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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA AGNES ARICIA DE SOUZA CABRAL DINAMIZANDO A VIDEODANÇA : ILUMINAÇÃO CÊNICA COMO UM ELEMENTO DE LINGUAGEM NATAL/RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

AGNES ARICIA DE SOUZA CABRAL

DINAMIZANDO A VIDEODANÇA :

ILUMINAÇÃO CÊNICA COMO UM ELEMENTO DE LINGUAGEM

NATAL/RN

2013

AGNES ARICIA DE SOUZA CABRAL

DINAMIZANDO A VIDEODANÇA :

ILUMINAÇÃO CÊNICA COMO UM ELEMENTO DE LINGUAGEM

Artigo apresentado ao Curso de licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do titulo de licenciado em dança.

ORIENTADOR: PROF. MSC RONALDO FERNANDO COSTA

NATAL/RN

2013

AGNES ARICIA DE SOUZA CABRAL

DINAMIZANDO A VIDEODANÇA :

ILUMINAÇÃO CÊNICA COMO UM ELEMENTO DE LINGUAGEM

Artigo apresentado ao Curso de licenciatura

em Dança da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte como requisito para a

obtenção do título de licenciado em dança.

Aprovado em: Natal, RN, ______ de ___________ de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Prof. MS. Ronaldo Fernando Costa Orientador

UFRN

Prof. DR. José Sávio Oliveira Araújo Examinador

UFRN

Profa. Dra. Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio Examinador

UFRN

Dedico esse trabalho ao meu querido avô, João Cabral de Barros Filho (In Memoriam), pela força, incentivo e exemplo dado. A você, meu avô, que sempre se orgulhou da sua neta e esperava ansiosamente por este momento. Esta conquista é sua, assim como a garra que tenho hoje.

Dedico também a minha mãe, Auricélia Bezerra, minha primeira professora e esse exemplo de mulher vitoriosa.

Dedico ao meu irmão, Abner, por iluminar meus dias.

Dedico ao pequeno João Lucas, a criança que tem iluminado a família e meu coração.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que em seu infinito amor me deu o dom da vida e mostrou-me os

caminhos para chegar até aqui. Pela força, pela coragem e pela sabedoria a mim

dada. Obrigada por, no meio das trevas, mostrar-me a luz.

À minha mãe, a mulher mais guerreira que já vi em toda a minha vida.

Obrigada pelos seus sábios ensinamentos, pela parceria, pelo amor incondicional e

por acreditar em meus sonhos. À minha mãe, que foi minha primeira professora e a

que mais admiro pela garra e dedicação. Agradeço por me compreender em todas

as instâncias da minha vida. No fim, eu sou você.

Ao meu pai, que mesmo nos desencontros se faz presente na minha vida.

Ao meu irmão, Abner, o presente mais precioso que ganhei da vida. Meu

parceiro de aventuras, meu companheiro de vida, que tira sorrisos do meu rosto a

cada amanhecer, que ilumina minhas noites e dá cor aos meus dias desde o seu

nascimento. Obrigada por me apoiar em todos os períodos da minha vida.

Ao meu querido orientador, professor e amigo Ronaldo Costa. A você, que

me deu a chance de olhar a arte sob uma nova perspectiva, não me deixando

desacreditar na arte, e por ter me encantado pela iluminação cênica. Meu querido

Ronaldo, é tão sublime e encantador te ver dando aula, apaixonado pelo seu ofício e

com toda sua excelente didática. Aos três Ronaldos que vêm iluminando minha

vida: o orientador que sempre me mostrou o melhor caminho para o

desenvolvimento deste artigo, confiando, acreditando em meu potencial e nunca me

deixando desistir; o professor que me ensinou a beleza da radiação eletromagnética

pulsante e manipulável: a luz, além de ser meu espelho como profissional; por fim, o

meu grande amigo, que me cativou nas mais simples atitudes, dando-me a chance

de estar ao seu lado, rindo, conversando e montando luz, que me compreendeu em

todas as minhas decisões, fazendo-se presente nas alegrias e tristezas vividas por

mim e que sempre me anima com um sorriso e um convite ao Mc Donald. Meu

agradecimento a esse grande mestre, a esse grande professor e ao melhor amigo

que eu poderia ter encontrado.

A Larissa Kelly, querida professora que sempre está pronta para ajudar,

ensinar e conversar. Obrigada por toda sua sensibilidade, sabedoria e por ter

aceitado meu convite para fazer parte da banca do meu trabalho de conclusão de

curso.

A Sávio Araújo, exemplo como profissional artista, acreditando nas

tecnologias cênicas e compartilhando sua sabedoria comigo. Agradeço por aceitar o

convite de participar da minha banca e por todo o incentivo.

Aos familiares, por compreenderem minha ausência em muitos eventos e por

estarem sempre torcendo pela minha vitória.

Aos professores do curso de dança, que se esforçaram para me dar uma boa

formação e que estão em constante troca com seus discentes.

À Gaya dança contemporânea, que fez uma mudança radical no meu corpo,

acreditou em todas as minhas capacidades e hoje me permite experimentar, criar e

dançar com todo amor e dedicação.

A Charles Sales e Rita Machado, obrigada por contribuírem de forma inciativa

para a produção deste artigo; sem vocês e o trabalho nada seria possível. Vocês

compreenderam a iluminação como linguagem e transmitiram isso em seu trabalho;

é um orgulho para mim ter sido monitora de vocês.

A Leila Bezerra, que no início era apenas minha companheira de monitoria e

hoje é uma grande amiga, com muitos ensinamentos e sorrisos espalhados.

À minha turma do curso de licenciatura em dança, a nós, que somos a

segunda turma desse curso e que honramos toda a confiança depositada. A essa

turma revolucionária e cheia de vida, que continuemos dançantes.

Às minhas companheiras de dança e de vida, Daiane Capistrano, Viiviane

Santos, Taecia Soares, Nadja Pimentel, Gimeny Cruz, Jardany Barros e a pequena

Luma. Obrigada, meninas, por todas as alegrias compartilhadas nesses quatro anos

de curso, pela amizade construída com muita dança, humildade e verdade. Esta

vitória é nossa!

À minha amiga Rhaquel Guerra, amiga de balé, de faculdade e, com certeza,

de vida. Meu muito obrigada pelos anos de companheirismos, atenção, dança e

risadas. Sua amizade é um grande presente que a dança me deu. Vamos além.

Ao Projeto Trilhas Potiguares, que me possibilitou viver experiências

inesquecíveis, levou-me para mais próximo da população e confiou em mim como

uma arte-educadora no interior do estado. Agradeço em especial à minha primeira

coordenadora, Eriama Hackcradt, que me mostrou a beleza da extensão

universitária e como um trabalho bem feito gera bons frutos. Além do aprendizado

que será levado durante toda a minha vida profissional e pessoal.

A Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão, pela minha formação em

dança clássica e por todo o aprendizado, oportunidade e conhecimento adquiridos

nesse espaço.

Aos fisioterapeutas e à Clínica Reabilite, que não me desencorajaram durante

meu longo tratamento no joelho. Acreditaram em minha reabilitação e, se hoje

continuo dançando, é porque vocês se esforçaram junto comigo no tratamento.

À minha psicóloga Georgia, que tem me acompanhado nesse percurso e

clareado meus pensamentos e ideias.

E disse Deus: Haja luz; e houve luz.

