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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA GUNNAR MENEZES SILVESTRE MAROQUINHAS FRU-FRU: Uma abordagem contextual e interpretativa da ópera brasileira infantil NATAL - RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

GUNNAR MENEZES SILVESTRE

MAROQUINHAS FRU-FRU: Uma abordagem contextual e interpretativa da ópera brasileira infantil

NATAL - RN 2016

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GUNNAR MENEZES SILVESTRE

MAROQUINHAS FRU-FRU: Uma abordagem contextual e interpretativa da ópera brasileira infantil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa 2 – Práticas Interpretativas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música. Orientador: Prof. Dr. André Luiz Muniz Oliveira.

NATAL - RN 2016

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Catalogação da Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial da Escola de Música

S587m Silvestre, Gunnar Menezes.

Maroquinhas Fru-fru: uma abordagem contextual e interpretativa

da ópera brasileira infantil / Gunnar Menezes Silvestre. – Natal,

2016.

84 f. : il.

Orientador: André Luiz Muniz Oliveira.

Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, 2016.

1. Ópera - Música brasileira - Séc. XX - Dissertação. 2. Ópera

de câmara - Dissertação. 3. Ópera - Análise e interpretação -

Dissertação. I. Oliveira, André Luiz Muniz. II. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 782

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GUNNAR MENEZES SILVESTRE

MAROQUINHAS FRU-FRU: Uma abordagem contextual e interpretativa da ópera brasileira infantil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa 2 – Práticas Interpretativas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.

Aprovada em: 30/09/2016

BANCA EXAMINADORA:

_____________________________________________________ PROF. DOUTOR ANDRÉ LUIZ MUNIZ OLIVEIRA

Universidade Federal do Rio Grande do Norte ORIENTADOR

_________________________________________________________ PROF. DOUTOR LUÍS OTÁVIO TEIXEIRA PASSOS

Universidade Federal de Campina Grande MEMBRO DA BANCA

_________________________________________________________ PROF.ª DOUTORA MARIA CLARA DE ALMEIDA GONZAGA

Universidade Federal do Rio Grande do Norte MEMBRO DA BANCA

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Dedico este trabalho aos meus pais, Salatiel e Eunice Silvestre, que souberam me

instruir no caminho da retidão, me ofertaram educação e cultura, formal e informal,

mesmo com todos os limites que o cotidiano impõe e forneceram possibilidades

muitas de fazer boas escolhas.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, pelo fôlego da vida, que motiva todo dia a tentar fazer e ser melhor.

À Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por envidar

esforços constantes para prover a evolução de seus alunos.

Ao Prof. Dr. André Muniz, meu estimado orientador, cujas críticas sempre se

mostraram construtivas, pelo acolhimento deste projeto e pelas instruções que

traçaram a rota para construção deste trabalho.

Ao meu pai, cujo conhecimento me instruiu e instrui todo dia, e cuja coleção de vinís

foi a vibração que reverbera nesta carreira. E à minha mãe, pela motivação e

sabedoria no enfrentamento de novos obstáculos.

Em especial, agradeço minha esposa Paula pelo companheirismo, estímulo e

paciência, e meu filho Pedro, pelas alegrias que renovam até os dias difíceis.

Aos colaboradores deste projeto, Prof. Dr. Vladimir Silva, Profª. Ms. Malú Mestrinho,

Prof. Ms. Duílio Cunha, pianista Paulo Cesar Vitor, cantores do ProBex Estúdio

Ópera de Campina Grande: Geysy, Marcos Célio, Sandro, Nísia, Barreto, Samara,

Eloide, Ulisses, Adriano, Jeter, e Jane Cely.

Ao Prof. Dr. Rucker Bezerra de Queiroz, ao Prof. Dr. Luís Otávio Teixeira Passos, e

à Profa. Dr. Maria Clara de Almeida Gonzaga, cujas instruções contribuíram em

muito neste resultado, aos demais professores que se dedicaram ao mestrado em

música da UFRN, e aos colegas da Linha 2 que correram a caminhada comigo.

À Adna Pôrto por alguns dos préstimos literários e à Rafaella Carvalho pela revisão

de algumas das traduções, meu muito obrigado.

E a todos os amigos e familiares que, de perto e de longe, acompanharam a labuta.

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RESUMO

O presente trabalho traz um levantamento dos estudos desenvolvidos no

âmbito do mestrado em música junto à Universidade Federal do Rio Grande do

Norte – UFRN, numa proposta que aborda a ópera de câmara Maroquinhas Fru-Fru,

do compositor Ernest Mahle. Para tanto, é traçado um panorama da ópera brasileira

e seu comportamento nos principais teatros líricos do país no triênio 2014-2016,

numa contextualização que se apoia em autores como NEVES (1981), KATER

(2001), HARTKOPF (2010), e as compilações de VOLPE (2012), além de relacionar

os dados colhidos da plataforma Operabase com os colhidos do censo 2010, do

IBGE. A pesquisa bibliográfica inclui um brevíssimo relato biográfico dos autores da

obra (compositor e libretista), além de reflexões acerca do libreto e da música,

abordando as bivocalidades do discurso na ópera infantil e as ferramentas

composicionais nela empregadas. Autores como SCHERCHEN (1933), RUDOLF

(1993), BOWEN (2003) e outros vêm fundamentar as considerações referentes às

técnicas de regência e sua aplicação ao gênero operístico, bem como as

especificidades que a obra em estudo imprime ao regente. Por fim, no intuito de dar

vazão às práticas musicais do nosso tempo, o que se revela como uma necessidade

artística a ser impregnada na veia formadora dos novos músicos e dos novos

públicos, tem-se o relato das fases preparatórias da Cortina Lírica realizada em

Campina Grande/PB, apontando para as implicações da montagem desta obra no

nordeste brasileiro e mostrando algumas das constâncias e inconstâncias de uma

produção na atual conjuntura.

Palavras-chave: ópera brasileira, ópera infantil, regência operística, Século XX

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ABSTRACT

This study takes place a data collection from the research developed under

the master degree in musical conducting at the Universidade Federal do Rio Grande

do Norte - UFRN, a proposal that includes an approach of the camera opera

Maroquinhas Fru-Fru, from the composer Ernest Mahle. For this, is delineated a

panorama of Brazilian opera and your behavior in main opera houses of the country

in the triennium 2014-2016, with the contextualization supported by authors like

NEVES (1981), KATER (2001), HARTKOPF (2010), and VOLPE's compilation

(2012), besides related the data collected from the Operabase plataform with the

data of Brazilian cense 2010. The bibliographical research includes a very brief

biographical account of the authors of the work (composer and librettist), besides

reflections about the libretto and the music, addressing the discourse multivocality in

the opera for children and the compositional tools used in it. Authors like

SCHERCHEN (1933), RUDOLF (1993), BOWEN (2003) and others comes give

support the statements about conducting techniques and their application in the

operatic genre, as well as the specifics that the work requires of the conductor.

Finally, in order to give vent to the musical practices of our time, which is revealed as

an artistic need to be ingrained in the formation of new musicians and new

audiences, we have an experience report of the preparatory stages of lyrical recital

held in Campina Grande city, pointing to the implications of the assembly this work in

northeastern Brazil and showing some of the constancies and inconstancy of a

production in the current situation.

Keywords: Brazilian opera, children's opera, operatic conducting, 20th Century

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Artigo do jornal "O Estado de São Paulo" comentando o último concerto

da Semana de Arte Moderna de 1922 ............................................................. 28

Figura 2 – Modos nordestinos ......................................................................... 47

Figura 3 – Fá mixolídio .................................................................................... 48

Figura 4 – Linha de Violoncelo do 1º Ato - Cena 1 .......................................... 49

Figura 5 – Complexos sonoros resultantes da condução das vozes ............... 49

Figura 6 – Arpejo com escala de Tons Inteiros ............................................... 50

Figura 7 – Tema de Dona Bolandina e suas variações ................................... 52

Figura 8 – Tema de Ubaldino Pepitas e suas variações ................................. 52

Figura 9 – Tema de Zé Botina e suas variações ............................................. 53

Figura 10 – Tema da família Flores e algumas de suas variações .................. 54

Figura 11 – Célula rítmica cuja síncope perpassa a obra ................................ 55

Figura 12 – Diferentes escritas da célula rítmica assemelhada ao Cateretê ... 56

Figura 13 – Hypotiposis como elemento retórico ............................................. 58

Figura 14 – Octacorde 0124578ª ..................................................................... 59

Figura 15 – Tema da receita de bolo ............................................................... 60

Figura 16 – Valsa, no número 149 de ensaio .................................................. 61

Figura 17 – Linha de baixo assemelhada à modinha ...................................... 62

Figura 18 – Diálogo entre as irmãs Flores ....................................................... 74

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Produções operísticas nos teatros brasileiros no triênio 2014/2016 ........ 33

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Percentual de distribuição regional da produção operística no Brasil ..... 34

Gráfico 2 – Comparativo entre a população residente por região (2010) e a

produção operística por região (triênio 2014-2016). ......................................... 35

Gráfico 3 – Produções distribuídas entre compositores e protagonistas nacionais e/ou

estrangeiros ........................................................................................................ 35

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 21

2 RESUMO DA ÓPERA ..................................................................... 23

2.1 Moderno nacional .......................................................................... 26

2.2 Música Viva .................................................................................... 29

2.3 A ópera no Brasil de hoje ............................................................. 31

3 A OBRA .......................................................................................... 37

3.1 Ernest Mahle .................................................................................. 37

3.2 Maria Clara Machado ..................................................................... 38

3.3 O Libreto ........................................................................................ 39

3.3.1 Ironia e política em Maroquinhas Fru-Fru ........................................ 41

3.4 A Música ......................................................................................... 45

3.4.1 Personagens e seus temas ............................................................. 51

3.4.2 Demais ferramentas do discurso musical ........................................ 55

4 A REGÊNCIA .................................................................................. 65

4.1 A Regência operística ................................................................... 66

5 A CORTINA LÍRICA EM CAMPINA GRANDE ............................... 71

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................ 77

REFERÊNCIAS ............................................................................... 79

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1 INTRODUÇÃO

Desde o seu surgimento, o gênero ópera sofreu transformações que

influenciaram na criação de suas diversas vertentes formais. No Brasil, o gênero foi

bastante difundido nos teatros líricos, que apresentaram inúmeras montagens de

obras já consagradas na Europa. O compositor brasileiro não se furtou à escrita de

obras deste gênero, em sua maioria italianizadas ou próximas de outras vertentes

europeias; no entanto, houve aqueles que envidaram esforços no que poderíamos

chamar de ópera brasileira, mesmo sem um consenso para este termo.

Na ópera brasileira Maroquinhas Fru-Fru, do compositor germano-brasileiro

Ernest Mahle, estão presentes tanto elementos musicais de vanguarda no contexto

do Século XX, quanto elementos musicais ortodoxos, isso em relação à forma,

melodias e harmonia; o convívio destas vertentes foi situado numa fronteira

trabalhada de forma a dirimir uma possível dicotomia, permitindo a uniformidade da

obra aqui discutida.

O aporte teórico que viabilizou este estudo se firmou em autores como José

Maria Neves (1981), Carlos Kater (2001), Eliana Hartkopf (2010), Marcos Rontani

(2014) e outros, para contextualização da ópera na realidade artística do Brasil no

século XX, especialmente desencadeada a partir da Semana de Arte Moderna de

1922, levando em consideração tanto o Moderno Nacional quanto o movimento

Música Viva.

[...] o Movimento Modernista nascente e a sua busca de um nacionalismo mais autêntico, tornara-se uma realidade. Partindo das obras de Villa-Lobos e dos trabalhos de orientação estética de Mário de Andrade, culminando com a Semana de Arte Moderna e suas consequências, muito haveria de ser incorporado à cultura musical brasileira, e finalmente, a ópera no Brasil começaria a esboçar um vislumbre do que deveria ser “Ópera Brasileira”... (BRANDÃO, 2012, p. 9).

Há que se considerar que existem diversos trabalhos científicos voltados para

a ópera de compositores brasileiros no que tange à musicologia, às artes cênicas, e

principalmente ao canto, no entanto o mesmo não ocorre à vista do regente, numa

perspectiva de construção da performance1 como um todo, talvez até pelo alto custo

1 Performance – entendida aqui como o produto final do trabalho artìstico, “ato momentâneo da

apresentação musical” (CERQUEIRA, 2010)

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das montagens, que acabam por priorizar as obras europeias. Tanto menor é a

atenção voltada para ópera de cunho infantil.

Constatamos que a ópera infantil vem sendo uma vertente do gênero ópera no Brasil praticamente esquecida pela literatura acadêmica. Encontramos apenas um artigo, publicado pela ANPPOM, de Celso Giannetti Loureiro Chaves, sobre os manuscritos da ópera infantil inédita de Armando Albuquerque, Ópera da Lua. (HARTKOPF, 2010, p. 156).

Essa vertente infantil, entretanto, não deve ser desprezada visto que as

famílias com filhos são exatamente as que empregam um percentual maior de sua

renda com produtos ou serviços culturais, conforme os dados apurados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – entre os anos de 2008 e 2009 (IBGE,

2013).

Dar vazão às práticas musicais do nosso tempo e espaço revela-se, então,

uma necessidade artística a ser impregnada na veia formadora dos novos músicos e

dos novos públicos, fazendo-os conhecedores da estética e historicidade da música

brasileira e suas escolas composicionais. Ainda num propósito disseminador, este

trabalho procura abordar o estado atual da ópera brasileira em sua própria terra,

com o levantamento de dados da plataforma Operabase e da programação dos

principais e pontuais teatros líricos de cada macrorregião do país no triênio 2014-

2016.

Os escritos ainda colocam em evidência as questões de preparação do

regente, de planejamento dos ensaios, de interpretação da obra, atributos advindos

de autores como Scherchen (1933), Rudolf (1993), e Zander (2003), e se propõem

a, num ulterior momento, trazer um relato da gestão de uma montagem da ópera

nas cidades de Campina Grande/PB e Natal/RN, no intento de que estas

ferramentas permitam guiar novas ações resolutivas do gênero na região.

Em suma, este trabalho traduz a inquietação e busca de uma proposta

interpretativa para a ópera Maroquinhas Fru-Fru, de Ernest Mahle, a partir de

pressupostos analíticos fundamentados, contribuindo para a performance da obra

considerando as estéticas nela contidas. E relata, a partir desta proposição e num

esforço colaborativo entre entidades e músicos engajados, o processo de

preparação da cortina lírica desta ópera nos municípios nordestinos já citados.

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2 RESUMO DA ÓPERA

Mesmo que o título deste capítulo sugira uma ampla abordagem histórica da

ópera, por vezes restrita à historicidade ocidental, vamos aqui utilizar uma supressão

de todo o período anterior ao século XX, com vistas a delinear este trabalho em

torno do objeto em referência, qual seja a ópera Maroquinhas Fru-Fru,

especialmente no interstício que compreende sua composição e sua estreia em

terras nordestinas.

