UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO … · A História do Pensamento Econômico (1996),...
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
MONOGRAFIA
CAMILA CONDACK POLIDO LAEBER
O SURGIMENTO DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA: UMA REFLEXÃO DOS
ELEMENTOS QUE MARCARAM SUA FORMAÇÃO
NOVA IGUAÇU
Dezembro, 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO MULTIDISCIPLINAR
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CAMILA CONDACK POLIDO LAEBER
O SURGIMENTO DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA: UMA REFLEXÃO DOS
ELEMENTOS QUE MARCARAM SUA FORMAÇÃO
Sob a Orientação do Professor
Mário Motta Maximo
Monografia submetida a avaliação como
pré-requisito parcial para obtenção do
Grau de Bacharel em Ciências
Econômicas.
NOVA IGUAÇU
Dezembro, 2017
CAMILA CONDACK POLIDO LAEBER
O SURGIMENTO DA ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA: UMA REFLEXÃO DOS
ELEMENTOS QUE MARCARAM SUA FORMAÇÃO
Monografia submetida a avaliação como pré-requisito para obtenção do Grau de Bacharel em
Ciências Econômicas do curso de Ciências Econômicas do Instituto Multidisciplinar (Campus
Nova Iguaçu) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
_______________________________________
Prof. Dr. Mário Motta Maximo
_______________________________________
Prof. Dr. Bruno Nogueira Ferreira Borja
_______________________________________
Prof.ª Dra. Clarice Menezes Vieira
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois foi graças a Sua misericórdia e sustento que pude chegar
até aqui. Agradeço a Ele por tudo.
Agradeço a minha mãe, meu pai e minha irmã por sempre terem sido o meu porto-seguro, o
meu suporte. Por sempre terem me apoiado, acreditado, por toda confiança depositada em mim.
Por não terem medido esforços para que eu chegasse até aqui. A eles dedico todas as minhas
conquistas, pois eles são a minha base. Sem a ajuda de Deus e o amor e carinho deles eu não
teria conseguido.
Agradeço a todos os professores, que contribuíram para a minha formação ao longo da
universidade e de toda a minha trajetória estudantil, pois certamente de cada um aprendi algo.
Em especial ao meu orientador, professor Dr.º Mário Maximo, por todo empenho, paciência e
dedicação para que este trabalho fosse realizado.
Agradeço aos meus amigos e também aos colegas de faculdade. A todos que direta ou
indiretamente ajudaram na minha formação.
RESUMO
Este trabalho buscou apresentar o contexto histórico de formação da economia política clássica.
Brevemente, buscou-se apresentar a influência da antiguidade e do medievo na economia. Em
seguida, a monografia investiga como o mercantilismo trata a ideia de mercado e discute fatores
que contribuíram para a industrialização. Analisou-se também o “iluminismo escocês” e como
este influenciou as ideias econômicas de autores da época. Por fim, buscou-se demonstrar como
o discurso econômico da economia política clássica surgiu em contraposição com as ideias
anteriores e afirmando ideais liberais da propriedade privada e do livre mercado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 7
CAPÍTULO 1 – ........................................................................................................................ 8
1.1 Influência do Mundo Antigo e Medieval: Conceito de Propriedade e Mercado.............. 8
1.2 Sociedade Comercial: Mercantilismo............................................................................. 11
CAPÍTULO 2 – ...................................................................................................................... 18
2.1 Acumulação Primitiva De Capital................................................................................. 18
2.2 Iluminismo Escocês....................................................................................................... 22
CAPÍTULO 3 – ...................................................................................................................... 28
3.1 Valor Trabalho e Propriedade Privada........................................................................... 28
3.2 Livre Mercado e Laissez-Faire...................................................................................... 30
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 35
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 37
7
INTRODUÇÃO
Esta monografia possui como principal objetivo falar acerca do nascimento da economia
política clássica. Apresentar quais foram as principais ideias que contribuíram para que o
pensamento econômico clássico fosse formado. Mostrar quais características marcaram o
nascimento da economia política e o que propiciou a sua ruptura com as ideias anteriores.
Para tratar de tal tema, foram utilizadas algumas obras como fonte de pesquisa, a saber,
A História do Pensamento Econômico (1996), Robert Heilbroner; História do pensamento
econômico (2009), Roberson de Oliveira e Adilson Gennari; História do Pensamento
Econômico: Uma Perspectiva Crítica (1989), E. K. Hunt; O Pensamento Econômico em
Perspectiva: Um História Crítica (1989), John Kenneth Galbraith. O que não exclui outras
fontes de pesquisa, como as anotações feitas em sala de aula ministradas pelo professor Mário
Maximo na disciplina Tópicos Especiais em História do Pensamento Econômico cursada no
primeiro semestre de 2016.
No primeiro capítulo, mostraremos um contexto histórico mais amplo da economia.
Embora seja uma ciência moderna, mostraremos como filósofos medievais já tratavam de temas
econômicos. Analisando o contexto da Idade Média, mostraremos como, ainda hoje, algumas
ideias econômicas são frutos desse período, mesmo tão longínquo.
No segundo capítulo, trataremos a respeito do declínio do feudalismo e como este
declínio em grande parte foi consequência da ascensão do capitalismo. Veremos como alguns
fatores importantes propiciaram a acumulação primitiva de capital, que possibilitaram a
industrialização. Veremos como a revolução científica no campo das ideias influenciou o
pensamento econômico. Por fim, na segunda parte do capítulo, analisaremos o “iluminismo
escocês” como um importante marco histórico em que Adam Smith (1723-1790) estava
inserido.
No terceiro capítulo, iremos nos atentar para o novo discurso econômico e como ele se
contrapõe com o discurso anterior à modernidade. Para isso, dividiremos o capítulo três em
duas partes, em primeiro momento analisaremos o valor trabalho associado à noção de
propriedade privada e em segundo momento analisaremos o laissez-faire e a não-intervenção
do Estado.
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CAPÍTULO 1 – IDEIAS ECONÔMICAS ANTERIORES AO PERÍODO CLÁSSICO
Para a melhor compreensão da disciplina ciências econômicas, deve-se saber que ela
está intimamente interligada com a história. A medida que o mundo se modifica, as ideias
econômicas também avançam. Elas não surgem abstratamente, mas sim, progridem de acordo
com o contexto que estão inseridas. O presente trabalho irá buscar analisar “a economia como
um reflexo do mundo no qual ideias econômicas específicas se desenvolveram.”
(GALBRAITH, 1989, p. 2).
Este capítulo irá abordar como o contexto histórico da Idade Média possibilitou o
desenvolvimento do pensamento econômico clássico. Para tanto, serão analisados aspectos
referentes ao mercantilismo, à modernidade e ao surgimento do Estado Nacional.
1.1 INFLUÊNCIA DO MUNDO ANTIGO E MEDIEVAL: CONCEITO DE
PROPRIEDADE E MERCADO
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que vários aspectos do mundo antigo contribuíram
para o desenrolar da economia. Por exemplo, Roma contribuiu mais com o seu direito romano
do que propriamente com análises econômicas, pois “foi o direito romano que conferiu à
propriedade a sua identidade formal e ao seu proprietário o dominium, ou direitos, que hoje se
admite.” (GALBRAITH, 1989, p. 17). Logo, “foi o gênio romano que identificou e deu forma
à instituição que, mais do que qualquer outra, seria fundamental, para a gratificação pessoal, o
desenvolvimento econômico e os conflitos políticos nos séculos vindouros.” (GALBRAITH,
1989, p. 18).
Segundo o referido autor (1989, p. 19), “o compromisso dos romanos com a santidade
da propriedade privada (...) foi um tremendo legado para a vida político-econômica”. Tendo em
vista que a ideia de propriedade privada tem um papel relevante nos debates liberais atuais, os
romanos, apesar de suas ideias longínquas, contribuíram fortemente para a economia moderna.
O cristianismo foi outro legado do período romano, segundo Galbraith (1989, p. 19),
sua maior influência foi sobre a condenação da cobrança da taxa de juros. Tomás de Aquino
(1225-1274), filósofo cristão, era contra qualquer cobrança da taxa de juros. Seu pensamento
assemelhava-se ao de Aristóteles (384-322 a. C.). Este diz que a função da moeda é de troca.
Quando se cobra uma taxa de juros à moeda, ela se acumula por ela mesma. Usa-se a moeda
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como meio de acumulação. Logo, viola-se a função básica dessa. Heilbroner afirma que “a
motivação-lucro como a conhecemos é tão velha quanto o ‘homem-moderno’” (1996, p. 27). É
possível que a motivação do lucro já existisse antes da modernidade, já que filósofos da Idade
Média criticavam tal atitude. O que é certamente moderno é a aceitação moral do lucro e não,
necessariamente, a sua motivação.