E viu Deus que era boa a luz.

Gênesis 1 3-4ª

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 : Cena um ......................................................................................................... 25

Figura 2 : Cena dois ....................................................................................................... 26

Figura 3 : Cena dois ....................................................................................................... 27

Figura 4 : Cena três ........................................................................................................

Figura 5 : Cena três ........................................................................................................

27

28

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar a iluminação cênica como um

elemento de linguagem que dinamiza a cena do espetáculo. Para isso é necessário

que existam pesquisadores e pessoas com um conhecimento básico para perceber

os recursos e efeitos que a iluminação proporciona ao espetáculo. Realçamos a

importância dessa disciplina para discentes e para o corpo docente em licenciatura

em dança, como uma tentativa de aproximação com a iluminação cênica, tirando-os

do total desconhecimento dessa linguagem viva no palco. Diante da deficiência

encontrada nesses intérpretes criadores e futuros professores de dança, exponho a

iluminação cênica como um conteúdo indispensável à grade curricular do curso de

licenciatura em dança. O embasamento para essa afirmação deu-se durante os três

semestres em que fui monitora da disciplina e junto com os alunos pude descobrir,

compreender e pesquisar sobre a iluminação cênica e suas possibilidades dentro da

dança. Constatei, na prática, que só é possível exercer uma relação dialógica dentro

do processo de construção quando se há conhecimentos prévios para isso. A

vídeodança “A paixão”, desenvolvida na disciplina de iluminação, sendo o resultado

de um trabalho que se originou a partir dos estudos da iluminação cênica, é exemplo

de como se podem explorar os conteúdos da iluminação em um contexto de criação

artística, além de expor que a iluminação nunca é um elemento à parte do

espetáculo, mas sim construída junto com ele, seguindo a sua linha estética e

intencional.

Palavras-chave: Videodança. Iluminação cênica.

ABSTRACT

This work aims to present the stage lighting as an element of language that

streamlines the scene of the show . For this it is necessary that researchers and

people with a basic to understand the features and effects that lighting adds to the

spectacle knowledge. We stress the importance of this discipline to students and

faculty in degree in dance, as an attempt to approach the stage lighting , bringing

them from total ignorance of this language alive on stage . Given the deficiencies

found in these performers and creators future dance teachers , expose the stage

lighting as an essential curriculum for the degree course in dance content. The basis

for this statement was given during the three semesters in which I monitoring

discipline and together with students could discover , understand and research on

stage lighting and its possibilities within the dance. Realized in practice , which can

only exert a dialogic relationship within the construction process when there prior to

this knowledge . A video dance, " The Passion" developed in the discipline of

enlightenment, being the result of a job that originated from studies of stage lighting ,

is an example of how you can explore the contents of the lighting within the university

, in addition to exposing that lighting is never an element to the part of the show , but

built along with it , following its aesthetics and intentional line.

Keywords: Videodance. Stage Lighting.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 12

2 VIDEODANÇA ............................................................................................... 15

2.1 NASCIMENTO DA VIDEODANÇA ............................................................. 16

3 A VIDEODANÇA COLOCADA NO CONTEXTO PEDAGÓGICO DA

DISCIPLINA DE ILUMINAÇÃO CÊNICA DA UFRN .......................................

19

3.1 A PAIXÃO ................................................................................................... 20

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 30

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 31

APÊNDICE ....................................................................................................... 33

APÊNDICE A :ENTREVISTA: RESPOSTAS DE RITA MACHADO ................ 34

APÊNDICE:ENTREVISTA: RESPOSTAS DE CHARLES SALES .................. 38

12

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tenta problematizar sobre a necessidade de se obter

conhecimentos básicos de iluminação cênica para os profissionais de dança,

apresentando uma reflexão artístico-pedagógica que entende a luz como linguagem

pulsante do espetáculo. Dessa forma, defendemos a importância do ensino

instrumental de iluminação cênica para intérpretes/criadores na dança

contemporânea, com o intuito de prepará-los para dialogar com o elemento luz nos

processos de composição coreográfica.

A premissa de ensino colocada acima aponta para um problema

epistemológico caracterizado por um despreparo de muitos profissionais da dança

em dialogar com os diversos elementos cênicos presentes numa coreografia no ato

de sua criação. Tal condição perpetua um modelo de ensino da dança relacionado,

quase que exclusivamente, para técnicas de movimento e que não garantem uma

formação ampla desses profissionais no que tange a áreas como cenografia,

figurino, maquiagem, sonoplastia/sonorização e iluminação cênica.

Apresentar uma proposta de criação dialógica na dança que extrapole os

limites da relação coreógrafo-bailarino, chegando até outros agentes cênicos

presentes nos diversos processos criativos, é um enfrentamento colocado à

linguagem da dança quando se existe uma necessidade de participação

interdisciplinar para a construção e realização do espetáculo. No que se refere à

iluminação cênica, concordamos com Costa (2010) quando afirma que a criação da

“iluminação não é uma prerrogativa única e exclusiva do iluminador”, cabendo

também ao intérprete/criador lançar estímulos e sugerir caminhos para o

desenvolvimento do desenho de luz do espetáculo de dança.

Acreditando que o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem

no campo da iluminação pode contribuir para a formação de profissionais da dança

capazes de entender as relações entre os elementos constitutivos da cena e a

composição de movimento, defendo a necessidade de a disciplina de iluminação

cênica ser um componente curricular obrigatório para todos os alunos de licenciatura

em dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Fláviana Xavier Sampaio, dançarina e professora baiana, em seu artigo

“Ver/Sentir Luz na Dança: Ideias em ambiência e percepção”, constatou que muitos

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discentes do curso de Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) não

exploravam o elemento luz em suas composições coreográficas por falta de

conhecimentos básicos de iluminação cênica. Realidade semelhante também pode

ser verificada com alunos do curso de Licenciatura em Dança da UFRN - inclusive

eu – que sentem dificuldades de encarar a iluminação cênica como linguagem

potencial a ser trabalhada durante os processos criativos, pois:

Compreendemos que a luz na dança propicia um movimento visual da obra de modo determinante. É através da iluminação que não apenas visualizamos, mas identificamos a obra como tal. Nossa percepção, assim está vinculada ao movimento da luz em sintonia com as demais frequências da cena. (SAMPAIO, 2011, p. 73)

A constatação de minha deficiência em relação ao entendimento da

iluminação como elemento potencial a ser trabalhado na dança ocorreu no terceiro

semestre do curso de licenciatura em Dança, enquanto cursava a disciplina de

composição coreográfica. Como item obrigatório os alunos deveriam apresentar um

plano de iluminação cênica para cada coreografia elaborada. Assim como a maioria

dos bailarinos, meu contato com a iluminação era apenas relativa à estreia do

espetáculo com a passagem de coordenadas dos focos e entradas e saídas de luz.

Mesmo com muitas dificuldades, desenvolvi um plano de luz para a coreografia

“Ausência”, nome da minha composição coreográfica, que contava com outra

discente do curso de licenciatura em dança, Raniely Polyane, como intérprete. Como

consequência, o resultado do desenho de luz ficou incoerente com a proposta

estética global da coreografia, como apontado pela professora da disciplina.

Após avaliar o meu desempenho nessa disciplina, em que eu era a

iluminadora, coreógrafa, maquiadora e figurinista, constatei meu despreparo com a

criação e articulação dos elementos cênicos para concretização de uma poética do

movimento em um processo criativo.

