizados sobre o assunto e os fatos coletados. Esse tipo de pesquisa pressupõe uma boa base de conhecimentos anteriores sobre o problema estudado, já que a situação-problema é conhecida, bastando descrever seu comportamento. As respostas encontradas nesse tipo de pesquisa informam como determinado problema ocorre.

Constatamos de forma bastante clara o caráter descritivo de nossa pesquisa

ao termos como objetivo geral investigar como ocorrem as sequências narrativas no

gênero termo de depoimento. Ou seja, assim como explica a autora, a nossa análise

tem como objetivo mostrar “como” ocorre esse fenômeno no texto.

A presente pesquisa classifica-se também como qualitativa na medida em que

conforme Charoux (2004, p. 38), “[...] busca entender não apenas o fato ou

fenômeno estudado, mas também o contexto dentro do qual se desenvolve.” A

autora acrescenta ainda que “O foco do trabalho qualitativo é conhecer o significado

60

que se confere ao objeto estudado, pontos de vista, processos, percepções,

abstrações [...]”.

Nessa direção, segundo Oliveira (2016, p. 37), a pesquisa qualitativa

caracteriza-se como “[...] sendo um processo de reflexão e análise da realidade

através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto

de estudo [...]”.

Para Creswell (2007, p. 206), “[...] os procedimentos qualitativos baseiam-se

em dados de texto e imagem, têm passos singulares na análise dos dados e se

valem de diferentes estratégias de investigação.”.

Nas seções seguintes detalhamos a constituição do corpus da pesquisa, o

processo de coleta e tratamento, bem como as categorias e os procedimentos de

análise.

4.2 CORPUS: APRESENTAÇÃO

O termo de depoimento é uma das peças que integram o inquérito policial. O

inquérito policial, segundo Nucci (2014, p. 109),

[...] é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Não podemos olvidar, ainda, que o inquérito serve à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação penal privada.

Ainda de acordo com Nucci (2014, p. 126), o inquérito possui como

particularidade o fato de ser inquisitivo, ou seja, “[...] não permite ao indiciado ou

suspeito a ampla oportunidade de defesa, produzindo e indicando provas,

oferecendo recursos, apresentado alegações, entre outras atividades que, como

regra, possui durante a instrução judicial.” Além disso, possui também caráter

sigiloso “[...] por ser peça de natureza administrativa, inquisitiva e preliminar à ação

penal, deve ser sigiloso, não submetido, pois, à publicidade que rege o processo.”

Acrescenta ainda que, por esse motivo, não é permitido o acesso ao público, mesmo

61

que “[...] a pretexto de fiscalizar e acompanhar o trabalho do Estado-investigação,

como se poderia fazer quanto ao processo-crime em juízo.”.

Conforme Pelágio (2002, p. 23), o inquérito constitui “[...] um procedimento

administrativo realizado pela Polícia Judiciária, que a partir de diligências e

investigações tentará apurar a autoria e colher informações sobre o fato criminoso

[...]”. O autor diz ainda que tal procedimento tem o objetivo de “[...] formar uma maior

convicção do legitimado a oferecer a Ação penal.”. Por fim, afirma que “A

competência para a realização do Inquérito Policial é da Polícia Judiciária, através

do Delegado de Polícia que irá presidir os trabalhos de investigação2.”.

O inquérito policial é composto por vários documentos, dentre eles o termo de

depoimento. O termo de depoimento, segundo França (2008, p. 11 – grifo do autor),

caracteriza-se da seguinte forma:

Em sede de inquérito policial, busca-se diferenciar a coleta de informações entre o suspeito, o qual responde a auto de qualificação e interrogatório, e as ‘testemunhas’, as quais são convocadas para prestar esclarecimentos em termos chamados de depoimento ou de declarações.

Assim, o termo de depoimento presta-se a registrar as informações fornecidas

pela testemunha em relação a um determinado caso. De acordo com o autor, a

testemunha deve estar ciente do compromisso de falar a verdade, “[...] sob pena de

crime de falso testemunho.” Por esse motivo, “[...] há necessidade de confecção de

termo de depoimento.” (FRANÇA, 2008, p. 11).

Por último, o autor ratifica a importância desse procedimento para a

elaboração da hipótese investigativa quando diz que

Em depoimentos, portanto, a testemunha vem realmente informar sobre temas que são de interesse para o conjunto investigatório, de onde serão deduzidas as hipóteses perante, por exemplo, as contradições apresentadas por indiciados nos interrogatórios ou sobre dados ainda obscuros no contexto estudado. (FRANÇA, 2008, p. 12)

2 “Há, porém, outros tipos de procedimentos investigativos que são presididos por outras autoridades não

policiais, dentre elas estão o Inquérito Falimentar, conhecido também como Inquérito Judicial, que é

realizado pelo Juiz respectivo da falência. Também no Inquérito Policial Militar, cuja sua realização compete

as Autoridades Militares.” (PELÁGIO, 2002, p. 23).

62

De acordo com Gomes (2011, p. 75 – grifos do autor), o processo de

elaboração do termo de depoimento ocorre da seguinte maneira:

São ouvidas as pessoas envolvidas. Caso não haja impedimento legal (arts. 206 e 208 do CPP), é tomado o compromisso de falar a verdade (art. 203 do CPP: a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade), sob as penas do art. 342 do CP (falso testemunho – fazer afirmação falsa, calar ou omitir a verdade – reclusão de 1 a 3 anos e multa).

Seguindo essas diretrizes básicas, a testemunha presencial ou mesmo que

tenha sido citada por uma que tenha presenciado os fatos ou qualquer outra

pessoa que possa contribuir com informações relevantes para as investigações,

conforme Gomes (2011, p. 75), “[...] são ouvidas em termo de depoimento”. O autor

esclarece que há diferença entre “termo de depoimento” e o “termo de

declarações”. Segundo ele,

Só prestam “depoimento” aqueles que tenham obrigação de dizer a verdade. Não estão obrigadas, podendo se eximir de prestar “depoimento”, as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão (médico, advogado, jornalista), devam guardar segredo. Podem, contudo, ser intimadas para comparecimento perante a autoridade policial, e, no momento destinado ao ato cartorário, arguir seu impedimento. O “termo de declarações” é reservado para doentes e deficientes mentais, menores de 14 anos, o ascendente ou descendente, irmãos, genitores, afim em linha reta, cônjuge ou companheira do investigado, pois são dispensados do compromisso de dizer a verdade, seja pelas condições físicas e mentais que detenham ou pelo vínculo familiar. (GOMES, 2011, p. 75 – grifos do autor).

O termo de depoimento, portanto, constitui um documento de fundamental

importância para a apuração de um delito. É através dele que as autoridades

policiais tomarão conhecimento de informações que podem vir a esclarecer

questões, bem como lançar novos direcionamentos para investigação.

No presente trabalho, concentramos nossa análise na parte do termo de

depoimento que possui o depoimento propriamente dito, parte do documento em

63

que a testemunha declara o que sabe e é relevante para o caso. O documento

transcrito na íntegra encontra-se nos anexos deste trabalho.

Na seção seguinte, detalhamos o processo de coleta do Corpus e os

procedimentos de análise.

4.3 COLETA E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Inicialmente tínhamos um corpus composto por um conjunto de nove

inquéritos policiais. Todos eles de natureza de crime de violência contra a mulher.

Esse material foi coletado de uma Delegacia Especializada em Atendimento à

Mulher (DEAM) localizada na zona Sul da cidade de Natal, no estado do Rio Grande

do Norte, RN, e encontrava-se digitalizado e disponível através do banco de

processos do grupo de pesquisa ATD da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN). Após termos tido o contato com esses nove inquéritos policiais, o

primeiro passo foi realizar uma leitura minuciosa de todos eles. Em seguida,

partimos de alguns critérios para que pudéssemos delimitar com precisão quais

desses textos serviriam de objeto à nossa análise.

Dos nove inquéritos policiais de que dispúnhamos, quatro não continham

termo de depoimento. Dos cinco que continham esse tipo de procedimento, somente

um datava do ano de 2011, o qual tratava de agressão; todos os outros datavam do

ano de 2012 e variavam apenas em relação à natureza da ocorrência que se referia

a uma tentativa de estupro, a uma tentativa de homicídio e a ameaça de morte.

Desses inquéritos do ano de 2012, apenas um que tratava de ameaça continha dois

termos de depoimento.

Optamos por escolher os três termos de depoimento que datavam do ano de

2012 e que estavam relacionados ao crime de ameaça. Assim, uniformizamos o

nosso corpus no que se refere ao ano e à natureza da ocorrência.

Mediante esse processo de delimitação do corpus, chegamos a um total de

três termos de depoimento: dois deles foram retirados do inquérito policial de n°

217/2012, referente à incidência penal contida no artigo 1473, ameaça; o outro termo

de depoimento foi retirado do inquérito policial de n°233/2012 referente à incidência

3 Artigo 147 “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe

mal injusto e grave;” (CP- Decreto Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940).

64

penal contida no Artigos. 1294, 147 e 1405 do Código Penal Brasileiro (CPB), os

quais se referem respectivamente à ofensa, ameaça e injúria.