Para tanto, se faz necessário definir algum conceito plausível do termo

“ópera” para a contemporaneidade, uma vez que diversas definições que serviram à

períodos anteriores se fazem, no mínimo, desatualizadas pelas transformações do

gênero e pelo surgimento do que poderíamos chamar de subgêneros, a exemplo da

Pocket Opera. Mutações essas, sofridas tanto pelas pretensões artísticas de seus

compositores e libretistas quanto pelas novas tecnologias que modificaram e

modificam a sociedade, e por conseguinte o público operístico, impulsionando

adaptações na tentativa de contornar os momentos críticos vividos pelo setor.

Os critérios utilizados por Hartkopf (2010, p.22), parecem cabíveis para a

delimitação aqui pretendida, compreendendo ópera como a obra composta

intencionalmente para o cantor de formação técnica erudita, com a presença cênica

factual deste cantor, e que possua o potencial explícito ou até implícito de

encenação. Isso, evitando a categorização pelo tamanho das montagens, no sentido

composicional ou cênico, ou seja, englobando a chamada Opera de Câmara e a

Grand Opera, por exemplo.

Além destes dois elementos delineadores, temporal e conceitual, um terceiro

caráter limítrofe é o geográfico, não necessariamente estilístico e nem meramente

provinciano, mas que se detém na produção brasileira de ópera. Os aspectos

estilísticos serão abordados no terceiro capítulo desta pesquisa, estritos à obra em

estudo, quando também se perceberá o ecletismo dos elementos utilizados pelo

compositor, entrementes, a ópera em língua portuguesa é um fator relevante no qual

adentramos agora.

Os traços operísticos herdados pelo Brasil não eram portugueses, mas

italianos, dado que Portugal não desenvolveu uma escola operística própria,

importando montagens, compositores e cantores, principalmente da Itália.

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Portugal continuaria a ser importador desse modelo até o final da monarquia, em 1910, e nunca desenvolveria, até hoje [2012], uma estratégia consistente de institucionalização de ópera ou de teatro lírico em língua portuguesa... (CARVALHO, 2012, p. 11, grifo nosso).

Assim, a ópera escrita por compositores brasileiros permeia meandros que

compreendem o estilo composicional estrangeiro, maiormente italiano do que

francês ou germânico, com textos em língua portuguesa, da mesma maneira que

suscita o favorecimento de uma estilística local com textos em língua estrangeira,

numa trama que envolve imitação e diferenciação, levando à convivência de “traços

musicais de brasilidade com modelos musicais da ópera italiana” (FREIRE, 2012,

p.309).

Este processo de coexistência e contínuo desenvolvimento que se estendeu

até o início do século XX, teve como contribuinte icônico o compositor Alberto

Nepomuceno, defensor e propagador do canto erudito em língua nacional enquanto

digno das salas de concerto (LIRA, 2013, p. 38), sem abdicar da universalidade em

obras de publicação bilíngue, como sua ópera Artémis.

O embate Nacionalista em favor da inserção da Língua Portuguesa na ópera,

ou no canto, não teve início na Semana de Arte Moderna de 1922, nem culminou

nela, antes foi efervescido, visto que era gerador de infindáveis discussões que

remetem ao período oitocentista e se estendem ao Congresso da Língua Nacional

Cantada, de Julho de 1937, que ratificava a utilização do vernáculo na música

brasileira (BRANDÃO, p. 9). Todos estes fatores, carregados do desejo modernista

sobre o qual desaguaram no século XX, levaram ao uso quase que exclusivo da

língua vernácula pelos compositores e libretistas brasileiros ou radicados no Brasil

doravante, o que foi acompanhado do emprego crescente de “elementos idiomáticos

da música brasileira” (BRANDÃO, p. 9) em sua estruturação.

Antes de adentrar ao panorama das montagens de ópera no Brasil atual, que

veremos no subitem 2.3, é inescusável ignorar as relações entre a chamada música

erudita e o público, tratando-as mesmo que sucintamente, sem o aprofundamento

das questões ideológicas que envolvem o Capital, as relações de poder, e a luta de

classes, entretanto sem se abster de pincelar o assunto. É claro o abismo criado

entre a música erudita e seu público desde a transição para o século XX. Isso

envolve as questões de mercado, de educação e cultura, e de ideologia da

vanguarda musical, questões essas que se relacionam e se confundem.

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Do ponto de vista mercadológico, poder-se-ia distinguir uma arte erudita de

uma arte massificada, a primeira voltada para um público elitista, e a segunda

voltada para o grande público. Sendo esta arte de massa compromissada

exclusivamente com o as relações de consumo e, portanto, apoiada pelo esforço

midiático, nivelando medianamente seu público-alvo com vistas a alargar sua

abrangência e retorno financeiro.

Essa produção [de arte massificada], por visar lucro, pauta-se pela lei da concorrência para a conquista e ampliação do mercado, pois o público será tanto mais significativo quanto maior for sua extensão. (PEIXOTO, 2001, p. 87, grifo nosso).

Partindo deste mecanismo aplanador de um público massificado, onde se

concentram as classes menos favorecidas da sociedade, vê-se disseminada uma

cultura popularesca, não estrita à música, e que não é popular ou erudita, antes

aparenta um quê de dominador e dominado2. O distanciamento entre as chamadas

alta cultura e cultura de massa é expandido sob a urgente priorização das

necessidades básicas do cidadão ainda não atendidas pelo Estado, sem o

discernimento de que a cultura de um povo está aliada a estas necessidades que

envolvem, dentre outros atributos, a sua essência, a sua identidade. Não que esta

cultura estivesse isenta de transformações sociais, antes reflete suas origens,

influências e também mutações.

A intrínseca relação entre cultura e instrução leva também à tão patente

segmentação social na apreciação da arte. Apreciação entendida como advinda da

educação familiar e da educação formal, às quais a “sociedade, sabemos, tem

acesso desigual – a depender da sua própria origem familiar, o que situa o capital

cultural em um cìrculo vicioso de privilegiados.” (MINDÊLO, 2011, p. 29).

Isso fica mais claro quando consultamos a publicação Sistema de

Informações e Indicadores Culturais 2007-2010, do IBGE, cujas tabelas indicam que

famílias que tem um de seus membros com escolaridade de nível superior

comprometem uma parcela quase oito vezes maior de sua renda mensal com

espetáculos (“Teatro, museus e shows”, conforme nomenclatura utilizada pelo IBGE)

2 “A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que

detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho” (TADEU, 2011, p. 45)

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do que as famílias que não tem esta escolaridade; quando há mais de uma pessoa

com nível superior, este comprometimento é quase onze vezes maior.

Este cenário se intensifica pelo abrigo da música de vanguarda no ambiente

universitário, onde se instalaram os principais compositores no ideário moderno de

ruptura com o passado, envoltos na crise do sistema tonal. Alguns deles vistos como

egocêntricos na despreocupação com o “distanciamento dos ouvintes” (MARTINS,

1993, p. 175), o que passa pelo tão discutido dilema da arte pela arte, da música

pela música. O compositor norte-americano Milton Babbitt (1916-2011), considerado

um artista de vanguarda pela adoção da estética serialista em suas obras e pelas

composições musicais para sintetizador, em seu notório artigo “The Composer as

Specialist”, afirma o seguinte a respeito desta questão:

Certamente, se esta música não for amparada, o repertório de assobios do homem na rua será pouco afetado, a visita aos concertos do conhecido consumidor da cultura musical será pouco perturbada. Mas a música cessará de evoluir, e, neste importante sentido, deixará de viver. (BABBITT, 1958, p. 250, tradução nossa)3

Esse posicionamento por vezes entendido como mero capricho trata-se, na

verdade, da busca pelo novo, pelo desenvolvimento do objeto música e sua relação

com o seu tempo. Especialmente no conturbado início do Século XX e após a

Segunda Guerra Mundial, quando uma sociologia da música ganhou significação

enquanto disciplina (FUBINI, 2005, p. 407), e os compositores tomaram partido

ideológico, ou ao menos foram vistos assim.

2.1 O Moderno nacional

No âmbito das questões estéticas e ideológicas, os esforços de Mário de

Andrade na “busca do Brasil e sua verdadeira significação histórica no mundo”

(ANDRADE apud SERPA, 2001, p. 72) e a pujança da música de Wagner na

perspectiva dos compositores brasileiros, exerceram a influência que provocou o

desprendimento composicional dos modelos italianos. Esse entusiasmo pela obra

3 “Admittedly, if this music is not supported, the whistling repertory of the man in the street will be little

affected, the concertgoing activity of the conspicuous consumer of musical culture will be little disturbed. But music will cease to evolve, and, in that important sense, will cease to live.” (BABBITT, 1958, p. 250)

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Wagneriana passava, na verdade, pela ótica francesa como resultado da priorização

de Paris enquanto referência de modernismo e, consequentemente, principal destino

para aperfeiçoamento destes compositores, dentre os quais podemos citar Villa-

Lobos, Leopoldo Miguéz, Alexandre Levy, Francisco Braga, Camargo Guarnieri e

outros.

Quando o compositor Leopoldo Miguéz assumiu a direção do então Instituto Nacional de Música, em 1890, fez questão de impor uma estética “moderna” em face do “conservadorismo” ali reinante. Para Miguéz, “modernas” eram a estética alemã de Wagner e a francesa de Saint-Saëns, e “conservadorismo” significava a insistência no privilégio do canto lírico Italiano; (GUERIOS, 2003, p. 84).

No início dos anos 1900, especialmente na década de 1920, o maior

expoente da música brasileira era Heitor Villa-Lobos. Sua obra, repleta de uma

preocupação tímbrica, inclusive com aplicação de instrumentos folclóricos, se

destacava pela modernidade e pela busca dos elementos nacionais, com a

utilização do que ele chamava de blocos sonoros. Na Semana de Arte Moderna de

1922, Villa-Lobos foi o único compositor tocado, e algumas de suas obras foram

representativas e impactaram o público, conforme testemunha o artigo publicado no

jornal “O Estado de São Paulo”, que considerou “difficil (sic), apreciar todas as

qualidades do compositor...” (ARTES e artistas, 1922), ver Figura 1. A Semana de

Arte Moderna, na verdade, reuniu e expôs uma série de diferentes tendências

estéticas que estimularam novos pensamentos e que seguiram seus próprios

caminhos após o encerramento desse significante evento (KATER, 2001, p. 20).

Ronald de Carvalho, na edição de 17 de fevereiro de 1922 do mesmo jornal

“O Estado de São Paulo”, publicou um artigo que afirma um Villa-Lobos inovador.

Villa-Lobos veio demonstrar, mais uma vez, que a verdadeira tradição, em arte, é o respeito à antiguidade e o horror aos methodos (sic) do passado. Somente se renova aquelle (sic) que tem a coragem de se libertar. Venceremos os antigos, e, como prova do nosso amor, não os imitaremos. (CARVALHO, 1922, p. 3).

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Figura 1 - Artigo do jornal "O Estado de São Paulo" comentando o último concerto da Semana de Arte Moderna de 1922.

Fonte: http://acervo.estadao.com.br

No entanto, num segundo momento a partir de 1930 e anos seguintes, Villa-

Lobos se voltou para um momento político de afirmação nacional que favorecia uma

atividade mais ampla e tradicional, mesmo que voltada para reprodução de

elementos folclóricos, o que levou a certa letargia na produção voltada para o

moderno, culminando posteriormente no embate entre o movimento Música Viva e o

nacionalismo dos compositores fortemente influenciados por Mário de Andrade.

Do Nacionalismo, é necessário destacar ainda a figura de Mozart Camargo

Guarnieri, autor da Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil, publicada em

1950 pelo compositor, condenando a escola dodecafônica (VERHALEN, 2001, p.

443), alegando seu mecanicismo como alheio à autêntica música brasileira.

Guarnieri foi compositor prolífico e defensor do elemento nacional como fundamento

de suas obras, com vasto emprego do caráter modal, ainda assim chegou a utilizar-

se do serialismo no seu 5º Concerto para piano e orquestra, um dos exemplos de

que era um compositor do seu tempo, contudo seu posicionamento fê-lo tachado

como tradicionalista (VERHALEN, 2001, p. 48).

Estas foram as duas principais, ou mais destacadas, correntes

composicionais afloradas no Brasil do século XX: o Nacionalismo, que já deixara o

seu esforço estrito ao elemento folclórico e se voltava para uma brasilidade no que

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tange a sonoridades, ritmos e sentidos musicais; e de outro lado o Atonalismo e

suas vertentes, destacando-se o grupo Música Viva, para o qual reservamos o

próximo subitem e cujo expoente, Hans-Joachim Koellreutter, foi um dos

personagens centrais da famosa querela referente à Carta Aberta de Guarnieri, e foi

também professor de nosso compositor Ernest Mahle, cuja obra é objeto deste

trabalho.

2.2 Música Viva

O movimento Música Viva foi fundado pelo compositor alemão Hans-Joachim

Koellreutter em 1938, com ações concretas a partir de 1939. Koellreutter chegou ao

Brasil em 1937 e trazia consigo uma bagagem de experiências vanguardistas do

Música Nova4 pelas mãos de um de seus mais influentes professores, o regente

Herman Sherchen, que estreou diversas obras de estéticas revolucionarias de

compositores como Paul Hindemith, Alban Berg, Luigi Dallapiccola e outros.

Inicialmente o grupo Música Viva tinha dentre seus membros alguns ícones

da música nacional daquela época, inclusive Villa-Lobos como presidente honorário,

e as publicações do boletim periódico do grupo partilhavam tanto o conteúdo

nacionalista quanto vanguardista. Porém, as atividades foram suspensas por

motivos externos, políticos e financeiros, tendo apenas algumas publicações

esporádicas. A retomada das atividades do grupo aconteceu apenas em 1944, agora

com os interesses voltados completamente para uma linguagem universal e

humanística defendida por Koellreutter no MANIFESTO 1944, do qual extraímos o

trecho abaixo.

A obra musical, como mais elevada organização do pensamento e sentimentos humanos [...] este em primeiro plano no trabalho artístico do Grupo Música Viva. Música Viva, divulgando [...] a criação musical hodierna de todas as tendências, em especial do continente americano, pretende mostrar que em nossa época também existe música como expressão do tempo, de um novo estado de inteligência. (In: Neves, 1981, p. 94)

4 Música Nova – Neue Musikgesellschaft, associação fundada por Hermann Sherchen em 1918, que

originou a publicação da revista Melos a partir de 1919. Fonte: (Fetthauer, 2006, atualizado em 2014.

