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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURAL REGIONAL RÔMULO JOSÉ FRANCISCO DE OLIVEIRA JÚNIOR ANTONIO SILVINO De Governador dos Sertões a Governador da Detenção(1875-1944) RECIFE / 2010

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    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

    PROGRAMA DE PS GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURAL REGIONAL

    RMULO JOS FRANCISCO DE OLIVEIRA JNIOR

    ANTONIO SILVINO De Governador dos Sertes a Governador da Deteno

    (1875-1944)

    RECIFE / 2010

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    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

    PROGRAMA DE PS GRADUAO EM HISTRIA

    MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURAL REGIONAL

    RMULO JOS FRANCISCO DE OLIVEIRA JNIOR

    ANTONIO SILVINO De Governador dos Sertes a Governador da Deteno

    (1875-1944)

    Dissertao apresentada como requisito parcial a

    obteno do grau de Mestre em Histria ao

    Programa de Ps-Graduao em Histria Social da

    Cultura Regional da Universidade Federal Rural de

    Pernambuco.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria ngela de Faria

    Grillo

    RECIFE / 2010

  • 2

    Ficha catalogrfica

    O48a Oliveira Jnior, Rmulo Jos Francisco de

    Antonio Silvino: de governador dos sertes a governador da

    deteno (1875-1944) / Rmulo Jos Francisco de Oliveira

    Jnior. 2010.

    152 f. : il.

    Orientadora: Maria ngela de Faria Grillo

    Dissertao (Mestrado em Histria Social da Cultura

    Regional) - Universidade Federal Rural de Pernambuco.

    Departamento de Letras e Cincias Humanas, Recife, 2010.

    Inclui referncias e anexo.

    1. Histria 2. Antonio Silvino 3. Biografia 4. Cangao Representaes I. Grillo, Maria ngela de Faria, orientadora

    II. Ttulo

    CDD 920

  • 3

  • 4

    Para Vov Guilherme (in memorian), ao ler este

    trabalho ele certamente relembraria seus tempos de

    infncia no serto pernambucano.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A tarefa de agradecer algo muito delicado, pois nos nossos sentimentos acabamos

    por lembrar alguns e esquecemos de outros, desabafamos problemas, louvamos conquistas e

    sempre temos a certeza de que, apenas uma etapa foi cumprida e que teremos pela frente uma

    longa caminhada. Algumas pessoas e rgos institucionais precisam ser lembrados nestes

    agradecimentos, no por pieguismo, mas porque realmente fizeram parte dessa construo.

    Em primeiro lugar agradeo a minha Orientadora ngela Grillo, que tm estado

    comigo desde os tempos da Graduao em Histria. Ela sempre me oportunizou o

    crescimento acadmico. Sei que construmos muito mais do que uma relao de orientao de

    mestrado, mas uma Verdadeira Amizade. A mim s resta dizer, muito obrigado!

    Aos meus colegas do mestrado da UFRPE pelos debates e conversas, em especial

    preciso agradecer a Juliana Rodrigues por andar de mos dadas da graduao at o mestrado,

    Juli uma irm que a vida me deu! A Bianca Nogueira e Jordana Leo pelo estudo em

    conjunto, pelo carinho, serenidade, horas de riso, conversas por msn, orkut e telefone.

    A professora Isabel Guillen e ao professor Durval Muniz de Albuquerque, presentes

    no exame de qualificao, em que muito aprendi e me beneficiei com as sugestes e

    contribuies dadas ao meu trabalho, inclusive dando novos rumos na pesquisa acadmica.

    Com a Prof Isabel aprendi posturas acadmicas e tive a possibilidade de conhecer uma

    variedade de produes no campo da Histria e da Cultura. Com o Prof Durval aprendi por

    meio de seus livros a usar da sensibilidade e o fazer a pesquisa com teso.

    s professoras que tive no mestrado e muito contriburam para que eu pudesse ampliar

    meus conhecimentos: Alcileide Cabral, Vicentina Ramires, Giselda Brito, Suely Almeida e

    Isabel Guillen. Um time de mulheres que me fez analisar a sensibilidade que se precisa ter ao

    estudar a vida de um homem do serto.

    Noemia Luz, que carinhosamente me acolheu no Arquivo Pblico Estadual Jordo

    Emerenciano e em sua casa, sempre lendo o texto e dando contribuies importantes. Sua

    orientao, suas crticas e elogios, alm da torcida para que fosse possvel concluir este

    trabalho foram de uma grande nobreza e amor a profisso do Historiador. Voc foi bastante

    especial.

    FACEPE, cujo apoio essencial, com recursos materiais, acredito que teria sido

    muito difcil concluir essa etapa de aperfeioamento profissional sem o auxlio desse rgo de

    fomento a pesquisa do Estado de Pernambuco.

  • 6

    Aos meus colegas, funcionrios e funcionrias, professores e professoras do

    Departamento de Educao, alunos e alunas da UFRPE, tenho que lembrar que durante o

    mestrado fui professor substituto nesta mesma instituio, e estes estavam sempre curiosos

    em saber como andava cada etapa da pesquisa, tirando dvidas, promovendo debates, me

    recebendo com muito carinho, elogiando e criticando meu trabalho. Em especial no

    Departamento de Educao agradeo a Denise, Clia e Jane. E no Departamento de Letras e

    Cincias Humanas agradeo a Maria (Tia) e Marcos.

    Ao Programa de Ps-graduao em Histria Social da Cultura Regional - UFRPE, sob

    a coordenao do professor Wellington Barbosa e da professora Ana Nascimento,

    funcionria Alessandra e ao estagirio Paulo, que muitas vezes foram de um companheirismo

    muito importante dando sempre resposta aos trmites burocrticos do Mestrado.

    Aos funcionrios dos espaos de pesquisa por onde andei: APEJE, FUNDAJ,

    Biblioteca Pblica Castelo Branco, Biblioteca da UFRPE e UFPE, sempre prestativos na

    busca de acervos e ainda contribuindo para o trabalho. Em especial a Ildo Leal, que me

    acolheu no Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano (APEJE), auxiliando em muito na

    pesquisa aos documentos da Casa de Deteno do Recife.

    Durante a visita realizada na Cidade de Afogados da Ingazeira-PE, preciso agradecer a

    vrias pessoas. Fui recebido pelo carinho de Dona Luzinete Amorim que passou horas

    conversando sobre onde eu poderia encontrar informaes sobre o cangaceiro Silvino. Ao

    padre Josenildo Oliveira, da Parquia do Senhor do Bom Jesus dos Remdios e a secretria da

    Casa Paroquial Maria Socorro Cavalcanti, que abriram os arquivos religiosos datados desde

    1836 para que eu pudesse pesquisar sobre o contexto da poca de infncia de Antonio Silvino.

    As funcionrias da Biblioteca Pblica Municipal Monsenhor Arruda Cmara, Janana Lima e

    Irene Nogueira que cederam manhs para pesquisar comigo o histrico da cidade e

    fragmentos que versassem sobre Silvino.

    A meus pais, Vera Guzella e Rmulo Oliveira, que me oportunizaram a formao

    familiar, escolar, moral e tica para lidar no dia-dia com as situaes boas e ruins. Meus pais

    so um presente na minha vida. A ateno, o carinho, as broncas, a torcida em cada vitria

    que conquistei devo ao respeito e a dedicao que sempre tiveram comigo. Painho e Mainha

    Amo muito vocs!

    A minhas irms Daisy e Ktia, ao meu irmo Roberto, pela torcida, mas especialmente

    a minha sobrinha, Maria Beatriz, uma menininha linda, que muitas vezes queria colo e

    ateno justamente nas horas que eu estava escrevendo ou estudando. Riscou livros, papis,

    apagava, pintava, falava e mexia em tudo. Ela me fez brincar e rolar no cho, ela me faz rir e

  • 7

    emocionar desde o seu nascimento em 15 de abril de 2008 at os dias de hoje. Beatriz foi

    importante nas horas que as leituras e o cansao me pedia para dar um tempinho e respirar.

    Ao companheirismo de Euclides (Dinho), que soube compreender as horas de estudo

    nas madrugadas, os meus choros e as ausncias emocionais. Ele transcreveu matrias de

    jornais, visitou arquivos comigo, leu diversas vezes este trabalho e esteve atento aos meus

    devaneios de historiador respondendo com risos, caras feias e com um carinho imenso. Nativo

    de Afogados da Ingazeira, terra de Antonio Silvino, Euclides opinou e criticou sobre o cenrio

    sertanejo e a descrio da regio do Paje, quando eu teimava em cair nas generalizaes

    feitas por quem no viveu no serto. Agradeo demais por estar comigo nas horas que mais

    precisei. Amo muito voc!

    A Vov marinete, as minhas tias Denise e Demilze, que foram de grande carinho e

    apoio nos momentos familiares e aos amigos e amigas que estiveram comigo nas horas de

    descontrao, Amanda, Elaine Santos, Elaine Patrcia, Rose, Thiago, Thiaguinho, Anderson,

    Wanderson, Gabi, Carla e Ingrid e Ingrid Pires.

    As meninas da Xerox de Shirley: Elaine,Vivi, Renatinha e Shirley. Obrigado pela

    ateno e pelos crditos nas horas que foram necessrias.

    A todos e todas que direta ou indiretamente contriburam para essa pesquisa.

  • 8

    [...] s havia uma grandeza no mundo, era a grandeza do homem quem no

    temia o governo, do homem que enfrentava quatro estados, que dava dor de

    cabea nos chefes de polcia, que matava soldados, que furava cercos, que

    tinha poder para adivinhar os perigos.

    Jos Lins do Rego. Fogo Morto. Rio de Janeiro. Jos Olympio. 2004. p.145.

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    RESUMO

    Antonio Silvino: De Governador dos Sertes a Governador da Deteno (1875-1944)

    um trabalho que surgiu do desejo de compreender quem foi o cangaceiro Antonio Silvino

    segundo a viso dos jornais, que eram lidos por uma classe letrada e pelos Cordis que

    atingiam uma populao de pouca instruo. Este trabalho teve como objetivo construir uma

    biografia, em que procurei estar atento nominao dada pelos documentos que versaram

    sobre o cangaceiro, ao contexto histrico e s representaes que lhe foram atribudas pelos

    jornais recifenses, pelos documentos pblicos e pelos cordis de Francisco das Chagas Batista

    e Leandro Gomes de Barros, em cada fase que classifiquei da vida de Antonio Silvino. O

    exerccio que ora apresento no abarca a totalidade do sujeito biografado, isso seria

    impossvel de fazer, pois, assim como a escrita da histria uma resposta provisria sobre o

    passado, a escrita biogrfica tambm . Busquei realizar uma discusso terico-metodolgica

    pautado nos estudos da Histria Cultural e da construo de biografias, que j esto sendo

    debatidos desde a dcada de 1970. O trabalho est divido em quatro captulos. No primeiro

    apresento o contexto histrico em que nasceu Manuel Baptista de Moraes, verdadeiro nome

    de Antonio Silvino. No segundo, analiso as aes do cangaceiro desde o ano 1900, quando ele

    assume como chefe de bando, at sua priso em 1914. No terceiro discorro sobre a

    espetacularizao que se fez a respeito de sua priso e sobre os sujeitos que atuaram nela. No

    quarto captulo verso sobre o cotidiano de Silvino na Casa de Deteno do Recife, analisando

    as suas mudanas de comportamento e seus desejos na cadeia, concluindo com a sua liberdade

    e o findar de seus dias no ano de 1944, na cidade de Campina Grande PB. A pesquisa

    mostrou a possibilidade de compreender o cangaceiro para alm da imagem de heri e

    bandido, pois reconstituir a fragmentada vida deste cangaceiro permitiu visualizar um sujeito

    do ponto de vista humano e perceber que ele foi um homem de natureza poltica.