A autuação dos dois primeiros termos de depoimento deu-se no dia 13 de

abril de 2012. Esse inquérito policial é composto por um total de 34 páginas, as

quais correspondem a vários procedimentos como portaria, setor cartório, boletim de

ocorrência, termo de declarações, cópias de documentos de identificação das partes

envolvidas no caso (vítima, acusado, testemunha), termo de depoimento, ofícios,

despacho, auto de qualificação e interrogatório, boletim de vida pregressa, boletim

individual e relatório. Muitos desses procedimentos ocorrem mais de uma vez no

inquérito dependendo da necessidade, por exemplo, como há duas testemunhas,

esse inquérito possui dois termos de depoimento.

A autuação do terceiro termo de depoimento selecionado deu-se no dia 17 de

abril de 2012. A natureza da ocorrência consta de ameaça. Esse inquérito policial é

composto por um total de 36 páginas. Tais páginas referem-se aos procedimentos já

descritos anteriormente. Neste inquérito, diferente do primeiro, só consta um único

termo de depoimento.

Quanto à análise, essa será realizada em quatro etapas:

Etapa 1 : estabelecimento do texto;

Etapa 2: apresentação do Plano de texto;

Etapa 3: Codificação do texto do depoimento da testemunha;

Etapa 4: identificação, descrição e interpretação das macroproposições

narrativas.

No estabelecimento do texto, utilizamos as letras ‘TD’ para nos referirmos a

cada um dos termos de depoimentos. Como o corpus desta pesquisa é composto

por três termos de depoimentos, utilizamos algarismos numéricos de 1 a 3 para

distingui-los. Assim, para o termo de depoimento 1 utilizamos a abreviação TD1,

para o termo de depoimento 2, TD2 e para o termo de depoimento 3, TD3.

Na exposição do plano de texto de cada um dos termos de depoimento,

utilizamos um quadro com uma coluna e linhas. A coluna mostra a divisão do

conteúdo de todo o documento em três blocos; as linhas separam a identificação

das partes do texto e se encontram em destaque.

4 Artigo 129 “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

5 Artigo 140 “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”.

65

Quanto à codificação do texto do depoimento da testemunha, fizemos a

transcrição de acordo com a escrita original, ou seja, não realizamos nenhum tipo de

modificação no que se refere a questões gramaticais, por exemplo. Por uma questão

de ética, apenas suprimimos todas as informações de identificação de todas as

partes mencionadas no texto. Ao invés de números ou letras correspondentes a

essas informações utilizamos a letra x. Especificamente em relação aos nomes dos

envolvidos utilizamos apenas a letra inicial em maiúsculo.

Ainda nessa terceira etapa, para uma melhor identificação das sequências

textuais narrativas, utilizamos as letras do alfabeto (em minúsculo) de “a” até “z”

dentro de colchetes e em negrito antes de cada proposição enunciada a fim de

identificá-las, ou seja, [a], [b], [c] e assim por diante até a letra z. Quando o número

de enunciados for maior que 26, ou seja, caso ultrapasse o número de letras do

alfabeto, utilizamos um algarismo numérico depois das letras, nesse caso, temos

[a1], [b1], [c1] e assim sucessivamente.

Como nosso foco de análise é o depoimento propriamente dito da

testemunha, a partir do momento em que esta começa o seu depoimento é que

iniciamos a codificação do texto. Realizamos a codificação precisamente depois da

seguinte indicação presente no documento: “Inquirido (a) pela Autoridade Policial,

passou a RESPONDER QUE:”.

Para a identificação das macroproposições narrativas utilizamos quadros

compostos por duas colunas. Na coluna da direita contém os trechos do depoimento

em análise; na coluna da esquerda a nomeação das macroproposições narrativas

segundo Adam (2011). Esses trechos do depoimento são transcritos precedidos pela

identificação dos enunciados anteriormente exposta, como [a], [b], [c] etc. Para

descrição e interpretação das proposições narrativas utilizamos as seguintes

referências:

Pn0 Entrada prefácio ou Resumo;

Pn1 Situação inicial ou Orientação;

Pn2 Nó ou Desencadeador;

Pn3 Re-ação ou Avaliação;

Pn4 Desenlace ou Resolução;

Pn5 Situação final.

PnΩ Encerramento, Avaliação Final ou Moralidade.

66

Os quadros de análise não consideram as proposições correspondentes à

entrada-prefácio ou resumo Pn0 e ao encerramento ou avaliação final (Moral) PnΩ,

uma vez que essas proposições são comuns a todos os documentos e se encontram

fora dos limites do depoimento propriamente dito da testemunha, o qual, como já

enfatizado anteriormente, constitui nosso foco de nossa análise. Por esses motivos,

as mencionamos apenas na análise do TD1.

Quanto à identificação e descrição de uma narrativa encaixada utilizamos a

referência NE. Para identificar a ordem em que essas narrativas ocorrem em cada

termo de depoimento analisado, utilizamos essa referência seguida por um número,

como por exemplo, NE1, NE2, NE3 e assim sucessivamente.

Ao final da análise das narrativas encaixadas elaboramos um quadro-síntese

dessas narrativas a partir da identificação das principais ações relacionadas aos

acusados. Salientamos que essas ações nem sempre se referem ao mesmo tipo de

proposição, ou seja, existem ações que se referem aos “nós”, outras que se referem

à resolução ou à re-ação, etc.

67

5 ANÁLISE

Neste capítulo, trazemos a análise de três termos de depoimento. Como

descrito no capítulo anterior, a análise de cada texto será realizada em quatro

etapas, as quais são: estabelecimento do texto; apresentação do Plano de texto;

codificação do texto do depoimento da testemunha e identificação, descrição e

interpretação das macroproposições narrativas. Dividimos as seções a seguir de

acordo com a ordem de análise de cada texto.

5.1 TERMO DE DEPOIMENTO 1

5.1.1 Estabelecimento do texto

O termo de depoimento 1, doravante TD1, como explicitado anteriormente, foi

retirado do inquérito policial de n°233/2012 referente à incidência penal de ofensa,

ameaça e injúria contida nos artigos 129, 147 e 140 do CPB. A autuação deu-se no

dia 17 de abril de 2012. Trata-se de um caso em que o ex-companheiro da vítima

não se conforma com o fato de ela estar namorando outra pessoa e, por esse

motivo, faz-lhe ameaças.

5.1.2 Apresentação do plano de texto

Para uma melhor compreensão a respeito do gênero termo de depoimento,

faz-se necessário que visualizemos as partes que o constituem. Para tanto,

elaboramos o seu plano de texto. Como podemos observar a seguir, o termo de

depoimento em análise constitui-se das seguintes partes pré-fixadas: timbre;

identificação do documento e da testemunha; data, os presentes e qualificação da

testemunha; compromisso da testemunha; fórmula discursiva de abertura;

depoimento; fórmula discursiva de fechamento; assinaturas. Observamos também

que o documento como um todo pode ser dividido em três blocos maiores: abertura,

coleta e fechamento.

Segue o plano de texto do TD1:

68

Quadro 2 – Plano de texto do TD1

TIMBRE

SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA

“TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...]:”

DATA; OS PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA

ABERTURA

“Aos 17 (dezessete) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012) [...] onde presente se encontrava a Bela. [...] Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo [...] compareceu a pessoa de [...] brasileiro, solteira, auxiliar de produção (desempregada), natural de [...].”

COMPROMISSO DA TESTEMUNHA

“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”

FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA

“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”

COLETA

DEPOIMENTO

“conhece a vítima [...].”

FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO

FECHAMENTO

“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”

ASSINATURAS

AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.

69

5.1.3 Codificação do depoimento da testemunha

[a] conhece a vítima JGS há cerca de 07 (sete) anos; [b] Que a vítima namorou com

W durante 08 (oito) anos; [c] Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE

chorando [d] e dizendo que estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal

motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a

com força [i] e sacudindo a mesma, [j] Que, na época em que namoravam, [k] a

VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava [m] o mesmo

negava; [n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o]

Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q]

porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo; [s] Que a VÍTIMA

mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada por W com

ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [t] Que W deve

dinheiro a VITIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v] que ela se vire

para pagar; [w] Que a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz

ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W

costuma abordar os amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem

como fala com os amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [b1] Que a

VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa; [d1] Que os pais da VÍTIMA

são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses

fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la; [g1] Que, atualmente, W está

cumprindo pena no regime semi-aberto.

5.1.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas

Neste primeiro momento, focamos na narrativa global que constitui o

depoimento da testemunha. As diversas narrativas menores, que compõem essa

narrativa maior ou global, denominamos narrativas encaixadas e analisamos na

sequência. Antes disso, a partir da visualização do plano de texto, destacamos que

as informações que se encontram no bloco que denominamos “abertura”

corresponde ao que Adam (2011) chama de Entrada-prefácio ou Resumo (Pn0),

uma vez que tem a função de fazer uma espécie de abertura do texto, destacando

uma série de informações que contextualizam a situação que envolve a produção do

depoimento da testemunha, bem como o seu compromisso em dizer a verdade

70

sobre o que sabe. Já as informações que se encontram no bloco referente ao que

denominamos “fechamento” correspondem ao conceito de Encerramento ou

Avaliação final (Moralidade) ou PnΩ por ter a função de formalmente anunciar o fim

do depoimento prestado, bem como assegurar a sua autenticidade através do

anúncio das assinaturas das partes presentes. Esses dois blocos de informações

correspondentes à abertura e ao fechamento do depoimento apresentam-se em

todos os termos de depoimento analisados, desempenhando sempre a mesma

função.