Disponível em <http://www.lexm.uni-hamburg.de>, acesso em 24 mar. 2016)

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Com o afastamento dos compositores que representavam o tradicional, o

grupo se firmou a partir dos alunos de Koellreutter, dentre os quais Cláudio Santoro

e Guerra Peixe; e se estendeu para São Paulo. De seus alunos surgiram muitas

experimentações partidas do atonalismo, como a assimilação da linguagem

dodecafônica e serialista, além dos embates encabeçados por Koellreutter e Cláudio

Santoro frente às correntes estritamente nacionalistas.

Sob aparente dissociação franca corriam, na verdade, ideologias que

primavam o universal em Koellreutter e seus alunos, e o Nacional em Mário de

Andrade e os compositores que o ladeavam e que não poderíamos chamá-los todos

de tradicionais. O Movimento Música Viva passa a consolidar um posicionamento

ideológico cuja “participação na realidade contemporânea terá seu significado

modulado para a responsabilidade de transformação” (KATER, 2001, p. 62) da

sociedade e, sob sua ótica, o nacionalismo é considerado um estágio rumo ao novo.

Assim, o grupo Música Viva não se tornou a vanguarda anti-nacionalista (sic), [...] Ao invés de um nacionalismo baseado em citações de canções folclóricas e construído com uma técnica composicional neoclássica, como vinha sendo praticado durante a década de 1930, o grupo Música Viva defendia uma pesquisa das características técnicas do folclore musical que deveriam ser associadas às técnicas modernas de composição. (EGG, 2005, p. 69)

Essa polarização modernista – o movimento encabeçado por Mário de

Andrade e suas expectativas nacionalistas, e as influências da chamada Segunda

Escola de Viena e sua iconicidade em Hans-Joaquim Koellreuter no Brasil – levou às

estéticas presentes no século XX e XXI, tais como o expressionismo,

impressionismo, simbolismo e outras. Ademais, o desenvolvimento dos

equipamentos eletrônicos resultantes nas tecnologias de gravação e amplificação do

som também permitiram novas concepções para a música como um todo, inclusive

para o gênero operístico.

Há que se considerar também, que fica evidenciado em Koellreutter o caráter

pedagógico de seu posicionamento, influenciando e provocando novas construções

musicais, defendendo um ensino ideológico na educação do músico (RAMOS, 2011,

p. 82). Parte disso foi herdada por seus alunos, dentre os quais Ernest Mahle cuja

breve biografia veremos no capítulo seguinte. Mahle estendeu o projeto pedagógico

do Música Viva até a cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, onde estreou

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sua primeira ópera Maroquinhas Fru-fru, e de onde compunha as obras que o

fizeram reconhecido no restante do país.

2.3 A ópera no Brasil de hoje

Com os atrativos da modernidade, a ópera vivida na sociedade brasileira

como entretenimento da elite sofreu fortemente com as novas formas de distração,

especialmente com o cinema, o que fez desativar ou transmutar alguns dos teatros

líricos, e diminuir o fervoroso público de outrora. Levando em consideração a

efetividade das montagens e seu necessário investimento, aconteceram também

transformações evidentes em seu tamanho quando, a fim de facilitar a sua

viabilidade, alguns compositores passaram a diminuir os formatos no que tange à

extensão ou à estrutura de suas obras, e isso inclui elenco e instrumentação.

Montar uma ópera é extremamente caro, principalmente no Brasil. Saídas para este problema existem, como por exemplo, óperas de pequeno porte, óperas de câmara, de bolso, espaços alternativos e outros, mas que não excluem a necessidade de apoio e patrocínio. (HARTKOPF, p. 8)

Com a prevalência de um público de “maior poder econômico” (FREIRE,

2012, p. 304), hoje composto geralmente por assinantes de temporada cuja

concepção toma a ópera como uma representação da “cultura tradicional burguesa”

(ADORNO, 2011, p. 181), o consumo prestigia a ópera tradicional importada da

Europa em detrimento da produção brasileira, o que prejudica o desenvolvimento e

consolidação de uma escola nacional e o financiamento de suas produções ao

menos em convívio com o mercado operístico internacional que Carvalho (2012, p.

15) chama de hegemônico. Ainda que essa relação de consumo por assinaturas de

temporada, notadamente, se dê numa forma antiquada de mercado visto que as

decisões de repertório são unilaterais: destinadas a um consumidor que adquiriu

previamente seus ingressos, mas não escolherá o espetáculo que irá assistir,

apontando para a importância dada mais ao apanágio social do que ao próprio título

operístico encenado.

O assinante, quando muito apenas vagamente informado acerca do programa de óperas, assina um cheque em branco. Conforme

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antigas leis de mercado, ele não exerce qualquer controle sobre a escolha do que lhe é ofertado. (ADORNO, 2011, p. 181)

Isto posto, a geração de novos públicos que possivelmente dependeria de

políticas de acesso à cultura, e que estaria mais aberta à recepção das obras em

língua vernácula e, portanto, teria a proximidade de uma estética um tanto mais

moderna, variada, e com elementos musicais de brasilidade, renovaria o consumo

das produções como um todo, porém fica restrita a esporádicas encenações.

Igualmente, o peso do aporte financeiro exigido pelas montagens tem isolado as

manifestações operísticas aos grandes centros, nos poucos teatros líricos de que

dispomos no país.

Aqui podemos relacionar o comportamento do mercado nacional de ópera nos

principais teatros brasileiros entre Agosto/2014 (data inicial da disponibilidade destes

dados) e a temporada de 2016, conforme Tabela 1, a partir de informações colhidas

da agenda no sítio eletrônico do Teatro Santa Isabel, na capital pernambucana do

Recife; da agenda no sítio eletrônico do Theatro São Pedro em Porto Alegre, capital

do Rio Grande do Sul, com fins de apurar o contexto regional; e da plataforma

Operabase Professional – sítio eletrônico com ferramentas informativas de mais de

385.000 performances desde 1996 e mais de 1.600 informativos de produções

rentáveis em execução.

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Tabela 1 - Produções operísticas nos principais teatros brasileiros entre Agosto/2014 e Dezembro/2016. (*As produções do Teatro Nacional Cláudio Santoro têm sido montadas no Teatro Pedro Calmon, devido à

interdição e reforma do primeiro).

Fonte: O autor (2016)

Podemos constatar que o mercado operístico nacional se estrutura a partir de

companhias brasileiras contratando, sempre que possível, protagonistas

estrangeiros de visibilidade internacional. Essas contratações refletem, em parte, o

aporte financeiro das companhias concentradas no eixo Rio-São Paulo, e funcionam

de forma colaborativa com intérpretes nacionais e estrangeiros na mesma

montagem. Pode-se observar no Gráfico 1, abaixo, a discrepante concentração das

produções de ópera na região sudeste do país, mais precisamente no eixo Rio-São

Paulo, com 21,5% no Rio de Janeiro e 49% em São Paulo, e apenas 1,5% das

produções ocorreram em Belo Horizonte/Minas Gerais, também no Sudeste mas

fugindo deste eixo financeiro. Note-se que São Paulo é o único estado brasileiro com

dois teatros cuja produção operística é cadastrada no Operabase.

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Outro dado relevante é a parcela do mercado operístico tomada pela região

Norte neste período, que parte de uma contribuição expressiva do Festival

Amazonas de Ópera – FAO – realizador de quatro montagens em 2014, inclusive

uma destinada ao público infanto-juvenil que foi reapresentada em 2015, e de duas

montagens em 2016. Após sua edição XVIII, o Festival deixou de ser anual e passou

a ocorrer bienalmente, sustentado pela Secretaria de Cultura do Estado do

Amazonas, sofreu adequações orçamentárias atribuídas à crise econômica pela qual

o país passa desde 2015 e que causou sua inexecução naquele ano, conforme

noticiado pela Revista Concerto (2015).

Gráfico 1 - Percentual de distribuição regional da produção no Brasil.

Distribuição regional da produção

72%

2%

18%

6% 2%

Sudeste

Centro-oeste

Norte

Nordeste

Sul

Fonte: O autor (2016)

Quando comparamos estes percentuais com os dados de concentração da

população por região do país, encontrados no censo de 2010 (IBGE, 2011), notamos

a ausência de ações pensadas com a finalidade de alcançar, ao menos, as grandes

regiões, ainda que fossem concentradas nas cidades mais populosas. No Gráfico 2

constatamos que a maioria da população brasileira reside nas regiões Sudeste e

Nordeste, e que no Sudeste essa concentração populacional é 1,5 vezes maior que

no Nordeste, ao tempo que a produção operística nordestina é quatro vezes menor

que a sudestina.

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Gráfico 2 - Comparativo entre a população residente por região (2010) e a produção operística

por região (triênio 2014-2016).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Centro-

oeste

Norte Sul Nordeste Sudeste

Participação RelativadaPopulaçãoResidente(%)

ProduçãoOperística(%)

Fonte: O Autor (2016)

Da escolha do repertório operístico executado no Brasil, observa-se que

temos apenas 21% das obras advindas de compositores brasileiros, numa

concentração relevante de obras do repertório internacional, nem sempre ortodoxo

ou standard, ainda que estes sejam prevalecentes.

Gráfico 3 - Produções distribuídas entre compositores e protagonistas nacionais e

estrangeiros.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Compositores

Brasileiros

Compositores

Estrangeiros

Protagonização

Brasileira

Protagonização

estrangeira

Sudeste

Centro-oeste

Norte

Nordeste

Sul

Fonte: O autor (2016)

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As obras de compositores brasileiros ou radicados no Brasil têm intérpretes

exclusivamente brasileiros e/ou radicados no Brasil, o que facilita a pronúncia do

canto em língua portuguesa e aumenta a empregabilidade de artistas locais, mas

diminui as possibilidades de reconhecimento, exportação e consolidação de nossas

obras no mercado externo. Vê-se ainda, conforme Gráfico 3 acima, que o índice

participativo de artistas brasileiros e estrangeiros nas personagens principais é bem

dividido no Sudeste e Norte, ressaltando que metade dos artistas estrangeiros se

concentra nos contratos do Theatro Municipal de São Paulo, e sua participação é

nula no Centro-oeste e no Nordeste.

É neste contexto, ou à margem dele para ser exato, que foi proposta a

montagem da ópera Maroquinhas Fru-Fru na cidade de Campina Grande/PB, que

propõe inaugurar este cenário na região, que começa a frutificar a partir de esforços

ainda isolados, como duas Cortinas Líricas realizadas no último triênio. A montagem

dá vazão e experimentação a novos artistas nacionais em formação, utilizando uma

obra lúdica em Língua Portuguesa, intuindo aproximar novos públicos ao gênero e

promover o mercado operístico no Estado da Paraíba e no Nordeste.

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3 A OBRA

A Fundação Pró-Arte de Piracicaba, no interior de São Paulo, foi implantada

por Ernest Mahle em 1953, juntamente com Maria Apparecida Romero Pinto e o

professor de ambos, Hans-Joachim Koellreutter, que no ano anterior fundou a

Escola Livre de Música de São Paulo Pró-Arte na capital paulista. Koellreutter,

inclusive, colaborou como professor de composição e diretor artístico em Piracicaba

(RAMOS, 2011, p. 16). Na atuação de Mahle em Piracicaba como professor e

compositor é que surgiram suas obras mais significativas, e sua primeira ópera em

1974, com libreto advindo de uma das peças infantis de Maria Clara Machado.

3.1 Ernest Mahle

Ernst Hans Helmuth Mahle, nascido em Stutgard no dia 3 de janeiro de 1929,

quando atingiu 13 anos de idade se transferiu para a Áustria com seus pais, após o

bombardeio de sua residência em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Na

cidade de Bludenz se empregou na indústria a fim de escapar do recrutamento

militar, e mais tarde, com a ocupação da cidade pelo exército francês, tomou contato

com os concertos mensais que este promovia trazendo alunos do Conservatório de

Paris. Despertado para a música iniciou, ainda que tardiamente, seus estudos de

piano de forma intensiva e sem orientação profissional, o que acarretou em grave

tendinite nos dois braços (RONTANI, 2014, p. 9), impulsionando-o a estudar

diversos outros instrumentos de sopro e de cordas, até se decidir pelo caminho

composicional. De volta à Alemanha, foi aluno de harmonia e contraponto do

professor Johann Nepomuk David, no Staaliche Hochscule für Musik, e teve contato

com obras de Bela Bartók, Pierre Boulez, Paul Hindemith e outros. Acompanhando a

família na montagem de uma fábrica de pistões automotivos no Brasil, se mudou

para São Paulo em 1951, estudando com João Sepe no Conservatório Dramático e

Musical de São Paulo, onde se graduou em composição e regência (CASAROTTI,

2006, p. 11), passando então a estudar na Escola Livre de Música Pró-Arte, com

Koellreutter. Retornou ainda à Europa para aperfeiçoamento, onde estudou

composição com nomes significativos da música do Século XX, como Ernest Krenek

e Oliver Messian.

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Em 1953, sob indicação de Koellreutter e junto com Maria Apparecida

Romero Pinto, com quem casaria dois anos mais tarde, fundou e assumiu a direção

da Escola Livre de Música Pró-Arte de Piracicaba, no interior de São Paulo, para

onde se mudou definitivamente no ano de seu casamento, 1955.

Vencedor de diversos concursos de composição, organizou e promoveu na

cidade de Piracicaba o bienal “Concurso Jovens Instrumentistas Piracicaba – Brasil”,

a fim de estimular a criação e interpretação de obras brasileiras.

Naturalizado brasileiro em 1962, desde 1999 assumiu a cadeira nº 6 na

Academia Brasileira de Música, cujo patrono é Sigismund Neukomm (RAMOS, 2011,

p. 21), e atuou também como vice-presidente da Associação Brasileira de Música

Contemporânea.

Continua exercendo a direção de grupos orquestrais na hoje denominada

EMPEM – Escola de Música de Piracicaba Prof. Ernest Mahle.

3.2 Maria Clara Machado

Maria Clara Machado, nascida em 1921 na cidade de Belo Horizonte, atuou

em diversas frentes no teatro brasileiro: atuando, dirigindo, ensinando e, o que a fez

reconhecida internacionalmente, escrevendo peças, infantis na sua maioria

(TILLMANN, 2014). Recebeu bolsas do governo francês para aperfeiçoamento,

tendo estudado em Paris e em Londres. Fundou e dirigiu por muitos anos o grupo de

teatro O Tablado, no Rio de Janeiro, que se concretizou como um celeiro de

profissionais do teatro, cinema e televisão (MACHADO, 1994, p. 131), cujo sítio

eletrônico mantém um índice cronológico de suas obras, com links para ficha técnica

de cada produção realizada n’O Tablado, inclusive com a relação de cada elenco.