Aquino também acrescenta um argumento religioso de que a cobrança de juros é uma
venda do tempo. Quando uma pessoa toma um dinheiro emprestado, passa um tempo com ele
e depois tem que pagar a mais, é como se tivesse cobrando o tempo que a pessoa ficou com o
dinheiro, e isso não pode, porque o tempo pertence a Deus.
Por outro lado, o filósofo cristão lança princípios para o conceito de propriedade
privada. Ao dizer que Deus é o dono da criação e que a criação impõe propriedade, isso permite
aos economistas posteriores, como John Locke (1632-1704) e Adam Smith, dizerem que as
coisas fruto do trabalho de um homem merecem ser sua propriedade1.
Aristóteles, no entanto, defendia a propriedade privada por outro argumento. Segundo
ele, as pessoas cuidam melhor daquilo que é delas. Embora esse seja um argumento para a
propriedade privada, Aristóteles mantinha a importância do uso ser comum. Isto porque as
coisas servem para atender às necessidades. É a necessidade que determina o uso e não a
propriedade que determina o uso. Aquino também pensava da mesma forma:
(...) considerava que o interesse individual sempre devia se subordinar ao
coletivo, e daí desdobrava a condenação à avareza, à cobiça e a todo tipo de
prática que aumentasse a exploração e a desigualdade no interior da
comunidade. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 23).
Esse pensamento é reformulado na Idade Moderna e acarreta em uma concepção
diferente sobre propriedade privada.
Aquino considerava o comércio como algo marginal e suspeito, pois era motivo de
desonra e opróbrio moral. “Na Idade Média, a Igreja ensinava que não era cristão ser mercador”
1 Exploraremos esse ponto com maiores detalhes no capítulo 3.
10
(HEILBRONER, 1996, p. 27). Na era medieval, a profissão de mercador não era bem vista
como pode ser observado nos fragmentos abaixo:
No tempo de Shakespeare, o objetivo da vida para o cidadão comum, para
todos de fato menos para a nobreza, não era melhorar a situação da vida, mas
sim apenas mantê-la. Mesmo para os nossos antepassados Peregrinos, a ideia
de que o lucro podia ser uma tolerável – ou mesmo útil – finalidade na vida
pareceria pelo menos uma doutrina do demônio. (HEILBRONER, 1996, p.
27).
(...) os primeiros capitalistas não eram pilares da sociedade, mas sim eram
frequentemente discriminados (...). Enquanto imperava a ideia suprema de que
a vida na Terra era apenas um doloroso preâmbulo para a Vida Eterna, o
espirito para negócios não era encorajado e não recebia qualquer tipo de
estímulo espontâneo. (HEILBRONER, 1996, p. 28).
Na concepção religiosa há um dualismo entre vida eterna e terrena, em que a mais
importante é a vida eterna, logo, pensar no lucro como algo terreno, passageiro, era pensá-lo
como algo desonesto, mal, que deveria ser condenado pela Igreja. Posteriormente, na
modernidade, lucro e comércio seriam aceitos.
Outro aspecto a ser observado é que:
a economia, em todas as suas manifestações modernas, está centrada no
mercado; num mundo em que o mercado era um aspecto subsidiário, até
mesmo esotérico, da vida, a economia como nós a conhecemos ainda não
existia. (GALBRAITH, 1989, p. 23).
Naquela época, ainda não havia espaço para ter-se efetivamente a economia formada
como nos moldes atuais. Isso, porque, segundo Galbraith (1989), economia está fundada na
ideia do mercado. “Isso porque o sistema de mercado não se trata apenas de uma troca de
mercadorias: é um mecanismo para sustentar e manter uma sociedade inteira.”
(HEILBRONER, 1996, p. 29).
No mundo antigo, havia mercados, mas no sentido simples do termo, como meras trocas
de mercadorias: “(...) não devemos cometer o erro de concluir que o mundo inteiro tinha a
propensão para negociar que tem o estudante americano do século vinte” (HEILBRONER,
1996, p. 29). O sistema de mercado como um mecanismo para sustentar e manter toda uma
11
sociedade ainda não estava formada, pois a concepção de terra, trabalho e capital como
entidades econômicas é moderna. Não havia um sistema de mercado formado, pois faltavam os
elementos básicos de produção como fatores do sistema de mercado. Nas palavras de
Heilbroner:
Terra, trabalho e capital no sentido de solo, seres humanos e ferramentas
coexistiam, é claro, com a própria sociedade. Mas a ideia de terra abstrata, de
trabalho abstrato não sugeria à mente humana, de imediato, mais do que a
ideia de energia ou matéria abstratas. Terra, trabalho e capital como ‘agentes’
de produção, como entidades econômicas impessoais e não humanas, são tão
modernos como concepção quanto o cálculo. Sem dúvida, não são muito
velhos. (HEILBRONER, 1996, p. 30).
Sendo assim, segundo Heilbroner, pela falta dos elementos abstratos de produção é que
ainda não havia o sistema de mercado. Isso resultava na falta de espaço para que teorias
econômicas fossem formadas. Como disse Galbraith, “o espantoso seria se houvesse sido
desenvolvida uma série de ideias econômicas como nós as compreendemos” (1989, p. 22). Se
Adam Smith tivesse vivido naquele tempo, talvez ele não tivesse tido o impulso de construir
uma teoria de economia política (HEILBRONER, 1996, p. 31). “Até então, durante duzentos
anos antes de Adam Smith, os filósofos teciam suas teorias a respeito da vida diária”
(HEILBRONER, 1996, p. 41).
1.2 PENSAMENTO ECONÔMICO MERCANTILISTA
Com a entrada do mundo à época denominada Modernidade, surgiram os Estados
nacionais, que tiveram papel primordial para que surgisse a primeira escola de pensamento
econômico moderno, o mercantilismo, ou também chamado de capitalismo comercial. Essa
escola de pensamento foi a tradição dominante por dois séculos, do século XVI ao XVII, e
perdurou até surgir a economia política clássica, que nasceu debatendo com o mercantilismo.
O mercantilismo consistia em uma forma de política econômica dos Estados Modernos
Europeus. Um conjunto de estratégias para os reis consolidarem os seus Estados. Esses Estados
estavam se formando e necessitavam enriquecer. Simultaneamente, estava havendo uma
expansão comercial. Tanto que o período do mercantilismo é chamado de o tempo dos
mercadores (GALBRAITH, 1989, p. 29). “Agora, na era dos mercadores, houve um prodigioso
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crescimento do comércio, tanto a nível local ou quando envolvendo grandes distâncias”
(GALBRAITH, 1989, p. 30). O que se pode extrair é uma mudança de cenário para os
comerciantes. Antes estigmatizados, agora “(...) cada vez mais influentes nos novos Estados
nacionais. As diretrizes públicas e, por sua vez, as medidas governamentais, refletiam a sua
visão” (GALBRAITH, 1989, p. 30).
A reforma protestante, através principalmente de João Calvino (1509-1564) –
reformador francês -, ao mudar os dogmas cristãos, como a aceitação dos lucros e da taxa de
juros permitiu o avanço do capitalismo. O mercantilismo rompeu com a ética aristotélica e de
Tomás de Aquino. A riqueza deixou de ter uma conotação ruim. O mesmo ocorreu com a
cobrança de juros (GALBRAITH, 1989, p. 34). “ O conceito de preço justo também regrediu
em face ao mercantilismo” (GALBRAITH, 1989, p. 35).
Calvino discordava de que o dinheiro não poderia ‘criar frutos’, distinguindo-
se assim de Aristóteles, da Igreja (que seguia Aristóteles, mas abria inúmeras
exceções) e de Lutero (que condenava terminantemente a prática da usura,
seguindo os teólogos canônicos tradicionais). (OLIVEIRA; GENNARI, 2009,
p. 28).
Por ora, é importante ressaltar que, segundo Weber, a Reforma contribuiu
decisivamente para a dissolução de uma série de valores religiosos, morais e
éticos, norteadores da vida privada medieval que representavam obstáculos às
transformações econômicas e políticas em desenvolvimento desde o final da
Era Medieval. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 29).
“Com a ascensão do Estado nacional nasceu uma associação próxima, íntima mesmo,
entre a autoridade do Estado e os interesses mercantis” (GALBRAITH, 1989, p. 33). O
mercantilismo constituía-se em uma forma de defesa fundamental da força e do poder do
Estado. “Aqueles foram anos de guerra contínua (...). Os metais preciosos compravam navios
e material bélico, e eram essenciais para sustentar os soldados em campanhas militares”
(GALBRAITH, 1989, p. 37). À medida que os Estados estavam se formando e havia guerras,
a obtenção de riquezas era um instrumento para a força militar permanente.
