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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO 2017 2017 2017 2017 REVISTA QUERUBIM Letras Ciências Humanas Ciências Sociais Ano 13 Número 32 Volume 4 ISSN 1809-3264 REVISTA QUERUBIM NITERÓI RIO DE JANEIRO 2017 N ITERÓI RJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

2017 2017

2017 2017

REVISTA QUERUBIM

Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais

Ano 13 Número 32 Volume 4

ISSN – 1809-3264

REVISTA QUERUBIM

NITERÓI – RIO DE JANEIRO

2017

N I T E R Ó I R J

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Revista Querubim 2017 – Ano 13 nº32 – vol. 4 - – 121 p. (junho – 2017) Rio de Janeiro: Querubim, 2017 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Hugo Carvalho Sobrinho Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Mayara Ferreira de Farias Paolo Vittoria Pedro Alberice da Rocha Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

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Sumário 01 Paulo Eliardo Morais de Lima, Alessandra Monteiro de Paula, Diondetson Rocha de

Oliveira e Maria Luiza de Freitas Konrad – Educação ambiental através de trilhas ecológicas em propriedades rurais no Município de Arraias-TO

04

02 Paulo Eliardo Morais de Lima, Alessandra Monteiro de Paula, Diondetson Rocha de Oliveira e Maria Luiza de Freitas Konrad – Avaliação e adequação de trilhas ecológicas com foco em educação ambiental

11

03 Paulo Rogério Barbosa do Nascimento e Eduardo da Silva Guimarães – Subprojeto Pibid de Educação Física: a tematização do conteúdo esporte e as questões pedagógicas advindas do processo

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04 Paulo Vitor de Souza Pinto e Adriana Penna – O professor/militante da Educação do Campo: a Igreja como aliada

24

05 Cristiane Aparecida Woytichoski de Santa Clara e Rayane Regina S. Gasparelo – Concepções de estágio na formação docente: expectativa inicial e percepção final dos acadêmicos (as) na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica – UEPG

30

06 Rayane Regina Scheidt Gasparelo, Elisangela Chlebovski Martins e Marisa Schneckenberg – As micropolíticas na implementação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR.: operacionalização e percepção dos participantes na área da gestão escolar no contexto da Unicentro/I

37

07 Rodrigo Capelle Suess, Hugo de Carvalho Sobrinho e Cristina Maria Costa Leite – Debatendo a modalidade educação de jovens e adultos no Município de Formosa – GO

46

08 Saimon Lima De Britto e Marivaldo Cavalcante da Silva – A pesca predatória no período de piracema no Rio Tocantins entre os Municípios de Aguiarnópolis e Tocantinópolis no Estado do Tocantins

54

09 Sandra Pottmeier, Lais Oliva Donida, Leonilda Wessling, Claudia Renate Ferreira e Melissa Probst – Indisciplina na educação básica: algumas implicações curriculares

59

10 Marta Maria da Silva e Silvio Nunes da Silva Júnior – a polifonia em produções de textos dissertativo-argumentativos de alunos do ensino médio: uma abordagem pragmática

71

11 Marta Maria da Silva e Silvio Nunes da Silva Júnior – Analisando os implícitos no discurso escrito no gênero textual reportagem

77

12 Simone Silva Alves, Vitor Garcia Stoll e Quelen Colman Espíndola – Concepções dos discentes do curso de Ciências da Natureza sobre a modalidade EJA

82

13 Susana Angelin Furlan e José Milton de Lima – A mídia televisiva e sua manifestação na escola

88

14 Tamar Naline Shumiski – Considerações sobre nova história cultural, cultura escolar e história das disciplinas escolares

93

15 Welber Nobre dos Santos e Daniel Fernandes Costa – Uma abordagem sociofuncionalista das variantes ‘você e a gente’ no discurso político

100

16 Welisson Marques – A heterogeneidade enunciativa e seu funcionamento no discurso 107

17 RESENHA – Luan Moraes dos Santos 115

18 RESENHA – Tayson Ribeiro Teles 117

19 RESENHA – Welisson Marques 119

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL ATRAVÉS DE TRILHAS ECOLÓGICAS EM PROPRIEDADES RURAIS NO MUNICÍPIO DE ARRAIAS-TO

Paulo Eliardo Morais de Lima1 Alessandra Monteiro de Paula2 Diondetson Rocha de Oliveira3 Maria Luiza de Freitas Konrad4

Resumo O número de visitantes às áreas naturais em busca de lazer tem crescido ultimamente, sendo importante ações de Educação Ambiental objetivando despertar a consciência preservacionista da população. Este trabalho apresenta resultado de pesquisa realizada com alunos de graduação e do ensino médio da comunidade local de Arraias, TO, durante e após vivências em Trilhas Ecológicas próximas à cidade. Através da observação da experiência, conversas informais e análise de questionários este trabalho descreve e analisa a percepção ambiental dos alunos durante a após atividades nas trilhas. Palavras-chave: Educação Ambiental; Trilha Ecológica; Trilha Interpretativa. Abstract The number of visitors to the natural areas in search of leisure has grown lately, being important Environmental Education actions aiming to awaken the preservationist consciousness of the population. This study presents results of research carried out with undergraduate and high school students from the local community of Arraias, TO, during and after experiences in Ecological Trails near the city. Through the observation of the experience, informal conversations and analysis of questionnaires, this work describes and analyzes the students' environmental perception during and after activities in the tracks. Key-words: Environmental Education; Ecologic Trail; Interpretative Trail. Introdução

Para efetivação da Educação Ambiental (EA), ampliando a consciência geral sobre cuidados com o meio ambiente é preciso de mais atenção na análise de suas abordagens práticas, compreensão dos seus fundamentos e eficiência de sua ação transformadora proporcionando mudança de valor e aperfeiçoando habilidades e é o que proporciona a educação não formal (NEIMAN, 2007).

Mendonça (2007) compara os métodos de educação tradicional, onde se recebe muitas

informações, sem inseri-las num contexto favorável ao aprendizado; diferindo-os da educação vivencial, onde todo o corpo pode absorver conhecimento, captado pelo cérebro por todos dos sentidos.

Piletti (2004) mostra a relevância da vivência ambiental ao expor que retemos 50% do que

vemos e escutamos; 70% do que ouvimos e logo discutimos e 90% do que ouvimos e logo realizamos.

1 Graduado em Licenciado em Biologia UFT –Campus de Arraias TO, Brasil, Mestrando em Recursos Naturais do Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Anápolis. 2 Professora adjunto da FAV/UnB - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília. 3 Especialista em Geoprocessamento pela Universidade de Brasília. Engenheiro Ambiental no Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins), Supervisão de Escritório Regional de Arraias. 4 Professora Associado 3 da Universidade Federal do Tocantins, UFT, Licenciatura em Biologia, Arraias, TO, Brasil

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Neiman (2007), após avaliações de visitas guiadas e Ecoturismos, defende a hipótese de que

as atividades que colocam os participantes em contato mais intenso com a natureza, favorecem uma mudança de hábitos e, formar cidadãos mais conscientes na conservação dos recursos naturais. No entanto.

Neste contexto, este estudo teve por objetivo verificar se a visitação orientada com mínimo

impacto em trilha ecológica e as experiências em Educação Ambiental através de: informação com orientação será capaz de despertar a consciência ecológica de visitantes

Material e métodos

Esta pesquisa enfoca o registro de atividades e expressão da opinião de participantes em

visitas guiadas em duas trilhas: uma, ao longo do Córrego Laranjeiras e outra do córrego Três Riachos, nas microbacias dos rios Arraias e São Domingos, respectivamente.

As áreas em estudo estão localizadas em um raio de dez quilômetros (10 km) da cidade de

Arraias, TO e ambas possuem condições favoráveis para ecoturismo, educação ambiental, esportes de aventura, ensino e pesquisa, além de lazer como banho em cachoeiras e contemplação em mirantes com rara beleza. Primeira Trilha

A primeira trilha - Cachoeira dos Macacos, possui dificuldade moderada/pesada, com

extensão total de 7,5km (ida e volta), e liga a sede da Fazenda Nova Betânia à Cachoeira dos Macacos, no córrego Laranjeiras. A trilha foi percorrida no dia 22 de maio de 2016 com alunos da graduação, sendo 09 alunos do curso de Licenciatura em Biologia EaD, da UFT-Arraias e 07 alunos do curso de Pedagogia da UEG-Campos Belos-GO, totalizando 16 visitantes.

No início da manhã, realizou-se palestra inicial na sede da fazenda, com informações sobre

trajeto, esforço físico e questões de segurança, assinaram um termo de responsabilidade assumindo risco inerentes da visita, explicado que a trilha seria de mínimo impacto, isto é, não deixariam vestígios nem fariam coletas e que ao final responderiam a questionários avaliativos.

Em toda a extensão trilha, principalmente a metade final da mesma até a cachoeira

apresenta ambientes bem preservados, com várias fitofisionomias do Bioma Cerrado, pôde-se falar sobre preservação das espécies nativas da fauna e da flora, além da proteção de nascentes, enfatizando a importância da conservação de recursos para o equilíbrio ambiental. Também foram avistados vestígios de fauna nativa, como pegadas, tocas e ninhos, o que os deixou maravilhados, principalmente sinais de atividade dos Macacos prego (Sapajus libidinosus), onde a trilha passa por quebradouros de alimento, uma área rochosas onde os macacos utilizam pedras menores para quebrar cocos, baru e jatobá. A trilha atravessa também uma área extensa área usada na extração de rocha para construção de uma barragem com grande impacto ao ambiente e também a presença de antigos muros de pedra, construídos por escravos no período colonial.

Chegando na Cachoeira, aproveitou-se para falar sobre os cuidados com os animais e

plantas do local que é refúgio de vida silvestre, devendo ser conservada e com os perigos de afogamento e queda das pedras. Neste espaço encontra-se sinais de impacto por intervenção humana, como área de fogueira e churrasco, resíduos sólidos secos, resquícios de carvão e alimentos deixados por visitantes anteriores, e então procedeu-se a coleta destes resíduos. Também conversou-se com outro grupo presente sobre a importância da coleta dos resíduos produzidos durante aquela e outras visitas.

Vale dizer que este foi o ponto de máxima alegria do grupo que demonstrou admiração e

satisfação com a beleza cênica do lugar, verdadeiro encantamento. Após lazer, banho e lanche,

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iniciou-se o caminho de volta e já na sede, houve parada para conversa informal sobre a experiência e responderam aos questionários.

Os questionários avaliativos foram divididos em duas partes usando como referência o

trabalho de Silva et al. (2006), com adaptações a as condições locais, sendo: 1) Avaliação da estrutura da atividade de Trilha Ecológica Interpretativa, que avalia as estruturas físicas disponíveis na visita, bem como as dinâmicas e metodologias aplicadas

Percepção do visitante em relação à atividade proposta e aos sentimentos vivenciados na prática. Essa avaliação aborda aspectos mais subjetivos em questões abertas oportunizando a expressão de ideias, impressão do entrevistado e experiência vivenciada. Segunda Trilha

A segunda visita realizou-se no dia 03 de junho de 2016, na Trilha do Córrego Três

Riachos, com dificuldade fácil/leve, e extensão de 3,6km (ida e volta), partindo da sede da Fazenda Santo Antônio, à 10 Km do centro de Arraias, TO, destinando-se às Cachoeira da Roda D'água e dos Três Riachos. Foram conduzidos 19 visitantes, em turma mista de alunos do 1º ao 3º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Felismina Cardoso Batista, do município de Campos Belos-GO. O grupo foi acompanhado pelo guia e duas professoras. Esta trilha mais fácil e curta se adequa a esta faixa etária.

Realizou-se também palestra inicial com a turma, explicando sobre as normas de visitação,

comportamento na trilha, questões de segurança e visitação com mínimo impacto, informações sobre o bioma Cerrado e explicando os principais processos adaptativos do bioma e aspectos fitofisionômicos da região. Como é um grupo de alunos do ensino médio os termos de responsabilidade e autorizações padrões para aula-campo foram providenciados pela coordenação do Colégio, professores e pais de alunos.

Iniciada a trilha, percorreu-se área de pastagem seguida de cerrado sendo motivo para

comparações entre as duas paisagens, observando a diminuição de biodiversidade na pastagem com monocultura. Seguindo, a trilha passa por um cerrado típico e transita para uma mata de galeria e a mudança de temperatura nesse trecho foi percebido por todos merecendo a abordagem da composição e importância das matas ripárias para regular os microclimas locais, para proteção dos cursos hídricos e da fauna que a utilizam como corredores ecológicos.

Logo após atravessar o córrego Três Riachos e antes de se chegar na Cachoeira da Roda

D'Água, estava um filhote de Jararaca (Bothrops sp.), próximo à trilha. Recuou-se com os alunos até um local seguro, e procedeu-se na retirada da serpente para mais longe da trilha. Foi momento de aprendizado pelos esclarecimentos dos riscos inerentes aos ambientes naturais, a atenção que devemos ter e a importância de não matar a serpente, por ser importante predador para a manutenção da cadeia alimentar local. Decidiu-se então que o banho ocorreria na cachoeira seguinte e o retorno seria pela trilha do lado oposto do córrego. Seguindo o trajeto encontra-se um Campo Úmido, com a presença de Capim nativo misturados a Capim Dourado - Syngonanthus nitens, além de palmeiras Buriti - Mauritia flexuosa. Foram explicadas as principais características e serviços ambientais que este tipo de vegetação e solo hidromórfico prestam ao ecossistema local, como a coleta e armazenamento de águas pluviais, ressaltando a importância da conservação das Veredas, nascentes e para o lençol freático. Admirados, alguns alunos mencionaram coletar as flores nativas, sendo explicado que, quando retiradas, impedem a futura produção de sementes e manutenção da espécie e então registraram com fotos.

Na cachoeira dos Três Riachos com várias pequenas quedas, corredeiras rasas e alguns

poços para banho, foi o local de descanso, contemplação, banho e lanche. Neste local encontraram marimbondos e uma área com exemplares de uma planta endêmica de campos úmidos, conhecida como Orvalhinha - Drosera montana. Trata-se de planta "carnívora" (insectívora), que captura insetos

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em suas pétalas viscosas, sendo o fenômeno observado em uma das plantas, para admiração de todos.

Passado o tempo livre, reuniu-se o grupo para verificar a limpeza do local, reforçando que

não se poderia deixar nenhum tipo de resíduo, inclusive os orgânicos, mesmo as cascas das frutas, para evitar distúrbios como aumento de insetos no local pela decomposição dos dejetos. De volta a sede realizou-se um apanhado geral da visita e responderam os questionários avaliativos. Resultados e discussão

Tanto pelas respostas dos questionários, mas muito mais pela observação e conversas

informais nas cachoeiras, momento de máxima emoção, notou-se que os componentes de ambos os grupos, apresentaram atitudes de encantamento e amor pela natureza surgindo assim, desejo de cuidados e conservação do meio ambiente.

Avaliação da atividade na Trilha da Cachoeira Dos Macacos

Pela avaliação dos questionários, o atrativo, cachoeira, foi o mais elogiado sendo avaliado

como Ótimo por 100% dos alunos. Quanto ao acompanhamento e conhecimento adquiridos, 85% deles acharam bom ou ótimo. Demonstraram insatisfação em relação às estruturas do receptivo e, principalmente, da trilha, a qual foi classificada em 42,86% como Regular e 28,57% como Insuficiente e a maioria, 85% dos participantes externaram sua satisfação pelos métodos utilizados, principalmente pela vivência experimentada.

Nas questões abertas, pode-se perceber o potencial conservacionista dos estudantes e o

gosto pela natureza, pois quando questionados sobre o que mais gostaram na atividade e 25% deles responderam que o melhor da visita foi a natureza preservada, 25% acharam que foi a cachoeira, 10% disseram da água pura ou limpa e o restante deles gostaram mais da beleza cênica do roteiro e apenas.

Notou-se também cuidado com a natureza pela maioria das respostas do que menos

gostaram e 56,25% dos visitantes apontaram a estrutura física do piso do trajeto e a degradação de áreas naturais por ações antrópicas e outros 12,5% registraram resquícios de atividades antrópicas em prejuízo à biodiversidade local e os demais, 31,25 apontaram área de mineração abandonada; falta de segurança na trilha pela degradação em alguns trechos, queimadas como o que menos gostaram.

Para Costa filho; Amaral e Abreu (2014) é importante a utilização de espaços, em

ambientes naturais, que favoreçam as possibilidades educativas que conduzam os visitantes a sensibilização sobre os problemas ambientais. E nesta trilha foram encontradas inúmeras oportunidades favorecedoras de EA, com exemplos positivos que sensibilizaram os alunos, como o local onde macacos quebram frutos, a área degradada pela extração de rochas presença de antigos muros de pedras que constituem patrimônio histórico preservado no município.

Em relação à atividade como um todo, quando perguntou-se o que vocês acharam da

atividade, 100% dos alunos avaliaram como positiva, com comentários que combinam com o que disseram da sensação de visitar ambiente preservado como: divertida, receptiva, ótima, gostei de andar em trilha, ajudou a ter mais contato com o meio ambiente e ampliar os conhecimentos sobre a flora e diversidade das espécies, foi espetacular e prazerosa.

Responderam também quanto a preservação, que é fundamental e necessário conservar e

preservar para as gerações futuras, sem desmatar, queimar ou explorar excessivamente os recursos e ter consciência da dificuldade da regeneração, que somos responsáveis e que podemos usufruir do meio ambiente sem prejudicá-lo. Também que no local de extração de rochas, tiveram a sensação

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de tristeza, raiva e decepção frente aos danos observados e de impotência, de serem incapazes de manter intacto a natureza e o quanto o homem é egoísta visando o lucro.

Sobre depois dessa experiência na trilha, quais ações passará a praticar, 57% dos alunos

responderam que deixarão de jogar lixo no chão, que passarão a observar mais o ambiente à sua volta e a natureza e que ampliarão os cuidados com o meio ambiente. E sobre emoção ou conceito e sua relação com a natureza, comentaram que passaram a valorizar mais e a tratar melhor a natureza e bem estar dos animais e também iriam orientar filhos e amigos para a preservação, aumento do conhecimento em relação a ambientes preservados e degradados, a ter mais compromisso nos cuidados com a natureza e que a trilha, mesmo cansativa era proveitosa e que se sentem mais responsáveis pela natureza. Esses relatos mostram que há potencial de conscientização através da educação ambiental em Trilhas Ecológicas. Esse argumento é apresentado por Silva et al. (2012), quando apontam que as trilhas ecológicas podem funcionar como práticas de EA, quando utilizadas com dinâmicas participativas, através da interpretação do meio, observações sobre a conservação e preservação dos recursos naturais e do meio ambiente, fomentando a consciência ambiental dos participantes.

Avaliação da atividade na trilha das Cachoeiras do córrego Três Riachos

Na trilha das Cachoeiras dos Três Riachos, o item melhor avaliado foi o acompanhamento

durante a trilha, com 99,9% considerando bom ou ótimo. O receptivo, casa da sede da fazenda, também foi bem elogiado, com 63,16% avaliado como bom, e 36,84% como ótimo. Opinaram favoráveis sobre a trilha, que era muito leve e a cachoeira próxima sendo avaliados como bom e ótimo por 84,21%.

Nas questões abertas, em relação ao que mais gostaram na vivência, 19,23% apontam as

cachoeiras como principal item; 13,46% gostaram mais da beleza cênica do lugar e o restante, 67,31%, descreveram todas as sensações agradáveis nas diversas interações como conhecer novos lugares, ar puro, diversidade de plantas e animais, paisagens, aula fora da escola, o banho as águas claras e puras, a flor carnívora e a cooperação e fortalecimento das amizades.

Quanto aos aspectos que menos gostaram: 24% responderam que gostaram de tudo; 22%

pontuou que foi curto tempo de percurso (trilha); e o restante dos alunos apontou razões muito variadas o encontro com uma cobra, presença de marimbondos, trilha cheia de pedras, palestra extensa e outros apontaram o calor, pouco tempo para aproveitar a visita entre outras. Mesmo assim, quanto aos sentimentos vivenciados na prática 100% dos alunos participantes teceram muitos elogios como "boa e ótima", "várias coisas aprendidas", "conhecer novos lugares e experiências novas", "muito legal, gostei", "bastante interessante", "divertida”, entre outras semelhantes.

Sobre o que aprenderam em relação aos cuidados com o meio ambiente, suas respostas

foram semelhantes às dispensadas ao questionamento sobre mudanças de atitude tomadas antes e depois da trilha onde todos os alunos manifestaram uma forma de preservação como “devemos preservá-lo e que para manter é preciso cuidar '', "não jogar lixo no meio”, “devemos respeitar o meio ambiente, não poluir, deixar do mesmo jeito que encontramos”, que se as pessoas conhecessem teriam o prazer de cuidar, entre outras semelhantes, ter mais amor à natureza e que passaram a ter uma visão totalmente diferente do que pensavam sobre a natureza. Sobre o guia, opinaram favoravelmente, dizendo que resolveu todas as dúvidas.

Na questão sobre qual à sensação de visitar um ambiente com natureza preservada foram

unânimes em externar sensações elogiosas também semelhantes as expressadas nos relatos de mudança emocional ou conceito ambiental como: ter sensação de paz, felicidade e liberdade ao se interagir com a natureza e mais amor, com vontade de cuidar e preservar, se sentiram bem e mais livres e que sempre querem voltar. Estas afirmativas deixam claro que experiências prazerosas são

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muito lembradas e fortes em ligar boas experiências vivenciadas com a necessidade de preservação para manter o bem estar.

Resultados semelhantes de sensibilização efetiva em relação às questões ambientais, e

ganho em conhecimentos sobre ecologia foram apresentados por Costa Filho; Amaral & Abreu (2014), usando Trilhas Ecológicas como instrumentos de sensibilização de alunos ao percorrem uma trilha guiada, dentro da Mata Atlântica.

Para os alunos da educação básica, o método da educação vivencial (através do corpo)

mostra-se mais efetivo do que as explicações por meio de palestras. Essa constatação confirma o estudo de Mendonça (2007), que aponta que nas vivências é o corpo inteiro que aprende e não apenas o cérebro, sendo o aprendizado adquirido através da interação com o meio ambiente ao redor do ser e desenvolvendo conceitos e percepções são internalizados e convertidos depois em atitudes pró-ambientais. Considerações finais

Ambas as experiências de Educação Ambiental através de Trilhas Ecológicas

Interpretativas demonstrou ser eficiente ferramenta transformadora dos conceitos preconcebidos dos alunos, como pode ser observado nos resultados das vivências.

Pela análise dos questionários, notou-se que além do conhecimento gerado durante as

interações e trocas de ideia, os alunos relatam a importância das sensações e sentimentos, geralmente positivos, em relação ao contato com o ambiente natural visitado. O despertar para a consciência ecológica pode surgir através desses sentimentos. Para muitos, era a primeira vez que interagiam com a natureza e Cerrado nativo, o que despertou entusiasmo e sensações prazerosas.

Para além da análise dos questionários, a observação da vivência na trilha e convivência

entre os participantes fortaleceu o espírito de coletividade e solidariedade entre eles, que interagiram de forma harmoniosa e fraterna, em ambas as trilhas com colaboração nas horas mais difíceis e compartilhamento de lanches e de momentos divertidos. Dessa forma, a EA em trilhas ecológicas pode favorecer uma convivência mais harmoniosa e colaborativa, tanto entre membros da comunidade quanto destes com os habitats ainda preservados

E, foi no clima alegre, pleno de deleite pela natureza que os participantes, por si mesmos,

notaram com criticidade os danos ambientais e se propuseram tanto a preservar mais quanto propagar o costume de cuidados com a natureza para outras pessoas. Assim entende-se que o aprendizado pela vivência e pelo prazer, tem mais força motivadora que muitas palestras.

Obviamente este estudo também merece maior aprofundamento, para averiguar a real a

efetividade dessa ação e explorar o potencial que a região de Arraias oferece. Espera-se que este trabalho seja apenas o início e que possa servir como referência ou incentivo para futuros pesquisadores. Referências BEDIM, B. P. Trilhas Interpretativas como instrumento pedagógico para a educação biológica e ambiental: reflexões. BioEd 2004. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: Fiocruz/IUBS/UNESCO/LDES, 2004. COSTA FILHO, M. V. AMARAL, A. A.; ABREU, K. M. P. Trilhas Ecológicas como instrumento de sensibilização para questões ambientais. Enciclopédia Biosfera, v. 10, p. 3635-3643, 2014. Disponível em: <http://www.conhecer.org.br/enciclop/2014a/CIENCIAS%20HUMANAS/Trilhas.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2016.

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LECHNER, Larry. Planejamento, Implantação e Manejo de Trilhas em Unidades de Conservação. Cadernos de Conservação. Ano 03, nº 03. Junho de 2006. ISSN 1807-5088. Curitiba: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2006. MENDONÇA, Rita. Educação Ambiental Vivencial. In.: Encontros e caminhos-formação de educadores ambientais e coletivos educadores. Vol.2.-Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental, 2007. Disponível em: <http://www.institutoroma.org.br/artigos/educacao_ambiental_vivencial.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2016. NEIMAN, Zysman. A Educação Ambiental através do contato dirigido com a natureza. / Zysman Neiman - São Paulo: USP / Curso de Pós-Graduação em Psicologia / Área de Concentração: Psicologia Experimental., 2007. xi , 138f. , 5 Anexos. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47132/tde-19062008-085321/pt-br.php>. Acesso em: 10 mar. 2016. PILLETI, Claudino. Didática Geral. Universidade Católica de Campinas-SP. 23ª ed. 5ª impr.-São Paulo: Editora Ática, 2004. SILVA et al. Educação Ambiental: interação no Campus Universitário através de trilha ecológica. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental. Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental. Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Norte. ISSN 1517-1256, v.17, p. 20-40, julho a dezembro de 2006. SILVA et al. Trilha Ecológica como prática de Educação Ambiental. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental. REGET/UFSM. v(5), nº 5, p. 705-719, 2012. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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AVALIAÇÃO E ADEQUAÇÃO DE TRILHAS ECOLÓGICAS COM FOCO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Paulo Eliardo Morais de Lima5 Alessandra Monteiro de Paula6 Diondetson Rocha de Oliveira7 Maria Luiza de Freitas Konrad8

Resumo Identificar trilhas já existentes pode nos levar a lugares incríveis que às vezes estão muito mais próximos do que imaginamos. Na região de Arraias, TO existem lugares assim. No entanto, são necessários estudos para adequá-las a um correto manejo, garantindo a possibilidade de uso adequado e seguro para aos visitantes. Este trabalho apresenta pesquisa realizada em três trilhas no Município de Arraias - TO, com o objetivo de adequação para Educação Ambiental. Após análise e seguiu-se as sugestões, descrição das possibilidades das trilhas e também a concomitante orientação aos proprietários, sobre as responsabilidades que envolvem cada atrativo. Palavras-chave: Educação Ambiental; Ecoturismo; Trilha Ecológica; Trilha Interpretativa. Abstract Identifying existing tracks can lead us to incredible places that are sometimes much closer than we imagine. In the region of Arraias, there are places like this. However, studies are necessary to adapt them to a correct management, guaranteeing the possibility of adequate and safe use for the visitors. This work presents a research carried out on three tracks in the Municipality of Arraias - TO, with the purpose of adapting to Environmental Education. After analysis and followed the suggestions, description of the possibilities of the tracks and also the concomitant orientation to the owners, on the responsibilities that involve each attraction. Key-words: Environmental Education; Ecotourism; Ecologic Trail; Interpretative Trail.

Introdução

De acordo com Brasil (2016), o turismo de natureza mantém-se como segundo principal

motivo em viagens de lazer no país. Entretanto, para Lindberg & Hawkins (2001), essa demanda crescente não vem acompanhada de um planejamento e gestão adequados a esses locais. Para Lechner (2006) o planejamento de trilhas deve considerar aspectos relacionados à manutenção e preservação dos recursos naturais como fauna, flora e recursos hídricos, além de respeitar aspectos socioculturais de uma região devendo em seu processo se constituir de planejamento, construção, monitoramento e manutenção.

No planejamento, é fundamental a análise de sítio, onde são avaliadas as características

locais, as limitações físicas e biofísicas da área, além de identificar oportunidades favoráveis aos usuários nas diversas estações do ano (2006).

5 Graduado em Licenciado em Biologia UFT –Campus de Arraias TO, Brasil, Mestrando em Recursos Naturais do Cerrado pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Anápolis. 6 Professora adjunto da FAV/UnB - Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de

Brasília. 7 Especialista em Geoprocessamento pela Universidade de Brasília. Engenheiro Ambiental no Instituto

Natureza do Tocantins (Naturatins), Supervisão de Escritório Regional de Arraias. 8 Professora Associado 3 da Universidade Federal do Tocantins, UFT, Licenciatura em Biologia, Arraias, TO, Brasil

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O Brasil ainda não possui um sistema de trilhas em unidades de conservação totalmente implementado e nem nas áreas particulares e para tal, deve-se ter as condições mínimas de segurança pois os riscos em atividades ao ar livre são grandes Mitraud (2003).

A região de Arraias é cercada de atrativos naturais que carece otimização do atendimento e

direcionar para Educação Ambiental visando melhorias das condições de visitação, com a finalidade de preservação é que se justificou este trabalho que objetivou avaliar a adequação de Trilhas Ecológicas em propriedades rurais do município de Arraias, com foco em EA de duas trilhas, classificando-as para indicação e também propor orientações gerais e sobre normas de segurança, condução consciente, prevenção de riscos e interpretação das trilhas necessárias às atividades em trilhas ecológicas.

Material e métodos

Primeiramente procedeu-se a análise de sítio pois para Lechner (2006), um bom planejamento inicia-se pelo estabelecimento dos objetivos da trilha e este norteia as demais ações. As trilhas analisadas neste trabalho já encontram-se construídas e como verificadas as condições junto aos proprietários, faz-se necessária a realização do seu monitoramento, adequação e manutenções futuras e para tal foram apontados os trechos mais críticos e as intervenções necessárias à sua adequação.

A primeira trilha, no córrego Laranjeiras (circuito inferior), na Fazenda Nova Betânia, com

aproximados 3,8 km de extensão (ida), e nível técnico moderado/pesado (Figura 1) e a segunda trilha, descrita na (figura 1) como trilha 3 no córrego Três Riachos, na Fazenda Santo Antônio, com extensão de 1,8km (ida) foram analisadas para posteriormente sugerir melhorias para atingir o que preconiza (DCR, 2014).

De acordo com o Departamento de Conservação e Recreação das Trilhas Americanas (DCR, 2014), uma boa trilha, para ter sucesso a longo prazo, deve ser planejada para obter a sustentabilidade física, de modo que sua estrutura e formato se mantenham firmes ao longo dos anos, resistindo tanto as visitações quanto às intempéries do ambiente, Sustentabilidade ecológica, através da minimização dos impactos ecológicos e da proteção de recursos naturais e culturais mais sensíveis e econômica , garantir o suporte financeiro necessário à manutenção durante todo seu ciclo.

Mapa 1 (figura

1): Localização

da área de estudo deste trabalho.

.

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Análise de sítio A análise prévia da pesquisa realizou-se através de conversas com os proprietários, que

informaram as características das áreas de estudo, o histórico de usos das propriedades e várias visitas ao local além do perfil dos visitantes que utilizam as trilhas. As questões apontadas abordam a necessidade de recuperação de áreas impactadas e a conscientização dos visitantes e dos proprietários de como conduzir o visitante

As áreas analisadas possuem relevante interesse para a preservação, por abrigar nascentes

de cabeceira do rio Tocantins, cuja bacia hidrográfica abrange toda a região de Arraias. Do ponto de vista Geomorfológico, a região de Arraias também faz parte do Grupo Araí, uma importante formação geológica de mais de 1,7 bilhões de anos.

Na Trilha 01 – Cachoeiras dos Macacos (circuito inferior), localizado na Fazenda Nova

Betânia, com sede a 4km da UFT - Campus Buritizinho, no município de Arraias. Possui extensão aproximada de 3.770m (três mil setecentos e setenta metros), com ponto inicial na sede da fazenda e ponto final na Cachoeira dos Macacos. Para realizar a visita percorre-se esse trecho ida e volta, pela mesma rota, num total de 7.540m.

O Sr. Jorge Oliveira informou que as visitas são favoráveis durante a estação seca, que vai

de março a outubro e inviáveis nos períodos chuvosos e que os maiores impactos ocorrem pela visitação descontrolada, sem monitoramento deixando resíduos secos e orgânicos, fogueiras, entre outros. Sua pretensão é estabelecer normas de visitação, preferencialmente guiada, bem como melhores condições da trilha destinada à contemplação, e também ferramenta de Educação Ambiental a determinados grupos, preferencialmente com bom preparo físico.

A Trilha 02 – Na figura 1, corresponde a trilha 3, pois nas visitas avaliou-se uma trilha de

menor percurso, que sai diretamente da sede da Fazenda Santo Antônio e percorre trechos paralelos ao córrego Três Riachos, que o proprietário preferiu obter sugestões, devido à proximidade e baixo grau de dificuldade e também por ser um excelente percurso para visitantes menos experientes e com baixo preparo físico.

Para o Manual de Construção e Manutenção de Trilhas (SÃO PAULO, 2009) um bom

planejamento evita maiores problemas no futuro. Caso já ocorra uma trilha antiga, o processo envolve percorrer a trilha várias vezes, realizar o monitoramento das condições atuais em que se encontra e analisar as possibilidades para a correção dos problemas de maior impacto negativo. Esse procedimento ocorreu principalmente na avaliação da trilha da Cachoeira dos Macacos, por conter maior quantidade de trechos problemáticos.

A coleta de dados realizou-se através do uso de aparelho com Sistema de Posicionamento

Global - GPS (sigla em inglês de Global Positioning System), além de anotações, com observações relevantes aos objetivos da trilha, e fotografias dos principais pontos de interesse. Realizou-se um total de oito (08) visitas, no período compreendido entre 06 de novembro de 2015 a 06 de maio de 2016, sendo seis na Trilha 01 e duas na Trilha 02 e 3. Durante as visitas foram identificadas e informadas aos proprietários as áreas de maior risco em cada trilha, como bordas de encostas íngremes, desníveis acentuados e trechos rochosos, travessias de rio e áreas com probabilidade de enxurradas, durante a estação chuvosa. Orientou-se para que realizem intervenções de segurança nesses trechos, para garantir uma visitação com mínimo impacto e baixo grau de risco para os usuários das trilhas.

Para a classificação, utilizou-se como parâmetros nacionais a Norma Técnica NBR 15505-

2:2008 (ABNT, 2008). Essa classificação mostra-se importante para avaliar se os visitantes têm condições físicas para percorrer os circuitos e classifica os percursos com base em quatro critérios: 1. Severidade do meio, 2. Orientação no percurso, 3. Condições do terreno e intensidade do esforço físico.

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Resultados e discussões

A trilha 01, da cachoeira dos macacos, é do tipo Linear (LECHNER, 2006), que liga um

ponto a outro e exige o regresso pelo mesmo caminho. De acordo com os critérios da NBR 15505-2, a Trilha 01 Severidade do mediana, orientação no percurso exige identificação referencial, as condições do terreno com obstáculos, requer intensidade de esforço físico significativo. Recebe a classificação moderada, pois apresenta longo trecho em desnível, com 3 a 7 horas de caminhada ao dia. O piso da trilha encontra-se em boas condições em praticamente 2/3 do traçado, necessitando algumas intervenções nos trechos restantes para garantir sua estabilidade a longo prazo. Os locais mais prejudicados apresentam princípios de erosões, as quais devem ser contidas o quanto antes, para evitar maiores estragos. Alguns trechos apresentam-se perigosos para usuários inexperientes, sendo que precisam receber guarda-corpos e corrimãos, nas encostas de morro e desníveis acentuados (acima de 20% de inclinação).

Um pequeno trecho da trilha passa por um campo úmido, mas pode ser facilmente

desviado pois foram encontrados exemplares do Capim Dourado (Syngonanthus nitens), mostrando-se um trecho com potencial para pesquisa e podendo ser isolado para este fim. Outros trechos até a cachoeira necessitam e capina havendo maior urgência, entretanto, nas correções de piso e drenagens de águas pluviais.O nível desses impactos, segundo Mitraud, 2003, pode variar, de acordo a intensidade de visitação, comportamento do visitante, tipo de vegetação na área de visitação principalmente nos recursos naturais e para isto também sugeriu-se a mudança de trajeto para evitar passarem pelo campo de capim dourado.

A área da Cachoeira dos Macacos (circuito inferior), possui a maior queda do córrego

laranjeiras, com aproximados 15m de altura, e uma excelente piscina natural, com trechos rasos (até 1m) e profundos (podendo atingir mais de 4m). A cor da água é de um tom ciano, muito cristalina quando em repouso. Possui ainda outros pequenos poços rio acima, com acesso ainda precário necessitando reparo pela margem direita do leito. Por essas características podem ser criadas neste circuito: Ecoturismo - pela presença de belezas cênicas, habitats preservados, trilhas moderadas de curta distância (até 15 km), mirantes, observação de fauna e flora, córregos, nascentes e o atrativo Cachoeira dos Macacos. Educação Ambiental - por conter diversas fitofisionomias do bioma Cerrado, áreas preservadas e degradadas (exemplos de impactos positivos e negativos da ação antrópica), nascentes e Áreas de Proteção Permanente - APP (áreas de relevante interesse à preservação), observação de hábitos da fauna nativa (avistamento de pegadas, quebradores de coco, ninhos etc.), exposição dos ciclos naturais e das formações rochosas etc. Pesquisa - onde apresenta alta biodiversidade do bioma Cerrado, diversas fitofisionomias, presença de fauna nativa, espécies endêmicas da flora (como o Syngonanthus nitens e as Velozzias sp.), ciclos naturais e habitats preservados, microbacia do rio Arraias, formação geológica do Grupo Araí (~1,7 bilhões de anos) potencial para estudos de recuperação de áreas degradadas (trecho de extração de minério abandonado) etc. Extrativismo - por apresentar diversas espécies frutíferas, oleaginosas, medicinais, de uso artesanal entre outras. A trilha favorece bastante a coleta de frutos nativos como o Baru (Dipteryx alata), a Cagaita (Eugenia dysenterica), o Cajuí (Anacardium sp.), o Jatobá (Hymenaea sp.), a Mangaba (Hancornia speciosa) e outras Também mostra excelente potencial para coleta de sementes para produção de mudas nativas.

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Também foram repassadas orientações ao proprietário para tomar medidas preventivas em um trecho com baixo nível de segurança, no último terço da trilha, onde são necessárias a instalação de corrimãos e guarda-corpos para evitar algum acidente grave. Para utilização na Educação Ambiental com alunos da educação básica, deve-se corrigir os trechos avaliados com risco elevado. A trilha 02, das cachoeiras da roda d'água e dos três riachos está localizada na fazenda Santo Antônio. Trata-se de uma trilha Linear (LECHNER, 2006), com classificação mais leve que a primeira, podendo ser percorrida por qualquer pessoa que goze de boa saúde. O circuito tem extensão total de 3.600m (ida e volta), com ponto Inicial e final na sede da fazenda, e contempla dois atrativos: 1) Cachoeira da Roda D'água, a 730m de trilha do ponto inicial; 2) Cachoeiras dos Três Riachos, a 1.800m do ponto inicial (ponto final do traçado). A trilha 02 é relativamente fácil de ser percorrida, podendo ser visitada por uma maior gama de perfis dos visitantes. Tem poucos trechos técnicos, descidas suaves e terreno com poucas irregularidades em alguns trechos.

Segundo Lechner, 2006, o design de uma trilha deve atender às expectativas de seus

visitantes e ser adequado aos perfis que pretende-se receber no local. É importante especificar os trechos destinados a cada tipo de uso, e estabelecer regras de conduta e preferência nos trechos de uso comum.

Essa trilha é classificada com severidade média, orientação no percurso, com caminho que

indica a continuidade, Condições do terreno irregular, intensidade de esforço físico moderado, apresentando, portanto, oportunidades similares às anteriores, com o diferencial de poder receber diferentes perfis de visitantes, incluindo estudantes da educação básica por possuir um potencial para se trabalhar a Educação Ambiental através de trilhas interpretativas. As trilhas interpretativas devem ser preferencialmente curtas, pois possibilitam maior tempo para as paradas em lugares estratégicos. O circuito Três Riachos apresenta baixa declividade, diversas fitofisionomias, plantas endêmicas, veredas, belezas cênicas, pouco desnível, áreas históricas, oferecendo boas oportunidades para estudar diferentes aspectos do meio. As visitas podem ser facilmente conduzidas por um Guia, por Condutor ou pelo professor responsável, desde que já conheça a trilha.

Considerações finais

Cada circuito oferece um tipo de visita diferenciado, que serve a diversos perfis de

visitantes. Com essas trilhas abertas, pode-se oferecer caminhadas em três níveis técnicos, todas com belezas cênicas, observação de fauna e flora, ambientes com pouca intervenção humana, água limpa, cachoeiras e mirantes, além da pré-histórica formação geológica do Grupo Araí.

Após análise das condições atuais das propriedades seguiu-se a recomendação de que em

ambas as propriedades sejam disponibilizadas no receptivo, informações técnicas sobre as trilhas, disponíveis neste trabalho, com distâncias, nível de dificuldade, tempo médio de caminhada e da visita por completo, mapas e gráfico de altimetria; além do valor do ingresso caso haja cobrança e o que está incluso na visita; bem como, valores dos serviços de condutor ou guia.

Em ambas as trilhas, realizar reparos e monitoramento das trilhas com manejo dos aclives e

declives acima de 20% de inclinação com a implementação de degraus rústicos, barreiras de contenção e bacias de drenagem, melhorar a estrutura do piso (alargar) e a quebra de talude (encostas de morro) onde for necessário, para facilitar o deslocamento e garantir estabilização da trilha a longo prazo, realizar a limpeza do piso e do corredor da trilha, para facilitar o deslocamento, melhorar a visibilidade e aumentar a segurança dos visitantes, avaliar trechos do traçado que passam por campos úmidos, mudando o traçado da trilha e também providenciar corrimão em trecho de maior risco e implementar passagem seca, por cima de rochas na travessia de córregos, especialmente na trilha 1.

Recomendações para condução nas duas trilhas (visitas guiadas): realizar palestra inicial

com os visitantes, para esclarecer as normas de visitação do local, informar sobre o nível técnico

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dos circuitos e averiguar a capacidade física de acordo com a classificação da trilha e perfil dos visitantes; informar também os cuidados com a segurança, como evitar sair do traçado da trilha, observar aonde está pisando ou colocando as mãos, não caminhar à frente do guia ou condutor e manter o grupo sempre unido, andar sempre em fila indiana, não se afastar do grupo e seguirem as recomendações dos guias evitando afogamentos.