Heloísa Guimaraes Ferreira, redatora chefe do Cadernos de teatro em 1961,

publicou no nº 16 desse periódico um artigo resultante de sua conversa com Maria

Clara Machado, onde afirma que o objetivo básico do teatro infantil é trazer ao

conhecimento da criança uma das manifestações mais antigas da cultura.

Abrir-lhe caminho para que compreenda e participe do desdobramento dramático de um texto apoiado em uma encenação. Introduzi-la num mundo de convenções onde verdades básicas humanas são apresentadas com beleza e ritmo. (FERREIRA, 1961, p. 3)

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Obviamente, objetivos secundários eram e são atingidos, como diversão,

educação, conhecimento e reconhecimento, no entanto a autora escrevia com foco

na cena, no teatro, no espetáculo.

Percebe-se no texto de Ferreira (1961), que a qualidade do teatro infantil era

uma preocupação, especialmente nas questões de formação dos conceitos e

padrões que pautariam suas escolhas futuras. Trata-se de um público curioso e

observador, e já criterioso.

3.3 O libreto

Maroquinhas Fru-Fru é um texto teatral de Maria Clara Machado, que aparece

no terceiro volume de sua coleção TEATRO, pela editora AGIR, em 1967,

juntamente com outros textos teatrais. No entanto, o grupo O Tablado, com direção

da própria autora, encenou a peça em 1961. A partir daí, novas edições da

publicação surgiram. Na revista Cadernos de teatro n. 16, citada anteriormente e

também da editora AGIR, têm-se mais outros três textos sugeridos para teatro de

bonecos cuja protagonista é Maroquinhas Fru-Fru.

A obra narra a estória de um concurso de bolos que se passa numa praça

central de uma cidade qualquer durante uma festa à fantasia, e cujo prêmio é um

colar de pérolas. A vitória do concurso por dona Maroquinhas Fru-Fru desencadeia

uma série de acontecimentos em busca de alguma vingança pelo título de melhor

boleira da cidade, ou em busca do valioso colar de pérolas. Em meio a trapaças,

intrigas e paixões, dois guardas atrapalhados tentam salvar o dia.

A personagem Maroquinhas (mezzo-soprano), é uma dama loura e indefesa

cuja beleza e polidez notam-se por toda a peça, o que chama a atenção invejosa de

rivais e o olhar apaixonado e/ou interessado de alguns pretendentes.

A estória é toda enredada por duas personagens coadjuvantes que acabam

por embasar toda a obra, os guardas Damião (tenor), apaixonado pela donzela

Maroquinhas, e Cosme (barítono), confidente de Damião e interessado nos

benefícios que as situações lhe trazem. É interessante destacar aqui que nos textos

publicados no Cadernos de teatro n. 16, dona Maroquinhas contracena apenas com

um guardinha chamado Pedrito, o que nos remete à questão do duplo na literatura e

no drama. Conforme Amorim (2006, p. 27), a concepção do homem duplo se

fortaleceu durante o Romantismo na Europa, e traz no drama uma importante

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expressão artística para representa-lo. Num viés psicológico, sobressai o contraste

entre consciente e inconsciente do indivíduo, talvez até numa perspectiva do tempo

mnemônico5 e do tempo presente numa discussão interna de escolhas e seleções

(SILVA, 2011, p. 87), valores e propósitos.

Enquanto motivo literário, o duplo manifesta-se como resultado de uma confrontação entre duas facetas de uma mesma personagem (o original e a copia deste), com uma continuação física e/ou psicológica entre os dois... (LEITE, 2013, p. 45).

Esta duplicidade pode ser expressa, dentre outras formas, no desdobramento

ou projeção de uma personagem numa segunda personagem (MENON, 2007, p.

732), geralmente antagônica e com alguma similaridade com a primeira.

O duplo pode ser um fantasma, uma sombra, um confidente ou qualquer outra figura que tenha inexplicáveis afinidades com o protagonista. (AMORIM, 2006, p. 49)

Desta forma, o duplo se reproduz em Cosme e Damião, em suas

semelhanças: ambos são guardas, ambos atrapalhados, ambos com expectativas

acerca de Maroquinhas; e em seus antagonismos: o modo de ver as situações, o

primeiro mais realista, o segundo mais sonhador, e as divergentes motivações de

ambos. Cabe salientar que a protagonista, logo na primeira cena, os confunde e

decide chamar a ambos pela alcunha de “Cosme-Damião” a partir de então, o que

demonstra suas semelhanças e, por outro lado, suas dessemelhanças quando,

perante a promessa de ganharem bolo de chocolate todos os dias, surgem as

perguntas retóricas de Damião: “Vê-la todos os dias, pode existir coisa melhor?” e

de Cosme: “Bolo de chocolate todos os dias, pode existir coisa melhor?”

A personagem antagonista, sem o peso maquiavélico de uma vilã operística,

é dona Bolandina (soprano), vizinha e rival que demonstra bem os pensamentos

defendidos no artigo de Ferreira (1961, p. 4), ou seja, a não ocultação da existência

do mal no teatro infantil, mas sua exposição pautada pelo bom senso limitador de

sua caracterização, não apresentando o mórbido, evitando o pavor no espectador

5 Tempo mnemônico – a memória, mesmo que não integral, do passado se relacionando com e

influenciando o presente e, consequentemente, suas escolhas. (SILVA, 2011, p. 87)

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mirim. A despeito do cinema e da televisão, no teatro a criança está exposta a

pessoas reais representando, prendendo a atenção, num ambiente escuro e por

vezes ainda não assimilado. A ferramenta aqui utilizada é o humor aliviando com

eficácia as tensões vilanescas.

Esta simples superposição do mal e do engraçado alivia a tensão do auditório infantil permitindo que o problema seja enfrentado pelo raciocínio e não apenas pela emoção. (FERREIRA, 1961, p. 4)

As demais personagens são Eulálio Cruzes (tenor), o sacristão um tanto

atrevido e apaixonado por Maroquinhas; Ubaldino Pepitas (barítono ou baixo),

farmacêutico mau caráter, usurpador do colar de pérolas; a família Flores –

Florisbela, a irmã mais velha e mandona; Florentina, a irmã “do meio”, cegamente

obediente à mais velha; e Florzinha, a irmã caçula, magra e tímida –

respectivamente, contralto, mezzo-soprano e soprano; e os juízes do concurso:

Honestino, o padeiro, e sua mulher Padarina, Petrônio Leite, o leiteiro, e Zé Botina

de Andrade Sapatos, o sapateiro.

Um delineamento detalhista do caráter das personagens, para além do que

aqui fora exposto, fica restrito à subjetividade das mesmas, seguindo Szondi (2001,

p. 94-95) na defesa de que a ação revela e caracteriza os papéis na visão

interpretativa diversificada de cada espectador, do mesmo modo que a interpretação

de um texto somente se dá no ato da leitura.

3.3.1 Ironia e política em Maroquinhas Fru-Fru

Esse entendimento de leitura pressupõe a existência de um espectador/leitor

que possa assimilar os sentidos abarcados por determinada obra, e provoca o

pesquisador ao olhar crítico interpretativo de seu objeto de pesquisa. No caso de

Maroquinhas Fru-Fru, a conjuntura política e social que envolvia o país no início da

década de 1960 incita a análise de sua influição na produção artística da época.

A Ditatura Militar no Brasil se deu no período de 1964-1985, no entanto, as

tensões políticas que a provocaram vinham se arrastando desde 1961, quando Jânio

Quadros renunciou a presidência da república, elevando João Goulart à chefia do

Poder Executivo em meio a dissociações internas nas Forças Armadas,

especialmente marcadas pelas posições antagônicas de um Ministro da Guerra,

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Marechal Odílio Denis, temeroso de um comunismo encabeçado pelo novo

presidente, e de seu predecessor, Marechal Henrique Lott, que defendia a

legalidade democrática e garantiu a posse presidencial. Além da crise política, o país

vivia uma crise socioeconômica devido ao endividamento externo que fora

necessário o período de industrialização, que também gerou a concentração de

renda, entretanto as reformas propostas por João Goulart levaram ao chamado

golpe militar.

Maria Clara Machado não era considerada como adepta ao teatro engajado,

todavia alguns dos estudiosos de sua produção entendem que a partir de 1960

houve uma diferenciação nas peças que escrevia, Calles (2009) chega a intitular seu

artigo com a questão “Teatro para crianças?” e afirma que a autora passa a escrever

peças de cunho social, alterando a relação com seu público, ampliando a faixa etária

a que se destinava.

Acredita a autora que a adultização (sic), incluindo o humor sutil acima da compreensão infantil, não impede que a criança apreenda o que puder, ampliando sua compreensão à medida que cresce vivenciando a experiência teatral. Ainda que não decodifique todos os elementos, absorve do teatro o encantamento, gosta do espetáculo e se diverte. (CALLES, 2009, p. 3)

Desperto é, então, o dito irônico na obra, inserindo a sugestão de que há algo

além do que está expressamente proferido, algo que extrapola o significado

denotativo do texto. “Supõe assim um segundo grau, que leva o espectador a

desmontar o sentido primordial, ainda que essa desconstrução não seja explícita no

seio da obra irônica” (BAILLET et BOUZITAT, 2012, p. 98). Para tanto, recorre à

ludicidade para inserir a crítica social, “os temas do autoritarismo, da intolerância, do

cultivo das aparências, da diferença, [...] das relações como os bens materiais.”

(CAMPOS, 1998, p. 260).

Encontramos em Maroquinhas Fru-Fru, traços do conceito resgatado por Beth

Brait (2008, p. 77) de ironia referencial, onde contradições são vivenciadas numa

relação entre dois fatos, ou numa ironia verbal relacionada a uma ironia não verbal.

O que a arte teatral permite em cena, e foi amplificado pela suplementação musical

na ópera.

A coexistência dos dois níveis de significação implica reconhecer que mesmo num discurso tido como referencial, e num espaço em que as mensagens ambíguas não são esperadas, o enunciador pode dirigir-

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se ao destinatário, instaurando a dissimulação, isto é, a ironia como um fator estruturante de um texto, de um discurso. (BRAIT, 2008, p. 95)

A ambiguidade traz à tona as tensões entre literalidade e conotação, num

embate de sentidos que é a mola mestra do discurso irônico. Contudo, em Maria

Clara Machado isso não é explícito, precisa ser sondado na problemática abordada

em suas peças.

As alusões políticas, desajeitas ou marotas, aparecem no teatro de Maria Clara desde A Gata Borralheira, 1962. Seu pouco apreço ao regime militar alimenta o humor de O Aprendiz de Feiticeiro e Maria Minhoca. Esta última integra-se a uma tendência típica dos espetáculos de resistência à ditadura, qual seja, a criação ou escolha de textos aparentemente livres de relação com a realidade política brasileira, mas passíveis de leitura alusiva. (CAMPOS, 1998, p. 260, grifo nosso)

Nesse viés, podemos extrair de Maroquinhas Fru-Fru representações que

sugestionam elos com a conjuntura política, econômica e social do início dos anos

1960, a começar pelos guardas Cosme e Damião, numa configuração das forças

militares como aparelho repressor do Estado com seus interesses que ora

convergiam ora divergiam gerando desconfiança e dissenções internas, um visando

o bem maior, o amor, o final feliz, o outro mais preocupado com vantagens e

proveitos, ambos envolvidos na ideia de cumprimento do dever que sobrepuja, por

vezes, o intelecto e resulta em cenas cômicas onde se faz presente a ironia

referencial.

Dona Bolandina incorpora uma atitude aristocrata, podemos relacioná-la ao

poder hegemônico sem esquecer que o mundo vivia a guerra fria, onde os Estados

Unidos representavam as liberdades individuais, mas se consolidavam enquanto

potência armamentista e econômica. A personagem refaz o interesse externo,

fidalga, de cultura prevalente, mas que não mede esforços para alcançar seus

objetivos ditos legítimos, influindo na economia de outros países, importando seu

“chocolate da Suìça” por meios escusos. Seu Zé Botina de Andrade Sapatos é seu

auxiliar, dando suporte às tramas de Bolandina, subsidiando ações de interesse do

credor externo e operando em favor de uma minoria industrial que detinha a

concentração de renda.

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Seu Ubaldino Pepitas nos leva a reconhecê-lo como uma figuração de um dos

males do capital, que no nosso caso era a crescente dívida externa, outrora tratada

como alavanca para a industrialização, para modernização, posteriormente se

mostrando usurpadora da produção interna, sequestrando a força de trabalho, se

apoderando no enfraquecimento do povo (Dona Maroquinhas) e os bens nacionais

(o colar de pérolas). Seu Eulálio Cruzes, o “sacristão do diabo”, sofre dos conflitos

de dualidade numa batalha do “eu” entre manter o parâmetro moral ou atender seus

desejos em relação à Dona Maroquinhas, intentando até em raptá-la. Essa

dubiedade pode ser relacionada com os conflitos eclesiásticos entre as alas

conservadora e progressista da Igreja Católica, uns temendo o ateísmo socialista e a

desordem, outros atuando na defesa das reformas sociais.

Assim, a Igreja vai fazer uma reinterpretação de si e da sociedade por meio de um discurso contrário ou a favor da sociedade moderna ocidental. Sociedade que se orienta ideologicamente, após a Segunda Guerra Mundial, pelos valores liberais individualistas (capitalistas) em que se absolutizam a propriedade, compreendendo-a como atributo exclusivo do indivìduo ou pelos valores “totalitários” no sentido coletivista (comunista) em que o Estado é o único detentor dos meios de produção e da coesão social. (SILVA, 2016, p. 5)

A Família Flores se comporta como simulacro da alta burguesia, defendendo

a qualquer custo a concentração de riqueza e desdenhando das tentativas de

ascensão de outras classes, como da própria Maroquinhas, “filha de um coronel

Frufruoso qualquer”. Agem de forma dissimulada, se gabam de suas posses, e

querem o status de vencedoras do concurso de bolos, ao ponto de Florisbela passar

por cima de quaisquer valores na tentativa de corromper Seu Honestino, este por

sua vez não cedeu às investidas contra a equidade de seu julgamento, mesmo que

abalado pelos encantos da corruptora. Honestino e sua mulher, Padarina, são os

únicos juízes que chegam ao final da trama com a conduta ilibada, visto o

comportamento duvidoso já citado de Zé Botina, e a promessa de Petrônio Leite de

cobrar pelo seu voto mesmo sem um comprometimento prévio.

“Oh, como cansa ser honesta", se queixa Dona Maroquinhas, para a qual

restou a ingenuidade no Primeiro Ato, sua força e talento na produção dos bolos, os

breves momentos de raiva, a vitimização pela dívida externa (Seu Ubaldino), a

invasão da segurança de sua morada por diversos adversários disfarçados no meio

da noite, assemelhando-a ao povo, ou à nação, que no Segundo Ato, se demora no

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silêncio do cativeiro (o poço), até que possa enxergar e expor a verdade de seus

vizinhos algozes.

