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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
FRANCISCA GOMES ALVES
A VIRTUDE DA AMIZADE NA ÉTICA ARISTOTÉLICA
NATAL
2015
FRANCISCA GOMES ALVES
A VIRTUDE DA AMIZADE NA ÉTICA ARISTOTÉLICA
Monografia apresentada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como
parte dos requisitos para obtenção do grau de
bacharel em Filosofia.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Markus Figueira Silva.
UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Catalogação da Publicação na Fonte
Alves, Francisca Gomes
A virtude da amizade na ética Aristotélica / Francisca Gomes Alves. – Natal, RN, 2015. 33 f.
Orientador: Prof. Dr. Markus Figueira Silva.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curso de Filosofia.
1. Ética – Monografia. 2. Aristóteles – Monografia. 3. Virtude – Monografia. 4. Amizade –
Monografia. I. Silva, Markus Figueira. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM CDU 17
FRANCISCA GOMES ALVES
A VITUDE DA AMIZADE NA ÉTICA ARISTOTÉLICA
Monografia apresentada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,
como parte dos requisitos para obtenção do
grau de bacharel em Filosofia.
Aprovado em:____/____/_____
Filosofia Antiga.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Markus Figueira da Silva
Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
___________________________________________
Profª Drª Cinara Maria leite Nahra
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
___________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Eduardo Lima da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Á Maria da Paz Silva, in memorian, por ter me
proporcionado a vivencia e o prazer de uma verdadeira
amizade.
AGRADECIMENTOS
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a concretude do
sonho de me ter graduado como Bacharela em Filosofia. Em especial a meus pais,
filhos e netos, além de amigos diletos. De forma particular, aos professores e
colegas de curso pelos ensinamentos, apoio e colaboração recebidos.
RESUMO
A principal finalidade deste trabalho consiste em fazer-se uma abordagem acerca da amizade, tendo-se como referência o pensamento aristotélico expresso nos livros II e VIII da Ética a Nicômaco, por tratarem das virtudes e destas como forma de felicidade tida como o sumo bem. As opiniões aristotélicas sobre a ética correspondem à predominância do pensamento grego dos homens educados de sua época. Na “Ética a Nicômaco”, Aristóteles estabelece uma sistematização principiológica que deve nortear a regulamentação da conduta humana para o bem. Este bem, embora tendo muitas definições como o próprio Ser, é visto como felicidade, sendo uma atividade prazerosa da alma. Na definição de virtude, Aristóteles a distingue como sendo de duas espécies: a intelectual, resultante do ensino, e a moral, resultante do hábito. A partir de tal definição Aristóteles chega à doutrina do justo meio termo que medeia as virtudes entre dois extremos: o excesso e a deficiência, sendo ambas tidas como vícios. A ética aristotélica corresponde à convencionalmente aceita em sua época, portanto diferenciando-se da atualidade. Em relação à amizade Aristóteles opta por entender não existir uma única forma de amizade, as quais se constituem em diversos gêneros e vários significados os quais são diferentes entre si mesmos, porem relacionados de qualquer modo ao bem; principio este que origina a amizade segundo a virtude. Por fim, tem-se que a philia aristotélica apresenta-se como tendo duas dimensões que tem finalidade própria. Uma delas como parte integrante das virtudes éticas que tem como objetivo a perfeição de uma vida prática, ou seja uma vida que propicie o bem viver; a outra que tem por finalidade a perfeição da vida teorética em que consiste a verdadeira felicidade. Desse modo entende-se ser a philia um bem, tanto para a vida prática como para a vida contemplativa o que se torna possível ou mais facilitador pela existência de amigos. Palavras-chave: Aristóteles, Ética, Virtude, Amizade.
ABSTRACT
The main purpose of the present work is to do an approach about friendship being as a starting point of Aristotle thoughts expressed in the books II and VIII from Ethic to Nicomac, once they deal with virtues that mean happiness as a greater good. Aristotle's theories about ethics correspond to the predominance of Greek thoughts of the educated men of his time, related to property and family. In the “Nicomachean Ethics”, Aristotle establishes a systematization based on principles which should guide the regulation of human conduct for the good side. Even when this side has many others definitions as the own living, it is seen as happiness, being a pleasurable activity of the soul. In the definition of virtue, Aristotle distinguishes it in two kinds: an intellectual, resulting from education; and moral, resulting from habit. From this definition Aristotle comes up to the doctrine of fair half term that measured the virtues between two extremes: the excess and deficiency, both are regarded as vices. For Aristotle, moral corresponds to the conventionally accepted in his time, thus differentiating itself today. In relation to friendship, Aristotle chooses to understand that there is no just one single way to friendship, instead of this, it is constituted by distinct genres and various meanings that are different from themselves, although they are related in any way to the good; this principle by itself leads to friendship through virtue. Finally, it is known that Aristotle's notion about philia presents itself as having two dimensions that has its own intended purpose. One of them, is a component of ethical virtues which has as a goal the perfection of a practical life, meaning a life that provides us to live well. While, another one aims the perfection of theoretical life that constitutes true happiness. In this way, philia is considered as a good, not only for everyday life, but also for the contemplative life which becomes possible or easier by the existence of friends.
Keywords: Aristoteles, Ethic, Virtue, Friendship.
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
2 – A ÉTICA DAS VIRTUDES .............................................................................................. 13
3 – A VIRTUDE DA AMIZADE ............................................................................................. 22
4 – A AMIZADE E A FELICIDADE ....................................................................................... 28
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ..................................................................................... 33
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1 – INTRODUÇÃO
O conceito de amizade em nossa contemporaneidade alargou-se, sobretudo,
com o avassalador progresso das redes sociais, onde as pessoas virtualizam suas
relações, inclusive, a amizade, encaixando-as no âmbito da mera troca de
mensagens. Isso nos leva ao pensamento antigo para refletirmos sobre as nossas
atuais práticas sociais, proporcionando reflexão em torno do conceito de amizade.