A necessidade de metais preciosos para remunerar as tropas, que eram o
sustentáculo do poder real, da ordem interna e da defesa do reino, é
fundamental para compreender o conjunto das análises e práticas econômicas
que surgiram nessa etapa inicial da organização do Estado moderno.
(OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 32).
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Todo o mercantilismo era pautado na ideia de quanto mais riqueza o reino tivesse, mais
poder ele teria.
Segundo essa visão, o poder do Estado era função direta da riqueza do reino,
cuja grandeza se definia pelo acúmulo de metais preciosos. Avaliava-se que a
disponibilidade crescente de ouro e prata dotava as casas reais de capacidade
para organizar mecanismos abrangentes e eficientes (burocracia, tropas
mercenárias etc.) para o exercício e a afirmação do poder no plano interno e
externo. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 33).
Essa é a política comercial chamada de metalismo, que estava preocupada com a
capacidade de acumular metais preciosos. Estes eram utilizados como meios de troca e os
Estados buscavam tê-los na maior quantidade possível. Dessa característica surge um novo
desmembramento desse período: as colonizações.
As colonizações envolviam diretamente a prática do metalismo. Através das expansões
marítimas e das conquistas de territórios, os Estados obtinham mais metais preciosos. Os
Estados soberanos exerciam domínio sobre as colônias através de um conjunto de regras e
regulamentações. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 43). A principal função da colônia era
enviar metais preciosos ou produtos para a metrópole.
Mas a forma de colonização que realizava mais plenamente os objetivos
estratégicos da política mercantilista, a promoção do poder do Estado, era
aquela na qual a colônia desempenhava o papel de complementar a economia
metropolitana, oferecendo metais preciosos ou produtos que reduzissem as
importações e incrementassem as exportações para outras nações. (...) O
sistema era organizado visando transferir a maior parte do lucro comercial e
do excedente econômico produzido na colônia para a metrópole,
potencializando a acumulação da burguesia mercantil e as receitas do Estado,
que patrocinava a reprodução do sistema. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p.
43).
A ideia de um Estado forte exigia um domínio de exploração da colônia pela metrópole,
que proporcionava sua segurança nacional. Era fundamental para metrópole ser capaz de
defender os seus próprios interesses, ter autonomia para tomar decisões e proteger o seu
território de invasões estrangeiras.
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“O afluxo crescente de metais das suas colônias na América para a Espanha foi
acompanhado de uma elevação generalizada nos preços (a Revolução dos Preços) [...]”
(OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 34). A grande quantidade de ouro e prata fez com que
gerasse inflação. “Mas, na realidade, resta pouca dúvida que a revolução dos preços, a inflação,
dos séculos XVI e XVII foi uma força vigorosamente estimuladora” (GALBRAITH, 1989, p.
32). Assim, permitiu-se que se formassem rudimentos da teoria quantitativa da moeda. “Este é
o teorema histórico que sustenta que, dado um determinado volume de comércio, os preços irão
variar em proporção direta com a oferta de moeda” (GALBRAITH, 1989, p. 32).
Por causa dessa relação de dominação das metrópoles sobre as colônias é que se permitiu
a existência de monopólios. As colônias só podiam comercializar com a metrópole, ou seja,
tudo aquilo que produzissem deveria ser vendido para suas respectivas metrópoles. As colônias
também só podiam comprar produtos manufaturados de sua metrópole, o que ficou conhecido
como pacto colonial, que favorecia desigualmente o centro. Era feito um exclusivismo tanto na
exploração quanto na comercialização.
(...) os mercadores da era mercantilista não gostavam da concorrência de
preços; na realidade, são poucos os que a apreciam ainda hoje. Em
contrapartida, acordos e acertos de preços entre os vendedores, concessões ou
cartas-patentes de monopólio concedidos pela Coroa para algum produto
determinado, monopólios comerciais em uma ou outra região do mundo, e a
proibição da produção competitiva e da venda de mercadorias nas colônias do
Novo Mundo, tudo isso serviu aos interesses mercantis. E por servirem, estas
noções foram tidas como sendo do interesse nacional. (GALBRAITH, 1989,
p. 37).
Uma outra saída encontrada para o acúmulo de riquezas foi a ideia de uma balança
comercial favorável. O Estado não queria perder moeda, para isso eles defendiam, em especial
Thomas Mun (1571-1641) – principal representante do mercantilismo inglês -, uma importação
controlada para não sofrerem com o problema da restrição externa.
Nessa perspectiva, a única maneira de aumentar o volume de metais e, ao
mesmo tempo, manter os juros baixos é por meio da balança comercial. Para
atingir esses objetivos, o autor propõe uma série de medidas, entre as quais, o
apoio do Estado às exportações e o emprego em massa da população na
produção de mercadorias destinadas ao mercado externo. (OLIVEIRA;
GENNARI, 2009, p. 37).
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Para os mercantilistas, a economia é um “jogo de soma zero”, quando um perde, o outro
ganha. Diferentemente da posterior teoria liberal, na qual a economia é um jogo de soma
positiva, em que deixando a economia funcionar livremente, o mercado se ajustaria para que
todos obtivessem ganhos.
Uma legião de estudiosos tem observado que o esforço dos Estados
mercantilistas para obterem um saldo em sua balança comercial – para
exportarem mais do que importavam – não era um jogo no qual todos podiam
ser bem-sucedidos. Poucas verdades econômicas são mais evidentes, o que
não impedia que cada país se esforçasse ao máximo neste sentido.
(GALBRAITH, 1989, p. 38).
A busca de superávit pode ser representada como uma medida do protecionismo, que
consiste em uma forma de intervenção estatal. À medida que o objetivo era o fortalecimento do
Estado, ele próprio propunha medidas para tal. “O Estado e o intervencionismo mercantilista
constituíam-se, assim, em pressupostos de uma política colonialista eficaz” (OLIVEIRA;
GENNARI, 2009, p. 43).
Assim, para os cameralistas alemães, a prosperidade dos súditos estava
intimamente vinculada ao poder do Estado, e eles deviam ser avaliados
relativamente à prosperidade e ao poder dos Estados vizinhos num ‘jogo’ de
soma zero. Em síntese, eles compunham uma tendência, no campo do
pensamento e das práticas mercantilistas, orientada para o incremento das
receitas do Estado. Nesse tipo de abordagem, os problemas econômicos
encontram-se integrados à política e são inseparáveis da orientação/ação do
Estado. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 42).
Pode-se ressaltar que o mercatilismo possuiu várias correntes espalhadas por diversos
países, entre elas estão: o metalismo em Portugal, o bullionismo na Espanha, o comercialismo
na Inglaterra, o colbertismo na França e o cameralismo na Alemanha.
O cameralismo, representação do mercantilismo na Alemanha, consistiu em uma versão
mais radical do mercantilismo. Trata-se também de sua versão mais influente e mais longeva.
O principal objeto de análise do cameralismo é o empoderamento do Estado, entendido dentro
de um sistema internacional competitivo. Muitos autores cameralistas preocupavam-se com as
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contas do Estado, o que gerou um desenvolvimento de técnicas estatísticas e o aperfeiçoamento
de métodos quantitativos. Os cameralistas destacam-se pela compreensão da economia como
“filha” do Estado e da política, no seguinte sentido: as trocas, a produção, e as demais esferas
econômicas, dependem da eficiência e da burocracia estatal para ocorrer. O mercantilismo em
geral e o cameralismo em particular também submetiam a economia ao “jogo de poder” entre
os Estados.
Em síntese, o mercantilismo se constituiu num conjunto de doutrinas e práticas
econômicas adotadas pelos estados modernos no período compreendido entre
os séculos XVI e XVIII. (...). À medida que o receituário apresentava
resultados positivos, a unificação nacional avançava e o poder do Estado era
incrementado, proporcionando condições para a reiteração do
intervencionismo numa escala mais ampla e profunda. (...) A unificação do
mercado nacional e as agressivas políticas de comércio no plano internacional
potencializaram a acumulação do capital, principalmente sob as formas do
capital comercial, numa primeira fase, e manufatureiro, na segunda.
(OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 48).
O mercantilismo marca o pensamento econômico moderno, não apenas por suas ideias,
mas principalmente pela oposição que a economia política clássica fará a este sistema. É
possível associar o mercantilismo com os monopólios estatais comerciais, a colonização, as
companhias marítimas e o acúmulo de metais preciosos. Porém, como veremos no próximo
capítulo, esse sistema comercial sofre mudanças à medida que o mundo se industrializa, ao
passo que novas teorias econômicas surgem e desafiam a antiga doutrina.