Posteriormente, no quinto período do curso, matriculei-me na disciplina de

iluminação cênica na grade curricular de Dança da UFRN. A partir daí, iniciei um

processo de entendimento da iluminação cênica como componente importante do

espetáculo cênico. De acordo com Roberto Gill Camargo,

A iluminação rege os elementos visuais do palco, determinando sua importância e revelando sua plasticidade. O cenário, os figurinos, os objetos de cena e principalmente os atores, com seus gestos e expressões,

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adquirem destaque e importância ao receberam a luz. Ela revela os contornos, a matéria e o significado de tudo o que está no palco. Não é apenas iluminante passivo ou algo que se preste a imitar fontes e reflexos de luz, mas um meio de expressão capaz de atuar sobre o conjunto visual do espetáculo, relacionando as cenas, objetos e seres no tempo e no espação. (CAMARGO, 2012, p.113)

Como a disciplina possui uma carga horária de apenas 60 horas/aula, quis

continuar meus estudos sobre iluminação, tornando-me sua monitora no semestre

seguinte.

Hoje entendo que luz e gesto podem e devem ser integrados na proposta de

criação em dança contemporânea, mostrando que se pode ter um diálogo efetivo

entre linguagens constituintes da dança. Dessa forma, a problemática apontada

nesta introdução aponta as fragilidades em se utilizar a iluminação como elemento

potencial a ser trabalhado na construção coreográfica, causando-me as seguintes

inquietações: A iluminação cênica pode ser um elemento direcionador do processo

criativo na dança? Ou é apenas um elemento estético sem grande expressividade?

Como iluminação e movimento podem dialogar no processo de criação

coreográfica?

Tais questões nos levam a um processo investigativo que contempla os

seguintes objetivos:

A. Perceber como os efeitos estéticos da iluminação cênica podem ser um

caminho possível para criação na dança contemporânea;

B. Refletir sobre o posicionamento criativo do intérprete/criador diante da

iluminação como elemento de linguagem;

C. Desenvolver processos de ensino e aprendizagem na área de

iluminação cênica para intérpretes/criadores da dança contemporânea.

Dessa forma, apresento como objeto de estudo desta monografia a

videodança chamada “A Paixão”, elaborada de forma dialógica na disciplina de

iluminação cênica pelos discentes Charles Sales (discente de Licenciatura em

Dança), Jimena Schroeder (discente intercambista do curso de Artes Visuais), Rita

Machado (discente de Comunicação Social), Lion Nathan (discente de licenciatura

em Teatro), Mariza Geni (discente de Licenciatura em Dança) e apresentada como

trabalho final da disciplina.

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2 VIDEODANÇA

Videodança é um elemento de linguagem artística marcada pela presença do

vídeo e do movimento corporal, sendo considerada uma “dança para as câmeras”.

Segundo Souza (2008), a videodança surgiu em meados de 1970 e possui três tipos

de práticas:

1. O registro em vídeo de uma dança realizada em local específico

(estúdio ou palco);

2. A adaptação de uma coreografia preexistente para a linguagem

audiovisual;

3. Danças pensadas diretamente para a linguagem audiovisual.

Na maioria dos trabalhos de videodança, a figura do diretor assume uma

dupla função: a de coreógrafo e a de videomaker. Tal condição criativa é resultante

de uma tentativa de relacionamento cruzado entre duas linguagens artísticas (dança

e audiovisual), a fim de se chegar a uma terceira linguagem híbrida, que possui

características das duas antecessoras. Para Bastos (2006):

O conceito de híbrido é recorrente, quando se escreve sobre cultura digital. O termo é usado tanto para falar da mistura de linguagens quanto dos cruzamentos entre corpo e tecnologia comuns nas mais diversas manifestações da cultura contemporânea. Ainda que se trate de fenômenos muito diferentes um do outro, há no uso repetido do conceito de híbrido uma herança difusa, que pode sucumbir ao risco do esquecimento de que, antes de tudo, híbrido é mestiço, o que impede que se encontre no híbrido uma origem, uma essência anterior à mistura. (BASTOS, 2006, p.1)

A videodança usa a tecnologia audiovisual a favor de uma não

descaracterização da noção de dança, mantendo o bailarino como centro

configurador da obra artística. Dessa forma, a câmera é direcionada para o corpo

em movimento, a fim de se construir simulacro virtual, no qual a dança guia a

câmera, e a câmera guia o corpo. Essa sinergia entre o audiovisual e a dança

possibilita novas apresentações da imagem coreográfica, pois a videodança trabalha

exatamente na linha fronteiriça entre as duas linguagens artísticas.

Consequentemente,

16

Se os dois - coreógrafo e videoasta - não mantiverem um entendimento de ligação, fundamentado no discurso de rompimento de territórios, eles permanecerão presos em suas próprias áreas, reféns de leis que não pertencem à simbiose da dança e do vídeo. (SANTANA, 2006, p. 34)

Surge, então, para o bailarino uma nova plateia, e vice-versa, onde a

interação não é mais física, e sim virtual, pois bailarino e audiência encontram-se

num espaço/tempo diferentes. Para a plateia o espaço na dança passa a ser

bidimensional, enquanto para o bailarino a plateia passa a ser a câmera, cada um

em seu tempo específico. O desafio para os bailarinos, dada a fusão das duas

linguagens artísticas, é lançar um novo olhar sobre o tempo e o espaço coreográfico,

pois, nesse caso, o tempo e o espaço são instâncias indissociáveis; a união dos dois

é que possibilita o equilíbrio visual. É um encontro de um novo olhar para a dança. É

nesse momento que a câmera se torna o olho do espectador, uma vez que ela

captura diferentes pontos, ângulos e expressões feitas pelo bailarino, coisa que não

seria tão visualizada se estivéssemos em um teatro à italiana ou em teatros com

múltiplas possibilidades de apresentação. A videodança, portanto, permite um novo

olhar sobre a dança, “pois ao mesmo tempo influencia e transforma o movimento em

imagem-movimento” (KESIKOWSKI, 2011).

No contexto atual a videodança é apresentada hoje nos festivais de dança,

com mostra que acontecem antes das competições, sendo um elemento em

crescimento no país.

2.1 NASCIMENTO DA VIDEODANÇA

Na história da dança ocidental, podemos encontrar algumas pistas sobre as

origens da videodança, uma arqueologia que nos remete ao início do século XX,

com o desenvolvimento do cinema, até se chegar à bailarina Loïe Fuller.

Loïe Fuller nasceu em 1862 e durante sua vida trabalhou como atriz e

bailarina. Em suas coreografias, trabalhava a projeção de luzes coloridas sobre

grandes tecidos de seda que compunham seus figurinos, uma união entre dança e

tecnologia. Buscava a transformação do espaço tridimensional da cena com a

criação de novos movimentos e gestos, desprendidos de técnicas codificadas do

Balé Clássico.

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Fuller seria uma divisora de águas, já que sua pesquisa artística com a iluminação cênica já demonstrava uma implicação entre as duas áreas – a dança e a tecnologia. A iluminação é determinante tanto para a execução como para a concepção estética do trabalho da artista. (SANTANA, 2006, p.103)

Nas suas coreografias, Loïe Fuller encantou-se com os efeitos dados pela

iluminação cênica, utilizando uma combinação de cores projetadas nos tecidos dos

seus figurinos, animados pelo seu corpo em movimento (Serpentine Dance em

1906). Um diálogo de movimento e luz, em que o corpo caracterizado tornava-se

anteparo para incidência das cores-luz. Com isso Loïe Fuller foi uma das pioneiras

nas artes cênicas a trabalhar com arte e tecnologia no palco.