As duas trilhas analisadas apresentam uma boa estrutura física, com traçados interessantes

para caminhadas em diferentes distâncias e níveis técnicos. Alguns trechos, como se encontram as trilhas dos Três Riachos, já podem receber alunos adolescentes, já a trilha da cachoeira dos macacos, no entanto, necessita de intervenções de segurança, manejo hídrico, prevenção de erosões e limpeza. Ambas carecem de algumas melhoras e com a devida atenção antes de receber visitantes

Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. NBR 15505-2: Turismo com atividades de caminhada: Parte 2: Classificação de percursos. Rio de Janeiro, 2008. 16 p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. Projeto 54:003.01-001: Turismo de Aventura : Condutores : Competência de Pessoal. Rio de Janeiro, 2005. 6 p. BRASIL. Ministério do Turismo - MTur. Estatística básica do turismo. Estudo da Demanda Turística Internacional: Brasil-2015. FIPE - Fundação Instituo de Pesquisas Econômicas. 2016. Disponível em: <http://www.dadosefatos.turismo.gov.br/estat%C3%ADsticas-e-indicadores/estat%C3%ADsticas-b%C3%A1sicas-de-turismo.html>. Acesso em 27 set. 2016. DCR-DEPARTMENT OF CONSERVATION AND RECREATION. Trails Guidelines and Best Practices Manual. American Trails. Redding, CA: October, 2014. Disponível em: <http://atfiles.org/files/pdf/MA-Trails-Guidelines-Best-Practices.pdf> Acesso: 02 set 2016 LECHNER, Larry (Coord.). Oficina de Planejamento de Trilhas de Longo Curso da Chapada dos Veadeiros. United States Florestal Service-USFS. Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade-ICMBio/MMA. Cavalcante; Alto Paraíso: 12 a 14 de setembro de 2016. LECHNER, Larry. Planejamento, Implantação e Manejo de Trilhas em Unidades de Conservação. Cadernos de Conservação. ano 03. nº 03. junho de 2006. ISSN 1807-5088. Curitiba: Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, 2006. LINDBERG, Kreg; HAWKINGS, Donald E. (editores). Ecoturismo: um guia para planejamento e gestão. 3ª ed. - São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2001. MITRAUD, Sylvia (org.). Manual de Ecoturismo de Base Comunitária: Ferramentas para um planejamento responsável. Brasília: WWF Brasil, c2003. 470p.: il. Color.; 21x14 cm. Disponível em: <http://www.mosaicobocaina.org.br/images/BOCAINA/documentos/didaticos/manual_ecotur_wwf_2003.pdf>. Acesso em: 16 ago 2016. PILLETI, Claudino. Didática Geral. Universidade Católica de Campinas-SP. 23ª ed. 5ª impr.-São Paulo: Editora Ática, 2004. Acesso em: 16 ago 2016. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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SUBPROJETO PIBID DE EDUCAÇÃO FÍSICA: A TEMATIZAÇÃO DO CONTEÚDO ESPORTE E AS QUESTÕES PEDAGÓGICAS ADVINDAS DO PROCESSO

Paulo Rogério Barbosa do Nascimento9

Eduardo da Silva Guimarães10

Resumo Este estudo analisa o subprojeto Pibid de Educação Física, desenvolvido pela Universidade Regional do Cariri (Urca), tendo a pesquisa-ação como delineamento metodológico. Os participantes foram os integrantes e usuários do projeto. Os dados foram coletados e categorizados a partir de documentos de planejamento, relatos de experiências, encontros de estudo e observação das intervenções práticas, mediante o uso de diário de campo. O desenvolvimento do projeto resultou em acréscimo de conhecimento em relação aos conteúdos e métodos de ensino específicos da Educação Física e maior coerência na relação entre teoria e prática. Palavras-chave: Educação Física. Pibid. Esporte. Resumen Este estudio analiza el subproyecto Pibid de Educación Física, desarrollado por la Universidade Regional do Cariri (Urca), considerando la investigación-acción como diseño metodológico. Los participantes fueron los integrantes y usuarios del proyecto. Se recogió y se categorizó los datos a partir de documentos de planeamiento, relatos de experiencias, encuentros de estudio y observación de las intervenciones prácticas, de acuerdo con el uso de diario de campo. El desarrollo del proyecto resultó en creces de conocimiento en relación a los contenidos y métodos de enseñanza específicos de la Educación Física y mayor coherencia en la relación entre teoría y práctica. Palabras-clave: Educación Física. Pibid. Deporte. Introdução

Este texto apresenta a fundamentação de base do subprojeto Pibid do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Regional do Cariri (Urca). Traz, também, aspectos da sua implementação, bem como faz uma reflexão sobre o trajeto percorrido, considerando as questões pedagógicas advindas do seu processo de desenvolvimento, ocorrido em 2014 e 2015.

O objetivo do estudo é analisar, de maneira contextualizada, as questões pedagógicas que

atravessaram o desenvolvimento do projeto. A necessidade de compreender o processo de formação docente a partir de uma

metodologia de ensino-aprendizagem ativa e aproximada da realidade de atuação justifica a realização desta pesquisa, e possibilita avançar na qualidade das intervenções junto aos acadêmicos bolsistas do Pibid.

Destarte, apresenta-se a seguir, os procedimentos adotados na realização da pesquisa, bem

como a organização inicial do projeto, a sua fundamentação, o tema objeto de estudo, a forma de desenvolvimento do projeto, as questões pedagógicas que surgiram na trajetória dos estudos e as decisões ou direções que foram efetivadas.

9 Mestre em Educação nas Ciências – Unijuí/Ijuí-RS Professor do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Regional do Cariri-Crato/CE 10 Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Católica de Santos / Santos-SP Professor do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Regional do Cariri-Crato/CE

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Procedimentos metodológicos

A pesquisa possui caráter qualitativo, sendo o delineamento de pesquisa-ação o procedimento metodológico básico para dinamizar o projeto e compreender o processo. A pesquisa-ação tem como característica o envolvimento de sujeitos em ações de resolução de problemas contextualizados na relação com a experiência e apoiados em pressupostos teóricos específicos (THIOLLENT, 2011).

Participaram do estudo, 40 acadêmicos do curso de Licenciatura em Educação Física da

Universidade Regional do Cariri (Urca), bolsistas do Projeto Institucional de Iniciação à Docência (Pibid – Capes/Urca), dois professores da universidade que desempenharam a função de coordenadores do projeto, cinco professores de Educação Básica com a função de supervisores junto aos acadêmicos de Educação Física e 100 alunos da rede pública municipal de Crato/CE.

Todos os participantes foram devidamente informados sobre o caráter do projeto Pibid e

das inerentes pesquisas, obtendo ciência por intermédio de documento específico e concedendo anuência quanto a sua participação no projeto e nas pesquisas.

A coleta dos dados foi realizada em 2014 e 2015 durante o processo de condução e

acompanhamento sistemático dos estudos e intervenções junto aos participantes da pesquisa. Utilizou-se a análise de registros documentais, como planejamentos, relatórios e relatos de experiência. Também foram realizadas análises das intervenções dos acadêmicos bolsistas na escola e nas oficinas temáticas. O diário de campo foi utilizado para fazer as anotações das questões surgidas e encaminhadas nos encontros sistemáticos de estudo. Os dados de análise coletados surgiram de questões-problemas identificadas tanto na compreensão teórica relativa aos estudos realizados, como na intervenção junto aos escolares. Esses dados foram agrupados em categorias que deram a perspectiva do movimento do processo de ação/reflexão/ação.

As categorias analíticas da pesquisa referem-se: a) Questões-problemas: às compreensões

conceituais de competência para o planejar e atuar, assim como às situações relacionadas à intervenção prática no âmbito da escola; b) Possíveis causas: à possível natureza das questões-problemas surgidas; c) Encaminhamentos: às ações teóricas e práticas levadas a efeito para solucionar questões-problemas; d) Desdobramentos: aos resultados efetivos do processo reflexivo e da atuação prática.

De maneira discursiva, o texto a seguir apresenta o subprojeto, a apresentação e análise dos

dados, respeitando a sequência dos acontecimentos a fim de demonstrar o movimento de constatação, buscam, encaminhamento, retomada e avanços que ocorreram de forma inter-relacionada.

O subprojeto Pibid de Educação Física da Universidade Regional do Cariri (Urca)

O Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) do curso de Licenciatura

em Educação Física da Universidade Regional do Cariri (Urca) objetiva a interação do acadêmico com o contexto de atuação, articulando pressupostos teóricos que fundamentam a ação docente, tendo em vista a especificidade da Educação Física.

A justificativa do projeto considera que a profissão docente é investida de uma

complexidade que reporta a questões técnicas, pedagógicas, éticas e filosóficas (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009). A percepção dessa complexidade na articulação com o “fazer” se coloca no sentido de dar “identidade” reflexiva enquanto professores de uma área do conhecimento (SCHÖN, 2000).

Compreende-se que o “imaginário social” da Educação Física enquanto componente

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curricular na escola ainda comporta entendimentos que a relacionam ao exercício físico, numa relação descontextualizada e pautada na ideia de causa e efeito, tendo por base e justificativa os possíveis efeitos fisiológicos benéficos no organismo de quem se exercita. A ideia básica é de uma atuação “sobre” o corpo do sujeito.

A proposta desenvolvida pelo projeto Pibid diz respeito ao conhecimento das práticas

corporais criadas, transformadas e significadas pelo homem ao longo de sua história. Elege-se, pois, o Esporte, como um tema que comporta uma diversidade de lógicas internas11 e atravessamentos de significados/sentidos socioculturais. O porquê do tema “Esporte”

Ao longo do processo de constituição da Educação Física o Esporte se constituiu em tema

central com duas conotações básicas – aptidão física e possibilidade de subsidiar o sistema esportivo – dois pressupostos que guiaram as intervenções pedagógicas. Após diversas críticas12 advindas do cenário acadêmico percebeu-se um arrefecimento nessa forma de tratar o esporte nas aulas de Educação Física. Surgiu, então, o primado do lúdico, do jogar, do divertir-se (DARIDO; RANGEL, 2005).

Os dois polos, contudo, eram antagônicos em relação à forma de tratar o Esporte neste

componente curricular. A falta estava na pouca consistência prática nas proposições de caráter crítico ou, em alguns casos, até na sua ausência. A crítica questionou as práticas de intervenção pedagógica que não dão conta de uma educação pautada na ideia de formação cidadã plena, tendo como sustentação um ideal republicano13. Vive-se neste cenário uma espécie de “hiato” que provoca um debate sobre “uma transição”, se não totalmente estéril, ainda com dificuldades de apontar/ desenhar uma nova prática pedagógica, consubstanciada nos pressupostos teóricos de caráter crítico/progressista (GONZALEZ; FENSTERSEIFER, 2009).

O subprojeto de Educação Física do Pibid partiu da compreensão do Esporte não como

“atividade” e sim como “conteúdo” (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). Os autores entendem o esporte como uma manifestação da cultura humana, que se apresenta de forma plural, tanto nas suas conformações estruturais e/ou lógicas internas como nos usos e significados sociais que estão atrelados ao fenômeno. Estudar o esporte na Educação Física, portanto, significa apropriar-se de conhecimentos, considerando as dimensões procedimentais (Saberes Corporais) e os Saberes Conceituais de caráter operacional e ou crítico (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009). Exige, também, uma organização dos saberes, considerando a sua hierarquização por níveis de complexidade, bem como a escolha de estratégias adequadas para ensinar os diferentes saberes que compõem o fenômeno e que são de natureza diferenciada14 (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012).

Considerando os pressupostos e objetivos do projeto Pibid e a sua base conceitual, o

desafio que se coloca é como operacionalizá-lo de maneira que não seja linear, estanque, no formato de uma disciplina acadêmica. Passa-se, assim, a relatar a organização do projeto e os

11 Características estruturais e regulamentares das práticas esportivas que condicionam o comportamento motor e as tomadas de decisões dos praticantes. 12 Este cenário desencadeou a formulação de pressupostos orientadores do que se chama Educação Física crítica/progressista, que visa compreender os temas/conteúdos da área como construções sócio-históricas passíveis de serem estudados, compreendidos, reformulados, tensionando-se sentidos e significados dos fazeres humanos com e nas práticas da cultura corporal de movimento. 13 Pressuposto básico no qual os autores citados alicerçam as suas elaborações e proposições em relação à Escola e à Educação Física. Basicamente, é a convicção de que a escola deve veicular conhecimentos e estimular o desenvolvimento de capacidades intelectuais que potencializem as novas gerações a se implicarem com o “mundo” do qual fazem parte, tendo o bem comum como princípio básico em suas tomadas de decisões e ações. 14 Algo na escola a ser “compreendido” e não somente para ser “praticado”, com objetivo exclusivo de recreação e ou alterações fisiológicas.

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desdobramentos advindos desse processo. A organização do projeto: estudos iniciais

Primeiramente, apresentou-se o projeto a todos os participantes. O projeto abrangeu um

total de 40 acadêmicos de diversos semestres do curso de Educação Física da Urca, além de cinco professores supervisores, distribuídos em cinco escolas dos municípios cearenses de Crato e Iguatu.

A apresentação e o início dos estudos do subprojeto de Educação Física se pautaram na

discussão da base conceitual geradora do projeto sobre a qual já se discorreu neste estudo. O estudo inicial buscou reafirmar o conteúdo Esporte na sua complexidade e identificar,

em linhas gerais, os seus conteúdos específicos. Para identificar a pluralidade de conteúdos atrelados ao tema Esporte utilizou-se a classificação dos tipos de esportes apresentada por González e Fraga (2012). Os autores consideram um grupo de esportes que possui interação direta com o oponente e outro grupo de esportes que não possui essa mesma interação. Dentro de cada grupo se desdobram subgrupos que possuem lógicas internas e/ou critérios de funcionamento diferenciados.

Constatou-se, inicialmente, a diversidade de lógicas esportivas, cada uma demandando

conhecimentos específicos. Junto aos acadêmicos comprovou-se o que já era denunciado há tempos na área de Educação Física, ou seja, que tradicionalmente são veiculados na escola os esportes de invasão: futsal ou futebol, handebol e basquetebol e, em alguns casos se aborda o atletismo (esporte de marca). Fica, portanto, fragilizada a intenção de se tratar a diversidade da cultura corporal de movimento na escola, especialmente quando se constata que nem mesmo a pluralidade de práticas esportivas (conteúdo tradicional) é acessada/estudada na escola.

Os constantes diagnósticos sobre as vivências na Educação Física escolar realizados com

acadêmicos de Educação Física que ingressam na universidade reforçam esta afirmação. Em seus relatos sobre o histórico escolar de Educação Física constatou-se a inexistência de experiências relativas a um aprendizado escolar sistematizado ou, então, a presença de experiências pouco consistentes em relação ao aprendizado sobre uma variedade de práticas esportivas.

Solicitou-se aos acadêmicos bolsistas do programa, o estudo e a construção do quadro de

classificação dos esportes, conforme o referencial teórico estudado, o que resultou em surpresas diante da diversidade de saberes. Baseados no referido quadro de classificação dos esportes passou-se à escolha dos temas que seriam abordados nas intervenções junto aos escolares. O critério básico de cada grupo era abordar, simultaneamente, no seu âmbito de intervenção, em um dado período de tempo, um esporte classificado como de interação direta com o oponente, e outro esporte sem interação direta com o oponente.

A partir desses estudos e decisões os acadêmicos foram instigados a pesquisar e a construir

oficinas temáticas que apontassem possibilidades de tratamento pedagógico de práticas esportivas diversas, iniciando, assim, os seus planejamentos de intervenção.

Relato e análise do processo de condução do projeto

O grupo de acadêmicos era mesclado, sendo que alguns já foram bolsistas do subprojeto Pibid de Educação Física em edição anterior, outros eram recém-ingressos no projeto, ou eram de semestres mais adiantados ou, ainda, de semestres iniciais do curso de Educação Física. Esta configuração do projeto permitiu uma intensa troca de conhecimentos em relação ao planejamento escolar, pois acadêmicos vinculados há mais tempo no projeto foram monitores dos recém-chegados.

Foi-lhes solicitado a elaboração de oficinas de ensino dos esportes escolhidos por cada

grupo de trabalho, sendo desafiados a tematizar lógicas esportivas não tradicionais no cenário

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escolar. As oficinas eram desenvolvidas entre os acadêmicos, numa espécie de laboratório, onde eram compartilhadas análises e sugestões sobre o conteúdo e a metodologia de ensino.

As primeiras oficinas desenvolvidas pelos acadêmicos bolsistas e compartilhadas entre eles

ocorreram de forma satisfatória, porém, numa avaliação os acadêmicos demonstraram certa preocupação com a possibilidade delas se esgotarem por si só, ou seja, não subsidiarem um planejamento de longo prazo. Mesmo assim, as primeiras intervenções no contexto escolar ocorreram, e os grupos de trabalho demonstraram segurança e domínio dos conteúdos e planejamentos.

Como um dos desafios era tratar os conteúdos de forma hierarquizada e sequencial no

contexto da intervenção, considerando o seu grau de dificuldade e as características do público alvo, produzindo um conhecimento distante do ato de praticar por praticar, surgiu a problemática: o tempo de estudo (12 aulas) do conteúdo era insuficiente. Assim, o grupo decidiu tratar os conteúdos em 24 aulas seguidas.

A dinâmica de intervenção ocorreu da seguinte maneira: em cada escola permaneceram

dois grupos de acadêmicos, cada um com quatro integrantes. Todos os grupos planejaram conteúdo relativo aos esportes de interação direta com oponente e esportes sem interação direta com oponente, considerando o público participante do projeto e as condições estruturais dos locais de seu funcionamento. Um grupo em cada escola desenvolveu o planejamento e a intervenção a partir de uma perspectiva que eles mesmos nomearam de “lúdica”, enquanto outro grupo da mesma escola desenvolveu o planejamento e a intervenção numa perspectiva nomeada “técnica”.

A compreensão do grupo de acadêmicos referente à metodologia de ensino dos esportes

transitou, portanto, entre estes dois conceitos: lúdico e técnico, muitas vezes tidos como opostos. Basicamente, compreende-se que ensinar a partir da técnica é considerado método “técnico”, enquanto ensinar por meio de situações jogadas, brincadas, é tido como método “lúdico”. A constatação dessa dualidade na concepção do método está relacionada com o intenso questionamento da área de Educação Física quanto a um ensino pautado no gesto técnico, que colocou ensino técnico e lúdico em “oposição diametralmente opostas” (BRACHT, 2000, p. 17). O autor afirma que esta oposição não é interessante e reconhece que ambas as dimensões estão presentes nas práticas humanas. Ademais, a superdimensionalização de um polo em oposição a outro não contribui para a compreensão dessa complexidade.

Esta constatação instigou os grupos a planejar (no decorrer do projeto) estudos que

pudessem ampliar a compreensão de métodos e ou estratégias de ensino, extrapolando a dualidade técnico/lúdico. A dificuldade inicial residiu no fato de que nem todos os acadêmicos dominavam as variações dos métodos de ensino dos esportes.

Esta constatação foi reforçada quando alguns acadêmicos bolsistas expressaram que uma

das necessidades e ou dificuldades do grupo era buscar ou detectar “atividades para as aulas”. Entendeu-se tal colocação como a necessidade de “dar conta da aula” (ter atividades), reforçando a compreensão detectada por eles mesmos e citada anteriormente, de que as oficinas realizadas pelos próprios acadêmicos com a finalidade de trocar conhecimento entre seus pares e subsidiar os planejamentos, em alguns casos, se esgotavam em si mesmas. De certa forma isto mostra a relevância do processo continuado das trocas de experiências, cuja constatação também é verificada na postura de professores com perfil de investimento docente15, que se ressentem da falta desses momentos de trocas entre seus pares (FENSTERSEIFER; SILVA, 2001).

No momento da escolha de novos temas de estudo houve hesitação, reconhecida pelos

acadêmicos e originada, entre outras questões, pelo conhecimento limitado de outras lógicas

15 Característica do professor que investe no cumprimento das prerrogativas de sua função, exercendo todas as etapas necessárias para ensinar e ainda ousa no desenvolvimento de práticas docentes inovadoras.

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esportivas, uma vez que os esportes de invasão, que estão mais presentes na escola, já haviam sido representados nas intervenções anteriores. Assim, a classificação dos esportes que empolgou por mostrar diversidade, passou a ser um “problema”, pois sair do “tradicional” passou a inquietar... Uma das dificuldades foi justamente a escolha de subtemas relativos aos esportes “sem interação direta com oponente”.

Esses dilemas ocorrem, inclusive, na atuação cotidiana de professores já formados, ou seja,

quando não há clareza do que ensinar, não se consegue definir a forma de ensinar e tampouco a forma de avaliar. A fala de uma professora supervisora participante da pesquisa revela que “tratar com os alunos, na escola, de questões teóricas não era um problema para ela, mas tratar da parte prática do ensino dos esportes se constituía de fato um problema”.

Quando há esse dilema, a tendência é que se repitam práticas tradicionais em termos de

conteúdos e procedimentos, sem avançar em proposições de ampliação de saberes, consideração das dimensões do conteúdo e métodos de ensino que considerem os participantes do processo de ensino-aprendizagem como ativos e engajados (ALMEIDA; FENSTERSEIFER, 2006).

A partir dessas constatações, a proposições foram: a) compreender melhor o que é

conteúdo e suas dimensões; b) aprender sobre a estrutura interna (de conteúdos) de práticas esportivas não tradicionais no contexto escolar; c) compreender melhor sobre possibilidades metodológicas de ensino dos esportes.

O quadro analítico a seguir demonstra, de maneira esquemática, o conteúdo discorrido ao

longo deste estudo. Quadro 1. Quadro analítico das questões que perpassaram o movimento de estudo dos grupos de acadêmicos e professores bolsistas do Pibid Questões problemas Possíveis causas Encaminhamentos Desdobramentos Desconhecimento da variedade de lógicas esportivas.

Pouca vivência escolar de Educação Física. Falta de vivência esportiva no cotidiano de vida. Não ter cursado disciplinas específicas de Esporte no curso de Educação Física.

Estudo das lógicas esportivas a partir da classificação de González e Bracht (2012). Pesquisa sobre diversos esportes. Planejamento e testagem de oficinas temáticas de ensino dos esportes. Planejamento de intervenção na escola.

Ampliação de conhecimentos sobre lógicas esportivas. Ampliação de conhecimentos de possibilidades metodológicas para abordar esportes tradicionais e não tradicionais na realidade escolar.

Desconhecimento da estrutura de conteúdo.

Dificuldades de compreensão do é conteúdo. Confundir conteúdo com atividade.

Estudo sobre o que é conteúdo. Estudo dos princípios de planejamento, conteúdo e público-alvo.

Planejamentos melhor estruturados. Planejamentos de prazo maior. Maior capacidade de verificar aprendizagens.

Dualidade do método de ensino: técnico/lúdico.

Assimilação de compreensões contrárias ao ensino da técnica e de supervalorização do lúdico como elemento fundamental do contexto de aula. Desconhecimento de métodos diversificados para o ensino dos esportes.

Estudo sobre experiências diversificadas no ensino dos esportes.

Compreender a relação objetivo-conteúdo e método, apropriando-se de princípios para melhorar o ensino. Variações nas formas de ensinar. Maior versatilidade para compreender a lógica de modalidades esportivas e adequar pedagogicamente o ensino, como o local de

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prática, materiais e público-alvo.

Fonte: dados da pesquisa (2014/2015).

Considerações finais

O modelo de formação docente proposto pelo projeto Pibid e o formato do subprojeto de Educação Física da Urca, relatados com alguns desdobramentos, rompem com a ideia da formação “aplicacionista”, reduzindo a dicotomia entre teoria e prática. A interação do acadêmico nesse processo requer mobilização e postura mais ativa, reconhecendo o locus de intervenção como espaço gerador de confrontos, que geram temas de estudo, novos posicionamentos e fazeres... Tratados de forma coletiva, levam à antecipação das questões que adentram as salas de aula das disciplinas do curso de graduação, enriquecendo o processo de ensino-aprendizagem.

A interpretação e compreensão do processo relatado embasam novas proposições e a

qualidade das intervenções junto aos acadêmicos do projeto Pibid. Referências ALMEIDA, L.; FENSTERSEIFER, P. E. O que ensinar e aprender nas aulas de educação física na escola? Lecturas, educación física y deportes. Revista digital. Buenos Aires, año 11, nº 102, 2006. BRACHT, V. Esporte na escola e esporte de rendimento. Revista Movimento, ano VI, n. 12, 2000/1. DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2005. FENSTERSEIFER, P. E.; SILVA, M. A. Ensaiando o “novo” em Educação Física escolar: a perspectiva de seus atores. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Florianópolis, v. 33, n. 1, p. 119-134, jan/mar. 2001. GONZÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. Entre o “não mais” e o “ainda não”: pensando saídas do não-lugar da EF escolar I. Caderno de Formação RBCE, 1, p. 9-24, 2009. ______; BRACHT, V. Metodologia do ensino dos esportes coletivos. Vitória: UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2012. ______; FRAGA, A. B. Afazeres da Educação Física na escola: planejar, ensinar, partilhar. Erechim, RS: Edelbra, 2012. ______; ______ (Orgs.). Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: linguagens, códigos e suas tecnologias. Porto Alegre: Secretaria Estadual da Educação do RS, v. 2, p. 113-181, 2009. SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Trad. Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2000. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2011. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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O PROFESSOR/ MILITANTE DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: A IGREJA COMO ALIADA

Paulo Vitor de Souza Pinto16 Adriana Penna17

Resumo O presente artigo, trata da importância da Igreja Católica como aliada no processo histórico de permanente construção da educação brasileira, desde o Concilio Vaticano II e os movimentos sociais de luta pela terra, até a formação de uma consciência critica através da educação, como meio de libertação. Palavras chave: Igreja, educação, Libertação. Resumen Este artículo trata sobre La importancia de La Iglesia Católica como un aliado em el proceso histórico de construcción en curso de la educación brasileña desde el Concilio Vaticano II y los movimentos sociales de lucha por latierra, hasta la formación de una conciencia crítica a través de la educación, como medio de la liberación. Palabras clave: iglesia, la educación, la Liberación. Introdução

Desde a chegada dos portugueses no Brasil, a igreja tem tido grande colaboração no

processo de construção da educação. O objetivo deste artigo, é o aggiornamento18da importância da igreja no processo educacional brasileiro, para as salas de aula dos cursos de licenciatura, em especifico os cursos que se orientam às camadas populares da sociedade, muitas vezes marginalizadas pelo sistema hegemônico opressor.

Considerando a importância da Igreja Católica, não somente no processo de construção da educação brasileira, mas de igual forma, como mediadora de inúmeras lutas sociais, e corresponsável, na formação de uma consciência crítica junto aos movimentos sociais populares, o presente artigo, se faz necessário, afim de tornar atual os fatos históricos que os unem. Para se compreender a importância da comunidade eclesial, no processo educacional brasileiro, e suas contribuições, junto aos movimentos sociais, na construção de uma consciência crítica, por meio da militância, se faz máster retroceder à história do Brasil.

Atualmente, muito vem sido pesquisado sobre a educação no Brasil, Maria Stephanou, vai definir a área da educação como “um tema de vigorosas publicações”. Observar a historicidade do “continuo processo” educacional brasileiro, não é buscar no passado, soluções, métodos, ou formas de se ensinar, é refletir sobre o que é a educação hoje.

A memória é uma espécie de caleidoscópio composto por vivências, espaços e lugares, tempos pessoas, sentimentos, percepções/ sensações, objetos, sons e silêncios, aromas e sabores, texturas, formas. Movemos tudo isso incessantemente e a cada movimento do caleidoscópio a imagem é diversa, não se repete, há infinitas combinações, assim como, a cada presente,

16 Licenciando do curso Interdisciplinar de educação no Campo, da Universidade Federal Fluminense- UFF,do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior INFES. 17 Professora adjunta da Universidade Federal Fluminense, Campus Santo Antônio de Pádua no curso de pedagogia e Ed. Do Campo. Doutora em Serviço Social pela UERJ 2011 18Aggiornamento é um termo italiano, que significa "atualização". Esta palavra foi a orientação chave dada como objetivo para o Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII em 1962. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aggiornamento acessado em: 12 de fevereiro de 2017

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ressignificamos nossa vida. Esse ressignificador consiste em nossos atos de lembrar e esquecer, pois é isso a memória, os atos de lembrar e esquecer a partir das evocações do presente. (STEPHANOU; 2011, p.420)

Neste artigo, pretendo não trabalhar a Igreja, como instituição divina na terra, mas sim

como instituições concretas, formada por homens e mulheres, que caminham juntos no “permanente continuo processo” de construção da educação brasileira. (Chabalgoity, 2015) A educação jesuítica

A primeira presença da Igreja, na educação brasileira se deu no período colonial, onde a educação escolar estava a cargo dos jesuítas.19Por sua vez, a educação, passou a ser a principal tarefa dos jesuítas. A expansão dos colégios, administrados pela companhia de Jesus, obteveêxito devido a gratuidade do ensino, contabilizando no final do século XVI um total de 372 colégios. (Ghiraldelli, 2009)

A educação brasileira teve seu início propriamente dito com o fim do regime de capitanias. O Brasil ficou sob o regime e capitanias hereditárias entre 1532 e 1549. Tal regime terminou quando D. João III criou o Governo Geral. Na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o Padre Manoel da Nóbrega e dois outros jesuítas. Eles foram nossos primeiros professores. (GHIRALDELLI, 2009, p.24)

De fato, é incontestável que a educação jesuítica, a qual nos referimos anteriormente, foi

carregada de ideologia e interesses da Igreja Católica20, que muitas das vezes se deram pelo processo de transculturação.21Entretanto, a presença da igreja na educação foi de suma importância para a colônia, se nós levarmos em consideração a decadência do sistema educacional, pós a expulsão dos jesuítas do Brasil.

Inúmeras foram as dificuldades daí decorrentes para o sistema educacional. Da expulsão até as primeiras providências para a substituição dos educadores e do sistema jesuítico transcorreu um lapso de 13 anos. Com a expulsão desmantelou-se toda estrutura administrativa de ensino. A uniformidade da ação pedagógica, a perfeita transição de um nível escolar para outro, a graduação, foram substituídas pela diversificação das disciplinas isoladas. Leigos começaram a ser introduzidos no ensino e o Estado assumiu, pela primeira vez, os encargos da educação. ROMANELI, 1991, p.36)

Por sua vez, pode-se considerar essa primeira inserção da igreja na educação, como sendo

crucial para a historiografia da educação brasileira, já que os professores que passariam a atuar no lugar dos jesuítas, eram frutos dos mesmos. A igreja e os movimentos sociais: educação em busca da libertação.

Desde o período colonial, a questão agraria esteve entranhada na nossa história. A igreja

assim como na educação, também esteve presente, entretanto, a igreja que agora nos referimos, é

19 Aos jesuítas coube, praticamente, o monopólio do ensino escolar no Brasil durante um tempo razoável. Algo em torno de duzentos anos. Durante esse tempo, eles fundaram vários colégios com vista à formação de religiosos. Ainda que os filhos da elite da colônia não quisessem, todos eles, se tornarem padres, tinham de se submeter a tal ensino. Eram os únicos colégios existentes. (GHIRALDELLI, 2009,P.25) 20 O ensino que os padres jesuítas ministravam era completamente alheio à realidade da vida da Colônia. Desinteressado, destinado a dar cultura geral básica, sem preocupação de qualificar para o trabalho. (ROMANELI, 1991, p.34) 21 Transculturação: trata-se de uma aculturação forçada (por violência física ou simbólica) como a que sofreram os indígenas ameríndios sob o impacto da conquista e da expansão do sistema cristão imperante na Espanha e em Portugal. (BOFF, 1990, p.24)

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uma igreja pós-conciliar (1965), e que está embebida de ideias socialistas, que a partir de agora chamaremos de Teologia da Libertação.22

A fim de cumprir o objetivo deste trabalho, daremos um salto na história, e trabalharemos

a partir da década de 1950, ano este, que foi publicado o documento “conosco, sem nós ou contra nós se fará à reforma rural”.23

Este documento descreve a situação de pobreza a que os camponeses estavam submetidos e incita a Igreja para que ela lidere um grande movimento para melhorar a vida destes trabalhadores, pois, do contrário, estas pessoas poderiam ser “vítimas de revolucionários” (BALDUÍNO, 2006 apud NETO, sd. p.2)

Em 1960, a CNBB24 e o Governo, se unem e dão origem ao Movimento de Educação de

Bases (MEB)25, promovendo a criação de escolas radiofônicas, que aturam via emissoras católicas.26 (Leal, sd.)

Também foram importantes para a formação mais crítica dos trabalhadores no Cariri a Ação Católica Especializada e as aulas radiofônicas promovidas pela diocese. A Diocese era afiliada ao Movimento de Educação de Base, MEB, que seguia a pedagogia de Freire para a qual educação e conscientização andavam juntas. (ALBUQUERQUE 2012)

A presença da Igreja, nas lutas dos homens e mulheres do campo, é um fato incontestável.

Porém, deve-se levar em consideração de que Igreja a qual estamos nos referindo agora, ainda é uma igreja conciliar, que apresentava posturas incoerentes, como o apoio ao golpe de 1964

Mas no seio da hierarquia da Igreja Católica havia o medo do comunismo, o que levou a que diversos setores conservadores desta Igreja, inclusive através de documento oficial da CNBB, apoiassem o “Golpe Militar de 1964”. ( NETO, sd. p.3) Também a Igreja Católica, através de documentos da CNBB, passa a fazer críticas ao modelo ditatorial em vigor e assume a defesa de diversas lutas populares, entre elas a defesa da reforma agrária. Se em 1964, a cúpula da Igreja católica apoiava o golpe militar que, na avaliação desta cúpula, teria salvado o Brasil do comunismo, gradativamente, começa a se afastar dos governos

22A teologia da libertação não é a origem do cristianismo radical, mas sim, como insistem os próprios teólogos, o produto, o resultado de toda uma prática, de uma experiência anterior - a começar pela JUC brasileira de 1960-62. Segundo Clodovis Boff, "antes de a Teologia da Libertação (TdL) ter despontado, no final dos anos 60, já havia na Igreja da América Latina toda uma praxis libertadora. Antes do teólogo da libertação tivemos o bispo profético, o leigo comprometido e comunidades libertadoras. Isso já é principalmente nos inícios dos anos 60. A teologia, portanto, veio num segundo momento, E veio como expressão desta prática libertadora da Igreja. Isto significa que a TdL é a teologia de uma Igreja de libertação, de uma Igreja que opta preferencial e solidariamente pelos pobres.(LÖWY 1989) 23 Em setembro de 1950, a Igreja Católica torna público o seu primeiro documento discutindo a questão da terra no Brasil. Foi um documento elaborado por Dom. Inocêncio Engelke –Bispo de campanha- MG- e apresentada na Primeira Semana Ruralista. (NETO, sd. p.2) 24 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. (LEAL, sd. p.18) 25o Movimento de Educação de Base foi organizado segundo um modelo de um “sistema”, envolvendo professores, supervisores, locutores e pessoal responsável pela preparação e transmissão de programas, através das emissoras das dioceses locais e da composição de classes. (LEAL, sd. p.18-19) 26A Educação para Libertação de Paulo Freire, a Ação Católica Especializada, o Movimento de Educação de Base e a Ideologia do Desenvolvimento de Comunidades, são elementos para uma compreensão de Igreja diferente daquela dos anos de 1950, uma Igreja apartada da sociedade e da situação em que vivem as populações trabalhadoras. Uma Igreja que estava preocupada unicamente com a salvação dos indivíduos e que via na história apenas a realização da vontade divina, se era vontade divina não tinha como intervir, mas apenas consolar e conformar os pobres por sua situação objetiva de miséria, carência e pobreza. (ALBUQUERQUE 2012)

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militares e, impulsionada pela Conferência de Medellín, passa a realizar críticas aos governos militares. (NETO, sd. p.4b)

Por sua vez, foi em meio a perseguição do Estado, a qualquer grupo social, com

perspectiva socializante, como as “Ligas Camponesas”, em que a Igreja, viu a necessidade e a oportunidade de agir com e em favor dos mais necessitados, mobilizando os leigos da Juventude Agraria Católica (JAC) e o Movimento de Educação de Base (MEB), em uma luta em defesa da reforma agrária.27 (Souza 2004)

a simples menção da defesa da reforma agrária pelos movimentos de trabalhadores já era considerada, pelos militares, uma proposta “comunista”, que colocava em risco o “direito de propriedade”. Assim, abateu-se sobre as organizações de trabalhadores do campo uma forte repressão, com a intervenções em sindicatos, Federações, Confederações e nas Ligas Camponesas. O movimento sindical conseguiu sobreviver à ditadura através de políticas negociadas e possíveis para o momento, principalmente por parte da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG-. (NETO, sd. p.4a)

A massificação dessa militância, dos movimentos sociais, se dá após a reunião dos Bispos

Latino-americanos em Medelín (1963), onde o pobre passa a ser protagonista na vida da igreja e da sociedade, onde se afirma, a “opção preferencial pelos pobres”, garantindo assim a vida das CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base)

Neste novo quadro, em 1971, Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, divulga documento colocando a Igreja ao lado dos trabalhadores do campo. Em 1973, Dom José Maria Pires, Bispo de João Pessoa e Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, divulgam documento de apoio aos trabalhadores do campo. Os apoios passam a crescer e a cúpula da Igreja é instada a se posicionar. Assim, em 1975, em Goiânia, é realizado um Encontro de Bispos e prelados da Amazônia. Este Encontro é de fundamental importância, pois é aprovado um documento apoiando a criação de uma “Comissão de Terras”, ligado a CNBB (BALDUÍNO, 2006) apud (NETO, s.d.p.5)

É a partir desse contexto, que nasce a Comissão Pastoral da Terra (CPT)28. Já em 1971, é

divulgado por Dom Pedro Casadáliga, o documento “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social” que une a Igreja aos trabalhadores do campo. Nesta mesma interface, os bispos do nordeste em 1973 Dom José Maria Pires, Bispo de João Pessoa e Dom Antônio Fragoso, Bispo de Crateús, divulgam o documento “Ouvi os clamores do meu povo”, que de igual forma apoia os trabalhadores do campo, é quando a CNBB, se vê obrigada a partir do encontro dos bispos e prelados da Amazônia, nasce em 1980, um documento publicado pela CNBB , denominado “Igreja e os problemas da terra”29. (BALDUÍNO, 2006) apud (Neto, sd. p.5) & (JUNIOR s.d.)30

Por sua vez, a CPT, teve grande importância na organização dos trabalhadores rurais sem-terra, sendo possível afirmar, segundo Cardoso, que o MST teve sua formação devida, entre outros

27 Nos vinte anos seguintes do regime militar (1964-1985), quando se fecharam no país lugares de articulação política, sindical e social, a Igreja foi um espaço de relativa liberdade de organização e de ação. A CNBB e alguns bispos foram, o que se chamou depois, “a voz dos sem voz”. Nesses anos surgiram a Comissão da Pastoral da Terra (CPT) e o Conselho Indigenista Missioná- rio (Cimi) e se desenvolveram a pastoral operária e as pastorais de juventude. (SOUZA 2004, p.81) 28 Reconhecida pela CNBB e com hegemonia católica que, defendendo a reforma agrária, articulando as Pastorais Rurais e encontros de trabalhadores e assessores, publicando cartilhas e denunciando a violência no campo, firmou-se como uma instituição de apoio aos movimentos sociais do campo. (NETO, s.d. p.5) 29 Este documento analisa e denuncia os resultados do desenvolvimento capitalista no campo brasileiro. (JUNIOR s.d.) 30Texto adaptado pelo autor, com base nas referências supracitadas.

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elementos às ações da CPT. Para ADRIANCE, “há pelo menos duas razões importantes para o estudo do relacionamento da religião com a militância social em áreas rurais: 1- A terra é uma questão fundamental no terceiro mundo; 2- Nas zonas rurais, o relacionamento entre religião e militância é muito mais evidente.”

Com os movimentos sociais e os movimentos eclesiais de base, imbuídos do espirito do Vaticano II , do Documento de Medelín e Puebla, vê-se necessário contrapor o trabalhador do campo e as realidades abarcadas pelos mesmos, cada um em sua peculiaridade, mas sem desprezar o todo. Essa contraposição entre o trabalhador e os aspectos políticos, eram realizadas em encontros regionais, onde em comunidade, se fazia conhecer que a realidade em que viviam era opressora, e onde criavam a consciência de que esta realidade deveria ser combatida pelos próprios homens do campo. A igreja, reconhece o seu papel na formação da criticidade do homem do campo, desta vez, não como nos anos 1930 com a liga católica, mas desta vez, formar homens e mulheres com uma consciência política em busca de, uma justiça social.31 (Albuquerque, 2012)

Por sua vez, é a partir do Concilio Vaticano II, que a Igreja na américa latina, assumirá a postura de auxiliar os movimentos sociais, na luta por seus ideais e na construção da educação popular. A educação popular, segundo Paulo Freire “ é o processo permanente de refletir a militância”32. A pratica educativa por sua vez, torna-se uma pratica politica, sendo assim uma ferramenta para os movimentos sociais, já que a educação popular, pode ser vista como facilitadora da compreensão cientifica, segundo Paulo Freire.

Tendo a educação, como premissa, para a reflexão do sujeito do campo ante à dura realidade a qual está sujeito, está se torna sua ferramenta de libertação, capaz de livra-los das garras do sistema hegemônico opressor. Entretanto essa educação não se pode resumir a uma mera reprodução, de conhecimentos empíricos, baseados no senso comum e disseminados dentro da comunidade, deve-se ser analisado de maneira crítica, afim de construir um raciocínio crítico para que o grupo social possa ter condições de garantir suas demandas.

Por fim, podemos concluir, que, a historiografia da educação brasileira, a formação da consciência crítica pela educação popular, perpassaram diretamente pela igreja, sendo impossível refletir sobre tal temática desconsiderando os fatos históricos que perpassaram o mesmo. Referências ADRIANCE, Madeleine Cousineau. Terra prometida: as comunidades eclesiais de base e os conflitos rurais. São Paulo: Paulinas, 1996. ALBUQUERQUE, Ronaldo de Figueredo e. “A IGREJA CATÓLICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA.” Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 16 de agosto de 2012. BOFF, Leonardo. Nova Evangelização perspectiva dos oprimidos. Ceara: Vozes, 1990. CHABALGOITY, Diego. Ontologia do oprimido: construção do pensamento filosofico em Paulo Freire. Jundiaí: paco, 2015. CORSO, João Carlos. “HERDEIROS DA TERRA PROMETIDA: DISCURSOS, PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA E DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NAS DÉCADAS DE 1980/1990.” Curitiba: Setor de Ciências Humanas,Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná., 2012. 253.

31 A LEC analisava os candidatos a postos eleitorais, a partir de alguns princípios ou exigências que julgava indispensáveis para os interesses da Igreja (indissolubilidade do matrimônio, ensino religioso nas escolas...) e recomendava ou vetava esses candidatos. Isso provocou muitas reações na sociedade, com críticas à ingerência da Igreja na vida partidária. E na mesma Igreja começou um debate sobre se não seria mais apropriada a presença na política numa dimensão mais ampla do que a eleitoral, em função do bem comum da sociedade e a partir de alguns princípios e valores universais.(SOUZA 2004 p.84) 32 FREIRE, 2015, p.24

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CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOCENTE: EXPECTATIVA INICIAL

E PERCEPÇÃO FINAL DOS ACADÊMICOS (AS) NA DISCIPLINA DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM GESTÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA-UEPG33

Rayane Regina S. Gasparelo34 Cristiane Aparecida Woytichoski de Santa Clara35

Resumo A presente pesquisa surgiu a partir do acompanhamento da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica I. O estágio faz parte dos cursos de formação docente, com o objetivo de estabelecer relações entre a prática escolar e as disciplinas do curso, num processo reflexivo. Trata-se, de acordo com a grade curricular, de uma atividade obrigatória, realizado pelos acadêmicos no terceiro ano de graduação em Pedagogia na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Sob a perspectiva do estágio como pesquisa proposto por Pimenta e Lima (2004), os acadêmicos (as) são inseridos nas instituições de Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental para investigar a realidade escolar na perspectiva da gestão educacional. Assim, num primeiro momento buscam estudar as concepções educacionais e objetivos vigentes na gestão, com vistas à problematização das práticas administrativas, pedagógicas e comunitárias que observam nas instituições; a seguir elaboram e desenvolvem projetos de intervenção no espaço escolar, e ao final realizam a análise crítico-reflexiva do processo de estágio vivenciado. Portanto, a preocupação central é o desenvolvimento do estágio como uma atitude investigativa, que envolve a reflexão e a intervenção no cotidiano da instituição educativa. Neste estudo, procuramos sistematizar a expectativa inicial e a percepção final que os alunos demonstraram com o processo de inserção e vivencias no campo de estágio. Verificamos que no início de todo o processo na concepção dos alunos o estágio seria a parte prática do curso, no qual a partir de observações poderiam construir suas próprias práticas, num processo de reelaboração de modelos. No entanto, durante o período os mesmos foram construindo uma nova postura e percebendo o estágio como um momento que caminha para reflexão, a partir da realidade, ou seja, o estágio como uma atividade teórica instrumentalizadora da práxis. Palavras-chave: Concepções de Estágio; Formação Docente; Pesquisa. Summary The present research arose from the monitoring of the course of Curricular Internship Supervised Management in the Basic Education I. The internship is part of the courses of teacher training, with the goal of establishing relationships between the school practice and the disciplines of the course, in a reflection process. This is in accordance with the curriculum, a binding activity, carried out by academics in the third year of graduate studies in Pedagogy at the State University of Ponta Grossa. Under the perspective of the stage as the research proposed by Pimenta and Lima (2004), academics (the) are inserted in institutions of early Childhood Education and the Initial Years of Elementary School to investigate the school reality in the perspective of educational management. Thus, in a first time seek to study the concepts and educational objectives in force in the management, with views to the problematization of the practices of the administrative, pedagogical and community that they observe in the institutions; then devise and develop intervention projects in the school space, and at the end perform the analysis of critical-reflective process of the internship experience. Therefore, the central concern is the development of the internship as an attitude of research that involves reflection and intervention in the daily life of the educational institution. In this study, we seek to systematize the initial expectation and the perception of the end that the students demonstrated with the insertion process and experiences in the field internship. We found that at the beginning of the whole process in the design of the students the internship would be the practical part of the course, in which the observations could build their own practices in a process of re-elaboration of models. However, during the period they were building a new position and realizing the internship as a time that

33 Parte deste ensaio foi apresentado no XVIII ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino – 2016. 34 Doutoranda em Educação – LAGE (Laboratório em Gestão Educacional)/UNICAMP. 35 Doutoranda em Educação – PPGE/UEPG. Docente na Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.

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walks to the reflection from the reality, that is, the stage as a theoretical activity instrumentalizadora of the practice. Keywords: Conceptions of the Internship; Teacher Training; Research.

