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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO RAQUEL CUNHA DOS SANTOS A DEMOCRACIA CAPTURADA. PODER ECONÔMICO POLUIDOR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA SISTEMAS DE CONTROLE. SÃO PAULO 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

RAQUEL CUNHA DOS SANTOS

A DEMOCRACIA CAPTURADA.

PODER ECONÔMICO POLUIDOR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

SISTEMAS DE CONTROLE.

SÃO PAULO

2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

RAQUEL CUNHA DOS SANTOS

A DEMOCRACIA CAPTURADA.

PODER ECONÔMICO POLUIDOR DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

SISTEMAS DE CONTROLE

Dissertação apresentada para obtenção do

título de Mestre pelo Programa de Pós-

Graduação stricto sensu em Direito Político

e Econômico da Universidade Presbiteriana

Mackenzie com orientação da Prof.ª Dra.

Monica Herman Salem Caggiano.

SÃO PAULO

2017

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S231d Santos, Raquel Cunha dos.

A democracia capturada : poder econômico poluidor da

democracia brasileira : sistemas de controle / Raquel Cunha

dos Santos. – 2017.

123 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) -

Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.

Orientadora: Monica Herman Salem Caggiano.

Referências bibliográficas: f. 104-112.

1. Democracia. 2. Riscos de captura. 3. Mecanismos de

controle. I. Título.

CDDir 341.234

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A meus pais Francisco e Maria Eurice.

A minha tia Ana Elza, em sua memória.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão é sentimento transformador. Sou grata pela metamorfose vivenciada

durante o processo de mestrado. Sem dúvida este trabalho se tornou realidade graças a

ímpar paciência, o cuidado e o zelo que minha estimada orientadora Profa. Dra. Monica

Herman Salem Caggiano me dedicou; todo o mérito dessa dissertação deve ser rendido

a ela, e as eventuais imperfeições são de minha exclusiva responsabilidade.

Sou grata pelas aulas singulares dos professores doutores Gilberto Bercovici,

José Francisco Siqueira Neto, Felipe Chiarelo, Gianpaolo Smanio, Alysson Mascaro,

Claudio Salvador Lembo, Hélcio Ribeiro, Fabiano Dolenc Del Masso, Vicente Bagnoli,

e sobretudo por todo o ensinamento ministrado pela professora doutora Monica Herman

Salem Caggiano. Agradeço a Universidade Presbiteriana Mackenzie e em especial à

Coordenadoria de Pós-Graduação Strito Sensu por implementar e manter o Programa de

Mestrado e Doutorado em Direito Político e Econômico, cujo constante compromisso

com a excelência acadêmica buscou-se observar como parâmetro para realização desse

trabalho. Jamais poderia deixar de agradecer a todos os funcionários da instituição de

ensino, por personificarem a essência dessa excelência; faço o agradecimento a todos na

pessoa da secretária do curso Sra. Cristiane Alves Macedo, cuja peculiar dedicação e

simpatia a todos abriga.

Rendo meus agradecimentos à Capes pela concessão de bolsa de estudos,

fundamental para realização deste projeto.

Agradeço imensamente a oportunidade de ter convivido e criado laços de

amizades durante o processo de mestrado, tesouro que espero manter pela vida. Sem a

cumplicidade e parceria da doutoranda Ana Paula Bagaiolo Moraes; os apontamentos

pontuais do mestrando Cleoman Fernandes da Silva Filho; o relevante conhecimento

acadêmico compartilhado pelo doutorando Danilo Vieira Vilela, a perseverança

personificada na mestranda Juliana Leme Faleiros, a alegria e sagacidade intelectual da

mestranda Melina Ferracini de Moraes; a jornada teria perdido o perfume e a cor.

Juntos, pudemos compartilhar e dividir o peso das dúvidas que cercam as investigações

acadêmicas, possamos manter unido nosso senadinho. Não poderia deixar de render

meus sinceros agradecimentos a Alessandra Mara Sales, companheira na monitoria de

Direitos Humanos, sempre disponível para apoiar no que foi preciso; meu muito

obrigado, também, aos estimados Alessandra Farani, Andrea Schneider, Leandro Sarai e

Orly Kibrit, por todo conhecimento partilhado.

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Agradeço aos familiares e amigos, pelo apoio e compreensão durante essa

jornada, pelas palavras de incentivo, pela alegria que compartilham comigo sempre,

essa realização também se efetivou graças a vocês: Alexandre Fidélis Martuscelli,

Fabiana Laja Santana, Helane Marques da Silva, Maria Gildete de Oliveira Martins,

Vanessa Setsuko Ferreira e Victor Rodolfo Lomnitzer.

Agradeço por fim a minha família, foi a doce e amorosa presença de vocês que

tornou possível essa conquista. Daniela Cunha dos Santos, minha irmã querida, as

palavras faltam para descrever minha gratidão, você é arrimo e cimento dessa

realização, obrigada por tudo; Caio Santos Ricarte, filho amado, que minha curiosidade

acadêmica se instale desde cedo em você; Francisco Nunes dos Santos e Maria Eurice

Cunha dos Santos, pai e mãe, luz e caminho, amo vocês profundamente.

Agradeço, enfim, pela pessoa que me tornei.

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“A ditadura perfeita terá as aparências de uma democracia, uma prisão

sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga.

Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e divertimento,

os escravos terão amor à sua escravidão”

(Aldous Huxley)

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RESUMO

Esta dissertação busca responder em que medida a democracia no Brasil está a salvo de

influência predatória do poder econômico, sempre que denotado o uso deturpado dessa

força social. Inicialmente aborda-se as raízes da democracia e seu funcionamento, bem

como a internalização efetuada dessa prática pela Constituição da República de 1988 -

pelo estudo de seus princípios, instrumentos de pressão e riscos de captura. Na

sequência há um aprofundamento da análise do arranjo constitucional democrático, a

relação de pertencimento entre direitos políticos e cidadania, opção pela fórmula de

democracia semidireta, os princípios eleitorais constitucionais e a formatação do

sistema de governo. Avança a análise proposta na dissertação pelo estudo dos

mecanismos de defesa da democracia, considerando num primeiro momento os fatores

de desvirtuamento, para então verificar as formas de profilaxia.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia, Riscos de Captura, Mecanismos de Controle.

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ABSTRACT

This dissertation seeks to answer to what extent democracy in Brazil is safe from the

predatory influence of economic power, whenever denoted the misused use of this

social force. Initially it discusses the origin of democracy and its functioning, as well as

how this institute was incorporated by the Brazilian Constitution of 1988 - by studying

its principles, its instruments of pressure and risks of capture. Then there is a deep

analysis of the democratic constitutional arrangement, pointing out its relation between

political rights and citizenship, the legislator's option for the semi-direct democracy, the

constitutional electoral principles and how the system of government is arranged. The

subject of this work advances in the analysis of mechanisms to defend democracy by

considering, foremost, the distortion factors to then verify the forms to promote its

prophylaxis.

KEY WORDS: Democracy, Capture Risks, Control Mechanisms.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1 Democracia. Seu Funcionamento. Risco(s) de Captura .................................. 6

1.1 Raízes do termo Democracia ................................................................................ 6

1.2 A Democracia Contemporânea ........................................................................... 21

1.3 Fundamentos da Democracia no Brasil .............................................................. 30

1.4 Instrumentos de pressão na Democracia ............................................................. 37

1.5 Risco de Captura da Democracia pelo Poder Econômico .................................. 46

2 O arranjo constitucional-democrático brasileiro a partir de 1988.

Tratamento dos Direitos Políticos. .................................................................. 52

2.1 Direitos Políticos e Cidadania uma relação de pertencimento ........................... 52

2.2 Opção dos Constituintes pela Democracia Semidireta ....................................... 58

2.3 Princípios Constitucionais do Processo Eleitoral ............................................... 64

2.4 Opção pelo Sistema de Governo Presidencialista............................................... 69

3 Mecanismos legais contra o abuso do Poder Econômico sobre a democracia

no Brasil ............................................................................................................. 74

3.1 Poluição e toxidade: causas e efeitos da interferência nociva do Poder

Econômico na formação da vontade do cidadão-eleitor ..................................... 74

3.2 Controles anticorrupção: atuação sistemática dos Tribunais de Contas e do

Ministério Público, contra o abuso de poder econômico .................................... 84

3.3 Regulamentação dos Meios de Comunicação de Massa .................................... 90

3.4 Transparência aplicada aos Partidos Políticos .................................................... 96

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 101

Referências Bibliográficas ......................................................................................... 104

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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988 é marco de

ruptura com o regime autoritário que a precedeu. Os constituintes sublinharam sua

opção pela democracia de forma expressa e reiterada; o direito a participação através do

voto foi blindando contra qualquer eventual retrocesso (artigo 60, § 4º, II, CF/88); esse

é um dos diversos sinais de que as liberdades-negativas pareciam insuficientes para dar

ao Estado nova roupagem; por isso a opção pela constituição-garantia (SILVA, 2005) e

o consequente tratamento constitucional extensivo à maior gama de matérias. A

consolidação da sociedade justa, livre e solidária, objetivo da República enunciado no

artigo 3º do referido texto, depende diretamente da pluralidade de vozes, e o preâmbulo

da Constituição Federal de 1988 permite antever que a democracia foi o fio condutor

eleito para promover o desenvolvimento social da nação.

Aliás, o modelo de democracia adotado pelo texto constitucional permite

concluir que, entre todas as constituições brasileiras, o texto em vigor é o que favorece a

menor distância entre a classe política e a sociedade civil. O sufrágio universal abrange

a maior parcela da população: a partir dos 16 anos há a faculdade de se tornar eleitor;

analfabetos voltaram a integrar o corpo eleitoral e podem exercer o ius sufragii após

mais de cem anos de exclusão. Além disso, o voto torna-se obrigatório aos 18 anos e

assim permanece até os 70 anos, sem que isso impeça os mais longevos de continuar o

exercício da manifestação política, dado que não existe idade máxima para compor o

corpo eleitoral. Outro sinal evidente da maior busca de conectividade com a sociedade

civil é verificado pelo incremento de direitos políticos reconhecidos aos cidadãos

naturalizados. Sem mencionar a possibilidade de participação direta pela realização de

referendos e plebiscitos e, ainda, pela possibilidade de propositura de projetos de leis.

Não obstante o cenário inclusivo na formação do corpo eleitoral, verifica-se no

Brasil um acentuado hiato entre os representantes eleitos e a população. A pluralidade

de legendas partidárias não se traduz em maior identificação entre os diversos extratos

sociais e os representantes políticos eleitos; persiste a excessiva elitização da classe

política. Cita-se como exemplo desse descompasso a composição do Congresso

Nacional eleito em 2014: composto majoritariamente de homens, empresários, com

idade média acima dos 45 (quarenta e cinco) anos e com patrimônio pessoal declarado

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superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)1, contrastando com a radiografia da

sociedade que é em maioria composta por mulheres, pessoas pardas e cujo patrimônio

pessoal muitas vezes se limita apenas a prole.

Identifica-se no seio do congresso, abertamente, bancadas formadas por

parlamentares que têm, em comum, interesses privados específicos, v.g. ‘bancada

ruralista’. Talvez esse seja o maior traço do ranço herdado durante a formação

econômica do Brasil: a existência de oligarquias com interesses privados ocupando o

espaço público-representativo da nação. O coronelismo2 antes consistia na

representatividade política falseada pela influência direta dos grandes latifundiários na

disputa eleitoral (LEAL, 2012); agora a falta de representatividade é consequência,

entre outros motivos, do abuso do poder econômico de forma generalizada, não apenas

vinculada a concentração da propriedade rural.

Sem embargo, a preocupação em coibir práticas predatórias contra a livre

formação da vontade política do eleitor e sua manifestação através do voto é pauta

antiga no sistema normativo pátrio. Pode-se afirmar, mesmo, que a criação da Justiça

Eleitoral se deu no esforço da correção dos desregramentos que influenciavam o

resultado dos pleitos. Isto, por óbvio, incluía a necessidade de refrear o avanço das elites

econômicas sobre os resultados eleitorais, na mesma medida em que se fazia necessário

a adoção de políticas públicas que dotassem os eleitores de melhores condições para o

exercício da função eleitor.

Inicialmente as interferências danosas eram classificadas pela legislação eleitoral

como coação ou fraude (Código Eleitoral 1932, Lei Agamenon 1945, Código Eleitoral

1950), contudo, sem qualquer tipo de qualificação. A expressão poder econômico foi

usada pela primeira vez no Código Eleitoral elaborado durante o regime militar (artigo

237, Lei nº 4.737/1965), para expressar de forma explícita o princípio proibitivo da

interferência do poder econômico a fim de desviar a liberdade de expressão política

contida em cada voto. O cuidado também se fez presente de forma expressa no

parágrafo 9º, do artigo 14, texto constitucional, regulado pela Lei Complementar nº 64

de 18 de maio de 1990, que trata das hipóteses de inelegibilidade, incluídas as

1 TSE, Relatório das Eleições 2014, Anexo 4 - Perfil dos Candidatos.

2 CARVALHO (2001) em artigo publicado no Jornal do Brasil, de maio de 2001, pontua que o

coronelismo designava um compromisso entre o poder público e o poder privado; enraizado

na estrutura social; e que no momento da elaboração do texto de Coronelismo, enxada e voto,

publicado em 1949, havia a expectativa que os processos de urbanização, industrialização e o

aperfeiçoamento da Justiça Eleitoral seriam suficientes para sanear tais relações.

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decorrentes do abuso de poder econômico. Contudo, não há definição legal do conceito

abuso de poder econômico; delegando-se, desta forma, ao Poder Judiciário a tarefa de

construir os limites da conduta antijurídica.

A partir da redemocratização verifica-se um esforço em ampliar as

possibilidades de controle dos cidadãos sobre os detentores dos poderes políticos e em

especial sobre o emprego dos recursos públicos. São diversas as ações constitucionais

que se destinam ao fim específico de assegurar a cidadania, destacamos a ação popular,

mandado de injunção e as ações de controle de constitucionalidade.

Foram ampliados os legitimados a propor a Ação Civil Pública e para o uso do

controle de constitucionalidade na forma concentrada. A matriz constitucional optou

ainda pela diferenciação das funções da Advocacia Pública das desenvolvidas pelo

Ministério Público, a fim de que esse último pudesse, nos termos do caput do artigo 127

da CF, exercer a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses

sociais, individuais indisponíveis, fato que colabora com o fortalecimento das

instituições democráticas.

Verifica-se avanços progressivos na legislação infraconstitucional, diversos

marcos legislativos foram incorporados a fim de facilitar o controle dos gastos públicos,

destacando-se a Lei de Acesso a Informação (lei nº 12.527/2011) profundamente ligada

ao princípio da publicidade, em seu matiz mais explícito, a transparência; e a Lei nº

12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção.

Apesar dos esforços para o saneamento das relações entre os detentores do poder

político e segmentos da iniciativa privada, diversos esquemas de corrupção continuam a

ser comprovados. O julgamento pelo STF do caso conhecido como Mensalão (AP nº

470, encerrada em abril de 2013), ocupou não apenas a grande mídia, mas demonstrou

que havia um esquema envolvendo nomes do alto escalão da Presidência da República

para desvio de recursos públicos a fim de assegurar o apoio de deputados aos projetos

de lei de iniciativa do governo através do pagamento de propina, efeito colateral do

presidencialismo de coalizão. Contudo, a Operação Lava a Jato, ainda em trâmite,

denota que apesar dos diversos controles legais, há operações inquinadas de ilegalidade

entre detentores do poder político e setores da iniciativa privada e que boa parte dos

valores desviados tiveram como destinação específica o custeio de despesas das

campanhas eleitorais.

O julgamento final pelo STF da ação direta de inconstitucionalidade ADI nº.

4650, em setembro de 2015, é outro marco que não se pode ignorar. O acórdão com

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eficácia imediata a partir do resultado do julgado; trouxe à lume debates sobre meios de

assegurar a legítima manifestação eleitoral, tendo sido utilizada a expressão captura da

democracia de maneira recorrente entre ministros para caracterizar a finalidade real dos

recursos repassados por empresas a campanhas eleitorais: isto é, uma espécie de

investimento, uma antecipação a fim de obtenção de lucro com a vitória dos candidatos

financiados. A corte máxima limitou a possibilidade de financiamento às pessoas

físicas. Por fim, há que se considerar a minirreforma política que deu origem à Lei nº

13.165 de 29 de setembro de 2015, o Congresso Nacional internalizou alguns dos

fundamentos do referido acórdão; tornado expressa a proibição de financiamento de

campanhas por empresas, e ainda, em razão da redução da possibilidade de captação de

recursos, esforçou-se em reduzir o custo de campanhas políticas.

Esse é o cenário sobre o qual se desenvolve esta pesquisa. O trabalho foi

dividido em três capítulos. A partir da visão proporcionada pelos marcos teóricos

(CAGGIANO, 1987 e SARTORI, 1994a e 1994b) buscou-se, inicialmente, compilar o

conceito democracia sob o aspecto que o liberalismo conferiu ao termo, a fim de

identificar seus traços distintivos, princípios fundamentais, razões de sua acentuada

expansão durante o Século XX; sem se furtar da obrigação de enfrentar a hipótese de

captura da democracia.

O capítulo subsequente reforça o recorte adotado para o trabalho, centra-se na

relação da constituição com os pilares do Direito Eleitoral, aspecto fundamental da

estrutura da democracia brasileira em si. A relação entre direitos políticos e cidadania, a

opção pela democracia semidireta, os princípios constitucionais eleitorais e a escolha do

sistema presidencialista foram abordados.

O terceiro capítulo trata como a relação entre poder econômico e processo

eleitoral pode se tornar tóxica para o desempenho da democracia, verificam-se os

mecanismos existentes para coibir o avanço do poder econômico sobre a democracia no

Brasil.

Afinal, não se pode ignorar que, ainda, é o processo eleitoral que formaliza a

democracia e permite a participação política do povo, colocando-o no epicentro da

fenomenologia que translada poder aos eleitos; e que em razão do princípio da

soberania popular, os representantes eleitos deveriam estar atentos à necessidade de

efetivar os anseios nacionais. Devem ser reconhecidos os esforços para evitar a captura

da democracia pelos interesses dos agentes poluidores, em especial do assédio exercido

pelo poder econômico, que se transmuta em múltiplas práticas: numerário para

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campanhas políticas, disponibilização de recursos físicos (empréstimo de jatos, doação

de material impresso, etc.), influência sobre meios de comunicação, entre outras.

A construção da cidadania decorre de um processo complexo e histórico, em que

se combinam liberdade e igualdade. A princípio, a existência de direitos civis

(garantidores da liberdade), de direitos políticos (que permitem a participação política) e

de direitos sociais (mecanismos para distribuição da riqueza da sociedade) demonstram

como a sociedade está organizada e o grau de maturidade de sua democracia. Em

termos gerais, quanto mais desenvolvidos os direitos sociais, melhor a organização

democrática.

Um sinal da captura da democracia pelo poder econômico pode ser evidenciado

pela precarização dos direitos sociais; a deterioração das garantias constitucionais

culmina na inviabilidade do projeto nela descrito, cita-se, por exemplo, as sucessivas

reformas previdenciárias que a cada alteração erodem as garantias constitucionais

originalmente previstas. Vivencia-se a ativa participação do poder econômico no

processo decisório democrático, seja pela injeção de recursos em campanhas eleitorais;

seja na (de)formação da opinião pública pelos meios de informação de massa; seja pela

pressão e formação de lobbies com os representantes já eleitos.

O processo eleitoral resulta na seleção da elite política, de quem se espera ações

no interesse nacional. A cada novo ciclo eletivo os eleitores exercem o poder de

controle sobre os grupos políticos situacionistas, reconduzindo ou rechaçando sua

permanência. A escolha da maioria indica os caminhos que devem ser traçados, sem que

isso importe em supressão do direito das minorias. O ideário democrático aponta

sempre o caminho para o bem coletivo.

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1 Democracia. Seu Funcionamento. Risco(s) de Captura

1.1 Raízes do termo Democracia

Compreender os sistemas de organização do poder na forma democrática e identificar

o modo de operação dessa plataforma é a tarefa primária dessa dissertação; sem a qual não se

poderá encontrar resposta para a dúvida genuína de qual forma se pode coibir a captura do

mando social por interesses privados?

Conceituar democracia, entretanto, é tarefa imbricada tanto pela ausência de evolução

histórica - ausente liame entre o uso durante a Antiguidade e as atuais fórmulas democráticas;

quanto pela profusão de significados associados ao vocábulo. CAGGIANO (1987) assevera

que apesar da plasticidade do conceito face à realidade histórico-social, uma vez que se

amolda a cada povo e às suas peculiaridades; dimana dele um mecanismo para preservação da

liberdade individual. SARTORI (1994a) enfatizou a ausência de conformidade conceitual,

referiu-se esta época como a era da democracia confusa.

Atribui-se a Heródoto3, ainda na Antiguidade, o emprego do termo democracia pela

primeira vez, em crônica, a fim de comparar os regimes monarquia, oligarquia e democracia.

Nesse esboço inicial o termo democracia designava o sistema pelo qual os cidadãos4 em

deliberação conjunta decidiam sobre os temas da coletividade (autogoverno) e elidiam abusos

típicos da concentração de poderes; a preservação da liberdade decorria da ausência de

hierarquia, uma vez que a decisão tomada em conjunto, favorecia o clima de igualdade entre

3 CAGGIANO (1995, p. 23, nota de rodapé 38) explica que o texto de Heródoto, em forma de peça,

apresentava a conversa entre três personagens, Dario, Megabizo e Otanes, que debatiam sobre as

formas de governo, sendo cada um responsável pela defesa de um modelo distinto - o primeiro

propunha a manutenção da monarquia; o segundo ao defender a adoção da oligarquia defendia que

nesse modelo todos eles (que eram nobres) teriam espaço na condução do governo; por fim, Otanes

discordando dos demais propôs que se adotasse uma forma de governo mais isonômica e que

contasse com maior participação popular. O debate entre os personagens ilustra a coincidência entre

sociedade civil e necessidade de organização das funções de governo; a conclusão do texto revela a

predileção do autor, que concluiu que o governo por um só se revelava a melhor prática. 4 Diminuta parte da população gozava de tal qualidade, nesse conjunto estavam excluídos de forma

total mulheres, escravos e metecos, por serem considerados inferiores. (GOYARDE-FABRE, 2003,

p. 20)

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os indivíduos. A participação política implicava em dever social. Não havia nesse exercício a

interposição de representantes; as regras sociais eram estabelecidas de forma direta.

Etimologicamente o termo democracia corresponde à junção em grego dos termos

demos (povo) e kratos (poder) e em singela tradução: o poder do povo. O cerne central na

Antiguidade que a distinguia dos demais regimes de governo consistia na participação dos

cidadãos na tomada das decisões. Buscava-se por esse método eliminar a hierarquização

social e assegurar a maior liberdade possível a cada um dos indivíduos, uma vez que os

governantes e governados seriam coincidentes.

Convém considerar que os parâmetros da democracia da antiguidade, condicionados

por seu momento histórico, foram fixados para uma sociedade de base escravagista,

notadamente excludente (o rol de cidadãos equivalia a pouco mais de 10% do total da

população da cidade, sem a participação de mulheres, escravos e metecos5) cujo desempenho

das funções decorrentes da cidadania exigia de seus membros dedicação quase que exclusiva

aos interesses da polis. A liberdade de antanho vinculava-se estritamente ao dever de

participação política, vivia-se para a polis, para a manutenção da comunidade. O poder

soberano dos cidadãos atenienses não conhecia limites, preponderando a vontade da maioria;

as leis aprovadas em assembleia nem sempre reproduziam os hábitos já sacralizados; esse

poder desregrado levou a ruína do sistema democrático na Antiguidade (SARTORI, 1994b, p.

50).

FERREIRA FILHO (2001) ao discorrer sobre o tema lembra que as cidades helênicas

se utilizaram de várias formas de governo, incluindo a democracia; ele relaciona a grande

admiração que goza a democracia ateniense à coincidência de ter se desenvolvido durante o

apogeu de Atenas. Ele ainda destaca que as assembleias em sua essência não atraíam os

cidadãos espontaneamente e foi preciso estabelecer um subsídio aos pobres (para que

comparecessem) e uma multa aos ricos (caso faltassem), além de fixar um quorum de

comparecimento mínimo para determinadas decisões; deliberava-se sobre questões políticas

fundamentais.

Assevera, com razão, GOYARDE-FABRE (2003, p. 20) que a democracia da Atenas

da antiguidade não significava que todos governavam, mas que ‘todos os cidadãos’

participavam do governo. A amplitude do direito a igualdade e a liberdade era limitada pelo

5 Como explica FERREIRA FILHO (2001, P. 5) metecos eram aqueles que embora tivessem nascidos

em Atenas, não descendiam de pai ou mãe ateniense. Conceito que mais tarde seria aprimorado no

conceito de direito romano jus sanguini, isto é, a nacionalidade adquirida pelo indivíduo decorre da

origem de seus pais, independentemente do local de nascimento (MELLO, 2000, p. 923)

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conceito de cidadão, empregado naquele tempo com viés excludente6. Não se deve esquecer

que apesar daquela Atenas possuir amplas definições sobre o direito à vida, ao pensamento e à

palavra, a escravidão não apenas era admitida como consistia na base econômico-social.

A democracia ateniense era avaliada com severidade por filósofos que lhe foram

contemporâneos, em especial por Platão e Aristóteles. O maior receio de outrora consistia no

temor que o governo da maioria se tornasse uma tirania do povo (entendido como

turba/populacho) e causasse uma abrupta ruptura na organização social. A cisma decorria da

possibilidade de prevalência dos interesses individuais que líderes demagogos pudessem

inflar no âmago das paixões populares, e que os conduzisse a buscar vantagens pessoais em

detrimento de preservação do interesse coletivo (FERREIRA FILHO, 2001, p. 4).

PLATÃO (2007) discorre sobre a formação de uma sociedade ideal, na qual cada

pessoa possuísse uma determinada vocação para exercer uma função específica na estrutura

da cidade. A visão do filósofo sobre a democracia revela-se, na sequência de diálogos,

depreciativa; em poucas linhas: a democracia era uma forma de governo vinculada ao

domínio da sociedade pelos pobres - necessariamente; com a imposição de igualdade material

(pela distribuição uniforme das riquezas), e à atribuição do exercício de cargos de comando

pela via do sorteio. A maior crítica do filósofo a essa configuração, contudo, repousava no

fato que para o império da liberdade, não poderia haver constituição ou lei, uma vez que cada

um organizaria sua vida como melhor lhe conviesse, isto é, observaria às leis se e como

quisesse. A democracia traria em si um elemento instável e volátil (a vontade da maioria

poderia ser corrompida por paixões individuais) que a dificultaria a concreção da forma

idealizada de Constituição.

Ao estudar os sistemas de governo, Aristóteles buscou traçar um sistema lógico que

permitisse identificar de forma clara a razão da cíclica alteração de regimes, contudo, como

assevera GOYARDE-FABRE (2003), mesmo após analisar diversas constituições gregas e

bárbaras, a conclusão do filósofo foi que não existe uma cíclica degenerescência de regimes; e

que, no mais, o número de governantes não passaria de mero acidente na conceituação dos

tipos de governo. A concepção de uma constituição pura seria incompatível com uma fórmula

rígida, uma vez que as sociedades possuem condições sócio-históricas distintas. Menos

impermeável à democracia que Platão, ainda que a classificasse como um sistema de segunda

ordem, na formulação de um sistema de governo moderado, Aristóteles mesclou elementos da

6 Cerca de 10% a 20% da população da polis grega eram considerados cidadãos. (FERREIRA FILHO,

2014)

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democracia com elementos da oligarquia a fim de moldar a forma de governo ideal, a

república.

ARISTÓTELES (2007, Livro V) relacionava a igualdade com o conceito de justiça

plasmada na nomos7, em sentido geral a lei era considerada boa pelo filósofo em razão do

caráter não individualista. A equidade traduzia-se na flexibilidade necessária da aplicação da

lei ao caso concreto, descendo da generalidade da norma às peculiaridades fáticas. Sempre

que a lei fosse justa, equidade e norma estariam em harmonia. A autossuficiência dos homens

livres dependia dessa igualdade. A soberania que ela [nomos] expressava, sempre que fundada

na matriz democrática, pertencia ao conjunto dos cidadãos, axioma fundamental da

democracia. A cidadania ativa exigiria de cada indivíduo o exercício da virtude, prudência e

discernimento em busca do bem comum, evitando que o povo caísse na passividade e

indiferença. Um regime que desejasse ser democrático dependeria da necessária participação

paritária dos cidadãos, reconhecendo que a vontade soberana deles fundamenta e justifica toda

a organização Estatal.

A democracia ateniense exigia a conjugação dos valores liberdade-igualdade

conjuntamente. Aliás, os gregos possuíam um termo específico para designar esse valor

isegoria, significava igualdade e liberdade de expressão (WOOD, 2007, p. 421). Nessa

conjugação fundamentava-se a defesa da liberdade de expressão, pela qual cada cidadão

poderia pensar e manifestar a decisão política de forma suficientemente livre e independente.

A noção de livre-arbítrio e de espaço privado como expressão de singularidade não

integravam o pensamento das sociedades antigas, a polis era percebida como o espaço

orgânico de convivência, os integrantes da sociedade não eram notabilizados pela sua

individualidade, mas como engrenagens para construção do bem comum (VILANI, 1999, p.

20-21).

ARISTÓTELES (2005, Livro II) questionava, aliás, se os que dependiam do trabalho

para se manter poderiam desenvolver as responsabilidades atreladas a cidadania - em especial

a busca do bem viver coletivo; pois, para ele, não se poderia esperar daqueles a isenção

necessária para desenvolver essa virtude antes de privilegiar interesses pessoais. Para o

filósofo a questão crucial entre democracia e oligarquia repousava na distinção entre pobreza

e riqueza, que acabaria por gerar a patologia no corpo político - pois, a democracia dependeria

7 Nomos equivale a lei, todavia, em sentido distinto do contemporaneamente utilizado. Na democracia

ateniense da antiguidade, a lei decorria da manifestação da vontade dos cidadãos, que deliberavam

coletivamente e diretamente sobre circunstâncias concreta. (MASCARO, 2013. p. 79)

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de absoluta igualdade material entre os pares. Outra crítica tecida a essa forma de organização

derivava da constatação que o povo no exercício de sua autoridade, em geral agia em

detrimento dele mesmo, apesar de ser a finalidade do governo a consecução do bem comum.

FERREIRA FILHO (2001) denota que a democracia ateniense foi instituída em 509

a.C., não tendo sido duradoura, em 322 a.C. foi definitivamente abolida, e por longos séculos

permaneceu como prática esquecida. Após a queda das cidades-estados ligadas a Atenas, no

século VI a.C., foram poucos os sistemas democráticos permaneceram ativos, dispersados em

pequenas sociedades e longe dos grandes centros. Ainda na antiguidade a experiência

democrática seria parcialmente retomada pelo Império Romano.

O termo inicial da Idade Média coincide com a fragmentação do Império Romano

Ocidental, seguida de uma rígida estratificação da sociedade em três classes: nobreza, clero e

povo. A Igreja Católica sobreviveu aquele desmembramento e exerceu grande influência na

conformação da disposição social decorrente. O feudalismo trouxe consigo uma relação de

poder piramidal na qual o povo, base da organização social, estava subordinado aos mandos

das demais classes; o poder dos dirigentes era absoluto.

A matriz do pensamento cristão justificava a ordem social como reflexo da vontade de

Deus (inclusive para o fundamento do poder dos governantes e submissão aos papéis sociais)

e condicionava todas as ações para salvação do espírito (cultivo das virtudes, subordinação às

ordens da Igreja). A rígida hierarquização da sociedade fez a Igreja Católica ascender ao

governo, como interlocutora do governo espiritual com os governos temporais - esses, ao lado

da Igreja tinham a missão de conduzir a humanidade ao caminho da retidão de Deus

(VILANI, 1999). Religião e Direito se assemelharam, em especial pela interpretação ortodoxa

que Santo Agostinho fez das escrituras no sentido de que todo o poder advinha de Deus, e a fé

importava em submissão incondicional a esse comando, com confiança cega na justiça divina.

