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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DE LINGUAGEM LINHA DE PESQUISA: DISCURSO E INTERAÇÃO REGINA FERNANDES COSTA LINGUA(GEM), MOLA PROPULSORA? NITERÓI 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTUDOS DE LINGUAGEM

LINHA DE PESQUISA: DISCURSO E INTERAÇÃO

REGINA FERNANDES COSTA

LINGUA(GEM), MOLA PROPULSORA?

NITERÓI

2008

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REGINA FERNANDES COSTA

LINGUA(GEM), MOLA PROPULSORA?

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. Área de concentração: Discurso e Interação.

Orientadora: Professora Doutora BETHANIA SAMPAIO CORREA MARIANI

Niterói

2008

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REGINA FERNANDES COSTA

LINGUA(GEM), MOLA PROPULSORA?

Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em Letras da Universidade Fe- deral Fluminense, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa. Área de concentração: Dis- curso e Interação.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. BETHANIA SAMPAIO CORREA MARIANI - Orientadora

UFF

Profa. Dra. VANISE GOMES DE MEDEIROS UERJ

Profa. Dra. ROSANE MONNERAT UFF

Profa. Dra. VANDA C. MENEZES (suplente) UFF

_________________________________________________________________________

Profa. Dra. MARIA DA GRAÇA CASSANO (suplente) UNISUAM

Niterói, 2008

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À língua(gem).

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AGRADECIMENTOS

A Bethania Mariani, com quem aprendi a ler de novo, no século XXI; A Vanise Medeiros, pela acolhida e pela orientação generosa na qualificação e na defesa: A Rosane Monnerat, pelo incentivo desde sempre e, uma vez mais, na qualificação e na defesa; A Vanda Menezes, pelos ensinamentos e pela participação na Banca Examinadora; A Maria da Graça Cassano, pela acolhida e pela participação na Banca Examinadora; A Regina Pimenta do SENAC-Rio, pelo material gentilmente cedido; A Automar Oehlmeyer, por ter-me ensinado correspondência comercial nos anos 1960; A Miriam Gold, por ter atualizado meus conhecimentos de redação empresarial nos anos 1990; A Lucia Helena Manna, pela interlocução-irmã, amorosa, mas firme; Aos colegas do grupo de AD (UFF), por acolherem meu silêncio; A Suely, pelos conhecimentos transmitidos graciosamente em conversas informais; A Angela, pela presteza em ajudar; A Regina, que me faz viajar pela palavra do outro, do francês; A minhas alunas da Roda de Leitura, pelo prazer a cada encontro e por me permitirem re-significar meu conceito de trabalho;

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Mais ainda: A Vó Maria da Natividade, pelas histórias com sotaque: memórias das aldeias portuguesas; A Sylvia e Antonio, meus pais, por terem sido os pioneiros de minha constituição como ser de linguagem e de leitura; A Liv e Lucia, minhas irmãs; Jacqueline, Monique, Priscilla e Bruno, meus sobrinhos, pelo sentimento de pertença; A Lucas, meu afilhado, por sua palavra-criança; A Moni, pela superação de sua matriz e por sua língua(gem) fluente e fluida, de que tanto me orgulho ; A Juarez, meu companheiro-amor, por me ensinar a materialidade do mundo dos trabalhadores da terra e do mercado, que provêem nossos lares, todos os dias, com flores e frutas e legumes, mas sobre os quais pouco se sabe.

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“Aprende-se a ler e a escrever muitas vezes.”

Eni Orlandi

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RESUMO

Para refletir sobre a lingua(gem) e a produção de efeitos de sentido na/da atual sociedade da

informação, enfoca-se o discurso empresarial via discurso pedagógico, com o objetivo de

fazer pensar sobre o mundo do trabalho e sua relação com a sala de aula de cursos

profissionalizantes. Justifica-se essa inter-relação de discursos, pois “todo discurso nasce

em outro e reenvia a outro” (ORLANDI, 1999 [1988]: 18). Por essa razão, o corpus

empírico busca associar o distante com o próximo, as semelhanças e as diferenças entre o

já-dito antes e o dito agora, em dois livros de redação comercial/empresarial: um de 1963;

outro de 1999. Para construir um sentido para a questão-título deste projeto (Língua(gem),

mola propulsora?) os recortes feitos no material selecionado constituem-se de enunciados

que apresentam uma concepção de língua e de leitura como instrumentos de comunicação

transparente, com ênfase na função referencial – a relação “natural” entre palavra e coisa; e

de uma concepção de sujeito livre em suas escolhas, autônomo, origem e fonte do seu dizer,

responsável pelo que diz e por seu sucesso profissional. A essas concepções contrapor-se-

ão as da Análise de Discurso de Michel Pêcheux. Com essa análise discursiva, pretende-se

compreender, em alguma medida, o funcionamento do discurso empresarial.

Palavras-chave: Análise do Discurso – discurso empresarial – língua(gem) – leitura.

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RÉSUMÉ

Pour réfléchir sur langue / langage et production d’effets de sens dans la société

d’information contemporaine on focalisera le discours de l’entreprise via le discours

pédagogique afin de faire penser au monde du travail et son rapport avec la classe de

formation. Cette correspondance entre les discours se justifie car « tout discours naît d’un

autre et renvoie à un autre. » (ORLANDI, 1999 [1988] :18). Le corpus empirique cherche

donc à associer le lointain et le prochain, les similitudes et les différences entre le déjà dit et

ce qui est dit maintenant dans deux livres de rédaction de correspondance commerciale :

l’un de 1963, l’autre de 1999. Pour construire une réponse à la question-titre de ce travail –

Langue/langage, ressort de propulsion ? – le découpage du matériel choisi se constitue

d’énoncés qui présentent une conception de langue/langage et de lecture en tant

qu’instrument de communication transparente en soulignant la fonction référentielle – le

rapport naturel entre mot et chose ; et d’une conception du sujet libre pour choisir,

autonome, origine et source de son dire, responsable de ce qu’il dit et de son succès

professionnel. On contestera ces conceptions au moyen de l’Analyse du Discours de Michel

Pêcheux qui vise à comprendre, dans la mesure du possible, le fonctionnement du discours

de l’entreprise.

Mots-clés : Analyse du discours – discours de l’entreprise – langue/langage – lecture

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SUMÁRIO

1. CURRICULUM VITAE.................................................................................................... 13

2. CARTA DE APRESENTAÇÃO......................................................................................18

3. TRABALHO DE TEORIA: A Análise do Discurso de Michel Pêcheux....................... 28

3.1.Da Lingüística à Análise de Discurso de Michel Pêcheux........................................28

3.1.1. Semântica e Discurso......................................................................................33

3.1.1.1. Ideologia: a evidência do sujeito e do sentido...................................35

3.1.1.2. Língua e Discurso..............................................................................38

3.1.1.3. Leitura: sujeito/sentido...................................................................... 40

3.1.1.4. Texto e Discurso............................................................................... 42

4. TRABALHO DE METODOLOGIA E DO CORPUS: no entremeio............................. 46

5. PRÁTICA DE LEITURA DISCURSIVA....................................................................... 53

5.1. 1ª. Pista: as capas dos dois livros............................................................................. 53

5.2. 2ª. Pista: os títulos dos livros: a questão metodológica:..........................................56

Livro 1: Como é o “Processo da Assimilação?”

Livro 2: Como é escrever com sucesso na “Era da Globalização”?

5.3. Concepção de Língua............................................................................................... 58

5.3.1. Automar Oehlmeyer.......................................................................................58

5.3.2. Miriam Gold..................................................................................................64

5.4. Concepção de Gramática...........................................................................................71

5.4.1. Automar Oehlmeyer.......................................................................................71

5.4.2. Miriam Gold ..................................................................................................77

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5.5. Concepção de leitura: sujeito e sentido..................................................................... 89

5.5.1. Automar Oehlmeyer....................................................................................... 89

5.5.2. Miriam Gold...................................................................................................91

5.6. À guisa de conclusão...............................................................................................104

6. Conclusão........................................................................................................................107

7. Bibliografia.....................................................................................................................117

8. Anexos: ..........................................................................................................................122

8.1. Planos de Curso do SENAC-Rio.

8.2. Letra da Canção “Le Blues du Businessman” (francês/português)

8.3. Capa do Livro de Automar Oehlmeyer

8.4. Capa do Livro de Miriam Gold

8.5. Expressões mais correntes na linguagem comercial (Automar Oehlmeyer)

8.6. Tabela dos principais conectivos e seus significados (Miriam Gold)

8.7. Exemplo de carta corrigida (Automar Oehlmeyer)

8.8. Sumário do livro de Miriam Gold.

8.9. Alguns dos textos apresentados em Uma Curiosidade (Miriam Gold):

8.9.1. “Computador Revoluciona Comunicação”

8.92 “O Lutador”, de Carlos Drummond de Andrade

8.9.3. “O Telefone”, crônica de Rubem Braga

8.9.4. Requerimento/Ofício (sobre “vício profissional”)

8.9.5. “Eloqüência Singular”, de Fernando Sabino

8.9.6. “A globalização dos significados”

8.10. Bibliografia do livro de Miriam Gold.

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“...sempre que tentei fazer um trabalho teórico, foi a partir de elementos da minha própria experiência. Era por pensar reconhecer nas coisas que via, nas instituições com que tinha que ver, nas minhas relações com os outros, brechas, abalos surdos, disfunções, que empreendia um tal trabalho – um qualquer fragmento de biografia.” Michel Foucault

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1. CURRICULUM VITAE

O “apagamento” não tem um sentido negativo, pois: 1. ele é a própria possibilidade de transmu- tacão do sujeito em suas múltiplas formas e fun- ções; e 2. ao colocar-se socialmente, o sujeito -au- tor se percebe subjetivamente. O apagamento é constitutivo do sujeito. É um modo de existência do sujeito: um procedimento pelo qual ele se cons- titui. Em resumo: o apagamento faz parte das condições de produção do sujeito. Eni Orlandi

O processo de seleção da vida profissional de um aspirante ao mercado de trabalho

empresarial geralmente começa com uma entrevista e com a análise de seu Curriculum

Vitae. Para que sua apresentação pessoal permaneça não apenas na memória do

entrevistador, mas também de forma palpável, concreta, o candidato entrega seu

Curriculum Vitae com informações relevantes, tais como: seu objetivo, sua experiência e

formação. Considerado de função utilitária, tal documento deve ser claro, conciso e

objetivo.

Tanto a entrevista quanto o Curriculum representam práticas padronizadas. A primeira,

oral, julga o candidato não apenas por sua aparência, seu modo de vestir-se, de comportar-

se, mas também pelo que fala e como fala. A segunda, escrita, pressupõe a observância de

um padrão gráfico-visual determinado. Na verdade, todos os papéis do mundo empresarial

caracterizam-se por uma padronização determinada. Contraditoriamente, no entanto, a

contratação depende ao mesmo tempo daquilo que homogeneíza, isto é, desse padrão oral,

visual e gráfico, e daquilo que diferencia, uma certa personalização discreta. Caso

contrário, o Curriculum Vitae se perde entre tantos outros e a chance de conseguir a vaga se

esvai. Em outras palavras, dentro desse padrão imposto há o desafio imperioso de que se

produza com alguma dose de originalidade.

Tanto a prática oral – entrevista - quanto a escrita - Curriculum – representam etapas

do processo de seleção que pressupõem um modo de ler e de interpretar por parte daqueles

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que representam o departamento de Recursos Humanos. Tais sujeitos- leitores apreendem o

inteligível e o interpretam, a partir de sua posição, de acordo com o padrão determinado

pela empresa. Assim, selecionam o candidato mais adequado.

No entanto, há outras maneiras de se ler um Curriculum Vitae. A Análise de

Discurso francesa (Pêcheux), por exemplo, ensina a ler na materialidade lingüística a

exterioridade sócio-histórico- ideológica. Foi esse enfoque discursivo que me levou a

problematizar a leitura desse documento. Para tanto, segui as pistas impressas.

Com esse olhar, releio meu Curriculum Vitae e descubro, pela forma em que me fui

inserindo no mercado de trabalho, a questão deste projeto de pesquisa.

Iniciei minha vida profissional em empresas. Durante dez anos, trabalhei em sete

companhias. Ocupei diferentes cargos – datilógrafa, secretária bilíngüe, secretária

executiva, estenodatilógrafa. Redigi, portanto, seis cartas de de missão, seis tentativas de

romper com uma forma de trabalho repetitiva. A mudança freqüente de empresa indica

resistência a um modo de trabalhar padronizado, sempre a reproduzir a palavra do chefe, a

palavra ditada, estenografada, datilografada, rascunhada – a palavra do outro. Mais que

isso, indica ainda a ilusão de que ao mudar para uma empresa diferente a insatisfação

terminaria. Ledo engano, pois a posição sujeito continuava a mesma e, dessa forma,

permanecia a sensação de incompletude e apagamento.

Naqueles anos cinzentos, de 1963 a 1973, período do governo militar no Brasil, a

palavra era extremamente cerceada. Lembro que naquela ocasião era comum aparecer nos

jornais, em classificados de emprego solicitando secretárias, o requisito redação própria.

No entanto, consoante àquele momento político, ter redação própria não significava ter

autoridade, no sentido de ser autor, de ser capaz de criatividade. Significava apenas que a

secretária após receber instruções sobre o que dizer, seria capaz de produzir determinado

texto (carta, relatório, requerimento, etc), dentro dos padrões exigidos pela redação técnica,

“com suas próprias palavras”, que, na verdade, repetiam as palavras do outro. Sem dúvida

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alguma, uma secretária que atendesse a esse requisito poupava o tempo do chefe e, por essa

razão, era mais bem paga.

Na escrita empresarial, não parece haver movimento entre o processo parafrástico (o

mesmo) e o polissêmico (o diferente). A secretária está presa ao pólo parafrástico. Falta o

polissêmico, portanto, para que haja movimento. Assim, a prática dessa profissional se

caracteriza pela produtividade, e não pela criatividade. Eni Orlandi (2000 [1999], p. 37)

esclarece a distinção entre esses dois conceitos:

A “criação” em sua dimensão técnica é produtividade, reiteração de processos já cristalizados. Regida pelo processo parafrástico, a produtividade mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço dizível: produz a variedade do mesmo. (...) Já a criatividade implica na ruptura do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a história e com a língua. Irrompem assim sentidos diferentes.

Daí o tédio que o trabalho lingüístico da secretária e do professor de redação empresarial

pode provocar.

Entretanto, é na instância da autoria da secretária com redação própria que ocorre

seu maior apagamento. “É da representação do sujeito como autor que mais se cobra sua

ilusão de ser origem e fonte de seu discurso. É nessa função que sua relação com a

linguagem está mais sujeita ao controle social.” (ORLANDI, 1988,p. 78). Ao atuar dentro

dos moldes já construídos, a secretária deve produzir o sentido único e desambigüizado,

dentro do padrão culto da língua portuguesa . Nas palavras de Eni Orlandi : “É do autor

que se exige: coerência, respeito às normas estabelecidas, explicitação, clareza,

conhecimento das regras textuais, originalidade, relevância e, entre outras coisas, unidade,

não-contradição, progressão e duração de seu discurso, ou melhor, de seu texto.”

(ORLANDI, 1999:75/76)

Na posição de autor, a secretária torna-se um sujeito visível, portanto, calculável,

identificável, controlável. Como autor, ela deve reconhecer uma exterioridade à qual deve

referir-se, mas ela também deve remeter-se à sua interioridade. Nessa articulação

interioridade/exterioridade, ela “aprende”, isto é, ela assume o papel de autor e aquilo que

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este papel implica. (Orlandi, 1999:76) A posição sujeito secretária representa uma posição

sujeito do discurso empresarial. Trata-se de uma posição historicamente constituída, já está

lá para ser assumida e, portanto, é um lugar de identificação e de identidade.

Dando continuidade à releitura de meu Curriculum, pude compreender um

movimento em busca de outras posições-sujeito, tais como professora e pedagoga. No

entanto, curiosamente, essa movimentação, de alguma forma, retoma a questão delineada

no início da vida profissional em empresas. Isto porque passei a dar aulas de redação

empresarial nos cursos de Recepcionista e Secretária no Senac, de 1995 a 2000. Mas, desta

feita, minha função era “ensinar” como se escreve dentro dos modelos prescritos pela

redação empresarial. A partir de 2001, após a reestruturação radical da instituição-Senac,

agora, não mais estruturada nos moldes de escola, mas nos de empresa, assumi a posição de

monitora (freelancer) da Oficina de Comunicação dos cursos técnicos do Senac-Niterói.

Minha função agora é a de ensinar a língua portuguesa como instrumento de comunicação

para que os futuros prestadores de serviços não percam seus clientes. Assim, a questão

inicial da resistência ao apagamento reapresenta-se.

Recordo-me da primeira aula como aluna avulsa no curso Seminário Avançado de

Análise de Discurso, no segundo semestre de 2003, ministrado pela professora doutora

Bethania Mariani, na UFF. Dentre as anotações feitas, destaco uma das falas da professora

Bethania: “O analista escolhe determinada questão porque ela se refere à sua história”. De

fato, minha questão apresenta-se no não-dito de meu Curriculum e foi pelo estudo da

teoria da Análise de Discurso francesa, que problematiza nosso modo de ler o mundo e a

nós mesmos, que pude expressá-la em palavras. Refiro-me à maneira de conceber o

sujeito, dividido entre consciente e inconsciente, e às duas ilusões que o constituem: a

ilusão (ideológica) de ser origem do seu dizer e a de ter controle sobre o que diz. Essas

ilusões têm como conseqüência o apagame nto, que é imprescindível, pois o sujeito só pode

vir a ser justamente por seu assujeitamento a uma matriz de sentidos de onde retira suas

opiniões, suas ações, seu próprio existir: “O sujeito é sempre, e ao mesmo tempo sujeito da

ideologia e sujeito do desejo inconsciente, e isso tem a ver com o fato de nossos corpos

serem atravessados pela linguagem antes de qualquer cogitação.” (HENRY, 1992, p.188).

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No entanto, percebo, ainda, sob as listas, digitadas no Curriculum, de cursos feitos,

de monografias escritas, de projetos realizados e, também, sob o texto que compõe este

estudo, aquela mesma questão dos tempos de trabalho em empresas. Afinal, a questão da

autoria é a questão do sujeito e das duas ilusões que o constituem.

Para concluir esta apresentação pessoal e, por essa razão, escrita em primeira pessoa

do singular, esclareço que a releitura de meu Curriculum Vitae, serviu não apenas para

identificar de onde nasce meu objeto de estudo e como buscar alcançá-lo em alguma

medida, mas também para ressaltar que um Curriculum não é apenas uma certidão de

nascimento e de “morte” do trabalhador, há muito a ser lido no entremeio...

Assim, minha aposentadoria não passa de um registro na carteira profissional. Meu

tempo de serviço não acabou. Em outras palavras, as de Riobaldo (ROSA, 1988, p. 15): “O

mais importante e bonito, no mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda

não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.” Tal como a lingua(gem). Tal

como os discursos.

A partir dessas considerações bastante pessoais, pudemos elaborar um projeto de

pesquisa como segue.

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2. CARTA DE APRESENTAÇÃO

Niterói, 3 de março de 2008.

À

Banca Examinadora

Prezados Senhores,

Informamos que esta dissertação de mestrado Língua(gem), mola propulsora? apresenta

como tema A importância de uma nova prática de leitura e como objeto de estudo o

Discurso Empresarial, pretendendo compreender, em alguma medida, o funcionamento do

discurso empresarial, a partir da definição de Michel Pêcheux, discurso é “efeito de

sentidos entre interlocutores, um objeto sócio-histórico em que o lingüístico está

pressuposto”. (1)

Partimos do título metafórico. A forma lingua(gem) inclui tanto a noção de linguagem

como a capacidade humana de se comunicar por meio da fala e da escrita quanto a de

língua como um sistema lingüístico particular, idioma. (WEEDWOOD, 2004) Em

Língua(gem), mola propulsora, questionamos a concepção idealista de língua: um objeto

abstrato ideal; a língua como uma “atividade mental”, em que o psiquismo individual

constitui sua fonte; a língua abstratamente “construída pelos lingüistas em vista de sua

aquisição prática como ferramenta pronta para o uso.” (WEEDWOOD, p. 149). O

sintagma “mola propulsora” constrói uma redundância. O substantivo “mola” significa

aquilo que concorre para um fim; impulso; o adjetivo “propulsora” quer dizer aquilo que

impele para diante. (FERREIRA, 1999, p. 1354 e 1651) Essa redundância, no entanto, é

bem-vinda porque produz um efeito de alto grau de certeza. É a esse efeito que se

contrapõe a dúvida marcada pelo ponto de interrogação.

(1) ORLANDI, Eni. Michel Pêcheux e a Análise de discurso (p. 11). Estudos da Linguagem. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Vitória da Conquista. Edições UESB, n. 1 jun. 2005.

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Pela concepção subjetivista- idealista (o sujeito como centro e causa de si), pode-se pensar a

língua(gem), mola propulsora como a que se pretende instituir por regulamentos, regras,

máximas, modelos, fórmulas, visando à (re)produção de uma concepção de língua como

instrumento de comunicação de informações. “Em termos empresariais, essa comunicação

tem valores bem definidos: a clareza e a objetividade das informações proporcionam e

impulsionam a fidedignidade das mensagens e a agilidade das decisões, “molas da

sobrevivência e do lucro”. (GOLD, p. 4, [grifos nossos]) A citação de Gold permite que

se faça o deslizamento: lingua(gem), mola propulsora ? - língua(em), instrumento de

mercado? A lingua(gem) com seu poder de criar realidades, como a da comunicação

universal, a do sucesso, pode tornar-se um instrumento de mercado.

A partir de uma reflexão baseada na teoria da Análise de Discurso, esse modo de ler o título

enfatiza um objetivo importante deste estudo: contribuir para a formação de um sujeito-

leitor menos ingênuo em sua relação com a língua(gem). Este objetivo, assim como os

demais, advêm da problematização do tema deste estudo - Como resolver a velha questão

de formar um leitor crítico, capaz de compreender o funcionamento da linguagem em

termos discursivos, isto é, quanto aos dois pólos que caracterizam os processos de

produção de sentidos: o parafrástico, que busca a manutenção dos sentidos, e o

polissêmico, que resignifica sentidos cristalizados - e da hipótese de que a Análise de

Discurso de Michel Pêcheux possa contribuir na construção de uma possível resposta para

essa indagação. A citação a seguir de Rossi-Landi (1985, p. 64-66) ajuda a tornar mais

claro o que se pretende com este estudo:

“Da constatação de que as palavras e as mensagens não existem em estado natural, uma vez que são produzidas pelo homem, conclui-se imediatamente que elas também são produtos de trabalho. É nesse sentido que se pode começar a falar em trabalho humano lingüístico . A expressão tem o mérito de colocar este tipo de trabalho no mesmo plano do trabalho “manipulativo” ou “transformativo” com que se produzem objetos físicos. (3) Desse modo, o trabalho lingüístico e o não-lingüístico são reconduzidos, como espécies de hábito arbitrariamente separadas, ao gênero ao qual pertencem por igual direito. Pretende-se aqui tornar unitária a definição do homem enquanto animal falante e trabalhador , que se diferencia de todos os outros, na medida em que produz instrumentos e palavras (conforme será vis to mais adiante, de utensílios e de enunciados), e com essa produção, que constitui “o social”, ele forma historicamente a si próprio.” [grifos nossos]

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A compreensão de língua(gem) e trabalho como produção social, como ação que

transforma, e a de “homem enquanto animal falante e trabalhador” justificam adotar como

ponto de partida de nosso estudo teórico a definição de língua(gem) como trabalho, isto é,

como trabalho simbólico. Esta concepção implica deslocar a importância que a lingüística

clássica deu à função referencial, da qual decorre a concepção que reduz a comunicação

apenas a instrumento de comunicação de informações. Implica, ainda, que “é preciso

explicitar-se, em relação a essa definição, que os interlocutores, a situação, o contexto

sócio-histórico, ideológico, ou seja, as condições de produção (Pêcheux, 1969) constituem

o sentido da seqüência verbal produzida. (ORLANDI, 1999, p. 18).

Assim, para conhecer o modo de produção da língua(gem) como parte da produção social

geral (ROSSI-LANDI,1985), este projeto se fundamenta teoricamente no quadro

epistemológico da Análise de Discurso francesa, de Michel Pêcheux, que se apresenta

como a articulação de três regiões do conhecimento científico:

1. o materialismo histórico, como teoria das formações sociais e suas transformações;

2. a lingüística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação:

3. a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processo

semânticos.” (Idem, op.cit., p. 19)

Essas três regiões são atravessadas por uma teoria da subjetividade de natureza

psicanalítica (Lacaniana).

Com esse suporte teórico, portanto, pretende-se refletir como a análise do discurso

empresarial pode contribuir para a compreensão do modo de produção lingüístico-histórico-

ideológico dos sentidos e, dessa forma, contribuir para a leitura do mundo profissional,

partindo, indiretamente, da realidade das secretárias como redatoras de textos

administrativos que exigem delas o conhecimento de certas fórmulas, técnicas, modelos,

padrões, além do domínio da norma culta, da linguagem formal. De seu texto, é exigido

exatidão, coerência das idéias, clareza, concisão e tom cortês. Todo este conhecimento

pode ser exercitado pelos manuais de redação empresarial.