Spanghero considera a dança de Fuller como “cinema de corpo”, pois,

segundo ele, suas composições eram imagens visuais animadas pelo seu

movimento. O cinema permite a criação da ilusão, assim como as produções

artísticas de Fuller, que tentavam criar um jogo de ilusões para a plateia com a união

entre corpo, tecido e luz. Assim, com mais uma ação vanguardista, Fuller inicia um

diálogo entre a dança e o vídeo, entre o corpo e o cinema.

A arte de Loïe Fuller lidava com a experimentação luminocinética. Sua obra mostra uma sintonia fina com o nascimento da sétima arte, da qual era contemporânea. Nada mais justo que o cinema entrasse na sua vida. Loïe Fuller foi uma das primeiras bailarinas, quiçá a primeira, a ser filmada por uma câmera. (SPANGHERO, 2003, p. 30)

Seguindo os passos de Loïe Fuller, Alwin Nikolais “utilizava a luz como

elemento primordial do espetáculo em seu contato precoce com a imagem em

movimento” (BOUCIER, 2001). Com isso aprofundou seus estudos sobre iluminação

cênica na dança, colocando a luz como elemento decisivo das suas composições

coreográficas. Assim como sua antecessora, manteve o diálogo intenso entre arte e

tecnologia, ampliando as possibilidades de utilização compositiva entre luz e vídeo,

como no cinema.

Nikolais levava o espectador a ver não apenas uma dança, mas um “corpo

visual” em movimento que entrava em consonância com a projeção de vídeo, a

iluminação, a cenografia e o figurino. Tal estética mostrou um “jeito particular de criar

a dança, sempre contaminada pela tecnologia” (SPANGHERO, 2003).

Tanto Loïe Fuller, como Alwin Nikolais, precursores da dança moderna,

deram início ao diálogo entre a linguagem da dança e a linguagem audiovisual.

Ivani (2003) Santana cita, em seu livro “Dança na Cultura Digital”, uma produção

18

cinematográfica de Loïe Fuller intitulada “Animated Picture Studio”, com a direção de

Thomas A. Edson e a atuação de Isadora Duncan. Esse filme utilizou a dança como

tema principal, ocasionando uma junção estética entre duas linguagens, dança e

vídeo.

19

3 A VIDEODANÇA COLOCADA NO CONTEXTO PEDAGÓGICO DA DISCIPLINA

DE ILUMINAÇÃO CÊNICA DA UFRN.

A disciplina de iluminação cênica enquadra-se no quadro de ensino das

tecnologias cênicas do espetáculo, assim como o figurino, a maquiagem, o cenário e

a sonoplastia.

Nos últimos dois anos (2012-2013), na Universidade Federal do Rio Grande

do Norte (UFRN), a disciplina de Iluminação Cênica foi ministrada no curso de

Dança pelo professor Ms. Ronaldo Fernando Costa. Tal docente utiliza-se dos

recursos didático-pedagógicos desenvolvidos em sua pesquisa de mestrado1, para

que os discentes reconheçam a iluminação como uma importante linguagem das

artes cênicas. O aluno é levado, de maneira problematizada e dialógica, a

reconhecer a importância do ensino de iluminação para os profissionais da Dança,

apreendendo conteúdos importantes para sua formação, tais como: variáveis da luz;

espaço cênico; técnicas e tecnologias em iluminar espetáculos cênicos; história da

iluminação na Dança Ocidental; segurança do trabalho; operação de luz; criação e

desenvolvimento do projeto de iluminação cênica.

Ao fim da disciplina, os discentes, em grupo, desenvolvem e executam um

projeto de iluminação cênica para uma coreografia, uma cena teatral ou de uma

videodança, já que a disciplina também conta com alunos dos cursos de Jornalismo

e Rádio e TV. Neste trabalho final, o desafio é utilizar a Iluminação Cênica de forma

coerente com a proposta estética da obra artística, criando uma relação intrínseca

com os outros elementos da cena. Segundo Cibele Forjaz Simões (2008)

A iluminação confere assim movimento à cenografia, ou seja, vivifica o espaço, permitindo uma relação concreta entre o ator vivo e o espaço, tornado vivo através da luz. A LUZ ATIVA é um instrumento de orquestração das relações entre os diversos elementos que compõe o espetáculo. ( p. 105, grifo do autor)

No caso de nosso estudo, a videodança “A Paixão” foi desenvolvida como

projeto final da disciplina de Iluminação Cênica no semestre 2012.2 a partir do

romance “A Paixão segundo G. H” de Clarice Lispector, escrito em 1954. Nessa

videodança, o grupo mergulhou na criação de um narrador-personagem

1 A Oficina de Iluminação e a Construção do Espetáculo: anotações para uma proposta pedagógica, dissertação defendida pelo professor mestre Ronaldo Costa, no ano de 2010, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

20

representado pelo intérprete-criador Charles Sales, sendo que a iluminação era um

importante elemento para a definição da subjetividade da personagem e do trabalho

como um todo.

Na videodança “A Paixão”, percebe-se claramente a relação cruzada entre

vídeo, dança e a iluminação cênica, sendo que as linguagens estéticas foram

articuladas de acordo com a proposta que discutiremos a seguir.

3.1 A PAIXÃO

O Romance “A paixão segundo G.H” trata de uma mulher, identificada apenas

por G.H, que se vê obrigada a limpar o próprio apartamento após demitir sua

empregada. Diante desse novo contexto, G.H encontra uma barata e, pela primeira

vez na vida, encontra-se na situação de ter que matá-la. Frente à impotência de

matar o inseto, G.H começa a elucubrar sobre a solidão presente em seus dias e,

nos seus mais fortes delírios, imagina como seria comer a barata.

O livro influenciou a aluna Rita Machado, do curso de Rádio e TV da UFRN, a

propor aos demais integrantes do grupo a videodança “A Paixão”. Rita considera a

narrativa do romance uma verdadeira dança, pois a complexidade da escrita de

Clarice poderia ser lançada no corpo do intérprete-criador, aproveitando as

possibilidades dadas pela dança contemporânea e da linguagem audiovisual para

criar uma vídeodança.

Em entrevista2 realizada com Rita Machado, ela revelou que a uns dois anos -

durante suas pesquisas com a linguagem audiovisual - já possuía o interesse de

desenvolver uma videodança com a obra de Clarice Lispector. Por ser discente de

comunicação social, existia nela um desejo de unir o vídeo e a dança para configurar

uma obra de videodança, linguagem pouco desenvolvida no estado do Rio Grande

do Norte. Segundo Rita, “é como andar em uma corda bamba e chegar ao ponto

final é perceber que a ideia ganhou”.

Assim como Rita, outro integrante do grupo, o bailarino e discente de Dança

Charles Sales, também tinha o desejo de desenvolver novas propostas com a dança

contemporânea, vindo de encontro do Rita Machado para a criação da videodança

“A Paixão”. Charles relata que a vídeodança deve “Permitir que o corpo do bailarino

2 Ver apêndice.

21

entre em contato com o ambiente, crie uma atmosfera e durante esse processo, tudo

é capturado pela câmera”.