Não havia espaço para contestações, a ordem imperfeita do mundo atendia ao propósito

divino, incompreensível para os homens - esse pensamento foi adotado pela Igreja Católica, e

predominou até a parte final da Idade Média (MASCARO, 2013).

Ainda que a democracia como sistema de governo tenha sido preterida durante a Idade

Média; o debate teórico a cerca de dois de seus valores fundamentais: liberdade e igualdade,

permaneceu em curso. COMPARATO (2010) destaca a obra de Boécio, no início do século

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VI, com grande influência no pensamento medieval; sua clássica definição de pessoa8 serviu

como premissa para a elaboração do princípio da igualdade; pois, a partir do reconhecimento

de uma essência comum a todos, que supera as diferenças biológicas e culturais, formou-se o

núcleo da universalidade de garantias, que mais tarde seria denominado como direitos

humanos.

Durante a Idade Média foram registrados marcos legais que denotam que a sociedade

civil, em certos momentos, pressionava o governante para o reconhecimento de limitações ao

poder arbitrário. Dentre eles destaca-se a Carta Magna outorgada pelo rei inglês João Sem

Terra, em 1215. COMPARATO (2010) classificou normatização da limitação do poder

monárquico como a pedra angular para a posterior construção da democracia, dado que pela

primeira vez na história a limitação decorrida da necessidade do governante em respeitar

direitos subjetivos dos governados.

A questão que se buscava resolver na transição da Idade Média para a Idade Moderna

repousava em como ser governado sem ser oprimido e não necessariamente na necessidade de

autogoverno expressada no modelo democrático da Antiguidade (VILANI, 1999, p. 25).

Na transição entre o feudalismo e a formação dos Estados nacionais houve um resgate

do pensamento clássico - em especial do pensamento aristotélico, período conhecido como

Renascimento. Um dos maiores expoentes dessa corrente é Nicolau Maquiavel, o florentino,

que analisou a necessidade de um governo moderado, a fim que o regente pudesse se

perpetuar no poder, ele reconheceu que o poder não tem sustentação teológica e que para sua

conquista e manutenção deve se ater as vontades dos governados (LEMBO, 2007a) - um

conceito primário de responsividade.

Marsílio de Pádua, também deve ser lembrado. O autor das obras Defensor Pacis e

Defensor Minor, embasado no pensamento aristotélico, defendeu a autonomia do poder

temporal em relação às ordens do papado considerando a sociedade como um todo orgânico

no qual o livre arbítrio é a expressão da razão humana, a lei natural - única com natureza

coercitiva - decorreria da soberania popular (VILANI, 1999, p. 49, 52).

São Tomás de Aquino, através da Suma Teológica, buscou refinar o pensamento

agostiniano, para inserir a visão aristotélica sobre as leis. Ele traçou uma distinção entre as

8 “persona proprie dicitur naturae raticionalis individua substantia” Boécio apud COMPARATO

(2015), uma tradução possível é diz-se propriamente pessoa a substância individual da natureza

racional, este conceito de pessoa seria incorporado ao pensamento de Santo Tomas de Aquino, na

edição de sua Summa Theologiae.

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leis de origem divinas, dividas entre as quem estariam fora do alcance de entendimento

humano e as leis naturais; e, ainda, as leis dos homens, que são essencialmente injustas, o que

de certa forma contesta o dogma de resignação e fé, propondo em contrapartida o uso da razão

e da equidade (MASCARO, 2003).

Uma das reações ao pensamento tomista é a Reforma Protestante que retoma o diálogo

agostiniano. LEMBO (2007a) aponta que o modelo deuteronômico9 de governo estabelecido

por Calvino guarda relação com os parlamentos democráticos modernos, teria sido a célula da

qual viriam a formarem-se, posteriormente, câmaras e a independência das igrejas

protestantes, conduziria ao princípio federativo das repúblicas.

SARTORI (1994b) reconhece a importância da experiência puritana, na gênese da

democracia moderna. A cisão entre os assuntos da religião e do governo aliada a luta pelo

reconhecimento da sua liberdade de consciência religiosa contribuíram para o posterior

amadurecimento que dissensão, diversidade e pluralidade de partes são de fato as bases da

democracia moderna. A importância do evento, prossegue o autor, reside na alteração do

paradigma relativo à unanimidade; antes do movimento revolucionário, a uniformidade e o

consenso eram os fundamentos essenciais para formação do Estado; a partir de então,

gradativamente, a unanimidade passou a ser suspeita.

A partir dos ideais liberais que reacenderam o debate sobre um regime de governo

formado por iguais, retoma-se a questão da res publica, poder exercido segundo o interesse

geral e o bem comum apesar de o repúdio à democracia persistir.

O pacto social foi o instrumento utilizado por pensadores Iluministas para justificar a

organização civil que fundamentaria o Estado moderno, tendo o indivíduo como fonte de todo

o poder, assim, o consenso seria a origem remota que justificaria a soberania (VIERA, 1997).

HOBBES (2003), precursor do pensamento iluminista, desenvolveu uma visão

filosófica e racional para justificar o absolutismo, centrando o indivíduo como base de seu

pensamento. Segundo o autor as ações humanas são voltadas para a satisfação de seus

próprios interesses, e apenas o medo leva os homens a se associarem. Dessa forma, é a

fragilidade recíproca que justifica a igualdade. Para o autor o poder político precisa ser

absoluto, indivisível e irrevogável. Nessa condição, a fim de obter paz social, os homens

abdicam de seus poderes individuais em favor do soberano ou de uma assembleia, como

9 A sistemática adotada por Calvino estava descrita no livro do Deuteronômio, integrante do

Testamento Hebreu, deriva dessa referência o nome dado ao sistema. (LEMBO, 2007, p. 24)

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forma de obter a unanimidade necessária. Não se reserva nada ao indivíduo senão o direito de

defender a própria vida contra decisões do Estado que a coloquem em risco.

LOCKE (1998), por sua vez, articulou sua teoria do contrato social vigorosamente

contra o regime absolutista; para ele o poder é uma condição humana, mas opondo-se a visão

aristotélica, defendia que o poder político não é espelho do poder familiar, não se

confundindo com o pátrio poder. O poder político derivava de uma troca mútua entre os

integrantes da sociedade, que tinha por finalidade garantir direitos fundamentais dentre eles a

propriedade privada10

, considerada pelo autor anterior a formação da sociedade civil. O pacto

social centralizaria na figura do Estado o poder coercitivo, neutralizando os inconvenientes da

prática da justiça11

por vias diretas, sem retirar dos indivíduos seus naturais direitos - as

demais liberdades deveriam permanecer intocadas. É na obra de Locke que se verifica o

esboço da especialização das atribuições do poder pela primeira vez; o Poder Legislativo

possuía destaque em comparação com os demais, por considerá-lo o sistema central para o

sucesso da sociedade. Aliás, caberia à própria sociedade constituir os representantes que

limitariam a atuação do Estado - origem remota do princípio da legalidade. O autor inglês

considerava que a distribuição de poderes a melhor maneira de assegurar as liberdades

individuais12

que o Estado precisava garantir, além do poder legislativo, identificou outros

dois poderes o executivo (dar cumprimento às leis postas, incluindo a atividade jurisdicional)

e o federativo (para questões atinentes a relação com outros Estados).

ROUSSEAU (1999), de forma original destaca a necessidade de mitigação do

racionalismo puro, na sua visão os sentimentos não podem ser soterrados, sob pena de não se

conhecer o homem em sua totalidade. O contrato social foi um marco na retomada do debate

sobre o regime de governo ideal, para o autor genebrino o Estado ideal seria formado para a

proteção e defesa de seus integrantes e seus bens e para a consecução do bem comum,

preservando ao máximo a liberdade de cada um. A liberdade, assim, deixaria de ser natural e

passa a ser civil. A associação de todos à coletividade precisava ser plena, a vontade de todos

10

Vieira (1997, 41) aponta que a sociedade civil formada na teoria de Locke é necessariamente uma

sociedade de proprietários, logo o direito à cidadania se restringiria essa classe social. E mais, tendo

por fim a preservação da propriedade, o Estado não poderia taxar ou instituir impostos sem o

consentimento dos proprietários. 11

Locke defende que uma das vantagens do Estado é exatamente a instituição de juízes neutros para

apreciar eventuais violações aos direitos naturais, com possibilidade de aplicação de sanções. 12

Os detentores das liberdades individuais, na visão de Locke, seriam estritamente homens, brancos e

proprietários. Apesar do discurso sobre a liberdade, a fortuna de Locke se pautava no comércio de

escravos africanos para a América do Norte.

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se somaria para formar a vontade geral13

e, assim, cada indivíduo estaria livre do comando de

outros para ser subordinado à vontade impessoal do todo.

FERREIRA FILHO (2001, p. 11) explica a proposta de Rousseau, em termos mais

simples, a vontade geral desenhada na referida obra não surge sem a participação de todos. A

soberania do Estado fundamenta-se na vontade geral cuja expressão, mais que o mero

resultado aritmético das manifestações individuais, sintetiza o interesse comum e a vontade

nacional.

É importante pontuar que ROUSSEAU (1999) criticou diretamente o sistema inglês de

representação política, afirmando que a liberdade do povo inglês era limitada a escolha dos

senhores a quem estariam submetidos até as próximas eleições. Embora reconhecesse a

dificuldade de implementação de seu exigente sistema, ressaltava que apenas com a

participação direta do povo seria possível alcançar a identificação entre governantes e

governados e, assim, caminhar para o autogoverno.

Para o ilustre genebrino a legitimidade do governo repousaria na vocação para dar

efetividade ao interesse público, pois, apenas dessa forma a vontade geral fundamentaria as

leis adotadas pelo Estado. A fim de evitar que o comportamento sedicioso de alguns grupos

acabasse por corromper a vontade geral, tornando-a uma vontade particular era preciso evitar

o fracionamento dos interesses por grupos de pressão, o autor se opunha terminantemente a

formação de facções, associações ou de partidos, que poderiam deturpar a opinião pública e

comprometer a vontade geral.

No modelo proposto por ROUSSEAU (1999), há destaque para a figura do

legislador14

a quem, desprovido de soberania ou de capacidade para exercício da magistratura,

caberia o exercício de atribuição particular e superior: a propositura das leis que deveriam ser

submetidas ao povo para que pudessem ser ou não aprovadas, antes de gerar efeitos. Ele não

ignorava que as diferenças existentes entre os indivíduos poderiam gerar distorções na

formação das liberdades públicas, mas entendia que as desigualdades deveriam ser

combatidas para a estabilização do Estado, in verbis,

13

Rousseau explica que a vontade geral em si é o fator que justifica a existência do Estado (na ficção

jurídica que a personifica como ente), e que a soberania dela decorrente se faz aplicável a todos na

forma da lei. Como decorre da soma de expressões singulares, a própria vontade geral, observada,

por um prisma unificador possibilita que cada indivíduo seja ao mesmo tempo soberano e súdito.

(ROUSSEAU, 2000, Livro I, Cap. VIII.). 14

Democracia para Rousseau deveria ser exercida de forma direta, preferencialmente, fato que não o

impedia de reconhecer a necessidade de um corpo legislativo, cuja produção deveria ser submetida

ao crivo do povo. (Ob. cit., Livro II, Cap. VII)

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Quereis dar consistência ao Estado? Aproximai os graus extremos tanto

quanto seja possível; não tolereis nem homens opulentos nem indigentes.

Esses dois estados, naturalmente inseparáveis, são igualmente funestos ao

bem comum; de um se originam os fautores da tirania; e de outros os tiranos.

É sempre entre eles que se faz o tráfico da liberdade pública: um a compra, o

outro a vende. (ROUSSEAU, Livro II, Capítulo XI)

Insta salientar que embora o autor fosse um entusiasta do modelo de pacto social

sediado na participação direta de todos os cidadãos como fundamento do Estado e de sua

soberania, concluiu, por fim, que sua aplicação prática não seria fácil, pois, exigiria dos

indivíduos uma constante vigilância e coragem, a fim de evitar que os interesses individuais

sobrepujassem a vontade geral; um governo tão perfeito conviria apenas a um povo de deuses

(ROUSSEAU, 1999, Livro III, Capítulo IV).

Não apenas teorias contratualistas foram utilizadas para justificar a estrutura do Estado

e a razão de sua organização. Ao debruçar-se sobre os clássicos tipos de formas de governo,

MONTESQUIEU (2000) inovou ao classificar os regimes, desconsiderando o número dos

detentores do poder, classificando-os em republicanos ou tirânicos, subdividindo a segunda

categoria em monárquicos ou despóticos15

, em função da virtude de cada um dos sistemas. O

autor francês é o precursor dos fundamentos da democracia representativa, vinculando, na

esteira do magistério aristotélico, a prática republicana e a democracia, pelo ponto de contato

que possuem em comum: a realização do bem comum a todos. Um governo democrático

dependeria da virtude de seus cidadãos, isto é, da capacidade de demonstração de amor à

pátria e às leis, de maneira que o interesse coletivo coincidisse com o objetivo final da

sociedade16

.

A obra O espírito das leis traduz o esforço do barão em encontrar um modelo de

governo equilibrado; todavia, da observação das diferentes formas de organização políticas

dos Estados, o autor concluiu que o exercício do poder é erodente, tendo diagnosticado uma

tendência dos detentores do poder político em abusar de suas atribuições, e que a solução para

evitar a corrupção dos governantes repousaria na fragmentação das suas responsabilidades e

competências. Em sua proposição, ainda, aliou a separação dos poderes a um sistema de

15

Os governos de natureza republicana têm sua origem no poder exercido pelo povo (ainda que de

forma parcial - apenas uma parte seja detentora do poder), enquanto as monarquias são divididas em

duas categorias - as limitadas (para quem o autor tece elogios) e as despóticas (alvo das maiores

críticas). (ob. cit., Livro II, cap. I). 16

MONTESQUIEU, 2000, Livro IV, Cap. V.

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controles recíprocos entre as distintas esferas de atribuições de cada órgão. Esse modelo,

inspirado no parlamento inglês setecentista, foi propagado e assimilado em diversas

constituições, após as revoluções burguesas, tornando-se clássica. A teoria de pesos e

contrapesos ainda é utilizada na contemporaneidade.

No texto da obra, o autor identificou como virtude fundamental a qualquer regime

democrático o amor à pátria pelos integrantes da sociedade, pois esse ânimo a república

tenderia a corrupção e a ruína. Assim, os governantes, devem adotar leis que estimulem ao

máximo a igualdade entre os cidadãos, visto ser a igualdade, em sentido amplo, o fundamento

da democracia17

. O filosofo filiava-se favorável à forma de representativa de democracia, por

reconhecer no povo a capacidade para selecionar seus governantes e em diversas passagens de

sua obra ele assevera tal faculdade. Aliás, outro atributo necessário ao desenvolvimento da

democracia, segundo o autor, dimana do exercício do poder sem o uso de violência; todo

poder que depende de tal artificio para sua manutenção é tirânico; não apenas a violência

física é rechaçada, mas também àquelas práticas que o poder contra o modo de pensar de uma

nação18

. Há nessa passagem o reconhecimento da opinião pública como fonte imediata de

orientação da sociedade.

FERREIRA FILHO (2001) destaca que o triunfo da filosofia das luzes se verifica pelo

predomínio de cinco ideias fundamentais que inspiraram as revoluções liberais: o indivíduo, a

razão, a natureza, a felicidade e o progresso. As revoluções burguesas disseminaram o ideário

liberal para além do continente europeu, marcando de forma indelével a história ocidental. O

poder da monarquia deixou de ser absoluto com a adoção sistemática do Estado de Direito

(limitador dos poderes do soberano) e o germe do governo republicano moderno cruzou o

oceano Atlântico e alcançou as colônias inglesas da América do Norte. Lá a luta pela

independência acabou por estabelecer um regime democrático, como reflexo da

preponderância da limitação dos poderes, a fórmula estadunidense pautava-se no respeito à

rule of the law e a vontade política era formada pela eleição de representantes.

Ainda nesse particular, TOCQUEVILLE (2005) ao estudar os primórdios da

democracia nos Estados Unidos, destacou que o princípio da soberania do povo alcançou ali

desenvolvimento prático inimaginável; especialmente porque as altas classes se submeteram à

nova ordem, procurando obter antes o beneplácito do povo, que com ele se indispor. O autor

francês em sua viagem pela América do Norte identificou que o ambiente de relativa

17

MONTESQUIEU, 2000, livro III, Cap. V. 18

Ob. cit., Livro XIX, Cap. III.

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igualdade (propriedade e intelecto) favoreceu a organização democrática e o fortalecimento

do dogma da soberania do povo. A participação popular alcançada na América do Norte após

a Independência não se restringia meramente à eleição de representantes políticos para

elaboração de leis; era comum que houvessem reuniões públicas para tomada de decisões em

conjunto sobre temas sensíveis a sociedade local, que dessa forma governa a si mesma e

justifica a sua organização social19

. Contudo, o autor francês também verificou em sua análise

sobre o sistema estadunidense fragilidades, em especial, o uso irrestrito do despotismo da

maioria pelos dirigentes (que facilmente pode-se identificar com as causas de corrupção do

poder), a pouca ou nenhuma garantia contra a tirania da maioria, assim, na eventualidade da

decisão da maioria ser tocada de iniquidade muito pouco pode ser feito por quem discordar20

;

asseverou, por fim, que havia muito mais patriotismo no povo americano que naqueles que os

dirigiam - estes últimos preferiam manter-se alinhados com a opinião pública ao invés de

adotar posicionamentos impopulares, mesmo que essenciais para o avanço e a melhoria dos

hábitos21

.

O movimento de independência estadunidense também influenciou os líderes da

Revolução Francesa. Após a tomada da bastilha, foram iniciados os trabalhos para formulação

da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão; cujos preceitos apontavam para a

necessidade de formalização de Constituição escrita, a fim de cristalizar instrumento capaz de

limitar o uso do poder pelo Estado e reconhecer os direitos fundamentais do indivíduo.

LEMBO (2007a, p. 51-52) ressalta que o texto desta Declaração foi considerado por alguns

como inacabado; contudo, é inconteste que o documento de 1789 está marcado pelo

racionalismo e individualismo, próprios do Iluminismo francês, e tem como valores

fundamentais a liberdade, a propriedade, a exigência de segurança jurídica e a resistência à

opressão.

A necessidade de estabelecer um Estado, fundado no direito e na partição do poder,

dotava os textos constitucionais de ferramenta adicional para o controle das atribuições do

19

TOCQUEVILLE, 2005, p. 68. 20

Idem, p. 296. 21

O pesquisador francês verificou a “parcimônia” das classes dirigentes com a população, pelo

retardamento na adoção de medidas impopulares de combate a comportamentos que lhes eram

nocivos. Um dos grandes problemas sociais a época decorria do excessivo consumo de bebidas

alcoólicas pela “arraia-miúda”, que poderia ser refreado pela taxação sobre a “aguardente”, mas que

por receio de rejeição eleitoral não era implantada. Na ótica dos legisladores de então, era melhor

deixar o tempo agir sobre a sociedade, o povo se esclareceria por si só (TOCQUEVILLE, 2005, p.

262).

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governo. O movimento constitucionalista, a fim de permitir a tutela de direitos fundamentais,

foi catalisador da organização política do Estado e absorveu a sistemática da limitação

recíproca dos poderes. Foi a partir dessa mudança de paradigma que uma nova organização da

sociedade22

se consolidou, especialmente, a fim de reconhecer direitos naturais, inalienáveis

e sagrados do homem23

, e para consolidar a propriedade privada individual.

Deve-se a esse movimento a estruturação do Estado Liberal que sob o império da

constituição igualou os indivíduos formalmente, afirmou a autonomia da vontade como

pressuposto de liberdade e os indivíduos foram transformados em sujeitos de direitos24

. Essas

são as bases sobre as quais decorre o desenvolvimento conseguinte da democracia

representativa, como regime político.

Ainda, é preciso ponderar que o significado do termo democracia esteve atrelado a

tradição filosófica de Platão e Aristóteles, até os séculos XVIII e mesmo XIX, como pontua

MACPHERSON (1978); havia, portanto, um (pré)conceito associando o vocábulo ao

sentimento que a democracia importava no exercício do governo direto por uma classe social

(pobres) que não possuía condição de exercê-lo.

O florescimento da democracia no seu sentido contemporâneo guardou estreita relação

com a adequação estadunidense sobre as bases históricas da democracia direta, nas palavras

de Abraham Lincoln, em discurso proferido em Gettysburg, democracia é o governo do povo,

pelo povo e para o povo. O viés individualista imantado ao conceito de povo o revestiu de

sentido preponderantemente político, e não mais de classe. O exercício da cidadania foi

atrelado ao direito subjetivo de integrar o corpo eleitoral. A operação eleitoral para escolha de

representantes, mecanismo central na democracia representativa, tornou viável a aceitação do

regime político democrático em sociedades e estados de maior magnitude populacional e

territorial que as cidades-estados gregas da antiguidade.

Convém ponderar a crítica de KELSEN (2000) ao conceito povo, que seria mera

ficção jurídica para unidade dos atos individuais regulados e dirigidos pelo direito do Estado.

A participação limitada aos detentores de direitos políticos, distancia-se do conceito amplo

povo. Por mais inclusivo que seja o direito ao sufrágio ele nunca abrangerá a totalidade dos

22

Durante a Renascença o dinheiro, a propriedade mobiliária e o tempo são os elementos

fundamentais para o progresso individual, em especial, porque há uma nova consciência sobre o

valor do trabalho. (LEMBO, 1999. p. 140). 23

Preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 1789. (SIEYÈS, 2015. p. 107). 24

Há no termo sujeito de direito mais que a mera identificação do indivíduo, nele se insere a

submissão ao Estado, a subordinação às leis, possibilidade de constituição de subjetividades,

mediante atribuição de garantias jurídicas e políticas. (MASCARO, 2013. p. 14).

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indivíduos submetidos ao mando estatal (sempre houve impeditivos como menoridade,

capacidade cognitiva ou relativas a nacionalidade).

CAGGIANO (1987) observa que conquanto o princípio da democracia representativa

implique na integração do povo ao processo de formação da decisão política, ainda que

apenas pela seleção dos agentes políticos; a normatização desse direito, via de regra,

implicava em limitações25

do número de detentores do direito de sufrágio, e que a pressão

popular se encarregou de reduzir ao correr dos tempos, até a universalização do direito de

sufrágio.

A natureza jurídica dos mandatos eletivos guardava, inicialmente, estreita semelhança

com a figura homônima do direito civil, impondo ao representante direta subordinação à

vontade de seus mandatários (eleitores) e restringia a possibilidade de representação aos

assuntos elencados nos chamados cahiers de doléances (LEMBO, 2007a). Essa forma de

representação26

foi denominada como mandato imperativo, os poderes outorgados aos

representantes eram limitados, condicionados; qualquer tema além da esfera do mandato

demandaria nova consulta à base eleitoral.

A mudança dessa interpretação atribui-se ao engenho do Abade Sieyès durante a

Revolução Francesa, pois as negociações sobre diversos temas, que antecederam a Declaração

dos Direitos do Homem, não avançavam porque os representantes possuíam estritos poderes

ligados a certa parcela da população. O Abade, apoiando-se na doutrina da vontade geral de

Rousseau, transmutou o significado da representação, forjando novo sentido sem as amarras

condicionantes do mandato imperativo. Para ele os representantes precisavam estar

desvinculados da vontade direta dos mandatários, e livres para pensar os interesses da nação,

mesmo que isso importasse em contrariar a determinação inicial daqueles que o elegeram,

pois, só assim poderiam deliberar para consecução do bem comum (SIEYÈS, 2003). A

adoção da forma de governo republicano operacionalizada por intermédio da representação

25

Entre as técnicas de restrição ao direito de sufrágio CAGGIANO (1987) elenca: voto censitário

implica na adoção de barreiras com base na fortuna pessoal; alijamento em razão da capacidade

eleitoral, isto é, exigência de escolaridade mínima para o exercício do voto. A essas acresce-se,

ainda, as restrições ao direito de sufrágio decorrentes da distinção de gênero, de raça e credo. 26

FERREIRA FILHO (2015, p. 66) refere-se ao mandado imperativo como representação-expressão,

é limitada a capacidade de representação à temática da convocação; da mesma forma que a ação do

representante deve espelhar as instruções de quem o designou, tão somente; A atuação do

representante é remunerada pelo próprio representado, que pode exigir prestação de contas e destituir

o representante a qualquer momento.

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política da nação, como pensada pelo Abade, possibilitou que a disseminação do mandato

representativo irrestrito se alastrasse com rapidez, tornando-se a regra geral.

FERREIRA FILHO (1972) aponta a discrepância de posições adotadas por Rousseau e

Sieyès, pois o primeiro defendia um modelo de democracia que favorecia a participação de

todos de forma direta; enquanto o segundo é o teorizador da representação política que

desvincula os representantes da base eleitoral, para fixá-los em interesses da nação in

abstrato; o objetivo do segundo posicionamento, antes de prestar um serviço a democracia,

era afastar ao máximo o risco de ser o povo constituído como classe dirigente e garantir na

república um elemento aristocrático: o governo dos mais capazes.

MILLS (1942) reconhecia que em cada partícipe do povo residia parcela da soberania,

e ante a impossibilidade de participação pessoal, a saída necessária seria a escolha de

representantes; contudo, em sua obra Sobre a Liberdade, reporta que mesmo um governo de

base democrática, regularmente eleito poderia ser fonte de tirania e opressão; isto porque os

governantes não constituíam e nem representavam a totalidade do povo, mas, senão, uma

pequena maioria; concluindo que o significado prático de self-governament limitava-se ao

governo de cada qual por todo o resto.

O sistema de representação política sofreu muitas críticas, em especial, que a vontade

não admite representação; e a constatação que a liberdade do direito de voto seria limitada a

escolha de representantes, imperando a servidão do povo no restante do tempo - ambos

argumentos extraídos da obra O Contrato Social, de Rousseau.

KELSEN (2000) ponderou que para que a representação não se tornasse mero

instrumento de legitimação de poder, e para que a soberania popular fosse preservada, seria

necessária a adoção de medidas que permitissem a maior participação dos reais detentores do

poder na formação da vontade do Estado, a fim de aperfeiçoar o sistema. Para o autor

austríaco a solução residiria na adoção de partidos políticos, com projetos de governos

específicos, assim, ao eleger um mandatário, o indivíduo faria simultaneamente a escolha por

uma plataforma governamental. Para que esse sistema pudesse ser funcional seria preciso

haver um vínculo entre o candidato e o partido. O conceito de democracia por partidos

distancia-se diametralmente do modelo proposto por ROUSSEAU (1999); para quem os

partidos políticos ou quaisquer outras associações focadas em interesses específicos

deturpariam a formação da vontade geral; pois, ao se associarem, os indivíduos formariam

vontades parciais, ligadas a interesses privados e distintas do bem comum.

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21

Aliás, o conceito de unanimidade associado implicitamente a ideia rousseauniana de

vontade geral27

não é reproduzido na democracia liberal, pois, como SARTORI (1994b, p. 49)

destaca a segunda encontrou fundamento na dissensão e na diversidade, como forma de

construir um sistema político - e jurídico - a partir do consenso discordante28

. Ademais, em

comparação ao sistema da democracia direta, a democracia representativa não exige a

permanente mobilização da sociedade civil para a tomada de decisões: o Estado deve servir ao

cidadão, as leis são produto dos posicionamentos adotados pelos representantes, para

preservação dos interesses nacionais.

A transição entre a modernidade e a Idade Contemporânea tornou evidente a

necessidade de limitação do poder dos dirigentes; justapôs-se às fórmulas rule of the law, e

check and balances a imperiosa necessidade de participação popular na escolha da classe

dirigente; controles abrigados na dinâmica constitucional.

1.2 A Democracia Contemporânea

O Direito age como vetor para concreção da democracia, uma vez é sob a proteção da

lei que se assegura um ambiente em que os princípios de liberdade e igualdade possam ser

exercidos. BOBBIO (1993, p. 18) classifica esse regime político como a resposta contra todas

as formas de governos autocráticos, uma vez que nele todo grupo social é convocado a tomar

decisões vinculatórias, em especial para definir quem está autorizado a tomar decisões

coletivas e com quais procedimentos.

A febre democrática é fenômeno que não pode ser ignorado e que no último quarto do

século XX alastrou-se por todos os continentes, com o franco estímulo estadunidense

(WOOD, 2007). Muitos países recém-formados (leste Europeu, África) adotaram regimes

27

Rousseau afirma que intimamente cada indivíduo reconhece o bem comum para a sociedade, e a

vontade geral decorreria da expressão dessas vontades, cuja unicidade daria a vontade geral os

atributos de indestrutibilidade e soberania (ROUSSEAU, 1999) 28

O autor explica que ao contrário do antigo culto a uniformidade e unanimidade como único caminho

para a manutenção da organização social; as democracias modernas entenderam que há espaço para a

dissenção, a diversidade e as partes (que se transformaram em partidos) sem comprometer a ordem

social e o bem-estar do organismo político. Dessa forma a democracia representativa incorporou o

princípio de que a diferença, e não a uniformidade, é a levedura e o alimento dos Estados.

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pautados, por vezes apenas formalmente, na soberania popular constitucionalmente

estabelecida para obter o reconhecimento internacional de suas instituições representativas.

HUNTINGTON (1991) destaca que o fenômeno de difusão da democracia

representativa, atua por sistema de ondas, ora se expandindo, ora se retraindo. Ele identificou

na história as ondas democráticas coincidências com movimentos históricos significativos

sendo que a primeira grande onda acontece após as revoluções do Séc. XVIII, com retrocesso

verificado a partir de 1922, pela influência do governo de Mussolini, na Itália. A segunda

grande onda decorre da vitória militar dos Aliados durante a 2ª Grande Guerra, cujo

retrocesso, iniciado em 1960, reduziu pela metade o número de países democráticos. Por fim,

o autor aponta cinco aspectos da terceira grande onda de expansão democrática iniciada em

1975 e ainda em expansão: a) problemas de legitimidade de regime autoritários, especial pela

larga difusão dos valores democráticos; b) crescimento econômico globalizado, sem

precedentes, a partir de 1960, com ampliação da classe média e elevação do padrão de vida; c)

alteração no posicionamento da Igreja Católica (Segundo Concílio de 1963-1965), que

importou na oposição das igrejas nacionais aos regimes autoritários; d) mudanças no

relacionamento dos atores globais após a Guerra Fria; e) estímulo e padronização de modelos

democráticos, que geraram efeito cascata para subsequentes esforços por democratização.

FERREIRA FILHO (1972, p. 1) destaca que “qualquer estudo político, nesta segunda

metade do século XX, tem de partir de uma verdade paradoxal: a Democracia está em toda

parte, a Democracia não existe em lugar algum” dado que a democracia se consolidou como

valor supremo, e estranhamente, o povo detentor de toda a soberania, permanece como

governado. O pudor ao classificar qualquer forma de governo como democracia reside no

reconhecimento da evidência que o povo não se governa, especialmente, após a consolidação

do mandato representativo, que isenta o eleito de qualquer vinculação com seus eleitores ou

mesmo com o partido político pelo qual foi eleito; ou, ainda, aos princípios constantes no

programa de governo, pois, após as eleições haveria de fato a formação de uma elite (minoria)

governante29

.

SARTORI (1994a, p. 22) denomina essa imprecisão de democracia confusa. Ao

abordar o tema o autor ainda identifica a existência de uma tensão entre fato-valor intrínseca

ao conceito de democracia, visto que a sua existência em si decorre dos ideais que encarta.

29

FERREIRA FILHO, 2001, p. 24-26.

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23

Para ele “sua imprecisão descritiva, ajuda-nos a manter sempre diante de nós o ideal - o que a

democracia deve ser30

”.

A operacionalidade da democracia representativa centrou-se no processo eleitoral.

Todavia, apenas a normatização de um sistema de escolha de representantes políticos, via

eleições, não permite que um regime seja classificado como democrático; considerando que

sistemas totalitários e autocráticos também podem utilizar similar mecanismo para fixação da

classe dirigente. Como bem disse SARTORI (1994a, p. 145) “eleições sem opinião livre não

expressam nada”. O elemento vital nas democracias é a efetiva possibilidade da expressão da

vontade de forma livre e com igual valor.

