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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA JOÃO PAULO HENRIQUE PINTO NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO: caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992) Niterói 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

JOÃO PAULO HENRIQUE PINTO

NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:

caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)

Niterói

2013

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João Paulo Henrique Pinto

NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:

caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)

Monografia apresentada à Universidade

Federal Fluminense como requisito parcial

para a obtenção do título de bacharel em

História

Orientador: Professor Doutor Marcelo Bittencourt

Niterói

2013

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João Paulo Henrique Pinto

NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:

caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)

Monografia apresentada à Universidade

Federal Fluminense como requisito parcial

para a obtenção do título de bacharel em

História.

Aprovado em _____ de __________________________ de ________.

BANCA EXAMINADORA

Marcelo Bittencourt

(orientador)

Alexsander de Almeida Lemos Gebara

(leitor crítico)

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RESUMO

Este trabalho tem como tema central a análise da construção de uma identidade nacional para

Angola segundo o MPLA. Para isso, a pesquisa procura compreender os múltiplos discursos

presentes no interior do MPLA sobre a questão da identidade nacional angolana desde a

fundação do movimento até o ano de 1992, momento em que Angola tem sua primeira eleição

multipartidária. Para isso, são abordados as três principais fases: (i) a formação do MPLA e a

definição das suas bases ideológicas durante a guerra de libertação nacional (1962 a 1975);

(ii) a ascensão do MPLA ao poder após a independência de Angola e a tentativa de construção

do socialismo, quando foi colocado em prática o projeto de criação do Homem Novo (1975-

1986); (iii) a desistência da implementação do socialismo em Angola, a abertura à democracia

e as eleições de 1992 (1986 a 1992).Não tenho como objetivo fazer uma história detalhada de

Angola ou do MPLA, mas sim compreender os momentos mais importantes da história

angolana que influenciaram a definição da identidade nacional angolana.

PALAVRAS-CHAVE: Angola, MPLA, Homem Novo, identidade nacional angolana,

nacionalismo.

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ABSTRACT

The main subject of this work is the analysis of the construction of a national identity for

Angola according to the MPLA. Therefore, the investigation intends to comprise the multiple

present speeches in the interior of the MPLA on the question of the Angolan national identity

from the moment of the foundation of the movement until the year of 1992, when Angola has

his first multiparty election. For this, are tackled the three main phases: (i) the training of the

MPLA and the definition of its ideological bases during the war of national release (1962 to

1975); (ii) the ingress of the MPLA to the government after the independence after the

independence of Angola and the attempt of construction of the socialism, when the project of

creation of the New Man first started (1975-1986); (iii) the waiver of the implementation of

the socialism in Angola, the opening to the democracy and the elections of 1992 (1986 to

1992).I do not have the purpose to detail the history of Angola or of the MPLA, but to

enlighten the most important moments of the Angolan history that influenced the definition of

the national angolan identity.

KEYWORDS: Angola, MPLA, New Man, Angolan national identity, nationalism.

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SUMÁRIO

Introdução ……………….………………………………………………………………........8

1 O nascimento do Homem Novo – definições e usos da ideia de nacionalidade

angolana(1962 a 1975) ............................................................................................................ 11

1.1 A formação dos movimentos nacionalistas angolanos ....................................................... 14

1.2 O debate sobre a questão racial no MPLA .......................................................................... 24

1.3 As contradições inerentes ao uso político de uma identidade ........................................... 33

2 A vida do Homem Novo angolano – aplicação e repercussão de um projeto nacional

(1975-1986) .............................................................................................................................. 43

2.1 Ascensão ao poder, crise e definição ideológica: a formação das bases para a criação do

Homem Novo .................................................................................................................................... 45

2.2 O surgimento do Homem Novo angolano ........................................................................... 51

2.3 Desgaste econômico e guerra civil: empecilhos para a construção do Homem Novo ...... 61

3 A morte do Homem Novo angolano – da unicidade à multiplicidade identitária

(1986-1992) .............................................................................................................................. 68

3.1 A mudança ideológica do MPLA e suas consequências econômicas e políticas ................ 70

3.2 As campanhas eleitorais e a redefinição do projeto nacional do MPLA ............................ 75

Conclusões............................................................................................................................... 84

Referências Bibliográficas....................................................................................................... 91

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Introdução

O colonialismo português em Angola se estendeu durante um grande período.

Somente nas décadas de 1940 e 1950 os angolanos passaram a se manifestar mais claramente

em oposição ao colonialismo. Desde aquele momento, uma questão central passou a ter

espaço na sociedade: quais seriam os traços definidores da identidade nacionalangolana?

Diversas formas de entendimento da identidade nacional angolana foram esboçadas,

envolvendo questões relativas à cultura, às raças, às etnias e ao sentimento de pertencimento à

nação, temas que se tornaram o foco de calorosos debates para a definição da identidade

nacional angolana.

Este trabalho tem como temática central o entendimento da construção da identidade

nacional segundo a visão do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). É

importante ressaltar de início que houve muitos momentos em que esta identidade nacional foi

discutida no interior do movimento e pouquíssimas vezes houve consenso sobre os aspectos

que a definiam. Muitas vezes os debates sobre a questão se mostraram elementos que

contribuíram para rupturas no interior do MPLA.

As grandes dificuldades encontradas pelo MPLA para a definição da nacionalidade

angolanacorriam em paralelo às dificuldades inerentes à divisão do nacionalismo em Angola.

A concorrência entre os movimentos de libertação também se manifestava pelas divergências

sobre a definição da identidade nacional, sendo que houve múltiplas formas de entendimento

da nacionalidade angolana.

O recorte dado neste trabalho engloba apenas as definições dadas pelo MPLA a

respeito da identidade nacional angolana. Apesar de visitar diversos momentos da história de

Angola e do MPLA, este trabalho não tem como objetivo fazer uma história pormenorizada e

minuciosa daquele país e daquele movimento. Pretendo simplesmente analisar e entender os

caminhos para a construção da ideia de identidade nacional de Angola.

No primeiro capítulo deste trabalho, será analisado o momento de formação do

MPLA e a luta anticolonial, momento marcado pela concorrência entre MPLA e os demais

movimentos de libertação angolanos. A Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida

em 1962 será de grande importância para a definição da identidade nacional angolana, uma

vez que intensos debates sobre a questão racial, étnica e identitáriaseriam travados neste rico

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espaço de discussão política. A partir destes debates, será possível a compreensão das bases

que definiram a concepção de identidade nacional do MPLA.

Ainda no primeiro capítulo, analisarei alguns eventos em que a discussão sobre a

identidade nacional angolana serviu como um instrumento político para a repressão de alguns

movimentos de contestação à direção do MPLA. Para isso, será necessário analisar a Revolta

do Leste, evento que ocorreu em finais da década de 1960 e início da década de 1970. A

análise deste evento, demonstrará como o núcleo dirigente do MPLA agia em relação às

contestações internas e como a definição de identidade nacional era acionada como um

instrumento político de grande poder.

O segundo capítulo tem como recorte cronológico o período em que o MPLA-PT, já

dominando o poder do Estado angolano, se propôs a implementar o socialismo em Angola.

Neste período, as lideranças do partido/Estado apresentaram a ideia de criar um Homem Novo

e uma nova cultura angolanos, que se baseariam muito em aspectos definidos e discutidos

durante a história do movimento, principalmente na Primeira Conferência Nacional trabalhada

no primeiro capítulo.

O projeto de construção do Homem Novo será analisado dando ênfase à necessidade

do Estado angolano lidar com a pluralidade cultural existente em Angola e a forma que esta

diversidade integrou o projeto de construção de uma identidade nacional. Buscarei apresentar

as formas como o MPLA-PT tentou construir o Homem Novo angolano, através da educação,

do domínio de organizações sociais e dos discursos dos líderes do partido que faziam

referência à necessidade de criação do Homem Novo.

Como referencial teórico para a análise deste projeto de construção nacional,

utilizarei a obra “Nações e nacionalismos desde 1780”, de Eric Hobsbawm, onde o autor

defende a ideia de que as nações são fenômenos duais construídos geralmente pelo alto (elites

que dominam o Estado), mas que não podem de maneira alguma ser compreendidas sem que

se analise a repercussão das propostas deste projeto de construção de nação1.

Desta maneira, tenho como objetivo do segundo capítulo entender qual foi a

repercussão do projeto de construção do Homem Novo e da nova identidade nacional

1 HOBSBAWM, Eric. “Nações e Nacionalismos desde 1780 – programa, mito e realidade”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.p. 21

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angolana que o MPLA-PT tentou construir. Sem entender a repercussão e a adesão ao projeto,

não há como avaliar profundamente a relevância e os resultados alcançados por ele.

No terceiro capítulo, trabalharei com o período em que o MPLA abandona

oficialmente a tentativa de construção do socialismo em Angola e passa por uma abertura

econômica e política (transição ao multipartidarismo). Já que o projeto de construção do

Homem Novo angolano se baseava muito em critérios político-ideológicos, isto é, na adesão

dos cidadãos ao marxismo-leninismo, a questão da identidade nacional angolana passou por

uma nova etapa. Sendo assim, o terceiro capítulo deste trabalho pretende entender esta

mudança ocorrida na ideia de identidade nacional após a liberalização do regime,

evidenciando quais eram os valores definidores da nacionalidade angolana naquele momento.

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1 O nascimento do Homem Novo – definições e usos da ideia de nacionalidade

angolana(1962 a 1975)

Neste primeiro capítulo, tenho como principal objetivo apresentar o surgimento da

ideia de identidade nacional criada pelo MPLA nos primeiros anos após sua formação e os

principais debates em torno desta questão. Para isso, será necessário tocar em algumas

questões que seriam relevantes para a formação desta ideia de nacionalidade composta pelo

movimento. Neste sentido, será apresentado o contexto em que o MPLA e os demais

movimentos de libertação angolanos se formaram, pois foi neste momento inicial da luta de

libertação que estes movimentos assumiram uma concepção de identidade nacional que seria

uma importante base dos projetos de nação destes grupos. Será dada ênfase no processo de

formação do MPLA em comparação aos demais movimentos de libertação, já que este

trabalho versa sobre a ideia de nacionalidade deste movimento. De forma complementar, será

apresentada a formação da União das Populações Angolanas/Frente Nacional de Libertação

de Angola (UPA/FNLA), principal movimento de libertação concorrente do MPLA no

momento inicial da luta de libertação, e da União Nacional pela Independência Total de

Angola (UNITA).

Após a apresentação do contexto em que os principais movimentos de libertação

nacional angolanos surgiram, será feita uma incursão por alguns dos mais importantes

momentos vividos pelo MPLA nas décadas de 1960 e 1970. Refiro-me à Primeira

Conferência Nacional do movimento ocorrida em 1962 e à Revolta do Leste, iniciada em

1968 com a Revolta Jiboia e, já na década de 1970, a Revolta Chipenda, iniciada em 1972.

Na Primeira Conferência Nacional do MPLA, houve um intenso debate acerca da

questão racial no interior do movimento. Nesta discussão, Viriato da Cruz e Agostinho Neto

polarizam o referido debate, tornando a análise deste evento bastante significativa para a

compreensão da concepção de identidade nacional formulada pelo MPLA, já que este foi um

embate entre dois dos principais líderes do movimento. Desta Primeira Conferência Nacional,

saíram vitoriosas as ideias defendidas por Agostinho Neto, fato determinante para a aplicação

da concepção de identidade nacional que seria posta em prática a partir de 1975.

Uma vez apresentados os principais debates que definiram a concepção de identidade

nacional oficial do MPLA, passarei a trabalhar com alguns momentos em que o Comitê

Diretor do movimento fez uso dos argumentos definidos na Primeira Conferência Nacional

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sobre a questão da nacionalidade. Neste sentido, serão trabalhados dois momentos em que a

direção do MPLA foi contestada pelas bases do movimento e a forma como a direção agiu

para reprimir estas contestações. Para que seja possível a compreensão das causas da Revolta

do Leste, será necessária a apresentação das condições que marcavam a guerrilha na região

durante a década de 1960.

Como foi dito acima, a primeira fase das contestações à direção do MPLA promovidas

pela Revolta do Leste ocorreu na Revolta Jiboia iniciada em 1964. Neste primeiro evento de

contestação à direção do MPLA, surgiu a primeira manifestação político-identitária dos

guerrilheiros do Leste, sendo que a direção do movimento julgou necessário agir no sentido

de reprimir os questionamentos.

Com a intenção de resolver os problemas levantados pelos manifestantes da Revolta

Jiboia, a direção do MPLA designou Daniel Chipenda, um dos membros do Comitê Diretor,

para servir como intermediário entre as duas partes envolvidas na questão. Ao tomar

conhecimento dos questionamentos feitos pelos guerrilheiros da Revolta Jiboia, Chipenda

amplificou a voz dos descontentes, levando suas propostas ao Movimento de Reajustamento

promovido pelo MPLA. Neste momento, a questão racial voltou a ser debatida pelos

militantes do movimento. A partir de então, iniciou-se a segunda fase das Revoltas do Leste

com a Revolta Chipenda, até 1974, um movimento de grande vulto que geraria uma ruptura

no interior do MPLA.

Interessará, sobretudo, apresentar a forma como a direção do MPLA agiu em relação à

Revolta do Leste. Será evidenciado que o argumento da identidade nacional definido na

Primeira Conferência Nacional do MPLA em 1962 daria base à repressão ao movimento

contestatário, o que permite que se faça uma análise sobre a apropriação da definição de

identidade nacional de acordo com as necessidades políticas do movimento. Ficará

evidenciado que, em algumas ocasiões, o pragmatismo político guiou as ações do MPLA.

Este capítulo se encerrará quando uma nova situação política leva o MPLA ao poder

de Estado angolano. No poder, o projeto de identidade nacional proposto pelo MPLA ganhará

força para ser aplicado à realidade de Angola, junto à ideia de construção de um Homem

Novo e a homogeneização cultural dos povos angolanos. A aplicação deste projeto de

nacionalidade angolana será o tema do segundo capítulo. É necessário ressaltar que as bases

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para este projeto se encontram neste primeiro capítulo, principalmente nas definições da

Primeira Conferência Nacional do MPLA.

Por fim, resta mencionar as fontes que serão utilizadas para o desenvolvimento desta

primeira etapa da pesquisa.Como a ênfase principal do capítulo será a formação do MPLA e

os principais debates ocorridos no interior do movimento, serão utilizados como fontes alguns

documentos produzidos nos momentos de crise que serão analisados neste primeiro capítulo.

Serão utilizadas também como fontes algumas entrevistas feitas com os principais dirigentes

dos movimentos de libertação angolanos que iniciaram a luta anticolonial.

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1.1 A formação dos movimentos nacionalistas angolanos

O desenvolvimento das manifestações anticolonialistas na África Portuguesa

ocorreusobretudoa partir da década de 1950. O surgimento destes movimentos contestatários

não pode ser entendido sem que se considere a questão elevando-a a um nível global, pois a

conjuntura mundial da época indicava grandes dificuldades e transformações no colonialismo

europeu na Ásia e na África.

Após a Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, o

colonialismo entrou em declínio, pois esta instituição se posicionava contrariamente ao

domínio europeu sobre osterritórios afro-asiáticos. Além do crescente anticolonialismo das

Nações Unidas, a Guerra Fria também se mostrava influente em relação à causa anticolonial,

pois EUA e URSS disputavam áreas de influência na Ásia e na África, de maneira que o

colonialismo nos arcaicos moldes empregados por Portugal também era condenado pelas duas

superpotências de então.

Enquanto nos Impérios Britânico e Francês eram demonstradas evoluções no sentido

de modificar as estruturas coloniais, o Império Português dava sinais de reforçaro domínio

sobre suas colônias africanas. Devido a esta situação de contestação do colonialismo em

escala global, Portugal empreendeu uma reforma em seu Império Colonial, convertendo-o em

um conjunto de províncias ultramarinas. Obviamente a reforma proposta pelos portugueses

não alterou a situação vivida em África, pois não passava de uma forma de maquilar uma

situação colonial que passava a ser contestada. 2

Além desta falsa reforma no sistema colonial português, percebe-se que na década de

1950 houve um intenso crescimento da emigração de portugueses à África, processo que

ocorreu concomitantemente ao aumento da repressão sobre contestações da ordem colonial.

Para que se possa mensurar o recrudescimento da repressão portuguesa, em 1957, a Polícia

Internacional de Defesa do Estado (PIDE) abriu delegações em todos os territórios africanos e

começou a organizar uma grande rede de informantes para a repressão de possíveis

contestações da ordem colonial.

2HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos - O Breve Século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,

1995.

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Em Angola, uma agitação anticolonial já começava a dar seus primeiros passos desde

a década de 1940. Nesta fase inicial da contestação do colonialismo português em Angola,

pequeniníssimos grupos anticoloniais se diziam representantes de um movimento nacional,

mas não conseguiam superar as suas bases locais. Naquele momento, a fragmentação do

movimento anticolonialista angolano era uma das suas principais características. A

concentração destes grupúsculos anticoloniais se dava inicialmente nas regiões de Luanda e

Benguela. Aos poucos, esta luta incipiente chegou ao norte angolano motivada pela situação

do Congo Belga, que também dava início ao processo de descolonização.

Além destes pequenos grupos anticoloniais surgidos em Angola, a articulação contra o

colonialismo se deu também entre os estudantes angolanos que iam para a metrópole

completar seus estudos. A Casa dos Estudantes do Império se tornou um centro da articulação

contra o colonialismo português em África, chegando a ser considerada por Mário Soares

como o “berço das chefias africanas”3. Foi na metrópole que os principais líderes e teóricos

dos movimentos de libertação africanos passaram a se articular, contando muito com o apoio

do Partido Comunista Português, que também empreendia uma luta contra a ditadura de

Salazar, aliança esta que se revelaria bastante duradoura com o passar do tempo. A união

entre a esquerda portuguesa e os movimentos de libertação foi exaltada no Manifesto do

MPLA de 1956:

“Os povos coloniais oprimidos e as massas trabalhadoras exploradas das metrópoles

são aliados naturais na luta como contra os exploradores de ambos. Levante-se a

bandeira da solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países! Seja

vivificada e fortalecida a nossa justa e indestrutível frente mundial contra os

exploradores das metrópoles e das colónias, nossos inimigos comuns. Lutemos pela

coexistência e pela colaboração pacífica entre os povos!”4

A respeito da composição e da dinâmica de relacionamento entre os grupos

anticolonialistas desta primeira fase da luta angolana, Marcelo Bittencourt afirma que os

vínculos de solidariedade eram bastante determinantes para a formação destes pequenos

3MCQUEEN, Norrie. “A descolonização da África Portuguesa – a revolução metropolitana e a dissolução do império”. Mem Martins (Portugal): Inquérito, 1998 p.38 4MPLA apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001. p.311.

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grupos e, posteriormente, à formação do MPLA. Entende-se por vínculos de solidariedade

algumas afinidades encontradas entre os militantes da causa anticolonial, como a origem, os

círculos de amizade, a trajetória política, a família e a religião5.

A fundação do MPLA agregou os militantes dos pequenos grupos anticoloniais citados

acima e o grupo dos estudantes residentes na metrópole, divisão que seria bastante importante

no decorrer da história do movimento. É importante ressaltar a composição dos grupos que

formaram o MPLA, pois é possível verificar uma grande variedade entre seus membros. Em

relação aos militantes que formariam o movimento, seus membros eram residentes de áreas

urbanas (principalmente de Luanda), contavam com a participação de negros, mestiços e

brancos, eram em sua maioria católicos ou protestantes e, em geral, eram membros de um

extrato social de uma elite crioula6.

De acordo com o MPLA, a formação do movimento se deu em 1956, mas esta data é

contestada por trabalhos posteriores que defendem a data de 1959 para o surgimento do

movimento, apesar de reconhecerem a participação de pequenos grupos que formariam o

MPLA em ações anticolonialistas anteriores a esta data7. De qualquer maneira, o que interessa

nesta etapa do trabalho é entender as dificuldades iniciais encontradas durante o processo de

formação do MPLA e suas principais propostas.

Como foi visto anteriormente, em 1957, a PIDE se instalou em Angola e iniciou uma

dura repressão sobre os movimentos de contestação à ordem colonial. Em 1959, a PIDE fez

uma série de prisões em Angola e, no ano seguinte, prendeu duas das principais lideranças

nacionalistas angolanas: Agostinho Neto e Joaquim Pinto de Andrade.

5 BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.51 6 O termo “crioulo” faz referência a um grupo social que tem como principal característica a mestiçagem cultural, associando cultura africana à cultura europeia. Desta forma, os crioulos angolanos podem ser considerados como um grupo que mediava as relações entre os povos africanos e europeus, sendo capazes de se aproximarem de ambas as culturas que lhe caracterizavam. Durante o século XX, os crioulos angolanos acabaram perdendo o seu status diferenciado após o recrudescimento da colonização no país, através do fechamento dos seus principais meios de expressão cultural e de ascensão social. Após este declínio, os crioulos passaram a contestar o colonialismo português em Angola. Ver BITTENCOURT, Marcelo. A resposta dos crioulos luandenses ao intensificar do processo colonial em finais do século XIX. In: A África e a instalação do sistema colonial (c.1880 – c. 1930). Atas da III Reunião Internacional de História da África (1999). Lisboa: IICT. Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 2000 (b), p 655-671. Ver também: BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. 7BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.51

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O MPLA sofreu um grande golpe com a repressão feita pela PIDE em finais da década

de 1950, pois a articulação do movimento no interior de Angola foi duramente atingida.Os

vínculos de solidariedade entre os alvos das prisões da PIDE se reforçaram, causando um

significativo aumento na adesão ao MPLA, pois naquele momento a união de forças se

mostrava muito importante para prosseguir com a luta anticolonial angolana. Chamar a

atenção da opinião internacional à situação vivida em Angola se tornou extremamente

necessário, sendo que o grupo de militantes residentes no exterior ganhou mais importância

naquele momento por ter a possibilidade de fazê-lo em melhores condições.