    Palavras-Chave: Antonio Silvino, Biografia, Representaes.

  • 10

    RIASSUNTO

    Antonio Silvino: Da Governatore dei retroterre a Governatore dellArresto (1875-

    1944) un lavoro che venuto dal desidero di capire chi fu il brigante Antonio Silvino

    secondo lopinione dei giornali che venivano letti da una classe letterata e dai cordel, i quali

    raggiungevano una popolazione poco istruita. Questo lavoro ebbe come obiettivo costruire

    una biografia dove ho cercato di essere attento alla nominazione data dai documenti che

    versarono a riguardo del brigante al contesto storico ed alle rappresentazioni che gli furono

    date dai giornali recifensi, dai documenti pubblici e dai cordel di Francisco das Chagas Batista

    e Leandro Gomes de Barros, in ogni fase che ho classificato della vita di Antonio Silvino.

    Lesercizio ora presentato non ci porta la totalit del soggetto biografatto, ci sarebbe

    impossibile da fare, gi che, cos come la scritta della storia una risposta provvisoria sul

    passato, anche lo la scritta biografica. Ho cercato di realizzare una discussione

    teoricometodologica rigata sugli studi della Storia Culturale e della costruzione di biografie, i

    cui vengono discussi dalla decade del 1970. Il lavoro viene diviso in quattro puntate. Nella

    prima, presento il contesto storico in cui nato Manuel Baptista de Moraes, il vero nome di

    Antonio Silvino. Nella seconda, faccio lanalisi delle azioni del brigante dal 1900, quando

    viene presentato come un capofila, al suo arresto nel 1914. Nella terza, discorro sulla

    spettacolarizzazione che c a riguardo del suo arresto e sui soggetti che ce ne hanno attuato.

    Nella quarta puntata verso a riguardo del quotidiano di Silvino dentro la Casa de Deteno

    do Recife, analizzando i suoi cambiamenti abitudini personali ed i suoi desideri dentro

    larresto, concludendo con la sua libert e la fine dei suoi giorni nel 1944, nella citt di

    Campina Grande PB. La ricerca mostr la possibilit di capire il brigante al di l

    dellimmagine di eroe eppure brigante, gi che ricostruire la frammentata vita di questo

    brigante permise visualizzare un soggetto dal punto di vista umano e rendersi conto di che lui

    fu un uomo di natura politica.

    Parole chiavi: Antonio Silvino, Biografia, Rappresentazioni.

  • 11

    ABSTRACT

    Antonio Silvino, "From Governor of backwoods to Governor of Detention" (1875-1944)

    is a work that came from the desire to understand who the cangaceiro Antonio Silvino was,

    from the vision of newspapers that were read by an educated class and the cordis that had

    reached a population of little education. This study aimed to construct a biography, in which I

    tried to be aware of the nomination given in the documents related to the bandit, the historical

    context and the representations assigned to the newspapers from Recife, the public documents

    and the cordis by Francisco das Chagas Batista and Leandro Gomes de Barros, in each

    stage that I described Antonio Silvinos life. The exercise now presented does not cover the

    whole subject of his biography, it would be an impossible thing to do, as well as the writing of

    history is an interim response about the past, and so is the biographical writing. I wanted to

    perform a theoretical and methodological discussion based on studies of cultural history and

    the construction of biographies, which are already being debated since the 1970s. This work is

    divided into four chapters. The first presents the historical context in which Manuel Baptista

    de Moraes was born, Antonio Silvinos real name. In the second, I analyze the actions of the

    bandit from 1900 on, when he takes on as the head of a gang, until his arrest in 1914. The

    third one is about the spectacle that was made about his arrest and on the individuals who

    acted on it. The fourth chapter focuses Silvinos routine in the Casa de Deteno in Recife,

    analyzing his behavior changes and his desires in jail, concluding with his freedom and the

    ending of his days in 1944, in the city of Campina Grande - PB. The research has shown the

    possibility of understanding the cangaceiro beyond the image of hero and villain, cause

    reconstruct the fragmented life of this cangaceiro allowed a visualization of this man from a

    humans point of view and realize that he was a man with a political nature.

    Keywords: Antonio Silvino, Biography, Representations

  • 12

    LISTA DE ABREVIATURAS

    APEJE Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano

    CDR Casa de Deteno do Recife

    DP Dirio de Pernambuco

    FACEPE Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco

    FUNDAJ Fundao Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

    PB Paraba

    PE Pernambuco

    RN- Rio Grande do Norte

    RJ Rio de Janeiro

    SDS Secretaria de Defesa Social

    UFPE - Universidade Federal de Pernambuco

    UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco

  • 13

    NDICE DE IMAGENS

    FIGURA FONTE PGINA

    Fig. 01

    Folhetos de Cordel pendurados para venda.

    Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    31

    Fig. 02

    Foto da Tipografia e Livraria Popular

    Editora, de Chagas Batista.

    livro- Francisco das Chagas

    Batista. Rio de Janeiro: Fundao

    Casa Rui Barbosa. 1977.

    32

    Fig. 03

    Foto do busto de Leandro Gomes de Barros publicada nos

    seus folhetos. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa

    RJ.

    34

    Fig. 04

    Capa do folheto Todas as lutas de Antonio Silvino,

    contendo no alto, a assinatura de Rachel Aleixo, filha do

    poeta. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa RJ.

    34

    Fig. 05

    Foto da construo da Igreja matriz

    no ano de 1910.

    Acervo da Parquia do Senhor Bom

    Jesus dos Remdios. Livro de Tombo

    ano de 1911. p.25.

    43

    Fig. 06

    Foto da Igreja matriz aps a concluso

    da obra e j com o coreto central. Ano

    de 1920. Acervo da Biblioteca Pblica

    da Prefeitura de Afogados da Ingazeira.

    43

  • 14

    Fig. 07

    Mapa de Pernambuco contendo as cidades que Silvino

    circulou no perodo do Cangao. Acervo do autor.

    57

    Fig. 08

    Capa do folheto A Vida de Antonio

    Silvino, datado do ano de 1905

    Fundao Casa de Rui Barbosa - RJ

    58

    Fig. 09

    Xilogravura de Antonio Silvino na

    Capa do folheto A Histria de

    Antonio Silvino, de autora de Chagas

    Batista, publicado em 1907.

    Fundao Casa de Rui Barbosa - RJ

    71

    Fig. 10

    Propaganda da Loja Casa Freitas

    publicada no Dirio de Pernambuco

    em 30 de nov. de 1914. p. 02

    Acervo FUNDAJ.

    96

    Fig. 11

    Antonio Silvino, ferido, na

    enfermaria da Casa de Deteno do

    Recife. 1914.

    Jornal Pequeno. Recife. 28 de nov.1914.

    Acervo FUNDAJ

    97

    Fig. 12

    Pontos de ferimentos de Antonio

    Silvino, na enfermaria da Casa de

    Deteno do Recife. 1914.

    Jornal Pequeno. Recife. 28 de nov.

    1914. Acervo FUNDAJ

    97

    Fig. 13

  • 15

    Capa do Jornal do Recife. Recife. 02 de dez. 1914

    Acervo FUNDAJ.

    97

    Fig. 14

    Subscrio publicada no jornal

    Dirio de Pernambuco. Recife. 01

    de dez. 1914. p.01.

    Acervo FUNDAJ

    99

    Fig. 15

    Fotografia do Delegado Tephanes Ferraz Torres. 1914.

    Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    101

    Fig. 16

    Thephanes Ferraz e sua esposa Amlia Torres no ano de

    1916.

    Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    101

    Fig. 17

    Sargento Alvino. Policial que

    aprisionou Silvino junto com o

    Alferes Theophanes Torres

    Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    102

    Fig. 18

    Soldados integrantes da volante que

    prendeu Antonio Silvino.

    Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    102

  • 16

    Fig. 19

    Registro da entrada de Silvino na Casa de Deteno do

    Recife. Livro das Partes das Ocorrncias Dirias da Casa

    de Deteno do Recife dos anos de 1914-1915. n 4.8/54.

    p. 184v. e 185. Ms. APEJE.

    105

    Fig. 20

    Nome de Silvino na lista de movimento da enfermaria da

    Deteno. Livro das Partes das Ocorrncias Dirias da

    Casa de Deteno do Recife dos anos de 1914-1915. n

    4.8/54. p. 185v. Ms. APEJE.

    106

    Fig. 21

    Gravura da Casa de Deteno do Recife, de L. Shlappnz.

    Acervo da FUNDAJ.

    108

    Fig. 22

    Foto de Antonia F. de Arruda, amante

    de Antonio Silvino. Publicada no

    JORNAL PEQUENO. 05 de dez.

    1914. p. 01. APEJE

    110

    Fig. 23

    Mapa demonstrativo de alunos da escola de detentos com

    respectivo adiantamento durante o ano de 1918. Livro de

    Relatrio da Casa de Deteno 01 de jan a 31 de dez 1918.

    p. 23. Fundo CDR. APEJE.

    124

    Fig. 24

    Ficha catalogrfica de Antonio Silvino, contendo nmero

    de registro e escrito que foi liberto pelo perdo de Vargas.

    FUNDO CDR. APEJE

    127

    Fig. 25

    Fotografia de Antonio Silvino, diretores

    da Casa de Deteno e de seu filho,

    publicadas pelo Dirio de Pernambuco

    em 04 de fev. 1937. Acervo FUNDAJ

    128

  • 17

    Fig. 26

    Fotografia de Antonio Silvino e diretores da Casa de

    Deteno publicadas pelo Dirio de Pernambuco em 04 de

    fev. 1937. Acervo FUNDAJ

    128

    Fig. 27

    Foto publicada no Jornal Pequeno quando da morte de

    Antonio Silvino em 1944.