Nas nações precursoras do desenvolvimento manufatureiro-industrial, as
ideias mercantilistas, que tanto contribuíram para o fortalecimento do poder
do Estado e a afirmação do capital comercial, começavam a apresentar um
grau crescente de inadequação às necessidades dessas novas formas de
reprodução do capital. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 49).
Como reação crítica ao mercantilismo surge a economia política clássica com seus
ideais liberais, representados por Adam Smith, William Petty (1623-1687), John Locke, David
Ricardo (1772-1823), entre outros autores importantes.
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A tradição do pensamento econômico representada por Quesnay, Smith,
Ricardo, marginalistas e neoclássicos, enérgicos defensores dos efeitos
benéficos do livre comércio, criticou o mercantilismo de forma contundente.
(OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 49).
No próximo capítulo trataremos do surgimento da economia política clássica como uma
crítica ao mercantilismo. Faremos, como no primeiro capítulo, uma associação de suas ideias
com o contexto histórico onde se desenvolveu. Nosso objetivo é mostrar como o surgimento da
economia clássica está conectado, por um lado, à crítica ao mercantilismo, e por outro, ao novo
contexto histórico.
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CAPÍTULO 2 – CONTEXTO HISTÓRICO DA ESCOLA CLÁSSICA
2.1 ACUMULAÇÃO PRIMITIVA DE CAPITAL
Trataremos neste capítulo a respeito do surgimento da economia política clássica em
meados do século XVII e século XVIII. Primeiro, abordaremos o seu contexto histórico de
formação, ou seja, fatores marcantes que ocorreram ao longo da história moderna e que
contribuíram para as ideias dos autores que veremos mais adiante.
Para tanto, teremos como fonte principal de pesquisa a obra História do Pensamento
Econômico – Uma Perspectiva Crítica (1989) de E. K. Hunt.
A Europa medieval baseava-se no feudalismo como o seu sistema socioeconômico.
Posteriormente, na Idade moderna, foi mudado para o sistema capitalista. É sobre o declínio do
feudalismo e a ascensão do capitalismo, fenômenos simultâneos em grande parte, que iremos
nos ater.
O feudalismo enquanto sistema era baseado nos costumes e formado por duas classes:
os senhores e os servos.
Toda a organização medieval se baseava em um sistema de serviços e
obrigações mútuas, envolvendo toda a hierarquia feudal. A posse ou uso da
terra obrigava a certos serviços ou pagamentos costumeiros, em troca de
proteção. (...) O senhor vivia do trabalho dos servos que cultivavam seus
campos e pagavam impostos em espécie e em moeda, de acordo com o
costume do feudo. Analogamente, o senhor dava proteção, supervisionava e
administrava a Justiça, de acordo com o costume do feudo. (HUNT, 1989, p.
30-31).
O senhor fornecia a terra e proteção para que um servo ali pudesse cultivá-la, obter a
sua alimentação, vestuário e criação de animais e este pagava ao senhor parte dos seus ganhos
obtidos. Essa era a instituição econômica básica, centrada na vida rural.
Além dos feudos, a Europa medieval tinha muitas cidades, que eram
importantes centros manufatureiros. Os bens manufatureiros eram vendidos
aos feudos e, algumas vezes, trocados no comércio distante. (HUNT, 1989,
p. 31).
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Chamavam-se corporações de ofício essas instituições econômicas, onde basicamente
eram feitas a produção e a venda de mercadorias. Ainda assim, “a sociedade medieval era
predominante agrária. A hierarquia social era baseada nos laços do indivíduo com a terra e o
sistema social por inteiro repousava em base agrícola” (HUNT, 1989, p. 31).
“(...) os aumentos da produtividade agrícola constituíram o ímpeto original para uma
série de profundas mudanças, ocorridas ao longo de vários séculos, e que resultaram na
dissolução do feudalismo medieval e no início do capitalismo” (HUNT, 1989, p. 31). Houve
melhoramentos na agricultura para que essa se tornasse mais eficaz, aumentando assim a sua
produtividade. O aumento da produtividade resultou em um aumento do excedente, que “é
definido como aquela parte da produção material da sociedade que sobra, após serem deduzidos
os custos materiais necessários para a produção” (Hunt, 1989, p. 26). O que, posteriormente,
levou a um crescimento do comércio, pois conseguia-se abastecer o mercado interno e ainda
restava para enviar para o mercado internacional.
A expansão do comércio, particularmente do comércio de longa distância,
levou ao abastecimento de cidades industriais e comerciais para servir a este
comércio. O crescimento dessas cidades, bem como o seu crescente controle
por capitalistas comerciantes, provocou importantes mudanças, tanto na
agricultura quanto na indústria. (...) O desenvolvimento do comércio (...)
levou ao crescimento da produção para a exportação e às grandes feiras
comerciais, que floresceram do século XII ao século XIV. (...). Lá pelo século
XV, as feiras já estavam sendo substituídas por cidades comerciais, onde
florescia um mercado permanente. (HUNT, 1989, p. 33-34).
À medida que o desenvolvimento do comércio se tornava mais robusto isso exigia um
estabelecimento de cidades, estruturas sociais mais complexas que os feudos. Estes tornavam-
se cada vez mais incompatíveis com o grau de complexidade exigido nas cidades comerciais.
Sistemas complexos de câmbio, compensação e facilidades creditícias se
desenvolveram nesses centros comerciais, e instrumentos modernos, como
cartas de crédito, tornaram-se de uso corrente. Novos sistemas de leis
comerciais foram criados. Ao contrário do sistema paternalista de execução
de dívidas, baseado nos costumes e na tradição vigentes no feudo, a lei
comercial era fixada por um código preciso. (HUNT, 1989, p. 34).
20
Sendo assim, iniciava-se a dissolução do feudalismo medieval e abriam-se as portas para
o início do capitalismo. Sistema esse não mais baseado nos costumes como o feudalismo, mas
sim em leis formais. “O sistema capitalista é baseado no cumprimento de leis de caráter
universalista (...) ” (HUNT, 1989, p. 30).
Como consequência do crescimento do comércio houve a necessidade de um processo
produtivo mais complexo, ao mesmo tempo que surgia uma classe propriamente trabalhadora,
que vendia o seu trabalho. Agora os artesãos não possuíam mais todo o processo de produção
em suas mãos. Eles tinham que vender a sua força de trabalho para trabalhar nas fábricas como
forma de subsistência. Diante de tal processo não houve como haver competição entre os
artesãos e a nova classe capitalista, já que:
Diferentes tipos de aprendizado, com privilégios especiais e isenções para os
filhos dos ricos, taxas elevadas pagas pelos membros das associações e outras
barreiras impediam os artesãos ambiciosos, porém mais pobres, de competir
com a nova classe capitalista ou dela fazer parte. (HUNT, 1989, p. 36).
Sendo assim, no sistema econômico que estava emergindo, os artesãos tornaram-se a
nova classe trabalhadora. “Em decorrência do enorme incremento de população nas novas
cidades comerciais” (HUNT, 1989, p. 37) é que pôde surgir a força das relações capitalistas do
mercado. Alguns fatores contribuíram para a origem da nova classe operária, entre eles, o
aumento populacional e a prática dos “cercamentos” dos campos. Hunt estima que a população
da Europa Ocidental tenha aumentado em quase um terço no século XVI. A nova classe
trabalhadora não mais detinha todo o processo de produção como o tinham os artesãos, agora
era “(...) forçada a uma situação em que a venda de sua força de trabalho era a única possiblidade
de sobrevivência” (HUNT, 1989, p. 38). Aliado a esse fato estava o movimento dos
cercamentos.
A nobreza feudal, cada vez mais necessitada de dinheiro, cercava ou fechava
terras que antes usara como pasto comum, utilizando-a, então como pasto de
ovelhas, para satisfazer à explosiva procura de lã pela indústria têxtil lanífera
inglesa. (...) O movimento do cercamento atingiu seu ponto máximo nos
séculos XV e XVI, quando, em algumas áreas, de três quartos a nove décimos
dos habitantes foram expulsos do campo e forçados a buscar sustento nas
cidades. (HUNT, 1989, p. 39).
21
Portanto, “os cercamentos e o crescimento populacional destruíram os laços feudais
remanescentes, criando uma grande e nova força de trabalho” (HUNT, 1989, p. 39). Segundo
Hunt, criava-se “uma força de trabalho sem terra, sem quaisquer ferramentas ou instrumentos
de produção, apenas com a força de trabalho para vender” (HUNT, 1989, p. 39). À medida que
o Estado privatizava as áreas comuns, os camponeses eram obrigados a migrar dos campos para
as cidades, isso significava mais trabalho para as indústrias capitalistas e também mais
consumidores. Já que o sistema capitalista de produção demanda que existam consumidores
aptos a comprar os produtos que são feitos nas fábricas.