O Tema da Amizade é recorrente em toda a filosofia antiga, bem como
também na tradição mítica grega. Cícero na obra “Os Deveres” (2005), nos relata a
história de Damon e Pítias, personagens que materializavam a ideia de amizade
presente no imaginário grego. A tradição relata que na Cidade de Siracusa, um
jovem chamado Pítias andava causando aborrecimento ao Rei Dionísio, com seus
discursos em praça pública dizendo que nenhum homem deveria ter poder ilimitado
sobre os demais. Preso, Pítias confirmou ante as autoridades a acusação e foi
condenado a morte. Como último desejo, pediu ao tirano que o deixasse ir até sua
casa para dar o último adeus a sua mulher, seus filhos e resolver assuntos que
estavam pendentes. Entretanto, o Rei pediu uma garantia ao jovem para que ele lhe
concedesse tal pedido. Nesse momento Damon se oferece como fiança para que
seu amigo pudesse realizar sua última vontade. Dionísio concordou com os termos
postos e exclamou que caso Pítias não se apresentasse no dia e local determinado
seu amigo Damon morreria em seu lugar. No dia marcado para a execução, o Rei
escarnece de Damon dizendo que ele era um tolo em ter confiado sua vida na
promessa de um amigo. Damon responde: é só um atraso. O rei estranha a firme
confiança que Damon sente no amigo e então, no derradeiro ato de sua vida, o
portão se abre e Pítias aparece ofegante, agradecendo aos deuses por encontrar o
amigo vivo. Ele explica que seu atraso se deu pelo naufrágio do barco, que não
resistiu a uma tempestade, seguido de um ataque de bandidos na estrada que lhe
levava ao local da efetivação da pena. Dionísio espantado com a lealdade e a
confiança dos amigos resolveu absorver Pítias da pena de morte.
Por outro lado, pensar na Filosofia ou sobre ela (Φιλοσοφία), sempre nos
remete á própria origem palavra, isto é, o amor ou a adesão à filosofia, e,
consequentemente, no decorre dessa reflexão, nos deparamos também com a figura
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do filósofo – aquele que pratica a filosofia -, ou o “amigo da sabedoria”. Mas, o que
de fato é esse sentimento que move e direciona o homem ao saber? O que esses
amigos da sabedoria respondem acerca desse afeto? O que é, de fato, a amizade
no sentido mais geral?
“A Ética a Nicômaco” (1979) surge no período final da vida de Aristóteles, em
Atenas, por volta do ano de 334 - 322, posteriormente à ocorrência de suas viagens,
período esse em que se constata haver maior domínio discursivo e do exercício de
uma teoria que se apresenta como de maior sobriedade do filosófico e de maior
desenvolvimento e consistência psicológica. Por conseguinte, observa-se haver no
discurso contido em sua obra, uma estreita correlação da questão ética com a
política. Relação esta que representa uma visão filosófica de significativa
prevalência do desenvolvimento de uma teoria da relação e da convivência social;
qual seja, a demonstração de um pensar centrado em uma atuação pratico-social.
Contudo, convém dizer, que, em termos filosóficos propriamente ditos, a questão da
ética não se constitui como uma teoria, mas como uma ciência voltada para a práxis
(BITTAR, 2003, p. 936).
Os escritos aristotélicos que tratam da ética, nos revelam uma abordagem
não apenas restritiva da complexidade, reflexão e análise de sua temática, mas
demonstram um conteúdo de reflexão que caminha no trato de uma ampla
diversidade de questões, tais como a política, a justiça, a amizade e as virtudes,
bem como de uma melhor adequação da legislação e da administração da polis.
Nessa perspectiva, tem-se a dizer que, tanto o indivíduo como a coletividade
se encontram em polos antagônicos e contrários; preservando uma forma natural de
complementariedade e de reciprocidade às quais pertencem aos valores individuais
(eudamonia) e da coletividade (télos). Note-se, também, que à ética não se
desvinculam influencias decorrentes de ações influenciadas por condutas não éticas.
Assim, pode-se compreender a ética aristotélica como uma representação
dos saberes de diversas naturezas tais como o biológico, psicológico, físico, etc.
(BITTAR, 2003, p. 994).
A virtude aristotélica é tratada especificamente no Livro II, da “Ética a
Nicômaco”, obra que representa uma sistematização de princípios os quais devem
nortear e regular as ações da vida pratica dos homens.
Em conformidade com o entendimento de Russell (1969) o que se refere à
parte instintiva do homem pode ser tida como racional, até certo grau, desde que os
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bens que busca alcançar possam ser aceitos pela própria razão; sendo tal processo
essencial para o que descreve Aristóteles como virtude. Isto, considerando-se que
em Aristóteles a razão é puramente contemplativa e que sem a ajuda do apetite não
conduz a qualquer atividade prática (RUSSELL, 1969, 200-201).
Neste trabalho pretende-se discorrer sobre o que o filosófico define como a
ética das virtudes e o tratamento dado à amizade como virtude ética. Com base em
tais princípios tem-se ainda como pretensão estabelecer um paralelo entre a
amizade e a felicidade, esta compreendida como o sumo bem.
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2 – A ÉTICA DAS VIRTUDES
Para Aristóteles a virtude é compreendida como sendo de natureza intelectual
e moral (ARISTÓTELES, 1103a). Assim sendo, a virtude intelectual é decorrente do
ensino, em razão do que depende de tempo e experiência. Já virtude moral depende
do hábito.
A virtude moral, portanto, surge no individuo não por natureza, uma vez que
nada pode ser modificado se existe por natureza. Desse modo, pode-se aferir não
ser por natureza, nem tão pouco por outra forma contrária a natureza que as
virtudes são geradas em cada um de nós. Em princípio adquirimos a potência
(ARISTÓTELES, 1103a) a qual posteriormente a transformamos em ato. Nesse
sentido Aristóteles entende nos dar a natureza a capacidade de receber ou adquirir
a virtude, usando-se esta mesma capacidade para o seu aperfeiçoamento, através
hábito. Nesse sentido importa dizer serem as opiniões de Aristóteles relativas às
questões morais as que se coadunam, em sua época, de forma convencionalmente
aceitas.
Ao tratar da capacidade do recebimento da virtude Aristóteles faz um paralelo
comparativo ao que o homem recebe como capacidade de virtude e ao que recebe
como potência que se transforma em ato; estabelecendo exemplo com os próprios
sentidos. Diz o filósofo que não foi por vermos ou ouvirmos que adquirimos a visão
ou a audição, mas sim pelo contrário. Pois, antes de usar a visão e a audição o
homem já dispunha de tais órgãos por natureza; porquanto, não sendo por usá-las
que a teria. Nesse sentido, com as virtudes ocorre o contrário, qual seja, a
adquirimos pelo exercício, e pela pratica do hábito. Portanto, as virtudes são
aprendidas pelo fazer. Pelo fazer, os homens tornam-se justos, agindo
moderadamente e com coragem (ARISTÓTELES, 1103b).
Entende ainda Aristóteles serem as virtudes geradas e destruídas pelas
mesmas causas e meios, materializada pelos atos ou condutas que praticamos nas
nossas relações com os outros do que pode-se dizer sermos justos ou injustos. Do
mesmo modo ao enfrentarmos situações ditas perigosas, pelo habito de termos
medo ou confiança é que nos tornamos corajosos ou covardes. O mesmo ocorre
com as paixões e desejos; sensações que tornam os homens amáveis e
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temperantes ou mesmo intemperantes e irascíveis colocando-se de um modo ou de
outro em conformidade com as circunstâncias.