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Estudar o discurso empresarial pode, ainda, produzir reflexão sobre como a comunicação

de massa, entendida como instrumento de transmissão de informações, de notícias, de

propaganda, pretende instituir o pensamento único, globalizante, a comunicação universal.

Do ponto de vista crítico, sabe-se que o sentido único é uma ilusão. No entanto, as práticas

sociais se organizam a partir daí para se sustentarem.

Embora não se pretenda tratar de política, mas da “textualização do político, entendido

discursivamente, como a simbolização das relações de poder presentes no texto”

(ORLANDI, 2000. p. 68), a discussão atual sobre neoliberalismo/globalização é relevante

para este projeto, cujo objeto de estudo é o discurso empresarial. De modo específico,

pretende-se, refletir como o discurso empresarial e o sujeito empresarial se materializam na

língua(gem).

. Condições de produção e discurso empresarial.

Sobre as condições de produção dos discursos da atualidade, e para auxiliar a reflexão,

recorre-se, primeiramente, à explanação de Neoliberalismo no Dicionário de Filosofia.

(JAPIASSU e MARCONDES, 1999, p. 163)

O neoliberalismo econômico constitui, em nossos dias, a doutrina que, diante de certo fracasso do liberalismo clássico e da necessidade de reformar alguns de seus modos de proceder, admite uma certa intervenção do Estado na economia, mas sem questionar os princípios da concorrência e da livre empresa. (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1999, p. 163) [grifos nossos]

Vê-se que o termo ‘neoliberalismo’, como compreendido pela filosofia, destaca a

necessidade de reformar e de questionar.

Questionar é jus tamente o que o professor Jobim faz em seu artigo Nacionalismo e

Globalização, ampliando o âmbito dessa reflexão. Assim se refere ao termo Globalização:

Só porque a mídia brasileira o transformou em vocábulo de uso corrente – atendendo a demandas com freqüência não muito claras ou confessáveis -, ao mesmo tempo em que converteu o “nacionalismo” em sinônimo de “coisa superada” , isto não significa que devamos dar eco aos clichês com que se trata esta questão, sem refletir com maior profundidade sobre ela.” (JOBIM, 2002, p. 53) [grifos nossos]

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A advertência feita pelo professor Jobim reitera a relevância do tema proposto neste projeto

A importância de uma nova prática de leitura, que possibilite ao leitor compreender a

relação história/língua(gem), isto é, o modo como as relações sociais regidas por relações

de poder se inscrevem na história em uma sociedade como a nossa. (ORLANDI,

2000[1999])

Orlandi (1988, p. 74) esclarece melhor a questão de le r para compreender e questiona a

leitura feita na escola:

No seu trato usual com a linguagem, o sujeito apreende o inteligível, e se constitui em intérprete . A compreensão, no entanto, supõe uma relação com a cultura, com a história, com o social e com a linguagem, que é atravessada pela reflexão e pela crítica. Se é assim, perguntaríamos: a escola, quando ensina a ler, propicia ao aluno condições para que se produza a compreensão? Atinge o funcionamento ideológico da linguagem? [grifos nossos]

O modo de ler a que se refere Orlandi pressupõe a problematização do que se lê. Assim, o

leitor, em vez de apenas reproduzir o que o autor quis dizer, indagará como o texto lido

produz sentidos. Para chegar a essa compreensão, o leitor precisa atingir o funcionamento

ideológico da linguagem , o que implica saber como a Análise de Discurso entende o

conceito de ideologia.

Quanto à ideologia à que Orlandi se refere acima, Mariani (2003) esclarece:

A ideologia é o mecanismo através do qual o sujeito considera como natural ou óbvia uma dada realidade que é resultado de uma construção histórica. Através da ideologia é que se dá o processo de naturalização dos sentidos. Ideologia e linguagem são inseparáveis, pois é na linguagem e com a linguagem que vai sendo criada uma lógica, uma explicação, ou seja, que sentidos vão sendo produzidos de modo a legitimar ideologicamente as instituições que asseguram a estrutura social. A ideologia cristaliza os sentidos.(1)

(1) Disponível no site www.leitoreseleituras.com.br

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A leitura discursiva possibilita explicitar os mecanismos pelos quais a ideologia cristaliza

os sentidos e torna evidente o que não é. (ORLANDI, 1988, p. 55) Ora, para o discurso

empresarial é evidente que a língua(gem) deve produzir uma comunicação clara,

transparente, sem ruídos.

O discurso empresarial invoca os princípios de racionalidade, eficiência e praticidade,

baseando-se na concepção de linguagem como instrumento de transmissão de informações,

mantendo a ilusão de que basta usar a língua materna dentro de determinados padrões para

que as idéias sejam transmitidas sem mal-entendidos. Tal discurso não admite erros,

transgressões, duplos sentidos.

Para a teoria da Análise de Discurso, no entanto, a língua não é mero instrumento de

comunicação de informações. Essa crítica, aliás, também já foi pioneiramente feita por

Benveniste (1995:285):

Na realidade, a comparação da linguagem com um instrumento, e é preciso realmente que seja com um instrumento material para que a comparação seja pelo menos inteligível,deve encher-nos de desconfiança, como toda noção simplista a respeito da linguagem. Falar de instrumento, é pôr em oposição o homem e a natureza. São fabricações. A picareta, a flecha, a roda não estão na natureza. São fabricações. A linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou.(...) Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a. (BENVENISTE, 1995: 285)

Portanto, a língua não pode ser reduzida a um instrumento de comunicação de informações;

ela é mais que isso. Ao usá- la, o falante não apenas representa o mundo, mas também

significa o mundo e, sobretudo, a si próprio porque a língua é constitutiva do sujeito. “É na

linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito...” (op. cit. p. 286)

As concepções de língua(gem), de trabalho, de sujeito e de sentido, da Análise de Discurso

de Pêcheux contrapõem-se à visão subjetivista/idealista e representam os principais

conceitos a serem mobilizados neste projeto. Às definições de língua como representação

do pensamento e como instrumento de comunicação de informações, contrapor-se-á a

concepção de língua como trabalho. À visão de língua(gem) como trabalho mecânico,

contrapor-se-á a concepção de trabalho transformador.

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Pensar a língua como trabalho suscita reflexões sobre a categoria trabalho e sobre a

lingua(gem) e faz pensar sobre as relações existentes entre o trabalho não- lingüístico e o

lingüístico, o trabalho simbólico. Orlandi (1996, p.25) considera a linguagem como um

trabalho “no sentido de que não tem um caráter nem arbitrário nem natural, mas

necessário.” Na definição de trabalho a seguir, destacam-se a etimologia, a noção de

necessidades básicas e as palavras de Marx. O trabalho do homem por ele descrito,

trabalho não-lingüístico, assemelha-se ao trabalho lingüístico: a linguagem como um

trabalho “põe em movimento”, produz “uma forma útil à vida”, daí o seu caráter

necessário.

Trabalho (lat. Vulgar tripalium: instrumento de tortura de três paus). 1. Em um sentido genérico, atividade através da qual o homem modifica o mundo, a natureza, de forma consciente e voluntária, para satisfazer suas necessidades básicas (alimentação, habitação, vestimenta etc.). É através do trabalho que o homem “põe em movimento as forças de que seu corpo é dotado... a fim de assimilar a matéria, dando-lhe uma forma útil à vida.” (Marx, O capital).[grifos nossos] (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1999, p. 262)

Marx valoriza fundamentalmente o trabalho. Mas o trabalho possui dupla face e duplo

efeito. Na Idade Moderna, com o advento da Revolução Industrial, a divisão do trabalho em

série, por um lado, aumentou a produtividade. Por outro, tornou o trabalho mecânico. Para

Marx, a dialética se dá na prática, no trabalho. É na transformação material da natureza

pelo homem - a árvore em mesa, por exemplo - que ele transforma e é transformado. Da

mesma forma, no trabalho simbólico, lingüístico, a língua(gem) pode funcionar na

paráfrase, mantendo os sentidos, ou na polissemia, re-significando os sentidos

cristalizados. Assim, tanto o trabalho não- lingüístico quanto o lingüístico pode levar à

reprodução apenas, causando angústia e tédio, ou à criação e ao prazer. Essa duplicidade

também se faz sentir na forma de ler. De um lado, a leitura pode ser ferramenta pedagógica

de aprisionamento, se apenas parafrástica ou de propulsão, se polissêmica.

É, portanto, a relação língua(gem)/trabalho, seu modo de funcionamento entre dois pólos:

produtividade/criatividade e os efeitos que tal funcionamento produz no e pelo sujeito

falante/trabalhador que direcionam o material a ser lido e analisado no entremeio.

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A primeira parte deste projeto, intitulada Curriculum Vitae, justifica dizer que o analista do

discurso deste projeto foi convocado pelo material “selecionado” para compor o corpus

empírico, a seguir:

. Dois livros de redação:

1º. Correspondência Comercial (Pelo Processo da Assimilação) de Automar Oehlmeyer,

de 1963 (9ª. Edição). (1) (2)

2º. Redação Empresarial – Escrevendo com Sucesso na Era da Globalização, de Miriam

Gold, de 1999 (1ª. Edição).

A leitura desse material pedagógico, que veicula a “cultura empresarial”, visa a verificar a

os efeitos de sentidos que a língua(gem) corporativa produz sobre as relações de trabalho

em nossa sociedade capitalista, levando-se em conta o funcionamento da linguagem que

oscila entre paráfrase (produtividade) e polissemia (criatividade).

A Revista Língua Portuguesa, Ano I, Número 3, 2005, na seção Corporativo, no artigo “A

palavra que (des)emprega”, Luís Adonis Valente Correia, menciona algumas substituições

que vêm sendo feitas no linguajar administrativo : 1. o empregado passou a ser chamado

colaborador; o termo secretária deslizou do escritório para os lares, em vez de

empregadas domésticas , temos secretárias . Apesar dessas mudanças nas denominações,

as atribuições e o salário permanecem os mesmos.

(1) O exemplar utilizado de 1963 não informa sobre a 1ª. Edição. No entanto, há um volume desse mesmo livro, de 1946 (4ª. Ed.), na Coleção “Aída Costa”, da Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL- UNICAMP. (disponível em http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/aindaO.php). Contudo, segundo informação da Biblioteca, nesse volume consta o prefácio da 3ª. Edição, com data de 1944.

(2) O sebo “Estantevirtual” oferece diferentes edições desse livro de Oehlmeyer (inclusive uma de

1977)), assim como outros livros didáticos publicados por ele.

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Com humor, diz, Correia (consultor empresarial):

“Não acredito que eu venha a ler nos jornais: secretária cai com balde e vassoura quando limpava a janela. A não ser em caso de desvio de função muito grande. É possível até que eu visse no jornal um gráfico sobre quedas de janela, mas com certeza não seria de secretárias.”

As “novas” designações “colaborador”, “secretária”, “cliente” (aluno do SENAC passou a

ser chamado “cliente”) são pouco precisas, têm efeito apagador, eufemizante. Mas a

desigualdade permanece um fato que reclama sentidos. O quadro a seguir busca

compreender esse deslizamento, a partir da divisão do trabalho e das classes sociais em

uma Formação Social como a nossa:

Trabalho não intelectual X Trabalho intelectual (dos que executam) (dos que planejam) Classe subalterna Classe dominante

Empregado Colaborador

Empregada doméstica Secretária

Pode-se pensar nessa divisão social uma formação discursiva (1), a ser denominada como

Relações de Produção. Nessa formação discursiva, vinculada a uma formação ideológica,

encontra-se a nomeação das posições-sujeito relativas a essas relações de produção: ‘classe

subalterna’ x ‘classe dominante’. Atualmente, essa formação discursiva, no discurso

empresarial, atenua essa oposição valorativa do trabalho, de tal forma que, por exemplo, a

posição de doméstica passa a ser designada como “secretária do lar” e assim por diante.

Ora, a mudança na designação não produz uma re-significação nas relações de trabalho. Os

efeitos de sentido permanecem os mesmos.

(1) “A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito.” (op. cit. p . 43)

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Procedimento semelhante cunhou do termo “liberal”, pelo acréscimo do radical grego né-

os (novo), o neologismo “neoliberal” – uma denominação que atualiza a mesma ideologia

liberal. Palavras diferentes foram usadas para designar o mesmo.

Cabe ao analista pôr em conflito o já-dito (“empregada doméstica”) e o que se pretende

instituir (“secretária”) (ORLANDI, 2000 [1999]) para que não se tome, sem questionar, a

imagem que se busca produzir como se ela fosse real.

Mas uma proposta de polissemia, isto é, de múltip las possibilidades de leituras, depende

dessa verificação das paráfrases. Os termos globalização e nacionalização, por exemplo,

refletem sentidos de discursos já realizados, imaginados ou possíveis e é desse modo que a

história se faz presente na língua. (ORLANDI, 2000 [1999]).

Assim, nesta dissertação, que busca problematizar a leitura, a pergunta Como formar um

leitor crítico? determinará o dispositivo teórico e o analítico - as noções de língua(gem) e

trabalho e os processos de produtividade e de criatividade.

Essa outra forma de leitura que se fundamenta nos princípios e nos procedimentos da teoria

da Análise de Discurso será explicada com mais detalhes no capítulo 4: Trabalho de

Metodologia e do corpus.

Esperando ter conseguido justificar a relevância de experimentarmos uma nova prática de

leitura nos cursos técnicos, fundamentada na Análise de Discurso de Pêcheux, aguardamos

suas críticas e sugestões.

Atenciosamente,

Mestranda

P.S. Em virtude do objetivo desta carta - fazer a introdução de um Projeto de Dissertação, não foi possível escrevê-la de forma concisa como conviria a esse tipo de texto.

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4. Trabalho de teoria: A Análise do Discurso de Michel Pêcheux.

Este capítulo objetiva não só delimitar o quadro teórico que fundamentará a leitura

reflexiva dos dois livros de redação comercial/empresarial/oficial, como também salientar

na teoria da Análise de Discurso de Michel Pêcheux os principais conceitos que serão

utilizados como instrumento de análise no Capítulo 5 – Prática de Leitura Discursiva.

3.1. Da Lingüística à Análise do Discurso.

A curiosidade do homem pela linguagem só toma a forma de uma ciência, com

Ferdinand Saussure (1857-1913), o criador da Lingüística moderna. (ORLANDI, 2002)

A Lingüística como ciência resultou do gesto saussureano, o corte epistemológico

que cindiu a linguagem em língua e fala. De um lado, a língua como um sistema abstrato,

passível de análise, com sua organização e funcionamento. Do outro, a fala, não analisável

por ser desorganizada. A dicotomia saussureana separa o social do individual, o essencial

do acessório e acidental, determinando a língua como objeto da Lingüística, um objeto

homogêneo e, portanto, científico.

A teoria saussureana foi aplicada na análise e na descrição do funcionamento das

línguas, possibilitando a sistematização da Fonologia , da Morfologia e da Sintaxe. No

entanto, essa mesma teoria excluiu

qualquer aspecto que dissesse respeito à semântica, ao sujeito e à sua relação com a história. Em outras palavras, o que resultou do quadro teórico inicialmente formulado por Saussure é a análise e a descrição do funcionamento interno das línguas. Tal perspectiva tem na sua origem uma visão abstrata de língua, vinculada à prática social apenas enquanto instrumento de comunicação – a fala – como se as línguas fossem transparentes e os homens – livres das injunções históricas – delas se servissem a seu bel-prazer. (MARIANI, 1996, P. 14, grifos nossos)

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A exclusão da “semântica”, a primazia da concepção de língua “transparente” como

um “instrumento de comunicação” são questões cruciais pa ra a Análise do Discurso como

se pretende mostrar mais adiante.

Saussure estabelece o método estruturalista de investigação científica. A língua

passa a ser investigada por esse método, mas, ao longo dos anos, acaba gerando outras

teorias lingüísticas, outros pontos de vista sobre a língua(gem).

Para formular a Análise do Discurso, Michel Pêcheux teorizou sobre a situação

atual da Lingüística, nela identificando três tendências principais que se opõem, se

combinam e se subordinam umas às outras sob formas variáveis:

1ª. Tendência :

“A tendência formalista-logicista: as teorias “gerativas”. Nomes que podem ser citados: C.J. Fillmore, G. Lakoff & McCawley e o soviético S. K. Saumjan.” (PÊCHEUX, 1988, p. 21, grifos nossos)

Quanto à primeira tendência, fo rmalista-logicista, importa destacar a tentativa do

lingüista norte-americano, Noam Chomsky, de criar “uma nova teoria gramatical, marca do

tecnicismo e da cientificidade de uma formulação de matemática, sem recorrer à

semântica”. (KRISTEVA, 1969, p. 291-291, grifos nossos)

Nos Estados Unidos, o modelo estruturalista fez surgir, nos anos 50, a teoria

gerativa-transformacional de Chomsky, que toma a sintaxe como seu objeto de estudo.

Esse lingüista preocupa-se em descrever a competência do falante, “i.e., a sua capacidade

inata não só de produzir, como também de compreender todas as sentenças geradas em sua

língua materna. O desempenho, determinado por fatores extra-lingüísticos, não é tomado

como objeto de pesquisa.” (MARIANI, 1996, p. 14-15)

Embora tenha ampliado o campo de investigação da língua, Chomsky manteve a

concepção de língua homogênea de Saussure, um objeto científico, autônomo,

desvinculado do social e da significação. Essa teoria pressupõe um falante/ouvinte ideal e

uma fala homogênea, desvinculada da história.

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A concepção de língua dessa tendência é a da língua ideal, universal, lógica, sem

equívocos, sem ambigüidade, capaz de assegurar a unidade da comunicação humana.

Trata-se da língua metálica dos computadores.

2ª. Tendência:

“A tendência histórica. Desde o século XIX como lingüística histórica (F. Brunot, A. Meillet). Hoje teorias da variação e da mudança lingüística (geo-, etno-, sócio-lingüísticas). Nomes que podem ser citados: M. Cohen, V. Weinreich, W. Labov e B. Bernstein”. (op.cit.,p.21[grifos nossos])

Na segunda tendência, destaca-se o lingüista William Labov, que contesta o modelo

de Chomsky, introduzindo o componente social. Dessa forma, demonstra que “em uma

comunidade de fala há muitas formas lingüísticas em variação”. Assim, Labov entra em

confronto com a teoria do falante/ouvinte ideal e com a noção de língua homogênea.

“Pleiteia uma relação entre o uso que os falantes fazem de uma língua e a estrutura social

em que estão inseridos.” (INDURSKY, 1977, p. 9). Mas acaba se afastando desse

princípio, pois para que a sociolingüística pudesse ter estatuto de ciência deveria espelhar-

se no modelo das ciências exatas (física/química). Por essa razão, continua trabalhando

com a variável lingüística, mas no modelo quantitativo.

As teorias de Chomsky e de Labov, portanto, são tributárias da concepção de língua

homogênea e da pesquisa voltada para a invariância, que lhe conferem estatuto de ciência.

Nessa tendência, a língua é pensada como um produto social.

3ª. Tendência:

“Lingüística da fala” (ou da enunciação da “performance”, da “mensagem”, do texto, do “discurso”, etc.), em que se reativam certas preocupações da Retórica e da Poética, através da crítica do primado lingüístico da comunicação. Essa tendência desemboca em uma lingüística do estilo como desvio, transgressão, ruptura, etc., e sobre uma lingüística do diálogo como jogo de confrontação. Nomes que podem ser citados: R. Jakobson & E. Benveniste , O. Ducrot, R. Barthes, A. J. Greimas e J. Kristeva.” (op. cit., p. 21, grifos nossos)

No que se refere à terceira tendência, “Lingüística da Fala”, destaca-se,

primeiramente, o lingüista R. Jakobson, como membro do Círculo Lingüístico de Praga.

Considerando que a linguagem deve ser estudada em sua variedade, Jakobson amp lia o

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quadro das funções lingüísticas que até então abrangia apenas a referencial, a expressiva e a

conativa, acrescentando- lhe mais três: a fática, a metalingüística e a poética. Sobre a

inclusão surpreendente da Poética em sua teoria, Jakobson afirma: “...um lingüista surdo à

função poética da linguagem e um especialista de literatura indiferente aos problemas

lingüísticos e ignorante dos métodos lingüísticos são, um e outro, flagrantes anacronismos.”

(JAKOBSON, op. cit.,p. 162)

Em seguida, destaca-se o lingüista E. Benveniste.(1902-1976) que, em sua Teoria da

Enunciação, aponta para as marcas da subjetividade do homem na língua. Ao apropriar-se

das formas que a língua disponibiliza, o indivíduo pode assumir-se como locutor, dizendo

EU e pode dizer TU para seu interlocutor.

Cada locutor não pode se propor como sujeito sem implicar o outro, o parceiro que,

dotado da mesma língua, compartilha o mesmo repertório de formas, a mesma sintaxe de

enunciação e igual maneira de organizar o conteúdo. A partir da função lingüística, e em

virtude da polaridade EU:TU, indivíduo e sociedade não são mais termos contraditórios,

mas termos complementares. (BENVENISTE, 1995, p. 27)

Ao inserir em sua teoria o indivíduo EU e a sociedade TU, Benveniste resgata a

subjetividade nos estudos lingüísticos, relegada anteriormente à fala, e institui os Estudos

da Enunciação, isto é, o estudo dos elementos de natureza lingüístico-pragmática, que

ancoram a enunciação ao espaço (aqui) e ao tempo (agora) do sujeito que fala, isto é,

elementos que remetem a relações externas à língua e que o corte saussureano excluiu.

A teoria de Benveniste inova ao mostrar que o sujeito não só se constitui na

linguagem, como também se representa por meio dela.

Se para Saussure a língua exigia reconhecimento, para Benveniste a língua exige

interpretação. Ele considera a estrutura da língua como uma estrutura social, convencional,

que precisa de uma interpretação. É a interpretação que distingue o homem do animal.

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Dessa forma, Benveniste revoluciona os estudos lingüísticos ao introduzir essa dimensão

interpretativa da língua que ele chama de linguagem.

A teoria de enunciação de Benveniste, no entanto, não considera nem a questão da

ideologia, nem a do inconsciente. Sua concepção idealista de sujeito – “ser único, central,

origem e fonte do sentido” (BRANDÃO, p. 49) – centra-se na idéia de harmonia

conversacional, de troca entre o eu e o tu.

A concepção de língua ligada aos “sujeitos falantes” marca a contribuição dessas

novas vertentes nos estudos da linguagem. Elas buscam ultrapassar os limites impostos por

Saussure, consolidados na Lingüística Estrutural. Em outras palavras, a “Lingüística da

Fala” reativou “certas preocupações da Retórica e da Poética, através da crítica do primado

lingüístico da comunicação”. “Essa tendência desemboca em uma lingüística do estilo

como desvio, transgressão, ruptura, etc., e sobre uma lingüística do diálogo como jogo de

confrontação.”

É a partir dos anos 1960 que os estudos sobre linguagem passaram a enfocar

novos objetos de análise: o texto na Lingüística Textual (Escola Funcionalista de Praga) e

na Semiótica (A. J. Greimas) e o discurso na Análise do Discurso.

Entretanto, coube ao objeto discurso instaurar a tensão na Lingüística ao questionar

o corte epistemológico saussureano que cindiu a linguagem em língua/fala.

Ora, ao identificar essas três tendências da Lingüística atual, Pêcheux chama a

atenção para a contradição entre

sistema lingüístico (a “língua”) e determinações não-sistêmicas que, à margem do sistema, se opõem a ele e intervêm nele. Assim a “língua” como sistema se encontra contraditoriamente ligada, ao mesmo tempo, à “história” e aos “sujeitos falantes” e essa contradição molda atualmente as pesquisas lingüísticas sob diferentes formas, que constituem precisamente o objeto do que se chama a “semântica”. (o. cit., p. 22, grifos nossos)

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A Análise do Discurso, do ponto de vista de Pêcheux, não corresponde a uma quarta

tendência. O que esta disciplina de entremeio faz é justamente trabalhar nas fissuras

abertas pela contradição assinalada.

3.1.1. Semântica e Discurso

“Sous les pavés, la plage.” (1)

Michel Pêcheux (Tours,1938-Paris,l983), filósofo- lingüista, funda a Escola

Francesa de Análise do Discurso em fins da década de 60, período marcado pela

efervescência de contestação político-social e cultural.

O slogan em epígrafe não apenas condensa a memória constitutiva das condições de

produção da teoria de Pêcheux como também a metaforiza.

Em Maio de 1968, qua ndo barricadas foram levantadas nas ruas, sob o calçamento

antigo de Paris (sous les pavés) descobriu-se o leito de areia (la plage) sobre o qual os

paralelepípedos se assentavam. Acontecimentos como esse marcaram o sonho de romper

com uma conjuntura político-social e epistemológica. Nessa ocasião, Pêcheux propõe uma

nova forma de conhecimento em que o político e o simbólico se confrontam. Para fazer

trabalhar as contradições, ele interpela a Lingüística pela historicidade que ela apaga e

questiona a transparência da linguagem sobre a qual as Ciências Sociais se sustentam.

(ORLANDI, 2000: p. 16) Ao questionar a transparência da linguagem, Pêcheux critica o

fato de que essas ciências permanecem na ideologia que as funda. Não há ruptura.