    Fonte: Acervo FUNDAJ

    134

  • 18

    SUMRIO

    INTRODUO 18

    1. NOS PASSOS DE MANOEL BATISTA DE MORAES. 38

    1.1 A transio de sculos e a cidade de Afogados da Ingazeira 1.2 A gesta de um sertanejo

    2. ANTONIO SILVINO: O GOVERNADOR DOS SERTES 58

    2.1 Trilhando rumos desconhecidos

    2.2 - Anti-moderno, justo e mandingueiro

    3. ESPETACULARIZANDO UMA PRISO 89

    3.1 O trajeto de Taquaretinga - PE Casa de Deteno do Recife

    3.2 Espetculos para o delegado Thephanes Torres

    4. O GOVERNADOR DA DETENO 104

    4.1 - Novos espaos, velhos comportamentos

    4.2 - Do julgamento liberdade: novos comportamentos, novos desejos

    CONSIDERAES FINAIS 136

    REFERNCIAS 139

    ANEXOS 150

  • 19

    INTRODUO

    Houve um tempo em que a escrita da Histria consistia no relatar da trajetria de

    pessoas importantes da sociedade. A vida dos reis, dos lderes polticos e as hagiografias eram

    as que mereciam ter suas histrias contadas, pois serviriam de exemplo para as futuras

    geraes. Essas narrativas feitas de forma precisa apresentavam uma cronologia do nascer

    ao morrer dos indivduos, que comprovadas com a mais pura verdade do documento, sem

    deform-lo e sem permitir os devaneios da fico e da criatividade do narrador estariam

    comprometidas com o passado de cada um1.

    O sculo XX veio para mexer nas estruturas do fazer historiogrfico. Em 1929, na

    Frana, a fundao da Revue de Annales trouxe para as pesquisas histricas a aproximao

    com mtodos e concepes tericas das outras cincias sociais, como a antropologia, a

    psicologia e a sociologia. Na dcada de 1970 Jacques Le Goff e outros historiadores

    popularizaram a expresso Nova Histria atravs do livro La Nouvelle Histoire2, para se

    referir as vrias perspectivas da escrita da Histria3.

    As produes no retratavam apenas os grandes homens e heris, tudo tinha a sua

    histria. O que integrasse a participao dos homens constitua possibilidades de escrita. A

    historiadora Lynn Hunt foi uma das que denominou esse perodo como uma virada cultural.

    Para ela as anlises de grandes heris, fatos polticos e econmicos comearam a ser deixadas

    de lado, e conduziram os historiadores a perceberem estruturas individuais e coletivas que

    envolviam tambm as populaes que no estavam dentro dos campos de prestgio social e

    econmico4. Assim, temas que eram pouco analisados, como vesturio, ritos, indivduos

    desconhecidos, entre tantos outros, estiveram relegados pelos historiadores, e s a partir da

    1 Refiro-me as produes da vida dos santos, papas, reis e pessoas de grande destaque da sociedade Ocidental,

    feitas pelos historiadores da corrente positivista datada do final do sculo XIX, tida como daqueles que desejam

    mais segurana e menos ambio, aquele que visa o fato e no a idia que faz dele, aqueles que olham para o

    documento e relatam defendo a verdade nica. Sobre essa discusso ver: REIS, Jos Carlos. A Histria: entre a

    filosofia e a cincia. Belo Horizonte: Autntica. 2006. Em especial o captulo: A escola metdica, dita

    positivista. 2 Cf. LE GOFF, Jacques. La Nouvelle Historie. Paris: Retz, 1978.

    3 Sobre a fundao da Escola dos Annales e suas geraes ver: BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-

    1989): a revoluo francesa da historiografia. So Paulo: UNESP. 1997. E REIS, Jos Carlos. Escola dos

    Annales: a inovao em histria. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2000. 4 Sobre essa virada cultural Cf. em. HUNT, Lynn. A nova histria cultural. So Paulo. Martins Fontes. 1992.

    Ver a apresentao do livro, em que a autora versa sobre as aproximaes entre a Histria e as Cincias Sociais e

    as novas abordagens realizadas nas pesquisas histricas. Sobre essa discusso ver tambm: BURKE, Peter. A

    escrita da histria: novas perspectivas. (org.). So Paulo: UNESP. 1992.; PESAVENTO, Sandra Jatahy.

    Histria e histria cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2005.

  • 20

    primeira metade do sculo XX que acamparam no cenrio das pesquisas sociais, devido

    influncia da Escola dos Annales.

    O fazer biogrfico tambm passou por mudanas significativas e sofreu grandes

    crticas. Passou-se a desacreditar na construo da trajetria do sujeito como a nica

    possibilidade de entender o caminho por ele traado e na certeza de uma narrativa total sobre

    o sujeito. Segundo a historiadora Vavy Pacheco o percurso da biografia no mundo ocidental

    no algo novo:

    Ao longo de mais ou menos dois milnios, autores acharam que contar a

    histria de vida de algum era algo distinto de uma Histria(que narra

    fatos coletivos e contava a verdade): as histrias das vidas(termo usado

    ento pelos autores) serviam, desde o mundo greco-romano, para dar

    exemplos morais, negativos ou positivos muitas vezes constituindo os

    panegricos. Essa chamada biografia clssica punha um acento muito maior

    no carter poltico, moral ou religioso do biografado do que em sua pessoa,

    em sua singularidade. No mundo medieval, a idia dos exempla prolongou-

    se, configurando-se nas hagiografias e crnicas5.

    Ainda para Vavy Pacheco, a obra Life of Samuel Johnson LL.D, escrita por James

    Boswell, em 1971 tida como o marco inicial dos trabalhos que hoje se preocupam em

    demonstrar um mtodo investigativo da vida de sujeitos de destaque ou no para determinada

    sociedade, alm de evitar o panegrico, e usando documentos, entrevistas e as escritas de si.

    Esta autora advoga que a maneira mais completa de biografar algum por meio da escrita de

    si e por meio do cruzamento de fontes entre informaes dos familiares e documentos

    materiais: fotos, jornais, vdeos, literatura, objetos pessoais6.

    O historiador Franois Dosse sugere trs fases para elaborar um percurso de vida: a

    primeira que denomina: Idade herica, pois so biografias que sugerem modelos e valores

    para outras geraes; a segunda chamada biografia modal, na qual o sujeito apresenta

    importncia diante do contexto social; e uma ltima fase que acredita ser a atualmente usada,

    em que o bigrafo se permite experimentar, ensaiar e construir atravs das fontes e da

    influncia de outras disciplinas a vida dos indivduos7.

    O socilogo Pierre Bourdier apontou que a construo de narrativas de vida, algo

    preso a uma iluso biogrfica, em que existe a tradio da cronologia dos homens, datada do

    nascimento at a morte, levando em considerao a funo global dos acontecimentos,

    5 BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misrias da biografia. In: PINSKY, Carla B. (org.) Fontes histricas.

    So Paulo: Contexto. 2008. p.205. 6 Idem. p. 214.

    7 DOSSE, Franois. Le pari biographie: crive une vie, Paris: La Dcouverte, 2005.

  • 21

    elencados como causa e conseqncia na vida de cada um. Bourdier sugere que para sair da

    tradio biogrfica indispensvel reconstituir o contexto, a superfcie social em que agiu o

    indivduo, respeitando a variedade de campos e momentos da vida, estando atento s

    nominaes dadas pelos documentos: registros civis, religiosos, presidirios, judiciais, entre

    outros e s redes de sociabilidade em que o indivduo biografado esteve inserido8.

    O historiador Giovanni Levi tambm apontou caminhos para o fazer biogrfico em seu

    artigo Usos da biografia9. Para ele existem algumas tipologias nessa produo. A primeira a

    biografia modal, aquela que desperta o interesse quando ilustra os comportamentos ou

    aparncias ligadas s condies sociais estatisticamente mais freqentes10

    , possvel ver o

    singular e o comum em determinado grupo. o que alguns historiadores chamam de

    prosopografia11

    . A segunda tipologia se refere a biografia e contexto, em que a poca e o

    ambiente so bastante valorizados como fatores capazes de caracterizar a atmosfera que

    explicaria a singularidade do sujeito. Aqui, o contexto explicaria o que parece ser

    inexplicvel. A terceira proposio de Levi alerta para a biografia e os casos extremos, na

    qual a vida do sujeito auxilia a compreender o contexto social de determinada rea e poca. O

    autor cita como exemplo o moleiro Menocchio, principal sujeito do livro de Carlo Ginzburg:

    O queijo e os vermes12

    . A ltima proposio tipolgica apresentada pelo autor a biografia e

    hermenutica, cuja ao consiste na interpretao dos dilogos, descries e processo de

    comunicao entre sujeitos e entre culturas.

    Srgio Vilas Boas advoga que para elaborar trabalhos biogrficos preciso refletir

    sobre elementos inerentes a esta escrita. So eles: A descendncia, cuja origem do indivduo

    est construda pela suas influncias familiares. O autor critica a idia de muitos bigrafos que

    retratam as pessoas como necessariamente retrato do gene deixado pela famlia; O fatalismo,

    cuja crtica se concentra nas biografias em que o sujeito est predestinado a ser heri e

    famoso, aquele que desde o bero foi algum que o destino colocaria no rumo da visibilidade

    social. Para Boas, a noo de extraordinariedade, tambm est presente nas escritas

    biogrficas, ele no concebe que pessoas sejam extraordinrias por essncia, mas que as

    8 Cf. BOURDIER, Pierre. A iluso biogrfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janana. (orgs.).

    Usos e abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.183-191. 9 LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janana. Usos e abusos

    da histria Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002. p.167-182. p.174. 10

    Idem. p.174. A respeito deste debate biogrfico ver tambm: LORIGA, Sabina. A biografia como problema.

    In: REVEL, Jacques (Org.) Jogos de Escala: a experincia da microanlise. 1 edio. Rio de Janeiro: FGV,

    1998. 11

    Uma obra que trabalha nessa perspectiva de produo histrica HEINZ, Flvio M.(org.) Por outra Histria

    das elites. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 12

    Cf. GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. O cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela

    Inquisio. 12 ed. So Paulo: Companhia da Letras, 1987.

  • 22

    escolhas, as realizaes, os acontecimentos, a mentalidade cultural e regional e as condies

    socioeconmicas foram de sobremodo, influncia em tornar a pessoa extraordinria. Por

    ltimo o pesquisador dos biografismos lembra que trs elementos precisam ficar ntidos no

    trabalho do bigrafo: a noo de verdade, a transparncia e o tempo. O primeiro sendo

    indicado como a certeza de que no retratar a verdade nica sobre algum, o segundo

    alertando os escritores para a necessidade de informar quais as fontes foram consultadas no

    trabalho e o terceiro para a possibilidade de quebrar a cronologia: nascer-viver-morrer. A

    anlise que Srgio Vilas Boas realizou sobre o processo de produo das biografias quase no

    citado nas pesquisas realizadas pelos historiadores que adentraram no campo da escrita de

    vida.