A possibilidade para a criação de uma videodança foi dada pelo professor

Ronaldo Costa, uma vez que o trabalho da terceira unidade da disciplina de

iluminação cênica é a criação e a execução de um projeto de iluminação. A proposta

da videodança foi lançada pelo professor, por ele entender a importância o diálogo

interdisciplinar com os discentes provenientes de outros cursos da UFRN com os

Cursos de Teatro e Dança da mesma instituição de ensino, afirmando que no vídeo

a valorização da luz é tão essencial para o desenvolvimento da linguagem

audiovisual quanto nas artes cênicas. Sendo assim, avalio que existiu uma

ampliação a visão dos alunos em relação ao diálogo da dança com outras

linguagens, nesse casso específico, com as áreas midiáticas.

O impulso dado pelo professor foi o estímulo necessário para que Charles e

Rita apresentassem a ideia da videodança para o grupo formado por:

a) Jimena Schroeder - Uruguai, aluna Intercambista do curso de artes

visuais. Departamento de Artes da UFRN. Ficou responsável pelas

filmagens por ter um grande domínio de câmeras.

b) Lion Nathan - aluno do curso de teatro. Por ter conhecimento de

editores de vídeo, ficou responsável pela edição da videodança.

c) Mariza Geni - aluna de dança, ficou responsável pela produção da

videodança.

d) Charles Sales - intérprete-criador na dança, representou “G.H.”, tendo

o desafio de construir uma composição de movimento que retratasse a

sensação de nojo, impotência e solidão da personagem criada por

Clarisse Lispector em seu romance.

e) Rita Machado - ficou responsável pela direção e pela criação do

desenho de luz.

O grupo iniciou a fase da produção, usando o teatro laboratório Jesiel

Figueiredo do Departamento de artes como espaço para o desenvolvimento do

processo criativo, pois poderia utilizar os equipamentos de iluminação cênica, áudio

e projeção para a construção da videodança.

A composição coreográfica foi criada por Charles Sales, que, inicialmente,

não conhecia o texto de Clarice Lispector. Dessa forma, uma leitura do romance foi

necessária para buscar as sensações de G.H, a fim de conhecer as inquietações e

22

seus desejos de vida. Charles procurou compreender como G.H encarava sua vida,

a ponto de transpor esses sentimentos para uma coreografia. Colocar todo esse

turbilhão de sensações e sentimentos numa coreografia não é uma tarefa fácil para

o intérprete-criador, consequentemente, é importante que ele tente compreender o

que está buscando, para que assim inicie sua composição de movimento.

Cada vez mais a materialidade coreográfica surge do corpo do intérprete criador, dialoga com ele. E o diretor, coreógrafo ou assistente, dá ordem ao caos, promove o desenvolvimento significativo, estabelece ou auxilia na apreensão do conteúdo simbólico. Coerente à valorização da materialidade, a dança contemporânea valoriza sua sede: o corpo do intérprete criador. (LEAL, 2009, p. 117).

A composição coreográfica veio a partir da improvisação de movimento,

deixando o corpo reagir às angústias, tristezas, inquietudes e nojo que eram

presentes na vida de G.H. É importante lembrar que, para a criação de um trabalho

que tem por base o improviso, o bailarino necessita ter em seu corpo uma

pluralidade de técnicas de dança, gerando movimentos conscientes corporalmente e

que são capazes de ser pesquisados pelo intérprete/criador.

A improvisação requer do bailarino mais habilidade e experiência profissional do que para executar uma composição coreográfica fechada. Isto porque a composição exige o aprendizado de movimentos e estruturas previamente definidas, já a improvisação exige muito mais repertório, vocabulário de movimentos, técnica e a capacidade de lidar com a criação e a interpretação no momento de sua execução, transformando, renovando e descobrindo a cada instante novos caminhos. (LEAL, 2009, p. 45).

Mesmo na perspectiva de um trabalho criado com as características da

improvisação, Charles afirma que existiu a necessidade de criar um roteiro de alguns

movimentos corporais que iriam dialogar com o roteiro proposto para o vídeo. Após

o reconhecimento do movimento corporal e do roteiro, ele iniciou as primeiras

experimentações de movimento com o grupo, a fim de iniciar as filmagens.

Após a criação do roteiro de vídeo e de movimento, chegou o momento de

pensar a criação da iluminação. Por tratar-se de um trabalho final da disciplina de

iluminação cênica, o grupo teve uma preocupação maior com essa linguagem e

usou o conhecimento conquistado na disciplina, como cor, intensidade, ângulo,

montagem, operação de luz, para desenvolver os experimentos e, por

consequência, a montagem final da luz, que deveria ser feita de acordo com as

necessidades da videodança.

23

Para o grupo, sem luz não existiria vídeo, e assim não se conseguiria

desenvolver o trabalho proposto. Havia uma ideia inicial para a iluminação, mas, no

dia do ensaio e da gravação, dadas as peculiaridades da linguagem audiovisual,

sentiu-se a necessidade de adaptar o desenho de luz. Dessa forma, corrigiu-se a

temperatura de cor amarelada da lâmpada halógena dos refletores (3200 kelvin)

para tons mais azulados, considerados frios. A sombra passou a ter significado

importante na composição da imagem, e a projeção ganhou relevância

metalinguística na vídeodança “A Paixão”.

Rita Machado lançou para o grupo a ideia de construir uma ambiência com a

iluminação que retratasse o quarto de G.H, com toda a frieza e solidão presentes

nele. Ela afirma a dificuldade de concretizar o desenho de luz, uma vez que

considera a dança uma linguagem artística que pulsa e que é transformada a cada

execução do movimento. Por esse motivo, encontrou dificuldade de transpor todas

as ideias para a iluminação, pois desejava explorar todas as propostas fascinantes

que a união do vídeo e da dança lhe permitia. Em entrevista com Rita Machado, ela

diz: “Para mim, trabalhar esses dois é como a batida de um coração, parece bater

igual sempre, mas existem oscilações que só a sensibilidade é capaz de notar”.

Para poder visualizar a videodança, antes de produzi-la, Rita encontrou no

Storyboard um suporte para sua criação inicial. O Storyboard é uma técnica de

criação muito utilizada no cinema. Consiste em criar desenhos, semelhantes aos do

quadrinho, para mostrar as principais cenas do filme. A ideia é que sejam

visualizados no Storyboard todos os elementos que compõem a cena. Com a

técnica é possível visualizar o plano sequência de imagens a serem trabalhadas e

captadas pelo vídeo.

No processo de criação do desenho de luz, assim que visualizamos a

videodança, encontramos forte presença do uso de cores, em especial do azul,

trazendo para esse espaço uma sensação psicológica de frieza, vazio e de um

infinito que G.H tanto sentia durante as noites em seu quarto.

O azul é a mais profunda das cores, o olhar o penetra, sem encontrar obstáculo e se perde no próprio infinito. É a própria cor do infinito e dos mistérios da alma. Devido a afinidades intrínsecas, a passagem dos azuis intensos ao preto faz-se de forma quase imperceptível. (PEDROSA, 2013, p. 126).

24

A partir desses princípios pré-estabelecidos, a videodança começa a ganhar

uma forma estética. Iniciaram-se a filmagens, utilizando-se os takes (tomadas de

gravação), capturando-se a imagem da mesma cena de diversos ângulos, a fim de

se chegar à visualidade planejada no Storyboard pela diretora/iluminadora. Como

sistemática de análise, discutirei na ordem cronológica da videodança as cenas que

julgo importantes para o nosso estudo.

