Dissertação Final - Antônia Marina Aparecida de Paula Faleiros
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
JODEYLSON ISLONY DE LIMA SOBRINHO
“CONSTRUINDO HOJE, O AMANHÃ DESEJADO”: Os Ethe Político-
Profissionais dos/as Assistentes Sociais – entre rupturas, continuidades e
tensões contemporâneas
NATAL/RN
2016
JODEYLSON ISLONY DE LIMA SOBRINHO
“CONSTRUINDO HOJE, O AMANHÃ DESEJADO”: Os Ethe Político-
Profissionais dos/as Assistentes Sociais – entre rupturas, continuidades e
tensões contemporâneas
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte sob orientação da Profa. Dra. Rita de
Lourdes de Lima.
Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho
e Questão Social.
NATAL/RN
2016
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Lima Sobrinho, Jodeylson Islony de.
“Construindo hoje, o amanhã desejado”: Os Ethe Político Profissionais dos/as
Assistentes Sociais – entre rupturas, continuidades e tensões contemporâneas/
Jodeylson Islony de Lima Sobrinho. - Natal, 2016.
159f: il.
Orientadora: Profa. Dra. Rita de Lourdes de Lima.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
graduação em Serviço Social.
1. Ethos Político-Profissional – Dissertação. 2. Ética - Dissertação. 3. Projeto
ético-político - Dissertação. 4. Racionalidades - Dissertação. 5. Serviço social -
Dissertação. I. Lima, Rita de Lourdes de. II. Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. IV. Título.
É com o sentimento de alegria e
satisfação que dedico este trabalho a dois
grupos de pessoas, que contribuíram
ativa e diretamente para que me tornasse
o ser humano que sou: à minha família
(pai/mãe, irmã e avôs/avós) e a todos/as
profissionais que dão forma ao ethos
humano-genérico do Serviço Social.
AGRADECIMENTOS
Findando a construção desta dissertação, nessas últimas semanas, entre
uns parágrafos e outros, as lágrimas e sorrisos se confluíram em análises críticas
sobre o que nos propusemos a estudar durante o mestrado, sobretudo, pelas
avaliações que vamos fazendo de nossas escolhas e o caminho decorrido nesse
processo, o que só foi possível graças aos apoios e parcerias construídos em toda a
minha trajetória de vida humana-profissional.
Dito isso, começo agradecendo a Deus, enquanto força superior
(sobrenatural), pelo alimento incorpóreo de nossas forças para a lida diária,
mormente; pelas energias positivas emanadas dos movimentos espirituais
empreendidos pela minha família.
Aos meus pais, Francisco e Maria da Cruz, agradeço por toda nossa
trajetória de vida, pelo companheirismo que se fez presente, pela forma singular de
manifestarem seu afeto e carinho por mim, e, ainda, pela força objetiva e subjetiva
depositada em meu percurso de formação humano-profissional.
Aos meus avós, Neusa e Abidoral, e, em especial, à minha avó-mãe Maria
Alves de Sousa por tudo: pela forma de ser, pela força, pelo incentivo, pelo carinho e
amor (rude, mas verdadeiro), pela confiança e crença nos meus sonhos, pela
partilha de meus sonhos junto a mim, pelas vezes que trocou os seus sonhos para
viver os meus, por tudo isso, só tenho a dizer: muito obrigado!
À minha irmã, Maria Aparecida, pelos diálogos, conversas, incentivos, trocas
de experiências e afetos; pelas velhas brigas de irmãos, que sempre nos fazem
amadurecer mais; e, ainda, pelas vezes que esteve ao meu lado, me ajudando na
resolução das demandas do meu cotidiano.
Aos meus/minhas primos/primas, tios/tias que têm se configurado como uma
grande torcida para as minhas conquistas, sobretudo, para o tão sonhado título de
mestre.
Aos meus/minhas amigos/as e ao conjunto das relações constituídas nesse
trajeto, só tenho a agradecer pelos momentos que nos oportunizaram crescimento
humano e profissional mútuo. Dentre essas amizades, destaco aquelas que
compõem um seleto grupo de pessoas, no qual, mesmo cada um em seu lugar,
hoje, estamos mais pertos uns dos outros, graças a nosso inigualável grupo do
WhatsApp (“É nóis de novo”): Ananda Barbosa, Antonia Araújo, Adriana Maria,
Anderlyvia Nunes, Bruno Barbosa, Dalila Araújo, Luciana Abreu, Maria Aparecida,
Maura Patrícia e Natália Frota.
Às minhas amigas de vida e de profissão, agradeço pelos risos, pelo
fortalecimento do Projeto Etílico do Serviço Social, mas agradeço mesmo pela
formação permanente empreendida nesses últimos anos. Obrigado a vocês: Luciana
Abreu, Antônia Araújo, Juliana Gomes, Íris Neiva, Maíra Veloso, Karina Sampaio
(minha orientadora de monografia), Leina Mônica, Márcia Brandão, Yolanda Guerra,
Malu Duriguetto, Edla Hoffmann, Íris de Oliveira, Maria Helena Elpídio, Luciana
Nascimento, Luciana Carvalho, Maria Clara, Nilmar Santos, Priscilla Gracia,
Fernanda Araújo, Kamylla Queiroz, Maureen Azevedo, Floriza Soares, Luana
Soares, Regina Ávila, Andréa Lima, Silvana Mara, Carla Montefusco, Marta Simone,
Alane Dantas, Elizângela Cardoso, Ilena Barros, Annamaria Araújo e tantas/os
outras/os que estão representadas/os nessas grandes guerreiras de profissão.
Faço ainda um agradecimento especial à Luciana Abreu (mãe, amiga, irmã,
colega e companheira de trabalho) por todo o apoio e força dedicados a mim nesse
processo, assumindo um papel preponderante para a construção dessa dissertação,
pois, no momento que mais precisei, ela estava lá para agir e contribuir para que a
dissertação saísse, “segurando as pontas” às duras penas, com a simplicidade, a
leveza e a ternura de sempre.
Aos dirigentes da Faculdade Adelmar Rosado, Lisiane e Lomanto, em
especial, ao mentor dessa Instituição, Sr. Adelmar Rosado, o meu mais fraterno
agradecimento, pelo incentivo objetivo/subjetivo em todo meu processo de formação
profissional.
Aos companheiros/as da Gestão “Nenhum Passo Atrás!” (2012/2013), da
Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), com os quais
aprendi a respeitar, admirar e compartilhar momentos de lutas e resistência do
Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social. Também aos companheiros/as
de duas gestões de Centro Acadêmico de Serviço Social da Faculdade Adelmar
Rosado (FAR), que contribuíram para a reorganização política do Movimento
Estudantil de Serviço Social no estado do Piauí.
Aos/as camaradas do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) –
Gestão "Tempo de Luta e Resistência" (2011/2014) –, da Associação Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) – Gestão “Lutar Quando é Fácil
Ceder” (2013/2014) – e do Conselho Regional de Serviço Social da 22ª Região
(CRESS/PI) – Gestão “Serviço Social na luta sempre!” – agradeço pelos espaços de
militância compartilhados.
Agradeço, também, aos camaradas da turma de mestrado, com os quais
compartilhei grandes momentos dessa formação, seja no âmbito teórico-prático, seja
na construção de relações afetivo-sociais.
Às professoras do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
UFRN, em especial à Edla Hoffmann – apesar de não ter sido minha professora,
tornou-se uma amiga para toda a vida – pelo companheirismo e parceria. Agradeço
imensamente pela forma de acolherem seus/suas alunos/as, e, pela condução do
seu exercício profissional, pois, para além das relações político-profissionais, pude
compartilhar e, fortalecer, ainda mais, o nosso ethos humano-genérico.
Agradeço imensamente às estagiárias e às supervisoras de campo, que
apesar da dificuldade de tempo e trabalho, aceitaram o convite para participarem
desta pesquisa, sem as quais não teríamos percorrido esse caminho.
À minha primeira orientadora de dissertação, Drª Regina Ávila, toda minha
admiração, e gratidão imensa pelas trocas de saberes, pela acolhida carinhosa e
afetuosa na primeira parte desse processo, conduzindo-o com muita destreza e
dedicação.
À professora e amiga Drª Rita de Lourdes de Lima, minha atual orientadora,
só tenho a agradecer, pois com ela compartilhei grandes momentos dessa formação
profissional, além da construção de espaços coletivos de organização da categoria,
bem como dos movimentos mais gerais da classe trabalhadora. Agradeço, ainda,
pelos afetos compartilhados, pois buscamos construir um caminho mais leve e
humano para esse processo. Por tudo isso, levarei muitos dos seus ensinamentos,
dentre eles, a sua humildade, expressa em suas atitudes humano-genéricas.
Além dessas duas últimas, agradeço também às professoras Silvana Mara e
Miriam Inácio por terem aceitado o convite de participarem dessa banca de defesa.
E, por fim, aos/às camaradas, companheiros/as, amigos/as e colegas
espalhados/as por este imenso Brasil, com os/as quais tive a oportunidade de
conhecer, dialogar e construir o meu processo de formação humano-profissional, e
que, com certeza, direta ou indiretamente, contribuíram para a materialização deste
momento.
A todos/as o meu “muito obrigado!”
“No momento em que conseguimos nos
reconhecer enquanto seres humano-
genéricos realizamos nossa capacidade
ética e temos mais possibilidades de
vivencias atitudes éticas que levem em
conta o outro. É o momento em que
realmente exercemos a liberdade e
alteridade no reconhecimento do eu no outro
e do outro em mim, tendo escolhas que não
firam o que há de humano em mim ou no
outro e podendo respeitar nossas
singularidades".
(CARDOSO, 2013, p. 65, grifos nosso)
RESUMO
Ao apreender a ética profissional como uma particularidade da vida ética, compreendemos que ela se conforma num todo articulado em suas particularidades, seja no âmbito da normatização, da filosofia e/ou do ethos profissional. Dessa maneira, objetivamos com esse trabalho, conhecer e analisar os ethe político-profissionais dos/as assistentes sociais, concebidos como o modo de ser concreto, permeado pelos valores e princípios (re)produzidos no exercício profissional. Os esforços teórico-políticos aqui empreendidos ganham forma e conteúdo num contexto marcado pelo (re)desenhamento das condições objetivas/subjetivas da sociedade contemporânea, em um sentido de retrocesso ético-político, o qual demarca, também, uma (re)configuração na cultura profissional do Serviço Social, tornando-se relevante o aprofundamento teórico-prático sobre tal realidade e seus rebatimentos nos ethe político-profissionais. Delineamos o processo de pesquisa alicerçado na perspectiva crítica-dialética, a partir de uma abordagem qualitativa, compreendendo que nosso objeto de estudo é determinado socialmente e historicamente, e, que, no atual contexto de neoliberalização, tem sofrido rebatimentos diretos do reordenamento nos diversos campos da vida social. No processo de construção da pesquisa, utilizamos alguns aportes teórico-metodológicos, dentre eles: pesquisa bibliográfica e documental, observação e entrevistas semi-estruturadas. Como locus de pesquisa, optamos por duas Instituições de Ensino Superior (IES) da cidade de Teresina/PI que possuem o curso de Serviço Social, e, assim, delineamos a quantidade de 10 (dez) sujeitas que foram entrevistadas, distribuídas da seguinte forma: 3 (três) discentes de cada IES, que estavam cursando o 8º (oitavo) período e matriculadas no Estágio Obrigatório (totalizando 6 discentes) e 2 (dois) supervisoras de estágio de cada Instituição – uma supervisora acadêmica e outra de campo – totalizando 4 (quatro) supervisoras de estágio. À vista disso, apresentamos a discussão ontológica da ética, reportando-nos ao trabalho como fundante do ser social e dos valores que se formam a partir desse pressuposto. Problematizamos a relação entre o pensamento conservador e o pensamento marxista e seus rebatimentos no âmbito do Serviço Social, apreendendo como a tríade do estágio supervisionado lida com o Projeto Ético-Político Profissional (PEPP) nos seus espaços de intervenções socioprofissionais. A análise dos dados indica uma adesão formal ao PEPP por parte de algumas entrevistadas e, fundamentalmente, que há uma conflito antagônico de ethos político-profissionais sendo constituídos nos meandros da formação e do exercício profissional que confluem para duas grandes tendências de ethos: um amparado na direção crítica da profissão, denominado aqui de ethos humano-genérico e, outro, alicerçado na perspectiva conservadora, que chamaremos de idealista-formal, o qual tem-se (re)atualizado, em seu conjunto, por direcionamentos distintos que reeditam antigos ranços profissionais: o pragmatismo, o messianismo e o fatalismo.
Palavras-chave: Ethos Político-Profissional. Ética. Racionalidades. Serviço Social. Projeto Ético-Político Profissional.
ABSTRACT
Learning the professional ethics as a peculiarity of ethical life, we understand that it conforms in a whole articulated in its peculiarities, is under the regulation, philosophy and/or professional ethos. In this way, we objectify with this work, learn and analyze the political and professional ethos of social workers, conceived as the mode of being concrete, permeated by the values and principles (re) produced in professional practice. The theoretical and political efforts here undertaken gain form and content in a context marked by the reordering the objective / subjective conditions of contemporary society, a sense of ethical and political backlash, which demarcates also a (re) configuration of the professional Social Work culture, becoming relevant the theoretical and practical deepening of this reality and its repercussions in political and professional ethos. Outlined the process of grounded research on critical-dialectical perspective, from a qualitative approach, realizing that our object of study is socially and historically determined, and which, in the current context of neoliberalization has suffered direct the aftermaths reordering in the various fields of social life. In the construction process In search of the research we use some theoretical and methodological contributions, among them: bibliographical and documentary research, observation and semi-structured interviews. As the lócus of the research, we opted for two Higher Education Institutions (HEIs) in the city of Teresina / PI that have the Social Work course, and thus outline the amount of ten (10) subject who were interviewed, distributed as follows: 3 (three) students of each HEI, who were attending the 8th (eighth) period and enrolled in the Required stage (totalizing 6 students) and two (2) stage supervisors of each institution - an academic supervisor and other of academic field - totalizing four (4) internship supervisors. In view of this, we refer ourselves to problematize the relationship between conservative and Marxist thought, learning how to stage triad supervised deals with the Ethical-Political Professional Project in their areas of socio-economic interventions. Thus, outlined the process of grounded research on critical-dialectical perspective, from a qualitative approach, realizing that our object of study is determined socially and historically, and which, in the current context of neoliberalization has suffered repercussions direct the reordering in the various fields of social life, which are: economical, ideological, cultural, legal, political, science, morality, ethics, among many others. In search of the building process we use some theoretical and methodological contributions, including: bibliographic and documentary research, field research, observation, interviews and their analysis of content. As a research lócus, we opted for two Higher Education Institutions (HEIs) in the city of Teresina / PI that have the Social Work course, and thus outline the amount of ten (10) subject who were interviewed, distributed in: 3 (three) students of each HEI, who were attending the 8th (eighth) period and enrolled in the Required Stage and two (2), stage of supervisors of each institution - an academic supervisor and other academic field - totalizing four (4) supervisors of stage, which enable us to raise the concrete to the abstract, bringing some directions in our synthesis, which is the concrete-thinking of this movement, including that there is a political and professional de ethos antagonistic conflict being made in the intricacies of training and professional practice that converge to two major trends of ethos: one supported in the critical direction of the profession, called ethos human-generic, and the other, based on conservative perspective, we'll call idealistic-formal, which it has been (re) updated in its together, for different and varied directions, only, all rooted in the latter
ethos.
Keywords: Political and Professional Ethos. Ethic. rationalities. Social Work. Ethical-Political Professional Project.
LISTA DE SIGLAS
ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CASS Centro Acadêmico de Serviço Social
CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CCSA Centro de Ciências Sociais Aplicadas
CE Código de Ética
CEP Código de Ética Profissional
CFESS Conselho Federal de Serviço Social
CNE Conselho Nacional de Educação
CRAS Centro de Referência da Assistência Social
CRESS Conselho Regional de Serviço Social
DC Diretrizes Curriculares
DESSO Departamento de Serviço Social
DRU Desvinculação das Receitas da União
EAD Educação à Distância
EJC Encontro de Jovens com Cristo
ENESS Encontro Nacional dos Estudantes de Serviço Social
ENESSO Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
FAR Faculdade Adelmar Rosado
FMI Fundo Monetário Internacional
IES Instituição de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes de Bases da educação brasileira
MEC Ministério da Educação
MESS Movimento Estudantil de Serviço Social
OEA Organização dos Estados Americanos
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PEP Projeto Ético-Político
PEPP Projeto Ético-Político Profissional
PI Piauí
PNE Polícia Nacional de Estágio
PPGSS Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
PPP Parceria Público Privado
RN Rio Grande do Norte
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TIC Tecnologia da Informação
UESPI Universidade Estadual do Piauí
UFPI Universidade Federal do Piauí
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ULBRA Universidade Luterana do Brasil
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA PESQUISA ................. 16
2 TRABALHO E ÉTICA: VELHAS QUESTÕES, NOVAS TENSÕES! ..................... 39
2.1 Do humano-genérico à alienação do ser social ............................................. 39
2.2 O trabalho em tempos de neoliberalização da vida social: entre valores
individuais e humano-genéricos ............................................................................ 54
2.3 Os desdobramentos teórico-políticos das racionalidades presentes na
sociedade moderna: a abstrata-formal x a crítica-dialética ................................. 67
3 OS ETHE POLÍTICO-PROFISSIONAIS DOS/AS ASSISTENTES SOCIAIS:
RUPTURAS, CONTINUIDADES E TENSÕES CONTEMPORÂNEAS .................... 77
3.1 “Os Marxismos” e o Projeto Ético-Político do Serviço Social: Entre
continuidades e rupturas para o amadurecimento profissional ......................... 78
3.2 O Código de Ética dos/as assistentes sociais e as Diretrizes Curriculares:
implicações teórico-políticas ................................................................................. 85
3.3 O ethos conservador: O movimento que se repete na história .................... 98
3.4 Os desdobramentos do ethos conservador no trabalho dos/as assistentes
sociais: Do fatalismo/pragmatismo ao messianismo/ajuda profissional ......... 104
3.5 Oxe! Há disputa de ethos no Serviço Social? Entre a hegemonia ameaçada
e a ameaça da hegemonia .................................................................................... 120
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DE VOLTA AO COMEÇO, BUSCANDO O
CONCRETO PENSADO ......................................................................................... 133
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 143
APÊNDICES ........................................................................................................... 149
APÊNDICE I – Roteiro de entrevista com discentes e supervisores de estágio
de campo................................................................................................................ 149
APÊNDICE II – Roteiro de entrevista com docentes supervisores de estágio
acadêmico .............................................................................................................. 151
APÊNDICE III – Termo de consentimento livre e esclarecido ........................... 153
ANEXOS ................................................................................................................. 157
ANEXO I – Parecer consubstanciado do comitê de ética em pesquisa ........... 157
14 80 ANOS: OUTRAS PRIMAVERAS VIRÃO...
80 anos de uma profissão cheia de mãos, ideias, lutas, corações, sonhos e também feita de medos... Medo do messianismo, do fatalismo, medo da apatia, do tosco pragmatismo, do ataque aos direitos, medo da desesperança. Mas do medo brota, também, pensamento e ação crítica. Nosso trabalho está cravado no campo, nas cidades, nas fábricas, nas ruas. 80 anos se passaram... Conquistamos maturidade... Sobrevivemos? Mais que isso. Continuamos firmes na luta. Ainda tem cercas nos latifúndios, Mariana ainda chora, “Amarildos” continuam desaparecidos. Neste país há pena capital para duas mulheres ou dois homens que se amam. Luana presente!!! Mulheres são condenadas à fogueira, e a pobreza ainda é criminalizada. Chegamos aos 80 anos, numa conjuntura despótica, em dias que reeditam golpes, num tempo em que as ideologias parecem difusas, Mas aqui estamos com ares rebeldes, enfrentando tendências que nos barbarizam, num movimento social e político que rema na contramarcha deste sistema que degenera a essência, o lirismo do ser humano. E de “Virada” mesmo em dias de chumbo e silêncio, nos fizemos ouvir com intensos e importantes ruídos. E o nosso grito se faz permanente diante do recrudescimento das condições de vida da classe trabalhadora. E dos nossos próprios escombros, escrevemos um outro texto, marcamos nossa posição na luta de classe, embalamos nossas utopias em duras realidades, refizemos nossa agenda política e pintamos com outras tintas a história desta profissão. Mas de que matéria somos feitos/as? Quantos sonhos nós sonhamos? Prosseguiremos? Desistiremos? O cansaço nos aquebranta? Digo que não! O nosso enredo é outro. A nossa ação profissional se fabrica nas necessidades cotidianas da classe trabalhadora e no processo de organização e luta coletiva.
15
Não podemos nos dispersar, nos abater. Que a violência do capitalismo não nos sature! A luta sempre nos chamará para as suas fileiras, os dias ásperos irão passar. E nos lugares mais inóspitos, nas dores mais sentidas e sofridas, nascerão esperanças, gestos, embates, coragens, resistências e mais uma batalha a ser enfrentada. E nós enfrentaremos, meio à crise estrutural, as ameaças de desemprego, os parcos salários, as bocas amordaçadas pela insurgência do Estado de exceção que se revela hoje no chão da antidemocracia. Melhor saberem logo! Não aceitaremos que nos calem. 80 anos não se faz em vão. 80 anos marca a nossa resistência, os nossos cantares, suores, lágrimas, e uma intransigência na defesa dos Direitos da classe trabalhadora. 80 anos marca a nossa lida diária, o que conquistamos e o que ainda vamos desbravar. 80 anos cabe o nosso manifesto, a nossa indignação, a denúncia, a nossa ocupação libertária no palco da história... E num processo inverso, numa ampulheta que conta o tempo ao contrário, vamos rejuvenescendo, com a luz de quem não teme a chama da luta, vamos remoçando com o frescor do amanhecer que traz o futuro que desejamos e lutamos nos seus braços. E neste sonho prodigioso, poderemos olhar para nosso passado e o que vier pela frente e dizer sem medo: da luta não me retiro!
(Andréa Lima – Assistente Social, Professora da UFRN)
16
1 INTRODUÇÃO: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA PESQUISA
Esta pesquisa sustentou-se em esforços teórico-práticos na busca de
desvelar os ethe circunscritos no processo de formação em Serviço Social, assim
como de apreender quais elementos constituem a hegemonia do ethos pautado na
direção do Projeto Ético-Político Profissional.
Essa problemática é, essencialmente, fruto de questionamentos advindos
dos resultados da pesquisa empreendida no meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) da graduação em Serviço Social, que tinha como objetivo analisar a dimensão
ético-política do Serviço Social no processo de formação. Dentre esses resultados,
mostrou-se evidente uma associação unilateral, pelos estudantes, do Projeto Ético-
Político (PEP) ao Código de Ética profissional (CE).
Sob esse prisma de abordagem, elenco como objetivo geral deste trabalho:
Apreender os ethe político-profissionais presentes no processo da formação e do
exercício profissional em Serviço Social. E, a fim de garantir sua materialidade, esse
objetivo desdobra-se nos seguintes objetivos específicos: Problematizar a relação
entre o pensamento conservador e o pensamento marxista presentes na formação
profissional; Apreender os determinantes que autoimplicam na construção dos ethe
político-profissionais na formação em Serviço Social; Apreender como discentes,
docentes supervisores acadêmicos e supervisores de campo de estágio lidam com o
Projeto Ético-Político do Serviço Social no exercício profissional, a partir do estágio
obrigatório na realidade de Teresina - Piauí; Analisar os documentos institucionais
acerca da formatação do curso de Serviço Social nas instituições pesquisadas.
É nesse limiar que a pesquisa teve como proposta: fazer uma análise crítico-
reflexiva dos ethe profissionais presentes na formação em Serviço Social, buscando
desvelar a realidade e apreender suas múltiplas determinações no que se refere aos
ethe construídos nesse processo, realizando, assim, uma análise histórico-
materialista da prática profissional dos/as sujeitos/as entrevistados/as.
Apreender como esses ethe se configuram no processo de formação
profissional significou trazer à tona uma análise radical dos confrontos existentes
entre esses modos de ser ético-político profissional, já que eles emergem em um
processo de formação profissional configurado pelas tensões sócio-políticas e ético-
teóricas, expressas em um contexto de correlação de forças distintas, operadas em
17
todo o processo de formação: perpassando o campo que configura o ensino, bem
como os que conformam a pesquisa e, ainda, a extensão universitária. Dessa forma,
objetivou-se desvelar quais são as determinantes que condicionam a construção de
ethos diversos no interior da formação/exercício profissional em Serviço Social e
quais são essas tendências.
Esse caminho foi costurado por um coletivo de escolhas e sentimentos que
se expressam em inquietações, dilemas, (in)certezas, rupturas/continuidades,
anseios, medos, alegrias, participações, afetos, discussões/embates calorosos,
entre outros, a partir dos quais fui construindo o meu próprio caminhar. No entanto,
cada escolha feita resulta em um conjunto de pores teleológicos distintos, o que não
seria diferente no campo das ciências, principalmente, pelo caldo teórico-político que
as envolve na contemporaneidade. Sendo assim, parti do pressuposto que somente
o materialismo histórico-dialético nos possibilita apreender a realidade em suas
múltiplas determinações, a partir de aproximações sucessivas do real –
compreendido em suas dimensões concreta e imaterial.
Muitos desses caminhos foram sendo construídos de tal forma que não me
dei conta do quanto eles compõem uma totalidade dialética. Com isso, durante esse
processo – na minha individualidade – na minha trajetória pessoal/profissional fui
buscando atribuir valores àqueles pormenores que eu imaginava terem algum
significado nesse contexto todo, exercitando minha atividade autorreflexiva e
autoavaliativa dessa totalidade.
É um momento em que parei para refletir sobre o caminho que vinha
trilhando nesses anos de formação humana/profissional e, diante disso, qual tem
sido a nossa contribuição para a transformação da realidade, para a categoria
profissional e, principalmente, para os usuários dos nossos serviços?
Então, é importante demarcar um pouco dessa história, que talvez tenha
influência – (in)conscientemente – na minha aproximação com o Serviço Social, que
num primeiro momento se deu de forma meio tortuosa, pois ao ingressar no curso
de Serviço Social, nos idos de 2007, eu não tinha sequer noção do que era a
profissão, ou o que faz um/a assistente social.
Entretanto, como filho de pais trabalhadores rurais que sempre lutaram e,
ainda, lutam cotidianamente para sustentar seus dois filhos – eu e minha irmã – com
muita determinação e dedicação, aos quais se alicerçam num conjunto de valores e
de princípios construídos naquela cidadezinha de São Pedro do Piauí, já aprendi
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com eles o quanto a vida é permeada de contradições. Nessas contradições temos a
dificuldade cotidiana de fazer escolhas que, nem sempre, induzem-nos ao melhor
caminho a ser seguido.
Só que muitas dessas escolhas se configuram em caminhos induzidos pelos
sujeitos que nos cercam e/ou que sobre nós exercem alguma forma de
poder/influência; já outras resultam dos momentos de superações que fazemos.
Dessa forma, essas (des)continuidades fazem parte do que sou hoje, pois percebo
que já consegui superar um conjunto de valores e princípios de caminhos passados,
por meio de um processo de maturação teórico-político e humano-profissional, haja
vista tudo se conformar no tempo histórico.
Nessa trajetória, percorri um caminho público que, em sua gênese, esteve
atrelado às atividades da Igreja Católica daquela cidade, participando diretamente
da organização religiosa – em todos os seus contornos e valorações humano-
cristãos – dos/as adolescentes e jovens, assumindo coordenações de vários grupos,
dentre os quais o Encontro de Jovens com Cristo (EJC) se configurava o mais
representativo.
Outro momento marcante foi ter participado das configurações político-
partidárias do município, que variou desde as eleições para diretores da escola onde
cursava o ensino médio até as eleições municipais. Sempre me posicionava, pois
fazia campanha para aquele projeto que mais se alinhava com o que eu defendia (à
época uma visão muito pequena e fragmentada da realidade, atrelada aos valores e
princípios da Igreja).
Mas, diante desse contexto todo, o meu maior sonho era ingressar em uma
universidade, e, por muito tempo, esse sonho se remetia ao curso de Bacharelado
em Direito1. Contudo, as limitações objetivas e subjetivas da minha vida não me
permitiram, naquele momento, realizar tal sonho.
Esse desejo de ingressar no ensino superior continuou latente nas minhas
idealizações até que consegui materializá-lo, a partir do momento em que a
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) implantou um polo da Educação à
Distância (EAD), no ano de 2008, em uma cidade vizinha à minha. A então escolha
pelo curso de Serviço Social, naquele momento, se mostra hoje como a escolha
1 Depois, tive a oportunidade de ingressar no curso de Direito na UFPI, bem como a aprovação em
outros cursos nessa universidade, e, ainda, no curso de Letras/Espanhol na UESPI. Entretanto, não cheguei a concluir nenhum desses cursos, haja vista estar diretamente envolvido nos movimentos do Serviço Social, me distanciando das perspectivas teórico-políticas empreendidas nesses cursos.
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mais acertada que fiz em minha vida. Naquele contexto, só não foi a mais acertada
por ser na modalidade EAD.
Entretanto, a participação no XXXII Encontro Nacional de Estudantes de
Serviço Social (ENESS), ocorrido na Universidade Federal do Piauí (UFPI) no ano
de 2010, levou-me a ver a realidade a partir de outra concepção teórica, pois até
então, além de estar me formando em uma faculdade pela modalidade EAD. A
defendia com tamanha veemência, que não conseguia sequer fazer uma análise
crítica-reflexiva sobre o componente educacional no qual eu estava inserido. Diante
da reflexão sobre o que significava o EAD, no final do ano de 2010, optei por
transferir o meu curso e por cursá-lo novamente, integralmente na modalidade
presencial. Assim, concluí o curso de Serviço Social na Faculdade Adelmar Rosado
(FAR) em Teresina, faculdade particular, onde tive melhores condições de seguir
minha formação com qualidade (ainda não nas melhores condições, mas nas
condições possíveis).
Esse (re)ingresso demarcou um conjunto de aspirações em relação à minha
pessoa, tendo em vista eu ser um dos primeiros da minha família a ingressar em um
curso de nível superior. Terminada a graduação, deparei-me com todas as
inquietações/medos/anseios do que fazer a partir desse período, o que, mais uma
vez, levou-me a fazer as minhas escolhas de qual percurso seguir.
Optei por fazer o Mestrado em Serviço Social na Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN), pelas aproximações político-afetivas com alguns
camaradas da época do Movimento Estudantil, os quais já faziam o mestrado nesta
Universidade, ajudando-me a tomar a decisão naquele momento. Além disso, ao
pesquisar sobre as condições da Universidade e do Mestrado, cheguei à conclusão
de que a UFRN era a única Universidade, mais próxima de Teresina, a ofertar o
mestrado em Serviço Social. Outro elemento considerado foi a qualidade do corpo
docente e dos grupos de pesquisa da qual a universidade dispunha. Um corpo
docente comprometido com a direção crítico-dialética da nossa profissão, não
construindo essa direção somente no espaço acadêmico, mas, sobretudo, pelas
suas inserções concretas nos movimentos da categoria e nos movimentos mais
gerais da classe trabalhadora.
Cotidianamente, sempre fiz e tenho feito um conjunto de reflexões sobre o
modo de ser das pessoas, tais como: por que agimos dessa forma e não daquela
outra? Por que escolhemos isso em detrimento daquilo e o que determina essa
20
escolha? Por que fiz/faço isso? Então, são nesses (des)caminhos e escolhas que
vamos construindo o nosso ethos humano-pessoal. Mas o que refletir sobre a
categoria ethos? E, ainda, o que entendemos por ethos profissional?
Esse campo de reflexão permeado de determinações sócio-históricas requer
um aprofundamento teórico-político capaz de desvendá-las, o que me leva a pensar,
primeiramente, na definição epistemológica do que é ethos: “Palavra de procedência
grega, e possui como definição com relação aos hábitos adquiridos por uma
comunidade, é o que distingue um grupo social e cultural dos outros, sendo assim
uma identidade social” (PORTAL DA EDUCAÇÃO, 2013).
Dessa forma, parto da compreensão de que ethos é o modo de ser dos
sujeitos, a forma como dão materialidade ao conjunto de princípios e valores –
objetiva/subjetivamente – no conjunto das relações sociais; é a forma como
direcionam suas escolhas e, diante disso, como se colocam frente aos pores
teleológicos desencadeados por essas escolhas. Ou seja, é a identidade social, que
se move no campo dialético da relação entre a universalidade (humanidade) e a
singularidade (individualidade). Destarte, sobre ethos profissional, Barroco (2010b,
p. 68) afirma ser “[...] um modo de ser constituído na relação complexa entre as
necessidades socioeconômicas e ídeo-culturais e as possibilidades de escolha
inseridas nas ações ético-morais, o que aponta para sua diversidade, mutabilidade e
contraditoriedade”. Entendo, portanto, por ethos profissional dos/as assistentes
sociais – sejam profissionais e/ou em processo de formação – a identidade
socioprofissional desses, seu modo de ser ético-político constituído/constituinte no
processo da formação e do exercício profissional, forjando-se num contexto de
multicausalidade que se autoimplicam na relação subjetiva e objetiva da formação e
do exercício, em que sua condição mutável e contraditória recai na possibilidade de
constituição de ethe em direções distintas, as quais demarcam os antagonismos e
as contradições que se assentam no seio dessa categoria. Ainda, segundo Lima
(2005, p. 32),
acerca desta questão, porém, é importante assinalar que o sujeito profissional não se confunde com a profissão. Há elementos convergentes e divergentes. Dito de outra forma: o(a) Assistente Social tem sua própria história de vida e, como sujeito, com determinações histórico-sociais, tem suas singularidades, que, por vezes, divergem do discurso e representações da própria profissão. Além disso, o Serviço Social, hoje, é muito mais complexo que em sua origem.
21
É neste campo de contradições que se sustenta a realização desta
pesquisa, motivada pela minha inquietude acerca da formação profissional em
Serviço Social, no que se refere aos conflitos e disputas de projetos profissionais e
societários dentro da Universidade, buscando apreender a relação entre o Projeto
Ético-Político com a construção dos ethe profissionais dos/as assistentes sociais.
Um dos principais caminhos que levou à realização desta pesquisa, acredito,
foi o da vivência militante estudantil, pois no Movimento Estudantil de Serviço Social
(MESS) que eu, enquanto coordenador da Executiva Nacional de Estudantes de
Serviço Social (ENESSO) – gestão “Nenhum Passo Atrás!” 2012-2013 –, pude ter
maior proximidade teórico-política com essa temática, haja vista ter assumido a
coordenação de Formação Político-Profissional da Executiva, possibilitando-me
estar presente nas calorosas discussões sobre os meandros do Projeto Ético-
Político, sobretudo, no processo de formação desses sujeitos.
A minha experiência como presidente do Centro Acadêmico de Serviço
Social (CASS) da Faculdade Adelmar Rosado (FAR) também é parte integrante
dessa aproximação com o objeto a ser estudado, pois, cotidianamente, estive
envolvido com demandas acadêmico-profissionais sobre tal temática na realidade da
Instituição.
Todos esses espaços foram aproximando-me deste objeto de pesquisa e,
nessa conjuntura de aproximação, tenho de ressaltar a importância da minha
participação no Grupo de Trabalho Nacional sobre Trabalho e Formação Profissional
– enquanto representante da ENESSO – do Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS), juntamente com os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) e a
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), nessa
realidade. Portanto, mostra-se o quanto esse espaço se configurou como
aproximativo, tanto do objeto de pesquisa do meu TCC, como para a construção
desse projeto de dissertação.
Diante dessas aproximações com espaços que me levaram à delimitação
dessa pesquisa, se soma, também, a minha experiência como monitor da disciplina
de Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II, no
período de 2012 a 2013 na faculdade onde me formei. Acrescenta-se a essa
realidade a vivência como professor nas disciplinas de Fundamentos Históricos,
Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I e II, Ética Profissional, Movimentos
Sociais e Serviço Social, Instrumentalidade do Serviço Social e Pesquisa Social I, II
22
e III, nas quais pude ter uma aproximação com a docência em Serviço Social,
vivenciando o lado docente dessa trama, que é a formação profissional.
Outro componente decisivo nessa trilha foi a participação, enquanto
conselheiro, no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) 22ª Região – Piauí,
pois, nesse espaço de organização da categoria, pude participar de vários espaços
de formação permanente e mobilização política, dentre os quais a 14ª edição do
Curso Ética em Movimento. Nesses espaços, fui percebendo e me inquietando, em
vários momentos, com fragilidades teórico-políticas dos/as assistentes sociais;
algumas análises superficiais e que não iam além do aparente, sujeitos com pouco
compromisso em relação à profissão e os/as usuários/as, dentre outros elementos.
Esses acontecimentos iam me inquietando e me levaram à necessidade de refletir
sobre os ethe profissionais.
Outrossim, ressalto que todas as disciplinas cursadas no mestrado tiveram
fundamental relevância na aproximação com os pressupostos teórico-metodológicos
desta pesquisa, visto que permitiram-me um aprofundamento de categorias centrais
para a análise e a apreensão do que me propus a fazer no desenvolvimento desta.
Da mesma maneira, a participação nos grupos de estudos e pesquisa; nos
seminários, palestras, cursos e minicursos; a docência assistida na graduação; as
palestras, cursos e minicursos proferidos; as mobilizações sociais que participei;
enfim, todos os caminhos percorridos no mestrado tiveram sua parcela de
contribuição para os esforços teórico-práticos empreendidos no desenrolar da
pesquisa aqui apresentada.
À vista disso, devemos reconhecer a importância da reflexão ético-política e
de uma educação que promova a reflexão crítica em todas as dimensões, e que
permita aos indivíduos refletir sobre o seu agir ético (TONET, 2002), conscientes de
que toda escolha realizada no cotidiano tem uma dimensão ético-política. Isso não
implica a imposição de uma forma de pensar, significa liberdade de escolher um
projeto de vida diverso do proposto pelo sistema capitalista (LIMA, 2005).
Portanto, entendo que tal pesquisa mostra-se relevante para o Serviço
Social brasileiro, pois intenta contribuir com as discussões que vêm sendo travadas
sobre o processo de formação profissional em tempos de avanços neoliberais e
neoconservadores, mas, sobretudo, acerca dos ethe profissionais construídos nesse
contexto.
Assim sendo, compreendo o Serviço Social como uma profissão socialmente
23
e historicamente determinada, inscrita na divisão sociotécnica do trabalho e, que sua
trajetória histórica não é linear e inequívoca, mas de continuidades e rupturas que
transita de uma vinculação à doutrina social da Igreja Católica – nos anos de 1930 –
, passando pela inserção nas ciências sociais, ancorada na tradição positivista e
suas expressões – instaurada nos anos 1940 –, até superar tais condições e
vincular-se à teoria crítica de tradição marxista – a partir da década de 19802.
É nos anos de 1990 que o Serviço Social brasileiro alcança seu status de
maturidade intelectual e ético-política, por meio do processo de debates e
problematizações da ética profissional, expressando a necessidade de legitimar uma
concepção de ética para além de uma acepção legalista e formal, dominante até a
construção do Código de Ética de 1993.
A consciência ético-política da categoria profissional manifesta-se por meio
da ampliação de suas estratégias políticas em prol da materialização do novo ethos
político-profissional, marcado pelo posicionamento de negação de um histórico
conservadorismo3 em nome da afirmação da liberdade humano-genérica.
Esse novo ethos é consagrado pela emergência do Projeto Ético-Político
Profissional que se consolida, em suas objetivações de primeira ordem, no Código
de Ética e da Lei de Regulamentação da Profissão, ambos de 1993, pelas Diretrizes
Curriculares para o curso de Serviço Social de 1996, bem como outros instrumentais
jurídico-legais os quais representam a síntese dos debates e mobilizações teórico-
políticas ocorridas em período histórico ulterior, levando a uma hegemonia teórico-
política no campo dessa profissão sob as bases desse ethos.
Contudo, esses avanços no âmbito ético-político da profissão se dão em
uma arena de disputas e de ofensivas do neoliberalismo, que impõem limites à
materialização da direção social construída pela categoria sob os fundamentos
teórico-políticos da tradição Marxista. Netto (2007, p. 38-39) pontua que essa
conjuntura contemporânea mostra-se em uma verdadeira ameaça real – em dois
níveis diferentes, mas compondo uma unidade interconectada – à materialização do
Projeto Ético-Político Profissional, sendo eles: (1) A minimização do exercício
profissional às funções práticas no plano assistencial; (2) Os limites dos requisitos
2 Em cada um desses períodos não ocorreu uma ruptura linear sem influências das correntes teóricas
anteriores. Pelo contrário, entende-se que o que ocorre é um processo de superação, acarretado de continuidades e rupturas entre esses momentos históricos do Serviço Social brasileiro. 3 A discussão sobre conservadorismo será tratada nas seções que se seguem, visto que aqui se trata
apenas da introdução deste trabalho.
24
teóricos, políticos e institucionais para o exercício profissional, o que subscreve,
também, todo o processo da formação profissional.