    Sobre a perspectiva do tempo nas biografias, a historiadora ngela de Castro Gomes

    defende que o mesmo perodo da vida de uma pessoa pode ser decomposto em tempos

    com ritmos diversos: um tempo da casa, um tempo do trabalho, etc.13

    Ainda sobre a idia de

    tempo, Jacques Le Goff ao biografar a vida de So Luis defende que possvel em certos

    limites ordenar o tempo e apresentar a idia de tempo plural, em que o tempo de vida de

    determinado sujeito no o mesmo de sua permanncia na memria de determinada

    sociedade14

    . Por isso realizar uma biografia, seja de homens de destaque social ou de sujeitos

    comuns preciso estar alerta para a fragmentao que o tempo pode sofrer conforme as fontes

    e conforme a fixao de sua imagem na sociedade, principalmente quando tal indivduo

    mitificado.

    Utilizei algumas posturas metodolgicas sugeridas por estes autores, para a elaborao

    desta biografia sobre Antonio Silvino, objetivo da dissertao, quando procurei estar atento

    nominao dada pelos documentos que versam sobre o cangaceiro, ao contexto histrico e s

    representaes que eram atribudas para Silvino. Atento aos nomes atribudos a Silvino

    procurei apontar a descendncia dele no como fatalismo, a sua extraordinariedade no como

    curiosidade e a idia de verdade sobre os fatos como uma perspectiva, um ponto de vista.

    O relatar despretensioso, a informao exata, a no referncia das fontes consultadas e

    o no apontar de possibilidades ou ao menos a reconstruo de contextos fica a margem do

    trabalho de muitos profissionais. O fazer biogrfico o ensaio de possibilidades que a anlise

    documental proporciona, construir uma metabiografia, pois as escolhas do bigrafo esto

    13

    GOMES, ngela de Castro (org). Escrita de si, escrita da histria. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p. 13. 14

    Cf. LE GOFF, Jacques. So Luis: Biografia. Rio de Janeiro: Record, 2002.

  • 23

    para alm da vida do sujeito biografado. A seleo das fontes, as interpretaes e produo do

    texto um trabalho metabiogrfico15

    .

    O exerccio que ora apresento no abarca a totalidade do sujeito biografado, isso seria

    impossvel de fazer, pois, assim como a escrita da histria uma resposta provisria sobre o

    passado, a escrita biogrfica tambm . Ambas carregaram suas verdades, impresses,

    amores, escolhas, angstias, conquistas e desafetos. Nunca poderemos conhecer um sujeito de

    forma completa e verdadeira. Segundo Viana Filho:

    O bigrafo jamais conseguir sair do seu trabalho com a satisfao dum

    matemtico, que acaba de resolver uma equao e est seguro da exatido

    dos resultados. Para ele, restar sempre margem de erro e de dvida,

    conseqncia da nossa capacidade de discernir e destrinchar o que h de

    complexo em qualquer existncia. (...) no estgio atual do conhecimento

    humano, poucas coisas poderiam ser to jactanciosas, e por isso mesmo

    ridculas, quanto um bigrafo pretender haver escrito a vida verdadeira de

    algum. Evidentemente, poder faz-lo, mas jamais poder ter a certeza

    plena de o haver conseguido. Afirmar, portanto, que alcanar aquela meta

    seria apenas impostura16

    .

    Algumas questes me inquietaram para realizar este trabalho. Como saber sobre um

    sujeito? Robert Darnton responderia que: S Deus sabe! O historiador sabe, mas

    imperfeitamente, por meio de documentos obscuros, e com a ajuda da insolncia, brincando

    de ser Deus17

    . Por que biografar Antonio Silvino importante? O que ele tem de interessante

    a ponto de ser escrito este trabalho? preciso defender esta biografia para ampliar os estudos

    sobre o Cangao e sair do jogo duplo de que o cangaceiro ora heri ora bandido. Mas,

    acima de tudo, realizar este exerccio importante para perceber a trajetria de Silvino do

    ponto de vista de ser um sujeito de natureza poltica, de visualizar o lado humanstico deste

    sertanejo, de buscar perceber como os jornais da cidade do Recife e os folhetos de cordel o

    representaram, pois ele afrontou o poder poltico e policial e muitas vezes dizia assumir este

    poder, deixando irrequietas as autoridades que o perseguiam.

    Alerto aos que se aventurarem na leitura das pginas seguintes que no encontraro

    relatos das aventuras do cangaceiro ou respostas para perguntas do tipo: Antonio Silvino foi

    um heri ou um criminoso sanguinolento? Quais as artimanhas que ele usava para fugir das

    perseguies? Essas histrias de herosmo, de violncia e de perseguies aparecero, porm

    15

    Sobre o conceito de metabiografia ver: BOAS, Srgio Vilas. Biografismo: reflexes sobre as escritas da vida.

    So Paulo: UNESP, 2006. 16

    VIANA FILHO, Luiz. A verdade na biografia. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1945. p. 53-54 e 57. 17

    DARNTON, Robert. Os esqueletos no armrio; como os historiadores brincam de ser Deus. In: Os dentes

    falsos de George Washington: um guia no convencional para ao sculo XVIII. So Paulo: Companhia das

    Letras, 2005. p. 2000.

  • 24

    preciso advertir que este trabalho fruto de uma vasta anlise documental e que a vida de

    Antonio Silvino ser reconstruda de modo fragmentado, a partir das representaes que

    outros deixaram.

    Criei uma narrativa elencando os episdios mais conhecidos e quando as histrias

    eram relatadas em dois ou mais documentos analisei as representaes de Silvino. Assim, a

    narrativa foi composta de tempos diversos, principalmente quando foi preciso cruzar a

    documentao de cordel com os jornais recifenses, avancei em diferentes velocidades, apontei

    as representaes partindo do tempo de cada pessoa que versou sobre Silvino , procurei unir o

    passado, o presente e o futuro, (re)direcionado o meu olhar.

    Roger Chartier advoga que o objeto central da Histria Cultural perceber como

    determinada realidade social construda, pensada, dada a ler de formas diferentes18

    . Para

    este historiador francs, representar uma prtica, a ao de apresentar algo ou algum,

    levando em considerao que as representaes do mundo social so sempre determinadas

    pelos interesses dos grupos que as forjam19

    , sejam elas de classes dominantes ou dominadas.

    Na produo desta pesquisa fiz a escolha de trabalhar apenas com documentos escritos e com

    imagens que apresentavam Antonio Silvino. Portanto alm desta narrativa sobre a vida do

    sertanejo que se tornou cangaceiro, apresentarei, no texto ou nas notas de rodap, quem falava

    e de onde falava a respeito deste sujeito20

    .

    A Seduo pelo Objeto e a Historiografia do Cangao

    Sou neto de sertanejos pernambucanos, e sempre ouvia de meus avs paternos as

    histrias sobre os feitos dos cangaceiros. Como criana curiosa que fui, fazia perguntas sobre

    essas histrias, que mais parecia ser uma investigao policial do que um mero ouvinte dos

    relatos sobre o Cangao. Dcadas mais tarde, o ofcio do historiador por mim fora escolhido.

    Em Fevereiro de 2007 eu realizava uma pesquisa institucional a convite da professora

    Dra. Maria ngela de Faria Grillo. Estudava as representaes do Cangao na Imprensa de

    Pernambuco e por opo me detive ao perodo de atuao de Lampio (1920 a 1938). O que

    eu no esperava que em 09 de fevereiro de 2007 receberia de um funcionrio do Arquivo

    Pblico Estadual Jordo Emerenciano (APEJE), uma cpia do Jornal Pequeno, com a data de

    18

    CHARTIER, Roger. A Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 2002. p.17. 19

    Idem. 20

    Segundo Michel de Certeau, o trabalho do historiador referendado atravs do local de fala, o que ele fala e

    para quem fala. Cf. CERTEAU, Michel. A operao histrica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.).

    Histria: novos problemas. Rio de Janeiro: Ed. F. Alves. 1976. p.17-48.

  • 25

    09 de fevereiro de 1907. Na verdade o objetivo desta reedio era comemorar o centenrio do

    Frevo. Nas pginas a mim entregues, estava presente uma matria que tratava de um

    cangaceiro chamado Antonio Silvino, que eu pouco conhecia. Indubitavelmente foi o primeiro

    indcio para realizar este trabalho e para perceber qual a importncia que este cangaceiro teve

    no cotidiano social, poltico e policial de Pernambuco.

    Acabei assim, despertando o interesse por estudar Antonio Silvino. Foram meses de

    consultas aos jornais das quatro primeiras dcadas do sculo XX e de busca dos fragmentos

    que me dessem possibilidades de compreender os feitos deste indivduo. Quando j

    consultados boa parte dos jornais, Dirio de Pernambuco e Jornal Pequeno, busquei outras

    pistas, com questionamentos que pareciam os meus de outrora: Por que ele tinha virado

    cangaceiro? Ele vingou o assassinato do pai? Como ele conseguia fugir da polcia? Entre

    outros. Para ter essas respostas, ou ao menos parte delas fragmentadas, comecei a ler a parca

    bibliografia sobre Antonio Silvino.

    Aps as leituras, percebi que as perguntas que antes eu fizera tinham tomado outra

    proporo e a investigao agora caminhara para questes do tipo: Quem legitimava ser

    Silvino importante? Qual o seu desejo de se ver e de ser representado? Como ele era

    representado nas fontes consultadas? As representaes eram similares ou totalmente

    dspares?

    Assim, adentrei nas pesquisas sobre o Cangao e sobre este indivduo, procurando

    perceber como ele foi construdo pela historiografia. Identifiquei que a figura do homem

    cangaceiro passou a ser analisada nos estudos acadmicos a partir dos livros, Rebeldes e

    Primitivos e Bandidos de Eric Hobsbawm21

    . O historiador ingls realizou no seu texto um

    estudo do banditismo social em vrios lugares e defende que um fenmeno universal. Ele

    apresenta a figura do bandido social como:

    [...] proscritos rurais, encarados como criminosos pelo senhor e pelo

    Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade camponesa, e so

    considerados por sua gente como heris, como campees, vingadores,

    paladinos da Justia, talvez at mesmo como lderes da libertao e, sempre

    como homens a serem admirados, ajudados e sustentados[...]22

    21

    HOBSBAWM, Eric. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense-Universitria, 1975. e HOBSBAWM, E. J.

    Rebeldes e Primitivos: estudos de formas arcaicas de movimentos sociais nos sculos XIX e XX. Rio de

    Janeiro: ZAHAR, 1978. A primeira edio do livro Rebeldes e Primitivos datada de 1959. 22

    HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense-Universitria. 1975. p.11.

  • 26

    Hobsbawm elencou elementos que eram semelhantes em vrios pases analisados23

    ,

    ele acabou por generalizar o banditismo social, quando defendeu, que seus integrantes eram

    homens pr-polticos, rebeldes sem causa, sujeitos que defendiam apenas os interesses

    pessoais e que aderiam a este meio de vida quando algum incidente, no necessariamente

    grave, o colocavam fora da lei. Porm, o banditismo no ocorreu da mesma forma nas vrias

    naes que ele estudou. Cada tipo de banditismo apresentou sua particularidade e dentro das

    aes praticadas por cada sujeito, elas chegaram a divergir ou se assemelhar.

