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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Emerson Ferreira da Rocha O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

Emerson Ferreira da Rocha

O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES

São Paulo 2010

2

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

Emerson Ferreira da Rocha

O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu – USJT, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Jonas de Lima Piva.

3

Rocha, Emerson Ferreira da

O estado de natureza: medo e esperança em Hobbes / Emerson Ferreira da

Rocha. - São Paulo, 2010.

99 f. ; 30 cm

Orientador: Paulo Jonas de Lima Piva

Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2010.

1. Hobbes, Thomas, 1588-1679 - Crítica e interpretação. 2.

Natureza humana. I. Piva, Paulo Jonas de Lima. II. Universidade

São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Filosofia. III. Título

CDD – 192

4

FOLHA DE APROVAÇÃO EMERSON FERREIRA DA ROCHA

O ESTADO DE NATUREZA: MEDO E ESPERANÇA EM HOBBES

Dissertação apresentada ao Programa Pós-Graduação para obtenção do título de Mestre em Filosofia na Universidade São Judas Tadeu - USJT.

São Paulo, 09 de agosto de 2010.

Orientador:

_____________________

Prof. Dr. Paulo Jonas de Lima Piva

Universidade São Judas Tadeu

Examinador:

______________________

Prof. Dr. Floriano Jonas Cesar

Universidade São Judas Tadeu

Examinadora:

______________________

Profa. Dra. Eunice Ostrensky

Universidade de São Paulo- USP

5

DEDICATÓRIA

aos meus pais, que, muito cedo, deixaram o sertão nordestino para construir uma vida na cidade grande; e à minha noiva e futura esposa Denize Donato, a qual,

com todo amor, me ajudou nos momentos difíceis deste trabalho.

6

AGRADECIMENTOS

À coordenação e ao corpo docente da Universidade São Judas - USJT, em especial ao professor Dr. Paulo Jonas Lima Piva, que, com enorme paciência, ajudou-me; à minha família e noiva pela ajuda prestada; e aos meus amigos, em especial, a Leandro Lopes e Juliana Moura.

7

RESUMO

O propósito principal deste trabalho é tratar do estado de natureza em

Thomas Hobbes (1588-1679), mais exatamente, promover uma reflexão sobre o

papel das paixões humanas nessa situação, na qual o Estado inexiste, em

especial, o papel do medo e da esperança. Para tal empreendimento, tomaremos

por base sobretudo o Leviatã (1651), obra mais desenvolvida e pertencente à fase

de maturidade do filósofo. Faremos isso em três momentos. Num primeiro

momento, apresentaremos as paixões humanas e a sua origem de acordo com o

nosso autor. Em seguida, passaremos a expor como as paixões agem entre os

homens durante o estado de natureza. Finalmente, abordaremos o tema da

passagem dos homens do estado de natureza para o estado civil e como essas

paixões impulsionam tal passagem.

Palavras chave: estado de natureza- paixões – esperança – medo.

8

ABSTRACT

The main purpose of this study is to address the state of nature, Thomas Hobbes (1588-1679), more exactly, to promote reflection on the role of human passions in this situation, in which the state does not exist, in particular the role of fear and hope. For this undertaking, we shall mainly based on the Leviathan (1651), a work further developed and owned by the maturity of the philosopher. We will do this in three stages. At first, we present the human passions and their origin according to our author. Then we will expose how the passions of men act during the state of nature. Finally, we discuss the theme of the passage of men from the state of nature to the marital status and how those passions drive this transition.

Keywords: state of nature- passions - hope - fear.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................p. 10

CAPÍTULO 1 O homem que deseja: Hobbes e as paixões...............................................................p. 18 CAPÍTULO 2 O homem que deseja: as paixões entre os homens....................................................p. 40 CAPÍTULO 3 Razão e esperança: as paixões no estado civil...........................................................p. 67 Conclusão..................................................................................................................p. 96 Bibliografia....................................................................................................................p. 98

10

INTRODUÇÃO

Thomas Hobbes figura entre os mais importantes filósofos da história da

filosofia política. Nasceu em 1588, na Inglaterra, em Malmesburg, durante o ano

da “incrível armada”, que foi uma esquadra reunida pelo rei Filipe II, rei da

Espanha, em 1588, na tentativa de pôr fim à sua guerra contra a Inglaterra. Esta

batalha foi a maior batalha da Guerra Anglo-Espanhola e consolidou a tentativa de

Filipe II se impor no domínio dos mares. Hobbes também viveu durante o

conturbado período da guerra civil inglesa. Segundo Julio Bernardes, no seu livro

de introdução ao pensamento do filósofo, “o período histórico no qual viveu

Hobbes é marcado por contendas ideológicas, conflitos políticos e religiosos e

pelas recentes descobertas de novos continentes” 1. Os escritos do nosso autor

serão profundamente marcados por esses conflitos. O filósofo viveu até 1679.

Hobbes fora um aluno brilhante e a sua facilidade com as letras rendeu-lhe

alguns trabalhos na área de tradução. Essa habilidade para traduzir textos antigos

era extremamente valorizada na época em que viveu, tanto que, em 1629, ele

publica uma tradução da Guerra do Peloponeso, de Tucídides.

O filósofo também trabalhou durante muitos anos para a família Cavendish,

com quem esteve ligado, mesmo que indiretamente, por toda a sua vida. A família

Cavendish, vale dizer, era uma das famílias aristocráticas mais ricas e influentes

na Inglaterra desde o século XVI. Nosso autor foi nomeado, em 1608, preceptor

do filho de Willian Cavendish, primeiro conde de Devonshire. O trabalho na casa

dos Cavendish rendeu a Hobbes o contato com muitas pessoas influentes do

mundo político e acadêmico, dentre elas, personalidades como cardeais de Roma

e personalidades de Genebra. Em 1634, por exemplo, Hobbes encontrar-se com

Galileu numa viagem. Esses encontros foram possibilitados nas três primeiras

viagens de Hobbes com o filho do conde. O próprio Hobbes, na carta dedicatória

1 Bernardes. Julio. Hobbes & A Liberdade. p. 08. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 2002.

11

do De Cive (1642), cujo livro foi dedicado ao conde William de Devonshire,

reconhece a importância e a influência dessa família nos seus estudos. Vejamos:

“Por conseguinte, ofereço este livro em primeiro lugar, não ao

favor de vossa senhoria, mas a vossa censura. (...). Vossa senhoria há

de aceitá-lo como penhor de minha gratidão, pois que os meios de estudo

que sua bondade me proporcionou eu consagrei a procurar merecer o

seu favor” 2.

Além do contato do filósofo com o ambiente dessas personalidades, o

contato com as mudanças provocadas pela “nova ciência” também foi

determinante na sua formação. A esse respeito, Bernardes afirma: “Pode-se dizer

que duas coisas mudaram definitivamente a vida intelectual de Thomas Hobbes: o

espanto com as verdades a priori da geometria de Euclides e a física de Galileu” 3.

Já Renato Janine Ribeiro, na introdução da edição brasileira do De Cive,

afirma que devemos salientar esse enamoramento de Hobbes pela ciência dos

corpos4. Aliás, o próprio Hobbes confirma que, ao terminar o Leviatã em 1651, ele

ficara feliz em poder voltar para as suas especulações iniciais sobre os corpos

naturais. Na verdade, ainda segundo Janine Ribeiro, as questões políticas da

Inglaterra, especialmente as ocorridas entre os 1625 e 1649, e os conflitos

internos, fizeram Hobbes adiantar-se na publicação dos seus estudos sobre a

política5. Janine Ribeiro continua:

“Hobbes planejava escrever a sua obra em três etapas. A

primeira se voltaria para o exame dos corpos; seria sua física. Na

segunda, consideraria, dentre os corpos, em particular o dos homens – o

2 Hobbes, Thomas. De Cive. p. 3. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2002.

3 Bernardes, Julio. Hobbes & A Liberdade. p. 12.

4 Cf. Ribeiro, Renato Janine. In. De Cive. p. 21.

5 Cf. Idem. p. 22.

12

que em linguagem de hoje chamaríamos sua psicologia. Na terceira,

finalmente estudaria os homens enquanto cidadãos: a política” 6.

Com o Renascimento, carreiras como a escolhida por Hobbes, isto é, ser

preceptor do filho de um conde e tradutor de textos clássicos, eram extremamente

valorizadas. Para os renascentistas, conhecer os clássicos era um meio de formar

homens que pudessem, mediante a política, melhorar a vida social. A retomada da

literatura clássica, como a de Cícero, por exemplo, podia fazer do homem

moderno um cidadão mais atuante na transformação do seu meio social. Vejamos

como Richard Tuck, na introdução do Leviatã, apresenta esse contato dos

renascentistas com Cícero:

“O objetivo do conhecimento dos clássicos era equipar um

homem para o tipo de serviço público que heróis como Cícero haviam

desempenhado: o melhor modo de vida (acreditavam eles) era a do

cidadão ativo e comprometido, lutando pela liberdade da república ou

usando as suas habilidades oratórias para convencer outros cidadãos a

lutar com ele” 7.

Esse ideal presente na política ciceroniana será por Hobbes abandonada,

trocando-o pelo pensamento de Tácito. Não foi só Hobbes que começou a

abandonar Cícero; muitos intelectuais da época fizeram o mesmo, como nos diz o

mesmo Tuck: “No lugar de Cícero, liam (e escreviam como) Tácito, o historiador

dos primórdios do império romano” 8. Nos escritos de Tácito a política aparece

como domínio da corrupção e da traição e a noção de manipulação dos

governados está mais presente:

“a ideia que a tradição de Tácito tinha dos agentes humanos era

precisamente de que estavam abertos à manipulação causal de um tipo

6Ribeiro, Renato. P.22.

7 Tuck, Richard. In. Hobbes, Thomas. Leviatã. p.15. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2003.

8 Ibidem

13

mais ou menos fidedigno, e a filosofia de Hobbes em relação a essa área

incorporou as ideias dessa tradição” 9.

Outra referência importante para a formação intelectual de Hobbes foi

Francis Bacon, que era amigo dos seus patrões e alguém por quem eles nutriam

grande respeito e admiração.

Feitas essas rápidas considerações sobre a vida do nosso autor, que

mostram o quanto Hobbes estava envolvido com o seu tempo, avancemos agora

para o foco deste trabalho.

O ponto central desse trabalho é o estudo da concepção hobbesiana das

paixões humanas e a sua vivência pelo homem, primeiro, durante o “estado de

natureza”, em seguida, no estado civil. Para isso, priorizaremos as reflexões de

Hobbes sobre o assunto contidas no Leviatã, de 1651, sua obra mais acabada.

Recorreremos ao De Cive, de 1642, quando necessário. Em suma, o que nos

importa aqui é percorrer o itinerário do pensamento hobbesiano sobre as paixões,

começando pelas manifestações destas no estado de natureza, em seguida, no

processo de passagem do estado de natureza para o estado civil, e, por fim, no

estado civil.

Num primeiro momento, iremos nos concentrar na investigação do filósofo

sobre a origem das paixões. Para tal, tomaremos como ponto de apoio o capítulo

6 do Leviatã, no qual Hobbes trata exatamente da origem das paixões.

Neste primeiro capítulo trataremos das paixões no estado de natureza, da

sua origem e definição, portanto, lançaremos os fundamentos conceituais do

pensamento hobbesiano a respeito. Noções como movimento, desejo e aversão

serão de importância estratégica para a compreensão do processo no qual as

paixões efetivam-se como o motor dos homens durante as suas vidas,

influenciando principalmente suas escolhas.

Embora o Leviatã seja a obra capital do nosso trabalho, comecemos

analisando o De Cive, o qual, de certa forma, não só é retomado no Leviatã,

9 Tuck, Richard. In. Leviatã. p. XXIX.

14

como, sobretudo, ousaríamos dizer, aprimorado e transformado na própria obra

Leviatã.

O De Cive está dividido em três partes: Liberdade, Domínio e Religião. Na

primeira parte, com quatro capítulos, Hobbes trata das questões relativas à

condição humana fora da sociedade civil e também das leis de natureza. Na

segunda parte, Hobbes desenvolve os temas concernentes ao governo civil. Por

fim, a última parte ocupa-se da relação entre a obediência ao soberano e a

obediência a Deus. As reflexões que mais nos interessam são as da primeira e

segunda parte. Quando necessário, recorreremos aos capítulos dedicados à

religião. O Leviatã, por outro lado, está dividido em quatro partes: Do Homem, Da

República, Da República cristã e do Reino das trevas. Interessa-nos

especificamente a primeira e a segunda parte, mais exatamente os capítulos VI,

XIII, XIV, XVI e XVII.

Um aspecto que merece destaque é o quanto Hobbes tenta transmitir de

maneira clara as suas ideias para os seus leitores. Como já salientamos, uma

chave de leitura para a compreensão do pensamento político hobbesiano é o

contexto histórico dentro do qual suas idéias foram geradas, ou seja, distúrbios

sociais e a crise de autoridade vivida na Inglaterra no período da guerra civil

(1642-1649). O próprio Hobbes cita no De Cive que não há guerra travada com

tanta “ferocidade” como aquelas travadas pelos grupos de uma mesma cidade, ou

seja, a guerra civil10.

No nosso caso, o contexto histórico não será o mais importante. Na

verdade, pretendemos tomá-lo apenas como pano de fundo para salientar

algumas questões do pensamento do nosso autor. Sendo assim, não iremos nos

aprofundar em minúcias históricas do período no qual viveu Hobbes. Mas,

evidentemente, não relegamos a importância dos fatos históricos presentes nos

séculos XVII para a vida do nosso autor.

10

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30. Editora Martins fontes. São Paulo, 2002.

15

No segundo capítulo, iremos mostrar como se efetivam as paixões entre os

homens. Se, no primeiro capítulo, faremos uma análise da gênese das paixões, no

segundo capítulo iremos mostrar como as paixões influenciam o agir humano.

Num primeiro momento, abordaremos a questão do medo que os homens

vivenciam no estado de natureza e o quanto este sentimento leva os homens à

antecipação no uso da violência. Acuados pelo medo de serem atacados no

estado pré-social, onde não existe nenhuma regra e todos os homens têm direito a

todas as coisas, o indivíduo, movido pelo instinto de autopreservação, ataca antes.

Depois, passaremos à análise do desejo de glória que há nos homens, do

quanto esse desejo de precedência pode ampliar as tensões existentes no estado

de natureza. Em seguida, discorreremos sobre a lógica do homem hobbesiano, o

qual age sempre em benefício próprio. Ou seja, iremos tratar do desejo que há

nos homens de tirar proveito, em seu próprio benefício, de todas as coisas. E,

neste caso, como essa lógica egoísta no estado de natureza os conduz a um

estado permanente de conflitos.

Finalmente, passaremos a expor como na raiz da saída dos homens do

estado pré-social para o estado civil estão as paixões do medo e da esperança.

Nestas duas paixões residiria a força que move os homens na direção do pacto

social. Em outras palavras, serão o medo da morte violenta e a expectativa que os

homens possuem de uma vida longa e em segurança que os levarão a buscar um

acordo de paz.

Já no terceiro capítulo entraremos no debate em torno da dinâmica das

paixões e suas conseqüências entre os homens durante o estado civil. Ou seja,

esse capítulo vai mostrar como as paixões continuam atuantes mesmo depois do

estabelecimento do pacto e da coerção com a consolidação do Estado. Contudo,

antes vamos discorrer sobre alguns aspectos que envolvem o pacto social.

Primeiramente, vamos tratar das leis de natureza. O objetivo é entrar nas minúcias

do trecho do Leviatã que consideramos, senão o mais importante, certamente um

dos mais importantes, a saber:

16

“Que todo homem concorde, quando os outros também o façam,

e na medida em que tal considere necessário para a paz e para defesa

de si mesmo, em resignar o seu direito a todas as coisas, contentando-

se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos

outros homens permite em relação a si mesmo” 11

.

Nesse sentido, ao abordarmos o pacto social, trataremos de assuntos como

as condições para o acordo, a busca da paz, o direito natural de todos a todas as

coisas, e, por fim, a questão da liberdade.

No que tange às condições para que o pacto social aconteça,

discorreremos sobre o quanto o Estado é importante para garantir o pleno

cumprimento do contrato que há entre os homens. Em outras palavras, é o Estado

que dará aos homens as garantias necessárias para que o acordo se realize.

Posteriormente, nos debruçaremos sobre a busca da paz como marca

registrada da política de Hobbes. E ainda, que para se viver em paz e em

segurança é preciso a presença forte do Estado.

O capítulo ainda tratará de outro dois aspectos do pacto social: a alienação

do direito que os homens têm a todas as coisas e as consequências do pacto

social, dentre elas a instituição do Estado como obstáculo a determinadas ações

humanas.

Ainda no capítulo 3, empreenderemos o debate sobre a relação entre lei de

natureza e razão em Hobbes. Para tal, iremos nos apoiar na ideia de que Hobbes

nos traz uma nova noção de razão. Contrariando os antigos clássicos que

colocavam a razão como elemento superior aos demais apetites, ele apresenta

uma razão calculadora e que também seria muito influenciada por fatores

externos.

Finalmente, concluiremos o capítulo 3 na perspectiva de que Hobbes tinha

como projeto intelectual fazer da filosofia política uma ciência capaz de conduzir

os homens à paz, a grande esperança, aliás, dos homens do seu tempo. Cabe

11

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 113.

17

ressaltar que Hobbes pretendeu ser o fundador de uma ciência política tão precisa

quanto a geometria.

Ser o fundador de uma nova ciência política implica deixar de lado todo um

passado especulativo do pensamento político, o qual muitas vezes Hobbes fará

questão de criticá-lo. Não é difícil encontrarmos nos textos de Hobbes passagens

que falem abertamente que os homens que pensaram a política até ele ou nada

sabiam ou estava tratando a “natureza humana muito superficialmente” 12.

Hobbes, não pretendia ser apenas o fundador de uma nova ciência política;

ele também queria deixar essa ciência profundamente alicerçada, o que a tornaria

praticamente irrefutável. Para isso fez do rigor da matemática o método do seu

projeto:

“O importante em sua obra porém foi trazer o método dito

galilaico – o que consistia em resolver o objeto dado em seus elementos

constituintes, para depois compô-lo novamente em sua complexidade-

para a consideração da política. Pretendeu com isso, tornar a política

uma ciência (...), e sobretudo fazê-la irrefutável 13

Mesmo correndo o risco do clichê, é impossível não encontrar no

pensamento político de Hobbes elementos vivos e ainda atuais, alguns deles

tratados a seguir.

12

Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 26. 13

Cf. Ribeiro, Renato Janine. In. Apresentação. De Cive. p. 23.

18

CAPÍTULO 1

O HOMEM QUE DESEJA: HOBBES E AS PAIXÕES

Na primeira parte do Leviatã, Hobbes ocupa-se do homem, ou seja, faz

uma análise dos aspectos principais que compõem a natureza humana. Conhecer

em detalhes a natureza humana, sua essência, e, por conseguinte, a condição

humana num hipotético estado pré-social e pré-político.

Já na introdução da obra, Hobbes assim define a vida: “Pois, considerando

que a vida não passa de um movimento dos membros, cujo início ocorre em

alguma parte interna, por que não poderíamos dizer que todos os autômatos

possuem uma vida artificial?” 14. Para ele, coração, nervos e juntas seriam

análogas às molas, cordas e rodas; todas estas particularidades do corpo humano

lhe imprimiriam o movimento, esta, uma idéia chave para compreender o

pensamento hobbesiano15.

O filósofo compara o corpo natural do homem ao Estado, este, um corpo

artificial. Seguindo o raciocínio do autor na introdução do Leviatã, o corpo humano

é comparado ao corpo político, ou seja, ao corpo social. Na visão de Hobbes, o

Estado seria o homem artificial e o principal objetivo deste deve ser garantir

“proteção” e “defesa” ao corpo natural daqueles que juntos formam esse corpo

artificial, ou seja, os súditos. Segundo nosso autor, a alma artificial é a soberania,

pois ele entende que é a soberania que dá vitalidade a todas as partes do corpo:

“a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro” 16.