Se considerarmos esse segundo nível de ameaça apontado pelo autor,
podemos inferir que tal realidade incide diretamente na construção dos ethe político-
profissionais da categoria, principalmente porque tal realidade se insere no contexto
da reestruturação produtiva do capital, e, nessa conjuntura, a educação superior
brasileira assume um conjunto de reformas neoliberalizantes, atendendo a
interesses diversos e antagônicos, adotando um discurso da democratização do
ensino superior. Por um lado, atende-se, especificamente, aos interesses da classe
dominante, por meio de subsídios, bolsas e uma série de incentivos a partir das
parcerias público-privado. Por outro lado, mesmo que, parcialmente e em condições
focalizadas e, por vezes, precarizadas, atende aos interesses das classes
historicamente subalternizadas, ao possibilitar o acesso à educação superior4.
O desenvolvimento científico e tecnológico que ora se processa não tem
contribuído para melhorar a vida de toda a humanidade; pelo contrário, tem sido
fator de degradação da vida humana e do agravamento dos problemas sociais, uma
vez que as pessoas, na sociedade do capital5, são transformadas em objetos
descartáveis, em seres individualistas preocupados com sua sobrevivência cotidiana
(TONET, 2002), e que o individualismo exacerbado afasta os sujeitos da luta
coletiva, da busca por interesses humano-genéricos.
Nos anos 90 do século XX, no Brasil, inicia-se a implantação deliberada e
planejada do projeto neoliberal6, que, a partir de um discurso de crise e da
necessidade de cortar gastos realizados pelo Estado, consiste simplificadamente na
redução de gastos públicos com as políticas sociais; na crescente valorização da
“parceria” público-privado na prestação dos serviços sociais; na precarização,
insegurança e vulnerabilidade do trabalho. Deste modo, os serviços públicos são
cada vez mais sucateados e o atendimento à população é transferido ao setor
privado, através do repasse de recursos, dos subsídios públicos e da isenção de
impostos para o setor privado. No caso do sistema universitário público, esse
processo começou já no governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992),
4 Adiante apresentaremos um pouco mais detalhadamente essa discussão.
5 É aquela que se opera o modo de produção capitalista, o que significa dizer que “a produção de
mercadorias tem como condições indispensáveis a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 90). 6 Acerca da proposta neoliberal, conferir, entre outros, Sader e Gentili (1995).
25
agravando-se no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002),
tendo continuidade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010)
e chegando ao governo de Dilma Rousseff (2011-2014/2015-)7.
Desse modo, a forma como o ensino vem se processando8 contribui com a
racionalidade abstrata-formal-instrumental,9 ao afastar os sujeitos da convivência
social e da participação política e ao oferecer um simples aprendizado
instrumental/técnico. Exemplos disso, em todo o mundo, são a ênfase e o incentivo
aos cursos de curta duração; as graduações tecnológicas, ampliação exponencial
dos cursos à distância; e, mais recentemente, a proliferação dos chamados cursos
de extensão; o aligeiramento dos cursos de graduação e de pós-graduação, em
suas diversas modalidades; dentre outros.
Assim, a educação superior vai se tornando, hegemonicamente, um campo
de lucratividade exacerbado para o capital em crise, bem como um campo
privilegiado de expansão do projeto burguês de sociabilidade. Desse modo, Lima
(2011) aponta algumas políticas que os Organismos Internacionais delineiam como
fundamentais nesta difusão, especialmente para os países de capitalismo periférico:
diversificação das IES e dos cursos; diversificação das fontes de financiamento da
educação superior; internacionalização da educação/a educação transnacional.
No Brasil, após a aprovação da Lei nº 9.394, sancionada em dezembro de
1996, que dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ocorre
então um significativo aumento de cursos de graduação oferecidos por instituições
privadas fomentando, assim, este setor, conforme seu artigo 45: “A educação
superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas,
com variados graus de abrangência ou especialização” (BRASIL, 1996, p. 19).
As iniciativas governamentais passam a incentivar que as Instituições de
Ensino Superior (IES) ordenem-se à luz de uma configuração da economia mundial,
objetivando introduzir uma massa trabalhadora qualificada para o mercado de
trabalho, garantindo a hegemonia burguesa de dominação, imperada pela
reestruturação produtiva do capital. Sendo assim, há um aumento das Parcerias
7 Para aprofundamento sobre essa discussão, ver, entre outros, Lima (2007).
8 Aqui me refiro ao projeto em curso na sociedade capitalista, que, cada vez mais, substitui o saber
crítico-reflexivo, o qual exige tempo, constância e determinação para desvelar o real, por um saber técnico-instrumental pragmático, que tem como objetivo final apenas os resultados mais imediatos. 9 A racionalidade instrumental, segundo Guerra (2011), reduz a análise da realidade à sua dimensão
pragmática, tecnicista, ou seja, compreende a realidade em sua superficialidade, próprio do pensamento fenomenológico.
26
Público-Privadas (PPP’s), como aponta Lima (2011, p. 87):
o direito à educação é reconfigurado por meio da privatização em larga escala, com repasse (direto e indireto) dos recursos públicos ao setor privado (como é o caso do PROUNI), além da adoção da lógica empresarial como modelo de gestão nas instituições educacionais públicas, privilegiando a relação custo-benefício, a eficácia e a qualidade medidas pela relação com o mercado.
Portanto, não há como negar que a educação está umbilicalmente ligada ao
mundo do trabalho, estando suscetível a uma transformação recíproca, mesmo com
seu momento predominante a esfera da produção. Ou seja, a reestruturação
produtiva do capital demanda a criação de uma cultura de consenso na sociedade
civil, em torno da necessidade de profissionais flexíveis, com conhecimentos
genéricos e tecnificados, tudo isso combinado com baixos salários.
Ao final, a universidade tem cedido seus recursos, humanos, estruturais e,
sobretudo, tecnológicos, donde o patrimônio do povo brasileiro vai sendo repassado,
aos poucos, aos interesses privados, legitimados pelos convênios realizados com as
grandes empresas privadas, as quais tiveram acesso a uma nova tecnologia que
será inserida em seu ciclo produtivo depois de patenteada, pois se naturaliza a
priorização da formação para o trabalho como finalidade da educação superior dos
países “em desenvolvimento”. Para isso, também se institui na Declaração Mundial
sobre a Educação Superior no Século XXI da UNESCO (1998 apud NEVES;
PRONKO, 2008 p. 124-125), a qual assevera
[...] um papel significativo [às Tecnologias da Informação (TIC’s)] na expansão do acesso ao saber e na melhoria da qualidade do ensino, ao recomendar o seu emprego na construção de redes educacionais, na realização de transferências tecnológicas, na formação de recursos humanos, na elaboração de material didático, no intercâmbio de experiências de aplicação dessas tecnologias ao ensino e na formação de pesquisadores. Recomenda também a introdução das TICs na criação de novos ambientes pedagógicos que vão desde os serviços de educação a distância até os estabelecimentos e sistemas virtuais de ensino superior, criados a partir de redes regionais, continentais ou globais, e, ainda, o seu aproveitamento pleno para facilitar a cooperação internacional e modernizar o trabalho nos estabelecimentos de ensino.
É sob o signo da expansão internacionalizada da educação terciária que as
Tecnologias da Informação (TIC’s) exercem um papel primordial de aceleração e
ingresso ao ensino superior de uma massa trabalhadora adaptada às exigências do
mercado de trabalho. Forma-se, então, um contingente de “capital humano”,
27
especializado para todos os segmentos do mercado de trabalho e de convivência
social, tratando em expandir “intelectuais orgânicos” adestrados aos interesses do
capital e, não uma formação pautada na emancipação humana, na formação de
intelectuais orgânicos críticos. Assim, Neves e Pronko (2008, p. 139) apontam que
[...] as atuais propostas do BM-Unesco para o sistema de educação terciária e a massificação da educação escolar a ele subjacente vêm sendo implementadas nas formações sociais de capitalismo periférico, e também no Brasil, contando com o consentimento amplo da população, por atenderem parcialmente a interesses de frações distintas da sociedade. Elas atendem, ao mesmo tempo, à demanda de frações das camadas populares por maior acesso à educação escolar e às atividades de formação técnico-profissional, e aos interesses imediatos de setores empresariais de obtenção, a baixo custo, de uma força de trabalho minimamente capaz de responder positivamente aos atuais requerimentos da aceleração do crescimento.
A educação à distância vem cumprindo esse papel de acesso “barato” e
“prático” à educação terciária, sob a ideologia de possibilitar uma formação
profissional de nível superior às camadas mais populares da sociedade. Essa
modalidade de ensino assume, enquanto ferramenta de baixo custo aos
empresários da educação, uma centralidade na consolidação das medidas
instituídas pelas agências de fomento internacional, inculcando uma mistificação
burguesa de que as massas populares estão tendo acesso ao ensino superior como
nunca antes visto na história da humanidade, o que é, em parte, verdade. No
entanto, por trás dessa ideia, guarda-se um conjunto de determinações complexas e
desiguais nesse acesso, expressos pela desqualificação dos processos de formação
profissional, configurando-se em uma formação aligeirada, a-crítica e respondente
aos interesses do mercado e do capital10.
A partir de meu ponto de vista, no entanto, o ensino deve ultrapassar o saber
instrumental, preparando os sujeitos para o mercado profissional e para a vida. Um
ensino que construa autonomia e liberdade de ação e de pensamento, que
possibilite o desvelamento do real, escondido sob o véu da aparência, enxergue a
formação sócio-histórica da sociedade; seus limites e desafios; a superação do
preconceito e dos (des)valores11.
10
Essa discussão sobre o Ensino Superior está também em nosso artigo, intitulado: ENSINO DEMOCRÁTICO? A expansão do ensino superior brasileiro e publicado nos anais do 2º Encontro Internacional e 9º Encontro Nacional de Política Social, no ano de 2014. 11
Partindo da concepção ontológica-histórica, na qual os valores têm seu fundamento no trabalho humano, adotaremos a perspectiva segundo a qual os valores necessariamente contribuem para a
28
Contudo, se os indivíduos no cotidiano da sociabilidade capitalista
incorporam tais (des)valores, e tendem a reproduzi-los, qual a possibilidade de
rompimento com tais (des)valores? Como se dá o processo de
desconstrução/reconstrução de novos valores no sujeito?
Segundo Iasi (2011), o processo de formação da consciência de
pertencimento de classe e de compromisso com tal perspectiva se dá na intersecção
entre o genérico e o particular, no qual o indivíduo, na sua particularidade, se vê
como participante de um todo maior e encontra um ponto de fusão, reconhecendo-
se como ser que, na sua serialidade, faz parte de algo maior (ser genérico). Tal
processo não tem somente a formação como elemento determinante; apesar de sua
importância, envolve inúmeros determinantes objetivos e subjetivos, desde o
pertencimento objetivo e subjetivo de classe, a disposição interna para a mudança,
até a participação em atividades de organização e participação política, vários
determinantes que se imbricam na particularidade e no momento específico de vida
de cada sujeito. Nesse sentido, o processo de modificação de valores é sempre algo
muito complexo12.
Sendo assim, pesquisar os ethe é adensar-se teórica-praticamente em
elementos que se compõem de subjetividade e de objetividade presentes nos
sujeitos pesquisados, tendo nitidez de que o Projeto Ético-Político do Serviço Social
se consolida numa arena de disputa política e teórica. Considera-se que não há um
ethos profissional puro, mas sim diferentes tendências que dão sustentabilidade ao
caldo cultural que atravessa a profissão.
Entendemos que o Código de Ética (CE) compreende, em parte, ao
consolidar da ética profissional, não podendo, porém, resumir-se a esse componente
legal. Assim, Silva (2012, p. 43) aponta que
[...] o Código de Ética não se efetiva sem as ações políticas profissionais e, ao mesmo tempo, o projeto profissional não se sustenta sem que seja viabilizada em suas práticas a presença da estrutura ética presente nos Códigos de Éticas das Profissões. Outro aspecto importante a se destacar é
liberdade e emancipação humana, enquanto os (des)valores são todos aqueles que oprimem e obstaculizam o pleno desenvolvimento e liberdade humana. Ver a esse respeito Heller (2004). 12
As discussões empreendidas nesse parágrafo compõem o artigo intitulado ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: implicações e desafios teórico-políticos e sócio-históricos presentes na formação profissional de autoria conjunta com nossa orientadora, Rita de Lourdes de Lima, sendo ele de revisão bibliográfica, submetido por meio de uma coletânea à publicação de um e-book pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que ao tempo da construção desta dissertação aguarda resultado para aprovação.
29
que o Código de Ética não encerra isoladamente o Projeto Ético-Político da categoria profissional. [...] O Projeto Ético-Político está calcado na regulamentação da profissão, no processo de formação e na prática profissional. O Código de Ética só ganha forma de projeção histórica no encontro dessas três dimensões da formação profissional.
Assim, o Projeto Ético-Político do Serviço Social vem se constituindo numa
arena de relações sociais contraditórias, demarcando a identidade adquirida pela
profissão, instituindo uma unidade profissional. Com isso, Cardoso (2013, p. 06)
expressa que o ethos erigido pelo Serviço Social no cenário contemporâneo – na
direção dos valores humano-genéricos – está pautado num
[...] projeto anticapitalista na busca da superação da ordem do capital e da consequente construção de uma ordem social sem dominação e exploração do homem pelo homem. Um modo de ser pautado em valores emancipatórios, que se traduziu em ações progressistas de ruptura com o tradicionalismo/conservadorismo profissional e em códigos de ética que direcionaram a ação profissional em uma direção libertária.
O Código de Ética de 1993 representa, segundo Barroco (2004, p. 32), “o
amadurecimento da profissão em seu trato teórico-político da questão ética”
materializado em um “instrumento normativo [constituído em um] produto concreto
desse avanço”, no qual o Projeto Ético-Político no contexto da formação profissional
incorpora tais aspectos legais, não se limitando a eles, mas sim compreendendo um
conjunto de elementos políticos, teóricos e práticos a partir da direção social
imprimida pela profissão.
Contudo, Abreu e Lopes (2007) afirmam que esse Projeto se move em um
campo de contradições que, consequentemente, vem contribuindo para uma aporia
de seus princípios, distanciando, muitas vezes, tais sujeitos da perspectiva teórico-
política de que é possível construir a ordem social em que se pauta o Projeto Ético-
Político.
Percebo que o ethos pautado na direção social desse Projeto está imerso na
tradição marxista, o que não exclui a possibilidade de emergência e de construção
de outros ethe no seio dessa categoria, visto que se confluem num contexto onde o
projeto de sociedade, hoje hegemônico, se sustenta numa lógica de sociedade a
qual o Projeto Ético-Político do Serviço Social se antagoniza.
É nesse campo de contradições que se torna necessária uma análise
ontológica da realidade social, buscando apreender quais as determinações que
compõem esses ethe, tanto quanto o que perpassam em todo o processo de
30
formação profissional em Serviço Social, bem como seu objetivar-se no exercício da
profissão.
Para isso, a abordagem utilizada nesta pesquisa foi a qualitativa, pois esta,
como bem aponta Richardson (2010, p. 79), “é uma forma adequada para entender
a natureza de um fenômeno social”, permitindo uma análise da inter-relação de
determinadas variáveis no cotidiano do sujeito, bem como possibilitando a
apreensão da realidade, em suas múltiplas determinações. Buscamos aqui fazer
uma análise da relação entre a objetividade do fazer pesquisa e a subjetividade do/a
sujeito/a pesquisado/a, de forma a apreender o vínculo indissociável entre ambos,
não podendo essa verificação da realidade social ser traduzida por sua mera
descrição quantitativa.
Os loci empíricos desta pesquisa foram a Universidade Federal do Piauí
(UFPI – instituição pública) e a Faculdade Adelmar Rosado (FAR – instituição
privada), ambas situadas na cidade de Teresina – Piauí. Tal escolha justifica-se pela
aproximação política que tenho com as coordenações do curso de Serviço Social
destas instituições, o que me viabilizou o acesso a tais instituições.
A escolha de uma instituição pública e outra privada para essa pesquisa não
se deu na perspectiva de realizar uma análise comparativa entre ambas, mas pela
peculiaridade do Estado contar apenas com a UFPI (campus de Teresina), enquanto
universidade pública. Além do que uma única universidade não daria conta de trazer
à tona a materialidade dos objetivos pretendidos nesta pesquisa, portanto, estendeu-
se a pesquisa a outra instituição, de caráter privado, sendo que a escolha dessa
outra faculdade se deu pela condição dela ser a 1ª (primeira) IES privada a ofertar o
curso de Serviço Social no Estado do Piauí, bem como por ter sido nela que cursei e
conclui a graduação em Serviço Social.
A amostra selecionada constituiu-se de: 3 (três) discentes do 8º (oitavo)
período do curso de Serviço Social de cada Instituição, que estavam matriculados e
realizando o estágio obrigatório – totalizando 6 discentes –, também 1 (um)
supervisor de estágio de campo e 1 (um) acadêmico de cada instituição – finalizando
4 supervisores de estágio –, somando, ao final, um conjunto de 10 (dez) sujeitos.
Por conseguinte, a opção por esses sujeitos se deu devido aos objetivos elencados
nesta pesquisa – dentre eles desvelar os ethe político-profissionais presentes no
processo da formação profissional em Serviço Social, a partir do estágio
31
supervisionado13 –, da mesma maneira que pelo pressuposto de que eles/as já
constituíram uma certa maturação teórico-metodológica, ético-política e técnico-
operativa da profissão.
A escolha da amostra desta pesquisa, centrada no estágio supervisionado,
conforma-se na condição de que entendo o estágio como espaço privilegiado de
disputa dos ethe, pois os elementos contraditórios do real colocam-se no plano do
exercício profissional; dito de outra forma, o espaço próprio da leitura e apreensão
do real para a intervenção profissional. Desse modo, o estágio
é uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional objetivando capacitá-lo para o exercício do trabalho profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita pelo professor supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento e sistematização com base em planos de estágio, elaborados em conjunto entre Unidade de Ensino e Unidade Campo de Estágio, tendo como referência a Lei 8662/93 (Lei de Regulamentação da Profissão) e o Código de Ética do Profissional (1993). O Estágio Supervisionado é concomitante ao período letivo escolar. (ABEPSS, 1996, p. 19).
É nesse momento da formação que as contradições dos ethe expressam-se
com mais veemência, uma vez que é diante das demandas profissionais postas no
cotidiano do exercício profissional que o/a estagiário/a e/ou profissional são levados
à reflexão sobre essa realidade em sua materialidade concreta. Ou seja, os ethe
profissionais expressam-se concretamente nas relações socioprofissionais nessas
disputas. Nessa direção, a Política Nacional de Estágio (PNE) da ABEPSS (2010, p.
10) coloca que
[...] a formação deve dirigir-se para a construção de alternativas e estratégias profissionais que contribuam para a defesa dos interesses da classe trabalhadora. Tal direção opõe-se à redução da formação ao mero desenvolvimento da racionalidade técnico instrumental, o que exige do estágio supervisionado curricular, possibilitar experiências que ultrapassem o atendimento exclusivo das novas demandas do mercado de trabalho, ampliando os horizontes da formação do profissional com o desenvolvimento de competências técnico-operativas, compromisso ético-político e sustentação teórico-metodológica.
13
A escolha do estágio obrigatório se dá por entender este espaço como campus privilegiado de aproximação das contradições do real durante o processo de formação profissional, bem como por compreender que a análise nessa realidade, conforme Buriolla (2011, p. 19), “precisa ser configurada e considerada como parte integrante da formação e do exercício profissional [...] sob uma perspectiva totalizante da profissão, que envolve, profissional com a sociedade, nos diferentes momentos históricos. Neste sentido, sua concepção nunca está acabado – ela vai se configurando historicamente, a partir das determinações estruturais e contextuais, à medida que seus profissionais vã estruturado diferentes visões de mundo e de propostas de ação”.
32
Em busca de apreender essas determinações, a escola das participantes da
pesquisa deu-se por meio de um sorteio simples e aleatório. Desse modo, procuro
marcar as entrevistas a partir das disponibilidades das sujeitas para contribuírem
com a pesquisa. Levou-se em consideração, também, os espaços sócio-
ocupacionais em que elas estão inseridas como estagiárias, supervisoras de campo,
e acadêmicas, garantindo uma amostra dos diferentes espaços de inserção
profissional, a qual só foi possível porque o sorteio se deu a partir de grupos
específicos nas áreas de atuação distintas.
A fim de apresentar e caracterizar melhor as entrevistadas, apresento o
quadro a seguir.
Quadro 01: Caracterização das Entrevistadas na Pesquisa
NOME IES SEXO IDADE ETNIA/RAÇA
ORIENTAÇÃO SEXUAL
RELIGIÃO ANO DE CONCLU-
SÃO
SA114
Privada F 47 Branca Heterossexual Católica/ Espírita
2003
SA2 Privada F 52 Branca Heterossexual Católica 1986
E1 Pública F 22 Branca Heterossexual Católica 2015
E2 Pública F 20 Negra Heterossexual Católica 2015
E3 Privada F 34 Negra Heterossexual Católica 2015
E4 Privada F 22 Branca Heterossexual Católica 2015
E5 Privada F 26 Branca Heterossexual Católica 2015
E6 Pública F 21 Branca Heterossexual Católica 2015
SC1 Pública F 49 Parda Heterossexual Católica 1989
SC2 Pública F 53 Negra Heterossexual Católica 1989
Fonte: Elaborado pelo pesquisado, ano: 2016
Desse modo, a pesquisa de campo foi estabelecida pela utilização de outras
técnicas na coleta/construção dos dados, além das entrevistas, como observação,
escuta qualificada, diálogos, anotações e gravações – tudo autorizado pelas 14
O significado das siglas utilizadas para identificação dos sujeitos nesse trabalho são: SA (Supervisor Acadêmico), E (Estagiário) e SC (Supervisor de campo).
33
entrevistadas. A entrevista utilizada nesta pesquisa foi a semiestruturada (em
anexo), em razão dela possibilitar uma participação mais aberta do entrevistador, em
que, segundo Minayo (2006), o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o
tema indagado sem se prender à pergunta formulada/fechada. Sobre essa forma de
coleta de dados, Minayo (2006, p. 261) aponta que a
entrevista, tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de coleta de informações sobre determinado tema científico, é a estratégia mais usada no processo de trabalho de campo. Entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, destinada a construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes tendo em vista este objetivo. As entrevistas podem ser consideradas conversas com finalidade e se caracterizam pela sua forma de organização.
Essas entrevistas me permitiram sistematizar uma série de informações –
que serão elencadas nas seções desta dissertação –, ao passo que as abstraímos,
levando-as do real para o pensado, fazendo, assim, a mediação necessária na
constituição do concreto-pensado, o que me possibilitou uma maior gama de
elementos da realidade concreta, a qual pude debruçar-me sobre essa totalidade,
como uma unidade dialética.
No processo investigativo, por ter se arrolado na relação direta com seres
humanos, fez-se jus à resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a
qual trata das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo
seres humanos, respeitando, assim, o sigilo dos sujeitos da pesquisa, adotando os
referenciais básicos da bioética – a autonomia, não maleficência, beneficência e
justiça, entre outros – os quais possibilitaram assegurar os direitos e os deveres que
dizem respeito à sociedade científica, aos sujeitos e ao Estado, ainda, foram
atendidas as exigências éticas e científicas fundamentais descritas na referida
resolução, como também a todos os requisitos nela contidos.
Como a trajetória da pesquisa se caracterizou como um processo aberto e
flexível, porém com o rigor teórico-metodológico e técnico-operativo necessário, foi
estruturada no decorrer da sua composição, tendo em vista que as prerrogativas
iniciais se constituíram e foram sendo (re)formuladas e reelaboradas à medida que
os estudos iam avançando.
Assim, o caminho teórico-metodológico percorrido amparou-se na pesquisa
de campo, bibliográfica e análise documental. Na pesquisa bibliográfica, foi utilizada
34
a fundamentação teórico-política da tradição marxiana e marxista sobre a temática,
a partir das referências clássicas que possibilitaram uma apreensão ontológica da
relação trabalho e ética e seus desdobramentos na constituição dos ethe
profissionais dos/as assistentes sociais.
No que se refere à análise documental, proponho-me a realizar análises
sobre alguns instrumentos legais que compõem o Projeto Ético-Político da profissão,
sendo eles: as Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social da ABEPSS, a
Lei nº 8.662 de 1993 que versa sobre a Regulamentação Profissional, o Código de
Ética Profissional de 1993, além de alguns documentos institucionais tais como o
projeto político pedagógico e estrutura curricular do curso em cada Instituição.
Entretanto, pelos percalços encontrados nesse caminho – sobretudo, em função do
tempo – não consegui analisar esses dois últimos, o que implica dizer que deixei de
dar conta de um dos objetivos específicos elencados para esse trabalho. Todavia,
avaliamos15 que tal escolha não impactou nos resultados finais do trabalho.
Tal trajeto conjugou-se por um conjunto de determinantes que fugiram e
escaparam ao tempo projetado para a realização dos trabalhos propostos em meu
projeto de pesquisa, o que implicou em algumas redefinições teórico-práticas,
procurando transitar neste campo movediço do desvelamento da realidade.
Dentre essas determinações, ressalvam-se as dificuldades encontradas para
aprovação do projeto de pesquisa no comitê de ética – perdurou quase um ano de
retornos, reenvios, reformulações e adequações para sua aprovação –, atrasando o
início da coleta/construção dos dados. Quando iniciada a coleta/construção dos
dados, apareceram outras dificuldades, tais como: perda de amigos próximos;
acidente em veículo automotivo; militância no CRESS/PI; doenças; dificuldades
dos/as sujeitos/as aceitarem participar da pesquisa; além da própria pressão
psicológica que um processo de elaboração de dissertação acarreta. Todos esses
elementos, em alguma medida, foram me distanciando do desejo de realizar as
entrevistas e, por um bom tempo, não consegui fazê-las.
Diante de todo o exposto até aqui, aponta-se que os procedimentos teórico-
metodológicos adotados nesta pesquisa atenderam aos objetivos propostos, e,
assim, a partir da interpretação e análise dos dados, fez-se a nucleação dos pontos
mais convergentes e divergentes provindos das entrevistas, os quais categorizei nas
15
Eu, enquanto pesquisador, e minha orientadora: Rita de Lourdes.
35
seções que seguem. Levando em consideração o método utilizado, as falas das
sujeitas vão sendo incorporadas concomitantemente no desenvolvimento das
nossas análises teórica-políticas, como forma de compor o concreto-pensado dessa
dissertação, na perspectiva do materialismo histórico-dialético.
O que busco aqui é trazer maiores aproximações com a temática em estudo,
visto a compreensão de que não consegui conhecer a verdade em sua totalidade
complexa, pois ela é bem mais rica de determinações que a abstração possa dar
conta. Com isso, vamos conhecendo-a em partes, a partir de aproximações
sucessivas com o real/concreto.
Compreendendo as peculiaridades presentes tanto no método de análise
quanto no método de exposição, por uma opção metodológica, busco apresentar
esse trabalho em três seções, a primeira que compreende a Introdução, e as demais
desenvolvidas a partir da pesquisa realizada, as quais consubstanciam a totalidade
do trabalho realizado nesses dois anos e meio de mestrado.
Na segunda seção, pauto a discussão ontológica da ética, relacionando-a
com o trabalho, enquanto elemento fundante do ser social, traçando um percurso
que me permite refletir sobre as velhas e as novas tensões nesse campo teórico-
prático de análise da realidade. Subdividi essa seção em três subseções: na
primeira, busquei apreender a determinações que compõem os valores humano-
genéricos do ser social e, ainda, como se dá o processo de alienação desse ser. Já
na segunda, a centralidade é o trabalho em tempos de neoliberalização da vida
social, em que analiso como se dá o entrelace dos valores individuais e humano-
genéricos nessa nova configuração da sociabilidade do capital, analisando o
movimento do pensamento conservador na história. E, na última subseção, direciono
o debate para os desdobramentos teórico-políticos das racionalidades abstrato-
formal e crítico-dialética na sociedade moderna.
A terceira seção, se apresenta com uma maior densidade teórico-prática
sobre os ethe profissionais dos/as assistentes sociais, buscando desvelar um
contexto de rupturas, continuidades e suas tensões contemporâneas. Por
conseguinte, essa seção foi dividida em cinco subseções que apresentam as
seguintes discussões: na primeira, aponto as continuidades e rupturas presentes no
amadurecimento da profissão, a partir da relação entre a tradição marxista e o
Projeto Ético-Político Profissional; na segunda subseção, pairo o debate sobre as
implicações teórico-políticas entre o Código de Ética dos/as assistentes sociais e as
36
Diretrizes Curriculares na conformação dos ethe profissionais; na terceira, retorno a
discussão sobre o ethos conservador e o seu movimento na história contemporânea;
na quarta, aponto alguns dos desdobramentos desse ethos no trabalho dos/as
assistentes sociais, a partir das tendências fatalista/pragmática e messiânica/ajuda
profissional; e, por último, apresento aos leitores um debate sobre as disputas de
ethos no âmbito do Serviço Social, a partir do debate entre a hegemonia ameaçada
e a ameaça da hegemonia do Projeto Ético-Político.
A partir dessa abordagem, consegui apreender que os ethe político-
profissionais dos/as assistentes sociais presentes no processo da formação e do
exercício profissional não se apresentam de forma unívoca, pelo contrário, se
colocam como tendências que se assentam no movimento da história da profissão, a
partir de continuidades, rupturas e tensões. De forma geral, os caracterizo aqui, a
partir de duas grandes vertentes, sendo elas: o ethos humano-genérico, que tem sua
racionalidade assentada na perspectiva crítico-dialética, sedimentado na liberdade
como valor ético-central, direcionado pela emancipação humana; e o ethos idealista-
formal, enraizado nas racionalidades abstrata-formal e instrumental, desmembrando-
se nas vertentes fatalista/pragmática e messiânica/ajuda profissional (sustentadas,
respectivamente, nos valores burgueses e/ou nos valores humano-cristãos), as
quais reforçam o (neo)conservadorismo na/da profissão.
Dessa maneira, esta pesquisa buscou realizar uma análise da realidade
acima apontada, buscando apreender como esses ethe vêm se constituindo no
processo de ensino-aprendizagem16 em Serviço Social. Ao buscar apreender essa
realidade, trouxe à tona subsídios tanto para a categoria como para a sociedade, de
instrumentalização das lutas sociais desses sujeitos e, sobretudo, na perspectiva de
sustentação e materialização do Projeto Ético-Político.
Construir esta dissertação levou-me a refletir não só sobre as bases de
sustentação teórico-política do conjunto de valores humano-genéricos que constitui
uma profissão, levou-me, também, a refletir sobre um ethos que tem como
centralidade a emancipação humana – tem como valores e princípios tudo aquilo
que nos direciona na perspectiva da liberdade positiva. O que nos possibilita
conviver com a diversidade, reconhecendo-nos uns nos outros em nossa dimensão
mais humana.
16
Apreendida na totalidade do estágio supervisionado, bem como, da formação permanente.
37
Espera-se com este trabalho contribuir para a instrumentalização da
categoria, e, a partir dessa contribuição, fornecer elementos que possam subsidiar a
(re)construção coletiva de nossas estratégias de luta – no âmbito das intervenções
socioprofissionais e das mobilizações sociais – na direção da sedimentação do
ethos profissional vinculado à emancipação humana, substanciada nos valores
humano-genéricos do nosso Projeto Profissional. Espera-se, ainda, que essas lutas
articulem-se às lutas mais democráticas da sociedade brasileira, haja vista elas
oxigenarem esses valores e vice-versa. Desejo a todos/as uma proveitosa leitura!17
17
Até aqui, na introdução, optamos por fazer um relato pessoal, escrevendo o texto em 1ª pessoa do singular e, a partir daqui, no decorrer do trabalho, passaremos a usar a 1ª pessoa do plural.
38
uando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato
“Só quando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato
e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu
trabalho individual, nas suas relações individuais –, se
tornou ser genérico; só quando o homem reconheceu
e organizou as suas forces propres [forças próprias]
como forças sociais e, portanto, não separa mais
de si a força social na figura da força política –
[é] só então [que] está consumada
a emancipação humana”.
(MARX, 2009, grifo nosso)
39
2 TRABALHO E ÉTICA: VELHAS QUESTÕES, NOVAS TENSÕES!
Compreender o que está em jogo nesta nova configuração do trabalho e,
portanto, das relações sociopolíticas, dentre elas, o ethos político-profissional dos
seres sociais, supõe apreender os componentes socioeconômicos expressos no
desenvolvimento desse ser, bem como sua inflexão no atual projeto hegemônico de
sociabilidade, pois não se pode entender as categorias ontológico-sociais e suas
respectivas mediações isoladas em si mesmas, mas, ao contrário, elas só tornam-se
inteligíveis no contexto das suas múltiplas determinações.
Por conseguinte, parte-se do pressuposto de que ser ético e responsável
não é algo que um certo sujeito ensina a outro, visto que as decisões de tais atitudes
são específicas do ser social, constituídas em seu processo de desenvolvimento.
Porém, o que se pode fazer é refletir sobre a forma de agir frente às demandas
postas no cotidiano da vida do ser social, e, ao final a direção a ser dada é,
eminentemente, do próprio sujeito.
Em tempos sombrios de neoliberalismo, há um processo de inversão de
valores: a mercadoria se transforma em valor humano, e o humano se transforma
em valor de mercadoria. Desse modo, nota-se um espraiamento do
neoconservadorismo, ganhando fertilidade através da individualidade, do culto à
desigualdade, ao consumismo, à mercantilização.
Porquanto, torna-se necessário desvelar as verdadeiras e concretas
relações sociais, na perspectiva de trabalhar/constituir uma moral contra-
hegemônica, pautada em valores humano-genéricos, na busca por uma nova
sociabilidade, em que a riqueza humana seja apropriada pelo seu produtor. Sendo
assim, tais discussões serão melhor desenvolvidas nos itens seguintes.
2.1 Do humano-genérico à alienação do ser social
O homem18 só se desenvolve como um ser capaz de atender às suas
necessidades de forma consciente, ordenada, projetiva, transformando suas
singularidades biopsicossociais, de forma libertária e livre a partir do trabalho, que,
18
Referimo-nos ao homem, enquanto gênero humano, compreendendo esse termo na sua abrangência de homem e mulher, visto a dificuldade da própria língua portuguesa de apontar o termo homem para expressar de forma genérica a totalidade dos indivíduos.
40
nos termos de Lukács (1979, p. 87), se configura, ontologicamente, na mediação
entre o homem e a natureza, na busca da satisfação de suas necessidades, ou seja,
é o “ponto de partida da humanização do homem, do refinamento de suas
faculdades”, surgem novas necessidades.
Nesse sentido, as mediações que compõem o trabalho, como elemento
fundante do ser social (LUKÁCS, 2013), inter-relacionam-se e autodeterminam-se
numa unidade entre a conformação da realidade concreta deste ser e sua
representação no âmbito da consciência, a qual se coloca como um mote
problemático do pensamento humano. Desse modo, segundo Netto e Braz (2011, p.
50),
quanto mais se desenvolve o ser social, tanto mais diversificadas são as suas objetivações. Assim, no seu desenvolvimento, ele produz objetivações que, embora relacionadas ao processo do trabalho, dele se afastam progressivamente – objetivações crescentemente ideais (isto é, no mundo das ideias).
As objetivações do ser social configuram-se como a expressão concreta de
suas relações, imbuídas de uma dimensão abstrata, própria do desenvolvimento da
riqueza humana, mas que se apresentam concretamente como resultado de seu
processo produtivo.
Dessa maneira, têm-se como objetivações de primeira ordem, como pontua
Lukács (ibid.), aquilo que está mecanicamente ligado ao trabalho, que, por sua
própria natureza ontológica, traz em si um conjunto de pores teleológicos
configurados em um contíguo de cadeias causais àquilo projetado anteriormente. Ou
seja, causalidades podem assumir configurações distintas, o que possibilita
implicações diversas no produto objetivado, podendo, portanto, sair diferentemente
daquilo idealizado teleologicamente pelo homem.
Essas objetivações levam a uma convulsão de outras objetivações,
denominadas pelo autor como segunda ordem, tais quais a ciência, a filosofia, a
religião, a ética, a moral, os costumes, a cultura e outras que, aparentemente, se
colocam como autonomizadas do mundo do trabalho, como se ganhassem vida
própria sem nenhuma relação com esse mundo. Entretanto, as objetivações de
segunda ordem guardam sua marca fundante naquele, e, ainda, têm como modelo
de objetivação aquela ocorrida no âmbito da produção: atividade teleologicamente
orientada; tendência à universalização; linguagem articulada.
41
A partir dessas análises, pode-se perceber claramente a centralidade do
trabalho nas demais determinações do ser social, contudo, não podendo se reduzir a
ele, pois as mediações de segunda ordem (a exemplo da ciência, da filosofia, da
ética, da cultura, da arte, entre outras) constituintes da realidade social não podem
autonomizar-se em relação ao trabalho, nem com ele ter uma relação automática,
mecânica ou imediata, visto estas guardarem uma força ineliminável contraditória,
própria dos processos de trabalho.
O trabalho aqui não se resume somente a um processo de transformação da
natureza, ou somente de uma atividade voltada a um fim determinado. Pelo
contrário, é entendido como práxis humana e/ou prática social, visto que o homem
transforma a natureza, mas, ao mesmo tempo, se transforma, conectando-se à
riqueza da humanidade, ou seja, ao humano-genérico, já que o trabalho não se
opera isolada ou individualmente, mas só se conforma na coletividade dos seres
sociais. O trabalho, segundo Netto e Braz (2011, p. 40-41, grifos dos autores),
possibilitou o rompimento com o padrão eminentemente natural das atividades
animais, visto que,
Em primeiro lugar, o trabalho não se opera com uma atuação imediata sobre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos que, no seu desenvolvimento, vão cada vez mais se interpondo entre aqueles que o executam e a matéria; em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza cumprindo determinações genéticas; bem ao contrário, passa a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem inicialmente por repetição e experimentação e que se transmitem mediante aprendizado; em terceiro lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limitado e praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas fixas; se é verdade que há um conjunto de necessidades que sempre deve ser atendido [...], as formas desse atendimento variam muitíssimo, e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase sem limites, de novas necessidades.
Nessa perspectiva, compreende-se que com o trabalho o homem ultrapassa
a simples adaptação ambiental de suas necessidades primárias, pois ao pôr um fim
teleológico à sua atividade possibilita a criação – libertária (em seu sentido
ontológico) – de algo eminentemente novo, complexo em suas determinações. Esse
trabalho, conforme Lukács (2013), tem a capacidade de rearranjar as causalidades
da natureza, pondo-as em sentido teleológico. Entretanto, tal trabalho só ganha
materialidade quando essa abstração ideal se objetiva, ou seja, quando a ação
objetiva do homem incide sobre a matéria natural e essa é transformada.
O ser social é tido, portanto, como um componente processual que se
42
constitui no desenvolvimento da história, porquanto, as categorias a ele vinculadas
emanam das formas moventes e movidas do real e, dessa forma, do próprio
movimento da realidade. Esse ser se diferencia das demais formas de existência
dos seres – orgânicos e inorgânicos –, por ter vida, reprodução, mas, sobretudo,
possibilidades de construção do novo (entendido como a capacidade criativa e
libertária do ser social).
O desenvolvimento desse ser tem como resultado central o próprio processo
de humanização (autoconstrução) do homem, o que não suprime suas estruturas
naturais. Estas se mantêm, porque são imanentes ao homem, mas são superadas
dialeticamente em um processo de conservação e ruptura, dando lugar à
constituição de conformações sociais historicamente determinada, como expressa
Marx (1973, p. 220): “a fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com carne
cozinhada, comida com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua,
servindo-se das mãos, das unhas, dos dentes”.
Nesse processo, quanto mais se desenvolve o ser social, tanto mais se
diversificam e complexificam suas objetivações, novas formas sociais emergem,
várias práticas sociais surgem, articuladas tanto no âmbito da produção quanto no
da reprodução material e espiritual da humanidade.
Hoje, desenvolvido e articulado, o ser social se distancia dos outros seres,
porque é capaz de “realizar atividades teleologicamente orientadas; objetivar-se
material e idealmente; comunicar-se e expressar-se pela linguagem articulada;
escolher entre alternativas concretas; universalizar-se; socializar-se” (NETTO;
BRAZ, 2011, p. 51), bem como exercer uma certa “liberdade” em seus pores
teleológicos.
Sendo assim, apreende-se a realidade como um sistema de complexos, em
que as determinações têm de ser conhecidas como ela verdadeiramente é (suas
verdadeiras propriedades), e não como pensa-se que elas devam ser, pois só assim
pode-se reordená-las de acordo com as finalidades dos sujeitos.
É nesse ínterim do desenvolvimento do trabalho que a consciência do ser
social também é constituída, atribuindo a ela um papel ativo, em seu plano
ontológico, diferenciando-se, nos termos de Lukács (2013), da consciência
fenomênica, como sendo uma singularidade humana, a qual se conforma na tomada
de decisões, bem como na construção de novas alternativas, pois essa consciência
só existe junto ao ser social.