    As produes de Hobsbawm no campo do poltico, em que considera estes sujeitos

    pr-politicos, foram de grande repercusso para que outros trabalhos viessem a ser

    elaborados24

    . Autor brasileiro, que junto com o trabalho de Hobsbawm abriu caminhos para

    edificar o cangao como temtica histrica foi o jornalista Rui Fac, no livro Cangaceiros e

    fanticos. No seu texto Fac analisa as possveis causas que conduziam os homens do serto a

    tornarem-se cangaceiros utilizando-se dos estudos de intelectuais do perodo do Cangao,

    como Euclides da Cunha, Loureno Filho, Xavier de Oliveira, Gustavo Barroso e Jos

    Amrico de Almeida. Os estudos indicavam como causa do cangaceirismo, a mestiagem, o

    clima, a estrutura biolgica, a m distribuio de terras, a falta de trabalho, a pouca atuao da

    Justia, o fanatismo religioso oriundo do arraial de Canudos e o dficit de transportes e

    comunicao entre o serto e as grandes cidades. Ele argumenta que, no serto nordestino,

    cada sujeito assumia uma funo, seja de cangaceiro, de coronel, de coiteiro ou de soldado da

    volante.25

    A sociloga Maria Izaura Pereira de Queiroz ainda defendeu no seu livro Os

    Cangaceiros, que o banditismo no foi um movimento social, pois argumenta que movimento

    social aquele que altera o sistema social, poltico e econmico de determinada rea. A autora

    apresenta o cangao por meio dos aspectos sociais e justifica a existncia dele, devido falta

    de investimentos sociais e econmicos na zona seca do Brasil. Ela historia o ciclo econmico

    do gado e o espao sertanejo associando-os necessidade de sobrevivncia da populao e

    23

    O estudo deste historiador analisou o banditismo social no Mxico, na Inglaterra, na Itlia, no Brasil e outros

    pases. 24

    Segundo Susan Pedersen, desde as dcadas de 1960 na Inglaterra a Histria Poltica tem sido o alvo

    preferencial dos historiadores. Para ela, grande parte destes trabalhos pertence ao gnero da chamada histria da

    liderana poltica, podendo assumir a forma de biografia poltica ou de estudos de partidos polticos e do

    governo. Pedersen ainda defende, que a Histria Poltica tem sido enriquecida por novas investigaes nas reas

    da poltica popular e da cultura poltica, investigaes essas realizadas por historiadores sociais j no

    convencidos do poder explicativo da classe. Cf. PEDERSEN, Susan. O que a Histria Poltica Hoje? In:

    CANNADINE, David. (org) Que a Histria Hoje? Lisboa: Gradiva. 2006. p.65. 25

    Cf. FAC, Rui. Cangaceiros e Fanticos: gnese e lutas. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira.

    1963.

  • 27

    que as aes dos cangaceiros foram muitas vezes resposta s necessidades que se passava no

    serto26

    .

    Na defesa de o cangao se tornar forma de sobrevivncia, no livro Guerreiros do Sol,

    o historiador Frederico Pernambucano de Mello avalia o cangao como fenmeno social, que

    apresentou trs tipos de origem: o Cangao-meio de vida, no qual viver de saques, subornos e

    uso da violncia era uma forma de sustento, Cangao vingana - menos freqente cujo

    objetivo era vingar desonras e mortes de parentes, e por fim O Cangao refgio em que

    muitos sertanejos entravam para buscar subsistncia e refgio das perseguies das volantes,

    por terem cometido alguma infrao27

    . Estas obras permitiram conhecer o Cangao num

    contexto amplo de aes dos cangaceiros e a significncia deste fenmeno social que ocorreu

    no serto do Nordeste brasileiro durante a primeira metade do sculo XX.

    Aps estas leituras creio ser importante estudar os trabalhos que biografaram Antonio

    Silvino, para ento pensar meu exerccio biogrfico. O primeiro a apresentar relatos sobre o

    cangaceiro foi Gustavo Barroso28

    , no livro Heris e Bandidos, publicado em 1917. Barroso

    apresentou Silvino no tempo em que ele ainda estava vivo, caracterizou-o como o sertanejo

    que foi um bandido romntico, o protetor das crianas e mulheres, o rifle de ouro, um mito

    popularizado, o governador dos sertes. Para este autor, o tempo do cangaceiro durou at o

    momento em que no havia chegado o desenvolvimento tecnolgico nas cidades interioranas.

    O trem da Great Western, o telgrafo e o aparato de armas propiciaram que o poder de Silvino

    tivesse findado.

    Outro trabalho de importncia foi Antonio Silvino: o capito de Trabuco, escrito por

    Mrio Souto Maior29

    e publicado em 1969. Este autor produziu a biografia de Silvino por

    26

    QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Os Cangaceiros. So Paulo: Ed. Livraria Duas Cidades, 1977. 27

    Cf. MELO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: o banditismo no nordeste do Brasil. Recife: Ed.

    Massangana, 1985. 28

    Sobre este autor vale lembrar que ele nasceu no dia 29/12/1888 no Cear e faleceu em 03/12/1959 no Rio de

    Janeiro. Filho de Antnio Filinto Barroso e de Ana Dodt Barroso. Foi redator do Jornal do Cear (1908-1909) e

    do Jornal do Commrcio (1911-1913); professor da Escola de Menores, da Polcia do Distrito Federal (1910-

    1912); secretrio da Superintendncia da Defesa da Borracha, no Rio de Janeiro (1913); secretrio do Interior e

    da Justia do Cear (1914); diretor da revista Fon-Fon (a partir de 1916); deputado federal pelo Cear (1915 a

    1918); diretor do Museu Histrico Nacional (a partir de 1922; representou o Brasil em vrias misses

    diplomticas, entre as quais a Comisso Internacional de Monumentos Histricos (criada pela Liga das Naes)

    e a Exposio Comemorativa dos Centenrios de Portugal (1940-1941). Participou do movimento Integralista.

    No concordou com o rumo dos acontecimentos a partir de 1937, porm, manteve-se fiel filosofia do

    Integralismo. Barroso falava do cangao em seus trabalhos com teor folclrico que mitificava os sujeitos.

    Cf. http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_gustavobarroso.htm. . Acesso em 05 de dez. de

    2009. 29 Este autor oriundo de Pernambuco, Filho do coronel da Guarda Nacional, comerciante e fazendeiro Manuel Gonalves Souto Maior e Maria da Mota Souto Maior. Foi Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais. Em 1945,

    foi nomeado Prefeito do municpio de Orob, Pernambuco. Exerceu tambm as funes de promotor pblico das

    comarcas de Surubim e Joo Alfredo, em Pernambuco, e professor da Escola Normal Santana, de Bom Jardim.

    http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jornal_do_Cear%C3%A1&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornal_do_Commerciohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Distrito_Federalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_de_Janeirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fon-Fon_(revista)http://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_Hist%C3%B3rico_Nacionalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Liga_das_Na%C3%A7%C3%B5eshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Integralismohttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_gustavobarroso.htm

  • 28

    meio da anlise de jornais, folhetos de cordel, e apresentou o cangaceiro pelos escritos do

    literato Jos Lins do Rego. Sua produo seguiu a cronologia: nascimento, predestinao ao

    cangao, aventuras, sujeito extraordinrio, fracasso e morte. Souto Maior tambm classificou

    Silvino como o governador dos sertes, o bandido romntico, o protetor das mulheres e

    crianas e no se percebe o texto anlises polticas, apesar de lhes atribuir a alcunha de

    Governador dos Sertes. O sensacionalismo est presente no seu texto e o personagem

    alocado como o antecessor de Lampio, o bandido que no fizera as mesmas aes

    sanguinrias que seu sucessor, mas que se regenerou e que foi integrado no crculo social aps

    sua liberdade da cadeia, um ano antes da morte de Lampio

    O jornalista Severino Barbosa em 1979 publicou o livro Antonio Silvino: O Rifle de

    ouro30

    . Neste trabalho o autor apresentou o serto como territrio sangrento e de disputas

    familiares, em que a vingana era algo predominante na populao. Silvino estava envolvido

    neste meio e sua vida foi relatada atravs das proezas, aventuras, amores, e derrotas. Para

    Barbosa, Silvino o bandido que em suas aes estabelecia acordos de proteo com coronis

    e polticos, fazia uso do que roubava para seu beneficio e procurava manter a boa convivncia

    social, contanto que no fosse afrontado, mesmo quando esteve preso, pois relatou essa

    vivncia no Cangao quando esteve na cadeia. A morte deste sertanejo foi espetacularizada e

    seu nome ficou para a histria como o cangaceiro cavalheiro. Barbosa consultou boa parte dos

    jornais ainda em bom estado de conservao, o que permitiu seguir a trilha dos documentos

    que versavam sobre o cangaceiro.

    O trabalho do Juiz de Direito Srgio Dantas foi outra produo biogrfica sobre

    Silvino, que narrou a trajetria sem anlises ou opinies31

    . O Autor permaneceu durante todo

    o texto descrevendo as informaes coletadas dos documentos e atribuindo juzos de valores

    ao sujeito categorizando-o como: cangaceiro destemido, heri, mito e bravo homem do serto.

    O exerccio realizado por Dantas foi descrito como: a histria que aqui se narra, progride

    segundo um enredo formal, cronolgico e preciso. O Juiz permaneceu no ilusionismo

    biogrfico to criticado por Pierre Bourdier. Entretanto a produo de Dantas serviu de

    orientao para consultar os documentos e referendar as fontes que se encontram deterioradas.

    partir de 1967, torna-se assessor da diretoria executiva do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais

    (IJNPS), hoje Fundao Joaquim Nabuco e Inspetor Federal de Ensino, do Ministrio da Educao e Cultura. Cf.

    http://www.fundaj.gov.br/docs/mario/msm.html. Acesso em 03 de dez. De 2009. Sobre a obra Cf. SOUTO

    MAIOR, Mario. Antonio Silvino o capito de trabuco. Recife: Edies Arquimedes, 1969 30

    BARBOSA, Severino. Antonio Silvino: o rifle de ouro. Vida, combates, priso e morte o mais famoso

    cangaceiro do serto. 2 ed. Recife: Cia. Editora de Pernambuco, 1979. 31

    DANTAS, Srgio Augusto de Souza. Antonio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito. Natal: Cartograf.

    2006.

    http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=16

  • 29

    A pesquisa deste autor foi realizada desde os anos 90 do sculo XX e so de importncia para

    meu trabalho.