Apesar de CAMPOS (1998) só identificar alusões políticas na obra de Maria

Clara Machado a partir de A Gata Borralheira, de 1962, com esta síntese pudemos

verificar este elo referencial já em 1961, aflorando estas ambiguidades que não

estão explícitas no texto de Maroquinhas Fru-Fru, mas que são passíveis de uma

leitura coerente.

3.4 A música

A motivação que deu início à primeira ópera do compositor foi a participação

num concurso de composição de ópera de câmera, portanto, se fez cabível um

libreto menos extenso, uma orquestração reduzida, o que levou à escrita para treze

cantores que, além dos recitativos e árias, atuassem conjuntamente como coro, e a

instrumentação limitada a cordas – violinos, violas, violoncelos e contrabaixo,

quinteto de madeiras à 1 – flauta, oboé, clarineta em Sib, fagote, e trompa em Fá, e

percussão – tímpani, bumbo, triângulo, pandeiro, chocalho, chapa metálica e pratos.

Da textura, os tutti ficaram reservados para os corais, afora a Abertura

obviamente. Os diálogos, recitativos e árias geralmente tem acompanhamento

apenas das cordas, ocasionalmente com um ou dois instrumentos da seção das

madeiras. A orquestra tem predominância de tratamento homofônico.

Não obstante à definição de Ópera de Câmera, determinada pela quantidade

reduzida de cantores e instrumentistas, ou a categorização como Ópera Infantil,

existem alguns subgêneros operísticos dos quais a obra se aproxima

estilisticamente, cito o Intermezzo, a Ópera buffa, a Ópera-comique, a Operetta, e

por fim o Singspiel. Para uma concisa conceituação, o Intermezzo é marcado por

sua brevidade e comicidade e tinha sua interpretação nos intervalos de uma Ópera

Séria; a Ópera Buffa é extensa, de temática cômica em oposição ao drama da

Ópera Séria; a Ópera-comique é de caráter jocoso e não contém recitativos; a

Opereta é um espetáculo que intercala música, muitos diálogos falados, e danças; o

Singspiel, de origem alemã, é definido como uma obra em diálogos cantados e

falados.

Mesmo com a óbvia presença de árias e recitativos, Maroquinhas Fru-Fru traz

em preponderância os diálogos cantados que mesclam melodias e tons recitativos.

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Essa característica, acompanhada da comicidade e de sua curta duração, em

apenas dois atos, permite considerá-la como uma Operetta, mas se aproxima

bastante do Singspiel por sua recorrência ao diálogo, ainda que cantado, inclusive

usando o sprechgesang6 algumas poucas vezes no decorrer da peça.

A escrita musical de Mahle para a ópera em estudo traz uma mescla de

elementos que transitam do ortodoxo ao contemporâneo, com modalismo,

tonalismo, e algo do universo atonal. O próprio compositor afirma: “Tem uma mistura

de tudo porque achei que se quisesse compor uma ópera em estilo de vanguarda,

então, nunca na vida iria ter sucesso...” (MAHLE apud RONTANI, 2014, p. 245),

destacando que não se ateve apenas aos elementos modernos por causa de um

possível impedimento na projeção da obra, considerando especialmente que se

tratava de uma obra para um concurso de composição.

[...] o encurvamento do caminho da música tonal, que se ultrapassa em direção a uma música pós-tonal e antitonal (como será o dodecafonismo e o serialismo), ao mesmo tempo em que evoca de maneira diferida as músicas modais, é o próprio nó e núcleo das simultaneidades contemporâneas” (WISNIK, 1989, p. 45).

Assim, não se privou do modalismo, do tonalismo, ou até do pós-tonal,

usando da escala de tons inteiros, e de algumas variações rítmicas características

da música chamada erudita do século XX, fazendo uma obra heterogenia, eclética

estilisticamente, o que Hartkopf (2010, p. 38) define como uma marca das óperas do

período de transição entre os séculos XX e XXI. O nacional também não se distancia

desta composição, tanto no que se refere ao texto quanto ao uso dos modos gregos,

predominantemente o mixolídio e o lídio.

A ópera brasileira contemporânea então estaria cada vez mais livre de convenções ou estilos pré-estabelecidos, sendo o ecletismo sua principal característica, e o nacional seria uma decorrência ou consequência da bagagem cultural consciente ou inconsciente do compositor. (HARTKOPF, 2010, p. 150).

6 Sprechgesang – canto falado, técnica empregada por Arnold Shoenberg no ciclo de canções Pierrot

Lunaire, ainda que esta terminologia seja posterior à obra. (RESENDE, 2012, p. 209)

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A utilização de modos gregos surge comumente na obra dos compositores

brasileiros, mais fortemente nos modos que alguns autores chamam de modos

nordestinos. Estes são recorrentes na música brasileira e recebem de José Siqueira

(1981, p. 3-4) a nomenclatura utilizada em suas técnicas composicionais, o Sistema

Trimodal: o I Modo Real, o mixolídio; o II Modo Real, o lídio; o III Modo Real, a

combinação lídio-mixolídio que José Siqueira chama de Modo Nacional; além

daqueles que chama de derivados: I Modo Derivado, frígio; II Modo Derivado, dórico;

e III Modo Derivado, a combinação frígio-dórico.

Mahle, apesar de não fazer uso dessa terminologia, utiliza em suas obras

tanto os modos em sua estrutura escalar original quanto estas misturas do III Modo

Real e do III Modo Derivado, e acrescenta mudanças estruturais internas,

procedimento que o compositor chama de Maior bitonal, conforme Ermelinda Paz

(2002, p. 201). Faz-se mais claro e comum o entendimento destes modos mistos

enquanto similares à Escala Húngara, difundida nos trabalhos de Bela Bártok. Mahle

inclusive cita Bártok como uma influência no âmbito composicional, inspirando a

mescla do folclore ao idioma musical moderno (TOKESHI, 2002, p. 44).

Figura 2 - Modos nordestinos.

Fonte: O autor (2016).

Em Maroquinhas Fru-Fru podemos encontrar os modos Frígio, Lídio, Dórico, e

Mixolídio, por vezes sofrendo alterações no decorrer das melodias, a exemplo do nº

15 de ensaio, conforme Figura 3, em Fá Mixolídio nos seus oito compassos iniciais,

seguidos de alterações numa breve sequência que inclui a aparição de um Dó

sustenido, retornando à estabilidade nos dois últimos compassos do trecho.

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Figura 3 - Fá mixolídio bem definido nos oito compassos iniciais e posteriormente alterados.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

O compositor serviu-se de música tonal e de seus procedimentos

característicos, tal como cadências, notas pedal, ciclos de quintas, entre outros.

Elementos que aparecem com clareza em alguns trechos, como os corais em tutti, e

por vezes com alterações, sobreposições, e ou conduções producentes de acordes

complexos que parecem ocultar trechos ou procedimentos tonais.

A exemplo disso, podemos citar os número de ensaio 4 e 5, com notas pedal

nos violoncelos e contrabaixos em Dó e posteriormente Fá, seguidos de uma

passagem em ciclo de quintas até uma nota Ré, que por sua vez é sustentada num

pedal durante oito compassos, o trecho resulta num Dó iniciando já no número de

ensaio 6, mantendo este procedimento que percorre até o fim da primeira cena do

primeiro Ato. A Figura 4 mostra claramente o delineamento principal da linha de

baixos, as notas pretas figuram momentos cadenciais curtos, porém importantes

para representar por completo o ciclo de quintas que ocorre praticamente por toda a

primeira cena, as notas longas representam, predominantemente, notas pedais.

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Figura 4 - Linha de Violoncelo do 1º Ato - Cena 1 - a partir do n. 4 de ensaio. (Notas pretas representam trechos cadenciais de menor duração).

Fonte: Editado pelo autor (2016)

Dos elementos advindos do século XX, podemos apontar as complexidades

produzidas pela condução de vozes, procedimento apontado por Salles (2009, p.

134) na obra de Villa-Lobos. Aqui demonstrado através da Figura 5, com a

construção de acordes na seção das cordas que iniciam o 2º Ato, n.º 58 de ensaio,

percebe-se que o 2º e 3º compassos contêm diferentes acordes, mas compostos

pelas mesmas notas (Láb – Sib – Dó – Réb – Mi – Fá – Sol), o mesmo acontece nos

7º e 8º acordes uma quarta acima (Réb – Mib – Fá – Solb – Lá – Sib – Dó). Nota-se

aqui um procedimento comum à música contrapontística, um período de oito

compassos divididos em duas partes, com essa segunda parte elevada ao quarto

grau em relação à primeira entrada. Todo esse procedimento ocorre sobre notas

pedais que simplesmente reproduzem o ciclo de quintas Lá bemol – Ré bemol, Mi

bemol – Lá bemol.

Figura 5 - Complexos sonoros resultantes da condução das vozes, sobre nota pedal.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

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Outro mecanismo contemporâneo é a aplicação da escala de tons inteiros,

que surge na obra em diversos trechos, dos quais cito os números de ensaio 72, 77,

79, e 80, usada em graus conjuntos ou arpejos. No exemplo abaixo (Figura 6),

partindo dum acorde de Si bemol menor, o arpejo de tons inteiros se desprende e

resulta numa nota pedal em Sib nos Violoncelos e Contrabaixo, sobreposta pelo Si

maior de Violas e Violinos, considerando um tratamento enarmônico podemos

considerar o todo como um acorde de Si maior com 7ª maior na terceira inversão.

Figura 6 - Arpejo com escala de Tons Inteiros: Sib - Dó - Ré - Mi - Fá# - Sol#

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

Os cromatismos são bastante utilizados por toda a obra, escalas cromáticas

completas e rarefeitas acontecem por toda a 6ª Cena do 2º Ato, por exemplo,

quando Dona Maroquinhas é encontrada no poço, provocando um atordoamento

nos guardas até que a consigam salvar.

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Fica claro que Mahle destinou grande parte do material complexo, ainda que

não exclusivamente contemporâneo, para a orquestra. Trato comum dentre muitos

compositores, entretanto, garantindo aos cantores tessitura adequada, saltos

limitados à uma oitava, e certo embasamento referencial no quesito afinação para

início das frases cantadas, e isso não excluiu dos cantores as exigências técnicas

que a ópera imprime, tais como os tons recitativos, a construção do clímax nas árias,

e a unicidade dos corais, alguns em uníssono, além da adaptação ao ecletismo da

obra, patente no material orquestral, ofertando um certo grau de complexidade para

o cantor.

3.4.1 Personagens e seus temas

A técnica musical aplicada às personagens se assemelha ao Leitmotiv que

encontramos na obra de Wagner, “um tema ou motivo musical associado a uma

determinada pessoa, objeto ou ideia do drama” (GROUT et PALISCA, 2007, p. 647),

geralmente exposto na orquestra quando da primeira aparição da personagem.

David Cope (1997, p. 28) entende o motivo como um fragmento melódico contendo

de três a seis notas que, a cada nova aparição da personagem ou objeto referencial,

ressurge idêntico ou com variações através de diversos métodos: transposição,

inversão, retrogressão, aumentação, diminuição, adição ou omissão de notas. Seu

propósito não se limita a identificar ou marcar seu objeto, mas referendá-lo,

caracterizá-lo ou mesmo relembrá-lo. Ou seja, o motivo identifica a personagem,

apoia seu posicionamento, aponta-o quando necessário, reforça sentidos a cada

cena, e relembra comportamentos de cenas anteriores. Até quando a relação é

“menos tangìvel” (RIDING et DUNTON-DOWNER, 2010, p. 229), o tema pode surgir

de forma sutil rememorando momentos de exposição mais clara. Mahle apresenta

motivos para alguns dos casos, especialmente os vilanescos.

Os motivos estão bem definidos em Dona Bolandina, Ubaldino Pepitas, Zé

Botina e na Família Flores, os vilões que tiveram posicionamento ativo e decisivo

contra a integridade de Maroquinhas ou do concurso.

O motivo de Dona Bolandina tem sua primeira aparição ainda na 1ª cena do

1º Ato, número de ensaio 7, e se repete por toda a obra nos números de ensaio, 8,

19, 29, 37, 42, 49, 104, e 135. Vide alguns desses exemplos na Figura 7.

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Figura 7 - Tema de Dona Bolandina e suas variações nos respectivos números de ensaio.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

Ubaldino Pepitas recebeu um tema de apenas três notas (um salto

ascendente de 5ª compensado por um semitom), frequentemente compartido entre

dois ou mais instrumentos e com aparições alteradas, Figura 8. Quando disfarçado

de ladrão o motivo não surge até que se identifique, mesmo que falsamente, pelo

nome de Lourenço, o viajante. Encontramos o tema nos números de ensaio: 24, 27

(no compasso anterior ao número de ensaio), 66, 78, 79, 80, 113, 126.

Figura 8 - Tema de Ubaldino Pepitas e suas variações nos respectivos números de ensaio.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

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Zé Botina de Andrade Sapatos, apesar de juiz do concurso de bolos, acaba

por agir como artífice do plano maquiavélico de D. Bolandina, e passa a ser contado

com os corrompidos e corruptores, fazendo lhe caber também um motivo, na

manutenção do viés composicional. A exceção é que seu motivo aparece pela

primeira vez na voz do próprio cantor no número de ensaio 16, obviamente

desconsiderada a abertura, e reaparece nos instrumentos graves (Fagote,

Violoncelos e Contrabaixo) no nº 37 de ensaio, e rarefeito no nº 104 de ensaio. Vide

Figura 9.

Figura 9 - Tema de Zé Botina e variações nos respectivos números de ensaio.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

O trio das Flores tem características um pouco distintas, começando por

serem três personagens que não tem apenas um motivo, mas um preâmbulo

constituído de um período duplo, ou seja, duas frases (antecedente e consequente)

de oito compassos cada, que ritmicamente se assemelham ao Cateretê, como

veremos no subitem seguinte. Sua primeira aparição acontece no número de ensaio

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21, e posteriormente sofre alterações, geralmente diminuição. É apresentado nos

número de ensaio 21, 50, 96 (onde aparece cantado), 102, 137, e 147, além de ser

um dos motivos citados na Abertura, porém na fórmula de compasso 8/8. Vide

alguns exemplos na Figura 10.

Figura 10 - Tema da família Flores e algumas de suas variações com os respectivos números de ensaio.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

Existem outros elementos que se repetem em algum momento ora na

orquestra ora nos cantores. Estes trechos trabalham como eixos, sustentando e

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traçando ligações que colaboram para a unicidade da obra. Partimos então para um

vislumbre destes elementos, especialmente no tocante aos aspectos interpretativos.