A articulação da luta em Luanda passou a ser feita pelos militantes do exterior.

Acreditava-se que a opinião pública internacional daria importância à questão angolana ao

perceber que havia um movimento articulado e de vulto no país. Assim o MPLA tentou

englobar o maior número possível daqueles pequenos grupos nacionalistas citados

anteriormente. Unir todos os anticolonialistas em um único movimento era interessante para

mostrar ao mundo que a luta angolana era forte o suficiente para enfrentar o colonialismo

português e para fazer frente à União das Populações Angolanas, o maior movimento

anticolonial até aquele momento.

Em seu Manifesto, o MPLA defendia uma luta articulada entre todos os povos

oprimidos pelo imperialismo:

“Diante dos países imperialistas – países estes que visam, por meio de acordos,

tratados, pactos de defesa mútua e manobras conjuntas de toda a espécie, perpetuar a

opressão das colónias e dos países dependentes – diante desta frente imperialista

MUNDIAL, as colónias e os países dependente viram-se obrigados a criar a frente

MUNDIAL contra o imperialismo. Isto quer dizer que só com a luta solidária e unida

de todas as colónias e países dependentes se pode derrubar o imperialismo em cada

país oprimido e em todo o mundo. A luta solidária dos povos asiáticos, dos povos

africanos do norte do nosso continente, e a histórica e frutuosa conferência afro-

asiática de Bandoeng – eis algumas das realidades da frente mundial contra o

imperialismo.”8

8 MPLA Apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001.Trecho do Manifesto do MPLA. p.299

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Desta forma, o MPLA objetivava dar uma repercussão mundial para a luta de libertação

angolana, ao mesmo tempo em que buscava apoios diversos para suas ações.

Uma possível união com a UPA era algo complicado de se fazer devido às grandes

diferenças existentes entre os dois movimentos. Apesar disso, algumas atitudes foram

tomadas repetidamente neste sentido, mas a união nunca se concretizou. As diferenças e

confrontos entre MPLA e UPA serão tratadas mais à frente.

Apesar de a união com a UPA nunca ter se concretizado, o MPLA defendia que todas

as organizações que lutassem pela libertação de Angola do domínio colonial deveriam se unir

na luta revolucionária contra o inimigo comum através de uma frente que aglutinasse todos os

grupos interessados na libertação de Angola.

“(...) o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho

para o povo angolano se libertar: a luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só

alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas

de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças

religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. (...) O movimento será a

soma das atividades de milhares e milhares de organizações que se criarem em

Angola.”9

Em relação a possíveis divergências entre os grupos que formariam este amplo MPLA,

o Manifesto defende que as diferenças não deveriam ser suficientes para desunir o movimento

revolucionário anticolonialista, pois a união deveria se dar através dos interesses que os

aproximavam, isto é, naquilo em que estivessem de acordo. “O que nos une e o que nos falta

deve estar sempre acima daquilo que nos separa.” 10. Neste sentido, a união solidária entre os

movimentos de libertação das outras colônias portuguesas em África também era defendido

pelo MPLA.

9 MPLA Apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPL perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001. P. 305 10 Idem, p.306

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Sobre a questão da identidade daqueles que fariam parte do MPLA, o Manifesto é

bastante claro ao considerar positiva a participação de todos os povos angolanos, desde que

estes estivessem unidos em torno da ideia de superação do colonialismo português. Não são

apresentados quaisquer motivos de discriminação em relação às diferenças étnicas, culturais,

religiosas, regionais ou políticas. No programa do MPLA, pode-se perceber uma preocupação

com a conservação do patrimônio histórico e cultural das etnias angolanas no período pós-

independência. Um pouco mais adiante, esta ideia de participação dos mais variados grupos

na libertação de Angola seria bastante relevante para a formação da concepção oficial da

identidade nacional angolana assumida após a independência.

No Programa do MPLA, já se apresentava um projeto bem estruturado de nação para o

período pós-independência. O documento defende a ideia de que, após a independência

angolana, dever-se-ia implementar um regime republicano, democrático, baseado no sufrágio

universal, sendo o Estado um agente forte capaz de guiar a reconstrução econômica, política e

social de Angola. A realização de uma reforma agrária imediatamente após a independência

também foi uma das preocupações centrais do programa do MPLA. 11

É interessante notar que, no Programa do MPLA, não há qualquer referência à posição

ideológica assumida por seus membros. E mais interessante ainda: o texto parece fugir desta

questão. Provavelmente este receio em tocar na questão ideológica se devia a uma questão

estratégica para não se posicionar próximo a uma das duas grandes potências da Guerra Fria

e, consequentemente, inviabilizar um possível apoio do outro bloco de poder.

Apesar de não tocar na questão ideológica, aos poucos o MPLA passou a se aproximar

do bloco socialista, pois, nos anos iniciais em que o MPLA se lançou à luta de libertação, uma

série de contatos internacionais foram feitos pelo Comitê Diretor, maior instância executiva

daquele movimento. Nestes contatos internacionais, o MPLA se aproximou de China,

Checoslováquia e República Democrática da Alemanha. Estes contatos iniciais foram

responsáveis por formar uma imagem de um MPLAcomunista, apesar de as declarações

oficiais e ações do movimento não darem qualquer indício sobre sua filiação ideológica.

Até o ano de 1960, o MPLA empreendeu poucas ações práticas no sentido de iniciar

uma luta de libertação angolana. Neste primeiro momento, o MPLA era ainda um movimento

distante das massas e liderado por uma elite crioula. A partir daquele ano, porém, o MPLA 11

Programa do MPLA apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001.

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20

radicalizaria a luta de libertação e passaria a se aproximar das massas angolanas, entrando em

séria disputa com a UPA por militantes e influência política.

Antes de entrarmos na radicalização da luta pelo MPLA e nas disputas entre este

movimento e a UPA, faz-se necessário entender um pouco da história deste movimento de

libertação, pois assim ficarão expostas as principais divergências entre os movimentos. Em

seguida, a formação da UNITA também será apresentada, já que este movimento fez parte da

guerra civil que ocorreu após a independência angolana.

A União das Populações do Norte de Angola foi criada em 1957. Logo o movimento

transformariaseu nome para União das Populações de Angola, pois limitar o nome de um

movimento de libertação que se pretendia nacional a apenas uma região do país (norte)

significava também limitar a possibilidade de recrutamento de militantes de outras regiões, o

que comprometeria a luta de libertação e a identificação dos angolanos com o movimento.

Mais tarde, em 1962, a UPA sofreria uma nova transformação em seu nome ao englobar o

pequeno Partido Democrático de Angola (PDA) às suas fileiras. Desde então, o movimento

passou a se chamar Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

A principal base de apoio da UPA era a etnia bakongo, que ocupava o norte de Angola

e parte do território do Congo-Leopoldville. Esta etnia foi dividida pela fronteira imposta

pelocolonialismo. A origem deste movimento tem uma forte ligação com a questão da

sucessão do Reino do Congo e com a questão étnica. Apesar de o Reino do Congo ter decaído

politicamente naquela época, muitos grupos ainda reivindicavam o seu domínio, entre eles os

bakongo. A luta deste grupo étnico não foi suficiente para que o Reino do Congo fosse por

eles governado, mas a luta dos bakongo seria redirecionada para a luta pela independência de

Angola.

A questão acerca do caráter regionalista da FNLA sempre perseguiu o movimento,

que, por sua vez, afirmava o caráter nacional de suas pretensões políticas. Por exemplo, em

entrevista publicada em 2000,Holden Roberto ainda tinha que responder sobre um possível

caráter étnico da organização que era líder. Em todos os momentos, Holden Roberto reafirma

um caráter nacional do movimento, considerando o argumento sobre a etnização da FNLA

uma artimanha do MPLA para desqualificar a luta de seu movimento de libertação.12

12

JAIME, Drummond e BARBER, Helder.Angola: depoimentos para uma história recente, 1o. volume, Luanda: edição dos autores, 2000. P.16

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21

Em relação à composição social da FNLA, pode-se dizer que seus membros eram, em

sua maioria, camponeses e protestantes. Entretanto, apesar do que Holden Roberto defendia

internacionalmente para ganhar apoio material e político, a direção do movimento era

majoritariamente de membros de influentes famílias tradicionais do norte de Angola que já

haviam passado por um processo de urbanização há algum tempo. Portanto, a liderança de

Holden Roberto baseava-se muito nas questões étnicas e familiares, o que explica as críticas

feitas por membros de outras etnias que pertenciam à FNLA.

Curiosamente, a FNLA não apresentava um projeto político definido durante a luta de

libertação angolana. Segundo seu líder, este programa político deveria ser elaborado pelo

povo angolano após a conquista da independência. HoldenRoberto destacava ainda que o

objetivo da FNLA era a independência angolana e isto guiaria as ações do movimento em um

momento posterior.

É necessário destacar ainda que a FNLA, em sua corrida internacional para buscar

apoios, se aproximou muito dos EUA. Esta relação com os norte-americanos foi algo bastante

questionado pelo MPLA, que, devido a este apoio internacional, via na FNLA um movimento

que objetivava uma saída neocolonialista para Angola após a independência.

Nesta breve exposição sobre o surgimento da FNLA, ficou demonstrado o caráter

étnico e regional assumido por este movimento de libertação angolano. É interessante notar

que esta foi uma das principais diferenças entre o MPLA e a FNLA. Enquanto o MPLA

recrutava membros em todos os grupos étnicos e composições sociais angolanos e defendia

abertamente esta postura, a FNLA tinha uma base muito mais próxima ao grupo étnico

bakongo. Em relação ao projeto político dos movimentos, o MPLA definia claramente seus

objetivos para o período pós-independência, ao passo que a FNLA não elaborara um projeto

concreto, considerando que este projeto deveria ser feito somente após a conquista da

independência.

Como questionamento principal a esta indefinição ideológica, um pequeno grupo de

militantes rompeu com a FNLA e formou um novo movimento de libertação nacional em

1966, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Este grupo era

liderado por Jonas Savimbi, aquele que se tornaria uma das principais figuras da história de

Angola após a independência do país. Em suas palavras:

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22

“Fiquei ativo na UPA até 1963, saí em 1964. Eu, como estudante, educado pelo meu

paipara a luta, e que me tornara também militante da Federação dos Estudantes da

África Negra, com sede na França, não estava conformado com o tipo de orientação

da UPA. Em 15 de março de 1961, quando eles começaram a guerra na Fazenda

Primavera, no Norte, estive com eles e apoiei, mas depois viu-se que a UPA não tinha

uma filosofia política. Não havia discussão política para eu poder dizer naquela

altura, como jovem, qual era o próximo passo da luta. Limitávamo-nos a fazer uma

gestão do dia-a-dia. Arranjávamos logística, organizávamos os soldados, criámos

uma base militar. Mas, do ponto de vista da discussão filosófica e política global, não

havia nada.”13

Como se vê nas palavras de Jonas Savimbi, o rompimento com a FNLA se deu pela já

referida falta de definições políticas e ideológicas daquele movimento. Após a ruptura,

Savimbi acabou se aproximando do MPLA, mas a união dos grupos não ocorreu. Sendo

assim, formaria a UNITA e passaria a frequentar os mais altos escalões da política mundial,

tendo encontros com as grandes lideranças das grandes potências. O posicionamento político

ideológico dos países com quem Savimbi se relacionava não parecia ter grande importância, o

que demonstrava a feição do pragmatismo político adotada pela UNITA.

Inicialmente, a UNITA se aproximou da China e se definia ideologicamente como um

movimento maoísta. A formação de guerrilheiros sob supervisão chinesa seria um importante

benefício conseguido do governo chinês por Jonas Savimbi. Apesar de inicialmente se

apresentar como um movimento maoísta de bases revolucionárias e camponesas,

posteriormente a UNITA se aliaria à África do Sul e aos EUA, dando uma clara demonstração

da fluidez ideológica daquele movimento.

A principal base de apoio da UNITA sempre foi o grupo etnolinguísticoovimbundo,

localizado no centro-sul de Angola. Apesar de se dizer e se comportar como um movimento

de proporções nacionais, a UNITA jamais se livraria desta vinculação étnica e sempre faria

questão de ressaltar a questão racial como um elemento da legitimidade de suas forças. Os

ataques ao MPLA também seguiriam a mesma linha dos ataques feitos pela FNLA. Este

ponto será abordado mais detidamente no terceiro capítulo desta pesquisa.

13

ANTUNES, José Freire. A Guerra em África (1961-1974), Lisboa: Círculo de leitores, volume I e II. 1995.P. 93

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23

Vistos o contexto de formação dos três principais movimentos de libertação angolanos

existente em inícios da década de 1960 e as principais diferenças entre eles, é possível passar

a um novo momento deste trabalho. A partir de agora, analisarei os principais debates que

ocorreramna Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida em 1962, pois, naquele

momento, questões importantes para a definição das características do movimento foram

debatidas pelo Comitê Diretor, entre elas a da composição racial do MPLA. Vejamos, pois, o

debate.

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24

1.2 O debate sobre a questão racial no MPLA

Neste segundo momento do trabalho, tenho como principal proposta apresentar os

principais debates ocorridos na Primeira Conferência Nacional do MPLA de 1962. Apesar de

diversas temáticas terem sido abordadas nesta Conferência, analisarei principalmente o debate

sobre a questão racial no interior do MPLA. Este será o eixo central desta parte do trabalho,

pois este debate foi bastante significativo para a construção da ideia de identidade nacional

defendida oficialmente pelo MPLA, que viria a se tornar um projeto de construção identitária

no período pós-independência.

Para iniciar a análise da Primeira Conferência Nacional, antes é necessário apresentar

a conjuntura vivida pela luta anticolonial em Angola naquele momento. Os debates ocorridos

entre MPLA e UPA serão de suma importância para o entendimento da questão racial

angolana, pois o posicionamento destes movimentos de libertação em torno da questão racial

foi bastante divergente, o que possibilitou uma série de acusações entre as partes. Iniciemos,

pois, com a conjuntura da guerra colonial e da disputa por militantes e influência política

entre MPLA e UPA.

Durante os anos iniciais da mobilização pela libertação de Angola, os dois principais

movimentos que se propunham a levar adiante a luta contra o Império Português se

encontravam fora do território angolano. A UPA se instalara no Congo-Léopoldville, onde

tinha certas facilidades devido à presença do grupo étnico bakongo naquele território e a uma

certa afinidade com o governo congolês. Outro setor social que foi importante para a

instalação da UPA em Léopoldville foi o dos imigrantes angolanos naquele país, muitos deles

participantes da independência do Congo Belga. Sendo assim, a UPA dispunha de certa

facilidade no recrutamento para a luta anticolonial.

Já o MPLA estava, naquele tempo, instalado em Conakry (Guiné) e longe de possíveis

bases de apoio em território angolano. Quando os primeiros levantes anticoloniais se

iniciaram em Angola, o MPLA parecia estar de mãos atadas, apesar de posteriormente ter

reclamado a paternidade do levante de 4 de Fevereiro de 1961. O debate sobre a questão da

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25

paternidade político-militar do 4 de Fevereiro revela muito sobre o nacionalismo angolano de

então e sobre a tentativa de construção de uma memória oficial pelo MPLA.14

O assalto às prisões de São Paulo e a outras prisões de Luanda na madrugada de 4 de

Fevereiro de 1961 por algumas dezenas de angolanos armados com catanas é até hoje

celebrado pelo MPLA como o início da luta de libertação em Angola. Apesar da paternidade

do evento ser reclamada pelo MPLA, Jean-Michel MabekoTali aponta para a grande

variedade de atores que participaram do levante, sendo impossível considerar o MPLA como

o regente de tal evento. Para Tali, o 4 de Fevereiro foi resultado de um conjunto de fatores

imediatos, incluindo a espontaneidade, o efeito causado pela independência do Congo e a

efervescência criada em Angola em torno da chegada de um navio português desviado de sua

rota por um opositor do regime salazarista. Os autores do 4 de Fevereiro pretendiam

aproveitar a presença da imprensa estrangeira devido à cobertura da chegada do navio de

Henrique Galvão para chamar a atenção para a luta em Angola. 15

Marcelo Bittencourt concorda com Tali e defende que o 4 de Fevereiro contou com a

participação de diversos atores sociais sobrepostos, sendo que a paternidade do evento não

pode ser atribuída a um dos movimentos de libertação. Portanto, a coordenação do movimento

fora feita por vários líderes que não eram filiados a nenhum dos movimentos de libertação

naquele momento.16

Pouco mais de um mês após os ataques que deram início à luta de libertação nacional

angolana, a UPA desencadeou em 15 de Março de 1961 uma insurreição de maior vulto em

Angola. A revolta iniciou no norte do país e foi feita majoritariamente pela etnia bakongo,

principal base de apoio da UPA. Aos poucos a revolta foi se espalhando para áreas

quimbundo, que correspondiam a uma importante base de apoio do MPLA. A revolta de 15

de Março foi bastante violenta, sendo os principais alvos as fazendas produtoras de café

dominadas por portugueses, indivíduos assimilados, mestiços e muitos ovimbundo vindos do

sul para trabalhar na região. Este ataque a indivíduos de outros grupos etnolinguísticos iria

14BITTENCOURT, Marcelo. Memórias da guerrilha: a disputa de um valioso capital. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/projetos-de-pesquisa/independ%C3%AAncia-de-angola/textos. Acessado em 16 de janeiro de 2013. 15 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidëncias e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. p. 68 16 BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. p. 70

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26

reforçar muito a imagem da UPA como um movimento de raízes étnicas bakongo que não

respeitava os demais povos angolanos.

A violência utilizada na repressão ao levante de 15 de Março também foi grande. Não

existem dados confiáveis sobre os números de mortos nos conflitos entre os revoltosos e as

tropas portuguesas.

A abertura da luta anticolonial angolana mostrou aos integrantes do MPLA que algo

deveria ser feito para que o movimento integrasse as revoltas e passasse a empreender ações

práticas no sentido de iniciar a guerra de libertação. Com a intenção de se aproximar do

território angolano, a direção do MPLA se transferiu para Léopoldville em setembro de 1961.

Apesar de significar um grande avanço ao movimento no sentido de aproximação do território

angolano, o MPLA passou por grandes dificuldades advindas da influência que a UPA tinha

na região. Além de suas raízes sociais serem na região em disputa, a UPA ainda era aliada do

governo congolês e muito mais próxima dos angolanos refugiados.

Nesta situação, UPA e MPLA passaram a disputar a influência na região do Congo

Léopoldville e no norte angolano, buscando principalmente os angolanos refugiados naquele

país. Além de confrontos diretos ocorridos entre as partes, houve uma intensa troca de

acusações. Estes discursos de acusação dos movimentos são de grande importância para que

se compreenda a crise de 1962 vivida pelo MPLA.

As acusações feitas pela UPA contra o MPLA se baseavam no argumento de que

aquele era um movimento de “filhos de portugueses”, de mestiços, de privilegiados. Com a

intenção de não permitir uma identificação dos angolanos com o MPLA, a principal estratégia

da UPA era desqualificar o movimento através da ideia de que este não representava o povo

angolano. Vê-se que o argumento racial sempre foi uma arma utilizada contra o MPLA, o que

geraria muitas discussões entre os membros do Comitê Diretor na Primeira Conferência

Nacional do movimento em 1962.

Em resposta, o MPLA também tentava caracterizar a UPA como um movimento de

base étnica bakongoque jamais seria capaz de representar toda a pluralidade do povo

angolano. O discurso do MPLA passava, então, pela ideia de combate ao “tribalismo”, termo

que seria muito discutido no período pós-independência quando o movimento assumiu o

Estado angolano. Além disso, o MPLA criticava a falta de um programa da UPA bem

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27

estruturado, acusando o movimento de não ter nenhum projeto de nação para Angola após a

libertação colonial.

Além dos argumentos étnico e racial que tentavam desqualificar o movimento

oponente, UPA e MPLA também se valeram de outras formas de questionamento, como a

representação religiosa, os vínculos estudantis, familiares e regionais. Apesar desta

argumentação mais ampla, os argumentos étnico e racial foram os que tiveram mais

repercussão e são mais relevantes para esta pesquisa.

Em março de 1962, a UPA se transformou em Frente Nacional de Libertação de

Angola (FNLA), unindo-se a alguns outros pequenos movimentos de libertação do norte

angolano, obviamente sem que os membros de destaque da UPA perdessem o domínio

político da nova organização que era criada. Concomitantemente, foi criado pela FNLA o

Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE). Esta nova conjuntura política foi um

problema grave para o MPLA, pois o movimento concorrente ganhava cada vez mais força

política.

Foi neste contexto de dificuldades e de um consequente enfraquecimento político que

o MPLA se reuniu em sua Primeira Conferência Nacional. A questão que mais interessa a esta

pesquisa é o debate em torno da composição racial do Comitê Diretor. No entanto, não foi

somente a questão racial o tema a ser colocado em pauta na Conferência, pois outros

questionamentos também foram feitos, como os de ordem ideológica, política, institucional e

social. Apesar da variedade de temas debatidos naquele evento, esta pesquisa dará ênfase

àquestãoda composição racial do Comitê Diretor do MPLA, pois o fruto deste debate resultou

em uma ideia importante para a concepção da nacionalidade angolana defendida pelo MPLA.