43
Para Marx (1977), a consciência se coloca como um produto/fruto
desencadeado no desenvolvimento do ser social, assumindo um real poder nesse
processo. A consciência, portanto, desenvolve-se à medida que o metabolismo
biofísico, bioquímico e neurológico/nervoso se desenvolve e se complexifica. Ela não
trata, no entanto, fisicamente, de uma finalidade mecânica, pelo contrário, busca
capturar as propriedades da realidade em busca de sua finalidade teleológica; dito
de outra forma, ela é um elemento de tomada e/ou construção de decisões.
O trabalho se apresenta como o elo mediador entre a consciência e a
realidade social, pois, ao desenvolver qualquer atividade, o ser humano recompõe a
totalidade social de forma articulada e ordenada. Nessa ótica, Barroco (2010b, p. 27-
28, grifo nosso) afirma que
Além de supor a sociabilidade e a universidade, o trabalho implica um dado conhecimento da natureza e a valoração dos objetos necessários ao seu desenvolvimento: aí é dada a gênese da consciência humana – como capacidade racional e valorativa. Por ser capaz de agir racionalmente, o homem pode conhecer a realidade, de modo a apreender sua própria existência como produto de sua práxis; a totalidade pode ser reproduzida e compreendida teoricamente. Por ser consciente, o homem age teleologicamente; transforma suas necessidades e formas de satisfação em novas perguntas; autoconstrói-se como um ser de projetos; torna-se autoconsciente, como sujeito construtor de si mesmo e da história. O trabalho e seu produto, a cultura, fundam a história, autoconstrução dos próprios homens, em sua relação recíproca com a natureza.
Com isso, é na concretude das relações sociais que esse ser constrói o seu
conceito, sua análise, sua abstração ontológica, constituída na
organização/sistematização da realidade, voltando-se para a mesma. Embora agora
como um todo que se autoimplica e autodetermina articuladamente, uma vez que o
trabalho realiza, materialmente, o intercâmbio entre o homem e a natureza, e entre
ele e os demais seres humanos.
E, mesmo no trabalho mais efêmero, mais rotineiro, a consciência do
homem não se limita àquelas determinações postas, pelo contrário, compõe uma
dimensão totalizadora da realidade que se autoimplica e se autodetermina na
materialização de seu pôr teleológico, visto que “não é a consciência dos homens
que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua
consciência” (MARX, 1977, p. 24). Isto implica dizer que a consciência humana é
determinada pela realidade social, e que, dialeticamente, se torna necessária à
transformação dessa realidade.
44
Todas essas representações ontológicas da consciência humana têm uma
composição diversa e que é social e historicamente determinada. Por isso, a
apreensão correta do mundo como ele é permite uma acepção prática compatível
com a teleologia posta em sua práxis social. E tal realidade, se não pode ser
pensada para além da conformação atual de sociabilidade, conduzirá sempre à uma
reordenação do atual mundo buscando sua melhor efetivação. Dessa forma, Barroco
(2010b, p. 28, grifo nosso) afirma:
A autoconsciência é um ato de autodeterminação; capacidade humana posta em movimento pelo trabalho. Ao ser capaz de autodeterminar-se o ser social evidencia sua vontade racional liberadora de sua autonomia; pode escolher entre alternativas por ele criadas, traçar o seu destino, superar limites, fazer escolhas, objetivando suas capacidades e deliberações. Por isso, o trabalho é uma atividade teleológica, donde o papel ativo da consciência no processo de autoconstrução humana; o produto objetivo da práxis personifica suas intenções e seus projetos. Esse é o núcleo gerador da liberdade e da ética.
A liberdade se apresenta, consequentemente, como sendo o valor central
imbuído no trabalho, contudo, não é de qualquer liberdade que se fala, mas sim
daquela em que o homem tem possibilidades concretas de escolhas entre
alternativas, bem como a possibilidade de criar alternativas para a satisfação de
suas necessidades e, que, ao criá-las está contribuindo para o enriquecimento do
trabalho humano, ou seja, contribuindo para o processo de humanização do próprio
homem, conectando-o à sua dimensão humano-genérica.
Ainda assim, não podemos absolutizar os processos que compõem o
desenvolvimento da humanidade. Compreendemos, então, a liberdade constituída
de um conteúdo histórico-social e que tem como fundamento a própria práxis
humana. Portanto, pensar a liberdade como núcleo geral da vida ética não é
considerar todas as ações humanas como válidas.
Nesse sentido, o limite se coloca como algo necessário, porém como
facilitador da socialização humana, não como condição limitadora do processo de
humanização. Assim, se esses limites afirmarem a convivência da humanidade, na
perspectiva dos valores humano-genéricos, isso significa um processo de ampliação
dessa liberdade. Em contrapartida, se esses limites implicarem na direção contrária
desses valores, teremos aí um continuum de restrição da liberdade.
Essa liberdade em sua natureza ”genética” já se apresentava relativa, pelas
próprias condições em que se davam as relações entre o homem e a natureza.
45
Naquele momento inicial, esse homem ainda estava no início do processo de
conhecimento da natureza e de suas propriedades, logo, as condições de
manifestação dessa liberdade também eram limitadas, pelo não controle do homem
sobre a natureza e pelo próprio desconhecimento da realidade.
O desenvolvimento histórico-social do homem é, portanto, o processo
humano em busca da liberdade. Entretanto, tal desenvolvimento relegou-o num
processo contraditório e cheio de nuances, o qual coloca a liberdade num campo
central das relações sociais. O domínio da natureza nos possibilitou uma certa
liberdade frente às relações naturais e expandiu a interdependência dos laços
sociais, consubstanciando a Riqueza Humana, que se conforma na história em tudo
aquilo o que for construído em suas diversas dimensões, no desenvolvimento das
habilidades e potencialidades do ser humano.
Contudo, parece-nos que tal interdependência colocara/coloca amarras
históricas nessa liberdade, sobretudo, quando refuncionalizada na sociabilidade do
capital, haja vista essa liberdade se configurar mais amplamente para aqueles que
detém melhores condições econômico-financeiras. Desse modo, a relação humana
com a liberdade na sociedade capitalista, encontra-se condicionada por um conjunto
de determinantes sociais, e tal sociedade, por sua própria natureza, cria um conceito
de liberdade ligado a uma perspectiva individualista, presa aos muros do interesse
egoísta.
Portanto, o que se vê, por um lado, é a consubstanciação da Riqueza
Humana, atribuindo Valor Positivo ao trabalho realizado, expresso nas habilidades
e potencialidades do homem e em tudo o que contribui para a expansão da
liberdade humana. Por outro, a tudo aquilo que for desenvolvido para
restringir/limitar a liberdade humana em suas diversas dimensões atribui-se Valor
Negativo, ou, nos termos de Heller (2004), “Desvalor”. Portanto, o que se pode
afirmar é que o valor nasce da possibilidade de escolha entre alternativas, bem
como da possibilidade de se criar novas alternativas, o que só é possível a partir do
trabalho, em sua perspectiva ontológica.
Nota-se que esse ser é agora um sujeito capaz de agir eticamente, pois
pode escolher entre alternativas concretas de forma consciente, bem como objetivar
novas alternativas para suas projeções teleológicas. Com isso, interferir diretamente
na realidade, a qual retorna a ele de forma organizada, constituindo o processo de
humanização dos seres humanos, determinado também a partir de uma certa
46
formação sócio-histórica e pelo tempo histórico.
A ética, portanto, não é um ideal meramente abstrato; ela é o reflexo das
capacidades humanas objetivas/subjetivas e é (re)produzida em todas as dimensões
da vida social. Dessa maneira, a ética, por si só, em sua dimensão genérica, não
tem capacidade de transformar a realidade em sua raiz, contudo, pode modificar as
relações entre sujeitos específicos. Não na totalidade da sua base material, pois
essa transformação somente se dará pela via da emancipação do homem, a partir
da construção de uma sociedade sem qualquer forma de exploração/dominação.
A liberdade – em sua totalidade – vai constituindo-se na possibilidade do
sujeito apropriar-se do processo de produção, do seu produto, não somente no
âmbito da produção material, mas, também, de toda a sua produção
imaterial/subjetiva, tal como a cultura, a arte, a música, a ciência, dentre outras. Com
isso, percebe-se o quanto a ética entrelaça-se com o aprofundamento da liberdade,
ou seja, a liberdade e a ética são duas dimensões do ser social que se constituem
em expressões materiais e imateriais, próprias do seu desenvolvimento, e que
adquirem contornos distintos no processo histórico desse. Assim sendo, de acordo
com Barroco (2003, p. 48),
a liberdade como capacidade humana é, portanto, o fundamento da ética. Assim, agir eticamente, em seu sentido mais profundo, é agir com liberdade, é poder escolher conscientemente entre alternativas, é ter condições objetivas para criar alternativas e escolhas. Por sua importância na vida humana, a liberdade é também um valor, algo que valoramos positivamente, de acordo com as possibilidades de cada momento histórico. Por tudo isso podemos perceber que a liberdade é também uma questão ética das mais importantes, pois nem todos os indivíduos sociais têm condições de escolher e de criar alternativas de escolhas.
Contudo, na sociabilidade do capital, o trabalho, práxis fundante do ser
social, torna-se alienado e alienante, pois nessa sociabilidade a produção capitalista
se sustenta essencialmente na lei geral de acumulação, a qual Netto e Braz (2011)
afirmam ser o ato de acumular capitais. Este, por sua vez, se estabelece sob duas
frentes, a partir da concentração e da centralização de capital nas mãos da
burguesia, seja ela internacional ou nacional.
Isso ocorre porque o trabalho, como já assinalado, aliena-se do próprio
homem, passa a operar-se em si mesmo. É como se o trabalho ganhasse vida
própria, contudo esse processo é determinado pelo conjunto das relações sociais
que se estruturam – coisificando os seres humanos. Com isso, o processo de
47
trabalho passa a controlar os sentimentos do homem e o sujeito só se insere nesse
processo para garantir a sua finalidade (do próprio trabalho), que nessa
sociabilidade é a garantia da exploração da força de trabalho, na perspectiva da
geração da mais-valia.
Destarte, o sujeito tem de se comportar objetiva e subjetivamente para a
realização do dever ser – demandado pela lógica capitalista de produção –, o qual
define a finalidade do seu trabalho e autodetermina a sua consciência, levando a um
processo de fetichização do trabalho, pois esse assume um valor de mercado, em
detrimento do seu valor de uso, ou seja, há um processo de valoração
mercadológica das finalidades do trabalho humano.
Dadas as determinações históricas e sociais em que a práxis se realiza, ela
só pode conduzir a um conjunto de objetivações que se colocam para os homens,
não como suas criações, mas como algo estranho, alienando-as dele. Netto e Braz
(2011) apontam que esse processo ocorre, basicamente, nas sociedades onde há
vigência a divisão social do trabalho e a apropriação privada dos meios de produção,
expressadas por específicas formas de exploração do homem pelo homem.
Na sociabilidade do capital, a alienação assume proporções estratosféricas,
visto que ela não se resume ao processo de estranhamento da produção material,
mas sim de toda a dimensão humana, seja ela subjetiva, seja objetiva. Toda a
produção da riqueza humana (material e espiritual), que deveria ser apropriada
coletivamente pelos homens em sua dimensão singular, é apropriada de forma
privada, predominantemente, por aqueles que detém os meios de produção. Aqui, o
próprio resultado das ações humanas passa a adquirir um certo poder sobre o
sujeito, a aparência da realidade se apresenta ocultando as mediações, as
contradições.
Acerca da relação entre o fetichismo e a alienação, Netto (1981, p. 75)
afirma que
o fetichismo põe, necessariamente, a alienação – mas fetichismo e alienação não são idênticos [...]. O fetichismo implica a alienação, realiza uma alienação determinada e não opera compulsoriamente a evicção das formas alienadas mais arcaicas. O que ele instaura, entretanto, é uma forma nova e inédita que a alienação adquire na sociedade burguesa constituída.
Há, portanto, o ocultamento das relações de trabalho, e as relações sociais
são tidas como relações entre coisas/mercadorias; ao invés da humanidade afirmar
48
a vida, ela a tem negado. Nessa sociabilidade, os seres (re)produzem-se negando
as capacidades inerentes à práxis humana, como é o caso da Liberdade e da Ética,
quando, por exemplo, ratifica-se a lógica liberal, expressão cotidiana do espaço
coloquial: de que “a minha liberdade acaba onde começa a do outro”.
Essa alienação também encontra terreno fértil no cotidiano das relações,
uma vez que ele é uma das dimensões da vida social e apresenta-se como espaço
de reprodução dos indivíduos em sua singularidade, assumindo, portanto, a
condição de um espaço ineliminável e insuprimível em sua totalidade, pois ele é
parte integrante do ser social. Dessa forma, segundo Heller (2004), a vida cotidiana
é a vida de todo homem. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade
humano-genérica a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade, e é o
adulto quem é capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade.
São próprias desse cotidiano, conforme Heller (2004), algumas
características: a heterogeneidade, vide o conjunto diversificado de demandas que
se apresentam no dia a dia da vida social; a imediaticidade, na qual, devido ao
conjunto heterogêneo de demandas, as respostas a essas demandas dão-se a partir
da dela; a espontaneidade, em que as relações sociais acabam sendo reproduzidas
espontaneamente, ou seja, há um processo de naturalização dos valores tido como
verdadeiros; a superficialidade extensiva, na qual, pelo já exposto, as respostas
dadas não conseguem ir à raiz da questão posta, já que o cotidiano se conforma por
essa heterogeneidade, as respostas por serem imediatas e espontâneas,
consequentemente, se configuram por uma tendência superficial, expandida nas
variadas dimensões da vida social.
Nesse limiar, a apreensão da categoria trabalho na sociabilidade do capital,
a partir da teoria marxiana, vai enraizar-se na dupla dimensão desse trabalho
concreto, que se manifesta nas conformações do valor de uso, (re)criando as
condições necessárias para o desenvolvimento do ser social, e trabalho abstrato,
que se apresenta no valor de troca, a partir do processo de exploração do homem.
Assim, o trabalho abstrato não é o conjunto do trabalho desenvolvido pelos
indivíduos genéricos, mas o trabalho alienado próprio da sociedade burguesa que se
conforma no cotidiano das relações socioprofissionais. Conformando, portanto, a
esse trabalho uma relação que ao mesmo tempo possibilita o processo de
continuidade das contradições presentes nesse modo de produção, tanto quanto
conformando possibilidades de transgressão dessa realidade numa perspectiva
49
verdadeiramente humana, como bem nos aponta Iamamoto (2014, p. 67):
o resultado é, portanto, a reprodução contraditória das relações de classe, das condições de continuidade da produção capitalista e de suas fraturas. Cresce a força produtiva do trabalho como riqueza que domina o trabalhador, na proporção em que cresce, para o trabalhador, a pobreza e a indigência e a sujeição subjetiva [...]. Encobre-se, como mera transação monetária, a relação real de dependência permanente que aquela intermediação renova constantemente. O resultado é a reprodução das contradições de classes e da consciência alienada que permite essa mesma reprodução em níveis crescentes. As novas forças produtivas materiais, que são impulsionadas por esse processo, revolucionam a produção e a vida em sociedade, criando simultaneamente, as condições mais adequadas de hegemonia do capital sobre o trabalho.
Essas características do cotidiano apresentam-se na particularidade da vida
profissional, ou seja, no cotidiano profissional, em que o/a assistente social pode
deixar-se levar pela heterogeneidade, imediaticidade, espontaneidade e
superficialidade extensiva, não aprofundando ou refletindo adequadamente sobre
suas demandas. É o que se observa nas falas a seguir.
As demandas profissionais lá são variadas, mas a mais frequente é a situação mesmo da vulnerabilidade, é por conta do bairro e também do programa que a escola recebe que no caso são bolsas de estudo. [...] E o Serviço Social lá faz os cadastros, faz os relatórios necessários, parecer, faz..., é muita coisa. (E3, 34a
19, formanda)
As demandas profissionais que chegam são as mais diversas, dentre elas, atendimento individual das internas; explicar o significado do processo judicial delas; possibilitar o acesso ao material de higiene, contato telefônico com a família. (E5, 26a, formanda) As demandas profissionais que vêm através dos estagiários a princípio é a questão da insegurança, do medo, né, em relação ao fazer profissional, depois disso os instrumentais, a formação dos instrumentais. (SA1, 47a, 12 a/formada) São várias demandas profissionais, porque trabalhamos no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), em níveis de complexidade, visto que o CRAS é a porta de entrada para os serviços socioassistenciais da Política de Assistência Social, e, portanto, essas demandas são as mais variadas possíveis: passe livre para idosos, pessoas com deficiência, acesso aos programas, aos serviços, dentre eles, de convivência e fortalecimento de vínculos. (SC1, 49ª, 16 a/formada)
Com isso, percebe-se que as demandas socioprofissionais também seguem
a característica própria do cotidiano – a heterogeneidade – ou seja, um conjunto de
19
A letra a, nas especificações das entrevistadas, refere-se à idade das sujeitas ou ao tempo de formada (a=anos).
50
questões colocadas no dia a dia do trabalho profissional do(a) assistente social e
que requerem dele/a uma resposta, às quais, muitas vezes, tendem a seguir as
outras características desse cotidiano. Entretanto, no âmbito do exercício
profissional, as intervenções socioprofissionais não devem ser pautadas na
perspectiva de reprodução desse cotidiano, mesmo compreendendo-o como algo
ineliminável da vida social, o que requer um direcionamento ético e moral na tomada
de decisão para suas respostas. “A problematização desses esquemas depende
tanto das condições subjetivas, através das atitudes críticas dos indivíduos quanto
das condições objetivas postas pelo contexto histórico” (MESQUITA; RAMOS;
SANTOS, 2001, p. 81).
Sob esse prisma de abordagem, a moral se apresenta como um elemento
do ser social, assumindo, dessa forma, uma função social muito precisa no contexto
da sociabilização humana, já que ela só existe porque o homem é um ser ético, e,
assim, a moral passa a orientar a formação do caráter, que depende
categoricamente das suas inserções sociais.
A moral é (re)produzida no espaço da vida cotidiana, mas também manifesta
um espaço para a sua transgressão, na perspectiva de construir uma moral que
possibilite aos sujeitos sua conexão à genericidade humana, a qual se conforma na
relações constituintes e constituídas, já que tal sujeito nada mais é do que uma
síntese das múltiplas relações e determinações que estabelecidas em sua história
de vida.
A moral, portanto, segundo Barroco (2010b, p. 43), se apresenta como um
sistema de normas sociais que o indivíduo incorpora na sua consciência para
direcionar suas ações, é a gênese da ética, que se constitui no conjunto de valores,
tradições, costumes, entre outros, e, que “interfere nos papeis sociais, donde sua
caracterização como um modo de ser, um ethos que expressa a identidade cultural
de uma sociedade, de uma classe, de um estado social, num determinado momento
histórico”.
A ética vai se configurando como um elemento intrínseco nas relações
sociais vigentes, permeada por rupturas e continuidades. Simões (1998) aponta que,
nas sociedades tidas como pré-capitalistas – aquelas que antecederam o sistema
capitalista –, as relações de trabalho, dentro do contexto econômico, eram
complexas, no entanto ainda tinham um caráter comunitário. Nesse sentido, não
havia separação entre a vida privada e a comunitária, ou seja, não havia uma noção
51
de privacidade da vida, onde toda e qualquer atitude realizada pelo homem estava
caracterizada como uma ação, ao mesmo tempo, particular e comunitária, havendo
uma moral do trabalho completamente penetrada no trabalho coletivo.
De acordo com o autor, não existia de fato uma moral caracterizada por uma
legislação vigente, por normas especializadas de como materializar o seu trabalho, o
seu agir. O que existia era um complexo normativo único e global, em que o
indivíduo era apenas uma síntese do individual e do coletivo, não havendo uma
separação entre privado e público. Na verdade, o “ser individual” só tinha sentido no
“ser coletivo”.
Qual era o caráter da velha sociedade? Uma palavra a caracteriza. A feudalidade. A velha sociedade civil tinha imediatamente um caráter político, [...], e, os elementos da vida civil (como, por exemplo, a posse ou a família, ou o modo de trabalho) estavam elevados a elementos da vida de Estado na forma da senhorialidade fundiária do estado [social, Stand] e da corporação. [...] Assim, as funções vitais e as condições vitais da sociedade civil continuavam, entretanto, ainda, a ser políticas, ainda que políticas no sentido da feudalidade. (MARX, 2009, p. 68, grifos do autor).
É com o advento do capitalismo que a divisão sócio-técnica do trabalho se
intensifica e complexifica, de forma a consolidar uma separação abrupta entre a vida
pública e a privada. E, com o crescimento das privatizações dos meios de produção,
da logística e do consumo, vivenciou-se uma separação da sociedade,
transformando-a em dois campos: um compreendido como sociedade civil e outro
como Estado, separando o coletivo do privado. Nesse contexto, a moral se
reconfigura como um sistema essencial aos indivíduos, em sua subjetividade,
portanto, o trabalhador passa a desenvolver uma determinada moral, devido aos
interesses da venda e compra da força de trabalho.
A esse respeito, afirma Marx (2009, p. 50-51, grifos do autor):
onde o Estado político alcança o seu verdadeiro desabrochamento, o homem leva – não só pensamento, na consciência, mas na realidade, na vida – uma vida dupla, uma [vida] celeste e uma [vida] terrena: a vida na comunidade política (em que ele se [faz] valer como ser comum) e a vida na sociedade civil (em que ele é ativo como homem privado, considera os outros homens como meio, se degrada a si próprio à [condição] de meio, e se torna o joguete de poderes estranhos).
Assim, na sociedade de classes esses determinantes que deveriam conduzir
para o aprofundamento do processo de humanização do homem, por serem
52
resultado de relações de exploração e dominação, geram valores que expressam
tais relações, repassadas na vida cotidiana através das ações de produção material
e moral. Tal sociedade, baseada na contradição entre duas classes principais
(burguesia e classe trabalhadora), gera cotidianamente dicotomias, separações,
fragmentações. Desse modo, em uma sociedade fragmentada os valores serão
conformados à sua imagem e semelhança.
O cotidiano é o espaço de reprodução do senso comum, no qual existe uma
dinâmica específica para essa reprodução, que se conforma na repetitividade e no
pragmatismo. Essa especificidade é necessária no âmbito das relações da vida
diária, contudo, no âmbito de outras dimensões da vida social torna-se fundamental
um processo de aprofundamento crítico sobre a realidade, a exemplo do espaço
profissional, que deve ser conduzido por um conjunto de elementos que possibilitem
ao sujeito a suspensão – temporária – desse cotidiano, senão estará fadado à
reprodução alienante dos valores morais dominantes na sociabilidade, e, com isso,
daquilo que é considerado como diferente é tido como desviante, fora da moral,
anormal, a exemplo da homossexualidade, do negro, do pobre.
Tais práticas conduzem à (re)produção do preconceito, como forma de tratar
o outro baseado num comportamento que não respeita a diferença, e não respeitar a
diferença é negar a particularidade humana, é restringir a liberdade, é reproduzir a
discriminação e a intolerância, pois a essência da humanidade é exatamente a sua
diversidade. É a diversidade o que conecta cada ser humano singular a sua
dimensão humano-genérica.
Nesse contexto a decisão do indivíduo é, muitas vezes, amparada em um
conhecimento inadequado e sem análise crítica do real, uma vez que a centralidade
do trabalho na sociabilidade do capital é delineada pela produção em quantidade,
em detrimento da qualidade; a mercadoria – material e imaterial – se torna alheia ao
seu produtor; os trabalhadores passam a não pensar mais no seu processo
produtivo, relegando-o à uma dimensão eminentemente mecanicista.
Em outras palavras, contraditoriamente, segundo Lukács (2013), o trabalho
que é central na constituição do ser social, com o processo de fetichização, cria a
ilusão de que cada vez é mesmo central, pois torna-se um fardo do qual as pessoas
querem se libertar. Do mesmo modo, ao não desvelar o real em toda a sua
complexidade, os sujeitos percebem/veem uma cisão entre teoria e prática e
sobrevalorizam os aspectos técnico-operativos. É o que se percebe nas falas a
53
seguir.
A questão que eles ensinam que é de fundamental importância que é os termos técnicos em que tem sempre que conter nos relatórios, pareceres, eu acho que é essencial [...]. No momento de uma entrevista o que mais vem a mente da gente é como iniciar o processo da entrevista [...] uma das dificuldades, vamos dizer, no caso de fazer o parecer e colocar tudo bonitinho, todo pontuadozinho. (E3, 34a, formanda) O estudante tá na teoria, e quando ele vai pra prática, é totalmente diferente, e se ele sair da academia, sem passar pela prática eu creio que ele vai ser bombardeado, porque a prática você vai conhecer diversos tipos de profissionais que vem nem imagina e vai lidar com o usuário e com os profissionais. (E5, 26a, formanda)
Dessa maneira, torna-se preponderante a compreensão teórico-prática de
forma crítica acerca dos nexos reais da totalidade social que se autoimplica e se
autodetermina, permitindo perceber na atual cena do capitalismo a dominação do
sujeito pelo seu objeto. Assim sendo, é necessário estarmos “atentos e fortes para
fortalecer a luta por um projeto societário fundado na igualdade e na liberdade, o que
implica o reconhecimento e valorização da diversidade humana” (SANTOS, 2009),
ao qual o Projeto Ético-Político do Serviço Social se vincula. Logo, não se pode
subjetivar as motivações ético-políticas, senão surge a possibilidade de cair nas
perspectivas apontadas anteriormente pelas sujeitas da pesquisa, que tendem a não
compreender os verdadeiros pores teleológicos da prática social, e,
consequentemente, contribuem para a permanência do status quo.
Assim, o senso crítico ontológico é destruído pela própria ciência, por meio
de categorias pseudo-ontológicas, tendo como principal confluência a expansão das
objetivações de segunda ordem, a exemplo do conjunto de doutrinas ideopolíticas,
que fundamentam a separação entre prática e teoria, recaindo numa prática
mecanicista, e reiteradora das relações sociais vigentes, consubstanciando uma
falsa consciência da realidade social.
Essa, por sua vez, corresponde a sociedade que lhe gera continuamente,
uma vez que se opera uma radicalização autonomizada das objetivações do ser
social, pois a expansão da divisão sociotécnica do trabalho cria uma lógica imanente
a esse modo de produção, sendo ela: de alargamento do individualismo, da
competitividade, do egoísmo, da concorrência. Assim, gera de forma antagônica
valores morais contraditórios em cada esfera social.
Esse modelo de produção tem na lei geral de acumulação a sua força
54
motriz, a partir da qual se dá o desenrolar das relações sociais de produção, do
desenvolvimento dos meios de produção e das forças produtivas, impetrando um
processo de complexificação dessas relações, bem como das demandas postas ao
Estado e, acima de tudo, das respostas que este tem dado a essas demandas
através das políticas sociais.
Dessa forma, os contornos contemporâneos que envolvem a sociabilidade
do capital têm emplacado distintas formas de apreendê-la e, com isso, distintas
formas de intervir nessa realidade, que implicam, também, no processo de
consubstanciação de um conjunto de valores abstrato-formais, distanciando cada
vez mais o indivíduo de seu processo de humanização, como veremos na subseção
que se segue.
2.2 O trabalho em tempos de neoliberalização da vida social: entre valores
individuais e humano-genéricos
Pode-se apontar que a sedimentação da modernidade se constitui não
somente na transfiguração linear do modo de produção feudal para o capitalismo,
mas, como apontam Marx e Engels (2005), que estabelece uma teia de relações
autoimplicadas e autodeterminadas no campo das mais variadas dimensões da vida
humana, seja ela econômica, política, social, cultural, como também no que se
refere à (re)produção científica do conhecimento.
Nessa nova realidade, o modo de produção capitalista emerge sob
condições gerais de acumulação privada dos insumos produzidos socialmente. Tal
realidade é evidenciada como uma das maiores contradições do modo de produção
moderno, donde, no campo da luta de classes, temos, de um lado, a burguesia
nacional e internacional, que assume uma direção dominante hegemônica,
apropriando-se das riquezas produzidas; e, do outro, o proletariado ao qual somente
resta a venda de sua força de trabalho àquela classe, como bem apontam Marx e
Engels (1987, p. 12):
a condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos dos particulares, a formação e a multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado baseia-se exclusivamente na concorrência entre os operários.
55
Diversos autores20 sinalizam que, nesse momento, o pensamento
conservador emerge a partir de uma resposta dada à Revolução Francesa de 1789,
essencialmente na rebocada das relações de poder instituídas no Ancien Régime,
defendendo a busca ideopolítica da retomada do sistema de produção em
decadência – o Feudalismo. Dessa forma, Escorsim Netto (2011, p. 38) afirma que
este consenso mínimo em relação ao surgimento do conservadorismo, porém, não o torna menos polissêmico, mesmo neste ‘sentido técnico’, [não o torna ínfero de interpretações]. E, sobretudo em relação a esta polissemia, não nos oferece elementos sólidos quer para construir uma coerente cronologia do conservadorismo, quer para compreendermos as suas metamorfoses ao longo do período histórico aberto pela Revolução Francesa.
O pensamento conservador, primeiramente, surge como uma expressão
cultural21 – expresso pelos princípios da Ilustração, através dos quais os defensores
do Antigo Regime e do absolutismo em geral fundamentam-se na razão para
reestabelecer o domínio feudal –, que, com o desenrolar da história, ascende às
expressões ideopolíticas, social e historicamente determinadas, situando-se no
tempo e espaço da configuração burguesa de sociedade.
As raízes desse modo de pensar estão, essencialmente, fincadas na
concepção ideopolítica dos antiburgueses ligados ao Ancien Régime, e que
buscavam a retomada do seu poderio econômico, político, social, cultural, sobretudo
religioso, por meio da restauração das instituições hierárquicas que compunham o
sistema feudal.
O pensamento conservador clássico nasce junto aos sujeitos da Igreja
Católica, que passam a se colocar contra as muitas manifestações instituídas pela
sociedade moderna. Tinha como defesa central o bem comum, na perspectiva
religiosa; a restauração da sociedade feudal, e, com isso, a autoridade, a ordem, a
tradição, a “segurança” clerical e a hierarquia. Ou seja, tendia-se a concentrar suas
ações por meio da difusão de ideias que buscavam o restabelecimento e a
manutenção das estruturas sociais e institucionais em seus contornos políticos,
como elas eram antes da Revolução Francesa.
Dentre suas maiores expressões de pensadores estão Burke, Bonald e De
20
Para maior aprofundamento teórico sobre a construção do pensamento conservador em sua relação com a Revolução Francesa cf. Martins (1981); De Maistre (2010); Nisbet (1987). 21
Cf. Coutinho (2010) sobre a perspectiva cultural geradora do pensamento conservador.
56
Maistre, os quais sustentavam a tese de que o novo sistema significava uma
desqualificação do indivíduo em sua “liberdade” tão propagada e defendida pela
Revolução Francesa, bem como satanizavam esse projeto autônomo moderno,
buscando o reordenamento da sociedade à conservação da propriedade familiar
feudal como núcleo possibilitador da eternização da sociedade humana. Tal
concepção ficou conhecida como “anticapitalismo romântico” (ESCORSIM NETTO,
2011).
Então, é nesse contexto de decadência do feudalismo, do Ancien Régime, e
da tomada burguesa do poderio econômico, político, social e cultural que o
pensamento conservador surge, consagrado por uma matriz cultural e teórica de
ataques aos princípios germinados pela Revolução Francesa (liberdade, igualdade e
fraternidade) no tocante à sua forma econômica e política22.
Uma outra perspectiva de desdobramento desse pensamento é o seu
ataque ideocultural ao processo de derrocada de algumas instituições consagradas
pela tradição feudal, a exemplo da família, da Igreja, do Estado Absolutista, entre
outras. Desse modo, os conservadores passam a teorizar a recomposição da
sociedade feudal em arruinamento, sem desmobilizar o processo de capitalização do
“sistema” econômico, ou seja, essa perspectiva busca coadunar o capitalismo
insurgente com os princípios e valores consagrados no feudalismo.
Contudo, tanto o anticapitalismo romântico quanto a vertente que busca
conciliar o capitalismo com os valores e instituições feudais tornam-se utópicas, pois
não era mais possível “frear” a revolução burguesa. Assim, Escorsim Netto (2011, p.
46, grifos da autora) pontua que:
a função social do pensamento conservador, tal como aparece nos imediatos continuadores de Burke, é inequívoca: o conservadorismo expressa os interesses dos privilegiados do Ancien Régime, a nobreza fundiária e o alto clero. O pensamento conservador exprime, assim, um projeto de restauração que em pouco tempo revela-se inviável: entre 1815 (o Congresso de Viena, que consagra a Santa Aliança) e 1830 (a revolução de julho, que derruba na França, Carlos X, o último Bourbon), o que se manifesta, na Europa Ocidental, é a irreversibilidade das transformações que o desenvolvimento do capitalismo impõe às instituições sociais. As perspectivas restauracionistas, que, até então, pareciam viáveis, tornam-se claramente utópicas.
Assim, a burguesia “completa” a sua fase progressista e revolucionária.
22
Sobre forma política assumida/defendida pela revolução burguesa, cf. Mascaro (2013).
57
Sobrepondo-se como classe dominante, destitui-se de representante geral dos
interesses do conjunto da sociedade para elevar-se à defesa intransigente de seus
interesses particulares. Com isso, Escorsim Netto (2011, p. 46) aponta que “o
protagonismo revolucionário da burguesia cede lugar a um desempenho defensivo,
voltado para a manutenção das instituições sociais que a criou”.
Exatamente no período que compreende ao entre as décadas de 1830 a
1840, especificamente no ano de 1848, a configuração econômica, política e social é
tensionada por um processo de ameaças proletárias. Nesse contexto, como aponta
Lukács (2010), tem-se o início da reviravolta ideopolítica, no sentido apologético e
decadente da sociabilidade burguesa.
Assim, o pensamento conservador clássico reconfigura-se e transforma-se
no pensamento da burguesia – o pensamento conservador moderno –, no qual
aquele que, inicialmente, havia surgido como antiburguês assume um caráter
restaurador, conclamando, segundo Lukács (2010), um eixo central para esse
pensamento: o contrarrevolucionário. Escorsim Netto (2011, p. 50-51) afirma que,
nesse processo, assumem centralidade tanto a teoria Comteana quanto a de
Tocqueville, cada uma com suas particularidades e diferenças, mas que funcionam
como:
[...] “ponte” entre o conservadorismo antiburguês e o conservadorismo proletário. [...] Nenhum dos dois possui veleidades restauradoras; ambos se defrontam com um presente que lhes parece tão irreversível quanto ameaçador e tratam de elaborar as alternativas que possam conjurar a ameaça ao poderio burguês: para Comte, um conhecimento positivo que permita fundar uma religião da humanidade, garantidora da estabilidade social; para Tocqueville, mais sensível à prática política, uma democracia controlada que, combinando liberdade com igualdade, fosse capaz de evitar a “tirania da maioria”.
Assim, no período subsequente à Revolução operária de 184823, o
pensamento conservador, que nascera como crítico antiburguês à sociedade então
emergente, assume um determinado ethos racionalista pseudoconcreto,
sedimentando-se na corrente teórica positivista24, reconfigurando-se em sua maior
23
Movimento revolucionário insurgido pela classe proletária, a partir da consolidação do poder político da burguesia, demarcando fortemente a cisão entre essas duas classes, bem como uma nova polarização política entre burgueses e proletários. Essa revolução, a partir de Paris, teve uma rápida propagação nos grandes centros urbanos europeus, desdobrando no ápice da decadência burguesa de conduzir o processo revolucionário. 24
O pensamento positivista em seu início, quando ligava-se às ideias de Condorcet e Saint-Simon, era revolucionário. Torna-se conservador com Augusto Comte.
58
expressão “científica”: o positivismo de Augusto Comte. Essa lógica racionalista
assume pressupostos eminentemente burgueses em defesa dos seus direitos e
interesses, consolidando-se como pensamento moderno do mundo burguês, como
bem aponta a autora (Ibid., p. 51-52, grifos da autora):
[...] na defesa da ordem burguesa contra a ameaça revolucionário-socialista, ele tende tanto a estruturar-se como filosofia social quanto como conhecimento científico-social, seja sob a forma de ciência social, seja sob forma de teoria política. [...] Nessa passagem, desaparecem do pensamento conservador as demandas restauradoras e o próprio componente anticapitalista se converte numa conceptualização de caráter científico. A atenção dos conservadores se voltará para a construção de um corpo de conhecimento que, favorecendo a gestão da ordem burguesa (mesmo que, para esta funcionar, haja que promover reformas dentro da ordem), permita controlar e regular suas crises e, assim, superar a ameaça revolucionária. Estes dois fenômenos – crise social e revolução – polarizarão todo o pensamento conservador pós-48: estão na raiz da ciência social que é filha direta do conservadorismo pós-48, a sociologia.
Seguidor direto de Comte, Émile Durkheim aprofunda a sociologia positivista
daquele, configurando o conhecimento da realidade social a partir de uma visão de
“integração” social da humanidade, concebendo o homem, mais uma vez, destituído
de sua própria história. O pensamento positivista (re)constrói alguns valores básicos
para compreender a realidade, dentre eles pontua a perspectiva de uma ação social
integralizante, combatendo o pensamento revolucionário socialista, a partir da
realização de reformas – seja no campo da moral, seja no campo do social –, tendo
na educação, segundo Durkheim, a força motriz capaz de revolucionar a realidade
social.
O período que vai desde o século XVI ao século XIX consagra a fase
clássica do pensamento conservador, embora o mesmo tenha assumido
determinações e configurações diversas em dados momentos de seu
desenvolvimento. Nesses séculos, esse pensamento esteve permeado por imensas
continuidades, pois os seus princípios mantiveram-se inalterados em seus
fundamentos.
Escorsim Netto (2011) aponta que tais princípios compreendem: a) à
legitimidade à liberdade, enquanto princípio básico liberal, assim, tal liberdade deve
constituir-se a partir de sua restrição a uma parcela da população (à classe
dominante); b) ao respeito à autoridade imanente à tradição hierárquica; c) à ênfase
na democracia, contudo, em uma perspectiva abstrata-formal; d) à defesa da
59
laicização do Estado, porém, essa é pseudoconcreta; e) à ênfase na racionalidade
burguesa, ou seja, se constitui a partir dos interesses desta classe; f) à desigualdade
é vista como necessária e natural; e g) à ênfase na manutenção da ordem, para
guiar o progresso. Como conclama Comte, a busca pela ordem e pelo progresso
assegurará a paz social25.
Assim, as ciências – como objetivações de segunda ordem – adquirem um
status eminentemente determinado pelas múltiplas relações que esse modo de
produção funda. Dessa forma, a busca pela cientificidade-se apresenta como um
conjunto articulado de ideias, que encadeiam entre si formas de expressar o real e,
com isso, de nortearem-se frente esse real.
É próprio da ciência burguesa apresentar visões diferentes de perceber esse
real, recaindo num relativismo subjetivo de análise dessa realidade, a qual se pauta
em formas distintas de conservação das bases materiais e imateriais de sustentação
das relações sociais vigentes.
No pós-48, na tentativa de concentrar esforços em defender a naturalidade
dos fundamentos da sociabilidade do capital, é que se espraia uma tradição,
denominada positivista, direcionada a consolidar um método analítico que pudesse
compreender o objeto de análise sem nenhum comprometimento valorativo por parte
do sujeito que o analisa. Dito de outra forma, há um processo de fetichização da
realidade e da consciência, como viés capaz de sustentar o status quo.
Nesse sentido, o que se expressa é o surgimento de uma ciência
apologética, também de caráter burguês, pautada no fortalecimento de uma
racionalidade abstrata que não deseja desvelar o real, muito menos propor
alternativas que possibilitem uma saída para os problemas enfrentados pela
população em geral.
Contrapondo-se a essa tendência burguesa dominante, a perspectiva
marxista possibilita compreender a modernidade em suas contradições, sobretudo,
porque a compreensão da realidade empreendida por Marx tem como pressuposto a
sua articulação com a totalidade, cujo eixo dinâmico é a própria autoconstrução
humana, superando visões unilaterais dos processos sociais. Ao mesmo tempo, o
pensamento marxiano e o pensamento crítico-dialético não separa o processo de
25
É concomitantemente ao progresso histórico de instauração do pensamento conservador, em seu período clássico, que surge e se propaga na contramão o pensamento progressista, tendo como maior expressão a tradição marxista, discussão a ser aprofundada posteriormente.
60
conhecimento do processo de transformação da realidade, pois, para essa tradição,
o objetivo do conhecimento é, fundamentalmente, transformar a realidade.
Assim sendo, a construção do conhecimento em seus caminhos e
descaminhos no feitio da sociedade moderna sustenta-se a partir de ethos contrários
entre si, afirmando-se um conhecimento, de um lado, direcionado pelo pensamento
conservador e, do outro, pelo pensamento progressista26. Esses pensamentos, por
sua vez, implicaram em análises antagônicas da realidade social, determinando
estratégias interventivas distintas.