As disposições morais do homem nascem do caráter. Por isso, é importante a
observação da qualidade dos seus atos desde a tenra idade; em razão do que as
disposições morais do indivíduo devem corresponder à diferença entre estas e as
atividades manifestas o que é da mais alta significância.
Quanto ao entendimento do que seja virtude, Aristóteles manifesta-se no
sentido der ser objeto de compreensão da virtude não um saber teórico, mas
sobretudo como devem os homens se tornarem bons; caso contrário tal
conhecimento seria inútil.
Assim, busca examinar a natureza dos atos humanos e como os mesmos
devem ser praticados. Entende dever o homem agir de acordo com regra justa e em
uma relação com as outras virtudes como um todo (ARISTÓTELES, 1104 a). Assim,
tornamos justos com a pratica de atos justos, tais como a temperança e a bravura.
Considerando a imprecisão das virtudes, dada a sua natureza, entende
tornar-se possível a sua destruição, quer pela deficiência quanto pelo excesso;
ocorrendo o mesmo com a da temperança, a coragem e outras tais virtudes as quais
podem ser protegidas pela mediania ou pelo equilíbrio.
Sendo a dor e o prazer sensações consequentes dos nossos próprios atos,
estas se constituem como indicativos das nossas tendências morais, e que toda a
excelência moral se relaciona com prazer e sofrimento (ARISTÓTELES, 1104b). Por
conseguinte, em decorrência do que os homens se tornam maus; ora procurando-
os, ora se afastando deles:
isto é buscando prazeres e sofrimentos que não devem, quando não devem , ou como não devem, ou por errarem em qualquer outro modo semelhante. É por esse motivo que muitos chegam a definir as virtudes como certos estados de impassividade e repouso, todavia não como acerto, pois eles se exprimem de maneira absoluta, sem dizer “como se deve”, “como não se deve” quando se deve ou não se deve”, e as outras condições que podem ser acrescentadas (ARISTÓTELES, 1104b).
Portanto, a excelência moral está diretamente relacionada com prazeres e
dores; ocorrendo que em consequência dos prazeres praticamos más ações e como
resultante da dor nos abstemos da pratica de ações nobres. Nesse sentido
compreendia Platão, na República (2000 ), dever o homem ser
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educado corretamente desde a juventude que lhe possibilitaria o deleite ou
sofrimento com as coisas que provocam tais sentimentos.
Observe-se ainda serem as virtudes referentes a ações e paixões o que
sempre suscita prazer e dor; lembrando estar a virtude sempre associada a prazeres
e dores. De significante dizer ainda a imposição de castigo quando da observância
de tais atos tanto como forma de punição ou cura.
Importante destacar que tanto as virtudes quantos os vícios se relacionam
com as mesmas coisas. Porem sendo mais difícil lutar-se contra os prazeres do que
contra o sofrimento; haja vista o fato de que tanto a ciência política quanto a virtude
giraram sempre em torno de prazeres e de sofrimentos. Assim sendo, o homem que
pratica o bem é tido como bom; e o homem que pratica o mau é tido como mau.
Desse modo, podendo-se considerar está a virtude sempre relacionada aos
prazeres e aos sofrimentos; podendo em razão dos quais que lhe dá origem
podendo ser acrescida ou destruída.
Ao exame do que seja a virtude Aristóteles a relaciona a três espécies de
coisas, quais sejam: às paixões, às faculdades e às disposições (ARISTÓTELES,
1105b). Como paixões, entende terem estas correspondência com a ira, o ódio, o
desejo, a amizade ou mesmo outros sentimentos que são acompanhado por
sofrimentos; as faculdades relacionam-se à capacidade que temos de sentir as
paixões, qual seja a capacidade de termos raiva, nos magoarmos ou nos
compadecermos. Conquanto, por disposições somos levados a ver as coisas em
razão das quais a nossa posição face às paixões pode ser boa ou má.
Contudo, observe-se não serem as paixões nem as virtudes nem as
deficiências morais que nos define, pois não somos qualificados por conta das
causas de nossas paixões, mas sim, pelas nossas virtudes ou vícios. Tão pouco
somos louvados ou mesmo censurados por causa de nossas paixões, mas por
nossas virtudes e vícios. Isto porque as virtudes humanas são formas de escolhas
ou induzem o homem a escolhas a revelar uma disposição. Desse modo as virtudes
não podem ser faculdades ou paixões, somente disposições.
Melhor definindo a virtude como disposição esta é conceituada por Aristóteles
como sendo uma virtude própria do homem a qual o torna bom, contribuindo para
que desempenhe bem a função que exerce. Nesse sentido, o filosofo reforça a ideia
do meio termo como medianidade, face a sua importância não em relação ao objeto,
mas em relação às ações do próprio homem. Portanto, virtude deve ser
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compreendida como sendo a qualidade de objetivar o alcance do meio termo. Isso
tratando-se da virtude moral, por relacionar-se com as paixões e ações; nestas
também havendo excesso, carência e meio-termo (ARISTÓTELES, 1106b). Torna-
se importante dizer que o meio termo possibilita a aferição da excelência, enquanto
o excesso e a falta a destrói; sendo que o meio termo a preserva.
Infere dizer ser possível ao homem cometer erros de vários modos ou
maneiras, por ser o mal próprio da classe do ilimitado; enquanto que o bem pertence
à classe do limitado. Por tal motivo torna-se mais fácil errar do que mesmo acertar,
em razão de que o excesso se constitui como vicio e a mediania como virtude.
Assim, a virtude é compreendida como uma disposição de caráter, estando
relacionada com a escolha das paixões e ações, em um processo de mediania em
relação ao homem o qual entende-se como possuidor de sabedoria pratica.
Desse modo, pode-se dizer ser a virtude uma mediania; porem com
referência ao sumo bem e ao mais justo o que Aristóteles a considera um extremo.
Convém dizer que a mediania não se aplica a toda e qualquer ação ou
paixão, por ter em sua natureza a maldade, tais como o despeito, a inveja, a
arrogância, a ambição a inveja, o roubo, o assassinato. Entre outros; devendo-se
dizer que nestes casos a maldade não está na falta ou excesso, mas no próprio
nome.
Por outro lado não dever-se-á procurar um meio termo uma falta ou mesmo
um excesso nas ações tidas injustas, covardes ou libidinosas (ARISTÓTELES,
1107a), porque nestas circunstancias seria necessário admitir que possa haver um
meio termo, de excesso ou de carência ou mesmo uma falta de falta.de temperança,
e de coragem por ser em certo sentido o meio termo um extremo. Assim, no excesso
ou na falta não há meio termo, bem como não podendo haver excesso ou deficiência
nomeio termo.