14

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 11. Ed. Martins fontes. São Paulo, 2003. 15

Cf. Idem. p. 11 16

Idem. p. 11.

19

Magistrados e funcionários seriam as juntas desse corpo; a função dos nervos

seria promover a recompensa e os castigos; a riqueza e a prosperidade

corresponderiam à força; os conselheiros seriam a memória do corpo; as leis, a

vontade, a equidade e a razão17. Já a concórdia corresponderia ao que é no corpo

a saúde; a sedição, por sua vez, seria a doença. Por fim, a guerra é concebida

como a morte do corpo social18. Em seguida, Hobbes refere-se ao pacto social,

que seria aquele momento em que cada homem aliena o seu direito a todas as

coisas para um soberano, que leva ao nascimento do Estado. Para tal, Hobbes

compara a instituição do Estado à criação do homem encontrada no livro bíblico

do Gênesis. De acordo com o nosso autor, o pacto assemelha-se ao Fiat

(Façamos) de Deus quando este criou o homem19.

Após esta breve apresentação da descrição hobbesiana do homem contida

na introdução do Leviatã, a questão que devemos pensar é: até onde essa

explicação do homem serve como base para fundamentar a sua teoria política?

Ou seja, até que ponto a análise que Hobbes faz das paixões é determinante para

as conclusões a que ele chegou posteriormente no campo da política? E ainda,

qual a força que teriam as paixões na passagem de um estado pré-social para o

estado civil? Mais: as paixões são a força motriz que impulsiona os homens a

fazer o pacto social?

Nesse sentido, mais indagações se colocam: o que é a natureza humana e

como se articulam as paixões no seio da teoria de Hobbes sobre a política? Qual

seria a importância do estudo das paixões para chegarmos ao cerne do

pensamento do nosso autor?

Sobre o estudo das paixões, a propósito, escreve Maria Isabel Limongi:

“Desta ciência das paixões ou, se não dela, pelo menos da experiência das

paixões se retiram, por sua vez, os princípios da ciência civil” 20.

17

Cf. Idem 12. 18

Idem. p. 11. 19

Idem. p. 11. 20

Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. Edições Loyola. São Paulo, 2009. p. 36.

20

Vejamos então como no estado de natureza as paixões se originam e se

manifestam em cada indivíduo, sobretudo pelo estudo do capítulo VI do Leviatã,

intitulado da “Da origem interna dos movimentos voluntários vulgarmente

chamados PAIXÕES, e da linguagem que os exprime”. Na verdade, Hobbes, ao

analisar as paixões, vai ater-se mais a um juízo de fato do que de valor. Em outras

palavras, ele está mais preocupado em descrever as paixões do que propriamente

julgá-las como boas ou ruins. Primeiramente, ele faz um levantamento daquilo que

a natureza humana é. Vamos a ele.

O autor do Leviatã, no capítulo seis, destaca a origem das paixões e como

elas são expressas mediante a linguagem. Primeiramente, Hobbes distingue os

tipos de movimentos. No seu entender, há dois tipos de movimentos físicos: um

“vital” e outro “voluntário”. O vital, que também poderíamos chamá-los de

involuntários, são aqueles que encontramos na circulação do sangue, nos

batimentos cardíacos, nos processos respiratórios e digestivos. Já o movimento

voluntário seria uma resposta a aquilo que primeiramente passa pela imaginação,

em última instância, pelo crivo da razão: “O outro tipo de movimento dos animais,

também chamamos movimentos voluntários, como o andar, o falar, mover

qualquer dos membros, da maneira como primeiro imaginamos em nossa mente”

21. Para Hobbes, o movimento seria a causa primordial das ações humanas. Em

breves palavras vamos situar a teoria hobbesiana das paixões em relação à sua

concepção de movimento, que será permeada pelos elementos da física do século

XVII.

Em linhas gerais, poderíamos afirmar que a visão que Hobbes tem da

natureza e dos corpos é uma visão mecanicista. Sem entrar na complexidade e no

mérito da questão, limitamo-nos a dizer a respeito que Hobbes deixa de lado a

visão teleológica de natureza, segundo a qual todos os corpos dirigiam-se para um

fim determinado, e passa para visão mecânica e causal, segundo a qual os corpos

21

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 46.

21

dirigem-se para um fim não determinado, mas almejado. Observemos a mudança

de paradigma na questão do movimento contrapondo muito rapidamente Hobbes

e Aristóteles.

De acordo com Iara Frateschi, ao estudarmos Aristóteles, um dos alvos

privilegiados da filosofia política de Hobbes, que encarna perfeitamente essa visão

teleológica, podemos chegar à seguinte conclusão: “Para Aristóteles, o movimento

natural é teleológico, causado pela tendência natural do corpo a obter a sua

completude, a atualizar a sua essência” 22. Em Hobbes, a ideia de movimento “é

apenas mudança de lugar, indiferente a qualquer processo teleológico: os homens

se movem não na direção da atualização do que são potencialmente, mas na

direção dos benefícios almejados, exclusivamente por efeito de causas eficientes”

23.

Podemos perceber que o pensamento do filósofo sobre a origem dos

movimentos, ou seja, sobre a sua causa, tem uma forte relação com a física. Na

verdade, o que Hobbes faz com a sua teoria sobre o movimento dos corpos é uma

física do movimento. Ele começa o capítulo II do Leviatã, no qual trata do tema da

imaginação, com as seguintes palavras: “Nenhum homem duvida da verdade da

seguinte afirmação: quando uma coisa está em repouso, permanecerá sempre em

repouso, a não ser que algo a coloque em movimento24. O movimento dos corpos

seria então o resultado de uma ação causal eficiente que, no limite, tende a fazê-

los movimentarem-se ao infinito caso não haja uma força contrária que os faça

parar.

Dessa reflexão sobre o movimento dos corpos podemos levantar algumas

questões: seria o homem, na concepção hobbesiana, um corpo descontrolado?

Por isso a necessidade de um poder, no caso o do Estado, para dar-lhe uma

contenção e direção? Em outras palavras, a função deste Estado seria disciplinar

22

Frateschi, Iara A. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. Ed. Unicamp. Campinas-SP, 2008 p. 62. 23

Idem. p. 62. 24

Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 17

22

os apetites humanos, dos quais falaremos com mais detalhes adiante, para uma

direção que os faça sair do estado de guerra perpétua para o estado social?

Surge, nesse caso, outra questão pertinente às consequências promovidas

pelo novo modelo de movimento sustentado por Hobbes: a questão da liberdade,

mais precisamente, da liberdade entendida como livre-arbítrio. Se os movimentos

dos corpos são infinitos, conseqüentemente, Hobbes também entenderá a

liberdade, como ausência de obstáculos ao movimento, como infinita. E é

exatamente o que se percebe na própria definição de liberdade dada pelo nosso

autor:

“Por LIBERDADE entende-se, conforme significação própria da

palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas

vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas

não podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o

julgamento e poder que lhe reste”25

.

Para Hobbes, toda relação de movimento pressupõe outro corpo que aja

sobre aquele corpo em repouso ou em movimento26. Toda a física do movimento,

em Hobbes, será marcada pelos corpos que são capazes de agir ou padecer

diante da ação de outro corpo, ou seja, de um obstáculo que se coloque como

força contrária ao movimento desses corpos.

Voltando, a propósito, ao texto do Leviatã, após breve pausa para tratamos

da questão do movimento, Hobbes, para tratar do desejo e da aversão, começa

falando de “esforço”. Segundo ele, quando um esforço efetiva-se na direção de um

objeto, a isso damos o nome de “desejo” ou “apetite”. Caso esse movimento seja

contrário ao objeto, o nome que é dado é “aversão”: “As palavras apetite e

aversão vêm do latim e ambas designam movimentos, um de aproximação e o

outro de afastamento” 27. Interessante é perceber que Hobbes, quando trata das

25

Idem. p. 112. 26

Cf. Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 40 27

Hobbes, Leviatã. p. 47

23

paixões, prefere falar de “movimento”. Maria Isabel Limongi dá-nos uma

contribuição importante sobre o assunto ao afirmar o seguinte: “A paixão parece

não ser senão o nome que normalmente se dá ao que Hobbes prefere, no entanto

conceitualizar em termos de movimento” 28. Na verdade, o que Hobbes diz é que,

o que normalmente as pessoas chamam de paixão é o nome vulgar que se utiliza

para “movimentos da mente” 29. O próprio título do capítulo 6 do Leviatã, aliás, dá-

nos clareza a respeito do assunto: “Da origem interna dos movimentos voluntários

vulgarmente chamados paixões; e da linguagem que os exprime” 30

Lemos no Leviatã que é o próprio homem quem determina o que é bom ou

mal com base nesse critério de desejo e aversão. Segundo ele, “seja qual for o

objeto do apetite ou do desejo de qualquer homem, esse objeto é aquele que cada

um chama de bom; ao objeto do seu ódio e aversão chama de mau”31. As ideias

de amor e ódio também estão relacionadas às coisas que os homens desejam

perto ou longe deles: “Aquilo que os homens desejam se diz também que AMAM,

e que ODEIAM aquelas coisas que sentem aversão” 32.

Na verdade, o critério para dizer o que é bom ou ruim é subjetivo, não

sendo a moral, portanto, um conhecimento objetivo: “descrição sobre „bom‟ ou

„mal‟ são projeções de nossas sensações internas sobre o mundo externo, assim

como „vermelho‟ e „verde‟33. Estaria então o homem hobbesiano agindo sempre

em benefício próprio uma vez que o critério do que bom ou mal é determinado

pelo desejo ou pela aversão que tem de determinadas coisas?

Sobre essa questão do benefício próprio, não podemos esquecer que, para

Hobbes, “o comportamento humano é determinado, principal e primeiramente, por

uma tendência natural e não por imperativos irredutivelmente morais” 34. Segundo

Richard Tuck, o fundamento da moral hobbesiana está na autopreservação, ou

28

Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 37. 29

Cf. Idem. p. 36 30

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 46 31

Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 48. 32

Idem. p. 47 33

Richard, Tuck. In. Apresentação do Leviatã. p. 29. 34

Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 72.

24

seja, os homens fogem daquilo que possa causar-lhes dor, sofrimento e,

consequentemente, a morte. A manutenção da vida, nesse caso, seria um valor

absoluto de todos os indivíduos. Vejamos em linhas gerais como Tuck entra nesse

debate dos fundamentos da moral em Hobbes.

No entender de Tuck, Hobbes concebeu uma filosofia para resolver os

problemas do seu tempo. O filósofo nutria uma ambição utópica35 de pensar a

filosofia em termos práticos. Entre tantas questões práticas pensadas por Hobbes

está a de como encontrar um padrão objetivo para definir o que é certo ou

errado36. Para afirmar que o fundamento da moral, isto é, de um saber que ajude o

homem a escolher entre o bom e o ruim, está na autopreservação, Tuck diz que o

desejo fundamental de se preservar da morte é o único desejo destituído de um

“componente cognitivo fundamental”37. Dito de outro modo, nas palavras do

próprio Tuck:

“As paixões que aparentemente nos movem têm na maioria dos

casos um componente cognitivo fundamental – de modo que, por

exemplo, a alegria provém da „imaginação do próprio poder e capacidade

de um homem‟, ao passo que a tristeza se deve à „convicção de falta de

poder‟38

.

Tuck continua: “O único desejo destituído de conteúdo cognitivo é o desejo

fundamental de preservar se preservar da morte” 39. Como podemos perceber, o

fim último que movimenta os homens é o de preservar a sua própria existência,

como dirá mais tarde Hobbes: “Não é pois absurdo, nem repreensível, nem

contrário aos ditames da verdadeira razão , que alguém use todo o seu esforço

35

Richard, Tuck. Tuck. In. Apresentação. Leviatã. p. 29. 36

Idem. p. 29. 37

Idem. p. 31 38

Idem. p. 31 39

Idem. p.31

25

para preservar e defender seu corpo e seus membros da morte e dos sofrimentos”

40.

A linguagem também é de fundamental importância para definir o que seria

o bem e o mal, pois é por meio dela que o homem diz o que considera prazeroso e

proveitoso ou recusa aquilo que causa desprazer e lhe é nocivo. Para concluir

essa análise sobre os fundamentos da moral em Hobbes, lembremo-nos que as

noções de justo ou injusto só existem no estado social, ou seja, no estado de

natureza os homens não podem falar em injustiça; seriam, portanto, convenções.

Após falar de desejo e da aversão no capítulo VI do Leviatã, Hobbes

envereda por uma longa descrição das paixões humanas: medo, alegria, tristeza,

dor, sofrimento, entre outras. Mas antes de começar a descrever cada uma delas,

o filósofo trata do problema da linguagem. Ele afirma que é pela linguagem que o

homem expressa o que para ele é bom ou ruim.

Para prosseguirmos com a análise desse capítulo seis, julgamos

interessante valorizarmos mais essa relação entre linguagem e paixões humanas.

Para tal, o livro Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes, de

Ismar Dias Matos, pode nos ajudar nesse debate. O autor discute alguns aspectos

importantes do problema da linguagem em Hobbes, a saber, a linguagem como

identificação do humano e a linguagem como instrumento político.

Segundo Matos, em sua análise do capítulo 6 do Leviatã, o que diferencia

essencialmente os homens dos animais é o uso da linguagem, uma vez que

ambos obedecem ao critério das sensações, ou seja, as noções de prazer e

desprazer são levadas em consideração por eles no momento em que fazem as

sua escolhas41. Neste caso, o que haveria no Leviatã é um processo de

hominização, pois Hobbes, segundo Matos, tenta mostra que o homem “loquens”

é transformado no homo “faber”, ou seja, naquele que é capaz de construir a paz,

40

Thomas, Hobbes. De Cive. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2002. p. 31. 41

Cf. Matos, Ismar D. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. Ed. AnnaBlume. São Paulo, 2007. p. 58.

26

de sair do estado de natureza para a vida em sociedade42. Em outras palavras,

nenhum outro animal teria essa capacidade.

Vejamos essa relação entre homem, linguagem e construção da paz nas

palavras do próprio Matos: “Pela palavra o homem é capaz de comunicar aos

demais homens o desejo de construir a paz, de criar um ambiente mais propício

para a vida se desenvolver”43. Essa relação entre linguagem, objeto e semelhante

é importante no processo de entendimento das paixões, pois o homem procura,

por meio da linguagem, comunicar-se e dizer o que são os objetos aos outros e,

neste caso, se lhe são benéficos ou danosos.

Sendo assim, seria inútil ao homem fazer conhecer a sua vontade se não

houvesse um interlocutor, ou seja, é por meio da linguagem que os homens

expressam aos outros os seus desejos, incluindo aí o desejo de construir a paz.

Portanto, entender a questão da linguagem em Hobbes é fundamental, pois é pela

linguagem que os homens irão formalizar o pacto, portanto, é pela linguagem que

os homens saem do estado de natureza e caminham para o estado civil.

Evidentemente, a linguagem sozinha não terá força suficiente para controlar

os homens nas suas paixões. Para tal, é preciso que haja a força do Estado para

garantir o cumprimento daquilo que foi acordado por meio das palavras.

Para Hobbes, o critério do que para o homem é deleitoso ou perturbador do

espírito está nas sensações. Assim, as sensações de luz, cor, som e olfato

provocam em nós boas ou más sensações. Do mesmo modo são as paixões44. A

tendência é que o homem fuja daquilo que lhe cause algum tipo de desconforto e

procure as coisas que lhe dêem conforto. Hobbes entende também que todos

esses movimentos estão ligados à manutenção da vida: “Este movimento a que se

chama apetite e, em sua manifestação, deleite e prazer, parece constituir uma

corroboração do movimento vital e uma ajuda prestada a este” 45. Após essas

considerações sobre o movimento, a linguagem e as sensações, Hobbes começa

42

Cf. Matos, Ismar D. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 58. 43

Matos, Ismar Dias de. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 60. 44

Idem. p. 49 45

Idem. p. 50

27

a descrever cada uma das paixões até quase o final de todo o capítulo seis do

Leviatã.

De acordo com Hobbes, chamamos de prazerosos os objetos que

contribuem para a manutenção da vitalidade e de moléstias as coisas que nos

causam algum tipo de perturbação vital. Os prazeres podem ser divididos em duas

categorias: prazeres dos sentidos e prazeres do espírito. Hobbes entende que

todos os objetos que apetecem, ou seja, que atraem algum dos nossos sentidos e,

por conseqüência, nos trazem sensação de conforto e prazer, nós os

denominamos de prazeres dos sentidos, ao passo que os objetos que causam

transtornos a algum dos cinco sentidos, quando temos algum desprazer, essa

sensação recebe o nome de dor46. Quanto aos prazeres do espírito, afirma o

filósofo: “Outros prazeres ou deleites derivam da expectativa provocada pela

previsão do fim ou conseqüência das coisas, quer essas coisas agradem ou

desagradem os sentidos” 47. Segundo o filósofo, tanto a alegria quanto a tristeza

residem nas consequências de uma espera futura, na possibilidade ou não do

contato com um objeto que possa causar ou não algum benefício ou dano à

pessoa que entrará em contato com esse objeto.

Hobbes continua o capítulo seis analisando cada um dos desejos humanos

e como esses são movidos por sucessivas causas. Dito de outro modo, um desejo

sempre impulsiona outro desejo que, consequentemente, gera um novo desejo.

Hobbes vai articulando os desejos e as paixões humanas. No final, constata que

eles se expressam e se realizam numa cadeia de causalidades.

Feita essa exposição sobre as paixões iniciaremos agora um esforço para

tentar explicar em que medida em Hobbes a sua concepção de ser humano seria

essencial na fundamentação da sua teoria política.

Quando observamos as paixões, de acordo com a leitura que Hobbes faz

delas, constatamos que as paixões geram guerras, conflitos e insegurança; do

mesmo modo, que elas são em parte responsáveis pelo controle da natureza

46

Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 50 47

Idem. p. 50

28

humana. Vamos tentar entender ao longo deste capítulo essa dupla função das

paixões. Mas, para tal empreitada, será necessário seguir os passos da

apresentação das paixões feita pelo filósofo no capítulo VI do Leviatã. Vejamos

como o autor costura essa teia de relações entre desejos e paixões.

O desejo, ou melhor, o apetite, quando ligado à crença da conquista recebe

o nome de ESPERANÇA, ao passo que o desejo sem a crença da conquista

recebe o nome de DESESPERO. Quando somos repelidos pelo medo de alguma

das consequências ruins que podem ser causadas por um objeto, damos o nome

a esse movimento de afastamento do objeto de MEDO. Se, ao contrário,

decidimos enfrentá-lo, a essa atitude de enfrentamento damos o nome de

CORAGEM. Hobbes pondera e diz que a coragem súbita pode tornar-se

COLÉRA, que entendemos ser a falta de controle no uso da virtude da coragem48.

Se considerarmos as paixões como o principal alicerce do edifício político

do pensamento de Hobbes, certamente o medo e a esperança terão lugar de

destaque. Dito de outro modo, se as paixões têm um papel decisivo na ciência

política pensada por Hobbes, serão o medo e a esperança os pilares desse

projeto. Voltemos ao Leviatã.

Para Hobbes, a esperança constante chama-se CONFIANÇA, essa falta de

confiança ou DESCONFIANÇA em si mesmo recebe o nome de desespero. Nesse

caso, o desespero aparece tanto para falar da falta de confiança num futuro

promissor quanto para falar da falta de expectativa em relação à própria vida.

Muitas paixões, segundo Hobbes, assim como o desespero, são causadas por

expectativas futuras.

A cólera, quando bem direcionada, pode tornar-se indignação. De acordo

com Hobbes, esse ato de indignar-se surge “perante um grande dano feito a

outrem, quando pensamos que foi feito por injúria” 49. O que Hobbes entende por

injúria está claro no De Cive: “Violar um compromisso, ou exigir de volta algo que

48

Idem. p. 51 49

Idem. p. 50

29

já demos é o que se chama injúria” 50. Essa palavra “injúria”, no entender de

Hobbes, significa qualquer tipo de ofensa a um direito individual de alguma

pessoa, pois, segundo ele, “a ninguém se faz injúria, exceto com àqueles que

contratamos” 51.