3.4.2 Demais ferramentas do discurso musical

No aprofundamento desta análise da obra, levou-se em consideração alguns

dos direcionamentos apontados por Cano e Opazo (2014), Lisboa e Santiago

(2006), e Domenici (2012), na busca de uma abordagem que fugisse de parâmetros

descritivos, prescritivos ou imitadores de padrões consagrados para determinada

peça, perseguindo um ideal de “pesquisa artìstica” (DOMENICI, 2012, p. 174). A

intenção é atingir o ímpeto de contribuir para novas realizações artísticas, sugerindo

um dos diversos caminhos interpretativos sujeitos às decisões do performer. Neste

caso em específico, intensificados pelas contribuições de cada cantor em suas árias

e recitativos. Assim, propõe-se a partir daqui uma reflexão analítica do todo com

vistas à valoração do discurso musical, destacando aspectos dialógicos e algumas

das figuras retóricas listadas por BARTEL (1997) como possiblidades enfáticas no

resultado da performance.

Da abertura, estruturada na forma ABA’, tem-se as seções A e A’,

costumeiramente, em compasso binário 2/2, com seção B num compasso ternário

em 8/8. O desprendimento da ortodoxia da forma vem da manipulação das

tonalidades, quando a primeira seção iniciada em Sol, transita para a seção B em Mi

menor, mas resulta na última seção em Dó. Grande parte dos temas é citada,

entretanto sobressai a célula rítmica sincopada que vemos na Figura 11.

Figura 11 - Célula rítmica cuja síncope perpassa a obra.

Fonte: Editado pelo autor (2016)

Reaparecendo em diversos momentos da ópera, e em diversas formas de

escrita (Figura 12), esta célula rítmica tem similaridades com o Cateretê, ritmo

folclórico da dança homônima de origem ameríndia, consolidado no interior de São

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Paulo e de Minas Gerais que, conforme Rosa Nepomuceno (1999, p.58), também é

conhecido como catira e guaiano. Surge na obra como uma característica marcante,

desde a Abertura até o Final.

Figura 12 - Diferentes escritas da célula rítmica assemelhada ao Cateretê.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura reduzida]

A síncope, como elemento constituidor de tensões, vem denotar contrastes,

contrariando o regular, expondo os opostos, o que está clarificado pelo seu principal

uso no tema já citado da rival, Dona Bolandina. Não trata, entretanto, de elemento

depreciativo, mas de compleição significante na produção do fazer artístico em

música.

Sabe que se trata de um contrário ao que é o regular, sabe do seu real deslocamento. Mas sabe também que esses efeitos não são impróprios, antes são valores artísticos altamente positivos na arte católica, conservadora e ocidental. Como todo músico minimamente treinado nos cânones da arte europeia, sabe que não se trata de tomar um único partido: tempo e contra-tempo (sic), acordo e tensão, não são valores excludentes, são forças constituintes da música que interagem numa negociada síntese de opostos. (FREITAS, 2010, p. 138)

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Vale ressaltar a assimilação da síncope pela música brasileira, não que exista

uma exclusividade ou peculiaridade nesta associação, o que se deve considerar é o

valor intrínseco da síncope para a música popular brasileira, principalmente no

choro, na modinha e no samba.

Pela recorrência de sua aparição na música praticada no Brasil, a síncope tornar-se-á signo de nacionalidade. Elemento integrante do sistema central da música popular brasileira (TEIXEIRA, 2010, p. 4)

Assim como a síncope, outras características perpassam a obra e demarcam

situações, sentidos ou personagens, trazendo à tona elementos retóricos

contribuintes na construção de uma ideia interpretativa do discurso. Esta associação

de retórica e música remete à Doutrina dos Afetos advinda dos teóricos clássicos, e

foi largamente utilizada e difundida nas obras do período barroco sob o termo

alemão Affektenlehre, “sustentando que a música influenciava os “afetos” do ouvinte,

segundo um conjunto de regras que relacionavam determinados recursos musicais

(ritmos, motivos, intervalos) a estados emocionais especìficos” (OLIVEIRA, 2002, p.

18). Figuras retóricas se fazem presentes em diversos momentos, acontecendo ora

na orquestra ora nas vozes, dentre as recorrentes pode-se encontrar Interrogatio,

Exclamatio, Suspiratio, Anabasis, Catabasis, Hypotiposis7.

A exemplo destes recursos, apontamos uma das figuras retóricas extraída da

ópera, a denominada hypotiposis (BARTEL, 1997, p. 307), na representação musical

da ronda dos guardas, idealizando seus passos na 1ª cena do 1º Ato (Figura 13)

repetida na 1ª cena do 2º Ato, sempre na linha dos contrabaixos, violoncelos e

fagote.

7 Utilizando as definições e especificações arroladas por BARTEL (1997) e CANO (2000), trago à

significância as citadas aqui: Interrogatio – “expressa musicalmente o sentido de pergunta” (CANO, 2000, p. 154, tradução nossa) representado por uma nota ascendente no final de frase, geralmente em intervalo de segunda maior, ou por uma semi cadência, ou por uma cadência frígia; Exclamatio – uma exclamação representada por um “salto melódico repentino, ascendente ou descendente, superior a um intervalo de terça” (Ibid., p. 155); Suspiratio – “quando um fragmento melódico é interrompido por pausas curtas e esparsas ao longo deste, à maneira de suspiros” (Ibid., p. 198); Hypotiposis – descrição musical de conceitos extra musicais, pessoas ou coisas (Ibid., p. 147); Anabasis – passagem musical ascendente que expressa imagens e afetos de exaltação (BARTEL, 1997, p. 179); Catabasis – passagem musical descendente que expressa afetos e imagens negativas,

baixas ou de humilhação (Ibid., p. 214).

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Figura 13 - Baixos sugerem os passos dos guardas em ronda, hypotiposis como elemento retórico. (partitura reduzida para piano).

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura reduzida]

Além de alguns usos mais claros, como a Anabasis situada no número de

ensaio 122, quando a escala ascendente na orquestra reforça a imagem de

Maroquinhas sendo erguida de dentro do poço. O mesmo acontece no número de

ensaio 128, na voz de Ubaldino Pepitas cantando enquanto tenta “pescar” o colar de

pérolas do fundo do poço. Outra alegoria acontece no número 130 de ensaio,

quando a gritaria de “pega ladrão” começa, e os instrumentos agudos imitam sirenes

por todo o trecho. Mais sutilmente, pode-se perceber a doçura das melodias da

própria Maroquinhas que em vários momentos é acompanhada de diminuição no

andamento.

Um apontamento retórico bastante representativo é o tratamento dado ao

acompanhamento orquestral na 4ª Cena do 2º Ato, quando as irmãs Flores invadem

a residência de Dona Maroquinhas em busca da receita de seu bolo campeão.

Enquanto não são vistas, o acompanhamento orquestral é tonal, centrado em Mi

menor, com algumas poucas escalas cromáticas; quando avistam os guardas,

passam a disfarçar suas identidades se autodenominando irmãs Fernandes,

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momento em que as notas longas dos violinos são mantidas em intervalos

dissonantes de 2ª menor, concomitantes com entradas das violas e violoncelos num

pizzicato que evoca o pontilismo, formando o conjunto de classe de notas

0124578A, vide Figura 14.

Figura 14 - Octacorde 0124578A.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

A uniformidade da obra se dá pelo ressurgimento destes temas, geralmente

retrabalhados a cada nova entrada, promovendo a manutenção do interesse. O

tema da receita de bolo (Figura 15) é um destes momentos, essencial pela temática

do libreto, surge com clareza em sua primeira entrada na voz dos cantores entre os

números de ensaio 13-17, ressurge com a orquestra, nos anseios de Damião a cada

uma de suas falas sonhadoras acerca de uma futura vida auxiliando Dona

Maroquinhas nos afazeres culinários entre os números de ensaio 75-76, reaparece

com a furtiva leitura da receita pelas irmãs Flores no número de ensaio 98, e

novamente no final do número de ensaio 114, agora nas cordas graves (viola,

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violoncelo e contrabaixo) quando se ouvem os gritos de socorro vindos de dentro do

poço, outra associação retórica.

Figura 15 - Tema da receita de bolo.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura]

A valsa, Figura 16, marcante pelo seu efeito estabilizador, de ritmo tético,

tonal, “romântico” como afirma o compositor (MAHLE apud RONTANI, 2014, p. 245),

surge em momentos cruciais da peça. Sua aparição, sempre em Dó, conta com

todos os cantores no número de ensaio 33, quando se reúnem na festa esperando

pelo início do concurso, na segunda vez apenas com Dona Maroquinhas

acompanhada das cordas, e num terceiro momento, no Final, número 149 de

ensaio, com todos juntos novamente.

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Figura 16 – Valsa, no número 149 de ensaio.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura reduzida]

No âmbito das citações ao elemento Nacional, para além da célula rítmica no

uso da síncope, e na sua semelhança ao Cateretê, fica clara a relação das valsas e

até de alguns outros trechos com a música popular brasileira, remetendo ao

fraseado costumeiro da linha de baixo do violão de sete cordas usado no choro, nas

valsas e modinhas, o que abarca o contracanto, os acordes arpejados, e anacruses

em escalas de semicolcheias, característicos deste instrumento que, por sua vez e

devido a sua extensão na região grave, assimilou propriedades estilísticas dos

bombardinos (eufônios) e tubas de conjuntos populares do século XIX (BORGES,

2008), ferramenta merecedora de ênfase nas decisões interpretativas da obra,

exemplificada na Figura 17 pelo tema da Família Flores.

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Figura 17 - Trecho do tema da Família Flores, linha de baixo assemelhada à modinha.

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura reduzida]

Ocorre ainda a citação direta, com a inserção da cantiga de roda Onde está a

margarida? na 6ª Cena, aproximando ainda mais a ópera do universo infantil,

conforme Sá, Maranhão e Melo (2014, p. 125) “a associação inicial que fazemos das

cantigas de roda é sua íntima ligação com a infância e o público infantil.” A escolha

desta cantiga pode ser entendida também como uma alusão à própria Maroquinhas

que fora escondida no poço. Os malogrados, tentando disfarçar a situação perante

os guardas, dão-se as mãos e passam a entoar a cantiga, até que esta seja

interceptada pelos gritos de socorro.

Destaque ainda para o número de ensaio 30, intitulado “Cakewalk” pelo

compositor, na 3ª cena do 1º Ato, quando é repetido por quatro vezes

interseccionando os diálogos da cena repleta de flertes, respectivamente: Seu

Eulálio tentando Dona Maroquinhas, Florisbela tentando Seu Honestino, Seu

Petrônio também tentando Dona Maroquinhas, Dona Bolandina tentando Seu Zé

Botina, e Ubaldino Pepitas que após tentar Florentina ainda vai atrás de Dona

Bolandina. O termo é escrito de diversas formas: Cake Walk, Cake-walk, ou como

Mahle nomeou o trecho, Cakewalk. Existe um significado de idiomatismo nos

dicionários que o determinam como algo que é fácil de ser feito, “moleza” como

diríamos no Brasil, contudo o termo tem outra definição que sobeja a primeira: uma

dança dos negros escravos na América do Norte em paródia às danças formais de

seus donos, migradas da Europa, e é por isso mesmo repleta de misturas de outras

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danças (Dantas, 2011). Foi disseminada pelos mestiços por todos os Estados

Unidos da América, ganhando ares cosmopolitas. Lima Campos (1904) revela o viés

voluptuoso da dança, descrevendo-a cheia de eufemismos, mas que nos leva à

intertextualidade8 do discurso usado na composição, relacionando o texto dito com o

não dito expressamente.

A um dado momento, os pares investem, [...] e, a cada confronto rithmico (sic) dos rostos, os olhos rapidos (sic), se fitam, em flirts fugaces (sic), com expressões momentâneas de convite, emquanto (sic) os lábios sorriem. [...] E ao som d’aquella (sic) musica, a um tempo selvagem e cancanista, em que passam, por vezes, sombras largas de terras d’Africa e, por vezes, scintilla (sic) a malicia lantejoulada e picante das cançonetas, [...] as boccas (sic) estrugem e os desejos se agitam! (CAMPOS, 1904)

A evidência intertextual acaba por ofertar indícios da existência de

bivocalidades em outros trechos da obra, reforçando o dito irônico já tratado no

subitem 3.3.1 deste trabalho, acerca do libreto, agora ratificado musicalmente.

A cena Final, como já dito, retoma a valsa e retoma também o Cakewalk

(número de ensaio 30), este último com ritornelo ad libitum, e ambos em Dó.

Todas as ferramentas aqui arroladas, aplicadas na ópera Maroquinhas Fru-

Fru apontam para a manipulação séria da obra, num viés claramente artístico

dissociado da ideia de uma simplicidade supostamente necessária para adequação

ao público infantil, como se este não pudesse compreender a arte a partir de sua

concepção de mundo, que já existe na infância. Vê-se aqui o descompasso entre o

senso comum, que geralmente leva a resultados simplórios, e a efetividade da ópera

junto a este público, que pode receber bem e positivamente o gênero, e que exige

francamente qualidade e inteligibilidade.

É comum se acreditar que o gênero ópera está distante do universo infantil, mas trabalhos como o de Ernst Mahle e de Tim Rescala desmentem esse mito no Brasil, não só pelo uso de textos já consagrados do teatro infantil, mas pela recepção favorável de suas óperas. A relação de crianças com a ópera no Brasil e no mundo pode ser natural e positiva. (HARTKOPF, 2010, p. 157)

8 “A intertextualidade, uma das marcas da literatura da modernidade, é vista como a relação dialógica

entre textos. Quando um texto literário reporta-se a outro e tira dele elementos para a sua construção discursiva, ele acaba refletindo sobre a própria literatura, que agora é considerada como um emaranhado de fragmentos que, no espaço textual, ganham significados plurais.” (AMORIM, 2006, p. 26)

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O uso da temática própria para este público, mantendo o interesse no

enredo, permitiu que uma elaboração complexa alcançasse a compreensão sem a

ideia de um resultado maçante, visto que o conteúdo musical e seus elementos

retóricos favorecem o texto, ambientando cada cena, personagem ou sentimento,

ainda criando laços indissociáveis com o uso da cantiga de roda. A caracterização

musical de algumas personagens mediante seus motivos musicais, e a “quase-

narração” dos guardas atrapalhados transitando por toda a trama, criam identidade e

coesão. Esse material merece ênfase no preparo interpretativo da obra, gerando e

transparecendo as significâncias propostas pelo libreto, alcançando o entendimento

e a valoração que fizeram de Maroquinhas Fru-Fru a montagem de maior sucesso

do compositor.