Pêcheux propõe uma nova prática de leitura que busca ir além do que é dito, daquilo que

fica na superfície das evidências (les pavés). Convém ressaltar que a idéia de “sob” (sous

les pavés) não deve ser compreendida como algo oculto sob a materialidade. Os sentidos já

estão lá, na própria materialidade lingüística, nas pistas que ela apresenta. Realiza-se,

portanto, um processo de de-superficialização do material bruto, do corpus empírico.

Desconstrói-se um produto para tornar visível seu processo discursivo.

(1 )Disponível em http://fr.wikipedia.org/wiki/Mai_1968_(France)

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Slogans são polifônicos. “Sous les pavés, la plage”, um dos dizeres representativos

dos acontecimentos de Maio 68 na França foi criado por “soixante-buitards” (1). Esse

termo intraduzível engloba todos os indivíduos que participaram daqueles acontecimentos

ou que simpatizavam com seus ideais.

No que se refere à Análise do Discurso, no entanto, é possível nomear alguns dos

interlocutores fundamentais de Pêcheux, tais como Michel Plon, Paul Henry, G.

Canguilhen, L. Althusser, entre outros.

Para Pêcheux, a semântica é o ponto nodal em que a Lingüística se relaciona com a

Filosofia e com as Ciências Sociais. Assim, formula uma disciplina de entremeio que

articula a Lingüística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise, indo, no entanto, além da

relação entre essas três teorias, para instaurar o discurso como seu objeto de estudo,

investigação e análise.

Em maio de 1975, derrubando o mito romântico da criação e do autor – o “eu”

único que se exprime, Pêcheux, em sua obra Semântica e Discurso – Uma Crítica à

Afirmação do Óbvio paga tributo a seus interlocutores - filósofos, lingüistas - que

contribuíram para sua reflexão, discorrendo sobre o processo que percorreu para construir

uma semântica de base materialista.

Trata-se, na prática, de um longo percurso de interlocução e de elaboração que

começa na Lógica (Frege), passa pelo Materialismo histórico-dialético, pela

Fenomenologia de Husserl, pelas contribuições de Althusser, de Foucault e de Lacan,

resultando no quadro epistemológico da Análise do Discurso, que reúne três áreas do

conhecimento, atravessadas por uma teoria da subjetividade de natureza psicanalítica

(Lacaniana), a saber: a Lingüística, o Materialismo Histórico, a Teoria do Discurso.

(1) Disponível em http://fr.wikipedia.org/wiki/Mai_1968_(France)

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Nesse quadro que alia o lingüístico e o sócio-histórico, dois conceitos se destacam:

o de ideologia e o de discurso. O primeiro resulta do trabalho de Althusser sobre

“Aparelhos Ideológicos do Estado”; o segundo advém de Foucault, da “Arqueologia do

Saber”, do qual Pêcheux retira a expressão “formação discursiva”.

.

3.1.1.1. Ideologia: a evidência do sujeito e do sentido

“...perguntaríamos : a escola, quando ensina a ler, propicia ao aluno condições para que se produza a compreensão? Atinge o funcionamento ideológico da linguagem?” (ORLANDI, 1988, p. 74)

O subtítulo do livro Semântica e Discurso, Uma crítica à afirmação do óbvio,

justifica por que Pêcheux fundou uma semântica de base materialista. Seu objetivo é o de

explicitar o modo como os sentidos estão sendo produzidos. Para tanto, o primeiro passo é

de-superficializar a materialidade lingüísitca, buscando pistas e marcas, pois os sentidos

não são evidentes, “a evidência do sentido, na realidade, é um efeito ideológico, não nos

deixa perceber seu caráter material, a historicidade de sua construção.” (ORLANDI, 2000,

P. 45) Em outras palavras, o sentido não existe em si mesmo, ele é determinado pelas

posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico.

Althusser (1978) exemplifica esse aspecto ao apresentar as diferentes definições e

sentidos da categoria História, da Idade Média até Marx (1818-1883) :

1. Na Idade Média: a história seria feita por Deus e obedeceria às leis, ou seja, aos desígnios da Providência. Uma “explicação” de massa. 2. No século XVIII na França, a burguesia ainda não está no poder, ela é crítica e revolucionária e oferece a todos os homens (sem distinção de classe! aos burgueses e seus aliados, mas também a seus próprios explorados) uma explicação “iluminada” da história: a história é movida pela Razão e obedece às leis, isto é, aos desígnios da Verdade, da Razão e da Liberdade. Uma “explicação” de massa. 3. As circunstâncias na primeira metade do século XIX: a experiência das lutas de classe das revoluções na França (1789, 1830) e das primeiras lutas de classe proletárias, mais a Economia política inglesa, mais o Socialismo francês resultou na descoberta de Marx, o qual, pela primeira vez, abriu ao conhecimento científico o “Continente-História”: uma concepção materialista da História que se propõe explicar as formações das idéias a partir da práxis. (ALTHUSSER, 1978, p. 32)

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Vê-se que Althusser traz os fatos históricos, desde a Idade Média até Marx, para

poder compreender como a história se inscreve na linguagem, isto é, como e por que o

sentido de história foi-se alterando ao longo daquele período. O foco não está nos fatos

históricos, mas no modo como se inscrevem na linguagem, produzindo efeitos de sentidos.

Em sua análise, Althusser propõe este outro modo de compreensão do histórico.

Assim, Atlhusser esclareceu que a definição de história é uma construção e serve

aos interesses da classe social que a constrói. Daí seu caráter mutante. A palavra história

não é transparente. Seu sentido depende do lugar que ocupa e da função que exerce na

ideologia.

Os sentidos, portanto, não estão nas palavras. Eles se definem “não como algo em

si mas como “relação a” (Canguilhen, 1980)” – a relação entre língua e história.

(ORLANDI, 2000 [1999]), p. 25)

Para explicitar como são produzidos os sentidos é preciso “referir o dizer às

condições de produção: estabelecer as relações que ele mantém com sua memória e

também remetê- lo a uma formação discursiva.” (ORLANDI, 2000 [1999], p. 42)

Podemos trazer, aqui, a articulação entre formação discursiva e formação

ideológica, nas palavras de Pêcheux (1975):

Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. (PÊCHEUX, 1988, p. l60, grifos nossos)

Sujeito e sentido constituem-se simultaneamente Ambos são errantes. As palavras

“mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam”.

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Mais adiante, no mesmo capítulo, Pêcheux esclarece:

(...) vamos repetir – uma palavra, uma expressão ou uma proposição não tem um sentido que lhe seria “próprio”, vinculado a sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da mesma formação discursiva. (PÊCHEUX, 1988, p. 161)

Essas considerações sobre o fato de as palavras receberem seu sentido da formação

ideológica e da formação discursiva nas quais o sujeito se inscreve reiteram a não

transparência da linguagem e o caráter material dos sentidos.

Ainda sobre as evidências da transparência da linguagem, Pêcheux acrescenta:

Em suma, a evidência diz: as palavras têm um sentido porque têm um sentido, e os sujeitos são sujeitos porque são sujeitos : mas, sob essa evidência, há o absurdo de um círculo pelo qual a gente parece subir aos ares se puxando pelos próprios cabelos, ao modo do Barão de Münchhausen, personagem menos conhecida dos leitores franceses que M. de La Palice, mas que, também ele, e por um outro viés, bem que merece a Semântica. (PÊCHEUX, 1988, p. 31-32 [grifos nossos])

No que se refere à evidência do sujeito,

ou melhor, sua identidade (o fato de que “eu” sou “eu”), apaga o fato de que ela resulta de uma identificação: o sujeito se constitui por uma interpelação – que se dá ideologicamente pela sua inscrição em uma formação discursiva – que, em uma sociedade como a nossa, o produz sob a forma de sujeito de direito (jurídico). Esta forma-sujeito corresponde, historicamente, ao sujeito do capitalismo, ao mesmo tempo determinado por condições externas e autônomo (responsável pelo que diz), um sujeito de direitos e deveres. (ORLANDI, 2000, p. 45) [grifos nossos]

A forma-sujeito histórica refere-se ao sujeito afetado pela ideologia. É, portanto,

efeito de uma determinada estrutura social. Assim, o “sujeito de direito” não deve ser

entendido como um indivíduo, mas como um efeito contraditório da sociedade capitalista.

Ele é, ao mesmo tempo, “determinado” e “autônomo”.

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Para entender melhor esse sujeito e sua forma história, C. Haroche (1987) explica:

(...) a forma-sujeito religiosa, característica da Idade Média, representou uma forma-sujeito diferente da moderna forma-sujeito jurídico. Com a transformação das relações sociais, o sujeito teve de tornar-se seu próprio proprietário, dando surgimento ao sujeito-de-direito com sua vontade e responsabilidade.” (ORLANDI, 2000 [1999], p. 51)

O sujeito é uma função vazia que pode ser preenchida por várias posições. Esse

ponto foi mostrado no primeiro capítulo deste estudo Curriculum Vitae, cuja leitura

discursiva mostrou um sujeito-de-direito em diferentes posições: secretária, professora,

pedagoga... Por essa razão, não se pode falar em identidade porque não há unidade do

sujeito, há dispersão. Tal dispersão é decorrente das várias posições possíveis de serem

assumidas pelo sujeito no discurso. Trata-se, portanto, do sujeito da linguagem em sua

forma de existir socialmente. Ao ocupar uma determinada posição discursiva, o sujeito

enuncia de dentro de uma certa formação discursiva – matriz provisória de sentido - que

determina o que ele pode e deve dizer dentro de uma determinada conjuntura.

Por esse caminho reflexivo, este estudo busca, na opacidade da linguagem dos

textos que compõem o corpus empírico, compreender a evidência de que o sujeito do

capitalismo é um sujeito de direitos e deveres. E a posição de autoria que a secretária ocupa

está relacionada com essa evidência, pois é nessa posição que “sua relação com a

linguagem está mais sujeita ao controle social”. (ORLANDI, 1988, p. 78)

Quanto à indagação em epígrafe, ela nos remete para a problematização do tema

deste estudo: a formação de um leitor crítico.

3.1.1.2. Língua e Discurso

A Análise de Discurso questiona tanto a concepção de língua de Chomsky - uma

“atividade mental”, de um falante idealizado, em que o psiquismo individual constitui a

fonte da língua -, quanto a de Saussure - um objeto abstrato ideal, um sistema sincrônico

homogêneo que exclui a fala e a historicidade.

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A Análise do Discurso não trabalha com a língua como um sistema abstrato, mas

com a língua no mundo. Por isso, interpela a Lingüística pela historicidade que ela apaga e

as Ciências Sociais pela transparência da linguagem que as fundamenta. Considera a

relação estabelecida pela língua com os sujeitos que a falam e as situações em que se

produz seu dizer. Assim relaciona a linguagem à sua exterioridade. Tampouco se baseia no

esquema elementar de comunicação Emissor – Mensagem – Código – Referente –

Receptor.

A esse esquema simplista, Pêcheux contrapõe um mecanismo imaginário que

produz imagens dos sujeitos e do objeto do discurso, como esclarecem as perguntas

propostas por Orlandi (2000 [1999], p. 40) para a antecipação:

A imagem da posição sujeito leitor A imagem da posição sujeito interlocutor (Quem sou eu para lhe falar assim?) (Quem é ele para me falar assim, ou para que eu lhe fale assim?) A imagem do objeto discursivo (Do que eu estou lhe falando, do que ele me fala?) Tais posições discursivas são produzidas pelas Formações Imaginárias. (ORLANDI, 2000 [1999], grifos

nossos)

Essas representações imaginárias que os interlocutores fazem de sua própria

identidade, do interlocutor e do referente de seu discurso compõem um pré-construído: o

que já foi dito e o que já foi ouvido antes. A imagem que se tem de um empresário, de uma

secretária, de um professor, por exemplo, se constrói no confronto do simbólico com o

político em processos que ligam discurso a instituições.

Esse mecanismo imaginário complexo que antecipa a interlocução demonstra a

dificuldade de se obter um sentido único, transparente. Além disso, esse ritual é sujeito a

falhas como todos os rituais.

Substituindo-se no esquema elementar de comunicação “mensagem” por discurso ,

já definido anteriormente, pode-se compreender melhor a afirmativa de Pêcheux: a

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linguagem serve para comunicar e para não comunicar. (PÊCHEUX, 1988 [1975], p.93),

pois cada sujeito busca ajustar sua fala não só à imagem que ele faz do outro, mas também

à que supõe que o outro faça dele.

O conceito de discurso desloca a concepção de linguagem como instrumento de

comunicação de informações para a de linguagem como base para o confronto e a

diferença, a incompreensão.

Logo, a lingua(gem) não é estável nem transparente. Ela é heterogênea e capaz do

equívoco. Os sentidos não são evidentes. “As relações de linguagem são relações de

sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados.” (ORLANDI, 2000[1999], p.

21)

3.1.1.3. Leitura: sujeito/sentido.

Considerando a opacidade da linguagem, o analista não pergunta o que o texto quer

dizer? mas como o texto significa?

A primeira pergunta focaliza o autor, suas intenções e o texto, em sua linearidade e

em suas estruturas. Cabe ao leitor parafrasear o texto, uma vez que “tudo está dito no dito”.

A segunda pergunta problematiza as maneiras de ler parafrásticas descritas no

parágrafo anterior, propondo questões sobre as concepções de sujeito, sentido, história,

língua e ideologia, texto e discurso.

. Sujeito, sentido, história, língua e ideologia.

Para refletir sobre uma nova prática de leitura do texto, do mundo, é preciso

primeiramente indagar não só quem é o sujeito que lê, ou melhor, como o sujeito lê, mas,

principalmente, qual a concepção que se tem de sujeito O sujeito na Análise do Discurso

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não corresponde à visão humanista que coloca o homem como centro, como origem e fonte

do conhecimento. Tampouco corresponde à noção do cogito cartesiano.

Para a Análise do Discurso, o sujeito não é livre, nem autônomo. Ele é

determinado. Sua determinação assim se explica: pelo Materialismo Histórico, ele é

determinado histórica e economicamente porque faz parte de uma engrenagem

socioeconômica e está submetido a ela; pela Psicanálise, ele é determinado pelo

inconsciente que está nele, mas que ele não domina. Por isso, não controla tudo o que faz,

pensa ou diz. Essa concepção de sujeito descentrado resulta das feridas narcísicas infligidas

ao homem por Copérnico (1473-1543), por Darwin (1809-1882), por Freud (1856-1939),

durante o desenvolvimento do pensamento moderno.

Para a Análise de Discurso, o sujeito só pode vir a ser justamente por sua submissão

a uma matriz de sentidos (formações discursivas) de onde retira suas opiniões, suas ações,

seu próprio existir.

O sujeito é tecido durante sua produção discursiva na/pela linguagem. Portanto, ele

é um sujeito de linguagem. Mas esse sujeito só pode vir a ser ao ocupar um lugar, porque

ele é uma posição. Assim concebido, pode ocupar várias posições, o que explica a

heterogeneidade de sua fala. Por exemplo, o sujeito pode ocupar a posição de empresário,

de secretária, de professor, de pedagogo, de pai, de mãe, etc. Para compreender o que o

sujeito diz, isto é, para identificar seu discurso, torna-se necessário prestar atenção em

como o sujeito diz o que diz, isto é, que posição ele ocupa, de que lugar ele fala.

Além do exposto, o sujeito da Análise do Discurso é afetado por dois

esquecimentos, como esclarece Pêcheux:

Concordamos em chamar esquecimento no. 2 ao “esquecimento” pelo qual todo sujeito-falante “seleciona” no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e seqüências que nela se encontram em relação de paráfrase – um enunciado, forma ou seqüência, e não um outro, que, no entanto, está no campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada.

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Por outro lado, apelamos para a noção de “sistema inconsciente” para caracterizar um outro “esquecimento”, o esquecimento no. 1, que dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento no. 1 remetia, por uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que – como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em questão.(PÊCHEUX, 1988, p. 173)

Esse sujeito afetado por esses dois esquecimentos não consegue dizer tudo, nem

“fechar” o sentido, porque, na verdade, ele não tem o sentido, mas sofre efeitos de sentidos,

ou seja, é afetado pela circulação dos sentidos. Ao mesmo tempo, há manutenção e há

deslizamento do sentido. Isto ocorre porque a linguagem humana (ORLANDI, 2000) se dá

no movimento entre a paráfrase (o mesmo) e a polissemia (o diferente). Essa tensão da

linguagem entre o mesmo e o diferente é constituída pela história e constitutiva da história.

Foucault define história como um jogo de relações de força no todo social.

Foucault não está preso à idéia de luta de classes – um ponto de vista relevante para a

Análise do Discurso -, mas ao confronto entre posições de classes sociais diferentes:

mães/filhos adolescentes; marido/mulher; patrão/empregado; aluno/professor; portanto, não

há como partilhar os mesmos sentidos. Cada um fala de uma posição diferente. Daí ser

ilusória a idéia de uma concepção de língua como instrumento de comunicação

transparente. Da mesma forma, o consenso é ilusório, pois quando o sujeito concorda com

um ponto de vista, sua concordância se limita apenas a uma fração do que foi dito. Assim, a

tensão social de disputa pelo sentido se materializa discursivamente. Ainda aqui, mais uma

vez, é importante mencionar o conceito de historicidade. Por historicidade entende-se a

inscrição da história na linguagem. Nas palavras de Eni Orlandi: “Quando falamos em

historicidade, não pensamos a história refletida no texto mas tratamos da historicidade do

texto em sua materialidade. O que chamamos historicidade é o acontecimento do texto

como discurso, o trabalho dos sentidos nele.” (ORLANDI, 2000 [1999], p. 68)

A Análise do Discurso, como uma teoria do semântico, investiga os processos de

produção de sentidos.

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Na materialidade lingüística, isto é, no que é dito (intradiscurso) pode-se depreender

o não-dito (interdiscurso, o já-dito). Da relação entre dito/não-dito pode-se chegar ao

funcionamento ideológico e às formações discursivas que determinam aquele dizer.

3.1.1.4. Texto e Discurso

Importa, ainda, na investigação dos processos de produção de sentidos atentar para a

distinção teórica texto/discurso, apresentada com clareza, na citação a seguir:

Por texto, que se realiza como um conjunto de enunciados, compreende-se um objeto empírico, uma superfície lingüística com começo, meio e fim. No entanto, não se pode afirmar o mesmo a respeito do discurso, pois todo “discurso nasce de outro discurso e reenvia a outro. Por isso não se pode falar em um discurso, mas em estado de um processo discursivo. Esse estado deve ser compreendido como resultado de processos discursivos sedimentados, institucionalizados” (Orlandi, 1987:19) Um texto é um exe mplar do discurso, sendo que a recíproca não é verdadeira: o discurso tem sua materialidade marcada por uma dispersão de textos. Estamos nos referindo ao fato de que o discurso político, por exemplo, não se encontra apenas nos proferimentos de presidentes, deputados ou senadores. Suas características podem ser encontradas em conversas informais, músicas, notícias jornalísticas, etc. Há uma dispersão e uma penetração de aspectos do tipo discurso político em textos de origens variadas. (MARIANI, 1996, -. 22) [grifos nossos]

Os textos que circulam no campo discursivo empresarial abrangem diferentes tipos,

tais como: carta comercial, memorando, circular, relatório, avisos, e-mails, etc. A

comunicação interna e externa empresarial se vale de uma gama de ve ículos desde os mais

antigos como o correio e o telefone, como também mais modernos, como a internet

(incluída a intranet) mais a comunicação de massa por meio da mídia. No entanto, apesar

da crescente universalização do uso do e-mail, a comunicação externa das empresas

permanece no sistema tradicional, sendo feita via cartas comerciais, o que explica o fato de

os manuais de redação empresarial concentrarem-se nesse tipo de texto. (ZANOTTO, 2005:

p. 15)

O domínio discursivo empresarial deve, contudo, ser compreendido de maneira

ampla, isto é, não deve restringir-se aos textos que circulam nas/entre empresas. Os

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interesses ideológicos empresariais podem ser veiculados por outras vias, tais como jornais,

revistas, livros didáticos, canções, etc.

Sabendo-se que o discurso empresarial se encontra disperso nos textos, que

constituem o corpus desta dissertação, a análise partirá de sua materialidade lingüística, das

marcas nela inscritas para chegar ao funcionamento discursivo. Dessa forma, busca-se

compreender como o discurso empresarial produz sentidos sobre língua(gem) e sobre

trabalho.

Em outras palavras, o discurso empresarial não possui uma imanência que lhe seria

própria nem se encontra pronto, ou completo em algum lugar. Quando se fala de discurso

empresarial, isso resulta da análise de textos variados que o constituem, sob condições de

produção determinadas.

A teoria da Análise de Discurso de Michel Pêcheux abre para o analista “uma

perspectiva de trabalho em que a linguagem não se dá como evidência, oferece-se como

lugar de descoberta. Lugar do discurso”. (ORLANDI, 2000, p. 96)

A linguagem não se dá como evidência é ponto crucial neste estudo. Daí a

importância da verificação pelo analista de como a ideologia produz evidências, de como

faz parte da constituição do sujeito e dos sentidos, de como dissimula sua existência no

interior de seu próprio funcionamento.

Em suma, para que se possa refletir sobre esse efeito de evidência dos sujeitos e

também a dos sentidos, Pêcheux elaborou a Teoria da Análise do Discurso – uma teoria

não subjetivista da subjetividade. (ORLANDI, 2000[1999])

Discorrer, com propriedade, sobre a teoria da Análise de Discurso de Michel

Pêcheux seria um desafio quase impossível, não fosse a compreensão inequívoca de que o

objetivo dessa teoria ao propor “a intervenção materialista no domínio da ciência lingüística

não é o de fornecer resultados, mas o de abrir campos de questões” (PÊCHEUX, 1988, p.

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89/90), como a do ensino da leitura, ao mesmo tempo, uma questão lingüística, pedagógica

e social. (ORLANDI, 1999[1988], p. 35).

Daí indagar-se: como o slogan Sous les pavés, la plage e a foto (1) a seguir, tirada

na Gare de Lyon, Le 22 mai (1968) produzem sentidos? Ora, o slogan, a foto, a imagem, os

gestos são diferentes linguagens que aqui se articulam, fazendo trabalhar a compreensão do

leitor.

O enunciado cunhado por soixante-huitards diz: “Sob as calçadas, a praia”,

enquanto a enunciação pergunta: o que isso quer dizer? Foi preciso preencher esse slogan

com sua historicidade para que se pudesse compreender sua construção. Então, viu-se que

sob as palavras, outras palavras se dizem: as condições de produção da teoria de Michel

Pêcheux e sua própria teoria.

A foto, assim como o slogan, plenos de historicidade, de-superficializam a

materialidade concreta para descobrir o processo dicursivo. No entremeio da luta de, o

beijo e o abraço acolhedor, a mirada surpreendente da teoria de Michel Pêcheux, que

trabalha nas fissuras abertas pelas contradições.

(1) Revista Photo, Mensuel/No.12/Mai/1978. No. Special: Les inédits de Mai 68 (Cartier-Bresson, Gilles Caron, Dityvon Barbey)

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4. Trabalho de metodologia e do corpus: no entremeio.

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Para construir um dispositivo analítico “individualizado”, este projeto se sustenta no

dispositivo teórico de interpretação da Análise do Discurso de Michel Pêcheux, seus

princípios e procedimentos. Sabe-se que o analista não apenas descreve os objetos

simbólicos que compõem o material selecionado para análise, mas também os interpreta.

Daí a importância desse dispositivo teórico, cujo objetivo é mediar o movimento entre a

descrição e a interpretação feitas pelo analista.

O dispositivo analítico se define: 1. pela questão formulada pelo analista; 2. pela

natureza do material que analisa; 3. pela finalidade da análise. (ORLANDI, 2000 [1999])

1. A questão formulada pelo analista:

Neste projeto, a pergunta Como resolver a velha questão de formar um leitor

crítico, capaz de compreender o funcionamento da linguagem em termos discursivos, isto

é, quanto aos dois pólos que caracterizam os processos de produção de sentidos: o

parafrástico, que busca a manutenção dos sentidos, e o polissêmico, que re-significa

sentidos cristalizados justifica a representação do dispositivo analítico como um pêndulo ,

não só porque destaca os traços semânticos do verbo “funcionar”: “mover-se bem e com

regularidade; realizar os seus movimentos; trabalhar” (FERREIRA, p. 952) (V. diagrama na

página anterior), como também mostra o próprio processo de análise, um processo

constante de ir-e-vir.

Esse gráfico representa, ainda:

Movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual da palavra. Mesmo a das que não se dizem. De um lado, é na movência, na provisoriedade, que os sujeitos e os sentidos se estabelecem, de outro, eles se estabilizam, se cristalizam, permanecem.” (ORLANDI, 2000, [1999}, p. 10)

Tal configuração mostra o dinamismo da língua(gem), o movimento constante do

simbólico e da história. Oscilar representa a possibilidade de desestabilização e de

deslocamento entre os pólos produtividade/criatividade, isto é, entre o mesmo e o diferente.

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Daí a variação dos sentidos, a polissemia que caracteriza as palavras e a impossibilidade de

fixar-se apenas um sentido. O funcionamento da língua(gem) representa ainda o lugar

privilegiado das manifestações ideológicas, pois a história nela se inscreve. Althusser

(1978,p. 27) demonstrou como a desestabilização de um sentido serve aos interesses de

uma determinada classe social ao mostrar as diferentes definições de história, entre a Idade

Média e Marx. Convém ressaltar que “A linguagem só faz sentido porque se inscreve na

história”. (ORLANDI, 2000 [1999], p. 25) E a linguagem como lugar de descoberta –

lugar do discurso, do encontro entre língua e ideologia – encontra-se entre o que permanece

e o que muda.

