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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL RODRIGO ALBUQUERQUE SERAFIM OFENSIVA DO CAPITAL E DESMOBILIZAÇÃO DAS FORÇAS DO TRABALHO: as estratégias gerenciais burguesas para a desarticulação das classes trabalhadoras NATAL/RN 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

RODRIGO ALBUQUERQUE SERAFIM

OFENSIVA DO CAPITAL E DESMOBILIZAÇÃO DAS FORÇAS DO TRABALHO:

as estratégias gerenciais burguesas para a desarticulação das classes trabalhadoras

NATAL/RN

2012

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Serafim, Rodrigo Albuquerque. Ofensiva do capital e desmobilização das forças do trabalho: as estratégias gerenciais burguesas para a desarticulação das classes trabalhadoras / Rodrigo Albuquerque Serafim. - Natal, RN, 2012. 140 f. Orientadora: Drª. Silvana Mara de Morais dos Santos. Dissertação (Mestrado em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Serviço social. 1. Lutas de classe - Dissertação. 2. Classe trabalhadora – Dissertação. 3. Capital - Dissertação. 4. Desmobilização – Dissertação. 5. Estratégias gerenciais - Dissertação. I. Santos, Silvana Mara de Morais dos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 323.4

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À minha vó Judite, in memorian.

Às classes trabalhadoras, razão e força do meu esforço.

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AGRADECIMENTOS

Certamente, neste espaço de agradecimentos, muitas pessoas deveriam

ser mencionadas: aquelas que conviveram conosco ao longo da vida, ao longo

dessa jornada do mestrado; aquelas que precisaram conviver com nossa ausência;

aquelas que respeitaram os momentos de isolamento. Amigos, amigas, ex-

companheiras; familiares, pais, irmã, sobrinha; gata, cão; professoras e professores,

alunas e alunos, em atividades formais e informais, acadêmicas e confraternizantes.

Me restringirei, no entanto, àqueles que julguei ter um peso mais direto no processo

dissertativo. Faço isso, talvez porque me represente a insensibilidade do ingrato,

talvez porque me reprima a sociabilidade do capital, ou talvez porque me recobre a

consciência um certo “cabralismo”. Assim como João Cabral de Melo Neto: "prefiro

sempre uma maçã a uma tristeza"; prefiro o concreto ao abstrato.

À minha mãe, Gardênia, que, decisivamente, me proporcionou condições

mais favoráveis de trabalho.

À Leidiane – minha companheira ao longo de praticamente todo o

mestrado – pela convivência, pelo apoio, pela crítica, pelas inúmeras ajudas com

questões gramaticais e o suporte cotidiano das matérias do Serviço Social. Sem a

sua presença a tendência é que meu processo de formação fosse não apenas mais

tardio, mas significativamente menos rico: muitas das temáticas caras às lutas

socialistas, provavelmente, não teriam feito parte, ou teriam feito de forma muito

negligenciada, das minhas reflexões como militante, como acadêmico e,

principalmente, antes, como pessoa.

À Juliana, pela afeição, afinidade, pelos muitos diálogos, pelos livros

presenteados.

À Milena, pela amizade, pelos papos, pelas diversas discussões

profícuas, pelos elogios "desmedidos".

À Clézia, pelas muitas conversas, pelas trocas de sugestões de leituras.

Enfim, à Maria (Mary), Nuara, Fátima (Fatinha), Viviane, Amanda e os

demais componentes da turma "2009" por todo o convívio e pelos ricos debates

proporcionados nas aulas.

À "minha" professora e orientadora Silvana Mara, pelos valorosos

momentos de aprendizagem, pelas contribuições que extrapolam a formação

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universitária, pelo acompanhamento de minha trajetória intelectual, pelas

preocupações, pela relação, pelo acolhimento desde quando manifestei o interesse

em integrar o Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho, Ética e Direitos (GEPTED),

da qual coordena, enquanto ainda cursava a graduação em Administração – uma

experiência que, decerto, tem farto peso no meu percurso de vida. À Silvana, além

de dever assaz agradecimentos, devo desculpas por muitas de minhas teimosias.

À professora Eliana Guerra, pelo carinho com que tem me referido, pela

confiança e pelas oportunidades que me têm proporcionado de colaborar com a

formação de outros alunos.

À professora Denise Câmara, pelas contribuições na ocasião da disciplina

Projeto de Dissertação.

À professora Regina Ávila, pelo empréstimo de um livro, em espontâneo,

que terminou por ser de grande valia no desenvolvimento da pesquisa.

À professora Severina Garcia, por aceitar o convite para fazer parte da

banca de defesa na condição de membro suplente.

Aos professores Henrique Wellen e João Emanuel Evangelista por,

prontamente, terem aceitado o convite para compor a banca de avaliação desta

dissertação, pela sinceridade com que têm me tratado, pela atenção e riqueza no

trato das observações que teceram na ocasião da qualificação.

A Henrique, soma-se o fato de ser um grande amigo, que tem contribuído

para além dos expedientes de um avaliador: desde que nos conhecemos tem sido

minha base de apoio intelectual. A ele sou grato pelos direcionamentos, pelas

indicações, pelos conselhos; por tudo. Não o fosse, seria difícil imaginar que hoje eu

estaria trilhando o caminho da docência, e no interior do Serviço Social.

A todo o PPGSS (Programa de Pós-Graduação em Serviço Social) da

UFRN, na figura de Lucinha, pela paciência e compreensão com os infortúnios de

minha saúde e os prazos estourados.

À CAPES, pelo suporte financeiro, que sem o qual esta dissertação

estaria, em alguma medida, comprometida em sua qualidade.

A Dr. Shin, meu médico, por, literalmente, me dar o tratamento nos longos

períodos que não pude arcar com os custos.

A Richard Stallman e Linus Torvalds, como sínteses do Movimento

Software Livre, por me viabilizar escrever a dissertação distante das amarras

técnicas e políticas dos softwares proprietários.

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A partir do momento em que o operário procura escapar ao atual

estado de coisas, o burguês torna-se seu inimigo declarado.

(Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra)

Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais de acordo

com a sua produtividade material produzem também os princípios,

as idéias, as categorias, de acordo com suas relações sociais.

Assim, estas idéias, estas categorias são tão pouco eternas quanto

as relações que exprimem. São produtos históricos e transitórios.

(Marx, Carta a P. V. Annenkov)

A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o

homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que lance

fora os grilhões e a flor viva brote.

(Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel)

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RESUMO

A problemática que confere contornos a esta pesquisa é a questão do processo histórico de desmobilização dos movimentos das classes trabalhadoras em seu acentuado momento contemporâneo. Seu objeto de estudo, no entanto, e o que lhe particulariza, diz respeito a uma parcela desta problemática; diz respeito a um conjunto de determinações que compõe um conjunto mais amplo de determinações desse processo histórico: trata de um conjunto de determinações forjadas e mediadas pelas estratégias burguesas de gerência para a conformação das circunstâncias necessárias à dominação e à condução das forças de trabalho em suas operações nos processos de trabalho para a produção da mais-valia. O que investigamos são, pois, as estratégias de desarticulação de que a burguesia se utiliza, sob o manto dos subsídios conceituais e interventivos da sua gerência nos processos de trabalho e o crivo das lutas de classes, para obstaculizar a união dos trabalhadores; estorvar os movimentos proletários. Estratégias gerenciais que, intencionalmente ou não, incutem nas relações sociais de produção meios de produzir e reproduzir, ativar e reativar, condições de incitamento do individualismo e da concorrência entre os próprios trabalhadores. Veremos, assim, por meio da análise, centralmente, de alguns dos fundamentos da desarticulação nas estratégias gerenciais burguesas e de algumas das estratégias fundamentais da gerência burguesa hegemonizadas com a reestruturação produtiva de 1970, que a desarticulação, e também a desmobilização, é uma condição concreta, é uma condição objetiva, que está para além de uma questão que pode ser "resolvida" apenas com o esclarecimento cognitivo, apenas com a formação intelectiva crítica. No cotidiano dos espaços de trabalho perpassados pelas estratégias gerenciais burguesas existem elementos, então, que operam como uma força material colocando importantes dificuldades à articulação dos trabalhadores, à solidariedade do proletariado; elementos que põem significativos empecilhos a uma consciência e pertencimento de classe; elementos que agem em favor da atomização do trabalhador – ainda que engendre, no mesmo processo, como uma contradição, potencialidades de resistência e luta às forças do trabalho.

Palavras-chave: Capital. Trabalho. Lutas de Classes. Desmobilização. Estratégias Gerenciais.

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ABSTRACT

The problematic that gives shape to this research is the question of the historical process of demobilization of the movement of the working classes in your accented contemporary moment. Their object of study, however, and that it particularizes, it relates to a portion this problematic; it relates to set of determinations that comprise a broader set of determinations of this historical process: it is a set of determinations forged and mediated by bourgeois strategies of management for the conformation of the circumstances necessary for the domination and for the conduct of labor force on operations in work processes for the production of surplus value. What we investigated are, because, the strategies of disarticulation that the bourgeoisie utilizes, under the mantle of subsidies conceptual and interventive of its management of work processes and the sieve of class struggles, to obstruct the union of workers; hamper the movements proletarians. Managerial strategies that intentionally or unintentionally, instill in the social relations of production means to produce and reproduce, activate and reactivate conditions of incitement of individualism and competition between the workers themselves. We shall see, thus, by analyzing means, centrally, from some of the fundamentals of disarticulation in the managerial strategies bourgeois and some of the fundamental strategies of management bourgeois hegemonized with the restructuring productive of 1970, that the disarticulation, and also the demobilization, is a concrete condition, is an objective condition, that is beyond a question that can be "solved" only by enlightenment cognitive, only by formation criticism intellectual. In everyday of the work spaces permeated by managerial strategies bourgeois there elements, then, operating as a material force putting difficulties important for the articulation of the workers, the solidarity of the proletariat; elements that constitute obstacle significant to an awareness of class and belonging; elements act in favor of the atomization of the worker - even if engenders, in the same process, as a contradiction, potentiality of resistance and fight the forces of labor.

Keywords: Capital. Labor. Class Struggles. Demobilization. Managerial Strategies.

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SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO: A Desmobilização e a Desarticulação.....................................................111.1 – A Desarticulação como o Objeto de Pesquisa e uma Determinação da Desmobilização 131.2 – A Processualidade Histórica da Desmobilização e da Desarticulação.............................181.3 – A Desarticulação como uma Mediação Privilegiada na Totalidade Social ao Entendimento da Desmobilização.............................................................................................201.4 – Perspectiva Teórico-Metodológica, Investigação e Percurso da Exposição....................252 – OS FUNDAMENTOS DA DESARTICULAÇÃO.............................................................332.1 – Mais-Valia e Lucro como a Essencialidade do Compromisso das Estratégias Gerenciais Burguesas ou o Caráter de Classe da Gerência de tipo Burguesa.............................................342.1.1 – A Gerência Burguesa como uma Resposta às Demandas do Capital............................362.1.2 – O Desenvolvimento das Ciências às Necessidades do Capital.....................................402.2 – A Contradição Antagônica nos Processos de Trabalho....................................................442.2.1 – A Imperiosidade do Domínio de Classe para o Comando sobre os Processos de Trabalho....................................................................................................................................482.2.2 – Os Modos de Determinação das Lutas de Classes no Desenvolvimento das Estratégias Gerenciais Burguesas................................................................................................................492.3 – As Estratégias Nucleares da Desarticulação....................................................................552.3.1 – Formas de Tratamento Dispensado à Contradição Capital-Trabalho............................552.3.2 – Personificação dos Conflitos e Impessoalidade da Dominação....................................612.3.3 – Apaziguamento Subjetivo do Trabalhador....................................................................642.3.4 – Utilização da Inovação Tecnológica ............................................................................653 – ESTRUTURA E DINÂMICA DA DESARTICULAÇÃO NO CONJUNTO DAS ESTRATÉGIAS GERENCIAIS BURGUESAS.......................................................................673.1 – Objetividade e Subjetividade, Técnica e Ideologia: Ampliação e Sofisticação da Gerência Burguesa no Comando sobre o Trabalho...................................................................673.2 – A Dinâmica Conformativa da Combinação Coerção-Consenso nas Estratégias da Gerência Burguesa....................................................................................................................703.2.1 – Estratégias Persuasivas-Consensuais e suas Formas Cotidianas como Demandas do Capital.......................................................................................................................................733.3 – A Relação entre as Estratégias de Desarticulação e o Conjunto dos Elementos Componentes das Estratégias Gerenciais Burguesas................................................................783.3.1 – Determinações Fundamentais do Controle nas Estratégias de Intensificação e Desarticulação...........................................................................................................................823.3.2 – A Dinâmica de Desenvolvimento Desigual e Combinado dos Elementos Componentes...................................................................................................................................................854 – A DESARTICULAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE................................................894.1 – O Contexto de Emersão da Reestruturação Produtiva de 1970 e do Toyotismo..............894.1.1 – A Crise de Acumulação do Capital...............................................................................904.1.2 – A Crise do Capital de Mobilização das Forças de Trabalho.........................................924.1.3 – Bases e Expressões da Crise do Capital de Mobilização das Forças de Trabalho........944.2 – Os Fundamentos Estratégicos do Toyotismo na Reestruturação da Acumulação do Capital.......................................................................................................................................974.2.1 – As Contribuições da Dimensão Política do Toyotismo em sua Dimensão Material.....994.2.2 – A Necessidade do Incremento da Produtividade e a Exigência da Conformação de Condições Favoráveis.............................................................................................................1014.2.3 – Liberação e Incentivo à Iniciativa do Trabalhador como Estratégia de Superação das Crises do Capital.....................................................................................................................1044.2.4 – A Sofisticação Objetiva e Subjetiva da Dominação à Exploração da Força de Trabalho

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.................................................................................................................................................1074.3 – As Estratégias Gerenciais Burguesas de Desarticulação no Toyotismo.........................1104.3.1 – A Desarticulação pelo Trabalho Organizado em Equipe.............................................1154.3.2 – A Desarticulação pelo Programa de Sugestões de Melhorias Contínuas....................1194.3.3 – A Desarticulação pela Neutralização das Lideranças..................................................1224.3.4 – A Desarticulação pelo Sindicalismo de "Espírito Toyota"..........................................1235 – CONSIDERAÇÕES FINAIS: Potencialidades das Forças do Trabalho..........................128REFERÊNCIAS......................................................................................................................133

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1 – INTRODUÇÃO: A Desmobilização e a Desarticulação

O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento.

Sua luta contra a burguesia começa com a sua existência.

(MARX e ENGELS, 2005, p.47)

Os questionamentos e as inquietações que deram origem a esta

dissertação foram tecidas no aprofundamento e amadurecimento das reflexões que

redundaram em nosso trabalho monográfico de conclusão do curso de

Administração. Tais reflexões – que, na ocasião, tinham como propósito entender até

que ponto e de que forma as teorias administrativas estão alinhadas com os

objetivos e problemas enfrentados pelo sistema do capital1 – já continham, em

germe, ainda que por outra denominação, na dimensão e abordagem da temática,

um certo reconhecimento do processo histórico de desmobilização dos movimentos

das classes trabalhadoras e do seu momento histórico-contemporâneo acentuado. É

a busca de uma maior apreensão deste processo histórico o móbil do presente

trabalho.

Se tomarmos o contexto sócio-histórico das últimas três décadas do

século XX nos países capitalistas centrais, ou, em geral, a partir dos anos 80 nos

países de capitalismo periférico (como é o caso do Brasil), e a primeira década do

século XXI, temos um momento em que os movimentos do trabalho encontram-se

sintomaticamente em adversidades frente aos avanços do capital. Um momento de

diminuta tenacidade do proletariado, em que suas mobilizações não têm logrado

uma veemência qualitativamente comparável as de outrora.

Não podemos enunciar que o que se tem é uma classe trabalhadora

paralisada, nulificada, anódina, inerme. Mas, também, não dá para apontar que esta

classe não está experimentando um enorme "refluxo" (NETTO, 2007, p.11;

ANTUNES, 2006, p.188), uma depressão, uma letargia, um estado de propostas

dissolvidas, uma segregação e dispersão de suas bases. Como diz Frederico (1994,

p.48-49) uma "classe operária desenraizada, atomizada e sem canais de expressão

próprios" e com um "desinteresse ostensivo em relação à sua própria atividade".

1 A monografia tem como título: "Adestramento da Força de Trabalho: teorias administrativas como instrumento de exploração e dominação".

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Salvo importantes greves e motins de resistências, o que se tem nesse contexto é

uma classe debilitada, de limitadas iniciativas, de mobilizações mórbidas,

pulverizadas; pouco reivindicativas, parcamente clamativas, superficialmente

contestadoras, de obstinação quase sempre corporativista e de indulgência com

muitas das proposições burguesas; uma classe que frequentemente não tem

conseguido reunir forças nem mesmo para manter suas aquisições históricas2; uma

classe, particularmente no que tange ao movimento socialista, essencialmente,

inexpressiva, imóbil3.

Tal contexto sócio-histórico referenciado – do qual entendemos por

contemporâneo – certa vez, foi caracterizado por Eagleton (2011, p.1), um

destacado crítico literário marxista britânico, como "uma era de conservadorismo".

Contexto este que, segundo Antunes (2006, p.187), marca para os movimentos do

trabalho "uma situação fortemente crítica, talvez a maior desde o nascimento da[s]

classe[s] trabalhadora[s] e do próprio movimento operário"; e que, para Iasi (2007,

p.8), assinala um período onde as classes sociais do trabalho acabaram "por voltar a

se diluir na sociedade que queria negar, amoldando-se, fragmentando-se novamente

em interesses individuais". Para Netto (2004, p.84), os movimentos das classes

trabalhadoras estão em uma "complacência resignada diante do presente".

Arcary (2006, p.259) chega a dizer, em sua avaliação sobre esse

momento das mobilizações proletárias, particularmente de suas representações, que

"o movimento operário não está conseguindo formar, sequer, traidores, ou seja,

lideranças que defendem o movimento operário e que depois os traem". Ainda que

sua análise nos pareça um tanto quanto caricaturada e por demais personificada,

esvaziando e perdendo de vista, em alguma medida, as discussões sobre os

problemas estruturais da dinâmica de desmobilização, debitando o que é, de algum

modo, uma consequência a uma causa, entendemos que sua assertiva pode ser

utilizada para, de certa forma, ilustrar o referido momento.

Que dizer, e dispondo sobre um espaço-tempo mais dilatado, os

movimentos das classes trabalhadoras passaram de momentos históricos com um

2 Ao fazermos referência a perda de suas aquisições históricas, não estamos apenas versando sobre os direitos relacionados às legislações trabalhistas. Mas, a todos os direitos que são de usufruto e de suma importância para esta classe. Isto é, os direitos sociais como um todo e, em particular, as políticas sociais.

3 Devemos, em muito, o uso do termo “imóbil” à Cristina Paniago; quando, em um artigo seu, a autora utilizou a expressão "imobilidade dos trabalhadores" (PANIAGO, 2001, p.2).

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relativo ou áureo protagonismo social4, em que se apresentavam como um

movimento hegemonicamente combativo, reivindicativo, crítico; a um momento

histórico em que sua capacidade política de articulação e defesa de um projeto de

sociedade diminuiu largamente, apresentando-se como um movimento

predominantemente defensivo e acrítico, ou mesmo irreflexivo. Da intrepidez de uma

classe cujo predicado da sua constituição foi radicado na luta à prostração de uma

classe segregada. Das fervorosas mobilizações às diluídas manifestações.

É com o intento de desenvolver sobre alguns dos elementos que julgamos

fundamentais para a compreensão desse momento contemporâneo de acentuada

desmobilização dos movimentos das classes trabalhadoras que o presente estudo

se qualifica.

1.1 – A Desarticulação como o Objeto de Pesquisa e uma Determinação da Desmobilização

Ao fazermos o recorte, desenvolvendo sobre alguns dos elementos

fundamentais desse momento histórico – que entendemos como sendo de

inexpressividade, de imobilidade – muitos outros elementos, no entanto, e que são

imponentes fundamentais para a compreensão da desmobilização dos movimentos

das classes trabalhadoras, vale frisar, não foram aqui sistematizados. Em larga

medida, por entendermos que são elementos essencialmente centrados em

complexos sociais ou fenômenos sociais que extrapolam ou fogem ao escopo da

exposição por nós pretendida – ainda que os levem em conta como mediação na

totalidade social.

Nesse conjunto mais amplo de determinações5 que condiciona momento

contemporâneo de acentuada desmobilização, certamente, por exemplo, as

mutações e morfologia contemporânea do trabalho, que, por exemplo, Antunes

(2010, p.51,56-58,198; 2006, p.191), no seu clássico livro "Adeus ao Trabalho?",

4 Um destacado momento, e marco, do protagonismo social e político das classes trabalhadoras é o ano de 1848, em que tanto a revolução deste ano – primeiro aprendizado revolucionário do movimento operário – quanto o manifesto do partido comunista "se revelaram como índices" (NETTO, 2004, p.62-63). Para uma clássica e sintética análise sobre a importância de 1848 para a história do movimento das classes trabalhadoras, ver (NETTO, 2004).

5 Importante destacar que o termo “determinar” em Marx, como também o empregamos, não tem o sentido de algo obrigatório, impositivo, derivativo. “Determinar” significa pôr determinações, colocar condicionantes.

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desenvolve e sintetiza como a "fragmentação", a "complexificação" e a

"heterogeneização" das classes trabalhadoras, é um aspecto de grande relevo a ser

considerado: uma classe trabalhadora composta por trabalhadores super-

qualificados, mas também por trabalhadores super-desqualificados; intelectualizados

e brutalizados; formais e informais; primeirizados e terceirizados; estáveis e

precários; homens e mulheres; jovens e velhos; imigrantes e nacionais. A estrutura

sindical "manietado" (FREDERICO, 1994, p.66)6; a perda do seu caráter classista; a

existência dos sindicatos "de carimbo" (MATOS, 2009, p.133); a ditadura militar; o

desmoronamento das transições socialistas, lideradas pela Rússia, que faz "o

ideário emancipatório perseguido pela esquerda" sofrer, como coloca Frederico

(1994, p.12), "a desmoralização de uma experiência frustrada"; a guerra ideológica

contra as idéias comunistas e seus símbolos de luta, sobretudo, aquela guerra que

se disfarça sobre o discurso do “fim das ideologias” e “fim do socialismo”, são

algumas outras determinações sobre a desmobilização7.

Entre outras determinações, e que igualmente se auto-determinam, não

se pode deixar de considerar as importantes determinações oriundas do período

stalinista, ou por ele mediado. A despeito das grandes conquistas sociais daquele

tempo, da ajuda e da contribuição imediata a inúmeros organismos comunistas de

diversos países, numa perspectiva mais ampla e de longo prazo, o stalinismo, ao

impor seu modelo de partido e organização societária, "sem levar em conta as

particularidades nacionais" e calando "vozes divergentes" (FREDERICO, 1994,

p.15), como Rosa Luxemburgo e Gramsci, contribuiu mais diretamente ou mais

indiretamente com a crise dos partidos e das mobilizações de bases. Ao operar,

como diz Frederico (1994, p.8,51), uma "simplificação do legado teórico" marxiano e

da tradição marxista, transformou a crítica dos clássicos em uma "doutrina

petrificada", em "justificação teórica do existente". Ao submeter as ricas idéias de

Marx, Engels e Lênin a uma "grosseira pasteurização", ao reduzi-las "à simplória e

dogmática ideologia conhecida como marxismo-leninismo", trouxe relevantes

problemas ao processo de formação e ao processo de transformação – se entendido

6 Para uma boa e ampla abordagem sobre o problema da estrutura sindical para o movimento das classes trabalhadoras, ver (BOITO JR, 1999); e para uma abordagem menos pretensiosa ver (MATOS, 2009, p.117-152).

7 Antunes (2006, p.187-194), em um artigo intitulado "A Crise do Movimento Operário e a Centralidade do Trabalho Hoje", que compõe um de seus livros, faz um brevíssimo esboço dos "elementos constitutivos" que, segundo ele, são imprescindíveis ao entendimento "desse quadro" crítico dos movimentos operários e de "grande complexidade".

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o rigoroso conhecimento do real como uma precondição da condução consciente

das transformações.

O fenômeno social do fascismo e o movimento teórico-político da social-

democracia são outros dois importantes determinantes que também não se pode

deixar de levar em consideração na desmobilização. O fascismo, por surgir e atuar

como uma desmedida força para liquidar a organização da classe operária, política

ou sindical. A social-democracia, por suas implicações prático-ideológicas,

heterogêneas8, na direção de uma parte substantiva das classes trabalhadoras. Ao

substituir, como coloca Mészáros (2010, p.62), "as exigências de uma estratégia

ampla pela prática pedestre de 'mudança gradual'", a social-democracia, e para

invocarmos uma análise bastante feliz de Luxemburgo (apud MÉSZÁROS, 2010,

p.21), dissolveu "o setor de classe ativo e consciente do proletariado na massa

amorfa de um 'eleitorado'"9.

Enfim, em uma frase, e na precisa e estética elaboração de Marx (2002,

p.21), "a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro

dos vivos".

8 É válido notar que não apenas as implicações prático-ideológicas da social-democracia são heterogêneas, a sua própria conformação de forças também é bastante heterogênea. As gradações do revisionismo, do reformismo, do "socialismo evolutivo", como Bernstein (apud MÉSZÁROS, 2010, p.18), um dos principais pensadores e pregoeiros da social-democracia, juntamente com Kautsky, prefere chamar, ou "socialismo oportunista" como rotula Lênin (1916, p.4), são muitas. Um exemplo da amplitude conceitual que carrega o termo social-democracia é que, na sua origem, também comportava uma variante revolucionária. No entanto, apenas aquela que adotava uma espécie de incrementalismo herdou historicamente o seu nome: haja vista que, para a revolucionária, e já nos apropriando das palavras de Bihr (2010, p.20), "esse mesmo termo tornar-se-á progressivamente uma injúria com função de anátema, autojustificação e sobretudo a degeneração de qualquer paternidade com a versão declarada do modelo social-democrata". Por esta razão, também utilizamos o termo social-democracia apenas para nos referir a perspectiva reformista.

9 Ainda que o combate travado contra o "gradualismo reformista" (MANDEL, 2001, p.82) das idéias da social-democracia apenas ganhe corpo apartir de 1875 – tendo, segundo Mandel (2001, p.82), os seus “principais produtos" em Crítica ao Programa de Gotha, de Marx, deste ano, e Anti-Duhring, de Engels, publicado em 1879 –, Marx (2002, p.54-55), em O 18 Brumário, publicado em 1852, faz uma análise das forças da social-democracia que já contempla suas tendências das fases maduras: "O caráter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia". Segundo Tonet e Nascimento (2009, p.45), as críticas que Marx sistematiza aos desdobramentos do congresso de unificação de Gotha são, sobretudo, "pelo seu silêncio quanto a anatomia do desenvolvimento da sociedade capitalista, o caráter de classe do Estado e a necessidade da revolução socialista". Rosa Luxemburgo e Lênin também travaram debates contra as idéias da social-democracia, num momento em que essas ideias estavam às portas de seu momento acentuadamente revisionista: por exemplo, respectivamente, em Reforma ou revolução?, datado de 1900, e em O Oportunismo e a Falência da II Internacional, publicado em 1916.

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Assim, a exposição que se segue tem como matéria um conjunto de

determinações que compõe um conjunto mais amplo de determinações desse

momento histórico contemporâneo engendrado com o processo da reestruturação

produtiva de 1970 . O objeto da exposição é as determinações forjadas e mediadas

pelas estratégias gerenciais burguesas contemporâneas para a conformação das

circunstâncias necessárias à dominação e à condução das forças de trabalho em

suas operações nos processos de trabalho para a produção da mais-valia.

Conforme desenvolveremos com mais detalhes nas páginas que se

seguem a esta introdução, para comandar as forças de trabalho na produção – uma

força cujos interesses e necessidades são diferentes, contraditórias e antagônicas

aos do capital –, a burguesia deve contemplar em suas estratégias de gerência dos

processos de trabalho, além dos elementos que lhe possibilite incrementar a

produtividade, os elementos que lhe permita conter e superar as resistências e lutas

do proletariado; elementos que lhe faculte dominar as forças do trabalho.

O objeto da exposição é, pois, as estratégias hegemonizadas com o

processo da reestruturação produtiva de 1970 que a burguesia se utiliza nos

espaços da produção capitalista, sob o manto dos subsídios conceituais e

interventivos da sua gerência e o crivo das lutas de classes, em que, de modo

intencional ou não – importante destacar –, terminam por obstaculizar a união dos

trabalhadores, estorvar os movimentos das classes do trabalho; terminam por incutir

nas relações sociais, sobretudo de produção, meios de produzir e reproduzir, ativar e

reativar condições de incitamento do individualismo e da concorrência entre os

próprios trabalhadores.

A idéia síntese preponderante, ainda que de fundo, que atravessa e que

emerge do texto, é a de que essas estratégias gerenciais burguesas, que incutem

condições de não identidade de classes, de cisão do estreitamento de vínculos, de

fissura da ampliação de laços proletários, e que entendemos como sendo de

desarticulação10, é, dessa maneira, um conjunto de circunstâncias e determinações

que condicionam, em larga medida, o caráter do modo e da forma de ser dos

movimentos das classes trabalhadoras; é um conjunto de elementos que

desencadeiam substanciais condicionalidades ao processo de desmobilização dos

10 Devemos o clareamento intelectivo dos elementos de desarticulação como uma obstaculização à articulação e ao pertencimento de classe, em grande medida, a uma passagem de Bensaïd (1999, 265). Indica ele em seu livro "Marx, o Intempestivo": “uma discussão sobre os obstáculos ao desenvolvimento dos elos de solidariedade e de uma consciência coletiva crítica é sem dúvida necessária”.

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movimentos das classes trabalhadoras. As estratégias gerenciais burguesas de

desarticulação operam como uma força material colocando importantes dificuldades

à articulação dos trabalhadores, à solidariedade do proletariado; operam colocando

significativos empecilhos a uma consciência e pertencimento de classe – ainda que

engendre, no mesmo processo, como uma contradição, conforme veremos,

potencialidades de resistência e luta às forças do trabalho. A desarticulação é um

conjunto de circunstâncias e determinações que está, portanto, para além de uma

questão que pode ser "resolvida" apenas com o esclarecimento cognitivo, apenas

com a formação intelectiva crítica pautada em explicações de descortinamento da

alienação, da fetichização, da coisificação.

Não é somente uma questão de esclarecimento cognitivo; de formação

intelectiva crítica. As vanguardas podem tomar consciência do processo, podem ter

ímpeto revolucionário, mas não conseguem se apoderar das massas e revolucionar

de acordo com suas vontades. No cotidiano da produção do capital existem

condições objetivas de atomização do trabalhador. "Os homens fazem sua própria

história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua

escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente" (MARX, 2002, p.21).

Como bem destaca e resume o pensador húngaro e marxista, Mészáros (2010,

p.25-26),

[...] não se trata de uma condição de que o povo hoje enganado possa em princípio se desembaraçar por meio do esclarecimento ideológico-político apropriado […]. Lamentavelmente é algo muito mais grave do que isso, pois a falsa aparência em si resulta de determinações estruturais objetivas e é constantemente reforçada pela dinâmica do sistema do capital em todas as suas transformações.

É debruçando-se, portanto, sobre a desarticulação que buscamos

compreender uma parte do conjunto de determinações da desmobilização. A

categoria desarticulação, que na monografia aparecia relativamente marginalizada,

aqui sai da tangencialidade e adquire centralidade na análise; obtém o estado de

categoria nuclear. A desarticulação – como um momento das estratégias gerenciais

burguesas – torna-se nosso objeto de pesquisa, e o eixo axial sobre o qual é

exposto o presente trabalho.

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1.2 – A Processualidade Histórica da Desmobilização e da Desarticulação

É importante o leitor estar atento, sob pena de refletir de modo

reducionista a história dos movimentos das classes trabalhadoras e a história do ser

social, que quando se fala em momento acentuado de desmobilização e de

especificidade das estratégias gerenciais burguesas contemporâneas de

desarticulação, o primeiro aspecto que se deve ter em mente é que esse momento e

essas estratégias não são uma casualidade; não são uma condição singular por

sorte do tempo contemporâneo. O momento acentuado de desmobilização é apenas

um dos seus momentos históricos; uma de suas fases. A desmobilização, e também

a desarticulação, ainda que esteja mais evidenciada ou menos evidenciada, mais

eficiente ou menos eficiente, em determinados momentos históricos, é um

movimento que se encontra presente cotidianamente na produção e reprodução da

sociabilidade do capital; é uma necessidade imanente da estrutura e da dinâmica do

sistema burguês; é uma premência para se intentar exitar os empreendimentos

capitalistas e atender aos imperativos do capital; e não um estado de ser.

O destaque que demos ao momento de acentuada desmobilização das

classes trabalhadoras, assim, longe de significar um momento e uma condição

inteiramente nova e surpreendente da história, significa, apenas, de um modo geral,

que foi este momento contemporâneo de inexpressividade, de imobilidade, em larga

medida, o que nos despertou e nos fisgou para a temática. A história do movimento

político, de lutas e de formação, do conjunto desta massa trabalhadora é, deveras,

bastante intermitente: repleto de avanços e recuos, progressos e regressos, coesões

e fraturas; copiosos momentos de ascenso e descenso, recalcitrâncias e

docilidades. Momentos de crises e de sucessos processualmente existiram e

coexistiram. Suas lutas foram, continuamente, definidas e redefinidas.

O grau de articulação entre os sujeitos do proletariado e o nível da sua

solidariedade de classes flutua sob a determinação da conjuntura sócio-política,

econômica e cultural dos acontecimentos históricos; dos redimensionamentos da

dinâmica do capital; das mutações próprias às classes laboriosas. O estatuto da

consciência e do pertencimento de classe dos assalariados, em certa medida, foi

mais cônscio e desvencilhado das ilusões da sociedade burguesa em alguns

períodos, e mais obtusos e alienados em outros. Eras de lideranças representativas,

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de crises de direção, de penitências e impenitências nas vanguardas; de adesão

orgânica e de transeuntes às fileiras do movimento classista do proletariado.

Períodos de oscilação intensa do proletariado como um pólo de atração ao

engajamento teórico-político de intelectuais. Épocas revolucionárias e épocas

contra-revolucionárias são ciclicamente sobrepujadas ao longo da história do capital;

tempos dominantemente de perspectivas emancipadoras ou combativas no espectro

da esquerda são contrapostos a tempos de perspectivas reacionárias ou

conservadoras.

Momentos históricos de zelo para com o fortalecimento da organização

dos movimentos das classes trabalhadoras, para com o acúmulo de forças, para

com a ampliação do seu potencial de luta, para com o avigoramento da sua

capacidade de mobilização, para com a construção mesma das classes

trabalhadoras como uma classe, contrastam com momentos onde as lutas têm um

significado, quando muito, de conquistas, por assim dizer, de cunho mais

imediatistas. Quadras históricas onde as greves são mais ajuizadas por seus efeitos

objetivos variam com quadras históricas onde as greves são mais ajuizadas como

momentos de aprendizagem, de formação intelectual e política, de (auto)educação

das massas proletárias; quadras históricas onde as greves são mais ajuizadas

como, nas palavras de Engels (2008, p.258), "a escola de guerra na qual os

operários se preparam para a grande batalha". Períodos em que, mais propriamente,

se entendem o verdadeiro resultado das lutas como o êxito imediato, se permutam e

se revolvem com períodos em que o entendimento que se sobressai é de que o

verdadeiro resultado das lutas, como dizia Marx e Engels (2005, p.48) é "a união

cada vez mais ampla dos trabalhadores".

Na trajetória do movimento das classes trabalhadoras, não foram em

todos os momentos históricos que a força do proletariado foi o suficiente para

colocar na ordem do dia das sociedades burguesas a problematização e o

enfrentamento da chamada “expressões da questão social”. A condição de

existência das grandes massas, as penúrias, a pauperização absoluta e relativa dos

trabalhadores, suas precarizações, seus problemas sociais – oriundos e próprios à

emersão do modo de produção capitalista – foram, com alguma frequência,

desdenhados ou subjugados por seu antagonista às necessidades das forças do

capital. Em algumas ocasiões o espírito do movimento do trabalho não foi sequer

contido hipocritamente nas idéias dominantes.

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Em uma frase: a efetividade do movimento operário, seus resultados, sua

organização e sua mobilização, foram bastante díspares, irregulares, variáveis, em

todos os seus quadrantes ao longo de sua plurissecular, mas nova, existência11;

vitórias parciais e derrotas igualmente parciais se sucedem ao longo de sua

trajetória de vida.

Quer dizer, e dito por outro caminho, o processo histórico de

desmobilização e de desarticulação das classes trabalhadoras, por ser um processo

histórico, e não uma etapa, se dá de modo processual. Desmobilização e

desarticulação têm historicidades que não são uma linearidade; suas trajetórias não

têm um caráter necessariamente evolutivo. Desmobilização e desarticulação

possuem uma processualidade dialética de afirmação e negação historicamente

construída na contradição. A fase ou o momento acentuado por que passa a

desmobilização e a desarticulação sobre os movimentos das classes trabalhadoras

é, tão-somente, logo, uma fase ou um momento de uma história que se dá

processualmente determinando.

1.3 – A Desarticulação como uma Mediação Privilegiada na Totalidade Social ao Entendimento da Desmobilização

Também é importante observar que ao apontarmos que as

determinações, sob as quais particulariza-se nosso estudo, encontram-se nos

processos de trabalho da produção material, não estamos indicando, com isso, que

este trabalho reduz a investigação apenas à dimensão física da produção; aos

aspectos sensíveis, corpóreos, da atividade produtiva. Não fazemos esta fratura.

A própria produção, efetivada pelos processos de trabalho, não é formada

apenas por sua base material; é constituída, também, e ineliminavelmente, por sua

base ideal: pelas idéias que a embasam, sustentam e a viabilizam. Os processos de

trabalho da produção material são compostos: tanto por elementos da matéria

11 Para uma análise clássica das primeiras fases de construção dos movimentos das classes trabalhadoras, ver "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra" (ENGELS, 2008). Hobsbawm (apud NETTO, 2008, p.9) expressa bem o que também pensamos em relação à importância e ao significado deste escrito de Engels: "três razões principais – a primeira: este livro é um marco na história do capitalismo e da moderna sociedade industrial; a segunda: ele constitui uma etapa na elaboração do marxismo, isto é, da nossa compreensão da sociedade; e a terceira diz respeito à sua qualidade literária. Simultaneamente erudito e apaixonado, articulando a denúncia e a análise, ele é, para dizê-lo numa só palavra, uma obra-prima".