Ressalta-se que a construção dessas formas de pensar não se configura
isoladamente como sendo uma forma desconectada da história real concreta, pois
pode ser encontrada em qualquer espaço, tempo e lugar na sociedade. Pelo
contrário, tais pensamentos constituem-se socialmente em dado momento histórico
da humanidade, autodeterminando-se, a partir da multilateralidade dimensional que
compõem a vida humana, tendo seus fundamentos nas relações sociais de
produção. Porém, nosso entendimento da determinação das relações sociais sobre
todos os demais complexos sociais não pode ser entendido a partir de um raciocínio
economicista, mecanicista e superficial.
Nos últimos anos, essa dualidade social tem se expressado de forma mais
contundente através das conformações postas no conjunto das relações sociais
vigentes, expandindo-se para as mais diversas objetivações do ser social. À vista
disso, o que se pode perceber é o processo de radicalização das múltiplas
expressões da questão social – compreendida pelas velhas contingências
enraizadas no modo de produção capitalista –, tal como o contíguo ascendente de
novas expressões. Ao discutir tais elementos, compreende-se por questão social o
que Iamamoto e Carvalho (2014, p. 83-84) pontuam como sendo
[...] senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão.
26
Não de forma absoluta, mas em certos períodos da história, esse pensamento tem sofrido invasões de tendências conservadoras. A discussão sobre o pensamento conservador, bem como a invasão do positivismo no pensamento marxista será discutida com mais detalhes na próxima seção deste trabalho. Entretanto, quem desejar aprofundar essa discussão cf. Quiroga (1991) e, sobre o encontro entre o pensamento conservador e a crítica burguesa, ver Coutinho (2010) e Escorsim Netto (2011).
61
Essas expressões estão postas na concretude da vida em sociedade, sendo
que o Estado busca dar respostas diferenciadas às demandas que emergem do
cotidiano contraditório das relações socioeconômicas, as quais aparecem, em
primeira instância, como o conjunto das desigualdades econômicas, a falta de
acesso à riqueza socialmente produzida. Entretanto, essas expressões guardam
proximidades com sua objetivação primária, ainda que, na cena contemporânea,
fique perceptível o alargamento dessas expressões para as objetivações de
segunda ordem do ser social, como apontam as falas que se seguem.
Como nós trabalhamos com famílias em situação de vulnerabilidade social essas vulnerabilidades acontecem exatamente por conta, muitas vezes, da falta de acesso a serviços; famílias em situação de desemprego; o uso de drogas; a questão do envolvimento com o tráfico de drogas [...] é realmente essas situações de vulnerabilidade são expressões da questão social no dia a dia, no cotidiano dessas famílias. (SC1, 49a, 16a/formada) As expressões postas no âmbito da saúde mental é uma caracterização bem complexa, que eu acho que se justifica pelo o nível, o tipo de vida que se leva hoje, corrido, a questão da dificuldade financeira, de objetivos, e, também, de sentido de vida, né, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, problema da educação, que tem muito adolescente que não tem acesso à educação, não tem condição de ter um emprego, então ficam perdidos nesse meio complexo, é um todo complexo [...] um grupo de pessoas bastante heterogêneo. (SC2, 53a, 16a/formada)
Sendo assim, não se pode limitar ou até mesmo apreender tais
manifestações como sendo únicas e exclusivamente representações imediatas da
escassez de recursos materiais. Logo, uma leitura da realidade enraizada nessa
direção mostra-se equivocada e limitada, como apontam Behring e Santos (2009):
“Numa perspectiva reducionista e positivista, em geral, a questão social aparece
como problema social, fato social, fenômeno social desvinculado da forma com que
a sociedade produz e reproduz as relações sociais”.
No atual contexto de expansão capitalista, o espírito da globalização,
segundo Saes (2000, p. 1), é tido como um “mito”, com ideais e pressupostos
ideológicos, e acaba por impactar um sentimento de cosmovisão política da
realidade, que na sua materialidade aponta um processo de deformação do
pensamento crítico destes sujeitos, o qual “a forma de difusão junto à opinião pública
produz um impacto avassalador, que leva os membros da sociedade a uma
aceitação acrítica dos processos sociais recobertos por eles”. Neste limiar, Harvey
(2013, p. 59) pontua que, mais do que nunca,
62
[...] maiores são as desigualdades de classe. E é desnecessário dizer que há evidências suficientes para apoiar a visão de que a retórica do livre mercado e do livre-comércio e seus supostos benefícios universais, à qual fomos submetidos nos últimos trinta anos, produziu exatamente o resultado esperado por Marx: uma concentração maciça de riqueza e de poder numa ponta da escala social, concomitante ao empobrecimento crescente de todos os demais.
Percebe-se que o chamado processo de “globalização” traz consigo a
despreocupação com a emancipação humana, pondo em segundo plano toda
preocupação democrática social com a igualdade, com a democracia e com as
solidariedades sociais. Sem dúvida, a insistência neoliberalizante instaurada em
meados da década 1970, após a manifestação da crise estrutural do capital, traz
como fundamento primordial de seu pensamento uma transposição destes princípios
da vida político-social-econômica para o ativismo de direitos individuais e
reificadores.
O tempo atual é de regressão de direitos. Impera na sociabilidade do capital
um conjunto de elementos combinados de exploração do trabalho;
opressão/violação de direitos; desigualdade social que aparece como categoria
imanente dessa sociedade, desembocando na separação entre o que é singular e o
que é humano-genérico; indivíduos que bastam em si mesmos; tudo aquilo que
venha contribuir para o atendimento das necessidades humanas essenciais importa
menos que o lucro, portanto, é deteriorado desnecessário, fortalecendo um conjunto
de valores negativos – os desvalores.
Tudo isso é visível em todo o contexto de desenvolvimento dessa pesquisa,
pois, ao responderem ao conjunto de perguntas realizadas, as sujeitas entrevistadas
pontuaram nitidamente um quadro de vulnerabilidades, como expressões das
desigualdades sociais geradas no processo de acumulação do capital, expressões
essas reveladas em um número bastante diverso de materializações, sejam elas no
âmbito concreto, sejam no âmbito abstrato:
As sujeitas que se encontram na instituição se configuram de um público muito diverso: são mulheres que de alguma forma entraram em conflito com a lei, muitas delas têm o poder econômico bastante elevado, como também tem aquelas que não tem renda, que a renda econômica é baixa. (E5, 26a, formanda) Assim, são as famílias mais necessitadas que vão para a instituição em que estagiei, então de certa forma, talvez são carentes de conhecimento, muitas
63
vezes a questão de que os são muito ausentes porque trabalham e as crianças ficam sozinhas em casa, com um avô, uma avó, um irmão mais velho e acabam tendo esses acidentes no caso da negligência. (E6, 21a, formanda)
Como pode ser percebido, tais expressões não são únicas e exclusivas
questões compactuadas no âmbito econômico-financeiro, embora, algumas dessas
manifestações apresentem-se também nesse interim, contudo, com o próprio
desenvolvimento das objetivações do ser social, e, por outro lado, das forças
produtivas, o que tem emanado da atual configuração do capital é um conjunto de
demandas objetivas/subjetivas, que afetam diretamente o modo de pensar e de agir
das pessoas. Dito de outro modo, o capital forma, cotidianamente, sujeitos que
pensam e agem conforme os ditames do capital.
As relações sociais enquanto expressões do desenvolvimento das relações
de produção guardam com estas uma similaridade, a qual a reificação operada no
âmbito da produção estende-se à própria forma de organização da sociedade, e,
com isso, os valores embutidos nessas relações expressam-se na perspectiva da
não vinculação do ser singular à sua dimensão humano-genérica, a exemplo dos
sujeitos inter-relacionarem-se a partir de valores mercadológicos; resumidamente, o
Ser Humano passa a dar lugar ao Ter Humano. Assim, Netto e Braz (2011, p. 101-
103) apontam que
[...] nas sociedades em que esse modo de produção impera, as relações sociais tomam a aparência de relações entre coisas. Por isso mesmo, o fenômeno da reificação (em latim, res=coisa; reificação, pois, é sinônimo de coisificação) é peculiar às sociedades capitalistas; é mesmo possível afirmar que a reificação é a forma típica de alienação, [contudo, não exclusiva] engendrada no modo de produção capitalista.
Este processo reificador das relações de produção constitui-se como um dos
princípios fundamentais da estratégia neoliberalizante do capitalismo, que tem
logrado êxito nas diretrizes propostas pela classe dominante, como bem aponta
Harvey (2008, p. 169): “a neoliberalização, o processo, [como também a] teoria, foi
um enorme sucesso do ponto de vista das classes altas, [promovendo ou] a
restauração do poder de classe das elites dirigentes ou a criação de condições para
a formação de uma nova classe capitalista”.
A globalização via neoliberalização é tida, pelos organismos internacionais27,
27
A exemplo do Banco Mundial (BM), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da
64
bem como pelas elites dominantes nacionais, como a “única alternativa” de
expansão do capitalismo e de suas “benesses” para os países considerados de
capitalismo periférico. Neves e Pronko (2008, p. 98) apontam:
esses organismos internacionais, embora estabeleçam diretrizes políticas para o universo capitalista em seu conjunto, direcionam ações especificadamente com vista a integrar as formações sociais capitalistas dependentes, por eles denominadas “países em desenvolvimento”, no capitalismo mundial.
Tal proposta estabelece diretrizes voltadas para o ajustamento do Estado ao
contexto neoliberalizante, pautando suas ações no limiar da contenção de despesas
condensadas para o desenvolvimento e a valoração da vida humana, ao mesmo
tempo em que busca ampliar os espaços da exploração capitalista, a partir da
“acumulação por espoliação”. Essa, segundo Harvey (2008), pautada em quatro
princípios, sendo eles: privatização e mercadorização das políticas sociais;
financialização da economia; administração e manipulação das crises em busca da
racionalização do sistema; e redistribuições via Estado, em que as políticas
redistributivas são financiadas pela própria classe dominada. Essa retração do
Estado é perceptível em algumas falas das entrevistadas:
Muitas vezes o Serviço Social quer exercer uma atividade, quer elaborar um projeto, mas não há recursos, então ele trabalha com o que ele tem. Eu creio que há possibilidade de fortalecer o exercício profissional dentro da instituição estatal de outras formas, através de doações, através de trabalho feito pelas internas, tanto é que eu sugeri ter uma loja lá, em que as internas iam produzir artesanato e desses iriam surgir recursos para que suprissem as necessidades, porque se a gente for esperar o Estado, o trabalho da gente nunca vai ser realizado. Além disso, o Serviço Social lá na instituição é terceirizado, aí batermos de frente com o Estado é complicado. O meu projeto de intervenção, por exemplo, foi a articulação para constituir uma brinquedoteca lá, donde nós estagiárias buscamos conseguir várias doações para montar a brinquedoteca, entretanto, o Estado não doou nada. (E5, 26a, formanda)
Em sua fase neoliberalizante, o capitalismo busca a recuperação dos
padrões de acumulação do capital, operando procedimentos de refilantropização da
ação estatal, a qual se dá pela transposição da responsabilidade do Estado em
implantar e implementar políticas sociais para a sociedade civil organizada, ficando a
Organização das Nações Unidas (ONU), do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização dos Estados Americanos (OEA), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
65
cargo dessa o compromisso de autogerir seus problemas. Diante das contradições
típicas que envolvem o trabalho do/a assistente social, nessa fala, percebemos que
há uma introspecção ideológica da sujeita em assumir, de fato, tal responsabilidade,
no âmbito do seu exercício profissional, ainda que
[...] dispondo de uma relativa autonomia na condução do exercício profissional [...]. Entretanto, essa autonomia é tensionada pela compra e venda dessa força de trabalho especializada a diferentes empregadores: O Estado (e suas distintas esferas de poder), o empresariado, as organizações de trabalhadores e de outros segmentos organizados da sociedade social. O significado social do trabalho profissional do assistente social depende das relações que estabelece com os sujeitos sociais que o contratam, os quais personificam funções diferenciadas na sociedade. [...] Portanto, essas relações interferem decisivamente no exercício profissional, que supõe a mediações do mercado de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de caráter profissional. (IAMAMOTO, 2014, p. 214-215)
Dessa forma, mesmo compreendendo as determinações objetivas presentes
no trabalho do/a assistente social, em que muitas vezes “os empregadores articulam
um conjunto de condições que informam o processamento da ação e condicionam a
possibilidade de realização dos resultados projetados” (IAMAMOTO, 2014, p. 219),
não podemos desresponsabilizá-lo totalmente da direção dada ao seu trabalho, uma
vez que, em sua relativa autonomia, ele/ela tem a possibilidade de potencializá-la
tanto na perspectiva do Projeto Ético-Político, quanto na direção imposta pela
instituição empregadora. Dito de outra forma, apesar de vivenciar a realidade
opressora/exploradora da sociedade capitalista e, por isso, trabalhar em
determinadas condições objetivas que impõem injunções das quais, muitas vezes,
não se pode escapar, o indivíduo tem relativa liberdade e não pode ser
desresponsabilizado pelas escolhas ético-políticas feitas ao longo de sua vida.
Há também, diante de tudo isso, um aprofundamento da mercantilização de
tudo, inclusive, da vida humana. Assim, o mercado, por si só, configura-se na ética
propulsora da atual configuração dos Estados-Nação, onde tudo, em princípio, deve
ser tratado como mercadoria. Nesse cenário emerge, segundo Harvey (2008, p.
195), a figura do “trabalhador descartável”, quando não multifuncional e, no campo
dos direitos, nesse tocante o autor afirma:
não posso convencer ninguém por meio de argumentos filosóficos de que o regime neoliberal de direitos seja injusto. Mas é muito fácil fazer objeção a ele: aceitá-lo equivale aceitar que a única alternativa é viver sob um regime
66
de interminável acumulação do capital e de crescimento econômico quaisquer que sejam as consequências sociais, ecológicas ou políticas. Reciprocamente, a interminável acumulação do capital implica que o regime neoliberal de direito tem de ser geograficamente estendido a todo o globo, se necessário por meio da violência (como no Chie e no Iraque), de práticas imperialistas (como as da Organização Mundial do Comércio, do FMI e do Banco Mundial) ou da acumulação primitiva (como na China e na Rússia). Por bem ou por mal, os direitos inalienáveis à propriedade privada e à taxa de lucro vão ser estabelecidos universalmente.
Caminhando desta forma, percebe-se que os direitos “inerentes” ao
desenvolvimento da pessoa humana caem por terra no momento em que há uma
supervalorização dos direitos individuais, impregnados pela cultura globalizada e
apologética do processo neoliberalizante.
No processo de reprodução ampliada do capital, segundo Lukács (2013), o
que se concretiza é um processo de fetichização idealista do valor, pois as
causalidades do ser social apresentam-se mecanizadas/condicionadas, contrapondo
a complexidade co-determinada do mundo social. Por conseguinte, há um processo
de constituição da moral também fetichizada, postulada como mecânica, desligada
da vida concreta. Por vezes, a vida fetichizada cria nas pessoas a ilusão de que é
possível desvincular as diferentes dimensões da própria vida, o que percebemos
nesta fala: “Tem que dividir o lado humano do profissional” (E2, 52a, 29 a/formada).
Barroco e Terra (2012, p. 68-69, grifos das autoras) chamam isso de
relativismo ético-profissional:
É comum o entendimento de que os pressupostos valorativos que servem de orientação para o julgamento das ações éticas podem variar de acordo com os valores pessoais dos indivíduos. Essa ideia concorre para uma relativização da ética e para uma visão que perpassa pelo pensamento social reproduzido pelo senso comum: a visão de que cada um tem a sua moral e a sua ética, desconectadas das suas determinações sociais, e/ou o entendimento de que elas decorrem da subjetividade dos indivíduos, não dispondo de determinações objetivas. [...] Estamos falando do relativismo ético-moral que concorre para uma negação da ética profissional coletiva e racional. O relativismo ético-moral se reproduz no senso comum e em teorias éticas que negam a universidade dos valores.
Como já assinalado, a sociedade capitalista cria, cotidianamente, um
conjunto de desvalores e os indivíduos, no seu processo de socialização, em maior
ou menor medida, incorporam tais valores. É necessário a atenção constante e o
compromisso com os valores emancipatórios, incorporando e lutando por tudo aquilo
que pode ser tido como valor positivo – valores que consubstanciam o humano-
genérico, bem como, estarmos atentos e vigilantes contra aqueles que reforçam o
67
individualismo, a competição, o egoísmo e outros, considerados valores negativos
ou desvalores.
Todo processo de trabalho em uma sociabilidade, que tem como elemento
fundante a apropriação privada da riqueza socialmente produzida, é, por natureza,
alienado e se expande nas diversas objetivações do ser social. Diante disso, pode-
se perceber que o trabalhador, que só tem a sua força de trabalho para vender, já
adentra o processo produtivo de forma desigual – alienado, substanciando a
constituição da consciência também alienada.
Na sociedade moderna esses valores – tanto positivos como também
negativos – adquirem substancialidade teórica, por meio do desenvolvimento de
correntes teórico-políticas de explicação e apreensão da realidade. Ou seja, é com o
desenvolvimento das ciências que tal entendimento apresenta-se de forma
sistematizada e ordenada, dando materialidade às formulações da racionalidade,
seja ela abstrata-forma, seja crítico-dialética, como veremos a seguir.
2.3 Os desdobramentos teórico-políticos das racionalidades presentes na
sociedade moderna: a abstrata-formal x a crítica-dialética
Contemporaneamente, é notório que vive-se um contexto arraigado pela
valorização do empírico, e, partindo desse raciocínio empiricista, acaba não sendo
possível recompor a totalidade social, uma vez que o uso da racionalidade crítico-
dialética “faz mal”, caminhando, ainda, para uma supervalorização moralista das
ações sociais, como se a moral estivesse acima de tudo. Nesse contexto, o bem
comum universal e a coalização de classes sociais antagônicas aparecem como
soluções para a construção de uma sociedade harmônica. Essa cultura, como bem
aponta Escorsim Netto (2011, p. 16, grifos da autora),
[...] constituiu uma impressionante onda conservadora, subjacente ao que foi chamado de ‘ofensiva neoliberal’, que, se afetou diretamente a intelectualidade, foi ainda mais impactante para as massas nas sociedades ocidentais [donde em um curto período de tempo], um mundo que parecia rumar para a ‘esquerda’ e navegou decididamente à ‘direita’: o pensamento conservador ganhou fôlego aparentemente assombroso.
Por conseguinte, o pensamento conservador vem adquirindo diversos
tratamentos teórico-filosóficos no decorrer da humanidade, manifestando uma
68
perspectiva puramente reacionária28, e até mesmo adquirindo um trato “travestido”
de progressista por grupos ideopolíticos em busca de sua hegemonia e/ou
legitimidade do poderio da classe dominante.
Nesse contexto, uma coalização de teorias, aparentemente, apresentam-se
relevantes para o entendimento da realidade, sem perceber quais concepções ético-
morais se assentam nessas teorias. A maior expressão dessa forma de pensar é o
próprio positivismo, que compreende a realidade como um contexto linear lógico, na
qual os sujeitos têm um papel a desempenhar na busca da famosa “ordem e do
progresso social” (expressão do senso comum). Então, tudo que existe e é aceito
pela sociedade, é valorado como bom, obstruindo a possibilidade de apreensão do
complexo de mediações, em busca de desvelar os verdadeiros pores teleológicos e
suas cadeias causais. Essa realidade também é apontada por Guerra (2011, p. 74)
ao exprimir que,
à medida que a racionalidade do projeto burguês, utilitarista, racional e operativa exclui qualquer dimensão que não possa ser apreendida por operações intelectivas, tais como aqueles referentes aos problemas existenciais, a subjetividade, liberdade, paixões, desejos, complexificados por uma conjuntura de crise de racionalidade, esta expressão de formas de pensar e agir culturalmente compartilhadas, estabelece-se a cisão entre a razão objetiva e subjetiva individual e, sobretudo, transforma-se problemas imanentes à ordem capitalista em questões ontológicas da natureza humana.
Assim, a fase neoliberalizante do capitalismo exprime uma gama
reatualizadora dos pensamentos conservadores, assumindo vertentes teórico-
políticas distintas no pensamento contemporâneo, configurando-se em perspectivas
que assumem raízes no âmbito do irracionalismo da própria filosofia alemã até na
perspectiva positivista durkheimeana (em suas vertentes estruturalistas e
funcionalistas), a qual Guerra (2011, p. 75) afirma estabelecer-se no “neo-
irracionalismo” e “neo-positivismo”, respectivamente.
No âmbito do pensamento marxista, o pensamento conservador também faz
uma incursão através de um processo revisitador dos seus fundamentos,
incorporando elementos que tendem a constituir uma visão contemporânea dessa
tradição. A partir da concepção de que as relações sociais se complexificam e que a
realidade social não tende a ser desvelada mais a partir do fundamento da relação
28
Sobre a perspectiva reacionária cf. Hirschman (1992).
69
capital versus trabalho, agrega-se, então, à esta relação elementos que
desqualificam a categoria trabalho como fundante do ser social, recaindo no campo
do ecletismo teórico29 que, inclusive, deturpa essa tradição.
Põe-se como elemento desse ecletismo teórico uma pulverização
desqualificadora do pensamento, constituído a partir da ontologia do ser social, bem
como seus desdobramentos sócio-políticos na construção de uma outra
sociabilidade, porquanto há a supervalorização de uma “cultura” do pensamento,
revitalizando o conservadorismo na perspectiva de legitimação ideológica e
moralista dos fundamentos do capitalismo contemporâneo. Corroborando com tal
pensamento, Guerra (2011, p. 94) pontua que
Na fronteira entre as correntes do racionalismo formal, a tradição marxista e o irracionalismo, surge o ecletismo das teorias consensualistas que, em última instância, deságuam no relativismo extremado. A volátil atmosfera que paira [no contexto contemporâneo] converte-se em clima mais propício aos discursos apocalípticos e apologéticos [da sociedade do capital].
O pensamento conservador, em seus meandros, apodera-se de vertentes do
marxismo, enquanto pensamento progressista, configurando uma perspectiva de
análise da realidade pseudomarxista e pseudoconcreta, bem como a deformação
dos fundamentos marxistas que compõem a estratégia da revolução socialista. Essa
invasão do pensamento conservador no marxismo tem levado a uma confluência
eclética da tradição marxista por alguns autores, implicando, assim, numa
deturpação dos fundamentos de análise radical30 da realidade social, assim como
das estratégias de superação da ordem social vigente.
O pensamento conservador e o progressista apresentam-se na organização
estrutural da realidade social, por meio da disputa de forças as quais reconfiguram
as instituições legitimadoras da burguesia, que têm servido como espaços capazes
de impor seus interesses à sociedade. Sendo assim, o pensamento conservador
corporifica-se na sociedade a partir do processo de produção e reprodução das
relações sociais, mediante tradições socioculturais e ético-políticas transfiguradas
em fundamentos moralistas e religiosos e, ainda, pela direção política do Estado.
29
Essa discussão será empreendida com mais riqueza na próxima seção. Contudo, quem desejar aprofundar sobre a expansão teórica da tradição marxista a partir de incorporação de outras teorias ditas pós-modernas, cf. Habermas (1990). 30
Radical no sentido marxiano, que significa ir à raiz das coisas e, portanto, no sentimento humanista de Marx, a raiz de tudo é o próprio ser humano (MARX, 2005).
70
Apreender o que está em pauta nesta nova configuração do pensamento
moderno e, portanto, as tendências desse pensamento, supõe apreender os
componentes sócio-políticos e econômicos do surgimento do pensamento
conservador31. O pensamento conservador dá seus primeiros passos na
modernidade, apresentada como uma configuração social expressa pela síntese da
relação dialética dos outros momentos históricos da humanidade. Afirma Guerra
(2011, p. 90) que,
[...] à medida que a humanidade segue em sua busca da verdade, os desafios colocados pelas condições sócio-históricas impõem-lhes respostas que muito se afastam das explicações místicas, características do período medieval. E o processo de “desencantamento do mundo’, do qual falava Marx Weber, [se institui pela forma concreta em que a realidade moderna constitui suas relações de produção/sociais e, principalmente no modo de conceber essa realidade]. A ciência passa a ser vinculada à experiência; os objetos, fenômenos e relações deslocam-se do mundo sagrado das idéias para o mundo profano da existência material concreta.
O pensamento conservador, arraigado de diversas interpretações, constituiu-
se a partir de um próprio dissenso entre os pensadores, alargando-se pelos mais
diversos campos das ciências sociais emergentes na modernidade. Esse, segundo
Vincent (apud ESCORSIM NETTO, 2011, p. 36), “não é apenas uma doutrina
política, mas, além disso, está incrustado na essência da própria vida, [tornando], a
humanidade [...] conservadora”.
Tal pensamento, processualmente, mostra-se espraiado em alguns
“princípios gerais” de apreensão da realidade, partindo da concepção de negar o
homem enquanto ser histórico, colocando-o num pedestal de imutabilidade,
relegando-o à uma apreensão transcendental acima das determinações sócio-
históricas que o inter-relacionam, alocando à sociedade um ethos conservadorístico.
A base conceptual desses pensamentos advém da racionalidade crescente
constituída nos meandros das ciências, pois, como afirma Guerra (2011, p. 43),
“dadas as possibilidades da razão, é capaz de (re)figurar, pela via do pensamento, a
processualidade da realidade”. A partir da racionalidade, a humanidade foi/é capaz
de ao mesmo tempo desvelar a realidade como também de escamotear tal realidade
em busca de reafirmar os interesses da classe dominante.
31
Essa discussão foi realizada anteriormente, mas os desdobramentos desse pensamento nos ethe do/a assistente social serão discutidos com maior densidade teórico-prática na próxima seção, sobre os ethe profissionais.
71
Essa relação expressa um verdadeiro antagonismo entre o conhecimento
constituído pelo pensamento conservador – o qual se mantém a partir da
racionalidade abstrata-formal pontuada por Guerra (2011) – e o pensamento
progressista, tendo na razão dialética32 seu fundamento teórico-prático. Esse
pensamento fundado na razão dialética constitui a base da construção de uma
racionalidade, que, segundo Guerra (2011, p. 44), “é a síntese de procedimentos
ativos e intelectivos e torna-se um adjetivo da razão que desaliena, desmistifica,
nega o dado na sua aparência e é capaz de engendrar ações que ultrapassem a
dimensão manipulatória e instrumental”.
Concretamente, o pensamento progressista vai se insurgindo como síntese
das múltiplas determinações históricas que, de acordo com Guerra (Ibdem), trazem
à tona uma velha polêmica sobre os fundamentos teórico-filosóficos capazes de
desvelar a verdadeira realidade das relações sociais, gestadas no seio da nova
configuração social da (re)produção econômica, social, cultural e política.
Dessa forma, a tradição teórica marxista se configura nas correntes do
pensamento progressista como aquela que dá sustentação à racionalidade crítico-
dialética, uma vez que traz à tona elementos fundamentais da realidade, sob a
perspectiva de superação do modo de produção capitalista pelo socialismo, pois tem
como categorias centrais de análise da realidade a contradição, a história, a
mediação e a totalidade33. A racionalidade deste pensamento funda-se na ontologia
do ser social, visto que a essência humana não é uma mera abstração inerente a
cada indivíduo, mas sim um conjunto das relações sociais constituídas
historicamente na realidade concreta (MARX, 2007).
Nos seus escritos, Marx (1982), ao analisar a sociabilidade burguesa, parte
do real concreto, tendo no trabalho a categoria ontológica fundante do homem
enquanto ser social e percebe que os antagonismos manifestantes dessa
sociabilidade têm sua raiz no processo produtivo, no qual a central contradição do
sistema do capital, em sua totalidade, está na apropriação privada, pela classe
dominante, daquilo que é socialmente produzido pela classe trabalhadora.
Na concepção marxista, apreender o movimento do real é apreender as
particularidades postas pela sociabilidade capitalista, tendo as categorias de análise
dessa realidade pautadas nos fundamentos ontológicos que se autoimplicam e
32
Sobre determinações lógicas e ontológicas da categoria “racionalidade”, cf Guerra (2011, p. 42-45). 33
Para aprofundamento teórico sobre essas categorias cf. Kosik (1995).
72
autodeterminam.
Assim, a orientação marxiana de análise da realidade é pautada na busca
histórica de uma sociabilidade sustentada no humano como alternativa hegemônica
ao modo de produção estabelecido pelo capital, procurando expor o caráter
totalmente indefensável de suas determinações estruturais antagônicas, que, em
meados da segunda metade do século XX, complexificam-se, tanto no campo das
relações de produção, como no das relações sociais, em geral, operadas pela sua
fase neoliberalizante.
Percebe-se, portanto, a constituição dos valores na sociabilidade do capital
embutida nas relações do trabalho. Ela autoimplica-se e autoconstrói-se no
desenvolvimento do ser social, já que o fim da ação humana vem na consciência
antes mesmo de sua realização. Logo, o comportamento do ser social é regulado
pela relação objetiva e subjetiva entre o futuro e o passado na constituição do seu
presente. Lukács (2013) pontua, ainda, o valor impetrado nas relações sociais
subsumido à forma de organização do trabalho, porquanto, na sociabilidade do
capital assume as particularidades mencionadas acima.
Tal realidade tem levado os seres sociais a tomar decisões sem um
conhecimento adequado e sem uma análise crítica do real, as quais têm relativizado
a práxis social como algo próprio do ser. Tal análise não considera o processo de
contradições nas mais diversas esferas da sociabilidade do capital e supervaloriza a
dimensão pragmática e imediata. Essa realidade, no campo da vida profissional,
evidencia-se na seguinte fala: “a gente vai ter contato com todo o aprendizado na
prática, tudo o que a gente passou na teoria a gente vai exercer na prática, só que
quando a gente chega na prática a realidade é um pouco diferente” (E5, 26a,
formanda).
Nessa perspectiva, é central a dissensão entre teoria e prática, ou seja,
fragmenta-se a vida, busca enquadrá-la em definições, elementos próprios da teoria
positivista e suas diversas manifestações. Essa realidade também se evidencia na
fala da E2 (20a, formanda) ao querer separar a vida profissional da vida pessoal,
dimensões que, por sua natureza ontológica, são complexas e autoimplicam-se no
desenvolvimento do ser social.
Dessa forma, a não compreensão dos fundamentos concretos de
sociabilização do homem e das condições da sociabilidade do capital leva a leituras
equivocadas da realidade social, incidindo em ações também equivocadas e
73
desconectadas do real.
Nesse limiar, torna-se necessário colocar a ética como elemento da prática
social dos homens, que não é algo abstrato, não compõe unicamente o campo das
ideias, mas é gerada no campo das contradições sociais, a partir dos determinantes
sócio-históricos objetivos e subjetivos que autoimplicam-se e autodeterminam-se.
Não obstante, ainda na cena contemporânea, o que se observa é a defesa
intransigente de um mundo justo e igualitário, sob a perspectiva de respeito à vida
humana. Com isso, tem-se impetrado uma cultura apologética às ações políticas,
eticamente orientada por uma revitalização de certos valores e costumes morais, ao
passo que esses valores se apresentam difusos e bifurcados na realidade social.
Tonet (2002, p. 01) aponta:
Em todas as dimensões da vida social, valores que antes eram considerados sólidos e estáveis sofreram profundos abalos. Há uma sensação geral de desnorteamento e de insegurança. Parece que, de uma hora para a outra, a sociedade se transformou num vale-tudo, onde não se tem mais certeza do que é bom ou mau, correto ou incorreto. E, sobretudo, parece que os valores que mais se impõe são os de caráter, individualista, imediatista e utilitário, chegando, muitas vezes, ao cinismo mais aberto. Aspira-se a um mundo justo, solidário e humano mas parece que estes valores se tornam cada vez mais distantes.
A atual configuração social tem levado a humanidade, ao mesmo tempo, a
conclamar de forma abstrata-formal valores éticos universais e a pautar sua
realidade objetiva através de valores de caráter individual burguês, e, nesse
contexto, a crise estrutural do capital tem impregnado “valores” de aceitação passiva
da atual conjuntura.
Tem-se afirmado um processo de distanciamento entre a realidade objetiva
e o discurso ético-político moralizante, pois, segundo Tonet (2002, p. 8), “quanto
mais a realidade objetiva evolui no sentido da desumanização, mais o universo dos
valores ganha um estridente caráter de discurso vazio e até mesmo de moralismo
barato”, isso eminentemente visível pela não realização de mudanças efetivas na
realidade social.
Instala-se uma fratura entre o ser e o dever ser, pois enquanto o primeiro se
mostra individualista – com os sujeitos tratados como coisas/mercadorias, e sob a
lógica privatista –, o segundo se pauta na solidariedade humana como condição da
busca pelo bem comum – tendo o humano-abstrato como fim último.
Essa perturbação de valores e de caráteres no campo da vida social invade
74
a realidade profissional do Serviço Social, pois este não se encontra imune ao
contexto histórico conjuntural da sociedade. Dessa forma, a profissão tem
vivenciado anseios e dilemas éticos e morais presentes na relação objetividade e
subjetividade no processo da formação profissional, o que, por sua vez,
desembocará no exercício profissional.
Assim, para desvelar os ethe político-profissionais dos(as) assistentes
sociais, é necessário apreender o movimento antagônico e dialético que a ética
percorre no campo do saber, bem como nos espaços sócio-ocupacionais em que se
inserem esses profissionais. Segundo Tonet (2002) e Barroco (2010a), essa ética
pode configurar-se na defesa de valores morais abstrato-formais e também de
valores humano-genéricos, enraizados na racionalidade crítico-dialética.
O ethos político-profissional hegemônico do Serviço Social adquire um
status fundamental para a profissão, pois se constitui a partir da síntese de múltiplas
determinações de caráter teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo que
se autoimplicam e autodeterminam, consolidando a identidade social construída
coletivamente pela categoria, a partir dos valores éticos balizados por esta profissão.
Desse modo, o ethos nada mais é do que a forma de ser do(a) profissional –
construído não em sua individualidade, mas em um processo coletivo sócio-
historicamente determinado que precisa ser internalizado individualmente, como
possibilidade de conectar as ações singulares dos sujeitos profissionais à sua
dimensão humano-genérica – é a expressão ético-política da profissão em sua
totalidade multidimensional, já que ela não se funda a partir de uma conglomeração
de disciplinas ou teorias, porém a partir do movimento histórico concreto da
realidade social.
Esse modo de ser da profissão pode ou não ser apreendido, legitimado e
construído pelos profissionais em sua singularidade, pois esse ethos político-
profissional é determinado no âmago das relações sociais vigentes, que implicam
diretamente na formação humana, pessoal e profissional desses sujeitos. Assim,
Lukács (1978, p. 13) afirma que:
só quando o trabalho for efetivamente e completamente dominado pela humanidade, superando o “reino da necessidade”, quando a sociedade superar qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução é que terá se caminhado para o “reino da liberdade”, já que sua atividade contém, enquanto parte constitutiva necessária da práxis humana, o próprio movimento da liberdade, só que em “doses menores”.
75
Dessa maneira, é importante exprimir a historicidade da categoria ethos no
âmbito do Serviço Social, o que significa apreender seus nexos causais na
totalidade do fazer profissional, logo, implica apreender os contornos em relação à
autoimagem da profissão e à cultura profissional, relacionadas à forma de sua
inserção na divisão social e técnica do trabalho. O que leva a apreender as
internalizações ético-políticas dos sujeitos profissionais, tanto em sua singularidade
como na condição da riqueza profissional.
Tais dimensões serão abordadas na seção seguinte, a qual buscaremos
sistematizar de forma teórico-prática os desdobramentos dos ethe político-
profissionais do(a) assistente social, tomando como base o processo de constituição
do Projeto Ético-Político Profissional.
77
3 OS ETHE POLÍTICO-PROFISSIONAIS DOS/AS ASSISTENTES SOCIAIS:
RUPTURAS, CONTINUIDADES E TENSÕES CONTEMPORÂNEAS
Como discutido, é importante demarcar que as palavras isoladas em si
mesmas não têm significados, ou seja, tornam-se vazias, sendo necessária sua
apreensão no dado contexto histórico, inserida no contexto objetivo-subjetivo das
relações sociais.
Apontamos anteriormente como se constituem os valores, a moral e a
consciência, o que nos permite afirmar que o ser, ao se constituir enquanto social,
também se constitui em seus meandros enquanto ético. Entretanto, Barroco (2010a)
pontua que a ética, no decorrer da história, passa a se objetivar de formas distintas,
por meio da moral, da reflexão teórica ou da práxis ética.
A ética profissional, por conseguinte, nada mais é do que o modo particular
de realização da ética em sua totalidade – a vida ética –, sendo parte constituinte e
constitutiva da práxis humana. Dito de outra forma, a ética profissional não pode ser
pensada ou separada da ética do indivíduo, haja vista sua realização através do
trabalho, em forma particular.
Nesse contexto, o Serviço Social, enquanto profissão inscrita na divisão
social e técnica do trabalho (IAMAMOTO, 2008), em contextos históricos diferentes,
incorpora formas objetivas de realizar sua ética profissional, sempre amparada em
fundamentos teóricos, filosóficos e políticos, o que possibilita demarcar o seu lugar
no contexto das profissões e da sociedade.
Tais fundamentos demarcam momentos distintos nesse processo, com
determinações e tendências as quais perpassam desde um ethos tradicional, que
apresentava/defendia a imutabilidade, o absolutismo e a eternidade dos fatos e
fenômenos sociais, donde a concepção de homem e de mundo se fincava nos
valores e princípios da Igreja Católica; até um ethos amparado na tradição histórica-
dialética marxista, o que coloca a afirmação da liberdade como valor ético central,
tendo, como fundamento dessa, a própria práxis humana.
Essas tendências de ethos não se apresentam de forma linear, muito menos
se resumem a rupturas, pelo contrário, apresentam-se com continuidades e
rupturas, e aparecem, hoje, no Serviço Social, como grandes tendências no
cotidiano profissional, que se colocam como antagônicos – em sua essência – e em
alguns momentos até se coadunam, camuflando uma relação de constantes
78
disputas.
Dito isso, propõe-se nesta seção a reflexão sobre o processo de constituição
dos ethe político-profissionais dos/as assistentes sociais, a partir do contexto das
suas relações no campo da formação e do exercício profissional, o que permite
apreender as determinações sociopolíticas de rupturas, continuidades e, com isso,
apontar as tensões contemporâneas dessas disputas ético-políticas. Tal reflexão
faz-se necessária para que não se caia no campo de idealização do ethos desses
sujeitos.
Torna-se necessária, também, uma discussão sobre a relação entre a teoria
crítica de Marx e o Projeto Ético-Político (PEP) do Serviço Social como unidade
dialética, apontando as continuidades e rupturas dessa aproximação para o
amadurecimento do que denomina-se aqui de ethos humano-genérico, hegemônico
hoje na profissão.
3.1 “Os Marxismos” e o Projeto Ético-Político do Serviço Social: Entre
continuidades e rupturas para o amadurecimento profissional
A teoria social de Marx compõe, a partir dos anos de 198034, diante das
transformações societárias, novas formas do/a assistente social pensar o ser social
e suas relações, buscando afastar o seu exercício profissional daquelas práticas
neotomistas e positivistas/funcionalistas, as quais inibiam a apreensão da totalidade
social diante das demandas e fatos apresentados naquela realidade.
Assim, a apropriação dessa nova matriz teórica, cujo início se deu de forma
enviesada, expande o olhar e o fazer do Serviço Social, galgando os caminhos para
se tornar a referência analítica hegemônica, embora não unânime, dentro da
profissão. Essa aproximação é o elemento essencial para a condução da ruptura
com o histórico conservadorismo profissional, bem como para a consolidação dos
princípios e valores do projeto ético-político profissional.
É sabido que o processo de apropriação do marxismo pelo Serviço Social
não se deu de forma tranquila, afastada de conflitos e de equívocos. O próprio
contexto histórico, político e econômico contribuiu para esses traços. Segundo
34
As primeiras aproximações do Serviço Social brasileiro com a perspectiva marxista se dão a partir dos anos 1960. Contudo, uma série de acontecimentos políticos/estruturais e equívocos teórico-metodológicos colocam limites a essa aproximação e, então, somente a partir do Congresso da Virada (1979) e dos anos seguintes, essa aproximação vai se dando mais substancialmente.
79
Maranhão (2014), quanto à relação de antagonismo, esse se assenta em razão das
diferentes concepções de questão social que o Serviço Social e a teoria social de
Marx apresentam. Para Marx, a questão social se assenta como algo indissociável
do capitalismo. Para ser mais preciso, o capitalismo nada mais é do que a produção
e reprodução ampliada da questão social, e, portanto, a dissolução/superação da
questão social implica o esgotamento desse modo de viver da sociedade.
O fato mencionado guarda antagonismo com o Serviço Social, pois tem
como pressuposto a intervenção para o enfrentamento da questão social nesse
modo de produção. Outro ponto antagônico nessa perspectiva trata-se das fontes
inspiradoras de ambas as categorias, tendo o marxismo sido influenciado por ideias
iluministas e o Serviço Social por correntes conservadoras ligadas à Igreja Católica;
influências historicamente opostas (MARANHÃO, 2014).