Assim, esse gráfico faz pensar sobre “a repetição histórica, isto é, aquela que

desloca, a que permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito (...).”

(ORLANDI, 2000 [1999], p. 54) As linhas tracejadas indicam a possibilidade de

interpenetração, de ruptura.

Como contraponto, o gráfico a seguir representa o não deslocamento, a cristalização

de um sentido – ou vencedor, ou perdedor -, o que torna impossível o diferente, a ruptura, o

que explica as linhas contínuas, fechadas.

Hoje a ideologia do sucesso pretende estabilizar o pêndulo em um de seus extremos:

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Vencedor ______________ _______________ ______________ Perdedor

Que outros sentidos poderiam intermediar tal polarização? O Dicionário de

Sinônimos e Antônimos de Houaiss apresenta diferentes acepções para cada um desses

termos antagônicos. No entanto, não parece haver na língua uma gradação entre eles.

O filme Mauá – O Imperador e o Rei (1) narra a trajetória de vencedor e de

perdedor do Barão de Mauá, do ponto de vista empresarial. Então, é possível referir-se ao

Barão como vencedor e perdedor. Mas como precisar se ele foi mais vencedor ou mais

perdedor?

Dessa forma, para refletir sobre a polarização, sobre o fazer que estaciona, que só

repete, a produtividade que mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço

dizível e o fazer que cria, que faz intervir o diferente. (ORLANDI, 2000[1999] p. 36-38,

grifos nossos], nesta dissertação, adota-se a definição de língua(gem) como trabalho, isto é,

como forma de ação social. Essa concepção implica movimento para que haja

transformação.

Para fundamentar essa reflexão sobre a paráfrase (produtividade) e a polissemia

(criatividade), Orlandi (2000, p. 54) esclarece que há três formas de repetição:

a. a repetição empírica (mnemônica) que é a do efeito papagaio, só repete ; b. a repetição formal (técnica) que é um outro modo de dizer o mesmo; c. a repetição histórica, que é a que desloca, a que permite o movimento

porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos, trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido. (grifos nossos)

(1) O filme , produzido em 1999, dirigido por Sérgio Rezende, mostra a infância, o enriquecimento e a falência de Irineu Evangelista de Souza (1813-1889), o empreendedor mais conhecido como Barão de Mauá, considerado o primeiro grande empresário brasileiro .

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A repetição empírica e a formal (técnica) garantem a permanência de uma certa

representação, um certo sentido e produzem, portanto, efeito de homogeneização. A

repetição histórica, no entanto, produz movimentos que afetam o sujeito e os sentidos na

sua relação com a história e com a língua(gem). Irrompem assim sentidos diferentes.

(ORLANDI, 2000,[1999] p. 37)

Nessa relação de forças entre o mesmo e o diferente, percebe-se o fato de que

também na repetição pode haver diferença. (MARIANI, 1998, p. 34)

2. O material selecionado para análise se compõe de dois livros de redação:

Livro 1: de 1963, Correspondência Comercial pelo Processo da Assimilação, de Automar

Oehlmeyer, 9ª. Edição;

Livro 2: de 1999, Redação Empresarial – Escrevendo com Sucesso na Era da

Globalização, de Miriam Gold, 1ª. edição. Este livro foi adotado pelo SENAC no curso de

Redação Empresarial.

A distância entre a data da publicação desses dois livros faz com que o pêndulo se

desloque entre os anos 1960 e os anos 1999.

Justifica-se a escolha desses dois livros de redação comercial/empresarial tendo em

vista o objetivo deste estudo de enfocar o discurso empresarial via discurso pedagógico

para refletir sobre o mundo do trabalho e sua relação com a sala de aula de cursos

profissionalizantes. No entanto, reitera-se que o discurso empresarial pode ser encontrado

nos mais diferentes textos tais como: planos dos cursos técnicos do SENAC-Rio (Anexo

8.1), livros de auto-ajuda profissional bestseller : Como fazer amigos e influenciar pessoas,

de Dale Carnegie (1ª. Edição em 1937; em 1988, na 47ª. Edição); O Monge e o Executivo,

de James Hunter (1ª. Edição, 2004; hoje 19ª. Edição); canções: Le Blues du Businessman,

de Claude Dubois (Anexo 8.2); revistas especializadas: Negócios; jornais: Valor

Econômico; filmes: Mauá – O Imperador e o Rei. Como se vê, o discurso empresarial,

como os demais, apresenta sua materialidade marcada por uma dispersão de textos.

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O discurso pedagógico, como todo discurso, estabelece-se na relação com um discurso

anterior e aponta para outro. Não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo

discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes. (ORLANDI, 2000

[1999])

3. A finalidade da análise a ser feita pela leitura dos dois livros de redação reside em

refletir sobre como o discurso e o sujeito empresarial se materializam na língua (gem)

pedagógica no contexto do ano de 1963 e de 1999, era da informatização. Mais ainda:

pretende-se refletir sobre o trabalho redacional que se exigia de uma secretária em 1963 e o

que se exige atualmente assim como a relação existente entre seu trabalho lingüístico,

simbólico e o trabalho não-lingüístico. Além disso, pretende-se refletir sobre “a forma-

histórica do sujeito- leitor na atualidade, cujo perfil lingüístico-histórico se enquadra no

perfil ‘empresarial’ (um leitor de quantidade, de resumos, com fins estritamente

pragmáticos etc. que não ‘saboreia’ a leitura.” (ORLANDI, 1998)

Quanto ao procedimento analítico a ser adotado, este será dividido em dois

momentos :

No primeiro momento, denominado Prática de leitura discursiva, os dois livros

serão lidos e recortados tendo como critério não só a seleção de enunciados que apontem a

concepção de língua, de gramática, de leitura: sujeito e sentido dos autores, mas também

enunciados em que a normatização proposta pareça contraditória. Por esse caminho de de-

superficialização, pretende-se chegar às formações discursivas, representações no discurso

das formações ideológicas, que determinam o que pode e deve ser dito por esses autores.

Para desfazer a ilusão de que aquilo que está sendo dito só poderia ser daquela

maneira (esquecimento no. 2, da instância da enunciação), o analista, à medida que

descreve, vai também analisando, tendo como base para seus contrapontos a teoria da

Análise do Discurso. Nesse percurso, o analista, ao produzir outra leitura, vai-se

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mostrando em sua alteridade. (ORLANDI, 2000 [1999]). Para organizar esse primeiro

momento, elaborou-se o seguinte roteiro:

1. Prática de leitura discursiva (1º. Momento)

5.1. 1ª. Pista: as capas dos dois livros

Capa do livro 1 (Anexo 8.3)

Capa do livro 2 (Anexo 8.4)

5.2. 2ª. Pista: os títulos dos dois livros: a questão metodológica

Livro 1: Como é o “Processo da Assimilação”?

Livro 2: Como é escrever com sucesso na “Era da Globalização”?

5.3.Concepção de Língua

5.3.1.Automar Oehlmeyer

5.3.2.Miriam Gold

5.4.Concepção de Gramática

5.4.1. Automar Oehlmeyer

5.4.2. Miriam Gold

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5.5.Concepção de Leitura: sujeito e sentido

5.5.1. Automar Oehlmeyer

5.5.2. Miriam Gold

5.6. À guisa de conclusão

No segundo momento, tendo em vista a finalidade da análise dos dois manuais

(item 3) e o foco no funcionamento da linguagem em seu movimento oscilatório entre os

pólos da produtividade e da criatividade, de modo provisório, pretende-se concluir,

retomando o percurso feito nos 5 capítulos que compõem esta dissertação.

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5. Prática de leitura discursiva

O objetivo principal deste capítulo é ler discursivamente dois livros de redação

empresarial: o primeiro, de 1963, de Automa r Oehlmeyer, Correspondência Comercial

(Pelo Processo de Assimilação) – Livro 1; o segundo, de 1999, de Miriam Gold,

Redação Empresarial – Escrevendo com Sucesso na Era da Globalização – Livro 2. Ler

discursivamente significa fazer uma leitura que articule o lingüístico com o histórico. Por

essa forma de ler, busca-se compreender como o ensino de redação (o lingüístico, o

pedagógico), por meio desses manuais, articula -se com o processo produtivo (social) e

quais são as semelhanças e as diferenças entre esses livros no que se refere à produção de

sentidos sobre língua(gem) e trabalho, tendo em vista as condições de produção de cada

manual.

5.1. 1ª. Pista: As capas dos livros

A primeira pista para essa leitura vem da exterioridade mais próxima e mais

concreta: as capas das duas obras. Assim, no livro de Automar Oehlmeyer o título

“Correspondência comercial pelo processo da assimilação” aparece dentro de dois

retângulos sobrepostos, um amarelo e outro marrom, que se prendem por um clipe a um

fundo branco, repleto de envelopes verdes, de linhas pontilhadas, sinais de matemática e

um lápis. (Anexo 8.3)

A capa do livro de Miriam Gold (1999) (Anexo 8.4) mostra o topo de uma

escrivaninha de madeira escura. O título Redação Empresarial – Escrevendo com Sucesso

na Era da Globalização aparece escrito em um quadrado vermelho. Sobre a mesa de

trabalho há um texto impresso, uma caneta, um computador, o nome da autora e da

editora. Na contracapa, há um resumo da metodologia desenvolvida no livro, um mini-

currículo de Miriam Gold, e o site da editora <www.makron.com.br>.

Cada uma dessas capas resume com propriedade seu tempo (1963-1999), do lápis e

papel à tela do computador e representam um ponto de partida para que se chegue às

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condições de produção dos livros em análise: as Formações Imaginárias, as circunstâncias

da enunciação (contexto imediato) e o contexto sócio-histórico- ideológico.

A natureza verbal e não-verbal das capas traz em si uma memória importante. Em

Oehlmeyer, predominam as cores brasileiras, amarelo, verde e branco. Representam

aquele momento histórico ufanista dos anos Juscelino Kubitschek, pré-ditadura militar. Os

símbolos matemáticos caracterizam as transações comerciais. Os envelopes, a troca de

informações via correio- lesma. As linhas tracejadas, descontínuas, podem referir-se às

metas a serem seguidas. Em Gold, o não-verbal, o computador caracteriza o avanço

tecnológico de Bill Gates e seus efeitos: a comumicação ágil via internet, o correio

eletrônico, a negociação em rede, a influência norte-americana no mundo econômico-

empresarial. O vermelho, símbolo da vitória, do sucesso é uma das cores da bandeira dos

países que integram o G-8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,

Itália, Japão (os sete países mais industrializados) e Rússia). A data de publicação dos dois

exemplares amplia a noção de contexto. Entre o livro de Oehlmeyer, publicado em 1963 e

o de Gold, em 1999, há um intervalo de trinta e seis anos . Durante esse período, o

exemplar de 1963, utilizado neste estudo, em sua 9ª edição, tornou-se desatualizado e

passou a ser vendido em sebos. Já o editado pela Makron Books, em 1999, em 1ª edição,

hoje está na 3ª, mas passou a ser publicado pela Pearson/Prentice Hall. Atualmente, é

adotado no Curso de Redação Empresarial do SENAC. O livro de Oehlmeyer evoca os

efeitos produzidos pela Era JK (1956-1960), cujo lema “50 anos em 5” resumia o Plano de

Metas daquele governo: a construção de Brasília. Também contribuíram para o ufanismo

daquela época, além da mudança da capital federal, o esporte (o futebol, a Copa de 1958,

por exemplo), a cultura que em busca de originalidade produziu a bossa nova, o Cinema

Novo, a poesia concreta. No entanto, esse nacionalismo soava contraditório: grande

desenvolvimento econômico baseado em investimentos externos e no apoio às

multinacionais, com o suporte das Forças Armadas e com o aval do FMI, que iniciava sua

participação na vida brasileira.

Ainda considerando como as condições sócio-histórico- ideológicas determinam a

concepção de língua(gem), trabalho, ensino profissionalizante, leitura/escrita e posição

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sujeito de empresa nesses livros em estudo, verifica-se que o processo produtivo que

caracterizou os anos 1963 é constitutivo das condições de produção não só do manual de

Oehlmeyer como também do de Gold nos anos 1999. Há uma continuidade daquele

processo produtivo da Era de Juscelino à Era da Globalização de Fernando Henrique em

1999.

De acordo com o momento atual, Gold propõe a modernização da escrita

empresarial e da oficial. Ao ler o livro de Gold, busca-se observar se ela retoma um já-dito

por Oehlmeyer, seja para ratificá- lo, seja para re-significá- lo, em alguma medida.

É com esse enfoque que se pretende analisar os dois livros, nesse movimento

pendular que busca compreender o funcionamento da linguagem em seus dois pólos, mas

sem se deter em nenhum deles, pois é no entremeio que a análise de discurso de Pêcheux se

inscreve. É também nesse movimento, indo lá e cá, que se sugere, no entremeio, a

elaboração de um projeto de leitura para alunos de cursos profissionalizantes.

Convém, ainda, detalhar alguns acontecimentos de peso que marcaram a história

geral e do Brasil na época em que os dois livros foram produzidos. Eis a memória:

1956-1960: era Juscelino Kubitschek, os “Anos Dourados”; 1960: inauguração de

Brasília; 1961: a divisão ideológica do mundo, concretamente representada na metáfora do

Muro de Berlim; 1961: em janeiro, Jânio Quadros assume a presidência; em agosto,

renuncia ; 1963: 9ª. Edição do livro de Automar Oehlmeyer; 1964: João Goulart que

havia substituído Jânio é afastado; os militares assumem o governo; 1968 (Maio): o

movimento estudantil na França repercute em vários países com o lema “A imaginação no

poder”; anos 1970: a revolução tecnológica nos países capitalistas desenvolvidos e os

saltos de produtividade pelo uso da informática; 1983: o Movimento das Diretas Já, a Nova

República e a velha inflação no governo de José Sarney; 1989: a unificação das duas

Alemanhas; 1989: primeira eleição direta para presidente desde 1960; 1989: a posse de

Fernando Collor de Mello; 1991: o impeachment de Fernando Collor de Mello; 1991: o

governo do vice Itamar Franco e o Plano Real; 1991: a extinção da URSS e a virada rumo

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ao capitalismo; 1994: o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso; 1998: 2º.

mandato de Fernando Henrique e a entrada do Brasil na era da globalização; 1999 – 1a.

edição do livro Escrevendo com Sucesso na Era da Globalização.

5.2. 2ª. Pista: Os títulos dos dois livros: a questão metodológica

Assim como o título do livro de Automar deixa uma questão para ser rastreada no

momento da análise – como é o “Processo da Assimilação”, o título do livro de Gold

também deixa em suspenso uma indagação: como é que se escreve “com sucesso na Era da

Globalização”?

Considerando a historicidade, entendida não como seqüência cronológica, mas

como disputa de sentidos determinada por relações de poder, o termo globalização se torna

ambíguo. Jobim (2002) esclarece:

Do nosso ponto de vista, julgamos importante assinalar que, sob o rótulo globalização, abriga-se com freqüência a pretensão à eliminação pura e simples das considerações sobre possíveis especificidades regionais e locais, em nome de uma suposta homogeneidade genérica. Mas esta homogeneidade, que se alega constatar na realidade, é, entre outras coisas, uma construção discursiva . Em outras palavras, longe de ser algo que já exista e sobre o que se declara alguma coisa, a homogeneidade é algo que se constrói. (JOBIM, 2002, p. 37-38) [grifos nossos]

Sendo a homogeneidade algo que se constrói, importa refletir sobre como se dá essa

construção no que se refere ao sentido da palavra globalização.

Assim, o termo “globalização” da maneira como vem sendo empregado produz os

seguintes efeitos de sentido: “integração”, “relações harmônicas”, “cooperação”, “cidadão

do universo”, valores bem aceitos em nossa sociedade: o ideal de coexistência pacífica

entre nações. Tais acepções, no entanto, apenas cons ideram uma parte do significado do

termo “globalização”, apagando as condições materiais de produção do sentido desse

termo, como definido no Dicionário Aurélio, (FERREIRA,1999: 991): “Integrar, no caso

da globalização, se refere à integração das economias no que toca à produção de

mercadorias e serviços, aos mercados financeiros e à difusão de informações.” Daí a

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exigência crescente de novas tecnologias de comunicação. A informação é mercadoria. A

definição parcial do termo “globalização” apaga a competição exacerbada que caracteriza a

globalização econômica. O sentido de globalização, portanto, não está dado na palavra em

si. Ele é determinado pelas posições que estão em jogo no processo sócio-histórico. O

sentido de globalização para as nações que integram o G-8 é um; para os países pobres e

endividados, é outro.

Refletindo sobre o título dos dois livros, chama a atenção que o termo

correspondência comercial utilizado por Oehlmeyer (1963) foi substituído por redação

empresarial (Gold, 1999). Por “correspondência”, do verbo corresponder-se, entende-se o

intercâmbio de cartas, comunicados, circulares etc; por redação empresarial, do verbo

redigir, compreende-se não só a escrita de cartas etc., mas também de outros tipos de texto

que circulam no meio corporativo, como material promocional, campanhas de marketing

etc. “Grandes empresas usam crônicas e histórias em suas revistas, boletins, sites e

publicações, criando assim um forte elemento de fidelização de leitores.” (1) Pode-se

pensar, então, que “redação” engloba o campo da correspondência, indo além do

intercâmbio de cartas. O adjetivo “empresarial” (relativo à empresa ou empresário) produz

efeito de sentido de modernidade, efeito esse que se reforça pelo sub-título do livro de

Gold: “Escrevendo com Sucesso na Era da Globalização”. Essa mudança de

correspondência comercial para redação empresarial pode ser compreendida levando-se em

conta as condições de produção da cada um desses manuais. Contudo, a função da

linguagem ensinada nos dois manuais permanece a mesma: informar e persuadir.

Assim, pensar os sentidos é levar em conta que há uma historicidade inscrita na

linguagem que não permite pensar na existência de um sentido literal, já posto, e nem

mesmo, que o sentido possa ser qualquer um, já que toda interpretação é regida pelas

condições de produção.

(1) Disponível em www.mariopersona.com.br/cronicas.html

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Por isso, na transição 1956-1999, não são os fatos em sua ordem cronológica que

chamam a atenção do analista, mas as relações de poder ali presentes. Dessa disputa pelo

poder surge um discurso hegemônico que, para ser hegemônico, precisa calar os demais.

A disputa pelo poder, a disputa econô mica repercute na teoria pedagógico-

tecnicista que, por sua vez, repercute no ensino de redação empresarial, pois invoca os

mesmos princípios da racionalidade, da eficiência e da produtividade. Daí a insistência em

normatizar.

Assim, pretende-se verificar como todo esse confronto se materializa na

língua(gem), pois é com a lingua(gem) que se produzem discursos, isto é, mecanismos de

manutenção do poder adquirido.

O recorte feito no titulo dos dois livros remete para a dimensão metodológica

utilizada pelos autores. Dessa forma, pretende-se compreender o discurso empresarial via

discurso pedagógico-tecnicista, pela leitura discursiva dos livros de redação de Automar

Oehlmeyer (1963) e de Miriam Gold (1999) “Essa nova prática de leitura, que é a

discursiva, consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o

que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito naquilo que é

dito, como uma presença de uma ausência necessária”. (ORLANDI, 2000 [1999], p.34)

Para prosseguir com a “Prática de Le itura Discursiva”, parte-se do destaque dado

nos títulos dos dois livros à metodologia a ser empregada pelos autores para ensinar

redação comercial/empresarial/oficial. Ao elaborar seu método de ensino, tanto Automar

quanto Miriam, fundamentaram-se em concepções de língua, de gramática, de leitura, de

sujeito e de sentido dominantes na época da publicação de seus livros (1963/1999). São

essas concepções que se buscam nos recortes a seguir.

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5.3. Concepção de língua.

5.3.1. Automar Oehlmeyer e Carlos Drummond de Andrade

Aula de Português

A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender. A linguagem na superfície estrelada das letras, sabe lá o que ela quer dizer? Professor Carlos Góis , ele é quem sabe, e vai demonstrando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me. Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima.

O português são dois: o outro, mistério

( Carlos Drummond de Andrade, grifos nossos)

Os recortes a seguir buscam compreender de que maneira Automar e Drummond

concebem a língua.

Recorte 1: Do “Prefácio à nona edição” (OEHLMEYER, 1963, p. 11):

“Esta edição, (...), foi revista de ponta a ponta e acrescida de cinco modelos de cartas. Malgrado aos acréscimos e modificações que introduzimos, nada padeceu o livro em sua orientação didática – O PROCESSO DA ASSIMILAÇÃO, por via da sinonímia, o qual nos inspirou o eminente e saudoso Professor Carlos Góis, em seu Método de Redação. Os modelos estão dispostos em ordem de dificuldade crescente, indo dos mais simples e concisos aos mais cerimoniosos e complexos., de modo que o estudante, na prática dos exercícios , vai salvando, insensivelmente, os obstáculos da redação. E, pelo que diz respeito aos comentários de gramática, adotamos o mesmo critério. Em seguida, a “Pronomes de Tratamento”, deixamos uma sugestão sobre a introdução do tratamento VÓS na correspondência comercial. “ (op. cit.,grifos nossos)

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Recorte 2: Automar define o que é sumariar uma carta (op.cit.,p.249, grifos nossos):

“...é condensá-la, isto é, reduzi-la a seus tópicos essenciais , a fim que o destinatário ou responsável pela correspondência, se inteire do seu conteúdo , dispensando-lhe a leitura ”. Recorte 3: “Expressões mais correntes na linguagem comercial” (op. cit . p. 297-302, grifos

nossos, Anexo 8.5)

Segue m alguns exemplos dessas expressões:

1. Abertura da carta:

Dou em meu poder seu prezado favor

Acuso o recebimento de Chegou-me De posse de Dou em minhas mãos Em meu poder seu atencioso carta Em minhas mãos seu estimado favor Em posse de seu prezado missiva Encontra -se em meu poder obséquio Está em meu poder Está em minhas mãos Estou de posse de Estou em posse de Recebi (180 combinações) 2. Corpo da carta (conectivos e frases feitas). Exemplos:

À falta de

Na falta de, em falta de, por falta de, à míngua de, na ausência de, em vez de, em lugar de, em substituição de, em substuição a.

(...) Ocasião oportuna Momento /ocasião favorável/oportuno/propício/mais favorável/mais oportuno/mais propício Melhor momento Melhor ocasião Melhor oportunidade

(12 combinações)

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3. Fecho da carta

Com elevada estima subscrevo-me

Com subido apreço assino-me Com real consideração declaro -me Com elevado estima firmo -me professo-me subscrevo-me

(45 combinações)

A leitura dos três recortes, considerando o Processo da Assimilação proposto para

que se compreenda a concepção de língua do autor, destaca as seguintes marcas: o método

de redação de Góis é a única referência bibliográfica apresentada no prefácio; o mesmo

professor é mencionado no poema de Drummond em epígrafe. Contudo, Automar qualifica

o Professor como “eminente” e “saudoso”. O poeta também destaca Carlos Góis, pois se

refere a ele dizendo: “Ele é quem sabe, e vai demonstrando...figuras de gramática,

esquipáticas...” Ora o termo “esquipáticas”, segundo o Novo Aurélio, um cruzamento de

esquisito com antipático, aponta para a dificuldade do eu poético em utilizar tais figuras

gramaticais. Esse professor faz parte da memória, de um já-dito, que retorna, inspirando,

de modo diverso, o poema e o manual de Automar. Quanto à biografia de Oehlmeyer,

nenhum dado é fornecido.

Compreende-se, também, que tanto a prática escrita, por meio de “modelos”,

quanto a “orientação gramatical” desse autor partem do mais fácil para o mais difícil.

Dessa forma o correspondente pode vencer ”os obstáculos da redação insensivelmente”.

Tais obstáculos serão mostrados quando for abordada a concepção de gramática. Quanto ao

advérbio “insensivelmente”, embora se refira ao modo como o aluno aprende – pouco a

pouco, suavemente –, no Recorte 1, ele funciona como um intensificador da eficácia do

Processo da Assimilação. Caracteriza, também, tal processo, que percorre a “via da

sinonímia”, ou seja, a substituição de uma palavra por outra de significado semelhante,

uma prática escrita pela repetição de modelos de textos comerciais/oficiais e uma

orientação gramatical, a partir dos comentários do autor.

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A sugestão do emprego do tratamento “vós” na correspondência comercial aponta

para o uso da linguagem formal, na variedade padrão da língua portuguesa de Portugal – o

português-português.

Assim, pelo Processo da Assimilação, Oehlmeyer sistematiza o uso da língua a ser

empregada no texto comercial/oficial.

Observa-se que para Oehlmeyer, a compreensão desse tipo de texto pelo

destinatário depende consideravelmente do remetente, apesar de Oehlmeyer dizer que o

“destinatário” é o “responsável pela correspondência”. O que está em jogo no que diz o

autor, portanto, é o ato individual do remetente – reduzir a carta a seus “tópicos essenciais”

-, e o do destinatário – inteirar-se do seu conteúdo. Cada um faz a sua parte. Configuram-

se, portanto, um remetente e um destinatário e não interlocutores.