Introdução

Conforme o Projeto-Político-Pedagógico do curso de Licenciatura em Pedagogia -

Docência na Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Gestão na Educação Básica da UEPG, o Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica I se constitui em uma das disciplinas desenvolvidas no terceiro ano, que tem como objetivo a inserção do acadêmico no contexto de trabalho da gestão escolar na Educação Infantil ou nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, prevendo situações de estágio fundamentadas em discussões e análises teóricas com o intuito de que o aluno reconheça a importância da atuação do pedagogo na gestão da escola enquanto profissional que pesquisa e reflete sobre sua prática profissional, produzindo e disseminando conhecimentos.

Para tanto, o este estágio prevê atividades de observação e participação (que ocorrem

concomitantemente) do acadêmico-estagiário no trabalho desenvolvido pela equipe gestora da escola (pedagogo, coordenação pedagógica, direção) e também intervenções na escola-campo de estágio junto aos professores, alunos e pais a partir de uma temática pertinente às problemáticas vivenciadas pela/na escola de Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Enquanto pedagogo em formação, as atividades desenvolvidas no estágio em gestão serão

desenvolvidas prevendo a observação e reflexão sobre a prática dos profissionais que atuam na gestão da educação básica com o objetivo de oportunizar ao acadêmico experiências significativas no espaço da gestão pedagógica, administrativa e comunitária das instituições escolares. Caminho metodológico

Este estudo caracteriza-se de cunho qualitativo, conduzido por meio da pesquisa

documental. O documento que recorremos para análise foi o diário de bordo que cada acadêmico registrou suas observações no campo de estágio, no ano de 2015.

Num universo de doze diários, dentre os muitos elementos que poderiam ser observados,

delimitamos a investigação para a concepção sobre o estágio para os alunos. Discussão e Resultados

Ao iniciar a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica

I, há muita ansiedade por parte dos acadêmicos para adentrar nos campos de estágios e conhecer a dinâmica cotidiana das instituições. No entanto, até a inserção no campo realizamos discussões pertinentes a gestão das escolas públicas, as atribuições do coordenador pedagógico, e definimos o registro das observações de campo no diário de bordo.

Nas principais discussões, evidenciamos a natureza política da gestão escolar

compreendendo-a [...] “como um processo político, de disputa de poder, explícita ou não, no qual as pessoas que agem na/sobre a escola pautam-se predominantemente pelos seus próprios olhares e interesses acerca de todos os passos desse processo.” Souza (2012, p. 159). Nesse sentido, a gestão é sempre um processo político, constituindo-se pela presença do diretor, coordenador/pedagogo, professores, alunos, pais dos alunos e demais funcionários.

Contudo, no dia-a-dia da instituição é o Pedagogo que articula todo o processo pedagógico.

Por essa incumbência, é priorizado durante o estágio que os (as) acadêmicos (as) acompanhem este profissional em sua rotina. Contudo, observando também os demais elementos que cercam toda dinâmica educacional.

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Pimenta (2002) destaca que nas práticas docentes estão contidos elementos extremamente

importantes, como a problematização, a intencionalidade, a experimentação metodológica, o enfrentamento de situações complexas de ensino, tentativas ricas e sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não estão configurada teoricamente. Estas, quando analisada e refletida em sua totalidade, contribuirá tanto à elaboração teórica, quanto ao revigoramento e o engendrar de novas práticas, construindo novos saberes pedagógicos: da prática e para a prática.

Por meio do diário e conhecendo as muitas atribuições do coordenador pedagógico,

apontadas por Libâneo (2003), que são: responder por todas as atividades pedagógico-didáticas da escola; desenvolver instrumentos para diagnóstico da escola e realização de projeto; articular a discussão do PPP entre os docentes; auxiliar os professores nos PTD, materiais de apoio e práticas de avaliação; acompanhar o desenvolvimento das atividades dos professores; coordenar reuniões com os professores, estimulando a realização de projetos conjuntos entre eles; organizar horários, turmas e professores para cada turma; propor atividades de formação continuada e de desenvolvimento profissional dos docentes; articular atividades com pais e comunidade; acompanhar o processo avaliativo (procedimentos, resultados e formas de superação dos problemas; cuidar a avaliação do corpo docente; acompanhar e avaliar o PPP, foram problematizadas diversas situações, direcionando o olhar dos alunos, para além das questões aparentes e naturalizadas, pois muitas das dificuldades da sala de aula ou da escola como um todo, são influenciadas por condicionantes externos, sejam políticos ou econômicos.

Nesse sentido, ao desvelar os saberes docentes, suas características e tipologias é possível

encontrar nuances a respeito dos modos de trabalho dos professores, além de outras formas de conceber a prática, o ensino e os papéis e funções da educação escolar.

Nesse princípio, Nóvoa (1992) assegura que a formação não se constrói por acumulação de

cursos, de conhecimentos ou técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexão crítica sobre práticas e de (re)construção constante de uma identidade pessoal e profissional. É aí que ganham importância na formação de professores os processos de reflexão sobre a própria prática e do desenvolvimento das habilidades de pesquisa da prática.

No movimento de análise e problematização das práticas escolares, no diário dos

acadêmicos ou nas discussões individuais (professor e aluno) e coletivas, tínhamos como objetivo principal a superação da dicotomia entre a teoria e a prática, bem como oferecer condições para a proposição de novas experiências para transformação da realidade. Nesse processo, [...] “os professores orientadores de estágio procedem, no coletivo, junto a seus pares e alunos, a essa apropriação da realidade, para analisá-la e questioná-la criticamente, à luz das teorias”. (PIMENTA E LIMA, 2004, p. 45)

Portanto, o estágio torna-se um momento propício para questionar as práticas

institucionalizadas e as ações dos sujeitos; construir a práxis docente e propor novas experiências na realidade escolar.

A práxis, compreendida então como atividade social transformadora, de acordo com

Vázquez (1968), é uma atividade conscientemente orientada, o que implica não apenas as dimensões objetivas, mas também subjetivas da atividade. Isso quer dizer, a práxis não é apenas atividade social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de objetos, de instrumentos, de tecnologias; é atividade transformadora também com relação ao próprio homem que, na mesma medida em que atua sob a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo.

Vázquez (1968) esclarece que práxis é uma atitude teórico-prática. Prática, na medida em

que a teoria, como guia de ação molda a atividade do homem; e teórica, na medida em que essa relação é consciente. Logo, teoria e prática não são campos em oposição, e sim campos que tem

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relação de complementaridade e interdependência. Por esse viés, o estágio como pesquisa ganha solidez, tornando-se segundo Pimenta e Lima (2008), a perspectiva que busca superar a dicotomia entre atividade teórica e atividade prática.

No entanto, embora esse concepção de estágio, discutida desde o início do anos 90 nos

escritos de Pimenta de Golçalvez (1990), e bem definida36 no início da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica I, percebemos nos registros dos diários que a expectativa dos alunos, inicialmente, seria que o estágio fosse a parte prática do curso. Descrições como: “eu acreditava que o estágio fosse como um treinamento para futuramente exercer a profissão”; “uma oportunidade de sairmos da teoria e partirmos para observar o que realmente acontece na prática”; minha expectativa inicial do estágio em gestão era ver quais as funções que o pedagogo exerce na escola”, exemplificam a definição de estágio como o momento prático em contraposição à teoria.

Nessa perspectiva,

[...] a atividade de estágio fica reduzida à hora da prática, ao como fazer, às técnicas a ser empregada em sala de aula, ao desenvolvimento de habilidades especificas do manejo de classe, ao preenchimento de fichas de observação, diagramas, fluxogramas. As oficinas pedagógicas que trabalham com a confecção e material didático ilustram essa perspectiva. (PIMENTA E LIMA, 2004, p. 9)

Essa compreensão retrata exatamente dois sentidos opostos à compreensão do estágio

como pesquisa que permite conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade. Estes, de acordo com Pimenta e Lima (2004), são: a prática como imitação de modelo e a prática como instrumentalização técnica.

Tais perspectivas estão ligadas à uma concepção de não valorização da formação intelectual

do professor, gerando o conformismo de hábitos, ideias, valores, comportamentos pessoais e sociais legitimados pela cultura institucional dominante. A imitação de modelos consagrados tradicionalmente como mais eficientes não conduz à uma análise crítica fundamentada teoricamente e legitimada na realidade social em que o ensino se processa.

Para Lüdke (2010), o estágio supervisionado está situado justamente na intersecção entre a

universidade e as escolas de educação básica, e deve possibilitar a articulação entre a dimensão teórica e a dimensão prática na formação do professor. Assim, como articulador dos saberes, implica que universidade e escola trabalhem em conjunto, compartilhando deveres e responsabilidades, em prol de objetivos comuns bem definidos. Dessa forma, ambas são beneficiadas. A universidade pode melhor preparar os futuros docentes para a realidade das escolas, formando-os no contexto de trabalho; e as escolas, ao propiciar a realização do estágio, recebem novas ideias e novos desafios, impulsionando o desenvolvimento profissional dos professores que já estão na escola.

Visando superar estes dois eixos que caracteriza a profissão como atividade técnica que

dispensa os conhecimentos científicos, verificamos ainda que dentre as atribuições e os condicionantes na organização do trabalho pedagógico, a fragilidade mais evidente nos campos de estágio encontrava-se relacionada ao coordenador contribuir para o desenvolvimento profissional dos docentes. Para Domingues (2009) a função primordial do coordenador é organizar e propiciar espaços de formação contínua, nos quais os professores e professoras possam expor suas dificuldades e questionamentos e ter acesso a uma teoria que se mostra necessária a reflexão sobre a prática, estabelecendo um diálogo entre ela e o conhecimento pedagógico existente. Nesse viés, o coordenador pedagógico estará corroborando para o aperfeiçoamento, avanço profissional e para o

36 Após a apresentação da ementa da disciplina é proposto aos alunos o estudo e discussão do texto ‘Estágio: diferentes concepções”, de Pimenta e Lima (2004).

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fortalecimento de dignidade profissional dos docentes, valorizando os saberes e experiências do contexto educativo.

Após o diagnóstico de campo, definiu-se a perspectiva da formação contínua centrada na

escola para organização das intervenções. A proposta de formação centrada na escola é também defendida por Imbernón (2009).

Para o autor, repensar a formação próxima do contexto contribui significativamente para a construção da identidade docente e potencializa uma nova cultura formativa, recuperando o protagonismo dos docentes, sua criatividade, capacidade de mudança e autonomia docente.

Embora, Franco (2016) aponte que coordenadores e diretores encontram-se aflitos e

exaustos com o pouco espaço para planejamento, consequência das tarefas burocráticas solicitadas pelo sistema de ensino e de atividades cotidianas emergenciais, seja com pais, professores ou alunos, Paro (2011) defende que a equipe de gestão precisa trabalhar no coletivo e priorizar a organização de um trabalho planejado, para evitar se perderem no casual, imediato e espontaneísta. Isso requer profissionais com alta competência pedagógica e sólida formação política.

Desse ponto de vista, “[...] o desenvolvimento profissional caracteriza-se por uma atitude

permanente de indagação, de formulação de perguntas e problemas e a busca de suas soluções”. (VAILLANT; MARCELO, 2012, p. 167).

A noção de “desenvolvimento” pressupõe conceber a formação de professores como um

continuum, ou seja, formação inicial e formação continuada interconectadas num movimento de evolução e continuidade, analisando as causas e consequências da conduta docente e o conhecimento teórico-científico, pois “[...] não é suficiente ‘dar vozes aos professores’, é preciso que eles reflitam em que condições econômicas, políticas e sociais desenvolvem a profissão e que necessidades postas pelo capital exigem dos professores esta ou aquela postura”. (ALFERES, 2009, p. 25).

Nesse processo, Tardif (2002) considera de extrema relevância, na produção de saberes, a

interação entre a formação e a atuação profissional, pois “[...] se o professor é realmente um sujeito do conhecimento e um produtor de saberes, é preciso então reconhecê-lo como tal e dar-lhe um espaço nos dispositivos de pesquisa”. (TARDIF, 2002, p. 238).

Nesse viés, para o primeiro momento de intervenção na realidade escolar foi selecionado o

texto ‘Nada substitui o bom professor’ (NÓVOA, 2007), e organizado discussões a partir deste, com pequenos grupos de docentes na hora-atividade. Em linhas gerais o texto destaca três dilemas que atravessam as instituições e influenciam na configuração da identidade profissional: 1º- a escola centrada no aluno ou na aprendizagem?; 2º- a escola como comunidade ou como sociedade?; 3º- a escola como serviço ou como instituição?. Aborda ainda três desafios para o futuro: 1º- organizar melhor a profissão na escola; 2º formação centrada nas práticas e na análise destas e 3º- reconstruir a credibilidade da profissão. Portanto, o texto evidenciava o quão necessário são os momentos de formação contínua centrados na escola e as reflexões coletivas.

Após essa discussão, foi aplicado um questionário para os docentes responder se

consideram a formação continuada a partir de situações problemáticas do contexto como importante e quais temas seriam emergentes.

De posse desse instrumento, as próximas intervenções dos acadêmicos giraram em torno

das análises desses questionários, apresentação à escola e proposição de estudos a partir das temáticas evidenciadas pelos professores.

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Entendemos que o processo educativo é uma grande responsabilidade de todos os profissionais que atuam na escola. Nesse viés, Ferreira (2008) sobre o processo formativo, acredita na formação como fonte de vida37, ou seja,

[...] uma formação cuja concepção forneça os elementos que permitam superar os limites da consciência ingênua, limitadora e servil, uma formação que possa permitir sacudir a certeza do mundo comum e da realidade fetichizada de todos os dias ao indagar sobre a sua legitimidade e racionalidade. (FERREIRA, 2008, p. 52).

Para a autora, ao permitir que na formação continuada os docentes visualizem e

compreendam o descompasso entre o discurso sobre a democracia e as práticas de manipulação, utilitarismo, individualismo está se permitindo uma compreensão abrangente da realidade.

Diante desse percurso e encaminhando-se para a finalização do estágio, os registros em

diários foram se alterando. Identificamos um novo olhar acerca do processo formativo nas anotações dos alunos. Apontamentos como: “ser pedagogo não é uma fórmula pronta e acabada, e cada situação é necessário uma ação diferenciada”; “não há respostas corretas para cada dificuldade encontrada, é a partir da prática e de constantes reflexões que se pode entender e desenvolver uma boa ação”; “estar no ambiente escolar me fez refletir e entender muitas coisas que até então eu havia visto nos textos”; “no estágio pude fazer relações do cotidiano escolar com outras disciplinas do curso de pedagogia, como filosofia, psicologia, sociologia e perceber a importância das práticas educativas”, ilustram a mudança de concepção manifesta nas primeiras aulas e registros da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão na Educação Básica I.

Essa visão mais ampla e contextualizada do estágio indica, [...] “para além da

instrumentalização técnica da função docente, um profissional pensante, que vive num determinado espaço e num certo tempo histórico, capaz de vislumbrar o caráter coletivo e social da profissão”. (PIMENTA E LIMA, 2004, p. 15)

Por esse viés Ghedin, Oliveira e Almeida (2015), destacam que a ideia central é que, a

articulação do estágio como pesquisa constitui instrumento epistemológico-teórico-metodológico fundante de um modelo inovador da formação inicial como condição de desenvolvimento da autonomia intelectual, profissional e da identidade docente, tendo em vista a formação do professor-pesquisador crítico-reflexivo.

Tal perspectiva, implica possibilitar que os futuros professores compreendam a

complexidade das práticas institucionais e das ações aí praticadas por seu profissionais como alternativa no preparo para sua inserção profissional.

Nesse Processo, Pimenta e Lima (2008) esclarecem a importância do papel das teorias, em

iluminar e oferecer instrumentos para análise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade.

Assim, o estágio deixa de ser considerado apenas um dos componentes e mesmo um

apêndice do currículo e passa a integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de professores. Cabendo-lhe desenvolver atividades que possibilitem o conhecimento, a análise, a reflexão do trabalho docente, das ações docentes, nas instituições, a fim de compreendê-las em sua historicidade, identificar seus resultados, os impasses que apresenta, as dificuldades. Dessa análise crítica, à luz dos saberes disciplinares, é possível apontar as transformações necessárias no trabalho docente, nas instituições, e avançar.

37 A autora utiliza essa expressão por tratar de formação humana, referindo-se a formação inicial e continuada.

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Tal perspectiva favorece, de acordo com Pimenta e Lima (2012), aos acadêmicos oportunidade para desenvolverem postura e habilidades de pesquisador; possibilidade de formação e desenvolvimento tanto dos professores da escola na relação com os estagiários, como dos professores formadores, que precisarão rever suas certezas, concepções de ensinar e aprender, e seus modos de compreender, analisar e interpretar as atividades de estágio.

Considerações finais

A presente discussão teve como objetivo demonstrar a percepção dos acadêmicos frente ao

desenvolvimento do estágio. Em suma, o estágio como pesquisa na formação do pedagogo possibilita, de acordo com

Pimenta (2002) uma visão mais abrangente e contextualizada do estágio, para além da instrumentalização técnica da função docente, vislumbrando o caráter coletivo e social de sua profissão.

Por esse viés, compreendemos a partir e Ghedin, Oliveira e Almeida (2015), que o estágio é

um espaço privilegiado de questionamento e investigação sobre a função do professor, como ator e autor social, tanto na escola como na sociedade.

Tal perspectiva favorece aos acadêmicos oportunidade para desenvolverem postura e

habilidades de pesquisador; possibilidade de formação e desenvolvimento tanto dos professores da escola na relação com os estagiários, como dos professores formadores, que precisarão rever suas certezas, concepções de ensinar e aprender, e seus modos de compreender, analisar e interpretar as atividades de estágio.

Contudo, o estágio não pode sozinho ser responsável por realizar todas as articulações e

interlocuções de um curso de formação de professores; pode contribuir nesse processo, mas essa tarefa deve estar embutida em cada disciplina, no sentido de não perder de vista que a escola deve ser tomada como referência para a formação, resgatando-a como campo de atuação em todas as disciplinas, priorizando-se o processo de ação-reflexão. Referências Domingues, I. O coordenador pedagógico e o desafio da formação contínua do docente na escola. São Paulo: Cortez, 2009. FERREIRA, N. S. C. Formação humana, práxis e gestão do conhecimento. In: FERREIRA, N. S. C.; BITTENCOURT, A. B.(Orgs.). Formação humana e gestão da educação: a arte de pensar ameaçada. São Paulo: Cortez, 2008. p. 51-82. GHEDIN, Evandro, OLIVEIRA, Elisangela S. de; ALMEIDA, Whasgthon A. de Almeida. Estágio com pesquisa. São Paulo: Cortez, 2015. GONÇALVES, C.L.; PIMENTA, S.G. Revendo o ensino de 2º Grau, propondo a formação do professor. São Paulo: Cortez, 1990. IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. LIBÂNEO, J. C. et al. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: A. Nóvoa (org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Nova Enciclopédia, 1992. NOVOA, A. Nada substitui um bom professor. Disponível em: http://www.sinpro.org.br/noticias.asp?id_noticia=639. Acesso em: 8 de agosto de 2015. PIMENTA, S.G.; LIMA, M. S. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004. PIMENTA, Selma Garrido e GONÇALVES, Carlos Luiz. Revendo o ensino de 2º grau: propondo a formação de professores. (Coleção Magistério – 2º Grau). 2ª. Ed. rev.. Editora Cortez. SãoPaulo – SP. 1992. ______. (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 3ª. Ed.. Editora Cortez. São Paulo – SP. 2002. ______. Selma Garrido. (1943). O Estágio na formação de professores: unidade teoria e prática. 7ª. Ed.. Editora Cortez. São Paulo – SP. 2008. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, R.J.: Editora Vozes, 2002. VASQUEZ, A. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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AS MICROPOLÍTICAS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE

DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE/PR.: OPERACIONALIZAÇÃO E PERCEPÇÃO DOS PARTICIPANTES NA ÁREA DA GESTÃO ESCOLAR NO

CONTEXTO DA UNICENTRO/I38.39

Rayane Regina Scheidt Gasparelo40 Elisangela Chlebovski Martins41

Marisa Schneckenberg42 Resumo Este ensaio tem como objetivo evidenciar o processo de operacionalização, bem como a percepção dos sujeitos na implementação do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/Pr., no contexto da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO/I, considerando o período de 2007 a 2012. Mainardes (2006) descreve que o processo de traduzir políticas em práticas é quase como uma peça teatral, no qual tem-se as palavras do texto da peça, mas a realidade da peça ocorre quando os sujeitos a representam. Nesse viés, a percepção dos agentes que no contexto da prática realizam e participam da implantação de uma política, é importantíssima. Assim, a partir de entrevista semi-estruturada com diferentes atores envolvidos na efetivação do programa, pode-se coletar informações pertinentes para análise desta política de formação continuada para os docentes da rede pública estadual. Em síntese, percebeu-se a importância da ação dos indivíduos para influenciar, seja produzindo discursos concorrentes ou outras formas de mobilização, na produção e execução das políticas. No caso do PDE/Pr, as mudanças que ocorreram foram devidas as necessidades sentidas pelas turmas anteriores ou pelos novos ingressantes. Assim, percebemos que o contexto da prática dos agentes influencia à organização e adaptações na política, demonstrando que os mesmos não são passivos no seu desenvolvimento. Palavras-chave: Políticas públicas de educação; Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE/Pr.); Formação continuada. Summary This essay aims to highlight the process of implementation, as well as the perception of the subjects in the implementation of the Programme of Educational Development – PDE/Pr., in the context of the Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO/I, considering the period from 2007 to 2012. Mainardes (2006) describe that the process of translating policies into practice is almost like a theatrical piece, in which you have the words of the text of the play, but the reality of the play occurs when the subject represent. With this bias, the perception of the agents that in the

38 A UNICENTRO/I é a Universidade Estadual do Centro-Oeste, criada pelo Artigo 57 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Estado do Paraná, de 5 de outubro de 1989 e instalada em 1990, pela Lei nº 3.286. Ela surgiu da fusão de duas Faculdades: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava e a Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati. Instalada na região Central do Estado, a UNICENTRO conta com mais de cinquenta municípios em sua região de abrangência, compreendendo uma população de mais de 1 milhão de habitantes, para os quais oferece, além das oportunidades de formação superior, cursos de Graduação, Sequenciais e de Especialização, e uma variada gama de serviços que propiciam maior desenvolvimento regional. 39 Este estudo compõe a Dissertação de Mestrado em Educação, com o Título: POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA: O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL (PDE) NO ESTADO DO PARANÁ E A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DA GESTÃO ESCOLAR 40 Doutoranda em Educação – LAGE/UNICAMP. Docente na Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. 41 Mestre em Educação. Pedagoga da Rede de Ensino Municipal de Ponta Grossa. 42 Doutora em Educação. Docente do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação - UNICENTRO/Pr. Orientadora na linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, história e organização da educação – PPGE/UNICENTRO.

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context of the practice, perform and participate in the implementation of a policy, it is very important. So, from semi-structured interviews with different actors involved in the realization of the program, one can collect relevant information for analysis of this policy of continuing formation for teachers of state public schools. In summary, it realized the importance of the action of individuals to influence, or producing discourses competitors or other forms of mobilization, in the production and implementation of policies. In the case of the PDE/Pr, the changes that occurred were due to the needs felt by the previous groups or with the new students. Thus, we realize that the context of the practice of the agents influences the organisation and adaptations in policy, demonstrating that the same are not passive in their development. Keywords: Public policies of education; Program for Educational Development (PDE/Pr.); Continuing education. Introdução

A formação docente tem sido objeto de estudo desde os anos de 1940. Andaló (1995)

revela esse dado destacando que as questões relativas à educação começaram a ser problematizadas a partir do Decreto-Lei n. 580, de 30 de julho de 1938 (BRASIL, 1938), com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Dentre as atividades desenvolvidas por este, encontrava-se os cursos de orientação técnica, especialização e aperfeiçoamento direcionados aos serviços estaduais, municipais e privativos da educação.

Portanto, a preocupação com esse tema não é recente. A Revista Brasileira de Estudos

Pedagógicos editada pela INEP, segundo Andaló (1995), publicou entre os anos de 1944 a 1984, a maioria de artigos tematizando a formação dos docentes, os objetivos da educação, as qualidades para os educadores e as possibilidades de avaliar a formação docente. Já, sobre a formação continuada dos profissionais da educação, a publicação mais antiga é de 1961, a qual teve como objetivo de aferir a percepção dos docentes com relação aos cursos oferecidos pelo Ministério da Educação.

Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010) localizam, que por volta dos anos 60, e até os anos

90, a formação continuada dos docentes constituía-se como produto de consumo apenas para cumprir uma exigência social. Capacitações, reciclagens e treinamentos atendendo aos interesses de governantes e das reformas, traziam pouco ou nenhum resultado para o sucesso nas formas de organização escolar e do trabalho pedagógico, pois desconsideravam as características dos professores, suas necessidades e expectativas pessoais e profissionais, seus contextos de trabalho, bem como a cultura elaborada pela instituição escolar.

Esse indicativo, foi constatado por Andaló (1995) na pesquisa realizada em 1961. Os

resultados indicaram que os professores consideravam pouco satisfatórias as atividades formativas oferecidas, pois oitenta por cento do público participante destacou que as orientações eram desligadas dos problemas da escola primária; que os cursos deveriam partir de problemas reais e sugestões apresentados pelos professores.

Passando-se alguns anos, essa perspectiva é frisada por inúmeros autores, como Nadal

(2000), Campos (2003), Flores (2003); Pimenta e Lima (2008), Imbérnon (2009); Silva (2011); Pimenta (2012); Vaillant e Marcelo (2012), entre outros. Para estes, durante as práticas de formação continuada (cursos, projetos de investigação, grupos de estudo, rodas de discussão) do agente educativo, é importante que os formadores sejam facilitadores e viabilizadores do processo de investigação-ação dos docentes e que as finalidades e os conteúdos do ensino sejam objetos de constante estudo e reflexão, considerando o contexto em que esse trabalho acontece.

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Considerando esse cenário, encontramos o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)43, realizado no estado do Paraná, para os docentes da rede pública estadual. Tal programa foi instituído em 2005, com o Decreto n. 4.482 (PARANÁ, 2005), normatizado sua operacionalização com a Resolução n. 4.341/2007 (PARANÁ, 2007), e regulamentado em 2010 pela Lei complementar n. 130 (PARANÁ, 2010). No entanto, a proposta para implantação deste ocorreu desde 2004 na elaboração do Plano de Carreira do Magistério, Lei Complementar n. 103/04 (PARANÁ, 2004).

Este Programa, de acordo com os documentos que regem sua criação e funcionamento é

direcionado para o aperfeiçoamento dos professores da educação básica e pretende melhorias das práticas docentes e de gestão escolar. Sua execução acontece em parceria entre as Secretarias de Estado da Educação (SEED), Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) e Instituições de Ensino Superior (IES).

Como é um programa de formação continuada, cujos pressupostos estão ancorados na

valorização e reconhecimento dos docentes; melhorias tanto nos processos de ensino/aprendizagem, como nos processos de tomadas de decisões relativos à gestão da escola e a formação ocorre integrada com as Instituições de Ensino Superior (IES), torna-se objeto de estudo bastante interessante para pesquisa na área da educação, visto que os modelos educativos nos processos de formação influenciam na configuração da profissionalidade44 docente.

Portanto, trata-se é uma política de estado abarcando as diversas áreas de conhecimento.

Contudo, consideramos relevante destacar o desenvolvimento profissional docente no âmbito da gestão escolar, visto que os profissionais que atuam nesta área são responsáveis de acordo com Vieira (2007); Azevedo (2011), Paro (2011) e Ferreira (2013) por planejar e coordenar o trabalho pedagógico desenvolvido na instituição. Portanto a qualidade social do trabalho educativo perpassa pelos processos de gestão da escola.

Assim, buscamos analisar o Programa de Desenvolvimento Educacional, seu

desenvolvimento, implementação e contribuições na formação contínua dos gestores das instituições estaduais de ensino.

Materiais e Método

De modo geral, consideramos que a investigação de uma política, parte da concepção de

que é necessário “[...] analisar o papel das ideias desenvolvidas pelos atores, as ideias em ação, o referencial (global e setorial) que fundamental a política e os mediadores das políticas (atores)”. (MAINARDES; FERREIRA; TELLO, 2011, p. 161).

Nesta perspectiva, buscamos respaldo no abordagem do ciclo de políticas, apresentado

como um “[...] ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção do texto e o contexto da prática” (MAINARDES, 2006, p. 96).

Contudo, considerando o objetivo deste ensaio, priorizamos apenas o contexto da

prática45. Nesse viés, a percepção dos agentes que no contexto da prática realizam e participam da

43 Em 2003 inicia-se no Paraná uma nova gestão com o governador Roberto Requião de Mello, o qual exerceu seu primeiro mandato entre os anos de 2003 e 2006 e segundo mandato consecutivo entre os anos 2007-2010. 44 O termo “Profissionalidade” é mencionado por vários autores, como: Nóvoa (1995); Papi (2005); Flores (2003); Sacristán (1995). Refere-se, em síntese, aos conhecimentos e as práticas necessárias para o exercício profissional enquanto prática social. Está relacionada ao conjunto de saberes fundamentais ao exercício da profissão. Requer do professor compromisso com as práticas que desenvolve, com propriedade da sua intervenção. 45 O contexto da prática, é o contexto na qual as políticas ganham sentido. No caso das políticas educacionais, esta abordagem compreende que os “[...] profissionais que atuam no contexto da prática (escolas, por

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implantação desta política é importantíssima. Portanto, neste estudo consideramos: uma Professora Coordenadora na Unicentro-Irati, uma representante no Núcleo Regional de Irati, e quatro professoras PDE que realizaram seus trabalhos na área da gestão escolar (no período escolhido). Estes foram entrevistados (conforme o roteiro em anexo).

Especialmente as entrevistas semiestruturadas, que se desenrolam a partir de um roteiro

base (não aplicado rigidamente), é possível que o entrevistador faça esclarecimentos e adaptações necessárias. “Em geral professores, diretores, orientadores, alunos e pais, são mais convenientemente abordáveis através de um instrumento mais flexível.” (LÜDKE, ANDRÉ, 1986, p. 34).

Após coletar os dados, as perguntas e respostas foram transcritas e os sujeitos31

participantes foram identificados como Professora PDE A, Professora PDE B, Professora PDE C; Coordenação A, Coordenação B.

Assim, seguimos a análise do contexto da prática analisando as respostas de cada questão

em três eixos: a concepção dos sujeitos sobre o PDE; a gestão/implementação do programa; a formação do gestor no PDE.

Resultados e Discussão

As primeiras questões correspondiam a concepção e contribuição do PDE na formação

dos Professores da Rede Estadual de Ensino. As respostas obtidas destacaram que o PDE propicia a valorização dos professores, a reedição dos conhecimentos, formação de conceitos novos, aprofundamentos teórico, pesquisa e como um programa de formação diferenciado.

Nas falas docentes:

É um Programa diferente, porque até então o que se tinha eram aquelas idas lá prá Faxinal do Céu... Não era totalmente ruim, mas era... deixava a desejar, porque você não absorvia, não tinha tempo pra ter o retorno, normalmente você recebia a formação, mas não tinha o tempo pro debate, pra você parar pra pensar. Você só ouvia, muitas vezes não tinha... é... você não podia interferir, você era só ouvinte... E assim, no PDE não, a gente teve a possibilidade de ouvir, de assimilar conteúdos, fundamentação teórica, mas também poder apresentar, fazer uma pesquisa... Então, sabe? Pra mim enriqueceu muito... foi excelente, é um programa ótimo... ainda bem que a lei garante a continuidade desse programa.” (PROFESSORA PDE C). “É uma nova política de Formação Continuada que valoriza os professores, que atuam na Rede Pública Estadual, diferente do que nós tínhamos. É compreendido, ao menos o meu entendimento, como uma política de formação continuada, que se destaca pela diferença existente em relação aos modelos tradicionais de cursos de formação. Pode-se dizer da disponibilidade de tempo para estudo e pesquisa, o potencial do programa para modificar a prática pedagógica nas escolas; o estímulo e o incentivo para que o professor pesquise sobre sua prática pedagógica.” (COORDENAÇÃO A). “Prá formação continuada ele é muito válido... prá... poder repensar... teus conceitos, refazer muita coisa, não ficar com aquele caderninho ‘brega’ (sic) de 1930, né? (sic) (risos)... um momento de reflexão mesmo você consegue ter.” (PROFESSORA PDE B).

Nos relatos acima percebemos que os professores concebem o PDE com uma política

bastante significativa para o desenvolvimento profissional. Fica evidente também que os encontros ou treinamentos, como os disponibilizados em Faxinal do Céu, eram insuficientes para avanços

exemplo) não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos”. (BOWE et al, 1992 apud MAINARDES, 2006, p. 53).

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significativos na qualidade do ensino, pois os docentes não participavam de forma ativa na construção do saber.

Outra importante consideração, é que estes momentos ocorriam desatados dos problemas

enfrentados nas escolas e sem uma reflexão mais contínua e sistematizada, pois “[...] a concepção centralizadora, não dá condições de reflexão e discussão sobre questões pertinentes aos problemas enfrentados nas escolas”. (ALFERES, 2009, p. 24).

Nas respostas observamos, que os participantes compreendem o Programa como um

momento com condições favoráveis à avaliação do seu desempenho profissional e contínuo (re)pensar da profissionalidade46 docente, desde que se compreenda previamente a dimensão política do trabalho docente.

Enfatizando o compromisso docente para com a educação e os alunos, conduz para o que

Gadotti (2005) acredita. Tal autor, ao escrever sobre o papel do educador, da escola e da educação assegura que as transformações objetivas que almejamos para as instituições educativas dependem de um política púbica de estado que seja permanente, não apenas pontual, localizada e passageira, mas depende também do olhar do professor, da sua consciência e do seu trabalho, pois sem uma mudança na própria concepção da profissão que está ligada à própria função da escola poucas possibilidades de mudanças deverão acontecer.

Seguindo o roteiro das questões, as próximas perguntas propostas abordavam sobre a

implementação do programa, bem como a autonomia e oportunidades que os professores e coordenadores tem para discutir e expressar dificuldades, opiniões, insatisfações, dúvidas.

Nos relatos:

“Nós, os coordenadores, precisamos fazer muitas adaptações, porque uma coisa são as coisas escritas, outra, como as coisas acontecem. Um exemplo são os professores PDE de Química, eram apenas dois neste ano que passou, então não formou turma prá eles, e eu precisei ir lá em Guarapuava e conversar com o Coordenador do Mestrado e ver a possibilidade deles fazer as aulas lá no curso do Mestrado, seja como aluno especial, ouvinte, da forma como for possível, porque eles precisam ter aulas e os conhecimentos específicos da área que ingressam. Então, são os ajustes. Outro detalhe, são com os orientadores, porque os Professores da Rede muitas vezes não se ajustam com o orientador e precisa trocar. Então, quem é coordenador, sabe quanta coisa a gente precisa fazer pra dar certo, sem que seja ilegal.” (COORDENAÇÃO PDE B). “Assim... tudo como está ali depende do contexto, depende das pessoas, depende de outros fatores prá que aquilo aconteça exatamente. Vou te dar um exemplo da minha escola... eu fiz agora o GTR de um colega de área. Ela colocou a questão de produzir teatro né? (sic), da leitura de um livro infanto-juvenil, voltado para a mitologia. E aí ela coloca a possibilidade de ler o livro e produzir um teatro em cima. Veja como a gente discutiu justamente isso, essa política passa por adaptações e coisas que você tem que modificar. Ela colocou ali que ela iria fazer vários teatros na sala no momento dela trabalhar isso, ela não conseguiu, ela produziu um, porque...quando você vai trabalhar você vê que a produção do teatro ela é muito extensa e você tem, você entra na questão do figurino então, entra um trabalho muito grande, que você não tem como produzir vários, então ela conseguiu, até a gente ajudou, na própria escola a gente ajudou ela a fazer ali.” (PROFESSORA PDE A). “A política não depende só dos políticos que fazem ela, mas de quem está ali... colocando ela prá funcionar. Veja bem, tudo começou em 2007, eu tenho uma amiga que fez em 2007 e... ela até brinca: ‘Nossa, teu PDE te tirou o couro né?’

46 Conjunto de características essenciais, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores específicos da profissão. (FLORES, 2003; SACRISTÁN, 1995; PAPI, 2005).

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(sic), porque em 2007 que foi o primeiro, foi muito... ‘light’, eles estavam (sic) implementando. O nosso PDE que foi o segundo, ele foi bem puxado, porque tudo que tinham soltado no PDE 2007, eles recolheram, sabe como? Então, soltou a corda demais e recolheu em 2008 demais. Tinha-se mais exigências, mais atividades, cobranças... essas coisas.” (PROFESSORA PDE B). “Depende de como o governante e a Secretaria de Educação que tá (sic) lá vai dirigir isso aí. Eu acredito que passa por adaptações com certeza, porque ela pode ser a mesma prá todas as universidades, pra todos os professores que vão participar, mas ela... a partir do momento que chega nesse contexto, aqui ela... recebe as características desse contexto né? (sic)...” (PROFESSORA PDE C).

Sobre estas colocações, percebemos os diferentes olhares dos sujeitos e o posicionamento

coerente e bastante válido de Mainardes e Gandin (2013) ao fundamentarem sobre a importância da análise do contexto da prática. Para os autores, é neste contexto, marcado por diversas pessoas, conhecimentos, subjetividades que as políticas passam por ajustes e adaptações necessários para atender de forma mais satisfatória as especificidades e demandas de quem usufrui da política.

Muller e Surel (2002) também destacam que a participação dos “beneficiários” de uma

política é peculiar e muito variável de um espaço de ação à outro, dependendo de fatores estruturais, quando dizem respeito à posição do ator na divisão do trabalho própria ao setor, ou pode também depender da capacidade do grupo para constituir-se ator coletivo e mobilizar recursos pertinentes. Assim, “[...] a aptidão de um ator coletivo, para influir no conteúdo ou na implementação de uma política pública, pode, com efeito, variar fortemente em função do grau de mobilização que é capaz de suscitar [...]”. (MULLER; SUREL, 2002, p. 23).

Portanto, o conjunto de indivíduos, grupos ou organização podem, em espaços de

consensos e conflitos, colocar em prática diferentes tipos de relações no quadro das políticas públicas.

Adiante, nas últimas questões, buscamos compreender a relevância e os reflexos do

programa na formação dos gestores. Para tanto, perguntamos sobre os pontos fortes e frágeis do PDE; o conhecimento adquirido na área, e por fim, se as atividades realizadas durante a intervenção continuam sendo implementadas, após a conclusão do programa.

Entre os entrevistados foi unanime sobre os pontos fortes. Os mesmos destacaram:

reconhecimento dos professores como produtores de conhecimento; produções de materiais pelos professores cursistas; aperfeiçoamento da prática pedagógica; tempo de estudo, reflexão, pesquisa, troca de experiências e debates.

Já com relação aos pontos frágeis, os Professores PDE apontaram três como sendo os

principais: a forma de seleção e o ingresso no programa somente para professores com muito tempo de carreira; e a limitada divulgação das pesquisas realizadas.

A partir dos discursos, compreendemos com Ferreira (2013) que, o grande desafio das

políticas educacionais consiste em estabelecer os conteúdos científicos, técnicos, políticos, éticos e humanos para a formação de profissionais que irão atuar na formação dos seres humanos, desde o ensino fundamental até o ensino superior, respondendo de forma comprometida, ampla e efetiva as necessidades reais e urgentes de formação e valorização dos profissionais da educação.

Prosseguindo com a coleta de dados, diante dos relatos sobre os pontos fortes do

programa, os sujeitos a seguir foram indagados sobre os conhecimentos na área de gestão escolar. Nesta pergunta, as respostas foram muito parecidas. As Professoras PDE A, B, e C

mencionaram que estudavam nos encontros de área sobre as políticas da gestão, instâncias colegiadas e outras questões que envolvesse a dimensão pedagógica da gestão escolar, mas que,

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mais significativo foi, quando os mesmos realizaram a pesquisa a partir do projeto que adentraram no programa.

“Desde o início do programa, nós somos orientados a fazer uma pesquisa dos problemas encontrados na nossa escola; podem envolver disciplina, sala de aula, participação dos pais e comunidades em geral, enfim... os encontros eram bons, mas no projeto mesmo que fui estudar mais, compreender...” (PROFESSORA PDE A). “Nós estudamos muito no PDE sobre a gestão escolar democrática com a participação de todos, para mim isso foi legal... ênfase na parte pedagógica. A parte administrativa tivemos também, mas não foi tão enfatizado quanto da gestão da área pedagógica sabe? Mas, nós tivemos sim muitos momentos assim, muitas teorias, muito debate nessa questão da gestão escolar democrática...na área de gestão mesmo...” (PROFESSORA PDE B). “Estudávamos sobre tudo da gestão, né? (sic). Membros da APMF, Conselho Escolar, Grêmio, Conselho de Classes... várias coisas. A minha visão de gestão escolar era uma antes de eu iniciar o PDE, mais centralizadora, mais dominadora, mais: ‘Eu mando e ponto.’, não que essa seja a minha postura sempre, mas no fundo, no fundo era isso sabe? E daí quando retornei, eu terminei em 2010 o PDE... iniciei em 2010 e terminei em 2012 com o artigo. Quando eu voltei a minha visão, a minha postura era totalmente diferente. Sabe quando você começa a pensar na escola como um todo, dividir tarefas, de ouvir todo mundo, de deixar que outras pessoas se manifestem, e que participem e que tenham ações sabe? Iniciativas próprias...” (PROFESSORA PDE C).

A partir do que foi exposto, compreendemos que a perspectiva de formação na área da

gestão escolar é coerente com o que Paro (2011) vislumbra. Concordamos com o autor ao acreditar que faz-se necessário a democratização da escola, partindo de um conceito de educação que exige a superação das estruturas autoritárias atualmente vigente na escola. “[...] Esse conceito tem a ver com a educação como prática democrática.” (PARO, 2011, p. 25).

Trata-se assim, da importância da democratização das relações que cercam a organização e

o funcionamento legítimo da instituição educativa. Apoiando-se ainda em Paro (2011), acreditamos que as medidas empreendidas com a

finalidade de promover a distribuição do poder entre os dirigentes, professores, pais, funcionários e facilitar a participação de todos os envolvidos nas tomadas de decisões relativas ao exercício e finalidades das atribuições da escola, podem ser mecanismos para impulsionar o diretor atender não apenas os interesses do Estado, mas os interesses da escola e reivindicar mais e melhor educação.

Ao discutirmos a formação e atuação dos gestores, também recorremos a Santos (2013) ao

propor que especialmente os gestores sejam preparados para formas de organização e funcionamento escolar mais arrojados, flexíveis e dinâmicos, pois “[...] aqueles que vão atuar na microeducação, a escola, a menor unidade da estrutura do sistema de ensino, é, porém a mais complexa e importante, na qual se realiza o processo de ensino-aprendizagem”. (SANTOS, 2013, p. 13).

Dessa forma, a formação do gestor comprometido primeiramente com a escola que atua, e

depois com sua condição de funcionário do Estado, implica em desenvolver o profissional que viabilize o trabalho coletivo e a condução de grupos que formulem e encaminhem soluções para os problemas educativos e a construção de uma proposta pedagógica com responsabilidade social.

Para tanto, a formação educativa propiciada pelo PDE possui o caráter político (educativo)

da sua função, é diferenciado da posição tecnicista, na qual supõe conhecimentos e habilidades específicos para liderar e coordenar o grupo escolar.

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Para Ball (2005) o compromisso e aquilo que os próprios professores vêem como boas

práticas e condizentes com as necessidades dos alunos não precisam ser sacrificados e substituídos pela impressão que devem causar e pelo desempenho. Considerações Finais

A presente pesquisa foi estruturada com o objetivo principal de analisar o Programa de

Desenvolvimento Educacional, seu desenvolvimento, implementação e possível contribuição na formação contínua/desenvolvimento profissional dos gestores das instituições estaduais de ensino.

No que tange a percepção dos participantes desta pesquisa, compreendemos que a

concepção que os mesmos têm sobre a formação é coerente com os pressupostos conceituais do programa, propiciando o desenvolvimento profissional docente47; sobre a gestão do PDE no âmbito da Unicentro/I percebemos que a coordenação precisa fazer os ajustes necessários à política, para que esta atenda da melhor forma possível os ingressantes no programa; quanto a formação continuada dos gestores, os relatos demonstraram que a formação é imensamente significativa foi e possibilita pensar a gestão da escola numa perspectiva mais dialógica e democrática;

Concluímos assim, que embora o PDE, tenha essa conotação diferenciada dos programas

de formação técnica e funcionalista, alguns critérios com relação ao financiamento, tempo de carreira para ingresso no programa, o pouco incentivo na divulgação das pesquisas realizadas, bem como o compromisso ético e político dos docentes que realizam a formação, precisariam ser revistos, pois são eixos limitadores do potencial formativo do programa.

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GARCÍA, Carlos M. Formação de professores para uma mudança educativa. Portugal: Porto Editora, 1999.