Um outro determinante da frágil aproximação do Serviço Social com o
marxismo trata-se da herança teórica política da II Internacional do movimento
comunista mundial35, que resultou na deformação da compreensão sobre a teoria
social de Marx. Tal compreensão sacrificou a dialética e apreendeu os escritos de
Marx como uma “sociologia científica” com influências do pensamento positivista,
reduzindo a teoria a uma análise fatorialista, carregada de procedimentos lógico-
formais, o que acabava por desencadear “o mecanismo da evolução social a partir
da análise econômica” (MARANHÃO, 2014, p. 84).
Essa compreensão perdurou no cenário político durante certo período,
exercendo sua influência nas esquerdas em todo o mundo. Foi por essa
compreensão da teoria marxista que o Serviço Social encontrou-se, nos anos de
1960, e pela qual foi influenciado no Movimento de Reconceituação do Serviço
Social, quadro que só teve condições de ser superado, posteriormente, nos anos de
1980, pelo menos nas sistematizações teórico-políticas.
Maranhão (2014) faz uma crítica realizada, também, por autores como
Iamamoto (2008) e Netto (2011), para referir-se à tendência de conhecer e de
compreender a teoria social de Marx por meio de manuais de divulgação que, em
muitas circunstâncias, traziam compreensões simplistas, reducionistas e
35
A II Internacional foi uma organização internacional do movimento proletário, criada em 1889, momento que marca um grande fortalecimento dos sindicatos, crescimento dos partidos sócio-democratas, e conquistas como a ampliação do direito ao voto e a jornada de oito horas. O funcionamento dessa Internacional foi, particularmente, marcado pelas questões das conquistas políticas e econômicas do proletariado na época e de como posicionar-se frente ao imperialismo ascendente.
80
vulgarizadas da obra do autor: é o “marxismo sem Marx”. Tal aproximação revela,
como aponta Quiroga (1991, p. 93), “que não se [pode] falar de Marxismo e, sim, de
marxismos, implicando diferentes compreensões e incompreensões de sua obra,
com seus matizes variados”.
Além desses determinantes, tem-se o fato prejudicial da supervalorização da
dimensão política, em detrimento da dimensão teórica e metodológica, o que se deu
em razão dessa aproximação por meio do movimento estudantil e da influência de
partidos políticos (MARANHÃO, 2014). Nessa mesma direção, Quiroga (1991, p.
102) afirma que “a aproximação aos marxismos deu-se, em muitos casos através da
militância político-partidária e [que], só tardiamente, sua discussão foi incorporada
ao debate acadêmico-profissional”.
Vale ressaltar que a hipervalorização de uma certa dimensão em prejuízo
das demais é considerada negativa nessa realidade, o que leva a um conjunto de
abordagens parciais da realidade, fragmentando-a – tendência combatida
veementemente por Marx, pois fere um aspecto fundamental de sua concepção
teórico e política, que é a compreensão da “totalidade” dos contextos sociais. Sobre
essa abordagem, Quiroga (1991, p. 107) declara:
A preocupação de Marx, nessa linha, passa, entre outras preocupações, pelo cuidado de evitar o conhecimento isolado, fragmentado, não aceitando a “autonomia” total das partes com relação ao todo. Os problemas e suas diversas formas de conhecê-lo devem ser discutidos e justificados no estudo do ser social, como dimensões participantes destes, considerado, então, na totalidade de seus determinantes objetivos com suas complexas ligações e mediações. Assumir o pensamento de Marx em sua totalidade significa, pois tomá-lo, nas três dimensões de sua proposta, todas três interligadas e inseparáveis: o método dialético, a teoria do valor e a questão da força social das classes e a luta de classes, cujo fim último é a possibilidade da revolução. A ênfase excessiva em uma ou outras dessas dimensões acarreta, portanto, deformações da visão de totalidade que está embutida em sua concepção.
Sem descartar as demais contribuições que a teoria de Marx tem a oferecer,
o despertar da categoria para a dimensão política trouxe reforço para seu
amadurecimento profissional, por meio da compreensão da sociedade de classes e
do papel a ser desempenhado nesse cenário. Para tanto, atualmente não se
visualiza um projeto profissional para o Serviço Social dissociado da dimensão
política, pois ela está imbricada em todos os procedimentos técnicos da profissão.
O resgate dos determinantes das dificuldades no processo de apropriação
81
da teoria marxista pelo Serviço Social, elencados por Maranhão (2014), contribuiu
no intuito de oferecer subsídios à reflexão de quão importante foi essa aproximação,
meio tortuosa em seus ensaios iniciais, contudo fundamental para a construção do
atual projeto profissional do Serviço Social, pois possibilitou avanços expressivos
para a profissão na ruptura com a prática profissional anteriormente instituída,
trazendo a historicidade e o exercício crítico da realidade, em contraponto à
imediaticidade e o consenso proposto no projeto conservador.
Também é possível compreender como foi decisiva essa aproximação na
configuração do projeto ético-político da profissão e evidenciar que, embora
superadas essas dificuldades pelo movimento de amadurecimento teórico-político
conquistado pela profissão nos anos 1980/1990, essa deficiente teorização inicial
sobre Marx imprime, ainda em dias atuais, resquícios que podem ser considerados
entraves na materialização do projeto ético-político do Serviço Social, sobretudo,
porque os projetos profissionais, conforme Netto (2009, p. 144),
[...] apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que as legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos, e institucionais) para seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases de suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações sociais privadas e públicas (inclusive o Estado, a quem cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais).
Como afirma o autor, os projetos profissionais são o que confere uma
representação, um retrato das categorias profissionais. Esses projetos estão
intimamente associados ao contexto histórico em que se situam, sendo os projetos
profissionais legitimadores ou não do projeto societário hegemônico num dado
momento histórico. Essa afirmação contribui para a compreensão de todo o
processo de questionamento e renovação pelo qual passou o Serviço Social, e que
atualmente tem um projeto distinto daquele retratado pela profissão em sua gênese.
Portanto, foi nos anos de 1980, com a expansão das ofertas dos cursos de
pós-graduação – mestrado e doutorado – na área de Serviço Social, e a partir do
aprofundamento teórico-político, que se conseguiu a densidade necessária de
apreensão das categorias que compõem o real, superando algumas formas
enviesadas do marxismo na compreensão da realidade social. Dentre as quais,
consagrou-se a compreensão de totalidade empreendida por Marx. Para Kosik
82
(1995, p. 61),
a totalidade concreta como concepção dialético-materialista do conhecimento do real [...] significa, portanto, um processo indivisível, cujos momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autêntica objetividade; em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do individual e do humano em geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ela ocupa no meio do corpo social.
Dessa forma, o desenvolvimento da dimensão investigativa no âmbito da
profissão, a partir da verdadeira apreensão do método materialista histórico-
dialético, possibilitou à categoria representar o caminho teórico-prático e ético-
político, apontador do desvelamento da dinâmica do real, em sua efervescência
mais concreta dessa realidade. Assim, busca-se apreendê-la na perspectiva de uma
intervenção socioprofissional, condizente com a direção sociopolítica empreendida
pelos movimentos democráticos da realidade brasileira, haja vista a compreensão da
perspectiva totalizadora da realidade. Conforme Guerra (2009, p. 710), existem “[...]
três dimensões que compõem a realidade: universal, particular e singular são partes
constitutivas de um mesmo objeto, são sempre articuladas entre si, se auto implicam
e se auto explicam, e a interpretação do objeto [...] tem em vista captá-las”.
O materialismo histórico-dialético propõe um processo de aproximações
sucessivas da realidade, na perspectiva de desvelá-la a partir de uma análise crítica
da realidade contraditória, por meio da dialética. Para isso, afirma haver dois
elementos imprescindíveis, dos quais não se pode abrir mão quando existe desejo
de desvelar o real: a história e a dialética.
Assim, apreender a categoria história – como terreno no qual se movem as
contradições sociais – no desenvolvimento do ser social, possibilitou à profissão
superar a visão, até então, a-histórica de análise da realidade, ou mesmo quando da
forma enviesada dada por essa compreensão, pelas primeiras aproximações do
Serviço Social com o marxismo. Dessa forma, na perspectiva crítico-dialética,
conforme Kosik (1995, p. 236-237):
Na história o homem realiza a si mesmo. Não apenas o homem não sabe quem é, antes da história e independentemente da história; mas só na história o homem existe. O homem se realiza, isto é, se humaniza na história. A escala em que se opera tal realização é tão ampla que o homem pode caracterizar o seu próprio agir como inumano, embora saiba que só
83
um homem pode agir de modo inumano. Assim que o renascimento descobriu que o homem é criador de si mesmo e que pode ser aquilo que ele mesmo se faz, anjo ou besta, leão e urso humano, ou qualquer outra coisa, tornou-se logo evidente que a história humana constitui o desdobramento destas ‘possibilidades’ no tempo. O sentido da história está na própria história: na história o homem se explicita a si mesmo, e este explicitamento histórico – que equivale à criação do homem e da humanidade – é o único sentido da história.
A concepção desse elemento fundamenta-se na materialidade da condição
histórica do conhecimento, pois assim como a sociedade em suas bases concretas é
dinâmica, isso se manifesta na sua formação sócio-histórica. A história tende a
exprimir a possibilidade de incorporação de um maior número de elementos
significativos que, abstraídos no intelecto do profissional, permitirá uma análise da
realidade de forma mais concreta.
Outra categoria ampliada por Marx, umbilical à própria história da
humanidade, é a dialética. Assim, Kosik (1995, p. 20-21) bem afirma:
A dialética é o pensamento crítico que se propõe a compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade. [...] não considera os produtos fixados, as configurações e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não considera o mundo das representações e do pensamento comum, não os aceita sob o seu aspecto imediato: submete-os a um exame em que as formas reificadas do mundo objetivo e ideal se diluem, perdem a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se mostrarem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e produtos da práxis social da humanidade.
O que deve-se assinalar é que o método adequado para conhecer a
realidade deve ser “igual” à própria realidade, ou seja, deve reproduzir idealmente o
movimento do real.
Disso podemos dizer, usando uma frase, que a dialética parte da idéia do ser como uma totalidade em movimento. São duas idéias complexas: totalidade e movimento. [...] A tarefa que a dialética se propõe é extremamente complexo e só pode ter bom êxito, se o método que você usa para compreender essa realidade for capaz de, ele próprio, ser dialético. Quer dizer, ele próprio tem que se mover, tem que acompanhar essas sinuosidades, esse movimento do real. O método não pode ser diferente de seu objeto. O sujeito e o objeto têm que percorrer, ambos, o mesmo caminho. (PAULA, 1992, p. 29).
Essas categorias analíticas permitiram ao Serviço Social apreender a
realidade, recompondo-a como uma totalidade dialética, ou seja, um conjunto de
84
totalidades menores articuladas numa totalidade mais complexa, que tem sua
unidade nas diversidades dessas totalidades. Por conseguinte, a partir dessa
aproximação – primeiramente enviesada, depois superando esses vieses – com o
marxismo que o Serviço Social pôde conhecer as coisas como elas de fato são e, a
partir daí, reordená-las de acordo com as finalidades da profissão, a qual, desde os
anos 1.990, conformou o chamado Projeto Ético-Político (PEP).
Hoje, é inadmissível que estudantes e profissionais desconheçam que o
Serviço Social tem um projeto ético-político e este está alicerçado, com objetivações
legais de primeira ordem, em seu Código de Ética Profissional de 1993, na Lei de
Regulamentação da Profissão (Lei nº 8162/1993) e nas Diretrizes Curriculares,
também de 1996, nas quais a profissão afirma claramente seu compromisso com a
classe trabalhadora, quando declara a liberdade como seu valor ético central e opta
por um projeto vinculado à proposição da construição uma nova ordem societária,
sem dominação e exploração de classe, etnia e gênero, quando se posiciona em
favor da equidade, da justiça social e da universalidade de acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais (BRASIL, 2012).
Analisa-se que o processo de constituição sócio-histórica relatado leva a
inferir sobre o Serviço Social em si, bem como sua configuração do modo de
produção capitalista – a partir do qual surge a necessidade do/a assistente social,
em função da questão social – não serem os mesmos da época de sua
institucionalização.
As transformações pelas quais passaram a profissão, o modo de produção
econômica e a matéria de atuação do/a assistente social têm consequências
imperativas no modo de pensar e agir da profissão, que implicam diretamente na
consolidação do seu ethos hegemônico.
Por isso, para discutir o trabalho e a formação profissional em Serviço Social
não se pode ficar somente nos posicionamentos dos/as profissionais; torna-se
necessário ir aos fundamentos e condições concretas dessas realidades, para não
discutir a ética profissional descolada do campo das contradições concretas a ela
inerentes, e, assim, não cair no limiar das ilusões ético-morais. Desse modo, na
próxima subseção, pautaremos nossas discussões no Código de Ética profissional e
na sua relação com as Diretrizes Curriculares na perspectiva da (re)vitalização do
nosso Projeto Ético-Político Profissional.
85
3.2 O Código de Ética dos/as assistentes sociais e as Diretrizes Curriculares:
implicações teórico-políticas36
O Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social brasileiro é uma
conquista da categoria profissional ao longo de um processo histórico de maturação
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo37 anterior, sobretudo sob a
perspectiva da crítica marxista. Essa maturação constitui-se como síntese da
expressão das lutas e das resistências dessa categoria, como da classe
trabalhadora, frente às ideologias políticas, econômicas e culturais conservadoras38
operadas pelo neoliberalismo.
As bases teórico-políticas do amadurecimento da profissão, desembocada
na construção do Projeto Ético-Político Profissional, se encontram na configuração
dada pelo processo de recusa ao conservadorismo presente na categoria. É nos
anos de 1980 que essa categoria adquire maturidade intelectual e política para
objetivar uma avaliação qualitativa dessas tendências que permearam o Serviço
Social em seu processo de renovação, no qual se hegemoniza a tendência da
Intenção de Ruptura39. Desse modo, Barroco (2010b, p. 166-167) destaca:
as formas de incorporação do marxismo pelo Serviço Social só adquirem condições de ser reavaliadas na segunda metade dos anos 70, no âmbito da crítica superadora do movimento de reconceituação. Aí são apontados seu ecletismo teórico-metodológico, sua ideologização em detrimento da compreensão teórico-metodológica, sua remissão a manuais simplificadores do marxismo, sua reprodução do economicismo e do determinismo histórico. Em termos políticos, questiona-se o basismo, o voluntarismo, o messianismo, o militantismo, o revolucionarismo.
Nesse período, ainda era bastante restrita a reflexão teórico-metodológica
sobre a ética inspirada na tradição marxista, embora tal ética já se encontrasse
presente nas configurações históricas da profissão, como é exemplo, o III Congresso
36
As discussões aqui empreendidas são fruto de um trabalho desenvolvido sob o título: ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: implicações e desafios teórico-políticos e sócio-históricos presentes na formação profissional, de autoria conjunta com a orientadora Rita de Lourdes de Lima; constituindo um artigo de revisão bibliográfica submetido, por meio de uma coletânea, à publicação de um e-book pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que, ao tempo da construção desta dissertação, aguarda resultado para aprovação. 37
Essas são as dimensões primárias do Serviço Social, muito bem discutidas por Iamamoto e Guerra, em todo o seu conjunto teórico. 38
Acerca do pensamento conservador, ver Escorsim Netto (2011) e Martins (1981). 39
Sobre este assunto, ver Netto (2011).
86
Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), em 197940, que, para Barroco (2010b, p.
168), é um marco no compromisso político da categoria dos(as) assistentes sociais
com os campos populares da sociedade brasileira, pois “os valores ético-políticos
inscritos no projeto profissional de ruptura adquirem materialidade, o que se
evidencia na organização política da categoria, na explicitação da ruptura com o
tradicionalismo profissional”.
O processo de maturação teórico-político ocorrido na década de 1980 é
marcado pela aproximação com fontes as quais retratam a riqueza do pensamento
marxista, que na realidade brasileira tem como centralidade a obra Relações Sociais
e Serviço Social no Brasil, de Iamamoto e Carvalho, a qual sua primeira edição foi
publicada no ano de 1982, assinalando a superação dos equívocos arrolados às
primeiras aproximações da profissão ao marxismo. Essa obra constitui-se, segundo
Netto (2011), como base fundamental do aprofundamento crítico sobre as bases
teóricas da ética profissional, pois possibilita uma compreensão do Serviço Social
como uma especialização inserida na divisão social e técnica do trabalho, incidente
diretamente no processo de produção e reprodução das relações sociais.
Conjuntamente, essa obra atribui destaque às discussões e aos
aprofundamentos – a partir da tradição marxista – de algumas categorias
elementares para o Serviço Social, tais como: “questão social”, política social,
trabalho, sociedade civil e Estado. Tais discussões sustentaram as bases de
reorganização da categoria, tanto no campo da formação quanto no do exercício
profissional. Essa nova compreensão dos fundamentos que compõem o Serviço
Social possibilita a objetivação de uma dimensão, até então tida como “neutra” no
seio da profissão, que é a dimensão política.
Ao tratar essa dimensão como “neutra” não estamos atribuindo ao Serviço
Social, em sua trajetória, a não presença dessa dimensão, mas sim compreendendo
que os sujeitos profissionais, por um certo período, compreendiam essa profissão
destituída de qualquer direção política. Entretanto, ao apreenderem-se as
tendências que se colocaram a/na profissão em seu processo de Reconceituação,
percebemos o quanto a dimensão política se conforma nos contextos históricos, ora
40
No III CBAS (Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais), os (as) assistentes sociais presentes questionaram a direção adotada pela organização do congresso e substituíram os convidados especiais, representados por autoridades da Ditadura Civil-Militar, por dirigentes de organizações populares. Essa atitude constituiu-se em um marco no seio da categoria profissional e representou a vontade dos profissionais de Serviço Social colocar sua prática profissional a favor dos setores populares.
87
numa perspectiva de manutenção e/ou reparação do status quo, ora noutra de
liberdade e democracia substantiva, e, ainda, quando ela se apresenta/apresentava
como neutra, sempre corroborou/corrobora para a direção conservadora.
A dimensão política, na perspectiva marxista, objetivada nas ações da
categoria, leva a profissão a repensar seus direcionamentos éticos, assim como
seus pressupostos teóricos que fundamentam e balizam a ética profissional. O que
constitui a possibilidade de um novo ethos que, de acordo com Iamamoto e Carvalho
(2014), no desempenho de uma função intelectual, o/a assistente social, a depender
de sua opção política, pode configurar-se como mediador dos interesses do capital
ou do trabalho, ambos presentes, e em confronto, nas condições em que se efetiva
o trabalho profissional.
Esse profissional pode tornar-se intelectual orgânico41 a serviço da
burguesia ou das forças populares emergentes, e pode orientar sua atuação,
reforçando a legitimação da situação vigente ou, ainda, um projeto político
alternativo; apoiando e assessorando a organização dos/as trabalhadores,
colocando-se a serviço de suas propostas e objetivos. De acordo com sua direção
ético-política, o/a assistente social pode tanto reforçar a lógica capitalista, como
balizar sua prática em elementos emancipatórios, podendo, portanto, produzir novos
instrumentos e/ou reproduzir as determinantes sociais do capital.
Sendo assim, no ano de 1986, tem-se instituído no âmbito da categoria o
seu novo Código de Ética (RESOLUÇÃO CFESS nº 273/1993), que, em
contraposição aos Códigos anteriores (1947, 1965, 1975)42, demarca sua vinculação
a uma ética transformadora no campo do Serviço Social brasileiro, pois seus
pressupostos teórico-políticos assumem uma direção social conformada à
conjuntura ideopolítica da década de 1980. Segundo Barroco (2010b, p. 176-177),
aponta-se para a necessidade de uma nova ética profissional que ‘reflita uma vontade coletiva, superando a visão a-crítica, onde os valores são tidos como universais e acima dos interesses de classe’. A nova ética é então definida como ‘resultado da inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora e, consequentemente, de uma nova visão da sociedade brasileira’. Assim, apresenta-se o princípio da nova ética, o ‘compromisso’ com a classe trabalhadora’, desta vez explicitado: ‘A categoria, através de
41
Hegemonia, na concepção Gramsciana, se configura na capacidade organizacional de uma classe social, em unificar em torno de seu projeto político uma adesão de forças não homogêneas, arraigada de contradições de classes (GRUPPI, 2004). 42
Para maior aprofundamento sobre os Códigos de Ética do(a) assistente social anteriores ao de 1986 cf. Barroco e Terra (2012).
88
suas organizações, faz uma opção clara por uma prática profissional vinculada aos interesses desta classe’. [Contudo] O código expressa uma concepção ética mecanicista; ao derivar, imediatamente, a moral da produção econômica e dos interesses de classe, não apreende as mediações, peculiares e dinâmicas da ética. Ao vincular, mecanicamente, o compromisso profissional com a classe trabalhadora, sem estabelecer a mediação dos valores próprios à ética, reproduz uma visão tão abstrata a que pretende negar.
Nota-se que até aquele momento ainda se permeia uma insuficiência na
apreensão da ética nos processos de objetivação das relações sociais, o que não se
equipara a uma ausência de mudanças ético-morais no contexto da profissão. A
superação das fragilidades do Código de 1986, conforme Barroco (2010a, p. 178), “é
objetivada em 1993, quando o Código é reelaborado, o que deixa claro que houve
um avanço teórico, proporcionado pelo acúmulo anterior”.
O contexto de amadurecimento da ética no Serviço Social é tido como uma
expressão coletiva da categoria, protagonizada pela articulação de suas entidades
representativas – a partir de congressos, oficinas, seminários, espaços de diálogo e
debate, dentre outros –, que esteve consubstanciado a um período em que “o país
ingressa no ‘mundo global’, reatualizando as velhas estratégias de equacionamento
moral da ‘questão social’” (BARROCO, 2010, p. 179). Esse período é tomado por um
avanço do conservadorismo burguês construído no âmago das relações sociais
vigentes43.
Mesmo com essa configuração adversa à objetivação de uma ética
consubstanciada aos fundamentos teórico-políticos do marxismo, no Código de Ética
de 1993, mostra-se uma ampliação mais sólida das bases teórico-filosóficas de
Marx, essencialmente por meio da expansão intelectual dessa tradição nos anos
1980, no âmbito do Serviço Social. Como já assinalado, é nos anos 80 que o Serviço
Social brasileiro dá seus primeiros passos no âmbito da pós-graduação stricto sensu
e se aproxima, gradativamente e com profundidade, de autores/as (Lukács,
Mészáros, Heller, Gramsci, entre outros), conceitos e categorias, até então
apreendidos superficialmente como ontologia, fetichização, alienação e práxis.
Desse modo, os anos de 1990 e os seguintes trouxeram o acúmulo teórico-
metodológico e ético-político que permitiram a discussão e a aprovação dos/as
43
No Brasil, os anos 80 do século XX foi o momento de reorganização das forças e movimentos populares na luta contra a Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e trouxe enormes conquistas para a classe trabalhadora, expressos, em parte, na Constituição de 1988. Contudo, os anos 1990 representaram a chegada do Neoliberalismo e o início do desmonte dos direitos sociais, conquistados na Constituição à duras penas.
89
assistentes sociais dos instrumentos que expressam o Projeto Ético-Político (PEP)
da profissão. Assim, o PEP expressa em suas objetivações de primeira ordem, no
novo Código de Ética Profissional (Resolução CFESS nº 273/93, de 13 de março de
1993) e na nova Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº 8.662/93, de 7 de
junho de 1993), bem como na elaboração das Diretrizes Gerais Curriculares para o
Curso de Serviço Social, de 1996, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE/MEC) em 2001. Teixeira e Braz (2009, p. 190-191) sistematizam os elementos
constitutivos desse Projeto, sendo eles:
a) o primeiro se relaciona com a explicação de princípios e valores ético-políticos; b) o segundo se refere à matriz teórico-metodológica em que se ancora; c) o terceiro emana da crítica radical à ordem social vigente – a da sociedade do capital – que produz e reproduz a miséria ao mesmo tempo em que exibe uma produção monumental de riquezas; d) o quarto manifesta-se nas lutas e posicionamentos políticos acumulados pela categoria através de suas formas coletivas de organização política em aliança com os setores mais progressistas da sociedade brasileira.
Esse Projeto Profissional emerge exatamente do conjunto dos movimentos
mais democráticos da realidade brasileira, objetivando-se pelos contornos
profissionais, mas, sobretudo, pelo amparo encontrado nas lutas sociais, e, ainda,
nos avanços constitucionais, legais e sociais no campo da expansão da cidadania,
por meio das legislações sociais, compreendendo as contradições presentes num
momento histórico de fetiche dos direitos, a partir da lógica imputada pela defesa
intransigente da igualdade formal/legal.
O PEP – por meio dos seus instrumentos e, particularmente, do Código de
Ética Profissional – estabelece o reconhecimento da Liberdade44 como valor ético
central; a defesa intransigente dos Direitos Humanos; a recusa ao arbítrio e ao
autoritarismo; a ampliação e consolidação da cidadania; a defesa e aprofundamento
da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza
socialmente produzida. Por fim, posiciona-se contra toda forma de opressão e
exploração, comprometendo-se com a construção de uma outra ordem societária,
justa, igualitária, solidária, sem exploração de classe, gênero e etnia.
44
“Capacidade de escolha consciente dirigida a uma finalidade e capacidade prática de criar condições para a realização objetiva das escolhas e para que as novas escolhas sejam criadas [...] é estar livre para algo, ou seja, a ação voltada à objetivação da liberdade, à sua ampliação, à sua defesa e estratégias de viabilização [...] que resultam na ampliação das capacidades humano-genéricas” (BARROCO, 2010a, p. 28).
90
A formação profissional nesta área do conhecimento alinha-se aos princípios
éticos humano-genéricos, os quais entranham-se ao Projeto Ético-Político do
Serviço Social. Com isso, no Código de Ética do/a assistente social (2012, p. 21-22),
aprovado em 1993, se expressa a compreensão de que
[...] a ética deve ter como suporte uma ontologia do ser social: os valores são determinações da prática social, resultantes da atividade criadora tipificada no processo de trabalho. É mediante o processo de trabalho que o ser social se constitui, se instaura como distinto do ser natural, dispondo de capacidade teleológica, projetiva, consciente; é por esta socialização que ele se põe como ser capaz de liberdade. Esta concepção já contém, em si mesma, uma projeção de sociedade – aquela em que se propicie aos/às trabalhadores/as um pleno desenvolvimento para a invenção e vivência de novos valores, o que, evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de exploração, opressão e alienação. É ao projeto social aí implicado que se conecta o projeto profissional do Serviço Social – e cabe pensar a ética como pressuposto teórico-político que remete ao enfrentamento das contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das derivações ético-políticas do agir profissional.
Por conseguinte, tais projeções vêm sendo construídas no processo de
formação profissional, em que é perceptível a interlocução entre o Código de Ética
do/a assistente social, as Diretrizes Curriculares e a Lei de Regulamentação da
Profissão.
O processo de formação profissional é um espaço de maturação teórico-
metodológica, rico em determinações que, em totalidades diversas, apresenta-se
diferenciado em cada condição objetiva/subjetiva dos/as discentes, o que implica
diretamente na consubstanciação ou não do ethos hegemônico na profissão,
exatamente pelas complexidades presentes no processo de inserção desses
sujeitos no âmbito universitário.
Iamamoto (2014) afirma ser na resistência que se sustenta o Projeto Ético-
Político Profissional, defendendo a perspectiva da emancipação humana e de uma
outra sociabilidade para além do capital, implicando, portanto, numa articulação
permanente com a classe trabalhadora contra o conservadorismo da sociedade que
impõe retrocessos e violações de diversas ordens.
Logo, a luta deve ser pensada de forma consistente, coerente e articulada,
apontando que não se deve somente resistir, mas sim avançar na defesa do atual
Projeto Ético-Político Profissional e, principalmente, na luta contra a mercantilização
da vida. Dessa forma, Braz (2007) destaca que a saída está na defesa radical dos
91
princípios do Projeto Ético-Político e na criação de formas e mecanismos políticos
adequados ao tamanho do desafio que se tem pela frente, como bem aponta o
nosso Código de Ética Profissional (BRASIL, 2012)45.
Os valores e princípios expressos no Código de Ética Profissional são
expressões das lutas e dos movimentos sociais, haja vista a ética realizada na
história, como práxis humana, incorporando os valores que transitam na perspectiva
da emancipação humana. Entretanto, se analisados isoladamente, sem estarem
vinculados a um projeto de sociedade, tornam-se vazios e sem significação,
tendência forte nos processos de formação e prática profissional na atualidade.
Outro elemento encontrado na consolidação desse Código de Ética é ele
não existir para defender a individualidade profissional – o sujeito profissional, em
sua dimensão singular –, mas para defender os princípios e valores da direção
social construída pela profissão nos últimos anos, delineando uma determinada
concepção de mundo e de sujeito.
Tais concepções se articulam a uma das principais contribuições da
ontologia do ser social, a de que ela não se limita a entender a realidade, pelo
contrário, leva à prática transformadora, pois a definição de finalidades abre a
necessidade de apreender a realidade, e, com isso, de transformá-la. Dessa forma,
a ontologia que substancia o nosso Código de Ética Profissional (CEP), e que deve
ingressar em nossa consciência, nunca pode estar indiferente à prática social.
Na contramão dessa realidade, a crise estrutural do capital coloca um
conjunto de desafios a esse projeto profissional, dentre os quais destaca-se a
instalação de uma tecnificação no processo da formação e do exercício profissional,
retirando os fundamentos ontológicos desse processo. Contudo, Barroco (2003)
aponta as dimensões ética, teórica e política – expressas nos princípios defendidos
no CEP, bem como nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS – enquanto forma de
enfrentamento a este processo de tecnificação.
No contexto em que a classe trabalhadora clama por democracia e o
capitalismo impregna sua ética, pautada nos princípios do egoísmo, individualismo,
acumulação privada, o Serviço Social, por meio de seu Projeto Ético-Político
Profissional, representa, entre as áreas das ciências humanas, uma das últimas
45
Para aprofundamento teórico-político dos princípios desse Código, ver a publicação do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) do Rio de Janeiro: Projeto ético-político e exercício profissional em Serviço Social: Os princípios do Código de Ética articulados à atuação crítica de assistentes sociais (2013).
92
trincheiras do pensamento crítico, posicionando-se na defesa dos direitos dos/as
trabalhadores/as apreendidos pela/na luta de classes, rompendo com a pretensa
neutralidade científica que pregam os ideólogos da burguesia.
Em tempos de crise estrutural do capital e de seus rebatimentos na
organização da classe trabalhadora, o Projeto Ético-Político Profissional também
está acometido desses rebatimentos, dentre eles, a baliza do enfraquecimento dos
organismos coletivos da classe trabalhadora associado ao processo de massificação
e degradação dos espaços sócio-ocupacionais dos/as assistentes sociais.
Além destes, Iamamoto (2014) também aponta rebatimentos desta
conjuntura: na organização política dos(as) assistentes sociais, principalmente na
defesa e materialização de seu Projeto Ético-Político Profissional; na precarização
das relações de trabalho, advinda do processo de desregulamentação e
flexibilização das relações trabalhistas; como também do desmonte vivenciado no
contexto da formação profissional, pois esta vem sendo acorrida de uma
precarização, especificamente, pelo seu aligeiramento e pela educação à distância.
Sendo assim, a autora aponta a necessidade da categoria profissional
identificar formas de viabilização prático-política para o projeto profissional que,
como todo projeto coletivo, depende de sustentabilidade histórica para se reproduzir,
portanto, depende também do movimento da sociedade. Neste limiar, vale destacar
as lutas encampadas pelo conjunto CFESS/CRESS, pela ABEPSS e pela ENESSO
em defesa deste Projeto, tais como a Política de Formação Permanente, a ABEPSS
Itinerante, o Ética em Movimento, o fortalecimento dos Fóruns de Supervisão de
Estágio, dentre outras. Entretanto, Abreu e Lopes (2007) afirmam que este Projeto
move-se em um campo de contradições que, consequentemente, vem contribuindo
para uma aporia de seus princípios, impregnando uma ameaça na base deste junto
à categoria profissional.
O que está em jogo nesse contexto são as disputas entre regredir nas
conquistas do conjunto dessa categoria ou resistir/avançar na luta, na perspectiva
humano-genérica. Todavia, os fundamentos ético-políticos os quais substanciam o
nosso projeto profissional parece escoar-se nas mãos dessa mesma categoria, que
conseguiu dar uma guinada à esquerda nos seus fundamentos teórico-práticos,
levando-nos a refletir sobre os (des)caminhos que perseguiremos à frente, visto que
93
há um enorme contingente profissional sendo formado de qualquer forma46.
Porém, Ramos (2007) afirma ser na contramão do atual Projeto hegemônico
de sociedade que o Serviço Social vem consolidando seu Projeto Ético-Político,
mesmo encontrando impasses endógenos e exógenos à profissão. Conformando tal
realidade, Braz (2007) assinala que as saídas para superar o adverso quadro atual
encontram-se no próprio projeto ético-político, possibilitando aos sujeitos, construir
coletivamente mecanismos de luta e resistência aos ataques neoliberais, na
perspectiva da emancipação humana.
Nesse sentido, quanto mais rica for a formação em mediações e
possibilidades – na perspectiva de desvelamento da totalidade social –, com certeza,
a direção ético-política da profissão será mais fortalecida, uma vez que as respostas
profissionais são sempre uma escolha valorativa. Diante disso, quanto maior for a
compreensão dessas, maiores serão as potencialidades do fortalecimento da
autonomia profissional.
Portanto, tais elementos são incorporados ao processo de formação
profissional, proporcionando, segundo Aquino (2008, p. 117), a concepção de que
há necessidade de investimento
[...] na formação profissional orientada pelas Diretrizes Curriculares, que, [...], tem como objetivos a garantia do cumprimento do Código de Ética e a consolidação do Projeto Ético-Político da profissão, assim como buscar defender a formação especializada, que priorize a qualidade dos serviços oferecidos à população demandatária da atuação profissional do assistente social.
O processo de formação profissional em Serviço Social delineia o contato do
futuro profissional a um referencial teórico filosófico, que busca uma apropriação e
apreensão desse referencial, possibilitando a esse profissional posicionar-se frente
às demandas da profissão. Não pode-se, portanto, deixar de considerar o arcabouço
teórico e filosófico do discente, entendido como visões de mundo advindas de sua
46
Hoje, no Brasil, devido ao número crescente de assistentes sociais sendo formados na modalidade à distância, bem como em instituições privadas, o CFESS (2014, p. 34, grifo nosso) aponta que “a tendência crescente de desqualificação do processo formativo e concomitante desvalorização profissional, com consequente reconfiguração do perfil profissional. [...] Um processo formativo desqualificado relaciona-se com a desvalorização profissional e consequente reconfiguração do perfil profissional, na medida em que um graduado em serviço social, formado com frágil embasamento teórico-metodológico, técnico-interventivo e ético-político, não tem possibilidades efetivas de se contrapor, por meio de estratégias profissionais cotidianos, ao perfil contemporâneo da política social brasileira: focalista, minimalista, residual, não concebida como direito universal, mas de ação focal nos/as mais empobrecidos/as, sem a garantia de um padrão civilizatório digno para toda a população, mas claramente concebida para aliviar a pobreza”.
94
formação pessoal, sociocultural e familiar, pois essas concepções fazem parte de
sua construção enquanto sujeito social.
Assim, o processo de formação se soma dialeticamente a um processo
anterior. Acerca disso, e das Diretrizes Curriculares (DC’s), Aquino (2008, p. 119-
120) expressa:
[...] pode-se destacar o fato das mesmas priorizarem a formação de profissionais críticos, propositivos e comprometidos com o Projeto Ético-Político da categoria, através da construção de conhecimento teórico-prático e da aquisição de atitudes, habilidades e competências embasadas em valores e princípios coletivos, que os capacitem para o desempenho de suas funções e o exercício de ações conscientes. [...] É relevante destacar que a formação profissional integra, necessariamente, tanto o conhecimento teórico, os valores e modelos acumulados pela própria profissão, ao longo de sua trajetória histórica, quanto é composto pela vivência pessoal e social de formadores e formandos.
De tal modo, pode-se perceber os avanços abarcados com a consolidação
das Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço Social. A nova proposta de
formação profissional objetiva formar profissionais, a partir do rompimento da
concepção “dicotômica” existente entre teoria e prática, a exemplo da separação
entre disciplinas teóricas/analíticas e técnicas/práticas, permeada no processo de
formação profissional em Serviço Social antes de implementadas as DC’s de 1996.
O Serviço Social – determinado historicamente e socialmente pela/na
realidade concreta – tem buscado em seu bojo profissional pautar espaços de
debates, a exemplo do Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social
(ENPESS), do Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), e do Encontro
Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESS) sobre o processo de formação
profissional, buscando responder questões como: quais conteúdos teórico-práticos
devem ser ensinados ensinar, quais resultados a serem alcançados, quais caminhos
seguidos e qual direção tomada – como estratégias de visitação à realidade
acadêmica e profissional desta área.
Nesse sentido, as DC’s se fundamentam em um processo de contínua
revisitação teórico-metodológica, ético-político e técnico-operativa, em busca de se
articular com a realidade social, para que venha a possibilitar, durante a formação
profissional em Serviço Social, a capacidade de apreender um aporte teórico/prático
que busque construir, segundo as Diretrizes Curriculares para o curso de Serviço
Social (ABEPSS, 1996, p. 07),
95
1. apreensão crítica do processo histórico como totalidade; 2. investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país; 3. apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; 4. apreensão das demandas - consolidadas e emergentes - postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e privado; 5. exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor.
Essa proposta traz à tona um processo que deve ser fortalecido em todos os
campos que permeiam o Serviço Social, tendo a academia por campo privilegiado,
visto que o papel desse espaço é a formação das gerações futuras dessa categoria
profissional. Não que a formação/prática profissional seja única, mas que configure-
se a partir dos princípios e valores construídos pelo conjunto dessa categoria, os
quais apontem para a construção de uma nova sociedade.
Os princípios contidos nas Diretrizes Curriculares não possuem uma
hierarquia, pois são uma unidade dialética que nos leva a questionar: em que
medida a formação e o exercício profissional se conectam aos valores ético-morais
do Código de Ética Profissional?
Cotidianamente, em nossos espaços de trabalho, lidamos com um conjunto
de situações que levam-nos a nos manifestar de alguma forma perante elas,
potencializando o nosso agir profissional, nos possibilitando agir de forma crítica,
desvelando as possíveis consequências, e, assim, assumir as minhas
responsabilidades perante os pores teleológicos desencadeados nesse processo.
De acordo com Aquino (2008), o Serviço Social tem usado o processo de
formação profissional como uma força motriz para a materialização do que orienta o
Projeto Ético-Político da profissão, pois entende-se ser nesse processo que o futuro
profissional tem a possibilidade de se instrumentalizar politicamente, a partir da
unidade presente nas dimensões componentes dessa profissão, bem como de se
aproximar da tradição marxista, capaz de desvelar a realidade em busca de uma
intervenção profissional competente.
Nesse contexto, o estágio supervisionado deve tornar-se um espaço de
valoração teórico-prático, em que as contradições sociais demandam intervenções
96
socioprofissionais, levando a sua tríade (Estagiário / Supervisor Acadêmico /
Supervisor de Campo) a desvelar as mediações postas, a partir da articulação
teoria/prática na perspectiva de sustentação do Projeto Ético-Político Profissional,
como bem aponta as falas das seguintes supervisoras:
O estágio é fundamental, ele acaba sendo realmente um momento importante/valoroso se realmente for um estágio de qualidade. Esse momento acabo provocando-o a fazer suas análises conjunturais e institucionais, para que possa perceber as correlações de forças presentes naquele espaço, para a partir de aí direcionar seus posicionamentos ético-políticos e teórico-metodológicos, momento de estreitar um pouco com o exercício profissional. (SA2, 52a, 29 a/formada). Desde quando eu comecei a trabalhar eu aceito estagiários/as para supervisionar, por considerar esse momento como um momento de formação permanente para todos os sujeitos envolvidos. Então assim, é fundamental essa parte do estágio, porque a gente dialoga na perspectiva da correlação entre teoria e prática em todos os momentos em que nós estamos no campo, como supervisoras de campo, possibilitando que os/as estagiários/as façam essa articulação. (SC1, 49a, 16 a/formada). Então, na primeira semana de estágio nós entramos todos/as juntos/as, daí os/as estagiários/as observam, vêm bem a situação, depois nós conversamos bastante sobre o que eles/elas viram, como acham que devem reagir perante aquelas demandas, e, a partir do diálogo vamos permitindo que os/as estagiários/as façam abordagem com os/as pacientes, ouçam as histórias de cada um/a, leiam o prontuário deles, vejam qual a história deles/as, confrontar o relato deles, que conversem com a família que tá ali. E, portanto, a questão mesmo é formar um profissional, capacitá-lo de outras habilidades que se mostram a partir da concretude das demandas socioprofissionais, assumindo um papel importante na formação profissional. (SC2, 53a, 16 a/formada).