As grandes descobertas e o aparecimento das novas nações-estado foram de suma
importância para que o capitalismo pudesse se desenvolver, pois contribuíram com as rotas
comerciais, como pode-se observar no primeiro capítulo. As rotas comerciais, que “resultaram
num fluxo rápido e intenso de metais preciosos para a Europa” (HUNT, 1989, p. 39). Esse
aumento de metais preciosos levou a uma inflação entre 150 e 400% segundo Hunt. Com isso,
a nobreza feudal, ou seja, os proprietários de terra e a classe operária sofreram, enquanto a
classe capitalista se beneficiou. Pois “recebeu lucros cada vez maiores e pagou salários reais
cada vez mais baixos” (HUNT, 1989, p. 40). Nascia a forma de acumulação primitiva, a qual
Hunt elenca quatro fontes:
o volume do comércio, que cresceu rapidamente; o sistema industrial de
produção doméstica; o movimento dos cercamentos; a grande inflação de
preços. (HUNT, 1989, p. 40).
Segundo o autor, essas foram as quatro fontes mais importantes para que houvesse a
acumulação primitiva de capital.
Associado à acumulação primitiva de capital, a industrialização e a revolução científica
também foram fatores preponderantes para o surgimento da economia política clássica.
Antes da revolução industrial, a produção era artesanal e familiar. Já na idade moderna,
a produção concentrou-se nas manufaturas, cujos donos eram os burgueses e haviam os
trabalhadores assalariados (camponeses que foram para as cidades devido aos cercamentos dos
campos procurarem emprego e tornaram-se trabalhadores assalariados). O Estado cercava o
campo e expulsava o camponês. Logo, a produção deixou de ser familiar, embora ainda
continuasse artesanal.
22
Porém, com a industrialização, principalmente com a invenção da máquina a vapor, isso
mudou. Heilbroner (1996) ressalta que “a Revolução Industrial não teria podido acontecer se o
terreno não houvesse sido preparado por uma série de descobertas subindustriais básicas”
(p.38). A máquina a vapor permitiu que a produção fosse mais ágil e maior. Ela foi muito usada
na indústria têxtil. As primeiras inovações tecnológicas surgiram nesse setor, como por exemplo
a máquina de fiar. A revolução industrial trouxe um grande ganho de produtividade através da
divisão e da especialização do trabalho. Com o desenvolvimento das máquinas, criaram as
ferrovias, que foram muito importantes para o transporte das matérias primas e dos produtos
prontos e, com isso, da economia inglesa.
Conectada à revolução industrial a revolução científica marca a entrada na modernidade.
Antes, a interpretação da natureza era basicamente teocêntrica, em que Deus que define os
fenômenos naturais. A revolução científica inaugura uma interpretação basicamente
mecanicista da natureza, reduzindo o escopo da categoria de “causa natural”. Para a idade
medieval, tudo tinha uma finalidade, entretanto, na idade moderna, há um abandono progressivo
da visão de que as coisas têm uma finalidade. Por exemplo, Aristóteles acreditava que em tudo
havia um propósito, inclusive para os seres humanos, como podemos observar no capítulo um
deste trabalho. Já no período moderno, abandona-se paulatinamente a ideia de finalidade na
natureza, incluindo os seres humanos.
No campo das ideias, houve também um outro fator que foi fundamental para o
surgimento da economia política clássica, o iluminismo escocês. Fator este que influenciou
grandemente Adam Smith, o pioneiro a sistematizar as ideias econômicas em uma obra e
formalizar o pensamento econômico clássico. Vamos nos dedicar agora a observar este
movimento intelectual importantíssimo para a economia política clássica.
2.2 O ILUMINISMO ESCOCÊS
No desenvolvimento desta seção utilizamos decisivamente o trabalho de Hugo
Cerqueira (2006): Adam Smith e seu contexto: o iluminismo escocês.
Para entender melhor o surgimento do pensamento econômico moderno, é preciso
entender o seu contexto de formação, as bases em que as ideias foram formadas. Considerando
Smith como marco deste pensamento econômico moderno, podemos dizer que suas ideias
foram frutos desse contexto vivido por ele. Devemos “situar seu pensamento em relação aos
23
movimentos intelectuais de sua época e, particularmente, em relação ao iluminismo escocês, do
qual foi figura-chave” (CERQUEIRA, 2006).
As transformações que a Inglaterra viveu ao longo do século XVIII – o fim do
absolutismo, o crescimento populacional e urbano, a revolução instaurada
pelo alargamento dos mercados – seriam acompanhadas de mudanças não
menos significativas no plano da reflexão que, a um só tempo, buscariam
refletir sobre o sentido daquelas transformações e atuariam como um de seus
fatores impulsionadores. (CERQUEIRA, 2006, p. 7).
Podemos dizer que o iluminismo está ramificado em diversas vertentes, dentre elas o
“iluminismo escocês”, ao qual iremos nos ater no restante deste capítulo. Porém, Cerqueira
mostra-nos alguns fatores do que ele chama do “iluminismo em geral”:
A defesa da ciência e da técnica como meios de melhorar a condição material
e espiritual da humanidade; a crítica das superstições e a defesa da tolerância
ético-religiosa; a defesa dos direitos naturais e inalienáveis dos homens; a
rejeição dos sistemas metafísicos dogmáticos e sua substituição por um uso
da razão submetido ao crivo crítico da experiência; a luta contra privilégios e
tiranias. (CERQUEIRA, 2006, p. 3).
O iluminismo pode ser entendido como a “capacidade de fazer uso da própria razão para
partilhar os argumentos que resultarem dessas reflexões, expondo-os à crítica dos demais
cidadãos do mundo letrado” (CERQUEIRA, 2006, p. 4-5). Segundo escreve Cerqueira, os
iluministas condenavam os argumentos de autoridade, em que a reflexão estava submetida ao
controle das autoridades políticas e religiosas, bem como também condenavam o fato de no
"período das trevas" não poderem contrariar essas ideias.
Um expressivo autor que muito contribuiu para o iluminismo foi o filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804). Com a sua obra O que é o esclarecimento? (1783), Kant foi um
dos iluministas que propôs ao homem o esclarecimento, ou seja, fazer uso da razão. O
esclarecimento de Kant coloca o homem possuindo autonomia para pensar e ser o direcionador
do seu próprio futuro. Ou seja, ser independente em relação ao uso da razão.
Em outras palavras, usar a razão para tomar as suas próprias decisões, como um ser
autônomo através do que ele chamou de “razão pública”, que consistia no direito de pensar e
propor. Ter o livre exercício da racionalidade e da crítica. Kant propõe um esclarecimento
ligado ao lado social do homem. Este deveria fazer uso de sua “razão pública” em todas as
questões de sua vida. Ao conseguir ter autonomia, utilizando a sua própria razão de maneira
24
crítica, o homem sairia assim de sua menoridade e entraria para a sua maioridade, conceitos
estes atrelados ao esclarecimento.
Kant ganhou um expressivo espaço dentro do iluminismo. Alguns autores, como Porter
(2000), conforme citado por Cerqueira (2006), acham que o ponto culminante do Iluminismo
foi a Revolução Francesa, e assumem como o autor ápice do iluminismo Kant, esquecendo-se
de outros filósofos, até mesmo Smith. Tal atitude é muito simplória diante de um contexto
histórico tão vasto que foi o século XVII e XVIII. Smith com a sua obra A Teoria dos
Sentimentos Morais (1759) contribuiu decisivamente para a filosofia moral, embora “uma obra
em grande parte esquecida e basicamente anterior ao seu interesse pela economia política”
(GALBRAITH, 1989, p. 55).
Entretanto, tentando trazer uma interpretação mais fidedigna à realidade, “a
historiografia mais recente sobre o iluminismo tem se voltado para a diversidade de suas
manifestações nacionais e para as particularidades dessas diferentes expressões (...)”