Ao descrever a benevolência, a boa vontade, a caridade e a bondade

natural, Hobbes relaciona todas essas paixões ao desejo que os homens têm de

ver o bem dos outros. O interessante é perceber que no De Cive o autor fala que

os homens não tiram nenhum proveito da companhia uns dos outros, que muitas

vezes a convivência social é penosa e complicada 52.

Quando o desejo está direcionado para riquezas chama-se cobiça.

Segundo Hobbes, a cobiça é sempre vista pelos civilizados com reprovação moral,

mas ela deve ser considerada e relacionada aos meios empregados para

conseguir quando se almeja riquezas 53. O mesmo pode-se dizer sobre a ambição,

que é o desejo de por altos cargos.

A virtude da magnanimidade, que pode ser entendida como uma grandeza

de espírito, está ligada às grandes ajudas, aos grandes feitos de coragem,

sobretudo quando esses colocam em risco a vida do seu praticante. Ao contrário,

o desejo pelas coisas pequenas é chamado de pusilanimidade. O pusilânime, no

uso do dinheiro, torna-se mesquinho54. Da virtude do amor derivam a gentileza, a

lascívia natural, a luxúria, a paixão do amor e o ciúme. Já o ciúme provém do

medo de não ter o amor correspondido 55.

Quando Hobbes fala da curiosidade, ele ressalta que esse desejo de saber

a causa e a razão intrínseca das coisas não existe em nenhum outro ser vivente a

não ser no homem: “Nos animais, o apetite pelo alimento e outros prazeres dos

sentidos predominam de modo tal que impedem toda e qualquer preocupação

50

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 54 51

Idem. p. 55. 52

Cf. Idem. 26 53

Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 51. 54

Idem. p. 51. 55

Idem. p. 52.

30

com o conhecimento das causas” 56. Para Hobbes, o homem não está apenas

sujeito ao efeito das coisas, mas ele também busca as suas causas, em outras

palavras, ele busca o conhecimento na tentativa de compreender as coisas.

Ainda no capítulo seis, Hobbes fala da religião, da superstição e da

verdadeira religião. A superstição, no seu entender, teriam como fonte histórias

imaginadas:

“O medo dos poderes invisíveis, inventados pelo espírito ou

imaginados com base em histórias publicamente permitidas, chama-se

religião; quando essas histórias não são permitidas, chama-se

superstição. Quando o poder imaginado é realmente o que imaginamos,

chama-se verdadeira religião” 57

.

O medo seria a causa da religião? No entender de Hobbes, sim. Mesmo no

caso daquela religião que ele chama de “verdadeira religião” ele atribui ao medo o

seu principal fundamento. O medo que nos leva a imaginar e a inventar a religião

é o mesmo para a falsa religião, para as religiões oficiais e para a verdadeira

religião. O que fica claro é que Hobbes diferencia a religião pública daquela que é

a verdadeira religião. Na verdade, nem sempre a religião que é publicamente

aceita corresponde à verdadeira religião. Em outras palavras, as histórias pelos

homens inventadas, na tentativa de solucionar um problema causado pelo medo

daquilo que eles não vêem, podem ser proibidas e, por isso, chamadas de

superstição; podem ser aceitas e, consequentemente, serem chamadas de

religião; e se aquilo que os homens imaginam corresponde à realidade, a essa

imagem pelo homem criada dá-se o nome de “verdadeira religião”.

Parece que a verdadeira religião pode subsistir apenas no coração do

homem. Para Hobbes, a verdadeira religião não precisa ser necessariamente

aquela institucionalmente aceita. No século XVII, falar desse modo de religião era

pisar em um terreno minado, pois a influência da religião nos assuntos da política

56

Idem. p. 52 57

Idem. p. 52

31

era constante. O problema de conceber Deus como uma invenção com base na

imaginação e no medo das coisas invisíveis está no fato de que essa afirmação

contraria toda uma tradição cristã, pois, para o cristianismo dominante na época

de Hobbes, Deus teria se revelado ao ser humano.

Hobbes continua o texto falando da vangloria e do por que ela seria vã. Ele

afirma que a alegria que é produzida pela imaginação do poder que acreditamos

ter é o que chamamos de glória58, ou seja, a glória é fruto da expectativa que um

homem cria em relação àquilo que os outros pensam dele e do seu poder. Sendo

assim, quando a glória não se concretiza, ela se torna vangloria, pois não

corresponde à realidade. Diferentemente da confiança que tem resultados

eficazes, a vã glória não conduz a nada. Nas palavras do filósofo, “a confiança

bem fundada leva à eficiência, ao passo que a suposição do poder não leva ao

mesmo resultado e é portanto justamente chamada vã”59. Ao falar das relações

humanas, Hobbes cita a vangloria como causa das discórdias entre os homens.

Vejamos como Hobbes encaminha essa análise.

No De Cive, nosso autor afirma que as reuniões humanas não são

motivadas pelo amor ou pela consideração ao próximo, mas o contrário: “Toda

associação (...) ou é para o ganho ou pela glória- isto é: não tanto para o amor de

nossos próximos, quanto pelo amor de nós mesmos” 60. No Leviatã, o filósofo é

mais explicito ao tratar da relação entre vã glória e discórdias: “De modo que na

natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a

competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória” 61. Aqui podemos

perceber como Hobbes articula as paixões humanas com as relações sociais.

Ainda falando sobre o De Cive, é nele que Hobbes desenvolve, no primeiro

capítulo, as consequências da vangloria para o convívio entre as pessoas.

Segundo Hobbes, a “discórdia nasce da comparação das vontades” 62, ou seja,

58

Cf. Idem. 53. 59

Idem. p. 53 60

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 28. 61

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 108. 62

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.

32

quando uma pessoa discorda frontalmente da opinião da outra. Esta discordância

gera uma situação de extrema ferocidade, pois ninguém gosta de ser contrariado

na sua vontade; a esta atitude Hobbes dá o nome de “combate entre os espíritos”:

“como o combate entre os espíritos é de todos o mais feroz, dele necessariamente

devem nascer as discórdias mais sérias” 63. Na opinião do filósofo ainda, quando

uma pessoa discorda da opinião da outra em muitos assuntos, é o mesmo que

chamar essa pessoa de louca ou insensata64. E continua afirmando que “todo

prazer da mente consiste em encontrar pessoas que, se nos comparamos com

elas, nos fazem sentir triunfantes e com motivo para nos gabar” 65. Na visão

hobbesiana, a glória pessoal conta consideravelmente nas relações humanas.

Para Hobbes, a glória não pode ser dividida, pois qualquer tipo de louvor

consiste na elevação da pessoa. Somos demais vaidosos, acredita o autor, de

modo que, se todas as pessoas são elevadas, então, nenhuma delas tirará

proveito algum dessa elevação: “essa glória é como a honra, pois consiste em

comparação e precedência”66. Esse desejo de precedência, na visão de Hobbes, é

uma das causas do desejo que os homens têm de se ferirem mutuamente no

estado de natureza. O filósofo afirma que existem duas origens para os homens

quererem causar danos uns aos outros: a primeira causa surge da avaliação que

cada pessoa faz da igualdade que existe entre os seres humanos no estado de

natureza (Dessa causa nos ocuparemos no próximo capítulo) e a segunda causa

é o resultado justamente da vã glória: “(...), supondo-se superior aos demais,

quererá ter licença para fazer tudo o que bem entenda, e exigirá mais respeito e

honra do que pensa serem devidos aos outros” 67.

Hobbes, ainda no capítulo 6, continua a sua descrição das paixões

abordando a vergonha, a crueldade, a emulação e a inveja68.

63

Idem. p. 30. 64

Cf. Idem. p. 30. 65

Idem. p. 30. 66

Idem. p. 28. 67

Idem. p. 29. 68

Cf. Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 54.

33

Como já aludimos acima, Hobbes termina o capítulo seis do Leviatã, onde

ele fala da origem das paixões, falando sobre a liberdade. Quando os diversos

desejos e aversões surgem ao mesmo instante no ser humano, quando ele

precisa tomar uma decisão sobre o que é melhor ou pior, isto é, o que irá lhe

causar mais prazer e menos dor, esse movimento em busca de uma alternativa

Hobbes o chama de deliberação.

Segundo Hobbes, antes da deliberação vem a vontade: “Na deliberação, o

último apetite ou aversão imediatamente anterior à ação ou à omissão desta é que

se chama VONTADE, ou ato(e não faculdade) de querer. 69 Para ele, os animais

também deliberam e, portanto, também têm vontade. Depois Hobbes contraria as

tradicionais definições de vontade, onde “ a vontade é apetite racional” 70. Ele

entende que a vontade não pode ser apetite racional, pois nenhum ato voluntário

poderia ir contra a razão, ou seja, algumas vontades contrariam a razão, no

entender de Hobbes.

Segundo Matos, no que se refere à vontade, “Hobbes não poderia deixar de

afirmar que seres humanos realizam alguns atos deliberadamente, e define a

intenção desses atos como paixões” 71. Dito de outro modo, quando um ser

humano procura se afastar de algum objeto, ele o faz em busca de menor ou

maior prazer, ou seja, o critério para a escolha é o que vai causar-lhe maior ou

menor dano. Ainda sobre a deliberação, afirma Matos: “A diferença fundamental

entre os homens e as bestas é o grau de desenvolvimento provenientes do uso da

linguagem” 72. O próprio Hobbes afirma:

“Fica assim manifesto que as ações voluntárias não são as que têm

origem na cobiça, na ambição, na lascívia e em outros apetites em

relação a coisa proposta, mas também aquelas que têm origem na

69

Idem. p. 55. 70

Idem. p. 55. 71

Matos, Ismar Dias. uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 56. 72

Idem. p.56.

34

aversão ou no medo das consequências decorrentes da omissão da

ação” 73

.

Na perspectiva hobbesiana, existe uma linguagem que o homem utiliza

para comunicar os seus desejos, como já aludimos anteriormente quando falamos

da linguagem como construção da identidade humana e da linguagem com uso

político.

O segredo de uma vida feliz estaria na previsão, na capacidade de prever

as consequências das ações. Para o nosso autor, o ser humano que consegue

prever com mais precisão quais as consequências das suas deliberações será

feliz:

“Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela

previsão das boas ou más consequências e seqüelas da ação sobre a

qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da

previsão de uma extensa cadeia de consequências, cujo fim ultimo

poucas pessoas são capazes de ver” 74

.

O filósofo atribui ao bom uso da razão ou à experiência essa capacidade de

enxergar longe os resultados das ações. “Assim, quem possuir, graças à

experiência ou à razão, maior grau de segurança das consequências será mais

capaz de deliberar para si, e terá mais condições, (...) de dar aos outros

conselhos” 75. O ser humano, na perspectiva de Hobbes, está sempre preocupado

ou calculando as suas decisões com base nos seus anseios futuros.

A relação entre as paixões humanas e o futuro está sempre presente nos

textos de Hobbes. Quando o autor trata no De Cive e no Leviatã da igualdade de

condição entre os homens, e, por conseguinte, da possibilidade que cada um tem

de usar da sua própria vontade para se defender do jeito que melhor lhe aprouver,

73

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 56. 74

Idem. p. 57. 75

Idem. p. 57.

35

Hobbes fala de uma ação futura. Ele afirma que os homens se antecipam a uma

possível violência que poderá ser cometida contra ele. Dito de outro modo, quando

os homens estão no estado de natureza, não há alternativa para se proteger a não

ser o ataque, visto que não há nada nessa situação que contenha ou controle as

paixões humanas 76.

Hobbes termina o capítulo VI falando da felicidade e da visão beatífica, que

seria o encontro com Deus no céu. O que podemos perceber desde já na análise

das paixões é que o homem, para Hobbes, é conduzido pelas paixões. Nas

palavras do professor Matos, “a filosofia hobbesiana apresenta uma multiplicidade

de seres humanos individuais, conduzidos, cada um, por suas paixões que são,

em si mesmas, diferentes formas de movimento” 77. Em suma, para Hobbes, cada

ser escolhe o que é melhor para si mesmo.

Pelo que podemos perceber, o filósofo dá um papel de precedência às

paixões nas ações humanas. Na verdade, os homens agem movidos por

impulsos, levado por paixões. Dito de outro modo, as relações humanas estão

alicerçadas nos movimentos das paixões.

Sendo assim, no estado de natureza, onde não há um poder comum que

controle as ações dos indivíduos, cada homem relaciona-se com o seu

semelhante tendo por base os seus desejos e suas aversões. Visto de outro

modo, procuramos sempre o que nos dá prazer e deleite e nos afastamos do

sofrimento e do desprazer. Com isso, as relações humanas ficam à mercê,

quando não há um poder comum capaz de colocar todos os homens na mesma

direção, dos critérios estabelecidos por cada um na hora de fazer as suas

deliberações.

Neste caso, à pergunta se as paixões são fundamentais para a filosofia

política em Hobbes, a resposta está no modo como o próprio autor articula as

suas duas principais obras, a saber, o De Cive e o Leviatã. Em ambos, Hobbes

76

Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 32. 77

Matos, Ismar Dias. uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p. 57.

36

começa pela análise dos homens no estado de natureza para depois falar deles

no estado civil. Vejamos melhor.

Na introdução do De Cive, Hobbes salienta quais seriam os passos por ele

desejado quando pensou na elaboração de um sistema filosófico: primeiro, o

estudo dos corpos, o que seria a física de Hobbes; depois, do homem; e por fim a

pesquisa sobre a política, que pretendia que fosse uma ciência tão rigorosa como

a geometria 78. Acontece que, no meio do caminho desses estudos, a guerra civil

inglesa eclodiu e Hobbes se viu obrigado a adiantar o seu projeto, colocando a

política em primeiro plano, como ele mesmo afirma:

(...), aconteceu, nesse ínterim, que meu país, alguns anos antes que as

guerras civis se desencadeassem, já fervia com questões acerca dos

direitos de dominação, e da obediência que os súditos devem, questões

que são as verdadeiras precursoras de uma guerra que se aproxima; e

isso foi a causa para que (adiantando todos os demais tópicos)

amadurecesse e nascesse de mim a terceira parte. Assim sucede que

aquilo que era último na ordem veio a lume primeiro no tempo, e isso

porque vi que esta parte, fundada nos seus próprios princípios

suficientemente conhecidos pela experiência, não precisaria das partes

anteriores “79

.

Essa afirmação de Hobbes de que a política independe das outras duas

partes, ou seja, da física e da antropologia, para ser exposta, aparentemente

contradiz todo o nosso projeto de colocar as paixões como fundamento da política.

Pelo contrário, essa afirmação que depois será comprovada nos primeiros passos

que Hobbes dá no De Cive vem corroborar com a nossa tese, uma vez que, logo

no início da referida obra o autor afirma: “As faculdades da natureza humana

podem ser reduzidas a quatro espécies: força corporal, experiência, razão e

paixão. Partindo delas para a doutrina que se segue (...)”80. Percebamos o quão

78

Hobbes, Thomas. Prefácio do autor. In. De Cive. p. 17. 79

Idem. p. 18 80

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25.

37

sutil é o trecho em que Hobbes fala sobre o motivo que o levou a escrever

primeiramente sobre a política. Na verdade, ele não fala que a antropologia não é

importante, mas simplesmente que a experiência, que a vivência dos homens,

dispensava-no de expor os detalhes do homem no estado de natureza, coisa que

ele fará no Leviatã.

Tomando por base o assunto acima abordado, podemos salientar uma

diferença importante de outras entre os textos políticos do De Cive e do Leviatã,

que é a abordagem metodológica que Hobbes utiliza em cada um deles. No De

Cive, Hobbes parte da experiência das paixões para justificar esse comportamento

belicoso, ao passo que no Leviatã ele faz uma inferência partindo das paixões.

Segundo Limongi, “a condição natural do homem é uma condição de guerra de

todos contra todos. Eis uma conclusão à qual se pode chegar por duas vias: pela

experiência de nossas paixões ou por uma inferência, feita a partir das paixões” 81.

É bem verdade que o tempo todo Hobbes está inferindo da experiência os

resultados que mostram que a natureza dissocia os homens, mas, segundo ele

próprio, não seria preciso a experiência para confirmar a tese de que os homens

tendem por natureza à guerra, como podemos ler a seguir:

“Poderá parecer estranho a alguém que não tenha medido bem

estas coisas que a natureza tenha dissociado os homens, tornando-os

capazes de se atacarem e destruírem uns aos outros. E poderá portanto

talvez desejar, não confiando nesta inferência feita das paixões, que ela

seja confirmada pela experiência” 82

Neste caso, a experiência apenas confirma o que já seria possível inferir

pelo estudo das paixões. Afirma Limongi mais uma vez a esse respeito:

“No De Cive, Hobbes percorre a primeira via, salientando que o

recurso à experiência permite conferir certa autonomia à ciência política

81

Idem. p. 85. 82

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 109.

38

em relação às primeiras partes do sistema- uma ciência do corpo e uma

ciência do homem-, que na ordem das razões do hobbesionismo

deveriam anteceder à política, não fosse a guerra civil inglesa ter exigido

que o posterior na ordem viesse primeiro na exposição” 83

Onde está a diferença entre inferir a teoria política de Hobbes tendo como

ponto de partida as paixões e entendê-la partindo da experiência? Para Hobbes,

no De Cive, é possível a cada homem, olhando para si mesmo, perceber como se

comporta em relação ao seu semelhante, bem como perceber que a natureza

dificulta nossa associação: “Assim esclarece a experiência, a todos aqueles que

tenham considerado com alguma precisão maior ou mais usual os negócios

humanos, que toda reunião, por mais livre que seja, deriva da miséria recíproca 84.

“Ainda que a experiência sirva como prova adicional à inferência, e ainda

que possa até mesmo tomar o seu lugar, como se faz no De Cive, não é

preciso ter a experiência de tais paixões para que se possa inferir o

estado de natureza a parir delas85

Sendo assim, podemos concluir que no De Cive a teoria política

hobbesiana estava sem um dos seus pilares que é análise do homem? Segundo

Hobbes, não. Pois “a experiência esclarece” 86. Quando Hobbes mostra, no De

Cive, recorrendo à experiência, como os homens no estado de natureza vivem em

estado de guerra, ele economizou um longo caminho que, posteriormente, foi

percorrido no Leviatã, ou seja, não era preciso analisar pontualmente a natureza

humana para saber como é o comportamento de cada homem, bastando a

experiência. A inferência “porém, permite das razões aos fatos, explicar o porquê

de nossas paixões, fornecendo-lhes a gênese” 87.

83

Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 85. 84

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 27. 85

Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 86. 86

Hobbes. Thomas. De Cive. p. 27. 87

Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 86.

39

Trata-se talvez de um equívoco pensar a filosofia política de Hobbes

sem considerar os aspectos fundamentais do homem no estado de natureza, a

saber: primeiro, os homens são movidos por impulsos e esses impulsos, quando

não há um poder comum capaz de direcioná-los, são descontrolados. Depois,

entender as paixões (mesmo que seja por meio da experiência) é de fundamental

importância para estudarmos a filosofia política em Hobbes. Em outras palavras,

ao que nos parece, não é possível dissociar a teoria política de Hobbes da sua

antropologia. Seja pela via da inferência ou da experiência, a natureza humana

fundamenta e justifica a ciência política de Hobbes.

Sendo assim, procuraremos mostrar no capítulo subseqüente como se

comporta a natureza humana, como vimos, dominada pelas paixões, no estado de

natureza, nesse hipotético estado pré-social e pré-político.

40

CAPÍTULO 2

O HOMEM QUE DESEJA: AS PAIXÕES ENTRE OS HOMENS

Como as paixões humanas se expressam e se efetivam e quais suas

conseqüências nas relações sociais? Como os impulsos, desejos e apetites

concernentes à natureza humana se manifestam no estado de natureza e,

sobretudo, como serão administrados no estado civil, segundo Hobbes?