    Penso que esta historiografia contribuiu para edificar a figura do cangaceiro como um

    indivduo de propores anti-polticas, do rebelde sem causas para defender. Entretanto,

    busco construir este trabalho, pensado exatamente o contrrio. Apresento Antonio Silvino

    enquanto sujeito poltico, uma vez que suas aes esto dentro do que era e de como se

    praticava a poltica do serto e na cidade do Recife no final do sculo XIX e comeo do

    sculo XX32

    . Uma poltica em que as aes pblicas estavam em sintonia com as aes

    privadas e ambas eram feitas pelos laos de clientelismo, pela parentela, pelas relaes de

    poder entre os lderes governantes das cidades interioranas.

    Nesta dissertao o jogo entre representaes, prticas sociais e apropriaes das

    posturas polticas do cangaceiro Silvino se delineou conforme a documentao consultada e

    permitiu que fosse questionada a imagem de um serto de pobreza, repleto de cangaceiros e

    homens fortes, astutos e sofredores devido s intempries locais e s injustias praticadas

    pelos donos de terras e poderosos polticos.

    O cordel como fonte para pesquisa histrica

    Durante a pesquisa foram utilizadas diversas fontes, jornais, relatos policiais,

    telegramas, ofcios e folhetos de cordel. Entretanto, os cordis pouco tm sido utilizados nas

    pesquisas histricas e acredito que merecem um cuidado e uma visibilidade maior do

    historiador, pois representam lugares de fala, sentimentos, formas e contaram histrias para

    pblicos variados. Por isso, creio que seja significativo apresentar a importncia dos folhetos

    de cordel no debate historiogrfico.

    A literatura de cordel tem sido usada como fonte aps a abertura dada pela Historia

    Cultural. Essas folhas volantes eram vistas pelos historiadores como fico, como relato

    literrio de um perodo. Aps a virada cultural dos anos 70, a literatura adentrou no campo

    dos trabalhos histricos, pois durante dcadas no era bem aceita. Literatura e Histria no se

    cruzavam nas pesquisas sociais e havia a zona limtrofe das duas cincias e restries quanto

    ao uso de trabalhos literrios apenas como ficcional. A fronteira existia como argumenta

    32

    Percebo aqui, como a abertura dada pela Histria Cultural em analisar fontes variadas e pensar a

    multiplicidade dos sujeitos pode ser associada ao estudo da Histria Poltica e nos permite realizar anlises para

    alm do estudo das classes sociais.

  • 30

    Kramer33

    , pois, era preciso separar os territrios devido a restrio que passou a histria no

    sculo XIX, no que diz respeito ao evitar as metaforizaes e o desenfatizar das semelhanas

    entre a historiografia e a atividade imaginativa dos romances. Mas, foi acima de tudo por

    defender que a Histria estaria preocupada com a verdade, enquanto a literatura com o

    fictcio, uma narrativa fruto da imaginao de seus autores34

    .

    Autor relevante para esse debate Hayden White, no qual defende que o historiador:

    poderia ento ser visto como algum que, a exemplo do artista e do cientista modernos,

    procura explorar uma certa perspectiva do mundo que no pretende esgotar a descrio ou a

    anlise35

    . Defesa esta, que tem tornado a fronteira entre a Histria e a Literatura cada vez

    mais tnue, principalmente por ser o objetivo da Histria Cultural, resgatar as representaes

    do passado, dando a ver as diferentes formas em que realidades culturais eram construdas e

    transmitidas36

    . Assim, produes historiogrficas balizadas pela anlise cultural, no esto

    mais limitadas ao mecanismo de utilizar fontes para provar uma verdade nica, alocando-as

    em caixas ou formas prontas. A literatura de determinado perodo tm sido usadas como fonte

    e como meio de entender as relaes pessoais, os jogos sentimentais e o imaginrio de um

    grupo social. Sandra Pesavento, ao analisar as relaes entre Histria e Literatura afirma que:

    Ambas so formas de explicar o presente, inventar o passado, imaginar o

    futuro. Valem-se de estratgias retricas, estetizando em narrativas os fatos

    dos quais se propem falar. So ambas formas de representar inquietudes e

    questes que mobilizam os homens em cada poca de sua histria e, nesta

    medida, possuem um pblico destinatrio e leitor37

    .

    Pesavento, ainda defende que preciso que os historiadores olhem para o passado

    tambm por meio da literatura, pois ela:

    [...] permite o acesso sintonia fina ou ao clima de uma poca, ao modo

    pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si prprias, quais os valores que

    guiavam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos. Ela representa

    o real, ela fonte privilegiada para a leitura do imaginrio38

    .

    33

    KRAMER, Lloyd S. Literatura, crtica e imaginao histrica: o desafio literrio de Hayden White e

    Dominick LaCapra . In: HUNT, Lynn. A nova histria cultural. 2 ed. So Paulo: Martins, 2006. 34

    A respeito deste debate entre histria e literatura verificar ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de.

    Histria a arte de inventar o passado: ensaios de teoria da histria. Bauru: EDUSC, 2007. Em especial o

    captulo: A hora da estrela: histria e literatura, uma questo de gnero? 35

    WHITE, Hayden. Tropics of discourses: essays in cultural criticism. Baltimore. 1978. p. 46-47. 36

    Cf. em CHARTIER. Roger. Op. Cit. 2002. p. 17. 37

    PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria e histria cultural. Belo Horizonte: Autntica, 2005. p.81. 38

    Idem. p. 82.

  • 31

    Diante deste debate entre histria e literatura, voltei meu olhar neste trabalho, para

    algumas literaturas que versaram sobre o Serto e sobre Silvino como um dos campos em que

    poucos historiadores tm se debruado atualmente, no apenas como documentao, mas

    tambm para compreender as possibilidades de interpretao dos eventos histricos. A

    historiadora Isabel Guillen defende que o Nordeste brasileiro considerado um local

    privilegiado em se tratando da produo dos cordis e de como os seus produtores foram

    exmios narradores. So esses poetas, por excelncia os grandes narradores das histrias do

    serto39

    . Acredito que o uso da literatura de cordel se tornou significativo, pois so produes

    que retrataram as linguagens de povos e culturas de modo mais humanstico e sensvel,

    apresentavam os meios sociais dos autores, o que eles desejavam descrever, e quais os

    interesses que eles tinham na construo de determinadas obras.

    No Brasil destaca-se o trabalho realizado pela historiadora ngela Grillo que defende

    o cordel como fonte para a Histria. Sua tese intitulada: A Arte do Povo: histrias na

    literatura de cordel (1900-1940), historiciza a existncia dos folhetos no Brasil, em especial

    no Nordeste, e aponta os principais poetas e temas desses livretos40

    . Segundo Grillo o cordel

    serve de instrumento para perceber outras representaes sobre os fatos histricos, fatos esses

    narrados pela verso dos homens comuns e no dos grandes heris e polticos. A tese da

    ngela Grillo serviu de modelo para pensar o estudo das representaes de determinada

    cultura por meio da linguagem simples dos cordis e de como o cangao tema que ainda no

    se analisou pelo vis das representaes. A partir do seu trabalho tive a idia de elaborar a

    biografia de Silvino, pois grande parte da trajetria deste cangaceiro est narrada nos cordis

    que ela analisou.

    E o que so os folhetos de cordel? Segundo Irani Medeiros j do senso comum que o

    cordel oriundo da Europa. Em seu argumento ela escreve que:

    [...] a literatura de cordel chegou atravs dos colonizadores lusos, em

    folhas soltas ou mesmo em manuscritos. S muito mais tarde, com o

    aparecimento das pequenas tipografias fim do sculo dezenove -, a

    literatura de cordel surgiu e fixou-se no Nordeste como uma das

    peculiaridades da cultura regional41

    .

    Entretanto, Mrcia Abreu discorda dessa origem europia e argumenta que:

    39

    Cf. em GUILLEN, Isabel Cristina M. Errantes da selva: histrias da migrao nordestina para a Amaznia.

    Recife: Ed. UFPE, 2006. a historiadora realiza, no 3 captulo uma anlise sobre a importncia dos poetas de

    cordel na construo de narrativas sobre, nordeste e a migrao para a Amaznia. 40

    GRILLO, Maria ngela de Faria. A Arte do Povo: Histrias na literatura de cordel (1900-1940). Tese de

    doutorado em Histria social UFF-RJ. Niteri. 2005. 41

    MEDERIOS, Irani. No reino da poesia sertaneja: antologia de Leandro Gomes de Barros. Joo Pessoa: Idia.

    2002. p. 27.

  • 32

    [...] no havia, no Brasil, sequer um folheto portugus, tampouco

    bibliografia disponvel sobre essa literatura de cordel portuguesa, exceto um

    trabalho de Cmara Cascudo Cinco livros do povo e um punhado de

    pargrafos introdutrios sempre insistindo nas origens lusitanas da literatura

    de folhetos nordestinas42

    .

    Destarte as influncias e origens dos folhetos, vale salientar que eles no eram

    simplesmente espalhados pelo serto como papis avulsos, pois, os brasileiros eram

    comercializados em feiras livres e acabavam atingindo boa parte da populao. Muitos

    passaram pelo processo de apropriao cultural43

    , pois receberam grande influncia da

    produo de folhetos europeus. O nome cordel provm de cordo, pois eram vendidos

    pendurados em cordes ganhando difuso e popularidade entre seus consumidores.

    Fig.01

    Folhetos de Cordel pendurados para venda.

    Fonte: Acervo fotogrfico da FUNDAJ

    Segundo Ronald Daus, esse tipo de poesia s atingiu sua posio dominante dentro da

    literatura popular do Nordeste, quando os textos clssicos e picos da cultura dominante

    foram transformados em folhetos de formato 12X16 cm, contendo 8, 16, 24 ou 32 pginas

    impressas em papel pardo44

    . Entretanto, acredito que os folhetos ganharam maior repercusso

    no apenas por terem sido produzidos em tamanhos menores, mas tambm, graas ao

    42

    ABREU, Mrcia. Histrias de cordis e folhetos. Campinas: Mercado da Letras. 1999. p. 10 43

    Sobre a idia de apropriao cultural verificar CHARTIER. Roger. Op. Cit. 2002. Para este autor a

    apropriao se d quando pessoas de uma cultura se apropriam de informaes de outras culturas e repassam aos

    seus, com adaptaes e tradues. 44

    Cf. em DAUS, Ronald. O ciclo pico dos cangaceiros na poesia popular do Nordeste. Rio de Janeiro:

    Fundao Casa Rui Barbosa. 1982. Na pesquisa bibliogrfica sobre a grafia e difuso dos cordis essa

    informao recorrente. A historiadora ngela Grillo tambm defende essa grafia na sua tese. Cf. em.

    GRILLO, Maria ngela de Faria. A Arte do Povo: histrias na literatura de cordel (1900-1940). Doutorado em

    Histria. Niteri. UFF/ EHESS. 2005.

  • 33

    surgimento das tipografias, como a Livraria Coqueiro e a Livraria Popular Editora45

    , no

    sculo XX. Esta ltima pode ser vista na imagem a seguir:

    Fig. 02

    Foto da Tipografia e Livraria Popular Editora. Ver nota 45.