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quanto por elementos do espírito; tanto da materialidade quanto da intelectualidade;

das formas do trabalho12 e das formas da consciência; são perpassados por

determinações da “posição teleológica primária” e das “posições teleológicas

secundárias”. São atravessados, tanto por compostos objetivos quanto subjetivos.

Os processos de trabalho são, a propósito, a objetivação da subjetividade; a

subjetividade objetivada. Cada um dos aspectos tende ao outro, reflete o outro;

exige do outro a sua presença; cada um dá ao outro o seu objeto, a sua base

constitutiva; cada um motiva no outro a sua forma, o seu caráter, o seu acabamento

(MARX e ENGELS, 2007; MARX, 2003a). Um é condicionado pelo outro, um

determina o outro: nos quais, como recorda Iasi (2007, p.91), “o que é condicionado

pode agir de forma determinante sem que deixe, por isso, de ser determinado”.

Não se pode decantar, sob pena de empobrecer ou anular a análise da

realidade, a subjetividade presente na objetividade; de igual modo, não se pode

separar da subjetividade a objetividade que nela reside. Amputar a condição una de

reciprocidade dialética conceitual e interventiva das estratégias gerenciais

burguesas significa cancelar qualquer compromisso com o entendimento destas

estratégias gerenciais na sua qualidade de subsidiadora da exploração e dominação

dos proletários. Abrir mão, na análise, do discurso ou da prática das estratégias

gerenciais burguesas deve implicar em abrir mão da compreensão das formas

concretas de subordinação do trabalho ao capital.

A escolha para nos debruçarmos sobre estas determinações oriundas dos

processos de trabalho mediadas pelas estratégias gerenciais burguesas, e não

sobre outras determinações sociais que rebatem no processo de desmobilização,

deve-se – além de uma predileção pela temática e por ser esta um encontro de

justaposição entre minhas formações acadêmicas: as estratégias gerenciais da

Administração e os sujeitos sociais privilegiados no chamado Projeto Ético-Político

do Serviço Social – também, por entendermos, na esteira dos fundamentos da teoria

social crítica marxiana, que este conjunto de determinações incide mais diretamente,

e fundamentalmente, em uma dimensão dos complexos sociais que faz parte do

momento predominante na totalidade social. Isto é, as determinações do nosso

objeto, por estarem balizadas na produção material da vida social, têm uma ligação

dialética mais imediata, mais estreita, mais intensa, mais substanciosa, com as

12 Trabalho no sentido de intercâmbio orgânico com a natureza e que resulta em meios de produção e/ou meios de subsistência.

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relações sociais de produção, com as relações de trabalho – que é a modalidade de

relação social que tende a ser o momento predominante no conjunto das relações

sociais da totalidade social.

São as relações sociais que se dão no espaço da produção, aquelas que

se realizam em torno dos processos de trabalho, que tendem a ser as relações

sociais de maior determinação de uma sociabilidade. Na co-determinação entre os

complexos sociais da vida social, cabe, como uma determinação ontológica, às

relações sociais de produção da vida social o momento predominante sobre as

relações sociais de reprodução da vida social. As primeiras são mais reflexivas que

as segundas. Uma transfiguração no complexo das relações sociais de produção

tende a promover determinações mais amplas e profundas sobre outros complexos

do que as relações sociais de reprodução podem refletir sobre a produção e sobre

outros complexos sociais. Sua propagação tem mais viscosidade, é mais invasiva;

assentam, mais significativamente, necessidades e possibilidades às esferas da

reprodução social do que o inverso. Uma relação social de produção forjada sobre

egoísmos, conflitos e antagonismos deverá reproduzir, nos outros complexos

sociais, relações egoístas, conflituosas e nutridas por expressões do antagonismo.

O que a produção fornece à reprodução social, destarte, não é unicamente o seu

objeto material; fornece ainda o modo de consumo, a forma subjetiva do sujeito;

fornece a produção das idéias, das representações; fornece a consciência social;

fornece o ser dos indivíduos. Como classicamente nos ensina Marx e Engels (2007,

p.19-20), “são os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas

relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu

pensamento e também os produtos do seu pensamento”. Segundo eles, “mesmo as

fantasmagorias existentes no cérebro humano são sublimações resultantes

necessariamente do processo de sua vida material”. “O modo de produção da vida

material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral.

Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que,

inversamente, determina a sua consciência” (MARX, 2003, p.5).

Assim, por se situar no interior, ou próximo, em termos mediadores, dos

complexos sociais da produção e suas relações sociais, as determinações oriundas

da desarticulação apresentam-se como fundamentais para o entendimento e para a

processualidade histórica da desmobilização dos movimentos das classes

trabalhadoras. Por se situar em maior proximidade mediadora com as

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determinações ontologicamente mais fundamentais, as determinações da

desarticulação ganham, por assim dizer, um estatuto analítico-interventivo de relevo.

A assimilação deste conjunto de determinações tende a possibilitar ou fornecer ao

pesquisador maiores potencialidades teórico-metodológicas em seu movimento ideal

(no plano das idéias) de apreensão do movimento do real. Tende possibilitar ou

potencializar às vanguardas proletárias a apuração de estratégias e táticas de lutas

e de resistência. Tende possibilitar ou potencializar às forças do trabalho, sobretudo

ao operariado, tomar ou retomar algum nível de consciência social sobre o

antagonismo capital-trabalho; algum nível de auto-reconhecimento da sua função

social no cotidiano, no espaço laboral, na atividade de trabalho. Assimilá-las tende

possibilitar ou potencializar ao trabalhador, para valermo-nos de Lukács por meio de

Evangelista (2000, p.106), a "suspensão da cotidianidade", alçando "o indivíduo à

dimensão da totalidade", o possibilitando ou o potencializando "perceber a plenitude

de sua existência social, intuindo/conhecendo a sua lógica social, apreendendo,

mais ou menos, os vínculos orgânicos das relações sociais imediatas". Tende

possibilitar ou potencializar uma maior radicalidade13.

Aos assistentes sociais, avaliamos, apropriar-se do entendimento deste

conjunto de determinações tem o seu relevo, ao menos, por dois motivos. Um deles,

é que não apenas as demandas em relação às suas intervenções profissionais estão

marcadas, em maior ou menor medida, por estas determinações; mas, também,

porque faz parte de sua inserção profissional os espaços sócio-ocupacionais onde

estas determinações mais fortemente se efetivam (como, por exemplo, as fábricas

capitalistas). Um outro motivo, é que não apenas estas determinações incidem, na

medida em que são um assalariado, também, sobre os assistentes sociais; mas

porque o seu exercício profissional, as suas intervenções, – como brevemente

veremos – podem contribuir, como um elemento estratégico da gerência burguesa,

na composição destas determinações.

Não quer se dizer, com isso, necessariamente, que a compreensão das

determinações da desarticulação – de que trata este trabalho – seja onde se

comporta a melhor explicação ao processo histórico de desmobilização dos

movimentos das classes trabalhadoras. Não implica dizer, com isso, que as

determinações oriundas da desarticulação seja a chave explicativa do processo

histórico de desmobilização e do, ou dos, momentos de

13 Vale lembrar que, para o marxismo, ser radical é ir à raiz do problema.

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inexpressividade/imobilidade dos movimentos do proletariado; ou mesmo, que estas

determinações operem circunscritas, restritas, aos muros da produção, sem

conexões e mediações com outras determinações de outros complexos sociais.

Mas, significa dizer que, quando não compreendida essas determinações e não se

levam em conta nas análises das determinações de outros complexos sociais, tais

análises tornam-se menos determinadas, menos caras, menos precisas. Perde-se,

neste caso, pois, a possibilidade de apreender elementos determinantes da

desmobilização que se encontram obscurecidos nos complexos sociais mais

imediatos à consciência social quando estes elementos só têm sentido ante a

mediação com as determinações da desarticulação. Não compreender ou não tomar

em consideração os determinantes da desarticulação implica em não conseguir

apreender algumas determinações de outros complexos que fazem mediação com

estas determinações da desarticulação.

Ou seja, o aclaramento ao processo histórico de desmobilização dos

movimentos das classes trabalhadoras não pode subsistir com algum nível de

consistência sem que em sua análise leve-se em conta aspectos fora dos complexos

sociais econômicos: produção, distribuição, troca e consumo14. Não dá, por exemplo,

para explicar a vida em sociedade sem considerar o peso da política. É inconcebível

extirpar do processo histórico deste movimento de desmobilização os importantes

fatores extra-econômicos. É fora da produção material que os seres sociais tomam o

contato diário com os conflitos da sociedade, com as lutas históricas, com as

disputas em torno de interesses e de idéias; é fora da produção material que se vive

as lutas de classes, que se adquire consciência delas, que os sujeitos se inserem e

as conduzem15; é fora da produção material que as classes tomam formas

expressas, dentre outros, em personalidades, em partidos, formas de governo,

legislações específicas, fundos públicos, em manifestações artísticas, culturais, e da

imprensa. É, pois, fora da produção material que o tecido vivo das correlações de

forças edifica os sustentáculos da sociabilidade cotidiana. É no campo da ideologia,

do qual a política é uma de suas facetas, que as lutas de classes têm um de seus

14 Vale destacar que ao falarmos, na esteira de Marx, da determinação econômica, não estamos referindo-se apenas a questão monetária. Mas sim, sobre a relação dialética que existe entre a produção, a distribuição, a troca e o consumo. Para uma análise desta relação, ver (MARX, 2003a).

15 Lukács (2009, p.234) trata muito bem desta questão ao resumir que: “a ideologia produz as formas através das quais os homens se tornam conscientes desses conflitos e neles se inserem mediante a luta”.

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momentos mais importantes; é neste terreno que se rivaliza o modus operandi da

práxis social16.

Não se deve, desta forma, reduzir as explicações do domínio jurídico,

artístico, científico, às explicações da produção; não se deve vitimar na análise as

formas políticas das lutas de classes para só conservar as suas formas econômicas.

Não obstante, é na produção material da vida social que são postas as

circunstâncias e condições que possibilitam estas lutas. Reside nos fatores

econômicos as bases dos conflitos e antagonismos sociais; são neles onde, de fato,

os interesses e objetivos mais fundamentais das classes pólos do sistema capitalista

se conectam mais fortemente. Como lembra Iasi (2008, p.23), “por trás das

personificações políticas conjunturais residem os grandes interesses de classe”;

interesses estes que são resolvidos, entretanto, “em última instância” – como diz

Lessa (2007, p.70) calcado em Lukács – quando se objetiva determinados valores e

ideações no processo de produção.

A relação entre o processo de produção material e as lutas de classes

não é, portanto, uma relação imediata. Entre eles “se interpõe a totalidade social”

(2007, p.158). Engels (2002, p.18), ao prefaciar a terceira edição do 18 Brumário, de

Marx, sintetiza elucidativamente esta mediação ontológica entre as esferas

econômica e política ou ideológica:

Fora precisamente Marx quem primeiro descobrira a grande lei da marcha da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se processem no domínio político, religioso, filosófico ou qualquer outro campo ideológico, são na realidade apenas a expressão mais ou menos clara de lutas entre classes sociais, e que a existência, e portanto também os conflitos entre essas classes são, por seu turno, condicionados pelo desenvolvimento de sua situação econômica, pelo seu modo de produção.

1.4 – Perspectiva Teórico-Metodológica, Investigação e Percurso da Exposição

Muitas explicações que, de algum modo, procuram justificar ou

justificariam este momento histórico acentuado de desmobilização dos movimentos

das classes trabalhadoras, em que têm a dimensão do trabalho como uma de suas

mediações privilegiadas, já foram proferidas. Apesar das distintas matizes dessas

16 Para um breve esclarecimento sobre o papel da ideologia nas lutas de classes, e da política como uma das funções da ideologia, pode-se recorrer a Lessa, em seu livro, bastante didático, mas nem por isso superficial: “Para Compreender a Ontologia de Lukács” (2007, p.69-70).

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posições "teóricas"17, políticas e ideológicas, são explicações que vão do campo da

ciência ao campo da religião; da “perda da centralidade do trabalho” ao “fim do

trabalho”18; de um contexto de extinção do proletariado a um contexto de

atendimento dos seus anseios históricos emancipatórios; do “fim da sociedade

salarial” à “sociedade do consenso”. Explicações em que tal condição de

inexpressividade/imobilidade estaria justificada pelas determinações de uma

“identificação de interesses” fruto de uma reestruturação produtiva (de 1970) que

teria erradicado a contradição entre capital e trabalho; e que estaria marcando o

êxodo do capitalismo à produção comunista – onde todos os eventuais resultados

negativos da transição do capitalismo ao comunismo deveriam ser vistos como as

"dores de um parto" (WELLEN e SERAFIM, 2009, p.37). Ou explicações em que tal

condição estaria justificada por que as diferenças entre patrão e empregado seriam

apenas "diferenças circunstanciais". Enfim, formulações que vão notoriamente de

Gorz, Lojkine, Schaff, passando por Kurz, Offe e Boaventura de Sousa Santos19, até

os pronunciamentos e escritos das encíclicas papais20. (LESSA, 2004, 2007a)

Nesta dissertação, nenhuma determinação da condição de

inexpressividade/imobilidade e do processo histórico de desmobilização dos

movimentos das classes trabalhadoras será buscada num hipotético mundo

apriorístico, da uniformidade, da transcendentalidade. As determinações não serão

17 Utilizamos a expressão teórico entre aspas para chamar a atenção e indicar que esta expressão está no contexto dado pela burguesia e não em um contexto da tradição crítica, da tradição marxista. Esta expressão, neste ponto do texto, tem um conteúdo semântico mais próximo de uma "possível explicação" ou de uma "hipótese", do que, propriamente, a teoria como a reprodução ideal do movimento real do objeto, ou nos termos de Netto (2009, p.674), a teoria como "o real reproduzido e interpretado no plano ideal".

18 Há uma vasta discussão e produção bibliográfica sobre se existe e continua válida a centralidade ontológica do trabalho e a centralidade político-revolucionária do proletariado desenvolvida por Marx no conjunto de sua obra. O debate é amplo e complexo, e não nos cabe fazer uma retrospectiva. Para se aproximar desta temática por meio de autores que em alguma medida corroboram com o nosso posicionamento – além da monumental obra de Lukács, Ontologia do ser social – ver, (ANTUNES, 2006), (NETO E BRAZ, 2006, p.29-51), (PRIEB, 2005), (LESSA, 2007a), (LESSA, 2007 p.155-175), e para uma discussão mais profunda e essencialmente ontológica ver, (LESSA, 2002).

19 Para uma breve análise crítica deste autor, ver (NETTO, 2004a).20 A encíclica papal Rerum Novarum, por exemplo, sistematizou o pensamento do vaticano quanto a

relação entre o capital e o trabalho. Os títulos de alguns de seus capítulos dão algum retrato da perspectiva da Igreja Católica: "Impeça as greves", "A economia como meio de conciliação das classes", "Disciplina e fim destas associações", "Solução definitiva: a caridade". Em uma passagem onde fala sobre as obrigações dos operários também nos parece bastante ilustrativo da sua perspectiva teórico-metodológica: "[...] deve [o operário] fornecer integralmente e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências, e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhes sugerem esperanças exageradas e lhes fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas" (XIII, 1891, p.6).

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forçosamente apresentadas como sendo prefigurações dos arranjos sociais, ou

saída das mentes “brilhantes”, ou engendradas nos “consensos intersubjetivos”.

Aqui, o momento contra-revolucionário não tem caráter de divindade; as

determinações não são pronunciadas descidas do céu. Não aceitamos as fáceis e

conservadoras explicações de uma “dissolução”, “conciliação” ou “harmonização” de

classes; não compactuamos com uma “naturalização divina da condição proletária” –

como querem capital, religião e “Santa Aliança”21. Aqui, as explicações que

apresentamos são mundanas, materiais, são desantropomorfizadas,

dessacralizadas; não provêm da repetição evangélica do credo, não provêm de

ilusões fantasiosas deslumbrantes.

Não entendemos a dinâmica social como uma analogia a evolução das

espécies naturais; não entendemos a história do desenvolvimento social como a

história do desenvolvimento de suas instituições; não entendemos a realidade como

um produto maior que a soma de suas partes, como entendem os holistas. Aqui, a

análise está sob a perspectiva de totalidade; tem o entendimento da realidade como

um “complexo de complexos” (TERTULIAN, 2010, p.395)22; entende-o como um

sistema dinâmico, um “complexo dinâmico” (LUKÁCS, 2009, p.229), e contraditório,

uma “síntese de múltiplas determinações” (MARX, 2003a, p.248); um sistema de

"relações articuladas que se implicam e se explicam", não funcionalmente, mas

“estruturalmente” (NETTO, 2004, p.58). Nem por isso, uma perspectiva que

apresenta a realidade, como faz a teoria social pós-moderna, como um "caos" –

cancelando os pilares de uma possível revolução. Mas, uma perspectiva teórico-

metodológica que entende o real como tendo determinações fundantes e fundadas;

determinações detentoras do momento predominante. Aqui, não "suspeitamos da

distinção" entre a aparência e a essência, não entendemos que basta "deitar o olhar"

para se investigar um determinado fenômeno social, como defendem os partidários

da mesma teoria social pós-moderna. Compreendemos que o real tem na

21 Talvez um dos melhores comentários para se entender o que é e do que se trata a Santa Aliança tenha sido dada por um alto dignitário da Igreja Católica, o cardeal Paluzzo Paluzzi (apud FRATTINI, 2009, orelha). Em suas palavras: "se o papa ordena liquidar alguém em defesa da fé, obedecemos sem perguntar. Ele é a voz de Deus e nós, a sua mão executora." Ou como destaca uma passagem do livro de Frattini (2009, orelha), A Santa Aliança: cinco séculos de espionagem no Vaticano, "Se do alto da sacada da Basílica de São Pedro os papas abençoaram seus fiéis ao longo dos anos, na ante-sala eles receberam embaixadores e chefes de Estado, delegando missões especiais a seus núncios. A Santa Aliança, por seu lado, consistiu em um poderoso instrumento para levá-las a cabo".

22 São complexos parciais, de maiores e menores complexidades, de um complexo maior. Não existe complexos simples (LESSA, 2007).

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manifestação imediata do cotidiano, portanto, na manifestação da sua aparência, a

"dissimulação" (FREDERICO, 1997, p.34) da sua essência, e que são dimensões

"reflexivamente determinados" (LESSA, 2007, p.190). Entendemos, na esteira de

Marx (2008a, p.1080), que "toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência

imediata entre a aparência e a essência das coisas". É preciso interrogar o real,

como diz Ianni (1986, p.2,3), "reiteradamente", "obstinadamente" – sob pena de não

desvencilharmos das obscuridades das estratégias de dominação burguesa.

Na perspectiva ao qual nos vinculamos, a essência humana é a própria

história humana; e não os fundamentos metafísicos supra-sensíveis de uma

natureza humana do neopositivismo. Não entendemos a história como sendo feita

pela bênção de um sacrossanto Espírito Santo, ou por alguma outra categoria

eclesiástica, escolástica ou catedrática. Aqui, entendemos as lutas de classes como

uma das principais forças motrizes da história, até então “inscrita a sangue e fogo

nos anais da humanidade” (MARX, 2005a, p.829), sendo os homens os únicos

demiurgos de seu próprio devir-humano.

Não reconhecemos as “neutralidades axiológicas”. As idéias não são

ingênuas; refletem a defesa de interesses: mais claro ou menos claro; mas,

interesses de classes. Aqui, partimos de alguns pressupostos, que não são nem

arbitrariamente dados nem dogmáticos; mas pressupostos conquistados pela

tradição do materialismo-histórico-dialético. A fonte teórico-metodológica de que

bebemos e nos balizam é a mesma que a burguesia e o pontífice repudiam23: a

crítica da economia política fundada em Karl Marx e Friedrich Engels.

O tratamento que damos aos determinantes da desmobilização não

comporta culpabilizações individualistas. Não reprovamos os sujeitos do trabalho

pela eventual falta de combatividade. Aqui, não culpamos os indivíduos como se

roubados da estrutura; não colocamos o pecado de uma digressão dos movimentos

proletários sob os ombros dos trabalhadores em seus impulsos da moralidade, como

se a personalidade não fosse uma síntese das determinações cotidianas. Não

fazemos de um operário, um robinsonado24. Não superdimensionamos a importância

23 Vale destacar, como um indicativo da militância política e ideológica da Igreja Católica contra o materialismo-histórico-dialético do marxismo, que o atual papa Bento XVI certa vez pronunciou-se dizendo que "o mal da humanidade são as ideologias como a marxista". E, em comunicado oficial do Vaticano sobre a morte de José Saramago – escritor literário português – que ele é um "populista extremista" e se colocou "conscientemente ao lado das ervas daninha da história", e que ele é um "ateu", "comunista" e "marxista". Em outra ocasião, censurou uma das obras de Saramago à indicação do prêmio Nobel de literatura.

24 Termo utilizado por Marx (2003a, p.225) para se referir a uma situação de isolamento social de um

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das impenitências das vanguardas ou das auto-vendições de representes

proletários. Como comenta Mészáros (2010, p.13), “seria de todo errado atribuir a

persistente evolução negativa da política primeiramente a traições pessoais”,

embora reconheçamos, assim como este autor, que “em certo nível de intercâmbio

político, sua contribuição seja inegável”.

Não utilizamos a "pena da galhofa" ou a "tinta da melancolia" para

discorrer sobre o movimento da desmobilização e da desarticulação, como se

utilizou Brás Cubas (ASSIS, 2008, p.19) para discorrer sobre o movimento da sua

vida, uma expressão do complexo movimento de ascensão da sociabilidade

burguesa. Utilizamos do esforço da crítica para dissertar sobre as determinações de

uma condição proletária que, longe de ter sua esfera resolutiva em um "emplasto"

(idem, p.24) que carrega seu nome, não pode ser superada, senão, pela luta

cotidiana e sistemática das classes que compõe as forças do trabalho.

A apreensão dos elementos de desarticulação das estratégias gerenciais

burguesas sobre as classes trabalhadoras procedeu-se por meio da análise crítica

essencialmente de fontes bibliográficas. Mesmo a coleta de elementos factuais e o

colhimento de dados e relatos empíricos foram realizadas por esta modalidade de

pesquisa.

Ainda que a ausência de entrevistas por nós realizada, conduzidas sob

nosso acúmulo de conhecimento e direcionamento, possa se constituir em um ponto

de desfavor a este trabalho, buscamos superá-la, ou ao menos minimizá-la, por

meio da utilização de um conjunto de bibliografias cujos autores exerceram suas

investigações como estudo de caso, com narrações de trabalhadores, vivências nos

espaços de trabalho, e presença em loci. Obras como "Toyotismo no Brasil:

desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência", de Oliveira (2004),

"Trabalho Duro, Discurso Flexível: uma análise das contradições do toyotismo a

partir da vivência de trabalhadores", de Bernardo (2009), "Tear de Homens: relações

de poder em fábricas têxteis", de Evangelista (2000), "Trabalhando para Ford:

trabalhadores e sindicalistas na indústria automobilística", de Beynon (1995), "A

Condição Operária", de Weil (1996), tornaram-se o nosso suprimento de campo. No

indivíduo. Na ocasião, ele criticava Smith e Ricardo por analisarem a sociedade partindo de um homem excluso da sociedade. Desconsiderando, assim, o fato de que os indivíduos e suas produções “são socialmente determinada”, que os indivíduos produzem em sociedade. Esta expressão é uma referência à obra literária de Daniel Defoe (2008), chamada “As Aventuras de Robinson Crusoé”, que vários pensadores utilizaram para ilustrar uma situação de produção e reprodução em isolamento.

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entanto, merece ser destacado, distante de constituir-se em um acidente de

percurso, utilizar-se de fontes secundárias foi, em verdade, uma estratégia de

investigação – em grande parte, por entendermos que, neste momento do nosso

processo de formação, as falas contidas nestas e outras obras nos fornecem

elementos satisfatórios para colaborar em nossas análises.

As estratégias de desarticulação privilegiadas em nossa apreensão foram

aquelas estratégias que se hegemonizaram com a reestruturação produtiva de 1970,

logo, aquelas pautadas pelo sistema toyotista de produção; aquelas estratégias de

desarticulação contemporâneas. O exame das estratégias de desarticulação que

predominaram antes deste período, sobretudo, por meio da literatura dos

pensadores e gestores sínteses das Teorias Administrativas, como Taylor, Fayol,

Ford, Elton Mayo, apresentam-se, aqui, como uma importante mediação à

apreensão das estratégias contemporâneas. Não apenas porque estas estratégias

pretéritas, conforme veremos, continuam em vigência, ainda que com novas

roupagens, mas, também, por que muitas delas compõem a essência, a base, das

estratégias que privilegiamos. Quer dizer, o taylorismo, o fayolismo, o fordismo, a

escola de recursos humanos, e suas formas híbridas, conformam notáveis aspectos

e momentos para o entendimento e a apreensão do processo de desenvolvimento

das estratégias gerenciais burguesas de desarticulação e para o processo de

desenvolvimento histórico das formas contemporâneas dessas estratégias.

A condução que demos ao exame e à exposição das estratégias de

desarticulação e suas determinações na desmobilização, entendemos, tomaram os

contornos de uma discussão mais propriamente no campo dos fundamentos da

temática, do que no campo das expressões históricas do desenvolvimento destas

estratégias. O que apresentamos neste trabalho, portanto, está mais na esfera do

modo de ser das estratégias de desarticulação, do que na esfera da sua forma de

ser. O que temos aqui são, pois, essencialmente, as estratégias fundamentais, ou os

fundamentos das estratégias, que compõem as expressões cotidianas das

estratégias gerenciais burguesas de desarticulação em cada unidade dos espaços

de trabalho.

Vale observar, porém, que centrar nos fundamentos não deve ser

entendido como se ausentar do tratamento das materializações cotidianas das

estratégias de desarticulação. O que deve ser entendido é que o momento

predominante da análise está na estrutura e na dinâmica do processo destas

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estratégias gerenciais da burguesia. Afinal, modo de ser e forma de ser podem

afigurar-se como dois movimentos distintos, mas são dois movimentos de um

mesmo processo. São dois movimentos simbioticamente construídos. Não existe

investigação genética sem ser também histórica. Não se pode apreender a estrutura,

a dinâmica e as contradições de um objeto sem o auxílio do seu desenvolvimento

histórico; sem o amparo das formas mais desenvolvidas do ser. Semelhantemente,

não dá para se fazer uma investigação histórica rigorosa de um objeto sem o

desvelar de sua anatomia genética; sem o revelar do seu método próprio de

investigação.

Na seção 2 situamos as demandas das estratégias gerenciais burguesas

no conjunto fundamental dos imperativos da sociabilidade do capital de modo que

entendamos a necessidade impreterível da existência ontológica dos instrumentais

estratégicos de desarticulação. Veremos como as lutas de classes perpassam e são

perpassadas pela composição das estratégias gerenciais burguesas, fazendo, pois,

das estratégias de desarticulação, de certo modo, uma síntese das lutas de classes;

uma síntese, no processo de produção, da contraposição entre as forças do capital e

as forças do trabalho. Veremos algumas estratégias que compõe o núcleo, a base,

das estratégias de desarticulação que consideramos indispensáveis à apreensão do

sentido dos fundamentos da desarticulação.

Na seção 3 buscamos compreender a relação dialética que há entre o

atendimento das necessidades da desarticulação e algumas outras demandas dos

elementos que compõem as estratégias gerenciais burguesas, de modo que

possamos apreender a estrutura e a dinâmica do desenvolvimento, sobretudo, das

estratégias desarticuladoras. Veremos, ainda, como se combinam e se

complexificam historicamente os métodos desta gerência, particularmente, as

formas que tendencialmente assumem os métodos das estratégias de

desarticulação.

Na seção 4 desenvolvemos sobre como os fundamentos da

desarticulação se expressam nas estratégias contemporâneas desarticuladoras e

assumem as formas no cotidiano. Veremos o modus operandi de alguns dos

principais instrumentais estratégicos de desarticulação, e seus fundamentos,

operados pela gerência burguesa balizadas na gerência de tipo toyotista.

Procuramos contextualizar sua emergência e o papel que tais estratégias são

chamadas a cumprir no suprimento das necessidades de produção e reprodução da

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sociabilidade do capital demandadas pela particularidade do momento histórico de

uma crise que demanda uma reestruturação produtiva.

Nas considerações finais apontamos que, embora a gerência da

burguesia e suas estratégias de desarticulação tenham obtido um certo êxito na

contenção e na superação das resistências proletárias nos processos de trabalho,

essas mesmas estratégias desenvolvem um conjunto de circunstâncias que

potencialmente vulnerabilizam o capital, e engendram importantes condições de luta

às forças do trabalho.

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2 – OS FUNDAMENTOS DA DESARTICULAÇÃO

As estratégias da burguesia para a desmobilização das classes

trabalhadoras têm uma dimensão importantíssima e imprescindível que é ocupada

pelas estratégias burguesas voltadas para a desarticulação do proletariado em seu

espaço de trabalho. Assim, compõem as estratégias mais amplas de desmobilização

na produção e reprodução social as estratégias de desarticulação nos processos de

trabalho.

Tais estratégias desarticuladoras, no entanto, regularmente não se

apresentam isolada e autonomamente na cotidianidade dos espaços laborais fabris.

Não se prestam à aplicação decantada de outras estratégias. Com alentada

frequência perpassam e são perpassadas por estratégias de naturezas

dessemelhantes. Entremeiam-se, e não raras vezes, confundem-se. Estas

estratégias de desarticulação da solidariedade de classes dos sujeitos sociais

subalternos são, deveras, intrínsecas e parte constitutiva do conjunto de elementos

da gerência do processo de trabalho no modo de produção capitalista. São

copartícipe da gerência burguesa. São parciárias nos métodos de gestão e

organização do trabalho nos marcos do sistema do capital. São consorte da função

social operada pelas estratégias gerenciais burguesas, sintetizadas – no devido

tempo histórico – nas chamadas Teorias Administrativas ou Teorias Gerenciais. São,

pois, unidade indissociável.

Por serem assim, estratégias de desarticulação e estratégias gerenciais

do capitalismo não devem ser analisadas como que isoladas, reclusas. Devem ser

versadas como extensão de um mesmo espaço. As estratégias de desarticulação

não devem ser tratadas, senão, no interstício das estratégias gerenciais do

capitalismo.

Destacar, portanto, de saída, o propósito e o caráter de classe dessa

forma de gerência do processo de trabalho, do qual a desarticulação lhe é partidária,

nos parece prudente, sobretudo, aos desígnios desta dissertação.

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2.1 – Mais-Valia e Lucro como a Essencialidade do Compromisso das

Estratégias Gerenciais Burguesas ou o Caráter de Classe da Gerência de tipo

Burguesa

Para sermos concisos e irmos direto à essencialidade mais geral – mas

nem por isso nuclear – do propósito dessa forma de gerência capitalista, podemos

dizer condensadamente que o seu compromisso é com a constante e incessante

busca aos lucros! O lucro é o seu impulso vital e o seu critério mor. É tendo o lucro

como horizonte que se dá o desenvolvimento destas estratégias gerenciais. Para os

capitalistas e seus representantes orgânicos, o lucro representa a vida, a produção e

a reprodução de sua existência. Agir em sua função na universalidade de seus

movimentos constitui, como expressa Netto e Braz (2006, p.96), o “objetivo, a

motivação e a razão de ser do seu protagonismo social”.

A base dos cálculos de qualquer investimento típico do capitalismo não

pode ser outro que não o do lucro. Para seus mandatários, só se vende, só se

investe em mercadorias prontas, ou só se produz, só se investe em forças

produtivas, quando há um retorno de uma quantia em moedas maior do que lhes

eram pertencentes inicialmente. A burguesia atua conforme descreve Adam Smith

(apud MARX, 2004, p. 46):

o único motivo que determina o possuidor de um capital a empregá-lo, seja na agricultura seja na manufatura, ou num ramo particular do comércio por atacado ou varejista, é o ponto de vista de seu próprio lucro.25

Mesmo quando se diz respeito às leis do sistema judiciário, o lucro exerce

sua pressão. Como demonstra o Juiz do Trabalho e professor do Direito, Sobrinho

(2008, p.169), a regra determinativa é que:

[...] nas fronteiras da empresa capitalista, as análises são feitas sob a rubrica da lucratividade, pela subtração entre despesas e receitas, até mesmo os danos físicos e morais dos trabalhadores. Para o empregador, o cumprimento da legislação é algo calculado conforme a lógica de reprodução da relação capitalista.

A propósito, no modo de produção do capital, como se manifestou Walter

25 Quem também expressa com precisão e no mesmo sentido de Adam Smith, séculos depois, é o economista norte-americano, e destacado teórico capitalista dos ciclos econômicos, Wesley Clair Mitchell. Diz ele: "Onde predomina a economia comercial, os recursos naturais não são desenvolvidos, o equipamento mecânico não é utilizado, a habilidade do operário não é exercida, as descobertas científicas não são aproveitadas, a menos que as condições sejam de molde a prometer lucro em dinheiro aos que dirigem a produção" (apud HUBERMAN, p.237).

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Lippmann (apud HUBERMAN, 1986, p.236) – comentarista político e assessor do

presidente estadunidense Woodrow Wilson (1912-1921) – os capitalistas “não

investirão para ganhar medalhas. Não o farão por patriotismo ou como ato de

serviço público. O sistema capitalista é assim. É assim que funciona”.

O que lhes interessam genuinamente não é necessariamente a utilidade

de uso de um produto, o seu valor de uso, mas o seu valor de troca, a sua utilidade

ao mercado. Um produto tão somente pode ser usufruído em suas faculdades pelo

usuário quando antes pôde ser desfrutado em seus pecúlios pelo comércio. A

administração capitalista tem como um grande horizonte o incremento da

produtividade geral do trabalho, mas não tem em vistas ao abastecimento da

sociedade, apenas à expansão do capital. O provimento das necessidades humanas

apenas acontece quando atende a requisitos do capital; apenas acontece quando

promete lucros. A inclinação à venda ou à produção, como bem expressou Engels

(apud HUBERMAN, 1986, p.237):

são determinados não pelo número de barrigas famintas, mas pelo número de bolsas prontas a comprar e pagar. As barrigas sem dinheiro, o trabalho que não pode ser utilizado para lucro, e portanto não pode comprar, ficam abandonados à sua sorte.

Por debaixo desta essencialidade mais geral, a do lucro, operando como

sua base e impelidor, está a mais-valia26: este sim é a essencialidade nuclear do

propósito da gerência burguesa. É da mais-valia que emerge o lucro; é ela que o

parteja, e da qual o lucro lhe é uma parte; da mais-valia, o lucro é sua expressão. O

suporte objetivo da lucratividade é a mais-valia; a mais-valia apossada pelo

capitalista. É, portanto, na apropriação da diferença entre o valor de uso da força de

trabalho (o valor criado pela sua utilização) e o valor de troca desta força (o custo ao

capitalista da reprodução física e social da força de trabalho) que se reside os

exequíveis dividendos lucrativos. Na expropriação do valor, produzido pelo

trabalhador, excedente ao valor que corresponde àquele que lhe é pago pelo

capitalista, é que se advém as possibilidades outras de lucro e de acumulação de

capitais27. Logo, é a extração da mais-valia e/ou a sua realização o compromisso

último das personificações do capital. As formas de gestão e de organização do

trabalho têm que atender, dessa maneira, aos limites dados em última instância

26 Outras denominações à mais-valia também é possível, como: mais-valor ou sobretrabalho.27 Nos termos marxiano, a expropriação do valor excedente corresponde ao "tempo de trabalho

excedente"; enquanto que o valor que é pago pelo capitalista ao trabalhador corresponde ao "tempo de trabalho necessário".

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pelos processos de criação de valor e pelos processos de valorização do valor. O

trabalho na sociedade do capital, nos dizeres de Lessa (2007, p.60), “apenas pode

se realizar no interior de um conjunto global de relações sociais muito mais ampla

que ele próprio”; só pode se efetivar caso leve em conta a necessidade/finalidade

social da extração da mais-valia.

Mas vale observar, a orientação ao lucro e o arrogar da mais-valia,

portanto, a exploração econômica, não tem seus fundamentos em discernimentos

morais; não é uma escolha de valor ao sabor do burguês; não é uma

responsabilidade de cunho individual; independe de qualidades humanas altruístas

ou egoístas. Os seus encalços não levam em conta quaisquer eventuais receios

ideológicos. Pouco importa se são considerados por seus perseguidores uma

virtuosidade ou um indecoro; uma benevolência ou uma iniquidade. Não é uma

questão de ter amor no coração ou uma máquina de somar no peito28. As suas

buscas são uma questão objetiva, concreta: a própria sobrevivência de seus

empreendimentos e de sua posição de classe está hipotecada à peleja ao lucro e a

mais-valia. Sejam pelos extremos da paixão ao frio metal, como no texto de Marx

(2004, p.157-161), sejam pela "sede de nomeada" como confessa Brás Cubas

(ASSIS, 2008, p.24), as aspirações ao lucro e à mais-valia não podem ser

supressas. Para os integrantes das classes capitalistas, os seus não provimentos

implicam em perecer-se econômica e socialmente; implica em vergar-se no andar

“dos de baixo”, como diria Florestan Fernandes. Ou alimenta as realizações de tipos

burguesas ou, em contrição, parte mediante marcha fúnebre para jazer sobre as

carências da subalternidade.

2.1.1 – A Gerência Burguesa como uma Resposta às Demandas do Capital

Estes sentidos ao lucro e à mais-valia, também devem ser frisados, não

são uma prerrogativa insulada dos métodos da gestão e organização do trabalho.

Estas vocações não são forjadas endogenamente nas e pelas estratégias

28 Aqui fizemos uma alusão à música de Tom Zé, A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel: “E o Hilton sorridente \ disse que o Edifício Itália \ tem um jeito de Sansão descabelado \ e ainda mais, só pensa em dinheiro \ não sabe o que é amor \ tem corpo de aço, \ alma de robô, \ porque coração ele não tem pra mostrar \ Pois o que bate no seu peito \ é máquina de somar.”

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gerenciais. Tais forças sociais não são um construto próprio a estas estratégias. Não

são valores que circunscrevem apenas aos cuidados da gerência burguesa; não são

propensões que se lhes são restritas. Suas premências extrapolam os limites

gerenciais. O ímpeto ao lucro e à mais-valia tem seus esteios no sistema societário

do capital; eles fazem parte dos fundamentos do modo de produção capitalista.

Acossá-los é uma injunção social; é uma certa regra social, um valor supremo e

estruturante que marca este sistema. Nele, o lucro e a mais-valia pautam – em todas

as suas precedências e consequências, e em hegemonia solene – cada envolver

das relações sociais, sejam elas do domínio da produção ou do domínio da

reprodução.