Na videodança “A Paixão”, a primeira cena gravada dava ênfase ao

movimento de cabeça, pescoço e ombro do intérprete-criador (ver Figura 1). Charles

Sales começou a executar uma série de movimentos que remetiam poeticamente às

inquietações, às angústias e às tristezas de GH. A cor azul da iluminação tentava

retratar metaforicamente a frieza existente no quarto de G.H e, por conseguinte,

também metaforizar a solidão da personagem. A meu ver, luz nessa cena criou uma

ambiência atmosférica que acompanhou a narrativa do livro de Clarice Lispector,

guiando o leitor por ambientes e sensações da vida de G.H. Em seguida, o

Storyboard surge para que exista a visualização desse ambiente, que nesse caso foi

pensado e dirigido por Rita Machado. É no Storyboard que enxergarmos de maneira

mais próxima do real a cena e os elementos que vão a compor. É nessa etapa que o

desenho de iluminação ganha forma, linguagem e estética, sendo essa a ocasião

para os experimentos e a possível finalização de cenas antes da gravação. É

também nessa ocasião que o roteiro é definido, e a videodança começa a surgir.

Ainda na mesma cena 1, frases do livro de Clarice Lispector surgem

projetadas num tecido branco colocado ao fundo do espaço de gravação, simulando

os pensamentos da personagem atormentada com sua vida, simbolizando a rapidez

com que nossos pensamentos surgem e vão embora.

25

Figura 1 : Cena um. Fonte : Arquivo próprio.

A segunda cena analisada eu considero a mais complexa, pois existe uma

combinação compositiva entre luz, sombra e projeção, elementos que não são

facilmente captados pela câmera, caso esta não esteja configurada adequadamente.

Em entrevista, Rita Machado diz: “Cenas com pouca intensidade de luz e que

precisavam ser captadas da melhor forma possível.”, confirmando a

responsabilidade da configuração do equipamento, que geralmente é operador de

câmera. Se este não dominar seu equipamento, a cor pode ficar distorcida ou a

perspectiva da imagem pode prejudir a noção de profundidade (imagem chapada),

comprometendo a qualidade técnica do trabalho visual. Jimena Schroeder foi

competente ao exercer a função de operadora de câmera, mostrando qualidade e

domínio do equipamento, pois conseguiu, na captação das imagens, gravar ângulos

visuais que beneficiaram o caráter compositivo dessa segunda cena.

Em uma única cena, encontramos a projeção da imagem do bailarino que

dialoga com a luz e a sombra (cuja projeção também está na mesma tela branca

localizada no fundo do espaço de gravação), uma cena que surgiu durante as

experimentações, como afirma Charles Sales: “Dentro dessas experimentações nos

veio o estalo de gravar o vídeo do vídeo, ou seja, com a imagem sendo jogada na

tela e eu executando a mesma coreografia, o que nos trouxe um resultado bem

interessante, além das duas gravações surgiu também uma outra imagem, a

imagem da sombra, aproveitamos essas três possibilidades”. Nascendo junto das

26

experimentações uma metalinguagem, um vídeo dentro do vídeo, é a videodança se

autodescrevendo nesse momento.

Para que esse resultado fosse obtido com êxito, os alunos usaram dois

conhecimentos aprendidos na disciplina de iluminação que tornaram possível esse

efeito. O prévio conhecimento sobre a estética causada pela luz de natureza dura e

pelo ângulo do refletor. A luz dura cria sombras bem definidos ao iluminar qualquer

assunto, e é “geralmente é produzida por uma fonte de luz pequena e direcionada

(COSTA, 2010). O posicionamento do refletor e, por consequência, sua angulação é

um dos conteúdos explorados na disciplina de Iluminação Cênica da UFRN. A

sombra, nessa cena, foi usada para deixar o corpo do bailarino todo iluminado e

causar uma sombra próxima ao tamanho real do bailarino na tela colocada ao fundo

do espaço de gravação.

Na projeção da imagem do bailarino na tela de fundo, visualizamos uma

sequência de movimentos que é sincronizada com a ação do intérprete-criador

localizado à frente da tela branca, ou seja, imagem virtual e bailarino executam no

mesmo instante a mesma movimentação. Importante, aqui, salientar que o ângulo

de incidência da luz foi importante para a definição poética dessa sequência de

imagens gravadas, pois a projeção da sombra ficou compositivamente entre a

imagem virtual e a presença do intérprete-criador na gravação das imagens (ver

Figura 2).

A cor aqui é utilizada de maneira metafórica, para transportar o leitor ao

universo frio, obscuro e sombrio do quarto de G.H. A iluminação reforça o que está

sendo dançado pelo bailarino, complementando a cena e mantendo o intérprete em

evidência, não o descaracterizando do elemento configurador da dança.

27

Figura 2 : Cena dois Fonte: Arquivo próprio.

Figura 3 : Cena dois Fonte: Arquivo próprio.

Na terceira cena, a angulação do refletor criou fortes sombras no rosto do

interprete-criador, retratando o lado obscuro e sombrio de G.H. A sequência de

movimentos tentou causar incômodo ao espectador, mostrando a possibilidade da

barata ser mastigada pelo interprete-criador na personagem de G.H (Figura 4).

28

Figura 4 : Cena três Fonte: Arquivo próprio.

A barata colocada em cena junto com o bailarino e a imagem projetada de

suas pernas, na tentam transpor para a cena a angústia e o caos psicológico vivido

por G.H (figura 5). A cor amarelada configurou uma luz incandescente comum de um

abajur que estava a iluminar o momento em que G.H estava deitada com a

efemeridade existencial dos seus pensamentos. Por fim, pequenos relatos de G.H

projetados na tela colocada ao fundo do espaço de gravação, que, junto com o

binômio luz-movimento, tentam metaforizar a dimensão vivida por essa mulher na

solidão de seu apartamento. Uma cena com caráter subjetivo, mas que não foge da

estética estabelecida pelo roteiro.

Figura 5 : Cena três Fonte: Arquivo próprio.

29

Para finalizar, faço uso das palavras de Rita Machado, para expressar a

definição do desenho de luz criado para essa videodança:”A luz conversa com o

vídeo em todos os momentos, seja nas intensões de meia luz que possibilitarão

aguçar os movimentos ou nas cores para tentar transmitir a dualidade que o texto

literário aborda.”

30

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os argumentos apresentados, somos levados a acreditar que

o ensino de iluminação cênica é um conteúdo indispensável para estudantes e

profissionais da dança. Formar professores e bailarinos que consigam problematizar

o ensino da iluminação cênica tanto em sala de aula, como em processos de

criação, é uma condição sine qua nom para o desenvolvimento da linguagem da

dança de maneira interdisciplinar. Para que exista esse diálogo de linguagens,

somos levados a pensar que a iluminação necessita estar presente durante todo o

processo de criação coreográfica, evitando que seja considerado um adorno estético

colocado em ensaio único antes da apresentação.

Para que essa realidade aconteça, é essencial que a universidade, como

meio de ensino, pesquisa e extensão pense a Iluminação Cênica como componente

curricular obrigatório, pois uma disciplina optativa não oportuniza à maioria dos

alunos a obtenção desse conhecimento importante para artes cênica. Dessa forma,

defendo a formação de profissionais capazes de dialogar com o elemento luz no

diversos contextos artísticos e educacionais da dança.