Isto não significa que a questão racial tenha sido o principal tema debatido na ocasião da

Primeira Conferência Nacional do MPLA.

O ataque da UPA/FNLA que mais atingiu o MPLA durante a disputa entre os dois

movimentos foi o de ordem racial. As acusações acabaram levando o MPLA a fazer um

questionamento político sobre a sua composição racial enquanto movimento. Viriato da

Cruz17, o secretário-geral do MPLA de então, propôs uma retirada estratégica dos mestiços

dos órgãos de direção política. Em uma reunião inicial ocorrida em maio de 1962, o debate

sobre a questão da composição do Comitê Diretor foi bastante tenso. A reunião foi iniciada 17

Mestiço e importante dirigente do MPLA. Após a crise descrita neste capítulo, se afastaria do movimento e tentaria se integrar à FNLA sem sucesso.

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pela colocação de Eduardo dos Santos18 sobre a sua retirada do Comitê Diretor por considerar

que sua presença dificultava as ações do MPLA.

Em seguida, Viriato da Cruz reforça o argumento de Eduardo Santos, assumindo a

dianteira da discussão e propõe uma remodelação de todo o Comitê Diretor, tendo em vista a

saída de mestiços e o ingresso de negros naquele órgão. Para Viriato da Cruz, “um Comitê

Diretor formado por mulatos não poderá[poderia] dar palavra de ordem que seja

[fosse]aceite”19.Ressalta ainda que este é um debate que já fora discutido em outros

momentos, mas que ninguém havia dado importância à questão por ele levantada até os

ataques da UPA-FNLA se tornarem mais intensos. Por fim, Viriato da Cruz ainda acrescenta

outros debates importantes à discussão, apresentando outros elementos problemáticos no

interior do MPLA, como a questão que opunha os membros do MPLA que se formaram na

metrópole aos que sempre residiram na colônia e construíram outros vínculos de

solidariedade.

A argumentação contrária a Viriato da Cruz vinha de Mário de Andrade, Hugo

Menezes e João Vieira Lopes, que defendiam que retirar os mestiços do Comitê Diretor

geraria mais problemas do que soluções, pois colocaria em causa um possível racismo do

MPLA, já que os negros deveriam ser os principais membros do órgão executivo do

movimento. O questionamento da composição racial do movimento logo seria levado às

bases, o que levaria a problemas sérios, já que o MPLA era um movimento que pretendia

englobar todos os povos angolanos. Segundo Mário de Andrade em relação ao MPLA, “a

unidade existe em nós sendo mulatos, pretos ou fulos”20.Ceder às pressões da UPA-FNLA seria ir

contra os princípios defendidos pelo MPLA de que todos os povos angolanos, inclusive os

mestiços e os brancos, deveriam integrar a nova nação a ser construída após a independência.

Eduardo dos Santos e Viriato da Cruz rebatem este argumento afirmando que esta

seria uma retirada estratégica dos mestiços do Comitê Diretor, o que não implicava de

maneira nenhuma a saída dos mestiços e brancos do MPLA. A luta deveria continuar, mas em

um segundo plano onde não houvesse tanta repercussão acerca das ações dos mestiços e

brancos. A questão seria muito mais de tática do que desistência em relação a militar pelo

18

Mestiço importante dirigente do MPLA. Após a morte de Agostinho Neto em 1979, assumiria a presidência da República Popular de Angola. Até hoje ocupa este cargo. 19 MPLA apud TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. 20MPLA apud TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. Ata de reunião de 1962

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movimento. Sendo assim, o MPLA continuaria a englobar todos os povos angolanos, mas o

Comitê Diretor deveria ser composto somente por negros.

A referida reunião de maio de 1962 decidiu pela saída dos mestiços do Comitê Diretor

do movimento, sendo que estes deveriam agir às sombras da direção.A remodelação do

Comitê Diretor, portanto, obedeceu aos critérios defendidos por Viriato da Cruz. O

secretariado de Cruz acabou sendo substituído por três nomes. Eduardo dos Santos e Lúcio

Lara saíram do Comitê Diretor. As ações para a modificação deste órgão também

consideraram importante cuidar para que o movimento não continuasse a ser visto como um

movimento dominado por comunistas radicais. Os novos membros do Comitê Diretor tinham

trajetórias políticas menos radicais, inclusive com vivências em igrejas.

Durante os debates acerca da questão racial no interior do MPLA, Viriato da Cruz

também deixou transparecer uma preocupação em relação às trajetórias sociais dos seus

membros. Cruz jamais vira com bons olhos aqueles militantes que estudaram na Europa,

nutrindo sempre uma desconfiança em relação às suas posturas. A divisão entre universitários

e não-universitários foi também um ponto de questionamento naquele momento, o que

exemplifica que a questão racial não era o único fator responsável por divisões no interior do

MPLA.

Entretanto, tratando-se de um movimentoque defendia a unidade entre todos os seus

membros sem que fossem consideradas as origens sociais, raciais, étnico-regionais ou

religiosas, o afastamento de mestiços do Comitê Diretor significava uma contradição em

relação aos princípios defendidos pelo MPLA. Este argumento da traição dos princípios do

movimento seria retomado na Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida pouco

depois da remodelação do Comitê Diretor. Só que neste momento, o movimento contaria com

a presença de Agostinho Neto, o grande líder do MPLA na época, que tinha uma posição

bastante firme em relação a esta questão e acabaria tomando a dianteira das discussões sobre a

retirada ou não dos mestiços do Comitê Diretor.

A figura de Agostinho Neto21 tinha um grande respeito entre os angolanos. Sua

trajetória política e social dava-lhe uma grande influência sobre a população angolana e o

MPLA não deixou de usar este capital a seu favor. Agostinho Neto era considerado pelo

21

Antonio Agostinho Neto foi médico, poeta e presidente de Angola. Durante a luta de libertação nacional, desempenhou um importante papel na direção do MPLA, tomando para si o poder e levando adiante as principais ações do movimento. Em 1975, tornou-se presidente de Angola. Morreu em 1979.

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movimento como a personalidade negra que seria capaz de enfrentar todos os

questionamentos apresentados porHolden Roberto sobre o MPLA, tanto é que lhe foi

concedido o cargo de Presidente de Honra do movimento. Sendo uma figura tão importante, a

chegada de Agostinho Neto acabou por transformar as relações de força existentes no interior

do MPLA. Um exemplo claro desta transformação foi a retomada da discussão sobre a

questão racial durante a Primeira Conferência Nacional do movimento. Desta vez, as duas

principais personalidades do MPLA se opuseram frontalmente, sendo que Viriato da Cruz

acabaria por tomar um caminho de afastamento do movimento ao final da querela, sem jamais

voltar a fazer parte do MPLA.

Na Primeira Conferência Nacional do MPLA, a primeira questão problemática que foi

levantada foi acerca da remodelação do Comitê Diretor feita pela reunião de maio de 1962.

Agostinho Neto e Viriato da Cruz polarizaram os dois principais grupos existentes no interior

do movimento. Agostinho Neto foi contra as ideias defendidas por Viriato da Cruz e defendeu

que os mestiços fossem reintegrados ao Comitê Diretor, negando a validade estratégica das

decisões tomadas na reunião de maio de 1962. Neto defendeu constantemente e sem fazer

concessões o princípio de participação política no MPLA sem que se fossem feitas distinções

em relação à raça de seus membros. A atitude de Viriato da Cruz nesta questão era

considerada por Neto como uma traição aos princípios do MPLA, que defendia a integração

de todos os angolanos em um único movimento.

Com a vitória dos argumentos de Agostinho Neto sobre os de Viriato da Cruz, o

Comitê Diretor foi novamente reformulado, desta vez com a entrada de elementos mestiços,

como a volta de Lúcio Lara e os ingressos de Iko Carreira e Aníbal de Melo. Todos eles

assumiram posições importantes no MPLA.

Também na Primeira Conferência Nacional do MPLA voltou a ser discutida a ideia de

que uma aproximação com a FNLA seria benéfica para a luta de libertação angolana.

Agostinho Neto era um dos que pensava assim e tentou se aproximar de Holden Roberto,

apesar dos ataques desferidos contra o MPLA. No entanto, como já foi dito anteriormente,

esta aproximação nunca se concretizou devido à desconfiança mútua e às divergências

políticas e ideológicas entre as partes envolvidas.

A questão da trajetória social dos membros do MPLA também foi questionada por

Viriato da Cruz, principalmente no que diz respeito ao percurso acadêmico dos indivíduos. A

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31

formação de um complexo de inferioridade ou superioridade também foi apontada por Cruz.

O debate sobre a questão racial apareceu em alguns momentos colado ao questionamento dos

privilégios desfrutados por aqueles que tiveram a oportunidade de estudar na metrópole. A

participação direta dos “universitários” em ações anticoloniais práticas como o 4 de Fevereiro

e o 15 de Março foi questionada, revelando um relativo afastamento dos “universitários” da

luta anticolonial em campo.

Este debate sobre a trajetória dos dirigentes do MPLA também foi capaz de levantar

outra questão importante para ser discutida: a situação de imobilismo da luta armada

promovida pelo MPLA em território angolano. Surgiu, então, um grupo liderado por Gentil

Viana que defendia a necessidade de o MPLA se fazer mais presente nas lutas anticoloniais

em Angola, requisitando assim uma maior participação dos líderes na luta armada. O

questionamento dos intelectuais do MPLA seria um longo problema com o qual a direção do

movimento teria que lidar durante boa parte de sua história.

Devido aos problemas com o grupo liderado por Agostinho Neto, Viriato da Cruz

formou um Comitê Diretor paralelo à direção do MPLA que afirmava ser sua principal função

a preparação da unidade com a FNLA e a resolução de problemas internos do MPLA. Como

resposta, a direção do MPLA expulsou os membros deste comitê paralelo formado por Viriato

da Cruz. A partir de então, este dirigente tentaria se aproximar da FNLA e depois se exilaria

na China, local em que acabaria se exilando até o fim de sua vida.

Ao concluir a Primeira Conferência Nacional, o MPLA decidira-se nitidamente por

reconhecer Agostinho Neto como seu maior líder. Estabeleceu-se que era necessário munir o

MPLA de uma doutrina política bem definida, que apontasse os objetivos concretos do

movimento e promovesse as basesnecessárias para aplicação de um grande programa. A linha

política remodelada nesta Primeira Conferência Nacional afirmava que nenhuma

discriminação seria tolerada no MPLA, fosse ela em relação à raça, etnia, religião, classe ou

região de origem. Esta definição era uma clara resposta às propostas da linha que Viriato da

Cruz defendeu na conferência. Apontou-se o campesinato angolano como a parte da

sociedade mais explorada, sendo necessária a representação desta classe nos órgãos dirigentes

e de condução da luta armada. Afirmou-se também a necessidade de preservar o conteúdo

essencialmente popular da revolução pela libertação de Angola. Em relação à política externa,

o MPLA optou por um neutralismo em relação à bipolaridade das relações internacionais. No

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32

entanto, gradativamente o movimento foi se aproximando de Cuba e da URSS, o que lhe

conferiu a imagem de um movimento comunista.22

Portanto, desta Primeira Conferência Nacional do MPLA resultou um programa

melhor definido em relação à questão racial no movimento. O posicionamento do MPLA em

relação à participação de todos os angolanos no movimento sem haver preocupação com a

questão racial ou étnica logo seria expandido à forma de se entender a nacionalidade

angolana. No período pós-independência, a tentativa de construção de uma identidade

nacional angolana beberia muito nesta fonte definida na Primeira Conferência Nacional do

MPLA.

Entretanto, apesar de esta questão ter sido bem debatida em 1962 e de ter havido uma

definição bastante clara sobre o posicionamento do MPLA, logo este movimento utilizaria

desta concepção para reprimir alguns eventos de contestação à direção do movimento. Este

será o tema do próximo tópico deste capítulo.

22

Programa do MPLA.

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33

1.3 As contradições inerentes ao uso político de uma identidade

Uma vez vista a formação dos principais movimentos de libertação angolanos até o

início da década de 1960 e os principais debates surgidos no interior do MPLA sobre a

questão racial do movimento, é possível passar adiante e analisar alguns usos políticos feitos

da ideia da identidade angolana defendida pelo MPLA. Para isto, farei uma exposição de

alguns fatos que também fazem referência à questão racial, tema sempre recorrente no MPLA.

Em um primeiro momento, apresentarei um pouco da conjuntura vivida pelo MPLA

após a Primeira Conferência Nacional do movimento e analisarei a formação da Frente

Democrática para a Libertação de Angola, liderada pelo MPLA.

Em seguida, apresentarei dois momentos de crise vividos pelo MPLA na região Leste

de Angola, onde surgiram movimentos que passaram a questionar alguns privilégios

existentes na guerrilha da região, gerando um debate de vulto no interior do movimento.

Interessará, sobretudo, a forma como a direção do MPLA agiu em relação aos

questionamentos lançados pela base do movimento na região Leste.

1.3.1. A formação da Frente Democrática pela Libertação de Angola

Como foi apresentado anteriormente, o MPLA saiu da Primeira Conferência Nacional

fracionado e enfraquecido. Além dos incessantes ataques da FNLA, o movimento passou a ser

questionado internamente por um de seus mais importantes líderes até aquele momento, o que

gerou uma importante dissidência. Sendo este um momento de crise, o MPLA precisava agir

rápido para superá-lo.

Para se defender dos ataques vindos de Viriato da Cruz e da FNLA, o MPLA se

decidiu apressadamente pela constituição de uma frente que agregava diversos movimentos de

libertação angolanos. Esta frente uniu o MPLA, o Movimento de Defesa dos Interesses de

Angola, o Movimento Nacional Angolano, o Ngwizako e a União Nacional dos

Trabalhadores Angolanos. Com exceção deste último movimento, todos os demais foram

criticados anteriormente pelo MPLA por serem movimentos de caráter regional,

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34

conservadoras, ligadas aos interesses dos portugueses e, o que surpreende, movimentos

tribalistas. Em entrevista concedida a Marcelo Bittencourt em 1995, Lúcio Lara23 afirmou:

“A gente se serviu de alguns partidecos, tribalistas, a bem da verdade, sim, do norte.

Alguns deles tinham estado a serviço dos portugueses, mas apareceram a nós como

dissidências dos partidos. Coligamos com essa malta toda e fizemos a FDLA em

oposição à FNLA.”24

A Frente Democrática de Libertação de Angola foi oficializada em 8 de julho de 1963,

momento de grande importância para a luta de libertação nacional, pois uma comitiva da

Organização da Unidade Angolana faria uma visita de conciliação a Léopoldville para tentar

organizar a luta pela independência de Angola. Não mostrar um movimento forte significava

ao MPLA um duro golpe, pois a FNLA seria entendida como a maior e mais preparada

organização que levava adiante a luta pela libertação angolana.

Apesar da atitude tomada às pressas pelo MPLA para ganhar prestígio e voz perante a

comissão de conciliação da OUA, o resultado desta ação não obteve êxito. Agostinho Neto

não conseguiu ser ouvido como líder da FDLA, pois a comissão só aceitou ouvir líderes de

organização criadas no momento da criação da comissão de conciliação. Pior ainda para o

MPLA, Viriato da Cruz ainda foi recebido pela comissão e expôs todos os problemas internos

vividos pelo movimento. O MPLA não conseguiu provar o número de guerrilheiros por ele

comandados.

O resultado do relatório da comissão de conciliação foi catastrófico ao MPLA, pois

reconhecia somente a FNLA como frente de combate ao colonialismo em Angola. Todo o

auxílio vindo da OUA viria, portanto, para a FNLA.

Para piorar a situação do MPLA, ao final do mês de julho de 1963, Mário de Andrade

anunciou a sua saída do movimento, argumentando que a criação da FDLA não teria sido de

conhecimento de todos os membros da direção. Alegou ainda que a questão dos princípios do

MPLA não poderia ser sacrificada devido à difícil situação vivida pelo movimento.

23

Lúcio Lara foi um dos mais destacados membros do MPLA e representou uma força política bastante importante após a independência de Angola. 24 Entrevista concedida a Marcelo Bittencourt em 1995.

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35

A criação da FDLA realmente foi contra os princípios defendidos pelo MPLA. A

ascensão de Agostinho Neto significou, durante a Primeira Conferência Nacional, a vitória de

um argumento de não-aceitação de ações de caráter tribalistas no seio do movimento. Ao

fazer uma coligação com outros movimentos angolanos sem considerar seus posicionamentos

em relação à amplitude que a luta de libertação deveria ter, o MPLA caiu em contradição com

os princípios defendidos pelo movimento na Primeira Conferência Nacional de 1962.

Além de não levar em consideração as ideias de não-aceitação do tribalismo, de

acordo com as críticas feitas por Mário de Andrade, a criação da FDLA também violou o

princípio defendido em relação à democracia no interior do MPLA. A criação da FDLA,

portanto, pode ser entendida como um momento de ruptura com alguns dos princípios

defendidos pelo MPLA. Isto não quer dizer que estes princípios deixariam de ser defendidos

posteriormente, mas que o movimento considerava possível, quando pertinente, tornar estes

princípios menos rígidos e mais fluidos, de maneira que um objetivo maior pudesse ser

alcançado por esta postura contraditória.

1.3.2. Abertura da guerrilha no Leste angolano e a Revoltado Leste

A criação da FDLA representou ao MPLA uma grande ruptura em suas frentes. O

encaminhamento da questão da união com os movimentos que a compunham foi muito

criticado no interior do MPLA, causando o afastamento de alguns importantes membros e de

muitos quadros do movimento. Para piorar ainda mais a situação, a FNLA reforçou os ataques

feitos ao MPLA com a ajuda do governo congolês. Sendo assim, a direção do movimento

decidiu se transferir para Brazzaville em novembro de 1963.

A partir da transferência, o MPLA reorganizou o movimento e abriu uma segunda

frente político-militar em Cabinda (a região dos Dembos era considerado a primeira frente

político-militar), mesmo sem haver condições para desencadear uma guerrilha de

envergadura. Uma segunda comissão da OUA foi enviada para Brazzaville e ficou decidido

que a organização passaria a dar ajudas materiais também ao MPLA. Portanto, o movimento

deu alguns passos à frente a partir da instalação em Brazzaville. Com o passar do tempo, a

FDLA foi perdendo força e importância política, devido às diferenças entre os movimentos

que a compunham, à forma apressada como a frente foi constituída e, principalmente, devido

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36

ao reconhecimento do MPLA pela OUA como um movimento de libertação capaz de levar

adiante a luta de libertação angolana.

Em 1964, a FNLA começou a perder força devido a acusações de corrupção a Holden

Roberto. As revoltas contra a direção do movimento ocorreram principalmente em campos de

treinamento e em debates entre os dirigentes da FNLA. Importantes quadros da FNLA

deixaram o movimento. Neste cenário de crise, destacou-se a influência de Jonas Savimbi,

que viria a formar a UNITA.

Em Brazzaville, o MPLA decidiu avançar militarmente sobre o território angolano.

Isso não seria possível sem uma diplomacia bastante atuante que se aproximou de Cuba e da

URSS, o que chamou a atenção da opinião pública internacional para a luta angolana.Em

maio de 1966, sob as palavras de ordem “generalização da luta armada” e “todos para o

interior”, o MPLA penetrou em território angolano na região leste através de uma luta de

guerrilha. Comparadacom a região de Cabinda, a Frente Leste da guerrilha avançava com

muita velocidade. A transferência de guerrilheiros de Cabinda para a Frente Leste constituiria

um importante problema para o MPLA.25

Nesta fase inicial da guerrilha no leste, o objetivo principal do MPLA era atacar postos

de comando portugueses para adquirir armamentos e para divulgar as ações militares do

movimento. O número de mortos nestes ataques era baixo.

A região leste angolana englobava os distritos das Lundas, Moxico e Cuando

Cubango. A densidade populacional desta região, principalmente dos últimos dois distritos,

era baixíssima. Sendo assim, o isolamento das populações destes distritos era flagrante, o que

reforçava os laços étnicos e regionais. O contato de pessoas da região leste com o restante do

território angolano era bastante difícil, então a divulgação da luta de libertação angolana

também era um problema ao MPLA. Apesar disso, o movimento conseguiu penetrar na região

contando com o apoio de alguns grupos etnoliguísticos locais, como tchokwe e ganguela.

Durante o período colonial, a região leste angolana foi tratada com descaso pelas

autoridades portuguesas. A educação na região era muito limitada, sendo que esta atividade,

quando possível, era feita pelas missões religiosas. A escassez de indivíduos com uma

mínima educação e a falta de uma conscientização política do fenômeno do colonialismo fez 25

Em 31 de dezembro de 1963, a Rodésia do Norte se tornou independente do governo britânico. Após eleições, Kennet Kuanda foi eleito presidente e primeiro-ministro, e a Zâmbia, nome assumido pela antiga Rodésia do Norte, passou a tentar implementar o socialismo em seu país.

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com que o MPLA trouxesse muitos quadros da região nortepara levarem adiante a guerrilha

na região.

Obviamente, estes quadros vindos do norte já contavam com uma experiência no

movimento e na guerrilha bastante grande se comparada ao pouco preparo daqueles militantes

da região leste. A necessidade de organização da guerrilha na região fez com que os

guerrilheiros vindos do norte assumissem os principais postos de comando da Frente Leste.