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4 A REGÊNCIA

Em meio a tantos termos para designar quem está à frente de um grupo

orquestral ou coral, como Maestro, Condutor, Chefe de Orquestra, Diretor, escolhi o

termo Regente (“que rege ou dirige”, conforme o dicionário Aurélio), que a meu ver

está mais próximo do ato ou efeito de reger. Com origem etimológica no termo

Régere, do latim, que é também origem de regrar e/ou de governar o povo, uma das

definições do A Compendious Dictionary of the Latin Tongue (ADAM, 1805) me

provocou maior interesse com a expressão caeca regens fila veftigia (com tradução

literal: guiando passos cegos com/por um fio), numa alusão às atribuições de um

regente, dentre as quais converter em uniformidade rítmica, dinâmica e de caráter as

intenções plurais de determinado grupo de músicos, não que haja neles cegueira,

mas múltiplos olhares de um mesmo objeto, qual seja a obra musical. Daí o presente

capítulo, dos aspectos da regência da ópera em estudo.

Me parece, também, importante trazer à tona alguns dos argumentos

levantados por Theodor Adorno (2011) que dizem respeito às questões sócio

psicológicas na interação regente/orquestra, especialmente extramusicais e que

nem sempre são explicitadas, mas que envolvem as relações de poder e a

mitificação do regente, neste caso alcançando a correlação com os cantores

inclusive.

A verdade é que desconstruir um mito consolidado desde o Século XVIII não

é tarefa fácil, nem aqui se pretende visto que muito mais linhas precisam ser escritas

para isso, mas é tentador mostrar que a partir de arquétipos sociais se sustenta a

visão que se tem do regente, ou do maestro mitologicamente falando. Deixando de

lado as remontas mais arcaicas que Adorno (2011) aborda, o autor defende existir

no músico de orquestra uma similaridade com os trabalhadores braçais e suas

organizações coletivas, tendo, “como uma espécie de herança, a aversão ao

discurso” (ADORNO, 2011, p. 227), suspeitando sempre de um engodo intelectual

engendrado pelo detentor da palavra. Faço aqui um breve adendo, lembrando que a

música contemporânea e o músico contemporâneo, ao abrigo da Universidade, têm

alterado essa perspectiva do músico operário desde quando assumiram a pesquisa

voltada para práticas interpretativas e sua legitimidade como campo de estudo.

O regente, enquanto detentor da palavra, sofre de uma visibilidade dúbia por

parte da orquestra, ao tempo em que é visto com certa reserva pelo instrumentista e

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pelo cantor, é também visto e respeitado pelos mesmos sujeitos como o expert de

quem se espera a orientação consciente e decisiva, vinda de um méteir que

ensejará a correta interpretação de uma obra, “colhendo da orquestra [...] sua

imagem da música” (ADORNO, 2011, p. 226). O quanto de palpável existe nestas

atribuições, tanto existe de abstrato. Geralmente, sobretudo para o público, a

parcela objetiva do trabalho do regente é ofuscada por uma aura subjetiva que

mescla o poder e a ideia do talento nato. A bem da verdade, muito se

trabalha/estuda e muito se é experienciado para alcançar a imagem interpretativa de

uma obra, e mais ainda para alcançar o resultado interpretativo, o que decorre de

uma preparação técnica que inclui percepção musical e artística, conhecimento

harmônico, entendimento de padrões formais, historicização, compreensão de

fenômenos acústicos, técnica gestual e conceitos de liderança, além do lidar com as

engenhosidades administrativas e até burocráticas. Tudo contribuindo para a

construção interpretativa em coexistência com os aspectos subjetivos.

De fato, a mitificação do maestro parece ligada à imagem de poder que ele

representa, cuja dilatação é cultivada por alguns representantes de comportamento

e gesto impactantes que exacerbam o tecnicamente eficaz. Entretanto, é preciso

buscar no esforço contumaz de regentes conscientes, o alinhamento “entre o

prestígio público e o efetivo trabalho artìstico” (ADORNO, 2011, p. 218). Ressaltando

que, tanto um representante quanto outro, são sustentados pela hierarquia funcional

e comumente eficiente da orquestra.

4.1 A Regência Operística

Afora o conteúdo da técnica básica de regência, tais como padrões rítmicos e

diferentes escolas de marcação, gestual de cortes, entradas e fermatas, etc.,

amplamente abordado por autores como Scherchen (1933), Rudolf (1993), Zander

(2003) e tantos outros de largo conhecimento nas classes de regência, aqui teremos

o apoio destes fundamentos estritamente em favor das questões pertinentes à ópera

e suas especificidades.

Há que se considerar a dificuldade inerente à regência de ópera, na

administração de cena, cantores e instrumentistas, Sir Charles Mackerras (2003, p.

65-78) afirma que os músicos de orquestra geralmente consideram mais difícil e

complicada a regência de óperas em relação às sinfonias. Isso se deve,

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especialmente, porque a realização dramática é aguçada pela regência dos

recitativos. O recitativo pode ser classificado em três espécies (ZANDER, 2003), o

recitativo a secco (apenas com acompanhamento de Contínuo), o recitativo

accompagnato (mais melódico, com acompanhamento orquestral e métrica mais

precisa), e o recitativo misto que congrega os dois anteriores.

A regência do recitativo requer muita presença de espírito e uma técnica de marcação muito segura. Qualquer indecisão por parte da regência pode resultar num caos em relação às entradas em que se alternam solista e o grupo instrumental. (ZANDER, 2003, p. 231)

O recitativo misto é presença preponderante na obra de Mahle, apontando

para a exigência da preparação pessoal do regente, destacada na afirmação de

Oscar Zander pelas expressões “presença de espìrito” e “marcação muito segura”, o

que se entende pela precisão nas entradas do acompanhamento orquestral, e pelo

domínio mental da partitura, construído no âmbito da audição interna, o que anda

em concordância com a assertiva de Hermann Scherchen.

Insistimos: o essencial para o regente é o dom de representação mental da perfeita audição interna da obra musical. Quando isto não existe, a mais extraordinária habilidade gestual carece em absoluto de valor. (SCHERCHEN, 1933, p. 246, tradução nossa)9.

Logo, apreende-se que a internalização dos recitativos por parte do regente,

aliada à precisão gestual, deve colaborar para a regência eficaz dos mesmos.

A preparação e planejamento norteiam a fase de ensaios, onde se dá muito

do trabalho do regente. Durante sua preparação pessoal, várias considerações são

passíveis de análise conjectural, dentre as quais figuram o grupo de músicos que se

tem à disposição e seu nível técnico, o ambiente em que se darão os espetáculos e

suas peculiaridades, os equipamentos disponíveis, as edições existentes da obra e a

qualidade gráfica do material, entre outras. Conhecer a capacidade técnica dos

músicos certamente delimita o repertório, mas este conhecimento permitirá boas

escolhas; o ambiente delimita as possibilidades sonoras e cênicas, também

influenciadas pelos demais recursos estruturais; e as edições da obra são decisivas

9 “Insistamos: lo essencial para el diretor es el don de representación mental de perfecta audición

interna de la obra musical. Cuando esto no existe, la más extraordinaria habilidad manual carece em absoluto de valor” (SCHERCHEN, 1993, p. 246).

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para o resultado do trabalho e para o bom andamento dos ensaios, logo, esta

seleção precisa ser cuidadosa, observando ainda as possíveis discrepâncias entre a

partitura, a redução para piano e vozes, e as partes individuais da orquestra

(BARBER apud BOWEN, 2003, p. 18). O trato da partitura merece também as

anotações que, por necessidade, excedem e/ou reforçam a grafia musical, sendo

possível destacar cortes e entradas, alterações de fórmula de compasso, métricas

irregulares, alterações de andamento, alterações de articulação e dinâmica, dicção,

números/letras de ensaio ou numeração de compassos. A intenção é clarificar os

trechos necessários e dirimir impasses, sem ultrapassar a linha limítrofe da distorção

(RUDOLF, 1993, p. 340). Outra contribuição para esta fase é a contextualização da

obra, a audição de referências quando possível, e a leitura de escritos sobre a obra,

quando existentes.

Nesta fase de planejamento, muitas das decisões interpretativas são tomadas

numa prévia concepção artística, que por sua vez sofrerá as devidas alterações

quando do contato com o grupo no primeiro ensaio, o que acontece

semelhantemente com a previsão de possíveis lapsos de execução. Observado que

não entraremos profundamente nas questões de produção, o planejamento é

essencial para atingir a produtividade esperada a cada ensaio.

O som que recebemos de uma orquestra nos leva a novas reflexões, e é somente após o contato com esta nova realidade sonora que poderemos ter uma concepção mais clara do que queremos. (VIEGAS, 2009, p.19).

No caso da ópera isto acontece em três momentos, o primeiro ensaio vocal, o

primeiro ensaio orquestral e o ensaio à italiana, nos quais o regente perceberá

quanto de seus ideais de interpretação poderão ser alcançados e quanto destes

ideais precisarão ser revistos. É neste momento que se ratificam ou retificam os

entraves previstos no planejamento. Com as vozes, é cabível uma primeira leitura

dramática, lembrando que o conhecimento da arte do canto pelo regente é bastante

valioso aqui, Rudolf (1993, p. 346) sugere o convívio e aprendizado com coaching

singers, que podemos traduzir não só como professores de canto, mas como nossos

preparadores vocais na especificidade do canto lírico. Já Scherchen (1933, p. 7)

recomenda a experiência de uma prática coral na formação do regente, tanto

cantando quanto regendo, na construção de uma gama de conhecimentos dos

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recursos técnicos do canto, fazendo mais confortável a vivência e o diálogo técnico

entre cantores e regente.

Cantores se sentem confortáveis com regentes que entendem seu trabalho e seus problemas, e são hábeis para ajudá-los a fazer seu melhor no palco. (RUDOLF, 1993, p. 346, tradução nossa)10

A interação entre regente e solistas é essencial na construção deste fazer

musical, nos momentos onde o pulso é exato e o cantor precisa se adequar ao

padrão rítmico, e nos momentos onde é característica a liberdade rítmica do cantor

em favor do discurso, quando o regente deve adequar o acompanhamento

orquestral a esta liberdade, para tanto não se faz suficiente apenas o gesto, mas é

crucial a comunicação visual.

Uma das graças da música é justamente essa: juntar, num tecido muito fino e intrincado, padrões de recorrência e constância com acidentes que os desequilibram e instabilizam. (WISNIK, 1989, p. 27)

A questão do tempo e do pulso, sua negociação entre recitativo e ária, corais

e diálogos, é de manuseio contributivo para o entendimento do discurso. Inúmeros

fatores influem na definição dos Tempi na ópera, num primeiro momento, alheio aos

dotes da sala de concertos, fatores decisivos são as informações de andamento e

caráter presentes na partitura para as cenas e sua interrelação, além das alterações

de andamento próprias de cada cena.

Charles F. Barber (2003, p. 19) diz que o Tempo vem de uma perspectiva

histórica e de gênero da própria obra, do nível de execução dos músicos, e do pulso

geral da obra como um todo. A existência das passagens com figuras de curto valor

exigirão o pulso adequado para sua execução em relação ao andamento e caráter

definidos para aquele determinado trecho, o que certamente exigirá adequação do

pulso inicial da obra. É igualmente relevante a inteligibilidade do texto, os cuidados

com a pronúncia e dicção terão influência na definição do pulso. Fernandes e

Kayama (2006, p. 1015) acrescentam a cautela do canto adequado na acentuação

das palavras – prosódia – e na atribuição de sentido ao conteúdo poético do texto.

10

“Singers feel comfortable with conductors who understand their work, and their problems, and are able to hep them to do their best on stage.” (RUDOLF, 1993, p. 346)

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Geralmente a regência de ópera traz ainda consigo o dilema da alocação da

orquestra e sua relação sincrônica e equalizada com os cantores no palco. O

posicionamento ideal nem sempre é possível, por isso as adequações têm que ser

bem pensadas. Mahle (apud RONTANI, 2014, p. 246) testemunha as dificuldades da

montagem no Teatro Municipal de Piracicaba/SP, sem o fosso a orquestra foi

organizada em frente ao palco, no nível da plateia, causando dificuldades de

equilíbrio na criação das referências rítmicas com a reverberação entre

contrabaixos, de um lado, e tímpani, do outro. Conhecer a sala de concertos, realizar

ensaios gerais no local, e entender o comportamento do som naquele ambiente são

precauções primordiais, mesmo assim, como no exemplo aqui trazido, nem sempre

se pode atingir a situação ideal, mas é preciso buscá-la para amenizar os

obstáculos.

Do todo, das entradas, das grandes pausas, das respirações e de outras

demandas já citadas, a apreensão dos regentes é comumente reservada aos

recitativos, e neste caso os recitativos mistos, que exigem o domínio da obra e a

pertinente precisão decidida na condução do acompanhamento. Rudolf (1993, p.

348) demarca a função do regente nas récitas enquanto líder e acompanhador,

associando os momentos do utópico pulso regular aos momentos libertários dos

solistas sem perder o sentido dramático e musical, mas valorizando-o.

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5 A CORTINA LÍRICA EM CAMPINA GRANDE

A música de concerto em Campina Grande tem se firmado em torno do canto

coral. A bem da verdade, a cidade vive uma realidade coral com esforços que

remontam meados do Século XX com os corais das igrejas, alguns dos quais

mantidos até hoje, e com as iniciativas da Universidade Federal de Campina Grande

– UFCG – desde quando ainda era Campus II da Universidade Federal da Paraíba.

Na atualidade, somente na UFCG atuam o Coro Em Canto, o Coro de Câmara de

Campina Grande, o grupo Ars Femina, e o Coro Masculino.

Os corais mistos, Coro Em Canto e Coro de Câmara de Campina Grande, são

grupos voltados para a extensão universitária. O primeiro, um coro lírico dirigido pelo

Prof. Dr. Lemuel Guerra, é voltado para música de concerto e arranjos corais, com

programação anual intensa que agrega, em sua maioria, cantores da comunidade, e

busca também o momento musical enquanto catalizador do encontro, da

socialização. O segundo dirigido pelo Prof. Dr. Vladimir Silva, um côro de câmara

voltado para a música de concerto escrita especificamente para coral que congrega,

em sua maioria, alunos de música e algumas pessoas atuantes na cena coral da

cidade, seja em escolas, empresas ou igrejas.

Neste ambiente de música vocal é que se criou o Projeto de Extensão em

Ópera – ProBex Ópera – encabeçado pela Profa. Ms. Malú Mestrinho, professora

responsável pelo ensino do canto lírico na UFCG. O ProBex – Ópera da UFCG

reúne os alunos de canto lírico do curso de graduação em música, portanto

essencial para a construção de um ambiente operístico, o que se aliou ao projeto de

montagem de Maroquinhas Fru-Fru.