Nesse sentido, o artigo procurou expor uma deficiência dos profissionais da

dança no que tange a compreensão da luz como elemento de linguagem, mostrando

a vídeodança como mais um nicho artístico e profissional a ser explorado na dança

do Rio Grande do Norte.

31

REFERÊNCIAS

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32

Disponível em: <http://revistas.univerciencia.org/index.php/e-com/article/view/5415/4932>.. Acesso em : 06 out. 2013

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APÊNDICE

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APENDICE A :ENTREVISTA: RESPOSTAS DE RITA MACHADO

“Questionário sobre a videodança realizada na disciplina de

iluminação cênica”

As respostas serão utilizadas em meu trabalho de conclusão de curso, por isso, ao me responderem, peço que autorizem o uso delas.

1- De onde surgiu a ideia do vídeo dança e quais foram as maiores

dificuldades?

Faz um tempo que queria fazer algo juntando essas duas linguagens, a do

vídeo e a da dança. Venho estudando possibilidades ha uns 2 (dois) anos. Certo dia,

enquanto pensava em um texto para trabalhar um videodança, veio-me Clarice

Lispector e o livro A Paixão Segundo G.H. "O enredo trata de uma mulher

identificada apenas pelas iniciais G.H., que depois de demitir a empregada e tentar

limpar seu quarto, relata a perda da individualidade após ter esmagado uma barata

na porta de um guarda-roupa. No dia seguinte ela narra a própria impotência de

escrever o episódio. A história se organiza em capítulos de sequência sistemática -

cada um começa com a mesma frase que serve de fechamento ao anterior". Uma

dança! Nada melhor do que juntar a complexidade dessa obra com a possibilidade

de tradução que a dança contemporânea nos apresenta. Isso ficou comigo em meus

pensamentos, mas precisava de amigos para colocá-la em prática.

Assim, quando o professor de Iluminação lançou um trabalho, já havia

conversado com Charles Sales para trabalhar com vídeo na disciplina... Jogamos a

proposta para o grupo, que logo acatou e somou significativamente o trabalho. O

vídeo é uma adaptação da obra de Clarice Lispector -- A Paixão Segundo G.H. É um

mergulho no interior do narrador-personagem, e não há propriamente história. G.H.

busca, em si, pela introspecção radical, sua identidade e as razões de viver, sentir e

amar -- apaixonar-se. Segue um trecho de uma resenha sobre a obra:

“G. H flagra-se de repente a realizar gestos automaticamente. Isso assusta:

emerge o desvario do cotidiano alienado, robotizado. Ao revisitar o corpo ainda

desconhecido mergulha em seu próprio vazio interior. Aflito, procura alguma coisa

para fazer, mas não há nada. E eis que surge uma barata. Nesse momento,

deflagra-se na personagem a consciência da solidão (tanto dele, quanto da barata).

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O nojo pelo inseto desafia assustadoramente: é preciso se aproximar da barata,

tocar na barata e até (será possível?) provar o sabor da barata. Para regressar ao

seu estado de um ser primitivo, selvagem — e por isso mais feliz — G. H. deve

passar pela experiência de experimentar o gosto do inseto. Através da "provação"

(que é a sua náusea física e existencial), G. H. estaria fazendo uma reviravolta em

seu mundo condicionado e asséptico, alienado e imune.”

Vídeo envolve sempre muito trabalho, mas, foi tranquilo. Tivemos o apoio do

DEART com o teatrinho e as luzes na disciplina de Iluminação com Ronaldo Costa,

que nos apoiou em fazer um videodança. O grupo se dividiu direitinho. MARIZA

GENI DE FARIAS BARBALHO foi um anjo e conseguiu até uma barata... Passamos

o dia à procura de uma barata...e ela conseguiu no DEART mesmo. Foi ótimo

trabalhar nesse vídeo.

Ficha do vídeo:

Direção e Luz: Rita Machado

Edição: Lion Nathan

Produção: Mariza Geni

Câmara: Jimena Schroeder

Coreografia, atuação e Figurino: Charles Sales.

2- O que surgiu primeiro: o trabalho coreográfico ou a criação da luz?

É difícil dizer quem nasceu primeiro. Sei que Charles Sales estava montando

a coreografia/personagem, e eu pensando e desenhando a luz. Quando chegamos

ao teatrinho, surgiram novas intenções, e os dois bem à vontade – a luz e a dança –

foram ganhando forma; enquanto Charles Sales ia passando os passos e ajeitando

o personagem. eu ia arrumando a luz.

3- O grupo reconheceu a iluminação como uma linguagem forte para a

realização da videodança?

Sim. Dedicamos bastante tempo à luz e a sua montagem. Costumo dizer que

“vídeo é luz”, e estávamos trabalhando com uma luz intimista e teatral que requeria

bastante atenção e importância para o resultado final. Cenas com pouca intensidade

de luz e que precisavam ser captadas da melhor forma possível. Tivemos também o

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jogo de imagens em tempo real, que exigiu um estudo para que a luz deixasse o

corpo do personagem com a intenção que queríamos. A iluminação já é de extrema

importância para ambas as linguagens. (vídeo / dança)

4- Como se deu o hibridismo de linguagens presentes na videodança?

Acredito que o videodança é algo novo e precisa ser estudado para não se

tornar algo sem significado, ou melhor, que não transporte em suas ações fílmicas

uma ideia para o leitor visual. Isso, a meu ver, é o mais delicado. Transparecer as

ideias e colocá-las em uma narrativa é de uma subjetividade sem tamanho. As duas

linguagens já são bastante subjetivas... videodança é como andar em uma corda

bamba, e chegar ao ponto final é perceber que a ideia ganhou forma. Porém, como

toda arte, é uma flecha lançada em um sentido que facilmente ganhará novos

significados. Gosto disso.

Rita Machado”.

Descreva o processo de filmagem da videodança, como nasceu o

roteiro? Para você a iluminação entrou como linguagem corrente com a

estética do trabalho?

Foi complicado pensar em um roteiro fechado... Visto que trabalharíamos com

dança, e a dança para mim é algo que pulsa e, por mais que seja executada 20

(vinte) vezes, todas serão diferentes; foi difícil escrever sobre as cenas. Achei

melhor partir para o storyboard e desenhei o que poderia compor o vídeo... Apesar

do vídeo dança beber da mesma fonte do vídeo arte - e por muitas vezes se

entrelaçar em uma paixão contínua e alucinante - carrega em seu ventre uma

linguagem mais aberta, cheia de “gírias” e possibilidades.

Eu queria manter a história do livro da Clarice Lispector com uma ideia de

início meio e fim, mesmo que o texto da Clarice nos possibilite esse jogo em suas

orações textuais mágicas. É fácil trabalhar com vídeo dança com um texto cheio de

imagens e sentimentos, porém tem que ter algo amarrado, senão se torna um

emaranhado de ideias dissonantes... Se já é difícil amarrar as cenas em um vídeo

arte, imagina limitar uma dança? Para mim, trabalhar esses dois é como a batida de

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um coração, parece bater igual sempre, mas existem oscilações que só a

sensibilidade é capaz de notar.

Pois bem, pensamos no texto e instigamos a dança em Chales Sales.

Algumas cenas e enquadramentos foram surgindo com as leituras que iam vindo.