RAMOS (1988) pondera, ainda, que o desenvolvimento do sistema de representação

democrática fez surgir a necessidade de dar algum direcionamento aos representantes

políticos, fixar a orientação de atuação. Adotou-se como complemento ao sistema

representativo a democracia de partidos - a ideia nesta fórmula é que os partidos dariam o

sentido geral na escolha de programas de governo e indicariam as pessoas capazes de

implementa-lo. Muitos traços desse sistema podem ser identificados na configuração do

sistema democrático doméstico - como o monopólio das candidaturas eleitorais pelos partidos

políticos, a fidelidade partidária e a representação proporcional ao quociente eleitoral nas

casas legislativas.

FERREIRA FILHO (2014) assevera que ainda que no Brasil prepondere a fórmula

representativa de democracia, abriu-se a possibilidade de maior participação direta. O autor

destaca que o plebiscito e o referendo, dois dos instrumentos de participação direta previstos

na Constituição da República, devem ser restritos a situações esporádicas sob o risco de

propiciar distorções. Ele aponta que esses elementos permitem maior ação dos grupos de

pressão social, e se usados com exagero podem levar a contradições de ingovernabilidade.

O direito contribui para o processo democrático na medida em que positiva garantias

individuais e fornece mecanismos para a consolidação das instituições públicas. As

sociedades dependem de regras abstratas que refreiem a vontade discricionária dos agentes

que exercem o poder político; mesmo em sede de sistema democrático, os governantes eleitos

representam quando muito uma pequena maioria e assim, persiste a necessidade de imposição

de limitação ao poder a fim de proteger o direito das minorias vencidas nas eleições; contudo,

30

SARTORI, 1994a, p. 24

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essas mesmas regras, contingenciam o ímpeto democrático do povo, limitando a possibilidade

de autogoverno.

GARGARELLA (2015) aponta mesmo para uma verdadeira simbiose entre

constitucionalismo e democracia. Há, contudo, um conflito latente entre os conceitos, a

democracia funda-se na possibilidade irrestrita do exercício do autogoverno, supremacia da

vontade soberana do povo sobre qualquer assunto ou tema; o constitucionalismo, de cunho

nitidamente conservador, acaba por estabelecer regras sociais que tendem a se perpetuar,

impedindo ou dificultando que sejam processadas alterações na norma fundamental.

A relação entre Constituição e democracia pode ser analisada por diversos prismas

distintos, VIOLA (2003) sublinha dois ângulos que entende mais relevantes, a saber: a

Constituição como limite externo a democracia; e, ainda, a Constituição como objeto dos

mesmos procedimentos democráticos. Na primeira acepção a constituição margearia a

democracia por estabelecer procedimentos e princípios jurídicos, não apenas pela

normatização dos direitos políticos e do processo eleitoral, mas por constituir uma

demarcação objetiva ao poder de decisão da maioria31

. Esta configuração foi denominada pelo

autor como Constituição-custódia e a democracia decorrente poderia ser classificada como

vigiada. Na segunda acepção, a relação entre democracia e constituição se fundaria no

contínuo processo de criação, uma vez que não estariam todos os princípios constitucionais

plenamente codificados, demandando um tratamento casuístico de problemáticas específicas,

trabalho complexo que deveria ser delegado a instituições democráticas, a fim de escolher

qual a interpretação adequada - com respeito ao processo histórico-social; o modelo foi

chamado de Constituição-semente, pelo autor.

Não existe soberania inocente, esta é a conclusão de COMPARATO (2003, p. 27). A

história recente demonstrou que a minoria detentora do poder de controle social é capaz de

legitimar “democraticamente” exclusões sociais, em nome do interesse nacional. O autor

pontua que após um século de extremos de totalitarismo político, da massificação dos meios

de comunicação e da espetacularização do Estado, não se pode confiar poderes ilimitados nem

mesmo a soberania popular.

Reitera-se que adotar formalmente a democracia, pela expressa disposição no corpo

das constituições apenas, não é suficiente para que se constitua um regime político

substantivo e não meramente formal, haja visa que a sua caracterização material exige

31

O estabelecimento de cláusulas pétreas nesse aspecto seria uma restrição ao princípio democrático,

impondo a decisão de uma geração antecedente às posteriores.

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concomitância de requisitos que permitam o desenvolvimento de seus princípios

organizacionais (liberdade e igualdade). Feitas essas considerações e a fim de alcançar uma

definição que balize o desenvolvimento das posteriores conclusões desta pesquisa, pode-se

destacar quatro aspectos essenciais a verificação do sumo democrático: a) autodeterminação

do povo, b) vontade da maioria, c) liberdade e igualdade e d) ausência de arbitrariedade.

A capacidade de autogoverno despertou em pensadores, ao longo da História,

sentimentos antagônicos. Para ARISTÓTELES (2005) era a autodeterminação do povo que

contribuía para que a democracia fosse classificada como um regime de governo de segunda

categoria, passível de ser corrompida - pois, para o filósofo, a preponderância de interesses

pessoais, na orientação das escolhas políticas de cada cidadão impediria a formação de um

governo ideal focado no interesse comum. TOCQUEVILLE (2005) também visualizou como

potencialmente amargo o resultado que poderia advir de um governo formado pela bajulação

do povo para obter seu beneplácito, e que o remédio contra tal perversão deveria ser o senso

apurado de nacionalidade, em geral identificado de modo mais intenso entre os cidadãos que

entre seus governantes.

A vontade da maioria, também conhecido como princípio majoritário, é método para

obter a liderança ou direção e tem como contraponto o controle exercido pelas minorias32

a

fim de evitar que o poder absoluto - seja de muitos, seja de poucos - gere tiranias. SARTORI

(1994a, p. 184) adverte que os conceitos de minoria e maioria podem ser encetados de pelo

menos três formas distintas, quando relacionados à democracia: a) a estruturais e processos

constitucionais, pelo qual se procura garantir às minorias o direito de oposição; b) arenas

eleitorais - como regra para apuração de resultado dos vencedores das eleições - o vencedor

leva tudo; e, c) sociedade em geral - sentido empregado por TOQUEVILLE (2005) para

designar a tirania da maioria, o ponto de tensão entre o indivíduo e a sociedade, isoladamente

considerados.

Por exigência democrática acoplou-se ao conceito isonomia (igualdade perante a lei),

gradualmente três aspectos: garantia de sufrágio universal, igualdade social e igualdade de

oportunidade33

. Incorporar o princípio da igualdade demanda o reconhecimento que os

32

Como explica Sartori (1994a, p. 183) a democracia representativa gera como produto a maioria,

destaca diversas minorias, sempre no plural. 33

O autor assevera que a igualdade social implicava no reconhecimento da identidade, que todos

merecem tratamento digno, a despeito de classe social e riqueza. Mas é enfático ao afirmar que os

revolucionários não pregavam a igualdade econômica, dado que a defesa da propriedade privada era

tida como um direito natural e inalienável (SARTORI, 1994b, p. 115).

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cidadãos participam em situação de mesma grandeza dos processos que determinam e fixam a

estrutura básica da sociedade. A liberdade, outrossim, decorre em grande medida da

internalização da capacidade que os indivíduos do grupo social reconhecem em si e nos

demais para intervir na elaboração de suas instituições sociais, em nome de seus próprios

interesses comuns e superiores (RAWLS, 2000).

A exigência de liberdades importa na possibilidade de contestação pública, que se

verifica nos seguintes exemplos: a possibilidade de manifestação contrária ao governo sem

temer represálias governamentais; o acesso a opiniões alternativas; o sigilo do voto. DAHL

(2005) ressalta, ainda, que disposição do governo em conviver com a oposição em geral

decorre da contabilização do custo entre eliminar e consentir sua existência.

Impor a ausência de arbitrariedade, em termos singelos, é dizer que se reconhece o

respeito à autonomia de cada indivíduo para a formação e manifestação de sua vontade

política, e além disso, que a maioria que governa não chegou ao poder pelo uso de força ou

estratagemas que retirem a liberdade de opção dos eleitores.

FERREIRA FILHO (2015) aduz que a partir do século XX há uma nova concepção ao

termo democracia, com a modificação do objetivo final do sistema que deixaria de ser o

autogoverno do povo, para transformar-se naquele governo que depende do povo. Isto porque

diante do reconhecimento da distinção entre governo e governados, pragmaticamente atribui a

real possibilidade de democracia aos laços existentes entre os ambos polos dessa dicotomia; o

povo exerceria seu poder por sua influência significativa sobre as ações do governo que em

sintonia com tais demandas busca atender seus interesses. Essa visão particular pressupõe que

o povo não se governa, nem poderia fazê-lo.

Ao analisar os pilares da democracia representativa SCHUMPETER (1961) apontou

fragilidades no sistema eleitoral e na valoração do voto; uma vez que o sistema se funda em

parâmetros nitidamente individualistas, classificou como irrealista a crença que a vontade do

eleitor seja per se suficiente independente e racional. Em sua análise ignora-se que para que

essa manifestação seja de fato uma vontade política relevante, dependeria que cada um dos

cidadãos, mais que apenas movidos por impulsos e slogans e impressões errôneas, soubesse

com clareza o que pretende defender, e que pudessem estar de fato livres da vontade

manufaturada34

.

34

O autor considera que a natureza humana na política não responde apenas e tão somente a

comandos racionais. A mentalidade coletiva é em geral desprovida de crítica, e guarda em si um

potencial para grupos que queriam explora-la, através de mecanismos de publicidade; nesse aspecto

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SARTORI (1994a, p. 133) reconhece que nas democracias hodiernas os meios de

comunicação de massa exercem papel relevante, e que a formulação da ordem do dia, pautada

no dever de vigilância sobre a condução das políticas públicas, pode gerar ondas de miopia e

distorcer acontecimentos; a atomização e a desorganização dos membros da sociedade são

elementos que contribuem para que algumas mensagens sejam ampliadas ou bloqueadas; de

forma ordinária o mundo é absorvido pelos indivíduos conforme as lentes dos meios de

comunicação o apresentam.

DAHL (2005) destaca que uma das mais fortes impressões em relação ao estudo da

democracia contemporânea reside na constatação de que boa parte da população é legitimada

a tomar parte nas periódicas eleições nominais; contudo, o sistema de contestação pública,

isto é, o grau de tolerância do governo em relação à oposição, não tem se mostrado uniforme.

A democracia é o arranjo institucional que mais privilegia a liberdade do indivíduo.

SARTORI (1994b) aponta que a liberdade política é relacional, isto é, tem por propósito criar

condições para o exercício das diversas liberdades, e, por essa razão, precisa ser interpretada

como proteção contra o poder arbitrário e absoluto.

A igualdade perante a lei (isonomia) foi a regra adotada no continente europeu após as

revoluções burguesas, e coincidiu com a eclosão do sistema capitalista (considerado como a

divisão da sociedade entre possuidores dos meios de produção e detentores da força de

trabalho); essa dicotomia foi tão eficaz quanto o antigo regime em produzir distinções sociais

de ordem econômica. A igualdade jurídico-política dos cidadãos derivava do conceito de

isonomia, o critério de nacionalidade foi utilizado em razão da formação dos Estados

modernos como mecanismo para produzir distinções - os direitos políticos eram restritos aos

nacionais (ARENDT, 2015, p. 23).

O conceito presente de democracia não está confinado ao seu sentido etimológico,

nem mesmo a aplicação original da Antiguidade; pois, resulta das transformações sociais

ocorridas ao longo da História. O arranjo organizacional decorrente desse regime político

favorece a preservação da liberdade individual e a preservação do direito das minorias ante o

Estado bem como possibilita o tratamento isonômico dos cidadãos perante a lei - mas não

poderia fazê-lo sem o suporte constitucional.

A democracia pauta-se na vontade da maioria, contudo é de sua essência a proteção

das minorias, sem as quais não seria possível a existência de efetiva oposição. Apenas na

o autor aponta que a análise dos processos políticos revela que no mais das vezes se trata de vontade

artificialmente fabricada. (SCHUMPETER, 1961, p. 321).

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democracia pode-se aliar a liberdade de expressão com a igualdade política, de forma que as

vontades individuais de cada cidadão sejam consideradas, ao menos durante o processo

eleitoral. Quanto mais forte for a oposição, mais a democracia se tornará uma política de

compromisso (KELSEN, 2000, p. 106).

LIJPHART (2011, p. 18) ao analisar modelos de democracia, distinguiu entre os

conceitos de maioria simples e consenso, sendo que ambos conceitos partem da formação da

vontade democrática a partir da maioria, conquanto utilizem critérios distintos sua apuração;

na segunda hipótese alia-se o aspecto qualificativo a maioria (exigindo um quórum mínimo

para o seu reconhecimento). O autor pondera ainda que a adoção do princípio majoritário

puro, simplesmente, age no sistema facilitando a concentração de poder, ao passo que

proporcionalidade importa em formação de consenso e amplia a pluralidade de representação.

Uma sociedade que tenha alcançado a condição democrática, não está imune a

regressão do regime político para formas autoritárias ou totalitárias de organização do poder.

Não obstante se reconheça a democracia como um avanço em termos sócio-políticos, fato é

que a fragilidade é inerente ao seu concerto e não pode ser ignorada. Ainda que seja

controverso o conceito de democracia, e que sua definição dependa do momento histórico, há

dois princípios que lhe são inerentes a qualquer tempo: liberdade e igualdade, sem os quais

não pode haver legitimação do poder de forma democrática.

Ao comparar os critérios estabelecidos por DAHL e BOBBIO para a identificação de

sistemas democráticos, CAGGIANO (2011, p. 15, grifos conforme o original) sintetiza que a

democracia deve

[...]necessariamente envolver na sua concretização eleições livres e

competitivas com amplos espaços para oposição, isto sob o norteamento

dos princípios de liberdade e igualdade, única forma política - até o

momento idealizada - apta à salvaguarda dos direitos humanos

fundamentais.

O reconhecimento que todo poder emana do povo importa na reserva e garantias

fundamentais dos indivíduos contra o poder Estatal. As constituições assumem a função

dúplice de organizar as instituições do Estado e prover condições para o pleno exercício das

liberdades. Aliás, SARTORI (1994b), ao discorrer sobre a liberdade política, esclarece que o

constitucionalismo garante aos cidadãos o direito de resistir aos mandos do Estado.

Nesse universo de combinações é possível distinguir a qualidade democrática de cada

arranjo, o método de gradação da democracia eleito por DAHL (2005, p. 29) corresponde

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necessariamente ao encontro cartesiano, em maior ou menor medida, dos elementos oposição

e participação popular; se ausente qualquer dos termos, resta descaracterizado o regime

político.

Não se pode olvidar que a democracia estabelece um pactum societatis35

que

fundamenta o poder estatal e garante o exercício da liberdade, tendo como base a produção

normativa dela emanada36

. Repousa no ordenamento e nas suas instituições a distinção da

democracia em comparação a outras formas de regime políticos. Identificação do regime

democrático, requisitos fundamentais.

São as constituições, ainda, os instrumentos formais que limitam o poder do Estado e

garantem os direitos individuais e políticos aos cidadãos. Nesse aspecto o constitucionalismo,

movimento iniciado nas revoluções burguesas do século XVIII, e que se consolidou no século

XX, tem servido de instrumento de expansão da democracia. CAGGIANO (2011) é precisa ao

identificar nesse movimento político e jurídico as garantias da presença e perpetuidade das

instituições sobre as quais a democracia se desenvolve; o constitucionalismo, aliás, parece

indissociável da democracia, como explica a autora.

Todavia, não se ignora que embora o constitucionalismo estruture as instituições

básicas para o desenvolvimento da democracia, a limitação de poderes também atua sobre a

soberania popular, especialmente pela imobilização de temas sensíveis, através de cláusulas

pétreas e limitação das possibilidades de reforma dos textos constitucionais.

DAHL (2005) vincula a democracia ao conceito de responsividade37

a fim de isolar a

sua característica chave e para tanto é preciso que haja um arranjo institucional

(constitucional) que permita que os cidadãos possam formular, expressar e ter igualmente

consideradas suas preferências. O autor elenca oito indicadores da existência de uma

democracia. A saber: 1) liberdade de formar e aderir a organizações; 2) liberdade de

expressão; 3) direito de voto; 4) elegibilidade a cargos públicos; 5) direitos de líderes políticos

disputarem apoio/direito de os líderes políticos disputarem votos; 6) fontes alternativas de

35

O autor Giovanni Sartori em diversas passagens de seu A Teoria da Democracia Revisitada assevera

que é elementar ao regime democrático a existência do pactum societatis, isto é, a coexistência entre

os cidadãos em condições de igualdade - iguais sob o aspecto da cidadania. (SARTORI, 1994a). 36

Para Hans Kelsen a democracia é simplesmente uma das técnicas possíveis de produção de normas.

O autor austríaco considera a democracia sob viés racionalista - desprovido de incrustações

ideológicas - como o regime que permite uma ordem social que contrarie o menor número possível

de indivíduos. (KELSEN, 2000, p. 32). 37

Para o autor responsividade é a mola mestra da democracia, e corresponde a vinculação do governo

com as preferências dos cidadãos politicamente iguais (DAHL, 2005, p. 25).

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informação; 7) eleições idôneas; e 8) instituições para fazer que as políticas públicas

governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência.

O constitucionalismo, instrumento para consolidação das garantias e direitos

individuais, permitiu a expansão da democracia representativa, operacionalizada através do

sufrágio universal e a formação de governos representativos liberais.

1.3 Fundamentos da Democracia no Brasil

FERREIRA FILHO (2014) destaca em sua obra três princípios fundantes da

democracia, são eles:

a) princípio da soberania popular, que impõe como instância superior do Estado o

povo, a Carta Magna, aliás, reporta que todo poder advém do povo e deve ser exercido por ele

diretamente ou por intermédio de seus representantes38

; há que se observar que o povo

governante é aquele que goza de direito de participação política, o reflexo do princípio da

igualdade impede que existam distinções de raça, gênero, cor, ideologia para o gozo dos

direitos políticos, não fere tal assertiva a gradual consolidação desse direito conforme a

idade39

; a cidadania, enquanto direito de participação política, nos termos da Constituição, é

reservada aos brasileiros natos ou naturalizados40

.

b) princípio representativo - a principal manifestação da soberania popular ainda é a

escolha de seus representantes políticos, a quem é delegado o efetivo exercício do poder, pois,

embora exista previsibilidade de participação direta do povo, a democracia permanece

substancialmente, na prática, indireta. O princípio representativo caracteriza-se por ser o elo

entre o princípio democrático e o princípio aristocrático41

, na medida que através da

representação o povo pode escolher os que possuem maior capacidade para o exercício de

funções públicas. O mandato livre dos representantes é uma das prerrogativas deste princípio,

a investidura atribui aos um querer de toda a comunidade e não apenas de seus eleitores. A

consulta via eleições para escolha dos representantes deve ser periódica.

38

Artigo 1º, § único, CF/88. 39

A experiência e a maturidade presumem-se mais consolidadas conforme avança a idade, esclarece

FERREIRA FILHO (2014, p. 59). 40

Artigo 14, § 2º, CF/88. 41

Cf. MONTESQUIEU (2000, Cap. II, livro II).

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c) princípio da limitação do poder - ainda que possa soar paradoxal a existência de

direitos que prescindam de positivação para possuírem força cogente, essa categoria de

direitos inelidíveis, caracterizados pela doutrina dos direitos fundamentais, podem ser

exprimidas como liberdades negativas, em medida que limitam os poderes do Estado. A eles

são atribuídos os ecos na Constituição da República que repetidas vezes conclama a justiça

social como objetivo e, desta forma limitador, das ações da República.

A opção doméstica pela democracia está estampada no Estatuto Fundamental de 1988

a partir de seu preâmbulo e perpassa todo o instrumental constitucional. Ela embasa a divisão

de poderes e a organização das instituições públicas, seu fundamento reside na soberania

popular. BONAVIDES (2001, p. 6) assinala que o princípio da soberania popular é a carta

de navegação da cidadania rumo às conquistas democráticas.

BARACHO (2015, p. 132; 134) reconhece na soberania, aliás, uma propriedade da

ordem jurídica que confere ao Estado capacidade de autodeterminação, isto é, aptidão para

ditar e fazer obedecer, no seu território, o cumprimento de normas circunscritas à sua atuação,

de maneira inapelável e em última instância; com independência em relação aos demais

Estados e Organizações Internacionais. Daí que os órgãos constitucionais de soberania

ocupam uma posição equi-ordenada, as relações intercorrentes, ainda que presentes os

elementos de controle e interdependência, são pautadas na paridade e não subordinação.

RAMOS (1988) pontua que a noção de soberania, antes vinculada apenas ao espectro

da política, tornou-se progressivamente um tema do direito, a concepção jurídica da Soberania

do Estado indica quem detém poderes de governo (entre os quais pode-se citar: possibilidade

de regulamentação de direitos e deveres, emissão de papel moeda, manutenção de forças

armadas, etc.).

Convém, lembrar a lição de CANOTILHO (1999) sobre a domesticação do Estado

pelo direito; a regra sedimentada na Inglaterra do rule of the law importava na observação de

quatro fundamentos: o primeiro deles consistia na adoção de regras uniformes e justas para

julgar e punir os cidadãos; em segundo lugar, imposição da regra do direito, isto é, a

observância dos usos e costumes da sociedade perante a discricionariedade do poder real; o

terceiro alicerce repousava na a sujeição dos atos do regente a soberania dos representantes do

povo, parlamento; e por fim, a garantia de igual acesso a todos aos tribunais, na defesa de seus

interesses, com base nos princípios do direito comum, em face de entes públicos ou privados.

A contribuição estadunidense posterior para o aprimoramento dessa fórmula coincide com a

atribuição do poder constituinte ao povo, e não ao monarca. A França revolucionária deixou

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como legado a compreensão que nenhum Estado pode existir sem a formulação de uma

constituição feita pela nação. Por fim, a expressão Estado de Direito, proveniente do termo

alemão Rechtsstaat, baseia na autonomia individual os postulados nucleares do Estado,

vinculando juridicamente a sujeição estatal, em função da autodeterminação do indivíduo. O

doutrinador lusitano conclui que os fundamentos do Estado de Direito são, portanto, as

liberdades liberais (ou negativas), que restringem a ação estatal a fim de assegurar que cada

indivíduo usufrua de ordem e segurança públicas, o Estado se curvaria à liberdade individual

de cada cidadão.

Condiz ponderar, como bem faz SILVA (2005, p. 117) que mais que a justaposição de

conceitos, ao nomear o Estado como democrático de direito os constituintes brasileiros

incorporaram um elemento de transformação do status quo da soberania, ampliando a

necessidade de participação dos detentores primários de poder (o povo) no polo das decisões

políticas. A dinâmica proposta pelo texto fundamental extrapola os limites da democracia

representativa.

MIRANDA (2012) reconhece no movimento constitucionalista moderno a força

impulsionadora da transformação ocorrida em governos constitucionais liberais para as

democracias dos séculos XX e XXI. A ignição dessa alteração, segundo o autor, coincidiria

com o uso das eleições, de forma cada vez mais ampla, como mecanismo para garantir a

liberdade e legitimar o poder, simultaneamente. As eleições tornam-se o locus de participação

política, instrumento para exercício do poder de controle popular. O mestre português frisa a

distinção entre Estado de Direito e Democracia, conquanto a democracia representativa, em

sua peculiaridade, demande a complexidade organizatória e procedimental do Estado de

Direito.

MÜLLER (2003, p. 59-61) destaca que a existência de um Estado Democrático de

Direito exige não apenas parlamentares, os responsáveis pela elaboração das normas, mas,

também, e necessariamente, que todos dos ocupantes dos demais poderes (executivo e

judiciário) uma conduta alinhada com a realidade que a representação traduz; que suas ações

devem ser executadas com responsabilidade em relação à vontade popular. Para o autor, mais

que a fonte mediata de poder, o povo é o destinatário das prescrições decorrentes da

representação, em conexão direta com direitos e deveres positivados; exige-se que a

transmutação do poder decorra de regras preestabelecidas que institucionalizem não somente

as condições pelas quais serão escolhidos os representantes, como também fixem a esfera de

poder de cada um dos organismos in abstrato.

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A ideia central do Estado de Direito, como bem assevera FERREIRA FILHO (2001, p.

95), consiste na necessidade de sujeitar o poder soberano, na sua origem, no seu alcance e

procedimento à regra imperativas, de direito. Na clássica proposição de SIEYÈS (2003), essa

limitação decorreria da soberania nacional expressada em assembleia constituinte, dos

representantes eleitos pela nação, e, portanto, anterior aos poderes e mesmo ao Estado.

CAGGIANO (1987, p. 19, 23) observa ainda que o mandato representativo,

desvinculado das vontades dos eleitores, é a resposta da burguesia liberal ao acesso das

massas ao direito ao voto. Ela aponta que o congressista imantado de free mandat possui

liberdade de deliberação: seu dever é com a nação em abstrato, e não diretamente com a base

que o elegeu. Não há nesse arranjo uma influência constante e direta pelo povo nas decisões

cotidianas da política, a atuação é indireta, mas para que possa ocorrer a transmutação do polo

de exercício do poder político, o estado de direito exige que essa operação decorra de regras

preestabelecidas que institucionalizem não somente as regras pelas quais serão escolhidos os

representantes, como também fixem a esfera de poder de cada um dos organismos in abstrato.

Ressalva-se que o processo eleitoral para a seleção de governantes não é exclusividade da

democracia: regimes autoritários e totalitários também se utilizam desse mecanismo,

conquanto nessas hipóteses sua função e a importância seja reduzida a pouca ou a nenhuma na

definição dos detentores do poder político.

A legitimidade da representação democrática, portanto, guarda estreita ligação com a

operação eleitoral, torna-se premente que, para plena validade e efetividade, sejam adotadas

medidas que assegurem condições de liberdade de opinião a o corpo eleitoral, espelho da

sociedade, como bem explica SARTORI (1994) ao ponderar que a eleição por si não dá

origem necessariamente a um representante.

O Estado constitucional em si carece de vontade real e própria - isoladamente não

detém poder político nem legitimação; a técnica constitucional extrai da manifestação

soberana do povo, via eleições periódicas, o elemento humano necessário a constituição dos

órgãos governamentais - é pelo mandato representativo que se forma a vontade do Estado; o

elemento democrático não foi apenas inserido para limitar o poder estatal, mas muito pela

necessidade de legitimar esse mesmo poder (CANOTILHO, 1999).

Há uma distinção entre o a visão liberal do Estado de Direito (na qual a vontade

democrática tem a função de enfeixar as demandas sociais contra um aparelho estatal

especializado no uso administrativo do poder público par fins coletivos) e a percepção

republicana do Estado de Direito, que via processo democrático, a política extrapola os limites

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de mediadora entre interesses individuais e sociedade, e se torna agente de constitutivo do

processo de socialização. Para HABERMAS (1997) dessa forma a arquitetura do Estado

liberal modificada pelo acréscimo dos elementos solidariedade e orientação para o bem

comum, conduz à prática efetiva da autodeterminação; aliás, o autor conclui que a autonomia

da sociedade civil decorre de sua independência em relação a administração pública e a

estrutura do mercado; bem como da capacidade de manter seu poder comunicativo na

formação da opinião pública e da vontade política.

A opção pelo modelo semidireto de democracia, encartado na Constituição da

República, representa a reconquista de terreno precioso da participação direta dos

representados nas decisões governamentais, o reconhecimento da possibilidade de atuação

política na qualidade de decision makers (CAGGIANO, 1987). O artigo 14, da lex mater

expressa de forma inconteste a adoção dos mecanismos de participação direta - plebiscito,

referendo, iniciativa popular - ainda que tenha delegado ao legislador infraconstitucional a

responsabilidade pelo desenvolvimento e aplicação de tais ferramentas de participação direta.

Os valores que sustentam o Estado Democrático de Direito são, nos termos do artigo

1º, da Carta Magna, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, considerando, ainda, que é a

partir da soberania popular, expressada diretamente ou por representantes eleitos, que se

justifica o Poder do Estado.

ARAÚJO (2005, p. 648) aponta com pertinência que o constituinte ao traçar os pilares

fundamentais da Constituição da República, não teve receio de expor suas preocupações com

eventual retorno de sistema autoritário. Os valores expressos nos princípios constitucionais

não tinham como objetivo primário densificar relações normativas, mas indicar com precisão

o mérito dos temas fundantes do Estado de Direito, para que esse permaneça sempre

democrático.

Traçou-se ainda os objetivos primários do Estado Democrático de Direito, quais

sejam: constituição de uma sociedade livre, justa, igualitária; desenvolvida e que tenha como

norte a busca constante do bem comum. Nesse aspecto o conceito de democracia adotado

pelos constituintes aproxima-se do conceito elaborado por MILL (1995) reconhecendo a

participação popular como condição necessária para o desenvolvimento da sociedade; o

engajamento político é o pilar da soberania do Estado.

O princípio republicano induz necessidade de fiscalização. ARAÚJO (2005, p. 650)

aponta que participação e fiscalização deixaram de ser usuais após o longo período

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autoritário, antecedente a Constituição de 1988; razão adicional para que o texto

constitucional enfatizasse a necessidade de incorporação dos instrumentos de participação

direta popular na construção da cidadania.

AQUINO et ali (2013, p. 18) assinalam que a retomada do referencial republicano

ocorreu num contexto social marcado por crises econômicas, de regulação estatal e de

participação política - em escala mundial - cujas críticas se dirigiam aos aspectos da teoria

política liberal; o processo de redemocratização buscou, via tratamento constitucional,

internalizar virtudes cívicas - aspecto inovador em razão da tradição nacional. Exemplo dessa

modificação empreendida podem ser encontrados na formatação diferenciada atribuída ao

Ministério Público - atribuição funcional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático

e dos interesses difusos e coletivos - a partir do marco constitucional; na ampliação dos

legitimados a propor demandas de controle das ações governamentais (entre eles associações

civis) e dos instrumentos de controle civil; incorporação da participação popular na

formulação de políticas públicas em diversas áreas; entre outros.

CARDOSO (2000, p. 29) aponta que o republicanismo contemporâneo, ainda que

despido do caráter turbador das ditas revoluções burguesas, manteve o traço conceitual e

histórico que se traduz na equalização do espaço social, implicando a inclusão dos cidadãos

no sistema de decisões políticas; e promove, como condição de sua efetivação, não apenas a

democracia política, como também a econômica e social, operada pela universalização dos

direitos da participação política.

SILVA (2005, p. 119) evidencia que a opção dos constituintes em adjetivar o estado

como democrático não pode ser ignorada; em razão dela os valores da democracia devem

irradiar em todos os elementos constitutivos do Estado; não se limitando apenas ao processo

de elaboração de normas e positivação de direitos (pela ferramenta representativa); o processo

desencadeado por um Estado democrático de Direito pressupõe um diálogo entre pensamentos

e opiniões diferentes, envolve a crescente necessidade de participação do povo na tomada de

decisões políticas, de forma direta.

Necessita-se, no enfoque constitucional do Estado brasileiro após 1988, tanto de

representação quanto de participação. Como dito alhures a eleição em si não é suficiente para

criar o liame de representação; SARTORI (1994a) aponta para o fato que sem liberdade, não

se pode produzir líderes que correspondam às aspirações dos eleitores. Ele ressalta ainda que

as modernas democracias são dependentes da maioria - que acaba por eleger e delegar poder

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aos que governam; contudo, adverte que os mecanismos de controle de autoridade estão cada

vez mais afastados do critério eleitoral singularmente considerado.

A relação entre eleitor e candidatos é naturalmente perpassada pela interveniência de

fatores sociais, que tornam a correspondência entre opinião pública e governantes mais

complexas que singela representação. CAGGIANO (1987, p. 26) destaca que os concorrentes

aos cargos públicos se utilizam cada vez mais de campanhas publicitárias especializadas em

marketing e merchandising político, a fim de exercer ingerência sobre essa mesma opinião

pública; com efeito esse fenômeno descortina que nem sempre o processo representativo é

inclusivo, parcelas da sociedade permanecem sem voz no cenário político. A implementação

de ferramentas que canalizem e ampliem os mecanismos de participação social afasta-se,

assim, da simples representação política.

MIRANDA (2012) propôs uma divisão na identificação dos princípios constitucionais

eleitorais. Na primeira perspectiva, considera os axiomas relativos ao eleitor: universalidade,

igualdade, individualidade, pessoalidade, liberdade, imediatividade. Na segunda perspectiva,

identificou critérios constitucionais para a organização do poder político e das organizações:

periodicidade, liberdade, igualdade de eleitores - sentido do mesmo valor do voto; isonomia

entre candidatos e eleitores; imparcialidade de entidades públicas; participação democrática;

representação proporcional; estabilidade eleitoral (anualidade) e jurisdicionalidade.