A convivência entre as populações locais e os indivíduos vindos do norte angolano se

dava na luta de guerrilha e, principalmente, nas bases do MPLA instaladas nas zonas

fronteiriças de Angola. Nestes locais, formou-se um convívio marcado por uma grande

hierarquização social e por uma situação de privilégios dos chefes político-militares. Jean-

Michel MabekoTali cita como formas de distinção social as casas destinadas para os chefes,

que eram construídas de maneira diferente e eram mais abastecidas de gêneros alimentícios e

“de luxo” do que as demais casas das bases. Além disso, era possível aos chefes fazer viagens

ao exterior. Sendo assim, acumulavam-se nessa comunidade oposições baseadas em diversos

fatores, como os de ordem regional, racial e de hierarquia26. Marcelo Bittencourt ressalta que,

nestas conjunturas, os vínculos de solidariedade entre as pessoas significava uma forma de

fortalecimento de alguns grupos no interior do MPLA27.

A utilização das bases do MPLA na região leste acabou configurando relações de

sujeição não institucionalizada e de discriminação social. Além de práticas abusivas, como a

prática de transportar a mochila do chefe, o excesso de autoridade dos chefes político-

militares era prática comum na região. Execuções sumárias foram feitas devido a pequenos

deslizes ou atos de indisciplina.

Tali aponta como uma das causas para este excesso de autoridade no leste a ausência

de contatos entre os chefes das diversas frentes militares e a direção política do MPLA. A

consequência disso eram as práticas cada vez mais autônomas dos chefes político-militares e

os abusos de poder. O autor ainda defende que, na Frente Leste, o MPLA teve a primeira

possibilidade de esboçar uma estrutura de Estado, mas,ao contrário do que o programa do

movimento pregava, não houve qualquer tipo de democracia naquele momento. Isto traduzia

26TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P.129 27BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.449

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uma prática social discriminatória em que os líderes detinham privilégios e os usavam para

reforçar o seu domínio. O poder foi exercido, portanto, de maneira vertical e não horizontal28.

Sob estas condições, a guerrilha na Frente Leste conseguiu um rápido avanço de 1966

a 1969. A partir deste ano, a guerrilha passou a perder fôlego devido à fragilidade das áreas

conquistadas e ao avanço da repressão portuguesa feita com tecnologia mais avançada e com

estratégia baseada em experiências da guerra do Vietnã. Naquele momento, tentou-se isolar as

populações nas chamadas “senzalas de paz” e, em seguida, foram usados produtos químicos

desfolhantes na região, o que privava os guerrilheiros de pequenas bases agrícolas que

mantinham as bases do movimento. Como consequência, a fome se instalou nas fileiras do

MPLA na região Leste e houve um movimento de crescente debandada das forças

independentistas.

Apesar desta debandada das forças do MPLA no Leste, o caso do comandante Jiboia e

seu grupo foi bastante diferente. Vendo que a situação da guerrilha na região se tornava

insustentável devido aos ataques das forças portuguesas e também à rígida hierarquização das

forças do MPLA no interior, Jiboia passou à contestação daquilo que via de problemático no

interior do MPLA. A debandada seria também uma consequência dos abusos de poder dos

chefes político-militares na região Leste. Em dezembro de 1969, instalou-se a primeira

manifestação de vulto no interior do MPLA.

Os partidários da Revolta Jiboia fundamentavam suas contestações através da

exposição dos problemas enfrentados pelos guerrilheiros no Leste, como o abuso de poder dos

chefes político-militares e a falta de equipamentos necessários para levar adiante a luta de

libertação na região. É importante ressaltar também que o discurso dos revoltosos enxergava

na situação da guerrilha no Leste um claro benefício daqueles militantes do norte em

detrimento dos guerrilheiros nativos da região. Segundo Jiboia, até a distribuição de

armamentos era feita de maneira diferente quando se tratava da defesa dos indivíduos do

Leste, acusando os chefes do norte de reservarem para eles e seus conterrâneos as melhores

armas.

Na voz de Jiboia, um líder natural da região Leste, com alguma formação político-

militar, os principais questionamentos dos guerrilheiros do leste ganharam amplitude. A

autoridade de Jiboia, mesmo que ocupando um posto secundário na política e na hierarquia 28TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 132

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militar, foi uma alavanca para mostrar à direção do MPLA os problemas vividos na região

leste.

Para aumentar o coro contra os problemas descritos acima, Jiboia e os dirigentes do

leste que o apoiavam mobilizaram as populações de suas bases e iniciaram uma marcha na

direção da fronteira da Zâmbia com a intenção de chegar a Lusaka e expor seus

questionamentos a Agostinho Neto.No entanto, quanto mais próximos da fronteira zambiana,

menos fôlego o movimento tinha.

A contestação da Revolta Jiboia não conseguiu qualquer ganho em relação às suas

principais reclamações, sendo, portanto, derrotada. A mobilização acabou por se desfazer e o

líder Jiboia foi punido com o afastamento de sua região e das populações sobre as quais tinha

maior autoridade. Foi rebaixado de cargo e mantido na fronteira zambiana.

A Revolta Jiboia foi o primeiro momento de ruptura entre as populações do Leste e a

direção do MPLA. Esta ruptura iria voltar à tona novamente na revolta promovida

posteriormente por Daniel Chipenda, que pode ser considerada a segunda fase da Revolta da

Frente Leste.

As contestações ao MPLA vindas da Frente Leste não findaram com a desestruturação

da Revolta Jiboia, mas se amplificaram com a chamada Revolta Chipenda. Pode-se entender

estes dois eventos como uma única frente de contestação às práticas do chefes político-

militares do MPLA. No entanto, nesta segunda fase de contestações do Leste, o principal

porta-voz do movimento não seria um chefe político-militar secundário como Jiboia, mas um

responsável pela direção política do MPLA, o que conferiria às contestações uma repercussão

muito maior.

Daniel Chipenda entrou em contato com as manifestações da Revolta Jiboia e acabou

se oferecendo para servir de intermediário entre uma comissão dos revoltosos e a comissão

designada pela direção do MPLA. Ao contrário da maioria dos dirigentes do movimento,

Daniel Chipenda acabou aderindo às contestações de Jiboia e se associou às suas críticas,

levando-as ao Movimento de Reajustamento do MPLA.

Ao contrário do relativo pacifismo da Revolta Jiboia, a Revolta Chipenda acabou

ganhando feições militares e políticas mais densas, superando as críticas somente de caráter

conjuntural ao movimento. Os revoltosos, além de reafirmarem os questionamentos da

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40

Revolta Jiboia em relação aos privilégios dos nortistas, estenderam suas críticas para questões

de caráter racial: os dirigentes mestiços e brancos eram acusados de gozar de privilégios e de

ter melhores postos nas estruturas do MPLA. O discurso de que os intelectuais não estavam

próximos das massas angolanas que faziam a guerra de libertação também esteve em pauta

naquele momento.

Devido aos contatos que Chipenda tinha com o governo da Zâmbia, este país se

colocou contra a direção do MPLA e pressionou por uma solução amigável entre as partes, do

que resultou uma reunião entre dirigentes do MPLA e os contestadores da ordem vivida no

interior do movimento.

O Movimento de Reajustamento do Leste é, até hoje, considerado um dos raríssimos

momentos em que as bases conseguiram se expressar no interior do MPLA. Foi neste

movimento que as críticas levantadas pelas Revoltas do Leste seriam discutidas. O

comportamento dos chefes militares foi duramente criticado, bem como os privilégios dos

nortistas e a forte hierarquização existente no MPLA. Portanto, a direção do movimento

acabou se abrindo a receber duras críticas das bases.

No entanto, ao ver que suas críticas não repercutiram da maneira que desejava, Daniel

Chipenda se retirou do Movimento de Reajustamento do Leste, consumando uma ruptura que

já vinha se desenhando há alguns anos.

A conclusão chegada pela direção do MPLA em relação às Revoltas do Leste foi

expressa em um balanço informativo publicado pelo movimento. Diz o documento:

“Na Frente Leste, o plano imperialista concretiza-se por uma atividade fraccionista

de grande envergadura, fortemente apoiada pelas autoridades locais e centrais

zambianas. Depois das muitas vicissitudes do ‘complot’ de Novembro e Dezembro de

1972 e Janeiro de 1973, a subversão concretizou-se no assalto e ocupação de

Malondo CPR (Sikongo) e alastrou rapidamente a todos os acampamentos de SRS

(Sub-Região Sul), em território zambiano, e a certas unidades do interior da dita sub-

região. É provavelmente a generalização da subversão em toda a SRS. Os principais

agitadores são Kilimandjaro, KatuwaMitué (Jiboia), Chikolomwenho e Kimalata,

ajudados por Santana I, Santana II, Bala Direita, Quatro de Fevereiro, Danger, etc.

Todos estes rebeldes actuam à volta de Daniel Chipenda, a quem chamam ‘chefe’. A

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essência (...) da subversão é o tribalismo Umbundu e Mbundo. As exigências que

eles apresentam são a não punição dos agitadores, a realização de uma ‘Assembleia

Regional’ e a ‘subsequente reorganização do movimento’. A razão profunda é

esvaziar o MPLA do seu conteúdo popular africano, a substituição da luta do

movimento, a neutralização dos elementos progressistas, a destruição dos laços

fraternos que existem entre o MPLA e os países africanos solidários com a nossa luta

e com os países do campo socialista, e a limitação da guerra. Tudo isto como meio de

mais facilmente conseguir o estrangulamento do movimento numa frente comum com

a FNLA e a UNITA a fim de concretizar o plano imperialista de conceder ao país uma

independência formal.”29 (grifo meu)

Destas conclusões do MPLA sobre as Revoltas do Leste, fica claro que a direção do

movimento, mesmo com a exposição dos problemas feitos pelos revoltosos, não fez uma

análise substancial daquilo que era contestado, apontando imediatamente como causas das

Revoltas do Leste uma possível manipulação imperialista que tentaria fazer malograr o

progresso da luta de libertação.

Mais interessante do que isso é o argumento de caráter étnico-regional levantado pela

direção do movimento como uma causa das Revoltas do Leste. Neste momento, o MPLA

retomou o argumento definido em 1962 de que não toleraria qualquer manifestação de

tribalismo ou de divisionismo no seio do movimento. Ao considerar as Revoltas do Leste

manifestações étnico-regionais, o MPLA mostrou que a ideia identidade do movimento

definida em 1962 poderia também ser utilizada para a repressão de movimentos contestatários

da direção.

Sendo a Revolta do Leste causadas por influências imperialistas e por manifestações

tribalistas, não cabia à direção do movimento nenhuma atitude a não ser a repressão aos

manifestantes. Uma análise das críticas levantadas também não seria uma necessidade devido

às causas da revolta apontadas pela direção do movimento.

Segundo Tali, 30 uma das principais características do Movimento de Reajustamento

foi a possibilidade de as bases do movimento fazerem críticas diretas aos dirigentes. No

29

MPLA apudTALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”.150 30

Idem.

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42

entanto, estas críticas foram sempre filtradas por uma elite política, o que por consequência

levou a poucas ações práticas no sentido de corrigir os problemas apontados pela base do

MPLA. Portanto, as análises da situação do movimento feitas pelos dirigentes não foram

profundas e resultaram apenas em ações para encobrir os problemas apresentados pelas bases

do movimento no Movimento de Reajustamento.

Claramente as Revoltas do Leste não foram motivadas por laços étnicos-regionais. Só

é possível compreender as razões das contestações ao se embrenhar pela análise das

práticassociaise dificuldades materiais vividas na região. Somente em um segundo momento

da manifestação que uma consciência de que algum grupo era privilegiado pelo MPLA

(nortistas) ganhou repercussão nas revoltas do Leste. Foi necessário, portanto, que algum

motivo de revolta surgisse para que uma consciência étnico-regional aparecesse. Além disso,

a aliança Jiboia-Chipenda tornava a contestação mais abrangente do que uma contestação

étnica, visto que estes líderes eram de grupos etnolinguísticos diferentes, constituindo,

portanto, uma aliança pluriétnica (Nganguela e Ovimbundo). Estes grupos

etnolinugísticosestavam geograficamente afastados, o que possibilitava aos revoltosos apenas

se identificarem com uma região bastante vaga, “o Sul”, tão vaga quanto o “Norte” dos chefes

político-militares. Portanto, classificar as Revoltas do Leste como simples manifestações

tribalistas ou étnico-regionais é fruto de uma análise bastante reducionista do evento e,

possivelmente, uma estratégia da direção do MPLA para não ter de lidar com problemas

graves que ocorriam no interior do movimento.

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2 A vida do Homem Novo angolano – aplicação e repercussão de um projeto nacional

(1975-1986)

No capítulo anterior, ficou demonstrada a escolha de uma concepção de identidade

nacional através dos debates ocorridos no início da década de 1960, quando se definiu que

as questões raciais e étnicas não deveriam ser condicionantes para a participação no

movimento e, futuramente, na cidadania da Angola independente. Esta ideia foi expandida

para o projeto de nação do MPLA juntamente com a ideia de combate ao chamado

tribalismo, valorizando-se uma ideia de unidade cultural angolana.

O tema central deste segundo capítulo será a forma como o MPLA tentou construir a

idéia de nação angolana após a independência ocorrida em 1975. Surgiria, então, a frequente

proposta do Estado angolano de construir um Homem Novo angolano, sempre baseada na

ideologia marxista-leninista e na tentativa de construção do socialismo em Angola.

Para que seja possível a compreensão deste projeto nacional do MPLA, será

necessário apresentar as conjunturas em que este projeto foi colocado em prática. Portanto,

inicialmente, tratarei da independência angolana e dos principais problemas encontrados

pelo movimento logo após a libertação do domínio português.

Em seguida, serão abordadas as principais formas de ação do Estado angolano para a

formação do Homem Novo. Darei atenção especial à preocupação do MPLA em construir

seus projetos através da educação e do domínio de organizações de massa. Ficará

demonstrada a estratégia de fazer da educação também uma forma de disseminar os

principais ideais políticos adotados pelo MPLA.

Por fim, será apresentada a forma como a população angolana parece ter reagido ao

projeto de construção do Homem Novo angolano.Ficará evidenciada a forma como o

Homem Novo se relacionava com as demais identidades das populações angolanas.

Este segundo capítulo se encerrará no momento em que o MPLA-PT decidiu se

desligar do projeto de construção do socialismo já na década de 1980. A partir de então, o

projeto de nação angolano defendido pelo partido mudaria radicalmente de posição. Esta

mudança será o tema do terceiro capítulo deste trabalho.

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44

Serão utilizados como fontes documentos oficiais do MPLA e do Estado Angolano e

entrevistas realizadas com membros de destaque do partido.

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2.1 Ascensão ao poder, crise e definição ideológica: a formação das bases para a

criação do Homem Novo

Em 25 de abril de 1974, o regime salazarista português31 sofreu sua definitiva derrota:

destacamentos militares comandados por capitães do exército tomaram os principais centros

de decisão política portugueses, sem que fosse possível uma reação organizada das forças

salazaristas. Com a queda da ditadura em Portugal, abria-se uma nova perspectiva de luta nas

colônias africanas. Os capitães do Movimento das Forças Armadas portugueses já haviam se

pronunciado pela autodeterminação dos povos africanos, definindo as principais lideranças

nacionalistas das colônias (FRELIMO, em Moçambique; MPLA, em Angola; PAIGC, na

Guiné-Bissau). Os líderes do MFA sabiam que uma saída militar para a crise enfrentada na

África era inviável, dispendiosa e problemática frente à opinião nacional e internacional, o

que logo possibilitou um processo de descolonização negociada, obviamente estimulado pela

situação difícil vivida nas colônias. Uma vez iniciadas as guerras de libertação, tornava-se

impossível frear o ímpeto independentista. As independências das colônias se tornaram

questão de tempo.

O progresso no sentido de construir a independência de Angola ganhou corpo em 15

de janeiro de 1975, em Alvor (Portugal). Em uma reunião entre os três principais movimentos

nacionalistas angolanos e o governo português, decidiu-se sobre os princípios gerais da

descolonização de Angola. Naquela reunião, ficou definido o princípio da “legitimidade

revolucionária”, que restringia apenas aos movimentos de libertação presentes na reunião de

Alvor a participação no espaço político angolano. Além disso, decidiu-se pela formação de

uma Assembleia Constituinte através de eleição, sem que se fosse mencionado o modelo

político que seria seguido em Angola após a independência. Formou-se, por fim, um governo

de transição composto por MPLA, FNLA, UNITA e por representantes do governo português,

que tinha como principal objetivo a preparação para o processo eleitoral para a Assembleia

Constituinte.

O princípio da representação dos três movimentos de libertação nacional em igualdade

de condições políticas no governo de transição revelou-se falho. Os embates militares do

período da luta anticolonial entre os movimentos foram levados para o campo da

31

Apesar de Salazar ter se afastado do poder em 1968, o termo salazarismo continuou a ser utilizado devido à manutenção das linhas políticas e ideológicas pelo governo sucessor Marcello Caetano.

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política,tornando os conflitos algo constante no novo governo. Consequentemente, o governo

de transição se revelou muito pouco funcional, pois a ausência de confiança entre os

movimentos minou qualquer possibilidade de progresso político do governo de transição.

De fato,mantiveram-se os conflitos armados entre os movimentos. A dificuldade de

uma saída política pacífica durante o governo de transição ficaria evidenciada pela estratégia

de cada movimento em dominar certas partes do território angolano. A ocupação do terreno

era uma questão central para a expressão da força de cada movimento de libertação, o que

aparentemente seria determinante para o processo eleitoral e consequentemente para a

formação da Assembleia Constituinte.

O domínio de Luanda era o principal objetivo dos movimentos de libertação. A luta

pela capital acabou opondo mais diretamente MPLA e FNLA, pois a UNITA se retirou da

cidade ainda defendendo a partilha do espaço político, pois acreditava que na eleição o peso

étnico dos ovimbundo lhe garantiria a vitória eleitoral. A partir de junho de 1975, a guerra

civil angolana se consolidou. O MPLA sairia vencedorda batalha pelo domínio de Luanda.

A partir de julho, houve uma progressiva internacionalização da guerra em Angola. A

FNLA recebeu reforços do exército zairense; o MPLA passou a receber apoio dos cubanos e

soldados enviados pela FRELIMO, pelo PAIGC e pela Guiné-Conakry; a UNITA, retirada do

conflito ao norte e instalada no centro-sul, recebeu auxílio sul-africano. O Governo de

Transição deixou de funcionar definitivamente em agosto de 1975, sendo que só o MPLA

nele se manteve. Portanto, a transição pacífica à independência de Angola foi deixada de lado,

de maneira que a solução militar determinou os vencedores da luta anticolonial. O cenário

para a guerra civil que se instalaria em Angola estava desenhado.

De acordo com o Acordo de Alvor, a independência de Angola estava marcada para

11 de novembro de 1975. Neste dia, o MPLA declarou unilateralmente a independência do

país, descumprindo as determinações do referido acordo que pregava a partilha do poder entre

os três movimentos de libertação até a realização de eleições. Ao mesmo tempo, uma

coligação formada por FNLA e UNITA também proclamou a independência angolana.

Naquele momento, o MPLA dominava 12 das 16 províncias de Angola. A partir de então, o

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poder do Estado foi assumido pelo MPLA, que passou a ser considerado internacionalmente

como o representante do governo angolano32.

Apesar da vitória que o MPLA conquistara em novembro de 1975, o movimento ainda

teria de lidar com um país politicamente dividido e, mais grave, com outros dois movimentos

beligerantes que não reconheciam seu poder. Com a internacionalização da guerra, Angola

passou a ser ainda mais do que antes um dos principais palcos dos conflitos da Guerra Fria, de

maneira que a bipolarização ideológica se transferiu de forma cada vez mais explícita para o

interior do país recém-independente.

Internamente, o MPLA também passava por momentos importantes de decisão

política. A escolha do modelo político e ideológico que seria assumido pelo movimento seria

de grande relevância para o desenrolar dos acontecimentos. Gradativamente, o MPLA foi

estreitando os laços com países do bloco socialista, principalmente Cuba, e mostrando a sua

filiação ideológica como um movimento de base marxista-leninista. Oficialmente esta posição

só seria assumida no Congresso de 1977.

Antes desta definição oficial como um partido marxista-leninista (o movimento

passaria a ser denominado MPLA - Partido do Trabalho em 1977), o MPLA passou por mais

uma gravíssima contestação em seu interior. A crise ocasionada pela revolta de um grupo

liderado por Nito Alves foi de grande importância para a história do movimento/partido.

Em 27 de maio de 1977, um grupo liderado por Nito Alves, José van Dunem e Sita

Vales, membros de destaque do MPLA, empreendeu uma tentativa de golpe contra o Estado,

intentando uma revolução de caráter marxista-leninista e pró-soviético. Além disso, o discurso

nitista era muito baseado na ideia pan-negra e contrária aos brancos e mestiços. A repressão

sobre os contestadores foi bastante rápida e descontrolada, sendo os líderes presos em poucos

dias e um número ainda incerto de pessoas executadas.