Enfrentaremos tais questões seguindo o itinerário lógico-argumentativo do De Cive

e recorrendo sempre que necessário ao Leviatã.

Comecemos então diferenciando as noções de estado de natureza e de

natureza humana. Em seguida, valendo-se de uma leitura bastante rente ao texto

do De Cive e do Leviatã, apresentaremos o pensamento de Hobbes sobre a

condição da natureza humana fora do estado civil, ou seja, no estado de natureza.

O próprio título do capítulo 1 do De Cive já é sugestivo, na medida em que

apresenta os fundamentos da teoria política de Hobbes, ou seja, a natureza

humana e as suas particularidades: “Da condição humana fora da sociedade civil”.

E uma questão que podemos impor de imediato aos textos do De Cive e do

Leviatã é: o que é o estado de natureza?

A natureza humana e o estado de natureza podem ser facilmente

confundidos numa primeira abordagem do texto hobbesiano. Apesar de terem

uma relação intrínseca, elas não são a mesma coisa. Natureza humana para

Hobbes é aquela situação na qual a própria natureza colocou todos os homens,

sua situação original, digamos, aquela bem antes de viverem de maneira

organizada em sociedades. Além disso, como mostrei no capítulo anterior, é uma

condição na qual os homens seguem sem rédeas os movimentos das mais

variadas paixões. Ao passo que, estado de natureza é a condição natural dos

41

homens na vida pré-social. Em outras palavras, o que configura o estado de

natureza é a ausência de sociedade. Talvez, a melhor maneira de diferenciar o

estado de natureza da natureza humana seja por meio dos textos do filósofo. Ou

seja, da mesma maneira que apresentamos aspectos da natureza humana no

primeiro capítulo, cabe agora salientar como agem os homens, evidentemente que

movidos pela natureza humana, no estado de natureza.

Duas características – pelo menos- dos homens no estado de natureza são

medo e a esperança, ou seja, os homens no estado de natureza são impelidos,

sobretudo, por essas duas paixões. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que

os homens no estado de natureza encontram-se numa situação de medo, eles

possuem a expectativa de uma vida longe de qualquer ameaça. Podemos ainda

salientar outras características do estado de natureza: todos os homens são

iguais; todos são juízes; não há paz; há guerra perpétua de todos contra todos;

existe a desconfiança contínua; não há propriedade; não há sociedade.

O que leva os homens a viverem todas essas situações, supracitadas, no

estado de natureza? Na nossa visão, são duas (podendo ter outras que se

configurem a elas) as principais causas: a igualdade natural e o direito natural.

De acordo com Hobbes, a natureza humana fez os homens todos iguais.

Lembremo-nos que Hobbes está falando de um estágio pré-social, pois podemos

incorrer no erro de tentar analisar essa igualdade do ponto de vista da vida social,

o que nos levaria a uma conclusão errônea do estado de natureza, pois a

desigualdade, segundo Hobbes, é fruto do estado civil88.

Essa igualdade, segundo o nosso autor, tem duas vertentes que são, a

saber, a de que os homens são iguais quanto à força corporal e quanto ao

espírito:

“A natureza humana fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do

corpo e do espírito, que embora, por vezes se encontre um homem mais

forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que o outro, mesmo assim,

88

Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29.

42

quando se considera tudo isso no conjunto, a diferença entre um e outro

homem não é considerável para que um deles possa com base nela

reclamar algum benefício que o outro não possa igualmente aspirar” 89

.

Quando fala de igualdade natural no estado de natureza, o filósofo

fundamenta a sua afirmação de que os homens são iguais, utilizando os seguintes

argumentos: “Quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar

o mais forte, que por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se

encontrem no mesmo perigo” 90.

E ainda, no diz respeito às faculdades do espírito, de acordo com Hobbes,

existe uma igualdade bem maior, pois “O que talvez possa tornar inacreditável

essa igualdade é simplesmente a presunção vaidosa da própria sabedoria, a qual

quase todos os homens supõem possuir em maior grau do que o vulgo. (...)” 91.

Expliquemos melhor. Segundo o filósofo, os homens têm uma visão sempre

positiva da própria sabedoria, que ele mesmo chama de “faculdades do espírito”,

pois a maioria dos homens, normalmente, julga-se sempre mais sábio do que os

demais, ou seja, boa parte dos homens atribui a si mesmos uma sabedoria maior

do que aquela que eles possam realmente possuir. Para tal, o nosso autor, com

base na tese de que cada homem sente-se superior aos demais em sabedoria,

vale-se do seguinte argumento:

“Pois a natureza dos homens é tal que, embora sejam capazes

de reconhecer em muitos outros maior sagacidade, (...) dificilmente

acreditam que haja tão sábios como eles próprios, porque vêem a própria

sagacidade bem de perto, e dos outros homens à distância. Ora, isto

prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam

desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de um distribuição

89

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 106. 90

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 106. 91

Idem. p. 107.

43

equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com

a parte que lhe coube” 92

.

Gostaríamos de levantar duas questões em cima dos argumentos utilizados

para justificar a suposta igualdade existente entre os homens no que diz respeito

às faculdades do espírito: primeiramente, não seria essa igualdade fruto de uma

visão errônea que cada homem tem de si mesmo ao se auto-avaliar? Pois, na

medida em que os homens se comparam, e Hobbes afirma no De Cive que os

homens sempre se comparam93, eles acabam, normalmente, mesmo percebendo

que outros homens possuem mais eloqüência e sagacidade que eles, emitindo

sempre um parecer favorável a sua pessoa. Em outras palavras, essa analise

estaria comprometida, pois cada um tende a buscar o próprio favorecimento.

Outra questão seria a de que os homens aceitam a distribuição feita pela

própria natureza das faculdades referentes ao espírito. Pois bem, esse não seria

um sentimento de conformismo e até mesmo estratégico de cada homem para

benefício próprio? Uma vez que, afirmar que os outros homens são mais

eloqüentes, sagazes e astutos que ele, não seria colocar-se numa condição

extremamente desfavorável, tendo em vista que o homem hobbesiano sempre

visa o benefício próprio? O que pretendemos dizer é que, em outras palavras, o

fato dos homens não reconhecerem em outros homens maior sabedoria, poderia

ser uma estratégia do homem que vive amedrontado no estado de natureza.

Pois bem, o fato é que a igualdade natural vai ser uma das causas do medo

que existe no estado de natureza, pois, como afirmamos acima, o homem no

estado de natureza vive amedrontado.

Segundo Hobbes, o medo que existe no estado de natureza é

conseqüência dessa igualdade que há entre os homens, conforme ele afirma no

De Cive: “O medo recíproco consiste, em parte, na igualdade natural dos homens,

92

Idem. p. 107. 93

Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.

44

em parte na mútua vontade de se ferirem” 94. Sendo assim, de onde provém o

medo que alimenta os homens no estado de natureza?

A origem do medo e da desconfiança dos homens em relação aos outros no

estado de natureza surge de múltiplos fatores que permeiam a natureza humana.

Na verdade, é como se existisse para Hobbes uma ação em cadeia no estado de

natureza que levará os homens fatalmente há um estado permanente de guerra e

intranqüilidade. Dito de outro modo, a igualdade dos homens no estado de

natureza gera a desconfiança, que trás consigo o medo, que sugere, por sua vez,

a antecipação ao ataque alheio e que tem por conseqüência a guerra

generalizada.

Outro aspecto que cabe ressaltar é que os homens, conhecedores da sua

própria natureza, sabem quais são os sentimentos que também movem os seus

semelhantes, ou seja, o que move os homens às ações são basicamente os

mesmos desejos e aversões pelas coisas. Neste caso, alguns desejos ampliariam

a tensão existente entre os homens no estado de natureza, a saber: o desejo de

glória; o desejo de lucro e o medo da morte, ou seja, a preservação da própria

existência.

Sendo assim, cabe-nos mostrar essa reação em cadeia que surge com as

paixões e que terminará por colocar os homens num estado de constante ameaça

e guerra no estado de natureza.

No entender de Thomas Hobbes, há nos seres humanos uma vontade

natural de causar dano aos outros95. Segue-se disso que a intranqüilidade, mais

exatamente o medo que é a marca registrada do homem hobbesiano no estado de

natureza, pois o medo que ele tem de receber algum tipo de ofensa física ou moral

é constante. Hobbes tenta explicar de onde provém esse desejo de ferir os outros

seres humanos, ou melhor, o desejo de se ferirem mutuamente.

94

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29. 95

Cf. Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 29.

45

De acordo com o filósofo, entre as causas da vontade de causar danos aos

outros, no estado de natureza, estariam a vã glória e a necessidade de

autodefesa. Nas palavras do próprio Hobbes: “No estado de natureza, todos os

homens têm desejo e vontade de ferir, mas não procede da mesma causa, e por

isso não deve ser condenado com igual vigor” 96. E acrescenta: “Pois um,

conformando-se aquela igualdade natural que vige entre nós, permite aos outros

tanto quanto ele requer para si (que é como pensa um homem temperado, e que

corretamente avalia o seu poder) 97. Esse homem, avaliando a condição dos

outros seres humanos no estado de natureza, faz da antecipação aos ataques a

sua defesa, como sugere o próprio Hobbes ao dizer que a vontade de ferir o outro

“provém da necessidade de se defender, bem como à sua liberdade e bens, da

violência daquele” 98 Maria Isabel Limongi interpreta dessa forma:

“Nota-se: não se trata de dizer que tendemos efetivamente à

disputa, como se nossa natureza se inclinasse irremediavelmente a ela,

seja em que condições for, mas de dizer que, numa situação de

igualdade, e no caso de alguém se colocar como obstáculo à consecução

dos nossos fins, somos levados à disputa. 99

Lembremos que o homem hobbesiano, que é movido por paixões, não

aceita obstáculos. Uma vez que, como vimos no capítulo anterior, paixões são

movimentos e a noção que se tem de movimento é aquela que está próxima da lei

dos corpos inerciais: o movimento tende ao infinito. Neste caso, qualquer pessoa

que se coloque como obstáculo à preservação do movimento das paixões será

para aquele que é impedido um inimigo.

Sendo assim, a antecipação é a forma mais prática de garantir a segurança,

melhor dizendo, a sobrevivência, pois ela não dá aos meus supostos adversários

96

Idem. p. 29. 97

Ibidem. 98

Ibidem. 99

Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 88.

46

nenhuma possibilidade de ataque. Nas palavras de Limongi, esse comportamento

é razoável:

“A razoabilidade deste comportamento (que se segue da

circunstância da nossa igualdade e que não pressupõe nenhuma tese

acerca de uma inclinação irreparável para a disputa que estivesse desde

sempre e para todo escrita nos nossos corações) é suficiente para tornar

razoável que cada um se antecipe a ela, garantindo-se pela força ou pela

astúcia”

Limongi entende que esse comportamento belicoso dos homens que

Hobbes constata não tem origem em uma inclinação natural, mas é conseqüência

de uma situação de igualdade natural. Ao contrário do que pensa Limongi, parece-

nos que o homem hobbesiano tem um sentimento natural que o leva sempre a

uma antecipação dos seus atos, ou seja, a antecipação não é apenas uma

conseqüência da igualdade natural como propõe a autora, mas seria o resultado

de uma natureza que é movida por impulsos e que não mudará nem mesmo no

estado civil. Em outras palavras, mesmo após a passagem do estado de natureza

para o estado civil, vários aspectos da natureza humana continuam latentes.

Sobre esse assunto, o próprio Hobbes nos adverte: “E poderá portanto talvez

desejar, não confiando nesta inferência feita das paixões, que ela seja confirmada

pela experiência” 100 Hobbes usa vários exemplos práticos para mostrar que

mesmo depois da instituição das leis a prevenção continua a existir. Dito de outro

modo, a intranqüilidade e a desconfiança permanecem:

“Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando

empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; quando

vai dormir fecha as suas portas; mesmo quando está em casa tranca os

100

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 109.

47

seus cofres, embora saiba que existem leis e servidores públicos

armados, prontos a vingar qualquer dano que lhe possa ser feito” 101

Observemos que Hobbes fala de leis e servidores armados, ou seja, ele

não está obviamente falando do estado de natureza. Sendo assim, podemos

concluir que o estado de natureza continua latente mesmo no estado civil, no qual

não há mais igualdade, pois, segundo Hobbes: “a desigualdade que hoje

constatamos encontra-se na lei civil”

Essa necessidade de antecipação da ação gera, como já aludimos acima,

uma condição perpétua de guerra. Com isso, Hobbes está demonstrando os

passos que os homens seguem para chegar ao conflito permanente que é a vida

no estado de natureza. Neste caso, a expectativa que cada homem cria em

relação ao outro homem é importante para entendermos a lógica dessa guerra

perpétua. Portanto, é valiosa a apresentação da origem desse comportamento

hostil que há entre os homens, pois é com base na gênese que fazemos do tema

que podemos entender o motivo desse comportamento:

“Sendo possível mostrar a gênese deste comportamento e, nessa

medida, oferecer sua razão, é justificável inferir que os homens assim se

comportem. E esta inferência justifica que nos comportemos de igual

maneira a fim de nos precaver, o que, por sua vez, justifica o

comportamento dos outros no mesmo sentindo e assim por diante: a

lógica da guerra está instaurada” 102

Como podemos notar, segue-se dessa situação, acima descrita, que o

medo vai se apoderando dos homens no estado de natureza e os leva a agir de

maneira violenta na direção do outro, que possivelmente, poderá hoje ou amanhã

tornar-se um obstáculo às minhas aspirações.

101

Ibidem. p. 110. 102

Limongi. Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 89.

48

Nas palavras de Limongi: “a lógica da guerra está instaurada” 103. O que

podemos notar é a reação em cadeia que leva os homens ao estado de guerra.

Primeiro existe uma igualdade entre os pares. Depois, dessa igualdade nasce a

desconfiança que, por sua vez, gera antecipação e que, por fim, traz a tona o

estado de guerra permanente.

Poderíamos então dizer que não existe paz no estado de natureza?

Na visão de Hobbes, sim. Pois, segundo ele, para a guerra não é necessário o

ato: “Pois o que é a guerra, senão aquele tempo em que a vontade de contestar o

outro pela força está completamente declarada, seja por palavras, seja por atos?

O tempo restante é denominado paz” 104. Analisando essa passagem do De Cive e

confrontando-a com a lógica aqui por nós exposta, acreditamos que não existe

esse “tempo restante” que Hobbes usa para falar de paz.

A vida dos homens no estado de natureza, segundo Hobbes, está muito

longe de ser uma vida pacífica, pois o tempo todo ou existe o confronto ou o

desejo de confrontar-se (o que por vezes torna-se manifesto por meio da

antecipação). Sendo assim, conclui-se que uma das causas do medo existente no

estado de natureza decorre justamente dessa condição de guerra perpétua.

Mas, não é só a paz que não é possível no estado de natureza. Não

verdade, não há sociedade e, sendo assim, não existe nenhuma possibilidade de

vida civilizada, pois em tempo de guerra não há motivos para que os homens

confiem nos seus semelhantes. Dito de outro modo, em tempos de guerra a

infidelidade, a desconfiança e o ataque são constantes, fazendo assim com que

qualquer tipo de pacto ou contrato não tenha nenhuma garantia de cumprimento.

Tendo abordado uma das causas que levam os homens a se feriem,

Hobbes salienta no De Cive e no Leviatã outra causa: o desejo de glória. No

entender de Hobbes, a análise que os homens fazem de si mesmos por vezes

103

Idem. p.89 104

Thomas, Hobbes. De Cive. p. 33.

49

está equivocada. Se, por um lado, existe aquele que vai atacar para se defender,

como vimos acima, o próprio Hobbes salienta que:

O outro, supondo-se superior aos demais, quererá ter licença para fazer

tudo o que bem entenda, e exigirá mais respeito e honra do pensam

serem devidos aos outros (o que exige um espírito arrogante). “No

segundo a vontade de ferir vem da vã glória, e da falsa avaliação que faz

da própria força” 105

.

A vã glória para Hobbes seria a falsa imagem que cada homem cria de si

mesmo e das expectativas que ele tem em relação aos outros. O desejo de glória

entraria como um fator multiplicador dos demais impulsos humanos, pois, como já

argumentamos, todos precisam defender-se de um futuro ataque ou de uma

possível dominação. Deste modo, aquele que busca se defender o faz justamente

pelo fato de que há alguém que busca por todos os meios, mesmo que

erroneamente, se impor pela dominação.

Podemos assim levantar uma questão: se o estado de natureza é igual

em todos os homens, por que Hobbes diferencia o caso daquele que busca a

defesa por medo do ataque e aquele que procura por algum tipo de benefício

mediante a dominação? Ele mesmo ressalta que ambos não devem receber a

mesma condenação 106.

O que conseguimos auferir das leituras dos textos hobbesianos aqui

analisados é a de que os homens buscam o lucro (agem sempre em benefício

próprio) e a conservação da própria vida e que, nenhum homem está livre de

nenhuma desses aspectos, ou seja, eles são naturais. Dito de outro modo, esses

impulsos de glória e dominação (que garante a manutenção da própria vida) são

expressões da natureza humana. Portanto, a vã glória entraria como um elo entre

o desejo de lucro e a necessidade de lutar pela própria segurança, pois, aos

homens, não é suficiente apenas obter lucro, mas também receber as glórias que

105

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 29. 106

Cf. Idem. p. 29.

50

uma posição superior pode trazer. Ao passo que, o lucro sem as garantias da vida

não tem nenhum sentido.

Nota-se que o desejo que cada homem tem de se sentir melhor que os

demais é decorrente de uma condição intrínseca a ele, ou seja, esse desejo é

conseqüência da vontade que ele possui de receber os títulos de reconhecimento.

Segundo Limongi:

“Dificilmente as duas primeiras causas da guerra nos conduziriam a uma

situação de disputa generalizada, não fosse este fator multiplicador que

nos dispõe a disputar não apenas pelos bens necessários à

sobrevivência mas também pelos signos de reconhecimento” 107

. (Trata-

se da segurança e do lucro a referência que o texto faz às duas primeiras

causas).

O desejo de glória é conseqüência de um erro de cálculo que os homens

comentem quando se analisam. Cabe aqui um olhar sobre esses dois conceitos:

glória e vã glória. Já deu para perceber que, para Hobbes, são conceitos distintos.

Vã glória é uma falsa compreensão que os homens têm de si mesmo, seja do seu

prestígio ou da sua força. Já a glória são os benefícios que um lugar de destaque

pode trazer a esse homem. Por isso, os homens buscam a glória, mas são

acometidos pela vã glória quando se investigam, pois, na maioria dos casos, não

conseguem fazer uma analise de si mesmos livre de erros.

Esse erro de cálculo que leva os homens a vangloriar-se é tão grave que

Hobbes o coloca como mais uma das causas das discórdias que ele mesmo

chama de comparação das vontades: “a discórdia nasce da comparação das

vontades” 108. Segundo o filósofo, nenhum homem gosta de ser contrariado em

suas opiniões, pois contrariar alguém é a mesma coisa que chamá-lo de louco.

Por isso, Hobbes afirma que o “combate entre os espíritos” normalmente se

mostra feroz, como ele mesmo diz: “O combate entre os espíritos é de todos o

107

Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Hobbes. p. 93. 108

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 30.

51

mais feroz, dele necessariamente devem nascer as discórdias mais sérias” 109.

Esse combate ao qual se refere Hobbes seria aquele que é travado no campo das

ideias? E ainda, seria um reflexo da situação social que vivia a Inglaterra do

século XVII, ou seja, uma situação de guerra civil? A essas perguntas, Hobbes

responde com as seguintes afirmações:

“Pois não aprovar o que um homem afirma nada mais é do que acusá-lo,

implicitamente, de errar naquilo que está dizendo; de modo que discordar

de um grande número de coisas é o mesmo que chamar de louco àquele

de quem discordas” 110

.