47 A expressão ‘Desenvolvimento Profissional Docente’, para Vaillant e Marcelo (2012) é a expressão que melhor se adapta a concepção do professor como profissional do ensino e não mais técnico do ensino. Com este olhar, a formação continuada é entendida como importante pressuposto de mudança das práticas pedagógicas e resgate da dimensão política da profissão. Quando apostamos na formação para o desenvolvimento profissional docente estamos considerando que são necessários, além dos investimentos do Estado, melhorias das práticas escolares, mudança de atitude dos professores, bem como oportunidades de aprendizagem que favoreçam a criatividade e a reflexão dos professores a fim de transformar as práticas curriculares e os modos de trabalho no interior das escolas. Dessa forma, segundo Imbernón (2009) faz-se indispensável potencializar o intercâmbio de experiências entre os pares e com a comunidade para apreender as concepções pelas quais se estabelece a ação docente pois, nas capacidades, habilidades, emoções e atitudes de cada professor e da equipe coletivamente estão incutidos valores e conceitos que precisam ser questionados e desvelados permanentemente.

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DEBATENDO A MODALIDADE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO MUNICÍPIO DE FORMOSA-GO

Rodrigo Capelle Suess48 Hugo de Carvalho Sobrinho49

Cristina Maria Costa Leite50 Resumo: Buscou-se neste trabalho fazer algumas reflexões sobre a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tendo como aporte principal as políticas públicas destinadas a essa modalidade, a historicidade e atualidade da EJA, seja ela teorizada ou captada. O objetivo desse trabalho é a reflexão e a compreensão do espaço escolar que os alunos da EJA estão inseridos para compreendermos as múltiplas determinações que se inserem no processo de ensino-aprendizagem desses alunos. O estudo se fundamentou nos pressupostos da pesquisa qualitativa através do acompanhamento da rotina escolar por meio de observações, análise de PPP e entrevistas realizadas com profissionais da educação de uma escola pública no município, além da gestora responsável pela modalidade na secretaria municipal de educação de Formosa. Palavras-chave: Políticas Públicas; Educação; EJA; Formosa. Abstract This work aimed to make some reflections about the Education of Young and Adults (EJA) having as main contribution the public policies destined to this modality, the historicity and timeliness of the EJA, be it theorized or captured. The objective of this work is the reflection and the comprehension of the school space that the students of the EJA are inserted to understand the multiple determinations which are part of the teaching-learning process of these students. The study was based on the assumptions of the qualitative research through the accompaniment of the school routine through observations, PPP analysis and interviews with professionals of the education of a public school in the municipality, Besides the manager in charge of the modality in the municipal secretariat of education of Formosa. Keywords: Public Policies; Education; EJA; Formosa.

48 Professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Mestre em Geografia na Universidade de Brasília - UnB. Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás - UEG. Faz parte do Grupo de Pesquisa Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores em Geografia (GEAF-UnB). Linhas de pesquisa de interesse: Estudo do conceito de Lugar; Geografia Humanista Cultural; Geografia, Música e Literatura; Geografia humanista e ensino de Geografia; Escola, cotidiano e espaço; Geografia Urbana, simbolismo e lugar. 49 Doutorando e Mestre no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade de Brasília (UnB) na área de concentração Gestão Territorial e Ambiental na Linha de pesquisa: Produção do Espaço Urbano, Rural e Regional - Eixo Temático: Ensino e método em Geografia. Licenciado em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás. Especialista em Metodologia de Ensino de Geografia e História. Licenciado em Pedagogia. Atualmente integra o grupo de pesquisa - Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores em Geografia - da Universidade de Brasília - GEAF/UnB. Linha de pesquisa de interesse: Ensino/aprendizagem em Geografia; Formação de Professores; Categoria lugar como instrumento de mediação pedagógica; O livro Didático de Geografia e Estágio supervisionado em Geografia 50 Geógrafa, Doutora em Educação, com Mestrado em Gestão Ambiental e Especialização em Gestão do Território e Sensoriamento Remoto. Professora efetiva da Universidade de Brasília, com atuação na Graduação em Pedagogia e na Pós Graduação em Geografia, onde atua na formação de professores na área de Geografia, bem como na análise das questões referentes ao processo de ensino/aprendizagem dessa área do conhecimento, nas modalidades presencial e à distância.

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Introdução Este trabalho resulta de reflexões realizadas a partir da situação da Educação de Jovens e

Adultos (EJA) no município de Formosa (GO). Partindo-se dos contrassensos enfrentados por essa modalidade de educação no espaço de uma escola municipal e da realização de uma entrevista a uma gestora cujo viés foi justamente investigar as percepções que a mesma tinha a respeito do desenvolvimento da EJA no município.

Para Gadotti e Romão (2011), a EJA é ampla, ultrapassa as ações que se desenvolvem na

escola, permeia por diferentes espaços, como o mundo do trabalho, associações, conselhos de moradores, movimentos dos sem-terra.

Do mesmo modo, amplos devem ser os objetivos a serem alcançados, de maneira a

possibilitar ao educando ler, escrever e compreender a língua nacional, o domínio dos símbolos e das operações matemáticas básicas, dos conhecimentos essenciais das ciências sociais e naturais, e o acesso aos meios de produção cultural, entre os quais o lazer, a arte, a comunicação e o esporte (GADOTTI & ROMÃO, 2011, p. 141).

A EJA, portanto, deve se voltar ao atendimento de objetivos amplos e, para tal, necessita

de condições estruturais e pedagógicas para o seu desenvolvimento. Ademais, Piconez (2002) disserta sobre desafio que se constitui a formação de professores competentes para atuar na EJA, uma vez que os conhecimentos docentes ainda são construídos pautados na escolarização para crianças. Para tal faz-se necessário o aproveitamento dos conhecimentos prévios do discente, levar em consideração o contexto de vivência de cada aluno e, no âmbito da formação de docentes, promover uma reconstrução com perspectiva adultocêntrica.

Sendo assim, a principal finalidade do ensino seria permitir uma compreensão crítica das

informações provindas de diferentes meios e a ampliação do potencial participativo do aluno na sociedade. Assim, o objetivo desse trabalho é a reflexão e a compreensão do espaço escolar que os alunos da EJA estão inseridos para compreendermos as múltiplas determinações que se inserem no processo de ensino e aprendizagem desses alunos. Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória, pautada nos pressupostos da abordagem qualitativa por meio do acompanhamento da rotina escolar de uma escola municipal, localizada na cidade de Formosa (GO). Além disso, a coleta de dados deu-se através de observações, análise do PPP e entrevistas realizadas com profissionais da educação de uma escola pública no município, além da gestora responsável pela modalidade na secretaria municipal de educação de Formosa. Essa última foi realizada a partir de um roteiro semi-estruturado abordando os seguintes pontos: atualidade da educação de Jovens e Adultos no município de Formosa; procura e demanda; dificuldades dos professores; dificuldades dos alunos; evasão e o motivo; como o Governo vem tratando a EJA; financiamento e repasse de verbas, e também se lançou mão de duas perguntas diretas a respeito da modalidade no município. Educação de jovens, adultos e idosos: breves considerações Buscou-se nesse momento discutir um pouco a respeito da Educação de jovens, adultos e idosos no Brasil. Para isso, remeteu-se ao contexto histórico e as injustiças materializadas no espaço brasileiro, e o desenvolvimento das políticas públicas, principalmente, a partir da Constituição Federal de 1998.

Crianças e jovens de ontem, adultos e idosos de hoje, o tempo passou e o que se observa atualmente é uma significativa parte da população que tiveram o direito básico e essencial da

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educação renegado. O forte peso da balança de exportação em fontes primárias (aspecto observado ainda hoje), acrescido de um governo oligárquico que em sua massiva história foi excludente e exclusivo, são os principais elementos do passado para se justificar o grande contingente de jovens e sobretudo adultos e idosos, analfabetos, semianalfabetos e analfabetos funcionais no país, desses, quase todos de classe baixa, ex-moradores da zona rural, em sua boa parte moradores de áreas descentralizadas e localizadas nos bolsões de misérias do país.

Um dos marcos referente ao âmbito das políticas públicas da educação de jovens e adultos, bem como outras modalidades renegadas ao tempo, e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo a mesma, em seu artigo 205, "A educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família [...], e em seu artigo 208, que reger o dever do estado com a educação, em seu inciso I, garante que ela será "[...] assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade" (BRASIL, 1988).

Dessa forma, se reconheceu subjetivamente a educação de jovens e adultos como um direito, aspecto que pode ser mais bem explorado pela lei 9.394/96, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), bem como pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos (Parecer CNE/CEB 11/2000 e Resolução CNE/CEB 1/2000) e demais resoluções, pareceres e programas governamentais. Outra maneira, de conhecer a forma que essa modalidade foi tratada, reivindicada e discutida a partir de 1996 é a partir dos seminários, agendas, declarações, relatórios e encontros como exposto em Paiva, Machado & Ireland (2007).

Considerando as dificuldades que o país tem em garantir o acesso universal e qualidade na educação e, ainda, reconhecendo que a sociedade brasileira foi incapaz de garantir uma educação básica para todos na idade adequada, a modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) se torna um grande desafio a ser enfrentado (HAHHAD & XIMENES, 2008). Reconhecendo essa questão, a própria Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos, procurou estabelecer essa modalidade com função reparadora, equalizadora e qualificadora (BRASIL, 2014). Compreendendo a EJA nas escolas municipais de formosa: a visão de uma gestora Segundo a mesma, no município de Formosa, a Administração Municipal é responsável por um total de 16 escolas que atendem a modalidade, sendo que doze delas se localizam em área urbana e quatro em área rural, dispondo-se de 31 professores para atender a um total de 608 alunos, matriculados nas etapas da EJA no ensino fundamental. Para ela, existe procura por parte dos jovens e adultos, e o município está conseguindo atender essa demanda de vagas.

Questionada sobre as principais dificuldades dos professores, a gestora relatou que "uma

das maiores dificuldades enfrentadas pelos professores é evitar a evasão ao longo do ano". Ela ainda reconheceu que "as escolas são abastecidas com recursos didáticos para as aulas, porém há falta de materiais didáticos voltados exclusivamente para EJA, bem como cursos de aperfeiçoamento para professores" (GESTORA).

Observou-se que uma das principais dificuldades enfrentadas pelos professores, assim

como da gestão escolar, diz respeito à manutenção dos alunos na escola. A falta de materiais didáticos e de cursos de aperfeiçoamento necessários, bem como o contraste entre o que se apregoa na legislação e a realidade enfrentada por todos, porquanto a EJA no município não está conseguindo garantir a permanência de todos esses indivíduos, o que acaba comprometendo de certo o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, para Gadotti e Romão (2011, p. 135) “o compromisso de garantir o acesso e permanência na escola a todos, em qualquer faixa etária, tem por decorrência necessária a implantação de serviços educativos de natureza pública, destinados à população jovem e adulta”.

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Ela ressaltou ainda que não existem dificuldades com os professores no que se refere à preparação para se trabalhar na EJA. Segundo ela: "visto que o quadro encontra-se completo, todos são qualificados para atuar na área".

Abordou-se também sobre as dificuldades dos alunos, e a evasão escolar:

Os alunos enfrentam dificuldades como transporte casa x escola, e vice versa, bem como enfrentam problemas sociais e culturais para continuarem frequentando a escola. Ao meu ver, as escolas municipais de Formosa hoje, são sim adequadas e equipadas para atender a modalidade EJA. A evasão é um dos grandes problemas enfrentados pela EJA. Os motivos são variados [...]: emprego novo com [in]compatibilidade de horário, saúde, mudança de endereço, problemas familiares. Os projetos desenvolvidos pelos professores, coordenadores e Secretaria de Educação, visam amenizar o problema (GESTORA).

Percebeu-se que existe uma divergência entre a realidade vivida nas escolas e as políticas

públicas, que ainda estão longe de atender e reparar uma falha histórica em não oferecer educação para todos. Os alunos dessa modalidade ainda enfrentam múltiplas dificuldades e a evasão, impulsionada por motivos maiores de sobrevivência e papeis sociais assumidos, é um fantasma que os assolam. Para Luckesi (2011):

O sistema social não demonstra estar tão interessado em que o educando aprenda, a partir do momento em que investe pouco na educação. Os dados estatísticos educacionais estão aí para demonstrar o pequeno investimento, tanto do ponto de vista financeiro quanto do pedagógico, na efetiva aprendizagem do educando (LUCKESI, 2011, p. 59).

Mesmo assim, a gestora declarou que: "não acredito que o tratamento do governo em

relação à EJA seja inferior às demais modalidades de ensino. Claro que a educação em geral necessita de políticas mais adequadas e mais sistematizadas para progredir e isso inclui a EJA". Como se observa em Hahhad e Ximenes (2008) existem sinais claros de um tratamento inferiorizado no que atine à EJA, que via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), recebe o menor valor anual por aluno, 0,70, ao passo que o ensino fundamental urbano recebe 1,00 e o ensino médio urbano, 1,20. Para os autores, "tais entraves reafirmam a percepção de que a EJA é ainda hoje tratada como um 'direito de segunda categoria', não sendo digna de receber o mesmo tratamento das demais etapas e modalidade da educação básica (HAHHAD & XIMENES, 2008, p. 146)".

Acrescido desse fator, o município não apresenta até o momento, projetos que visem reverter essa situação, que de inicio é financeira, mas reflete significativamente em sala de aula. O que torna a modalidade da EJA inferior no município, em relação ao repasse e atenção, tendo como base de comparação as demais. A respeito do financiamento e o repasse de verbas, ela declarou que no momento não possuía as quantidades exatas de recursos repassados.

Foram feitas ainda algumas perguntas diretas para a gestora a respeito da modalidade de ensino no município. Foram elas: Você, enquanto professora e agora gestora, acredita que em um mesmo espaço, apesar de ocupar temporalidades diferentes, se possa desenvolver modalidade de ensino tão distintas e ao mesmo tempo tão necessárias? Há lugar no mesmo espaço escolar para essas duas modalidades de ensino ocorrerem?A gestora afirmou que: "sim, acredito. Há sim espaço adequado nas nossas escolas para que funcionem as duas modalidades" (essa questão será discutida no decorrer do trabalho, principalmente, quando observado as infraestruturas de uma escola municipal em Formosa-GO). E ainda:O que você acha que deve ser feito para reduzir as dicotomias existente entre a EJA e as outras modalidades de ensino? Para ela:

Para reduzir o fosso entre a EJA e demais modalidades de ensino, talvez seriam políticas públicas voltadas especificamente para EJA, como materiais adequados

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específicos, mais cursos de qualificação para professor que trabalha com EJA, para que assim o aluno EJA receba uma Educação diferenciada dos demais alunos, pois a EJA é uma modalidade diferenciada. Portanto, investir em recursos didáticos e qualificação do professor, diminuiria esse fosso (GESTORA)

Refletindo sobre a fala da gestora, talvez faltem políticas públicas especificas para a EJA,

mas o principal, falta a corporeidade do falado e do feito. Segundo Freire (1996, p.34), "quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo". O que significa que os discursos políticos, as políticas públicas, os programas de governos entre outros devem ser materializados, resultando em uma ação concreta que possam refletir em sala de aula, principalmente no que se tange ao ensino-aprendizagem. Um ponto importante resaltado pela gestora é o de considerar a modalidade da EJA como diferenciada, e para que de fato a educação possa atingir um ponto de igualdade. Como ressalta Saviani (2002, p. 77), "a educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a igualdade no ponto de chegada", ela deve ser vista e tratada de modo que se possa equipará-la às demais. Ainda para a gestora, o investimento em recursos didáticos e qualificação do professor é um dos principais elementos para diminuir as disparidades entre a EJA e a modalidade regular. Compreendendo a realidade da EJA por meio de uma escola municipal de Formosa-GO A escola pesquisada (Figura 1) funciona no período matutino, vespertino e noturno, atendendo o ensino fundamental do 1º ao 9º ano, o que compreende do 1º ao 4º ciclo.

Figura 1 – Vista do interior da escola pesquisa

No período noturno ela recebe os alunos da modalidade da EJA. Segundo autoridades da escola, a mesma recebe 329 alunos no turno matutino e 287 no vespertino, ou seja, 616 alunos na modalidade regular, já no noturno que corresponde à EJA, ela recebe 148 alunos, totalizando 765 alunos atendidos pela escola, conforme expõe o Gráfico 1, em uma área de aproximadamente 1992 m².

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Gráfico 1 - Quantitativo de alunos e professores da escola analisada.

Conforme exposto no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, a mesma oferece a EJA, 2ª Etapa (do 6° ao 9° ano). Essa etapa possui duração de 4 semestres, sendo cada um composto por 100 dias de efetivo trabalho escolar, o que deve corresponder a 400 horas, 03 horas e 15 minutos de jornada escolar diária, 4 aulas por dia, sendo as 3 primeiras de 50 minutos e 1 de 45 minutos, já as salas devem possuir ocupação entre 30 a 50 alunos por turma. Realidade essa bem diferente da modalidade regular, que possui uma carga horária anual de no mínimo 800 horas distribuídas em no mínimo 200 dias letivos, sendo 4 horas diárias e 50 minutos de horas/aulas de 6º a 9º ano. Já a ocupação máxima é de 36 alunos por turma, ou seja, são 14 alunos a menos do que na EJA.

No andar térreo, conforme averiguado e exposto no PPP, se localizam 10 salas de aulas, 1

sala de professores, 1 sala da direção, 1 secretaria, 1 sala da coordenação, 1 cantina, 1 depósito de material didático e 1 de merenda, um total de 7 banheiros (entre eles 1 administrativo), 2 áreas de circulação, 1 área coberta, 1 pátio concretado e coberto, 1 quadra coberta, apesar de identificada no PPP observou-se que a mesma corresponde ao pátio concretado e coberto, que por sinal é multiuso, e 1 sala de recursos multifuncional tipo I (sala de inclusão), no piso superior encontra-se apenas 1 sala de aula, 1 laboratório de informática e 1 biblioteca.

A unidade escolar localiza-se, no Município de Formosa-GO, no bairro Formosinha.

Segundo Silva (2011), esse bairro, juntamente com o centro, estabelece contígua relação a respeito da movimentação econômico-comercial, constitui-se a centralidade e gênese do núcleo urbano da cidade. Embora o bairro esteja consolidado predominantemente por moradores de classe média não se pode classificar a escola como possuidora de um perfil geral "clientela" (os alunos). A EJA contrasta com essa realidade, visto que, segundo os professores, o perfil mais identificado na modalidade é de trabalhadores em sua maioria com renda baixa, com predominância de adultos.

Observou-se por partes do corpo docente certa frustração e descontentamento com a profissão, o que pode estar ligado ao não sucesso enquanto profissional e a não concretização de seus objetivos e seus anseios pedagógicos. Acredita-se que a desvalorização e a falta de incentivos são protagonistas no comprometimento da qualificação dos professores e, por consequência, na qualidade educacional. Eles revelaram, ainda que o piso salarial não está sendo cumprido pelo município, acrescido de diversas tentativas do governo do município de tirar e reduzir benefícios da classe. Fatores que vem contribuindo para diversas paralisações e indicativos de greve no último ano no município. Esse sucateamento da profissão docente levaria os professores, segundo Libâneo, Oliveira e Tocshi (2012), à síndrome da desistência da profissão docente.

Na lei orgânica do Município (FORMOSA, 2001) está explicito no artigo 196 que "o município manterá o professorado municipal em nível econômico, social e moral à altura de suas funções", bem comoo artigo 197 dispõe que "o poder Público proporcionará aos professores da rede municipal de ensino condições plenas de reciclagem e atualização". Tratando ainda dos dispositivos que regulamentam o ensino em âmbito municipal, o Estatuto do Magistério Público do Município de Formosa (FORMOSA, 2009) garante no artigo 6º, inciso IV o "aperfeiçoamento profissional continuado", justamente o oposto que vem acontecendo.

Foi detectado que muitos dos professores da escola analisada lecionam em outras escolas e não são formados na área em que atuam fato que acaba influenciando diretamente na qualidade e no planejamento das aulas. Conforme exposto no PPP da escola a modalidade Regular constitui-se de 33 professores (Quadro 1). Quadro 1. Formação pedagógica do corpo docente da escola pesquisa.

Formação Modalidade Regular Modalidade EJA

Pedagogia e Normal Superior 10 03

Letras 11 01

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História 03 02

Geografia 03 00

Ciências Biológicas 02 00

Matemática 03 01

Artes Visuais 00 01

Pós-graduação (Lato sensu) 32 15

Pós-graduação (Stricto sensu) 01 00

A escola possui um excelente laboratório de informática, apesar de não conta com

professor ou técnico responsável no período noturno para atender a EJA. A biblioteca ainda não se apresenta bem estruturada, encontrando-se aquém tanto em número quanto em atualização de seu acervo e obras fundamentais. Na EJA, encontramos uma peculiaridade: não são emprestados livros para os alunos, devido à grande evasão escolar. Pelo jeito essa modalidade ainda continua a excluir aqueles que não tiveram direitos de possuir o que os dominantes dominam, no caso os saberes sistematizados (SAVIANI, 2002). A evasão em vez de ser combatida é sistematizada. Includente em papéis oficiais, a proposta da escola e modalidade educacional ao se espacializar e se concretizar, torna-se altamente excludente.

Considera-se a biblioteca como portadora de um dos principais meios da transformação

social que o ensino escolar oferece: as fontes de conhecimento, de consulta, de pesquisa, de instrução e descoberta do mundo. A biblioteca pode estar delimitada espacialmente, mas se abre na amplitude do universo até então desconhecido, projetando os condutores dos livros a outras dimensões. Trata-se assim de garantir uma qualidade de infraestrutura e materiais tais como: livros didáticos, literários e científicos, dicionários, enciclopédias, atlas, revistas...

O ambiente não é adequado para jovens e, sobretudo para adultos, oferecendo desconforto

e transtornos para esses alunos, principalmente, no que se refere a condições físicas. Encontramos carteiras, banheiros e materiais didáticos inadequados para jovens e adultos, que por não serem prioridades e conviverem em um ambiente feito para atender as crianças em idades hábeis para escolarização, no caso, os alunos do ensino fundamental da modalidade regular, onde se faz necessários ambientes próprios que visem o ensino e aprendizagem. Deve-se colocar também que no período noturno a escola fica desprotegida não possuindo Guarda Escolar, o único apoio que a prefeitura oferece e a ronda da Guarda Municipal.

Apesar de todos os desafios, muitos jovens e adultos veem a necessidade de retornarem aos

estudos e acreditam no papel transformador da educação. Alguns sonham em alcançar o ensino superior ou simplesmente saber ler e escrever, direito esse, que não pode ser negado, exigindo mais atenção do governo para a educação, em especial para a Educação de Jovens e Adultos que por muito tempo vem sendo considerada uma educação para pessoas de segundo escalão. Considerações Finais

Observamos em discursos e documentos oficiais, e no meio acadêmico o reconhecimento da importância da educação de Jovens e Adultos, das metodologias e posturas que devem ser tomadas, a necessidade de uma educação que seja pertencente à realidade e ao contexto social e várias indagações referentes a essa modalidade. Ao contrastar o discurso da gestora com a realidade pela qual a EJA no município de Formosa se encontra, constatamos dicotomias entre o idealizado pelo governo e o que é efetivado na educação escolar.

Desse modo, a partir da realização deste estudo na realidade que se encontra mergulhada a

educação, foi possível perceber que são inúmeros os desafios a serem superados e que este panorama encontrado servirá de alerta para pensarmos e repensarmos a qualidade de ensino ofertada para o público alvo de ambas as modalidades. Assim, este estudo constitui uma contribuição para reflexão daqueles que lutam por uma educação de qualidade e a construção de um ensino igualitário.

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Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB n. 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2000. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura), 146 p. FORMOSA. Lei Orgânica do Município de Formosa. Formosa-GO, 10 de dezembro de 2001. _________. Lei complementar nº 004/09. Estabelece o Estatuto do Magistério Público do Município de Formosa, na forma que especifica e dá outras providências.Dezembro de 2009. GADOTTI, M. ROMÃO, J. E. Educação de jovens e adultos: teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez, 2011. HAHHAD, S.; XIMENES, S. A educação de pessoas jovens e adultas e a nova LDB: um olhar passados dez anos. In: BRZEZINSKI, I. (Org.) LDB dez anos depois: Reinterpretação sob diversos olhares. São Paulo: Cortez, 2008. LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2012, 544 p. LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2011, 272 p. PAIVA, J.; MACHADO, M. M.; IRELAND, T. Educação de Jovens e Adultos: uma memória contemporânea 1996-2004. Brasília: Edições MEC/Unesco, 2007, 184 p. PICONEZ, E. Educação de jovens e adultos. 10 ed. Papirus: Campinas (SP), 2002. SAVIANI, D. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 35ª ed. revisada, Campinas, SP: Autores Associados, 2002, 95 p. SILVA, A. S. Espaço urbano, desigualdade e indicadores de dimensões da sustentabilidade: análise de Formosa-GO. 2011, 277 f. Tese (Doutorado em Geografia) Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP, Presidente Prudente, 2011. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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A PESCA PREDATÓRIA NO PERÍODO DE PIRACEMA NO RIO TOCANTINS ENTRE OS MUNICÍPIOS DE AGUIARNÓPOLIS E TOCANTINÓPOLIS NO

ESTADO DO TOCANTINS

Saimon Lima De Britto51 Marivaldo Cavalcante Da Silva52

Resumo A piracema é o período biológico onde os peixes se reproduzem para assim manterem suas espécies. Nesse período a pesca é proibida com exceção apenas da pesca de subsistência. Tem o intuito de proteger ás espécimes e garantir os estoques pesqueiros no futuro. Assim, objetivou-se compreender a prática da pesca predatória no período de piracema no rio Tocantins entre os municípios de Aguiarnópolis-TO e Tocantinópolis-TO, descrevendo uma ação de fiscalização do NATURATINS do dia 4 de fevereiro de 2016 os quais foram identificados seus promotores e os principais materiais usados na pesca predatória. Palavras chave: Piracema; Pesca Predatória; Fiscalização Ambiental. Resumen El desove es el período biológico donde los peces se reproducen a fin de mantener su especie. Durante este período de pesca está prohibida, salvo únicamente la pesca de subsistencia. Su objetivo es proteger las muestras de la ECA y asegurar las poblaciones de peces en el futuro. El objetivo era comprender la práctica de la pesca predatoria en el periodo de desove en el río Tocantins entre las localidades de Aguiarnópolis-A y A-Tocantinópolis el 4 de febrero de 2016, que describe una acción de vigilancia Naturatins cual se han identificado sus promotores y los principales materiales usados en la sobrepesca. Palabras clave: El desove; Pesca predatoria; Inspección del medio ambiente. Introdução

De acordo com Chiavenato, 1991, p.10, em seu livro O Massacre da Natureza, diz que “A

Terra é frágil. Melhor, ficou frágil.” A natureza é muito frágil perante as técnicas e as tecnologias desenvolvidas e aperfeiçoadas pelo homem a todo instante, esses avanços são alavancados pelo fator econômico e permitem que o homem suprima em uma velocidade muito alta da natureza matéria prima em grande escala com o intuito de aumentar seu lucro. A ação do homem sobre o meio ambiente está cada vez mais predatória e, a natureza não consegue se restaurar na mesma velocidade em que a destruição acontece. Isso se dá em todas as áreas e na pesca não é diferente, várias são as técnicas e ferramentas para uso predatório usadas para pescar uma grande quantidade de peixes em pouco tempo, desconsiderando além de tudo o período de defeso, a piracema.

51Graduado Tecnólogo em Negócios Imobiliários pela Universidade Salgado de Oliveira, Goiânia-GO, (2009); Especialista em Educação em Direitos Humanos, Universidade Federal do Tocantins (2016); Acadêmico de Geografia da Universidade Federal do Tocantins (8º período); Membro no Núcleo de Estudos Urbanos Regionais e Agrários - NURBA (UFT); Bolsista PIBIC, (2012, 2013, 2014); Fiscal Ambiental do NATURATINS - Estado do Tocantins. 52 Dr. em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia com trabalho na área de geografia da saúde abordando Leishmaniose Visceral. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Licenciado pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Prof. Dr. do curso de Geografia em Araguaína-TO UFT. Prof. no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território. Atua nas áreas relacionadas com a sociedade, natureza e o desenvolvimento, Degradação ambiental, uso e gestão dos recursos hídricos e geografia da saúde. Atualmente coordena o curso de geografia do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) no campus de Araguaína-TO.

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Esse período, que ocorre todos os anos, inicia-se oficialmente pelo estado brasileiro no dia 1º (primeiro) de novembro até o dia 29 (vinte e nove) de fevereiro do ano subseqüente e dá-se o nome de período de defeso que é definido pelo Ministério do Meio Ambiente como:

Defeso é uma medida que visa proteger os organismos aquáticos durante as fases mais críticas de seus ciclos de vida, como a época de sua reprodução ou ainda de seu maior crescimento. Dessa forma, o período de defeso favorece a sustentabilidade do uso dos estoques pesqueiros e evita a pesca quando os peixes estão mais vulneráveis à captura, por estarem reunidos em cardumes. (BRASIL, 2016).

O período de defeso de atividade pesqueira é o fixado todos os anos pelo Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e pelos órgãos ambientais dos Estados, no caso do Estado do Tocantins, o Instituto Natureza do Tocantins – NATURATINS é o órgão responsável por regulamentar e fiscalizar a piracema. Então o NATURATINS através da Portaria nº314/2015 determina que:

Proibir a pesca no período de 1º de novembro de 2015 a 29 de fevereiro de 2016, e

também o transporte, a comercialização, o beneficiamento e a industrialização de espécimes provenientes da pesca. As multas aos infratores podem variar de R$ 700,00 a R$ 100 mil, mais R$ 20,00 por quilo de peixe pescado. (NATURATINS, 2015.)

O descumprimento desta portaria da piracema, de acordo com a Lei Federal de Crimes

Ambientais nº 9.605/98, artigo nº 34, destaca que a pena para quem exerce a pesca em período ou local proibido é a detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Faz-se necessário um estudo da temática sobre a pesca predatória no período de piracema

no rio Tocantins entre os municípios de Aguiarnópolis-TO e Tocantinópolis-TO uma vez que se têm registro todos os anos desse tipo de crime no período de piracema, no mesmo trecho do rio e não se vê preocupação social em relação a essa prática criminosa e muitas vezes é até subjugada pela própria população que vive as margens do Rio.

Neste trabalho buscou-se compreender a prática da pesca predatória no período de

piracema no rio Tocantins entre os municípios de Aguiarnópolis-TO e Tocantinópolis-TO através da observação e descrição de uma ação fiscalizatória do NATURATINS no dia 4 de fevereiro do ano de 2016, identificando os principais materiais criminosos usados nessa prática e seus promotores.

O caminho metodológico

Segundo Laville e Dionne, UFMG, 1999, p.7 “É imprescindível trabalhar com rigor, com

método, para assegurar a si e aos demais que os resultados da pesquisa serão confiáveis, válidos.” A metodologia é um caminho previamente planejado no intuito de se realizar um trabalho eficiente e alcançar todos os objetivos. Neste caso foi realizado o acompanhamento in loco da ação de fiscalização do NATURATINS com o Batalhão de Polícia Militar Ambiental – BPMA em embarcação nas águas do rio Tocantins no trecho acima citado. Foram utilizados equipamentos fotográficos, GPS, fita métrica, bloco de anotações, uma lancha com motor 25hp, e duas caminhonetes, uma do BPMA e uma do NATURATINS.

Realizamos abordagens com pescadores embarcados e desembarcados no Rio Tocantins.

Informamos a população e os pescadores ribeirinhos sobre a necessidade de pescar dentro das normas e leis ambientais estabelecidas destacando a importância da piracema para garantirmos que não haverá extinção de nenhuma espécie. A revisão bibliográfica sobre o tema proposto teve intuito de esclarecer alguns conceitos relevantes para o estudo.

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Resultados e discussão A operação de fiscalização foi realizada pelo NATURATINS, com apoio do BPMA, no

período de piracema, no dia 4 de fevereiro do ano de 2016 no trecho do Rio Tocantins entre os municípios de Aguiarnópolis e Tocantinópolis, ambos pertencentes ao Estado do Tocantins, com objetivo de fiscalizar a pesca predatória que está presente todos os anos no referido rio.

As cidades de Tocantinópolis e Aguiarnópolis respectivamente contam com 22.619 e 5.162

habitantes (IBGE, 2010.), localizam-se no extremo norte do Estado do Tocantins, na região conhecida como Bico do Papagaio, as margens do Rio Tocantins em divisa com o Estado do Maranhão, Tocantinópolis de frente para a cidade de Porto Franco-MA e Aguiranópolis de frente para a cidade de Estreito-MA. Localizadas especificamente nas coordenadas geográficas: Tocantinópolis com sede situada na Latitude 6º 19’ 33.51” S e Longitude 47º 25’ 22.19” W e Aguiarnópolis com sede localizada na Latitude 6º 33’ 18.27” S e Longitude 47º 28’ 13.89” W. Cidades ribeirinhas, com aproximadamente 30 km de distância uma da outra conforme Imagem 01. Imagem 01 – Municípios envolvidos na operação de fiscalização da piracema no Rio Tocantins entre os municípios de Aguiarnópolis-TO e Tocantinópolis-TO em fevereiro de 2016.

Fonte: (Google Earth, 2016). No inicio da operação ainda na zona urbana dos municípios de Aguiarnópolis-TO e

Estreito-MA abaixo da ponte que liga os dois Estados, foram flagradas várias pessoas pescando com materiais predatórios, sem nenhuma preocupação de estarem sendo vistos ou de serem denunciados por alguém, foram recolhidos carretilhas, molinetes e redes malhadeira em ambos os lados do Rio, a equipe ficou em média 30 minutos nesse local recolhendo material criminoso.

A equipe seguiu rio a baixo dando continuidade a operação piracema 2015/2016, vários

ribeirinhos foram encontrados praticando a pesca de subsistência com a linha e o anzol, desembarcados ou embarcados em canoas a remo, prática totalmente permitida neste período.

As redes malhadeiras eram encontradas abandonadas armadas e camufladas (FOTO 1 e

1A) às margens do Rio entre a mata ciliar enganchadas em galhos e rochas, os infratores deixam as redes e passam para buscar em um momento posterior, malhas de todos os tamanhos foram encontradas, é importante ressaltar que quanto menor a malha mais predatória é a pesca, pois uma malha pequena pega exemplar de pescado de tamanhos proibidos de acordo com a Portaria/Naturatins nº 319 de 24 de agosto de 2016 que define uma tabela com os tamanhos mínimos de cada espécie para ser pescada, para não comprometer seu crescimento e o ciclo de reprodução dos peixes.

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Foto1: Recolhimento de rede malhadeira no município de Aguiarnópolis-TO FEV/2016. Fonte: BRITTO, Saimon Lima De. 2016

Outro material encontrado com freqüência foi às bóias, esse material consiste em um

recipiente de plástico, geralmente uma garrafa Pete, amarrada a uma linha e um anzol com isca, as bóias ficam a deriva no rio e são facilmente encontradas por sua cor, os infratores ficam escondidos na mata observando suas bóias.

À medida que iam sendo encontrados os pescadores, infratores ou não, a equipe ia

realizando a Educação Ambiental no intuito de coibir posteriores infrações no período de piracema. Segue tabela 1 com o quantitativo total de material irregular apreendido na operação do dia

4 de fevereiro de 2016:

Tabela1: Quantitativo total de material irregular apreendido na operação piracema do dia 4 de fevereiro de 2016.

QUANTIDADE MATERIAL

1.523 metros Redes Malhadeiras 13 unidades Varas c/ Molinetes 29 unidades Bóias c/ Anzol 03 unidades Espinheis 02 unidades Tarrafas

Fonte: NATURATINS, 2016. Org. BRITTO, Saimon Lima De. 2016. Percebe-se a partir da tabela 1 que os materiais predatórios mais utilizados na pesca

predatória são as Redes Malhadeiras e as Bóias com Anzol, materiais que pegam facilmente grande quantidade de peixes no período de piracema devido a vulnerabilidades dos peixes nesse período e da violência dos materiais utilizados.

Identificou-se que os agentes promotores da pesca predatória são em sua maioria

pescadores profissionais em atividade e aposentados, mesmo esses recebendo o seguro pago pelo INSS que garante um salário mínimo a eles nesse período de defeso, além de poderem fazer seus estoques pesqueiros em freezers. Essa conclusão se deu pelo fato da qualidade dos materiais predatórios encontrados, caracterizando perfeitamente uso por profissional e/ou ex-profissional, além dos poucos que foram encontrados próximos a esses materiais. Esses pescadores realizam essa pesca predatória no intuito de obtenção de lucros superiores nessa época onde a pesca é proibida para todos, assim têm vantagens comerciais sobre seus concorrentes vendendo esse pescado às peixarias e à consumidores finais de forma ilegal. Vale saber que quem compra esse produto também é qualificado como criminoso e pode sofrer as sanções legais.

1 1A

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Considerações finais Levando-se em conta o que foi observado verificamos que a pesca predatória está presente

entre os municípios de Aguiarnópolis-TO e Tocantinópolis-TO e em ambos os lados do Rio Tocantins. Outro ponto importante observado é que foram encontrados mais infratores/infrações do lado do Rio que compete ao Estado do Maranhão.

Pela observação dos aspectos mencionados vimos que as infrações ocorrem não por falta

de leis para punir, nem por falta de informação sobre o período de defeso e sua importância, mas por questão de se achar, como cita Chiavenato (1989), que a natureza é infinita e que se auto-regenera prontamente para ser “usada” novamente.

Sugerimos que se inclua nos planos curriculares escolar desde o ensino inicial conteúdos

sobre a Educação Ambiental, para que as futuras gerações cresçam com atitudes para preservar o meio em que vivem no intuito de garantir melhor qualidade de vida humana. Os conteúdos podem ser trabalhados juntamente com a Geografia, Biologia, em textos de Literatura e Português dentre outras disciplinas. Referências BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, 2016. Disponível em:< http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biodiversidade-aquatica/recursos-pesqueiros/per%C3%ADodos-de-defeso > Acesso em: 13 de outubro de 2016. CHIAVENATO, Júlio José. O Massacre da Natureza. (Coleção Polêmica) São Paulo: Moderna, 1989. IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: < http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=17&search=tocantins > Acesso em: 18 de outubro de 2016. NATURATINS. Portaria nº314/2015. Disponível em: < http://naturatins.to.gov.br/protocolo-e-servicos/fiscalizacao-e-inspecao-ambiental/licenca-para-pesca-amadora/ > Acesso em: 19 de outubro de 2016. NATURATINS. Portaria 319/2016. Disponível em: < http://naturatins.to.gov.br/protocolo-e-servicos/fiscalizacao-e-inspecao-ambiental/licenca-para-pesca-amadora/ > Acesso em: 19 de outubro de 2016. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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INDISCIPLINA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES CURRICULARES

Sandra Pottmeier53 Lais Oliva Donida54 Leonilda Wessling55

Claudia Renate Ferreira56 Melissa Probst57

Resumo Este trabalho emerge dos conhecimentos socializados posteriormente a um curso de capacitação voltado à Educação Básica. Objetiva discutir questões que sinalizam para a indisciplina no ambiente escolar. Com a democratização do ensino, um número significativo de estudantes passaram a ingressar a Educação Básica com uma heterogeneidade de experiências de vida. Trata-se de uma abordagem quali-quantitativa, envolvendo trezentos sujeitos de uma escola pública. Destes, foram analisados três desenhos. Assim, constatou-se uma dominação/docilização desses estudantes. Logo, precisam ser pensadas novas práticas curriculares e docentes, que, na condição de mediadores, possam encontrar juntamente com a comunidade escolar, alternativas para a redução de indisciplina. Palavras-chave: educação; prática docente; indisciplina. Abstract This work emerges from socialized knowledge after a training course focused on Basic Education. It aims to discuss issues that point to indiscipline in the school place. With the democratization of education, a significant number of students began to enter Basic Education and a heterogeneity of life experiences. It is a qualitative-quantitative approach, involving three hundred subjects of a public school. Of these, three designs were analyzed. Thus, it was verified a domination/docilization of these students. Therefore, new teaching practices need to be considered and, as mediators, can find together with the school community alternatives for reducing indiscipline. Keywords: education; teaching practice; indiscipline.

53Graduada em Letras e mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau. Doutoranda em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atua como professora na rede estadual de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 54Graduada em Fonoaudiologia e mestranda em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 55Graduada em Ciências Sociais, mestre e doutora em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau. Atua como professora na rede estadual de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 56Graduada em Pedagogia e mestre em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí. Atuou como supervisora de ensino da Educação Básica e Profissionalizante na 15ª GERED-SED/SC. É assessora pedagógica na Universidade Regional de Blumenau. E-mail: [email protected] 57Graduada em Pedagogia pela Universidade Regional de Blumenau e em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci. Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau e doutoranda em Educação pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: [email protected]

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Introdução O poder na vigilância hierarquizada das disciplinas não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade; funciona como uma máquina. [...]O que permite ao poder disciplinar ser absolutamente indiscreto, pois está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa nenhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que estão encarregados de controlar; e absolutamente “discreto”, pois funciona permanentemente e em grande parte silêncio (FOUCAULT, 2008, p. 148).

Nas palavras de Foucault (2008) o ato de vigiar pode estar por toda parte, por todo lugar:

em casa, na escola, na igreja, no trabalho, nas redes sociais. É, pois, no seio familiar, tomando-se aqui a família como uma instituição dotada de juízos de valores e pela qual a criança tem o seu primeiro contato social, que organiza, direciona, orienta e acompanha o sujeito por todas as suas experiências sociais enquanto criança. Assim, há pesquisas (AQUINO, 1996; 1998; TOMELIN, 2007) que abordam o tema da indisciplina do aluno no ambiente escolar como uma extensão das práticas e/ou como forma de expressão dos acontecimentos no ambiente familiar. Partindo deste pressuposto, pode-se inferir que os tutores seriam os responsáveis pelos ensinamentos necessários para a convivência no meio social, principalmente na escola, no tocante às diferenças, ao respeito, aos juízos de valor, adotadas pela criança. Contudo, não é somente isso. As experiências de contatos sociais da própria criança e a formação de sua identidade caracterizam variáveis no tocante ao “bom convívio” escolar (ARROYO, 2015).

Entretanto, no Brasil ainda se tem a cultura de que é a escola quem tem o papel de educar.

Contudo, a escola possui o papel de orientar o aluno, formando-o para o exercício da cidadania, para a vida em sociedade, para as relações sociais (ARROYO, 2015).

No texto de Moraes (1922) citado por Aquino (1996, p. 42) “Recomendações

Disciplinares”, notamos que seguir regras e normas na escola passa a ser um exagero quando descreve que crianças “deverão andar sempre sem arrastar com os pés [...] os alumnos manterão entre si silencio absoluto”. Notadamente, acredita-se que a existência de normas são importantes para que haja uma organização social, porém quando as regras passam a ser exageradas, sem coerência, ou prejudicam a vida dos sujeitos envolvidos, passamos a ter uma visão radical de vigiar e punir, conforme escreveu Foucault (2008). Segundo Probst e Garcia (2014, p. 73)

[...] não se pode tentar compreender a escola e as práticas pedagógicas em si mesmas, mas sob a perspectiva das relações culturais, econômicas e políticas vigentes em cada tempo histórico. Nesse sentido, acredita-se que as instituições escolares atualmente dispostas na sociedade ainda estão fundadas no modelo “disciplinar”, sobre o qual escreve Foucault.

A disciplina, entretanto, não é condenável, de antemão, pois, conforme Freire (2011), só é

possível aprender com disciplina. De todo modo, a indisciplina como uma questão social necessita de uma investigação mais aprofundada por parte do professor. Este precisa observar para além da escola e identificar em que condições que vivem esses estudantes, a relação emocional com os familiares, ou ainda identificar se há algum trauma ou alguma questão psicológica envolvendo esse aluno e seu comportamento no espaço escolar bem como qual é a relação da família com a escola e quais são as expectativas depositadas no(a) filho(a)/estudante.

A noção de “indisciplina” também pode ser subjetiva, do professor. Podemos citar a

indisciplina daquele aluno que “fala demais”, que não copia os apontamentos do quadro, não participa ativamente das aulas. Logo, em muitos contextos educacionais, o professor tem um imaginário do “aluno perfeito”, como diria Bourdieu (2013), o professor ainda está no seu “paraíso pedagógico” em que todos os alunos copiam tudo do quadro sem questionar. Temos que lembrar que um aluno questionador é visto como desafiador para alguns professores, portanto, é considerado um aluno indisciplinado.

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Se existe uma questão candente em todas as escolas, esta é a questão da disciplina, que traz à tona debates intensos e inquietações de todos os lados. Dos pais, em sua maioria, ausentes e, portanto, sem controle sobre os filhos e incapazes de lhes impor limites; dos educadores, que vivem a angústia da contradição de estar entre o autoritarismo puro e simples e a convivência aberta e dialógica com os jovens. E, por fim, dos próprios alunos, que parecem viver em uma roda viva entre (des)obedecer e transgredir (DONATELLI, 2004, p. 13).