Para que se possa compreender a crise nitista, deve-se ter em conta que o MPLA

tornara-se um grande partido que abrigava diferentes concepções políticas. Tali33cita quatro

tendências principais no interior do MPLA: 1. a pragmática, que se reunia em torno de

32

O primeiro país a reconhecer a independência de Angola foi o Brasil. É importante destacar que a política externa brasileira tinha como um de seus princípios a aproximação do Terceiro Mundo. Em contraste, os EUA não reconheceram a independência de Angola, mostrando a polarização da Guerra Fria. 33 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 197 a 202

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48

Agostinho Neto e tinha no marxismo um substrato fundamental para sua atuação política,

havendo, contudo, uma seletividade dos conteúdos que poderiam ser utilizados na luta

nacionalista angolana e na aplicação do socialismo à África; 2. a nitista, que tinha um puritano

marxismo-leninismo como a base de suas ações e se mostrava bastante ligado àsexperiências

da URSS; 3. a extrema esquerda abafada, que compreendia os intelectuais da guerrilha

ideologicamente situados mais à esquerda que os demais grupos; e 4. a corrente dos

tradicionalistas, que englobava os nacionalistas dos primeiros movimentos de contestação

anticolonial da década de 1960.

O puritanismo ideológico de Nito Alves acabou conquistando adeptos, muito

influenciados pela capacidade oratória de seu líder, o que contrastava com as características

dos outros principais líderes do MPLA. O acesso de Nito Alves às populações dava-se de

maneira mais direta, sendo que a questão do Poder Popular era central para a suas propostas

para a Angola independente34. Ao contrário do que defendiam os partidários de Agostinho

Neto, Nito Alves queria ver em Angola um sistema de participação popular bastante

semelhante àquele implantado na URSS após a revolução bolchevique. Após a viagem de

Nito Alves à URSS para representar o MPLA no XXV Congresso do Partido Comunista da

União Soviética, todas as suas análises ideológicas pareceram se transformar, sempre tendo

como base a URSS e a revolução bolchevique e considerando o radicalismo como forma de se

alcançar a sonhada revolução socialista.

A questão da autonomia dos órgãos de Poder Popular angolanos após a independência

foi bastante séria e determinante no desenrolar da crise nitista. Como Nito Alves tinha grande

influência sobre estes órgãos, o Comitê Central do MPLA decidiu-se por realizar uma série de

“medidas preventivas” contra a possibilidade de fracionamento no interior do movimento.

Entre estas medidas preventivas, houve a dissolução dos órgãos de imprensa considerados

pró-nitistas e a retirada de qualquer legitimidade aos órgãos de poder popular que haviam sido

eleitos em maio de 1976. O Comitê Central optou, portanto, por fazer uma limpeza nas

estruturas de base do MPLA, dando mais uma demonstração de que a ala que dominava o

m41ovimento não toleraria quaisquer contestações em seu seio.

34O Poder Popular era composto por órgãos onde a população podia se expressar livremente. O modelo seguido era, basicamente, o dos sovietes da URSS. A questão sobre o Poder Popular foi extremamente debatida durante a luta de libertação nacional pelos três principais movimentos de libertação. A FNLA inicialmente se mostrou radicalmente contrária ao Poder Popular, mas suavizou os discursos com o passar do tempo. A UNITA, mostrando o seu rigoroso anticomunismo, sempre se posicionou contrariamente em relação ao Poder Popular. Já o MPLA era a favor desta forma de governo.

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49

A partir destas atitudes do Comitê Central do MPLA, o conflito ganhou novas formas

e se tornou inevitável. A ruptura e as ações práticas tiveram lugar em 27 de maio de 1977,

quando os conflitos referidos acima eclodiram. A repressão foi sangrenta e se estendeu por

toda a população angolana, de maneira que qualquer indivíduo que pudesse estar ligado ao

nitismo ou que alguém imaginasse que estava ligado ao evento passasse a estar sujeito à

prisão ou à execução. Ainda não há consenso sobre o número de morto na repressão, mas

sabe-se que esta foi duríssima35.

Tali afirma que a repressão sobre a tentativa de golpe de 1977 foi uma ocasião em que

a direção do MPLA ajustou contas com principais desafetos no interior do movimento36. A

partir de então, o MPLA tomou um caráter marcadamente autoritário que perduraria durante

um bom tempo. A existência de órgãos de repressão se tornou mais marcante também nas

estruturas do Estado.

O próprio MPLA sofreria com as consequências da repressão descabida à tentativa de

golpe, pois boa parte de sua base social e política havia sido punida e acabou se desiludindo

com a política após a independência. O impacto desta repressão se daria principalmente entre

a juventude, havendo um esvaziamento da participação política, seja nas organizações de

massas, seja no sindicato único (UNTA).

Apenas seis meses após a tentativa de golpe e a duríssima repressão empreendida pelo

movimento/Estado, teve lugar o Congresso de 1977. Neste momento, ocorreua definição

oficial do modelo político e ideológico que seria seguido pelo MPLA a partir de então. O

marxismo-leninismo foi aceito como a base ideológica do movimento e criou-se o MPLA-

Partido do Trabalho, um partido destinado a ser a vanguarda da classe operária. Durante esta

escolha, não houve uma participação efetiva das bases do movimento, pois o impacto da

repressão contra a tentativa de golpe de maio e a formação das estruturas de um Estado

autoritário ainda era bastante presente.

A partir de então, o MPLA-PT passaria a se dedicar à construção da nação angolana

após a independência. O marxismo-leninismo foi um referencial seguido – ao menos

inicialmente- pelo partido para a construção da nação. Neste projeto, surgiu a ideia da

35TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 220. 36 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 221.

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construção do Homem Novo angolano. Todo este projeto de construção nacional teve que

disputar espaço com a penosa guerra civil que Angola viveu a partir da independência.

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51

2.2 O surgimento do Homem Novo angolano

O debate sobre o conceito de nação é muito intenso na historiografia. Diversos

historiadores já se debruçaram sobre o tema, mas a definição de nação não é simples. Para

este trabalho, mais importante que a definição historiográfica acerca do conceito de nação é o

entendimento do Estado angolano sobre esta questão, pois foi esta concepção quedeu base ao

projeto de construção do Homem Novo.Sendo um Estado que se propunha à implantação do

socialismo, a definição de nação utilizada pelo MPLA para o empreendimento do projeto

nacional foi a de Joseph Stálin: “nação é uma comunidade estável historicamente constituída, com

linguagem, território, vida econômica e caracterização psicológica manifestos em uma comunidade

cultural”37(grifo meu). Note-se que esta definição se baseia nos critérios objetivos que são

constitutivos de uma nacionalidade, de maneira que a subjetividade inerente ao pertencimento

a uma nação não é levada em conta.

Em Angola, a línguautilizada oficialmente continuou a ser a língua do colonizador, ou

seja, o português. Continuou-se a admitir outras seis línguas locais como línguas nacionais do

Estado angolano, mas o português manteve-se como língua oficial e assim se mantém até

hoje. É importante ressaltar que o uso da língua portuguesa significava uma das formas de se

alcançar a unidade nacional. O Estado angolano valeu-se da imprensa e da educação para

espalhar o português pelo território nacional38.

Assim como na linguagem, o território angolano continuou sofrendo influência do

colonialismo português, sendo demarcado segundo os limites definidos historicamente pelo

colonialismo. O enclave de Cabinda continuou fazendo parte do território angolano, apesar de

haver um movimento que lutava pela autonomia de Cabinda.

Apesar de estas questões objetivas serem bem definidas em Angola após a

independência, a questão da comunidade cultural destacada acima na citação de Stálin

revelou-se bastante problemática ao MPLA-PT. Daí surgiu a necessidade de criação de um

Homem Novo, que teria valores, características e cultura definidas pelo Estado angolano.

Como já foi abordado neste trabalho, Angola tem em sua diversidade cultural uma das

principais características de sua sociedade. Uma característica marcante da população

37 STALIN apud HOBSBAWM, Eric. “Nações e Nacionalismos desde 1780 – programa, mito e realidade”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. P. 15. 38 HODGES, Tony. “Angola - do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem” . Cascais: Princípia, 2002. P.47.

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angolana é a convivência de grupos étnicos no interior do território. Em Angola, há três

grupos etnolinguísticos predominantes: o ovimbundo, que corresponde a 35% da população; o

kimbundo, que corresponde a 25% dos angolanos; e o bakongo, que por sua vez corresponde a

15% da população. Além desses três maiores grupos etnolinguísticos, existem outros

menores, que juntos correspondem aos 25% restantes da população. Esta diversidade de

grupos étnicos e, conseqüentemente, de cultura fez com que, para alcançar a unidade cultural

pretendida para a nova nação independente, o Estado afirmasse a necessidade de construir

uma nova cultura que englobasse todos os aspectos culturais angolanos. O mote principal

desta campanha foi expresso no slogan “De Cabinda ao Cunene, um só povo, uma só nação”.

A unidade nacional foi um dos temas mais importantes levados à discussão pelo Estado

angolano e, para isso, seria necessário um investimento na idéia de uma comunidade cultural

dos povos angolanos.

A necessidade principal para criar a comunidade de cultura em Angola era a

integração de todos os povos angolanos em torno de um único projeto nacional. Esta

necessidade estava presente na Lei Constitucional de 1977: “será promovida e intensificada a

solidariedade econômica, social e cultural entre todas as regiões da República Popular de Angola, no

sentido do desenvolvimento comum de toda a Nação Angolana e da liquidação das seqüelas do

regionalismo e do tribalismo”.39 (grifo meu) Note-se que a idéia era encontrar ou construir

elementos comuns a todos os povos angolanos para que a identidade nacional pós-

independente fosse construída. Para isso, o MPLA-PT buscaria na história de Angola laços

comuns que uniriam os povos, permitindo a criação de um sentimento de identidade. Uma

publicação do Ministério da Educação de Angola em um livro que trata sobre a história

daquele país retrata bem esta idéia de valorização de um passado comum aos povos

angolanos.

Na introdução de “História de Angola” 40, um dos livros didáticos utilizado em escolas

angolanas, declara-se que o objetivo da publicação e do estudo de história não era apenas o

conhecimento dos processos históricos que deram origem à Angola contemporânea, mas

também o fortalecimento da consciência nacional, que seria importante para o presente e para

o futuro da nação angolana. O recorte dos primeiros capítulos do livro didático apresentava o

período pré-colonial angolano, momento em que o curso da história dos povos angolanos teria

39ANGOLA, LEI CONSTITUCIONAL. Artigo 5º. Luanda, 1977. 40 REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. “História de Angola”. Luanda. 1976. P.5

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sido interrompido pela colonização. Este curso histórico só teria sido retomado com a

independência em 1975. Observa-se que a condenação do colonialismo e a vitimização dos

povos angolanos são marcas presentes no livro didático.

Logo em seguida, o livro destaca que, apesar de uma análise apressada mostrar a

diversidade do povo angolano, um estudo mais aprofundado permite concluir sobre a

existência de uma unidade cultural que teria sido suprimida pela colonização portuguesa. Esta

matriz cultural deveria ser a fonte da unidade cultural buscada pela Angola independente,

sendo o estudo da história do país e de seus povos de grande importância para a constatação

da unidade cultural angolana. 41

Pode-se perceber pela análise deste livro didático que a historiografia africana das

décadas de 1950 a 1970 o marcou muito. Além de verem no colonialismo uma interrupção do

desenvolvimento da história dos povos africanos, destaca-se a todo momento a resistência dos

povos africanos ao colonialismo europeu. São apontados como legítimos africanos aqueles

que resistiram e lutaram por manter sua cultura intacta mesmo com os contatos com europeus.

Apesar do livro declarar que a história é uma ciência em constante construção, não se buscava

entender os processos e mudanças históricas, mas sim servir ao projeto nacional que

necessitava de uma identificação entre os povos angolanos.

De qualquer forma, o passado de exploração pelo colonialismo português não deixou

de ser acionado como um elemento que unia os angolanos em torno de uma só identidade. Os

500 anos de exploração serviram para afirmar uma história nacional comum. No entanto,

apesar da exploração ser reconhecida, foi a ideia de resistência ao colonialismo que pautou a

identidade nacional angolana.

Aquela idéia da legitimidade revolucionária defendida no momento do Acordo de

Alvor continuou a ser uma das balizas importantes a marcar a definição da nacionalidade

angolana. Na Conferência Inter-Regional de Militantes em 1974, houve novamente a

contestação dos direitos dos brancos e mestiços de participarem da nova nação que seria

construída após a independência. Em um sentido contrário, ficou determinado que brancos e

mestiços poderiam sim fazer parte do movimento, mas ficava implícita a idéia de que estes

tinham que comprovar a sua lealdade à causa da independência. Esta prova seria a

participação na luta de libertação nacional. Vê-se aqui a desconfiança que muitos membros do 41REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. “História de Angola”. Luanda. 1976. p. 6 e p. 99

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MPLA ainda nutriam em relação aos não-negros angolanos e uma clara opção pela

valorização ideológica daqueles que pretendiam ingressar no movimento.

Este impasse em relação aos brancos e mestiços seria desfeito na Lei de

Nacionalidade, que não fazia qualquer referência à natureza racial dos angolanos: “são

cidadãos angolanos de pleno direito todos os indivíduos nascidos em Angola, bem como os não

naturais de Angola filhos de mãe ou de pai angolanos”.42 A partir da independência, o MPLA-PT

passou a aplicar ao seu governo aqueles referenciais de nacionalidade definidos na Primeira

Conferência Nacional de 1962 referida no primeiro capítulo deste trabalho.

Bem como outros países que adotaram regimes socialistas na África, o governo

angolano tentou suprimir os vínculos tradicionais das populações, pois considerava que estes

vínculos poderiam levar a conflitos inter-étnicos e, mais importante ainda, a uma baixa adesão

ao projeto de construção da nacionalidade angolana. Era necessário, portanto, nas palavras de

Agostinho Neto “destruir o velho para construir o novo”.

Construir o novo em Angola significava, portanto, uniformizar as diversidades

existentes entre os povos que viviam no interior do Estado, sempre objetivando criar a

nacionalidade segundo os critérios objetivos definidos por Stálin. Neste sentido, o MPLA-PT

colocou-se como um ator que lutava para construir a objetividade nacional. Esta tarefa se

mostrou árdua, pois este projeto significava transformar a diversidade em uma unicidade que

não existia historicamente. Tratava-se, pois, de iniciar uma nova era em Angola.

Esta nova era teria como base o projeto político-cultural de transformar os angolanos

em Homens Novos. Este ideal foi expresso no Hino Nacional de Angola adotado após a

independência:

42Lei da Nacionalidade. IN Jornal de Angola, 13/11/1975 apud PINTO, Tatiana Pereira Leite.”Etnicidade e Racismo em Angola: da luta de libertação ao pleito eleitoral de 1992”. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pás-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.

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“Oh, Pátria, nunca mais esqueceremos

Os heróis do quatro de Fevereiro.

Oh, Pátria, nós saudamos os teus filhos

Tombados pela nossa Independência.

Honramos o passado e a nossa História,

Construindo no trabalho o Homem Novo,

Angola, avante!

Revolução, pelo Poder Popular!

Pátria Unida, Liberdade,

Um só povo, uma só Nação!

Levantemos nossas vozes libertadas

Para glóriados povos africanos.

Marchemos, combatentes angolanos,

Solidários com os povos oprimidos.

Orgulhosos lutaremos pela paz

Com as forças progressistas do mundo.”43

A letra de Manoel Rui Monteiro apresenta diversos temas que seriam importantes para

a construção da nacionalidade angolana segundo o MPLA-PT, tais como a necessidade de

apresentar uma história honrada comum a todos os angolanos e o projeto de construir o

Homem Novo. Tudo isso seria baseado em uma idéia de construir uma nova realidade através

da consumação revolução socialista.

Construir o Homem Novo não significava apenas “liquidar as sequelas do regionalismo e

do tribalismo”, mas estimular a construção de uma nova cultura nacional baseada em novos

valores e atitudes. A construção do Homem Novo aparece no Hino Nacional vinculado ao

trabalho, pois este empreendimento do Estado angolano se baseava muito nos valores da

disciplina e da produção. É interessante notar que, na grande maioria dos discursos proferidos

por Agostinho Neto e pelos principais líderes do MPLA-PT, as palavras de ordem utilizadas

para fazer as massas se manifestarem eram disciplina e produção. A ideia era criar um

43Letra de Manoel Rui Monteiro, música de Rui Vieira Dias Mingas. Disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=pcXldTOSw_o. Acessado em 20 de fevereiro de 2013.

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Homem Novo com uma personalidade adaptada à sociedade socialista. Nas palavras de Lúcio

Lara:

“Trata-se de fazer renascer os nossos valores culturais, revigorá-los com os

conhecimentos científicos que adquirimos, criando uma nova cultura, fundada na

nossa originalidade, mas adaptada à Nova Sociedade que pretendemos construir e ao

Novo Homem angolano, que queremos criar. (...) Nesse sentido, procuraremos

afirmar e desenvolver a nossa personalidade angolana” 44

Neste projeto de construção de uma nova cultura angolana, as ideias revolucionárias

do marxismo-leninismo seriam sempre utilizadas como base para a criação do Homem Novo

angolano. Declarava-se que todas as culturas angolanas deveriam se unir aos valores

revolucionários e científicos para que os objetivos do projeto fossem alcançados. No livro

didático citado acima, fica bem claro que se pretendia espalhar por toda a sociedade as ideias

marxistas. Logo no início do livro, defende-se que os métodos de análise marxistas devem ser

utilizados para a interpretação dos processos históricos estudados. A partir disso, há a

explicação de alguns conceitos do marxismo como o materialismo histórico, estrutura e

superestrutura. Se levarmos em conta que o livro destinava-se a crianças do ensino básico,

pode-se ter em mente o quão importante era ao projeto do MPLAo conhecimento do

marxismo pela sociedade. Desde muito cedo, os angolanos passavam a entrar em contato com

as ideias do MPLA-PT. O projeto de construção do Homem Novo angolano se valeu muito da

educação para aumentar a adesão aos valores revolucionários.

Para o MPLA-PT, era “preciso conhecer o marxismo-leninismo (...), estudar, aprofundar,

conhecer cada vez melhor a teoria marxista-leninista que é [era] o guia do partido e aquele que

orienta [orientava] o Estado”.45 Na nova sociedade angolana, primava-se por uma nova escola

que auxiliasse na evolução ao socialismo, que era:

44 Declaração do Bureau Político do MPLA. Jornal Angolense, 20/11/1976, p.13 e 14. 45 MPLA. A importância do Marxismo-Leninismo na Educação ideológica do povo. Luanda DIP, 1978.

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“obrigada a estender sua ação às mais amplas camadas do povo, não só para

satisfazer suas elementares e justas aspirações, mas também como forma mais eficaz

de combater a concepção errada e características da sociedade de exploração que é

nosso passado recente. Se o acesso às escolas pelas classes no seio do nosso povo,

outrora mais explorado, é o primeiro indicador da real democratização, esta terá

necessariamente de se implantar no seu cotidiano escolar e no seu modo de

funcionamento (da escola)”46

Portanto, a escola constituía-se em uma das principais bases para a construção de um

Homem Novo e na elaboração e difusão de uma nova cultura angolana. Note-se que o MPLA-

PT fazia valer realmente a idéia de ser um partido de vanguarda, pois dominava os principais

meios de promoção cultural, baseando suas ações em seus próprios valores e interesses.

Após a proclamação da independência, houve uma grande onda de emigração em

Angola, sendo que muitos dos indivíduos que faziam parte das estruturas da educação

colonial deixaram o país. Sendo assim, havia uma grande carência de quadros técnicos para a

educação em Angola, o que dificultava muito o processo de educação dos angolanos. Neste

sentido, o auxílio de cubanos seria de grande importância para a educação em Angola.47

Além de servir ao projeto de construção do Homem Novo angolano, a educação tinha

uma função extremamente importante para a economia do país, pois Angola tinha uma grande

carência de quadros técnicos capacitados que pudessem auxiliar na reconstrução do país.

Angola carecia de quadros capacitados tanto política quanto tecnicamente para atuar nas mais

simples funções, tanto nas indústrias como na burocracia do Estado. Para isso, um esforço

educacional deveria ser uma questão-chave no desenvolvimento angolano após a

independência. O índice de analfabetismo chegava a ser da ordem de 85% na população

angolana48.

46 MPLA apud ANDRÉ, Antônio Miguel. A formação do Homem Novo – uma visão dos técnicos governamentais atuando hoje em Angola. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Educação da UNICAMP, 2004, p 99. 47 ANDRÉ, Rebeca Helena. “O Ensino de História em Angola: balanço (1975-2009) e prospectiva”. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade do Porto. Porto, 2010. P. 43 48

Idem.

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58

Outra frente onde o MPLA-PT se esforçou para criar a nova cultura nacional e o

Homem Novo foi a imprensa. Tanto na imprensa escrita quanto nas rádios e na Televisão

Popular de Angola o debate sobre a identidade nacional esteve presente. É importante notar

que, devido à grande taxa de analfabetismo em Angola, a imprensa escrita tinha seu impacto

social limitado. Como consequência, a rádio e a televisão se mostraram de um maior alcance

popular, já que não requeriam de seu público a alfabetização. 49

Todas estas iniciativas do Estado angolano eram partes de um projeto de massificação

cultural empreendida pela Direção Nacional de Massificação Cultural. A nova cultura

revolucionária, que se apresentava como sendo baseada em progressos científicos, também foi

levada adiante através do controle de algumas organizações de massa controladas pelo

MPLA. Em geral, estas organizações tiveram origem ainda durante a luta de libertação

nacional angolana e tinham como objetivos defender demandas específicas dos diferentes

grupos sociais, como as crianças, jovens, as mulheres e os trabalhadores. Cada um destes

grupos tinha uma organização vinculada ao MPLA e por ele controlada. Após a

independência e a ascensão do movimento ao poder, estas organizações passaram a fazer

parte do projeto de construção da nova cultura e do Homem Novo angolano.