Ou seja, o que as estratégias gerenciais burguesas fazem, a rigor, é

absorver ou dar uma resposta às demandas cotidianas geradas e nutridas no

sistema capitalista. Elas não podem ser entendidas como tendo necessidades

próprias, afinal são uma urgência mais universal desta própria sociabilidade. Muito

de suas características microcósmica terminam por tomar, como um complexo

parcial determinado29, muitas das qualidades macrocósmicas da sociedade. É a

dinâmica do capital, pois, que dispõe sobre o seu desenvolvimento.

Quer dizer, as estratégias gerenciais não são uma massa de técnicas

desenvolvidas segundo a inventividade engenhosa dos feitores como se seus

estabelecimentos genitores de proventos fossem uma redoma desconecto da

totalidade social; elas não ficam sob a tutela das mentes dos chamados “gurus” da

Administração. As estratégias não são elaboradas tocadas pela sorte súbita e

aleatória de algum acaso. Elas não se configuram como uma quimera. Tais

estratégias precisam de uma correspondência na realidade que as embasem, que

lhes façam verossímeis; elas precisam ser um corpo coerente. É a dinâmica da

sociedade que lhe dá este pressuposto. As estratégias burguesas do gerenciamento

do processo de trabalho têm o seu lastro, a sua base material, a sua razão de ser e

o seu determinante, na cotidianidade do movimento do capitalismo. As exigências

desta forma de gerência são, assim podemos sintetizar, por conseguinte, e elas

mesmas, as exigências do capital.

Mesmo em relação aos grandes nomes que muito colaboraram com a

história da gerência, por mais que se achassem independentes do contexto social,

29 Lembrando, como indicamos na introdução, que é determinado, mas também determina, ainda que não dirija o processo.

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com propostas avançadas, esses autores não conseguiram ir além das

possibilidades dadas em sua época, não lograram ultrapassar as marcas de seu

tempo; "o que é o fato mais natural", como enfatiza Wellen e Wellen (2010, p.14) em

seu didático livro.

Não significa que se deva concluir, porém, que é na universalidade

abstrata das demandas do capital que brotam, como que por magia, os métodos

burgueses de gerência; ou que, ao contrário, estes métodos não comportem as

demandas singularizadas de um representante das classes privilegiadas; ou ainda

que estes métodos não possam ser germinados ou aperfeiçoados na particularidade

de alguma experiência empreendedora específica. Não é disto que se trata. O que

tão somente tentamos exprimir, é que, apesar de as estratégias gerenciais terem

suas necessidades expressas no cotidiano privado dos estabelecimentos

capitalistas, estes estabelecimentos e estas necessidades, em uma relação de

determinações, estão sob a ambiência da totalidade social, e, portanto,

visceralmente perpassadas por suas relações sociais de produção e reprodução

condicionadas, como já dissemos, pelo capital. Ainda que em muitos casos,

aparentemente, sejam os empreendimentos particulares que suscitam as demandas

estratégicas, são, adversamente, essencialmente suscitados pelas demandas mais

amplas da dinâmica do capital. As demandas dos empreendimentos privados

capitalistas são, destarte, mediações das demandas do capital.

O que também queremos ponderar é que, quando nos referimos à

gerência – às estratégias gerenciais ou qualquer outra denominação que as demos

aqui – e caracterizamo-as a qualificando como burguesa, capitalista, ou do capital,

estamos, assim, especificando a que tipo de gerência e, em consequência, a que

momento histórico estamos tratando.

As técnicas de gestão e organização do trabalho não são uma entidade

dispersa, solta, na correlação tempo-espaço. Não há estratégias gerenciais

atemporais. Não existem aquelas que como um modus operandi ad aeternum

possam subsistir ao anacronismo e à extemporalidade. Os métodos da gerência

correspondem a um dado modo de produção num contexto sócio-histórico

determinado. Isto significa que não tem história própria; a sua história é a história do

seu modo de produção correlato. O desenvolvimento de um certo tipo de gerência é

determinado por condicionantes histórico-sociais.

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As estratégias gerenciais burguesas são, pois, os métodos da gestão e

organização do trabalho próprio ao modo de produção capitalista; são congruentes

servidoras deste modo de organização da produção que o engendra e o fertiliza, que

o profere necessidades e o confere possibilidades. As estratégias gerenciais de um

determinado tipo têm seus pilares teórico-metodológicos pautados pela dinâmica e

pelos fundamentos teórico-metodológicos de sociabilidade provido por um

determinado modo de produção. A plataforma de estratégias da gerência burguesa

tem, em vistas disso, imanência na construção sócio-político-econômico-cultural do

modo de produção capitalista.

É evidente que – além das transformações e rupturas que decorrem das

passagens de um modo de produção a outro – as estratégias da gerência passam

por transfigurações, e até bastantes significativas em algumas épocas, dentro da

vigência do transcurso histórico de um mesmo modo de produção. E não apenas

essas estratégias se alteram em função do desenvolvimento e do refinamento das

suas técnicas; mas, igualmente, há aquelas alterações que se dão pelas

modificações que ocorrem no interior do próprio modo de produção, aquelas que se

dão pelas mudanças no chamado padrão de acumulação.

As razões para as modificações das exigências que incidem sobre as

estratégias gerenciais são diversas; e não cabem em nosso objeto de pesquisa. São

considerações atravessadas, entre outras, pelas crises estruturais do sistema

societário e pelas lutas de classes, onde, aliás, se inserem as estratégias de

desarticulação que tratamos nesta dissertação – e que, lembramos ao leitor, as

faremos apenas em relação àquelas que se dão dentro do modo de produção

capitalista.

Bem verdade é, entretanto, que no caso dos modos de produção

precedentes ao do capital – escravismo, feudalismo, asiático, etc. – estas alterações

eram mínimas ou, quando muito, bastante dissolvidas ao longo dos anos, décadas

ou séculos. A dinâmica social nestes sistemas era pouco intensa; as inovações

advinham parcamente. Já no modo de produção capitalista, a dinâmica das

mutações nas suas estratégias gerenciais, é especialmente acentuada e reiterada.

O motivo é que, neste sistema societário, a sociabilidade cotidiana que lhe condiz é

infinitamente mais complexa, é mais catalisada, é mais convulsiva que nos outros

modos de produção até hoje preponderado. Nele, o dinamismo das relações sociais

apresenta e descarta constantemente diferentes exigências e cenários às suas

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estratégias gerenciais. Exemplo desta atividade continuada são as várias formas de

organização do trabalho que as Teorias Administrativas refletem e induzem. O

taylorismo, o fayolismo, o fordismo e o toyotismo, além da escola de recursos

humanos, são alguns dos exemplos mais importantes.

2.1.2 – O Desenvolvimento das Ciências às Necessidades do Capital

Com efeito, destacar esta enérgica e estreita conexão das estratégias

gerenciais com os modos de produção – e em particular as estratégias gerenciais

burguesas com o modo de produção capitalista – é valioso e abalizador ao

entendimento desmistificador da falácia ideológica que apostola a neutralidade da

Ciência. Falácia ideológica esta que faz parte do arcabouço estratégico utilizado

pelas classes privilegiadas do capitalismo em seu domínio sobre a sociedade e,

particularmente, em seu exercício de soberania sobre as classes trabalhadoras.

Isso, na medida em que tal mítica contribui decisivamente para a alienação dos

sujeitos, criando uma cortina obscura na realidade que obstaculiza a percepção e o

entendimento das relações de poder tecidas no cotidiano. A neutralidade científica

apresenta-se, portanto, como uma estratégia base que fundamenta as ideologias

gerenciais burguesas.

De uma maneira geral, nem as Ciências tomada mais amplamente, nem

as Ciências Administrativas, são neutras em relação às classes sociais, assim, aos

sujeitos sociais, aos indivíduos da sociedade. Seja em razão da função social

específica, dos resultados a que se chegau, do problema elaborado, do

financiamento destinado, etc. – ainda que em alguns ramos da Ciência esta

afirmação deva ser relativizada30.

Não dá para negar os imprescindíveis avanços das Ciências que, no

geral, nos parecem incontestáveis. Os conhecimentos acumulados por elas têm

contribuído, decisivamente, para arrefecer alguns dos aspectos mais ríspidos da

condição humana. Com a compreensão adquirida pelas Ciências, o

desenvolvimento das forças produtivas atingiram níveis e potenciais inimagináveis

antes da (ou até a) revolução burguesa31. A perícia, em muitas de suas áreas, tem

30 Para uma reconhecida abordagem ao tema, ver Löwy (2007, p.99-114) e (2008, p.104-126).31 Marx e Engels (2005, p.44) dissertam, nas primeiras páginas do manifesto comunista, sobre este

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avançado quase que exponencialmente. Todas estas benesses, no entanto, não

eliminam o fato de que, mesmo de forma bastante mediada, indireta, e de modo

contraditório, as pesquisas e suas aplicações relacionam-se com as vantagens

particulares a uma classe e em relação com as lutas de classes.

Vejamos, como um exemplo, a maquinaria. A máquina, em seus avanços

tecnológicos, expressa o desenvolvimento da capacidade produtiva humana; permite

que os trabalhos sejam realizados mais eficientemente e que o tempo de trabalho

necessário para a reprodução do ser social seja acentuadamente contraído;

possibilita, enfim, a ampliação da qualidade de vida dos integrantes da sociedade;

franqueia ter em vista a emancipação humana. Não obstante, ao invés de marcar a

história reduzindo real e substantivamente o fardo da jornada de trabalho e

barateando as mercadorias produzidas, a maquinaria foi utilizada para demitir um

sem-número de trabalhadores, "substituir aparelhos humanos por aparelhos de aço"

(REPORTO OF INSP apud MARX, 2006, p.493), e baratear aquela mercadoria

produtora: a mercadoria força de trabalho. Ao invés de eliminar ou diminuir as

atividades pesadas ou repetitivas para desobrigar o homem destes expedientes, a

máquina o fez, entre outros motivos, para incorporar a força de trabalho de mulheres

e crianças ao processo de produção32.

Sob o capital, o propósito da maquinaria não é auxiliar as classes

trabalhadoras. No lugar de servir ao operário, é o operário quem a serve. Não é o

trabalhador que subjuga ao seu poder a força da máquina, é a máquina que subjuga

ao seu poder a força de trabalho. Ao invés de ser uma ferramenta para atender e

estender a destreza do trabalhador, é um instrumento que assiste ao comando do

capitalista. Neste sistema, a maquinaria vem a ser, para a maioria dos que integram

as classes trabalhadoras, não uma fonte de liberdade, mas a de servilidade, não a

de alargamento da vida, mas a do confinamento. Como diz Braverman (1987,

grande desenvolvimento das ciências proporcionado pela emersão do modo de produção capitalista. “A burguesia, em seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais do que todas as gerações passadas em seu conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização dos rios, populações inteiras brotando da terra como por encanto — que século anterior teria suspeitado que semelhantes forças produtivas estivessem adormecidas no seio do trabalho social?”

32 Marx, em O Capital, desenvolve uma vistosa análise de como o capital incorpora em seus processos de trabalho, com o desenvolvimento da maquinaria na indústria, as forças de trabalho de mulheres e crianças. Ver o capítulo XIII, intitulado "A maquinaria e a indústria moderna" (MARX, 2006, p.425-571), particularmente o item "Consequências imediatas da produção mecanizada sobre o trabalhador" (idem, p.451-476).

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p.195), "considerada apenas em seu aspecto físico, as máquinas nada mais são que

instrumentos desenvolvidos de produção pelos quais a humanidade aumenta a

eficácia de seu trabalho". Contudo, como adverte o mesmo autor, a relação

puramente física assume a forma social dada pelo modo de produção que a

demandou; e, a depender do sistema social que vigore, ela pode prestar-se como

um recurso na exploração e na dominação de uma classe social sobre outra; o que é

o caso no modo de produção capitalista.

Quando vemos as chamadas Ciências Administrativas, ou Gerência

Científica, a situação é semelhante. Ainda que a gestão e a organização do trabalho

representem, em seu sentido genérico, uma ampliação do desempenho das

atividades laborais, da produtividade, e o descarte de movimentos desnecessários,

portanto, resguardando as características de racionalização na utilização de

recursos à realização de objetivos, tal estudo não se desprende das relações sociais

do capital e conserva, em seus princípios, os princípios do capitalismo. Taylor, por

exemplo, – considerado o fundador desta Ciência –, apesar de dizer o contrário, não

aborda um problema universal, mas os problemas específicos de uma classe. Não

confronta nem questiona as condições da sociabilidade que demandam suas

pesquisas; aceita e acentua suas pressuposições como um dado inexorável. Suas

preocupações se voltam não para a condição humana, mas se orientam sob o ponto

de vista do capitalista. Sua função social hegemônica não se encontra no

atendimento das necessidades sociais, mas no comando sobre o processo de

trabalho subjugado. Como concisa Braverman (1987, p.83), este tipo de gerência:

“entra na oficina não como representante da ciência, mas como representante de

uma caricatura da gerência nas armadilhas da ciência”.

Para entender estes aspectos funcionais da gerência científica ao sistema

capitalista, sequer cremos que é imprescindível ao leitor ir às obras críticas que

analisam de alguma forma esta relação. Parece-nos bastar, como indicativa

bibliográfica, os textos dos próprios principais intelectuais orgânicos do capital no

que se referem as Teorias Gerenciais. A admirável honestidade intelectual de

autores como Taylor e Taichii Ohno, acrescido ao primeiro a polida introspecção, não

permite obscurecer o sentido de suas estratégias, respectivamente, em Princípios

de Administração Científica e O Sistema Toyota de Produção. Em Fayol, na

Administração Geral e Industrial, muito embora não tanto descoberto, revela o

mesmo sentido.

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Isto é, a ciência não deve ser pensada como técnica em si mesma; não

são as novidades nos métodos gerenciais ou as inovações tecnológicas que, de

maneira autônoma, traduzir-se-ão em benefícios ou malefícios sociais; depende das

determinações sociais que integram as suas essências e as conduzem. As formas e

os resultados das suas aplicações não advêm simplesmente destas novidades ou

destas inovações, mas, sobretudo, do uso e da função social a que esses elementos

estão determinados a cumprir. É inevitável que a gerência e a maquinaria sejam

marcadas pelos interesses das classes que as utilizam como um dos instrumentos

em favor da produção e reprodução da sua condição de classe. Quem determina o

caráter e a qualidade da reciprocidade social dos avanços científicos são, então, os

fundamentos das relações sociais do sistema societário contemporâneo e o poderio

das classes sociais dominantes.

Essa relação de cumplicidade e completude, entre as ciências gerenciais

e as ciências tecnológicas, é algo que ainda retornaremos para evidenciar nela,

outrossim, o incremento das estratégias de gestão e organização do trabalho da

burguesia, inclusive – que é o que mais nos interessa a título da temática desta

dissertação – suas estratégias de desarticulação sobre as classes trabalhadoras.

Toda a aparente neutralidade da Ciência não é senão uma necessidade

que se faz presente ao próprio domínio social do capital; é uma imposição ao

domínio de classe da burguesia. As ciências tecnológicas e as ciências gerenciais,

para ficarmos nos exemplos que demos a pouco, precisam apresentar-se como

portadoras de qualidades universais. As classes capitalistas precisam afigurar-se

como possuidoras de interesses comuns a todos os membros da sociedade. Os

seus interesses não podem se desenvolver transparecendo-se como interesse

particular de uma classe particular. À burguesia é impreterível dar aos seus

pensamentos, à sua visão de mundo, a legitimidade da universalidade e representá-

los como sendo os únicos plausíveis, os únicos universalmente satisfatórios. É

preciso esconder que a sociedade, em sentido mais amplo, e as estratégias

gerenciais burguesas, em específico, se estabelecem a partir de oposição de

interesses. Para se manter democrática e hegemonicamente aceita precisa

esconder seus reais objetivos e anseios. De certa forma a elaboração da ilusão

acaba por ser em si mesma sua substância precípua.

Aqui, para um maior esclarecimento, vale a pena recorrermos à longa,

mas brilhante, passagem de Marx e Engels em A ideologia alemã:

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Os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está submetido também à classe dominante. Os pensamentos dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes; elas são essas relações materiais dominantes consideradas sob forma de idéias, [...] são as idéias de sua dominação. (2007, p.48)

Em suma e numa frase: sociedade de classes, estratégias gerenciais

também de classes!

2.2 – A Contradição Antagônica nos Processos de Trabalho

É neste contexto – de uma gestão e organização do trabalho

compulsoriamente subjugada aos imperativos do capital, portanto, comprometida

com o sentido de expansão e acumulação deste modo de produção – que as

estratégias da gerência burguesa são utilizadas na condução dos processos de

trabalho.

Tais estratégias gerenciais remontam à própria gênese do capitalismo.

São os métodos que os burgueses e seus representantes se utilizaram e se utilizam

para gerir os negócios do capital. Sejam estes métodos provenientes das

experiências empíricas e imediatas do dia-a-dia, sem investigações que as

embasem; sejam estes métodos provenientes da sistematização de experiências,

com estudos ordenados.

Não obstante, é somente com a complexificação da sociedade capitalista,

do final do século XIX e início do século XX, que as estratégias gerenciais

burguesas adquirem uma carga de conteúdo mais sólida e disseminadora,

organizada e rotinizada. É a partir de Frederick W. Taylor que a gerência capitalista

ganha uma racionalidade técnica, e um estatuto de ciência – como fazem questão

de destacar os ideólogos atravessados pelas classes dominantes deste modo de

produção. A sua grande contribuição não foi em realizar algum achado gerencial

inusitado ou inédito que tenha alterado o desenvolvimento da gerência, mas sim ter

pragmaticamente coligido, sintetizado e metodizado os experimentos capitalistas

conhecidos. Para darmos voz ao próprio Taylor (2006, p.100-101, itálico do original):

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A administração científica não encerra, necessariamente, invenção, nem descoberta de fatos novos ou surpreendentes. Consiste, entretanto, em certa combinação de elementos que não existia no passado, isto é, conhecimentos antigos coletados, analisados, agrupados e classificados em leis e normas que constituem uma ciência, acompanhada de completa mudança na atitude mental dos trabalhadores e da direção, quer reciprocamente, quer nas respectivas atribuições e responsabilidades.

Com Taylor – que, segundo seu biógrafo Gerencer (2006, p.9), é "o

iniciador da eficiência industrial" e chamado de “o Pai da Organização Científica do

Trabalho" –, a gerência rudimentar que poderíamos chamar de tipo vital-espontânea

passa a ser sobreposta por uma gerência mais avançada de tipo científica. Como

ele mesmo sumariou, "Ciência, em lugar de empirismo" (TAYLOR, 2006, p.101).

O movimento da gerência científica significa, assim, um empenho no

sentido de aplicar os métodos das ciências aos problemas complexos e crescentes

nas empresas capitalistas em acelerada propagação. As Teorias Administrativas ou

Teorias Gerenciais, como também podem ser chamadas, possuem como objetivo

principal o fornecimento de subsídios conceituais e interventivos aos mandatários do

capital, para que estes consigam, de forma mais "eficiente"33, produzir e reproduzir a

forma peculiar da riqueza social desta sociabilidade: extrair e realizar a mais-valia –

que é gerada pela força de trabalho valendo-se dos meios de produção.

Ou seja, a gerência dita científica é um conjunto instrumental-estratégico

que se utiliza do trabalho humano como uma ferramenta para geração de ganhos.

Para ampliar o capital da burguesia, sua dominação econômica, política e cultural,

busca ininterruptamente formas de melhor fazer o trabalhador lhe servir; empreende-

se obstinadamente para encontrar técnicas objetivas e subjetivas que sirvam para se

beneficiar do máximo das capacidades física e mental dos trabalhadores.

No entanto, para operar a produção, para proceder nos processos de

trabalho, as classes capitalistas não o conseguem fazer sozinha, não o conseguem

fazer apenas com os seus representantes orgânicos. A burguesia precisa colocar em

movimento outros indivíduos, outros sujeitos sociais que – pela própria dinâmica da

sociabilidade – pertencem às classes cujos interesses e necessidades divergem dos

seus; interesses e necessidades que são antagônicos aos das suas classes.

Esta característica da composição das forças produtivas, ao que nos

parece, é o aspecto fundamental e chave para compreender a demanda por

desarticulação contra o proletariado nas estratégias gerenciais burguesas: um

33 Colocamos entre aspas pois esta eficiência diz respeito aos padrões da sociedade capitalista, e não aos padrões de uma sociedade emancipada.

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processo produtivo socializado, mas montado – como destacamos – sobre uma

sociedade de classes, sobre uma sociedade lastreada na propriedade privada dos

meios de produção.

Para viabilizar a produção no sistema capitalista a burguesia compra

terras, instalações, instrumentos, ferramentas, matérias-primas, etc., mas também

compra a força de trabalho do proletário para intervir sobre tais aquisições. A relação

de produção resultante desta reunião termina por ser formada na polarização de

duas grandes classes, no confronto de duas espécies bem diferentes de

possuidores de mercadorias: de um lado, os detentores do dinheiro e/ou do capital,

dos meios de produção e de subsistência; de outro, os trabalhadores "livres",

desprovidos dos meios e objetos de trabalho, desprovidos de propriedade,

desprovidos, portanto, da possibilidade de comercializar o produto fruto de seu

próprio trabalho, provido, apenas, da possibilidade de vender a si mesmo como força

de trabalho. Um necessita comprar, o outro necessita vender-se. Uns são os

apropriadores do excedente, outros são os produtores diretos. Numa face está a

personificação do capital, na outra a personificação do trabalho.

Tal contradição das relações sociais de produção do capitalismo,

chamada de contradição capital-trabalho – que funda e perpassa, mais ou menos

mediada, as demais contradições do cotidiano desta sociabilidade – tem como

espaço privilegiado para sua materialização a fábrica privada. Nela, as contradições

e os antagonismos presentes entre as forças sociais da sociedade ganham os seus

contornos mais concretos. É na fábrica que se torna mais patente a afirmação que o

sistema do capital faz, em todos os complexos sociais, da situação de classe, tanto

da burguesia quanto do proletariado. Neste espaço, por exemplo, a visualização das

diferenças de classes, através do que Evangelista (2000, p.110) chama de "pares

contraditórios", se afigura com uma relativa maior clarividência. Para deixarmos nas

suas palavras: "propriedade de meios de produção e propriedade da força de

trabalho, poder e obediência, riqueza e pobreza, limpeza e sujeira". Alguns

depoimentos de trabalhadores em seu livro (p.110, 114-115), “Tear de Homens:

relações de poder em fábricas têxteis”, permitem ilustrar bem essa oposição da

condição de classe:

A diferença é que ele é o dono e eu sou simplesmente um operário.

... o que diferencia o trabalhador do patrão, eu acho que posso dizer em poucas palavras, porque o patrão manda e o trabalhador obedece.

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O trabalhador não tem liberdade. Ele só faz aquilo que o chefe dele determina.

Lá o trabalhador não pode falar. Não tem o direito de falar. Quem fala é só o gerente. O trabalhador é só um alimentador de máquina naquelas 8 horas. Agora, tá liberto. É um tipo de escravidão. Só que é todo mundo alforriado. Trabalha só às 8 horas e pronto.

A diferença, em primeiro lugar, é a desigualdade de vida entre os operários e o patrão. Eu tenho maiores dificuldades e o patrão não tem.

... quem passa bem limpinho, aqui dentro, é o patrão. Quem tiver todo sujo é operário.

A negação da própria condição operária já é, por si só, como observou

Evangelista (2000, p.112), também uma expressão dessas contradições e

antagonismos manifestos nos processos de trabalho do sistema capitalista. Para

grande parte dos trabalhadores o auto-reconhecimento como operário constitui-se

numa espécie de incômodo social; muitos preferem ser chamados pelas

denominações que a burguesia cunha, de aparência neutra e valoração social

diminuta, como os termos “funcionários”, “colaboradores” e “parceiros”. Outros, de

forma ainda mais massificada, têm a expectativa de livrar-se da sua condição por

meio do trabalho autônomo, ou se tornar patrão de outros assalariados, ou passar à

integrante das classes intermediárias.

Todos nós temos uma esperança de vida melhor.

Eu, por exemplo, não sonho continuar operário o resto da vida, de maneira nenhuma. (...)

Eu acho que o sonho de todo trabalhador, principalmente a gente assalariada, é de montar o nosso próprio negócio, ser o nosso patrão, (...) deixar de trabalhar pros outros. A gente analisa, faz aquele negócio todo, e se torna difícil, porque um operário não tem capital para montar o seu próprio negócio. E com aquele salário que a gente ganha ali mal dá pra comer. Só fica no sonho mesmo.

Aliás, estas denominações dadas pelas gerências burguesas aos

trabalhadores figura-se, ao tentar esconder e fantasiar os interesses de classes,

como uma forma instrumental de cooptar a consciência do proletariado,

contribuindo, assim, às estratégias de desarticulação.

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2.2.1 – A Imperiosidade do Domínio de Classe para o Comando sobre os Processos de Trabalho

Os problemas da gerência burguesa não são precisamente essas

contraposições das condições de classes; afinal, essa é uma questão estrutural,

ineliminável nos limites do sistema capitalista. Os reais problemas gerenciais da

burguesia ganham forma mesmo é quando as contradições e os antagonismos de

interesses e necessidades são tomados pela consciência do proletariado em algum

nível e se expressam de algum modo. Como nos lembra Evangelista (2000, p.111),

“todas as formas de resistência operária registradas são a negação dialética dessa

situação de classe afirmada”.

São muitas as possibilidades de gradações da consciência de classe e da

expressão das angústias e insatisfações. São entendimentos que vão de

apreensões individuais a apreensões coletivas; de reivindicações imediatas de

categorias profissionais a reivindicações estendidas de classes sociais; de uma

compreensão corporativista a uma compreensão universalizada. Sejam elas

manifestas nas reivindicações salariais e de melhorias das condições de trabalho;

nas cobranças por maiores poderes de decisão sobre os processos de trabalho; nas

lutas por efetivação, afirmação e ampliação de direitos, etc. Sejam elas manifestas

nas greves; nas revoltas contra as máquinas ou contra a produção; nas quedas de

produtividade por descontentamentos ou por desprendimento consciente de um

menor esforço na sua jornada de trabalho, etc. Em todas estas situações, em maior

ou menor medida, afetando predominantemente o processo produtivo ou afetando o

sistema societário, a burguesia deve servir-se do desenvolvimento das estratégias

gerenciais que lhe garanta o comando sobre os processos de trabalho.

Quer dizer, para produzir, para se apropriar da mais-valia, para extrair o

máximo da força de trabalho que compra do trabalhador, as classes dominantes

devem não apenas buscar meios tecnicamente mais avançados para aumentar a

produtividade; devem também, e a um só tempo, encontrar meios que lhes permitam

induzir os trabalhadores a operarem num processo de trabalho que é a própria

cristalização da condição de contradição e antagonismo das relações sociais de

produção. Deve continuamente desenvolver métodos de gestão e organização do

trabalho que garantam, não somente a sua lucratividade, mas que garantam

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também a permanência das condições de geração dessa lucratividade. Logo, devem

empregar-se na promoção e utilização de estratégias gerenciais que lhes permitam

romper com a relutância dos trabalhadores à submissão de certos processos de

trabalho; que lhes permitam refrear o ímpeto de associação, engajamento e

solidariedade do proletariado; que lhes permitam despojar os trabalhadores de sua

coletividade e dissipar suas eventuais aspirações de emancipação; que lhes

permitam conter as investidas do trabalho contra o capital; que lhes permitam,

portanto, desarticular as classes trabalhadoras.

Para explorar as classes proletárias os capitalistas precisam, em todas as

suas ações e intenções, notórias ou veladas, dominar os trabalhadores. Suas

estratégias de exploração devem contemplar as estratégias de dominação.

Nesse sentido, as estratégias da gerência burguesa, ou as Teorias

Administrativas, se configuram como instrumentos que colocam as forças produtivas

a serviço desta exploração e dominação de uma classe social sobre outra; se

configuram como uma ferramenta para, nos dizeres de Braverman (1987, p.83),

promover "a adaptação do trabalho às necessidades do capital". As ciências

gerenciais, assim, concebem formas de adestramento da força de trabalho para que

o trabalhador se comporte no espaço de trabalho, não de acordo com os seus

preceitos, mas na conformidade com os mandamentos do dono dos meios de

produção. A gerência burguesa faz da práxis humana uma práxis manipulatória.

2.2.2 – Os Modos de Determinação das Lutas de Classes no Desenvolvimento das Estratégias Gerenciais Burguesas

No que concerne a instituição das estratégias gerenciais burguesas, e sua

gerência científica, elas são uma síntese de múltiplas determinações das lutas de

classes em torno desse processo de trabalho contraditório e antagônico; são a forma

particular de como as lutas de classes mais geral da sociabilidade se expressam no

confronto mais direto e mais imediato entre os possuidores do capital, juntamente

com seus representantes e pensadores vinculados, e os possuidores do trabalho,

em conjunto com seus líderes e intelectuais orgânicos. Tal gerência é a

corporalização resultante dos métodos da ofensiva dos capitalistas para atender aos

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imperativos do capital, e dos métodos conscientes ou inconscientes da resistência

dos trabalhadores em função de seus interesses e necessidades. Mesmo quando

algumas das proposições "teóricas" e práticas das escolas de administração

guardam uma certa porção de idealismo em suas formulações, elas não deixam de

ser expressões mais genéricas de relações efetivas de lutas de classes que se

processam na cotidianidade da sociedade e no espaço de trabalho.

Há um dizer de Romero (2005, p.18), em seu livro "Marx e a Técnica",

que ilustra bem esta determinação das lutas de classes. Comenta ele,

as formas de organização da produção e o aparato tecnológico correspondente não representam um suposto meio mais eficiente ou racional na condução do processo de trabalho, mas significa a maneira como a luta de classes se materializa nas estruturas de controle e comando da produção, procurando disciplinar o trabalho e viabilizar o processo de valorização do capital.

E como um complemento a este comentário de Romero em relação às

determinações das lutas de classes podemos citar Andrew Ure (apud MARX, 2006,

p.498-499), um capitalista e intelectual inglês, em seu livro "The Philosophy of

Manufactures":

Essas revoltas violentas evidenciam a cegueira humana em seu aspecto mais vil, quando o homem se torna seu próprio carrasco. [...] Se não fossem as colisões e interrupções violentas, ocasionada pelas idéias errôneas dos trabalhadores, o sistema fabril ter-se-ia desenvolvido muito mais rápido e de maneira muito mais útil para todas as partes interessadas.

São as lutas de classes, pois, que determinam, em larguíssima medida,

tanto o conteúdo das estratégias gerenciais, quanto o de seus subsídios “científicos”.

E a desarticulação é a expressão mais acabada deste processo.

Quando se faz referência ao papel que tem o contexto das lutas de

classes na dinâmica do desenvolvimento das estratégias de gestão e organização

do trabalho, alguns aspectos julgamos serem importantes e que não se podem

perder de vista para compreender a sua amplitude.

1) Um deles, é que as concepções e as aplicações destas estratégias não

são, em sentido amplo, definidas a priori. As estratégias não se tratam de

ferramentas antecipadamente construídas para munir a burguesia nas lutas de

classes. Elas são forjadas para a luta, mas também são forjadas na própria luta: são,

numa mesma via, um instrumento dos capitalistas para o enfrentamento contra o

proletariado e uma expressão do próprio enfrentamento.

2) Outro aspecto indispensável que devemos observar, e talvez o mais

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grave, é que nas estratégias gerenciais burguesas os cuidados com a

desarticulação nem sempre fazem parte das preocupações imediatas dos

representantes do capital. Os níveis de atenção dados às estratégias de

desarticulação pela burguesia variam de acordo com as circunstâncias históricas;

variam de acordo com o estabelecimento das correlações de forças das classes em

presença. Há conjunturas históricas, ou circunstâncias específicas, que levam as

classes capitalistas a colocarem as estratégias de desarticulação – entendida como

um elo da sua dominação de classe – como o momento predominante no conjunto

dos seus métodos gerenciais.

Um exemplo da desarticulação como momento predominante nas

estratégias gerenciais burguesas é o esforço de Taylor para quebrar a resistência

individual e a solidariedade de classes entre os trabalhadores da Midvale Stell

Company, quando da experimentação de seus métodos. Como detalhadamente

explica o próprio Taylor, foram muitas as dificuldades de impor aos trabalhadores as

suas concepções sobre os processos de trabalho:

Os homens exerciam de tal forma constante pressão, dentro e fora da fábrica, sobre os que começaram a aumentar seu rendimento, que estes acabaram por proceder como os outros, ou por abandonar o emprego. Quem não tenha tido experiência igual não pode fazer idéia das amarguras a que gradualmente conduz uma luta dessa espécie. Os trabalhadores dispõem habitualmente de recursos eficazes, para o fim em vista. Empregam seu engenho em inventar meios pelos quais as máquinas se quebram ou se inutilizam por aparentes causas de acidentes ou no curso do trabalho regular, e acusam o chefe de tais prejuízos, porque os forçou a pedir da máquina rendimento excessivo, do que resultou o estrago. E há poucos chefes ou capataz que podem resistir à pressão conjunta de todos os homens duma oficina. (2006, p.48)

As estratégias que Taylor utilizou para tentar suprimir tal resistência dos

trabalhadores aos seus métodos, acabaram por tomar o centro de suas

preocupações em determinadas fases da implementação de suas idéias.

Depois de quase três anos de luta, como esta, o rendimento das máquinas tinha aumentado; em muitos casos, alcançado o dobro e, como resultado, fui promovido dum cargo de contramestres para outro, até me tornar chefe da oficina. Entretanto, para um homem equilibrado, esse sucesso não podia ser tido como recompensa, devido à atitude cruel que era forçado a manter com todos os que me rodeavam. (2006, p.49)

Utilizei todos os recursos para conseguir rendimento diário aceitável, tais como: despedir os mais obstinados, baixar o salário daqueles que se recusavam a melhorar a produção, reduzir o preço do trabalho por peça, admitir operários novos, ensinando-lhes, pessoalmente, o processo de fazer o trabalho e conseguindo deles a promessa de, uma vez terminada a aprendizagem, continuarem a produzir do mesmo modo. (2006, p.48)

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Semelhantemente aos percalços a que passou Taylor, Henry Ford e

Taichii Ohno também tiveram atravessadas em suas experiências enormes

dificuldades com as resistências dos trabalhadores. Ford, ao implementar as

significativas mudanças nos processos de trabalho de sua fábrica – a Ford Motor

Company – teve que lidar com a literal falta de trabalhadores que se submetessem à

sua "filosofia da indústria", como chamava. Segundo Keith Sward (apud Braverman,

p.132), em sua obra “The legend of Henry Ford”, o próprio Ford relata que, “o

abandono da sua força de trabalho elevou-se a 380 por cento só no ano de 1913”, e

“toda vez que a companhia precisava aumentar 100 homens à sua fábrica tinha que

admitir 963”. Após algumas tentativas, demitiu todos os trabalhadores e contratou

novos com salários muito acima da média pago naquele período. Mas, foi apenas

com a generalização do fordismo a vários ramos do mercado, deixando os

trabalhadores sem opções, e a incorporação de alguns elementos dos estudos que

dão forma as escolas de recursos humanos, é que seus problemas amainaram-se.

Ohno, na condição de chefe de oficina da Toyota, e de posse de uma

"carta branca" em forma de silêncio da alta diretoria, empreendeu-se na supressão

das agitações e greve dos trabalhadores; que, segundo ele mesmo (2007, p.32), foi

"uma forte resistência por parte dos trabalhadores da produção, embora não tenha

havido aumento de trabalho ou das horas trabalhadas". Greve, aliás, que redundou

na renúncia do presidente Toyoda Kiichiro. Diz Ohno (2007, p.49),

Durante esse período, todas as idéias que eu audaciosamente colocava em prática tinha a intenção de melhorar o velho e conservador sistema de produção – e elas podem ter parecido arbitrárias. A alta cúpula da Toyota observava a situação em silêncio.

Desde então, utilizei minha crescente autoridade, em toda a sua extensão, para expandir essas idéias.

Também poderíamos dar como exemplo o caso da Nissan; que, embora

sejam estratégias que se deram fora dos muros da fábrica, foram conduzidos pelo

patronato, representado por Kawamata, proprietário da Nissan. Ele recebeu um

empréstimo de três bancos para tornar-se inflexível às pressões dos trabalhadores,

e parte, como nos lembra Oliveira (2004, p.63),

para uma política de intimidação física e moral, realizada a partir da visita a cada casa, à família de cada trabalhador, inclusive fundando um segundo sindicato na empresa.

Enfim, muitos outros momentos predominantes da desarticulação no

conjunto de estratégias gerenciais da burguesia poderíamos apresentar. No entanto,

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não é nosso propósito dissertar sobre tais circunstâncias agudas. Nosso objeto são

as estratégias de desarticulação que, cotidianamente, perpassam os métodos de

gestão e organização do trabalho da burguesia; aquelas estratégias que não são tão

explícitas, mas que são imprescindíveis para o domínio e a exploração sobre o

trabalho – que será o fundamental no conteúdo da seção 4.

Por outro lado, quando as correlações de forças estão

desproporcionalmente estabelecidas, as classes em desvantagem não conseguem

nem mesmo se apresentar nas lutas. Nestes contextos, há uma ocultação das

identidades das classes sociais em confronto: mesmo o capitalismo se contrapondo

frontalmente aos trabalhadores, a burguesia não pavoneia a sua dimensão histórica

de comando classista; ela consegue velar o sentido do seu comprometimento.

Nestes períodos, que Lessa (2007, p.171) chama de "marcadamente contra-

revolucionários", ainda em suas palavras, "a fisionomia político-ideológica das

classes sociais tende a perder nitidez". Ou seja, as lutas de classes sequer parecem

existir na cotidianidade.

3) Por fim, um outro aspecto imprescindível que devemos levar em conta,

e que também diz respeito as concepções e as aplicações das estratégias

gerenciais, – o que não deixa de ser, assim, uma decorrência da primeira

observação –, é que elas não representam, necessariamente, os melhores métodos

de exploração e dominação para uma determinada situação. Nem sempre é possível

identificar corretamente a dimensão e os problemas a serem enfrentados. As

mediações que tais estratégias fazem com a totalidade social são muitas e são

complexas; extrapolam a capacidade de projeção da burguesia. Mais do que isso,

além da não-plenitude da antevisão estratégica, a eficácia e as consequências

desencadeadas pelos métodos desprendidos, quase sempre, ou mesmo sempre,

não correspondem às expectativas idealizadas. As intenções individuais ou coletivas

ganham movimentos próprios quando se exteriorizam e deparam-se com as cadeias

de causalidades do processo social. As estratégias gerenciais têm, nos valendo dos

termos de Lukács (apud TERTULIAN, 2010, p.396), "um caráter casual e não

teleológico".