Muito embora também, os alunos que não seguem as normas, as regras preestabelecidas na escola, passam a ser vistos como indisciplinados, pois fazem “bagunça, tumulto, falta de limite, maus comportamentos, desrespeito às figuras de autoridade etc” (AQUINO, 1996, p. 40) e, na maioria desses casos, os professores não sabem lidar com esses alunos indisciplinados, como aponta Calvin (2006 apud TOMELIN, 2007). Contudo, é dessa visão de “aluno bagunceiro” que surge a ideia do controle do corpo, da docilização dos corpos, seja a partir do disciplinamento ou da medicalização. Isto, ocorre, porque os alunos que chegam à escola apresentam diferentes formas de aprender, seja por seu contexto social, cultural, econômico e, que pode sinalizar para dificuldades ao acesso ao capital cultural e indisciplina (BOURDIEU, 2013). Muitos desses estudantes vistos como indisciplinados são diagnosticados com Dislexia, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, entre outros. Essa forma de percepção da indisciplina acaba por transferir toda e qualquer responsabilidade dos problemas escolares para o próprio aluno, desconsiderando o contexto. Nessa perspectiva há [...] um entendimento de que a gênese da indisciplina estaria fundamentalmente relacionada a características psicológicas dos alunos e atribui aos professores determinadas posições a serem assumidas em sala de aula, pouco capazes de transformar os cenários complexos com os quais eles se defrontam no cotidiano de suas práticas. Aqui a indisciplina é entendida como algo próprio do aluno, cabendo ao professor um papel sobretudo de intervenção em situações problema (GARCIA, 2009, p. 319).

Dentre os vários problemas que podem interferir na qualidade da educação, a indisciplina que pode ter seu início de modo não-físico, portanto, a violência verbal, num xingamento, podendo chegar à forma física, como socos e empurrões no contexto escolar. E estes confrontos não ficam restritos aos alunos, mas atingem todos os participantes da comunidade escolar: professores, funcionários e até mesmo outros alunos. Por vezes, o professor gerencia conflitos dentro da sala de aula ocasionando desgaste emocional e a perda de tempo que deveria ser utilizada no auxílio aos alunos para produção do conhecimento. Assim,

a atividade docente se caracteriza também por uma grande complexidade do ponto de vista emocional. Os docentes vivem num espaço carregado de afetos, de sentimentos e de conflitos. [...] os docentes devem ser formados, não para uma relação pedagógica com os alunos, mas também para uma relação social com as “comunidades locais” (TARDIF; LESSARD, 2008, p. 229). Por este motivo, a realidade escolar se apresenta como aquela que aos poucos tenta lidar com as diferenças dos alunos advindos das classes mais populares, muitas vezes marginalizados pela sociedade. A partir daí, “vê-se que a escola não está preparada para a heterogeneidade de alunos. Os diferentes são excluídos” (SIGNOR; SANTANA, 2012, p. 181). Bourdieu e Passeron (1992) refletem sobre o trabalho escolar ser uma forma institucionalizada do trabalho pedagógico, tendendo a homogeneizar, ritualizar, rotinizar e reprimir a individualidade dos alunos. Os autores em questão também consideram que os alunos de classes mais elitizadas teriam um processo de escolarização melhor que os demais sujeitos advindos de classes sociais desfavorecidas, já que àqueles

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de classes dominantes já adentrariam no ambiente escolar com um “habitus”, um “capital cultural” voltado para a escola e as práticas escolares, saberiam melhor como se “sobressair” nessa instituição, como portar-se com os professores e os demais colegas. Compreendemos assim, que se há estudos que se distanciam da patologização a partir de um viés social e histórico, há também os que passam a culpar o aluno ao apontar suas deficiências individuais como causas do fracasso escolar (FOUCAULT, 1977). Como também, muitas vezes, os professores agem de forma negativa na escolarização da criança/adolescente, quando não as/os deixam ser crianças/adolescentes. Daí surge a analogia de que este aluno tem que entrar marchando na escola e se comportar como um “soldado”, sem brincadeiras, sem correria, sem ser criança, acaba fazendo com que seja uma porta de entrada para a hiper medicalização das crianças, sem necessidade (FOUCAULT, 1977).

Qual o limite da disciplina?

Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino de respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido (ALVES, 2003, p. 56).

Consideramos a partir das palavras de Alves (2003), que a Educação precisa romper com a

linearidade/regularidade e passe a permitir que alunos e professores reflitam para além dos textos/currículos engessados, para além da sala de aula/da escola. Isto significa que é preciso haver uma (des)construção do ensino pautado em um currículo tradicional voltado apenas para a disciplina, ou seja, aquele que vigia e pune alunos e também professores que não se adaptam às normas/regras impostas no contexto educacional (TOMELIN, 2007; FOUCAULT, 2008; SILVA, 2000).

Conforme afirma Alves (2003), a escola deve estar aberta, deve se lançar como aquela instituição que ensina as perguntas, para ensinar ao aluno a autonomia, a criticidade e o ser participativo nas decisões da sociedade em que se inscreve, que lhe dê voz e vez no processo de ensinar e aprender. Assim como denunciam Bourdieu e Passeron (1992), que as instituições de ensino, sejam elas as escolas ou universidades, seriam palco de “reproduções”, ou seja, estariam formando alunos preparados para “reproduzirem” o que decoraram, reproduzirem as listas de exercícios, o que ouviram dos professores. Não estariam formando, dessa maneira, sujeitos-pensantes, críticos. E, deste modo, também estariam condenando os alunos ao fracasso, ao passo que se tornariam meros reprodutores de um conhecimento mínimo e fechado, perpetuado por estas instituições de ensino.

Nesse contexto, observamos que essas inquietações também são descritas na literatura. A partir do texto “Revolução da Goiabada”, capítulo extraído da obra “ O Ateneu”, de Raul Pompéia (1993), vemos que há relações entre a Disciplina descrita por Foucault (2008) e a Indisciplina Escolar apresentada por Tomelin (2007). Isto, pois Sérgio, personagem principal da obra Pompéia (1993), deixa sua família e passa a viver como aluno em um internato em que prevalecem a ordem e os bons costumes. Sérgio passa a narrar aquele espaço educacional sinalizando sua revolta em seguir as regras impostas e a ter que moldar-se aquele mundo de opressão. Ou seja, os mais abastados estariam mais “preparados” para o ambiente escolar do que àqueles vindos de classes inferiores, pois já teriam um costume, um habitus, inculcado. Ao contrário dos pobres, que tenderiam a ser mais “renitentes” às regras e à disciplina (BOURDIEU; PASSERON, 1992).

Ressaltamos que a obra de Pompéia (1993), escrita no século XIX, foi marcada por um

sistema educacional mal estruturado, principalmente quanto aos colégios internos frequentados pelos filhos da elite, como é o caso de Sérgio. Os internatos constituíam-se de uma educação

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perpassada por modelos severos e regimes autoritários, na qual a escola tinha por objetivo principal, uma educação moral rígida (POMPÉIA, 1993; TOMELIN, 2007). É por este motivo, que sempre há um enfrentamento entre Sérgio (aluno) e o Sr. Aristarco (diretor), ou seja, o de Sérgio não se sujeitar às regras impostas e às normas do internato.

A escola e, nesse caso pontual, o internato, é um Aparelho Ideológico do Estado, pois

esta/e passa a transmitir a ideologia hegemônica, ou seja, da classe dominante a partir da ordem, dos bons costumes, do civismo e do moralismo, seja no moldar o corpo a partir: a) do bater do sinal determinando o tempo das aulas, do intervalo para o lanche; b) da formação de filas por tamanho ou por idade; c) como aquela que classifica (melhor e o pior); d) que vigia e pune os alunos que não estão dentro de um padrão ideal para a sociedade (ALTHUSSER, 2001; FOUCAULT, 2008; TOMELIN, 2007). Por outro lado, a educação que deveria vir de casa se soma à educação formal e fica sob responsabilidade da escola. A educação foi no início uma função familiar, mas as crescentes exigências da comunidade e as dificuldades da família obrigam ao deslocamento desta (WESSLING; POTTMEIER, 2011).

Quando mencionamos limites e regras, não estamos tomando como aquele radicalismo em

que viveu o personagem Sérgio, em “O Ateneu”. Entretanto, ainda hoje, vemos a reprodução desse antigo modelo escolar perpetuado e mascarado. Percebemos as instituições de ensino culpabilizando o aluno pelo fracasso escolar rotulando àqueles com dificuldades relacionadas ao letramento exigido por estas instituições, rotulando àqueles alunos questionadores como indisciplinados, desafiadores (SIGNOR; SANTANA, 2012).

A autoridade docente

A educação está preocupada em moldar os sujeitos para que possam viver coletivamente. A preocupação maior é a formação do caráter, cujo pior inimigo é a imoralidade. A educação torna-se, então, um instrumento para a formação dos sujeitos esperados pela sociedade. O professor tem a dura tarefa de domesticar os impulsos fazendo despertar no aluno as qualidades necessárias para a vida coletiva (TOMELIN, 2007, p. 57).

A partir do que evoca Tomelin (2007), a autoridade do professor em sala de aula não se

baseia só no fato de ele ter mais conhecimento do que o aluno por ter uma formação na área em que atua ou ainda pela experiência na docência. No mundo contemporâneo, as informações que chegam com a Globalização e as novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) –, estão muito mais acessíveis que há alguns anos, ou seja, há uma democratização nos meios de comunicar e informar.

É nesse ínterim, o do acesso à comunicação, que respeitar a autoridade do professor “não

saiu da moda”, pelo contrário, deveria ser algo a ser ensinado socialmente. Porém, o que vemos atualmente é certa negligência dos pais para com os filhos, até mesmo nesse quesito, o do respeito aquele ao qual o conhecimento, o saber, é legitimado pedagogicamente.

Contudo, “O respeito à autoridade, seja escolar, familiar, religiosa, policial, entre outros é

alvo de indagações e reflexões” (TOMELIN, 2007, p. 43). Isto implica dizer ainda, que muitas vezes o professor passa assumir um papel a que lhe fora atribuído para além do lecionar, o de manter a ordem e a disciplina, desempenhadas por outras instituições como a família e a religião.

Há que se pensar ainda, que a autoridade do professor passou a ser descontruída.

Infelizmente, a mídia tem descontruído o papel do professor há muitos anos, ridicularizando e inferiorizando-o às outras profissões. O poder do Estado também vem fazendo isso, quando deslegitima as lutas da classe em busca de aumento salarial, realizando reformas na progressão da carreira dos mesmos sem consulta, etc.

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Por outro lado e, reportando-nos à postura do professor Aristarco em “O Ateneu” (POMPÉIA, 1993),

O professor tradicional pôde abandonar o arminho e a toga, e ele pode mesmo gostar de descer de seu estrado a fim de misturar-se à multidão, mas não pode abdicar de sua proteção última, o uso professoral de uma língua professoral. Se não há nada de que ele não possa falar, luta das classes ou incesto, é que sua situação, sua pessoa e sua personagem implicam na “neutralização” de seus propósitos; é que também a linguagem pode não ser amis, em última análise, um instrumento de comunicação, mas um instrumento de fascínio cuja função principal é atestar e impor a autoridade pedagógica da comunicação e do conteúdo comunicado (BOURDIEU; PASSERON, 1992, p. 123).

No hodierno, se por um lado, impor a autoridade da comunicação e do conteúdo tornou

tarefa árdua, com o uso excessivo do celular em sala de aula, por exemplo. Por outro lado, é necessário que a escola dialogue com os atores sociais que ali se inserem e se adapte às mudanças sociais e não permaneça estagnada. O que ocorre é que a desvalorização do professor perante a sociedade tornou-o vítima de constantes perseguições, pois aos olhos do outro, pode parecer engraçado ver na internet vídeos expondo professores. Esse tipo de exposição que envolve autoridades pedagógicas e, também alunos, vem causando muita polêmica no mundo acadêmico. Normas foram criadas para inibir os alunos de levarem celulares para a sala de aula, da premissa do “vigiar e punir” aqueles que não seguem essas regras a partir da Lei Nº 4.131 (BRASIL, 2008).

Isso, porque há um entendimento que o professor ainda é autoridade em sala de aula, da

mesma forma que exige dos alunos respeito, pois este profissional tem responsabilidade sobre eles. De todo modo, cabe ao professor saber negociar com os alunos as questões comportamentais, pois cada aluno é diferente um do outro, então não se consegue ter um só padrão de conduta profissional, somos vários em um. A Teoria se apresenta de uma forma, a Prática é outra. Compreendemos que essa é uma prática que não vem pronta e sim se constrói nos erros e acertos na interação com o outro (WESSLING; POTTMEIER, 2011). Logo, a violência só pode ser combatida com muita discussão e conhecimento.

Qual é a realidade da escola?

Iniciamos esta seção com uma das muitas tirinhas de Calvin, buscando assim, refletir e compreender o que enunciam as personagens nesta cena no tocante à realidade escolar.

Imagem 1 – Calvin na escola.

Fonte: Depósito do Calvin (2006 apud TOMELIN, 2007, p. 35).

A ideia de controle e domínio dos sujeitos na escola a partir da disciplina, principalmente a do corpo, nos leva também a entender que hoje (2017), muitas crianças chegam à escola sem saber como lidar com as diferenças, sem entender a individualidade e a coletividade da sala de aula. Isso porque, muitas vezes, não tiveram essas relações sociais estabelecidas em seu círculo social, em sua comunidade, anteriormente ao ingresso no ambiente escolar. Devido às mudanças nas constituições familiares, às novas vivências da vida moderna, os círculos sociais e as relações sociais dos pais também se modificaram. Isso traz à escola o desafio de estabelecer relações de trocas entre os alunos que

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transpassem o nível do conhecimento e lhes proporcione aquilo que a comunidade até então não lhe proporcionou: viver em sociedade.

Por outro lado, como notamos na tirinha de Calvin na escola (2006 apud TOMELIN, 2007), os currículos escolares também acabam permitindo a reprodução de discursos de grupos dominantes, pois “é por meio do currículo, concebido como um elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu projeto social” (SILVA, 2006, p. 10). Afirmamos isso, porque tanto a família quanto a escola precisam ser parceiras no processo de educar, de ensinar e do aprender. Lembramos ainda, que o currículo também é uma relação de poder. “O currículo reproduz – culturalmente – as estruturas sociais. [...] O currículo é um aparelho ideológico do Estado capitalista. O currículo transmite a ideologia dominante” (SILVA, 2000, p. 147-148).

Da mesma forma a qual o corpo é entendido como um objeto simbólico e dócil, é

pronto/acabado quando este também deixa de aprender. Ou seja, “é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2008, p. 118). Afim de se tornar útil, o corpo passa por processos disciplinadores que irão aprimorá-lo e restringi-lo naquele espaço e tempo, a escola. O corpo torna-se dócil, preparado para atingir suas funcionalidades com o máximo aproveitamento de seus gestos e do seu tempo (WESSLING; POTTMEIER, 2011).

Logo, a escola passa a se organizar com o propósito de controlar a todos, para que ela

possa ver os sujeitos e suas condutas de comportamento; para que ela mostre aos alunos que eles estão sendo vigiados constantemente e, que precisam ser maleáveis com a estrutura social para não serem punidos. Foucault (2008, p. 143), afirma que este poder disciplinar tanto na escola quanto fora dela

“Adestra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma multiplicidade de elementos individuais – pequenas células separadas, autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmentos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício.

Entretanto, nos questionamos, e quando esse disciplinamento, esse controle não acontece?

Em resposta a esta pergunta, Tomelin (2007, p. 31) enuncia que

a escola deve ajudar o aluno a superar as barreiras seja em direção a maturidade ou a excelência. Impedir isto é desmotivar o aluno de forma que nãotenha interesse e desmotivado ele não aprende; a segunda trata do limite como fronteira, como aquilo que não deve ser transposto.

Porém, consideramos que a disciplina quando deixa de ser uma arte, passa a ser vista como

força para moldar os sujeitos de maneira eficiente. Deste modo, treinar/disciplinar os estudantes precisa e deve ser feito usando-se poucas palavras, sem explicar, ou seja, “somente sinais sendo utilizados - palmas, gestos, simples olhares do mestre, ou ainda um aparelho de madeira. O aluno deverá aprender o código de sinais” (FOUCAULT, 1998 apud DAROS et al, 2013, p. 28928).

Para Freire (2005), a educação precisa libertar os sujeitos e lhe dar “asas para voar” para

buscar a sua autonomia no pensar e no agir em termos de aprendizagem, de vida em sociedade. Logo,

o papel do educador é proporcionar com os educandos condições para a superação do conhecimento no nível doxa para o nível logos. Estabelecem entre educador-educando uma forma autêntica de pensar e atuar. Entende o homem como ser histórico e assim inacabado e inconcluso (TOMELIN, 2007, p. 33).

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Portanto, as reflexões que estabelecemos até aqui sobre a realidade escolar no tocante à indisciplina, sinalizam para que seja repensado o currículo, bem como a prática docente. É preciso ainda buscar uma parceria mais estreita com os pais desses alunos, ditos indisciplinados. Se por um lado, temos a profissão docente já fragilizada por tantas afrontas das políticas educacionais, que não os veem favorecendo em absolutamente nada nos últimos anos; por outro lado, também é preciso ter a sensibilidade de enxergar as mazelas da vida em que muitas vezes e, tão precocemente nossos estudantes já estão inseridos e, a escola, ainda é sua única porta para mudar essa realidade.

Nesse sentido, a escola precisa exercer esse conhecimento que teoriza na prática. Com a

violência na escola, ela está desafiada a mostrar o seu papel social na comunidade em que está inserida, independentemente da classe social, cultural, econômica dos sujeitos que ali frequentam e usam aquele espaço como socialização de seus conhecimentos e de suas vivências da/na escola e não apenas para a escola como forma de controle.

Isto implica dizer, que no ambiente escolar e numa visão de que somos seres sociais, dialogamos, interagimos, trocamos ideias, também precisamos nos atentar para nossos alunos, como eles chegam até nós? Qual a bagagem que carregam? Todos são indisciplinados? O que os levaria a se comportarem assim? Essas questões que comportam a subjetividade de cada um e que as fazem ser seres únicos, singulares, é que precisamos compreender antes de qualquer julgamento que gere a violência ou discriminação. Assim, o presente estudo, busca discutir questões que sinalizam para indisciplina no ambiente escolar, pautando-se em Foucault (2008), Tomelin (2007) e Freire (2011).

Contornos metodológicos

A metodologia desta pesquisa é a cunho quali-quantitativo. O instrumento de coleta de dados baseia-se em trezentos desenhos coletados de estudantes matriculados no Ensino Médio, que frequentavam uma escola pública do Sul do país nos turnos matutino e noturno entre 2014 e 201558 a partir do seguinte comando: “O que é escola para você?”. Importante salientar que nesse artigo, fizemos um recorte dos desenhos e apresentaremos três desenhos que foram analisados a partir da Análise do Discurso de linha francesa.

No que se refere ao instrumento de coleta de dados, desenho, afirmam Bauer e Gaskell

(2013, p. 322 apud SANTOS, 2010, p. 38) que “nas imagens, os signos estão presentes simultaneamente. [...] e o sentido de uma imagem visual é ancorada pelos textos que a acompanham, e pelo status do objeto[...]”. Logo, as marcas ideológicas dos sujeitos estão presentes nos desenhos a partir daquilo que sentem, vivenciam e compreendem por escola, seja ela, um espaço de interação, de diálogo, de trocas ou de indisciplina a partir dos discursos da violência simbólica e/ou física. Ou ainda, do enxergar para além da escola, o seu entorno, as mazelas, a pobreza que vem a cada dia se tornando mais evidente e, pode representar também uma violência e apontar para aspectos de indisciplina na/para a escola-campo de pesquisa.

Análise e discussão

A escola, enquanto espaço de violência e de indisciplina, é percorrida por um movimento ambíguo: de um lado, pelas ações que visam ao cumprimento das leis e das normas determinadas pelos órgãos centrais, e, de outro, pela dinâmica dos seus grupos internos que estabelecem interações, rupturas e permitem a troca de idéias, palavras e sentimentos numa fusão provisória e conflitual (TOMELIN, 2007, p. 51).

Sendo assim, a violência e indisciplina na escola-campo de pesquisa, se manifesta a partir

dos discursos de alunos inseridos no Ensino Médio, quando a eles foi aplicado o seguinte comando:

58 Neste período estava em andamento o projeto “Os discursos acerca da (s) violência (s) simbólica e física no contexto escolar” inscrito no Núcleo de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às violências na escola - NEPRE, da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina.

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“O que é escola para você?” e a resposta deveria vir em forma de desenho. Conforme aponta Rosa (2010, p. 147),

A problemática da violência na escola, de certa forma, se reproduz na escola enquanto ambiente que instrui o cidadão para a vida e para o mundo. A Revista Veja (maio de 1996), em reportagem sobre este tema mostra que uma das principais explicações para a indisciplina na escola é a falta de educação em casa, ou seja, a socialização primária que se traduz em falta de aprendizagem. O indivíduo não assimilou regras básicas de convivência social, acha que tudo é permitido. Assim, alunos indisciplinados e mal educados atormentam professores, e estes não apresentam condições para "controlar a bagunça que se alastra na sala de aula

Assim, a educação escolar busca promover a apropriação do conhecimento científico, bem

como atitudes e valores por parte dos alunos, na e pela ação mediadora dos professores e pela organização e gestão da escola (FREIRE, 2011). Neste sentido, algumas estratégias poderiam ser usadas para a reduzir a violência/indisciplina, quais sejam: a) integração com a comunidade a partir do diálogo mais frequente, que passa a enxergar a comunidade com outro olhar, ou passa a respeitar a função social da escola e a vê como espaço de direito para Todos; b) promover atividades esportivas e culturais que podem ser feitas em parcerias e articulem o trabalho extracurricular; c) palestras com profissionais da Saúde, do Direito para tratar do tema com a comunidade escolar; d) visitas a campo para fazer levantamento dos alunos, das famílias que sofrem algum tipo de violência também em casa; e) mapeamento da situação econômica das famílias dos alunos, incluindo-se aí, o lugar onde vivem e em que condições vivem ou sobrevivem.

Essa necessidade de criar algumas estratégias para a redução da violência/indisciplina

também nos auxiliará a compreender os discursos que permeiam o ambiente escolar, conforme apresentado a partir do desenho 1, o qual reforça a insatisfação dos alunos com relação à estrutura disciplinar apresentada/imposta pela escola. Os discursos apontam para vislumbre de formas de controle sobre os corpos dos alunos, objetivando conformá-los aos ideais vigentes.

Desse modo, a escola atua sobre os alunos de modo a torná-los disciplinados e produtivos.

Destacamos que a partir da base disciplinar da qual fala Foucault (2008), as crianças são classificadas por idades e espaços de circulação. Neste sentido, ocorre uma homogeneização e controle dos corpos a partir de rotinas estipuladas por horários pré-definidos para cada tipo de atividade dentro da estrutura curricular. Além disso, a parte física, ou seja, os ambientes apresentam uma arquitetura voltada para uma distribuição espacial específica e de vigilância constante.

Desenho 1 – A negação ao modelo disciplinar da escola. – S1 (2º ano).

Fonte: As autoras.

Logo, o desenho do S1, nos remete ao que Guirado (1996 apud TOMELIN, 2007, p. 30)

discute sobre o exercício do poder a partir da disciplina, este que “atravessa o cotidiano punido” e

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passa a normalizar “as condutas”. Entretanto, esses mecanismos disciplinadores de poder acabam instigando outros comportamentos não desejáveis no espaço escolar o que corrobora com a afirmação de Guirado (1996, p. 58 apud TOMELIN, 2007, p. 30), quando o autor enuncia que

No fundo, Foucault acolhe aquilo que socialmente é considerado à margem do aceitável e lhe atribui um estatuto de existência, explicável pelos mecanismos mesmos da exclusão. Quer dizer, demostra de modo consistente como o fato de estigmatizar e reprimir, por meio de procedimentos institucionalmente legitimados e/o legalmente previstos, incita as práticas que se quer eliminar ou combater.

A visão de escola, como um mecanismo de poder na sociedade é presente nos dias atuais,

quando se trata de controlar e disciplinar o corpo e a mente dos estudantes que ali se inscrevem. Delimitar o espaço físico (muros, portões, grades), ou ainda, determinar o lugar para cada sujeito, onde deve permanecer/sentar-se (cadeira, mesa), controlar o tempo a partir do horário das disciplinas, de entrada e saída, do intervalo, sinalizam para esse controle (TOMELIN, 2007; FOUCAULT, 2008). A composição das mesas em fila na sala de aula, a fila para entrada e saída da sala, para pegar o alimento/merenda é demarcada nos desenhos dos S2 e S3. Desenho 2 – Fila para entrar na sala de aula/na escola – S2 (3º ano).

Fonte: As autoras.

A essa classificação, ordem a ser seguida, muitas vezes do menor para o maior, do mais

novo para o mais velho, reflete na/para a exclusão. No desenho do S2, é possível observar que o aluno que está por último na fileira de mesas está sentando mais ao alto por estar distante do quadro e do professor e, não segue um padrão corporal dos demais estudantes. O que pode estar implicado aí, é a necessidade também desse aluno não se identificar com a sua turma e preferir sentar-se mais ao fundo da sala, porque não seguiria os padrões do corpo “perfeito”. Isso reforça que o corpo é tratado “como um objeto de consumo”.

Desenho 3 – Alunos sentados em filas – S3 (2º ano)

. Fonte: As autoras.

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Desta maneira, “nos deparamos com um momento onde existe a aceitação ou a exclusão dos sujeitos de acordo com seus padrões estéticos. O sujeito excluído carrega um sentimento de não aceitação e tende a tentar ser aceito, se enquadrar e a acompanhar as tendências exigidas para a aceitação” ou se excluí em definitivo, como sinalizado no desenho do S3 (JATOBÁ, 2009, p. 1). Do mesmo modo, que o que evoca a partir de seu desenho, o S3, também nos faz lançar olhar para a indisciplina de muitos sujeitos que se sentem ou tornam-se excluídos também, seja pela própria família, pelo professor de sala de aula que não consegue lidar com situações como esta, ou ainda a própria turma/classe não aceitar este estudante pela sua estética corporal.

Assim, para Todorov (1996 apud TOMELIN, 2007, p. 48), podem existir “duas formas de

reconhecimento as quais todos aspiram, porém em proporções diversas: o reconhecimento de conformidade e o reconhecimento de distinção. São categorias opostas reveladoras da necessidade de ser igual ou diferente dos outros”. O que ocorre em casos como este é o aluno sair completamente dos padrões disciplinares que lhe são impostos pela escola para chamar a atenção de todos a partir de palavras grosseiras, agressão física, provocações em redes sociais entre outros.

Considerações finais

O estudo nos permitiu constatar que sem um diagnóstico da comunidade escolar não é possível compreender as atitudes e comportamento dos alunos no espaço escolar. Nesse sentido, o papel da escola deve ser juntamente com seu corpo docente, aproximar os familiares, alunos do convívio social e tentar a partir do envolvimento de todos, buscar soluções que possam contribuir para o exercício da cidadania. Consideramos assim, o ensino como uma forma de política cultural, o qual permite a partir da interação, do diálogo entre professores e alunos aprender, desenvolver-se. Desta maneira, o processo de aprendizagem e a violência/indisciplina na escola devem ser analisados considerando o contexto histórico do aluno, os vínculos, as relações com a sociedade de forma mais ampla (WESSLING; POTTMEIER, 2011).

Portanto, identificamos que a violência e a indisciplina na escola são resultantes de uma

conjuntura de sociedade e que precisa ser resolvida de maneira que não amplie e reforce ainda mais a hierarquização e exclusão dos menos favorecidos. Observamos a partir dos desenhos apresentados pelos alunos que a violência é algo presente em vários espaços e expressadas de várias maneiras. Logo, quando a violência e a indisciplina chegam à escola, elas já estão presentes em outros espaços da sociedade. Desta forma, a escola pode amenizar ou ampliar ainda mais essa violência e essa indisciplina já vivenciada e reproduzida pelos alunos. Referências ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. 6. ed. Lisboa, Portugal: Presença/Martins Fontes, 2001. ALVES, Rubem. Conversas sobre educação. Campinas: Versus Editora, 2003. AQUINO, Júlio Groppa. A desordem na relação professor-aluno. In: AQUINO, Júlio Groppa. (org). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 8. ed. São Paulo: Summus, 1996. ______. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 47, dezembro/1998. Disponível: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ccedes/v19n47/v1947a02.pdf. Acesso em: 20 jan. 2017. ARROYO, Miguel Gonzáles. Pobreza e Currículo: uma complexa articulação. Curso de Especialização em Educação Pobreza e Desigualdade Social. Módulo IV. Brasília-DF: MEC, 2015. BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1992. BRASIL. Lei Nº 4.131/2008, de 02 de maio de 2008. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/6745142/pg-2-secao-01-diario-oficial-do-distrito-federal-dodf-de-09-05-2008. Acesso em: 20 jan. 2017.

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A POLIFONIA EM PRODUÇÕES DE TEXTOS DISSERTATIVO-

ARGUMENTATIVOS DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: UMA ABORDAGEM PRAGMÁTICA

Marta Maria da Silva59 Silvio Nunes da Silva Júnior60

Resumo Partindo dos pressupostos teóricos de Ingedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias (2006), entende-se a polifonia por um fenômeno caracterizado pela presença de muitas vozes num mesmo texto, sendo assim, presente no estudo da pragmática, campo de estudo da gramática responsável pelo estudo das relações de sentido por meio de atos de fala constituídos na interação escrita da linguagem humana. Nesse sentido, objetiva-se, no presente estudo, analisar a polifonia em sentenças que constituem as relações de sentido em textos dissertativo-argumentativos. A fundamentação teórica se enquadra no campo da pragmática enfocando questões como os atos de fala de acordo com os estudos de Marcondes (2005), Austin (1990) e Searle (1969), a construção de sentidos e o processo argumentativo da produção textual intercalando com os estudos da polifonia na linguística. Foi possível constatar, através da análise dos dados, que o texto dissertativo argumentativo é constituído por diversas vozes que dialogam com o leitor e o autor do texto e que a polifonia acontece com mais precisão no modo com que o produtor de textos traz à produção resultados de pesquisas realizadas sobre o tema em que se deve fazer referência e com isso apresenta posteriormente o seu próprio ponto de vista sobre o assunto. Palavras – chave: Polifonia. Vozes. Estudo da Pragmática. Texto Dissertativo-Argumentativo. Abstract Based on the theoretical assumptions of Ingedore Villaça Koch and Vanda Maria Elias (2006), means the polyphony by a phenomenon characterized by the presence of many voices in the same text, therefore, present in the study of pragmatic, field of study of grammar responsible for study of the relationship of meaning through speech acts made in writing interaction of human language. In this sense, the objective is, in the present study, analyze polyphony in sentences that constitute the relations of sense-argumentative argumentative texts. The theoretical fits the pragmatic field focusing on issues such as speech acts according to the study Marcondes (2005), Austin (1990) and Searle (1969), the construction of meaning and argumentative process of textual production interspersed with the polyphony of studies in linguistics. It was found through the analysis of the data, the argumentative argumentative text is made up of several voices that dialogue with the reader and the author of the text and the polyphony happens more accurately the way the producer of texts brings to production results of research on the topic in which reference should be made and it later has his own point of view on the subject. Keywords: polyphony. Voices. Study of Pragmatics. Dissertative-argumentative text. Introdução Este artigo tem por objetivo identificar o fenômeno da polifonia em textos dissertativo-argumentativos de alunos do ensino médio no contexto de uma escola pública do município de Quebrangulo – AL, buscando mostrar, sobretudo, a presença dos fenômenos pragmáticos da linguagem humana na modalidade escrita, em eventos usuais da língua portuguesa.

59 Graduanda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. 60 Mestrando em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Possui graduação em Letras – UNEAL e Especialização em Língua Portuguesa – UCAM. Membro do Grupo de Estudos das Narrativas Alagoanas (UNEAL/CnpQ) e do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Línguas (UFAL/CnpQ).

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A fundamentação teórica está direcionada em primeiro plano a uma expansão de teorias

sobre os atos de fala através das concepções de teóricos atuantes na filosofia da linguagem como Austin (1990) e Searle (1969), apresentando a teoria dos atos de fala como ponto fundamental para a dinamização da pragmática como campo de estudo influente nos estudos linguísticos voltados às relações de sentido nos textos. Após isso, daremos alguns apontamentos sobre os estudos enunciativos no círculo de Bakhtin (1999), mostrando como esse autor utiliza o processo interacional para estudar a polifonia. Por fim explanaremos como foi realizada a coleta de dados, seguida da análise dos dados coletados.

Percebemos com a análise que o fenômeno da polifonia é muito recorrente nos processos interacionais da linguagem, pois da maneira em que o produtor de textos recorre a outras vozes em meio bibliográfico ou digital, apresenta ao mesmo tempo a recorrência de múltiplas vozes surgidas através da busca por informações sobre os temas a serem pesquisados, principalmente em temas atuais que norteiam o âmbito sociocultural em que os autores estejam inseridos. Os atos de fala nos estudos pragmáticos É fato que todo e qualquer ato de fala na língua portuguesa pode ser estudado por alguns pontos diferentes como a fonética, a fonologia, a morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática, a última sendo voltada para os estudos dos sentidos em termos, frases e textos nas modalidades de linguagem consideradas pelos estudos da linguística e da gramática normativa, descritiva e contextualizada como se vê atualmente.

Um dos teóricos mais lembrados quando se trata da constituição dos atos de fala nas línguas é Austin, responsável pela expansão do estudo da linguagem na filosofia contemporânea, quando não existia linguística, ou seja, antes do lançamento do Curso de Linguística Geral.

Tendo considerado que nenhum filósofo havia direcionado toda a sua teoria para os atos de fala na linguagem humana, Austin lançou a sua própria maneira de investigá-los. É possível ver que a partir disso a pragmática tomou o seu rumo e começou a ser, mesmo que pouco, expandida para investigar as práticas de leitura e produção de textos.

Isso equivale a ir além do significado das palavras e da estrutura sintática e do valor de verdade das sentenças para incluir os elementos contextuais que fazem com que o significado, em uma acepção pragmática, dê conta de mais do que é explicitamente dito na interação lingüística e torne possível a análise dos atos realizados por meio da linguagem (MARCONDES, 2005, p. 27)

É diante disso que a análise gramatical dos atos de fala passa por diversas categorias até chegar à pragmática, por isso que essa categoria só vem a ser visualizada no fim das gramáticas normativas da língua portuguesa. A pragmática vai além dos estudos estruturais e fônicos vistos nas demais categorias, correspondendo essencialmente às relações de sentido que norteiam a unção e relações entre as palavras.

A pragmática pode ser caracterizada também como o meio de relacionar termos através da linguagem em uso, esse fato pode distanciar o estudo pragmático dos padrões normativos defendidos por algumas teorias gramaticais, principalmente no que diz respeito à sintaxe, a semântica, a morfologia e os estudos fonéticos e fonológicos da língua portuguesa e outras línguas maternas e estrangeiras.

A concepção moderna de uma disciplina com o nome de “pragmática” está intimamente ligada à idéia de uma outra disciplina, com o nome de “semiótica” ou “semiologia”, que surgiu por volta do início deste século. A semiótica ou semiologia tem, como se sabe, uma dupla origem: os escritos de Charles Sanders Peirce e de Ferdinand Saussure. De um modo geral, ela pode ser caracterizada,

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segundo ambos, como a teoria geral dos sinais. A ela ficam assim naturalmente subordinadas todas as disciplinas que se ocupam de um tipo particular de sinais, como é o caso da lingüística. É a essa dupla origem da semiótica e à influência desigual de seus fundadores sobre o desenvolvimento da lingüística contemporânea que [...] remonta, pelo menos em parte, o problema da inclusão de um componente pragmático na teoria lingüística (DASCAL, 1982, p.8)

É preciso que nos lembremos das grandes contribuições que os estudos saussurianos

trouxeram para a pragmática após a criação da linguística moderna (ciência da linguagem) sabendo que a concepção de língua como um conjunto de signos foi tomada na pragmática através das concepções de jogos de linguagem presentes em ambas as modalidades. Com isso, observa-se que houve um processo de inclusão de uma teoria filosófica no campo dos estudos linguísticos, incluindo a pragmática como parte desse processo importante.

A pragmática também vem sendo um dos principais complementos para os estudos da significação próprio do estudo da semântica. Na concepção de Ilari (2000, p. 111):

Ao olhar para uma linguagem qualquer, podemos querer inventariar as expressões simples que lhe são próprias e estabelecer como se combinam para formar expressões complexas: estaremos analisando aspectos de sua sintaxe. Além da combinatória possível das expressões, isto é, das relações que os sinais mantêm entre si, podemos querer considerar as relações que eles mantêm com os objetos e com as situações do mundo: estaremos estudando esses mesmos sinais semanticamente.

Com as palavras de Ilari é possível perceber que da maneira com que um campo de estudo de expande, outras possibilidades para investigar os mais diversos fenômenos são pertinentemente observados por meio de outros olhares, é assim que a semântica vem, a cada estudo, se aproximando da pragmática. Cabe lembrar também que o campo do estudo semântico é multifacetado e complementa, além da pragmática, categorias como a sintaxe e a fonética. Na pragmática, a semântica atua como complemento, pois da maneira em que se estuda as relações de sentido em atos de fala totais (AUSTIN, 1990) e individuais (SEARLE, 1969) é preciso que se tenha algum entendimento sobre a questão dos significados norteadores das palavras presentes no léxico. A polifonia: um fenômeno pragmático Nos estudos da filosofia da linguagem, a polifonia parte do Círculo de Bakhtin, onde foram desenvolvidas as principais pesquisas sobre as chamadas “múltiplas vozes no discurso” ou “muitas vozes no texto” (KOCH, 2006). Para chegar a um entendimento mais apurado, o autor segue a linha da linguística da enunciação, - expandida em seu círculo e por Marcuschi - numa perspectiva voltada a análise da conversação e o estudo dos gêneros textuais/discursivos.

A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão (BAKHTIN, 1999, p. 132).

De acordo com Giacomelli (2005, p. 833) na linguística da enunciação “[...] abriga-se uma variedade de correntes e teorias que, tratando do fenômeno enunciação, recebem denominações diferentes de acordo com o modo como tratam tal objeto. Tendo como objeto de estudo a interação (BAKHTIN, 1999), a linguística da enunciação corresponde a um campo do estudo linguístico criado no intuito de abranger as principais correntes para abranger o texto em ambas as modalidades de linguagem, dentre essas correntes tem-se a pragmática com seus múltiplos fenômenos recorrentes na linguagem humana, assim como a polifonia.

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No círculo de Bakhtin, pode-se considerar o fenômeno da polifonia como a unção de vozes entre autor e herói, partindo de uma relação puramente estética entre o autor e o herói que “passa por um significativo refinamento quando Bakhtin analisa a narrativa de Dostoiévski” (FARACO, 2006, p. 46). Esse processo pode também ser comparado com a maneira em que o produtor de textos recorre a teorias variadas na tentativa de ancorar o seu pensamento com o outro – o herói.

Muito comparada com o dialogismo, também tido no círculo bakhtiniano, a polifonia apresenta características peculiares para distanciar-se do dialogismo. “O dialogismo acontece dentro de qualquer produção cultural, verbal ou não verbal, elitista ou popular” (PIRES & TAMANINI-ADAMES, 2010, p. 68). É pertinente observar que a polifonia ocorre de modo natural em jogos de linguagem, não tendo forças suficientes para acarretar em transformações em ambientes sociais em geral. Metodologia A coleta de dados para esse estudo foi realizada numa escola pública situada no município de Quebrangulo – AL, pertencente à rede municipal de ensino do referido município. Solicitamos, numa turma de 6º ano do ensino fundamental, que os alunos produzissem textos dissertativo-argumentativos em casa e trouxessem no dia seguinte, dando o tema “Desmatamento” como proposta central da produção. Foram coletados 15 (quinze) textos, onde denominamos 2 (dois) para a realização da análise sobre a polifonia no tópico a seguir. Os informantes aqui serão identificados como C1 e C2 para a não exposição da identidade dos mesmos, de acordo com a questão da ética na pesquisa científica. Análise de dados O tema “desmatamento” faz com que o produtor de textos recorra a diversas fontes para coletar informações como os livros, os contextos socioculturais de vivência dos indivíduos e a internet, isso pode ser visto quando C1 faz a sua introdução sobre o tema: Hoje, o desmatamento das árvores vem afetando grande parte das florestas no Brasil e em todo o mundo. De acordo com algumas pesquisas, esse é um dos maiores fatores para o aumento das queimadas e do aquecimento global, isso é extremamente prejudicial para a saúde da população que depende das árvores para respirar normalmente.

O destaque dado no trecho acima mostra que para apontar a origem da informação dada posteriormente, C1 mostra que outros estudos foram realizados para comprovar que o fato realmente vem acontecendo, logo depois, apresenta as consequências diárias observadas ao redor de quem está produzindo o texto, assim, C1 mostra tanto os fatos comprovados por pesquisas anteriores e, partindo disso, expõe as suas percepções sobre tal questão. Na introdução de C2: O desmatamento é um problema constante que ocorre principalmente no Brasil, na floresta amazônica. Imagens de satélites vistas na internet mostram que de uns anos pra cá existiu uma enorme queda do número de árvores no território brasileiro, afetando muito a saúde dos habitantes em todas as localidades. Pode-se ver, semelhantemente com o que ocorreu na produção textual de C1, que C2 dialoga mostrando que a internet foi a sua fonte de informação e o principal meio para identificar as ocorrências do desmatamento foram às imagens de satélites, alertando a queda no que diz respeito ao número de árvores na floresta amazônica situada no norte do país.

Assim, é possível ver que em ambos os casos o autor recorre ao herói para transmitir as informações necessárias para serem explanadas no processo de argumentação nos textos coletados.

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Vejamos o próximo caso no texto de C1:

Diante do que foi mencionado até o momento, é preciso que as autoridades tomem providências eficazes para resolver o grande problema que vem sendo o desmatamento no Brasil, para que o Censo do IBGE mostre melhores condições de vida para as pessoas de acordo com a melhoria da produção de oxigênio através do aumento das árvores que são uma das principais responsáveis pela nossa sobrevivência no planeta. No texto, mais precisamente, na conclusão de C1 sobre o problema do desmatamento, foi possível ver que se partiu novamente do princípio da pesquisa, pois da maneira em que o autor mostra a proposta de intervenção, o mesmo mostra de quem pode partir a solução (as autoridades) e posteriormente tende a apresentar o Censo como o meio de contabilizar a qualidade de vida das pessoas que precisam de oxigênio.

No texto de C2: O desmatamento é um tema bastante comentado na sociedade, sempre se ver pessoas comentando sobre os prejuízos isso traz para a vida das pessoas, lembrando que as florestas que existem há tantos anos são afetadas abundantemente, levando em consideração o aquecimento global e a falta de água nos rios que também vem como consequência.

O autor vem trazer nesse trecho as vozes de pessoas do seu convívio social, fazendo para isso um diálogo entre as suas próprias habilidades comunicativas com essas vozes. Diante disso, a polifonia é observada na maneira com que esse diálogo acontece de forma natural na leitura do texto escrito. Conclusão Nesse trabalho podemos constatar que os objetivos criados através das hipóteses foram atendidos, percebemos que de maneira natural o fenômeno da polifonia ocorre nos usos da linguagem para o processo de argumentação em textos dissertativos de alunos do ensino básico.

Outro fato observado foi à expansão dos estudos da pragmática que acarretam no maior conhecimento usuários da língua em contextos formais e informais, dando maior atenção à produção de textos em 3ª pessoa no contexto escolar.