As disposições, em sua abrangência podem ser de natureza geral, numa
perspectiva de universalidade bem como de natureza particular. Nesse sentido,
devendo ser observado que as disposições universais tem uma representação mais
ampla, observando-se serem as particulares mais verdadeiras; haja vista que as
condutas de ação são relativas a casos individuais, devendo as proposições
harmonizarem-se com tais fatos nos casos concretos. Considerando-se assim o
medo e a temeridade pode-se aferir ser a coragem o meio termo (ARISTÓTELES,
1107b). Tratando-se dos prazeres e dos sofrimentos tem-se a dizer que nem em
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todos os casos o meio termo constitui-se como temperança e o seu oposto em
intemperança.
Ao que se refere ao dinheiro, considera-se o meio termo como liberalidade
sendo o seu excesso e deficiência tidos como avareza (ARISTÓTELES, 1107b).
Nesse tipo de espécie tem-se o prodigo que extrapola em despesas excessivas;
sendo que o ávaro se excede em ganhar e amealhar. Tratando-se ainda do dinheiro
constata-se haver outras disposições tais como a magnificência, em que o homem
magnificente se opõe ao liberal. Havendo excesso, este constitui-se como
vulgaridade e ostentação e, no caso de escassez ou falta se constitui a mesquinhez
(ARISTÓTELES, 1107b).
Tratando-se da honra e desonra, o meio termo se caracteriza como sendo o
justo orgulho, cujo excesso se qualifica como pretensão e a falta como humildade
que é tida como inadequada. Encontra-se em tal argumento a mesma relação
existente entre liberalidade e magnificência tratando a liberalidade de pequenas
somas, porem havendo disposições que se apresentam com alguns pontos em
comum com o justo orgulho, no que tem ligação com pequenas honras; havendo,
contudo a compreensão de que o justo orgulho se relaciona apenas com o justo
orgulho propriamente dito. Assim, o homem dito ambicioso é aquele que vem a se
exceder em tais desejos. Tal raciocínio também se aplica a cólera que se manifesta
em excesso, falta ou meio termo (ARISTÓTELES, 1108a).
Ainda em relação a medianidade afirma Aristóteles haver três tipos de meio
termo, os quais embora sejam distintos apresentam semelhança entre si; devendo-
se entender serem os meios termos louváveis e o seu contrário, os extremos tidos
como censuráreis. O primeiro tipo diz respeito à veracidade que tem por base a
verdade, sendo o seu exagero a jactância e o seu oposto ou falta a falsa modéstia.
O segundo tipo trata da espiritualidade, cujo meio termo se classifica pela
afabilidade em proporcionar diversão às pessoas sendo o seu extremo chocarrice e
o rústico a sua falta. O terceiro tipo constitui-se como a amabilidade que se
apresenta na vide em geral; nesse sentido sendo amável o homem que sabe
agradar a todos de forma adequada; o excesso classifica-se como obsequioso se
não visa interesse próprio e adulador se visa tal interesse, sendo a falta
representada pelo homem que é desagradável. Este tipo como misantropo.
Ocorre haver meio termo nas paixões. Em relação às mesmas tem-se a dizer
ser a vergonha não uma virtude. Entretanto, deve-se louvar os homens que agem
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com recato sendo a conduta contraria tida como despudorada; podendo-se aferir ser
o meio mermo tido como o ato de conduta daquele que age de forma recatada.
A indignação, se justa, é considerada um meio termo entre a inveja e o
despeito, considerando-se serem tais disposições próprias ou relacionadas ao
sofrimento e ao prazer de que nos possuímos em face de uma boa ou má fortuna de
nossos conviventes.
Ao que se refere à justiça, embora sua temática seja de grande abrangência e
complexidade Aristóteles faz sobre as mesmas três espécies de disposições das
quais considera duas como vícios por envolver excesso e falta considerando uma
outra como virtude por possibilitar a mediania. Assim se expressa:
E em cada uma delas, de certo modo, opõe-se às outras duas, pois as disposições extremas são contrárias tanto no meio-termo quanto entre si, e o meio termo é contrário às disposições extremas: do mesmo modo que o médio é maior em relação ao menor e menor em relação ao maior, também os estados medianos são excessivos em elação às deficiências quando comparados com excessos, seja nas paixões, seja nas ações (ARISTÓTELES, 1108b).
Por conseguinte, tem-se que disposições opostas umas às outras
apresentam-se como maior grau de oposição entre os seus próprios extremos; não
ocorrendo o mesmo entre os extremos e o meio termo. Isto por estarem os extremos
muito afastados entre si e não estes em relação ao meio termo. Acrescentando-se,
ainda, apresentarem certos extremos semelhanças com o meio termo. Observando-
se em alguns casos que quanto ao meio termo o mais contrário parece ser a falta ou
o excesso. Outro aspecto de relevância refere-se à conduta do próprio homem, pelo
fato que as coisas para quais mais tendemos ou nos aproximamos nos parecem ser
as mais contraditórias ao meio termo.
Assim, Aristóteles define a virtude como sendo o meio termo entre dois vícios;
um dos quais envolvido pelo excesso e o outro pela falta, tendo em vista ser o
objetivo da virtude o alcance da mediania entre as paixões e os atos. Isto contudo,
pontua, não ser uma tarefa fácil, haja vista as circunstancias em que o homem
definir a melhor ou pior conduta a adotar uma vez que tudo que fazemos é antes
percebido pelos sentidos do que pela razão.
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Torna-se claro que, de qualquer forma e de todos os modos, deve-se levar a
efeito a mediania no processo pendular dos nossos atos entre as paixões e ações,
sempre na busca e perspectiva do que é certo.
No trato das virtudes em sua particularidade Aristóteles nos adverte que todo
o arcabouço de reflexão que se volta para a práxis não pode, em qualquer hipótese,
se restringir e uma enunciação teórica genérica de todas as questões que a reflete.
Isto porque toda ação demanda uma certa ordem de referências, que, no
caso da ética, deve servir de comando à racionalidade. Por conseguinte, os
imperativos comportamentais se constituem como fontes normativas traçadas na
psyché, tendo como foco principal a ação e não a especulação (noῦs theoretikós)
BITTAR, 2003, p. 1020).