    Essas tipografias divulgaram os folhetos e seus escritores, que antes de articularem

    com as tipografias e jornais de grande circulao a confeco dos folhetos e divulgao dos

    livretos, praticamente tinham a autoria desconhecida. Mas, a partir do sculo XX, grandes

    nomes demarcaram territrio na composio dos livretos, entre eles destacam-se: Francisco

    das Chagas Batista, Leandro Gomes de Barros, Joo Martins Athayde, Jos Costa Leite, e

    outros que assinavam os folhetos. Tais poetas eram exmios narradores que passavam as

    histrias contadas atravs da oralidade para as pginas dos papis pardos e difundiam as

    informaes, denunciavam as injustias, relembravam as secas, as crendices e experincias do

    cotidiano sertanejo. Walter Benjamin escreve que: a experincia que passa de pessoa a

    pessoa a fonte que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as

    melhores so as que menos se distinguem das histrias orais contadas pelos inmeros

    narradores annimos46

    .

    Neste sentido, ao afirmar sobre as experincias dos narradores populares acredito no

    poder que tinham os cordelistas em narrar sobre o dia-dia e sobre as histrias de Antonio

    Silvino. A historiadora ngela Grillo tambm defende que a identidade desses autores se

    45

    Livraria e Tipografia de Francisco das Chagas Batista, em Joo Pessoa- PB, localizada na Rua da Repblica,

    n 65, depois n584. No primeiro plano est Chagas Batista e seu irmo Pedro Batista Guedes. Percebe-se na

    imagem os livros na direita e os cordis na esquerda apresentando uma significativa produo e comercializao

    de obras. Sobre livros e tipografias ver HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua histria. So Paulo.

    Editora USP, 1985. 46

    BENJAMIN, Walter. O narrador: Consideraes sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e Tcnica, Arte e

    Poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Obras escolhidas. V. 1. So Paulo: Brasiliense. 1994. p.

    198.

  • 34

    confunde com a do grupo, ressalvada sua condio de portador de uma herana cultural e

    literria, cujas razes se perdem no tempo e na memria coletiva47

    . Isso justifica o fato de

    que muitos cordelistas retratavam suas insatisfaes atravs dos personagens dos folhetos.

    Acredito, ento, que necessrio reler os acontecimentos do passado tambm pelas narrativas

    populares presentes nos cordis. Pois, muitas das histrias presentes nessa literatura

    retratavam fragmentos da realidade e do imaginrio dos sertanejos48

    . O comum entre os

    autores que os temas dos cordis surgiam conforme o perodo histrico, mas que o Cangao

    era algo recorrente.

    Sobre o cangao, Ronald Daus realizou no final da dcada de 1970 e comeo dos anos

    1980, um estudo usando como fonte esta literatura popular, consultando os livretos do acervo

    da Casa Rui Barbosa RJ. Ele apresentou uma anlise do Ciclo pico dos cangaceiros e a

    classificao dos poemas populares nordestinos49

    . Na obra sua categorizao foi sobre o

    grande ciclo herico, cujos cangaceiros apareceram destacados. Entre os cangaceiros deste

    ciclo esteve presente Antonio Silvino. Creio que os livretos tiveram alm de um processo de

    editorao, divulgao e comercializao, uma repercusso no que tange ao processo de

    informao dos acontecimentos da poca e retrataram as insatisfaes da populao rural, que

    nas falas dos poetas passaram a apresentar o cotidiano de modo geral.

    Os poetas de cordel consultados para realizar este trabalho foram Leandro Gomes de

    Barros e Francisco das Chagas Batista. Para compreender os relatos sobre Silvino foi preciso

    saber quais os locais de fala de cada poeta e qual o pblico consumidor dos folhetos.

    Leandro Gomes de Barros

    Leandro Gomes de Barros, paraibano nasceu em 19 de novembro de 1865, na Fazenda

    da Melancia, no Municpio de Pombal. Foi educado pela famlia do Padre Vicente Xavier de

    Farias, proprietrios da fazenda e dos quais era sobrinho por parte de me. Em companhia da

    famlia "adotiva" mudou-se para a Vila do Teixeira, que se considera o bero da Literatura

    47

    GRILLO, ngela. Op. Cit. 2005. p. 40. 48

    Sobre essa variedade alguns autores apresentam classificaes distintas verificar GRILLO, ngela. Op. Cit.

    2005. No terceiro captulo de sua tese intitulado: Da cantoria ao cordel: o reconhecimento dos intelectuais, a

    historiadora faz uma anlise de como vrios escritores categorizaram os tipos de folhetos. Ela menciona Origens

    Lessa, Ariano Suassuna, Roberto Benjamim, Manoel Diegues Jnior e Lido Maranho e defende que difcil

    determinar uma categorizao concreta, devido a temporalidade e variedade de temas dos folhetos. Ainda

    destaco que no sigo uma cronologia quanto ao uso dos cordis, pois procuro associar as representaes dentro

    do perodo de 1900 a 1944. 49

    DAUS, Ronald. O ciclo pico dos cangaceiros na poesia popular do Nordeste. Rio de Janeiro: Fundao

    Casa Rui Barbosa, 1982. p.22.

  • 35

    Popular nordestina, onde permaneceu at os quinze anos de idade tendo conhecido vrios

    cantadores e poetas ilustres, entre eles Chagas Batista. Da Vila Teixeira vai para Pernambuco

    e fixa residncia primeiramente em Jaboato, onde morou at 1906, depois residiu em Vitria

    de Santo Anto e a partir de 1907 no Recife onde viveu de aluguel em vrios endereos,

    imprimindo a maior parte de sua obra potica no prprio lar ou em diversas tipografias50

    .

    Leandro foi um exmio narrador das aes de Antonio Silvino nos Sertes e na

    pesquisa idifiquei mais de doze folhetos que versam sobre o cangaceiro. Caboclo

    entroncado, de bigode espesso, alegre, bom contador de anedotas: este o retrato que dele

    faz Cmara Cascudo em Vaqueiros e Cantadores51

    . Casou-se com Venustiniana Eullia de

    Barros antes de 1889 e teve quatro filhos: Rachel Aleixo de Barros Lima, Erodildes (Didi),

    Julieta e Esa Eloy, que seguiu a carreira militar tendo participado da Coluna Prestes e da

    Revoluo de 1924.

    De Leandro Gomes de Barros s existem fotografias de meio busto, que ele colocava

    em seus folhetos para provar a autoria de seus cordis. Ao colecionar alguns folhetos de seu

    pai, Rachel Aleixo os assinava con caligrafia caprichada.

    Fig. 03 Fig. 04

    Fonte: Na figura da esquerda est a foto do busto de Leandro Gomes de Barros publicada nos seus folhetos e ao

    lado direito a capa do folheto Todas as lutas de Antonio Silvino, contendo no alto, a assinatura de Rachel

    Aleixo, filha do poeta. Acervo: Fundao Casa de Rui Barbosa RJ. A sinalizao da caligrafia foi feita por mim.

    50

    Cf. GRILLO, ngela. Op. Cit. 2005. 51

    CASCUDO, Luiz da Cmara. Vaqueiros e cantadores. So Paulo: Global, 2005. p.28.

    http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro_biografia_ctd.html#rachel#rachel

  • 36

    Na crnica intitulada: Leandro, O Poeta, publicada no Jornal do Brasil em 9 de

    setembro de 1976, Carlos Drummond de Andrade o chamou de "Prncipe dos Poetas" e

    assinala:

    No foi prncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei

    da poesia do serto, e do Brasil em estado puro". E diz mais: "Leandro foi o

    grande consolador e animador de seus compatrcios, aos quais servia sonho

    e stira, passando em revista acontecimentos fabulosos e cenas do dia-a-dia,

    falando-lhes tanto do boi misterioso, filho da vaca feiticeira, que no era

    outro seno o demo, como do real e presente Antnio Silvino, mulo de

    Lampio52

    .

    Aps o seu falecimento, em 4 de maro de 1918, no Recife, o poeta e editor Joo

    Martins de Atade ficou com os direitos autorais de seus folhetos.

    Francisco das Chagas Batista

    Francisco das Chagas Batista, nasceu na Vila do Teixeira, PB, em 05 de maio de 1882

    e faleceu na capital do Estado da Paraba em 26 de janeiro de 1930. Em 1900 foi vendedor de

    gua e de lenha e realizou seus estudos na cidade Campina Grande, na Paraba. Seu primeiro

    folheto, Saudades do Serto, de 1902; em 1905 vendeu folhetos no Recife, e em Olinda

    passou pouco tempo no seminrio; depois, trabalhou na ferrovia de Alagoa Grande. Em 1907,

    pioneiramente, versejou o romance Quo vadis, de Henryk Sienkiewicz; em 1909, residiu em

    Guarabira, onde trabalhou com o irmo, o editor Pedro Batista e casou com a prima Hugolina

    Nunes - tiveram onze filhos, dentre eles os poetas populares Paulo, Pedro, Maria das Neves e

    o folclorista Sebastio Nunes Batista, que produziu obras referenciais do cordel.

    Em 1911, viveu na capital da Paraba e negociou com livros e folhetos ; em 1913

    fundou a Livraria Popular Editora, editando pardias, modinhas, novelas, contos, poesia. Em

    1929 publicou o livro Cantadores e poetas populares, importante para a pesquisa em literatura

    popular em verso por conter as mais antigas informaes sobre esta forma potica. Ele foi um

    dos primeiros editores de cordel e imprimiu produes de muitos poetas populares da poca,

    exceto de Joo Martins de Atade. Conquanto se o tenha como dos maiores autores do cordel,

    o estgio atual da pesquisa no permite precisar quantos folhetos produziu. Ruth Terra

    identificou em colees quarenta e cinco inquestionavelmente escritos por ele, dentre os quais

    dezenove sobre a nascente gesta do cangao e clssicos que criou ao dar forma potica

    52

    Cf. http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro_biografia.html. Acesso em 05 de dez. 2009.

  • 37

    Histria da Imperatriz Porcina, de Balthazar Dias, Escrava Isaura, de Bernardo Guimares e

    Histria de Esmeraldina, baseada em novela do Decameron, de Boccaccio53

    . Chagas Batista

    escreveu um considervel nmero de folhetos sobre Antonio Silvino, que hoje uma das

    maiores fontes para a biografia do cangaceiro. Este poeta faleceu em 26 de janeiro de 1930 na

    cidade de Joo Pessoa na Paraba.

    Aps situar escolhas, debates historiogrficos e o local de fala das principais

    referncias analisadas na pesquisa, informo que o exerccio biogrfico a respeito de Antonio

    Silvino est dividido em 4 captulos, onde em todos, fiz uso da historiografia clssica e

    contempornea e procurei abarcar os aspectos polticos, sociais e humanos da vida do

    governador dos sertes.