As marcas do Recorte 2 apontam para a concepção instrumental de linguagem, pois

o processo comunicativo se faz entre um correspondente que manda uma mensagem,

“tópicos essenciais”, para um destinatário passivo. Se o texto estiver claro, conciso, o

destinatário irá “dispensar- lhe a leitura”.

Oehlmeyer enfatiza a função referencial, isto é, as informações a serem

transmitidas, concebendo a língua como veículo da mensagem que, para ser decodificada,

sem ruídos, pressupõe uma escrita clara e concisa. Desse modo, estabelece uma relação

entre a existência de um pensar bem e um escrever bem.

As “Expressões mais correntes na linguagem comercial” apresentam frases prontas,

uma listagem de fórmulas para iniciar-se uma correspondência, conectivos para serem

usados no corpo da carta e chavões para finalizá-la. O autor destaca que com essas

diferentes fórmulas o correspondente poderá produzir muitas combinações com o mesmo

sentido.

Essas fórmulas estão regidas pelo princípio da produtividade, pois reiteram a ênfase

em uma prática repetitiva que não considera a opacidade da língua, especialmente no que

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se refere aos conectivos listados, cujo emprego adequado depende da compreensão de

como as idéias se inter-relacionam. O sentido de uma carta se constrói na relação abertura,

corpo, fecho da carta. O sentido é sempre em “relação a...”.

Da concepção de língua do autor, decorrem as seguintes regularidades em seu

Processo da Assimilação: visão instrumental de língua – veículo da expressão do

pensamento, de informações; linguagem formal, padrão; língua transparente; sentido literal;

exclusão do “outro” e da exterioridade; predomínio da repetição; homogeneização – a que

repete o que o remetente diz.

Essas regularidades possibilitam a seguinte formulação:

Língua veículo Língua transparente Língua sistematizada Língua única Língua Portuguesa Língua Padrão Língua-mãe Língua homogênea Língua reprodutora Língua parafrástica Língua imaginária Essa análise sobre a concepção de língua será aprofundada mais adiante quando se

tratar da normatização gramatical proposta por Oehlmeyer, pois as concepções de língua e

de gramática estão imbricadas uma na outra.

Para concluir, retoma-se o poema em epígrafe e o esclarecimento de Eni Orlandi

(ORLANDI, 2002, p. 22) que propõe a distinção entre língua imaginária e língua fluida: “A

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língua imaginária é a que os analistas fixam com suas sistematizações e a língua fluida é a

que não se deixa imobilizar nas redes de sistemas e fórmulas.” Em outras palavras, nas de

Drummond: “O português são dois: o outro, mistério”. O português de Carlos Góis, de

Automar: a língua imaginária; a de poeta: a língua fluida.

5.3.2. Miriam Gold e Carlos Drummond de Andrade

O LUTADOR Lutar com palavras é a luta mais vã. Enquanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem sevícia que as traga de novo ao centro da praça. Insisto, solerte. Busco persuadi-las. Ser-lhes-ei escravo de rara humildade. Guardarei sigilo de nosso comércio. Na voz, nenhum travo de zanga ou desgosto. Sem me ouvir deslizam, perpassam levíssimas e viram-me o rosto. Lutar com palavras parece sem fruto. Não têm carne e sangue... Entretanto, luto. (fragmento) In: Reunião, p. 67

(Carlos Drummond de Andrade, apud GOLD, 1999, p. 85, grifos nossos)

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Constatou-se em Automar (1963) uma concepção instrumental de língua. Quanto à

sua fundamentação teórica, a única referência é ao método de redação do Professor Carlos

Góis. No entanto, a bibliografia de Go ld (Anexo 8.10) inclui gramáticos e lingüistas,

dentre outros, Rocha Lima (Gramática Normativa), Noam Chomsky (Gramática Gerativa),

M.A.K. Halliday (Lingüística Textual), Roman Jakobson (da Teoria da Comunicação:

ampliou o estudo das funções da linguagem, incluindo a Poética em sua teoria); Piaget

(inscrito em Teoria Cognitiva).

Seguem alguns recortes para análise da concepção de língua no livro de Gold:

Recorte 4 : “As características do moderno texto empresarial”:

a) concisão, b) objetividade, c) clareza, d) coerência, e) linguagem formal , f) linguagem simples (não confundir com pobreza de expressão) g) correção gramatical .

(op. cit., p. 7, grifos nossos)

Recorte 5:

“A correspondência empresarial é, hoje em dia, não só um meio de comunicação. Ela é um instrumento de marketing , pois se insere na realidade de um mercado competitivo em que todas as nuanças de comportamento adquirem sentido: a comunicação empresarial é a responsável pela imagem da organização perante seu público, interno ou externo. “ “As mudanças mais importantes nos documentos empresariais das empresas privadas relacionam-se ao estilo da linguagem e à disposição dos elementos , conforme o quadro a seguir:

DÉCADA DE 60 DÉCADA DE 90 Estilo PROLIXO – uso e abuso de vocabulário OBJETIVO – apresentação das mais sofisticado, clichês, subterfúgios. informações necessárias com clareza. Disposição DENTEADO – com espaços na margem BLOCO – uma única margem dos esquerda e na abertura de parágrafos. vertical do lado esquerdo. Elementos (op. cit.,p. 89, grifos nossos)

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Recorte 6: “Características da concisão”.

“A concisão é uma qualidade que recomenda a expressão do pensamento em poucas palavras, evitando-se o acúmulo que visava impressionar o leitor com a “sabedoria” expressa pelo vocabulário prolixo. No tempo dos e-mails e na era do silício, quando a quantidade de informações sobrecarrega o circuito da compreensão de idéias, o que se deseja no texto empresarial é que o seu leitor se sinta convencido pelas palavras e não enfadado e desmotivados com o desperdício de tempo. A concisão, portanto, implica o uso de palavras impregnadas de sentido e da aplicação de técnicas de redução.” (op. cit., p. 52, grifos nossos) Recorte 7: “Na retórica moderna, são características da concisão: . Maximizar a informação com um mínimo de palavras Exemplo: Esta tem o objetivo de comunicar – Comunicamos . Eliminar os clichês Exemplo : Nada mais havendo a declarar, subscrevemo -nos – Atenciosamente . Cortar redundâncias Exemplo: Em resposta ao Ofício enviado por V. As. – Em resposta a seu ofício. . Retirar idéias excessivas” . (op. cit. p.52, grifos nossos)

Recorte 8: “Características da coerência – a coesão”: “A coerência é importante também na construção das frases e nos elos de significado entre uma idéia e outra. [...] Há várias palavras que podem ser usadas para enriquecer o seu texto, estabelecendo uma relação mais evidente entre as idéias. Essas palavras, denominadas “conectivos”, contribuem também para a força persuasiva da mensagem, clarificando os vínculos de sentido. [...] Tabela dos principais conectivos e seus significados (Anexo 8.6 ) [...] Outra noção igualmente imp ortante para a coerência é a seqüência das idéias na organização do texto como um todo.”(op. cit. p. 80-82, grifos nossos) Recorte 9: “Deve-se escrever em linguagem simples, ou seja, deve-se usar vocabulário simples, embora formal: vocabulário básico, palavras simples (registro culto informal) e adequadas à situação, frases curtas e simples”. (op.cit., p. 68, grifos nossos) Recorte 10:

“A linguagem formal evita as variações de dialetos e de registros, que apontam para a diversidade e distinguem socialmente, e que podem, de alguma forma, interferir na formação da imagem da empresa.” (op. cit. p. 9, grifos nossos)

Recorte 11:

“ A linguagem deve ser formal sem ser rebuscada, pois “as comunicações que partem dos órgãos públicos federais devem ser compree ndidas por todo e qualquer cidadão brasileiro” (Manual de Redação da Presidência da República). . A finalidade é informar com o máximo de clareza e precisão , utilizando-se o padrão culto da língua .” (op. cit. p. 103) [grifos nossos)

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Recorte 12:

“O rebuscamento deve ser necessariamente suprimido em nome de um contexto mercadológico que exige uma informação de mais rápido entendimento e maior agilidade de resposta.” (op. cit. p.16)

A eficácia que Oehlmeyer buscava na transmissão ao destinatário dos “tópicos

essenciais” salientava a importância da mensagem no processo de comunicação. Gold, por

sua vez, chama a atenção para a mudança da década de 60 para a de 90 no estilo e na

apresentação do texto empresarial. É preciso garantir a compreensão das informações, mas

de uma forma tal que além de informar, ao mesmo tempo, se promova a imagem da

empresa. Assim, amplia-se a função da mensagem: não só informar, mas também formar

uma imagem convincente. Na era da globalização, que produz um mercado extremamente

competitivo, destacar-se é vital.

Para tanto, há que se escrever e digitar em estilo diferente dos anos 1963 para que a

correspondência empresarial se torne instrumento de informação e de marketing. Essa

mudança para um estilo de escrita mais objetivo e em bloco vem da influência da língua

inglesa e dos modelos americanos. Ao agregar ao texto a função de marketing, a concepção

de língua também se expande. Surge, então: língua como instrumento de comunicação de

informações e ‘de persuasão’.

No que se refere ao estilo, à concisão, ‘uma qualidade que recomenda a

expressão do pensamento em poucas palavras ’, tornou-se, em Gold, mais rigorosa do

que em Oehlmeyer, por força das novas tecnologias de informação. O texto em Automar é

hoje considerado prolixo. No entanto, mais que dizer em poucas palavras, o recurso da

concisão busca, ainda, não só produzir a compreensão imediata das idéias, conforme o

sentido pretendido pelo emissor, mas também, produzir “o convencimento e a motivação”

do receptor.

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Essa mudança prolixo/conciso (Oehlmeyer/Gold) representa um efeito determinado

pelas mudanças sociais, econômicas e políticas resultantes do “tempo dos e-mails” e da

“era do silício”. (V. Recorte 6) Tempo é dinheiro.

Oehlmeyer ensinava ao correspondente a sumariar cartas por meio de modelos.

Gold, por sua vez, em virtude da “retórica moderna empresarial” privilegia as técnicas

de redução, embora também apresente modelos. As técnicas pretendem direcionar o

pensamento para que a escrita não produza mal-entendidos. No Recorte 6, pode-se reler

os verbos de ação destacados na seguinte gradação: cortar, retirar, eliminar, maximizar a

informação pela economia das palavras = concisão.

Duas observações parecem oportunas quanto à concisão, quanto às técnicas de

redução e quanto à compreensão imediata. A primeira, a de que “os sentidos não estão só

nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade , nas condições em que eles

são produzidos.” (ORLANDI, 2000 [1999], p. 30, grifos nossos)

A segunda, também a partir do que diz Orlandi, refere-se “à produção de um perfil

de leitor ‘ideal’, que é o leitor ‘empresarial”, o que domina a quantidade, e que tem uma

leitura linear, superficial, de ‘aparência’, pragmático, que não ‘saboreia’ a leitura”

(ORLANDI(org.), 1988, p. 23, grifos nossos). Eis um efeito no leitor resultante dessa

escrita empresarial.

Viu-se que Oehlmeyer apenas listou as “Expressões mais correntes na linguagem

comercial”, sem discorrer sobre seus significados. Dentre essas expressões, destacam-se

os conectivos que podem ser usados para desenvolver e fechar a introdução de uma carta.

Gold, no entanto, apresenta uma “Tabela dos principais conectivos e seus significados”

Mais que isso, Gold destaca o uso dos “conectivos” como “recursos persuasivos e

clarificadores dos vínculos de sentido”.

À noção de coerência, Gold acrescenta a de coesão textual. Coerente com a teoria

da Lingüística Textual (anos 1970) que participa do embasamento de seu livro, Gold,

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visando à compreensão imediata da mensage m, destaca a necessidade de uma escrita

coerente e coesa. A repetição do que se diz, isto é, a retomada de uma idéia já apresentada e

sua ligação com a informação nova faz o texto avançar. Ou seja, coerência e coesão são

mecanismos de repetição, fazem parte do funcionamento da própria língua.

Percebe-se que a luta de Gold tem como meta produzir um método que possibilite

ao emissor repassar para o emissor, sem equívocos, a mensagem que ele tem em mente.

Ainda refletindo sobre a importância da compreensão imediata da mensagem,

verifica-se que o texto empresarial/oficial previlegia a linguagem formal, o padrão culto,

como meios de garantir a clareza, a precisão, ou seja, a univocidade da mensagem.

Como era de se esperar, a linguagem formal caracteriza o texto empresarial em

Oehlmeyer (1963) e continua a caracterizá-lo em Gold (1999). Entretanto, Gold apresenta

uma característica nova para esse tipo de escrita formal – a simplicidade. A orientação de

que se deve escolher “palavras simples” e “adequadas à situação” (Recorte 9) aponta

para a presença da Lingüística na produção do manual dessa autora. Essa mesma presença

é sentida, também, quando Gold menciona as variações de dialetos e de registros, a

diversidade do português brasileiro. No entanto, Gold chama a atenção que tais variações

são usadas como distinção social, pois, qualificam os usuários de acordo com seu lugar de

origem, seu grau de escolaridade, seu grupo profissional etc. (op. cit., p9). O empenho

para construir uma imagem de empresa confiável, competente, serve de justificativa para a

escolha da linguagem formal (variedade de prestígio) no texto empresarial.

Os recortes 9, 10, 11 e 12 soam contraditórios: Recorte 9 – “escrever em

linguagem simples”; Recorte 10: empregar a “linguagem formal” para zelar pela

“formação da imagem da empresa”; Recorte 11 : a “linguagem deve ser formal sem ser

rebuscada”, no “padrão culto”.

Os procedimentos apontados por Gold para modernizar o texto empresarial estão

ancorados em uma concepção instrumental de língua. É usando a língua em sua variedade

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formal que o texto empresarial/oficial se torna ele próprio não só um instrumento para

informar, mas, especialmente, para “vender” produtos e imagens.

A regularidade verificada pela análise desses recortes (de 4 a 12) reside na noção

instrumental, decorrente da concepção de língua como instrumento de comunicação de

informações e de persuasão.

Como ferramentas, os procedimentos retóricos apresentados, ou melhor dizendo,

políticos, visam a provocar uma reação emocional positiva no destinatário: “a

compreensão imediata da mensagem”, “por todo e qualquer cidadão brasileiro”

(Recorte 11), ou seja, a apreensão fácil não só das palavras, das informações, mas,

especialmente, das imagens por elas veiculadas. Esse texto- instrumento de marketing deve

produzir apenas um sentido no Receptor – aquele desejado pelo Emissor.

Pode-se, talvez, incluir como mecanismos retóricos/políticos todas as características

da redação empresarial (Recorte 4) porque objetivam tornar o discurso empresarial

deglutível, facilitado, sem equívocos e, sobretudo, convincente.

As relações de força apontam como regularidade mais expressiva a presença de um

discurso estrategista que determina como se deve escrever um texto empresarial persuasivo.

Da análise feita, é possível produzir diferentes formulações de um mesmo dizer

cristalizado, como segue:

Língua- instrumento

Língua estratégica

Língua retórica Língua padrão

Língua homogênea

Língua mola propulsora

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“O Lutador”, poema em epígrafe, estimula outras considerações. Gold, na posição

de autor de livro didático, luta com a opacidade da língua(gem). Drummond na posição de

poeta também empreende uma luta corpo-a-corpo com essa opacidade. Um busca o sentido

único, a transparência, o respeito à norma gramatical. O outro, o múltiplo, o sugerido, a

transgressão. Ambos transacionam com a língua(gem). Gold comercia com a lingua(gem)

para que se produza uma comunicação empresarial lucrativa. E mostra como se deve

fazer. Sistematiza. Drummond também investe nas palavras, mas declara: “Guardarei

sigilo do nosso comércio”. Como faz todo comerciante.

5.4. Concepção de Gramática

5.4.1. Automar Oehlmeyer

A concepção de língua vincula-se a uma determinada concepção de gramática. Esse

autor concebe a língua como veículo da expressão do pensamento, o que pressupõe a

gramática normativa: um conjunto de regras que devem ser seguidas. É o que se pretende

analisar nos recortes a seguir:

Recorte 13:

“Os erros e defeitos das cartas que seguem giram em torno de pontuação, ortografia (incluída a crase) barbarismos (se supormos por se supusermos), vícios de linguagem, colocação de pronomes oblíquos, regência (vou em Santos por vou a Santos), infinitivo, concordância, construção, prolixidade, propriedade, tratamento. Nota: Em “correção”, aparece a forma correta imediatamente após a errada . Ex.: À partir, a partir – Sem crase, que ela não figura antes de verbo no infinitivo.” (OEHLMEYER, 1963, p. 267, grifos nossos)

Exemplo de carta corrigida de acordo com as observações acima (Anexo 8.7) Recorte 14: “Nos cabe – É sumo disparate iniciar oração com pronome oblíquo: cabe -nos”.(op.cit.p.269, grifos nossos)

Pronomes de Tratamento

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Recorte 15 : Tu – te, ti, contigo; teu(s), tua(s) (op.cit., p. 305, grifos nossos) “Tu – te,ti,contigo; teu(s), tua(s) – É pronome de tratamento que pertence à segunda pessoa do singular. Muito corrente em Portugal , nas linguagens falada e escrita, empregamo-lo no Brasil somente em cartas, poesias ou discursos, e cada vez menos, porque vem sendo pretendo pelo pronome Você . (...) NOTA: Observe-se que estamos na 2ª. Pessoa do singular (TU), a que devem corresponder os verbos (...), os possessivos (...) e os pronomes pessoais (te,ti). São, todas elas, formas da 2ª. Pessoa do singular, que não podem ser substituídas por outras, sejam da 2ª. Pessoa do plural, sejam da terceira, pois a frase ficaria errada...” (op.cit., p. 269) Recorte 16: Você(s) – lhe(s), se , si, consigo, o(s), a(s): seus(s), sua(s) “Observação: Conquanto sejam os pronomes si, consigo reflexivos , quer dizer, referentes à pessoa de quem se fala, é acentuada a tendência a empregá-los com a pessoa a quem se fala: Dirijo -me a si. Converso consigo. Construção que se ampara no uso em Camilo, em Herculano e na língua arcaica. Não é novidade. Demais do que, muito cômoda.” (op. cit. p. 306, grifos nossos) Recorte 17: V. Sa , V. Sas – lhe(s), se, si, consigo, o(s), a(s); seus(s) “V. Sa , V. Sas – lhe(s), se, si, consigo, o (s), a(s); seu(s), sua(s) – É o tratamento que mais de perto interessa à correspondência comercial. Pertence à terceira pessoa e ocorre, outrossim, em requerimento e ofícios.” (op. cit.p. 306, grifos nossos) Recorte 18: “Notas: a) Em português, sempre concorda o possessivo (seu, sua, seus, suas) com a coisa possuída. (...) É a mesma norma para tôdas as formas da 3ª. Pessoa. b) Os que não têm a necessária prática são levados a pensar que os pronomes de tratamento iniciados por Vossa (s) pertencem à 2ª. Pessoa do plural – devido à presença deste possessivo. (...) Em ambos os casos, gravíssimos erros.” (op. cit. p. 307, grifos nossos) Recorte 19: “É nosso modo de ver se poderia tenta, na correspondência comercial, a substituição do tratamento V. Sa , V. Sas , da terceira pessoa, por Vós, de segunda pessoa do plural. Por via deste último, tanto se pode dirigir a firma individual, como a firma coletiva , o que, de início, já simplifica o trabalho de dactilografia, com a condição, no entanto, de que o correspondente esteja perfeitamente familiarizado com os verbos na segunda pessoa do plural. È forma que não tem quase curso entre nós, motivo por que a estranha a maioria, menos versada em conjugação verbal . Entretanto, viria a segunda pessoa do plural eliminar a desagradabilíssima repetição do tratamento V. Sa que surge instante a instante (...).” (op.cit, p. 309-311, grifos nossos) Recorte 20: “Nas repartições públicas, e outrossim no Exército, segundo estamos informados, muito faz já é corrente o tratamento Vós. Demais do quê, se estendêssemos aludida pessoa gramatical a ofícios e requerimentos, atingiríamos a uniformidade de tratamento, o que nos dispensaria, portanto, da necessária atenção aos vários degraus por que subimos e descemos, em matéria de tratamento, nas três hierarquias: a civil, a militar, a eclesiástica.” (op.cit.,p. 310, grifos nossos)

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Os “obstáculos da redação” (Recorte 1) podem ser agora explicitados pelos grifos

feitos no Recorte 13. Tais obstáculos remetem para a gramática normativa, cujas regras

devem ser seguidas por quem deseja falar e escrever bem, de acordo com a língua padrão.

A não observância de suas regras produz “erros e defeitos”. Nessa forma de ver a

linguagem, a avaliação é polarizada: certo ou errado. Certo significa pautar-se pela língua

padrão, a língua portuguesa de Portugal. Certo significa, ainda, respeitar as regras

gramaticais quanto à ortografia, à construção da frase, à pontuação, que se apóia na análise

sintática. Essa forma de correção aponta para uma visão abstrata de língua. (V. exemplo de

carta corrigida, Anexo 8.7)

Ao ressaltar “nos cabe” como “disparate”, Oehlmeyer enfatiza a exigência da próclise

nesse tipo de texto, ignorando o uso coloquial preferido do brasileiro. Daí a razão de

manuais como esse: eles asseguram o uso da linguagem formal nesse tipo de texto.

Apesar de a gramática normativa tradicional não admitir a variedade lingüística e seus

diversos registros, a diferença entre o português-português e o português-brasileiro não

cessa de se mostrar, como se viu no uso dos pronomes de tratamento “TU”, “muito

corrente em Portugal”; no Brasil, no entanto, esse pronome “vem sendo preterido pelo

pronome Você”.

Automar preocupa-se com a concordância quando o pronome “tu” é utilizado e com o

emprego de diferentes pessoas pronominais na correspondência comercial: “tu” e “você”, 2ª

e 3ª. pessoa, por exemplo, em um mesmo texto. Sabe-se, no entanto, ser essa mistura uma

característica do português brasileiro coloquial.

Quanto à “tendência” de empregar-se “os pronomes reflexivos si, consigo com a

pessoa a quem se fala”, a observação de Oehlmeyer parece “muito cômoda”. Valendo-se

de um critério histórico-literário, Oehlmeyer justifica esse emprego “amparado no uso em

Camilo e em Herculano e na língua arcaica. Não é novidade”. (1)

(1) Oehlmeyer refere-se aos escritores portugueses Alexandre Herculano (1810-1877) e Camilo Castelo Branco (1825-1890), respectivamente do período Romântico e Ultra-Romântico ( final do séc. XVIII até meados do séc. XIX).

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Segundo Oehlmeyer, “V. Sa / V. Sas” é o tratamento “que mais de perto interessa à

correspondência comercial”. Por se tratar de uma forma restrita ao texto

comercial/oficial, o autor, preocupado com “os que não têm a necessária prática”, busca

esclarecer sobre a concordância exigida por esse tratamento formal.

O advérbio “sempre” marca o rigor das normas apresentadas. Ao desrespeitá- las, o

correspondente comete “erros gravíssimos”.

Apesar de todo esse cuidado com o emprego de “V. Sa” (Recorte 18),

contraditoriamente, Oehlmeyer sugere sua substituição pelo pronome “vós” na

correspondência comercial, apesar de essa forma ‘não ter quase curso entre nós, motivo

por que a estranha a maioria, menos versada em conjugação verbal”. “Vós”

homogeneíza a forma de tratamento (serve para a “firma individual” e para a “coletiva”).

“Simplifica o trabalho do datilógrafo”, mas pode complicar o do correspondente

brasileiro, como já mencionado pelo próprio autor. A justificativa de Oehlmeyer, de que “ o

emprego de “vós” evitaria a repetição do tratamento V. Sa”, contradiz o Recorte 17:

“V. Sa , V. Sas é o tratamento que mais de perto interessa a correspondência

comercial”

A busca de uniformizar o português-brasileiro à imagem e semelhança do português de

Portugal, mais uma vez, consubstancia-se na sugestão de uniformidade de tratamento pelo

uso de “vós”. Além disso, o uso de “vós” criaria um efeito de “nivelamento”, apagaria as

diferenças na escala hierárquica, os “vários degraus por que subimos e descemos em

matéria de tratamento”: um tratamento igual para sujeitos em posições diferentes,

portanto.

A uniformidade de tratamento sugerida por Automar pode criar a ilusão de que nele

mesmo se origina tal sugestão, quando o que se tem é uma combinação de outras vozes que

“falam” nele, determinando seu modo de dizer, e, portanto, sua sugestão.

Essa busca de uniformidade mostra o assujeitamento pela subordinação à língua do

colonizador (o tratamento VÓS), remetendo para o esquecimento número um (Pêcheux,

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1975), também chamado esquecimento ideológico, da instância do inconsciente e resultante

do modo pelo qual o sujeito é afetado pela ideologia. Por esse esquecimento tem-se a

ilusão de ser origem do que se diz, quando, na realidade, apenas se retomam sentidos pré-

existentes.

Como se vê, os recortes analisados parafraseiam as normas gramaticais da gramática

normativa tradicional que vigorava em 1963, apontando para as seguintes regular idades:

normas rígidas, homogeneidade, uniformidade, a norma culta como um pré-construído.