Com efeito, Aristóteles1 formula um esquema representativo dos tipos de
virtudes, dos seus excessos e de suas faltas, porém não o considerando taxativo,
senão vejamos:
Vício por excesso Vicio por falta Virtude
Libertinagem Insensibilidade Temperança
Covardia Temeridade Coragem
Temeridade Covardia Coragem
Prodigalidade Avareza Liberalidade
Vaidade Humildade Magnificência
Vulgaridade Vileza Respeito Próprio
Irascibilidade Indiferença Gentileza
Zombaria Grosseria Agudeza De Espirito
Condescendência Tédio Amizade
Sem-Vergonhice Timidez Modéstia
Inveja Malevolência Justa Apreciação
Malevolência Inveja Justa Indignação
Tabela 1 (ARISTÓTELES apud BITTAR|, p. 1030, 2003).
1 A tabela a seguir refere-se a explicação de Bittar sobre a sistematização feita por Aristóteles na Ética Eudemia, 1221a-1221b.
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Fazendo, ainda, em toda a sua obra referência a justa medida, o filosofo
aponta para a sabedoria no sentido de ser esta a base para uma orientação
adequada a conduta humana nisso consistindo a paideia2.
Tratando especificamente do meio termo entende Bittar (2003) que:
A dificuldade inicialmente levantada se acirra ainda mais levando-se em conta o problema do parâmetro individual para a precisão do meio-termo em que constitui a areté. Não há areté no excesso e nem no defeito, pois estes são ambos vícios relativamente à ação ou omissão às quais se relacionam. Mas, nem todas as ações ou omissões se constituem de extremos; o homicídio, o adultério, o furto, a inveja não são ações das quais se predicam excesso ou defeito. De fato, não. Ações há que por si só não compreendem mensuração alguma. Assim, não obstante ilíquida a questão, parece ser a mensurabilidade uma característica essencial para a definição da ação como viciosa ou virtuosa em matéria de ética. A dóxa em matéria de ética oferece seus perigos; faz-se daquilo que não é aquilo que é, daquilo que é, aquilo que não é. O subjetivismo na definição das coisas, das sensações, paixões e sentimentos, virtudes e vícios no entanto não deve vingar. A ciência prático-ética, com sua dose de relativismo, não deve autorizar a que do universo conceitual se faça um caos de subjetividade. Frequentemente aquele que é moderado e recatado na economicidade da riqueza é cognominado avaro; por vezes o mais prudente na deliberação é dito tímido. Nesse terreno, não há concessão para a vagueza e inconstância do relativismo absoluto. A ética, em seu estatuto, é épistéme, e deve se circunscrever aos ditames da cientificidade; seus conceitos são dotados de uniformidade e generalidade, não comportando incertezas, a não ser aquelas próprias derivadas da natureza humana. É com isto que se preocupa Aristóteles ao lançar as bases desta parte do conhecimento, nos termos em que vem lançado, e ao estabelecer o grande quadro dos vícios (extremos por excesso ou escassez) e das virtudes (mediedade) (BITTAR, 2003, p. 1027-1028).
Em um trato particular das virtudes e em relação ao indivíduo, de forma
isolada, Aristóteles faz uma abordagem psicológica da conduta humana em sua
constituição propriamente dita; não esquecendo de fazer uma perfeita correlação
entre ação e paixão para as quais considera-se determinante a vontade. Devendo
essa vontade e a consciência serem pautadas pela liberdade que condiciona o
próprio conteúdo da própria vontade humana. Pois, o ato virtuoso é um ato racional
e consciente, porem essencialmente prático e intencionalmente voltado para o
alcance de alguma coisa teleologicamente entendida e desejada pelo sujeito que
age.
2 Paideia: formação integral da indivíduo.
21
Diferente do ato virtuoso ocorre haver a pratica de ato involuntário, praticado
sem o uso da razão, quer por coação ou por ignorância, pois o agente ou sujeito a
sofrer qualquer tipo de coerção apresenta-se com a sua capacidade de escolha
reduzida, tornando-se sua conduta como a de um paciente e não como um agente.
Importante dizer que a ação implica necessariamente em uma concatenação de fins
e meios os que em si não ocorrendo não há falar em voluntariedade, sendo esta
imprescindível para o alcance da virtuosidade.
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3 – A VIRTUDE DA AMIZADE
Se devemos a Platão o legado de ter sido o primeiro a tratar sobre o tema do
amor e da amizade, somos, também, devedores de Aristóteles por ter sido o primeiro
a sistematizar e a tentar definir o conceito de amizade.
Aristóteles, discípulo de Platão, nos oferece dois livros de sua obra “Ética a
Nicômaco” dedicados ao tema da amizade, e isso ocorre por dois motivos, a saber:
primeiro a amizade é uma das principais virtudes a ser perseguida pelo individuo,
pois o que define o homem, segundo Aristóteles, é o desejo natural de associação
com demais indivíduos, o homem é um animal político (ζῷον πoλίτικoν); em segundo
lugar, a amizade desempenha papel central na política pensada por Aristóteles.
Desse modo a amizade compreende uma necessidade do indivíduo e se desdobra
como elemento vital para manutenção da polis grega.
Ao contrário de Platão, Aristóteles tenta encerrar a questão da amizade
catalogando diversos níveis de amizade, até chegar no mais alto da escala que é
amizade definida como: “a forma perfeita de amizade é aquela entre os indivíduos
bons e mutuamente semelhantes em matéria de virtude, isso porque esses amigos
desejam igualmente o bem alheio na qualidade de bem e são bons em si mesmo”.
(ARISTÓTELES, 1156b).
A virtude para Aristóteles é uma “disposição interior” do indivíduo que se
manifesta numa prática, a se transformar em hábito, com vistas ao aperfeiçoamento
desse indivíduo. Nessa perspectiva o homem virtuoso era aquele que era bom e
belo (καλóς καì ẚγαθóς). Portanto, para que o homem possa ter uma vida boa e
bela, não basta a riqueza para garantir isso, é preciso, antes de tudo, que ele
possua amigos.
Conforme já dissemos, a amizade é um elemento importante para a
manutenção da cidade, pois se a sociedade fosse constituída de indivíduos que se
relacionassem de forma amiga ou amistosa, não haveria a ocorrência de injustiças,
e, consequentemente de leis para regular os conflitos gerados pela ausência dessa
virtude.
Na escala dos níveis de amizade elaborada por Aristóteles, a respeito da
amizade, temos desde as relações que são fundadas no prazer ou na utilidade, até
as relações estabelecidas entre pais e filhos. As amizades erguidas sobre o prazer e
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ou a utilidade duram o tempo que permanecer o prazer e a utilidade, ou seja,
cessando um dos fundamentos que sustentam a relação, a amizade se desfaz.
Assim sendo, podemos verificar três tipos de amizade, a útil, a prazerosa, e a
amizade virtuosa. Embora as amizades fundadas na utilidade e no prazer sejam
passageiras, interesseiras, Aristóteles, em oposição ao pensamento Platônico,
considera como amizade essa forma de correspondência entre os indivíduos.