Coloquei no papel o que achava que falava sobre a obra...trabalhei com um

storyboard de algumas cenas e com o plano de luz em comunicação com o ato. O

recorte de enquadramento do ombro, a cena do dançarino/ator interagindo com ele

mesmo em azul, ele brincando com os dedos em planos fechados próximo à barata,

o detalhe dos pés, a boca em fusão com a barata e a dança no chão para finalizar,

todas estavam desenhara storyboard/roteiro. Demarquei também algumas outras

cenas. O texto que aparece no vídeo também já havia pensado e recortado do livro

de Clarice Lispector .

Gravamos primeiro a cena inicial do ombro – queria dar ênfase na cabeça em

movimento e na complexidade que as linhas textuais traziam, tentando passar a

ideia de inquietude sobre o cotidiano do personagem. O personagem sai de cena e

volta, deixando o texto em destaque, porém sutilmente, como são nossos

pensamentos diários e que o texto aborda.

Logo em seguida, gravamos a cena da projeção com dança. Essa cena foi

superdelicada, pois iríamos trabalhar com duas intenções que deveriam somar e se

transformar em três, em um take só. Era Charles dançando com ele projetado e sua

sombra. A cor era o que deveria predominar e destacar “realidade” de projeção

sutilmente. Fizemos vários planos, detalhes da boca, para depois encaixar na cena

dele no chão em conflito com a barata. E a última cena deixamos bem escura, para

provocar a leitura da movimentação do ator.

Vídeo é luz. Porém muitos acham que, quanto mais luz, melhor para o vídeo,

e sabemos que não é bem assim... Se a luz também é percepção, imagina quando

trabalhamos com um aparato – a câmera – que já possui uma leitura. Então,

pensamos bastante na aplicação dela no vídeo. Estudamos como seria essa

captação, fizemos alguns testes com o sensor da câmera e com o rebatimento da

luz no cenário. A luz conversa com o vídeo em todos os momentos, seja nas

intensões de meia luz, que possibilitarão aguçar os movimentos, ou nas cores para

tentar transmitir a dualidade que o texto literário aborda.

Rita Machado – Direção e criação de Luz

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APÊNDICE B :ENTREVISTA: RESPOSTAS DE CHARLES SALES

Questionário sobre a videodança realizada na disciplina de

iluminação cênica.

As respostas serão utilizadas em meu trabalho de conclusão de curso, por isso ao me responderem, peço que autorizem o uso delas.

1- De onde surgiu a ideia da videodança e quais foram as maiores

dificuldades?

Eu já vinha, há um certo tempo, pensando em fazer um trabalho com

videodança, mas não sabia que minha amiga, Rita Machado, também tinha essa

vontade. Sempre gostei desse tipo de trabalho, a arte da dança sendo captada por

um ângulo diferente. Tivemos a oportunidade de pagar a disciplina de iluminação

juntos, com o professor Ronaldo Costa. Foi nesse momento que tivemos esse

estalo. Em meio a conversas, descobrimos que os dois tinham essa curiosidade e

essa vontade de realizar esse trabalho. Acatamos as ideias um do outro e nos

“jogamos”. Rita me veio com um texto fantástico, A Paixão Segundo G.H, de Clarice

Lispector. Comecei a ler o texto e tentar me colocar no lugar desse personagem, em

meio a conversas e tendo pouco tempo para a realização desse trabalho. Rita e eu

começamos a nos articular. Tínhamos o bailarino intérprete, um texto superbacana e

uma pessoa que sacava de vídeo e fotografia. Quer dizer, tínhamos a faca e o queijo

na mão, foi o ponto de partida.

2- O que surgiu primeiro: o trabalho coreográfico ou a criação da luz?

Já tínhamos uma certa noção de como queríamos fazer esse trabalho com a

luz. O trabalho coreográfico foi diferente. Pensei com base no texto, queria que

fosse uma improvisação, mas sabia o que tinha que ser feito, em que momentos

usar os níveis e qual tipo de movimentação que eu iria executar. Fui mergulhando no

texto e tendo reações sobre o que se passava na cabeça de G.H, o que a levaria à

mesmice, ao tédio, a ponto de se ver na barata, a ponto de querer sentir o gosto

daquela barata, o que causa e o que acontece com alguém que não consegue sair

de uma rotina, que não experimenta o novo, que não se abre pra um despertar de

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cada manhã, sabendo que cada segundo, cada minuto pode ser diferente, mesmo

que seja na repetição de atitudes cotidianas. Essa inquietude me veio de uma forma

muito forte, assim tentei passar isso para o corpo. Pensei no asco, na agonia de

sentir uma barata andando sobre meu corpo, o que isso me causaria. Juntando os

dois fomos experimentando, e na hora de gravar vinham outras ideias e

possibilidades, fomos jogando na cena. Enquanto eu dançava, Rita se desdobrava e

viajava nas imagens captadas rs! Dentro dessas experimentações nos veio o estalo

de gravar o vídeo do vídeo, ou seja, com a imagem sendo jogada na tela, e eu

executando a mesma coreografia, o que nos trouxe um resultado bem interessante.

Além das duas gravações, surgiu também uma outra imagem, a imagem da sombra.

Aproveitamos essas três possibilidades.

3- O grupo reconheceu a iluminação como uma linguagem forte para a

realização da videodança?

Sem sombra de dúvidas, sem a luz não teríamos o vídeo, não teríamos as

intenções que desejávamos passar. Como a disciplina era de iluminação, nosso

desejo era priorizar a luz, fazendo com que fosse um elemento significativo para a

realização e execução desse trabalho. Já estávamos trabalhando com vídeo, o que

era o diferencial dentro da disciplina; ousamos e apostamos em fazer um trabalho

com qualidade no que se diz respeito à luz na cena. Convidamos outros

componentes que também acataram a essa ideia e nos apoiaram no que foi preciso

( no vídeo tem a ficha completa) dentro de todo conteúdo que foi estudado. Tivemos

também todo o apoio do professor Ronaldo Costa, quando apresentamos a ideia do

vídeo como trabalho de conclusão da disciplina e, sem sombra de dúvidas, fomos

felizes com o resultado do trabalho.

4- Como se deu o hibridismo de linguagens presentes na videodança?

Foi uma linguagem diferente, que estou aos poucos querendo descobrir e

realizar outros trabalhos, mas bem delicada, que requer um cuidado e uma atenção

diferenciada do que estou acostumado a fazer. É um olhar diferente, acho que é um

novo desafio para mim. Realizar a dança ou qualquer outro tipo de arte requer uma

atenção, em saber que aquilo será exposto, será visto, apreciado, que gostem ou

não, isso não importa. O importante é saber lidar com essa linguagem, no caso

40

vídeodança, que juntas formam uma só; é um casamento assim como é o “pas de

deux” no balé clássico, cada um vem contribuir de uma forma diferente, com seus

corpos que desejam estar em sintonia. Um vem com a força e o direcionamento, o

outro com a delicadeza e a tentativa de ser conduzido. No final o resultado é incrível,

dois corpos se tornam um. É assim que penso que pode ser a relação de quem

produz um videodança, do diretor e o bailarino, e de tudo que envolve essa cena,

seja a luz, o figurino, a música, mas que busquem um resultado e que cheguem a

esse resultado como qualquer expressão da arte, querendo sempre ganhar uma

forma.

Charles Sales