Um exemplo bastante ilustrativo da incapacidade de se projetar um

conjunto de estratégias prévia-idealizando os seus alcances e resultados, pode ser

dado pelas medidas tomadas e efeitos desencadeados no que nos parece ser a

essência que fundamenta o processo de superação do taylorismo pelo fordismo. O

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grande entrave de Taylor à sua gerência era adquirir o comprometimento

(compromisso)34 do trabalhador em meio às lutas de classes; já que as suas

estratégias de intensificação do ritmo de trabalho eram pautadas no controle

disciplinar e pormenorizado de cada operação de cada trabalhador. E, o principal

meio de se conseguir tal envolvimento dos trabalhadores era via incentivos

individuais, como ilustra bem o conhecido diálogo entre Taylor e Schmidt, quando

àquele persuadia este tentando fazer dele – em sua própria expressão – "um

operário classificado" (2006, p.45-46).

Ford, por seu turno, avança sobre este entrave através, em linhas gerais,

dos sistemas de esteiras. A cadência dos trabalhadores passa a ser ditado pela

velocidade deste dispositivo, e não mais pela disposição do trabalhador em aplicar

as instruções que lhe eram dadas sobre os tempos e movimentos que deveria

realizar. A maquinaria no fordismo oferece à gerência a oportunidade de fazer por

meios mecânicos e socializado aquilo que no taylorismo era feito de modo pessoal e

individualizado. O ritmo do processo de trabalho centraliza-se nas mãos da gerência.

Como falou um operário da Ford sobre a linha de montagem,

Quando se está na linha, ela fica em cima da gente o tempo todo. A gente pode estar doente, pode não estar cem por cento, mas a linha está cem por cento. (apud BEYNON, 1995, p.163)

No entanto, a forma de gestão e organização do trabalho era tão

monótona, repetitiva, desgastante e degradante, que leva Ford a ter os problemas

de que falamos há pouco em relação aos abandonos da força de trabalho. O

sistema gerencial que concebera não conseguiu nem mesmo atingir um nível

mínimo necessário de envolvimento do trabalhador para que o fluxo de produção

caminhasse sem interrupções. E mais do que isso: com as linhas de montagens

hipertrofiadas em grandes fábricas, com crescidas concentrações de trabalhadores,

acabou por dar ao proletariado um enorme potencial de articulação. Isto é, o

fordismo desarticulou os trabalhadores no modo taylorista de gerência, mas

articulou-os em uma outra dimensão.

34 Do ponto de vista da perspectiva que nos vinculamos, o termo "compromisso" talvez seja mais preciso do que o termo "comprometimento": haja vista, este último tem um significado, de certa forma, ambíguo. Resolvemos utilizá-lo, no entanto, por ser o termo mais comumente empregado na linguagem gerencial; na literatura das teorias administrativas, notadamente, da linha comportamental.

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2.3 – As Estratégias Nucleares da Desarticulação

Além da ideologia da neutralidade da Ciência e das denominações

supostamente imparciais cunhadas pela burguesia aos trabalhadores, já

mencionadas até este ponto da seção, outras estratégias julgamos serem

indispensáveis para a compreensão dos fundamentos da desarticulação e das suas

formas de expressão como estratégias base de fundamentação dos instrumentais

gerenciais desarticuladores do capital.

2.3.1 – Formas de Tratamento Dispensado à Contradição Capital-Trabalho

Como parte fundamental, sobretudo, da dominação de classe da

burguesia sobre o proletariado, está a questão de como conduzir as tais lutas de

classes em torno dos processos de trabalho. Alguns autores expoentes da

Administração, em suas elaborações teóricas, preferem esconder as contradições e

os conflitos entre o capital e o trabalho, ou não as entendem, e defendem a tese da

harmonia entre eles. Outros explicitam o antagonismo que há – o que não é

nenhuma novidade, basta lembrar do que escreveu um ex-presidente dos EUA,

James Madison (apud Konder, 2008, p.31), em 1787: "proprietários e não

proprietários sempre formaram interesses diversos dentro da sociedade" –, mas

buscam fantasiar ideologicamente uma relação de interesses congruentes. Poucos

partem para o confronto aberto como regra geral.

Taylor (2006), por exemplo, em sua obra, narra reiteradamente sua

vivência de conflitos, como representante da gerência, com os trabalhadores. No

entanto, em sua forma de pensar, as contradições em torno dos processos de

trabalho, ainda que tenha sido, segundo ele mesmo, uma constante histórica das

sociedades de classes, não são uma condição insuperável; não são, para ele, uma

condição estrutural do modo de produção capitalista. O autor acreditava na

dissolução dos conflitos por meio de métodos gerenciais adequados. Dizia ele:

Parece tão evidente por si mesmo o princípio de que a máxima prosperidade para o patrão acompanhada da máxima prosperidade para o empregado devem ser os dois fins principais da administração, que seria

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desnecessário demonstrá-lo. E não há dúvida de que, em todo o mundo industrial, grande parte das organizações de empregadores, bem como de empregados, procura a guerra, antes que a paz, e talvez a maioria, de ambas as partes, não acredite seja possível manter relações mútuas, de modo que seus interesses se tornem idênticos. (2006, p.24)

Ao contrário, a administração científica tem, por seus fundamentos, a certeza de que os verdadeiros interesses de ambos são um único e mesmo. (2006, p.25)

Portanto, logo depois de ter sido nomeado chefe da oficina, empenhei-me em modificar o sistema de administração, a fim de que se tornassem um só os interesses dos trabalhadores e da direção, em vez de serem antagônicos. [...] Na elaboração desse sistema, compreendi que o maior obstáculo à cooperação harmônica entre o trabalhador e a direção residia na ignorância da administração a respeito daquilo em que realmente consiste em um dia de serviço do trabalhador. (2006, p.49-50)

Sua obra e sua ciência buscam, além de outros elementos, desconstruir,

ao menos em sua imaginação, o antagonismo capital-trabalho, e intentam construir

uma relação de cooperação mútua entre patrão e empregado. Como parte das

estratégias de superação das resistências proletárias, o convencimento de Taylor ao

trabalhador, contra o que chama de "indolência natural e a vadiagem premeditada"

(2006, p.32), envolvem medidas que chega mesmo a pregações morais que

terminam, de certa forma, a imbecilizar e culpabilizar as classes trabalhadoras. Ele

diz que extrair o máximo do trabalhador o faz mais feliz, já que, em suas palavras,

Ninguém ousará negar que o indivíduo atinge sua maior prosperidade, isoladamente, quando alcança o mais alto grau de eficiência, isto é, quando diariamente consegue o máximo rendimento. (2006, p.25)

A "eliminação da cera" e do "trabalho retardado" removeria, em suas

reflexões, "uma das principais causas de nossas dificuldades sociais" (2006, p.27).

Comenta Taylor (2006, p.29),

Para cada indivíduo que trabalha demais, há cem deles que, intencionalmente, todos os dias de sua vida, trabalham menos – muito menos do que deviam – e que, deste modo, estão colaborando, deliberadamente, para criar condições que são consequências inevitáveis dos baixos salários. E, dificilmente, alguma voz se levanta para combater esse mal.

Fayol (1994) não tem como característica explicitar os conflitos cotidianos

que trava com as classes trabalhadoras; talvez até pelo nível hierárquico de suas

propostas, que são mais voltadas à alta direção do que para com o trato direto dos

trabalhadores em seus processos de trabalho. Ele pensa a gerência partindo da

perspectiva da diretoria. Seu conceito de produtividade não se dá apenas no campo

da organização da produção, mas partindo da organização da estrutura

administrativa. Para este autor, a capacidade de produção dos trabalhadores é a

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capacidade de administrar dos seus chefes. Produtividade é uma capacidade

administrativa. Enquanto Taylor pensa a melhor forma de organizar o trabalho e os

trabalhadores na cadeia produtiva, Fayol pensa em como organizar os chefes para

dar à cadeia produtiva uma maior produtividade.

Em sua forma particular de entender e expressar a gerência, não significa

que marginalize a questão das lutas de classes. Ao contrário. Fayol não dá pistas de

que acredita na supressão do antagonismo de classes. Prefere precaver-se e

advertir os representantes do capital, deixando-os em alerta, para as resistências

operárias e seus movimentos ante os conflitos de interesses e necessidades entre

os integrantes de um negócio capitalista. Enfatiza a atenção que se deve desprender

nos acordos com os trabalhadores e suas entidades representativas. Diz ele,

A importância do movimento associativo aumentou consideravelmente de cerca de meio século a esta data. Observei, em 1860, os operários da grande indústria sem coesão, sem liame, verdadeira poeira de indivíduos; os sindicatos transformou-os em coletividades. (1994, p.63-64).

Não obstante, a fixação dos convênios entre a empresa e seus agentes, de onde provêm as modalidades da disciplina, deve continuar sendo uma das principais preocupações dos chefes de empresas. (1994, p.47)

A observância atenta e inteligente dos convênios não libera sua consciência. Bons ou maus, os convênios têm seu tempo. Chega sempre um momento em que eles não se harmonizam mais com as condições econômicas ou sociais vigentes; é necessário observar a evolução, sob pena de correr-se o risco de enfrentar algum temível conflito. (1994, p.123)

Como instrumento de luta à condução dos negócios, Fayol – longe de

dispensar – coloca no centro das estratégias gerenciais, entre outros, a disciplina e a

autoridade. Em seus "Princípios Gerais de Administração", quando disserta sobre a

"Subordinação do Interesse Particular ao Interesse Geral", enfatiza que "numa

empresa, o interesse de um agente ou de um grupo de agentes não deve prevalecer

sobre o interesse da empresa" (1994, p.49), e que a gerência deve se utilizar da

autoridade, que em suas palavras "consiste no direito de mandar e no poder de se

fazer obedecer" (1994, p.45), para restabelecer o que ele chama de "ordem social".

Contra os atos de indisciplina, o interesse da empresa não permite negligenciar na aplicação de certas sanções suscetíveis de impedir ou diminuir sua repetição. (1994, p.47)

A ordem social exige o conhecimento exato das necessidades e dos recursos sociais da empresa e um equilíbrio constante entre essas necessidades e esses recursos. Ora, esse equilíbrio é muito difícil de estabelecer e de manter e tanto mais difícil quanto maior for a empresa. E quando o equilíbrio se romper, quando interesses particulares fizerem negligenciar ou sacrificar o interesse geral, quando a ambição, o nepotismo, o favoritismo ou simplesmente a ignorância multiplicarem inutilmente os

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postos ou colocarem nos pontos necessários agentes incapazes, será preciso muito talento, muita vontade e mais perseverança que atualmente não comporta a instabilidade ministerial para acabar com os abusos e restabelecer a ordem. (1994, p.60)

As estratégias gerenciais de desarticulação sobre as classes

trabalhadoras do fayolismo não se restringem aos espaços fabris. Aliás, o que

também é uma característica de vários outros intelectuais orgânicos da

administração capitalista. Nos métodos de Fayol para docilizar e minimizar os

problemas da habituação do trabalhador os tornando dominável está sua

preocupação com a educação de valores burgueses:

Esses elementos que contribuem para a boa marcha de um negócio não são adquiridos unicamente na oficina; eles se formam e se aperfeiçoam também, e principalmente, fora dela: na família, na escola, na vida civil e religiosa. O patrão é levado, pois, a ocupar-se de seus agentes fora da usina. (1994, p.55)

É necessário, pois, esforçar-se para inculcar as noções administrativas em todas as classes sociais. A escola desempenhará, evidentemente, papel considerável neste ensino. (1994, p.39)

Apesar da amplitude de seu pensamento e da sofisticação de suas

exposições em relação às de Taylor, Fayol não dispensa os experientes da

moralidade para tentar desarticular o proletariado, no que ele chama de "estabilidade

de seu pessoal" (1994, p.55), e garantir uma força de trabalho minimamente

alinhada com os interesses do capital:

Esforçai-vos por atrair a simpatia de vosso chefe, mediante verdadeiro zelo no exercício de vossas funções; ele demonstrará boa vontade, de que não devereis abusar. [...] Criticar com a idéia de contribuir para uma melhoria é excelente; mas qualquer outra espécie de crítica é ato de leviandade ou de malquerença. [...] Quando se dispensa ao trabalho o melhor de si mesmo, à custa de fatigas e aborrecimentos, a satisfação da obra em andamento faz esquecer os dissabores todos. (1994, p.115-116)

Henry Ford também não era de comentar suas dificuldades para

movimentar a força de trabalho proletária. Sendo que, diferentemente de Fayol que

advertia sobre os conflitos, Ford parece simplesmente omitir as suas experiências

pessoais na condução de suas fábricas. Em três de suas produções intelectuais,

"Minha Vida e Minha Obra", "Hoje e Amanhã" e "Minha Filosofia da Indústria",

publicados, respectivamente, em 1922, 1926, 1929, o autor pouco ou nada fala

sobre alguma expressão das lutas de classes. Chega mesmo a falsear a realidade

de contenda, que precipita uma série de estudos psicológicos e sociológicos do

trabalho a fim de entender com mais propriedade a resistência dos trabalhadores

aos seus métodos de produção, por exemplo, ao dizer que,

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As sociedades operárias nunca nos fizeram objeções de qualquer espécie, pois nossos homens recebem salários superiores a mais elevada tarifa sindical. Nem sabemos se nossos operários são associados, nem tais sociedades se preocupam conosco. Estamos fora de causa e de greves. (1964, p.325-326)

Embora em suas obras não comportem a dimensão das lutas com os

trabalhadores, Ford não se furta a confrontar suas idéias, e as idéias capitalistas as

comunistas; faz pesadas críticas às greves e ao que ele chama de "federações

operárias". Seguem dois exemplos, entre vários, que nos parece demonstrar

claramente estes aspectos:

O verdadeiro líder do trabalho é o que dirige o trabalho para uma alta em eficiência e valorização, em vez de desviá-lo para o caminho das greves, das lutas estéreis e da miséria. A união trabalhista que se justificará em nosso país será uma lista de todos cujos interesses são solidários e só repousam na eficiência do serviço que prestam. (1964, p.181)

Os salários mais elevados que têm sido pagos até hoje estão longe de ser o que deveriam ser. A indústria não está suficientemente bem organizada e seus objetivos não são suficientemente claros para que possa pagar mais que uma fração do salário legítimo. É no que temos de pensar. A solução não virá pela substituição do salariato pelo comunismo. O sistema do salariato é o único que permite recompensar, segundo o seu valor, a parte de cada um na produção. Suprimam o sistema, e a injustiça será universal. Aperfeiçoem-no, e a justiça será universal. (1964, p.94)

O verniz da harmonização nos parece estar mais presente em Ford do

que na maioria das grandes escolas da administração. É sintomático dessa

estratégia de dominação – portanto, também de desarticulação – a forma como

Monteiro Lobato, um influente editor e escritor brasileiro do século XX, incorpora tal

discurso ao prefaciar a tradução das obras de Henry Ford, que para ele é "a mais

alta expressão da lucidez moderna" (1964, p.7). Lobato, a exemplo de seu admirado,

profere com fervor na defesa da identidade de interesses patrão-empregado, e

contra as perspectivas que suscitam, segundo eles, "discórdias" e "guerras de

classes".

Quando no futuro um outro Carlyle reescrever Os Heróis, ao lado de Moisés, de Cromwel, de Odin, figurará Henry Ford – o herói do trabalho. Porque se há no mundo um herói do trabalho, um revelador das possibilidades do trabalho como remédio de todos os males que o não-trabalho, que o mau trabalho, que a iníqua organização do trabalho criou, é Henry Ford. [...] Até aqui os solutores dos problemas sociais não passaram de idealistas utópicos, ao molde de Rousseau ou Marx, dos que imaginaram soluções teóricas, belas demais para serem exequíveis. Ford não imagina soluções. Dedu-las. [...] Posta nas bases de Henry Ford a indústria deixa de ser o Moloch devorador de milhões de criaturas em benefício dum núcleo de nabobos e transformar-se em cornucópia inextinguível de bens. Extingue-se o sinistro antagonismo entre o capital e o trabalho, que ameaça subverter o mundo. (1964, p.7-9)

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Não enriqueceu por meio de especulações e valorizações à custa do trabalho alheio. Enriqueceu enriquecendo a humanidade, enriquecendo e tornando feliz o operário [...]. (1964a, p.201)

Taiichi Ohno, diferentemente dos autores que acabamos de mencionar,

não se dirige diretamente à consciência dos trabalhadores; suas mensagens são

para os representantes da gerência. Ele não faz discursos moralistas e nem entra no

mérito do antagonismo ou não em torno dos processos de trabalho. Mas, deixa

evidente a diferença de papéis na sociedade entre representantes do capital e

representantes do trabalho. Não obstante, como parte das estratégias para minorar

as resistências operárias oriundas da redução da força de trabalho – tendo em vista

que a preocupação é sempre, em suas palavras, "em como produzir mais com

menos trabalhadores" (2007, p.82) –, Ohno apresenta um conselho para camuflar o

vazio das demissões nos espaços fabris, de modo que suas "políticas técnicas"

possam passar relativamente despercebidas pelos trabalhadores:

No Sistema Toyota de Produção, nós frequentemente dizemos: não faça ilhas isoladas. Se os operários estão esparsamente posicionados aqui e acolá entre as máquinas, tem-se a impressão de que há poucos operários. [...] Mesmo se há trabalho suficiente apenas para uma pessoa, cinco ou seis operários devem ser agrupados para trabalhar como uma equipe. Criando-se um ambiente sensível às necessidades humanas, torna-se possível implementar realisticamente um sistema que emprega menos trabalhadores. (2007, p.83).

Aqui devemos fazer uma observação, ainda que com algum grau de

imprecisão ou especulação. É difícil precisar até que ponto estes falseamentos da

realidade, presente nas ciências gerenciais da burguesia, correspondem a uma

convicção teórica dos autores ou correspondem apenas a um oportunismo

estratégico de convencimento para atingir os seus fins em vista. Braverman, na

introdução de seu destacado o livro, "Trabalho e Capital Monopolista: a degradação

do trabalho no século XX", faz uma observação que se assemelha em muito a

impressão que também temos. Diz ele (1987, p.16):

Durante uma leitura consideravelmente extensa dessas fontes fiquei impressionado sobretudo pela vagueza, generalidade das expressões e pelos sistemáticos erros flagrantes no relato das matérias concretas em discussão. Pareceu-me que muitas conclusões geralmente aceitas apoiavam-se em poucos dados fidedignos, e que representavam ou simplificações ou puras distorções de uma realidade complexa.

Para se ter uma dimensão dessa questão, basta darmos como ilustração

as explicações das origens da Teoria das Relações Humanas apresentada por um

autor brasileiro, Idalberto Chiavenato, em um de seus livros de maior disseminação

dentro dos cursos de Administração no Brasil, "Introdução à Teoria Geral da

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Administração". Segundo este autor (2000, p.71), "a Teoria Clássica e a

Administração Científica nunca foram pacificamente aceitas num país democrático,

como os Estados Unidos"; e completa,

Verificou-se que a administração se baseava em princípios inadequados ao estilo democrático de vida americano. A Teoria das Relações Humanas nasceu da necessidade de corrigir a tendência à desumanização do trabalho surgida com a aplicação de métodos rigorosos, científicos e precisos, aos quais os trabalhadores tinham de se submeter.

Certamente as divagações dos autores da Administração não podem

deixar de serem analisadas levando-se em conta que as suas perspectivas teórico-

metodológicas, utilizadas para explicar a realidade ou contextualizar as suas

concepções, têm uma série de limitações. Dentre outros motivos, pelo próprio

comprometimento com a ordem vigente, que faz com que suas avaliações não

possam avançar aos fundamentos dos problemas e da sociabilidade. Como diria

Braverman (1987, p.25), estas perspectivas vão no "sentido de aceitar tudo o que é

real como necessário, tudo o que existe como inevitável e, portanto, o atual modo de

produção como eterno". Contudo, o que nos parece evidente é que,

independentemente de ser intencional ou não, tais divagações ou falseamentos

compõem uma parte importante na fundamentação das teorias gerenciais

burguesas, sobretudo, no sentido de eliminar, pelas idéias e procedimentos inseridos

nos processos de trabalho, as contradições antagônicas entre o capital e o trabalho.

Tais divagações e falseamentos nos parecem ser, em si mesma, uma parte das

estratégias das classes proprietárias para a exploração e a dominação sobre as

classes trabalhadoras35.

2.3.2 – Personificação dos Conflitos e Impessoalidade da Dominação

A personificação dos conflitos e a impessoalidade da dominação são

outros aspectos determinantes contra a articulação dos trabalhadores para a luta. E

são fundamentais para toda e qualquer forma de organização da produção que deva

ser alienante – o que é o caso dos processos de trabalho no modo de produção

35 Uma interessante exposição sobre a forma como Taylor constrói seu discurso – e que em alguma medida pode-se expandir aos outros autores que citamos – pode ser encontrada no capítulo "Ideário taylorista e subjetividade", do livro "Organização do Trabalho e Administração: uma visão multidisciplinar". (HELOANI, 2006, p.17-32)

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capitalista. Nestes casos, de personificação dos conflitos e impessoalidade da

dominação, não se constituem condições que dependem unicamente dos esforços

oratórios e manipulatórios dos intelectuais orgânicos do capital. São condições

essencialmente objetivas que condicionam a subjetividade proletária. Mas.

condições alienantes que não deixam de ser reforçadas, e amplificadas, pelas

ideologias das estratégias gerenciais burguesas.

Quando um trabalhador expressa sua insatisfação contra as condições ou

os processos de trabalho, quase sempre esta expressão toma a forma de uma

discussão ou briga contra os seus encarregados. A consciência dos trabalhadores,

presas a imediaticidade do cotidiano, geralmente, não o permitem alçar a uma

dimensão da análise mais permeada pelas relações de totalidade. Apesar do caráter

opressor de como o poder do capital se manifesta no espaço fabril, o trabalhador

termina por enxergar a sua condição de explorado e dominado, não na estrutura dos

processos de trabalho que tornam os seus supervisores uma necessidade concreta,

mas veem na própria pessoa do supervisor, como o seu carrasco, a sua opressão. O

mando que é, em verdade, do capital, aparece-lhe como o mando do supervisor. A

contradição impessoal capital-trabalho acaba por tomar a forma na personificação

do conflito trabalhador-encarregado. Isto é, a impessoalidade e o caráter despótico

do poder do capital, como bem concisa nosso autor (EVANGELISTA, 2000, p.67),

"se manifesta para os operários sob a forma do despotismo pessoal dos

encarregados e supervisores que fazem a fiscalização da execução do trabalho

fabril".

Em tomando as contradições às formas dos conflitos pessoais, míngua-se

a potencialização dos conflitos coletivos. É na atomização do trabalhador que se

baseia grande parte das estratégias gerenciais para a dominação burguesa. Tanto

do ponto de vista da individualização concorrencial entre os trabalhadores – como

ainda veremos na seção 4 ao falarmos das estratégias de desarticulação no

toyotismo –, como da individualização do tratamento dado às tensões entre o

trabalhador e os representantes da gerência, encaminhando-os às instâncias

intermediárias correspondentes de decisão, evitando, assim, que a alta direção

envolva-se em conflitos cotidianos com a força de trabalho. Neste sentido, a

hierarquia fabril, também na forma da burocracia weberiana, participa ativamente na

viabilidade do comando sobre as classes trabalhadoras na medida em que dilui os

conflitos, oculta os centros de comando e decisão, camuflam a propriedade e o

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proprietário e, como diria Weber (apud MORGAN, p.282), dita as regras com a

"legitimidade" da estrutura. Estrutura esta que, por exemplo, como observa

Evangelista (2000, p.40-41), reserva ao departamento de Serviço Social um papel

considerável no convencimento e acomodação do trabalhador. Seguem três

depoimentos, respectivamente de dois operários e um dirigente sindical, que

recolhemos de seu livro por ilustrar significativamente esta estratégia gerencial:

O trabalho dela [a assistente social] na empresa é convencer o cara de que ele tem que trabalhar; de uma forma que ele não perceba, entende?

Ela [a assistente social] funciona naqueles problemas que a gerência não pode resolver e geralmente quem ia resolver era a direção da empresa. Quando ela não resolve, ela chega pra direção da empresa e diz que aquele cara precisa ser demitido da empresa.

A assistente social é pra fazer a cabeça dos trabalhadores. (...) É justamente aquela pessoa pra dar lavagem cerebral, sabe?

Neste caso, do exercício do assistente social como parte das estratégias

gerenciais, é prudente, e interessante, observar, ainda que de passagem, como o

capital se apropria de categorias profissionais em que, ao menos do ponto de vista

da hegemonia, têm uma direção social não coincidente com os anseios do sistema

societário capitalista. É verdade que muitos assistentes sociais, sobretudo aqueles

que atuam nestes espaços fabris da iniciativa privada, têm uma prática interventiva

pautada pela integração orgânica ativa com a burguesia: seus encaminhamentos,

num processo de relativa consciência e vinculação de classe, têm como perspectiva

o atendimento das condições de produção e reprodução do capital. No entanto,

mesmo aqueles profissionais do Serviço Social, nestes mesmos espaços

ocupacionais, que conseguem dar algumas respostas no sentido do atendimento

das demandas do trabalho, tensionando com as demandas diretas do capital, em

maior ou menor medida, e em grande parte, também, por serem assalariados, não

escapam das determinações do capital; da pressão da burguesia; do receio da

demissão. O assistente social, como um trabalhador que precisa vender sua força

de trabalho, sofre muito das determinações que perpassam sobre o operariado e

seus movimentos – determinações estas que deverão ficar mais claras ao longo

deste escrito quando outros elementos forem incorporados na discussão36.

36 Para uma problematização de algumas das questões do caráter contraditório que demarca a atuação profissional do assistente social – contradição que diz respeito a relação entre defender o compromisso assumido no chamado Projeto Ético-Político da profissão com as classes trabalhadoras e atender ao projeto de expansão e acumulação do capital –, ver Amaral e Cesar ( 2009; 2009a).

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Quer dizer, a impessoalidade da dominação pode incidir, inclusive, sobre

aqueles que exercem algum papel, com alguma importância, na estrutura de

dominação do capital sobre o trabalho, na estrutura de dominação das estratégias

gerenciais burguesas sobre as classes trabalhadoras. Mesmo aqueles que

compõem a estrutura de dominação podem ser dominados pelas forças impessoais

– para valermos das expressões de Mészáros (2002) – do comando sociometabólico

do capital.

2.3.3 – Apaziguamento Subjetivo do Trabalhador

No processo das lutas de classes, como elemento fundamental e

tendencial no arsenal estratégico burguês de gestão e organização do trabalho para

a desarticulação do proletariado, estão os métodos fomentados pelo que

genericamente poderíamos chamar de escola de relações humanas. O conjunto de

suas idéias não representa uma superação dos princípios de outras escolas como o

taylorismo, fordismo e toyotismo. Elas, por assim dizer, os complementam, os dão

suporte. E, assim como as demais teorias gerenciais que tratamos, esta também

parte de um problema inexorável: não investiga as causas estruturais dos conflitos;

busca apenas contribuir para solucionar os problemas de gerência. Não procura

transformar o meio; tenta, por intermédio de estímulos, adaptar o indivíduo ao meio.

Como destaca Braverman (1987, p.125-126), "o problema não é o da degradação de

homens e mulheres, mas as dificuldades ocasionadas pelas reações, conscientes e

inconscientes, àquela degradação".

Os responsáveis pelas Relações Humanas ocupam-se, sobretudo, com a

habituação e aclimatação do trabalhador ao processo de produção vigente. Cuidam

da manutenção da “maquinaria humana”. Buscam a compreensão subjetiva do

trabalhador: aquilo que influencia suas ações e relaxa suas resistências. Agem sobre

os integrantes das classes proletárias e os grupos para obter uma "cooperação"

voluntária para a produção. Para ficarmos nas palavras de um de seus precursores,

Hugo Münsterberg (apud BRAVERMAN, 1987, p.126-127),

[...] a experimentação psicológica deve ser sistematicamente colocada a serviço do comércio e da indústria.

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[...] escolhemos três principais propósitos da vida dos negócios, propósitos que são importantes no comércio e na indústria e qualquer empresa econômica. Indagamos como podemos encontrar os homens cujas qualidades mentais os tornam mais apropriados para o trabalho que têm a fazer; em segundo lugar, em que condições psicológicas podemos obter a maior e mais satisfatória produção de trabalho de cada homem; e, finalmente, como podemos produzir mais completamente a influência nas mentes humanas desejadas nos interesses do negócio.

Para Elton Mayo (apud TRAGTENBERG, 2006, p.99-100) – um outro

iniciador da Escola de Relações Humanas – um trabalhador que não está alinhado

com as determinações exigidas pela burguesia, não significa, essencialmente, que

seja um "rebelde" em sua própria "natureza"; mas, um sujeito que não foi bem

adestrado. Mayo – para quem o conflito é uma "chaga social" e a elite a legatária do

"ideário corporativo" – converte a resistência operária em problema de "inadaptação"

pela manipulação dos conflitos. Em outras palavras, nas que estão presentes no

clássico livro de Tragtenberg (2006, p.101), "cabe ao conselheiro de relações

humanas a supressão das resistências informais às exigências administrativas".

2.3.4 – Utilização da Inovação Tecnológica

Para a dominação de classe dos representantes do capital sobre os

representantes do trabalho, a utilização da tecnologia apresenta-se como um

indispensável instrumento à fundamentação de estratégias desarticuladoras. A

maquinaria, por exemplo – da qual já tratamos sob outros aspectos, e que é parte do

que entendemos por tecnologia –, tem se mostrado, historicamente, um importante

aliado da burguesia contra as resistências operárias.

Em sua obra O Capital, ao tematizar sobre as inovações tecnológicas

neste sentido de contribuição às lutas de classes, Marx (2006, p.497) sustenta que o

capitalismo utiliza a maquinaria como a "arma mais poderosa para reprimir as

revoltas periódicas e as greves dos trabalhadores contra a autocracia do capital".

Andrew Ure (apud MARX, 2006, p.498), ao discorrer filosoficamente a respeito de

uma determinada invenção diz que tal máquina configura-se como "uma criação

destinada a restaurar a ordem entre as classes industriosas"; uma invenção que

demonstra, segundo este intelectual orgânico da burguesia, que "o capital compele à

docilidade o braço rebelde do trabalho, quando põe a ciência a seu serviço".

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Holbrook Gaskell (apud MARX, 2006, p.497), um industrial britânico, em sua obra

"The manufacturing population of England", que diz que a maquinaria capacitou o

capitalista "para esmagar as exigências crescentes dos trabalhadores", defende que

poder-se-ia "escrever toda uma história das invenções feitas a partir de 1830 com o

único propósito de suprir o capital com as armas contra as revoltas dos

trabalhadores".

Se analisarmos as inovações tecnológicas por um outro ângulo, mas

ainda sob a perspectiva da desarticulação, veremos que, a própria pormenorização

da divisão do trabalho, tem como um de seus grandes objetivos viabilizar com que a

maquinaria consiga assumir grande parte das atividades então monopolizadas pelo

saber e pela prática dos trabalhadores. Como mesmo esclarece o desenvolvedor de

uma nova máquina surgida na Inglaterra da metade do século XIX para dissipar uma

greve, James Nasmyth (apud MARX, 2006, p.497), um ex-operário e profundo

conhecedor de máquinas e ferramentas especializadas:

O que qualquer trabalhador mecânico tem de fazer agora, e o que qualquer jovem pode fazer, não é trabalhar diretamente, mas superintender o belo trabalho da máquina. Toda a classe de trabalhadores dependentes exclusivamente de sua perícia está agora posta de lado.

Ure (apud MARX, 2006, p.398) também fala algo no mesmo sentido,

como resultado de suas investigações e visitas a fábricas têxteis de seu país. Diz

ele, “A horda dos insatisfeitos que imaginava entrincheirar-se invencível atrás da

velha divisão do trabalho, viu-se atacada pelos flancos e teve suas defesas

destruídas pela moderna tática mecânica”.

A maquinaria tem representado, desde o início do capitalismo, além de

"meio para produzir mais-valia" (MARX, 2006, p.427), nas palavras de Braverman

(1987, p.168, itálicos do original), “o meio principal pelo qual a produção pode ser

controlada não pelo produtor imediato mas pelos proprietários e representantes do

capital”.

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3 – ESTRUTURA E DINÂMICA DA DESARTICULAÇÃO NO CONJUNTO DAS

ESTRATÉGIAS GERENCIAIS BURGUESAS

Ainda considerando que as estratégias de desarticulação regularmente

não se apresentam isoladas e autonomamente no comando cotidiano dos processos

de trabalho, continuaremos as analisando dentro do contexto das estratégias

gerenciais burguesas. Mesmo porque, muito da sua dinâmica é, em verdade, a

dinâmica da gerência; muito dos movimentos estratégicos por ela realizados são,

destarte, os movimentos realizados pela gerência.

3.1 – Objetividade e Subjetividade, Técnica e Ideologia: Ampliação e

Sofisticação da Gerência Burguesa no Comando sobre o Trabalho

Esperamos que a este ponto da dissertação já esteja relativamente

evidenciado que as estratégias gerenciais burguesas, em geral, e as estratégias de

desarticulação, em específico, não dizem respeito apenas às formas físicas de

organização da produção. Envolvem, também, as formas ideológicas de organização

dos trabalhadores; envolvem, nas palavras de Braverman (1987, p.125), as

"condições sob os quais o trabalhador pode ser induzido melhor a cooperar no

esquema de trabalho organizado pela engenharia industrial".

Ou seja, a organização dos processos de trabalho – que implica em

meios de produção e força de trabalho, e que é o objeto, por excelência, da

apreciação e intervenção dos métodos da gerência – requer, como parte de um

mesmo corpo teórico-prático, estratégias gerenciais que levem em conta a

reciprocidade dialética entre a objetividade e a subjetividade da produção.

Precisamente por esta dupla dimensão das técnicas gerenciais, aliás,

utilizamos, recorrentemente, a exemplo de Wellen e Wellen (2010, p.67), o termo

gestão e organização do trabalho, na medida em que nos parece adequado para

cumprir a tarefa de sinônimo e qualificação das estratégias de organização dos

processos de trabalho burguesa.

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Vale insistir, ao lembrarmos, que não devemos entender como havendo

uma dicotomia entre os termos da referida expressão. "Gestão" não diz respeito,

estritamente, aos arranjos psicológicos sobre o trabalhador; e "organização do

trabalho", não se refere, unicamente, a itens como arranjos das máquinas,

equipamentos e ritmos ditados. O que existe é o momento predominante de uma

dimensão sobre a outra. Há determinados aspectos das estratégias gerenciais em

que predominam o conteúdo do primeiro termo da expressão; e há aspectos em que

têm a predominância do conteúdo do segundo termo da expressão.

O que tem se verificado historicamente com o desenvolvimento da

gerência burguesa é que, cada vez mais, os representantes do capital têm

debruçado-se sobre estratégias em que predominam o momento da subjetividade

sobre o da objetividade. Quanto mais complexa torna-se a sociabilidade capitalista,

tanto mais, tendencialmente, se complexifica as estratégias gerenciais. Métodos de

cooptação do envolvimento e comprometimento (compromisso) do trabalhador para

viabilizar a extração do seu melhor rendimento tornam-se, de certa forma, uma

primazia gerencial. A técnica apresenta-se cada vez mais sofisticadamente

imbricada na ideologia. Mesmo quando a exploração e a dominação parecem ser

realizadas por meios puramente técnicos, há neles, em verdade, uma exploração e

dominação política, ideológica.

Nos primeiros passos da construção de uma sociedade capitalista, eram

os próprios trabalhadores que controlavam os processos de trabalho. Ainda que não

indicassem o que e quando produzir, o como produzir estava sob seus comandos.

Os trabalhadores não possuíam os meios de produção, nem os produtos da sua

produção, mas possuíam o conhecimento sobre a produção. Mesmo que

determinado pelos interesses do capitalismo, a subsunção do trabalho ao capital se

dava nas condições de uma subsunção apenas formal.

No seio do movimento que dá forma a Revolução Industrial – na

concepção marxiana do termo37 –, a burguesia intenta superar dois grandes limites

interdependentes do ponto de vista do capital: as dificuldades para se ditar um ritmo

de trabalho para o aumento da extração de mais-valia, e o monopólio do

conhecimento e do controle operário sobre os processos de trabalho. A burguesia

empreende-se, sobretudo, na expropriação do saber de ofício e na intensificação da

37 Em linhas gerais, Marx não entende a Revolução Industrial como sendo a explosão da disseminação das máquinas – como vulgarmente ela é conhecida –, mas a entende como sendo os processos e as condições que tornaram esta disseminação uma realidade.

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divisão do trabalho. Tal empreendimento pode ser classicamente explicado por

Taylor como sendo "o mais importante elemento na administração científica"38:

Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento de planejamento ou projeto. (apud BRAVERMAN, 1987, p.103)

À gerência é atribuída, por exemplo, a função de reunir todos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e então classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas, grandemente úteis ao operador para execução do seu trabalho diário. (TAYLOR, 2006, p.40)

O trabalho de cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de antecedência e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizá-la. [...] além do tempo exato concebido para a execução. [...] A administração científica, em grande parte, consiste em preparar e fazer executar essas tarefas. (TAYLOR, 2006, p.42)

Quer dizer, para intensificar a produção, e tendo-se o entendimento de

que os trabalhadores que são controlados apenas pelas ordens e disciplinas gerais

não são adequadamente controlados, torna-se um imperativo ao capital subsumir o

trabalho, não apenas no sentido formal, mas realmente39, no controle e definição dos

processos de trabalho. Como diz Braverman (1987, p.86), é uma necessidade

absoluta para a gerência "a imposição ao trabalhador da maneira rigorosa pela qual

o trabalho deve ser executado". Segundo o mesmo autor (BRAVERMAN, 1987,

p.98), este é “o eixo sobre o qual gira toda a gerência moderna: o controle do

trabalho através do controle das decisões que são tomadas no curso do trabalho”.

Com a limitação no prolongamento do tempo de extração do

sobretrabalho, resultado da regulamentação da jornada de trabalho40, a gerência de

tipo burguesa é compelida, novamente, a superar sua forma, até então típica da

conjuntura sócio-histórica, de aumentar os lucros. Seus métodos gerenciais devem

38 Mészáros (2002, p.99), analisando este mesmo fenômeno de dissociação diz: "Esta imposição da divisão social hierárquica do trabalho [...] vem da condição insuperável, sob o domínio do capital, de que a sociedade deva se estruturar de maneira antagônica e específica, já que as funções de produção e de controle do processo do trabalho devem estar radicalmente separadas uma da outra e atribuídas a diferentes classes de indivíduos."

39 Uma exposição acessível sobre a distinção marxiana entre a subsunção formal e a subsunção real, pode ser encontrada em (ROMERO, 2005, p.71-209).