Agora se pode aprofundar a concepção de língua (item 5.2.1) em Automar. Trata-se de

uma língua regida por princípios racionais: a língua ideal, única, lógica, sem equívocos,

sem ambigüidades.

A análise feita possibilita a seguinte formulação:

Gramática normativa

Gramática racional

Gramática ideal Gramática padrão

Gramática imutável

Gramática metódica

Gramática conservadora

No entanto, apesar dessas paráfrases, ocorrem algumas situações ambivalentes na

normatização proposta por Oehlmeyer:

Quanto ao emprego do pronome “tu” (Recorte 15), ele aceita o lusitanismo,

apesar de mencionar que seu uso não é abrangente no português do Brasil e, por isso

mesmo, pode provocar erro na conjugação dos verbos. Preocupa-se também com a não-

mistura de Tu e Você no texto comercial. Sabe-se que essa é uma característica da

linguagem coloquial brasileira. Por fim, a sugestão de substituir o tratamento V.Sa/V.Sas

pelo pronome “vós”, apesar de todas as dificuldades que essa forma pode trazer para o

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correspondente brasileiro. Ainda assim, Oehlmeyer busca unidade com o português-

português. Por essa razão, classifica, duramente, como “disparate” (Recorte 14) a forma

“Nos cabe ” que caracteriza a maneira coloquial brasileira. Nesse “disparate”ressoa uma

regra, bastante conhecida, que reverbera na memória dos estudantes mais velhos: “Não se

deve começar uma frase com pronome átono.”

Para refletir sobre a relação ambivalência/resistência, Ferreira (2000, p. 23), em seu

livro “Da ambigüidade ao equívoco”, considera a noção de resistência como “um trabalho

que se situa na margem entre a dominação que se faz da ling uagem e a que ela

estabelece . Em suma, a tradicional polaridade que coloca a língua ora como serva, ora

como ama do pensamento.” (grifos nossos) Ferreira prossegue esclarecendo, ainda, que “o

mesmo acontece em relação ao sujeito e à ambivalência a que ele está exposto – ser sujeito

de/estar sujeito a. A AD vai trabalhar com a contradição entre estas duas forças: a vontade

de hipertrofia e a submissão ao assujeitamento”. Oehlmeyer, como um sujeito produtor da

língua e, especificamente, na posição de produtor de uma linguagem comercial, “se

constitui e a constitui no âmbito de acontecimentos histórico-sociais. Esse sujeito não é

totalmente livre, dado o próprio modo de sua constituição, nem é totalmente determinado

por mecanismos exteriores”. (op. cit.p. 23)

Na releitura do Curriculum Vitae, que abriu esta dissertação, pode-se perceber no mal-

estar da secretária com redação própria – a que parafraseia as palavras do chefe –a mesma

ambivalência: “a vontade de hipertrofia e a submissão ao assujeitamento”.

No entanto, é estimulante pensar que o sujeito pode “estabelecer uma relação ativa no

interior de uma dada formação discursiva: assim como é determinado, ele também a afeta e

a modifica em sua prática discursiva.” (op. cit. p. 23)

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5.4.2. Miriam Gold

Em Oehlmeyer (1963) verificou-se o predomínio da gramática normativa como

alicerce do Processo da Assimilação. Em Gold (1999), de acordo com sua bibliografia,

essa base se amplia. A gramática normativa continua presente (Rocha Lima), mas surge

também a gerativa (Noam Chomsky). Além de gramáticos, há lingüistas: M.A.K. Halliday

e Jakobson.

Os recortes a seguir buscam analisar o efeito dessa heterogeneidade na

normatização proposta por Gold.

Na introdução de seu livro Escrevendo com Sucesso na Era da Globalização,

Miriam Gold ressalta a importância da escrita hoje.

Recorte 21:

“A informatização elevou a palavra escrita à condição de responsável por um dos mais importantes efeitos da globalização: a comunicação mundial via Internet. Por isso, mais do que nunca, é preciso saber usar a linguagem de forma adequada, comunicando o que se deseja, evitando mal-entendidos e expressando-se sem incorrer em erros grosseiros.”. (GOLD: 1999, p XI , grifos nossos)

Recorte 22: “Por que as organizações devem modernizar o seu estilo e a sua linguagem?

Torna-se imperativa a modernização do estilo e da linguagem empresarial que deve adequar-se ao modo de vida acelerado, tornando suas mensagens concisas, objetivas, claras, coerentes – de fácil compreensão – para não causar desgaste mental e desmotivação no leitor .” (op. cit. p.3 , grifos nossos)

Recorte 23:

“Além disso, a formação do mundo moderno, de grandes mercados mundiais, como o Mercosul, empresta à escrita lugar de destaque pelo seu papel de padronizadora. Assim, os documentos empresariais devem apresentar-se coerentes com a tendência moderna à objetividade e à clareza”. (op. cit.,p. XI, grifos nossos)

Recorte 24:

“...pode ser que não seja mensurável, em termos estritamente financeiros, a perda advinda de falhas nas transmissões de informações, mas, certamente, a perda econômica é substantiva” (op. cit.,p. 4, grifos nossos).

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Recorte 25:

“Conclui-se então que, em tempos de mercados mundiais e luta por sobrevivência na era da globalização, não basta apenas investir em informatização e tecnologia, mas sim naquilo que dentro da sociedade humana e valor de troca: a comunicação. Em termos empresariais, essa comunicação tem valores bem definidos: a clareza e a objetividade das informações proporcionam e impulsionam a fidedignidade das mensagens e a agilidade das decisões, molas da sobrevivência e do lucro.” (op.cit., p. 4, grifos nossos)

Recorte 26: “(...) em tempo de mercados mundiais e luta por sobrevivência...” (op.cit.,p. 4) “O texto escrito deve ser percebido como um instrumento relacionado à função estratégica empresarial (...) (op.cit.p. 5, grifos nossos) “Hoje em dia, o meio empresarial gasta fortunas em marketing direto, esquecendo-se de usar em seu texto recursos discursivos – evidentemente diferentes dos jogos metafóricos da propaganda -, mas que se configuram como arma preciosa no relacionamento com o cliente ora interno ora externo.” (op. cit. p. 5, grifos nossos) “Armadilhas da Concisão.” (op.cit., p. 8, grifo nosso) “Técnicas A “fórmula mágica” para adquirir objetividade é não se esquecer jamais de que um texto empresarial tem um destinatário (...)” (op.cit. p. 40, grifos nossos)

Recorte 27: “Principais empecilhos: os vícios , tais como a verbosidade (o oposto da simplicidade) – vocabulário sofisticado; frases e parágrafos longos; construções intercaladas e/ou invertidas; chavões; tautologias, isto é, repetições viciadas; coloquialismo excessivo; jargão técnico fora do contexto”. ( op. cit.. p.25, grifos nossos) Recorte 28:

“Erros empresariais comuns, que infringem a norma culta: vícios de linguagem, homófonos e parônimos (mesmo som, grafia diferente) que causam dúvidas: as concordâncias problemáticas, o uso do hífen.” (op. cit. p. 123 -133, grifos nossos)

Recorte 29:

“O pronome de tratamento V. Sa só será utilizado quando o destinatário exigir tal formalidade , ou por ser de hierarquia superior dentro da empresa e houver tal orientação ou por tratar-se de destinatário externo em que se deseja manter tal formalidade. No caso de colegas do mesmo nível hierárquico, esse pronome pode ser suprimido, resultando em um texto com maior empatia e, conseqüentemente, maior eficácia simbólica .” (op.cit., p. 22, grifos nossos)

Recorte 30:

“Coloquialismo Excessivo Coloquialismo é o nome dado à maneira informal de nos comunicarmos.É o registro da linguagem que usamos em família (...) Com a informatização dos escritórios, a comunicação via microcomputadores tornou-se fato corriqueiro. Mas as mensagens neles transmitidas não podem apresentar-se fora do padrão formal exigido pela redação empresarial. Simplicidade, sim, excesso de informalidade, não. Coloquialismo excessivo . falta de credibilidade.” (op. cit.p. 24, grifos nossos)

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Recorte 31:

“Na verdade, a retórica empresarial moderna privilegiará técnicas de expressão que estimulam a compreensão imediata, apresentando as informações de modo que elas façam sentido na mente do destinatário”. ( op. cit. P. 51, grifos nossos)

Recorte 32:

“A Uniformização da Correspondência Oficial: ofício, memor ando oficial.” Em 1992, entrou em vigor o Manual de Redação da Presidência da República, com a finalidade de racionalizar e padronizar a redação das comunicações oficiais. (Instrução Normativa no. 4, de 6 de março de 1992, que visa consolidar aquelas normas e torná-las obrigatórias no âmbito federal)”. (op. cit., p. 103, grifos nossos)

Recorte 33:

“Escolha do vocabulário: Gold cita Othon M. Garcia, a propósito de uma pesquisa feita com executivos, nos EUA : ‘Me parece não restar dúvida de que, dispondo de palavras suficientes e adequadas à expressão do pensamento de maneira clara, fiel e precisa, estamos em melhores condições de assimilar conceitos, de refletir, de escolher, de julgar, do que outros cuja acervo léxico seja insuficiente ou medíocre para a tarefa vital da comunicação’.” (op. cit. p. 60, grifos nossos)

A informatização, com suas tecnologias, cria uma ideologia de comunicação

universal. Mal-entendidos, erros grosseiros são obstáculos que precisam ser superados.

Para tanto, Gold reorganiza o ensino de redação empresarial para torná- lo objetivo e

operacional, para que se aprenda a usar a linguagem adequadamente. Nesse processo de

reorganização, deve -se levar em conta também um outro efeito pretendido pela

globalização: a homogeneização, o apagamento das diferenças. A gestação de um mercado

consumidor mundial depende desse nivelamento. A ênfase, portanto, incide no uso do

código (língua portuguesa, norma culta) para evitar equívocos. A avaliação de um texto

como certo/errado pertence à gramática normativa. Já os termos adequado/inadequado são

empregados pela Lingüística.

Essa necessidade de “modernização” do estilo e da linguagem empresarial destaca a

importância de saber usar a língua portuguesa, em sua variedade padrão, isto é, de saber a

norma culta, para produzir mensagens ágeis e de fácil compreensão. O alvo dessa escrita

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permanece sendo o receptor (leitor), aquele com quem o emissor transaciona. Falhar na

transmissão das informações pode acarretar perda econômica.

Por essa razão, uma linguagem empresarial é elaborada para atender as exigências

dos “mercados mundiais”: espaços de luta, de competição acirrada. Pelo mesmo motivo,

a clareza e a objetividade da mensagem são tão enfatizadas. Elas representam as “molas da

sobrevivência e do lucro”. A “comunicação” como mercadoria, com seu “valor de

troca”, representa um bem lucrativo monopolizado por grupos privados, exigindo, pois,

eficácia do texto empresarial. Texto eficaz é aquele que transmite informações e, também,

convence, persuade.

Diferente do tempo de Oehlmeyer, quando a nacionalização ainda não havia se

“transformado” em globalização, Gold usa a metáfora da “guerra” e desse campo semântico

traz as palavras: luta, arma, estratégia, fórmula, técnica, armadilha, sobrevivência. Tal

seleção lexical mostra as relações de força, extremamente competitivas, que caracterizam o

momento atual. Logo, o uso de “técnicas de escrita”, como “armas lingüísticas”, para

que o sujeito treinado atinja a meta da comunicação unívoca. Parece implícito que nesse

campo de batalha real e virtual do mundo profissional ou o sujeito “luta” para enquadrar-se

e tornar-se um vencedor ou resiste e corre o risco de tornar-se um perdedor. Não parece

haver meio termo para a lógica capitalista.

Para vencer no que se refere à escrita empresarial, além de atender às características

apontadas no Recorte 4, o emissor deve ser persuasivo.

Para persuadir, precisa aprender a modalizar a linguagem. Automar sugeriu a

eliminação de ‘V. Sa , mas propôs o pronome “vós” em seu lugar, o que manteve a

formalidade. Segundo o autor, sua sugestão pretendia evitar a repetição de V. Sa .

(Recorte 19) Gold, ao contrário, sugere rever o emprego de V. Sa., evitando-o, quando

possível, para acabar com o distanciamento que essa forma produz. Assim, sem o

tratamento formal “V. Sa” o texto produz efeito de “maior empatia” e,

“conseqüentemente, maior eficácia simbólica”.

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A forma de tratamento “V. Sa” exige a produção de um discurso em 3a. pessoa,

produzindo um efeito de neutralidade. No entanto, o emissor se denomina “nós”, isto é, ele

fala em nome de uma empresa. Dessa forma, cria-se um efeito de responsabilidade

compartilhada, o que contribui para uma imagem positiva da empresa.

No entanto, a pretensão de diminuir o distanciamento entre empresa e cliente não

justifica o uso de “coloquialismo excessivo”. Automar sequer mencionava a existência de

outras variedades e de diferentes registros. Gold parece admitir uma certa informalidade

como a que, por exemplo, abole o tratamento V. Sa entre colegas do mesmo nível

hierárquico. Acredita-se que o adjetivo excessivo deva referir-se ao código criado pela

Internet. Não parece clara qual a dosagem de informalidade permitida no texto empresarial.

Toda essa normatização da linguagem empresarial visa a garantir a “compreensão

imediata” do texto, daí o emprego de técnicas para organizar as idéias de forma objetiva e

clara. Tais técnicas buscam controlar os pensamentos de quem redige para que produza

mensagens claras, persuasivas, dentro do “padrão formal exigido pela redação

empresarial”, como indicam os verbos grifados: “racionalizar, padronizar”.

“A expressão do pensamento de maneira clara, fiel e precisa” para que a

linguagem funcione eficazmente como instrumento de comunicação, segundo Othon M.

Garcia, depende do “acervo léxico” do emissor. Vê-se que Garcia estabelece uma relação

unívoca, termo a termo, quanto à significação (ORLANDI, 1988). Sabe-se pela Análise do

Discurso que as palavras retiram seu sentido das Formações Discursivas em que o sujeito se

constitui. Na comunicação empresarial, o acervo léxico do emissor, que fala do lugar do

empresário, constitui a Formação Discursiva Empresarial, uma matriz de sentidos, que

determina seu dizer: “palavras impregnadas de sentido; palavras capazes de evocar na

mente do destinatário a proposta do emissor; palavras suficientes e adequadas à

expressão do pensamento de maneira clara, fiel e precisa.” Ou seja, palavras,

persuasivas, que fazem o outro fazer. (V. Recorte 5 )

Para alcançar a meta de escrever com sucesso na Era da Globalização, torna-se

imperativo obedecer às leis que legislam sobre o texto empresarial para que se possam

vencer “os obstáculos da redação” (OEHLMEYER, 1963) ou, nas palavras de Gold, para

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que se possa evitar os “erros empresariais comuns”, os empecilhos que “infringem a

norma culta” e que podem resultar em “perda econômica”.

Tanto em Automar como em Miriam, assinala-se a presença de um pré-construído –

a norma culta vigente no momento da produção de seus livros. Miriam também retoma a

Retórica.

Como se viu, entre 1963-1999, com o avanço dos estudos da linguagem, surgiram

novas teorias, novas concepções de língua, de gramática e de leitura. Toda essa

reformulação lingüística mais o contexto mercadológico fazem parte das condições de

produção do livro de Gold. A ideologia do sucesso, de poder econômico, da atualidade

torna a metodologia proposta por Gold extremamente marcada pelo discurso técnico-

estrategista.

O mesmo, nesses dois livros, reside no objetivo de ensinar a linguagem

comercial/empresarial/oficial para quem trabalha em empresas ou em repartições públicas.

O diferente não muda o objetivo, apenas o atualiza, adequando-o às condições histórico-

sociais e idelógicas. A atualização ajusta a linguagem comercial/empresarial/oficial aos

interesses da Era da Globalização. Assim, em Gold, tem-se a “repetição empírica” e a

“formal (técnica)”: um modo diferente de dizer o mesmo” (ORLANDI, 2000 [1999], p.

54), um modo diferente de legislar sobre a linguagem empresarial em função dos novos

tempos.

Mas é na ambivalência percebida na normatização dos dois autores que reside a

possibilidade da “repetição histórica”, já apresentada na análise da concepção de gramática

em Automar.

Essa linguagem idealizada que os manuais pretendem legitimar exclui o diferente, a

heterogeneidade. Mas as outras vozes, que também constituem o discurso do sujeito,

comparecem no não-dito do que é dito. A análise dos dois livros mostrou que, em alguns

momentos, os dois autores resvalam na normatização que propõem. Não há rituais sem

falhas. Há algo que escapa, que contradiz suas justificativas para certos usos da língua, algo

que teima em aparecer, apesar de todo o controle.

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Em Oehlmeyer, por exemplo, a sugestão de uniformidade na forma de tratamento

pelo uso do pronome “vós” (Recorte 19), representa um efeito da história da colonização.

Quanto às dificuldades que os correspondentes brasileiros costumam apresentar, apesar de

mencioná- las, o autor não as atribui à heterogeneidade lingüística, como se ele não pudesse

se dar conta de que o português são dois: o português-português e o português-brasileiro.

(ORLANDI, 2002, p. 22). Ou, ainda, como descreve o poema “Aula de Português”, há duas

línguas: a língua culta (estrofes 2 e 3) e a do dia-a-dia (estrofes 1 e 4).

. As contradições:

Em Gold, alguns textos apresentados em “Uma Curiosidade” mostram que a

língua(gem) e o sujeito resistem à estandardização da língua(gem). (1)

Gold termina cada capítulo de sistematização (V. Sumário – Anexo 8.8) com Uma

Curiosidade . Trata-se da apresentação de um outro tipo de texto para ilustrar o conteúdo

explicado. No entanto, alguns desses textos, ao apontarem para a contradição entre “língua

imaginária” / “língua fluida”, não corroboram com a teoria mostrada nos capítulos; ao

contrário, possibilitam problematizá- la. Os recortes a seguir representam alguns desses

textos:

(1)Esta parte que analisa as contradições dos textos em Uma Curiosidade (e apenas esta) apresenta um formato diferente das demais: aqui, a análise é feita imediatamente após a citação do recorte, para dar mais relevo às contradições, pois não se está recortando a teoria, mas textos de outros tipos, não-teóricos. Por essa razão, parece mais adequado construir uma seqüência linear em que o recorte feito constitua o parágrafo introdutório a ser desenvolvido e concluído pela análise.

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Recorte 34:

“Uma Curiosidade”. Capítulo 6. “A clareza”

“E os códigos para emoções? Uma das regras da comunicação eletrônica é que não se perde tempo usando nas mensagens expressões formais como “prezado senhor” ou “cordiais saudações”. A regra é entrar direto no assunto, ser objetivo, conciso e sucinto. Mas ao dispensar as sutilezas de linguagem, a comunicação por computador dificulta a expressão de emoções e sentimentos, ainda mais porque é feita por escrito, sem apoio do tom de voz (como ao telefone) ou da expressão facial (como nas conversações ao vivo). Como ser objetivo e, ao mesmo tempo, expressar alegria, tristeza, medo, raiva, sarcasmo, ironia?” (“Computador Revoluciona Comunicação, JB, 25/4/94, fragmento, op. cit., p. 75) (Anexo 8.9.1)

No capítulo 6, Gold trata de “uma qualidade fundamental para o texto escrito: a

clareza”. (op.cit. p. 65) Para que um texto seja claro, inteligível para o destinatário, propõe

técnicas quanto às palavras, quanto às frases e quanto à interpretação das idéias principais e

secundárias.

No entanto, o texto escolhido para encerrar esse capítulo, “O computador revoluciona a

comunicação” (Recorte 34) apresenta como idéia principal não a clareza e a objetividade,

mas a subjetividade. Embora esse texto, em seus dois primeiros parágrafos, tenha

discorrido sobre as mudanças positivas trazidas pela comunicação eletrônica, no terceiro e

no último parágrafo, deixa uma pergunta que pode servir de entrada para uma nova prática

de leitura, pois faz pensar sobre a questão da subjetividade que se pretende controlar:

“Como ser objetivo e, ao mesmo tempo, expressar alegria, tristeza, medo, raiva, sarcasmo,

ironia?” O uso de emoticons, de abreviaturas (rsrsrs = riso, por exemplo) não substituem as

sutilezas da língua viva, da interlocução presencial.

Assim, esse texto abre brechas, problematiza a sistematização proposta no manual de

Gold, a saber: como limitar a linguagem empresarial ao emprego apenas da variedade

formal; como ser formal e simples ao mesmo tempo; como pautar-se pela lógica, buscando

objetividade, clareza, precisão, neutralidade e, ao mesmo tempo, pela Retórica, buscando

ser persuasivo; como ter um estilo simples, conciso, sem cair na falta de expressividade.

Essas questões apontam para a oscilação entre “língua imaginária”/”língua fluida”.

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Os versos, a seguir, retirados do poema “O Lutador”, de Carlos Drummond de

Andrade (op. cit. p. 85), que encerra o capítulo 7 sobre “Coerência e Unidade”, dizem da

luta de Gold: “Lutar com palavras, parece sem fruto. Entretanto, luto.”

Denominar de “Uma Curiosidade” os textos que encerram cada capítulo de

sistematização parece coerente já que eles tratam do que difere, do que busca fugir da

normatização proposta. No entanto, parece contraditório apresentar textos que, ao

questionarem a fixidez das regras e dos sentidos, fazem desse rigor o seu estímulo, a sua

liberdade lingüística, contrapondo-se ao objetivo do manual: sistematizar a linguagem

empresarial.

Recorte 35:

“Parte II – Padronização dos Documentos Empresariais. Capítulo 8: Documentos Empresariais.”

Em Uma Curiosidade, Gold apresenta uma carta redigida por Rubem Braga em março de 1951 e comenta: “Veja como é atual! Ela é endereçada ao diretor da Companhia Telefônica e o autor utiliza -se, além da ironia, de verbos e pronomes na 2ª. Pessoa do plural – vós – como se estivesse se dirigindo a um deus .” (op. cit., p. 101-102, grifos nossos) [Anexo 8.9.3]

A carta-crônica de Rubem Braga deve ser compreendida no sentido oposto do que diz.

Esse recurso semântico se vale do contexto (a crônica foi escrita em 1951) para produzir o

efeito irônico que se marca na forma de reverência do tratamento “vós”, do vocativo

“Honrado Senhor Diretor da Cia. Telefônica” e no modo como o assinante expressa sua

queixa: “Não venho, senhor, reclamar nenhum direito. Li o vosso Regulamento e sei que

não tenho direito a coisa alguma, a não ser a pagar a conta (...) ‘dura lex sed lex’”.

Rubem Braga rompe com o padrão de “objetividade” que se espera de quem redige

uma carta; explora o duplo sentido da forma “senhor” (dir etor da Cia./ um deus); dá ao

texto um tom irônico. Porém, mais que isso, todas essas marcas são pistas que conduzem a

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uma reflexão sobre o sujeito-de-direito, o sujeito jurídico, sujeito do capitalismo , que,

contraditoriamente, é, ao mesmo tempo, um sujeito livre e submetido.

“É preciso acrescentar que a noção de sujeito-de-direito se distingue da de indivíduo.

O sujeito-de-direito não é uma entidade psicológica, ele é efeito de uma estrutura social

bem definida: a sociedade capitalista.” (ORLANDI, 2000 [1999], p. 51, grifos nossos)

É pelo modo como o assinante diz que se compreende o não-dito, o que na verdade

interessa: a impotência do sujeito diante de um poder superior, o Diretor da Cia. Rubem

Braga em sua crônica-denúncia contrapõe à concepção de língua como instrumento de

comunicação de informações e persuasão, a concepção de lingua(gem) como trabalho

lingüístico, como ação, denúncia, que pode vir a transformar.

Recorte 36:

“Uma Curiosidade da Parte II “Padronização dos Documentos Empresariais. Capítulo 9. A Correspondência Oficial.”

“Uma funcionária de repartição pública – eficiente secretária – brigou com o noivo e,

arrependida, ficou imaginando uma forma de se retratar. Tentou escrever uma carta bem

delicada e carregada de palavras de amor, mas – por vício profissional – acabou redigindo

um requerimento’. (op.cit. p.109) O requerimento é um documento que serve para solicitar

algo a uma autoridade pública. Compõe-se das seguintes partes: 1. vocativo – título ou

cargo da pessoa a quem se dirige o requerimento; 2. texto: 2.1. nome e identificação do

requerente; 2.2. exposição do que se está requerendo; 2.3. justificativa do que se requer; 3.

fecho, em geral, imutável: Nestes termos, Pede Deferimento; 4. data; 5; assinatura. A noiva

(Anexo 8.9.4) seguiu esse padrão para requerer o perdão do noivo. Ora, não sendo essa

solicitação objeto de um requerimento, mas de uma correspondência pessoal, a secretária

produziu um falso requerimento. “O noivo, por sua vez, chefe de seção de outra repartição

pública, em resposta carinhosa, redigiu um ofício.” (op. cit. p. 110, grifos nossos) [Anexo

8.9.4] O noivo em resposta ao requerimento deveria simplesmente responder “deferido” ou

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“indeferido”. Ao redigir um ofício como resposta ao requerimento ele produziu um falso

ofício. O ofício é uma modalidade de comunicação oficial que tem como finalidade o

tratamento de assuntos oficiais pelos órgãos da Administração Pública entre si e, também,

com particulares. Quanto à sua forma, segue a estrutura do “padrão oficio”: 1. No alto da

folha, aparece impresso o nome do órgão público; 2. à esquerda, tipo e no. do expediente,

seguido da sigla do órgão que o expede; 3. à direita, local e data; 4; assunto; 5. vocativo,

que invoca o destinatário; 6. texto; 6.1. introdução (o motivo que motiva a comunicação);

6.2. desenvolvimento (o assunto detalhado); 6.3. conclusão (a posição recomendada sobre o

assunto); no texto, à exceção do primeiro parágrafo, os demais devem ser numerados; 7.

fecho (reduzido a um advérbio); 8. assinatura e cargo do autor da comunicação; 9. na parte

inferior do papel, à esquerda: forma de tratamento, nome do receptor, cargo que o receptor

ocupa, endereço. (V. anexo 8.9.4)

Ao desarticularem a forma do conteúdo, ambos, a noiva e o noivo, despadronizaram o

requerimento e o ofício, produzindo uma diferença, um texto incomum, que surpreende o

leitor.