E ainda, continua afirmando que as disputas que acontecem no campo

das ideias são em geral as mais ferozes. Vejamos:

“Isto transparece no fato de que não há guerras que sejam travadas com

tanta ferocidade quanto as que se opõem seitas da mesma religião, e

facções da mesma república, quando a contestação portanto incide quer

sobre doutrinas, quer sobre a prudência política”111

.

Nestes dois textos podemos perceber o quanto para Hobbes o desejo de

glória pode trazer resultados de instabilidade e guerra para as relações humanas.

Seria essa a condição das relações humanas no estado de natureza, ou seja, uma

situação de guerra permanente, pois todos os homens agem de acordo com a sua

natureza. E, neste caso, estamos apontando mais um dos motivos que leva os

homens a fazer guerra, a saber: a alegria que eles sentem quando recebem

qualquer benefício que os coloquem acima dos demais. Observemos como o

próprio autor é explicito ao falar sobre o assunto:

109

Ibidem. 110

Ibidem. 111

Ibidem.

52

“Todo prazer e alegria da mente consiste em encontrar pessoas que, se

nos comparamos a elas, nos fazem sentir triunfantes e com motivos para

nos gabar; por isso é impossível que os homens não venham

eventualmente a manifestar algum desprezo ou desdém pelo outro, seja

por meio da risada, ou de palavras, ou de gestos, ou se um sinal

qualquer” 112

.

É possível constatar que o autor apresenta situações bem concretas que

levam os homens a um estado de guerra generalizada, ou seja, não há

possibilidade (pelo menos no estado de natureza) de sair dessa condição de

guerra, pois ela é inerente a todos os homens. Mesmo que alguém não tivesse o

desejo de glória, esse alguém teria que lutar ao menos para se defender das

humilhações que viriam da parte dos outros homens: “Não há maior humilhação

para o espírito humano do que esta, e possivelmente nada poderá causar maior

desejo de ferir” 113. O desejo de ferir seria também resultado do desejo que cada

um tem de buscar a própria glória.

Em suma, podemos perceber o quanto a auto-imagem é decisiva para

gerar conflitos no estado de natureza. Pois é com base em uma expectativa

equivocada que cada homem faz de si mesmo que eles buscam as vantagens e

os benefícios dessa vida. Logo, não poderia ter alguém que caminha mais

rapidamente para o caminho do lucro do que aquele que trilha pelas veredas da

glória, ou seja, aquele que recebe os benefícios do reconhecimento por parte dos

outros homens tem mais facilidade de auferir os lucros das diversas situações que

envolvem a vida humana. Trata-se, neste caso, de uma relação constante entre

glória, poder e lucro.

O problema é o seguinte, como é possível que alguém alcance a

glória no estado de natureza, dado que todos os homens têm a mesma condição

de igualdade? Ou seja, segundo o próprio Hobbes, quando todos têm a mesma

coisa, então ninguém a tem, já que, especificamente no caso da glória, essa é

112

Ibidem. 113

Ibidem.

53

uma condição que exige precedência. Como no estado de natureza todos são

iguais, não há possibilidade de que ninguém alcance essa glória desejada.

O desejo de tirar proveito de todas as circunstâncias da vida cotidiana é

parte também das reações dos homens no estado de natureza, talvez não apenas

durante o esse estágio pré-social, pois esse fenômeno também pode ser

constatado no estado civil. Sendo assim, o desejo de lucrar em todas as situações

é, assim como o desejo de glória e segurança, uma das paixões que conduzem os

homens para a guerra, ou seja, o desejo desmedido por lucro leva os homens ao

conflito permanente.

No De Cive, Hobbes afirma que os homens normalmente desejam as

mesmas coisas ao mesmo tempo 114. Portanto, é possível concluir o que acontece

quando todos desejam o mesmo objeto, ou seja, quando os homens querem algo

que a eles não é possível ter acesso ao mesmo tempo. O resultado será a disputa:

“Mas a razão mais freqüente por que os homens desejam ferir-se uns

aos outros vem do fato de que muitos, ao mesmo tempo, têm apetite pela

mesma coisa;que, contudo, com muita freqüência não podem nem

desfrutar em comum, nem dividir; do que se segue que o mais forte há de

tê-la, e necessariamente se decide pela espada quem é mais forte” 115

.

Diante desta situação e do desejo natural que os homens têm de tirar

proveito de todas as coisas, o resultado é que eles, no estado de natureza, por

conta da situação de igualdade onde todos têm direito a tudo, tendem a agir de

maneira belicosa para conseguir desfrutar de algum bem. Dito de outro modo, no

estado de natureza todos os homens têm liberdade e igualdade total, ou seja, eles

podem desfrutar de tudo quanto lhes for apetecível. Sendo assim, o conflito nasce

justamente do fato de que as paixões não têm limites e podem − como apontamos

no primeiro capítulo deste trabalho −, por todos os meios, levar os homens a usar

114

Cf. Ibidem. 115

Ibidem.

54

de todos os recursos possuírem o bem desejado. Portanto, o resultado dessa

combinação entre desejos incontroláveis (pelo menos não contidos no estado de

natureza), liberdade total e igualdade de condição não poderia ser outro, senão a

guerra de todos contra todos, como estamos procurando demonstrar.

O problema está no fato de que quando todos têm direito a todas as

coisas, logo ninguém tem direito a nada. Pois, o direito que cada homem tem de

fazer uso de todos os bens, o seu semelhante o tem na mesma proporção. Sendo

assim, não existe a segurança necessária para desfrutar de bem algum, como

salienta Hobbes no De Cive:

“Mas foi pequeno benefício para os homens assim terem em comum

direito a todas as coisas; pois os efeitos desse direito são os mesmos,

quase, que se não houvesse direito algum. Pois, embora qualquer

homem possa dizer, de qualquer coisa, „isto é meu‟, não poderá porém

desfrutar dela, porque seu vizinho, tendo igual direito e igual poder, irá

pretender que é dele essa mesma coisa” 116

Para compreendermos melhor o que significa esse direito de gozar, no

estado de natureza, de todas as coisas, é necessário que recorramos aos textos

do Leviatã e do De Cive para vermos como Hobbes trata os alguns conceitos

como lei, direito e liberdade.

Tanto no De Cive, quando no Leviatã, Hobbes define direito, lei e

liberdade. Em ambos, direito e lei estão ligados à necessidade natural que os

homens têm de preservar a sua própria vida. Visto que, no estado de natureza

reina a intranquilidade, então, é preciso que eles usem de todos os meios para

defender a própria vida, como afirma o autor, por exemplo, no De Cive:

“Não é pois absurdo, nem repreensível, nem contraria os ditames da

verdadeira razão, que alguém use de todo o seu esforço para preservar e

defender os seus membros da morte e dos sofrimentos. (...) pois, pela

116

Hobbes, Thomas. De Cive. P. 33.

55

palavra direito, nada mais significa do que aquela liberdade que todo

homem possui para utilizar suas faculdades naturais em conformidade

com a reta razão” 117

.

Sendo assim, se o desejo de lucrar é parte da natureza humana e, este

mesmo ser humano vai empreender todos os meios para alcançar alguma coisa

que ele deseja, então, o desejo de obter lucro coloca os homens em uma condição

de guerra permanente. Por isso, Hobbes salienta que no estado de natureza reina

o direito natural que cada homem tem de preservar a própria vida: “No estado de

natureza, cada homem é juiz em causa própria, isto é, não há a quem se possa

apelar” 118.

O direito natural que, como já aludimos acima, é o direito que cada

homem possui de usar de todos os meios para conseguir preservar a própria vida

é, na nossa visão, uma importante causa do medo que permeia os homens no

estado de natureza. Por que o direito de preservar-se e de usar todos os meios

para fazê-lo traz aos homens medo?

O medo, neste caso, é proveniente do fato de que cada homem

conhecendo-se a si mesmo e, sabendo de tudo o que é ele é capaz para

preservar a própria vida, saberá que o seu semelhante é também capaz das

mesmas coisas e, quem sabe, de outras ainda piores para alcançar os bens

desejados. Portanto, o mundo hobbesiano durante o período em que cada homem

pode fazer uso do direito que ele tem a todas as coisas é temeroso, pois o medo

de perder os bens e até mesmo a própria vida é constante.

O pior de tudo é que, no estado de natureza os homens não têm apenas

direito a todas as coisas, eles ainda possuem liberdade total.

A liberdade é outra característica dos homens no estado de natureza. No

De Cive, como citamos acima, Hobbes diz que liberdade e direito estão

intimamente ligados. Quando o autor fala sobre o assunto no Leviatã, ele diz que

117

Idem p. 31. 118

Matos, Ismar Dias de. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. p.70.

56

liberdade é “a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas

vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer” 119.

O problema é que no estado de natureza (e não apenas) os homens

serão obstáculos uns para os outros, ou seja, o mesmo espaço que um homem

deseja ocupar poderá ser ao mesmo tempo desejado por outro; o mesmo objeto

que um homem deseja possuir poderá estar nos planos de outro homem; Então,

consequentemente, esses homens irão disputar o bem desejado.

Sendo assim, poderíamos dizer que no estado de natureza temos forças

reagindo umas contra as outras constantemente? Talvez sim. Pois, pelo que

percebemos a vida, no estágio pré-social, é fortemente marcada pelo desejo de

ocupar espaço e possuir bem e glória. Então, seria o homem hobbesiano um

ganancioso? Na verdade não. O que temos no homem no estado de natureza

(onde não pode haver julgamentos morais) é um homem inclinado a defender a

própria vida.

Neste caso, a defesa da própria vida passa, necessariamente, pela

obtenção de bens, domínio sobre os demais e, consequentemente, a glória. Uma

vez que, entre as formas de garantia da própria vida está o domínio, ou seja,

quanto mais um homem amplia o seu domínio sobre os bens e sobre os homens,

mas protegido, em tese, ele estará.

Quanto à lei, Hobbes no Leviatã faz questão de diferenciar direito de lei

e de dizer que muitos erram porque tratam destas duas coisas como se fossem

iguais. A “Lei natural” é a obrigação que cada homem tem de usar de todas as

suas forças para se preservar. Ao passo que direito é a liberdade de usar ou não

dos meios que ele bem entender para alcançar os fins desejados. Nas palavras do

filósofo direito e lei não correspondem à mesma coisa:

“Pois o DIREITO consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo

que a LEI determina ou obriga a uma dessas duas coisas. De modo que

119

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 112.

57

a lei e o direito se distinguem tanto como a obrigação e a liberdade, as

quais são incompatíveis quando se referem à mesma questão” 120

.

Como já aludimos nem sempre é possível aos homens desfrutar das

mesmas coisas juntos. Neste caso, temos um sério conflito entre o direito que os

homens têm a todas as coisas e a impossibilidade da realização deste direito.

Pois, segundo o próprio Hobbes, no estado de natureza é a vontade de cada

homem que determina o que é bem. Com isso, segue-se que:

“A natureza humana deu um o direito a tudo; isso quer dizer que, num

estado puramente natural, ou seja, antes que os homens se

comportassem por meio de convenções ou obrigações, era lícito cada um

fazer o que quisesse, e contra quem julgasse cabível, e portanto possuir,

usar e desfrutar tudo o que quisesse ou pudesse obter” 121

No estado de natureza a natureza humana coloca os homens num

estado constante de disputa e tensão, pois mesmo que os homens não estajam

disputando de fato, apenas o desejo de disputar já é suficiente para tensionar as

relações humanas. Neste caso, o que é possível perceber é que a vida no estado

de natureza não é apenas marcada pela guerra, mas também sofre com a

desordem generalizada. Numa tal condição o lucro torna-se inviável:

“Numa tal condição não lugar para o trabalho, pois o fruto é incerto;

consequentemente não há cultivo de terra, nem navegação, nem uso das

mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções

confortáveis. (...) E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal

e curta” 122

.

A desordem que existe no estado de natureza vem corroborar para

ampliar a sensação de medo e insegurança entre os homens. Sendo assim, é

120

Ibidem. 121

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 32. 122

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 108.

58

possível a algum homem auferir lucro numa tal condição? Provavelmente sim,

mas este homem teria dificuldades para desfrutar dos benefícios desse lucro.

Nesta condição de guerra, desordem e impossibilidade de lucro e, quem

sabe de conservação até mesmo da própria vida, qual seria o melhor caminho a

ser tomado? Segundo Hobbes, a condição para sair do estado de guerra de todos

contra todos será o acordo entre os homens. É o que vermos no próximo capítulo

deste trabalho. Fica aqui a pergunta, o contrato entre os homens, que possibilita a

passagem do homem do estado de natureza para o estado civil é impulsionado

pelo medo que eles têm uns dos outros ou pelo desejo que eles possuem de ter

segurança, honra e lucro? Certamente, esses desejos são impossíveis num

estado de guerra. Talvez a resposta esteja tanto no medo, quanto nos desejos que

os homens possuem de uma vida tranqüila e segura, os quais Hobbes chama de

“esperança”.

Em resumo, o desejo que os homens têm de obter lucro é torna-se

impossível de ser realizado no estado de natureza, pois a guerra que há entre eles

impede que aspectos básicos, por exemplo, o direito de propriedade seja

desrespeitado. Sendo assim, o melhor é encontrar um caminho que possibilite

esses bens.

De acordo com Hobbes, “o começo da sociedade civil provém do medo

recíproco” 123. Hobbes, no primeiro capítulo do De Cive, faz uma crítica ao modelo

clássico de política, que acreditava ser a sociedade natural:

“A maior parte daqueles que escrevem alguma coisa a propósito das

repúblicas ou supõe, ou nos pode ou requer que acreditemos que o

homem é uma criatura que nasce apta para a sociedade. Os gregos

chamam-no de zoon politikon;(...) Um erro que procede de consideramos

a natureza humana muito superficialmente” 124

.

123

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25. 124

Idem. P. 26.

59

Portanto, de acordo com o nosso autor, as sociedades só existem porque os

homens têm medo uns dos outros, como afirma Frateschi: “a sociedade civil é o

meio mais eficaz que encontram os homens para se livrarem do medo

generalizado que os acompanha no estado de natureza 125.

No nosso entender, para Hobbes existem duas paixões que impulsionam

os homens à vida social: o medo e a esperança. Para entendermos melhor esse

medo, voltemos à definição que Hobbes dá de medo no Leviatã: “A aversão,

ligada à crença de dano proveniente de objeto, chama-se MEDO” 126. Sendo que,

as paixões humanas são conduzidas pelos impulsos de desejo e aversão. Neste

caso, para os homens no estado de natureza, medo seria a aversão a qualquer

objeto ou pessoa que possa causar-lhe qualquer tipo de dano. Na verdade, os

homens fogem a toda e qualquer sensação de desprazer.

Nota-se também que o medo é o resultado de uma expectativa que cada

ser humano cria em relação ao outro. Neste caso, como já afirmamos, a vida no

estado de natureza é permeada de desconfianças e suspeitas.

A suspeita e a desconfiança geram, como já observamos acima, uma

antecipação ao ataque que pode ou não acontecer. Sendo assim, a guerra no

estado de natureza é conseqüência de uma análise subjetiva da situação?

Provavelmente não, pois Hobbes procura sempre deixar claro que a experiência

mostra que a guerra é uma condição natural de todos os homens. Na verdade, o

cálculo que os homens fazem de si mesmos e dos outros os levam à conclusão de

que diante de uma situação sem um poder capaz de manter a todos em paz, se

corre sério risco. Portanto, a guerra no estado de natureza é o resultado da soma

de múltiplos fatores, como podemos notar nas palavras do próprio Hobbes:

“Se agora, a essa propensão natural dos homens a se ferirem uns aos

outros, que eles derivam de suas paixões mas, acima de tudo, de uma vã

estima de si mesmos, somarmos o direito de todos a tudo, graças a qual

125

Frateschi, Iara. A física da política. P. 39. 126

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 51.

60

um com todo direito invade, outro, com todo direito resiste, e portanto

surgem infinitos zelos e suspeitas de toda parte” 127

.

Podemos contemplar o medo em Hobbes sobre dois aspectos: o medo

que move para a guerra e o medo que move para vida. Parece contraditório, pois

como é possível que uma única paixão mova os homens para a vida e para a

guerra? No entender de Hobbes, existe sim uma contradição entre a guerra (que

tem como uma das consequências a antecipação pelo medo) e o desejo que

existe em cada homem de fugir do que é danoso a ele.

Discutindo a questão do medo na obra de Hobbes, Renato Janine

Ribeiro coloca-o como a chave para o entendimento dessa mesma obra: “O medo,

gêmeo de um pensador, marcando-o desde o nascimento, enlaçado com ele feito

herança ou gene, como seu direito ou natureza; a vida e a obra de Hobbes são

pontuadas por essa paixão” 128. Neste caso, ao falar da relação entre o nosso

autor e o medo, Renato alertava para atmosfera de medo que existiu durante os

séculos XVI e XVII, nos quais viveu Hobbes:

“Existiu na Inglaterra um grande medo de 1588: a nação protestante

aguardando a invasão espanhola, as povoações ribeirinhas espreitando o

desembarque da armada que se temia incrível. Não faltavam alarmes

falsos (...); num desses pânicos, nasceu Thomas Hobbes, de parto

prematuro- „minhas mãe pariu eu e o medo‟- como recordará,

autobiógrafo, daí a noventa anos129

.

Na verdade, Janine Ribeiro vincula o medo não somente à obra de

Hobbes, mas também à sua própria vida, uma vez que, de acordo com ele,

quando Hobbes, no capítulo XVII do Leviatã, fala daqueles homens que fogem do

campo de batalha (aqueles que não têm coragem para lutar pela pátria), o filósofo

127

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 33. 128

Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p.17. Ed. UFMG. 2. Ed. Belo Horizonte, 2004. 129

Idem. p. 17.

61

estaria praticamente assinando uma confissão: “Não foi ele, de tantos, o primeiro a

fugir? Leal súdito que se considerou sempre, nunca se sentiu obrigado a tomar em

armas” 130. Quando Hobbes fala da coragem, ele classifica-a como a aversão

(assim como o medo) de qualquer objeto que possa causar-nos algum dano, mas,

com a esperança de conseguir evitar o dano por meio da resistência 131.

Neste caso, o Estado hobbesiano não será construído pela resistência

(coragem), mas pelo medo que os homens têm da morte violenta e dos danos

provenientes da guerra. Por isso, aludi Janine Ribeiro: “Mas seria pouca coragem

um defeito? É para homens que não querem morrer (como Hobbes, como a

grande maioria de nós), é para que nós homens não queiramos morrer, que se

constrói o Estado hobbesiano” 132.

Analisando essa questão do medo na obra do nosso autor, até que

ponto toda essa situação de contendas vividas na Europa durante os séculos nos

quais viveu Hobbes teria influenciado os escritos do nosso autor? Difícil saber. O

que é certo é que o medo presente na atmosfera do século XVII invadiu os textos

hobbesianos e deram-lhe uma tônica: “a condição natural da humanidade, das

suas teses se não a mais importante sem dúvida a mais revoltante, é de medo

generalizado de todos contra todos; e, das paixões que „inclinam os homens à

paz„, a primeira é o temor da morte” 133.

O “medo da morte violenta” talvez possa ser colocado como uns dos

principais medos, sobretudo, porque numa condição de desconfiança, antecipação

e guerra. Visto desse ponto, é razoável que se tenha medo da morte. Na verdade,

o medo da morte seria até certo ponto racional, pois o pensamento do homem no

estado de natureza é a autopreservação. Sobre isso, no final do primeiro capítulo

do De Cive, Hobbes faz a seguinte afirmação:

130

Idem. p. 20. 131

Cf. Hobbes. Leviatã. p. 51. 132

Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 20. 133

Idem. p. 20.