Ao investir nestas organizações de massa, o MPLA-PT pretendia criar identidades

coletivas que dessem suporte ao projeto de nação. A criação de personalidades coletivas era

importante para que os indivíduos se localizassem socialmente e para que as identidades

individuais e os laços étnicos tradicionais fossem suplantados por esta nova identidade pós-

independente. Neste sentido, o Estado tentava transformar as formas de sociabilidade com o

intuito de fazer o projeto de construção do Homem Novo vigorar em Angola. Portanto, se em

um primeiro momento as organizações de massa surgiram com a intenção de preservar

direitos de determinados grupos sociais, após a independência estas organizações passaram a

ser enquadradas pelo MPLA-PT para serem bastiões da linha político-ideológica em que o

partido se baseava. 50

Eram três as principais organizações de massa controladas pelo MPLA-PT. A

Organização da Mulher Angolana, criada em 1961, quando a direção do movimento ainda

49Ver MELO, João Aníbal. Comunicação, poder e identidade nacional. Dissertação de mestrado em Comunicação e Cultura apresentada à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994. 50ARAÚJO, Kelly Cristina Oliveira de. Um só povo e uma só nação – o discurso do Estado para a formação do homem novo em Angola (1975-1979).

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estava instalada em Leopoldville, tinha como objetivo inicial a atuação no recrutamento de

militantes para o MPLA, sempre se baseando no argumento a favor da independência

feminina e contrário à exploração das mulheres. Posteriormente a OMA passou a se

embrenhar no campo das ações educativas e de conscientização política. Além da defesa da

igualdade entre homens e mulheres, um dos motes principais utilizados pela OMA era o

combate ao tribalismo, o que mostra como o objetivo de acabar com as identidades

tradicionais estava presente nas ações desta organização.51.

A segunda organização de massa que merece ser destacada é a Juventude do MPLA

(JMPLA) que, assim como a OMA, ia na esteira da propagação das ideias do partido. A

JMPLA era composta por indivíduos entre 14 e 35 anos e era um dos órgãos de formação do

Homem Novo por excelência, já que tinha nitidamente características de pedagogia

doutrinária. Segundo o MPLA, era necessário fazer um enquadramento “através de uma

estrutura que permite[permitisse] o controle político e o combate de todos os desvios de linha

política traçada pela vanguarda revolucionária do povo angolano (...) que possam aparecer na

juventude”52.A JMPLA se fazia presente em fábricas, em organizações de bairro e nas escolas

angolanas e tinha como objetivos a mobilização da juventude para a participação nos setores

produtivos e na defesa da nova nação independente, além do referido enquadramento político

dos jovens. Destaca-se aindaque não seria feita qualquer distinção de ordem étnica, regional,

religiosa, social ou de gênero para o ingresso na JMPLA.

Resta ainda citar a Organização dos Pioneiros de Angola (OPA), que recrutava

membros na idade entre 6 e 14 anos de idade. A OPA estava geralmente ligada às atividades

da JMPLA e também tinha como objetivo garantir a educação político-ideológica de seus

membros.

“A organização de pioneiros angolanos surgiu da necessidade de educar as crianças

dentro do espírito do Homem Novo, defensor intransigente da liberdade dos povos e

combatente intrépido contra a exploração do homem pelo homem. São deveres do

pioneiro angolano: ser estudante, estudar e difundir a justa linha política da

51Esta ideia pode ser vista no hino da OMA: Avante, OMA, avante! Acabemos com o fascismo, o colonialismo e com todo o tribalismo. 52 MPLA ApudARAÚJO, Kelly. “Um só povo, uma só nação. O discurso do Estado para a construção do Homem Novo em Angola (1975-1979)”. Dissertação de mestrado. USP. 2005.. P. 89

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vanguarda do nosso povo, o MPLA; lutar energicamente contra qualquer

manifestação tribal, religiosa, regional e racial”. 53

Por fim, ainda neste território das organizações de massa controladas pelo MPLA, é

importante citar a União dos Trabalhadores Angolanos, que era a central sindical de Angola.

Para o MPLA-PT, os trabalhadores eram a principal força social que reconstruiria o país após

a independência. Para superar os problemas legados pelos 500 anos de colonialismo, novas

relações de produção deveriam ser fundadas em Angola, através de um sistema econômico

planificado pelo Estado, onde os meios de produção passariam às mãos dos trabalhadores.

Nestas bases, o Homem Novo poderia ser construído junto com a nova cultura angolana.

Sendo assim, a UNTA significava um espaço bastante importante para a divulgação dos

novos valores defendidos pelo MPLA-PT, como a necessidade de aumentar a produção

econômica nacional, a disciplina no trabalho e o espírito revolucionário que deveria guiar os

trabalhadores angolanos.

É importante ressaltar que a participação nestas organizações de massa do MPLA era

extremamente importante para o crescimento político e profissional no interior do Estado

angolano. Construir uma trajetória individual que passasse pelas organizações que

enquadravam ideologicamente os angolanos era como ter um atestado que apresentava a

consonância com as ideias dopartido/Estado. Portanto, estas organizações de massa serviam

para aproximar a população da vanguarda político-ideológica do MPLA-PT e, além disso,

serviam também para a aplicação do projeto de construção de uma nova cultura calcada nos

valores revolucionários defendidos pelo partido. A identificação com tais valores e com as

novas estruturas de poder do Estado independente era importante tanto para o projeto, quanto

para a legitimação do MPLA-PT no poder.

Entretanto, nem todos os projetos do MPLA-PT após a independência conseguiram

obter sucesso. Para o fracasso dos objetivos do partido, colaboraram dois elementos

fundamentais: a manutenção de uma sangrenta guerra civil contra a UNITA e as dificuldades

em reconstruir as bases econômicas do país.

53 Idem, ibidem

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61

2.3 Desgaste econômico e guerra civil: empecilhos para a construção do Homem Novo

Após a independência de Angola, a FNLA se enfraqueceu bastante e deixou de ter

uma força militar importante para o desenvolvimento da guerra civil que se instalou naquele

país. A queda da FNLA sofreu influência de um revés no Zaire, quando o regime de Mobutu

estabeleceu relações mais cordiais e amistosas com o governo do MPLA. Já a UNITA

conseguiu se reorganizar após as derrotas sofridas em 1975 e 1976, baseada no tradicional

argumento étnico que a ligava ao grupo dos ovimbundos, ao carisma de Jonas Savimbi e,

sobretudo, no apoio militar e econômico fornecido pela África do Sul. A partir de 1985, os

EUA voltariam a apoiar a UNITA.

Apesar de ter vencido a disputa pelo domínio do Estado angolano e mesmo com o

apoio internacional soviético e cubano, o MPLA também passava por dificuldades. Estas

dificuldades, além de envolverem a questão política do embate contra a UNITA, também

tinha suas bases nas dificuldades econômicas enfrentadas pelo Estado. A economia

planificada demonstrou ser um dos grandes problemas a ser enfrentado pelo MPLA para a

reconstrução da sociedade angolana.

O capital metropolitano português estimulava a força produtiva da economia colonial

angolana. Após 1975, os investimentos portugueses, que em sua maioria foram abandonados

após a independência54, se tornaram alvos do Estado, que pretendia a planificação econômica

através da nacionalização das estruturas produtivas em Angola. O MPLA-PT defendia que “a

supressão revolucionária da propriedade privada dos meios de produção é [era] um objectivo que

permitirá permitiria] estabelecer gradualmente novas relações de produção”.55 A supressão dos

investimentos privados pelo Estado angolano era algo que soava um pouco fora de tom, vista

a situação degradante em que a economia se encontrava após 14 anos de guerra anticolonial.56

O aumento da produtividade da economia angolana era, para o MPLA-PT, uma das

questões mais importantes para impulsionar a revolução socialista. Como foi visto

anteriormente, as organizações de massa, principalmente os sindicatos, eram estimulados no

sentido de promover uma nova relação entre a sociedade e o trabalho, fazendo sempre crer

54Segundo Tony Hodges, 300000 portugueses deixaram Angola.HODGES, Tony. Angola, do Afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia. 2002.p.42 55MPLA apud FERREIRA, Manuel Ennes. Nacionalização e confisco do capital português em Angola (1975-1990), p.49. 56 Idem.

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62

que o aumento produtivo era o caminho para a reconstrução do país e para pôr um fim

definitivo na guerra contra a UNITA.

Entretanto, os problemas econômicos de Angola só se iniciavam no momento da

independência. Durante os anos seguintes, a economia angolana não conseguiria aumentar a

sua produção da maneira que o Estado pretendia. A guerra civil foi uma das causas para a

estagnação da produção angolana. Além de ser bastante dispendiosa ao pobre Estado

independente, a guerra anticolonial e a guerra civil destruíram boa parte dos meios de

produção angolanos, inviabilizando a retomada do crescimento.

O modelo de nacionalização e a centralização econômica são apontados por Manuel

Ennes Ferreira como causas principais para o insucesso econômico angolano. Após a

independência, o MPLA-PT criou uma imensa máquina burocrática mal gerida e sem

capacidade de reativar o setor industrial e agrícola do país. 57O Estado apropriou-se da grande

maioria de negócios abandonados pelos portugueses, sem definir quais eram os seus objetivos

principais. Desta maneira, o Estado tornou-se proprietário de quase todos os meios de

produção angolanos e foi incapaz de gerir este grande aglomerado de empresas.

Apesar dos problemas econômicos, Angola ainda tinha uma importante riqueza a ser

explorada: o petróleo. A exploração petrolífera foi a única atividade que não foi afetada

durante a guerra civil e foi responsável por sustentar o Estado angolano e todas as suas

despesas. A criação da Sociedade Nacional de Combustíveis, Sonangol, representou a

nacionalização dos recursos minerais do país, mas não houve a expulsão das empresas

estrangeiras que exploravam o petróleo antes da independência, o que permitiu a permanência

de quadros para a manutenção da extração petrolífera.

José Maria Nunes Pereira aborda a questão econômica angolana apresentando a

existência de um paradoxo: ao mesmo tempo em que o Estado angolano se declarava inimigo

dos países do bloco capitalista e se recusava a aceitar o imperialismo estadunidense, o

principal comprador e explorador do petróleo angolano era os EUA, através de suas

petrolíferas, como a Chevron e a Texaco. 58Este paradoxo da economia angolana não se

manifestava somente na exportação de petróleo, mas em toda a economia, como se pode ver

na tabela a seguir:

57FERREIRA, Manuel Ennes. Nacionalização e confisco do capital português em Angola (1975-1990). 58PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999.

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Tabela 1: Repartição Geográfica do Comércio Externo de Angola

(Anos relacionados; em percentagem)

Exportações Importações

1979 1980 1981 1982 1985 1979 1980 1981 1982 1985

Europa Ocidental 28,5 22,2 27,0 43,0 34,3 56,4 51,6 60,0 62,0 52,7

Países Socialistas 6,9 6,3 3,0 2,0 2,9 15,7 16,9 8,0 7,0 10,8

América do Norte 21,4 31,8 67,0 54,0 49,1 5,6 7,1 22,0 22,0 2,7

América Latina 35,1 28,9 9,8 10,8 12,1

África 3,4 4,1 2,0 1,0 1,2 3,0 2,2 3,0 2,0 2,9

Não Especificados 4,7 6,7 2,0 6,0 9,5 11,4 7,0 9,0 19,0

Fontes: Angola: Informações Estatísticas 1979-80; BAGHAVAN (1986) e FERREIRA (1991).59

Merecem destaques os dados que mostram o grande volume de exportações de Angola

para a América do Norte, principalmente aos EUA, e pequeniníssimo volume de exportações

para os países socialistas. Destacam-se ainda as importações feitas dos países da Europa

Ocidental, número que supera muito aqueles referentes às importações dos países socialistas.

Portanto, fica claro através desta tabela o paradoxo vivido pela economia angolana, que,

apesar do apoio dos países do bloco socialista, tinha uma vinculação econômicamuito grande

em relação aos países do bloco capitalista, especialmente os EUA e a Europa Ocidental.

Apesar do “paradoxo da economia angolana”, o petróleo foi responsável pela maior

parte da renda do Estado, sendo fundamental para o financiamento da guerra contra a UNITA

e para a tentativa de reconstrução de Angola. Apesar dos rendimentos do petróleo, a

centralização econômica promovida pelo MPLA-PT também foi responsável pelas

59PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999. p 163

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dificuldades encontradas para o abastecimento de produtos para a população. As Lojas do

Povo, apesar de subsidiadas pelo Estado, não davam conta de suprir as necessidades dos

angolanos, o que levou à formação de um mercado paralelo, onde uma maior quantidade de

produtos era oferecida. O contrabando foi bastante importante para o abastecimento deste

mercado paralelo.

A partir da década de 1980, a guerra civil se intensificou e se espalhou pelo território

angolano, de maneira que os gastos com a defesa aumentaram bastante naquele momento. Se

os gastos aumentaram para a manutenção do combate contra a UNITA, o mesmo não se pode

dizer do investimento em serviços sociais. A partir da expansão da guerra e das dificuldades

decorrentes da centralização econômica, os serviços básicos oferecidos pelo Estado, como

educação e saúde, sofreram uma forte queda em sua qualidade e uma diminuição da

quantidade de serviços ofertados à população. 60

Paralelamente aos problemas encontrados pelo Estado na reconstrução de Angola e na

oferta de serviços públicos, a maioria da população passava por um processo de

empobrecimento. O resultado disso foi o aumento da estratificação e da desigualdade sociais.

Após a independência houve a ascensão de uma elite pós-colonial que se originara dos setores

crioulos da sociedade do período colonial. Esta elite tinha como bases de sustentação sua

imposição na política e o domínio dos melhores cargos na burocracia do Estado angolano, o

que lhe proporcionava uma boa renda. 61

Deste contexto exposto acima onde as dificuldades econômicas, a guerra civil e a

degradação dos níveis de vida da população angolana são características marcantes, é possível

um questionamento sobre a penetração social dos ideais defendidos para a construção do

Homem Novo angolano. Até que ponto este projeto seria relevante para a população? A

adesão a este projeto ocorreu de fato?

Como foi apresentado, do período compreendido entre a independência de Angola e

meados da década de 1980, o Estado não conseguiu melhorar os níveis de vida da população e

tampouco conseguiu revigorar uma economia extremamente debilitada pelas guerras

anticolonial e militar e pela má gestão de uma centralização excessiva. A incapacidade do

governo para promover o desenvolvimento social e econômico influenciou sobremaneira o

60 HODGES, Tony. Do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia, 2002, p. 58

61HODGES, Tony. Do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia, 2002. p. 67

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65

projeto de construção do Homem Novo. Neste sentido, pode-se afirmar mesmo que o projeto

de construção da identidade nacional angolanafalhou.

Em um momento de guerra, a população se sentia ameaçada por forças muito mais

poderosas do que as forças individuais, o que levou ao reconhecimento da necessidade de

manter laços coletivos para garantir a sobrevivência. Sendo assim, as identidades étnicas

continuaram a ser lugares-sociais seguros e, portanto, importantes para as populações

angolanas.

Mesmo que o Estado angolano lutasse contra o “tribalismo” e o racismo objetivando

uma unidade nacional com base na formação de uma cultura unitária comum a todos os povos

angolanos, esta nova identidade se apresentava apenas o mais uma identidade62. Portanto, as

relações étnicas continuaram a permear as relações sociais em Angola, mesmo que a

identidade que o MPLA-PT tentasse construir fosse contra esta multiplicidade de

interpretações da identidade.

Pode-se perceber que a ideia da construção do Homem Novo angolano tentava

suprimir as características culturais da população através de uma adequação das diversidades

e da opressão dessas por um projeto que definia novos valores culturais para uma nova

sociedade, como o apego ao trabalho, disciplina, agregação dos progressos técnicos e

científicos de outros povos, luta pela revolução socialista etc. Nota-se claramente que esta

identidade do Homem Novo angolano tinha suas bases principalmente em padrões políticos e

não culturais.

Portanto, deve-se considerar que o projeto de construção do Homem Novo angolano

era um artifício muito mais de caráter político do que cultural. Sendo assim, esta identidade

nacional, quando muito, repercutia entre a sociedade angolana como mais uma entre as

múltiplas identidades que compunham as identidades individuais. É provável que esta

identidade pretendida pelo MPLA-PT tenha sido acionada predominantemente em casos em

que se almejava conseguir alguma benesse do Estado, como a participação em empresas

estatais ou a ascensão em cargos burocráticos do Estado. Em todo caso, este uso não passava

de mais uma identidade que era acionada pelos angolanos.

62

Seguindo as análises antropológicas sobre a questão da identidade, esta pesquisa entende que a identidade deve ser tratada como fenômeno múltiplo, que pode ser acionado de diferentes formas dependendoda situação em que é acionada.

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66

Ao mesmo tempo em que a identidade do Homem Novo podia ser acionada pelos

angolanos, indivíduos carentes da assistência do Estado e, portanto, em situação de crise,

apelavam para as identidades étnicas era uma alternativapara enfrentar situações em que

passavam necessidades. A identidade étnica funcionava como um refúgio social por ser um

referencial cultural e moral, além de garantir a solidariedade entre os membros de uma mesma

etnia.

Em suma: pode-se considerar que o projeto de construção do Homem Novo angolano

repercutiu de maneira distinta àquilo que o MPLA-PT pretendia. Ao tentar homogeneizar as

diversidades culturais existentes no país através da supressão da multiplicidade cultural, o

Estado criou apenas mais uma identidade que podia ser acionada pelos angolanos. O Homem

Novo não teve uma vida longa em Angola.

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68

3 A morte do Homem Novo angolano – da unicidade à multiplicidade identitária

(1986-1992)

Após analisar o nascimento da ideia de identidade nacional de acordo com as

concepções do MPLA (Primeiro Capítulo), pôde-se perceber as bases que deram origem à

ideia de construção do Homem novo angolano (Segundo Capítulo). A partir de agora, esta

pesquisa continuará a analisar os discursos sobre a nacionalidade angolana em uma nova fase

política e econômica da história de Angola, o período em que o projeto socialista foi

abandonado pelo MPLA-PT e que a economia passou por uma abertura ao mercado liberala

partir de meados da década de 1980.

Será apresentado neste Terceiro Capítulo o momento em que o MPLA-PT se

transformou e desistiu oficialmente de implementar o socialismo em Angola. Este abandono

da ideologia marxista-leninista teria grandes transformações na concepção de identidade

nacional angolana, já que esta ideologia dava as principais bases para a construção do Homem

Novo e da nova identidade nacional que o MPLA-PT tentou construir quando conseguiu

chegar ao poder em Angola.

Nesta terceira parte da pesquisa, será necessário também levar em consideração a

permanência da guerra civil contra a UNITA e a manutenção das dificuldades econômicas em

Angola, pois todas as ações do Estado acabaram influenciadas por estes eventos. Enfrentar

uma guerra civil e não ter uma economia sadia foram problemas bastante graves que tiveram

marcante influência na abertura econômica angolana.

Em seguida, analisarei mais detidamente o processo para a negociação de paz entre o

governo do MPLA e a UNITA. Será necessário, neste momento, atentar para a conjuntura

internacional, tanto em relação ao continente africano quanto ao desmantelamento do bloco

socialista no início da década de 1990.

O período abordado neste capítulo vai de 1986, quando houve a virada ideológica do

MPLA, a 1992, momento de grande importância para Angola devido à realização das

primeiras eleições no país. Utilizei como fontes para a pesquisa exposta neste terceiro capítulo

os discursos dos dirigentes do MPLA nos comícios da campanha pelas eleições de 1992,

material extremamente interessante para o trabalho, pois expressa as principais ideias

defendidas pelo partido naquele momento de transformação e mostra as reações do

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69

eleitoradoque assistia a estes comícios.Foram utilizadastambém como fontes para a pesquisa

os resultados das eleições de 1992, pois estes números são relevantes para entender o peso

que as etnias ainda tinham em Angola e, como consequência, entender o insucesso do projeto

de eliminação destas fronteiras étnicas para a formação de uma identidade nacional e a

transformação na ideia de construção desta.

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3.1 A mudança ideológica do MPLA e suas consequências econômicas e políticas

Como foi apresentado no capítulo anterior, ao sair deum longo e penoso processo de

independência, o MPLA se definiu ideologicamente como um partido marxista-leninista e

levou adiante o projeto de construção do socialismo em Angola. A nacionalização dos meios

de produção ocorreu juntamente com oprocesso de planificação da economia, que não seria

bem executado devido à incapacidade administrativa do Estado e à limitação da iniciativa

privada em um país que necessitava rapidamente de uma recuperação econômica.

A guerra civil travada contra a UNITA desde a independência também colaborou

bastante para que as dificuldades econômicas de Angola se tornassem determinantes para as

ações políticas do MPLA-PT, já que boa parte dos rendimentos do Estado era gasto com a

defesa do Estado e o investimento na guerra contra a UNITA.

Com uma economia debilitada e a vivência de uma sangrenta guerra civil que se

intensificara na década de 1980, Angola viu os níveis de investimento em setores sociais

diminuírem drasticamente ao mesmo tempo em que se assistia a escalada da corrupção nas

estruturas do Estado e a formação de um mercado paralelo que complementava a débil oferta

de produtos das Lojas do Povo e que tinha ligações estreitas com o comércio legal, isto é, com

o Estado. Enfim, o governo do MPLA-PT não conseguia suprir as necessidades da sociedade

e ainda era corroído por dentro por elementos corruptos.63

Desta situação de descrédito no governo e da penúria vivida pela população angolana,

completou-se o processo de afastamento da sociedade civil das questões políticas iniciado a

partir de 1977. Ao assumir uma forma autoritária de governo, o MPLA-PT iniciou a

construção de um Estado extremamente centralizado com os órgãos decisórios concentrados

nas mãos de uma pequena elite do partido-Estado.