Finalmente, percebemos que os atos de fala são corriqueiros e, mesmo em simples utilizações da fala e da escrita, fazem com que ocorram diversos fenômenos no que diz respeito ao sentido presente nas palavras, frases e textos que ocasionam na produção de sentidos durante a argumentação sobre assuntos sociais. Referências AUSTIN, Jhon. L. Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1999. DASCAL, M. Fundamentos metodológicos da lingüística – vol IV: Pragmática. Campinas, SP: Global Universitária, 1982. FARACO, C. A. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth. (Org.) Bakhtin conceitos-chave. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. GIACOMELLI, K. Linguística da enunciação: um campo a ser disciplinarizado. Cadernos de Estudos Lingüísticos (UNICAMP), Campinas, vol. XXXIV, p. 833-838, 2005. ILARI, R. Semântica e pragmática: duas formas de descrever e explicar os fenômenos da significação. Rev. Est. Ling, Belo Horizonte, v.9, n.1, p.109-162, jan./jun. 2000. KOCH, I. V; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006

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MARCONDES, D. A pragmática na filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. PIRES, V. L; TAMANINI-ADAMES, F. A. Desenvolvimento do conceito bakhtiniano de polifonia. Estudos semióticos, v. 6, n. 2, p. 66-76, nov. 2010. SEARLE, J. R. Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge: CUP, 1969. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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ANALISANDO OS IMPLÍCITOS NO DISCURSO ESCRITO NO

GÊNERO TEXTUAL REPORTAGEM

Marta Maria da Silva61 Silvio Nunes da Silva Júnior62

Resumo A pesquisa propõe analisar os implícitos presentes no discurso escrito no gênero textual reportagem. A discussão partirá do princípio dos estudos discursivos votados à pragmática, em seguida tem-se uma reflexão sobre a reportagem e o seu papel como gênero textual. O objeto de estudo é uma reportagem escolhida no meio digital na qual tem alguns implícitos interessantes a serem mencionados na análise dos dados. A fundamentação teórica está voltada as concepções de Ferdinand Saussure (2006) apresentando afirmações formalistas/estruturalistas, Labov (2008) com a visão sociocultural de linguagem na sociolinguística e Pauliukonis (2008) com os conceitos de implícitos junto com Fernandes (2001). Vimos, através da análise, que a presença dos implícitos é constante quando se faz a leitura de uma reportagem, o que acrescenta importantes contribuições para o estudo dos sentidos e dos gêneros textuais. Palavras – chave: Implícitos. Gênero Textual. Reportagem. Estudo dos Sentidos. Pragmática. Abstract The research aims to analyze the implicit present in the speech written in the genre story. The discussion will assume the discursive studies voted pragmatic then has a reflection on the report and its role as a genre. The object of study is a selected entry in the digital environment in which has some interesting implied to be mentioned in the data analysis. The theoretical foundation is focused conceptions of Ferdinand de Saussure (2006) featuring formalist statements / structuralist, Labov (2008) with the socio-cultural view of language in sociolinguistics and Pauliukonis (2008) with the implicit concepts along with Fernandes (2001). We have seen through the analysis that the presence of implicit is constant when makes reading a report, which adds major contributions to the study of directions and genres. Keywords: Implicit. Textual genre. Report. Study of the Senses. Pragmatics. Introdução Este trabalho tem como principal finalidade analisar os implícitos no discurso escrito no gênero textual propaganda, utilizando para isso as principais teorias da pragmática, correspondente ao estudo dos estudos na língua, abordando os implícitos como um dos seus fenômenos mais recorrentes.

Os implícitos são informações não vistas claramente na leitura de um texto, exigindo uma habilidade interpretativa significativamente relevante. Pode se apresentar em duas vertentes, como a de pressuposto e como subentendido, o que diferencia as duas formas de produção de implícitos.

A reportagem proporciona uma visão mais apurada sobre esse fenômeno, pois é um gênero muito utilizado na sociedade, o que acarreta no conhecimento dos leitores sobre o gênero sem sequer precisar recorrer aos mais diversos meios de pesquisa existentes.

61 Graduanda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. 62 Mestrando em Linguística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL. Possui graduação em Letras – UNEAL e Especialização em Língua Portuguesa – UCAM. Membro do Grupo de Estudos das Narrativas Alagoanas (UNEAL/CnpQ) e do Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem de Línguas (UFAL/CnpQ).

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Viu-se que o estudo dos implícitos foi bastante proveitoso quando analisamos os dados, atendendo as hipóteses de que um gênero tão importante para a transmissão de informações traz consigo mais informações do que o que se costuma identificar em leituras rotineiras. Os implícitos no discurso escrito Ao estudar a linguagem podemos retomar variadas teorias que envolvem os conceitos de linguagem, língua e fala. Depois de a linguística ser concebida como ciência a partir da publicação do Curso de Linguística Geral elaborado pelos alunos de Saussure na Universidade de Genebra, uma grande área foi aprofundada e com o passar dos alunos, o estudo da linguística tomou uma enorme posição nas ciências da atualidade.

No Curso de Linguística Geral, Saussure (2006) buscava descrever apenas a língua como o seu principal objeto de estudo, a denominando dentro de um padrão homogêneo sem aptidão a mudanças socioculturais. Depois, estudos diversos buscaram contestar as considerações de Saussure e explicar que o autor desmereceu a questão da fala, que se faz de grande importância na linguagem humana.

Willian Lobov (2008) foi um dos mais renomados teóricos que fizeram esse tipo de constatação, dando importância a fala e determinando que a linguagem humana é heterogênea e pronta para mudanças que são acompanhadas por meio de fatores sociais, culturais, históricos, geográficos e outros. Chomsky, mesmo estando no mesmo padrão formalista de Saussure, traz uma noção diferente, acreditando que cada pessoa nasce com uma gramática internalizada que é desenvolvida com o passar dos anos.

Tempos depois, vieram estudar os fenômenos ocorrentes na língua, o que depois veio ser categoricamente classificados como as áreas de sintaxe, seguindo mais a estrutura, a semântica, com os significados e a pragmática, com os estudos dos sentidos presentes nos textos, em suas várias tipologias e gêneros textuais que surgem a cada avanço social.

Dentre os estudos dos sentidos, é viável que muitas relações são tidas nesses, unindo também a pragmática com a semântica, em outras palavras, o sentido e o significado, especificamos aqui um dos fenômenos ocorrentes nessa unção de perspectivas linguísticas – os implícitos.

[…] conduzir o aluno ao estudo de aspectos semântico-discursivos, especificamente das noções de pressupostos e subentendidos, para o desenvolvimento de habilidades de leitura nos diversos níveis de escolaridade, com vistas a contribuir para a formação de leitores atuantes e críticos, capazes de encarar a leitura como um processo dialógico. (FERNANDES, 2011, p. 2)

Voltando a teoria para a prática de ensino em aulas de língua portuguesa é observável que a relevância de abordar as relações de sentidos nos vários textos abordados em sala de aula. Com maior especificidade no conceito de implícito, podemos lembrar que existem duas noções desse fenômeno que são de grande importância num trabalho dessa natureza – o implícito pressuposto e o implícito subentendido.

As informações pressupostas que se baseiam em informações recuperadas lingüisticamente não podem ser negadas pelo emissor e nem desconsideradas pelo interpretante de um texto, pois estão inseridas na própria língua; por isso é fundamental que sejam verdadeiras, porque é a partir delas que se constroem as argumentações; se forem falsas, todo o raciocínio decorrente delas também será. (PAULIUKONIS, 2008, p. 1919)

O implícito pressuposto vem sendo apresentado de maneira intencional, ou seja, quem elabora o texto e constrói implícitos pressupostos nele, já deve ter conhecimento da facilidade do

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leitor em identificá-los e interpretá-los de maneira particular, dependendo do seu contexto formativo, sempre seguindo a verdade, como a autora já mencionou.

Os implícitos subentendidos,

[...] são informações que não estão marcadas lingüisticamente, mas encontram-se “insinuadas” por trás de uma afirmação e podem ser recuperadas a partir da análise da enunciação de um texto. Já vimos essa recuperação de sentido no exemplo anterior, ao tentarmos justificar a expressão até o governador, pela possibilidade de que o bombeiro tenha morrido heroicamente e a presença de uma autoridade maior vem confirmar esse raciocínio. (ibidem, p. 1920)

Esse tipo de implícito é o mais visto no convívio social, principalmente em textos publicitários, propagandas e reportagens, onde o escritor tem conhecimento da presença do implícito, mas não almeja uma fácil compreensão dos leitores, por isso a autora nos mostra que este é “insinuado”.

Os conceitos apresentados fazem com que refletimos bastante sobre os fenômenos existentes no processo de compreensão de sentidos nos mais diversos textos. Por esse motivo, podemos denominar um ou mais gêneros textuais para identificar esses fenômenos, como aqui especificaremos o gênero reportagem. A reportagem como gênero textual Um dos gêneros textuais mais encontrados no convívio diário é a reportagem. Na concepção de Faria e Zanchetta (2002) ela tem como principal objetivo dar a devida importância a um assunto que esteja em recorrência na sociedade, transmitindo informações mais específicas sobre o mesmo.

Tendo essa finalidade, é importante que a reportagem seja adotada como gênero no intuito de facilitar as abordagens sobre texto e informação em sala de aula, com isso, a reportagem, além de gênero textual se apresenta também como gênero discursivo e gênero escolar.

Sodré e Ferrari (1986) expõem três modelos de reportagem importantes principalmente na

área jornalística, como: reportagem de fatos, reportagem de ação e reportagem documental. A reportagem de fatos é direcionada a uma perspectiva mais atual e presente, explorando fatos diários e emergentes, a reportagem de ação tem sua importância por ir até locais concretos para coletar e apresentar informações mais específicas e a documental vem para utilizar a língua escrita para criar materiais importantes de acordo com as informações.

Bueno (2011) mostra mais algumas características da reportagem, como: causas e efeitos do

fato ocorrido, detalhamento do fato, soma de versões, engendramento de informações, indícios claros de personalização, narrativa com inquérito e entrevista, fixação de uma notícia, retrato a partir de um ângulo pessoal. Com isso, utilizamos essas faces da reportagem para analisar os implícitos tidos numa abordagem no tópico a seguir. Análise dos implícitos na reportagem A análise aqui apresentada partirá da reportagem de fatos a seguir:

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Fonte: http://infoener.iee.usp.br/scripts/infoener/hemeroteca/EmDiaComEnergia/ Iniciando pelo título, é observável que a afirmação leva o leitor para uma abordagem sobre os fatores que acarretam ao consumo do diesel no Brasil, um deles pode ser o problema da manipulação de combustíveis nos postos de gasolina, ou pode está relacionado com a produção de automóveis com baixa escala de economia.

No trecho “O consumo de gasolina também cresceu em setembro” pode-se visualizar uma tentativa de causar reflexões sobre a alta situação econômica exigida para o mantimento de automóveis no Brasil, seja apenas como uma informação recorrente, como também, como um alerta aos motoristas que diariamente fazem uso desse tipo de transporte para o deslocamento por questões pessoais ou como meio eficaz de trabalho.

Em “Os demais derivados de petróleo tiveram alta de consumo”. Nesse trecho, é possível ver que o autor construiu o implícito ao direcionar o olhar do leitor para um sentido macro (abrangente) sobre de onde vem os combustíveis com preços elevados, dando à responsabilidade as empresas responsáveis pela extração e manipulação de petróleo.

Já ao final da reportagem é tida uma explicação sobre o GNV – Gás Natural Veicular que, diferente dos outros combustíveis, teve queda de preço no mesmo período, onde pode-se levar os leitores a ter o gás natural como um combustível mais apropriado para o uso, pois custa menos no bolso dos consumidores que estão lendo.

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Conclusão Nesse trabalho foi possível visualizar constantemente os implícitos no decorrer da leitura do gênero textual reportagem. Também foi possível perceber o enorme avanço dado pelos estudos linguísticos desde muito tempo atrás, o que impactou positivamente nas pesquisas atuais.

Na pragmática percebemos grandes métodos para analisar os sentidos, o que trás para os estudos linguísticos uma maneira abrangente e exploratória de se explanar as relações de sentido, dando espaço para a divulgação dos mais diversos olhares aos fenômenos que provocam efeito de sentidos.

Foi interessante também visualizar a presença dos implícitos no processo de leitura e interpretação do gênero textual, propiciando que a mais diversa classe de leitores possa desenvolver a competência comunicativa e, sobretudo, de saber encarar a realidade textual e emergente dos textos mais vistos na sociedade atual. Referências BUENO, L. Os gêneros jornalísticos e os livros didáticos. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011. FARIA, Maria Alice de Oliveira; ZANCHETTA, Juvenal. Para ler e fazer o jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2002. FERNANDES, N. M. Desenvolvimento de habilidades de leitura de textos a partir de análise de pressupostos e subtendidos. Disponível: <http://www.filologia.org.br/ixsenefil/anais/11.>. Acessado em: 12. mai. 2016. LABOV, W. Padrões sociolingüísticos. Tradução: Marcos Bagno. São Paulo: Cultrix, 2008. PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Texto e discurso: os processos de desvendamento inferencial. In: MAGALHÃES, José Sueli de; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Múltiplas perspectivas em Lingüística. Uberlândia: EDUFU, 2008. p. 1918-1925. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Säo Paulo: Cultrix, 2006. SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. 5. ed. São Paulo: Summus, 1986. Enviado em 30/04/2016 Avaliado em 15/06/2017

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CONCEPÇÕES DOS DISCENTES DO CURSO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA SOBRE A MODALIDADE EJA

Simone Silva Alves63 Vitor Garcia Stoll64

Quelen Colman Espíndola65 Resumo Este trabalho tem por objetivo compreender a concepção dos licenciandos de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN), da Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito, RS, Brasil, acerca da modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A pesquisa é de natureza qualitativa. Utilizou-se, como metodologia, a Análise de Conteúdo e, como instrumento para coleta de dados, um questionário semiestruturado. O público-alvo foram os acadêmicos do sétimo semestre e o critério de escolha deu-se por eles ainda não terem realizado o Estágio Supervisionado. Resultados indicam a necessidade de um componente curricular obrigatório que aborde a EJA para formação de professores. Palavras-Chave: Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza; formação de professores; modalidade EJA. Resumen Esta investigación intenta comprender la concepción de los licenciandos en “Licenciatura em Ciências da Natureza” (LCN), de la Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito, RS, Brasil, sobre la modalidad de Educación de Jóvenes y Adultos (EJA). La investigación es de naturaleza cuantitativa. Se utilizó, como metodología, el Análisis de Contenido y, como instrumento de búsqueda de datos, un cuestionario semiestructurado. El público destinatario fueron los académicos del séptimo semestre y el criterio de elección se dio porque ellos aún no hicieron sus Prácticas Supervisada. Resultados indican la necesidad de un componente curricular obligatorio que aborde la EJA para la formación de los maestros. Palabras claves: Curso de Licenciatura en Ciencias de la Naturaleza, formación de maestros, modalidad EJA. Introdução

Este trabalho possui informações e reflexões obtidas a partir da concepção dos acadêmicos

do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza (LCN), da Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito/RS, acerca da modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O referido curso foi criado no primeiro semestre do ano de 2012, tendo como proposta a

interdisciplinaridade, sendo o profissional em Ciências em da Natureza capaz de atuar como professor de Ciências nas séries finais do Ensino Fundamental e através do domínio científico da Química, da Física e da Biologia no Ensino Médio.

Além dos componentes curriculares obrigatórios e das atividades complementares de

graduação, o licenciando em Ciências da Natureza deverá cumprir 420 horas de Estágio Curricular Supervisionado, em concordância com a resolução de número 02 do Conselho Nacional de Educação que instituiu o mínimo de 400 horas destinadas à prática escolar (BRASIL, 2002).

63Prof.ª Adjunta da Universidade Federal do Pampa – Campus Jaguarão, RS, Brasil. [email protected] 64 Licenciando em Ciências da Natureza, Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito, RS, Brasil. 65 Licencianda em Ciências da Natureza, Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito, RS, Brasil.

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Neste sentido, os Estágios Supervisionados desse curso são organizados em quatro componentes curriculares: observação e vivência do contexto escolar, observação e vivência da sala de aula; regência no Ensino Fundamental e regência no Ensino Médio. Ambos estimulam a formação investigativa, em que os graduandos produzem, ao longo de seus estágios, notas de campo e diários reflexivos para que, em um primeiro momento, seja utilizado como instrumento de formação docente e, posteriormente, como objeto de análise para a produção do artigo ou relatório de conclusão do componente curricular.

O estágio I tem por objetivo reconhecer e problematizar o contexto da escola e de seu

entorno, bem como, conhecer o Projeto Político Pedagógico e o regimento da escola, na qual o graduando está inserido. Já o estágio II é destinado à elaboração, desenvolvimento, análise e reflexão acerca de um projeto interdisciplinar de intervenção desenvolvido em sala de aula. Durante os estágios III e IV, os acadêmicos planejam e ministram atividades práticas de docência no Ensino Fundamental e Médio.

Destaca-se que o curso de LCN é noturno, o que contribui para que muitos acadêmicos

que trabalham durante o dia, acabem por desenvolver seus Estágios Supervisionados e Práticas Pedagógicas na EJA, já que, no município de Dom Pedrito, a modalidade é ofertada, somente, no turno da noite.

Desse modo, torna-se relevante essa investigação, uma vez que, a missão do referido curso

é formar profissionais preparados para compreender a realidade social na qual se insere a escola em que atuará, tendo o profissional em Ciências da Natureza dinamismo para atuar diante das rápidas transformações da sociedade (UNIPAMPA, 2015). Essa missão vai ao encontro das ideias-chave defendidas por Arroyo (2003), Freire (2011), Hoffman (2014) e Pinto (1984), na qual, se deve trabalhar a partir do contexto vivenciado pelos educandos.

A EJA, no seu conceito normativo, é uma modalidade de ensino da Educação Básica,

destinada a jovens e adultos que não tiveram acesso ou não concluíram o Ensino Fundamental ou Ensino Médio na idade apropriada, tendo assegurado por lei o ingresso à educação gratuita na especificidade de seu tempo (BRASIL, 1996).

Conforme o Parecer 11/2000 do Conselho de Educação Básica, a EJA tem, por objetivo,

não somente o reconhecimento da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano, mas também a reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, reconhecendo que o conhecimento é composto por um processo permanente adquirido ao longo da vida (BRASIL, 2002).

Assim, torna-se relevante investigar a formação de professores para a atuação na EJA, pois,

entende-se que essa modalidade é um campo de práticas e reflexões que extravasa os limites da escolarização em sentido restrito. Abarca processos formativos diversos, nos quais podem ser incluídas iniciativas visando à qualidade profissional, o desenvolvimento comunitário, a formação política e diversas questões culturais pautadas no espaço escolar e fora dele.

Metodologia

Os dados utilizados nesse trabalho foram obtidos por meio de um questionário qualitativo,

aplicado, no mês de março do ano de 2016, aos acadêmicos do 7º semestre do Curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, da Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito, RS. Foi escolhido o 7º semestre como público-alvo, pois, neste momento da formação, eles já fizeram a observação do contexto escolar, porém, ainda não realizaram a regência em sala de aula.

Metodologicamente, os dados empíricos dessa pesquisa foram explorados por meio da

Análise de Conteúdo descrita por Bardin (1977), na qual, primeiramente, realizou-se a leitura flutuante dos questionários. Após, transcreveram-se as respostas em uma planilha do excell. E,

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posteriormente, foram criadas categorias de análise para as perguntas utilizadas no questionário. As questões foram analisadas em duas dimensões: os desafios que os estagiários acreditam que irão enfrentar nos estágios na EJA e se se consideram preparados para atuar na modalidade. Assim, “[...] o fundamental é o conhecimento do processo em si e não apenas os resultados, bem como sua atenção especial aos pressupostos que estão subjacentes à vida das pessoas” (TRIVIÑOS, 2001, p, 83).

Ao todo, foram entrevistadas dez graduandas (todas do sexo feminino) com idades

compreendidas entre 22 e 51 anos, tendo uma representatividade de 66% do número total de licenciandos que já realizaram o Estágio Observatório.

É relevante destacar que três pesquisadas já tiveram contato com a EJA (uma delas já

trabalhou como alfabetizadora na modalidade, realizando também, o estágio observatório na EJA e as outras duas realizaram uma prática na modalidade). Além disso, 60% das licenciandas admitiram conhecer parcialmente a legislação que rege a modalidade, enquanto que 40% não conhecem a legislação da EJA.

Resultados e Discussões.

Inicialmente, foram analisadas as respostas dos sujeitos para as questões que buscam

analisar quais os desafios que as licenciandas acreditam que irão enfrentar nos Estágios Supervisionados na modalidade EJA. O quadro 01 mostra as quatro categorias-chave emergentes: “diversidade”, “metodologia”, “motivação” e “conteúdo”.

Licencianda Trechos das respostas Categorias

Div

ersi

dad

e

Co

nte

úd

o

Mo

tivaç

ão

Met

od

olo

gia

Licencianda 01 Não saber lidar com as diferenças de concepções dos alunos e não encontrar metodologias que os instiguem.

X X

Licencianda 02 Vai ser difícil lidar com as diferentes idades e também desenvolver uma metodologia adequada.

X X

Licencianda 03 Contextualizar o conteúdo com a realidade dos alunos. X

Licencianda 04 O mais difícil vai ser lidar com a diversidade, eles são muito diferentes: diferentes idades, pensamentos, culturas.

X

Licencianda 05 O grande desafio é motivar os alunos para que realizem as atividades propostas em sala de aula. E também encontrar uma metodologia que não torne muito maçante o conteúdo.

X X

Licencianda 06 Dificuldade vai ser motivar os alunos. Pois é outro público, diferente daqueles que estamos estudando para lecionar.

X X

Licencianda 07 Desafios muitos, pois pelo que escuto de professores que trabalham com esta modalidade é que temos que "pegar leve", ser mais superficial nos conteúdos. [...] Mas pode ser também que isso seja apenas uma concepção equivocada destes professores e quando for eu consiga fazer um trabalho aprofundando os conteúdos.

X

Licencianda 08 Justamente esse foco mais voltado ao aluno. Compreendo que a ideia da EJA seja que o aluno, a partir de sua bagagem, construa o seu conhecimento. Mas é difícil perceber uma metodologia adequada.

X

Licencianda 09 Por ser uma proposta diferenciada creio que terei que estudar mais para ser uma boa professora nessa modalidade e conseguir contextualizar o conteúdo com a realidade deles.

X

Licencianda 10 A única dificuldade é a conciliação entre uma boa metodologia e tempo para aplicação.

X

Quadro 01: Categorização dos desafios que as licenciandas acreditam que irão enfrentar na EJA. Fonte: dados tabulados pelos autores.

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A categoria diversidade dos educandos foi citada em quatro respostas (40%) como sendo um

desafio a ser superado se forem lecionar na modalidade EJA. Souza (2011) e Brunel (2014) destacam que, principalmente até a década de 1990, a maioria dos educandos da EJA eram idosos que ingressavam na alfabetização e adultos que buscavam a certificação com vistas a um emprego melhor ou promoção no seu local de trabalho. Atualmente, há uma crescente no número de jovens e adolescentes nos ambientes escolares da EJA, o que demonstra um novo perfil de educandos, ainda heterogêneo.

Na categoria conteúdos, identificada em três respostas (30%), duas licenciandas destacaram a

dificuldade de contextualização. Já a licencianda sete, ao mesmo tempo em que possui a concepção do senso comum de que na EJA o conhecimento é superficial, também demonstra o desejo de ensinar o conteúdo científico com profundidade na modalidade.

Freire (2011) e Hoffman (2014) defendem que, principalmente na EJA, o domínio e a

contextualização do conteúdo com a realidade dos educandos é indispensável para a construção de uma educação libertadora. Complementarmente, Pinto (1987) destaca que contextualizar o conteúdo não é – apenas – exemplificar com algum fato isolado do cotidiano, é desenvolver no educando a capacidade aplicar o conhecimento construído em seu cotidiano.

A categoria motivação foi percebida em duas respostas (20%). As licenciandas cinco e seis

destacaram que o grande desafio de atuar na modalidade vai ser “motivar os alunos para que realizem as atividades propostas em sala de aula”. Já a categoria metodologia foi a mais citada, sendo detectada em 50% das respostas. Nas falas das licenciandas um, dois, cinco, oito e dez fica nítida a incerteza de que metodologia utilizar na EJA.

Neste sentido, percebe-se que todas as categorias-chave emergentes sinalizam para a

necessidade de repensar a formação de professores de LCN para lecionar na EJA. Tal presunção complementa-se com as respostas expostas no quadro 02, que, ao serem questionadas se se consideram preparadas para atuar na EJA, 50%disseram não, 40% disseram que estão preparadas e 10% não souberam opinar.

Licencianda Trecho da resposta

Licencianda 01 Não, pois é uma realidade e um contexto de sala de aula diferente daquele que frequentemente estudamos. Os alunos da EJA possuem mais vivências e têm foco na preparação e/ou aperfeiçoamento profissional.

Licencianda 02 Acredito que estamos nos preparando para sermos professores e devemos aceitar desafios para nosso conhecimento.

Licencianda 03 Não. Pois geralmente as turmas de EJA são bastante heterogêneas, muitas vezes com alunos com faixa etária de 18 a 60 anos ou mais. Como fazer? Não recebemos uma formação que responda a este questionamento, teremos que inventar algo para desempenhar um trabalho que contemple a todos.

Licencianda 04 Não sei, porque ainda não adquiri experiência com a EJA.

Licencianda 05 Não, este não é o tipo de público com o qual tenho afinidade para trabalhar.

Licencianda 06 Sim. Creio que será muito bom trabalhar com esta faixa etária.

Licencianda 07 Na verdade, preparada não, mas não somente na EJA como em outra modalidade de ensino. Precisarei de muito esforço e estudo para desenvolver meu estágio com êxito

Licencianda 08 Não, porque percebo que o foco é bem diferente do que estamos sendo preparados. Até a frequência é considerada, e a construção do conhecimento parece que fica em segundo plano.

Licencianda 09 Acho que não, a modalidade é diferente daquela que estamos sendo preparados para lecionar.

Licencianda 10 (...) Acredito que sim. Porém exige um pouco mais de estudo e planejamento da parte do professor.

Quadro 02: Fragmentos das respostas das licenciandas pesquisadas. Fonte: dados tabulados pelos autores.

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Nas falas das licenciandas um, três e oito, fica explicito que a realidade da EJA é diferente daquela que o Curso de LCN está estruturado para atuar. Desse modo, denota-se a necessidade da criação de um componente curricular específico sobre EJA no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza.

Conclusões

Nota-se que as salas de aula da EJA são constituídas por sujeitos que possuem vivências,

crenças, costumes e hábitos adquiridos ao longo da vida (FREIRE, 2011). Para lecionar nessas turmas, o professor precisa reconhecer e respeitar a diversidade de cada educando, buscando formar cidadãos críticos (PINTO, 1984), que consigam enxergar e aliar o conhecimento científico ao cotidiano de forma significativa.

A EJA é uma modalidade da educação popular (FREIRE, 1993) que tem, por objetivo,

proporcionar a igualdade de direito entre todas as pessoas, independentemente das particularidades de cada sujeito. Para fazer isso, é indispensável que os graduandos adquiram subsídios teóricos que possibilitem compreender as modalidades de ensino para que possam executar, na escola de aula, uma práxis libertadora (HOFFMANN, 2014; FREIRE, 1993).

Quanto às incertezas dos graduandos do Curso de LCN, talvez essas pudessem ser

minimizados se fosse inserido um componente curricular obrigatório ou optativo específico sobre Educação de Jovens e Adultos e Educação Popular no Projeto Pedagógico do curso (PPC). Assim, estes poderiam refletir, entender e compreender as políticas públicas da EJA de forma significativa antes do desenvolvimento do estágio prático.

Um dos pontos a serem destacados no Curso de LCN é que alguns projetos de Ensino,

Pesquisa e Extensão do Campus, assim como algumas práticas e leituras desenvolvidas em sala de aula, são direcionados e/ou executados na temática da EJA. Porém, mesmo não sendo uma solução definitiva, o estímulo dessas práticas pode – provisoriamente – proporcionar aos graduandos o conhecimento um pouco mais abrangente sobre modalidade, bem como a compreensão sobre o funcionamento e a avalição na EJA.

Portanto, o Ensino de Ciências na EJA deve ser ministrado de modo a contribuir para

autoformação das pessoas, ensinando a viver, a assumir a condição humana e a se tornar cidadãos críticos. Sendo assim, é possível compreender a ação educacional como um meio de formação, no qual estão inseridos valores e princípios que visam promover o reconhecimento do todo e das partes: educandos e educadores.

Referências ARROYO, M. Reflexão sobre Educação de Jovens e Adultos na perspectiva da proposta de reorganização e reorientação curricular. São Paulo: Autêntica, 2003. ARROYO, M. Educação de Jovens e Adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, L. J. G. et. al. Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BRASIL. Lei n.º 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. BRASIL. Parecer n.º 11/2000. Conselho de Educação Básica. Brasília, 2000. BRASIL. Resolução n.º 02/2002. Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno. Brasília, 2002. BRUNEL. C. Jovens cada vez mais jovens na Educação de Jovens e Adultos. 3 ed. Porto Alegre: Mediação, 2014. DAYRELL, J. T. A juventude e a Educação de Jovens e Adultos: Reflexões iniciais – novos sujeitos. In: GOMES, N. L. Diálogos na Educação de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

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A MÍDIA TELEVISIVA E SUA MANIFESTAÇÃO NA ESCOLA

Susana Angelin Furlan66 José Milton de Lima67

Resumo A presente pesquisa assumiu como objetivos compreender as manifestações televisivas nas culturas lúdicas das crianças e a mediação que é realizada pelas professores com relação a esse conteúdo. Utilizou-se como aporte teórico a Sociologia da Infância e a Comunicação Social. A metodologia empregada foi a pesquisa do tipo etnográfica. Os resultados mostram que as crianças brincam com enredos televisivos e a mediação não é realizada como deveria. Palavras-chave: Mídia televisiva, Ludicidade, Mediação. Abstract This research took over as goals understand television demonstrations in playful children and crops the mediation which is held by teachers with respect to such content. It was used as a theoretical contribution to the sociology of childhood and the media. The methodology used was the research of the ethnographic type. The results show that children play with television plot and the mediation is not performed as it should. Keywords: Television media, Playfulness, mediation. Introdução

A Educação Infantil do ponto de vista legal é:

A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade em seus aspectos físico, afetivo, intelectual, linguístico e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 2009, p. 03).

Sendo assim, conhecendo a finalidade da Educação Infantil, buscamos nesse contexto,

desenvolver a presente pesquisa com o objetivo de verificar a influência da televisão nas culturas lúdicas de crianças entre 3 a 5 anos de idade, visto que é inegável o contato delas com os meios de comunicação de massa, em especial a televisão. Fato constatado por meio das mudanças econômicas, sociais, culturais que provocam profundas transformações na vida das crianças. Desse modo, a nova companhia da maioria das crianças é a televisão – meio de informação, entretenimento, desenvolvimento de hábitos e fomentadora das culturas da infância.

66 Mestranda do Programa de pós-graduação em Educação da FCT-UNESP de Presidente Prudente, bolsista Fapesp com a temática tempo e Educação Infantil. Graduada em Educação Física pela FCT-UNESP, campus de Presidente Prudente, com experiência de três anos como bolsista de Iniciação Cientifica financiada pela CNPQ-PIBIC na temática de Mídias televisivas e Educação Infantil. Atuou também em outro projeto de extensão em seu primeiro ano, com foco na valorização das Culturas da Infância. Participa do grupo de pesquisa intitulado como :Cultura Corporal de Movimento, Saberes e Fazeres coordenado pelo Professor Doutor José Milton De Lima/ Márcia Regina Canhoto de Lima. 67 Possui Licenciatura Plena em Educação Física e Graduação em Pedagogia, concluiu o mestrado em 1995) e o doutorado em 2003 no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP de Marília. Concluiu o primeiro Pós-Doutorado em 2008, junto à Faculdade de Ciências de Bauru, abordando o tema: Cultura Lúdica e Televisão na Infância: implicações para a prática educativa e o segundo Pós-Doutorado na Universidade de Salamanca na Espanha, no ano de 2013. Atualmente atua como Docente no Departamento de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP - Campus de Presidente Prudente. É líder do Grupo de Pesquisa: Cultura Corporal: saberes e fazeres e coordena o Centro de Estudo e Pesquisa em educação ludicidade, infância e juventude.

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Dentro da brincadeira, as crianças encontram êxito para novas relações e a experimentação

de emoções diferenciadas. Porém, assim como argumenta Borchorny (2012) para as crianças, assistir televisão e brincar não é a mesma coisa, visto que a brincadeira com parceiros é sempre preferível, é dentro dela que há ação e compartilhamento cultural. Assim, pela reconhecida importância da ludicidade nessa fase da vida, analisaremos a partir das brincadeiras, os conteúdos culturais advindos da televisão.

Metodologia

Utilizamos a metodologia qualitativa, que não tem uma dimensão quantificável, mas sim interpretativa. Segundo Richardson (1989, p.6) uma metodologia qualitativa:

[...] pode descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos.

Empregamos uma adaptação da etnografia, segundo Ludke e André (1986, p.14) “a

etnografia é a descrição de um sistema de significados culturais de um determinado grupo”. A pesquisa se caracteriza como do tipo etnográfica, por que na área educacional, há alguns

requisitos adaptáveis, ou seja, que não necessitam ser rigidamente seguidos, como, por exemplo, uma longa permanência do pesquisador no campo de pesquisa, o contato com outras culturas e o uso de muitas categorias sociais de análise, assim o que se faz é uma adaptação do estudo etnográfico (ANDRÉ, 2003).

O grupo pesquisado é formado por 180 crianças de 3 a 5 anos e 8 educadoras de uma

instituição de Educação Infantil, localizada no município de Álvares Machado-SP. Como abordagem metodológica, optamos, por ser um observador participante. Como

afirma Ludke e André (1986) para se comportar como tal:

(...) o pesquisador deve tentar encontrar meios para compreender o significado manifesto e latente dos comportamentos dos indivíduos, ao mesmo tempo que procura manter sua visão objetiva do fenômeno. O pesquisador deve exercer o papel subjetivo de participante e o papel objetivo de observador, colocando-se numa posição impar para compreender e explicar o comportamento humano. (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 15).

As observações aconteceram uma vez por semana, durante todo o período letivo. A

pesquisadora acompanhou, em média de cinquenta minutos, as atividades lúdicas das turmas e anotava em diário de campo as relações entre crianças / adultos e crianças / crianças, ressaltando também suas atitudes, diálogos e expressões.

Ademais, a base teórica, conta com as contribuições, através da discussão de materiais

sobre a Sociologia da infância, que ocorrem quinzenalmente, no CEPELIJ (Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Ludicidade, Infância e Juventude), que conta também com os aportes de mestrandos, doutorando e docentes da UNESP.

Discussão e resultados

Quando adentramos no ambiente escolar, o que nos chamou a atenção para a mídia televisiva e sua repercussão foram os artefatos culturais encontrados, como exemplo podemos citar os calçados, camisetas, mochilas, shorts, e brinquedos que são estampados pelos desenhos

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animados que hoje as crianças tem acesso. O destaque está na animação de longa metragem “Frozen” que mais apareceu na escola durante este período da pesquisa.

Figura 1- Fonte: elaborada pelo próprio autor Figura 2- Fonte: elaborada pelo próprio autor.

Figura 3- Fonte: Elaborada pelo próprio autor Figura 4- Fonte: elaborada pelo próprio autor

Além de visualmente, a cultura televisiva estava nas falas das crianças, seja quando brincavam umas com as outras, ou mesmo falavam com a pesquisadora que frequenta alguns momentos com as crianças. Para melhor entendermos esses relatos, exemplificaremos com algumas notas do diário de campo.

Em uma observação em que as crianças brincavam com o “fundo do mar”, uma

brincadeira trazida por um projeto de extensão que ocorre na escola, as crianças tiveram que, enfrentar vários obstáculos e ainda falar o que elas sabiam sobre o mar. Durante a atividade que claramente utilizava de muita imaginação, um fato nos chamou a atenção, quando uma das bolsistas perguntou se eles conheciam piratas, todos entoaram um sim. Rafael68 foi além e disse que conhecia um do desenho do “Bob Esponja”.

Durante a construção de uma peteca, pudemos69, observar Gabriel70 ao brincar com seu

colega, pegou um pano preto que havia recebido e disse “eu sou o Batman”, fazendo daquele pedaço de TNT uma capa, começou a brincar de luta, utilizando do desenho por ele apropriado.

Por vezes ainda as crianças nos relatavam partes de filmes que assistiram para exemplificar

situações por elas vivenciadas ou inventarem brincadeiras novas, como o “pega-pega Frozen” que é um pega-pega congela que conhecemos só que utilizam do desenho para enriquecer a imaginação e dizer que aquele momento o pegador é a Elsa (personagem da animação).

68 Nome Fictício 69 Diário de campo 9 de Novembro de 2015. 70 Nome Fictício

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Imperativo se faz destacar que os conteúdos televisivos que apareceram mais dentro dos diálogos das crianças e nos outros momentos que perguntamos para as professoras sobre o comportamento das crianças frente a cultura televisiva, foram os desenhos animados.

Carvalho (1997), afirma que os desenhos animados por ter sempre o bem e o mal, e todas

as histórias que o cercam, auxiliam as crianças na busca pela própria identidade, por isso é uma das programações preferidas pelo público infantil. Esses são caracterizados sempre por um mundo de fantasia e humor, imagens em ação, diálogos e som, além de trocas de personagem e cenários muito coloridos, sendo segundo Fischer (2007) um mundo que por excelência, tudo é possível.

Ainda segundo Carvalho (1997, p.21):

os desenhos “ falam a linguagem infantil porque neles foi abolida a racionalidade do mundo adulto. [...] ,contam com uma linguagem áudio-visual potentíssima para captar a atenção das crianças, alcançando sua mente e sensibilidade, permitindo a criança identificar-se com os personagens, seus conflitos e problemas. Os desenhos animados distraem, divertem, mas sobretudo, socializam as crianças, pois, permitem-nas participar de formas culturalmente aceitas e pré-concebidas de compreender a si mesmo, aos outros, e ao mundo social.

A brincadeira por si só tem muita importância para as crianças pois é uma atividade

essencial na infância, segundo Sarmento (2002), porém cada vez mais essa atividade é negligenciada para que os conteúdos dos saberes linguísticos e matemáticos sejam antecipados, numa antecipação do ensino fundamental. Sendo essa uma das preocupações de nossa pesquisa observamos também a tristeza que as crianças aparentaram quando souberam que o projeto de extensão não acompanharia as crianças na outra escola, ou quando Saulo 71 relatou ter saudade da creche porque lá tinha parquinho e sua atual escola não.

Ainda, pelas nossas observações entendemos que as situações que as crianças falam e

expressam quanto à televisão não é mediado pelas docentes de forma a enriquecer as brincadeiras ou mesmo problematizar situações. Percebemos em diálogos que as docentes entendem que esses conteúdos devem ser tratados em casa e não na escola.

Em uma conversa com a professora sobre a mediação que ela entendia ter de ser feita em

casa, foi-nos relatado um caso que mereceu nossa atenção: Sobre o acompanhamento dos pais na hora de assistir televisão? Eu acho que não é bom. Quando estão com certos pais, não todos, mas eles assistem muita coisa imprópria para a idade deles porque os pais querem assistir. Eles apresentam aqui na sala, coisas que não era para eles terem assistido. Tenho dois casos críticos, um que o Rafael72 dormia dentro da sala porque dizia que assistia tv até tarde com o pai. Tivemos que chamar o pai dele para conversar. E o Felipe73 que apresentava umas falas muito estranhas e descobrimos que ele assistia filmes impróprios com o pai. Isso é um absurdo. Lógico que tem pais que assistem e mostram coisas boas, mas temos de tomar cuidado. (Depoimento de uma professora- Diário de Campo)

É necessário tomar cuidado para não generalizar comportamentos, afinal acreditamos, com

base nos autores, que os conteúdos televisivos podem ser resignificados pelas crianças, com a ajuda dos adultos e da discussão que eles podem proporcionar de forma crítica, aproveitando elementos da cultura televisiva.

71 Nome Fictício 72 Nome Fictício 73 Nome Fictício

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Outra educadora nos mostra um posicionamento que merece também ser destacado. A relação depende se for mediada pelos pais eu creio que ela é positiva para a criança, um programa educativo, e tem que ser só um período do dia, não é também porque é um programa educativo que tem que deixar a criança 12 horas em frente a televisão. Elas demonstram que assistem sim, eles comentam até quando descemos pra assistir vídeo, elas falam “na minha casa eu tenho esse, tenho dvd”, Esse ano a turminha parece assistir mais desenhos infantis. As meninas brincam bastante de contos de fadas, os meninos montam as armas e brincam de super-herois, acho que é por conta do que assistem. Eles aparentam assistir mais desenhos animados mesmo. Eu acho que a televisão ajuda no brincar e na imaginação. Justamente porque às vezes acabamos percebendo que sozinhos eles não conseguem brincar, ai precisa mesmo de alguém ou algo para mediar e dar ideias, ai vem a televisão e a importância de um adulto para instruir a brincadeira e a televisão.(74Fátima- professora do infantil II).

Segundo Lima e Betti (2011, p.227), no momento em que as manifestações televisivas são

incorporadas na cultura lúdica das crianças, elas se tornam uma das “instâncias em que as crianças produzem sentidos próprios para os conteúdos televisivos” e a escola, deve valorizar esses interesses e cabe aos professores, “um “que-fazer” ou pelo menos, saber o que não fazer; proibir as brincadeiras!” Referências ANDRÉ, Marli Eliza D.a. de. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 2003 LIMA, J.M.; BETTI, M. Cultura lúdica Infantil e Televisão: implicações para a prática educativa. Em: GUIMARÃES, C. M; DI GIORGI, C.A.G,; MENIS, M.S de S. (Org). Os professores e o cotidiano escolar: múltiplos desafios, múltiplos caminhos. Campinas: Mercado das letras. 2011. P.205-234. BOCHORNY, Jucileny. Cultura lúdica e televisão: mediações no contexto escolar. 2012. 157 f. Dissertação (Mestre) - Univerdade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Presidente Prudente, 2012. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília, 2009. CARVALHO, L. Estudo referentes as possíveis influências da programação televisiva em crianças em idade pré-escolar.1997. 103 f. Tcc (Pedagogia)- Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia, Máquinas de imagens e práticas pedagógicas. Revista Brasileira de Educação. 2007, v.12, n.35, p.290-299, Maio 2007 LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. RICHARDSON, R. J. Pesquisa Social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989. SARMENTO, M. J. Infância, Exclusão Social e Educação como utopia realizável. In.: Educação e Sociedade, n.78, abril 2002. Enviado 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

74 Todos os nomes representados são fictícios.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE NOVA HISTÓRIA CULTURAL, CULTURA ESCOLAR E HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES

Tamar Naline Shumiski75

Resumo Este artigo apresenta revisão bibliográfica sobre nova história cultural, cultura escolar e história das disciplinas escolares, na construção do currículo escolar prescrito e real, por meio da análise de estudos de Musgrove (1968), Young (1971), Bourdieu e Passeron (1975), Chervel (1990), Santos (1990), Burke (1992), Forquin (1992), Julia (1995), Goodson (2000), Viñao (2006) e Bertoletti (2013). Espero que esta análise colabore para a elucidação dos temas propostos e com pesquisas correlatas. Palavras-chave: Nova História. Cultura Escolar. História das Disciplinas Escolares. Abstract This article presents a bibliographical review about the new cultural history, school culture and history of the school subjects, in the construction of the prescribed and real school curriculum, through the analysis of studies of Musgrove (1968), Young (1971), Bourdieu and Passeron (1975), Chervel (1990), Santos (1990), Burke (1992), Forquin (1992), Julia (1995), Goodson (2000), Viñao (2006) and Bertoletti (2013). I hope that this analysis helps to elucidate the proposed themes and with related research. Key-words: New Cultural History. School Culture. History of School Disciplines. Introdução

Este texto tem como objetivo apresentar resultados parciais de dissertação de Mestrado,

desenvolvida junto à Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade Universitária de Paranaíba/MS, que visam a contribuir para o conhecimento de estudos sobre nova história cultural, cultura escolar, história das disciplinas escolares, currículo prescrito e real, e sua importância na transformação das disciplinas escolares.

A história das disciplinas escolares é um campo de investigação que teve origem a partir

dos anos de 1970, e tem como seus principais fundadores Ivor F. Goodson, na Grã-Bretanha, e Dominique Julia e André Chervel, na França, dentre outros. Esses autores preocuparam-se, especialmente, com a nova sociologia da educação e os estudos do currículo. O surgimento desse campo de pesquisa coincide com o início da nova história cultural e com a história da cultura escolar. (VIÑAO, 2006).

Viñao (2006) aponta dois motivos para que o estudo das disciplinas escolares

experimentasse crescimento, a partir da década de 1970: o primeiro deles foram mudanças curriculares ocorridas com a substituição do bacharelado tradicional para o ensino secundário universal, na segunda metade do século XIX, que originaram debates a respeito da decadência das disciplinas humanas clássicas, da maior valorização das disciplinas científicas e do papel formativo e do peso das diferentes disciplinas. O segundo motivo foi a preocupação existente entre os docentes daquela época com a história do ensino de sua disciplina.

Além dessas razões, outras as sucedem, como, por exemplo, a necessidade de recuperar os

elementos de funcionamento interno da escola, suas práticas reais e os resultados alcançados pelos

75 Mestranda em Educação – Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS/Paranaíba-MS)

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alunos em consonância com as normatizações e os programas afixados para uma determinada disciplina, ou seja, o que Julia (2000) denomina “caixa preta” da história da educação. (VIÑAO, 2008).