A democracia pressupõe concorrência pelo poder, que deve ser ocorrer em clima de

igualdade e liberdade. Não é demais afirmar que tanto a democracia quanto o princípio

republicano pressupõem a observação dos ditames da igualdade e liberdade, nesse aspecto da

paridade de condições na concorrência eleitoral e ainda a preservação da vontade popular, que

necessita mais do que sigilo para sua garantia. A repressão ao abuso de poder além de

resguardar o aspecto moral do pleito, repercute na esfera da legitimidade, pois, somente um

pleito que transcorra albergado por instrumentos que salvaguardem o cidadão, no momento de

reflexão personalíssimo para formação de suas escolhas eleitorais, é capaz de sustentar a

soberania da participação popular.

Convém anotar a lição de BIM (1997) que entende que a garantia constitucional

prevista na cláusula pétrea do inciso II, § 4º do artigo 60 da Constituição, mais que

simplesmente resguardar a forma do exercício do sufrágio, implicitamente impõe o dever de

combate ao abuso de poder, assim, além da exatidão no processo de apuração numérica dos

votos; exigem-se medidas que preservem a liberdade de voto e a isonomia dos concorrentes

ao pleito.

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O caráter pluralista da constituição pretendeu assegurar aos cidadãos o maior leque de

opções possíveis para o exercício da escolha dos representantes políticos, contudo não

descuidou da necessária prevenção a ação de agentes poluidores na formação e expressão da

soberania popular. CAGGIANO (2002) ressalta que a liberdade e o elevado grau de assepsia

são alcançados pela existência de eleições competitivas e em que a escolha feita pelos

cidadãos na escolha daqueles que deliberarão sobre o interesse público seja isenta da

interferência de elementos perniciosos. O texto constitucional é expresso nesse sentido42

, para

a normalidade das eleições é preciso proteger os cidadãos contra a influência do poder

econômico, do abuso do exercício de função na administração pública (direta ou indireta).

Aliás, após a emenda à Constituição nº 16, de 04 de junho de 1997, que facultou que os

ocupantes de cargos executivos concorressem a outro mandato subsequente, tornou-se

necessário robustecer os controles contra condutas tipificadas como abuso de poder em

função do exercício de função pública.

O modelo plasmado pelo Estatuto Fundamental de 1988 reflete o movimento em favor

da abertura política e foi impactado por diversas proposições políticas e ideológicas

resultantes desse cenário, privilegiou uma configuração democrática ampla e protetiva da

pluralidade política (CAGGIANO, 2012, p. 401).

1.4 Instrumentos de pressão na Democracia

MOREIRA NETO (1992, p. 18) afirma de maneira muito apropriada que é preciso

não perder de vista que o poder estatal não exclui o poder grupal de outras instituições, nem,

muito menos, o poder individual que é o fenômeno básico e originante dos demais. Aliás, o

autor assevera que outras formas de poder se entrelaçam e interagem no convívio social, ele

cita como exemplos o poder econômico43

, poder da imprensa, dos militares, dos sindicatos;

todos grupos de pressão, entre dezenas de outros, que se caracterizam pela institucionalização

42

art. 14, § 9º, CF. 43

Não deve passar desapercebido os adjetivos utilizados pelo autor ao se referir ao poder econômico

em relação ao Estado, para MOREIRA NETO a pressão do poder econômico pode gerar desafios e

desequilíbrios no poder de direção da sociedade. (1992, p. 18).

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de poder não político. O poder estatal se distingue dos demais pois concentra em si a

capacidade de coerção.

Interessante neste aspecto considerar a teoria sobre o poder elaborada por

FOUCAULT (2012), sucintamente, na percepção do autor o poder tem como traço marcante

seu dinamismo - está em constante modificação e ajustamento; o verbo exercer deve ser

utilizado para identificar a ação desse fenômeno; ainda que por vezes apareça como

concentrado em expressões tais quais - Estado, governo, instituições - em realidade é difuso e

abrangente, todos estão inseridos na trama do poder; as relações de poder são

preponderantemente fragmentarias. Numa sociedade formada de minorias, como bem adverte

SARTORI (1994a), com divergência de opiniões e conflitos, compreender onde ocorrem os

fluxos de poder permite uma análise mais consciente dos instrumentos de pressão em

ambiente democrático.

Uma das funções constitucionais é limitar o poder, não apenas o exercido pelo Estado;

os poderes não institucionalizados, da mesma forma, são limitados pela lex mater, ainda que

de forma menos assertiva. Pode-se citar, v.g., a proibição constitucional à formação de

entidades com finalidades paramilitares, e quaisquer organizações contrária à democracia.

O reconhecimento da pluralidade política implica em perceber a fragmentação dos

interesses sociais, para formação de consenso gizar a multiplicidade de vozes se faz premente,

a compreensão que a manifestação de

...grupos especiais, como a mídia, grupos de interesses econômicos e grupos

aglutinados em torno de idéias expressam opiniões o tempo todo e, com

certeza, de maneira mais persuasiva que os eleitorados. [...] só as eleições

manifestam um “consenso geral”, [...] Inversamente, as vozes que se fazem

ouvir acima e além das eleições são as vozes da elite ou das minorias; são

vozes de uma parcela do povo, em geral uma parcela muito pequena.

(SARTORI, 1994a , p. 126-127)

RAMOS (1988) leciona que o Estado democrático pressupõe uma sociedade formada

por diversos grupos, cujo reconhecimento se completa na medida em se franqueia condições

de participação para formação e manifestação da vontade popular; sempre com respeito aos

pilares da democracia - liberdade e igualdade - esses grupos de pressão podem ser

identificados em partidos políticos, bem como em sindicatos de trabalhadores, associações de

empresários, colégios profissionais e associações em geral.

A dinâmica da democracia representativa com eleições periódicas contribui para a

institucionalização dos partidos políticos, agremiações que têm por finalidade organização de

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candidaturas para a disputa das eleições. A coordenação de esforços empreendida pelos

partidos tornou viável a participação política, a partir desse organismo facilita-se a difusão das

ideias comuns e a campanha de propaganda, inclusive o levantamento de recursos destinados

a promoção dos candidatos (FERREIRA FILHO, 2014, p. 77).

O exercício do direito de sufrágio em sua amplitude se desenvolve por meio dos

partidos políticos e dos direitos de cidadania. A participação político-partidária organiza e

mobiliza a sociedade em volta de programas específicos, ferramenta necessária na

consolidação do sistema democrático representativo. Desempenham os partidos a função de

mediadores entre sociedade e Estado.

BARACHO (1997) denota que o tratamento constitucional dos partidos políticos os

conclama ao dever de atuarem como instituições de garantia e defesa da própria lei maior;

conquanto se denote alguma resistência nas estruturas partidárias para incorporar mudanças

sócio econômicas que afetam o formato de fazer política, persiste uma imbricação recíproca,

são os partidos políticos condicionados pela sociedade, da mesma forma que o reverso é

verdadeiro.

A formatação constituinte descaracterizou a natureza pública dos partidos políticos,

como esforço para ampliar a liberdade de associação, contudo, manteve inalterado o

monopólio das candidaturas, ainda é pela intermediação deles que a sociedade civil elege,

pelo processo eleitoral, os representantes políticos.

MICHELS (1982) destaca que a democracia começa por sua organização, sem tal

prerrogativa, a vontade coletiva não se traduziria em reinvindicações econômicas ou políticas.

Em sua análise, o elo mais frágil na conjuntura social depende da estruturação de seus

interesses, uma vez que, isoladamente, as possibilidades de resistência contra o poder

econômico dos detentores dos meios de produção; e, a defesa de condições de vida digna de

cada pessoa, singularmente, seriam mínimas. O indivíduo, atomizado na sociedade de massas,

encontra-se potencialmente suscetível para ser enredado por campanhas de marketing

carismáticas e a aderir a mobilizações manipuladas pela publicidade, como resposta à sua

alienação. A possibilidade de resistência se concentraria, portanto, na capacidade de

mobilização e aglomeração desses indivíduos que enfrentam condições idênticas, de maneira

estruturada, a fim de adquirir capacidade de resistência política - decorre dessa constatação a

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justificativa para formação dos primeiros partidos de massa (ligados ao proletariado44

), que

tinham em sua capacidade de aglomeração, cooperação e solidariedade, entre os membros, as

razões de sua força política.

KELSEN (2000) asseverou o fundamental o papel dos partidos políticos na formação

da vontade da nação, uma vez que segundo seu raciocínio, o indivíduo isolado não possui real

influência na formação do Estado. Classificou como metafísico o ideal de solidariedade de

interesses coletivos, sendo enfático que apenas a divisão do povo em partidos políticos

possibilitaria a conciliação de interesses opostos.

A inserção de partidos com matiz ideológico marxista no locus das casas legislativas

resultou em embates e mesmo redução da capacidade produtiva dos parlamentos, na medida

que as novas ideologias e personagens aumentaram a dificuldade na formação do consenso;

não se deve olvidar que o processo de deliberação legislativa, para sua lapidação, exige mais

tempo. Um efeito colateral decorrente desse cenário pode ser identificado na migração de

competências legislativas para o Poder Executivo. A multiplicidade de demandas que

necessitam de ações céleres pelo Estado, reflexo da atual complexidade social, intensificam a

evidência da inabilidade do parlamento para apresentar soluções imediatas aos problemas

emergentes, o que acaba por impor o acatamento das proposituras governamentais; além do

processo legislativo, atribui-se ao Poder Legislativo o exercício do controle dos atos do Poder

Executivo, inclusive das competências financeiras e orçamentárias (CAGGIANO, 1995).

SIQUEIRA JUNIOR (2013, p. 355) destaca, entrementes, que a Constituição da

República45

consagrou o partido político como garante do Estado Democrático e Social de

Direito, atribuindo o poder-dever de zelar pela supremacia constitucional e de cuidar para que

os interesses da nação sejam preservados. FERREIRA FILHO (2014 p. 88) ao abordar o

tema, aponta que por opção dos constituintes liberalizou a criação de partidos políticos, de

maneira quase que irrestrita, e, a consequência dessa permissão ampla foi a proliferação de

legendas46

. O mosaico de partidos dificulta a formação de maioria sem o uso de coligações.

44

FERREIRA FILHO (2014, p. 98) explica que o termo proletariado foi empregado para designar os

que nada possuíam, exceto a prole. 45

O artigo 17 da Carta Magna concatena de forma sumária os comandos constitucionais fundantes da

ordem político partidária - a natureza civil dessas instituições, autonomia para organização interna. 46

Até a conclusão dessa dissertação 35 partidos estavam constituídos, dos quais 23 elegeram

representantes para Câmara dos Deputados Federal, cf.

http://www2.camara.leg.br/deputados/liderancas-e-bancadas/bancadas/bancada-atual, acessado em

20 out 2016.

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41

Convém assinalar a teoria da classe política desenvolvida por MOSCA (2004)

apoiava-se sobre duas premissas: a primeira que nenhum governo se faz por uma pessoa só e

isolada, sempre houve e haverá necessidade da existência de uma classe política que dê

suporte àquele(s) que exerce(m) o comando do Estado; a segunda que as paixões da classe

governada podem eventualmente exercer pressão e certa influência sobre a classe política. O

autor aponta a recorrência de casos na História em que uma minoria consegue se organizar

para se fazer comandante de uma maioria desorganizada e, ainda, que seriam os componentes

dessas minorias governantes dotados de qualidades materiais e intelectuais em geral superior

a classe dos governados - transmitidos por hereditariedade orgânica (educação e cultura); ele

destaca ainda a capacidade da classe política em manter-se no comando, equiparando essa

habilidade a lei da inércia, pois, possuem a tendência de manter-se no lugar e estado em que

se encontram no grau de hierarquia da sociedade, exceto se uma força exterior forçar a

mudança de estado. FERREIRA FILHO (1972) ao analisar essa teoria identificou nessa

dinâmica os princípios aristocrático e democrático, na medida que a seleção autocrática

favoreceria a criação de uma elite ou classe dirigente. Por sua vez, a seleção democrática

facilitaria a circulação entre elite e massas; portanto, o caráter democrático ou não de um

regime dependeria da natureza que a elite dirigente o imprimisse.

Artigo publicada organização Transparência Brasil47

(SCHOENSTER, 2014) denuncia

a formação de clãs políticos no Congresso Nacional, conforme a pesquisa realizada há

indícios claros da transmissão de poder de uma geração para outra entre os políticos

brasileiros; o levantamento realizado considerou o parentesco político dos congressistas

eleitos no pleito de 2010 e dos senadores eleitos em 2006; os dados incluíam informações

sobre a distribuição dos partidos, estados, regiões, idade e gênero; ainda, foi verificado se

havia entre os eleitos ligações com concessões de operação de Rádio e TV. A conclusão

mostra que as relações familiares constituem um capital político significativo

[...] na Câmara e no Senado, quase metade dos congressistas alavancaram

parentes ou foram por eles promovidos; entre os deputados federais com

menos de 30 anos, o número de “herdeiros” chega a quase 80%. Os

percentuais são mais altos entre nordestinos, mulheres e detentores de

concessão de rádio e TV.

47

Organização civil, que seu auto declara independente e autônoma, é conhecida pela publicação de

dados sobre candidatos, e monitoramento do comportamento eleitoral brasileiro.

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42

ARON (1991) ao discorrer sobre classe social, classe política e classe dirigente,

destaca que o termo classe dirigente, por questões ideológicas, despertava polêmica. Os

estadunidenses recusavam o conceito pela equivalência do emprego do termo no Antigo

Regime, o que importaria reconhecer que o regime burguês reproduziria um monopólio do

poder - contrariando, portanto, a máxima do “governo do povo pelo povo e para o povo”; da

mesma forma que os regimes socialistas, então vigentes, recusavam o uso dessa

nomenclatura, dado que o fundamento daqueles repousava no exercício do poder pelo

proletariado, tão somente. A despeito da igualdade jurídica dos indivíduos, não se deve

olvidar que a burguesia constituía no interior das sociedades pré-revolucionárias uma minoria

privilegiada, que ao ascender ao poder político, manteve sua identidade preservada; o mesmo

não ocorreu com o proletariado, que ao exercer o poder político foi alçado a outra condição

social. Em sua argumentação assevera que filósofos políticos jamais colocaram em dúvida a

desigualdade entre os indivíduos, seja de intelecto, seja de recursos materiais, fossem elas

naturais ou sociais, existiam antes das revoluções liberais e permaneceram na sociedade

moderna; o ponto central do debate pairava na maneira de conduzir e assegurar que os mais

dignos aos postos de responsabilidade ascendessem para compor a oligarquia governante. Nas

suas palavras

[...] Qualquer que seja o modo de recrutamento dos governantes, qualquer

que seja o funcionamento, na teoria ou na prática, do Estado, um regime está

sempre nas mãos de um pequeno número de homens. Neste aspecto, os

regimes ditos democráticos não diferem dos regimes ditos despóticos ou

autoritários. As fórmulas mudam, quer dizer, as ideias ou princípios em

nome dos quais a minoria reina; o fato oligárquico permanece. (ARON,

1991, p. 154)

Ressalta-se, ainda, que é a interna burocracia dos partidos políticos responsável pela

seleção dos candidatos submetidos ao crivo do povo por ocasião das eleições, e mais, não

apenas a escolha dos candidatos em si, como também, nas palavras de FERREIRA FILHO

(2014, p. 79), a sorte das candidaturas, a conduta dos eleitos, a sua possibilidade de

reeleição. O reconhecimento dessa burocracia interna autoriza a relação de descrédito dos

partidos, hodiernamente, com a lei de bronze de MICHELS (1982), uma vez que

inexoravelmente os partidos políticos tendem a formação interna de oligarquias, quanto maior

a complexidade de suas operações, maior a necessidade de fragmentação de tarefas, e o poder

de assembleia [mesmo interna dos partidos] vai sendo esvaziado - fator que aumenta a

dificuldade de um controle mais efetivo das ações pelos detentores de poder.

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43

SARTORI (1994a) contrapõe o argumento de Michels sob a ótica de sua generalidade,

e refuta a conclusão que a ausência de democracia nos partidos importa necessariamente na

diminuição da qualidade democrática do sistema representativo. Esse parece ser o

posicionamento adotado pelos constituintes de 1988, haja vista que parágrafo 1º, do artigo 17,

da Constituição da República, garante aos partidos autonomia para delinear sua estrutura

interna, bem como para adotar critérios convenientes de escolha de candidatos.

CAGGIANO (2012) atribuiu ao sistema de partidos constitucionalmente formatado a

ampliação da participação democrática da sociedade; pois, como efeito secundário do

monopólio das candidaturas pelos partidos, nasceu a necessidade dos eleitores em optar entre

os programa e propostas de governo de cada legenda, ou por vezes, coligação; os candidatos

eleitos ficariam, portanto, vinculados a realização da plataforma vencedora. Os partidos

políticos “[...]são erigidos a atores centrais da plataforma política, quer no momento eleitoral,

quer ao longo do exercício dos mandatos” (CAGGIANO, 2012, p. 404).

O relevo dos partidos políticos na organização e instrumentalização de democracias é

incontestável, contudo, ainda que desempenhem papel de protagonismo, há outros grupos e

facções que concorrem e influenciam a formação das decisões políticas, conhecidos como

grupos de pressão - setores da sociedade civil organizada como sindicatos, associações

empresariais, igrejas, entre outros. VELLOSO; AGRA (2014, p. 117-118) apontam diferenças

entre os partidos e os grupos de pressão; a primeira delas é que esses últimos atendem a

interesses tópicos, limitados no tempo; ao contrário dos partidos políticos, eles não são

movidos por uma organização antecedente e um programa definido, atuam por demandas.

Não se exige dos grupos de pressão que se personalizem juridicamente; seu objetivo limita-se

a obter decisões pontuais de entes governamentais, sem almejar conquistar o poder.

NUSDEO (2009) esclarece que os grupos de interesse do mercado econômico

[lobbies48

] possuem pautas bastante específicas, para as quais desejam atendimento, isto é, são

temas ligados exclusivamente a sua área de atuação, não há necessidade de pressão para uma

demanda que atenda a todos indistintamente, faltaria interesse específico em agir [busca do

lucro]. A ação desses grupos se intensifica na medida que a pretensão almejada seja restrita, o

máximo possível, aos seus membros. Como exemplo, o autor aponta a pressão que um

48

Segundo o autor a palavra lobby empregada aos grupos de pressão remonta a prática que se tornou

comum em Washington, capital norte americana; os emissários procuravam os congressistas no

lobby [sala de estar] dos hotéis em que aqueles se hospedavam, a fim de exercer seu proselitismo.

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44

determinado grupo possa realizar para a elevação de tarifa de importação de alguns bens, a

fim de obter uma proteção aduaneira contra a concorrência de produtos estrangeiros.

Outrossim, a opinião pública, considerada em si mesma, também compõe o rol de

grupos de pressão na democracia com capacidade para interferir no sucesso ou insucesso de

uma política específica. Contudo, raramente é sua mobilização a origem da política in

concreto; da mesma forma que a opinião pode influenciar, ela sofre ações de persuasão que

contribuem para sua composição; muitas vezes antes da opinião pública querer algo, faz-se

nela nascer tal vontade (SARTORI, 1994a, p. 172).

ORTEGA Y GASSET (2013) relaciona o conceito de domínio público com a opinião

pública em si, e, portanto, mesmo que não se formalize uma estrutura pública

[constitucionalização do Estado], em qualquer sociedade, por menor que seja, sempre haverá

o poder do público, que nada mais é que senão a violência coletiva suscitada por aquela

opinião. A violência da opinião pública é uma realidade histórica concreta. O autor reconhece

a mudança de paradigma ocorrida após as revoluções liberais, decorrente do levante das

massas, que trouxe visibilidade social a um imenso contingente de indivíduos, que por muitos

anos não se envolveram diretamente em assuntos como a política porque se percebiam como

não qualificados. É inconteste que, a partir dessas, a ânsia de maior participação popular na

formação da vontade política levou paulatinamente à consolidação do sufrágio universal.

O uso pátrio do sistema de democracia semidireto ressalta a relevância da opinião

pública no processo de formação da vontade política, que assume caráter cogente, sobretudo,

nas proximidades de eleições (CAGGIANO, 1987, p. 19).

BOBBIO (1984) considera, ainda, que há mesmo a consonância de alguns grupos

[lobbies] que extrapolam o nível da influência, e buscam assegurar o resultado da decisão

política conforme seus interesses privados. O autor italiano usa o termo sub governo para

fazer menção a captura da decisão política democrática por grupos de interesses econômicos

particulares, especialmente para utilizar a capacidade de regulação e fomento do Estado sobre

a economia; debelar-se contra tal interferência persiste como uma das promessas da

democracia.

Ao abordar a distinção entre democracia governada e democracia governante

SARTORI (1994a) inicia sua ponderação observando a questão da Opinião Pública como

condicionante da atuação dos governantes. Remonta do Iluminismo o uso da expressão como

maneira de indicar um sentir coletivo, décadas antes da eclosão da Revolução Francesa. Seu

sentido primário, aponta o autor (1994a, p. 125), relacionava-se às coisas públicas, res

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pública, e aos aspectos da sociedade política. Com o uso da imprensa (avanço tecnológico) o

conceito adquire novos contornos, como sinônimo da opinião decorrente da circulação de

notícias e de jornais.

BIM (2002, p. 130) assevera que os meios de comunicação possuem influência sobre

a formação da opinião pública; através do direcionamento de seu conteúdo e programação,

pode-se atribuir valores depreciativos a condutas e ações de candidatos ou partidos, o que

pode comprometer o eventual sucesso de uma campanha política ou mesmo um projeto

partidário.

A pesquisa PNAD/IBGE49

de 2014 verificou que 97,4% dos domicílios brasileiros

possuem aparelho de televisor, e que o mesmo percentual recebe sinal da rede de canais

aberto (cuja transmissão depende de concessão pública); os telejornais constituem a maior

fonte de informação dos acontecimentos políticos para massiva parcela da população, como

revelou a pesquisa “Cultura Política e Consolidação Democrática” realizada no começo da

década 1990 (MOISÉS, 1992).

Ainda que a internet desponte como um promissor elemento na troca de informações

com o robustecimento das chamadas redes sociais, a navegação dos usuários concentra-se nos

chamados smartphones [meio utilizado por 80% dos que possuem internet em casa] - e

conforme os dados da pesquisa PNAD apenas 55% dos lares brasileiros possuía

conectividade50

.

Em contrapartida os aparelhos de televisão estavam na quase totalidade dos

domicílios, segundo a pesquisa; a imensa maioria dos receptores tem acesso ao conteúdo dos

chamados canais abertos. Essa concentração favorecida pelo sistema de comunicação adotado

nacionalmente, possibilita que o conhecimento público seja construído e dependente das

informações veiculadas nesta mídia.

Deve-se destacar, ainda, que a influência da televisão como meio de comunicação

dominante na (de)formação da opinião pública e do cenário de representação política é

agravada, no caso brasileiro, pelo virtual monopólio de audiência em uma única emissora.

Outro efeito desse domínio pode ser verificado no acúmulo de verbas publicitárias (LIMA,

1996, p. 205-251) e na valorização do tempo conforme o programa que é exibido [a maior

49

Dados extraídos da Pesquisa PNAD – Acesso à Internet e à Televisão e Posse de Telefone Móvel

celular para uso pessoal. 2014. 50

Idem.

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parte dos pronunciamentos oficiais em cadeia nacional coincide com o tempo de exibição do

Jornal Nacional, não por acaso].

ARAÚJO (2005, p. 654) verifica que apesar do esforço do constituinte de 1988 em

reforçar o instituto da associação civil e conceder maiores possibilidades de controle da

atividade governamental, a iniciativa não logrou ainda o sucesso esperado, sendo poucas as

associações que realmente desempenham a função de tutela da coisa pública. A pequena

aderência do brasileiro às associações pode ser verificada pela predisposição ao ingresso de

demandas individuais, ainda quando diante de direitos difusos e coletivos.

A democracia representativa não se caracteriza como um governo de saber, mas como

um governo da opinião pública, do sentir a coisa pública (SARTORI, 1998, p. 70). A

qualidade da manifestação da vontade política pela opinião pública relaciona-se diretamente

com a qualidade das informações que possuem sobre o processo; a ampliação da participação

política precisa concorrer com o incremento do conhecimento público - o que importa em

pulverizar os atores de comunicação. O monopólio reduz o espaço para o debate democrático.

Outrossim, como o interesse maior desses agentes de comunicação é o lucro, corre-se o risco

de condicionar as pautas e conteúdos difundidos, conforme valores dos anunciantes.

1.5 Risco de Captura da Democracia pelo Poder Econômico

Utiliza-se a expressão captura a fim de designar formas pelas quais o poder

econômico consegue cooptar representantes eleitos para que atuem em defesa e proteção de

interesses privados, valendo-se da capacidade financeira para interferir no comportamento do

agente político (LIMA, 1996, p. 205-251).

A democracia é um sistema frágil cuja manutenção depende de afinados parâmetros; a

instabilidade que lhe é intrínseca concorre para que possa ser comprometida com facilidade.

Das críticas que o regime sofreu desde a Antiguidade extrai-se a primeira das formas

possíveis de captura: a vulnerabilidade do corpo eleitoral. Os antigos gregos preocupavam-se

com a virtude dos cidadãos, condição que reputavam essencial para que as decisões emanadas

das assembleias fossem orientadas para o bem comum e não para satisfação de interesses

individualizados. Vale ressaltar que no axioma ateniense clássico, a democracia implicava

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tanto em direitos quanto em obrigações, considerando que todos deveriam participar na

organização e funcionamento da Cidade-Estado.

Frisamos que os pensadores da Antiguidade classificavam a democracia como um

sistema de governo inferior, dado que sujeito a patologias. Aristóteles (2005, livro III), aliás,

asseverava que a maior distinção entre a democracia e a oligarquia é a riqueza, presente na

última e carente na primeira - reiterou, em diversas passagens que conceito de cidadão para

democracia é distinto do empregado para a oligarquia. Para o filósofo, não se poderia crer que

um cidadão pobre se dedicasse ao governo, em detrimento de suas necessidades pessoais, de

forma desinteressada, espontaneamente; havia, portanto, a necessidade que todos, sem

exceção, fossem educados para cidadania, o que deveria ser efetivado através do acesso à

educação pública voltada para fomentar as qualidades do homem de bem.

O mesmo receio de possibilidade de arrebatamento da opinião dos cidadãos, no

modelo democrático de governo, voltou a ser objeto de estudos e debate, durante o

Iluminismo, tendo Rousseau se destacado em relação aos demais filósofos modernos pela

defesa da democracia. Contudo, persistia a preocupação sobre a forma como o povo pode ser

tomado por paixões circunstanciais e o governo democrático degenerar-se; o próprio

Rousseau afirmava que a democracia convinha aos deuses, e não aos homens, tendo como

critério a virtude. A educação também é apontada por Rousseau como a ferramenta necessária

a formação da cidadania.

O pensamento liberal setecentista transformou o critério de legitimação dos agentes

políticos, antes pautados em critérios nitidamente elitistas, admitindo-se que os mandatários

pudessem ser escolhidos pela população. Montesquieu foi um dos arautos dessa

transformação, pois, reconhecia a capacidade de escolha do homem comum para indicar quem

detém melhores condições para gerir a administração do Estado. Contudo, essa afirmação

também é dependente do princípio básico que todo cidadão na república deve ostentar:

virtude; no sentido de amor à pátria.

A adoção do sufrágio universal (possibilidade ampla de votar e ser votado) não foi

imediata nos Estados que desenvolveram a forma democrática representativa e diversos

critérios foram adotados para contingenciar o acesso ao processo eleitoral, desde condições

étnicas (nacionalidade), passando por exclusão de gênero (em geral as mulheres tiveram seus

direitos políticos reconhecidos com anos de atraso), até por conceitos censitários (limitando a

participação política aos que pagavam impostos, por exemplo); entre as justificativas

apresentadas para a restrição do direito ao voto estava exatamente na persistência do

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postulado da incapacidade da grande massa em manter-se imune às tentações oferecidas pelos

candidatos em disputa.

A consolidação do valor político da democracia ocorreu no século XX, como afirma

Bresser-Pereira (2008), favorecida pela ascensão do capitalismo e do sistema liberal,

assimilando-a ao conceito de bom Estado. O autor identifica como fundamental para que tal

arranjo fosse viável dois fatores: a) a menor resistência da burguesia à classe aristocrática,

uma vez que os meios de apropriação do lucro dependiam menos da ação do Estado e mais da

dinâmica do mercado; e b) ao menor medo da burguesia de eventual expropriação pelos

pobres, o que facilitou a universalização do sufrágio.

O ideal do bom governo insta salientar é um anseio antigo da humanidade, e nas

palavras de LEMBO (2007b, p. 1) raramente realizável; nessa configuração a finalidade do

Estado se efetiva pela ação consciente de administradores, que pautados pela legalidade,

conduzem a sociedade nos trilhos da liberdade, do bem-estar e da segurança, de forma perene,

assegurando que essas condições persistam no futuro.

PRZEWORSKI (2004) acrescenta mais: o desenvolvimento do capitalismo não

dependia, via de regra dos regimes democráticos; contudo, a maior riqueza acumulada,

verificada em sociedades com desenvolvimento econômico favoreceu a produção de regimes

democráticos que tendem a ser mais estáveis, o autor frisa que essa característica é decorrente

de uma luta de classes menos intensa, mais que pelo desenvolvimento em si considerado51

.

TILLY (2007, p. 12) observa que em tese a inclusão de todos os cidadãos no corpo

eleitoral poderia causar problemas às elites para negociar concessões e ajustes; e aumentar o

risco de instabilidade na direção do Estado. O autor observou que, com alguma regularidade,

as democracias se desdemocratizavam sem que existisse efetiva resistência do povo à redução

da participação política; e mais, que concomitantemente, nesses eventos, era possível verificar

a influência das elites econômicas em favor de regimes totalitários ou autoritários.

O poder econômico torna-se um risco a democracia sempre que sua ação tende a se

sobrepor às garantias democráticas, em especial a livre manifestação do pensamento e a

igualdade, relegando os cidadãos a um papel marginal na formação da realidade política.

51

O autor explica que nesses casos a burguesia tem muito a perder com os riscos de eventual guinada

na condução do Estado, risco maior que tolerar a redistribuição de renda; em via oposta, também a

classe trabalhadora entende a necessidade de manutenção da propriedade privada para continuidade

de investimento e manutenção de seus salários, não pressionando para maior redistribuição de renda.

Nesse cenário as democracias sobrevivem em países mais desenvolvidos.

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Os sinais de instabilidade democrática podem ser mensurados considerando quatro

elementos comparativos: (i) a extensão dos direitos civis; (ii) a igualdade entre os cidadãos

(iii) mecanismos de proteção a direitos; e (iv) a responsividade na razão do vínculo entre as

ações dos eleitos e a expectativa dos eleitores. Os processos de democratização qualquer que

seja a transição dependerão, na perspectiva do autor a) a formação de redes de confiança

interpessoal; b) o fim de políticas públicas que fomentam desigualdades; e c) o controle do

poder coercitivo (TILLY, 2007).

O ideal de autodeterminação inserto no conceito de democracia faz idealizar a

inexistência, ou, minimamente, a difícil distinção da linha divisória entre governantes e

governados. Entretanto, como resultado do sistema representativo, vê-se que, após a

divulgação dos resultados das eleições, há clara divisão entre governantes e governados,

sendo formada uma elite política.