A proposta inicial deste projeto de mestrado incluiu a montagem completa da

referida ópera, com o engajamento tanto dos cantores, quanto de instituições que

subsidiariam toda a produção. No entanto, o trabalho de pesquisa envolve o

comprometimento com a veracidade, rigor que atribui valor ao trabalho científico; é

com esse parâmetro que vamos ao relato da preparação e montagem, sem omitir

alguns dos percalços do início da carreira de regência.

A princípio precisamos situar o material que tínhamos nas mãos: a obra

reduzida para piano e vozes, e a partitura que alguns insistem em chamar de

“grade”, ambas editadas pelo próprio compositor; um piano; e o material humano

que consistia nos instrumentistas e cantores. Destes últimos, os seguintes

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colaboradores: três professores, onze alunos de canto, e o pianista correpetidor,

além da orquestra de câmara Camerata da Furne. Dos professores, a mezzo-

soprano Malú Mestrinho atuou na preparação dos cantores, o tenor Vladimir Silva

que a partir de determinado momento se engajou na tarefa de preparação junto às

vozes masculinas, e o diretor de teatro Prof. Dr. Duílio Cunha, que assumiu a

preparação de cena. A correpetição foi de valiosa contribuição durante todo o

processo, com o colega Paulo Cesar Vitor. Dos cantores, dois papéis coadjuvantes

couberam aos professores já citados, numa desprendida contribuição, e os outros

onze papéis foram atribuídos aos alunos de canto do curso de graduação em

música, ou de extensão.

Dos alunos colaboradores tínhamos apenas um bolsista, os demais

abraçaram o projeto num espírito voluntário. A fim de qualificar os cantores, fá-lo-ei

através de sua forma de vinculação ao projeto. Aos alunos de canto couberam os

papéis principais, Maroquinhas, Bolandina, Cosme e Damião, além de Ubaldino

Pepitas e Florentina; o papel de Zé Botina coube a um aluno de composição, porém

ligado ao canto coral; os papéis de Honestino e Petrônio Leite foram assumidos por

alunos egressos de bacharelado em regência; Florzinha e Padarina tiveram alunas

de extensão; e os professores doaram sua intepretação à Eulálio Cruzes e

Florisbela.

Tem-se aí uma ideia panorâmica do grupo, composto em grande parte por

alunos. Considerando a inexperiência operística destes alunos e os embates da vida

de estudante universitário da maioria, com outras disciplinas envolvidas, outros

repertórios concorrentes e o caráter didático que o ambiente imprime ao trabalho,

houve obstáculos naturais, como a compreensão da responsabilidade individual na

apropriação das personagens, o entendimento de si como solista, a construção

dramática e musical para cena, a tonicidade das interjeições e do sprechgesang

para alguns dos cantores.

O processo de ensaios foi realizado com valiosas colaborações,

especialmente na preparação vocal pelos professores já citados, que fizeram o

trabalho individual com cada um dos cantores envolvidos. Este trabalho contava com

a técnica vocal, os trabalhos de pronúncia da Língua Portuguesa cantada que

envolviam dicção e prosódia, a leitura das árias e recitativos de cada cantor.

Incluindo aí uma das bandeiras da escola de canto da UFCG, o estímulo à

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autonomia como enfrentamento ao estigma de que os cantores não são

necessariamente bons músicos, com boa leitura musical e solfejo.

Os ensaios com todo o grupo tiveram início em Fevereiro, limitados à

possibilidade de um ensaio semanal de duas horas de trabalho, que envolvia o

aquecimento vocal seguido da leitura das cenas, com o acompanhamento ao piano.

A quantidade de ensaios foi altamente demandada e estendida no percurso, o que

se justifica não só pela pouca experiência dos cantores, mas também pela novidade

da obra, alheia ao repertório arioso tradicional que geralmente é exigido durante a

formação do aluno de canto. Sir Charles Mackerras (2003, p. 74) destaca isso

quando afirma que as obras de repertório muito visitado exigirão menos ensaios,

assim como reapresentações de uma mesma produção, ainda que nova. No caso de

Maroquinhas Fru-Fru, tanto era um repertório novo para os cantores, quanto era a

primeira montagem de muitos deles.

No final de Março foi alcançada a leitura completa do 1º Ato, e em Abril

iniciamos as leituras de cenas do 2º Ato. E, seguindo os preceitos listados por Max

Rudolf (1993, p. 347), somente após a memorização do 1º Ato, no final de Junho

começaram as marcações de cena. O que nos levaria a discutir os possíveis

conflitos entre direção cênica e direção musical, famosos no mundo da ópera,

entretanto os ajustes que permitiram o estabelecimento de uma concepção

respeitosa àquilo que se entendeu como sendo intenção, ou intenções, do

compositor e do libreto, evitaram quaisquer divergências e nortearam o caminho.

Neste âmbito restaram os ajustes de tempo de cena, trabalhados no ensaio de cena

e revistos no ensaio musical.

Após alguns recessos em Junho e Julho, retomamos o trabalho a plenos

pulmões, mas passamos a enfrentar os problemas de produção, a princípio por

impasses com a dotação financeira, depois com a diminuição da verba prevista, e

por fim o corte de todo o orçament, nesse meio tempo o 1º Ato já estava montado,

apesar de substituições no elenco, e começavam as marcações de cena do 2º Ato,

no mês de Agosto.

A previsão do projeto incluía a montagem completa, com apresentações em

Campina Grande/PB e Natal/RN, com cenário, cenografia e figurino. O abalo

financeiro, talvez migrado da crise econômica que as instituições herdaram do

contexto político econômico atual, obrigou a redução do projeto no esforço de

manter a realização. Assim, os locais de montagem foram alterados para ambientes

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menores e abrigados pelas Universidades envolvidas, a orquestra que já tinha

realizado quatro ensaios foi dispensada, e a montagem reduzida ao 1º Ato

encenado, mas sem cenário, ações que impactaram o elenco de forma negativa.

Entretanto, valorizando o esforço de todos os envolvidos diretos, bem como a

evolução técnica claramente perceptível em muitos dos cantores, foi mantido o que

chamamos de “Plano B”, a Cortina Lírica com contributivo acompanhamento do

pianista Paulo Cesar Vitor.

As atribuições da direção musical de uma ópera concentram essa gama de

responsabilidades, o prazer e as complexidades da regência, o equilíbrio entre

música e cena, a relação com os colaboradores diretos, principalmente os cantores,

e as preocupações e ações de produção que incluem orçamento, marketing,

infraestrutura, onde quase que toda decisão é crucial, e sempre passível de

alterações da conjuntura. Com isso em vista, são bem vindos diversos conceitos da

Administração Geral como aliados à atividade de regente, inclusive o famoso PDCA

– Plain, Do, Check, Action, por exemplo.

Voltando-nos, especificamente, ao fazer musical, as funções de liderança do

regente na ópera, acumulam as tarefas de condutor e acompanhador, como já foi

exposto no capítulo 4 deste texto. Em Maroquinhas Fru-Fru, repleta de diálogos

cantados como na Figura 18, esta concomitância acontece constantemente, num

apelo à sensibilidade necessária para compreender a frase musical de cada cantor,

o que passa pelo entendimento da música vocal e pela internalização dos recitativos

pelo regente.

Figura 18 – Diálogo entre as irmãs Flores

Fonte: Maroquinhas Fru-Fru, 1974 [Partitura reduzida]

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Obviamente a questão do gestual é determinante, especialmente na

transmissão das certezas para a orquestra e solistas, numa constante negociação

do pulso, salientada pelos recitativos. Mesmo um simples gesto meneando a cabeça

numa entrada que o cantor necessite ou até mesmo um olhar, pode oferecer a

confiança necessária para que ele desenvolva sua frase.

“O amontoado de ações significa que os cantores não poderão, realmente, ver o regente em todo o tempo, e terão que ter seu próprio ritmo. Num momento você está dando um pulso estrito e todos os solistas, com suas diferentes personalidades, seguem você. No minuto seguinte você os está seguindo, sensível ao momento em que precisarão fazer uma respiração.” (MACKERRAS, 2003, p. 65-66, tradução nossa)11

Aliam-se à citação de Mackerras (2003), acima, tanto Rudolf (2003) quanto

Zander (2003), dando importância a essa comunicação visual como um dever do

regente. A visão do palco deve ser mantida o máximo de tempo possível, permitindo

identificar qualquer alteração na performance do cantor, sobretudo em relação ao

tempo, o que permite o ajuste na orquestra, e oferece a segurança que dará certa

independência interpretativa ao solista.

Isso não implica que a orquestra estará em segundo plano. As habilidades na condução requerem constante consciência de tudo que acontece no palco e no fosso. Um rápido olhar dirigido aos músicos, aliado a uma técnica eficiente de batuta, asseguram o controle orquestral. (RUDOLF, 2003, p. 349, tradução nossa)12

Nas demais especificidades do gesto do regente, discrimino as células

rítmicas com presença de síncopes como substanciais na clareza gestual dos

acentos cabíveis, e carece de cautela o tratamento das mudanças de Fórmula de

Compasso na 1ª Cena do 1º Ato, e na 1ª Cena do 2º Ato. Cuidado semelhante tem

de ser despendido na Abertura, com a citação de todos os motivos pertencentes à

11

“A lot of action means that the singers cannot actually look at the conductor all the time, and must produce their own rhythm. One moment you are giving a strict beat and making all these soloists, with their different personalities, follow you. The next minute you are following them, sensitive to when they need to take a breath.” (MACKERRAS, 2003, p. 65-66)

12 “This does not imply that the orchestra takes second place. Conductorial skill requires constant

awareness of all happenings on stage and in the pit. Quick glances directed to the musicians, together with efficient stick technique, assure orchestral control.” (RUDOLF, 2003, p. 349)

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obra, quase um pot-pourri, com alternâncias na marcação de compassos que

envolvem o pulso irregular de 8/8. Uma precaução mínima, mas que evita

embaraços desnecessários, é realizar as marcações dos trechos de repetição, tanto

o já citato número 30 de ensaio, ao qual se recorre diversas vezes, quanto os

números de ensaio 13 a 17, cujo retorno distante tem retomada no número 48 de

ensaio.

Como última observação, apesar de já termos citado algo da regência dos

recitativos, merece atenção a característica de grande parte dos recitativos em

Maroquinhas Fru-Fru ter escrita Alla breve. Por vezes o gestual padronizado servirá

de forma ideal, com a cautela do Levare13, contudo alguns momentos poderão ser

facilitados pela subdivisão, sobretudo quando os ataques da orquestra são

realizados em colcheias seguidas ou precedidas por pausas. No mais, manter o

gesto comedido para o tecnicamente essencial, até para economia do esforço

despendido, pode sanar alterações inesperadas no pulso dos cantores que, muitas

vezes visando contribuir dramaticamente, podem demorar-se no clímax de uma

frase musical, ou fazer o inverso num trecho de diálogo cantado.

13

O gesto designado como Levare recebe muitas nomenclaturas na bibliografia musical: gesto preparatório, anacruse preparatória, golpe de ar, pulso preparatório. Trata-se do gesto imediatamente anterior à emissão do som, ou que leva à emissão do som. O gesto através do qual o maestro imprime o pulso, o caráter e a dinâmica de um trecho musical, incitando a orquestra/coral/solista a inicia-lo.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa tinha como objeto a busca por uma proposta interpretativa para

a ópera de câmera Maroquinhas Fru-Fru, o que cremos ter sido atingido com os

elementos demandados da própria obra e dos escritos que foram relacionados na

busca de significação destes mesmos elementos. Porém, ao longo da investigação,

outros propósitos que podem parecer secundários, se fizeram pertinentes e

diretamente ligados ao objetivo inicial, consequentemente serão condensados aqui

da macro para a microestrutura.

A música de concerto precisa alcançar e criar novos públicos. Constatamos

que as tecnologias de entretenimento, principalmente desde o advento do cinema,

têm levado ao grande público um conteúdo que hoje chamamos de cultura de

massa, nivelando o espectador medianamente com o objetivo de manter e ampliar

dividendos. Assim, o indivíduo tem sido afastado daquilo que alguns autores

denominam alta cultura, situação corroborada pelas discrepâncias na formação

cultural e educacional vivenciadas no Brasil. Entretanto, se deter na espera de

soluções alheias não pode ser considerado um tratamento adequado por parte das

instituições culturais. Antes, é necessário encontrar meios de alcançar e ofertar ao

grande público o acesso à cultura, sem privá-lo de qualidade artística e isso inclui a

cultura que tem sido privativa da elite e a cultura verdadeiramente popular.

Nesse contexto, a ópera nacional carece tanto de espaço quanto de fomento.

Pudemos perceber que, mesmo que a ópera brasileira continue sendo escrita, os

espaços que a recebem precisam ser multiplicados, aumentando sua presença nos

palcos já existentes em relação ao repertório tradicional e hegemônico, e buscando

a socialização das localidades periféricas. Isto passa pela propensão da língua

vernácula enquanto elemento cativante, o que pode ser catalisado pelo teor cômico

de obras como Maroquinhas Fru-Fru, cujo libreto de trato leve destinado ao público

infantil, é bem aceito pelo público adulto devido às ambiguidades que esconde.

Diversas outras questões envolvem o fomento à arte, mas os dados expostos no

capítulo 2 mostram que os critérios, e até a forma, de definição de repertório são

passíveis de adequação, equilibrando mercado e arte com fins de valorar a

produção nacional e a geração de público.

Iniciativas como o Festival Amazonas de Ópera, ou o Ópera Studio do Recife,

e agora o ProBex Estúdio Ópera em Campina Grande, sobrevivem em constante

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risco devido aos impasses de provisão de verba, e necessitam de agencias de

fomento voltadas para a qualidade dos conteúdos que se propõem a amparar, e

para a proliferação da cultura, além de agentes culturais que atuem como

facilitadores.

Quanto à regência da ópera, viu-se que a precisão rítmica nos trechos de

pulso regular e o consistente acompanhamento dos recitativos são atingidos com um

gestual inequívoco granjeado no estudo técnico, na internalização da obra, na

sensibilidade artística e na recomendável experiência vocal como partícipes na

formação do regente. No mais, desenvolver habilidades de liderança e

gerenciamento de recursos, humanos e materiais, é premissa que em muito

colabora nessa atuação. Em Maroquinhas Fru-Fru isto é ressaltado pela

efervescência dos diálogos cantados.

O zelo dispensado pelo compositor nesta obra evidencia a seriedade com a

qual foi tratado o libreto, com os motivos das personagens, os recursos da retórica

musical favorecendo texto e cena, e a convivência pacífica de ortodoxia e vanguarda

na ópera, sem a perda da homogeneidade.

Finalmente, a escassez de iniciativas voltadas para a ópera infantil faz sugerir

um campo de estudos que merece novos empreendimentos acadêmicos e artísticos

como este, ladeando pesquisa, ensino e extensão na tentativa de alcançar a

comunidade com um conteúdo conceituado da música da contemporaneidade.

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