Viñao (2008) aponta ainda o interesse pela análise da cultura escolar para que as disciplinas

escolares se tornassem objeto da história, fato que as insere na nova história cultural e as coloca como núcleo fundamental da cultura escolar, direcionando o olhar dos pesquisadores da história da educação para a instituição escolar como espaço de produção do saber, e não de reprodução ou de simples transposição de conhecimentos externos.

A fim de compreender algumas contribuições da nova história cultural para a construção

do conceito da cultura escolar, considero fundamentais estudos de pesquisadores da história da educação sobre assuntos correlatos à história das disciplinas escolares e como elas se constituem e são organizadas nas instituições escolares, bem como sobre as práticas do cotidiano escolar. Revisão bibliográfica

Este estudo pretende apresentar as contribuições dos pesquisadores Musgrove (1968),

Young (1971), Chervel (1990), Santos (1990), Bourdieu e Passeron (1975), Burke (1992), Forquin (1992), Julia (1995), Goodson (2000), Viñao (2006) e Bertoletti (2013), em relação à história das disciplinas escolares, às normas impostas pelos sistemas institucionais que regulam o sistema escolar de ensino e à prática escolar que contribui para a produção da cultura escolar.

Até as décadas de 1970 e 1980, segundo Bourdieu e Passeron (1975), a escola era

considerada reprodutora das disciplinas e conteúdos curriculares impostos pela classe dominante, em detrimento do capital cultural76 dos filhos das classes trabalhadoras. No entanto, com as mudanças de paradigmas sobre a história (BURKE, 1992), a escola passou a ser considerada, por Chervel (1990), como produtora de cultura escolar, ao estudar o ensino das disciplinas escolares, especificamente da ortografia francesa.

Burke (1992) estabelece um paralelo entre a velha e a nova história, apresentando cinco

pontos que as diferenciam: 1) Em oposição ao paradigma tradicional, que tratava basicamente da política, a nova história passou a se interessar por outros tipos de histórias, como, por exemplo, a da infância, da morte, da loucura, do clima, dos odores, da sujeira e da limpeza, dos gestos e do corpo, da feminilidade, da leitura, da fala e do silêncio. 2) Na história tradicional, a narrativa dos acontecimentos é a grande preocupação dos historiadores; por sua vez, na nova história, esses centram sua atenção na análise das estruturas de vários tipos, considerando as mudanças econômicas, sociais e geo-históricas. 3) A história tradicional apresenta uma visão de cima, concentrando-se nas realizações dos homens de destaque na sociedade, tais como estadistas, generais ou papas; já a nova história se preocupa não apenas com os feitos dessa camada da sociedade, mas também com as pessoas comuns, suas opiniões e sua experiência em relação à mudança social, oferecendo uma história vista de baixo. 4) De acordo com o paradigma tradicional, Ranke apud Reis (1996, p. 12) afirmou que “[...] a história se limitaria a documentos escritos e oficiais de eventos políticos.” No entanto, o movimento da história vista de baixo considera que o acesso apenas a esse tipo de documento possui suas limitações, pois, os registros oficiais exprimem, geralmente, o ponto de vista oficial, não dando conta de reconstruir a história dos hereges e dos rebeldes, que necessita ser complementada por outras fontes (BURKE, 1992). 5) O último ponto se refere à interdisciplinaridade e à heteroglossia. Enquanto que no paradigma tradicional da história, os historiadores eram relativamente individualistas, na nova história, “[...] sua preocupação com toda a abrangência da atividade humana os encoraja a ser interdisciplinares, no sentido de

76 “A cultura são os valores e significados que orientam e dão personalidade a um grupo social. Já capital cultural é uma metáfora criada por Bourdieu (1975) para explicar como a cultura, em uma sociedade dividida em classes, se transforma em uma espécie de moeda que as classes dominantes utilizam para acentuar as diferenças. A cultura se transforma em um instrumento de dominação.” Disponível em https://osintelectuais.wordpress.com/2015/11/07/o-que-e-capital-cultural/ Acesso em 21 abr. 2017.

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aprenderem a colaborar com antropólogos sociais, economistas, críticos literários, psicólogos, sociólogos etc.[...]” (BURKE, 1992, p. 4). No movimento da história vista de baixo surge, também, a preocupação em considerar as opiniões de pessoas comuns em relação ao seu passado, permitindo que suas vozes sejam ouvidas, o que mostra a importância da heteroglossia para a nova história.

Reportando esses aspectos à cultura escolar, percebo que as mudanças nos paradigmas da

história possibilitaram aos pesquisadores da história da educação refletir sobre o que é produzido no interior da escola, considerando cultura escolar não somente as prescrições impostas pelos sistemas educacionais institucionalizados, representantes da história vista de cima, mas também as práticas pedagógicas que vigoram no ambiente escolar, consideradas a história vista de baixo.

A respeito de cultura escolar, Julia (1995, p. 10) afirma que:

[...] não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto de culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura popular. Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas [...]. (JULIA, 1995, p. 10).

Segundo Julia (1995, p. 11), as normas e práticas mencionadas “[...] não podem ser

analisadas sem levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e demais professores.”

Julia (1995, p. 12-13) assegura, ainda, que

É de fato a história das disciplinas escolares, hoje em plena expansão, que [...] tenta identificar, tanto através das práticas de ensino utilizadas na sala de aula como através dos grandes objetivos que presidiram a constituição das disciplinas, o núcleo duro que pode constituir uma história renovada da educação. Ela abre, em todo caso, para retomar a metáfora aeronáutica, a “caixa preta” da escola, ao buscar compreender o que ocorre nesse espaço particular. (JULIA, 1995, p. 12-13).

Comparando os programas explícitos, ditados pelos sistemas educacionais

institucionalizados, aos conteúdos disciplinares ensinados no espaço escolar, Julia (1995) afirma que ao professor é conferido o direito de questionar o que lhe é imposto de fora, pois o que importa são os saberes que funcionam e os que não funcionam como conteúdos do ensino dos alunos.

De acordo com Bourdieu e Passeron (1975), as ações pedagógicas ditadas pelas normas do

sistema escolar representam uma forma de violência simbólica imposta à escola, por meio de um poder arbitrário ou cultural, que despreza a cultura popular de um grupo dominado, fazendo com que prevaleça a cultura do grupo dominante.

Chervel (1990, p. 193) afirma que

A história das disciplinas escolares expõe à plena luz a liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedagogia. [...] Sem dúvida, a liberdade pedagógica da instituição não é, ao nível dos indivíduos, mais do que uma meia-liberdade. É para eles necessário levar em conta o lugar que ocupam ao lado de seus colegas no sistema de ensino e as progressões curriculares nas quais eles, em geral, não intervêm mais do que por uma duração limitada [...]. (CHERVEL, 1990, p. 193).

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A meu ver, a meia-liberdade citada por Chervel (1990) explica-se devido à existência das regras impostas pelos sistemas educacionais, que transformam a escola e o professor em sujeitos que devem se submeter às normas e aos currículos disciplinares impostos pelo exterior, o que tolhe a liberdade pedagógica dos educadores e da instituição escolar, porém, mesmo diante dessa liberdade controlada, a transformação das disciplinas escolares é inevitável, e, de acordo ainda com Chervel (1990, p. 199),

[...] é a transformação do público escolar que obrigou a disciplina a se adaptar. [...] A transformação pelo público escolar do conteúdo dos ensinos é sem dúvida uma constante importante na história da educação. Encontramo-la na origem da constituição das disciplinas, nesse esforço coletivo realizado pelos mestres para deixar no ponto métodos que “funcionem”. Pois a criação, assim como a transformação das disciplinas, tem um só fim: tornar possível o ensino. Nesse processo de elaboração disciplinar, ela tende a construir o “ensinável”. (CHERVEL, 1990, p. 199).

O estudo da modernidade dos métodos de ensino nas disciplinas escolares, segundo

Chervel (1990), aponta que os novos métodos atraem a atenção dos professores e despertam o interesse dos alunos, estimulando o gosto pelo aprendizado, representando transformação na história das disciplinas escolares.

Conforme Santos (1990, p. 25), a discussão na área da história das disciplinas escolares “[...]

tem como ponto central a polêmica sobre as análises a nível macro e micro, objetivando definir qual dos dois níveis explicaria mais efetivamente mudanças ocorridas nas disciplinas escolares.” Em relação a essas, a autora afirma que há estudos que consideram determinantes os fatores internos (micro), relacionados às condições de trabalho, conteúdos e métodos de ensino, enquanto que existem estudos que consideram os fatores externos (macro), ou seja, as políticas educacionais, responsáveis pelas transformações nos conteúdos e métodos das disciplinas escolares.

Considerando o peso dos fatores internos e externos no desenvolvimento de uma

disciplina, Santos (1990, p. 26) afirma que:

[...] quanto maior é o nível de maturidade de uma disciplina e a organização dos profissionais da área, maior será o peso dos fatores internos no seu desenvolvimento. Este peso aumenta, à medida que for mais descentralizado o sistema educacional. Por outro lado, o regime político, o nível e o tipo de desenvolvimento de um país podem ter um grande peso no desenvolvimento de uma disciplina, tornando-a mais vulnerável aos fatores externos. (SANTOS, 1990, p. 26).

Ao analisar o emprego dos termos “micro” e “macro”, percebo uma classificação

hierárquica entre eles, o que não representa a realidade, pois, tanto a cultura escolar, quanto as normatizações dos sistemas são importantes para a construção do currículo. Goodson (2003) opta pelos termos interno e externo, chegando mesmo a comparar a cultura que emerge da escola o “jardim secreto” ou “história interna” da escola e do currículo.

Bertoletti (2013, p. 12), em relação aos elementos internos, presentes no cotidiano escolar,

aos elementos externos, advindos das normatizações oficiais, e à história das disciplinas escolares, afirma que

[...] compreender o cotidiano de uma escola exige um mergulho profundo em seus aspectos internos, no ambiente externo no qual estava imersa durante o período analisado e em sua estrutura organizacional, bem como nos modelos e práticas educativas que lhe conferem identidade. [...] a história das disciplinas escolares deve pautar-se em uma documentação, grosso modo, constituída pela

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junção de textos oficiais, textos pedagógicos e textos do cotidiano escolar. (BERTOLETTI, 2013, p. 12).

Desta forma, tanto os elementos internos quanto os externos contribuem para a formação

da cultura escolar e, consequentemente, do currículo escolar, constituído tanto pelo currículo prescrito quanto pelo real, conforme explicita Sacristán (1995, p. 86), “[...] o currículo tem que ser entendido como cultura real que surge de uma série de processos, mais que como um objeto delimitado e estático que se pode planejar e depois implantar”.

De acordo com Forquin (1992), os conteúdos de ensino são considerados produtos de uma

seleção no interior da cultura escolar, herdados culturalmente pelas sociedades, representando uma pequena parte do conhecimento acumulado ao longo do tempo pela humanidade e a memória cultural reinventada pelo homem.

Ainda sobre o processo de seleção cultural escolar, ao qual Forquin (1992, p. 31) propõe a denominação de currículo, o autor considera que:

Nem tudo aquilo que constitui uma cultura é considerado como tendo uma tal importância e, de todo modo, dispomos de um tempo limitado; por isso uma seleção é necessária. Diferentes escolas podem fazer diferentes tipos de seleção no interior da cultura. Os docentes podem ter hierarquias de prioridades divergentes, mas todos os docentes e todas as escolas fazem seleções de um tipo ou de outro no interior da cultura. (FORQUIN, 1992, p. 31).

O processo de seleção dos conteúdos atinge também os alunos, uma vez que “[...] aquilo que é realmente aprendido, retido e compreendido pelos alunos não corresponde tampouco àquilo que os docentes ensinam ou crêem ensinar [...].” (FORQUIN, 1992, p. 32).

Segundo Forquin (1992), além do processo de seleção dos conteúdos a serem ensinados, é necessária a reorganização, reestruturação e transposição didática (didatização) dos saberes, para que se tornem transmissíveis e assimiláveis pelas jovens gerações. Aos imperativos de transposição somam-se os de interiorização, responsáveis pelo fazer aprender e não apenas compreender, e os imperativos institucionais, decorrentes do contexto institucional onde acontecem as aprendizagens.

Desta forma, para o autor, a cultura escolar “[...] apresenta-se como uma ‘cultura segunda’ com relação à cultura de criação ou de invenção, uma cultura derivada e transposta, subordinada inteiramente a uma função de mediação didática e determinada pelos imperativos que decorrem desta função [...].” (FORQUIN, 1992, p. 33).

Referindo-se à organização das matérias escolares, Forquin (1992) afirma que ela se

constitui uma das características essenciais do saber escolar, devido à forte identidade institucional e às fronteiras existentes entre as disciplinas. Musgrove (1968) apud Forquin (1992), ao comentar a importância das matérias em relação ao currículo, afirma que elas aparecem como comunidades sociais “[...] entre as quais existem relações de competição e de cooperação, que definem e defendem fronteiras, exigem fidelidade de parte de seus membros e lhes conferem um sentimento de identidade.” (MUSGROVE, 1968, APUD FORQUIN, 1992, p. 38).

De acordo com Forquin (1992), os níveis de ensino, os ramos e as matérias passam por

fenômenos de hierarquização ou estratificação, nos quais alguns saberes são mais valorizados que outros, devido a benefícios sociais que podem fornecer a seus detentores, membros de uma sociedade que atribui aos estudos o sentido competitivo e mercadológico. O autor afirma, ainda, que “[...] No interior de um mesmo currículo, certas matérias ‘contam’ verdadeiramente mais que outras, seja por seus horários, seja por seus pesos relativos na avaliação que é feita dos alunos [...]”. (FORQUIN, 1992, p. 41).

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Segundo Young (1971) apud Forquin (1992, p. 42), “[...] a estratificação dos saberes escolares reveste-se de uma significação diretamente política, pois que ela coloca em jogo relações de dominação e de poder tanto no interior quanto no exterior das instituições educacionais.”

Ao tratar da história das disciplinas escolares, Goodson (2000) afirma que elas estão sujeitas

a mudanças de subgrupos adversários e de tradições, que contribuem para a promoção de algumas disciplinas e o afastamento de outras, em busca de prestígio, respeito, interesses profissionais e tipo de alunos a que se dirigem.

Goodson (2003), nos estudos sobre o currículo, propõe a investigação de que modo o

currículo é construído, e como é aplicado pelos docentes, levando-se em consideração o contexto que determina a ação.

Goodson (2003) leva em consideração não apenas o currículo prescrito pelos Estados

centrais, mas também o construído “[...] nas instituições docentes, nos departamentos das matérias e mediante os planejamentos e planos de aula que os professores redigem.” (GOODSON, 2003, p. 220). Para o autor, tanto o currículo concebido na prática, quanto o prescrito, devem ser considerados como produto da história do currículo.

Definindo currículo prescrito ou preativo, Goodson (2003) considera não apenas as

prescrições escritas vindas de órgãos políticos e administrativos, mas também os livros de texto, guias, programas e programações do professor (planejamentos e planos de aula), no cotidiano escolar.

Goodson (2000) questiona ainda: “Se as matérias escolares são opostas à educação, para

que estão aí? A que propósito sociopolítico estão servindo as matérias? Com certeza servem para que alguns triunfem e muitos fracassem.” (GOODSON, 2000, p. 198). Essas interrogações levaram o autor a focar, nos anos 1990, suas investigações nas disciplinas escolares como algo não dado, senão construído, como um produto social e histórico.

Não há como falar de cultura escolar, sem refletir sobre a formação do currículo. Tanto

Chervel (1990), quanto Forquin (1992) abordam a produção do currículo e a organização das disciplinas escolares com uma única finalidade: que o currículo, as disciplinas e os conteúdos escolares tornem possível o ensino e assimiláveis os saberes aos alunos. Considerações Finais

Conforme estudos sobre a nova história, a história das disciplinas escolares, cultura

escolar, cotidiano escolar e currículo prescrito, para haver um entendimento das transformações ocorridas nas disciplinas escolares, no decorrer dos tempos, é necessário não somente considerar o que está prescrito nos documentos oficiais, mas também a prática e os documentos presentes no interior da escola, pois ambos são produtores de cultura escolar. Essa prática não deve permanecer desvinculada do currículo, mas constituir-se parte dele, tendo em vista que ela representa o cotidiano escolar e a real necessidade de alunos e professores no interior da escola.

As mudanças e a organização das disciplinas escolares, bem como a seleção de conteúdos,

metodologias e formas de avaliação, sejam elas impostas pelos sistemas oficiais ou produzidas no interior das escolas, representam a cultura escolar que pode ser definida como produto histórico e social que contribui para a história das disciplinas escolares. Além disso, essas transformações permitem a desconstrução do paradigma tradicional da história, que, dentre outros fatores, não consideravam as muitas histórias produzidas no interior da escola, as opiniões de pessoas comuns, as contribuições das diversas disciplinas e fontes que não fossem oficiais para a produção da cultura escolar, diferentemente da nova história cultural.

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Referências bibliográficas: BERTOLETTI, Estela Natalina Mantovani. História da disciplina Língua Portuguesa em Mato Grosso do Sul (1977-2008): questões conceituais. Cadernos de História da Educação - v. 12, n. 1 - jan./jun. 2013. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. BURKE, Peter. A nova história, seu passado e seu futuro. In: A escrita da História: novas perspectivas. Peter Burke (org.); Trad. de Magda Soares. São Paulo: Editora UNESP, 1992. CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexão sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, 2, 1990, p. 177-229. FORQUIM, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria & Educação, 5, 1992, p. 28-49. GOODSON, Ivor F. El cambio em el currículum. Barcelona: Octaedro, 2000. ______. Estudio del currículum. Casos y métodos. Buenos Aires: Amorrortu, 2003. JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Tradução de Gizele de Souza. Paedagogica Historica. International jornal of the history of education. Suppl. Series, vol. I, coord. A. Nóvoa, M. Depaepe e V. Johanningmeier, 1995, p. 353-382. REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Editora Ática, 1996. SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da; & Moreira, Antonio Flavio (Org.). Territórios Contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 82-113. SANTOS, Lucíola Licínio de C. P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Teoria & Educação, 2, 1990, p. 21-29. VINÃO, Antonio. A história das disciplinas escolares. Tradução: Marina Fernandes Braga. Revista História de La Educación: Revista Interuniversitaria, n. 25, 243-269, 2006. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA DAS VARIANTES ‘VOCÊ E A GENTE’ NO DISCURSO POLÍTICO

Welber Nobre dos Santos77 Daniel Fernandes Costa78

Resumo Este artigo objetiva discutir, num viés sociofuncionalista, o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na fala de dois candidatos a prefeito do Município de Montes Claros, durante a realização de um debate político, transmitido pela Inter-TV Grande Minas às vésperas das eleições municipais de 2016. Para isso, aventamos a hipótese de que a escolha de uma ou outra forma linguística decorre da intencionalidade discursiva do falante no momento da interação verbal, assim como de fatores sociais que interferem nessa escolha. A relevância deste trabalho reside no fato de se refletir sobre o uso das pessoas gramaticais numa ótica linguístico-discursiva. Palavras-chave: sociofuncionalismo; pessoas do discurso; discurso político. Abstract This article aims to discussin a socio-functionalist bias the use of the variants ‘a gente’ and ‘você’ in the speech of two candidates for mayor in the city of Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. The data were collected during a political debate, broadcast by Inter-TV Grande Minas on the eve of the 2016 municipal elections. To this end, we hypothesize that the choice of one or another linguistic form derives from the speaker’s discursive intentionality at the moment of verbal interaction as well as from social factors that interfere with this choice. The relevance of this work lies in the reflection on the use of grammatical person in a linguistic-discursive perspective. Keywords: socio-functionalism; people in the discourse; political speech. Introdução

A linguagem, concebida como meio de interação e prática comunicativa do falante na sociedade, imprime no processo de enunciação linguística aspectos que a fazem transcender sua própria estrutura. Assim, inscreve-se em contextos pragmático-discursivos específicos, os quais são determinantes no que tange à elaboração dos enunciados oriundos dos contextos efetivos de interação verbal.

Nessa medida, a língua em uso mostra-se totalmente influenciada e moldada por contextos sociocomunicativos, o que a submete às intenções discursivas do falante e às condições de produção que permeiam o fazer discursivo. Para tanto, o falante, em sua prática enunciativa, lança mão dos aparatos formais da língua e os articula de forma a produzir sentido, para, então, expressar-se de modo eficiente nas diversas situações linguísticas com as quais se depara a todo o momento.

Tendo em vista essa reflexão, partindo de um estudo ancorado nos pressupostos teóricos do Sociofuncionalismo, propomo-nos a analisar o uso das variantes ‘a gente’ e ‘você’ na fala de dois candidatos a prefeito do Município de Montes Claros (MG) no ano de 2016, durante um debate político, observando, dessa maneira, como fatores sociopragmáticos influenciam na utilização de tais variantes, assim como de que forma o uso de tais elementos gramaticais estão a serviço do discurso elaborado pelos dois candidatos.

77 Graduando em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) 78 Graduando em Letras Português pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)

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Para tanto, nos basearemos nos estudos de Cegalla (2008); Bechara (2009); Charaudeau (2008); Cezario et al. (2016), dentre outros. Valemo-nos de uma metodologia de cunho quantitativo (ao analisarmos a frequência de uso das variantes) e qualitativo (ao atermo-nos aos impactos discursivos e funcionais, decorrente do uso de tais variantes, nos discursos dos dois políticos). Hipotetizamos que o uso de tais variantes ocorre por conta de fatores externos (sociais) e internos (linguísticos) que expõem as intenções discursivas de tais atores políticos.

Este trabalho justifica-se pelo fato de ser necessário considerar os contextos sociocomunicativos e discursivos de uso da língua. O nosso estudo verificou que o uso das variantes ‘a gente’, utilizado com maior frequência pela candidata Leninha; e ‘você’, mais recorrente na fala de Humberto Souto, apresenta implicações discursivas que não podem ser negligenciadas no que diz respeito a uma análise linguística que estabeleça uma relação entre gramática, variação e discurso. Pressupostos teóricos As pessoas do discurso na visão da gramática tradicional

Em uma perspectiva tradicional da língua, as pessoas gramaticais ou pessoas do discurso são evidenciadas por meio do uso de elementos formais denominados de pronomes pessoais, que, num viés estritamente gramatical, possuem função subjetiva ou objetiva dentro de uma determinada situação comunicativa.

A começar por Cegalla (2008), percebemos que o autor, na seção destinada aos pronomes, afirma que essa classe gramatical consiste em “[...] palavras que substituem os substantivos ou os determinam, indicando a pessoa do discurso” (CEGALLA, 2008, p.179). Cegalla (2008) designa, ainda, um tópico para os pronomes pessoais, organizando-os de acordo com cada pessoa do discurso. Nesse sentido, temos a “1ª pessoa: a que fala: eu / nós; [a] 2ª pessoa: a com quem se fala: tu / vós; [e a] 3ª pessoa: a pessoa ou coisa de que se fala: ele, ela / eles, elas” (CEGALLA, 2008, p.179).

Por sua vez, Bechara (2009), ao discorrer sobre o sistema pronominal da língua, afirma, assim:

São duas as pessoas determinadas do discurso: 1.ª eu (a pessoa correspondente ao falante) e a 2.ª tu (correspondente ao ouvinte). A 3.ª pessoa, indeterminada, aponta para outra pessoa em relação aos participantes da relação comunicativa. Do ponto de vista semântico, os pronomes estão caracterizados porque indicam dêixis (“o apontar para”), isto é, estão habilitados, como verdadeiros gestos verbais, como indicadores, determinados ou indeterminados, ou de uma dêixis contextual a um elemento inserido no contexto, como é o caso, por exemplo, dos pronomes relativos, ou de uma dêixis ad oculos, que aponta ou indica um elemento presente ao falante. (BECHARA, 2009, p. 162)

A partir dos apontamentos de Bechara (2009), podemos perceber que as pessoas do

discurso relacionam-se à prática enunciativa do falante, sendo que, enquanto a primeira pessoa do discurso remete-se ao locutor, a segunda pessoa liga-se ao interlocutor. No entanto, no que diz respeito à terceira pessoa do discurso, podemos notar que tal elemento discursivo reporta-se a outro sujeito que se encontra à parte do ato comunicativo realizado entre a primeira e a segunda pessoa do discurso. Por outro lado, em um viés semântico, as pessoas discursivas associam-se às dêixis, carregando, assim, um sentido de referenciação que ora fazem indicação a um elemento inserido no contexto enunciativo, ora a algo que se encontra na presença do falante.

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A teoria sociofuncionalista

O Sociofuncionalismo estuda os fenômenos linguísticos oriundos de contextos efetivos de uso da língua, lindando, assim, com um falante real que elabora as suas cadeias faladas a partir das reais necessidades de comunicação. A teoria sociofuncionalista postula que as escolhas linguísticas do falante são influenciadas não só por fatores linguísticos, mas, também, por fatores de ordem social, que, de certo modo, interferem na forma com que o sujeito dispõe dos aparatos formais da língua. Nesse sentido, vamos ao encontro do pensamento de Cezario et al. (2016), que afirma:

A abordagem sociofuncionalista concebe a estrutura gramatical inserida na situação real de comunicação, considerando os participantes, o objetivo da interação e o contexto discursivo. Procura, nesses elementos, a motivação para o uso de uma forma linguística em detrimento de outra, levando em consideração fatores sociais, cognitivos, comunicativos, entre outros, que podem influenciar na forma de se codificar a informação. (CEZARIO et al., 2016, p. 45)

Nessa perspectiva, as variações que são inerentes ao sistema da língua também são

condicionadas pelas características do contexto de enunciação no qual o sujeito falante está inserido, haja vista que cada processo de interação verbal exige dos parceiros de interlocução um determinado comportamento linguístico. Corroborando esse pensamento, a mesma autora discorre dessa maneira:

O Sociofuncionalismo estuda a língua inserida no seu contexto de uso, procurando explicar as motivações de uso das formas linguísticas em competição com base nos pressupostos da Sociolinguística variacionista e do Funcionalismo norte-americano ou, mais recentemente, da Linguística Funcional Centrada no Uso. (CEZARIO et al., 2016, p. 50)

A afirmativa da autora nos leva a pensar que o Sociofuncionalismo empreende análises

linguísticas a partir da reunião de duas correntes teóricas, a saber, Sociolinguística e Funcionalismo, a fim de explicar de maneira mais ampla as ocorrências linguísticas que podemos observar na língua em uso e que são passíveis de estudos científicos.

Conforme Cezario et al. (2016), a linha funcionalista norte-americana constitui-se na principal base teórica do Sociofuncionalismo, visto que acredita em uma relação intrínseca entre gramática e discurso, uma vez que a língua é dotada de um dinamismo constante, visando o comportamento linguístico do indivíduo em diferentes momentos de comunicabilidade no meio social. Corroborando essa afirmativa, Dubois (1993a), citado por Neves (1997), pontua que “a) a gramática molda o discurso; b) o discurso molda a gramática. Ou: ‘a gramática é feita à imagem do discurso’; mas: ‘o discurso nunca é observado sem a roupagem da gramática’. (DU BOIS, apud NEVES, 1997, p. 29). Assim, podemos afirmar que existe uma relação notável entre gramática e uso da língua, haja vista que cada processo de interação verbal exige do falante uma determinada competência linguística, que constitui-se no principal foco de interesse da teoria funcionalista.

A Sociolinguística, por sua vez, entende que, além de fatores linguísticos, fatores sociais como gênero/sexo, faixa etária, classe social, escolaridade, entre outros, também interferem na forma que o falante dispõe da língua, pois o perfil social do sujeito, sua cultura e o contexto no qual ele está imerso são determinantes no que tange à sua competência comunicativa na sociedade. De acordo com Mollica (2003):

A Sociolinguística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais. (MOLLICA, 2003, p. 10)

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Assim, a Sociolinguística aposta na heterogeneidade da língua, vendo-a como passível de estudo e sistematização por meio de uma análise científica. Para a Sociolinguística, existem diferentes formas linguísticas que podem ser utilizadas pelo falante com o mesmo valor de verdade. A fonologia, morfologia e sintaxe da língua apresentam uma gama de variações que são oriundas da língua em uso, seja na escrita ou na fala. Tais variações podem ser explicadas a partir de fatores de ordem linguística e extralinguística (sociais, pragmáticos, discursivos), que influenciam na forma de os sujeitos se comportarem linguisticamente em uma dada comunidade de fala ou situação enunciativa.

Portanto, estudar a língua num viés sociofuncionalista implica considerar os fenômenos linguísticos reais, emergentes de um determinado contexto de interação verbal. Para o Sociofuncionalismo, as estruturas linguísticas devem ser analisadas a partir dos contextos sociopragmáticos nos quais o falante está engajado, haja vista que o perfil social do falante, suas intenções discursivas no ato de comunicação, a esfera de enunciação, entre outros, influenciam significativamente nas escolhas que o sujeito faz para interagir com o outro pelo viés da linguagem. A articulação das pessoas gramaticais no discurso político

O ato de linguagem é sempre conduzido pelas intenções discursivas do falante, que acabam por moldar suas estruturas linguísticas por meio de estratégias argumentativas que auxiliam no processo comunicativo, exercendo, dessa maneira, uma influência significativa sobre outro individuo. Nesse sentido, um dos contextos linguísticos no qual podemos perceber o uso de tais estratégias é o discurso político, em que os sujeitos dessa prática comunicativa fazem uso de diversos procedimentos enunciativos para fins de persuasão e / ou manipulação discursiva.

Nessa medida, detendo-nos às peculiaridades dessa prática discursiva, observamos que Charaudeau (2008), ao caracterizar o discurso político, ressalta que não é propriamente o seu conteúdo que o define, mas sim as situações de comunicação nas quais os discursos da área política são produzidos. Sob esse viés, o discurso político liga-se, de forma significativa, ao seu contexto de produção e articulação linguística.

Dessa maneira, ao tratar das situações de produção discursiva, o autor destaca três contextos de produção do discurso político, dos quais faremos uso apenas de um, a saber, as situações (comícios, debates, declarações televisivas etc.) que se ligam ao ato de comunicação. Referindo-se a essa ação do discurso político, pontua Charaudeau: "Aqui, o discurso político dedica-se a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução, empregando diversos procedimentos retóricos." (CHARAUDEAU, 2008, p. 40). Assim, é notável que o discurso político, associado ao ato de comunicação, volta-se para os atores políticos pelos quais esse discurso é manifestado, que se valem de uma gama de procedimentos linguísticos que influenciam e / ou seduzem o interlocutor.

Nessa medida, detendo-se às ações discursivas dos atores políticos, Charaudeau (2008) evoca o conceito de ethos, que pode ser definido como a construção, por meio do discurso, de uma imagem de si próprio, de modo que o enunciador do discurso político estrutura a sua própria imagem e leva o interlocutor a atribuir valores, positivos ou negativos, a essa imagem discursiva.

A partir dessa concepção, podemos dizer, junto a Charaudeau (2008), que o ator ou enunciador político cria um sujeito enunciativo a partir de estratégias retóricas e procedimentos linguísticos que auxiliam na formulação de uma identidade discursiva, oriunda de uma inter-relação existente entre locutor, interlocutor e esfera de enunciação.

No que diz respeito aos procedimentos linguísticos que articulam o discurso do sujeito da enunciação, de forma mais específica, às articulações enunciativas, Charaudeau (2008) enumera três tipos de procedimentos da enunciação política, que são expressos a partir das intenções discursivas e do contexto sociocomunicativo do enunciador. No entanto, para fins de analise, ateremo-nos

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apenas a dois desses procedimentos de enunciação (Enunciação elocutiva e alocutiva), que se ligam, de forma direta, às variantes das pessoas do discurso de que tratamos neste trabalho, a saber, ‘a gente’ e ‘você’, manifestadas no discurso oral de dois candidatos ao cargo de prefeito de Montes Claros – MG, durante a realização de um debate político em 2016.

Em primeiro lugar, podemos perceber a construção do discurso político por meio da Enunciação elocutiva. Aqui, constatamos a utilização de pronomes pessoais na primeira pessoa e de verbos e advérbios modalizadores que, em sua articulação no discurso, contribuem para a manifestação do ponto de vista do enunciador. Todavia, ao se usar a Enunciação elocutiva na primeira pessoa do plural, o enunciador acaba por construir um ethos de solidariedade, o qual associa a imagem do locutor ao interlocutor, carregando o discurso de características de igualdade e empatia (CHARAUDEAU, 2008).

Dessa maneira, esse procedimento linguístico da enunciação política, associa-se, de forma direta, à utilização da variante ‘a gente’ no discurso da candidata Leninha, já que, conforme veremos adiante, é um pronome pessoal utilizado com bastante frequência no seu discurso. Por conseguinte, o uso de tal característica linguística na enunciação da candidata exprime, sobremaneira, a estratégia discursiva e retórica de igualdade entre locutor e interlocutor, o que contribui para a estruturação de um ethos de solidariedade no discurso político da candidata Leninha.

O discurso político, ainda, pode ser estruturado a partir da Enunciação alocutica, na qual vemos um locutor que faz uso da segunda pessoa do discurso, ligando-a a elementos linguísticos modalizadores, para, assim, exprimir a visão do locutor acerca do interlocutor. Logo, esse procedimento enunciativo imprime, no discurso, a relação que se estabelece entre enunciador e co-locutor, sendo que, na maioria das vezes, ao se tratar do contexto discursivo de debate político, o enunciador articula diversos termos de tratamento para depreciar o adversário, ora de forma indireta, ora por meios diretos e, consequentemente, agressivos (CHARAUDEAU, 2008).

Portanto, o emprego da variante pronominal ‘você’, por parte do candidato Humberto Souto, vai ao encontro da prática linguística de Enunciação alocutiva, visto que é um dos pronomes de tratamento de maior uso no discurso do candidato, como veremos, posteriormente, neste trabalho. O candidato, através de tal estratégia enunciativa, estrutura seu discurso por meio de uma inter-relação direta com seu interlocutor, construindo, dessa maneira, um embate entre o candidato e o seu adversário. Procedimentos metodológicos

Para este trabalho, valemo-nos de um corpus constituído da fala de dois candidatos ao

cargo de prefeito do município de Montes Claros – MG (Leninha e Humberto Souto), durante a realização de um debate político transmitido pela Inter-TV Grande Minas às vésperas das eleições municipais de 2016.

A fim de obtermos os dados para análise, utilizamos a técnica de transcrição das falas dos dois candidatos para, posteriormente, verificarmos a frequência do uso das variantes ‘você’ e ‘a gente’ no discurso oral de ambos. Nesse sentido, esta pesquisa é de cunho quanti-qualitativo, visto que verificamos a quantidade de ocorrências das duas formas pronominais no discurso oral dos dois candidatos e analisamos quais as implicações discursivas dessa variação. Perfil social dos informantes

Levando-se em conta os pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista, apresentamos, por meio da tabela abaixo, um perfil social dos sujeitos da pesquisa, visto que, para a Sociolinguística, fatores de ordem social podem influenciar no comportamento linguístico do indivíduo.

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Caracterização do debate

A teoria sociofuncionalista postula que toda produção de linguagem deve ser analisada a partir do seu contexto de produção. Sendo assim, apresentamos, a seguir, uma tabela que descreve os principais aspectos de organização do debate político de onde extraímos o nosso corpus de análise. A importância dessa caracterização do debate reside no fato de o comportamento linguístico do sujeito ser condicionado pela situação comunicativa na qual se encontra inserido.

Análise dos dados

Para verificarmos como se distribuem as variantes pronominais no corpus analisado, apresentamos abaixo o total de ocorrências de cada forma sob análise.

Consideremos a diferença entre o número de ocorrências de ‘você e a gente’, uma vez que a variante ‘você’ corresponde quase ao dobro da variante ‘a gente’. Abaixo, apresentamos a frequência de uso das variantes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato em específico.

Tabela 4: Total de ocorrências dos pronomes ‘você e a gente’ na fala de cada candidato

Pronomes/Variantes Humberto Souto Porcentagem Leninha Porcentagem

Você 47 100% 0 0%

A gente 4 14,8% 23 85,2%

Os dados da tabela acima revelam que o pronome ‘você’ não foi utilizado pela candidata

Leninha em nenhum momento do seu discurso. A candidata se valeu do uso da 1.ª pessoa do plural (a gente) de modo significativo (85,2%), o que evidencia um discurso estruturado a partir da Enunciação elocutiva, onde o locutor busca uma aproximação com o seu interlocutor através do uso de uma variante pronominal.

Tabela 1 - Perfil Social dos Informantes da Pesquisa

Nome completo Humberto Guimarães Souto Marilene Alves de Souza

Gênero/sexo Masculino Feminino

Idade 82 anos 52 anos

Naturalidade Montes Claros – MG Montes Claros - MG

Escolaridade Ensino superior completo Ensino Superior completo Papel social Político e Advogado Professora

Cor/raça Branca Negra

Classe social Alta Baixa

Tabela 2 - Forma de Organização do Debate

Blocos Temática Tempo estipulado para cada pergunta

Tempo determinado para as respostas

Tempo determinado para réplica e tréplica

1.º bloco Livre 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto

2.º bloco Definida por sorteio 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto

3.º bloco Livre 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto

4.º bloco Definida por sorteio 30 segundos 1 minuto e meio 1 minuto

Tabela 3: Total de ocorrências dos pronomes ‘você e a gente’

Pronomes / Variantes N.º de ocorrências

Você 47 A gente 27

Total 74

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Por outro lado, os dados acima revelam uma presença marcante da variante ‘você’ na fala do candidato Humberto Souto (100%). Isso revela uma postura de distanciamento por parte do locutor, que insere a 2.ª pessoa do discurso em um processo de Enunciação alocutiva. A forma ‘a gente’ não apresenta grande produtividade na fala do candidato (14,8%), o que nos faz perceber que o enunciador, a partir da Enunciação alocutiva, remete seu discurso ao interlocutor, criando, assim, uma relação muitas vezes conflituosa entre o locutor e alocutário. Considerações finais

Buscamos verificar, neste trabalho, a frequência de uso das variantes pronominais ‘você e a gente’ durante a realização de um debate político em que notamos de modo recorrente a utilização de tais formas linguísticas. Por meio da análise, confirmamos a nossa hipótese de que o uso recorrente do pronome ‘você’ na fala do candidato Humberto Souto, e do pronome ‘a gente’ na fala da candidata Leninha funcionam como estratégias argumentativas que se relacionam com as intenções discursivas dos dois sujeitos tendo em vista a situação de comunicação em que ambos estão inseridos.

Por fim, verificamos que o uso das pessoas gramaticais no discurso político funciona como uma estratégia discursiva do locutor. A alternância entre uma forma linguística e outra – você e a gente – na fala de Leninha e Humberto Souto evidencia uma postura de distanciamento ou aproximação com o interlocutor, traço enunciativo que nos leva a pensar em uma gramática de bases enunciativas, as marcas que indicam as pessoas do discurso estão a serviço do processo de interação verbal. Referências BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. rev. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. CEZARIO, M. M. et al. Sociofuncionalismo. In: MOLLICA, M. C.; FERRAREZI JUNIOR, C. (Orgs.) Sociolinguística, sociolinguísticas: uma introdução. 1ª. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2016. CHARAUDEAU, P. Discurso político. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2008. MOLLICA, M. C. Fundamentação teórica: conceituação e delimitação. In: MOLLICA, M. C; BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2003. NEVES, M. H. M. A gramática funcional. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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A HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA E SEU FUNCIONAMENTO

NO DISCURSO

Welisson Marques79

Esta concepção do discurso atravessado pelo inconsciente se articula àquela do sujeito que não é

uma entidade homogênea exterior à linguagem, mas o resultado de uma estrutura complexa, efeito de linguagem: sujeito descentrado, dividido, clivado.

Jacqueline Authier-Revuz

Resumo A linguista francesa Jacqueline Authier-Revuz ([1982] 2004) fundamenta o conceito da heterogeneidade enunciativa, que tanto pode ser constitutiva, definida como o resultado de um entrelaçamento de discursos face à imersão do sujeito na sociedade, constituindo-o, quanto mostrada, que é a voz do “Outro” e/ou outro explicitada no discurso do sujeito enunciador. Suas reflexões são de grande relevância para os estudos da linguagem em geral, bem como para a Análise do Discurso (AD) em especial, uma vez que dão sustentação teórica para o analista verificar a presença de diferentes vozes entrecruzadas em determinado corpus, visto que o sujeito, segundo a perspectiva da AD, é atravessado por múltiplas vozes. De tal sorte, e tomando tal conceito como aporte teórico, analisaremos a constituição do sujeito revista Veja ao significar o Partido dos Trabalhadores no contexto da suposta crise do mensalão. Palavras-chave: heterogeneidade constitutiva, heterogeneidade mostrada, linguagem. Abstract The French linguist Jacqueline Authier-Revuz ([1982] 2004) defines the concepts of the enunciative heterogeneities, which can be constitutive – the result of many discourses due to the immersion/interaction of the subject in the society, constituting him, as well as the shown heterogeneity, which is the voice of the “Other” and/or other in the discourse of the enunciator (subject). Her reflections are of great relevance to the studies of language in general and of the Discourse Analysis, in special, as it gives theoretical basis to the analyst to verify the presence of different voices in a specific corpus. In this way, the subject, following the Discourse Analysis theory, is constituted by multiple voices. Thus and taking this concept as theoretical basis, we will analyze the constitution of the subject Veja magazine when it means the Brazilian Labour Party in the context of the “big monthly warranty” crisis. Key-words: constitutive heterogeneity, shown heterogeneity, language. Palavras iniciais

Este artigo procurará expor o conceito de heterogeneidade enunciativa proposto pela

linguista Jacqueline Authier-Revuz ([1982] 2004) no início da década de 1980 e que foi apropriada pela Análise do Discurso francesa (AD doravante), mais especificamente em sua terceira fase. A AD sobre a qual nos referimos é aquela erigida pelo filósofo francês Michel Pêcheux do final dos anos de 1960 até o início dos anos de 1980 e que traz as contribuições de Authier para o seu interior.

79 Pós-doutorando em Análise do Discurso pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Estudos Linguísticos pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/PPGEL). Coordenador e Professor permanente do Mestrado em Educação Tecnológica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro.

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Tal autora fundamenta o conceito de heterogeneidade enunciativa, que tanto pode ser constitutiva – resultado de um entrelaçamento de discursos face à interação/imersão do sujeito na sociedade, constituindo-o –, quanto mostrada, cuja voz do “Outro” e/ou do outro se explicita no discurso do sujeito enunciador. Suas reflexões são de suma relevância para os estudos da linguagem em geral, bem como para a Análise do Discurso, em especial, uma vez que dão sustentação teórica para o analista verificar a presença de diferentes vozes entrecruzadas em determinado corpus.

Sendo assim, procuraremos articular os conceitos aqui empreendidos com a AD,

observando os deslocamentos que a noção de sujeito – essencial nos estudos do discurso – sofre em seu interior, em especial, no que concerne às relações entre a primeira e a terceira épocas (AD1 e AD3, respectivamente).

Para concluir, realizaremos uma breve análise de alguns fragmentos extraídos de uma

edição da revista Veja (edição 1917) sobre o PT na época do suposto escândalo do mensalão. Realizaremos tal exercício com vias a observar o funcionamento heterogêneo do discurso, quer seja, de que modo diferentes vozes são mobilizadas e como o sujeito se constitui nesse ínterim. Heterogeneidade constitutiva

A inserção das reflexões de Authier-Revuz na Análise do Discurso é caudatária de sua publicação original no início da década de 1980: Hétérogenéité montrée et hétérogenéité constitutive: éléments pour une approche de l’autre dans le discours (DRLAV 26, 1982), publicada no Brasil sob o título Entre a transparência e a opacidade. Tal publicação traz rupturas na noção de sujeito uma vez que os espaços discursivos, até esse momento, eram concebidos como fechados e homogêneos e o sujeito discursivo ainda era tomado como assujeitado. Com a noção de heterogeneidade, torna-se possível conceber o sujeito como fragmentado e constituído por múltiplas vozes. Sendo assim, a AD3 (sigla utilizada para denominar a terceira época da teoria) é a fase em que o “primado teórico do outro sobre o mesmo se acentua” (PÊCHEUX, [1969] 1990, p. 315, grifos do autor) sendo que “o procedimento da AD por etapas, com ordem fixa, explode definitivamente”.

Esta AD por etapas se refere ao modo como os discursos eram analisados até o momento. A posição teórica adotada por Pêcheux se voltava para uma produção discursiva cujo processo era concebido como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesma de modo que um sujeito-estrutura determinava os sujeitos como produtores de seus discursos. Em outros termos, o sujeito era regulador ou centralizador de seus próprios dizeres – completamente inverso à concepção de sujeito heterogêneo que a mesma AD se apropria ulteriormente. A este respeito, Fernandes (2007) elucida que

na AD1, o discurso foi considerado como resultante de condições de produção estáveis e homogêneas, sendo também homogêneo, ou seja, uma maquinaria discursiva fechada em si. O trabalho de análise, segundo essa proposta, focalizava cada sequência linguistica como um pré-requisito para a análise do corpus. As sequências linguísticas eram consideradas neutras. Imputava também uma neutralidade à sintaxe, o que equivale dizer que não se interrogava quem ou onde? Assim posto, considerando que as máquinas discursivas constituíam unidades justapostas, tem-se um procedimento com começo e fim predeterminados. (FERNANDES, 2007, p. 87)

Portanto, até Michel Pêcheux firmar seu diálogo com Authier-Revuz, para se analisar os

textos políticos de então o procedimento teórico-metodológico adotado concebia o sujeito, e inseparavelmente seus discursos, como estáveis e homogêneos.