(CERQUEIRA, 2006, p. 6), já que “a presença das luzes na Inglaterra era plenamente sentida
no século XVIII: o florescimento da razão, o respeito à liberdade de expressão e a tolerância
religiosa foram reconhecidos e celebrados pelos estrangeiros que a visitaram” (CERQUEIRA,
2006, p. 6-7). Portanto, é ingênuo negar a importância do “iluminismo britânico”. Todavia:
Tomar o iluminismo escocês como parte do iluminismo inglês implicaria
desconsiderar a presença de particularidades significativas, seja no que diz
respeito às origens do movimento, seja no que tange a seu significado, sua
motivação e suas características (...). A união da Escócia com a Inglaterra não
foi feita sem oposições. Importa notar que a união e a dissolução do
parlamento escocês não impediram a preservação de uma ampla parte de suas
instituições nacionais, como sua Igreja, seu sistema legal, suas universidades
e seu sistema educacional, para citar apenas as mais significativas, o que
representou a manutenção do que interessava mais diretamente à população
nas mãos do poder local. (CERQUEIRA, 2006, p. 9).
Para tanto, “devemos buscar apreender no iluminismo escocês o contexto que
determinou a produção da obra de Smith” (CERQUEIRA, 2006, p. 9-10).
Segundo Cerqueira (2006), em meados dos séculos XVI e XVII, a Escócia estava
vivendo problemas socioeconômicos, tais como pobreza, escassez de terra, o que impôs limite
a agricultura, fome, advinda da crise da produção agrícola e do declínio do comércio. Houve
também a união das coroas da Escócia e da Inglaterra em 1603. Posteriormente, devido aos
problemas econômicos, a Escócia uniu o seu parlamento com o da Inglaterra, o que fez com o
que o país se tornasse menos autônomo e mais dependente. Apesar de todas essas situações
ocorrendo na Escócia, houve o “florescimento de um vigoroso momento criativo entre os
25
escoceses ainda na primeira metade do século XVIII” (CERQUEIRA, 2006, p. 11). O que pode
até parecer uma situação paradoxal, pois em meio a problemas políticos e econômicos, surgiram
intelectuais em diversas áreas, como na matemática, ciências naturais, teologia, história e
direito. “Tais dificuldades que, à primeira vista, poderiam parecer um obstáculo intransponível
ao progresso social e ao florescimento cultural na região acabaram servindo de estímulo e
desafio para os escoceses” (CERQUEIRA, 2006, p. 12)
Alguns autores acreditam que o iluminismo escocês foi um “fenômeno revolucionário,
um momento de descontinuidade com um passado nacional marcado pelo atraso e pela
intolerância” (CERQUEIRA, 2006, p. 13). Entretanto, “o equívoco dos defensores daquela tese
é o de negligenciar a pesquisa do rico e diversificado contexto intelectual existente na Escócia
no período pré-esclarecimento” (CERQUEIRA, 2006, p. 13). Hugo Cerqueira (2006, p. 13)
afirma, por exemplo, que desde o século XVI, o país já possuía cinco universidades, número
até maior que da Inglaterra, que apesar de ser maior e mais populosa, possuía somente três.
O que esses elementos mostram é que, ao longo dos séculos XV e XVI, a
Escócia já era um país atento aos desenvolvimentos científicos e culturais no
exterior, possuindo uma elite intelectual bem-educada, que não apenas
absorveu os conhecimentos produzidos no continente como contribuiu de
maneira substantiva para aqueles progressos. (BROADIE apud
CERQUEIRA, 2006, p. 14).
Houve vários fatores marcantes do iluminismo na Escócia, que possibilitaram e
influenciaram o pensamento de Adam Smith, em especial, o processo de transformação das
universidades. Dentro deste processo, podemos destacar a especialização do ensino, em que
cada disciplina passou a ser ministrada por um professor especializado naquela disciplina, e não
mais um professor para lecionar todas matérias. Houve a legitimação de alguns cursos na
Escócia, por exemplo, medicina. “Em 1740, a escola de medicina de Edimburgo foi
oficialmente reconhecida e logo firmaria sua reputação de principal centro de ensino médico da
Europa” (CERQUEIRA, 2006, p. 17).
Também houve, segundo Cerqueira (2006), mudança nos valores de ensino e pesquisa
acadêmica.
No final do século XVII, a rejeição dos padrões e modelos adotados pelo
aristotelismo e pela escolástica abriu espaço para uma nova compreensão do
papel e do sentido da busca do conhecimento, inspirada nos escritos de Bacon
e de seus discípulos. (...) viam no ensino da matemática e da filosofia natural
uma maneira adequada de promover estes valores: a cortesia, a civilidade, a
26
urbanidade, o cavalheirismo. (Wood, 2003, p. 99-103; Berry, 1997, p. 15 apud
CERQUEIRA, 2006, p.17).
Segundo Cerqueira (2006), a percepção de que as ciências naturais possuíam utilidade,
seja no sentido prático, econômico, moral e até para a fé, à medida que se conhecesse a natureza,
a providência divina seria perceptível, contribuíram para a pesquisa das ciências naturais.
Cresceu também na Escócia o número de clubes e sociedades, que fez com que a Escócia se
tornasse um grande centro intelectual.
Finalmente, um elemento decisivo estava presente nesse contexto para que os
literati pudessem “ousar pensar” por si mesmos e, sobretudo, expor suas
opiniões: aquela tolerância para com o debate público, a liberdade de pensar
e proferir opiniões que Kant apontaria como precondição indispensável para
o progresso do esclarecimento. Para Hume, a liberdade que os escoceses (e os
ingleses) desfrutavam era incomparavelmente maior que a existente em outros
países. (CERQUEIRA, 2006, p. 18).
Estes elementos – as mudanças no ensino, a valorização das ciências naturais,
a criação de associações e a garantia da liberdade de expressão – somaram-se
para a superação das precárias condições econômicas do país, contribuindo
para a discussão sobre os melhoramentos (improvements) na agricultura e na
indústria, uma preocupação constante desde o início do século.
(CERQUEIRA, 2006, p. 18).
“Nesse sentido, não é casual que um livro como a Riqueza das nações figure entre as
obras-primas daquele grupo” (CERQUEIRA, 2006, p. 19). Portanto, o consagrado livro de
Adam Smith está inserido dentro do contexto do “iluminismo escocês”.
Uma característica notável de A Riqueza das Nações é o seu tom cosmopolita;
as suas ideias, comentários e informações provêm de muito além das fronteiras
da Inglaterra ou da Escócia. (GALBRAITH, 1989, p. 55).
Nele, a preocupação de Smith não se restringe à formulação de princípios
teóricos que explicariam o funcionamento da economia, mas se estende à
apresentação de uma série de sugestões práticas que visavam ao crescimento
da riqueza e do bem-estar da população. (CERQUEIRA, 2006, p. 19).
Autores contemporâneos àquele tempo buscavam no avanço da ciência, o que poderia
possibilitar um progresso técnico e tornar a Escócia uma “sociedade comercial”, assim como a
Inglaterra.
27
Essa análise que fizemos, de colocar a obra de Smith em seu contexto histórico, em
especial do iluminismo escocês, nos ajuda a entender o surgimento da economia política
clássica e suas explicações para a sociedade de mercado.
Tomar a obra de Smith sobre o pano de fundo do iluminismo escocês permite
repor em questão seu lugar na história do pensamento econômico e seu papel
no surgimento da economia política como disciplina autônoma.
(CERQUEIRA, 2006, p. 25).
No próximo capítulo iremos investigar justamente como a teoria econômica de Smith,
e da economia política clássica como um todo, rompe com a tradição anterior, descrita no
primeiro capítulo. Os fatores vistos neste capítulo ajudam a explicar o porquê do rompimento.
Vejamos agora, no último capítulo, como este novo discurso econômico se apresenta.
28
CAPÍTULO 3 – O NOVO DISCURSO ECONÔMICO DA ESCOLA CLÁSSICA
Após abordar o surgimento das primeiras ideias econômicas, vimos o desenrolar da
história, que levou a um rompimento com tais ideias. Iremos ver o novo discurso econômico e
como ele se apresenta contrapondo-se com o discurso anterior à modernidade. Para tanto, o
presente capítulo será dividido em dois temas centrais, iremos tratar em primeiro momento
sobre o valor-trabalho associado à propriedade privada e, posteriormente, sobre o laissez-faire
e a não intervenção do Estado.
3.1 – VALOR-TRABALHO E PROPRIEDADE PRIVADA
A economia política clássica possui o seu marco inicial na obra A Riqueza das Nações
(1776) de Adam Smith, pois este foi o primeiro a sistematizar a economia e a tratá-la como uma
ciência a parte. A partir daí vimos um rompimento da economia como uma ciência prática e
passando a ter um método abstrato.
Em Smith, a economia assume o maior distanciamento em relação aos outros campos.
Para os mercantilistas, economia faz parte da ciência do Estado, assim como para Aristóteles.
Logo, não fazia sentido estudar economia separadamente, porque ela servia para garantir uma
boa vida.