O momento da supervisão, portanto, aparece como campo essencial de
discussão e problematização a partir da realidade concreta, na qual os sujeitos
envolvidos possam perceber as transformações no mundo do trabalho e seus
impactos no pensar e no agir do/a assistente social, viabilizando-se como um
espaço em que os três sujeitos se veem mais induzidos à tal problematização.
Nesse momento, não podemos deixar de levar em consideração as
condições em que se dá a inserção desses sujeitos na divisão social e técnica do
trabalho, sobretudo, no que se refere a sua condição de trabalhador assalariado,
que ao tempo em que lida com as contradições da relação entre trabalho e capital,
está vendendo a sua força de trabalho, o que lhe imputa um conjunto de
determinações sociais e institucionais que interferem diretamente em seus
processos de trabalho, na conformação de seu ethos profissional.
Destarte, as DC’s têm um significado sócio-histórico essencial na
97
(re)afirmação dos ethe presentes na formação profissional47 que, dependendo de
suas determinações sócio-institucionais, podem possibilitar uma formação
profissional construtora de um ethos ligado à perspectiva da emancipação humana,
ou reforçar uma perspectiva eclética teórico-profissional, implicando práticas
profissionais caudatárias, deficitárias, despolitizadas e/ou legitimar propostas e
princípios antagônicos aos defendidos no Projeto Profissional. Tal realidade mostra-
se presente desde os tempos do período de formação profissional, visto as
seguintes interpretações as quais as estagiárias têm sobre o processo de estágio:
Muito, muito importante. O estágio é a porta de entrada para um bom profissional, na minha opinião, se você faz um bom estágio você é um bom profissional, donde você ver a realidade de outras formas, de outros ângulos. Um profissional não é só aquele sentando na cadeira não, ele tem que ser bom em vários aspectos, acima de tudo ter humildade, experiência e dedicação no que você faz. (E3, 34a, formanda).
É fundamental. O único problema que eu vejo é que a gente só estagia em uma área. É importantíssimo a questão da prática, ela tem que existir sempre, o curso não pode ser só teoria, é tanta teoria que eu acredito que é fundamental o estágio para gente ter uma noção daquilo que vamos cuidar quando estivermos trabalhando. (E6, 21a, formanda).
Um dos limites colocado nessa relação é a velha relação entre teoria e
prática, donde as sujeitas acabam por delinear o estágio como espaço da prática e a
academia como espaço da teoria, retirando a unidade dialética dessa relação, além,
de não conseguir fazer a leitura de articulação em rede, como elemento fortalecedor
da interdisciplinaridade profissional.
Ao mesmo tempo em que o Serviço Social compromete-se com a
construção de uma outra sociedade que tenha a satisfação das necessidades dos
seres humanos como objetivo final, vive-se no momento atual, como assinalamos
inicialmente, uma conjuntura extremamente adversa. As Diretrizes Curriculares
erguidas no coletivo profissional – expressão de todo o diálogo teórico-metodológico
construído até então –, enfrentam cotidianamente impasses circunscritos, tanto pela
Lei de Diretrizes e Bases (1996) para o ensino superior, como por decretos
institucionais48.
Nessa mesma esteira, tem-se dado a atuação do/a assistente social, que
47
Desde o ethos mais conservador, que se moderniza e/ou se atualiza, até o ethos mais progressista, que se conforma na perspectiva crítico-dialética. 48
Já assinalamos, na introdução desta dissertação a conjuntura adversa mundial coloca para a educação pública, gratuita e de qualidade. O que se assiste mundialmente é a educação transformada em mercadoria.
98
exerce suas atividades profissionais em um contexto com condições cada vez mais
precarizadas e no atendimento às expressões da questão social49, na qual o homem
é destituído de sua qualidade de ser humano, alienado de seu protagonismo social,
estando como um ser destituído de direitos. Nesse contexto, percebe-se o Serviço
Social inserido no campo das contradições, dos antagonismos presentes no
desenvolvimento do capital e, mesmo assim, expressa no seu Projeto Ético-Político
Profissional uma vinculação a uma sociedade emancipada, na qual o trabalho seja
associado e livre.
Por exemplo, no momento de uma entrevista, como fazer um parecer e colocar tudo bonitinho, e o que eu senti falta foi a disciplina de português que eu acho interessante e o que tinha que ter mais rigidez, porque é um trabalho que você trabalha muito com a escrita e eu senti e estou sentindo dificuldade, vou até fazer um curso depois de português. (E3, 34a, formanda). Acredito que a Política Social sem dúvida, que é uma das principais, mas com relação ao embasamento teórico mesmo foi o que a professora/supervisora deu para gente já no estágio. (E6, 21a, formanda).
Sendo assim, torna-se imprescindível a discussão da ética de caráter
emancipatório em todo o processo de formação profissional dos/as assistentes
sociais, sendo necessária a constante preocupação junto aos profissionais da
apreensão das mais diversas realidades éticas presentes na sociedade, bem como
da compreensão ontológica da ética na vida em sociedade, elevando o sujeito à
condição de ser humano genérico.
Entretanto, é no movimento da história, na arena das disputas de projetos,
que na cena contemporânea o campo conservador revigora-se, levando-nos a
depreender o quanto a história repete-se no movimento do real, reconfigurando as
suas manifestações nos espaços da vida social, como será apontado na subseção
seguinte.
3.3 O ethos conservador: O movimento que se repete na história
Conforme analisamos na seção anterior, o pensamento conservador emerge
49
A questão social hoje é entendida como “[...] senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 77).
99
como reação às modificações trazidas pela revolução burguesa, aproximadamente a
partir do século XVI. De lá para cá, conforme sinalizado, o pensamento conservador
sofre modificações e ressurge em vários momentos da histórica com novas
roupagens.
Hoje, o pensamento conservador (re)atualiza-se, como um movimento no
conjunto mais geral da sociedade contemporânea, e, apresenta-se como uma
expressão concreta e ideocultural, rica em suas determinações, expressa nos mais
variados espaços de socialização do homem, ou seja, no campo objetivo e subjetivo
de suas relações.
Esse novo/velho conservadorismo presente na sociedade ocidental, no
âmbito da economia, da cultura, da política, da ideologia, das ciências, da filosofia,
das profissões e, sobretudo, encontra ecos satisfatórios no âmbito do
fundamentalismo religioso, em que os sujeitos buscam satisfazer suas necessidades
mais individuais, a partir da consagração a princípios humano-cristãos que
conservem os valores e estruturas da sociabilidade vigente, na busca do status quo.
Desse modo, como expressão concreta dessa base conservacionista,
Boschetti (2012) aponta a instauração de um Estado forte e centralizador com claras
tendências antidemocráticas, reafirmando no seu interior a hegemonia da classe
dominante através do neoliberalismo, cujas políticas engendram uma concepção
singular de democracia, alterando claramente o padrão de redistribuição de renda,
por meio de ações políticas a partir de certas premissas neoliberais, dando
respostas às demandas sociais através de políticas sociais públicas focalistas,
destituída de qualquer intencionalidade de universalizar o atendimento à classe
trabalhadora.
Sendo assim, esse conservantismo sustenta-se, em sua objetivação de
primeira ordem, na reestruturação produtiva do capital, em suas diversas
estratégias, sendo elas: neoliberalização econômica; financeirização da economia –
donde se cria uma riqueza que não tem a produção como base de sustentação –;
expansão e acumulação de capitais; reforço das contrarreformas operadas no
âmbito do Estado – com a sustentação de um Estado sem restrições aos ditames do
mercado, configurando-se como mero gestor da crise, capaz de coalizar o conjunto
das classes sociais.
Não menos importante, mas consideradas objetivações de segunda ordem,
as bases de sustentação desse neoconservadorismo espraiam-se às outras
100
dimensões da vida em sociedade, conformando uma unidade no diverso. Dessa
forma, no campo das demandas sociais, diga-se das políticas sociais, o que se
opera é um processo de agudização da barbárie, expressa pela retirada dos
direitos50 – que são próprios dessa sociabilidade, enxugamento do Estado, retirando
dele a responsabilidade com as respostas às demandas sociais, passando-as para o
conjunto da sociedade, num processo “refilantropização da ação estatal” (YAZBEK,
2012).
Ainda no âmbito das políticas sociais, a autora nos diz que essas são postas
como algo específico para a pobreza, como sendo inerente ao “pobre”. Dessa forma,
os atuais programas de transferência de renda buscam, essencialmente, “aliviar” a
extrema pobreza econômica, gestado sobre um estrato de pobres que se
reproduzem no nível da sobrevivência ou, por vezes, abaixo dele.
Boschetti (2012) aponta um minimalismo presente nas políticas sociais
vistas na sua implantação, expresso, essencialmente, pela redução factual da
extrema pobreza. Dessa forma, salientamos que a reificação das políticas sociais no
capitalismo neoliberalizante tem instaurado-se a partir da sua assistencialização
minimalista, dirigidas ao enfrentamento da questão social, bem como por meio da
repressão à classe trabalhadora em seus direitos sociais.
Os benefícios, serviços e programas sociais no contexto do neoliberalismo,
tem destituído da condição de direitos sociais e adquirido a conotação de direitos do
consumidor e/ou de “privilégios”51, com isso, percebe-se a crescente
desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social pelo Estado.
Assim, o que vem sendo gestado no Brasil, dentre outras ações, é a
legalização da Desvinculação de Receitas da União (DRU) a qual possibilita ao
Governo Federal desvincular até 30% das contribuições sociais para o orçamento
fiscal até o ano de 2023, o que, aos poucos, no contexto de resistências e conflitos
sociais, vem transfigurando as políticas sociais em negócios, reificando-as por meio
das privatizações estatais e/ou parcerias público/privado. Ao mesmo tempo, assiste-
se também à imposição de um teto máximo para os gastos sociais, argumentando-
se que, com a crise, todos têm de dar sua contribuição na cota de “sacrifícios”.
50
Diria que aqui não temos somente um processo de neoconservadorismo, mas sim de reacionarismo, visto a própria classe dominante destituir algo que ela mesma construiu para manter-se no poder. 51
Têm tornado-se crescente, no senso comum, discursos que atacam as políticas de discriminação positiva ou as de transferência de renda, denominando-as de “privilégios” de certos grupos, destituindo a discussão de análise histórica e sócio-estrutural.
101
Lógico que esses sacrifícios assumem um caráter classista, pois o que
assistimos é o desmonte de um conjunto de direitos e políticas sociais para a classe
trabalhadora, sendo ela o sujeito coletivo convocado a praticar esses “sacrifícios”,
tais como: pagamento de mensalidades escolares; adesão forçada aos planos
privados de saúde e de previdência social; expansão da assistência social, não
como direito, e sim como assistencialismo barato; flexibilização e
desregulamentação do trabalho, expressas, por exemplo, pelas reduções salariais e
aumento da carga horária de trabalho, dentre outros. Tudo isso é a expressão da
submissão de toda a capacidade que o Estado utiliza para gerir a nação aos ditames
do mercado burguês.
Essas contrarreformas inquirem diretamente em nichos que até então não
haviam sido, ainda, repassados para o mercado, contudo, nos últimos anos, a saúde
e a educação têm sido alvo de um conjunto de medidas privatistas, as quais, no
âmbito do ensino superior sustentam uma lógica de inserção dos sujeitos no
mercado de trabalho, ou seja, a formação profissional configura-se como um mero
trampolim para atender às demandas do mercado, conformando a lógica
conservantista.
No campo ideocultural, o fanatismo e o fundamentalismo religioso têm
adquirido um status de conformação ideológica das ações operadas na esfera da
economia e do Estado, reforçando uma cultura de opressão, vitimização e
culpabilização dos sujeitos historicamente marginalizados, além, de uma apologia às
práticas ditatoriais, fascistas e/ou nazistas.
Ainda nesse domínio, principalmente no campo das ciências, desponta a
perspectiva pós-moderna, que por um lado reforça um conjunto de práticas
conservantistas e por outro destitui as bases ontológicas e dialéticas do próprio real,
confluindo num arcabouço teórico-político que tem servido aos ditames
hegemônicos dessa sociabilidade.
Ademais, não podemos perceber a perspectiva pós-moderna sob uma única
ótica, considerando-a linear e homogênea. Pelo contrário, devemos apreendê-la no
movimento contraditório da sua própria história, que se coloca com tendências
teórico-políticas e ídeoculturais ligadas ao campo do conservadorismo, bem como,
com vertentes alocadas mais no campo progressista.
Apesar disso, do nosso ponto de vista, é próprio dessa direção teórico-
política a defesa de um novo modelo de organização social, pautando-se numa
102
pretensa neutralidade nas/das relações sociais; funde uma perspectiva acrítica de
análise do real com a não apreensão da história do desenvolvimento do ser social;
subsumindo o conhecimento a uma direção teórica-abstrata e reforçando o
conservantismo.
Essas concepções corroboram para um discurso ideológico de
fortalecimento das condições presentes, sem apreender as mediações no campo
histórico dessa realidade, reforçando um conjunto de valores que colocam o
indivíduo – em sua personalização singular – como o centro da discussão, tendo-o
como algo abstrato – reforçando práticas individualistas e competitivas entre os
sujeitos sociais, reforçando o discurso meritocrático.
Para que o capitalismo se mantenha como modelo hegemônico de
organização econômica, política e social no contexto contemporâneo, pauta-se na
criação de inúmeras estratégias ideológicas e culturais de sua sustentação, tendo
como grande aliado a mídia burguesa. Dessa forma, a cultura é reproduzida em
condições mercadológicas submissa aos interesses do capital, transformando esta
dimensão da vida social em culturas passageiras (MOTA, 2005).
Ele tem a capacidade de provocar convulsões sociais, negando a própria
história da humanidade, anulando dos indivíduos suas dimensões ético-políticas,
fazendo-os incorporarem um conjunto de determinantes próprios da sociabilidade do
capital, que criam e recriam o ethos burguês, determinando a forma de ser e pensar
do indivíduo a partir da: naturalização das relações sociais postas; da neutralização
político-ideológica; hipervalorização do ordenamento jurídico, em sua dimensão
legalista; segregando os sujeitos em guetos minimalistas.
E, nesse contexto, apresenta-se como um projeto que disputa e reforma a
consciência ético-política dos sujeitos, implicando nas condições mais concretas e
imateriais do seu cotidiano, sejam no âmbito da vida social, sejam na particularidade
da vida profissional, reforçando uma lógica de decadência moral e ética das mais
variadas dimensões da vida social.
Essas dimensões, que fortalecem o conservantismo nessa sociabilidade,
são apresentadas não como autônomas nesse processo, pelo contrário elas só
podem ser compreendidas como uma unidade dialética, que se autoimplicam e
autodeterminam na conformação do pensamento conservador, pois pensar a forma
do neoconservadorismo atuar nas relações sociais vigentes é pensar a totalidade
dessas inter-relações.
103
E, nos perguntamos, como essas dimensões aparecem no cotidiano das
relações sociais e profissionais? Elas aparecem quando, por exemplo, tem-se a
defesa da meritocracia como saída para a superação dos problemas sociais,
reforçada pela ideia de justiça social, baseada na ideia de que todos são iguais
perante a lei. Quando há uma apologia ao empoderamento como estratégia central
das políticas sociais e das intervenções profissionais. Quando reduzimos as
expressões da questão social a problemas sociais, destituindo toda a perspectiva
analítica que compõe tal categoria. Quando se defende o enfrentamento dessas
expressões por meio do “Terceiro Setor” – diga-se ONGs –, como forma de
integração à sociedade dos sujeitos tidos como “vulneráveis”.
Então, essas são formas não tão sutis que estão impregnadas pela cultura
conservantista, haja vista fundarem uma abstração da sociedade a partir do ideário
do bem comum, sustentada num conjunto de direcionamentos os mais distintos
possíveis, mas que parecem colidir numa direção só: conservar os valores
concretos/abstratos dessa sociabilidade.
O Serviço Social, nessa realidade, permeado por múltiplas determinações
em seu processo de legitimação e profissionalização no contexto brasileiro, constitui-
se num conjunto de expressões delineadas por cada momento histórico das
conjunturas nacionais e internacionais. Tanto o exercício como a formação
profissional são condicionadas por determinações sócio-históricas, autoimplicando
na constituição dessa profissão em sua trajetória intelectivo-prática, expressando
modos distintos de ler e conceber a realidade social, seja a partir do pensamento
conservador, do pensamento progressista e/ou da tradição marxista, condicionando
o surgimento de ethos52 político-profissionais os mais variados possíveis. Sobre
essa herança intelectiva, Iamamoto (2013, p. 205) aponta que
[...] o Serviço Social cresce no universo cultural do pensamento humanista-cristão e, mais tarde, vai se secularizar e modernizar nos quadros do pensamento conservador europeu – do anticapitalismo romântico, que tende a ler a sociedade como uma grande comunidade, em que as classes sociais desaparecem da análise – privilegiando-se a ótica da harmonia, da solidariedade no ordenamento das relações sociais. Mais tarde, incorporamos a herança das ciências humanas e sociais, especialmente na sua vertente empiricista norte-americana. A essas fontes de inspiração
52
Essa discussão sobre ethos, já apontada aqui, será aprofundada posteriormente, pois o objetivo desta subseção é discutir o pensamento conservador, para que adiante possamos realizar uma interconexão entre as formas dos pensamentos na construção dos ethe político-profissional presente na formação e no exercício profissional em Serviço Social na contemporaneidade.
104
intelectual alia-se, na década de 70 [...] o estruturalismo haurido em Althusser, entre outros, e também o marxismo vulgar, que vem temperar uma análise de cunho marcadamente positivista e empiricista da sociedade, mas acalentada por um discurso dito marxista, aparentemente progressista e radical.
Tal herança intelectiva tem rebatimentos diversos no apreender da profissão
na contemporaneidade, pois traz consigo um “ranço” do passado que se reatualiza
nos meandros da sociabilidade do capital, nas diversas objetivações e dimensões da
vida em sociedade, sobretudo, a partir da perspectiva pós-moderna com todos os
seus contornos ideopolíticos e culturais.
Dessa maneira, pensar os desdobramentos desse ethos no Serviço Social é
perceber o local que essa profissão ocupa na atual configuração social, tanto no
âmbito da formação quanto do exercício profissional, temas o quais serão discutidos
nos próximos subtítulos.
Já na próxima subseção colocamos em cena a discussão sobre o lugar que
o pensamento conservador ocupa nos processos de trabalho e na formação
profissional em Serviço Social, já que este, por sua vez, é permeado por uma
pluralidade teórico-política que se autodetermina e se autoimplica no conjunto da
sociedade contemporânea e nos meandros dessa categoria.
3.4 Os desdobramentos do ethos conservador no trabalho dos/as assistentes
sociais: Do fatalismo/pragmatismo ao messianismo/ajuda profissional
Refletir sobre o trabalho do/a assistente social no âmbito dessa sociabilidade
é também apreender as tendências presentes nesse processo, que perpassa desde
as implicações do ethos conservador até as implicações do ethos progressista, na
perspectiva da emancipação humana.
A revitalização do conservadorismo na atual cena contemporânea é
evidente, haja vista a vivência de tempos que beiram o irracionalismo teórico-político
dos fundamentos da realidade social, o que a nível de formação profissional, passa
a preocupar o direcionamento das respostas dadas às demandas que chegam a tal
profissional nas relações socioprofissionais. Como já pontuava Netto, em suas falas,
quando o profissional erra na análise, consequentemente, sua intervenção também
será errada53, tendenciada à determinada direção ético-política. Dito isso, um
53
Frase recorrente utilizada pelo prof. José Paulo Netto em diversas palestras proferidas, cuja raiz se
105
elemento visto com certa frequência nas entrevistas e nos chamou atenção é a
explicação dadas pelas sujeitas para a existência das demandas socioprofissionais
que chegam ao cotidiano do seu trabalho, a exemplo:
É a necessidade dos direitos. São moradores de rua e chegam lá atrás dos seus direitos. Ter pelo menos uma alimentação, lá tem o lugar deles dormirem que aí é uma casa que tem um vínculo, que é a Casa Cidadão [...] Eu percebo muito o que as pessoas falam: Não porque é morador de rua, coitado, sim, tem uns que realmente precisam de verdade, já tem outros que gosta dessa vida. (E4, 22a, formanda). A existência das demandas surge a partir do momento que entra uma interna na instituição. Nós, aqui fora estamos livres para suprir nossas necessidades, entretanto, as internas não têm essa liberdade, aí elas procuram o Serviço Social porque não podem sair para suprir as necessidades, aí o Serviço Social tem esse papel de tá suprindo as necessidades, de tá procurando a família pra manter o vínculo, sobre a visita infantil, familiar. (E5, 26a, formanda). O que mais chega ao Serviço Social é a questão do transporte. Eu acho que todo santo dia quando eu estava estagiando, eram várias e várias solicitações de transporte intermunicipal. De Teresina para os municípios do interior e etc. (E6, 21a, formanda).
Verifica-se o quanto o ethos conservador entranha-se nas relações
profissionais, o qual permite um processo que subsume as demandas
socioprofissionais à sua dimensão institucional, pois ao analisar o conjunto complexo
das determinações do real, reduzindo-o à uma única expressão, está restringindo as
possibilidades de apreensão da totalidade social e, por conseguinte, a possibilidade
de superar uma intervenção profissional meramente fatalista e pragmática.
Percebe-se um processo de retomada ora do metodologismo/tecnicismo; ora
de um teoricismo acrítico; ou de um pragmatismo imediato, quando não, de um
voluntarismo, ou seja, nota-se nas falas uma certa referência ao espectro da ajuda54,
e que, (in)diretamente, retoma aspectos tidos como vencidos no Serviço Social,
sobretudo, àqueles ligados aos princípios e valores da Igreja Católica. Outro dado
importante, que precisa ser tomado aqui, são os projetos de intervenções das
estagiárias, as quais legitimam tanto os valores institucionais, como também acabam
assumindo responsabilidades institucionais que deveriam ser própria do Estado,
encontra em Palmiro Togliatti (1893-1964), comunista italiano, o qual afirmava: “quem erra na análise, erra na ação”. 54
O espectro da ajuda aparece com certa frequência nas falas das sujeitas, sobretudo, no direcionamento dado na intervenção profissional, o que nos parece haver uma retomada dos subsídios profissionais alinhados à perspectiva do paternalismo e da tutela dos/as usuários/as. Tal contexto acaba por subtrair as determinações substantivas do nosso Projeto Ético-Político Profissional, que se direciona na/pela emancipação política e humana desses sujeitos.
106
reforçando a lógica da refilantropização da ação estatal, própria do processo de
neoliberalização contemporâneo. A título de ilustração, verifica-se nesta fala:
Aí o Serviço Social bater de frente com o Estado é muito complicado, entendeu? Assim, falando não em termos científicos, mas o que eu vejo lá. Porque, eu mesmo, meu Projeto de Intervenção foi a questão da brinquedoteca. A brinquedoteca foi realizada com outra aluna que é estagiária lá, nós duas conseguimos várias doações, mas o Estado não doou, entendeu? Quem doou, quem se sensibilizou foi a diretora da penitenciária que doou algumas coisas para a brinquedoteca, que ela nos ajudou, nos auxiliou, mas é muito complicado, principalmente por ser terceirizado, né? (E5, 26a, formanda).
Não podemos deixar de considerar as condições concretas em que se dá o
trabalho na contemporaneidade, levando-nos a refletir sobre o quanto essas
condições interpelam os processos de trabalho do/a assistente social, pois como
qualquer outro/a trabalhador/a, ele/ela também está inserida na divisão do trabalho,
a partir de uma especialização e por meio da venda da sua força de trabalho, a qual
regulada por formas distintas de contrato. Esse/a profissional viverá os dilemas da
alienação e as determinações sociais os quais acometem a coletividade dos/as
trabalhadores/as.
Então, diante da fala exposta acima, pôde-se observar que o Serviço Social
na instituição assume características concretas do processo de precarização
operado no mundo do trabalho, quando temos, nesse caso, uma inserção por meio
da terceirização do trabalho, realocando determinações próprias para tal forma de
contrato, o qual incide diretamente na autonomia profissional, delineando formas
específicas de intervenção profissional, condizente com os interesses institucionais.
Entretanto, por mais difícil que seja a correlação de forças num determinado
espaço profissional, a própria dialética presente nas relações sociais, deixa-nos
sempre uma certa margem, às vezes mínima, para a transgressão dos limites postos
pelos empregadores. Partindo desse pressuposto, Iamamoto (2014, p. 219) nos
coloca a necessidade de
resguardar a relativa autonomia na condução do exercício profissional [e] potencializá-la mediante um projeto profissional coletivo impregnado de história e embasado em princípios e valores radicalmente humanistas, com sustentação em forças sociais reais que partilham de um projeto comum para a sociedade.
Corroborando, ainda, com as condições concretas colocadas no cotidiano
107
profissional, também há um discurso pronto e acabado em busca do que se precisa
fazer para “ajudar” os indivíduos, mesmo que tais ações estejam no campo do
empreendedorismo, empoderamento, retomando à dimensão de responsabilização
da sociedade para gerir suas próprias demandas, o que leva a um conjunto de
práticas profissionais distorcidas, caóticas, fragilizadas, e, até mesmo, vazia de
significados, contribuindo – em sua maioria – para a perpetuação da reprodução de
um ciclo vicioso de paternalismo/subjetivista.
Então, as próprias alterações no contexto da realidade concreta da
população usuária colocam para o Serviço Social uma alteração no movimento de
reordenamento da profissão, por meio de um abalo contrário ao que ocorreu no
processo de intenção de ruptura, sendo próprio dessa realidade, como visto
anteriormente, uma análise superficial que dá sentido às respostas também
imediatas e superficiais no âmbito do exercício profissional, ou seja, vive-se um
processo de decadência ideológica, ética e política no campo mais geral da
sociedade, o que impacta diretamente na profissão de Serviço Social.
Dessa forma, nesse contexto de neoconservadorismo tem-se uma forte
tendência do/a assistente social redimensionar sua demanda socioprofissional
subsumindo-a à demanda institucional, donde qualquer método de análise do real é
tido como válido, caindo no campo do relativismo metodológico, o que incide
também em um processo de relativismo ético e político, que, nos termos de Pontes
(2010, p. 168),
aparece ao intelecto do profissional despida de mediações, parametrada por objetivos técnico-operativo, metas e uma dada forma de inserção espacial (bairro, município etc), programática (divisão por projetos ou áreas de atuação) ou populacional (crianças, idosos, migrantes etc). Numa palavra, a demanda institucional aparece peiada à imediaticidade, com um “fim em si mesma”.
É decadente, quando não estarrecedor, perceber que em todas as falas das
entrevistadas, elas se amparam categoricamente, diria abstratamente nos valores e
princípios do atual projeto ético-político, na direção da emancipação humana, numa
perspectiva democrática, cidadã, o que coloca em pauta uma discussão acerca do
esvaziamento do conteúdo político efetivo dessas categorias analíticas no conjunto
da categoria profissional.
Sendo assim, percebe-se que há um verdadeiro abismo teórico-político entre
108
os valores conclamados, pelo menos como discurso, por parte significativa dos/as
profissionais – e ditos, por eles/elas, como bases de sua atuação profissional – e os
valores efetivamente empreendidos por eles/elas que emanam do dia-a-dia
profissional. Como bem apontamos anteriormente, parece que o discurso tem se
tornado cada vez mais vazio, cada vez mais conformado em grandes jargões no
âmbito da profissão.
Nessa perspectiva também se encontra um processo de hipervalorização da
efemeridade, já que o/a assistente social, em um curtíssimo espaço de tempo, deve
“garantir” a operacionalidade de seu serviço, relegando ao último plano a sua
condição de acionar as mediações necessárias para tal funcionalidade, recaindo na
análise superficial e simplista da realidade, reforçando a lógica de intervenções que
atendam meramente aos interesses institucionais. Isso é confirmado, quando as
entrevistadas falam sobre a questão da autonomia profissional ou da relação
teoria/prática, assinalando a dificuldade que têm de ir além das demandas
institucionais mais imediatas – o que pode ser percebido tanto na fala da
profissional, supervisora de campo, quanto na da estagiária, ainda em processo de
formação:
Por exemplo, eu tenho duas instituições que as próprias profissionais chegam para mim e falam: “Eu não tenho autonomia”, né? Eu questiono uma intervenção, por exemplo, uma intervenção que poderia ser ampliada. – “Olha, isso está acontecendo aqui, tal e tal, a minha estagiária percebeu isso. Existe algum programa que você pode inserir?” Aí, ela olha para mim, sorri e fala: “existe, mas eu tenho que pedir autorização, eu não tenho autonomia, nenhum projeto que a gente realiza pode ser nosso, o projeto é da instituição e existe um controle muito grande da coordenação, não sai sem o aval da coordenação. Somos barradas totalmente, totalmente retirada a autonomia” (SA1, 47a, 12 a/formada). Tem a questão da teoria e prática. É muito fácil quando a gente está numa sala de aula, a gente ter a noção “olha, o serviço social deve dar tal resposta para tal questão social”, só que na prática mesmo a gente ver um... não há um distanciamento muito grande, mas há um distanciamento. (E2, 20a, formanda).
Destarte, recai-se na velha/nova questão própria do pensamento
conservador, consubstanciada pela tradição positivista e seus derivados: disjunção
teoria e prática. Parece-nos que tal entrave já foi superado pelo conjunto das
sistematizações teóricas que temos nesse limiar, entretanto, tal discurso, muito
presente no senso comum e na ciência positivista, em geral, separa a reflexão da
execução, esmiúça-se e impregna o imaginário social, e é colocada como explicação
109
mais imediata para os desafios e impasses da realidade institucional.
Desse modo, todas as dificuldades e impasses da realidade institucional
encontram sua explicação, aparentemente satisfatória, na frase corriqueira de que a
teoria é uma coisa e a prática é outra. O que demonstra uma análise superficial da
realidade, que não consegue analisar os determinantes sociais, nem estabelecer as
devidas mediações, a fim de propor ações adequadas diante de tais desafios.
Quanto mais submerso estiverem os /as profissionais em seu cotidiano
profissional, mais estarão evidentes as contradições imanentes nessa realidade,
campo propício de sustentação e propagação do ethos conservador, pois nessa
lógica é cômodo a defesa da moral capitalista, donde a regressão dos princípios e
dos valores contidos no nosso código de ética é expressão máxima dessa realidade,
a exemplo do fortalecimento do pragmatismo e de um moralismo barato das
expressões da questão social.
Há, com isso, uma inquirição do pensamento conservador sobre o caráter
ontológico da realidade, o qual, segundo Guerra (2011, p. 56-57), busca transformar
“a razão moderna, objetiva e dialética num produto das consciências individuais, ou,
no limite, em uma camisa de força dos sujeitos”. Isso tem levado a uma intervenção
político-profissional caótica, distorcida de seus reais fundamentos, adquirindo um
alto nível de legitimidade perante às condições estruturantes do cotidiano
profissional, quando, por exemplo as profissionais realizam sua prática profissional,
como sendo algo dependente da subjetividade pessoal de cada profissional. A fala a
seguir demonstra, significativamente, tal postura: “Pelo fato de ser seis profissionais,
é muito diferente o fazer de uma para outra. O serviço social não tem uma cara, e aí
cada uma tem seu jeito do fazer profissional” (E1, 22a, formanda).
Acerca disso, retomamos a citação de Barroco e Terra (2012, p. 68) que
pontuam:
É comum o entendimento de que os pressupostos valorativos que servem de orientação para o julgamento das ações éticas podem variar de acordo com os valores pessoais dos indivíduos. Essa ideia concorre para uma relativização da ética e para uma visão que perpassa pelo pensamento social reproduzido pelo senso comum: a visão de que cada um tem a sua moral e a sua ética, desconectadas das suas determinações sociais, e/ou o entendimento de que elas decorrem da subjetividade dos indivíduos, não dispondo de determinações objetivas.
Ao subsumir a prática profissional à dimensão subjetiva, relegando-a ao
110
fazer singular de cada profissional, tem-se uma forte tendência neoconservadora, o
que compreende uma ausência de análises concretas da realidade, pautada no
conjunto das determinações teórico-práticas sistematizadas no âmbito do Serviço
Social brasileiro, em sua perspectiva crítica. Sob esse prisma de abordagem, Guerra
(2011, p. 150) nos aponta que
[...] a ausência de entendimento sobre as determinações da consciência, sobretudo da base material que as produz e as mantém, encaminha o assistente social a tomar os fatos e fenômenos tal como eles aparecem à sua consciência, e a buscar em modelos teóricos explicativos da sociedade seu referencial operativo de atuação que, pela reincidência dos problemas enfrentados, tende a cristalizar-se em modelos de intervenção profissional.
O trabalho, então, passa a operar por si mesmo, o qual controla os
sentimentos do próprio sujeito. Dessa maneira, a subjetividade assume um papel de
mero executor de intervenções institucionais, demarcando uma ruptura entre as
bases ontológicas do ser social, aqui como profissional, e sua própria consciência.
Tais tendências profissionais encontram um verdadeiro acento na racionalidade
abstrato-formal, constituída e constituinte na/da forma de pensar da sociabilidade do
capital, em sua perspectiva conservadora.
Percebe-se também que existe um processo de individualização do ser
social, reduzindo-o à condição de um ser individual, o que no âmbito das profissões
adquire uma certa conotação pelo reforço da valorização do hábito/comportamento
como forma de intervir na realidade, o que recai na desvalorização de uma cultura
crítica sobre os fundamentos da realidade, numa direção mais coletiva, direcionada
pelos valores e princípios hegemônicos da profissão. Mais uma vez, recai-se na
discussão teoria/prática e reforça-se o fatalismo/pragmatismo, como único caminho
possível para quem estar na “prática”:
O olhar, a realidade. Eu achei da minha formação, quer da leitura, da teoria, é totalmente diferente da prática, da realidade. Eu acho isso, e aí eu busco mais a prática. Eu fico observando o que a assistente social faz, que é uma coisa totalmente diferente da teoria, porque a realidade é complicada. Porque há coisas que na teoria tem assim, que a gente vê, que não cabe ali na prática, é uma coisa assim, que às vezes a gente age por emoção, a gente age diferente, a gente vê que é totalmente diferente da teoria. (E4, 22a, formanda).
A reatualização do pragmatismo é uma forte tendência na cena
contemporânea, o que é perceptível pelo conjunto de falas aqui expostas, tendência
111
essa que leva à constituição de uma perspectiva de reforçar o Serviço Social como
uma tecnologia social, uma profissão meramente pragmática, “de modo que a
profissão parece resultar do casual, do aleatório, do caótico, do improviso,
respondendo às demandas inespecíficas” (GUERRA, 2014, p. 49).
A prática, portanto, parece autonomizar-se da dimensão do conhecimento,
ou de outra forma, parece que o conhecimento teórico não faz sentido diante da
prática profissional, levando ao discurso inverídico de que: “na prática, a teoria é
outra”. Nesse sentido, o conhecimento, segundo Guerra (2011, p. 171):
[...] passa a ser um conjunto de conceitos discriminados que representem coisas, apartadas e individualizadas entre si, a partir das quais os indivíduos concebem a realidade e cristalizam-se, tanto pelo hábito quanto pela reincidência dos problemas com os quais o profissional se defronta.
Enquanto por um lado percebe-se um processo de ultravalorização do
fatalismo/pragmatismo, quando por exemplo, nas falas, algumas sujeitas pontuam
que “fazem aquilo que podem” (E1, 22a, formanda), por outro lado também se
percebe uma reatualização daquilo que Iamamoto (2013) apontou como a
perspectiva messiânica do Serviço Social, reforçada pelo fantasma da ajuda, ainda
bastante presente nos contornos dessa profissão.
Dizer que o Serviço Social é assentado em uma dimensão messiânica é
centralizar nos/as assistentes sociais a resolutividade para todos os problemas e
demandas que chegam no cotidiano das relações socioprofissionais, o que
desconsidera as determinações societárias, institucionais e profissionais as quais a
engendram.
Dito isso, também é observado nas entrevistas realizadas a forte tendência
dessa visão messiânica da profissão, responsabilizando-a por um conjunto de ações
que não cabem à uma profissão isoladamente:
Não, pelo que eu vejo lá, quando tem uma coisa que é impossível, a gente (Serviço Social) dá um jeito [...] Em relação também a documentos, tudo essas coisas, a gente dá um jeito [...] O Serviço Social é... eu, pra mim, lá no Centro POP é uma mãe, as pessoas confiam mais na gente pra conversar. (E4, 22a, formanda). O estágio é fundamental, realmente é onde a gente aprende. Onde a gente tá ali com a mão na massa, que a gente vê a realidade, que a gente tem que ajudar e procurar o meios pra ajudar a pessoa. (E3, 34a, formanda).
112
Diante das falas das entrevistadas, podemos afirmar que essa tendência
pragmática/messiânica de parte das profissionais se consubstancia na inter-relação
entre conferir um conjunto de responsabilidades à profissão, o que não cabe a ela
mesma resolver – ao menos na sua dimensão particular – e, diante disso, dá
respostas a essas demandas, a partir de uma vocação que coloca a ajuda no centro
dessa realidade.
Porquanto, tais falas reforçam uma lógica de recolocar no Serviço Social a
perspectiva da escolha dada por uma vocação, ou seja, concluiu o curso de Serviço
Social simplesmente porque gosta de trabalhar com pessoas, de ajudá-las. Há,
ainda, quem dissesse já ser, praticamente, uma assistente social, por isso acabou
fazendo o curso para legitimar uma prática da sua comunidade, igreja, ONG,
instituição onde trabalhava, dentre outras. Tal discussão já apresentada em outros
momentos por Guerra (2014, p. 47) mostra o quanto essa vertente está presente nos
contextos da formação e do exercício profissional, quando o Serviço Social, por
vezes,
[...] é [identificado como] vocação, prática de ajuda e/ou militância, [pautado] em valores anti-capitalistas românticos e humanista-cristão. Assim, dos espaços sócio-ocupacionais recebe o imperativo: “Faça ou não será considerada compromissada”. Apoiada num eticismo, que supõe que as condições objetivas da realidade possam ser subsumidas ao “compromisso” e à boa vontade da profissional, desencadeiam-se posturas voluntaristas e messiânicas que historicamente nos têm levado à incorporação gradativa de funções genéricas, demandas inespecíficas, meras atividades que não cabem a nenhuma profissão, sob o argumento conformista do “afinal, não custa nada“.
É impressionante, mesmo passado quase 40 anos da “ruptura” com o
Serviço Social conservador, o quanto o espectro da ajuda ainda ronda as atuais
intervenções profissionais, a qual não se reduz a um número insignificante, pelo
contrário, essa proposta interventiva aparece significativamente nos processos de
trabalho dos/as profissionais, e, quando essa ajuda configura-se nos valores
humano-cristãos, a perspectiva tida é a de reatualização do conservadorismo, a qual
tem seus fundamentos sustentados nos valores cristãos, como apontam as falas das
seguintes entrevistadas:
Assim, os elementos que eu utilizo, que eu tenho na minha bagagem profissional é sempre ter um atendimento humanizado [...] o atendimento é individual, respeitar o próximo como se fosse eu. (E5, 26a, formanda).
113
De você estar ali pronta para ajudar alguém, para orientar alguém, para acompanhar no caso das orientações, para beneficiar alguém em todos os aspectos que podemos. (E3, 34a, formanda). O estágio é fundamental, realmente é onde a gente aprende. Onde a gente está ali com a mão na massa, que a gente vê a realidade, que a gente tem que ajudar e procurar os meios para ajudar a pessoa. (E4, 22a, formanda).
Diante disso, afirmamos que a reatualização do conservantismo – em sua
tendência messiânica – leva a um conjunto de contornos no modo de pensar e agir
dos/as profissionais, recaindo na (re)configuração da cultura profissional,
redimensionando-a a uma vertente desqualificadora da própria profissão, uma vez
que nessa lógica “qualquer um pode fazer o trabalho do/a assistente social; vou
fazendo tudo o que estiver ao meu alcance para poder ajudar o/a usuário/a; o
Serviço Social é uma verdadeira mãe para os/as usuários/as dos serviços” (E4, 22a,
formanda).
Tal realidade leva à adesão de intervenções profissionais com contornos
imediatos e superficiais às demandas as quais aparecem, reduzindo-as às suas
manifestações aparentes, sem levar em consideração a totalidade das
determinações que as compõem, como aponta Iamamoto (2013, p. 27-28):
[...] seu pensamento tende a aderir aos contornos imediatos da situação com que se defronta, valorizando os detalhes, os dados qualitativos, os casos particulares, em detrimento da apreensão da estrutura da sociedade. A mentalidade conservadora não possui predisposição para teorizar. Sendo a organização da sociedade vista como fruto de uma ordenação natural do mundo, o conhecimento visa a um controle prático das situações presentes. O conservador elabora seu pensamento como reação a circunstâncias históricas e ideias que se afiguram ameaçadoras à sua influência na sociedade. O conservadorismo torna-se consciente, no plano da reflexão, como defesa, decorrente da necessidade de armar-se ideologicamente para enfrentar o embate das forças oponentes.
O que está em jogo nessa configuração profissional, nada mais é do que os
caminhos que o atual Projeto Ético-Político trilhará nos anos subsequentes,
exatamente porque na cena contemporânea, na qual há um contingente de projetos
societários em disputas, e é observado o avanço do ethos conservador no conjunto
das relações sociais. Expresso pela intolerância em todas as dimensões do ser
social, pela apologia a um conjunto de valores e princípios antidemocráticos,
sustentando a tese de reatualização desse conservantismo, em sua versão mais
bárbara.