40 A luta em torno da regulamentação da jornada de trabalho de 10 horas do século XIX é um bom exemplo de como o capital incorpora as demandas por direitos das massas populares e dos avanços sociais ao seu projeto de expansão e acumulação, tornando-lhes essencialmente funcionais à sua dinâmica. Para um estudo pormenorizado sobre as lutas e as implicações da regulamentação da jornada de trabalho, e todo o complexo processo de avanços e recuos nas conquistas e concessões, de legalização e não efetivação, etc., ver (MARX, 2006, p.267-346). Para uma análise sintética, ver (PANIAGO, 2001) e (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.53-56). Para uma sistematização nossa, ver (SERAFIM, 2010).

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desenvolver-se de modo a permitir produzir cada vez mais por trabalhador dentro de

um mesmo limite de tempo.

A base sobre a qual ergue-se as estratégias gerenciais burguesas é na

prevalência da subsunção real do trabalho sobre a subsunção formal. A ampliação e

aprofundamento de suas técnicas devem-se ao predomínio da extração da mais-

valia relativa sobre a mais-valia absoluta.

3.2 – A Dinâmica Conformativa da Combinação Coerção-Consenso nas

Estratégias da Gerência Burguesa

No conjunto do arsenal estratégico de gestão e organização do trabalho

da burguesia – onde, mais uma vez lembramos, estão presentes as estratégias de

desarticulação – há aqueles métodos que possuem uma maior conotação

intimidativa sobre os trabalhadores, e há aqueles métodos que possuem uma maior

conotação persuasiva. Para colocar as classes trabalhadoras em movimento no

sentido dos interesses do capital, extraindo-lhes um maior rendimento, a burguesia

utiliza-se tanto de estratégias gerenciais, cujo momento predominante é de

intimidação aos operários, quanto estratégias gerenciais cujo momento

predominante é de persuasão frente ao operariado. Isto é, e já nos valendo da

precisa incorporação que Evangelista (2000, p.35) faz de Antonio Gramsci: “a

despeito da prevalência da coerção nas relações cotidianas entre o capital e o

trabalho, sempre está presente, em alguma medida, o outro elemento desse par

dialético, o consenso”.

Em Frederick Taylor, na sua administração científica, a coerção das

estratégias gerenciais sobre os trabalhadores sobressai-se, quase que

absolutamente, em relação ao consenso. Há um exacerbado autoritarismo nas

relações sociais de produção sob o comando do taylorismo. A intensa fiscalização

vigorosa e supervisão sistemática aparecem como seu corolário, dando uma certa

onipresença ao despotismo do capital.

No fordismo, apesar da intromissão dos estudos das escolas de recursos

humanos, suas estratégias gerenciais de exploração e dominação continuam,

essencialmente, coercitivas. Como diz Gramsci (2001, p.242), em seu conhecido

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texto "Americanismo e Fordismo", a gerência nas indústrias de Henry Ford "ocorre

sob formas particularmente brutais e insidiosas, através da mais extremada

coerção". Ainda de acordo com o autor italiano, tal característica da gerência, no

caso particular da Europa que não se utilizara de atrativos financeiros como base de

convencimento aos trabalhadores, só é possível em virtude do "desemprego

endêmico surgido no após-guerra" (2001, p.272). Segundo ele, "se a situação fosse

'normal', o aparelho de coerção necessário para obter o resultado desejado custaria

mais do que os altos salários" (2001, p.273).

Apesar de se situar historicamente entre Taylor e Ford, Henry Fayol já

compreendia que uma gerência não podia se dá apenas pelas formas das

estratégias coercitivas sobre o trabalhador. Dizia ele,

Está entendido que todo chefe tem o poder de se fazer obedecer. Mas a empresa estaria muito mal servida se a obediência não fosse obtida senão pelo temor da repressão. Há outros meios de conseguir obediência mais fértil em resultados, geradora de esforços espontâneos e de iniciativa refletidas. (1994, p.123)

No entanto, é somente com o toyotismo, de Taiichi Ohno, que as

estratégias de consenso farão parte da espinha dorsal dos métodos de uma escola

de gestão e organização do trabalho de tipo burguês.

Apesar de ser aquele em que mais propriamente incorpora o comando

baseado no consenso, o sistema que toma forma nas fábricas da Toyota, não

consegue renegar as medidas coercitivas no cotidiano fabril. Não consegue, nem

mesmo, deixá-las na reserva. Elas fazem parte, visceralmente, das relações sociais

de produção do modo de produção capitalista. O livro de Eurenice de Oliveira,

"Toyotismo no Brasil: desencantamento da fábrica, envolvimento e resistência",

como o próprio nome sugere, faz uma investigação na fábrica da Toyota em

Campinas, São Paulo. Neste estudo, do segundo semestre de 1999, foram

recolhidas diversas entrevistas com trabalhadores que denunciam e ilustram, de

modo significativo, essa relação despótico-coercitiva do capital com o trabalho. A

título de exemplo, seguem três delas:

Quando nós fizemos integração, foi passado que a Toyota era um paraíso. Que nós gostaríamos da empresa iríamos querer nos aposentar lá. Porque a empresa era sólida e garantia pra gente uma perspectiva de vida. Foi passando o tempo todo, e a gente viu que não era tudo aquilo. Começamos a nos questionar. (OLIVEIRA, 2004, p.139)

Os supervisores e encarregados estão sempre ali olhando. O cara fica com a mão no bolso olhando de longe. Na fábrica tem sempre alguém te olhando atrás de uma caixa. Você percebe quando alguém tá olhando, comigo já

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aconteceu. Mas isso não é só aquela pessoa olhando você. Tem os senhores G1, G2, G3 que estão lá em cima e são os maiores. Lá em cima é um lugar que dá visibilidade. De longe, eles sabem o que você está fazendo ali. Um tempo eu fiquei com mania de perseguição. Se tiver dois ali na linha, o encarregado chega e diz: o seu lugar é ali, ou põe você para fazer revezamento. (OLIVEIRA, 2004, p.156)

Na Toyota, a gente não tem liberdade para chegar e perguntar: O que está acontecendo com você? Mesmo que você tenha tempo. A menos que você queira se queimar! Pra gente conversar com alguém sem ser notado, a gente abre o capô do carro e simula que está conversando sobre o problema do carro. Se chegar alguém, a gente corta a conversa. Não dá dois minutos, o cara chega e pergunta o que está havendo. Ou então na reunião: o que vocês estavam fazendo lá? Imagina se alguém da direção passa e vê vocês. Ele sabe como funciona o sistema de trabalho. Se ele passa e vê vocês lá, ele já vai chegar em mim para mandar vocês embora. (OLIVEIRA,,2004, p.197)

Nestas falas, procuramos evidenciar as coerções de tipo mais tradicional,

as coerções tipicamente taylorista. O fizemos assim para destacar que, mesmo nas

formas de gestão das mais modernas, existe a conservação de elementos dos mais

atrasados, sobretudo quando se diz respeito aos instrumentos de coerção. Como

bem colocou Braverman (1987, p.84),

Se o taylorismo não existe hoje como uma escola distinta deve-se a que, além do mau cheiro do nome, não é mais propriedade de uma facção, visto que seus ensinamentos fundamentais tornaram-se a rocha viva de todo projeto de trabalho.

Certa vez um subdiretor da Donnelly Mirrors – uma fabricante de médio

porte de retrovisores automotivos –, Dick Arthur, proferiu dizeres que representam

satisfatoriamente o universo de estratégias que se situam entre a coerção e o

consenso, e que servem ao mesmo objetivo. Quem reproduziu tal fala foram

Dominique Pignon e Jean Querzola, em seu excelente artigo intitulado "Ditadura e

Democracia na Produção". Disse ele:

Nos negócios buscamos o lucro. Há duas maneiras de consegui-lo. A primeira, mais tradicional, consiste em obter o lucro às custas da dignidade humana e da satisfação pessoal. A outra, que aprendemos através da experiência com o "plano Scanlon", faz com que a dignidade humana seja realçada e a satisfação pessoal aumentada. (2001, p.132-133)

O mais próprio de novas formas de gerência, entretanto, é, quando da

reincorporação de estratégias pretéritas, as fazê-las sob novas configurações, sob

novas roupagens. A burguesia não abandona sua coerção, mas reafirma-as em

novas bases. O que se procura é apagar, na atualização da gerência, a herança do

caráter mais despótico do capital, combinando-lhe com estratégias de exploração e

dominação que integram, mais fortemente, meios ideológicos que possibilitem

potencializar algum tipo de consenso; ainda que seja um consenso precarizado.

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Estas reconfigurações, deveras, é um aspecto importante das estratégias gerenciais

burguesas: mudam-se as formas, permanecem-se os modos!

3.2.1 – Estratégias Persuasivas-Consensuais e suas Formas Cotidianas como Demandas do Capital

As tendências a formas de gerência menos coercitivas e mais

consensuais, de que tratamos na subseção anterior, são, de certa forma, uma

necessidade do próprio capital, essencialmente, em decorrência do aprofundamento

democrático da sociedade burguesa; que, aliás, é o seu regime político privilegiado.

Nela, as fábricas são compelidas a adquirir, ao menos em seus aspectos exteriores,

uma aparência mais conforme às exigências morais da sociedade. Engels, ainda

nos primeiros anos de suas atividades intelectuais-militantes, já apreendia essas

tendências que se desenhavam na dinâmica concorrencial entre as indústrias,

inclusive no que diz respeito, particularmente, as formas de comando da força de

trabalho. Dizia ele,

Embora os compêndios oficialmente reconhecidos não o digam de maneira expressa, uma das leis da economia política moderna estabelece que quanto mais se desenvolvem a produção capitalista menos lhe é possível recorrer aos estratagemas mesquinhos e as pequenas artimanhas próprias de seus estágios iniciais. (ENGELS, 2008, p.345)

Quer dizer, os métodos repressivos para induzir um maior rendimento ao

trabalhador e para evitar ou atacar a articulação de classes entre o proletariado, ao

confrontarem-se com uma determinada conjuntura sociopolítico-econômico-cultural

da sociabilidade capitalista, tornam-se, de certa forma, inviáveis. Estratégias como

as de fiscalização rigorosa e invasiva da individualidade e a elevação autoritária dos

ritmos de produção, a depender do contexto, passam a ter sua eficácia bastante

limitada. Nas palavras de Pignon e Querzola (2001, p.96), "a repressão

sobrecarrega muito o aparelho de produção"; "os métodos repressivos nada

conseguem contra uma resistência difusa e presente em toda parte". Segundo eles,

a utilização das "medidas estritamente organizacionais e repressivas para aumentar

a produtividade" só tende a provocar "greves, quebras de ritmos, aumento

considerável de peças com defeito".

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Como nos ensina Evangelista (2000, p.69) – e valendo-se especialmente

das reflexões e sínteses das experiências testemunhais de Simone Weil41 em uma

fábrica da Renault –, o caráter coercitivo que as relações do capital com o trabalho

presidem nos espaços fabris engendram, como consequência, duas modalidades de

fenômenos processualmente contraditórios: em um momento, este tipo de

intervenção do capital "atua represando as manifestações de insatisfação operária,

individual e coletiva, inibindo-a pela intimidação permanente dos trabalhadores", seja

ele "através de punições, ameaças de punições e punições efetivas", seja ele pela

"prática de demissões exemplares daqueles que ousam manifestar a sua rebeldia

frente aos ditames das empresas". Tal exercício gerencial despótico pode provocar,

"em termos imediatos, o aumento da intensificação entre os trabalhadores"; já que, o

uso da coerção suscita uma "submissão temporária" na maioria dos trabalhadores,

pois, "a opressão evidentemente inexorável e invencível não gera, como reação

imediata a revolta, mas a submissão". No entanto, a sua "utilização continuada"

desperta, em outro momento, "através de um processo cumulativo, a saturação da

eficácia desses mecanismos coercitivos", de modo a criar, segundo o autor, "as

condições para o seu enfrentamento prático com a irrupção desordenada de

manifestações explosivas de revolta de trabalhadores e também de formas coletivas

de rebeldia operária". O despotismo insistente do capital transforma, o que para

Evangelista (2000, p.66) é perceptível mesmo nas conversas entre trabalhadores,

"uma insatisfação surda e difusa em uma insatisfação operária visível no interior da

fábrica".

A bem da verdade, ainda que esses métodos autoritários e quase sempre

despóticos tenham sido, como diz Evangelista, “ao longo da história, a norma geral

na relação do capital com o trabalho”, eles tornaram-se um entrave ao próprio

desenvolvimento da produtividade da gerência, e em consequência, um freio ao

desenvolvimento do capitalismo. Fato este reconhecido, segundo Pigmon e

Querzola (2001, p.98), mesmo por "toda a atual corrente modernista da organização

do trabalho". O reforço repressivo de Taylor, por ele transformado em sistema, nos

países em que, para darmos um exemplo, compõe o capitalismo central, não

representa uma resposta aceitável pelo capital. Ao trabalho embrutecedor,

enfadonho e extenuante do fordismo da década de 1960, se fossem dadas

41 A sua biografia, cartas, diários, reflexões e escritos, estão reunidos numa instigante obra intitulada "Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão". (BOSI, 1996)

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respostas ainda mais coercitivas nos países do chamado primeiro mundo, relações

sociais de produção e relações sociais de reprodução incompatibilizar-se-iam de tal

ordem que poderia tornar o domínio de feição democrática à acumulação capitalista

socialmente insuficiente ou insustentável.

Não obstante às determinações da totalidade, e a despeito do entrave ao

capital e da tendência democrática-consensualista das estratégias gerenciais

burguesas, as relações sociais que se dão nos espaços intra-fabris são

desproporcionalmente despóticas se comparadas às relações sociais que se dão

fora das fábricas. Como resumiu Pigmon e Querzola (2001, p.129), "as formas de

autoridade constitutivas da atual organização capitalista da produção parecem

obsoletas mesmo à lógica da racionalidade capitalista". As relações dentro da fábrica

ainda continuam muito autoritárias, coercitivas. Ainda que as exigências

democráticas sejam tendencialmente cada vez mais difíceis de serem contidas fora

da esfera da produção, a burguesia tem conseguido restringi-las às portas da

fábrica. O máximo que este movimento tendencial tem conseguido, ao menos nos

espaços de trabalhos industriais, é dar ao despotismo algum ar de democrático.

As estratégias da democracia formal, que os representantes da

propriedade utilizaram-se para dominar politicamente as massas durante longos

períodos históricos, não tem conseguido, através de formas análogas e satisfatórias

ao capital, subordinar os representantes do trabalho ao projeto de acumulação

capitalista. Com isto, apesar dos pontuais avanços democráticos dos métodos

gerenciais, o brilhante relato de Weil sobre suas sensações ao operar nos processos

de trabalho europeu da década de 1930 continua atual e frequentemente proferido,

em outros termos, mas no mesmo sentido, por trabalhadores nestes primeiros anos

do século XXI.

A cada momento estamos na contingência de receber uma ordem. A gente é uma coisa entregue à vontade de outro. Como não é natural para um homem transformar-se em coisa, e como não há coação visível (chicote, cadeias) é preciso dobrar-se a si próprio em direção a essa passividade. Que vontade de poder largar a alma no cartão de entrada e só retomá-la à saída! Mas não é possível. A alma vai com a gente para a oficina. É preciso o tempo todo fazê-la calar-se. Na saída, muitas vezes não a temos mais, porque estamos cansados em excesso. Ou, se a temos ainda, que sofrimento, quando chega a noite, reparar no que fomos durante 8 horas desse dia, e que no dia seguinte serão ainda 8 horas, e também no dia seguinte do dia seguinte... (WEIL, 1996, p.125)

Apesar do escopo das múltiplas possibilidades de modos de se combinar

a coerção e o consenso ser determinado, principalmente, pelas lutas de classes que

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deram formas a escola gerencial hegemônica de um momento histórico, são as

exigências das correlações de forças, nas lutas de classes concretas de cada

empreendimento capitalista, que dão a forma mais acabada da combinação deste

par dialético.

É também no bojo dessas tensões de forças entre o capital e o trabalho

que reside o complemento da combinação coerção-consenso, sobretudo, no que

tange as estratégias gerenciais burguesas de desarticulação: a proatividade e a

reatividade.

Nos métodos gerenciais contra a articulação do operariado, o par dialético

pode realizar-se na cotidianidade dos processos de trabalho – além, de como

mencionamos, das inúmeras combinações entre eles – ora sob a forma de

antecipação estratégica nas lutas de classes, ora sob a forma de reação aos

conflitos de classes. Assim, não é casual, por exemplo, que na tentativa de obtenção

do consenso, ainda que seja – repetimos – um consenso precário, o capital tome a

iniciativa política e antecipe-se à eclosão de processos mais acentuadamente

conflitivos e explosivos; e deste modo, como comenta Evangelista (2000, p.35),

"reduzindo por certo tempo as contradições que são imanentes ao cotidiano fabril".

Promoção para a comemoração do 1º de maio; festas para o que as

empresas chamam de "integração social"; aumento e prêmios salariais repentinos;

distribuição, antecipação ou ampliação dos chamados "sacolões"; promessas de

melhorias das condições de trabalho: são algumas das estratégias de caráter mais

consensual e proativa utilizadas pelos representantes do capital em suas gerências.

Algumas das técnicas neste sentido, no entanto, consistem apenas em

medidas emergenciais e enganosas que visam protelar os movimentos

reivindicatórios do proletariado, ganhando-se tempo para a edição de estratégias

mais elaboradas e eficazes para a situação determinada. As falas, que fazem parte

da pesquisa de Evangelista (2000), respectivamente, de um dirigente sindical e de

um operário da indústria têxtil no Brasil do final da década de 1980, dá uma idéia

deste tipo de prática da gerência burguesa:

... o pessoal (...) reivindicava uma antecipação salarial, que a empresa não queria dar. Esse pessoal decidiu parar. (...) O que aconteceu? Quando o pessoal saiu da assembléia no sindicato e retornou ao trabalho, daqui do sindicato pra empresa... Quando eles chegaram lá já tinha no quadro de aviso da empresa um aumento. A empresa ia dar parece que era 30% de antecipação salarial a todos os trabalhadores. Aí quer dizer..., uma jogada inteligente da empresa. Que é que aconteceu? Botou água na fervura. Todo mundo, sabe, acreditou no que a empresa fez. Então, decidiram não parar

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mais. Aí, que é que aconteceu? A empresa também não deu o reajuste do pessoal. Foi só uma forma inteligente que eles usaram pra calar a boca do pessoal. Porque todo mundo acreditou. (...) Quando foi no dia 25, não saiu. Mas em função disso (...) começaram a usar os artifícios de conscientizar o pessoal lá dentro, que a empresa talvez não desse o aumento mas que, futuramente, ia ter um aumento maior, que não sei o quê... (...). Começaram a fazer a cabeça daqueles caras que eles achavam que não tinha nada e que eles entravam no jogo da empresa. (idem, p.42)

Sempre que ouvir falar em greve, a empresa dá 20% de aumento para não haver greve. Ela diz que vai dar, mas no contracheque não vem. Então, o povo se acomoda com aquilo. Não vai fazer greve e fica por isso mesmo. E fica só falando, de peão pra peão. Mas desiste de fazer greve. (idem, p.42)

Outros operários falam sobre estratégias que poderíamos classificar como

ainda de proatividade, mas agora o elemento do par dialético prevalecente é o de

coerção. Dizem eles:

O cara que reclama demais é muito espiado dentro da empresa. Todo mundo fica vigiando ele, a chefia todinha em cima dele, esperando que ele dê um vacilo. (idem, 2000, p.59)

Logo quando o chefe detecta um elemento, um operário, que não esteja de acordo com as condições de trabalho, condição salarial, que a empresa oferece, eles procuram logo eliminar aquele operário. Isso não acontece de chegar e botar logo pra fora. Ficam esperando uma oportunidade pra dar uma justa causa a esse operário. Ficam ali devagarzinho, cutucando, massacrando, pondo pressão em cima do funcionário. (idem, 2000, p.59)

Como estratégias que se posicionam entre a antecipação e a reação,

também de caráter despótico-coercitivo, podemos apresentar ilustrativamente os

dizeres de dois outros operários fabris:

Há um tipo de reunião sempre que há uma ameaça de algum movimento, de algum movimento grevista, ou coisa assim que eles sabem que aquele grupo não está satisfeito, ou alguém tá organizando aquele grupo. Eles procuram fazer esse tipo de reunião. E, na reunião, procura fazer uma pressão nos funcionários, por alto, mostrando que a empresa, em hipótese alguma, permite um movimento grevista. (idem, 2000, p.60)

Sempre que há uma ameaça de paralisação total, o pessoal, a direção, se preocupam muito. Então, fica um verdadeiro safári na empresa. O patrão em busca daquelas pessoas que poderiam levar o movimento na empresa. E qualquer pessoa que fala em participação, em greve, em organização na empresa, o que acontece – já aconteceu com vários amigos meus – é rua. (idem, 2000, p.61)

São estas e outras técnicas, visando amenizar ou esvaziar as tensões ou

os encaminhamentos radicalizados dos movimentos proletários, utilizadas em maior

ou menor medida, a depender das demandas circunstanciais, das necessidades do

capital e das lutas de classes, da sua eficácia em cada conjuntura ou espaço de

trabalho, etc., que determinam o momento predominante da combinação coerção-

consenso; que determinam, portanto, a sua forma cotidiana, pois, das estratégias

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gerenciais burguesas.

É importante notar e atentar-se, porém, para o fato de que, ainda que o

consenso e a persuasão, em algum momento histórico ou situação concreta, deem o

tom desta gerência, este será sempre um momento tendencialmente subordinado à

coerção e à intimidação.

3.3 – A Relação entre as Estratégias de Desarticulação e o Conjunto dos

Elementos Componentes das Estratégias Gerenciais Burguesas

Vimos, até aqui, que para atender aos imperativos do capital, em seu

sentido de expansão e acumulação, e à extração de mais-valia, a burguesia, envolto

num contexto de lutas de classes, precisa forjar, adaptar, aperfeiçoar,

constantemente, os instrumentos de exploração e dominação para utilizar sobre as

classes trabalhadoras. Dentre tais instrumentos, seguidamente falamos sobre os de

desarticulação da solidariedade de classes do proletariado – mesmo porque, é o

nosso objeto de estudo.

Agora, para melhor compreender a estrutura e a dinâmica das estratégias

de desarticulação, veremos como tais estratégias se articulam com outros elementos

que compõem a estrutura e a dinâmica das estratégias gerenciais burguesas. Para

melhor apreender a constituição dos métodos desarticuladores, o analisaremos ante

a anatomia e o movimento dos elementos partícipes das técnicas de gestão e

organização do trabalho capitalista; o analisaremos sob os nexos internos da

gerência do capital nos processos de trabalho.

Segundo conclusões que temos tirado de nossas investigações, podemos

dizer que a gerência de tipo burguesa é formada, essencialmente, por três

elementos componentes: intensificação, controle e desarticulação. São três

movimentos de um mesmo processo. São três elementos que se desdobram em três

momentos indissociáveis. Eles não existem isoladamente. São uma unidade

indissolúvel de movimento ternário. São diferenciações no interior de uma unidade.

As estratégias gerenciais burguesas contribuem para a exploração e

dominação das classes trabalhadoras combinando, pois, intensificação, controle e

desarticulação.

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Convém notar, para não incorrer em equívocos – como fizemos em

publicações anteriores42 –, que estes três elementos componentes não representam

os elementos pilares imanentes que norteiam a burguesia na criação e utilização de

subsídios conceituais e interventivos para comandar o proletariado nos processos de

trabalho. Eles não são os pilares imanentes norteadores que conduzem os métodos

de gestão e organização do trabalho. Os pilares imanentes norteadores são as

próprias necessidades e demandas do capital; são as próprias leis que movem e

dinamizam a sociabilidade do capital. O que a intensificação, o controle e a

desarticulação representam é a decomposição das estratégias gerenciais burguesas

em suas partes constitutivas; é a concatenação interna dos elementos que

conformam os métodos da gerência orgânica ao capital. Intensificação, controle e

desarticulação, são as categorias modais-resultantes das estratégias burguesas de

organização dos processos de trabalho; são expressões dos imperativos que o

capital coloca sobre as estratégias gerenciais burguesas.

Ou seja, analisando historicamente os métodos que a burguesia se utiliza

em sua gerência, na perspectiva de apreender a sua lógica e as suas formas

particulares, logo, o seu modo de ser e a sua forma de ser, podemos tomar como

enunciação que, em linhas gerais, todas as ações e intenções estratégicas para o

comando sobre as forças de trabalho, sejam elas notórias ou veladas, deliberadas

ou desponderadas, significam uma determinada coligação síncrona de

intensificação, controle e desarticulação. As ações e intenções da burguesia,

notórias ou veladas, deliberadas ou desponderadas, confluem para as três

categorias constitutivas das estratégias gerenciais burguesas.

No que diz respeito aos elementos de intensificação e de desarticulação,

avaliamos que já esteja devidamente destacado a sua importância para as

estratégias da gerência burguesa – apesar de não termos desenvolvido, na

exposição, exemplos de métodos que evidenciam este primeiro elemento. O

controle, por seu turno, tem a importante função de elemento mediador tanto entre

quanto para os outros dois elementos. A intensificação da produtividade no sistema

capitalista, elevado a patamares sem precedentes, apenas é possível por sorte das

ferramentas de controle utilizadas pelo capital sobre a força de trabalho; que

também dá sua contribuição à desarticulação das classes trabalhadoras, tornando-a

tanto mais eficaz quanto mais o capital o utiliza.

42 Serafim (2008, 2008a, 2008b).

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O controle tem sido, no decurso histórico do capitalismo, um dos

elementos centrais das estratégias do capital para a exploração e dominação de

classes: seja para destituir o ordenamento societário dos senhores feudais; seja

para perenizar a estrutura de comando capitalista; seja para ampliar a produtividade

e a riqueza apropriada pela burguesia. Desde os primeiros momentos em que a

nascente burguesia faz-se ascender, o controle sobre os meios de produção, sobre

os processos de trabalho, sobre as classes trabalhadoras, desempenha papel

crescentemente primordial na sua hegemonia de poder. Afinal, como nos lembra

Braverman (1987, p.226), o seu propósito geral é "a eliminação da incerteza e a

prática de forçar a realização do resultado em vista"; ou, como comenta Marx (2006,

p.384), “com o volume dos meios de produção que se põem diante do trabalhador

como propriedade alheia, cresce a necessidade de se controlar adequadamente a

aplicação desses meios”.

Para dimensioná-lo, basta vermos como esta ferramenta vai expandindo

suas operações, aos mais diversos complexos sociais, nas passagens pelas

produções artesanais, pelas produções manufatureiras, e pelas produções sob a era

da maquinaria e seus aprofundamentos. Por exemplo, o controle que apenas

implicava na reunião do emprego simultâneo de grande número de trabalhadores,

para gerar a chamada "força de cooperação"43, amplia-se sobre os meios e modos

de trabalho, que terminam por fazer do trabalhador uma espécie de mero “apêndice

das máquinas”. Em determinadas estratégias ou tempo histórico, o controle da

produção é intentado, predominantemente, por meio da sua incidência direta sobre a

43 A força de cooperação não existe quando os trabalhadores operam isoladamente. É uma força que nasce do desempenho, em conjunto ou conexo, dos trabalhadores em suas atividades. Para utilizarmos das formas expositivas de Marx (2006, p.378-379), "O poder de ataque de um esquadrão de cavalaria ou o poder de resistência de um regimento de infantaria diferem essencialmente da soma das forças individuais de cada cavalariano ou de cada infante. Do mesmo modo, a soma das forças mecânicas dos trabalhadores isolados diferente da força social que se desenvolve quando muitas mãos agem simultaneamente na mesma operação indivisa [...]". Isto é, há momentos na produção em que se exige uma força aplicada de tal magnitude que só é possível com a associação de forças; assim como há momentos em que várias forças precisam ser aplicadas em diferentes pontos simultaneamente; ou ainda, há situações em que podem os trabalhos individuais representar diferentes partes do trabalho global, ou mesmo fases combinadas do mesmo trabalho, de forma que o processo de trabalho será executado mais rapidamente. Na força de cooperação, “O emprego simultâneo de grande número de trabalhadores", desempenha, como destacou o mesmo autor, "uma revolução nas condições materiais do processo de trabalho” (MARX, 2006, p.377). Além da cooperação diminuir o tempo e aumentar os espaços em que são executadas as operações, a força de cooperação, ao ocupar os trabalhadores sob o mesmo capital, barateia os custos de produção. É menos oneroso à produção da riqueza do capitalista construir uma oficina para vinte trabalhadores, do que vinte oficinas, uma para cada trabalhador. Ao compartilhar os meios de produção, servindo a muitos trabalhadores simultaneamente ou alternadamente, tem-se uma porção menor de valor dos custos de produção dissipada a cada produto produzido.

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força de trabalho; em outras estratégias ou em outros contextos, o controle da

geração da riqueza é pretendido pelo seu momento predominante sobre os

processos de trabalho. Em outras palavras, e na síntese Marx (2006, p.482),

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, serve à máquina. Naqueles, procede dele o movimento do instrumental de trabalho; nesta, ele tem de acompanhar o movimento do instrumental. Na manufatura, os trabalhadores são membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, eles se tornam complementos vivos de um mecanismo morto que existe independente deles.

Como estratégia de controle, dois métodos se destacam. O primeiro deles

é a divisão pormenor do trabalho. O parcelamento do processo de trabalho em

pequenas atividades simples tem se constituído em um dos métodos fundamentais

aos elementos componentes das estratégias de gestão e organização do trabalho da

burguesia. Este método tem beneficiado, mediado pelo controle, as estratégias tanto

de intensificação – sejam elas da produtividade, sejam elas da rentabilidade –,

quanto de desarticulação das classes trabalhadoras. Em concomitância, esta

pormenorização dos processos de trabalho tem colocado, ao capital e à gerência

burguesa, obstáculos de comando que subaproveitam a capacidade e a iniciativa do

trabalhador; além de catalisar uma insatisfação generalizada que serve de base para

resistências e mobilizações operárias contra o padrão de acumulação capitalista.

Conforme veremos na seção 4, o subaproveitamento do trabalhador e suas

resistências aos processos de trabalho trazem consequências importantes que

desembocam, como uma síntese, nas crises do capital de 1970, desencadeando

inúmeros desdobramentos conformativos nas estratégias gerenciais burguesas

contemporâneas.

O segundo método que se destaca nas estratégias de controle, e que não

deixa de ser, a um só tempo, a consequência, a razão e a expressão da divisão

pormenor do trabalho, é a utilização da maquinaria. A maquinaria, no mesmo

momento em que dá sentido e exponencia a divisão do trabalho, é a própria divisão

do trabalho que viabiliza a sua utilização. Cada uma é, de certa forma, a

materialização da outra.

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3.3.1 – Determinações Fundamentais do Controle nas Estratégias de Intensificação e Desarticulação

Para uma compreensão mais precisa da articulação que o controle

guarda com as estratégias gerenciais de intensificação e de desarticulação vejamos,

brevemente, alguns aspectos desta dialética contraditória forjada nos métodos

fundamentais do elemento componente do controle.

Com a divisão pormenor do trabalho, ou também chamada de divisão

manufatureira e capitalista do trabalho, o processo de produção ganhou em

produtividade; tornou-se mais rápido; a produção por trabalhador deu um salto

quantitativo. Ao decompor o processo de trabalho em suas diversas partes, e

fazendo-as serem executadas concomitantemente, ganha-se em velocidade: por um

lado, porque um operário que executa as diversas operações parciais da produção

de uma mercadoria, uma após a outra, é obrigado, as vezes a mudar de lugar, às

vezes a mudar de ferramenta. A passagem de uma operação à outra interrompe o

fluxo de trabalho e forma lacunas de improdutividade. Ao destinar o operário às

operações parciais, economiza-se tempo nas mudanças de operação. Por outro

lado, porque a divisão pormenorizada do trabalho, em que a operacionalização do

processo de trabalho se dá por meio de atividades simples, promove no trabalhador

uma especialização; lhe dá um ganho em perícia pela repetitividade, o que o habilita

a realizar uma determinada atividade com maior agilidade e celeridade. Como diz

Marx (2006, p.394), “um trabalhador que, durante sua vida inteira, executa uma

única operação transforma todo o seu corpo em órgão automático especializado

dessa operação”, e completa ele, “por isso, levará menos tempo em realizá-la que o

artesão que executa toda uma série de diferentes operações”.

A intensificação da rentabilidade, por meio de tal divisão do trabalho, se

dá porquanto que, ao dividir os ofícios, barateiam-se suas partes individuais na

medida em que, quanto menor é a exigência técnica para a atividade, menor é o

custo de aprendizado e, assim, menor é o salário necessário pago ao trabalhador.

Como proferiu Charles Babbage (apud MARX, 2006, p.404, n.45) – cientista inglês,

frequentemente referenciado como inventor e projetista do primeiro computador de

uso geral –,

Dividindo o trabalho a executar em diferentes operações, cada uma exigindo graus diversos de habilidade ou de força, pode o patrão manufatureiro

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comprar exatamente a quantidade de força e de habilidade necessária a cada operação. Se, ao contrário, todo o trabalho fosse executado por um trabalhador, teria este de possuir suficiente habilidade para realizar o mais difícil e suficiente força para levar a cabo a parte mais cansativa.

Ou na precisa síntese de Braverman (1987, p. 79), “a força de trabalho

capaz de executar o processo pode ser comprada mais barato como elementos

dissociados do que como capacidade integrada num só trabalhador”.

Paralelamente ao mesmo fenômeno da redução dos custos com a força

de trabalho, o parcelamento do processo de produção em atividades simples amplia,

em muito, o universo de trabalhadores aptos a exercer tais atividades. Como

consequência, forma-se uma massa de trabalhadores que põe a sua força de

trabalho à venda; forma-se o que Marx chama de "exército industrial de reserva". O

trabalhador torna-se uma peça facilmente substituível. Com isso, ganha intensidade

a pressão que o largo campo de desempregados faz sobre os trabalhadores que

conseguem colocar a sua força de trabalho a serviço do capital. A pressão que a

composição de trabalhadores disponíveis a ser comprado pelo capital desempenha

sobre os trabalhadores empregados é tamanha que constitui, ela mesma, um

instrumento de desarticulação em atividade constante. Quanto maior o índice de

desemprego, portanto, quanto maior a dificuldade de se conseguir um salário, maior

é a determinação que o exército industrial de reserva tem sobre a desarticulação e a

desmobilização dos movimentos proletários.

Este conjunto de aspectos, que barateia a força de trabalho e torna o

trabalhador uma peça facilmente substituível, se concretiza e se expande não

apenas com a divisão do trabalho, mas também, e principalmente, quando este

parcelamento do trabalho permite e propicia que as atividades humanas sejam

simples o bastante para serem contempladas em um instrumento tecnológico.

Quando a máquina subjuga a perícia do operário, como diz Marx (2006, p.491),

"logo se torna um concorrente do próprio trabalhador".

A determinação que o exército industrial de reserva tem sobre os

trabalhadores nos processos de produção não se dá apenas em um

condicionamento direto; mas, principalmente, perpassadas e mediadas pelas

estratégias gerenciais burguesas. Por impor uma importante pressão na correlação

de forças das lutas de classes, o fenômeno do rol de trabalhadores que não

encontram compradores à sua força de trabalho, termina por ser um aspecto

decisivo na composição estratégica dos métodos de gerência dos representantes do

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capital: a estrutura e a dinâmica de tal estratégia torna-se mais coercitiva ou mais

consensual, com maior proatividade ou maior reatividade44.

Essa pressão concreta dos integrantes desempregados das classes

trabalhadoras sobre os integrantes empregados da mesma classe apresenta-se

tanto objetivamente, por ser a força de trabalho uma peça facilmente substituível –

como comentamos –, quanto subjetivamente, pelo temor dos trabalhadores em

perderem seus empregos; ou mesmo pela submissão inicial fruto do emprego que

lhe foi concedido. Na obra "Tear de Homens", de Evangelista, extraímos uma série

de falas de operários e, por fim, de um dirigente sindical, que ilustra, com destaque,

a pressão e o temor da perspectiva sob o desemprego, que faz o trabalhador

esquivar-se da luta e da construção da solidariedade de classe.

[...] a gente não pode fazer nada mesmo. Se a gente achar ruim é pior, a gente vai pra rua. A gente vai trabalhar onde? (EVANGELISTA, 2000, p.56)

O que a gente vê é isso. O pessoal morrendo calado, sabe... aquele medo de perder o emprego. (idem, 2000, p.56)

a insatisfação total. (...) Mas eles, assim, não procuram se mobilizar em função daquela insatisfação, temendo a repressão, com medo de perder o emprego. (...) É muito difícil você sair e ficar com os filhos passando fome. (idem, 2000, p.56)

O cara é casado, pai de família, já vive numa situação precária trabalhando. Então na hora que começa aquele movimento de 10 ou 15 funcionários, ele fica em dúvida se entra no movimento para lutar por seus interesses e lutar pelo pão de seus filhos, melhores condições para sua família, sob a ameaça de perder o emprego [...]. Porque a oferta de emprego aqui no Estado [RN] é muito pequena. Já há aquela pressão do chefe que "emprego tá difícil, se sair dali as coisas vai piorar". Então, o camarada fica com medo. Porque a sua família já passa por grandes privações e, se sair dali, a situação vai piorar demais mesmo. (idem, 2000, p.56)

Quando se trata de uma atividade mais qualificada, a tendência é que o

operário que a exerce sofre uma pressão do exército industrial de reserva

significativamente menor, haja vista que existe um número reduzido de

trabalhadores que podem o substituir. Tal fato, inversamente, potencializa a

resistência e a mobilização do proletariado.

Depois que aquele cara é um operador, é um profissional rodado no Estado, ele diz: "se eu sair daqui, eu não vou morrer de fome". Então ele começa a se engajar na luta. (idem, 2000, p.76)

A expressão da divisão manufatureira e capitalista do trabalho que

44 Não colocamos a determinação do exército industrial de reserva sobre a desarticulação do operariado como uma estratégia nuclear da desarticulação, por considerarmos que tal fenômeno não é forjado e manipulado, de um modo geral, diretamente pelas estratégias gerenciais burguesas; ainda que tenha fortes implicações.