Entende Aristóteles ser a amizade uma virtude imprescindível e necessária à
vida. Nesse sentido, afirma que alguém, mesmo dispondo de vários bens não lhe
seria suportável viver sem amigos (ARISTÓTELES, 1155a).
A amizade, entre seus fins, tem como escopo ajudar aos jovens a evitar o
erro e às pessoas mais velhas os proteger em suas necessidades e, por vezes, os
ajudar ou eliminar dificuldades enfrentadas com o passar do tempo. Àqueles em
vigor da idade a amizade em muito contribui para o exercício e pratica de nobres
ações, em razão da força que se agrega com a união de duas ou mais pessoas lhes
possibilitando maior condição de pensar e agir.
É importante destacar não ser a amizade uma exclusividade de afinidade
apenas entre os seres humanos, mas também pode ocorrer entre as aves e boa
parte dos animais; e até mesmo contribuir para a manutenção da união entre as
cidades e povos.
Aristóteles atribui a amizade uma perfeita autenticidade de justiça a ponto de
afirmar que sendo os homens amigos não haverá necessidade de justiça
(ARISTÓTELES, 1159b); no entanto por mais que sejam justos sempre necessitarão
de amizade.
A amizade aristotélica é tratada como uma problemática essencialmente
humana, com principal foco no caráter e sentimentos das pessoas. Nestes termos o
filósofo se indaga sobre ser possível haver amizade entre duas pessoais quaisquer;
sobre a possibilidade de haver amizade entre pessoas más e até mesmo de ser
provável haver mais de um tipo de amizade. Nesse sentido, supõe haver aqueles
que pensam existir apenas um tipo de amizade o que entende por equivoco, por lhe
admitir haver uma graduação.
A amizade tem como objeto o amor. Contudo, nem todas as coisas tornam-se
passiveis de serem amadas; apenas aquelas de que resulta algo de bom ou
agradável em razão do que podem ser amadas como fins (ARISTÓTELES, 1155b).
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É contumaz pensar-se amar o homem o que é bom para si mesmo, mas deve-se
amar o que é bom em si mesmo.
Para Aristóteles há três tipos distintos de amizade (ARISTOTELES, 1156a):
por afeição mutua, por interesse ou utilidade e por prazer. A amizade decorrente da
afeição mutua tem como característica principal a afeição; esta pode ser
reconhecida por ambas as partes podendo ter por base uma das três qualidades
enunciadas. Sendo que os que se amam podem querer o bem um do outro tendo
como referência a qualidade que fundamenta a sua amizade.
As amizades que ser formam pela utilidade as pessoas amam-se em função
do seu interesse. Assim sendo, as pessoas não se amam por si mesmas, mas em
consequência de uma utilidade, ou seja, dos benefícios que podem receber um do
outro. Nesse sentido, o mesmo ocorre com o prazer; qual seja, os indivíduos amam
em função do que lhes é agradável e não por ser o outro uma pessoa amada.
Tais tipos de amizades são tidas como acidentais uma vez que a pessoa é
amada não pelo que é, mas por propiciar algum bem ou prazer (ARISTÓTELES
1156a). Assim, estes tipos de amizades se desfazem com muita facilidade desde
que uma das partes envolvidas não se mantenha como no início da amizade.
Cessando a utilidade ou o prazer a outra parte deixar de amá-la; cessando o motivo
da amizade esta se desfaz. Nesse sentido convém observar não ser o útil
permanente, estando em constante processo de mutação.
Esse tipo de amizade é própria das pessoas velhas; pois estas buscam o que
não lhes é agradável mas o que lhes é útil, o mesmo ocorrendo com os jovens.
Nesse casos nem mesmo o convívio entre as partes é necessário; somente quando
da possibilidade de ser agradável, pela possibilidade de um bem que lhes possa
ocorrer.
Dentre estes tipos de amizade encontra-se a hospitalidade. Observe-se ainda
ser a amizade dos jovens voltada para o prazer uma vez que são impulsionados
pela emoção, desse modo voltando-se para o lhe é agradável e pelo imediatismo.
Impende lembrar que ao passar o tempos os prazeres também mudam ou se
transformam. Daí fazerem-se e se desfazer as amizades com certa velocidade. A
amizade muda em função ou em razão do objeto que possa ser-lhe agradável ou
desagradável alterando rapidamente o prazer.
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amizade perfeita é aquela que existe entre os homens que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos. Dessa forma, aqueles que desejam o bem a seus amigos ou por eles mesmos são amigos no sentido mais próprio, porque o fazem em razão da sua própria natureza e não por acidente, Por esta razão, sua amizade durará enquanto essas pessoas forem boas, e a bondade é uma coisa muito duradoura. E cada uma dessas pessoas é boa em si mesma e para o seu amigo, pois os bons são bons em absoluto e reciprocamente úteis”. Dessa forma, essas pessoas são também agradáveis, pois os bons o são tanto em si mesmo como um para o outro, uma vez que a cada um suas próprias atividades são motivo de prazer, e as ações dos homens bons são as mesmas ou parecidas (ARISTÓTELES, 1156 b)
Tem-se, portanto, ser uma amizade dessa espécie duradoura, em razão de
que os amigos encontram um no outro todas as qualidades que desejam e que os
amigos possuem. Esta amizade visa o bem e o prazer tão somente, sendo o que
bom no sentido absoluto também o é no agradável.
O amor e a amizade, portanto ocorre principalmente e em sua melhor forma entre homens desta espécie. Mas é natural que tais amizades sejam raras, pois homens assim são também raros. Além disso, uma amizade dessa espécie exige tempo e intimidade. Como diz o proverbio, as pessoas não podem conhecer-se mutuamente enquanto não tiverem “consumido muito sal juntos”; e que tampouco podem se aceitar como amigos enquanto cada um não parecer digno de amizade ao outro, e este não lhe houver conquistado a amizade (ARISTÓTELES, 1156 b).
Contudo, previu Aristóteles poder haver amizade entre os homens maus,
desde que seja apenas por prazer ou interesse; ou mesmo os homens bons podem
ser amigos dos maus, ou aqueles que não são bons ou maus podem ser amigos de
qualquer tipo de pessoa. Entretanto, só podem ser amigos que de fato são em si
mesmo os homens bons. Nesse sentido somente a amizade entre os bons pode ser
considerada invulnerável à calunia.
Pode a amizade dividir-se em mais duas espécies: (ARISTÓTELES, 1157 b) a
que diz respeito aos maus sendo que estes deverão serem amigos apenas
objetivando o prazer ou a utilidade; e quanto aos bons podendo estes serem amigos
por eles próprios, ou seja, por conta de sua própria bondade. Assim, estes são
amigos no sentido absoluto da palavra; enquanto os outros o serão apenas por
acidente. As verdadeiras amizades tem natureza de permanência, de durabilidade.