Essa perspectiva, ainda encontra um terreno fértil no campo teórico-prático
114
dos direitos, visto haver uma hipervalorização desses, sobretudo, quando subsumido
ao lastro das políticas sociais, a qual reflete a defesa/expressão da própria moral
capitalista, reduzindo e/ou alinhando os princípios do Código de Ética Profissional
(CEP) à estrutura capitalista dos direitos e das políticas sociais, o que coloca em
pauta um estatuto legalista a esse instrumento, limitando-o à emancipação política
da classe trabalhadora, como apontam algumas falas:
O projeto Ético Político [...] traz tudo aquilo de direitos humanos, e não sei o quê e tal... (E1, 22a, formanda). Defender os direitos das meninas em si, já que os direitos delas estão violados... (E2, 20a, formanda). Trabalhamos na garantia dos direitos e com o dever da cidadania. Então o Serviço Social lá, ele trabalha com essas ações e elas são de suma importância para o indivíduo no seu processo de reintegração social. (E5, 26a, formanda).
Então, observa-se uma verdadeira apologia aos direitos, constituindo-se em
verdadeiros jargões profissionais, donde parece que todo/a profissional de Serviço
Social já está embutido em seu discurso da defesa por direitos, os quais muitas
vezes não sabem sequer se tais direitos se alinham ao Projeto Ético-Político, ou até
mesmo quais direitos eles/elas próprios/as defendem. Em muitas falas é notório os
direcionamentos mais para a via do favor, da ajuda e da benevolência – como já
apontado anteriormente – do que verdadeiramente como algo conquistado pela
classe trabalhadora e que lhe pertence, enquanto socialização da riqueza produzida
socialmente. Também não se analisa as limitações desses direitos assegurados,
nem tampouco analisa-se as determinações sociais impostas pela lógica do capital a
esses direitos.
É preciso termos clareza qual a perspectiva de direito que defendemos. Os
direitos são obras da própria sociabilidade do capital e são a outra face da
desigualdade social, conforme analisa Iamamoto e Carvalho (2014, p. 97-98, grifos
dos autores):
O que merece ser ressaltado é que a sociedade do capital supõe uma contradição inevitável na sua continuidade: o discurso da igualdade e realização da desigualdade. De um lado a afirmação da liberdade individual e da igualdade de direitos e deveres de todos os cidadãos, como condição de funcionamento pleno da economia de mercado. [...] Em polo oposto, tem-se a desigualdade inerente à organização da sociedade como unidade de classes sociais distintas e antagônicas assentada em uma relação de poder
115
e exploração.
Contudo, ao mesmo tempo que reconhecemos nossos limites, é preciso
entender a luta por direitos como tática nesse momento histórico e como meio
limitado, mas necessário, para assegurar o que foi usurpado da classe trabalhadora.
Por conseguinte, torna-se necessário apreender as determinantes que
compõem essa realidade, e, diante, disso reafirmar a defesa desses, mas
compreendendo seus limites e possibilidades, caso contrário, reforçaremos um
ethos que nega a liberdade dos indivíduos. Nesse sentido, concordamos com
Behring e Santos (2009, p. 280):
[...] as lutas por direito nutrem de possibilidades o processo de socialização da política, ao tempo em que explicam seu limite, quando se constitui um tipo de universalidade abstrata no reconhecimento de sujeitos de direitos universais, uma forma particular de a burguesia reivindicar para si o domínio ideológico da sociedade. Nesse sentido, o destino das lutas por direito está determinado na dinâmica da luta de classes, num complexo jogo que envolve disputas ideológicas quanto à concepção de sociedade e projeto societária que se deseja afirmar. Esse processo não pode prescindir da organização política das classes trabalhadoras nem a estas se limitar, pois, depende de um conjunto de condições objetivas que interferem na história.
Então, torna-se estratégica a luta por direitos, mas tendo-os como meio de
viabilização da radicalização da democracia e da cidadania, como acentuados no
Projeto Ético-Político, não como fim último dessas lutas. Essa complexidade no
âmbito da defesa de direitos coloca um grande “nó” às determinações objetivos
dos/as profissionais e estudantes de Serviço Social, que, muitas vezes, como
apontam as falas, reduzem o seu exercício a mera execução de políticas sociais,
demarcando o campo dos direitos como fim último de sua intervenção
socioprofissional.
É importante demarcar, portanto, que ninguém age sem ter valores, diante
disso, como já mencionado na primeira seção, no âmbito profissional também
emergem ethe distintos. Essa afirmação nos leva a assegurar que não se pode
colocar todas as éticas no mesmo patamar, ao tempo em que não se pode afirmar
que outras pessoas não tenham ética. Todos os sujeitos profissionais têm um ethos,
no entanto, esse ethos pode por um lado se sustentar nos valores da sociabilidade
vigente ou, por outro lado, enraizar-se em referências humano-genéricas.
Entretanto, o ponto mais crítico dessa realidade não se resume à defesa dos
direitos pelos direitos, dito de outra forma, não se reduz à defesa dos direitos na
116
ordem do capital como fim último da prática profissional de uma profissão que tem
em seu limiar final a defesa e a busca pela emancipação humana da sociedade. O
ponto mais crítico percebido nas entrevistas é quando as estagiárias não
conseguem colocar-se de forma crítica-reflexiva frente aos valores e princípios do
Projeto Ético-Político e/ou o alinha aos valores da ajuda – vocacionado pelos valores
humano-cristãos.
Assim, o Projeto Ético-Político é muito bom, é perfeito [...], muitas coisas que eu não consegui aprender tudo ainda. Esse Projeto é de suma importância, mas não é todos os profissionais que seguem. A nossa responsabilidade é fazer o encaminhamento, é ver qual é a necessidade dele e fazer o devido encaminhamento. (E1, 22a, formanda). Assim, eu vejo que o Projeto Ético-Político é bastante importante porque ele trabalha com o respeito ao próximo. (E5, 26a, formanda).
Nas falas, percebe-se uma certa idealização do Projeto Ético-Político,
(“perfeito”) e, ao mesmo tempo, respostas vagas (“de suma importância”; “bastante
importante”), mas elas não conseguem expressar em que consiste tal projeto, como
se objetiva ou quais valores defende.
Além dessas falas, das seis estagiárias entrevistas, quatro não sabiam dizer
o que é esse Projeto:
Eu vou ser bem sincera para ti. Código de Ética, Projeto Ético-Político, por mais que eu esteja quase me formando, eu ainda não estou muito dentro dele ainda. Ah! Eu acho que é a forma que o assistente social ele tem que trabalhar. Como eu te disse, tem que saber dividir o lado humano do profissional. (E2, 20a, formanda). A ética no Serviço Social é muito boa porque a profissional de lá ensino tudo que é necessário [...] Na verdade, do Projeto Ético-Político eu li pouca coisa, assim, não muito afundo, eu não vou te responder não, não estou sabendo não, porque assim, não adianta eu dizer uma coisa que não tem nenhum nexo. (E3, 34a, formanda). Não sei responder [...] Por experiência, tem a ética. Como eu disse, os usuários confiam mais na gente, a gente tem toda aquela conversa e ali fica, só entre a gente e a psicólogo, no caso em que ela precisa estar. (E4, 22a, formanda). Eita, essa pergunta aí eu não vou saber responder não, do Projeto Ético-Político. Não lembro muita coisa não. Eu confesso que isso é uma falha minha, eu deveria ter, e profundado mais nessa questão do Projeto Ético-Político, porque eu não vou falar besteira, então melhor eu não responder mesmo nada. (E6, 21a, formanda).
Diante dessas falas, podemos fazer algumas análises. O primeiro elemento
117
determinante nessas entrevistadas é que todas concluíram o curso recentemente ou
estão em processo de conclusão. Tal elemento leva-nos a apresentar como uma
possibilidade, que o processo de precarização do ensino superior, tem tido
rebatimentos no campo de formação profissional, de modo que se assiste a um
elevado número de formandos que não ultrapassam, nos termos de Santos (2015), a
adesão formal, ao Projeto Ético-Político Profissional55.
A segunda consideração é que não há um ethos puro no contexto das
relações sociais, o que implica dizer que no âmbito do Serviço Social essa realidade
também se confirma, entretanto, há uma verdadeira reatualização de velhas
tendências ético-políticas, as quais não se mostram mais isoladas/separadas. Pelo
contrário, essas tendências têm se mostrado a partir de uma verdadeira confluência,
donde se reatualiza o conservantismo numa perspectiva de modernizar práticas as
quais atendam aos interesses institucionais e sociais postos pelo ethos dominante.
Diante disso, compreendendo a moral e a ética, como espaços de
suspensão do cotidiano, o Serviço Social vem apostando que a saída dessa
realidade encontra sustentação teórico-prática nas diretrizes do Projeto Ético-Político
hegemônico na profissão desde meados dos anos 1980, entretanto, percebe-se
pelas falas da sujeitas que a adesão a esse Projeto tem se dado, em sua maioria, na
formalidade legal que sustenta tal Projeto, quando alguns sujeitos reduzem o Projeto
somente ao instrumental Código de Ética, retirando dele toda a dimensão política e
desconhecendo o emaranhado da luta de classes que o envolve.
Para além da adesão legalista ao Projeto, outro fator preponderante nessas
falas, e que nos preocupa, pois reforça o neoconservadorismo em sua versão mais
reacionária – por meio do discurso religioso – é colocar o projeto como algo bom,
ótimo, sem sequer desvelar as mediações presentes nesse processo. Isso leva a
uma interpretação de que os valores cristãos da bondade, irmandade, coletivismo
religioso, solidariedade e coalização de classes, bem comum, seriam a saída para o
contingente das desigualdades sociais postas nessa sociabilidade.
Outra tendência forte desse neoconservadorismo é a idealização de que o
trabalho profissional do/a assistente social poderá emancipar os seus usuários,
donde tal tarefa ascende a chama messiânica da profissão, colocando-a em um
55
O termo “adesão formal ao Projeto Ético-Político Profissional” foi utilizado por Silvana Mara de Morais dos Santos, ministrante do curso “Ética em Movimento” (CFESS) em 2015. Muitas reflexões presentes nesta dissertação foram estimuladas pela realização desse curso.
118
patamar que não compete a ela, mas sim ao conjunto dos trabalhadores
organizados em suas lutas sociais. Diante dessa realidade, acaba-se por idealizar
uma ética profissional, retirando dela as bases ontológicas as quais a compõem,
desconectando-a do real, e, colocando-a em um “pedestal”, como algo abstrato, um
tipo ideal a ser seguido, mas, que depende da subjetividade de cada sujeito.
Ainda, nesse mesmo sentido da abordagem teórico-prática aqui
empreendida, Guerra (2014, p. 47-48, grifos da autora) nos diz que:
[...] uma espécie de marxismo idealista toma conta da profissão e o projeto ético-político vira uma pauta de orientações de dever ser. Esta tendência atualiza-se na perspectiva de um anti-neoliberalismo e de uma visão possibilista que não avança na crítica das estruturas, ou seja, diante do avanço dos ajustes neoliberais, “fazemos o que é possível”. Neste aspecto, a profissão atualiza-se na perspectiva voluntarista, de um lado, e militantista (seja militância religiosa, seja da militância política), de outro. Além disso, permanece no interior da profissão a suposição da sua neutralidade política e a de que se trata de uma categoria homogênea, consideração que acaba negando tanto as diferenças quanto o diferente. A abstração do fato de que a profissão é formada por sujeitos profissionais plurais, apoia-se na concepção equivocada de que aqui se conforma um amplo campo de consenso.
Ora, a realização da ética profissional se dá pela ação prática/concreta, dito
de outra forma, ela não se realiza somente pela compreensão das normativas legais
e teórico-filosóficas, pelo contrário, ela só se efetiva na materialização do ethos
profissional, construído no confronto e no diálogo do desenvolvimento social e
histórico da profissão e do sujeito profissional. Ela não é algo vazia e/ou sem
significado, pelo contrário, ela é recheada de mediações, donde o sujeito que não
participa de forma efetiva da constituição e implementação da norma, acaba por não
se reconhecer nela. Diante disso, torna-se preponderante aos sujeitos profissionais,
o seu reconhecimento nas bases teórico-filosóficas e legais que dão sustentação à
ética da nossa profissão, para não corremos o risco de atentarmos contra o nosso
próprio Projeto Ético-Político.
Sendo assim, a mera adesão abstrata aos valores profissionais não demarca
uma ação ética – na direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social –, pelo
contrário, demarca a vinculação profissional ao projeto hegemônico de sociedade, o
que reafirma o compromisso com o ethos conservador, (re)produzindo o conjunto de
valores presentes nessa sociabilidade.
E, mesmo apreendendo as condições objetivas e subjetivas que compõem a
119
realidade do/a profissional, não podemos destituí-lo de sua responsabilidade perante
o que está posto, diante das suas ações ético-políticas, pois assim, estaríamos
reiterando a própria lógica de fragmentação da vida social, e, por outro lado,
desresponsabilizando-o totalmente de seus direcionamentos teórico-metodológicos,
ético-políticos e técnico-operativos. Como entendemos que as respostas
profissionais são sempre uma escolha valorativa, e que traz um si um conjunto de
pores teleológicos – como resultado da relação entre causalidade e teleologia – o
que coloca ao Serviço Social um conjunto de determinações a priori e posteriori aos
processos interventivos, como bem aponta Iamamoto (2014, p. 416-417):
esse dilema é subjetivamente apreendido pelos profissionais de campo, ao nível da percepção cotidiana, de forma dualista, expressa no reincidente reclamo do “distanciamento entre projeções e realidade, entre teoria e prática”. Mas essa “denúncia” aponta duas questões de maior relevância: (a) a existência de um campo de mediações que necessita ser considerado para realizar o transito da análise da profissão ao seu exercício efetivo na diversidade dos espaços ocupacionais em que ele se inscreve; (b) a exigência de ruptura de análises unilaterais, que enfatizam um dos pólos daquela tensão transversal do trabalho do assistente social, destituindo as relações sociais de suas contradições.
Logo, o que está conformado é a reatualização do conservantismo, numa
vertente de se adequar aos tempos presentes, que supõe um profissional
desqualificado para lidar com políticas públicas desqualificadas, e, com um conjunto
de usuários considerados a escória da sociedade contemporânea. Todos esses
elementos reforçam, quando os/as profissionais, na verdade, desconhecem o que é
esse Projeto e, tão pouco, alinham sua prática aos seus princípios e valores.
Todos estes elementos – messianismo, fatalismo, pragmatismo, idealização
dos direitos, entre outros – configuram um ethos profissional conservador que
mescla diversas expressões de uma única direção, denominada neste trabalho
como ethos idealista-formal.
Então, é na agudização das contradições em curso, que esse ethos tem
encontrado acento para sua radicalização, implicando em uma tendência de
conduzir o exercício profissional, a partir de uma certa racionalidade que balanceia o
direcionamento ético-político hegemônico, construído pela profissão nos últimos
anos, visto que tal racionalidade, em sua base mais concreta alinha-se ao retorno de
tendências reacionárias, consubstanciando-se em duas direções, que Guerra (2011)
vai denominar, a depender de como se configuram, de racionalismo abstrato-formal
120
ou irracionalismo.
Essa realidade apresenta-se como um nó de complexidades e tensões que
se colocam a essa profissão, haja vista que é no caldo do conservadorismo histórico
da sociedade brasileira, que essa profissão abanca sua gênese, sua legitimação e
profissionalização, e, nos dias de hoje, vem sendo reacendido por um conjunto de
estudantes/profissionais nos mais variados espaços de inserção socioprofissional.
No entanto, a história relega ao Serviço Social uma guinada à constituição
de um ethos progressista, assentado na racionalidade crítico-dialética de Marx,
demarcando um novo modo de pensar e de fazer a profissão, o que nos possibilita
afirmar: hoje o caldo cultural consagrado no seio dessa, não se substancia somente
em tendências conservadoras, pelo contrário, o há hoje é uma direção hegemônica
pautada em valores positivos, na perspectiva da liberdade humana, balizando,
portanto, um contexto de disputas que precisam ser elucidadas e, com isso,
demarcarmos em qual campo de lutas nos encontramos, enquanto sujeitos
socioprofissionais.
Dessa maneira, nas próximas subseções faremos uma discussão sobre
como as disputas apresentam-se no seio da categoria profissional, e, diante dessas
disputas, como se coloca a direção hegemônica que as entidades representativas do
Serviço Social têm construído nos últimos 36 anos. Além disso, refletiremos sobre as
determinações objetivas/subjetivas da constituição desse ethos humano-genérico
nos espaços de formação e trabalho dos/as assistentes sociais.
3.5 Oxe! Há disputa de ethos no Serviço Social? Entre a hegemonia ameaçada
e a ameaça da hegemonia
Com o amadurecimento do modo de produção, no século passado, a
sociedade vivenciou duas formas imbricadas de organizar a produção, que até os
dias atuais ainda se tem suas fragmentações, sendo eles o fordismo56 e o
56
Entendemos o fordismo “fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo controle taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. Menos do que um modelo de organização societal, que abrangeria igualmente esferas ampliadas da sociedade, compreendemos o fordismo como o processo de trabalho que, junto com o
121
taylorismo57, que implicam em um excepcional aumento da produtividade, através do
trabalho parcelar, verticalizado e do controle do tempo e dos movimentos.
No contexto de aprofundamento da divisão sócio-técnica do trabalho,
especificadamente, nos espaços profissionais onde o trabalhador exerce uma “certa
autonomia” e usufrui de uma “determinada liberdade”, emerge os receituários, ou
seja, os Códigos de Ética Profissionais, ainda editados pelo Estado, pois este é o
foro de interesse público, sendo que a partir desse momento histórico, Simões
(1998, p. 69) afirma que:
os profissionais começam a refletir e a tomar consciência de que têm ou devem ter certa moral, que existe difusamente entre eles, consciência de que há certos padrões morais. Tomam ciência, fazem dela objeto de sua ciência, de sua consciência; passam a estudá-la, a pesquisá-la, a apreender os comportamentos e condutas profissionais, a tentar dissecá-los, a ver onde é que estão sendo ou não corporativistas, onde têm especificidade, e a perceber que aquela moralidade tem um efeito de reunificação espiritual daquele grupo de trabalhadores, quer dizer, que é fundamental. A partir daí, começam a apreender essas regras, a estudá-las, a discuti-las, a tomar consciência delas nos seus seminários. E nesse nível de críticas sobre elas, passam a apreender o essencial e a sistematizar padrões. Isso passa a ser a ética como uma ciência, cujo objeto é a moral. E, nesse momento, já é o seu oposto, o seu contrário, porque uma é concreta e difusa, e a outra é formal, científica, definida e sistematizada.
É exatamente por meio de tal contexto que as profissões, em específico as
liberais, em seu processo organizativo e legislativo acabam por hegemonizar um
projeto profissional intrínseco ao Código de Ética, apontando para uma prática
profissional regida por uma direção social a qual a profissão seguirá. Contudo, esse
processo surge como expressão das múltiplas relações de poder configuradas no
bojo de cada profissão.
No que tange à ética de uma profissão, Carvalho (2007) postula que ela é
vista como uma reflexão que uma determinada categoria pode realizar sobre si
mesma, seja no âmbito da formação seja no exercício profissional permeada por
determinações sócio-históricas e conjunturais.
A apreensão da ética profissional, no âmbito dos/das profissionais liberais,
taylorismo, predominou na grande indústria capitalista ao longo deste século.” (ANTUNES, 2003, p. 25). 57
O Taylorismo compreende ao uso de “técnicas de racionalização do trabalho do operário [...] criar condições de pagar mais ao operário que produz mais [...] aplicação dos princípios tecnológicos [...] ao trabalho manual [...] a racionalização do trabalho operário deveria ser acompanhada de uma estruturação geral da empresa e que tornasse coerente a aplicação de seus princípios [...] fixação dos tempos padrões para a execução de tarefas.” (CHIAVENATO, 2000, p. 52-56).
122
dá-se em um processo de formação acadêmico-profissional, que se inicia na
academia e prossegue em todo o seu agir profissional, requerendo sempre um
profissional atualizado, dinâmico e propositor em seu agir profissional.
Tal processo tem sua iniciação em um “banco” de Universidade, ou seja, é
no processo de formação acadêmica que o futuro profissional terá o primeiro contato
com a ética profissional, havendo aqui a (des)construção de suas bases teóricas, de
suas visões de mundo, de suas pré-noções, cabendo a ele/ela se apropriar-se cada
vez mais deste processo como sendo o seu “portão” de acesso à uma formação
profissional, baseada nos princípios éticos da profissão, permitindo ainda a
compreensão dos limites e possibilidades de atuação do profissional no seu
processo de autocriação.
É perceptível que a realidade social é penetrada por uma dinamicidade
capaz de se transformar cotidianamente nos diversos espaços da vida do homem,
não havendo uma relação de causa e efeito entre a consciência/reflexão e a
objetividade dada, mas sim, uma relação dialética entre o conjunto das consciências
no seu pôr teleológico e a realidade objetiva, em um processo de determinação
mútua.
[...] os homens são os produtores de sua consciência, mas o produto de sua práxis não pode ser considerado uma consequência causal de sua projeção ideal, porque as circunstâncias sociais em que ele é produzido ultrapassam a determinação subjetiva dos indivíduos, considerados isoladamente. (BARROCO, 2010a, p. 23).
Essas posturas éticas, no campo profissional, têm sua gênese de construção
e/ou desconstrução no contexto da formação profissional, espaço no qual o discente
de Serviço Social passa a construir a sua ética profissional, que é a peça motriz para
a materialização do Projeto Ético-Político Profissional.
Contudo, os fundamentos teórico-políticos da ética se compõem em um dos
elementos essenciais da formação profissional, diluindo-se nos núcleos da
fundamentação58 dessa formação, desde que tenha como pressuposto a concepção
ontológica do ser social. Ao cabo que esses fundamentos não pairam sobre as
bases ontológicas, mas sim a partir de uma perspectiva moralizante e/ou
58
Os núcleos de fundamentação da formação profissional em Serviço Social, que constam nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996, são: 1- Núcleo de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social; 2- Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira; 3- Núcleo de Fundamentos do trabalho Profissional.
123
fundamentalista do ser social, acabam por enviesar o processo de desvelamento da
realidade, recaindo naquela velha questão dicotômica, como bem afirma Iamamoto
(2008), entre ser fatalista ou messiânico. Desse modo, Barroco e Terra (2012, p. 72)
nos afirmam que:
[...] todas as ações reproduzem valores e posicionamento de valor; omitem, negam ou afirmam finalidades com conteúdos valorativos. Sendo assim, a ética profissional – entendida como a objetivação de valores e práticas que interferem valorativamente na vida social – pode se configurar como uma ética consciente da sua interação com a sociedade e com a humanidade, conectada a exigências ético-políticas emancipatórias e objetivadoras de tais motivações, como pode produzir um resultado que negue tais exigências.
Porquanto, não adianta ter “consciência crítica”, se não agirmos na direção
da radicalização da liberdade como valor ético central em nossas ações
socioprofissionais, e, no outro ponto, nada nos vale uma ação sem consciência
crítica, pois aqui estaríamos caindo no velho pragmatismo teórico-prático e ético-
político, destituído de sentido e direção social.
É necessário que, no âmbito da prática profissional, haja o descortinamento
das mediações que compõem a profissão, a sociedade, o objeto de estudo e o
trabalho do Serviço Social na realidade, o Estado, as Políticas Sociais, o local da
classe trabalhadora diante das configurações sociais que se assentam, e, ainda, as
correlações de forças presentes no âmbito socioinstitucional, como bem pontuam as
seguintes entrevistas:
Nós trabalhamos no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e, aqui são várias demandas. Trabalhamos em níveis de complexidades, com aquelas famílias que estão em situação de vulnerabilidade social, mas não existe ainda a violação de direitos, já que aqui é a “porta de entrada para os serviços socioassistenciais da Políticas de Assistência Social”, sendo que a partir daqui damos os encaminhamentos devidos. Essas demandas são expressões da questão social, não tem como porque o marco mesmo principal é isso, né? E, como nós trabalhamos com famílias em situação de vulnerabilidade social, essas vulnerabilidades acontecem exatamente por conta, muitas vezes, da falta de acesso aos serviços públicos, famílias em situação de desemprego, uso de drogas, questão do envolvimento com o tráfico de drogas. [...] e esses sujeitos são famílias, mulheres na grande maioria quem procuram os serviços socioassistenciais, pessoas com deficiência, a gente ainda não tem atendido muito a população LGBT. (SC1, 49a, 16 a/formada). Eu vejo os usuários das políticas como sujeitos que não têm acesso à informação, sujeitos alheios, que deveriam ter mais informações, que a política ela deveria ser mais direcionada para os usuários em sua totalidade, ela não deveria ser trabalhada de forma isolada, deveria ser articulada
124
intersetorialmente através de rede e de uma forma preventiva. (SA1, 47a, 12 a/formada).
A análise das falas apresentadas nos permite perceber que das
entrevistadas as quais conseguem avançar para a construção do ethos humano-
genérico, três delas concluíram sua graduação nos anos 1980 e uma em 2003, mas
todas continuaram seu processo permanente de formação e 75% delas tem
participação política nos espaços de organização da categoria, bem como nos
espaços de organização dos usuários dos serviços nos quais estão inseridas. Isso
leva a enfatizar a importância da militância política e do processo de formação
permanente dos/as profissionais na construção do ethos humano-genérico.
Percebe-se que a intervenção profissional sustentada no ethos humano-
genérico da profissão, possibilita-nos perceber as contradições inerentes à realidade
social que intervimos. Mais do que isso, a racionalidade que lhe sustenta leva-nos a
apreender as determinantes econômicas, sociais, culturais, políticas, ideológicas,
artísticas, dentre outras, entrelaçadas no cotidiano das demandas socioprofissionais.
Desse modo, o/a assistente social ao depreender uma análise crítico-dialética do
contexto, e ao fazer uso de categorias que permeiam o complexo pensar e agir no
âmbito do Serviço Social, tem possibilidade de desvelar a realidade e refletir, pensar
e propor ações a partir dos limites e possibilidades dessa intervenção.
Diante disso, cabe aqui perguntar: Quais são os pores teleológicos do
Serviço Social, que neste ano comemora 80 anos de sua inscrição na divisão social
e técnica do trabalho na realidade brasileira? Qual o lugar desse ethos hegemônico
da profissão, na circunscrição profissional e social? Quais os caminhos percorridos e
que, ainda, vamos percorrer no complexo emaranhado dessa sociedade, que tem-se
revelado enrudecida pela trama neoconservadora?
Sendo assim, cabe-nos refletir um pouco sobre a constituição desse ethos, e
como ele se manifesta – nas relações concretas/imateriais – nos espaços
socioprofissionais em que os/as profissionais se inserem, bem como as bases de
sua racionalidade.
O Serviço Social, portanto, vem construindo, a partir dos anos de 1970 e
1980, seu ethos político-profissional na contracorrente do sistema capitalista de
produção e incorpora a matriz marxista como seu fundamento teórico-filosófico,
exatamente porque a ética espraia-se do campo eminentemente filosófico para
amplos setores da vida social. Muito embora, essa profissão – como aponta
125
Iamamoto (2013), tenha surgido e amadurecido o seu corpo profissional no seio do
conservadorismo moderno reafirmando o ethos dessa sociedade – rompe com tais
pressupostos e constrói um novo ethos na perspectiva humano-genérico.
Todavia, mesmo tendo o ethos humano-genérico sedimentado na
racionalidade crítico-dialético e adquirido uma hegemonia na direção social dessa
profissão, a partir dos anos de 1980, não se pode abolir a possibilidade de existência
e/ou construção de outros ethe os quais contraponham à essa direção, emergindo
nessa realidade, uma disputa de projetos políticos/profissionais em busca de uma
outra hegemonia marcada pelo neoconservadorismo.
É nesse contexto de disputas no qual se apresenta o elemento fundante
desses ethe, a ética. Ela por sua vez é expressão das objetivações da práxis
profissional desses sujeitos, o que a depender da perspectiva teórica/filosófica de ler
e perceber a realidade, podem apresentar nessa disputa, princípios conservadores
e/ou progressistas.
Sendo assim, segundo Barroco (2010a), dentro da sociabilidade burguesa, a
ética funda-se no princípio liberal segundo a qual a liberdade de cada indivíduo é o
limite para a liberdade do outro. A esse respeito, Marx (2009, p. 64, grifos do autor),
ao falar da concepção de liberdade na sociedade burguesa, assinala:
[...] trata-se da liberdade do homem como mônada isolada, virada sobre si própria. [...] Mas o direito humano à liberdade não se baseia na vinculação do homem com o homem, mas, antes, no isolamento do homem relativamente ao homem. É o direito desse isolamento, o direito do indivíduo limitado, limitado a si. A aplicação prática do direito humano à liberdade é o direito humano à propriedade privada. [...] O direito humano de propriedade privada é, portanto, o direito de – arbitrariamente (à son gré [à sua vontade – francês]), sem referência aos outros homens, independentemente da sociedade – gozar a sua fortuna e dispor dela; [é] o direito do interesse próprio. [...] Ela faz com que cada homem encontre no outro homem, não a realização, mas antes a barreira da sua liberdade. (Grifos originais)
Nessa prática das relações sociais, cria-se uma ética eminentemente
individualista, configurando elementos – bases do ethos político-profissional
burguês, pois nessa perspectiva há tendências que “neutralizam o presente, negam
a possibilidade de intervenção do homem na história: fundamento de uma ética
orientada pela práxis”, ou seja, emerge um processo de naturalização e moralização
da vida social.
Ética e moral, como já pontuado na primeira seção, são categorias que se
autoimplicam e se autodeterminam no cotidiano das relações sociais, porém cada
126
uma dessas categorias carrega em si uma totalidade de significações e
representações, pois a moral é autodeterminada na ação prática do homem em
sociedade, assumindo uma centralidade no campo da particularidade desse sujeito.
Vásquez (1984) pontua que agir moralmente é a perspectiva de os sujeitos
tomarem decisões, resolverem determinados problemas nas suas relações sociais,
dentre outros, enquanto a ética acaba por se constituir na reflexão teórica/filosófica
desses valores e, com isso, na busca de elevá-los ao status de genérico-morais,
assumindo uma característica de generalidade, em que o homem pode orientar sua
conduta nas mais diversas situações particulares.
Compreende-se, portanto, segundo Vásquez (1984, p. 37) que a moral é:
“[...] um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos
indivíduos numa [determinada] comunidade [...]”, assumindo assim características
peculiares no cotidiano desses sujeitos, uma vez que a moral não necessariamente
se traduz em leis, pois suas configurações objetivam-se nas ações dos seres sociais
através de princípios e/ou valores construídos socialmente, e que são aceitos,
principalmente, pela condição de serem traduzidas em costumes e tradições. Assim
sendo, Cardoso (2013, p. 41) analisa que:
o ser social, com base em valores, na relação com a realidade objetiva, passa a buscar compreender o que é bom ou ruim, correto ou incorreto enquanto comportamento humano, para si e para a coletividade. Surge então a necessidade da exigência de regras gerais. A partir desse juízo de valor e dos valores estabelecidos socialmente, vão sendo geradas ações, atitudes, que se tornam hábitos e costumes. Essa é justamente a origem do termo moral, que vem do latim mos ou mores = costume ou costumes. Tais ações tornam-se regras de convivência a serem seguidas pelos indivíduos em suas ações cotidianas, ou seja, o que podemos/devemos fazer ou não no dia a dia.
Dessa maneira, segundo Barroco (2010b), torna-se fundamental a
apreensão crítica dos fundamentos éticos da vida social e do Serviço Social para
que possa esclarecer a importância de uma moral verdadeiramente humana – essa
moral se sedimenta, exatamente no ethos humano-genérico – que discute a atual
moral capitalista, bem como apreender os limites da moral na sociabilidade
burguesa, donde tal ethos não se mostra de forma isolada, ou como sendo uma
categoria encontrada apenas no campo da abstração ética.
Portanto, como bem aponta Barroco (2003), é por meio das objetivações
sociais, dentre elas, a própria ética, que o homem passa a recriar suas
127
necessidades e pensar inovadoras formas de concretizá-las, transformando a si
mesmo e ao meio em que vive, como bem apontado em algumas falas, já que as
profissionais buscam estratégias de intervenção profissional marcadas pelos
direcionamento do atual Projeto Ético-Político do Serviço Social.
Planejamento estratégico, donde a gente está sempre trabalhando em conjunto, com as famílias e com os próprios adolescentes também, eles também participam desse planejamento. Então assim, a gente faz uma escuta qualificada geralmente desse usuário que chega procurando nosso serviço para ver realmente de que forma a gente pode intervir, ver qual é a demanda que ele está trazendo até a gente. Isso nos possibilita perceber como as expressões da questão social aparecem realmente no cotidiano do nosso trabalho. Donde verdadeiramente podemos fazer a correlação entre teoria e prática. (SC1, 49a, 16 a/formada). Fazer circular a informação. Então uma preocupação muito grande nas ações socioeducativas, por exemplo, é fortalecer a comunicação e o diálogo com os usuários para que eles entendam sobre determinadas questões, e, nesse sentido, fortalecer a cidadania. Uma outra coisa também é tentar inovar em algumas ações, procurando pautar nossas práticas a partir da realidade vivenciada nos territórios em que os sujeitos se encontram, que no campo da saúde mental, acaba tendo uma preocupação de que o Serviço Social está muito dentro da instituição e não está conseguindo ir para o território para poder verificar as potencialidades dessa população e, assim, possibilitar outras intervenções para os usuários da saúde mental. (SA2, 52a, 29 a/formada).
Nesse sentido, a ética é entendida como um modo de ser socialmente
determinado, permeando suas raízes no processo de autoconstrução do ser e suas
características essenciais são canalizadas pelo processo de humanização – quando
suas práticas sociais tem como fundamento a conformação do ethos humano-
genérico. Dessa forma, Barroco (2010a, p.20) aponta que “ele é autor e produto de
si mesmo, o que indica a historicidade de sua existência, excluindo qualquer
determinação que transcenda a história e o próprio homem”.
Nota-se que a história não existe sem correlacioná-la ao próprio homem,
portanto o homem em suas bases concretas está dotado da objetividade sócio-
histórica, consequentemente, pode-se afirmar que o homem, enquanto ser social e
ao mesmo tempo como ser determinante no processo de (re)produção da vida
social, tem suas bases fundamentais, segundo Barroco (Ibid.), em “categorias
ontológico-sociais, pois os modos de ser que o caracterizam são construções sócio-
históricas que se indeterminam de forma complexa e contraditória, em seu processo
de constituição”.
Assim, a ética como processo canalizador da autoconstrução está também
128
presente nos diferentes espaços de socialização do homem, incluindo o processo de
formação profissional, espaço de (des)construção do conhecimento, do qual emana
a necessidade de fortalecimento da ética, no caso do Serviço Social, a partir da
direção social construída pela categoria profissional nas últimas décadas.
A partir das várias discussões acerca das diferentes formas de ver e analisar
o mundo, os diversos valores impregnados na sociedade, nas normas que cada
sociedade julga como corretas, os padrões de conduta que lhe são necessários,
além das pré-noções estabelecidas do real, do abstrato e das formas de
socialização, nota-se segundo Barroco (1998 apud CARVALHO, 2007, p. 17) que
[...] enquanto espaço de reflexão da moral e também um espaço da filosofia, a ética deve buscar um ‘saber inteiro’, de totalidade; deve ‘ir às raízes’, buscando apreender a essência dos fenômenos, indagando o significado dos valores e para onde levam os indivíduos, o que implica dizer que a reflexão ética pressupõe uma crítica dialética.
Percebe-se que as relações sociais na contemporaneidade se encontram
complexificadas nas mais variadas formas, requerendo do profissional de Serviço
Social uma visão de totalidade sobre a realidade, a qual lhe possibilita apreender os
limites e possibilidades para uma prática transformadora, que para se materializar
nos dias atuais é necessário um domínio teórico-metodológico, assim como uma
análise crítico-reflexiva e compromisso social.
Não bastam somente tais prerrogativas para que essa ação aconteça, ainda
é necessário que a reflexão ética estabeleça uma mediação entre o saber teórico-
metodológico e esses limites, cabendo, também, ao assistente social ter clareza
ontológica das dimensões ética e política, desde seu processo de formação
profissional, o que nos leva, segundo uma supervisora acadêmica a pensar o campo
do estágio como espaço que provoque o debate com uma maior riqueza de detalhes
teórico-práticos, e, diante disso, os/as supervisores/as têm um papel primordial
nesse processo, que é
Provocar o/a discente acerca das mediações que estão postas naquela realidade, ver se a gente muda os nossos processos de trabalho para ver se nossos resultados possam ser outros, donde esse trabalho possa se dá numa perspectiva interdisciplinar, resguardando as peculiaridades de cada profissão, visto que a gente procura nortear todas as nossas ações baseadas nos valores, nos princípios do Projeto Ético-Político, então, por isso passamos a cobrar muito um perfil investigativo/interventivo de nossos alunos/as, já que sem diagnóstico e realidade, sem realmente uma leitura dessa realidade mais densa, mais fundamentada desemboca num conjunto
129
de dificuldades interventivas – na direção desse projeto – para o profissional. (SA2, 52a, 29 a/formada).
Entre a realidade social e a intervenção profissional existe um campo
saturado de mediações, o qual é colocado no conjunto das atividades humanas. Por
conseguinte, torna-se necessário (re)construirmos essas mediações, uma vez que
quanto mais conheço as mediações existentes, maiores são as possibilidades de
fortalecer a relativa autonomia profissional.
Compreendendo, então, que as mediações estão postas na nossa realidade
concreta, e, que, cabe a nós, enquanto profissionais, levá-las ao nosso intelecto e,
com isso, ordená-las na perspectiva de desvelá-las, constituindo um campo de
intervenções socioprofissionais, direcionado na perspectiva da racionalidade crítico-
dialética.
É nesse campo das mediações sociais – compreendido como uma totalidade
social – que, também, encontram-se as possibilidades de materialização do ethos
humano-genérico constituído no âmbito da profissão, pois essa realidade existe
independentemente da existência do/a profissional, cabendo a este, apenas
desvelar as suas contradições – encontradas nos limites e possibilidades dos
valores os quais defendemos e nos impostos pela realidade concreta –, dito de outra
forma, o que lhe cabe é, segundo Pontes (2010), o ordenamento do todo caótico em
suas mediações, para intervir na realidade social, o que implica, um agir
teleologicamente articulado aos valores ético-políticos.
Essa discussão leva-nos a afirmar que as determinações que compõem as
mediações concretas não nos desresponsabilizam das nossas capacidades éticas. A
ética profissional normatiza o tipo de homem e mundo que direciona nossas ações
teórico-práticas, o que nos leva a refletir que não podemos inculcar um conjunto de
valores, um modo de ser em uma categoria profissional genérica, visto que qualquer
categoria profissional é formada por sujeitos concretos/reais, e, que pela própria
natureza humana são sujeitos diversos e heterogêneos.
Se assim compreendemos os sujeitos profissionais – como uma totalidade
complexa de valores objetivos e subjetivos –, temos, portanto, que nos perguntar:
quais as finalidades interpeladas no processo de trabalho empreendido pelo
conjunto dos/as assistentes sociais? O que temos a dizer sobre os sujeitos que
realizam, no exercício profissional, materializam a ética profissional?
Que são seres sociais, por conseguinte, são sujeitos históricos que já
130
chegam na profissão com um determinado ethos que precisa ser confrontado, mas,
para isso, é necessário que esse ethos seja reconhecido pelos seres envolvidos
nesse processo, bem como pelo próprio sujeito em sua singularidade. Para que
assim possamos enfrentá-lo na perspectiva da constituição do ethos humano-
genérico, ou seja, há uma dimensão que é também de cunho subjetivo do sujeito em
seu processo de formação humano-profissional, o qual pode levá-lo ou para o
reforço do ethos dominante ou para a construção desse novo ethos, como aponta a
seguinte entrevistada:
Eu acho que a nossa prática, do/a assistente social, é muito vinculada ao Projeto Ético-Político, não tem como a gente dissociar disso, tanto que tem uma frase que eu costumo dizer: “Que apesar de todas as dificuldades inerentes ao Serviço Social, que a gente tem que nos manter firme, né, e lutar pela justiça e equidade social que são alguns de nossos pilares profissionais”. Então, não tem com a gente desenvolver a nossa prática do Serviço Social sem está a luz o tempo todo do nosso Projeto Profissional, já que o curso de Serviço Social nos dá a possibilidade de apreensão dessa dimensão ético-política que, eu acho, nenhum outro curso possibilita isso. E, em todas essas outras profissões você percebe que elas não têm uma formação como a nossa, sobretudo, de apreensão das contradições da sociedade capitalista, e, a partir, daí direcionar nossa prática profissional de forma a trabalhar com os seus usuários na perspectiva da emancipação humana. (SC2, 53a, 16 a/formada).