DUVERGER (1980, p. 103) identificou os riscos de captura da democracia, práticas

deletérias com potencial de deformar o resultado da eleição: manipulação direta do eleitorado

cujos efeitos irradiam com maior força sobre um corpo eleitoral com baixa escolaridade e

rural, comunidades em que os princípios democráticos ainda não foram consolidados pela

população; pressão exercida diretamente sobre os candidatos, o objetivo dessa prática é

restringir, sufocar ou oprimir a possibilidade manifestação dos candidatos de oposição,

eliminando a possibilidade de efetiva concorrência pelos cargos eletivos; pressão sobre os

eleitores, essa categoria engloba tanto as promessas de facilidades em troca do voto como as

ameaças em represália a desobediência ao comando, aduz ser mais comum a efetivação dessa

prática em países em desenvolvimento, nessa categoria o autor também incluiu a coação

moral exercida por líderes religiosos, intimidação de sanções no ambiente de trabalho pelos

empregadores, terror policial - todas essas ações podem atuar como mecanismo de pressão

contra a sinceridade da manifestação do eleitor; falsificação material dos resultados das

eleições rasura de totais eleitorais, inserção de cédulas modificadas, troca de urnas,

procedimentos que se tornam cada vez mais complicados, dada a maior fiscalização e

tecnologia aplicada ao processo eleitoral.

O sistema político partidário brasileiro ainda é demasiado dependente da figura

subjetiva de líderes, talvez como reflexo da internalização da figura do chefe52

. Nossa cultura

52

MICHELS (1982, p. 56) reporta que massas democráticas acabam por fortalecer a figura dos chefes

como decorrência de sua imaturidade política; delegam aos grandes homens o direito de decisão

sobre qual caminho deve a sociedade seguir. Particularmente no caso brasileiro há uma eterna

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50

carece de nítida distinção ideológica entre as legendas partidárias. Seus mecanismos internos

são opacos, e a sua organização estatutária no mais das vezes privilegia a conservação “donos

do partido” em detrimento da renovação e oxigenação dos quadros. A confiança depositada

em tais instituições possui pouca aderência, sendo comum que o político ao trocar de legenda

leve consigo a maior parte dos votos que o elegeu, dada a dinâmica de identificação com o

candidato em prejuízo do partido político.

O exemplo doméstico é emblemático nesse aspecto, (LEAL, 2012) ao esmiuçar a

formação de governos municipais, a partir da Primeira República até a democratização de

1945, demonstrou com clareza como as relações de poder privado e resultado das disputas

eleitorais se emaranhavam. Ao cunhar a expressão coronelismo o autor sinalizava que os

resultados eleitorais de outrora traduziam a primazia do poder privado (econômico) em

detrimento da vontade popular, decorrente da superposição de formas desenvolvidas do

regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada, que transformava os

latifúndios em currais eleitorais.

Numa sociedade, como é o caso da brasileira, em que existe o monopólio de

candidaturas eleitorais, pelos partidos53

, esses exercem uma dupla função: ao mesmo tempo

em que constituem um grupo de pressão, em torno dos objetivos propostos em seu estatuto,

assumem a função de atores políticos, protagonizando ao lado do corpo eleitoral e dos

candidatos papel de especial relevo na formação da representatividade democrática.

A busca de idoneidade sobre o resultado dos pleitos eleitorais no Brasil se refletiu em

adoção de medidas legais a fim de assegurar a livre expressão da vontade do eleitor. Pelo

Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945 (Lei Agamenon) foram introduzidas alterações

legislativas significativas nesse sentido, e foi consolidada a Justiça Eleitoral54

. Além disso,

instituiu-se o monopólio dos partidos políticos para o lançamento de candidaturas e adotou-se

o sufrágio universal e secreto. A legislação, contudo, era silente a respeito das formas de

financiamento e obtenção de recursos pelos partidos políticos para as campanhas eleitorais. O

primeiro intervalo democrático brasileiro manteve-se por cerca de duas décadas, permeado

esperança que o ocupante do cargo máximo do Poder Executivo, em especial, seja o herói da pátria;

a pessoa capaz de liderar a nação para sua salvação. 53

Artigo 14, § 3º CF/88. 54

Um dos espólios da tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930 foi a atribuição de competência

especializada a Justiça, como bandeira para a moralização do sistema eleitoral. A lei n. 21.076 de 24

de fevereiro de 1932 atribuiu ao Poder Judiciário competências amplas, do alistamento à

proclamação dos eleitos. Todavia, com o golpe do Estado Novo (1937), foi extinta. Sua consolidação

coincide com o fim do período ditatorial. Foi restabelecida apenas em 1945. (TSE, 2014).

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por sobressaltos e sucessivas tentativas de tomada do poder fora do parâmetro democrático-

eleitoral, fato que se consolidou em 1964; o regime autoritário, subsequente ao golpe militar,

restringiu direitos civis, em especial os direitos políticos.

A fortuna pessoal dos candidatos é outro fator que deve ser avaliado sob a ótica do

risco de captura. Nesse aspecto, além da possibilidade de arregimentar um séquito de cabos

eleitorais para divulgação do candidato e tentativa de convencimento dos eleitores; são muitos

os exemplos na história das eleições nos quais o dinheiro foi usado para obter a promessa de

votos. Não obstante o risco de poluição do ambiente eleitoral, e comprometimento da

sinceridade da manifestação do sufrágio; a fortuna pessoal pode causar um segundo efeito

danoso: desequilibrar a disputa eleitoral sob a ótica igualdade de oportunidade entre os

candidatos. CAGGIANO (1987, p. 105) adverte que a fortuna pessoal permite realizar

campanha eleitoral com maior visibilidade e maior apelo publicitário.

O emprego de técnicas de marketing político, outrossim, além de enrobustecer os

custos da atividade político-eleitoral, é outro ponto que fragiliza a democracia e favorece a

sua possibilidade de captura. A condução das campanhas publicitárias focadas exclusivamente

na obtenção do resultado eleição acabou por empobrecer o debate programático das diversas

candidaturas, para dedicar valioso tempo de propaganda na desconstituição dos adversários.

Outro efeito colateral dessa conduta, é a crescente depreciação do político, latu sensu, a

credibilidade dos mandatários e candidatos, também sofre corrosão pelas frequentes notícias

de corrupção. CAGGIANO (2002) reflete que o dispendioso custo da atividade política e o

processo de arrecadação de dádivas têm sido encarados com bastante reserva, não apenas em

função do eventual lastro que tais benesses privadas possam gerar na forma de conduzir o

governo pelos eleitos, mas pelo potencial de deturpação da vontade popular expressa no voto.

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52

2 O arranjo constitucional-democrático brasileiro a partir de 1988.

Tratamento dos Direitos Políticos.

2.1 Direitos Políticos e Cidadania uma relação de pertencimento

Os direitos políticos conformam a espinha dorsal da cidadania, o sufrágio concentra a

possibilidade democrática na tomada de decisões políticas (CAGGIANO, 2013, p. 76) e para

que a vontade revelada nas urnas traduza materialmente o poder emanado da soberania

popular é fundamental que o processo de formação da vontade individual e a coleta de sua

expressão se processem de forma asséptica, isto é, que sejam isentos de agentes

contaminadores capazes de macular a opção de cada eleitor.

A livre manifestação da vontade do cidadão confere legitimidade aos representantes

eleitos, e ainda, propicia outro fundamento do Estado Democrático: o pluralismo político.

O exercício do sufrágio é a forma pela qual a soberania popular se manifesta para

escolha de seus governantes no regime político da democracia representativa. A dinâmica da

eleição também é replicada em dois dos instrumentos de participação democrática direta

(plebiscito e referendo), cujos resultados obtidos decorrem da apuração de votos, conquanto,

que nessas hipóteses, ao invés de representantes, sejam eleitas propostas.

O vinco entre direitos políticos e cidadania era tal nos primeiros tempos após as

revoluções burguesas, que chegaram a ser utilizados como sinônimos; ser cidadão implicava

em poder participar do núcleo de decisões do Estado, mesmo que de forma indireta, pelo

processo de escolha de representantes políticos.

Atribui-se a ROUSSEAU55

(1999) a inspiração para formatar um arranjo institucional

que permitisse ao povo o exercício do autogoverno; todavia as bases da democracia

representativa estão atreladas à sistematização proposta por MONTESQUIEU (2000). O

reconhecimento da capacidade do povo em indicar quem melhor pode gerir os assuntos

pertinentes à coletividade serviu de farol para os primeiros modelos de democracias

representativas.

55

Na obra o Contrato Social a soberania individual, base o poder do Estado, é considera inalienável; a

vontade geral seria resultado da soma de vontades de cada cidadão, e formataria as condições para o

exercício da soberania popular. (ROUSSEAU, 1999).

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53

Outra constatação enfatizada pelo Barão de La Brède, refere-se ao poder por si; ele [o

poder] é altamente corruptível e se concentrado demonstra a capacidade de degenerar e

tornar-se abusivo. Medidas de contenção e contingenciamento foram sistematizadas na obra O

Espírito das Leis, que teve como base de inspiração o sistema inglês de representatividade.

O traço distintivo nessa formatação de democracia repousa em determinar o corpo de

cidadãos que elege os mandatários; para definir se é o povo ou apenas parte dele que se faz

representar56

. Portanto, fundamental que se estabeleçam leis que identifiquem o corpo

eleitoral, a regra de paridade do valor do sufrágio e os cargos passíveis de acesso via eleitoral.

LOPES (2006, p. 23) contrapõe a noção de cidadania da Atenas da antiguidade com a

encontrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Para ela a visão

grega atribuía ao conceito cidadania um peso e responsabilidade do cidadão em relação à

sociedade que se perdeu com o passar dos anos. A Declaração de 1789, fruto da Revolução

Francesa, restringe o conceito de cidadania a titularidade de direitos políticos e poucos

deveres, realizando, por fim, uma dicotomia - uma vez que os direitos do homem foram

atribuídos ao indivíduo e o status de cidadão foi apartado do conceito. Nas palavras da autora

“a rigor, a partir do momento em que se diferencia o homem do cidadão, o indivíduo torna-se

praticamente um ser sem nenhum dever para com sua comunidade. ”

SMANIO (2015) pondera que o chamado socialismo reformista, em resposta à crise

do Estado Liberal, no século XIX, elevou o conceito de solidariedade a elemento central da

reforma da sociedade e, assim, justificou-se a necessidade de intervenção do Estado na

Economia para atenuar a desigualdade econômica, os contrastes sociais. Exigia-se do Estado

não apenas que declarasse direitos individuais, mas que fornecesse estrutura para sua

realização (direitos sociais) e propiciasse meios para que todos alcancem o bem-estar

material.

A tutela mais adequada aos direitos fundamentais, até o momento, vincula-se ao

constitucionalismo. A nacionalidade e os direitos políticos decorrentes estão insertos nessa

primeira geração de direitos fundamentais.

O Brasil possui uma tardia fixação dos direitos políticos, ainda que o exercício via

sufrágio para indicações de representantes fosse prática que se verificava desde os primeiros

esforços de colonização. PRADO (2001, p. 30) informa que durante o regime de sesmarias, a

administração municipal se assentava em estrutura rural, ao contrário das vilas europeias, as

56

Esse critério é utilizado para diferenciar a democracia da aristocracia, (MONTESQUIEU, 2000,

Livro II, Cap. II).

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54

eleições coloniais incluíam apenas os homens bons, a nobreza, como se consideravam os

proprietários de terras; e a população urbana era perniciosamente excluída. A relativa

autonomia das vilas durou cerca de um século e meio. Somado o crescimento econômico da

colônia americana ao o esvaecimento da empreita da rota comercial das Índias por Portugal, a

metrópole enxergou nas riquezas que se desdobravam na colônia americana alternativa para

as atividades mercantis do Reino. Assim, a relativa autonomia que as vilas gozavam foi

sistematicamente substituída pela centralização do comando pela nomeação Governadores

Gerais e juízes de fora.

O exercício da magistratura no período colonial revelou-se como a espinha dorsal do

sistema burocrático da Metrópole no controle das relações sociais da Colônia, foi a partir da

inserção dos chamados juízes de fora que a coroa portuguesa recuperou o controle dado

inicialmente aos destinatários das capitanias hereditárias. O elemento burocrático e racional

da delegação dos juízes vindos do reino acabava por macular a experiência da escolha de

representantes durante o período de colônia; inobstante a nomeação de elementos estranhos a

sociedade colonial, fato é que não tardou para que as relações de poder fossem corrompidas

por um sistema de relações primárias pessoais (WOLKER, 2006, p. 65-66). Além das funções

jurisdicionais os magistrados exerciam funções político-administrativas, o que contribuiu para

a formação de uma elite de funcionários reais que ocupavam posições estratégicas.

A grande revolução causada pela chegada da família real ao Brasil, em 1808,

modificou o regime de administração colonial; substituído por engrenagens de uma nascente

burocracia, arejou a sociedade local. Progressivamente os ideais de liberdade de expressão e a

igualdade (mesmo que formal) começavam a germinar - apenas a partir de 1808 é autorizado

o uso da prensa, contribuindo para a proliferação de diversos jornais. LEMBO (1999) pontua

que a par das questões econômicas, a liberdade de imprensa permitiu a propagação de ideais

liberais, em especial, a defesa da abolição da escravatura.

De toda sorte, o cenário de turbulência e revoltas deixado pela corte portuguesa na

Metrópole, ao fugir do cerco de Napoleão, não se resolveu sozinho. O clamor social em

Portugal exigiu que em 1821 o soberano retornasse e se submetesse ao novo modelo de

monarquia, constitucionalmente limitada, que reorganizava a formação dos ministérios com

elementos de confiança popular (PRADO, 2001).

Não tardaria para que o processo de desvinculação do Brasil da Coroa Portuguesa

fosse concluído. Formalizada a Independência, em 1822, manteve-se aqui o modelo

monárquico. A Constituição do Império é de certa forma resultado do movimento

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55

revolucionário iniciado em Portugal. O diploma de 1824 inaugura de maneira formal o

tratamento constitucional dos direitos da pessoa, neles incluídos os direitos políticos

(LEMBO, 2007a).

A legislação infraconstitucional priorizou a formalização das condutas criminalizadas

(Código Penal de 1830) e as questões relativas às transações comerciais (Código Comercial

de 1850), matérias prioritárias para as elites da época. A regulamentação dos direitos civis não

foi formalizada na fase imperial, apenas em 1916 publica-se o Código Civil, por ocasião da

Constituição Republicana (1891).

CARVALHO (2002), já na introdução do seu Cidadania no Brasil, destaca que o ideal

ocidental de cidadania talvez não seja realizável, dado que a combinação que conjugue

liberdade, participação e igualdade para todos, não decorre simplesmente da existência e

exercício de alguns direitos fundamentais. Em sua obra prossegue a análise dos direitos

fundamentais solidificados e conclui que no Brasil os direitos sociais foram efetivados em

primeiro plano, sem seguir a ordem pré-ordenada por MARSHALL (1967) que importaria “a

priori” na fortificação dos direitos políticos57

, como fruto do exercício de liberdades civis e da

educação popular.

A transição da monarquia para sistema republicano no Brasil ocorreu à revelia da

maior parte da população, que apenas assistiu a mudança de regime de governo. Aliás, a

pseudo-eugenia realizada no corpo eleitoral com a Constituição de 1891 implicou na severa

redução do corpo eleitoral - os habilitados a participar do processo político correspondiam a

apenas 1% da população; contra essa severa diminuição dos quadros de eleitores não houver

qualquer levante popular.

CARVALHO pondera que os direitos políticos na chamada Primeira República são

superficiais, posto que os fenômenos do coronelismo e do voto censitário obstaculizavam a

livre e majoritária expressão da vontade popular. O corpo eleitoral não incluía nem os

analfabetos, que na época consistiam no maior grupo da população; nem as mulheres. A

apatia é parcialmente quebrada pelo movimento em favor do voto feminino, cuja inserção foi

assegurada na legislação de 193258

.

57

No Capítulo III obra Cidadania, Classe Social e Status, de 1950, o sociólogo inglês, afirma que a

cidadania é a reivindicação por condições de vida que assegurem a todos as mesmas condições de

avanço civilizatório. Apenas sob essa premissa um indivíduo se torna cidadão. (MARSHALL, 1967). 58

A lei nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, que criou a Justiça Eleitoral, formalizou o direito das

mulheres ao voto (ainda que de forma facultativa), determinou o sigilo do voto - padronizando a

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56

O golpe de Estado realizado em 1937 interrompeu o fluxo do exercício de direitos

políticos, entre 1937 a 1945 não houve eleições no Brasil. Coincide este período, entretanto,

com a consolidação dos direitos sociais primários, processo iniciado com a Constituição de

1934, consagrado na Carta de 1937, cuja regulamentação ocorrida em 1940 consolidou a

legislação aplicável ao trabalho, urbano, especialmente. SMANIO (2015) destaca,

entrementes, que os direitos sociais consagrados via Consolidação das Leis Trabalhistas

possuíam viés excludente dado que destinados a proteção apenas de alguns grupos, ausente

regulamentação sobre o maior contingente de trabalhadores à época (rurais).

A retomada da ordem democrática ocorre com o afastamento de Getúlio em 1945,

convocação de eleições gerais e restabelecimento da Justiça Eleitoral, a Lei Agamenon59

.

CARVALHO (2002), aliás, identifica o período de 1945 a 1964 como o primeiro no qual a

democracia se desenvolveu no Brasil. A nova assembleia constituinte promulgou a

Constituição Federal de 1946, restabelecendo definitivamente a Justiça Eleitoral, voto

universal (a exceção dos analfabetos) e obrigatório, monopólio da candidatura pelos partidos

políticos e iniciou a era das campanhas eleitorais.

A obrigatoriedade do voto coincide com o projeto iniciado na década de 192060

, a fim

de sanear as relações entre governantes e governados e induzir maior responsabilidade

individual do eleitor pelos rumos da nação, verdadeira tentativa de nascimento de amor à

patria.

Após o golpe militar de 1964, há severa restrição ao gozo dos direitos civis e políticos,

ainda que os direitos sociais tenham experimentado nova expansão. São mantidas eleições de

forma regular, contudo em ambiente severamente controlado e fragmentado. Implanta-se o

bipartidarismo, retira-se a possibilidade de escolha via voto direto do chefe de Estado.

Há resistência civil contra o golpe que levou ao movimento Diretas Já (iniciado em

1977 e com ápice em 1984). Soma-se no final da década de 1970 e começo da década 1980

cédula eleitoral e estabelecendo o local de voto indevassável, e previa expressamente a possibilidade

de candidaturas a partir de partidos políticos, o que não era a prática da época. 59

Lei Agamenon é como o Decreto-lei nº 7.586 de 28 de maio de 1945 ficou conhecido. Nesse texto,

ainda que não se tenha utilizado expressamente termo Justiça Eleitoral, foram restabelecidos os

órgãos dos serviços eleitorais. Inovou, ainda, por estabelecer o monopólio dos partidos políticos para

apresentação de candidaturas. 60

A exemplo das campanhas sanitaristas, que buscavam dar a população maior consciência da

necessidade de asseio e higiene para vida urbana, o governo central buscava formar o homem novo -

saudável, trabalhador, cumpridor de seus compromissos como chefe de família e cidadão. (Brasil.

Tribunal Superior Eleitoral. Eleições no Brasil: uma história de 500 anos / Ane Ferrari Ramos

Cajado, Thiago Dornelles, Amanda Camylla Pereira. - Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2014. p.

41).

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57

alterações econômicas drásticas, os anos do milagre econômico brasileiro deixaram pesado

legado (alto endividamento externo, hiperinflação, desemprego, estagnação econômica). O

exercício dos direitos civis e políticos são propagados ao lado da democracia como a saída

viável.

Durante muitos anos o conceito de cidadania esteve estreitamente atrelado ao gozo ou

não de direitos políticos, mas o conceito tem paulatinamente ampliado sua significação. À

medida que as sucessivas dimensões dos direitos fundamentais foram se justapondo, o

conceito de cidadania também sofreu acréscimo de seu campo semântico, fato que justifica o

amálgama de definições que se atribui ao termo cidadania.

Hodiernamente, mais que a faculdade de exercício do sufrágio (ativo e passivo),

cidadania importa na crescente interação entre Estado e governados, tanto pelo maior diálogo

entre a sociedade e representantes políticos para definição de políticas públicas, quanto pela

maior atenção dos cidadãos às ações do governo, através de maior transparência pode-se

exercer objetivamente o dever de controle.

A cidadania é um dos princípios Fundantes do Estado Social e Democrático brasileiro,

nos termos do artigo 1º, II da Constituição Federal de 1988. Integra o núcleo duro

constitucional, protegida, portanto, contra investidas do poder constituinte reformador que

eventualmente tente reduzir ou mesmo retirar seu conteúdo.

Se liberdade e igualdade vinculadas ao direito fundamentam o viés individualista das

sociedades democráticas, é através da fraternidade ou solidariedade que a cidadania acaba por

reunir a todos, enquanto coletividade.

Ainda que a formação da cidadania no Brasil não se ajuste com perfeição ao modelo

descrito61

por MARSHALL (1967), o conceito oriundo de sua teoria é basilar para

compreensão do Estado Social e Democrático de Direito, afinal é da somatória dos direitos

civis, políticos e sociais que torna possível compreender a sistemática adotada pelos autores

da Constituição de 1988. Há uma clara oposição ao modelo liberal de cidadania, que limitava

a intervenção do Estado na sociedade (a constituição declarava liberdades negativas); a Carta

Magna, previa, originariamente, que o Estado fosse agente ativo na efetivação dos direitos

fundamentais (FERREIRA FILHO, 2015).

61

A partir da observação do sistema inglês MARSHALL (1967) desenvolveu uma teoria sobre as

ondas de direitos positivados - assim a primeira geração decorre da luta pelas liberdades negativas e

do direito de participação político; após, foram constituídos os direitos sociais, formatado o Estado

como provedor de bem estar; e por fim, os direitos difusos e coletivos.

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58

SMANIO (2015) pondera que a formação dos direitos de cidadania ocorreu de forma

tardia, ao longo do século XX, mantida a matriz da exclusão, fato que se reflete na

desigualdade social, cuja superação é meta constitucional.

A Constituição Federal promulgada em 1988 é conhecida como Carta Cidadã por

conter o maior catálogo de direitos e garantias, preocupar-se com o combate às desigualdades,

determinar atuação do Estado como garantidor de condições dignas de vida e dar à cidadania

maior abrangência que apenas acesso universal aos direitos políticos. Entre as garantias

universais asseguradas no texto constitucional destacamos o acesso universal e gratuito à

saúde, através do Sistema Único de Saúde, que exige a atuação coordenada entre as três

esferas do poder (federal, estadual e municipal). A sociedade civil também integra o rol de

decisões, não apenas pela eleição de representantes políticos, como pelo acesso e participação

de conselhos de gestão.

A cidadania espraia-se na atuação conjunta da sociedade e governantes para

formulação de políticas públicas destinadas a superar as desigualdades e para a efetivação dos

direitos encartados na Constituição Federal. SMANIO (2015) destaca, outrossim, que “a

cidadania no séc. XXI está intimamente relacionada aos mecanismos jurídicos-políticos de

integração e inclusão social”. Aliás, como assevera RIBEIRO (1990, p. 33) a liberdade

política envolve discussão pública, sem o que não se constitui uma sociedade emancipada e

soberana.

O desenvolvimento do conceito de cidadania multifacetado atrela-se, portanto, ao

pressuposto fundamental dos direitos políticos. O direito ao poder de controle, encetado na

manifestação do sufrágio universal em eleições, livres, diretas e competitivas, realizadas com

periodicidade, é o imã que atrai e mantem alinhados as demais facetas do termo cidadania.

2.2 Opção dos Constituintes pela Democracia Semidireta

Fruto do processo de redemocratização, subsequente ao período de maior repressão

aos direitos civis e políticos, a Carta Magna de 1988 não apenas adota a democracia como

regime; mas procura protegê-la difundindo seus princípios na estrutura da República, dotando

o Estado e os cidadãos de instrumentos que possam transformar a realidade, exceder o limite

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formal de cidadania pela mera inclusão em processo eleitoral, e concretizar substancialmente

a todos as condições de dignidade e bem-estar social.

A efetividade dessa pretensão não é alheia a inclusão política; ao contrário, a adoção

de políticas públicas que promovam os valores da representação democrática e os modelos

participativos devem ser parte do planejamento da sociedade e tratadas de forma sistemática

(CARRILHO, 2013). O autor mexicano sugere que a continuidade e a sustentabilidade dos

regimes democráticos decorrem do alinhamento entre as instituições que dão suporte a

participação popular e aos processos que garantam a imparcialidade, a inclusão e a equidade

na competição eleitoral; mais que um planejamento estratégico, esse caminho pode assegurar,

apesar da inata instabilidade da democracia, que os resultados dos pleitos sejam recebidos de

forma segura por todos os atores sociais, visto que nessa formatação há menor chance do

resultado ser alterado pela manipulação em favor de alguma das partes concorrentes62

.

Os constituintes do Estatuto Fundamental de 1988 adotaram o regime político da

democracia semidireta que não limita a participação do povo a apenas a escolha de

representantes, salvaguardada pelo exercício do sufrágio ativo, em função do princípio da

soberania popular, conforme expressa o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna “A

soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor

igual para todos”. O distanciamento do sistema representativo puro importa na permissão de

participação popular de forma direta, atribuindo aos eleitores mais que apenas a possibilidade

de participar do processo de tomada de decisões para indicação de representantes. Ao aderir

ao sistema semidireto garante-se a possibilidade da participação popular ativa, absorvendo o

corpo eleitoral qualidades de decision maker63

. Há três formas previstas para o exercício da

democracia na forma direta: pela propositura de projetos de lei, bem como pela manifestação

através de plebiscitos e referendos.

A inserção de mecanismos de participação direta no universo da democracia

representativa denota a intenção dos constituintes em privilegiar a vontade do povo nos

assuntos públicos, deferência que não importa em antagonismo com o sistema representativo,

ao contrário; há nesse formato a evidência de complementariedade e possibilidade de

62

Representação política de minorias, isonomia entre as condições dos candidatos em campanha,

fiscalização dos partidos políticos, maior participação direta da população nos governos locais, são

apontados, entre outras, como políticas públicas adequadas a promover a qualidade da democracia.

(CARRILHO, 2013, p. 27). 63

CAGGIANO (2012, p. 400) leciona que decision makers correspondem aos responsáveis pelas

políticas públicas produzidas e operacionalizadas, em prol de toda a sociedade; cuja escolha se

efetiva pelas eleições, em sistemas de democracia representativa.

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60

coexistência (SANSON, 2007, p. 84). A participação direta permite que a sociedade aumente

seu engajamento, e possa ser um agente ativo nas decisões que versam sobre os interesses da

coletividade.

FERREIRA FILHO (2013, p. 359) assevera, contudo, que em que pese a expressa

previsão de instrumentos de participação direta em nossa constituição (plebiscito, referendo e

iniciativa popular), essa possibilidade de participação é mais aparente que efetiva.

Destacamos a distinção entre institutos plebiscito e referendo, que por vezes são usados como

sinônimos para consulta direta ao eleitorado. Conforme elucida o autor, plebiscito caracteriza-

se por ser uma consulta extraordinária e prévia à opinião popular sobre medidas-base ou

princípios (forma de Estado, modificação nas formas políticas, entre outros); o referendo,

entretanto, identifica-se nas hipóteses em que o poder popular aprovaria lei discutida e votada

pelos representantes eleitos, posteriormente ao processo legislativo.

Aliás, insta lembrar a lição de MACPHERSON (1978, p. 98), para quem a

participação maior da sociedade não afasta as iniquidades a ela inerentes, todavia, a baixa

participação e as desigualdades sociais se interligam e, portanto, uma sociedade mais

equânime depende de um sistema de maior participação política.

CARRILHO (2013, p. 30) relaciona a busca por maior participação direta pela

população como uma reação à desconfiança da sociedade em relação ao corpo de

representantes eleitos.

O padrão constitucional de democracia semidireta assume maior relevo, aponta

CAGGIANO (2012), ao estruturar mecanismos que possibilitem maior participação do demos

na estrutura decisional, tornando-a policêntrica. O tipo híbrido delineado no Estatuto

Fundamental contemplou três formas distintas para participação na tomada de decisões

políticas. A autora pondera que os legisladores constituintes foram tímidos ao oferecer a

participação política direta, delegando aos legisladores ordinários a tarefa de regulamentar as

normas que preconizam o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular64

.

BARACHO (1997, p. 37) enfatiza que o direito eleitoral político tem por finalidade

regular todas as eleições públicas, e desta forma deve abranger a todas as manifestações de

escolha popular, inclusive, referendos e plebiscitos.

O direito de sufrágio imanta em suas polaridades capacidades específicas. A face ativa

indica aqueles que podem exercer a escolha dos representantes políticos e compõem o corpo

64

Cf. Lei n 9.079 de 18 de novembro de 1998, que regulamenta os incisos I, II e III do artigo 14 da

Constituição Federal.

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61

eleitoral; a passiva refere-se ao ius honorum, e indica os requisitos exigidos para faculdade de

candidatar-se. No Brasil, conforme a sistemática adotada pela Constituição da República, o

direito de sufrágio se consolida em camadas de ampliação, a partir dos 16 anos é facultado a

participação política como eleitor e, apenas aos 35 anos, um cidadão poderá concorrer a

qualquer dos cargos eletivos. A extensão deste direito é de menor alcance quando se trata dos

analfabetos, que foram reinseridos no corpo de eleitores, contudo, estão impedidos de

concorrer a cargos políticos.

CAGGIANO (2012) aponta que a inclusão dos analfabetos fez que parcela

significativa de eleitores fosse dotada de voz política, pois como aponta a métrica do corpo

eleitoral de 2016 pode-se concluir que do total de eleitores 41%65

eram analfabetos ou não

haviam completado o sequer o primeiro grau. O corpo eleitoral mantém taxa de crescimento

médio de 04% a cada novo pleito, informa a autora. A ampliação do corpo eleitoral a partir da

Carta da República, em 1988, denota o esforço para consolidação do sufrágio universal como

direito fundamental.

A polaridade passiva do direito de sufrágio refere-se a possibilidade de concorrer a

cargo eletivo, faculdade para que o cidadão seja alçado à condição de representante político.

A regra geral é a possibilidade ampla, os condicionantes negativos são interpretados

restritivamente.

O dispositivo do artigo 14, Constituição Brasileira de 1988, aliás, abriu espaço para o

desenvolvimento de um sistema híbrido de formação da decisão política, chamado de

democracia semidireta, pela inserção das hipóteses de plebiscito e referendo (cuja

operacionalidade decorre do uso do voto) e ainda, o permissivo de inaugurar processo

legislativo pela interposição de projetos de lei de iniciativa popular. SANSON (2007)

ponderou sobre as possibilidades constitucionais de direta participação da população na

qualidade de decision makers; concluindo que o caminho trilhado pelos constituintes supera a

discussão anterior entre a separação de Estado e sociedade civil, dado que delimita os

contornos dessa relação através da fixação de direitos e deveres recíprocos. O objetivo

indireto dessa opção, seria, ainda, reverter a crise de legitimidade do sistema representativo

puro.

65

Informação disponibilizada pelo TSE, através do link

<http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleicoes-2016>, acessado em

30 out 2016.

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62

O dispositivo constitucional que trata das formas de participação direta foi

regulamentado pela lei nº 9.709 de 18 de novembro de 1998, que estabeleceu distinções ao

processamento de plebiscito e referendo, bem como alinhavou diretrizes para a formulação de

projetos de lei por inciativa popular. O plebiscito caracteriza-se pela consulta prévia

formulada ao corpo eleitoral, sobre tema de acentuada relevância, de natureza constitucional,

legal ou administrativa. Pode ser solicitada a realização de plebiscito para consulta sobre

matérias de relevância nacional mediante requerimento de 1/3 dos membros que compõem

qualquer das casas do Congresso Nacional. Há expressa indicação da forma de consulta

plebiscito sempre que a consulta versar sobre a anexação ou desmembramento de território

para formação de Estado ou Municípios, situação em que a população afetada diretamente

será ouvida; cita-se por exemplo a consulta popular realizada em 2011 a população do estado

do Pará, para eventual desmembramento de partes do território e criação de novos estados.

SANSON (2007, p. 89) esclarece que o plebiscito tem por finalidade a submissão dos

representantes políticos à vontade popular direta, que ouvida previamente, em pleito

específico (com manifestação dada pelo sufrágio secreto, direto e individual), designará o

rumo a ser trilhado pelo Estado. O resultado da consulta, portanto, vincula de forma

obrigatória as futuras deliberações legislativas e administrativas dos entes políticos.

Ressalta-se que a manifestação de vontade nos referendos e plebiscitos também se

efetiva na forma de eleição, que através dos quesitos SIM e NÃO sobre as proposições; cujo

resultado aprova ou rejeita as assertivas contidas, conforme apuração de maioria simples a ser

realizada pela Justiça Eleitoral.