Ora, um sujeito se constitui no meio-social por meio da linguagem em suas mais variadas

formas. Linguagem essa exterior ao indivíduo, “no sujeito e no seu discurso está o Outro” (AUTHIER-REVUZ,[1983] 1990, p. 26). Nesse sentido, Authier-Revuz ([1983] 1990; [1982] 2004) discorre acerca da exterioridade na constituição do sujeito e demonstra que um discurso nunca

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nasce do nada, ele surge em meio a outros, um discurso traz outros em si, ele é “produto de interdiscursos”. Face à pretensão – espontânea ou teoricamente conduzida – do sujeito como fonte autônoma do sentido que comunica através da língua, abordagens teóricas diversas têm mostrado que toda fala é determinada de fora da vontade do sujeito e que este “é mais falado do que fala” ([1983] 1990, p. 26).

Este “de fora” não é o que, inevitavelmente, o sujeito portador de um sentido encontraria e

em função do qual se determinariam as formas concretas de sua existência e aquela de seu discurso; essa exterioridade funciona como condição constitutiva de sua existência ([1983] 1990, p. 26). O sujeito acredita, tem a ilusão de ser a fonte de seu discurso, mas, na verdade, ele é suporte e o efeito do funcionamento discursivo que lhe é exterior.

O sujeito é o resultado de uma estrutura complexa, efeito da linguagem. Daí a

heterogeneidade constitutiva do sujeito e do seu discurso, também denominada heterogeneidade radical por ser não localizável e não representável. O fato é que sempre sob as palavras outras palavras se dizem. Por trás da linearidade, conforme a emissão de uma só voz, se faz entender uma polifonia e todo discurso se confirma e se alinha sobre várias pautas de uma partitura sendo o discurso constitutivamente atravessado pelo discurso do outro (AUTHIER-REVUZ, [1982] 2004, p. 38).

A heterogeneidade constitutiva, nos moldes de Authier-Revuz, refere-se, portanto, ao

outro, ao social presente no discurso do sujeito pelo fato de o mesmo estar inscrito em vários segmentos sociais e se constituir nas relações discursivas. Esta forma de heterogeneidade indica que o discurso é sempre produto de interdiscursos, aponta para discursos anteriores, mas que não se mostram visíveis no fio discursivo.

Heterogeneidade mostrada

Há também as formas de heterogeneidade mostrada que são aquelas em que se inscreve o

outro na sequência do discurso “segundo modalidades diferentes, com ou sem marcas unívocas de ancoragem” (AUTHIER-REVUZ ([1983] 1990, p. 29). Esse outro é identificado quando se difere da cadeia enunciativa, remete a um exterior, contrastando com o “interior discursivo”. São modalidades marcadas, explícitas em uma sequência. Citações de outro discurso como o técnico ou feminista, outro registro discursivo, outro interlocutor aparecendo implicitamente ou explicitamente, outra modalidade de consideração de sentido para uma palavra são alguns exemplos de heterogeneidade mostrada.

A noção de heterogeneidades formulada por Authier-Revuz parte da noção de dialogismo

bakhtiniano para quem os discursos sempre dialogam com outros. Não obstante o sujeito ter a ilusão de ser a fonte de seu dizer, ele não é, ele é efeito da linguagem. Nesta relação dialógica o discurso é atravessado pelo outro “sempre onipresente, e que está em toda parte” (AUTHIER-REVUZ, [1982] 2004, p. 21), ou seja, pelo social, pelo interdiscurso, como também pelo inconsciente. Nesse sentido, Baronas (2005) elucida:

A autora busca subsídios teóricos também na releitura de Freud feita por Lacan, procurando mostrar como a Psicanálise questiona a unicidade significante de uma concepção homogeneizadora da discursividade. Entendendo o sujeito como efeito de linguagem, Authier-Revuz busca as formas de constituição desse sujeito não no interior de um discurso homogêneo, mas na diversidade de um discurso heterogêneo que se constitui no resultado de um sujeito dividido tensivamente entre o consciente e o inconsciente. Dito de outra forma, embora acredite ser a fonte e origem de seu discurso, o sujeito não diz, ele é dito pela linguagem (BARONAS, 2005, p. 101-102).

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Sendo assim, o “Outro” refere-se à manifestação do desejo pelo inconsciente, sendo que o “outro”, de natureza social é constitutivo do “Outro” de natureza psicanalítica. O sujeito, na ilusão de ser dono de si ou centro do seu dizer, delimita o seu lugar, operando como um retorno ao domínio, à ilusão de autonomia do seu dizer. O sujeito-enunciador, sócio-historicamente produzido pelos discursos, se revela inscrito em lugares que apontam para sua construção identitária.

Como efeito da linguagem, o discurso do sujeito é constantemente atravessado pelo

inconsciente, pelo “Outro” como pelo “outro” de natureza social. As formas de heterogeneidades enunciativas são constitutivas do sujeito discursivo, sujeito este que não é empírico, e que rompe com o “eu” centrado e subjetivo, pois, como reiteramos, ele é constituído no nexo social.

Portanto, observa-se que as reflexões dessa autora fornecem fundamentação teórica para o

analista de discursos examinar diversas vozes engendradas na voz de dado sujeito; vozes que afirmam ou negam, aceitam ou excluem, vozes que marcam sua posição social bem como a posição de outros sujeitos com os quais dialoga.

Sobre a heterogeneidade enunciativa no plano não verbal – Breves apontamentos

Como linguista, Authier-Revuz concebe a heterogeneidade sob o viés estritamente linguístico. Nesse sentido, a Análise do Discurso na contemporaneidade, principalmente no Brasil, está interessada na manifestação do discurso não verbal, em especial via imagem. Isso se evidencia, por exemplo, em uma breve análise dos resumos de trabalhos apresentados no III CIAD, Colóquio Internacional em Análise do Discurso, evento internacional e referência para pesquisadores da área, ocorrido em São Carlos em setembro de 2012. Neste, observa-se um número significativo de pesquisas que tomam o discurso imagético como objeto analítico.

Neste ínterim, e isso também em face de nosso objeto de análise (o discurso midiático),

uma questão que irrompe é: como fica a questão da heterogeneidade no âmbito da imagem? Se o verbal é uma forma de materialização discursiva, o não verbal também o é. Seria possível estender para o não verbal aquilo que já foi fundamentado para o verbal?

Acreditamos que apesar de diferentes formas de manifestação discursiva, haveria uma

relação, em termos de heterogeneidade, que poderia ser estabelecida na análise do não verbal. É essa a conclusão a que chega Souza (1998) em seus postulados sobre análise da imagem, em especial, no que tange à cor no texto não-verbal:

O texto de imagens também tem na sua constituição marcas de heterogeneidade, como o implícito, o silêncio, a ironia. Marcas, porém, que não podem ser pensadas como vozes, porque analisar o não-verbal pelas categorias de análise do verbal implicaria na redução de um ao outro. Nesse caso, por associação ao conceito de polifonia, formulamos o conceito de policromia (Souza, 1995) buscando analisar a imagem com mais pertinência. O conceito de policromia recobre o jogo de imagens e cores, no caso, elementos constitutivos da linguagem não-verbal, permitindo, assim, caminhar na análise do discurso do não-verbal. O jogo de formas, cores, imagens, luz, sombra, etc. nos remete, à semelhança das vozes no texto, a diferentes perspectivas instauradas pelo eu na e pela imagem, o que favorece não só a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem como a apreensão de diferentes sentidos no plano discursivo-ideológico, quando se tem a possibilidade de se interpretar uma imagem através de outra.

É relevante a discussão de Souza no que tange à compreensão do não-verbal pelo próprio

não-verbal. Esta perspectiva policrômica agrega elementos advindos da noção revuziana de heterogeneidade, os quais possibilitam, por meio de dispositivos específicos que a autora pontua, a análise mais adequada de textos não-verbais. Dentre estes elementos, a questão das imagens implícitas, como se fossem os “não-ditos” do plano verbal também significam no plano não-verbal.

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Ademais, outros operadores discursivos da imagem como cor, detalhe, ângulo, luz e sombra também instauram a produção de outros textos e geram efeitos de sentido. Ainda na esteira de suas reflexões, a autora salienta: “a policromia revela também a imagem em sua natureza heterogênea, ou melhor, como conjunto de heterogeneidades que, ao possuírem uma correlação entre si, emprestam à imagem a sua identidade” (SOUZA, 1998).

Feitas essas observações, o que verificamos a seguir, nas análises, é que a ironia, por

exemplo, sob a ótica revuziana, se encaixa em um tipo de heterogeneidade denominada mostrada não-marcada e evidencia, assim como no verbal, a diluição do outro no um. É a “interferência” do Outro que responde pelo dito. Assim, no âmbito imagético o retoque da imagem por parte do sujeito enunciador produz o discurso irônico, de modo semelhante ao que ocorre no plano verbal quando, por exemplo, se utiliza uma sequencia enunciativa aspeada.

Uma vez expostos os conceitos de heterogeneidade constitutiva, heterogeneidade mostrada e heterogeneidade no plano não-verbal, avançaremos, no tópico que se segue, com a análise do corpus. Breve exercício analítico

Os fragmentos que aqui se expõem integram a matéria As cores da crise publicada pela revista

Veja na edição 1917 em 10/08/2005. Tal título faz referência às cores verde e amarelo presentes nos dois “l”, símbolo das Diretas Já, surgido em meados de 1983 e fortemente utilizado na era Collor no início da década de 1990. Tal enunciado é retomado em 2005 no contexto do suposto escândalo do mensalão em face de uma possível proposta de impeachment contra o presidente Lula.

Feitas essas observações, o sujeito declara:

Se fosse uma ópera – Turandot, de Giacomo Puccini, por exemplo –, a crise ética que paralisa o governo Lula estaria naquele estágio em que os personagens menores já cantaram e toda a expectativa se concentra sobre o príncipe-tenor e sua ária definidora do enredo: "Dilegua, o notte! / Tramontate, stelle! / Tramontate, stelle! / All'alba vincerò! Vincerò!" ("Dissolva-se, ó noite! / Ponham-se, estrelas! / Ponham-se, estrelas! / Ao raiar do dia vencerei! Vencerei!"). Bem, sendo mais realista, a crise não tem a dinâmica de uma ópera. Lula a está conduzindo mais ao ritmo de cerveja e samba de seu ídolo Zeca Pagodinho: "Confesso que sou de origem pobre / Mas meu coração é nobre, / foi assim que Deus me fez / E deixa a vida me levar / Vida leva eu / E deixa a vida me levar".

Neste excerto, o sujeito-enunciador além de descrever o outro, mostra-se em posição de

“onipotência” ao saber o que o seu referente imagina ou pensa. Os personagens menores são os parlamentares filiados ao PT, o príncipe tenor é Lula, e a ária definidora do enredo é o desfecho do mensalão.

Ora, se se coloca a voz de Puccini na primeira pessoa do singular como se fosse a própria

voz de Lula – como a mesma não foi por ele enunciada –, ou seja, como não foi verbalizada, supõe-se que estes sejam, no mínimo, os pensamentos dele. Assim, constrói-se pseudo-afirmações de Lula, daquilo que ele fala ou pensa. Na sequência seguinte, há a voz do músico, mas “falada” na voz do sujeito petista, reiteramos, como se essa voz fosse realmente a dele.

Isso reflete o aspecto irônico, da diluição do outro no um, característica da heterogeneidade

mostrada não-marcada do discurso. Nesse caso, o Outro é responsável por esse dito, e esse discurso é resultado dessa diluição segundo os postulados de Authier-Revuz ([1982] 2004).

Assim, a voz desse outro é outorgada a Lula. É um falar não falado. Dentre as diferentes

vozes podemos destacar, grosso modo, a de três sujeitos: o sujeito-enunciador (A), o sujeito petista (B), e o sujeito sambista/pagodeiro (C). O sujeito A atribui a voz de C a B. Dito de outro modo, a

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voz de C que não foi falada por B lhe é outorgada por A. Esta ilusão de que foi realmente Lula quem falou se reforça com a utilização do lexema pobre no verso confesso que sou de origem pobre permitindo a ligação à memória ligada ao presidente. Destarte, o que se produz é uma nova voz, formulada pelo Outro constitutivo do sujeito, uma voz não-falada por B, e que se dá pelas posições sustentadas pelo sujeito-enunciador com o intuito de ironizar o seu referente.

Ainda em relação à materialidade linguística, cerveja e samba remetem à descontração, ou

seja, novamente usando da ironia, o enunciador atesta o lugar ocupado pelo sujeito como condutor do país: um lugar de descompromisso com a realidade. Sua atitude passiva e descomprometida ao ritmo de seu ídolo-pagodeiro de origem pobre opõe-se ao que se espera de sua pessoa diante da crise.

Tais considerações não se aplicam apenas à análise da materialidade verbal, mas no plano

imagético, também.

Como pontuamos, esse falar não-falado, a que nos referimos, é a voz do Outro “irônico” constitutivo do sujeito. Já no não-verbal, se lhe atribui um ato que não foi efetivamente realizado. Há uma imagem em que Lula está com a mão levantada, possivelmente acenando para seu público em algum palanque. Analisando a imagem com zoom ampliado percebemos que a mesma sofreu retoque; realizou-se a elisão do fundo e a inserção de um novo fundo preto. Esse tratamento na imagem é justamente para adequá-la à leitura que o sujeito faz de seu referente: a de que o presidente está dando um “tchau” para Brasília e, por conseguinte, para os problemas que pululam.

O chapéu de cangaceiro, tipicamente nordestino, completa a mise-en-scène e, nestes moldes,

aponta para a fuga de Lula da capital para sua terra natal. Novamente, há a construção de uma posição não ocupada pelo outro. Neste caso, no plano imagético, o sujeito-enunciador lança mão de uma imagem, de uma montagem fotográfica, em uma situação que não existiu, mas que transmite a ideia de ter existido, pois se encaixa exatamente aos sentidos produzidos no verbal; ou seja, agrega-se ao que se afirma na legenda da imagem: Longe de Brasília.

Portanto, percebemos que, nesse discurso, há uma colagem possibilitada pelos novos

softwares em que se empregam imagens e se vislumbra, desse modo, a emergência do Outro “irônico” constitutivo do sujeito. Este explicita tanto outras vozes na boca do seu referente, como também transmuda o corpo deste para um lugar onde não esteve, possibilitando e reforçando determinados sentidos a seu respeito, como, neste caso, a ideia da fuga de Brasília para sua terra natal.

É necessário pontuar que essas “reformulações” não constituem uma visão estrábica do

sujeito-enunciador em relação a Lula, ao contrário, são justamente nestes discursos que se evidencia a posição desse sujeito em relação ao político petista.

Se Lula continuar deixando, a vida vai levá-lo aonde ele não quer ir. E aonde ninguém quer que ele vá. Mas paciência tem limite, como desabafou um dos mais comedidos opositores do governo, Tasso Jereissati, senador do PSDB cearense: "O presidente está abusando da paciência ao fingir que não sabia de nada e ao adotar esse discurso de que os fatos são criados por uma oposição ressentida e pela imprensa. Exigimos que ele assuma sua responsabilidade. Assuma o papel de chefe. Chega de fingir que não sabe de nada, presidente! Chega de farsa!" [...] Caso não leia a mensagem verde-amarela é melhor mesmo deixar a vida levá-lo aonde ela decidir.

No início deste excerto, parece existir certa impessoalidade em relação ao destino de Lula,

em especial, com a utilização da expressão e aonde ninguém quer que ele vá, sugerindo uma possível adesão do sujeito-enunciador à ideia de não desejar vê-lo em um local onde ele não queira ir. Todavia, como o sentido não se prende à materialidade linguística, esta “impessoalidade” é apenas aparente. No discurso do sujeito enunciador emerge outra voz, a do senador, que indica sua filiação a um lugar de onde se espera uma “resposta à crise”. Nesta posição se aguarda uma reação daquele.

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O que se espera de Lula é que ele assuma a responsabilidade do escândalo. Tais dizeres, a seu turno, apresentam tom de ira e revolta: Chega de fingir que não sabe de nada, presidente! Chega de farsa! Estes indicam a atitude de dissimulação e mentira do político e evidenciam sua constante ilegitimidade.

A utilização do lexema vida, no verso da música do sambista deixa a vida me levar[...], refere-

se ao destino, e pela referência intradiscursiva pode se referir, também, às pessoas que determinarão esse destino, ou seja, ao desfecho de Lula. Em é melhor mesmo que elas decidam, mesmo significa de fato, realmente e, como partícula adverbial, reforça essa opinião. Como o sujeito-enunciador rememora os dizeres dos caras-pintadas e as tramas ocorridas na década de 90, a referência a estas pessoas sugere implicitamente aceitação a suas atitudes. Assim, compreendendo qual era o único objetivo destas pessoas, conforme assinalamos acima, o sujeito-enunciador com estes se revela conivente, pois é melhor mesmo que o futuro de Lula e do PT sejam conduzidos para onde a vida decidir.

Ao defender a produção do biodiesel, Lula se comparou ao ex-presidente Getúlio Vargas, segundo ele "achincalhado" pela imprensa quando criou a Petrobras. Sugeriu que vai tentar a reeleição. Mas a vida pode estar conduzindo-o para outro lado. Todos os caminhos do escândalo revelados até o momento levam ao Palácio do Planalto.

A comparação de Lula com Getúlio Vargas marca sua posição no interior destes discursos.

Ele se defende ao tocar a questão da produção do biodiesel, ponto forte em seu governo, e a relaciona com a Petrobrás, cuja criação foi motivo de duras críticas por parte da imprensa da época. A relação que Lula faz com o outro presidente é um forte argumento contra a crítica midiática. Ainda sim, evidencia-se seu alvitre quanto à reeleição. Todavia, a posição do enunciador é demarcada na oposição a esta asserção ao emergir na superfície linguística a conjunção adversativa mas, que introduz a sequência enunciativa seguinte: mas a vida pode estar conduzindo-o para outro lado.

Tais afirmações possibilitam visualizar sujeitos em conflito, em oposição. A sugestão do

enunciador em relação à reeleição é enfraquecida, pois o outro lado refere-se à não-reeleição, ao impeachment. Ademais, a afirmação de que todos os caminhos do escândalo levam ao Palácio do Planalto aponta para o fato de que o provável culpado da corrupção é Lula, em virtude do gabinete presidencial estar ali localizado. Dito de modo direto, a corrupção mira Lula.

A repetição de determinados enunciados pelos veículos midiáticos tem poder para imprimir

e instituir novas memórias e, consequentemente, construir estereótipos. Enunciados precedentes são retomados e resignificados. É a presença do já-lá neste processo de resignificação dos discursos. Assim, os acontecimentos na mídia têm força para produzirem mudanças, rupturas sociais. A retomada e repetição sobre o impeachment parece ser uma estratégia com fins políticos. Destarte, atentando-se para o fato da mídia ser produtora de subjetividades, estes enunciados poderiam ter provocado mudanças no cenário político brasileiro: a de realmente ter provocado o impeachment do presidente Lula.

Tal problemática recebe grande destaque por parte do sujeito-enunciador em toda a

matéria, mas que em virtude das delimitações circunstanciais do artigo serão, por ora, limitadas a estas considerações. Últimas Palavras

Para concluir, percebemos as metamorfoses do sujeito no interior da Análise do Discurso.

Se a AD rompeu com a concepção de sujeito uno, livre, caracterizado pela consciência (isto é, sem inconsciente, sem ideologia) e tomado como origem, isto se deu, indubitavelmente, pelas profícuas contribuições advindas das reflexões sobre heterogeneidades fundamentadas por Authier-Revuz.

No exercício analítico, tivemos a oportunidade de mobilizar esta noção como ferramenta

teórico-metodológica na análise de As cores da crise, matéria publicada pela Revista Veja no contexto do escândalo do mensalão. Observamos a presença do Outro se evidenciar no tom irônico em que

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se atribui uma voz não falada por Lula, ou mesmo no plano não-verbal, por meio do retoque de dada imagem em que o político é deslocado para outro espaço, indicando uma sua fuga proposital da responsabilidade.

Nestas “reconfigurações” em que há a diluição do outro no um – exemplos de

heterogeneidade mostrada não marcada –, explicita-se as posições ocupadas pelo sujeito enunciador e como o mesmo se constitui. Referências AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. [1983]. Heterogeneidades enunciativas. Trad. de Celene M. Cruz e João Wanderley Geraldi. In: Caderno de estudos linguísticos. n. 19, Campinas: 1990. p. 25-42. _________. [1982]. Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva – elementos para uma abordagem do outro no discurso. In: _______. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDUCPUCRS, 2004. p. 11-80. BARONAS, Roberto Leiser. Derrisão – um caso de heterogeneidade dissimulada. In: Revista Polifonia. v. 10. Cuiabá: EDUFMT, 2005, p. 99-111. FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz, 2007. 110 p. PÊCHEUX, Michel. [1975] Semântica e discurso – uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Pulcineli Orlandi et al. Campinas: EDUNICAMP, 1988. 317 p. ________. [1969]. A Análise do Discurso: Três Épocas (1983). In: GADET, Françoise & HAK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: EDUNICAMP, 1990. p. 311-318. ________. [1983]. O papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. O papel da memória. Campinas: Pontes, 1999. p. 49-57. ________. [1983]. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi. 3. ed. Campinas: Pontes, 2002. 68 p. ________. [1981]. O estranho espelho da análise do discurso. In: COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político – o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EdufScar, 2009. p. 21-26. SOUZA, Tânia Conçeição Clemente de. Discurso e imagem: perspectivas de análise do não verbal. In: Ciberlegenda - Revista eletrônica da UFF. n. 1, 1998. Disponível em: http://www.uff.br/mestcii/tania1.htm [Comunicação apresentada no 2º Colóquio Latino-americano de Analistas Del Discurso, La Plata em Buenos Aires, agosto/1997]. Enviado em 30/04/2017 Avaliado em 15/06/2017

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RESENHA1 REVEL, Jacques. Apresentação. In: REVEL, Jacques. Jogos de Escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 7-14. ______Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques. Jogos de Escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38.

Luan Moraes dos Santos

É dos debates entre a antropologia e a história que surgiu essa obra, ou melhor, é na crise do estruturalismo – tornado tendência após o lançamento de “As Estruturas Elementares de Parentesco” de Claude Levi Strauss – e na crítica à adoção de conceitos (F. Barth, Clifford Geertz e Marshal Sahlins) sem que lhes sejam adequados os debates, que Jacques Revel se insere no contexto da crise metodológica que gerou a micro-história. Em sua apresentação ele insere esse campo de estudos em um“[...] um tempo de anarquia epistemológica do qual talvez mal estejamos começando a sair.” (REVEL,1998, p. 10).

Jogos de Escala enceta o debate acerca da projeção da micro-história, diante de uma época e generalização inseridas no contexto da macro-história. Jacques Revel nos lança a seguinte reflexão: “Que aconteceria se convencionássemos mudar a objetiva, aumentando o objeto da observação? A aposta era que apareceria uma outra traina, uma outra organização do social.” (REVEL,1998, p. 11). Assim, podemos comparar este jogo, a lente de uma câmera que ao acionar a função zoom, se contrai ora aproximando e ora se afastando do objeto.

Em “Microanálise e construção do social”, Revel ressalta a importância da microhistória nos debates acerca do método, porém limita seu alcance à grupos restritos. E que sua aceitação ocorreu de diferentes formas nas comunidades acadêmicas que alcançou. Por exemplo nos EUA, os debates partem do “paradigma indiciário” proposto por Carlo Ginzburg80. Já na França, a micro-história assume a faceta de questionamento à história social e seus objetos.

A questão central está na existência da micro-história, afinal seria ela um campo de estudos com bibliografia, métodos definidos e propostas unificadas? Mas, estejamos certos de que a micro-história assume a sua potencialidade historiográfica ao se travestir como um ponto, uma tomada de decisão, no mais das vezes uma postura contrária as generalizações e estruturas globalizantes. Agindo assim, na história social, reformulando seus procedimentos de análise.

É justamente na crise das macroanálises da História Social herdeira, em grande medida das acepções francesas que a micro-história propõe a mudança de escala como a autorreflexão. Mas a mudança independe do caráter micro, como pressupõe Revel “O recurso à microanálise deve, em primeiro lugar, ser entendido como a expressão de um distanciamento do modelo comumente aceito, o de uma história social que desde a origem se inscreveu, explicitou (cada vez mais) implicitamente, num espaço “macro”.” (REVEL, 1998, p.20) Logo, o que é prezado é a mudança de ponto e não apenas o foco.

Assim, tornam-se as variáveis numerosa, diante da História Social homogeneizadora. A análise social mais complexa na medida que se aprofunda em detalhes. Mas aí está o limite, priorizar o sistema micro sem levar em conta a coletividade, é necessário não esquecer as regras que tornam

1 Esta resenha crítica foi apresentada como requisito avaliativo da disciplina eletiva “Entre o centro e a periferia: reflexões teóricas e metodológicas dos estudos sociais e culturais”, ministrada pela Profª Drª Ana C. Borges no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. 80 Método centrado no detalhe e na investigação de indícios, pistas e sinais que podem ser figurados por documentos oficiais, relatórios, decretos leis etc, algo que não tome o relato e biografia como única fonte privilegiada.

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o objeto estudado parte de sistema social geral. Porém surge o problema da aproximação entre História e Antropologia e o medo de que uma se desfizesse na outra.

Para isso, Revel aposta algumas redefinições a serem observadas e cujas reflexões ajudam a

definir a micro-história no campo historiográfico. São elas redefinições de pressupostos (como o objeto pode passar de macro a micro), de estratégia social (a sustentação de hipóteses diante de fatos consumados), de contexto (de que são múltiplos) e de nível (concebendo a que não há distinção em entre local e global), o que os antropólogos chamam de locus.

Ele finaliza o texto, expondo a modalidade de escrita da micro-história, utilizando o exemplo de “O queijo o os vermes” de C. Ginzburg, que utiliza como recurso o estilo literário como um processo retórico utilizado com objetivo de demostrar a realidade. No mais, é possível corroborar com a visão de Ronaldo Vainfas81:

Penso que macrohistória e micro-história — para usar metáforas alusivas àqueles paradigmas — são apenas modos distintos de conceber a história e de fazer história. Não vejo com nitidez qualquer vantagem ou superioridade a priori de um sobre outro em termos epistemológicos, mas sim, fundamentalmente, diferentes escalas ou pontos de observação. (VAINFAS, 1997, p. 631)

Mas o problema proposto por J. Revel não se encontra no estilo escrita, mas na intenção dos micro-historiadores a utilizarem, não no sentido estético, mas para engendrar uma atividade interpretativa que leva o leitor a formular seus próprios conceitos, embora deva-se manter o mínimo de apego ao método histórico. E encerra, refletindo sobre a utilidade da microanálise, colocando-a em pé de igualdade com a macroanálise e que pode substituí-la. Afinal a variação de escalas é quem permite essa passagem. Referências VAINFAS, Ronaldo. Conclusão. Caminhos e descaminhos da história. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997

81 VAINFAS, Ronaldo. Conclusão. Caminhos e descaminhos da história. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS Ronaldo (orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

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RESENHA RAJAGOPALAN, K. “A construção de identidades: linguística e a política da representação”, In: Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003, p. 71-76.

Tayson Ribeiro Teles82

Kanavillil Rajagopalan, Pós-doutor em Filosofia da Linguagem e docente de Semântica da Unicamp/SP, em “A construção de identidades: linguística e a política da representação”, capítulo da obra “Por uma linguística crítica”, de 2003, afirma haver ainda a ideia de que os objetos existem por si sós e apesar de nós humanos, mas isso é um “realismo ingênuo”. Como exemplo, diz ele, há a identidade. Para o autor, um indivíduo ou nação não nascem com certa identidade preexistente, porquanto esta é um construto social e não algo in natura. Sendo a fronteira entre a identidade e a cultura representada por uma linha muito tênue.

Rajagopalan assevera que as identidades linguísticas se constroem no embate do sujeito

com o mundo; nos conflitos diários; nas lutas políticas em prol da cidadania. O autor rememora Foucault e sua microfísica do poder, lembrando que os discursos não somente refletem as lutas, mas, também, são o próprio objeto por que se luta.

Nesse viés, no contexto da linguística e a política da representação, o autor erige uma

provocação aos linguistas atuais. Critica o contemporâneo comportamento de manter viva a cumplicidade histórica existente entre a linguística e o imperialismo/colonialismo.

Rajagopalan critica o temor por contatos interétnicos e o desejo essencialmente racista de

que exista uma pureza cultural. Para o autor, hoje em dia, ainda há a tentativa de afirmar que não existem línguas mistas. O que tem origem no racismo darwiniano do período colonial, que produziu a ideia de línguas superiores e línguas inferiores.

O autor critica os linguistas que persistem em estudar a linguística e a cultura como ciências

naturais. Para ele, há um equívoco epistemológico, herdado da modernidade, de trabalhar com conceitos puros. Rajagopalan não diz que a linguística não é uma ciência natural, apenas aduz que esta não é apenas natural. Segundo ele, existem as ciências políticas e sociais e as ciências naturais. Aquelas possuidoras de um poder político, representativo dos sujeitos, e estas possuidoras de um poder científico, representativo dos objetos naturais.

Nessa perspectiva, o grande paradoxo moderno entre a linguística e a política de

representação, diz o autor, é conceber essas duas modalidades de ciência como sendo estanques e não-influenciáveis uma pela outra. O autor afirma que, do mesmo modo como não há conceitos puros, não há línguas puras. Como os conceitos, as línguas são híbridas.

Rajagopalan diz que, na política de representações e no uso da linguística, o linguista, como

cientista social, deve executar um papel político e ético, essencialmente contribuidor para a melhoria das condições de vida dos amplos e vultosos setores marginalizados da sociedade.

Deve o linguista, quando for teorizar e representar a cultura de um povo, por meio de

textos, não apenas descrever a língua (gem). Deve desprender-se dos laços epistemológicos que o amarram à neutralidade científica e à naturalização de seu objeto de estudo.

82 Mestre em Linguagem e Identidade (Cultura e Sociedade) pela Universidade Federal do Acre - UFAC (2016) e Bacharel em Direito pela mesma instituição (2017). Especialista em Educação; Administração; Tecnologias; e Gestão Pública. Graduado em Finanças pela UniSEB/SP (2013) e em Matemática pelo Ceuclar/SP (2016). Servidor Público Federal. E-mail: [email protected].

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Agindo assim, o linguista intervirá nas decisões tomadas na esfera dos planejamentos linguísticos. Essa é a função da linguagem crítica proposta pelo autor. O linguista, para ele, deve se aproximar da comunidade leiga e com ela estabelecer diálogo permanente, tornando-a partícipe das políticas de representação de identidades e da linguagem.

O autor propõe essa atitude, porquanto assevera que as línguas são a própria expressão da

identidade de quem delas se apropria. Dessa forma, o leigo não pode ser excluído desse processo, pois usa a língua. Além do que, toda atividade política é mediada pela língua (gem). Esta é de ordem inescapavelmente discursiva. Política e língua (gem) são, portanto, indissociáveis.

Assim, ao se engajarem, concomitantemente, em questões de língua (gem), o leigo e o

linguista comprometem-se, politicamente, a participar de ações políticas, as quais melhoram a vida de todos, inclusive da própria língua (gem).

Nessa seara da linguística e política da representação, Rajagopalan queda-se contrário às

críticas produzidas contra o chamado “imperialismo linguístico” ou “invasão linguística” a que são submetidas as demais nações, em meio a uma ordem mundial Norte-Americana. Os que criticam tal imperialismo, dizem que estamos todos submetidos a uma “coca-colonização”, a uma “MacDonaldização”.

Rajagopalan diz ser indubitável que os Estados Unidos da América, ao investirem muito

dinheiro nos seus departamentos de linguísticas entre as décadas de 1960 e 1970, com o escopo de propagar o inglês pelo mundo, tinham objetivos financeiros para tal. Porém, as críticas atuais a esse imperialismo são anacrônicas, porquanto provêm de uma noção de identidade nacional, que associou a língua à cultura.

O autor diz que essa noção fechada de identidade exige uma nova interpretação e

teorização. É necessária uma nova identidade para a linguística. Rajagopalan diz que ao invés de resistir ao “imperialismo linguístico” (império e predomínio de uma língua – atualmente a norte americana), é preciso ensinar línguas estrangeiras, aprendê-las com afinco e torná-las parte integrante de nossas personalidades, sem permitir, contudo, que elas nos dominem.

Finaliza o autor, dizendo que, no mundo atual, os protecionismos linguísticos e os

absolutismos étnicos cedem lugar às identidades diaspóricas, em transição, sempre híbridas e contextualizadas. Tais provocações de Rajagopalan indicam um caminho possível frente aos descaminhos contemporâneos.

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RESENHA HADJI, Charles. Avaliação desmistificada. Trad. Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. 136 p.

Welisson Marques

A avaliação torna-se formativa na medida em que se inscreve em um projeto educativo específico, o de favorecer o desenvolvimento daquele que aprende, deixando de lado qualquer outra preocupação. (HADJI, 2011, p. 20)

A obra Avaliação Desmistificada, de Charles Hadji, possui 136 páginas e é dividida em duas

partes. A primeira, “Compreender”, possui três capítulos: Capítulo 1: Compreender que a avaliação formativa não passa de uma “utopia promissora”; Capítulo 2: Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em um processo de negociação; e Capítulo 3: Compreender que é possível responder a três questões pertinentes. A Segunda Parte, por sua vez, intitulada “Agir” apresenta os próximos quatro capítulos, totalizando sete capítulos ao todo: Capítulo 4: Agir desencadeando de maneira adequada; Capítulo 5: Agir observando/interpretando de maneira pertinente; Capítulo 6: Agir, comunicando de modo útil; e, por fim, Capítulo 7: Agir remediando de modo eficaz. Como todo livro, há uma introdução que precede e uma conclusão que segue os sete capítulos principais.

Na Introdução, intitulada “Da utopia à realidade: seria finalmente possível passar à ação?”,

Hadji discute a possibilidade de uma avaliação que seja “capaz de compreender tanto a situação do aluno quanto de “medir” seu desempenho; capaz de fornecer-lhe indicações esclarecedoras, mais do que oprimi-lo com recriminações; capaz de preparar a operacionalização das ferramentas do êxito, mais do que resignar a ser apenas um termômetro (até mesmo um instrumento) do fracasso” (HADJI, 2001, p. 9) seriam meios de uma pedagogia, enfim, eficaz. A avaliação serviria, portanto para levar o aluno à compreensão de seus erros e não mais cometê-los, e progredir, ao invés de ser tida como “perda de tempo” ou “peso desnecessário”. É nessa direção que se fala em evolução na questão da avaliação e que Hadji propõe nessa introdução a discutir em sua obra.

No Capítulo 1, intitulado Compreender que a avaliação formativa não passa de uma ‘utopia

promissora’, Hadji declara que a questão da avaliação é multidimensional, ou seja, pode ser compreendida de diversos meios, sendo que, nessa obra, a mesma será abordada sob o ângulo das convicções já sedimentadas a seu respeito. De tal modo, será avaliada sob dois tipos de considerações: examinando os fatos e a essência das atividades envolvidas. Para Hadji “aqueles que acreditam na necessidade de uma avaliação formativa afirmam a pertinência do princípio segundo o qual uma prática – avaliar – deve tornar-se auxiliar de outra – aprender” (HADJI, 2011, p. 15). Segundo Hadji, é desejável que a avaliação, em um contexto de ensino, tenha por objetivo contribuir para a construção de saberes e competências pelos alunos e segue buscando definir o que é “avaliação formativa”. Destaca, pois, as noções de avaliações implícita, espontânea e instituída. Os exames escolares encaixam-se nesse perfil de avaliação instituída em detrimento, por exemplo, das avaliações espontâneas (que não repousam sobre nenhuma instrumentalização específica). Na sequência, traz os conceitos de avaliação de referência normativa (que impõem normas, socialmente organizada, anunciada e executada) e avaliação de referência criteriada (que aprecia um comportamento, um critério ou alvo a ser atingido). Segue definindo o que é avaliação prognóstica, formativa e cumulativa e a avaliação formativa como utopia promissora. A avaliação prognóstica , ou diagnóstica precede a ação de formação e identifica certas características do aprendiz e faz um balanço, mais ou menos aprofundado, de seus pontos fortes e fracos (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação formativa tem esse nome, pois tem por função “contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino (ou de formação, no sentido amplo)” (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação cumulativa, por sua vez, tem por função “verificar se as aquisições visadas pela formação foram feitas” (HADJI, 2011, p. 19). Para o autor, uma avaliação que não seja seguida por modificações ou

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intervenções por parte do educador não pode ser considerada formativa! Hadji fecha esse capítulo refletindo sobre os obstáculos à emergência de uma avaliação formativa. Entre os quais há a existência de representações inibidoras, como é o caso da exigência de certificação de seleção ou mesmo a preguiça ou medo dos professores, que não ousam remediar ou intervir de modo eficaz em sua prática pedagógica. Portanto, a avaliação formativa não é mais do que “uma utopia promissora, capaz de orientar o trabalho dos professores no sentido de uma prática avaliativa colocada, tanto quanto seja possível, a serviço das aprendizagens” (HADJI, 2011, p. 25).

No segundo capítulo intitulado Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em um processo

de negociação, o autor destaca que a avaliação não é uma medida. Medida sendo compreendida como uma operação de descrição quantitativa da realidade. No entanto, pesquisas realizadas de resultados obtidos nos exames baccalauréat na França demonstram que a aprovação de candidatos está também submetida “ao acaso da atribuição a uma banca” (HADJI, 2011, p. 30). De tal sorte, o ponto de vista de que o exame é “uma ciência exata” é completamente rechaçado, pois dependerá, reiteramos, de critérios “subjetivos” definidos pelos diferentes examinadores em questão. Portanto, “as variações de notas, para um mesmo produto, de um examinador a outro, vão bem além do que seria apenas uma incerteza normal devido às condições ‘locais’ da tomada de medida” (HADJI, 2011, p. 30). Para reforçar a questão, o autor cita exemplos de alunos que obtiveram notas péssimas em exames escolares, mas que em concursos nacionais foram premiados com o primeiro lugar na mesma área! Nessa direção, é necessário corrigir os defeitos do instrumento de avaliação. Isso pode ser feito refletindo-se sobre a subjetividade do corretor. Isso implica pensar, por exemplo, nas diferentes representações que o professor tem do aluno ou mesmo da história escolar na qual está inserido. Portanto, o julgamento professoral não se desvincula da prática sociohistórica e ideológica, reiteramos, na qual se insere: “fica claro que é inútil insistir em tomar a avaliação tão objetiva quanto uma medida” (HADJI, 2011, p. 32) em virtude dessa inseparável relação avaliação/contexto histórico. Ademais, é necessário indagar sobre a exata natureza da relação avaliação/avaliado, isto é, precisar com exatidão o que é avaliado. Sendo assim, se a avaliação não é uma medida, o que seria então? Para Hadji, a avaliação é um ato que se inscreve em um processo geral de comunicação/negociação. Em outros termos, a avaliação consiste em uma negociação, uma troca entre avaliador e avaliado. Nessa troca, é necessário destacar que o aluno sofre interferências do contexto também, sendo que seu desempenho será condicionado, em certa medida, a tais circunstâncias. O exame é, pois, o resultado de uma interação cujo desempenho alcançado pelo “aluno” depende das circunstâncias envolvidas no ato. Esse ato é um processo complexo, pois apresenta inúmeras variáveis ligadas às condições sociais. Assim, do mesmo modo que o efeito de categorização é válido para o aluno, ele também vale para o examinador (i.e, a percepção que o examinador tem do desempenho é igualmente dependente do contexto social). É diante desse entendimento que se compreende que a avaliação escolar traduz arranjos em uma dinâmica de negociação: “esses arranjos são o resultado de uma negociação, implícita ou explícita, entre um professor que quer manter sua turma, e alunos que querem alcançar seu objetivo” (HADJI, 2011, p. 39). Fica evidente até aqui que a avaliação não é um instrumento de objetividade, mas “um ato de confronto entre uma situação real e expectativas referentes a essa situação” (HADJI, 2011, p. 41). Assim, a avaliação é uma operação de leitura da realidade – constrói sentidos diante do objeto; é também orientada e que aponta em que medida o desempenho do aluno é ou não adequado e por fim, a avaliação é também uma leitura orientada por uma grade que expressa um sistema de expectativas julgadas legítimas.

O capítulo 3, último da primeira parte do livro, intitula-se Compreender que é possível responder a

três questões pertinentes. Neste, Hadji trata de três hipóteses sobre esse processo: a primeira, em que a avaliação é concebida como um ato sincrético essencialmente baseado na intuição do avaliador; a segunda concerne ao fato de que a avaliação é um ato que tem mais a função de explicar do que de descrever; e a terceira em que a avaliar é fazer agir a descontinuidade dos valores, e não a continuidade das cifras. Hadji destaca que no Canadá ainda se associam medida e avaliação, ou seja, ambas são tratadas como vizinhas. Para o autor, avaliação equipara-se a julgamento; é, pois, um julgamento de valor: “Se avaliar significa atribuir uma qualidade, se há tanto a explicar quanto a descrever, o verdadeiro problema para o avaliador é interpretar o real sobre o qual deve pronunciar-

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se. Não simplesmente estabelecer uma constatação – o que corresponderia, por exemplo, à ‘medida’ de um desempenho – mas dar conta do que foi observado no âmbito de um ‘sistema de observação’” (HADJI, 2011, p. 61). O autor também pontua a diferença entre prova e avaliação. A prova está ligada ao conformar-se a um modelo de referência, a um a priori de procedimentos e normas. A avaliação, por sua vez, deve-se adequar à realidade dos aprendizes. Hadji traz discussões bem pertinentes também sobre o fato de a avaliação estar ligada (ou não) a valorar/valorização de um objeto. Nesse sentido, não se pode recusar por completo que a avaliação implica valorização e julgamento em certa medida. No último tópico desse capítulo, o autor indaga sobre a necessidade da continuidade de avaliação e pontua “a avaliação no sentido estrito é apenas um auxiliar da ação pedagógica. Isso significa ao mesmo tempo que ela não passa de um de seus componentes e que o importante para os professores-avaliadores é ensinar, isto é, ajudar os alunos a progredirem em suas aprendizagens. É isso que parece afirmar de modo surpreendente, ainda que implícito, a prática de avaliação formadora” (HADJI, 2011, p. 66-67).

No capítulo quatro, intitulado Agir desencadeando de maneira adequada, Hadji declara que

construir um dispositivo de avaliação consiste em determinar algumas condições (por exemplo se a prova será escrita ou oral) e que tal dispositivo precisa ser mais ou menos elaborado. Segundo o autor, o dispositivo é constituído pelo exercício de avaliação e o problema é escolher pertinentemente os exercícios. Assim, sugere-se buscar em um banco de instrumentos coletâneas de exercícios adequados aos professores (HADJI, 2011, p. 78). O passo seguinte é determinar as questões que devem ser respondidas por meio da avaliação, sendo que não há avaliação sem pergunta feita à realidade. É esse questionamento que apontará o caminho que “formará” a avaliação. Esse questionamento deve ser orientado pelos objetivos de ensino, pautados nos documentos oficiais e institucionais que regem a disciplina em questão. Após a aplicação e correção, deve-se determinar decisões que reorientem o programa de ensino e estabelecer os espaços de observação. Os “espaços” são aqui definidos como cada objetivo operacional ou cada competência especificada. Enfim, é necessário escolher os instrumentos de coleta de dados. Hadji esclarece que o ideal é que o exercício cumpra uma função ad hoc, ou seja utilizado para fins específicos. Na sequência, na última parte deste capítulo, o autor traça uma arquitetura sobre a tarefa de avaliação, as quais apresentam quatro dimensões: o alvo, os critérios de realização, os critérios de êxito e as condições de realização.

Nos últimos dois capítulos, Agir observando/interpretando de maneira pertinente e Agir remediando

de modo eficaz Hadji trata, grosso modo, da avaliação como meio de “remediar” a prática docente. Em nossa opinião, a tradução não é excelente. Há muitas passagens que certamente precisariam ser revistas por outro tradutor, pois às vezes a linguagem se mostra ambígua ou incoerente e de difícil compreensão também, mas o conteúdo do livro é bastante profícuo e útil para aqueles que se interessam pelo tema. Acredito que a obra é essencial para professores de qualquer nível, principalmente levando em consideração a urgente necessidade de variedade nas formas de se avaliar e, também, de critérios específicos (e não vagos ou obscuros) em suas práticas de ensino.