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subaproveita o trabalhador e lastreia, em grande medida, a sua resistência, é aquela

em que embrutece o trabalhador; lhe amputa a condição de ser social; lhe divide,

como diz John Ruskin (apud BRAVERMAN, 1987, p.76-77) – crítico de arte e crítico

social britânico – "em meros segmentos de homens", de tal modo que "toda partícula

de inteligência deixada no homem", em suas palavras, "se exaure ao fazer a ponta

de um alfinete ou a cabeça de um prego"; é aquela em que promove a habilidade do

trabalhador, como mesmo colocou Adam Smith (apud MARX, 2006, p.417), "com o

sacrifício de suas virtudes intelectuais, sociais e guerreiras". Esta expressão da

divisão do trabalho é o que Marx (2006, p.394) chama de "virtuosidade do

trabalhador mutilado":

Deforma o trabalhador monstruosamente, levando-o, artificialmente, a desenvolver uma habilidade parcial, à custa da repressão de um mundo de instintos e capacidades produtivas, lembrando aquela prática das regiões platinas onde se mata um animal apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Não só o trabalho é dividido e suas diferentes frações são distribuídas entre os indivíduos, mas o próprio indivíduo é mutilado e transformado em um aparelho automático de um trabalho parcial, tornando-se, assim, realidade a fábula absurda de Menennius Agrippa que representa um ser humano como simples fragmento de seu próprio corpo. (MARX, 2006, p.415).

3.3.2 – A Dinâmica de Desenvolvimento Desigual e Combinado dos Elementos Componentes

No conjunto dos arranjos entre os elementos componentes, o controle

aparece, predominantemente, como aquele elemento mediador das estratégias de

intensificação e das estratégias de desarticulação dos métodos gerenciais da

burguesia. O controle não existe como fim em si mesmo. Ele não tem sentido

próprio; seu propósito lhe é alheio e ideológico. O seu desempenho, permeado e de

certo modo subjugado pelos outros partícipes do processo, é, ou de um controle cujo

momento predominante de sua mediação é para a intensificação; ou de um controle

cujo momento predominante de sua mediação é para a desarticulação. Desarticula-

se, controlando; controla-se, desarticulando. Intensifica-se, controlando; controla-se,

intensificando.

O desenvolvimento das possibilidades de controle coloca no horizonte

gerencial novos ou reestruturados métodos a serem operados pelas estratégias de

intensificação e de desarticulação. As demandas por amplificações de intensificação

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exigem das técnicas de controle e de desarticulação outros desdobramentos. As

necessidades por diferentes padrões e níveis de desarticulação produzem impactos

diretos no modus operandi do controle e da intensificação. Em suma, o

desenvolvimento no interior de cada um dos elementos, que contém em si

determinações históricas mais amplas do processo, termina por ter uma ação de

retorno sobre o ser, sobre as estratégias burguesas, e, assim, no interior de cada um

dos componentes. As partes constitutivas da gerência burguesa são não apenas

articuladas, mas impreteríveis umas às outras e estruturalmente sobredeterminadas;

se constituem recíproca e retroativamente alimentando-se-lhes.

A articulação entre os três elementos componentes e a riqueza de suas

formas concretas se tornam tão mais complexas quanto mais complexo for o

desenvolvimento da sociabilidade, logo, quanto mais rico e entrelaçado se

apresentar os desdobramentos das lutas de classes e os desafios das estratégias

gerenciais burguesas. Na complexificação do movimento global da formação social,

as partes constitutivas da gestão e organização do trabalho heterogeneizam-se e

mais extensa e intensivamente dinamizam-se à totalidade dos métodos gerenciais.

As determinações entre as partes componentes e sobre os processos de trabalho se

dão cada vez mais mediadas. Assim, mesmo parecendo que em alguma dimensão

os elementos componentes ampliam seu desprendimento em relação ao outro, em

essência, e numa dimensão mais estrutural, o que ocorre é uma interdependência

cada vez maior e multiforme, ainda que menos explícita, entre eles.

No entanto, intensificação, controle, e desarticulação, mesmo que

componham uma unidade de processo, ainda que sejam indissociáveis e estejam

sob a mesma dinâmica geral do capital, pois, compartilhando da mesma história,

possuem desenvolvimentos com alguma particularidade dentro de uma legalidade.

São distintos, apesar de que imbricados. Há uma diversidade de manifestações

particulares, mas que se dá sob uma linha de universalidade. Não possuem

desenvolvimentos deveras autônomos, mas também não se desenvolvem uniforme

e unidirecionalmente. É um processo unitário, mas de determinações tensas.

O ditame da interdependência e complementariedade que os acometem

não elimina a existência de relações contraditórias entre eles. O desenvolvimento

positivo de um elemento não contribui necessariamente para o desenvolvimento

positivo de todos. Ao desenvolver-se, um elemento pode colocar condicionalidades à

totalidade das estratégias gerenciais de modo a implicar num outro elemento a

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penalização da sua eficiência ou a sua desconformidade com o contexto

sociopolítico. Há determinadas situações, por exemplo, em que para manter a

dominação de tipo burguesa é necessário recrudescer o controle para viabilizar uma

maior desarticulação do operariado, ainda que haja consequências negativas para a

intensificação da exploração. Ou mesmo o controle mais ligado à produtividade, com

frequência, apresenta-se com algum entrave à intensificação, engessando as

estratégias, ainda que seja um entrave necessário num cenário específico de lutas

de classes mais acentuado.

Ou seja, a dinâmica de composição das estratégias gerenciais burguesas

não representam, necessariamente, as mais eficazes e harmônicas combinações.

Tais arranjos combinativos não ofertam um equilíbrio entre os elementos. Eles não

tendem a homeostase. O que prevalece é um movimento análogo ao que a tradição

marxista apreendeu na análise das relações sociais entre e nas diferentes

sociedades: o chamado desenvolvimento desigual e combinado; que, segundo

Novack (2008, p.19), "esta lei é uma das maiores contribuições do marxismo à

compreensão científica da história e um dos mais poderosos instrumentos de análise

histórica".

Por meio desta perspectiva podemos entender, entre muitos aspectos,

que, longe de qualquer linearidade, intensificação, controle e desarticulação,

avançam e recuam em fases distintas, que superam, que rompem, com suas

formas, gerando novas, indicando elementos de seus futuros impasses, mas

também trazendo consigo elementos de momentos tardios, e retomando,

aparentemente ou realmente, formas que abandonou. Um elemento pode encontrar-

se em seus modos mais sofisticados, enquanto determina e é determinado por

elementos em processos retrógrados. Algumas estratégias encontram um ambiente

fértil em certas sociedades, ao mesmo tempo em que outras estratégias não

conseguem avançar a um nível semelhante na mesma sociedade. No mesmo

momento histórico em que as correlações de forças nas lutas de classes de um país

possibilitaram que a forma de organização da produção do toyotismo – para

citarmos um mais contemporâneo – alterasse profundamente o padrão de

acumulação que existia, em outros países as idéias sintetizadas por Taiichi Ohno

apenas conseguiu instalar-se parcialmente e de forma significativamente adaptada.

Enquanto em alguns processos de trabalho, regido sob as mesmas idéias gerais,

forjam-se hegemonicamente buscando o consenso, outros processos são tomados

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pelos métodos coercitivos; sem que, mesmo assim, uma realidade deixe de nutrir,

influenciar e condicionar os percursos e percalços de outras realidades, e a um só

tempo ser determinado por elas. Os elementos componentes desenvolvem-se de

maneira desigual e combinado, em proporções variadas, mas incidindo,

reciprocamente, uns sobre os outros.

Nesta dialética de mediação e contradição, há uma determinação comum

que dá, justamente, a qualidade da relação de auto-sustentação e reciprocidade

entre os elementos componentes: é a extração de mais-valia. É ela que impele um

sentido objetivo e transversal ao desenvolvimento de cada um dos partícipes dos

métodos gerenciais. O desenvolvimento da intensificação, do controle e da

desarticulação apenas pode se dar, como vimos, de forma bastante heterogênea e

reflexivamente determinantes, porque existe um radical, porque existe uma força de

movimento geral, porque existe, perpassado por eles, o imperativo nuclear da

sociabilidade do capital que é a busca do lucro baseada na extração do

sobretrabalho. É, portanto, essa necessidade da extração de mais-valia, como

objetivo último de toda estratégia gerencial burguesa, que provê, aos elementos

componentes, os traços de continuidade e identidade. A extração do mais-valor é,

por assim dizer, o fundamento ontológico das estratégias de gestão e organização

do trabalho capitalista.

Mas vale reforçar, apesar da mais-valia ser a categoria fundante de tais

estratégias, ela não lhe é redutível. A mais-valia dá o sentido e o conteúdo geral,

mas são as lutas de classes que dá a forma específica que este conteúdo geral vai

assumir.

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4 – A DESARTICULAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Até este ponto da dissertação tecemos, essencialmente, sobre as bases

que fundamentam a desarticulação e a sua anatomia envolvido pela dinâmica

gerencial burguesa. Nesta seção, apresentaremos, de forma mais concreta e

contemporânea – ainda que sem abortar ou se distanciar das questões do modo de

ser – como tais fundamentos se expressam e se materializam no cotidiano das

estratégias de desarticulação dos representantes do capital sobre as classes

trabalhadoras. Porém, como não é nossa pretensão, nem objetivo, fazer uma

antologia dos métodos desarticuladores, apenas referenciaremos aqui alguns

exemplos que julgamos importantes e, ao mesmo tempo, demonstrativo do

movimento mais geral de como tais dinâmicas estratégicas operam enquanto

método nos processos de trabalho.

Escolhemos fazer a discussão sobre as estratégias contemporâneas por

entendermos que, trazendo-as à análise, estamos, de certo modo, incorporando,

versando e ilustrando, também, ainda que indiretamente, sobre as estratégias

pretéritas. Como já destacamos, as novas formas de gerência não prescindem por

completo dos antigos formatos, mas reafirma-os em novas bases. Assim, a estrutura

e a dinâmica das estratégias contemporâneas, sob a marca do toyotismo, carregam

consigo o conjunto mais íntimo de processualidades das demais racionalidades

técnicas da produção. Entender a lógica da produção e reprodução dos

instrumentais de gestão e organização do trabalho da contemporaneidade significa,

também, tematizar mediadamente a lógica mais ampla de desenvolvimento das

estratégias gerenciais burguesas em suas diversas formas de expressão.

4.1 – O Contexto de Emersão da Reestruturação Produtiva de 1970 e do

Toyotismo

Para compreendermos a essencialidade das estratégias em evidência nos

empreendimentos capitalistas das últimas décadas do século XX e início deste

século XXI, nos parece importante entender, ainda que brevemente, o contexto e as

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razões das condições que tornaram possíveis e, genericamente, necessárias o

modelo de gestão e organização do trabalho de tipo toyotista.

Em fins da década de 1960 e início da década de 1970 – após um áureo

período de prosperidade econômica ao sistema de produção e reprodução do capital

– o capitalismo é atravessado por uma grave crise que lhe acomete estruturalmente

e numa dupla dimensão. Por um lado, uma crise de acumulação; por outro, uma

crise de mobilização das forças de trabalho. É a confluência e as múltiplas

determinações de reciprocidade entre essas duas dimensões centrais da crise que

acaba por desencadear um novo processo histórico de reorganização conformativo

da exploração e dominação do capital, que ficou conhecido como a reestruturação

produtiva de 197045.

4.1.1 – A Crise de Acumulação do Capital

A crise de acumulação é aquela que se funda no estancamento das bases

vitais da economia burguesa; é aquela que se apresenta em virtude do sufocamento

dos ganhos do capital. A crise de acumulação é aquela em que tem,

fundamentalmente, o seu fulcro desencadeante na interseção, por um lado, da

extração e produção cada vez mais insuficiente de mais-valia e de lucro; por outro

lado, da elevação dos custos do projeto burguês de expansão e acumulação do

sistema do capital.

No conjunto dos elementos que desencadeiam as condições a uma

menor taxa de mais-valia e margem de lucro está a ineficiência, dos então

mecanismos de gerência vigentes, em responder as alterações no padrão de

demanda do consumo. O sistema de produção em série, operado pelo binômio

taylorista/fordista, não mais se adequava a um cenário com baixo crescimento

econômico e com restrições de demanda. A fabricação em larga escala não

encontrava mais o suporte do consumo igualmente de larga escala. O modelo e a

atividade de consumo que se desenhava não mais comportava uma massificação de

45 A base desta formulação é a boa análise de Ricardo Antunes em seu livro “Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho”. Particularmente em seu Capítulo II: Dimensões da crise estrutural do capital, e o seu Capítulo III: As respostas do capital à sua crise estrutural (ANTUNES, 2006, p.29-45).

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produtos como a que vigorava. A indústria se ressentia de um escoamento mais

vigoroso de sua produção ao comércio.

Concomitantemente, e ainda no conjunto dos elementos que afetam os

volumes da mais-valia e da lucratividade dos empreendimentos capitalistas

produtivos, está a ativação da tendência à queda da taxa de lucro, como

normalmente chamam os críticos do capital pela tradição marxista; ou expectativas

crescentes, retornos decrescentes, como prefere chamar um dos ícones da gestão

empresarial, Gary Hamel (2000)46. Tal lei efetiva-se, essencialmente, na

concorrência intracapitalista, quando, ao perseguir seus objetivos, o capitalista

recorre a instrumentos, ferramentas e métodos de trabalho que lhe possibilita

baratear seus custos de produção e aumentar suas margens de lucro. A competição

mercadológica com outros capitalistas faz com que, constantemente, todos sejam

obrigados, pela própria sobrevivência de suas fontes de rendas, a adotar, também,

meios mais eficazes às suas forças produtivas. A tecnologia aplicada como

vantagem competitiva de um, generaliza-se entre todos; o preço das mercadorias

tende a cair, e junto as taxas de provento.

Já no conjunto dos elementos de encarecimento da produção e

reprodução do sistema do capital, um de seus principais determinantes é,

essencialmente, o aumento dos salários diretos e indiretos; ou dito de outro modo,

nas palavras de Braga (2003, p.104), a "elevação do custo social de reprodução da

força de trabalho". Encarecimento este que tem no seu bojo os custos, ao capital,

das aquisições de direitos, sobretudo, sociais pelas classes trabalhadoras.

Conquistas, ampliações e efetivações de direitos – como regulamentações sobre as

relações de trabalho, melhores remunerações, aprofundamento da seguridade

social, educação e saúde pública e de qualidade, e generalizações das políticas

sociais universais –, que permitiram as classes do trabalho desfrutarem de melhores

condições de vida.

Sobre as tais aquisições de direitos, é mister atentar ao fato de que o

capitalismo apenas conseguiu prover aos países capitalistas centrais porque, para

sermos direto, pôde penalizar países de capitalismo periférico. O chamado Estado

de Bem-Estar Social, ou Welfare State, só existiu para um conjunto restrito de cerca

de uma dezena de nações. A redução da taxa de lucro da burguesia nos países

46 Para uma análise minuciosa desta lei, ver (MARX, 2008, p.277-347). Para uma análise sintética sobre o tema, ver (NETTO e BRAZ, 2006, p.151-154). E para um reconhecimento burguês desta tendência, ver (HAMEL, 2000, p.31-57).

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capitalistas centrais, devido aos altos custos diretos e indiretos de suas forças de

trabalho, foi arcada pela força de trabalho barata e precarizada dos países que,

como diz Antunes (2006, p.39), "estavam totalmente excluídos desse

'compromisso'"; num processo de expansão monopolista das indústrias para além

das fronteiras sedes. O que se perdia, ou se deixava de ganhar, em um determinado

espaço territorial, compensava-se com assaz reservas em outros territórios. Nas

palavras de Lessa (2007a, p.290), o que houve foi uma "integração subordinada das

economias da periferia às dos países centrais". A redução da lucratividade nas

matrizes era o preço a pagar para fornecer melhores condições sociais a um

proletariado de significativa consciência política e de classe, na tentativa – que se

mostrou bem-sucedida – de esvaziar-lhes o ímpeto de mobilização combativa e o

seu potencial avanço nas lutas de classes47.

O estancamento das bases vitais e o sufocamento dos ganhos do capital

são, sem dúvidas, elementos fortemente condicionantes na necessidade de

reordenamento dos processos de trabalho. Muito provavelmente, inclusive, o maior

determinante deste processo da reestruturação produtiva. Certamente a análise

desses condicionantes, e seus desdobramentos, fornece relevantes pistas para a

investigação de estratégias que buscam desarticular o operariado. Optamos,

entretanto, em apenas sintetizar indicativamente esta dimensão da crise, por

considerarmos que, a despeito de sua importância, a crise de mobilização tem uma

vinculação mais estreita e imediata com as estratégias gerenciais de desarticulação

da burguesia sobre o proletariado do que a crise de acumulação – que é, mais

propriamente, a matéria deste estudo dissertativo.

4.1.2 – A Crise do Capital de Mobilização das Forças de Trabalho

A crise de mobilização da força de trabalho, por sua vez, diz respeito às

tensões e desafios imposto ao capital em virtude dos movimentos contestadores,

reivindicativos e revolucionários das classes trabalhadoras. Esta crise de

47 Para uma análise do Estado de Bem-Estar Social mais desenvolvida, ainda que muito insuficiente, ver (LESSA, 2007, p.278-291). Para um outro exame do mesmo momento histórico, também sintético, e com algumas diferenças de avaliação quanto às lutas das classes trabalhadoras, mas ainda no campo crítico e da esquerda, ver (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

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mobilização – importante identificar – não é a crise dos movimentos das classes

subalternas que vínhamos fazendo referência ao longo desta pesquisa, e em

especial na introdução. Neste caso, em particular, a expressão está posta do ponto

de vista do capital, e não do ponto de vista do trabalho e do movimento operário. A

crise de mobilização, nesta perspectiva de explicação das dimensões da crise do

capital, é uma crise sofrida e enfrentada pelo sistema do capital, cujo vigor dos

movimentos das classes trabalhadoras é o seu responsável mais imediato. A crise

de mobilização é, pois, a crise que permeia a burguesia por ter dificuldades de

colocar em movimento, como parte das forças produtivas, os sujeitos sociais que

pertencem às classes cujos interesses e necessidades são contraditórios e

antagônicos aos das classes representantes do capital.

Tendo nós exposto sobre a oneração do capital pelos direitos sociais, o

primeiro aspecto que devemos, então, destacar sobre a processualidade da crise de

mobilização é que, as tensões e desafios impostos ao capital em virtude do vigor

dos movimentos das classes trabalhadoras, têm uma implicação direta naqueles

aspectos da crise de acumulação. A elevação dos custos de produção e reprodução

do capital possui uma relação significativamente estreita com os movimentos

contestadores, reivindicativos e revolucionários das classes trabalhadoras. O

encarecimento da expansão e acumulação do capital se dá, em larga medida, tanto

como resultado de correlações de forças nas lutas de classes benéficas ao

proletariado, quanto como resultado de estratégias desarticuladoras emergenciais

e/ou antecipatórias da burguesia mediadas pelo Estado de caráter keynesiano48. Um

dos principais elementos da crise de mobilização é, portanto, os seus rebatimentos

na crise de acumulação – que é, também, uma de suas expressões.

Um outro importante e notável elemento que tenciona e desafia o capital,

e o remete à sua crise de mobilização, são as insatisfações, e consequentes

contestações, por parte do operariado – então também chamado de operário-massa

– em relação às condições e relações de produção nos processos de trabalho

hegemonicamente taylorista/fordista.

48 O pilar do plano keynesiano é um Estado atuante na reativação e na dinâmica cotidiana do mercado, e com o controle sobre os ciclos econômicos. O pleno emprego se apresenta, neste sentido, como umas das suas principais proposições para o restabelecimento do poder de compra, em concomitância com um maior tempo livre para os gastos dos trabalhadores. A oferta de crédito, de subsídios, os investimentos e gastos governamentais, como o próprio fundo público, tem, como lembram duas autoras do serviço social brasileiro (BEHRING e BOSCHETTI, 2007, p.86), um "papel ativo na administração macroeconômica" e na elevação da demanda global. O Welfare State é, naquele contexto sócio-histórico, a um só tempo, produtor, regulador e consumidor.

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Mesmo com os inúmeros aprimoramentos do sistema de Ford, em que

procurou-se incorporar diversos aspectos da subjetividade do trabalhador – como a

absorção dos estudos da sociologia do trabalho e das escolas de recursos humanos,

para citarmos exemplos que minimamente já mencionamos –, os processos de

trabalho da produção tipicamente em série não conseguem cessar os problemas

com as resistências e abandonos de emprego por parte das forças de trabalho.

4.1.3 – Bases e Expressões da Crise do Capital de Mobilização das Forças de Trabalho

Para termos uma noção da realidade de descontentamento do operariado

e as dificuldades que isto trouxe aos representantes capitalistas, sobretudo na fase

de esgotamento desta forma de gestão e organização do trabalho, nos parece

sintomático a avaliação desenvolvida em uma edição de julho de 1970 da revista

Fortune – uma publicação mensal da elite empresarial (apud PIGMON e

QUERZOLA, 2001, p.94). Na ocasião, dizia o periódico que "o absenteísmo, o

tournover, o trabalho malfeito e até a sabotagem, são as chagas da indústria

automobilística americana". Segundo a revista, o "esbanjamento de mão-de-obra", o

"baixo rendimento", a "admissão de maior número de inspetores e retocadores", os

"concertos mais frequentes de carros na garantia", como consequência da

"resistência" ou "descaso dos jovens operários", representam um problema urgente

de "desperdício" que reflete nas taxas de lucros do patronato e na "competitividade"

da indústria dos Estados Unidos.

De acordo com os dados publicados pela Fortune (apud BRAVERMAN,

1987, p.37-39), "o absenteísmo aumentou drasticamente" nos últimos dez anos (60-

70) na General Motors e na Ford Motor Company. O índice de abandono de

emprego, nas palavras da revista, "de fato, dobrou", obtendo "a curva máxima no

ano passado [1968]". Na GM, chegou-se a um ponto em que uma "média de 5 por

cento" dos trabalhadores horistas, e em certos dias a cifra "sobe a 10 por cento",

faltam ao trabalho todos os dias, sem explicações. No caso da Ford, o índice de

saída voluntária dos trabalhadores em busca de condições de trabalho mais

favoráveis, o chamado turnover, "foi de 25,2 por cento" em 1969. Particularmente

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quanto a uma fábrica de montagem, nos subúrbios de Detroit, foi preciso "contratar

4.800 novos trabalhadores a fim de manter uma força de trabalho de 5.000". Na

empresa capitalista privada que continha o maior número de trabalhadores no

mundo por volta de 1970, o truste American Telegraph and Telephone, o

recrutamento de empregados tornava-se o pesadelo da direção de pessoal: "mais de

2 milhões de entrevistas anuais de admissão para recrutar 250.000 trabalhadores

por ano", o que representa 12,5% de aproveitamento.

Também sobre este mesmo ano, 1969, o Wall Street Journal (de 16 de

julho de 1971), e o New York Times (de 2 de abril de 1972), publicaram (apud

BRAVERMAN, p.1987, p.38-39) que na Chrysler Corporation, com absenteísmo

diário de 6 por cento, "quase metade de seus trabalhadores deixaram de completar

seus primeiros 90 dias no trabalho". Em todas estas fábricas, gerentes informavam,

segundo as palavras da própria Fortune, "com estarrecimento", que alguns operários

da linha de montagem chegam a ir "embora em pleno expediente, sem mesmo voltar

para receber pelo tempo que trabalharam".

Um outro informe importante, agora um relatório do governo americano,

intitulado “O Trabalho na América” (apud BRAVERMAN, 1987, p.37,39), preparado

por uma Força-Tarefa Especial, escolhido pelo Secretário da Saúde, Educação e

Bem-Estar, publicado em 1973, aponta para um mesmo sentido: que um

"significativo número de trabalhadores americanos estão insatisfeitos com a

qualidade das suas vidas no trabalho". O relatório trata do "absenteísmo", da "má

qualidade" da produção, e entre outras coisas, da "relutância por parte dos

trabalhadores em empenharem-se nas suas tarefas". Segundo o texto, "muitos estão

rebelando-se contra o autoritarismo anacrônico do local de trabalho". No entanto,

ainda conforme a publicação, as companhias estão descobrindo que os

trabalhadores "sentem que a indústria tem que mudar alguma coisa na tediosa e

monótona linha de montagem. Do contrário continuará havendo desassossego na

fábrica".

Em nossa investigação, conforme já justificamos em outras passagens,

tratamos fundamentalmente sobre as relações sociais de produção. Não obstante, é

interessante observar que, apesar de a indústria automobilística e a linha de

montagem representarem "o locus classicus" de insatisfação no trabalho, tal

condição não lhe fica restrita. Este mesmo relatório (apud BRAVERMAN, 1987, p.39-

40), “O Trabalho na América”, sumaria bem as condições de trabalho, também, nos

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espaços de escritório. De acordo com o escrito, "o que espanta é o grau em que o

descontentamento da linha de montagem e do operário se reflete no funcionalismo

do escritório e até nas funções gerenciais". A sua avaliação é de que, por ser o

trabalho nestes espaços, semelhantemente, "segmentado e autoritário", "insípido" e

"rotineiro", o escritório é "quase sempre uma fábrica". "Para um número cada vez

maior de funções pouco há que distinguir entre eles a não ser a cor do colarinho do

trabalhador". Segundo o relatório, "secretárias, escriturários e burocratas já foram

antigamente agradecido por se terem livrado da desumanização da oficina". Neste

espaço de trabalho, o documento nos mostra que as taxas de abandono são

igualmente altas: são de até 30 por cento anual; e comenta que em "uma pesquisa

efetuada por um grupo de assessores gerenciais numa amostragem de empregados

em escritório descobriu que eles estavam produzindo apenas 55% de seu potencial",

apontando que entre as razões mencionadas na pesquisa "está o tédio das funções

repetitivas".

Os números do descontentamento e da relutância do operariado que

acabamos de mencionar, como precisa Braverman (1987, p.39), guarda algo de

comum com as indústrias européias. Por exemplo, a Fiat Motor Company, naquela

época "o maior empregador privado da Itália, com mais de 180.000 empregados",

"teve 21.000 empregados ausentes numa segunda-feira e um absenteísmo diário

médio de 14.000"; o que corresponde a 7,7 por cento. Em relação à economia

italiana como um todo, uma associação gerencial da Itália declarou que "uma média

de pelo menos 800.000 trabalhadores de um total de aproximadamente 20 milhões

faltavam ao trabalho diariamente”. E, segundo o informe, isto era atribuído

essencialmente ao "descontentamento com a disciplina da linha de montagem".

A seguir, colocamos algumas falas de operários britânicos que operaram

os processos de trabalho da Ford na Inglaterra; principalmente na década de 1960.

Entendemos que tais relatos – extraídos do revelador livro de Huw Beynon,

“Trabalhando para Ford”, publicado em 1973 – nos fornece um acurado panorama

dos fundamentos da crise de mobilização da força de trabalho amargado pelo capital

que culminaria na necessidade da reestruturação produtiva de 1970.

Quando a gente está fazendo o mesmo serviço, dia após dia, faria quase qualquer coisa para mudar. Mas eu estou acostumado com isto. Às vezes a gente olha em volta e se pergunta quando é que se vai ser outra coisa além de um número no cartão de ponto (BEYNON, 1995, p.162).

Não há nada de interessante no serviço. É totalmente chato. Sempre que

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aparece uma vaga, peço para ser transferido, só para variar (idem, p.163).

É o trabalho mais chato do mundo. A mesma coisa sempre e sempre. Isto não muda, esgota a gente. Dá um cansaço horrível. Torna o raciocínio lento. Não precisa pensar. É tudo formalizado. A gente apenas aguenta. Suporta isto por causa do dinheiro. É para isso que somos pagos – para aguentar o tédio disto aqui. Se eu tivesse a chance de mudar, sairia na mesma hora. São as condições aqui. A Ford trata a gente mais como máquinas do que como homens. Fica em cima o tempo todo. Espera que a gente trabalhe todos os minutos do dia. O clima que existe aqui é totalmente falso. Todo mundo abatido e irritado (idem, p.164).

Eu não sentiria falta alguma desta firma. É a pior firma que conheço para deixar as pessoas horrorizadas (idem, p.164).

Não consigo imaginar nada mais tedioso que o trabalho na linha de montagem (idem, p.165).

Advém desta conjuntura de forte descontentamento por parte dos

trabalhadores, e que trouxe consequências de dificuldades ao capital, a

incorporação por parte das estratégias gerenciais burguesas, ao processo de

reestruturação produtiva de 1970, de questões relacionadas com a qualidade de

vida no ambiente de trabalho. Os fundamentos das escolas de recursos humanos,

renovados e desenvolvidos, integrados de maneira muito mais intensa e sólida à

gestão e organização do trabalho, tornam-se, assim, um dos principais aspectos a

serem levados em conta e introduzidos nos locais de trabalho com vistas a

superação da crise.

Conforme deverá ficar mais claro com a exposição da análise de alguns

desses fundamentos estratégicos que veremos a seguir, o capital precisa, para

garantir sua produção e reprodução, forjar aquilo que Gramsci (2001, p.248),

referindo-se ao fordismo, chamou de "um novo tipo humano". Isto é, um indivíduo

"adequado ao novo tipo de trabalho e processo produtivo", e que, com isso, sustente

e justifique ideologicamente as necessidades do capital.

4.2 – Os Fundamentos Estratégicos do Toyotismo na Reestruturação da

Acumulação do Capital

É para dar uma resposta à dupla dimensão de sua crise (de acumulação

e de mobilização), que o capital, personificado em seus representantes, num

processo de reestruturação do padrão de acumulação, incorpora ou adota

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hegemonicamente os pressupostos do sistema de produção da Toyota Motor.

O modelo de gerência capitalista fomentado no interior da fábrica

japonesa de automóveis – no imediato pós-Segunda Grande Guerra49 – serviu de

base às significativas mudanças nas formas de gestão e organização do trabalho da

burguesia mundial. A empresa Toyota despertou atenção dos empreendimentos do

capital ao conseguir, no marco da crise do petróleo de 197350 e o consequente

aprofundamento da recessão do mercado, manter seus ganhos em patamares

expressivamente mais elevados do que outras corporações conseguiam atingir;

mesmo tendo o lucro diminuído. Como frisa recordativamente Taiichi Ohno (2007,

p.23), “a diferença [de ganhos] cada vez maior entre ela e outras companhias fez

com que as pessoas as perguntassem sobre o que estaria acontecendo na Toyota".

Para o autor, “quando o rápido crescimento parou, tornou-se bastante óbvio que

uma empresa não poderia ser lucrativa usando o sistema convencional de produção

em massa americano”; que no seu entender, “havia funcionado tão bem por tanto

tempo”.

Os expedientes estratégicos “flexíveis” da Toyota apresentam-se como

uma alternativa metamórfica viável à produção em massa. O sistema toyotista de

produção consegue aliar um crescimento continuado da produtividade e, a um só

tempo, reafirmar a subordinação do trabalho ao capital, na medida em que

possibilita, concomitantemente, associar o uso de máquinas e equipamentos dos

mais avançados51, com um processo de trabalho redesenhado e enxuto, e táticas

49 O modelo gerencial da Toyota precisava levar em conta as limitações do derrotado Japão pós-guerra e recém entrado na Guerra da Coréia, em que havia escassez das mais diversas: desde matérias-primas, passando pelo abastecimento de peças, a insuficiência do mercado interno, até as severas restrições do espaço físico-territorial da nação. Segundo Kiichiro Toyoda, considerado o "pai da produção de carros no Japão" (OHNO, 2007, p.30), “o corpo do automóvel não poderia ser produzido em massa como na América” (TOYODA apud OHNO, 2007, p.97); deveria utilizar-se das "nossas próprias pesquisas (sic) e criatividade para desenvolver um método de produção" que se adequasse "à situação do nosso próprio país" (idem, p.103).

50 Taiichi Ohno procura sempre destacar a importância desta crise do petróleo para o reconhecimento mundial do toyotismo e sua disseminação para além das fronteiras da Toyota; e não apenas para além das fronteiras nipônicas. Como ele destaca (OHNO, 2007, p.31), "Do momento em que adotou esse sistema americano até a crise do petróleo de 1973, o Japão tinha a ilusão de que esse sistema se adequava às suas necessidades". E em outro momento diz (idem, p.23), "Antes da crise do petróleo, quando eu conversava com as pessoas sobre a tecnologia de fabricação e o sistema de produção da Toyota, as pessoas demonstraram pouco interesse pelo tema".

51 O sistema Toyota de produção foi desenvolvido de modo a ser possível implementar e operar sua filosofia dos processos de trabalho independentemente do nível de desenvolvimento tecnológico disponível. Entretanto, apesar de concebido num período frequentemente chamado de pré-revolução informática, um dos seus grandes méritos é adequar-se suntuosamente a esse contexto histórico de eclosão das ciências da computação. Como lembra Rosso (2008, p.69), por ser o toyotismo um método "puxado pelas demandas do mercado", acaba por ser "um sistema intrinsecamente voltado para a informação e para a era da inteligência".

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sofisticadas de persuasão sobre os empregados. O toyotismo integra, com mais

eficiência e compatibilidade, o que nas formas de gestão e organização do trabalho

precedentes estiveram dissociados: as técnicas de produção e as técnicas de

recursos humanos.

Dado a integralidade sistemática entre os aspectos físicos e ideológicos,

objetivos e subjetivos, que a forma de organização da produção, oriundo da Toyota,

consegue provê, torna-se criticamente difícil – para não dizer impossível –

caracterizar quais estratégias são essencialmente destinadas à superação da crise

de acumulação, e quais estratégias são predominantemente para a superação da

crise de mobilização. As estratégias gerenciais burguesas do toyotismo, de um modo

geral, pela sua própria fundamentação, abarcam soluções que incidem, de forma

mais imediata ou menos imediata, sobre as duas dimensões da crise do capital52.

4.2.1 – As Contribuições da Dimensão Política do Toyotismo em sua Dimensão Material

Parte destacadamente importantíssima do escoamento da crise de

acumulação, e que tem implicações de grande porte na resolução da crise de

mobilização, foram, e são, as ofensivas do capital, por intermédio do neoliberalismo

que é a outra dimensão da reestruturação produtiva –, contra os direitos adquiridos e

conquistados pelas classes trabalhadoras nos períodos em que o capitalismo

conseguiu compatibilizar, em alguma medida, os seus ganhos de provento com o

fomento de avanços sociais. Não apenas a política neoliberal apresenta-se como

uma estratégia de combate aos "elevados" custos diretos e indiretos da força de

trabalho, que havia, na análise do economista britânico e fundador-referência da

cartilha neoliberalista, Friedrich Hayek (apud ANDERSON, 2003, p.10), por meio do

"movimento operário", "corroído as bases de acumulação capitalista com suas

pressões reivindicativas sobre os salários" e sobre os "gastos sociais"53. A política

52 Para uma brevíssima retrospectiva do processo de reestruturação produtiva, com a adoção do toyotismo, assentada na história brasileira, ver (ANTUNES, 2004)

53 O seu tratado foi elaborado logo após a Segunda Grande Guerra, na sua obra O Caminho da Servidão, de 1944, sendo uma "reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista" de Keynes; uma investida "contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado", que deveria ser forte para "romper o poder dos sindicatos" e controlar o "dinheiro", mas parco nos "gastos sociais" e nas "intervenções econômicas". (ANDERSON, 2003)

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neoliberal apresenta-se, também, como subsídio de uma série de condições ídeo-

políticas externas aos "muros da produção", mas que são imprescindíveis à

exequibilidade do sistema toyotista de gestão e organização do trabalho e

extremamente relevante às estratégias gerenciais burguesas de desarticulação das

classes trabalhadoras no "chão de fábrica".

Desregulamentações e flexibilizações dos direitos sociais54 e, sobretudo,

das legislações do trabalho, são algumas das medidas de desmandos do capital no

âmbito da política para, por exemplo, colocar, no âmbito da produção, o formato da

remuneração, o tipo da contratação, os termos da demissão e o manejo do

trabalhador e da jornada de trabalho, em um nível de maior conformidade com as

demandas voláteis do mercado capitalista e a dinâmica do toyotismo. Sem tais

medidas políticas, no mínimo, os administradores se achariam impossibilitados de

operacionalizar, na base material, um sem número de estratégias sofisticadas de

exploração e dominação para a extração de mais-valia potencializada no modelo

japonês de gerência “científica”.

A possibilidade jurídica de valer-se de trabalhadores precarizados

(temporários e informais) e da expansão da terceirização – para fazermos uma

exemplificação – ao mesmo instante em que serve como um importante instrumento

da burguesia para aliviar os encargos trabalhistas sobre os empreendedores do

capital, incidindo assim favoravelmente sobre a crise de acumulação, serve como

uma extraordinária ferramenta de desarticulação do operariado e de desmobilização

dos movimentos das classes trabalhadoras55. Para sermos bastante breve, as

estratégias de valer-se de trabalhadores precarizados e terceirizados constitui-se em

uma ferramenta de desarticulação da burguesia sobre o operariado na medida em

que – além das dificuldades de representação pelas instituições sindicais –, em

existindo um vínculo empregatício parco, no caso de um, e inexistindo um vínculo

empregatício direto, no caso do outro, termina por minar, assazmente, eventuais

potencialidades de reivindicações e de greves.

54 Redução dos gastos sociais e precarização dos serviços públicos, são algumas outras estratégias neoliberais de resgate do padrão de acumulação capitalista. Como dizem Behring e Boschetti (2007, p.134), em relação às reconfigurações das políticas sociais, "Se não se pode falar em desmantelamento, é inegável que as reestruturações em curso seguem na direção de sua restrição, seletividade e focalização". E também vale atentarmos para o fato de que, em geral, como ainda nos lembra as autoras Behring e Boschetti (2007), os países que tiveram um crescimento nos seus gastos sociais após a aplicação das políticas neoliberais, foram em decorrência do pagamento dos seguros desemprego.

55 Com muita frequência, ocorre o sentido inverso: a terceirização é utilizada para driblar as legislações não tão "flexíveis".

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São muitos os determinantes que cumprem as políticas neoliberais nas

soluções tanto para a crise do capital de acumulação, quanto para a crise de

mobilização. Certamente, são diversas as possibilidades objetivas e subjetivas que o

neoliberalismo oferece à desmobilização do movimento mais geral das classes

trabalhadoras e às estratégias de desarticulação do operariado, com maior ou menor

mediação, para serem tratados e utilizados pelos métodos de gestão e organização

do trabalho. Não obstante a este reconhecimento, não analisaremos nos contornos

desta dissertação a maior parte das possibilidades estratégicas ofertadas pela

operação neoliberal – juntamente com outra parte do tripé56 da reestruturação

produtiva, o aporte teórico-metodológico da pós-modernidade –, por entendermos

que tais artifícios, ideológicos e políticos, no que têm de mais substancial, incidem

centralmente, do ponto de vista do momento predominante, externo aos processos

de trabalho do espaço da produção – que é o terreno onde, mais especificamente,

encontra-se o nosso objeto de estudo57 – ainda que também se realize nos

processos de trabalho.

4.2.2 – A Necessidade do Incremento da Produtividade e a Exigência da Conformação de Condições Favoráveis

Para o processo de remanejamento e recuperação do padrão de

acumulação e da hegemonia do capital, além da liberalização da economia e da

necessidade do afrouxamento das relações trabalhistas, demandado pelo toyotismo

– que a mídia burguesa, diferentemente do nosso pensamento, apresenta como

uma "modernização das relações de trabalho"58 –, os representantes capitalistas

também necessitam de uma maior produtividade do sistema de produção;

56 O modelo de produção toyotista na base material da sociedade, o neoliberalismo nos princípios político-ideológicos das ações do Estado, e o pós-modernismo na Filosofia e Ciências Humanas.