O ethos humano-genérico, hoje hegemônico no Serviço Social, busca
incessantemente por um projeto societário emancipatório, defendendo a concepção
de totalidade empreendida da racionalidade crítico-dialética, tendo, portanto, a
liberdade como valor ético central.
Diante dessa fala, o que se coloca para os/as profissionais é a necessidade
de nos mantermos na nossa direção política construída a longas duras por essa
profissão, nos inserindo concretamente nos espaços de mobilização e organização
da classe trabalhadora, donde podemos negociar muitas coisas no âmbito da
dimensão política, entretanto, jamais no âmbito de nossos princípios, visto que,
segundo Barroco e Terra (2012, p. 69):
uma ética democrática, pautada na defesa da liberdade, não poderia negar a importância de garantir a autonomia dos indivíduos, em suas decisões e preservação e seus valores e costumes. No entanto, o que fazer diante de diversas práticas que violentam e desrespeitam essa mesma liberdade? De acordo com o CE, manifestações que representam atos de violência, de desrespeito aos direitos humanos, à liberdade, não podem ser aceitas e devem ser enfrentadas de forma democrática.
131
Nesse sentido, o que está em prática é o elemento do pluralismo
democrático, sem abrir mão da perspectiva da emancipação humana. Nesse
sentido, devemos defender sempre os espaços de articulação e negociações, no
âmbito de nossas práticas socioprofissionais.
O que se observa, desse modo, é a necessidade de não estarmos
encaixando a nossa reflexão teórica na realidade, como um mundo de quadrados,
mas devemos utilizar dos fundamentos teórico-políticos para desvelar o movimento
do real, que envolve o conjunto da sociedade e das contradições inerentes à própria
profissão, das quais se apreende a diversidade como categoria ontológica:
[...] presente nas diferentes culturas, raças, étnicas; gerações, formas de vida, escolhas, valores, concepções de mundo, crenças, representações simbólicas, enfim, nas particularidades do conjunto do conjunto de expressões, capacidades e necessidades humanas historicamente desenvolvidas. Assim, é elemento constitutivo do gênero humano a afirmação de suas peculiaridades naturais e socioculturais. As identidades que unem determinados grupos sociais, diferenciando-os de outros, não deveriam resultar em relações de exclusão, desigualdade, discriminações e preconceitos. (BARROCO; TERRA, 2012, p. 69).
Diante disso, apontamos que a atividade profissional – em sua dimensão
singular – passa a ser cobrada por uma perspectiva ético-política profissional, a qual
é construída pelo conjunto da categoria, e, caso, não venha direcionar essas ações
na direção dos valores e princípios hegemônicos na profissão, consequentemente, o
que caberá aos profissionais é um conjunto de medidas/penalidades que se
encontra sistematizada no âmbito de nossa legislação profissional, sobretudo, do
Código de Ética Profissional de 1993.
É, necessário, portanto, suspender-se da perspectiva formal-abstrata na
perspectiva de construção do ethos fundando na racionalidade crítico-dialético,
buscando construir na relação coletiva-individual as condições necessárias para a
materialização do ethos humano-genérico, construído no âmbito do Serviço Social
nos últimos anos, aquele que tem seu direcionamento no atual Projeto Ético-Político
Profissional.
133
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: DE VOLTA AO COMEÇO, BUSCANDO O
CONCRETO PENSADO
O caminho de volta é um grande desafio, haja vista a exposição dos
resultados obtidos em nossa pesquisa, entretanto, ao adotarmos o materialismo
histórico-dialético como método de pesquisa, empreendemos uma análise dos
dados coletados/construídos, a partir da concretude do nosso objeto de estudo, a
qual vem sendo exposta e dialogada desde a primeira seção deste trabalho, por
isso, a nossa intenção aqui é apresentar nossas considerações, com indicações
conclusivas sobre o desenrolar da pesquisa, voltando ao começo numa perspectiva
do concreto-pensado.
Conduzimos, portanto, a nossa análise da realidade a partir dela mesma,
como fundamento capaz de desvelar as contradições e mediações que compõem
sua totalidade: uma sociedade histórica, dinâmica, contraditória, conformada pelas
relações e interesses de classes; fundada na centralidade do trabalho, na qual a
riqueza produzida socialmente é apropriada por poucos; e, ainda, assentada numa
determinada relação entre o indivíduo-singular e sua genericidade humana.
Desvelar os ethe profissionais que permeiam o Serviço Social não é uma
tarefa fácil, exatamente por essa realidade, em sua essência, se compor num campo
de contradições, amparado num conjunto de determinações multicausais que se
autoimplicam e autodeterminam a conformação desses ethe, mormente, nas atuais
configurações da sociedade do capital. O nosso objetivo aqui foi buscar aprofundar
essa discussão, apreendendo esses ethe no processo da formação e do exercício
profissional, a partir da tríade do estágio supervisionado.
Dessa maneira, chegamos em nossas análises conclusivas, apreendendo-as
não como imutáveis e a-históricas, pelo contrário, compreendendo-as em um dado
momento histórico e social – o contemporâneo –, a partir de nossa aproximação com
o objeto em questão.
Portanto, após o percurso da pesquisa e ao fazer o caminho de volta,
constatamos a existência de duas grandes tendências de ethos no âmbito do
Serviço Social: o primeiro, o ethos humano-genérico, sustentado na racionalidade
crítico-dialética, manifestando-se no dia-a-dia profissional/humano dos/as
assistentes sociais na direção da emancipação humana, radicalizado nas práticas as
quais expressam os valores do Projeto Ético-Político Profissional; o segundo, o
134
ethos idealista-formal, alicerçado nas racionalidades abstrata-formal e instrumental,
desmembra-se em práticas que fortalecem o pragmatismo, o fatalismo, o
messianismo e a ajuda profissional, os quais desembocam na (re)vitalização da
relação entre o ethos humano-cristão e o ethos burguês.
São expressões valorativas do ethos humano-genérico dos/as assistentes
sociais: o desvelamento das mediações que compõem o real, percebendo como as
expressões da questão social se apresentam no cotidiano profissional; o
empreendimento de esforços na viabilização dos direitos, como tática nessa
sociabilidade, mas compreendendo seus limites e possibilidades; o planejamento
estratégico das ações profissionais, buscando inovar suas práticas profissionais na
perspectiva de desburocratizar os espaços institucionais, radicalizando a defesa da
democracia e da cidadania dos usuários dos serviços profissionais; a relação das
dimensões teoria e prática como unidade dialética; a ampliação da participação
política e social dos usuários e de si próprio, direcionando-se na ampliação da
liberdade, reconhecendo suas lutas sociais no outros e vice-versa; e ainda, o
dimensionamento do processo de formação político-profissional como algo
permanente, que se (re)constrói nas inserções teórico-práticas desses profissionais.
No contraponto, são expressões valorativas do ethos idealista-formal dos/as
assistentes sociais a disjunção da relação teoria e prática; a prática profissional
reduzida à ajuda ao próximo; a resposta das demandas profissionais nos marcos
meramente institucionais; a valorização da dimensão técnica, ou seja, da mera
execução das instrumentais técnico-operativas; relegar a prática profissional à
dimensão subjetiva dos/as profissionais, destituindo-a de toda sua relação teórico-
prática; a idealização da ética profissional como algo subjetivista e moralizante; a
hipervalorização dos direitos como fim último da prática profissional, realocando a
sua garantia às possibilidades profissionais; o fortalecimento da burocracia
institucional nas práticas socioprofissionais; a reatualização conservadora de
moralizar as expressões da questão social, tal como, alçar a profissão o status de
salvadora de todos os problemas e demandas sociais ou como uma questão de
ajuda e humanidade.
Diante disso, é importante destacarmos que 60% das entrevistadas
colocam-se no campo do ethos idealista-formal, enquanto que 40% compõem o
ethos humano-genérico. O que nos leva a refletir sobre os rumos que a profissão
seguirá nos próximos anos, pois é certo, ainda há uma direção hegemônica nessa
135
profissão, não implicando dizer que essa hegemonia é apresentada como a maioria
em quantidade, até, porque, como as falas apontaram, as sujeitas as quais
solidificam o ethos conservador não têm ocupado os espaços de organização
política da categoria, bem como dos movimentos sociais.
Buscando compor o concreto-pensado, reafirmamos que o ser social se
funda a partir do trabalho, e a consciência desse ser não é constituída a-priori ou a
partir de propriedades biológicas, mas sim, ela é formada no processo de construção
de alternativas, donde os pores teleológicos, desencadeados nos processos de
trabalho, não são campos abstratos desconectados das relações de (re)produção da
vida material/imaterial. É, portanto, a construção e/ou escolha de alternativas, que
podem ser traduzidas na prática, a partir dos atos singulares dos sujeitos.
Entretanto, o desenvolvimento das forças produtivas desencadeia um
conjunto de nexos causais ao desenvolvimento do próprio trabalho, o qual assume
características próprias na sociabilidade do capital, ou seja, sob o capitalismo, o
trabalho torna-se alienado, expandindo a alienação para as outras dimensões da
vida social, refuncionalizando essas relações, seja no âmbito pessoal, seja no
âmbito profissional, culminando em expressões distintas no modo de ser desses
sujeitos.
Não obstante, temos a certeza de que não nascemos o que somos, mas
sim, que somos um constructo social e histórico fruto do desenvolvimento das
relações objetivas e subjetivas empreendidas em toda uma trajetória de vida, o qual
é desencadeado nas escolhas e decisões tomadas, a partir das demandas que são
postas no nosso dia a dia, ou seja, não nascemos conservadores ou progressistas,
tornamos-nos conservadores ou progressistas. Por conseguinte, asseguramos,
também, que não nascemos assistentes sociais, tornamos-nos assistentes sociais.
À vista disso, partimos do pressuposto de que os ethe profissionais não se
apresentam puros e lineares num processo de constituição sócio-histórico, mas, que
há uma verdadeira confluência de valores e princípios os quais têm conformado
formas distintas e antagônicas dos sujeitos profissionais portarem-se frente às
demandas do seu cotidiano. O que nos permite afirmar que há em curso uma
retomada de valores conservadores subsumidos a um discurso moralizante das
expressões da questão social sob a ilusão e/ou deturpação do Projeto Profissional
do Serviço Social.
Diante dessa realidade, apontamos que esses ethe profissionais tem se
136
(re)produzido num contexto de precarização da educação superior brasileira e da
degradação dos princípios éticos no exercício profissional, duas grandes frentes de
ataque ao ethos humano-genérico ancorado na racionalidade crítico-dialética, que
conforma o nosso Projeto Ético-Político Profissional.
Apontamos, ainda, que a mercantilização do direito à educação se dá a
partir de duas grandes frentes: primeiro pela precarização e sucateamento, através
de uma expansão com qualidade duvidosa das universidades públicas combinadas
com o aligeiramento do processo de formação, subordinando toda sua estrutura
pública ao interesse da iniciativa privada; e, segundo, através do estímulo ao ensino
privado como uma gigantesca rede de “escolões”, adensado pelo ensino à distância,
e, mais recentemente pelos cursos superiores na modalidade de extensão
universitária, embora as análises desses últimos não fizessem parte dos objetivos
propostos neste estudo.
A degeneração da formação tem sido algo preponderante na constituição
dos ethe profissionais na atualidade, donde temos um contingente de egressos que
não tiveram um contato com obras clássicas de nossa profissão. Desse modo, têm
imensa dificuldade de apreender as múltiplas determinações que compõem a
realidade. O que leva a substancializar práticas profissionais totalmente esvaziadas
da direção ético-política hegemônica na profissão, canalizando todos os esforços
numa perspectiva de ajuda, de assistencialização da pobreza, enaltecendo o
conjunto de práticas desenvolvidas no âmbito do terceiro setor, quando não, atuando
fortemente para sua legitimação – a exemplo dos projetos de intervenções
desenvolvidos no estágio, que buscam transferir o papel do Estado para a
sociedade, desresponsabilizando-o das ações de sua competência.
No capitalismo, a educação cumpre, fundamentalmente, o papel de
socialização e de formação de mão de obra qualificada para o capital e, quase
sempre, representa, do ponto de vista dos indivíduos das classes populares, uma
possibilidade de ascensão social, de ganhos individuais e de capitalização de
recursos. Nessa lógica, as instituições de educação devem produzir conhecimentos
úteis e rentáveis como condição para sua sobrevivência no mercado educacional e,
ao mesmo tempo, possibilitar que os indivíduos estejam inseridos no mercado de
trabalho, respondendo suas demandas. Porém, dialeticamente, em médias
infinitamente inferiores, essa educação pode possibilitar a construção de um
conhecimento que permita aos sujeitos desvelar o real, apreendendo suas
137
contradições, e, com isso fortalecer ações teórico-práticas que fomentem a
transformação desse real.
Como não há valores cristalizados na história, as reflexões teórico-práticas
desenvolvidas até aqui levam-nos a afirmar que a superação da ética tradicional
ocorrida no Serviço Social é fruto da incorporação concreta dos fundamentos
ontológicos que amparam o ser social, os quais nos permitiram compreender o
mundo como ele é – a partir da práxis social – pautados numa perspectiva de
transformação da realidade.
Baseado na tradição marxista, esse processo de superação, também,
possibilitou o desvelamento da unidade dialética presente nas dimensões da prática
profissional, assim compreendidas: Teórico-metodológica, concebida como os
pressupostos teóricos e metodológicos da práxis profissional, tendo como princípio a
unidade teoria/prática; Ético-política, entendida como a conexão existente entre a
dimensão ética, balizada pelos aportes teóricos e legais da ética profissional e a
dimensão política, apreendida por meio do embates dialéticos presente nas relações
sociais; Técnico-operativa, que diz respeito ao fazer operacional na utilização das
técnicas pertinentes ao assistente social no processo de materialização de sua
prática profissional.
Outro elemento importante a ser demarcado nessas considerações é a
relação intrínseca entre a totalidade da vida ética e suas formas particulares de
objetivação – a ética profissional –, que muitas vezes são vistas como campos
opostos e diferentes – direções apontadas nas falas de algumas das sujeitas
entrevistadas nesse trabalho –, as quais criam a ilusão de uma separação entre o
profissional e o humano. Todavia, essas duas dimensões compõem, também, uma
unidade dialética, donde esses elementos se confluem num conjunto de valores e
princípios que acabam por nortear suas atitudes humanas e profissionais.
Desse modo, é importante entender que a pesquisa no Serviço Social –
especialmente em sua aproximação com o marxismo – aprofundou a radicalidade da
superação de nossa herança conservadora, além de possibilitar a legitimação da
profissão, a qual é erguida a partir do conhecimento/saber profissional. Ao se
comprometer com a produção do conhecimento, o Serviço Social não fortalece
apenas o seu Projeto Ético-Político, mas também um projeto de sociedade que
proclama a liberdade humana como valor ético central.
Diante disse, aferimos que os valores e princípios, contidos no código de
138
ética do/a assistente social, expressam em sua dimensão mais geral no Projeto
Ético-Político Profissional jamais se materializará em sua inteireza na sociabilidade
do capital, já que em sua essência o ethos consubstanciado nesses aportes
apresentam-se contrários ao ethos dessa sociabilidade. Entretanto, tal afirmação
não quer dizer que esses valores e princípios não possam se materializar de forma
parcial, sedimentando os pilares das lutas e intervenções socioprofissionais, na
perspectiva de sua ampliação.
Nesse limiar, torna-se necessário apreendermos os limites e possibilidades
desse projeto, até porque essa apreensão permite-nos a maturação teórico-prática,
levando-nos a (re)construir a história da profissão que, na dimensão particular da
minha intervenção profissional, possibilita-nos traçar estratégias éticas e políticas na
direção da emancipação humana.
Dessa maneira, podemos ir percebendo essa profissão como socialmente e
historicamente determinada, o que referenda a disputa de ethos profissionais no
Serviço Social, expressa entre continuidades e rupturas no processo de legitimação
dessa categoria. Tudo isso implica perceber a realidade do processo da formação e
do exercício profissional permeada por tais disputas, objetivadas em tendências de
ethos distintos e/ou antagônicos.
Essas tensões contraditórias, existentes no processo de formação têm
implicações objetivas e subjetivas no processo de construção desses ethe nos
sujeitos profissionais e, que no desenvolvimento das relações político-profissionais
mostram claramente qual o seu modo de ser profissional, o qual pode ser pautado
em uma direção alinhada ao Projeto Ético-Político, bem como em outras direções.
Então, diante dessa realidade, como dar condições substantivas para a
materialidade do que defendemos? Essa pergunta é central, exatamente porque
apreendemos que as escolhas feitas não são neutras, nem vazias de significação
histórico-social, pelo contrário, num campo tão contraditório e de disputas ético-
políticas, elas assumem uma determinada direção, pois as projeções ideais dessas
escolhas se consubstanciam nas práticas cotidianas de nossas intervenções
socioprofissionais.
A exemplo, temos um conjunto de falas analisadas neste trabalho, donde
parece haver uma verdadeira cisão entre as sujeitas que se encontram em formação
nos tempos atuais e aquelas que se formaram nas décadas de 1990 e início dos
anos 2000, pois é unânime para aquelas a redução da nossa prática profissional à
139
estratégia da garantia dos direitos, não compreendendo o verdadeiro significado
histórico e social dos direitos nessa sociabilidade, o que acaba por conformar o
ethos idealista-formal, que se sustenta na racionalidade abstrata-formal,
instrumental/pragmática. Esse ethos, por vezes, aparece aliado a valores humano-
cristãos e/ou aos valores da sociabilidade do capital. Já para as supervisoras de
campo e acadêmica, formadas nos idos dos anos 1990 e início dos anos 2000, o
ethos humano-genérico é visível em suas análises de realidade, e, com isso, suas
práticas socioprofissionais, conformam intervenções numa perspectiva de
fortalecimento da liberdade como valor ético central.
É basilar que façamos as mediações necessárias dos marcos legais do
direito nessa sociabilidade, para que tenhamos a vitalidade do Projeto Ético-Político
nos marcos dessa sociabilidade, e, que não percamos o verdadeiro horizonte
contido neste, que é a verdadeira emancipação humana. A lei não pode ser nem o
nosso ponto de partida, muito menos o nosso ponto de chegada, entretanto, na
sociabilidade do capital é necessário que entendamos os limites e possibilidades
contidas em nosso ordenamento jurídico-legal, para que possamos assentar o ethos
que representa o Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social em nossas
ações socioprofissionais, tendo como fundamento final a construção de uma
sociabilidade sem qualquer forma de exploração. Essa conclusão nos leva a influir
um conjunto de análises sobre quais ethe permeiam a nossa profissão atualmente.
A ética, portanto, como processo canalizador da autoconstrução está
também presente nos diferentes espaços de socialização do homem, incluindo o
processo de formação profissional, espaço de (des)construção do conhecimento, no
qual emana a necessidade de fortalecimento da ética a partir da direção social
construída pela categoria profissional.
Dessa maneira, a ética vai se configurando como um elemento intrínseco
nas relações sociais vigentes, permeada por rupturas e continuidades, sendo
necessário que os fundamentos teórico-políticos da ética se conformem –
efetivamente – em um dos núcleos essenciais da formação profissional em Serviço
Social, desde que tenha como pressuposto a concepção ontológica do ser social.
Caso contrário, essa realidade possa converter-se em uma perspectiva moralizante
e/ou fundamentalista do ser social, enviesando o processo de desvelamento da
realidade, o que recai numa velha questão dicotômica, como bem afirma Iamamoto
(2013), entre ser fatalista ou messiânico.
140
Assim, ao mesmo tempo que avaliamos a dificuldade de, durante o processo
de formação, os/as discentes romperem/reverem os valores que, por vezes, chegam
já alicerçados, é inegável a contribuição do processo de formação e da vida
acadêmica dos/das discentes. É sempre mais uma possibilidade de uma outra
forma de análise, que apresenta um outro olhar acerca da sociedade e dos
processos sociais, de forma crítico-reflexiva, apontando para a busca de um agir
ético-político, mais voltado à coletividade, ao humano-genérico. Daí a importância de
refletirmos sobre os impactos da conjuntura adversa no terreno ético-político do
Serviço Social.
Outro dado conclusivo é o abismo apologético que tem se consagrado entre
um conjunto de valores conclamados pelos/as profissionais e suas expressões
concretas nos espaços de inserção socioprofissional. A partir das falas de algumas
entrevistadas, parece-nos que o que vale afirmar é que as práticas profissionais têm
como fundamento os valores consagrados no Projeto Profissional, sobretudo, no que
se refere à defesa intransigente dos direitos humanos e da emancipação humana.
Embora suas práticas fundamentem-se em valores abstratos, corroborando para o
aprofundamento das desigualdades sociais, própria dessa sociabilidade, quando
não, tratar as expressões da questão social como uma questão moral-cristã. Tem-
se, portanto, por vezes como algumas falas demonstram, uma adesão também
meramente formal ao PEP, uma adesão que não se objetiva no exercício
profissional.
Assim sendo, é observada a consolidação de um ethos conformado pela/na
própria sociabilidade moderna, o qual se nutre pelo/no processo de modernização
dos valores moralizantes, próprio do ethos conservador, (re)configurando um
conjunto de conflitos internos/externos na vida dos sujeitos, que têm vivenciado um
fissura antagônica entre os valores da sociedade moderna em detrimento dos
valores do PEP do Serviço Social, alinhado ao ethos humano-genérico.
Assim, alguns sujeitos profissionais, portanto, têm se mostrado perdidos,
entre um ethos conservador (re)atualizado e um ethos que tem como centralidade a
busca das mediações em prol do desenvolvimento das capacidades humano-
genéricas e de valores consubstanciados na liberdade, enquanto categoria
ontológica.
Como bem apontada por um número expressivo das entrevistadas, a luta
pelos direitos nessa sociabilidade torna-se necessária e urgente, entretanto, o que
141
não pode ocorrer é limitar a nossa intervenção profissional e nossa inserção
sociopolítica à mera realização objetiva desses direitos, caso contrário, veremos
nossa prática profissional relegada à afirmação dessa sociabilidade, uma vez que o
direito não vai além dessa, reforçando, portanto, o próprio ethos conservador.
Agora, se é verdade que temos uma história conservadora, o que coloca ao
Serviço Social contemporâneo alguns ranços dela, também é nítido e verdadeiro que
essa profissão tem inscrito sua história – nos últimos 40 anos – nos marcos mais
democráticos da realidade das classes trabalhadoras. História que tem sido marcada
pelo movimento de superação histórica do conservadorismo, por meio do processo
de insurreição e fortalecimento do Projeto Ético-Político Profissional, capaz de
radicalizar mais ainda as lutas anticapitalistas.
É nesse ínterim que a razão crítico-dialética, a partir de suas determinações,
coloca a necessidade de encontrarmos o ponto de equilíbrio entre o pessimismo da
razão e o otimismo da vontade no fortalecimento dessas lutas. Então, mais do que
nunca, em tempos de barbarização da vida, torna-se necessário revitalizarmos
nossas forças, e como nos aponta Marx em seus escritos, é fundamental nos
apropriarmos das armas da crítica, bem como a crítica das armas em nossos
espaços mais cotidianos do fazer profissional, além, é claro, de nossas inserções
sociopolíticas.
Sob esse prisma de abordagem, pode-se perceber que a direção ético-
política hegemônica no Serviço Social adquire um status fundamental para a
profissão, pois essa constitui-se a partir da síntese de múltiplas determinações
teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas as quais autoimplicam-se
e autodeterminam-se, consolidando a identidade social construída coletivamente
pela categoria, a partir dos valores éticos balizados pela profissão, já que ela não se
funda a partir de uma conglomeração de disciplinas ou teorias, mas sim a partir de
um movimento histórico concreto da realidade social.
Torna-se importante considerar como alternativa valorosa concentrar
esforços na formação permanente dos/as profissionais, sobretudo, dos/as
envolvidos/as no contexto da formação, pois nesse processo, eles/elas são
corresponsáveis pelos questionamentos e reflexões acerca dos princípios e valores
herdados da sociabilidade capitalista, bem como dos que dão sustentação ao projeto
ético-político profissional transformador.
A partir do nosso local na inserção sociotécnica do trabalho, o Serviço
142
Social, se apresenta como uma profissão que tem um papel ativo e um lugar
privilegiado na resistência e na luta contra o atual processo de recrudescimento das
condições de vida da classe trabalhadora, diante disso duas palavras/categorias
emergem como direcionamento à essa profissão: Coragem e Resistência!
Diante disso tudo, torna-se necessário que reconheçamos-nos como
herdeiros, além de como verdadeiros construtores e reconstrutores de um
direcionamento ético-político que dê sustentação ao nosso Projeto Ético-Político
Profissional e, assim, não percamos nosso patrimônio ético-político, teórico-
metodológico e técnico-operativo. Portanto, defender esse patrimônio requer um
adensamento de sua compreensão, e, diante disso, apropriar-se dele, tanto na
perspectiva de um exercício profissional qualificado, quanto na defesa intransigente
da emancipação humana, perante os contornos da sociedade, da instituição e da
própria profissão.
Portanto, não basta somente tal realidade estar impressa nas Diretrizes
Curriculares, na Lei de Regulamentação da Profissão e no Código de Ética
Profissional, para que venha a se materializar. É necessário, cada vez mais,
aprofundar a radicalidade da reflexão ética desde a formação profissional, cabendo
também, aos assistentes sociais, no cotidiano do exercício profissional, o
compromisso ético-político expresso em ações direcionadas ao desenvolvimento e à
liberdade humana. Pois, segundo Heller (2004, p. 121) “A ética marxista é uma
práxis, não pode existir sem uma realização prática, sem se realizar na prática de
algum modo”, logo, a verdadeira apreensão dos fundamentos da ética em Marx
implica desvelar as condições objetivas/subjetivas dos sujeitos profissionais.
Diante desse conjunto de determinações aqui expostas, o grande desafio
ético que se coloca no seio da categoria e da sociedade comprometida com o ethos
humano-genérico é exatamente o de confrontar a moralidade dominante,
apreendendo a ética, na perspectiva da emancipação humana, como parte do
exercício profissional.
143
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149
APÊNDICES
APÊNDICE I – Roteiro de entrevista com discentes e supervisores de estágio de campo
Nome: ______________________________________________________________
Local de Estágio e/ou Trabalho: __________________________________________
Sexo: ____________________ Idade: __________ Etnia/Raça: ________________
Orientação Sexual: ____________________________________________________
Religião: __________________________ Categoria: _________________________
Local de Formação: _______________________________________ Ano:________
1- Quais são as demandas mais presentes para o Serviço Social no dia-a-dia do
espaço sócio-ocupacional em que você faz estágio ou trabalha? Como você explica
essas demandas. (Quais as razões, o que de fato determina a existência dessa
demanda?)
2- Quem são os sujeitos demandatários dessas intervenções profissionais? Como
você os vê?
3- Quais as respostas (encaminhamentos/orientações/ações) que você apresenta
para essas demandas?
4- Como você trabalha as demandas sociais apresentadas ao Serviço Social e suas
resoluções nos marcos da realidade sócio-institucional? (Limites e possibilidades)
5- Qual a finalidade da prática profissional durante o processo de estágio?
6- No momento da sua intervenção, quais são as capacidades e elementos da
formação que você mobiliza para sua intervenção? (Na formação quais foram os
elementos que mais te ajudam a entender e intervir na realidade posta como
Assistente Social?)
7- Nesse contexto, como você percebe o papel do estágio durante a formação
profissional?
151
APÊNDICE II – Roteiro de entrevista com docentes supervisores de estágio acadêmico
Nome: ______________________________________________________________
Instituição de Ensino Superior: ___________________________________________
Sexo: ____________________ Idade: __________ Etnia/Raça: ________________
Orientação Sexual: ____________________________________________________
Religião: __________________________ Categoria: _________________________
Local de Formação: _______________________________________ Ano:________
1- Quais são as demandas mais presentes nas orientações de supervisão de
estágio, postas pelos estagiários, a partir do dia-a-dia do espaço sócio-ocupacional
em que eles fazem estágios? Quais são os diálogos sobre essas demandas, como
se dá as orientações sobre as mesmas?
2- Quem são os sujeitos a quem se destina a ação profissional? como você os vê?
Como o(a) estagiário os vê?
3- Quais as respostas (encaminhamentos/orientações/ações) que vocês discutem
para essas demandas?
4- Como vocês lidam com as demandas sociais apresentadas ao Serviço Social e
sua resolução nos marcos da realidade sócio-institucional? (Ver como os estagiários
trazem essa discussão para as reflexões nos encontros de orientação/supervisão de
estágio)
5- Qual a finalidade da práxis do Serviço Social nas instituições das quais você
orienta os(as) estagiários(as)?
6- Qual é o diálogo sobre as capacidades e elementos da formação que o estagiário
mobiliza para intervir? (Na formação quais foram os elementos que mais te ajudam
entender e intervir na realidade posta como futuro(as) e/ou Assistente Social?)
7- Nesse contexto, como você percebe o papel do estágio durante a formação
152
profissional?
8- Qual a sua concepção do PEP e como ele se apresenta no processo de
supervisão e/ou orientações de estágio?
153
APÊNDICE III – Termo de consentimento livre e esclarecido
Esclarecimentos
Este é um convite para você participar da pesquisa “CONSTRUINDO HOJE,
O AMANHÃ DESEJADO”: Os Ethe Político-Profissionais presentes na
formação em Serviço Social, que tem como objetivo apreender os ethe político-
profissionais presentes no processo de formação profissional em Serviço Social, e
será coordenada pelo acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social Jodeylson Islony de Lima Sobrinho.
Sua colaboração é fundamental para compor as informações do projeto, para o
conhecimento da realidade aqui apresentada, no que se refere à problematizar a
relação entre o pensamento conservador e o pensamento marxista presente na
formação profissional; apreender os determinantes que autoimplicam na construção
dos ethe político-profissionais na formação em Serviço Social; apreender como os
discentes, docentes supervisores acadêmicos e supervisores de campo de estágio
lidam com o Projeto Ético-Político do Serviço Social no exercício profissional, a partir
do estágio obrigatório na realidade de Teresina - Piauí; analisar os documentos
institucionais acerca da formatação do curso de Serviço Social nas instituições
pesquisadas.
As informações obtidas de cada participante são confidenciais e somente serão
utilizadas com propósito científico. A pesquisa não oferece riscos à integridade
física, moral e social dos sujeitos, ao patrimônio físico e/ou financeiro da instituição.
Contudo, os únicos riscos que poderiam porventura acontecer se restringem a
constrangimento em relação a alguma pergunta efetuada. Nesse caso, o
entrevistado deve exercer o pleno direito de não respondê-la. Dessa forma, como
forma de minimizar os riscos todo cuidado será tomado para que você não se sinta
constrangido(a) em responder alguma questão, tendo o sigilo, a privacidade e o
anonimato garantido.
Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a) ao(s) seguinte(s)
procedimentos: entrevistas semiestruturadas gravadas e que serão transcritas. Não
havendo essa possibilidade poderão ser feitas entrevistas sem gravações ou
aplicação de questionários.
Na abordagem para realização da coleta de dados será contemplada a
154
preocupação em estabelecer a interação, os vínculos, um ambiente de confiança e
respeito, no qual a pesquisadora irá esclarecer os objetivos do estudo, a importância
da pesquisa e a relevância de sua participação na entrevista, os cuidados éticos e o
sigilo explicitado neste termo.
Embora não estejam previstos riscos à integridade física dos sujeitos, ao
patrimônio físico e financeiro da instituição, o pesquisador se compromete a
ressarcir e/ou indenizar qualquer prejuízo desde que devidamente comprovado. Do
mesmo modo, caso haja dano comprovado decorrente da participação na pesquisa,
o voluntário(a) tem direito a receber indenização, caso solicite.
Este estudo contempla a realização de etapas importantes para seu
desenvolvimento, inicia com a revisão bibliográfica, seguida da qualificação do
projeto e sua submissão ao Comitê de Ética, para então materializarmos a
realização da testagem do instrumento, o agendamento das entrevistas, as
entrevistas, coleta de dados propriamente dita, por fim, a sistematização e análise
dos dados, elaboração da Dissertação como forma de relatórios parciais e final, e
apresentação dos resultados. Chamamos a atenção que você precisa consentir sua
participação na realização da testagem do instrumento e aplicação do formulário de
entrevista. A assinatura deste termo de consentimento formaliza sua autorização
para o desenvolvimento de todos os passos anteriormente apresentados.
Por intermédio deste termo é garantido-lhe o direito de: retirar seu
consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isto
me traga qualquer prejuízo; solicitar, a qualquer tempo, maiores esclarecimentos
sobre esta pesquisa entrando em contato com o acadêmico pesquisador (Telefone:
(86) 9961-5766); ser devidamente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa acima
mencionada de maneira clara e detalhada; sigilo absoluto sobre seus dados
pessoais; a ampla possibilidade de negar-se a responder quaisquer questões ou a
fornecer informações que julguem prejudiciais a sua integridade física, moral e
social.
Os dados da pesquisa estarão à disposição na universidade ao término da
pesquisa, previsto para dezembro de 2015.
Você terá os seguintes benefícios ao participar da pesquisa: Contribuir para o
fortalecimento da formação profissional em Serviço Social nesta IES, bem como
para a formação de forma geral, instrumentalizando-se para uma inserção nos
espaços sócio-ocupacionais de forma a atender às demandas profissionais, a partir
155
dos elementos centrais do processo de trabalho, além de possibilitar a construção
de uma análise crítica da atual conjuntura como forma de apreender as múltiplas
determinações que compõem as relações sociais e que interferem no processo de
formação e exercício profissional do(a) assistente social.
Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será
identificado em nenhum momento. Os dados serão guardados em local seguro e a
divulgação dos resultados será feita de forma a não identificar os voluntários. Você
ficará com uma cópia deste Termo.
Desfa forma, o processo investigativo, por se tratar de uma relação com seres
humanos, fará jus à resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, a qual
trata das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres
humanos, respeitando, assim, o sigilo dos sujeitos da pesquisa, adotando os
referencias básicos da bioética, que são a autonomia, não maleficência,
beneficência e justiça, entre outros, visando, assim, assegurar os direitos e deveres
que dizem respeito à sociedade científica, aos sujeitos e ao Estado, ainda atender-
se-á às exigências éticas e científicas fundamentais descritas na referida resolução,
como também a todos os requisitos contidos na mesma.
Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser questionadas ao
Comitê de Ética em Pesquisa da UFRN – CEP HUOL no endereço Hospital
Universitário Onofre Lopes, Av. Nilo Peçanha, 620, Petrópolis - Natal/RN CEP
59.012-300 Fone: (84) 3342-5003
“Declaro estar ciente das informações constantes neste „Termo de Consentimento Livre e Esclarecido‟, entendendo que serei resguardado pelo sigilo absoluto de meus dados pessoais e de minha participação na Pesquisa; poderei retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo sem que isto me traga qualquer prejuízo poderei pedir, a qualquer tempo, esclarecimentos sobre esta Pesquisa; que fui devidamente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa acima mencionada de maneira clara e detalhada; recusar a dar informações que julgue prejudiciais a minha pessoa. Permito a gravação de minha entrevista, se necessário, que será transcrita, lida e utilizada na referida pesquisa de forma integral ou em partes, sem restrições de prazos e citações, a partir da presente data. As informações são de responsabilidade do pesquisador. Abdico direitos autorais meus e de meus descendentes, subscrevendo o presente termo”.
Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será
156
realizada, os riscos e benefícios envolvidos e concordo em participar
voluntariamente da pesquisa.
Teresina (PI), ____ de ______________ de 2015.
Participante da pesquisa:
________________________________________________________________
NOME
__________________________________________________________________
ASSINATURA
Pesquisador responsável: Mestrando Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Rua Jarbas Martins, 3311. Bairro Piçarra, CEP: 64015-010. Teresina / PI Fone: (86) 9961-5766 ou (86) 3305-4133. E-mail: [email protected] Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes - CEP/HUOL. Av. Nilo Peçanha, 620 - Petrópolis - Natal/RN. Fone: (84) 3342 5003. E-mail: [email protected]
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ANEXOS
ANEXO I – Parecer consubstanciado do comitê de ética em pesquisa
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP59
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: CONSTRUINDO HOJE, O AMANHÃ DESEJADO: Os Ethos Político-
Profissionais presentes na formação em Serviço Social.
Pesquisador: Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Área Temática:
Versão: 3
CAAE: 43773615.7.0000.5292
Instituição Proponente: Pós-Graduação em Serviço Social
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 1.375.368
Apresentação do Projeto:
O presente projeto tem por objetivo analisar os ethos político-profissionais presentes no
processo de formação em Serviço Social, compreendendo os como o modo de ser e agir
dos sujeitos sociais em seu exercício profissional. Será utilizada uma abordagem do sujeito
da pesquisa através de entrevistas com um questionário semi-estruturado e gravação de
voz.
Objetivo da Pesquisa:
Analisar os ethos político-profissionais presentes no processo de formação em Serviço
Social
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
A pesquisa não oferece riscos à integridade física, moral e social dos sujeitos, ao patrimônio
físico e/ou financeiro da instituição. Contudo, os únicos riscos que poderiam porventura
acontecer se restringem a constrangimento em relação a alguma pergunta efetuada. Nesse
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Nesse parecer apresenta uma inconsistência em relação ao plural da palavra ethos, que aparece no singular, mas no decorrer da dissertação já revisamos tal questão, a qual foi corrigida, pois se pode perceber que o plural da palavra ethos aparece corretamente como ethe.
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caso, o entrevistado deve exercer o pleno direito de não respondê-la. Dessa forma, como
forma de minimizar os riscos todo cuidado será tomado para que você não se sinta
constrangido(a) em responder alguma questão, tendo o sigilo, a privacidade e o anonimato
garantido.
Benefícios Contribuir para o fortalecimento da formação profissional em Serviço Social nesta
IES, bem como para a formação de forma geral, instrumentalizando-se para uma inserção
nos espaços sócio-ocupacionais de forma a atender às demandas profissionais, a partir dos
elementos centrais do processo de trabalho, além de possibilitar a construção de uma
análise crítica da atual conjuntura como forma de apreender as múltiplas determinações que
compõem as relações sociais e que interferem no processo de formação e exercício
profissional do(a) assistente social.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Pesquisa qualitativa no âmbito do serviço social.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Estão adequados e
contemplam as exigências da resolução 466/12
Recomendações:
Todas as pendencias geradas foram sanadas adequadamente, como a inclusão de uma
nova declaração do pesquisador responsável e a alteração do cronograma.
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Todas as pendencias geradas foram sanadas adequadamente, como a inclusão de uma
nova declaração do pesquisador responsável e a alteração do cronograma.
Considerações Finais a critério do CEP:
1. Apresentar relatório parcial da pesquisa, semestralmente, a contar do início da mesma.
2. Apresentar relatório final da pesquisa até 30 dias após o término da mesma.
3. O CEP HUOL deverá ser informado de todos os efeitos adversos ou fatos relevantes que
alterem o curso normal do estudo.
4. Quaisquer documentações encaminhadas ao CEP HUOL deverão conter junto uma Carta
de encaminhamento, em que conste o objetivo e justificativa do que esteja sendo
apresentado.
5. Caso a pesquisa seja suspensa ou encerrada antes do previsto, o CEP HUOL deverá ser
comunicado, estando os motivos expressos no relatório final a ser apresentado.
6. O TCLE deverá ser obtido em duas vias, uma ficará com o pesquisador e a outra com o
sujeito de pesquisa.
159
7. Em conformidade com a Carta Circular nº. 003/2011CONEP/CNS, faz-se obrigatório a
rubrica em todas as páginas do TCLE pelo sujeito de pesquisa ou seu responsável e pelo
pesquisador
Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:
Tipo Documento
Arquivo Postagem Autor Situa-ção
Informações Básicas do Projeto
PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P ROJETO_481224.pdf
26/11/2015 00:59:40
Aceito
Outros DECLARACAO_DE_NAO_INICIO_DA_ PESQUISA.pdf
26/11/2015 00:58:55
Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Aceito
Outros OFICIO_ALTERACOES_PROJETO.pdf
26/11/2015 00:58:17
Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Aceito
Projeto Detalhado / Brochura Investigador
PROJETO_JODEYLSON_ISLONY.pdf
26/11/2015 00:54:04
Jodeylson Islony de Lima Sobrinho
Aceito
Outros Folha de Identificação do Pesquisador.pdf
09/04/2015 10:20:17
Aceito
TCLE / Termos de Assentimento / Justificativa de Ausência
TCLE.pdf 09/04/2015 10:19:45
Aceito
Outros AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAR A ENTREVISTA.pdf
26/03/2015 00:51:00
Aceito
Outros CARTA DE ANUÊNCIA UFPI.pdf 26/03/2015 00:50:43
Aceito
Outros CARTA DE ANUÊNCIA FAR.pdf 26/03/2015 Aceito
Outros CARTA DE ANUÊNCIA FAR.pdf 00:50:18 Aceito
Folha de Rosto
FOLHA DE ROSTO ASSINADA.pdf
26/03/2015 00:48:35
Aceito
Situação do Parecer: Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP: Não
NATAL, 18 de Dezembro de 2015
Assinado por:
HELIO ROBERTO HEKIS (Coordenador)