Nesse sentido, havendo a distância entre os amigos tal fato não se constitui em
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dissolução da amizade, apenas ocorrendo a inexistência de atividade. A amizade
sendo constituída pelo amor mutua entre as pessoas se mostra como uma escolha e
uma disposição de caráter. Com efeito tem-se que nada pode ser mais próprio de
uma amizade do que o prazer dos amigos em relação ao desejo se estarem juntos.
Nesse sentido observa-se também que as pessoas necessitadas sempre desejam
benefícios; porém, as pessoas que se mostram felizes sempre desejam companhia
pelo fato de não gostarem de solidão.
Enfim, entende Aristóteles ser verdadeira a amizade apenas existente entre
os homens bons, sendo também sempre desejável e agradável; contudo, faz ainda a
distinção de que a amizade é uma disposição de caráter e o amor um sentimento.
Nesse sentido aqueles que amam um amigo o faz pelo que também é bom para si
mesmo. Uma vez sendo o homem bom, tonando-se amigo ao mesmo tempo torna-
se um bem para o amigo; havendo por consoante, uma reciprocidade do bem,
suscitando, portanto, prazer ao amigo na justa medida, do que se entende ser a
amizade uma igualdade as pessoas boas. Assim torna-se necessário dizer e que a
plenitude da amizade prescinde da reciprocidade de experiência, de intimidade e de
esforço mútuos.
Convém falar de um outro tipo de amizade a qual envolve a desigualdade
entre as pessoas. Essa amizade é tipifica da relação entre pai e filho, de quem
manda e de quem obedece, de marido e mulher. Isto porque a amizade e a função
existente entre tais pessoas é diferente, porquanto, diferindo o amor e os motivos
pelos quais as pessoas envolvidas são amigas (ARISTÓTELES, 1158b). Nas
amizades em desigualdade o amor é levado a efeito de forma proporcional ao
merecimento estabelecido entre as partes; de certo modo estabelecendo-se uma
igualdade característica essencial da amizade.
Em relação ao amor tem-se que as pessoas, por ambição, preferem mais
serem amadas do amarem; contudo, a amizade reside preferencialmente em amar
do ser amado, tendo-se parecer o amor a principal virtude dos amigos. Assim,
somente os que amam podem gozar da constância e da duração da amizade, pela
igualdade. Importa dizer que, nessa perspectiva até mesmos os desiguais podem
ser amigos (ARISTÓTELES, 1159 b) pois igualdade e semelhança são tidos como
amizade, sobretudo a semelhança dos semelhantes pela virtude. Porém, não
havendo constância entre os maus, por parecerem semelhantes, estes são amigos
em breve tempo, por comprazerem-se da maldade um do outro. Observe-se, ainda,
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que a amizade utilitária parecer formar-se entre os contrários e acidentalmente, pois
o intermediário é o verdadeiro objeto do desejo.
De forma mais abrangente a amizade aristotélica parece envolver alguns tipos
de associações, fundada num modelo de pacto, podendo distinguir-se de outros
tipos de amizades tais como a existente entre irmãos e camaradas. Nesse sentido a
amizade caracteriza-se como hospitalidade.
Sendo os amigos em igualdade ou desigualdade, verifica-se haver queixas e
recriminações as quais são decorrentes apenas quando a base da amizade se dá
pela utilidade. Se amigos pela virtude ambos desejam fazer bem um ao outro, do
que decorre não haver espaço para queixas. Desse modo não se observa haver
queixas nas amizades que se constituem pelo prazer.
Enfim, como já dito, nas amizades entre dessemelhantes, o princípio da
proporcionalidade a iguala a preserva.
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4 – A AMIZADE E A FELICIDADE
Na “Ética a Nicômaco”, Aristóteles considera que toda escolha e toda ação
visam um bem qualquer. Afirma que o bem é sempre aquilo para onde as coisas
tendem. Nesse sentido, esclarece existir uma diversidade de fins que são distintos
das ações; por conseguinte e por natureza os fins parecem ser de maior excelência
que as próprias ações. Considerando, ainda, serem alguns fins desejados por si
mesmo, torna-se evidente que tal fim deve ser tido como o bem, ou seja, como o
sumo bem, o entendendo indispensável à nossa vida.
Assim, busca definir como objeto do bem a ciência política, por utilizar-se tal
ciência das demais, além de definir o que devemos fazer e o que devemos não
fazer. Sendo a finalidade da ciência política a finalidade das demais de maneira que
tal finalidade corresponde sempre ao bem humano.
Contudo, o bem em sido também pode ser compreendido como que dividido
em três classes distintas: os bens exteriores, os relativos à alma ou ao corpo; sendo
os bens da alma tidos como os mais próprios e verdadeiros, classificados em ações
e atividades psíquicas.
Portanto, o bem supremo ou sumo bem é tido por todos, tanto o vulgo como o
homem de cultura, ser a felicidade, correspondendo ao bem viver e ao bem agir.
Muitos são os que identificam a felicidade com a virtude, com a sabedoria
prática, a sabedoria filosófica, com o prazer ou prosperidade material, ou mesmo
com o conjunto de todas elas.
Também nossa concepção se harmoniza com a dos que identificam a felicidade com a virtude em geral ou com alguma virtude particular, pois a felicidade é a atividade conforme à virtude. Mas há uma diferença – e não pequena- em concebermos o sumo bem como posse ou exercício, ou, de outro lado, como estado de ânimo ou atividade, pois pode existir o estado de ânimo sem produzir qualquer resultado como no caso de um homem que dorme ou que permanece inativo por algum motivo: mas não pode acontecer assim com a atividade virtuosa: essa deve ser necessariamente agir, e agir bem, assim as coisas nobres e boas da vida só são conquistadas pelos que agem retamente” (ARISTÓTELES, 1099 a).
Nesses termos, em Aristóteles, a virtude da amizade é vista como predicado
indispensável para a felicidade e considerada como o sumo bem. Desse modo, a
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amizade torna-se uma necessidade primordial da vida humana, podendo-se dizer
ser infeliz o homem que não a possui. Pois, o amigo é sobremodo ético, realizando
em si mesmo e juntamente com outros sujeitos a excelência moral. É um viver bem,
com serenidade, sabedoria e domínio de si mesmo; qual seja, tratando das paixões
não virtuosas, sempre com base na medianidade.
Pois, a amizade deve ser vista como a mais ampla forma de amor. Por isso
ser imprescindível à vida humana; pois é pela amizade que o homem se torna feliz.