Utiliza-se o termo referendo para avaliação pela população de determinada

normatização (lei ou medida administrativa); cuja efetividade, é condicionada pelo aceite

popular, pode ser convocada no prazo de trinta dias após a promulgação do ato que se

relacione. É hipótese de controle político a disposição da população. ROUSSEAU (1999) foi

o precursor dessa forma de manifestação, pois como o autor genebrino ressaltou, em sua

fórmula democrática, apenas o povo diretamente seria detentor do poder de controle da

atividade legislativa, e, por conseguinte da administração pública.

A aprovação da realização da consulta popular prévia (plebiscito) implica em

vinculação das propostas legislativas a escolha exercida pela cidadania; tanto assim, que

aprovado o ato convocatório deve-se suspender a tramitação de projetos lei ou medidas

administrativas cujos objetos constituam base da consulta popular. O resultado do referendo,

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63

da mesma forma, possui força vinculadora, a vontade popular apurada em escrutínio de votos

no sistema de maioria simples define o destino da legislação a ela submetida.

Por sua vez, o projeto de lei submetido à apreciação da casa legislativa que tenha

origem em iniciativa popular não impõe aos parlamentares o dever de estreito acatamento da

sugestão dos cidadãos; inexiste qualquer vinculação obrigatória à aprovação da propositura.

Entre os requisitos da proposta de lei de iniciativa direta está a limitação do conteúdo a um

único tema. Eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação do projeto devem

ser saneadas durante a tramitação; tais imperfeições não podem ser utilizadas como entrave no

regular seguimento do processo legislativo e apreciação do mesmo.

Outra exigência para acolhimento de projetos de iniciativa popular repousa no quórum

mínimo de 1% do eleitorado nacional, constitucionalmente fixado, distribuído em pelo menos

cinco Estados, acrescida da necessidade interna de obter, ao menos, três décimos por cento de

eleitores em cada um deles.

Ainda, há expressa previsão constitucional para que a iniciativa popular da propositura

de leis seja exercida nos âmbitos dos demais entes da federação, o critério para os Estados

deve ser fixado em suas cartas constitucionais e nos municípios deve corresponder ao máximo

de 5% do eleitorado66

.

Facilidades tecnológicas são apontadas como instrumento facilitador para a ampliação

das consultas diretas aos cidadãos (ROTHENBURG, 2005), sendo apontados inclusive como

o caminho provável na aproximação entre a esfera política e sociedade civil. Contudo, essa

possibilidade ainda não evoluiu o suficiente para que a assepsia necessária à manifestação do

sufrágio seja reproduzia em ambiente virtual. Ausentes os elementos que garantam ao

sufrágio o isolamento para livre expressão do voto, e que protejam o sigilo dessa

manifestação, não se faz possível, ainda, que o ato de votar possa ser exercido de formas tele

presenciais (nas quais se dispensa o comparecimento físico do cidadão a seção eleitoral).

FERREIRA FILHO (2005, p. 60) cioso de eventual distorção no manejo das

ferramentas de participação direta (em especial plebiscitos e referendos), reflete que o uso

abusivo de tais mecanismos pode mesmo concretizar-se como real empecilho ao exercício das

atribuições dos representantes políticos. Ele pondera que a aplicação dessas alternativas deve

ser esporádica, sob pena de desvirtuar os mandados representativos e dar força desmensurada

a pequenos feixes da sociedade civil (suficientemente organizados para atuar como grupos de

66

Art. 27, § 4º e art. 29, XIII, CF/88.

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64

pressão). Há na História diversos exemplos, que lembram o perigo desse desvirtuamento; em

casos extremos o plebiscito já foi ferramenta de governos déspotas para fins antidemocráticos.

2.3 Princípios Constitucionais do Processo Eleitoral

Dimana da opção constitucional brasileira, a partir de 1988, princípios norteadores e

condicionadores da legislação eleitoral infraconstitucional; exigências que visam assegurar

que as eleições sejam o instrumento para a formação de um governo democraticamente

legitimado.

As previsões constitucionais, leciona BARACHO (1997), fornecem ao legislador

infraconstitucional critérios para formulação das normas eleitorais. A compreensão do

significado e dos objetivos da legislação eleitoral vincula-se ao funcionamento institucional

da democracia representativa, com observância das regras constitucionais.

Derivado do texto constitucional o direito eleitoral se constitui como ramo da árvore

do direito público sendo instrumento para fixação de princípios e normas que dão vida ao

princípio do governo representativo, sobretudo, conforme o aspecto destacado na obra de

MILL (1995) relativo a capacidade de controle pelo corpo eleitoral dos detentores do poder

político. O ato de eleger os depositários do poder de governo é um ato coletivo, traduz a soma

das vontades expressas em um mesmo sentido; cabe às fórmulas de escrutínio definir o

critério utilizado para apuração da vontade e designação dos governantes (CAGGIANO,

1987).

As eleições revelam o instantâneo da vontade do eleitorado, imagem que precisa ser

ciclicamente renovada, conforme comando inserto do § 4º do artigo 60 da Constituição

Federal. A previsibilidade, a periodicidade das eleições, e o voto direto, secreto e universal

consubstanciam comandos impassíveis de modificação pelo poder constituinte reformador.

Outrossim o texto constitucional demonstra a importância atribuída aos partidos

políticos na estruturação do processo eleitoral, conferindo-lhes o monopólio da propositura de

candidaturas67

.

A soberania popular é refletida nos princípios constitucionais do sufrágio universal, da

pessoalidade, do sigilo e da igualdade do voto. A possibilidade da participação do processo

67

Cf. art. 14, § 3º, V, CF/88.

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eleitoral, em qualquer dos polos é limitada aos brasileiros, não se admitindo o voto de

estrangeiros, nem tão pouco a influência de quaisquer organismos alienígenas.

O processo eleitoral tem por finalidade instrumentalizar a participação política, função

que se mescla ao próprio preceito essencial da Justiça Eleitoral, solução nacional para

assegurar a imparcialidade das entidades públicas no desenvolvimento das atividades político-

partidárias.

A fixação de hipóteses de inexigibilidade consagra os princípios da igualdade e da

moralidade, dado que a ação profilática pretende excluir do certame concorrentes que

antecipadamente carecem de condições mínimas para disputa. RIBEIRO (1997) constata que

a restrição se destina a salvaguarda do próprio processo eleitoral; exceção à regra geral da

elegibilidade68

é limitada no tempo e implica em restrição parcial do direito de sufrágio,

atuando apenas sobre o polo passivo - possibilidade de candidatar-se.

O princípio representativo para que possa ser fundamento de regime democrático deve

franquear oportunidade para que os cidadãos expressem suas preferências de forma cíclica; a

participação política deve ser ampla e livre - isto é, a liberdade de expressão e manifestação

de vontade deve ser assegurada a todos os integrantes da população. A definição dos

representantes pode ser fixada sob critérios de escrutínio de votos que observem ou a maioria

simples, ou maioria qualificada ou sistema proporcional, ou ainda no sistema misto. Nos dois

primeiros critérios prevalece somatória de votos como critério de imputação dos vencedores

dos pleitos, estão relacionados ao princípio majoritário. O sistema proporcional possibilita

que se obtenha uma maior representatividade. A legislação pátria adota o princípio majoritário

para definição dos eleitos a chefes do Poder Executivo e senadores; o sistema proporcional é

aplicado ao preenchimento dos cargos de vereador e deputados.

O sistema proporcional, elimina até certo ponto, a necessidade de maioria, haja vista

que a relação minoria-maioria é relativizada - assim, para ser representado um determinado

grupo político não precisa ser o vencedor absoluto das eleições, bastando que tenha alcançado

um coeficiente mínimo de votos que assegure a indicação de um membro eleito - quanto

menor o número de votos necessários, maior a representatividade da sociedade69

.

CAGGIANO (1987, p. 165) pondera que o sistema proporcional sofreu severas críticas, tendo

sido apontado como destruidor da democracia por conduzir ao caos, a ingovernabilidade;

68

Cf. Art. 15, CF/88. 69

KELSEN (2000, p. 280) afirma que no caso em que a paridade seja um voto para eleição, o corpo

eleitoral se confunde com o número de membros, como o caso da democracia exercida em sistema

direto, sem representantes.

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contudo, não há como negar sua principal virtude: resultados eleitorais mais equitativos, que

permitem uma maior aproximação entre governantes e representados, e satisfaz o critério

pluralista inserto no sistema democrático.

O Direito Constitucional pátrio adota a regra do one man, one vote, de maneira que

cada eleitor equivale a um voto, sem que o sistema adote critérios de sobrevalorização da

opinião de uns em detrimento de outros. A norma está expressa no caput do artigo 14 da Lei

Maior. SILVA (2005) ressalta, todavia, que o ideal de igualdade esperado do princípio não se

reflete na formação da representação do Congresso Nacional, a proporcionalidade de

representação dos Estados deveria estar vinculada a sua população, e em tese impor que cada

um dos eleitos tivesse o mesmo número de votos; todavia, como pontua o autor, a sistemática

adotada faz com que o voto de um eleitor o Acre tenha uma maior potência que o eleitor de

São Paulo, haja vista que seriam suficientes 16 mil votos para eleição no primeiro estado de

um deputado federal; enquanto na segunda unidade da federação são exigidos cerca de 300

mil votos.

A depender da fórmula adotada para apuração dos votos e proclamação dos

vencedores diversos resultados poderiam ser anunciados; a função principal qualquer sistema

eleitoral atém-se a assegurar que o resultado do pleito respeite os requisitos de eficácia e

equidade. Em que pese a grande quantidade de métodos conhecidos, esses podem ser

divididos em dois grandes sistemas: majoritário e proporcional CAGGIANO (1987).

LIJPHART (2011) verificou que as democracias podem ser classificadas em dois

modelos basicamente - as de espectro majoritário e as de natureza consensual. Verifica-se

pela adoção do critério majoritário a redução dos atores políticos, a decisão política acaba por

ser concentrada em minorias decisivas (maiorias compactas); de outro lado, os modelos

consensuais concentram esforços para a maior representatividade social, possuem viés

inclusivo afeito a pluralidade.

RAMOS (1998) ao tratar da assimetria dos entes da federação, destaca os reflexos das

opções constitucionais para formação da representação do Congresso Nacional; ao fixar o

mesmo número de senadores para cada Estado, na tentativa de formar uma representação

igualitária na Câmara Alta do Congresso Nacional, propiciou colateralmente o desequilíbrio

de representação por regiões - o autor explica que, por exemplo, há uma maior distribuição de

Estados na região Nordeste, o que acaba por produzir uma maior representatividade desta

parcela do território e dessa forma favorece a concentração de poder. De outro lado, o critério

adotado para a representação da população na Câmara de Deputados Federal, tem como

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primeiro indicador a população do ente federado, atribuindo proporcionalmente o número de

deputados, respeitado o número mínimo de 08 e o máximo de 70 para cada Estado; o critério

adotado também concorre para deformação de representação; regiões Centro Oeste, Norte e

Nordeste, possuem representação maior que os estados do Sul e Sudeste, que concentram a

maior parte da população. O autor entende que essas distorções são prejudiciais para a

efetivação do princípio da federação.

CARVALHO (2002) aponta que o desequilíbrio do sistema representativo do

Congresso Nacional é agravado pelo fato de que a população sobre-representada corresponde

a parcela da cidadania com maiores vulnerabilidades às práticas políticas predatórias, haja

vista possuírem os menores índices de escolaridade e ainda se concentrarem em comunidades

rurais. O autor conclui que essa divisão, além de falsear o sistema de representatividade,

demonstra um apego conservador das instituições de difícil extirpação, uma vez que qualquer

alteração depende necessariamente dos representantes políticos favorecidos com esse sistema.

Um segundo efeito desejado do princípio da igualdade do valor do voto, considerada a

polaridade do direito de sufrágio, é a garantia que a concorrência eleitoral transcorra de forma

a preservar o igual direito de ser votado (SILVA, 2005, p. 353). Desse princípio decorrem

normas que preservem o caráter competitivo das eleições.

CAGGIANO (2002) enfatiza que a concorrência deve ser submetida, ainda, à análise

das despesas das campanhas eleitorais, sob a ótica de dois princípios, destacados pelo

legislador, legalidade e moralidade, o primeiro circunscrito aos limites máximos fixados por

resolução do TSE (art. 18, Lei nº 9.504/199770

); o segundo aspecto tem relação com a

qualidade, destino e finalidade dos gastos de campanha - oportunidade que possibilita a

verificação se há irregularidades que comprometam a sinceridade do voto e a lisura da

consulta eletiva - há nesse sentido uma série de restrições a dispêndios em especial a itens que

possam representar alguma vantagem ao eleitor (camisetas, bonés, cestas básicas) e

desequilíbrio na campanha eleitoral (divulgação candidatura na internet mediante pagamento).

SARTORI (1994a, p. 190) pondera que a o predomínio da “regra da maioria”, foi um

processo gradual e que enfrentou resistência até sua consolidação, isto porque o direito da

maioria não corresponde necessariamente ao conceito de razoabilidade. O autor argumenta,

70

Na redação dada ao artigo pela lei 13.165/2015 (minirreforma política) o limite de gastos, antes

fixado a critério de cada partido / campanha, passou a ser fixado com bases nos critérios que a

minirreforma política estabeleceu.

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ainda, parafraseando Churchill, que o mesmo que o critério majoritário seja horrível, ainda é

melhor que os outros.

Independente do sistema adotado para escrutínio eleitoral ele deve ser subordinado ao

princípio da igualdade; assegurando que a todos os votos seja dado o mesmo valor. As

eleições foram constituídas para selecionar (no sentido qualitativo) os mais capazes para o

exercício do governo, sob o critério do povo; SARTORI (1994a, p. 193) crítica o princípio da

maioria, sob argumento “de ter-se tornado um mero ‘princípio da quantidade’ governado pela

máxima: obtenha tantos votos quanto puder, da forma que puder”.

PEREIRA (2011, p. 80) aponta uma peculiaridade do sistema constitucionais pátrio, o

princípio das minorias, um reflexo do princípio da pluralidade, consubstancia-se pela

delegação de poderes de controle e fiscalização às minorias parlamentares; cuja prerrogativa

de inspeção e investigação se notabiliza por instrumentos tais quais Comissões Parlamentares

de Inquérito.

Domesticamente adota-se o voto permanece como obrigatório, conquanto, as

consequências do não exercício, sobretudo o valor da multa aplicável como sanção à

abstenção imotivada, permita concluir que a tal assertiva possui um condão muito mais

pedagógico que efetivamente imperativo.

A tradição eleitoral é prática internalizada nos costumes nacionais, visto que desde o

início da a efetiva ocupação do território tem sido exercida; o hábito de votar é mais antigo

que a própria democracia brasileira, classificada por muitos como jovem; o exercício do

sufrágio possui história própria71

.

O princípio do sigilo do voto é um dos mais vigorosos meios de assegurar a liberdade

da expressão da vontade do eleitor, que pode manifestar sua convicção sem estar sujeito a

cobrança externa; o maquinário desenvolvido pela Justiça Eleitoral pátria contribui para a

assertiva de sigilo, englobando a cobertura a duas categorias de eleitores, anteriormente,

carentes da intervenção de terceiros para concretizar o voto: os cegos e os analfabetos; a nova

metodologia de manifestação, mais simples, suplanta necessidade de qualquer auxílio.

Outro princípio base da democracia corresponde ao método democrático, isto é, a

necessidade de realização de eleições periódicas como única forma de atribuição de poder,

não se admitindo outra forma que não a indicação pelo povo de seus governantes72

. As

71

Cf. item 2.1 supra. 72

A hipótese de indicação indireta de representante de cargo majoritário é exceção que se admite tão

somente são preparadas novas eleições.

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eleições devem ocorrer em ambiente competitivo e com garantia de liberdade da formação e

manifestação da vontade do eleitor; assim, a assertiva de sigilo conferida ao ato de votar é um

dos desdobramentos desse princípio; com também a lisura no escrutínio dos votos.

CAGGIANO (1995) concatena no macro princípio da autodeterminação as linhas

mestras para o exercício da democracia, considerada nesse aspecto a capacidade de soberania

do povo; cujo exercício importa na atribuição de igual do direito de voto e sufrágio universal;

periodicidade de consultas eleitorais; pessoalidade e sigilo na manifestação do voto; liberdade

para postular cargos eletivos; garantia de concorrência entre os candidatos em clima de maior

igualdade possível.

A segurança jurídica impõe prévio conhecimento das regras dos pleitos eleitorais está

albergada no texto constitucional; decorre da aplicação do princípio da anualidade, assim,

conforme artigo 16 determina é obrigatório o intervalo de um ano, antes que uma regra

eleitoral possa gerar efeitos, destarte, esse instrumento, como ensina RIBEIRO (1999, p. 103),

corresponde a uma barreira contra uma das possíveis maneiras de abuso de poder, nesse caso

específico o poder legislativo, ao exigir que as regras legais não acabem por traduzir

tratamento desprovido da necessária igualdade aos candidatos.

Ainda, transparece como princípio constitucional eleitoral a jurisdicionalidade a que

todo o procedimento eleitoral pátrio é sujeito. O controle judiciário do processo eleitoral rege-

se pelos princípios do contraditório, ampla defesa, celeridade, devido processo legal, da

instrumentalidade das formas. Reserva-se ao Poder Judiciário, na forma especializada da

Justiça Eleitoral, tanto a fase preparatória (alistamento do corpo eleitoral, verificação

condições para deferimento registro partido político), quanto a organização dos pleitos e

efetivo o controle das candidaturas.

2.4 Opção pelo Sistema de Governo Presidencialista

DUVERGER (1980, p. 52-53) aponta que a democracia exercida na forma

parlamentarista foi desenvolvida, no século XIX, a partir da experiência europeia anterior;

seria fruto do aprimoramento do sistema monárquico; que se tornou democrático pela

separação de elementos típicos do poder executivo - o comando do Estado, e o comando do

governo - e pela inserção da participação popular no processo de escolha dos representantes

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do parlamento. O ocupante do primeiro cargo foi despido de sua autoridade governamental, a

figura do regente detinha apenas um papel essencialmente honorífico, sua função limitava-se

a de chefe de Estado. O comando do governo tornou-se atribuição delegada ao corpo de

representantes do parlamento, que elegiam entre sua própria composição (sem participação do

povo diretamente) aquele que desempenharia o cargo de Primeiro Ministro; cuja manutenção

no cargo dependeria da constante aquiescência da maioria de seus pares.

SCHMITT (2000) sumariza a história da teoria do Estado do século XIX em uma

assertiva: a marcha triunfal da democracia; ele afirma que nenhum dos estados europeus

ocidentais resistiu a extensão das ideias e das instituições democráticas; não havia argumento

que pudesse derrubar a esperança depositada no modelo, os argumentos contrários eram tidos

como retrógados, defesa vazia de padrões sociais que precisavam ser superados. O conceito

de soberania popular opôs-se ao poder das monarquias, modificando a função do parlamento,

que passou a exercer funções típicas do executivo. Nesse cenário, a representação do povo -

politicamente unificado - através do parlamento contra o poder absoluto do rei, parece um

quadro democrático, contudo, oblitera o verdadeiro contraste: representação e identidade

(SCHMITT, 2003, p. 258).

Talvez a crítica mais contundente de SCHMITT a estrutura parlamentarista repouse no

questionamento da identidade entre parlamentarismo e democracia. Especialmente porque o

sistema representativo implica em ruptura entre os liames imperativos dos eleitores e dos

representados; os eleitos agem de forma independente a vontade da base que o elegeu. Apenas

um sistema em que prospere uma clara distinção entre as esferas de poder, preponderando a

tripartição das atribuições, na opinião do mestre alemão; e seria capaz de desenvolver um

governo equilibrado e com maior identidade democrática, na medida que também propiciaria

a formação de uma identidade eleitoral entre poder executivo e povo (SCHMITT, 2003, p.

260).

No momento da eclosão da Independência dos Estados Unidos da América o modelo

parlamentarista ainda não havia se desenvolvido de forma plena; o poder de governo ainda era

do monarca, embora limitado pela ação do parlamento. Após a dissociação da Inglaterra, sob

a influência das doutrinas de Locke e Montesquieu sobre a separação de poderes, e pela

necessidade de limitar o poder central da nova organização social, os fundadores norte-

americanos, optaram pela constituição de uma república presidencialista, em oposição

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71

diametral com a antiga nação colonizadora73

. Não há dúvidas que a luta pela independência

resultou ali em maior distribuição de direitos políticos, se comparado ao movimento

revolucionário europeu (TOQUEVILLE, 2005). Os ideais de igualdade e liberdade difundidos

impediram a manutenção de uma elite politicamente privilegiada após a independência

americana.

O sistema parlamentarista se constitui pela formação de um bloco de poder, a simbiose

entre poder executivo e poder legislativo torna parcial a separação de poderes; a dicotomia

desse modelo é percebida no poder de controle do parlamento sobre os atos do detentor do

poder de governo; a soberania popular justifica a atuação do parlamento. De forma geral o

sistema parlamentar se efetiva pela composição de Ministérios que têm a função de governar

o país, e devem prestar contas de seus atos para o parlamento, de onde são oriundos

(VICTOR, 2015).

A experiência brasileira de independência, ao contrário do exemplo estadunidense,

pretendeu manter o máximo de conformidade com a situação anterior, libertando-se somente

das ordens da Coroa Portuguesa, liberando as elites locais do custo de intermediação exigido

pela metrópole; não sem razão após a Independência foi mantido o sistema monárquico

limitado pela constituição, e todos os privilégios das classes dominantes.

A transmutação em República, entre nós, não foi precedida de comoção social, ou

mesmo mobilização popular para sua concreção74

. Todavia, desde a primeira formatação do

regime, foi fixada a forma presidencialista como sistema de governo, por franca influência do

modelo norte-americano.

BARBOSA (1990) afeito ao sistema parlamentarista declarou que entre os precoces

males da República, desde seus verdes anos, residia na opção pelo sistema presidencialista,

que taxava de forma contundente como sistema de governo irresponsável, fosse na esfera

política, fosse na ótica da administração.

MORAES (2001, p. 46) destaca que a instabilidade entre os Poderes Executivo e

Legislativo no Brasil em boa medida da transcorre do permanente debate sobre o sistema de

governo, e pela recorrente disputa entre os defensores do sistema parlamentarista em

contraponto dos que embandeiram o sistema presidencialista. O desalinho entre as forças

desses grupos se sobressai quando se analisa a acidentada linha de sucessão presidencial. A

73

DUVERGER (1980, p. 53) aponta que o divórcio dos Estados Unidos da Inglaterra incluiu o

repudio a forma de organização do poder na antiga metrópole, não havia espaço para monarquia, ou

para qualquer sistema dela derivado. 74

Cf. item 2.1.

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partir da instauração da República aos presentes dias; muitos presidentes se mantiveram a

frente do Estado mediante decretação de estado de sítio, outros foram depostos por golpes que

abriram lapsos ditatoriais e autoritários; e há ainda, dois deles que foram retirados dos postos

de comando por impeachments ocorridos após a restauração da democracia no país - que a

margem do debate sobre a configuração do crime de responsabilidade; têm como evidência

comum a ausência de maioria no Congresso Nacional.

Há que se considerar que o sistema de governo presidencialista foi ratificado via

consulta direta à população em duas oportunidades75

; e ainda, no movimento que fomentou a

redemocratização, Diretas Já, cuja principal reivindicação coincidia com o retorno da

possibilidade de eleição direta pela população do chefe do Poder Executivo nacional.

A preferência do corpo eleitoral pelo presidencialismo reproduz a cultura da

personificação política dos chefes contemporânea; fato que se espraia também na tendência de

personificação das legendas político-partidária a um diminuto grupo de integrantes.

A observância do princípio de governo republicano - sob o signo de poder estatal

constitucionalmente contido - torna a democracia adaptável a diversos sistemas de governo,

inclusive monarquias. O sistema de governo traduz o arranjo institucional pelo qual se

estrutura o poder político, especialmente sua limitação constitucional; que tem por finalidade

propiciar a existência de governos moderados e precaver a ação corrosiva de poder ilimitado

(CAGGIANO, 1995, p. 141).

O presidencialismo brasileiro absorve os dois critérios delineados por LIJPHART

(2011) para fixação dos mandatários dos poderes Executivo e Legislativo. A disputa pela

chefia do poder executivo em todas as unidades da federação transcorre com base no sistema

majoritário, mesmo critério adotado para designar os representantes dos Estados perante o

Senado Federal. Os ocupantes das Câmaras [vereadores, distrital e federal] são conhecidos

através da aplicação do critério proporcional, a fim de aumentar a representatividade. A

recente reforma política, alterou o critério proporcional para exigir, adicionalmente, que cada

candidato, para o efetivo gozo do cargo, tenha alcançado um número mínimo de votos; essa

alteração desprestigia o voto de legenda, aumentando a personificação da política.

O equilíbrio entre as agendas dos Poderes Executivo e Legislativo, após a Carta

Cidadã, exige que o chefe do poder executivo desempenhe um papel crítico na gestão e

equilíbrio da coalizão que sustenta o governo. ABRANCHES (2001) aponta entre as

75

Plebiscitos realizados em 1963 e 1993.

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responsabilidades do chefe do executivo, em especial do ocupante da Presidência da

República, a necessidade de cultivar o apoio popular, para evitar que a opinião pública seja

mais um fator de pressão em sua gestão; conseguir mobilizar a maioria parlamentar para a

agenda de governo, sob o risco de paralisia; manter o respeito aos limites de gastos fixados na

Lei de Responsabilidade Fiscal.

A pluralidade de legendas que compõe o plenário das Câmaras, em especial no

contexto federal, dificulta a formação de maioria parlamentar sem que se recorra a formação

de coalizões governamentais. A conduta clientelista de distribuição de cargos e verbas

desprovido de critérios políticos programáticos e apenas para manutenção de coalizões têm

sido uma das formas institucionais que permitem a proliferação de casos de corrupção.

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3 Mecanismos legais contra o abuso do Poder Econômico sobre a democracia no

Brasil

3.1 Poluição e toxidade: causas e efeitos da interferência nociva do Poder Econômico

na formação da vontade do cidadão-eleitor

A relação entre Estado e Direito é imbricada e pode-se sustentar que sejam faces

reflexas. O Brasil, em particular, destaca essa simbiose no caput do primeiro artigo da

Constituição da República ao declarar que se trata de um Estado Democrático de Direito.

Advém do princípio da soberania popular o fundamento que todo poder emana do povo. A lex

mater não apenas restabeleceu a Democracia como base da organização social, como ampliou

seu o espaço, após o longo período antecedente de dominação autoritária, isto é, sobre a base

representativa clássica incorporou elementos de participação direta.

Um primeiro aspecto para o qual é preciso lançar lume, ao iniciar o estudo da toxidade

do poder econômico no processo democrático, é o conceito de poder em si. ARENDT (2007,

p. 213) explica que o poder é essencialmente uma potencialidade social, uma vez que o único

fator material indispensável para sua geração é exatamente o convívio humano - sua condição

é a pluralidade de sujeitos. Todo ato de vontade consciente expressa o poder nele incluído

(HAURIOU, 2009, p. 40).

BOBBIO (1984) diferencia o poder entre visível e invisível, o último dotado de

robusta resistência age em paralelo e por vezes sobre o poder democrático, que sempre é

visível. O emprego do termo visível em associação a poder permite distinguir a pressão

regular dos grupos sociais sobre os agentes políticos, daquela que depende da opacidade para

alcançar seus fins e manter-se ativa pelo maior tempo possível; essa prática é manifestamente

incompatível com a democracia.

O poder público concentra dotações orçamentarias que são cobiçadas pelo mercado:

obras de infraestrutura; compra de equipamentos e bens de consumo; programas para

construção de conjuntos habitacionais; verbas destinadas a publicidade; entre outros valores

especificados. Além disso, o poder emanado pelo Estado pode direcionar incentivos;

modulação na cobrança de tributos; facilitar obtenção de linhas de créditos em bancos

públicos. A frase atribuída a Maquiavel aos amigos, tudo; aos inimigos os rigores da lei,

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ilustra com propriedade a relação daninha que se instala sempre que o abuso do poder

econômico prepondera (seja na formação da elite governante, seja como grupo de pressão -

pela ação velada de lobistas). Não é surpresa, portanto, que o favorecimento político de

algumas empresas, em especial para obtenção de financiamento público e apoios

institucionais - faça emergir, nas palavras de BAGNOLI (2013, p. 109) um tipo distinto de

empresa: “as campeãs nacionais, grandes empresas concentradas, dependentes da influência

política para consolida-las internamente e viabilizar o seu ingresso nos mercados

internacionais76

”.

O constituinte de 1988 esteve atento a necessidade de limitar a influência do poder

econômico sobre o processo democrático; explicitou não apenas os princípios de regência da

atividade empresarial, como forneceu os elementos para que condutas que pudessem causar

patologias corruptoras fossem identificadas e repreendidas por sanções. O primeiro dos

princípios aos quais está submetida a ordem econômica é justamente o da soberania nacional;

valor diretamente relacionado à manifestação livre de vontade política pelo povo.

O exercício regular do poder econômico é compatível com ordem constitucional

estabelecida. Aliás, a integração entre Estado e iniciativa privada foi delineada para que a

ação empreendedora da economia pudesse ser a alavanca para o desenvolvimento social

brasileiro. A partir de 1988, o perfil do Estado foi modificado da categoria Estado-empresário

para a forma regulador-fomentador77

. GRAU (2010, p. 66) enfatiza a leitura apropriada do

artigo 170 da Constituição da República, in verbis

... assim deverá ser lido: as relações econômicas - ou a atividade econômica -

deverão ser (estar) fundadas na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tendo por fim (fim delas, relações econômicas ou atividade

econômica) assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios...

NUSDEO (2009, p. 3) pontua que existe uma corrente de autores norte americana,

chamada de institucionalistas, que sustenta que algumas leis são formuladas para o

76

O autor cita como exemplos de empresas beneficiadas por essa atuação por eleição do Estado, que

obtiveram financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

necessário para formalização de aquisições de vulto: Oi/Telemar, Votorantim, JBS, Perdigão, Aché,

Odebrecht. (ob. cit. p. 110) 77

O Estado pode atuar de formas diversificadas na economia, como explica BAGNOLI (2013, p. 107),

diretamente como um agente econômico (empresário, e, por vezes monopolista), ou controlando e

fiscalizando a atuação entre particulares (regulador), ou ainda, quando forma parcerias com a

iniciativa privada.

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76

atendimento de demandas específicas do poder econômico [compreendido como domínio dos

recursos econômicos], a partir da influência de instituições sobre os atores sociais,

concentrando suas ações basicamente em dois pontos: formação de grupos de pressão

[lobbies] ou pela captura do legislador. Essa segunda forma de captura não se restringe

apenas aos legisladores, strito sensu, espraia-se aos entes reguladores das atividades da

economia, o que pode causar distúrbios no regime de concorrência; a cooptação dos agentes é

empreendida em favor de interesses de poucos. O autor vê caracterizado um mercado

irregular, pois, além da demanda por condutas específicas de agentes reguladores, existe

infelizmente a oferta da conduta desviada.

O poder econômico causa toxidade a democracia sempre que for empregado com

abuso e fora das parametrizações que a moralidade pública exige; visto que ao aliciar os

mandatários oficiais para que advoguem em benefício de interesses privados altera-se a

finalidade da representação política em si.

Os efeitos desse processo de captura da democracia pelo poder econômico não se

restringem ao cenário político formado após as eleições, ao contrário. Durante as campanhas

eleitorais a influência dos grupos de interesse pode ser verificada, de diversas formas - apoio

financeiro a campanhas político-eleitorais; fornecimento de bens [automóveis, jatos, gasolina,

etc.] e serviços [cotas de impressão, telemarketing, etc.], tudo com o fim específico de

propiciar a eleição de seus apoiados. Condutas que ferem o princípio da igualde de

oportunidade; uma vez que o equilíbrio de condições entre os candidatos que concorrem ao

pleito é deformada; o resultado dessa prática implica na anormalidade e ilegitimidade da

eleição.