62

“Mas os homens não podem esperar uma conservação duradoura se

continuarem no estado de natureza, ou seja, de guerra, e isso devido à

igualdade de poder que entre eles há, e a outras faculdades com que

estão dotados. Por conseguinte o ditado da reta razão- isto é, da lei de

natureza- é que procuremos a paz, quando houver qualquer esperança

de obtê-la, e, se não houver nenhuma, que nos preparemos para a

guerra” 134

Ao mesmo tempo em que os homens no estado de natureza vivem o

direito natural, onde cada um é juiz de si mesmo e tem direito a todas as coisas,

eles também obedecem a “lei de natureza” que

“é um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante o qual

se proibi a um homem fazer tudo o que possa destruir a sua vida ou

privá-la dos meios necessários para a preservar, ou omitir aquilo que

pense melhor contribuir para a preservar135

.

Se por um lado o direito natural faz com que os homens usem de todos

os meios para garantir a própria sobrevivência, mesmo que para tal seja

necessária a guerra permanente, por outro, a lei natural obriga (o próprio Hobbes

assim fala quando diferencia lei e direito136) aos homens o afastamento de tudo

aquilo que possa por fim à sua existência, neste caso, estaria inclusa a guerra de

todos contra todos.

A vida no estado de natureza é movida por uma paixão chamada medo.

O mesmo medo que move os homens à luta, também os leva a buscar a paz, pois,

como vimos na definição de Hobbes para o medo, medo é aversão a todas as

coisas que possam nos causar qualquer tipo de dano. Por isso, os homens sabem

que não lhes é possível viver em segurança no estado de natureza.

134

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 36. 135

Hobbes, Thomas. Leviatã. 112. 136

Cf. Idem. 112.

63

Sendo assim, é o medo que os leva a procurar por outro caminho: “Se é

monstruosa a natureza do homem, com ou sem o Estado, o terror é a sua matéria

e, domado, instrumento de paz” 137. Dito de outro modo, o medo está na origem de

toda sociedade civil para o filósofo. Essa afirmação se confirma quando

observamos no Leviatã as paixões que nos fazem tender para a paz, a saber o

medo da morte violenta e o desejo de conseguir bens necessários para a vida: “As

paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo

daquelas coisas necessárias para uma vida confortável e a esperança de

conseguir por meio do trabalho” 138.

Parece contraditório que se diga que o princípio da guerra de todos

contra todos encontra-se na natureza humana, justamente pelo fato de que os

homens, no estado de natureza, movidos pelas suas paixões, fazem a guerra,

mas é nesta mesma natureza que se encontra a solução para esse impasse

trazido pela guerra, pois o medo que os homens têm de morrer os faz procurar o

pacto com os outros homens para pôr fim ao risco da morte violenta que esse

estado representa.

Criticando Macpherson, que pretende reduzir o homem hobbesiano ao

burguês139, Renato Janine Ribeiro realça a ideia de que a solução para o fim da

guerra permanente está na natureza humana:

“Será possível, porém, desqualificar assim a ruptura que é o contrato,

fabricação do Estado? Ao realçar a continuidade, ao derivar o homem

burguês o natural, Macpherson omite que para Hobbes o conceito de

natureza se divide em direito e lei- por ela pode cada homem lutar pela

vida, contra todos, mas também deve procurar a paz, renunciando a

plena liberdade de guerrear e matar” 140

.

137

Ribeiro, Renato Janine Ribeiro. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 21. 138

Hobbes, Thomas. Leviatã. p.111. 139

Cf. Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 24. 140

Idem. p. 25.

64

A tônica do nosso trabalho movimenta-se em torno da questão das

paixões, sobretudo o medo e a esperança como força essencial para a saída do

estado de natureza para o estado civil. Foi assim que percebemos que a natureza

humana tem sim uma contribuição importante na busca da paz. Na verdade, as

paixões do medo e da esperança manifestam-se como força propulsora na direção

da paz (também agem na direção contrária), é o que podemos ver também em

Janine Ribeiro: “A natureza é dinâmica, comportando tanto a guerra total quanto a

sua possível superação, pois nas paixões (e na razão) humanas se enraíza a

possibilidade da paz” 141

Como já foi possível perceber, não é apenas o medo que faz com que os

homens busquem a paz, mas também a esperança de uma vida tranqüila os

impulsiona a buscar com mais vigor a paz. Bem como, existe uma relação

intrínseca entre medo, esperança e razão. Ou seja, buscar a paz é, antes de

qualquer coisa, um ato racional, pois qualquer guerra leva naturalmente os

homens à morte, o que é totalmente contrário a qualquer lei que exija que os

homens preservem-se.

Fica aqui uma questão que será trabalhada no próximo capítulo: se a lei

natural diz aos homens o que eles devem fazer, por que então o Estado é

necessário? Qual a utilidade do contrato se os homens poderiam seguir

unicamente a reta razão? Não seria a razão suficiente para domar a descontrolada

natureza humana? De acordo com Hobbes, não. Para ele, o conhecimento das

leis de natureza (bem como das leis de natureza) não é suficiente para evitar a

guerra.

Sendo assim, não existem muitas garantias de que os homens irão

seguir os preceitos da lei natural, como o filósofo salienta no capítulo V do De

Cive:

“as ações dos homens procedem de sua vontade, e essa vontade

procede da esperança e do medo, de tal modo que, quando vêem que a

141

Idem. p. 25.

65

violação das leis provavelmente lhes acarretará um bem maior, ou um

mal menor, do que traria a sua observância, eles facilmente as violam” 142

Neste caso, para ele, o que garante o garante o cumprimento dos

preceitos da lei natural é algo externo ao homem, artificial, ou seja, o Estado,

como veremos com mais detalhes no próximo capítulo:

“não basta ao homem compreender corretamente as leis naturais para

que, só por isso, tenhamos garantida a sua obediência a elas; e por isso,

enquanto não houver garantia contra a agressão cometida por outros

homens, cada qual conservará o seu direito primitivo à autodefesa (...),

ou direito de guerra” 143

.

Sumariamente falando, é o medo que leva os homens a fazerem muitas

coisas durante o estado de natureza; é por causa deste sentimento que eles se

antecipam ao ataque; mas é inspirado nele que eles buscam a paz. No estado civil

o medo se apresenta como o fator que força os homens a cumprirem as leis.

Neste caso, os homens deixam de temer os seus semelhantes para passarem a

temer o Estado, que tem o poder de puni-los.

Apesar dessas duas principais paixões aqui apresentadas expressarem-

se como mola propulsora para conduzir os homens a uma vida longe dos conflitos

da guerra, elas não são as únicas causas responsáveis pela passagem do estado

de natureza para o estado civil. Junto com o medo e a esperança está a razão: “a

razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem

chegar a um acordo” 144. Sobre esse tema, a propósito, Limongi faz a seguinte

afirmação: “A passagem do estado de natureza para o estado civil marca, além

disso, uma conquista da razão, que deve passar a organizar o conjunto das

relações sociais” 145.

142

Hobbes, Thomas. De cive. p. 91. 143

Idem. p. 91. 144

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 111. 145

Limongi, Maria Isabel. O homem excêntrico: paixões e virtudes em Thomas Hobbes. p. 143.

66

No decorrer deste trabalho apresentamos as paixões dando ênfase ao

medo e à esperança, em particular neste segundo capítulo. Resta-nos agora o

debate em torno da razão. Qual é a participação da razão no acordo que levou os

homens a criarem o Estado?

Segundo Limongi, não é possível dissociar a razão do estado de guerra,

assim como também não é possível dissociá-la do estado civil:

“Não é possível pensar o estado de guerra nem o que Hobbes entende

ser a solução se nos colocarmos exclusivamente sob a perspectiva das

paixões. O estado de guerra não é apenas uma dinâmica passional,

assim como a instituição do Estado não passa exclusivamente por uma

reorganização dessa dinâmica” 146

.

Percebemos que ao lado das paixões caminha a razão, sobretudo

porque mediante a lei natural se expressam os ditames da razão que indicam aos

homens o caminho da paz. A participação da razão na criação do Estado vai dar a

este uma das suas principais características (como veremos no próximo capítulo):

a racionalidade.

146

Idem. p. 143.

67

CAPÍTULO 3

RAZÃO E ESPERANÇA: AS PAIXÕES NO ESTADO CIVIL.

No estado de natureza, segundo Hobbes, as leis de natureza silenciam.

Para discorrer sobre tal condição, o autor recorrer à metáfora da guerra, uma vez

que, numa situação de guerra as leis perdem a sua força: “É um dito corrente que

todas as leis silenciam em tempo de guerra, e é verdade, não apenas falando das

leis civis mas também das naturais” 147. Sendo assim, numa condição onde cada

homem pode fazer uso de todos os seus direitos naturais, ou seja, “por todos os

meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos” 148, as leis de natureza não

teriam força suficiente para tirar os homens do estado de guerra permanente, uma

vez que, como já falamos no capítulo anterior, uma condição na qual cada homem

é juiz de si mesmo tem como principal resultado a guerra de todos contra todos.

Em outras palavras, nessa condição a guerra se sobrepõe à lei natural.

Numa tal condição, a de guerra de todos contra todos, será preciso

encontrar uma saída para o conflito que existe entre direito natural e lei natural,

uma vez que, levando a agir pelo direito de natureza, os homens buscam por meio

de todos os recursos garantirem a sua autopreservação, ao passo que a lei natural

os obriga a buscarem a paz. Portanto, existe claramente um conflito entre as leis

de natureza e o direito natural.

Segundo Hobbes, é nesse conflito que estaria a causa da insegurança que

reina entre os homens no estado de natureza. De acordo com ele, “enquanto

perdurar esse direito natural de cada homem a todas as coisas, não poderá haver

para nenhum homem (por mais forte e sábio que seja) a segurança de viver o

147

Hobbes, Thomas. De cive. p. 91. 148

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.

68

tempo que a natureza geralmente permite aos homens viver” 149. A solução estaria

no fato de cada homem abrir mão do direito a tudo e a todos garantido pelo seu

direito de natureza. Deste modo, nenhum homem poderia usar dos próprios

recursos para garantir a sua própria segurança, passando ao Estado tal função:

“Que um homem concorde, quando outros também o façam, na

medida em que considere necessário para a paz e para a defesa de si

mesmo, em resignar o seu direito a todas as coisas, contentando-se, em

relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros

homens permite em relação a si mesmo” 150

.

Essa sentença do Leviatã, supracitada, pode ser considerada o cerne do

pensamento do nosso autor. Observemos cada aspecto desse texto.

“Que os homens concordem, quando os outros também o façam”: na

verdade, abrir mão do direito natural não é possível durante o tempo em que os

homens vivem uma guerra de todos contra todos, pois aquele que abrisse mão

desse direito, sem um prévio acordo, ficaria extremamente exposto à violência do

outro, portanto, ficaria com a própria vida ameaçada. Do mesmo modo não é

possível firmar acordos durante o estado de guerra de todos contra todos, pois

não existe nenhuma instância, nenhum poder capaz de fazer com que os homens

cumpram o que prometeram. Sobre isso, Hobbes salienta no De Cive:

“As convenções que sejam firmadas segundo um contrato de

confiança recíproca- quando nenhuma das partes cumpre prontamente o

que lhe compete-, (...) Pois aquele que primeiro cumprir (...) expor-se-á à

vontade maldosa daquele com quem contratou” 151

.

149

Idem. p. 113. 150

Idem. p. 113. 151

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 44.

69

Ou seja, para que o acordo entre os homens tenha força, este precisa de

algumas garantias necessárias.

Tanto no Leviatã quanto no De Cive Hobbes faz a diferenciação entre pacto

e contrato. De acordo com ele, a “transferência mútua de direitos é aquilo que se

chama CONTRATO” 152. Já quando um contratante entrega a sua parte e

permanece na esperança de que o outro cumpra com o prometido, essa situação,

segundo Hobbes, recebe o nome de pacto: “um dos contratantes pode, de sua

parte, entregar a coisa contratada, e deixar que o outro cumpra a sua parte num

momento posterior determinado, confiando nele até lá. Nesse caso, as sua parte o

contrato chama-se PACTO ou CONVENÇÃO” 153.

Dado que, no entender de Hobbes, as palavras são fracas e os homens

tendem a seguir as inclinações para a glória, o lucro e a competição, somente um

poder comum será capaz de fazer com que os pactos efetivem-se: “porque os

vínculos das palavras são demasiados fracos para refrear a ambição, a avareza, a

cólera e outras paixões dos homens, se não houver um medo a algum poder

coercitivo” 154. Neste caso, o Estado é o único expediente capaz de agregar todos

esses pré-requisitos para assegurar que a palavra dada pelos homens terá pleno

cumprimento, como veremos mais posteriormente no texto.

Primeira característica do pacto social então: é necessário um poder capaz

de impor aos homens, pelo medo, a obrigatoriedade do cumprimento do pacto

firmado, uma vez que, sem essa garantia comum de que os outros homens irão

cumprir o prometido, não há possibilidade de pacto, pois o medo do seu não

cumprimento torna-o nulo: “Quando se faz um pacto em que ninguém cumpre

imediatamente a sua parte, e uns confiam nos outros, na condição de simples

natureza, a menor suspeita razoável torna nulo o pacto” 155.

Neste caso, as suspeitas podem tornar os pactos nulos, porque os homens

estariam voltando ao estado pré-social, onde a vida é marcada pela desconfiança.

152

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 115. 153

Idem. p. 116. 154

Idem. p. 119. 155

Idem. p. 118.

70

Cabe ressaltar que não é apenas o medo que valida os pactos, mas a

esperança entra também como um componente fundamental para garantir a sua

validade. Neste caso, o medo e a esperança permanecem como molas

propulsoras das ações humanas também durante o estado civil. A diferença

estaria em que os homens deixam, em tese, de temer os seus semelhantes e

passam a temer a força do Estado. E ainda, a esperança de uma vida tranqüila é

depositada na figura do Estado. Ou seja, as expectativas de uma vida longe dos

perigos da morte violenta são transferidas para o Estado.

Outra característica é a de que o pacto deve ser firmado por muitos, ou

seja, o Estado hobbesiano não pode conter fissuras. Hobbes nos alerta para esse

aspecto quando fala da defesa do Estado contra os inimigos externos. Em outras

palavras, somente um acordo firmado por muitos homens (necessariamente pela

maioria) pode garantir um Estado forte e suficientemente capaz de garantir que

todas as pessoas vivam conforme as leis de natureza, bem como a segurança

necessária para uma vida longa: “Mas em primeiro lugar é evidente que o

consentimento de dois ou três não pode tornar suficiente uma tal segurança;156.

Mesmo com a garantia da união mediante um acordo de muitos, isso ainda

não será suficiente para garantir a paz, sem que haja um poder capaz de manter a

todos, como afirma o filósofo:

“por maior que seja o número dos que se reúnem para a

autodefesa, se contudo eles não concordarem entre si sobre algum meio

excelente para promovê-la, mas cada um ficar usando dos seus esforços

a seu próprio modo, nada se terá conseguido; porque, divididos em suas

opiniões, cada um deles constituirá um obstáculo para o outro” 157

.

Neste caso, é o Estado que terá o monopólio da força, da violência e

também da opinião, como podemos ler a seguir, na interpretação de Frateschi:

156

Thomas, Hobbes. De Cive. p. 92. 157

Idem. 93.

71

“Por maior que seja o número de homens envolvidos, essa

coalizão não traz a marca distintiva de uma sociedade, a menos que haja

um poder comum, artificialmente estabelecido, que os obrigue a se

manterem firmes na direção do fim que os reuniu” 158

.

A questão acima levantada sobre a disputa que há entre os homens para

impor aos outros a própria opinião é um dos maiores obstáculos para a construção

da paz. A esse respeito Hobbes fala quando trata da “comparação das vontades”

como uma das causas da discórdia:

“O combate entre os espíritos é de todos o mais feroz (...) neste

caso é odioso não só quem nos combate, mas também que

simplesmente não concorda conosco. Pois não aprovar o que um homem

afirma nada mais é do que acusá-lo, implicitamente, de errar naquilo que

está dizendo” 159

Por essa razão Hobbes afirma que as guerras travadas por aqueles de uma

mesma religião, seita ou república são as mais violentas 160. Portanto, Hobbes

entende que o medo que os homens têm do Estado evita esses conflitos internos.

Caso não consiga evitá-los, que pelo menos eles sejam minimizados:

“E algo mais deve ser feito para que esses que consentiram, pelo

bem comum, em ter paz e fornecer auxílio uns aos outros, possam ser

contidos pelo medo, a fim de posteriormente não voltem a divergir

quando o seu interesse particular lhes parecer discrepar do bem comum”

161.

Portanto, como já aludimos acima, o pacto deve ser o mais amplo possível

para a geração do Estado. Dito de outro modo, a transferência do direito que cada

158

Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 43. 159

Hobbes, Thomas. De Cive. Idem. p. 30. 160

Cf. Idem. p. 30. 161

Idem. 93.

72

homem possui de ser juiz de si mesmo para um soberano precisa ser aceita pela

maioria dos homens.

Ao falar que somente a concórdia que existe entre os homens não é

suficiente para garantir os pactos firmados, Hobbes critica o modelo clássico de

política, mais exatamente, o modelo aristotélico. No De Cive, ele explica porque os

governos de certas criaturas (dos animais) podem ser tranquilamente firmados

apenas na concórdia. Mas, baseado no modelo “político” dos animais auferir

serem os homens naturalmente políticos, não teria sentido. Isso se deve ao fato

dos homens seres conduzidos por suas paixões162.

Hobbes exporá os motivos que o levam a considerar absurda a tese de que

as sociedades humanas podem ser comparadas às associações dos animais.

Para tal, lançará mão de seis argumentos que passo a expor.

a) O argumento da busca de honra e precedência entre os homens:

Segundo Hobbes, os animais (que não são dotados de razão) não

procuram a companhia uns dos outros para obtenção de honra e glória.

Os homens, pelo contrário, são sempre impelidos pelo desejo de se

vangloriar. Portanto, de acordo com o nosso autor, “entre eles há uma

disputa por honra e precedência, enquanto os animais não têm nada

disso. Daí que só para os homens haja ódio e inveja, enquanto os

animais não têm nada disso” 163.

b) Depois, o argumento de que os homens não pensam no bem comum,

mas agem sempre em benefício próprio: De acordo com o filósofo, as

abelhas, por exemplo, são sempre movidas pelo bem comum, ou seja, o

êxito delas está na realização do bem comum. Já os homens,

162

Cf. Idem. 94. 163

Idem. p. 94.

73

“dificilmente considera boa qualquer coisa cujo gozo não porte alguma

proeminência a avantajá-lo” 164.

c) Terceiro argumento: a guerra civil é sempre iminente entre os homens,

pois constantemente eles divergem uns dos outros quanto ao melhor

modelo de governo, ao passo que “as criaturas privadas do uso da

razão não vêem defeito, ou pensam não vê-lo, na administração de suas

repúblicas” 165.

d) Quarto argumento: a linguagem está entre as principais causas da

discórdia: “E a língua do homem trombeta de guerra e sedição” 166.

Hobbes tem consciência de que é por meio da articulação das palavras,

ou seja, por meio do discurso, que os homens criam e resolvem os seus

problemas.

e) Quinto argumento: os homens têm claras para si as noções de injúria e

dano, coisa que não existe nas outras criaturas: sendo assim, os

homens tendem a quebrar o convívio pacífico quando percebem que

algum tipo de dano foi a eles causado. Quando Hobbes discorre sobre a

Injúria no De Cive, ele o faz ligando-a à noção de direito. Ou seja,

cometer uma injúria é afetar negativamente o direito alheio, como ele

mesmo afirma: “Violar um compromisso, ou exigir de volta algo que já

demos é o que se chama injúria. Consiste, sempre, numa ação ou

omissão” 167.

f) Sexto argumento: a sociedade civil é artificial. Em outras palavras,

diferentemente dos animais, que são associados pela natureza, os

164

Idem. p. 94. 165

Idem. p. 94. 166

Idem. p. 95. 167

Idem. 54.

74

homens geram as suas sociedades por meios dos pactos, como

podemos ler nas palavras do próprio autor:

“o consentimento de tais criaturas brutas é natural, o dos homens apenas

por pacto, ou seja, artificial. (...) De modo que o consentimento ou

contrato de associação, sem um poder comum pelo qual os particulares

sejam governados por medo ao castigo, não basta para construir aquela

segurança que é requisito para o exercício da justiça natural” 168

.