Entretanto, Smith concentra-se em mecanismos autônomos do mercado e abandona a
proposição da “boa vida”. Em sua obra, Smith aborda diversos temas econômicos por si só,
como a divisão do trabalho, a origem e uso da moeda, preço, salários. É possível afirmar que A
Riqueza das Nações delimita um novo escopo para a ciência econômica.
Smith já começa o seu livro com uma discussão marcadamente econômica, tratando já
em seu capítulo I sobre a divisão do trabalho. Como vimos, Smith não é o primeiro a discutir
temas econômicos, mas o fato de ter colocado a divisão do trabalho no primeiro capítulo de sua
principal obra é sugestivo da nova autonomia que a ciência econômica assumiria.
Um autor que contribuiu decisivamente para essa nova autonomia da ciência econômica,
e para o pensamento de Smith em geral, é John Locke, considerado por muitos o pai do
liberalismo econômico. As ideias de Locke contribuíram muito para a ideia moderna de
propriedade privada. Em sua obra Segundo Tratado sobre o Governo Civil (1689), no capítulo
V, Locke discorre a respeito da propriedade mostrando explicações divinas para a propriedade
ser privada.
29
Deus deu o mundo aos homens em comum; mas desde que lhos deu para seu
benefício e para que dele retirassem as comodidades da vida de que fossem
capazes, não se poderia supor que Ele pretendesse que ela permanecesse
sempre comum e inculta. (LOCKE, 1689, p. 44)
Tudo isso evidencia que, embora as coisas da natureza sejam dadas em
comum, o homem, sendo senhor de si mesmo e proprietário de sua própria
pessoa e das ações de seu trabalho, tem ainda em si a justificação principal da
propriedade; e aquilo que compôs a maior parte do que ele aplicou para o
sustento ou o conforto de sua existência, à medida que as invenções e as artes
aperfeiçoaram as condições de vida, era absolutamente sua propriedade, não
pertencendo em comum aos outros. (LOCKE, 1689, p. 47).
Para Locke, é o trabalho que justifica a propriedade privada. A partir do momento que
o indivíduo retira algo da natureza e o modifica, isto passa a ser sua propriedade. “Sempre que
ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho
e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade” (LOCKE, 1689,
p. 42). Aqui percebe-se a ideia do trabalho como sendo algo diferenciador à medida que este
constitui um direito para o indivíduo. Locke vai além e acrescenta um argumento religioso. Ele
diz que o trabalho é uma ordenança divina:
Deus e sua razão ordenaram-lhe que submetesse a terra, isto é, que a
melhorasse para beneficiar sua vida, e, assim fazendo, ele estava investindo
uma coisa que lhe pertencia: seu trabalho. Aquele que, em obediência a este
comando divino, se tornava senhor de uma parcela de terra, a cultivava e a
semeava, acrescentava-lhe algo que era sua propriedade, que ninguém podia
reivindicar nem tomar dele sem injustiça. (LOCKE, 1689, p. 43)
Assim, “o trabalho constituía a propriedade” (LOCKE, 1689, p. 44). A sua teoria liberal
possui como preocupação central a justificativa da origem do valor e da propriedade.
Entretanto, Locke não discute os aspectos quantitativos (a medida) do valor. Este tipo de análise
será posteriormente empreendida por William Petty e Adam Smith.
É possível dizer que a teoria do valor trabalho possui dois aspectos: o aspecto
qualitativo, que é sua justificativa em termos de direito de propriedade, visto acima segundo
John Locke, e o aspecto quantitativo, em relação à medição de preço.
30
Para William Petty, quando a economia política clássica nasce, ela está focada em
entender como funciona as forças de mercado, ou seja, como entender os preços. Para ele, há
dois tipos de preços, o preço político e o preço natural. O preço político é fornecido via
conjuntura e o preço natural é dado via condições de produção.
O conceito de preço natural é muito importante. Para entendê-lo, é preciso
saber que, segundo Smith, ‘quando a quantidade colocada no mercado
coincide exatamente com o suficiente e necessário para atender à demanda
efetiva, muito naturalmente o preço de mercado coincidirá com o preço
natural’. (SMITH, 1776, p. 84-85 apud OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 63)
Antes, o preço era entendido como fruto do comércio, em consonância com o
pensamento mercantilista. A esfera econômica era sinônimo de trocas. Agora, na teoria do
valor-trabalho, preço está inserido dentro da lógica produtiva. Houve um deslocamento da
esfera comercial para a esfera produtiva. Logo, o preço deixou de ser consequência do comércio
para ser resultado da produção.
Podemos perceber que a teoria do valor-trabalho nasce com Locke em sua forma
qualitativa, pois ele defende os direitos à propriedade privada e essa passa a ser a visão padrão
do pensamento econômico clássico. Em sua versão quantitativa, a teoria do valor-trabalho
ganha destaque com a ideia de preço natural, dado pela produção, pois agora a sociedade é uma
sociedade produtiva, a esfera produtiva domina a economia e, por sua vez, os preços também
são regidos por essa ótica.
3.2 – LIVRE MERCADO E LAISSEZ-FAIRE
A economia política clássica nasce como um ataque ao mercantilismo, que possuía uma
orientação na ideia de Estado forte. A acumulação de moeda, chamada de metalismo, entra em
crise, na medida em que passa a ser vista como uma política econômica inadequada e conflita
com os ideais liberais de livre concorrência e livre comércio.
Nas nações precursoras do desenvolvimento manufatureiro-industrial, as
ideias mercantilistas, que tanto contribuíram para o fortalecimento do poder
do Estado e a afirmação do capital comercial, começavam a apresentar um
grau crescente de inadequação às necessidades dessas novas formas de
31
reprodução do capital. [...]. Os fisiocratas atacaram o intervencionismo, pois,
segundo eles, o Estado não conseguia sequer assegurar a ordem jurídica,
prejudicava a índole empreendedora num emaranhado de regulamentos,
preservava as corporações que restringiam a oferta de mão-de-obra e mantinha
monopólios que elevavam os preços. (OLIVEIRA, GENNARI, 2009, p. 49).
Os fisiocratas foram uma escola econômica na França, representada em grande parte por
François Quesnay (1694-1774), que combateu o mercantilismo. “No caso da França, a
superação definitiva da visão mercantilista que atribuía ao comércio o papel de geração das
riquezas se deu pelos trabalhos dos fisiocratas” (OLIVEIRA, GENNARI, 2009, p. 55).
Assim, tanto os fisiocratas e, mais tarde, Adam Smith, atacaram a ideia de Estado forte
e acumulação da moeda, o metalismo, dos mercantilistas.
Agora, na economia liberal, os agentes em foco são os indivíduos, que possuem como
cenário o mercado.
Se procurarmos as bases desse individualismo, que marca o pensamento da escola
clássica, encontraremos as ideias de Thomas Hobbes (1588-1679). Segundo Hobbes, os desejos
humanos são infinitos e variados. Se os desejos humanos são infinitos, a acumulação passa a
ser justificada e necessária para atender tais desejos. O cenário em que essas infinidades de
demandas são atendidas é o mercado.
Para Oliveira e Gennari (2009), o egoísmo expresso por Hobbes assume um papel
fundamental na formulação das ideias de Smith, pois o egoísmo e a competição generalizada
assumiriam o papel que seria do Estado, de ser uma força coercitiva para controlar os desejos e
o egoísmo.
Em Smith, em vez da necessidade de um poder externo coercitivo do Estado,
havia no próprio mecanismo de mercado uma força muito mais poderosa que
orientaria o egoísmo de cada indivíduo ao bem-estar geral da sociedade: era o
poder da “mão invisível” de Deus. Desse modo, o livre mercado, com sua mão
invisível (oferta e demanda), promoveria um estado de bem-estar para toda a
sociedade. (OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p. 60).
Smith e os fisiocratas defendiam o livre comércio. Os fisiocratas com o seu laissez-faire,
laissez-passer ("deixai fazer, deixai passar"; expressão francesa que simboliza o liberalismo
econômico) defendiam a liberdade de produção e comercial para que o “sistema econômico
pudesse operar segundo a ‘ordem natural’, o que traria como desdobramento a realização plena
32
de suas potencialidades (crescimento econômico, bem-estar etc.)”. (OLIVEIRA; GENNARI,
2009, p. 58). Sendo assim, contrários à defesa da intervenção estatal na esfera econômica.
Para Smith,
O bem-estar econômico estaria relacionado ao livre jogo das forças de
mercado que comandaria, por meio de uma mão invisível, as ações egoístas
dos indivíduos, que, buscando seus interesses individuais, atingiriam, como
por derivação, o bem-estar geral da sociedade. (OLIVEIRA; GENNARI,
2009, p. 66).