Em relação ao contexto internacional da década de 1980, é possível identificar que

Angola, assim como grande parte do continente africano, passava por um mal momento, já

que os preços de seus produtos caíam no mercado internacional, provocando um

endividamento externo bastante grave. Mesmo com um grande aumento da produção de

63

Para Christine Messiant, a corrupção deixou de ser sistêmica e passou a ser endêmica em Angola. Ver MESSIAN, Christine. Economia política em Angola – sistema político formal e sistema político real: a reconversão de uma dominação hegemônica.

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petróleo, Angola passava por dificuldades econômicas, pois o preço internacional do produto

caia substancialmente (ver tabela a seguir).

Tabela 2 - Alteração no Preço e na Produção de Petróleo 64

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986

Preço (US$) 100 110 86 87 86 81 45

Produção (mil b/d) 100 95 96 132 151 171 208

Vistas as grandes dificuldades econômicas vividas por Angola e a necessidade de

vinculação de uma economia planificada de base socialista com o mercado liberal capitalista

(paradoxo da economia angolana65) em função do seu principal produto de exportação e da

forma como ele era produzido, o MPLA-PT passou a admitir timidamente a necessidade de

empreender uma transformação política e econômica no país. A partir de então, setores do

partido que defendiam uma abertura econômica de Angola ao mercado internacional passaram

a se manifestar e ganhar mais peso político.

No Segundo Congresso do MPLA-PT, ocorrido em 1985, ganhou força a ideia de

necessidade de mudanças na política econômica angolana. Apoiada pelo presidente José

Eduardo dos Santos, esta propostadefendia uma adaptaçãoda economia angolana às leis do

mercado. O argumento central para esta mudança repousava na crença de que a política

econômica deveria ser reajustada para que os interesses superiores na defesa de Angola

pudessem ser atendidos. Neste sentido, o Segundo Congresso do MPLA-PT defendeu que o

setor econômico ficaria subordinado aos interesses da questão militar angolana. 66

A nova política econômica definida em 1985 defendia a necessidade de abertura ao

mercado internacional como uma forma de dinamização das exportações. No entanto, mesmo

propondo uma reforma no sentido da liberalização da economia, o MPLA-PT ainda utilizava

64UNDP (1989) appud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-

1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999 65

PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999. 66 Idem, p. 170

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chavões do discurso socialista, como a “defesa da ditadura do proletariado” e a “luta de

classes” para impedir a influência da elite burguesa. Nas palavras irônicas de Tony Hodges:

“o planejamento centralizado[da economia] em Angola era mais notável pela sua centralização do

que pelo seu planejamento”.67

No Segundo Congresso do MPLA-PT, o presidente José Eduardo dos Santos

conseguiria, enfim, se consolidar no poder e minar a sombra da influência de Agostinho Neto.

A eleição para o novo Comitê Central lhe favoreceu, sendo possível o afastamento de diversos

membros que eram contrários às mudanças de caráter liberalizante na economia angolana. É

importante citar que as mudanças econômicas eram respostas não somente à crise econômica

motivada pela abrupta queda do preço do petróleo no mercado internacional, mas também ao

desejo de importantes setores sociais angolanos que eram a base de sustentação do governo do

MPLA-PT

Um ano e meio após o Segundo Congresso do MPLA-PT, em 1987, o governo

angolano lançou o programa de Saneamento Econômico e Financeiro (SEF), que tinha como

principal objetivo concretizar a liberalização da economia angolana. Desta forma, o governo

enterrava de vez a ideia de planificação econômica à moda soviética e dava os primeiros

passos para entrar na economia de mercado, guiada pelas regras liberais. Nas palavras de

Tony Hodges: Angola passava do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem68. O SEF se

destinava a corrigir os desequilíbrios causados pelo planejamento centralizado da economia

através de uma reestruturação de grande impacto, que controlaria o orçamento, ajustaria o

câmbio, liberaria os preços dos produtos de acordo com as leis do mercado, além de propor

um conjunto de reformas na burocracia do Estado. Abria-se, enfim,espaço para a participação

do capital internacional na economia e para a iniciativa privada angolana.

Em 1990, o Comitê Central do MPLA-PT no Terceiro Congresso Ordinário do partido

decidiu abandonar o sistema de partido único e permitir a concorrência aberta entre diferentes

partidos políticos. Angola entrava pela primeira vez em um sistema multipartidário, abrindo

espaço para manifestações de oposição vindas de outros movimentos políticos, principalmente

da UNITA.

67HODGES, Tony. apud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise

(1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999.p. 171.

68 Idem.

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No Terceiro Congresso do MPLA decidiu–se, enfim, pelo abandono oficial do

marxismo-leninismo como base ideológica do Estado e do partido. A partir de então, o MPLA

passou a adotar um “socialismo democrático” e optou por uma “economia social de

mercado”, nas palavras do próprio partido. Em uma entrevista ao jornal português Expresso,

José Eduardo dos Santos afirmou em relação ao período em que o MPLA-PT tinha a

ideologia marxista-leninista como base:

“não houve aqui [em Angola] condições objectivas para a edificação do socialismo,

tal como ele vinha escrito nos manuais de Marx, Engels, etc. (...) Aqui, o socialismo

foi uma intenção, talvez não tenha passado do papel. (...) Agora estamos em busca de

outros caminhos. (...) Pretendemos que Angola seja um país pacífico, democrático e

com uma economia assente nas leis de mercado. (...) criar aqui uma sociedade aberta

e livre, em que os cidadãos possam explorar as suas potencialidades em todos os

domínios e em que a regra de ouro seja o respeito pela liberdade, pela igualdade de

oportunidades dos cidadãos e onde, no domínio econômico, exista concorrência e

competição – em que o lucro seja o principal incentivo para o desenvolvimento das

atividades econômicas.”69

Em 1991, no Segundo Congresso Extraordinário do MPLA, que tinha o tema “novos

tempos para Angola”, foram aprovados o novo programa e o novo estatuto do partido.

Decidiu-se nesta ocasião pelo empreendimento de uma “abertura para o norte bakongo”,

sendo eleitos, entre outros, dois antigos dirigentes da FNLA para o Comitê Diretor: Johnny

Pinnock e Paulo Tuba. O partido se esforçava para mostrar com esta atitude a necessidade de

haver representação de todos os povos angolanos em seus órgãos decisórios. Voltava-se,

portanto, àquela ideia de que o MPLA era um partido que representava toda a nação angolana

já defendida no momento da guerra de libertação nacional.

Para Christine Messiant, o Estado angolano passou por uma “viragem clientelista” a

partir da segunda metade da década de 1980. A nova configuração política do MPLA não

trazia consigo uma mudança política de vulto para Angola, já que a Constituição, a relação

autoritária travada com a sociedade civil e o partido que dominava o Estado foram mantidos

inalterados. As grandes transformações trazidas por esta “viragem clientelista” foram as 69

Jornal Expresso, 18 de julho de 1992

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74

referidas transformações na política econômica seguida por Angola. A partir de então, novas

formas de apropriação, acumulação, redistribuição e de utilização do poder público em

benefício de particulares ganharam terreno no país. 70

70

MESSIANT, Christine. A economia política de Angola – sistema político formal e sistema político real, 1980s-2004: a reconversão de uma dominação hegemônica. P.3 a 9.

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75

3.2 As campanhas eleitorais e a redefinição do projeto nacional do MPLA

O conflito internacional que tinha lugar em Angola foi resolvido a partir de

negociações que culminaram nos Acordos de Nova Iorque, em dezembro de 1988. No mesmo

sentido em que ia a negociação do conflito internacional, MPLA e UNITA também davam

sinais de querer pôr um ponto final na guerra civil angolana. Este esforço resultaria nos

Acordos de Bicesse em 1991, que foram intermediados por EUA, Rússia e Portugal.

Após o tratado de paz assinado entre MPLA e UNITA, a campanha eleitoral passou

aser preparada por ambas as partes. Angola viveria, em 1992, a primeira eleição democrática

de sua história. Como já era de se imaginar, MPLA e UNITA protagonizaram os embates

tanto para as eleições legislativas quanto para a eleição presidencial, apesar de pulularem

diversos pequenos partidos que tentavam representar uma nova força democrática em Angola.

Havia uma expectativa de que estes novos partidos políticos angolanos representassem

uma terceira força para concorrer em pé de igualdade com MPLA e UNITA, mas esta

expectativa não se confirmou. A força política desses novos partidos seria uma decepção

àqueles que acreditavam na capacidade de formação de uma nova força que conseguisse

aglutinar os eleitores angolanos. A falta de quadros e de recursos podem ser apontadas como

causas do pouco poder político alcançado pelos novos partidos.

As expectativas em relação ao pleito eleitoral que ocorreria em 1992 apontavam dois

fatores mobilizadores para as eleições: o peso das etnias e a ideia de desgaste do MPLA

devido ao fraco desempenho econômico e ao autoritarismo político característicos do período

de dezesseis anos em que o partido estivera no poder71.

Será de importância central para esta pesquisa entender o peso do voto étnico, pois o

resultado das eleições pode confirmar, mais uma vez, o fracasso do projeto de nação do

MPLA, que pretendia acabar com as fronteiras étnicas em Angola através da criação da

unidade nacional e do Homem Novo.

Os dois fatores de análise das eleições davam significativa vantagem à UNITA, pois,

como já foi apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa, o grupo etnolinguístico

ovimbundo, principal base de apoio da UNITA, constituía aproximadamente 35% da

71 BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo.

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76

população, enquanto os mbundo, principal base de apoio do MPLA, representavam apenas

25% dos angolanos.

Os analistas políticos da época mostravam uma interessante característica sobre

Angola: as etnias ainda eram importantes elementos de mobilização social, mesmo após a

independência. Ao considerarem uma vinculação estrita entre etnia e voto, os analistas ainda

se perguntavam qual seria o partido que angariaria para si os votos da etnia bakongo, que

correspondia a 15% da população angolana.

O grupo etnolinguístico bakongo era a principal base de apoio da FNLA, o importante

movimento nacionalista que dera os primeiros passos no sentido de empreender uma luta

contra o colonialismo português. Após a independência, como já foi dito, a FNLA perdeu

força política e militar, ficando em um segundo plano frente às lutas entre MPLA e UNITA.

Apesar disso, a FNLA não deixou de participar do pleito eleitoral de 1992, lançando a

candidatura de Holden Roberto para a presidência, o que não renderia muitos frutos ao

enfraquecido movimento que, na ocasião, se transformara em partido político.

O apontamento dos dois fatores de análise para a decisão eleitoral refletia, segundo

Marcelo Bittencourt72 o esvaziamento dos debates ideológicos entre MPLA e UNITA, que

tinham ideias muito próximas em seus projetos para o governo angolano. Em relação à

política, os partidos se fantasiaram de democratas convictos, esgrimindo a todo momento os

ideais de liberdade política aos angolanos. Contudo, em um segundo momento, Savimbi

abandonaria esta máscara e não aceitaria os resultados das eleições sob o argumento de que

teria havido uma fraude generalizada. Ambos os partidos acreditavam também que o ingresso

no mercado liberal internacional resolveria todos os problemas da economia angolana e, por

consequência, elevaria os níveis de investimento na sociedade. A fórmula liberal era um passe

de mágica que, em pouco tempo, levaria Angola ao progresso econômico e social.

É interessante ressaltar que, durante as campanhas eleitorais, o MPLA estava

completamente afastado das ideias socialistas que caracterizaram seus dezesseis anos de

governo. Não eram feitas quaisquer referências ao marxismo-leninismo, o que pode ser

constatado pelas palavras dos próprios dirigentes do MPLA que discursavam na campanha73.

Se no período socialista em Angola os dirigentes do MPLA alardeavam em seus discursos a

72

BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993. 73

Vídeos disponíveis em Blog do Noblah: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/ e em www.youtube.com

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77

necessidade de se conhecer o marxismo-leninismo para a concretização da revolução

socialista, nas campanhas de 1992, poucas palavras eram faladas em relação ao projeto

político para Angola. A tônica dos discursos tanto do MPLA quanto da UNITA era desferir

ataques contra seus oponentes e prometer aos eleitores uma grande transformação social a

partir da liberalização da economia angolana.

Desta forma, é possível entender que aquele projeto de construção do Homem Novo

angolano foi gradativamente sumindo dos discursos e ações práticas do governo do MPLA.

Ao abandonar a ideia de construção do socialismo em Angola, o partido também de desfazia

da ideia da construção do Homem Novo dotado de valores e cultura revolucionários. As

palavras “disciplina e produção”que outrora eram repetidas à exaustão nos discursos deixaram

de fazer parte do vocabulário dos dirigentes do MPLA e, mais importante, a ideia que traziam

consigo também foi deixada de lado a partir da referida viragem ideológica do partido. A

necessidade de aumentar a produção através da disciplina do trabalho não era mencionada nos

comícios políticos para as eleições de 1992, o que mostra um claro contraste entre os

discursos proferidos no período de planificação da economia e de construção do socialismo

em Angola.

O projeto de construção da identidade nacional angolana a partir da criação do

Homem Novo teve, portanto, que ganhar uma nova face, já que o marxismo-leninismo não era

mais a base ideológica do MPLA. Neste sentido, o partido investiu novamente na ideia de que

a identidade nacional seria composta pelos diversos povos residentes em Angola. Nas

campanhas, o MPLA sempre baseou seus discursos na ideia de que os povos angolanos

compunham uma única nação. Ao contrário do que a UNITA fazia em sua propaganda

política, o MPLA nunca priorizou as identidade étnicas, fazendo referência sempre ao

conjunto nacional angolano, contudo sem diminuir a importância das etnias em Angola.

A partir daquele momento, a principal característica da identidade nacional que o

MPLA passou a ser o respeito pela diversidade cultural angolana. Portanto, o discurso de

unidade nacional através de uma comunidade de cultura foi substituído pela ideia de

composição nacional através da multiplicidade dos povos angolanos. Estas características

eram apresentadas em jingles da campanha de José Eduardo dos Santos, onde se via ideias de

união de “povos de todos os cantos” pela paz, “sem distinção de cor”. A união nacional

deveria ocorrer, portanto, pela paz e através da multiplicidade dos povos angolanos.

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78

A partir desta concepção de identidade nacional reformada pela transformação

ideológica pela qual passara em meados da década de 1990, o MPLA passou a se aproximar

das lideranças locais tradicionais em um claro reconhecimento da influência que os grupos

étnicos ainda tinham em Angola. A ideia já apresentada neste trabalho de que o MPLA seria o

lugar ideal de convivência entre os grupos étnicos foi retomada, numa tentativa de mostrar

que o partido aceitava as diferentes etnias em seu interior em situação de igualdade. Em sua

campanha, o então presidente José Eduardo dos Santos era tratado por algumas das chefias

tradicionais como “o soba de todos os sobas”74.

Portanto, se em um primeiro momento de usa história o MPLA marginalizava as

chefias tradicionais angolanas por considerá-las símbolos de atraso e de desintegração

nacional, a partir da segunda metade da década de 1980 esta postura mudaria radicalmente,

sendo que estas chefias tradicionais foram incorporadas ao projeto nacional do MPLA, que

passou a defender a identidade nacional através da multiplicidade de povos e culturas

existentes em Angola. Se antes a palavra central do projeto de nação era a unidade cultural,

agora o centro desta ideia era a multiplicidade cultural.

Ao contrário do que o MPLA fazia, a UNITA se mostrava extremamente vinculada às

questões étnica, racial e militar. Durante toda a campanha para as eleições, Jonas Savimbi não

se esquivou do perigoso jogo da etnicidade e o jogou com a esperança de que os ovimbundo

lhe garantissem a vitória nas urnas em uma transposição automática entre voto e etnia. Em

alguns comícios, pode-se ver Savimbi discursando na língua umbundo, o que revela uma clara

aproximação e preferência pelos ovimbundo, sua principal base de apoio político 75. A ideia

da rotatividade do poder no sistema democrático era apresentada pela UNITA como sendo o

momento dos ovimbundo, considerados como oslegítimos angolanos, chegarem ao poder

através das urnas.

A questão racial também foi trabalhada com intensidade na campanha de Jonas

Savimbi. Novamente o MPLA era criticado por ser um partido de mestiços e brancos que não

podia ser considerado como um legítimo representante dos povos angolanos. Além disso, a

presença dos mestiços e dos brancos nos órgãos de direção do MPLA era apontada como

causa para os problemas políticos e econômicos pelos quais Angola passou depois da

independência, já que mestiços e brancos seriam necessariamente, segundo Savimbi, 74

Os sobas eram líderes locais que tinham grande influência sobre as populações, principalmente nas áreas rurais. 75

Ver: http://www.youtube.com/watch?v=CXHM-2OwuYg&feature=related. Acessado em 5 de março de 2013.

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79

burgueses exploradores dos legítimos angolanos, já que a raça seria uma marca negativa

deixada pelo passado colonial. A tentativa de deslegitimar o MPLA e considerar a UNITA

como a única representante do povo angolano foi expressa nas palavras de Savimbi:

"Ninguém está a dizer que os crioulos não deveriam ter a sua própria cultura, que os

crioulos não deveriam viver da forma como vivem. Tudo o que estamos a dizer é que

nós não somos crioulos. Tudo o que queremos dizer é que nós pertencemos à origem

banto e somos africanos. Nós não podemos abdicar e não podemos fazer concessões

em defesa desses valores"76

A argumentação étnica e racial de Savimbi se complementava com um claro discurso

revanchista, que deixava transparecer a ideia de que,caso a UNITA não vencesse as eleições,

a guerra civil seria retomada imediatamente. Uma derrota nas urnas parecia inimaginável para

Savimbi, que ameaçava: “se me provocarem, isso vai ficar feio. Eu agora tenho um

exército”77. O sentimento de revanchismo expresso por Jonas Savimbi também podia ser

visto na indumentária dos membros da UNITA que subiam nos palanques. Sempre que falava

em público, Savimbi aparecia fardado e com militares atrás de si fortemente armados, o que

demonstrava que a proposta de desmobilização militar dos partidos não era respeitada pela

UNITA (o MPLA também não respeitaria esta cláusula de Bicesse) e que o partido estava

pronto para o retorno à guerra em caso de derrota eleitoral.

Assistida pela empresa de marketing político brasileira Propeg, a campanha do MPLA

investiu em pesquisas que ouviam os anseios dos angolanos em relação à política. O

sentimento de exaustão devido aos mais de trinta anos de guerras anticolonial e civil em

Angola ficou evidente pelos resultados das pesquisas. A imagem belicosa de Savimbi seria o

alvo de muitas das propagandas políticas do MPLA, como pode ser visto em “As contradições

de Jonas Savimbi” 78, onde são apresentadas oito contradições do líder da UNITA.

76

SAVIMBI, Jonas Apud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-

1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999, P. 200 77

Pode-se ver isto nos seguintes vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=tU9R6Kfoj5k&feature=related e http://www.youtube.com/watch?v=_CC3O31ttsQ. Acessado em 5 de março de 2013. 78

Ver http://www.youtube.com/watch?v=_CC3O31ttsQ. Acessado em 5 de março de 2013

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80

Visto este anseio de volta à paz em Angola, a campanha do MPLA se concentrou em

passar a imagem de um José Eduardo dos Santos comprometido com a concretização da paz.

O contraste entre as vestimentas de José Eduardo dos Santos e de Jonas Savimbi é flagrante:

enquanto o líder da UNITA usava trajes militares, o líder do MPLA normalmente vestia

ternos e gravata ou camisas sociais. Ao contrário da força da oratória de Savimbi, José

Eduardo dos Santos falava serenamente, sempre com um leve sorriso no rosto, o que

demonstrava a proposta de paz defendida pelo MPLA naquele momento. Em muitos materiais

de campanha do MPLA , uma pomba branca aparecia, simbolizando os novos tempos de paz

que o partido construiria se José Eduardo dos Santos fosse eleito79.

Em relação às campanhas dos demais partidos que concorriam às eleições, pode-se

dizer que estas não tiveram a repercussão necessária para entrar de fato nos debates que eram

travados entre UNITA e MPLA. Os novos partidos não conseguiam se portar como novas

forças políticas e acabavam entrando na polarização entre os dois principais partidos, sem

conseguirem propor alternativas às propostas de José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi80.

As eleições ocorreram em setembro de 1992 e, apesar das contestações e acusações

feitas pela UNITA, de maneira geral, o processo eleitoral foi pacífico e organizado.

As Nações Unidas acompanharam as eleições angolanas de 1992 através de uma

missão especial, a UNAVEM II. Apesar de se fazer presente, a ONU não teria grande

responsabilidade, o que explica o fato de a missão contar com apenas 350 observadores

militares desarmados e 126 militares também desarmados. Nas palavras de Margareth Anstee,

chefe da missão da ONU em Angola, o processo eleitoral foi pacífico, apesar de que:

"quem perdesse as eleições perderia virtualmente tudo, dado que elas eram baseadas

no conceito winner-takes-all. Embora este princípio tivesse sido importado das

democracias ocidentais, ele teve um impacto muito diferente num país que ainda não

tinha se livrado suficientemente de um regime de planejamento central, de uma

economia controlado pelo Estado, onde o setor privado [nacional] era virtualmente

79BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo. 80

BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993.. P. 232

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81

inexistente. O Estado era o prêmio e quem perdesse era deixado de fora a todos os

níveis, não só da administração como da economia"81

Os resultados das eleições presidenciais de 1992 foram favoráveis a José Eduardo dos

Santos, mas não foram suficientes para eliminar a necessidade de um segundo turno, já que o

candidato alcançou 49.57% dos votos, enquanto Jonas Savimbi obteve 40,07% dos votos.