Neste caso, a justiça natural tem o mesmo sentido que lei natural e, como já

vimos, para Hobbes, o cumprimento da lei de natureza depende não apenas de

um acordo entre os homens, mas também de um poder que os faça, por medo,

colocar em prática aquilo que foi acordado.

“Na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de

si mesmo”. Aqui podemos salientar aquele princípio, outrora evocado, de que os

homens, que são movidos essencialmente por paixões, agem sempre em

benefício próprio. Esses homens, mesmo quando abrem mão do direito de

governar a própria vida em favor do Estado, é pensando em si próprios que o

fazem.

A busca da paz é outra característica do pacto social, visto que a lei de

natureza obriga os homens a procurarem a paz, como afirma o filósofo: “Que todo

homem se esforce pela paz, na medida em que tenha esperança de a conseguir, e

caso não a consiga pode procurar e usar de todas as ajudas e vantagens da

guerra” 169. Em outras palavras, o Estado, na visão de Hobbes, deve garantir a

paz. O tema da paz será uma constante na obra de Hobbes. Em todo momento,

Hobbes evoca o desejo que os homens têm de uma vida pacífica. Seja quando

fala dos homens no estado de natureza ou mesmo quando fala deles no estado

civil.

168

Idem. 95 169

Thomas, Hobbes. Leviatã. p. 113.

75

Neste caso, à figura do Estado estará associada a imagem da paz. O

Estado que Hobbes pensou deve, antes de qualquer coisa, garantir a paz dos

seus cidadãos. Sendo assim, qualquer sinal de intranquilidade (falta de paz) deve

ser imediatamente reprimido pela força tranqüilizadora do Estado. Não parece

contraditório que para garantir a paz o Estado tenha que usar a força? O uso da

força no estado civil é uma prerrogativa do Estado, neste caso, é a “mão” violenta

do Estado que tranqüiliza os homens. Tanto no De Cive quanto no Leviatã,

Hobbes fala sobre a violência que deve ser exercida pelo Estado e, em quais

casos, os homens podem resistir a essa violência.

Qual é o processo que leva aos homens a aceitarem o monopólio da força

exercido pelo Estado? Por que todos os homens devem se submeter à paz que é

exercida pelo Estado?

De acordo com Hobbes, primeiramente, os homens devem abrir mão da

própria vontade. Como já vimos anteriormente, quando cada homem governa a

própria vida, temos a desordem do estado de natureza. Para tal, segundo Hobbes,

a “multidão deve ser reduzida a uma só pessoa”. Em outras palavras, quando os

homens estão, mesmo que juntos em uma multidão, seguindo cada um a sua

própria vontade. Neste caso, ainda não podemos dizer que temos um Estado,

pois, cada homem ainda estaria sendo levado unicamente pelas paixões que

produzem a guerra, como afirma o próprio autor: “Além disso, uma multidão que

não tenha sido reduzida a uma pessoa única, (...), continua valendo aquele

mesmo estado de natureza no qual todas as coisas pertencem a todos” 170.

Recordando que o Estado, para Hobbes, não pode ter fissuras, o que

aconteceria se um dos homens não aceitasse o pacto que foi feito pela maioria? O

Estado pode usar da força e esse homem seria obrigado a viver de acordo com os

princípios da lei civil, como podemos notar nas palavras do nosso autor: “E, se

algum não consentir, apesar disso os demais constituirão a cidade entre si e sem

ele. Disso decorre que a cidade conserva contra quem dissente seu direito

170

Thomas, Hobbes. De Cive. p. 102.

76

primitivo, isto é, o direito de guerra que ela tem contra um inimigo” 171. Em outras

palavras, o Estado usa da força para garantir a paz, bem como usa da mesma

força para levar todos os homens a viver o pacto, mesmo aqueles que não

queiram.

Mesmo com todo o aparato estatal para assegurar que os homens vivam

em paz, a possibilidade da paz absoluta lhes é impossível. Estaria, então, o

estado de natureza latente mesmo durante o estado civil? Provavelmente. A esse

respeito Hobbes fala em vários pontos da sua obra:

“Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando

empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado;

quando vai dormir fecha as portas, mesmo quando está em casa tranca

os seus cofres, embora saiba que existam leis e servidores armados,

prontos para vingar qualquer dano que posa lhe ser feito” 172

O estranho é perceber que mesmo com a presença do Estado a

desconfiança entre os homens permanece. Essa desconfiança seria a mesma que

existe no estado de natureza e que leva os homens a se atacarem mutuamente?

De acordo com Hobbes, não. Pois, durante o estado civil não é possível garantir

que todos estejam livres dos danos que possam ser causados por outros, a

desconfiança que existe durante o estado civil não justifica o medo que leva os

homens a se anteciparem uns aos outros na violência: “Na verdade, é impossível

dar aos homens uma segurança completa contra quaisquer danos recíprocos, (...).

Mas pode providenciar para que não haja causa justa para o medo” 173.

O que significa dizer que “não haja causa justa para o medo”? No nosso

entendimento, o medo durante o estado civil é amenizado pela confiança que os

homens depositaram na figura do Estado.

171

Idem. 102. 172

Hobbes, Thomas. Leviatã. p 110. 173

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 103.

77

Mas, além de buscar a paz, o Estado existe porque os homens pensam na

própria defesa, como afirmou o nosso autor acima: “para a defesa de si mesmos”.

O que mais uma vez impulsiona os homens seria o agir sempre em benefício

próprio?

Tudo indica que sim. Pois, pelo que percebemos nos estudos dos textos de

Hobbes os homens somente seriam capazes de submeter as suas paixões, ou

pelo menos os impulsos passionais, se fosse para conseguir algo para o seu

próprio proveito.

Em resignar174 o seu direito a todas as coisas: de acordo com Hobbes,

entre outras causas, é o desejo que os homens têm pelas mesmas coisas que

gera a guerra perpétua no estado de natureza: “Mas a razão mais freqüente por

que os homens desejam ferir-se uns aos outros vem do fato de que muitos, ao

mesmo tempo, têm um apetite pela mesma coisa” 175. Sendo assim, segundo ele

mesmo, a saída dessa situação estaria na resignação do direito que os homens

têm- no estado de natureza- a todas as coisas.

Segundo Hobbes, o que é resignar a um direito? Neste caso, fala-se do

direito natural, ou seja, do direito que cada homem tem a todas as coisas. De

acordo com ele, “Resignar a um direito a alguma coisa é o mesmo que privar-se

da liberdade de impedir outro de beneficiar-se do seu próprio direito à mesma

coisa” 176.

Voltamos com essa afirmação de que é preciso renunciar ao direito a todas

as coisas àquela questão anterior sobre o conflito entre direito natural e lei natural.

Como fica essa questão durante o estado civil? Será justamente o Estado que

porá um fim a esse conflito entre o desejo e a possibilidade que os homens têm a

todas as coisas e a lei natural que os obriga a buscar a paz.

174

Resignar: renunciar voluntariamente a; submeter-se sem revolta a; conformar-se. 175

Idem. p 30. 176

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.

78

Neste caso, o Estado também colocará um fim no direito que os homens

têm para eleger os fins que garantam o bem escolhido por cada um deles, sobre

esse direito, saliente Hobbes no De Cive:

“Mas, como é vão alguém ter direito ao fim se for negado os

meios que sejam necessários, decorre que, tendo todo homem direito a

se preservar, deve também ser-lhe reconhecido o direito de utilizar todos

os meios, e praticar todas as ações, sem as quais ele não possa

preservar-se” 177

.

O que parece é que, na figura do Estado concentrar-se-á também os meios

para garantir o acesso de homens a alguns direitos. O que temos que entender é

o seguinte: os homens no estado civil devem resignar o direito que eles têm a

todas as coisas, mas isso acontece, sobretudo por meio da renúncia dos meios

para obter os bens por eles desejados. Em outras palavras, o direito de garantir

sobretudo a própria vida permanece, que é, aliás, o maior direito, o que deixa de

ser responsabilidade dos homens são os meios pelos quais ele chegaria a

autopreservação. Neste caso, os meios para garantir a preservação dos homens

caberão unicamente ao Estado.

Sobre isso, Hobbes faz questão de salientar que é da responsabilidade do

Estado, por meio das leis, dizer o que é lícito ou ilícito aos homens. Neste sentido,

é por meio da lei civil que o Estado administra os diversos direitos. E será com

base nela, e não mais pela lei de natureza, que os homens irão balizar as suas

relações:

“O roubo, o assassínio e todas as injúrias são proibidas pela lei

de natureza; mas o que há de se chamar roubo, o que assassínio,

adultério ou injúria a um cidadão não se determinará pela lei de natureza,

porém pela lei civil” 178

.

177

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 31. 178

Idem. p. 112.

79

Ainda sobre o direito que cada homem tem a todas as coisas, Hobbes

mantêm um único direito, o direito que todo homem tem de resistir a tudo o que

possa tirar-lhe a própria vida e ou levá-lo ao cárcere:

“ninguém pode renunciar ao direito de resistir a que o ataque pela

força para lhe tirar a vida, pois é impossível admitir que com isso vise

algum benefício próprio. O mesmo se pode dizer dos ferimentos, das

cadeias e dos cárceres, tanto porque desta resignação não pode resultar

benefício” 179

.

Se os homens transferem, por meio do pacto social, o direito natural que

eles possuem a todas as coisas para o Estado, por que também não podem

transferir o direito à autopreservação? A resposta está na lógica do homem

hobbesiano, o qual age sempre em benefício próprio. Neste caso, devemos

considerar que os homens não fazem o pacto social movidos pela benevolência,

mas pela conveniência de uma vida segura.

“Contentado-se, em relação aos outros homens, com a mesma liberdade

que os outros homens permitem a si mesmos”: quando Hobbes propõe aos

homens que abram mão do direito de usar, ou seja, da liberdade de usar dos

meios para garantir a autopreservação, na verdade, é a tentativa de convencer os

homens a garantirem o seu principal e soberano direito, o de viver.

Neste caso, o que se cria com a instituição de um poder artificial é um

obstáculo para a contenção das paixões que, em si mesmas são desordenadas, e

o seu ordenamento para que garantam uma convivência pacífica entre os

cidadãos do Estado. Ou seja, o Estado torna-se um empecilho para as paixões

que levam os homens a buscarem a guerra, tornando-se um forte e repressor

obstáculo a toda e qualquer ação que possa trazer a instabilidade e a

179

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 115.

80

intranquilidade. Assim, o Estado usará das leis e da força para obstacularizar as

ações humanas: “Mas, do mesmo modo que os homens criaram um homem

artificial, a quem chamamos de república, para alcançar a paz e com isso a própria

conservação, também criaram laços artificiais, chamados leis civis” 180.

Segundo Hobbes, a liberdade é “ausência de impedimentos externos”181, o

que pressupõe que, ao firmar o pacto, os homens não estariam apenas abrindo

mão da liberdade de usar dos meios para alcançar os seus objetivos, mas,

também colocando obstáculos a própria ação livre. Dito de outro modo, com o

pacto o Estado passa a ser um impedimento para as ações dos homens, pois, não

poderá mais cada homem usar da sua liberdade como bem quiser. Em outras

palavras, podemos contemplar o pacto, no que diz respeito à liberdade sobre dois

aspectos: o primeiro diz respeito à renúncia do direito de usar dos meios

adequados para alcançar os fins desejados (como já tratamos acima). Ao passo

que o segundo, apresenta o Estado com um obstáculo às paixões, que outrora no

estado de natureza levaria os homens à guerra.

Parece contraditório afirmar que o Estado, ao colocar obstáculos às

paixões, estaria garantindo aos homens a sua maior liberdade, a de viver. Apesar

disso, quando observamos o homem hobbesiano, percebemos que o seu maior

desejo é viver em paz, com segurança e conforto 182.

Janine Ribeiro discute essa questão da liberdade, afirmando que o

soberano deixa aos homens ainda um vasto campo de ação, isso significa dizer

que o Estado hobbesiano não pretende ocupar todas as esferas da vida humana.

Janine Ribeiro, citando Hobbes afirma:

“A liberdade dos súditos- começa Hobbes no Leviatã- consiste no

silêncio das leis (nas „ações pala lei ignoradas‟) resto que ainda não foi

ordenado, mas poderia sê-lo. Contudo, embora nada proíba o soberano

180

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 181. 181

Idem. p.112. 182

Cf. Idem. p. 111.

81

de ampliar infinitamente as suas ordenações: ele não o fará; pois certas

questões o soberano ignora necessariamente” 183

.

Sobre esses aspectos da liberdade, que tratam de algumas questões

nas quais o Estado silencia, o próprio Hobbes salienta no Leviatã:

“Portanto, a liberdade dos súditos está apenas naquelas coisas

que, ao regular as suas ações, o soberano preteriu: como a liberdade de

comprar e vender, ou de outro modo realizar contratos mútuos; de cada

um escolher a sua residência, a sua alimentação, a sua profissão, e

instruir os seus filhos conforme achar melhor, e coisas semelhantes” 184

.

Mas o Estado não existe apenas para colocar obstáculos àquelas

paixões que possam levar os homens à guerra. Antes, existe toda uma ação de

convencimento dos homens que viver de acordo com as leis, ou seja, sem o

direito (a liberdade de usar livremente o direito a todas as coisas), e que esse

modo de vida seria o mais próximo daquilo que ordena a reta razão: “Por

conseguinte o ditado da reta razão- isto é, a lei de natureza- é que procuremos a

paz, quando houver qualquer esperança de obtê-la e, se não houver nenhuma,

que nos preparemos para a guerra” 185. Dito de outro modo, aceitar a restrição da

liberdade àquelas paixões que impedem os homens de provocarem a guerra é um

ato racional.

Para aqueles que não aceitam que o Estado lhe garanta a segurança do

seu maior patrimônio, que é a própria vida, resta-lhes submeter-se à espada

pedagógica do Estado186, como podemos ver em Janine Ribeiro, que chama a

atenção para essa relação entre liberdade, vida cotidiana e aqueles que não

aceitam essas imposições:

183

Ribeiro, Renato Janine. Ao leitor sem medo. p. 92. 184

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 182. 185

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 36. 186

Cf. Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 92.

82

“No entanto, antes de admitir essa liberdade do cotidiano Hobbes

faz uma severa advertência: não tem sentido os homens reclamarem

liberdade contra o governante, pois da „liberdade em sentido próprio‟, a

de se moverem, eles manifestadamente gozam e, quando o jus que

consiste na isenção das leis, apenas serviria para os outros dominarem a

suas vidas. Os queixosos são inconscientes: querem o que já têm; e,

também o que lhes fará mal. Desconhecem a sua condição; assim a

dominação se justifica (a espada os protegerá de sua própria

inconsciência. Gládio pedagogo: ensina os homens o que são, o que têm,

e o que lhes convém” 187

.

Ainda sobre a questão do “gládio pedagogo”, podemos entender que o

Estado pretende, pelo medo, impor aos homens o caminho que os levará à paz.

Mais uma vez, podemos perceber o medo como principal motivador das ações

humanas, mesmo durante o estado civil. Certamente, será o medo que esse

homem terá das sanções que lhe serão impostas pelo Estado caso ele não

colabore naquelas coisas que tragam a paz.

Em resumo, a lei fundamental da natureza diz:

“Que cada homem concorde, quando os outros também o façam,

na medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa

de si mesmo, e resignar o seu direito a todas as coisas, contentando-se,

em relação aos outros homens, com a mesma liberdade que aos outros

homens permite em relação a si mesmo” 188

.

Dela decorre uma série de implicações, a saber: o pacto entre os homens; a

segurança e a conservação da própria vida que decorre do acordo entre os

homens; a alienação do direito a todas as coisas, bem como do direito de usar dos

meios necessários para tal; e finalmente, da contenção das paixões do estado de

natureza.

187

Ribeiro, Renato. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra o seu tempo. p. 92. 188

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 113.

83

Quando Hobbes fala “Das outras leis de natureza” no capítulo III do De Cive

e no capítulo IV da mesma obra quando associa as leis de natureza com a lei

divina, o nosso autor faz um paralelo interessante entre os preceitos das leis de

natureza com os preceitos divinos do antigo e novo testamento.

Ao elencar as “outras leis de natureza”, Hobbes destaca pelo menos vinte

leis de natureza:

Cumprir os contratos − Evidentemente, essa lei entra como garantia a todas

as outras leis, pois sem o cumprimento dos contratos, o pacto social seria nulo:

“Isto, porém, só conduzirá à paz na medida em que nós mesmos cumprirmos o

que combinamos com os outros” 189. Bem como, a lei divina também obriga os

homens a manterem os contratos: “E nos provérbios 6-1-2: Filho meu, se ficaste

por fiador do teu companheiro, se deste a tua mão ao estranho, enredaste-te com

as palavras da tua boca: prende-te com as palavras da tua boca” 190

Não ser ingrato − Na verdade, quando Hobbes discorre sobre a relação

entre a ingratidão na lei de natureza e a sua relação com a lei divina, ele não

apresenta citações bíblicas que tenham qualquer relação com gratidão ou

ingratidão, pelo contrário, as citações bíblicas expostas pelo nosso autor tratam

das leis de servidão e dominação191.

A lei de natureza que obriga os homens à sociabilidade − “O quarto preceito

de natureza é que todo homem se faça útil aos demais” 192. De acordo com ele,

essa sociabilidade é fruto de um acordo tanto na lei de natureza193, quando na lei

divina. O estranho é perceber a citação bíblica que Hobbes faz para falar da lei

divina que nos obriga a sermos úteis aos outros: “Êxodo, 23, 4 e 5: Se encontrares

189

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 53. 190

Apud. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 78. 191

Cf. Idem. p. 78. 192

Idem. p.59. 193

Cf. Idem. p. 59.

84

o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lhe reconduzirás” 194.

Como podem os homens no estado de natureza prestar qualquer tipo de ajuda

aos outros? Na verdade, como já aludimos às leis de natureza, durante o estado

de natureza perdem a sua força, pois no estado de natureza prevalece a lógica do

benefício próprio.

Na quinta lei temos a definição de perdão e a sua relação com a paz− Para

Hobbes, perdoar alguém é dar-lhe a paz, como ele mesmo afirma: “perdoar o

passado, ou relevar uma ofensa, nada mais é do que conceder a paz a quem

pede” 195. Neste caso, durante o estado de natureza, a possibilidade do perdão

não existe, pois o que há entre os homens é a guerra permanente, ou seja, como

afirmamos anteriormente, a paz é impossível durante o estado de natureza.

Quanto à lei divina que estabelece o perdão, o filósofo cita as passagens do

evangelho que ordenam aos homens que dêem aos outros o perdão196.

A punição deve ter em vista o bem futuro − Tal qual Deus, que pune os

homens para lhes garantir que andem sempre pelos caminhos Dele197, assim

também o Estado deve punir aqueles que saem dos caminhos das leis sempre

com um caráter pedagógico198.

Ao falar da proibição que a sétima lei de natureza faz aos insultos, o filósofo

faz uma critica aos magistrados do seu tempo que julgam com desdém e

humilhações aqueles que são acusados de algum crime. De acordo com ele,

“esses homens agem contra a lei de natureza, e por isso devem ser considerados

contumeliosos” 199 200. Hobbes ainda, ao falar da lei divina que proíbe a difamação,

afirma ser insensato aquele que promove a difamação201.

194

Apud. Idem. p. 79. 195

Idem. p. 60. 196

Cf. Idem. 79. 197

Cf. Idem. 80. 198

Cf. Idem. 61. 199

Idem. p. 62. 200

Contumelioso é aquele que comete algum tipo de injúria ou insulto. 201

Cf. Hobbes, Thomas. De Cive. p. 80.