5.1.4.1 Narrativa global

Quadro 3 – Macroproposições da narrativa global

Proposições narrativas

Ocorrência no Termo de depoimento

Situação inicial (Orientação) (Pn1)

[b] Que a vítima namorou com W durante 08 (oito) anos; [c] Que, certa vez, VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando [d] e dizendo que estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo a mesma, [j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava, [m] o mesmo negava; [n] Que, inclusive após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;

Nó (Desencadeador) (Pn2)

[s] Que a VÍTIMA mostrou a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [t] Que W deve dinheiro a VITIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v] que ela se vire para pagar; [w] Que a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai ser pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA, para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele ficarem ligando para a VÍTIMA;

Re-ação ou Avaliação (Pn3)

[b1] Que a VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa; [d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;

71

Desenlace (Resolução)

(Pn4)

[Por inferência] a vítima ter prestado queixa contra as ameaças sofridas.

Situação final (Pn5)

[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.

A partir do que Adam (2011) propõe, identificamos como a situação inicial, a

Pn1, a parte do depoimento em que a depoente fala a respeito do tempo em que

conhece a vítima, bem como fala um pouco do que sabe a respeito do

relacionamento da vítima com o acusado. Identificamos essa parte do depoimento

como correspondente a Pn1 por ser uma parte do texto que situa o leitor no que se

refere às pessoas e ao seu estado comportamental dentro do fato que está sendo

narrado. Assim, a depoente cita fatos relacionados à vítima e ao acusado, dos quais

tomou conhecimento a partir da própria vítima, como o caso em que a vítima

encontrava-se na praia e teria sido agredida fisicamente pelo então namorado W,

como também o fato de a vítima desconfiar do envolvimento de W com a venda de

drogas e o fato de a vítima visitar W na cadeia por pena, pois já não gostava mais

dele. Todos esses fatos expostos pela depoente situam o leitor e faz com que os

envolvidos, vítima e acusado, sejam vistos a partir da perspectiva de suas ações.

A Pn2, ou o nó desencadeador, corresponde à parte em que a depoente cita

as várias ameaças sofridas. Nesse momento, fica claro o estado de transformação

das coisas, ou seja, o momento em que o conflito começa a ser instaurado. É o

momento em que a vítima começa a receber ameaças de W, o qual não se

conforma por ela estar namorando outra pessoa. Assim, temos a Pn2 que inicia o

processo propriamente dito da narrativa, no qual se dá a trama. Essa fase é

responsável pela causalidade narrativa de uma colocação em intriga, por meio da

“quebra” de uma situação inicial equilibrada, criando uma tensão. Sua ocorrência é

indispensável para a instauração do conflito.

Tínhamos na situação inicial um estado de equilíbrio em que não havia

nenhum conflito, apenas fatos relacionados ao relacionamento da vítima com o

indiciado. Porém, é a partir do momento em que surgem as ameaças por parte de W

contra a vítima que se instaura o conflito e, consequentemente, essa situação inicial

muda. Esse conflito é evidenciado pelo fato de o motivo da queixa por parte da

vítima ser justamente as ameaças sofridas.

72

Em decorrência do conflito instaurado, temos a fase de Re-ação ou avaliação,

Pn3, a qual identificamos como correspondente ao momento em que a vítima

apresenta uma reação, um novo comportamento resultante desse conflito. Aqui,

observamos a perspectiva dos envolvidos na narrativa, ou seja, de quem age, de

quem sofre ou de quem comenta a ação vivida. Constatamos a perspectiva de quem

sofre a ação, a mudança de comportamento da vítima que passa a conviver com o

sentimento de medo e que, por isso, não sai mais de casa, como também a

mudança de comportamento de seus pais, pessoas idosas, tendo seu pai passado

mal por causa do ocorrido. Assim, Ficam claras as implicações do conflito instaurado

na vida desses envolvidos.

A Pn4 ou desenlace, por inferência, entendemos que corresponde à queixa

prestada pela vítima contra as ameaças sofridas. É importante destacarmos,

contudo, que essa resolução apresenta uma especificidade no sentido de que a

partir dela serão gerados diversos procedimentos de caráter investigatório com o

objetivo de apurar o conteúdo da queixa prestada. Como realizamos esta análise

com base no depoimento da testemunha, não temos condições de tratar daquilo que

poderá ocorrer mediante o processo investigatório. Por isso, ressaltamos que o que

propomos como resolução para essa narrativa circunscreve-se aos limites do

depoimento.

A situação final, Pn5, parte do texto que marca o final propriamente dito da

narrativa, corresponde ao momento em que a situação de equilíbrio é instaurada, ou

seja, explicita como se encontra a situação até aquele determinado momento. “Que,

atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto” é a proposição que

corresponde a Pn5 dessa narrativa. É importante salientar que a Pn5 não

corresponde necessariamente a algo positivo, apenas a resolução encontrada para

a tensão naquele momento.

5.1.4.2 Narrativa encaixada 1

[a] conhece a vítima JGS há cerca de 07 (sete) anos; [b] Que a vítima namorou com

W durante 08 (oito) anos; [j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA

desconfiava que W vendia drogas, [l] mas quando perguntava [m] o mesmo negava;

[n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas; [o] Que a

73

VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque

sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;

Quadro 4 – Macroproposições da narrativa encaixada 1

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE1

Pn1

[b] Que a vítima namorou com W durante 08 (oito) anos

Pn2

[j] Que, na época em que namoravam, [k] a VÍTIMA desconfiava que W vendia drogas

Pn3

[l] mas quando perguntava [m] o mesmo negava;

Pn4

[n] Que, inclusive, após algum tempo, W foi preso por tráfico de drogas;

Pn5

[o] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [p] mas dizia a DEPOENTE que só ia [q] porque sentia pena dele, [r] pois não gostava mais do mesmo;

Como podemos observar nessa narrativa encaixada, as proposições não

seguem uma ordem, visto que temos a Pn1 correspondente à proposição [b],

seguida das proposições Pn2 - [j] e [k], Pn3 - [l] e [m], Pn4 - [n] e Pn5 - [o], [p], [q]

e [r]. As outras proposições constituem a segunda narrativa encaixada que trata de

uma agressão sofrida pela vítima na praia, da qual tratamos mais adiante.

É importante observarmos em relação ao depoimento da testemunha que

essa conta o que sabe sobre o fato que está sendo investigado a partir de perguntas

que lhes são feitas pela autoridade policial, a Delegada de Polícia, e que essas

respostas dadas são simultaneamente digitadas pela escrivã, conforme vemos no

seguinte trecho final do documento: “E nada mais disse, deu-se por findo o presente

termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado pela

autoridade, pela testemunha, e por mim _______, Escrivã de Polícia, que o digitei.”.

74

Nesse trecho, ficam evidenciadas as partes envolvidas no momento em que a

testemunha faz suas declarações.

Esse aspecto é significativo porque traz consigo uma implicação bastante

relevante para o texto, o uso constante do conectivo “Que”. Antes de a vítima iniciar

seu depoimento propriamente dito, tem-se a seguinte indicação: “Inquirido (a) pela

Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:” Isso nos autoriza a entender que

todos os conectivos “Que” que aparecem com inicial maiúscula e que inicia uma

proposição indica uma resposta da testemunha a algo que lhe foi perguntado.

Constatamos também que há uma elipse do verbo “responder”, o qual aparece como

já explicitado, antes do início do depoimento em “Inquirido (a) pela Autoridade

Policial, passou a RESPONDER QUE:”. Dessa forma, o uso do “Que” utilizado

sozinho reiteradas vezes ao longo do texto faz referência a “respondeu que”.

Nessa NE a depoente inicia a narrativa (Pn1) através de informações sobre o

que sabe a respeito do relacionamento da vítima com W e sobre o tempo de

duração do relacionamento entre eles, “[...] namorou com W durante 08 (oito) anos”.

A partir dessas informações, tem-se também a explicitação das partes envolvidas, a

vítima e W, como também o tipo de relação que eles tinham (namoro).

A informação de que a vítima desconfiava que W vendia drogas corresponde

ao conflito instaurado (Pn2). Ou seja, nesse momento há uma mudança em relação

ao estado inicial das coisas, no qual não constava nenhuma perturbação. Assim, a

desconfiança por parte da vítima de que W vendia drogas desencadeia outras

ações.

Em reação (Pn3) a desconfiança de que W vendia drogas, a vítima resolve

então perguntá-lo sobre isso, ao que W passa a negar. Há aqui claramente uma

reação de ambas as partes envolvidas em relação ao conflito instaurado, a saber, a

vítima que passa a questionar seu então namorado sobre o fato de que desconfiava,

e o namorado que responde com uma negativa.

Destacamos o fato de que, embora os verbos “namoravam”, “desconfiava”,

“vendia”, “perguntava” e “negava” presentes nessas proposições estejam no

pretérito imperfeito e denotem, em um primeiro momento, uma descrição, nessa NE1

eles constituem ações importantes que compõem uma narrativa com um alto grau

de narrativização, ou seja, com todos os seus momentos bem definidos.