Vale ressaltar que, nesta primeira experiência eleitoral em Angola, cerca 92% dos

eleitorescompareceram às urnas, o que mostra o quanto a campanha eleitoral mobilizou uma

população ávida por democracia e novos tempos de paz82.

Em relação às eleições legislativas, também houve uma clara vitória do MPLA sobre a

UNITA. As eleições ao parlamento nacional foram divididas em dois ciclos (nacional e

provincial), sendo que o MPLA fez 70 deputados no ciclo nacional e 59 no provincial. A

UNITA fez, respectivamente, 44 e 26 deputados, o Partido Renovador Nacional (PRN) 3 e 3 e

a FNLA 3 e 2. Outros partidos conseguiriam eleger somente deputados no ciclo nacional:

Partido Liberal Democrático (PLD) alcançou 3 deputados, PRD, Partido da Aliança Juventude

e Operários e Camponeses de Angola (PAJOCA), Partido Democrático para o Progresso

(PDP), Partido Nacional Democrático de Angola (PNDA), Fórum Democrático Angolano

(FDA), Partido Social Democrata (PSD) e Coligação Democrática de Angola (CDA)

elegeram um deputado cada. Os demais partidos não conseguiram eleger sequer um deputado. 83

Apesar da vitória parcial de José Eduardo dos Santos e do grande comparecimento dos

eleitores angolanos, Jonas Savimbi não aceitou os resultados do primeiro turno das eleições

presidenciais e retornou à guerra civil contra o governo do MPLA. Semanas antes das

eleições, Savimbi já havia mencionado a ideia de que, caso perdesse as eleições, esta derrota

seria o resultado de uma fraude generalizada no processo eleitoral. A partir das eleições, a

guerra civil angolana entraria em sua fase mais sangrenta.

A UNAVEM II investigou a denúncia da UNITA sobre as possíveis fraudes nas

eleições e concluiu que o processo eleitoral angolano havia sido, de uma maneira geral, livre e

81

ANSTEE ApudPEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999, p. 198 82

Os resultados das eleições podem ser consultados em:http://www.cne.ao/estatistica1992.cfm 83BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo.

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82

justo, salientando ainda que, possivelmente, alguns erros foram cometidos pela inexperiência

na organização de eleições, mas estes incidentes não teriam comprometido o resultado final

das eleições.Entretanto, o parecer da UNAVEM II não seria suficiente para o retorno ao

conflito armado em Angola.

As análises da vitória do MPLA nas urnas em setembro de 1992 costumam apontar

três fatores que influenciaram o resultado: o uso privilegiado que o MPLA fizera da máquina

administrativa e de propaganda do Estado, a forma belicosa como a campanha de Jonas

Savimbi se apresentou e, por fim, o peso do voto étnico.

A análise dos votos por região revela a existência de uma vinculação entre etnia e a

opção pelo voto em um partido político nas eleições. Entretanto, não se deve considerar esta

vinculação como uma regra infalível, pois houve casos que se mostraram exceções em relação

ao voto étnico. Para a compreensão dos dados referentes às eleições angolanas de 1992é

necessário que se analise muito mais do que somente o componente étnico, já que existem

outras variáveis que também são importantes ao entendimento da questão84.

Como revelavam as previsões anteriores à campanha, a UNITA alcançou maior

sucesso na região das províncias do centro-sul angolano, localidade onde se concentra o grupo

ovimbundo. Já a votação do MPLA se mostrou mais expressiva nas áreas urbanizadas e,

possivelmente, isto definiu as eleições, já que as precárias estimativas existentes afirmam que

entre 50 e 60% da população angolana residia em áreas urbanas em 1992. Em geral, nas áreas

urbanizadas, o MPLA obteve uma média de 60% dos votos. O fenômeno da urbanização é

muito relevante no que tange ao enfraquecimento dos laços étnicos, já que nas cidades o

convívio interétnico geralmente é mais comum do que em zonas rurais. Da mesma forma, a

proximidade dos centros de poder significa também um maior contato entre a população e o

projeto de construção de uma identidade nacional, o que permite supor que o sucesso daquele

projeto tenha ocorrido mais em zonas urbanizadas do que em zonas rurais de Angola.

Outra vantagem alcançada pelo MPLA foi uma votação em relação ao território

nacional, pois em nenhuma região o MPLA deixou de ter uma parcela significativa dos votos

como aconteceu em relação à UNITA. O MPLA somente ficou em segundo colocado em

quatro das dezoito províncias e José Eduardo dos Santos só foi o segundo colocado em cinco

84

BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993.p.237.

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83

delas. Em todas as demais, o MPLA e José Eduardo dos Santos saíram vencedores do pleito

eleitoral.

Pode-se concluir com base nos resultados das eleições de 1992 que ainda existiam

claras fronteiras étnicas no interior de Angola, apesar da existência do projeto de construção

de uma nação sem barreiras étnicas e fundada sobre um padrão cultural comum a todos os

angolanos levado adiante durante todos os anos da tentativa de construção do socialismo.

Neste sentido, é possível afirmar que a unidade nacional pretendida pelo MPLA e o projeto

colocado em prática a partir da ascensão do partido ao poder em 1975 não obtiveram sucesso

se os moldes apresentados pela sua direção (fim das barreiras étnicas e formação da unidade

cultural) forem considerados como o padrão da identidade nacional.

A partir da viragem ideológica do MPLA, como foi visto, o projeto de construção de

uma identidade nacional deixou de ser o da unidade cultural e da necessidade de formação de

um Homem Novo para ser trabalhado mais através da multiplicidade cultural angolana.

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84

Conclusões

No primeiro capítulo deste trabalho, foi apresentado o momento de formação do

MPLA e da instituição de seus principais projetos em comparação com seu principal

concorrente na primeira fase da luta de libertação angolana, a UPA/FNLA. Ficou claro que o

MPLA agia como um movimento de caráter realmente nacional, englobando e aceitando a

participação de indivíduos de diversas origens. Inicialmente, ficou claro que negros, mestiços

e brancos poderiam se considerar membros do MPLA, mas logo esta questão racial seria

recolocada em questão na Primeira Conferência Nacional.

Em relação ao projeto político estabelecido pelo MPLA, viu-se neste primeiro capítulo

que o movimento lutava pela independência de Angola, considerando que, no período pós-

independência, deveria ser estabelecido um governo democrático, baseado no sufrágio

universal, mas já caminhando para uma matriz socialista. Esta definição ideológica não era

explicitada, mas as alianças internacionais indicavam isto. Portanto, os projetos para destruir o

colonialismo português e instaurar um governo independente já haviam sido feitos na década

de 1960, ao contrário do que ocorria com a FNLA, que não tinha projetos bem definidos para

a nação angolana.

O debate sobre a questão racial apareceria em diversos momentos da história do

MPLA. Um deles seria o debate levantado por Viriato da Cruz sobre a composição do Comitê

Diretor do movimento, que era composto também por mestiços no início da década de 1960.

Foi defendida, então, a tese de um afastamento dos mestiços dos cargos de direção do MPLA

como uma retirada estratégica para combater os ataques da UPA/FNLA que diziam ser o

MPLA um movimento de mestiços e negros privilegiados pelas estruturas coloniais.

No entanto, para outros setores do MPLA, a retirada estratégica dos mestiços do

Comitê Diretor significava uma contradição em relação aos princípios defendidos pelo

movimento, uma vez que este considerava que todos os angolanos, independente de cor, etnia,

religião, região ou trajetória de vida, poderiam ingressar na luta de libertação de Angola.

Agostinho Neto, o presidente do MPLA na ocasião, defendia este ponto de vista e, na

Primeira Conferência Nacional ocorrida em 1962, fez prevalecer o seus argumentos.

Entretanto, esta questão estaria longe de ser resolvida naquela época, pois novamente este

seria um tema em discussão no interior do movimento.

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85

Como consequência das discussões ocorridas na Primeira Conferência Nacional do

MPLA, a ala liderada por Viriato da Cruz entrou em dissidência e acabou enfraquecendo o

movimento. Em ocasião da visita de uma comissão da OUA, a cúpula do MPLA, como foi

visto, decidiu-se, sem consultar todos os dirigentes, por uma união com pequenos grupos

regionais do norte de Angola de características marcadamente étnicas. A constituição da

FDLA foi um dos momentos em que a direção do MPLA caiu em contradição com os seus

princípios, pois não foi uma decisão baseada em democracia e, principalmente, não obedeceu

à ideia de combate ao tribalismo tão defendida durante a Primeira Conferência Nacional.

Em seguida, as condições da abertura da guerrilha na Frente Leste angolana foram

apresentadas. Esta foi a primeira localidade onde o MPLA teve a possibilidade de esboçar

uma estrutura de Estado com maior tranquilidade e os resultados novamente apontaram para

uma contradição em relação ao princípio democrático manifestado quando da formação do

movimento.

Como consequência desta falta de democracia na Frente Leste, surgiu um movimento

de contestação que pretendia levar à direção do MPLA suas reivindicações. Foram

apresentados neste primeiro capítulo os dois momentos da Revolta do Leste, iniciada pela

Revolta Jiboia e amplificada pela Revolta Chipenda. Deste evento, surgiu a percepção de que

os chefes político-militares oriundos do norte angolano obtinham privilégios na guerrilha,

causando uma maior integração entre as populações do leste.

O Movimento de Reajustamento do Leste foi um dos pouquíssimos momentos em que

as bases do MPLA puderam se manifestar e expor suas críticas à direção do movimento.

Obviamente os questionamentos levantados pelas Revoltas do Leste foram colocados em

pauta neste momento, mas as críticas das bases seriam filtradas pela direção do MPLA.

A resposta dada pelos dirigentes do movimento à Revolta do Leste não passou de uma

forte repressão aos seus membros. Novamente os argumentos definidos na Primeira

Conferência Nacional do MPLA foram utilizados como um capital político importante para

justificar a repressão sobre os questionamentos recebidos pela direção do movimento. As

Revoltas do Leste foram caracterizadas como movimentos de caráter tribalista motivados por

posicionamentos neocolonialistas. Apesar de o Movimento de Reajustamento ter sido um

espaço de manifestação das bases do MPLA, estas manifestações não foram levadas a sério

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86

pela direção do movimento, que não se preocupou em fazer uma análise das questões

levantadas pela Revolta do Leste.

Portanto, ficou demonstrado no primeiro capítulo que, apesar de a questão racial ter

sido bem definida na Primeira Conferência Nacional do MPLA, em alguns momentos o

posicionamento da direção do movimento não coincidiu com a ideia de que o movimento

deveria lidar com toda a diversidade de povos existente em Angola. O argumento de não

tolerar quaisquer manifestações tribalistas no seio do movimento serviu, em muitos casos,

para desqualificar movimentos de contestação à direção do movimento, como foi o caso das

Revoltas do Leste. Além disso, ficou demonstrado o pouquíssimo espaço para um debate

baseado em preceitos democráticos no interior do MPLA.

Em suma: nascimento da ideia de nacionalidade defendido pelo MPLA foi marcado

por grandes contradições, como é prática comum em diversos movimentos e partidos. Sendo

assim, a ideia de nacionalidade defendida pelo MPLA foi instrumentalizada e tornou-se um

importante capital político para repreender manifestações contrárias à direção do movimento.

Estes problemas no nascimento da ideia de nação do MPLA repercutiriam após a

independência. Este será o tema do próximo capítulo, onde será apresentada a tentativa de

construção de um Homem Novo angolano para viver em um país recém-independente.

No segundo capítulo deste trabalho, foram apresentadas ações do MPLA após a sua

chegada ao poder em 1975 no sentido de construir uma nova identidade para os angolanos.

Este projeto tinha como base principal a criação de uma unidade cultural em Angola, o que

tornava necessário promover uma homogeneização das diversas culturas presentes no interior

do país. Neste sentido, o combate ao divisionismo e ao tribalismo foram objetivos bastante

importantes para o projeto de construção da nova cultura.

Todo o período em que o MPLA tentou implementar o socialismo em Angola foi

influenciado por dois eventos ocorridos no ano de 1977: a tentativa de golpe liderada por Nito

Alves e a definição ideológica ocorrida no Congresso Nacional do MPLA. A ascensão do

nitismo no interior do MPLA teve como conseqüência uma escalada autoritária da cúpula do

movimento, que promoveu uma intensa repressão sobre os quadros revoltados. A partir de

então, o MPLA assumiria uma forma de governo extremamente autoritária, o que resultaria

em um afastamento entre sociedade e política. O segundo momento que mereceu destaque no

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segundo capítulo foi o Congresso de 1977, momento em que o marxismo-leninismo foi

assumido como ideologia oficial do MPLA-PT.

A construção da nova cultura nacional angolana não deixou de ser influenciada pela

forma de governo autoritária que o MPLA assumiu após a tentativa de golpe de 1977 e pela

tentativa de instalação de um governo socialista em Angola. A necessidade de construir a

nova cultura levou ao projeto de construção do Homem Novo, que seria um cidadão dotado

de valores revolucionários e ligado diretamente à política. Este projeto teve como base

principal a tentativa de suprimir os laços étnicos que ligavam os indivíduos às suas

identidades tradicionais e aumentar o apoio ao governo do MPLA-PT. Assim todas as culturas

presentes em Angola deveriam dar espaço à cultura do Homem Novo revolucionário. Ficou

claro neste capítulo que esta nova cultura deveria estar sempre submetida ao aspecto político-

ideológico defendido pelo MPLA.

Apesar de o projeto de construção do Homem Novo propor novos aspectos de

definição identitária, retomou-se os argumentos definidos na Primeira Conferência Nacional

do MPLA ocorrida em 1962 em relação ao pertencimento a Angola independente. A questão

racial e étnica sempre foi tratada de forma cuidadosa pelo MPLA, que não aceitava qualquer

diferenciação entre brancos, mestiços e negros ou entre diferentes etnias. O MPLA sempre se

mostrou claramente a favor da união de todos os povos que compunham o povo angolano,

desde que todos estivessem sob seu domínio. O movimento/partido, portanto, sempre lutou no

sentido de integrar as culturas angolanas para a construção da nova cultura de Angola.

No entanto, apesar de entender que todos os angolanos deveriam participar da

reconstrução cultural e se tornarem Homens Novos, o MPLA-PT sempre sobrepôs os valores

políticos aos valores culturais. Toda e qualquer colaboração cultural seria bem vinda, desde

que estivesse em consonância com o projeto revolucionário do partido. Se estas contribuições

se contrapusessem aos ideais do MPLA-PT, logo eram taxadas de manifestações tribalistas, o

que deslegitimava aquela forma de expressão cultural.

Visto isso, fica claro que o projeto de construção do Homem Novo angolano foi

manipulado de forma autoritária pelo governo do MPLA-PT, pois as diferença culturais não

foram respeitadas de fato em Angola, mas apenas nos discursos dos dirigentes do governo. A

sobreposição da política à identidade cultural angolana se justificava pela necessidade de

construir a unidade cultural que diluísse as diversas culturas existentes no país. Portanto, a

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cultura do Homem Novo deveria necessariamente passar pelo estreito crivo ideológico do

MPLA-PT.

Em relação à repercussão social do projeto de construção do Homem Novo angolano,

não houve uma adesão nos moldes esperados pelo MPLA-PT. Ao tentar homogeneizar a

cultura angolana sob o seu domínio, o partido se mostrou bastante disposto a eliminar os

vínculos étnicos que são tão importantes para as populações angolanas. Sendo assim, a

penetrabilidade do Homem Novo se mostrou limitada.

A guerra civil e as grandes dificuldades econômicas para empreender a reconstrução

de Angola também tiveram sua parcela de culpa para a não aceitação do projeto de construção

do Homem Novo. Ao colocar a economia angolana em xeque, a guerra civil também

colaborou para a deterioração do investimento do Estado nos setores sociais. As grandes

dificuldades encontradas pelos angolanos para a sua sobrevivência sugerem que os vínculos

tradicionais com os grupos étnicos podem ter se reforçado.

De acordo com esta pesquisa, o projeto de construção do Homem Novo angolano

penetrou na sociedade apenas como mais uma identidade nacional. Sendo a identidade

nacional um fenômeno múltiplo, a identidade do Homem Novo era acionada somente quando

havia necessidade, de maneira que esta identidade não se tornou hegemônica entre a

sociedade angolana.

Por fim, no terceiro capítulo deste trabalho, foi apresentada as mudanças ocorridas no

MPLA-PT após o ano de 1986, quando um lento movimento de transformação ocorreu no

interior do partido, no sentido de haver uma transformação ideológica, sendo que o marxismo-

leninismo ganhava cada vez mais críticos, o que apontava para uma saída pela liberalização

da economia angolana. Sendo assim, o marxismo-leninismo foi abandonado oficialmente no

Terceiro Congresso do MPLAe logo se determinou pelo fim da economia planificada à moda

soviética. O programa de Saneamento Econômico Financeiro foi responsável pelas principais

transformações no sentido da liberalização econômica angolana. Sendo assim, pode-se dizer

que o Estado angolano adequava a suas estruturas econômicas à economia de mercado

internacional, dando fim, portanto, ao já citado paradoxo da economia angolana.

Enquanto esta grande transformação política, econômica e ideológica era

implementada, as negociações pela paz ganhavam cada vez mais força, já que a sangrenta

guerra civil que se desenvolvia desde a independência era apontada como um dos principais

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causadores pelas deficiências econômicas em Angola. Deste processo de negociação pela paz

entre MPLA e UNITA, ficou determinada a realização de eleições legislativas e presidenciais

que ocorreriam no ano de 1992. Angola entrava, enfim, em um sistema político democrático,

o que não garantiria, entretanto, a paz, pois a UNITA radicalizaria suas ações após as eleições

de 1992 por não aceitar os resultados obtidos nas urnas.

As campanhas eleitorais para as eleições presidenciais e legislativas de 1992 se

revelaram excelentes fonte para a análise dos discursos do MPLA sobre a identidade nacional

angolana. Deve ser ressaltado que a viragem ideológica do partido influenciou sobremaneira

esta concepção de identidade nacional, já que esta era baseada na ideia de construção de um

Homem Novo angolano, que teria suas bases culturais e valores definidos segundo o

marxismo-leninismo. Buscava-se também alcançar a unidade nacional através da

homogeneização cultural dos povos angolanos, que passariam a constituir “um só povo e uma

só nação”.

Entretanto, com a transformação ideológica do MPLA em meados da década de 1980,

a identidade nacional que o partido buscava construir teve de ser modificada, já que o

marxismo-leninismo fora abandonado. Através da análise da campanha do MPLA para as

eleições de 1992, foi possível constatar que o Homem Novo sumiu de todos os discursos do

partido e que, ao contrário do que ocorrera nas décadas anteriores, o MPLA passou a entender

a identidade nacional angolana como sendo composta por múltiplas culturas. Houve, portanto,

a significativa passagem de uma concepção identitária monolítica a uma concepção pluralista,

que apresentava a identidade angolana através de uma ideia multicultural. Neste sentido, o

relacionamento do MPLA com os diversos povos angolanos se transformou, já que as

manifestações culturais das múltiplas etnias angolanas foram integradas à concepção de

identidade nacional definida pelo partido/Estado. Se antes estas manifestações culturais eram

tratadas por manifestações “tribalistas” (note-se o sentido negativo da expressão) a partir da

redefinição da ideia de nacionalidade angolana estas manifestações ganharam o valioso selo

de manifestação da cultura nacional angolana. Portanto, houve a transformação de um

discurso que definia a unicidade cultural como característica primordial da identidade

nacional a um discurso totalmente oposto, que definia a multiplicidade cultural como marca

indelével da identidade nacional angolana.

A respeito dos resultados das eleições de 1992, foi possível constatar que o peso das

etnias ainda era extremamente importante, apesar de não ser correto afirmar a existência de

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90

uma correspondência exata entre voto e etnia, já que houve exceções a esta situação. O que

vale ressaltar aqui é que o projeto de construção da identidade nacional elaborado e posto em

prática durante o período de tentativa de instalação do socialismo não parece ter obtido

sucesso. Se o Homem Novo angolano era apenas uma entre as múltiplas identidades, através

dos resultados das eleições e da constatação da manutenção da existência das barreiras

étnicas, é possível afirmar que este projeto não obteve sucesso e que aquela identidade

nacional que pretendia unificar os povos angolanos em um só povo marcado por uma

identidade nacional que tinha a unidade cultural como principal característica não vingou.

Esta identidade nacional não repercutiu da maneira esperada pelo Estado angolano, o que

pode ser considerado um estímulo para a releitura refeita sobre a questão da identidade

nacional.

Portanto, neste trabalho foram expostas e analisadas as três principais fases

dastentativas do MPLA de construir a identidade nacional angolana. Ficou demonstrado que o

partido muitas vezes se valeu desta definição identitária para se preservar de contestações e,

em um segundo momento, forjou uma identidade nacional de acordo com os preceitos

ideológicos que seguia, sem atentar para a diversidade cultural angolana. Por fim, o MPLA

chegou a um discurso que defendia a multiplicidade cultural angolana como a principal forma

de entendimento da identidade nacional.

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