Gold considera esses textos como fruto do ‘vício profissional’, mas se pode pensar

também em resistência a uma escrita que obriga a dizer dentro de um padrão rígido, daí o

ato falho (1) que produz alguma polissemia: em vez de uma carta de amor, um

requerimento de amor, um ofício de amor.

(1) “(...) toda palavra carrega em si uma intenção consciente; esta pode, no entanto, segundo a expressão de Freud, “errar o alvo” (“Cinco lições de psicanálise”). Os atos falhos se apresentam sob forma de lapsos, falsa leitura, falsa audição, esquecimento, descumprimento de uma intenção, incapacidade de encontrar um objeto, perdas, certos erros. (...) assinalam em primeiro lugar a revelação de um desejo inconsciente; ao mesmo tempo, atestam um inconsciente estruturado como uma linguagem (condensação, deslocamento, metáfora, metonímia) e podem portanto ser decifrados como uma mensagem.” (Dicionário Enciclopédico de Psicanálise. O Legado de Freud e Lacan, p.55)

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O escritor Graciliano Ramos, em 1929, quando era prefeito do município de Palmeira

dos Índios, no Estado de Alagoas, escreveu um relatório ao Governador do Estado, ao

mesmo tempo, baseado na vida real e repleto de momentos literários. Trata-se, ao mesmo

tempo, de um texto legal e literário. Lê- lo possibilita perceber as semelhanças e as

diferenças entre o estilo de Graciliano e o burocrático. Dessa forma, Graciliano põe o

código em questão, o código fechado desse tipo de escrita oficial. O relatório de Graciliano

Ramos exemplifica a repetição histórica, a que permite o movimento, fazendo o

irrealizado irromper no já estabelecido (ORLANDI, 2000 [1999])

A Análise do Discurso mostra que para que haja criatividade é necessário pôr em

conflito o já-produzido e o que se vai produzir, isto é, é preciso contradizer o que existe

com um outro ponto de vista.

Recorte 37:

“Parte III. Normatização Gramatical. Capítulo 11. Erros Empresariais Comuns”

“ Erros empresariais Comuns, que infringem a norma culta: vícios de linguagem, homófonos e parônimos [mesmo som, grafia diferente] que causam dúvidas; as concordâncias problemáticas , o uso do hífen.” (op. cit.,, 1999, p. 123-134, grifos nossos)

Eloqüência Singular

Fernando Sabino

“- Senhor Presidente: não sou daqueles que... O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular: - Não sou daqueles que... (...) - Que é que você acha? – cochichou um. - Acho que vai para o singular. - Pois eu não: para o plural, é lógico. O orador prosseguia na sua luta: (...) . O Presidente voltou a adverti-lo de que o seu tempo se esgotara. Não havia mais por onde fugir: - Senhor Presidente, meus nobres colegas! Resolveu arrematar de qualquer maneira. Encheu o peito e desfechou: - Em suma: não sou daqueles . Tenho dito. Houve um suspiro de alívio em todo o plenário, as palmas romperam Muito bem! Muito bem! O orador foi vivamente cumprimentado.”

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O título do texto “Eloqüência Singular” é polissêmico. Viu-se que, apesar da dúvida

cruel, o deputado produziu um discurso “eloqüente”, não pelo que disse, mas pelo que não

disse ou não conseguiu dizer. E foi justamente pelo que faltou que ele foi “vivamente

cumprimentado”.

Pela consulta feita à Gramática de Rocha Lima, constata-se que a expressão “um

daqueles que” apresenta dupla sintaxe: verbo no singular (talvez mais lógica) ou no plural

(por eufonia). Mas o texto não se limita à questão gramatical, à dificuldade do falante

brasileiro com a concordância verbal (verbo no singular ou no plural). Ele aponta para o

medo de falar errado e de ser, por essa razão, julgado incompetente. Mais que isso, aponta

para a resistência do sujeito ao assujeitamento que lhe é imposto pela “língua imaginária”.

A duplicidade sugerida no jogo das palavras singular/plural; singular/bizarro;

eloqüência/ineloqüência, língua padrão/língua não-padrão dá ao texto um tom bem-

humorado e irônico, que marca o discurso lúdico de Fernando Sabino, reiterando a questão

“língua imaginária x língua fluida” e a constatação de Carlos Drummond de Andrade: “O

português são dois, o outro mistério”.

Os textos que aqui ilustram a ambivalência na normatização de Gold têm um ponto em

comum. Fazem rir. O discurso lúdico, que neles predomina, questiona os pares

objetividade/subjetividade, direitos/deveres, padronização/despadronização, certo/errado,

língua culta/língua do dia-a-dia. Ou seja, eles trazem a questão da polissemia. Neles há

deslocamento porque consideram o equívoco e, por isso, contrastam com a sistematização

proposta nos capítulos.

A análise do conjunto de recortes sobre a normatização no manual de Gold gera a

seguinte formulação:

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Gramática normativa

Gramática tradicional

Gramática gerativa Gramática padrão

Gramática lógica

Gramática racional

Gramática frásica

Análise transfrástica

Gramática do texto Lingüística Textual

Textologia

5.5. Concepção de Leitura: sujeito e sentido

Das análises sobre língua e gramática apresentadas, concluiu-se que a leitura de um

texto empresaria l pressupõe que o leitor seja capaz de responder à pergunta – o que o autor

quis dizer? A leitura reduz-se, portanto, à mera decodificação, a apreensão de um sentido

(informação) que já está dado no texto. Para a Análise do Discurso, o leitor não apreende

meramente um sentido que está lá no texto: o leitor atribui sentidos ao texto. “Ou seja:

considera-se que a leitura é produzida e se procura determinar o processo e as condições de

sua produção.” (ORLANDI, 1999 [1988], p. 37) Daí a distinção feita por Orlandi (op.cit. p.

38) entre leitura parafrástica “que procura repetir o que o autor disse” e leitura polissêmica

“que atribui múltiplos sentidos ao texto”.

Essa concepção de leitura, a “que procura repetir o que o autor disse”, destaca o papel

do emissor. Se ele for capaz de expressar suas idéias com clareza e objetividade, o

receptor poderá repeti- las. No entanto, a leitura considerada como produzid a leva em

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conta na constituição dos sentidos de um texto não só os interlocutores, mas também a

situação e o contexto histórico-social, ideológico.

Nos recortes a seguir, buscam-se, em Oehlmeyer e em Gold, as relações dessa forma

de ler parafrástica com as concepções de sujeito e de sentido, sem perder de vista que para

a Análise do Discurso sujeito e sentido se constituem simultaneamente.

5.5.l. Automar Oehlmeyer

Recorte 38:

Recorte 39:

Fecho de carta (op.cit.,p.25, grifos nossos)

Apresentando-lhe nossas desculpas da insistência, contamos com sua atenção de sempre e nos firmamos , com elevado apreço,

Joaquim das Pedras & Cia.

A prática de exercícios, que caracteriza o Processo da Assimilação, deixa claro para o

estudante quando deve escrever eu (firma individual) ou nós (firma coletiva – Cia.). O

Fecho de carta (Oehlmeyer, 1963, p. 17, grifos nossos):

(...)Antecipo-lhe meus agradecimentos por sua breve resposta e me firmo

Atenciosamente.

Joaquim das Pedras

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sujeito gramatical representa o sujeito do texto comercial, aquele que, na posição de autor,

escreve pela empresa. Trata-se de um sujeito intencional, consciente,que corresponde a um

ideal de completude. A questão da subjetividade, portanto, se reduz ao lingüístico apenas.

O Processo da Assimilação, por via da sinonímia, (Recorte 1), treina o

correspondente a manter o sentido único. A ambigüidade representa um dos “obstáculos

da redação” e, conseqüentemente, da compreensão de um texto, que se pretende seja

unívoca.

No entanto, nem sentido, nem sujeito são únicos. A Análise do Discurso, baseada na

concepção de sujeito da Psicanálise, concebe o sujeito como dividido

(consciente/inconsciente). O sujeito é uma posição, que se define a partir do lugar de onde

fala. Isso torna o sujeito múltiplo e também o sentido. Não há unidade nem no sujeito, nem

no sentido de um termo. Sujeito e sentido estão sempre em movimento. São errantes.

Pelo Processo da Assimilação, o correspondente se acostuma a um trabalho lingüístico

mecânico, repetitivo, sem espontaneidade. Para tanto, exclui o sujeito. Ao fazê-lo,

sublinha a contraposição entre a escrita subjetiva, poética, e a objetiva – aquela que dever

ser clara, transparente. Nesse Processo, o sujeito ocupa a posição de autor de textos

comerciais/oficiais. Para ocupar tal posição, no entanto, ele deve assujeitar-se a uma prática

técnica, via manual, que o instrumentaliza, ou melhor, o neutraliza, para que a expressão

do pensamento do remetente seja clara, unívoca, “a fim de que o destinatário se inteire

do seu conteúdo, dispensando-lhe a leitura”. (V. Recorte 2)

Do exposto, pode-se produzir a seguinte formulação:

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Leitura individual

Leitura consciente

Leitura objetiva

Leitura unívoca Leitura parafrástica

Leitura neutra

Leitura reprodutora

Leitura instrumental

Leitura padrão

5.5.2. Miriam Gold

Assim como em Oehlmeyer, em Gold, quanto à leitura do receptor, espera-se que ele

reproduza o que está no texto, isto é, o que o emissor quis dizer. “De certa forma podemos

dizer que ele não lê, é “lido”, uma vez que apenas “reflete” sua posição de leitor na leitura

que produz”. (ORLANDI, 19888, p. 116). Os recortes a seguir buscam as implicações

dessa leitura nas concepções de sujeito e sentido.

Recorte 40:

“Por que então o texto empresarial irá privilegiar a linguagem escrita formal ?

Porque, ao contrário de todas as variantes , só ela evitará: .O uso de termos compreendidos só por uma das partes envolvidas na comunicação. . O uso de expressões informais , pois, como tudo que nos é mais próximo tende a evocar mais intensamente nossas situações emocionais , essas expressões, por serem próprias a grupos de amigos ou familiares, determinariam a quebra de uma imparcialidade na transmissão da informação e, conseqüentemente, a possibilidade de descrédito da mensagem. A ocorrência de quebra dos procedimentos gramaticais que constroem a imagem de letramento, isto é, de um grau de escolaridade propiciador de credibilidade ”. (op.cit., p. 10, grifos nossos)

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Recorte 41:

“Quanto mais nítida a transmissão da mensagem, mais eficiente será o intercâmbio das idéias . O conceito de clareza é muito bem proposto pelo Professor Rocha Lima, estudioso há muito da Língua Portuguesa, que assim nos orienta:

Para nos expressarmos com clareza, havemos de perseguir dois objetivos:

a) educar a nossa capacidade de organização mental; b) aprender a pôr em execução convenientemente o material idiomático”. (op. cit., p. 66, grifos nossos)

Recorte 42: “Carta sem clareza de expressão : Atualmente, o saldo credor em poder da Administradora não sofre correções em favor do condomínio, assim, entende que a previsão mensal deverá se manter o mais próximo possível do real.” Uma possível reescritura (dependendo da intenção do texto) poderia ser a que se segue: Atualmente, o saldo credor em poder da Administradora não sofre correções em favor do condomínio, pois entendemos que a previsão mensal deverá se manter o mais próximo possível do real.” (op. cit. p. 70, grifos nossos) Recorte 43:

“O maior problema é que o emitente da mensagem nem sempre tem a noção de quanto o seu texto está inteligível para o destinatário. E por quê? Porque para ele, emissor, a mensagem está clara. Ele tem as idéias em sua mente e julga que todos as terão também, então não se preocupa com a possibilidade de equívoco.” (op. cit., p. 65, grifos nossos) Recorte 44:

“Apesar de todas as técnicas ainda resta um obstáculo resistente ao esforço da comunicação sem mal-entendidos. Trata-se da ambigüidade”. (op. cit., p. 72, grifos nossos) Recorte 45: “Deve-se sempre atentar para o que as palavras empregadas estão realmente transmitindo a fim de não se deixar levar por uma idéia mentalizada que não está expressa como deveria. A historinha a seguir, de Millôr Fernandes, ilustra bastante bem a diferenç a entre o que se quer dizer e aquilo que realmente se diz. Continho Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho, do sertão de Pernambuco. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um gordo vigário a cavalo: - Você aí, menino, para onde vai esta estrada? - Ela não vai, não. Nós é que vamos nela. - Engraçadinho duma figa! Como é que você se chama? - Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam de Zé .”(op.cit.,, p. 78, grifos nossos)

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Recorte 46: “No universal fundado pela escrita, o que deve ser mantido intocado pelas interpretações, traduções, difusões de conservações é o sentido. O significado da mensagem deve ser o mesmo lá e cá, hoje e sempre. Esse universal é indissociável de uma pretensão de fechamento semântico. Seu esforço de totalização luta contra a pluralidade aberta de contextos atravessados pelas mensagens, contra a diversidade das comunidades que os fazem circular. Da invenção da escrita seguem-se as exigências muito especiais da descontextualização dos discurso. Tal fato, o domínio globalizante do significado, o anseio pelo “todo”, a tentativa de instaurar em cada lugar o mesmo sentido (ou, no âmbito da ciência, a mesma exatidão), está, para nós, associado ao universal.” (A globalização dos significados. No ciberespaço, o texto perde os vínculos com a cultura em que surgiu”, de Pierre Lévy, op.cit., 48-49 –Anexo 8.9.6) Recorte 47: “A comunicação empresarial , diferentemente do texto jornalístico e do literário, por exemplo, tem como princípio fundamental uma resposta objetiva àquilo que é transmitido. A essa característica dá-se o nome de eficácia.” (op. cit.,p. 4, grifos nossos)

Chama a atenção o fato de ser preciso afastar o sujeito do texto empresarial. O uso de

“expressões informais” podem provocar equívoco, “a quebra de uma imparcialidade na

transmissão da informação”. Por essa razão, observa-se no texto empresarial o emprego

de algumas marcas que produzem efeitos de objetividade, de imparcialidade e de

credibilidade: para o receptor, emprega-se a 3ª. pessoa; para o emissor, a 1ª. pessoa do

plural ( o “nós” da empresa): ambas as formas de tratamento apagam o sujeito; o uso de

dados “objetivos”: a individualização do lugar e do tempo (data); a variedade formal da

língua. Tudo isso, mais a obediência às regras gramaticais, produz a “imagem de

letramento”, que gera “credibilidade”.

Da “nitidez” da transmissão da mensagem, depende “o intercâmbio das idéias”.

Consoante as concepções adotadas por Gold, por intercâmbio entende-se a compreensão

das idéias do emissor pelo receptor. Para tanto, o texto escrito depende da organização

mental do emissor e do uso do código: “convenientemente”, “sem quebra dos

procedimentos gramaticais”.

Esse advérbio de modo “convenientemente”, refere-se ainda à inclusão, na carta

reescrita, do sujeito gramatical “nós” (entendemos), que representa a empresa.. (Recorte

42) O uso de “nós” remete para o plural majestático do discurso científico: dilui o sujeito

“eu” e, assim, produz efeito de neutralidade, confiabilidade..

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Afastar o sujeito significa preservar a objetividade do texto, isto é, prevenir contra a

“possibilidade de equívoco”, favorecendo a “inteligibilidade”. Eni Orlandi esclarece a

questão do equívoco quando aponta para a distinção fundamental existente entre o

inteligível, o interpretável e o compreensível, as três relações do sujeito com a

significação. Primeiramente, o leitor decodifica o texto, tornando-o inteligível. Depois,

interpreta-o, mas ao fazê- lo apenas reproduz o que já está lá produzido. Ainda, segundo

Orlandi (1988, p. 116),

ao realizar uma relação direta e automática com o texto, a leitura do intérprete não desconstrói o funcionamento ideológico de sua posição como (forma) sujeito-leitor, apenas a reflete.

Pela noção de compreensão sabemos que não há essa relação direta e automática, já que nem o sujeito nem o texto são transparentes e tampouco mantêm uma relação unívoca, termo a termo, quanto à significação.

Aplicando a citação de Orlandi, vê -se que na leitura do texto empresarial, o receptor

não percorre as três etapas. Ele decodifica, interpreta, reproduzindo o que o texto diz. Ele

não alcança a compreensão, pois não desconstrói o funcionamento ideológico de sua

posição como sujeito- leitor, apenas a reflete.

Em outras palavras, Orlandi aponta para a problematização da leitura pelo olhar da

Análise do Discurso.

A compreensão de que nem o “sujeito”, nem o “sentido”, nem o texto são

“transparentes” pode esclarecer sobre “um obstáculo que resiste ao esforço da

comunicação sem mal-entendidos”. “Trata-se da ambigüidade”.

Essa é a pedra no sapato de alguns teóricos que defendem a língua lógica em vez de

questioná- la. Chomsky, por exemplo , coloca a ambigüidade em segundo plano.

Benveniste, por outro lado, vê nela a marca da subjetividade na língua. Cecília Meireles,

poetisa, utiliza-a para compor um belo poema “Ou Isto ou Aquilo”. Publicitários e alguns

políticos também se valem do ambíguo para “vender” produtos e promessas.

A Análise do Discurso, por sua vez, mostra que há muito mais no duplo sentido do

que supõem alguns lingüistas e gramáticos. A história do sujeito o torna ambíguo – ele é,

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ao mesmo tempo, “livre” para determinar o que diz e assujeitado, isto é, determinado pela

linguagem e pela exterioridade . E, se o sujeito não se submeter à língua e à história, ele

não se constitui, ele não diz, nem produz sentidos.

Embora Gold tenha apresentado, no Recorte 45, um texto intitulado Continho para

ilustrar a falta de coerência entre “o que se quer dizer e aquilo que realmente se diz”,

ressaltando a necessidade de no texto empresarial ser preciso “ater-se à significação das

palavras e das idéias” (op. cit., p. 78, grifos nossos), a leitura desse continho pode ser

problematizada, como segue.

As considerações feitas por Gold referem-se ao lingüístico sob o enfoque da língua

como instrumento de comunicação de informações, não possibilitando ao leitor

compreender a relação história/lingua(gem), isto é, o modo como a relações sociais regidas

por relações de poder se inscrevem na história em uma sociedade como a nossa.

(ORLANDI, 2000 [1999])

A análise de Gold fica restrita à intenção comunicativa emissor/receptor. Mas as

condições de produção dos sentidos que fazem parte da leitura discursiva apontam para as

relações de força no interior do discurso “vigário” x “menino nordestino” e exemplificam a

definição pêcheutiana de discurso: discurso é efeito de sentidos entre locutores: vigário x

menino.

Coerente com a teoria da Lingüística Textual que embasa seu livro, Gold no que se

refere à coerência restringe-se aos elementos textuais. Lido discursivamente, o “Continho”

revela duas posições-sujeito diferentes.

Na materialidade lingüística do Continho marcam-se as diferenças entre as condições

materiais de existência dos sujeitos do “sertão de Pernambuco”, na “soalheira danada ”:

“menino magro que está a pé X “vigário gordo a cavalo”. As diferenças estão no jogo

de palavras e em seu efeito de duplo sentido, isto é, nos substantivos que se referem a

posições diferentes na hierarquia social (“menino/ vigário”), nos adjetivos que os

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qualificam (“magro/gordo”), no meio de transporte (“a pé/a cavalo”). O discurso direto

produz efeito de verdade; trata-se de fato do que os dois disseram. O vigário fala do lugar

do adulto, da autoridade religiosa. Interpela o menino (“Você aí”) e se zanga com suas

respostas não-objetivas, porque elas dizem mais do que foi perguntado. Esse diálogo revela

confronto entre os interlocutores.

O nordestino pode ser lido como metonímia. Assim, ele representa o assujeitamento

do sujeito nordestino e de todos os sujeitos, em dois aspectos: 1º. “Pegar a estrada”

significa viver e isto vale para todos os sujeitos; contudo, para o povo do sertão, o viver tem

uma especificidade: ele precisa, concretamente, pegar a estrada para fugir da seca.

Observa-se que o sentido não está dado na expressão “pegar a estrada”, ele é construído,

levando-se em conta as condições de produção do discurso em análise; 2º. Todos os

sujeitos dependem de um outro para serem nomeados e reconhecidos, mas esse “menino,

nordestino, triste, magro, barrigudinho, chamado de Zé”, nome genérico, como Severino,

está, de fato, na “poeira”.

Mostrando a incompreensão, pois cada interlocutor fala de um lugar diferente, Millôr

produz um discurso lúdico, conciso, irônico e revelador, suscitando, ainda, outras questões

como o mito da clareza da comunicação humana e a luta de, a disputa pelos sentidos, entre

sujeitos interpelados pela ideologia. Em outras palavras, trata-se da questão da

subjetividade, entendida não como o que afeta o sujeito, mas como aquilo que o constitui.

O sujeito é sujeito da linguagem e da ideologia.

O “Continho” reitera o fato de que a linguagem não é apenas instrumento de

comunicação de informações, nem se reduz à expressão do pensamento. Ela é a base para o

confronto e a diferença. Os sentidos desse texto não são transparentes Eles se constituem

em uma situação de interlocução historicamente determinada.

Coube a Millôr o mérito de explorar o efeito do duplo sentido que faz parte do

funcionamento da linguagem.

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A ambigüidade aponta para a pluralidade de sentidos. Por essa razão, para não

comprometer a inteligibilidade, precisa ser eliminada do texto empresarial, cujo sentido

deve ser único.

A luta pela univocidade está se globalizando, “no ciberespaço, o texto perde os

vínculos com a cultura em que surgiu”, diz Pierre Lévy. (Recorte 46). O ciberespaço pode

ser pensado como mais um lugar de onde se pode dizer algo; apresenta especificidades no

que se refere à sua produção de sentidos, produz hipertextos. Contudo, textos, hipertextos

não podem ser lidos sem que se leve em conta suas condições de produção de sentidos.

Quanto aos hipertextos, também não escapam do determinismo ideológico de uma

Formação Discursiva Global, cujo trabalho discursivo busca instituir um sentido

universalista.

A Internet como utopia possível que visa à comunicação universal tem como trilha

sonora a canção popular Imagine e faz refletir sobre o desejo político de acabar com a

diferença. O texto de Lévy remete para um já-dito que, por sua vez, também retoma o mito

de Babel da língua única. O discurso científico desse autor ratifica a ideologia da

comunicação clara, precisa, unívoca, que embasa a metodologia da redação empresarial

moderna, informatizada, global, que luta pelo sentido único como se a linguagem fosse

transparente.

. Sujeito-leitor

Há dizeres sedimentados na concepção de leitura de Gold, mas há um dizer

novo, que relaciona, estreitamente, a escrita concisa, simples, clara com a leitura

transparente. Segundo Gold, “quanto menor o esforço do leitor para decodificar o texto, ou

seja, quanto menor for o desgaste mental, mais ele aprenderá sobre a mensagem.” (op. cit.,

p 6) Assim, a escrita empresarial, consoante às injunções da era da globalização, produz

um efeito a ser considerado: a produção de um perfil de um leitor “ideal”, o leitor

“empresarial” (ORLANDI, (org.), 1988, p. 23), já mencionado anteriormente.

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Pode-se construir um paralelo entre a eficácia do texto escrito e sua leitura. Os textos

têm diferentes maneiras de significar. Logo, há diferentes maneiras de se aproximar de um

texto. Pressupõe-se, portanto, que um mesmo indivíduo deva constituir-se em diferentes

sujeitos- leitores, dependendo do texto a ser lido.

Os textos têm suas especificidades e suas semelhanças. Gold destaca que o texto

empresarial difere do jornalístico e do literário (Recorte 47), pois “te m como princípio

fundamental uma resposta objetiva àquilo que é transmitido”. No entanto, há pontos

que merecem ser destacados.

No que se refere à linguagem como instrumento de comunicação de informações,

modernamente, a redação de textos empresariais assim como jornalísticos obedece a

procedimentos semelhantes: padrão culto; períodos curtos; ordem direta; vocabulário usual,

simples; termos coloquiais apenas quando for uma exigência da situação; concisão, clareza,

correção gramatical, objetividade, impessoalidade; superlativos e adjetivos desnecessário s

devem ser evitados, porque expressam subjetividade; uso de verbos de ação e de voz ativa

para estimular o leitor. Ora, essas marcas apontam para uma concepção de escrita

homogênea, unívoca, de fácil leitura.