Na sequência, ocorre outro fato que corresponde agora à resolução do

conflito (Pn4), o qual diz respeito à prisão de W por tráfico de drogas. Ao utilizar-se

75

do termo “inclusive” na proposição “[m] Que, inclusive, após algum tempo, W foi

preso por tráfico de drogas;” a depoente dá destaque ao fato de a suspeita da vítima

em relação ao envolvimento de W com drogas ter se confirmado, uma vez que ele

chegou a ser preso por tal motivo.

As macroproposições “[n] Que a VÍTIMA visitava W na cadeia, [o] mas dizia a

DEPOENTE que só ia [p] porque sentia pena dele, [q] pois não gostava mais do

mesmo;” marcam a situação final (Pn5) dessa narrativa ao trazer um fechamento

para o tópico que estava sendo tratado pela depoente.

Assim, podemos reduzir o tópico tratado pela depoente nessa narrativa da

seguinte forma: namoro da vítima com W; suspeita do envolvimento de W com

drogas por parte da vítima; prisão de W por tráfico de drogas; e término do

sentimento da vítima por W.

5.1.4.3 Narrativa encaixada 2

[c] Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando [d] e dizendo que

estava na praia, [e] um amigo falou com ela [f] e, por tal motivo, W brigou [g] e

agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo

a mesma,

Quadro 5 – Macroproposições da narrativa encaixada 2

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE2

Pn1

[d] [...] a VÍTIMA [...] estava na praia,

Pn2

[e] um amigo falou com ela

Pn3

[f] e, por tal motivo, W brigou [g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e sacudindo a mesma,

Pn4

Pn5

[c] [...] a VÍTIMA ligou para a DEPOENTE chorando

76

Nessa NE2, podemos observar que a depoente trata especificamente de uma

agressão sofrida pela vítima por W. A situação inicial (Pn1) é expressa pela

exposição do local em que a vítima se encontrava, a praia. A indicação do local

serve como principal fator de contextualização dos fatos que virão a seguir.

A proposição “[e] um amigo falou com ela”, constitui o elemento instaurador

do conflito (Pn2). Isso porque na macroproposição seguinte temos uma clara reação

(Pn3) a esse acontecimento quando a depoente diz “[f] e, por tal motivo, W brigou

[g] e agrediu fisicamente em cima das pedras, [h] segurando-a com força [i] e

sacudindo a mesma”, ou seja, o fato de um amigo da vítima ter falado com ela foi o

que gerou as ações de brigar, agredir, segurar e sacudir praticadas por W e dirigidas

à vítima. É importante observar a utilização da expressão “e, por tal motivo” presente

na proposição [f] que estabelece de forma clara a relação de causa e consequência

entre as ações aqui descritas.

Nessa NE não é apresentada pela depoente a resolução obtida diante de tal

conflito. Desse modo, constatamos apenas a explicitação de como essa situação

termina até aquele momento relativo ao acontecimento. O modo como essa situação

é encerrada (Pn5) encontra-se na proposição “[c] [...] a VÍTIMA ligou para a

DEPOENTE chorando”.

Em relação à ordem em que as proposições aparecem distribuídas no quadro

anterior, podemos observar que não é seguida uma sequência em relação à fala da

depoente, e isso se dá pelo fato de considerarmos os blocos de acontecimentos

apresentados. Ou seja, apesar de a depoente iniciar o seu relato com o fato de a

vítima ter ligado para ela chorando, observamos que esse constitui o último

momento dessa NE. Assim, após a compreensão como um todo da situação

contada é que ordenamos as proposições.

5.1.4.4 Narrativa encaixada 3

[s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz enviada

por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!”; [w] Que

a VÍTIMA está namorando [x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se

eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”; [z] Que W costuma abordar os

amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os

77

amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [b1] Que a VÍTIMA está com muito

medo [c1] e não sai de casa;

Quadro 6 – Macroproposições da narrativa encaixada 3

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE3

Pn1

[w] Que a VÍTIMA está namorando

Pn2

[x] e W não se conforma, [y] faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!

Pn3

[z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA para saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele para ficarem ligando para a VÍTIMA; [s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens de texto e de voz [que foi] enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai me pagar! Você me traiu!

Pn4

[Por inferência] A vítima presta queixa contra as ameaças sofridas.

Pn5

[b1] Que a VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa

Essa NE diz respeito especificamente ao fato de a vítima estar namorando e

W não aceitar. Assim, a proposição “[w] Que a VÍTIMA está namorando”

corresponde à situação inicial (Pn1) dessa narrativa, ao estado de equilíbrio até

então observado.

A partir da macroproposição “[x] e W não se conforma, [y] faz ameaças

dizendo: “Se eu te pegar com ele, vai se pior! Eu vou te pegar!”, a depoente utiliza-

se do discurso direto como forma de conferir maior veracidade às suas declarações,

ou seja, nesse momento ela dá voz ao próprio acusado. Com isso, surge um conflito

(Pn2) evidenciado pelo fato de W não se conformar com essa situação em que a

vítima se relaciona com outra pessoa e, consequentemente, começar a fazer

ameaças a vítima.

É importante ressaltar que essa situação possui um diferencial em relação as

demais, uma vez que a queixa prestada pela vítima é justamente em função das

78

ameaças feitas por W. Assim, nesse momento, a depoente passa a expor um

conteúdo de suma importância para o caso.

A macroproposição “[z] Que W costuma abordar os amigos da VÍTIMA para

saber informações da mesma, [a1] bem como fala com os amigos dele para ficarem

ligando para a VÍTIMA; [s] Que a VÍTIMA mostrou para a DEPOENTE mensagens

de texto e de voz [que foi] enviada por W com ameaças do tipo “Cachorra, você vai

me pagar! Você me traiu!” corresponde às reações (Pn3) por parte de W frente ao

conflito instaurado. Mais uma vez, há a presença do discurso direto que dá voz ao

acusado e, assim, um caráter de maior veracidade àquilo que se está declarando.

Por inferência, o desenlace (Pn4) corresponde à queixa prestada pela vítima

contra as ameaças sofridas.

A situação final (Pn5) se expressa através das proposições “[b1] Que a

VÍTIMA está com muito medo [c1] e não sai de casa;”. É precisamente nessas

proposições que a depoente encerra a narrativa dessa situação referente às

ameaças que W fez a vítima.

5.1.4.5 Narrativa encaixada 4

[t] Que W deve dinheiro a VÍTIMA, [u] contudo diz a mesma que não vai pagar, [v]

que ela se vire para pagar;

Quadro 7 – Macroproposições da narrativa encaixada 4

Proposições Narrativas

Ocorrência na NE4

Pn1

[Por inferência] W, por algum motivo, precisou de dinheiro e tomou emprestado com a VÍTIMA que, por sua vez, recorreu a terceiros para obtê-lo, contraindo, assim, uma dívida.

Pn2

[t] Que W deve dinheiro a VITIMA

Pn3

[Por inferência] Provavelmente, W foi cobrado pela VÍTIMA que, por sua vez, pode já ter sido cobrado por quem lhe emprestou uma determinada quantia.

79

Pn4

[u] contudo [W] diz a mesma que não vai pagar

Pn5

[v] que ela se vire para pagar;

Nessa NE a depoente se refere à situação de uma dívida que W tem com a

vítima e que se recusa a pagar. A depoente começa pela seguinte proposição “[t]

Que W deve dinheiro a VÍTIMA”, a qual corresponde ao conflito instaurado (Pn2), o

que irá motivar as ações seguintes. Com base nessa mesma proposição, inferimos

que a situação inicial (Pn1) corresponde ao fato de que W, por algum motivo, ter

tomado dinheiro emprestado com a VÍTIMA que, por sua vez, recorreu a terceiros

para obtê-lo, contraindo, assim, uma dívida.

A partir da situação final expressa pela proposição “[v] que ela se vire para

pagar;” inferimos a reação (Pn3), nesse caso de W, que provavelmente foi cobrado

pela VÍTIMA, a qual pode já ter sido cobrada por quem lhe emprestara uma

determinada quantia. Essa inferência resulta do sentido expresso em “que ela se

vire para pagar” que indica que não se trata apenas de não receber o dinheiro

devido por W, mas o fato de estar devendo a terceiros.

Por último, como fechamento a essa situação (Pn5), temos a proposição “[v]

que ela se vire para pagar;”. Ou seja, a depoente deixa claro o fato de W se recusar

a pagar o que deve a vítima.

5.1.4.6 Narrativa encaixada 5

[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA

passou mal por causa desses fatos; [f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;

[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.

Quadro 8 – Macroproposições da narrativa encaixada 5

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE5

Pn1

[Por inferência] W cumpre pena no regime semiaberto

80

Pn2

[f1] Que W já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la;

Pn3

[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas [e1] e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos

Pn4

[Por inferência] A queixa prestada pela vítima

Pn5

[g1] Que, atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.

Por inferência, entendemos que a situação inicial (Pn1) dessa narrativa é o

fato de W estar cumprindo pena em regime semiaberto, o que tornou possível,

nesse caso, o fato de ele ter ido à casa de sua ex-namorada, a vítima, para procurá-

la, dando assim origem ao nó (Pn2). Esse fato traz consigo a consequência ou

reação (Pn3) de o pai da vítima ter passado mal, como expresso na proposição “[e1]

e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa desses fatos”.