Para Smith, o ser humano já nasce com uma capacidade natural de troca, a qual serve
para atender o seu auto interesse, ou seja, atender aos seus desejos infinitos. O homem possui
o desejo de enriquecer e atender às suas necessidades, por isso o homem possui uma propensão
natural à troca, pois são as trocas que irão satisfazer tais necessidades. Porque os seres humanos
não bastam a si mesmos é que as trocas são tão naturais. Nas trocas há uma harmonia, um
diálogo de interesses.
O local em que essas trocas são realizadas é o mercado. Pela nossa condição biológica
de termos demandas infinitas, segundo Thomas Hobbes, e não conseguirmos atender a nós
mesmos é que surge a necessidade do mercado. Para Smith, o mercado é o fundador da
sociedade, já que é ele que vai organizar a sociedade, estabelecer as relações de troca. O
mercado é a expressão humana daquilo que é inerente ao ser humano, as trocas, onde o agente
econômico dá vazão aos seus interesses. Portanto, tudo o que impede a expansão de um
mercado vai contra o pensamento de Smith. O mercado é a ordem natural, enquanto o Estado é
uma ordem artificial.
Para Smith, “todo homem subsiste por meio da troca, tornando-se de certo modo
comerciante; assim é que a própria sociedade se transforma naquilo que adequadamente se
denomina sociedade comercial”. (SMITH, 1776, p. 57 apud OLIVEIRA; GENNARI, 2009, p.
62). “Portanto, uma vez estabelecida a divisão do trabalho, as necessidades humanas deixariam
de ser atendidas pela produção individual dos trabalhadores” (OLIVEIRA; GENNARI, 2009,
p. 62).
Para Smith, a motivação econômica está centrada no interesse próprio de cada
um. A busca individual e competitiva destes interesses é a origem de todo bem
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público. ‘Não é’, afirma ele em sua passagem mais famosa, ‘da benevolência
do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que nós esperamos obter o nosso
jantar, mais sim do fato deles cuidarem dos seus próprios interesses. Nós nos
consignamos não ao seu humanismo, mas ao seu amor próprio’.
(GALBRAITH, 1989, p. 58).
Assim, mercadores que na idade medieval eram hostilizados, agora passam a serem
aceitos pela sociedade.
Até então, pessoa preocupada com seu próprio enriquecimento havia sido
objeto de dúvida, desconfiança e suspeita, sentimentos que vinham desde a
Idade Média, dos tempos bíblicos e das próprias Escrituras Sagradas. Agora,
justamente por causa do seu interesse próprio, este indivíduo se tornara um
benfeitor público. (GALBRAITH, 1989, p. 58).
Para o mercado expandir, deve-se deixar o ser humano agir livremente, trocarem entre
si, logo sem a interferência estatal na economia. Assim, a ideia mercantilista de um Estado forte
é rompida.
Sua mais enfática recomendação para a política governamental defende a
liberdade do comércio interno e internacional. [...]. Somente havendo
liberdade para se trocar, permutar e negociar é que alguns trabalhadores
poderão se especializar em alfinetes, outros dedicarem-se a outras ocupações
e todos se reunirem para um intercâmbio capaz de satisfazer as diversas
necessidades de cada indivíduo. (GALBRAITH, 1989, p. 62).
O enriquecimento e o aumento do bem-estar dependem da produtividade. “Se não
houver livre comércio, cada trabalhador terá que se concentrar (...) na fabricação de seus
próprios alfinetes, desaparecendo (...) as economias provenientes da especialização”
(GALBRAITH, 1989, p. 62). Consequentemente, a política de metalismo é atacada, pois:
A defesa que Smith faz do livre comércio estende-se a um ataque direto à
visão mercantilista do ouro e da prata como o fundamento da riqueza nacional
e à crença de que restrições comerciais poderiam aumentar o estoque de metais
preciosos. (...) Smith proclama que não é a prata ou o ouro que servem de
medida para a riqueza de uma nação. É ‘o trabalho anual de cada nação que
constitui o fundo que a supre em primeira instância com todas as necessidades
e conveniências da vida’. Aumenta-se a riqueza pela ‘habilidade, a destreza e
o discernimento com que a mão de obra de uma nação é geralmente utilizada;
e, em segundo lugar, pela proporção entre o número daqueles empregados em
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trabalho útil e aqueles que não estão assim empregados’. (GALBRAITH,
1989, p. 62-63).
Sendo assim, ao estabelecer o mercado como o cenário de trocas dos indivíduos, a ideia
de um Estado forte deixa de ser defendida e, pelo contrário, passa a ser atacada, pois os clássicos
defendiam que o mercado deveria seguir o seu curso livremente, funcionando de acordo com
as demandas dos indivíduos. A expansão do mercado leva a uma eficaz divisão internacional
do trabalho, o que faz aumentar a produtividade e, por sua vez, a riqueza. Numa sociedade de
indivíduos e de propriedade privada, o aumento da produtividade e da riqueza é o caminho
econômico a ser perseguido – o novo caminho proposto pela escola clássica.
Sob essa análise, podemos observar que a economia política clássica basicamente
formou seus alicerces sobre esses princípios de propriedade privada e livre mercado. A partir
desses princípios rompe-se com as ideias econômicas anteriores e apresenta-se um novo
discurso moral, político e econômico: o discurso da economia política clássica.
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CONCLUSÃO
Esta monografia teve como objeto de análise o surgimento da economia política clássica
e o seu contexto histórico de formação.
No capítulo primeiro, tratamos como a antiguidade e a era medieval influenciaram a
ciência econômica, influência esta que se prolonga até os dias atuais. Vimos como o direito
romano e o cristianismo na Idade Média contribuíram para uma forte concepção econômica,
especialmente, na ideia de propriedade privada, que é contundentemente defendida pelos
economistas liberais.
Vimos como a ciência econômica moderna se formou a partir da concepção de mercado.
Vimos também como o mercantilismo, com a expansão do comércio, modificou a estrutura
econômico-social, rompeu com o feudalismo e levou ao estabelecimento de cidades comerciais
e, futuramente, industriais. Vimos como a população nas novas cidades comerciais possibilitou
o surgimento das relações capitalistas de mercado. Para o mercantilismo, observamos que a
economia é um jogo de soma zero, ou seja, quando um perde o outro ganha, diferentemente do
que seria pensado posteriormente.
Analisamos uma das principais representações do mercantilismo, o cameralismo na
Alemanha. Vimos como estes entendiam a economia como “filha” do Estado e da política. Eles
defendiam a força e o poder do Estado, pois é o Estado que, segundo eles, poderia dar segurança
nacional e orientar os movimentos de disputa no sistema internacional.
No segundo capítulo, discutimos alguns fatores que marcam o surgimento histórico da
economia política clássica. Observamos que o declínio do feudalismo se deu em paralelo com
a ascensão do capitalismo, à medida que o desenvolvimento do comércio, o aumento
populacional e a prática dos cercamentos contribuíram para que uma nova classe surgisse, a
classe trabalhadora. Mudanças econômicas e sociais advindas do capitalismo exigiam um
mercado consumidor e isso foi possível com o surgimento da classe trabalhadora.
Percebemos como as ideias de Adam Smith receberam influência do seu contexto
histórico, o iluminismo escocês. Contexto de defesa do uso da razão para a representação de
ideias, liberdade de expressão e tolerância religiosa.
No terceiro capítulo, mostrou-se como o pensamento da economia política clássica
rompeu com o pensamento econômico anterior. Atentamo-nos em discutir as justificativas
liberais para o conceito de propriedade privada. Destacamos que Smith e os fisiocratas atacam
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a ideia de um Estado forte e a política do metalismo, já que defendiam a ‘ordem natural’ de
funcionamento da produção e do comércio, ou seja, o livre comércio e a livre concorrência.
Ao longo do trabalho, buscou-se entender as raízes que desencadearam o surgimento da
economia política clássica. Quais foram os fatores preponderantes para que a economia se
constituísse como uma ciência autônoma e o contexto histórico de sua formação.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERQUEIRA, Hugo E. A. G. Adam Smith e seu contexto: o iluminismo escocês. Economia e
Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1 (26), p. 1-28, jan./jun. 2006.
GALBRAITH, John K. O Pensamento Econômico em Perspectiva: Uma História Crítica. São
Paulo: Pioneira: Editora da Universidade de São Paulo, 1989.
GENNARI, Adilson M.; OLIVEIRA, Roberson de. História do Pensamento Econômico. São
Paulo: Saraiva, 2009.
HEILBRONER, Robert. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Nova Cultural Ltda,
1996.
HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Crítica. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1989.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014 (1689).