57 Para uma aproximação de qualidade à temática neoliberal, suas origens, disseminação e impactos, deixamos como referência, o já clássico texto de Perry Anderson, “Balanço do Neoliberalismo” (p.9-23); além dos escritos (OLIVEIRA, 2003, p.24-28), (FERNANDES, 2003, p.54-61), (BORÓN, 2003, p.63-118). Para um esboço da produção flexível e do neoliberalismo, com um enfoque nas políticas sociais, ver (BEHRING e BOSCHETTI, 2007).

58 Entendemos este processo como uma "contra-reforma" de direitos. Entendemos-lo de modo concordante e análogo a Elaine Behring, em seu livro “Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos”, para quem o momento histórico não diz respeito, sequer, a um "processo de modernização conservadora"; mas diz respeito, deveras, a "reformas do Estado" que "anulam" ou "retrocedem" nas conquistas sociais. (BEHRING, 2008)

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necessitam de uma maior eficiência das forças produtivas no processo material da

produção – que não é a da ampliação da capacidade produtiva em termos

absolutos, mas a da ampliação dessa capacidade em termos relativos: aquela que

se traduz na relação da quantidade produzida por unidade de capital investido.

O incremento de tal produtividade no modelo do sistema da Toyota se dá,

principalmente, pelas estratégias burguesas de gerência que incidem sobre o layout

maquinal e sobre os processos de trabalho; enfim, sobre diversos dos aspectos que

envolvem tanto o trabalho morto quanto o trabalho vivo. Os propósitos das

estratégias e as possibilidades que se abrem são, entre outros, 1) maximizar a

intensidade do ritmo de produção, 2) minimizar a porosidade da jornada de trabalho,

3) reduzir o número de trabalhadores necessários para produzir.

No processo de ampliação dos níveis de produtividade, muitas são as

técnicas e filosofias, de certo modo, próprias do toyotismo, disponibilizadas aos

negócios do capital para atingir seus objetivos. O “Just-in-time”, com o “Kan-Ban”, a

"Autonomação59" e o “poupar força de trabalho”, se apresentam como parte dos

pilares fundamentais destas possibilidades engendradas pelo ohnismo. Sobre eles,

não iremos discorrer detidamente nesta exposição60.

Todavia, deve o leitor, impreterivelmente, notar que o impulso visceral do

toyotismo em reduzir o número de trabalhadores necessários à produção,

sintetizado na idéia do poupar força de trabalho, que Ohno (2007, p.132) estabelece

como "um novo objetivo"61, tem impacto direto no espírito dos trabalhadores e nas

59 Autonomação é um neologismo advindo da junção das palavras autonomia e automação. Nesta técnica de produção, as máquinas adquirem alguma autonomia, na medida em que lhes são acopladas um mecanismo de parada automática ao detectar-se um defeito no transcorrer da fabricação. como explica Ohno (2007, p.28), "Apenas quando a máquina pára devido a uma situação anormal é que ela recebe atenção humana".

60 Deixamos, então, como indicação bibliográfica para as importantes características e funcionamento de tais métodos "flexíveis", além da própria obra do fundador do modelo enquanto um corpo coerente (OHNO, 2007), a reconhecida abordagem feita por Benjamin Coriat, em seu livro "Pensar Pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização", particularmente o subitem 2.1 do primeiro capítulo e os itens I e II do segundo capítulo (CORIAT, 1994, p.32-34; p.51-74). Uma apresentação analítica bastante sintética e precisa do toyotismo e seus elementos centrais pode ser encontrado em (ROSSO, 2008, p.63-70).

61 Ao falar da "poupança do operário", destaca Ohno (2007, p.132), "Na Toyota, estabelecemos um novo objetivo – reduzir o número de operários". É valioso termos sempre em mente esta nuance do toyotismo em relação à redução do quadro de funcionários e percebemos as suas inúmeras consequências à condição operária e à sociabilidade. É recorrente em sua obra o alerta de que esta temática foi uma das suas grandes preocupações no desenvolvimento do sistema: "Nos negócios nós estamos sempre preocupados em como produzir mais com menos trabalhadores" (idem, 2007, p.82). Antunes (2006, p.53) faz um comentário interessante sobre esta característica de utilização de poucos trabalhadores: "Se no apogeu do taylorismo/fordismo a pujança de uma empresa mensurava-se pelo número de operários que nela exerciam sua atividade de trabalho, pode-se dizer que na era da acumulação flexível e da "empresa enxuta" merecem destaque, e são citadas como exemplos a ser seguidos, aquelas empresas que dispõem de menor contingente de

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relações sociais que eles estabelecem com seus pares de classes e com o

patronato. A pressão do avolumamento do exército industrial de reservas sobre o

operariado – que discutimos na seção 2 –, aqui, fruto da política de redução de

custos por meio da redução da força de trabalho62, acrescido da pressão pela

necessidade singular de manutenção do emprego – contido nas análises da próxima

subseção –, exercem significativas influências de base na desarticulação proletária.

Sobre como os instrumentais técnico-filosóficos do toyotismo são

utilizados na gestão e organização do trabalho para maximizar a intensidade do

ritmo de produção e minimizar a porosidade da jornada de trabalho, também não

iremos nos deter. Entendemos, pois, que, para compreender a substância de

superação da crise de acumulação do capital, do ponto de vista do incremento da

produtividade, não é fundamental assimilar as características e funcionamentos dos

instrumentos estratégicos que viabilizam as proposições desta ampliação da

produtividade. A superação da crise de acumulação, por meio de maior

produtividade – importante observar sob a perspectiva de nosso estudo –, implica,

antes, em superação da crise de mobilização das forças de trabalho. Sem força de

trabalho, não há produção. Assim, o que avaliamos ser imprescindível à sua

apreensão é o conhecimento sobre as circunstâncias concretas forjadas pela

burguesia que permitem superar a crise de mobilização, conduzindo os

trabalhadores nos processos de trabalho de interesse das classes mandatárias da

produção e reprodução do capital.

Ou seja, para a compreensão de um dos movimentos de superação da

crise de acumulação do capital, não é impreterivelmente necessário entender como

força de trabalho e que apesar disso têm maiores índices de produtividade".62 Para o “pai” do sistema japonês, a redução da força de trabalho é, na verdade, uma redução de

custos. "No sistema Toyota de Produção, pensamos a economia em termos de redução da força de trabalho e de redução de custos. [...] A redução de força de trabalho na Toyota é uma atividade que atinge toda a empresa e tem por fim a redução de custos." (OHNO, 2007, p.69-70). Como sintetiza Coriat (1994, p.33), "no espírito Ohno, a fábrica mínima é primeiramente e antes de tudo a fábrica de pessoal mínimo". É curioso notar que, no ohnismo, todo custo que representa desperdício é identificado como tendo uma relação com a quantidade da força de trabalho empregada. Atrás dos custos do estoque, por exemplo, há um excesso de pessoal. Explica Ohno (2007, p.71), "Se na fábrica tiver muitos produtos para estocar, devemos construir um depósito, contratar trabalhadores para carregar as mercadorias para este depósito e, provavelmente, comprar um carrinho de transporte para cada trabalhador. No depósito, seria preciso ter pessoas para prevenir contra a ferrugem e para a gestão do estoque. Mesmo assim, algumas mercadorias estocadas enferrujam e sofrem danos. Por causa disso, será necessário ter mais trabalhadores para reparar as mercadorias antes da sua remoção do depósito para o uso. Uma vez estocadas no depósito, as mercadorias devem ser inventariadas regularmente. Isto requer trabalhadores adicionais". Aliás, como clarifica Coriat (1994, p.34), no toyotismo, "o estoque tem valor de instrumento metodológico. [...] Partido do estoque para descobrir o excesso de pessoal e racionalizar a produção é um ângulo de ataque descoberto por sua vez por Ohno".

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se intensifica o trabalho e se minimiza o não-trabalho, mas é absolutamente

indispensável apropriar-se sobre o desenvolvimento das condições objetivas e

subjetivas que conformam um contexto favorável ao capital na condução da

intensificação do trabalho e da minimização do não trabalho. Neste escopo

encontram-se, também e extensivamente, as estratégias gerenciais burguesas de

desarticulação do operariado.

4.2.3 – Liberação e Incentivo à Iniciativa do Trabalhador como Estratégia de Superação das Crises do Capital

Muitas são as estratégias da ofensiva do capital, de desmobilização e de

desarticulação, para forjar as circunstâncias burguesas de um contexto favorável à

superação da sua crise de mobilização das forças de trabalho – e, em

consequência, potencializar a superação da sua crise de acumulação, haja vista

tratar-se de um sistema de produção em que já demonstrara suas "qualidades" à

acumulação capitalista. Entre as estratégias, uma se destaca, por incidir diretamente

no ambiente de trabalho da produção material da riqueza social, o espaço fabril, e

por procurar responder a um dos motivos que – vimos – desembocam nesta crise de

mobilização: é a estratégia de propiciar um processo de trabalho menos tedioso,

menos monótono, menos nostálgico, do que a produção "rígida" e em "série" do

taylorismo/fordismo, de modo a permitir superar o descontentamento, a relutância e

a resistência das classes trabalhadoras.

Quer dizer, o toyotismo procura contemplar em suas estratégias de

gestão e organização do trabalho, ainda que minimamente ou fantasiosamente,

melhores condições de vida intra-fabril ao operariado.

O alívio do fardo da intensidade do trabalho, não está entre os atrativos

que este sistema pode supostamente ofertar aos trabalhadores. Como vimos na

seção 2, esse não é o sentido da dinâmica dos complexos sociais na sociabilidade

do capital. O desenvolvimento dos métodos gerenciais do toyotismo não consegue

incrementar a produtividade apenas por meios de trabalho e técnicas de produção

mais refinadas e eficientes. No modelo de gerência da Toyota, a velocidade e o grau

de intensidade do trabalho, nos termos de Rosso (2008, p.68), com uma "pertinácia

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inquebrantável", foram elevados a níveis significativamente superiores aos de outras

formas de organização da produção burguesa; os níveis de intensificação atingidos

não têm paralelo na história do capitalismo. Como diz Antunes (2006, p.53), "de fato,

trata-se de um processo de organização do trabalho cuja finalidade essencial, real, é

a intensificação das condições de exploração da força de trabalho".

O ritmo constante e fatigante do taylorismo/fordismo é substituído pelo

ritmo variável, mas compensadamente extenuante do toyotismo. Como lembra

Bernardo (2009, p.143), em seu livro “Trabalho Duro, Discurso Flexível: uma análise

das contradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores”, o ritmo de

trabalho foi a questão espontânea63 que recebeu o maior destaque em praticamente

todas as entrevistas que realizou entre 2004 e 2006, aparecendo de forma

recorrente e enfática, e independentemente da empresa focalizada, fossem eles

sindicalistas, trabalhadores “revoltados” ou trabalhadores “pelegos” – para

deixarmos nas palavras da autora, por sua vez, extraídas dos entrevistados. Os

trabalhadores comentam que mesmo as intercorrências na realização das atividades

não são levadas em conta nas cronometragens: "um tropeção que você dá, você

perdeu tempo. Um problema que dá no seu equipamento, você perdeu" (idem,

p.146). Um dirigente sindical endossa dizendo que a linha de produção é "uma

loucura!", segundo ele, "é nego correndo pra tomar água. O outro, deu problema na

peça lá, tem que correr pra trocar [...] por que não pode perder tempo!", "é um ritmo

totalmente (...) desesperador." (idem, p.144). Nas palavras dos operários, "tem muita

pressão em cima de você", "o tempo de processo, o tempo de montagem é muito

rápido. Corrido demais!" (idem, p.143); é pressão "exacerbada, uma coisa assim

quase que inimaginável" (idem, p.147). As metas de produção são "quase

inatingíveis" em suas avaliações (idem, p.146). Alegam que "é desumano o que você

faz. [...] Passou do horário e você é obrigado a ficar depois do horário [...] Horário de

refeição, eles não respeitam, eles passam do horário" (idem, p.147).

Não adentraremos na exposição dos altos índices da produtividade e da

intensidade do trabalho alcançados por este sistema nipônico. Para detalhes e

dados a estes aspectos, pode-se recorrer, por exemplo, aos livros, já referenciados,

de Rosso (2008, p.70-80; 101-147) e Bernardo (2009, p.161-180), que nos

apresentam diversos estudos sobre os tais índices e suas relações com os

63 "É importante que se diga que a abordagem inicial dessa questão sempre foi espontânea, não havendo, de nossa parte, referência a ela nem na apresentação da proposta da pesquisa, nem por meio de questões pré-definidas". (BERNARDO, 2009, p.143)

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adoecimentos do trabalhador. Nos limitaremos a mencionar o que exprime,

respectivamente, o autor de um boletim do Departamento Automotivo do FMI e o

próprio Ohno: "o objetivo é conseguir que os trabalhadores tenham uma

performance que abranja a cada um dos 60 segundos que compõem o minuto"

(UNTERWEGER apud BERBARDO, 2009, p.148); "frequentemente enfatizo que o

movimento do operário na área de produção deve ser movimento de trabalho, ou

movimento que agrega valor. Estar se movendo não significa estar trabalhando"

(OHNO, 2007, p.74).

O elemento constitutivamente fundamental no arcabouço estratégico do

toyotismo ao processo conformativo de um ambiente de trabalho menos repulsivo e

mais propício ao envolvimento na produção por parte do operariado é a liberação e

incentivo à iniciativa dos trabalhadores. É liberando e incentivando a iniciativa do

trabalhador no desenvolvimento dos processos de trabalho que, essencialmente e

nuclearmente, embasam-se as estratégias gerenciais burguesas de superação da

crise do capital de mobilização das forças de trabalho. A iniciativa do trabalhador é a

categoria estrutural chave do ohnismo para lastrear todo um conjunto de estratégias

técnico-ideológicas persuasivas e consensualistas sofisticadas de gerência

burguesa das relações cotidianas entre o capital e o trabalho.

É relevante destacar que a institucionalização da iniciativa do trabalhador

nos processos de trabalho do toyotismo significa não apenas o fundamento à

conformação de um outro ambiente de trabalho ao operariado, diferente daquele que

Weil (1996, p.84) o descrevera como "maquinal demais para fornecer assunto ao

pensamento". A liberação e o incentivo à iniciativa do trabalhador é, igualmente e ao

mesmo tempo, o fundamento do incremento da produtividade no sistema de Taiichi

Ohno. Neste sistema gerencial, a iniciativa do trabalhador é entendida como um

atributo importante e valioso da força de trabalho; uma parte imprescindível das

estratégias burguesas de intensificação do trabalho e da ampliação da mais-valia,

que o capital busca aproveitar no limite. A polivalência e o sistema de sugestões

kaisen, em que o operário insere-se de forma mais ativa e interativa no

desenvolvimento da eficiência dos métodos de produção – não sem que tenha

implicações na desarticulação do operariado, como analisaremos na próxima

subseção –, são dois exemplos de um processo de trabalho que busca integrar,

sistematicamente, o potencial das capacidades intelectuais do ser social enquanto

assalariado. Como disse certa vez o então diretor de pessoal da Dornnelly Mirros

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Corporation, Robert Doyle: ao aplicar o princípio da iniciativa operária em uma

empresa, "você começa a obter resultados que jamais lhe teriam parecido

possíveis"64 (apud PIGMON e QUERZOLA, 2001, p.132). No modelo da Toyota, a

gestão e organização do trabalho procura expandir as operações produtivas dos

processos de trabalho para outras dimensões da atividade humana, e não reduzi-las

"apenas ao aspecto físico maquinal", dizia Gramsci (2001, p.266), que é o objetivo

expresso no taylorismo/fordismo.

4.2.4 – A Sofisticação Objetiva e Subjetiva da Dominação à Exploração da Força de Trabalho

Para beneficiar-se da contingência de extrair mais valor da força de

trabalho, num patamar quanti-qualitativamente superior de intensificação, e

apropriarem-se de maneira mais profícua das experiências e conhecimentos do

operariado, os capitalistas – no processo da reestruturação produtiva – renunciam,

em alguma medida, as estratégias de controle e desarticulação tipicamente de Taylor

e de Ford sobre os trabalhadores. Estratégias estas que, de muitas maneiras, abafa,

tolhe e reprime a iniciativa do trabalhador, para, como diz Pigmon e Querzola (2001,

p.113), "garantir a dominação de tipo militar". A burguesia abdica, em certo grau, do

padrão de controle sobre os processos de trabalho que têm como pressuposto, para

garantir a desarticulação e a dominação de classe do capital, um operário

brutalizado, parcializado e desenvolvido, tão-somente, observa Gramsci (2001,

p.266), nos "comportamentos maquinais e automáticos"; um operário que faz, nas

palavras de Taylor (2006, p.46), "justamente o que se lhe manda e não reclama", e

não emite "qualquer observação".

Em suma, para promover o processo de remanejamento e recuperação

do padrão de acumulação e da hegemonia do capital, a produção capitalista

reestrutura-se alicerçado num processo de trabalho cujas demandas de dominação

64 Em 1970 Robert Doyle (apud PIGMON e QUERZOLA, 2001, p.130) identificava o problema das estratégias gerenciais burguesas da seguinte forma: "Atualmente a maioria das firmas não emprega plenamente as capacidades intelectuais e humanas da massa de sua força de trabalho". Segundo ele, numa empresa é preciso que todos trabalhem com inteligência: "uma firma que emprega 500 pessoas, costuma haver dez por cento, ou seja, 50 sobre 500 que têm a tarefa de pensar e 450 executam tarefas penosas". É preciso fazer com que a "as 500 tenham a tarefa de pensar".

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da burguesia sobre o proletariado para a exploração do trabalho exigem outros

pressupostos. Isto é importante enfatizar: o que há, nos processos de trabalho

“toyotizado”, é a demanda por uma outra composição de dominação, e não a

demanda por um abrandamento da necessidade de dominação. A liberação e o

incentivo à iniciativa do trabalhador, para desobstaculizar o potencial associativo

físico-mental das forças de trabalho, não significa, como se numa relação direta,

uma amenização das estratégias de controle e/ou um arrefecimento das estratégias

de desarticulação. Significa apenas um “novo” conjunto de estratégias de controle e

de desarticulação, ainda que menos intransigente e consumptivo. Para o

capitalismo, é preciso liberar e incentivar a iniciativa das classes trabalhadoras, mas

sem que se percam as possibilidades de dominá-las.

Notemos, aliás, que a desbrutalização e a desparcialização do operário

nos processos de trabalho de tipo toyotista não são significativamente acentuadas

quanto possa parecer as pregações conceituais realizadas pela burguesia e seu

aparato midiático. A pouca qualificação e a pormenorização da divisão do trabalho,

caros ao taylorismo e ao fordismo, continuam de tal monta que o treinamento e a

capacitação de um trabalhador possuem exigências mínimas da inteligência. Ohno

(2007, p.42) defende que se "deveria levar apenas três dias para treinar novos

operários nos procedimentos adequados de trabalho", e "o treinador deve realmente

pegar as mãos dos operários e ensiná-los". O que não é marcadamente diferente do

"gorila amestrado" de Taylor (apud GRAMSCI, 2001, p.266), ou acentuadamente

distinto do tempo necessário à aprendizagem técnica na produção da Ford, em que,

segundo ele, "43% não requerem mais que um dia; 36 requerem de um dia até oito"

(FORD, 1964, p.85). O toyotismo, assim, conserva a atividade constante dos

instrumentos de desarticulação por meio de uma força de trabalho facilmente

substituível, como desenvolvemos na seção 3.

Tampouco, o controle no modelo gerencial da Toyota, a despeito da maior

maleabilidade, padece de rigidez e rigor sobre os processos de trabalho e o

operariado. Sob determinados aspectos, pode-se dizer que mesmo o controle de

feitio coercitivo é metodicamente implementado em suas estratégias que integram a

dominação. Para controlar psicofisicamente o trabalhador Taiichi Ohno desenvolve o

chamado "gerenciamento pela visão" (1997, p.136), ou "administração pelos olhos"

(CORIAT, 1994, p.34), a partir da adaptação das contribuições "teóricas" de 1785 do

filósofo-jurista inglês, Jeremy Bentham, ao sistema carcerário, em que – sintetizada

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no termo panóptico – permitiria a um vigilante uma visão espacial e periférica à

observação de todos os prisioneiros sem que estes possam saber se estão ou não

sendo vigiados. Como coloca Benjamin Coriat, um entusiasta do toyotismo,

O mestre japonês renova assim uma preocupação muito antiga e tradicional dos mestres fabricantes: poder a qualquer momento e visualmente exercer um controle direto sobre os empregados subordinados (1994, p.34-35).

Para tal, além de uma estrutura física de disposição que privilegia "o

olhar" panorâmico gerencial, o engenheiro chefe da Toyota implementa um conjunto

prático de dispositivos técnicos, baseado em um aparato de sinalização luminosa,

chamado "Andon" (CORIAT, 1994, p.35), que indica e informa o ritmo e os

problemas de "cada sessão de linha de produção" (idem, p.35). Este é um princípio

de gerência, segundo Ohno (1997, p.136), "obrigatório" nas linhas de produção em

que se usa o sistema toyotista; é um princípio que, nas investigações de Coriat

(1994, p.35), "se respeita escrupulosamente em cada uma das usinas da Toyota

Motor Company, assim como nas fábricas de seus principais fornecedores e

empresas subcontratadas".

No toyotismo, e já parafraseando o título do livro de Bernardo (2009), o

discurso pode ser flexível, mas o trabalho é duro!

A dominação sobre o operariado nas estratégias gerenciais burguesas

contemporâneas se dá, deste modo, de maneira menos stricto sensu, menos restrita

aos processos de trabalho propriamente dito; se dá apropriando-se extensivamente

dos meios das ciências sociais, se dá considerando, como diz Pigmon e Querzola

(2001, p.107), "sempre de forma mais sistemática os fatores humanos"; se dá

desdobrando a domesticação e o adestramento da subjetividade do trabalhador; se

dá, por fim, de maneira mais ampla e valendo-se mais profundamente da

"autoridade" econômica, política, ideológica e cultural da sociabilidade do capital. No

sistema de gestão e organização do trabalho toyotista da reestruturação produtiva, a

sofisticação das estratégias de dominação opera, centralmente, no controle baseado

na cooptação da consciência dos trabalhadores e na desarticulação baseada no

incitamento do individualismo e da concorrência entre o operariado.

O sistema de dominação do capital sobre o trabalho se dá, portanto, de

um lado, pelas estratégias gerenciais burguesas que intentam cooptar os "corações

e mentes" dos operários; buscam mecanismos para fazê-los, como gostam de dizer

os administradores, "vestir a camisa da empresa"; procuram suscitar o envolvimento

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e engajamento do trabalhador com a firma – como, a propósito, apresentamos na

seção 3 –, levando-o a assumir os objetivos da organização como sendo os seus

próprios objetivos, atrelando sua felicidade à participação na vitória do

empreendimento. Assim, estudos no sentido da promoção de uma atmosfera

tensionada de constante comprometimento (compromisso) do trabalhador com a

instituição – como "automotivação", "clima motivacional", "clima organizacional",

“competências comportamentais” – são comuns nas ciências burguesas da

produção e valorização do capital, que, pois, precisam colocar em movimento uma

força de trabalho contida em classes onde não são as mesmas que residem os

signatários da sociabilidade capitalista, e com toda a problemática, em seu bojo, da

contradição antagônica de que tratamos na segunda seção. De outro lado, no

entanto, o sistema de dominação sobre os trabalhadores se dá, também, pelas

estratégias burguesas de gestão e organização do trabalho que enveredam na

introdução e no instigar de um espírito individualista e concorrencial entre os

próprios operários; estratégias que instilam circunstâncias de fragilização da

solidariedade de classe proletária; estratégias de estorvo da articulação dos sujeitos

sociais do trabalho.

Vejamos, então, com um certo detalhe e particularidade, algumas das

estratégias gerenciais burguesas de desarticulação do operariado que, entendemos,

põem determinações substanciais na desmobilização dos movimentos das classes

trabalhadoras.

4.3 – As Estratégias Gerenciais Burguesas de Desarticulação no Toyotismo

Obviamente, no conjunto das estratégias gerenciais burguesas de

desarticulação há as determinações do controle cooptativo de que tratamos

brevemente. Este gênero de controle, ao envolver a subjetividade do trabalhador nos

interesses do capital, põe consideráveis obstáculos à consciência coletiva crítica;

põe um complexo de dificuldades concretas ao pertencimento de classe proletária.

Ao persuadir o trabalhador para o engajamento no projeto burguês de incremento da

produtividade e de cooperação operário-direção, esta espécie de controle põe

vastos impeditivos à articulação dos integrantes das classes trabalhadoras; põe

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extensos impedimentos à articulação do movimento operário; põe, portanto,

elementos que contribuem na desarticulação dos trabalhadores. A cooptação dos

sujeitos do trabalho pelo capital é, também, uma desarticulação do operariado. O

controle que coopta é, a um só tempo, o controle que desarticula. As estratégias

gerenciais burguesas de desarticulação do operariado contém, em si mesma, as

estratégias de controle pela cooptação da subjetividade do trabalhador. Assim, ao

fazer-se referência as estratégias de desarticulação, se está fazendo, em simultâneo

e implicitamente, referência as estratégias de controle cooptativo.

A cooptação do íntimo do trabalhador pelo "espírito Toyota", ou dito de

outra forma, esta modalidade de desarticulação dos trabalhadores, tem o seu

baluarte e a sua materialização no que os empreendedores capitalistas costumam

denominar de Gerenciamento Participativo ou Administração Participativa. É,

sobretudo, por meio da atividade de participação dos trabalhadores nas pseudos

decisões da produção, que a gerência burguesa, em fazendo o trabalhador se

perceber como tendo o seu envolvimento um resultado direto no sucesso da

empresa, estabelece uma construção ideológica que lhe permite manipular

dissimuladamente a consciência do trabalhador. A Comissão Interna de Prevenção

de Acidentes (CIPA), as Comissões de Fábricas, as esferas de sugestões

compartilhadas e de discussões sobre as metas de produção, etc., inclusive com a

participação sindical, ainda que possam constituir-se em instrumentos de luta e para

a luta, são alguns dos mecanismos e espaços decisórios disponibilizados ou

subjugados pelas estratégias burguesas de gestão e organização do trabalho para

garantir a participação balizada dos trabalhadores.

Este controle que coopta a subjetividade do trabalhador dá sua

contribuição vigorosa à desarticulação do operariado na medida em que, por meio

destes expedientes estratégicos de simulação especulativa da participação e das

decisões dos trabalhadores, o capital consegue forjar um ambiente organizacional

de aparente autocontrole dos processos de trabalho pelo operariado. Ao fazê-lo, não

se esgotando em si mesmo, tem como consequência e cristalização o

aprofundamento da alienação do trabalhador que, em se considerando parte de uma

estrutura que supostamente contribuiu para sua constituição, termina por colocar

para si e para os outros a auto-responsabilização e auto-culpabilização dos

eventuais problemas ordinários da produção. Como ilustra um trabalhador que

integrou os sujeitos da pesquisa de Bernardo (2009, p.136), "o operador assume a

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responsabilidade de tudo: falta de peças, equipamentos com problemas...". "Uma

preocupação que deveria ser da empresa passou pro trabalhador!", comenta um

dirigente sindical. Segundo ele (idem, ibidem), "todos os problemas, que antes eram

resolvidos por gerentes, supervisores, chefia e até uma (...) engenharia técnica, hoje

está sendo feita pelos trabalhadores".

A empresa conseguiu colocar na cabeça [do trabalhador] que ele é responsável por aquilo que tá fazendo (...). Ele começa a trabalhar antes do horário, em casa. (...) A gente faz as críticas e tudo, conversa com o trabalhador, mas ele diz: “Eu preciso fazer isso! Porque, se não, eu não vou dar conta do meu processo!”. 65

Tal circunstância que auto-responsabiliza e auto-culpa o trabalhador, por

sua vez, e numa relação de dependêncoa e reciprocidade de determinações,

relaciona-se e integra-se ao movimento de incitamento do individualismo e da

concorrência entre o operariado. Sem desresponsabilizar e desculpabilizar o capital,

pois, sem um aparente autocontrole do operariado sobre os processos de trabalho,

que lhe tendencia a auto-reconhecer-se como responsável e culpado pela eficiência

ou ineficiência da produção, não há individualismo e concorrência entre os

trabalhadores robusta o suficiente para fazer parte nuclear de uma ossatura

sofisticada de estratégias gerenciais burguesas de desarticulação. Ao mesmo

tempo, o individualismo e a concorrência, ao condicionar o seu desenvolvimento,

pode ser considerada, em larga medida, uma extensão da própria cooptação da

consciência proletária. Quer dizer, para a composição das estratégias gerenciais

burguesas de desarticulação sobre o operariado, baseadas na introdução e

instigação no trabalhador da "opção" de ações e saídas individuais ao invés de

recursos e soluções coletivas aos seus problemas e suas necessidades, bem como

de incitamento no trabalhador do entendimento de seus pares de classe como um

concorrente e um competidor, é impreterível um ambiente organizacional que,

objetivamente e/ou subjetivamente, permite auto-responsabilizar e auto-culpabilizar

os trabalhadores nas suas operações sobre os processos de trabalho.

É importante o leitor estar atento ao que já dissemos no decurso da

dissertação, e não se atentar a interpretar a ênfase dada ao individualismo no

toyotismo como sendo uma característica que o particulariza em relação às outras

formas de gestão e organização do trabalho. Tal aspecto do modelo hegemonizado

65 A gerência burguesa procura se desresponsabilizar mesmo dos erros cujos fatores envolvidos escapam ao controle do trabalhador, além dos problemas de saúde e acidentes de trabalho em decorrência dos seus processos de produção. Para uma abordagem de alguns aspectos da temática, ver (BERNARDO, 2009, p.150-160).

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na reestruturação produtiva de 1970, já se apresentava como uma preocupação de

Taylor. Conforme dissemos na segunda seção, ele buscava superar a resistência

dos trabalhadores por meio de conversas e treinamentos individualizados, onde a

idéia de fundo era fazê-lo desempenhar suas atividades, como “um operário

classificado" (TAYLOR, 2006, p.45), sem que se solidarizasse com o rítmo de

produção dos outros trabalhadores. Como lembra Evangelista (2000, p.123), ao

fazer suas análises sobre um processo de trabalho mais fordista que toyotista, o

individualismo é uma característica a se "reforçar", mas é "já existente nos

trabalhadores". No entanto, é somente em Ohno que o individualismo é aprofundado

e sistematizado na racionalidade técnica da produção capitalista. Para sermos mais

preciso e histórico-dialético, o individualismo nos processos de trabalho "toyotizado"

não é mais do que uma extensão e arraigamento do individualismo radicado nas

entranhas estruturais e cotidiana da sociabilidade burguesa66.

Sobre a concorrência, o leitor, de maneira semelhante, também deve ter

atenção. A instigação da concorrência entre os trabalhadores também não é um

distintivo do sistema da Toyota. Entretanto, é nele que a matéria ganha mecanismos

organicamente integrados no conjunto das estratégias gerenciais. Engels, por

exemplo, já tinha claro em suas análises, ainda nos idos de 1845, que a

concorrência consiste no "nervo vital da ordem social vigente", "manifestando-se em

toda sua plenitude e livremente potenciada na indústria moderna" (2008, p.253;

p.117). Para ele, a concorrência entre os trabalhadores, "constitui a arma mais

eficiente da burguesia em sua luta" contra os movimentos do operariado (idem,

p.118). Aliás, o companheiro intelectual e de militância de Marx, nos diz algo que

serve bem como uma síntese do que estamos entendendo como uma

desarticulação entre os trabalhadores de um espírito individualista e concorrencial.

Diz Engels (idem, p.253), ainda que com a falta de algumas mediações:

o poder da burguesia se apóia unicamente na concorrência entre os operários, isto é, na divisão do proletariado, na recíproca contraposição dos interesses dos operários tomados como indivíduos.

Este conceito gerencial de desarticulação pelo incitamento do

individualismo e da concorrência entre o operariado – do qual, como dissemos, o

controle pela cooptação da subjetividade faz parte – é não apenas importante para

66 Para uma iniciação crítica e marxista sobre a temática do "individualismo burguês", enquanto resultante de um desenvolvimento histórico-determinado, que não tem sua origem nem na ética nem na moral, mas nas condições que fazem dos indivíduos os "guardiões de mercadorias", ver (LESSA, 2006) e (LESSA e TONET, 2008, p.79-84).

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as estratégias gerenciais burguesas de intensificação que necessitam da liberação e

do incentivo à iniciativa do trabalhador, mas é, também, o outro deslado elementar e

complementar das estratégias gerenciais burguesas contemporâneas de

intensificação. A desarticulação que procede na consciência do trabalhador, o

fazendo comprometer-se (compromissar-se) com o projeto de expansão e

acumulação do capital, é a composição necessária e o próprio suporte axial de

materialização da intensificação que opera amplamente sobre as potencialidades

físicas e mentais do trabalhador. Quanto mais proeminente é a iniciativa do

trabalhador para uma exploração e ampliação da produção de mais-valia – do que

implica em malear e flexibilizar o controle sobre os processos de trabalho –, mais

fundamental e decisivo se torna a atomização do trabalhador coletivo e a

pulverização da solidariedade de classes. Uma estrutura de dominação não

autoritária – cujo momento predominante do "par dialético" é o do consenso67 –

implica em um conjunto de estratégias gerenciais que consegue introduzir, nos

termos de Oliveira (2004, p.10), "as divisões internas e a competição no centro do

coletivo de trabalho". Uma estrutura de dominação que faz concessões na coerção

deve ter, do ponto de vista do capital, um contraponto que assegure o manejo, para

valermos de uma expressão utilizada por Wellen e Wellen (2010, p.71), de "técnicas

de fragmentação da consciência coletiva".

A este conjunto de circunstâncias e movimentos de mecanismos de

dominação do capital sobre o trabalho – que, como dissemos, tem por seu

fundamento a edificação de um ambiente organizacional no qual persuade o

consentimento e o envolvimento do íntimo do trabalhador nos processos de trabalho

de tipo burguês – Alves (2010, p.47), e nos parece que com razão, o intitula como o

"novo panoptismo" das estratégias gerenciais contemporâneas do capitalismo. Para

o autor (idem, p.45), do qual coadunamos, esta "manipulação reflexiva", como

chama estes processos – aliás, segundo ele, "processos sub-reptícios" –, é o próprio

"espírito do toyotismo"; o seu "nexo" e "traço essencial"; e põe-se numa

"onipresença de dispositivos de 'captura' da subjetividade do trabalho" (idem, p.42),

que não é mais do que uma homologia da "manipulação sistêmica do capital" (idem,

p.41). Corroborando nesta perspectiva de desarticulação para a dominação, em que

voga o Gerenciamento Participativo (ou Administração Participativa), tem-se, na

67 Estamos nos referindo ao "par dialético coerção-consenso", expressão de Gramsci, que usamos por meio de Evangelista (2000, p.23,35,45,121,125), e que tratamos na seção 3.

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intelectualidade e nas ciências orgânicas do capital, a produção e a propagação de

um repertório vasto e variado de idéias que embasam, complementam e

aperfeiçoam as estratégias gerenciais calcadas no sistema Toyota de produção.

Idéias que, sob o lema da valorização do humano, aproveitam-se das condições de

vulnerabilidade que circunscrevem a subalternidade para extrair o máximo das

potencialidades das forças de trabalho. No interior destas idéias, a da "organização

que aprende", "em que as pessoas estão voltadas para a aprendizagem coletiva", de

Peter Senge, em seu livro “A Quinta Disciplina”, por exemplo, pode ser considerada

uma importante expressão e cristalização do conjunto destas concepções

cooptantes – donde as alterações de denominações dos trabalhadores, como as que

reproduzimos na segunda seção (“funcionários”, “colaboradores” e “parceiros”), é

apenas parte limitada, mas relevante, destas estratégias de gestão e organização do

trabalho desarticuladoras da contemporaneidade.

4.3.1 – A Desarticulação pelo Trabalho Organizado em Equipe

Uma das principais estratégias de cooptação da subjetividade do

trabalhador, que isola e desune o operariado, desagrega-os, produz e reproduz a

não identidade de classes entre os trabalhadores, é o método de trabalho em equipe

desenvolvido pelo sistema gerencial da Toyota. Certamente, são heterogêneas as

formas e a amplitude com que este preceito foi adotado e incorporado nas situações

concretas de gerência de cada país e de cada empresa. Contudo, a idéia geral que

procura ser estabelecida nas experiências gerenciais – sob a perspectiva da

desarticulação68 – é a utilização da sistemática do trabalho em equipe para promover

a internalização do controle no coletivo de trabalho, de modo que os trabalhadores

exerçam um certo tipo de domínio sobre os próprios trabalhadores; de modo que um

operário passe a cobrar do outro um maior comprometimento (compromisso), um

melhor rendimento, uma superior produtividade.

Ao dispor os trabalhadores em "times" ou "células" – como normalmente é

68 Enfatizamos a perspectiva da desarticulação para deixar tácito que o trabalho em equipe apura todos os elementos componentes das estratégias gerenciais burguesas; beneficia a todas as categorias modais-resultantes das estratégias burguesas de gestão e organização do trabalho. Contribui com a intensificação, com o controle, com a desarticulação. Enfim, abrange os espaços da exploração e da dominação; ainda que não o desenvolvamos em sua extensão.

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referenciado nos meios empresariais – procura-se organizar os processos de

trabalho de modo que as metas das equipes fiquem condicionadas as metas

individuais. Um baixo índice na produção de um trabalhador implica em ônus para

toda a equipe. Assim, o trabalhador executa a sua atividade buscando cumprir as

metas estabelecidas, sem que deixe de fiscalizar a atividade de seus parceiros de

equipe para que estes também as cumpram. A própria equipe passa a fiscalizar-se

pela auto-responsabilidade no cumprimento do ritmo de trabalho.

Ao mesmo tempo em que um trabalhador precisa do outro para que sua

equipe atinja as metas estabelecidas, a organização dos processos de trabalho de

tipo toyotista procura dar conta de que tanto as equipes quanto os seus integrantes

sejam competidores entre si. A eventual solidariedade de um trabalhador para com o

outro, com o intuito de que todos atinjam as metas estabelecidas, contrasta e

desfalece com a concorrência individual pelos prêmios de produção, gratificações

salariais, reconhecimento do trabalho e promoções de cargos.