Destacamos aqui a importância do aspecto descritivo presente nessa

macroproposição em relação ao estado dos pais da vítima, ou seja, a depoente traz,

não por acaso, a informação de “[d1] Que os pais da VÍTIMA são pessoas idosas”,

com o objetivo de destacar o caráter de fragilidade das pessoas que estão sendo

afetadas pelas atitudes do acusado.

Em relação a esse aspecto descritivo, Adam (1992) prevê que a narrativa não

é composta apenas de acontecimentos, mas também de descrições, que a exemplo

da mencionada acima, têm uma função pragmática de esclarecer algo ou de até

mesmo tentar convencer o outro de um determinado ponto de vista. Portanto, trata-

se de um aspecto que contribui para a construção da orientação argumentativa do

texto.

O desenlace (Pn4) mediante os outros acontecimentos, inferimos ser a queixa

prestada pela vítima, a qual originou o depoimento onde estão sendo relatadas as

ameaças sofridas.

Linguisticamente, a situação final (Pn5) não apresenta uma oposição à

situação inicial (Pn1), pelo contrário, apenas reitera o fato de que “[g1] Que,

atualmente, W está cumprindo pena no regime semi-aberto.” Porém, considerando

as demais ocorrências narradas nessa NE, observamos que há sim um estado de

mudanças de coisas, visto que W passou de condenado por tráfico de drogas a

81

investigado pelo crime de ameaça, como é o caso desse inquérito ao qual ele

responde.

5.1.4.7 Síntese das principais ações de W

Quadro 9 - Síntese das ações de W nas narrativas encaixadas

Narrativas

Encaixadas

Principais ações relacionadas a W

NE1

“foi preso por tráfico de drogas”

NE2

“brigou e agrediu fisicamente [a vítima] em cima das pedras”

NE3

“costuma abordar os amigos da vítima para saber informações da mesma”

NE4

“deve dinheiro a vítima”

NE5

“Já foi à casa da vítima procurá-la”

Todas essas ações acima citadas visam não só explicar, mas, sobretudo,

colaborar para a aceitação como verdade daquilo que se está declarando no

depoimento. Por isso, observamos que a narrativa como um todo funciona como um

mecanismo de organização textual que conduz à orientação argumentativa do texto

e que as narrativas encaixadas auxiliam esse processo. Assim, as narrativas

encaixadas analisadas anteriormente desempenham um importante papel nessa

narrativa global, uma vez que funcionam como elementos explicativos, que ratificam

o conteúdo que está sendo apresentado na narrativa maior, global.

Dessa forma, observamos que não basta apenas citar as ameaças em si que

a vítima sofria por parte de W e das quais a depoente tinha conhecimento através da

própria vítima, mas importa também citar outros fatos que colaborem para reforçar o

contexto em que se davam essas ameaças e construir, assim, uma determinada

imagem do acusado.

82

5.2 TERMO DE DEPOIMENTO 2

5.2.1 Estabelecimento do texto

O termo de depoimento 2, doravante TD2, foi retirado do inquérito policial de

n° 217/2012. Esse termo de depoimento refere-se à queixa de ameaça de morte. A

não aceitação do fim do relacionamento por parte do ex-companheiro teria gerado

as ameaças contra a vítima. Logo depois da apresentação do plano de texto, temos

o depoimento codificado prestado pela cunhada da vítima.

5.2.2 Apresentação do plano de texto

Quadro 10 – Plano de texto do TD2

TIMBRE

SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA

“TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...].”

DATA; PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA

ABERTURA

“Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. [...], Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de [...], brasileira, solteira, do lar, natural de [...].”

COMPROMISSO DA TESTEMUNHA

“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”

FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA

83

“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”

DEPOIMENTO

COLETA

“é cunhada da VÍTIMA [...].”

FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO

FECHAMENTO

“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”

ASSINATURAS

AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.

5.2.3 Codificação do depoimento da testemunha

[a] é cunhada da VÍTIMA PFTS; [b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [c]

pois o mesmo é usuário de drogas [d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a

mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [g] Que a VÍTIMA

demorou para se separar de T [h] porque tinha muito medo das ameaças que ele

fazia; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [k] e,

inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m]

sem poder sair [n] por causa das ameaças dele; [o] Que T jogou um tijolo no irmão

da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela

vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho

crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas; [t] Que o marido

da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser

ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w]

ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia,

[y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas; [a1] Que T

costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque ninguém

permitia que o mesmo entrasse em casa, [d1] porém, nesta semana, ele veio

extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo; [f1] Que a DEPOENTE

informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para

escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.

84

5.2.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas

Antes de procedermos à descrição e interpretação das macroproposições

narrativas, identificamos as macroproposições narrativas correspondentes à

narrativa global, as quais em seguida são descritas e interpretadas. Na sequência,

repetimos as mesmas etapas em relação às narrativas encaixadas.

5.2.4.1 Narrativa global

Quadro 11 – Macroproposições da narrativa global

Proposições

narrativas

Ocorrência no Termo de depoimento

Situação inicial

(Orientação) (Pn1)

[Por inferência] momento em que a vítima vivia em uma união estável com o acusado, embora já sofresse ameaças. [c] pois o mesmo é usuário de drogas

Nó (Desencadeador)

(Pn2)

[Por inferência] A vítima não querer mais conviver maritalmente com o acusado.

Re-ação ou Avaliação (Pn3)

[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [o] Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas; [t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas; [d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo;

Desenlace

(Resolução) (Pn4)

[Por inferência] A queixa prestada pela vítima contra as ameaças sofridas.

Situação final (Pn5)

[b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [f1] Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.

85

Nesse TD2 entendemos como a situação inicial (Pn1), por inferência, o

momento em que a vítima vivia uma relação estável com o acusado, embora já

sofresse ameaças por parte dele. Tal inferência origina-se das seguintes

proposições “[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h] porque tinha muito

medo das ameaças que ele fazia;”. Corresponde também à situação inicial a

proposição “[c] pois o mesmo é usuário de drogas”, a qual traz um conteúdo

descritivo importante para a caracterização do acusado. Em relação a esse aspecto

descritivo presente na situação inicial, ressaltamos mais uma vez o caráter

pragmático da proposta de Adam (1992) no que se refere à sequência narrativa. Isso

porque o autor observa que a estrutura canônica da narrativa não é homogênea e,

consequentemente, não é composta apenas por acontecimentos. Ou seja, algumas

proposições destinadas a descrever lugares e personagens (Situação inicial), por

exemplo, podem ser inseridas na narrativa em função de necessidades pragmáticas

como o objetivo de favorecer a compreensão do outro ou de convencê-lo de

determinado ponto de vista.

Nesse caso, observamos que a informação de que o acusado é usuário de

drogas traz implicações importantes para a construção de sua imagem perante a

justiça. Posto isso, podemos dizer que até então havia uma situação de equilíbrio,

não em si mesma, mas em relação ao nó desencadeador do conflito em foco na

narrativa.

O que vem instaurar o nó desencadeador do conflito (Pn2) sob a perspectiva

dessa situação inicial é a atitude da vítima de não querer mais conviver maritalmente

com o acusado. Essa inferência que fazemos decorre das seguintes proposições

que denotam a Pn3, as reações diante disso, as quais são: “[d] e costuma ameaçá-

la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de

rodas; [i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [o] Que T

jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana; [p] Que T, também, ameaça a

VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T

afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para

vender drogas; [t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto

estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a

casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA

voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de

rodas; [d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e

86

ameaçando todo mundo;”. Todas Essas proposições expressam uma série de ações

realizadas pelo acusado como reação a atitude da vítima.

Assim, por não se conformar com a separação, o acusado começa a fazer

ameaças não só à vítima, mas também aos seus familiares, como nas proposições

“[v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo”. Além

disso, de acordo com a depoente, o acusado também agride os familiares da vítima,

como expresso na proposição “[o] Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta

semana;”.

Inferimos que o desenlace ou resolução (Pn4) corresponde à queixa prestada

pela vítima contra as ameaças sofridas.

A situação final, Pn5, corresponde ao estado de medo em que a vítima e seus

familiares se encontram em decorrência das ameaças de T, o que fica bem

demarcado nas proposições “[b] Que a VÍTIMA está com muito medo de T, [f1] Que

a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não

estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T”.

A essa narrativa maior, global, são associadas outras narrativas menores, as

narrativas encaixadas. Essas narrativas encaixadas vêm auxiliar no processo de

construção daquilo que a depoente objetiva passar com o seu depoimento,

contribuindo, assim, para a construção da orientação argumentativa do texto.

Nessa narrativa global observamos a presença de quatro narrativas

encaixadas, as quais são analisadas de acordo com a ordem em que aparecem.

5.2.4.2 Narrativa encaixada 1

[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai

deixá-la numa cadeira de rodas; [g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h]

porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia; [p] Que T, também, ameaça a

VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T

afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para

vender drogas;

87

Quadro 12 – Macroproposições da narrativa encaixada 1

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE1

Pn1

[Por inferência] a vítima vivia maritalmente com o acusado.

Pn2

[Por inferência] a vítima queria separar-se do acusado.