A declaração da inconstitucionalidade do permissivo de doações efetuadas por

pessoas jurídicas aos partidos ou aos candidatos, diretamente, em decorrência do julgamento

da ADI n 4650, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2015,

decorre da constatação que tais contribuições formalizavam, no mais das vezes, conduta

deletéria da captura democrática. Consta no corpo do acórdão, a justificar a posição adotada

pelo STF, que as expressivas somas dispensadas pela iniciativa privada em campanhas

eleitorais, não eram condicionadas ao alinho ideológico das empresas com os partidos, sendo

comum que um mesmo doador contribuísse de forma sistêmica a diversos candidatos que

detinham condições potenciais de eleição.

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77

Convém, ainda, reproduzir alguns dos fundamentos da decisão sobre a possibilidade

de financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, nas palavras do relator Ministro Luiz

Fux:

[...]A Lei 9.504/97, no seu art. 24, e a Lei 9096/95, no seu art. 31, elencam

um rol de proibições de fontes de financiamento a partidos e candidatos,

tudo, certamente, no intuito primordial de dar concretude ao preceito

constitucional que condena práticas clientelistas e abuso do poder econômico

nas eleições. Nesse propósito, ao impedir que concessionárias e

permissionárias de serviços públicos efetuassem doações, a legislação

buscou servir a três objetivos específicos evidentes: (i) prevenir o

surgimento de conflitos de interesse, evitando a captura de agentes públicos

por doadores privados; (ii) impedir a ocorrência de episódios de

extorsionismo dirigidos contra empresas colaboradoras com o poder público;

e (iii) afastar a possibilidade de que o dinheiro público com afetação própria

- a execução de serviços públicos - fosse desviado para o custeio de

campanhas e partidos.

Condutas que visem desnaturar a consulta eletiva e minar a liberdade e a sinceridade

do voto devem ser tratadas como fraude e sofrer as sanções aplicáveis (CAGGIANO, 2004, p.

119); assim o Código Eleitoral, alinhado com os preceitos constitucionais, repudia condutas

que impliquem em atos contra a lisura das eleições.

Não se desconhece que a via da corrupção é bilateral. Aboja-se o valioso ensinamento

de FERREIRA FILHO (2014, p. 121) que constata que

Há muito - desde o século XIX, ao menos - se denuncia que a “classe

política” (salvo exceções...) cuida primeiro de si e só depois do interesse do

povo. E normalmente se lembra deste na medida em que influencia o seu

interesse na reeleição. Ou na exata proporção em que isto atende a lobbies

que os dominam.

As relações entre representantes e representados, cumpre ressaltar, são permeadas por

um sistema de forças preexistente e que ultrapassa a esfera singular dos partidos políticos. A

pressão exercida por grupos de interesse sobre os representantes nem sempre está clivada por

proveitos inconfessáveis, como por exemplo, no caso da pressão do terceiro setor sobre o

governo para que adote ações de proteção ao meio ambiente (FERREIRA FILHO, 2014, p.

84). Pode-se distinguir essa pressão indevida pelo poder econômico sempre que a normas /

regulamentos resultantes estabelecerem privilégios a interesses específicos de um grupo

restrito, com conotação econômica, e, por vezes, com custos muito amplos a toda a população

(NUSDEO, 2009).

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A aferição dos limites exatos em que esse influxo causa de fato captura da democracia

representativa são quase impossíveis de mensurar. Ainda é pequeno o volume de pesquisas

empíricas nesse sentido; SAMUELS (2007, p. 11) informa que a maioria das pesquisas

existentes com esse enfoque se concentram nas relações eleitorais dos Estados Unidos da

América; mas que a despeito disso, a sabedoria popular reconhece que dinheiro conta muito

em política.

A possibilidade de contribuição da sociedade civil no processo de financiamento dos

partidos políticos e das campanhas eleitorais reflete a preocupação dos constituintes em

fomentar uma sociedade pluralista e participativa; contudo, a experiência revela que tal

ferramenta, antes de propiciar uma maior difusão na representatividade dos diversos atores

sociais, tem se relacionado com escândalos de corrupção. Os setores grandemente

influenciados pela regulamentação governamental ou muito dependentes de contratos

públicos figuravam como os maiores contribuintes para campanhas eleitorais (SAMUELS,

2007, p. 12).

As relações que o poder desperta extrapolam o enfoque do direito, devem ser

analisadas de forma multidisciplinar. Elas podem se expressar de diversas formas que não

apenas por intermédio do viés político - tanto assim, que se reconhece a força de grupos de

pressão destituídos de poderes diretivos públicos, mas que ostentam grande influência na

condução de assuntos de interesse coletivo. Todavia, a noção que o poder político sempre se

exerceu pelos que detinham o poder econômico pode ser encontrada na obra de ARENDT

(1988), pertinente a citação literal da autora

A relação entre riqueza e governo, em qualquer país, e o entendimento de

que as formas de governo estão ligadas à distribuição da riqueza, a suspeita

que o poder político pode simplesmente acompanhar o poder econômico, e,

finalmente, a conclusão que o interesse pode ser a força motriz de toda luta

política - tudo isso não é, naturalmente, invenção de Marx, nem tampouco de

Harrington: ‘Domínio é propriedade, real ou pessoal’; nem de Rohan: ‘Os

reis comandam o povo, e o interesse comanda os reis’. Se quisermos lançar

sobre um único autor toda a culpa da chamada visão materialista da História,

devemos recuar até Aristóteles, que foi o primeiro a declarar que o interesse,

(...), aquele que é útil a uma pessoa, a um grupo ou a um povo, tem e deve

ter domínio supremo nas questões políticas. (ARENDT, 1988, p. 18)

Para MOREIRA NETO (1992, p. 56) o poder político decorre de fato de outro tipo

de fonte, é a partir da efetiva participação política que ele se manifesta. Logo a participação é

um fenômeno que se projeta sobre o poder para acresce-lo, modifica-lo ou, ainda, reduzi-lo ou

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mesmo neutraliza-lo. A capacidade de participação política é a base que sustenta o conceito

de poder eleitoral, este depende da livre manifestação de escolha de cada cidadão, o processo

eleitoral é o método para extração da vontade soberana enunciada pelo povo (BARACHO

1997, p. 23).

A pressão do dinheiro produz distorções relevantes no processo eleitoral, e pode

transformar em ilusória a igualdade entre os candidatos (DUVERGER, 1980, p. 104);

disparidades no uso de recursos publicitários, em especial ao tempo de rádio e TV; bem como

a disponibilidade de recursos para custear o trabalho de cabos eleitorais são exemplos de

como a vontade do eleitor pode ser captura, em razão da preponderância do poder econômico.

BIM (2002) enfatiza que a luta pela legitimidade dos pleitos eleitorais é constante,

sendo que o abuso de poder é a forma mais usual de patologia que afeta a lisura e a

normalidade das eleições; o que caracteriza o abuso de poder são atos que violam o princípio

da igualdade entre os concorrentes (isonomia) e o da liberdade de voto. Definir abuso de

poder não é tarefa simples, a construção do conceito decorre da aplicação jurisprudencial e

dos debates acadêmicos sobre o seu conteúdo - ausente conceito exato na legislação.

As eleições devem ser realizadas sob observância de regras que assegurem a

liberdade e a concorrência (free and fair elections); a ampla possibilidade de difusão das

ideias e programas dos candidatos e partidos políticos para obter a simpatia dos eleitores; e

que certifiquem o elevado grau de assepsia na extração da vontade individual dos integrantes

do corpo político (CAGGIANO, 2002b, p. 89). A autora ainda observa que o poder de veto

dos eleitores extrapola a expressão da vontade das urnas; para a autora o novo

constitucionalismo incrementou as ferramentas à disposição dos indivíduos para o efetivo

exercício da cidadania, entre tais instrumento elenca: o mandado de injunção, a ação popular,

o mandado de segurança coletivo, as ações diretas de inconstitucionalidade, as ações civis

públicas.

LEMBO (1999, p. 193) reputa como imprescindível a adoção de códigos éticos que

fixem com nitidez os espaços de agir dos integrantes dos governos, formulação de um

verdadeiro imperativo categórico baseado nos princípios por todos conhecidos.

A prática, contudo, revela que mesmo diante de maiores restrições legislativas, e

avanços em controles fiscais, persiste a captura da democracia pelo poder econômico, visto

que a corrupção persiste de forma endêmica, com bastante frequência relacionada aos arranjos

decorrentes da captação de recursos financeiros para campanhas eleitorais.

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CAGGIANO (1995, p. 13) enfatiza a necessidade de banimento de qualquer

possibilidade que implique em ligadura ou passamento de instruções aos agentes políticos por

um determinado círculo de eleitores, ou no caso da influência negativa do poder econômico,

que a atuação dos representantes fique de alguma forma ligada a patrocinadores de campanhas

(que algumas vezes sequer eleitores são - o direito de votar é personalíssimo das pessoas

físicas).

Tão importante quanto obter e ampliar os espaços para a participação democrática é

garantir que o processo da formação da convicção do cidadão transcorra com liberdade,

limitando o alcance da influência exercida pelos grupos de pressão. Mesmo que a linha

divisória entre a legalidade de conduta e o abuso do direito seja muitas vezes difusa, certo é

que existe um ponto de divisão. O arranjo democrático mesmo com vulnerabilidades é o

sistema que confere maior prestígio à liberdade individual; pois, assegura o respeito aos

direitos fundamentais, e, favorece as condições para que os indivíduos se autodeterminem.

AGRA (2013) é contundente ao afirmar que a compra de votos e o abuso de poder

econômico são agentes poluidores distintos do processo eleitoral, apesar da raiz ontológica

próxima, ambos apresentam peculiaridades e consequências próprias na seara do direito

eleitoral; o autor admite que existe uma zona cinza que favorece o fattispecie e a dificuldade

de diferenciação entre os tipos poluidores, especialmente porque a finalidade da prevenção a

ambas repousa na necessidade de garantir a paridade de armas em disputa eleitoral e evitar

que os resultados das eleições sejam deturpados em favor de uma elite dominante. Há em

ambas figuras a inequívoca manipulação da vontade dos eleitores e a consequente mitigação

da sua liberdade de sufrágio. A indeterminação do conteúdo do conceito de abuso de poder na

legislação brasileira amplia o raio de incidência, contornando o instituto com tintas de

princípio. Ao contrário, o ilícito compra de votos possui quatro núcleos delimitados - doar,

oferecer, prometer e entregar. A celeuma reside no fato que a depender da extensão e da

gravidade, as mesmas ações nucleares podem ensejar a configuração de abuso de poder

econômico.

A caracterização da conduta antijurídica da compra de votos depende da

concordância do candidato (ainda que tácita) com a prática ilegal. A lei fixa o período em que

é mensurável a prática delitiva entre o registro da candidatura até o dia da eleição78

, a

finalidade precípua deste dispositivo é assegurar a manifestação livre dos votos pelos

78

Artigo 41-A, lei 9.504/97.

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cidadãos. Caracterizada a conduta delitiva a punibilidade independe da demonstração da

influência da prática do delito no resultado final do pleito, a comprovação da compra de um

único voto é o suficiente para a imposição das sanções previstas.

Não há democracia sem oposição, sem concorrência. É importante manter o debate

de ideias e propostas, para que os eleitores possam exercer sua opção de escolha. Garantir a

liberdade de expressão, com respeito a métrica one man, one voice, mais que mera alusão ao

valor de cada voto, é conferir o mesmo peso de manifestação de todos os atores no campo

político. BIM (2002) aponta que o abuso de poder ou de direito é vício que tem a

potencialidade para macular a legitimidade democrática; contudo, observa que as antigas

práticas de deturpação - podemos citar entre elas o uso de servidores públicos para

organização de campanhas eleitorais, o sumiço de urnas, entre outras - cederam lugar a meios

mais sutis e eficazes de comprometer a higidez de um pleito.

A dissertação tem como foco específico a toxidade causada pelo uso irregular do

poder econômico, cuja ação corrosiva, como vimos, pode comprometer da sinceridade da

consulta eleitoral. CAGGIANO (2004, p. 110) acentua que

Em termos eleitorais, portanto, discorrer sobre garantias, induz a uma

abordagem dos mecanismos criados no ensejo de bloquear todos os pontos

por onde pudesse ocorrer a infiltração de componentes direcionados a

desfigurar a vontade do eleitor.

O uso cada vez mais intenso de métodos de propaganda e ferramentas de marketing,

aliado a necessidade de aprimoramento tecnológico para o aproveitamento do tempo de

propaganda nos meios de comunicação de massa (televisão e rádio), e mesmo o aumento da

concorrência têm contribuído para a elevação do custo das candidaturas. Reflexivamente,

cresce a necessidade de controle sobre a influência do poder econômico nas campanhas

eleitorais.

É da observação crítica da realidade que se verifica que os eventuais focos danosos

surgem por todos os espaços, públicos e privados, que como assevera RIBEIRO (1999, p.

103) “precisam ser contidos em tempo oportuno, para que o seu nefasto efeito não se expanda

e se torne incontrolável ou irreparável nas lesões causadas”. Ele prossegue

Impõe-se no tocante ao tema uma atitude de ordem epistemológica para se

penetrar na realidade fenomênica do poder, rastreando-o em todas as suas

vertentes, tendo uma visão sempre atualizada de suas múltiplas

conformações e de sua espantosa mobilidade e infiltração, dando ideia de

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uma ressurgência feudalista acasalada a uma sociedade de massas e diante de

um Estado agigantado com espetacular capacidade de impor dependências,

pela manipulação dos instrumentos tecno-eletrônicos.

SARTORI (1998) aponta que os sistemas de eleições livres têm sofrido forte

influência da televisão, em específico; este meio de comunicação pelo poder da imagem se

colocou no centro de todos os processos da política contemporânea; seu influxo pode ser

sentido desde a formação da vontade do eleitorado até mesmo na condução de políticas

públicas pelo governo. A propaganda em televisão tem sido certamente o principal veículo

para buscar a preferência do eleitor.

Os casos de corrupção envolvendo agentes políticos eleitos e interesses de

determinados grupos privados são frequentes. O que de certa forma também exemplifica a

endêmica porosidade entre a conduta de alguns políticos e a ação de determinados grupos

privados. Convém considerar, contudo, que o abuso de poder não repousa na simples relação

entre os atores políticos e os grupos de pressão; mas, na deformação causada pela utilização

indevida, cuja finalidade destoa da função social que rege qualquer direito - trata-se de uma

anomalia, uma patologia. O uso do poder é uma prerrogativa, seu uso anormal caracteriza o

abuso. Reproduz-se o ensinamento de MEIRELLES (1999, p. 95)

O abuso de poder, como todo ilícito, reveste as formas mais diversas. Ora se

apresenta ostensivo como a truculência, às vezes dissimulado como o

estelionato, e não raro encoberto na aparência ilusória dos atos legais. Em

qualquer desses aspectos - flagrante ou disfarçado - o abuso de poder é

sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que a contém.

O poder econômico não é repelido pela constituição, ao contrário, integra a estrutural

da ordem jurídica, tendo o legislador constituinte, inclusive dedicado o título VII para

parametrizar a ordem econômica e financeira. Vale nesse sentido reproduzir o apontamento de

BRUNA (1997, p. 147)

... o exercício do poder econômico será legítimo quando não conflite com os

valores maiores dessa ordem econômica e com os objetivos por ela visados.

Isso equivale a dizer que não se admite o exercício de poder econômico que

represente entrave ao desenvolvimento social e à marcha dos fatores sociais

com vistas à consecução dos ideais de justiça social.

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Um dos sustentáculos da democracia é a possibilidade de concorrência, a Declaração

Universal dos Direitos do Homem em seu artigo 21.3 prevê expressamente como salvaguarda

das liberdades individuais a garantia da manifestação da vontade do povo, via eleições

honestas e periódicas, para fundamentar a autoridade dos poderes públicos. Fraudar essa

assertiva, pelo abuso do poder (seja político ou econômico), desvirtua a finalidade dos pleitos,

o resultado deles derivado produz uma democracia de fachada79

.

Para BIM (2002, p. 118)

... o abuso de poder é caracterizado como sendo um complexo de atos que

desvirtuam a vontade do eleitor, violando o princípio da igualdade entre os

concorrentes do processo eleitoral e o da liberdade de voto, que norteiam o

Estado democrático de direito.

A problemática do abuso de poder não se restringe, porém, aos confinamentos

público ou privado, sua ação é mais abrangente e penetra a fundo em circunstancias concretas

da realidade social; depende a efetiva representação democrática, portanto, que a vontade

manifesta individualmente, por ocasião do exercício do poder de participação política, seja

livre de vícios que possam macular seu caráter fundamental.

O abuso de poder pode atuar de forma subliminar, e sua ação por vezes não é tão

evidente, o stealth marketing80

faz com que o agente de promoção não seja identificado como

tal; esse tipo de intervenção direcionado a um público selecionado, passa desapercebido da

sua finalidade aos que por ele são capitulados.

Ainda, na seara da captação ilícita de votos foram englobados atos de violência e

grave ameaça, com o objetivo de viciar a manifestação de vontade dos eleitores, é punível

com as mesmas sanções previstas no caput do artigo 41-A da lei 9.504/98. AGRA (2013)

aduz que essa medida visa coibir em especial a ação dos eventuais candidatos à reeleição a

funções do poder executivo, de constranger e intimidar servidores com ameaças de represálias

com o objetivo único de obtenção de votos.

O receio da intromissão do poder econômico de maneira negativa que

comprometesse a qualidade da democracia nacional esteve presente na elaboração da

constituição de 1988. O disposto no § 9º do artigo 14 da lex mater delegou a lei complementar

79

Para Samuel Finer mesmo um sistema possua instituições, processos e salvaguardas liberais, mas

não consiga refrear a manipulação e a violação dos resultados por oligarquias, que desejam se

perpetuar no poder, configura-se uma democracia de fachada. (apud, RIBEIRO, 1998, p. 86-87). 80

Em tradução livre - marketing invisível.

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o dever de estabelecer regras que propiciem a normalidade e legalidade das eleições contra a

influência do poder econômico. A Lei complementar nº 64 de 18 de maio de 1990

regulamentou o referido dispositivo constitucional; ainda que preveja sanções para os

condenados por abuso de poder, o conceito, como dito alhures, não teve limites rígidos

delineados; trata-se de conceito aberto.

AGRA (2013) leciona que o legislador infraconstitucional classificou como conduta

corrosiva a ação do poder econômico que denote excesso, isto é, a influência lesiva do poder

econômico situa-se, nos termos da legislação, na esfera de utilização exorbitante de recursos

materiais e humanos, traduzíveis em valores monetários. Até a minirreforma eleitoral

realizada em 2015 os limites de gastos eram fixados pelas próprias campanhas, assim,

dificultando na prática a verificação de excessos. A partir da lei nº. 13.165 de 29 de setembro

de 2015, os valores máximos das despesas com campanhas eleitorais passam a ser fixados e

fiscalizados pela Justiça Eleitoral.

3.2 Controles anticorrupção: atuação sistemática dos Tribunais de Contas e do

Ministério Público, contra o abuso de poder econômico

Até a Revolução de 1930 não havia nenhum limite ou mesmo preocupação formal

com as despesas de campanha eleitoral, muito em decorrência da evidente manipulação dos

pleitos; pois, era o próprio governo o responsável por organizar os certames e declarar os

resultados das eleições. Nesse aspecto, também se pode atribuir à instituição da Justiça

Eleitoral, em 1932, o marco inicial na tentativa de regular a relação entre eleições e poder

econômico.

O Código Eleitoral de 1950 (lei nº 1.164/1950) determinava critérios para que os

partidos prestassem contas à Justiça Eleitoral, tornando obrigatório o rígido registro dos

valores coletados, e das despesas partidárias; bem como impedia que os partidos recebessem

verbas provenientes de entes públicos, sociedades de economia mista, concessionária de

serviços públicos, e valores provenientes de entidades estrangeiras.

Durante a ditadura militar, apesar das severas restrições aos direitos políticos, são

ampliados os controles sobre a influência do poder econômico nas eleições. Eleva-se a

questão ao patamar constitucional, e o artigo 148 da Constituição Federal de 1967, autoriza,

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mediante lei complementar, que sejam estabelecidas condições de inelegibilidade coibindo o

abuso do poder econômico. Também foram adotadas medidas para restringir as fontes de

recursos financeiros dos Partidos Políticos, com criação do Fundo Partidário, tendo sido

estabelecidos limites aos gastos de campanha (Lei Orgânica dos Partidos Políticos - Lei nº

5.682/71).

Para coibir condutas lesivas e desvios de recursos decorrentes da patologia corrupção,

foi criado o arranjo institucional constitucional que estabeleceu mecanismos de controle

externo.

O código eleitoral (lei nº 4.737 de 15 de julho de 1965), recepcionado pela

Constituição de 1988, é literal ao repudiar o abuso do poder econômico (artigo 237), o bem

tutelado nessa norma é o próprio voto; mas por força da interpretação constitucional, é

possível verificar outros valores protegidos: probidade administrativa, moralidade no

exercício do mandado eletivo, normalidade e legitimidade das eleições (SALGADO, 2009)

A eficiência do modelo democrático demanda estabilidade institucional, capaz de

reforçar a estrutura do Estado e suportar a instabilidade natural do processo democrático. A

incerteza do resultado das urnas não deve se traduzir em incerteza de procedimentos.

As sociedades ocidentais, contemporâneas, são marcadas pela magnitude populacional

e complexidade de demandas, que somadas a extrema individualização, levam a

despersonalização e ao anonimato. SARTORI (1994b, p. 39) ressalta que “o voto sem livre

escolha não pode resultar num governo representativo, e torna-se nada mais do que uma

renúncia periódica do povo à sua soberania”.

CAGGIANO (2002a) identifica dois pontos sensíveis, que devem servir de guia para

coibir a vigência de uma plutocracia, primeiramente é preciso distinguir quais condutas

devem ser submetidas a controle, fixando-se o campo do que deve ser fiscalizado e o

momento em que isso deve acontecer; e ainda, cuidar para que o controle não acabe por

asfixiar a liberdade de atuação política, nem retire o caráter competitivo das eleições.

A lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, ao estabelecer as normas gerais para as

eleições, determinou obrigações aos Tribunais e Conselhos de Conta, a primeira delas é

perene: nos termos do § 5º, artigo 11, têm a obrigação de fornecer a relação de todos os

agentes que tiveram as contas relativas ao exercício de cargos ou de funções públicas

rejeitadas, por irregularidade insanável e irrecorrível, até 15 de agosto de cada ano eleitoral,

prazo que coincide com término dos pedidos de registro de candidatura - para composição de

cadastro de inelegibilidade.

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A segunda tarefa, tão importante quanto a primeira, mas que fica condicionada a

solicitação, diz respeito a concessão de técnicos em auxílio à Justiça Eleitoral para auxiliar na

fiscalização das contas de campanha a fim de identificar de eventual abuso de poder

econômico. A caracterização dessa infração, para o TSE, não se confunde com a conduta da

captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A da Lei 9.504/1997); caracteriza-se pela “utilização do

poder econômico com intenção de desequilibrar a disputa eleitoral, o que ocorre de modo

irregular, oculto ou dissimulado”81

Mesmo com o auxílio dos técnicos do Tribunal de Contas, a verificação dos dados

apresentados pelos candidatos e partidos, em razão do prazo exíguo, nem sempre consegue

avançar além da mera verificação formal de regularidade. O abuso de poder econômico no

mais das vezes é relacional, depende da comparação dos termos gerais da eleição.

Na sistemática adotada pela Constituição da República, o Tribunal de Contas da União

deve além de apreciar as contas do Presidente da República; realizar inspeções técnico-

contábeis de todas as destinações orçamentárias, a fim de verificar se a administração de bens

e valores da União estão sendo corretamente aplicados, e ainda, se a conduta das pessoas

responsáveis por tais bens apresenta alguma lesividade ao erário público82

.

CAGGIANO (2002) assevera, ainda, que os defensores do financiamento

exclusivamente público de campanhas tem obtido a simpatia de muitos especialmente pela

possibilidade de nesse cenário as contas de campanha passariam a ser submetidas a controle

mais intenso do Tribunal de Contas da União, o que revestiria o processo de maior

transparência. Aliás, a autora reconhece que

Certo é que, o nosso sistema busca respaldo na técnica das vedações

(especificadas anteriormente) e na idealização de um mecanismo de controle

que, a par do registro das doações, exige escrituração contábil e uma

prestação de contas ao final de cada pleito. Tudo sob o comando da Justiça

Eleitoral, responsável pela fiscalização e pelo atendimento da lei nos

períodos eleitorais. (CAGGIANO, 2002, p. 106)

A análise do Tribunal de Contas pode evidenciar, em que pese a residual

discricionariedade dos agentes públicos, se o emprego dos recursos do erário está sendo

realizado com alguma irregularidade ou importa em prejuízo, e assim, reprovar as contas do

81 Ac. de 2.12.2003 no AgRgREspe no 21.312, rel. Min. Carlos Velloso. 82

Cf. artigos 70, § único e 71, II, CF/88.

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87

agente político. A lei complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, conhecida como Lei da

Ficha Limpa, ressaltou a atividade do Tribunal de Contas - possibilidade de reprovar contas

sob critério técnico - como um dos itens condicionadores da declaração de inelegibilidade de

candidaturas.

FULIARO; VARGAS (2015) realizaram um levantamento sobre o impacto da adoção

dos critérios de inelegibilidade na jurisprudência, considerando o universo das candidaturas

impugnadas perante o TRE/SP nas eleições de 2014; isto é, fundadas na suposta ocorrência de

impeditivo descrito na Lei Complementar nº 64/1990. O relevo das impugnações em razão da

rejeição de contas pelo Tribunal de Contas [ alínea g83

, inciso I, do artigo 1º, LC 64/90], não

passou desapercebido da análise dos autores. Eles informam que entre as 101 impugnações

apreciadas, 40 relacionavam-se diretamente com aquela alínea. O referido texto normativo

torna inelegível aqueles que

tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas

rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de

improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente,

salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as

eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da

data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da

Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de

mandatários que houverem agido nessa condição

A Lei da Ficha Limpa, de inciativa popular, teve como principal objetivo realizar uma

triagem prévia nos concorrentes, antes mesmo, que pudessem ser considerados candidatos às

eleições. Esse filtro, de cunho moralizador, com argumento de proteção ao corpo eleitoral,

endureceu as regras de caracterização de inelegibilidades, e fixou um termo de suspensão

comum a todas as hipóteses: os que são tidos como inabilitados, são suspensos do direito de

concorrer a cargos eletivos pelo prazo de 08 anos.

Há que se observar, entretanto, que a técnica de redação da lei complementar, acabou

por produzir alguns paradoxos. A citada alínea g pode ser utilizada como exemplo, em seu

texto há a exigência que a improbidade configure ato doloso, qualificação que não existia

antes da alteração legislativa. FULIARO; VARGAS (2014) constatam que a Justiça Eleitoral

muitas vezes ao analisar as inelegibilidades, depende de elementos provenientes da Justiça

83

A alínea g foi acrescentada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010).

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88

Comum ou de outros órgãos, e que as qualificações exigidas no diploma legal nem sempre se

fazem presente nas decisões anteriores.

PAZZAGLINI FILHO (2014, p. 36) pondera que a atribuição constitucional de

julgamento das contas dos chefes do Poder Executivo é atribuição exclusiva do Poder

Legislativo correspondente; sendo que o Tribunal de Contas exerce atividade subordinada, a

fim de auxiliar no controle externo - pela emissão de pareceres de cunho técnico.

O STF em recente decisão84

fixou a competência exclusiva para julgamento contas de

governo e de gestão ao Poder Legislativo; esvaziando, portanto, a possibilidade que a rejeição

verificada pelos Tribunais de Contas seja suficiente configurar condição de inelegibilidade.

O TSE disponibiliza para consulta pública os pareceres emitidos pelas equipes de

auxílio ao processo de apuração de contas; os documentos relativos a campanha presidencial

de 2014, apontam que a conferência de contas de campanha se translada, em realidade, em

uma verificação por amostragem, embargada pela insuficiência de tempo para aplicação da

correta metodologia de controle85

.

Nas eleições municipais de 2016, a pedido do presidente do TSE, equipes do TCU

auditaram as informações prestadas pelos candidatos, com a despesas de campanha. Os

ditames da celeridade na apreciação das contas - prazos exíguos e imenso volume de dados

para análise; constituem uma fragilidade da Justiça Eleitoral na análise do componente abuso

de poder econômico.

Outro agente importante no combate ao abuso do poder econômico na seara eleitoral,

com competência específica para fiscalização e defesa do regime democrático, é o Ministério

Público; que sofreu uma grande reformulação constitucional, a partir de 1988, conforme

consta no artigo 127 da Carta Magna, atribui-se à instituição função precípua de realizar a

defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e do regime

democrático.

VELLOSO; AGRA (2014, p. 54) assinalam que ao eleger o Ministério Público como

defensor do regime democrático, conferiu-se ao órgão o dever de fiscalizar os mandatários do

poder eleitoral em relação a coisa pública; delegando a possibilidade de promoção de ações

84

Julgamento conjunto RE 848826 e RE 729744, em 17 ago 2016, fixou tese. Disponível em: <

http://stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4662945>. Acessado em 04

nov 2016. 85

Relatório Equipe TCU, dez/2014. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-

anteriores/eleicoes-2014/prestacao-de-contas-eleicoes-2014/coligacao-com-a-forca-do-povo-dilma>,

acessado em 04 nov 2016.

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89

civis públicas, impugnações de mandatos eletivos, entre outras assertivas. Ainda, na visão dos

autores, a liberdade de expressão concorre para a possibilidade que o parquet aja em sintonia

com a opinião pública.

FINGER (2009, p. 86) destaca que o Ministério Público é formado por um feixe de

membros independentes, inclusive às orientações das chefias e corregedorias, que não

possuem efeito vinculativo para os agentes da Instituição. Além da independência de cada um

dos membros, a organização goza de autonomia em relação aos demais poderes da República,

o que induziu que muitos a classificassem como um quarto poder do Estado; contudo, essa

qualidade não lhe foi atribuída pelos constituintes.

Não existe um órgão do Ministério Público específico para atuação na seara da justiça

eleitoral. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de

1993) ao regular as funções atribuídas pelos promotores de justiça delegou aos integrantes do

ministério público estadual a atuação perante a Justiça Eleitoral, em primeira instância;

procuradores regionais são designados pelo Procurador Geral da República para desempenhar

as competências do Ministério Público perante os Tribunais Regionais Eleitorais de cada

estado e do Distrito Federal. O próprio Procurador Geral da República ou seu substituto deve

atuar nas ações de competência do Tribunal Superior Eleitoral.

A atividade desenvolvida em âmbito da Justiça Eleitoral pelos Ministério Público

(Estadual e Federal) engloba a iniciativa como parte e a função fiscalizadora, como custos

legis, tanto na esfera administrativa quanto na seara judicial. Atividade político-partidária

configura um impedimento ao exercício das funções de fiscalização eleitorais pelos membros

do Ministério Público; óbice que perdura por 02 anos após a desfiliação partidária.

Em espelho com o Poder Judiciário, os membros do Ministério Público Eleitoral

atuam sob o princípio da rotatividade, exercendo a função por dois anos.

O fim maior da atuação do Ministério Público é garantir a lisura e a legitimidade do

processo eleitoral. RIBEIRO (1998) aponta que o texto constitucional concede autonomia ao

Ministério Público, isentando-o dos antigos vínculos com o Poder Executivo e sem submetê-

lo a quaisquer dos demais poderes da República, para que assuma o patrocínio dos interesses

sociais, comprometido com a defesa da ordem jurídica. Nas palavras do autor:

O Ministério Público nasce no Estado e é uma de suas instituições básicas,

trazendo intrínseco compromisso de assumir o patrocínio dos interesses da

Sociedade em prol da qual passam a convergir os seus préstimos funcionais,

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na persistente defesa do primado da ordem jurídica, que por ela se fez e, para

ela se destina. (RIBEIRO, 1998, p. 68).

A coordenação de esforços entre os Tribunais de Conta E o Ministério Público

Eleitoral poderia gerar resultados positivos no combate do abuso de poder econômico, dado

que a capacidade técnica do primeiro pode gerar substratos para que o segundo cumpra seu

papel institucional. A recente exigência implementada pela minirreforma eleitoral86

, que

impõe o dever de informação dos dados do doador, em especial o número do Cadastro de

Pessoa Física (CPF) pode se consolidar como fator preponderante na verificação da origem

dos recursos e em especial o respeito ao limite de doação estabelecido.