Para ilustrar essa relativa dicotomia entre solidariedade e competição, a

pesquisa realizada por Bernardo (2009) nos parece bastante adequado. A autora

(2009, p.108) observa que "o mesmo trabalhador que havia falado com determinado

orgulho da cooperação entre os companheiros de trabalho, também afirma que a

competição é forte entre eles". O curioso, mas completamente compreensível ante a

alienação da sociabilidade do capital, é que, segundo Bernardo (idem, ibidem), com

mais frequência, "a referência ao companheirismo" ocorre de forma "espontânea nas

entrevistas", enquanto que, em geral, "a competição" apenas é mencionada "em

resposta às indagações" da entrevistadora. Um trabalhador, por exemplo, ao ser

questionado sobre a competição em relação ao companheirismo, responde (idem,

ibidem): "lá, tem mais competição. Muito mais! Lá é mais competição mesmo!".

Outro trabalhador, de acordo com a autora, que descreveu várias situações onde

havia ajudado seus parceiros que estavam com o serviço atrasado ou que havia

cometido falhas, afirma (idem, p.109): "tem que ficar esperto por que é um querendo

passar o rodo no outro". Para outro trabalhador (idem, ibidem), há aqueles em que,

"pela ambição de subir na pirâmide hierárquica", "delatam o erro de companheiros

de trabalho para a chefia".

Um operário que se encontra aquém do compasso da equipe, termina por

ser pressionado pelos demais operários que a integra. O trabalhador que não atingir

suas metas estabelecidas, é o trabalhador que sofre o que Mello e Silva (2004,

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p.249) chamou de "totalitarismo do coletivo" de trabalho. Algumas falas de

trabalhadores extraídas do estudo desses autores demarcam bem esta tensão:

Se a gente vê que ela tá melhorando, que ela tá se esforçando, o que acontece? A gente procura ajudar. [...] Mas se a gente resolver dar uma nova chance e a gente vê que ela não tá se esforçando, então... (MELLO E SILVA, 2004, p.250)

É desagradável, mas se a gente tem a possibilidade de ter outra costureira que vá fazer a tarefa e que a gente vá ganhar, então é melhor. É melhor até para a companheira que vai sair por que ela não se sente humilhada. Ela sabe que a gente tá ganhando, ou melhor, que a gente tá deixando de ganhar por causa dela. Só que ela não tem aquele impulso de dizer: "olha, eu vou sair". Então, às vezes há casos em que a pessoa até agradece a gente por ter tomado essa atitude. (idem, p.251)

A pressão do "totalitarismo do coletivo" sobre a individualidade dos

trabalhadores também pode ser estampada em uma situação de negação ou não

disponibilidade casual de um proletário ao trabalho em horas extras. Um operário

(BERNARDO, 2009, p.102) lembra que "esse tipo de pressão", nestes casos de não

se trabalhar além do expediente oficial, ocorre porque, em alguns setores, "eles

pegam o processo daquela pessoa e reparte para as outras": "além de eu ter que

fazer o meu trabalho, vou ter que fazer um pedaço daquela pessoa também". Assim,

segundo o operário, é comum os demais integrantes da equipe externar seu

descontentamento com aquele que não trabalhou: "Pô, se eu me ferrei ontem foi por

sua causa". Pressão que também é oportunamente utilizada pelos superiores: ainda

segundo o operário, ao justificar-se ao seu chefe que teria um compromisso e,

portanto, que não poderia, naquela ocasião, trabalhar além do expediente oficial, o

chefe insinua a coação que ele, o trabalhador, deverá sofrer dos demais integrantes

da equipe: "mas não dá para adiar o seu compromisso? Se você for embora, você

vai complicar o seu grupo". Como diria Taylor (2006, p.26), em sua metáfora do

trabalho em equipe como uma equipe esportiva, "se algum homem deixa de dar tudo

de que é capaz no jogo, é considerado traidor e tratado com desprezo pelos

companheiros".

Não é porque o trabalho é executado na forma de equipe que,

automaticamente, a relação entre os trabalhadores será de companheirismo ou de

solidariedade de classes. O tipo de relação entre os trabalhadores depende das

condições concretas que perpassam e determinam a consciência coletiva da dita

equipe. As pelejas individuais e de grupos pelo incremento de suas remunerações

por meio dos complementos salariais, exacerbam o individualismo e a concorrência

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entre as forças de trabalho. É relevante notar, entretanto, que os prêmios de

produção, gratificações, reconhecimento do trabalho e promoções de cargos, não

são nem a origem nem o centro do individualismo e da concorrência. O problema

não é, em si, a forma de remuneração; mas, o contexto que envolve esta

remuneração e a função social que ela desempenha neste contexto.

O horizonte do método toyotista de trabalho em equipe é estender

conjuntamente ao trabalhador, o que tradicionalmente apresenta-se na entidade do

supervisor, a figura do carrasco. O horizonte é fazê-lo perceber no seu par de classe

mais propriamente um algoz e um rival, do que um companheiro do cotidiano fabril e

da luta política, ao mesmo tempo em que se comporta como um carrasco. Oliveira

traduziu de maneira precisa a essência dos processos de trabalho em equipe69:

Talvez, o maior achado dessa experiência de organização do trabalho sob a forma de equipe seja o de colaborar continuamente para estabelecer a competição entre os trabalhadores, soterrando, por vários níveis de ocultação, a possibilidade de expressão da solidariedade de classe (OLIVEIRA, 2004, p.29).

Deve o leitor observar que não utilizamos a expressão "conflito" para

designar a adjetivação das relações sociais de trabalho que as estratégias

gerenciais burguesas intentam forjar. "Conflitiva" não é a qualificação mais precisa

para o tipo de relação que os representantes do capital incitam para ser estabelecida

no interior do operariado. Os termos mais corretos, como vínhamos utilizando, são

"concorrência" e "competição". Eles refletem melhor o "clima organizacional" que

perpassam as relações sociais guardados pelos trabalhadores. O que interessa ao

capitalista não é um ambiente de trabalho em que impera o conflito entre os

trabalhadores; mas, um ambiente de trabalho em que impera a concorrência e a

competição "sadia", como diz o senso comum. O não acirramento do conflito é

importante porque é almejado pela gerência, conforme vimos, um contexto de

cooperação entre os trabalhadores. Porém, também como vimos, uma cooperação

elevadamente superficial, forte o suficiente para se manter no limite da contribuição

à produtividade do grupo, mas fraca o bastante para não implicar numa cooperação

de classe. O que a gerência burguesa pleiteia, e utilizando-se novamente de uma

expressão de Mello e Silva (2004, p.250), é um "pertencimento à célula" e não um

pertencimento de classe.

69 Nos parece pertinente a observação que faz Bernardo (2009, p.103) ao termo utilizado de trabalho em equipe: "A melhor designação para aquilo que os trabalhadores relatam parece ser a de um 'agrupamento de pessoas' que exercem atividades simultâneas na montagem do automóvel e que, eventualmente, podem colaborar umas com as outras".

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Uma outra contribuição do trabalho organizado em equipe para a

desarticulação do operariado, que podemos considerar, é a sua contribuição à

ampliação do exército industrial de reservas – que já vimos os seus impactos no

processo de desmobilização e de desarticulação das classes trabalhadoras. O

trabalho organizado em equipe corrobora com o "poupar força de trabalho" de Taiichi

Ohno. Como o então engenheiro chefe da Toyota nos ensina,

se as combinações de trabalho forem estudadas e a distribuição de trabalho, ou posicionamento de trabalho, for realizada para fazer com que os operários possam ajudar-se mutuamente, o número de operários pode ser reduzido. (OHNO, 2007, p.130)

4.3.2 – A Desarticulação pelo Programa de Sugestões de Melhorias Contínuas

Uma outra importante estratégia gerencial burguesa de desarticulação

das classes trabalhadoras é o programa de sugestões de melhorias contínuas que o

toyotismo apresenta sob a intitulação kaizen. O kaisen é um espaço, ou um

momento previsto na gestão e organização do trabalho, para que os trabalhadores

possam apresentar constantemente novas idéias para o melhoramento dos

processos de produção. Melhoramentos estes – deve-se ter em mente e sem

fantasias – que dizem respeito e estão em atenção à produção e reprodução do

capital, e não em favor do trabalho. O objetivo do kaisen não é aliviar o trabalho,

mas alargar a produtividade, alastrar a extração de mais-valia. Como comentam dois

trabalhadores da pesquisa de Bernardo (2009, p.76), "se você colocar alguma coisa

que é do interesse deles, ótimo. Mas, se você colocar uma coisa que vai ajudar o

'peão' não dá em nada". A "tendência da sugestão é para diminuir custo. Se não for

nada para diminuir custo, eles não têm interesse nenhum!". Ou como comenta, sem

maiores mediações, um outro trabalhador (OLIVEIRA, 2004, p.153), "o kaizen é para

mandar gente embora".

Quando, em uma fábrica da Volkswagen, conforme relata Oliveira (2004,

p.88), os trabalhadores tentaram inverter a dinâmica do sentido das melhorias "para

veicular pautas históricas da luta dos trabalhadores" – como "reposição de perdas

salariais, estabilidade no emprego, redução da jornada de trabalho, melhoria nas

condições de trabalho e maior segurança e democratização dos locais de trabalho" –

o resultado da tentativa, coerente com a sociabilidade capitalista e do qual as

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estratégias gerenciais são condicionadas, conforme desenvolvemos ao longo da

dissertação, não foi exitoso.

Por um lado, este programa estratégico desarticula via cooptação do

envolvimento do trabalhador nos objetivos dos empreendimentos capitalistas, na

medida em que, essencialmente, garante uma pseudo-participação dos

trabalhadores nos rumos dos processos de trabalho – com todas as consequências

que vimos que isto implica. Por outro lado, este mecanismo estratégico de

apropriação dos conhecimentos e experiências diária do trabalhador, desarticula por

conseguir sintetizar e cristalizar as saídas individualistas e concorrenciais entre os

trabalhadores.

Quer dizer, ofertar sugestões, ou "fazer um kaisen", pela própria natureza

das avaliações que a burguesia faz das proposições dos trabalhadores, significa, em

larga medida, colocar a condição de um trabalhador contra a do outro; significa fazer

os trabalhadores competirem não apenas pela maior produtividade, mas também

pela própria sobrevivência do seu emprego. Seja em virtude de buscas por

notoriedade ou recompensas, seja em virtude de uma falsa apreensão do sentido do

kaisen, o romantizando, o contexto desencadeado pelo sistema de melhorias

contínuas propicia ao trabalhador enxergar no seu parceiro de trabalho alguém que

pode ser o responsável pela sua demissão; propicia que os trabalhadores tendam a,

individualmente, buscar o seu espaço na empresa, mesmo que acarrete na perda do

espaço de outro trabalhador. Muitas vezes a permanência de um trabalhador nos

quadros de funcionários fica condicionada as suas sugestões ao kaisen. Seguem

duas falas de operários (OLIVEIRA, 2004, p.153) que exemplificam e enriquecem o

que expusemos sobre esta expressão do individualismo e da concorrência entre os

trabalhadores:

O cara fala pra você: o kaisen é bom. Se você fizer um kaisen, teu chefe vai te apoiar. Ele já está treinado para isso e vai passar pra frente. Só que as vezes você vai fazer um kaisen em que custa, vai mexer com alguém do outro setor. Aí você vai lá faz o kaisen todo inocente.

Eu acho que essa é a mentalidade: se fizer kaizen corre o risco de haver demissões. Porém, se você é encarregado e consegue fazer um kaizen que vai diminuir de cinqüenta para trinta o número de trabalhadores, você está feito, vai ser cada vez mais reconhecido.

Participar ou não participar do programa kaisen, quase sempre, não é

uma opção, mas uma compulsão. A imposição sobre o trabalhador para fazer as

sugestões, quando não é por meio do estabelecimento de metas quantitativas, é por

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meio da pressão informal dos superiores e por meio do constrangimento a que fica

exposto o trabalhador. Como diz um operário (BERNARDO, 2009, p.77), "o seu

chefe vai estar ali cobrando: você não fez, você tem que fazer!". Outro relata:

Eles colocavam numa lousa lá: “Planos de sugestões do mês: tal pessoa, quanto fez; tal pessoa, quantos (...)” e tinha gente que fazia até 15 planos de sugestão. Como é que o cara faz ali 15 planos de sugestão e aquele outro não faz nenhum, entendeu? Aí, eles falavam que era falta de interesse dos funcionários, que não tinham vontade de fazer as coisas. (...) E eu não queria ver o meu nome lá na lista sem nada, entendeu? Ver lá na lousa (...). Os caras viam lá e: “Pô, o cara não fez nada esse mês!” (idem, 2009, p.79).

Segundo o Manual de Integração da Toyota (apud OLIVEIRA, 2004,

p.151), “Nenhum dia deve passar sem que algum tipo de melhoramento tenha sido

feito em algum lugar da empresa”. O cenário de exigências da participação, como

relatam trabalhadores na entrevista à Oliveira, termina fazendo com que, pelo

impulso da necessidade, o trabalhador emita propostas que avançam sobre si

mesmo. Como explica um dirigente sindical (BERNARDO, 2009, p.79):

Existem casos, lá, absurdo! O cara que fez sugestão que reduz o salário em 20%. Reduzir (...) coisas absurdas mesmo! O trabalhador fazer sugestão para reduzir gomo de lingüiça [no almoço]! (...) É coisa que a gente fala e parece que é brincadeira, mas é coisa séria. (...) Eu acho que a lixa que eu tô lixando, lá, é muito grande, tô gastando muito (...). Não é mais o chefe que tem que se preocupar com isso, é o trabalhador! Tem trabalhador que já propôs redução de funcionários (...) porque o pessoal conversa demais (...).

Uma breve informação a título de esclarecimento: é comum

encontrarmos, tanto na produção bibliográfica orgânica do toyotismo, quanto na

produção bibliográfica de análise crítica ao sistema da Toyota, o termo CCQ

envolvendo as temáticas que apresentamos nos conteúdos relacionados ao trabalho

em equipe e ao kaisen. Pois bem, o CCQ – Círculos de Controle de Qualidade –

está na interseção destas temáticas; o CCQ enlaça as estratégias do trabalho em

equipe e do programa de sugestões de melhorias contínuas, o kaizen; além de

outras temáticas e estratégias cuja auto-responsabilização e auto-culpabilização do

trabalhador – que analisamos – é uma de suas expressões. Por exemplo, a

chamada Qualidade Total, que para sermos sucinto, é a dissolução do departamento

que cuida da qualidade dos produtos e da produção nas atividades e incumbências

de todos os trabalhadores. O Controle da Qualidade passa a ser de

responsabilidade de todos os trabalhadores70.

70 Para uma análise crítica da Qualidade Total e seus discursos gerenciais, deixamos como referência o livro “Discurso e Relações de Trabalho”, de Maria virgínia Borges Amaral (2005).

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4.3.3 – A Desarticulação pela Neutralização das Lideranças

Uma estratégia que merece ser mencionada pelo grande impacto que

provoca negativamente na articulação do operariado, embora não diga respeito

diretamente aos processos de trabalho, é a cooptação ou eliminação de lideranças

ou de potenciais lideranças. Com o intuito de evitar ou suprimir a emersão de

trabalhadores que evoquem, encampem e/ou canalizem as insatisfações dispersas

dos trabalhadores em torno de determinadas questões e reivindicações, dando-lhes

forma e conteúdo, os representantes do capital buscam identificar e neutralizar

essas lideranças ou potenciais lideranças operárias no "chão de fábrica". Para

operar a "degola das lideranças operárias", expressão que tomamos de Evangelista

(2000, p.45), os procuradores da burguesia valem-se dos expedientes de cunho

mais coercitivos, como o isolamento político do líder, a rotatividade de trabalhadores

e as demissões; mas também dos expedientes de cunho persuasivos, como

oferecimento de oportunidades à ascensão funcional na hierarquia da empresa e a

oferta de cursos de formação para encarregados e supervisores.

Por esta última categoria de método – os persuasivos, cooptativos – o

empreendimento capitalista procura usufruir, simultaneamente, de pelo menos dois

contributos do trabalhador a ser neutralizado: um deles, é o da capacidade

destacada de liderar pessoas, que pode ser utilizado, juntamente com seus

conhecimentos técnicos, em benefício da empresa na condução dos operários ao

aumento de produtividade, portanto, utilizado nas estratégias de intensificação. Um

outro, é o alcance em contribuir com a desarticulação do operariado não apenas

porque subtraiu um trabalhador qualificado para a luta de suas fileiras, mas também

porque o quadro da gerência passa a ser integrado por um trabalhador que conhece

o cotidiano de descontentamentos e resistências operária e suas formas, por vezes

obscuras, de expressão – o que lhe fornece um instrumental notável ao sufocamento

de rebeldias.

Um trabalhador (BERNARDO, 2009, p.74) comenta as transformações

por que passam ao assumir um posto superior em que o compromete com os

propósitos das estratégias gerenciais burguesas:

Você imagina, assim, o cara é o seu amigo, amigo mesmo. Ele passa a ser chefe, você começa a sentir a mudança dele, entendeu? Então, a gente acredita que, existe uma lavagem cerebral quando ele vira chefe. Não é à

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toa que ele fica quase um mês fazendo curso. (...) Nunca participei de um curso de chefia, não posso dizer muito, mas acredito que existe uma (...) como se fosse uma lavagem cerebral, pela mudança das pessoas. Até o meu líder, esses dias, a gente discutiu, eu falei para ele: 'Eu acho que você está esquecendo as suas raízes'. Porque ele era um amigo e tanto quando a gente trabalhava junto na linha. Hoje ele quer implantar umas coisas ali que não existem, entendeu?

Ainda que esta estratégia de desarticulação não seja uma prática nova,

no toyotismo este mecanismo entra com mais zelo e estatuto na sistemática do

modelo gerencial. O próprio Taylor, como dissemos, considerado "o iniciador da

eficiência industrial" e chamado de "o Pai da Organização Científica do Trabalho"

(GERENCER, 2006, p.9), é um sujeito que, ainda no início da década de 1880, dado

as suas qualidades, embora não precisamente de um líder da causa operária, passa

por este processo de transformação de um trabalhador que se torna um superior. Ao

discorrer sobre a sua experiência neste processo, Taylor (2006, p.48) comenta o que

alguns trabalhadores lhe dissera – o que ilustra bem o que há pouco mencionamos

sobre o conhecimento do cotidiano operário que um trabalhador carrega e beneficia-

se ao tornar-se parte da gerência: "você conhece bem o jogo e estamos certos de

que não nos aborrecerá com o trabalho por peça". A resposta dada, por sua vez,

demonstra com alguma clareza a adesão quase que orgânica, ou a "lavagem

cerebral", como disse o operário que transcrevemos aqui, que um trabalhador sofre

ao ascender na hierarquia da corporação capitalista: "expliquei-lhes que agora

estava servindo à direção e me tinha proposto a fazer tudo para obter rendimento

razoável nos tornos". Um outro comentário seu (2006, p.49) exemplifica, também de

modo límpido, a materialização dos conhecimentos técnicos da produção e dos

conhecimentos dos modos e formas das resistências operárias no aumento de

produtividade: "depois de quase três anos de luta, [...], o rendimento das máquinas

tinha aumentado; em muitos casos, alcançado o dobro e, como resultado, fui

promovido dum cargo de contramestre para outro, até me tornar chefe da oficina".

4.3.4 – A Desarticulação pelo Sindicalismo de "Espírito Toyota"

Um outro elemento desarticulador que age em sentido contrário ao da

formação de uma consciência de classe, de uma solidariedade operária, de uma

organização da luta das classes trabalhadoras, é a política da reestruturação

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produtiva de 1970 que dispõe sobre o sindicalismo; que dispõe, portanto, sobre uma

das entidades de representação dos trabalhadores. Para além das problemáticas da

burocracia sindical, sua estrutura e suas dificuldades de representatividade, de que

tangenciamos na introdução desta dissertação, como parte dos elementos que

contribuem com o processo mais amplo de desmobilização das classes

trabalhadoras, a questão dos sindicatos tem a sua relevância e o seu papel no

interior das estratégias gerenciais burguesas de desarticulação de cariz toyotista.

A presença, em muitos momentos históricos, indesejável dos sindicatos

às atividades produtivas baseadas no modelo taylorista-fordista, torna-se, nas

atividades produtivas modeladas pela perspectiva "ohnista", parte intrínseca da

composição dos próprios processos de trabalho. No lugar de uma afronta ou de uma

crítica generalizada contra as instituições sindicais, a gerência contemporânea

busca reconhecer e agregar a forma de representação sindical ao desenvolvimento

da gerência burguesa. Ao invés de negar, busca incorporar. Em vez da privação da

sindicalização, a precisão da representação.

A gerência contemporânea reconhece e incorpora o sindicalismo em suas

estruturas de gestão e organização do trabalho não porque o capital passe a

perfilhar legítimo as reivindicações imediatas ou de largo fôlego dos movimentos das

classes trabalhadoras. Mas, porque passa a entender e vislumbrar a atividade

sindical, na medida em que se torne subordinada aos interesses do capital, como

um meio exequivelmente eficaz na difusão entre os operários da lógica de

conciliação e colaboração de classes; ou como diria Engels (2008, p.353), eficaz na

difusão entre os operários das "doutrinas econômicas saudáveis". No toyotismo, os

sindicatos passam a fazer parte das engrenagens do sistema porque a estrutura

sindical em subsumindo-se às necessidades burguesas, passa a ser compreendida

como um ponderoso instrumental que deve contribuir com os processos de

pacificação, consentimento e adestramento do trabalhador.

No entanto, o reconhecimento e a agregação dos sindicatos no sistema

de relações de trabalho toyotizado não se estendem a todo e qualquer tipo de

sindicalismo; fica, em larga medida, constrito ao sindicalismo criado e incentivado

pelo modelo Toyota de produção para ocupar um espaço na representatividade dos

"colaboradores": o chamado sindicato-empresa. Um sindicalismo tido como de

"resultado", "corporativista"; um sindicalismo "cidadão"71, "propositivo" (MATOS,

71 "pois diziam que agora as entidades eram capazes de discutir as políticas públicas, econômicas

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2009, p.126,140,143). Um sindicalismo que, na concisa formulação de Boito Jr.

(1999, p.144), "acredita ser possível conciliar a burguesia com os trabalhadores e os

trabalhadores com o neoliberalismo". Como nos revela Coriat (1994, p.86), que –

lembramos – é um defensor e difusor das idéias toyotistas, um sindicalismo em que

as reivindicações formuladas "incorporam em grande medida as dificuldades de

lucro e rentabilidade enfrentadas pela direção da empresa"; um sindicalismo em que

"direção e sindicato se engajem em uma mesma declaração de cooperação, uma

espécie de carta de comportamento que liga os parceiros". Isto é, o sindicalismo

defendido e propalado na reestruturação produtiva, de que se dissemina o sistema

de gestão e organização do trabalho "flexível", e ainda nas palavras de Coriat (1994,

p.85), possui "formas cada vez mais marcadas pelo acordo, e até mesmo pela

cooperação com os representantes dos interesses do capital". Ou, no proferimento

do projeto de emenda constitucional da reforma sindical proposta em 1998, um

sindicalismo em que os sindicatos possuem as formas de "verdadeiros cogestores"

(apud MATOS, 2009, p.135).

Para compreendermos com mais precisão a dimensão que alcança as

estratégias de desarticulação pautadas pela estrutura sindical nos processos de

trabalho de tipo toyotista, é importante lembrarmos as explicações de Coriat sobre o

processo de formação dos quadros da gerência e do processo de carreira dos

trabalhadores. O autor (1994, p.86) coloca que, "em muitos casos, a passagem pelo

sindicato é uma condição para ascender a funções de responsabilidade", sobretudo,

"e notadamente em matéria de gestão do pessoal". A atividade sindical, no dito de

Coriat (1994, p.46), "tornou-se uma das passagens essenciais” para assegurar “a

formação das elites da empresa Toyota”. Em outras palavras: para a administração

capitalista, ser o trabalhador um membro do sindicalismo orgânico da empresa e

militante em suas perspectivas pode significar o preparo de um trabalhador cujo

pensamento alinha-se com o pensamento do patrão. A passagem pelo sindicato-

empresa, no entendimento da burguesia, confere ao trabalhador, em certo sentido,

um "selo de qualidade" que, assim, o torna apto, ideologicamente, para elevar-se na

escala hierárquica profissional da empresa.

Neste sentido, de um sindicalismo cujo lema ou palavra de ordem é

"proteger nossa empresa para defender a vida!" (CORIAT, 1994, p.46, itálico do

original), e que se configura, pois, num ardiloso artifício de cooptação do

nesse caso, e propositivamente apresentar alternativas" (MATOS, 2009, p.140).

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envolvimento operário, a efetivação do recrutamento de um trabalhador ao sindicato-

empresa pode representar, em si mesmo, uma estratégia e um processo de

desarticulação sobre o operariado. Mas não apenas – imprescindível destacar – a

estratégia e o processo de desarticulação que opera quando se efetiva o

recrutamento. O próprio movimento que busca recrutar trabalhadores ao espírito

Toyota "em sua versão sindical", como nomeou o autor persuasivo do toyotismo,

Coriat (1994, p.46), é, também, um saliente movimento desarticulador do operariado.

Basta pensarmos, por exemplo, na ofensiva das estratégias gerenciais burguesas

sobre o sindicalismo de luta. Ofensiva que se faz – para além do movimento mais

amplo do neoliberalismo, a base política da forma de organização da produção

toyotista, conforme já comentamos –, fundamentalmente, cercando e coagindo os

trabalhadores que a este sindicalismo se associam. E o faz por meio, entre outras

medidas, da limitação de suas possibilidades de promoção profissional (que não

deixa de ser uma consequência da condição de passagem pelo sindicato de que

indicamos); da chantagem intimidativa subentendida e explícita de sua demissão; e

da inviabilização de seu processo de admissão. Ou seja, criminaliza-se um, legitima-

se o outro.

Sobre as duas últimas estratégias de cerco e coação aos trabalhadores

de que indicamos – a chantagem sobre a demissão e a inviabilização da admissão –

há duas falas de operários da Toyota do Brasil que nos parece, sob alguns aspectos,

bastante ilustrativas. Em uma delas, um operário (OLIVEIRA, 2004, p.169) aponta

no sentido da pressão cotidiana que impera sobre os trabalhadores que possuem

proximidades políticas com entidades sindicais de perspectivas mais críticas, mais

combativas: "o cara pode ser metido com o sindicato [classista] mas quando começa

a ser procurado pelo supervisor ele muda. O Senhor W mudou, o Senhor B

mudou...". Na outra, um trabalhador (idem, p.168), ao comentar a sua entrevista

realizada no processo de seleção, nos parece deixar evidenciado a ofensiva do

capital sobre o trabalho nesta dimensão das estratégias gerenciais burguesas de

desarticulação: "(...) a primeira pergunta que um dos diretores me fez foi: como está

o seu envolvimento com o sindicato [classista]? Ele traduzia para os homens lá em

japonês... [...] nessa hora você não pode falar que tem envolvimento com o sindicato

[classista]".

Ainda que o cerco e a coação aos trabalhadores de alguma consciência

de classe não venha a ter como resultado a associação do trabalhador ao sindicato-

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empresa, este movimento de ofensiva sobre os sindicatos combativos, ao compelir o

operário, em alguma medida, a silenciar-se em relação ao seu posicionamento

teórico-político, contribui com a desarticulação do operariado e, portanto, com o

processo de desmobilização das classes trabalhadoras.

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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS: Potencialidades das Forças do Trabalho

Debruçar-se sobre a função social e sobre alguns dos fundamentos

estratégicos de comando das gerências burguesas nos permitiu compreender, em

alguma medida, a essencialidade do desenvolvimento do modo de ser e da

materialização das estratégias de desarticulação dos representantes do capital

sobre o operariado nos processos de trabalho. Pudemos apreender – conforme

expomos ao longo da dissertação – que, para colocar as forças produtivas a serviço

da exploração e dominação de classes, em determinação e em contribuição ao

projeto de expansão e acumulação do capital, as estratégias gerenciais burguesas

de desarticulação operam como um processo continuado de obstaculização à

consciência e à solidariedade proletária. As estratégias gerenciais burguesas de

desarticulação operam como um processo continuado de desmobilização dos

movimentos das classes trabalhadoras.

Quer dizer, o processo de desmobilização dos movimentos das classes

trabalhadoras não é uma condição que se dá, fundamentalmente, no plano da

subjetividade do trabalhador. Há aspectos objetivos que determinam este processo

de desmobilização. Há fatores concretos – donde as estratégias de desarticulação

fazem parte – que determinam a condição subjetiva de baixa intensidade da

consciência de classe do proletariado. A sofisticação ideológica e técnica burguesa

não apenas esconde a estrutura e a dinâmica de exploração e dominação do capital

e das estratégias gerenciais burguesas, mas também dificulta a articulação e

organização do operariado nas lutas de classes.

Compreender que a sociabilidade capitalista estorva tanto o processo da

tomada de consciência, quanto o próprio processo da luta consciente, nos parece

indispensável ao desenvolvimento dos movimentos das classes trabalhadoras;

indispensável aos seus processos de formação da consciência de classe e das

estratégias de resistência e luta.

Vimos, também, que a busca pelos mais rebuscados métodos de

intensificação da produtividade do trabalhador, pelos mais sofisticados modos de

controle sobre os meios de produção e sobre as forças de trabalho, pelos mais

eficazes instrumentais de desarticulação, não é apenas um anseio e

empreendimento das estratégias gerenciais burguesas; é uma condição necessária

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à condução burguesa das lutas de classes para atender aos imperativos do capital;

é uma condição necessária a um complexo social que se encontra no interior de um

conjunto de complexos da totalidade social determinado pela sociabilidade do

capital. As ciências gerenciais burguesas não fundam a exploração e a dominação;

são, deveras, uma forma de atendimento dessas determinações do capital.

Enquanto produto do modo de produção capitalista, as estratégias de gestão e

organização do trabalho estão submetidas às formas de existência do capital.

Assim, a produção e a reprodução das estratégias gerenciais burguesas

devem produzir e reproduzir as condições de sua existência; devem produzir e

reproduzir as condições de produção e reprodução do capital. A produção e a

reprodução das estratégias gerenciais burguesas devem repor, a todo momento e

ininterruptamente, as condições que lhes permitem e lhes reclamam à intensificação,

o controle e à desarticulação do capital sobre o trabalho. Mesmo quando a gestão e

organização do trabalho consegue imprimir contornos e ares de humanização às

suas estratégias e às relações sociais de produção, não significa – como

discorremos – que há uma alteração de sua racionalidade técnica. Ao contrário: não

apenas a racionalidade se mantém, mas ela se estende. O que há, como diz Pigmon

e Querzola (2001, p.107), é "uma extensão da racionalidade técnica à gestão dos

recursos humanos". As estratégias gerenciais burguesas, ao produzir-se e

reproduzir-se, devem sempre contemplar as necessidades e possibilidades suas,

pois, do capital, presentes e futuras. As estratégias gerenciais contemporâneas da

burguesia devem ser ordinariamente, como diria Marx, uma repetição farsesca da

sua forma trágica passada72.

Ou seja, a condição operária, dentro e fora da fábrica, não é uma questão

de ajustes progressistas das formas gerenciais das estratégias burguesas. É uma

questão que remonta às bases estruturais do modo do capital constituir a produção

material da riqueza social. Ter interesse em “melhorias” tópicas dentro das

possibilidades do capitalismo significa apenas que, nas palavras de Marx (2006a,

p.58), "quanto mais depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto mais

gordas serão as migalhas que sobram para ele". A condição operária, como certa

vez disse Engels (2008, p.348), "deve ser procurada não nos pequenos abusos, mas

72 Estamos nos referindo, e utilizando-se, da apreensão de Marx, em O 18 Brumário, de um traço ontológico da ordem burguesa: que o presente repete o passado como farsa. "Hegel observa que, em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa". (MARX, 2002, p.21)

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no sistema capitalista em si mesmo". O operariado não deve suplicar às estratégias

gerenciais burguesas e ao capital por suas necessidades e anseios de classe, como,

por exemplo, fez Brás Cubas (ASSIS, 2008, p.37-39), em seu delírio sepulcral

prestes a decomposição súbita, pedindo por mais alguns anos de vida, "viver

somente", ao encarar, com os olhos súplices, o vulto imenso que recobrava a vida

que lhe emprestara. O sentido do capital e sua historicidade cotidiana não é clamado

por suas personificações em implorando, como pobres que mendigam um pedaço

de pão; mas em impondo, como um exército que acampa em território inimigo73. A

súplica do operariado à ordem instituída apenas terá como resposta, mas longe de

ser uma fábula e uma coisa vã em Memórias Póstumas, a reafirmação de sua lei

geral, que guarda alguma relação com a resposta, obtida por nosso autor, da sua

mãe e inimiga, Natureza ou Pandora: "não tenho outra lei. Egoísmo, conservação. A

onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho

é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha".

As condições de existência do ser social numa dimensão compatível com

o desenvolvimento das forças produtivas, não podem ser obra de preces, rezas,

orações, rogas de piedade; deve ser obra das lutas das classes trabalhadoras, das

lutas para além do capital. Uma luta que, como com precisão colocou Engels (2008,

p.248), "se a burguesia tem todo interesse em conduzi-la hipocritamente, sob o

manto da paz e até da filantropia, aos operários só pode favorecer a revelação das

relações reais, só pode favorecer a destruição dessa hipocrisia”.

As condições para a luta e para a superação do sistema do capital são

engendradas pela própria dinâmica de desenvolvimento do capital. A

processualidade de sua consolidação é, a um só tempo, a processualidade de sua

negação. As sementes das novas mobilizações e articulações do proletariado devem

ser encontradas nos mesmos processos que teceram as desmobilizações e

desarticulações sobre o proletariado.

A hipermobilidade do capital, por exemplo, – deslocando a produção para

longe dos redutos sindicais e dos trabalhadores mobilizados, perseguindo os locais

de mão-de-obra mais barata, institucionalmente desprotegida e supostamente mais

dócil e disciplinada – pode enfraquecer os movimentos das classes trabalhadoras de

onde o capital emigrou, mas cria e coloca em movimento uma massa de

73 Valemo-nos aqui de uma metáfora de John Bright, também utilizada por Engels (2008, p.351) em um contexto de análise semelhante ao nosso.

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trabalhadores que então não participava diretamente dos processos da produção. A

expansão e acumulação do capital tende a recriar continuamente contradições

sociais. Como bem se expressou Silver (2005, p.73), "tudo o que o deslocamento

conseguiu foi transportar geograficamente as contradições de um local de produção

para outro". Em sua suma-avaliação (idem, p.81), "para onde vai o capital, o conflito

vai atrás”.

O processo de reestruturação da forma de organização da produção, que

redunda no tipo toyotista de gerência, para tomarmos como um outro exemplo, se

por um lado impõe barreiras aos vínculos de classes do operariado, por outro lado,

em certas situações, aumenta a vulnerabilidade do capital às ações diretas dos

trabalhadores nos locais de produção. Neste modelo, um número relativamente

pequeno de trabalhadores, estrategicamente localizados, consegue tirar vantagens

de suas posições na estrutura dos processos de trabalho e interromper todo o fluxo

produtivo. E, dado que no just-in-time há uma grande integração da cadeia

produtiva, tanto entre fábricas da mesma corporação quanto entre seus parceiros

comerciais, a paralisação ou a greve em um empreendimento do capital pode, ou

deve, desencadear uma série de paralisações. "Quanto mais globalizada as redes

de produção", diz Silver (2005, p.23) "mais amplas são as potenciais ramificações

geográficas das interrupções". Como ressaltou um artigo da mídia orgânica

burguesa, The New York Times, em 1992 (apud SILVER, 2005, p.76): "por ter

adotado o sistema japonês de baixos estoques, a indústria automobilística

[americana] tornou-se vulnerável às greves em fábricas de componentes, as quais

têm um impacto muito maior do que no passado".

Como em um dado momento disse um trabalhador da fábrica da Toyota:

Delicio-me em pensar o que seria de todas essas técnicas do capital – just-in-time, kanban, kaisen, andon, TPS – com os trabalhadores de braços cruzados ou fazendo tai-chi-chuan... no melhor estilo oriental, claro! (OLIVEIRA, 2004, p.201)

É o que podemos chamar de inexpressividade/imobilidade

contemporânea e potencialidade histórica. Do mesmo modo que o fordismo

desarticulou os trabalhadores "taylorizados", e os articulou sobre outras bases; o

toyotismo desarticula os trabalhadores "fordizados", mas os articulam sobre outras

bases74.

74 O livro de Silver (2005), “Forças do Trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870”, faz uma interessante e ampla abordagem à temática das potencialidades das forças do trabalho contra as forças do capital, em sua dinâmica de sociabilidade.

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Para sintetizarmos, valendo-se da análise marxiana (2006b, p.141-142)

numa dimensão mais ampla do problema: “o sistema atual, mesmo com todas as

misérias” e adversidades lançadas, "engendra simultaneamente as condições

materiais e as formas sociais necessárias para uma reconstrução econômica da

sociedade". Como efusivamente escreveram Marx e Engels (2005, p.46-51) no

Manifesto Comunista, "a burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe

trarão a morte; produziu também os homens que empunharão essas armas". "A

burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros".

Às classes trabalhadoras, nucleadas pelo operariado – legatárias das

"tradições libertárias e humanistas", "teórico-culturais progressistas" (NETTO, 2004,

p.52,60), herdeiras da luta por uma sociabilidade em que "o livre desenvolvimento de

cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos" (MARX e ENGELS,

2005, p.59) e em que a apropriação dos produtos sociais não seja sinônimo de

subjugação do trabalho alheio – segue confiado à missão de destruir todas as

garantias e seguranças da propriedade privada. Tal como anunciava os parceiros

intelectuais comunistas, Marx e Engels (2005, p.69), "os proletários nada têm a

perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar". O trabalhador extrai

ouro, mas sua posse é o cobre; tece a seda, costura finas vestimentas, mas seu

indumento é o andrajo; constrói piscinas, planta num latifúndio e tange uma boiada,

mas tem cede e passa fome; ergue pirâmides e monumentais sarcófagos, mas é

enterrado numa vala comum; o trabalhador edifica palácios, mansões e suntuosos

edifícios, mas mora em barracos, porões e casebres.

Quando os movimentos das classes trabalhadoras despojar das relações

sociais a sociabilidade do capital, onde seus pensamentos e suas palavras deixarão

de ser transformados em heresias pela burguesia, todo o curso de processualidade

contraditória da formação e da luta, com seus avanços e recuos, coesões e fraturas,

ascensos e descensos, crises e sucessos, definições e redefinições – que

discorremos na introdução desta dissertação – terá sido, então, a história do

processo dialético de justificação dessa conquista; terá sido, então, a história do

processo de justificação desse, como todos, tortuoso processo histórico

revolucionário.

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