Pn3

[d] e costuma ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa cadeira de rodas; [p] Que T, também, ameaça a VÍTIMA [q] dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto da vida; [r] Que T afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas [s] e colocá-lo para vender drogas;

Pn4

[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h] porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia

Pn5

[Por inferência] a vítima separou-se do acusado.

Nessa NE1, por inferência, identificamos a situação inicial (Pn1) como o

período em que a vítima vivia maritalmente com o acusado. Por inferência também

identificamos o nó (Pn2) como o fato de a vítima querer separar-se do marido. Essas

inferências partem do conteúdo posto na reação (Pn3) que corresponde a uma série

de ameaças realizadas pelo acusado, as quais se referem claramente a não

aceitação da separação dessa separação. Observamos isso em “[d] e costuma

ameaçá-la [e] dizendo que se a mesma não ficar com ele, [f] vai deixá-la numa

cadeira de rodas;”.

A resolução (Pn4) para esse conflito instaurado é o fato de a vítima ter

demorado a se separar do acusado em função do medo de suas ameaças, o que é

expresso pela depoente em “[g] Que a VÍTIMA demorou para se separar de T [h]

porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia”.

Por inferência da proposição ‘g’ presente na Pn4, inferimos que a situação

final, Pn5, é a vítima estar separada do acusado.

88

5.2.4.3 Narrativa encaixada 2

[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [k] e, inclusive,

nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder

sair [n] por causa das ameaças dele;

Quadro 13 – Macroproposições da narrativa encaixada 2

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE2

Pn1

[Por inferência] A vítima e seus familiares viviam sem a sensação de medo

Pn2

[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando [por inferência] T também realiza ameaças.

Pn3

[k] e, inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder sair [n] por causa das ameaças dele;

Pn4

[Por inferência] A queixa prestada contra as ameaças sofridas

Pn5

[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo

Nessa NE2, por inferência, identificamos como situação inicial (Pn1) o

momento em que a vítima e seus familiares viviam sem a sensação de medo, ou

mais especificamente, sem a sensação de medo decorrente das ameaças de T. O

nó desencadeador do conflito (Pn2) está expresso no texto através das proposições

“[i] Que T vai para a frente da casa da vítima, [j] fica bagunçando” e, por inferência,

além de ir para frente da casa da vítima e ficar bagunçando também faz ameaças a

ela e a seus familiares. Isso fica bem claro na reação (Pn3) presente no texto a partir

das seguintes proposições: “[k] e, inclusive, nesta semana, todos ficaram trancados

dentro de casa [l] com medo, [m] sem poder sair [n] por causa das ameaças dele;”.

A resolução (Pn4), por inferência, identificamos como a queixa prestada pela vítima

89

contra as ameaças realizadas por T. A situação final (Pn5) corresponde ao estado

de medo em que se encontram a vítima e seus familiares após as ameaças sofridas.

5.2.4.4 Narrativa encaixada 3

[t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava

aguardando para ser ouvida nesta Delegacia [v] que T estava em frente a casa da

VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da

delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas;

Quadro 14 – Macroproposições da narrativa encaixada 3

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE3

Pn1

[Por inferência] A depoente foi à delegacia para prestar depoimento.

Pn2

[v] que T estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo [x] e dizendo que quando a VÍTIMA voltasse da delegacia, [y] iria dar uma facada [z] e deixá-la em uma cadeira de rodas;

Pn3

[t] Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma [u] enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia

Pn4

[Por inferência] O fato constitui mais uma ameaça realizada pelo Acusado e foi acrescentado ao depoimento da testemunha.

Pn5

[Por inferência] A vítima e seus familiares temem as ameaças feitas por T.

Nessa NE3, inferimos a situação inicial (Pn1), a reação (Pn3), o desenlace

(Pn4), e a situação final (Pn5), através do conteúdo expresso no nó desencadeador

do conflito (Pn2). Assim, essa narrativa começa com a ida da depoente até à

delegacia para prestar depoimento contra as ameaças feitas por T. O conflito é

instaurado com o fato de T está naquele momento em frente a casa da vítima

fazendo novas ameaças. A reação a esse fato é a ligação que o marido da

90

depoente faz para ela comunicando o que estava acontecendo. A resolução é o fato

de essas novas ameaças serem acrescentadas ao depoimento da testemunha. A

situação final corresponde ao estado de medo da vítima e de seus familiares diante

das ameaças sofridas.

5.2.4.5 Narrativa encaixada 4

[a1] Que T costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque

ninguém permitia que o mesmo entrasse em casa, [d1] porém, nesta semana, ele

veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo; [f1] Que a

DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão

indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.

Quadro 15 – Macroproposições da narrativa encaixada 4

Proposições

narrativas

Ocorrência na NE4

Pn1

[a1] Que T costumava pedir comida a sogra [b1] e dormir na calçada [c1] porque ninguém permitia que o mesmo entrasse em casa

Pn2

[d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo [e1] e ameaçando todo mundo

Pn3

[f1] Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com medo [h1] por causa das ameaças de T.

Pn4

[Por inferência] A queixa prestada contra as ameaças realizadas por T.

Pn5

[Por inferência] A vítima e seus familiares temem as ameaças feitas por T.

Nessa NE4, a situação inicial, Pn1, é composta por proposições que trazem

um conteúdo descritivo através de verbos no pretérito imperfeito como “costumava”

e “permitia”. Isso porque esses verbos expressam ações que ocorriam com

91

frequência, ou seja, faziam parte da rotina do acusado as ações de “pedir comida” e

“dormir na calçada”, por não possuir permissão para entrar em casa. O que vem

perturbar esse estado inicial, que até então já constituía uma rotina na vida do

acusado, bem como dos familiares da vítima e que passa a constituir a Pn2, foi a

atitude agressiva de T e suas ameaças para com todos os familiares, como

expresso nas proposições “[d1] porém, nesta semana, ele veio extremamente

agressivo [e1] e ameaçando todo mundo”. Diante disso, a reação (Pn3) constitui o

fato de os filhos da depoente não irem para escola por estarem com medo das

ameaças sofridas, como expresso em “[f1] Que a DEPOENTE informa que seus

dois filhos adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola [g1] com

medo [h1] por causa das ameaças de T”. A resolução (Pn4) encontrada para o

conflito instaurado, por inferência, é a queixa prestada contra essas ameaças

sofridas. E, por último, a situação final (Pn5), também por inferência, é o estado de

medo em que a vítima e seus familiares se encontram em decorrência das ameaças

feitas por T.

5.2.4.6 Síntese das principais ações de T

Quadro 16 - Síntese das ações de T nas narrativas encaixadas

Narrativas

Encaixadas

Principais ações relacionadas a T

NE1

“costuma ameaçá-la”

NE2

“vai para a frente da casa da vítima, fica bagunçando”

NE3

“estava em frente a casa da VÍTIMA [w] ameaçando todo mundo”

NE4

“veio extremamente agressivo e ameaçando todo mundo”

92

5.3 TERMO DE DEPOIMENTO 3

5.3.1 Estabelecimento do texto

O termo de depoimento 3, doravante TD3, foi retirado do mesmo inquérito

policial de onde fora retirado o TD2, 217/2012. Por esse motivo, também se refere à

mesma queixa de ameaça de morte. O que os diferencia é que no TD2 o

depoimento é prestado pela cunhada da vítima e neste o depoimento é prestado por

uma pessoa que conhece a vítima desde criança.

5.3.2 Apresentação do plano de texto

Quadro 17 – Plano de texto do TD3

TIMBRE

SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO E DA TESTEMUNHA

TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR [...]

DATA; OS PRESENTES; QUALIFICAÇÃO DA TESTEMUNHA

ABERTURA

“Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012) [...] onde presente se encontrava a Bela [...] Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de [...] brasileira, viúva, aposentada, natural [...].”

COMPROMISSO DA TESTEMUNHA

“[...] Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho.”

93

FÓRMULA DISCURSIVA DE ABERTURA

“Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a RESPONDER QUE:”

DEPOIMENTO

COLETA

“Conhece a Vítima [...].”

FÓRMULA DISCURSIVA DE FECHAMENTO

FECHAMENTO

“[...] deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado [...].”

ASSINATURAS

AUTORIDADE; DEPOENTE; ESCRIVÃ.

5.3.3 Codificação do depoimento da testemunha

[a] conhece a VÍTIMA PFTS desde que a mesma (vítima) era criança; [b] Que, no

dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE estava em casa [c] quando T chegou [d] e

perguntou: [e] “Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela ou

deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar todo

mundo!”; [k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo [m] e as

crianças não estão indo para escola [n] com medo [o] porque T passou a semana

ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; [p] Que, inclusive, T jogou uma

pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava aguardando na

recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou

[s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo;

[u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu; [w] Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa

idosa e doente,[x] está assustado, [y] com medo [z] e fica todo se tremendo diante

dos fatos; [a1] Que T é uma “pessoa errada”, [b1] é usuário de drogas [c1] e já

assaltou uma mercearia do bairro.

94

5.3.4 Identificação, descrição e interpretação das macroproposições narrativas

Primeiro, procedemos à identificação, descrição e interpretação das

macroproposições narrativas da narrativa global. Em seguida, realizamos as

mesmas etapas de análise em relação à narrativa encaixada identificada.