    No primeiro captulo, Nos passos de Manuel Baptista de Moraes, descrevo o contexto

    histrico da transio do sculo XIX para o XX e como se encontrava a cidade de Afogados

    da Ingazeira, local de nascimento do sujeito que foi biografado. Utilizei registros paroquiais,

    folhetos dos poetas Francisco das Chagas Batista e Leandro Gomes de Barros para

    reconstituir a infncia e juventude deste sujeito. Vale salientar que sobre este momento de

    vida, que vai de 1875 a 1900, foi preciso levar em considerao a datao dos cordis, cujo

    primeiro a relatar sobre a vida deste indivduo foi do ano de 1905. Portanto os tempos no so

    preciso, e uso das possibilidades e da capacidade de associao e suposies.

    No segundo captulo, Antonio Silvino: o Governador dos Sertes, procurei

    reconstituir os principais fatos e analisar as principais representaes que foram atribudas a

    Silvino entre os anos de 1900 e 1914, tempo de sua atuao como cangaceiro. No utilizei o

    excesso de rigor de dias, meses e anos, procurei levar em considerao os acontecimentos,

    assaltos, crimes que mais foram noticiados pelos cordelistas Chagas Batista e Leandro de

    Barros e pelos jornais Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno, Jornal do Recife, Correio do

    Recife e Jornal Folha do Povo.

    No terceiro captulo, Espetacularizando uma priso, descrevi e analisei a captura de

    Antonio Silvino e como esse fato foi espetacularizado, recebendo Antonio Silvino mltiplas

    representaes nos Jornais: Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno e Jornal do Recife.

    Tambm analisei o ofcio enviado pelo alferes Thephanes Torres ao Chefe de Policia de

    Pernambuco onde relatou a priso do cangaceiro e alguns telegramas que felicitavam o alferes

    53

    Sobre a biografia de Francisco das Chagas Batista ver.

    http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/franciscoChagas.html. Acesso em 05 de dezembro de

    2009. Ver tambm TERRA, Ruth. Memria de Lutas: literatura de folhetos no Nordeste (1893-1930). So

    Paulo: Global, 1983.

    http://www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/FranciscoChagas/franciscoChagas.html

  • 38

    e seu grupo. Neste captulo procurei mostrar um pouco da vida do alferes Theophanes Torres

    e como ele se popularizou aps ter aprisionado Silvino. Aqui, imagens e anncios e

    correspondncias que retratavam sobre o cangaceiro complementaram as anlises.

    No quarto captulo, o Governador da Deteno, analisei o cotidiano de Silvino na

    Casa de Deteno do Recife, as permanncias e mudanas de comportamento, seu

    julgamento, sua liberdade e o fim da vida em Campina Grande como um sujeito comum e

    pouco valorizado. Para tanto fiz uso dos Jornais Dirio de Pernambuco, Jornal Pequeno,

    cordis e dos documentos da Casa de Deteno do Recife, todos apresentando detalhes e

    representaes da vida do encarcerado.

    Grande parte das fontes analisadas foram consultadas em seu formato original,

    principalmente os cordis de Chagas Batista e Leandro de Barros, que no decorrer da Pesquisa

    foram digitalizados e disponibilizados pelo site da Fundao Casa de Rui Barbosa RJ. Optei

    por fazer a reproduo de algumas citaes longas, pelo carter informativo e pelo poder que

    cada uma tinha para as anlises que foram realizadas, bem como mantive a grafia da poca

    por acreditar que a escrita, a sonoridade e a linguagem aproxima as pessoas do passado,

    mesmo que pelo simples exerccio de imaginao histrica.

    O que resta ento? Se debruar e ler: Antonio Silvino: De Governador dos Sertes a

    Governador da Deteno (1875-1944)!

  • 39

    1. NOS PASSOS DE MANUEL BATISTA DE MORAES

    1.1 - A transio do sculo XIX para o XX e a cidade de Afogados da Ingazeira

    Mario Sette denominou de doido varrido o sculo XX54

    . Foram tantas as

    transformaes ocorridas no Brasil na transio dos oitocentos para os novecentos que talvez

    Sette tenha razo. Duas mudanas que reconfiguraram o pas significativamente se deram na

    fora de trabalho e na poltica. E a histria de vida de Antonio Silvino esteve envolvida em

    transies que ocorreram no Brasil durante a passagem do sculo XIX para sculo XX.

    Na transio dos sculos, a mo de obra, em grande escala, era escrava e imigrante, e

    os sinais do fim da escravido comearam a despontar nos espaos polticos por meio dos

    abolicionistas. Em 1879, Joaquim Nabuco, na poca deputado pernambucano, escreveu que:

    [...] para o Norte, para a provncia que tenho a honra de representar neste

    recinto, de grande vantagem desfazer-se de todos os escravos. No desejo

    nada mais para o norte do que o dia que ele no empregue seno o trabalho

    livre. Mas acima dos interesses de minha provncia, coloco os interesses do

    pas; acima dos interesses do pas, coloco os da humanidade; que no

    permite que esse trfico possa por mais tempo continuar sob a nossa

    bandeira55

    .

    O fim da escravido ficou iminente por acontecer. A Lei urea em 188856

    executou tal

    feito e os latifundirios sofreram forte impacto com a perda da mo de obra de baixo custo e a

    no indenizao pelo fim da escravido. No se pode generalizar que tal mudana foi

    desastrosa, porque parte significativa dessa massa trabalhadora continuou exercendo o

    trabalho pesado em troca de moradia e subsistncia, uma vez que a aceitao dos recm

    libertos no se deu de forma imediata na sociedade.

    A situao ps escravido agravou a economia geral e a poltica se fragmentou, pois as

    medidas adotadas pelo governo imperial no agradavam aos latifundirios. Em 1889 foi

    proclamada a Repblica, por meio do golpe militar, liderado pelo marechal Deodoro da

    54

    No comeo do sculo XX vislumbrava-se o Recife como uma cidade em processo de modernizao nas

    diversas faces que se pode imaginar: urbanizao, imprensa, transportes, valores e costumes. Estas mudanas

    aconteceram em diversas partes do pas. Rio de Janeiro, So Paulo, Salvador foram cidades que tambm se

    impactaram com essas mudanas. Ver. SETTE, Mario. Maxambombas e Maracatus. 4 ed. Recife:

    FUNDARPE, 1981. 55

    Discursos parlamentares. So Paulo: IPE, 1949. p.12. 56

    Lei decretada pela Princesa Isabel que extinguia a escravido negra no Brasil. Sobre a lei e a princesa Isabel

    ver. BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil: gnero e poder no sculo XIX. So Paulo: ed. UNESP,

    2005.

  • 40

    Fonseca, que depe D. Pedro II. A colaborao civil praticamente no fora notada nessa

    empreitada que almejava os interesses polticos da populao mais abastada e das classes

    mdias urbanas.

    A poltica ficou ento a cargo dos lderes militares, que aps alguns anos de poder,

    passou para os produtores agrrios da regio Sul. Configurou-se assim, a chamada poltica do

    caf com leite57

    , dando visibilidade produo cafeicultora e pecuarista do pas, o que

    reduziu parte da economia na regio Norte.

    E para rea Norte, como essa Repblica chegou? O impacto das mudanas tambm foi

    significativo? Acredito que sim. Os engenhos bang e central entraram em declnio dando

    lugar s usinas, principalmente, quando em 15 de outubro de 1890 foi aprovada a lei, que

    revogava as Leis Provinciais do Imprio de nmeros 1.860 e 1.972, que ofereciam

    emprstimos de 200 contos em ttulos estatais a 7% dos agricultores que construssem

    pequenas usinas produtoras de 900 toneladas de acar por safra58

    .

    Aos poucos o panorama econmico canavieiro, como denominou Peter Einsenberg,

    vivenciou uma modernizao sem mudanas, pois apesar da alterao tecnolgica em que

    se introduziram mquinas no fabrico do acar, a mo de obra continuou a ser explorada e

    no se modificou a estrutura social e econmica. O acar neste momento, ainda passou a

    perder consideravelmente a importncia no mercado exportador. O nmero de homens que

    trabalhavam no corte da cana, tornados ex-escravos, ou dos migrantes da regio sertaneja para

    a zona da mata, passou a ser reduzido devido introduo de mquinas no fabrico do acar e

    de seus derivados. Cada vez mais a situao se tornou difcil e muitos emigraram para outras

    regies em busca de trabalho, ou ingressaram nos arraiais contra a seca, que o governo

    instalou.

    O serto da rea Norte apresentava temperaturas elevadas, oscilando entre trinta e

    quarenta graus, o ndice pluviomtrico considerado baixo apresentava-se entre 500mm a

    700mm por ano, a vegetao de caatinga, bastante seca e espinhenta onde aparecem espcies

    como o mandacaru, a palma, a quixabeira, a algaroba, o xique-xique, se fazia presente. O solo

    rido, muitas vezes rachado pelo excesso de calor sentiu de sobremodo as fortes

    57

    importante lembrar que o poder estava sob o domnio da poltica sulista, em que a cada eleio deveria haver

    a alternncia entre um lder paulista e outro mineiro. O primeiro produtor de caf e o segundo de leite. Essa

    prtica vigorou at a dcada de 1930. Cf. em. FAUSTO, Boris. A Revoluo de 1930: historiografia e histria.

    So Paulo: Cia das Letras, 1997. Em especial o terceiro captulo quando ele escreve sobre as oligarquias

    governantes. 58

    EINSENBERG, Peter. Modernizao sem mudana: a indstria aucareira em Pernambuco: 1840/1910. Rio

    de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 125. Vale salientar que apesar do declnio, ainda possvel encontrar engenhos

    centrais em alguns Estados brasileiros.

  • 41

    conseqncias da que foi considerada a maior seca do sculo XIX, ocorrida entre os anos de

    1877-1879, cuja populao brasileira foi dizimada em 5%59

    .

    Desde agosto de 1877 se anunciava nos jornais da cidade do Recife que o serto estava

    assolado pela seca e que os gneros alcanavam preos exorbitantes: a carne, a farinha e a

    rapadura eram os gneros que apareciam e que constituam a dieta alimentar dos sertanejos,

    mas eles no os compravam por no dispor de valores60

    . Marco Antonio Villa em seu estudo

    sobre a histria das secas no Nordeste entre os sculos XIX e XX apresenta o seguinte relato

    sobre os migrantes do serto para o Recife:

    Manoel Clementino Carneiro da Cunha, presidente da provncia de

    Pernambuco, escreveu que os emigrantes atravessam caminhos desertos,

    abrasados pelo sol, sofrendo fome, e chegam enfraquecidos e mais a ponto

    de no poderem aparecer. Com as roupas em frangalhos, muitos nus,

    famintos e doentes, arrastavam-se pelas ruas do Recife procura de comida.

    No havia nenhum planejamento nas obras pblicas de emergncia a no

    ser ocupar os milhares de retirantes em algumas horas por dia em algum

    tipo de trabalho. Estava