No que se refere aos recursos expressivos, como metáforas e eufemismos, por

exemplo, sabe-se que seu emprego na poesia objetiva a qualidade estética. No texto

empresarial, quando utilizados, estão a serviço da persuasão. As metáforas mecânicas

como, por exemplo : língua(gem), mola propulsora; língua, veículo de comunicação; texto

empresarial, instrumento de negociação pretendem destacar o raciocínio lógico, técnico,

racional, linear, pois a relação entre os dois termos parece óbvia, tendo em vista que o

segundo termo da comparação é um objeto concreto, isto é, uma fabricação: uma mola, um

veículo, um instrumento. Tais metáforas buscam originalidade sem comprometer a clareza,

a objetividade. Trata-se de uma ilusão, porque a seleção das palavras para construir a

metáfora advém da formação discursiva em que o sujeito se inscreve. Há subjetividade

nessa escolha, portanto.

Quanto ao emprego de eufemismos, (V. página 26), mostrou-se que atualmente na

linguagem corporativa “empregado” passou a ser designado de “colaborador”; “empregada

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doméstica” de “secretária” etc. Essa troca visa a produzir efeito atenuante do sentido de

exploração. Mas a realidade do mundo do trabalho permanece a mesma.

Apesar de Miriam Gold sublinhar a diferença entre o texto empresarial e o literário,

contraditoriamente, algumas vezes, apresentou textos literários, poesias, para ilustrar seu

ensino. Na abertura de seu livro, Gold surpreende o leitor-empresarial com um fragmento

de um poema de João Cabral de Melo Neto em seu estilo conciso, seco, hermético (grifos

nossos):

“um rio precisa de muita água em fios

para que todos os poços se enfrasem:

se reatando, de um para outro poço,

em frases curtas, então frase e frase,

até a sentença-rio do discurso único ,

em que tem voz a seca que ele combate.”

Considerando-se as condições de produção desse poema, lê-se em “discurso

único”, não a univocidade pretendida pelo discurso empresarial, mas as vozes, múltiplas,

em uníssono, dos flagelados da seca. Injunções históricas determinam a linguagem. No

poema de Cabral de Melo Neto, essa linguagem concreta, concisa, seca se faz lugar de

descoberta.

O discurso literário em um manual de redação empresarial poderia surpreender,

não fosse reconhecer nessa prática, a voz do lingüista Jakobson que diz:

“Se o poeta Ranson estiver certo (e o está) em dizer que “a poesia é uma espécie de linguagem”, o lingüista, cujo campo abrange qualquer espécie de linguagem, pode e deve incluir a poesia no âmbito de seus estudos.” (Lingüística e comunicação. São Paulo. Cultriz/Edusp, 1995 [1960], p. 162)

Esse é, portanto, o ponto que pode marcar uma diferença no ma nual de Miriam

Gold. Poemas ensinam sobre a polissemia.

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Para finalizar, das análises feitas, chega-se às seguintes formulações, divididas

em dois pólos:

Pólo parafrástico Pólo polissêmico

Leitura formal Leitura literária/poética

Leitura inteligível Leitura das Formações do Inconsciente:

Leitura reprodutora sonhos, atos falhos, nonsense,

Leitura desambigüizada equívocos, deslizes.

Leitura sem impedimentos

Leitura transparente

Leitura ideal

Leitura persuasiva

Leitura linear

Leitura superficial

Leitura rápida

Leitura empresarial

“Língua imaginária” “Língua fluida”

Análise do discurso

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Para resumir o resultado da prática de leitura discursiva, seguem dois gráficos. O

primeiro mostra que o discurso empresarial constrói-se sobre outros discursos, com os

quais se inter-relaciona, num processo de ir e vir. Em outras palavras, o discurso

empresarial advém do discurso capitalista e re-envia a outros com que ele mantém relações

de sustentação mútua: os discursos educacional, o normativo, o tecnicista, o pedagógico, o

neoliberal, o retórico, o estrategista, o jornalístico, o mercadológico, o da informática, o

científico, o lingüístico etc. As linhas tracejadas significam que não há discurso fechado

em si mesmo, mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados

diferentes. (ORLANDI, 2000 [1999]) O segundo gráfico pinça do primeiro o foco deste

estudo, a inter-relação discurso pedagógico-tecnicista e discurso empresarial. Os recortes

analisados possibilitaram compreender que as concepções de língua, de gramática, de

leitura, sujeito e sentido, vigentes na época em que Oehlmeyer (1963) e Gold (1999)

produziram seus manuais, inscrevem-se na formação discursiva empresarial (dominante) e

na formação discursiva pedagógico-tecnicista. Essas formações são governadas pela

formação ideológica capitalista. Essa ideologia se materializa no discurso empresarial e faz

parte do funcionamento da linguagem. No entremeio dos dois discursos (empresarial e

pedagógico-tecnicista) encontra-se a linguagem empresarial, a língua metálica dos manuais,

“como lugar de descoberta”. (ORLANDI, 2000[1999], p. 96) Assim se construiu um

caminho para chegar às formações discursivas e à formação ideológica, que determinam o

que pode e deve ser dito pelos sujeitos-autores que nelas se inscrevem.

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Gráfico 1. O discurso empresarial e suas inter-relações com outros discursos.

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Gráfico 2.

Formação social: sociedade da informação e da globalização

Formação Ideológica: capitalista

FD = Formação Discursiva

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5.6. À guisa de conclusão

A relação língua(gem) /discurso/ condições de produção/ história orientou essa

análise, possibilitando perceber que, tanto no livro de Oehlmeyer, de 1963, quanto no de

Gold, de 1999, os sentidos dos textos continuam sendo tratados, essencialmente, no interior

de uma determinada concepção de língua(gem), balizada pelo idealismo , que apaga as

condições concretas da disputa pelos sentidos.

Embora não rompam com a matriz autoritária que determina as relações de poder da

sociedade capitalista e que se materializa no discurso empresarial via discurso pedagógico-

tecnicista, os dois autores, ao mesmo tempo, em que buscam produzir uma língua(gem)

comercial/empresarial formal, resvalam na contradição entre “língua imaginária” / “língua

fluida”. Essa contradição verificada nos manuais dos dois autores, não corrobora com a

teoria por eles apresentada, ao contrário, possibilita problematizá- la. Recortar, destacando

essas contradições, representou um dos critérios da seleção dos enunciados desta

dissertação.

Os condicionamentos lingüísticos, historicamente determinados, que caracterizam as

Formações Discursivas Pedagógico-tecnicista e Empresarial, de onde Oehlmeyer e Gold

retiram sua teoria, fazem com que o discurso pedagógico tecnicista seja mostrado como

um instrumento de precisão, de clareza, de objetividade das idéias a serem transmitidas

pelo discurso empresarial. Mais ainda: uma “mola de sobrevivência e de lucro”.

Tendo em vista as condições de produção de cada um dos manuais analisados,

verifica-se que, para elaborar o “Processo da Assimilação”, Oehlmeyer norteia-se pelo

português de Portugal, por um ideal de língua única, inspirado no método de redação do

Professor Carlos Góis. Gold atualiza o método de Oehlmeyer, fundamentando-se em

algumas das novas teorias lingüísticas que surgiram a partir dos anos 60 e na influência

atual do estilo americano. Assim, elabora um manual para ensinar a escrever “com sucesso

na Era da Globalização”.

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O livro de Gold contextualiza e justifica sua produção na e pela era global. Em

algumas partes, faz menção ao texto empresarial antigo para mostrar sua inadequação hoje.

Esse já-dito (Oehlmeyer-1963) – interdiscurso – presentifica-se no intradiscurso da autora.

Por outro lado, apesar das diferenças que foram apontadas nesse capítulo, que analisou a

concepção de língua, gramática, leitura: sujeito/sentido, permanece em Miriam Gold

(1999) a mesma busca de uma comunicação sem equívocos de Oehlmeyer (1963).

Apesar de Miriam Gold reconhecer que a língua é um sistema sujeito a falhas, os

equívocos são por ela explicados pelo uso indevido do código, da língua portuguesa. Da

mesma forma, em Oehlmeyer. Contudo, para a Análise do Discurso as falhas, a não-

transparência da linguagem, não são da ordem da langue, mas da lalangue – o real da

língua-, isto é, o impossível de ser dito a não ser pelo deslize . Milner, no prefácio de seu

livro O Amor da Língua, esclarece:

O campo freudiano é co-extensivo ao campo da palavra. Mas a palavra em si mesma não vai em todos os sentidos, chocando-se sem cessar a isto: tudo não se diz. Pois há um impossível próprio à língua, que volta sempre ao seu lugar, do qual alguns chegam a se tomar de amores – aqueles que denominamos “puristas” -: os “diga, mas não diga”, a regra, o uso soberano, dito de outra forma um real. Este real, o ser falante tem de se arranjar com ele: o que há de espantoso que ele tente, no sentido próprio, domesticá-lo, com esta ciência que se diz gramática, com esta ciência que se diz lingüística? (1987:p.7, grifos nossos)

As falhas “podem ser esclarecidas pelo discurso freudiano: na alíngua, concebida

desde então como não representável pelo cálculo – isto é, como cristal -, elas são os espaços

onde o desejo se espelha e o gozo se deposita.” A alíngua, em outras palavras, é a

linguagem de um saber inconsciente. (op. cit. p. 8)

Sem perder de vista que “a condição da linguagem é a incompletude” (ORLANDI,

2000 [1999], p. 52), as análises feitas neste capítulo, a partir das questões recortadas dos

títulos dos dois livros – como é o “Processo da Assimilação” (Oehlmeyer, 1963) e como se

“escreve com sucesso na Era da Globalização” (Gold, 1999) – buscaram, via discurso

pedagógico, produzir algumas reflexões sobre o discurso empresarial.

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Para ler esses dois livros, utilizou-se, como contraponto à concepção de língua como

instrumento de comunicação de informações, a de língua como discurso, entendendo-se o

discurso como lugar de interação e de conflito, pois é nele que se materializa o encontro

entre o lingüístico e o ideológico.

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Desscobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença

delas.

Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

-Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da

vida um certo gosto por nadas...

E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas –

Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de agramática.

Manoel de Barros (grifos nossos)

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6. Conclusão

Tudo não se diz.

Milner

Este estudo sobre o discurso empresarial, via discurso pedagógico, objetivou refletir

sobre a formação de um sujeito-leitor menos ingênuo em sua relação com a linguagem.

São cinco capítulos, independentes, cinco práticas de linguagem escrita reflexiva, que, no

entanto, se inter-relacionam pela temática comum: a leitura discursiva.

No primeiro capítulo, a re-leitura do Curriculum Vitae, um documento empresarial

padronizado, cronológico, linear, com princípio, meio e fim, é posto em questão para dar

voz ao discurso da secretária na posição de autor e ao discurso da professora, na posição de

reprodutora de manuais de redação empresarial/oficial. Esse Curriculum traz a memória de

um efeito produzido pela ideologia da comunicação precisa, lógica, universal, que instaura

uma concepção de língua completamente asséptica, formal e transparente.

A Carta de Apresentação (capítulo 2) enviada à Banca Examinadora discorre sobre o

estudo que se quer produzir, a partir do mal-estar que um trabalho lingüístico (e não-

lingüístico), repetitivo, mecânico, cristalizado no pólo parafrástico pode produzir em

qualquer trabalhador. Nesse documento, procurou-se elaborar uma proposta de investigação

do discurso empresarial, fundamentando-a teoricamente em autores de peso, para justificar

a relevância de se experimentar uma nova prática de leitura nas salas de aula de cursos

técnicos, como os do SENAC.

O terceiro capítulo enfoca a teoria da Análise de Discurso de Michel Pêcheux, já

utilizada desde o primeiro capítulo, explicitando os conceitos a serem empregados para

fazer trabalhar as contradições entre o sistema lingüístico (a langue) e as determinações

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não-sistêmicas – o equívoco, a falha, o nonsense (lalangue) – que “à margem do sistema se

opõem a ele e intervêm sobre ele”. (PÊCHEUX, 1988, p. 22)

Para fazer trabalhar essa teoria, isto é, para praticá- la na análise do corpus empírico,

desenhou-se uma metodologia que fizesse pensar o funcionamento da linguagem, do

discurso, como palavras, sujeitos, sentidos, em movimento, indo e vindo, entre a paráfrase e

a polissemia. Um dispositivo analítico vivo, dinâmico, com som, com ritmo, com

poeticidade para passar do texto ao discurso.

Com a teoria organizada nesse enfoque pendular, no capítulo cinco, a prática foi-se

consubstanciando pela leitura discursiva dos recortes dos dois livros. Nas capas, nos títulos:

as pistas; na metodologia dos autores, em sua concepção de língua, de gramática, de leitura:

sujeito/sentido: as questões a serem descobertas nas marcas lingüísticas. Pouco a pouco,

foi-se desfazendo a ilusão de que aquilo que estava sendo dito nos recortes só poderia ser

dito daquela maneira.

Esse percurso opaco da superfície lingüística até o processo discursivo resultou em

algumas conclusões, que se dividem em dois pólos: 1. o parafrástico, da produtividade; 2. o

polissêmico, da criatividade.

1. Pólo parafrástico

A análise do corpus conc luiu, via discurso pedagógico, que na produção de sentidos

do discurso empresarial há predominância do pólo parafrástico. Tal predominância resulta

da utilização de instrumentos lingüísticos no ensino da língua, mais especificamente, da

língua padrão, formal, a ser utilizada na redação empresarial e oficial. Em Oehlmeyer

(1963), a gramática normativa serve de instrumento, instituindo a polarização certo/errado;

em Gold (1999), não só a gramática normativa, mas também a lingüística. Daí, a oscilação

da autora entre certo/errrado e adequado/inadequado.

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Esses dois instrumentos (gramática e lingüística) suste ntam a padronização da

língua(gem) empresarial. Em Gold, no entanto, o título Escrevendo com sucesso na Era da

globalização marca a forte repercussão de mercado. (ORLANDI, 2002) Uma certa norma

culta, a da classe dominante, atua como um pré-construído a partir do qual os livros de

Oehlmeyer e de Gold produzem um paradigma para a escrita comercial/empresarial. O

discurso pedagógico a serviço do discurso empresarial “legisla” sobre a língua(gem),

instituindo a língua(gem) escrita formal como a única a ser utilizada no texto

empresarial/oficial. (ORLANDI, 2001) Modelos, técnicas, fórmulas, regras, “organizados à

maneira de uma máquina lógica” (ORLANDI, 2000, p. 22) constituem rituais - práticas

lingüísticas vinculadas às práticas sociais - que produzem efeitos de homogeneização e de

apagamento da subjetividade. Os manuais, sem perder de vista as condições de produção

de cada um (condições sócio -históricas), constituem-se eles mesmos em instrumentos

lingüísticos: Oehlmeyer, em 1963; Gold, em 1999. Contudo, os autores desses manuais

guardam uma relação tênue com os cronistas. São textos datados. No seu estilo didático, no

sub-texto de sua normatização, há um registro histórico. Miriam Gold, cujo livro é mais

recente, sob modelos e fórmulas para escrever com sucesso, narra as implicações que a

sociedade da informação produz tanto no plano econômico, como no político e no

pedagógico.

Terminada a análise dos dois livros, pode-se construir uma compreensão provisória

para Discurso empresarial como sendo a produção de sentidos de quem fala do lugar da

empresa, a partir de um direito reconhecido pela instituição empresarial. Esse discurso que

veicula o saber institucional gera poder, por isso sua produção de sentidos se vale de certos

procedimentos que buscam preservar o poder adquirido, como a correspondência

empresarial - instrumento para fechar negócios, dos quais dependem a sobrevivência, o

lucro e o poder. (BRANDÃO, 1994)

No discurso, há o encontro da linguagem com a ideologia. A ideologia forja imagens

e as concretiza como reais na materialidade lingüística. O sujeito ideológico, sujeito

assujeitado pela linguagem e pela ideologia, na Formação Ideológica capitalista encarna a

imagem do sujeito empreendedor, sujeito do capitalismo, sujeito-de-direito, senhor de sua

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própria vontade, único responsável por seu sucesso profissional. Esse sujeito empreendedor

é um efeito de sentido do discurso empresarial. Mas os sujeitos não percebem que eles não

estão nas imagens. Eles estão na linguagem, nas palavras, pois são sujeitos de linguagem.

Portanto, no que se refere aos dois livros analisados, eles se inscrevem na Formação

Ideológica capitalista. Esta, na análise aqui empreendida, se compõe de duas Formações

Discursivas: a empresarial (a dominante) e a pedagógica-tecnicista. É por estarem inscritos

nessas duas Formações Discursivas que os dois manuais estruturam sua metodologia da

forma como o fazem: o “Processo da Assimilação”, em Oehlmeyer (1963) e o método para

escrever “com sucesso na Era da Globalização”, em Gold (1999). São as Formações

Discursivas que determinam “o que pode e deve ser dito”. É delas que provém o saber

autorizado sobre os efeitos das palavras. (V. gráfico 2, página )

Resta ainda a questão-título: Língua(gem), mola propulsora?

Sabe-se que o homem não fabrica a linguagem, pois esta o constitui. Contudo é com a

língua(gem) que ele constitui seus dizeres. Língua(gem), mola propulsora pode ser

pensada como uma fórmula ideal, mágica, que forja uma imagem de ascensão social, que

fomenta a ideologia do sucesso e impera sobre os sujeitos. Nela se condensa a concepção

empresarial de língua(gem) como instrumento de comunicação, de persuasão, de

fechamento de negócios. Assim, pode-se agora sintetizar as formulações feitas durante a

análise dos recortes da seguinte forma:

Língua padrão

Gramática padrão

Gramática textual

Leitura parafrástica Língua(gem), mola propulsora.

Sujeito igual a si próprio,

consciente e autônomo

Sentido único

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No ambiente corporativo, o “bom” uso do idioma, isto é, dentro do padrão culto, vem

sendo mostrado pela mídia como um meio de obter sucesso. A construção dessa imagem de

sujeito-profissional bem-sucedido pelo uso de uma determinada variedade da língua, a

padrão, exemplifica o modo de gerenciar os sentidos do discurso empresarial. O vínculo

escrita-sucesso-globalização é um efeito de sentido desse discurso.

Essa fórmula empresarial, decomposta na página anterior, aponta para a

homogeneização da língua(ge m), dos sujeitos e dos sentidos. Ao apagar as diferenças,

produz-se um mercado global para consumidores globais. Mas para responder à questão-

título é preciso entender a metáfora que ela constrói. Para apreender sua sutileza, para

ressaltar sua impropriedade, constrói-se uma possível antítese, como segue.

Língua(gem), mola propulsora? “Língua fluida” ou “língua imaginária”?

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Pode-se, então, responder, dizendo: Depende. Depende de que lugar essa fórmula

está sendo dita. Sabendo-se que ela provém do Discurso Empresarial, essa língua(gem),

mola propulsora representa não a “língua fluida”, mas a “imaginária”. (ORLANDI, 2002,

p. 22)

Mas importa desfazer a polarização. Afinal, o que se lê na poesia de Manoel de

Barros, que abre essa conclusão (p. 107), é uma bela homenagem à língua(gem) em toda

sua potencialidade. O tema do poema é, ao mesmo tempo, a língua(gem) padrão “as

estradas” e a não-padrão “os desvios”. Para autorizar-se de sua autoria, o poeta que “gosta

de fazer defeitos na frase”, precisa conhecer extremamente bem seu idioma, em todas suas

variantes, registros e sotaques. Precisa virar do avesso os instrumentos lingüísticos, as

gramáticas, as lingüísticas, os dicionários, os manuais, para “saber errar bem o seu idioma”.

O poeta re-significa o sedimentado “fazendo defeitos na frase”. Re-significa também o

“sujeito escaleno”. Ele passa a ser “de bugre”, que “bugre só pega por desvios, não anda

em estradas – pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas...” Por tudo isso, o

professor de agramática “se riu”.

2. Do pólo produtividade para o da criatividade .

Para prosseguir com a reflexão, propõe-se, como contraponto, oscilar do pólo da

produtividade desejada pela língua(gem) empresarial para o da criatividade. Para tanto,

sugere-se a linguagem poética de Manoel de Barros, que rompe com um processo de

produção de língua(gem) regido por manuais, deslocando regras e fazendo irromper

sentidos diferentes.

Em “História Concisa da Literatura Brasileira”, página 488, diz Bosi:

“Hoje, muitos textos literários encenam o teatro da dispersão pós-moderna e suas tendências centrífugas; atomizam-se motivos, misturam-se estilos e as sensibilidades mais agudas expõem ao leitor a consciência da própria desintegração.

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Em face desse quadro, impensável sem a aceleração dos processos modernizantes do capitalismo e da indústria cultural , vale ressaltar, pelo contraste a coerência vigorosa e serena da palavra de Manoel de Barros, nascida em contacto com a paisagem e o homem do Pantanal e trabalhada em uma linguagem que lembra, a espaços, a aventura mitopoética de Guimarães Rosa.” (grifos nossos) (1)

É o contraste, o diferente, o outro, que põe a língua(gem) em movimento e a faz

oscilar da produtividade para a criatividade, como se busca representar no gráfico a seguir.

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A escolha do poeta Manoel de Barros justifica-se por suas idéias de incompletude, de

vazio, por sua desconstrução da linguagem, por sua constante redescoberta das palavras,

por seus versos que se afastam da norma, que rompem com a visão asséptica, por suas

paródias: idioleto manoelês - resistência lingüística.

“Só se pode renovar o mundo, renovando a linguagem”, diz Guimarães Rosa. E Manoel

de Barros segue essa vereda. Com seu experimentalismo lingüístico, seus exercícios

poéticos, com a força expressiva de seus prefixos que indicam ação contrária, com suas

antíteses. Assim, com esse trabalho lingüístico, simbólico, resiste à absorção pela nova

ordem econômica mundial.

Em entrevista concedida ao Jornal O Estado de São Paulo, em 2001, Manoel de Barros

adverte:

- Estado – Você vive em uma região brasileira em que a natureza, mal ou bem, ainda resiste. Há futuro para a natureza? - Barros – No grande futuro, não sei o que seja, acho que o homem vai pedir pelo amor de Deus para conhecer uma árvore, um passarinho, um cavalo. Tenho medo que a ciência acabe com os cavalos, com a luz natural, com as fontes do ser. Aquela liberdade que o homem tem de se sentir livre para o silêncio das árvores não vai ter mais. O idioma não vai ser vir mais para celebrar . O ser não vai mais comungar com as coisas. A imaginação não vai mais desabrochar, porque os nossos desejos e fantasias serão realizados. O mundo vai ter outro cheiro. Salvo não seja.” (grifos nossos) (1)

Para que “Salvo não seja.”, isto é, para que se possa resistir ao assujeitamento a um

imperialismo teórico, à produção de “um perfil de leitor “ideal”, o leitor “empresarial”, o

que domina a quantidade, e que tem uma leitura linear, superficial, de “aparência”,

pragmático, que não “saboreia” a leitura” (ORLANDI (org.), 1998, p. 23) propõe-se a

prática da leitura da Análise de Discurso de Michel Pêcheux – coerente com as relações de

força do mundo nada apaziguador da economia e dos negócios globalizados – que, ao

considerar a tensão entre o Um e o Múltiplo, vai além da Lingüística, põe em conflito e faz

do entremeio seu lugar de descoberta.

(1)Jornal da Poesia-José Castello – http://www.secrel.com.br/jpoesia/castel09.html

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Coerente com a concepção de linguagem como trabalho, como produção social,

acredita-se que esta dissertação possa contribuir para uma nova prática de leitura a ser

pensada como uma Roda de Leitura, cujas práticas articulem o lingüístico com a história,

o lingüístico com o poético, a leitura com a escrita. Mas essa é uma proposta para um outro

estudo.

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PFEIFFER, Claudia C. Introdução às ciências da linguagem – Linguagem, história e conhecimento. Claudia Castellanos Pfeiffer e José Horta Nunes (orgs.), Pontes Editores, 2006: Campinas, SP. ROSSI-LANDI, Ferruccio. A linguagem como trabalho e mercado: uma teoria da produção e da alienação lingüísticas. Tradução de Aujrora Fornoni Bernardini. São Paulo: DIFEL, 1985. SODRÉ, Muniz. O discurso da neobarbárie. In: Globalização, mídia e cultura contemporânea. Denis de Moraes (org.)Campo Grande: Letra Livre, 1997. TEIXEIRA, Marlene. Análise de discurso e psicanálise: elementos para uma abordagem do sentido no discurso. 2ª. Ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. WEEDWOOD, Bárbara. História concisa da Lingüística. Bárbara Weedwood; [trad.] Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. ZANOTTO, Normelio. E-mail e carta comercial: estudo contrastivo de Gênero Textual. Rio de Janeiro, RJ: Lucerna; Caixas do Sul, RS: Educs, 2005. . Em suporte on-line: CASTELLO, José. “Manoel de Barros busca o sentido da vida”. Disponível em Jornal de Poesia – José Castello: http://www.secrel.com.br/jpoesia/castel09.html. Acesso em 17/2/2008. MAI 1968 (FRANCE). Un article de Wikipédia, l’encyclopédie libre. Disponível em http://fr.wikipedia.org/wiki/Mai_1968_(France). Acesso em 19/4/2007. SOIXANTE-HUITARD. Un article de Wikipédia l’encyclopédie libre. Disponível em: http://wikipedia.org/wiki/Soixante-huitard. Acesso em 19/4/2007.

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8. ANEXOS

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