O amigo é um porto seguro para o enfrentamento das vicissitudes da vida, sendo o
meio e a forma de alcance do desenvolvimento das potencialidades humanas do
sujeito, do alcance da sabedoria, pela troca reciproca de experiências vividas.
Sendo a virtude da amizade compreendida como a felicidade que é o e sumo
bem, tem-se ser este a própria autossuficiência em si mesmo; por conseguinte,
tornando a vida plena e desejável por não haver carência de nada. Desse modo, a
felicidade se constitui em algo absoluto e autossuficiente, sendo a própria finalidade
da ação. Nesse sentido, deve-se levar a efeito também a própria função e a
atividade exercida pelo homem, haja vista residir a perfeição na própria função que
se exerce. Sendo que tal função sendo própria do homem, lhe confere um
determinado tipo de vida a qual é constituída por uma determinada atividade ou
ação da alma implicando em um princípio de racionalidade que conduz a uma boa
ação.
Para o alcance da felicidade Aristóteles reforça a importância da acuidade
que devemos ter em relação ao estudo das virtudes humanas, levando-se em
apreço o fato de ser a felicidade o que buscamos alcançar. Desse modo entende
Aristóteles ser a virtude humana não a do corpo, mas a da alma, do que decorre ser
a felicidade humana uma atividade da alma. Não sendo possível esquecer ser a
felicidade a mais nobre, a mais agradável e a mais satisfatória coisa a existir no
mundo.
A amizade pode ser compreendida ainda por ter como objetivo a plenitude de
uma retidão moral de vida, pois ser amigo significa ser ético. A convivência entre
amigos é uma convivência de prazer, sem qualquer tipo de interesse ou utilidade. É
uma harmonia de serenidade e de sabedoria; aceitando-se um ao outro como se é ,
pela essência e singularidade do ser de cada um em si. Ser amigo é expressar a
manifestação de um amor que vise o bem como algo prazeroso, benéfico, capaz de
gerar felicidade.
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Não se pode olvidar ser a amizade um importante meio para o
desenvolvimento de uma pratica virtuosa, através de atividades ou ações as quais
possibilitem ao homem o seu aprimoramento na busca do pleno crescimento
intelectual e moral. Nessa perspectiva se ancora a verdadeira amizade, levando-se a
efeito desejar o amigo o bem do outro, sem interesse; apenas por prazer e amor. A
amizade perfeita versa em torno da relação entre homens bons e semelhantes na
virtude, por desejarem tais pessoas um bem igual a cada parte. Assim, a amizade
deve sempre ser cultivada visando a sua permanente existência.
Conclui-se por dizer ser a amizade fundamental à existência humana,
significando, portanto, amor, reciprocidade, o bem em si e a própria ressonância de
nós próprios nos outros e destes em nós mesmos.
Assim, se alcançarmos uma amizade com tais pressupostos de princípios
filosóficos, poderemos dizer ser possível encontrarmos a felicidade. Por outro lado
tem-se a dizer que, para serem felizes os homens não necessitam de pessoas a
lhes proporcionar utilidade, mas de pessoas com as quais possa viver e compartilhar
momentos de prazer de felicidade e por serem virtuosas as pessoas são felizes.
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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em termos gerais observa-se haver na “Ética a Nicômaco” uma coerência do
pensamento aristotélico, pela aplicabilidade de seus postulados filosóficos à
conceitos éticos, que considera como fundamentais tais como virtude e felicidade.
Assim, concebe a virtude como representação de propriedades morais e intelectuais
devendo as mesmas voltarem-se para o bem; contudo, não apenas perla vontade,
mas sobretudo pelo habito. De significância na sua teoria, emerge a doutrina do
meio termo, como justa medida, entre o excesso e a falta da virtude.
Aristóteles concebe a felicidade como o bem supremo somente alcançado
pela amizade (philia). Nesse sentido, podendo-se dizer ser a amizade não somente
uma relação de afeição exclusiva entre pessoas, mas, a expressão de um conjunto
de relações, tanto pessoais quanto sociais objetivando um consequente bem, tanto
para os que se fazem amigos quanto para os cidadãos em geral.
Sendo o homem um ser de natureza política, do que decorre a sua
necessidade de vida em comum, não pode prescindir da amizade; esta por se
constituir um problema ético, porquanto relativo a dimensão moral da existência
humana, o que se vincula indubitavelmente a uma concepção política da vida em
sociedade. Aristóteles define também a amizade como sendo gênero, apresentando-
a como uma diversidade de significados fazendo destaque à amizade que se
constitui como virtude, utilidade e prazer. Devendo, contudo, constituir-se a amizade
como uma forma reciproca da pratica do bem. Aristóteles busca ainda refletir sobre a
possibilidade de existência de amizade entre os semelhantes e dessemelhantes,
quer em relação a própria virtude, quanto à utilidade e ao prazer em si mesmo.
Nesse sentido admite poder haver amizade em tais circunstâncias, tendo-se por
base o princípio da proporcionalidade o qual as iguala. Contudo deixando claro não
poder haver amizade entre os contrários de forma absoluta. Para Aristóteles a
amizade perfeita somente é possível entre os homens bons, por se caracterizar pela
reciprocidade, conhecimento mutuo e temporalidade. Aspecto ainda de significância
diz respeito a saber se o homem feliz necessita de amigos, ao que Aristóteles
responde que sim; pois o homem feliz tem necessidade de amigos virtuosos, por
entender serem os amigos necessários ao alcance da felicidade. De todo resta-nos
indagar: tal definição de virtude e amizade suportariam as vicissitudes da vida
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moderna e contemporânea? Esta se manifesta por evidentes condutas não éticas de
desvaloração de princípios morais a embrutecer o homem pelo individualismo,
corrupção, inveja, por sistemas ideológicos geradores de submissão, desigualdade,
falta de liberdade e exclusão social; sobretudo pela inexistência de uma educação
política voltada para o bem da sociedade e da coletividade. Nesse sentido, não é
pragmático pensar em um saber filosófico plausível de enfrentar e mudar tal
realidade. Contudo, não se pode renunciar a esperança de fazê-lo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Valandro e Gerd Bornhein e
outros tradutores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. P. 45-236.
_____________. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2002.
BITTAR, Eduardo C.B. Curso de Filosofia Aristotélica: leitura e interpretação do
pensamento aristotélico. 1ª ed. Barueri, SP: Editora Manole. 2003. P 991-1132.
CÍCERO. Dos deveres. São Paulo: Martin Claret, 2005.
PLATÃO. A República. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 2000.
REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo:
Paulus, 1990. Coleção filosofia. p. 173-226.
RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental: livro primeiro. Trad. Breno
Silveira. 3ª ed. São Paulo: Editora Companhia Nacional, 1969.