5.3.4.1 Narrativa global.

Quadro 18 – Macroproposições da narrativa global

Proposições narrativas

Ocorrência no Termo de depoimento

Situação inicial

(Orientação) (Pn1)

[a1] Que T é uma “pessoa errada”, [b1] é usuário de drogas [c1] e já assaltou uma mercearia do bairro.

Nó (Desencadeador) (Pn2)

[b] Que, no dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE estava em casa [c] quando T chegou [d] e perguntou: [e] “Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela ou deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar todo mundo!”; [p] Que, inclusive, T jogou uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou [s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo; [u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu

Re-ação ou Avaliação (Pn3)

[k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo [m] e as crianças não estão indo para escola [n] com medo [o] porque T passou a semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; [w] Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa idosa e doente [x] está assustado, [y] com medo [z] e fica todo se tremendo diante dos fatos;

Desenlace (Resolução)

(Pn4)

[Por inferência] A queixa de ameaça prestada pela vítima contra as ameaças feitas por T.

Situação final (Pn5)

[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo das ameaças realizadas por T.

95

Nessa narrativa global correspondente ao TD3, observamos que a situação

inicial (Pn1) é composta por duas proposições que descrevem o acusado: “[a1] Que

T é uma ‘pessoa errada’, [b1] é usuário de drogas”. Essas proposições são seguidas

de uma proposição que traz a ocorrência de um fato intimamente relacionado à

descrição realizada “[c1] e já assaltou uma mercearia do bairro”. Essas descrições e

esse fato têm uma função contextualizadora para a narrativa que se desenvolve em

seguida. Como enfatizado em análises anteriores, esses recursos têm uma função

pragmática, como por exemplo, de construir uma imagem a respeito de quem se

fala. Nesse caso, do acusado.

Na sequência, o nó desencadeador do conflito (Pn2) corresponde uma série

de ações realizadas por T, como expressas nas proposições “[c] quando T chegou

[d] e perguntou: [e] 1Cadê P? [f] Eu tô atrás dela para matá-la! [g] Ou eu mato ela

ou deixo na cadeira de rodas! [h] Eu vou ali usar droga, [i] voltar doidão [j] e matar

todo mundo!’. No caso dessas proposições, a depoente dá voz ao acusado ao

utilizar-se do discurso direto. Esse recurso tem a função de conferir o máximo de

veracidade ao que se está relatando. Nas proposições “[p] Que, inclusive, T jogou

uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; [q] Que, enquanto estava

aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão

da VÍTIMA ligou [s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t]

ameaçando todo mundo; [u] Que a PM foi chamada [v] e T fugiu;”, observamos que

o acusado não só ameaça a vítima, como também seus familiares, chegando até a

agredir o irmão dela, como dito em “[p] Que, inclusive, T jogou uma pedra no irmão

da VÍTIMA nesta semana”. Assim, todas essas proposições marcam o conflito

instaurado na narrativa, as quais poderiam se resumir em ameaças e agressão por

parte do acusado.

Em decorrência desse conflito instaurado, surgem as seguintes reações por

parte dos envolvidos: “[k] Que toda a família da VÍTIMA está trancada, [l] com medo,

[m] e as crianças não estão indo para escola, [n] com medo, [o] porque T passou a

semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma”, “[w] Que o pai da VÍTIMA

é uma pessoa idosa e doente, [x] está assustado, [y] com medo, [z] e fica todo se

tremendo diante dos fatos”.

O desenlace (Pn4) foi identificado por meio de inferência, tratar-se da queixa

prestada pela vítima contra as ameaças realizadas por T; e a situação final (Pn5) o

96

fato de a vítima e seus familiares estarem com medo por causa das ameaças

sofridas.

Por fim, essa narrativa ocorre em torno das ameaças sofridas pela vítima e

por seus familiares. Diferente dos outros dois termos de depoimentos analisados,

essa narrativa global só apresenta uma única narrativa encaixada, a qual é descrita

abaixo.

5.3.4.2 Narrativa encaixada

Quadro 19 – Macroproposições da narrativa encaixada

Proposições Narrativas

Ocorrência na NE1

Pn1

[q] Que, enquanto estava aguardando na recepção desta Delegacia, [r] a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou

Pn2

[s] dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA [t] ameaçando todo mundo

Pn3

[u] Que a PM foi chamada

Pn4

[v] e T fugiu;

Pn5

[Por inferência] A vítima e seus familiares estão com medo das ameaças realizadas por T.

Essa única narrativa encaixada presente na narrativa global do TD3 tem como

situação inicial (Pn1) o momento em que a depoente encontrava-se na delegacia e

recebeu uma ligação do irmão da vítima. O conflito (Pn2) instaura-se quando a

depoente tem conhecimento de que naquele momento T estava em frente à casa da

vítima ameaçando todo mundo. A reação (Pn3) a esse conflito expressa-se em “[u]

Que a PM foi chamada”, e logo em seguida surge o desenlace (Pn4) “[a1] e T fugiu”.

A situação final (Pn5), por inferência, refere-se ao medo que a vítima e seus

familiares estão sentindo em função das ameaças sofridas.

97

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fundamentados nos pressupostos gerais da Linguística Textual e, mais

especificamente, na Análise Textual dos Discursos (ATD) através de Adam (2011),

tivemos como objetivo neste trabalho, de forma geral, investigar como ocorrem as

sequências textuais narrativas no gênero jurídico termo de depoimento. Após as

análises de três textos, chegamos a algumas conclusões explicitadas abaixo que

elucidam a questão levantada no propósito do estudo.

Em relação ao questionamento de como ocorrem as sequências textuais

narrativas no gênero termo de depoimento, concluímos que essas apresentaram

alguns pontos em comum e algumas particulares no que se refere a sua ocorrência

nos textos analisados. Isso porque em todos os textos constatamos uma narrativa

maior, denominada de narrativa global, constituída por narrativas menores,

denominadas narrativas encaixadas. Porém, observamos que essas narrativas

globais diferiram quanto ao número de narrativas encaixadas em sua constituição,

uma vez que no TD1 identificamos cinco dessas, no TD2 identificamos quatro e

apenas uma no TD3.

Entendemos que essa variação quanto ao número de narrativas encaixadas

pode estar relacionada ao volume textual do depoimento, se compararmos os dois

primeiros com o terceiro; como também ao modo como cada depoente conduz o seu

depoimento. Ou seja, se a depoente dá ênfase apenas ao fato que originou a queixa

(TD3), ou se ela procura relatar outros fatos com o objetivo de construir uma imagem

do acusado e, consequentemente, reforçar a veracidade do motivo da queixa (TD1 e

TD2).

Quanto ao questionamento relacionado aos elementos textuais e discursivos

que são utilizados nas sequências narrativas no gênero termo de depoimento, de um

modo geral, observamos que foram empregados com maior incidência verbos no

pretérito perfeito e no pretérito imperfeito – recurso linguístico tipicamente utilizado

em textos dessa natureza. Constatamos também a presença de proposições de

conteúdo descritivo, o que mostrou a heterogeneidade na composição das

sequências em conformidade com a proposta de Adam (1992), a qual prevê que as

sequências narrativas não são homogêneas e que, por isso, não se constituem

apenas de acontecimentos.

98

Outro ponto importante que deve ser elucidado é o uso do recurso do

discurso direto nos dois primeiros depoimentos. Com a finalidade de construir a

imagem dos acusados, algumas depoentes reproduziram frases proferidas por eles,

a fim de reforçar o conteúdo das ameaças com todos os detalhes necessários,

inclusive com marcas de oralidade como vimos no TD2 e com o uso de xingamentos

como vimos no TD1. Observamos que o uso desse mecanismo foi empregado com

uma finalidade argumentativa.

No caso das proposições descritivas utilizadas nos depoimentos, observamos

que, também, com vistas a argumentar em desfavor do acusado, as testemunhas

elucidaram informações como o medo generalizado e, sobretudo, a fragilidade de

pessoas idosas envolvidas nessas ameaças que, em todos os casos, eram os pais

da vítima.

Por último, no que se refere ao papel das sequências narrativas para a

composição do gênero termo de depoimento, observamos que em todos os textos

analisados a sequência narrativa desempenhou o papel de principal mecanismo de

organização textual dos depoimentos, na medida em que na condução dos

depoimentos, o recurso do narrar se mostrou a principal e mais satisfatória

ferramenta de organização do depoimento das testemunhas. Como vimos, esses

depoimentos ocorreram através de informações em forma de proposições narrativas,

as quais funcionam/funcionaram como um recurso de organização de informações

necessárias para esclarecer o(s) motivo(s) que deram origem a queixa.

Acreditamos que esse estudo contribui para a área dos estudos linguísticos

do texto e do discurso ao abordar o estudo da sequência textual em um texto não

literário ou prototipicamente conhecido como narrativo, mas um texto do domínio

jurídico, o qual não tem sido muito explorado fora do seu âmbito mais comum.

Esperamos, assim, que este trabalho não só contribua para a clarificação do

funcionamento desse tipo de texto, como também motive o surgimento de outros

questionamentos teóricos a partir dos já postos aqui.