Transparece como tendência presente a ampliação do fluxo de informação entre os

órgãos de controle (interno e externo) da administração pública com o Ministério Público,

como a redação da Lei 12.846/2013 permite antever.

3.3 Regulamentação dos Meios de Comunicação de Massa

A preocupação com a possível influência nos meios de comunicação na formação da

opinião pública, em ambientes democráticos, não é questão recente. TOQUEVILLE (2005)

dedicou um capítulo para observar a liberdade de imprensa nos Estados Unidos, logo após a

independência estadunidense. Ciente da força da imprensa na formação do conhecimento

geral da sociedade apontou

A liberdade de imprensa não faz seu poder sentir -se apenas nas opiniões

políticas, mas também sobre todas as opiniões dos homens. (Ob. cit., p. 207)

A percepção de verdade, como adverte FOUCAULT (1984, p. 12) é formada de

maneira vinculada aos sistemas de poder, trata-se de um produto das múltiplas coerções e nele

produz efeitos regulamentados, varia conforme as políticas gerais de cada sociedade; há um

complexo de mecanismos e instâncias que sancionam o conteúdo como verdadeiro; entre eles

a centralização da verdade no discurso científico e nas instituições que o produzem.

86

Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015. Altera as Leis nos 9.504, de 30 de setembro de 1997, 9.096,

de 19 de setembro de 1995, e 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, para reduzir os custos

das campanhas eleitorais, simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a

participação feminina.

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SCHMITT (2000, p. 39) assevera que a opinião pública depende de liberdade de

opinião, de imprensa e imunidades parlamentares, no sentido liberal dos termos, para que seu

significado no sistema seja substantivo. Desta forma a pressão pública pode ser exercida, pela

manifestação do voto, por exemplo; a liberdade de opinião assegurada aos indivíduos conduz

a transição das convicções privadas em vontade coletiva - a competição de opiniões para que

a melhor vença se concretiza apenas em ambiente de liberdade.

HAURIOU (2009, p. 35) aponta que a personificação do Estado é evidenciada pelo

ambiente de liberdades políticas e participação dos cidadãos no governo, nesse estágio há uma

prevalência do poder majoritário no processo deliberante.

Na obra A Imprensa e o Dever de Verdade, BARBOSA (1990), discorre sobre a

necessidade do compromisso da verdade pela imprensa, sob o risco de na sua degenerescência

imprimir ideias falsas e sentimentos pervertidos, comprometendo mesmo a consciência da

população e obliterar a sua visão para os vícios que assolam as instituições. Conquanto a

liberdade de imprensa tenha sido laureada no processo de reabertura democrática; durante as

eleições o posicionamento aberto dos meios de comunicação em favor de algum dos

candidatos pode gerar distorções.

O abuso do poder de comunicação apropria-se da força latente dos veículos de

transmissão em massa para influenciar a formação da opinião pública, o conteúdo da

informação é transferido para segundo plano em função da competência de quem comunica.

PEREIRA (2011, p. 205), ressalta que os laços entre políticos e meios de comunicação são

imiscuídos de uma intimidade perturbadora, pois, no mais das vezes o político é detentor de

cotas de participação nas empresas de comunicação social, ou algum parente ou amigo

próximo o é; condição que causa desiquilíbrio na disputa, pois quebra a paridade de armas

esperada.

SINGER (2000) destaca dois aspectos sobre os quais a mídia brasileira exerce

influência na democracia: primeiro na construção de instituições representativas capazes de

auxiliar a pacificação social; e segundo, como fonte de informação de qualidade prestada à

população. O autor ressalta, ainda, que no Brasil há uma forte tradição da imprensa voltada

para o mercado; cujo resultado direto, seria o enfraquecimento de mídias partidárias; e

mesmo, a substituição pela imprensa do papel dos partidos políticos em sua função

comunicadora. Compara a força da imprensa a um poder do Estado, no exercício de controle

das instituições representativas consegue constituir-se como obstáculo capaz de limitar outro

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poder - cita como exemplo dessa força o impeachment do presidente Fernando Collor de

Mello87

.

O processo democrático é sintetizado no processo eleitoral que computa a opinião dos

eleitores a fim de extrair o consenso, a experiência do voto envolve uma fase pré-eleitoral, na

qual a vontade do eleitor é formada; mais que a garantia mecânica de eleger, “a garantia

essencial é constituída pelas condições em que o cidadão obtém informações e é exposto à

pressão dos formadores de opinião” (SARTORI, 1994a, p. 124).

DUVERGER (1980, p. 104) pondera que apesar de esforços para a promoção da maior

igualdade entre os pleitos, a pressão do dinheiro produz imensas desigualdades entre os

candidatos, especialmente porque a propaganda moderna exige dispêndios cada vez maiores.

Antes, quando a formação da opinião pública, era centrada majoritariamente, nos

meios de comunicação impressos e rádio, persistia um equilíbrio de forças políticas

antagônicas e a formação de opiniões subjetivas e heterônomas, sempre que esse ambiente

fosse livre e múltiplo, o que assegurava a representação na mídia de muitas vozes. O

surgimento da televisão alterou esse equilíbrio; essa mídia, centrada na força das imagens,

suplantou a necessidade de racionalizar a informação (SARTORI, 1998, p. 71).

LIMA (1996, p. 239) destaca em seu texto o papel de centralidade assumido pela

mídia88

na vida cotidiana da população, independentemente da classe social, etnia, sexo ou

idade; razão pela qual não deve causar estranhamento que o locus tenha se transformado em

palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder político na contemporaneidade. A

televisão exerce uma especial influencia nesse cenário, haja vista ser o meio de comunicação

de massa dominante.

Quatro consequências podem ser identificadas do uso prolongado dessa meio de

comunicação de massa: primeiro a televisão altera a percepção da experiência de presenciar,

uma vez que rompe a conexão física para que um evento possa ser assistido; segundo, ao usar

o sentido visão, prioritariamente, a televisão induz a respostas de cunho emocional, criando

87

Como relata o autor após a primeira denúncia veiculada (revista Veja, maio 1992), a grande

imprensa se empenhou numa disputa para descobrir outros fatos que comprometessem o presidente

da República, fomentando um ambiente anti-Collor; o autor atribui a queda do presidente a

derrubada pelo sistema da grande imprensa. 88

Para o autor mídia é termo coletivo para o qual convergem ferramentas tecnológicas de

telecomunicações, informação de massa, informática, gestados pela era digital - que assumiram

função elementar na engrenagem de globalização econômica, cultural. O dinamismo desse setor,

impulsionado por grandes investimentos, é vetor da radical transformação social que a sociedade

mundial atravessa. (LIMA, 1996, p. 239).

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uma intimidade distante entre os telespectadores e o conteúdo veiculado - a resposta sensorial

não implica em racionalização sobre as mensagens; terceiro, a distinção entre ficção e

realidade se torna cada vez mais laboriosa, vez que mesmo os telejornais constituem-se em

ficções - imagens que existem apenas no ambiente televisivo (como por exemplo o replay de

um lance polêmico em alguma partida esportiva); e por fim, a televisão é espaço de

construção da cultura mítica contemporânea, sobretudo pela narrativa melodramática89

.

Quando a teoria política começa a entender quem constrói o nosso desejo abeira-se da

das fontes de poder. A consciência de como são formados os desejos de consumo auxilia

identificar como esse impulso move massas, move multidões; e especialmente que essa

aspiração surge de ações externas, alheias ao indivíduo.

SARTORI (1998) observa que a maximização da democracia demanda, por

conseguinte, o mesmo vetor de crescimento da população informada sobre os acontecimentos

políticos, e mais, que esse mesmo vetor indique o aumento da capacidade geral de

compreensão dos fatos; para que o demos consiga atuar mais ativamente e melhor que antes.

Contudo, o fenômeno que se verifica na atualidade é o inverso, apesar da expansão

democrática, o sentido da trajetória da participação e da compreensão políticas é decrescente;

o autor aponta a televisão como uma das razões que explica essa circunstância - a

interferência causada por esse meio de comunicação, em específico, as imagens prontas

empobreceriam a capacidade de abstração e com isso nossa capacidade de enfrentar os

problemas de forma racional; assim, a maior possibilidade de participação popular, não reflete

melhor capacidade do demos em responder às questões que lhe são dirigidas.

As mídias de comunicação têm ocupado um espaço que deveria ser de protagonismo

dos partidos políticos, a modificação da relação entre os indivíduos e a cena política tem sido

impactada pela atuação da televisão, que acaba por mediar a comunicação entre sociedade e

governantes - função antes exercida com preponderância pelos partidos políticos - causando,

desta forma, um esmaecimento nos vínculos de identificação partidária; fenômeno que se

observa em todas as principais democracias.

LIMA (1996, p. 266) assevera que

A crise universal por que passam os partidos políticos tem ampliado a

presença dos midia no processo político. No Brasil que, como já vimos,

possui sistema político partidário historicamente frágil (Kinzi, 1994) ao lado

89

As três primeiras consequências foram identificadas das pesquisas de Meyrowitz (1985 e 1987) e a

quarta de Silverstone (1988), apud LIMA (1996, p. 253).

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de um sistema de comunicações historicamente concentrado - horizontal e

verticalmente - e oligopolizado (Amaral e Guimarães, 1994), a presença dos

midia como atores da política torna-se ainda mais acentuada.

Apesar da expressa proibição constitucional inserta no inciso II, artigo 54, da

Constituição da República, que expressamente repudia a participação de parlamentares em

quadros societários de empresas detentoras de direitos de concessão de transmissão e difusão

de rádio e TV; é comum, senão habitual que políticos (senadores e deputados federais,

sobretudo) ou pessoas que lhe são próximas (familiares e amigos) gerenciem concessões de

serviço de difusão de rádio e TV; a prevalência desse desvio fez que alguns pesquisadores

cunhassem o termo coronelismo eletrônico9091

.

Nas palavras de SANTOS (2016)

A expressão coronelismo eletrônico inclui a relação de clientelismo político

entre os detentores do Poder Público e os proprietários de canais de

televisão, o que configura uma barreira à diversidade representativa que

caracterizaria uma televisão na qual o interesse público deveria ser

priorizado em relação aos interesses particulares.

A concentração de concessões de radiodifusão entre os representantes políticos

contribui para que o principal meio de acesso à informação, que deveria prestigiar o interesse

público - dada a natureza da concessão pública que o autoriza; acabe cooptado pelos

interesses menores - seja dos próprios cotistas ou sócios, seja do poder econômico, dado que

as despesas com publicidade se concentram majoritariamente nessas mídias92

.

Contrapondo-se a essa tendência o Partido Solidariedade Liberdade (PSOL) ingressou

com arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de concessão de

medida cautelar, ADPF nº 379/DF, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Ainda

90

Os três principais pesquisadores do tema são Sérgio Capparelli, Venício Arthur de Lima e Susy dos

Santos, que apontam como marco zero no surgimento do termo uma matéria veiculada no Jornal do

Brasil, 7-12-1980, cujo gatilho fora uma entrevista dada pelo ex-senador Atílio Fontana, na emissora

de rádio de Concórdia -SC. Na matéria jornalística com o título No ar, a Voz do Dono denuncia-se a

burla da lei Falcão e outras limitações do TRE pelo uso das concessões de rádio e TV como palanque

de propaganda política dos proprietários. (FARIAS, 2009). 91

Está em curso um projeto de pesquisa, liderado pela pesquisadora Dra. Susy Santos, atrelado ao

grupo de pesquisas “Políticas e Economia Política da Informação e da Comunicação, vinculado ao

Programa de Pós-Graduação em Comunicação (ECO-UFRJ), sob título “Coronelismo eletrônico:

dinâmicas assimétricas de poder e negociação - Clientelismo e patrimonialismo nas políticas de

comunicação brasileiras”, com previsão de conclusão dos trabalhos em maio/2017. 92

Cf. pesquisa Kantar, Ibope, Media, disponível em: < https://www.kantaribopemedia.com/meios-de-

comunicacao-janeiro-%D0%B0-junho-2016/>, acessado em 02 out 2016.

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nenhuma medida judicial foi determinada. Contudo, há nos autos o parecer favorável à

admissibilidade da medida cautelar requerida, proferido pelo Procurador Geral da República

(PGR), Sr. Rodrigo Janot, que destacou que “a dimensão positiva da liberdade de expressão e

do direito à informação, [...] implica no dever-poder do Estado de atuar positivamente sobre o

sistema”; a regulamentação das atividades de comunicação [radiodifusão], nesse aspecto,

reforça a garantia aos direitos da personalidade - sem que configure, de outra sorte, censura.

Entre outros argumentos empregados para corroborar a pretensão da demanda, o PGR aduz

que é notória a influência que os meios de comunicação exercem na formação da opinião

pública; e, que o sistema democrático pátrio pressupõe a liberdade de formação de vontade

política. Ele ressalta a participação como cotistas, associados ou mesmo familiares e amigos

íntimos de mandatários eleitos, nas empresas de detém as concessões permite que a influência

dos meios de comunicação seja utilizada para favorecimento pessoal de seus sócios ou

associados não apenas durante a disputa eleitoral, como também ao longo do mandato eletivo.

A lei das eleições reconhece o impacto da mídia cotidiana na formação da opinião

pública, tanto assim, que impõe diversas restrições às emissoras de rádio e televisão, a fim de

assegurar a lisura do processo eleitoral, nos termos do artigo 45 da Lei das Eleições. Contudo,

vencido o período preservado na legislação, não há qualquer limitação.

SARTORI (1994a, p. 148) relaciona a piora na qualidade da informação veiculada

pela mídia com a regressão dos padrões éticos-profissionais; o empobrecimento do

conhecimento geral favorece a maior vulnerabilidade da opinião pública - que apresenta

dificuldades em distinguir a verdade dos fatos, da verdade produzida pela mídia. Apenas o

aumento da responsabilidade dos agentes comunicadores figura como saída possível desse

ciclo.

O vetor de sentido da identificação do poder, até o século XX, rumava em direção a

despersonalização, com absorção da autoridade pelas instituições; contudo, os meios de

comunicação difundidos por ondas alteraram essa realidade; a transmissão via rádio das

notícias do governo, encetava a possibilidade de identificar a voz do chefe político. Esse é o

marco de reversão de sentido, como explica FERREIRA FILHO (1992, p. 14), o processo de

personalização do poder acelera-se com a popularização da televisão, que possibilita a maior

identificação com o líder.

BONAVIDES (2001, p. 12) reputa aos meios de comunicação de massa a

responsabilidade pela descaracterização da verdade legítima, erodindo o interesse nacional a

fim de satisfazer os interesses dos substanciosos subsídios da publicidade paga.

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A regulamentação dos meios de comunicação, portanto, precisa ser conjugada, no caso

brasileiro, à redução da concentração das concessões em grupos oligárquicos. Apenas com a

oxigenação do sistema, pela pulverização das concessões entre os diferentes segmentos

sociais, poder-se-á atender aos preceitos basilares do Estado Democrático de Direito. Em

especial, reduzir o impacto causado na formação da opinião pública.

3.4 Transparência aplicada aos Partidos Políticos

DAHL (2005) propõe que a democratização de um Estado seja inicialmente verificada

pela análise de duas dimensões: (i) possibilidade de contestação pública, isto é, direito de

exercer oposição ao governo estabelecido; e (ii) direito de participação que significa a

possibilidade de tomar parte na ‘administração’ pública. O autor destaca ainda, que uma das

maiores mudanças verificadas no século XXI é o reconhecimento, quase que total, da

legitimidade da participação popular no governo, a maior parte dos países mantém pleitos

periódicos, o direito ao voto universal e eleições livres.

KELSEN (2000) defendia que essa instrumentalização da democracia deveria ser

conduzida através de partidos políticos, reputando a essas organizações elevado papel social,

pois, serviriam não apenas à organização de eleições e a viabilização de candidaturas; mas,

especialmente, consubstanciariam o locus ideal para concatenar grupos de interesse

assemelhado e permitir a eles desenvolver um perfil programático, que tornasse previsível o

tipo de representação decorrente, em caso de vitória eleitoral.

As diversas rupturas institucionais, no cenário doméstico, impediram fluxo de

maturação do desenvolvimento das agremiações políticas; e, concorreram para cultura de

personificação das entidades.

A Constituição da República procurou manter o fio condutor da reabertura política e

fomentar o pluralismo de partidos políticos; deles retirou a condição de ente público,

propiciando que essas instituições gozassem de autonomia e independência internas. Contudo,

permanece a normatização de diversos aspectos dada a relevância e a importância dos partidos

no sistema eleitoral brasileiro. FERREIRA FILHO (2015, p. 88) repara que a opção dos

constituintes favoreceu a proliferação de legendas partidárias, havendo quase quarenta delas

em atividade.

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O monopólio das candidaturas implica no reconhecimento dessas organizações do

status de ator no cenário eleitoral, protagonizando ao lado dos cidadãos e dos candidatos

papel de relevo na operação eleitoral. A autonomia dos partidos políticos, fixada

constitucionalmente93

, permite que as agremiações se estruturem internamente, a fim que

definam regras de organização, uso dos recursos financeiros, condições para admissibilidade

de filiados e forma de seleção interna dos candidatos e das eventuais coligações; essa

prerrogativa impede a interferência pelo Poder Judiciário, exceto se presente violação de

direitos fundamentais (PEREIRA, 2011, p. 140).

A Lei dos Partidos fixa pontos chaves aos quais os estatutos partidários devem dar

vida, não existe uma única fórmula de preenchimento destas estruturas; assim, se partido Y

tem como condição de escolha de candidatos a realização de prova de conhecimentos gerais;

nada impede que o partido L opte para que o seu sistema de seleção exija o apoio de uma

certa quantidade de afiliados.

Contudo, por variada que possa ser a formatação interna do partido político, não se

deve olvidar que a formalização de filiação partidária é condição sine quo non para todos os

que desejam exercer o direito de ser candidato, no Brasil.

Outro fenômeno interessante que merece reparo, consiste na percepção que as

agremiações políticas, a apesar da ampla liberdade para fixar suas plataformas ideológicas em

seus estatutos; ao fazê-lo, concentraram-se, no mais das vezes, ao centro das posições

ideológicas - sem assumir matizes específicos. Trata-se de estratégia clara para atrair o

máximo de simpatizantes possível no espectro do corpo eleitoral; essa distorção permitiu

produzir estatutos quase que idênticos.

A formulação de coligações e sua abrangência territorial, depende da disposição entre

partidos e não sofre ingerência da legislação. Não obstante, a Res. do TSE nº 20.993,

determinou, em fevereiro de 2002, que as coligações formadas à fim de disputar a eleição

presidencial deveriam ser mantidas nacionalmente, vedando que na esfera da disputa para o

governo de Estado ou Distrito Federal, e ainda, para os cargos eletivos para o Senado e para

as Câmaras fossem formadas coligações de maneira diversa; critério que ficou conhecido

como verticalização. ALMEIDA NETO (2014) ao discorrer sobre esse episódio, afirma que

os partidos reagiram contra essa sistematização, primeiro, na esfera judicial, pela interposição

de Ações Direta de Inconstitucionalidade, que não foram acolhidas pelo STF; e ante a

93

Cf. artigo 17, § 1º, CF/88.

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98

sensibilidade da questão, articularam inovação em matéria legislativa, o Congresso Nacional

alterou a redação dada ao § 1º do art. 17 da Carta Magna94

, para formalizar a não

obrigatoriedade da reprodução verticalizada das coligações firmadas em âmbito nacional.

A fidelidade partidária é um dos pressupostos da democracia pelos partidos, nos

ensinamentos de KELSEN (2000). Domesticamente, o dispositivo constitucional, supra,

determina aos estatutos das instituições político-partidárias o dever de fixar internamente

regras de fidelização. Todavia, por muitos anos conviveu-se com a periódica migração de

mandatários eleitos por outras legendas para àquelas que compunham a base dos governos

majoritários (nacional e estadual), atraídos pela possibilidade de obter algum favorecimento

pela aderência ao governo da situação. Conduta depreciativa não apenas ao partido político

abandonado, mas aos votos depositados pela sociedade na legenda - afinal, num sistema

proporcional é fundamental o desempenho do partido para definição de cadeiras, são exceções

àqueles que se elegem com número de votos igual ou superior ao quociente eleitoral.

ALMEIDA NETO (2014, p. 184) recorda que a mudança no paradigma foi

desencadeada pela consulta nº 1.398/DF, formulada pelo PFL ao TSE. No questionamento

apresentado, desejava-se saber, em tese, se os partidos e coligações teriam o direito de manter

ou não a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, na hipótese de pedido de

cancelamento de filiação, ou pedido de transferência do candidato eleito. Em resposta, o

Tribunal emitiu uma resolução confirmando que a vaga deveria permanecer vinculada ao

partido ou coligação. A resolução do TSE nº 22.526/2010, de 27.03.2007, mesmo desprovida

de força cogente, foi utilizada como argumento para o pedido declaração de vacância; e ainda,

foi utilizada pelo STF, como marco na alteração do entendimento jurisprudencial. O autor

pontua, ainda, que apesar da alteração jurisprudencial a migração entre legendas permanece

constante, e muitas das vezes sem qualquer consequência95

.

Cabe uma indagação, se há no Brasil uma ampla existência de partidos políticos, se o

parlamento é preenchido de forma proporcional, a fim de aumentar a representatividade

social, por que persiste o estranhamento entre representantes e seus eleitos?

O perfil96

dos candidatos vencedores do pleito para formação do Congresso Nacional,

em 2014, composto majoritariamente por pessoas do sexo masculino, brancas, com ensino

superior concluído, e com patrimônio pessoal superior a um milhão de reais; de fato não se

94

EC 52, de 08 de março de 2006. 95

Cf. art. 1º, II, da Res. do TSE 22.610/2007. (ALMEIDA NETO, 2014, p. 185) 96

Cf. Relatório das Eleições 2014, TSE.

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parece com as informações obtidas no último censo realizado pelo IBGE sobre a composição

da sociedade brasileira, aliás, se há alguma semelhança ela existe no reverso.

Convém retomar a lição de MICHELS (1982, p. 231), e sua lei de bronze dos partidos

políticos, in verbis

É muito provável que um grupo social, de posse dos instrumentos de poder

coletivo, fará todo o possível para conservá-los.

CAGGIANO (2015, p. 85) ao perscrutar sobre um possível método de

rejuvenescimento da democracia, ressalta que a sociedade anseia que a fórmula democrática

leve ao fortalecimento da representação-semelhança97

a fim que as decisões políticas possam

se alinhar com a expectativa do mais abrangente leque de opiniões do tecido social.

O processo eleitoral é dependente das figuras dos partidos políticos, elementos

catalizadores da sociedade civil, sem os quais seria difícil a formalização de qualquer tipo de

representatividade. Não se ignora, entretanto, a capacidade corrosiva que o poder em si exerce

sobre quem o detém, são recorrentes os exemplos na História que demonstram que os

detentores do poder político tendem a buscar formas de se perpetuar no mando e a lei deve

coibir perversões que podem degenerar seu caráter democrático. Frise-se os desdobramentos

sucessivos gerados a partir da denúncia do Mensalão até o gigantismo da operação Lava à

Jato, que têm trazido à claridade um sem fim de desvio de conduta dos mandatários eleitos.

BOBBIO (1984, p. 101), identificou nesse tipo de operação uma janela para alterações

estruturais, que aperfeiçoem a experiência democrática, in verbis:

O que distingue o poder democrático do poder autocrático é que apenas o

primeiro, por meio da livre crítica e da liceidade de expressão dos diversos

pontos de vista, pode desenvolver em si mesmo os anticorpos e consentir

formas de "desocultamento" [...] Uma operação típica de “desocultamento” é

precisamente a denúncia de escândalos, ou melhor, a denúncia de ações

realizadas sem caráter público que, uma vez tornadas públicas, suscitam

escândalo. (BOBBIO, 1984, p. 101)

O princípio da transparência nesse sentido pode ser instrumento para aperfeiçoamento

dos partidos e consequentemente da própria democracia, no dizer de BOBBIO (1984) o poder

democrático é necessariamente visível. MARTINS JUNIOR (2013, p. 990) assevera que a

97

Nesse modelo dá-se margem à presença política dos mais diversificados segmentos sociais.

(CAGGIANO, 1987, p. 189).

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visibilidade é ponto fundamental do Estado Democrático de Direito, não limitada ao

conhecimento sobre a gestão pública, mas se configura como importante ferramenta ao

controle popular [exercitado pelo voto] e a segurança jurídica.

LEMBO (2015, p. 55) alça a transparência ativa a condição essencial do Estado de

Direito, o cidadão é titular de sua vontade, é livre; um dos atributos dessa liberdade é ter

acesso a todos os temas da vida pública.

Nesse aspecto LORENCINI (2008) relaciona um segundo efeito esperado da aplicação

da transparência aos partidos políticos, em especial a forma de obtenção de recursos para

financiamento de suas campanhas eleitorais, é a possibilidade ampliada de controle do abuso

do poder econômico e à corrupção.

CAGGIANO (2002) destaca que o controle do financiamento da atividade político-

eleitoral é ponto nevrálgico a fim de assegurar a observância do disposto no artigo 237 do

Código Eleitoral, para tanto, é de rigor que a vigilância aplicada aos partidos se traduza em

transparência contábil, permitindo identificar a origens dos recursos recebidos, se decorrem da

atuação de lobbies; e da mesma forma rastrear a maneira como tais recursos foram utilizados.

MESSA; BARBOSA (2015, p. 182) apontam que o desenvolvimento da transparência

como princípio do direito eleitoral emerge em torno da crise vivenciada pela democracia

representativa; enumeram mecanismos que possibilitam o seu emprego: prevenção e combate

à corrupção eleitoral; dever de prestar contas; acesso à informação; boa governança;

instrumentos de responsabilização dos mandatários eleitorais por crimes de responsabilidade.

As autoras atribuem à transparência capacidade de robustecer o exercício da cidadania.

Como dito alhures, os partidos políticos são essenciais à construção da democracia

material; contudo, sem que se construa uma via de reconciliação, entre as agremiações e a

sociedade civil, a fim de permitir que diálogo entre governo e representados flua através

instituições político-partidárias, consubstanciando a almejada representação-semelhança. A

transparência aplicada aos partidos políticos, não é conflitante com sua natureza civil; ao

contrário, tal qual se exige ampla publicidade na condução dos negócios das sociedades

anônimas de capital aberto, é razoável que o mesmo princípio seja aplicado aos partidos.

A informação transparente deve ser acessível e de fácil compreensão.

Aplicar tal princípio como regra de conduta aos partidos permitirá torna-los mais

visíveis, e, portanto, mais democráticos.

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CONCLUSÃO

A efetividade dos regimes democráticos depende necessariamente da dinâmica da

representação política, dado que esse ainda é o sistema que mais se aproxima da concreção do

ideal de autogoverno; apesar da inconteste necessidade de aperfeiçoamento.

Os princípios de direito eleitoral são reflexos dos princípios fundamentais

constitucionais, deles recebem um fluxo interpretativo e integrativo; o tronco comum do

direito eleitoral se subdivide em direito eleitoral substantivo e direito eleitoral instrumental.

A democracia enquanto regime deve ser pautada por relações de poder simétricas; essa

harmonia depende da transparência na relação entre os atores sociais. O caráter público

inspirado pelo modelo democrático não admite espaço para condução em segredo ou de forma

privada de políticas atinentes à toda a sociedade; a visibilidade é um dos atributos do regime.

Há que se reconhecer, portanto, a centralidade do processo eleitoral na concreção do

princípio da soberania popular e materialização da democracia para além da superficialidade

de falsas aparências.

Eleger significa selecionar, o ponto crucial da estrutura da democracia, uma vez que a

partir dessa escolha são definidas as lideranças que conduzirão a nação e tomarão decisões

que a todos vinculam. É legítima, portanto, a preocupação com a qualidade do voto e com o

valor nele expressado.

Não se pode perpetuar um sistema no qual lideranças sem merecimento preponderem

sobre candidatos que detenham maior valor, apenas pela ausência de paridade nas condições

de competição eleitoral.

A manifestação da vontade popular precisa ser colhida em ambiente cuja concorrência

se manifeste de maneira justa e equilibrada, livre de elementos poluidores; em especial, sem

que o abuso do poder econômico acabe por desnivelar o pleito.

A influência abusiva do poder econômico no processo político afronta os princípios

fundamentais da ordem constitucional, sobretudo os consubstanciados no artigo 1º, caput e

seu parágrafo único; possibilitando que restritos grupos de interesse prevaleçam sobre a

imensa maioria, típica plutocracia. Ressaltamos, apenas a conduta abusiva; o poder

econômico em si é parte estrutural do Estado.

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A transparência exsurge nesse cenário como elemento ativo em todas as condutas

preventivas. A claridade tem como efeito imediato a revelação dos liames do poder invisível;

que sempre que é trazido à tona sujeita-se a controles e fiscalização, desarmado seu potencial

lesivo.

Os mecanismos de controle têm sido aprimorados: a lei nº 9.504, de 30 de setembro de

1997, estabelece normas gerais para as eleições, inclusive o limite máximo com gastos em

campanhas eleitorais e o princípio da transparência das doações recebidas pelos candidatos e

partidos; a possibilidade de obtenção de recursos por doações de pessoas jurídicas foi

rechaçada pelo julgamento da ADI 4650, que declarou a inconstitucionalidade dos seguintes

dispositivos: art. 23, §1º, I e II; o art. 24; e o art. 81, “caput” e § 1º, da Lei nº 9.504/97 (Lei

das Eleições); e o art. 31; o art. 38, III; o art. 39, “caput” e § 5º, da Lei nº 9.096/95 (Lei

Orgânica dos Partidos Políticos).

Mesmo a fortuna pessoal sofre limitações, no ambiente competitivo, uma vez que são

estabelecidos limite de gastos máximos, em campanhas eleitorais. Foram abolidos das práticas

eleitorais a confecção de brindes com dados do candidato, doação de cestas básicas,

realização de showmícios e quaisquer outros itens que pudessem ser traduzidos em vantagem

ao eleitor.

Verifica-se, adicionalmente, ao princípio da igualdade do valor do voto, um segundo

efeito: o princípio igualdade de chances, ou paridade de armas. A legislação ter como norte a

busca pelo equilíbrio nas campanhas eleitorais. Assim, é muito pertinente a expressa

determinação do artigo 237 do Código Eleitoral em coibir a interferência do poder econômico

e do abuso de autoridade em desfavor da liberdade do cidadão.

Ainda é tímida a prevalência do princípio do igual direito a ser votado, as regras de

participação do fundo partidário privilegiam legendas consolidadas, sendo ínfimo o percentual

partilhado de forma comum com todos os partidos.

O fortalecimento da democracia decorre necessariamente da virtude de seu corpo

eleitoral, por isso, é imperioso que a principal fonte de informações [meios de mídia de

massa] seja submetida a regulamentação, com delimitação de responsabilidades. Nesse

aspecto o rompimento do sistema de oligopólios que permite o paralelismo com a arcaica

prática do coronelismo de outrora, precisa ser enfrentado. Há necessidade de delimitação

entre os conceitos público e privado - em especial pelo enfrentamento da concentração de

concessões de transmissões de rádio e TV por políticos ou pessoas a eles próximas.

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A celeridade exigida pelo processo eleitoral não deve ser obstáculo a efetiva

fiscalização das condutas que podem caracterizar abuso de poder econômico. Da análise

empreendida, mesmo com o auxílio de diversos órgãos [Tribunais de Conta, Receita Federal,

Conselho Federal de Contadores] não foi possível analisar com profundidade as contas

apresentadas pelos candidatos à Presidência da República, no último pleito realizado 2014.

Acintosa, portanto, a necessidade de adoção de métodos de controle, em especial para

identificação dos doadores, e do respeito aos limites impostos a participação. A exigência de

prestação de contas de forma mais apurada pelos partidos políticos ao Tribunal de contas da

União, em razão do recebimento e empenho de verbas de natureza pública, parece outro

caminho para barrar o incorreto uso do poder econômico.

O aumento do controle popular, possibilitado pela maior aplicação da transparência

como regra, por fim, talvez seja a forma mais efetiva de combate à poluição causada pelo

poder econômico, e das outras diversas formas pelas quais a corrupção se apresenta.

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