85

Quanto à lei de natureza que proíbe a arrogância − O nosso autor

estabelece uma relação entre igualdade e arrogância. Primeiramente, ele critica a

norma de Aristóteles de que uns nascem para governar e outros para obedecer

202. Depois diz que cabe ao Estado dizer que é mais digno entre os homens, mas,

mesmo assim, aquele que for considerado menor deverá ser tratado com o

mesmo afeto203. Usando os autores bíblicos que falam da igualdade entre os

homens, Hobbes justifica a relação entre a oitava lei de natureza e a lei divina 204.

Humildade relacionada com o direito do outro: “nono ditado da lei natural,

ou seja: que todos os direitos que um homem reivindique para si, os mesmos ele

reconheça serem devidos a todos os demais” 205. Nota-se por que as leis de

natureza silenciam durante o estado de natureza. Pois, como pode alguém

reconhecer direitos numa situação onde todos têm direito a todas as coisas. A

situação fica ainda mais complicada (se fosse, obviamente para ser vivida no

estado de natureza), quando ele fala da lei divina que obriga os homens a agirem

com humildade: “Amar o próximo tal como a nós mesmos nada mais é do que

reconhecer-lhe que desejaríamos ter reconhecido em nosso favor” 206. Estaria

também nas escrituras a lógica do homem hobbesiano que sempre age em

benefício próprio? Certamente, não. Pois o que o evangelho pretende dizer com

as palavras que “amar o próximo como a si mesmo” (Matheus, 22) é que é preciso

ter o mesmo respeito pelo outro tal qual temos pela nossa própria vida.

Não fazer acepção de pessoas207.

Das coisas que são públicas e como elas devem ser utilizadas208

Das coisas que não podem ser usadas em comum: neste caso, a lei de

natureza ordena aos homens o sorteio209.

202

Idem. p. 62. 203

Idem. p. 62-63. 204

Cf. Idem. p.80. 205

Idem. p. 63 206

Idem. p. 82. 207

Cf. Idem. p. 63 208

Cf. Idem. p. 64. 209

Cf. Idem. p. 64.

86

Dos bens que devem ser herdados210.

Aqueles que lutam pela paz devem estar seguros, uma vez que, a primeira

lei de natureza é a busca da paz211.

Quando houver controvérsias sobre a interpretação das leis de natureza,

deve ser constituído um árbitro212.

Nenhuma pessoa pode legislar em causa própria213.

Contra qualquer tipo de suborno àqueles que estão encarregados de julgar

214.

Trata da importância das testemunhas diante das controvérsias215

Não deve haver vínculo entre aquele que julga e aquele que requer algum

direito216.

Finalmente, a última lei de natureza trata da gula, bem como, de todas as

coisas que impedem que os homens ajam de maneira racional: neste caso,

Hobbes chega a afirmar que ir contra alguma lei de natureza é um ato irracional,

sobretudo se este estiver motivado por alguma coisa que lhe tire a consciência: “E

destroem e desabilitam a faculdade de raciocinar os que praticam o que perturba a

mente, distraindo-a de seu estado natural- como bem se evidencia no caso dos

bêbados e dos glutões” 217.

Para entendermos a lógica do deus civil, que é o Estado, devemos nos

debruçar sobre as duas paixões que permeia o nosso trabalho: o medo e a

esperança.

A temática que envolve o nosso trabalho orbita a tese de que as duas

paixões, isto é, o medo a esperança, dinamizam as relações humanas tanto no

estado de natureza como no estado civil. Talvez pudéssemos levantar a seguinte

210

Cf. Idem. p. 65. 211

Cf. Idem. p. 65. 212

Cf. Idem. p. 66. 213

Cf. Idem. p. 66 214

Cf. Idem. p 67. 215

Cf. Idem. p. 67. 216

Cf. Idem. p. 66. 217

Idem. p. 67.

87

questão: teria alguma dessas duas paixões um status mais elevado no coração do

homem hobbesiano? Neste caso, o medo da morte violenta é mais significativo no

momento que ele resolve alienar o direito que ele tem a todas as coisas? Ou seria

a esperança de uma vida confortável que o levaria com mais vigor a buscar um

pacto com o seu semelhante?

E a esperança? Como ela pode ser visualizada na obra hobbesiana? Talvez

pudéssemos fazer um apanhado das passagens sobre a esperança nos textos de

Hobbes. No Leviatã em particular, quando Hobbes define a esperança, ele o faz

com as seguintes palavras: “O apetite, ligado à crença de conseguir, chama-se

ESPERANÇA”218. O caminho contrário é o que chamamos “DESESPERO” 219.

No âmago da passagem do estado pré-social para o estado civil está a

esperança: “As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da

morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para a vida confortável e a

esperança de as conseguir por meio do trabalho” 220. Sendo assim, a esperança,

ou seja, a expectativa de uma vida melhor do que aquela que se tem no estado de

natureza, funciona também como força motriz que impulsiona os homens para o

seu fim.

Mas, pelo que podemos perceber, a esperança não é suficiente para

manter os homens em ordem, ou seja, a esperança sem o medo de uma violência

maior do que aquela que qualquer homem poderia empregar não pode conter as

paixões que conduzem os homens à guerra.

Neste caso, estaria o medo estaria entre as principais causas da cadeia dos

eventos que desencadeiam a vida no estado civil? Provavelmente sim, pois é pela

força da “espada” que o Estado consegue convencer os homens a cumprirem os

contratos firmados, pelo menos para àqueles que não querem viver conforme as

leis de natureza.

218

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 50. 219

Cf. Idem. p. 51. 220

Idem. 111.

88

Outra questão é se os homens têm tanto desejo de uma vida confortável e

longe de todos os perigos, por que eles não seguem as leis de natureza, já que

são preceitos da reta razão? Essa esperança não seria suficiente para convencer

os homens a abandonar à guerra? Parece que, não.

É neste momento que se ergue o deus civil, ou seja, aquele que tem o

poder de impulsionar, reprimindo, os homens a viver em paz e, assim, terem a

possibilidade de uma vida segura. A propósito, lemos no Leviatã:

“Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a

piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos

façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder que as faça

ser respeitadas, são contrárias as nossas paixões naturais, as quais nos

fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas

semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem

força para dar segurança a ninguém” 221

Neste caso, o Estado entra como garantidor das leis de natureza. Ou seja,

o Estado assumiu as funções do Deus todo-poderoso, o qual, por meio da

Revelação, entregou aos homens os seus preceitos na vida social. Sendo assim, é

por meio das leis que o deus civil governará os seus súditos.

Depois de ter analisado os diversos aspectos que envolvem a lei natural,

resta-nos um enfoque mais preciso sobre a relação entre lei de natureza e razão.

Para tal, tomaremos como referência os textos do De Cive que tratam do assunto.

Logo no início da obra, o filósofo alerta-nos para as faculdades que

envolvem a vida humana, dentre as quais a razão: “As faculdades humanas

podem ser reduzidas a quatro espécies: força corporal, experiência, razão e

paixão” 222. E ainda, afirma que pretende mostrar por quais dessas faculdades o

homem torna-se apto para a vida social.

221

Idem. 143 222

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 25.

89

Falar que os homens nascem aptos para a vida social em Hobbes é

impossível. Na verdade, eles não têm nenhum prazer na vida social e só procuram

a companhia dos outros por lucro ou glória: “Toda associação, portanto, ou é para

o ganho ou para a glória- isto é: não tanto para o amor de nossos próximos,

quanto pelo amor de nós mesmos” 223. Em outras palavras, não seria o caso de

dizer que os homens não possuem nenhuma tendência natural para a vida social?

Num primeiro momento podemos concluir que os homens não têm

nenhuma inclinação natural para a vida social. Mesmo porque o próprio Hobbes

fala no começo do De Cive que os homens não se amam naturalmente: “Pois

aqueles que perscrutam com maior precisão as causas pelas quais os homens se

reúnem, e se deleitam uns na companhia dos outros, facilmente hão de notar que

isto não acontece porque naturalmente não poderia suceder de outro modo, mas

por acidente - isso porque, se um homem devesse amar outro por natureza - isto

é, enquanto homem -, não poderíamos encontrar razão para que todo homem não

ame igualmente todo homem” 224.

Quando falamos de razão em Hobbes devemos levar em conta que este

abandona o conceito tradicional de razão, que aparecia como uma faculdade

superior no ser humano:

“Desmentindo a tradição, que atribui um lugar superior à razão

como uma faculdade que deve controlar as partes inferiores da alma,

Hobbes concebe a razão como nada mais do que um cálculo, não se

estabelecendo entre ela e o apetite uma relação natural de comando e

subordinação” 225

.

Na verdade, a tradição que Hobbes refuta é a visão tradicional da política

que vem desde Aristóteles. Como podemos perceber, e o próprio Hobbes faz

223

Idem. p. 28. 224

Idem. p. 26. 225

Frateschi, Iara. A física da política: Hobbes contra Aristóteles. p. 110.

90

questão de deixar isso claro, é contra o sistema tradicional de política que Hobbes

escreve. Segundo Frateschi, comentando a polêmica criada pelo bispo Bramhall

em torno da questão da teoria hobbesiana e o livre-arbítrio dos homens: “Presente

tanto em Bramhall quanto em Aristóteles, a ideia de que os apetites devem

obedecer ao princípio racional não faz sentido para Hobbes. Homens obedecem a

homens, como podemos observar nas famílias e nas cidades” 226.

Neste caso, a razão seria- assim como as paixões- mais uma faculdade da

natureza humana que- a exemplo das paixões- também é movida por impulsos

externos: “Hobbes tira da razão o estatuto de uma faculdade superior a comandar

os apetites sensíveis e mostra que o homem age afetado por causas que lhe são

externas e que agem sem cessar sobre ele” 227.

Partindo dessa visão, acima exposta, podemos concluir o motivo pelo qual

Hobbes fala de um poder superior para levar os homens a um convívio pacífico.

Visto que, alguém poderia olhando num primeiro momento os textos hobbesianos

ficar convencido de que bastaria aos homens seguir o que indica a razão (lei

natural) e os problemas causados pela guerra estariam solucionados.

Pelo que percebemos esse silogismo que relaciona lei natural e razão com

o fim da vida belicosa no estado de natureza não é tão preciso. Neste caso, a

razão tem um papel importante na saída dos homens de um estado pré-social

para o estado civil, uma vez que ela sugeriu aos homens que a guerra é contrária

a preservação da própria vida. Mas, a razão operando sozinha não é suficiente

manter os homens em paz. Neste caso, é preciso um poder externo que faça o

papel da razão: o Estado.

Mas, neste caso, o Estado não estaria fazendo o papel da razão no sentido

clássico (aquele que coloca a razão como uma faculdade superior e que deve

ordenar os apetites). Provavelmente, sim. Pois, em todo o tempo que Hobbes fala

do Estado é sempre no sentido de que este coloca obstáculos às ações humanas.

226

Idem. 112. 227

Idem. 112.

91

Dito de outro modo, o Estado controla os apetites humanos, ou seja, dá-lhes um

direcionamento.

Para mostrar que a lei natural não é suficiente para manter os homens em

paz, o nosso autor discorre sobre a questão da justiça. Como questionamos

acima, não poderia os homens seguir apenas a lei natural, já que ela é um ditame

da razão? Hobbes dá uma resposta a essa questão com a seguinte afirmação:

“A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo

ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que

estivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que os seus sentidos e

paixões. São qualidades que existem no homem em sociedade, não na

solidão” 228

Sendo assim, podemos daí concluir que sem a presença do Estado as leis

de natureza não tem força para proporcionar aos homens a paz. Neste caso, cabe

ao poder estatal colocar os homens em ordem e no caminho da paz.

Quando Hobbes no capítulo XIV do De Cive, que trata Das leis e dos

crimes, ele diferencia conselho de lei. Consideramos ser possível estabelecer uma

analogia entre as definições apresentadas por ele no capítulo que trata Das leis e

dos crimes com as noções acima trabalhas sobre razão e lei natural. Vejamos.

De acordo com Hobbes, “a razão sugere adequadas normas de paz” 229.

Provavelmente, a força da razão, ao sugerir que os homens busquem a paz, é

limitada, pois, segundo ele, um conselho não tem poder suficiente para obrigar

aquele que é aconselhado a segui-lo, ao passo que a lei tem força de obrigação:

“O conselho se dirige para o fim escolhido de quem o recebe,

enquanto a lei segue o fim fixado por quem a decreta. Só se dá conselho

a quem o quer, mas se impõe uma lei mesmo a quem não a deseja. Para

228

Hobbes, Thomas. Leviatã. p. 111. 229

Idem. p. 111.

92

concluir, o direito do conselheiro é anulado pela vontade daquele a que

ele aconselha; mas o direito do legislador não se revoga segundo o

prazer daquele a quem se impõe a lei” 230

Sendo assim, as leis de natureza teriam uma força limitada, pois não possui

um mecanismo que obrigue aquele a quem aconselha a seguir o conselho. Ao

posso que o Estado, tem do seu lado a força das leis e as respectivas punições

para aqueles que não as cumpram.

Portanto, podemos concluir que o motivo que faz com que as leis de

natureza não sejam suficientemente capazes de colocar os homens no caminho

da paz, está no fato de que elas não têm nenhum meio de punir aqueles que

porventura não as cumprirem.

No prefácio do autor no De Cive, Hobbes critica as falsas concepções de

política que- de acordo com ele- não conduzem à paz:

“a ciência política deve ser de todas a primeira: porque ela diz

respeito tão de perto aos príncipes, e a outros que têm por emprego o

governo da humanidade; e também porque boa parte dos homens se

deleita com uma falsa imagem sua; (...) Poderemos discernir melhor o

benefício dessa ciência, quando exposta corretamente (isto é, quando é

derivada de princípios verdadeiros por conexões evidentes)” 231

.

Primeiro, o filósofo está preocupado com as falsas noções trazidas pelo

pensamento político clássico, inclusive chega a chamá-la de falsa imagem.

Depois, segundo ele, quando a ciência política não se orienta por princípios

verdadeiros, o estrago que ela faz é imenso:

230

Hobbes, Thomas. De Cive. p. 216. 231

Hobbes, Thomas. Prefácio do autor. In. De Cive. p. 10.

93

“depois de considerar os males que sofreu a humanidade devido

as suas formas contrafeitas e gaguejantes: pois, naquelas matérias em

que especulamos só para exercitar nosso espírito, se algum erro no

escapar, é sem nenhum dano; (...) mas, naquelas coisas que todo

homem deveria meditar para o governo (steerage) de sua vida,

necessariamente sucede que não só dos erros, mas até da mera

ignorância nasçam ofensas, conflitos e até homicídios” 232

.

É nesse sentido que Hobbes pretende construir a sua ciência política, ou

seja, uma ciência que vise a paz entre os homens. E para tal, vai considerar que

não apenas os erros cometidos por aqueles que elaboram as teorias políticas

podem causar danos, mas a falta de conhecimento da política também eleva o

risco de erros.

O que podemos perceber é que a paz entra como elemento fundamental da

teoria hobbesiana, ou seja, não é só o medo que leva os homens a se associarem,

bem como, depois não é apenas por medo que os homens obedecem ao Estado.

Mas, não podemos ignorar que os homens têm o desejo de uma vida tranqüila e

segura. Sendo assim, não há conflito que resista ao desejo que o coração humano

tem de buscar a paz.

Neste caso, a paz entra como elemento determinante para que os homens

resolvam sair do estado de natureza para o estado social. Sendo assim, o desejo

que os homens possuem de paz foi mais forte que qualquer paixão que os leva à

guerra. O argumento que sustenta essa tese é justamente a fato de que- segundo

Hobbes- os homens deixam o estado de natureza e fazem o acordo. Ou seja, a

prova de que a paz venceu está no fato de que os homens estabeleceram entre si

o pacto social.

Outro aspecto da ciência política, que deve conduzir os homens à paz, é

que ela se paute por um método o qual ninguém possa questioná-lo:

232

Idem. p. 11.

94

“Quanto ao método que empregarei, entendi que não basta

utilizar um estilo claro e evidente no assunto que tenho a tratar, mas que

é preciso – também- principiar mesmo pelo assunto do governo civil, e

daí remontar até a sua geração, e à forma que assume, e ao primeiro

início da justiça; pois tudo se compreende melhor através das suas

causas constitutivas. Pois, assim como num relógio (...), a matéria, a

figura e o movimento das rodas não pode ser compreendidos, a não ser

que desmontemos e consideremos cada parte em separado- da mesma

forma, para fazer uma investigação mais profunda sobre os direitos dos

Estados (...) faz-se necessário- não, não chego a falar em desmontá-los,

mas pelo menos, considerá-los como se estivessem dissolvidos” 233

.

Esse método que Hobbes utiliza para falar da constituição dos governos

será útil na análise que ele fará da natureza humana. Na verdade, o que ele faz é

desmontar os homens para melhor conhecer os elementos que constituem a sua

natureza.

Finalmente, passemos para as considerações finais deste capítulo.

Primeiramente, exploramos o trecho do Leviatã que consideramos o cerne da

teoria hobbesiana. Neste trecho- que trata da segunda lei de natureza- Hobbes

trata dos aspectos que envolvem o pacto social. Depois, passamos a expor a

relação existente entre o Estado e o cumprimento das leis de natureza.

Primeiramente, expusemos as leis de natureza, mostrando a sua relação com as

leis divinas. Na verdade, o objetivo é mostrar como o Estado passa a ser para os

homens na terra, o que é para eles no céu.

Em seguida, discorremos sobre a relação entre lei natural e razão. A

intenção foi mostrar como Hobbes encara a questão da razão. Na medida do

possível, tentamos problematizar a relação existente entre lei de natureza e razão.

233

Idem. p. 13.

95

Por fim, dissertamos sobre o objetivo do nosso autor quando ele pensou a

política. Na verdade, ele pretendeu pensar uma ciência que levasse os homens

para o caminho da paz.

Concluindo, a tônica desse capítulo transita em torno da relação existente

entre as paixões e os homens no estado civil. Em outras palavras, como as

paixões continuam latente e impulsionado os homens mesmo durante o estado

social.

96

CONCLUSÃO

O propósito central deste trabalho foi o de expor a maneira como se

efetivam as paixões, especialmente no estado de natureza, segundo Thomas

Hobbes. Num primeiro momento, expusemos a explicação que Hobbes dá das

paixões, problematizando-as na medida do possível. Um primeiro ponto levantado

foi a necessidade de se investigar a concepção hobbesiana de homem para se

entender a formulação do pensamento político de Hobbes. Concluímos que a

concepção de natureza humana de Hobbes determina a sua concepção de

política, mais precisamente, de Estado, no caso, o quase onipotente e onipresente

Leviatã.

Por meio da análise sobretudo do Leviatã encontramos a concepção que

o filósofo tem de paixão e como ele a define, a saber, como “movimentos da

mente”. Nesse sentindo, as paixões são interpretadas como forças que se

manifestam nos homens e que os levam a afastar-se daquilo que lhes causa

sensações de desprazer e a procurar as coisas que nos causam prazer. Vimos

que para Hobbes o homem é essencialmente um ser que deseja, ou seja, são os

desejos que impulsionam os homens nessa ou naquela direção. Sendo assim,

poderíamos dizer que os homens no estado de natureza são conduzidos pelos

seus desejos sem nenhum obstáculo ou coerção. Em outras palavras, para

Hobbes, os homens em estado de natureza comportam-se como corpos

descontrolados seguindo sempre a força do desejo. Exploramos as paixões como

forças que conduzem os homens tanto à guerra como à busca da paz. Notamos o

quanto algumas paixões como o desejo de glória e lucro, por exemplo, podem

ampliar a tensão existente entre os homens. Sem contar que, no estado de

natureza, é impossível a ele alcançar muitos dos benefícios almejados.

97

Vimos também que o homem sempre age em benefício próprio,

egoisticamente e o quanto a guerra é contrária ao desejo de autopreservação que

existe nos homens, portanto, contrário ao seu próprio interesse.

As paixões no estado civil, tanto no momento de estabelecimento do

pacto social quanto depois do pacto já estabelecido, passam a ser reguladas pela

razão, esta entendida como cálculo, o expediente mais eficaz para atingir a paz.

98

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