99

REFERÊNCIAS

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100

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103

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104

ANEXO 1 - TD1

INQUÉRITO POLICIAL: 233/2012

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

SECRETARIA DE SEGURANÇA E DE DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx

Sxxxxx, portador(a) do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia 18/01/2010,

3º via, CPF n. xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:

Aos 17 (dezessete) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012),

nesta delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxxx Txxxxx

Mxxxxx, Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa

de Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx Sxxxxx, brasileiro, solteira, auxiliar de produção

(desempregada), natural de Mxxxxxxxx/xx, nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o)

de Mxxxxx Fxxxxx Sxxxxx e Mxxxxx Cxxxxx Gxxxxx Sxxxxx, residente na Rua

Cxxxxxx, xxxx, Pxxxxxx, próximo a Igreja Assembleia de Deus, telefone xxxx-

xxxx. Afirma concluiu o Ensino Fundamental. Inquirido a cerca dos fatos que

deram origem ao presente feito. Aos costumes, nada disse. Testemunha

compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do

crime de falso testemunho. Inquirido(a) pela Autoridade Policial, passou a

RESPONDER QUE: conhece a vítima J. G. S. há cerca de 07 (sete) anos; Que a

vítima namorou com W. durante 08 (oito) anos; Que, certa vez, a VÍTIMA ligou para

a DEPOENTE chorando e dizendo que estava na praia, um amigo falou com ela e,

por tal motivo, W. brigou e agrediu fisicamente em cima das pedras, segurando-a

com força e sacudindo a mesma, Que, na época em que namoravam, a VÍTIMA

desconfiava que W. vendia drogas, mas quando perguntava o mesmo negava; Que,

inclusive, após algum tempo, W. foi preso por tráfico de drogas; Que a VÍTIMA

visitava W. na cadeia, mas dizia a DEPOENTE que só ia porque sentia pena dele,

pois não gostava mais do mesmo; Que a VÍTIMA mostrou a DEPOENTE

mensagens de texto e de voz enviada por W. com ameaças do tipo “Cachorra, você

vai me pagar! Você me traiu!”; Que W. deve dinheiro a VITIMA, contudo diz a

mesma que não vai pagar, que ela se vire para pagar; Que a VÍTIMA está

namorando e W. não se conforma, faz ameaças dizendo: “Se eu te pegar com ele,

vai se pior! Eu vou te pegar!”; Que W. costuma abordar os amigos da VÍTIMA para

saber informações da mesma, bem como fala com os amigos dele ficarem ligando

para a VÍTIMA; Que a VÍTIMA está com muito medo e não sai de casa; Que os pais

da VÍTIMA são pessoas idosas e, inclusive, o pai da VÍTIMA passou mal por causa

desses fatos; Que W. já foi à casa da VÍTIMA, procurá-la; Que, atualmente, W. está

cumprindo pena no regime semi-aberto. E nada mais disse, deu-se por findo o

presente termo que depois de lido e achado conforme, vai devidamente assinado

pela autoridade, pela testemunha, e por mim _______, Escrivã de Polícia, que o

digitei.

AUTORIDADE: _____________________________________________________

DEPOENTE: ________________________________________________________

ESCRIVÃ: __________________________________________________________

105

ANEXO 2 - TD2

INQUÉRITO N°217/2012

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

SECRETARIA DE SEGURANÇA E DA DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Fxxxxx Fxxxxx Mxxxxx , portador

(a) do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia xx/xx/xxxx, CPF n°.

xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:

Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta

delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxx Mxxxx Txxxx,

Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de

Fxxxxx Fxxxxx Mxxxxx , brasileira, solteira, do lar, natural de Cxxxxxxxx/xx,

nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o) de Mxxxx Fxxxx Mxxxx e Jxxxx Fxxxx Cxxxx

, residente na Rua Jxxxx, Exxxx, Fxxxx, xxx, Conjunto X, 2° etapa, próximo ao

Supermercado X, Natal/RN,, telefone xxxx-xxxx. Afirma que sabe ler e escrever

e que estudou até a 4° série do Ensino Fundamental. Inquirida a cerca dos fatos

que deram origem ao presente feito. Aos costumes, nada disse. Testemunha

compromissada na forma da Lei de dizer a verdade sobre o que sabe, sob pena do

crime de falso testemunho. Inquirido (a) pela Autoridade Policial, passou a

RESPONDER: QUE é cunhada da VÍTIMA PFTS; Que a VÍTIMA está com muito

medo de T, pois o mesmo é usuário de drogas e costuma ameaçá-la dizendo que se

a mesma não ficar com ele, vai deixá-la numa cadeira de rodas; Que a VÍTIMA

demorou para se separar de T porque tinha muito medo das ameaças que ele fazia;

Que T vai para a frente da casa da vítima, fica bagunçando e, inclusive, nesta

semana, todos ficaram trancados dentro de casa com medo, sem poder sair por

causa das ameaças dele; Que T jogou um tijolo no irmão da VÍTIMA nesta semana;

Que T, também, ameaça a VÍTIMA dizendo que ela vai ficar com cicatriz para o resto

da vida; Que T. afirma que vai esperar o filho crescer para viciá-lo em drogas e

colocá-lo para vender drogas; Que o marido da DEPOENTE ligou para a mesma

enquanto estava aguardando para ser ouvida nesta Delegacia que T estava em

frente a casa da VÍTIMA ameaçando todo mundo e dizendo que quando a VÍTIMA

voltasse da delegacia, iria dar uma facada e deixá-la em uma cadeira de rodas; Que

T costumava pedir comida a sogra e dormir na calçada porque ninguém permitia que

o mesmo entrasse em casa, porém, nesta semana, ele veio extremamente agressivo

e ameaçando todo mundo; Que a DEPOENTE informa que seus dois filhos

adolescentes, de 15 e 18 anos, não estão indo para escola com medo, por causa

das ameaças de T. E nada mais disse, deu-se por findo o presente termo que depois

de lido e achado conforme, vai devidamente assinado pela autoridade, pela

testemunha, e por mim ___________, Escrivã de Polícia, que o digitei.

AUTORIDADE: ________________________________________

DEPOENTE: __________________________________________

ESCRIVÃ: _____________________________________________

106

ANEXO 3 - TD3

INQUÉRITO N°217/2012

GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

SECRETARIA DE SEGURANÇA E DA DEFESA SOCIAL

DELEGACIA ESPECIALIZADA EM ATENDIMENTO À MULHER-DEAM/ZS

TERMO DE DEPOIMENTO PRESTADO POR Mxxxx Mxxxx Sxxxx , portador (a)

do RG n. xxx,xxx,xxx SSP/RN, expedida no dia xx/xx/xxxx, 2º via, CPF n°.

xxx.xxx.xxx-xx, na forma abaixo:

Aos 13 (treze) dias do mês de abril do ano de dois mil e doze (2012), nesta

delegacia de polícia, onde presente se encontrava a Bela. Axxxx Mxxxx Txxxx,

Delegada de Polícia, comigo, Escrivã do seu cargo, compareceu a pessoa de Mxxxx

Mxxxx Sxxxx, brasileira, viúva, aposentada, natural de Sxxxxxxxx/xx,

nascido(a) aos xx/xx/xxxx, filha(o) de pai não declarado e Rxxxx Mxxxx Cxxxxx

, residente na Rua Jxxxx, Exxxx, Fxxxx, xxx, Conjunto X (lxxxxx), 2° etapa,

próximo ao Supermercado X, Natal/RN,, telefone: não tem. Afirma que não

sabe ler e escrever. Inquirida a cerca dos fatos que deram origem ao presente feito.

Aos costumes, nada disse. Testemunha compromissada na forma da Lei de dizer a

verdade sobre o que sabe, sob pena do crime de falso testemunho. Inquirido (a) pela

Autoridade Policial, passou a RESPONDER: QUE conhece a VÍTIMA PFTS desde

que a mesma (vítima) era criança; Que, no dia 11/04/2012, à tarde, a DEPOENTE

estava em casa quando T chegou e perguntou: “Cadê P? Eu tô atrás dela para

matá-la! Ou eu mato ela ou deixo na cadeira de rodas! Eu vou ali usar droga, voltar

doidão e matar todo mundo!”; Que toda a família da VÍTIMA está trancada, com

medo e as crianças não estão indo para escola com medo porque T passou a

semana ameaçando a VÍTIMA e os familiares da mesma; Que, inclusive, T jogou

uma pedra no irmão da VÍTIMA nesta semana; Que, enquanto estava aguardando

na recepção desta Delegacia, a DEPOENTE ouviu quando o irmão da VÍTIMA ligou

dizendo que T estava em frente a casa da VÍTIMA ameaçando todo mundo; Que a

PM foi chamada e T fugiu; Que o pai da VÍTIMA é uma pessoa idosa e doente, está

assustado, com medo e fica todo se tremendo diante dos fatos; Que T é uma

“pessoa errada”, é usuário de drogas e já assaltou uma mercearia do bairro. E nada

mais disse, deu-se por findo o presente termo que depois de lido e achado

conforme, vai devidamente assinado pela autoridade, pela testemunha, e por mim

___________, Escrivã de Polícia, que o digitei.

AUTORIDADE: ________________________________________

DEPOENTE: __________________________________________

ESCRIVÃ: _____________________________________________